"Velho arquivista": elo perdido da memória arquivística organizacional

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Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Pesquisa Científica do Centro de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de especialista em Pesquisa Científica.A pesquisa “Velho arquivista”: elo perdido da memória arquivística organizacional procurou investigar como se dá o resgate da memória arquivística organizacional a partir das ações do “velho arquivista”.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR CENTRO DE CINCIAS E TECNOLOGIA CURSO DE ESPECIALIZAO EM PESQUISA CIENTFICA

ANA LUIZA CAVALCANTI FARIAS CHAVES

VELHO ARQUIVISTA: ELO PERDIDO DA MEMRIA ARQUIVSTICA ORGANIZACIONAL

FORTALEZA - CE 2009

ANA LUIZA CAVALCANTI FARIAS CHAVES

VELHO ARQUIVISTA: ELO PERDIDO DA MEMRIA ARQUIVSTICA ORGANIZACIONAL

Monografia apresentada ao Curso de Especializao em Pesquisa Cientfica do Centro de Cincias e Tecnologia da Universidade Estadual do Cear, como requisito parcial para a obteno do grau de especialista em Pesquisa Cientfica. Orientador: Prof. Dr. Jos Clerton de Oliveira Martins

FORTALEZA - CE 2009

ANA LUIZA CAVALCANTI FARIAS CHAVES

VELHO ARQUIVISTA: ELO PERDIDO DA MEMRIA ARQUIVSTICA ORGANIZACIONAL

Defesa em 28/01/2009

Conceito obtido: _________________

Banca Examinadora

_______________________________________________ Prof. Dr. Jos Clerton de Oliveira Martins (Orientador) Universidade de Fortaleza - UNIFOR

_______________________________________________ Prof Dra. Mnica Faanha Farias Universidade Estadual do Cear UECE

_______________________________________________ Prof Dra. Virgnia Bentes Pinto Universidade Federal do Cear - UFC

Fortaleza-CE 2009

AGRADECIMENTOS

minha profisso, que permitiu meu desenvolvimento como pessoa, cidad, profissional e a satisfao pelo trabalho. A minha famlia, que apia todas as minhas aes, fazendo com que sonhos se tornem realidades e que percalos sejam superados. Aos Professores do Curso de Pesquisa Cientfica, pelo empenho e contribuio para ampliar meus conhecimentos. Coordenao do Curso de Pesquisa Cientfica, pela dedicao e propsito de acertar e de oferecer o melhor para a turma. Ao Professor e Orientador Dr. Clerton Martins, no apenas pela orientao deste trabalho, mas, sobretudo, pelo exemplo impar de vida acadmica que . Professora Rachel Bueno, da Fundao Escola de Sociologia e Poltica de So Paulo - FESPSP, Bibliotecria e Arquivista, pela forma pedaggica e tcnica em despertar novos olhares para a Cincia Arquivstica e por todo o seu desprendimento em ensinar, a qualquer tempo, independente de compromisso formal. s Organizaes e aos seus Velhos Arquivistas, que viabilizaram esta pesquisa. Ao Senhor de tudo e de todos, que sempre est ao meu lado.

"No sabendo que era impossvel, ele foi l e fez". Jean Cocteau, artista francs

RESUMO

A pesquisa Velho arquivista: elo perdido da memria arquivstica organizacional procurou investigar como se d o resgate da memria arquivstica organizacional a partir das aes do velho arquivista. Buscou-se nas organizaes o espao da pesquisa e nos arquivos o lugar onde atua a figura dos seus sujeitos, no caso, o velho arquivista. O trabalho prope a interdisciplinaridade da Administrao com a Arquivstica, adentrando-se na Cultura Organizacional e em suas variveis, que propiciam estabelecer esteretipos para os membros dos grupos, culminando no personagem da pesquisa. A pesquisa teve natureza descritiva qualitativa e utilizou como instrumento de coleta de dados a entrevista semi-estruturada, com aporte da observao simples e da anlise do ambiente, levando a inferir que o arquivo lugar de memria e o velho arquivista agente promotor da memria arquivstica organizacional, porque guarda, acessa, resgata e preserva, utilizando recursos muito peculiares a sua experincia acumulada, que vo de encontro aos princpios e as tcnicas da Arquivstica, mesmo que de forma alegrica e singular. Verificou-se que a cultura organizacional das empresas pesquisadas tende para a varivel de sentimentos, em que se percebeu a valorizao sazonal do sujeito velho arquivista e a ausncia tecnolgica para transformar insumos em bens ou servios. Palavras-chave: arquivstica; arquivos; cultura organizacional; esteretipo; memria arquivstica organizacional; organizaes.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Trade de estudo ................................................................................. 10 Figura 2 A organizao e seu ambiente geral e ambiente de tarefa ............. 29 Figura 3 Variveis culturais das organizaes ............................................... 33 Figura 4 Universo das organizaes visitadas ............................................... 59 Figura 5.1 Perfil de intensidade variveis culturais 1 velho arquivista . 65 Figura 5.2 Perfil de intensidade variveis culturais 2 velho arquivista . 65 Figura 5.3 Perfil de intensidade variveis culturais 3 velho arquivista . 65 Figura 5.4 Perfil de intensidade variveis culturais 4 velho arquivista . 66 Figura 5.5 Perfil de intensidade variveis culturais 5 velho arquivista . 66 Figura 6 Concentrao dos perfis de intensidade das variveis culturais dos sujeitos pesquisados.................................................................................... 67 Figura 7.1 Ambiente de trabalho 1 velho arquivista .................................. 72 Figura 7.2 Ambiente de trabalho 2 velho arquivista .................................. 73 Figura 7.3 Ambiente de trabalho 3 velho arquivista .................................. 74 Figura 7.4 Ambiente de trabalho 4 velho arquivista .................................. 75 Figura 7.5 Ambiente de trabalho 5 velho arquivista .................................. 76

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Categoria servio/ao .................................................................... 38 Quadro 2 Aplicao das variveis culturais das organizaes .................... 63 Quadro 3.0 Classificao para a anlise de contedo ................................... 77 Quadro 3.1 Anlise de contedo das narrativas 1 velho arquivista ......... 78 Quadro 3.2 Anlise de contedo das narrativas 2 velho arquivista ......... 80 Quadro 3.3 Anlise de contedo das narrativas 3 velho arquivista ......... 82 Quadro 3.4 Anlise de contedo das narrativas 4 velho arquivista ......... 84 Quadro 3.5 Anlise de contedo das narrativas 5 velho arquivista ......... 85

SUMRIO

INTRODUO ....................................................................................................... . 9 1 CENRIO ARQUIVSTICO ................................................................................. 15 1.1 Antecedentes histricos ................................................................................ 15 1.2 Arquivos e Organizaes ............................................................................. 17 1.3 Cincia Arquivstica ....................................................................................... 19 1.4 Legislao Arquivstica ................................................................................. 20 1.5 Arquivista ........................................................................................................ 22 2 ORGANIZAES ............................................................................................... 27 2.1 Cultura Organizacional .................................................................................. 30 2.2 Esteretipos.................................................................................................... 33 3 VELHO ARQUIVISTA ...................................................................................... 36 4 MEMRIA ARQUIVSTICA ORGANIZACIONAL ............................................... 41 4.1 Memria........................................................................................................... 41 4.2 Memria Organizacional ................................................................................ 44 4.3 Memria Arquivstica ..................................................................................... 50 5 METODOLOGIA DA PESQUISA........................................................................ 57 5.1. Natureza da Pesquisa ................................................................................... 57 5.2 Sujeitos Pesquisados .................................................................................... 58 5.3 Instrumento de Coleta de Dados .................................................................. 60 5.4 Anlise, Apresentao e Discusso dos Dados .......................................... 63 5.4.1 Das entrevistas .............................................................................................. 63 5.4.2 Da observao simples ................................................................................. 63 5.4.3 Da anlise de ambiente ................................................................................. 63 6 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................ 87 REFERNCIAS ...................................................................................................... 91 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ........................................................................... 97 APNDICE A ROTEIRO DA ENTREVISTA ....................................................... 99

INTRODUO

O trabalho com organizao e gesto de arquivos pblicos e privados durante o perodo de 1998 a 2007 proporcionou pesquisadora o contato constante e direto com arquivistas de variados perfis profissionais, no entanto, lhe chamaram a ateno queles mais antigos na funo, que de forma artesanal e simplria, meio a uma srie de limitaes conjunturais, viabilizam o acesso e o resgate da memria arquivstica das organizaes. Apesar de serem pessoas-chave em momentos especficos, muitas vezes so conhecidas na organizao de forma pejorativa, recebendo rtulos ou como uma lenda folclrica, referindo-se a um mito que resiste ao tempo, a tudo e a todos. Esse contexto atpico, injusto e paradoxal, contribuiu para reforar a admirao e o respeito por esse profissional, quem aqui denomino de velho arquivista1. Parte-se do pressuposto que o velho arquivista, apesar de suas limitaes de formao acadmica, de condies de trabalho e de valorizao pessoal e profissional, contribui efetivamente para o resgate da memria arquivstica organizacional. a memria da organizao registrada nos arquivos condicionada s limitaes da memria e das aes do sujeito, o velho arquivista que, como um elo perdido2, se esfora para no esquec-la, utilizando-se do cotidiano, da memria e dos documentos para salvaguardar interesses, que vo desde o particular at o coletivo. Portanto, so dois extremos da problematizao do tema:

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Adjetivado carinhosamente pela pesquisadora, tendo em vista as caractersticas de experincia, vontade de colaborar, responsabilidade no trabalho que executa e o amor aos documentos e arquivos. 2 Na Teoria do Elo Perdido, que j vem sendo contestada h algum tempo, um antepassado nico teria dado partida na separao entre a linhagem dos chimpanzs e a dos humanos, milhares de anos atrs. Aqui no texto pretende-se fazer uma analogia desse elo perdido com o velho arquivista, por ele ser, dentro da organizao, a ligao entre o arquivo e os documentos pretendidos com a memria da organizao.

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de um lado o sujeito esquecido, o velho arquivista e, de outro, a vulnerabilidade da memria arquivstica organizacional, fadada ao esquecimento. A pesquisa se desenvolver do geral para o especfico, pois no h como falar do papel e da contribuio do velho arquivista, inserido num contexto de uma organizao, sem antes estudar o ambiente organizacional. O estudo, portanto, ser formado pela trade Organizao Velho Arquivista Memria Arquivstica Organizacional, em que se enfatizar a postura desse agente como o elo perdido entre as organizaes e a memria arquivstica (Figura 1).

