Vanessa Andrade Martins Pinto - Oswaldo Cruz Foundation
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Vanessa Andrade Martins Pinto
Os Sentidos Atribuiacutedos pelos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo
de Sauacutede Mental
Rio de Janeiro
2017
Vanessa Andrade Martins Pinto
Os Sentidos Atribuiacutedos pelos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo
de Sauacutede Mental
T
Tese apresentada ao Programa de Poacutes-
graduaccedilatildeo em Sauacutede Puacuteblica da Escola
Nacional de Sauacutede Seacutergio Arouca na
Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz como requisito
parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em
Sauacutede Puacuteblica Aacuterea de concentraccedilatildeo Sauacutede
Mental
Orientador Prof Drordm Paulo Duarte de
Carvalho Amarante
Coorientadora Profordf Drordf Ana Elisa Bastos
Figueiredo
Rio de Janeiro
2017
Catalogaccedilatildeo na fonte
Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz
Instituto de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo Cientiacutefica e Tecnoloacutegica
Biblioteca de Sauacutede Puacuteblica
P659s Pinto Vanessa Andrade Martins
Os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede
da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo de sauacutede mental Vanessa Andrade
Martins Pinto -- 2017
162 f tab graf
Orientador Paulo Duarte de Carvalho Amarante
Coorientadora Ana Elisa Bastos Figueiredo
Tese (Doutorado) ndash Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz Escola Nacional
de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca Rio de Janeiro 2017
Vanessa Andrade Martins Pinto
Os Sentidos Atribuiacutedos pelos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo
de Sauacutede Mental
Tese apresentada ao Programa de Poacutes-
graduaccedilatildeo em Sauacutede Puacuteblica da Escola
Nacional de Sauacutede Seacutergio Arouca na
Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz como requisito
parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em
Sauacutede Puacuteblica Aacuterea de concentraccedilatildeo Sauacutede
Mental
Aprovada em 07 de Abril de 2017
Banca Examinadora
Prof Drordf Anna Luiza Castro Gomes
CCSUFPB
Profordm Drordm Cesar Augusto Orazem Favoreto
FCMUERJ
Profordf Drordf Elyne Montenegro Engstrom
ENSPFIOCRUZ
Profordf Drordf Maacutercia Cristina Rodrigues Fausto
ENSPFIOCRUZ
Profordm Drordm Paulo Duarte de Carvalho Amarante
ENSPFIOCRUZ
Rio de Janeiro
2017
Aos meus pais Neuza e Luiz Gonzaga (in memoriam)
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeccedilo a Deus pela forccedila e sabedoria na realizaccedilatildeo de mais um
projeto
Difiacutecil seria aqui nomear a todos que direta e indiretamente contribuiacuteram para que
este trabalho pudesse se concretizar
Ao meu orientador e mestre Paulo Amarante uma pessoa insubstituiacutevel Sua
capacidade de lutar pela vida eacute fantaacutestica Acima de tudo me ensinou o valor da vida e a
importacircncia da luta por uma sociedade onde as diferenccedilas sejam respeitadas e natildeo
desprezadas O final do ano de 2013 e inicio do ano de 2014 foram periacuteodos muito nebulosos
mas que conseguimos superar com feacute e esperanccedila
Agrave minha segunda orientadora Ana Elisa pelo acolhimento desde o primeiro contato
em sua disciplina ateacute a extensatildeo em sua casa onde passamos diversas tardes de extensas
leituras e reflexotildees Foi imprescindiacutevel
Agrave minha turma do doutorado e ao nosso coletivo de pesquisa ndash Laboratoacuterio de Estudos
e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial (Laps) pelas valiosas contribuiccedilotildees e
encorajamento para seguir em frente
Agrave toda a equipe da Cliacutenica da Famiacutelia participantes desse estudo que me recebeu
generosamente abrindo-se agraves reflexotildees dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Agraves minhas chefias do Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ e do Hospital Municipal
Rocha Maia pela compreensatildeo nesse periacuteodo que estive dividida entre o cotidiano laboral e a
pesquisa
Aos meus familiares e amigos que participaram desta jornada em diferentes
momentos estando proacuteximos ou a distacircncia que foram apoio suportando as minhas loucuras
nessa empreitada sem os quais nada teria sentido
Quando suportamos a posiccedilatildeo de cuidador navegamos por aacuteguas escuras e operamos
manobras de alta complexidade
LANCETTI 2014 p107
RESUMO
Foi realizado um estudo de natureza qualitativa do tipo estudo de caso descritivo-
analiacutetico em uma Cliacutenica da Famiacutelia na zona sul da cidade do Rio de Janeiro Com o objetivo
geral de estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
(ESF) acerca do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do
territoacuterio de sua responsabilidade A coleta de dados incluiu dois instrumentos diaacuterio de
campo e entrevistas semi-estruturadas Foram entrevistados vinte e dois (22) profissionais
nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) cinco (5) meacutedicos residentes trecircs (3)
enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores Utilizou-se a
teacutecnica de Anaacutelise do Discurso como referencial teoacuterico-metodoloacutegico As denominaccedilotildees
utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasordquo de sauacutede mental se relacionaram
principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade sofrimento psiacutequico e todo
caso pode ser um caso de sauacutede mental Os meacutedicos residentes utilizaram-se de termos
teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da
psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda
euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico Os enfermeiros
tambeacutem usaram termos teacutecnicos psiquiaacutetricos Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico
esquizofrenia ansiedade doenccedila mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais
ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias
desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Os teacutecnicos de enfermagem trouxeram uma
visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia
comportamentos estereotipados Jaacute os agentes comunitaacuterios de sauacutede foram os trabalhadores
que menos utilizaram termos diagnoacutesticos e trouxeram um entendimento mais amplo das
vaacuterias situaccedilotildees da vida estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho
casamento mal sucedido crianccedilas com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo
econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou social desagregador Apesar dos discursos dos
profissionais mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na
Cliacutenica da Famiacutelia estudada reuniatildeo semanal de equipe com discussatildeo conjunta dos casos a
relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila o
deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e desmedicalizantes
Palavras-chave Sauacutede Mental Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede Integralidade em Sauacutede Equipe
Multidisciplinar
ABSTRACT
A qualitative descriptive-analytical case study was carried out at a Family Clinic in
the southern area of Rio de Janeiro city The general objective was to study the meanings
attributed by Family Health Strategy (ESF) professionals on what they perceive as mental
health cases in the adult population in the territory of their responsibility Data collection
included two instruments field journal and semi-structured interviews Twenty-two (22)
professionals were interviewed nine (9) community health agents (ACS) five (5) resident
physicians three (3) nurses three (3) nursing technicians and two (2) preceptor physicians
The Discourse Analysis technique was used as a theoretical-methodological reference The
names used by preceptor physicians to name a mental health case were mainly related to
the field of Family and Community Medicine psychological suffering and any case can be a
case of mental health Resident physicians either used technical terms or made some
correlation with the nosographic categories of the field of psychiatry schizophrenia
hallucinations anxiety disorder deep depression euphoria except in a speech where the
term psychic suffering was used The nurses also used psychiatric technical terms simple
depression panic syndrome schizophrenia anxiety mental illness except in a speech that
addressed a broader view correlated with the discomforts of life (relationship difficulties
unstructured families violence and drug use) The nursing technicians brought a vision of
the asylum mode with emphasis on psychotropic medication stereotyped behaviors family
tutelage and family dependence Community health agents were the ones to least use
diagnostic terms and to bring a broader understanding of various life situations stress
violence drug addiction job problems unsuccessful marriage children with social
relationship difficulties the economic crisis family or social isolating environments Despite
the assessment of the professionals indicative changes in clinical practice were observed in
the Family Clinic under scrutiny weekly team meetings for joint discussion of the cases the
professional focus centered on the patient and their family nucleus instead of the disease the
shift from individual consultation to more collective and de-medicalizing practices
Keywords Mental Health Primary Health Care Integrality in Health Multidisciplinary
Team
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Quadro 1 ndash Os Movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo 30
Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede 36
Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 89
Meacutedicos Preceptores
Figura 2 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 99
Meacutedicos Residentes
Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 111
Enfermeiros
Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 120
Teacutecnicos de Enfermagem
Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 127
Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABS Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede
ACS Agente Comunitaacuterio de Sauacutede
APS Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
AM Apoio Matricial
UBS Unidade Baacutesica de Sauacutede
CID-10 Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados
com a Sauacutede em sua deacutecima ediccedilatildeo
CF Cliacutenica da Famiacutelia
CNSM Conferencia Nacional de Sauacutede Mental
DAB Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica
DSM Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais
ESB Equipe de Sauacutede Bucal
ESF Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
EqSF Equipe de Sauacutede da Famiacutelia
MS Ministeacuterio da Sauacutede
MFC Medicina de Famiacutelia e Comunidade
NASF Nuacutecleo de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia
NOB Norma Operacional Baacutesica
OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
OPAS Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede
OS Organizaccedilatildeo Social
OTICS Observatoacuterio de Tecnologias de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Serviccedilos de
Sauacutede no Rio de Janeiro
PMAQ-AB Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica
PNAB Programa Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica
PNAC Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede
PRMFC Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade
PSF Programa de Sauacutede da Famiacutelia
RAPS Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial
SAS Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede
SF Sauacutede da Famiacutelia
SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede
SUMAacuteRIO
1 APRESENTACcedilAtildeO
11 Trajetoacuteria e motivaccedilatildeo 12
2 INTRODUCcedilAtildeO 13
3 OBJETIVOS 31 Objetivo geral 20
32 Objetivos especiacuteficos 20
4 QUADRO TEOacuteRICO
41 Definiccedilatildeo de Termos 20
42 Modelos de Atenccedilatildeo em Sauacutede 29
43 Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede 34
44 A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 42
45 Os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 51
46 Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental Transformaccedilotildees de Paradigma 57
47 Medicalizaccedilatildeo do Social 60
48 Meacutetodo Cliacutenico Centrado na Pessoa 66
5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS
51 Etapas do estudo 71
52 Tipo de Estudo 72
53 Campo do Estudo 72
54 Participantes do Estudo 74
55 Procedimento para coleta dos dados 74
56 Forma de Anaacutelise dos dados 75
57 Aspectos Eacuteticos 77
6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
61 Descrevendo o Campo 78
62 Anaacutelise das entrevistas 82
621 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Preceptores 89
622 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Residentes 99
623 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Enfermeiros 111
624 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Teacutecnicos de Enfermagem 120
625 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede 127
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 138
REFEREcircNCIAS 146
APENDICES
APENDICE I - Roteiro de Entrevista 160
APENDICE II - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 161
12
1 APRESENTACcedilAtildeO
11 Trajetoacuteria e Motivaccedilatildeo
A opccedilatildeo pelo tema parece-me uma escolha coerente com minha histoacuteria recente e com
as atividades que venho desenvolvendo no aprimoramento multiprofissional Descobri o
Campo da Sauacutede Mental e da Atenccedilatildeo Psicossocial ao final da minha graduaccedilatildeo em
Enfermagem e Obstetriacutecia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Momento no
qual resolvi prestar concurso para Residecircncia Multiprofissional de Sauacutede Mental pela
Secretaria Municipal de Sauacutede Fui aprovada e iniciei o curso aprendi e visualizei a
importacircncia do trabalho multidisciplinar e a impossibilidade de se trabalhar em sauacutede sem
uma visatildeo integral que implicasse em uma rede de cuidados
Tive a oportunidade tambeacutem de ser aprovada no concurso para enfermeira da UFRJ e
pude ter o privileacutegio de escolher trabalhar no Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ Dei
continuidade ao que me interessava no cuidado em sauacutede mental em participaccedilotildees no
Laboratoacuterio de Pesquisa em Enfermagem em Psiquiatria e Sauacutede Mental (LAPEPS) agrave eacutepoca
coordenado pela Professora Cristina Loyola quando pude comeccedilar a aprender como
funcionam as investigaccedilotildees cientiacuteficas e os processos de coleta de dados Iniciei meu
mestrado nesse laboratoacuterio na linha de pesquisa ldquoArte e Sauacutede Mentalrdquo com o estudo
ldquoOficinas Terapecircuticas em Sauacutede Mental um olhar na perspectiva dos usuaacuterios do CAPSrdquo
realizado em um Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial na zona norte da cidade do Rio de Janeiro
Ao final do mestrado junto a minha experiecircncia de atuaccedilatildeo em um ambulatoacuterio
especializado de psiquiatria e mais recentemente na coordenaccedilatildeo de um projeto piloto na
porta de entrada denominado ldquoGrupo de Recepccedilatildeo e Encaminhamentordquo que tem como
proposta fazer com que as demandas solicitadas via Sistema de Regulaccedilatildeo (SISREG) do
Municiacutepio do Rio de Janeiro e demandas espontacircneas para atendimento especializado de
psiquiatria sejam acolhidas de acordo com a necessidade de cada usuaacuterio respectivo territoacuterio
e serviccedilos de referecircncia considerando a Portaria nordm 4279GMMS de 30 de dezembro de
2010 que estabelece diretrizes para a organizaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede E mais
especificamente agrave Portaria nordm 3088 de 23 de dezembro de 2011 que Institui a Rede de
Atenccedilatildeo Psicossocial
Nos primeiros cinco meses de funcionamento desse projeto piloto do total de 142
agendamentos 57 compareceram e apenas 08 foram inseridos em nosso ambulatoacuterio
especializado As inuacutemeras dificuldades econocircmicas de transporte e de locomoccedilatildeo
comprometem o acesso da populaccedilatildeo a serviccedilos especializados Nesse momento comecei a
questionar como equipamentos mais proacuteximos do local de residecircncia como a Estrateacutegia
13
Sauacutede da Famiacutelia (ESF) poderiam contribuir de forma mais decisiva para o cuidado das
pessoas em sofrimento psiacutequico Nesse contexto comecei a elaborar meu projeto de
doutorado em busca de conhecer inicialmente a articulaccedilatildeo da sauacutede mental com a atenccedilatildeo
primaacuteria em um territoacuterio de alta vulnerabilidade social
Apoacutes o ingresso no Curso de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica com o desenvolvimento
das leituras e colaboraccedilatildeo das disciplinas cursadas percebi que seria mais viaacutevel e produtivo
primeiro investigar qual a compreensatildeo dos profissionais da ESF sobre o seu trabalho para
depois inferir o que consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental no acircmbito de suas accedilotildees Para
entatildeo perguntar como eacute o acompanhamento dessas pessoas por parte das equipes da ESF
(orientaccedilotildees procedimentos e relaccedilotildees intra e interinstitucionais) Essa descriccedilatildeo pode
permitir em uacuteltima instacircncia situar em que medida as equipes da ESF estabelecem relaccedilotildees
de troca com as equipes de sauacutede mental e com a rede de atenccedilatildeo em sauacutede do territoacuterio sob
sua responsabilidade
2 INTRODUCcedilAtildeO
Na uacuteltima deacutecada a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o Movimento da Reforma
Psiquiaacutetrica Brasileira tecircm trazido contribuiccedilotildees importantes no sentido da reformulaccedilatildeo do
modelo de atenccedilatildeo em sauacutede no paiacutes Ambos defendem os princiacutepios baacutesicos do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) e propotildeem uma mudanccedila radical no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede
privilegiando a descentralizaccedilatildeo a abordagem comunitaacuteriafamiliar promoccedilatildeo da cidadania e
construccedilatildeo da autonomia possiacutevel de usuaacuterios e familiares
Aleacutem disso apontam para a criaccedilatildeo de uma rede de cuidados que se articularia no
territoacuterio atraveacutes da criaccedilatildeo de parcerias intersetoriais e intervenccedilotildees transversais de outras
poliacuteticas puacuteblicas de acordo com a IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM)
Brasil (2010) Em detrimento do modelo assistencial biomeacutedico caracterizado pelo
atendimento agrave demanda espontacircnea eminentemente curativo hospitalocecircntrico de alto custo
e de baixa resolutividade Essas poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede vecircm trazendo grandes avanccedilos no
processo de municipalizaccedilatildeo da sauacutede contribuindo para a transformaccedilatildeo do modelo de
atenccedilatildeo vigente em nosso paiacutes e para a consolidaccedilatildeo de outros modos de se pensar e agir em
sauacutede que consideram sobretudo a cliacutenica do sujeito isto eacute que incluem aleacutem da doenccedila o
contexto e o proacuteprio sujeito (CAMPOS 2003)
Na deacutecada de 1970 a Conferecircncia de Alma Ata alertou para a necessidade de rever a
organizaccedilatildeo dos sistemas de sauacutede no mundo redirecionando-os para Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave
Sauacutede (APS) valorizando a assistecircncia no territoacuterio com estiacutemulo agrave promoccedilatildeo da sauacutede e
14
prevenccedilatildeo de doenccedilas Gerando as bases para que a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS)
desenvolvesse em 1981 a estrateacutegia ldquoSauacutede para Todos no Ano 2000rdquo que influiu no
desenvolvimento de curriacuteculos orientados para temas comunitaacuterios e a implantaccedilatildeo de novas
aacutereas de ensino voltadas para a educaccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede
Segundo Barbara Starfield (2002) estudiosa da APS na atualidade a APS eacute o primeiro
contato da assistecircncia continuada centrada na pessoa de forma a satisfazer suas necessidades
de sauacutede promovendo atenccedilatildeo longitudinal coordenando o cuidado e ampliando a oferta de
acesso agrave sauacutede Starfield sugere entatildeo os seguintes atributos para as praacuteticas da atenccedilatildeo
primaacuteria primeiro contato longitudinalidade integralidade e coordenaccedilatildeo
Embora muitos paiacuteses do mundo jaacute tenham adotado a atenccedilatildeo primaacuteria como
estrateacutegia chave na organizaccedilatildeo de seu sistema de sauacutede alguns mais recentemente vem-se
destacando na conduccedilatildeo de estudos que articulam estrateacutegias assistenciais e educacionais com
enfoque na sauacutede mental Nessa esfera do conhecimento paiacuteses como Canadaacute Austraacutelia e
Chile tecircm contribuiacutedo de forma valiosa (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)
Esses mesmos autores destacam que a Inglaterra por sua vez haacute mais de 20 anos tem
se consolidado como o local de maior tradiccedilatildeo de pesquisa em estrateacutegias educacionais em
sauacutede mental dirigidas para a atenccedilatildeo primaacuteria O primeiro estudo mais aprofundado sobre o
tema foi publicado na deacutecada de 1980 pelos professores Goldberg et al (1980) vinculados ao
Instituto de Psiquiatria de Londres Outros trabalhos identificaram que aspectos da
personalidade dos cliacutenicos gerais bem como suas habilidades na conduccedilatildeo da entrevista
cliacutenica eram fatores determinantes na capacidade desses cliacutenicos em identificar distuacuterbios
emocionais em seus pacientes
Outro centro de grande importacircncia na pesquisa educacional em sauacutede mental para a
atenccedilatildeo primaacuteria eacute o Departamento de Psiquiatria da Universidade de Manchester O grupo de
pesquisadores dessa Instituiccedilatildeo coordenado pela professora Linda Gask trabalha em
conjunto com o Instituto de Psiquiatria de Londres e possui vasta experiecircncia na conduccedilatildeo
bem como na avaliaccedilatildeo de cursos de sauacutede mental direcionados para profissionais da atenccedilatildeo
primaacuteria (GOLDBERG et al 1980)
No Reino Unido alguns dos programas mais recentes de capacitaccedilatildeo estatildeo
organizados por meio de momentos de concentraccedilatildeo mediados por facilitadores quando
profissionais de atenccedilatildeo primaacuteria (meacutedicos e enfermeiros) desenvolvem projetos
compartilhados com membros das equipes de sauacutede mental (psiquiatras enfermeiras
psiquiaacutetricas e psicoacutelogos) a partir das demandas concretas da assistecircncia satildeo constituiacutedos
planos de cuidados compartilhados o que acaba produzindo accedilotildees criativas junto aos
15
usuaacuterios ao mesmo tempo em que satildeo instituiacutedos novos canais de comunicaccedilatildeo entre as
unidades baacutesicas de sauacutede e os centros comunitaacuterios de sauacutede mental (PEREIRA COSTA amp
MEGALE 2012)
Em 2001 a OMS propocircs no relatoacuterio sobre a sauacutede no mundo - Sauacutede mental nova
concepccedilatildeo nova esperanccedila que os transtornos mentais sejam diagnosticados e tratados por
cliacutenicos gerais Para isso os cliacutenicos recebiam treinamentos e aprendiam os criteacuterios
diagnoacutesticos supostamente objetivos do Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais (DSM) para em seguida
comeccedilarem a diagnosticar e tratar pacientes isto eacute a prescrever medicamentos Zarifian 2003
apud Burkley 2009 indica que paiacuteses como a Franccedila onde jaacute existe haacute mais tempo uma
campanha para que cliacutenicos gerais atendam casos de transtorno mental 80 dos diagnoacutesticos
e prescriccedilotildees de psicotroacutepicos satildeo feitos por generalistas Em 2003 apenas 15 dos pacientes
com diagnoacutestico de depressatildeo se dirigiam a um psiquiatra enquanto os outros 85 eram
tratados por cliacutenicos gerais (PIGNARRE 2003 apud BURKLEY 2009)
Faz-se importante tambeacutem destacar que as primeiras iniciativas de se trabalhar a sauacutede
mental inserida nas comunidades aconteceram na Europa e Estados Unidos e apesar do
caraacuteter controlador que essas praacuteticas assumiam no sentido de medicalizar os problemas da
vida ainda assim puderam ser consideradas inovadoras na medida em que mudaram o setting
terapecircutico do cuidado do hospital psiquiaacutetrico para a comunidade minimizando o estigma e
a discriminaccedilatildeo (HOCHMANN 1972)
Segundo um grupo de estudos da OMS que se deteve no desenvolvimento de cuidados
de sauacutede mental para a APS a formaccedilatildeo e treinamento dos meacutedicos de famiacutelia devem ter
como enfoque a relaccedilatildeo meacutedicopaciente as teacutecnicas e praacuteticas do trabalho em equipe e o
desenvolvimento da capacidade para ouvir e se comunicar (OMS 2001)
Em alguns paiacuteses da Ameacuterica Latina entre eles o Brasil as accedilotildees da APS foram
induzidas por agecircncias internacionais entre elas United Nations Childrens Fund (UNICEF) e
Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPAS) reduzindo seus valores princiacutepios e bases
conceituais instituiacutedas em Alma-Ata (OMS 1978) a programas seletivos simplificados e
desvinculados das accedilotildees realizadas em outros niacuteveis de atenccedilatildeo Testa (1992) discorre que
esta poliacutetica quando adotada de forma restritiva torna a medicina pobre para os pobres como
poliacutetica racional e econocircmica de accedilotildees promovidas pelo Estado
Para distinguir a concepccedilatildeo seletiva da APS no Brasil o Ministeacuterio da Sauacutede passou a
utilizar o termo ldquoAtenccedilatildeo Baacutesicardquo definida como ldquoum conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito
individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos
16
o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutederdquo
Brasil (2006) Poreacutem neste estudo optou-se por utilizar o termo equivalente Atenccedilatildeo
Primaacuteria agrave Sauacutede como considerado na atual Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica e
reconhecido internacionalmente Essa Poliacutetica tem na Sauacutede da Famiacutelia sua estrateacutegia
prioritaacuteria para expansatildeo e consolidaccedilatildeo da APS (BRASIL 2012)
A inserccedilatildeo dos cuidados comunitaacuterios de sauacutede mental no Brasil foi incorporada e
veiculadas pelo movimento da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira que nasceu no bojo da
Reforma Sanitaacuteria tendo guardado consigo princiacutepios e diretrizes que orientam esta uacuteltima
em especial a universalidade integralidade descentralizaccedilatildeo e participaccedilatildeo popular A ideacuteia eacute
que os profissionais da APS possam se responsabilizar pelo cuidado em sauacutede mental Mas a
que se considerar que a proposta da sauacutede mental nos cuidados primaacuterios numa abordagem
exclusivamente bioloacutegica corre o risco de acarretar uma medicalizaccedilatildeo cotidiana
Segundo Souza (2012) a proposta que hoje estaacute consolidada como uma das diretrizes
da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Mental em nosso paiacutes ndash a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental
na atenccedilatildeo primaacuteria ndash pode ter comeccedilado a ser desenhada desde 1990 quando a Declaraccedilatildeo
de Caracas privilegiou os Sistemas Locais de Sauacutede como espaccedilo privilegiado para o
desenvolvimento das accedilotildees de sauacutede mental A autora ressalta que na II Conferecircncia Nacional
de Sauacutede Mental realizada em 1992 tambeacutem foi enfatizada a importacircncia da aproximaccedilatildeo
com a comunidade tendo como eixo os princiacutepios da desinstitucionalizaccedilatildeo e do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) Nesta Conferecircncia ainda se destacou a necessidade de capacitaccedilatildeo dos
Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) para o atendimento em sauacutede mental Nesse mesmo
ano a publicaccedilatildeo da PortariaSNAS nordm 224 estabelecia as diretrizes para o funcionamento dos
hospitais-dia e ambulatoacuterios e apontava para a necessidade de maior integraccedilatildeo com a
comunidade e inserccedilatildeo das pessoas em sofrimento psiacutequico nas redes sociais aleacutem de
normatizar o atendimento em sauacutede mental nas redes do SUS (BRASIL 1992)
A III Conferecircncia Nacional de Sauacutede Mental que foi realizada somente em 2001
reiterou a necessidade de ampliar as accedilotildees de sauacutede mental para o eixo territorial e
intensificou o debate sobre a importacircncia da reorientaccedilatildeo do modelo assistencial Nesta
Conferecircncia ficou estabelecido que uma estrateacutegia a ser adotada para a reversatildeo do modelo
assistencial seria a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria o que pode ser
considerado como afirma Souza (2012) uma estrateacutegia para se alcanccedilar a integralidade no
atendimento agraves questotildees relacionadas agrave sauacutede mental Aleacutem disso tambeacutem em 2001 foi
sancionada a Lei 10216 que afirma os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais
e redireciona o modelo assistencial em sauacutede mental
17
Na avaliaccedilatildeo de um treinamento em cuidados primaacuterios agrave sauacutede mental para meacutedicos
dos serviccedilos primaacuterios de sauacutede no Brasil Ballester (1996) defende tambeacutem a capacitaccedilatildeo em
psicofarmacologia no entanto argumenta que a ecircnfase na abordagem farmacoloacutegica pode
gerar certa ldquomedicalizaccedilatildeordquo da populaccedilatildeo atendida no primeiro momento jaacute que o
treinamento em sauacutede mental poderaacute resultar em um maior nuacutemero de transtornos mentais
diagnosticados Por essa razatildeo eacute necessaacuterio que haja o aperfeiccediloamento da capacidade dos
meacutedicos de distinguir entre problemas existenciais situaccedilotildees estressantes da vida problemas
de viacutenculo familiar e social dos transtornos mentais propriamente ditos para que natildeo ocorram
prescriccedilotildees desnecessaacuterias (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)
Em um estudo mais recente Ballester e colaboradores (2005) estudaram 41 cliacutenicos
gerais que atuavam na atenccedilatildeo primaacuteria em duas cidades da regiatildeo Sul do Brasil com o
intuito de identificar possiacuteveis barreiras no atendimento aos portadores de transtornos
mentais Apoacutes a conduccedilatildeo de grupos focais anaacutelise de conteuacutedo do material transcrito e
revisatildeo da literatura atual os autores chegaram agraves seguintes conclusotildees de cunho educacional
programas de formaccedilatildeo centrados exclusivamente no diagnoacutestico e no uso da medicaccedilatildeo
podem descaracterizar a atuaccedilatildeo do meacutedico na atenccedilatildeo primaacuteria cujo principal objetivo eacute
sustentar relacionamentos com pacientes portadores de problemas complexos com o intuito
de facilitar o atendimento e contribuir para com uma maior eficaacutecia no tratamento A
formaccedilatildeo em sauacutede mental oferecida nas escolas de medicina tem demonstrado notoacuteria
limitaccedilatildeo Alguns autores tecircm relatado modelos de integraccedilatildeo assistencialeducativa em sauacutede
mental no acircmbito da atenccedilatildeo primaacuteria alguns deles voltados para a integraccedilatildeo curricular de
residentes de psiquiatria e de medicina comunitaacuteria (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)
Fato interessante quando comparamos agrave experiecircncia de Satildeo Joseacute do Murialdo no Rio
Grande do Sul (RS) na deacutecada de 1970 que marcou a iniciativa de se trabalhar as accedilotildees de
sauacutede mental na comunidade em nosso paiacutes Esta surge basicamente como alternativa agrave
formaccedilatildeo meacutedica e natildeo como ao modelo assistencial Natildeo pretendia constituir-se em um
dispositivo substitutivo aos modelos vigentes de atenccedilatildeo agrave sauacutede Foi influenciado pelos
postulados da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede de Alma Ata e pelo modelo de serviccedilos de
medicina familiar do National Health System Inglecircs vinculado agrave Secretaria do Estado do RS e
estava conveniado a algumas universidades federais como a do RS marcando a importacircncia
de parcerias para o ecircxito da proposta Tambeacutem mantinha uma articulaccedilatildeo com o sistema local
de sauacutede e apresentava como caracteriacutesticas a multiprofissionalidade das accedilotildees a ecircnfase na
formaccedilatildeo de recursos humanos a participaccedilatildeo da comunidade e o desenvolvimento de
atividades de assistecircncia ensino e pesquisa Tendo o atendimento cliacutenico baseado no
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acolhimento e na busca da resolutividade Suas accedilotildees pautavam-se nas visitas domiciliares na
educaccedilatildeo em sauacutede nos programas para grupos de risco e num menu tiacutepico da atenccedilatildeo
primaacuteria Esta experiecircncia foi marcada pelo seu pioneirismo pela resistecircncia aos modelos de
formaccedilatildeo vigentes e pela articulaccedilatildeo com o sistema de sauacutede local (SOUZA 2012)
Todavia o delineamento de uma proposta para a Sauacutede Mental na APS no Brasil pelo
Ministeacuterio da Sauacutede ganhou ecircnfase em 2003 com a ediccedilatildeo de uma Circular Conjunta da
Coordenaccedilatildeo de Sauacutede Mental e Coordenaccedilatildeo de Gestatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica nordm 0103 Brasil
2003 Tambeacutem muito mais tarde com a Portaria 154 de 2008 que criou o Nuacutecleo de Apoio agrave
Sauacutede da Famiacutelia (NASF) e instituiu seu financiamento Na deacutecada de 2000 entatildeo com
financiamento e regulaccedilatildeo tripartite amplia-se fortemente a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial
(Raps) que passa a integrar a partir do Decreto Presidencial nordm 75082011 o conjunto das
redes indispensaacuteveis na constituiccedilatildeo das regiotildees de sauacutede Em dezembro desse mesmo ano foi
decretada a Portaria nordm 3088 que institui a RAPS (Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial) para pessoas
com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool
e outras drogas no acircmbito do SUS que deve ser constituiacuteda pelos seguintes componentes I
Atenccedilatildeo baacutesica em sauacutede II Atenccedilatildeo psicossocial especializada III Atenccedilatildeo de urgecircncia e
emergecircncia IV Atenccedilatildeo residencial de caraacuteter transitoacuterio e V Atenccedilatildeo hospitalar
Eacute bom lembrar que no Brasil embora tenham sido criados ateacute o ano de 2014 2129
Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) ndash serviccedilos que estatildeo se interiorizando e adensando
nos territoacuterios somados a 129 consultoacuterios de rua e 695 residecircncias terapecircuticas o nuacutemero de
serviccedilos bem como de profissionais da sauacutede mental capacitados para atender toda a
populaccedilatildeo brasileira ainda se mostra insuficiente (CHIORO 2014)
A despeito de estudos demonstrarem a importacircncia da integraccedilatildeo da sauacutede mental nos
cuidados primaacuterios como a melhor maneira de assegurar que as pessoas recebam os cuidados
de sauacutede mental de que precisam de uma forma mais holiacutestica respondendo agraves necessidades
de sauacutede mental das pessoas com doenccedilas fiacutesicas assim como agraves necessidades de sauacutede fiacutesica
das pessoas com sofrimento psiacutequico como apontam Prates Garcia e Moreno (2013) Souza e
Luis (2012) Cossetim e Olschowsky (2011) Neves Lucchese e Munari (2010) Souza e
Riviera (2010) satildeo praticamente inexistentes os trabalhos de natureza qualitativa sobre a
percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental por parte dos profissionais da ESF Sendo assim o
objeto deste estudo foram os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de
sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade
E como questotildees norteadoras Como os profissionais da ESF compreendem o seu
trabalho na ESF O que os profissionais da ESF consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental na
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populaccedilatildeo adulta de seu territoacuterio E como os profissionais da ESF identificam acompanham
eou encaminham esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental Problematizando a ampliaccedilatildeo do conceito
de sauacutede mental eou de transtorno mental tatildeo presente hoje em nossa sociedade
Com o aumento da cobertura da ESF na cidade do Rio de Janeiro que nos uacuteltimos
cinco anos (2009-2014) passou de 829 para 4486 de acordo com os dados do MSSAS
via Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB)- Brasil (2014) a capilaridade das accedilotildees de sauacutede
no territoacuterio foi expandida Com isso a demanda por atendimento em sauacutede mental tambeacutem
aumentou tanto para novos casos como para os casos que eram acompanhados em
ambulatoacuterios de psiquiatria e sauacutede mental em outras regiotildees respeitando-se o criteacuterio de
territorializaccedilatildeo
O pressuposto do estudo foi de que os profissionais da ESF teriam dificuldade de
identificar acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental no territoacuterio de sua
responsabilidade Sentiam-se muitas vezes despreparados e sobrecarregados e a demanda por
atendimento em sauacutede mental era tida como mais uma tarefa a ser executada E que haveria
uma atenccedilatildeo especial por parte dos trabalhadores da ESF para centralidade na administraccedilatildeo
da medicaccedilatildeo e no encaminhamento para serviccedilos especializados Ou seja a expansatildeo da ESF
poderia estar relacionada a uma medicalizaccedilatildeo do social
O acuacutemulo das experiecircncias ateacute aqui tem feito acreditar que uma rede diversificada de
serviccedilos de sauacutede mental articulada com a incorporaccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo
primaacuteria com parcerias na comunidade e intersetoriais poderiam contribuir para acelerar o
processo da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira oferecendo melhor cobertura de atenccedilatildeo ao
sofrimento psiacutequico que historicamente sempre apresentou grande dificuldade para entrar no
circuito de atenccedilatildeo agrave sauacutede no acircmbito do SUS
Desse modo com esse estudo esperamos que o papel da ESF no acircmbito das poliacuteticas
puacuteblicas de sauacutede mental seja apreciado dando subsiacutedios para que novos estudos avancem no
entendimento das accedilotildees de sauacutede mental na ESF tal como proposto na Agenda Nacional de
Prioridades de Pesquisa em Sauacutede (BRASIL MS 2011)
O que os profissionais da ESF de um dado territoacuterio consideram como ldquocasordquo de sauacutede
mental a partir da compreensatildeo da natureza do seu trabalho na ESF pode ser um potente
instrumento para a transformaccedilatildeo das praacuteticas de cuidado nos territoacuterios ratificando a APS e
os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica cuidado de base comunitaacuteria integral em liberdade e
trabalho em equipe Pois para se compreender a real capacidade da ESF em lidar com os
ldquocasosrdquo de sauacutede mental da comunidade eacute condiccedilatildeo primeira que se compreenda o
20
entendimento da equipe sobre o seu trabalho na ESF na perspectiva de uma APS abrangente
e integral na concepccedilatildeo de Alma-Ata
3 OBJETIVOS
31 Objetivo Geral
Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca
do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua
responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio do Rio de Janeiro
32 Objetivos especiacuteficos
321 Descrever como os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia compreendem o
seu trabalho
322 Identificar o que os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia consideram
ldquocasordquo de sauacutede mental
323 Discutir como estatildeo sendo identificados acolhidos acompanhados ou
encaminhados os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
4 QUADRO TEOacuteRICO
41 Definiccedilatildeo de termos
ldquoCasosrdquo de Sauacutede Mental
ldquoCasordquo de sauacutede mental seraacute compreendido neste estudo como todo relato a ser feito
pelos profissionais da ESF durante as entrevistas relacionado ao sofrimento transtorno mental
ou queixa psiacutequica na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade Estaacute colocado
entre parecircnteses propositalmente para destacar a complexidade do fenocircmeno a ser estudado
conforme uma breve problematizaccedilatildeo abaixo
No estudo realizado por Jucaacute Nunes e Barreto (2009) na Bahia para compreender
como os profissionais de sauacutede interpretam o sofrimento mental foi identificado que os
profissionais vivenciam dificuldades diversas que vatildeo desde a identificaccedilatildeo do sofrimento
mental passando pelos impasses relativos ao manejo de situaccedilotildees especificas ateacute as questotildees
relativas ao encaminhamento para os serviccedilos especializados
Em outro dois estudos ambos realizados em 2013 um no Cearaacute e outro em Minas
Gerias respectivamente Quindereacute et al apontam que os trabalhadores da APS natildeo se sentem
instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede e Gonccedilalves et al trazem que 60 dos
enfermeiros que trabalham na APS afirmam sentir-se despreparados para lidar com as
questotildees de sauacutede mental por natildeo ter formaccedilatildeo especifica na aacuterea
21
Se por um lado como os estudos apontam haacute uma dificuldade dos profissionais da ESF
em identificarem o sofrimento mental por outro lado vivemos hoje uma expansatildeo dos
diagnoacutesticos psiquiaacutetricos como afirma Amarante (2014) ldquouma apropriaccedilatildeo que a medicina
faz da vida cotidianardquo O que pode acontecer tambeacutem na ESF com um treinamento para Sauacutede
Mental voltado pra uma abordagem restrita e tradicional biomeacutedica
Atualmente existem dois sistemas de diagnoacutestico usados simultaneamente no mundo
a ediccedilatildeo recente do DSM -5 (Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais)
traduzido para mais de vinte idiomas e a CID-10 (Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de
Doenccedilas e Problemas Relacionados agrave Sauacutede) desenvolvida pela OMS e traduzida para 42
idiomas O DSM eacute utilizado com mais frequecircncia em pesquisa e a CID funciona melhor
quando um sistema mais simples eacute necessaacuterio no mundo em desenvolvimento poreacutem ambos
praticamente se equivalem no trabalho cliacutenico em paiacuteses desenvolvidos ldquoOs DSMs ateacute o
momento tecircm sido mais influentes poreacutem seratildeo necessaacuterios vaacuterios anos para que possamos
julgar se o DMS-5 ou a CID-11 (cuja publicaccedilatildeo deve ocorrer por volta de 2018) venceraacute a
proacutexima etapa de competiccedilatildeordquo (FRANCES 2016 p45)
O DSM eacute mais especifico para profissionais da aacuterea da sauacutede mental uma vez que
lista diferentes categorias de transtornos mentais e criteacuterios para diagnosticaacute-los de acordo
com a Associaccedilatildeo Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association - APA) Eacute
usado ao redor do mundo por cliacutenicos e pesquisadores bem como por companhias de seguro
induacutestria farmacecircutica e parlamentos poliacuteticos
Existem cinco revisotildees para o DSM desde sua primeira publicaccedilatildeo em 1952 A maior
revisatildeo foi a DSM-IV publicada em 1994 apesar de uma ldquorevisatildeo textualrdquo ter sido produzida
em 2000 O DSM-5 (anteriormente conhecido como DSM-V) foi publicado em 18 de maio de
2013 e eacute a versatildeo atual do manual A seccedilatildeo de desordens mentais da Classificaccedilatildeo Estatiacutestica
Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados com a Sauacutede - CID (International
Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems ndash ICD) eacute outro guia
comumente usado especialmente fora dos Estados Unidos Entretanto em termos de pesquisa
em sauacutede mental o DSM continua sendo a maior referecircncia da atualidade
Sauvagnat em maio de 2012 em uma Conferecircncia proferida no campus Dom Bosco
da Universidade Federal de Satildeo Joatildeo Del-Rei (UFSJ) na Etapa Brasileira do Movimento
Internacional StopDSM traz importantes consideraccedilotildees criacuteticas acerca da classificaccedilatildeo DSM
e suas implicaccedilotildees na diagnoacutestica contemporacircnea Questiona primeiramente o fato de o
manual ser utilizado como uma espeacutecie de ldquobiacutebliardquo Depois infere como o DSM que era uma
lista de categorias ligadas a um paiacutes para responder a necessidades desse paiacutes torna-se uma
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regra mundial uma norma mundial Referindo-se aos Estados Unidos que em termos de sauacutede
mental estaacute entre os paiacuteses de ldquoterceiro mundordquo
Segue colocando que o DSM surge como o grande ldquoesperanto psicopatoloacutegicordquo ldquoEacute
como se essas tensotildees que faziam surgir agraves figuras de compromisso entre a psiquiatria e a
filosofia ou a psiquiatria e a psicanaacutelise elas fossem desaparecendo elas ficassem caladasrdquo
Sauvagnat (2012) Acredita que esse eacute o maior malefiacutecio que essa classificaccedilatildeo causa Eacute um
silenciamento de outras formas eacute um silenciamento da possibilidade de expressatildeo de outras
formas de mal- estar na cultura O efeito colateral percebido como destaca o palestrante eacute que
natildeo se sabe mais se o DSM classifica o que eacute visto ou se ele cria os tipos que ele pretende
classificar
Quando falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos
efetivamente Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir
sobre o que eacute a normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito
aos sintomas psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de
grande controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno
mental Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os
quais se trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de
vaacuterios criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada
profissional (DALGALARRONDO 2008)
Para Burkley (2009) em seu estudo tambeacutem sobre reflexotildees criacuteticas dos DSMs a
mudanccedila recorrente entre as categorias diagnoacutesticas do Manual mostra que aquilo que pode
ser considerado doenccedila em uma determinada eacutepoca e cultura pode natildeo ser em outra Natildeo haacute
especialmente em psiquiatria um agente causador que confira objetividade absoluta a um
diagnoacutestico dos diversos transtornos mentais Mesmo os pesquisadores que trabalham em
busca dos marcadores bioloacutegicos de alguns transtornos mentais para a elaboraccedilatildeo do DSM-V
ainda natildeo obtiveram muitos resultados significativos em suas pesquisas O que nos reaviva a
afirmaccedilatildeo de que o que se considera como loucura como doenccedila mental natildeo eacute algo natural
ou com existecircncia natural que legitimaria um marcador bioloacutegico e sim que se trata de algo
construiacutedo de acordo com um momento histoacuterico com um modelo epistemoloacutegico
(FOUCAULT 1972)
Ainda sobre a normalidade George Canguilhem opotildee duas grandes posiccedilotildees Uma
posiccedilatildeo onde supomos que existe um indiviacuteduo normal que seraacute dotado de todas as
qualidades e um indiviacuteduo anormal que eacute mal dito por Deus um pobre coitado e que a
norma estatiacutestica permitiria justamente essa diferenciaccedilatildeo entre os dois Em segundo lugar
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Canguilhem (2015 p23) oferece sua proacutepria posiccedilatildeo que eacute de dizer ldquoa norma a lei eacute alguma
coisa de relativo Cada sociedade fabrica suas leisrdquo
Em sua criacutetica ao DMS Sauvagnat (2012) diz que efetivamente haacute uma maldiccedilatildeo Eacute
necessaacuterio comparar as coisas Essas pessoas se pretendem neo-kraepelinianas Ele relata que
jaacute trabalhou muito sobre a psiquiatria alematilde No final do seacuteculo XIX iniacutecio do seacuteculo XX
Kraepelin foi algueacutem que sobretudo tentou pocircr em ordem organizar a psiquiatria a partir
das pesquisas que existiam Natildeo se pode dizer isso do DSM O problema deles eacute responder as
objeccedilotildees que lhe satildeo feitas ao mesmo tempo em que satildeo financiados pela induacutestria
farmacecircutica conclui
Burkley (2009) finaliza seu estudo questionando que se adotamos uma concepccedilatildeo de
sauacutede como algo vivencial que natildeo pode ser reduzida e tatildeo pouco medida necessariamente o
diagnoacutestico ganha uma outra dimensatildeo uma funccedilatildeo mais instrumental auxiliar a uma
compreensatildeo da complexidade real da sauacutede mental e talvez o nuacutemero de categorias
diagnoacutesticas pudesse ser reduzido ldquoPois se a sauacutede eacute relativa e singular a psicopatologia
tambeacutem o eacuterdquo (BURKLEY 2009 p 97)
Para Retolaza (2013) nos dias atuais da era tecnoloacutegica o imaginaacuterio coletivo estaacute
impregnado de tecnologia Tudo (ou quase tudo) pode ser explicado pela ciecircncia e pela
teacutecnica portanto para tudo deve existir uma soluccedilatildeo tecnoloacutegica Cada eacutepoca coloca em cena
suas doenccedilas Psiquiatras e psicoacutelogos satildeo os encarregados de sustentar essa narrativa
coletiva certificando em suas consultas publicaccedilotildees e tratados o que eacute e o que natildeo eacute
transtorno psiquiaacutetrico O que eacute e o que natildeo eacute um ldquocasordquo psiquiaacutetrico
O autor afirma que sem duacutevida a falta de um criteacuterio objetivo para agarrar-se a
definiccedilatildeo de um ldquocasordquo em sauacutede mental vem sendo e parece que seraacute ainda por algum tempo
o resultado de um consenso profissional procedente de muitas fontes Em primeiro lugar de
tudo aquilo que nos apontam as provas procedentes da evidencia cientifica os resultados da
experimentaccedilatildeo e o acervo de conhecimento dele derivado Por outro lado no acircmbito da
sauacutede mental (a psiquiatria a psicologia) tambeacutem satildeo importantes os conhecimentos
empiacutericos de ordem praacutetica que permitem organizar a atenccedilatildeo e o cuidado dos usuaacuterios
Finalmente e de uma forma muito importante este consenso tem tambeacutem que dar conta de
tudo aquilo que luta e demanda o entorno o meio cultural e em definitivamente a maioria
social dominante
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Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (ESF)
A ESF eacute a estrateacutegia prioritaacuteria adotada pelo Ministeacuterio da Sauacutede para expandir
qualificar e consolidar a APS no Brasil por favorecer uma reorientaccedilatildeo do processo de
trabalho com maior potencial de aprofundar os princiacutepios diretrizes e fundamentos da APS
de ampliar sua resolutividade e seu impacto na situaccedilatildeo de sauacutede das pessoas e coletividades
aleacutem de propiciar uma importante relaccedilatildeo custo-benefiacutecio (BRASIL 2006 2012)
Tem como foco a famiacutelia visa agrave reorganizaccedilatildeo da APS no Paiacutes de acordo com os
preceitos do SUS e seu maior desafio eacute reverter o modelo assistencial predominantemente
biomeacutedico centrado na doenccedila e no hospital Seus principais objetivos satildeo conhecer as
famiacutelias do seu territoacuterio de abrangecircncia identificar os problemas de sauacutede e as situaccedilotildees de
risco existentes na comunidade elaborar programaccedilatildeo de atividades para enfrentar os
determinantes do processo sauacutededoenccedila desenvolver accedilotildees educativas e intersetoriais
relacionadas com os problemas de sauacutede identificados prestar assistecircncia integral contiacutenua e
organizada agraves famiacutelias sob sua responsabilidade realizar acolhimento com escuta qualificada
classificaccedilatildeo de risco avaliaccedilatildeo de necessidade de sauacutede e anaacutelise de vulnerabilidade tendo
em vista a responsabilidade da demanda espontacircnea e o primeiro atendimento as urgecircncias
desenvolver accedilotildees educativas que possam interferir no processo sauacutede-doenccedila da populaccedilatildeo
no desenvolvimento de autonomia individual e coletiva e na busca por qualidade de vida
pelos usuaacuterios (BRASIL 2012)
Uma anaacutelise das contribuiccedilotildees e desafios da ESF na APS publicada recentemente por
Arantes et al (2016) traz que na dimensatildeo poliacutetico-institucional a ESF favoreceu a expansatildeo
dos cuidados primaacuterios no paiacutes e incrementou o processo de avaliaccedilatildeo institucional Melhorou
a equidade quando comparado ao modelo de UBS tradicional Os principais desafios nessa
dimensatildeo foram financiamento insuficiente formaccedilatildeo profissional em desarmonia com o
modelo de atenccedilatildeo centrado na APS precarizaccedilatildeo do viacutenculo profissional com as instituiccedilotildees
e o desenvolvimento de accedilotildees intersetoriais Na dimensatildeo organizativa a implantaccedilatildeo da ESF
contribuiu para a ampliaccedilatildeo das possibilidades de ofertas de serviccedilos nas aacutereas perifeacutericas e
rurais inclusive da sauacutede bucal Trouxe tambeacutem um efeito estruturante perante os vazios
assistenciais em pequenos municiacutepios com resultados melhores quanto agrave integralidade da
atenccedilatildeo e ao contato por accedilotildees programaacuteticas quando comparado agrave APS tradicional Os
desafios identificados nessa dimensatildeo estiveram ligados ao acesso agrave referencia da Unidade
de Sauacutede da Famiacutelia como porta de entrada do sistema de sauacutede agrave integraccedilatildeo da ESF agrave rede
assistencial ao planejamento e agrave participaccedilatildeo social
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Jaacute na dimensatildeo teacutecnico-assistencial a ESF foi melhor que o modelo de APS em UBS
tradicional quanto ao desempenho ao trabalho multidisciplinar ao enfoque familiar ao
acolhimento ao viacutenculo agrave humanizaccedilatildeo e agrave orientaccedilatildeo comunitaacuteria Com estaque para os
benefiacutecios da ESF para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de doenccedilas a busca ativa de casos a
educaccedilatildeo em sauacutede a assistecircncia domiciliar o aumento de consultas preacute-natais puericultura
de orientaccedilotildees sobre o aleitamento materno exclusivo da coleta de colpocitologia oncoacutetica a
reduccedilatildeo de nascidos com baixo peso da mortalidade infantil e das internaccedilotildees hospitalares
Aleacutem disso proporcionou adesatildeo agraves accedilotildees para tratamento da hipertensatildeo diabetes
hanseniacutease tuberculose e de doenccedilas sexualmente transmissiacuteveis Avanccedilos importantes
foram percebidos tambeacutem nas aacutereas de sauacutede bucal e assistecircncia farmacecircutica Os desafios
observados nessa dimensatildeo estiveram relacionados ao desenvolvimento de praacuteticas
integrativas complementares de accedilotildees para sauacutede mental do adolescente na aacuterea de sauacutede
mental (grifos meus para dimensionar a importacircncia desse trabalho) ao portador do Viacuterus da
Imunodeficiecircncia HumanaSiacutendrome da Imunodeficiecircncia Adquirida (HIVAIDS) aos
usuaacuterios de drogas iliacutecitas e da obesidade O risco de reproduzir a racionalidade biomeacutedica no
processo de trabalho foi outra dificuldade muito importante detectada a ser enfrentada pela
ESF no processo de cuidado
Os profissionais da ESF
A equipe da ESF (Equipe da Sauacutede da Famiacutelia - EqSF) deve ser multiprofissional
composta por no miacutenimo pelo seguintes profissionais meacutedico generalista ou especialista em
Sauacutede da Famiacutelia ou meacutedico de Famiacutelia e Comunidade enfermeiro generalista ou especialista
em Sauacutede da Famiacutelia auxiliares ou teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede
(ACS) de preferecircncia moradores da aacuterea e que fazem o elo entre a Unidade Baacutesica de Sauacutede
(UBS) e a populaccedilatildeo atraveacutes de visitas domiciliares (BRASIL 2012)
Podendo acrescentar a esta composiccedilatildeo como parte da equipe multiprofissional os
profissionais de Sauacutede Bucal (ESB) cirurgiatildeo-dentista generalista ou especialista em Sauacutede
da Famiacutelia auxiliar eou teacutecnico de higiene bucal Eacute recomendado pela Poliacutetica Nacional da
Atenccedilatildeo Baacutesica que cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a
meacutedia recomendada de 3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo De
maneira que o nuacutemero de pessoas por equipe considere o grau de vulnerabilidade das famiacutelias
daquele territoacuterio ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o
nuacutemero de pessoas por equipe (BRASIL 2012)
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Satildeo atribuiccedilotildees especiacuteficas de cada membro da equipe descrito a seguir conforme
Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica (2012)
Agente Comunitaacuterio de Sauacutede I - desenvolver accedilotildees que busquem a integraccedilatildeo entre
a equipe de sauacutede e a populaccedilatildeo adscrita agrave UBS considerando as caracteriacutesticas e as
finalidades do trabalho de acompanhamento de indiviacuteduos e grupos sociais ou coletividade II
- trabalhar com adscriccedilatildeo de famiacutelias em base geograacutefica definida a microaacuterea III - estar em
contato permanente com as famiacutelias desenvolvendo accedilotildees educativas visando agrave promoccedilatildeo da
sauacutede e a prevenccedilatildeo das doenccedilas de acordo com o planejamento da equipe IV - cadastrar
todas as pessoas de sua microaacuterea e manter os cadastros atualizados V - orientar famiacutelias
quanto agrave utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede disponiacuteveis VI - desenvolver atividades de
promoccedilatildeo da sauacutede de prevenccedilatildeo das doenccedilas e de agravos e de vigilacircncia agrave sauacutede por meio
de visitas domiciliares e de accedilotildees educativas individuais e coletivas nos domiciacutelios e na
comunidade mantendo a equipe informada principalmente a respeito daquelas em situaccedilatildeo
de risco VII - acompanhar por meio de visita domiciliar todas as famiacutelias e indiviacuteduos sob
sua responsabilidade de acordo com as necessidades definidas pela equipe e VIII - cumprir
com as atribuiccedilotildees atualmente definidas para os ACS em relaccedilatildeo agrave prevenccedilatildeo e ao controle da
malaacuteria e da dengue conforme a Portaria nordm 44GM de 3 de janeiro de 2002
Enfermeiro I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo
de agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e
famiacutelias na USF e quando indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos
comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) em todas as fases do desenvolvimento humano
infacircncia adolescecircncia idade adulta e terceira idade II - conforme protocolos ou outras
normativas teacutecnicas estabelecidas pelo gestor municipal ou do Distrito Federal observadas as
disposiccedilotildees legais da profissatildeo realizar consulta de enfermagem solicitar exames
complementares e prescrever medicaccedilotildees III ndash realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo a
demanda espontacircnea IV ndash planejar gerenciar e avaliar as accedilotildees desenvolvidas pelos ACS em
conjunto com os outros membros da equipe V ndash contribuir participar e realizar atividades de
educaccedilatildeo permanente da equipe de enfermagem e outros membros da equipe e VI - participar
do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF
Meacutedico I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de
agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e
famiacutelias em todas as fases do desenvolvimento humano infacircncia adolescecircncia idade adulta e
terceira idade II - realizar consultas cliacutenicas e procedimentos na USF e quando indicado ou
necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) III
27
- realizar atividades de demanda espontacircnea e programada em cliacutenica meacutedica pediatria
gineco-obstetriacutecia cirurgias ambulatoriais pequenas urgecircncias cliacutenico-ciruacutergicas e
procedimentos para fins de diagnoacutesticos IV - encaminhar quando necessaacuterio usuaacuterios a
serviccedilos de meacutedia e alta complexidade respeitando fluxos de referecircncia e contra- referecircncia
locais mantendo sua responsabilidade pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio
proposto pela referecircnciaV - indicar a necessidade de internaccedilatildeo hospitalar ou domiciliar
mantendo a responsabilizaccedilatildeo pelo acompanhamento do usuaacuterio VI - contribuir e participar
das atividades de Educaccedilatildeo Permanente dos ACS Auxiliares de Enfermagem ACD e THD e
VII - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da
USF
Auxiliar e Teacutecnico de Enfermagem I - participar das atividades de atenccedilatildeo
realizando procedimentos regulamentados no exerciacutecio de sua profissatildeo na USF e quando
indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas
associaccedilotildees etc) II - realizar accedilotildees de educaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo adstrita conforme planejamento
da equipe e III - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado
funcionamento da USF IV- Realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo agrave demanda
espontacircnea e V- contribuir participar e realizar atividades de educaccedilatildeo permanente
Cirurgiatildeo Dentista I - realizar diagnoacutestico com a finalidade de obter o perfil
epidemioloacutegico para o planejamento e a programaccedilatildeo em sauacutede bucal II - realizar os
procedimentos cliacutenicos da Atenccedilatildeo Baacutesica em sauacutede bucal incluindo atendimento das
urgecircncias pequenas cirurgias ambulatoriais e procedimentos relacionados com a fase cliacutenica
da instalaccedilatildeo de proacuteteses dentaacuterias elementares III - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede
bucal (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos diagnoacutestico tratamento
reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) individual e coletiva a todas as famiacutelias a indiviacuteduos e a
grupos especiacuteficos de acordo com planejamento local com resolubilidade IV - realizar
atividades programadas e de atenccedilatildeo a demanda espontacircnea V- coordenar e participar de
accedilotildees coletivas voltadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave prevenccedilatildeo de doenccedilas bucais VI -
acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com os demais
membros da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de sauacutede de
forma multidisciplinar VII - realizar supervisatildeo teacutecnica do teacutecnico em sauacutede bucal (TSB) e
auxiliar em sauacutede bucal (ASB) e VIII - Participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios
para o adequado funcionamento da USF
Teacutecnico em Higiene Dental (THD) I - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede bucal
(promoccedilatildeo prevenccedilatildeo assistecircncia e reabilitaccedilatildeo) individual e coletiva a todas as famiacutelias a
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indiviacuteduos e a grupos especiacuteficos segundo programaccedilatildeo e de acordo com suas competecircncias
teacutecnicas e legais II - coordenar e realizar a manutenccedilatildeo e a conservaccedilatildeo dos equipamentos
odontoloacutegicos III - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com
os demais membros da equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de
sauacutede de forma multidisciplinar IV - apoiar as atividades dos ACD e dos ACS nas accedilotildees de
prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede bucal e V - participar do gerenciamento dos insumos
necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF
Auxiliar de Consultoacuterio Dentaacuterio (ACD) I - realizar accedilotildees de promoccedilatildeo e
prevenccedilatildeo em sauacutede bucal para as famiacutelias grupos e indiviacuteduos mediante planejamento local
e protocolos de atenccedilatildeo agrave sauacutede II - proceder agrave desinfecccedilatildeo e agrave esterilizaccedilatildeo de materiais e
instrumentos utilizados III - preparar e organizar instrumental e materiais necessaacuterios IV -
instrumentalizar e auxiliar o cirurgiatildeo dentista eou o THD nos procedimentos cliacutenicos V -
cuidar da manutenccedilatildeo e conservaccedilatildeo dos equipamentos odontoloacutegicos VI - organizar a
agenda cliacutenica VII - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal
com os demais membros da equipe de sauacutede da famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees
de sauacutede de forma multidisciplinar e VIII - participar do gerenciamento dos insumos
necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF
Devendo ser atribuiccedilotildees comuns agrave todos os profissionais das equipes de sauacutede da
famiacutelia de sauacutede bucal e de ACS (BRASIL 2006)
I - Participar do processo de territorializaccedilatildeo e mapeamento da aacuterea de atuaccedilatildeo da
equipe identificando grupos famiacutelias e indiviacuteduos expostos a riscos inclusive aqueles
relativos ao trabalho e da atualizaccedilatildeo contiacutenua dessas informaccedilotildees priorizando as situaccedilotildees a
serem acompanhadas no planejamento local II - Realizar o cuidado em sauacutede da populaccedilatildeo
adscrita prioritariamente no acircmbito da unidade de sauacutede no domiciacutelio e nos demais espaccedilos
comunitaacuterios (escolas associaccedilotildeesentre outros) quando necessaacuterio III - Realizar accedilotildees de
atenccedilatildeo integral conforme a necessidade de sauacutede da populaccedilatildeo local bem como as previstas
nas prioridades e protocolos da gestatildeo local IV - Garantir a integralidade da atenccedilatildeo por
meio da realizaccedilatildeo de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos e curativas e da
garantia de atendimento da demanda espontacircnea da realizaccedilatildeo das accedilotildees programaacuteticas e de
vigilacircncia agrave sauacutede V - Realizar busca ativa e notificaccedilatildeo de doenccedilas e agravos de notificaccedilatildeo
compulsoacuteria e de outros agravos e situaccedilotildees de importacircncia local VI - Realizar a escuta
qualificada das necessidades dos usuaacuterios em todas as accedilotildees proporcionando atendimento
humanizado e viabilizando o estabelecimento do viacutenculo VII - Responsabilizar-se pela
populaccedilatildeo adscrita mantendo a coordenaccedilatildeo do cuidado mesmo quando esta necessita de
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atenccedilatildeo em outros serviccedilos do sistema de sauacutede VIII - Participar das atividades de
planejamento e avaliaccedilatildeo das accedilotildees da equipe a partir da utilizaccedilatildeo dos dados disponiacuteveis IX
- Promover a mobilizaccedilatildeo e a participaccedilatildeo da comunidade buscando efetivar o controle
social X - Identificar parceiros e recursos na comunidade que possam potencializar accedilotildees
intersetoriais com a equipe sob coordenaccedilatildeo da SMS XI - Garantir a qualidade do registro
das atividades nos sistemas nacionais de informaccedilatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica XII - participar das
atividades de educaccedilatildeo permanente e XIII - Realizar outras accedilotildees e atividades a serem
definidas de acordo com as prioridades locais
42 MODELOS DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE
Aspectos Teoacutericos-Conceituais
Os modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede estatildeo relacionados ao modo como satildeo organizadas as
accedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede incluindo os aspectos tecnoloacutegicos assistenciais e os recursos
fiacutesicos disponiacuteveis que se articulam para enfrentar e resolver os problemas de sauacutede de uma
coletividade Ao redor do mundo pode-se considerar a existecircncia de diversos modelos de
atenccedilatildeo sustentados pelas diferentes concepccedilotildees de sauacutede e de doenccedila pelas tecnologias
disponiacuteveis em uma determinada eacutepoca para intervir na sauacutede e na doenccedila e pelas escolhas
poliacuteticas e eacuteticas que priorizam os problemas a serem enfrentados pela poliacutetica de sauacutede
Desta maneira pode-se considerar que natildeo existe modelo de atenccedilatildeo certo ou errado eles
estatildeo relacionados a todos esses fatores de um dado momento histoacuterico
No Brasil as expressotildees modelos assistenciais ou modelos tecnoassistenciais
aparecem a partir da deacutecada de 1980 com significados muito proacuteximos Poreacutem haacute objeccedilotildees
ao adjetivo lsquoassistencialrsquo pois lembra assistecircncia meacutedica ou odontoloacutegica centrada em
procedimentos para indiviacuteduos O termo lsquoatenccedilatildeorsquo teria maior abrangecircncia pois aleacutem de
envolver a assistecircncia incluiria outras accedilotildees individuais e coletivas nos acircmbitos da
promoccedilatildeo proteccedilatildeo recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo da sauacutede (PAIM 2012 p459)
No que diz respeito agrave prestaccedilatildeo da atenccedilatildeo esta eacute reconhecida como um dos
componentes de um sistema de sauacutede juntamente com a gestatildeo o financiamento a
organizaccedilatildeo e a infraestrutura de recursos Kleczkowski Roemer e Werf (1984) Desta
maneira o modelo de atenccedilatildeo tem como foco o lsquoconteuacutedorsquo do sistema de sauacutede isto eacute as
accedilotildees de sauacutede e natildeo o lsquocontinentersquo - infraestrutura organizaccedilatildeo gestatildeo e financiamento o
que torna necessaacuteria a reflexatildeo sobre os processos de trabalho em sauacutede quando se pretende
analisar os modelos de atenccedilatildeo
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Portanto eacute importante compreender os modelos de atenccedilatildeo natildeo como algo exemplar
um molde Ao contraacuterio disso indicam modos de organizar a accedilatildeo e dispor os meios teacutecnico-
cientiacuteficos existentes para intervir sobre os problemas e necessidades de sauacutede que podem ser
diversos tendo em conta as realidades distintas
Nessa perspectiva modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede pode ser definido como ldquocombinaccedilotildees
tecnoloacutegicas estruturadas para resoluccedilatildeo de problemas e para o atendimento de necessidades
de sauacutede individuais e coletivasrdquo (PAIM 2012 p463)
Contextualizaccedilatildeo movimentos ideoloacutegicos e proposiccedilotildees de modelos
Apoacutes essa breve discussatildeo teoacuterico-conceitual faz-se necessaacuteria a contextualizaccedilatildeo no
sentido de identificar movimentos ideoloacutegicos que influenciaram na elaboraccedilatildeo de modelos e
no desenvolvimento histoacuterico das poliacuteticas e praacuteticas de sauacutede O quadro a seguir mostra a
relaccedilatildeo dos diferentes movimentos ideoloacutegicos com as respectivas preposiccedilotildees de modelo de
atenccedilatildeo
Quadro 1 Os movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo
MOVIMENTOS IDEOLOacuteGICOS PROPOSICcedilOtildeES DE MODELO
Medicina preventiva
(Deacutec 195060 criaccedilatildeo de departamentos nas escolas
meacutedicas especialmente apoacutes Reforma Universitaacuteria em
1968)
(Agente-hospedeiro-ambiente) multicausalidade Ambiente
fiacutesico bioloacutegico e sociocultural
lsquoModelo ecoloacutegicorsquo
lsquoModelo da histoacuteria natural da doenccedilarsquo
Niacuteveis de prevenccedilatildeo
Medicina Comunitaacuteria
(Deacutec 1970 reproduziu-se nos centros de sauacutede-escola
tendo como caracteriacutesticas a integraccedilatildeo docente-
assistencial participaccedilatildeo da comunidade e
regionalizaccedilatildeo)
lsquoModelo de piracircmidersquo ndash atenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e
terciaacuteria ndash Hierarquizaccedilatildeo
lsquoCampo da sauacutedersquo (Questiona custos crescentes da assistecircncia meacutedica)
Atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
(Apoacutes a Conferecircncia de Alma-Ata 1978)
Ecircnfase em tecnologias ditas simplificadas e de baixo custo
Contrapotildee-se ao lsquomodelo hospitalocentricorsquo visa a
reformulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e a reorganizaccedilatildeo do
sistema de serviccedilos de sauacutede
Promoccedilatildeo da sauacutede
(Carta de Otawa 1986 determinantes socioambientais
da sauacutede)
Modelo Dahlgren amp Whitehead (elementos bioloacutegicos
estilo de vida redes sociais e comunitaacuterias aleacutem de
condiccedilotildees socioeconocircmicas culturais e ambientais gerais)
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria baseado em Paim 2012
A partir do quadro acima podemos observar o que jaacute foi dito anteriormente sobre natildeo
existir modelo de atenccedilatildeo certo ou errado mas que cada proposiccedilatildeo de modelo estaacute
intrinsecamente relacionado aos fatores de um dado momento histoacuterico ou seja ao
movimento ideoloacutegico da eacutepoca em que foi pensado e estruturado
31
Modelos de Atenccedilatildeo Hegemocircnicos
No Brasil ao considerar a conformaccedilatildeo histoacuterica do sistema de serviccedilos de sauacutede no
paiacutes podem ser identificados esses dois modelos hegemocircnicos o modelo meacutedico e o modelo
sanitarista
O modelo meacutedico tem como representantes o ldquomodelo meacutedico assistencial privatista e
o maneged care - atenccedilatildeo gerenciadardquo Paim (2012 p 468) E apresenta os seguintes traccedilos
fundamentais 1) individualismo 2) sauacutededoenccedila como mercadoria 3) ecircnfase no biologismo
4) a-historicidade da praacutetica meacutedica 5) medicalizaccedilatildeo dos problemas 6) privileacutegio da
medicina curativa 7) estiacutemulo ao consumismo meacutedico 8) participaccedilatildeo passiva e subordinada
dos consumidores (MENEacuteNDEZ 1992 apud PAIM 2012)
Jaacute o modelo sanitarista que se apoia nas correntes bacterioloacutegica e meacutedico-sanitarista
que geraram distintos modelos tecnoassistenciais como o campanhista e o verticalista
permanente Merhy (1992) Portanto remete agrave ideacuteia de campanha ou programa sempre
presente no imaginaacuterio da populaccedilatildeo diante de problema ou de uma necessidade de sauacutede de
caraacuteter coletivo
Embora subalterno ao modelo meacutedico o modelo sanitarista predomina no Brasil desde
o seacuteculo XX sob influecircncia norte-americana Fundamenta-se no saber biomeacutedico
(microbiologia parasitologia virologia imunologia cliacutenica etc) bem como nas disciplinas
de epidemiologia estatiacutestica administraccedilatildeo saneamento As campanhas sanitaacuterias
(vacinaccedilatildeo controle de epidemias erradicaccedilatildeo de endemias etc) os programas especiais
(controle da tuberculose hanseniacutease AIDS tabagismo etc) e as accedilotildees de vigilacircncias sanitaacuteria
e epidemioloacutegica podem ser citados como exemplos desse modelo de atenccedilatildeo (PAIM 2012)
Esses modelos hegemocircnicos natildeo contemplam nos seus fundamentos o princiacutepio da
integralidade isto eacute ou estatildeo voltados para a demanda espontacircnea (modelo meacutedico) ou
buscam atender necessidades que nem sempre se expressam em demandas (modelo
sanitarista)
As propostas de modelos alternativos
Diante do exposto acerca dos modelos de atenccedilatildeo hegemocircnicos no Brasil apresentam-
se como grandes desafios a integralidade a efetividade a qualidade e a humanizaccedilatildeo dos
serviccedilos Nesse contexto Paim (2012) apresenta algumas ferramentas elaboradas a partir da
deacutecada de 1980 que buscam conciliar o atendimento agrave demanda e agraves necessidades na
perspectiva da integralidade Satildeo elas a) Oferta organizada b) Distritalizaccedilatildeo c) Accedilotildees
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programaacuteticas de sauacutede d) Vigilacircncia da sauacutede e) Acolhimento f) Linhas de cuidado g)
Promoccedilatildeo da sauacutede e h) Estrateacutegia da Sauacutede da Famiacutelia
A oferta organizada fundamenta-se em conceitos da epidemiologia e no planejamento
Trabalha com noccedilatildeo de territorializaccedilatildeo integralidade e impacto epidemioloacutegico Sua atuaccedilatildeo
caracteriza-se pela redefiniccedilatildeo da demanda ou seja baseia-se nas necessidades
epidemiologicamente identificadas para orientar a programaccedilatildeo da oferta de serviccedilos e accedilotildees
nas unidades de sauacutede Haacute atendimento agrave demanda espontacircnea e ao mesmo tempo agrave execuccedilatildeo
de accedilotildees sobre o ambiente e grupos populacionais visando o controle de agravos doenccedilas
riscos e as necessidades da comunidade
A Distritalizaccedilatildeo surge atraveacutes de experiecircncias de implantaccedilatildeo de distritos sanitaacuterios
como o Suds na Bahia Rio Grande do Norte e Satildeo Paulo na deacutecada de 80 Paim (2012
p247) define distritos sanitaacuterios como
Unidade operacional e administrativa miacutenima do sistema de sauacutede
definida com criteacuterios geograacuteficos populacionais epidemioloacutegicos
gerenciais e poliacuteticos onde se localizam recursos de sauacutede puacuteblicos e
privados organizados por meio de um conjunto de mecanismos
poliacuteticos institucionais com a participaccedilatildeo da sociedade organizada
para desenvolver accedilotildees integrais de sauacutede capazes de resolver a maior
quantidade possiacutevel de problemas de sauacutede
Esta proposta apoia-se na geografia na epidemiologia e no planejamento Visa
organizar serviccedilos e estabelecimentos em uma rede estruturada nos distritos sanitaacuterios com
mecanismos de comunicaccedilatildeo e integraccedilatildeo Aleacutem disso contempla uma populaccedilatildeo definida
um territoacuterio-processo uma rede de serviccedilos de sauacutede e equipamentos comunitaacuterios
Jaacute as accedilotildees programaacuteticas de sauacutede utilizam tecnologias derivadas da epidemiologia e
da programaccedilatildeo em sauacutede e baseia-se na utilizaccedilatildeo de programaccedilatildeo como instrumento de
redefiniccedilatildeo do processo de trabalho em sauacutede Parte da identificaccedilatildeo das necessidades sociais
de sauacutede da populaccedilatildeo para a redefiniccedilatildeo de programas especiais no niacutevel local Concentram-
se no interior das unidades de sauacutede e natildeo se reduzem agrave uma padronizaccedilatildeo sistemaacutetica de
condutas
Em relaccedilatildeo agrave vigilacircncia da Sauacutede esta proposta apoia-se na epidemiologia na
geografia criacutetica no planejamento e nas ciecircncias sociais Atua articulando o controle de
danos riscos e causas e sugere a possibilidade de uma integraccedilatildeo com as vigilacircncias a
assistecircncia meacutedica e as poliacuteticas puacuteblicas Aleacutem disso tambeacutem articula a oferta organizada
accedilotildees programaacuteticas a intervenccedilatildeo social organizada e as poliacuteticas intersetoriais Busca
33
reorganizar as praacuteticas de sauacutede no niacutevel local atraveacutes da i) Intervenccedilatildeo sobre problemas de
sauacutede (danos riscos eou determinantes) ii) Ecircnfase em problemas que requerem atenccedilatildeo e
acompanhamentos contiacutenuos iii) Utilizaccedilatildeo do conceito epidemioloacutegico de risco iv)
Articulaccedilatildeo entre accedilotildees promocionais preventivas e curativas v) Atuaccedilatildeo intersetorial vi)
Accedilotildees sobre o territoacuterio vii) Intervenccedilatildeo na forma de operaccedilotildees (PAIM 2012 p 481)
O acolhimento fundamenta-se na cliacutenica nas ciecircncias de gestatildeo na psicologia e na
anaacutelise institucional Busca reorganizar o serviccedilo de forma usuaacuterio-centrada e parte de trecircs
orientaccedilotildees i) Atender a todas as pessoas que procuram os serviccedilos de sauacutede ii) Reorganizar
processo de trabalho afim de que este desloque seu eixo central do meacutedico para uma equipe
profissional iii) Qualificar a relaccedilatildeo trabalhador-usuaacuterio com base em valores humanitaacuterios
de solidariedade e cidadania Trabalha com a demanda espontacircnea e busca a qualidade da
atenccedilatildeo e a satisfaccedilatildeo do usuaacuterio Implica em mudanccedilas na ldquoporta de entradardquo na recepccedilatildeo
do usuaacuterio no agendamento das consultas e na programaccedilatildeo da prestaccedilatildeo de serviccedilos
incluindo atividades baseadas nas necessidades sociais de sauacutede da populaccedilatildeo (PAIM 2012
p 483)
No que tange agraves linhas de cuidado estas correspondem a um conjunto de saberes
tecnologias e recursos acionados para enfrentar riscos agravos ou condiccedilotildees especiacuteficas do
ciclo da vida As linhas de cuidado satildeo estruturadas por projetos terapecircuticos valorizam o
viacutenculo a partir da atenccedilatildeo primaacuteria orientam o usuaacuterio sobre os caminhos a percorrer no
sistema de sauacutede e trabalha atraveacutes da loacutegica da referecircncia e contra referecircncia Segundo Paim
(2012 p452) ldquo() a linha de cuidado tem se mostrado uma proposta alternativa importante
diante do atual panorama epidemioloacutegico do Brasil e do mundo devido ao aumento das
doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis (DCNT)rdquo
A promoccedilatildeo da Sauacutede no Brasil estaacute presente em dispositivos legais e iniciativas do
Ministeacuterio da Sauacutede desde 2000 Envolve medidas que visam agrave melhoria das condiccedilotildees e dos
estilos de vida de grupos populacionais Dentre as principais caracteriacutesticas dessa proposta
estaacute a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas saudaacuteveis criaccedilatildeo de ambientes favoraacuteveis agrave sauacutede
reforccedilo da accedilatildeo comunitaacuteria desenvolvimento de habilidades pessoais cidades saudaacuteveis
escolas promotoras de sauacutede ambientes saudaacuteveis
Por fim a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia que se fundamenta no planejamento na cliacutenica
na epidemiologia e nas ciecircncias sociais Utiliza combinaccedilotildees tecnoloacutegicas da oferta
organizada distritalizaccedilatildeo vigilacircncia da sauacutede e acolhimento Esta proposta possui papel de
reorientadora da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Brasil e por sua importacircncia nesse trabalho estaacute
melhor descrita nos capiacutetulos seguintes
34
43 ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE (APS)
Conceitos trajetoacuteria e abordagem
O termo Primary Care (Atenccedilatildeo Primaacuteria) foi introduzido em 1961 por White e
apontou para a necessidade de meacutedicos generalistas na era da especializaccedilatildeo Contribuiacuteram
ainda para a ampliaccedilatildeo do conceito de Atenccedilatildeo Primaacuteria e por conseguinte para a ampliaccedilatildeo
do papel do meacutedico de famiacutelia e comunidade dois movimentos histoacutericos a reformulaccedilatildeo do
sistema de sauacutede canadense implantado a partir do informe Lalonde de 1974 e as discussotildees
de representantes de vaacuterios paiacuteses no acircmbito da Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede que gerou o
movimento da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS) e que culminou com a realizaccedilatildeo da
Conferecircncia de Alma Ata em 1978
Eacute importante frisar que o contexto histoacuterico em que surgiram estas propostas foi
marcado pela crescente urbanizaccedilatildeo pelo crescimento populacional e pela desigualdade Os
governos estavam sendo chamados a buscarem estrateacutegias de aumento da cobertura de seus
sistemas de sauacutede com a otimizaccedilatildeo de custos e melhoria dos indicadores de sauacutede e doenccedila
Em termos conceituais foi a partir dessa I Conferecircncia Internacional de Cuidados
Primaacuterios em Sauacutede realizada mais precisamente em setembro de 1978 em Alma-Ata cidade
do Cazaquistatildeo uma das repuacuteblicas da antiga Uniatildeo Sovieacutetica promovida pela Organizaccedilatildeo
Mundial de Sauacutede e pelo Fundo das Naccedilotildees Unidas que se buscou uma definiccedilatildeo de APS
(FAUSTO 2005)
Assim a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) passou a compreender e divulgar os
cuidados primaacuterios em sauacutede como
Cuidados essenciais baseados em meacutetodos praacuteticos
cientificamente bem fundamentados e socialmente aceitaacuteveis e
em tecnologia de acesso universal para indiviacuteduos e suas
famiacutelias na comunidade [] Aleacutem de serem o primeiro niacutevel de
contato de indiviacuteduos da famiacutelia e da comunidade com o
sistema nacional de sauacutede aproximando ao maacuteximo possiacutevel os
serviccedilos de sauacutede nos lugares onde o povo vive e trabalha
constituem tambeacutem o primeiro elemento de um contiacutenuo
processo de atendimento em sauacutede (OMSUNICEF 1978 p 2)
A Declaraccedilatildeo de Alma-Ata coroou o processo anterior de questionamento dos modelos
verticais de intervenccedilatildeo da OMS para o combate agraves endemias nos paiacuteses em desenvolvimento
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em especial na Aacutefrica e na Ameacuterica Latina e do modelo meacutedico hegemocircnico cada vez mais
especializado e intervencionista Sendo que na primeira vertente de questionamento
aprofundava-se a criacutetica a OMS no que se refere agrave abordagem vertical dos programas de
combate a doenccedilas transmissiacuteveis desenvolvidos com intervenccedilotildees seletivas e
descontextualizadas durante a deacutecada de 1960 como a Malaacuteria Jaacute na segunda vertente de
questionamento desde o final da deacutecada de 1960 o modelo biomeacutedico de atenccedilatildeo agrave sauacutede
recebia criacuteticas de diversas origens evidenciando-se os determinantes sociais mais gerais dos
processos sauacutede enfermidade e a exigecircncia de nova abordagem em atenccedilatildeo agrave sauacutede
(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
A OMS passou entatildeo por uma renovaccedilatildeo em contexto mundial favoraacutevel no qual
predominavam os governos social-democrata em paiacuteses europeus e em 1973 Halfdan
Mahler um meacutedico com senso de justiccedila social e experiecircncia em sauacutede puacuteblica em paiacuteses em
desenvolvimento assumiu a direccedilatildeo da OMS que comeccedilou a desenvolver abordagens
alternativas para a intervenccedilatildeo em sauacutede Ponderava-se que as intervenccedilotildees verticais natildeo
respondiam agraves principais necessidades de sauacutede dos povos e que seria preciso prosseguir
desenvolvendo concepccedilotildees mais abrangentes dentre elas a de APS Foi assim que em 1976
Mahler propocircs a meta Sauacutede para Todos no Ano 2000
A APS na Conferencia de Alma-Ata foi entatildeo entendida como atenccedilatildeo agrave sauacutede
essencial fundada em tecnologias apropriadas e custo-efetivas primeiro componente de um
processo permanente de assistecircncia sanitaacuteria orientado por princiacutepios de solidariedade e
equidade cujo acesso deveria ser garantido a todas as pessoas e famiacutelias da comunidade
mediante sua plena participaccedilatildeo e com foco na proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede A
compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a necessidade da abordagem dos determinantes
sociais e poliacuteticos mais amplos da sauacutede satildeo destaques na corrente mais filosoacutefica da
Declaraccedilatildeo de Alma-Ata com ecircnfase nas suas implicaccedilotildees poliacuteticas e sociais Ainda eacute
defendida a ideacuteia de que as poliacuteticas sociais de desenvolvimento devem ser inclusivas e
apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo para poder alcanccedilar equidade em
sauacutede (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
A denominaccedilatildeo ldquoatenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutederdquo vem entatildeo sendo empregada para modelos
distintos de organizaccedilatildeo e oferta de serviccedilos de sauacutede em vaacuterios paiacuteses ao redor do mundo
Numa tentativa de descrever e diferenciar os diversos modelos que utilizam a denominaccedilatildeo
ldquoAPSrdquo a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPASOMS 2007) em seu documento
Renovaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Primaacuteria nas Ameacutericas propocircs uma classificaccedilatildeo para as abordagens
de APS entatildeo existentes (Quadro 2)
36
Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em sauacutede
ABORDAGEM CONCEITO DE ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE ENFASE
APS seletiva
Programas focalizados e seletivos com cesta restrita de serviccedilos para
enfrentar limitado nuacutemero de problemas de sauacutede nos paiacuteses em
desenvolvimento Dirigidas ao grupo materno-infantil accedilotildees mais
comuns satildeo monitoramento de crescimento infantil reidrataccedilatildeo oral
amamentaccedilatildeo imunizaccedilatildeo e por vezes complementaccedilatildeo alimentar
planejamento familiar e alfabetizaccedilatildeo de mulheres
Conjunto restrito
de serviccedilos de
sauacutede para a
populaccedilatildeo pobre
Primeiro niacutevel
de atenccedilatildeo
Refere-se ao ponto de entrada no sistema de sauacutede e ao local de
cuidados de sauacutede para a maioria das pessoas na maior parte do
tempo correspondendo aos serviccedilos ambulatoriais meacutedicos de
primeiro contato natildeo especializados ndash incluindo accedilotildees preventivas e
serviccedilos cliacutenicos direcionados a toda populaccedilatildeo Trata-se da
concepccedilatildeo mais comum em paiacuteses da Europa com sistemas
universais puacuteblicos Em sua definiccedilatildeo mais estreita refere-se agrave
disponibilidade de meacutedicos com especializaccedilatildeo em medicina geral ou
medicina de famiacutelia e comunidade (meacutedicos generalistas ou general
practioners ndash GP)
Um dos niacuteveis de
atenccedilatildeo do
sistema de sauacutede
APS
abrangente ou
integral Alma-
Ata
A declaraccedilatildeo de Alma-Ata (1978) define a APS integrada ao sistema
de sauacutede garantindo a integralidade e a participaccedilatildeo social
Os princiacutepios fundamentais da APS integral satildeo a necessidade de
enfrentar os determinantes sociais de sauacutede acessibilidade e
cobertura universais com base nas necessidades participaccedilatildeo
comunitaacuteria emancipaccedilatildeo accedilatildeo intersetorial tecnologias apropriadas
e uso eficiente dos recursos
Estrateacutegia para
organizar os
sistemas de
atenccedilatildeo agrave sauacutede e
para a sociedade
promover a sauacutede
Abordagem de
sauacutede e de
direitos
humanos
Enfatiza a compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a
necessidade de abordar os determinantes sociais e poliacuteticos mais
amplos da sauacutede como preconizado na Declaraccedilatildeo de Alma-Ata
Defende a ideacuteia de que as poliacuteticas de desenvolvimento devem ser
inclusivas e apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo
para promover a equidade em sauacutede
Uma filosofia que
permeia os setores
sociais e de sauacutede
Fonte OPASOMS 2007 p04
Como podemos observar nesse documento as distintas concepccedilotildees de atenccedilatildeo primaacuteria
pelas agecircncias internacionais tecircm importantes repercussotildees sobre a equidade e direitos agrave
sauacutede principalmente entre a abordagem seletiva e integral As concepccedilotildees de APS seletiva e
abrangente ldquocompreendem questotildees teoacutericas ideoloacutegicas e praacuteticas muito distintas com
consequecircncias diferenciadas sobre a garantia do direito universal agrave sauacutederdquo (GIOVANELLA
MENDONCcedilA 2012 p 506)
Com base na produccedilatildeo de Starfield (2002) e Vuori (1984) APS em resumo pode ser
compreendida como uma tendecircncia relativamente recente de se inverter a priorizaccedilatildeo das
accedilotildees de sauacutede de uma abordagem curativa desintegrada e centrada no papel hegemocircnico do
meacutedico para uma abordagem preventiva e promocional integrada com outros niacuteveis de
atenccedilatildeo e construiacuteda de forma coletiva com outros profissionais de sauacutede fornecendo
ldquoatenccedilatildeo agrave pessoa natildeo agrave enfermidaderdquo (ANDRADE et al 2012 p 850)
37
Atributos caracteriacutesticos da APS
Uma abordagem para caracterizar a atenccedilatildeo primaacuteria abrangente nos paiacuteses
industrializados foi desenvolvida pela meacutedica e pesquisadora estadunidense Baacuterbara Starfield
(2002) definindo os atributos essenciais dos serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria Tal abordagem
reconhecida por especialistas e difundida tambeacutem no Brasil considera como caracteriacutesticas
especiacuteficas da APS a prestaccedilatildeo de serviccedilos de primeiro contato a assunccedilatildeo de
responsabilidade longitudinal pelo paciente com continuidade da relaccedilatildeo equipe-paciente ao
longo da vida a garantia de cuidado integral considerando-se os acircmbitos fiacutesico psiacutequico e
social da sauacutede dentro dos limites de atuaccedilatildeo do pessoal de sauacutede e a coordenaccedilatildeo das
diversas accedilotildees e serviccedilos indispensaacuteveis para resolver necessidades menos frequumlentes e mais
complexas
Para Giovanella e Mendonccedila (2012) os serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria nessa concepccedilatildeo
devem estar orientados para a comunidade conhecendo as necessidades de sauacutede centrar-se
na famiacutelia para bem avaliar como responder agraves necessidades de sauacutede de seus membros e ter
competecircncia cultural para se comunicar e reconhecer as diferentes necessidades dos diversos
grupos populacionais Ainda de acordo essas autoras essa competecircncia cultural e a orientaccedilatildeo
para a comunidade satildeo facilitadas pela integraccedilatildeo na equipe de atenccedilatildeo primaacuteria de membros
da comunidade os trabalhadores comunitaacuterios de sauacutede que no Brasil satildeo denominados de
agentes comunitaacuterios de sauacutede
Outro atributo essencial da atenccedilatildeo primaacuteria eacute a coordenaccedilatildeo que implica na
capacidade de garantir a continuidade da atenccedilatildeo (atenccedilatildeo ininterrupta) no interior da rede de
serviccedilos Sendo a sua essecircncia a disponibilidade de informaccedilatildeo acerca dos problemas preacutevios
o que requer a existecircncia de prontuaacuterio de acompanhamento longitudinal (ao longo da vida)
do paciente o envio de informaccedilatildeo adequada ao especialista (referencia) e o seu retorno ao
generalista (contra-referencia) apoacutes o encaminhamento a profissional especializado A
coordenaccedilatildeo dos cuidados torna-se cada vez mais indispensaacuteveis em razatildeo do envelhecimento
populacional das mudanccedilas no perfil epidemioloacutegico que evidencia crescente prevalecircncia de
doenccedilas crocircnicas e da diversificaccedilatildeo tecnoloacutegica nas praacuteticas assistenciais
Uma importante caracteriacutestica de uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede que se diz integral
segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) eacute a compreensatildeo da sauacutede como inseparaacutevel do
desenvolvimento econocircmico e social como discutido na Conferencia de Alma-Ata o que
implica atuaccedilatildeo dirigida para a comunidade para enfrentar os determinantes sociais do
processo sauacutede-enfermidade e incentivar a participaccedilatildeo social Para que a determinaccedilatildeo social
do processo sauacutede-doenccedila seja reconhecida eacute necessaacuterio a articulaccedilatildeo com outros setores de
38
poliacuteticas puacuteblicas desencadeando e mediando accedilotildees intersetoriais para o desenvolvimento
social integrado e a promoccedilatildeo da sauacutede devendo essa ser uma estrateacutegia estruturante da
poliacutetica municipal completa as autoras
Essas autoras tambeacutem destacam que a accedilatildeo comunitaacuteria das equipes de APS com
diagnostico do territoacuterio discussatildeo dos problemas da comunidade mobilizaccedilatildeo social e
planejamento de intervenccedilotildees eacute fundamental para responder natildeo soacute as necessidades
individuais mas tambeacutem as necessidades coletivas de sauacutede
Serviccedilos de Atenccedilatildeo Primaacuteria antecedentes histoacutericos
Foi durante a segunda e terceira deacutecadas do seacuteculo XX que as autoridades sanitaacuterias da
eacutepoca desenvolveram o conceito de distrito sanitaacuterio e centro de sauacutede numa tentativa de
aproximar o trabalho em sauacutede da populaccedilatildeo Sendo essas concepccedilotildees colocadas em praacuteticas
de vaacuterias maneiras e em paiacuteses diferentes (ROSEN 1994 apud ANDRADE et al 2012)
Entre 1910 e 1915 nos Estados Unidos da Ameacuterica os esforccedilos para relacionar ldquoos
serviccedilos a uma populaccedilatildeo delimitada ou agrave populaccedilatildeo de uma aacuterea definida logo levaram agrave
compreensatildeo da necessidade de um loacutecus de administraccedilatildeo que foi denominado Centro de
Sauacutederdquo (ANDRADE et al 2012 p845)
Jaacute Giovanella e Mendonccedila (2012) trazem que data de 1920 na Gratilde-Bretanha a
primeira proposta formal de organizaccedilatildeo de um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo quando por
iniciativa do conselho composto por representantes do Ministeacuterio da Sauacutede do partido
trabalhista e dos profissionais meacutedicos privados propocircs a prestaccedilatildeo de serviccedilos de atenccedilatildeo
primaacuteria por equipe de meacutedicos e pessoal auxiliar para cobertura de toda a populaccedilatildeo em
centros de sauacutede Esse documento ficou conhecido como Relatoacuterio Dawson (nome do
ministro de Sauacutede da Inglaterra) onde foi definido ldquoo Centro de Sauacutede como a instituiccedilatildeo
encarregada de oferecer atenccedilatildeo meacutedica no niacutevel primaacuteriordquo (ANDRADE et al 2012 p845)
ldquoA proposiccedilatildeo do Relatoacuterio Dawson incluiacutea ainda a organizaccedilatildeo regionalizada dos
serviccedilos de sauacutede hierarquizada em niacutevel primaacuterio secundaacuterio e terciaacuteriordquo Giovanella e
Mendonccedila (2012 p 507) Por pressatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica essas ideacuteias natildeo foram
imediatamente implementadas mas fundamentaram posteriores iniciativas de organizaccedilatildeo dos
sistemas de sauacutede Na Inglaterra em 1946 na criaccedilatildeo do National Health Service (NHS) o
primeiro niacutevel de atenccedilatildeo foi instituiacutedo por meacutedicos generalistas que atuavam em seus
consultoacuterios com dedicaccedilatildeo exclusiva Foi somente na deacutecada de 1960 que os centros de
sauacutede foram difundidos quando muitas unidades foram construiacutedas na Inglaterra Ainda que
permanecendo como profissionais autocircnomos os ldquomeacutedicos generalistas passaram a dar
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consultas nesses centros de sauacutede trabalhando ao lado de outros profissionais de sauacutede
empregados governamentais como enfermeiras visitadoras domiciliares e assistentes sociaisrdquo
(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012 p 507)
Segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) os centros de sauacutede foram o modelo de
atenccedilatildeo ambulatorial predominante nos paiacuteses socialistas da URSS e do Leste Europeu
Financiados predominantemente com recursos fiscais de impostos gerais representaram o
modelo de atenccedilatildeo ambulatorial mais inclusivo e integral articulando serviccedilos cliacutenicos e de
acesso universal gratuito Cliacutenico geral ou internista pediatra gineco-obstetra odontoacutelogo
enfermeiras e pessoal de apoio auxiliar constituiacuteam a equipe baacutesica Esses serviccedilos eram
nomeados com frequumlecircncia de policliacutenicas e situados nos locais de trabalho como nas
empresas por exemplo
Ainda de acordo com essas autoras foi difundido nos paiacuteses em desenvolvimento
como o Brasil um modelo diferente de centro de sauacutede limitado a serviccedilos preventivos que
separava funccedilotildees cliacutenicas e de sauacutede puacuteblica Esse modelo foi experimentado inicialmente em
uma das colocircnias britacircnicas (Sri Lanka) A atuaccedilatildeo dos centros de sauacutede era focada em
serviccedilos preventivos e as pessoas que necessitavam de tratamento eram referenciadas para os
ambulatoacuterios de hospitais
Histoacuterico da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede no Brasil
O desenvolvimento da Atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede no Brasil natildeo foi diferente de
outros paiacuteses em desenvolvimento onde imperou a concepccedilatildeo da APS seletiva Por muito
tempo as accedilotildees de sauacutede puacuteblica estiveram separadas das accedilotildees assistenciais assim os centros
de sauacutede eram limitados aos serviccedilos preventivos separando as accedilotildees cliacutenicas e de sauacutede
puacuteblica Assim as pessoas que precisavam de tratamento eram encaminhadas para os
ambulatoacuterios em hospitais gerais
Na deacutecada de 1930 houve a consolidaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica como funccedilatildeo estatal ainda
focada na prevenccedilatildeo de doenccedilas atraveacutes de campanhas sanitaacuterias de sauacutede puacuteblica
organizaccedilatildeo de serviccedilos rurais de profilaxia centralizados pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e
Sauacutede Puacuteblica (MESP) Jaacute a assistecircncia meacutedica urbana realizava uma atenccedilatildeo de caraacuteter
curativo e individual com base em especialidades por meio de Caixas e Institutos de
Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) seguindo o modelo de seguridade social isto eacute apenas
algumas categorias de trabalhadores formais tinham o acesso Os centros de sauacutede do Brasil
natildeo prestavam atendimento cliacutenico nem a populaccedilatildeo pobre a qual era encaminhada aos
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ambulatoacuterios dos hospitais de caridade onde recebiam atendimento apoacutes provarem sua
indigecircncia Exceto para algumas doenccedilas transmissiacuteveis (doenccedilas veneacutereas e tuberculose)
esses centros de sauacutede realizavam o tratamento como medida de impedir a transmissatildeo da
doenccedila (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
Na deacutecada de 1940 ocorreram as reformas administrativas do MESP que
aprofundaram e verticalizaram as accedilotildees de sauacutede puacuteblica Houve a criaccedilatildeo dos Serviccedilos
Nacionais de Sauacutede (voltados para doenccedilas especiacuteficas como malaacuteria hanseniacutease
tuberculose etc) e a criaccedilatildeo do Serviccedilo Especial de Sauacutede Puacuteblica (SESP) que articulava
accedilotildees coletivas e preventivas agrave assistecircncia meacutedica curativa respaldada em desenvolvimento
cientiacutefico e tecnoloacutegico limitado influenciado pela medicina preventiva norte-americana
atraveacutes de convecircnios com a Fundaccedilatildeo Rockfeller (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)
Apenas em 1953 o Ministeacuterio da Sauacutede eacute criado Poreacutem ainda assim a dualidade entre
sauacutede puacuteblica e assistecircncia meacutedica urbana no acircmbito do seguro social persistiu por vaacuterias
deacutecadas Durantes as deacutecadas de 1950 e 1960 a cobertura previdenciaacuteria foi estendida pela
unificaccedilatildeo dos IAPs no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ainda mantendo o modelo
de seguro de sauacutede
Em 1970 houve a emergecircncia da medicina comunitaacuteria pela Ameacuterica Latina com
apoio das Agecircncias internacionais com um caraacuteter paralelo agrave organizaccedilatildeo da assistecircncia
meacutedica individual voltada para categorias excluiacutedas A dimensatildeo do programa que se
destinava agrave reduccedilatildeo da pobreza daacute a essa praacutetica o caraacuteter de programa social associada ao
direito agrave sauacutede e ao desenvolvimento social Houve uma articulaccedilatildeo de princiacutepios de
participaccedilatildeo social e da inclusatildeo dos pobres na forccedila de trabalho em sauacutede por meio de
treinamento profissional (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
Com a crise econocircmica aprofundada a assistecircncia meacutedica previdenciaacuteria comeccedilou a
ser questionada e as mazelas do sistema social e de sauacutede comeccedilaram a ser evidenciadas pela
pobreza falta de acesso aos bens puacuteblicos e taxas de morbimortalidade elevadas Nesse
contexto surgiram experiecircncias sanitaacuterias que difundiam uma reforma da assistecircncia meacutedica e
um confronto com o modelo vigente tendo como importantes protagonistas os departamentos
de medicina preventiva de vaacuterias universidades federais
Esses departamentos das universidades federais apostaram no programa de integraccedilatildeo
docente assistencial para a implementaccedilatildeo de praacuteticas de medicina comunitaacuteria baseadas na
atenccedilatildeo integral com destaque para a dimensatildeo social em que se desencadeava o processo
sauacutede-doenccedila enfocando os efeitos coletivos da atenccedilatildeo prestada nesse processo e natildeo apenas
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no resultado (cura) Contou com a cooperaccedilatildeo entre diversas agecircncias e praacuteticas ligadas a vida
(escolas postos de sauacutede centros de treinamento profissional serviccedilo social creches etc)
A forma como as praacuteticas se efetivaram no Brasil abriram o debate nacional para a
atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede recebendo suporte da decisatildeo poliacutetica traccedilada em Alma-Ata Foi
criado o Programa de Interiorizaccedilatildeo das Accedilotildees de Sauacutede Saneamento (PIASS) que financiava
a construccedilatildeo de unidades baacutesicas de sauacutede e visava implantar serviccedilos de primeiro niacutevel em
cidades de pequeno porte O modelo de assistecircncia meacutedica curativa comeccedila a colapsar por
oferecer cobertura restrita aos segurados da previdecircncia social por ser oneroso e ter a sua
conduccedilatildeo deteriorada pela gestatildeo fraudulenta do INAMPS
Na deacutecada de 1980 uma articulaccedilatildeo entre setores do Ministeacuterio da Sauacutede e do
Instituto de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social (INAMPS) propocircs o Programa
Nacional de Serviccedilos Baacutesicos de Sauacutede (Prevsauacutede) que estenderia os benefiacutecios
experimentados aos centros urbanos de maior porte e buscaria minimizar os efeitos da crise
previdenciaacuteria (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
Esse fato aprofundou a discussatildeo sobre a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica sem
alcanccedilar a sua aprovaccedilatildeo O Plano do Conselho Consultivo da Administraccedilatildeo de Sauacutede
Previdenciaacuteria (Conasp) propocircs uma racionalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo meacutedica previdenciaacuteria
respaldada por orientaccedilotildees teacutecnicas de organismos internacionais como a OPAS e o acuacutemulo
de conhecimento teoacuterico-cientiacutefico produzido no Brasil Assim o programa de Accedilotildees
Integradas em Sauacutede (AIS) foi consolidado Esse programa visava agrave organizaccedilatildeo de serviccedilos
baacutesicos nos municiacutepios com base em convecircnios entre as trecircs esferas de governo
Em 1985 foi estimulada a integraccedilatildeo das instituiccedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede na definiccedilatildeo
de uma accedilatildeo unificada em niacutevel local Desta maneira as unidades baacutesicas de niacutevel local
seriam responsaacuteveis por accedilotildees de caraacuteter preventivo e de assistecircncia meacutedica integrando o
sistema de sauacutede puacuteblica e previdenciaacuterio a fim de prestar atenccedilatildeo integral a toda populaccedilatildeo
independente de contribuiccedilatildeo financeira agrave previdecircncia Paralelamente foram criados
programas de atenccedilatildeo primaacuteria direcionados a grupos especiacuteficos como o Programa de
Atenccedilatildeo Integrada agrave Sauacutede da Mulher (PAISM) e da crianccedila (PAISC) que serviram como
modelo para os demais programas de atenccedilatildeo integral voltados para grupos de risco idosos
adolescentes portadores de doenccedilas crocircnicas etc (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
42
44 A ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Reorientaccedilatildeo do Modelo Assistencial
A reorganizaccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos de sauacutede se inscreveu no projeto de Reforma
Sanitaacuteria Brasileira desde a deacutecada de 1970 Na deacutecada de 1980 a Reforma Sanitaacuteria foi
contemporacircnea agrave reestruturaccedilatildeo da poliacutetica social brasileira que apontou para um modelo de
proteccedilatildeo social abrangente justo equacircnime e democraacutetico definindo constitucionalmente a
sauacutede como direito de todos e dever do Estado com acesso universal igualitaacuterio agraves accedilotildees e
serviccedilos para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo
Com a luta pela ampliaccedilatildeo da cidadania as bases legais para a organizaccedilatildeo do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) foram fixadas na Constituiccedilatildeo de 1988 seguindo princiacutepios e
diretrizes de universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade da atenccedilatildeo resolutividade
humanizaccedilatildeo do atendimento e participaccedilatildeo social complementadas na aprovaccedilatildeo das Leis
Orgacircnicas da Sauacutede I e II que criaram o Fundo Nacional de Sauacutede (recursos fiscais) e o
Conselho Nacional de Sauacutede (participaccedilatildeo social) (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)
Na deacutecada de 1990 a tensatildeo entre o avanccedilo do projeto neoliberal e a preservaccedilatildeo do
SUS e suas diretrizes faz com que o MS adote mecanismos indutores do processo de
descentralizaccedilatildeo da gestatildeo Esses mecanismos transferiram a responsabilidade da atenccedilatildeo para
o governo municipal o que exigiu rever a loacutegica da lsquoatenccedilatildeo baacutesicarsquo organizando-a e
expandindo-a como primeiro niacutevel de atenccedilatildeo de acordo com as necessidades da populaccedilatildeo
Assim a concepccedilatildeo de ESF passou por profundas mudanccedilas e sua funccedilatildeo dentro do
SUS tambeacutem mudou radicalmente Vale ressaltar alguns marcos cronoloacutegicos desse processo
Em 1991 surge o Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) implantado pela
FUNASA no Norte e Nordeste do paiacutes Ainda na deacutecada de 1990 o MS fortaleceu as accedilotildees de
caraacuteter preventivo com investimento em programas de accedilotildees baacutesicas como parte da estrateacutegia
de reorganizaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo visando a promoccedilatildeo da sauacutede Nessa esteira foi
formulado o Programa de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) materializado pela portaria MS n 692 de
dezembro de 1993
No ano de 1996 foi implantada a Norma Operacional Baacutesica (NOB) que definiu um
novo modelo de financiamento para a atenccedilatildeo baacutesica agrave sauacutede com vistas agrave sustentabilidade
financeira para um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo Neste texto a Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede (ABS)
contemplava ldquo() um conjunto de accedilotildees de caraacuteter individual e coletivo situadas no primeiro
niacutevel de atenccedilatildeo dos sistemas de sauacutede voltadas para a promoccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de
agravos o tratamento e a reabilitaccedilatildeordquo (BRASIL 1996 p18)
43
Ainda em 1996 houve a implantaccedilatildeo dos Poacutelos de Capacitaccedilatildeo Formaccedilatildeo e Educaccedilatildeo
Permanente de Recursos Humanos para Sauacutede da Famiacutelia e no ano seguinte 1997 por meio
do documento oficial Sauacutede da Famiacutelia uma estrateacutegia para a reorientaccedilatildeo do modelo
assistencial o PSF passa a ser ldquouma estrateacutegia que possibilita a integraccedilatildeo e promove a
organizaccedilatildeo das atividades em um territoacuterio definido com propoacutesito de propiciar o
enfrentamento e resoluccedilatildeo dos problemas identificados ()rdquo (GIOVANELLA et al 2009
p24 )
Apoacutes o PSF ter se tornado a estrateacutegia de reestruturaccedilatildeo do sistema de sauacutede houve
uma mudanccedila na forma de financiamento da ABS que passa a ser fundo a fundo isto eacute do
Fundo Nacional de Sauacutede para os Fundos Municipais de Sauacutede Haacute entatildeo a definiccedilatildeo pela
primeira vez de orccedilamento proacuteprio para o PSF estabelecido no Plano Plurianual
(GIOVANELLA et al 2009)
Outro documento importante eacute o 1ordm Pacto da Atenccedilatildeo Baacutesica de 1999 A Portaria nordm
1329 estabeleceu as faixas de incentivo ao PSF por cobertura populacional Jaacute no final do
seacuteculo XX houve a criaccedilatildeo do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB) com o intuito de
promover a consolidaccedilatildeo da Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (CASTRO FAUSTO 2012)
No iniacutecio do seacuteculo XXI foi lanccedilado o documento NOAS01 (Norma Operacional da
Assistecircncia agrave Sauacutede de 2001) A ecircnfase dada nesse documento foi a qualificaccedilatildeo da APS no
paiacutes e a incorporaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede bucal na ESF Ainda com o objetivo de fortalecer a
ESF em todo paiacutes em 2002 foi dado iniacutecio ao Programa de Expansatildeo e Consolidaccedilatildeo da
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (Proesf) Esse programa foi dividido em duas fases a primeira
- Fase I - foi concluiacuteda em 2007 e a segunda fase - Fase II foi de 2009 ateacute 2013
Outra importante iniciativa para melhor desenvolver a capacidade de atuaccedilatildeo das
EqSF foi a criaccedilatildeo em 2008 dos Nuacutecleos de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia (NASFs) com o
objetivo de apoiar a consolidaccedilatildeo da APS no Brasil ampliando sua abrangecircncia e
resolutividade Outros profissionais que natildeo compotildeem a equipe miacutenima como alguns
meacutedicos especialistas psicoacutelogos farmacecircuticos fisioterapeutas terapeutas ocupacionais e
assistentes sociais tecircm por funccedilatildeo apoiar as equipes em pelo menos duas dimensotildees apoio a
proacutepria equipe no que diz respeito a seu processo de trabalho e apoiador da equipe no que
tange aos cuidados dos usuaacuterios compartilhando saberes
Apoacutes quinze anos de ESF eacute possiacutevel fazer um balanccedilo de sua atuaccedilatildeo apontando os
desafios e as possibilidades da ABS no Brasil Foi entre os anos de 2001 a 2010 que a Poliacutetica
Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica ampliou a concepccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria brasileira
incorporando caracteriacutesticas da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente Com isso a atenccedilatildeo
44
primaacuteria passa a ser entendida como ldquoum conjunto de accedilotildees de promoccedilatildeo prevenccedilatildeo
recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo de sauacutede nos acircmbitos individual e coletivo realizadas por meio de
trabalho em equipe e dirigidas a populaccedilotildees de territoacuterios delimitadosrdquo (GIOVANELLA
MENDONCcedilA 2012 p539)
A APS tem como importante funccedilatildeo ser o ponto de contato preferencial e a porta de
entrada do sistema de sauacutede garantindo a integralidade da atenccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo dos
cuidados A Sauacutede da Famiacutelia tornou-se a estrateacutegia prioritaacuteria e permanente para a
organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria Aleacutem disso o modelo brasileiro de atenccedilatildeo primaacuteria
incorpora outros elementos da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente com centralidade na
famiacutelia e direcionamento para a comunidade Apesar disso observa-se uma diversidade de
modelos implementados nas diferentes experiecircncias de APS no paiacutes e ainda haacute um longo
caminho a se percorrer ateacute a hegemonia de um novo modelo de atenccedilatildeo em sauacutede
O Programa Sauacutede da Famiacutelia ao ser aplicado como estrateacutegia passa a difundir uma
perspectiva inovadora para a atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes voltado para a famiacutelia e a
comunidade Tomados como paracircmetros para anaacutelise da implementaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo
primaacuteria abrangente a integraccedilatildeo e as accedilotildees intersetoriais satildeo desafios importantes
O sucesso da implementaccedilatildeo ESF para a grande maioria da populaccedilatildeo dependeraacute de
alguns fatores tais como incentivos financeiros poliacutetica adequada de recursos humanos
profissionalizaccedilatildeo dos ACS fixaccedilatildeo dos profissionais da sauacutede proporcionando-lhes
satisfaccedilatildeo no trabalho poliacuteticas de formaccedilatildeo profissional e educaccedilatildeo permanente iniciativas
locais competentes e criativas para o enfrentamento da diversidade no paiacutes A natildeo-
qualificaccedilatildeo de profissionais meacutedicos como generalistas eacute outro grande desafio Somente em
2002 a Medicina de Famiacutelia e da Comunidade foi reconhecida como especialidade pelo
Conselho Federal de Medicina fomentando-se a abertura de cursos de residecircncia e de
especializaccedilatildeo lato sensu (GIONANELLA et al 2009)
Outros desafios operacionais tambeacutem se colocam diante da efetivaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo
primaacuteria abrangente como insuficiente oferta de atenccedilatildeo especializada agravada pela baixa
integraccedilatildeo com os prestadores estaduais ainda responsaacuteveis em alguns municiacutepios pela maior
parte dos serviccedilos de meacutedia complexidade ausecircncia de poliacuteticas federais para a atenccedilatildeo
especializada A construccedilatildeo de redes integradas passa necessariamente por maior
investimento em serviccedilos de meacutedia complexidade com expansatildeo do leque de serviccedilos
ofertados no primeiro niacutevel novas accedilotildees curativas serviccedilos comunitaacuterios de sauacutede mental
cuidados domiciliares (home care) e cuidados paliativos investimentos em tecnologias de
45
informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com a implantaccedilatildeo de sistemas informatizados de regulaccedilatildeo e
prontuaacuterios eletrocircnicos (GIOVANELLA amp MENDONCcedilA 2012)
Por fim a organizaccedilatildeo do SUS orientada por uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
abrangente eacute uma perspectiva para a reduccedilatildeo das desigualdades sociais e regionais no acesso e
na utilizaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede no desenvolvimento de accedilotildees comunitaacuterias e na mediaccedilatildeo
de accedilotildees intersetoriais para responder aos determinantes sociais e regionais que contribuem
para efetivar o direito agrave sauacutede no Brasil
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil e na Cidade do Rio de Janeiro
A implementaccedilatildeo da ESF ocorre de diferentes modos nos mais de 5600 municiacutepios do
paiacutes e ainda satildeo poucos os estudos que nos permitem saber se mudanccedilas substanciais foram
efetivamente implementadas no modelo assistencial Silva Casotti e Chaves (2013)
realizaram uma revisatildeo da produccedilatildeo cientiacutefica na base de dados Scielo entre os anos de 2002
a 2010 sobre a variedade de estudos existentes abordando a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e seu
papel na orientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo no paiacutes Os resultados mostraram que apesar da
melhoria do processo de trabalho na atenccedilatildeo primaacuteria seu caraacuteter substitutivo natildeo foi
evidenciado na maioria dos estudos Sendo predominante a expansatildeo da universalizaccedilatildeo do
acesso aos serviccedilos de sauacutede a extensatildeo de cobertura e focalizaccedilatildeo As mudanccedilas foram
verificadas quando analisadas sob o foco da demanda como maior acolhimento e viacutenculo Os
limites mais evidentes se situaram no pouco foco das necessidades de sauacutede como na
territorializaccedilatildeo participaccedilatildeo comunitaacuteria e enfrentamento dos determinantes sociais de forma
intersetorial Foram evidenciados diferentes graus de implantaccedilatildeo da estrateacutegia mas que ainda
natildeo resultou na reorganizaccedilatildeo do sistema no niacutevel local
A cidade do Rio de Janeiro foi capital do Estado do Brasil uma colocircnia do Impeacuterio
Portuguecircs depois capital do Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves de 1815 a 1822
capital do Impeacuterio do Brasil ateacute 1889 e capital do Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil ateacute
1960 quando a sede do governo foi transferida para Brasiacutelia
Hoje eacute a capital do Estado do Rio de Janeiro e o principal destino turiacutestico
internacional da Ameacuterica Latina sendo a segunda metroacutepole mais populosa do Brasil (depois
de Satildeo Paulo) a sexta maior da Ameacuterica e a trigeacutesima quinta do mundo Em 2010 segundo
censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo do Rio de janeiro
era de 6320446 habitantes e em 2014 a populaccedilatildeo estimada era de 6453682 habitantes
O desenvolvimento e a construccedilatildeo de uma razoaacutevel infraestrutura de serviccedilos puacuteblicos
incluindo um importante conjunto de serviccedilos de sauacutede em especial unidades hospitalares sob
46
a coordenaccedilatildeo das diferentes esferas de governo foi favorecido pelo importante papel
histoacuterico-poliacutetico desempenhado pela cidade (CASOTTI et al 2013)
Quanto a organizaccedilatildeo dos serviccedilos a atenccedilatildeo agrave sauacutede no municiacutepio se estrutura em
trecircs niacuteveis com diferentes tipos de unidades Atenccedilatildeo Primaacuteria (Centro Municipal de
SauacutedeCMS e Cliacutenica da FamiacuteliaCF) Atenccedilatildeo Secundaacuteria (Policliacutenicas Centros de Atenccedilatildeo
Psicossocial -CAPS Unidades de Pronto Atendimento - Upas e Centros de Reabilitaccedilatildeo) e
Atenccedilatildeo Terciaacuteria (Maternidades Hospitais e Institutos) (RIO DE JANEIRO 2013
ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DA SAUacuteDE 2013)
Com a finalidade de gestatildeo do sistema municipal de sauacutede desde 1993 a cidade do
Rio de Janeiro estaacute organizada em 10 (dez) Aacutereas de Planejamento Sanitaacuterio cada uma com
sua Coordenaccedilatildeo de Aacuterea denominadas Aacutereas Programaacuteticas ndash AP (10 21 22 31 32 33
40 51 52 e 53) que satildeo bem diversas entre si em relaccedilatildeo a equipamentos de sauacutede e
necessidades da populaccedilatildeo (RIO DE JANEIRO 2014)
Na deacutecada de 90 a rede municipal de atenccedilatildeo primaacuteria da cidade recebeu
investimentos de requalificaccedilatildeo estrutural (reformas adequaccedilotildees e ampliaccedilotildees) da sua
capacidade instalada valorizando a implantaccedilatildeo de um sistema corretivo e preventivo de
manutenccedilatildeo predial mas sem apresentar aumento significativo no nuacutemero de unidades no
municiacutepio (CASOTTI et al 2013)
Apesar do movimento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo primaacuteria no paiacutes em 1994
com a adoccedilatildeo da PSF a secretaria municipal de sauacutede manteve a atenccedilatildeo primaacuteria tradicional
como modelo predominante de atenccedilatildeo e implantou a ESF de forma residual fragmentada e
desarticulada Ao passo que outras capitais como Belo Horizonte e Florianoacutepolis alcanccedilavam
a cobertura da ESF acima de 70 da populaccedilatildeo no ano de 2008
Situaccedilatildeo essa que perdurou sem alteraccedilatildeo ateacute 2009 onde o cenaacuterio da atenccedilatildeo primaacuteria
no municiacutepio apresentava uma estrutura bastante incipiente com cobertura da ESF em torno
de 7 segundo dados da Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (2013) quando se instalou
um processo de Reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria que incluiu a territorializaccedilatildeo das redes e uma
importante expansatildeo do nuacutemero de unidades de atenccedilatildeo primaacuteria o que resultou numa
expansatildeo acelerada com implantaccedilatildeo de 828 equipes da ESF atingindo uma cobertura de
479 em marccedilo de 2015 consolidando assim o modelo da ESF na cidade (SORANZ 2013)
Para viabilizar essa expansatildeo de cobertura vecircm sendo implementadas no campo da
gestatildeo do trabalho algumas estrateacutegias para atrair e fixar profissionais qualificados incluindo
alteraccedilatildeo de salaacuterios e formas de contrataccedilatildeo operacionalizadas por meio das Organizaccedilotildees
Sociais (OSs) e a criaccedilatildeo do Curso de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade
47
(RMFC) pela Prefeitura do Rio de Janeiro Outra estrateacutegia importante estaacute voltada para o
campo da qualificaccedilatildeo profissional em parceria com instituiccedilotildees de ensino como a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj) e a Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (PINTO 2011 MAGNAGO E PIERANTONI 2015
OPAS 2013)
Outro passo foi dado a partir de 2010 com o iniacutecio da implantaccedilatildeo dos Nuacutecleos de
Atenccedilatildeo agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASFs)) que tecircm o objetivo de apoiar e dar resolutividade agraves
diversas especialidades na atenccedilatildeo baacutesica aleacutem de promover sua integraccedilatildeo agrave rede de
serviccedilos Uma rede de NASF foi entatildeo progressivamente implementada chegando a 47
equipes em 2015
A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e sua importacircncia para a Sauacutede Mental
No acircmbito internacional seguindo as diretrizes do ldquoMental Health Action Plan 2013-
2020rdquo satildeo destacados quatro grandes objetivos principais 1) lideranccedila e governanccedila mais
efetiva em sauacutede mental 2) fornecimento de serviccedilos de sauacutede mental e cuidados sociais de
base comunitaacuteria abrangente integrado 3) implantaccedilatildeo de estrateacutegias para promoccedilatildeo e
prevenccedilatildeo e 4) fortalecimento do sistema de informaccedilatildeo evidencia e pesquisa Esse Plano de
Accedilatildeo Global estaacute baseado na abordagem do ciclo de vida e objetiva alcanccedilar equidade atraveacutes
da cobertura de sauacutede universal enfatizando a importacircncia da prevenccedilatildeo e do respeito aos
Direitos Humanos A World Health Organization recomenda o fortalecimento da Atenccedilatildeo
Primaacuteria e da Atenccedilatildeo Psicossocial Comunitaacuteria para isso sugere que cada paiacutes encontre o
melhor caminho respeitadas as particularidades sociais econocircmicas e culturais (WHO
2013)
A atual Poliacutetica de Sauacutede Mental no Brasil eacute resultado da mobilizaccedilatildeo de trabalhadores
da Sauacutede Mental usuaacuterios e familiares iniciada na deacutecada de 1980 com o objetivo de mudar a
realidade dos manicocircmios onde viviam mais de 100 mil pessoas com transtornos mentais
institucionalizadas com seacuterias violaccedilotildees dos Direitos Humanos O movimento foi
impulsionado pela importacircncia que o tema dos Direitos Humanos adquiriu no combate agrave
ditadura e alimentou-se das experiecircncias exitosas de paiacuteses europeus na substituiccedilatildeo de um
modelo de sauacutede mental baseado no hospital psiquiaacutetrico por um modelo de serviccedilos
comunitaacuterios com forte inserccedilatildeo territorial Esse processo de mudanccedila nas uacuteltimas deacutecadas
se expressa especialmente por meio do movimento Social da Luta Antimanicomial e de um
projeto coletivamente produzido de mudanccedila do modelo de atenccedilatildeo e de gestatildeo do cuidado a
Reforma Psiquiaacutetrica
48
A atenccedilatildeo as pessoas com transtornos mentais passa entatildeo a ter como objetivo ldquoo
pleno exerciacutecio de sua cidadania e natildeo somente o controle de sua sintomatologiardquo Brasil
(2013 p21) O que vai implicar na organizaccedilatildeo de serviccedilos abertos de base territorial com a
participaccedilatildeo dos usuaacuterios e formando redes com outras poliacuteticas puacuteblicas (educaccedilatildeo trabalho
moradia cultura etc) A inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental nos cuidados de sauacutede primaacuterios
portanto vai propiciar a loucura sair de um lugar segregador excludente para um de conviacutevio
de agenciamentos de possibilidades de produccedilatildeo de vida (SOUZA RIVERA 2010)
Para Lancetti e Amarante (2012) eacute no acircmbito da Sauacutede da Famiacutelia que se pode
alcanccedilar a radicalidade da desinstitucionalizaccedilatildeo Mas para isso as equipes da Estrateacutegia de
Sauacutede da Famiacutelia precisam ser bem instrumentalizadas na concepccedilatildeo mais geral da Reforma
Psiquiaacutetrica e da Reforma Sanitaacuteria entendendo ambas como ldquoprocessos sociais complexos
que visam tanto agrave melhoria da assistecircncia meacutedica quanto agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave construccedilatildeo
de consciecircncia sanitaacuteria nas comunidadesrdquo (AMARANTE 2007 p96)
Aleacutem de as equipes serem bem instrumentalizadas Amarante (2007) destaca ser
importante que as equipes recebam apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da
Famiacutelia - NASF (Portaria GM 1542008) para conduzir os casos de sauacutede mental de forma
mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada a partir da vivencia cotidiana
dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias profissionais para lidar com os
problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento psiacutequico e comprometer a
resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA 2013)
A Portaria GM 1542008 determina que todo NASF tenha ao menos um profissional
da aacuterea da sauacutede mental para orientar problematizar oferecer apoio teacutecnico e institucional em
situaccedilotildees de sauacutede mental aos profissionais da ESF contribuindo para que estas consigam o
maacuteximo de ecircxito em suas intervenccedilotildees sem a necessidade de encaminhar as pessoas aos
niacuteveis mais complexos de recursos Por Apoio Matricial no seu sentido original entende-se
como uma equipe composta por um ou mais profissionais de sauacutede detentores de certo saber
cientifico que apoacuteia utilizando-se para isso de diversas modalidades de processos uma ou
mais equipes de referecircncia (CAMPOS1999)
Souza et al (2012) realizaram uma revisatildeo narrativa da literatura brasileira sobre
relaccedilotildees entre Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o campo da sauacutede mental no periacuteodo de
1999 a 2009 Os resultados apontaram problemas como visotildees estereotipadas sobre os
transtornos mentais predominacircncia da loacutegica manicomial ausecircncia de registros fluxos
estrateacutegias apoio qualificado agraves famiacutelias e de integraccedilatildeo em rede Assim como na revisatildeo
feita por Gama e Onocko (2009) que constatou a persistecircncia do paradigma biomeacutedico
49
tradicional pouca correspondecircncia entre as diretrizes de inclusatildeo da sauacutede mental e a
realidade dos serviccedilos dificuldades na relaccedilatildeo entre equipes de ESF e CAPS
Esses estudos mostraram que alguns profissionais construiacuteram formas de lidar com os
problemas de sauacutede mental na APS mais adequadas aos princiacutepios do SUS e da Reforma
Psiquiaacutetrica No entanto essas estrateacutegias permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais
natildeo tinham clareza sobre elas) assistemaacuteticas e desarticuladas da rede de serviccedilos O que
sugere que a atenccedilatildeo agrave sauacutede mental na APS brasileira do iniacutecio do seacuteculo XXI ainda se
encontra em seus ldquotateiosrdquo iniciais Apresentando-se como um desafio atual e importante
tanto para a academia quanto para praacutetica dos serviccedilos
Apoio Matricial (AM)
No presente estudo o foco natildeo foi o Apoio Matricial (AM) mas faz-se necessaacuterio
esclarecer que essa eacute uma ferramenta que tem como funccedilatildeo segundo Campos (1999)
estimular cotidianamente a produccedilatildeo de novos padrotildees de inter-relaccedilatildeo entre equipe e
usuaacuterios ampliar o compromisso dos profissionais com a produccedilatildeo de sauacutede e quebrar
obstaacuteculos organizacionais agrave comunicaccedilatildeo Privilegiando dessa forma o exerciacutecio
interdisciplinar em busca do cuidado integral em sauacutede a racionalizaccedilatildeo do acesso e do uso
de recursos especializados e estimulando uma cliacutenica compartilhada embasada por um pacto
de corresponsabilizaccedilatildeo sanitaacuteria ampliando assim o escopo da APS
Embora o Ministeacuterio da Sauacutede tenha formalizado os Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da
Famiacutelia (NASF) pressupondo um funcionamento a partir do apoio matricial em 2008 em um
estudo recente Fonseca Sobrinho et al (2014) apontam que no Brasil em 12 estados cerca de
50 das EqSF possuem nenhum ou grau baixo de AM Demonstrando assim que as
atividades de AM na Atenccedilatildeo Baacutesica satildeo desiguais com graus de AM mais elevados nos
estados e regiotildees mais desenvolvidas O estudo destaca que os trabalhadores das ESF
reconhecem a potecircncia do AM para mudanccedilas das praacuteticas (mais consoante aos princiacutepios da
integralidade) e das subjetividades daqueles que as protagonizam ficando mais
comprometidos com os casos o que corrobora para o fortalecimento de viacutenculos com os
usuaacuterios que se sentem mais seguros pelo fato dos profissionais da ESF serem apoiados por
um ou mais especialistas
Para Delfini e Reis (2012) o AM pode ser uma ferramenta facilitadora da acessibilidade
dos usuaacuterios de sauacutede mental aos serviccedilos de sauacutede funcionando como um arranjo
organizacional capaz de dar sustentaccedilatildeo aos equipamentos da rede de forma a operar de
maneira integrada e articulada possibilitando a apreensatildeo do sujeito em sofrimento psiacutequico
50
no entanto as EqSF natildeo se sentem instrumentalizadas para o manejo dos casos de transtornos
mentais Jaacute para Campos e Domitti (2007) os profissionais referem-se ao apoio matricial sem
compreender o que eacute o fundamento de sua proposta a corresponsabilizaccedilatildeo pelos usuaacuterios e a
construccedilatildeo de accedilotildees conjuntas
Na cidade do Rio de Janeiro o AM na aacuterea de sauacutede mental ainda estaacute processo de
construccedilatildeo Estatildeo sendo feitas vaacuterias tentativas de aproximaccedilatildeo entre as EqSF e os Centro de
Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) de sua aacuterea de referecircncia algumas jaacute bem sucedidas Sendo
esse processo possiacutevel quando haacute esse serviccedilo no territoacuterio No entanto natildeo podemos
esquecer que ainda haacute um nuacutemero insuficiente deste dispositivo em todo o territoacuterio
brasileiro
A Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro possui uma Carteira de Serviccedilos ndash
Guia de Referecircncia Raacutepida com a relaccedilatildeo de serviccedilos prestados na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
elaborado em (2011) e atualizado em (2016) que visa nortear as accedilotildees de sauacutede na atenccedilatildeo
primaacuteria oferecidas agrave populaccedilatildeo no Municiacutepio do Rio de Janeiro Neste documento os
serviccedilos oferecidos para a Sauacutede Mental satildeo
Acompanhamento ao usuaacuterio de aacutelcool e outras drogas
Realizaccedilatildeo de desintoxicaccedilatildeo alcooacutelica na unidade primaacuteria de sauacutede
Acolher as pessoas em situaccedilotildees de crise e referenciar se necessaacuterio
Referenciar todos os casos de sauacutede mental quando necessaacuterio
(CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio NASF ou hospital) para suporte teacutecnico mantendo o
acompanhamento dos pacientes
Educaccedilatildeo em sauacutede para manejo de sobrecarga familiar (apoio aos cuidadores)
Realizaccedilatildeo e incentivo agrave participaccedilatildeo de profissionais da ESF em foacuteruns de sauacutede
mental visando a integraccedilatildeo e a construccedilatildeo de parcerias intersetoriais
Atendimento individual a familiares visando intervenccedilatildeo em situaccedilotildees de violecircncia
domeacutestica
Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica para inserccedilatildeo de usuaacuterios com transtornos mentais
nas atividades de rotina da unidade como consultas e acompanhamento de hipertensatildeo
diabetes tuberculose odontologia e em grupos de atividade fiacutesica ou outras atividades
realizadas pela unidade
Atendimento e acompanhamento de usuaacuterios que realizam uso crocircnico de
benzodiazepiacutenico atraveacutes de consulta meacutedica e de enfermagem ou grupos terapecircuticos
Discussatildeo de casos cliacutenicos com equipes dos CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio e
NASF
51
Acompanhamento ao portador de transtornos mentais comuns (leves) atraveacutes de
consulta meacutedica e grupo terapecircutico
Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica visando a inserccedilatildeo do usuaacuterio nos espaccedilos de
convivecircncia da comunidade como vilas oliacutempicas escolas centros culturais e centros de
convivecircncia
Abordagem e manejo de transtornos de ansiedade natildeo complicados
Abordagem e manejo de transtornos depressivos natildeo complicados
Na CF onde foi realizado o estudo agrave eacutepoca das entrevistas a equipe contava com o AM
via NASF com um psiquiatra e uma psicoacuteloga que estavam disponiacuteveis na unidade em dois
turnos mas natildeo contava com um CAPS de referecircncia para adultos apenas para crianccedilas o
CAPSI da Universidade Federal do Rio de Janeiro E o CAPS Ad para adultos do Estado
encontrava-se com atendimento muito restrito devido ao deacuteficit de recursos humanos e
recursos financeiros
45 OS PROFISSIONAIS DA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Formaccedilatildeo dos Profissionais de Sauacutede no Brasil
A formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede eacute um processo de fundamental importacircncia para o
desenvolvimento e manutenccedilatildeo de um sistema puacuteblico de sauacutede de qualidade Isto porque o
trabalho em sauacutede baseia-se necessariamente no elemento humano ou seja ldquona sua
capacidade de agir refletir colocar-se no lugar das pessoas que recebem seus cuidados e
entender os determinantes do processo sauacutede-doenccedila em seu dinamismo e sua complexidaderdquo
(CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012 p885)
Atualmente temos 14 (quatorze) profissotildees de sauacutede de niacutevel universitaacuterio em nosso paiacutes
medicina enfermagem odontologia fisioterapia terapia ocupacional psicologia
fonoaudiologia farmaacutecia veterinaacuteria educaccedilatildeo fiacutesica serviccedilo social ciecircncias bioloacutegicas
biomedicina e nutriccedilatildeo Sendo importante destacar a importacircncia histoacuterica da medicina para a
aacuterea de sauacutede e seu referencial teoacuterico - Relatoacuterio Flexner que influenciaram a conformaccedilatildeo
do ensino das demais profissotildees de sauacutede
O Relatoacuterio Flexner elaborado pelo educador americano Abrahem Flexner ficou
conhecido por normatizar as bases para um ensino meacutedico pautado no meacutetodo cientiacutefico Suas
principais propostas para escolas de medicina eram Definiccedilatildeo de padrotildees de entrada e
ampliaccedilatildeo para quatro anos da duraccedilatildeo dos cursos Introduccedilatildeo do ensino laboratorial
Estimulo a docecircncia em tempo integral Expansatildeo do ensino clinico especialmente em
52
hospitais Vinculaccedilatildeo das escolas meacutedicas agraves universidades Ecircnfase na pesquisa bioloacutegica
Vinculaccedilatildeo da pesquisa ao ensino Estiacutemulo agrave especializaccedilatildeo meacutedica Controle do exerciacutecio
profissional pela profissatildeo organizada (CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012)
A separaccedilatildeo ainda hoje da maioria dos cursos da aacuterea de sauacutede em ciclo baacutesico (inicial
composto por disciplinas baacutesicas geralmente bioloacutegicas) e ciclo profissional (com disciplinas
voltadas para a praacutetica) eacute um exemplo da influecircncia do modelo flenexeriano no ensino de
praticamente todas as profissotildees nessa aacuterea o que consequentemente proporciona uma
hipervalorizaccedilatildeo do aspecto bioloacutegico e a fragmentaccedilatildeo dos conhecimentos com consequente
desvalorizaccedilatildeo dos demais determinantes do processo sauacutede-doenccedila (CAMPOS AGUIAR e
BELISAacuteRIO 2012)
Tendo-se em mente que o sistema educativo eacute uma imensa maacutequina burocraacutetica e que a
foacutermula da educaccedilatildeo bancaacuteria ainda eacute majoritaacuteria na realidade educacional como esperar que
a maioria dos estudantes ao final de seu curso natildeo tenha uma praacutetica fragmentada e centrada
na medicalizaccedilatildeo jaacute que em seus cursos veem escutam e aprendem desta forma
quotidianamente (FREIRE 2003)
Campos Aguiar e Belizaacuterio (2012) destacam que as profissotildees de sauacutede que conhecemos
hoje satildeo relativamente novas inclusive a medicina considerada uma das profissotildees mais
antigas do mundo soacute obteve credibilidade popular a partir do seacuteculo XIX quando o meacutetodo
cientifico se tornou determinante das praacuteticas em sauacutede A medicina nos seacuteculos anteriores era
uma profissatildeo baseada no empirismo ou em supersticcedilotildees
Tambeacutem ressaltam que o ldquocasamento entre a sauacutede e a ciecircncia foi fruto da euforia
positivista1 daquela eacutepoca que assistiu a importantes descobertas como a anestesia e a
microbiologiardquo Campos Aguiar e Belisaacuterio (2012 p886) o que contribuiu para generalizar a
impressatildeo de que a ciecircncia mais cedo ou mais tarde traria respostas objetivas para a maioria
dos problemas da humanidade E tambeacutem para reforccedilar a ideia positivista de que esses
problemas teriam sempre causas bem definidas sendo portanto passiveis de intervenccedilatildeo cujo
aparecimento seria soacute uma questatildeo de tempo
Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos
diversos cursos da aacuterea da sauacutede com a Lei Orgacircnica da Sauacutede (Lei Nordm 80801990) segundo
a qual um dos objetivos e atribuiccedilotildees do SUS eacute a ordenaccedilatildeo da formaccedilatildeo dos trabalhadores do
setor com base em metodologias mais reflexivas voltadas ao aprendizado no proacuteprio
1 O Positivismo eacute uma corrente filosoacutefica que surgiu na Franccedila no comeccedilo do seacuteculo XIX Defende a ideacuteia de
que o conhecimento cientifico eacute a uacutenica forma de conhecimento verdadeiroAdvoga a descoberta de leis naturais
e o seu domiacutenio pela ciecircncia de forma a resolver os problemas do mundo e da vida
53
exerciacutecio profissional Somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo de
reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a
novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
Em um artigo publicado em 2010 Haddad e colaboradores a partir de uma anaacutelise
sobre a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede no Brasil no periacuteodo de 1991 a 2008
apresentaram um panorama dos 14 cursos considerados da aacuterea de sauacutede e por resoluccedilatildeo do
Conselho Nacional de Sauacutede (CNS) afirmaram que as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN)
Apontam a necessidade de os cursos incorporarem nos seus projetos
pedagoacutegicos o arcabouccedilo teoacuterico do SUS valorizando tambeacutem os
postulados eacuteticos a cidadania a epidemiologia e o processo
sauacutededoenccedilacuidado no sentido de garantir formaccedilatildeo
contemporacircnea de acordo com referenciais nacionais e internacionais
de qualidade As DCN inovam ao estimularem a inserccedilatildeo precoce e
progressiva do estudante no SUS o que lhe garantiraacute conhecimento e
compromisso com a realidade de sauacutede de seu paiacutes e sua regiatildeo
(HADDAD et al 2010 p 38)
Eacute importante destacar nesse cenaacuterio de formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede no Brasil
que o ensino acadecircmico e o ensino profissional foram historicamente tratados de modos
distintos com maior ou menor interferecircncia puacuteblica privada ou de trabalhadores
O ensino profissionalizante natildeo pode ser separado dos movimentos econocircmicos de
cada periacuteodo Desde 1809 com a criaccedilatildeo do Coleacutegio das Faacutebricas a profissionalizaccedilatildeo teve
iniacutecio e se manteve como concessatildeo governamental agraves classes sociais pobres Ao mesmo
tempo em que qualificava os trabalhadores preparava para exercer as atividades econocircmicas
vigentes ou seja a profissionalizaccedilatildeo era vista como uma soluccedilatildeo para os problemas sociais
(BARROS et al 2010)
No campo da sauacutede a partir dos anos 1930 eacutepoca da criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho
com a industrializaccedilatildeo e o aumento da cobertura previdenciaacuteria cresceu a necessidade do
mercado por profissionais de sauacutede especialmente meacutedicos Como consequecircncia verificou-se
a ampliaccedilatildeo da oferta de cursos de medicina Na eacutepoca devido ao crescimento econocircmico a
expansatildeo dos cursos de ensino superior ocorreu em toda a Ameacuterica Latina No entanto o
54
mesmo natildeo sucedeu com o ensino meacutedio Teacutecnicos e auxiliares natildeo eram prioridade na
agenda de formaccedilatildeo e eram absorvidos pelo mercado de trabalho sem qualificaccedilatildeo (BARROS
et al 2010)
Ateacute a promulgaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei Nordm
402461) natildeo era permitida a equivalecircncia entre o ensino regular e o profissionalizante
coerente com a loacutegica de que a educaccedilatildeo profissional era dirigida sempre aos mais pobres
para que exercessem atividades servis enquanto o ensino formal destinava-se agrave elite
(BRASIL MEC 2000)
Em 1963 na 3ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede (CNS) foi discutida a profissionalizaccedilatildeo
de niacutevel meacutedio e apresentada uma proposta de preparaccedilatildeo desses trabalhadores Na 4ordf CNS
em 1967 cujo tema central foi ldquoRecursos Humanos para as Atividades de Sauacutederdquo propocircs-se a
formulaccedilatildeo de uma poliacutetica permanente de recursos humanos voltada ao ensino no trabalho
pelo trabalho e para o trabalho (BARROS et al 2010)
Nos anos 1960 e 1970 os investimentos puacuteblicos em hospitais privados decorreram do
modelo de seguridade social estabelecido O crescimento de serviccedilos meacutedicos e hospitalares
a ampliaccedilatildeo de leitos e o foco nas doenccedilas tambeacutem aumentaram a compra de serviccedilos
meacutedicos pelo Estado com incremento de leitos hospitalares Nessa eacutepoca disparou o nuacutemero
de empregos no setor hospitalar privado (BARROS et al 2010)
Ateacute os anos 1980 predominava a contrataccedilatildeo de pessoal desqualificado para os serviccedilos
Um estudo realizado por Pronko (1999) analisou a forccedila de trabalho em sauacutede na deacutecada de
1970 e verificou que houve um aumento significativo de pessoas desqualificadas (em especial
atendentes) que atuavam nas atividades hospitalares passando de 32137 para 85541 o
nuacutemero desses profissionais sem qualificaccedilatildeo
Tampouco nos hospitais e postos de sauacutede puacuteblicos havia qualquer exigecircncia de formaccedilatildeo
para o atendente de enfermagem Barros et al (2010) Somente com a promulgaccedilatildeo da Lei do
Exerciacutecio Profissional da Enfermagem em 1986 fruto de uma longa luta poliacutetica da
enfermagem junto a oacutergatildeos centrais como Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Ministeacuterio da Sauacutede eacute
que ficou estabelecido o prazo de dez anos para a extinccedilatildeo da categoria
Nos anos 1990 por pressatildeo de organismos internacionais e pela forccedila da Lei do Exerciacutecio
Profissional de Enfermagem foram iniciados cursos de formaccedilatildeo profissionalizante pelos
Centros de Desenvolvimento de Recursos Humanos (CE- DRHU) das Secretarias Estaduais
de Sauacutede (SESs) Tambeacutem em decorrecircncia das determinaccedilotildees legais para o ensino
profissionalizante exigia-se matriacutecula em escola de ensino meacutedio fator que dificultou a
55
permanecircncia de muitos profissionais nos cursos Em seguida surgiu o Projeto de Formaccedilatildeo
em Larga Escala de Pessoal de Sauacutede (BARROS et al 2010)
Nesse sentido como afirmam Barros et al (2010) em seu estudo a deacutecada de 1990
registrou uma contradiccedilatildeo no mesmo periacuteodo ocorreu incorporaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios
sem escolaridade nas poliacuteticas de governo como o Programa de Agentes Comunitaacuterios de
Sauacutede e implantaccedilatildeo de programas nacionais de formaccedilatildeo com exigecircncia de escolaridade para
os profissionais de enfermagem em geral
Foram criados os Centros de Formaccedilatildeo de Recursos Humanos em Sauacutede e as Escolas
Teacutecnicas de Sauacutede do SUS vinculadas agraves SES com o intuito de promover a
profissionalizaccedilatildeo dos trabalhadores inseridos nos serviccedilos sem a devida qualificaccedilatildeo O MS
no ano de 2000 criou o Projeto de Profissionalizaccedilatildeo dos Trabalhadores da Aacuterea de
Enfermagem (Profae) que foi oferecido para 225 mil trabalhadores cadastrados pelas
Secretarias Municipais de Sauacutede
Formaccedilatildeo dos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
Com a implementaccedilatildeo do Sauacutede da Famiacutelia o discurso poliacutetico governamental se
alterou com vistas a reorientar o recurso humano em sauacutede em termos de capacitaccedilatildeo para a
integralidade e nova praacutetica no SUS natildeo apenas no contexto do serviccedilo mas tambeacutem na
formaccedilatildeo dos futuros profissionais jaacute no acircmbito dos cursos de Enfermagem Medicina e
Odontologia Moretti-Pires (2009) O autor ainda destaca que este processo natildeo se deu
simplesmente por opccedilatildeo poliacutetica dos governos mas sim em virtude de necessidades concretas
de assistecircncia agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira frente ao dever constitucional do Estado em
relaccedilatildeo agrave sauacutede de todos
Mesmo com estes esforccedilos ainda foi mantido o modelo universitaacuterio tradicional
focado na atenccedilatildeo curativo-individual desconsiderando o contexto sociocultural das famiacutelias
pelos profissionais de sauacutede Pensamento que natildeo estaacute de acordo com a praacutetica necessaacuteria
para atuaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia comprometendo a legitimidade do modelo de atenccedilatildeo na
medida em que a equipe ainda vivencia o modelo hegemocircnico biomeacutedico e tradicional apesar
das tentativas de modifica-lo na praacutetica permanece em um ldquoestado entre a ESF idealizada e a
ESF de fatordquo (MORETTI-PIRES 2009 p155)
Em seu estudo sobre a complexidade em Sauacutede da Famiacutelia e formaccedilatildeo do futuro
profissional de sauacutede Moretti-Pires (2009) conclui que a formaccedilatildeo reducionistabiomeacutedica
nas trecircs profissotildees (Enfermagem Medicina e Odontologia) assim como o foco no trabalho
individual e natildeo na equipe multiprofissional eacute um quadro inadequado ao SUSESF que
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preconiza atuaccedilatildeo profissional focada na complexidade do entorno socioeconocircmico e
antropoloacutegico dos usuaacuterios do sistema E que apesar de a Sauacutede da Famiacutelia se constituir em
um modelo de atenccedilatildeo primaacuteria que se distingue pela visatildeo integral do usuaacuterio a formaccedilatildeo
universitaacuteria de seus profissionais ainda se pauta na visatildeo fragmentaacuteria reduzida ao acircmbito da
disciplinaridade (anatomia patologia geneacutetica farmacologia economia sociologia etc)
Atualmente jaacute existem vaacuterios cursos de Poacutes-Graduaccedilatildeo Lato Sensu e Stricto Sensu no
Brasil em Sauacutede da Famiacutelia voltados para os profissionais que atuam preferencialmente na
atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
De acordo com o estudo realizado por Pereira Costa e Megale (2012) nos uacuteltimos seis
anos atraveacutes de iniciativas interministeriais promovidas pelos Ministeacuterios da Sauacutede e da
Educaccedilatildeo tem-se observado a implantaccedilatildeo de importantes programas que vecircm ao encontro
das premissas defendidas pela Educaccedilatildeo Permanente em Sauacutede O Programa Nacional de
Reorientaccedilatildeo da Formaccedilatildeo Profissional em Sauacutede (Proacute-Sauacutede) lanccedilado em 2005 alicerccedilado
pelos Programa de Educaccedilatildeo pelo Trabalho para a Sauacutede (PET-Sauacutede) e o Proacute-Ensino na
Sauacutede ambos de 2010 propotildeem profundas mudanccedilas na relaccedilatildeo ensino-serviccedilo-comunidade
a partir do resgate do papel social das Instituiccedilotildees de Ensino (atividades de extensatildeo e
pesquisa em educaccedilatildeo na sauacutede) bem como da responsabilidade dos serviccedilos de sauacutede em
formarem ativamente seus futuros profissionais com enfoque na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
Em relaccedilatildeo a formaccedilatildeo profissional dos Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) em
1991 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em parceria com as secretarias estaduais e municipais
institucionalizou o Programa Nacional de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PNACS)
posteriormente Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) objetivando reduzir os
alarmantes indicadores de morbimortalidade infantil e materna inicialmente no Nordeste do
Brasil
Com a criaccedilatildeo do Programa de sauacutede da Famiacutelia em 1993 posteriormente denominado
ESF emergiu a categoria do Agente Comunitaacuterio de Sauacutede (ACS) para atuar nas unidades
baacutesicas e ser o elo entre a comunidade e os serviccedilos de sauacutede Essa atividade profissional natildeo
tinha nem qualificaccedilatildeo nem regulaccedilatildeo Dada a importacircncia de sua funccedilatildeo no programa e em
decorrecircncia de seu papel estrateacutegico no fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria enquanto poliacutetica
puacuteblica para a sauacutede houve necessidade de capacitar esse profissional No entanto somente
em 2002 a profissatildeo foi criada em termos de lei que em 2006 foi revogada para que ajustes
pudessem ser feitos por meio da promulgaccedilatildeo da Lei 11350 A nova regulamentaccedilatildeo ocorreu
agora em 2014 com a Lei 12994 que altera a Lei no 11350 de 2006 para instituir piso
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salarial profissional nacional e diretrizes para o plano de carreira dos Agentes Comunitaacuterios
de Sauacutede
Segundo Barros et al (2010) considerando os aspectos mencionados observa-se que o
ACS nasce num contexto permeado por influecircncias sociais ideoloacutegicas poliacuteticas e teacutecnicas
envolvendo demandas de ordem nacional e internacional Na agenda brasileira passa a ser
visto como uma estrateacutegia poliacutetica possiacutevel para superar o modelo tradicional e assinala
assim perspectivas para a construccedilatildeo de um novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede
Observa-se hoje que o ACS desempenha papel relevante na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
devido a suas atribuiccedilotildees que envolvem o cadastramento e o acompanhamento nas aacutereas de
cobertura da ESF aleacutem do seu capital social Por sua condiccedilatildeo hiacutebrida de estar entre a
comunidade (eacute morador e conhecedor daquela realidade) e os profissionais de sauacutede tornou-
se um importante elemento na promoccedilatildeo de mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de
fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes
46 ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE MENTAL TRANSFORMACcedilOtildeES DE PARADIGMA
Da Psiquiatria agrave Sauacutede Mental
Segundo Costa-Rosa Luzio amp Yasui (2003 p 28) as ldquopraacuteticas cliacutenicas concebidas ao
modo da cliacutenica meacutedica e psicoloacutegica foram consideradas como meios de adaptar os
indiviacuteduos agrave aceitaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo de objetos da violecircnciardquo Os autores denunciam nesse
contexto a situaccedilatildeo perversa entre os profissionais da assistecircncia e os seus pacientes
Rotelli Leonardis e Mauri (2001) de maneira convergente destacam que se faz
necessaacuteria a mudanccedila do paradigma psiquiaacutetrico na assistecircncia
O mal obscuro da Psiquiatria estaacute em haver separado um objeto
fictiacutecio a ldquodoenccedilardquo da existecircncia global complexa e concreta dos
pacientes e do corpo social Sobre essa separaccedilatildeo artificial se
construiu um conjunto de aparatos cientiacuteficos legislativos e
administrativos (a instituiccedilatildeo) todos referidos agrave ldquodoenccedilardquo Eacute este
conjunto que eacute preciso desmontar (desinstitucionalizar) para retomar o
contato com aquela existecircncia dos pacientes enquanto ldquoexistecircnciardquo
doente (ROTELLI LEONARDIS MAURI 2001 p29-30)
O modelo de cuidados proposto para atenccedilatildeo em Sauacutede Mental baseia-se nos
princiacutepios da Atenccedilatildeo Psicossocial Esse modelo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua
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ldquoexistecircncia-sofrimentordquo Costa-Rosa (2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia
subjetiva colocando em questatildeo a ideacuteia de ldquodoenccedila mentalrdquo ldquotranstorno mentalrdquo do modelo
biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais
[] colocar um lsquofenocircmenorsquo entre parecircnteses representa uma
importante demarcaccedilatildeo epistemoloacutegica no acircmbito da tradiccedilatildeo do
pensamento filosoacutefico existencial consiste na ideacuteia de que o
lsquofenocircmenorsquo natildeo existe em si mas eacute construiacutedo pelo observador
o sujeito do conhecimento constroacutei o lsquofenocircmenorsquo este eacute parte
do primeiro eacute parte de sua cultura e de sua subjetividade
(AMARANTE 1999 p49)
Para melhor compreender o alcance das propostas da Atenccedilatildeo Psicossocial haacute de se
contextualizar as mudanccedilas de paradigmas no interior dos quais ela se define e as questotildees
importantes que atualmente atravessam o contexto da Sauacutede Mental Coletiva
A Atenccedilatildeo Psicossocial inserida no campo da Reforma Psiquiaacutetrica ldquotem sustentado
um conjunto de accedilotildees teoacuterico-praacuteticas poliacutetico-ideoloacutegica e eacuteticas norteadas pela aspiraccedilatildeo de
substituiacuterem o Modo Asilar e algumas vezes o proacuteprio paradigma da Psiquiatriardquo (COSTA-
ROSA LUZIO YASUI 2003 p 28)
De acordo com esses autores sua origem remonta a uma serie de diferentes
experiecircncias histoacutericas que incluem principalmente a Psiquiatria de Setor e Comunitaacuteria a
Antipsiquiatria a Psicoterapia Institucional e a Psiquiatria Democraacutetica Italiana aleacutem da
contribuiccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas e das experiecircncias locais brasileiras dos Centros de
Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) e dos Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial (NAPS) Esses mesmos
autores afirmam que de um modo geral os elementos teoacutericos impliacutecitos a essas experiecircncias
transitam especialmente pelas ideacuteias socioloacutegicas e psicoloacutegicas pelo Materialismo Histoacuterico
pela Psicanaacutelise e pela Filosofia da Diferenccedila
Para Amarante (1999 p47-52) as transformaccedilotildees na Sauacutede mental podem ser
especificadas em quatro campos teoacuterico conceitual teacutecnico-assistencial juriacutedico-poliacutetico e
sociocultural Vou tentar sintetizar as transformaccedilotildees em cada um desses campos como
estrateacutegia de visualizar a praacutexis da Atenccedilatildeo Psicossocial conforme abordado por Costa-Rosa
Luzio e Yasui (2003 p 32-33)
No campo teoacuterico-assistencial tem-se trabalhado na desconstruccedilatildeo de conceitos e
praacuteticas sustentadas pela psiquiatria e pela psicologia nas suas visotildees sobre a doenccedila mental
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Por outro lado tem-se construiacutedo noccedilotildees e conceitos como ldquoexistecircncia-sofrimentordquo do sujeito
com o corpo social paradigma esteacutetico acolhimento cuidado emancipaccedilatildeo e contratualidade
social O conceito de existecircncia-sofrimento por oposiccedilatildeo ao paradigma doenccedila-cura explicita
a exigecircncia de dar ao sujeito a cena simultaneamente impulsiona a Reforma Psiquiaacutetrica na
direccedilatildeo de uma revoluccedilatildeo paradigmaacutetica uma vez que coloca em questatildeo a tatildeo cara relaccedilatildeo
sujeito-objeto e o proacuteprio paradigma doenccedila-cura Aqui a dimensatildeo esteacutetica ganha uma
relevacircncia particular que eacute essa especificidade do sujeito de estar por si no centro da cena
inclusive das terapecircuticas
No campo teacutecnico-assistencial tem-se construiacutedo uma rede de novos serviccedilos espaccedilo
de sociabilidade de trocas em que se enfatiza a produccedilatildeo de subjetividades O que tem
significado colocar a doenccedila entre parecircnteses e oportunizar contato com o sujeito rompendo
com as praacuteticas disciplinares ampliando a possibilidade de recuperaccedilatildeo do seu estatuto de
sujeito de direitos Transformaccedilotildees tanto na concepccedilatildeo dos novos equipamentos (Centros e
Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial Oficinas Terapecircuticas e de Reintegraccedilatildeo Social e
Cooperativas de Trabalho) quanto na sua forma de organizaccedilatildeo e gestatildeo (Instituiccedilotildees abertas
com participaccedilatildeo e co-gestatildeo com os usuaacuterios e a populaccedilatildeo tecircm sido realizadas Tambeacutem se
colocam em praacutetica experiecircncias com a aacuterea de abrangecircncia da instituiccedilatildeo considerada sob o
conceito de territoacuterio Enfim eacute nesse campo que a Reforma Psiquiaacutetrica tem deixado mais
visiacuteveis suas inovaccedilotildees paralelo agrave reconstruccedilatildeo de conceitos
No campo juriacutedico-poliacutetico satildeo realccediladas algumas aquisiccedilotildees aleacutem das transformaccedilotildees
advindas da Reforma Sanitaacuteria luta-se pela extinccedilatildeo dos manicocircmios e sua substituiccedilatildeo por
instituiccedilotildees abertas pela revisatildeo das legislaccedilotildees sanitaacuterias civil e penal referentes a doenccedila
mental para viabilizar o exerciacutecio do direito agrave cidadania ao trabalho e agrave inclusatildeo social
Vaacuterias portarias ministeriais tem sido publicadas agrave partir da Lei 102162001 oficializando os
vaacuterios dispositivos substitutivos ao modelo manicomial para efeito de financiamento de suas
accedilotildees no SUS Mais recentemente tivemos a publicaccedilatildeo da Portaria GM 30882011 que
institui a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento mental e com
necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool e outras drogas na busca pela consolidaccedilatildeo
de um modelo de sauacutede mental em rede e de base comunitaacuteria
No campo sociocultural uma seacuterie de praacuteticas sociais tem sido construiacutedas com vistas
a transformar o imaginaacuterio social relacionado com a loucura a doenccedila mental e a
anormalidade passando pelas distinccedilotildees de doenccedila mental loucura desrazatildeo ateacute chegar ao
conceito de existecircncia-sofrimento A imagem da loucura e do louco a imagem da instituiccedilatildeo e
a da relaccedilatildeo dos usuaacuterios e a populaccedilatildeo com ela (desinstitucionalizaccedilatildeo) estatildeo ainda em
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processo de transformaccedilotildees Merecendo destaque para a imagem da instituiccedilatildeo que se formula
como espaccedilo de circulaccedilatildeo (natildeo mais espaccedilo depositaacuterio) e poacutelo de exerciacutecio esteacutetico e a
imagem do louco como cidadatildeo que deve almejar poder de contratualidade social
Faz se necessaacuterio aqui destacar que Lobosque (1997) e Amarante (1996) buscam
mostrar que eacute na dimensatildeo poliacutetica da Reforma Psiquiaacutetrica que se encontra a verdadeira
cliacutenica da Reforma pautada sobretudo pela possibilidade de criaccedilatildeo e invenccedilatildeo cotidiana
Haacute que se observar ainda que
O lugar da Sauacutede Mental eacute um lugar de conflito confronto e
contradiccedilatildeo Talvez esteja aiacute uma certa caracteriacutestica ontoloacutegico-
social pois isso eacute expressatildeo e resultante de relaccedilotildees e situaccedilotildees
concretas Por qualquer perspectiva que se olhe tratar-se-aacute sempre de
um processo de um eterno confronto pulsaccedilotildees de vidapulsaccedilotildees
mortiacuteferas inclusatildeoexclusatildeo toleracircnciaintoleracircncia (COSTA-
ROSA LUZIO YASUI 2003 p 29)
47 MEDICALIZACcedilAtildeO DO SOCIAL
De acordo com Rosen (1994 p1) ldquoa histoacuteria da medicina social eacute em grande parte a
histoacuteria da poliacutetica e da accedilatildeo social em relaccedilatildeo aos problemas da sauacutederdquo Nota-se nesse autor
a preocupaccedilatildeo com uma abordagem histoacuterica para se estudar agraves novas relaccedilotildees instauradas
com a medicina social ldquoO cuidado com a sauacutede sempre esteve relacionado agraves condiccedilotildees
poliacuteticas econocircmicas e sociais de grupos especiacuteficos mas em eacutepocas passadas estas relaccedilotildees
natildeo eram objeto de investigaccedilatildeo sistemaacuteticardquo (ROSEN 1994 p2)
O foco do trabalho de George Rosen assim como de Michel Foucault estaacute centrado
no apogeu da institucionalizaccedilatildeo da medicina no seacuteculo XIX Uma triacuteade relacional entre
ldquoMedicina- Estado- Sociedaderdquo Para entender a ligaccedilatildeo entre a doenccedila e a sauacutede Rosen
argumenta que a articulaccedilatildeo dessas duas premissas se dava por meio de dois ambientes social
e cultural pois para ele
A doenccedila e a sauacutede satildeo aspectos desta instabilidade onipresente satildeo
expressotildees das relaccedilotildees mutaacuteveis entre os vaacuterios componentes do
corpo entre o corpo e o ambiente externo no qual ele existe Como
fenocircmeno bioloacutegico as causas da doenccedila satildeo procuradas no reino da
natureza mas no homem a doenccedila possui ainda uma outra dimensatildeo
nele a doenccedila natildeo existe como ldquonatureza purardquo sendo mediada e
61
modificada pela atividade social e pelo ambiente cultural que tal
atividade criardquo (ROSEN 1994 p77)
Assim a mudanccedila na aacuterea da medicina inicia-se a partir do momento em que a doenccedila
assume um valor social Eacute dessa forma que Rosen busca identificar a relaccedilatildeo que os
diferentes Estados europeus operacionalizam a adoccedilatildeo de poliacuteticas higiecircnicas A preocupaccedilatildeo
da medicina em marcar seu espaccedilo no cerne do Estado vincula-se a diferentes projetos e uso
das praacuteticas meacutedicas
Para Rosen a industrializaccedilatildeo e os consequentes problemas sociais levaram vaacuterios
investigadores a estudar a influecircncia de fatores como pobreza e profissionalizaccedilatildeo da
medicina no estado de sauacutede E como pode-se observar na colocaccedilatildeo de Rosen a questatildeo
urbana eacute primordial para as particularidades na concepccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede puacuteblica
Chega-se entatildeo agrave afirmaccedilatildeo de que a medicina tambeacutem assume um valor pedagoacutegico pois
para ele
Mas sendo a sauacutede e a educaccedilatildeo condiccedilotildees de bem-estar eacute tarefa do
Estado providenciar para que o maior nuacutemero de pessoas tenha
acesso atraveacutes da accedilatildeo puacuteblica aos meios de manutenccedilatildeo e promoccedilatildeo
tanto da sauacutede quando da educaccedilatildeo Assim natildeo eacute suficiente que o
Estado garanta a cada cidadatildeo o necessaacuterio a sua existecircncia e decirc
assistecircncia a todo aquele cujo trabalho natildeo eacute suficiente para a
obtenccedilatildeo do necessaacuterio O Estado deve fazer mais deve assistir todos
para que tenham as condiccedilotildees necessaacuterias para gozar uma existecircncia
saudaacutevel (ROSEN 1994 p82)
Ao estudar a acessibilidade dos cidadatildeos ao serviccedilo baacutesico de sauacutede aproxima-se da
definiccedilatildeo conceitual que Virchow meacutedico estudado por Rosen busca empreender sobre a
Sauacutede Puacuteblica em seu processo de legitimaccedilatildeo Para Virchow a Sauacutede Puacuteblica tinha como
carro chefe o estudo das vaacuterias condiccedilotildees de vida nos diferentes grupos sociais Sendo assim
Rosen sintetiza que o alcance da medicina social pode ser delimitado atraveacutes de trecircs aspectos
socioloacutegicos a saber ldquosauacutede em relaccedilatildeo agrave comunidade sauacutede como valor social e a sauacutede e
poliacutetica socialrdquo (ROSEN 1994 p138)
Dessa maneira a ligaccedilatildeo poliacutetica da medicina com o Estado como propotildee Rosen faz
parte das tecnologias instaladas pelo Estado Moderno a fim de melhorar as condiccedilotildees
higiecircnicas da populaccedilatildeo europeia
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Jaacute a tese de Michel Foucault para analisar a aproximaccedilatildeo da medicina com Estado
parte da ideacuteia da medicalizaccedilatildeo da sociedade Esse processo pode ser compreendido quando
as relaccedilotildees meacutedicas extrapolam a concepccedilatildeo individualista do corpo e do tratamento meacutedico e
passam a valorizar a aproximaccedilatildeo do meacutedico com o doente O enfermo passa ser objeto da
medicina e natildeo o contraacuterio a medicina como objeto do enfermo Pois para ele em termos de
economia o capitalismo contribuiu para a divulgaccedilatildeo das praacuteticas de uma medicina oficial
Minha hipoacutetese eacute que com o capitalismo natildeo se deu a passagem de
uma medicina coletiva para uma medicina privada mas justamente o
contraacuterio que o capitalismo desenvolvendo-se em fins do seacuteculo
XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX socializou um primeiro objeto que foi o
corpo enquanto forccedila de produccedilatildeo forccedila de trabalho O controle da
sociedade sobre os indiviacuteduos natildeo se opera simplesmente pela
consciecircncia ou pela ideologia mas comeccedila no corpo com o corpo
(FOUCAULT 2011 p80)
Segundo Illich (1975) a expansatildeo da medicina cientiacutefica ou biomedicina a outra face
da medicalizaccedilatildeo social gera o fenocircmeno da contraprodutividade um fenocircmeno moderno das
sociedades industriais em que a utilizaccedilatildeo de ferramentas sociais e tecnoloacutegicas tem como
resultado efeitos antagocircnicos ao seu objetivo No caso instituiccedilotildees de sauacutede que produzem
doenccedilas medicina que produz iatrogenias Tal fenocircmeno pode se dar por monopoacutelio das
funccedilotildees ou por excesso de uso da ferramenta ou ambos como eacute o caso da biomedicina
A medicalizaccedilatildeo social estaacute associada ao que Illich (1975) chamou de iatrogenia
cultural uma forma difusa e sub-reptiacutecia de iatrogenia da biomedicina a perda do potencial
cultural para manejo da maior parte das situaccedilotildees de dor adoecimento e sofrimento O carro-
chefe das propostas desse autor consiste em incrementar reinventar eou resgatar a autonomia
das pessoas em sauacutede-doenccedila de forma a caminhar no sentido do reequiliacutebrio entre accedilotildees
autocircnomas e heterocircnomas Isso remete ao papel que a atenccedilatildeo agrave sauacutede institucional
desempenha nesse processo
Segundo Tesser (2006) a medicalizaccedilatildeo social pode ser considerada o resultado do
sucesso da empreitada cientiacutefica na sauacutede que buscou monopolizar a legitimidade
epistemoloacutegica oficial no ocidente Usando a concepccedilatildeo epistemoloacutegica de Fleck (1986)
Tesser interpreta a medicalizaccedilatildeo social como o resultado do sucesso da socializaccedilatildeo dessa
medicina para grandes contingentes populacionais pouco modernizados o que implica um
63
epistemiciacutedio de saberes e praacuteticas natildeo-cientiacuteficos populares ou tradicionais Ateacute pouco
tempo esses saberes foram importantes fornecedores de lastro cultural e teacutecnico para accedilotildees
autocircnomas em sauacutede-doenccedila lastro este em processo de extinccedilatildeo ou intensa transformaccedilatildeo
Adotando posiccedilatildeo inspirada em Boaventura de Sousa Santos (2000 2004) o autor
propotildee que a biomedicina seja considerada indispensaacutevel e necessaacuteria e simultaneamente
inadequada e perigosa Um dos seus perigos eacute justamente sua atuaccedilatildeo no processo de
medicalizaccedilatildeo e iatrogenia cultural de que falou Illich
A formaccedilatildeo biomeacutedica e o Programa Sauacutede da Famiacutelia
Facilmente nos domiciacutelios brasileiros a ESF eacute uma ldquofaca de dois gumes uma chance
para a reconstruccedilatildeo da autonomia e ou simultaneamente uma nova e poderosa forccedila
medicalizadorardquo (TESSER 2006 p25)
Institucionalizado como ciecircncia vitorioso social e politicamente o saber meacutedico eacute
sempre um saber sobre outrem com caracteriacutesticas especiais Eacute um saber sobre as doenccedilas ou
probabilidades e riscos de doenccedilas do corpo (ou psique) E aleacutem disso ainda eacute um saber que
estaacute aleacutem do proacuteprio profissional que supostamente o domina radicando-se na instituiccedilatildeo
ldquoCiecircnciardquo Este saber concentrou de forma espetacular sua fundamentaccedilatildeo e seu poder numa
instituiccedilatildeo que eacute representada por um outro transcendente alheio agrave pessoa doente distante
dela e inacessiacutevel Tendo sido seu objeto de atenccedilatildeo reduzido de sujeito doente a corpo (ou
psique) doente corpo portador de doenccedila e por fim doenccedilas e seus riscos o saber cliacutenico-
epidemioloacutegico desconhece a sauacutede e a vida dos sujeitos as quais vatildeo se transformando em
medidas que instrumentos quantificadores e padrotildees de imagens registram em termos de
constantes e variantes fisioloacutegicas dinacircmicas funcionais e fatores de risco estabelecidos por
padrotildees estatiacutesticos (TESSER 2006)
O precedente eacute dito no sentido de contextualizar teoricamente uma constataccedilatildeo sobre
os saberes profilaacuteticos da biomedicina esta criou um fosso quase intransponiacutevel entre o
sujeito e os conhecimentos sobre sua proacutepria sauacutede-doenccedila entre o saber meacutedico e o saber
individual que na praacutetica orienta as pessoas e ganha significado e valor diferenciado para
cada sujeito conforme as suas caracteriacutesticas pessoais sociais culturais e econocircmicas A
ldquosegunda ruptura epistemoloacutegicardquo proposta por Boaventura de Sousa Santos (1982) como
necessaacuteria parece dificiacutelima na sauacutede e mesmo quando buscada parece que nunca chega
satisfatoriamente ndash senatildeo sob a forma de medicalizaccedilatildeo e sua dependecircncia generalizada
Com isso o saber biomeacutedico profilaacutetico desligou-se da perspectiva existencial do
sujeito doente pouco dizendo que lhe faccedila significado vital e lhe remeta ao processo de
64
revisatildeo valorativa no sentido de abrir possibilidades de crescimento accedilatildeo e responsabilizaccedilatildeo
em relaccedilatildeo a si mesmo seus proacuteximos e seus problemas de sauacutede Como consequecircncia
muitos saberes preventivos estabelecidos por essa medicina ganham caraacuteter de prescriccedilotildees
que natildeo se integram ao universo vivenciado pelo sujeito Revestem-se de um tom monaacutestico
asseacuteptico pouco convincente e operacionalizaacutevel por seu caraacuteter riacutegido e restritivo natildeo beba
natildeo fume natildeo use drogas durma bem alimente se moderadamente sem excessos coma mais
vegetais restrinja o accediluacutecar o sal a gordura faccedila exerciacutecios regularmente natildeo se estresse etc
Aleacutem disso a situaccedilatildeo da profilaxia se agrava pelo imbroacuteglio valorativo e filosoacutefico no
qual esse saber se encontra destituiacutedo de espaccedilo filosoacutefico proacuteprio (como de resto a
biomedicina como um todo devido a sua adesatildeo ao modelo cientiacutefico positivista que
transformou esse espaccedilo em debate metodoloacutegico eacute difiacutecil amalgamar uma proposta de
revalorizaccedilatildeo da questatildeo sauacutede (vida) que possa articular o saber profilaacutetico acumulado pela
biomedicina com o universo simboacutelico e cultural dos doentes (TESSER 2006)
Esse eacute um dos principais desafios na ESF Com a expansatildeo das capilaridades das
accedilotildees de sauacutede nos diversos territoacuterios desse Brasil tatildeo desigual A atenccedilatildeo agrave sauacutede fora do
setting hospitalar necessita tambeacutem considerar a abordagem cultural procurando se aproximar
o maacuteximo possiacutevel de onde as pessoas vivem e andam a vida para de fato produzir sauacutede e
natildeo cuidar soacute da doenccedila
Uma ldquodoenccedilardquo entidade de existecircncia supostamente autocircnoma distinta do paciente e
no seu corpo instalada a ser explicada (em geral apenas nomeada) ao doente e eleita como
alvo e objeto das suas atenccedilotildees como inimigo a ser combatido e vencido Vale ressaltar a
respeito da ldquoteoria das doenccedilasrdquo dessa medicina e do imaginaacuterio reinante no mundo
medicalizado que as doenccedilas satildeo vistas como ldquocoisasrdquo relacionadas a lesotildees a serem
investigadas no interior do corpo fiacutesico e corrigidas com alguma intervenccedilatildeo concreta Eacute
desnecessaacuterio comentar que mesmo em ambientes especializados o caraacuteter convencional e
construtivo das doenccedilas eacute extremamente difiacutecil de ser percebido dado que um dos efeitos da
construccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos eacute o apagamento dos vestiacutegios de sua construccedilatildeo dando-lhes a
aparecircncia de pura objetividade (LATOUR 2000a b LATOUR WOOLGAR 1997)
Operou-se pela via do saber da interpretaccedilatildeo um movimento de focalizaccedilatildeo da
atenccedilatildeo na doenccedila como entidade distinta e alheia ao sujeito Operou-se um desvio especiacutefico
do olhar que deixou de lado a vida do sujeito e seu adoecimento nas suas condiccedilotildees de
existecircncia (sociais econocircmicas emocionais ambientais espirituais) e apresentou as
65
categorias fisiopatoloacutegicas fatores etioloacutegicos e de risco com que trabalha a biomedicina
(TESSER 2004)
Feito o diagnoacutestico o doente eacute ldquoconvidadordquo a aceitar a interpretaccedilatildeo teacutecnica do
profissional Mesmo que haja relevantes diferenccedilas culturais como ocorre na maioria das
vezes no Brasil haacute um certo grau de sucesso na apropriaccedilatildeo pelo doente da interpretaccedilatildeo
biomeacutedica Ainda que o saber meacutedico aponte causas enraizadas na vida do doente como
comumente ocorre nas doenccedilas crocircnicas este enquanto sujeito praticamente natildeo aparece eacute
portador de fatores de risco geneacuteticos comportamentos de risco etc todas coisas que satildeo do
acircmbito de sua vida vivida mas que lhe ficam estranhas no isolamento e na objetivaccedilatildeo
biomeacutedica por mais seus que possam ser Aleacutem disso ainda que os diagnoacutesticos sejam
sindrocircmicos ou apenas descritivos operam uma objetivaccedilatildeo dos sintomas Estes receberatildeo
intervenccedilatildeo supostamente local (especificamente dirigida) a qual tenderaacute a desviar a atenccedilatildeo
dos sujeitos no sentido jaacute apontado (TESSER 2006)
A vinculaccedilatildeo do combate aos sintomas com o saber meacutedico eacute ambiacutegua Ela se daacute pelo
dever eacutetico de sedar a dor e aliviar o sofrimento como regra geral e arremedo de doutrina
meacutedica No entanto isso se confunde com o comodismo profissional e com a impotecircncia do
saber biomeacutedico ao se defrontar com queixas e sofrimentos natildeo-enquadraacuteveis na grade
nosoloacutegica como acontece diariamente na ESF Natildeo podendo dar sentido ou interpretaccedilatildeo
satisfatoacuteria aos adoecimentos e queixas ficando com diagnoacutesticos descritivos o meacutedico tem
de recorrer a noccedilotildees vagas de somatizaccedilotildees distuacuterbios funcionais eou psicoloacutegicos com os
quais a proximidade do saber da biomedicina eacute pequena Tais sintomas satildeo provavelmente a
maioria do que eacute relatado pelos pacientes Daiacute a vaacutelvula de escape da inibiccedilatildeo de sintomas
altamente medicalizante e de apelo quase irresistiacutevel Doutra parte mesmo quando se
conseguem definir diagnoacutesticos muitas vezes a terapecircutica restringe-se ao combate aos
sintomas (TESSER 2006)
Ainda para esse autor os dilemas da medicalizaccedilatildeo devem ser abordados nas seguintes
accedilotildees aleacutem-consulta meacutedica intersetoriais grupais educativas poliacuteticas sanitaacuterias em
parceria com instituiccedilotildees culturais poliacuteticas educativas etc Essas accedilotildees que devem ser
desenvolvidas pela equipe do SF satildeo essenciais para evitar a medicalizaccedilatildeo desenfreada que a
pura oferta de consultas meacutedicas comumente gera (TESSER 2006)
Eacute primordial ter em mente que os diagnoacutesticos satildeo uma fotografia estaacutetica a vida estaacute
em movimento complexo e infindaacutevel Mas que eacute preciso cuidar de natildeo privar o doente dos
conhecimentos e saberes meacutedicos sobre sua situaccedilatildeo usando uma linguagem que seja
inteligiacutevel ao seu conhecimento social e cultural (TESSER 2006)
66
De acordo com esse autor faz-se urgente sucumbir agrave tendecircncia de construccedilatildeo e fixaccedilatildeo
do mito da entidade doenccedila que o doente carrega tanto para o paciente quanto para o
profissional Ou seja tentar desontologizar a doenccedila e o sofrimento devolvendo-os ao doente
partilhando sua anguacutestia e buscando terapecircuticas com ele para a situaccedilatildeo Isso demanda uma
profunda mudanccedila cultural no imaginaacuterio meacutedico trabalho que praticamente natildeo se iniciou e
natildeo teraacute fim Esta mudanccedila eacute necessaacuteria e viaacutevel se for resgatado ldquoo personagem que natildeo tem
lugar na teoria das doenccedilas o sujeito doenterdquo (TESSER 2006 p352)
Na biomedicina os doentes e suas vidas orbitam ao redor das doenccedilas A revoluccedilatildeo
copernicana necessaacuteria nessa medicina implica fazer as doenccedilas orbitarem ao redor dos
doentes e suas vidas Isso no ambiente especializado da construccedilatildeo do saber cientiacutefico natildeo
estaacute nem ao menos concebido Mas na praacutetica cliacutenica fica facilitado e pode acontecer com
uma simples mas profunda mudanccedila de enfoque que aos poucos altera todo o processo
cognitivo do raciociacutenio cliacutenico (TESSER 2004)
Para finalizar vale ressaltar que a construccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de praacutetica cliacutenica menos
medicalizante na rede de atenccedilatildeo primaacuteria e no PSF eacute uma tarefa urgente tanto para a
formaccedilatildeo meacutedica como para a educaccedilatildeo permanente dos demais profissionais da equipe Isto
significa concretamente o perigo de uma aceleraccedilatildeo na medicalizaccedilatildeo social caso a ESF
cresccedila sem inovar na cliacutenica que oferece a seus usuaacuterios
48 MEacuteTODO CLINICO CENTRADO NA PESSOA
Epistemologia
O relacionamento entre a pessoa que busca atendimento e o meacutedico comeccedilou a ser
trabalhado pelo Departamento de Medicina de Famiacutelia da Universidade de Western Ontaacuterio
desde a sua fundaccedilatildeo em 1968 com a chegada do primeiro chefe de departamento o Dr Ian
McWhinney Moira Stwart et al (2010) Em seu trabalho para elucidar a ldquoreal razatildeordquo pela
qual uma pessoa procura o meacutedico McWhinney (1972) abriu caminho para as investigaccedilotildees
sobre a amplitude de todos os problemas da pessoa fiacutesicos sociais ou psicoloacutegicos e da
profundidade do sentido e da forma como ela se apresenta
Moira Stewart sua aluna de doutorado desenvolveu uma pesquisa guiada por esses
interesses e deu iniacutecio ao foco no relacionamento entre a pessoa atendida e o meacutedico Moira
Stewart Mawhinney e Buck (1975 1979) Moira Stewart e Buck (1977) O Dr Joseph
Levenstein da Aacutefrica do Sul como professor visitante em 1982 compartilhou suas tentativas
de desenvolver um modelo de praacutetica cliacutenica com o departamento Logo depois o meacutetodo
67
clinico centrado na pessoa seguiu sua evoluccedilatildeo no trabalho do Grupo de Comunicaccedilatildeo entre
Pessoa e Meacutedico da Universidade de Western Ontaacuterio (MOIRA STWART et al 2010)
O termo usado para designaacute-lo inicialmente foi o de Medicina Centrada na Pessoa
mas atualmente se reconhece que o meacutetodo tem amplo potencial de aplicaccedilatildeo pelos
profissionais de sauacutede em geral independente de sua formaccedilatildeo De forma crescente a
abordagem centrada na pessoa estaacute sendo reconhecida como um paracircmetro importante na
qualidade assistencial Uma vez que essa proposta de atendimento pressupotildee vaacuterias mudanccedilas
na mentalidade do meacutedico e dos demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo
hieraacuterquica de que o profissional estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta
nessa abordagem Para ser centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a
ela compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que
tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Para Moira Stewart et al (2010) esse eacute o
imperativo moral do meacutetodo centrado na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o
profissional experimentaraacute os novos direcionamentos que o relacionamento pode assumir
quando o poder eacute compartilhado
Em segundo lugar de acordo com Moira Stewart et al (2010) manter uma posiccedilatildeo
sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento humano que
eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o objetivo em
um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)
Quando comparada a modelos tradicionais como apontam esses autores a abordagem
centrada na pessoa apresenta mais resultados positivos tais como
- maior satisfaccedilatildeo das pessoas e meacutedicos
- melhora na aderecircncia aos tratamentos
- reduccedilatildeo de preocupaccedilotildees e ansiedades
- reduccedilatildeo de sintomas
- diminuiccedilatildeo na utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede
- diminuiccedilatildeo das queixas por maacute-praacutetica
- melhora na sauacutede mental
- melhora na situaccedilatildeo fisioloacutegica e na recuperaccedilatildeo de problemas recorrentes
Faz-se importante aqui ressaltar que o modelo tradicional e dominante na praacutetica
meacutedica eacute denominado de ldquomodelo meacutedico convencionalrdquo Moira Stewart et al (2010 p26) A
ampla influencia desse meacutetodo natildeo eacute refutada por ningueacutem mas ele tem sido frequentemente
questionado por simplificar em excesso os problemas da condiccedilatildeo de estar doente Odegard
(1986) e White (1988)
68
Os problemas do modelo meacutedico convencional foram descritos por Engel (1977
p130)
Esse meacutetodo toma por princiacutepio que a doenccedila eacute totalmente explicada
por desvios da norma de variaacuteveis bioloacutegicas (somaacuteticas) que podem
ser medidas Natildeo deixa espaccedilo dentro de sua estrutura para as
dimensotildees sociais psicoloacutegicas e comportamentais da doenccedila O
modelo biomeacutedico natildeo soacute exige que a doenccedila seja tratada apenas
como uma entidade independente do comportamento social mas
tambeacutem que as aberraccedilotildees comportamentais sejam explicadas com
base em processos somaacuteticos (bioquiacutemicos ou neurofisioloacutegicos)
Em 1970 Balint e colaboradores introduziram o termo ldquomedicina centrada no
pacienterdquo que o definiram em oposiccedilatildeo ao termo ldquomedicina centrada na doenccedilardquo
Denominava-se ldquodiagnoacutestico abrangenterdquo ndash o entendimento das queixas com base nas
opiniotildees da proacutepria pessoa e ldquodiagnoacutestico convencionalrdquo - o entendimento baseado na
avaliaccedilatildeo centrada na doenccedila (BROWN WAYNE WESTON MOIRA STEWART p55
2010)
Jaacute o meacutetodo para classificar uma consulta centrada no meacutedico ou na pessoa foi
desenvolvido por Byrne e Long (1984) Para esses autores o conceito de consulta centrada no
meacutedico se aproximava do que outros autores chamam de meacutetodos centrados na ldquodoenccedilardquo
(disease) ou na ldquoexperiecircncia da doenccedilardquo (illness) Uma abordagem de assistecircncia centrada no
meacutedico e outra centrada na pessoa tambeacutem foi descrita por Wright e MacAdam (1979)
O meacutetodo cliacutenico centrado na pessoa descrito de forma resumida nesse capitulo se une
aos trabalhos de Rogers (1961) sobre o aconselhamento centrado no cliente de Balint (1957)
sobre medicina centrada no paciente de Newman e Young (1972) sobre uma abordagem da
pessoa como um todo ao lidar com problemas de enfermagem e da ldquoPraacutetica de Dois Corposrdquo
da Terapia Ocupacional (MOIRA STEWART et al 2010)
Os seis componentes interativos
O meacutetodo propotildee em seus seis componentes interativos um conjunto claro de
orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem mais centrada na pessoa
Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo entre a pessoa e o
profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no contexto dentro do
69
qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem Para Moira Stewart et al
(2010) apesar de os componentes serem usados para facilitar o ensino e a pesquisa a praacutetica
cliacutenica centrada na pessoa eacute um conceito holiacutestico no qual os componentes interagem e se
unem de forma uacutenica em cada encontro entre ambos
Como descreve esses autores o primeiro componente eacute utilizado para avaliaccedilatildeo de dois
conceitos de sauacutede debilitada a doenccedila e a experiecircncia da doenccedila Aleacutem de avaliar o processo
de doenccedila atraveacutes da histoacuteria cliacutenica e do exame fiacutesico o profissional de sauacutede procura
ativamente entrar no mundo da pessoa atendida para entender sua experiecircncia uacutenica de estar
doente O profissional avalia especificamente os sentimentos da pessoa a respeito de sua
experiecircncia suas ideacuteias sobre a doenccedila como a doenccedila afeta seu funcionamento e por uacuteltimo
o que ela espera do meacutedico
O segundo componente eacute a integraccedilatildeo dos conceitos de doenccedila e experiecircncia da
doenccedila com o entendimento da pessoa como um todo O que inclui uma consciecircncia dos
muacuteltiplos aspectos da vida da pessoa atendida personalidade histoacuteria de seu
desenvolvimento questotildees do seu ciclo de vida e os muacuteltiplos contextos em que vive
inclusive o ecossistema
Jaacute o terceiro componente eacute a tarefa muacutetua de elaborar um plano conjunto de manejo
dos problemas entre a pessoa atendida e o profissional e tem por foco trecircs aacutereas-chave a
definiccedilatildeo do problema o estabelecimento de metas de tratamento eou manejo da doenccedila e a
identificaccedilatildeo dos papeacuteis a serem assumidos por ambos
Enquanto o quarto componente salienta a importacircncia de se usar cada encontro como
uma oportunidade de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede o quinto componente enfatiza que cada
encontro com a pessoa deve ser usado para desenvolver o relacionamento desta com o
profissional Por meio da compaixatildeo da confianccedila do compartilhamento de poder e da cura
Sendo que para colocar essas habilidades em praacutetica eacute preciso consciecircncia de si mesmo e um
entendimento dos aspectos inconscientes do relacionamento como transferecircncia e
contratransferecircncia
E para finalizar o sexto componente exige que durante todo o processo o profissional
seja realista com o tempo disponiacutevel participe no desenvolvimento da equipe e do trabalho
em equipe e reconheccedila a importacircncia de uma administraccedilatildeo sensata do acesso aos recursos de
sauacutede
Os componentes interativos descritos item por item satildeo assim apresentados por Moira
Stewart et al (2010)
70
1 Explorando a doenccedila e a experiecircncia da pessoa com a doenccedila
- Avaliando a histoacuteria exame fiacutesico exames complementares
- Avaliando a dimensatildeo da doenccedila sentimentos ideacuteias efeitos sobre a funcionalidade e
expectativas da pessoa
2 Entendendo a pessoa como um todo inteira
- A pessoa Sua histoacuteria de vida aspectos pessoais e de desenvolvimento
- Contexto proacuteximo Sua famiacutelia comunidade emprego suporte social
- Contexto distante Sua comunidade cultura ecossistema
3 Elaborando um projeto comum de manejo
- Avaliando quais os problemas e prioridades
- Estabelecendo os objetivos do tratamento e do manejo
- Avaliando e estabelecendo os papeacuteis da pessoa e do profissional de sauacutede
4 Incorporando a prevenccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede
- Melhorias de sauacutede
- Evitando ou reduzindo riscos
- Identificando precocemente os riscos ou doenccedilas
- Reduzindo complicaccedilotildees
5 Fortalecendo a relaccedilatildeo meacutedico-pessoa
- Exercendo a compaixatildeo
- A relaccedilatildeo de poder
- A cura (efeito terapecircutico da relaccedilatildeo)
- O auto-conhecimento
- A transferecircncia e a contratransferecircncia
6 Sendo realista
- Tempo e timing
- Construindo e trabalhando em equipe
- Usando adequadamente os recursos disponiacuteveis
71
5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS
51 Etapas do Estudo
Para subsidiar este estudo na primeira etapa da pesquisa realizei uma revisatildeo de
literatura com pesquisa de publicaccedilotildees no site da Bireme (wwwbiremebr) do periacuteodo de
2004 a 2014 abrangendo as bases de dado SciELO Lilacs IBECS Medline e Biblioteca
Cochrane Como descritores usei os termos ldquoAtenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutederdquo AND ldquoEstrateacutegia
Sauacutede da Famiacuteliardquo AND ldquoSauacutede Mentalrdquo e como filtro as publicaccedilotildees do tipo artigo cujo
assunto principal era ldquoSauacutede Mentalrdquo
Foram encontrados 224 artigos Destes 63 estudos natildeo possuiacuteam o texto completo na
plataforma de busca e por isso foram excluiacutedos Estavam repetidos na listagem gerada pelo
site 46 artigos que foram removidos para evitar duplicidade na consolidaccedilatildeo dos dados Dos
115 artigos restantes 58 foram excluiacutedos por se tratar de artigos natildeo originais experiecircncias
estrangeiras e com abordagem natildeo centrada nos profissionais da ESF nas accedilotildees de sauacutede
mental na APS Dessa forma foram incluiacutedos nesta revisatildeo os estudos que tiveram unidades
de sauacutede baacutesica profissionais da ESF associados ao contexto da Sauacutede Mental bem como os