ORGANIZAO

ENTIDADE ORGANIZACIONAL

VELHO ARQUIVISTA

MEMRIA ARQUIVSTICA ORGANIZACIONAL

FIGURA 1 Trade de estudo Fonte: criao do autor

Para contextualizar o trabalho desse arquivista necessrio que se defina seu espao de atuao, atravs da distino genrica de trs universos de organizaes: As organizaes que investiram em pessoal e tecnologias, a fim de encontrar solues que atendessem ao tratamento e gesto dos documentos, disponibilizando-os para seu uso em arquivos e centros de documentao bem estruturados; As organizaes que ignoram por completo a atividade de arquivo, no mantendo estrutura nem pessoal para tal fim; As organizaes onde a atividade de arquivo ainda desenvolvida como na gerao passada, mantendo seus arquivos, o tratamento e a gesto dos documentos de forma rudimentar e artesanal, da mesma maneira que foram criados h tempos atrs.

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Nessa ltima realidade podemos tirar uma breve e simples concluso: se os arquivos no sofreram mudanas estruturais, significa que seus operadores esto trabalhando da mesma forma, tentando desempenhar seu papel com as ferramentas disponveis, dando o seu jeitinho, para atender aos usurios internos e externos. O foco da pesquisa ser exatamente nesse contexto e evidente e aprazvel para a pesquisadora, em funo da sua atuao desde 1998, no segmento de prestao de servios em arquivos e gesto documental, como Bibliotecria e Especialista em Arquivos Empresariais, no mbito de vrias organizaes pblicas e privadas de Fortaleza. Nesse espao temporal 234 organizaes foram visitadas, sendo 49% delas identificadas como fazendo parte do privilegiado primeiro grupo, 37% do segundo grupo e 14% delas que se enquadram no terceiro grupo, ou seja, esto aptas a ser objeto dessa pesquisa. A problematizao aqui construda , portanto, decorrente de fonte de observao durante o perodo de 1998 a 2007, no desempenho profissional junto a esse sujeito (velho arquivista), atuante nos arquivos das organizaes pblicas e privadas de Fortaleza, cujo perfil caracterizado da seguinte forma: Trabalhar no arquivo da organizao; Ser antigo no cargo ou funo que exerce (mais de quinze anos); Utilizar recursos prprios para recuperao dos documentos e da memria da organizao; Ter o controle dos documentos e da memria da organizao. A pesquisa proposta uma oportunidade impar de mergulhar no universo das pessoas esquecidas nos ambientes dos arquivos, entretidas com as entrelinhas dos documentos, que, em funo da forma que ocupam sua posio, cultuam o passado e de contar a histria de vida no trabalho desses profissionais, suas queixas, suas limitaes, suas dificuldades, suas tenses, seus conflitos, suas frmulas mgicas de atender aos usurios, suas relaes de trabalho com os colegas, com o empregador e com a sociedade, diante da cultura e do poder das

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organizaes. O velho arquivista encara seu papel e cria o seu espao pessoal3: dentro da sua simplicidade, a complexidade dentro das suas limitaes, o poder invisvel, aquele que se esconde nas entranhas do anonimato (TORQUATO, 1991, p. 67). Como esse profissional valorizado diante da cultura organizacional? Sujeito historicamente situado numa organizao, imerso num complexo de informaes que, paradoxalmente, tem o poder da informao nas mos, ou melhor, na cabea (memria), mas que o outro poder, o poder da hierarquia, talvez no o valorize. Sujeito que, na sua simplicidade e cultura, no enxerga seu valor, mas inexorvel para a organizao, quando disponibiliza a informao certa na hora certa e quando visto sob os olhos dos tcnicos e estudiosos da rea. Na maioria dos casos eles se tornaram arquivistas por acaso ou foram levados a atuar como tal por fora das circunstncias, tanto pela falta de pessoal como em funo de remanejamento inadequado pelo desvio de caracterstica de trabalho. Eles esto habilitados para o exerccio dessa funo? Manter os documentos e a memria arquivstica da organizao sob controle para o resgate a qualquer tempo muitas vezes a sada para a soluo de muitos problemas, administrativos, legais, sociais e histricos. Damante (2001) afirma que preservar a memria decisivo, estratgico e competitivo no mundo globalizado. Como o velho arquivista atua para resgatar essa memria? Esse profissional que contribui com seus servios limitados, mas assiste ao tempo passar desempenhando o papel quase como uma esttua pensante, como na narrativa de Elias (1994, p. 96), digno de estudo e reflexo.

margem de um rio, encontra-se uma fileira de esttuas. No se movimentam, mas tm olhos e enxergam. Tm ouvidos e so capazes de ouvir. E pensam. Talvez vejam umas s outras. Esto isoladas, mas, percebem que algo acontece do outro lado do rio. Pensam, meditam, mas, impossvel ver o que est acontecendo por l. E assim, cada esttua forma sua opinio, que provm da sua prpria experincia. Ela enxerga, ouve e pensa. Mas imvel. Est s e no tem meios de se convencer. O abismo intransponvel.

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O espao de trabalho tambm um espao pessoal que exprime a identidade de um indivduo e seu status no interior da organizao, que expressam a margem de liberdade e de poder que o indivduo detm: quanto mais o espao personalizado, maior a margem de autonomia. (LEMOS, 2006, p.6)

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Estudar as circunstncias e posturas desses velhos arquivistas, que pensam e observam sem sair do seu lugar de conforto, sem buscar mudanas, sem inovar, sem questionar algo atraente para quem atua na rea. Seriam eles capazes de correr atrs do tempo perdido, esforando-se para olhar alm do rio, para com esse recurso mudar o que igual e sem avano? Enfatizar esse sujeito paradoxal, aquele que resistiu ao tempo nas organizaes, que assistiu ao acmulo indiscriminado de documentos, aquele que dentro de uma desorganizao aparente, mantm a sua organizao , sobretudo valoriz-lo. A pesquisa apresenta o seguinte objetivo geral: Verificar como se d o resgate da memria arquivstica organizacional a partir das aes do velho arquivista. A pesquisa busca de forma mais detalhada os seguintes objetivos especficos: Investigar o papel da cultura organizacional na valorao da tarefa do velho arquivista; Verificar a habilitao do velho arquivista para o exerccio de sua funo. O trabalho traz no Captulo 1 um texto ainda de carter introdutrio, em que se descreve o cenrio arquivstico, com a finalidade de contextualizar as questes Arquivo, Arquivstica e Arquivista. No Captulo 2 constri-se o raciocnio fundamentando-se, principalmente, na teoria dos autores Idalberto Chiavenato, Cyro Bernardes e Reynaldo Marcondes, David Frederick Laspisa, Maurcio Barcellos Almeida, Reinaldo Dias, com foco no ambiente das organizaes, adentrando-se na cultura organizacional e nas variveis, que propiciam estabelecer esteretipos para os membros dos grupos, culminando no personagem da pesquisa o velho arquivista.

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O Captulo 3 , portanto, a caracterizao do velho arquivista, atravs do seu contexto de trabalho: ferramentas, relaes, poder, circunstncias, utilizando-se do vis da Administrao associado Arquivstica. No Captulo 4 destaca-se a Memria Arquivstica Organizacional, fazendo uma trajetria pelos conceitos de memria, memria organizacional e memria arquivstica e toda a desenvoltura desses conceitos associados aos ambientes arquivsticos e ao seu agente, o arquivista, genericamente falando e ao velho arquivista, especificado nessa pesquisa como o promotor da memria arquivstica organizacional, fundamentado nos autores da rea como Jos Maria Jardim, Helosa Bellotto, Luciana Duranti, dentre outros. A Pesquisa de Campo est delineada no Captulo 5, cuja fundamentao metodolgica em sua maioria de Maria Ceclia Minayo. Apresenta previamente, como se deu a seleo dos sujeitos para a pesquisa, os instrumentos de coleta de dados, sendo a entrevista o principal, complementada pela observao simples, mediante anotaes e registros fotogrficos. Apresenta e discute os dados a partir das falas dos sujeitos pesquisados, utilizando-se anlise de contedo e categorizao. Nas Consideraes Finais, confirma-se o pressuposto da pesquisa, reverse cada objetivo apresentado e discorre-se acerca da valorizao do velho arquivista, retomando questes iniciais da pesquisa.

1 CENRIO ARQUIVSTICO

O arquivo desenvolveu-se de forma conceitual e contextual ao longo dos tempos. Passou da condio nica de guarda para meio de acesso aos documentos pelo cidado comum. Hoje objeto de estudo de cincia especfica, que por sua vez interage com outras cincias, apresenta legislao especfica, envolve organizaes e profissionais especializados e tem a tecnologia como parceira na tarefa de gerir os documentos e de disponibiliz-los para pesquisa. A organizao prescinde dos seus arquivos para a preservao da memria organizacional.

1.1 Antecedentes Histricos

O homem na nsia de se perpetuar teve sempre a preocupao de registrar suas observaes, seu pensamento, suas experincias, para deix-los s geraes futuras. Assim comeou a escrita. A escrita a representao de palavras ou idias por meio de smbolos, para representar e fixar a linguagem falada, porm nos d tambm acesso ao mundo das idias. O homem primitivo tendo necessidade de se comunicar utilizou objetos simblicos ou a sinais como: ns, entalhes, desenhos, que constituam a base dos primeiros sistemas de escrita. Estes sistemas rudimentares evoluram medida que os povos atingiam certo grau de cultura ou procuravam absorver o que havia nas civilizaes mais adiantadas, nas quais eles mantinham relaes comerciais. Esses registros expressavam o que o homem tinha na memria e, alm de garantir as informaes para sua gente, eram meios de socializao, para planejamento de ataques ou demarcao de territrios (BURNS; LERNER; MEACHAM, 2000). Paralelamente evoluo da escrita, o homem procurou aperfeioar o material que utilizava, procurando sempre melhorar o aspecto dos documentos,

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naquela poca, ainda de maneira bem diferente do que se conhece hoje, como tbuas, tabletes de argila, papiro, pergaminho. Assim, to logo, os povos foram atingindo um papel social mais organizado, os homens sentiram a necessidade de valorizar os documentos e paralelamente comearam a reunir, conservar e sistematizar, os materiais em que utilizavam por escrito, isto , o resultado de suas atividade polticas, sociais, econmicas, religiosas, etc., advindo assim, os arquivos, no s com o objetivo de guarda dos documentos da poca, como a tambm proteo dos mesmos. Com esses documentos, acumulados por um longo tempo, o homem foi formando sua documentao, que foi a base para toda a pesquisa em torno da histria da Humanidade. Nas primeiras pocas uma documentao coletiva, e mais tarde a documentao especfica de cada tribo, de cada famlia, de cada um, e, bem mais tarde, de cada organizao. H, portanto, desde a Antigidade, preocupao dos governos e autoridades em conservar certos documentos. Os arquivos das urbes4 eram compostos pelos escritos dos sacerdotes, nos quais a histria da cidade dizia ao cidado tudo aquilo em que devia acreditar, e tudo quanto lhe era prprio adorar (COULANGES, 2000). Na Idade Mdia, no Ocidente, as ordens monsticas eram detentoras de grandes acervos. Essas instituies eram depsitos de tudo que se produzia pela mente humana. No Renascimento, os primeiros a se ocuparem dos arquivos como parte histrica foram os eruditos do sculo XVII. No sculo XX, devido influncia dos historiadores, comeou-se a compreender, o fato de que os arquivos recentes tambm so arquivos e que importante assegurar-lhes a conservao. Todavia, at a Primeira Guerra Mundial,

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A urbe era o lugar de reunio, o domiclio e, sobretudo, o santurio da cidade antiga. (COULANGES, 2000).

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os arquivistas continuavam a dispensar pouca ateno aos arquivos modernos, preferindo dedicar-se aos fundos antigos5. Os arquivistas s passaram a nova posio de importantes auxiliares da administrao entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, quando houve a exploso de informaes, de empresas e de necessidade de pesquisa no cenrio de reconstruo do ps-guerra (PAES, 1977). A preocupao foi passada tambm para os documentos da administrao, aqueles que faziam parte do dia-a-dia das organizaes.

1.2 Arquivos e Organizaes

A documentao existe nas organizaes para corrigir as imperfeies e limitaes do homem. Primeiro, porque a memria do homem sujeita a falhas (esquecimento, fantasias, degradao), em segundo, porque, mesmo que fosse perfeita, o homem morre. Se no houver documentao, o conhecimento memorizado perdido, no todo ou em parte (PRADO, 1977). A organizao um grande sistema composto de vrios subsistemas, que se integram e, sob uma gerncia, permitem a localizao de oportunidades e o enfrentamento de dificuldades, tudo atravs da informao certa na hora certa 6. Esse conceito to bem empregado em Logstica fundamental para trabalhar com eficincia e eficcia os sistemas de informao e comunicao, onde os arquivos esto inseridos e requer muita articulao e adaptao para acompanhar as mudanas impostas pelo mercado e pela sociedade.

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Principal unidade de arranjo estrutural nos arquivos permanentes, colees constituda dos documentos provenientes de uma mesma unidade geradora de arquivos (PAES, 1977). 6 Essa assertiva mais bem definida em Valentim (2002), quando a autora cita Woodman, citado por Ponjuan Dante: obteno da informao adequada, na forma correta, para a pessoa indicada, a um custo adequado, no tempo oportuno, em lugar apropriado, para tomar a deciso correta.

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Muitas organizaes e muitos profissionais se engajaram nessa corrida com a implementao de novas solues e tecnologias que possibilitem o acesso fcil e rpido informao. A informao constitui uma mercadoria to vital para a organizao como os recursos humanos, materiais ou financeiros, sem os quais ela no conseguiria viver (ROUSSEAU; COUTURE, 1998, p. 63), sendo ela essencialmente organizada e disponvel para o usurio. Os arquivos dispem dessa informao atravs dos documentos. Os arquivos so rgos auxiliares da Administrao e da Histria. Espao de preservao da memria organizacional e, em decorrncia disso, espao tambm de preservao da memria nacional/ estadual/ municipal, garantindo a histria de sujeitos singulares, mas que participam ativamente do processo de construo social de um pas, estado ou municpio. Os arquivos so veculos da Administrao e da Histria que precisam de um agente, o arquivista, para conduzir seu direcionamento e promover sua gesto, alcanar as suas funes de reunir/classificar,

controlar/preservar, recuperar/informar e assim cumprir seu objetivo junto sociedade. Ratificando a importncia do tema, acrescenta-se:

O arquivo deve ser um espao de garantias de integrao do indivduo com seu passado e seu presente, dimenso em que se pode compreender o princpio democrtico do exerccio da cidadania (RODRIGUES, 2002).

A evoluo e o estudo das tcnicas de arquivo, dos espaos de arquivo, dos documentos, das tecnologias, dos profissionais e dos usurios de arquivos so elementos de um cenrio histrico-social, que vem se compondo e evoluindo ao longo dos tempos, com propostas de solues modernas gradativas, de acordo com a tecnologia do momento, a Cincia Arquivstica.

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1.3 Cincia Arquivstica

A cincia Arquivstica conceituada pelo Arquivo Nacional (1995) como o conjunto de princpios e tcnicas adotadas na produo, organizao e uso dos arquivos. De acordo com Lodolini (1993, apud RUIZ 1999), a Arquivstica uma cincia por basear-se em princpios universalmente vlidos e apoiar-se em literatura cientfica considerada em diferentes lnguas, como o princpio da provenincia que mantm reunidos num mesmo fundo, todos os documentos provenientes de uma mesma fonte geradora de arquivo e o princpio da organicidade que aliado ao da unicidade de documento de arquivo e ao da indivisibilidade dos conjuntos documentais, proporciona a Arquivologia seu perfil nico e inconfundvel, dentre as cincias da informao. Segundo Bellotto (1989), a Arquivologia uma cincia de conjuntos documentais, cujo objeto a informao e o objetivo o acesso informao, seja em que idade documental for (corrente, intermedirio e permanente) tratando o documento no mesmo grau de importncia e complexidade, compondo um corpo nico com ciclos interdependentes, que prima para o atendimento ao usurio. Alm da relao estreita que a Arquivstica tem com a Histria, garantindo a preservao dos registros e fatos de sujeitos singulares do processo de construo social de um pas, estado ou municpio, destaca-se a relao direta com o setor administrativo, em funo dos documentos serem ferramentas necessrias na comunicao administrativa, para registrar os processos e as tomadas de decises, de forma que o administrador possa retom-las a qualquer tempo. Portanto, os arquivos so rgos auxiliares da Administrao e da Histria. o espao de preservao da memria arquivstica organizacional. Arquivologia ou Arquivstica muito mais do que arquivar documentos um mercado de trabalho que tem uma relao direta com o setor administrativo. Por qu? Porque o arquivista pode, e deve ajudar o administrador na tarefa de

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administrar os documentos, cuidar da gesto documental. O arquivista um verdadeiro suporte para a administrao moderna. A Arquivstica pode ser abordada sob trs aspectos, conforme Coutore e Rousseau (1998): administrativo (records management), em que se tem em evidncia o valor mediato (primrio) do documento; tradicional ou histrico, que denota o oposto do primeiro, ou seja, enfoca-se o valor mediato (secundrio) do documento e o aspecto atual que concilia os dois primeiros e preocupa-se com o ciclo total do documento, da produo destinao final. O desafio no cenrio da gesto arquivstica ter o domnio e o acompanhamento da evoluo das tecnologias da informao e comunicao, com vistas implementao de sistemas e servios capazes de fomentar as atividades das organizaes (planejamento, direo, organizao e controle), quando se tratam de informao em documentos para a tomada de deciso e para atender s demandas da sociedade, quando se referem aos documentos histricos e permanentes, num dilogo constante entre arquivistas e usurios, sem perder de vista o aspecto humanstico e tico.

1.4 Legislao Arquivstica

A legislao brasileira arquivstica tem por base a Lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991, que dispe sobre a poltica nacional de arquivos pblicos e privados, cabendo ao Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), rgo vinculado ao Arquivo Nacional, definir tal poltica como rgo central do Sistema Nacional de Arquivos (SINAR), ambos criados pelo artigo 26 e regulamentados pelos decretos 1.173, de 29/06/1994, e 1.461 de 25/04/1995. Cabe tambm ao CONARQ exercer orientao normativa visando gesto documental e proteo especial aos documentos de arquivo. A partir da promulgao da Lei de Arquivos a produo de normas arquivsticas voltadas para as atividades de gesto de documentos demonstrou uma

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preocupao importante, pois veio preencher lacunas na execuo do tratamento tcnico dos acervos arquivsticos pblicos e privados. A referida lei preconiza a revitalizao dos servios arquivsticos por meio de programas de gesto de documentos, que renam procedimentos e operaes tcnicas referentes produo, tramitao, uso, avaliao e arquivamento de documentos. O CONARQ reuniu em seu site outros dispositivos legais, os quais, associados Lei de Arquivo, constituem a Legislao Brasileira Arquivstica, destacam-se abaixo os de interesse:

Constituio Federal, arts. 5, 23 e 2167.

Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: [...] XIV - assegurado a todos o acesso informao e resguardado o sigilo da fonte, quando necessrio ao exerccio profissional; [...] XXXIII - todos tm direito a receber dos rgos pblicos informaes de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que sero prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindvel segurana da sociedade e do Estado; Art. 23. competncia comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios: [...] III proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histrico, artstico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notveis e os stios arqueolgicos; [...] IV impedir a evaso, a destruio e a descaracterizao de obras de arte e de outros bens de valor histrico, artstico ou cultural.

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Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 23 fev. 2008.

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[...] Art. 216. Constituem patrimnio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: [...] V - os conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico, paleontolgico, ecolgico e cientfico. [...] 2: Cabem administrao pblica, na forma da lei, a gesto da documentao governamental e as providncias para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.

Lei 6.546, de 4 de julho de 1978, que regulamenta as profisses de arquivista e de tcnico de arquivo, e d outras providncias;

Decreto 82.590, de 06 de novembro de 1978, que regulamenta a lei n 6.546, de 4 de julho de 1978, que dispe sobre a regulamentao das profisses de arquivista e de tcnico de arquivo;

Lei 7.115, de 29 de agosto de 1983, que dispe sobre prova documental nos casos que indica e da outras providncias.

1.5 Arquivista

O arquivista um profissional de nvel superior, cuja atividade est regulamentada pela Lei n 6.546, de 19788. Segundo o seu art. 2 so atribuies dos arquivistas:

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Disponvel em: http://www.conarq.arquivonacional.gov.br. Acesso em: 23 fev 2008.

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I - planejamento, organizao e direo de servios de Arquivo; II - planejamento, orientao e acompanhamento do processo documental e informativo; III - planejamento, orientao e direo das atividades de identificao das espcies documentais e participao no planejamento de novos documentos e controle de multicpias; IV - planejamento, organizao e direo de servios ou centro de documentao e informao constitudos de acervos arquivsticos e mistos; V - planejamento, organizao e direo de servios de microfilmagem aplicada aos arquivos; VI - orientao do planejamento da automao aplicada aos arquivos; VI - orientao quanto classificao, arranjo e descrio de documentos; VIII - orientao da avaliao e seleo de documentos, para fins de preservao; IX - promoo de medidas necessrias conservao de documentos; X - elaborao de pareceres e trabalhos de complexidade sobre assuntos arquivsticos; XI - assessoramento aos trabalhos de pesquisa cientfica ou tcnicoadministrativa; XII - desenvolvimento de estudos sobre documentos culturalmente importantes.