estudos de revisatildeo de literatura totalizando assim 115 artigos
A revisatildeo revelou que as accedilotildees de sauacutede mental desenvolvidas na atenccedilatildeo primaacuteria natildeo
apresentam uniformidade em sua execuccedilatildeo Coexistindo accedilotildees centradas na terapecircutica
medicamentosa na loacutegica do encaminhamento especializado retratando uma fragmentaccedilatildeo da
atenccedilatildeo e das praacuteticas de promoccedilatildeo da sauacutede ainda muito focalizadas com accedilotildees que apontam
para uma lenta mudanccedila em relaccedilatildeo ao modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede demostrado na perspectiva
da praacutetica interdisciplinar do acolhimento da escuta e do viacutenculo (BEZERRA et al 2014
TEIXEIRA et al 2014 WETZELA et al 2014 ANDRADE et al 2013 MINOZZO et al
2012 CORREIA BARROS COLVERO 2011 NEVES LUCCHESE MUNARI 2010
BUCHELE et al 2006)
Nesse momento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo em sauacutede com importantes
conquistas legais e com a ampliaccedilatildeo crescente que cerca a sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria
estimulada sobretudo pela descentralizaccedilatildeo municipalizaccedilatildeo e territorializaccedilatildeo do seu
cuidado por meio da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) essa revisatildeo tambeacutem revelou a
necessidade de qualificaccedilatildeo dos profissionais que atuam na ESF para realizaccedilatildeo de accedilotildees de
sauacutede mental no territoacuterio integrando os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica com o SUS Pois
os trabalhadores da APS natildeo se sentem instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede
mental (QUINDEREacute et al 2013 CORREIA BARROS COLVERO 2011 SOUZA et al
72
2013 VANNUCHI CARNEIRO JUNIOR 2012 RIBEIRO et al 2010 JUCA NUNES
BARRETO 2009)
A segunda etapa do estudo foi realizada com imersatildeo no campo e realizaccedilatildeo de
entrevistas com os profissionais da ESF como descrito a seguir nesse capiacutetulo
52 Tipo de estudo
Estudo de natureza qualitativa pois atraveacutes da compreensatildeo do discurso dos sujeitos
entrevistados foi possiacutevel chegar aos objetivos que me propus a alcanccedilar e tambeacutem porque a
abordagem qualitativa preocupa-se em abranger e aprofundar ao maacuteximo da realidade e do
universo de significados aspiraccedilotildees crenccedilas valores e atitudes que faz correspondecircncia a um
espaccedilo mais iacutentimo (profundo) das relaccedilotildees dos processos e fenocircmenos humanos (MINAYO
2010)
Trata-se ainda de um estudo do tipo estudo de caso descritivo analiacutetico onde o
pesquisador vai aleacutem da descriccedilatildeo das caracteriacutesticas analisando e explicando o
acontecimento dos fenocircmenos estudados O que ajuda a entender o fenocircmeno descobrindo e
mensurando relaccedilotildees causais entre ele A sua valorizaccedilatildeo estaacute baseada na premissa que os
problemas podem ser resolvidos e as praacuteticas podem ser melhoradas atraveacutes da descriccedilatildeo e
anaacutelise de observaccedilotildees objetivas diretas e das opiniotildees As teacutecnicas utilizadas para a obtenccedilatildeo
de informaccedilotildees satildeo bastante diversas destacando-se os questionaacuterios as entrevistas e as
observaccedilotildees (RICHARDSON 1989)
53 Campo do Estudo
Como jaacute citado anteriormente a cidade do Rio de Janeiro estaacute dividida em 10 (dez)
distritos sanitaacuterios denominados Aacutereas Programaacuteticas (10 21 22 31 32 33 40 51 52
e 53) Por jaacute trabalhar na AP 21 Zona Sul da cidade e participar dos Foacuteruns de Sauacutede Mental
e do Conselho Distrital de Sauacutede que acontecem mensalmente na aacuterea a pesquisadora jaacute tinha
uma aproximaccedilatildeo maior com os vaacuterios atores e dispositivos de sauacutede portanto essa foi a AP
escolhida para realizaccedilatildeo do estudo
Na cidade Rio de Janeiro as unidades de sauacutede da famiacutelia satildeo denominadas lsquocliacutenicas
da famiacuteliarsquo e identificadas como inovadoras e estrateacutegicas para o atual modelo de gestatildeo Com
a opccedilatildeo clara pela ESF como modelo organizador da atenccedilatildeo a Secretaria de Sauacutede do
municiacutepio investiu fortemente na criaccedilatildeo dessas cliacutenicas que se tornaram uma espeacutecie de
lsquocarro-chefersquo da sauacutede no Rio de Janeiro As sedes das cliacutenicas da famiacutelia estatildeo localizadas
em pontos estrateacutegicos dos territoacuterios sob sua responsabilidade (PRATA et al 2017)
73
Nos uacuteltimos cinco anos na AP 21 foram implantadas quatro (04) Cliacutenicas da Famiacutelia
(CF) nas respectivas comunidades Botafogo Copacabana Satildeo Conrado e Rocinha Sendo
que a CF da Rocinha estaacute instalada no mesmo preacutedio do Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial
(CAPS III) esse serviccedilo muito proacuteximo poderia ser um fator facilitador para o manejo dos
ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio
Jaacute as outras trecircs (3) natildeo contavam com um serviccedilo comunitaacuterio de sauacutede mental tatildeo
proacuteximo os dispositivos de apoio matricial via NASF ainda estavam em construccedilatildeo portanto
um campo feacutertil para o estudo Foi realizada uma aproximaccedilatildeo preacutevia com a gerente da CF de
Botafogo onde atuavam trecircs (3) equipes da ESF o que facilitou o acesso da pesquisadora Foi
entatildeo solicitado autorizaccedilatildeo dessa responsaacutevel teacutecnica pela CF para realizaccedilatildeo do estudo
A CF estudada foi inaugurada em 03 de fevereiro de 2009 mas iniciou seu efetivo
funcionamento em 25 de maio de 2009 Situada no bairro de Botafogo Zona Sul da cidade do
Rio de Janeiro Mais precisamente no segundo andar de um preacutedio com trecircs pavimentos em
frente agrave uma praccedila na entrada do Morro Santa Marta Nesse preacutedio no primeiro pavimento
funciona o Centro de Referecircncia de Assistecircncia Social (CRAS) da aacuterea e o Centro de
Convivecircncia Padre Veloso para idosos O segundo pavimento eacute exclusivo da CF conforme
vamos detalhar mais adiante E no terceiro pavimento funciona a direccedilatildeo do CRAS e uma
unidade do SESI que oferece atividades de recreaccedilatildeo aulas de informaacutetica culinaacuteria
biblioteca
A CF estudada eacute uma Unidade BaacutesicaCentro de Sauacutede do tipo A porque todo o
territoacuterio estaacute coberto por equipes de Sauacutede da Famiacutelia Divide o territoacuterio de Botafogo com o
Centro Municipal de Sauacutede Dom Helder Cacircmara Aleacutem de cobrir tambeacutem uma parte do
Humaitaacute (asfalto) e todo o Morro Santa Marta (comunidade) como denominado pelos
profissionais entrevistados A populaccedilatildeo de sua aacuterea de abrangecircncia eacute de 29906 segundo
dados do Censo 2010 Seu horaacuterio de funcionamento eacute estendido de 08hs agraves 20hs facilitando
assim o acesso aos cuidados de sauacutede a todos que deles necessitam
De acordo o sistema de Informaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica ateacute o mecircs de Junho de 2015 o
nuacutemero total de pessoas com cadastro completo (CPF ou Declaraccedilatildeo de Nascido Vivo ndash
DNV) na unidade era de 8346 Com trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia a saber Equipe
Pioneiro Equipe Zumbi dos Palmares e Equipe Dede e duas (2) Equipes de Sauacutede Bucal O
nuacutemero de pessoas cadastradas por equipe respectivamente eacute de 3151 2763 e 2432 sendo a
Equipe Pioneiro com maior nuacutemero de cadastrado e a Equipe Dede menor As duas (2)
Equipes de Sauacutede Bucal se dividem para cobrir as trecircs (3) equipes de Sauacutede da Famiacutelia Em
marccedilo de 2015 a CF recebeu a equipe do Nuacutecleo de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASF)
74
Segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (CNES) em junho
de 2015 o nuacutemero de profissionais que atuavam na unidade era de cinquenta e dois (52) Cada
equipe de sauacutede da famiacutelia conta com dois (2) meacutedicos residentes um (1) enfermeiro um (1)
teacutecnico de enfermagem seis (6) Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) e um (1) Agente de
Vigilacircncia em Sauacutede (AVS) Como a unidade recebe meacutedicos residentes conta com dois (2)
meacutedicos preceptores que se dividem na supervisatildeo das trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia A
equipe de sauacutede bucal eacute composta por um (1) dentista um (1) teacutecnico de sauacutede bucal e (1)
auxiliar de sauacutede bucal A equipe do NASF eacute composta por 1 psicoacuteloga 1 meacutedico psiquiatra
1 fisioterapeuta 1 fonoaudioacuteloga e 1 educador fiacutesico que jaacute atuava na unidade
54 Participantes do Estudo
Profissionais das trecircs equipes da ESF da CF selecionada para o estudo meacutedicos
enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede Natildeo entrevistamos a
equipe de sauacutede bucal e nem os Agentes de Vigilacircncia em Sauacutede pois esses profissionais natildeo
fazem parte da equipe miacutenima embora participem das accedilotildees comunitaacuterias e educativas seu
nuacutecleo de atuaccedilatildeo eacute mais especifico natildeo envolvendo diretamente os cuidados com os ldquocasosrdquo
de sauacutede mental Assim como natildeo entrevistamos a equipe do NASF porque estes
profissionais possuem a expertise da aacuterea Sauacutede MentalAtenccedilatildeo PsicossocialPsiquiatria natildeo
preenchendo os criteacuterios de participaccedilatildeo para o estudo Portanto foram entrevistados vinte e
dois (22) profissionais nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5) meacutedicos residentes
trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores
Os criteacuterios de inclusatildeo foram 1) Querer participar do estudo2) Ser membro da equipe
miacutenima da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia selecionada para o estudo haacute no miacutenimo seis (6) meses
E os criteacuterio de exclusatildeo foram1) Estar de feacuterias ou qualquer outro tipo de afastamento
durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da coleta de dados da pesquisa 2) Natildeo se dispor a participar
do estudo 3) Ser membro da equipe da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia eleita para o estudo haacute
menos de seis (6) meses
55 Procedimento para coleta dos dados
A coleta de dados incluiu dois instrumentos 1) observaccedilatildeo sistematizada do cotidiano
do serviccedilo cujos os dados foram registrados em um diaacuterio de campo e serviu como
complemento das entrevistas semi-estruturadas e da contextualizaccedilatildeo do campo Natildeo foi
observada nenhuma atividade que implicasse na relaccedilatildeo profissionalusuaacuterio e sim a estrutura
fiacutesica do serviccedilo ndash nuacutemero de salas para atendimento sala de espera espaccedilos de convivecircncia
75
para usuaacuterios e profissionais acessibilidade do serviccedilo e visibilidade (placas de identificaccedilatildeo)
2) entrevistas semi-estruturadas com os profissionais da ESF e desenvolvidas por meio de um
guia de questotildees norteadoras que foram gravadas em aacuteudio e transcritas com a anuecircncia de
cada entrevistado respeitando os princiacutepios eacuteticos postulados na Resoluccedilatildeo 4662012 do
Conselho Nacional de Sauacutede
O roteiro de entrevista com as questotildees norteadoras constituiu-se de duas partes uma
estruturada para caracterizaccedilatildeo dos sujeitos entrevistados (nome idade sexo estado civil
natural de onde formaccedilatildeo quanto tempo de formado quanto tempo na ESF) e outra semi-
estruturada com perguntas disparadoras visando estimular o entrevistado a falar sobre seu
trabalho na ESF e o que considera como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea
ao inveacutes de fazer perguntas diretas Tendo como ponto relevante dessas questotildees disparadoras
o tempo a escolha a forma as limitaccedilotildees do trabalho na ESF e depois o que entende como
lida e trabalha com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental
56 Forma de Anaacutelise dos dados
Foi realizada utilizando a teacutecnica de Anaacutelise do Discurso uma proposta de reflexatildeo
sobre a linguagem o sujeito a histoacuteria e a ideologia A Escola Francesa de Anaacutelise de
Discurso foi fundada na deacutecada de 1960 por Michel Pecirccheux filosofo francecircs e esta teacutecnica
de anaacutelise foi introduzida no Brasil na deacutecada de 80 e 90 por Eni P Orlandi
A Anaacutelise do Discurso como seu proacuteprio nome indica trata do sentido do discurso E
a ldquopalavra discurso etimologicamente tem em si a ideia de curso de percurso de correr por
de movimento O discurso eacute assim palavra em movimento praacutetica de linguagem com o
estudo do discurso observa-se o homem falandordquo Orlandi (2013 p20) Pois eacute a partir do
processo histoacuterico social e subjetivo de cada sujeito que os discursos satildeo construiacutedos
Reunindo estrutura e acontecimento a forma material eacute vista como o acontecimento do
significante (a liacutengua) em um sujeito afetado pela histoacuteria
A Anaacutelise do Discurso eacute entatildeo constituiacuteda por trecircs domiacutenios disciplinares a
Linguumliacutestica (natildeo transparecircncia da linguagem) o Marxismo (materialismo histoacuterico e
ideologia) e a Psicanaacutelise (desloca a noccedilatildeo de homem para sujeito e traz a noccedilatildeo do
inconsciente) O sujeito discursivo funciona entatildeo pelo inconsciente e pela ideologia Orlandi
(2000)
ldquoAs palavras simples do nosso cotidiano jaacute chegam ateacute noacutes carregadas de sentidos que
natildeo sabemos como se constituiacuteram e que no entanto significam para noacutes e em noacutesrdquo
(ORLANDI 2000 p 83)
76
Portanto o discurso produzido pela fala sempre teraacute relaccedilatildeo com o contexto soacutecio
histoacuterico ldquoTodo dizer eacute ideologicamente marcadordquo (ORLANDI 2000 p38)
A ideologia eacute entendida como o posicionamento do sujeito quando se filia a um
discurso sendo o processo de constituiccedilatildeo do imaginaacuterio que estaacute no inconsciente ou seja o
sistema de ideias que constitui a representaccedilatildeo a histoacuteria representa o contexto soacutecio histoacuterico
e a linguagem eacute a materialidade do texto gerando ldquopistasrdquo do sentido que o sujeito pretende
dar Logo na Anaacutelise do Discurso a linguagem vai aleacutem do texto trazendo sentidos preacute-
construiacutedos que satildeo ecos da memoacuteria do dizer (CAREGNATO e MUTTI 2006)
Por meio da teacutecnica de entrevista utilizei questotildees mais abertas o que tornou possiacutevel
disparar o sujeito discursivo de forma a analisar o que ele dizia Anaacutelise essa que tentei extrair
a essecircncia do discurso desse sujeito com o exerciacutecio contiacutenuo de me despir dos valores
pessoais enquanto pesquisadora E procurei imergir ao maacuteximo na fala desse sujeito o que
ela trazia de sentido para ele considerando sua subjetividade sua crenccedila seus valores e o
contexto no qual estava inserido
Sem cair na ilusatildeo de que o analista eacute consciente de tudo a contribuiccedilatildeo da Anaacutelise do
Discurso eacute o exerciacutecio permanente de reflexatildeo permitindo dessa forma uma relaccedilatildeo menos
ingecircnua com a linguagem e a consciecircncia de que ldquotodo discurso eacute incompleto sem iniacutecio
absoluto nem ponto final definitivordquo (ORLANDI 2013 p16)
Devendo o analista buscar os efeitos de sentido e para isso eacute necessaacuterio sair do
enunciado e chegar ao enunciaacutevel atraveacutes da interpretaccedilatildeo
Para Minayo (2010 p 322) ldquotodo discurso eacute referidor e referido dialoga com outros
discursos e se produz no interior das instituiccedilotildees e grupos que determinam quem fala o que
fala e como fala e em que momento falardquo Portanto todo o movimento que acontece no
interior do discurso eacute ao mesmo tempo o processo o produto e ponto central da significaccedilatildeo
a ser compreendido na anaacutelise do texto
Todo texto eacute carregado de ideologia e pode determinar a relaccedilatildeo entre quem fala e
quem ouve caracterizando sua inserccedilatildeo discursiva Haacute dois pressupostos baacutesicos segundo
Pecirccheux
1 O sentido de uma palavra de uma expressatildeo ou de uma proposiccedilatildeo natildeo existe em si
mesmo Ao contraacuterio expressa posiccedilotildees ideoloacutegicas em jogo no processo soacutecio-
histoacuterico no qual as formas de relaccedilatildeo satildeo produzidas
2 Toda formaccedilatildeo discursiva dissimula pela pretensatildeo da transparecircncia sua dependecircncia
de formaccedilotildees ideoloacutegicas
77
Para natildeo concluir faz-se relevante destacar como propotildeem Caregnato e Mutti (2006)
que a Anaacutelise do Discurso trabalha com o sentido sendo o discurso heterogecircneo marcado pela
histoacuteria e ideologia a Anaacutelise do Discurso entende que natildeo iraacute descobrir nada novo apenas
faraacute uma nova interpretaccedilatildeo ou uma re-leitura outro aspecto ressaltado pelas autoras eacute que a
Anaacutelise do Discurso mostra como o discurso funciona natildeo tendo a pretensatildeo de dizer o que eacute
certo ou errado porque isso natildeo estaacute em julgamento
57 Aspectos Eacuteticos
O presente projeto de pesquisa foi submetido aos Comitecircs de Eacutetica da Escola Nacional
de Sauacutede Puacuteblica da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz CAEE (43999015000005240) e da Prefeitura
Municipal do Rio de Janeiro CAEE (43999015030015279) apoacutes contato e autorizaccedilatildeo do
responsaacutevel teacutecnico da unidade de sauacutede eleita para o estudo
Foram considerados os riscos de constrangimento durante as entrevistas sendo
sugerido uma pausa ou retorno em outro momento Para natildeo identificaccedilatildeo dos profissionais
participantes da pesquisa foi realizada uma anaacutelise em conjunto impossibilitando assim
atribuiccedilatildeo individual aos depoimentos
Os benefiacutecios do estudo poderatildeo ser a reflexatildeo dos profissionais sobre o proacuteprio
processo de trabalho estimulando o processo de educaccedilatildeo permanente na unidade estudada e
contribuiccedilatildeo para o conhecimento da aacuterea de Sauacutede Mental na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede tatildeo
importante e tatildeo caro para consolidaccedilatildeo das Reformas Sanitaacuteria e Psiquiaacutetrica
78
6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
61 Descrevendo o campo
As observaccedilotildees ora descritas foram colhidas por meio do diaacuterio de campo e obedeceu uma
sistematizaccedilatildeo dos dados coletados dando ecircnfase principalmente a estrutura fiacutesica do local e a
dinacircmica da equipe
Durante o periacuteodo do trabalho de campo que foi de 4 (quatro) meses participei das
reuniotildees de cada equipe que aconteciam uma vez por semana Espaccedilo esse em que toda a
equipe (meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem agentes comunitaacuterios de
sauacutede profissionais da equipe de sauacutede bucal e agentes de vigilacircncia sanitaacuteria) se reuniam
para fazer um balanccedilo da semana discutir os casos mais emblemaacuteticos os possiacuteveis
encaminhamentos as accedilotildees educativas com campanhas nas escolas e na comunidade Assim
como eram distribuiacutedos aos agentes comunitaacuterios de sauacutede as marcaccedilotildees e resultados de
exames para entrega em sua respectiva micro aacuterea O meacutedico preceptor por vezes participava
desse momento ora com uma funccedilatildeo mais pedagoacutegica trazendo explicaccedilotildees sobre
determinados assuntos ora com uma funccedilatildeo mais de gestatildeo cobrando objetivosmetas a
alcanccedilar e apontando possiacuteveis pendencias da equipe
Observei que esse eacute um lugar em que toda a equipe sem exceccedilatildeo tem poder de
vocalizaccedilatildeo claro que uns mais tiacutemidos outros mais falantes principalmente por parte dos
agentes comunitaacuterios de sauacutede Onde todos os membros da equipe tecircm a oportunidade de
trazer determinada dificuldade de abordagem ou manejo de algum caso especifico ou de
determinada accedilatildeo na comunidade e efetivamente haacute uma discussatildeo em equipe Embora
aconteccedila de alguma decisatildeo ou palavra final ainda ser endereccedilada ao profissional meacutedico seja
ele residente preceptor ou no ldquocasordquo de sauacutede mental ao psiquiatra O que nos leva a refletir
sobre o quanto o modelo biomeacutedico ainda estaacute presente nos espaccedilos da sauacutede da famiacutelia que
deveria ser um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede com abordagens e decisotildees mais coletivas e
multiprofissionais
Quanto a estrutura fiacutesica do local onde funciona a Cliacutenica da Famiacutelia estudada agrave eacutepoca
da coleta de dados havia uma placa de sinalizaccedilatildeo grande com o nome da cliacutenica do lado de
fora da fachada preacutedio mas era necessaacuterio olhar para cima para visualizar Na entrada mesmo
do preacutedio natildeo havia nenhuma informaccedilatildeosinalizaccedilatildeo de que a CF funcionava no segundo
andar eu mesma na primeira visita precisei pedir informaccedilatildeo ao guarda do primeiro andar O
acesso ao segundo pavimento consequentemente agrave CF era exclusivamente de escada com
corrimatildeo eram dois lances natildeo havia rampa de acesso ou elevador muito menos barras de
79
apoio banheiro adaptado ou portas mais largas para pessoas com deficiecircncia O que jaacute causou
alguns transtornos e constrangimentos no atendimento de pessoas idosas eou cadeirantes
segundo relatos dos profissionais durante as minhas visitas
As instalaccedilotildees da CF eram compostas por 01 hall para acolhimento (com 3 baias de
atendimento sendo uma para cada equipe e cadeiras para usuaacuterios) 7 consultoacuterios para
atendimento meacutedico e enfermagem 1 consultoacuterio para Sauacutede Bucal onde na entrada se
localizava o escovaacuterio com 3 pias para escovaccedilatildeo de adulto e 1 pia para crianccedila 1 sala para
farmaacutecia (dividida para dispensaccedilatildeo de medicaccedilatildeo aos usuaacuterios e estoque) 1 sala de reuniatildeo
1 sala da administraccedilatildeo 1 sala para agentes comunitaacuterios de sauacutede 1 sala de imunizaccedilatildeo 1
sala de coleta de sangueprocedimentos 1 sala de curativo 1 sala de esterilizaccedilatildeo 1 sala de
expurgo 1 banheiro feminino com 1 pia e dois vasos sanitaacuterios e 1 banheiro masculino
tambeacutem composto por uma 1 pia e dois vasos sanitaacuterios ambos de uso comum para
profissionais e usuaacuterios
A iluminaccedilatildeo e ventilaccedilatildeo na CF eram adequadas Todas as salas consultoacuterios
possuiacuteam ar-condicionado e estavam funcionando agrave eacutepoca da minha visita de ambiecircncia e
coleta dados As janelas eram de vidro e com persianas claras facilitando a luminosidade
natural Embora as salas estivessem devidamente identificadas com placas nas portas
indicando os serviccedilos faltava melhorar a sinalizaccedilatildeo de acesso agraves essas salas como por
exemplo com setas indicativas
O hall do acolhimento como era uma aacuterea aberta natildeo possuiacutea ar-condicionado mas
tinha ventiladores e janelas Existiam 02 bebedouros (um mais baixo proacuteximo na entrada do
banheiro feminino) e outro mais alto (ao lado das baias de atendimento do acolhimento) Todo
o piso da unidade era antiderrapante as paredes e os acabamentos com superfiacutecie lisa A
limpeza em geral era satisfatoacuteria deixando a desejar nos banheiros talvez pelo grande fluxo
de uso como jaacute mencionado anteriormente servia a usuaacuterios e profissionais
Cada consultoacuterio como padratildeo possuiacutea 1 mesa ginecoloacutegica 1 biombo 1 reacutegua
antropomeacutetrica 1 balanccedila pediaacutetrica 1 sonar 1 balanccedila adulto 1 mesa e 1 cadeira para o
profissional 2 cadeiras para os usuaacuterios 1 computador e 1 impressora Faz-se importante
destacar que todos os prontuaacuterios eram informatizados Na sala de imunizaccedilatildeo havia 01
cacircmara fria para conservaccedilatildeo dos imunobioloacutegicos 1 geladeira comum 1 pia grande com
torneira 1 mesa 1 dispensador de perfuro-cortante 1 computador 1 maca para crianccedila 2
cadeiras Na sala de curativo tinha um reservatoacuterio com torneira corrente para lavagem das
feridas 1 mesa 2 cadeiras armaacuterio para armazenamento do material lixeira para material
bioloacutegico Na sala de coleta tambeacutem havia 1 mesa 4 cadeiras com braccediladeira armaacuterios para
80
guarda do material 1 dispensador de perfuro-cortante Na sala de reuniotildees existiam duas
mesas grandes vaacuterias cadeiras e 2 armaacuterios onde a fisioterapeuta o educador fiacutesico e grupo
de artesanato guardavam o material
Gostaria de dar uma ecircnfase especial a sala dos agentes comunitaacuterios onde encontrava-
se uma mesa redonda meacutedia com 5 cadeiras 3 computadores (1 por equipe ndash no ato da visita
de ambientaccedilatildeo uma ACS fez questatildeo de falar que era muito pouco 01 computador para 06
ACS) 1 quadro de aviso 2 armaacuterios com arquivos ao final tinha uma geladeira para
armazenamento de leito materno pois a unidade fazia parte do ldquoPrograma Amiga da
Amamentaccedilatildeordquo recolhendo o leite e enviando para as maternidades E tambeacutem uma mesa
pequena onde era feito o cafeacute servindo portanto como um local de ponto de encontro e
almoccedilo para toda a equipe natildeo soacute para os agentes comunitaacuterios de sauacutede uma vez que a
unidade natildeo tinha um espaccedilo para refeitoacuterio
De acordo com o Manual de Estrutura Fiacutesica das unidades baacutesicas de sauacutedesauacutede da
Famiacutelia (2008) o ambiente de apoio deve ter copacozinha e banheiro para funcionaacuterios
ambos ausentes na unidade estudada No ambiente de atendimento cliacutenico natildeo foi observado
uma sala de nebulizaccedilatildeo e na parte estrutural natildeo havia rampas de acesso ou elevador para
pessoas portadoras de deficiecircncia especial nem mesmo qualquer aparato (banheiro especial
barras de proteccedilatildeo porta mais largas bebedouro mais baixo) para esse grupo de pessoas como
recomenda o referido manual
A Cliacutenica da Famiacutelia estudada natildeo estava equipada com laboratoacuterio os exames eram
colhidos e enviados para um laboratoacuterio terceirizado que presta serviccedilo ao municiacutepio assim
como natildeo dispunha de aparelho de raio X nem de ecografia Mas possuiacutea prontuaacuterio
eletrocircnico computador com acesso agrave internet a conexatildeo agraves vezes lenta foi inclusive uma
das queixas dos profissionais durante as entrevistas A proposta tal como apresentada pela
gestatildeo municipal de sauacutede seria qualificar a atenccedilatildeo oferecendo infraestrutura sofisticada
(ambiecircncia conforto e sustentabilidade) adequadamente equipada e com ofertas de
procedimentos (exames laboratoriais raios X ecografia entre outros) aleacutem de inovaccedilotildees
tecnoloacutegicas (Observatoacuterio de Tecnologia de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Sistemas e
Serviccedilos de Sauacutede prontuaacuterio eletrocircnico acesso agrave internet e rede wi-fi) dentre outras
caracteriacutesticas (RIO DE JANEIRO 2012)
Na Cliacutenica da Famiacutelia aconteciam algumas atividades em grupo muito citadas durante
as entrevistas ldquoGrupo de Artesanatordquo ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo e ldquoCafeacute com
Especialistardquo
81
O ldquoGrupo de Artesanatordquo era coordenado por uma enfermeira acontecia
semanalmente todas agraves 5ordf feiras no periacuteodo da tarde com duraccedilatildeo de 2 horas No iniacutecio a
proposta era produzir algum produto muitas idosas com habilidades manuais e artiacutesticas se
voluntariaram a participar Depois com o desenrolar do grupo passou a ser tambeacutem um
espaccedilo de convivecircncia para conversar e trocar experiecircncias
A ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo tambeacutem acontecia semanalmente agraves 4ordf feiras no
periacuteodo da noite facilitando o acesso a quem trabalhava durante o dia e com tempo de
duraccedilatildeo em meacutedia de 1 hora Era coordenada por dois voluntaacuterios (um meacutedico que foi RMFC
da proacutepria cliacutenica e uma psicoacuteloga) Tive a oportunidade de participar de uma sessatildeo achei
muito interessante Eram feitos alguns acordos para participaccedilatildeo Falar em 1ordf pessoa ndash ldquoeurdquo
sou sujeito da minha proacutepria e natildeo dar conselhos No iniacutecio da sessatildeo teve alguns movimentos
de relaxamento do corpo logo depois veio o momento de celebraccedilatildeo onde os participantes
falavam algo que tenha acontecido de especial durante a semana e depois algo que havia
deixado os participantes para baixo Esse uacuteltimo era apresentado em forma de manchete
como se fosse um noticiaacuterio e a mais votada era eleita para aprofundamento onde todos os
participantes tinham a oportunidade de falar sobre o processo de identificaccedilatildeo e mecanismos
de enfrentamento
O ldquoCafeacute com especialistardquo de iniacutecio seria ldquoCafeacute com psiquiatrardquo depois a equipe
repensou esse nome uma vez que poderia se tornar um espaccedilo para consultas de psiquiatria e
pegar receitas controladas Pois a proposta era justamente o inverso um espaccedilo para repensar
junto com os usuaacuterios o uso de psicofaacutermacos de longa data A proposta foi feita pelo
psiquiatra junto com as trecircs equipes pois na unidade havia um programa na farmaacutecia que
gerenciava por nome os usuaacuterios que faziam uso de psicofaacutermacos onde constavam nome do
usuaacuterio nome do meacutedico nome do medicamento posologia quantidade dispensada data
retorno e observaccedilotildees Facilitando assim principalmente aos meacutedicos das equipes o
conhecimento desses usuaacuterios de forma a racionalizar o uso desses psicofaacutermacos pois a
utilizaccedilatildeo destes por meacutedicos generalistas eacute um toacutepico importante na estruturaccedilatildeo de uma
atenccedilatildeo em sauacutede mental de qualidade com atitudes menos prescritivas
Assim os psicofaacutermacos devem ser utilizados preferencialmente em conjunto com
outros tipos de intervenccedilotildees terapecircuticas sendo ofertados apoio e cuidado de outras formas
aleacutem do uso de medicamentos em especial de benzodiazepiacutenicos Nesse sentido o
acolhimento e a escuta estruturam espaccedilos de reorganizaccedilatildeo e soluccedilatildeo de problemas que
contribuem para uma melhora efetiva por meio da compreensatildeo do sujeito em sua forma
proacutepria de organizar a vida e seu universo simboacutelico
82
O projeto de Acompanhamento Farmacoterapecircutico (AFT) em Sauacutede Mental nos Centros
Municipais de Sauacutede (CMS) e Cliacutenicas da Famiacutelia (CF) no municiacutepio do Rio de Janeiro visa a
melhora no serviccedilo prestado aos usuaacuterios envolvendo o mesmo em seu projeto terapecircutico
singular contribuindo para o sucesso terapecircutico e pessoal por meio de uma maior integraccedilatildeo
entre o profissional farmacecircutico e os profissionais da ESF (OLIVEIRA SILVA DIAS
2014)
62 Anaacutelise das entrevistas
Consideraccedilotildees introdutoacuterias
As entrevistas foram transcritas obedecendo ao seguinte esquema de transcriccedilatildeo
1) o uso de reticecircncias entre parecircnteses () para demarcar uma pausa longa
2) o sublinhado para ecircnfase e MAIUacuteSCULAS para muita ecircnfase
3) o siacutembolo igual = para sinalizar que natildeo houve pausa na fala
4) o siacutembolo barra foi usado para demonstrar falas justapostas
5) o termo entrevistadora foi identificado pela letra e minuacutescula
6) os profissionais entrevistados (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes enfermeiros
teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede) foram identificados por nomes
fictiacutecios
As anaacutelises das entrevistas tal como proposta na AD incluiacuteram a discussatildeo de cada
uma das formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela triangulaccedilatildeo do que
foi dito pelos entrevistados da teoria que fundamentou o texto e das minhas consideraccedilotildees
sobre o tema estudado Assim me reportarei agraves falas dos entrevistados com intuito de
apreender seus significados e produzir deslizamentos de sentido
Nesse processo de anaacutelise identifiquei os NUacuteCLEOS DISCURSIVOS
SIGNIFICANTES no qual articulamos simultaneamente ao todo e as singularidades das falas
de onde emergiram os GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais) compreensatildeo e
percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental e manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mental
Os nuacutecleos discursivos significantes que foram a essecircncia das anaacutelises constituiacuteram as
formaccedilotildees discursivas tal como descritas por Foucault (1970) Segundo o autor haacute processos
internos de controle do discurso que se datildeo a tiacutetulo de princiacutepios de classificaccedilatildeo de
ordenaccedilatildeo de distribuiccedilatildeo visando domesticar a dimensatildeo de acontecimento e de acaso do
discurso normatizando-o Em noccedilotildees como as de comentaacuterio de disciplina e na de autor
83
pode-se observar tal controle ldquoEssas noccedilotildees tem um papel multiplicador mas tecircm tambeacutem
funccedilatildeo restritiva e coercitivardquo (ORLANDI 2015 p73)
Foram realizadas vinte e quatro (24) entrevistas sendo que duas (02) foram
descartadas por natildeo se incluiacuterem nos criteacuterios de inclusatildeo o que reduziu o total de entrevistas
analisadas para vinte e duas (22) a saber nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5)
meacutedicos residentes trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos
preceptores
De acordo com os profissionais entrevistados identifiquei 05 (cinco) niacuteveis de
discurso meacutedicos receptores meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e
agentes comunitaacuterios de sauacutede estes uacuteltimos por ser constituiacuterem uma categoria situada
entre a comunidade e os profissionais de sauacutede possuem um olhar diferenciado sobre o
processo sauacutede-doenccedila natildeo marcado pelo saber biomeacutedico o que pocircde ser verificado na
anaacutelise das entrevistas
Por serem as entrevistas semi-estruturadas apresento de iniacutecio os resultados das
questotildees relacionadas agraves perguntas fechadas caracterizando nuacutemero de profissionais
entrevistados sexo idade estado ciacutevel naturalidade formaccedilatildeo profissional tempo de
formaccedilatildeo tempo de atuaccedilatildeo na ESF e treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede
mental conforme descrito a seguir
Meacutedicos preceptores (02 - Abel e Bartolomeu) ambos do sexo masculino com
idade entre 28 e 36 anos estado civil - (01) casado e (01) solteiro ambos naturais do Rio de
Janeiro e com especializaccedilatildeo em Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) tempo de formaccedilatildeo de 4 e 10 anos e tempo
de atuaccedilatildeo na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia de 3 a 8 anos e 6 meses Relataram treinamento
especifico para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental seja por cursos como o Babel ou
durante a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade Ressalto que (01) meacutedico
preceptor declarou que atua na CF estudada desde a sua inauguraccedilatildeo tambeacutem declarou ser um
colaborador na disciplina de formaccedilatildeo em sauacutede mental com discussatildeo de casos no Programa
da Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro
Meacutedicos residentes (05 - Acaacutecio Betino Braacuteulio Cesaacuterio e Accedilucena) idade
entre 27 e 29 anos (04) sexo masculino e (1) do sexo feminino estado civil todos (05)
solteiros naturalidade (01) Rio de Janeiro (01) Satildeo Paulo (01) Goiaacutes (01) Minas Gerais e
(01) Macapaacute o que deu um panorama de como a Residecircncia de MFC da Prefeitura do Rio de
Janeiro estaacute sendo procurada por meacutedicos de outros estados O tempo de formaccedilatildeo destes
meacutedicos variou de 1 ano e 8 meses a 4 anos Apenas (01) entrevistado declarou jaacute ter uma
84
especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia com duraccedilatildeo de 12 meses que inclusive o motivou a
buscar a residecircncia em MFC Os outros (04) meacutedicos residentes declararam estar em processo
formativo O tempo de atuaccedilatildeo na ESF variou de 1 ano e 6 meses a 4 anos pois (03)
entrevistados informaram que jaacute tinham trabalhado na ESF como primeiro emprego depois de
formado antes de iniciar o curso de residecircncia (03) meacutedicos residentes declaram que estavam
tendo durante o curso de residecircncia aulas e matriciamento para lidar com as questotildees de sauacutede
mental (01) informou que estava tendo parcialmente no Curso de Residecircncia e (01) declarou
que oficialmente natildeo teve nenhum treinamento em sauacutede mental mas que durante a sua
graduaccedilatildeo por iniciativa proacutepria procurou estaacutegio em sauacutede mental na rede extra-hospitalar
(CAPS em suas modalidades adulto infantil e aacutelcool e drogas)
Enfermeiros (03 - Aacutedila Clemecircncia Claudemiro) idade entre 27 e 40 anos (02)
sexo feminino e (01) sexo masculino estado civil (01) casado e (02) solteiros (02) naturais do
Rio de Janeiro e (01) Santa Catarina estado civil (01) casado e (02) solteiros O tempo de
formaccedilatildeo variou entre de 3 anos e 6 meses a 8 anos Apenas (01) entrevistada informou ter
residecircncia em Medicina de Famiacutelia os outros dois (01) tem poacutes-graduaccedilatildeo em Terapia
Intensiva e Enfermagem do Trabalho e (01) em Promoccedilatildeo da Sauacutede O tempo de atuaccedilatildeo na
ESF variou entre 3 anos e 6 meses a 6 anos sendo que uma entrevistada estava na CF
estudada desde a sua inauguraccedilatildeo (02) entrevistados declararam jaacute ter tido treinamento para
lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos fizeram o curso BABEL que agrave eacutepoca foi uma
parceria entre a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Prefeitura do Rio de
Janeiro e (01) informou natildeo ter tido nenhum treinamento Ressalto que (01) profissional
informou ser morador da aacuterea onde trabalha
Teacutecnicos de enfermagem (03 - Daacutercio Eliseu e Felismina) idade entre 33 e 36
anos (02) sexo masculino e (01) do sexo feminino estado civil (02) solteiros e (01) casado
todos (03) naturais do Rio de Janeiro O tempo de formaccedilatildeo variou entre 2 anos e 6 meses a
10 anos O tempo de atuaccedilatildeo na ESF entre 2 anos e 6 meses a 5 anos (02) destes profissionais
informaram jaacute terem tido treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos
citaram o Curso Caminhos do Cuidado parceria da Fiocruz (RJ) por meio do Instituto de
Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo Cientiacutefica e Tecnoloacutegica (ICICT) do Grupo Hospitalar
Conceiccedilatildeo (RS) da Rede de Escolas Teacutecnicas do SUS e do Ministeacuterio da Sauacutede e (01)
declarou natildeo ter tido nenhuma treinamento Aqui tambeacutem cabe informar que todos (03)
teacutecnicos de enfermagem declaram serem moradores da aacuterea onde trabalham
Agentes comunitaacuterios de sauacutede (09 - Geneacutesia Heda Hebe Iana Jacobina
Kiara Lana Marcilene e Nateacutercia) sendo todos do sexo feminino idades entre 26 e 40
85
anos (05) casadas e (04) solteiras (06) naturais do Rio de Janeiro (01) Paraiacuteba (01)
Maranhatildeo e (01)Minas Gerais tempo de formaccedilatildeo entre 1 ano e 6 meses a 6 anos e tempo de
atuaccedilatildeo na ESF entre 1 ano e 5 meses a 6 anos (08) relataram treinamento para lidar com as
questotildees de Sauacutede mental como apoio dos meacutedicos da Cliacutenica da Famiacutelia e do NASF cursos
como ldquoCaminhos do Cuidadordquo e ldquoReduccedilatildeo de Danosrdquo assim como outros cursos e
capacitaccedilotildees pelo proacuteprio serviccedilo via OTICS - rede criada a partir da expansatildeo da APS que
proporciona todo um suporte fiacutesico e tecnoloacutegico como auditoacuterios bibliotecas laboratoacuterios de
informaacutetica para qualificaccedilatildeo de profissionais e para avaliaccedilatildeo de indicadores da APS
(RJSMSDC 2012) Participaram tambeacutem de algumas palestras Elogiaram muito o curso
ldquoCaminhos do Cuidadordquo
A motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF para os profissionais de niacutevel superior preceptores
meacutedicos residentes meacutedicos e enfermeiros apareceu como uma alternativa ao modelo
biomeacutedico tradicional como podemos observar nas falas
Esse trabalho eacute realmente mais efetivo do que aquilo que a gente vinha aprendendo
na faculdade aquela coisa da hiperespecializaccedilatildeo (Acaacutecio)
Gosto muito de ter esse olhar mais ampliado natildeo soacute para o indiviacuteduo mas para a
famiacutelia (Bartolomeu)
Principalmente a enfermagem () acho que tem um campo de atuaccedilatildeo bem amplo ()
a gente natildeo fica soacute restrito ao cuidado no sentido de como eacute no hospital cuidar do paciente
administrar medicamento fazer rotina () acaba que eacute bem mais complexo porque tem que
entender de tudo natildeo deixa a gente cair na rotina e a gente estaacute cada vez mais aprendendo
(Claudemiro)
Enquanto que para os teacutecnicos de enfermagem e ACSs as motivaccedilotildees foram a
oportunidade de emprego e a ajuda ao proacuteximo com a oportunidade de fazer algo pela
vizinhanccedila e pela Comunidade todos satildeo moradores da comunidade como eles mesmos
denominaram
Sou cria da comunidade a gente taacute sempre querendo ajudar o proacuteximo (Daacutercio)
Foi meu primeiro emprego na aacuterea da sauacutede (Felismina)
Uma oportunidade eu natildeo estava trabalhandoestou na minha comunidade conheccedilo
muita gente e achei que iria conseguir fazer alguma coisa boa (Geneacutesia)
Eu moro na comunidade eu vou conhecer meus vizinhos e vou poder trabalhar com
eles (Heda)
Eu estava desempregada uma oportunidade de trabalhar dentro da comunidade
(Hebe)
86
Em relaccedilatildeo as entrevistas abertas aprofundadas com perguntas disparadoras que tiveram
como objetivo estimular o entrevistado a falar sobre seu trabalho na ESF e o que considera
como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea e livre os pontos relevantes dessas
perguntas foram 1 Motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF 2 Caracteriacutesticas do trabalho na ESF
3 Importacircncia da ESF no sistema de sauacutede 4 O que entende como lida e maneja os ldquocasosrdquo
de sauacutede mental e 5 Recomendaccedilotildees para melhorar a atenccedilatildeo na ESF e a atenccedilatildeo em sauacutede
mental na ESF
As entrevistas transcorreram com tranquilidade no proacuteprio serviccedilo sempre durante o
seu horaacuterio de funcionamento Os meacutedicos residentes foram os primeiros a manifestarem
interesse em participar do estudo seguidos pelos meacutedicos preceptores enfermeiros e teacutecnicos
de enfermagem Jaacute os ACSs manifestaram resistecircncia em participar do estudo com
expressotildees como eu natildeo gosto muito de falar natildeo sei falar Enquanto pesquisadora tentei ao
maacuteximo minimizar essa resistecircncia mas deixando-os bem agrave vontade a participarem ou natildeo do
estudo Frisando sempre a importacircncia da pesquisa da participaccedilatildeo deles que era voluntaacuteria e
a garantia do anonimato Mas dos (18) ACSs lotados na Unidade pesquisada somente (09)
aceitaram participar do estudo
Durante a minha estada no serviccedilo por aproximadamente quatro (4) meses transitei
livremente participei das reuniotildees semanais de cada equipe ateacute mesmo para apresentar o
projeto de pesquisa conhecer os integrantes de cada equipe e a dinacircmica de trabalho na ESF
Esse foi um periacuteodo muito enriquecedor antes da realizaccedilatildeo das entrevistas Procurei agendar
as entrevistas durante essas reuniotildees de equipe com os profissionais interessados colocando-
me agrave disposiccedilatildeo do horaacuterio dos mesmos para natildeo interferir no cotidiano do serviccedilo
Eacute importante dizer que desde a primeira visita todos os profissionais da unidade foram
muito receptivos ao estudo desde da gerente ao pessoal administrativo e de apoio Alguns
trabalhadores declararam entender a temaacutetica dessa pesquisa como deveras importante para o
momento atual de expansatildeo da capilaridade das accedilotildees de sauacutede por meio da ESF nos
territoacuterios incluindo as accedilotildees de sauacutede mental Muitos profissionais se dirigiram gentilmente
a mim e disseram que a pesquisa soacute podia ajudaacute-los pois tinham muitos ldquocasosrdquo de sauacutede
mental na sua aacuterea
Ressalto mais uma vez que a unidade estudada era campo de praacutetica para os meacutedicos
residentes de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de
Janeiro e eram esses residentes que estavam ligados diretamente agrave assistecircncia da populaccedilatildeo O
que lhe dar uma caracteriacutestica bem peculiar meacutedicos que estavam ali em formaccedilatildeo e com
87
desejo de estarem nesse lugar mas eram temporaacuterios permaneciam por 2 (dois) anos tempo
de formaccedilatildeo do curso de residecircncia
Segundo Justino Oliver e Melo (2016) a reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Rio
de Janeiro pode ser vista como indutora do Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e
Comunidade na cidade uma vez que gerou diferentes necessidades de melhoria na rede
(unidades de sauacutede mais bem equipadas informatizadas mais recursos em terapecircutica e
diagnoacutestico) e mais profissionais meacutedicos qualificados para este niacutevel de atenccedilatildeo agrave sauacutede
Ainda de acordo com esses autores em 2011 a Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de
Janeiro a fim de contribuir com a oferta de maior nuacutemero de especialista em Medicina de
Famiacutelia e Comunidade e fixar profissionais para trabalhar nas diversas Cliacutenicas da Famiacutelia em
expansatildeo criou o seu proacuteprio programa de residecircncia na aacuterea Aleacutem de criar outros
incentivos inclusive financeiros - maior remuneraccedilatildeo para os residentes e profissionais jaacute
formados no proacuteprio curso
Poucos profissionais pareceram ansiosos com a possibilidade de serem entrevistados
Perguntaram quanto tempo durava a entrevista e se poderiam saber de antematildeo qual seria o
ldquoroteirordquo de perguntas A maioria construiu comigo um clima amistoso de conversa que
costumava se iniciar quase informalmente durante as reuniotildees de equipe
As entrevistas foram realizadas na sala de reuniatildeo da unidade colocada a minha
disposiccedilatildeo Aconteceram pequenas interrupccedilotildees por parte de outros membros da equipe
contudo natildeo as considerei prejudiciais para o desenvolvimento da entrevista Algumas
entrevistas no entanto foram realizadas nos consultoacuterios das equipes tambeacutem respeitando a
preferecircncia de cada profissional e com razoaacutevel privacidade Natildeo houve interrupccedilotildees
importantes como por exemplo ter que parar a entrevista e fazer em outro momento devido
a uma demanda qualquer do serviccedilo ou do entrevistado Pelo contraacuterio os entrevistados se
mostraram muito tranquilos em relaccedilatildeo ao tempo disponiacutevel
Apenas uma entrevista teve a duraccedilatildeo de aproximadamente 1 hora e seis minutos Foi
a realizada com um meacutedico preceptor que atuava na unidade estudada desde a sua fundaccedilatildeo
Primeiro como meacutedico de famiacutelia de uma equipe portanto ligado diretamente agrave assistecircncia e
na eacutepoca da coleta de dados como preceptor dos residentes e responsaacutevel meacutedico da unidade
com uma funccedilatildeo mais gerencial e administrativa como ele mesmo apontou durante a
entrevista Jaacute a entrevista mais breve durou um pouco mais de 12 minutos e foi com um
teacutecnico de enfermagem
As perguntas foram compreendidas com certa facilidade mas as respostas que
demandavam explicitar a motivaccedilatildeo de trabalhar na ESF e a conceituaccedilatildeo sobre ldquocasosrdquo de
88
sauacutede mental demoraram mais tempo para serem respondidas Tal demora talvez tenha sido
acompanhada de inseguranccedila por parte dos entrevistados em alguns casos pontuais Chamou
atenccedilatildeo o fato de quando questionados sobre se gostariam de acrescentar algo que natildeo foi
perguntado alguns profissionais responderam que a sauacutede mental eacute um tema difiacutecil e que eles
tinham muita dificuldade em lidar com esses ldquocasosrdquo embora pudessem contar com o apoio
do NASF Mesmo assim todos os entrevistados demonstraram muito interesse pelo tema o
que me pareceu ser um assunto candente entre eles Ao final das entrevistas alguns
agradeceram por poder participar do estudo e senti como se falar sobre o tema tivesse sido
mais um pedido de auxiliosuporte para lidar com esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois a
palavra capacitaccedilatildeo foi muito usada como sugestatildeo para melhoria da Sauacutede Mental na
Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
89
621 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Preceptores
Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Meacutedicos Preceptores
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTE
Sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no
funcionamento familiar e social algum tipo de
transtorno dependecircncia seja a cigarro especialmente
aacutelcool e drogas
Todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e todo
paciente pode ser muito complexo por menor que seja o
problema dele soacute depende muito do meacutedico de quanto o
meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida dele
O encaminhamento inicialmente eacute com a gente mesmo
Transtorno mental comum (transtorno de ansiedade
depressatildeo somatizaccedilatildeo) eu natildeo referencio para o
psiquiatra jaacute fiz isso natildeo faccedilo mais Transtorno mental
grave (transtorno psicoacutetico) e transtorno mental em
crianccedila eu referencio e a intervenccedilatildeo eacute
multidimensional envolve medicamento grupos em
sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com
assistente social agente de sauacutede cuidado com equipe
matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui ou no
CAPS
Cliacutenica centrada na pessoa a gente aborda muito a
escuta ativa numa fase inicial uma primeira tentativa de
abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo
ser medicamentosa
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Formaccedilatildeo experiecircncia no campo da sauacutede mental
Mais equipamentos mais CAPS diminuiccedilatildeo do nuacutemero de usuaacuterios por equipe capacitaccedilotildees
90
Ambos os meacutedicos preceptores relataram que fazer a especializaccedilatildeo em Medicina de
Famiacutelia e Comunidade natildeo foi a primeira opccedilatildeo em suas respectivas carreiras profissionais
Um preceptor contou que natildeo teve contato com APS na sua graduaccedilatildeo (agrave eacutepoca era muito
incipiente) portanto natildeo conheceu a especialidade durante a sua formaccedilatildeo acadecircmica Soacute
depois de formado veio a ter contato com a especialidade em um Congresso da Associaccedilatildeo
Brasileira de Medicina de Famiacutelia Mas que foi fazer a residecircncia na aacuterea porque o soldo era
maior E que hoje eacute uma coisa que o apaixona - poderia conversar mais umas duas ou trecircs
horas no miacutenimo ou ateacute eu sentir fome e sede (risos) e essa aacuterea eacute como o vinho com o tempo
vai ficando muito melhor (Abel)
O outro narrou que natildeo passou na residecircncia escolhida como primeira opccedilatildeo comeccedilou
entatildeo a trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia gostou muito do ambiente surgiu a
oportunidade de fazer a prova de residecircncia para o local onde estava trabalhando fez passou
e o que a princiacutepio era um teste para saber se ia se adaptar foi se apaixonando e hoje tem a
sauacutede da famiacutelia como a possibilidade de ter um olhar mais ampliado do indiviacuteduo e sua
famiacutelia Mencionou tambeacutem que trabalhar na aacuterea possibilita ter final de semana ter feriados
ou seja ter uma vida um pouquinho melhor planejada do que muitos meacutedicos hoje em dia
costumam ter por aiacute (Bartolomeu)
Em ambos os discursos apareceu o apaixonamento pela Medicina de Famiacutelia e
Comunidade pude observar durante o periacuteodo do campo que para trabalhar na aacuterea parece
requerer dos profissionais principalmente para o meacutedico e preceptor uma certa afinidade em
querer conhecer o cotidiano e a vida das pessoas natildeo soacute a sua queixa de sauacutede ou sintoma O
que me pareceu exigir menos objetividade cientiacutefica e mais empatia com o outro
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental
Em relaccedilatildeo ao guia para anaacutelise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mentalrsquo os meacutedicos preceptores expressaram perspectivas diferentes uma mais holiacutestica
sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no funcionamento social e familiar outra
mais difusa todo caso pode ser um caso de sauacutede mental O primeiro discurso caracteriza
uma linguagem mais objetiva teacutecnica e qualificada profissionalmente com uma visatildeo integral
do processo sauacutede-doenccedila o que aponta tambeacutem para um conhecimento mais especifico no
campo da APS
Essa interferecircncia agraves vezes pode ser muito grave a ponto da pessoa natildeo conseguir se
relacionar com a famiacutelia ou ter alguma situaccedilatildeo de violecircncia domeacutestica fiacutesica ou
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psicoloacutegica seja na crianccedila na matildee no adulto em qualquer indiviacuteduo da famiacutelia ou algum
tipo de situaccedilatildeo familiar que resulte em dependecircncia seja a cigarro especialmente aacutelcool e
drogas ou algum tipo de prejuiacutezo e dificuldade na formaccedilatildeo escolar da crianccedila ou de jovens
adultos aonde isso acontece certamente eacute a ponta do iceberg de algum tipo de transtorno
menta (Abel)
Nesse primeiro discurso podemos observar uma noccedilatildeo voltada para o modo
psicossocial quando nomeia o ldquocasordquo de sauacutede mental como sofrimento psiacutequico esse modo
de atenccedilatildeo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua ldquoexistecircncia-sofrimentordquo (Costa-
Rosa 2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia subjetiva e assim como na
Medicina de Famiacutelia considera a pessoa seu grupo familiar e social A razatildeo disso estaacute em
entender que o sofrimento psiacutequico natildeo eacute um fenocircmeno soacute individual mas tambeacutem social e
como tal deve ser pensado Dessa maneira as formas de participaccedilatildeo da famiacutelia e da rede de
apoio social superam as posturas assistencial e orientadora caracteriacutesticas do modo asilar
(COSTA-ROSA 2000)
A nomenclatura ldquopessoa em sofrimento psiacutequicordquo ressurge a partir da publicaccedilatildeo do
relatoacuterio final da IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM) em julho de 2010 apoacutes
um levantamento de quais categorias haviam sido utilizadas nas CNSM anteriores para
denominar o indiviacuteduo em situaccedilatildeo de sofrimento Brasil (2010 p144) Ateacute o ano de 2010
foram realizadas quatro conferecircncias respectivamente em 1987 1992 2001 e 2010 Tendo
sido encontrada uma multiplicidade de categorias relativas ao adoecimentosofrimento agraves
terapecircuticas e locais de tratamento O uso da categoria ldquosofrimento psiacutequicordquo por Abel
portanto demonstra um conhecimento mais ampliado e integrado em sauacutede trazendo para o
centro da cena o sujeito e seu sofrimento natildeo a sua doenccedila
Abel durante sua entrevista explica que entende transtorno diferente de sofrimento tal
como vocecircs claro da sauacutede mental Transtorno para ele eacute o sofrimento continuado crocircnico
ou natildeo mas que gera prejuiacutezo funcional e familiar que depende do grau da gravidade do
histoacuterico Jaacute o sofrimento na perspectiva de Abel estaacute presente em qualquer populaccedilatildeo do
planeta sendo natural ao ser humano diferentes tipos de cultura teratildeo diferentes tipos de
sofrimento
Ao concluir Abel ressalta que na sua opiniatildeo principalmente para o jovem meacutedico e o
jovem enfermeiro eacute difiacutecil diferenciar sofrimento de transtorno pois natildeo tiveram uma
formaccedilatildeo para isso e agraves vezes colocam um pouco do seu proacuteprio sofrimento Resultando
durante o atendimento numa detecccedilatildeo precoce de algum transtorno quando na verdade o
indiviacuteduo pode estar passando por algum momento de ajustamento na vida O fundamental
92
para meacutedico de famiacutelia e toda sua equipe segundo a cartilha de serviccedilos da APS da Prefeitura
do Rio de Janeiro sobre as accedilotildees de sauacutede mental eacute ldquoatentar para a dimensatildeo do sofrimento
psiacutequico que pode estar presente nos mais diversos processos de adoecimento tais como
hipertensatildeo diabetes tuberculose HIVAIDSrdquo (RIO DE JANEIRO 2016 p76)
Nomear algo que acontece com o outro ou consigo mesmo como sofrimento natildeo eacute
apenas um ato individual do lugar de profissional ou de usuaacuterio Nesse sentido as formas de
nomeaccedilatildeo natildeo satildeo naturais e nem simplesmente emergem de um indiviacuteduo de forma isolada
Todas as formas de nomeaccedilatildeo satildeo apreendidas socialmente bem como as formas de nomear o
cuidado a dor o adoecimento a sauacutede e outras experiecircncias de vida Em particular em
relaccedilatildeo ao sofrimento e a dor Sarti (2001) afirma
A dor como o amor remete a uma experiecircncia radicalmente subjetiva
Aquele que sente a dor dela diz eu eacute que sei Frente agrave dor do outro
haacute comoccedilatildeo sofrimento (ou mesmo gozo) com maior ou menor
distacircncia e intensidade Embora singular para quem sente a dor como
qualquer experiecircncia humana traz a possibilidade de ser
compartilhada em seu significado que eacute uma realidade coletiva
(embora jamais possamos nos assegurar de que o que atribuiacutemos ao
outro corresponda exatamente ao que ele atribui a si mesmo) Assim
dizemos que entendemos a dor do outro (SARTI 2001 p4)
A percepccedilatildeo de caso de sauacutede mental no discurso de Abel foge um pouco do modelo
biomeacutedico como podemos observar trazendo a ideacuteia de sofrimento e suas repercussotildees nos
contextos familiar e social apontando para novas possibilidades de modificaccedilatildeo e
qualificaccedilatildeo das condiccedilotildees e dos modos de vida orientando-se pela produccedilatildeo de vida e sauacutede
e natildeo se restringindo agrave cura de doenccedilas Brasil (2013) Embora a categoria transtorno mental
tenha aparecido nesse discurso remetendo ao modelo biomeacutedico observei um certo cuidado
ao ser contextualizada e explicada a diferenccedila entre transtorno e sofrimento
O termo ldquotranstorno mentalrdquo oriunda do modelo biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um
objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais Amarante (1996) e classifica-a em
inuacutemeras categorias como podemos observar no CID-10 e mais recentemente no DSM-V Ao
modo do alienista ou do botacircnico ou mesmo da atual nosologia psiquiaacutetrica identificar e
classificar a entidade moacuterbida para o profissional meacutedico parece ser suficiente para
estabelecer a terapecircutica e o encaminhamento a ser feito (LAPLANTINE 2004)
93
No CID-10 o termo ldquotranstornordquo eacute usado por toda a classificaccedilatildeo de forma a evitar
problemas ainda maiores inerentes ao uso de termos como ldquodoenccedilardquo ou ldquoenfermidaderdquo
ldquoTranstornordquo natildeo eacute um termo exato poreacutem no CID-10 eacute usado para indicar a existecircncia de um
conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconheciacuteveis associados na maioria
dos casos a sofrimento e interferecircncia com funccedilotildees pessoais Desvio ou conflito social
sozinho sem disfunccedilatildeo pessoal natildeo deve ser incluiacutedo em transtorno mental como definido
no CID-10
Abel tambeacutem identifica dependecircncia a cigarro especialmente aacutelcool e drogas como
ldquocasordquo de sauacutede mental O debate sobre o consumo das mais diversas drogas pela humanidade
eacute complexo e de maneira nenhuma seraacute simplificado aqui Mas para ldquocompreender por que
alguns humanos mais humanos do que outros tem problemas com o uso de drogas eacute preciso
revelar as condiccedilotildees individuais e sociais dessa incorporaccedilatildeordquo Garcia (2016 p 11) Nesse
processo de revelaccedilatildeo a questatildeo da escuta eacute primordial
Segundo Lancetti (2013 p36) ldquotodo sujeito dialoga com um interlocutor invisiacutevelrdquo
citando o etnopsiquiatra Tobie Nathan seguidor de Devereux que afirmava que mais que
noventa por cento do sofrimento psiacutequico eacute atendido pelo que ele chama de pensamento negro
(pajeacutes pastores padres) e soacute dez por cento ou menos pelo pensamento branco Sua
afirmaccedilatildeo tambeacutem era de que a consulta psiquiaacutetrica ou psicologia eacute um combate
epistemoloacutegico ndash um dizendo que eacute um trabalho de macumba e o outro que eacute uma psicose
paranoica Por isso a importacircncia de ldquotransitar por esses territoacuterios existenciaisrdquo para adesatildeo
ao programa elaborado para cada famiacutelia (LANCETTI 2013 p36)
Jaacute no discurso de Bartolomeu todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e que soacute
depende muito do meacutedico de quanto o meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida
dele o que pode produzir trecircs interpretaccedilotildees discursivas 1) uma dificuldade de identificar os
ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois essa colocaccedilatildeo do entrevistado traz a ideia de que ateacute as
questotildees da vida cotidiana podem ser psiquiatrizadas 2) aquilo que eacute denominado doenccedila na
maioria das vezes existe na ldquociecircncia do meacutedicordquo antes de existir na ldquoconsciecircncia do homemrdquo
Canguilhem (2015) e 3) como o proacuteprio entrevistado relatou a abordagem psicossocial da
Medicina de Famiacutelia
Na primeira interpretaccedilatildeo com a expansatildeo das capilaridades das accedilotildees de sauacutede por
meio da ESF no territoacuterio temos que estar atentos como nos alerta Amarante (2007 p 95)
para medicalizaccedilatildeo do social ou seja tornar lsquomeacutedicorsquo aquilo que eacute da ordem do social ou
econocircmico ou poliacutetico Ou seja ldquoo termo estaacute relacionado agrave possibilidade de fazer com que as
94
pessoas sintam que os seus problemas satildeo problemas de sauacutede e natildeo proacuteprios da vida
humanardquo
Na segunda interpretaccedilatildeo a doenccedila natildeo deixaria de existir ou de se manifestar de
alguma maneira porque natildeo existe na consciecircncia do homem mas a perspectiva do doente do
que seja ou natildeo doenccedila ou do que seja normal ou patoloacutegico fica fora das consideraccedilotildees do
conhecimento biomeacutedico principalmente das praacuteticas de cuidado dos profissionais da sauacutede
que em geral natildeo incluem o saber do doente Esse saber na maioria das vezes eacute colocado
em segundo plano pois o que se busca eacute a objetividade da doenccedila expressa pelos seus
sintomas e sinais fiacutesicos e se possiacutevel pela conformaccedilatildeo anatomopatoloacutegica daiacute a
importacircncia do meacutedico Canguilhem (2015 p69) a respeito dessa busca da correspondecircncia
entre doenccedila e lesatildeo recupera um argumento de Leacuteriche (1879-1955) para problematizar a
ldquodoenccedila do doenterdquo
Aos que identificam doenccedila com lesatildeo Leacuteriche objeta que o fato
anatocircmico deve ser considerado na realidade como segundo e
secundaacuterio segundo por ser produzido por um desvio originalmente
funcional na vida dos tecidos secundaacuterio por ser apenas um elemento
da doenccedila e natildeo o elemento dominante (CANGUILHEM 2015 p69)
Com isso Canguilhem (2015) aponta que a doenccedila anatocircmica vista pelo meacutedico natildeo eacute
a mesma vista pelo doente A partir das ideias de Leacuteriche Canguilhem problematiza a natildeo
validaccedilatildeo da opiniatildeo da pessoa sobre sua doenccedila que em geral ocorria na aplicaccedilatildeo da ciecircncia
dos meacutedicos Essa ciecircncia constituiu-se em parte por um conjunto de informaccedilotildees clinicas
recolhidas ao longo da praacutetica dos meacutedicos Esses relatos se constituiacuteram na cultura meacutedica
que passava de meacutedico para meacutedico e que devido ao acuacutemulo desse conhecimento
possibilitava ao meacutedico se adiantar ao relato do paciente sobre a sua doenccedila No entanto
conclui o autor ldquoa medicina existe porque haacute homens que se sentem doentes e natildeo porque
existem meacutedicos que os informam de suas doenccedilasrdquo (CANGUILHEM 2015 p 69)
Se por um lado o argumento exposto acima poderia ser contraposto a afirmaccedilatildeo de
que haacute doenccedilas que satildeo produzidas pela medicina a exemplo do erro de Charcot naquela
eacutepoca ou a questatildeo da patologizaccedilatildeo da vida cotidiana e a consequente medicalizaccedilatildeo do
sofrimento natildeo podemos deixar de considerar o argumento de Canguilhem a partir das
consideraccedilotildees de Leacuteriche de que primeiro existiu o doente antes mesmo de existir a doenccedila e
o meacutedico Amarante e Torre (2010) Foucault (2011) Serpa Juacutenior (sd) Todavia no cenaacuterio
95
atual da biomedicina e das praacuteticas em sauacutede o que se observa eacute que o discurso da pessoa
atendida em geral fica em uacuteltimo plano (CAMPOS 2013)
Jaacute na terceira alternativa na abordagem biopsicossocial que visa estudar a causa ou o
progresso de doenccedilas utilizando-se de fatores bioloacutegicos (geneacuteticos bioquiacutemicos etc)
fatores psicoloacutegicos (estado de humor de personalidade de comportamento etc) e fatores
sociais (culturais familiares socioeconocircmicos etc) que devem ser a abordagem do Meacutedico
de Famiacutelia A entidade doenccedila por si soacute eacute insatisfatoacuteria para entender o sofrimento da pessoa
que chega ao serviccedilo de sauacutede Portanto o meacutedico de famiacutelia deve considerar o usuaacuterio em
sua singularidade e inserccedilatildeo sociocultural buscando produzir uma atenccedilatildeo integral saindo do
modelo biologizante que apenas trata a doenccedila sem considerar o sujeito em sofrimento e todo
o seu entorno social cultural familiar (MOIRA STEWART et al 2010)
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Abel comeccedila seu discurso com a fala politicamente correta inicialmente eacute com a gente
mesmo demonstrando o princiacutepio da coordenaccedilatildeo do cuidado que recai na ESF Starfield
(2002) e de acordo com Lancetti (2013) o imperativo de resolver o maacuteximo de problemas na
regiatildeo evita o encaminhamento irresponsaacutevel dos profissionais e fundamentalmente aumenta
o grau de singularizaccedilatildeo da relaccedilatildeo equipeusuaacuterio No entanto observamos uma contradiccedilatildeo
nesse discurso quando Abel classifica os transtornos em transtorno mental comum
(transtorno de ansiedade depressatildeo somatizaccedilatildeo) transtorno mental grave (transtorno
psicoacutetico) e transtorno mental em crianccedila para diferenciar o que eacute acompanhado pela ESF e
o que eacute referenciado para outros serviccedilos Nesse caso o transtorno mental grave e o transtorno
mental em crianccedila satildeo referenciados para outros serviccedilos
De acordo com a atual poliacutetica puacuteblica de sauacutede mental o cuidado deve ser sempre
que necessaacuterio compartilhado com os demais serviccedilos da rede de sauacutede explorando-se ao
maacuteximo possiacutevel os recursos do territoacuterio com o objetivo de dar um passo a mais no
abandono da morada da psiquiatria e intensificar o status ontoloacutegico da cidadania sendo o
portador do transtorno ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicopatoloacutegicordquo Lancetti
(2013 p19) Tambeacutem encontramos outra contradiccedilatildeo em relaccedilatildeo ao encaminhamento dos
transtornos graves e em crianccedilas no discurso de Abel Pois ao relatar o encaminhamento natildeo
mencionou se a equipe de referecircncia continua com a responsabilidade compartilhada Natildeo
sendo possiacutevel portanto analisar como seria esse cuidado compartilhado com outros serviccedilos
No entanto Abel ao discorrer que a intervenccedilatildeo eacute multidimensional - envolve
medicamento grupos em sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com assistente
96
social agente de sauacutede cuidado com equipe matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui
ou no CAPS retomou sua visatildeo inicial do Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial pois centralizou a
dinacircmica do trabalho na equipe e nas possiacuteveis necessidades do usuaacuterio e natildeo na sua
demanda de doenccedila Na ESF assim como na Atenccedilatildeo Psicossocial no interstiacutecio da praacutexis se
reforccedila o conceito de cidadania portanto as pessoas devem ser atendidas por Direito e natildeo por
demanda de doenccedila (LANCETTI 2013)
No discurso de Bartolomeu identificamos o meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa e a
abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo ser medicamentosa Percebemos nessa
fala uma tentativa de justificar e explicar a sua formaccedilatildeo discursiva em relaccedilatildeo a sua
concepccedilatildeo de casos de sauacutede mental uma vez que a cliacutenica centrada na pessoa enfatiza a
experiecircncia com a doenccedila ou seja o modo singular como cada pessoa eacute afetada pela doenccedila
A esse respeito Moira Stewart et al (2010) informa que essa proposta de atendimento ndash
cliacutenica centrada na pessoa - pressupotildee vaacuterias mudanccedilas na mentalidade do meacutedico e dos
demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo hieraacuterquica de que o profissional
estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta nessa abordagem Para ser
centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a pessoa que estaacute sendo
atendida compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que
tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Esse eacute o imperativo moral do meacutetodo centrado
na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o profissional experimentaraacute os novos
direcionamentos que o relacionamento pode assumir quando o poder eacute compartilhado Manter
uma posiccedilatildeo sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento
humano que eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o
objetivo em um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)
O meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa possui seis componentes interativos que
formam um conjunto de orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem
mais centrada na pessoa Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo
entre a pessoa e o profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no
contexto no qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem facilitando
inclusive o ensino e a pesquisa Portanto no discurso de Bartolomeu tambeacutem eacute possiacutevel notar
a presenccedila de um conhecimento meacutedico mais especifico e direcionado ao ensino marcando a
fala do entrevistado enquanto preceptor meacutedico
Hoje eu atuo como preceptor aqui na Cliacutenica da Famiacutelia entatildeo a minha rotina
costuma ser diferente dos meacutedicos residentes eu fico na retaguarda
97
Ressalto que na funccedilatildeo de meacutedicos preceptores os entrevistados deixaram
transparecer uma preocupaccedilatildeo com a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade que
considere o usuaacuterio em seu contexto social e familiar Para Campos (2005) a realidade social
e cultural dos indiviacuteduos deve ser a referecircncia para o trabalho meacutedico na APS pois o esforccedilo
sistemaacutetico de enquadramento e classificaccedilatildeo dos usuaacuterios em quadros nosoloacutegicos pode ser
uma tarefa frustrante Os usuaacuterios se apresentam em sua mais completa dimensatildeo humana
porque estatildeo imersos em sua cultura contexto e ambiente trazendo para o Medicina de
Famiacutelia e Comunidade toda a dimensatildeo dos problemas desafios expectativas e conflitos que
se colocam no dia a dia
Aleacutem dos processos de adoecimento estes estatildeo sempre acompanhados de agravos
queixas vagas e incocircmodos mal definidos que desafiam a Medicina de Famiacutelia e Comunidade
a reconhecer semiologicamente os aspectos e dimensotildees biopsicossociais dos quadros que se
apresentam Haacute que se perceber que muitas queixas vagas padecimentos e carecimentos
trazidos satildeo um pretexto e um chamamento para que o profissional se aprofunde em um
conhecimento mais abrangente e integral dos processos de sauacutede e doenccedila (RODRIGUES
1998)
A abordagem familiar representa um desafio a mais Compreender a dinacircmica das
relaccedilotildees familiares impactando sobre a sauacutede e a doenccedila e suas formas de evoluccedilatildeo requer
uma aguccedilada capacidade de observaccedilatildeo e interaccedilatildeo Em sentido oposto o meacutedico de famiacutelia e
comunidade necessita avaliar o impacto da doenccedila na dinacircmica familiar e compreender os
muacuteltiplos impactos em termos de sofrimento e outras repercussotildees sobre as interaccedilotildees
familiares Os papeacuteis representados pelos membros da famiacutelia os equiliacutebrios e desequiliacutebrios
que se estabelecem no nuacutecleo familiar satildeo parte deste processo (CAMPOS 2005)
Recomendaccedilotildees
Em relaccedilatildeo as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF ambos
os discursos (Abel e Bartolomeu) trouxeram agrave tona a importacircncia da formaccedilatildeo e da educaccedilatildeo
continuada para exercer a contento as accedilotildees a serem desenvolvidas Pensando dessa forma
nos reportamos a Amarante (2007) quando destaca ser importante que as equipes recebam
apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia ndash NASF para conduzir os
casos de sauacutede mental de forma mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada
a partir da vivencia cotidiana dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias
profissionais para lidar com os problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento
98
psiacutequico e comprometer a resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA
2013)
Abel e Bartolomeu pontuaram tambeacutem a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de CAPS e demais
equipamentos substitutivos ao modelo manicomial O que sugere um conhecimento sobre a
Reforma Psiquiaacutetrica e a importacircncia do aumento do nuacutemero de dispositivos extramuros para
sua concretizaccedilatildeo com intervenccedilotildees voltadas para a comunidade sua cultura e menos
medicalizadora explorando tambeacutem os recursos do territoacuterio e trazendo para o centro da cena
o sujeito em sofrimento e sua famiacutelia
Quanto a recomendaccedilatildeo de diminuir o nuacutemero de usuaacuterio atendidos por equipe
mencionada por Bartolomeu a atual Poliacutetica Nacional da Atenccedilatildeo Baacutesica recomenda que
cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a meacutedia recomendada de
3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo Dessa forma o nuacutemero de
pessoas por equipe deve considerar o grau de vulnerabilidade das famiacutelias daquele territoacuterio
ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o nuacutemero de pessoas por
equipe (BRASIL 2012)
Na unidade campo do estudo o nuacutemero de usuaacuterio por equipe em ordem crescente era
de 2432 2763 e 3151 Considerando a aacuterea de cobertura do Morro Santa Marta territoacuterio
de alta vulnerabilidade e o bairro plano de classe meacutedia supostamente de baixa
complexidade o nuacutemero de usuaacuterios encontra-se dentro do recomendado pelo Ministeacuterio da
Sauacutede O que nos leva a seguinte reflexatildeo ldquoEacute possiacutevel que com a carga de doenccedilas e de
necessidades desses grupos populacionais o nuacutemero de famiacutelias sob responsabilidades de
cada equipe extrapole sua capacidade de respostardquo (FERRAZ e AERTS 2005 p353)
99
622 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Residentes
Figura 2 - Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Meacutedicos Residentes
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
algum grau de sofrimento psiacutequico com repercussatildeo
na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na
forma como ele se relaciona no trabalho na
comunidade
envolve alguma alteraccedilatildeo psiquiaacutetrica ou psicoloacutegica
qualquer tipo de sofrimento emocional psiacutequico ou
doenccedilas como esquizofrenia alucinaccedilotildees qualquer
usuaacuterio de drogas
tanto um transtorno de ansiedade mais leve com
prejuiacutezo funcional ou de insocircnia quanto sauacutede mental
mais grave como esquizofrenia e tambeacutem
alcoolismo uso de drogas iliacutecitas
qualquer sofrimento psiacutequico desde uma depressatildeo
profunda euforia agrave pessoa estaacute sentindo que natildeo estaacute
bem psicologicamente
pisando em ovos
soacute com a escuta ativa a gente consegue acompanhar eu natildeo
encaminho agora se for alguma outra situaccedilatildeo hoje a gente
consegue encaminhar por causa do NASF
primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas
abertas e deixo a pessoa falar aquilo que ela tem
necessidade de falar
geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o
paciente se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel em
tratar ou que eu ache que sei manejar bem
eu tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com
algum preceptor primeiro ou com a psicoacuteloga tento ver com
o agente comunitaacuterio colher melhor uma histoacuteria de vida
faccedilo um familiograma vejo como estaacute o ciclo vital
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Ampliar nuacutemero e a carga horaacuteria do NASF com maior tempo de psicologia e mais atividades de grupo
Ter uma rede mais integrada
Talvez ter mais investimento em CAPS
Ter mais cursos de formaccedilatildeo capacitaccedilatildeo melhor dos profissionais que trabalham na atenccedilatildeo primaacuteria
para alivio da sobrecarga do secundaacuterio e terciaacuterio e continuar a capacitaccedilatildeo nas interconsultas
Ter serviccedilo de terapia ocupacional mais fortalecido
ldquo
100
Durante as entrevistas pude observar o quanto satildeo latentes a busca pelo aprendizado e
a satisfaccedilatildeo do fazer cotidiano na sauacutede da famiacutelia para esses profissionais em formaccedilatildeo
como por exemplo nas falas
Na verdade tem uma questatildeo pessoal e uma coisa ideoloacutegica eu gosto muito de
ouvir as histoacuterias das pessoas e aiacute por eu acreditar nessa ideologia da atenccedilatildeo primaacuteria eu
resolvi fazer (Betino)
No uacuteltimo ano quase me formando no estaacutegio obrigatoacuterio do internato conheci a
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia que eu natildeo conhecia antes eu passei minha formaccedilatildeo toda
no hospital terciaacuterio de referecircncia vendo doenccedilas raras quando tive contato com a
realidade com o cotidiano com as doenccedilas mais comuns foi quando eu me senti realmente
meacutedica (Accedilucena)
Outro ponto de destaque que apareceu no iniacutecio da entrevista de Acaacutecio foi o eterno
dilema entre a Sauacutede Coletiva e a Cliacutenica Meacutedica Tradicional quando discorre sobre a reaccedilatildeo
de seus pais quando ele disse que faria a residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade
investimos tanto em vocecirc e vocecirc vai ser meacutedico de postinho
De um lado a Sauacutede Coletiva com sua visatildeo mais ampla sobre o processo sauacutede-
doenccedila considerando a determinaccedilatildeo social a intersetorialidade e a multidisplinaridade em
sauacutede na construccedilatildeo de mais qualidade de vida a toda populaccedilatildeo De outro a Cliacutenica Meacutedica
tradicional com sua visatildeo cartesiana sobre o adoecer A doenccedila do sujeito eacute o objeto de
estudo natildeo o sujeito da doenccedila Assim o que deve ser estudado e tratado eacute uacutenica e
exclusivamente a doenccedila e se alguma coisa natildeo foi bem eacute culpa do indiviacuteduo que natildeo seguiu a
terapecircutica prescrita Nesse modo de pensar em sauacutede o meacutedico eacute o detentor do conhecimento
e centraliza todo o atendimento supervalorizando o saber profissional especializado e
desvalorizando o saber do sujeito que adoece O que acaba gerando muita dependecircncia do
saber profissional e pouca autonomia do saber do sujeito sobre o seu processo de
adoecimento
No campo da Sauacutede Coletiva falar sobre cuidados primaacuterios em sauacutede eacute trazer a
importacircncia da promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo em sauacutede levando em consideraccedilatildeo o contexto social
econocircmico e cultural da populaccedilatildeo E a Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) eacute uma
especialidade clinica orientada para os cuidados primaacuterios ou seja
Satildeo meacutedicos pessoais principalmente responsaacuteveis pela prestaccedilatildeo de
cuidados abrangentes e continuados a todos os indiviacuteduos que os
procurem independentemente da idade sexo ou afecccedilatildeo Cuidam de
101
indiviacuteduos no contexto das suas famiacutelias comunidades e culturas
respeitando sempre a autonomia dos seus pacientesrdquo (WONCA 2002)
Embora a MFC tenha uma abordagem mais humanizada solidaacuteria e coletiva segundo
a Sociedade Brasileira de Medicina de Famiacutelia e Comunidade o reconhecimento dessa
especialidade em nosso paiacutes ainda natildeo tem o prestiacutegio e nem o meacuterito que faz jus devido a
diversos fatores De um lado tanto a sociedade quanto o coletivo meacutedico em geral continuam
categorizando-a como a ldquoMedicina dos pobresrdquo principalmente pelo modo como se deu a
implementaccedilatildeo do Programa de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil voltado primeiramente para aacutereas
de grande vulnerabilidade e risco social ndash ldquoum programa pobre para pobrerdquo Diferentes de
paiacuteses europeus e da Ameacuterica Central como Canadaacute onde o Meacutedico de Famiacutelia tem o
reconhecimento natildeo soacute de seus colegas especialistas como de toda a populaccedilatildeo independente
da classe social ao qual pertence (VICENTE et al 2012)
Nesses paiacuteses para a populaccedilatildeo o meacutedico de famiacutelia eacute o profissional de referecircncia para
qualquer problema de sauacutede uma vez que o sistema de sauacutede estaacute estruturado na Atenccedilatildeo
Primaacuteria agrave Sauacutede Aqui no Brasil ateacute o final dos anos 80 essa cultura do meacutedico de famiacutelia
era vista como apareceu na entrevista com os profissionais ldquomeacutedico de ricordquo pois era um
profissional caro e soacute quem podia pagar usufruiacutea dessa modalidade Com a implantaccedilatildeo do
Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e das Leis 808090 e 814290 a sauacutede passou a ser um
direito de todos e dever do Estado O que foi uma grande conquista de cidadania Um sistema
de sauacutede universal exigiu rever outras formas de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em sauacutede Saindo de
um modelo centrado no hospital e nas doenccedilas para outro centrado nas comunidades e nas
pessoas
Por outro lado temos a super valorizaccedilatildeo das especialidades com atrativa oferta do
mercado privado que atrai os meacutedicos especialistas com grande rentabilidade e prestiacutegio
social Este modelo tem claras repercussotildees negativas para o sistema de sauacutede e para a
sociedade porque oferece uma atenccedilatildeo fragmentada sem coordenaccedilatildeo entre niacuteveis de
assistecircncia o que potencializa a polimedicaccedilatildeo e a iatrogenia para uma populaccedilatildeo cada vez
mais envelhecida com problemas mais complexos e com maior necessidade de coordenaccedilatildeo
do cuidado (JUSTINO OLIVER MELO 2016 e MENDES 2012)
Mais um ponto marcante no discurso dos meacutedicos residentes foi em relaccedilatildeo a carga
horaacuteria da residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade surgiu uma queixa-denuacutencia de
que a carga horaacuteria praacutetica eacute muito grande ou seja o tempo que permanecem na CF eacute muito
extenso e que gostariam de ter mais tempo para se dedicarem a carga horaacuteria teoacuterica ou seja
102
para estudar mais a teoria dos casos interessantes atendidos como apontado nos discursos
abaixo
Aqui eacute uma formaccedilatildeo acadecircmica tambeacutem muito voltada para o treinamento em
serviccedilo de matildeo-de-obra mesmo gostaria de ter uma tranquilidade de trabalho para meu
aperfeiccediloamento apesar da carga horaacuteria natildeo facilitar isso natildeo me permitir isso aqui a
gente tem uma carga horaacuteria que cobre cerca de sessenta horas semanais mesmo (Accedilucena)
Eu tenho uma agenda padratildeo que eu trabalho de segunda agrave sexta de oito agraves oito uma
hora pra almoccedilo (Cesaacuterio)
Apareceram tambeacutem queixas relativas a sobrecarga de atendimentos diaacuterios aleacutem da
agenda programada (consultas dos programas do Ministeacuterio da Sauacutede diabetes hipertensatildeo
sauacutede da crianccedila etc) atendiam agrave demanda livre (pessoas que procuram a unidade por algum
problema de sauacutede mais agudo sem agendamento) Embora o enfermeiro tambeacutem ajude no
atendimento das demandas livres o profissional meacutedico fica mais uma vez no centro do
cuidado agrave medida que fica muito no modelo queixa-conduta sem tempo haacutebil para outras
abordagens em sauacutede como representado nos discursos
Eacute basicamente atendimento Aqui na cliacutenica eu natildeo faccedilo promoccedilatildeo em sauacutede fora da
cliacutenica a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo que a gente faz satildeo dentro do consultoacuterio com cada
paciente (Braacuteulio)
Agenda padratildeo a gente tenta abordar tudo o que o meacutedico de famiacutelia tem que
aprender e tem que desenvolver entatildeo eu atendo preacute-natal puericultura sauacutede mental sauacutede
do idoso sauacutede do homem sauacutede da mulher e enfim Eu atendo de tudo faccedilo procedimento
tambeacutem no meu caso a minha agenda pra marcar comigo soacute finalzinho de
setembroimportante ressaltar talvez que a gente natildeo bloqueia a nossa agenda ela eacute aberta
qualquer demanda que uma pessoa tiver marca com a gente (Cesaacuterio)
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Em relaccedilatildeo ao guia para analise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mentalrsquo embora os meacutedicos residentes tenham usado muito o termo ldquosofrimento psiacutequicordquo
que aparece em 4 dos 5 discursos utilizaram tambeacutem termos teacutecnicos mais meacutedicos como
alteraccedilatildeo psicoloacutegica ou psiquiaacutetrica esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade
depressatildeo euforia deixando assim bem demarcado o lugar de onde falam - profissional
meacutedico com formaccedilatildeo biomeacutedica tradicional cartesiana O que prevaleceu nos discursos foi
uma compreensatildeo e percepccedilatildeo muito voltada ainda para a patologia e o diagnoacutestico meacutedico
103
Resultado dos programas de ensino onde aprendem dar atenccedilatildeo excessiva aos diagnoacutesticos e
insuficiente atenccedilatildeo agrave compreensatildeo da pessoa como um todo
O estranhamento dos profissionais em relaccedilatildeo agrave proposta de problematizaccedilatildeo das
denominaccedilotildees psiquiaacutetricas assim como apontou Basaglia (2010 [1969]) sinaliza para a
ausecircncia de uma dialeacutetica demonstrando que o universo de significaccedilatildeo do sofrimento teria
se tornado unidimensional A dialeacutetica compreendida como a explicitaccedilatildeo das diferentes
posiccedilotildees opostas ou natildeo preservaria uma margem de liberdade necessaacuteria a qualquer
possibilidade terapecircutica (idem) O uso quase exclusivo da linguagem psiquiaacutetrica como
modo de significaccedilatildeo do sofrimento poderia criar entatildeo uma intoleracircncia agraves outras formas de
nomeaccedilatildeo Dessa maneira como afirmou Basaglia (2010 [1969] p158) ldquoSe o doente mental
sofre a impossibilidade de viver dialeticamente a proacutepria realidade tais instituiccedilotildees
lsquoterapecircuticasrsquo natildeo o ajudaratildeo a recuperar essa capacidade perdida ou jamais possuiacutedardquo
No caso da CF estudada a capacidade dialeacutetica perdida ou jamais possuiacuteda natildeo
esteve presente em quatro discursos dos meacutedicos residentes entrevistados Constatei essa
realidade unidimensional de nomeaccedilatildeo do ldquocasordquo de sauacutede mental ainda no modelo
biomeacutedico nesses discursos Dessa maneira a loacutegica de apreensatildeo do adoecimento natildeo seria
terapecircutica para as pessoas em situaccedilatildeo de sofrimento pois satildeo modos de apreensatildeo muito
distintos das experiecircncias humanas que dizem respeito ao estar saudaacutevel ou adoecido
A fala de Acaacutecio foi a que se diferenciou nesse conjunto pois apresentou uma
compreensatildeo da cliacutenica centrada na pessoa Algum grau de sofrimento psiacutequico com
repercussatildeo na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na forma como ele se relaciona
no trabalho na comunidade Eacute importante relatar que esse entrevistado declarou jaacute ter uma
especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia antes de entrar para o curso de residecircncia O que pode
ter influenciado na sua compreensatildeo e percepccedilatildeo mais holiacutestica dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Foi o primeiro entrevistado a se voluntariar a participar da pesquisa
Considerando as falas dos quatro profissionais e excluindo a fala de Acaacutecio quando
falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos efetivamente
Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir sobre o que eacute a
normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito aos sintomas
psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de grande
controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno mental
Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os quais se
trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de vaacuterios
104
criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada
profissional (DALGALARRONDO 2008)
A tese defendida por Canguilhem (2015) em seu ensaio ldquoO normal e o patoloacutegicordquo eacute a
de que os problemas das estruturas e dos comportamentos patoloacutegicos humanos seratildeo mais
facilmente compreendidos se tomados como um todo uacutenico natildeo isoladamente De forma que
os fenocircmenos patoloacutegicos seriam idecircnticos aos fenocircmenos normais correspondentes sendo as
variaccedilotildees de ordem unicamente quantitativas A medicina natildeo sendo uma ciecircncia em si mas
se apropriando dos resultados de todas as ciecircncias a serviccedilo das normas da vida
No campo da Sauacutede mental o nuacutecleo da psiquiatria tem especial vulnerabilidade agrave
manipulaccedilatildeo da fronteira entre a normalidade e a doenccedila por carecer de testes bioloacutegicos e ser
muito dependente de julgamentos subjetivos (FRANCES 2016)
Frances (2016) afirma que eacute bom conhecer e utilizar as definiccedilotildees do DSM mas natildeo
reificaacute-las ou veneraacute-las Pois ao diagnosticar e tratar eacute crucial ter sensibilidade para as
diferenccedilas culturais A classificaccedilatildeo dos transtornos mentais pelo DSM natildeo passa de uma
coleccedilatildeo de constructos faliacuteveis e limitados que busca poreacutem jamais encontra a verdade ndash mas
essa continua sendo a melhor forma de comunica-los trata-los e pesquisa-los Embora as
definiccedilotildees do DSM encubram individualidades e diferenccedilas Muito se perde entre a rica
diversidade de experiecircncias individuais e o conjunto de criteacuterios escolhidos pra definir
determinado diagnostico Esses natildeo incluem fatores pessoais e contextuais essenciais agrave
cliacutenica do meacutedico de famiacutelia e comunidade
Se pensarmos que esses profissionais meacutedicos estatildeo ali em um processo de formaccedilatildeo
em Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) espera-se que ao longo dessa trajetoacuteria o
meacutedico seja capaz de desenvolver uma abordagem centrada na pessoa orientada para o
indiviacuteduo a sua famiacutelia e comunidade conforme recomendado pela Wonca (2002) Ao
contraacuterio das demais especialidades que focam o paciente segundo um corpo de
conhecimentos particulares pela condiccedilatildeo etaacuteria ou de gecircnero ou ainda voltado para as
doenccedilas ligadas a determinados sistemas orgacircnicos a procedimentos e teacutecnicas especiais a
MFC tem como foco de atuaccedilatildeo a pessoa Embora em qualquer especialidade o meacutedico deva
atuar necessariamente tendo como referecircncia a pessoa na MFC este foco eacute a principal
vertente do trabalho e condiciona as suas demais dimensotildees
Tendo a vista a MFC ter como foco a abordagem na pessoa ela torna-se singular pelas
seguintes razotildees a atuaccedilatildeo natildeo se funda e natildeo se limita a um problema de sauacutede potencial ou
identificaacutevel tecnicamente quem define o problema eacute a pessoa o viacutenculo meacutedico-paciente
natildeo cessa pela cura fim de um tratamento e pode se iniciar sem que nenhuma doenccedila tenha
105
ainda sido manifestada Eacute portanto definida como uma relaccedilatildeo natildeo associada a uma razatildeo
especiacutefica o que a torna diferenciada frente agraves demais especialidades
Desse modo a abordagem centrada na pessoa pressupotildee que os contatos que se faccedilam
entre meacutedico e paciente possam se dar considerando o conhecimento e a vivecircncia aprofundada
dos muacuteltiplos aspectos do indiviacuteduo Aprimoram-se a confianccedila e o viacutenculo aspectos uacuteteis
para a melhoria da sauacutede Conhecer a realidade familiar e comunitaacuteria do indiviacuteduo
potencializa este tipo de foco Esta resoluccedilatildeo se baseia na constataccedilatildeo de que inuacutemeras
doenccedilas natildeo podem ser totalmente compreendidas sem serem vistas em seu contexto pessoal
familiar e comunitaacuterio (Moira Stewart et al 2010)
Poreacutem como jaacute discutido o discurso biomeacutedico baseado em uma linguagem
classificatoacuteria com categorias diagnoacutestica ainda se faz muito presente entre os profissionais
meacutedicos residentes de MFC influecircncia do modelo flexneriano de formaccedilatildeo meacutedica que
preconizava o estudo cientiacutefico e parcializado do paciente estritamente no ambiente dos
hospitais universitaacuterios Nesse modelo de formaccedilatildeo como formar profissionais com uma
percepccedilatildeo voltada para o indiviacuteduo e natildeo para a doenccedila
Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos
diversos cursos da aacuterea da sauacutede somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo
de reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a
novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
Em resumo a Atenccedilatildeo Baacutesica de qualidade implica na discussatildeo pelo aparelho
formador da natureza e desafios da especializaccedilatildeo do recurso meacutedico e dos demais
profissionais voltados para prestar uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede de qualidade Este esforccedilo
deve estar na pauta de prioridades de todos os setores envolvidos no fortalecimento do SUS
uma vez que se torna cada vez mais um consenso em todo o mundo que a sauacutede da populaccedilatildeo
depende mais da disponibilidade de uma boa atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede do que de avanccedilos dos
recursos teacutecnicos e cientiacuteficos presentes nos hospitais Espera-se que esforccedilos no sentido de
problematizar a formaccedilatildeo de recursos deste campo de saber sejam aprofundados A ideacuteia de
que para trabalhar no Campo da Atenccedilatildeo Primaacuteria basta disposiccedilatildeo boa vontade dedicaccedilatildeo
conhecimentos adquiridos na graduaccedilatildeo e experiecircncia em praacuteticas comunitaacuterias nos parece
argumentos insuficientes para consolidar a especialidade e alcanccedilar uma praacutetica meacutedica
qualificada que resulte em um impacto para a sauacutede da populaccedilatildeo a meacutedio e a longo prazo
(CAMPOS 2005)
106
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental
Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental os meacutedicos residentes
entrevistados ao mesmo tempo em que demonstraram certo receio ou ateacute mesmo medo na
abordagem como podemos observar na fala de Acaacutecio pisando em ovos e complementada
durante a entrevista a gente fica com medo de falar alguma coisa e complicar o quadro Por
outro lado demonstraram certa seguranccedila nessa abordagem
Primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas abertas e deixo a pessoa
falar aquilo que ela tem necessidade de falar (Accedilucena)
Geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o paciente se for uma coisa
que eu me sinta confortaacutevel em tratar ou que eu ache que sei manejar bem (Cesaacuterio)
Durante as entrevistas e a observaccedilatildeo sistemaacutetica os meacutedicos residentes apresentaram
disponibilidade para acolher e escutar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois se sentiam apoiados
seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra e psicoacutelogo) o que faz toda a
diferenccedila no cotidiano das equipes transmitindo seguranccedila no trabalho desenvolvido Eu
tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com algum preceptor primeiro ou com a