O Tcnico de arquivo tambm profissional reconhecido pela mesma lei:

Art. 3 So atribuies dos Tcnicos de Arquivo: I - recebimento, registro e distribuio dos documentos, bem como controle de sua movimentao; II - classificao, arranjo, descrio e execuo de demais tarefas necessrias guarda e conservao dos documentos, assim como prestao de informaes relativas aos mesmos; III - preparao de documentos de arquivos para microfilmagem e conservao e utilizao do microfilme; IV - preparao de documentos de arquivo para processamento eletrnico de dados.

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O exerccio das profisses de Arquivista e de Tcnico de Arquivo, depende de registro na Delegacia Regional do Trabalho do Ministrio do Trabalho. Bellotto (s.d., p. 2) enfatiza a responsabilidade do arquivista na recuperao do documento ou informao nele contida:

Preservamos documentos por causa de sua capacidade de servir como prova (evidential value) ou como testemunho (informational value). Ora, neste sentido, os arquivistas devem ter bem claro o quanto preciso localizar, de imediato nos seus documentos a sua procedncia e a sua estrutura, funes e atividades do produtor nele refletidas, s isso dar autenticidade no primeiro caso e fidedignidade, no segundo.

O arquivista moderno deixa para trs aquela figura tradicional do homem que, atrs dos documentos, se perdia no mundo de informaes. Ele ousa e abre novas frentes, interage com tecnologias e demonstra as possibilidades tcnicas em relao ao velho amontoado de papis ou novssima desordem documental eletrnica. O arquivista vai da fonte ao produto final e o resultado um trabalho inteligente, erudito e devotado que incide nesses conjuntos inteis transformando-os em arquivos valiosos, reconstrudos, resguardando provas e evidncias, recriando o passado ou dinamizando o presente. Atualmente, o arquivista tem vrias funes devendo atuar e interagir efetivamente, compreendendo e ouvindo de forma relativa o produtor, o pesquisador e o cidado, ou seja, exercer sua funo nos aspectos administrativo, cientfico e cultural, respectivamente (BELLOTTO, s.d.). A funo administrativa exercida no contexto das empresas, quando o documento tem valor primrio. Nesse ambiente atual, novas tecnologias so adotadas, os processos administrativos so cada vez mais complexos e aperfeioados, dada a exigncia do mercado competitivo e a imposio da Administrao no mundo dos negcios transparente. Para acompanhar tudo isso, o Arquivista dever, alm de produzir e aplicar seus conhecimentos tcnicos na gesto documental:

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Mergulhar no contexto das empresas, conhecendo sua estrutura organizacional, seus processos, fluxogramas, normas internas, polticas, atividades meio e fim;

Aproximar-se da Administrao, conhecendo suas tcnicas de gerenciamento, psicologia do trabalho, gesto financeira,

estatsticas, operaes, etc.; No se afastar dos princpios tericos bsicos da Arquivstica, conservando a provenincia e a organicidade dos fundos; Preocupar-se com a eficcia da recuperao da informao, participando da construo de sistemas eletrnicos, estratgias de segurana e procedimentos automatizados; Prover a informao administrativa e jurdica da empresa de forma estratgica para facilitar o processo decisrio dos gestores. A funo histrico-cultural exercida e percebida quando o Arquivo trata o patrimnio histrico documental (valor secundrio do documento), com o compromisso de difundi-lo e de servir a sociedade. No atendimento a pesquisas histricas e culturais. Por fim, a funo cientfica evidente, quando oferece

subsdio para pesquisa e desenvolvimento (P & D). Mediante a realidade vigente, o fundamental que ocorra uma conscientizao da relevncia do arquivo na empresa e da sua administrao sob os cuidados de um profissional arquivista. No entanto, isso s ser possvel com a sensibilizao e a conscientizao da hierarquia superior, que dever possuir uma viso empresarial moderna, com empresrios motivados e conscientes da nova realidade que a sociedade atual impe, a fim de perceberem os benefcios que o arquivo organizado e bem gerenciado pode trazer para a administrao da empresa. Conforme afirma Belloto (s.d., p. 5):

fundamental e indispensvel que este papel seja compreendido a partir do interior das prprias entidades onde o arquivista atua como o gestor da informao, seja esta tomada como instrumento da administrao e do direito, ou como testemunho da histria e do exerccio da cidadania. preciso fazer compreender ao administrador e ao burocrata, que o arquivista no um simples trabalhador operacional, dentro de um rgo pblico ou

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de uma organizao privada que ali esteja s para passar papis ou mdia eletrnica nas mos dos interessados. Ele um provedor da informao administrativa e jurdica.

2 ORGANIZAES

As organizaes so constitudas por pessoas que interagem entre si, de forma consciente e coordenada, a fim de alcanarem objetivos comuns, os quais, de forma isolada, no seriam capazes de execut-los. uma dinmica constante em um sistema complexo, que por sua vez est inserido em um ambiente macro. no ambiente macro (externo) representado pela sociedade maior, de onde elas extraem todos os recursos e informaes necessrias para sua subsistncia e funcionamento e para onde conduzem os resultados de suas operaes. Esse ambiente geral constitudo de variveis, as quais Chiavenato (2006, p. 67) definiu como:

a. Variveis tecnolgicas: [...] A tecnologia envolve a soma total dosconhecimentos acumulados a respeito de como fazer as coisas [...].

b. Variveis polticas: decorrentes das polticas e critrios de deciso c. d. e. f. g.adotados pelo governo ao nvel federal, estadual e municipal, bem como pelos governos estrangeiros [...]. Variveis econmicas: decorrentes do contexto econmico em geral [...]. Variveis legais: referem-se ao contexto de leis e de normas legais que regulam, controlam, incentivam ou restringem determinados tipos de comportamento organizacional em geral [...]. Variveis sociais: [...] as tradies culturais do pas e da comunidade onde est localizada [...] atitude das pessoas diante do trabalho e dos ideais quanto profisso [...]. Variveis demogrficas: referem-se s caractersticas da populao, seu crescimento, raa, religio, distribuio geogrfica, distribuio por sexo e idade etc. [...]. Variveis ecolgicas: referem-se ao quadro fsico e natural que rodeia externamente a organizao [...].

Analisando cada tipo de varivel acima, percebe-se que as organizaes so sistemas abertos, que sofrem mudanas constantes em funo dessas variveis, produzindo incertezas e gerando novos comportamentos.

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Segundo Chiavenato (2006, p. 71), o microambiente organizacional aquele imediatamente prximo da organizao, o qual ela mantm interface, est em interao direta e que lhe fornece as entradas ou insumos de recursos e informaes, bem como a locao e distribuio de suas sadas ou resultados. Ele o designa como ambiente de tarefa as partes do ambiente que so relevantes para a organizao estabelecer e alcanar seus objetivos, os quais so: consumidores ou usurios; fornecedores de recursos, concorrentes e grupos regulamentadores. No ambiente de tarefa, a organizao desenvolve suas atividades, estabelecendo o seu domnio9, composto de poder e dependncia. Para Chiavenato (2006, p. 72):

Existe poder quando as decises da organizao influenciam fortemente as decises a serem tomadas pelos demais componentes do seu ambiente de tarefa [...]. Existe dependncia quando as decises da organizao que so fortemente influenciadas pelas decises tomadas pelos demais componentes do seu ambiente de tarefa.

Diante dessa afirmao de Chiavenato (2006) pode-se concluir que se a organizao souber conviver bem e harmoniosamente com o seu ambiente macro, adaptando-se s mudanas decorrentes das variveis, ela fatalmente melhor se articular na produo de seus resultados, e, como conseqncia, num mercado competitivo, exercer o poder sobre a concorrncia. Para Dias (2008), essa interrelao das organizaes de sofrer interferncia e/ou de influenciar denominada de poder interorganizacional. Considera-se agora o terceiro nvel, o ambiente interno da organizao, ou seja, a prpria organizao, que se caracteriza por ser um lugar de socializao rico de sujeitos, processos, meios, recursos e fatos onde, diariamente, as pessoas nele inseridas se relacionam, trocam experincias e falas, tanto para execuo de

9

[...] identifica os pontos em que ela depende de entradas do ambiente e os pontos de sada do ambiente, podendo ambos serem direta ou indiretamente ligados entre si. (CHIAVENATO, 2006, p. 72)

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suas atividades dirias e construo de negcios, como para a simples convivncia e comunicao. Na Figura 2, visualizam-se os trs nveis do contexto das organizaes, conforme Chiavenato (2006).

AMBIENTE GERALVARIVEIS TECNOLGICAS VARIVEIS POLTICAS

AMBIENTE DE TAREFA

VARIVEIS SOCIAIS

CLIENTES

ORGANIZAO FORNECE- VARIVEISDORES LEGAIS

CONCORRENTES VARIVEIS ECONMICAS

REGULADORES VARIVEIS DEMOGRFICAS

VARIVEIS ECOLGICAS

FIGURA 2 A organizao e seu ambiente geral e ambiente de tarefa Fonte: Chiavenato (2006, p. 73)

O ambiente produtivo da organizao pertence a uma rede de socializao mais abrangente, pois todos os sujeitos sociais que o compem, antes de faz-lo, trazem consigo diversas heranas de identidades sociais, polticas, religiosas e tnicas e no possvel afast-los delas, uma vez que esto impregnadas nas suas histrias de vida. Cabe aqui a assertiva de Sainsaulieu (1987 apud JAIME JUNIOR, 2002) os atores sociais no deixam de lado suas identidades e culturas ao passarem pela portaria da organizao. As identidades e culturas pr-existentes dos indivduos de uma organizao, decorrentes das variveis sociais, somadas ao modo como interagem

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em uma organizao, atitudes, pressuposies, aspiraes, discusses, etc., formam a cultura organizacional. Mesmo inseridas em um mesmo contexto scio-econmico-cultural as organizaes apresentam caractersticas e peculiaridades bem particulares e isto decorrente de vrios fatores, tais como: polticas, gesto, liderana, equipe de colaboradores, crenas, preconceitos, ou seja, diversos fatores que constituem a forma de ser de cada organizao, a forma de expressar sua cultura organizacional.