psicoacuteloga tento ver com o agente comunitaacuterio colher melhor a histoacuteria de vida (Betino)
Praticamente natildeo existem encaminhamentos externos imediatos Os casos satildeo
discutidos em conjunto com o NASF e somente os casos que de fato extrapolam as linhas de
cuidado da ESF satildeo referenciados para outros serviccedilos mas com o acompanhamento da
equipe Alguns exemplos de serviccedilos para os quais estes casos satildeo encaminhados satildeo o
CAPSi da UFRJ que eacute o serviccedilo de referencia para crianccedilas e adolescentes no qual pude
observar uma parceria de trabalho de ambos os lados e o CAPSad referencia para o cuidado
de aacutelcool e drogas que agrave eacutepoca natildeo estava recebendo casos novos devido a uma crise do
governo estadual
Os meacutedicos residentes tambeacutem apresentaram muita clareza quanto a um dos atributos
essenciais da atenccedilatildeo primaacuteria que eacute a coordenaccedilatildeo do cuidado assumindo a responsabilidade
pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio proposto pela unidade referenciada
Escuta histoacuteria de vida familiograma e ciclo vital foram alguns conceitos importantes
usados durante as entrevistas marcando a especificidade da cliacutenica em MFC onde o centro eacute
a pessoa em atendimento tal como na cliacutenica da atenccedilatildeo psicossocial onde o foco eacute a pessoa
e sua existecircncia-sofrimento
O ato da escuta eacute um ato primordial em qualquer cliacutenica mas na MFC e na atenccedilatildeo
psicossocial eacute a ferramenta principal de trabalho possibilitando a pessoa ser ouvida e ouvir-
se o que em muitos casos jaacute eacute um esvaziamento da sua angustia trazendo um alivio
107
imediato Daiacute a importacircncia desse espaccedilo possibilitando um entendimento melhor caso a caso
e prevenindo o uso de medicalizaccedilatildeo desnecessaacuteria
No diaacuterio de campo relatei o projeto desenvolvido pelo farmacecircutico da CF que faz
uma listagem das pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica controlada por equipe Sendo
uma preocupaccedilatildeo dos meacutedicos residentes rever analisar e se possiacutevel diminuir ou ateacute mesmo
retirar algumas medicaccedilotildees em conjunto com o NASF e a preceptoria Haacute algumas situaccedilotildees
em que repetem prescriccedilotildees de pessoas que jaacute fazem uso prolongado de medicaccedilatildeo controlada
e satildeo de responsabilidade da CF mas esses profissionais relataram ter senso criacutetico de
questionar o uso prolongado e natildeo naturalizar o ato de soacute ldquorepetirrdquo deixando claro isso com o
usuaacuterio no momento do atendimento
Importante ressaltar a importacircncia desse treinamento em sauacutede mental dos
profissionais do NASF com os meacutedicos residentes em formaccedilatildeo embora tambeacutem tivessem
matriciamento em dermatologia onde inclusive realizavam pequenos procedimentos
ciruacutergicos na proacutepria CF e tambeacutem matriciamento em fisioterapia
A inserccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na sauacutede geral tendo como ponto de apoio a
APS por meio da ESF vai ao encontro dos objetivos propostos no Plano de Accedilatildeo Global para
a Sauacutede Mental 2013-2020 que preconiza atenccedilatildeo comunitaacuteria com serviccedilos de base
territorial auxiliando assim a diminuir o gap entre as pessoas que realmente precisam de
cuidado treinando os profissionais generalistas e melhorando o acesso ao cuidado agrave
populaccedilatildeo Eacute sabido tambeacutem que um cuidado de responsabilidade exclusiva do especialista
aumenta o gap do acesso ao tratamentoacompanhamento O que estaacute em consonacircncia com as
poliacuteticas puacuteblicas do nosso SUS acesso universal integralidade equidade e hierarquizaccedilatildeo
A facilidade do acesso com o funcionamento do horaacuterio estendido da unidade (8 agraves
20hs) foi um ponto crucial citado durante as entrevistas pelos meacutedicos residentes pois
acreditavam que as pessoas que trabalham em horaacuterio comercial tinham agora a oportunidade
de procurar a unidade de sauacutede e ir agraves consultas O que acreditavam melhorar o grau de sauacutede
das pessoas com essa oportunidade de horaacuterio depois do trabalho Martinez (2016) considera
que embora alguns autores avaliem o acesso centrado apenas na provisatildeo e no financiamento
dos serviccedilos de sauacutede outros vecircm o acesso como algo relacionado com a interaccedilatildeo entre o
sistema de sauacutede e os indiviacuteduos ou famiacutelias de tal forma que o acesso de algueacutem a alguma
coisa implica uma relaccedilatildeo
Jaacute no ano de 1973 Donabedian e posteriormente em 1981 Penchansky e
Thomas definiram o acesso como o grau de adequaccedilatildeo entre o sistema de sauacutede e seus
usuaacuterios ou seja se refere agrave interaccedilatildeo do sistema de sauacutede com os indiviacuteduos e a dos
108
indiviacuteduos com os sistemas de sauacutede A interaccedilatildeo dinacircmica e relacional estaacute centrada na troca
de informaccedilotildees pelo que a dinacircmica do acesso estaacute determinada pela qualidade da
comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos reafirmando a importacircncia do horaacuterio estendido
adotado pela unidade facilitando a circulaccedilatildeo dos usuaacuterios e o diaacutelogo com a equipe de sauacutede
Quanto ao familiograma a principal funccedilatildeo eacute organizar os dados referentes agrave famiacutelia e
seus processos relacionais e tem sido largamente usado como instrumento cliacutenico de trabalho
para o profissional de sauacutede em diversas aacutereas que permite uma visualizaccedilatildeo raacutepida e
abrangente da organizaccedilatildeo familiar e suas principais caracteriacutesticas constituindo um mapa
relacional onde satildeo registrados dados relevantes ao caso
Desse modo o familiograma possibilita analisar a estrutura da famiacutelia sua
composiccedilatildeo problemas de sauacutede situaccedilotildees de risco e padrotildees de vulnerabilidade Retrata a
histoacuteria familiar identificando sua estrutura funcionamento relaccedilotildees e conflitos entre os
membros Brasil (2013) Dados que satildeo essenciais para a cliacutenica da MFC para um melhor
entendimento do processo de adoecer de cada indiviacuteduo que estaacute diretamente relacionado a
sua histoacuteria de vida Facilita ainda a identificaccedilatildeo dos fatores de risco e de proteccedilatildeo de cada
indiviacuteduo conceitos caros a uma cliacutenica centrada na pessoa e natildeo na doenccedila que deve ser
reforccedilada o tempo todo na praacutetica da MFC Do contraacuterio corremos o risco patologizante das
accedilotildees capilarizadas de sauacutede aumentando o territoacuterio da doenccedila e natildeo da sauacutede
Apesar de se apropriarem de uma linguagem meacutedica classificatoacuteria para conceituar os
ldquocasosrdquo de sauacutede mental os entrevistados no manejo demonstraram uma praacutetica mais voltada
para accedilotildees de sauacutede ampliadas com escuta ativa atendimento centrado na pessoa visatildeo
holiacutestica e natildeo medicalizante Muitas vezes criticando o modelo biomeacutedico centrado no
especialismo na doenccedila e no hospital apontando que a escolha em fazer a especialidade em
MFC foi uma rota de fuga que encontraram para sair desse modelo mais duro Enfatizaram a
importacircncia dessa formaccedilatildeo para a sauacutede da populaccedilatildeo em geral e para o SUS mas tambeacutem
criticaram a natildeo valorizaccedilatildeo da especialidade por parte da populaccedilatildeo e do proacuteprio sistema
A populaccedilatildeo almeja ser atendida por um meacutedico especialista (cardiologista psiquiatra
ginecologista pediatra) e o sistema que muitas das vezes sobrecarrega este profissional
cobrando metas em quantidade de procedimentos e atendimentos Betino chegou a citar que o
tempo meacutedio de trabalho de um meacutedico de famiacutelia eacute de 5 anos tamanha a sobrecarga de
trabalho O que precisa ser melhor investigado dada a importacircncia desse profissional para a
promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede de toda a nossa populaccedilatildeo
109
Recomendaccedilotildees
Os meacutedicos residentes solicitaram a ampliaccedilatildeo do nuacutemero e da carga horaacuteria dos
profissionais do NASF A equipe do NASF na unidade estudada eacute identificada como
modalidade 1 sendo composta agrave eacutepoca por um psiquiatra e uma psicoacuteloga profissionais
diretamente relacionados agrave aacuterea de sauacutede mental que matriciavam 08 (oito) equipes de Sauacutede
da Famiacutelia dividindo a carga horaacuteria em 02 (dois) turnos de 04 (quatro) horas para as 03
(trecircs) equipes da CF campo do estudo Pela Portaria GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 cada
NASF 1 deveraacute estar vinculado a no miacutenimo 5 (cinco) e no maacuteximo 9 (nove) Equipes de
Sauacutede da Famiacutelia eou equipes de Atenccedilatildeo Baacutesica para populaccedilotildees especiacuteficas (consultoacuterios
na rua equipes ribeirinhas e fluviais) Esta Portaria traz que a soma das cargas horaacuterias
semanais dos profissionais da equipe deve acumular no miacutenimo 200 (duzentas) horas
semanais e que nenhum profissional considerado isoladamente poderaacute ter carga horaacuteria
semanal menor que 20 (vinte) horas semanais Portanto de acordo com as recomendaccedilotildees do
MS o nuacutemero e a carga horaacuteria dos profissionais do NASF estaacute dentro do preconizado
A recomendaccedilatildeo de maior tempo do profissional de psicologia pode nos levar a refletir
sobre dois aspectos a dificuldade de lidar com o sofrimento humano e com a labilidade
emocional gerada resultando no encaminhamento precipitado para o profissional do campo
ldquopsirdquo Ou pela grande demanda de atendimento em sauacutede mental que chega na Atenccedilatildeo
Baacutesica O meacutedico de famiacutelia eacute o primeiro profissional meacutedico a atender o usuaacuterio em
condiccedilotildees de novas queixas ou necessidades O acesso ao profissional eacute priorizado nestas
condiccedilotildees de um problema novo devido a maior probabilidade de identificaccedilatildeo da origem e
da melhor conduta a ser tomada acrescentado da expectativa de que o profissional possa dar
uma resposta ao sofrimento de forma raacutepida e eficaz onde eacute estipulado um tempo de consulta
e metas para alcanccedilar uma alta produtividade diaacuteria Entatildeo o profissional meacutedico pressionado
a atender em tempo curto para dar conta do grande nuacutemero de consultas diaacuterias natildeo consegue
oferecer ao usuaacuterio o tempo de escuta necessaacuterio
Em relaccedilatildeo a recomendaccedilatildeo de ter uma rede mais integrada o sistema puacuteblico
brasileiro de atenccedilatildeo agrave sauacutede organiza-se segundo suas normativas em atenccedilatildeo baacutesica
atenccedilatildeo de meacutedia e de alta complexidade Portanto uma estrutura hieraacuterquica definida por
niacuteveis de ldquocomplexidadesrdquo crescentes e com relaccedilotildees de ordem e graus de importacircncia entre
os diferentes niacuteveis o que caracteriza uma hierarquia Essa concepccedilatildeo de sistema
hierarquizado segundo Mendes (2011) estaacute presente em sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave
sauacutede e apresenta seacuterios problemas teoacutericos e operacionais Ela fundamenta-se num conceito
de complexidade equivocado ao estabelecer que a atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede eacute menos
110
complexa do que a atenccedilatildeo nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio Esse conceito distorcido de
complexidade leva consciente ou inconscientemente a uma ldquobanalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria
agrave sauacutede e a uma sobrevalorizaccedilatildeo seja material seja simboacutelica das praacuteticas que exigem maior
densidade tecnoloacutegica e que satildeo exercitadas nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio de atenccedilatildeo agrave
sauacutederdquo (MENDES 2011 p 51)
Para Mendes (2011) um sistema integrado de sauacutede que satildeo as Redes de Atenccedilatildeo agrave
Sauacutede (RASs) deve ser organizado atraveacutes de um conjunto coordenado de pontos de atenccedilatildeo agrave
sauacutede para prestar uma assistecircncia contiacutenua e integral a uma populaccedilatildeo definida atuando
equilibradamente sobre as condiccedilotildees agudas e crocircnicas
Ainda segundo esse autor sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave sauacutede fortemente
hegemocircnicos satildeo aqueles que se organizam atraveacutes de um conjunto de pontos de atenccedilatildeo agrave
sauacutede isolados e incomunicaacuteveis uns dos outros e que por consequecircncia satildeo incapazes de
prestar uma atenccedilatildeo contiacutenua agrave populaccedilatildeo Em geral natildeo haacute uma populaccedilatildeo adscrita de
responsabilizaccedilatildeo Neles a APS natildeo se comunica fluidamente com a atenccedilatildeo secundaacuteria agrave
sauacutede e esses dois niacuteveis tambeacutem natildeo se articulam com a atenccedilatildeo terciaacuteria nem com os
sistemas de apoio nem com os sistemas logiacutesticos
Uma outra recomendaccedilatildeo dos meacutedicos residentes tambeacutem foi relacionado ao
investimento em formaccedilatildeo ou seja na educaccedilatildeo continuada a partir das vivencias cotidianas
do serviccedilo para alivio da sobrecarga nos niacuteveis secundaacuterios e terciaacuterios de atenccedilatildeo mas como
exposto acima para aleacutem das ldquocapacitaccedilotildeesrdquo com os profissionais da APS com o objetivo de
melhorar sua resolutividade diminuindo a procura por serviccedilos especializados e internaccedilotildees
desnecessaacuterias eacute primordial rever o modo de organizaccedilatildeo do sistema de atenccedilatildeo agrave sauacutede
brasileiro
A recomendaccedilatildeo de aumentar o investimento em dispositivos extra-hospitalares como
CAPS tambeacutem aparece no discurso dos meacutedicos residentes tal como apareceu no dos
meacutedicos preceptores acrescido de ter serviccedilos de terapia ocupacional mais fortalecidos
Demonstrando dessa forma um conhecimento sobre a necessidade desses dispositivos para
uma atenccedilatildeo em sauacutede mental que promova cidadania e construccedilatildeo da autonomia princiacutepios
orientados pela Reforma Psiquiaacutetrica
111
623 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Enfermeiros
Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos significantes
Enfermeiros
Nuacutecleo discursivo Enfermeiro
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
Vou para o meacutedico da equipe falo que estou
sentindo que tem alguma coisa marco consulta e
matriciamento
Converso bem natildeo vejo o tempo da consulta
deixo o paciente se sentir a vontade falar se natildeo
quiser falar ok minha porta estaacute aberta quando
quiser pode voltar
Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para
o meacutedico avaliar
Dificuldade de relacionamento na escola ou em
casa famiacutelias desestruturadas aacutelcool drogas
violecircnciaai tem muita coisa
Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico
esquizofrenia momentos ou doenccedilas que o
paciente pode se tornar mais agressivo
Depressatildeo ansiedade algum transtorno alguma
doenccedila mental
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Capacitaccedilatildeo de toda a equipe e criar estrateacutegias que facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF no
trabalho em sauacutede mental
Aumentar nuacutemero e carga horaacuteria das equipes do NASF
Melhorar o fluxo dos serviccedilos (o que estaacute funcionando para onde referenciar)
112
As entrevistas evidenciaram que o profissional enfermeiro na ESF tem um leque de
atuaccedilatildeo muito amplo lideranccedila da equipe coordenaccedilatildeo das linhas de cuidado e de grupos
(tabagismo gestante) accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede nas escolas consultas e prescriccedilatildeo de
acordo com os programas do MS gerenciamento dos programas de imunizaccedilatildeo e doaccedilatildeo de
leite materno accedilotildees de educaccedilatildeo continuada de teacutecnicos de enfermagem e ACSs ateacute
atendimento cliacutenico das demandas livres Denomina-se demanda livre o atendimento das
pessoas que chegam agrave CF sem consulta agendada mas que apresentam alguma queixa de
sauacutede aguda
No discurso de Adaacutelia apareceu a resistecircncia da populaccedilatildeo em aceitar o atendimento
de um profissional enfermeiro no atendimento cliacutenico da demanda livre uma paciente
retrucou () eacute com vocecirc mas eu tocirc morrendo natildeo posso ser atendida por uma
enfermeira() demonstrando que natildeo soacute no discurso dos profissionais mas tambeacutem no da
populaccedilatildeo atendida haacute ainda uma presenccedila marcante do modelo meacutedico hegemocircnico que a
profissional sinaliza como
Um pouco de resistecircncia na parte da consulta cliacutenica e que tem que ter muita
paciecircncia para estar explicando a maioria entende e cria vinculo alguns natildeo entendem natildeo
querem saber e natildeo te aceitam (Adaacutelia)
A ESF cuja emergecircncia se deu em 1994 conforme jaacute exposto em seu histoacuterico
mediante a implantaccedilatildeo do PSF num processo lento e continuo de tensatildeo com o modelo
hegemocircnico tecnicista hospitalocentrico e medicalocentrico ainda eacute muito recente para a
populaccedilatildeo brasileira habituada ao atendimento meacutedico centrado e com foco nas
especialidades Tambeacutem apareceu no discurso dos meacutedicos residentes a resistecircncia da
populaccedilatildeo em ser atendida por um generalista e natildeo por um especialista Por outro lado haacute
tambeacutem uma insuficiecircncia de formaccedilatildeo profissional para atuaccedilatildeo qualificada na APS
resultando em deficiecircncias teacutecnicas (ANDRADE et al 2013)
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental
No discurso dos enfermeiros observei uma visatildeo holiacutestica sobre ldquocasosrdquo de sauacutede
mental pontuado por Aacutedila Dificuldade de relacionamento na escola ou em casa No
entanto nos outros dois Claudomiro e Clemecircncia uma visatildeo ainda muito centrada no
modelo biomeacutedico na doenccedila e no diagnoacutestico Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico
esquizofrenia Importante destacar que a visatildeo holiacutestica apareceu no discurso de Aacutedila que
tem residecircncia em Sauacutede da Famiacutelia Os outros dois profissionais natildeo possuem especializaccedilatildeo
113
na aacuterea Daiacute a importacircncia do processo de formaccedilatildeo desconstruindo o modo de agir pensar e
fazer hegemocircnico centrado na doenccedila e no diagnoacutestico O que vai modificar o modo de
planejar e receber as accedilotildees de sauacutede tanto para o profissional como para a pessoa que procura
o serviccedilo e sua famiacutelia
Com a concepccedilatildeo mais ampliada de que ldquocasordquo de sauacutede mental pode estar
relacionado a dificuldades na escola ou em casa famiacutelia desestruturada violecircncia aacutelcool
drogas Aacutedila abre outras possibilidades de intervenccedilatildeo natildeo meacutedicas No entanto eacute necessaacuterio
lembrar que na loacutegica da SF os profissionais devem abandonar o ideologema - famiacutelia
desestruturada - e procurar ldquoentender quais satildeo as regularidades que organizam a vida do
coletivo as deposiccedilotildees acontecidas nos lsquoloucosrsquo drogados deprimidos ou crianccedilas-problema
na famiacutelia os sistemas que estruturam a vida desses coletivosrdquo (LANCETTI 2013 p119)
Ainda de acordo Lancetti (2013) eacute importante que os profissionais da ESF busquem
conhecer os modos que cada cultura possui para compreender o sofrimento e as maneiras de
superaacute-lo Pois as pessoas natildeo padecem de sofrimento fiacutesico e mental separadamente As
condiccedilotildees ambientais sociais e mentais formam parte de ecologias inter-relacionadas E eacute
produzindo mudanccedilas nessas esferas que se poderaacute alcanccedilar o impacto desejado do programa
Isto eacute promover sauacutede qualidade de vida reduzir o nuacutemero de internaccedilotildees o consumo
patoloacutegico e suicida de drogas ilegais e legais
Enquanto que uma concepccedilatildeo centrada no diagnoacutestico meacutedico presente nos discursos
de Claudomiro e Clemecircncia depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia doenccedila
mental pode refletir em accedilotildees mais engessadas reducionistas e medicalizantes Porque a
centralidade na doenccedila e natildeo na experiecircncia da doenccedila faz com que os profissionais de
sauacutede neste caso os enfermeiros percam oportunidades de reconhecer os sentimentos das
pessoas adequadamente e como resultado algumas emitem o mesmo sinal diversas vezes
como por exemplo procurando frequentemente a unidade de sauacutede e sendo repetidamente
ignoradas Daiacute a importacircncia de escutar a experiecircncia de estar adoecido e natildeo soacute o sintoma
procurando fornecer respostas empaacuteticas que ajudem as pessoas a se sentirem entendidas e
reconhecidas (MOIRA STEWART et al 2010)
Ao longo do discurso de Claudomiro observei uma contradiccedilatildeo dessa visatildeo
reducionista ao discorrer sobre a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede
Proporcionou-me entender o indiviacuteduo como um todo natildeo simplesmente um fiacutegado
um cacircncer um aneurisma () entendo que minha visatildeo profissional depois que eu entrei na
atenccedilatildeo baacutesica mudou bastante
114
Ao falar tambeacutem sobre o curso BABEL Claudomiro apontou a importacircncia da
formaccedilatildeo continuada para instrumentalizaccedilatildeo das equipes
Ajudou muito a me preparar e conhecer o programa de sauacutede mental porque ateacute
entatildeo para mim era uma coisa quase inexplorada quando a gente tinha algum paciente no
hospital de sauacutede mental chamava o psiquiatra quando tinha senatildeo fazia haldol e fenergan e
pronto () hoje me sinto mais sensiacutevel para identificar algum sofrimento psicoloacutegico
Pois para os profissionais da ESF em especial o enfermeiro liacuteder da equipe
(responsaacutevel pela supervisatildeo do trabalho dos teacutecnicos de enfermagem e dos ACSs) eacute essencial
a compreensatildeo de que os recursos da comunidade devem ser considerados e ativados em
primeiro lugar que qualquer processo terapecircutico consiste na ressignificaccedilatildeo do sintoma
sendo necessaacuterio para isso criar um dispositivo articulado agrave rede de sauacutede e que a invenccedilatildeo
deve fazer parte do meacutetodo de trabalho no SF Considerando assim que a pessoa portadora de
algum transtorno ou alguma doenccedila eacute ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicoloacutegicordquo
(LANCETTI 2013 p 19)
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Embora para os enfermeiros entrevistados trabalhar no SF seja uma alternativa ao
modelo meacutedico representando mais autonomia e liberdade de trabalho com um campo de
atuaccedilatildeo mais amplo e bem mais complexo no manejo aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
demonstraram ainda estar dependentes do saber meacutedico
Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma coisa marco
consulta e matriciamento (Aacutedila)
Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para o meacutedico avaliar (Clemecircncia)
Claudomiro embora pontue a escuta relata converso bem natildeo vejo o tempo da
consulta deixo o paciente se sentir agrave vontade falar () ao fazer um relato de uma usuaacuteria
atendida que seria um suposto ldquocasordquo de sauacutede mental mas tambeacutem acionou o meacutedico da
equipe para confirmar sua anamnese ndash A gente trabalha em equipe entatildeo ateacute mesmo para
uma seguranccedila do paciente que eu vejo eu fiz o exame fiacutesico natildeo encontrei coisa sugestiva
para aquela dor solicitei ajuda do colega meacutedico
() natildeo basta o profissional ter uma escuta que reflita uma postura
empaacutetica Nos encontros cliacutenicos terapecircuticos a escuta eacute mais que um
ato ela precisa incorporar uma atitude que expresse a necessidade
primordial de reconhecimento do outro e da legitimidade do lugar que
115
ele ocupa ao falar Esse reconhecimento pressupotildee uma ideologia que
desconstroacutei assimetrias ou melhor reconhece e valoriza a diversidade
do lugar cognitivo cultural e social que cada um ocupa na relaccedilatildeo
(FAVORETO amp PINHEIRO 2011 p 236)
Em todos os discursos foi marcante a solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico
para o ldquomanejordquo dos casos de sauacutede mental enquanto que na ESF um ponto fundamental para
seu modus operandis de acordo com Lancetti (2013) pela proacutepria dinacircmica de trabalho eacute o
funcionamento com centralizaccedilatildeo na equipe que aparece no discurso de Claudomiro ao falar
sobre o encaminhamento de um caso especifico
Fazer uma consulta em conjunto e ateacute encaminhar para psicoacuteloga depois da
avaliaccedilatildeo da equipe () uma avaliaccedilatildeo conjunta tanto da dor fiacutesica quanto da dor
psicoloacutegica () senatildeo desse para equipe e o matriciador fazerem ai sim ele encaminhava
(Claudomiro)
O trabalho na ESF assim como no Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial deve ser baseado
na equipe multiprofissional onde os saberes satildeo compartilhados cada profissional tem a sua
contribuiccedilatildeo e a tomada de decisotildees natildeo eacute exclusiva do profissional meacutedico
Os enfermeiros entrevistados demonstraram uma preocupaccedilatildeo em acolher os ldquocasosrdquo
de sauacutede mental mas natildeo se sentiam preparados para conduzir o manejo solicitando o apoio
do meacutedico da equipe ou do psiquiatra matriciador
Sinto que tenho dificuldade de entrar ali no problema do paciente exatamente mas
assim a gente tenta () Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma
coisa marco consulta e matriciamento (Aacutedila)
Apareceu tambeacutem durante as entrevistas uma queixa-denuacutencia de que antes da
chegada do NASF o matriciamento em sauacutede mental era feito soacute com o meacutedico residente natildeo
tinha a participaccedilatildeo de toda equipe conforme a fala de Aacutedila com a vinda do NASF estaacute
muito mais amplo para as equipes eu tenho acesso ao psicoacutelogo psiquiatra
O NASF deve apoiar as equipes com uma funccedilatildeo teacutecnico-pedagoacutegica e assistencial
(Campos 1999) discutir em conjunto com toda a equipe as melhores estrateacutegias de
intervenccedilatildeo se necessaacuterio atender junto (interconsultas) e instrumentalizar as equipes a partir
das vivencias cotidianas Ampliando assim as possibilidades de continuidade da atenccedilatildeo com
gradientes maiores de viacutenculo e responsabilizaccedilatildeo com o pressuposto de que nenhum
especialista isoladamente pode assegurar uma abordagem integral (FONSECA SOBRINHO et
al 2014)
116
Observei durante as entrevistas com os profissionais enfermeiros uma linha muito
tecircnue entre o cuidar e o medicalizar
Eacute muito assim solto eles natildeo datildeo soluccedilatildeo pra sauacutede mental() eu sou muito
acolhedora quero resolver os problemas dos pacientes quero dar uma soluccedilatildeo para eles
(Clemecircncia)
Num discurso muito tecnicista e determinista do paradigma meacutedico do ldquoproblem
sovingrdquo Gallio (2014 p15) baseado que dado o problema se tem uma causa e uma soluccedilatildeo
numa linha direta Neste caso a causa o problema - seria a doenccedila E a soluccedilatildeondash o que seria a
cura Um modo de pensar e agir baseado no modelo biomeacutedico Daiacute talvez a preocupaccedilatildeo em
acolher e encaminhar para o meacutedico Qual a funccedilatildeo esperada do meacutedico Fazer diagnoacutestico e
prescrever medicaccedilatildeo
Como podemos constatar no discurso dos enfermeiros embora haja alguns deslizes de
um discurso contra hegemocircnico
Vocecirc vecirc o paciente como um todo natildeo soacute pela doenccedila (Clemecircncia)
Na Estrateacutegia a gente natildeo trabalha sozinho precisa de um bom relacionamento tanto
com o paciente como com a equipe multidisciplinar (Claudomiro)
O que ainda predomina nos discursos eacute o modelo meacutedico hegemocircnico doenccedila
paciente
No campo da sauacutede coletiva a missatildeo primordial eacute natildeo permitir que o processo de
patologizaccedilatildeomedicalizaccedilatildeo seja algo natural No manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental eacute
fundamental o entendimento de que simplificaccedilatildeo do tipo queixa- conduta problema-soluccedilatildeo
natildeo conseguiratildeo dar conta da complexidade do sofrimento humano E que seratildeo necessaacuterias
intervenccedilotildees natildeo soacute do campo da sauacutede mas tambeacutem intervenccedilotildees intersetoriais
Recomendaccedilotildees
Quanto agraves recomendaccedilotildees os enfermeiros entrevistados apontaram a capacitaccedilatildeo de
toda a equipe a partir das praacuteticas vivenciadas no cotidiano com a criaccedilatildeo de estrateacutegias que
facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF ao trabalho em sauacutede mental
A gente precisa aprender com o que a gente estaacute vendo aqui na realidade (Aacutedila)
E tambeacutem tem outra coisa importante conseguir que os profissionais possam aderir
melhor a sauacutede mental (Clemecircncia)
Enfatizaram a importacircncia da participaccedilatildeo de todos os profissionais da equipe
117
Natildeo tem que ser com uma pessoa especifica fazer com o enfermeiro ou com o meacutedico
acho que tem que ser com o agente de sauacutede com dentista para toda a equipe estar afinada
nesse sentido da sauacutede mental (Aacutedila)
Melhoria do processo de qualificaccedilatildeo dos profissionais que estatildeo entrando na
atenccedilatildeo baacutesica (Claudomiro)
Pontuaram tambeacutem que a gestatildeo da Secretaria Municipal de Sauacutede poderia ajudar
trabalhando mais estrateacutegias pedagoacutegicas em sauacutede mental junto agraves reuniotildees equipes
O pessoal da secretaria tentar trabalhar mais isso com as equipes porque a sauacutede
mental eacute diferente neacute Porque por exemplo tuberculose vocecirc vai numa capacitaccedilatildeo de
tuberculose as coisas satildeo mais redondinhas neacute A sauacutede mental natildeo eacute assim tatildeo faacutecil tatildeo
redondinha para vocecirc (Aacutedila)
Acho que a prefeitura poderia ajudar tambeacutem as equipes a como trabalhar em certas
situaccedilotildees () porque eu acho que eacute um tema difiacutecil sauacutede mental a gente tem muita
dificuldade em lidar com isso ou porque natildeo sabe de muita coisa ou tem eacute dificuldade mesmo
de lidar (Clemecircncia)
Nesse mesmo discurso tambeacutem surgiu a dificuldade em lidar com os casos de
violecircncia e drogadiccedilatildeo no territoacuterio e a solicitaccedilatildeo de apoio da Coordenaccedilatildeo da Aacuterea
Programaacutetica (CAP)
Tem muito caso de violecircncia na nossa aacuterea e situaccedilotildees de droga eu estou pensando
em formar um grupo junto com o residente meacutedico soacute que ai eu preciso de uma capacitaccedilatildeo
da proacutepria CAP porque noacutes moramos aqui entatildeo para gente eacute muito difiacutecil tambeacutem vocecirc
denunciar vocecirc fazer alguma coisa (Clemecircncia)
O que deixa claro que haacute uma insuficiecircncia de treinamentos em sauacutede mental natildeo soacute
para os enfermeiros mas para todos os membros da equipe apesar da entrada do NASF na
unidade estudada O que leva a inuacutemeras reflexotildees por que lidar com ldquocasosrdquo sauacutede mental
continua sendo uma grande dificuldade para os profissionais da sauacutede Seraacute o processo de
formaccedilatildeo Seraacute a periculosidade do louco construiacuteda ao longo da histoacuteria Seraacute o estigma da
doenccedila mental
No discurso de Clemecircncia notei um deslize quando discorre sobre as dificuldades dos
profissionais da ESF em lidar com as questotildees de sauacutede mental ndash Porque eu acho que alguns
tecircm alguma dificuldade de lidar porque natildeo gostam eu natildeo sei o que me passa eacute isso E
completa o discurso explicando ndash natildeo eacute aqui estou falando de outros lugares de outros
profissionais Mais adiante de sua entrevista ao discorrer sobre o que poderia melhorar na
118
ESF fala que gostaria que os profissionais da ESF fossem mais compromissados com seus
afazeres cotidianos
As pessoas tivessem compromisso com o trabalho mesmo em si que eu acho que
muitas das vezes assim devido agrave sobrecarga alguns ficam desmotivados outros natildeo tem
perfil para trabalhar e ai soacute estatildeo pelo dinheiro (Clemecircncia)
No discurso de Clemecircncia surgiram as queixas-denuacutencia de sobrecarga de trabalho
gerando desmotivaccedilatildeo e a cobranccedila para alcance de metas e nuacutemeros por parte da gestatildeo
municipal de sauacutede sem um apoio adequado agrave realidade cotidiana das equipes
Porque muitas das vezes soacute veem a parte burocraacutetica que eu acho que eacute ruim ndash ah
porque vocecircs tecircm que alcanccedilar meta tal oitenta por cento taacute mas ai ningueacutem vem aqui
ajudar Como eacute que vocecircs podem fazer isso Quais as estrateacutegias E o que vocecircs estatildeo
fazendo para melhorar a equipe de vocecircs Natildeo tem isso em minha opiniatildeo (Clemecircncia)
Tambeacutem notamos nesse discurso algo que ateacute entatildeo natildeo havia aparecido o trabalho no
SF natildeo por uma questatildeo de afinidade com a proposta de trabalho mas pela remuneraccedilatildeo que
principalmente para meacutedicos e enfermeiros realmente eacute diferenciada o rendimento mensal eacute
maior que o oferecido na rede hospitalar justamente para incentivar a cobertura de vagas
Outra recomendaccedilatildeo apontada nos discursos dos enfermeiros foi a gestatildeo municipal
melhorar os fluxos entre os serviccedilos com desenho do que funciona qual a clientela atendida
como deve ser feita a referencia e contra-referencia
Poderia melhorar o fluxo de a gente saber o que funciona o quecirc O que cada um faz
() se eu tenho algum paciente agora com algum transtorno a gente encaminha para o
Pinel e como eacute que fica esse feedback do Pinel pra gente (Clemecircncia)
Principalmente aqui no Rio uma dificuldade da atenccedilatildeo primaacuteria para a secundaacuteria
eles estatildeo tentando organizar atraveacutes do SISREG mas muitas especialidades demoram muito
e a gente precisa () tambeacutem influencia muito melhorar a questatildeo do encaminhamento da
regulaccedilatildeo (Aacutedila)
Natildeo soacute em sauacutede mental mas em vaacuterias aacutereas eacute pouco a gente ter a contra-
referecircncia a gente encaminha o paciente explica o caso envia guia de referencia e contra-
referecircncia e a gente natildeo tem esse retorno infelizmente (Claudomiro)
A expansatildeo da APS por meio da ESF principalmente na Cidade do Rio de Janeiro
avanccedilou muito conforme dados jaacute mostrados anteriormente mas o que se percebe por meio
dos discursos dos profissionais entrevistados eacute que ainda natildeo haacute uma integraccedilatildeo entre os
niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede apesar do instituiacutedo na Lei 808090 haacute uma grande lacuna entre o
instituinte e o instituiacutedo Como a ESF pode ser coordenadora do cuidado sem uma rede
119
integralizada de serviccedilos instituiacuteda A falta de integraccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede
eacute um grande desafio para expansatildeo da ESF nos diversos municiacutepios brasileiros onde
persistem importantes barreiras organizacionais para acesso a atenccedilatildeo especializada os fluxos
estatildeo pouco ordenados a integraccedilatildeo da APS agrave rede ainda eacute incipiente e inexiste coordenaccedilatildeo
entre APS e atenccedilatildeo especializada como apontam os autores Fausto et al (2014) em um
estudo realizado sobre ldquoA posiccedilatildeo da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia na rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede
na perspectiva das equipes e usuaacuterios participantes do PMAQ-ABrdquo que analisou a perspectiva
das 16566 equipes de Sauacutede da Famiacutelia e dos 62505 usuaacuterios participantes do Programa
Nacional para Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica em 2012
E fechando as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF
tambeacutem apareceu no discurso dos enfermeiros entrevistados tal como no dos meacutedicos
residentes entrevistados o aumento do nuacutemero e da carga horaacuteria das equipes do NASF
O NASF eu tentaria colocar mais equipe com mais tempo nas unidades porque noacutes
temos um NASF que eacute dividido entre algumas clinicas eles fazem quarenta horas poreacutem
tantas horas em cada cliacutenica e agraves vezes apesar da modernidade hoje do Whatsapp a gente
tem que telefonar (Claudomiro)
Como jaacute relatado nas recomendaccedilotildees dos residentes meacutedicos entrevistados o nuacutemero
de profissionais do NASF assim como suas cargas horaacuterias estatildeo de acordo com a mais
recente Portaria do NASF - GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 Deixando-nos tambeacutem algumas
reflexotildees Os profissionais da ESF tem clareza da funccedilatildeo do NASF Os profissionais do
NASF tem clareza do seu papel junto agrave ESF O trabalho da ESF apesar de seus atributos
essenciais acesso continuidade do cuidado coordenaccedilatildeo do cuidado e integralidade Starfield
(2002) continua baseado no especialismo
Faz-se importante aqui ressaltar que natildeo basta soacute ter profissionais especialistas para
apoio agraves equipes da ESF mas que eacute fundamental que esses especialistas e as equipes apoiadas
possam revisitar suas praacuteticas em direccedilatildeo a processos efetivamente mais compartilhados e que
incidam sobre uma nova forma de construir o cuidado em sauacutede com discussotildees de processo
de trabalho e intervenccedilotildees no territoacuterio (FONSECA SOBRINHO et al 2014)
120
624 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Teacutecnicos de Enfermagem
Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Teacutecnicos de Enfermagem
Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
Violecircncia na famiacutelia depressatildeo uso de drogas
uso de medicaccedilatildeo psiquiaacutetrica controlada toda
hora repetindo as coisas ficas aacutes vezes
piscando a vista fica inquieto
Aquele paciente dependente acompanhado pela
famiacutelia e que a famiacutelia tem um cuidado melhor
e uma atenccedilatildeo redobrada
Paciente que eacute acompanhado pelo Pinel faz uso
de 3 ampolas de haldol de 1414 dias
Muitas das vezes a gente pede ajuda da equipe
e fazemos discussatildeo de casos
Sauacutede mental geralmente quando chega com
alguma crise a gente daacute a medicaccedilatildeo o paciente
fica calmo e se precisar assim a gente
encaminha para a UPA
Depende de cada diagnoacutestico porque o
psiquiatra que estaacute junto com a gente do
matriciamento ele estaacute justamente para resolver
o que puder ser aqui junto com o meacutedico
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Ter psiquiatra como meacutedico da unidade
Natildeo ter atendimento conjunto psiquiatra e meacutedico da famiacutelia
Grupos de atividades para integraccedilatildeo social
121
Durante as entrevistas com os Teacutecnicos de Enfermagem percebi algumas dificuldades
de entendimento das perguntas colocadas por exemplo na identificaccedilatildeo quando pedi para
falar soacute as iniciais do nome completo dois entrevistados natildeo entenderam e acabaram
pronunciando o nome todo Tambeacutem quando questionado sobre a importacircncia da ESF para o
sistema de sauacutede um deles entendeu diferenccedila sendo necessaacuteria reformular a mesma pergunta
diversas vezes ateacute sua compreensatildeo Percebi tambeacutem uma timidez por parte deles em
participar da pesquisa pois como podemos evidenciar nos discursos o trabalho dessa
categoria na ESF parece ainda estar muito voltado para procedimentos teacutecnicos sem muita
participaccedilatildeo na equipe como um todo
No iniacutecio eu estava meio preocupado porque o teacutecnico de enfermagem ele fica soacute ali
no procedimento vacina curativo entatildeo ele acaba natildeo se envolvendo muito com as coisas
aqui da unidade entendeu Mas assim eu gostei da entrevista (Felismina)
Noacutes teacutecnicos a gente natildeo consegue pegar muito esse momento do acolhimento a
gente jaacute pega o poacutes quando jaacute foi acolhido jaacute teve uma consulta e uma orientaccedilatildeo
geralmente quando chega pra gente eacute soacute para fazer medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute para controle de
alguma coisa assim eacute isso (Eliseu)
Esses discursos satildeo analisadores importantes para avaliaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder
dentro das equipes de sauacutede O quanto o poder estaacute relacionado ao detentor do conhecimento
no caso aos profissionais de niacutevel superior meacutedico e enfermeiro O teacutecnico de enfermagem
dentro da equipe de sauacutede onde a escolaridade exigida eacute o ensino meacutedio fica tomado em
afazeres teacutecnicos sendo uma matildeo-de-obra importante mas com pouca vocalizaccedilatildeo o que se
repete mesmo na ESF
Tambeacutem apareceram nos discursos dos teacutecnicos de enfermagem duas queixas -
denuacutencia
1) a sobrecarga de trabalho ndash Acho que os teacutecnicos na Cliacutenica da Famiacutelia satildeo muito
sobrecarregados muito trabalho (Eliseu)
2) a alta rotatividade dos profissionais principalmente meacutedicos residentes o campo de
estudo como jaacute relatado anteriormente eacute cenaacuterio de praacutetica para Residecircncia em Medicina de
Famiacutelia e Comunidade que tem duraccedilatildeo de dois anos o que acaba interferindo no
acompanhamento e viacutenculo com os usuaacuterios
Nesse periacuteodo que eu estou na Estrateacutegia vejo essa dificuldade que agraves vezes tem um
profissional e ai esse profissional comeccedila desenvolve um trabalho e ai de repente por algum
outro motivo aquele profissional eacute deslocado dali natildeo estaacute mais vem outro agora com essa
122
coisa dos residentes tem essa troca muito continua () e os pacientes fazem esse vinculo eacute a
queixa deles a gente ouve muito isso agora (Daacutercio)
Quanto agrave sobrecarga de trabalho o nuacutemero de teacutecnicos de enfermagem na CF estaacute
dentro dos preceitos legais do MS um teacutecnico para cada equipe da ESF o nuacutemero de usuaacuterios
tambeacutem como jaacute relatado anteriormente estaacute de acordo com preconizado pela PNAB (2012)
respeitando-se inclusive que em aacutereas de maior vulnerabilidade social o nuacutemero de usuaacuterios
por equipe eacute menor como de fato acontece na unidade estudada A questatildeo eacute que como as
pessoas estatildeo de fato sendo atendidas e as carecircncias em relaccedilatildeo a poliacuteticas puacuteblicas de um
modo geral satildeo muitas o que acaba acontecendo eacute que muitas coisas que natildeo deveriam chegar
agrave ESF chegam e natildeo satildeo questotildees propriamente de sauacutede ou ateacute mesmo o usuaacuterio jaacute ficou
tanto tempo desassistido que o seu quadro acaba cronificando o que demanda mais visita agraves
unidades de sauacutede Ou tambeacutem como natildeo existe uma articulaccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo
em sauacutede o usuaacuterio chega agrave ESF que eacute a porta de entrada mas natildeo consegue ser referenciado
para outros niacuteveis demandando atenccedilatildeo cuidado visita domiciliar mas sem muita
resolutividade
Quanto a questatildeo da alta rotatividades dos profissionais na ESF o estudo realizado por
Rizzoto et al (2014) apontou que mais de 70 dos profissionais nas equipes de Atenccedilatildeo
Baacutesica natildeo permanecem mais que dois anos em cada equipe e que a precarizaccedilatildeo dos viacutenculos
e contratos de trabalho para manter o serviccedilo cumpri tambeacutem com a Lei de responsabilidade
fiscal o que tem chamado atenccedilatildeo de gestores e pesquisadores do campo do planejamento e
da gestatildeo do trabalho em sauacutede Em relaccedilatildeo aos meacutedicos residentes em especifico a
Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade foi uma estrateacutegia adotada pela Secretaria
Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro para fixaccedilatildeo de profissionais meacutedicos prioritariamente
em aacutereas de difiacutecil acesso com incentivo financeiro para expansatildeo da ESF na cidade
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
No discurso dos Teacutecnicos de Enfermagem foi presente uma visatildeo do modo asilar
reducionista centrado na medicaccedilatildeo no controle e na ausecircncia de autonomia
Hoje mesmo teve um paciente aqui (fala o nome do paciente) ele eacute acompanhado pelo
Pinel junto com o pessoal do matriciamento daqui () ele toma de 14 em 14 dias trecircs
ampolas de haldol (Daacutercio)
Desde adolescente ele sempre usou medicaccedilatildeo atraveacutes de psiquiaacutetrico controlado ()
depois piorou usou a medicaccedilatildeo e misturou com a droga (Felismina)
123
Acho que eacute aquele paciente dependente (Eliseu)
Quando questionado que dependecircncia seria essa (Eliseu) responde
Acompanhado pela famiacutelia que a famiacutelia tem um cuidado e atenccedilatildeo melhor atenccedilatildeo
redobrada assim com o indiviacuteduo Eu acho que eacute isso
Como pude constatar para os teacutecnicos de enfermagem entrevistados ldquocasordquo de sauacutede
mental estaacute relacionado ao uso de medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia e
comportamentos estereotipados
Toda hora vai repetindo a coisa neacute fica agraves vezes piscando a vista fica inquieto ai
fica pra laacute e pra caacute (Felismina)
Um comportamento diferente que natildeo eacute comum natildeo eacute normal do que vocecirc estaacute
acostumado a ver (hellip) agraves vezes chegam muito agitados ou se isolam e ficam ali no cantinho
(Daacutercio)
O que representa ainda uma concepccedilatildeo do modelo meacutedico psiquiaacutetrico talvez ateacute
mesmo pela formaccedilatildeo teacutecnica que eacute de 1 (um) ano com conteuacutedos teoacuterico e praacutetico voltados
para o ambiente e cuidados hospitalares
Talvez tambeacutem pelo grau de escolaridade e perfil socioeconocircmico desses profissionais
exista uma insuficiecircncia de conhecimento e leitura sobre a Reforma Psiquiaacutetrica ateacute mesmo
pela dificuldade de acesso agraves leituras do campo
Todos os teacutecnicos de enfermagem responderam que natildeo tiveram nenhum treinamento
para lidar com as questotildees de sauacutede mental ou seja natildeo tiveram durante a formaccedilatildeo e nem no
serviccedilo fato alarmante para profissionais que atuam na ESF
Apesar dessa visatildeo ainda do modo asilar apareceram alguns deslizes ao longo de seus
discursos
Ele ateacute que conversa direitinho eacute um paciente hipertenso () ele vem sozinho verificar
a pressatildeo e a gente dar toda atenccedilatildeo para ele (Eliseu)
Numa boa porque assim a gente consegue passar essa seguranccedila para eles e ai eles
ficam com essa referecircncia nossa (Daacutercio)
Uma vez eu fui atender o paciente ele tem problema de sauacutede mental eu vi a pressatildeo
dele estava muito alta orientei a irmatilde (Felismina)
O que demonstrou que na praacutetica cotidiana esses profissionais conseguem atender aos
ldquocasosrdquo de sauacutede mental natildeo soacute por suas queixas psicopatoloacutegicas mas valorizando tambeacutem
suas queixas fiacutesicas e estabelecendo viacutenculos
O que explicitou a importacircncia da inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na ESF o
cuidado integral sem separaccedilatildeo entre mente e corpo de base territorial e com criaccedilatildeo de
124
viacutenculos O direito a atendimento universal equacircnime e integral eacute uma das premissas da
poliacutetica nacional de sauacutede mental Para o alcance dessa premissa de acordo com Souza
(2015) eacute primordial estar atento agraves necessidades e demandas dos usuaacuterios valorizando suas
queixas assim como caminhar na direccedilatildeo de serviccedilos inseridos nos territoacuterios de vida das
pessoas como a ESF Para Delgado (2001) soacute dessa forma seraacute possiacutevel caminhar para
atenccedilatildeo e cobertura decentes em sauacutede mental Portanto embora o discurso dos teacutecnicos de
enfermagem ainda seja do modo asilar mesmo sem saber estatildeo realizando accedilotildees do modo
psicossocial O que coincide com o estudo feito por Souza (2012) que apontou que as accedilotildees
de sauacutede mental na AB permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais natildeo tinham clareza
sobre elas)
2) Manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Quanto ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental nos discursos dos Teacutecnicos de
Enfermagem verifiquei dois modos de agir
1) Um com centralidade na equipe com discussatildeo de caso e apoio do matriciador
como preconizado pela PNAB (2012)
Muitas vezes a gente pede ajuda da equipe e fazemos discussatildeo de caso (Eliseu)
Eu acho que depende de cada diagnoacutestico entendeu Porque o (fala o nome do
meacutedico psiquiatra) que eacute o psiquiatra e esta junto com a gente no matriciamento ele estaacute na
unidade justamente para isso resolver o que puder ser resolvido aqui junto do meacutedico da
equipe trabalham em conjunto e vecircem o que podem resolver acho que somente poucos casos
devem ser encaminhados para alguma outra instituiccedilatildeo fora daqui (Daacutercio)
2) E outro com centralidade na crise na medicaccedilatildeo e na loacutegica do encaminhamento
confirmando o modo asilar de pensar e fazer presente na concepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mental no discursos dos profissionais dessa categoria
Sauacutede mental a gente geralmente quando chega com alguma crise assim a gente daacute a
medicaccedilatildeo o paciente fica calmo e se precisar assim a gente encaminha pra UPA (Eliseu)
O primeiro modo de agir embora esteja baseado no discurso politicamente correto de
acordo com as premissas da PNAB (2012) ao longo das entrevistas percebi alguns deslizes
pois esses profissionais pareciam natildeo se sentirem participes do processo de construccedilatildeo do
plano do cuidado dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental passando essa responsabilidade para os
meacutedicos tanto para o psiquiatra matriciador como para o meacutedico da equipe entrando em accedilatildeo
soacute quando solicitado para fazer algum procedimento (seja medicaccedilatildeo verificaccedilatildeo PA ou ateacute
mesmo visita domiciliar)
125
A gente passava para os meacutedicos e tentava fazer o melhor possiacutevel para estar
ajudando o paciente (Felismina)
Geralmente quando chega pra gente jaacute chega para fazer uma medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute
para o controle de alguma coisa (Daacutercio)
No cenaacuterio do estudo quando participei das reuniotildees de equipe percebi que os
teacutecnicos de enfermagem estavam de corpo presente na reuniatildeo mas permaneciam a maior
parte do tempo calados alguns tiravam um cochilo e apresentavam-se muito preocupados
com os afazeres teacutecnicos (curativo sala de vacinaccedilatildeo procedimentos) Chegavam inclusive
muitas das vezes atrasados ou saiam antes ou ateacute mesmo eram solicitados durante a reuniatildeo
Portanto nas discussotildees de equipe a voz desse profissional aparecia muito pouco exceto
quando havia a necessidade de fazer alguma intervenccedilatildeo com a presenccedila dessa categoria
Percebi tambeacutem que as atividades destes profissionais estavam muito concentradas na
unidade de sauacutede restando pouco tempo para accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede na comunidade
Seraacute que essa categoria profissional estaacute realmente sobrecarregada na ESF como jaacute
apresentado como queixa-denuncia no discurso dos proacuteprios profissionais
Recomendaccedilotildees
Um entrevistado relatou natildeo ter nenhuma recomendaccedilatildeo para melhoria das accedilotildees de
sauacutede mental na atenccedilatildeo baacutesica pois na sua concepccedilatildeo com a chegada do NASF o trabalho
estaacute bem realizado
Tem bastante coisa que a Cliacutenica da Famiacutelia tem feito tem discussatildeo de casos dentro
da proacutepria equipe tem rodas de conversas que os meacutedicos fazem discutindo os casos junto
com os pacientes tecircm tambeacutem os meacutedicos do NASF eu acho que o trabalho com a sauacutede
mental estaacute sendo bem realizado (Eliseu)
Nesse discurso mais uma vez notamos o protagonismo do profissional meacutedico nas
atividades relatadas
No discurso de Felismina tambeacutem percebemos a centralidade do atendimento no
profissional meacutedico acrescido do foco no especialismo segregando as pessoas por sua
patologia o que deixou claro o desconhecimento da proposta de atendimento do NASF por
meio do apoio matricial e de toda a forma de atendimento no sauacutede da famiacutelia
Na unidade teria que ter realmente o psiquiatra ele como meacutedico da unidade
atendendo o paciente e natildeo precisar ser junto neacute O clinico geral com o psiquiatra Claro
que a gente jaacute tem mas eacute um atendimento conjunto estaacute oacutetimo neacute Porque jaacute foi mais uma
126
passo que a unidade avanccedilou neacute Que natildeo tinha () entatildeo tipo assim pessoas que tem
problemas psiquiaacutetricos ficar ali com meacutedico psiquiaacutetrico (Felismina)
Jaacute no discurso de Daacutercio ficou evidenciada uma recomendaccedilatildeo de acordo com o
modelo de atenccedilatildeo psicossocial onde foram sugeridas atividades em grupo na unidade de
sauacutede para estimular o conviacutevio social apesar de sua concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental
ainda ser do modo asilar
Acho que dentro da unidade de repente poderia ter grupos de atividades que pudesse
trazer para a sociedade trazer de volta esses pacientes que se isolam que ficam mais assim
() eu acho que seria bom melhoraria (Daacutercio)
127
625 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede
Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACSs)
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
Nuacutecleos Discursivos Significantes
Pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa
pessoas que fazem parte de algumas religiotildees e deixam de
fazer algumas coisas pessoas que fumam exageradamente
que comem compulsivamente ou deixam de comer que
bebem muito
Eu acho que a maioria tem sauacutede mental obvio que tem gente
que jaacute nasce com problema outras que com a sofrencia da
vida acaba adquirindo problemas entrando em surto ficando
doido estressado
Pessoas deprimidas que se isolam que natildeo tem mais alegria
tecircm dificuldades tentam ateacute se matar
Envolvimento com drogas certos transtornos que a pessoa eacute
agressiva transtorno bipolar obsessivo
Pessoas estressadas
Um olhar de tristeza algo que perturba o dia-a-dia e foge da
rotina
Algum distuacuterbio alguma mania um estresse que acarreta
uma crise eacute o momento que tu vive
Perturbaccedilatildeo devido a tantos remeacutedios
Agressividade irritabilidade surto situaccedilatildeo de vida precaacuteria
depressatildeo
Procuro conversar adequando o meu tom de voz estar
sempre perto visitando perguntando o que poderia tirar a
pessoa daquele quadro
Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a
enfermeira resolvem e eu fico soacute acompanhando
Acolhemos procuramos conviver conversar mais apoiando
tentando trazer para a CF para participaccedilatildeo dos nossos
programas que oferecemos
Converso peccedilo para ir a CF falar com os meacutedicos cliacutenicos
que eles que encaminham para psiquiatria e comeccedilar um
tratamento
Venho a CF falo com o meacutedico e peccedilo para o paciente vir na
demanda tenho um grupo de caminhada e um grupo de
exerciacutecio a gente dava uma caminhadinha para tirar o
estresse do dia-a-dia
Prevenccedilatildeo escuta atuaccedilatildeo sem remeacutedio jaacute levei para o
CMS onde sabia que tinha psiquiatra e para emergecircncia
psiquiaacutetrica
Trago o caso pra equipe
Trago diretamente para enfermeira chefe e para os meacutedicos
da equipe marcamos uma visita domiciliar
A gente traz para equipe para que eles nos decirc que rumo vai
ser feito
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE
SAUacuteDE MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Cursos de capacitaccedilatildeo e teacutecnicas de abordagem para usuaacuterios de drogas violecircncia domeacutestica
Presenccedila de outros oacutergatildeos
Dar mais ecircnfase ndash ainda mais agora que estatildeo comeccedilando a liberar essas pessoas e como a sociedade vai receber
Implantar psiquiatria e psicologia fixos na CF
Interconsulta com todos os profissionais de sauacutede com a participaccedilatildeo do ACS
Diminuir o tempo de espera para atendimento
Aprender ldquoouvirrdquo e ver ldquoaleacutem do que estatildeo mostrandordquo
Ter mais meacutedicos especializados
Estar aberto agraves pessoas ter temperanccedila
128
Durante as entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACSs) percebi que ao
falarem sobre o que consideravam como ldquocasordquo de sauacutede mental no iniacutecio tinham uma
inibiccedilatildeo por natildeo terem ldquoformaccedilatildeordquo ou seja conhecimento teoacuterico sobre o assunto como
podemos observar nos discursos
Eu tenho natildeo eacute minha formaccedilatildeo neacute (Geneacutesia)
Enfim eu sou meio leigo no assunto (Heda)
Eu natildeo entendo muito de sauacutede mental (Iana)
Como jaacute descrito anteriormente esse trabalhador eacute um morador da aacuterea que atua sem
formaccedilatildeo em sauacutede seu capital social eacute o conhecimento do territoacuterio e das pessoas que nele
habitam eacute portanto o elo entre a comunidade e os profissionais de sauacutede E eacute nisso nessa
ldquoalma comum e comunitaacuteriardquo que estaacute radicada a potecircncia terapecircutica dos ACSs
(LANCETTI 2014 p96)
Talvez por ser a classe de trabalhadores da base no niacutevel hieraacuterquico da equipe da
ESF sentem-se muitas vezes dependentes das decisotildees do meacutedico e do enfermeiro natildeo
reconhecendo a potecircncia do seu trabalho por acreditarem que por natildeo ter o conhecimento
teacutecnico da sauacutede o seu trabalho teria menos valor Para Lancetti (2014) os ACSs satildeo peccedilas
preciosas da maacutequina de produzir e fazer sauacutede mental em virtude de sua praacutetica paradoxal
ldquoParadoxal pois satildeo ao mesmo tempo membros da comunidade e integrantes da organizaccedilatildeo
sanitaacuteria E nesse funcionamento radica sua potencialidaderdquo (LANCETTI 2014 p93)
Embora sejam a categoria em maior nuacutemero dentro da equipe nas reuniotildees que tive
oportunidade de presenciar alguns tinham uma participaccedilatildeo bem ativa outros nem tanto
assim como o grau de afinidade com o trabalho desenvolvido uns mostraram-se envolvidos
interessados e proacute-ativos outros precisavam de um lsquoempurratildeozinhorsquo do enfermeiro ou meacutedico
da equipe
Nas entrevistas realizadas tantos com os meacutedicos preceptores e residentes assim como
com os enfermeiros foi constante a queixa-denuncia da necessidade urgente de formaccedilatildeo para
os ACSs Foi comum nos discursos a reclamaccedilatildeo de que alguns ACSs natildeo sabiam o que
estavam fazendo na ESF qual era a sua funccedilatildeo a ser desempenhada Ateacute mesmo nos discursos
deles proacuteprios sugiram sugestotildees para aperfeiccediloar as estrateacutegias de seleccedilatildeo e investir mais em
capacitaccedilatildeo para os ACSs O que eacute uma queixa-denuncia que necessita ser melhor escutada e
avaliada pois satildeo os ACSs os responsaacuteveis pelo acolhimento dos usuaacuterios hoje nas Cliacutenicas
da Famiacutelia e pela busca ativa no territoacuterio portanto um trabalhador fundamental para a
engrenagem da ESF
129
No discurso dos ACSs pudemos observar tambeacutem um corte social de classe presente
nas falas
A cliacutenica numa fase de expansatildeo foi pro asfalto fiquei apavorada vou trabalhar na
rua com essas pessoas que sabem muito mais e eu tatildeo pouco sei (Heda)
Entrosando num soacute vinculo social porque eacute comunidade eacute rua ultrapassar as
barreiras de preconceitos ateacute preconceitos meus mesmos (Jacobina)
Mais uma vez assim como no discurso dos teacutecnicos de enfermagem apareceu a
questatildeo social encarada por estes profissionais que natildeo possuiacuteam niacutevel de instruccedilatildeo superior
como um sentimento de menos valia Acrescentado ao lugar de moradia comunidade x
asfalto num sentimento de inferioridade formando barreiras de comunicaccedilatildeo produzidas por
eles proacuteprios Pois acreditavam que no asfalto soacute havia pessoas cultas e que eles natildeo tinham
nada para passar ensinar O que logo caiu por terra ao longo de suas imersotildees no cotidiano do
asfalto pois perceberam que essas pessoas eram carentes de atenccedilatildeo e afeto o que permitiu
aproximaccedilatildeo e construccedilatildeo de vinculo Embora tenham relatado o quanto eacute difiacutecil entrar em
alguns condomiacutenios fechados desafios do trabalho da ESF em uma grande metroacutepole como eacute
a cidade do Rio de Janeiro
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Em relaccedilatildeo ao guia para analise compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
os ACSs foram os trabalhadores dentro da ESF que menos usaram os termos doenccedila doente e
diagnoacutestico meacutedico trouxeram um entendimento mais amplo das vaacuterias situaccedilotildees da vida
estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas
com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou
social desagregador ou como denominou Kiara em seu discurso satildeo muitos assuntos mal
resolvidos Mas tambeacutem surgiram em alguns discursos os termos perturbado transtorno
psiquiaacutetrica mania distuacuterbio agressividade problema mental e remeacutedio controlado
No discurso desses profissionais surgiu a concepccedilatildeo muito cara para o campo da
Atenccedilatildeo Psicossocial que eacute a prevenccedilatildeo com a valorizaccedilatildeo do vinculo da longitudinalidade e
da escuta
Eu consigo perceber que hoje dei um bom dia mas aquele bom dia natildeo me fluiu bem e
vou laacute perguntar o que estaacute acontecendo e ela me diz um monte de coisa ela jaacute um caso de
sauacutede mental um caso que a gente pode controlar sem remeacutedio Soacute com a escuta sem poder
introduzir o remeacutedio isso eacute prevenccedilatildeo isso eacute sauacutede mental (Hebe)
130
Outra concepccedilatildeo tambeacutem presente e muito cara ao campo eacute a natildeo medicalizaccedilatildeo ou
seja natildeo transformar os problemas da vida em problemas meacutedicos portanto passiveis de
diagnoacutestico e medicaccedilatildeo Mas ampliar o espaccedilo de escuta e a oferta de outras estrateacutegias de
intervenccedilatildeo natildeo medicamentosa explorando os recursos da proacutepria comunidade Pois ativar
os recursos escondidos ou disponiacuteveis da comunidade nunca deve ser um ato tecnocraacutetico ou
burocraacutetico (LANCETTI 2014)
Nesse mesmo discurso encontramos um exemplo riquiacutessimo de empoderamento
A gente tem um grupo um professor de atividade fiacutesica e a gente levou ele na minha
aacuterea () levamos porque um dia uma paciente me ligou agraves trecircs horas da manhatilde que a sogra
dela tinha morrido e ela estava velando o corpo sozinha eu natildeo podia fazer nada mas eu fui
porque naquele momento eu era o apoio dela e ser Agente de Sauacutede eacute ser apoio () e
quando cheguei laacute a gente mora em uma comunidade estava soacute eu ela e minha amiga
velando o corpo () isso me incomodou muito quando o professor chegou a ideacuteia dele era
que as mulheres emagrecessem mudassem a rotina delas pudesse fazer um exerciacutecio em
casa a minha era de que elas pudessem se conhecer e se ajudar (Hebe)
Como podemos observar eacute notaacutevel a potecircncia do viacutenculo estabelecido entre a ACS e a
usuaacuteria sendo o apoio nesse momento tatildeo doloroso que foi a perda de um ente familiar mas
que a proacutepria ACS ao mesmo tempo em que se coloca como apoio se contradiz eu natildeo podia
fazer nada Natildeo conseguiu entender que naquele momento o apoio estar do lado dessa
usuaacuteria foi o seu pedido de ajuda e isso eacute promover sauacutede mental Outra intervenccedilatildeo valorosa
dessa mesma ACS foi a partir desse episoacutedio levou o professor de educaccedilatildeo fiacutesica para
possibilitar o conviacutevio entre as mulheres que moravam na mesma aacuterea visando a coesatildeo entre
elas e a ajuda muacutetua Enquanto o professor muito preso ao seu saber teacutecnico tinha como
objetivo estimular atividades fiacutesicas e haacutebitos saudaacuteveis Daiacute o potencial da contribuiccedilatildeo de
outros saberes no fazer cotidiano da ESF tornando as estrateacutegias de intervenccedilatildeo mais soft e
menos medicalizadoras (SARACENO 2001)
Faz-se importante destacar que essa ACS eacute reconhecida na unidade como a que tem
mais afinidade com as questotildees de sauacutede mental participa dos Foacuteruns e das supervisotildees de
territoacuterio da Sauacutede Mental da aacuterea e se colocava disponiacutevel e atuante para tal funccedilatildeo O que
deixava transparecer sua disponibilidade interna para delicadeza das situaccedilotildees que ela exerce
com muita facilidade e espontaneidade Natildeo tendo clareza do potencial de suas accedilotildees
Tornado explicito mais uma vez o mito do especialista da necessidade de ter um profissional
de sauacutede mental para produzir intervenccedilotildees terapecircuticas adequadas
131
No discurso Jacobina apareceu o estresse como percepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental
apontando a importacircncia de avaliar o que a pessoa estaacute sentido ou vivendo no momento
Agraves vezes vocecirc estaacute estressado vocecirc daacute uma crise isso natildeo quer dizer que vocecirc eacute
louco entendeu Eu acho que a sauacutede mental eacute o que vocecirc estaacute sentindo naquela hora ()
Poreacutem houve contradiccedilotildees nesse discurso com o uso dos termos distuacuterbio mania louco e
maluco
Alguma coisa que a pessoa tem algum distuacuterbio porque a sauacutede mental a pessoa fala
eacute louco natildeo agraves vezes eacute alguma mania isso eacute sauacutede mental () porque agraves vezes os outros
falam ah sauacutede mental eacute maluco e natildeo eacute (Jacobina)
Como podemos observar o discurso de Jacobina foi marcado por uma ambivalecircncia
ao mesmo tempo em que traz a visatildeo do modo da Atenccedilatildeo Psicossocial traz tambeacutem os
termos distuacuterbio e mania do Modelo Biomeacutedico
O discurso de Lana traz a importacircncia da sauacutede mental na ESF com a compreensatildeo
de que mente e corpo natildeo satildeo dicotomizados oferecendo um cuidado longitudinal e
integrado Sinalizando tambeacutem a importacircncia de considerar o ambiente social e cultural no
processo de adoecimento
Ela era psiquiaacutetrica mas ela tinha tambeacutem enfisema diabetes () porque muitas das
vezes natildeo eacute soacute o transtorno agraves vezes eacute o ambiente que aquela pessoa estaacute vivendo que estaacute
deixando ela psiquiaacutetrica () porque haacute uma briga interna da famiacutelia que dificulta a situaccedilatildeo
da vida tambeacutem precaacuteria que ai vocecirc fica tentando ver o que vocecirc vai fazer com aquele
paciente qual eacute a maneira que tu vai entrar naquela famiacutelia () porque a famiacutelia briga a
casa que mora eacute peacutessima a situaccedilatildeo que natildeo ajuda e as doenccedilas propriamente ditas ()
Entatildeo assim difiacutecil mas assim a gente conseguiu acompanhar ter acesso () que no
comeccedilo natildeo tiacutenhamos era bem difiacutecil e a famiacutelia tambeacutem porque a gente adota a famiacutelia
mas eles tambeacutem nos adotam porque depende tambeacutem da aceitaccedilatildeo deles agrave nossa pessoa
Nesse mesmo discurso encontramos tambeacutem a inclusatildeo do nuacutecleo familiar e o poder
da visita domiciliar como uma espeacutecie de ldquopoliacutecia meacutedica revolucionaacuteriardquo Lancetti (2014
p93) O autor explica poliacutecia no antigo sentido da poliacutecia meacutedica uma das fontes histoacutericas
da medicina sanitaacuteria pois se inserem no ambiente domeacutestico iacutentimo e no territoacuterio
existencial das pessoas E revolucionaacuteria porque ali onde somente a TV Globo ou as
emissoras de raacutedio se inserem como componentes de produccedilatildeo de subjetivaccedilatildeo com
consequumlecircncias infantilizantes os ACSs conseguem penetrar criando viacutenculos por meio de
processos sociais de comunicaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e produccedilatildeo de singularidades O que conduz a
132
accedilotildees e paixotildees coletivas solidaacuterias e tecem fio a fio redes microssociais de alto poder
terapecircutico (LANCETTI 2014)
No discurso de Heda a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental estaacute relacionada a desde
melancolia passando por pessoas que fumam ou comem compulsivamente ateacute pertencer a
alguma religiatildeo uma conceituaccedilatildeo ampliada e holiacutestica mas focada nos excessos pois nos
informa que o excesso pode ser sinal de algo natildeo vai bem
Eu tenho pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa () pessoas
que umas satildeo asseadas outras natildeo pessoas que fazem parte de alguma religiotildees entatildeo
deixam de fazer outras coisas porque a religiatildeo impede e elas ficam agrave espera de um milagre
natildeo entendem que elas precisam fazer a parte delas pessoas que fumam exageradamente
jogam toda a sua ansiedade seu nervosismo ali pessoas que comem compulsivamente ou
deixam de comer pessoas que bebem muito (Heda)
Seraacute mesmo o excesso um sinal vermelho Os ACSs com seu poder de entrar na casa
das pessoas para accedilotildees seja de promoccedilatildeo ou prevenccedilatildeo de sauacutede comeccedilam a se apropriar do
modo de vida delas e a trazer para unidade de sauacutede o que detectam como problema no caso
acima os excessos Mas seraacute isso um problema para esses usuaacuterios tambeacutem Esses agentes de
sauacutede satildeo o dedo do Estado na comunidade surfam no controle Lancetti (2014) Faz-se
necessaacuterio aqui lembrar Deleuze a sociedade de controle opera ao ar livre natildeo mais no
hospiacutecio mas em todo lugar e fundamentalmente no domicilio Portanto esse instrumento
valioso de trabalho na ESF pode ser tambeacutem uma nova forma de controlar a vida das pessoas
indo mais longe ateacute tornar meacutedico questotildees cotidianas da vida Esse eacute um risco que precisa
ser melhor estudado com a expansatildeo da ESF e aumento da capilaridade das accedilotildees de sauacutede
nas cidades brasileiras
No discurso de Nateacutercia a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental aparece como
Ficou perturbado devido a tantos remeacutedios () porque ele sofreu de meningite ele
ficou cego e ficou perturbado devido a tantos remeacutedios agraves vezes descontrolados que ele
tomava por falta de conhecimento hoje jaacute estaacute ateacute melhor
Foi muito interessante perceber que para falar sobre a concepccedilatildeo e percepccedilatildeo dos
ldquocasosrdquo de sauacutede mental os ACSs citaram os exemplos de atendimento que realizaram
trazendo exemplos praacuteticos do trabalho cotidiano Nesse discurso por exemplo o
entrevistado conta o caso por ele atendido de um usuaacuterio com tuberculose resistente e notou-
se uma vaidade em falar
Jaacute existiram trecircs agentes de sauacutede na aacuterea eu entrei na minha aacuterea para fazer a
diferenccedila disso eu tenho certeza por quecirc Porque eu curei tenho certeza disso natildeo foi soacute o
133
remeacutedio dependeu de mim a cura dele () natildeo aceitava tomar remeacutedio de matildeo de agente
nenhum porque nenhum agente soube chegar ateacute ele da forma que eu cheguei (Nateacutercia)
Nateacutercia no decorrer de seu discurso falou de sua opccedilatildeo sexual da sua dificuldade
em ser aceito pelas pessoas da comunidade e das barreiras que ele mesmo criou impedindo
por exemplo de fazer accedilatildeo educativa nas escolas A eacutepoca das entrevistas essa dificuldade de
aceitaccedilatildeo jaacute estava sanada Mas todo o seu discurso eacute marcado pela necessidade de fazer mais
ser o melhor ser o diferente dentro da equipe apontando uma necessidade de reconhecimento
Ateacute mesmo seu comportamento dentro da unidade pareceu um movimento de atrair as
atenccedilotildees o tempo todo mesmo nos pequenos gestos como chegar atrasado agrave reuniatildeo de
equipe entrar e deixar a porta aberta sair e bater porta com forccedila falar alto
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental a accedilatildeo que prevaleceu nos
discursos dos ACSs foi levar para unidade de sauacutede (Cliacutenica da Famiacutelia) ou seja os agentes
exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo No entanto faz-se
necessaacuterio mais uma vez alertar que esta proximidade potencializada dos ACSs um dos
elementos importantes da maacutequina de fazer sauacutede tem uma dimensatildeo hiacutebrida articula-se a
uma singularizaccedilatildeo do cuidado mas tambeacutem a uma capilarizaccedilatildeo do controle sobre a
populaccedilatildeo (PICCININI NEVES 2013)
Com a ampliaccedilatildeo da cobertura da ESF nos domiciacutelios brasileiros em especial na
cidade do Rio de Janeiro em aacutereas carentes tambeacutem haacute que se observar como apontam
Lemke e Silva (2013) nessa mesma direccedilatildeo do controle
() o trabalho dos ACS tem essa dupla direccedilatildeo a de ser um modo de
racionalizar custos e a de ser um modo de ampliar o acesso e de
focalizar a atenccedilatildeo em grupos vulneraacuteveis atendendo a um principio
equitativo de justiccedila social Por esse motivo a praacutetica dos ACS
comporta o risco de ser uma cesta baacutesica simplificada para os pobres
que por meio das praacuteticas de educaccedilatildeo em sauacutede e das visitas
domiciliares tenha como efeito a medicalizaccedilatildeo a normalizaccedilatildeo e o
controle da vida no territoacuterio comunitaacuterio (LEMKE SILVA 2013
p41)
134
Como jaacute descrito o ACS que natildeo tem uma formaccedilatildeo acadecircmica nem qualquer
conhecimento teacutecnico preacutevio em sauacutede que eacute um dos requisitos fundamentais para a sua
atuaccedilatildeo foram a via pela qual se planejou executar parte das mudanccedilas nos modos de
produzir sauacutede no paiacutes ldquoA sauacutede bate agrave sua portardquo Piccinini e Neves (2013 p 83) O
indiviacuteduo que antes era mais um morador do territoacuterio eacute promovido a cuidador tornando-se
corresponsaacutevel pelos cuidados em sauacutede de um determinado recorte territorial geograacutefico
Outro analisador importante do discurso dos agentes sobre o manejo foi a passividade
traziam o ldquocasordquo para equipe resolver natildeo sentiam-se participes do processo de produccedilatildeo do
cuidado a esses usuaacuterios
Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a enfermeira resolvem e eu
fico soacute acompanhando (Hebe)
Converso peccedilo para vim aqui (na Cliacutenica da Famiacutelia) falar com os meacutedicos com os
cliacutenicos que eles que encaminham para aacuterea de psiquiatria e para comeccedilar um tratamento
(Marcilene)
Sobressaltando mais uma vez o lugar do ldquosuposto saberrdquo onde soacute os profissionais de
niacutevel superior com seu conhecimento teacutecnico cientifico teriam as soluccedilotildees para os problemas
apresentados E o agente comunitaacuterio de sauacutede sem o conhecimento teacutecnico-acadecircmico fica
mais uma vez subordinado ao poder meacutedico
Um contraponto muito interessante desses dois discursos foi o discurso Natalina
Eu tenho um grupo de caminhada ai assim quando eu vou na casa deles eles tem
abertura para conversar comigo eles falam ai eu tento chamar para fazer atividades ()
qualquer um que gostaria de caminhar a gente dava uma caminhadinha na Lagoa para tirar
o estresse do dia-a-dia () a maioria dos meus pacientes eacute empregada domeacutestica e porteiro
entatildeo eacute muita cobranccedila em cima deles natildeo tem como ficar estressado
O que representou por parte dessa agente comunitaacuteria de sauacutede iniciativa e autonomia
no seu processo trabalho A ideia do grupo foi de autoria dessa agente Chamou atenccedilatildeo
tambeacutem a sua sensibilidade de abrir um espaccedilo de escuta para essas pessoas com ocupaccedilotildees
de trabalho estressante Marcando assim uma caracteriacutestica fundamental do meacutetodo para as
accedilotildees de sauacutede mental na ESF a invenccedilatildeo no modo de produzir sauacutede (LANCETTI 2013)
No discurso de Hebe eacute sinalizada a presenccedila do NASF realmente como apoio para o
manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental em uma perspectiva de territoacuterio de sauacutede e natildeo de
doenccedila pois quando a ACS natildeo conhecia a rede o lugar para pedir ajuda era uma instituiccedilatildeo
psiquiaacutetrica
135
Agora a gente tem o NASF mas nem sempre foi assim () uma paciente que todo dia
descia pra trabalhar de repente ela passou a ficar andando pela comunidade isso me causou
estranheza isso natildeo eacute normal () e a pessoa estava falando as coisas natildeo tinham conexatildeo
() eu peguei natildeo conhecia a rede levei ela no PINEL laacute ela foi medicada
Nesse discurso tambeacutem fica caracterizado o princiacutepio da longitudinalidade ou seja o
quanto acompanhar um usuaacuterio ao longo do tempo possibilita reconhecer que determinada
accedilatildeo desse usuaacuterio eacute ou natildeo eacute estranha no seu cotidiano permitindo uma intervenccedilatildeo precoce
que pode ser iatrogecircnica ou natildeo
Nesse caso citado natildeo foi a mais adequada mas no momento foi a melhor que Hebe
pode fazer em termos de cuidado e proteccedilatildeo da usuaacuteria
A mudanccedila tatildeo ansiada no paradigma da atenccedilatildeo agrave sauacutede ateacute entatildeo centrado no
modelo hospitalocentrico em um nuacutemero significativo de textos e artigos incluindo os
documentos oficiais do Ministeacuterio da Sauacutede deposita sobre a ESF e muitas vezes sobre a
figura do ACS a responsabilidade dessa mudanccedila Como apontado por Tomaz (2002) faz-se
necessaacuterio natildeo tomar o ACS como um super-heroacutei Onde o autor procura combater a visatildeo
romacircntica do ACS e da APS como ldquomola propulsora da consolidaccedilatildeo do SUSrdquo Pois nesse
entendimento existiria uma distorccedilatildeo do papel dos ACS gerando sobrecarga de trabalho e
sofrimento para estes trabalhadores como colocado no discurso Kiara
Eu acho que ateacute os funcionaacuterios deveriam ter um tratamento porque nesse curso a
gente descobriu que tem uma Unidade que todos os ACS estatildeo tomando remeacutedios
controlados
Uma revisatildeo de literatura sobre a temaacutetica dos ACSs realizada por Bornstein e Storz
(2008) indica que natildeo eacute possiacutevel delegar a um uacutenico niacutevel do sistema de sauacutede a realizaccedilatildeo de
uma mudanccedila de tamanhas proporccedilotildees A afirmaccedilatildeo eacute sustentada com uma retomada da
criacutetica ao ldquodiscurso mudancistardquo presente nos documentos oficiais que muitas vezes mitifica
o meacutedico generalista e vecirc a simples inserccedilatildeo deste na APS como suficiente para modificaccedilatildeo
do paradigma de atenccedilatildeo O mesmo acontece com o ACS uma vez que a aposta neste
personagem eacute de ele possa fazer a articulaccedilatildeo entre o saber popular e o saber teacutecnico visando
agrave construccedilatildeo de um projeto de cuidado que atenda agraves necessidades da populaccedilatildeo de um
territoacuterio especifico do qual o ACS seria membro integrante e vasto conhecedor Pois as
transformaccedilotildees sociais para mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo em sauacutede satildeo lentas e dependem
do esforccedilo de todos os cidadatildeos (TOMAZ 2002)
136
Recomendaccedilotildees
Quanto as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF no
discurso dos ACSs o que predominou foi o pedido de capacitaccedilatildeo o que nos leva a concluir
que esses trabalhadores natildeo se sentem instrumentalizados para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede
mental apontando para necessidade de treinamentos ou capacitaccedilotildees tambeacutem para abordagem
ao usuaacuterios de droga e violecircncia domeacutestica
Acho que precisa ser trabalhado mais A sociedade estaacute tatildeo estressada taacute tatildeo
sobrecarregada que precisa sim ter uma atenccedilatildeo maior ainda mais agora que eles estatildeo
comeccedilando a liberar essas pessoas e como que a sociedade vai receber essas pessoas
Kiara
CAPACITACcedilAtildeO DOS AGENTES COMUNITAacuteRIOS DE SAUacuteDE mas uma
capacitaccedilatildeo muito efetiva aonde aborda-se todos os temas e natildeo alguns somente (Nateacutercia)
No discurso Marcilene aparece uma recomendaccedilatildeo muito interessante que soa como
uma criacutetica ou uma queixa denuacutencia da natildeo participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas que a
entrevistada tenta negar mas se contradiz
Assim eu acho que a equipe meacutedica neacute estar junto numa interconsulta com todos os
profissionais de sauacutede Eacute assim os agentes jaacute estatildeo junto com eles tem isso entendeu Que
muitas das vezes os casos eacute a gente que traz pra caacute para os outros profissionais
Como afirma Lancetti (2014) a regra fundamental do funcionamento das equipes eacute
fazer circular o saber tanto o teacutecnico e cientiacutefico como o cultural e o popular Portanto a
participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas eacute salutar para produccedilatildeo de sauacutede no territoacuterio
No discursos de Hebe e Jacobina respectivamente aparece a recomendaccedilatildeo de uma
visatildeo holiacutestica e integrada em sauacutede mental com sugestotildees dos atributos necessaacuterios para o
trabalho na ESF
Olha pra trabalhar em Sauacutede da Famiacutelia tem que saber ouvir ver aleacutem do que eles
tatildeo te mostrando veja aleacutem do que eles querem ver (Hebe)
Porque tem paciente que ele quer conversar contigo problemas pessoais dele e vocecirc
tem que taacute aberta a ouvir aquilo muitas das vezes opinar muitas das vezes natildeo opinar
porque sua opiniatildeo pode trazer problemas na famiacutelia entatildeo haacute toda um temperanccedila mas eacute
interessante eu gosto (Jacobina)
Jaacute os discursos de Iana e Heda marcados pela loacutegica do especialismo ainda centrado
no modelo biomeacutedico a recomendaccedilatildeo eacute ter mais meacutedico especializado na Cliacutenica da Famiacutelia
ficando explicito o desconhecimento dos princiacutepios da APS
137
Eu acho que teria que ter mais vamos dizer meacutedicos especializados neacute porque aqui
a gente tem um meacutedico mas um meacutedico pra trecircs equipes eacute muito pouco e hoje a populaccedilatildeo taacute
sofrendo muito com sauacutede mental eu vejo muita gente tomando muito remeacutedio controlado agraves
vezes ateacute sem prescriccedilatildeo (Iana)
Teria que implantar psiquiatria e psicologia era uma das coisas que natildeo deveria
faltar aqui dentro Natildeo teria que ser assim soacute estagiaacuterios ou residentes natildeo teria que ser
pessoas fixas aqui mesmo tinha que ter uma sala realmente soacute pra eles mesmo porque aqui
noacutes temos muitos problemas de sauacutede mental Teria que ser uma coisa fixa (Heda)
O discurso de Natalina natildeo eacute uma recomendaccedilatildeo mas eacute tambeacutem uma queixa denuacutencia
da demora para o atendimento em sauacutede mental
Eu acho muito distante eu acho que poderia ser mais proacuteximo porque assim vem ateacute
aqui () aiacute pra marcar uma consulta eacute um dilema porque vai ter que ver a agenda do
meacutedico agraves vezes eacute um pra mil aiacute agraves vezes a pessoa ateacute desiste entendeu Eu acho que tem
uma distacircncia sei laacute eacute uma coisa muito distante
E finalmente no discurso de Lana natildeo haacute nenhuma recomendaccedilatildeo para ser feita pois
na sua opiniatildeo a chegada do NASF trouxe significativas contribuiccedilotildees para as accedilotildees de sauacutede
mental na ESF Hoje jaacute melhorou bastante porque como eu falei chegou o NASF O que
demonstrou que a equipe do NASF na Cliacutenica da Famiacutelia estudada estaacute efetivamente apoiando
as equipes conforme recomendado na Portaria GM 1542008
138
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Natildeo poderia deixar de pontuar o quanto foi difiacutecil escrever no periacuteodo de crise poliacutetica
brasileira desde o afastamento da Presidenta eleita democraticamente por voto popular em
marccedilo de 2016 ateacute a aprovaccedilatildeo do seu impeachment em agosto do mesmo ano Instalou-se
entatildeo no paiacutes um periacuteodo conservador de incertezas e ameaccedilas agrave tatildeo duramente conquistada
democracia Nesse clima de incertezas eacute colocada em votaccedilatildeo a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 241 que se transformou em PEC 55 Este Projeto tramitou sem a
necessaacuteria discussatildeo com diferentes atores e setores da sociedade e foi aprovado gerando a
desvinculaccedilatildeo de recursos da sauacutede nos proacuteximos 20 anos o que traraacute prejuiacutezos gigantescos
ao jaacute combalido SUS
A perda de recursos eacute histoacuterica e os caacutelculos demonstram que poderaacute acarretar ateacute R$
600 bilhotildees de reais retirados da sauacutede Isto coloca em risco o conjunto inquestionaacutevel de
conquistas da sauacutede brasileira desde a criaccedilatildeo do SUS apoacutes a promulgaccedilatildeo da nossa
Constituiccedilatildeo em 1988 como a melhoria da sauacutede puacuteblica brasileira aumento da expectativa
de vida reduccedilatildeo da mortalidade infantil queda da desnutriccedilatildeo e inuacutemeras campanhas de
promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede
A defesa do direito constitucional previsto no Artigo 196 da Constituiccedilatildeo de que a
sauacutede eacute um dever do Estado e um direito de todos estaacute gravemente ameaccedilada com a
aprovaccedilatildeo da PEC 55 Como escrevo em defesa do SUS e de uma Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Puacuteblica
que aprofunde a universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade e participaccedilatildeo popular o
cenaacuterio atual estaacute desolador
Na cidade do Rio de Janeiro a gestatildeo do governo do PMDB (Partido do Movimento
Democraacutetico Brasileiro) que contribuiu expressivamente para expansatildeo da APS na cidade por
meio da ESF mesmo com todas as minhas criacuteticas (gestatildeo por OSs viacutenculos precaacuterios etc) a
cobertura que era de 694 em janeiro de 2009 chegou em dezembro de 2016 a 5172
(MSSASDAB e IBGE) E com a eleiccedilatildeo para a prefeitura do Rio de Janeiro onde foi eleito
um governo do PRB (Partido Republicano Brasileiro) o cenaacuterio de duacutevidas e incertezas
novamente se repete Nessa nova gestatildeo ainda natildeo se sabe se haveraacute continuidade a todo
investimento feito na APS
Retomando ao fechamento dessa pesquisa o objeto de estudo dessa tese foram os
sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo
adulta do territoacuterio de sua responsabilidade A anaacutelise desses sentidos foi realizada tendo
como referecircncia as formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela
triangulaccedilatildeo do que foi dito por cada profissional entrevistado a teoria que fundamentou o
139
texto e as minhas consideraccedilotildees sobre o tema estudado Quero aqui deixar claro que natildeo tive a
intenccedilatildeo de esgotar todas as possibilidades de efeitos de deriva advindos das formaccedilotildees
discursivas nomeadas pelos entrevistados O que eacute compatiacutevel com a Anaacutelise de Discurso que
se caracteriza pela incompletude sem iniacutecio absoluto nem ponto final definitivo o que escrevi
de acordo com o proposto por Orlandi (2013) foi uma proposta de reflexatildeo sobre a
linguagem sobre os sujeitos entrevistados e suas subjetividades sobre a histoacuteria e suas
ideologias
Para os profissionais de niacutevel superior (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes e
enfermeiros) a motivaccedilatildeo para trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) apareceu
como uma alternativa ao modelo meacutedico centrado e hospitalocentrico Portanto a
compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para estes profissionais estaacute relacionada com um
modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede centrado na pessoa e natildeo na doenccedila considerando a famiacutelia e o
entorno social O que foi colocado pelos proacuteprios profissionais como um trabalho muito mais
amplo assistindo a todas as faixas etaacuterias do receacutem-nascido ao idoso que tambeacutem eacute bem mais
complexo pois estaacute o tempo todo atravessado pela realidade de onde as pessoas vivem
Jaacute para os profissionais de niacutevel meacutedio e fundamental (teacutecnicos de enfermagem e
agentes comunitaacuterios de sauacutede) a motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF foi a oportunidade de
emprego proacuteximo agrave residecircncia A compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para esse
grupo de profissionais estaacute relacionada a importacircncia de fazer algo para a comunidade aonde
moram e poder ajudar o proacuteximo O que foi apontado por eles proacuteprios como prevenccedilatildeo
ressaltando a importacircncia de propor accedilotildees educativas como armazenamento adequado do lixo
haacutebitos saudaacuteveis de alimentaccedilatildeo o que denominaram como orientar para natildeo chegar ao
ponta da doenccedila jaacute instalada
As denominaccedilotildees utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasosrdquo de sauacutede
mental se relacionaram principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade
Pois utilizaram uma perspectiva mais ampliada do processo sauacutede-doenccedila com abordagem
psicossocial sofrimento psiacutequico e todo caso pode ser um caso de sauacutede mental Embora
tenham se utilizado do termo transtorno mental para diferenciar o que pode ser acompanhado
na ESF e o que deve ser referenciado houve um certo cuidado para explicar a diferenccedila entre
transtorno e sofrimento Quanto ao manejo demonstraram trabalhar e ensinar agraves equipes que
inicialmente o acompanhamento do usuaacuterio deve ser com a ESF mesmo Observou-se que o
encaminhamento para outros serviccedilos ocorriam somente em situaccedilotildees de transtornos mentais
graves transtornos mentais em crianccedilas e dependecircncia quiacutemica
140
Os meacutedicos residentes ao nomearem ldquocasordquo de sauacutede mental utilizaram-se de termos
teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da
psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda
euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico com uma
perspectiva holiacutestica o uso de termos psiquiaacutetricos parecia lsquooacutebviorsquo para nomear os ldquocasosrdquo de
sauacutede mental Quando se questionou a esses entrevistados sobre o porquecirc de utilizarem as
categorias nosograacuteficas acima mencionadas ficaram espantados como se aquele
questionamento natildeo fizesse nenhum sentido Isso indicou que o saber psiquiaacutetrico natildeo eacute
passiacutevel de questionamento eacute um saber preacute-existente e portanto naturalizado como
linguagem explicativa para as formas de adoecimento em sauacutede mental
Quanto ao manejo os meacutedicos residentes demonstraram natildeo fazer encaminhamentos
externos sem uma escuta ativa preacutevia e sem consultar os preceptores e os profissionais do
Nuacutecleo de Apoio ao Sauacutede da Famiacutelia (NASF) Embora tenha aparecido em seus discursos
uma dificuldade ou mesmo medo e inseguranccedila em manejar esses ldquocasosrdquo ndash pisando em ovos
e se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel os entrevistados apresentaram disponibilidade
para acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental Demonstraram ateacute interesse em
atendecirc-los pois se sentiam apoiados seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra
e psicoacutelogo) Daiacute a importacircncia de um processo de educaccedilatildeo continuada no cotidiano das
equipes ampliando o escopo de accedilotildees e a resolutividade na atenccedilatildeo primaacuteria Processo esse
que pode ser realizado pela equipe do NASF que tem uma funccedilatildeo teacutecnica e pedagoacutegica junto
agraves equipes da ESF
No discurso dos enfermeiros tambeacutem prevaleceu os termos teacutecnicos psiquiaacutetricos
Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia ansiedade doenccedila mental ndash para
nomear o ldquocasordquo de sauacutede mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais
ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias
desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Quanto ao manejo o que predominou foi a
solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico embora tenham relatado conseguir acolher e
escutar A dinacircmica do funcionamento em equipe surgiu em uma das falas dos enfermeiros
mas tambeacutem com ecircnfase na centralidade no profissional meacutedico
No discurso dos teacutecnicos de enfermagem a concepccedilatildeo de ldquocasosrdquo de sauacutede mental
apareceu impregnada da visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica
dependecircncia e tutela da famiacutelia comportamentos estereotipados Reafirmada na
recomendaccedilatildeo destes profissionais de ter um psiquiatra fixo na Cliacutenica da Famiacutelia (CF) para
atender a esses casos Exceccedilatildeo em um discurso que sugeriu a criaccedilatildeo de atividades em grupos
141
na proacutepria CF com a finalidade de reinserccedilatildeo no meio social Quanto ao manejo apareceram
dois modos de agir um centrado na equipe com discussatildeo de caso apoio do matriciador e
atividades em grupo como preconizado pela PNAB (2012) e pela Poliacutetica Puacuteblica de Sauacutede
Mental e outro centrado na crise na medicaccedilatildeo no profissional especialista e na loacutegica do
encaminhamento
Jaacute no discurso dos agentes comunitaacuterios de sauacutede o que predominou na nomeaccedilatildeo de
ldquocasordquo de sauacutede mental foi uma concepccedilatildeo mais ampliada das vaacuterias situaccedilotildees da vida
(estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas
com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou
social desagregador) Em relaccedilatildeo ao manejo o que prevaleceu foi levar para unidade de sauacutede
(CF) ou seja os agentes exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculordquo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo
Daiacute a importacircncia da atuaccedilatildeo do agente comunitaacuterio de sauacutede pois possui o capital social
muitas vezes facilitando esse canal de comunicaccedilatildeo Tambeacutem trouxeram a importacircncia da
prevenccedilatildeo (pelo viacutenculo e acompanhamento do indiviacuteduo e grupo familiar) do
empoderamento dos usuaacuterios e da comunidade (com praacutetica de atividades fiacutesicas em grupo) e
da natildeo dissociaccedilatildeo mente e corpo
Mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na CF
estudada tais como a praacutetica da reuniatildeo de equipe semanal com discussatildeo conjunta de casos
a relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila com
visitas domiciliares e aplicaccedilatildeo do familiograma onde foi apontado pelos meacutedicos residentes
a importacircncia da pessoa falar da sua experiecircncia de estar doente do acompanhamento
longitudinal e de ter um meacutedico para chamar de seu o que haacute alguns anos atraacutes era somente
para as pessoas mais abastadas da sociedade
O deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e
desmedicalizadoras com propostas de grupos como ldquoCafeacute com Especialistardquo espaccedilo pensado
para reunir as pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica haacute muitos anos com o objetivo de
questionar esse uso dividir experiecircncias e reduzir a medicaccedilatildeo principalmente os
benzodiazepiacutenicos Ressalto que esse grupo foi pensado pelo psiquiatra do NASF com os
meacutedicos residentes a partir de uma listagem nominal que a farmaacutecia da unidade dispotildee dos
usuaacuterios que fazem uso de psicotroacutepico com o nome da substancia a dose utilizada e a data da
dispensaccedilatildeo O nome do grupo a princiacutepio seria ldquoCafeacute com Psiquiatrardquo depois foi repensado
pois poderia se tornar um espaccedilo para troca de receitas e lsquopsiquiatrizantersquo o que natildeo era a
intenccedilatildeo
142
Outra atividade em grupo da unidade eacute o ldquoGrupo de Artesanatordquo coordenado por uma
enfermeira com o objetivo de aproximar as pessoas do entorno agrave unidade de sauacutede onde a
princiacutepio participam mulheres idosas com atividades de costura e crochecirc hoje participam
pessoas de vaacuterias idades e tornou-se mais um espaccedilo potente de convivecircncia Acontece
tambeacutem na CF a ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo mas essa eacute coordenada por dois voluntaacuterios
um ex-residente de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da proacutepria unidade e uma psicoacuteloga
Aberta a todos os usuaacuterios interessados realizada no horaacuterio noturno com modo de
funcionamento proacuteprio do meacutetodo da ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo Se pensarmos a
unidade baacutesica de sauacutede como o lugar onde as pessoas vatildeo para fazer consultas meacutedicas e
odontoloacutegicas procedimentos teacutecnicos (curativos vacinas colher exames) a presenccedila desses
grupos satildeo realmente propostas inovadoras
Nas entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede surgiram vaacuterias propostas de
inovaccedilatildeo em fazer sauacutede na comunidade darei destaque a duas delas uma foi a proposta de
chamar o educador fiacutesico para uma accedilatildeo com as mulheres no alto da comunidade o
profissional foi com sua ideia de propor atividades fiacutesicas e haacutebitos de vida saudaacuteveis na sua
concepccedilatildeo dogmaacutetica enquanto que a ideia da agente comunitaacuteria de sauacutede era de uma coesatildeo
social entre esses mulheres explicando que na comunidade as casas satildeo todas muito
proacuteximas mas as pessoas satildeo muito desunidas A outra proposta foi de um grupo de
caminhada semanal fora da comunidade para que as pessoas pudessem ter um espaccedilo de
conviacutevio social e tirar o estresse do dia-a-dia pois na aacuterea dessa agente comunitaacuteria havia
muitos porteiros e empregadas domeacutesticas E no seu entendimento esse espaccedilo ajudaria essas
pessoas a natildeo ficarem doentes prevenindo doenccedilas fiacutesicas e mentais
Um dos pontos fracos observado na unidade estudada que foi tambeacutem uma das queixa
dos meacutedicos residentes foi passarem a maior parte da carga horaacuteria dentro da unidade de
sauacutede natildeo restando tempo para atividades extramuros na comunidades com exceccedilatildeo das
visitas domiciliares que no primeiro ano da residecircncia satildeo mais frequentes mas no segundo
ano satildeo muito escassas a prevenccedilatildeo eacute dentro do consultoacuterio mesmo como apareceu em um
dos discursos Apesar dessa natildeo ter sido uma queixa dos enfermeiros e teacutecnicos de
enfermagem observei que esses profissionais tambeacutem permaneciam a maior tempo dentro da
unidade O profissional com mais tempo fora da unidade de sauacutede pareceu ser mesmo o
agente comunitaacuterio de sauacutede
Os meacutedicos residentes se queixaram tambeacutem da falta de valorizaccedilatildeo da especialidade
Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela populaccedilatildeo talvez por falta de conhecimento e
divulgaccedilatildeo do funcionamento da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede atraveacutes da Estrateacutegia Sauacutede da
143
Famiacutelia e pelo proacuteprio sistema de sauacutede que ateacute o momento natildeo conseguiu colocar a APS
como coordenadora do cuidado Essa foi similarmente uma queixa-denuacutencia dos enfermeiros
recomendando inclusive a divulgaccedilatildeo junto a populaccedilatildeo em geral da forma de funcionamento
da ESF assim como o melhoramento dos fluxos de referecircncia e contra referecircncia
Os profissionais da ESF da CF estudada conseguem com o apoio do NASF
acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental encaminhando soacute os casos mais graves que
necessitam de um serviccedilo mais especializados em geral crianccedilas adolescentes casos agudos
de sofrimento psiacutequico e dependecircncia quiacutemica Inclusive foi uma recomendaccedilatildeo dos proacuteprios
profissionais ampliar o nuacutemero de dispositivos abertos como os Centros de Atenccedilatildeo
Psicossocial nas suas modalidades adulto infantil aacutelcool e drogas natildeo soacute na aacuterea onde estaacute
situada a CF mas em toda a cidade do Rio de Janeiro
A necessidade de capacitaccedilatildeo para accedilotildees de sauacutede mental violecircncia no territoacuterio e
dependecircncia quiacutemica foi muito recomendada por todos os profissionais entrevistadas atenccedilatildeo
especial para melhor seleccedilatildeo e qualificaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios de sauacutede devido a
importacircncia de sua funccedilatildeo natildeo soacute para as questotildees de sauacutede mental mas para ESF como um
todo Outra necessidade apontada pelos profissionais foi mais apoio no fazer cotidiano por
parte gestatildeo que cobra muito as metas a serem atingidas focando em nuacutemeros priorizando a
quantidade e natildeo a qualidade do atendimento
A Cliacutenica da Famiacutelia estudada por ser campo de praacutetica para a Residecircncia de Medicina
de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro tem uma estrutura de recursos
humanos e materiais muito boa funciona em horaacuterio estendido das 0800 agraves 2000hs
facilitando assim o acesso dos usuaacuterios que trabalham em horaacuterio comercial Mas a alta
rotatividade dos profissionais principalmente dos meacutedicos residentes eacute uma queixa frequente
dos usuaacuterios como apontado nas entrevistas pelos agentes comunitaacuterios de sauacutede e teacutecnicos
de enfermagem o que acaba interferindo no princiacutepio da longitudinalidade Os meacutedicos
preceptores embora defendam essa forma de organizaccedilatildeo caiacuteram numa contradiccedilatildeo quando
em seus discursos sinalizaram que a sauacutede da famiacutelia eacute como vinho quanto mais tempo
melhor
Um ponto de destaque que encontrei nas entrevistas e necessita de mais estudos para
melhor investigaccedilatildeo foi a criacutetica de que o tempo meacutedio de duraccedilatildeo de um meacutedico de famiacutelia
seria de 5 (cinco) anos tamanha a sobrecarga de trabalho devido agrave alta taxa de adoecimento
da populaccedilatildeo a falta de articulaccedilatildeo entre os serviccedilos ou seja os niacuteveis de atenccedilatildeo totalmente
desarticulados Nesse contexto como a Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede vai ser coordenadora do
cuidado de se natildeo haacute uma rede de sauacutede estruturada E como o meacutedico de famiacutelia vai
144
conseguir suportar toda essa demanda Foram alguns dos questionamentos dos meacutedicos
residentes O adoecimento dos agentes comunitaacuterios de sauacutede pela sobrecarga de trabalho
apareceu na entrevista com esses profissionais Assim como no discurso dos teacutecnicos de
enfermagem a queixa da sobrecarga de trabalho esteve presente
Uma abordagem de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede poderaacute ser eficaz para
defender a vida para diminuir a dor e o sofrimento extremo a partir de uma reflexatildeo de que
diversos fatores estatildeo envolvidos neste processo que vatildeo desde as condiccedilotildees econocircmicas e
sociais da populaccedilatildeo passando por questotildees ligadas agrave subjetividade contemporacircnea pela
maneira como estatildeo organizados os serviccedilos e que tipos de demanda induzem ateacute a
capacitaccedilatildeo dos profissionais envolvidos nessa tarefa com apoio e financiamento da gestatildeo
Atualmente uma das grandes questotildees para uma atenccedilatildeo em sauacutede mental puacuteblica e de
qualidade eacute definir o limite de suas prestaccedilotildees que tipo de problemas devem ser atendidos
nos serviccedilos de sauacutede mental e quais outros supotildee um mal-estar da vida cotidiana e portanto
natildeo deveriam ser objeto da atenccedilatildeo de sauacutede especifica Quais satildeo os limites do sofrimento
ou do transtorno mental Qualquer sofrimento psicoloacutegico deve ser objeto de atenccedilatildeo em
sauacutede Quais satildeo as prestaccedilotildees de sauacutede que um sistema puacuteblico responsaacutevel e bem
organizado deve garantir
Colocar essas questotildees eacute de suma importacircncia nesse contexto de crise econocircmica e
poliacutetica ndash onde o SUS puacuteblico e universal estaacute ameaccedilado com cortes no orccedilamento e
aprovaccedilatildeo da PEC 55 Que tipo de atenccedilatildeo em sauacutede mental justa deveraacute ser feita pelos
sistemas puacuteblicos de sauacutede nas proacuteximas deacutecadas
De acordo com Retolaza (2013) os partidaacuterios de uma concepccedilatildeo biomeacutedica positivista
tem isso muito claro tem que prestar assistecircncia somente para aqueles que tem doenccedila que
possa ser medicamente catalogada e definida como doenccedila Mas natildeo eacute faacutecil definir o que eacute
doenccedila e o que natildeo eacute especialmente em uma sociedade que medicaliza o sofrimento e as
dificuldades da existecircncia passando para a sauacutede (e natildeo soacute para a psiquiatria) a atenccedilatildeo e o
cuidado de disfunccedilotildees sociais de todo o tipo Para o sistema privado desde que haja um preccedilo
acertado pouco importa aonde comeccedila e termina a doenccedila Se pode se pagar haacute tratamento
se natildeo natildeo haacute
Esse eacute o desafio que estaacute colocado natildeo soacute para a APS mas para o nosso SUS que
convive com a expansatildeo do sistema privado e dos grandes conglomerados de planos privados
de sauacutede
As limitaccedilotildees desse estudo foram o cenaacuterio do estudo foi uma Cliacutenica da Famiacutelia
cenaacuterio de praacutetica da Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio
145
de Janeiro considerada uma unidade modelo pela Secretaria Municipal de Sauacutede localizada
na zona sul (AP 21) uma aacuterea rica em equipamentos de sauacutede E apenas os profissionais
foram entrevistados perfazendo um total de 22 participantes quando se tivesse oportunidade
e tempo haacutebil para entrevistar os usuaacuterios seria mais enriquecedor
Como recomendaccedilatildeo sugiro que essa pesquisa seja replicada em outras Cliacutenicas da
Famiacutelia nas diferentes Aacutereas Programaacuteticas da cidade a fim de comparar os resultados
encontrados que os usuaacuterios sejam entrevistados a respeito do cuidado em sauacutede mental
ofertado na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e suas expectativas sobre o comportamento que os
profissionais e esses serviccedilos devem ter na prestaccedilatildeo desse cuidado E por fim um estudo
com os psiquiatras matriciadores para investigar a percepccedilatildeo deles na comunicaccedilatildeo e no
acompanhamento dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental com a equipe da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
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APENDICE I ndash Roteiro de Entrevista
Iniciais do nome
Idade Sexo Estado Civil Natural de
Formaccedilatildeo profissional Tempo de formaccedilatildeo
Poacutes-graduaccedilatildeo Sim ( ) Aacuterea_______________ Natildeo ( )
Tempo de atuaccedilatildeo na ESF
Teve ou tem algum tipo de treinamento curso ou apoio para accedilotildees de sauacutede mental
1) O que eacute para vocecirc trabalhar na ESF
- Por quecomo veio trabalhar (motivaccedilatildeo)
- Como eacute a sua rotina de trabalho
- O que caracteriza o seu trabalho na ESF
- Qual eacute a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede
- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria da ESF
2) O que vocecirc considera como ldquocaso de Sauacutede Mentalrdquo na populaccedilatildeo adulta assistida pela
sua equipe da ESF
- Como identifica acolhe acompanha eou encaminha
- Se encaminha para onde
- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria do atendimento agrave Sauacutede Mental na
ESF
161
APENDICE II ndash Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) Prezado participante
Vocecirc estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa ldquoOs sentidos atribuiacutedos pelos
profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos casos de Sauacutede Mentalrdquo desenvolvida
por Vanessa Andrade Martins Pinto discente de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica da Escola
Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (ENSPFIOCRUZ)
sob orientaccedilatildeo do Professor Dr Paulo Duarte de Carvalho Amarante e coorientaccedilatildeo da
Professora Drordf Ana Elisa Bastos Figueiredo
O objetivo central do estudo eacute Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da
Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca do que apreendem como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo na
populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio
do Rio de Janeiro
Vocecirc estar sendo convidado a participar desse estudo por trabalhar na Estrateacutegia de Sauacutede
da Famiacutelia haacute mais de seis (6) meses
O convite a sua participaccedilatildeo se deve agrave sua praacutetica na Equipe de Estrateacutegia de Sauacutede da
Famiacutelia no territoacuterio adscrito
Sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria isto eacute ela natildeo eacute obrigatoacuteria e vocecirc tem plena autonomia
para decidir se quer ou natildeo participar bem como retirar sua participaccedilatildeo a qualquer momento
Vocecirc natildeo seraacute penalizado de nenhuma maneira caso decida natildeo consentir sua participaccedilatildeo ou
desistir da mesma Contudo ela eacute muito importante para a execuccedilatildeo da pesquisa
Seratildeo garantidas a confidencialidade e a privacidade das informaccedilotildees por vocecirc
prestadas uma vez que qualquer dado que possa identificaacute-lo seraacute omitido na divulgaccedilatildeo dos
resultados da pesquisa As entrevistas seratildeo transcritas e todo o material seraacute armazenado em
arquivos digitais seguros aos quais somente teratildeo acesso eu como pesquisadora meu
orientador e minha co-orientadora
A qualquer momento durante a pesquisa ou posteriormente vocecirc poderaacute solicitar da
pesquisadora informaccedilotildees sobre sua participaccedilatildeo eou sobre a pesquisa o que poderaacute ser feito
atraveacutes dos meios de contato explicitados neste Termo
A sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder perguntas de um roteiro de entrevista com
questotildees norteadoras agrave pesquisadora do projeto A gravaccedilatildeo de toda a entrevista eacute condiccedilatildeo
necessaacuteria agrave sua participaccedilatildeo
O tempo de duraccedilatildeo da entrevista eacute de aproximadamente trinta minutos As entrevistas
seratildeo realizadas em local apropriado com somente a sua presenccedila e a da pesquisadora
Ao teacutermino da pesquisa todo material seraacute mantido em arquivo por pelo menos cinco
(5) anos conforme Resoluccedilatildeo 46612 e orientaccedilotildees do CEPENSP
O benefiacutecio direto relacionado com a sua colaboraccedilatildeo nesta pesquisa eacute o de reflexatildeo
sobre o seu proacuteprio processo de trabalho e da sua equipe O que indiretamente poderaacute
influenciar na melhoria da qualidade do cuidado em sauacutede mental aos usuaacuterios adscritos em
seu territoacuterio de responsabilidade
Rubrica do Participante ____________
Rubrica do Pesquisador ___________
(1-2)
162
O risco da sua participaccedilatildeo neste estudo pode ser de constrangimento durante as
entrevistas Nesse caso seraacute sugerido uma pausa ou retorno em outro momento ou ateacute mesmo
a desistecircncia em vocecirc responder a entrevista Outro risco pode ser de sua identificaccedilatildeo como
participante da pesquisa O que seraacute minimizado ao realizarmos uma anaacutelise em conjunto dos
dados coletados na entrevista impossibilitando assim atribuiccedilatildeo individual aos seus
depoimentos
Esse Termo eacute redigido em duas (2) vias uma (1) para vocecirc participante e outra para a
pesquisadora responsaacutevel pela pesquisa Devendo obrigatoriamente todas as paacuteginas serem
rubricadas por vocecirc participante e pela pesquisadora sendo que a uacuteltima paacutegina deve conter
sua assinatura assim como da pesquisadora do estudo
Em caso de duacutevida quanto agrave conduccedilatildeo eacutetica do estudo entre em contato com o Comitecirc
de Eacutetica em Pesquisa da ENSP O Comitecirc de Eacutetica eacute a instacircncia que tem por objetivo defender
os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no
desenvolvimento da pesquisa dentro de padrotildees eacuteticos Dessa forma o comitecirc tem o papel de
avaliar e monitorar o andamento do projeto de modo que a pesquisa respeite os princiacutepios
eacuteticos de proteccedilatildeo aos direitos humanos da dignidade da autonomia da natildeo maleficecircncia da
confidencialidade e da privacidade
Tel e Fax - (0XX) 21- 25982863
E-Mail cepenspfiocruzbr
httpwwwenspfiocruzbretica
Endereccedilo Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca FIOCRUZ Rua Leopoldo
Bulhotildees 1480 ndashTeacuterreo - Manguinhos - Rio de Janeiro ndash RJ - CEP 21041-210
___________________________________________
Vanessa Andrade Martins Pinto (Pesquisadora)
Laboratoacuterio de Estudos e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial
LAPSENSPFiocruz Avenida Brasil 4036506 CEP 21040-361 - Manguinhos - Rio de
Janeiro ndash RJ Telefone (21) 3882-9105 E-mail vanessaampgmailcom
RIO DE JANEIRO ____ de _______________ 2015
Declaro que entendi os objetivos e condiccedilotildees de minha participaccedilatildeo na pesquisa e concordo
em participar
_________________________________________
(Assinatura do participante da pesquisa)
Nome do participante _____________________________________________
Rubrica do Participante ____________
Rubrica da Pesquisadora _____________
(2-2)
Vanessa Andrade Martins Pinto
Os Sentidos Atribuiacutedos pelos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo
de Sauacutede Mental
T
Tese apresentada ao Programa de Poacutes-
graduaccedilatildeo em Sauacutede Puacuteblica da Escola
Nacional de Sauacutede Seacutergio Arouca na
Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz como requisito
parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em
Sauacutede Puacuteblica Aacuterea de concentraccedilatildeo Sauacutede
Mental
Orientador Prof Drordm Paulo Duarte de
Carvalho Amarante
Coorientadora Profordf Drordf Ana Elisa Bastos
Figueiredo
Rio de Janeiro
2017
Catalogaccedilatildeo na fonte
Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz
Instituto de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo Cientiacutefica e Tecnoloacutegica
Biblioteca de Sauacutede Puacuteblica
P659s Pinto Vanessa Andrade Martins
Os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede
da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo de sauacutede mental Vanessa Andrade
Martins Pinto -- 2017
162 f tab graf
Orientador Paulo Duarte de Carvalho Amarante
Coorientadora Ana Elisa Bastos Figueiredo
Tese (Doutorado) ndash Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz Escola Nacional
de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca Rio de Janeiro 2017
Vanessa Andrade Martins Pinto
Os Sentidos Atribuiacutedos pelos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo
de Sauacutede Mental
Tese apresentada ao Programa de Poacutes-
graduaccedilatildeo em Sauacutede Puacuteblica da Escola
Nacional de Sauacutede Seacutergio Arouca na
Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz como requisito
parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em
Sauacutede Puacuteblica Aacuterea de concentraccedilatildeo Sauacutede
Mental
Aprovada em 07 de Abril de 2017
Banca Examinadora
Prof Drordf Anna Luiza Castro Gomes
CCSUFPB
Profordm Drordm Cesar Augusto Orazem Favoreto
FCMUERJ
Profordf Drordf Elyne Montenegro Engstrom
ENSPFIOCRUZ
Profordf Drordf Maacutercia Cristina Rodrigues Fausto
ENSPFIOCRUZ
Profordm Drordm Paulo Duarte de Carvalho Amarante
ENSPFIOCRUZ
Rio de Janeiro
2017
Aos meus pais Neuza e Luiz Gonzaga (in memoriam)
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeccedilo a Deus pela forccedila e sabedoria na realizaccedilatildeo de mais um
projeto
Difiacutecil seria aqui nomear a todos que direta e indiretamente contribuiacuteram para que
este trabalho pudesse se concretizar
Ao meu orientador e mestre Paulo Amarante uma pessoa insubstituiacutevel Sua
capacidade de lutar pela vida eacute fantaacutestica Acima de tudo me ensinou o valor da vida e a
importacircncia da luta por uma sociedade onde as diferenccedilas sejam respeitadas e natildeo
desprezadas O final do ano de 2013 e inicio do ano de 2014 foram periacuteodos muito nebulosos
mas que conseguimos superar com feacute e esperanccedila
Agrave minha segunda orientadora Ana Elisa pelo acolhimento desde o primeiro contato
em sua disciplina ateacute a extensatildeo em sua casa onde passamos diversas tardes de extensas
leituras e reflexotildees Foi imprescindiacutevel
Agrave minha turma do doutorado e ao nosso coletivo de pesquisa ndash Laboratoacuterio de Estudos
e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial (Laps) pelas valiosas contribuiccedilotildees e
encorajamento para seguir em frente
Agrave toda a equipe da Cliacutenica da Famiacutelia participantes desse estudo que me recebeu
generosamente abrindo-se agraves reflexotildees dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Agraves minhas chefias do Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ e do Hospital Municipal
Rocha Maia pela compreensatildeo nesse periacuteodo que estive dividida entre o cotidiano laboral e a
pesquisa
Aos meus familiares e amigos que participaram desta jornada em diferentes
momentos estando proacuteximos ou a distacircncia que foram apoio suportando as minhas loucuras
nessa empreitada sem os quais nada teria sentido
Quando suportamos a posiccedilatildeo de cuidador navegamos por aacuteguas escuras e operamos
manobras de alta complexidade
LANCETTI 2014 p107
RESUMO
Foi realizado um estudo de natureza qualitativa do tipo estudo de caso descritivo-
analiacutetico em uma Cliacutenica da Famiacutelia na zona sul da cidade do Rio de Janeiro Com o objetivo
geral de estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
(ESF) acerca do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do
territoacuterio de sua responsabilidade A coleta de dados incluiu dois instrumentos diaacuterio de
campo e entrevistas semi-estruturadas Foram entrevistados vinte e dois (22) profissionais
nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) cinco (5) meacutedicos residentes trecircs (3)
enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores Utilizou-se a
teacutecnica de Anaacutelise do Discurso como referencial teoacuterico-metodoloacutegico As denominaccedilotildees
utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasordquo de sauacutede mental se relacionaram
principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade sofrimento psiacutequico e todo
caso pode ser um caso de sauacutede mental Os meacutedicos residentes utilizaram-se de termos
teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da
psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda
euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico Os enfermeiros
tambeacutem usaram termos teacutecnicos psiquiaacutetricos Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico
esquizofrenia ansiedade doenccedila mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais
ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias
desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Os teacutecnicos de enfermagem trouxeram uma
visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia
comportamentos estereotipados Jaacute os agentes comunitaacuterios de sauacutede foram os trabalhadores
que menos utilizaram termos diagnoacutesticos e trouxeram um entendimento mais amplo das
vaacuterias situaccedilotildees da vida estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho
casamento mal sucedido crianccedilas com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo
econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou social desagregador Apesar dos discursos dos
profissionais mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na
Cliacutenica da Famiacutelia estudada reuniatildeo semanal de equipe com discussatildeo conjunta dos casos a
relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila o
deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e desmedicalizantes
Palavras-chave Sauacutede Mental Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede Integralidade em Sauacutede Equipe
Multidisciplinar
ABSTRACT
A qualitative descriptive-analytical case study was carried out at a Family Clinic in
the southern area of Rio de Janeiro city The general objective was to study the meanings
attributed by Family Health Strategy (ESF) professionals on what they perceive as mental
health cases in the adult population in the territory of their responsibility Data collection
included two instruments field journal and semi-structured interviews Twenty-two (22)
professionals were interviewed nine (9) community health agents (ACS) five (5) resident
physicians three (3) nurses three (3) nursing technicians and two (2) preceptor physicians
The Discourse Analysis technique was used as a theoretical-methodological reference The
names used by preceptor physicians to name a mental health case were mainly related to
the field of Family and Community Medicine psychological suffering and any case can be a
case of mental health Resident physicians either used technical terms or made some
correlation with the nosographic categories of the field of psychiatry schizophrenia
hallucinations anxiety disorder deep depression euphoria except in a speech where the
term psychic suffering was used The nurses also used psychiatric technical terms simple
depression panic syndrome schizophrenia anxiety mental illness except in a speech that
addressed a broader view correlated with the discomforts of life (relationship difficulties
unstructured families violence and drug use) The nursing technicians brought a vision of
the asylum mode with emphasis on psychotropic medication stereotyped behaviors family
tutelage and family dependence Community health agents were the ones to least use
diagnostic terms and to bring a broader understanding of various life situations stress
violence drug addiction job problems unsuccessful marriage children with social
relationship difficulties the economic crisis family or social isolating environments Despite
the assessment of the professionals indicative changes in clinical practice were observed in
the Family Clinic under scrutiny weekly team meetings for joint discussion of the cases the
professional focus centered on the patient and their family nucleus instead of the disease the
shift from individual consultation to more collective and de-medicalizing practices
Keywords Mental Health Primary Health Care Integrality in Health Multidisciplinary
Team
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Quadro 1 ndash Os Movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo 30
Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede 36
Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 89
Meacutedicos Preceptores
Figura 2 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 99
Meacutedicos Residentes
Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 111
Enfermeiros
Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 120
Teacutecnicos de Enfermagem
Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 127
Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABS Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede
ACS Agente Comunitaacuterio de Sauacutede
APS Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
AM Apoio Matricial
UBS Unidade Baacutesica de Sauacutede
CID-10 Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados
com a Sauacutede em sua deacutecima ediccedilatildeo
CF Cliacutenica da Famiacutelia
CNSM Conferencia Nacional de Sauacutede Mental
DAB Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica
DSM Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais
ESB Equipe de Sauacutede Bucal
ESF Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
EqSF Equipe de Sauacutede da Famiacutelia
MS Ministeacuterio da Sauacutede
MFC Medicina de Famiacutelia e Comunidade
NASF Nuacutecleo de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia
NOB Norma Operacional Baacutesica
OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
OPAS Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede
OS Organizaccedilatildeo Social
OTICS Observatoacuterio de Tecnologias de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Serviccedilos de
Sauacutede no Rio de Janeiro
PMAQ-AB Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica
PNAB Programa Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica
PNAC Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede
PRMFC Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade
PSF Programa de Sauacutede da Famiacutelia
RAPS Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial
SAS Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede
SF Sauacutede da Famiacutelia
SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede
SUMAacuteRIO
1 APRESENTACcedilAtildeO
11 Trajetoacuteria e motivaccedilatildeo 12
2 INTRODUCcedilAtildeO 13
3 OBJETIVOS 31 Objetivo geral 20
32 Objetivos especiacuteficos 20
4 QUADRO TEOacuteRICO
41 Definiccedilatildeo de Termos 20
42 Modelos de Atenccedilatildeo em Sauacutede 29
43 Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede 34
44 A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 42
45 Os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 51
46 Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental Transformaccedilotildees de Paradigma 57
47 Medicalizaccedilatildeo do Social 60
48 Meacutetodo Cliacutenico Centrado na Pessoa 66
5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS
51 Etapas do estudo 71
52 Tipo de Estudo 72
53 Campo do Estudo 72
54 Participantes do Estudo 74
55 Procedimento para coleta dos dados 74
56 Forma de Anaacutelise dos dados 75
57 Aspectos Eacuteticos 77
6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
61 Descrevendo o Campo 78
62 Anaacutelise das entrevistas 82
621 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Preceptores 89
622 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Residentes 99
623 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Enfermeiros 111
624 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Teacutecnicos de Enfermagem 120
625 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede 127
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 138
REFEREcircNCIAS 146
APENDICES
APENDICE I - Roteiro de Entrevista 160
APENDICE II - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 161
12
1 APRESENTACcedilAtildeO
11 Trajetoacuteria e Motivaccedilatildeo
A opccedilatildeo pelo tema parece-me uma escolha coerente com minha histoacuteria recente e com
as atividades que venho desenvolvendo no aprimoramento multiprofissional Descobri o
Campo da Sauacutede Mental e da Atenccedilatildeo Psicossocial ao final da minha graduaccedilatildeo em
Enfermagem e Obstetriacutecia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Momento no
qual resolvi prestar concurso para Residecircncia Multiprofissional de Sauacutede Mental pela
Secretaria Municipal de Sauacutede Fui aprovada e iniciei o curso aprendi e visualizei a
importacircncia do trabalho multidisciplinar e a impossibilidade de se trabalhar em sauacutede sem
uma visatildeo integral que implicasse em uma rede de cuidados
Tive a oportunidade tambeacutem de ser aprovada no concurso para enfermeira da UFRJ e
pude ter o privileacutegio de escolher trabalhar no Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ Dei
continuidade ao que me interessava no cuidado em sauacutede mental em participaccedilotildees no
Laboratoacuterio de Pesquisa em Enfermagem em Psiquiatria e Sauacutede Mental (LAPEPS) agrave eacutepoca
coordenado pela Professora Cristina Loyola quando pude comeccedilar a aprender como
funcionam as investigaccedilotildees cientiacuteficas e os processos de coleta de dados Iniciei meu
mestrado nesse laboratoacuterio na linha de pesquisa ldquoArte e Sauacutede Mentalrdquo com o estudo
ldquoOficinas Terapecircuticas em Sauacutede Mental um olhar na perspectiva dos usuaacuterios do CAPSrdquo
realizado em um Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial na zona norte da cidade do Rio de Janeiro
Ao final do mestrado junto a minha experiecircncia de atuaccedilatildeo em um ambulatoacuterio
especializado de psiquiatria e mais recentemente na coordenaccedilatildeo de um projeto piloto na
porta de entrada denominado ldquoGrupo de Recepccedilatildeo e Encaminhamentordquo que tem como
proposta fazer com que as demandas solicitadas via Sistema de Regulaccedilatildeo (SISREG) do
Municiacutepio do Rio de Janeiro e demandas espontacircneas para atendimento especializado de
psiquiatria sejam acolhidas de acordo com a necessidade de cada usuaacuterio respectivo territoacuterio
e serviccedilos de referecircncia considerando a Portaria nordm 4279GMMS de 30 de dezembro de
2010 que estabelece diretrizes para a organizaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede E mais
especificamente agrave Portaria nordm 3088 de 23 de dezembro de 2011 que Institui a Rede de
Atenccedilatildeo Psicossocial
Nos primeiros cinco meses de funcionamento desse projeto piloto do total de 142
agendamentos 57 compareceram e apenas 08 foram inseridos em nosso ambulatoacuterio
especializado As inuacutemeras dificuldades econocircmicas de transporte e de locomoccedilatildeo
comprometem o acesso da populaccedilatildeo a serviccedilos especializados Nesse momento comecei a
questionar como equipamentos mais proacuteximos do local de residecircncia como a Estrateacutegia
13
Sauacutede da Famiacutelia (ESF) poderiam contribuir de forma mais decisiva para o cuidado das
pessoas em sofrimento psiacutequico Nesse contexto comecei a elaborar meu projeto de
doutorado em busca de conhecer inicialmente a articulaccedilatildeo da sauacutede mental com a atenccedilatildeo
primaacuteria em um territoacuterio de alta vulnerabilidade social
Apoacutes o ingresso no Curso de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica com o desenvolvimento
das leituras e colaboraccedilatildeo das disciplinas cursadas percebi que seria mais viaacutevel e produtivo
primeiro investigar qual a compreensatildeo dos profissionais da ESF sobre o seu trabalho para
depois inferir o que consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental no acircmbito de suas accedilotildees Para
entatildeo perguntar como eacute o acompanhamento dessas pessoas por parte das equipes da ESF
(orientaccedilotildees procedimentos e relaccedilotildees intra e interinstitucionais) Essa descriccedilatildeo pode
permitir em uacuteltima instacircncia situar em que medida as equipes da ESF estabelecem relaccedilotildees
de troca com as equipes de sauacutede mental e com a rede de atenccedilatildeo em sauacutede do territoacuterio sob
sua responsabilidade
2 INTRODUCcedilAtildeO
Na uacuteltima deacutecada a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o Movimento da Reforma
Psiquiaacutetrica Brasileira tecircm trazido contribuiccedilotildees importantes no sentido da reformulaccedilatildeo do
modelo de atenccedilatildeo em sauacutede no paiacutes Ambos defendem os princiacutepios baacutesicos do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) e propotildeem uma mudanccedila radical no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede
privilegiando a descentralizaccedilatildeo a abordagem comunitaacuteriafamiliar promoccedilatildeo da cidadania e
construccedilatildeo da autonomia possiacutevel de usuaacuterios e familiares
Aleacutem disso apontam para a criaccedilatildeo de uma rede de cuidados que se articularia no
territoacuterio atraveacutes da criaccedilatildeo de parcerias intersetoriais e intervenccedilotildees transversais de outras
poliacuteticas puacuteblicas de acordo com a IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM)
Brasil (2010) Em detrimento do modelo assistencial biomeacutedico caracterizado pelo
atendimento agrave demanda espontacircnea eminentemente curativo hospitalocecircntrico de alto custo
e de baixa resolutividade Essas poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede vecircm trazendo grandes avanccedilos no
processo de municipalizaccedilatildeo da sauacutede contribuindo para a transformaccedilatildeo do modelo de
atenccedilatildeo vigente em nosso paiacutes e para a consolidaccedilatildeo de outros modos de se pensar e agir em
sauacutede que consideram sobretudo a cliacutenica do sujeito isto eacute que incluem aleacutem da doenccedila o
contexto e o proacuteprio sujeito (CAMPOS 2003)
Na deacutecada de 1970 a Conferecircncia de Alma Ata alertou para a necessidade de rever a
organizaccedilatildeo dos sistemas de sauacutede no mundo redirecionando-os para Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave
Sauacutede (APS) valorizando a assistecircncia no territoacuterio com estiacutemulo agrave promoccedilatildeo da sauacutede e
14
prevenccedilatildeo de doenccedilas Gerando as bases para que a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS)
desenvolvesse em 1981 a estrateacutegia ldquoSauacutede para Todos no Ano 2000rdquo que influiu no
desenvolvimento de curriacuteculos orientados para temas comunitaacuterios e a implantaccedilatildeo de novas
aacutereas de ensino voltadas para a educaccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede
Segundo Barbara Starfield (2002) estudiosa da APS na atualidade a APS eacute o primeiro
contato da assistecircncia continuada centrada na pessoa de forma a satisfazer suas necessidades
de sauacutede promovendo atenccedilatildeo longitudinal coordenando o cuidado e ampliando a oferta de
acesso agrave sauacutede Starfield sugere entatildeo os seguintes atributos para as praacuteticas da atenccedilatildeo
primaacuteria primeiro contato longitudinalidade integralidade e coordenaccedilatildeo
Embora muitos paiacuteses do mundo jaacute tenham adotado a atenccedilatildeo primaacuteria como
estrateacutegia chave na organizaccedilatildeo de seu sistema de sauacutede alguns mais recentemente vem-se
destacando na conduccedilatildeo de estudos que articulam estrateacutegias assistenciais e educacionais com
enfoque na sauacutede mental Nessa esfera do conhecimento paiacuteses como Canadaacute Austraacutelia e
Chile tecircm contribuiacutedo de forma valiosa (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)
Esses mesmos autores destacam que a Inglaterra por sua vez haacute mais de 20 anos tem
se consolidado como o local de maior tradiccedilatildeo de pesquisa em estrateacutegias educacionais em
sauacutede mental dirigidas para a atenccedilatildeo primaacuteria O primeiro estudo mais aprofundado sobre o
tema foi publicado na deacutecada de 1980 pelos professores Goldberg et al (1980) vinculados ao
Instituto de Psiquiatria de Londres Outros trabalhos identificaram que aspectos da
personalidade dos cliacutenicos gerais bem como suas habilidades na conduccedilatildeo da entrevista
cliacutenica eram fatores determinantes na capacidade desses cliacutenicos em identificar distuacuterbios
emocionais em seus pacientes
Outro centro de grande importacircncia na pesquisa educacional em sauacutede mental para a
atenccedilatildeo primaacuteria eacute o Departamento de Psiquiatria da Universidade de Manchester O grupo de
pesquisadores dessa Instituiccedilatildeo coordenado pela professora Linda Gask trabalha em
conjunto com o Instituto de Psiquiatria de Londres e possui vasta experiecircncia na conduccedilatildeo
bem como na avaliaccedilatildeo de cursos de sauacutede mental direcionados para profissionais da atenccedilatildeo
primaacuteria (GOLDBERG et al 1980)
No Reino Unido alguns dos programas mais recentes de capacitaccedilatildeo estatildeo
organizados por meio de momentos de concentraccedilatildeo mediados por facilitadores quando
profissionais de atenccedilatildeo primaacuteria (meacutedicos e enfermeiros) desenvolvem projetos
compartilhados com membros das equipes de sauacutede mental (psiquiatras enfermeiras
psiquiaacutetricas e psicoacutelogos) a partir das demandas concretas da assistecircncia satildeo constituiacutedos
planos de cuidados compartilhados o que acaba produzindo accedilotildees criativas junto aos
15
usuaacuterios ao mesmo tempo em que satildeo instituiacutedos novos canais de comunicaccedilatildeo entre as
unidades baacutesicas de sauacutede e os centros comunitaacuterios de sauacutede mental (PEREIRA COSTA amp
MEGALE 2012)
Em 2001 a OMS propocircs no relatoacuterio sobre a sauacutede no mundo - Sauacutede mental nova
concepccedilatildeo nova esperanccedila que os transtornos mentais sejam diagnosticados e tratados por
cliacutenicos gerais Para isso os cliacutenicos recebiam treinamentos e aprendiam os criteacuterios
diagnoacutesticos supostamente objetivos do Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais (DSM) para em seguida
comeccedilarem a diagnosticar e tratar pacientes isto eacute a prescrever medicamentos Zarifian 2003
apud Burkley 2009 indica que paiacuteses como a Franccedila onde jaacute existe haacute mais tempo uma
campanha para que cliacutenicos gerais atendam casos de transtorno mental 80 dos diagnoacutesticos
e prescriccedilotildees de psicotroacutepicos satildeo feitos por generalistas Em 2003 apenas 15 dos pacientes
com diagnoacutestico de depressatildeo se dirigiam a um psiquiatra enquanto os outros 85 eram
tratados por cliacutenicos gerais (PIGNARRE 2003 apud BURKLEY 2009)
Faz-se importante tambeacutem destacar que as primeiras iniciativas de se trabalhar a sauacutede
mental inserida nas comunidades aconteceram na Europa e Estados Unidos e apesar do
caraacuteter controlador que essas praacuteticas assumiam no sentido de medicalizar os problemas da
vida ainda assim puderam ser consideradas inovadoras na medida em que mudaram o setting
terapecircutico do cuidado do hospital psiquiaacutetrico para a comunidade minimizando o estigma e
a discriminaccedilatildeo (HOCHMANN 1972)
Segundo um grupo de estudos da OMS que se deteve no desenvolvimento de cuidados
de sauacutede mental para a APS a formaccedilatildeo e treinamento dos meacutedicos de famiacutelia devem ter
como enfoque a relaccedilatildeo meacutedicopaciente as teacutecnicas e praacuteticas do trabalho em equipe e o
desenvolvimento da capacidade para ouvir e se comunicar (OMS 2001)
Em alguns paiacuteses da Ameacuterica Latina entre eles o Brasil as accedilotildees da APS foram
induzidas por agecircncias internacionais entre elas United Nations Childrens Fund (UNICEF) e
Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPAS) reduzindo seus valores princiacutepios e bases
conceituais instituiacutedas em Alma-Ata (OMS 1978) a programas seletivos simplificados e
desvinculados das accedilotildees realizadas em outros niacuteveis de atenccedilatildeo Testa (1992) discorre que
esta poliacutetica quando adotada de forma restritiva torna a medicina pobre para os pobres como
poliacutetica racional e econocircmica de accedilotildees promovidas pelo Estado
Para distinguir a concepccedilatildeo seletiva da APS no Brasil o Ministeacuterio da Sauacutede passou a
utilizar o termo ldquoAtenccedilatildeo Baacutesicardquo definida como ldquoum conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito
individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos
16
o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutederdquo
Brasil (2006) Poreacutem neste estudo optou-se por utilizar o termo equivalente Atenccedilatildeo
Primaacuteria agrave Sauacutede como considerado na atual Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica e
reconhecido internacionalmente Essa Poliacutetica tem na Sauacutede da Famiacutelia sua estrateacutegia
prioritaacuteria para expansatildeo e consolidaccedilatildeo da APS (BRASIL 2012)
A inserccedilatildeo dos cuidados comunitaacuterios de sauacutede mental no Brasil foi incorporada e
veiculadas pelo movimento da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira que nasceu no bojo da
Reforma Sanitaacuteria tendo guardado consigo princiacutepios e diretrizes que orientam esta uacuteltima
em especial a universalidade integralidade descentralizaccedilatildeo e participaccedilatildeo popular A ideacuteia eacute
que os profissionais da APS possam se responsabilizar pelo cuidado em sauacutede mental Mas a
que se considerar que a proposta da sauacutede mental nos cuidados primaacuterios numa abordagem
exclusivamente bioloacutegica corre o risco de acarretar uma medicalizaccedilatildeo cotidiana
Segundo Souza (2012) a proposta que hoje estaacute consolidada como uma das diretrizes
da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Mental em nosso paiacutes ndash a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental
na atenccedilatildeo primaacuteria ndash pode ter comeccedilado a ser desenhada desde 1990 quando a Declaraccedilatildeo
de Caracas privilegiou os Sistemas Locais de Sauacutede como espaccedilo privilegiado para o
desenvolvimento das accedilotildees de sauacutede mental A autora ressalta que na II Conferecircncia Nacional
de Sauacutede Mental realizada em 1992 tambeacutem foi enfatizada a importacircncia da aproximaccedilatildeo
com a comunidade tendo como eixo os princiacutepios da desinstitucionalizaccedilatildeo e do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) Nesta Conferecircncia ainda se destacou a necessidade de capacitaccedilatildeo dos
Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) para o atendimento em sauacutede mental Nesse mesmo
ano a publicaccedilatildeo da PortariaSNAS nordm 224 estabelecia as diretrizes para o funcionamento dos
hospitais-dia e ambulatoacuterios e apontava para a necessidade de maior integraccedilatildeo com a
comunidade e inserccedilatildeo das pessoas em sofrimento psiacutequico nas redes sociais aleacutem de
normatizar o atendimento em sauacutede mental nas redes do SUS (BRASIL 1992)
A III Conferecircncia Nacional de Sauacutede Mental que foi realizada somente em 2001
reiterou a necessidade de ampliar as accedilotildees de sauacutede mental para o eixo territorial e
intensificou o debate sobre a importacircncia da reorientaccedilatildeo do modelo assistencial Nesta
Conferecircncia ficou estabelecido que uma estrateacutegia a ser adotada para a reversatildeo do modelo
assistencial seria a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria o que pode ser
considerado como afirma Souza (2012) uma estrateacutegia para se alcanccedilar a integralidade no
atendimento agraves questotildees relacionadas agrave sauacutede mental Aleacutem disso tambeacutem em 2001 foi
sancionada a Lei 10216 que afirma os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais
e redireciona o modelo assistencial em sauacutede mental
17
Na avaliaccedilatildeo de um treinamento em cuidados primaacuterios agrave sauacutede mental para meacutedicos
dos serviccedilos primaacuterios de sauacutede no Brasil Ballester (1996) defende tambeacutem a capacitaccedilatildeo em
psicofarmacologia no entanto argumenta que a ecircnfase na abordagem farmacoloacutegica pode
gerar certa ldquomedicalizaccedilatildeordquo da populaccedilatildeo atendida no primeiro momento jaacute que o
treinamento em sauacutede mental poderaacute resultar em um maior nuacutemero de transtornos mentais
diagnosticados Por essa razatildeo eacute necessaacuterio que haja o aperfeiccediloamento da capacidade dos
meacutedicos de distinguir entre problemas existenciais situaccedilotildees estressantes da vida problemas
de viacutenculo familiar e social dos transtornos mentais propriamente ditos para que natildeo ocorram
prescriccedilotildees desnecessaacuterias (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)
Em um estudo mais recente Ballester e colaboradores (2005) estudaram 41 cliacutenicos
gerais que atuavam na atenccedilatildeo primaacuteria em duas cidades da regiatildeo Sul do Brasil com o
intuito de identificar possiacuteveis barreiras no atendimento aos portadores de transtornos
mentais Apoacutes a conduccedilatildeo de grupos focais anaacutelise de conteuacutedo do material transcrito e
revisatildeo da literatura atual os autores chegaram agraves seguintes conclusotildees de cunho educacional
programas de formaccedilatildeo centrados exclusivamente no diagnoacutestico e no uso da medicaccedilatildeo
podem descaracterizar a atuaccedilatildeo do meacutedico na atenccedilatildeo primaacuteria cujo principal objetivo eacute
sustentar relacionamentos com pacientes portadores de problemas complexos com o intuito
de facilitar o atendimento e contribuir para com uma maior eficaacutecia no tratamento A
formaccedilatildeo em sauacutede mental oferecida nas escolas de medicina tem demonstrado notoacuteria
limitaccedilatildeo Alguns autores tecircm relatado modelos de integraccedilatildeo assistencialeducativa em sauacutede
mental no acircmbito da atenccedilatildeo primaacuteria alguns deles voltados para a integraccedilatildeo curricular de
residentes de psiquiatria e de medicina comunitaacuteria (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)
Fato interessante quando comparamos agrave experiecircncia de Satildeo Joseacute do Murialdo no Rio
Grande do Sul (RS) na deacutecada de 1970 que marcou a iniciativa de se trabalhar as accedilotildees de
sauacutede mental na comunidade em nosso paiacutes Esta surge basicamente como alternativa agrave
formaccedilatildeo meacutedica e natildeo como ao modelo assistencial Natildeo pretendia constituir-se em um
dispositivo substitutivo aos modelos vigentes de atenccedilatildeo agrave sauacutede Foi influenciado pelos
postulados da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede de Alma Ata e pelo modelo de serviccedilos de
medicina familiar do National Health System Inglecircs vinculado agrave Secretaria do Estado do RS e
estava conveniado a algumas universidades federais como a do RS marcando a importacircncia
de parcerias para o ecircxito da proposta Tambeacutem mantinha uma articulaccedilatildeo com o sistema local
de sauacutede e apresentava como caracteriacutesticas a multiprofissionalidade das accedilotildees a ecircnfase na
formaccedilatildeo de recursos humanos a participaccedilatildeo da comunidade e o desenvolvimento de
atividades de assistecircncia ensino e pesquisa Tendo o atendimento cliacutenico baseado no
18
acolhimento e na busca da resolutividade Suas accedilotildees pautavam-se nas visitas domiciliares na
educaccedilatildeo em sauacutede nos programas para grupos de risco e num menu tiacutepico da atenccedilatildeo
primaacuteria Esta experiecircncia foi marcada pelo seu pioneirismo pela resistecircncia aos modelos de
formaccedilatildeo vigentes e pela articulaccedilatildeo com o sistema de sauacutede local (SOUZA 2012)
Todavia o delineamento de uma proposta para a Sauacutede Mental na APS no Brasil pelo
Ministeacuterio da Sauacutede ganhou ecircnfase em 2003 com a ediccedilatildeo de uma Circular Conjunta da
Coordenaccedilatildeo de Sauacutede Mental e Coordenaccedilatildeo de Gestatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica nordm 0103 Brasil
2003 Tambeacutem muito mais tarde com a Portaria 154 de 2008 que criou o Nuacutecleo de Apoio agrave
Sauacutede da Famiacutelia (NASF) e instituiu seu financiamento Na deacutecada de 2000 entatildeo com
financiamento e regulaccedilatildeo tripartite amplia-se fortemente a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial
(Raps) que passa a integrar a partir do Decreto Presidencial nordm 75082011 o conjunto das
redes indispensaacuteveis na constituiccedilatildeo das regiotildees de sauacutede Em dezembro desse mesmo ano foi
decretada a Portaria nordm 3088 que institui a RAPS (Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial) para pessoas
com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool
e outras drogas no acircmbito do SUS que deve ser constituiacuteda pelos seguintes componentes I
Atenccedilatildeo baacutesica em sauacutede II Atenccedilatildeo psicossocial especializada III Atenccedilatildeo de urgecircncia e
emergecircncia IV Atenccedilatildeo residencial de caraacuteter transitoacuterio e V Atenccedilatildeo hospitalar
Eacute bom lembrar que no Brasil embora tenham sido criados ateacute o ano de 2014 2129
Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) ndash serviccedilos que estatildeo se interiorizando e adensando
nos territoacuterios somados a 129 consultoacuterios de rua e 695 residecircncias terapecircuticas o nuacutemero de
serviccedilos bem como de profissionais da sauacutede mental capacitados para atender toda a
populaccedilatildeo brasileira ainda se mostra insuficiente (CHIORO 2014)
A despeito de estudos demonstrarem a importacircncia da integraccedilatildeo da sauacutede mental nos
cuidados primaacuterios como a melhor maneira de assegurar que as pessoas recebam os cuidados
de sauacutede mental de que precisam de uma forma mais holiacutestica respondendo agraves necessidades
de sauacutede mental das pessoas com doenccedilas fiacutesicas assim como agraves necessidades de sauacutede fiacutesica
das pessoas com sofrimento psiacutequico como apontam Prates Garcia e Moreno (2013) Souza e
Luis (2012) Cossetim e Olschowsky (2011) Neves Lucchese e Munari (2010) Souza e
Riviera (2010) satildeo praticamente inexistentes os trabalhos de natureza qualitativa sobre a
percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental por parte dos profissionais da ESF Sendo assim o
objeto deste estudo foram os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de
sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade
E como questotildees norteadoras Como os profissionais da ESF compreendem o seu
trabalho na ESF O que os profissionais da ESF consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental na
19
populaccedilatildeo adulta de seu territoacuterio E como os profissionais da ESF identificam acompanham
eou encaminham esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental Problematizando a ampliaccedilatildeo do conceito
de sauacutede mental eou de transtorno mental tatildeo presente hoje em nossa sociedade
Com o aumento da cobertura da ESF na cidade do Rio de Janeiro que nos uacuteltimos
cinco anos (2009-2014) passou de 829 para 4486 de acordo com os dados do MSSAS
via Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB)- Brasil (2014) a capilaridade das accedilotildees de sauacutede
no territoacuterio foi expandida Com isso a demanda por atendimento em sauacutede mental tambeacutem
aumentou tanto para novos casos como para os casos que eram acompanhados em
ambulatoacuterios de psiquiatria e sauacutede mental em outras regiotildees respeitando-se o criteacuterio de
territorializaccedilatildeo
O pressuposto do estudo foi de que os profissionais da ESF teriam dificuldade de
identificar acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental no territoacuterio de sua
responsabilidade Sentiam-se muitas vezes despreparados e sobrecarregados e a demanda por
atendimento em sauacutede mental era tida como mais uma tarefa a ser executada E que haveria
uma atenccedilatildeo especial por parte dos trabalhadores da ESF para centralidade na administraccedilatildeo
da medicaccedilatildeo e no encaminhamento para serviccedilos especializados Ou seja a expansatildeo da ESF
poderia estar relacionada a uma medicalizaccedilatildeo do social
O acuacutemulo das experiecircncias ateacute aqui tem feito acreditar que uma rede diversificada de
serviccedilos de sauacutede mental articulada com a incorporaccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo
primaacuteria com parcerias na comunidade e intersetoriais poderiam contribuir para acelerar o
processo da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira oferecendo melhor cobertura de atenccedilatildeo ao
sofrimento psiacutequico que historicamente sempre apresentou grande dificuldade para entrar no
circuito de atenccedilatildeo agrave sauacutede no acircmbito do SUS
Desse modo com esse estudo esperamos que o papel da ESF no acircmbito das poliacuteticas
puacuteblicas de sauacutede mental seja apreciado dando subsiacutedios para que novos estudos avancem no
entendimento das accedilotildees de sauacutede mental na ESF tal como proposto na Agenda Nacional de
Prioridades de Pesquisa em Sauacutede (BRASIL MS 2011)
O que os profissionais da ESF de um dado territoacuterio consideram como ldquocasordquo de sauacutede
mental a partir da compreensatildeo da natureza do seu trabalho na ESF pode ser um potente
instrumento para a transformaccedilatildeo das praacuteticas de cuidado nos territoacuterios ratificando a APS e
os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica cuidado de base comunitaacuteria integral em liberdade e
trabalho em equipe Pois para se compreender a real capacidade da ESF em lidar com os
ldquocasosrdquo de sauacutede mental da comunidade eacute condiccedilatildeo primeira que se compreenda o
20
entendimento da equipe sobre o seu trabalho na ESF na perspectiva de uma APS abrangente
e integral na concepccedilatildeo de Alma-Ata
3 OBJETIVOS
31 Objetivo Geral
Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca
do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua
responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio do Rio de Janeiro
32 Objetivos especiacuteficos
321 Descrever como os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia compreendem o
seu trabalho
322 Identificar o que os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia consideram
ldquocasordquo de sauacutede mental
323 Discutir como estatildeo sendo identificados acolhidos acompanhados ou
encaminhados os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
4 QUADRO TEOacuteRICO
41 Definiccedilatildeo de termos
ldquoCasosrdquo de Sauacutede Mental
ldquoCasordquo de sauacutede mental seraacute compreendido neste estudo como todo relato a ser feito
pelos profissionais da ESF durante as entrevistas relacionado ao sofrimento transtorno mental
ou queixa psiacutequica na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade Estaacute colocado
entre parecircnteses propositalmente para destacar a complexidade do fenocircmeno a ser estudado
conforme uma breve problematizaccedilatildeo abaixo
No estudo realizado por Jucaacute Nunes e Barreto (2009) na Bahia para compreender
como os profissionais de sauacutede interpretam o sofrimento mental foi identificado que os
profissionais vivenciam dificuldades diversas que vatildeo desde a identificaccedilatildeo do sofrimento
mental passando pelos impasses relativos ao manejo de situaccedilotildees especificas ateacute as questotildees
relativas ao encaminhamento para os serviccedilos especializados
Em outro dois estudos ambos realizados em 2013 um no Cearaacute e outro em Minas
Gerias respectivamente Quindereacute et al apontam que os trabalhadores da APS natildeo se sentem
instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede e Gonccedilalves et al trazem que 60 dos
enfermeiros que trabalham na APS afirmam sentir-se despreparados para lidar com as
questotildees de sauacutede mental por natildeo ter formaccedilatildeo especifica na aacuterea
21
Se por um lado como os estudos apontam haacute uma dificuldade dos profissionais da ESF
em identificarem o sofrimento mental por outro lado vivemos hoje uma expansatildeo dos
diagnoacutesticos psiquiaacutetricos como afirma Amarante (2014) ldquouma apropriaccedilatildeo que a medicina
faz da vida cotidianardquo O que pode acontecer tambeacutem na ESF com um treinamento para Sauacutede
Mental voltado pra uma abordagem restrita e tradicional biomeacutedica
Atualmente existem dois sistemas de diagnoacutestico usados simultaneamente no mundo
a ediccedilatildeo recente do DSM -5 (Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais)
traduzido para mais de vinte idiomas e a CID-10 (Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de
Doenccedilas e Problemas Relacionados agrave Sauacutede) desenvolvida pela OMS e traduzida para 42
idiomas O DSM eacute utilizado com mais frequecircncia em pesquisa e a CID funciona melhor
quando um sistema mais simples eacute necessaacuterio no mundo em desenvolvimento poreacutem ambos
praticamente se equivalem no trabalho cliacutenico em paiacuteses desenvolvidos ldquoOs DSMs ateacute o
momento tecircm sido mais influentes poreacutem seratildeo necessaacuterios vaacuterios anos para que possamos
julgar se o DMS-5 ou a CID-11 (cuja publicaccedilatildeo deve ocorrer por volta de 2018) venceraacute a
proacutexima etapa de competiccedilatildeordquo (FRANCES 2016 p45)
O DSM eacute mais especifico para profissionais da aacuterea da sauacutede mental uma vez que
lista diferentes categorias de transtornos mentais e criteacuterios para diagnosticaacute-los de acordo
com a Associaccedilatildeo Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association - APA) Eacute
usado ao redor do mundo por cliacutenicos e pesquisadores bem como por companhias de seguro
induacutestria farmacecircutica e parlamentos poliacuteticos
Existem cinco revisotildees para o DSM desde sua primeira publicaccedilatildeo em 1952 A maior
revisatildeo foi a DSM-IV publicada em 1994 apesar de uma ldquorevisatildeo textualrdquo ter sido produzida
em 2000 O DSM-5 (anteriormente conhecido como DSM-V) foi publicado em 18 de maio de
2013 e eacute a versatildeo atual do manual A seccedilatildeo de desordens mentais da Classificaccedilatildeo Estatiacutestica
Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados com a Sauacutede - CID (International
Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems ndash ICD) eacute outro guia
comumente usado especialmente fora dos Estados Unidos Entretanto em termos de pesquisa
em sauacutede mental o DSM continua sendo a maior referecircncia da atualidade
Sauvagnat em maio de 2012 em uma Conferecircncia proferida no campus Dom Bosco
da Universidade Federal de Satildeo Joatildeo Del-Rei (UFSJ) na Etapa Brasileira do Movimento
Internacional StopDSM traz importantes consideraccedilotildees criacuteticas acerca da classificaccedilatildeo DSM
e suas implicaccedilotildees na diagnoacutestica contemporacircnea Questiona primeiramente o fato de o
manual ser utilizado como uma espeacutecie de ldquobiacutebliardquo Depois infere como o DSM que era uma
lista de categorias ligadas a um paiacutes para responder a necessidades desse paiacutes torna-se uma
22
regra mundial uma norma mundial Referindo-se aos Estados Unidos que em termos de sauacutede
mental estaacute entre os paiacuteses de ldquoterceiro mundordquo
Segue colocando que o DSM surge como o grande ldquoesperanto psicopatoloacutegicordquo ldquoEacute
como se essas tensotildees que faziam surgir agraves figuras de compromisso entre a psiquiatria e a
filosofia ou a psiquiatria e a psicanaacutelise elas fossem desaparecendo elas ficassem caladasrdquo
Sauvagnat (2012) Acredita que esse eacute o maior malefiacutecio que essa classificaccedilatildeo causa Eacute um
silenciamento de outras formas eacute um silenciamento da possibilidade de expressatildeo de outras
formas de mal- estar na cultura O efeito colateral percebido como destaca o palestrante eacute que
natildeo se sabe mais se o DSM classifica o que eacute visto ou se ele cria os tipos que ele pretende
classificar
Quando falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos
efetivamente Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir
sobre o que eacute a normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito
aos sintomas psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de
grande controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno
mental Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os
quais se trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de
vaacuterios criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada
profissional (DALGALARRONDO 2008)
Para Burkley (2009) em seu estudo tambeacutem sobre reflexotildees criacuteticas dos DSMs a
mudanccedila recorrente entre as categorias diagnoacutesticas do Manual mostra que aquilo que pode
ser considerado doenccedila em uma determinada eacutepoca e cultura pode natildeo ser em outra Natildeo haacute
especialmente em psiquiatria um agente causador que confira objetividade absoluta a um
diagnoacutestico dos diversos transtornos mentais Mesmo os pesquisadores que trabalham em
busca dos marcadores bioloacutegicos de alguns transtornos mentais para a elaboraccedilatildeo do DSM-V
ainda natildeo obtiveram muitos resultados significativos em suas pesquisas O que nos reaviva a
afirmaccedilatildeo de que o que se considera como loucura como doenccedila mental natildeo eacute algo natural
ou com existecircncia natural que legitimaria um marcador bioloacutegico e sim que se trata de algo
construiacutedo de acordo com um momento histoacuterico com um modelo epistemoloacutegico
(FOUCAULT 1972)
Ainda sobre a normalidade George Canguilhem opotildee duas grandes posiccedilotildees Uma
posiccedilatildeo onde supomos que existe um indiviacuteduo normal que seraacute dotado de todas as
qualidades e um indiviacuteduo anormal que eacute mal dito por Deus um pobre coitado e que a
norma estatiacutestica permitiria justamente essa diferenciaccedilatildeo entre os dois Em segundo lugar
23
Canguilhem (2015 p23) oferece sua proacutepria posiccedilatildeo que eacute de dizer ldquoa norma a lei eacute alguma
coisa de relativo Cada sociedade fabrica suas leisrdquo
Em sua criacutetica ao DMS Sauvagnat (2012) diz que efetivamente haacute uma maldiccedilatildeo Eacute
necessaacuterio comparar as coisas Essas pessoas se pretendem neo-kraepelinianas Ele relata que
jaacute trabalhou muito sobre a psiquiatria alematilde No final do seacuteculo XIX iniacutecio do seacuteculo XX
Kraepelin foi algueacutem que sobretudo tentou pocircr em ordem organizar a psiquiatria a partir
das pesquisas que existiam Natildeo se pode dizer isso do DSM O problema deles eacute responder as
objeccedilotildees que lhe satildeo feitas ao mesmo tempo em que satildeo financiados pela induacutestria
farmacecircutica conclui
Burkley (2009) finaliza seu estudo questionando que se adotamos uma concepccedilatildeo de
sauacutede como algo vivencial que natildeo pode ser reduzida e tatildeo pouco medida necessariamente o
diagnoacutestico ganha uma outra dimensatildeo uma funccedilatildeo mais instrumental auxiliar a uma
compreensatildeo da complexidade real da sauacutede mental e talvez o nuacutemero de categorias
diagnoacutesticas pudesse ser reduzido ldquoPois se a sauacutede eacute relativa e singular a psicopatologia
tambeacutem o eacuterdquo (BURKLEY 2009 p 97)
Para Retolaza (2013) nos dias atuais da era tecnoloacutegica o imaginaacuterio coletivo estaacute
impregnado de tecnologia Tudo (ou quase tudo) pode ser explicado pela ciecircncia e pela
teacutecnica portanto para tudo deve existir uma soluccedilatildeo tecnoloacutegica Cada eacutepoca coloca em cena
suas doenccedilas Psiquiatras e psicoacutelogos satildeo os encarregados de sustentar essa narrativa
coletiva certificando em suas consultas publicaccedilotildees e tratados o que eacute e o que natildeo eacute
transtorno psiquiaacutetrico O que eacute e o que natildeo eacute um ldquocasordquo psiquiaacutetrico
O autor afirma que sem duacutevida a falta de um criteacuterio objetivo para agarrar-se a
definiccedilatildeo de um ldquocasordquo em sauacutede mental vem sendo e parece que seraacute ainda por algum tempo
o resultado de um consenso profissional procedente de muitas fontes Em primeiro lugar de
tudo aquilo que nos apontam as provas procedentes da evidencia cientifica os resultados da
experimentaccedilatildeo e o acervo de conhecimento dele derivado Por outro lado no acircmbito da
sauacutede mental (a psiquiatria a psicologia) tambeacutem satildeo importantes os conhecimentos
empiacutericos de ordem praacutetica que permitem organizar a atenccedilatildeo e o cuidado dos usuaacuterios
Finalmente e de uma forma muito importante este consenso tem tambeacutem que dar conta de
tudo aquilo que luta e demanda o entorno o meio cultural e em definitivamente a maioria
social dominante
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Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (ESF)
A ESF eacute a estrateacutegia prioritaacuteria adotada pelo Ministeacuterio da Sauacutede para expandir
qualificar e consolidar a APS no Brasil por favorecer uma reorientaccedilatildeo do processo de
trabalho com maior potencial de aprofundar os princiacutepios diretrizes e fundamentos da APS
de ampliar sua resolutividade e seu impacto na situaccedilatildeo de sauacutede das pessoas e coletividades
aleacutem de propiciar uma importante relaccedilatildeo custo-benefiacutecio (BRASIL 2006 2012)
Tem como foco a famiacutelia visa agrave reorganizaccedilatildeo da APS no Paiacutes de acordo com os
preceitos do SUS e seu maior desafio eacute reverter o modelo assistencial predominantemente
biomeacutedico centrado na doenccedila e no hospital Seus principais objetivos satildeo conhecer as
famiacutelias do seu territoacuterio de abrangecircncia identificar os problemas de sauacutede e as situaccedilotildees de
risco existentes na comunidade elaborar programaccedilatildeo de atividades para enfrentar os
determinantes do processo sauacutededoenccedila desenvolver accedilotildees educativas e intersetoriais
relacionadas com os problemas de sauacutede identificados prestar assistecircncia integral contiacutenua e
organizada agraves famiacutelias sob sua responsabilidade realizar acolhimento com escuta qualificada
classificaccedilatildeo de risco avaliaccedilatildeo de necessidade de sauacutede e anaacutelise de vulnerabilidade tendo
em vista a responsabilidade da demanda espontacircnea e o primeiro atendimento as urgecircncias
desenvolver accedilotildees educativas que possam interferir no processo sauacutede-doenccedila da populaccedilatildeo
no desenvolvimento de autonomia individual e coletiva e na busca por qualidade de vida
pelos usuaacuterios (BRASIL 2012)
Uma anaacutelise das contribuiccedilotildees e desafios da ESF na APS publicada recentemente por
Arantes et al (2016) traz que na dimensatildeo poliacutetico-institucional a ESF favoreceu a expansatildeo
dos cuidados primaacuterios no paiacutes e incrementou o processo de avaliaccedilatildeo institucional Melhorou
a equidade quando comparado ao modelo de UBS tradicional Os principais desafios nessa
dimensatildeo foram financiamento insuficiente formaccedilatildeo profissional em desarmonia com o
modelo de atenccedilatildeo centrado na APS precarizaccedilatildeo do viacutenculo profissional com as instituiccedilotildees
e o desenvolvimento de accedilotildees intersetoriais Na dimensatildeo organizativa a implantaccedilatildeo da ESF
contribuiu para a ampliaccedilatildeo das possibilidades de ofertas de serviccedilos nas aacutereas perifeacutericas e
rurais inclusive da sauacutede bucal Trouxe tambeacutem um efeito estruturante perante os vazios
assistenciais em pequenos municiacutepios com resultados melhores quanto agrave integralidade da
atenccedilatildeo e ao contato por accedilotildees programaacuteticas quando comparado agrave APS tradicional Os
desafios identificados nessa dimensatildeo estiveram ligados ao acesso agrave referencia da Unidade
de Sauacutede da Famiacutelia como porta de entrada do sistema de sauacutede agrave integraccedilatildeo da ESF agrave rede
assistencial ao planejamento e agrave participaccedilatildeo social
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Jaacute na dimensatildeo teacutecnico-assistencial a ESF foi melhor que o modelo de APS em UBS
tradicional quanto ao desempenho ao trabalho multidisciplinar ao enfoque familiar ao
acolhimento ao viacutenculo agrave humanizaccedilatildeo e agrave orientaccedilatildeo comunitaacuteria Com estaque para os
benefiacutecios da ESF para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de doenccedilas a busca ativa de casos a
educaccedilatildeo em sauacutede a assistecircncia domiciliar o aumento de consultas preacute-natais puericultura
de orientaccedilotildees sobre o aleitamento materno exclusivo da coleta de colpocitologia oncoacutetica a
reduccedilatildeo de nascidos com baixo peso da mortalidade infantil e das internaccedilotildees hospitalares
Aleacutem disso proporcionou adesatildeo agraves accedilotildees para tratamento da hipertensatildeo diabetes
hanseniacutease tuberculose e de doenccedilas sexualmente transmissiacuteveis Avanccedilos importantes
foram percebidos tambeacutem nas aacutereas de sauacutede bucal e assistecircncia farmacecircutica Os desafios
observados nessa dimensatildeo estiveram relacionados ao desenvolvimento de praacuteticas
integrativas complementares de accedilotildees para sauacutede mental do adolescente na aacuterea de sauacutede
mental (grifos meus para dimensionar a importacircncia desse trabalho) ao portador do Viacuterus da
Imunodeficiecircncia HumanaSiacutendrome da Imunodeficiecircncia Adquirida (HIVAIDS) aos
usuaacuterios de drogas iliacutecitas e da obesidade O risco de reproduzir a racionalidade biomeacutedica no
processo de trabalho foi outra dificuldade muito importante detectada a ser enfrentada pela
ESF no processo de cuidado
Os profissionais da ESF
A equipe da ESF (Equipe da Sauacutede da Famiacutelia - EqSF) deve ser multiprofissional
composta por no miacutenimo pelo seguintes profissionais meacutedico generalista ou especialista em
Sauacutede da Famiacutelia ou meacutedico de Famiacutelia e Comunidade enfermeiro generalista ou especialista
em Sauacutede da Famiacutelia auxiliares ou teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede
(ACS) de preferecircncia moradores da aacuterea e que fazem o elo entre a Unidade Baacutesica de Sauacutede
(UBS) e a populaccedilatildeo atraveacutes de visitas domiciliares (BRASIL 2012)
Podendo acrescentar a esta composiccedilatildeo como parte da equipe multiprofissional os
profissionais de Sauacutede Bucal (ESB) cirurgiatildeo-dentista generalista ou especialista em Sauacutede
da Famiacutelia auxiliar eou teacutecnico de higiene bucal Eacute recomendado pela Poliacutetica Nacional da
Atenccedilatildeo Baacutesica que cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a
meacutedia recomendada de 3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo De
maneira que o nuacutemero de pessoas por equipe considere o grau de vulnerabilidade das famiacutelias
daquele territoacuterio ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o
nuacutemero de pessoas por equipe (BRASIL 2012)
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Satildeo atribuiccedilotildees especiacuteficas de cada membro da equipe descrito a seguir conforme
Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica (2012)
Agente Comunitaacuterio de Sauacutede I - desenvolver accedilotildees que busquem a integraccedilatildeo entre
a equipe de sauacutede e a populaccedilatildeo adscrita agrave UBS considerando as caracteriacutesticas e as
finalidades do trabalho de acompanhamento de indiviacuteduos e grupos sociais ou coletividade II
- trabalhar com adscriccedilatildeo de famiacutelias em base geograacutefica definida a microaacuterea III - estar em
contato permanente com as famiacutelias desenvolvendo accedilotildees educativas visando agrave promoccedilatildeo da
sauacutede e a prevenccedilatildeo das doenccedilas de acordo com o planejamento da equipe IV - cadastrar
todas as pessoas de sua microaacuterea e manter os cadastros atualizados V - orientar famiacutelias
quanto agrave utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede disponiacuteveis VI - desenvolver atividades de
promoccedilatildeo da sauacutede de prevenccedilatildeo das doenccedilas e de agravos e de vigilacircncia agrave sauacutede por meio
de visitas domiciliares e de accedilotildees educativas individuais e coletivas nos domiciacutelios e na
comunidade mantendo a equipe informada principalmente a respeito daquelas em situaccedilatildeo
de risco VII - acompanhar por meio de visita domiciliar todas as famiacutelias e indiviacuteduos sob
sua responsabilidade de acordo com as necessidades definidas pela equipe e VIII - cumprir
com as atribuiccedilotildees atualmente definidas para os ACS em relaccedilatildeo agrave prevenccedilatildeo e ao controle da
malaacuteria e da dengue conforme a Portaria nordm 44GM de 3 de janeiro de 2002
Enfermeiro I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo
de agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e
famiacutelias na USF e quando indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos
comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) em todas as fases do desenvolvimento humano
infacircncia adolescecircncia idade adulta e terceira idade II - conforme protocolos ou outras
normativas teacutecnicas estabelecidas pelo gestor municipal ou do Distrito Federal observadas as
disposiccedilotildees legais da profissatildeo realizar consulta de enfermagem solicitar exames
complementares e prescrever medicaccedilotildees III ndash realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo a
demanda espontacircnea IV ndash planejar gerenciar e avaliar as accedilotildees desenvolvidas pelos ACS em
conjunto com os outros membros da equipe V ndash contribuir participar e realizar atividades de
educaccedilatildeo permanente da equipe de enfermagem e outros membros da equipe e VI - participar
do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF
Meacutedico I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de
agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e
famiacutelias em todas as fases do desenvolvimento humano infacircncia adolescecircncia idade adulta e
terceira idade II - realizar consultas cliacutenicas e procedimentos na USF e quando indicado ou
necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) III
27
- realizar atividades de demanda espontacircnea e programada em cliacutenica meacutedica pediatria
gineco-obstetriacutecia cirurgias ambulatoriais pequenas urgecircncias cliacutenico-ciruacutergicas e
procedimentos para fins de diagnoacutesticos IV - encaminhar quando necessaacuterio usuaacuterios a
serviccedilos de meacutedia e alta complexidade respeitando fluxos de referecircncia e contra- referecircncia
locais mantendo sua responsabilidade pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio
proposto pela referecircnciaV - indicar a necessidade de internaccedilatildeo hospitalar ou domiciliar
mantendo a responsabilizaccedilatildeo pelo acompanhamento do usuaacuterio VI - contribuir e participar
das atividades de Educaccedilatildeo Permanente dos ACS Auxiliares de Enfermagem ACD e THD e
VII - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da
USF
Auxiliar e Teacutecnico de Enfermagem I - participar das atividades de atenccedilatildeo
realizando procedimentos regulamentados no exerciacutecio de sua profissatildeo na USF e quando
indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas
associaccedilotildees etc) II - realizar accedilotildees de educaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo adstrita conforme planejamento
da equipe e III - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado
funcionamento da USF IV- Realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo agrave demanda
espontacircnea e V- contribuir participar e realizar atividades de educaccedilatildeo permanente
Cirurgiatildeo Dentista I - realizar diagnoacutestico com a finalidade de obter o perfil
epidemioloacutegico para o planejamento e a programaccedilatildeo em sauacutede bucal II - realizar os
procedimentos cliacutenicos da Atenccedilatildeo Baacutesica em sauacutede bucal incluindo atendimento das
urgecircncias pequenas cirurgias ambulatoriais e procedimentos relacionados com a fase cliacutenica
da instalaccedilatildeo de proacuteteses dentaacuterias elementares III - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede
bucal (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos diagnoacutestico tratamento
reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) individual e coletiva a todas as famiacutelias a indiviacuteduos e a
grupos especiacuteficos de acordo com planejamento local com resolubilidade IV - realizar
atividades programadas e de atenccedilatildeo a demanda espontacircnea V- coordenar e participar de
accedilotildees coletivas voltadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave prevenccedilatildeo de doenccedilas bucais VI -
acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com os demais
membros da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de sauacutede de
forma multidisciplinar VII - realizar supervisatildeo teacutecnica do teacutecnico em sauacutede bucal (TSB) e
auxiliar em sauacutede bucal (ASB) e VIII - Participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios
para o adequado funcionamento da USF
Teacutecnico em Higiene Dental (THD) I - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede bucal
(promoccedilatildeo prevenccedilatildeo assistecircncia e reabilitaccedilatildeo) individual e coletiva a todas as famiacutelias a
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indiviacuteduos e a grupos especiacuteficos segundo programaccedilatildeo e de acordo com suas competecircncias
teacutecnicas e legais II - coordenar e realizar a manutenccedilatildeo e a conservaccedilatildeo dos equipamentos
odontoloacutegicos III - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com
os demais membros da equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de
sauacutede de forma multidisciplinar IV - apoiar as atividades dos ACD e dos ACS nas accedilotildees de
prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede bucal e V - participar do gerenciamento dos insumos
necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF
Auxiliar de Consultoacuterio Dentaacuterio (ACD) I - realizar accedilotildees de promoccedilatildeo e
prevenccedilatildeo em sauacutede bucal para as famiacutelias grupos e indiviacuteduos mediante planejamento local
e protocolos de atenccedilatildeo agrave sauacutede II - proceder agrave desinfecccedilatildeo e agrave esterilizaccedilatildeo de materiais e
instrumentos utilizados III - preparar e organizar instrumental e materiais necessaacuterios IV -
instrumentalizar e auxiliar o cirurgiatildeo dentista eou o THD nos procedimentos cliacutenicos V -
cuidar da manutenccedilatildeo e conservaccedilatildeo dos equipamentos odontoloacutegicos VI - organizar a
agenda cliacutenica VII - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal
com os demais membros da equipe de sauacutede da famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees
de sauacutede de forma multidisciplinar e VIII - participar do gerenciamento dos insumos
necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF
Devendo ser atribuiccedilotildees comuns agrave todos os profissionais das equipes de sauacutede da
famiacutelia de sauacutede bucal e de ACS (BRASIL 2006)
I - Participar do processo de territorializaccedilatildeo e mapeamento da aacuterea de atuaccedilatildeo da
equipe identificando grupos famiacutelias e indiviacuteduos expostos a riscos inclusive aqueles
relativos ao trabalho e da atualizaccedilatildeo contiacutenua dessas informaccedilotildees priorizando as situaccedilotildees a
serem acompanhadas no planejamento local II - Realizar o cuidado em sauacutede da populaccedilatildeo
adscrita prioritariamente no acircmbito da unidade de sauacutede no domiciacutelio e nos demais espaccedilos
comunitaacuterios (escolas associaccedilotildeesentre outros) quando necessaacuterio III - Realizar accedilotildees de
atenccedilatildeo integral conforme a necessidade de sauacutede da populaccedilatildeo local bem como as previstas
nas prioridades e protocolos da gestatildeo local IV - Garantir a integralidade da atenccedilatildeo por
meio da realizaccedilatildeo de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos e curativas e da
garantia de atendimento da demanda espontacircnea da realizaccedilatildeo das accedilotildees programaacuteticas e de
vigilacircncia agrave sauacutede V - Realizar busca ativa e notificaccedilatildeo de doenccedilas e agravos de notificaccedilatildeo
compulsoacuteria e de outros agravos e situaccedilotildees de importacircncia local VI - Realizar a escuta
qualificada das necessidades dos usuaacuterios em todas as accedilotildees proporcionando atendimento
humanizado e viabilizando o estabelecimento do viacutenculo VII - Responsabilizar-se pela
populaccedilatildeo adscrita mantendo a coordenaccedilatildeo do cuidado mesmo quando esta necessita de
29
atenccedilatildeo em outros serviccedilos do sistema de sauacutede VIII - Participar das atividades de
planejamento e avaliaccedilatildeo das accedilotildees da equipe a partir da utilizaccedilatildeo dos dados disponiacuteveis IX
- Promover a mobilizaccedilatildeo e a participaccedilatildeo da comunidade buscando efetivar o controle
social X - Identificar parceiros e recursos na comunidade que possam potencializar accedilotildees
intersetoriais com a equipe sob coordenaccedilatildeo da SMS XI - Garantir a qualidade do registro
das atividades nos sistemas nacionais de informaccedilatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica XII - participar das
atividades de educaccedilatildeo permanente e XIII - Realizar outras accedilotildees e atividades a serem
definidas de acordo com as prioridades locais
42 MODELOS DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE
Aspectos Teoacutericos-Conceituais
Os modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede estatildeo relacionados ao modo como satildeo organizadas as
accedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede incluindo os aspectos tecnoloacutegicos assistenciais e os recursos
fiacutesicos disponiacuteveis que se articulam para enfrentar e resolver os problemas de sauacutede de uma
coletividade Ao redor do mundo pode-se considerar a existecircncia de diversos modelos de
atenccedilatildeo sustentados pelas diferentes concepccedilotildees de sauacutede e de doenccedila pelas tecnologias
disponiacuteveis em uma determinada eacutepoca para intervir na sauacutede e na doenccedila e pelas escolhas
poliacuteticas e eacuteticas que priorizam os problemas a serem enfrentados pela poliacutetica de sauacutede
Desta maneira pode-se considerar que natildeo existe modelo de atenccedilatildeo certo ou errado eles
estatildeo relacionados a todos esses fatores de um dado momento histoacuterico
No Brasil as expressotildees modelos assistenciais ou modelos tecnoassistenciais
aparecem a partir da deacutecada de 1980 com significados muito proacuteximos Poreacutem haacute objeccedilotildees
ao adjetivo lsquoassistencialrsquo pois lembra assistecircncia meacutedica ou odontoloacutegica centrada em
procedimentos para indiviacuteduos O termo lsquoatenccedilatildeorsquo teria maior abrangecircncia pois aleacutem de
envolver a assistecircncia incluiria outras accedilotildees individuais e coletivas nos acircmbitos da
promoccedilatildeo proteccedilatildeo recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo da sauacutede (PAIM 2012 p459)
No que diz respeito agrave prestaccedilatildeo da atenccedilatildeo esta eacute reconhecida como um dos
componentes de um sistema de sauacutede juntamente com a gestatildeo o financiamento a
organizaccedilatildeo e a infraestrutura de recursos Kleczkowski Roemer e Werf (1984) Desta
maneira o modelo de atenccedilatildeo tem como foco o lsquoconteuacutedorsquo do sistema de sauacutede isto eacute as
accedilotildees de sauacutede e natildeo o lsquocontinentersquo - infraestrutura organizaccedilatildeo gestatildeo e financiamento o
que torna necessaacuteria a reflexatildeo sobre os processos de trabalho em sauacutede quando se pretende
analisar os modelos de atenccedilatildeo
30
Portanto eacute importante compreender os modelos de atenccedilatildeo natildeo como algo exemplar
um molde Ao contraacuterio disso indicam modos de organizar a accedilatildeo e dispor os meios teacutecnico-
cientiacuteficos existentes para intervir sobre os problemas e necessidades de sauacutede que podem ser
diversos tendo em conta as realidades distintas
Nessa perspectiva modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede pode ser definido como ldquocombinaccedilotildees
tecnoloacutegicas estruturadas para resoluccedilatildeo de problemas e para o atendimento de necessidades
de sauacutede individuais e coletivasrdquo (PAIM 2012 p463)
Contextualizaccedilatildeo movimentos ideoloacutegicos e proposiccedilotildees de modelos
Apoacutes essa breve discussatildeo teoacuterico-conceitual faz-se necessaacuteria a contextualizaccedilatildeo no
sentido de identificar movimentos ideoloacutegicos que influenciaram na elaboraccedilatildeo de modelos e
no desenvolvimento histoacuterico das poliacuteticas e praacuteticas de sauacutede O quadro a seguir mostra a
relaccedilatildeo dos diferentes movimentos ideoloacutegicos com as respectivas preposiccedilotildees de modelo de
atenccedilatildeo
Quadro 1 Os movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo
MOVIMENTOS IDEOLOacuteGICOS PROPOSICcedilOtildeES DE MODELO
Medicina preventiva
(Deacutec 195060 criaccedilatildeo de departamentos nas escolas
meacutedicas especialmente apoacutes Reforma Universitaacuteria em
1968)
(Agente-hospedeiro-ambiente) multicausalidade Ambiente
fiacutesico bioloacutegico e sociocultural
lsquoModelo ecoloacutegicorsquo
lsquoModelo da histoacuteria natural da doenccedilarsquo
Niacuteveis de prevenccedilatildeo
Medicina Comunitaacuteria
(Deacutec 1970 reproduziu-se nos centros de sauacutede-escola
tendo como caracteriacutesticas a integraccedilatildeo docente-
assistencial participaccedilatildeo da comunidade e
regionalizaccedilatildeo)
lsquoModelo de piracircmidersquo ndash atenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e
terciaacuteria ndash Hierarquizaccedilatildeo
lsquoCampo da sauacutedersquo (Questiona custos crescentes da assistecircncia meacutedica)
Atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
(Apoacutes a Conferecircncia de Alma-Ata 1978)
Ecircnfase em tecnologias ditas simplificadas e de baixo custo
Contrapotildee-se ao lsquomodelo hospitalocentricorsquo visa a
reformulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e a reorganizaccedilatildeo do
sistema de serviccedilos de sauacutede
Promoccedilatildeo da sauacutede
(Carta de Otawa 1986 determinantes socioambientais
da sauacutede)
Modelo Dahlgren amp Whitehead (elementos bioloacutegicos
estilo de vida redes sociais e comunitaacuterias aleacutem de
condiccedilotildees socioeconocircmicas culturais e ambientais gerais)
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria baseado em Paim 2012
A partir do quadro acima podemos observar o que jaacute foi dito anteriormente sobre natildeo
existir modelo de atenccedilatildeo certo ou errado mas que cada proposiccedilatildeo de modelo estaacute
intrinsecamente relacionado aos fatores de um dado momento histoacuterico ou seja ao
movimento ideoloacutegico da eacutepoca em que foi pensado e estruturado
31
Modelos de Atenccedilatildeo Hegemocircnicos
No Brasil ao considerar a conformaccedilatildeo histoacuterica do sistema de serviccedilos de sauacutede no
paiacutes podem ser identificados esses dois modelos hegemocircnicos o modelo meacutedico e o modelo
sanitarista
O modelo meacutedico tem como representantes o ldquomodelo meacutedico assistencial privatista e
o maneged care - atenccedilatildeo gerenciadardquo Paim (2012 p 468) E apresenta os seguintes traccedilos
fundamentais 1) individualismo 2) sauacutededoenccedila como mercadoria 3) ecircnfase no biologismo
4) a-historicidade da praacutetica meacutedica 5) medicalizaccedilatildeo dos problemas 6) privileacutegio da
medicina curativa 7) estiacutemulo ao consumismo meacutedico 8) participaccedilatildeo passiva e subordinada
dos consumidores (MENEacuteNDEZ 1992 apud PAIM 2012)
Jaacute o modelo sanitarista que se apoia nas correntes bacterioloacutegica e meacutedico-sanitarista
que geraram distintos modelos tecnoassistenciais como o campanhista e o verticalista
permanente Merhy (1992) Portanto remete agrave ideacuteia de campanha ou programa sempre
presente no imaginaacuterio da populaccedilatildeo diante de problema ou de uma necessidade de sauacutede de
caraacuteter coletivo
Embora subalterno ao modelo meacutedico o modelo sanitarista predomina no Brasil desde
o seacuteculo XX sob influecircncia norte-americana Fundamenta-se no saber biomeacutedico
(microbiologia parasitologia virologia imunologia cliacutenica etc) bem como nas disciplinas
de epidemiologia estatiacutestica administraccedilatildeo saneamento As campanhas sanitaacuterias
(vacinaccedilatildeo controle de epidemias erradicaccedilatildeo de endemias etc) os programas especiais
(controle da tuberculose hanseniacutease AIDS tabagismo etc) e as accedilotildees de vigilacircncias sanitaacuteria
e epidemioloacutegica podem ser citados como exemplos desse modelo de atenccedilatildeo (PAIM 2012)
Esses modelos hegemocircnicos natildeo contemplam nos seus fundamentos o princiacutepio da
integralidade isto eacute ou estatildeo voltados para a demanda espontacircnea (modelo meacutedico) ou
buscam atender necessidades que nem sempre se expressam em demandas (modelo
sanitarista)
As propostas de modelos alternativos
Diante do exposto acerca dos modelos de atenccedilatildeo hegemocircnicos no Brasil apresentam-
se como grandes desafios a integralidade a efetividade a qualidade e a humanizaccedilatildeo dos
serviccedilos Nesse contexto Paim (2012) apresenta algumas ferramentas elaboradas a partir da
deacutecada de 1980 que buscam conciliar o atendimento agrave demanda e agraves necessidades na
perspectiva da integralidade Satildeo elas a) Oferta organizada b) Distritalizaccedilatildeo c) Accedilotildees
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programaacuteticas de sauacutede d) Vigilacircncia da sauacutede e) Acolhimento f) Linhas de cuidado g)
Promoccedilatildeo da sauacutede e h) Estrateacutegia da Sauacutede da Famiacutelia
A oferta organizada fundamenta-se em conceitos da epidemiologia e no planejamento
Trabalha com noccedilatildeo de territorializaccedilatildeo integralidade e impacto epidemioloacutegico Sua atuaccedilatildeo
caracteriza-se pela redefiniccedilatildeo da demanda ou seja baseia-se nas necessidades
epidemiologicamente identificadas para orientar a programaccedilatildeo da oferta de serviccedilos e accedilotildees
nas unidades de sauacutede Haacute atendimento agrave demanda espontacircnea e ao mesmo tempo agrave execuccedilatildeo
de accedilotildees sobre o ambiente e grupos populacionais visando o controle de agravos doenccedilas
riscos e as necessidades da comunidade
A Distritalizaccedilatildeo surge atraveacutes de experiecircncias de implantaccedilatildeo de distritos sanitaacuterios
como o Suds na Bahia Rio Grande do Norte e Satildeo Paulo na deacutecada de 80 Paim (2012
p247) define distritos sanitaacuterios como
Unidade operacional e administrativa miacutenima do sistema de sauacutede
definida com criteacuterios geograacuteficos populacionais epidemioloacutegicos
gerenciais e poliacuteticos onde se localizam recursos de sauacutede puacuteblicos e
privados organizados por meio de um conjunto de mecanismos
poliacuteticos institucionais com a participaccedilatildeo da sociedade organizada
para desenvolver accedilotildees integrais de sauacutede capazes de resolver a maior
quantidade possiacutevel de problemas de sauacutede
Esta proposta apoia-se na geografia na epidemiologia e no planejamento Visa
organizar serviccedilos e estabelecimentos em uma rede estruturada nos distritos sanitaacuterios com
mecanismos de comunicaccedilatildeo e integraccedilatildeo Aleacutem disso contempla uma populaccedilatildeo definida
um territoacuterio-processo uma rede de serviccedilos de sauacutede e equipamentos comunitaacuterios
Jaacute as accedilotildees programaacuteticas de sauacutede utilizam tecnologias derivadas da epidemiologia e
da programaccedilatildeo em sauacutede e baseia-se na utilizaccedilatildeo de programaccedilatildeo como instrumento de
redefiniccedilatildeo do processo de trabalho em sauacutede Parte da identificaccedilatildeo das necessidades sociais
de sauacutede da populaccedilatildeo para a redefiniccedilatildeo de programas especiais no niacutevel local Concentram-
se no interior das unidades de sauacutede e natildeo se reduzem agrave uma padronizaccedilatildeo sistemaacutetica de
condutas
Em relaccedilatildeo agrave vigilacircncia da Sauacutede esta proposta apoia-se na epidemiologia na
geografia criacutetica no planejamento e nas ciecircncias sociais Atua articulando o controle de
danos riscos e causas e sugere a possibilidade de uma integraccedilatildeo com as vigilacircncias a
assistecircncia meacutedica e as poliacuteticas puacuteblicas Aleacutem disso tambeacutem articula a oferta organizada
accedilotildees programaacuteticas a intervenccedilatildeo social organizada e as poliacuteticas intersetoriais Busca
33
reorganizar as praacuteticas de sauacutede no niacutevel local atraveacutes da i) Intervenccedilatildeo sobre problemas de
sauacutede (danos riscos eou determinantes) ii) Ecircnfase em problemas que requerem atenccedilatildeo e
acompanhamentos contiacutenuos iii) Utilizaccedilatildeo do conceito epidemioloacutegico de risco iv)
Articulaccedilatildeo entre accedilotildees promocionais preventivas e curativas v) Atuaccedilatildeo intersetorial vi)
Accedilotildees sobre o territoacuterio vii) Intervenccedilatildeo na forma de operaccedilotildees (PAIM 2012 p 481)
O acolhimento fundamenta-se na cliacutenica nas ciecircncias de gestatildeo na psicologia e na
anaacutelise institucional Busca reorganizar o serviccedilo de forma usuaacuterio-centrada e parte de trecircs
orientaccedilotildees i) Atender a todas as pessoas que procuram os serviccedilos de sauacutede ii) Reorganizar
processo de trabalho afim de que este desloque seu eixo central do meacutedico para uma equipe
profissional iii) Qualificar a relaccedilatildeo trabalhador-usuaacuterio com base em valores humanitaacuterios
de solidariedade e cidadania Trabalha com a demanda espontacircnea e busca a qualidade da
atenccedilatildeo e a satisfaccedilatildeo do usuaacuterio Implica em mudanccedilas na ldquoporta de entradardquo na recepccedilatildeo
do usuaacuterio no agendamento das consultas e na programaccedilatildeo da prestaccedilatildeo de serviccedilos
incluindo atividades baseadas nas necessidades sociais de sauacutede da populaccedilatildeo (PAIM 2012
p 483)
No que tange agraves linhas de cuidado estas correspondem a um conjunto de saberes
tecnologias e recursos acionados para enfrentar riscos agravos ou condiccedilotildees especiacuteficas do
ciclo da vida As linhas de cuidado satildeo estruturadas por projetos terapecircuticos valorizam o
viacutenculo a partir da atenccedilatildeo primaacuteria orientam o usuaacuterio sobre os caminhos a percorrer no
sistema de sauacutede e trabalha atraveacutes da loacutegica da referecircncia e contra referecircncia Segundo Paim
(2012 p452) ldquo() a linha de cuidado tem se mostrado uma proposta alternativa importante
diante do atual panorama epidemioloacutegico do Brasil e do mundo devido ao aumento das
doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis (DCNT)rdquo
A promoccedilatildeo da Sauacutede no Brasil estaacute presente em dispositivos legais e iniciativas do
Ministeacuterio da Sauacutede desde 2000 Envolve medidas que visam agrave melhoria das condiccedilotildees e dos
estilos de vida de grupos populacionais Dentre as principais caracteriacutesticas dessa proposta
estaacute a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas saudaacuteveis criaccedilatildeo de ambientes favoraacuteveis agrave sauacutede