2.1 Cultura Organizacional

O interesse pelo estudo da cultura organizacional tanto pelos pragmticos como pelos tericos deu-se em meados dos anos 80, motivado pelo impacto dos empreendimentos japoneses no mercado internacional (COOPER; ARGYRIS, 2003, p. 322). Como a cultura japonesa peculiar, carregada de tradies, o mundo queria saber qual a influncia dessa cultura na ascenso dos negcios, ou seja, a ligao entre a cultura nacional e o desempenho organizacional. Para Dias (2008, p. 203), a cultura organizacional pode ser entendida como uma subcultura, pois est ligada diretamente ao conceito geral de cultura 10, e compreende o conjunto de valores, crenas e entendimentos importantes que os integrantes de uma organizao tm em comum. A cultura organizacional definida por diversos autores:

Cada organizao tem a sua cultura organizacional ou cultura corporativa. Para se conhecer uma organizao, o primeiro passo conhecer sua cultura. Fazer parte de uma organizao, trabalhar nela, atuar em suas atividades, desenvolver carreira nela participar intimamente de sua cultura

10

Sistema de idias, conhecimentos, tcnicas e artefatos, de padres de comportamento e atitudes que caracteriza uma sociedade. (DICIONRIO GLOBO DE SOCIOLOGIA, 1981, apud DIAS, 2008, p. 203)

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organizacional. O modo como as pessoas interagem em uma organizao, as atitudes predominantes, as pressuposies subjacentes, as aspiraes e os assuntos relevantes nas interaes entre os membros fazem parte da cultura da organizao (CHIAVENATO, 2008, p. 99). A cultura organizacional representa as normas informais e no escritas que orientam o comportamento dos membros de uma organizao no dia-a-dia e que direcionam suas aes para a realizao dos objetivos organizacionais. CHIAVENATO, 1999, p. 172) Conjunto de valores e pressupostos bsicos, expressos em elementos simblicos, que em sua capacidade de ordenar, atribuir significaes, construir a identidade organizacional, tanto age como elemento de comunicao e consenso como instrumentaliza as relaes de dominao (FLEURY, 1996, p. 22). A cultura organizacional o sistema de aes, valores e crenas compartilhadas que se desenvolve numa organizao e orienta o comportamento dos seus membros (SCHEIN, 1990 apud SCHERMERHORN JR.; HUNT; OSBORN, 2002, p. 196). Um padro de suposies bsicas compartilhadas que o grupo aprendeu ao resolver seus problemas de adaptao externa e integrao interna, que funcionaram bem o bastante para serem consideradas vlidas e, por isso, foram ensinadas aos novos membros como o modo correto de perceber, pensar, e sentir em relao a estes problemas (SHEIN, 1992 apud DIAS, 2008, p.203).

Para Shein (1992, apud DIAS, 2008, p. 205) a cultura organizacional origina-se de trs fontes:

1. As crenas, valores e suposies dos fundadores da organizao. 2. As experincias adquiridas entre os membros do grupo com a evoluoda organizao.

3. Novas crenas, valores e suposies trazidas por novos membros enovas lideranas que foram incorporando organizao ao longo do tempo.

Dinamizando o conceito de cultura organizacional pode-se afirmar que um fenmeno de socializao coletivo desenvolvido a partir da cultura de cada sujeito que compe a organizao, juntamente com os preceitos, tecnologias e sentimentos da organizao, num jogo de dar e receber, que modificam e se deixam modificar, numa constncia de troca, na efervescncia do compartilhamento de seus

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membros. Cada organizao apresenta uma cultura peculiar, cuja formao resultante da interao social dos seus agentes. Os aspectos da cultura organizacional fazem com que cada organizao seja nica, podendo isso vir a ser uma vantagem competitiva. Como a cultura organizacional no palpvel, ela poder ser percebida atravs de seus efeitos e conseqncias (BERNARDES; MARCONDES, 2006), ou ainda atravs da anlise das aes dos empregados, ouvindo-se histrias e suas interpretaes, smbolos culturais (SCHEIN, 1990 apud SCHERMERHORN JR.; HUNT; OSBORN, 2002). Bernardes e Marcondes (2006) utilizam trs variveis para identificar o contedo e a intensidade da cultura de uma organizao (Figura 3) e ainda apresentam an passan a metodologia11 adotada por antroplogos para medi-los de forma a se verificar a tendncia da cultura.

FIGURA 3 Variveis culturais das organizaes Fonte: adaptado de Bernardes e Marcondes (2006, p. 21)

Dentro desse quadro de cultura, especificamente na varivel de sentimentos, desenvolvem-se as percepes que um indivduo tem do outro.

11

A metodologia usa estudo de campo, anlise de contedo da cultura e mtodo intercultural, auxiliados por tcnicas, como a projetiva, a escala de atitudes e a anlise fatorial (KRECH; CRUTVHFIEL, BALLCHEY, 1969, p. 413-424 apud BERNARDES; MARCONDES, 2006, p. 26) e atribui uma escala de 0 a 5 pontos, que ilustrada atravs de uma representao grfica.

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Segundo Bergamini (2006, p. 109) existem personalidades e diferenas individuais, as quais so sentidas e percebidas de diferentes formas por cada indivduo. A percepo de pessoas est sujeita a uma srie de distores e iluses. Isso leva a ver as pessoas de maneira bem diferente daquela que realmente so. Da surge o esteretipo, quando se usa uma impresso padronizada de um grupo de pessoas para influenciar a percepo de um indivduo em particular.

2.2 Esteretipos

A palavra esteretipo, originalmente, pertence ao vocabulrio da tipografia. Segundo Ferreira (2004, p. 827): Frma compacta obtida pelo processo estereotpico [...] clich, chavo [...]. O esteretipo a imagem preconcebida que um grupo pessoal atribui a uma categoria social de grupos externos (HORTON; HUNT, 1980 apud BERNARDES; MARCONDES, 2006, p. 85). Para Chiavenato (2006, p. 132) esteretipos [...] so distores na percepo das pessoas [...], porque cada pessoa desenvolve seu prprio conjunto de conceitos para interpretar seu ambiente externo e interno e para organizar suas mltiplas experincias da vida cotidiana, terminando por categorizar os outros sob determinado ponto de vista. Os componentes dos grupos criam esteretipos de forma inadequada, pois utilizam suas crenas, valores e interesses para filtrar ou bloquear o que vem e o que ouvem, passando a perceber o indivduo de forma distorcida da realidade. As organizaes esto repletas de esteretipos. As pessoas tendem a se comportar da forma pela qual so julgadas pelos demais, assumindo assim, inconscientemente, o esteretipo. Esse comportamento traz desvantagem para a organizao, pois confunde o administrador ao avali-las pelo esteretipo. A imagem

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estereotipada via de mo dupla, tanto pode ocorrer de um grupo em relao a outro, como deste em relao quele (BERNARDES; MARCONDES, 2006). Portanto, cria-se um ambiente deturpado nas organizaes, algumas pessoas ficam sujeitas a serem conhecidas como as outras as percebem. Para Schermerhorn Jr., Hunt e Osborn (2002), os esteretipos ou prottipos podem atrapalhar na recuperao da informao, pois escondem as diferenas pessoais e impossibilita a avaliao das necessidades individuais por parte da administrao da organizao. Quanto maior a fora de trabalho, maior a possibilidade de esteretipos, mas a vantagem competitiva est exatamente na diversidade, saber administr-la significa valorizar as diferenas. Os esteretipos se constituem como preconceitos estabelecidos

culturalmente, resultados de uma herana histrica, quando os grupos sociais, ao se relacionarem, consolidam cada vez mais o que j est generalizado. Essa generalizao conduz sntese de modelos e conceitos, levando objetividade, mas, por outro lado, d margem subjetividade, uma vez que conduz a um estudo de valor. Como eles so frutos da cultura organizacional, o que ocorre no ambiente interno da organizao d cabimento ao surgimento de tais categorias. Da surgem nas organizaes os diversos esteretipos j to conhecidos da nossa cultura como o Manda-chuva, o Maria vai com as outras, o Vibrador, o Puxa-saco, o Boa praa, o Ditador, o Filho de papai, o Babo; o Bola-murcha, o Bola-cheia... e o Velho arquivista, aquele que trabalha h muitos anos no arquivo da organizao.

3 VELHO ARQUIVSTA

O alerta introdutrio para a valorizao da profisso do arquivista de fato e de direito no exime a necessidade de se enfatizar a figura paradoxal e no menos importante do velho arquivista. O sujeito em questo estereotipado pela organizao como algum ultrapassado, pode ser enquadrado na situao estar arquivista 12 e est inserido num contexto no favorvel ao seu crescimento profissional, s vezes conjunturais e outras vezes criado e mantido por ele mesmo, os quais se podem citar: Existncia do curso superior de Arquivologia e de Tcnico em Arquivo em apenas algumas cidades; Pouca divulgao da atividade profissional; Vcios da Cultura e poder das organizaes; Desvalorizao da funo e caracterizao de forma pejorativa; Incorporao do esteretipo; Acomodao profissional; Limitaes quanto ao acesso e aplicao da tecnologia da informao. Mesmo enquanto velho arquivista ele no deixa de ser um ativo intangvel da organizao, pois agrega valor e pode gerar receita, ao atender tempestivamente s demandas, atravs da matria-prima, a informao, que est l nos documentos pronta para ser resgatada. Para Chiavenato (2006, p. 187), [...] as empresas esto preocupadas em identificar indicadores para seus ativos intangveis, como capital humano

12

Realce dado ao profissional colocado na funo de arquivista, na apostila do curso Tcnicas Modernas para Organizao de Arquivos Empresarias, ministrado pela Prof. Bibliotecria Cla Dubeux Pinto Pimental, em maro/1998, em Recife-PE.

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(habilidades e competncias de seus funcionrios) [...] as pessoas passam a ser a prioridade fundamental das empresas. Mas como reconhecer o trabalho do velho arquivista se o produto resultante do desempenho do seu servio tambm intangvel? Para explicar melhor o segmento de servios, Lovelock e Lauren (2006, p. 5) se posicionam:

Servio um ato ou desempenho oferecido por uma parte a outra. Embora o processo possa estar ligado a um produto fsico, o desempenho essencialmente intangvel e normalmente no resulta em propriedade de nenhum dos fatores de produo.

Portanto, os servios, por sua natureza, tm que ser geridos e administrados com a devida ateno, pois dependem diretamente e unicamente do fator humano e esse fator que vai fazer o diferencial na hora do atendimento ao cliente. Esse fator humano, aqui evidenciado o Velho Arquivista Lovelock e Lauren (2006, p. 35) categorizaram os processos de servios, a fim de melhor estud-los e gerenci-los, dessa forma possvel situar o servio e promover aes mais direcionadas, conforme a seguir: a) processamento com pessoas = envolve aes tangveis nos corpos das pessoas ; b) processamento com bens = inclui aes tangveis nos bens e outras posses fsicas pertencentes aos clientes ; c) processamento com estmulo mental = refere-se a aes intangveis dirigidas mente das pessoas; d) processamento com informaes = descreve aes intangveis dirigidas aos bens de um cliente. A partir da categorizao desses autores e da caracterizao prvia do ambiente de arquivo como unidade de servio, pode-se visualizar que a informao enquadra-se como produto de bem intangvel. Para sistematizar as quatro situaes acima, tm-se dois processos de servios com ao tangvel e dois com ao

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intangvel, onde se enquadram os servios de informao: o intangvel do intangvel (Quadro 1).

SERVIO INTANGVEL

C O M C O M

AO TANGVEL

=

TANGVEL DO INTANGVEL

SERVIO INTANGVEL

AO INTANGVEL

=

INTANGVEL DO INTANGVEL

QUADRO 1 Categoria servio/ao Fonte: construo da autora

Tentando concluir sobre os servios de arquivo, observa-se um servio que intangvel por ser uma ao, que por sua vez tambm intangvel por ser dirigida mente das pessoas. Kotler e Armstrong (2003) vo mais alm do intangvel e acrescentam trs caractersticas: Intangibilidade = os servios no podem ser vistos, tocados, sentidos,

ouvidos ou cheirados antes da compra; Inseparabilidade = Os servios no podem ser separados de seus

provedores; Perecibilidade = Os servios no podem ser armazenados para venda

ou uso posterior; Variabilidade = A qualidade dos servios depende de quem os executa

e de quando, onde e como so executados. Mesmo lutando contra esses fatores intrnsecos natureza do trabalho, contra a oficiosidade do cargo/funo e contra as adversidades da condio de esteretipo, interessante ressaltar como o velho arquivista consegue lidar com tudo isso e relembra cada detalhe no momento da busca. Ele vai compondo de fragmentos a memria da organizao como se fosse um quebra-cabea. Diante disso ele consegue trabalhar dentro da organizao todas as dimenses da

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memria: a memria individual, a memria coletiva, as memrias marginais, tal qual os guardies da memria13. Enquanto ele executa esse papel de resgate da memria, de busca da informao certa na hora certa, detm um poder momentneo. Todos da organizao esto espera da composio dos fatos administrativos, do resultado da busca do documento junto aos arquivos, para que decises sejam tomadas, demandas fiscais, legais e sociais sejam atendidas e, finalmente, os negcios possam fluir normalmente. o poder do velho arquivista. Muitas vezes ele joga com isso, procrastinando os resultados como forma de se valorizar, fazendo com que todos percebam quo difcil esse resgate e quo habilidoso ele para consegui-lo. Pesquisa realizada por Quimet (2003, p. 51 ), menciona:

[...] os jogos de poder utilizados pelos atores com pouco poder organizacional disponvel, mas que, em um contexto de trabalho favorvel a seu desenvolvimento, evoluem. Esses atores beneficiam-se, ento, de um clima de trabalho positivo devido a variadas razes [...].

O velho arquivista conhece a organizao por inteiro, ele entende quais so suas atividades meio14 e suas atividades fins15 em funo de lidar diariamente com os documentos provenientes da consecuo dessas atividades e fazer a leitura necessria para a classificao. Ele domina cada uma delas, entende o processo interno da organizao e toda sua complexidade. Esse domnio, embora muitas vezes no percebido pela organizao, pode ser enquadrado como o poder descrito por Morgan (1996) que, dentre as

13

Nas sociedades da memria, que existiram no passado e ainda subsistem em locais isolados da frica e da Amrica do Sul, por exemplo, e nas quais o volume de informao consideravelmente muito mais restrito, a memria organizada e retida pelo conjunto de seus membros, os quais se incumbem de transmiti-la s novas geraes cabendo aos mais velhos, devido a sua maior experincia e vivncia, o importante papel social de guardies da memria. Cabe a eles a funo de transmitir s novas geraes de seu grupo social os fatos e vivncias que foram retidos como fundamentais para a sobrevivncia do grupo. (VON SINSOM, 2000) 14 Apiam a consecuo das atividades-fim de uma instituio. Carter instrumental e acessrio. 15 Resultantes da finalidade de uma instituio. Carter substantivo para o seu funcionamento.

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diversas fontes de poder, est o poder do controle do conhecimento e da informao. Toffler (1990) discorrendo sobre as mudanas do poder no mundo moderno ressaltou trs razes de poder: o capital, gerador das riquezas, a lei, que regulamenta o mercado e a sociedade em geral e a informao, aquela que subsidia o mercado e que leva gerao de conhecimento. A mxima informao poder, originria do perodo da guerra fria, foi substituda na atualidade recente. O poder de que se fala hoje est em saber trat-la e geri-la de forma estratgica no mundo dos negcios. Quando essa informao gerenciada por softwares especficos que cruzam dados, utilizam operadores booleanos16, usam parmetros, filtra campos, etc., tem-se o resultado satisfatrio. No entanto, o contexto de trabalho do velho arquivista no oferece tantos recursos tecnolgicos, mas, mesmo assim, ele consegue buscar o que procura nos arquivos e atende s demandas da organizao, utilizando-se de sua memria individual atravs de associaes, lembranas, pistas, recursos artesanais prprios que s ele tem. Ele associa a cada informao oficial algo prprio da sua memria, para facilitar a busca e o resgate. Cada componente da organizao tem para ele um significado, um comportamento, que agregado e utilizado como ferramenta no seu trabalho dirio. Portanto, temos o velho arquivista, um esteretipo da organizao, criado e mantido pela cultura organizacional, revestido de poder por conhecer os documentos arquivsticos e facilitar o destino das informaes neles contidas, fazendo com que os gestores que delas carecem possam acess-las e tomar a deciso. o domnio da memria arquivstica organizacional cuja conduo e preservao est sob a fora da memria do velho arquivista. Aqui se registra a participao do velho arquivista como o elo perdido entre a organizao e a sua memria arquivstica.

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O operador booleano permite realizar cruzamentos entre dois ou mais planos de informao, so palavras que informam ao sistema de busca como combinar os termos de sua pesquisa, tais como: AND, OR e NOT.

4 MEMRIA ARQUIVSTICA ORGANIZACIONAL

O conceito utilizado para descrever a memria arquivstica organizacional nesta pesquisa perpassa pelos conceitos de memria, memria organizacional e memria arquivstica, os quais se destacam nos subitens seguintes.

4.1 Memria

Dentre os diversos conceitos atribudos para o verbete memria, destacamos em Ferreira (2004, p. 1308), em anlise sistemtica simplificada, os que mais se adequam s questes aqui levantadas: faculdade de reter as idias, impresses e conhecimentos adquiridos anteriormente; lembrana, reminiscncia, recordao; relao, relato e narrao; menento; vestgio, lembrana, sinal; aquilo que serve de lembrana.

Numa anlise mais dialtica, elege-se Nora (1993) para se dizer que necessrio criar lugares para que a memria exista em algum lugar. So os lugares da memria, nos quais, sem dvidas, os arquivos so includos. Para o autor, a memria requer indcios, vestgios, pois no suficiente a rememorar pela oralidade, mas, sobretudo, pelas informaes geradas atravs dos dados registrados em documentos. Com o posicionamento de Nora (1993), do qual se mantm concordncia plena, os arquivos seriam lugares privilegiados de memria, de onde se podem analisar aspectos diferentes, tais como:

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O arquivo enquanto memria material: as informaes esto escritas, registradas em suportes fsicos; O arquivo enquanto memria funcional: as informaes organizadas tm a funcionalidade de atender aos pesquisadores; O arquivo enquanto memria simblica: cada registro traz de forma simblica o contexto de sua produo (poca, fatos, pessoas, marcas, conceitos, etc.).

Apesar da referncia dada por Ferreira (2004, p. 1308) Informtica, elege-se tambm o conceito [...] dispositivo em que informaes podem ser registradas, conservadas e posteriormente recuperadas; armazenador, dispositivo de armazenamento [...], pois com o advento das novas tecnologias, esse dispositivo no se limita a um objeto eventual, para uma necessidade momentnea. Colocando Ferreira (2004) para dialogar com Nora (1993), estabelece-se que o conceito para memria limitado por aquele rea de Informtica, pode ser perfeitamente compreendido como um lugar de memria, um arquivo, seja convencional ou eletrnico e digital. Numa anlise mais classificatria, Von Simson (2000, n.p) descreve os trs tipos de memria:

[...] memria individual que aquela guardada por um indivduo e se refere as suas prprias vivncias e experincias, mas que contm tambm aspectos da memria do grupo social onde ele se formou, isto , onde esse indivduo foi socializado (grifo do autor). [...] memria coletiva que aquela formada pelos fatos e aspectos julgados relevantes e que so guardados como memria oficial da sociedade mais ampla. Ela geralmente se expressa naquilo que chamamos de lugares da memria que so os monumentos, hinos oficiais, quadros e obras literrias e artsticas que expressam a verso consolidada de um passado coletivo de uma dada sociedade (grifo do autor). [...] memrias subterrneas ou marginais que correspondem a verses sobre o passado dos grupos dominados de uma dada sociedade. Estas memrias geralmente no esto monumentalizadas e nem gravadas em suportes concretos como textos, obras de arte e s se expressam quando conflitos sociais as evocam ou quando os pesquisadores que se utilizam do mtodo biogrfico ou da histria oral criam as condies para que elas emerjam e possam ento ser registradas [...] (grifo do autor).

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A autora refora:

verdade, ns no nos lembramos de tudo o que aconteceu ou que nos foi ensinado ao longo de nossa vida. Descartamos a maioria das experincias vivenciadas e s retemos aquelas que possuem significados, isto , so funcionais para nossa existncia futura (VON SIMSON, 2000, n.p).

Retemos aquilo que de alguma forma nos impressiona, nos comove ou nos agride e desperdiamos o que no nos interessa, para, de uma forma imperceptvel, registrar esses fatos e s busc-los em funo de alguma fora maior externa. Atravs da memria o homem interpreta e compreende sua prpria

histria e evoluo, fatos, pessoas e lugares, que num determinado tempo fizeram parte de sua existncia, contribuindo para a construo de sua identidade. a memria que permite a sobrevivncia social dos povos, mediante a sucesso de geraes, de costumes e tradies e a falta dela pode ocasionar o esquecimento das origens, o que pode comprometer o presente e o futuro. Portanto, entende-se que as trs memrias existentes podem ser classificadas sob quatro aspectos:

A memria que existe = aquela que est ao alcance da pessoa/comunidade a que pertence;

A memria que se perde = aquela resultado do abandono, do descaso, da falta de registros ou simplesmente aquele que se deixou esquecer;

A memria que se resgata = aquela que se recuperou e passou a dar sentido e significado existncia anterior de um povo;

A memria da memria = aquela que se resgatou, preservou-se e eternizou-se, proporcionando a criao de novas memrias.

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4.2 Memria Organizacional

Walsh e Ungson (1991 apud LaSPISA, 2007, p. 37), considerando que a prpria palavra memria traz consigo o sentido de tempo, assim entendem memria organizacional:

[...] informaes guardadas que remontam a histria da organizao para serem lembradas e utilizadas em futuras operaes. A MO fornece informao que diminui o custa das transaes, contribui na tomada de deciso tornando-a mais eficiente, e assim, transformando-se em um diferencial competitivo.