reforccedilo da accedilatildeo comunitaacuteria desenvolvimento de habilidades pessoais cidades saudaacuteveis
escolas promotoras de sauacutede ambientes saudaacuteveis
Por fim a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia que se fundamenta no planejamento na cliacutenica
na epidemiologia e nas ciecircncias sociais Utiliza combinaccedilotildees tecnoloacutegicas da oferta
organizada distritalizaccedilatildeo vigilacircncia da sauacutede e acolhimento Esta proposta possui papel de
reorientadora da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Brasil e por sua importacircncia nesse trabalho estaacute
melhor descrita nos capiacutetulos seguintes
34
43 ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE (APS)
Conceitos trajetoacuteria e abordagem
O termo Primary Care (Atenccedilatildeo Primaacuteria) foi introduzido em 1961 por White e
apontou para a necessidade de meacutedicos generalistas na era da especializaccedilatildeo Contribuiacuteram
ainda para a ampliaccedilatildeo do conceito de Atenccedilatildeo Primaacuteria e por conseguinte para a ampliaccedilatildeo
do papel do meacutedico de famiacutelia e comunidade dois movimentos histoacutericos a reformulaccedilatildeo do
sistema de sauacutede canadense implantado a partir do informe Lalonde de 1974 e as discussotildees
de representantes de vaacuterios paiacuteses no acircmbito da Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede que gerou o
movimento da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS) e que culminou com a realizaccedilatildeo da
Conferecircncia de Alma Ata em 1978
Eacute importante frisar que o contexto histoacuterico em que surgiram estas propostas foi
marcado pela crescente urbanizaccedilatildeo pelo crescimento populacional e pela desigualdade Os
governos estavam sendo chamados a buscarem estrateacutegias de aumento da cobertura de seus
sistemas de sauacutede com a otimizaccedilatildeo de custos e melhoria dos indicadores de sauacutede e doenccedila
Em termos conceituais foi a partir dessa I Conferecircncia Internacional de Cuidados
Primaacuterios em Sauacutede realizada mais precisamente em setembro de 1978 em Alma-Ata cidade
do Cazaquistatildeo uma das repuacuteblicas da antiga Uniatildeo Sovieacutetica promovida pela Organizaccedilatildeo
Mundial de Sauacutede e pelo Fundo das Naccedilotildees Unidas que se buscou uma definiccedilatildeo de APS
(FAUSTO 2005)
Assim a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) passou a compreender e divulgar os
cuidados primaacuterios em sauacutede como
Cuidados essenciais baseados em meacutetodos praacuteticos
cientificamente bem fundamentados e socialmente aceitaacuteveis e
em tecnologia de acesso universal para indiviacuteduos e suas
famiacutelias na comunidade [] Aleacutem de serem o primeiro niacutevel de
contato de indiviacuteduos da famiacutelia e da comunidade com o
sistema nacional de sauacutede aproximando ao maacuteximo possiacutevel os
serviccedilos de sauacutede nos lugares onde o povo vive e trabalha
constituem tambeacutem o primeiro elemento de um contiacutenuo
processo de atendimento em sauacutede (OMSUNICEF 1978 p 2)
A Declaraccedilatildeo de Alma-Ata coroou o processo anterior de questionamento dos modelos
verticais de intervenccedilatildeo da OMS para o combate agraves endemias nos paiacuteses em desenvolvimento
35
em especial na Aacutefrica e na Ameacuterica Latina e do modelo meacutedico hegemocircnico cada vez mais
especializado e intervencionista Sendo que na primeira vertente de questionamento
aprofundava-se a criacutetica a OMS no que se refere agrave abordagem vertical dos programas de
combate a doenccedilas transmissiacuteveis desenvolvidos com intervenccedilotildees seletivas e
descontextualizadas durante a deacutecada de 1960 como a Malaacuteria Jaacute na segunda vertente de
questionamento desde o final da deacutecada de 1960 o modelo biomeacutedico de atenccedilatildeo agrave sauacutede
recebia criacuteticas de diversas origens evidenciando-se os determinantes sociais mais gerais dos
processos sauacutede enfermidade e a exigecircncia de nova abordagem em atenccedilatildeo agrave sauacutede
(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
A OMS passou entatildeo por uma renovaccedilatildeo em contexto mundial favoraacutevel no qual
predominavam os governos social-democrata em paiacuteses europeus e em 1973 Halfdan
Mahler um meacutedico com senso de justiccedila social e experiecircncia em sauacutede puacuteblica em paiacuteses em
desenvolvimento assumiu a direccedilatildeo da OMS que comeccedilou a desenvolver abordagens
alternativas para a intervenccedilatildeo em sauacutede Ponderava-se que as intervenccedilotildees verticais natildeo
respondiam agraves principais necessidades de sauacutede dos povos e que seria preciso prosseguir
desenvolvendo concepccedilotildees mais abrangentes dentre elas a de APS Foi assim que em 1976
Mahler propocircs a meta Sauacutede para Todos no Ano 2000
A APS na Conferencia de Alma-Ata foi entatildeo entendida como atenccedilatildeo agrave sauacutede
essencial fundada em tecnologias apropriadas e custo-efetivas primeiro componente de um
processo permanente de assistecircncia sanitaacuteria orientado por princiacutepios de solidariedade e
equidade cujo acesso deveria ser garantido a todas as pessoas e famiacutelias da comunidade
mediante sua plena participaccedilatildeo e com foco na proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede A
compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a necessidade da abordagem dos determinantes
sociais e poliacuteticos mais amplos da sauacutede satildeo destaques na corrente mais filosoacutefica da
Declaraccedilatildeo de Alma-Ata com ecircnfase nas suas implicaccedilotildees poliacuteticas e sociais Ainda eacute
defendida a ideacuteia de que as poliacuteticas sociais de desenvolvimento devem ser inclusivas e
apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo para poder alcanccedilar equidade em
sauacutede (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
A denominaccedilatildeo ldquoatenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutederdquo vem entatildeo sendo empregada para modelos
distintos de organizaccedilatildeo e oferta de serviccedilos de sauacutede em vaacuterios paiacuteses ao redor do mundo
Numa tentativa de descrever e diferenciar os diversos modelos que utilizam a denominaccedilatildeo
ldquoAPSrdquo a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPASOMS 2007) em seu documento
Renovaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Primaacuteria nas Ameacutericas propocircs uma classificaccedilatildeo para as abordagens
de APS entatildeo existentes (Quadro 2)
36
Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em sauacutede
ABORDAGEM CONCEITO DE ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE ENFASE
APS seletiva
Programas focalizados e seletivos com cesta restrita de serviccedilos para
enfrentar limitado nuacutemero de problemas de sauacutede nos paiacuteses em
desenvolvimento Dirigidas ao grupo materno-infantil accedilotildees mais
comuns satildeo monitoramento de crescimento infantil reidrataccedilatildeo oral
amamentaccedilatildeo imunizaccedilatildeo e por vezes complementaccedilatildeo alimentar
planejamento familiar e alfabetizaccedilatildeo de mulheres
Conjunto restrito
de serviccedilos de
sauacutede para a
populaccedilatildeo pobre
Primeiro niacutevel
de atenccedilatildeo
Refere-se ao ponto de entrada no sistema de sauacutede e ao local de
cuidados de sauacutede para a maioria das pessoas na maior parte do
tempo correspondendo aos serviccedilos ambulatoriais meacutedicos de
primeiro contato natildeo especializados ndash incluindo accedilotildees preventivas e
serviccedilos cliacutenicos direcionados a toda populaccedilatildeo Trata-se da
concepccedilatildeo mais comum em paiacuteses da Europa com sistemas
universais puacuteblicos Em sua definiccedilatildeo mais estreita refere-se agrave
disponibilidade de meacutedicos com especializaccedilatildeo em medicina geral ou
medicina de famiacutelia e comunidade (meacutedicos generalistas ou general
practioners ndash GP)
Um dos niacuteveis de
atenccedilatildeo do
sistema de sauacutede
APS
abrangente ou
integral Alma-
Ata
A declaraccedilatildeo de Alma-Ata (1978) define a APS integrada ao sistema
de sauacutede garantindo a integralidade e a participaccedilatildeo social
Os princiacutepios fundamentais da APS integral satildeo a necessidade de
enfrentar os determinantes sociais de sauacutede acessibilidade e
cobertura universais com base nas necessidades participaccedilatildeo
comunitaacuteria emancipaccedilatildeo accedilatildeo intersetorial tecnologias apropriadas
e uso eficiente dos recursos
Estrateacutegia para
organizar os
sistemas de
atenccedilatildeo agrave sauacutede e
para a sociedade
promover a sauacutede
Abordagem de
sauacutede e de
direitos
humanos
Enfatiza a compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a
necessidade de abordar os determinantes sociais e poliacuteticos mais
amplos da sauacutede como preconizado na Declaraccedilatildeo de Alma-Ata
Defende a ideacuteia de que as poliacuteticas de desenvolvimento devem ser
inclusivas e apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo
para promover a equidade em sauacutede
Uma filosofia que
permeia os setores
sociais e de sauacutede
Fonte OPASOMS 2007 p04
Como podemos observar nesse documento as distintas concepccedilotildees de atenccedilatildeo primaacuteria
pelas agecircncias internacionais tecircm importantes repercussotildees sobre a equidade e direitos agrave
sauacutede principalmente entre a abordagem seletiva e integral As concepccedilotildees de APS seletiva e
abrangente ldquocompreendem questotildees teoacutericas ideoloacutegicas e praacuteticas muito distintas com
consequecircncias diferenciadas sobre a garantia do direito universal agrave sauacutederdquo (GIOVANELLA
MENDONCcedilA 2012 p 506)
Com base na produccedilatildeo de Starfield (2002) e Vuori (1984) APS em resumo pode ser
compreendida como uma tendecircncia relativamente recente de se inverter a priorizaccedilatildeo das
accedilotildees de sauacutede de uma abordagem curativa desintegrada e centrada no papel hegemocircnico do
meacutedico para uma abordagem preventiva e promocional integrada com outros niacuteveis de
atenccedilatildeo e construiacuteda de forma coletiva com outros profissionais de sauacutede fornecendo
ldquoatenccedilatildeo agrave pessoa natildeo agrave enfermidaderdquo (ANDRADE et al 2012 p 850)
37
Atributos caracteriacutesticos da APS
Uma abordagem para caracterizar a atenccedilatildeo primaacuteria abrangente nos paiacuteses
industrializados foi desenvolvida pela meacutedica e pesquisadora estadunidense Baacuterbara Starfield
(2002) definindo os atributos essenciais dos serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria Tal abordagem
reconhecida por especialistas e difundida tambeacutem no Brasil considera como caracteriacutesticas
especiacuteficas da APS a prestaccedilatildeo de serviccedilos de primeiro contato a assunccedilatildeo de
responsabilidade longitudinal pelo paciente com continuidade da relaccedilatildeo equipe-paciente ao
longo da vida a garantia de cuidado integral considerando-se os acircmbitos fiacutesico psiacutequico e
social da sauacutede dentro dos limites de atuaccedilatildeo do pessoal de sauacutede e a coordenaccedilatildeo das
diversas accedilotildees e serviccedilos indispensaacuteveis para resolver necessidades menos frequumlentes e mais
complexas
Para Giovanella e Mendonccedila (2012) os serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria nessa concepccedilatildeo
devem estar orientados para a comunidade conhecendo as necessidades de sauacutede centrar-se
na famiacutelia para bem avaliar como responder agraves necessidades de sauacutede de seus membros e ter
competecircncia cultural para se comunicar e reconhecer as diferentes necessidades dos diversos
grupos populacionais Ainda de acordo essas autoras essa competecircncia cultural e a orientaccedilatildeo
para a comunidade satildeo facilitadas pela integraccedilatildeo na equipe de atenccedilatildeo primaacuteria de membros
da comunidade os trabalhadores comunitaacuterios de sauacutede que no Brasil satildeo denominados de
agentes comunitaacuterios de sauacutede
Outro atributo essencial da atenccedilatildeo primaacuteria eacute a coordenaccedilatildeo que implica na
capacidade de garantir a continuidade da atenccedilatildeo (atenccedilatildeo ininterrupta) no interior da rede de
serviccedilos Sendo a sua essecircncia a disponibilidade de informaccedilatildeo acerca dos problemas preacutevios
o que requer a existecircncia de prontuaacuterio de acompanhamento longitudinal (ao longo da vida)
do paciente o envio de informaccedilatildeo adequada ao especialista (referencia) e o seu retorno ao
generalista (contra-referencia) apoacutes o encaminhamento a profissional especializado A
coordenaccedilatildeo dos cuidados torna-se cada vez mais indispensaacuteveis em razatildeo do envelhecimento
populacional das mudanccedilas no perfil epidemioloacutegico que evidencia crescente prevalecircncia de
doenccedilas crocircnicas e da diversificaccedilatildeo tecnoloacutegica nas praacuteticas assistenciais
Uma importante caracteriacutestica de uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede que se diz integral
segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) eacute a compreensatildeo da sauacutede como inseparaacutevel do
desenvolvimento econocircmico e social como discutido na Conferencia de Alma-Ata o que
implica atuaccedilatildeo dirigida para a comunidade para enfrentar os determinantes sociais do
processo sauacutede-enfermidade e incentivar a participaccedilatildeo social Para que a determinaccedilatildeo social
do processo sauacutede-doenccedila seja reconhecida eacute necessaacuterio a articulaccedilatildeo com outros setores de
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poliacuteticas puacuteblicas desencadeando e mediando accedilotildees intersetoriais para o desenvolvimento
social integrado e a promoccedilatildeo da sauacutede devendo essa ser uma estrateacutegia estruturante da
poliacutetica municipal completa as autoras
Essas autoras tambeacutem destacam que a accedilatildeo comunitaacuteria das equipes de APS com
diagnostico do territoacuterio discussatildeo dos problemas da comunidade mobilizaccedilatildeo social e
planejamento de intervenccedilotildees eacute fundamental para responder natildeo soacute as necessidades
individuais mas tambeacutem as necessidades coletivas de sauacutede
Serviccedilos de Atenccedilatildeo Primaacuteria antecedentes histoacutericos
Foi durante a segunda e terceira deacutecadas do seacuteculo XX que as autoridades sanitaacuterias da
eacutepoca desenvolveram o conceito de distrito sanitaacuterio e centro de sauacutede numa tentativa de
aproximar o trabalho em sauacutede da populaccedilatildeo Sendo essas concepccedilotildees colocadas em praacuteticas
de vaacuterias maneiras e em paiacuteses diferentes (ROSEN 1994 apud ANDRADE et al 2012)
Entre 1910 e 1915 nos Estados Unidos da Ameacuterica os esforccedilos para relacionar ldquoos
serviccedilos a uma populaccedilatildeo delimitada ou agrave populaccedilatildeo de uma aacuterea definida logo levaram agrave
compreensatildeo da necessidade de um loacutecus de administraccedilatildeo que foi denominado Centro de
Sauacutederdquo (ANDRADE et al 2012 p845)
Jaacute Giovanella e Mendonccedila (2012) trazem que data de 1920 na Gratilde-Bretanha a
primeira proposta formal de organizaccedilatildeo de um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo quando por
iniciativa do conselho composto por representantes do Ministeacuterio da Sauacutede do partido
trabalhista e dos profissionais meacutedicos privados propocircs a prestaccedilatildeo de serviccedilos de atenccedilatildeo
primaacuteria por equipe de meacutedicos e pessoal auxiliar para cobertura de toda a populaccedilatildeo em
centros de sauacutede Esse documento ficou conhecido como Relatoacuterio Dawson (nome do
ministro de Sauacutede da Inglaterra) onde foi definido ldquoo Centro de Sauacutede como a instituiccedilatildeo
encarregada de oferecer atenccedilatildeo meacutedica no niacutevel primaacuteriordquo (ANDRADE et al 2012 p845)
ldquoA proposiccedilatildeo do Relatoacuterio Dawson incluiacutea ainda a organizaccedilatildeo regionalizada dos
serviccedilos de sauacutede hierarquizada em niacutevel primaacuterio secundaacuterio e terciaacuteriordquo Giovanella e
Mendonccedila (2012 p 507) Por pressatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica essas ideacuteias natildeo foram
imediatamente implementadas mas fundamentaram posteriores iniciativas de organizaccedilatildeo dos
sistemas de sauacutede Na Inglaterra em 1946 na criaccedilatildeo do National Health Service (NHS) o
primeiro niacutevel de atenccedilatildeo foi instituiacutedo por meacutedicos generalistas que atuavam em seus
consultoacuterios com dedicaccedilatildeo exclusiva Foi somente na deacutecada de 1960 que os centros de
sauacutede foram difundidos quando muitas unidades foram construiacutedas na Inglaterra Ainda que
permanecendo como profissionais autocircnomos os ldquomeacutedicos generalistas passaram a dar
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consultas nesses centros de sauacutede trabalhando ao lado de outros profissionais de sauacutede
empregados governamentais como enfermeiras visitadoras domiciliares e assistentes sociaisrdquo
(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012 p 507)
Segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) os centros de sauacutede foram o modelo de
atenccedilatildeo ambulatorial predominante nos paiacuteses socialistas da URSS e do Leste Europeu
Financiados predominantemente com recursos fiscais de impostos gerais representaram o
modelo de atenccedilatildeo ambulatorial mais inclusivo e integral articulando serviccedilos cliacutenicos e de
acesso universal gratuito Cliacutenico geral ou internista pediatra gineco-obstetra odontoacutelogo
enfermeiras e pessoal de apoio auxiliar constituiacuteam a equipe baacutesica Esses serviccedilos eram
nomeados com frequumlecircncia de policliacutenicas e situados nos locais de trabalho como nas
empresas por exemplo
Ainda de acordo com essas autoras foi difundido nos paiacuteses em desenvolvimento
como o Brasil um modelo diferente de centro de sauacutede limitado a serviccedilos preventivos que
separava funccedilotildees cliacutenicas e de sauacutede puacuteblica Esse modelo foi experimentado inicialmente em
uma das colocircnias britacircnicas (Sri Lanka) A atuaccedilatildeo dos centros de sauacutede era focada em
serviccedilos preventivos e as pessoas que necessitavam de tratamento eram referenciadas para os
ambulatoacuterios de hospitais
Histoacuterico da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede no Brasil
O desenvolvimento da Atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede no Brasil natildeo foi diferente de
outros paiacuteses em desenvolvimento onde imperou a concepccedilatildeo da APS seletiva Por muito
tempo as accedilotildees de sauacutede puacuteblica estiveram separadas das accedilotildees assistenciais assim os centros
de sauacutede eram limitados aos serviccedilos preventivos separando as accedilotildees cliacutenicas e de sauacutede
puacuteblica Assim as pessoas que precisavam de tratamento eram encaminhadas para os
ambulatoacuterios em hospitais gerais
Na deacutecada de 1930 houve a consolidaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica como funccedilatildeo estatal ainda
focada na prevenccedilatildeo de doenccedilas atraveacutes de campanhas sanitaacuterias de sauacutede puacuteblica
organizaccedilatildeo de serviccedilos rurais de profilaxia centralizados pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e
Sauacutede Puacuteblica (MESP) Jaacute a assistecircncia meacutedica urbana realizava uma atenccedilatildeo de caraacuteter
curativo e individual com base em especialidades por meio de Caixas e Institutos de
Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) seguindo o modelo de seguridade social isto eacute apenas
algumas categorias de trabalhadores formais tinham o acesso Os centros de sauacutede do Brasil
natildeo prestavam atendimento cliacutenico nem a populaccedilatildeo pobre a qual era encaminhada aos
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ambulatoacuterios dos hospitais de caridade onde recebiam atendimento apoacutes provarem sua
indigecircncia Exceto para algumas doenccedilas transmissiacuteveis (doenccedilas veneacutereas e tuberculose)
esses centros de sauacutede realizavam o tratamento como medida de impedir a transmissatildeo da
doenccedila (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
Na deacutecada de 1940 ocorreram as reformas administrativas do MESP que
aprofundaram e verticalizaram as accedilotildees de sauacutede puacuteblica Houve a criaccedilatildeo dos Serviccedilos
Nacionais de Sauacutede (voltados para doenccedilas especiacuteficas como malaacuteria hanseniacutease
tuberculose etc) e a criaccedilatildeo do Serviccedilo Especial de Sauacutede Puacuteblica (SESP) que articulava
accedilotildees coletivas e preventivas agrave assistecircncia meacutedica curativa respaldada em desenvolvimento
cientiacutefico e tecnoloacutegico limitado influenciado pela medicina preventiva norte-americana
atraveacutes de convecircnios com a Fundaccedilatildeo Rockfeller (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)
Apenas em 1953 o Ministeacuterio da Sauacutede eacute criado Poreacutem ainda assim a dualidade entre
sauacutede puacuteblica e assistecircncia meacutedica urbana no acircmbito do seguro social persistiu por vaacuterias
deacutecadas Durantes as deacutecadas de 1950 e 1960 a cobertura previdenciaacuteria foi estendida pela
unificaccedilatildeo dos IAPs no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ainda mantendo o modelo
de seguro de sauacutede
Em 1970 houve a emergecircncia da medicina comunitaacuteria pela Ameacuterica Latina com
apoio das Agecircncias internacionais com um caraacuteter paralelo agrave organizaccedilatildeo da assistecircncia
meacutedica individual voltada para categorias excluiacutedas A dimensatildeo do programa que se
destinava agrave reduccedilatildeo da pobreza daacute a essa praacutetica o caraacuteter de programa social associada ao
direito agrave sauacutede e ao desenvolvimento social Houve uma articulaccedilatildeo de princiacutepios de
participaccedilatildeo social e da inclusatildeo dos pobres na forccedila de trabalho em sauacutede por meio de
treinamento profissional (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
Com a crise econocircmica aprofundada a assistecircncia meacutedica previdenciaacuteria comeccedilou a
ser questionada e as mazelas do sistema social e de sauacutede comeccedilaram a ser evidenciadas pela
pobreza falta de acesso aos bens puacuteblicos e taxas de morbimortalidade elevadas Nesse
contexto surgiram experiecircncias sanitaacuterias que difundiam uma reforma da assistecircncia meacutedica e
um confronto com o modelo vigente tendo como importantes protagonistas os departamentos
de medicina preventiva de vaacuterias universidades federais
Esses departamentos das universidades federais apostaram no programa de integraccedilatildeo
docente assistencial para a implementaccedilatildeo de praacuteticas de medicina comunitaacuteria baseadas na
atenccedilatildeo integral com destaque para a dimensatildeo social em que se desencadeava o processo
sauacutede-doenccedila enfocando os efeitos coletivos da atenccedilatildeo prestada nesse processo e natildeo apenas
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no resultado (cura) Contou com a cooperaccedilatildeo entre diversas agecircncias e praacuteticas ligadas a vida
(escolas postos de sauacutede centros de treinamento profissional serviccedilo social creches etc)
A forma como as praacuteticas se efetivaram no Brasil abriram o debate nacional para a
atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede recebendo suporte da decisatildeo poliacutetica traccedilada em Alma-Ata Foi
criado o Programa de Interiorizaccedilatildeo das Accedilotildees de Sauacutede Saneamento (PIASS) que financiava
a construccedilatildeo de unidades baacutesicas de sauacutede e visava implantar serviccedilos de primeiro niacutevel em
cidades de pequeno porte O modelo de assistecircncia meacutedica curativa comeccedila a colapsar por
oferecer cobertura restrita aos segurados da previdecircncia social por ser oneroso e ter a sua
conduccedilatildeo deteriorada pela gestatildeo fraudulenta do INAMPS
Na deacutecada de 1980 uma articulaccedilatildeo entre setores do Ministeacuterio da Sauacutede e do
Instituto de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social (INAMPS) propocircs o Programa
Nacional de Serviccedilos Baacutesicos de Sauacutede (Prevsauacutede) que estenderia os benefiacutecios
experimentados aos centros urbanos de maior porte e buscaria minimizar os efeitos da crise
previdenciaacuteria (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
Esse fato aprofundou a discussatildeo sobre a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica sem
alcanccedilar a sua aprovaccedilatildeo O Plano do Conselho Consultivo da Administraccedilatildeo de Sauacutede
Previdenciaacuteria (Conasp) propocircs uma racionalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo meacutedica previdenciaacuteria
respaldada por orientaccedilotildees teacutecnicas de organismos internacionais como a OPAS e o acuacutemulo
de conhecimento teoacuterico-cientiacutefico produzido no Brasil Assim o programa de Accedilotildees
Integradas em Sauacutede (AIS) foi consolidado Esse programa visava agrave organizaccedilatildeo de serviccedilos
baacutesicos nos municiacutepios com base em convecircnios entre as trecircs esferas de governo
Em 1985 foi estimulada a integraccedilatildeo das instituiccedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede na definiccedilatildeo
de uma accedilatildeo unificada em niacutevel local Desta maneira as unidades baacutesicas de niacutevel local
seriam responsaacuteveis por accedilotildees de caraacuteter preventivo e de assistecircncia meacutedica integrando o
sistema de sauacutede puacuteblica e previdenciaacuterio a fim de prestar atenccedilatildeo integral a toda populaccedilatildeo
independente de contribuiccedilatildeo financeira agrave previdecircncia Paralelamente foram criados
programas de atenccedilatildeo primaacuteria direcionados a grupos especiacuteficos como o Programa de
Atenccedilatildeo Integrada agrave Sauacutede da Mulher (PAISM) e da crianccedila (PAISC) que serviram como
modelo para os demais programas de atenccedilatildeo integral voltados para grupos de risco idosos
adolescentes portadores de doenccedilas crocircnicas etc (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
42
44 A ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Reorientaccedilatildeo do Modelo Assistencial
A reorganizaccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos de sauacutede se inscreveu no projeto de Reforma
Sanitaacuteria Brasileira desde a deacutecada de 1970 Na deacutecada de 1980 a Reforma Sanitaacuteria foi
contemporacircnea agrave reestruturaccedilatildeo da poliacutetica social brasileira que apontou para um modelo de
proteccedilatildeo social abrangente justo equacircnime e democraacutetico definindo constitucionalmente a
sauacutede como direito de todos e dever do Estado com acesso universal igualitaacuterio agraves accedilotildees e
serviccedilos para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo
Com a luta pela ampliaccedilatildeo da cidadania as bases legais para a organizaccedilatildeo do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) foram fixadas na Constituiccedilatildeo de 1988 seguindo princiacutepios e
diretrizes de universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade da atenccedilatildeo resolutividade
humanizaccedilatildeo do atendimento e participaccedilatildeo social complementadas na aprovaccedilatildeo das Leis
Orgacircnicas da Sauacutede I e II que criaram o Fundo Nacional de Sauacutede (recursos fiscais) e o
Conselho Nacional de Sauacutede (participaccedilatildeo social) (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)
Na deacutecada de 1990 a tensatildeo entre o avanccedilo do projeto neoliberal e a preservaccedilatildeo do
SUS e suas diretrizes faz com que o MS adote mecanismos indutores do processo de
descentralizaccedilatildeo da gestatildeo Esses mecanismos transferiram a responsabilidade da atenccedilatildeo para
o governo municipal o que exigiu rever a loacutegica da lsquoatenccedilatildeo baacutesicarsquo organizando-a e
expandindo-a como primeiro niacutevel de atenccedilatildeo de acordo com as necessidades da populaccedilatildeo
Assim a concepccedilatildeo de ESF passou por profundas mudanccedilas e sua funccedilatildeo dentro do
SUS tambeacutem mudou radicalmente Vale ressaltar alguns marcos cronoloacutegicos desse processo
Em 1991 surge o Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) implantado pela
FUNASA no Norte e Nordeste do paiacutes Ainda na deacutecada de 1990 o MS fortaleceu as accedilotildees de
caraacuteter preventivo com investimento em programas de accedilotildees baacutesicas como parte da estrateacutegia
de reorganizaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo visando a promoccedilatildeo da sauacutede Nessa esteira foi
formulado o Programa de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) materializado pela portaria MS n 692 de
dezembro de 1993
No ano de 1996 foi implantada a Norma Operacional Baacutesica (NOB) que definiu um
novo modelo de financiamento para a atenccedilatildeo baacutesica agrave sauacutede com vistas agrave sustentabilidade
financeira para um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo Neste texto a Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede (ABS)
contemplava ldquo() um conjunto de accedilotildees de caraacuteter individual e coletivo situadas no primeiro
niacutevel de atenccedilatildeo dos sistemas de sauacutede voltadas para a promoccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de
agravos o tratamento e a reabilitaccedilatildeordquo (BRASIL 1996 p18)
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Ainda em 1996 houve a implantaccedilatildeo dos Poacutelos de Capacitaccedilatildeo Formaccedilatildeo e Educaccedilatildeo
Permanente de Recursos Humanos para Sauacutede da Famiacutelia e no ano seguinte 1997 por meio
do documento oficial Sauacutede da Famiacutelia uma estrateacutegia para a reorientaccedilatildeo do modelo
assistencial o PSF passa a ser ldquouma estrateacutegia que possibilita a integraccedilatildeo e promove a
organizaccedilatildeo das atividades em um territoacuterio definido com propoacutesito de propiciar o
enfrentamento e resoluccedilatildeo dos problemas identificados ()rdquo (GIOVANELLA et al 2009
p24 )
Apoacutes o PSF ter se tornado a estrateacutegia de reestruturaccedilatildeo do sistema de sauacutede houve
uma mudanccedila na forma de financiamento da ABS que passa a ser fundo a fundo isto eacute do
Fundo Nacional de Sauacutede para os Fundos Municipais de Sauacutede Haacute entatildeo a definiccedilatildeo pela
primeira vez de orccedilamento proacuteprio para o PSF estabelecido no Plano Plurianual
(GIOVANELLA et al 2009)
Outro documento importante eacute o 1ordm Pacto da Atenccedilatildeo Baacutesica de 1999 A Portaria nordm
1329 estabeleceu as faixas de incentivo ao PSF por cobertura populacional Jaacute no final do
seacuteculo XX houve a criaccedilatildeo do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB) com o intuito de
promover a consolidaccedilatildeo da Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (CASTRO FAUSTO 2012)
No iniacutecio do seacuteculo XXI foi lanccedilado o documento NOAS01 (Norma Operacional da
Assistecircncia agrave Sauacutede de 2001) A ecircnfase dada nesse documento foi a qualificaccedilatildeo da APS no
paiacutes e a incorporaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede bucal na ESF Ainda com o objetivo de fortalecer a
ESF em todo paiacutes em 2002 foi dado iniacutecio ao Programa de Expansatildeo e Consolidaccedilatildeo da
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (Proesf) Esse programa foi dividido em duas fases a primeira
- Fase I - foi concluiacuteda em 2007 e a segunda fase - Fase II foi de 2009 ateacute 2013
Outra importante iniciativa para melhor desenvolver a capacidade de atuaccedilatildeo das
EqSF foi a criaccedilatildeo em 2008 dos Nuacutecleos de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia (NASFs) com o
objetivo de apoiar a consolidaccedilatildeo da APS no Brasil ampliando sua abrangecircncia e
resolutividade Outros profissionais que natildeo compotildeem a equipe miacutenima como alguns
meacutedicos especialistas psicoacutelogos farmacecircuticos fisioterapeutas terapeutas ocupacionais e
assistentes sociais tecircm por funccedilatildeo apoiar as equipes em pelo menos duas dimensotildees apoio a
proacutepria equipe no que diz respeito a seu processo de trabalho e apoiador da equipe no que
tange aos cuidados dos usuaacuterios compartilhando saberes
Apoacutes quinze anos de ESF eacute possiacutevel fazer um balanccedilo de sua atuaccedilatildeo apontando os
desafios e as possibilidades da ABS no Brasil Foi entre os anos de 2001 a 2010 que a Poliacutetica
Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica ampliou a concepccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria brasileira
incorporando caracteriacutesticas da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente Com isso a atenccedilatildeo
44
primaacuteria passa a ser entendida como ldquoum conjunto de accedilotildees de promoccedilatildeo prevenccedilatildeo
recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo de sauacutede nos acircmbitos individual e coletivo realizadas por meio de
trabalho em equipe e dirigidas a populaccedilotildees de territoacuterios delimitadosrdquo (GIOVANELLA
MENDONCcedilA 2012 p539)
A APS tem como importante funccedilatildeo ser o ponto de contato preferencial e a porta de
entrada do sistema de sauacutede garantindo a integralidade da atenccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo dos
cuidados A Sauacutede da Famiacutelia tornou-se a estrateacutegia prioritaacuteria e permanente para a
organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria Aleacutem disso o modelo brasileiro de atenccedilatildeo primaacuteria
incorpora outros elementos da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente com centralidade na
famiacutelia e direcionamento para a comunidade Apesar disso observa-se uma diversidade de
modelos implementados nas diferentes experiecircncias de APS no paiacutes e ainda haacute um longo
caminho a se percorrer ateacute a hegemonia de um novo modelo de atenccedilatildeo em sauacutede
O Programa Sauacutede da Famiacutelia ao ser aplicado como estrateacutegia passa a difundir uma
perspectiva inovadora para a atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes voltado para a famiacutelia e a
comunidade Tomados como paracircmetros para anaacutelise da implementaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo
primaacuteria abrangente a integraccedilatildeo e as accedilotildees intersetoriais satildeo desafios importantes
O sucesso da implementaccedilatildeo ESF para a grande maioria da populaccedilatildeo dependeraacute de
alguns fatores tais como incentivos financeiros poliacutetica adequada de recursos humanos
profissionalizaccedilatildeo dos ACS fixaccedilatildeo dos profissionais da sauacutede proporcionando-lhes
satisfaccedilatildeo no trabalho poliacuteticas de formaccedilatildeo profissional e educaccedilatildeo permanente iniciativas
locais competentes e criativas para o enfrentamento da diversidade no paiacutes A natildeo-
qualificaccedilatildeo de profissionais meacutedicos como generalistas eacute outro grande desafio Somente em
2002 a Medicina de Famiacutelia e da Comunidade foi reconhecida como especialidade pelo
Conselho Federal de Medicina fomentando-se a abertura de cursos de residecircncia e de
especializaccedilatildeo lato sensu (GIONANELLA et al 2009)
Outros desafios operacionais tambeacutem se colocam diante da efetivaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo
primaacuteria abrangente como insuficiente oferta de atenccedilatildeo especializada agravada pela baixa
integraccedilatildeo com os prestadores estaduais ainda responsaacuteveis em alguns municiacutepios pela maior
parte dos serviccedilos de meacutedia complexidade ausecircncia de poliacuteticas federais para a atenccedilatildeo
especializada A construccedilatildeo de redes integradas passa necessariamente por maior
investimento em serviccedilos de meacutedia complexidade com expansatildeo do leque de serviccedilos
ofertados no primeiro niacutevel novas accedilotildees curativas serviccedilos comunitaacuterios de sauacutede mental
cuidados domiciliares (home care) e cuidados paliativos investimentos em tecnologias de
45
informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com a implantaccedilatildeo de sistemas informatizados de regulaccedilatildeo e
prontuaacuterios eletrocircnicos (GIOVANELLA amp MENDONCcedilA 2012)
Por fim a organizaccedilatildeo do SUS orientada por uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
abrangente eacute uma perspectiva para a reduccedilatildeo das desigualdades sociais e regionais no acesso e
na utilizaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede no desenvolvimento de accedilotildees comunitaacuterias e na mediaccedilatildeo
de accedilotildees intersetoriais para responder aos determinantes sociais e regionais que contribuem
para efetivar o direito agrave sauacutede no Brasil
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil e na Cidade do Rio de Janeiro
A implementaccedilatildeo da ESF ocorre de diferentes modos nos mais de 5600 municiacutepios do
paiacutes e ainda satildeo poucos os estudos que nos permitem saber se mudanccedilas substanciais foram
efetivamente implementadas no modelo assistencial Silva Casotti e Chaves (2013)
realizaram uma revisatildeo da produccedilatildeo cientiacutefica na base de dados Scielo entre os anos de 2002
a 2010 sobre a variedade de estudos existentes abordando a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e seu
papel na orientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo no paiacutes Os resultados mostraram que apesar da
melhoria do processo de trabalho na atenccedilatildeo primaacuteria seu caraacuteter substitutivo natildeo foi
evidenciado na maioria dos estudos Sendo predominante a expansatildeo da universalizaccedilatildeo do
acesso aos serviccedilos de sauacutede a extensatildeo de cobertura e focalizaccedilatildeo As mudanccedilas foram
verificadas quando analisadas sob o foco da demanda como maior acolhimento e viacutenculo Os
limites mais evidentes se situaram no pouco foco das necessidades de sauacutede como na
territorializaccedilatildeo participaccedilatildeo comunitaacuteria e enfrentamento dos determinantes sociais de forma
intersetorial Foram evidenciados diferentes graus de implantaccedilatildeo da estrateacutegia mas que ainda
natildeo resultou na reorganizaccedilatildeo do sistema no niacutevel local
A cidade do Rio de Janeiro foi capital do Estado do Brasil uma colocircnia do Impeacuterio
Portuguecircs depois capital do Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves de 1815 a 1822
capital do Impeacuterio do Brasil ateacute 1889 e capital do Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil ateacute
1960 quando a sede do governo foi transferida para Brasiacutelia
Hoje eacute a capital do Estado do Rio de Janeiro e o principal destino turiacutestico
internacional da Ameacuterica Latina sendo a segunda metroacutepole mais populosa do Brasil (depois
de Satildeo Paulo) a sexta maior da Ameacuterica e a trigeacutesima quinta do mundo Em 2010 segundo
censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo do Rio de janeiro
era de 6320446 habitantes e em 2014 a populaccedilatildeo estimada era de 6453682 habitantes
O desenvolvimento e a construccedilatildeo de uma razoaacutevel infraestrutura de serviccedilos puacuteblicos
incluindo um importante conjunto de serviccedilos de sauacutede em especial unidades hospitalares sob
46
a coordenaccedilatildeo das diferentes esferas de governo foi favorecido pelo importante papel
histoacuterico-poliacutetico desempenhado pela cidade (CASOTTI et al 2013)
Quanto a organizaccedilatildeo dos serviccedilos a atenccedilatildeo agrave sauacutede no municiacutepio se estrutura em
trecircs niacuteveis com diferentes tipos de unidades Atenccedilatildeo Primaacuteria (Centro Municipal de
SauacutedeCMS e Cliacutenica da FamiacuteliaCF) Atenccedilatildeo Secundaacuteria (Policliacutenicas Centros de Atenccedilatildeo
Psicossocial -CAPS Unidades de Pronto Atendimento - Upas e Centros de Reabilitaccedilatildeo) e
Atenccedilatildeo Terciaacuteria (Maternidades Hospitais e Institutos) (RIO DE JANEIRO 2013
ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DA SAUacuteDE 2013)
Com a finalidade de gestatildeo do sistema municipal de sauacutede desde 1993 a cidade do
Rio de Janeiro estaacute organizada em 10 (dez) Aacutereas de Planejamento Sanitaacuterio cada uma com
sua Coordenaccedilatildeo de Aacuterea denominadas Aacutereas Programaacuteticas ndash AP (10 21 22 31 32 33
40 51 52 e 53) que satildeo bem diversas entre si em relaccedilatildeo a equipamentos de sauacutede e
necessidades da populaccedilatildeo (RIO DE JANEIRO 2014)
Na deacutecada de 90 a rede municipal de atenccedilatildeo primaacuteria da cidade recebeu
investimentos de requalificaccedilatildeo estrutural (reformas adequaccedilotildees e ampliaccedilotildees) da sua
capacidade instalada valorizando a implantaccedilatildeo de um sistema corretivo e preventivo de
manutenccedilatildeo predial mas sem apresentar aumento significativo no nuacutemero de unidades no
municiacutepio (CASOTTI et al 2013)
Apesar do movimento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo primaacuteria no paiacutes em 1994
com a adoccedilatildeo da PSF a secretaria municipal de sauacutede manteve a atenccedilatildeo primaacuteria tradicional
como modelo predominante de atenccedilatildeo e implantou a ESF de forma residual fragmentada e
desarticulada Ao passo que outras capitais como Belo Horizonte e Florianoacutepolis alcanccedilavam
a cobertura da ESF acima de 70 da populaccedilatildeo no ano de 2008
Situaccedilatildeo essa que perdurou sem alteraccedilatildeo ateacute 2009 onde o cenaacuterio da atenccedilatildeo primaacuteria
no municiacutepio apresentava uma estrutura bastante incipiente com cobertura da ESF em torno
de 7 segundo dados da Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (2013) quando se instalou
um processo de Reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria que incluiu a territorializaccedilatildeo das redes e uma
importante expansatildeo do nuacutemero de unidades de atenccedilatildeo primaacuteria o que resultou numa
expansatildeo acelerada com implantaccedilatildeo de 828 equipes da ESF atingindo uma cobertura de
479 em marccedilo de 2015 consolidando assim o modelo da ESF na cidade (SORANZ 2013)
Para viabilizar essa expansatildeo de cobertura vecircm sendo implementadas no campo da
gestatildeo do trabalho algumas estrateacutegias para atrair e fixar profissionais qualificados incluindo
alteraccedilatildeo de salaacuterios e formas de contrataccedilatildeo operacionalizadas por meio das Organizaccedilotildees
Sociais (OSs) e a criaccedilatildeo do Curso de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade
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(RMFC) pela Prefeitura do Rio de Janeiro Outra estrateacutegia importante estaacute voltada para o
campo da qualificaccedilatildeo profissional em parceria com instituiccedilotildees de ensino como a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj) e a Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (PINTO 2011 MAGNAGO E PIERANTONI 2015
OPAS 2013)
Outro passo foi dado a partir de 2010 com o iniacutecio da implantaccedilatildeo dos Nuacutecleos de
Atenccedilatildeo agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASFs)) que tecircm o objetivo de apoiar e dar resolutividade agraves
diversas especialidades na atenccedilatildeo baacutesica aleacutem de promover sua integraccedilatildeo agrave rede de
serviccedilos Uma rede de NASF foi entatildeo progressivamente implementada chegando a 47
equipes em 2015
A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e sua importacircncia para a Sauacutede Mental
No acircmbito internacional seguindo as diretrizes do ldquoMental Health Action Plan 2013-
2020rdquo satildeo destacados quatro grandes objetivos principais 1) lideranccedila e governanccedila mais
efetiva em sauacutede mental 2) fornecimento de serviccedilos de sauacutede mental e cuidados sociais de
base comunitaacuteria abrangente integrado 3) implantaccedilatildeo de estrateacutegias para promoccedilatildeo e
prevenccedilatildeo e 4) fortalecimento do sistema de informaccedilatildeo evidencia e pesquisa Esse Plano de
Accedilatildeo Global estaacute baseado na abordagem do ciclo de vida e objetiva alcanccedilar equidade atraveacutes
da cobertura de sauacutede universal enfatizando a importacircncia da prevenccedilatildeo e do respeito aos
Direitos Humanos A World Health Organization recomenda o fortalecimento da Atenccedilatildeo
Primaacuteria e da Atenccedilatildeo Psicossocial Comunitaacuteria para isso sugere que cada paiacutes encontre o
melhor caminho respeitadas as particularidades sociais econocircmicas e culturais (WHO
2013)
A atual Poliacutetica de Sauacutede Mental no Brasil eacute resultado da mobilizaccedilatildeo de trabalhadores
da Sauacutede Mental usuaacuterios e familiares iniciada na deacutecada de 1980 com o objetivo de mudar a
realidade dos manicocircmios onde viviam mais de 100 mil pessoas com transtornos mentais
institucionalizadas com seacuterias violaccedilotildees dos Direitos Humanos O movimento foi
impulsionado pela importacircncia que o tema dos Direitos Humanos adquiriu no combate agrave
ditadura e alimentou-se das experiecircncias exitosas de paiacuteses europeus na substituiccedilatildeo de um
modelo de sauacutede mental baseado no hospital psiquiaacutetrico por um modelo de serviccedilos
comunitaacuterios com forte inserccedilatildeo territorial Esse processo de mudanccedila nas uacuteltimas deacutecadas
se expressa especialmente por meio do movimento Social da Luta Antimanicomial e de um
projeto coletivamente produzido de mudanccedila do modelo de atenccedilatildeo e de gestatildeo do cuidado a
Reforma Psiquiaacutetrica
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A atenccedilatildeo as pessoas com transtornos mentais passa entatildeo a ter como objetivo ldquoo
pleno exerciacutecio de sua cidadania e natildeo somente o controle de sua sintomatologiardquo Brasil
(2013 p21) O que vai implicar na organizaccedilatildeo de serviccedilos abertos de base territorial com a
participaccedilatildeo dos usuaacuterios e formando redes com outras poliacuteticas puacuteblicas (educaccedilatildeo trabalho
moradia cultura etc) A inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental nos cuidados de sauacutede primaacuterios
portanto vai propiciar a loucura sair de um lugar segregador excludente para um de conviacutevio
de agenciamentos de possibilidades de produccedilatildeo de vida (SOUZA RIVERA 2010)
Para Lancetti e Amarante (2012) eacute no acircmbito da Sauacutede da Famiacutelia que se pode
alcanccedilar a radicalidade da desinstitucionalizaccedilatildeo Mas para isso as equipes da Estrateacutegia de
Sauacutede da Famiacutelia precisam ser bem instrumentalizadas na concepccedilatildeo mais geral da Reforma
Psiquiaacutetrica e da Reforma Sanitaacuteria entendendo ambas como ldquoprocessos sociais complexos
que visam tanto agrave melhoria da assistecircncia meacutedica quanto agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave construccedilatildeo
de consciecircncia sanitaacuteria nas comunidadesrdquo (AMARANTE 2007 p96)
Aleacutem de as equipes serem bem instrumentalizadas Amarante (2007) destaca ser
importante que as equipes recebam apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da
Famiacutelia - NASF (Portaria GM 1542008) para conduzir os casos de sauacutede mental de forma
mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada a partir da vivencia cotidiana
dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias profissionais para lidar com os
problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento psiacutequico e comprometer a
resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA 2013)
A Portaria GM 1542008 determina que todo NASF tenha ao menos um profissional
da aacuterea da sauacutede mental para orientar problematizar oferecer apoio teacutecnico e institucional em
situaccedilotildees de sauacutede mental aos profissionais da ESF contribuindo para que estas consigam o
maacuteximo de ecircxito em suas intervenccedilotildees sem a necessidade de encaminhar as pessoas aos
niacuteveis mais complexos de recursos Por Apoio Matricial no seu sentido original entende-se
como uma equipe composta por um ou mais profissionais de sauacutede detentores de certo saber
cientifico que apoacuteia utilizando-se para isso de diversas modalidades de processos uma ou
mais equipes de referecircncia (CAMPOS1999)
Souza et al (2012) realizaram uma revisatildeo narrativa da literatura brasileira sobre
relaccedilotildees entre Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o campo da sauacutede mental no periacuteodo de
1999 a 2009 Os resultados apontaram problemas como visotildees estereotipadas sobre os
transtornos mentais predominacircncia da loacutegica manicomial ausecircncia de registros fluxos
estrateacutegias apoio qualificado agraves famiacutelias e de integraccedilatildeo em rede Assim como na revisatildeo
feita por Gama e Onocko (2009) que constatou a persistecircncia do paradigma biomeacutedico
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tradicional pouca correspondecircncia entre as diretrizes de inclusatildeo da sauacutede mental e a
realidade dos serviccedilos dificuldades na relaccedilatildeo entre equipes de ESF e CAPS
Esses estudos mostraram que alguns profissionais construiacuteram formas de lidar com os
problemas de sauacutede mental na APS mais adequadas aos princiacutepios do SUS e da Reforma
Psiquiaacutetrica No entanto essas estrateacutegias permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais
natildeo tinham clareza sobre elas) assistemaacuteticas e desarticuladas da rede de serviccedilos O que
sugere que a atenccedilatildeo agrave sauacutede mental na APS brasileira do iniacutecio do seacuteculo XXI ainda se
encontra em seus ldquotateiosrdquo iniciais Apresentando-se como um desafio atual e importante
tanto para a academia quanto para praacutetica dos serviccedilos
Apoio Matricial (AM)
No presente estudo o foco natildeo foi o Apoio Matricial (AM) mas faz-se necessaacuterio
esclarecer que essa eacute uma ferramenta que tem como funccedilatildeo segundo Campos (1999)
estimular cotidianamente a produccedilatildeo de novos padrotildees de inter-relaccedilatildeo entre equipe e
usuaacuterios ampliar o compromisso dos profissionais com a produccedilatildeo de sauacutede e quebrar
obstaacuteculos organizacionais agrave comunicaccedilatildeo Privilegiando dessa forma o exerciacutecio
interdisciplinar em busca do cuidado integral em sauacutede a racionalizaccedilatildeo do acesso e do uso
de recursos especializados e estimulando uma cliacutenica compartilhada embasada por um pacto
de corresponsabilizaccedilatildeo sanitaacuteria ampliando assim o escopo da APS
Embora o Ministeacuterio da Sauacutede tenha formalizado os Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da
Famiacutelia (NASF) pressupondo um funcionamento a partir do apoio matricial em 2008 em um
estudo recente Fonseca Sobrinho et al (2014) apontam que no Brasil em 12 estados cerca de
50 das EqSF possuem nenhum ou grau baixo de AM Demonstrando assim que as
atividades de AM na Atenccedilatildeo Baacutesica satildeo desiguais com graus de AM mais elevados nos
estados e regiotildees mais desenvolvidas O estudo destaca que os trabalhadores das ESF
reconhecem a potecircncia do AM para mudanccedilas das praacuteticas (mais consoante aos princiacutepios da
integralidade) e das subjetividades daqueles que as protagonizam ficando mais
comprometidos com os casos o que corrobora para o fortalecimento de viacutenculos com os
usuaacuterios que se sentem mais seguros pelo fato dos profissionais da ESF serem apoiados por
um ou mais especialistas
Para Delfini e Reis (2012) o AM pode ser uma ferramenta facilitadora da acessibilidade
dos usuaacuterios de sauacutede mental aos serviccedilos de sauacutede funcionando como um arranjo
organizacional capaz de dar sustentaccedilatildeo aos equipamentos da rede de forma a operar de
maneira integrada e articulada possibilitando a apreensatildeo do sujeito em sofrimento psiacutequico
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no entanto as EqSF natildeo se sentem instrumentalizadas para o manejo dos casos de transtornos
mentais Jaacute para Campos e Domitti (2007) os profissionais referem-se ao apoio matricial sem
compreender o que eacute o fundamento de sua proposta a corresponsabilizaccedilatildeo pelos usuaacuterios e a
construccedilatildeo de accedilotildees conjuntas
Na cidade do Rio de Janeiro o AM na aacuterea de sauacutede mental ainda estaacute processo de
construccedilatildeo Estatildeo sendo feitas vaacuterias tentativas de aproximaccedilatildeo entre as EqSF e os Centro de
Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) de sua aacuterea de referecircncia algumas jaacute bem sucedidas Sendo
esse processo possiacutevel quando haacute esse serviccedilo no territoacuterio No entanto natildeo podemos
esquecer que ainda haacute um nuacutemero insuficiente deste dispositivo em todo o territoacuterio
brasileiro
A Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro possui uma Carteira de Serviccedilos ndash
Guia de Referecircncia Raacutepida com a relaccedilatildeo de serviccedilos prestados na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
elaborado em (2011) e atualizado em (2016) que visa nortear as accedilotildees de sauacutede na atenccedilatildeo
primaacuteria oferecidas agrave populaccedilatildeo no Municiacutepio do Rio de Janeiro Neste documento os
serviccedilos oferecidos para a Sauacutede Mental satildeo
Acompanhamento ao usuaacuterio de aacutelcool e outras drogas
Realizaccedilatildeo de desintoxicaccedilatildeo alcooacutelica na unidade primaacuteria de sauacutede
Acolher as pessoas em situaccedilotildees de crise e referenciar se necessaacuterio
Referenciar todos os casos de sauacutede mental quando necessaacuterio
(CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio NASF ou hospital) para suporte teacutecnico mantendo o
acompanhamento dos pacientes
Educaccedilatildeo em sauacutede para manejo de sobrecarga familiar (apoio aos cuidadores)
Realizaccedilatildeo e incentivo agrave participaccedilatildeo de profissionais da ESF em foacuteruns de sauacutede
mental visando a integraccedilatildeo e a construccedilatildeo de parcerias intersetoriais
Atendimento individual a familiares visando intervenccedilatildeo em situaccedilotildees de violecircncia
domeacutestica
Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica para inserccedilatildeo de usuaacuterios com transtornos mentais
nas atividades de rotina da unidade como consultas e acompanhamento de hipertensatildeo
diabetes tuberculose odontologia e em grupos de atividade fiacutesica ou outras atividades
realizadas pela unidade
Atendimento e acompanhamento de usuaacuterios que realizam uso crocircnico de
benzodiazepiacutenico atraveacutes de consulta meacutedica e de enfermagem ou grupos terapecircuticos
Discussatildeo de casos cliacutenicos com equipes dos CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio e
NASF
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Acompanhamento ao portador de transtornos mentais comuns (leves) atraveacutes de
consulta meacutedica e grupo terapecircutico
Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica visando a inserccedilatildeo do usuaacuterio nos espaccedilos de
convivecircncia da comunidade como vilas oliacutempicas escolas centros culturais e centros de
convivecircncia
Abordagem e manejo de transtornos de ansiedade natildeo complicados
Abordagem e manejo de transtornos depressivos natildeo complicados
Na CF onde foi realizado o estudo agrave eacutepoca das entrevistas a equipe contava com o AM
via NASF com um psiquiatra e uma psicoacuteloga que estavam disponiacuteveis na unidade em dois
turnos mas natildeo contava com um CAPS de referecircncia para adultos apenas para crianccedilas o
CAPSI da Universidade Federal do Rio de Janeiro E o CAPS Ad para adultos do Estado
encontrava-se com atendimento muito restrito devido ao deacuteficit de recursos humanos e
recursos financeiros
45 OS PROFISSIONAIS DA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Formaccedilatildeo dos Profissionais de Sauacutede no Brasil
A formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede eacute um processo de fundamental importacircncia para o
desenvolvimento e manutenccedilatildeo de um sistema puacuteblico de sauacutede de qualidade Isto porque o
trabalho em sauacutede baseia-se necessariamente no elemento humano ou seja ldquona sua
capacidade de agir refletir colocar-se no lugar das pessoas que recebem seus cuidados e
entender os determinantes do processo sauacutede-doenccedila em seu dinamismo e sua complexidaderdquo
(CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012 p885)
Atualmente temos 14 (quatorze) profissotildees de sauacutede de niacutevel universitaacuterio em nosso paiacutes
medicina enfermagem odontologia fisioterapia terapia ocupacional psicologia
fonoaudiologia farmaacutecia veterinaacuteria educaccedilatildeo fiacutesica serviccedilo social ciecircncias bioloacutegicas
biomedicina e nutriccedilatildeo Sendo importante destacar a importacircncia histoacuterica da medicina para a
aacuterea de sauacutede e seu referencial teoacuterico - Relatoacuterio Flexner que influenciaram a conformaccedilatildeo
do ensino das demais profissotildees de sauacutede
O Relatoacuterio Flexner elaborado pelo educador americano Abrahem Flexner ficou
conhecido por normatizar as bases para um ensino meacutedico pautado no meacutetodo cientiacutefico Suas
principais propostas para escolas de medicina eram Definiccedilatildeo de padrotildees de entrada e
ampliaccedilatildeo para quatro anos da duraccedilatildeo dos cursos Introduccedilatildeo do ensino laboratorial
Estimulo a docecircncia em tempo integral Expansatildeo do ensino clinico especialmente em
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hospitais Vinculaccedilatildeo das escolas meacutedicas agraves universidades Ecircnfase na pesquisa bioloacutegica
Vinculaccedilatildeo da pesquisa ao ensino Estiacutemulo agrave especializaccedilatildeo meacutedica Controle do exerciacutecio
profissional pela profissatildeo organizada (CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012)
A separaccedilatildeo ainda hoje da maioria dos cursos da aacuterea de sauacutede em ciclo baacutesico (inicial
composto por disciplinas baacutesicas geralmente bioloacutegicas) e ciclo profissional (com disciplinas
voltadas para a praacutetica) eacute um exemplo da influecircncia do modelo flenexeriano no ensino de
praticamente todas as profissotildees nessa aacuterea o que consequentemente proporciona uma
hipervalorizaccedilatildeo do aspecto bioloacutegico e a fragmentaccedilatildeo dos conhecimentos com consequente
desvalorizaccedilatildeo dos demais determinantes do processo sauacutede-doenccedila (CAMPOS AGUIAR e
BELISAacuteRIO 2012)
Tendo-se em mente que o sistema educativo eacute uma imensa maacutequina burocraacutetica e que a
foacutermula da educaccedilatildeo bancaacuteria ainda eacute majoritaacuteria na realidade educacional como esperar que
a maioria dos estudantes ao final de seu curso natildeo tenha uma praacutetica fragmentada e centrada
na medicalizaccedilatildeo jaacute que em seus cursos veem escutam e aprendem desta forma
quotidianamente (FREIRE 2003)
Campos Aguiar e Belizaacuterio (2012) destacam que as profissotildees de sauacutede que conhecemos
hoje satildeo relativamente novas inclusive a medicina considerada uma das profissotildees mais
antigas do mundo soacute obteve credibilidade popular a partir do seacuteculo XIX quando o meacutetodo
cientifico se tornou determinante das praacuteticas em sauacutede A medicina nos seacuteculos anteriores era
uma profissatildeo baseada no empirismo ou em supersticcedilotildees
Tambeacutem ressaltam que o ldquocasamento entre a sauacutede e a ciecircncia foi fruto da euforia
positivista1 daquela eacutepoca que assistiu a importantes descobertas como a anestesia e a
microbiologiardquo Campos Aguiar e Belisaacuterio (2012 p886) o que contribuiu para generalizar a
impressatildeo de que a ciecircncia mais cedo ou mais tarde traria respostas objetivas para a maioria
dos problemas da humanidade E tambeacutem para reforccedilar a ideia positivista de que esses
problemas teriam sempre causas bem definidas sendo portanto passiveis de intervenccedilatildeo cujo
aparecimento seria soacute uma questatildeo de tempo
Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos
diversos cursos da aacuterea da sauacutede com a Lei Orgacircnica da Sauacutede (Lei Nordm 80801990) segundo
a qual um dos objetivos e atribuiccedilotildees do SUS eacute a ordenaccedilatildeo da formaccedilatildeo dos trabalhadores do
setor com base em metodologias mais reflexivas voltadas ao aprendizado no proacuteprio
1 O Positivismo eacute uma corrente filosoacutefica que surgiu na Franccedila no comeccedilo do seacuteculo XIX Defende a ideacuteia de
que o conhecimento cientifico eacute a uacutenica forma de conhecimento verdadeiroAdvoga a descoberta de leis naturais
e o seu domiacutenio pela ciecircncia de forma a resolver os problemas do mundo e da vida
53
exerciacutecio profissional Somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo de
reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a
novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
Em um artigo publicado em 2010 Haddad e colaboradores a partir de uma anaacutelise
sobre a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede no Brasil no periacuteodo de 1991 a 2008
apresentaram um panorama dos 14 cursos considerados da aacuterea de sauacutede e por resoluccedilatildeo do
Conselho Nacional de Sauacutede (CNS) afirmaram que as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN)
Apontam a necessidade de os cursos incorporarem nos seus projetos
pedagoacutegicos o arcabouccedilo teoacuterico do SUS valorizando tambeacutem os
postulados eacuteticos a cidadania a epidemiologia e o processo
sauacutededoenccedilacuidado no sentido de garantir formaccedilatildeo
contemporacircnea de acordo com referenciais nacionais e internacionais
de qualidade As DCN inovam ao estimularem a inserccedilatildeo precoce e
progressiva do estudante no SUS o que lhe garantiraacute conhecimento e
compromisso com a realidade de sauacutede de seu paiacutes e sua regiatildeo
(HADDAD et al 2010 p 38)
Eacute importante destacar nesse cenaacuterio de formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede no Brasil
que o ensino acadecircmico e o ensino profissional foram historicamente tratados de modos
distintos com maior ou menor interferecircncia puacuteblica privada ou de trabalhadores
O ensino profissionalizante natildeo pode ser separado dos movimentos econocircmicos de
cada periacuteodo Desde 1809 com a criaccedilatildeo do Coleacutegio das Faacutebricas a profissionalizaccedilatildeo teve
iniacutecio e se manteve como concessatildeo governamental agraves classes sociais pobres Ao mesmo
tempo em que qualificava os trabalhadores preparava para exercer as atividades econocircmicas
vigentes ou seja a profissionalizaccedilatildeo era vista como uma soluccedilatildeo para os problemas sociais
(BARROS et al 2010)
No campo da sauacutede a partir dos anos 1930 eacutepoca da criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho
com a industrializaccedilatildeo e o aumento da cobertura previdenciaacuteria cresceu a necessidade do
mercado por profissionais de sauacutede especialmente meacutedicos Como consequecircncia verificou-se
a ampliaccedilatildeo da oferta de cursos de medicina Na eacutepoca devido ao crescimento econocircmico a
expansatildeo dos cursos de ensino superior ocorreu em toda a Ameacuterica Latina No entanto o
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mesmo natildeo sucedeu com o ensino meacutedio Teacutecnicos e auxiliares natildeo eram prioridade na
agenda de formaccedilatildeo e eram absorvidos pelo mercado de trabalho sem qualificaccedilatildeo (BARROS
et al 2010)
Ateacute a promulgaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei Nordm
402461) natildeo era permitida a equivalecircncia entre o ensino regular e o profissionalizante
coerente com a loacutegica de que a educaccedilatildeo profissional era dirigida sempre aos mais pobres
para que exercessem atividades servis enquanto o ensino formal destinava-se agrave elite
(BRASIL MEC 2000)
Em 1963 na 3ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede (CNS) foi discutida a profissionalizaccedilatildeo
de niacutevel meacutedio e apresentada uma proposta de preparaccedilatildeo desses trabalhadores Na 4ordf CNS
em 1967 cujo tema central foi ldquoRecursos Humanos para as Atividades de Sauacutederdquo propocircs-se a
formulaccedilatildeo de uma poliacutetica permanente de recursos humanos voltada ao ensino no trabalho
pelo trabalho e para o trabalho (BARROS et al 2010)
Nos anos 1960 e 1970 os investimentos puacuteblicos em hospitais privados decorreram do
modelo de seguridade social estabelecido O crescimento de serviccedilos meacutedicos e hospitalares
a ampliaccedilatildeo de leitos e o foco nas doenccedilas tambeacutem aumentaram a compra de serviccedilos
meacutedicos pelo Estado com incremento de leitos hospitalares Nessa eacutepoca disparou o nuacutemero
de empregos no setor hospitalar privado (BARROS et al 2010)
Ateacute os anos 1980 predominava a contrataccedilatildeo de pessoal desqualificado para os serviccedilos
Um estudo realizado por Pronko (1999) analisou a forccedila de trabalho em sauacutede na deacutecada de
1970 e verificou que houve um aumento significativo de pessoas desqualificadas (em especial
atendentes) que atuavam nas atividades hospitalares passando de 32137 para 85541 o
nuacutemero desses profissionais sem qualificaccedilatildeo
Tampouco nos hospitais e postos de sauacutede puacuteblicos havia qualquer exigecircncia de formaccedilatildeo
para o atendente de enfermagem Barros et al (2010) Somente com a promulgaccedilatildeo da Lei do
Exerciacutecio Profissional da Enfermagem em 1986 fruto de uma longa luta poliacutetica da
enfermagem junto a oacutergatildeos centrais como Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Ministeacuterio da Sauacutede eacute
que ficou estabelecido o prazo de dez anos para a extinccedilatildeo da categoria
Nos anos 1990 por pressatildeo de organismos internacionais e pela forccedila da Lei do Exerciacutecio
Profissional de Enfermagem foram iniciados cursos de formaccedilatildeo profissionalizante pelos
Centros de Desenvolvimento de Recursos Humanos (CE- DRHU) das Secretarias Estaduais
de Sauacutede (SESs) Tambeacutem em decorrecircncia das determinaccedilotildees legais para o ensino
profissionalizante exigia-se matriacutecula em escola de ensino meacutedio fator que dificultou a
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permanecircncia de muitos profissionais nos cursos Em seguida surgiu o Projeto de Formaccedilatildeo
em Larga Escala de Pessoal de Sauacutede (BARROS et al 2010)
Nesse sentido como afirmam Barros et al (2010) em seu estudo a deacutecada de 1990
registrou uma contradiccedilatildeo no mesmo periacuteodo ocorreu incorporaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios
sem escolaridade nas poliacuteticas de governo como o Programa de Agentes Comunitaacuterios de
Sauacutede e implantaccedilatildeo de programas nacionais de formaccedilatildeo com exigecircncia de escolaridade para
os profissionais de enfermagem em geral
Foram criados os Centros de Formaccedilatildeo de Recursos Humanos em Sauacutede e as Escolas
Teacutecnicas de Sauacutede do SUS vinculadas agraves SES com o intuito de promover a
profissionalizaccedilatildeo dos trabalhadores inseridos nos serviccedilos sem a devida qualificaccedilatildeo O MS
no ano de 2000 criou o Projeto de Profissionalizaccedilatildeo dos Trabalhadores da Aacuterea de
Enfermagem (Profae) que foi oferecido para 225 mil trabalhadores cadastrados pelas
Secretarias Municipais de Sauacutede
Formaccedilatildeo dos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
Com a implementaccedilatildeo do Sauacutede da Famiacutelia o discurso poliacutetico governamental se
alterou com vistas a reorientar o recurso humano em sauacutede em termos de capacitaccedilatildeo para a
integralidade e nova praacutetica no SUS natildeo apenas no contexto do serviccedilo mas tambeacutem na
formaccedilatildeo dos futuros profissionais jaacute no acircmbito dos cursos de Enfermagem Medicina e
Odontologia Moretti-Pires (2009) O autor ainda destaca que este processo natildeo se deu
simplesmente por opccedilatildeo poliacutetica dos governos mas sim em virtude de necessidades concretas
de assistecircncia agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira frente ao dever constitucional do Estado em
relaccedilatildeo agrave sauacutede de todos
Mesmo com estes esforccedilos ainda foi mantido o modelo universitaacuterio tradicional
focado na atenccedilatildeo curativo-individual desconsiderando o contexto sociocultural das famiacutelias
pelos profissionais de sauacutede Pensamento que natildeo estaacute de acordo com a praacutetica necessaacuteria
para atuaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia comprometendo a legitimidade do modelo de atenccedilatildeo na
medida em que a equipe ainda vivencia o modelo hegemocircnico biomeacutedico e tradicional apesar
das tentativas de modifica-lo na praacutetica permanece em um ldquoestado entre a ESF idealizada e a
ESF de fatordquo (MORETTI-PIRES 2009 p155)
Em seu estudo sobre a complexidade em Sauacutede da Famiacutelia e formaccedilatildeo do futuro
profissional de sauacutede Moretti-Pires (2009) conclui que a formaccedilatildeo reducionistabiomeacutedica
nas trecircs profissotildees (Enfermagem Medicina e Odontologia) assim como o foco no trabalho
individual e natildeo na equipe multiprofissional eacute um quadro inadequado ao SUSESF que
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preconiza atuaccedilatildeo profissional focada na complexidade do entorno socioeconocircmico e
antropoloacutegico dos usuaacuterios do sistema E que apesar de a Sauacutede da Famiacutelia se constituir em
um modelo de atenccedilatildeo primaacuteria que se distingue pela visatildeo integral do usuaacuterio a formaccedilatildeo
universitaacuteria de seus profissionais ainda se pauta na visatildeo fragmentaacuteria reduzida ao acircmbito da
disciplinaridade (anatomia patologia geneacutetica farmacologia economia sociologia etc)
Atualmente jaacute existem vaacuterios cursos de Poacutes-Graduaccedilatildeo Lato Sensu e Stricto Sensu no
Brasil em Sauacutede da Famiacutelia voltados para os profissionais que atuam preferencialmente na
atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
De acordo com o estudo realizado por Pereira Costa e Megale (2012) nos uacuteltimos seis
anos atraveacutes de iniciativas interministeriais promovidas pelos Ministeacuterios da Sauacutede e da
Educaccedilatildeo tem-se observado a implantaccedilatildeo de importantes programas que vecircm ao encontro
das premissas defendidas pela Educaccedilatildeo Permanente em Sauacutede O Programa Nacional de
Reorientaccedilatildeo da Formaccedilatildeo Profissional em Sauacutede (Proacute-Sauacutede) lanccedilado em 2005 alicerccedilado
pelos Programa de Educaccedilatildeo pelo Trabalho para a Sauacutede (PET-Sauacutede) e o Proacute-Ensino na
Sauacutede ambos de 2010 propotildeem profundas mudanccedilas na relaccedilatildeo ensino-serviccedilo-comunidade
a partir do resgate do papel social das Instituiccedilotildees de Ensino (atividades de extensatildeo e
pesquisa em educaccedilatildeo na sauacutede) bem como da responsabilidade dos serviccedilos de sauacutede em
formarem ativamente seus futuros profissionais com enfoque na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
Em relaccedilatildeo a formaccedilatildeo profissional dos Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) em
1991 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em parceria com as secretarias estaduais e municipais
institucionalizou o Programa Nacional de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PNACS)
posteriormente Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) objetivando reduzir os
alarmantes indicadores de morbimortalidade infantil e materna inicialmente no Nordeste do
Brasil
Com a criaccedilatildeo do Programa de sauacutede da Famiacutelia em 1993 posteriormente denominado
ESF emergiu a categoria do Agente Comunitaacuterio de Sauacutede (ACS) para atuar nas unidades
baacutesicas e ser o elo entre a comunidade e os serviccedilos de sauacutede Essa atividade profissional natildeo
tinha nem qualificaccedilatildeo nem regulaccedilatildeo Dada a importacircncia de sua funccedilatildeo no programa e em
decorrecircncia de seu papel estrateacutegico no fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria enquanto poliacutetica
puacuteblica para a sauacutede houve necessidade de capacitar esse profissional No entanto somente
em 2002 a profissatildeo foi criada em termos de lei que em 2006 foi revogada para que ajustes
pudessem ser feitos por meio da promulgaccedilatildeo da Lei 11350 A nova regulamentaccedilatildeo ocorreu
agora em 2014 com a Lei 12994 que altera a Lei no 11350 de 2006 para instituir piso
57
salarial profissional nacional e diretrizes para o plano de carreira dos Agentes Comunitaacuterios
de Sauacutede
Segundo Barros et al (2010) considerando os aspectos mencionados observa-se que o
ACS nasce num contexto permeado por influecircncias sociais ideoloacutegicas poliacuteticas e teacutecnicas
envolvendo demandas de ordem nacional e internacional Na agenda brasileira passa a ser
visto como uma estrateacutegia poliacutetica possiacutevel para superar o modelo tradicional e assinala
assim perspectivas para a construccedilatildeo de um novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede
Observa-se hoje que o ACS desempenha papel relevante na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
devido a suas atribuiccedilotildees que envolvem o cadastramento e o acompanhamento nas aacutereas de
cobertura da ESF aleacutem do seu capital social Por sua condiccedilatildeo hiacutebrida de estar entre a
comunidade (eacute morador e conhecedor daquela realidade) e os profissionais de sauacutede tornou-
se um importante elemento na promoccedilatildeo de mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de
fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes
46 ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE MENTAL TRANSFORMACcedilOtildeES DE PARADIGMA
Da Psiquiatria agrave Sauacutede Mental
Segundo Costa-Rosa Luzio amp Yasui (2003 p 28) as ldquopraacuteticas cliacutenicas concebidas ao
modo da cliacutenica meacutedica e psicoloacutegica foram consideradas como meios de adaptar os
indiviacuteduos agrave aceitaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo de objetos da violecircnciardquo Os autores denunciam nesse
contexto a situaccedilatildeo perversa entre os profissionais da assistecircncia e os seus pacientes
Rotelli Leonardis e Mauri (2001) de maneira convergente destacam que se faz
necessaacuteria a mudanccedila do paradigma psiquiaacutetrico na assistecircncia
O mal obscuro da Psiquiatria estaacute em haver separado um objeto
fictiacutecio a ldquodoenccedilardquo da existecircncia global complexa e concreta dos
pacientes e do corpo social Sobre essa separaccedilatildeo artificial se
construiu um conjunto de aparatos cientiacuteficos legislativos e
administrativos (a instituiccedilatildeo) todos referidos agrave ldquodoenccedilardquo Eacute este
conjunto que eacute preciso desmontar (desinstitucionalizar) para retomar o
contato com aquela existecircncia dos pacientes enquanto ldquoexistecircnciardquo
doente (ROTELLI LEONARDIS MAURI 2001 p29-30)
O modelo de cuidados proposto para atenccedilatildeo em Sauacutede Mental baseia-se nos
princiacutepios da Atenccedilatildeo Psicossocial Esse modelo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua
58
ldquoexistecircncia-sofrimentordquo Costa-Rosa (2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia
subjetiva colocando em questatildeo a ideacuteia de ldquodoenccedila mentalrdquo ldquotranstorno mentalrdquo do modelo
biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais
[] colocar um lsquofenocircmenorsquo entre parecircnteses representa uma
importante demarcaccedilatildeo epistemoloacutegica no acircmbito da tradiccedilatildeo do
pensamento filosoacutefico existencial consiste na ideacuteia de que o
lsquofenocircmenorsquo natildeo existe em si mas eacute construiacutedo pelo observador
o sujeito do conhecimento constroacutei o lsquofenocircmenorsquo este eacute parte
do primeiro eacute parte de sua cultura e de sua subjetividade
(AMARANTE 1999 p49)
Para melhor compreender o alcance das propostas da Atenccedilatildeo Psicossocial haacute de se
contextualizar as mudanccedilas de paradigmas no interior dos quais ela se define e as questotildees
importantes que atualmente atravessam o contexto da Sauacutede Mental Coletiva
A Atenccedilatildeo Psicossocial inserida no campo da Reforma Psiquiaacutetrica ldquotem sustentado
um conjunto de accedilotildees teoacuterico-praacuteticas poliacutetico-ideoloacutegica e eacuteticas norteadas pela aspiraccedilatildeo de
substituiacuterem o Modo Asilar e algumas vezes o proacuteprio paradigma da Psiquiatriardquo (COSTA-
ROSA LUZIO YASUI 2003 p 28)
De acordo com esses autores sua origem remonta a uma serie de diferentes
experiecircncias histoacutericas que incluem principalmente a Psiquiatria de Setor e Comunitaacuteria a
Antipsiquiatria a Psicoterapia Institucional e a Psiquiatria Democraacutetica Italiana aleacutem da
contribuiccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas e das experiecircncias locais brasileiras dos Centros de
Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) e dos Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial (NAPS) Esses mesmos
autores afirmam que de um modo geral os elementos teoacutericos impliacutecitos a essas experiecircncias
transitam especialmente pelas ideacuteias socioloacutegicas e psicoloacutegicas pelo Materialismo Histoacuterico
pela Psicanaacutelise e pela Filosofia da Diferenccedila
Para Amarante (1999 p47-52) as transformaccedilotildees na Sauacutede mental podem ser
especificadas em quatro campos teoacuterico conceitual teacutecnico-assistencial juriacutedico-poliacutetico e
sociocultural Vou tentar sintetizar as transformaccedilotildees em cada um desses campos como
estrateacutegia de visualizar a praacutexis da Atenccedilatildeo Psicossocial conforme abordado por Costa-Rosa
Luzio e Yasui (2003 p 32-33)
No campo teoacuterico-assistencial tem-se trabalhado na desconstruccedilatildeo de conceitos e
praacuteticas sustentadas pela psiquiatria e pela psicologia nas suas visotildees sobre a doenccedila mental
59
Por outro lado tem-se construiacutedo noccedilotildees e conceitos como ldquoexistecircncia-sofrimentordquo do sujeito
com o corpo social paradigma esteacutetico acolhimento cuidado emancipaccedilatildeo e contratualidade
social O conceito de existecircncia-sofrimento por oposiccedilatildeo ao paradigma doenccedila-cura explicita
a exigecircncia de dar ao sujeito a cena simultaneamente impulsiona a Reforma Psiquiaacutetrica na
direccedilatildeo de uma revoluccedilatildeo paradigmaacutetica uma vez que coloca em questatildeo a tatildeo cara relaccedilatildeo
sujeito-objeto e o proacuteprio paradigma doenccedila-cura Aqui a dimensatildeo esteacutetica ganha uma
relevacircncia particular que eacute essa especificidade do sujeito de estar por si no centro da cena
inclusive das terapecircuticas
No campo teacutecnico-assistencial tem-se construiacutedo uma rede de novos serviccedilos espaccedilo
de sociabilidade de trocas em que se enfatiza a produccedilatildeo de subjetividades O que tem
significado colocar a doenccedila entre parecircnteses e oportunizar contato com o sujeito rompendo
com as praacuteticas disciplinares ampliando a possibilidade de recuperaccedilatildeo do seu estatuto de
sujeito de direitos Transformaccedilotildees tanto na concepccedilatildeo dos novos equipamentos (Centros e
Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial Oficinas Terapecircuticas e de Reintegraccedilatildeo Social e
Cooperativas de Trabalho) quanto na sua forma de organizaccedilatildeo e gestatildeo (Instituiccedilotildees abertas
com participaccedilatildeo e co-gestatildeo com os usuaacuterios e a populaccedilatildeo tecircm sido realizadas Tambeacutem se
colocam em praacutetica experiecircncias com a aacuterea de abrangecircncia da instituiccedilatildeo considerada sob o
conceito de territoacuterio Enfim eacute nesse campo que a Reforma Psiquiaacutetrica tem deixado mais
visiacuteveis suas inovaccedilotildees paralelo agrave reconstruccedilatildeo de conceitos
No campo juriacutedico-poliacutetico satildeo realccediladas algumas aquisiccedilotildees aleacutem das transformaccedilotildees
advindas da Reforma Sanitaacuteria luta-se pela extinccedilatildeo dos manicocircmios e sua substituiccedilatildeo por
instituiccedilotildees abertas pela revisatildeo das legislaccedilotildees sanitaacuterias civil e penal referentes a doenccedila
mental para viabilizar o exerciacutecio do direito agrave cidadania ao trabalho e agrave inclusatildeo social
Vaacuterias portarias ministeriais tem sido publicadas agrave partir da Lei 102162001 oficializando os
vaacuterios dispositivos substitutivos ao modelo manicomial para efeito de financiamento de suas
accedilotildees no SUS Mais recentemente tivemos a publicaccedilatildeo da Portaria GM 30882011 que
institui a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento mental e com
necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool e outras drogas na busca pela consolidaccedilatildeo
de um modelo de sauacutede mental em rede e de base comunitaacuteria
No campo sociocultural uma seacuterie de praacuteticas sociais tem sido construiacutedas com vistas
a transformar o imaginaacuterio social relacionado com a loucura a doenccedila mental e a
anormalidade passando pelas distinccedilotildees de doenccedila mental loucura desrazatildeo ateacute chegar ao
conceito de existecircncia-sofrimento A imagem da loucura e do louco a imagem da instituiccedilatildeo e
a da relaccedilatildeo dos usuaacuterios e a populaccedilatildeo com ela (desinstitucionalizaccedilatildeo) estatildeo ainda em
60
processo de transformaccedilotildees Merecendo destaque para a imagem da instituiccedilatildeo que se formula
como espaccedilo de circulaccedilatildeo (natildeo mais espaccedilo depositaacuterio) e poacutelo de exerciacutecio esteacutetico e a
imagem do louco como cidadatildeo que deve almejar poder de contratualidade social
Faz se necessaacuterio aqui destacar que Lobosque (1997) e Amarante (1996) buscam
mostrar que eacute na dimensatildeo poliacutetica da Reforma Psiquiaacutetrica que se encontra a verdadeira
cliacutenica da Reforma pautada sobretudo pela possibilidade de criaccedilatildeo e invenccedilatildeo cotidiana
Haacute que se observar ainda que
O lugar da Sauacutede Mental eacute um lugar de conflito confronto e
contradiccedilatildeo Talvez esteja aiacute uma certa caracteriacutestica ontoloacutegico-
social pois isso eacute expressatildeo e resultante de relaccedilotildees e situaccedilotildees
concretas Por qualquer perspectiva que se olhe tratar-se-aacute sempre de
um processo de um eterno confronto pulsaccedilotildees de vidapulsaccedilotildees
mortiacuteferas inclusatildeoexclusatildeo toleracircnciaintoleracircncia (COSTA-
ROSA LUZIO YASUI 2003 p 29)
47 MEDICALIZACcedilAtildeO DO SOCIAL
De acordo com Rosen (1994 p1) ldquoa histoacuteria da medicina social eacute em grande parte a
histoacuteria da poliacutetica e da accedilatildeo social em relaccedilatildeo aos problemas da sauacutederdquo Nota-se nesse autor
a preocupaccedilatildeo com uma abordagem histoacuterica para se estudar agraves novas relaccedilotildees instauradas
com a medicina social ldquoO cuidado com a sauacutede sempre esteve relacionado agraves condiccedilotildees
poliacuteticas econocircmicas e sociais de grupos especiacuteficos mas em eacutepocas passadas estas relaccedilotildees
natildeo eram objeto de investigaccedilatildeo sistemaacuteticardquo (ROSEN 1994 p2)
O foco do trabalho de George Rosen assim como de Michel Foucault estaacute centrado
no apogeu da institucionalizaccedilatildeo da medicina no seacuteculo XIX Uma triacuteade relacional entre
ldquoMedicina- Estado- Sociedaderdquo Para entender a ligaccedilatildeo entre a doenccedila e a sauacutede Rosen
argumenta que a articulaccedilatildeo dessas duas premissas se dava por meio de dois ambientes social
e cultural pois para ele
A doenccedila e a sauacutede satildeo aspectos desta instabilidade onipresente satildeo
expressotildees das relaccedilotildees mutaacuteveis entre os vaacuterios componentes do
corpo entre o corpo e o ambiente externo no qual ele existe Como
fenocircmeno bioloacutegico as causas da doenccedila satildeo procuradas no reino da
natureza mas no homem a doenccedila possui ainda uma outra dimensatildeo
nele a doenccedila natildeo existe como ldquonatureza purardquo sendo mediada e
61
modificada pela atividade social e pelo ambiente cultural que tal
atividade criardquo (ROSEN 1994 p77)
Assim a mudanccedila na aacuterea da medicina inicia-se a partir do momento em que a doenccedila
assume um valor social Eacute dessa forma que Rosen busca identificar a relaccedilatildeo que os
diferentes Estados europeus operacionalizam a adoccedilatildeo de poliacuteticas higiecircnicas A preocupaccedilatildeo
da medicina em marcar seu espaccedilo no cerne do Estado vincula-se a diferentes projetos e uso
das praacuteticas meacutedicas
Para Rosen a industrializaccedilatildeo e os consequentes problemas sociais levaram vaacuterios
investigadores a estudar a influecircncia de fatores como pobreza e profissionalizaccedilatildeo da
medicina no estado de sauacutede E como pode-se observar na colocaccedilatildeo de Rosen a questatildeo
urbana eacute primordial para as particularidades na concepccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede puacuteblica
Chega-se entatildeo agrave afirmaccedilatildeo de que a medicina tambeacutem assume um valor pedagoacutegico pois
para ele
Mas sendo a sauacutede e a educaccedilatildeo condiccedilotildees de bem-estar eacute tarefa do
Estado providenciar para que o maior nuacutemero de pessoas tenha
acesso atraveacutes da accedilatildeo puacuteblica aos meios de manutenccedilatildeo e promoccedilatildeo
tanto da sauacutede quando da educaccedilatildeo Assim natildeo eacute suficiente que o
Estado garanta a cada cidadatildeo o necessaacuterio a sua existecircncia e decirc
assistecircncia a todo aquele cujo trabalho natildeo eacute suficiente para a
obtenccedilatildeo do necessaacuterio O Estado deve fazer mais deve assistir todos
para que tenham as condiccedilotildees necessaacuterias para gozar uma existecircncia
saudaacutevel (ROSEN 1994 p82)
Ao estudar a acessibilidade dos cidadatildeos ao serviccedilo baacutesico de sauacutede aproxima-se da
definiccedilatildeo conceitual que Virchow meacutedico estudado por Rosen busca empreender sobre a
Sauacutede Puacuteblica em seu processo de legitimaccedilatildeo Para Virchow a Sauacutede Puacuteblica tinha como
carro chefe o estudo das vaacuterias condiccedilotildees de vida nos diferentes grupos sociais Sendo assim
Rosen sintetiza que o alcance da medicina social pode ser delimitado atraveacutes de trecircs aspectos
socioloacutegicos a saber ldquosauacutede em relaccedilatildeo agrave comunidade sauacutede como valor social e a sauacutede e
poliacutetica socialrdquo (ROSEN 1994 p138)
Dessa maneira a ligaccedilatildeo poliacutetica da medicina com o Estado como propotildee Rosen faz
parte das tecnologias instaladas pelo Estado Moderno a fim de melhorar as condiccedilotildees
higiecircnicas da populaccedilatildeo europeia
62
Jaacute a tese de Michel Foucault para analisar a aproximaccedilatildeo da medicina com Estado
parte da ideacuteia da medicalizaccedilatildeo da sociedade Esse processo pode ser compreendido quando
as relaccedilotildees meacutedicas extrapolam a concepccedilatildeo individualista do corpo e do tratamento meacutedico e
passam a valorizar a aproximaccedilatildeo do meacutedico com o doente O enfermo passa ser objeto da
medicina e natildeo o contraacuterio a medicina como objeto do enfermo Pois para ele em termos de
economia o capitalismo contribuiu para a divulgaccedilatildeo das praacuteticas de uma medicina oficial
Minha hipoacutetese eacute que com o capitalismo natildeo se deu a passagem de
uma medicina coletiva para uma medicina privada mas justamente o
contraacuterio que o capitalismo desenvolvendo-se em fins do seacuteculo
XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX socializou um primeiro objeto que foi o
corpo enquanto forccedila de produccedilatildeo forccedila de trabalho O controle da
sociedade sobre os indiviacuteduos natildeo se opera simplesmente pela
consciecircncia ou pela ideologia mas comeccedila no corpo com o corpo
(FOUCAULT 2011 p80)
Segundo Illich (1975) a expansatildeo da medicina cientiacutefica ou biomedicina a outra face
da medicalizaccedilatildeo social gera o fenocircmeno da contraprodutividade um fenocircmeno moderno das
sociedades industriais em que a utilizaccedilatildeo de ferramentas sociais e tecnoloacutegicas tem como
resultado efeitos antagocircnicos ao seu objetivo No caso instituiccedilotildees de sauacutede que produzem
doenccedilas medicina que produz iatrogenias Tal fenocircmeno pode se dar por monopoacutelio das
funccedilotildees ou por excesso de uso da ferramenta ou ambos como eacute o caso da biomedicina
A medicalizaccedilatildeo social estaacute associada ao que Illich (1975) chamou de iatrogenia
cultural uma forma difusa e sub-reptiacutecia de iatrogenia da biomedicina a perda do potencial
cultural para manejo da maior parte das situaccedilotildees de dor adoecimento e sofrimento O carro-
chefe das propostas desse autor consiste em incrementar reinventar eou resgatar a autonomia
das pessoas em sauacutede-doenccedila de forma a caminhar no sentido do reequiliacutebrio entre accedilotildees
autocircnomas e heterocircnomas Isso remete ao papel que a atenccedilatildeo agrave sauacutede institucional
desempenha nesse processo
Segundo Tesser (2006) a medicalizaccedilatildeo social pode ser considerada o resultado do
sucesso da empreitada cientiacutefica na sauacutede que buscou monopolizar a legitimidade
epistemoloacutegica oficial no ocidente Usando a concepccedilatildeo epistemoloacutegica de Fleck (1986)
Tesser interpreta a medicalizaccedilatildeo social como o resultado do sucesso da socializaccedilatildeo dessa
medicina para grandes contingentes populacionais pouco modernizados o que implica um
63
epistemiciacutedio de saberes e praacuteticas natildeo-cientiacuteficos populares ou tradicionais Ateacute pouco
tempo esses saberes foram importantes fornecedores de lastro cultural e teacutecnico para accedilotildees
autocircnomas em sauacutede-doenccedila lastro este em processo de extinccedilatildeo ou intensa transformaccedilatildeo
Adotando posiccedilatildeo inspirada em Boaventura de Sousa Santos (2000 2004) o autor
propotildee que a biomedicina seja considerada indispensaacutevel e necessaacuteria e simultaneamente
inadequada e perigosa Um dos seus perigos eacute justamente sua atuaccedilatildeo no processo de
medicalizaccedilatildeo e iatrogenia cultural de que falou Illich
A formaccedilatildeo biomeacutedica e o Programa Sauacutede da Famiacutelia
Facilmente nos domiciacutelios brasileiros a ESF eacute uma ldquofaca de dois gumes uma chance
para a reconstruccedilatildeo da autonomia e ou simultaneamente uma nova e poderosa forccedila
medicalizadorardquo (TESSER 2006 p25)
Institucionalizado como ciecircncia vitorioso social e politicamente o saber meacutedico eacute
sempre um saber sobre outrem com caracteriacutesticas especiais Eacute um saber sobre as doenccedilas ou
probabilidades e riscos de doenccedilas do corpo (ou psique) E aleacutem disso ainda eacute um saber que
estaacute aleacutem do proacuteprio profissional que supostamente o domina radicando-se na instituiccedilatildeo
ldquoCiecircnciardquo Este saber concentrou de forma espetacular sua fundamentaccedilatildeo e seu poder numa
instituiccedilatildeo que eacute representada por um outro transcendente alheio agrave pessoa doente distante
dela e inacessiacutevel Tendo sido seu objeto de atenccedilatildeo reduzido de sujeito doente a corpo (ou
psique) doente corpo portador de doenccedila e por fim doenccedilas e seus riscos o saber cliacutenico-
epidemioloacutegico desconhece a sauacutede e a vida dos sujeitos as quais vatildeo se transformando em
medidas que instrumentos quantificadores e padrotildees de imagens registram em termos de
constantes e variantes fisioloacutegicas dinacircmicas funcionais e fatores de risco estabelecidos por
padrotildees estatiacutesticos (TESSER 2006)
O precedente eacute dito no sentido de contextualizar teoricamente uma constataccedilatildeo sobre
os saberes profilaacuteticos da biomedicina esta criou um fosso quase intransponiacutevel entre o
sujeito e os conhecimentos sobre sua proacutepria sauacutede-doenccedila entre o saber meacutedico e o saber
individual que na praacutetica orienta as pessoas e ganha significado e valor diferenciado para
cada sujeito conforme as suas caracteriacutesticas pessoais sociais culturais e econocircmicas A
ldquosegunda ruptura epistemoloacutegicardquo proposta por Boaventura de Sousa Santos (1982) como
necessaacuteria parece dificiacutelima na sauacutede e mesmo quando buscada parece que nunca chega
satisfatoriamente ndash senatildeo sob a forma de medicalizaccedilatildeo e sua dependecircncia generalizada
Com isso o saber biomeacutedico profilaacutetico desligou-se da perspectiva existencial do
sujeito doente pouco dizendo que lhe faccedila significado vital e lhe remeta ao processo de
64
revisatildeo valorativa no sentido de abrir possibilidades de crescimento accedilatildeo e responsabilizaccedilatildeo
em relaccedilatildeo a si mesmo seus proacuteximos e seus problemas de sauacutede Como consequecircncia
muitos saberes preventivos estabelecidos por essa medicina ganham caraacuteter de prescriccedilotildees
que natildeo se integram ao universo vivenciado pelo sujeito Revestem-se de um tom monaacutestico
asseacuteptico pouco convincente e operacionalizaacutevel por seu caraacuteter riacutegido e restritivo natildeo beba
natildeo fume natildeo use drogas durma bem alimente se moderadamente sem excessos coma mais
vegetais restrinja o accediluacutecar o sal a gordura faccedila exerciacutecios regularmente natildeo se estresse etc
Aleacutem disso a situaccedilatildeo da profilaxia se agrava pelo imbroacuteglio valorativo e filosoacutefico no
qual esse saber se encontra destituiacutedo de espaccedilo filosoacutefico proacuteprio (como de resto a
biomedicina como um todo devido a sua adesatildeo ao modelo cientiacutefico positivista que
transformou esse espaccedilo em debate metodoloacutegico eacute difiacutecil amalgamar uma proposta de
revalorizaccedilatildeo da questatildeo sauacutede (vida) que possa articular o saber profilaacutetico acumulado pela
biomedicina com o universo simboacutelico e cultural dos doentes (TESSER 2006)
Esse eacute um dos principais desafios na ESF Com a expansatildeo das capilaridades das
accedilotildees de sauacutede nos diversos territoacuterios desse Brasil tatildeo desigual A atenccedilatildeo agrave sauacutede fora do
setting hospitalar necessita tambeacutem considerar a abordagem cultural procurando se aproximar
o maacuteximo possiacutevel de onde as pessoas vivem e andam a vida para de fato produzir sauacutede e
natildeo cuidar soacute da doenccedila
Uma ldquodoenccedilardquo entidade de existecircncia supostamente autocircnoma distinta do paciente e
no seu corpo instalada a ser explicada (em geral apenas nomeada) ao doente e eleita como
alvo e objeto das suas atenccedilotildees como inimigo a ser combatido e vencido Vale ressaltar a
respeito da ldquoteoria das doenccedilasrdquo dessa medicina e do imaginaacuterio reinante no mundo
medicalizado que as doenccedilas satildeo vistas como ldquocoisasrdquo relacionadas a lesotildees a serem
investigadas no interior do corpo fiacutesico e corrigidas com alguma intervenccedilatildeo concreta Eacute
desnecessaacuterio comentar que mesmo em ambientes especializados o caraacuteter convencional e
construtivo das doenccedilas eacute extremamente difiacutecil de ser percebido dado que um dos efeitos da
construccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos eacute o apagamento dos vestiacutegios de sua construccedilatildeo dando-lhes a
aparecircncia de pura objetividade (LATOUR 2000a b LATOUR WOOLGAR 1997)
Operou-se pela via do saber da interpretaccedilatildeo um movimento de focalizaccedilatildeo da
atenccedilatildeo na doenccedila como entidade distinta e alheia ao sujeito Operou-se um desvio especiacutefico
do olhar que deixou de lado a vida do sujeito e seu adoecimento nas suas condiccedilotildees de
existecircncia (sociais econocircmicas emocionais ambientais espirituais) e apresentou as
65
categorias fisiopatoloacutegicas fatores etioloacutegicos e de risco com que trabalha a biomedicina
(TESSER 2004)
Feito o diagnoacutestico o doente eacute ldquoconvidadordquo a aceitar a interpretaccedilatildeo teacutecnica do
profissional Mesmo que haja relevantes diferenccedilas culturais como ocorre na maioria das
vezes no Brasil haacute um certo grau de sucesso na apropriaccedilatildeo pelo doente da interpretaccedilatildeo