A Memria Organizacional responde a questes da organizao que vo desde seu ambiente e processos at seus produtos e servios de comercializao. um banco de informaes necessrias para o desenvolvimento do trabalho da organizao junto ao pblico interno e externo, funcionando como um servio de inteligncia, para ser acionado a qualquer tempo em funo de qualquer motivo quotidiano da organizao, tornando-a mais competitiva. Em razo desse banco se formar com informaes e registros prprios conforme sua cultura faz com que a memria de cada organizao seja nica com identidade prpria. A construo, manuteno e resgate da memria organizacional tambm tarefa embutida de responsabilidade social, pois as organizaes de uma coletividade fazem parte da memria coletiva de uma nao. Almeida (2006) fala da facilidade da reteno de conhecimento sobre as atividades da organizao com a existncia de registros impressos ou eletrnicos e de sistemas de informao distribuda e de inteligncia artificial. Dado esses recursos os registros podem ser compartilhados no futuro, e mesmo sendo representaes estticas, tm algumas limitaes dos registros reduzidas em funo da tecnologia da informao, promovendo compartilhamento atravs do tempo e do espao.

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Almeida (2006) e Laspisa (2007), atravs de autores estrangeiros 17,18 apontam cinco locais de armazenamento da memria organizacional: indivduos, cultura, transformaes, estruturas, ecologia e arquivos externos. Em Almeida (2006, p. 55), tm-se:

Os indivduos, membros de uma organizao, retm informao a partir de suas prprias experincias diretas. Essa informao pode ser retida na memria do indivduo ou, mais sutilmente, em suas estruturas de crenas e valores (grifo do autor).

As experincias e conhecimentos prprios desses indivduos sobre as atividades e funes constantes do seu dia-a-dia profissional dentro do ambiente de trabalho fazem parte de suas memrias, e, na maioria das vezes, so armazenadas apenas na mente. Em funo disso ele recorre dentro da memria individual memria-meta19, [...] que utilizada sempre que um indivduo no sabe como resolver um problema, mas sabe onde ou com quem buscar a soluo deste problema (LEHNER; MAIER, 2000, apud LAsPISA, 2007, p. 39). Almeida (2006, p. 55) considera que a cultura organizacional a forma aprendida de perceber, pensar e sentir os problemas da organizao que so transmitidos aos seus membros. Incorpora experincias passadas que so teis para lidar com o futuro (grifo do autor). A cultura pode modificar-se a cada nova experincia, j que um processo vivo, podendo as experincias passadas auxiliar nas decises futuras, o que faz com que a cultura se torne um tipo de armazenagem organizacional (LAsPISA, 2007, p. 39).

17

LEHNER Franz; MAIER, Ronald K. How can organizational memory theories contribute to organizational memory systems? Computer Science, v. 2, n. 3-4, p. 277-298, out. 2000. 18 WALSH, James P.; UNGSON, Gerardo Rivera. Organizational memory.The Academy of Management Review, v. 16, n.1, p. 57-91, jan. 1991. 19 O termo meta, segundo Laspisa (2007, p. 39), vem do termo ingls, meta-data, que usado para sistemas de arquivo. A meta-data uma etiqueta anexada a um documento, que contm as informaes necessrias para arquivar e localizar este documento, tais como, o ano produzido, os autores, as palavras-chave, o resumo, etc.

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As transformaes de toda sorte que ocorrem na organizao tambm possuem informaes. A transformao de matria prima em produto, a introduo de um novo equipamento no processo de produo, a entrada de um novo funcionrio, etc. As transformaes, que ocorrem por toda a empresa como prticas de trabalho, esto em constante transformao e so construdas sobre experincias passadas (ALMEIDA, 2006, p. 55). As experincias dos indivduos ficam agregadas aos processos e procedimentos individuais, contudo, quando os indivduos trabalham em conjunto o sistema utilizado pelo grupo para armazenar e processar os conhecimentos mais complexo do que a memria individual (LEHNER; MAIER, 2000; WALSH; UNGSON, 1991, apud LAsPISA, 2007, p. 39). A estrutura organizacional fator de influncia do comportamento dos indivduos junto ao ambiente. Dentro de uma organizao a sua estrutura organizacional determinar os papis de seus funcionrios no ambiente de trabalho (LEHNER; MAIER, 2000; WALSH; UNGSON, 1991 apud LAsPISA, 2007, p. 40). Essa ao faz com que os indivduos revestidos por cargos acumulem fatos e informaes sobre a organizao, ligando a memria individual com a memria organizacional. A ecologia, ou estrutura fsica do local de trabalho, tambm um repositrio de dados, informaes e memrias.

[...] toda a situao e composio fsica do ambiente de trabalho contm informaes sobre a organizao. O status ou desempenho de um funcionrio freqentemente representado pela aparncia do seu local de trabalho [...]. Assim a ecologia do ambiente do trabalho estabelece e influencia as normas e os comportamentos pessoais dentro de uma organizao (LEHNER; MAIER, 2000; WALSH; UNGSON, 1991 apud LAsPISA, 2007, p. 40).

Para Almeida (2006, p. 55) a ecologia [...] codifica e revela informaes, [...] ajuda a moldar e refora as prescries de comportamento dentro da organizao, retendo informao sobre uma organizao e sobre seus membros.

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Quanto aos arquivos externos, so todas as informaes sobre uma organizao que existem fora dela, ou seja, as informaes sobre outras organizaes envolvidas no mercado, produtos, pessoas e at as que so levadas pelos ex-membros de uma organizao (LAsPISA, 2007). Para Almeida (2006, p. 56):

A importncia dos arquivos externos reside no fato de que a organizao, por si prpria, no o nico repositrio de seu passado. Quando ocorrem falhas na memria de um indivduo, ele busca a ajuda de colegas para relembrar sobre um evento. Da mesma forma, uma organizao est em um ambiente em que outras instituies acompanham suas aes. Embora no faam parte da memria de uma organizao, essas fontes guardam informaes sobre o seu passado que podem ser recuperadas (grifo do autor).

No trabalho de Laspisa (2007), o autor apresenta uma divergncia de opinio entre os autores estrangeiros citados. Para Walsh e Ungson (1991), somente as informaes que existem fora da organizao so considerados arquivos externos, ou seja, fora do ambiente fsico da organizao. Entretanto, Lehner e Maier (2000) incluem os documentos fsicos e digitais armazenados como arquivos externos [...] os livros, os manuais corporativos, os bancos de dados e os sistemas de arquivos, ou seja os arquivos externos so as memrias externas a memria individual (apud, LAsPISA, 2007, p. 40). Neste trabalho privilegiou-se a opinio dos autores Walsh e Ungson (1991, apud LAsPISA), ou seja, que os arquivos de uma organizao no so locais de armanezamento externo da memria organizacional, em funo do conceito estar mais prximo e coerente com a cincia arquivstica e com autores do segmento:

Conjunto de documentos produzidos e acumulados por uma entidade coletiva, pblica ou privada [...], no desempenho de suas atividades, independentemente da natureza do suporte (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p.27).

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Roussseau e Couture (1988, apud FONSECA, 1999, p. 151) deixam bem claro esses conceitos de arquivos internos e externos ao apontarem as duas

dimenses dos arquivos em relao organizao: os orgnicos e os no orgnicos.

[...] Todos os membros da organizao tm necessidade de informao para cumprir suas funes respectivas. As informaes necessrias sero buscadas no interior ou no exterior da organizao. Estas informaes podem ser verbais ou registradas sobre suportes, como, por exemplo, o papel, a fita magntica, o disco tico ou o microfilme. Podem ser orgnicas, quer dizer, elaboradas, expedidas ou recebidas no quadro das funes do organismo ou no orgnicas, quer dizer, produzidas fora do quadro das funes do organismo [...] As informaes registradas orgnicas nascem no arquivo do organismo (grifo nosso).

Portanto, com o objetivo de enquadrar os arquivos das organizaes na estrutura de locais de armazenamento da memria organizacional, considerar-se-, alm dos cinco componentes j citados, o componente arquivos internos, para identificar os arquivos orgnicos, ambiente de trabalho do sujeito pesquisado velho arquivista. Uma vez identificados os locais de armazenamento da memria organizacional, indivduos, cultura, transformaes, estruturas, ecologia, arquivos internos e arquivos externos, h de se considerar o fator recuperao da informao a partir das estruturas de reteno, que pode ser automtico e controlado. Para Almeida (2006, p. 56), a recuperao automtica:

[...] diz respeito s situaes onde a informao sobre as decises do presente extrada intuitivamente, como funo da execuo de uma seqncia de ao estabelecida e rotineira. No nvel organizacional, a recuperao automtica ocorre quando comportamentos presentes so baseados em prticas anteriores e, em seguida, codificados em transformaes, estrutura, cultura e ecologia.

Segundo o mesmo autor a recuperao controlada:

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[...] varia em funo da forma de reteno considerada. Indivduos podem recuperar a informao fazendo analogias com decises coletivas do passado, e podem, individualmente, ajudar colegas a relembrar. Nesse sentido, memrias individuais diversas e conflitantes possibilitam um processo de recuperao mais efetivo. A informao sobre o processo estmulo-resposta de decises passadas pode ser conscientemente recuperado, por um indivduo ou conjunto de indivduos, com ou sem o uso de tecnologia (ALMEIDA, 2006, p. 56).

Agrega-se ao discurso de Almeida (2006), o termo recuperao automatizada para se referir memria resgatada a partir de recursos tecnolgicos: hardware, software, linguagem de programao e banco de dados.

4.3 Memria Arquivstica

Depois de incluir os arquivos das organizaes como locais de armazenamento da memria organizacional, cabe discorrer acerca da memria arquivstica, que, por conseqncia, est inclusa na memria organizacional. Segundo Simon (1970, apud ALMEIDA, 2006, p. 12),

[...] a memria pode ser natural ou artificial: a informao pode ser guardada tanto na memria propriamente dita, como pode ser registrada por escrito, de maneira a ser tornar acessvel. A memria artificial, que abrange bibliotecas, arquivos e registros, constitui o tipo de memria mais importante nas organizaes.

Essa memria de que fala Simon para efeito desta pesquisa a Memria Arquivstica. As organizaes acumulam documentos no desenvolvimento de suas atividades e para que seja possvel um melhor desempenho importante que esses documentos estejam organizados e disponibilizados para consulta, quer nos ambientes de trabalho (arquivo corrente), quer no arquivo geral (arquivo intermedirio e permanente). E para esse trabalho de construo, manuteno e

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recuperao constante da memria arquivstica devem ser dispensados recursos humanos, materiais e tecnolgicos. No entanto, numa organizao a memria arquivstica pode ser destruda a cada dia que passa, dependendo do tratamento que lhe for dispensado. Segundo Laspisa (2007, p. 42) pode ser em funo de uma poltica da amnsia organizacional, devido corrupo, algumas empresas queimam seus arquivos para no serem incriminadas [...]. Para Robert (1990, apud JARDIM, 1995, p. 4) os arquivos constituem a memria de uma organizao qualquer que seja a sociedade, uma coletividade, uma empresa ou uma instituio, com vistas a harmonizar seu funcionamento e gerar seu futuro. Eles existem porque h necessidade de uma memria registrada. Jardim (1995) reconhece que a memria resgatvel pelo fazer arquivstico uma memria registrada e conclui atravs de Mathieu e Cardin que:

[...] a memria registrada no um resultado esttico. um processo que serve s exigncias das organizaes. Ela procura um sentido nos conhecimentos aos quais se refere uma organizao e a partir dos quais ela se constitui. A memria registrada mediatiza a reflexo derivada do pensamento organizacional para analisar uma situao, ela assegura decises que sustentam a ao e orienta o desenvolvimento das operaes (MATHIEU; CARDIN,1990, p.110 apud JARDIM 1995, p.5).

Ainda apoiado no pensamento dos mesmos autores Jardim (1995, p. 5) traz a seguinte reflexo sobre os arquivos:

[...] eles so memria, antes de ser informao. A informao tem qualquer coisa de neutra, de annima. Os arquivos so prticas de identidade, memria viva, processo cultural indispensvel ao funcionamento no presente e no futuro (MATHIEU; CARDIN, 1990, p.114 apud JARDIM, 1995, p. 5).

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Portanto, a memria arquivstica organizacional a que se refere nesta pesquisa a memria organizacional que pode ser resgatada atravs da memria arquivstica (memria artificial) ou pela memria do arquivista (memria natural). Ressalte-se que mesmo sendo resgatada pela memria artificial, h tambm a interveno do arquivista.

Vale observar como ainda predomina no pensamento e prticas arquivsticas a associao imediata entre arquivos e memria. Com muita freqncia, privilegia-se, nestes casos, a noo de memria como dado arqueologizvel, coisa que se resgata, construo do arquivista. (JARDIM, 1998, n.p.).

A memria artificial engloba a informao registrada nos documentos que fazem parte dos fundos arquivsticos20, colees e sries referentes memria oficial da organizao. A busca por esses documentos e a disponibilizao para os clientes internos e externos tarefa do arquivista, seja ele investido de cargo/funo oficial ou representado de forma oficiosa. Para esse atendimento o arquivista deve compreender a organizao, sua misso, seu negcio, sua filosofia, sua cultura, etc., ou seja, as circunstncias, contextos psicossociais e econmicos em que tais atividades foram desenvolvidas. No basta, portanto, o entendimento das atividades estanques, mas sim a contextualizao num organismo integrado, da mesma forma no basta o entendimento do documento isoladamente, mas sob a tica do interrelacionamento orgnico. tarefa difcil entender e controlar o que se constitui de forma no intencional, obedecendo ordem natural dos fatos administrativos e da contextualidade que permeia os documentos e isso muito bem explicado nos princpios da Arquivstica: Provenincia = os documentos de uma mesma procedncia no devem se misturar com os de outra procedncia.

20

Conjunto de documentos de uma mesma provenincia. (ARQUIVO NACIONAL, p. 97)

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[...] os documentos deviam ser agrupados por fundos [fonds], isto , todos os documentos originrios de uma determinada instituio, tal como uma entidade administrativa, uma corporao ou uma famlia, seriam agrupados e considerados o fundo daquela determinada instituio (SCHELLENBERG, 1973, p. 209).

Ordem original = Os documentos so produzidos com base em um procedimento, pelo qual inatamente uns vo se colocando aps os outros. Os registros arquivsticos no so coletados artificialmente, mas acumulados naturalmente, de maneira contnua e progressiva, representando a ordem que os fatos ocorreram na administrao.

exatamente porque resultantes de uma acumulao natural, necessria e no- gratuita, que os documentos so dotados de organicidade, isto , da capacidade de refletir a estrutura, funes e atividades da entidade acumuladora (CAMARGO, 2003?, p. 1).

Indivisibilidade ou integridade: a disperso de documentos pode comprometer a inteligibilidade do arquivo.

[...] os fundos de arquivo devem ser preservados sem disperso, mutilao, alienao, destruio no autorizada ou adio indevida [...] (BELLOTTO, 2002, p. 21).

Duchein (1982) ressalta a importncia de respeitos aos fundos, atravs da analogia de stio arqueolgico, quando as peas resgatadas nas escavaes eram extradas de seu contexto e encaminhadas isoladamente para museus, desfazendo dessa forma toda a relao que existia entre elas. Da mesma forma o documento retirado do seu contexto original (fundo) perde a efervescncia de significados e de leituras, induzindo a compreenses vagas e/ou distorcidas.

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Como se v, o trabalho do arquivista subjetivo, contextual, circunstancial, memorial, arqueologizvel. Um arquivo um mundo que se

constitui de forma cumulativa e no intencional, ou seja, ele vem se compondo a partir da gerao e recebimento de documentos que registram os fatos administrativos e afetam a vida da organizao. Portanto, no h uma prconcepo e, por isso, a ordem que d sentido a ele no est pr-estabelecida. No h rigidez, h sim um entendimento para uma melhor classificao, implicando num trabalho reflexivo, onde a investigao constante em torno do que est escrito e tambm do que no est. um trabalho arqueolgico, conforme Foucault (2007, p. 147) tambm ressalta:

O arquivo , de incio, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares. Mas o arquivo , tambm, o que faz com que todas as coisas ditas no se acumulem indefinidamente em uma massa amorfa, no se inscrevam tampouco, em uma linearidade sem ruptura e no desapaream ao simples acaso de acidentes externos, mas que se agrupem em figuras distintas, se componham umas com as outras segundo relaes mltiplas, se mantenham ou se esfumem segundo regularidades especficas.

O conceito de arquivo de Foucault (2007) revolucionou o entendimento para o formato de organizao dos corpus a serem analisados, agora no mais vistos de forma linear e cronolgica, mas sim a partir da diversidade, da temtica e do discurso, tornando o arquivista um agente de formao da memria. Encontra-se esse entendimento em vrios autores da cincia arquivstica.

Assim como no h um sentido pr-concebido, em um arquivo no h um padro rgido de organizao dos documentos a ser seguido, uma ordem impecvel a ser mantida. Da mesma forma, o trabalho em um arquivo no deve ser mecnico, voltado para o interior do mesmo, mas sim, investigativo, reflexivo, buscando-se as pistas deixadas pelos sujeitos, pelos dizeres enunciados e, tambm, pelos silenciados, constituindo, assim, uma escavao arqueolgica nos moldes propostos por Michel Foucault. Nesta perspectiva, o arquivo se constituiria como um verdadeiro organismo vivo e mutvel (FERRAREZI, 2007, p. 162). Todo arquivo pressupe inscries, marcas, impresses, assim como a decodificao das inscries e das marcas e o armazenamento e a

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preservao das impresses. Todo arquivo pressupe, tambm, um lugar de consignao - um lugar de reunio dos signos - e uma tcnica de repetio (MELENDI, 2002, n. p.). Sem dvida, a memria uma dimenso inerente ao campo arquivstico, mas os arquivos no so apenas lugares de memria. [...] A memria no espao arquivstico s ativada, porm, se em tais lugares de memria forem gerenciados tambm lugares de informao, onde esta no apenas ordenada, mas tambm transferida. Se a memria no neutra, muito menos a informao (JARDIM, 1998, n.p).

Acessar o passado remoto, o passado recente e o presente na forma textualizada s possvel atravs dos arquivos permanente, intermedirio e corrente, respectivamente, repositrios dos documentos da memria organizacional.

Atravs dos milnios, os arquivos tm representado, alternada e cumulativamente, os arsenais da administrao, do direito, da histria, da cultura e da informao. A razo pela qual eles puderam servir a tantas finalidades que os materiais arquivsticos, ou registros documentais, representam um tipo de conhecimento nico: gerados ou recebidos no curso das atividades pessoais ou institucionais, como seus instrumentos e subprodutos, os registros documentais so as provas primordiais para as suposies ou concluses relativas a essas atividades e s situaes que elas contriburam para criar, eliminar, manter ou modificar. [...] Essa capacidade dos registros documentais de capturar os fatos, suas causas e conseqncias, e de preservar e estender no tempo a memria e a evidncia desses fatos, deriva da relao especial entre os documentos e a atividade da qual eles resultam [...] (DURANTI, 1994, p.49-50).

Na gesto da informao arquivstica, a informao, a princpio, conservada e gerida em funo do seu valor imediato (administrativo, legal, financeiro e probatrio), tendo em vista estar relacionada diretamente ao processo decisrio da organizao. Mais adiante, revestida de valor mediato, pelo carter de testemunho ou histrico (JARDIM, 1999). Tanto para a tomada de deciso como para pesquisa histrica, o fator memria imprescindvel, a memria que o arquivo comporta a concentrao de tudo que ali est e a memria da mente do velho arquivista, que consegue se renovar cada vez que se faz alguma escavao, portanto, arquivo vivo e no morto como ainda indevidamente conhecido e chamado pela cultura arquivstica brasileira.

5 METODOLOGIA DA PESQUISA

O campo da pesquisa no tocante a espao so as organizaes e o lugar desse campo so os arquivos das organizaes, onde atua a figura do sujeito da pesquisa, o velho arquivista. Investigou-se a histria de vida no trabalho do sujeito, rica de detalhes, peculiaridades e subjetividades, as quais, depois de organizadas geraram novos conhecimentos. Minayo (2000, p. 53) concebe campo de pesquisa como:

[...] o recorte que o pesquisador faz em termos de espao, representando uma realidade emprica a ser estudada a partir das concepes tericas que fundamentam o objeto da investigao. [...] Alm do recorte espacial, em se tratando de pesquisa social, o lugar primordial o ocupado pelas pessoas e grupos convivendo numa dinmica de interao social. Essas pessoas e esses grupos so sujeitos de uma determinada histria a ser investigada, sendo necessria uma construo terica para transform-los em objetos de estudo. Partindo da construo terica do objeto de estudo, o campo tornase um palco de manifestaes de intersubjetividade e interaes entre pesquisador e grupos estudados, propiciando a criao de novos conhecimentos (grifo do autor).

5.1 Natureza da Pesquisa

Em funo do objeto de estudo, a pesquisa caracteriza-se como emprica de campo, descritiva, de natureza qualitativa, pois possibilita a aproximao e envolvimento com o sujeito, conhecendo sua historicidade, imprescindveis para atingir aos objetivos propostos e procura determinar a incidncia e distribuio de certas caractersticas e opinies de pessoas, de tal modo a obter e estudar tais caractersticas e percepes da populao em questo.

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Minayo (2000, p. 51) entende que:

[...] o trabalho de campo se apresenta como uma possibilidade de conseguirmos no s uma aproximao com aquilo que desejamos conhecer e estudar, mas tambm de criar