biomeacutedica Ainda que o saber meacutedico aponte causas enraizadas na vida do doente como
comumente ocorre nas doenccedilas crocircnicas este enquanto sujeito praticamente natildeo aparece eacute
portador de fatores de risco geneacuteticos comportamentos de risco etc todas coisas que satildeo do
acircmbito de sua vida vivida mas que lhe ficam estranhas no isolamento e na objetivaccedilatildeo
biomeacutedica por mais seus que possam ser Aleacutem disso ainda que os diagnoacutesticos sejam
sindrocircmicos ou apenas descritivos operam uma objetivaccedilatildeo dos sintomas Estes receberatildeo
intervenccedilatildeo supostamente local (especificamente dirigida) a qual tenderaacute a desviar a atenccedilatildeo
dos sujeitos no sentido jaacute apontado (TESSER 2006)
A vinculaccedilatildeo do combate aos sintomas com o saber meacutedico eacute ambiacutegua Ela se daacute pelo
dever eacutetico de sedar a dor e aliviar o sofrimento como regra geral e arremedo de doutrina
meacutedica No entanto isso se confunde com o comodismo profissional e com a impotecircncia do
saber biomeacutedico ao se defrontar com queixas e sofrimentos natildeo-enquadraacuteveis na grade
nosoloacutegica como acontece diariamente na ESF Natildeo podendo dar sentido ou interpretaccedilatildeo
satisfatoacuteria aos adoecimentos e queixas ficando com diagnoacutesticos descritivos o meacutedico tem
de recorrer a noccedilotildees vagas de somatizaccedilotildees distuacuterbios funcionais eou psicoloacutegicos com os
quais a proximidade do saber da biomedicina eacute pequena Tais sintomas satildeo provavelmente a
maioria do que eacute relatado pelos pacientes Daiacute a vaacutelvula de escape da inibiccedilatildeo de sintomas
altamente medicalizante e de apelo quase irresistiacutevel Doutra parte mesmo quando se
conseguem definir diagnoacutesticos muitas vezes a terapecircutica restringe-se ao combate aos
sintomas (TESSER 2006)
Ainda para esse autor os dilemas da medicalizaccedilatildeo devem ser abordados nas seguintes
accedilotildees aleacutem-consulta meacutedica intersetoriais grupais educativas poliacuteticas sanitaacuterias em
parceria com instituiccedilotildees culturais poliacuteticas educativas etc Essas accedilotildees que devem ser
desenvolvidas pela equipe do SF satildeo essenciais para evitar a medicalizaccedilatildeo desenfreada que a
pura oferta de consultas meacutedicas comumente gera (TESSER 2006)
Eacute primordial ter em mente que os diagnoacutesticos satildeo uma fotografia estaacutetica a vida estaacute
em movimento complexo e infindaacutevel Mas que eacute preciso cuidar de natildeo privar o doente dos
conhecimentos e saberes meacutedicos sobre sua situaccedilatildeo usando uma linguagem que seja
inteligiacutevel ao seu conhecimento social e cultural (TESSER 2006)
66
De acordo com esse autor faz-se urgente sucumbir agrave tendecircncia de construccedilatildeo e fixaccedilatildeo
do mito da entidade doenccedila que o doente carrega tanto para o paciente quanto para o
profissional Ou seja tentar desontologizar a doenccedila e o sofrimento devolvendo-os ao doente
partilhando sua anguacutestia e buscando terapecircuticas com ele para a situaccedilatildeo Isso demanda uma
profunda mudanccedila cultural no imaginaacuterio meacutedico trabalho que praticamente natildeo se iniciou e
natildeo teraacute fim Esta mudanccedila eacute necessaacuteria e viaacutevel se for resgatado ldquoo personagem que natildeo tem
lugar na teoria das doenccedilas o sujeito doenterdquo (TESSER 2006 p352)
Na biomedicina os doentes e suas vidas orbitam ao redor das doenccedilas A revoluccedilatildeo
copernicana necessaacuteria nessa medicina implica fazer as doenccedilas orbitarem ao redor dos
doentes e suas vidas Isso no ambiente especializado da construccedilatildeo do saber cientiacutefico natildeo
estaacute nem ao menos concebido Mas na praacutetica cliacutenica fica facilitado e pode acontecer com
uma simples mas profunda mudanccedila de enfoque que aos poucos altera todo o processo
cognitivo do raciociacutenio cliacutenico (TESSER 2004)
Para finalizar vale ressaltar que a construccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de praacutetica cliacutenica menos
medicalizante na rede de atenccedilatildeo primaacuteria e no PSF eacute uma tarefa urgente tanto para a
formaccedilatildeo meacutedica como para a educaccedilatildeo permanente dos demais profissionais da equipe Isto
significa concretamente o perigo de uma aceleraccedilatildeo na medicalizaccedilatildeo social caso a ESF
cresccedila sem inovar na cliacutenica que oferece a seus usuaacuterios
48 MEacuteTODO CLINICO CENTRADO NA PESSOA
Epistemologia
O relacionamento entre a pessoa que busca atendimento e o meacutedico comeccedilou a ser
trabalhado pelo Departamento de Medicina de Famiacutelia da Universidade de Western Ontaacuterio
desde a sua fundaccedilatildeo em 1968 com a chegada do primeiro chefe de departamento o Dr Ian
McWhinney Moira Stwart et al (2010) Em seu trabalho para elucidar a ldquoreal razatildeordquo pela
qual uma pessoa procura o meacutedico McWhinney (1972) abriu caminho para as investigaccedilotildees
sobre a amplitude de todos os problemas da pessoa fiacutesicos sociais ou psicoloacutegicos e da
profundidade do sentido e da forma como ela se apresenta
Moira Stewart sua aluna de doutorado desenvolveu uma pesquisa guiada por esses
interesses e deu iniacutecio ao foco no relacionamento entre a pessoa atendida e o meacutedico Moira
Stewart Mawhinney e Buck (1975 1979) Moira Stewart e Buck (1977) O Dr Joseph
Levenstein da Aacutefrica do Sul como professor visitante em 1982 compartilhou suas tentativas
de desenvolver um modelo de praacutetica cliacutenica com o departamento Logo depois o meacutetodo
67
clinico centrado na pessoa seguiu sua evoluccedilatildeo no trabalho do Grupo de Comunicaccedilatildeo entre
Pessoa e Meacutedico da Universidade de Western Ontaacuterio (MOIRA STWART et al 2010)
O termo usado para designaacute-lo inicialmente foi o de Medicina Centrada na Pessoa
mas atualmente se reconhece que o meacutetodo tem amplo potencial de aplicaccedilatildeo pelos
profissionais de sauacutede em geral independente de sua formaccedilatildeo De forma crescente a
abordagem centrada na pessoa estaacute sendo reconhecida como um paracircmetro importante na
qualidade assistencial Uma vez que essa proposta de atendimento pressupotildee vaacuterias mudanccedilas
na mentalidade do meacutedico e dos demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo
hieraacuterquica de que o profissional estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta
nessa abordagem Para ser centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a
ela compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que
tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Para Moira Stewart et al (2010) esse eacute o
imperativo moral do meacutetodo centrado na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o
profissional experimentaraacute os novos direcionamentos que o relacionamento pode assumir
quando o poder eacute compartilhado
Em segundo lugar de acordo com Moira Stewart et al (2010) manter uma posiccedilatildeo
sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento humano que
eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o objetivo em
um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)
Quando comparada a modelos tradicionais como apontam esses autores a abordagem
centrada na pessoa apresenta mais resultados positivos tais como
- maior satisfaccedilatildeo das pessoas e meacutedicos
- melhora na aderecircncia aos tratamentos
- reduccedilatildeo de preocupaccedilotildees e ansiedades
- reduccedilatildeo de sintomas
- diminuiccedilatildeo na utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede
- diminuiccedilatildeo das queixas por maacute-praacutetica
- melhora na sauacutede mental
- melhora na situaccedilatildeo fisioloacutegica e na recuperaccedilatildeo de problemas recorrentes
Faz-se importante aqui ressaltar que o modelo tradicional e dominante na praacutetica
meacutedica eacute denominado de ldquomodelo meacutedico convencionalrdquo Moira Stewart et al (2010 p26) A
ampla influencia desse meacutetodo natildeo eacute refutada por ningueacutem mas ele tem sido frequentemente
questionado por simplificar em excesso os problemas da condiccedilatildeo de estar doente Odegard
(1986) e White (1988)
68
Os problemas do modelo meacutedico convencional foram descritos por Engel (1977
p130)
Esse meacutetodo toma por princiacutepio que a doenccedila eacute totalmente explicada
por desvios da norma de variaacuteveis bioloacutegicas (somaacuteticas) que podem
ser medidas Natildeo deixa espaccedilo dentro de sua estrutura para as
dimensotildees sociais psicoloacutegicas e comportamentais da doenccedila O
modelo biomeacutedico natildeo soacute exige que a doenccedila seja tratada apenas
como uma entidade independente do comportamento social mas
tambeacutem que as aberraccedilotildees comportamentais sejam explicadas com
base em processos somaacuteticos (bioquiacutemicos ou neurofisioloacutegicos)
Em 1970 Balint e colaboradores introduziram o termo ldquomedicina centrada no
pacienterdquo que o definiram em oposiccedilatildeo ao termo ldquomedicina centrada na doenccedilardquo
Denominava-se ldquodiagnoacutestico abrangenterdquo ndash o entendimento das queixas com base nas
opiniotildees da proacutepria pessoa e ldquodiagnoacutestico convencionalrdquo - o entendimento baseado na
avaliaccedilatildeo centrada na doenccedila (BROWN WAYNE WESTON MOIRA STEWART p55
2010)
Jaacute o meacutetodo para classificar uma consulta centrada no meacutedico ou na pessoa foi
desenvolvido por Byrne e Long (1984) Para esses autores o conceito de consulta centrada no
meacutedico se aproximava do que outros autores chamam de meacutetodos centrados na ldquodoenccedilardquo
(disease) ou na ldquoexperiecircncia da doenccedilardquo (illness) Uma abordagem de assistecircncia centrada no
meacutedico e outra centrada na pessoa tambeacutem foi descrita por Wright e MacAdam (1979)
O meacutetodo cliacutenico centrado na pessoa descrito de forma resumida nesse capitulo se une
aos trabalhos de Rogers (1961) sobre o aconselhamento centrado no cliente de Balint (1957)
sobre medicina centrada no paciente de Newman e Young (1972) sobre uma abordagem da
pessoa como um todo ao lidar com problemas de enfermagem e da ldquoPraacutetica de Dois Corposrdquo
da Terapia Ocupacional (MOIRA STEWART et al 2010)
Os seis componentes interativos
O meacutetodo propotildee em seus seis componentes interativos um conjunto claro de
orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem mais centrada na pessoa
Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo entre a pessoa e o
profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no contexto dentro do
69
qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem Para Moira Stewart et al
(2010) apesar de os componentes serem usados para facilitar o ensino e a pesquisa a praacutetica
cliacutenica centrada na pessoa eacute um conceito holiacutestico no qual os componentes interagem e se
unem de forma uacutenica em cada encontro entre ambos
Como descreve esses autores o primeiro componente eacute utilizado para avaliaccedilatildeo de dois
conceitos de sauacutede debilitada a doenccedila e a experiecircncia da doenccedila Aleacutem de avaliar o processo
de doenccedila atraveacutes da histoacuteria cliacutenica e do exame fiacutesico o profissional de sauacutede procura
ativamente entrar no mundo da pessoa atendida para entender sua experiecircncia uacutenica de estar
doente O profissional avalia especificamente os sentimentos da pessoa a respeito de sua
experiecircncia suas ideacuteias sobre a doenccedila como a doenccedila afeta seu funcionamento e por uacuteltimo
o que ela espera do meacutedico
O segundo componente eacute a integraccedilatildeo dos conceitos de doenccedila e experiecircncia da
doenccedila com o entendimento da pessoa como um todo O que inclui uma consciecircncia dos
muacuteltiplos aspectos da vida da pessoa atendida personalidade histoacuteria de seu
desenvolvimento questotildees do seu ciclo de vida e os muacuteltiplos contextos em que vive
inclusive o ecossistema
Jaacute o terceiro componente eacute a tarefa muacutetua de elaborar um plano conjunto de manejo
dos problemas entre a pessoa atendida e o profissional e tem por foco trecircs aacutereas-chave a
definiccedilatildeo do problema o estabelecimento de metas de tratamento eou manejo da doenccedila e a
identificaccedilatildeo dos papeacuteis a serem assumidos por ambos
Enquanto o quarto componente salienta a importacircncia de se usar cada encontro como
uma oportunidade de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede o quinto componente enfatiza que cada
encontro com a pessoa deve ser usado para desenvolver o relacionamento desta com o
profissional Por meio da compaixatildeo da confianccedila do compartilhamento de poder e da cura
Sendo que para colocar essas habilidades em praacutetica eacute preciso consciecircncia de si mesmo e um
entendimento dos aspectos inconscientes do relacionamento como transferecircncia e
contratransferecircncia
E para finalizar o sexto componente exige que durante todo o processo o profissional
seja realista com o tempo disponiacutevel participe no desenvolvimento da equipe e do trabalho
em equipe e reconheccedila a importacircncia de uma administraccedilatildeo sensata do acesso aos recursos de
sauacutede
Os componentes interativos descritos item por item satildeo assim apresentados por Moira
Stewart et al (2010)
70
1 Explorando a doenccedila e a experiecircncia da pessoa com a doenccedila
- Avaliando a histoacuteria exame fiacutesico exames complementares
- Avaliando a dimensatildeo da doenccedila sentimentos ideacuteias efeitos sobre a funcionalidade e
expectativas da pessoa
2 Entendendo a pessoa como um todo inteira
- A pessoa Sua histoacuteria de vida aspectos pessoais e de desenvolvimento
- Contexto proacuteximo Sua famiacutelia comunidade emprego suporte social
- Contexto distante Sua comunidade cultura ecossistema
3 Elaborando um projeto comum de manejo
- Avaliando quais os problemas e prioridades
- Estabelecendo os objetivos do tratamento e do manejo
- Avaliando e estabelecendo os papeacuteis da pessoa e do profissional de sauacutede
4 Incorporando a prevenccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede
- Melhorias de sauacutede
- Evitando ou reduzindo riscos
- Identificando precocemente os riscos ou doenccedilas
- Reduzindo complicaccedilotildees
5 Fortalecendo a relaccedilatildeo meacutedico-pessoa
- Exercendo a compaixatildeo
- A relaccedilatildeo de poder
- A cura (efeito terapecircutico da relaccedilatildeo)
- O auto-conhecimento
- A transferecircncia e a contratransferecircncia
6 Sendo realista
- Tempo e timing
- Construindo e trabalhando em equipe
- Usando adequadamente os recursos disponiacuteveis
71
5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS
51 Etapas do Estudo
Para subsidiar este estudo na primeira etapa da pesquisa realizei uma revisatildeo de
literatura com pesquisa de publicaccedilotildees no site da Bireme (wwwbiremebr) do periacuteodo de
2004 a 2014 abrangendo as bases de dado SciELO Lilacs IBECS Medline e Biblioteca
Cochrane Como descritores usei os termos ldquoAtenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutederdquo AND ldquoEstrateacutegia
Sauacutede da Famiacuteliardquo AND ldquoSauacutede Mentalrdquo e como filtro as publicaccedilotildees do tipo artigo cujo
assunto principal era ldquoSauacutede Mentalrdquo
Foram encontrados 224 artigos Destes 63 estudos natildeo possuiacuteam o texto completo na
plataforma de busca e por isso foram excluiacutedos Estavam repetidos na listagem gerada pelo
site 46 artigos que foram removidos para evitar duplicidade na consolidaccedilatildeo dos dados Dos
115 artigos restantes 58 foram excluiacutedos por se tratar de artigos natildeo originais experiecircncias
estrangeiras e com abordagem natildeo centrada nos profissionais da ESF nas accedilotildees de sauacutede
mental na APS Dessa forma foram incluiacutedos nesta revisatildeo os estudos que tiveram unidades
de sauacutede baacutesica profissionais da ESF associados ao contexto da Sauacutede Mental bem como os
estudos de revisatildeo de literatura totalizando assim 115 artigos
A revisatildeo revelou que as accedilotildees de sauacutede mental desenvolvidas na atenccedilatildeo primaacuteria natildeo
apresentam uniformidade em sua execuccedilatildeo Coexistindo accedilotildees centradas na terapecircutica
medicamentosa na loacutegica do encaminhamento especializado retratando uma fragmentaccedilatildeo da
atenccedilatildeo e das praacuteticas de promoccedilatildeo da sauacutede ainda muito focalizadas com accedilotildees que apontam
para uma lenta mudanccedila em relaccedilatildeo ao modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede demostrado na perspectiva
da praacutetica interdisciplinar do acolhimento da escuta e do viacutenculo (BEZERRA et al 2014
TEIXEIRA et al 2014 WETZELA et al 2014 ANDRADE et al 2013 MINOZZO et al
2012 CORREIA BARROS COLVERO 2011 NEVES LUCCHESE MUNARI 2010
BUCHELE et al 2006)
Nesse momento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo em sauacutede com importantes
conquistas legais e com a ampliaccedilatildeo crescente que cerca a sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria
estimulada sobretudo pela descentralizaccedilatildeo municipalizaccedilatildeo e territorializaccedilatildeo do seu
cuidado por meio da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) essa revisatildeo tambeacutem revelou a
necessidade de qualificaccedilatildeo dos profissionais que atuam na ESF para realizaccedilatildeo de accedilotildees de
sauacutede mental no territoacuterio integrando os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica com o SUS Pois
os trabalhadores da APS natildeo se sentem instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede
mental (QUINDEREacute et al 2013 CORREIA BARROS COLVERO 2011 SOUZA et al
72
2013 VANNUCHI CARNEIRO JUNIOR 2012 RIBEIRO et al 2010 JUCA NUNES
BARRETO 2009)
A segunda etapa do estudo foi realizada com imersatildeo no campo e realizaccedilatildeo de
entrevistas com os profissionais da ESF como descrito a seguir nesse capiacutetulo
52 Tipo de estudo
Estudo de natureza qualitativa pois atraveacutes da compreensatildeo do discurso dos sujeitos
entrevistados foi possiacutevel chegar aos objetivos que me propus a alcanccedilar e tambeacutem porque a
abordagem qualitativa preocupa-se em abranger e aprofundar ao maacuteximo da realidade e do
universo de significados aspiraccedilotildees crenccedilas valores e atitudes que faz correspondecircncia a um
espaccedilo mais iacutentimo (profundo) das relaccedilotildees dos processos e fenocircmenos humanos (MINAYO
2010)
Trata-se ainda de um estudo do tipo estudo de caso descritivo analiacutetico onde o
pesquisador vai aleacutem da descriccedilatildeo das caracteriacutesticas analisando e explicando o
acontecimento dos fenocircmenos estudados O que ajuda a entender o fenocircmeno descobrindo e
mensurando relaccedilotildees causais entre ele A sua valorizaccedilatildeo estaacute baseada na premissa que os
problemas podem ser resolvidos e as praacuteticas podem ser melhoradas atraveacutes da descriccedilatildeo e
anaacutelise de observaccedilotildees objetivas diretas e das opiniotildees As teacutecnicas utilizadas para a obtenccedilatildeo
de informaccedilotildees satildeo bastante diversas destacando-se os questionaacuterios as entrevistas e as
observaccedilotildees (RICHARDSON 1989)
53 Campo do Estudo
Como jaacute citado anteriormente a cidade do Rio de Janeiro estaacute dividida em 10 (dez)
distritos sanitaacuterios denominados Aacutereas Programaacuteticas (10 21 22 31 32 33 40 51 52
e 53) Por jaacute trabalhar na AP 21 Zona Sul da cidade e participar dos Foacuteruns de Sauacutede Mental
e do Conselho Distrital de Sauacutede que acontecem mensalmente na aacuterea a pesquisadora jaacute tinha
uma aproximaccedilatildeo maior com os vaacuterios atores e dispositivos de sauacutede portanto essa foi a AP
escolhida para realizaccedilatildeo do estudo
Na cidade Rio de Janeiro as unidades de sauacutede da famiacutelia satildeo denominadas lsquocliacutenicas
da famiacuteliarsquo e identificadas como inovadoras e estrateacutegicas para o atual modelo de gestatildeo Com
a opccedilatildeo clara pela ESF como modelo organizador da atenccedilatildeo a Secretaria de Sauacutede do
municiacutepio investiu fortemente na criaccedilatildeo dessas cliacutenicas que se tornaram uma espeacutecie de
lsquocarro-chefersquo da sauacutede no Rio de Janeiro As sedes das cliacutenicas da famiacutelia estatildeo localizadas
em pontos estrateacutegicos dos territoacuterios sob sua responsabilidade (PRATA et al 2017)
73
Nos uacuteltimos cinco anos na AP 21 foram implantadas quatro (04) Cliacutenicas da Famiacutelia
(CF) nas respectivas comunidades Botafogo Copacabana Satildeo Conrado e Rocinha Sendo
que a CF da Rocinha estaacute instalada no mesmo preacutedio do Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial
(CAPS III) esse serviccedilo muito proacuteximo poderia ser um fator facilitador para o manejo dos
ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio
Jaacute as outras trecircs (3) natildeo contavam com um serviccedilo comunitaacuterio de sauacutede mental tatildeo
proacuteximo os dispositivos de apoio matricial via NASF ainda estavam em construccedilatildeo portanto
um campo feacutertil para o estudo Foi realizada uma aproximaccedilatildeo preacutevia com a gerente da CF de
Botafogo onde atuavam trecircs (3) equipes da ESF o que facilitou o acesso da pesquisadora Foi
entatildeo solicitado autorizaccedilatildeo dessa responsaacutevel teacutecnica pela CF para realizaccedilatildeo do estudo
A CF estudada foi inaugurada em 03 de fevereiro de 2009 mas iniciou seu efetivo
funcionamento em 25 de maio de 2009 Situada no bairro de Botafogo Zona Sul da cidade do
Rio de Janeiro Mais precisamente no segundo andar de um preacutedio com trecircs pavimentos em
frente agrave uma praccedila na entrada do Morro Santa Marta Nesse preacutedio no primeiro pavimento
funciona o Centro de Referecircncia de Assistecircncia Social (CRAS) da aacuterea e o Centro de
Convivecircncia Padre Veloso para idosos O segundo pavimento eacute exclusivo da CF conforme
vamos detalhar mais adiante E no terceiro pavimento funciona a direccedilatildeo do CRAS e uma
unidade do SESI que oferece atividades de recreaccedilatildeo aulas de informaacutetica culinaacuteria
biblioteca
A CF estudada eacute uma Unidade BaacutesicaCentro de Sauacutede do tipo A porque todo o
territoacuterio estaacute coberto por equipes de Sauacutede da Famiacutelia Divide o territoacuterio de Botafogo com o
Centro Municipal de Sauacutede Dom Helder Cacircmara Aleacutem de cobrir tambeacutem uma parte do
Humaitaacute (asfalto) e todo o Morro Santa Marta (comunidade) como denominado pelos
profissionais entrevistados A populaccedilatildeo de sua aacuterea de abrangecircncia eacute de 29906 segundo
dados do Censo 2010 Seu horaacuterio de funcionamento eacute estendido de 08hs agraves 20hs facilitando
assim o acesso aos cuidados de sauacutede a todos que deles necessitam
De acordo o sistema de Informaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica ateacute o mecircs de Junho de 2015 o
nuacutemero total de pessoas com cadastro completo (CPF ou Declaraccedilatildeo de Nascido Vivo ndash
DNV) na unidade era de 8346 Com trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia a saber Equipe
Pioneiro Equipe Zumbi dos Palmares e Equipe Dede e duas (2) Equipes de Sauacutede Bucal O
nuacutemero de pessoas cadastradas por equipe respectivamente eacute de 3151 2763 e 2432 sendo a
Equipe Pioneiro com maior nuacutemero de cadastrado e a Equipe Dede menor As duas (2)
Equipes de Sauacutede Bucal se dividem para cobrir as trecircs (3) equipes de Sauacutede da Famiacutelia Em
marccedilo de 2015 a CF recebeu a equipe do Nuacutecleo de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASF)
74
Segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (CNES) em junho
de 2015 o nuacutemero de profissionais que atuavam na unidade era de cinquenta e dois (52) Cada
equipe de sauacutede da famiacutelia conta com dois (2) meacutedicos residentes um (1) enfermeiro um (1)
teacutecnico de enfermagem seis (6) Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) e um (1) Agente de
Vigilacircncia em Sauacutede (AVS) Como a unidade recebe meacutedicos residentes conta com dois (2)
meacutedicos preceptores que se dividem na supervisatildeo das trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia A
equipe de sauacutede bucal eacute composta por um (1) dentista um (1) teacutecnico de sauacutede bucal e (1)
auxiliar de sauacutede bucal A equipe do NASF eacute composta por 1 psicoacuteloga 1 meacutedico psiquiatra
1 fisioterapeuta 1 fonoaudioacuteloga e 1 educador fiacutesico que jaacute atuava na unidade
54 Participantes do Estudo
Profissionais das trecircs equipes da ESF da CF selecionada para o estudo meacutedicos
enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede Natildeo entrevistamos a
equipe de sauacutede bucal e nem os Agentes de Vigilacircncia em Sauacutede pois esses profissionais natildeo
fazem parte da equipe miacutenima embora participem das accedilotildees comunitaacuterias e educativas seu
nuacutecleo de atuaccedilatildeo eacute mais especifico natildeo envolvendo diretamente os cuidados com os ldquocasosrdquo
de sauacutede mental Assim como natildeo entrevistamos a equipe do NASF porque estes
profissionais possuem a expertise da aacuterea Sauacutede MentalAtenccedilatildeo PsicossocialPsiquiatria natildeo
preenchendo os criteacuterios de participaccedilatildeo para o estudo Portanto foram entrevistados vinte e
dois (22) profissionais nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5) meacutedicos residentes
trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores
Os criteacuterios de inclusatildeo foram 1) Querer participar do estudo2) Ser membro da equipe
miacutenima da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia selecionada para o estudo haacute no miacutenimo seis (6) meses
E os criteacuterio de exclusatildeo foram1) Estar de feacuterias ou qualquer outro tipo de afastamento
durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da coleta de dados da pesquisa 2) Natildeo se dispor a participar
do estudo 3) Ser membro da equipe da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia eleita para o estudo haacute
menos de seis (6) meses
55 Procedimento para coleta dos dados
A coleta de dados incluiu dois instrumentos 1) observaccedilatildeo sistematizada do cotidiano
do serviccedilo cujos os dados foram registrados em um diaacuterio de campo e serviu como
complemento das entrevistas semi-estruturadas e da contextualizaccedilatildeo do campo Natildeo foi
observada nenhuma atividade que implicasse na relaccedilatildeo profissionalusuaacuterio e sim a estrutura
fiacutesica do serviccedilo ndash nuacutemero de salas para atendimento sala de espera espaccedilos de convivecircncia
75
para usuaacuterios e profissionais acessibilidade do serviccedilo e visibilidade (placas de identificaccedilatildeo)
2) entrevistas semi-estruturadas com os profissionais da ESF e desenvolvidas por meio de um
guia de questotildees norteadoras que foram gravadas em aacuteudio e transcritas com a anuecircncia de
cada entrevistado respeitando os princiacutepios eacuteticos postulados na Resoluccedilatildeo 4662012 do
Conselho Nacional de Sauacutede
O roteiro de entrevista com as questotildees norteadoras constituiu-se de duas partes uma
estruturada para caracterizaccedilatildeo dos sujeitos entrevistados (nome idade sexo estado civil
natural de onde formaccedilatildeo quanto tempo de formado quanto tempo na ESF) e outra semi-
estruturada com perguntas disparadoras visando estimular o entrevistado a falar sobre seu
trabalho na ESF e o que considera como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea
ao inveacutes de fazer perguntas diretas Tendo como ponto relevante dessas questotildees disparadoras
o tempo a escolha a forma as limitaccedilotildees do trabalho na ESF e depois o que entende como
lida e trabalha com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental
56 Forma de Anaacutelise dos dados
Foi realizada utilizando a teacutecnica de Anaacutelise do Discurso uma proposta de reflexatildeo
sobre a linguagem o sujeito a histoacuteria e a ideologia A Escola Francesa de Anaacutelise de
Discurso foi fundada na deacutecada de 1960 por Michel Pecirccheux filosofo francecircs e esta teacutecnica
de anaacutelise foi introduzida no Brasil na deacutecada de 80 e 90 por Eni P Orlandi
A Anaacutelise do Discurso como seu proacuteprio nome indica trata do sentido do discurso E
a ldquopalavra discurso etimologicamente tem em si a ideia de curso de percurso de correr por
de movimento O discurso eacute assim palavra em movimento praacutetica de linguagem com o
estudo do discurso observa-se o homem falandordquo Orlandi (2013 p20) Pois eacute a partir do
processo histoacuterico social e subjetivo de cada sujeito que os discursos satildeo construiacutedos
Reunindo estrutura e acontecimento a forma material eacute vista como o acontecimento do
significante (a liacutengua) em um sujeito afetado pela histoacuteria
A Anaacutelise do Discurso eacute entatildeo constituiacuteda por trecircs domiacutenios disciplinares a
Linguumliacutestica (natildeo transparecircncia da linguagem) o Marxismo (materialismo histoacuterico e
ideologia) e a Psicanaacutelise (desloca a noccedilatildeo de homem para sujeito e traz a noccedilatildeo do
inconsciente) O sujeito discursivo funciona entatildeo pelo inconsciente e pela ideologia Orlandi
(2000)
ldquoAs palavras simples do nosso cotidiano jaacute chegam ateacute noacutes carregadas de sentidos que
natildeo sabemos como se constituiacuteram e que no entanto significam para noacutes e em noacutesrdquo
(ORLANDI 2000 p 83)
76
Portanto o discurso produzido pela fala sempre teraacute relaccedilatildeo com o contexto soacutecio
histoacuterico ldquoTodo dizer eacute ideologicamente marcadordquo (ORLANDI 2000 p38)
A ideologia eacute entendida como o posicionamento do sujeito quando se filia a um
discurso sendo o processo de constituiccedilatildeo do imaginaacuterio que estaacute no inconsciente ou seja o
sistema de ideias que constitui a representaccedilatildeo a histoacuteria representa o contexto soacutecio histoacuterico
e a linguagem eacute a materialidade do texto gerando ldquopistasrdquo do sentido que o sujeito pretende
dar Logo na Anaacutelise do Discurso a linguagem vai aleacutem do texto trazendo sentidos preacute-
construiacutedos que satildeo ecos da memoacuteria do dizer (CAREGNATO e MUTTI 2006)
Por meio da teacutecnica de entrevista utilizei questotildees mais abertas o que tornou possiacutevel
disparar o sujeito discursivo de forma a analisar o que ele dizia Anaacutelise essa que tentei extrair
a essecircncia do discurso desse sujeito com o exerciacutecio contiacutenuo de me despir dos valores
pessoais enquanto pesquisadora E procurei imergir ao maacuteximo na fala desse sujeito o que
ela trazia de sentido para ele considerando sua subjetividade sua crenccedila seus valores e o
contexto no qual estava inserido
Sem cair na ilusatildeo de que o analista eacute consciente de tudo a contribuiccedilatildeo da Anaacutelise do
Discurso eacute o exerciacutecio permanente de reflexatildeo permitindo dessa forma uma relaccedilatildeo menos
ingecircnua com a linguagem e a consciecircncia de que ldquotodo discurso eacute incompleto sem iniacutecio
absoluto nem ponto final definitivordquo (ORLANDI 2013 p16)
Devendo o analista buscar os efeitos de sentido e para isso eacute necessaacuterio sair do
enunciado e chegar ao enunciaacutevel atraveacutes da interpretaccedilatildeo
Para Minayo (2010 p 322) ldquotodo discurso eacute referidor e referido dialoga com outros
discursos e se produz no interior das instituiccedilotildees e grupos que determinam quem fala o que
fala e como fala e em que momento falardquo Portanto todo o movimento que acontece no
interior do discurso eacute ao mesmo tempo o processo o produto e ponto central da significaccedilatildeo
a ser compreendido na anaacutelise do texto
Todo texto eacute carregado de ideologia e pode determinar a relaccedilatildeo entre quem fala e
quem ouve caracterizando sua inserccedilatildeo discursiva Haacute dois pressupostos baacutesicos segundo
Pecirccheux
1 O sentido de uma palavra de uma expressatildeo ou de uma proposiccedilatildeo natildeo existe em si
mesmo Ao contraacuterio expressa posiccedilotildees ideoloacutegicas em jogo no processo soacutecio-
histoacuterico no qual as formas de relaccedilatildeo satildeo produzidas
2 Toda formaccedilatildeo discursiva dissimula pela pretensatildeo da transparecircncia sua dependecircncia
de formaccedilotildees ideoloacutegicas
77
Para natildeo concluir faz-se relevante destacar como propotildeem Caregnato e Mutti (2006)
que a Anaacutelise do Discurso trabalha com o sentido sendo o discurso heterogecircneo marcado pela
histoacuteria e ideologia a Anaacutelise do Discurso entende que natildeo iraacute descobrir nada novo apenas
faraacute uma nova interpretaccedilatildeo ou uma re-leitura outro aspecto ressaltado pelas autoras eacute que a
Anaacutelise do Discurso mostra como o discurso funciona natildeo tendo a pretensatildeo de dizer o que eacute
certo ou errado porque isso natildeo estaacute em julgamento
57 Aspectos Eacuteticos
O presente projeto de pesquisa foi submetido aos Comitecircs de Eacutetica da Escola Nacional
de Sauacutede Puacuteblica da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz CAEE (43999015000005240) e da Prefeitura
Municipal do Rio de Janeiro CAEE (43999015030015279) apoacutes contato e autorizaccedilatildeo do
responsaacutevel teacutecnico da unidade de sauacutede eleita para o estudo
Foram considerados os riscos de constrangimento durante as entrevistas sendo
sugerido uma pausa ou retorno em outro momento Para natildeo identificaccedilatildeo dos profissionais
participantes da pesquisa foi realizada uma anaacutelise em conjunto impossibilitando assim
atribuiccedilatildeo individual aos depoimentos
Os benefiacutecios do estudo poderatildeo ser a reflexatildeo dos profissionais sobre o proacuteprio
processo de trabalho estimulando o processo de educaccedilatildeo permanente na unidade estudada e
contribuiccedilatildeo para o conhecimento da aacuterea de Sauacutede Mental na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede tatildeo
importante e tatildeo caro para consolidaccedilatildeo das Reformas Sanitaacuteria e Psiquiaacutetrica
78
6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
61 Descrevendo o campo
As observaccedilotildees ora descritas foram colhidas por meio do diaacuterio de campo e obedeceu uma
sistematizaccedilatildeo dos dados coletados dando ecircnfase principalmente a estrutura fiacutesica do local e a
dinacircmica da equipe
Durante o periacuteodo do trabalho de campo que foi de 4 (quatro) meses participei das
reuniotildees de cada equipe que aconteciam uma vez por semana Espaccedilo esse em que toda a
equipe (meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem agentes comunitaacuterios de
sauacutede profissionais da equipe de sauacutede bucal e agentes de vigilacircncia sanitaacuteria) se reuniam
para fazer um balanccedilo da semana discutir os casos mais emblemaacuteticos os possiacuteveis
encaminhamentos as accedilotildees educativas com campanhas nas escolas e na comunidade Assim
como eram distribuiacutedos aos agentes comunitaacuterios de sauacutede as marcaccedilotildees e resultados de
exames para entrega em sua respectiva micro aacuterea O meacutedico preceptor por vezes participava
desse momento ora com uma funccedilatildeo mais pedagoacutegica trazendo explicaccedilotildees sobre
determinados assuntos ora com uma funccedilatildeo mais de gestatildeo cobrando objetivosmetas a
alcanccedilar e apontando possiacuteveis pendencias da equipe
Observei que esse eacute um lugar em que toda a equipe sem exceccedilatildeo tem poder de
vocalizaccedilatildeo claro que uns mais tiacutemidos outros mais falantes principalmente por parte dos
agentes comunitaacuterios de sauacutede Onde todos os membros da equipe tecircm a oportunidade de
trazer determinada dificuldade de abordagem ou manejo de algum caso especifico ou de
determinada accedilatildeo na comunidade e efetivamente haacute uma discussatildeo em equipe Embora
aconteccedila de alguma decisatildeo ou palavra final ainda ser endereccedilada ao profissional meacutedico seja
ele residente preceptor ou no ldquocasordquo de sauacutede mental ao psiquiatra O que nos leva a refletir
sobre o quanto o modelo biomeacutedico ainda estaacute presente nos espaccedilos da sauacutede da famiacutelia que
deveria ser um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede com abordagens e decisotildees mais coletivas e
multiprofissionais
Quanto a estrutura fiacutesica do local onde funciona a Cliacutenica da Famiacutelia estudada agrave eacutepoca
da coleta de dados havia uma placa de sinalizaccedilatildeo grande com o nome da cliacutenica do lado de
fora da fachada preacutedio mas era necessaacuterio olhar para cima para visualizar Na entrada mesmo
do preacutedio natildeo havia nenhuma informaccedilatildeosinalizaccedilatildeo de que a CF funcionava no segundo
andar eu mesma na primeira visita precisei pedir informaccedilatildeo ao guarda do primeiro andar O
acesso ao segundo pavimento consequentemente agrave CF era exclusivamente de escada com
corrimatildeo eram dois lances natildeo havia rampa de acesso ou elevador muito menos barras de
79
apoio banheiro adaptado ou portas mais largas para pessoas com deficiecircncia O que jaacute causou
alguns transtornos e constrangimentos no atendimento de pessoas idosas eou cadeirantes
segundo relatos dos profissionais durante as minhas visitas
As instalaccedilotildees da CF eram compostas por 01 hall para acolhimento (com 3 baias de
atendimento sendo uma para cada equipe e cadeiras para usuaacuterios) 7 consultoacuterios para
atendimento meacutedico e enfermagem 1 consultoacuterio para Sauacutede Bucal onde na entrada se
localizava o escovaacuterio com 3 pias para escovaccedilatildeo de adulto e 1 pia para crianccedila 1 sala para
farmaacutecia (dividida para dispensaccedilatildeo de medicaccedilatildeo aos usuaacuterios e estoque) 1 sala de reuniatildeo
1 sala da administraccedilatildeo 1 sala para agentes comunitaacuterios de sauacutede 1 sala de imunizaccedilatildeo 1
sala de coleta de sangueprocedimentos 1 sala de curativo 1 sala de esterilizaccedilatildeo 1 sala de
expurgo 1 banheiro feminino com 1 pia e dois vasos sanitaacuterios e 1 banheiro masculino
tambeacutem composto por uma 1 pia e dois vasos sanitaacuterios ambos de uso comum para
profissionais e usuaacuterios
A iluminaccedilatildeo e ventilaccedilatildeo na CF eram adequadas Todas as salas consultoacuterios
possuiacuteam ar-condicionado e estavam funcionando agrave eacutepoca da minha visita de ambiecircncia e
coleta dados As janelas eram de vidro e com persianas claras facilitando a luminosidade
natural Embora as salas estivessem devidamente identificadas com placas nas portas
indicando os serviccedilos faltava melhorar a sinalizaccedilatildeo de acesso agraves essas salas como por
exemplo com setas indicativas
O hall do acolhimento como era uma aacuterea aberta natildeo possuiacutea ar-condicionado mas
tinha ventiladores e janelas Existiam 02 bebedouros (um mais baixo proacuteximo na entrada do
banheiro feminino) e outro mais alto (ao lado das baias de atendimento do acolhimento) Todo
o piso da unidade era antiderrapante as paredes e os acabamentos com superfiacutecie lisa A
limpeza em geral era satisfatoacuteria deixando a desejar nos banheiros talvez pelo grande fluxo
de uso como jaacute mencionado anteriormente servia a usuaacuterios e profissionais
Cada consultoacuterio como padratildeo possuiacutea 1 mesa ginecoloacutegica 1 biombo 1 reacutegua
antropomeacutetrica 1 balanccedila pediaacutetrica 1 sonar 1 balanccedila adulto 1 mesa e 1 cadeira para o
profissional 2 cadeiras para os usuaacuterios 1 computador e 1 impressora Faz-se importante
destacar que todos os prontuaacuterios eram informatizados Na sala de imunizaccedilatildeo havia 01
cacircmara fria para conservaccedilatildeo dos imunobioloacutegicos 1 geladeira comum 1 pia grande com
torneira 1 mesa 1 dispensador de perfuro-cortante 1 computador 1 maca para crianccedila 2
cadeiras Na sala de curativo tinha um reservatoacuterio com torneira corrente para lavagem das
feridas 1 mesa 2 cadeiras armaacuterio para armazenamento do material lixeira para material
bioloacutegico Na sala de coleta tambeacutem havia 1 mesa 4 cadeiras com braccediladeira armaacuterios para
80
guarda do material 1 dispensador de perfuro-cortante Na sala de reuniotildees existiam duas
mesas grandes vaacuterias cadeiras e 2 armaacuterios onde a fisioterapeuta o educador fiacutesico e grupo
de artesanato guardavam o material
Gostaria de dar uma ecircnfase especial a sala dos agentes comunitaacuterios onde encontrava-
se uma mesa redonda meacutedia com 5 cadeiras 3 computadores (1 por equipe ndash no ato da visita
de ambientaccedilatildeo uma ACS fez questatildeo de falar que era muito pouco 01 computador para 06
ACS) 1 quadro de aviso 2 armaacuterios com arquivos ao final tinha uma geladeira para
armazenamento de leito materno pois a unidade fazia parte do ldquoPrograma Amiga da
Amamentaccedilatildeordquo recolhendo o leite e enviando para as maternidades E tambeacutem uma mesa
pequena onde era feito o cafeacute servindo portanto como um local de ponto de encontro e
almoccedilo para toda a equipe natildeo soacute para os agentes comunitaacuterios de sauacutede uma vez que a
unidade natildeo tinha um espaccedilo para refeitoacuterio
De acordo com o Manual de Estrutura Fiacutesica das unidades baacutesicas de sauacutedesauacutede da
Famiacutelia (2008) o ambiente de apoio deve ter copacozinha e banheiro para funcionaacuterios
ambos ausentes na unidade estudada No ambiente de atendimento cliacutenico natildeo foi observado
uma sala de nebulizaccedilatildeo e na parte estrutural natildeo havia rampas de acesso ou elevador para
pessoas portadoras de deficiecircncia especial nem mesmo qualquer aparato (banheiro especial
barras de proteccedilatildeo porta mais largas bebedouro mais baixo) para esse grupo de pessoas como
recomenda o referido manual
A Cliacutenica da Famiacutelia estudada natildeo estava equipada com laboratoacuterio os exames eram
colhidos e enviados para um laboratoacuterio terceirizado que presta serviccedilo ao municiacutepio assim
como natildeo dispunha de aparelho de raio X nem de ecografia Mas possuiacutea prontuaacuterio
eletrocircnico computador com acesso agrave internet a conexatildeo agraves vezes lenta foi inclusive uma
das queixas dos profissionais durante as entrevistas A proposta tal como apresentada pela
gestatildeo municipal de sauacutede seria qualificar a atenccedilatildeo oferecendo infraestrutura sofisticada
(ambiecircncia conforto e sustentabilidade) adequadamente equipada e com ofertas de
procedimentos (exames laboratoriais raios X ecografia entre outros) aleacutem de inovaccedilotildees
tecnoloacutegicas (Observatoacuterio de Tecnologia de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Sistemas e
Serviccedilos de Sauacutede prontuaacuterio eletrocircnico acesso agrave internet e rede wi-fi) dentre outras
caracteriacutesticas (RIO DE JANEIRO 2012)
Na Cliacutenica da Famiacutelia aconteciam algumas atividades em grupo muito citadas durante
as entrevistas ldquoGrupo de Artesanatordquo ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo e ldquoCafeacute com
Especialistardquo
81
O ldquoGrupo de Artesanatordquo era coordenado por uma enfermeira acontecia
semanalmente todas agraves 5ordf feiras no periacuteodo da tarde com duraccedilatildeo de 2 horas No iniacutecio a
proposta era produzir algum produto muitas idosas com habilidades manuais e artiacutesticas se
voluntariaram a participar Depois com o desenrolar do grupo passou a ser tambeacutem um
espaccedilo de convivecircncia para conversar e trocar experiecircncias
A ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo tambeacutem acontecia semanalmente agraves 4ordf feiras no
periacuteodo da noite facilitando o acesso a quem trabalhava durante o dia e com tempo de
duraccedilatildeo em meacutedia de 1 hora Era coordenada por dois voluntaacuterios (um meacutedico que foi RMFC
da proacutepria cliacutenica e uma psicoacuteloga) Tive a oportunidade de participar de uma sessatildeo achei
muito interessante Eram feitos alguns acordos para participaccedilatildeo Falar em 1ordf pessoa ndash ldquoeurdquo
sou sujeito da minha proacutepria e natildeo dar conselhos No iniacutecio da sessatildeo teve alguns movimentos
de relaxamento do corpo logo depois veio o momento de celebraccedilatildeo onde os participantes
falavam algo que tenha acontecido de especial durante a semana e depois algo que havia
deixado os participantes para baixo Esse uacuteltimo era apresentado em forma de manchete
como se fosse um noticiaacuterio e a mais votada era eleita para aprofundamento onde todos os
participantes tinham a oportunidade de falar sobre o processo de identificaccedilatildeo e mecanismos
de enfrentamento
O ldquoCafeacute com especialistardquo de iniacutecio seria ldquoCafeacute com psiquiatrardquo depois a equipe
repensou esse nome uma vez que poderia se tornar um espaccedilo para consultas de psiquiatria e
pegar receitas controladas Pois a proposta era justamente o inverso um espaccedilo para repensar
junto com os usuaacuterios o uso de psicofaacutermacos de longa data A proposta foi feita pelo
psiquiatra junto com as trecircs equipes pois na unidade havia um programa na farmaacutecia que
gerenciava por nome os usuaacuterios que faziam uso de psicofaacutermacos onde constavam nome do
usuaacuterio nome do meacutedico nome do medicamento posologia quantidade dispensada data
retorno e observaccedilotildees Facilitando assim principalmente aos meacutedicos das equipes o
conhecimento desses usuaacuterios de forma a racionalizar o uso desses psicofaacutermacos pois a
utilizaccedilatildeo destes por meacutedicos generalistas eacute um toacutepico importante na estruturaccedilatildeo de uma
atenccedilatildeo em sauacutede mental de qualidade com atitudes menos prescritivas
Assim os psicofaacutermacos devem ser utilizados preferencialmente em conjunto com
outros tipos de intervenccedilotildees terapecircuticas sendo ofertados apoio e cuidado de outras formas
aleacutem do uso de medicamentos em especial de benzodiazepiacutenicos Nesse sentido o
acolhimento e a escuta estruturam espaccedilos de reorganizaccedilatildeo e soluccedilatildeo de problemas que
contribuem para uma melhora efetiva por meio da compreensatildeo do sujeito em sua forma
proacutepria de organizar a vida e seu universo simboacutelico
82
O projeto de Acompanhamento Farmacoterapecircutico (AFT) em Sauacutede Mental nos Centros
Municipais de Sauacutede (CMS) e Cliacutenicas da Famiacutelia (CF) no municiacutepio do Rio de Janeiro visa a
melhora no serviccedilo prestado aos usuaacuterios envolvendo o mesmo em seu projeto terapecircutico
singular contribuindo para o sucesso terapecircutico e pessoal por meio de uma maior integraccedilatildeo
entre o profissional farmacecircutico e os profissionais da ESF (OLIVEIRA SILVA DIAS
2014)
62 Anaacutelise das entrevistas
Consideraccedilotildees introdutoacuterias
As entrevistas foram transcritas obedecendo ao seguinte esquema de transcriccedilatildeo
1) o uso de reticecircncias entre parecircnteses () para demarcar uma pausa longa
2) o sublinhado para ecircnfase e MAIUacuteSCULAS para muita ecircnfase
3) o siacutembolo igual = para sinalizar que natildeo houve pausa na fala
4) o siacutembolo barra foi usado para demonstrar falas justapostas
5) o termo entrevistadora foi identificado pela letra e minuacutescula
6) os profissionais entrevistados (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes enfermeiros
teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede) foram identificados por nomes
fictiacutecios
As anaacutelises das entrevistas tal como proposta na AD incluiacuteram a discussatildeo de cada
uma das formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela triangulaccedilatildeo do que
foi dito pelos entrevistados da teoria que fundamentou o texto e das minhas consideraccedilotildees
sobre o tema estudado Assim me reportarei agraves falas dos entrevistados com intuito de
apreender seus significados e produzir deslizamentos de sentido
Nesse processo de anaacutelise identifiquei os NUacuteCLEOS DISCURSIVOS
SIGNIFICANTES no qual articulamos simultaneamente ao todo e as singularidades das falas
de onde emergiram os GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais) compreensatildeo e
percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental e manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mental
Os nuacutecleos discursivos significantes que foram a essecircncia das anaacutelises constituiacuteram as
formaccedilotildees discursivas tal como descritas por Foucault (1970) Segundo o autor haacute processos
internos de controle do discurso que se datildeo a tiacutetulo de princiacutepios de classificaccedilatildeo de
ordenaccedilatildeo de distribuiccedilatildeo visando domesticar a dimensatildeo de acontecimento e de acaso do
discurso normatizando-o Em noccedilotildees como as de comentaacuterio de disciplina e na de autor
83
pode-se observar tal controle ldquoEssas noccedilotildees tem um papel multiplicador mas tecircm tambeacutem
funccedilatildeo restritiva e coercitivardquo (ORLANDI 2015 p73)
Foram realizadas vinte e quatro (24) entrevistas sendo que duas (02) foram
descartadas por natildeo se incluiacuterem nos criteacuterios de inclusatildeo o que reduziu o total de entrevistas
analisadas para vinte e duas (22) a saber nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5)
meacutedicos residentes trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos
preceptores
De acordo com os profissionais entrevistados identifiquei 05 (cinco) niacuteveis de
discurso meacutedicos receptores meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e
agentes comunitaacuterios de sauacutede estes uacuteltimos por ser constituiacuterem uma categoria situada
entre a comunidade e os profissionais de sauacutede possuem um olhar diferenciado sobre o
processo sauacutede-doenccedila natildeo marcado pelo saber biomeacutedico o que pocircde ser verificado na
anaacutelise das entrevistas
Por serem as entrevistas semi-estruturadas apresento de iniacutecio os resultados das
questotildees relacionadas agraves perguntas fechadas caracterizando nuacutemero de profissionais
entrevistados sexo idade estado ciacutevel naturalidade formaccedilatildeo profissional tempo de
formaccedilatildeo tempo de atuaccedilatildeo na ESF e treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede
mental conforme descrito a seguir
Meacutedicos preceptores (02 - Abel e Bartolomeu) ambos do sexo masculino com
idade entre 28 e 36 anos estado civil - (01) casado e (01) solteiro ambos naturais do Rio de
Janeiro e com especializaccedilatildeo em Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) tempo de formaccedilatildeo de 4 e 10 anos e tempo
de atuaccedilatildeo na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia de 3 a 8 anos e 6 meses Relataram treinamento
especifico para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental seja por cursos como o Babel ou
durante a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade Ressalto que (01) meacutedico
preceptor declarou que atua na CF estudada desde a sua inauguraccedilatildeo tambeacutem declarou ser um
colaborador na disciplina de formaccedilatildeo em sauacutede mental com discussatildeo de casos no Programa
da Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro
Meacutedicos residentes (05 - Acaacutecio Betino Braacuteulio Cesaacuterio e Accedilucena) idade
entre 27 e 29 anos (04) sexo masculino e (1) do sexo feminino estado civil todos (05)
solteiros naturalidade (01) Rio de Janeiro (01) Satildeo Paulo (01) Goiaacutes (01) Minas Gerais e
(01) Macapaacute o que deu um panorama de como a Residecircncia de MFC da Prefeitura do Rio de
Janeiro estaacute sendo procurada por meacutedicos de outros estados O tempo de formaccedilatildeo destes
meacutedicos variou de 1 ano e 8 meses a 4 anos Apenas (01) entrevistado declarou jaacute ter uma
84
especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia com duraccedilatildeo de 12 meses que inclusive o motivou a
buscar a residecircncia em MFC Os outros (04) meacutedicos residentes declararam estar em processo
formativo O tempo de atuaccedilatildeo na ESF variou de 1 ano e 6 meses a 4 anos pois (03)
entrevistados informaram que jaacute tinham trabalhado na ESF como primeiro emprego depois de
formado antes de iniciar o curso de residecircncia (03) meacutedicos residentes declaram que estavam
tendo durante o curso de residecircncia aulas e matriciamento para lidar com as questotildees de sauacutede
mental (01) informou que estava tendo parcialmente no Curso de Residecircncia e (01) declarou
que oficialmente natildeo teve nenhum treinamento em sauacutede mental mas que durante a sua
graduaccedilatildeo por iniciativa proacutepria procurou estaacutegio em sauacutede mental na rede extra-hospitalar
(CAPS em suas modalidades adulto infantil e aacutelcool e drogas)
Enfermeiros (03 - Aacutedila Clemecircncia Claudemiro) idade entre 27 e 40 anos (02)
sexo feminino e (01) sexo masculino estado civil (01) casado e (02) solteiros (02) naturais do
Rio de Janeiro e (01) Santa Catarina estado civil (01) casado e (02) solteiros O tempo de
formaccedilatildeo variou entre de 3 anos e 6 meses a 8 anos Apenas (01) entrevistada informou ter
residecircncia em Medicina de Famiacutelia os outros dois (01) tem poacutes-graduaccedilatildeo em Terapia
Intensiva e Enfermagem do Trabalho e (01) em Promoccedilatildeo da Sauacutede O tempo de atuaccedilatildeo na
ESF variou entre 3 anos e 6 meses a 6 anos sendo que uma entrevistada estava na CF
estudada desde a sua inauguraccedilatildeo (02) entrevistados declararam jaacute ter tido treinamento para
lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos fizeram o curso BABEL que agrave eacutepoca foi uma
parceria entre a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Prefeitura do Rio de
Janeiro e (01) informou natildeo ter tido nenhum treinamento Ressalto que (01) profissional
informou ser morador da aacuterea onde trabalha
Teacutecnicos de enfermagem (03 - Daacutercio Eliseu e Felismina) idade entre 33 e 36
anos (02) sexo masculino e (01) do sexo feminino estado civil (02) solteiros e (01) casado
todos (03) naturais do Rio de Janeiro O tempo de formaccedilatildeo variou entre 2 anos e 6 meses a
10 anos O tempo de atuaccedilatildeo na ESF entre 2 anos e 6 meses a 5 anos (02) destes profissionais
informaram jaacute terem tido treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos
citaram o Curso Caminhos do Cuidado parceria da Fiocruz (RJ) por meio do Instituto de
Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo Cientiacutefica e Tecnoloacutegica (ICICT) do Grupo Hospitalar
Conceiccedilatildeo (RS) da Rede de Escolas Teacutecnicas do SUS e do Ministeacuterio da Sauacutede e (01)
declarou natildeo ter tido nenhuma treinamento Aqui tambeacutem cabe informar que todos (03)
teacutecnicos de enfermagem declaram serem moradores da aacuterea onde trabalham
Agentes comunitaacuterios de sauacutede (09 - Geneacutesia Heda Hebe Iana Jacobina
Kiara Lana Marcilene e Nateacutercia) sendo todos do sexo feminino idades entre 26 e 40
85
anos (05) casadas e (04) solteiras (06) naturais do Rio de Janeiro (01) Paraiacuteba (01)
Maranhatildeo e (01)Minas Gerais tempo de formaccedilatildeo entre 1 ano e 6 meses a 6 anos e tempo de
atuaccedilatildeo na ESF entre 1 ano e 5 meses a 6 anos (08) relataram treinamento para lidar com as
questotildees de Sauacutede mental como apoio dos meacutedicos da Cliacutenica da Famiacutelia e do NASF cursos
como ldquoCaminhos do Cuidadordquo e ldquoReduccedilatildeo de Danosrdquo assim como outros cursos e
capacitaccedilotildees pelo proacuteprio serviccedilo via OTICS - rede criada a partir da expansatildeo da APS que
proporciona todo um suporte fiacutesico e tecnoloacutegico como auditoacuterios bibliotecas laboratoacuterios de
informaacutetica para qualificaccedilatildeo de profissionais e para avaliaccedilatildeo de indicadores da APS
(RJSMSDC 2012) Participaram tambeacutem de algumas palestras Elogiaram muito o curso
ldquoCaminhos do Cuidadordquo
A motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF para os profissionais de niacutevel superior preceptores
meacutedicos residentes meacutedicos e enfermeiros apareceu como uma alternativa ao modelo
biomeacutedico tradicional como podemos observar nas falas
Esse trabalho eacute realmente mais efetivo do que aquilo que a gente vinha aprendendo
na faculdade aquela coisa da hiperespecializaccedilatildeo (Acaacutecio)
Gosto muito de ter esse olhar mais ampliado natildeo soacute para o indiviacuteduo mas para a
famiacutelia (Bartolomeu)
Principalmente a enfermagem () acho que tem um campo de atuaccedilatildeo bem amplo ()
a gente natildeo fica soacute restrito ao cuidado no sentido de como eacute no hospital cuidar do paciente
administrar medicamento fazer rotina () acaba que eacute bem mais complexo porque tem que
entender de tudo natildeo deixa a gente cair na rotina e a gente estaacute cada vez mais aprendendo
(Claudemiro)
Enquanto que para os teacutecnicos de enfermagem e ACSs as motivaccedilotildees foram a
oportunidade de emprego e a ajuda ao proacuteximo com a oportunidade de fazer algo pela
vizinhanccedila e pela Comunidade todos satildeo moradores da comunidade como eles mesmos
denominaram
Sou cria da comunidade a gente taacute sempre querendo ajudar o proacuteximo (Daacutercio)
Foi meu primeiro emprego na aacuterea da sauacutede (Felismina)
Uma oportunidade eu natildeo estava trabalhandoestou na minha comunidade conheccedilo
muita gente e achei que iria conseguir fazer alguma coisa boa (Geneacutesia)
Eu moro na comunidade eu vou conhecer meus vizinhos e vou poder trabalhar com
eles (Heda)
Eu estava desempregada uma oportunidade de trabalhar dentro da comunidade
(Hebe)
86
Em relaccedilatildeo as entrevistas abertas aprofundadas com perguntas disparadoras que tiveram
como objetivo estimular o entrevistado a falar sobre seu trabalho na ESF e o que considera
como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea e livre os pontos relevantes dessas
perguntas foram 1 Motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF 2 Caracteriacutesticas do trabalho na ESF
3 Importacircncia da ESF no sistema de sauacutede 4 O que entende como lida e maneja os ldquocasosrdquo
de sauacutede mental e 5 Recomendaccedilotildees para melhorar a atenccedilatildeo na ESF e a atenccedilatildeo em sauacutede
mental na ESF
As entrevistas transcorreram com tranquilidade no proacuteprio serviccedilo sempre durante o
seu horaacuterio de funcionamento Os meacutedicos residentes foram os primeiros a manifestarem
interesse em participar do estudo seguidos pelos meacutedicos preceptores enfermeiros e teacutecnicos
de enfermagem Jaacute os ACSs manifestaram resistecircncia em participar do estudo com
expressotildees como eu natildeo gosto muito de falar natildeo sei falar Enquanto pesquisadora tentei ao
maacuteximo minimizar essa resistecircncia mas deixando-os bem agrave vontade a participarem ou natildeo do
estudo Frisando sempre a importacircncia da pesquisa da participaccedilatildeo deles que era voluntaacuteria e
a garantia do anonimato Mas dos (18) ACSs lotados na Unidade pesquisada somente (09)
aceitaram participar do estudo
Durante a minha estada no serviccedilo por aproximadamente quatro (4) meses transitei
livremente participei das reuniotildees semanais de cada equipe ateacute mesmo para apresentar o
projeto de pesquisa conhecer os integrantes de cada equipe e a dinacircmica de trabalho na ESF
Esse foi um periacuteodo muito enriquecedor antes da realizaccedilatildeo das entrevistas Procurei agendar
as entrevistas durante essas reuniotildees de equipe com os profissionais interessados colocando-
me agrave disposiccedilatildeo do horaacuterio dos mesmos para natildeo interferir no cotidiano do serviccedilo
Eacute importante dizer que desde a primeira visita todos os profissionais da unidade foram
muito receptivos ao estudo desde da gerente ao pessoal administrativo e de apoio Alguns
trabalhadores declararam entender a temaacutetica dessa pesquisa como deveras importante para o
momento atual de expansatildeo da capilaridade das accedilotildees de sauacutede por meio da ESF nos
territoacuterios incluindo as accedilotildees de sauacutede mental Muitos profissionais se dirigiram gentilmente
a mim e disseram que a pesquisa soacute podia ajudaacute-los pois tinham muitos ldquocasosrdquo de sauacutede
mental na sua aacuterea
Ressalto mais uma vez que a unidade estudada era campo de praacutetica para os meacutedicos
residentes de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de
Janeiro e eram esses residentes que estavam ligados diretamente agrave assistecircncia da populaccedilatildeo O
que lhe dar uma caracteriacutestica bem peculiar meacutedicos que estavam ali em formaccedilatildeo e com
87
desejo de estarem nesse lugar mas eram temporaacuterios permaneciam por 2 (dois) anos tempo
de formaccedilatildeo do curso de residecircncia
Segundo Justino Oliver e Melo (2016) a reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Rio
de Janeiro pode ser vista como indutora do Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e
Comunidade na cidade uma vez que gerou diferentes necessidades de melhoria na rede
(unidades de sauacutede mais bem equipadas informatizadas mais recursos em terapecircutica e
diagnoacutestico) e mais profissionais meacutedicos qualificados para este niacutevel de atenccedilatildeo agrave sauacutede
Ainda de acordo com esses autores em 2011 a Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de
Janeiro a fim de contribuir com a oferta de maior nuacutemero de especialista em Medicina de
Famiacutelia e Comunidade e fixar profissionais para trabalhar nas diversas Cliacutenicas da Famiacutelia em
expansatildeo criou o seu proacuteprio programa de residecircncia na aacuterea Aleacutem de criar outros
incentivos inclusive financeiros - maior remuneraccedilatildeo para os residentes e profissionais jaacute
formados no proacuteprio curso
Poucos profissionais pareceram ansiosos com a possibilidade de serem entrevistados
Perguntaram quanto tempo durava a entrevista e se poderiam saber de antematildeo qual seria o
ldquoroteirordquo de perguntas A maioria construiu comigo um clima amistoso de conversa que
costumava se iniciar quase informalmente durante as reuniotildees de equipe
As entrevistas foram realizadas na sala de reuniatildeo da unidade colocada a minha
disposiccedilatildeo Aconteceram pequenas interrupccedilotildees por parte de outros membros da equipe
contudo natildeo as considerei prejudiciais para o desenvolvimento da entrevista Algumas
entrevistas no entanto foram realizadas nos consultoacuterios das equipes tambeacutem respeitando a
preferecircncia de cada profissional e com razoaacutevel privacidade Natildeo houve interrupccedilotildees
importantes como por exemplo ter que parar a entrevista e fazer em outro momento devido
a uma demanda qualquer do serviccedilo ou do entrevistado Pelo contraacuterio os entrevistados se
mostraram muito tranquilos em relaccedilatildeo ao tempo disponiacutevel
Apenas uma entrevista teve a duraccedilatildeo de aproximadamente 1 hora e seis minutos Foi
a realizada com um meacutedico preceptor que atuava na unidade estudada desde a sua fundaccedilatildeo
Primeiro como meacutedico de famiacutelia de uma equipe portanto ligado diretamente agrave assistecircncia e
na eacutepoca da coleta de dados como preceptor dos residentes e responsaacutevel meacutedico da unidade
com uma funccedilatildeo mais gerencial e administrativa como ele mesmo apontou durante a
entrevista Jaacute a entrevista mais breve durou um pouco mais de 12 minutos e foi com um
teacutecnico de enfermagem
As perguntas foram compreendidas com certa facilidade mas as respostas que
demandavam explicitar a motivaccedilatildeo de trabalhar na ESF e a conceituaccedilatildeo sobre ldquocasosrdquo de
88
sauacutede mental demoraram mais tempo para serem respondidas Tal demora talvez tenha sido
acompanhada de inseguranccedila por parte dos entrevistados em alguns casos pontuais Chamou
atenccedilatildeo o fato de quando questionados sobre se gostariam de acrescentar algo que natildeo foi
perguntado alguns profissionais responderam que a sauacutede mental eacute um tema difiacutecil e que eles
tinham muita dificuldade em lidar com esses ldquocasosrdquo embora pudessem contar com o apoio
do NASF Mesmo assim todos os entrevistados demonstraram muito interesse pelo tema o
que me pareceu ser um assunto candente entre eles Ao final das entrevistas alguns
agradeceram por poder participar do estudo e senti como se falar sobre o tema tivesse sido
mais um pedido de auxiliosuporte para lidar com esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois a
palavra capacitaccedilatildeo foi muito usada como sugestatildeo para melhoria da Sauacutede Mental na
Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
89
621 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Preceptores
Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Meacutedicos Preceptores
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTE
Sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no
funcionamento familiar e social algum tipo de
transtorno dependecircncia seja a cigarro especialmente
aacutelcool e drogas
Todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e todo
paciente pode ser muito complexo por menor que seja o
problema dele soacute depende muito do meacutedico de quanto o
meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida dele
O encaminhamento inicialmente eacute com a gente mesmo
Transtorno mental comum (transtorno de ansiedade
depressatildeo somatizaccedilatildeo) eu natildeo referencio para o
psiquiatra jaacute fiz isso natildeo faccedilo mais Transtorno mental
grave (transtorno psicoacutetico) e transtorno mental em
crianccedila eu referencio e a intervenccedilatildeo eacute
multidimensional envolve medicamento grupos em
sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com
assistente social agente de sauacutede cuidado com equipe
matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui ou no
CAPS
Cliacutenica centrada na pessoa a gente aborda muito a
escuta ativa numa fase inicial uma primeira tentativa de
abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo
ser medicamentosa
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Formaccedilatildeo experiecircncia no campo da sauacutede mental
Mais equipamentos mais CAPS diminuiccedilatildeo do nuacutemero de usuaacuterios por equipe capacitaccedilotildees
90
Ambos os meacutedicos preceptores relataram que fazer a especializaccedilatildeo em Medicina de
Famiacutelia e Comunidade natildeo foi a primeira opccedilatildeo em suas respectivas carreiras profissionais
Um preceptor contou que natildeo teve contato com APS na sua graduaccedilatildeo (agrave eacutepoca era muito
incipiente) portanto natildeo conheceu a especialidade durante a sua formaccedilatildeo acadecircmica Soacute
depois de formado veio a ter contato com a especialidade em um Congresso da Associaccedilatildeo
Brasileira de Medicina de Famiacutelia Mas que foi fazer a residecircncia na aacuterea porque o soldo era
maior E que hoje eacute uma coisa que o apaixona - poderia conversar mais umas duas ou trecircs
horas no miacutenimo ou ateacute eu sentir fome e sede (risos) e essa aacuterea eacute como o vinho com o tempo
vai ficando muito melhor (Abel)
O outro narrou que natildeo passou na residecircncia escolhida como primeira opccedilatildeo comeccedilou
entatildeo a trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia gostou muito do ambiente surgiu a
oportunidade de fazer a prova de residecircncia para o local onde estava trabalhando fez passou
e o que a princiacutepio era um teste para saber se ia se adaptar foi se apaixonando e hoje tem a
sauacutede da famiacutelia como a possibilidade de ter um olhar mais ampliado do indiviacuteduo e sua
famiacutelia Mencionou tambeacutem que trabalhar na aacuterea possibilita ter final de semana ter feriados
ou seja ter uma vida um pouquinho melhor planejada do que muitos meacutedicos hoje em dia
costumam ter por aiacute (Bartolomeu)
Em ambos os discursos apareceu o apaixonamento pela Medicina de Famiacutelia e
Comunidade pude observar durante o periacuteodo do campo que para trabalhar na aacuterea parece
requerer dos profissionais principalmente para o meacutedico e preceptor uma certa afinidade em
querer conhecer o cotidiano e a vida das pessoas natildeo soacute a sua queixa de sauacutede ou sintoma O
que me pareceu exigir menos objetividade cientiacutefica e mais empatia com o outro
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental
Em relaccedilatildeo ao guia para anaacutelise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mentalrsquo os meacutedicos preceptores expressaram perspectivas diferentes uma mais holiacutestica
sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no funcionamento social e familiar outra
mais difusa todo caso pode ser um caso de sauacutede mental O primeiro discurso caracteriza
uma linguagem mais objetiva teacutecnica e qualificada profissionalmente com uma visatildeo integral
do processo sauacutede-doenccedila o que aponta tambeacutem para um conhecimento mais especifico no
campo da APS
Essa interferecircncia agraves vezes pode ser muito grave a ponto da pessoa natildeo conseguir se
relacionar com a famiacutelia ou ter alguma situaccedilatildeo de violecircncia domeacutestica fiacutesica ou
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psicoloacutegica seja na crianccedila na matildee no adulto em qualquer indiviacuteduo da famiacutelia ou algum
tipo de situaccedilatildeo familiar que resulte em dependecircncia seja a cigarro especialmente aacutelcool e
drogas ou algum tipo de prejuiacutezo e dificuldade na formaccedilatildeo escolar da crianccedila ou de jovens
adultos aonde isso acontece certamente eacute a ponta do iceberg de algum tipo de transtorno
menta (Abel)
Nesse primeiro discurso podemos observar uma noccedilatildeo voltada para o modo
psicossocial quando nomeia o ldquocasordquo de sauacutede mental como sofrimento psiacutequico esse modo
de atenccedilatildeo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua ldquoexistecircncia-sofrimentordquo (Costa-
Rosa 2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia subjetiva e assim como na
Medicina de Famiacutelia considera a pessoa seu grupo familiar e social A razatildeo disso estaacute em
entender que o sofrimento psiacutequico natildeo eacute um fenocircmeno soacute individual mas tambeacutem social e
como tal deve ser pensado Dessa maneira as formas de participaccedilatildeo da famiacutelia e da rede de
apoio social superam as posturas assistencial e orientadora caracteriacutesticas do modo asilar
(COSTA-ROSA 2000)
A nomenclatura ldquopessoa em sofrimento psiacutequicordquo ressurge a partir da publicaccedilatildeo do
relatoacuterio final da IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM) em julho de 2010 apoacutes
um levantamento de quais categorias haviam sido utilizadas nas CNSM anteriores para
denominar o indiviacuteduo em situaccedilatildeo de sofrimento Brasil (2010 p144) Ateacute o ano de 2010
foram realizadas quatro conferecircncias respectivamente em 1987 1992 2001 e 2010 Tendo
sido encontrada uma multiplicidade de categorias relativas ao adoecimentosofrimento agraves
terapecircuticas e locais de tratamento O uso da categoria ldquosofrimento psiacutequicordquo por Abel
portanto demonstra um conhecimento mais ampliado e integrado em sauacutede trazendo para o
centro da cena o sujeito e seu sofrimento natildeo a sua doenccedila
Abel durante sua entrevista explica que entende transtorno diferente de sofrimento tal
como vocecircs claro da sauacutede mental Transtorno para ele eacute o sofrimento continuado crocircnico
ou natildeo mas que gera prejuiacutezo funcional e familiar que depende do grau da gravidade do
histoacuterico Jaacute o sofrimento na perspectiva de Abel estaacute presente em qualquer populaccedilatildeo do
planeta sendo natural ao ser humano diferentes tipos de cultura teratildeo diferentes tipos de
sofrimento
Ao concluir Abel ressalta que na sua opiniatildeo principalmente para o jovem meacutedico e o
jovem enfermeiro eacute difiacutecil diferenciar sofrimento de transtorno pois natildeo tiveram uma
formaccedilatildeo para isso e agraves vezes colocam um pouco do seu proacuteprio sofrimento Resultando
durante o atendimento numa detecccedilatildeo precoce de algum transtorno quando na verdade o
indiviacuteduo pode estar passando por algum momento de ajustamento na vida O fundamental
92
para meacutedico de famiacutelia e toda sua equipe segundo a cartilha de serviccedilos da APS da Prefeitura
do Rio de Janeiro sobre as accedilotildees de sauacutede mental eacute ldquoatentar para a dimensatildeo do sofrimento
psiacutequico que pode estar presente nos mais diversos processos de adoecimento tais como
hipertensatildeo diabetes tuberculose HIVAIDSrdquo (RIO DE JANEIRO 2016 p76)
Nomear algo que acontece com o outro ou consigo mesmo como sofrimento natildeo eacute
apenas um ato individual do lugar de profissional ou de usuaacuterio Nesse sentido as formas de
nomeaccedilatildeo natildeo satildeo naturais e nem simplesmente emergem de um indiviacuteduo de forma isolada
Todas as formas de nomeaccedilatildeo satildeo apreendidas socialmente bem como as formas de nomear o
cuidado a dor o adoecimento a sauacutede e outras experiecircncias de vida Em particular em
relaccedilatildeo ao sofrimento e a dor Sarti (2001) afirma
A dor como o amor remete a uma experiecircncia radicalmente subjetiva
Aquele que sente a dor dela diz eu eacute que sei Frente agrave dor do outro
haacute comoccedilatildeo sofrimento (ou mesmo gozo) com maior ou menor
distacircncia e intensidade Embora singular para quem sente a dor como
qualquer experiecircncia humana traz a possibilidade de ser
compartilhada em seu significado que eacute uma realidade coletiva
(embora jamais possamos nos assegurar de que o que atribuiacutemos ao
outro corresponda exatamente ao que ele atribui a si mesmo) Assim
dizemos que entendemos a dor do outro (SARTI 2001 p4)
A percepccedilatildeo de caso de sauacutede mental no discurso de Abel foge um pouco do modelo
biomeacutedico como podemos observar trazendo a ideacuteia de sofrimento e suas repercussotildees nos
contextos familiar e social apontando para novas possibilidades de modificaccedilatildeo e
qualificaccedilatildeo das condiccedilotildees e dos modos de vida orientando-se pela produccedilatildeo de vida e sauacutede
e natildeo se restringindo agrave cura de doenccedilas Brasil (2013) Embora a categoria transtorno mental
tenha aparecido nesse discurso remetendo ao modelo biomeacutedico observei um certo cuidado
ao ser contextualizada e explicada a diferenccedila entre transtorno e sofrimento
O termo ldquotranstorno mentalrdquo oriunda do modelo biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um
objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais Amarante (1996) e classifica-a em
inuacutemeras categorias como podemos observar no CID-10 e mais recentemente no DSM-V Ao
modo do alienista ou do botacircnico ou mesmo da atual nosologia psiquiaacutetrica identificar e
classificar a entidade moacuterbida para o profissional meacutedico parece ser suficiente para
estabelecer a terapecircutica e o encaminhamento a ser feito (LAPLANTINE 2004)
93
No CID-10 o termo ldquotranstornordquo eacute usado por toda a classificaccedilatildeo de forma a evitar
problemas ainda maiores inerentes ao uso de termos como ldquodoenccedilardquo ou ldquoenfermidaderdquo
ldquoTranstornordquo natildeo eacute um termo exato poreacutem no CID-10 eacute usado para indicar a existecircncia de um
conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconheciacuteveis associados na maioria
dos casos a sofrimento e interferecircncia com funccedilotildees pessoais Desvio ou conflito social
sozinho sem disfunccedilatildeo pessoal natildeo deve ser incluiacutedo em transtorno mental como definido
no CID-10
Abel tambeacutem identifica dependecircncia a cigarro especialmente aacutelcool e drogas como
ldquocasordquo de sauacutede mental O debate sobre o consumo das mais diversas drogas pela humanidade
eacute complexo e de maneira nenhuma seraacute simplificado aqui Mas para ldquocompreender por que
alguns humanos mais humanos do que outros tem problemas com o uso de drogas eacute preciso
revelar as condiccedilotildees individuais e sociais dessa incorporaccedilatildeordquo Garcia (2016 p 11) Nesse
processo de revelaccedilatildeo a questatildeo da escuta eacute primordial
Segundo Lancetti (2013 p36) ldquotodo sujeito dialoga com um interlocutor invisiacutevelrdquo
citando o etnopsiquiatra Tobie Nathan seguidor de Devereux que afirmava que mais que
noventa por cento do sofrimento psiacutequico eacute atendido pelo que ele chama de pensamento negro
(pajeacutes pastores padres) e soacute dez por cento ou menos pelo pensamento branco Sua
afirmaccedilatildeo tambeacutem era de que a consulta psiquiaacutetrica ou psicologia eacute um combate
epistemoloacutegico ndash um dizendo que eacute um trabalho de macumba e o outro que eacute uma psicose
paranoica Por isso a importacircncia de ldquotransitar por esses territoacuterios existenciaisrdquo para adesatildeo
ao programa elaborado para cada famiacutelia (LANCETTI 2013 p36)
Jaacute no discurso de Bartolomeu todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e que soacute
depende muito do meacutedico de quanto o meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida
dele o que pode produzir trecircs interpretaccedilotildees discursivas 1) uma dificuldade de identificar os
ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois essa colocaccedilatildeo do entrevistado traz a ideia de que ateacute as
questotildees da vida cotidiana podem ser psiquiatrizadas 2) aquilo que eacute denominado doenccedila na
maioria das vezes existe na ldquociecircncia do meacutedicordquo antes de existir na ldquoconsciecircncia do homemrdquo
Canguilhem (2015) e 3) como o proacuteprio entrevistado relatou a abordagem psicossocial da
Medicina de Famiacutelia
Na primeira interpretaccedilatildeo com a expansatildeo das capilaridades das accedilotildees de sauacutede por
meio da ESF no territoacuterio temos que estar atentos como nos alerta Amarante (2007 p 95)
para medicalizaccedilatildeo do social ou seja tornar lsquomeacutedicorsquo aquilo que eacute da ordem do social ou
econocircmico ou poliacutetico Ou seja ldquoo termo estaacute relacionado agrave possibilidade de fazer com que as
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pessoas sintam que os seus problemas satildeo problemas de sauacutede e natildeo proacuteprios da vida
humanardquo
Na segunda interpretaccedilatildeo a doenccedila natildeo deixaria de existir ou de se manifestar de
alguma maneira porque natildeo existe na consciecircncia do homem mas a perspectiva do doente do
que seja ou natildeo doenccedila ou do que seja normal ou patoloacutegico fica fora das consideraccedilotildees do
conhecimento biomeacutedico principalmente das praacuteticas de cuidado dos profissionais da sauacutede
que em geral natildeo incluem o saber do doente Esse saber na maioria das vezes eacute colocado
em segundo plano pois o que se busca eacute a objetividade da doenccedila expressa pelos seus
sintomas e sinais fiacutesicos e se possiacutevel pela conformaccedilatildeo anatomopatoloacutegica daiacute a
importacircncia do meacutedico Canguilhem (2015 p69) a respeito dessa busca da correspondecircncia
entre doenccedila e lesatildeo recupera um argumento de Leacuteriche (1879-1955) para problematizar a
ldquodoenccedila do doenterdquo
Aos que identificam doenccedila com lesatildeo Leacuteriche objeta que o fato
anatocircmico deve ser considerado na realidade como segundo e
secundaacuterio segundo por ser produzido por um desvio originalmente
funcional na vida dos tecidos secundaacuterio por ser apenas um elemento
da doenccedila e natildeo o elemento dominante (CANGUILHEM 2015 p69)
Com isso Canguilhem (2015) aponta que a doenccedila anatocircmica vista pelo meacutedico natildeo eacute
a mesma vista pelo doente A partir das ideias de Leacuteriche Canguilhem problematiza a natildeo
validaccedilatildeo da opiniatildeo da pessoa sobre sua doenccedila que em geral ocorria na aplicaccedilatildeo da ciecircncia
dos meacutedicos Essa ciecircncia constituiu-se em parte por um conjunto de informaccedilotildees clinicas
recolhidas ao longo da praacutetica dos meacutedicos Esses relatos se constituiacuteram na cultura meacutedica
que passava de meacutedico para meacutedico e que devido ao acuacutemulo desse conhecimento
possibilitava ao meacutedico se adiantar ao relato do paciente sobre a sua doenccedila No entanto
conclui o autor ldquoa medicina existe porque haacute homens que se sentem doentes e natildeo porque
existem meacutedicos que os informam de suas doenccedilasrdquo (CANGUILHEM 2015 p 69)
Se por um lado o argumento exposto acima poderia ser contraposto a afirmaccedilatildeo de
que haacute doenccedilas que satildeo produzidas pela medicina a exemplo do erro de Charcot naquela
eacutepoca ou a questatildeo da patologizaccedilatildeo da vida cotidiana e a consequente medicalizaccedilatildeo do
sofrimento natildeo podemos deixar de considerar o argumento de Canguilhem a partir das
consideraccedilotildees de Leacuteriche de que primeiro existiu o doente antes mesmo de existir a doenccedila e
o meacutedico Amarante e Torre (2010) Foucault (2011) Serpa Juacutenior (sd) Todavia no cenaacuterio
95
atual da biomedicina e das praacuteticas em sauacutede o que se observa eacute que o discurso da pessoa
atendida em geral fica em uacuteltimo plano (CAMPOS 2013)
Jaacute na terceira alternativa na abordagem biopsicossocial que visa estudar a causa ou o
progresso de doenccedilas utilizando-se de fatores bioloacutegicos (geneacuteticos bioquiacutemicos etc)
fatores psicoloacutegicos (estado de humor de personalidade de comportamento etc) e fatores
sociais (culturais familiares socioeconocircmicos etc) que devem ser a abordagem do Meacutedico
de Famiacutelia A entidade doenccedila por si soacute eacute insatisfatoacuteria para entender o sofrimento da pessoa
que chega ao serviccedilo de sauacutede Portanto o meacutedico de famiacutelia deve considerar o usuaacuterio em
sua singularidade e inserccedilatildeo sociocultural buscando produzir uma atenccedilatildeo integral saindo do
modelo biologizante que apenas trata a doenccedila sem considerar o sujeito em sofrimento e todo
o seu entorno social cultural familiar (MOIRA STEWART et al 2010)
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Abel comeccedila seu discurso com a fala politicamente correta inicialmente eacute com a gente
mesmo demonstrando o princiacutepio da coordenaccedilatildeo do cuidado que recai na ESF Starfield
(2002) e de acordo com Lancetti (2013) o imperativo de resolver o maacuteximo de problemas na
regiatildeo evita o encaminhamento irresponsaacutevel dos profissionais e fundamentalmente aumenta
o grau de singularizaccedilatildeo da relaccedilatildeo equipeusuaacuterio No entanto observamos uma contradiccedilatildeo
nesse discurso quando Abel classifica os transtornos em transtorno mental comum
(transtorno de ansiedade depressatildeo somatizaccedilatildeo) transtorno mental grave (transtorno
psicoacutetico) e transtorno mental em crianccedila para diferenciar o que eacute acompanhado pela ESF e
o que eacute referenciado para outros serviccedilos Nesse caso o transtorno mental grave e o transtorno
mental em crianccedila satildeo referenciados para outros serviccedilos
De acordo com a atual poliacutetica puacuteblica de sauacutede mental o cuidado deve ser sempre
que necessaacuterio compartilhado com os demais serviccedilos da rede de sauacutede explorando-se ao
maacuteximo possiacutevel os recursos do territoacuterio com o objetivo de dar um passo a mais no
abandono da morada da psiquiatria e intensificar o status ontoloacutegico da cidadania sendo o
portador do transtorno ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicopatoloacutegicordquo Lancetti
(2013 p19) Tambeacutem encontramos outra contradiccedilatildeo em relaccedilatildeo ao encaminhamento dos
transtornos graves e em crianccedilas no discurso de Abel Pois ao relatar o encaminhamento natildeo
mencionou se a equipe de referecircncia continua com a responsabilidade compartilhada Natildeo
sendo possiacutevel portanto analisar como seria esse cuidado compartilhado com outros serviccedilos
No entanto Abel ao discorrer que a intervenccedilatildeo eacute multidimensional - envolve
medicamento grupos em sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com assistente
96
social agente de sauacutede cuidado com equipe matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui
ou no CAPS retomou sua visatildeo inicial do Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial pois centralizou a
dinacircmica do trabalho na equipe e nas possiacuteveis necessidades do usuaacuterio e natildeo na sua
demanda de doenccedila Na ESF assim como na Atenccedilatildeo Psicossocial no interstiacutecio da praacutexis se
reforccedila o conceito de cidadania portanto as pessoas devem ser atendidas por Direito e natildeo por
demanda de doenccedila (LANCETTI 2013)
No discurso de Bartolomeu identificamos o meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa e a
abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo ser medicamentosa Percebemos nessa
fala uma tentativa de justificar e explicar a sua formaccedilatildeo discursiva em relaccedilatildeo a sua
concepccedilatildeo de casos de sauacutede mental uma vez que a cliacutenica centrada na pessoa enfatiza a
experiecircncia com a doenccedila ou seja o modo singular como cada pessoa eacute afetada pela doenccedila
A esse respeito Moira Stewart et al (2010) informa que essa proposta de atendimento ndash
cliacutenica centrada na pessoa - pressupotildee vaacuterias mudanccedilas na mentalidade do meacutedico e dos
demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo hieraacuterquica de que o profissional
estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta nessa abordagem Para ser
centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a pessoa que estaacute sendo
atendida compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que
tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Esse eacute o imperativo moral do meacutetodo centrado
na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o profissional experimentaraacute os novos
direcionamentos que o relacionamento pode assumir quando o poder eacute compartilhado Manter
uma posiccedilatildeo sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento
humano que eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o
objetivo em um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)
O meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa possui seis componentes interativos que
formam um conjunto de orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem
mais centrada na pessoa Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo
entre a pessoa e o profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no
contexto no qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem facilitando
inclusive o ensino e a pesquisa Portanto no discurso de Bartolomeu tambeacutem eacute possiacutevel notar
a presenccedila de um conhecimento meacutedico mais especifico e direcionado ao ensino marcando a
fala do entrevistado enquanto preceptor meacutedico
Hoje eu atuo como preceptor aqui na Cliacutenica da Famiacutelia entatildeo a minha rotina
costuma ser diferente dos meacutedicos residentes eu fico na retaguarda
97
Ressalto que na funccedilatildeo de meacutedicos preceptores os entrevistados deixaram
transparecer uma preocupaccedilatildeo com a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade que
considere o usuaacuterio em seu contexto social e familiar Para Campos (2005) a realidade social
e cultural dos indiviacuteduos deve ser a referecircncia para o trabalho meacutedico na APS pois o esforccedilo
sistemaacutetico de enquadramento e classificaccedilatildeo dos usuaacuterios em quadros nosoloacutegicos pode ser
uma tarefa frustrante Os usuaacuterios se apresentam em sua mais completa dimensatildeo humana
porque estatildeo imersos em sua cultura contexto e ambiente trazendo para o Medicina de
Famiacutelia e Comunidade toda a dimensatildeo dos problemas desafios expectativas e conflitos que
se colocam no dia a dia
Aleacutem dos processos de adoecimento estes estatildeo sempre acompanhados de agravos
queixas vagas e incocircmodos mal definidos que desafiam a Medicina de Famiacutelia e Comunidade
a reconhecer semiologicamente os aspectos e dimensotildees biopsicossociais dos quadros que se
apresentam Haacute que se perceber que muitas queixas vagas padecimentos e carecimentos
trazidos satildeo um pretexto e um chamamento para que o profissional se aprofunde em um
conhecimento mais abrangente e integral dos processos de sauacutede e doenccedila (RODRIGUES
1998)
A abordagem familiar representa um desafio a mais Compreender a dinacircmica das
relaccedilotildees familiares impactando sobre a sauacutede e a doenccedila e suas formas de evoluccedilatildeo requer
uma aguccedilada capacidade de observaccedilatildeo e interaccedilatildeo Em sentido oposto o meacutedico de famiacutelia e
comunidade necessita avaliar o impacto da doenccedila na dinacircmica familiar e compreender os
muacuteltiplos impactos em termos de sofrimento e outras repercussotildees sobre as interaccedilotildees
familiares Os papeacuteis representados pelos membros da famiacutelia os equiliacutebrios e desequiliacutebrios
que se estabelecem no nuacutecleo familiar satildeo parte deste processo (CAMPOS 2005)
Recomendaccedilotildees
Em relaccedilatildeo as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF ambos
os discursos (Abel e Bartolomeu) trouxeram agrave tona a importacircncia da formaccedilatildeo e da educaccedilatildeo
continuada para exercer a contento as accedilotildees a serem desenvolvidas Pensando dessa forma
nos reportamos a Amarante (2007) quando destaca ser importante que as equipes recebam
apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia ndash NASF para conduzir os
casos de sauacutede mental de forma mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada
a partir da vivencia cotidiana dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias
profissionais para lidar com os problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento
98
psiacutequico e comprometer a resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA
2013)
Abel e Bartolomeu pontuaram tambeacutem a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de CAPS e demais
equipamentos substitutivos ao modelo manicomial O que sugere um conhecimento sobre a
Reforma Psiquiaacutetrica e a importacircncia do aumento do nuacutemero de dispositivos extramuros para
sua concretizaccedilatildeo com intervenccedilotildees voltadas para a comunidade sua cultura e menos
medicalizadora explorando tambeacutem os recursos do territoacuterio e trazendo para o centro da cena
o sujeito em sofrimento e sua famiacutelia
Quanto a recomendaccedilatildeo de diminuir o nuacutemero de usuaacuterio atendidos por equipe
mencionada por Bartolomeu a atual Poliacutetica Nacional da Atenccedilatildeo Baacutesica recomenda que
cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a meacutedia recomendada de
3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo Dessa forma o nuacutemero de
pessoas por equipe deve considerar o grau de vulnerabilidade das famiacutelias daquele territoacuterio
ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o nuacutemero de pessoas por
equipe (BRASIL 2012)
Na unidade campo do estudo o nuacutemero de usuaacuterio por equipe em ordem crescente era
de 2432 2763 e 3151 Considerando a aacuterea de cobertura do Morro Santa Marta territoacuterio
de alta vulnerabilidade e o bairro plano de classe meacutedia supostamente de baixa
complexidade o nuacutemero de usuaacuterios encontra-se dentro do recomendado pelo Ministeacuterio da
Sauacutede O que nos leva a seguinte reflexatildeo ldquoEacute possiacutevel que com a carga de doenccedilas e de
necessidades desses grupos populacionais o nuacutemero de famiacutelias sob responsabilidades de
cada equipe extrapole sua capacidade de respostardquo (FERRAZ e AERTS 2005 p353)
99
622 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Residentes
Figura 2 - Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Meacutedicos Residentes
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
algum grau de sofrimento psiacutequico com repercussatildeo
na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na
forma como ele se relaciona no trabalho na
comunidade
envolve alguma alteraccedilatildeo psiquiaacutetrica ou psicoloacutegica
qualquer tipo de sofrimento emocional psiacutequico ou
doenccedilas como esquizofrenia alucinaccedilotildees qualquer
usuaacuterio de drogas
tanto um transtorno de ansiedade mais leve com
prejuiacutezo funcional ou de insocircnia quanto sauacutede mental
mais grave como esquizofrenia e tambeacutem
alcoolismo uso de drogas iliacutecitas
qualquer sofrimento psiacutequico desde uma depressatildeo
profunda euforia agrave pessoa estaacute sentindo que natildeo estaacute
bem psicologicamente
pisando em ovos
soacute com a escuta ativa a gente consegue acompanhar eu natildeo
encaminho agora se for alguma outra situaccedilatildeo hoje a gente
consegue encaminhar por causa do NASF
primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas
abertas e deixo a pessoa falar aquilo que ela tem
necessidade de falar
geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o
paciente se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel em
tratar ou que eu ache que sei manejar bem
eu tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com
algum preceptor primeiro ou com a psicoacuteloga tento ver com
o agente comunitaacuterio colher melhor uma histoacuteria de vida
faccedilo um familiograma vejo como estaacute o ciclo vital
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Ampliar nuacutemero e a carga horaacuteria do NASF com maior tempo de psicologia e mais atividades de grupo
Ter uma rede mais integrada
Talvez ter mais investimento em CAPS
Ter mais cursos de formaccedilatildeo capacitaccedilatildeo melhor dos profissionais que trabalham na atenccedilatildeo primaacuteria
para alivio da sobrecarga do secundaacuterio e terciaacuterio e continuar a capacitaccedilatildeo nas interconsultas
Ter serviccedilo de terapia ocupacional mais fortalecido
ldquo
100
Durante as entrevistas pude observar o quanto satildeo latentes a busca pelo aprendizado e
a satisfaccedilatildeo do fazer cotidiano na sauacutede da famiacutelia para esses profissionais em formaccedilatildeo
como por exemplo nas falas
Na verdade tem uma questatildeo pessoal e uma coisa ideoloacutegica eu gosto muito de
ouvir as histoacuterias das pessoas e aiacute por eu acreditar nessa ideologia da atenccedilatildeo primaacuteria eu
resolvi fazer (Betino)
No uacuteltimo ano quase me formando no estaacutegio obrigatoacuterio do internato conheci a
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia que eu natildeo conhecia antes eu passei minha formaccedilatildeo toda
no hospital terciaacuterio de referecircncia vendo doenccedilas raras quando tive contato com a
realidade com o cotidiano com as doenccedilas mais comuns foi quando eu me senti realmente
meacutedica (Accedilucena)
Outro ponto de destaque que apareceu no iniacutecio da entrevista de Acaacutecio foi o eterno
dilema entre a Sauacutede Coletiva e a Cliacutenica Meacutedica Tradicional quando discorre sobre a reaccedilatildeo
de seus pais quando ele disse que faria a residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade
investimos tanto em vocecirc e vocecirc vai ser meacutedico de postinho
De um lado a Sauacutede Coletiva com sua visatildeo mais ampla sobre o processo sauacutede-
doenccedila considerando a determinaccedilatildeo social a intersetorialidade e a multidisplinaridade em
sauacutede na construccedilatildeo de mais qualidade de vida a toda populaccedilatildeo De outro a Cliacutenica Meacutedica
tradicional com sua visatildeo cartesiana sobre o adoecer A doenccedila do sujeito eacute o objeto de
estudo natildeo o sujeito da doenccedila Assim o que deve ser estudado e tratado eacute uacutenica e
exclusivamente a doenccedila e se alguma coisa natildeo foi bem eacute culpa do indiviacuteduo que natildeo seguiu a
terapecircutica prescrita Nesse modo de pensar em sauacutede o meacutedico eacute o detentor do conhecimento
e centraliza todo o atendimento supervalorizando o saber profissional especializado e
desvalorizando o saber do sujeito que adoece O que acaba gerando muita dependecircncia do
saber profissional e pouca autonomia do saber do sujeito sobre o seu processo de
adoecimento
No campo da Sauacutede Coletiva falar sobre cuidados primaacuterios em sauacutede eacute trazer a
importacircncia da promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo em sauacutede levando em consideraccedilatildeo o contexto social
econocircmico e cultural da populaccedilatildeo E a Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) eacute uma
especialidade clinica orientada para os cuidados primaacuterios ou seja
Satildeo meacutedicos pessoais principalmente responsaacuteveis pela prestaccedilatildeo de
cuidados abrangentes e continuados a todos os indiviacuteduos que os
procurem independentemente da idade sexo ou afecccedilatildeo Cuidam de
101
indiviacuteduos no contexto das suas famiacutelias comunidades e culturas
respeitando sempre a autonomia dos seus pacientesrdquo (WONCA 2002)
Embora a MFC tenha uma abordagem mais humanizada solidaacuteria e coletiva segundo
a Sociedade Brasileira de Medicina de Famiacutelia e Comunidade o reconhecimento dessa
especialidade em nosso paiacutes ainda natildeo tem o prestiacutegio e nem o meacuterito que faz jus devido a
diversos fatores De um lado tanto a sociedade quanto o coletivo meacutedico em geral continuam
categorizando-a como a ldquoMedicina dos pobresrdquo principalmente pelo modo como se deu a
implementaccedilatildeo do Programa de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil voltado primeiramente para aacutereas
de grande vulnerabilidade e risco social ndash ldquoum programa pobre para pobrerdquo Diferentes de
paiacuteses europeus e da Ameacuterica Central como Canadaacute onde o Meacutedico de Famiacutelia tem o
reconhecimento natildeo soacute de seus colegas especialistas como de toda a populaccedilatildeo independente
da classe social ao qual pertence (VICENTE et al 2012)
Nesses paiacuteses para a populaccedilatildeo o meacutedico de famiacutelia eacute o profissional de referecircncia para
qualquer problema de sauacutede uma vez que o sistema de sauacutede estaacute estruturado na Atenccedilatildeo
Primaacuteria agrave Sauacutede Aqui no Brasil ateacute o final dos anos 80 essa cultura do meacutedico de famiacutelia
era vista como apareceu na entrevista com os profissionais ldquomeacutedico de ricordquo pois era um
profissional caro e soacute quem podia pagar usufruiacutea dessa modalidade Com a implantaccedilatildeo do
Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e das Leis 808090 e 814290 a sauacutede passou a ser um
direito de todos e dever do Estado O que foi uma grande conquista de cidadania Um sistema
de sauacutede universal exigiu rever outras formas de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em sauacutede Saindo de
um modelo centrado no hospital e nas doenccedilas para outro centrado nas comunidades e nas
pessoas
Por outro lado temos a super valorizaccedilatildeo das especialidades com atrativa oferta do
mercado privado que atrai os meacutedicos especialistas com grande rentabilidade e prestiacutegio
social Este modelo tem claras repercussotildees negativas para o sistema de sauacutede e para a
sociedade porque oferece uma atenccedilatildeo fragmentada sem coordenaccedilatildeo entre niacuteveis de
assistecircncia o que potencializa a polimedicaccedilatildeo e a iatrogenia para uma populaccedilatildeo cada vez
mais envelhecida com problemas mais complexos e com maior necessidade de coordenaccedilatildeo
do cuidado (JUSTINO OLIVER MELO 2016 e MENDES 2012)
Mais um ponto marcante no discurso dos meacutedicos residentes foi em relaccedilatildeo a carga
horaacuteria da residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade surgiu uma queixa-denuacutencia de
que a carga horaacuteria praacutetica eacute muito grande ou seja o tempo que permanecem na CF eacute muito
extenso e que gostariam de ter mais tempo para se dedicarem a carga horaacuteria teoacuterica ou seja
102
para estudar mais a teoria dos casos interessantes atendidos como apontado nos discursos
abaixo
Aqui eacute uma formaccedilatildeo acadecircmica tambeacutem muito voltada para o treinamento em
serviccedilo de matildeo-de-obra mesmo gostaria de ter uma tranquilidade de trabalho para meu
aperfeiccediloamento apesar da carga horaacuteria natildeo facilitar isso natildeo me permitir isso aqui a
gente tem uma carga horaacuteria que cobre cerca de sessenta horas semanais mesmo (Accedilucena)
Eu tenho uma agenda padratildeo que eu trabalho de segunda agrave sexta de oito agraves oito uma
hora pra almoccedilo (Cesaacuterio)
Apareceram tambeacutem queixas relativas a sobrecarga de atendimentos diaacuterios aleacutem da
agenda programada (consultas dos programas do Ministeacuterio da Sauacutede diabetes hipertensatildeo
sauacutede da crianccedila etc) atendiam agrave demanda livre (pessoas que procuram a unidade por algum
problema de sauacutede mais agudo sem agendamento) Embora o enfermeiro tambeacutem ajude no
atendimento das demandas livres o profissional meacutedico fica mais uma vez no centro do
cuidado agrave medida que fica muito no modelo queixa-conduta sem tempo haacutebil para outras
abordagens em sauacutede como representado nos discursos
Eacute basicamente atendimento Aqui na cliacutenica eu natildeo faccedilo promoccedilatildeo em sauacutede fora da
cliacutenica a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo que a gente faz satildeo dentro do consultoacuterio com cada
paciente (Braacuteulio)
Agenda padratildeo a gente tenta abordar tudo o que o meacutedico de famiacutelia tem que
aprender e tem que desenvolver entatildeo eu atendo preacute-natal puericultura sauacutede mental sauacutede
do idoso sauacutede do homem sauacutede da mulher e enfim Eu atendo de tudo faccedilo procedimento
tambeacutem no meu caso a minha agenda pra marcar comigo soacute finalzinho de
setembroimportante ressaltar talvez que a gente natildeo bloqueia a nossa agenda ela eacute aberta
qualquer demanda que uma pessoa tiver marca com a gente (Cesaacuterio)
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Em relaccedilatildeo ao guia para analise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mentalrsquo embora os meacutedicos residentes tenham usado muito o termo ldquosofrimento psiacutequicordquo
que aparece em 4 dos 5 discursos utilizaram tambeacutem termos teacutecnicos mais meacutedicos como
alteraccedilatildeo psicoloacutegica ou psiquiaacutetrica esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade
depressatildeo euforia deixando assim bem demarcado o lugar de onde falam - profissional
meacutedico com formaccedilatildeo biomeacutedica tradicional cartesiana O que prevaleceu nos discursos foi
uma compreensatildeo e percepccedilatildeo muito voltada ainda para a patologia e o diagnoacutestico meacutedico
103
Resultado dos programas de ensino onde aprendem dar atenccedilatildeo excessiva aos diagnoacutesticos e
insuficiente atenccedilatildeo agrave compreensatildeo da pessoa como um todo
O estranhamento dos profissionais em relaccedilatildeo agrave proposta de problematizaccedilatildeo das
denominaccedilotildees psiquiaacutetricas assim como apontou Basaglia (2010 [1969]) sinaliza para a
ausecircncia de uma dialeacutetica demonstrando que o universo de significaccedilatildeo do sofrimento teria
se tornado unidimensional A dialeacutetica compreendida como a explicitaccedilatildeo das diferentes
posiccedilotildees opostas ou natildeo preservaria uma margem de liberdade necessaacuteria a qualquer
possibilidade terapecircutica (idem) O uso quase exclusivo da linguagem psiquiaacutetrica como
modo de significaccedilatildeo do sofrimento poderia criar entatildeo uma intoleracircncia agraves outras formas de
nomeaccedilatildeo Dessa maneira como afirmou Basaglia (2010 [1969] p158) ldquoSe o doente mental
sofre a impossibilidade de viver dialeticamente a proacutepria realidade tais instituiccedilotildees
lsquoterapecircuticasrsquo natildeo o ajudaratildeo a recuperar essa capacidade perdida ou jamais possuiacutedardquo
No caso da CF estudada a capacidade dialeacutetica perdida ou jamais possuiacuteda natildeo
esteve presente em quatro discursos dos meacutedicos residentes entrevistados Constatei essa
realidade unidimensional de nomeaccedilatildeo do ldquocasordquo de sauacutede mental ainda no modelo
biomeacutedico nesses discursos Dessa maneira a loacutegica de apreensatildeo do adoecimento natildeo seria
terapecircutica para as pessoas em situaccedilatildeo de sofrimento pois satildeo modos de apreensatildeo muito
distintos das experiecircncias humanas que dizem respeito ao estar saudaacutevel ou adoecido
A fala de Acaacutecio foi a que se diferenciou nesse conjunto pois apresentou uma
compreensatildeo da cliacutenica centrada na pessoa Algum grau de sofrimento psiacutequico com
repercussatildeo na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na forma como ele se relaciona
no trabalho na comunidade Eacute importante relatar que esse entrevistado declarou jaacute ter uma
especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia antes de entrar para o curso de residecircncia O que pode
ter influenciado na sua compreensatildeo e percepccedilatildeo mais holiacutestica dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Foi o primeiro entrevistado a se voluntariar a participar da pesquisa
Considerando as falas dos quatro profissionais e excluindo a fala de Acaacutecio quando
falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos efetivamente
Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir sobre o que eacute a
normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito aos sintomas
psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de grande
controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno mental
Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os quais se
trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de vaacuterios
104
criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada
profissional (DALGALARRONDO 2008)
A tese defendida por Canguilhem (2015) em seu ensaio ldquoO normal e o patoloacutegicordquo eacute a
de que os problemas das estruturas e dos comportamentos patoloacutegicos humanos seratildeo mais
facilmente compreendidos se tomados como um todo uacutenico natildeo isoladamente De forma que
os fenocircmenos patoloacutegicos seriam idecircnticos aos fenocircmenos normais correspondentes sendo as
variaccedilotildees de ordem unicamente quantitativas A medicina natildeo sendo uma ciecircncia em si mas
se apropriando dos resultados de todas as ciecircncias a serviccedilo das normas da vida
No campo da Sauacutede mental o nuacutecleo da psiquiatria tem especial vulnerabilidade agrave
manipulaccedilatildeo da fronteira entre a normalidade e a doenccedila por carecer de testes bioloacutegicos e ser
muito dependente de julgamentos subjetivos (FRANCES 2016)
Frances (2016) afirma que eacute bom conhecer e utilizar as definiccedilotildees do DSM mas natildeo
reificaacute-las ou veneraacute-las Pois ao diagnosticar e tratar eacute crucial ter sensibilidade para as
diferenccedilas culturais A classificaccedilatildeo dos transtornos mentais pelo DSM natildeo passa de uma
coleccedilatildeo de constructos faliacuteveis e limitados que busca poreacutem jamais encontra a verdade ndash mas
essa continua sendo a melhor forma de comunica-los trata-los e pesquisa-los Embora as
definiccedilotildees do DSM encubram individualidades e diferenccedilas Muito se perde entre a rica
diversidade de experiecircncias individuais e o conjunto de criteacuterios escolhidos pra definir
determinado diagnostico Esses natildeo incluem fatores pessoais e contextuais essenciais agrave
cliacutenica do meacutedico de famiacutelia e comunidade
Se pensarmos que esses profissionais meacutedicos estatildeo ali em um processo de formaccedilatildeo
em Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) espera-se que ao longo dessa trajetoacuteria o
meacutedico seja capaz de desenvolver uma abordagem centrada na pessoa orientada para o
indiviacuteduo a sua famiacutelia e comunidade conforme recomendado pela Wonca (2002) Ao
contraacuterio das demais especialidades que focam o paciente segundo um corpo de
conhecimentos particulares pela condiccedilatildeo etaacuteria ou de gecircnero ou ainda voltado para as
doenccedilas ligadas a determinados sistemas orgacircnicos a procedimentos e teacutecnicas especiais a
MFC tem como foco de atuaccedilatildeo a pessoa Embora em qualquer especialidade o meacutedico deva
atuar necessariamente tendo como referecircncia a pessoa na MFC este foco eacute a principal
vertente do trabalho e condiciona as suas demais dimensotildees
Tendo a vista a MFC ter como foco a abordagem na pessoa ela torna-se singular pelas
seguintes razotildees a atuaccedilatildeo natildeo se funda e natildeo se limita a um problema de sauacutede potencial ou
identificaacutevel tecnicamente quem define o problema eacute a pessoa o viacutenculo meacutedico-paciente
natildeo cessa pela cura fim de um tratamento e pode se iniciar sem que nenhuma doenccedila tenha
105
ainda sido manifestada Eacute portanto definida como uma relaccedilatildeo natildeo associada a uma razatildeo
especiacutefica o que a torna diferenciada frente agraves demais especialidades
Desse modo a abordagem centrada na pessoa pressupotildee que os contatos que se faccedilam
entre meacutedico e paciente possam se dar considerando o conhecimento e a vivecircncia aprofundada
dos muacuteltiplos aspectos do indiviacuteduo Aprimoram-se a confianccedila e o viacutenculo aspectos uacuteteis
para a melhoria da sauacutede Conhecer a realidade familiar e comunitaacuteria do indiviacuteduo
potencializa este tipo de foco Esta resoluccedilatildeo se baseia na constataccedilatildeo de que inuacutemeras
doenccedilas natildeo podem ser totalmente compreendidas sem serem vistas em seu contexto pessoal
familiar e comunitaacuterio (Moira Stewart et al 2010)
Poreacutem como jaacute discutido o discurso biomeacutedico baseado em uma linguagem
classificatoacuteria com categorias diagnoacutestica ainda se faz muito presente entre os profissionais
meacutedicos residentes de MFC influecircncia do modelo flexneriano de formaccedilatildeo meacutedica que
preconizava o estudo cientiacutefico e parcializado do paciente estritamente no ambiente dos
hospitais universitaacuterios Nesse modelo de formaccedilatildeo como formar profissionais com uma
percepccedilatildeo voltada para o indiviacuteduo e natildeo para a doenccedila
Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos
diversos cursos da aacuterea da sauacutede somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo
de reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a
novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
Em resumo a Atenccedilatildeo Baacutesica de qualidade implica na discussatildeo pelo aparelho
formador da natureza e desafios da especializaccedilatildeo do recurso meacutedico e dos demais
profissionais voltados para prestar uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede de qualidade Este esforccedilo
deve estar na pauta de prioridades de todos os setores envolvidos no fortalecimento do SUS
uma vez que se torna cada vez mais um consenso em todo o mundo que a sauacutede da populaccedilatildeo
depende mais da disponibilidade de uma boa atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede do que de avanccedilos dos
recursos teacutecnicos e cientiacuteficos presentes nos hospitais Espera-se que esforccedilos no sentido de
problematizar a formaccedilatildeo de recursos deste campo de saber sejam aprofundados A ideacuteia de
que para trabalhar no Campo da Atenccedilatildeo Primaacuteria basta disposiccedilatildeo boa vontade dedicaccedilatildeo
conhecimentos adquiridos na graduaccedilatildeo e experiecircncia em praacuteticas comunitaacuterias nos parece
argumentos insuficientes para consolidar a especialidade e alcanccedilar uma praacutetica meacutedica
qualificada que resulte em um impacto para a sauacutede da populaccedilatildeo a meacutedio e a longo prazo
(CAMPOS 2005)
106
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental
Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental os meacutedicos residentes
entrevistados ao mesmo tempo em que demonstraram certo receio ou ateacute mesmo medo na
abordagem como podemos observar na fala de Acaacutecio pisando em ovos e complementada
durante a entrevista a gente fica com medo de falar alguma coisa e complicar o quadro Por
outro lado demonstraram certa seguranccedila nessa abordagem
Primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas abertas e deixo a pessoa
falar aquilo que ela tem necessidade de falar (Accedilucena)
Geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o paciente se for uma coisa
que eu me sinta confortaacutevel em tratar ou que eu ache que sei manejar bem (Cesaacuterio)
Durante as entrevistas e a observaccedilatildeo sistemaacutetica os meacutedicos residentes apresentaram
disponibilidade para acolher e escutar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois se sentiam apoiados
seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra e psicoacutelogo) o que faz toda a
diferenccedila no cotidiano das equipes transmitindo seguranccedila no trabalho desenvolvido Eu
tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com algum preceptor primeiro ou com a
psicoacuteloga tento ver com o agente comunitaacuterio colher melhor a histoacuteria de vida (Betino)
Praticamente natildeo existem encaminhamentos externos imediatos Os casos satildeo
discutidos em conjunto com o NASF e somente os casos que de fato extrapolam as linhas de
cuidado da ESF satildeo referenciados para outros serviccedilos mas com o acompanhamento da
equipe Alguns exemplos de serviccedilos para os quais estes casos satildeo encaminhados satildeo o
CAPSi da UFRJ que eacute o serviccedilo de referencia para crianccedilas e adolescentes no qual pude
observar uma parceria de trabalho de ambos os lados e o CAPSad referencia para o cuidado
de aacutelcool e drogas que agrave eacutepoca natildeo estava recebendo casos novos devido a uma crise do
governo estadual
Os meacutedicos residentes tambeacutem apresentaram muita clareza quanto a um dos atributos
essenciais da atenccedilatildeo primaacuteria que eacute a coordenaccedilatildeo do cuidado assumindo a responsabilidade
pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio proposto pela unidade referenciada
Escuta histoacuteria de vida familiograma e ciclo vital foram alguns conceitos importantes
usados durante as entrevistas marcando a especificidade da cliacutenica em MFC onde o centro eacute
a pessoa em atendimento tal como na cliacutenica da atenccedilatildeo psicossocial onde o foco eacute a pessoa
e sua existecircncia-sofrimento
O ato da escuta eacute um ato primordial em qualquer cliacutenica mas na MFC e na atenccedilatildeo
psicossocial eacute a ferramenta principal de trabalho possibilitando a pessoa ser ouvida e ouvir-
se o que em muitos casos jaacute eacute um esvaziamento da sua angustia trazendo um alivio
107
imediato Daiacute a importacircncia desse espaccedilo possibilitando um entendimento melhor caso a caso
e prevenindo o uso de medicalizaccedilatildeo desnecessaacuteria
No diaacuterio de campo relatei o projeto desenvolvido pelo farmacecircutico da CF que faz
uma listagem das pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica controlada por equipe Sendo
uma preocupaccedilatildeo dos meacutedicos residentes rever analisar e se possiacutevel diminuir ou ateacute mesmo
retirar algumas medicaccedilotildees em conjunto com o NASF e a preceptoria Haacute algumas situaccedilotildees
em que repetem prescriccedilotildees de pessoas que jaacute fazem uso prolongado de medicaccedilatildeo controlada
e satildeo de responsabilidade da CF mas esses profissionais relataram ter senso criacutetico de
questionar o uso prolongado e natildeo naturalizar o ato de soacute ldquorepetirrdquo deixando claro isso com o
usuaacuterio no momento do atendimento
Importante ressaltar a importacircncia desse treinamento em sauacutede mental dos
profissionais do NASF com os meacutedicos residentes em formaccedilatildeo embora tambeacutem tivessem
matriciamento em dermatologia onde inclusive realizavam pequenos procedimentos
ciruacutergicos na proacutepria CF e tambeacutem matriciamento em fisioterapia
A inserccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na sauacutede geral tendo como ponto de apoio a
APS por meio da ESF vai ao encontro dos objetivos propostos no Plano de Accedilatildeo Global para
a Sauacutede Mental 2013-2020 que preconiza atenccedilatildeo comunitaacuteria com serviccedilos de base
territorial auxiliando assim a diminuir o gap entre as pessoas que realmente precisam de
cuidado treinando os profissionais generalistas e melhorando o acesso ao cuidado agrave
populaccedilatildeo Eacute sabido tambeacutem que um cuidado de responsabilidade exclusiva do especialista
aumenta o gap do acesso ao tratamentoacompanhamento O que estaacute em consonacircncia com as
poliacuteticas puacuteblicas do nosso SUS acesso universal integralidade equidade e hierarquizaccedilatildeo
A facilidade do acesso com o funcionamento do horaacuterio estendido da unidade (8 agraves
20hs) foi um ponto crucial citado durante as entrevistas pelos meacutedicos residentes pois
acreditavam que as pessoas que trabalham em horaacuterio comercial tinham agora a oportunidade
de procurar a unidade de sauacutede e ir agraves consultas O que acreditavam melhorar o grau de sauacutede
das pessoas com essa oportunidade de horaacuterio depois do trabalho Martinez (2016) considera
que embora alguns autores avaliem o acesso centrado apenas na provisatildeo e no financiamento
dos serviccedilos de sauacutede outros vecircm o acesso como algo relacionado com a interaccedilatildeo entre o
sistema de sauacutede e os indiviacuteduos ou famiacutelias de tal forma que o acesso de algueacutem a alguma
coisa implica uma relaccedilatildeo
Jaacute no ano de 1973 Donabedian e posteriormente em 1981 Penchansky e
Thomas definiram o acesso como o grau de adequaccedilatildeo entre o sistema de sauacutede e seus
usuaacuterios ou seja se refere agrave interaccedilatildeo do sistema de sauacutede com os indiviacuteduos e a dos
108
indiviacuteduos com os sistemas de sauacutede A interaccedilatildeo dinacircmica e relacional estaacute centrada na troca
de informaccedilotildees pelo que a dinacircmica do acesso estaacute determinada pela qualidade da
comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos reafirmando a importacircncia do horaacuterio estendido
adotado pela unidade facilitando a circulaccedilatildeo dos usuaacuterios e o diaacutelogo com a equipe de sauacutede
Quanto ao familiograma a principal funccedilatildeo eacute organizar os dados referentes agrave famiacutelia e
seus processos relacionais e tem sido largamente usado como instrumento cliacutenico de trabalho
para o profissional de sauacutede em diversas aacutereas que permite uma visualizaccedilatildeo raacutepida e
abrangente da organizaccedilatildeo familiar e suas principais caracteriacutesticas constituindo um mapa
relacional onde satildeo registrados dados relevantes ao caso
Desse modo o familiograma possibilita analisar a estrutura da famiacutelia sua
composiccedilatildeo problemas de sauacutede situaccedilotildees de risco e padrotildees de vulnerabilidade Retrata a
histoacuteria familiar identificando sua estrutura funcionamento relaccedilotildees e conflitos entre os
membros Brasil (2013) Dados que satildeo essenciais para a cliacutenica da MFC para um melhor
entendimento do processo de adoecer de cada indiviacuteduo que estaacute diretamente relacionado a
sua histoacuteria de vida Facilita ainda a identificaccedilatildeo dos fatores de risco e de proteccedilatildeo de cada
indiviacuteduo conceitos caros a uma cliacutenica centrada na pessoa e natildeo na doenccedila que deve ser
reforccedilada o tempo todo na praacutetica da MFC Do contraacuterio corremos o risco patologizante das
accedilotildees capilarizadas de sauacutede aumentando o territoacuterio da doenccedila e natildeo da sauacutede
Apesar de se apropriarem de uma linguagem meacutedica classificatoacuteria para conceituar os
ldquocasosrdquo de sauacutede mental os entrevistados no manejo demonstraram uma praacutetica mais voltada
para accedilotildees de sauacutede ampliadas com escuta ativa atendimento centrado na pessoa visatildeo
holiacutestica e natildeo medicalizante Muitas vezes criticando o modelo biomeacutedico centrado no
especialismo na doenccedila e no hospital apontando que a escolha em fazer a especialidade em
MFC foi uma rota de fuga que encontraram para sair desse modelo mais duro Enfatizaram a
importacircncia dessa formaccedilatildeo para a sauacutede da populaccedilatildeo em geral e para o SUS mas tambeacutem
criticaram a natildeo valorizaccedilatildeo da especialidade por parte da populaccedilatildeo e do proacuteprio sistema
A populaccedilatildeo almeja ser atendida por um meacutedico especialista (cardiologista psiquiatra
ginecologista pediatra) e o sistema que muitas das vezes sobrecarrega este profissional
cobrando metas em quantidade de procedimentos e atendimentos Betino chegou a citar que o
tempo meacutedio de trabalho de um meacutedico de famiacutelia eacute de 5 anos tamanha a sobrecarga de
trabalho O que precisa ser melhor investigado dada a importacircncia desse profissional para a
promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede de toda a nossa populaccedilatildeo
109
Recomendaccedilotildees
Os meacutedicos residentes solicitaram a ampliaccedilatildeo do nuacutemero e da carga horaacuteria dos
profissionais do NASF A equipe do NASF na unidade estudada eacute identificada como
modalidade 1 sendo composta agrave eacutepoca por um psiquiatra e uma psicoacuteloga profissionais
diretamente relacionados agrave aacuterea de sauacutede mental que matriciavam 08 (oito) equipes de Sauacutede
da Famiacutelia dividindo a carga horaacuteria em 02 (dois) turnos de 04 (quatro) horas para as 03
(trecircs) equipes da CF campo do estudo Pela Portaria GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 cada
NASF 1 deveraacute estar vinculado a no miacutenimo 5 (cinco) e no maacuteximo 9 (nove) Equipes de
Sauacutede da Famiacutelia eou equipes de Atenccedilatildeo Baacutesica para populaccedilotildees especiacuteficas (consultoacuterios
na rua equipes ribeirinhas e fluviais) Esta Portaria traz que a soma das cargas horaacuterias
semanais dos profissionais da equipe deve acumular no miacutenimo 200 (duzentas) horas
semanais e que nenhum profissional considerado isoladamente poderaacute ter carga horaacuteria
semanal menor que 20 (vinte) horas semanais Portanto de acordo com as recomendaccedilotildees do
MS o nuacutemero e a carga horaacuteria dos profissionais do NASF estaacute dentro do preconizado
A recomendaccedilatildeo de maior tempo do profissional de psicologia pode nos levar a refletir
sobre dois aspectos a dificuldade de lidar com o sofrimento humano e com a labilidade
emocional gerada resultando no encaminhamento precipitado para o profissional do campo
ldquopsirdquo Ou pela grande demanda de atendimento em sauacutede mental que chega na Atenccedilatildeo
Baacutesica O meacutedico de famiacutelia eacute o primeiro profissional meacutedico a atender o usuaacuterio em
condiccedilotildees de novas queixas ou necessidades O acesso ao profissional eacute priorizado nestas
condiccedilotildees de um problema novo devido a maior probabilidade de identificaccedilatildeo da origem e
da melhor conduta a ser tomada acrescentado da expectativa de que o profissional possa dar
uma resposta ao sofrimento de forma raacutepida e eficaz onde eacute estipulado um tempo de consulta
e metas para alcanccedilar uma alta produtividade diaacuteria Entatildeo o profissional meacutedico pressionado
a atender em tempo curto para dar conta do grande nuacutemero de consultas diaacuterias natildeo consegue
oferecer ao usuaacuterio o tempo de escuta necessaacuterio
Em relaccedilatildeo a recomendaccedilatildeo de ter uma rede mais integrada o sistema puacuteblico
brasileiro de atenccedilatildeo agrave sauacutede organiza-se segundo suas normativas em atenccedilatildeo baacutesica
atenccedilatildeo de meacutedia e de alta complexidade Portanto uma estrutura hieraacuterquica definida por
niacuteveis de ldquocomplexidadesrdquo crescentes e com relaccedilotildees de ordem e graus de importacircncia entre
os diferentes niacuteveis o que caracteriza uma hierarquia Essa concepccedilatildeo de sistema
hierarquizado segundo Mendes (2011) estaacute presente em sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave
sauacutede e apresenta seacuterios problemas teoacutericos e operacionais Ela fundamenta-se num conceito
de complexidade equivocado ao estabelecer que a atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede eacute menos
110
complexa do que a atenccedilatildeo nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio Esse conceito distorcido de
complexidade leva consciente ou inconscientemente a uma ldquobanalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria
agrave sauacutede e a uma sobrevalorizaccedilatildeo seja material seja simboacutelica das praacuteticas que exigem maior
densidade tecnoloacutegica e que satildeo exercitadas nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio de atenccedilatildeo agrave
sauacutederdquo (MENDES 2011 p 51)
Para Mendes (2011) um sistema integrado de sauacutede que satildeo as Redes de Atenccedilatildeo agrave
Sauacutede (RASs) deve ser organizado atraveacutes de um conjunto coordenado de pontos de atenccedilatildeo agrave
sauacutede para prestar uma assistecircncia contiacutenua e integral a uma populaccedilatildeo definida atuando
equilibradamente sobre as condiccedilotildees agudas e crocircnicas
Ainda segundo esse autor sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave sauacutede fortemente
hegemocircnicos satildeo aqueles que se organizam atraveacutes de um conjunto de pontos de atenccedilatildeo agrave
sauacutede isolados e incomunicaacuteveis uns dos outros e que por consequecircncia satildeo incapazes de
prestar uma atenccedilatildeo contiacutenua agrave populaccedilatildeo Em geral natildeo haacute uma populaccedilatildeo adscrita de
responsabilizaccedilatildeo Neles a APS natildeo se comunica fluidamente com a atenccedilatildeo secundaacuteria agrave
sauacutede e esses dois niacuteveis tambeacutem natildeo se articulam com a atenccedilatildeo terciaacuteria nem com os
sistemas de apoio nem com os sistemas logiacutesticos
Uma outra recomendaccedilatildeo dos meacutedicos residentes tambeacutem foi relacionado ao
investimento em formaccedilatildeo ou seja na educaccedilatildeo continuada a partir das vivencias cotidianas
do serviccedilo para alivio da sobrecarga nos niacuteveis secundaacuterios e terciaacuterios de atenccedilatildeo mas como
exposto acima para aleacutem das ldquocapacitaccedilotildeesrdquo com os profissionais da APS com o objetivo de
melhorar sua resolutividade diminuindo a procura por serviccedilos especializados e internaccedilotildees
desnecessaacuterias eacute primordial rever o modo de organizaccedilatildeo do sistema de atenccedilatildeo agrave sauacutede
brasileiro
A recomendaccedilatildeo de aumentar o investimento em dispositivos extra-hospitalares como
CAPS tambeacutem aparece no discurso dos meacutedicos residentes tal como apareceu no dos
meacutedicos preceptores acrescido de ter serviccedilos de terapia ocupacional mais fortalecidos
Demonstrando dessa forma um conhecimento sobre a necessidade desses dispositivos para
uma atenccedilatildeo em sauacutede mental que promova cidadania e construccedilatildeo da autonomia princiacutepios
orientados pela Reforma Psiquiaacutetrica
111
623 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Enfermeiros
Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos significantes
Enfermeiros
Nuacutecleo discursivo Enfermeiro
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
Vou para o meacutedico da equipe falo que estou
sentindo que tem alguma coisa marco consulta e
matriciamento
Converso bem natildeo vejo o tempo da consulta
deixo o paciente se sentir a vontade falar se natildeo
quiser falar ok minha porta estaacute aberta quando
quiser pode voltar
Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para
o meacutedico avaliar
Dificuldade de relacionamento na escola ou em
casa famiacutelias desestruturadas aacutelcool drogas
violecircnciaai tem muita coisa
Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico
esquizofrenia momentos ou doenccedilas que o
paciente pode se tornar mais agressivo
Depressatildeo ansiedade algum transtorno alguma
doenccedila mental
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Capacitaccedilatildeo de toda a equipe e criar estrateacutegias que facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF no
trabalho em sauacutede mental
Aumentar nuacutemero e carga horaacuteria das equipes do NASF
Melhorar o fluxo dos serviccedilos (o que estaacute funcionando para onde referenciar)
112
As entrevistas evidenciaram que o profissional enfermeiro na ESF tem um leque de
atuaccedilatildeo muito amplo lideranccedila da equipe coordenaccedilatildeo das linhas de cuidado e de grupos
(tabagismo gestante) accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede nas escolas consultas e prescriccedilatildeo de
acordo com os programas do MS gerenciamento dos programas de imunizaccedilatildeo e doaccedilatildeo de
leite materno accedilotildees de educaccedilatildeo continuada de teacutecnicos de enfermagem e ACSs ateacute
atendimento cliacutenico das demandas livres Denomina-se demanda livre o atendimento das
pessoas que chegam agrave CF sem consulta agendada mas que apresentam alguma queixa de
sauacutede aguda
No discurso de Adaacutelia apareceu a resistecircncia da populaccedilatildeo em aceitar o atendimento
de um profissional enfermeiro no atendimento cliacutenico da demanda livre uma paciente
retrucou () eacute com vocecirc mas eu tocirc morrendo natildeo posso ser atendida por uma
enfermeira() demonstrando que natildeo soacute no discurso dos profissionais mas tambeacutem no da
populaccedilatildeo atendida haacute ainda uma presenccedila marcante do modelo meacutedico hegemocircnico que a
profissional sinaliza como
Um pouco de resistecircncia na parte da consulta cliacutenica e que tem que ter muita
paciecircncia para estar explicando a maioria entende e cria vinculo alguns natildeo entendem natildeo
querem saber e natildeo te aceitam (Adaacutelia)
A ESF cuja emergecircncia se deu em 1994 conforme jaacute exposto em seu histoacuterico
mediante a implantaccedilatildeo do PSF num processo lento e continuo de tensatildeo com o modelo
hegemocircnico tecnicista hospitalocentrico e medicalocentrico ainda eacute muito recente para a
populaccedilatildeo brasileira habituada ao atendimento meacutedico centrado e com foco nas
especialidades Tambeacutem apareceu no discurso dos meacutedicos residentes a resistecircncia da
populaccedilatildeo em ser atendida por um generalista e natildeo por um especialista Por outro lado haacute
tambeacutem uma insuficiecircncia de formaccedilatildeo profissional para atuaccedilatildeo qualificada na APS
resultando em deficiecircncias teacutecnicas (ANDRADE et al 2013)
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental
No discurso dos enfermeiros observei uma visatildeo holiacutestica sobre ldquocasosrdquo de sauacutede
mental pontuado por Aacutedila Dificuldade de relacionamento na escola ou em casa No
entanto nos outros dois Claudomiro e Clemecircncia uma visatildeo ainda muito centrada no
modelo biomeacutedico na doenccedila e no diagnoacutestico Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico
esquizofrenia Importante destacar que a visatildeo holiacutestica apareceu no discurso de Aacutedila que
tem residecircncia em Sauacutede da Famiacutelia Os outros dois profissionais natildeo possuem especializaccedilatildeo
113
na aacuterea Daiacute a importacircncia do processo de formaccedilatildeo desconstruindo o modo de agir pensar e
fazer hegemocircnico centrado na doenccedila e no diagnoacutestico O que vai modificar o modo de
planejar e receber as accedilotildees de sauacutede tanto para o profissional como para a pessoa que procura
o serviccedilo e sua famiacutelia
Com a concepccedilatildeo mais ampliada de que ldquocasordquo de sauacutede mental pode estar
relacionado a dificuldades na escola ou em casa famiacutelia desestruturada violecircncia aacutelcool
drogas Aacutedila abre outras possibilidades de intervenccedilatildeo natildeo meacutedicas No entanto eacute necessaacuterio
lembrar que na loacutegica da SF os profissionais devem abandonar o ideologema - famiacutelia
desestruturada - e procurar ldquoentender quais satildeo as regularidades que organizam a vida do
coletivo as deposiccedilotildees acontecidas nos lsquoloucosrsquo drogados deprimidos ou crianccedilas-problema
na famiacutelia os sistemas que estruturam a vida desses coletivosrdquo (LANCETTI 2013 p119)
Ainda de acordo Lancetti (2013) eacute importante que os profissionais da ESF busquem
conhecer os modos que cada cultura possui para compreender o sofrimento e as maneiras de
superaacute-lo Pois as pessoas natildeo padecem de sofrimento fiacutesico e mental separadamente As
condiccedilotildees ambientais sociais e mentais formam parte de ecologias inter-relacionadas E eacute
produzindo mudanccedilas nessas esferas que se poderaacute alcanccedilar o impacto desejado do programa
Isto eacute promover sauacutede qualidade de vida reduzir o nuacutemero de internaccedilotildees o consumo
patoloacutegico e suicida de drogas ilegais e legais
Enquanto que uma concepccedilatildeo centrada no diagnoacutestico meacutedico presente nos discursos
de Claudomiro e Clemecircncia depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia doenccedila
mental pode refletir em accedilotildees mais engessadas reducionistas e medicalizantes Porque a
centralidade na doenccedila e natildeo na experiecircncia da doenccedila faz com que os profissionais de
sauacutede neste caso os enfermeiros percam oportunidades de reconhecer os sentimentos das
pessoas adequadamente e como resultado algumas emitem o mesmo sinal diversas vezes
como por exemplo procurando frequentemente a unidade de sauacutede e sendo repetidamente
ignoradas Daiacute a importacircncia de escutar a experiecircncia de estar adoecido e natildeo soacute o sintoma
procurando fornecer respostas empaacuteticas que ajudem as pessoas a se sentirem entendidas e
reconhecidas (MOIRA STEWART et al 2010)
Ao longo do discurso de Claudomiro observei uma contradiccedilatildeo dessa visatildeo
reducionista ao discorrer sobre a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede
Proporcionou-me entender o indiviacuteduo como um todo natildeo simplesmente um fiacutegado
um cacircncer um aneurisma () entendo que minha visatildeo profissional depois que eu entrei na
atenccedilatildeo baacutesica mudou bastante
114
Ao falar tambeacutem sobre o curso BABEL Claudomiro apontou a importacircncia da
formaccedilatildeo continuada para instrumentalizaccedilatildeo das equipes
Ajudou muito a me preparar e conhecer o programa de sauacutede mental porque ateacute
entatildeo para mim era uma coisa quase inexplorada quando a gente tinha algum paciente no
hospital de sauacutede mental chamava o psiquiatra quando tinha senatildeo fazia haldol e fenergan e
pronto () hoje me sinto mais sensiacutevel para identificar algum sofrimento psicoloacutegico
Pois para os profissionais da ESF em especial o enfermeiro liacuteder da equipe
(responsaacutevel pela supervisatildeo do trabalho dos teacutecnicos de enfermagem e dos ACSs) eacute essencial
a compreensatildeo de que os recursos da comunidade devem ser considerados e ativados em
primeiro lugar que qualquer processo terapecircutico consiste na ressignificaccedilatildeo do sintoma
sendo necessaacuterio para isso criar um dispositivo articulado agrave rede de sauacutede e que a invenccedilatildeo
deve fazer parte do meacutetodo de trabalho no SF Considerando assim que a pessoa portadora de
algum transtorno ou alguma doenccedila eacute ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicoloacutegicordquo
(LANCETTI 2013 p 19)
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Embora para os enfermeiros entrevistados trabalhar no SF seja uma alternativa ao
modelo meacutedico representando mais autonomia e liberdade de trabalho com um campo de
atuaccedilatildeo mais amplo e bem mais complexo no manejo aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
demonstraram ainda estar dependentes do saber meacutedico
Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma coisa marco
consulta e matriciamento (Aacutedila)
Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para o meacutedico avaliar (Clemecircncia)
Claudomiro embora pontue a escuta relata converso bem natildeo vejo o tempo da
consulta deixo o paciente se sentir agrave vontade falar () ao fazer um relato de uma usuaacuteria
atendida que seria um suposto ldquocasordquo de sauacutede mental mas tambeacutem acionou o meacutedico da
equipe para confirmar sua anamnese ndash A gente trabalha em equipe entatildeo ateacute mesmo para
uma seguranccedila do paciente que eu vejo eu fiz o exame fiacutesico natildeo encontrei coisa sugestiva
para aquela dor solicitei ajuda do colega meacutedico
() natildeo basta o profissional ter uma escuta que reflita uma postura
empaacutetica Nos encontros cliacutenicos terapecircuticos a escuta eacute mais que um
ato ela precisa incorporar uma atitude que expresse a necessidade
primordial de reconhecimento do outro e da legitimidade do lugar que
115
ele ocupa ao falar Esse reconhecimento pressupotildee uma ideologia que
desconstroacutei assimetrias ou melhor reconhece e valoriza a diversidade
do lugar cognitivo cultural e social que cada um ocupa na relaccedilatildeo
(FAVORETO amp PINHEIRO 2011 p 236)
Em todos os discursos foi marcante a solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico
para o ldquomanejordquo dos casos de sauacutede mental enquanto que na ESF um ponto fundamental para
seu modus operandis de acordo com Lancetti (2013) pela proacutepria dinacircmica de trabalho eacute o
funcionamento com centralizaccedilatildeo na equipe que aparece no discurso de Claudomiro ao falar
sobre o encaminhamento de um caso especifico
Fazer uma consulta em conjunto e ateacute encaminhar para psicoacuteloga depois da
avaliaccedilatildeo da equipe () uma avaliaccedilatildeo conjunta tanto da dor fiacutesica quanto da dor
psicoloacutegica () senatildeo desse para equipe e o matriciador fazerem ai sim ele encaminhava
(Claudomiro)
O trabalho na ESF assim como no Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial deve ser baseado
na equipe multiprofissional onde os saberes satildeo compartilhados cada profissional tem a sua
contribuiccedilatildeo e a tomada de decisotildees natildeo eacute exclusiva do profissional meacutedico
Os enfermeiros entrevistados demonstraram uma preocupaccedilatildeo em acolher os ldquocasosrdquo
de sauacutede mental mas natildeo se sentiam preparados para conduzir o manejo solicitando o apoio
do meacutedico da equipe ou do psiquiatra matriciador
Sinto que tenho dificuldade de entrar ali no problema do paciente exatamente mas
assim a gente tenta () Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma
coisa marco consulta e matriciamento (Aacutedila)
Apareceu tambeacutem durante as entrevistas uma queixa-denuacutencia de que antes da
chegada do NASF o matriciamento em sauacutede mental era feito soacute com o meacutedico residente natildeo
tinha a participaccedilatildeo de toda equipe conforme a fala de Aacutedila com a vinda do NASF estaacute
muito mais amplo para as equipes eu tenho acesso ao psicoacutelogo psiquiatra
O NASF deve apoiar as equipes com uma funccedilatildeo teacutecnico-pedagoacutegica e assistencial
(Campos 1999) discutir em conjunto com toda a equipe as melhores estrateacutegias de
intervenccedilatildeo se necessaacuterio atender junto (interconsultas) e instrumentalizar as equipes a partir
das vivencias cotidianas Ampliando assim as possibilidades de continuidade da atenccedilatildeo com
gradientes maiores de viacutenculo e responsabilizaccedilatildeo com o pressuposto de que nenhum
especialista isoladamente pode assegurar uma abordagem integral (FONSECA SOBRINHO et
al 2014)
116
Observei durante as entrevistas com os profissionais enfermeiros uma linha muito
tecircnue entre o cuidar e o medicalizar
Eacute muito assim solto eles natildeo datildeo soluccedilatildeo pra sauacutede mental() eu sou muito
acolhedora quero resolver os problemas dos pacientes quero dar uma soluccedilatildeo para eles
(Clemecircncia)
Num discurso muito tecnicista e determinista do paradigma meacutedico do ldquoproblem
sovingrdquo Gallio (2014 p15) baseado que dado o problema se tem uma causa e uma soluccedilatildeo
numa linha direta Neste caso a causa o problema - seria a doenccedila E a soluccedilatildeondash o que seria a
cura Um modo de pensar e agir baseado no modelo biomeacutedico Daiacute talvez a preocupaccedilatildeo em
acolher e encaminhar para o meacutedico Qual a funccedilatildeo esperada do meacutedico Fazer diagnoacutestico e
prescrever medicaccedilatildeo
Como podemos constatar no discurso dos enfermeiros embora haja alguns deslizes de
um discurso contra hegemocircnico
Vocecirc vecirc o paciente como um todo natildeo soacute pela doenccedila (Clemecircncia)
Na Estrateacutegia a gente natildeo trabalha sozinho precisa de um bom relacionamento tanto
com o paciente como com a equipe multidisciplinar (Claudomiro)
O que ainda predomina nos discursos eacute o modelo meacutedico hegemocircnico doenccedila
paciente
No campo da sauacutede coletiva a missatildeo primordial eacute natildeo permitir que o processo de
patologizaccedilatildeomedicalizaccedilatildeo seja algo natural No manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental eacute
fundamental o entendimento de que simplificaccedilatildeo do tipo queixa- conduta problema-soluccedilatildeo
natildeo conseguiratildeo dar conta da complexidade do sofrimento humano E que seratildeo necessaacuterias
intervenccedilotildees natildeo soacute do campo da sauacutede mas tambeacutem intervenccedilotildees intersetoriais
Recomendaccedilotildees
Quanto agraves recomendaccedilotildees os enfermeiros entrevistados apontaram a capacitaccedilatildeo de
toda a equipe a partir das praacuteticas vivenciadas no cotidiano com a criaccedilatildeo de estrateacutegias que
facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF ao trabalho em sauacutede mental
A gente precisa aprender com o que a gente estaacute vendo aqui na realidade (Aacutedila)
E tambeacutem tem outra coisa importante conseguir que os profissionais possam aderir
melhor a sauacutede mental (Clemecircncia)
Enfatizaram a importacircncia da participaccedilatildeo de todos os profissionais da equipe
117
Natildeo tem que ser com uma pessoa especifica fazer com o enfermeiro ou com o meacutedico
acho que tem que ser com o agente de sauacutede com dentista para toda a equipe estar afinada
nesse sentido da sauacutede mental (Aacutedila)
Melhoria do processo de qualificaccedilatildeo dos profissionais que estatildeo entrando na
atenccedilatildeo baacutesica (Claudomiro)
Pontuaram tambeacutem que a gestatildeo da Secretaria Municipal de Sauacutede poderia ajudar
trabalhando mais estrateacutegias pedagoacutegicas em sauacutede mental junto agraves reuniotildees equipes
O pessoal da secretaria tentar trabalhar mais isso com as equipes porque a sauacutede
mental eacute diferente neacute Porque por exemplo tuberculose vocecirc vai numa capacitaccedilatildeo de
tuberculose as coisas satildeo mais redondinhas neacute A sauacutede mental natildeo eacute assim tatildeo faacutecil tatildeo
redondinha para vocecirc (Aacutedila)
Acho que a prefeitura poderia ajudar tambeacutem as equipes a como trabalhar em certas
situaccedilotildees () porque eu acho que eacute um tema difiacutecil sauacutede mental a gente tem muita
dificuldade em lidar com isso ou porque natildeo sabe de muita coisa ou tem eacute dificuldade mesmo
de lidar (Clemecircncia)
Nesse mesmo discurso tambeacutem surgiu a dificuldade em lidar com os casos de
violecircncia e drogadiccedilatildeo no territoacuterio e a solicitaccedilatildeo de apoio da Coordenaccedilatildeo da Aacuterea
Programaacutetica (CAP)
Tem muito caso de violecircncia na nossa aacuterea e situaccedilotildees de droga eu estou pensando
em formar um grupo junto com o residente meacutedico soacute que ai eu preciso de uma capacitaccedilatildeo
da proacutepria CAP porque noacutes moramos aqui entatildeo para gente eacute muito difiacutecil tambeacutem vocecirc
denunciar vocecirc fazer alguma coisa (Clemecircncia)
O que deixa claro que haacute uma insuficiecircncia de treinamentos em sauacutede mental natildeo soacute
para os enfermeiros mas para todos os membros da equipe apesar da entrada do NASF na
unidade estudada O que leva a inuacutemeras reflexotildees por que lidar com ldquocasosrdquo sauacutede mental
continua sendo uma grande dificuldade para os profissionais da sauacutede Seraacute o processo de
formaccedilatildeo Seraacute a periculosidade do louco construiacuteda ao longo da histoacuteria Seraacute o estigma da
doenccedila mental
No discurso de Clemecircncia notei um deslize quando discorre sobre as dificuldades dos
profissionais da ESF em lidar com as questotildees de sauacutede mental ndash Porque eu acho que alguns
tecircm alguma dificuldade de lidar porque natildeo gostam eu natildeo sei o que me passa eacute isso E
completa o discurso explicando ndash natildeo eacute aqui estou falando de outros lugares de outros
profissionais Mais adiante de sua entrevista ao discorrer sobre o que poderia melhorar na
118
ESF fala que gostaria que os profissionais da ESF fossem mais compromissados com seus
afazeres cotidianos
As pessoas tivessem compromisso com o trabalho mesmo em si que eu acho que
muitas das vezes assim devido agrave sobrecarga alguns ficam desmotivados outros natildeo tem
perfil para trabalhar e ai soacute estatildeo pelo dinheiro (Clemecircncia)
No discurso de Clemecircncia surgiram as queixas-denuacutencia de sobrecarga de trabalho
gerando desmotivaccedilatildeo e a cobranccedila para alcance de metas e nuacutemeros por parte da gestatildeo
municipal de sauacutede sem um apoio adequado agrave realidade cotidiana das equipes
Porque muitas das vezes soacute veem a parte burocraacutetica que eu acho que eacute ruim ndash ah
porque vocecircs tecircm que alcanccedilar meta tal oitenta por cento taacute mas ai ningueacutem vem aqui
ajudar Como eacute que vocecircs podem fazer isso Quais as estrateacutegias E o que vocecircs estatildeo
fazendo para melhorar a equipe de vocecircs Natildeo tem isso em minha opiniatildeo (Clemecircncia)
Tambeacutem notamos nesse discurso algo que ateacute entatildeo natildeo havia aparecido o trabalho no
SF natildeo por uma questatildeo de afinidade com a proposta de trabalho mas pela remuneraccedilatildeo que
principalmente para meacutedicos e enfermeiros realmente eacute diferenciada o rendimento mensal eacute
maior que o oferecido na rede hospitalar justamente para incentivar a cobertura de vagas
Outra recomendaccedilatildeo apontada nos discursos dos enfermeiros foi a gestatildeo municipal
melhorar os fluxos entre os serviccedilos com desenho do que funciona qual a clientela atendida
como deve ser feita a referencia e contra-referencia
Poderia melhorar o fluxo de a gente saber o que funciona o quecirc O que cada um faz
() se eu tenho algum paciente agora com algum transtorno a gente encaminha para o
Pinel e como eacute que fica esse feedback do Pinel pra gente (Clemecircncia)
Principalmente aqui no Rio uma dificuldade da atenccedilatildeo primaacuteria para a secundaacuteria
eles estatildeo tentando organizar atraveacutes do SISREG mas muitas especialidades demoram muito
e a gente precisa () tambeacutem influencia muito melhorar a questatildeo do encaminhamento da
regulaccedilatildeo (Aacutedila)
Natildeo soacute em sauacutede mental mas em vaacuterias aacutereas eacute pouco a gente ter a contra-
referecircncia a gente encaminha o paciente explica o caso envia guia de referencia e contra-
referecircncia e a gente natildeo tem esse retorno infelizmente (Claudomiro)
A expansatildeo da APS por meio da ESF principalmente na Cidade do Rio de Janeiro
avanccedilou muito conforme dados jaacute mostrados anteriormente mas o que se percebe por meio
dos discursos dos profissionais entrevistados eacute que ainda natildeo haacute uma integraccedilatildeo entre os
niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede apesar do instituiacutedo na Lei 808090 haacute uma grande lacuna entre o
instituinte e o instituiacutedo Como a ESF pode ser coordenadora do cuidado sem uma rede
119
integralizada de serviccedilos instituiacuteda A falta de integraccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede
eacute um grande desafio para expansatildeo da ESF nos diversos municiacutepios brasileiros onde
persistem importantes barreiras organizacionais para acesso a atenccedilatildeo especializada os fluxos
estatildeo pouco ordenados a integraccedilatildeo da APS agrave rede ainda eacute incipiente e inexiste coordenaccedilatildeo
entre APS e atenccedilatildeo especializada como apontam os autores Fausto et al (2014) em um
estudo realizado sobre ldquoA posiccedilatildeo da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia na rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede
na perspectiva das equipes e usuaacuterios participantes do PMAQ-ABrdquo que analisou a perspectiva
das 16566 equipes de Sauacutede da Famiacutelia e dos 62505 usuaacuterios participantes do Programa
Nacional para Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica em 2012
E fechando as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF
tambeacutem apareceu no discurso dos enfermeiros entrevistados tal como no dos meacutedicos
residentes entrevistados o aumento do nuacutemero e da carga horaacuteria das equipes do NASF
O NASF eu tentaria colocar mais equipe com mais tempo nas unidades porque noacutes
temos um NASF que eacute dividido entre algumas clinicas eles fazem quarenta horas poreacutem
tantas horas em cada cliacutenica e agraves vezes apesar da modernidade hoje do Whatsapp a gente
tem que telefonar (Claudomiro)
Como jaacute relatado nas recomendaccedilotildees dos residentes meacutedicos entrevistados o nuacutemero
de profissionais do NASF assim como suas cargas horaacuterias estatildeo de acordo com a mais
recente Portaria do NASF - GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 Deixando-nos tambeacutem algumas
reflexotildees Os profissionais da ESF tem clareza da funccedilatildeo do NASF Os profissionais do
NASF tem clareza do seu papel junto agrave ESF O trabalho da ESF apesar de seus atributos
essenciais acesso continuidade do cuidado coordenaccedilatildeo do cuidado e integralidade Starfield
(2002) continua baseado no especialismo
Faz-se importante aqui ressaltar que natildeo basta soacute ter profissionais especialistas para
apoio agraves equipes da ESF mas que eacute fundamental que esses especialistas e as equipes apoiadas
possam revisitar suas praacuteticas em direccedilatildeo a processos efetivamente mais compartilhados e que
incidam sobre uma nova forma de construir o cuidado em sauacutede com discussotildees de processo
de trabalho e intervenccedilotildees no territoacuterio (FONSECA SOBRINHO et al 2014)
120
624 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Teacutecnicos de Enfermagem
Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Teacutecnicos de Enfermagem
Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
Violecircncia na famiacutelia depressatildeo uso de drogas
uso de medicaccedilatildeo psiquiaacutetrica controlada toda
hora repetindo as coisas ficas aacutes vezes
piscando a vista fica inquieto
Aquele paciente dependente acompanhado pela
famiacutelia e que a famiacutelia tem um cuidado melhor
e uma atenccedilatildeo redobrada
Paciente que eacute acompanhado pelo Pinel faz uso
de 3 ampolas de haldol de 1414 dias
Muitas das vezes a gente pede ajuda da equipe
e fazemos discussatildeo de casos
Sauacutede mental geralmente quando chega com
alguma crise a gente daacute a medicaccedilatildeo o paciente
fica calmo e se precisar assim a gente
encaminha para a UPA
Depende de cada diagnoacutestico porque o
psiquiatra que estaacute junto com a gente do
matriciamento ele estaacute justamente para resolver
o que puder ser aqui junto com o meacutedico
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Ter psiquiatra como meacutedico da unidade
Natildeo ter atendimento conjunto psiquiatra e meacutedico da famiacutelia
Grupos de atividades para integraccedilatildeo social
121
Durante as entrevistas com os Teacutecnicos de Enfermagem percebi algumas dificuldades
de entendimento das perguntas colocadas por exemplo na identificaccedilatildeo quando pedi para
falar soacute as iniciais do nome completo dois entrevistados natildeo entenderam e acabaram
pronunciando o nome todo Tambeacutem quando questionado sobre a importacircncia da ESF para o
sistema de sauacutede um deles entendeu diferenccedila sendo necessaacuteria reformular a mesma pergunta
diversas vezes ateacute sua compreensatildeo Percebi tambeacutem uma timidez por parte deles em
participar da pesquisa pois como podemos evidenciar nos discursos o trabalho dessa
categoria na ESF parece ainda estar muito voltado para procedimentos teacutecnicos sem muita
participaccedilatildeo na equipe como um todo
No iniacutecio eu estava meio preocupado porque o teacutecnico de enfermagem ele fica soacute ali
no procedimento vacina curativo entatildeo ele acaba natildeo se envolvendo muito com as coisas
aqui da unidade entendeu Mas assim eu gostei da entrevista (Felismina)
Noacutes teacutecnicos a gente natildeo consegue pegar muito esse momento do acolhimento a
gente jaacute pega o poacutes quando jaacute foi acolhido jaacute teve uma consulta e uma orientaccedilatildeo
geralmente quando chega pra gente eacute soacute para fazer medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute para controle de
alguma coisa assim eacute isso (Eliseu)
Esses discursos satildeo analisadores importantes para avaliaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder
dentro das equipes de sauacutede O quanto o poder estaacute relacionado ao detentor do conhecimento
no caso aos profissionais de niacutevel superior meacutedico e enfermeiro O teacutecnico de enfermagem
dentro da equipe de sauacutede onde a escolaridade exigida eacute o ensino meacutedio fica tomado em
afazeres teacutecnicos sendo uma matildeo-de-obra importante mas com pouca vocalizaccedilatildeo o que se
repete mesmo na ESF
Tambeacutem apareceram nos discursos dos teacutecnicos de enfermagem duas queixas -
denuacutencia
1) a sobrecarga de trabalho ndash Acho que os teacutecnicos na Cliacutenica da Famiacutelia satildeo muito
sobrecarregados muito trabalho (Eliseu)
2) a alta rotatividade dos profissionais principalmente meacutedicos residentes o campo de
estudo como jaacute relatado anteriormente eacute cenaacuterio de praacutetica para Residecircncia em Medicina de
Famiacutelia e Comunidade que tem duraccedilatildeo de dois anos o que acaba interferindo no
acompanhamento e viacutenculo com os usuaacuterios
Nesse periacuteodo que eu estou na Estrateacutegia vejo essa dificuldade que agraves vezes tem um
profissional e ai esse profissional comeccedila desenvolve um trabalho e ai de repente por algum
outro motivo aquele profissional eacute deslocado dali natildeo estaacute mais vem outro agora com essa
122
coisa dos residentes tem essa troca muito continua () e os pacientes fazem esse vinculo eacute a
queixa deles a gente ouve muito isso agora (Daacutercio)
Quanto agrave sobrecarga de trabalho o nuacutemero de teacutecnicos de enfermagem na CF estaacute
dentro dos preceitos legais do MS um teacutecnico para cada equipe da ESF o nuacutemero de usuaacuterios
tambeacutem como jaacute relatado anteriormente estaacute de acordo com preconizado pela PNAB (2012)
respeitando-se inclusive que em aacutereas de maior vulnerabilidade social o nuacutemero de usuaacuterios
por equipe eacute menor como de fato acontece na unidade estudada A questatildeo eacute que como as
pessoas estatildeo de fato sendo atendidas e as carecircncias em relaccedilatildeo a poliacuteticas puacuteblicas de um
modo geral satildeo muitas o que acaba acontecendo eacute que muitas coisas que natildeo deveriam chegar
agrave ESF chegam e natildeo satildeo questotildees propriamente de sauacutede ou ateacute mesmo o usuaacuterio jaacute ficou
tanto tempo desassistido que o seu quadro acaba cronificando o que demanda mais visita agraves
unidades de sauacutede Ou tambeacutem como natildeo existe uma articulaccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo
em sauacutede o usuaacuterio chega agrave ESF que eacute a porta de entrada mas natildeo consegue ser referenciado
para outros niacuteveis demandando atenccedilatildeo cuidado visita domiciliar mas sem muita
resolutividade
Quanto a questatildeo da alta rotatividades dos profissionais na ESF o estudo realizado por
Rizzoto et al (2014) apontou que mais de 70 dos profissionais nas equipes de Atenccedilatildeo
Baacutesica natildeo permanecem mais que dois anos em cada equipe e que a precarizaccedilatildeo dos viacutenculos
e contratos de trabalho para manter o serviccedilo cumpri tambeacutem com a Lei de responsabilidade
fiscal o que tem chamado atenccedilatildeo de gestores e pesquisadores do campo do planejamento e
da gestatildeo do trabalho em sauacutede Em relaccedilatildeo aos meacutedicos residentes em especifico a
Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade foi uma estrateacutegia adotada pela Secretaria
Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro para fixaccedilatildeo de profissionais meacutedicos prioritariamente
em aacutereas de difiacutecil acesso com incentivo financeiro para expansatildeo da ESF na cidade
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
No discurso dos Teacutecnicos de Enfermagem foi presente uma visatildeo do modo asilar
reducionista centrado na medicaccedilatildeo no controle e na ausecircncia de autonomia
Hoje mesmo teve um paciente aqui (fala o nome do paciente) ele eacute acompanhado pelo
Pinel junto com o pessoal do matriciamento daqui () ele toma de 14 em 14 dias trecircs
ampolas de haldol (Daacutercio)
Desde adolescente ele sempre usou medicaccedilatildeo atraveacutes de psiquiaacutetrico controlado ()
depois piorou usou a medicaccedilatildeo e misturou com a droga (Felismina)
123
Acho que eacute aquele paciente dependente (Eliseu)
Quando questionado que dependecircncia seria essa (Eliseu) responde
Acompanhado pela famiacutelia que a famiacutelia tem um cuidado e atenccedilatildeo melhor atenccedilatildeo
redobrada assim com o indiviacuteduo Eu acho que eacute isso
Como pude constatar para os teacutecnicos de enfermagem entrevistados ldquocasordquo de sauacutede
mental estaacute relacionado ao uso de medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia e
comportamentos estereotipados
Toda hora vai repetindo a coisa neacute fica agraves vezes piscando a vista fica inquieto ai
fica pra laacute e pra caacute (Felismina)
Um comportamento diferente que natildeo eacute comum natildeo eacute normal do que vocecirc estaacute
acostumado a ver (hellip) agraves vezes chegam muito agitados ou se isolam e ficam ali no cantinho
(Daacutercio)
O que representa ainda uma concepccedilatildeo do modelo meacutedico psiquiaacutetrico talvez ateacute
mesmo pela formaccedilatildeo teacutecnica que eacute de 1 (um) ano com conteuacutedos teoacuterico e praacutetico voltados
para o ambiente e cuidados hospitalares
Talvez tambeacutem pelo grau de escolaridade e perfil socioeconocircmico desses profissionais
exista uma insuficiecircncia de conhecimento e leitura sobre a Reforma Psiquiaacutetrica ateacute mesmo
pela dificuldade de acesso agraves leituras do campo
Todos os teacutecnicos de enfermagem responderam que natildeo tiveram nenhum treinamento
para lidar com as questotildees de sauacutede mental ou seja natildeo tiveram durante a formaccedilatildeo e nem no
serviccedilo fato alarmante para profissionais que atuam na ESF
Apesar dessa visatildeo ainda do modo asilar apareceram alguns deslizes ao longo de seus
discursos
Ele ateacute que conversa direitinho eacute um paciente hipertenso () ele vem sozinho verificar
a pressatildeo e a gente dar toda atenccedilatildeo para ele (Eliseu)
Numa boa porque assim a gente consegue passar essa seguranccedila para eles e ai eles
ficam com essa referecircncia nossa (Daacutercio)
Uma vez eu fui atender o paciente ele tem problema de sauacutede mental eu vi a pressatildeo
dele estava muito alta orientei a irmatilde (Felismina)
O que demonstrou que na praacutetica cotidiana esses profissionais conseguem atender aos
ldquocasosrdquo de sauacutede mental natildeo soacute por suas queixas psicopatoloacutegicas mas valorizando tambeacutem
suas queixas fiacutesicas e estabelecendo viacutenculos
O que explicitou a importacircncia da inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na ESF o
cuidado integral sem separaccedilatildeo entre mente e corpo de base territorial e com criaccedilatildeo de
124
viacutenculos O direito a atendimento universal equacircnime e integral eacute uma das premissas da
poliacutetica nacional de sauacutede mental Para o alcance dessa premissa de acordo com Souza
(2015) eacute primordial estar atento agraves necessidades e demandas dos usuaacuterios valorizando suas
queixas assim como caminhar na direccedilatildeo de serviccedilos inseridos nos territoacuterios de vida das
pessoas como a ESF Para Delgado (2001) soacute dessa forma seraacute possiacutevel caminhar para
atenccedilatildeo e cobertura decentes em sauacutede mental Portanto embora o discurso dos teacutecnicos de
enfermagem ainda seja do modo asilar mesmo sem saber estatildeo realizando accedilotildees do modo
psicossocial O que coincide com o estudo feito por Souza (2012) que apontou que as accedilotildees
de sauacutede mental na AB permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais natildeo tinham clareza
sobre elas)
2) Manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Quanto ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental nos discursos dos Teacutecnicos de
Enfermagem verifiquei dois modos de agir
1) Um com centralidade na equipe com discussatildeo de caso e apoio do matriciador
como preconizado pela PNAB (2012)
Muitas vezes a gente pede ajuda da equipe e fazemos discussatildeo de caso (Eliseu)
Eu acho que depende de cada diagnoacutestico entendeu Porque o (fala o nome do
meacutedico psiquiatra) que eacute o psiquiatra e esta junto com a gente no matriciamento ele estaacute na
unidade justamente para isso resolver o que puder ser resolvido aqui junto do meacutedico da
equipe trabalham em conjunto e vecircem o que podem resolver acho que somente poucos casos
devem ser encaminhados para alguma outra instituiccedilatildeo fora daqui (Daacutercio)
2) E outro com centralidade na crise na medicaccedilatildeo e na loacutegica do encaminhamento
confirmando o modo asilar de pensar e fazer presente na concepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mental no discursos dos profissionais dessa categoria
Sauacutede mental a gente geralmente quando chega com alguma crise assim a gente daacute a
medicaccedilatildeo o paciente fica calmo e se precisar assim a gente encaminha pra UPA (Eliseu)
O primeiro modo de agir embora esteja baseado no discurso politicamente correto de
acordo com as premissas da PNAB (2012) ao longo das entrevistas percebi alguns deslizes
pois esses profissionais pareciam natildeo se sentirem participes do processo de construccedilatildeo do
plano do cuidado dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental passando essa responsabilidade para os
meacutedicos tanto para o psiquiatra matriciador como para o meacutedico da equipe entrando em accedilatildeo
soacute quando solicitado para fazer algum procedimento (seja medicaccedilatildeo verificaccedilatildeo PA ou ateacute
mesmo visita domiciliar)
125
A gente passava para os meacutedicos e tentava fazer o melhor possiacutevel para estar
ajudando o paciente (Felismina)
Geralmente quando chega pra gente jaacute chega para fazer uma medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute
para o controle de alguma coisa (Daacutercio)
No cenaacuterio do estudo quando participei das reuniotildees de equipe percebi que os
teacutecnicos de enfermagem estavam de corpo presente na reuniatildeo mas permaneciam a maior
parte do tempo calados alguns tiravam um cochilo e apresentavam-se muito preocupados
com os afazeres teacutecnicos (curativo sala de vacinaccedilatildeo procedimentos) Chegavam inclusive
muitas das vezes atrasados ou saiam antes ou ateacute mesmo eram solicitados durante a reuniatildeo
Portanto nas discussotildees de equipe a voz desse profissional aparecia muito pouco exceto
quando havia a necessidade de fazer alguma intervenccedilatildeo com a presenccedila dessa categoria
Percebi tambeacutem que as atividades destes profissionais estavam muito concentradas na
unidade de sauacutede restando pouco tempo para accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede na comunidade
Seraacute que essa categoria profissional estaacute realmente sobrecarregada na ESF como jaacute
apresentado como queixa-denuncia no discurso dos proacuteprios profissionais
Recomendaccedilotildees
Um entrevistado relatou natildeo ter nenhuma recomendaccedilatildeo para melhoria das accedilotildees de
sauacutede mental na atenccedilatildeo baacutesica pois na sua concepccedilatildeo com a chegada do NASF o trabalho
estaacute bem realizado
Tem bastante coisa que a Cliacutenica da Famiacutelia tem feito tem discussatildeo de casos dentro
da proacutepria equipe tem rodas de conversas que os meacutedicos fazem discutindo os casos junto
com os pacientes tecircm tambeacutem os meacutedicos do NASF eu acho que o trabalho com a sauacutede
mental estaacute sendo bem realizado (Eliseu)
Nesse discurso mais uma vez notamos o protagonismo do profissional meacutedico nas
atividades relatadas
No discurso de Felismina tambeacutem percebemos a centralidade do atendimento no
profissional meacutedico acrescido do foco no especialismo segregando as pessoas por sua
patologia o que deixou claro o desconhecimento da proposta de atendimento do NASF por
meio do apoio matricial e de toda a forma de atendimento no sauacutede da famiacutelia
Na unidade teria que ter realmente o psiquiatra ele como meacutedico da unidade
atendendo o paciente e natildeo precisar ser junto neacute O clinico geral com o psiquiatra Claro
que a gente jaacute tem mas eacute um atendimento conjunto estaacute oacutetimo neacute Porque jaacute foi mais uma
126
passo que a unidade avanccedilou neacute Que natildeo tinha () entatildeo tipo assim pessoas que tem
problemas psiquiaacutetricos ficar ali com meacutedico psiquiaacutetrico (Felismina)
Jaacute no discurso de Daacutercio ficou evidenciada uma recomendaccedilatildeo de acordo com o
modelo de atenccedilatildeo psicossocial onde foram sugeridas atividades em grupo na unidade de
sauacutede para estimular o conviacutevio social apesar de sua concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental
ainda ser do modo asilar
Acho que dentro da unidade de repente poderia ter grupos de atividades que pudesse
trazer para a sociedade trazer de volta esses pacientes que se isolam que ficam mais assim
() eu acho que seria bom melhoraria (Daacutercio)
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625 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede
Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACSs)
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
Nuacutecleos Discursivos Significantes
Pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa
pessoas que fazem parte de algumas religiotildees e deixam de
fazer algumas coisas pessoas que fumam exageradamente
que comem compulsivamente ou deixam de comer que
bebem muito
Eu acho que a maioria tem sauacutede mental obvio que tem gente
que jaacute nasce com problema outras que com a sofrencia da
vida acaba adquirindo problemas entrando em surto ficando
doido estressado
Pessoas deprimidas que se isolam que natildeo tem mais alegria
tecircm dificuldades tentam ateacute se matar
Envolvimento com drogas certos transtornos que a pessoa eacute
agressiva transtorno bipolar obsessivo
Pessoas estressadas
Um olhar de tristeza algo que perturba o dia-a-dia e foge da
rotina
Algum distuacuterbio alguma mania um estresse que acarreta
uma crise eacute o momento que tu vive
Perturbaccedilatildeo devido a tantos remeacutedios
Agressividade irritabilidade surto situaccedilatildeo de vida precaacuteria
depressatildeo
Procuro conversar adequando o meu tom de voz estar
sempre perto visitando perguntando o que poderia tirar a
pessoa daquele quadro
Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a
enfermeira resolvem e eu fico soacute acompanhando
Acolhemos procuramos conviver conversar mais apoiando
tentando trazer para a CF para participaccedilatildeo dos nossos
programas que oferecemos
Converso peccedilo para ir a CF falar com os meacutedicos cliacutenicos
que eles que encaminham para psiquiatria e comeccedilar um
tratamento
Venho a CF falo com o meacutedico e peccedilo para o paciente vir na
demanda tenho um grupo de caminhada e um grupo de
exerciacutecio a gente dava uma caminhadinha para tirar o
estresse do dia-a-dia
Prevenccedilatildeo escuta atuaccedilatildeo sem remeacutedio jaacute levei para o
CMS onde sabia que tinha psiquiatra e para emergecircncia
psiquiaacutetrica
Trago o caso pra equipe
Trago diretamente para enfermeira chefe e para os meacutedicos
da equipe marcamos uma visita domiciliar
A gente traz para equipe para que eles nos decirc que rumo vai
ser feito
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE
SAUacuteDE MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Cursos de capacitaccedilatildeo e teacutecnicas de abordagem para usuaacuterios de drogas violecircncia domeacutestica
Presenccedila de outros oacutergatildeos
Dar mais ecircnfase ndash ainda mais agora que estatildeo comeccedilando a liberar essas pessoas e como a sociedade vai receber
Implantar psiquiatria e psicologia fixos na CF
Interconsulta com todos os profissionais de sauacutede com a participaccedilatildeo do ACS
Diminuir o tempo de espera para atendimento
Aprender ldquoouvirrdquo e ver ldquoaleacutem do que estatildeo mostrandordquo
Ter mais meacutedicos especializados
Estar aberto agraves pessoas ter temperanccedila
128
Durante as entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACSs) percebi que ao
falarem sobre o que consideravam como ldquocasordquo de sauacutede mental no iniacutecio tinham uma
inibiccedilatildeo por natildeo terem ldquoformaccedilatildeordquo ou seja conhecimento teoacuterico sobre o assunto como
podemos observar nos discursos
Eu tenho natildeo eacute minha formaccedilatildeo neacute (Geneacutesia)
Enfim eu sou meio leigo no assunto (Heda)
Eu natildeo entendo muito de sauacutede mental (Iana)
Como jaacute descrito anteriormente esse trabalhador eacute um morador da aacuterea que atua sem
formaccedilatildeo em sauacutede seu capital social eacute o conhecimento do territoacuterio e das pessoas que nele
habitam eacute portanto o elo entre a comunidade e os profissionais de sauacutede E eacute nisso nessa
ldquoalma comum e comunitaacuteriardquo que estaacute radicada a potecircncia terapecircutica dos ACSs
(LANCETTI 2014 p96)
Talvez por ser a classe de trabalhadores da base no niacutevel hieraacuterquico da equipe da
ESF sentem-se muitas vezes dependentes das decisotildees do meacutedico e do enfermeiro natildeo
reconhecendo a potecircncia do seu trabalho por acreditarem que por natildeo ter o conhecimento
teacutecnico da sauacutede o seu trabalho teria menos valor Para Lancetti (2014) os ACSs satildeo peccedilas
preciosas da maacutequina de produzir e fazer sauacutede mental em virtude de sua praacutetica paradoxal
ldquoParadoxal pois satildeo ao mesmo tempo membros da comunidade e integrantes da organizaccedilatildeo
sanitaacuteria E nesse funcionamento radica sua potencialidaderdquo (LANCETTI 2014 p93)
Embora sejam a categoria em maior nuacutemero dentro da equipe nas reuniotildees que tive
oportunidade de presenciar alguns tinham uma participaccedilatildeo bem ativa outros nem tanto
assim como o grau de afinidade com o trabalho desenvolvido uns mostraram-se envolvidos
interessados e proacute-ativos outros precisavam de um lsquoempurratildeozinhorsquo do enfermeiro ou meacutedico
da equipe
Nas entrevistas realizadas tantos com os meacutedicos preceptores e residentes assim como
com os enfermeiros foi constante a queixa-denuncia da necessidade urgente de formaccedilatildeo para
os ACSs Foi comum nos discursos a reclamaccedilatildeo de que alguns ACSs natildeo sabiam o que
estavam fazendo na ESF qual era a sua funccedilatildeo a ser desempenhada Ateacute mesmo nos discursos
deles proacuteprios sugiram sugestotildees para aperfeiccediloar as estrateacutegias de seleccedilatildeo e investir mais em
capacitaccedilatildeo para os ACSs O que eacute uma queixa-denuncia que necessita ser melhor escutada e
avaliada pois satildeo os ACSs os responsaacuteveis pelo acolhimento dos usuaacuterios hoje nas Cliacutenicas
da Famiacutelia e pela busca ativa no territoacuterio portanto um trabalhador fundamental para a
engrenagem da ESF
129
No discurso dos ACSs pudemos observar tambeacutem um corte social de classe presente
nas falas
A cliacutenica numa fase de expansatildeo foi pro asfalto fiquei apavorada vou trabalhar na
rua com essas pessoas que sabem muito mais e eu tatildeo pouco sei (Heda)
Entrosando num soacute vinculo social porque eacute comunidade eacute rua ultrapassar as
barreiras de preconceitos ateacute preconceitos meus mesmos (Jacobina)
Mais uma vez assim como no discurso dos teacutecnicos de enfermagem apareceu a
questatildeo social encarada por estes profissionais que natildeo possuiacuteam niacutevel de instruccedilatildeo superior
como um sentimento de menos valia Acrescentado ao lugar de moradia comunidade x
asfalto num sentimento de inferioridade formando barreiras de comunicaccedilatildeo produzidas por
eles proacuteprios Pois acreditavam que no asfalto soacute havia pessoas cultas e que eles natildeo tinham
nada para passar ensinar O que logo caiu por terra ao longo de suas imersotildees no cotidiano do
asfalto pois perceberam que essas pessoas eram carentes de atenccedilatildeo e afeto o que permitiu
aproximaccedilatildeo e construccedilatildeo de vinculo Embora tenham relatado o quanto eacute difiacutecil entrar em
alguns condomiacutenios fechados desafios do trabalho da ESF em uma grande metroacutepole como eacute
a cidade do Rio de Janeiro
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Em relaccedilatildeo ao guia para analise compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
os ACSs foram os trabalhadores dentro da ESF que menos usaram os termos doenccedila doente e
diagnoacutestico meacutedico trouxeram um entendimento mais amplo das vaacuterias situaccedilotildees da vida
estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas
com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou
social desagregador ou como denominou Kiara em seu discurso satildeo muitos assuntos mal
resolvidos Mas tambeacutem surgiram em alguns discursos os termos perturbado transtorno
psiquiaacutetrica mania distuacuterbio agressividade problema mental e remeacutedio controlado
No discurso desses profissionais surgiu a concepccedilatildeo muito cara para o campo da
Atenccedilatildeo Psicossocial que eacute a prevenccedilatildeo com a valorizaccedilatildeo do vinculo da longitudinalidade e
da escuta
Eu consigo perceber que hoje dei um bom dia mas aquele bom dia natildeo me fluiu bem e
vou laacute perguntar o que estaacute acontecendo e ela me diz um monte de coisa ela jaacute um caso de
sauacutede mental um caso que a gente pode controlar sem remeacutedio Soacute com a escuta sem poder
introduzir o remeacutedio isso eacute prevenccedilatildeo isso eacute sauacutede mental (Hebe)
130
Outra concepccedilatildeo tambeacutem presente e muito cara ao campo eacute a natildeo medicalizaccedilatildeo ou
seja natildeo transformar os problemas da vida em problemas meacutedicos portanto passiveis de
diagnoacutestico e medicaccedilatildeo Mas ampliar o espaccedilo de escuta e a oferta de outras estrateacutegias de
intervenccedilatildeo natildeo medicamentosa explorando os recursos da proacutepria comunidade Pois ativar
os recursos escondidos ou disponiacuteveis da comunidade nunca deve ser um ato tecnocraacutetico ou
burocraacutetico (LANCETTI 2014)
Nesse mesmo discurso encontramos um exemplo riquiacutessimo de empoderamento
A gente tem um grupo um professor de atividade fiacutesica e a gente levou ele na minha
aacuterea () levamos porque um dia uma paciente me ligou agraves trecircs horas da manhatilde que a sogra
dela tinha morrido e ela estava velando o corpo sozinha eu natildeo podia fazer nada mas eu fui
porque naquele momento eu era o apoio dela e ser Agente de Sauacutede eacute ser apoio () e
quando cheguei laacute a gente mora em uma comunidade estava soacute eu ela e minha amiga
velando o corpo () isso me incomodou muito quando o professor chegou a ideacuteia dele era
que as mulheres emagrecessem mudassem a rotina delas pudesse fazer um exerciacutecio em
casa a minha era de que elas pudessem se conhecer e se ajudar (Hebe)
Como podemos observar eacute notaacutevel a potecircncia do viacutenculo estabelecido entre a ACS e a
usuaacuteria sendo o apoio nesse momento tatildeo doloroso que foi a perda de um ente familiar mas
que a proacutepria ACS ao mesmo tempo em que se coloca como apoio se contradiz eu natildeo podia
fazer nada Natildeo conseguiu entender que naquele momento o apoio estar do lado dessa
usuaacuteria foi o seu pedido de ajuda e isso eacute promover sauacutede mental Outra intervenccedilatildeo valorosa
dessa mesma ACS foi a partir desse episoacutedio levou o professor de educaccedilatildeo fiacutesica para
possibilitar o conviacutevio entre as mulheres que moravam na mesma aacuterea visando a coesatildeo entre
elas e a ajuda muacutetua Enquanto o professor muito preso ao seu saber teacutecnico tinha como
objetivo estimular atividades fiacutesicas e haacutebitos saudaacuteveis Daiacute o potencial da contribuiccedilatildeo de
outros saberes no fazer cotidiano da ESF tornando as estrateacutegias de intervenccedilatildeo mais soft e
menos medicalizadoras (SARACENO 2001)
Faz-se importante destacar que essa ACS eacute reconhecida na unidade como a que tem
mais afinidade com as questotildees de sauacutede mental participa dos Foacuteruns e das supervisotildees de
territoacuterio da Sauacutede Mental da aacuterea e se colocava disponiacutevel e atuante para tal funccedilatildeo O que
deixava transparecer sua disponibilidade interna para delicadeza das situaccedilotildees que ela exerce
com muita facilidade e espontaneidade Natildeo tendo clareza do potencial de suas accedilotildees
Tornado explicito mais uma vez o mito do especialista da necessidade de ter um profissional
de sauacutede mental para produzir intervenccedilotildees terapecircuticas adequadas
131
No discurso Jacobina apareceu o estresse como percepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental
apontando a importacircncia de avaliar o que a pessoa estaacute sentido ou vivendo no momento
Agraves vezes vocecirc estaacute estressado vocecirc daacute uma crise isso natildeo quer dizer que vocecirc eacute
louco entendeu Eu acho que a sauacutede mental eacute o que vocecirc estaacute sentindo naquela hora ()
Poreacutem houve contradiccedilotildees nesse discurso com o uso dos termos distuacuterbio mania louco e
maluco
Alguma coisa que a pessoa tem algum distuacuterbio porque a sauacutede mental a pessoa fala
eacute louco natildeo agraves vezes eacute alguma mania isso eacute sauacutede mental () porque agraves vezes os outros
falam ah sauacutede mental eacute maluco e natildeo eacute (Jacobina)
Como podemos observar o discurso de Jacobina foi marcado por uma ambivalecircncia
ao mesmo tempo em que traz a visatildeo do modo da Atenccedilatildeo Psicossocial traz tambeacutem os
termos distuacuterbio e mania do Modelo Biomeacutedico
O discurso de Lana traz a importacircncia da sauacutede mental na ESF com a compreensatildeo
de que mente e corpo natildeo satildeo dicotomizados oferecendo um cuidado longitudinal e
integrado Sinalizando tambeacutem a importacircncia de considerar o ambiente social e cultural no
processo de adoecimento
Ela era psiquiaacutetrica mas ela tinha tambeacutem enfisema diabetes () porque muitas das
vezes natildeo eacute soacute o transtorno agraves vezes eacute o ambiente que aquela pessoa estaacute vivendo que estaacute
deixando ela psiquiaacutetrica () porque haacute uma briga interna da famiacutelia que dificulta a situaccedilatildeo
da vida tambeacutem precaacuteria que ai vocecirc fica tentando ver o que vocecirc vai fazer com aquele
paciente qual eacute a maneira que tu vai entrar naquela famiacutelia () porque a famiacutelia briga a
casa que mora eacute peacutessima a situaccedilatildeo que natildeo ajuda e as doenccedilas propriamente ditas ()
Entatildeo assim difiacutecil mas assim a gente conseguiu acompanhar ter acesso () que no
comeccedilo natildeo tiacutenhamos era bem difiacutecil e a famiacutelia tambeacutem porque a gente adota a famiacutelia
mas eles tambeacutem nos adotam porque depende tambeacutem da aceitaccedilatildeo deles agrave nossa pessoa
Nesse mesmo discurso encontramos tambeacutem a inclusatildeo do nuacutecleo familiar e o poder
da visita domiciliar como uma espeacutecie de ldquopoliacutecia meacutedica revolucionaacuteriardquo Lancetti (2014
p93) O autor explica poliacutecia no antigo sentido da poliacutecia meacutedica uma das fontes histoacutericas
da medicina sanitaacuteria pois se inserem no ambiente domeacutestico iacutentimo e no territoacuterio
existencial das pessoas E revolucionaacuteria porque ali onde somente a TV Globo ou as
emissoras de raacutedio se inserem como componentes de produccedilatildeo de subjetivaccedilatildeo com
consequumlecircncias infantilizantes os ACSs conseguem penetrar criando viacutenculos por meio de
processos sociais de comunicaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e produccedilatildeo de singularidades O que conduz a
132
accedilotildees e paixotildees coletivas solidaacuterias e tecem fio a fio redes microssociais de alto poder
terapecircutico (LANCETTI 2014)
No discurso de Heda a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental estaacute relacionada a desde
melancolia passando por pessoas que fumam ou comem compulsivamente ateacute pertencer a
alguma religiatildeo uma conceituaccedilatildeo ampliada e holiacutestica mas focada nos excessos pois nos
informa que o excesso pode ser sinal de algo natildeo vai bem
Eu tenho pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa () pessoas
que umas satildeo asseadas outras natildeo pessoas que fazem parte de alguma religiotildees entatildeo
deixam de fazer outras coisas porque a religiatildeo impede e elas ficam agrave espera de um milagre
natildeo entendem que elas precisam fazer a parte delas pessoas que fumam exageradamente
jogam toda a sua ansiedade seu nervosismo ali pessoas que comem compulsivamente ou
deixam de comer pessoas que bebem muito (Heda)
Seraacute mesmo o excesso um sinal vermelho Os ACSs com seu poder de entrar na casa
das pessoas para accedilotildees seja de promoccedilatildeo ou prevenccedilatildeo de sauacutede comeccedilam a se apropriar do
modo de vida delas e a trazer para unidade de sauacutede o que detectam como problema no caso
acima os excessos Mas seraacute isso um problema para esses usuaacuterios tambeacutem Esses agentes de
sauacutede satildeo o dedo do Estado na comunidade surfam no controle Lancetti (2014) Faz-se
necessaacuterio aqui lembrar Deleuze a sociedade de controle opera ao ar livre natildeo mais no
hospiacutecio mas em todo lugar e fundamentalmente no domicilio Portanto esse instrumento
valioso de trabalho na ESF pode ser tambeacutem uma nova forma de controlar a vida das pessoas
indo mais longe ateacute tornar meacutedico questotildees cotidianas da vida Esse eacute um risco que precisa
ser melhor estudado com a expansatildeo da ESF e aumento da capilaridade das accedilotildees de sauacutede
nas cidades brasileiras
No discurso de Nateacutercia a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental aparece como
Ficou perturbado devido a tantos remeacutedios () porque ele sofreu de meningite ele
ficou cego e ficou perturbado devido a tantos remeacutedios agraves vezes descontrolados que ele
tomava por falta de conhecimento hoje jaacute estaacute ateacute melhor
Foi muito interessante perceber que para falar sobre a concepccedilatildeo e percepccedilatildeo dos
ldquocasosrdquo de sauacutede mental os ACSs citaram os exemplos de atendimento que realizaram
trazendo exemplos praacuteticos do trabalho cotidiano Nesse discurso por exemplo o
entrevistado conta o caso por ele atendido de um usuaacuterio com tuberculose resistente e notou-
se uma vaidade em falar
Jaacute existiram trecircs agentes de sauacutede na aacuterea eu entrei na minha aacuterea para fazer a
diferenccedila disso eu tenho certeza por quecirc Porque eu curei tenho certeza disso natildeo foi soacute o
133
remeacutedio dependeu de mim a cura dele () natildeo aceitava tomar remeacutedio de matildeo de agente
nenhum porque nenhum agente soube chegar ateacute ele da forma que eu cheguei (Nateacutercia)
Nateacutercia no decorrer de seu discurso falou de sua opccedilatildeo sexual da sua dificuldade
em ser aceito pelas pessoas da comunidade e das barreiras que ele mesmo criou impedindo
por exemplo de fazer accedilatildeo educativa nas escolas A eacutepoca das entrevistas essa dificuldade de
aceitaccedilatildeo jaacute estava sanada Mas todo o seu discurso eacute marcado pela necessidade de fazer mais
ser o melhor ser o diferente dentro da equipe apontando uma necessidade de reconhecimento
Ateacute mesmo seu comportamento dentro da unidade pareceu um movimento de atrair as
atenccedilotildees o tempo todo mesmo nos pequenos gestos como chegar atrasado agrave reuniatildeo de
equipe entrar e deixar a porta aberta sair e bater porta com forccedila falar alto
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental a accedilatildeo que prevaleceu nos
discursos dos ACSs foi levar para unidade de sauacutede (Cliacutenica da Famiacutelia) ou seja os agentes
exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo No entanto faz-se
necessaacuterio mais uma vez alertar que esta proximidade potencializada dos ACSs um dos
elementos importantes da maacutequina de fazer sauacutede tem uma dimensatildeo hiacutebrida articula-se a
uma singularizaccedilatildeo do cuidado mas tambeacutem a uma capilarizaccedilatildeo do controle sobre a
populaccedilatildeo (PICCININI NEVES 2013)
Com a ampliaccedilatildeo da cobertura da ESF nos domiciacutelios brasileiros em especial na
cidade do Rio de Janeiro em aacutereas carentes tambeacutem haacute que se observar como apontam
Lemke e Silva (2013) nessa mesma direccedilatildeo do controle
() o trabalho dos ACS tem essa dupla direccedilatildeo a de ser um modo de
racionalizar custos e a de ser um modo de ampliar o acesso e de
focalizar a atenccedilatildeo em grupos vulneraacuteveis atendendo a um principio
equitativo de justiccedila social Por esse motivo a praacutetica dos ACS
comporta o risco de ser uma cesta baacutesica simplificada para os pobres
que por meio das praacuteticas de educaccedilatildeo em sauacutede e das visitas
domiciliares tenha como efeito a medicalizaccedilatildeo a normalizaccedilatildeo e o
controle da vida no territoacuterio comunitaacuterio (LEMKE SILVA 2013
p41)
134
Como jaacute descrito o ACS que natildeo tem uma formaccedilatildeo acadecircmica nem qualquer
conhecimento teacutecnico preacutevio em sauacutede que eacute um dos requisitos fundamentais para a sua
atuaccedilatildeo foram a via pela qual se planejou executar parte das mudanccedilas nos modos de
produzir sauacutede no paiacutes ldquoA sauacutede bate agrave sua portardquo Piccinini e Neves (2013 p 83) O
indiviacuteduo que antes era mais um morador do territoacuterio eacute promovido a cuidador tornando-se
corresponsaacutevel pelos cuidados em sauacutede de um determinado recorte territorial geograacutefico
Outro analisador importante do discurso dos agentes sobre o manejo foi a passividade
traziam o ldquocasordquo para equipe resolver natildeo sentiam-se participes do processo de produccedilatildeo do
cuidado a esses usuaacuterios
Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a enfermeira resolvem e eu
fico soacute acompanhando (Hebe)
Converso peccedilo para vim aqui (na Cliacutenica da Famiacutelia) falar com os meacutedicos com os
cliacutenicos que eles que encaminham para aacuterea de psiquiatria e para comeccedilar um tratamento
(Marcilene)
Sobressaltando mais uma vez o lugar do ldquosuposto saberrdquo onde soacute os profissionais de
niacutevel superior com seu conhecimento teacutecnico cientifico teriam as soluccedilotildees para os problemas
apresentados E o agente comunitaacuterio de sauacutede sem o conhecimento teacutecnico-acadecircmico fica
mais uma vez subordinado ao poder meacutedico
Um contraponto muito interessante desses dois discursos foi o discurso Natalina
Eu tenho um grupo de caminhada ai assim quando eu vou na casa deles eles tem
abertura para conversar comigo eles falam ai eu tento chamar para fazer atividades ()
qualquer um que gostaria de caminhar a gente dava uma caminhadinha na Lagoa para tirar
o estresse do dia-a-dia () a maioria dos meus pacientes eacute empregada domeacutestica e porteiro
entatildeo eacute muita cobranccedila em cima deles natildeo tem como ficar estressado
O que representou por parte dessa agente comunitaacuteria de sauacutede iniciativa e autonomia
no seu processo trabalho A ideia do grupo foi de autoria dessa agente Chamou atenccedilatildeo
tambeacutem a sua sensibilidade de abrir um espaccedilo de escuta para essas pessoas com ocupaccedilotildees
de trabalho estressante Marcando assim uma caracteriacutestica fundamental do meacutetodo para as
accedilotildees de sauacutede mental na ESF a invenccedilatildeo no modo de produzir sauacutede (LANCETTI 2013)
No discurso de Hebe eacute sinalizada a presenccedila do NASF realmente como apoio para o
manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental em uma perspectiva de territoacuterio de sauacutede e natildeo de
doenccedila pois quando a ACS natildeo conhecia a rede o lugar para pedir ajuda era uma instituiccedilatildeo
psiquiaacutetrica
135
Agora a gente tem o NASF mas nem sempre foi assim () uma paciente que todo dia
descia pra trabalhar de repente ela passou a ficar andando pela comunidade isso me causou
estranheza isso natildeo eacute normal () e a pessoa estava falando as coisas natildeo tinham conexatildeo
() eu peguei natildeo conhecia a rede levei ela no PINEL laacute ela foi medicada
Nesse discurso tambeacutem fica caracterizado o princiacutepio da longitudinalidade ou seja o
quanto acompanhar um usuaacuterio ao longo do tempo possibilita reconhecer que determinada
accedilatildeo desse usuaacuterio eacute ou natildeo eacute estranha no seu cotidiano permitindo uma intervenccedilatildeo precoce
que pode ser iatrogecircnica ou natildeo
Nesse caso citado natildeo foi a mais adequada mas no momento foi a melhor que Hebe
pode fazer em termos de cuidado e proteccedilatildeo da usuaacuteria
A mudanccedila tatildeo ansiada no paradigma da atenccedilatildeo agrave sauacutede ateacute entatildeo centrado no
modelo hospitalocentrico em um nuacutemero significativo de textos e artigos incluindo os
documentos oficiais do Ministeacuterio da Sauacutede deposita sobre a ESF e muitas vezes sobre a
figura do ACS a responsabilidade dessa mudanccedila Como apontado por Tomaz (2002) faz-se
necessaacuterio natildeo tomar o ACS como um super-heroacutei Onde o autor procura combater a visatildeo
romacircntica do ACS e da APS como ldquomola propulsora da consolidaccedilatildeo do SUSrdquo Pois nesse
entendimento existiria uma distorccedilatildeo do papel dos ACS gerando sobrecarga de trabalho e
sofrimento para estes trabalhadores como colocado no discurso Kiara
Eu acho que ateacute os funcionaacuterios deveriam ter um tratamento porque nesse curso a
gente descobriu que tem uma Unidade que todos os ACS estatildeo tomando remeacutedios
controlados
Uma revisatildeo de literatura sobre a temaacutetica dos ACSs realizada por Bornstein e Storz
(2008) indica que natildeo eacute possiacutevel delegar a um uacutenico niacutevel do sistema de sauacutede a realizaccedilatildeo de
uma mudanccedila de tamanhas proporccedilotildees A afirmaccedilatildeo eacute sustentada com uma retomada da
criacutetica ao ldquodiscurso mudancistardquo presente nos documentos oficiais que muitas vezes mitifica
o meacutedico generalista e vecirc a simples inserccedilatildeo deste na APS como suficiente para modificaccedilatildeo
do paradigma de atenccedilatildeo O mesmo acontece com o ACS uma vez que a aposta neste
personagem eacute de ele possa fazer a articulaccedilatildeo entre o saber popular e o saber teacutecnico visando
agrave construccedilatildeo de um projeto de cuidado que atenda agraves necessidades da populaccedilatildeo de um
territoacuterio especifico do qual o ACS seria membro integrante e vasto conhecedor Pois as
transformaccedilotildees sociais para mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo em sauacutede satildeo lentas e dependem
do esforccedilo de todos os cidadatildeos (TOMAZ 2002)
136
Recomendaccedilotildees
Quanto as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF no
discurso dos ACSs o que predominou foi o pedido de capacitaccedilatildeo o que nos leva a concluir
que esses trabalhadores natildeo se sentem instrumentalizados para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede
mental apontando para necessidade de treinamentos ou capacitaccedilotildees tambeacutem para abordagem
ao usuaacuterios de droga e violecircncia domeacutestica
Acho que precisa ser trabalhado mais A sociedade estaacute tatildeo estressada taacute tatildeo
sobrecarregada que precisa sim ter uma atenccedilatildeo maior ainda mais agora que eles estatildeo
comeccedilando a liberar essas pessoas e como que a sociedade vai receber essas pessoas
Kiara
CAPACITACcedilAtildeO DOS AGENTES COMUNITAacuteRIOS DE SAUacuteDE mas uma
capacitaccedilatildeo muito efetiva aonde aborda-se todos os temas e natildeo alguns somente (Nateacutercia)
No discurso Marcilene aparece uma recomendaccedilatildeo muito interessante que soa como
uma criacutetica ou uma queixa denuacutencia da natildeo participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas que a
entrevistada tenta negar mas se contradiz
Assim eu acho que a equipe meacutedica neacute estar junto numa interconsulta com todos os
profissionais de sauacutede Eacute assim os agentes jaacute estatildeo junto com eles tem isso entendeu Que
muitas das vezes os casos eacute a gente que traz pra caacute para os outros profissionais
Como afirma Lancetti (2014) a regra fundamental do funcionamento das equipes eacute
fazer circular o saber tanto o teacutecnico e cientiacutefico como o cultural e o popular Portanto a
participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas eacute salutar para produccedilatildeo de sauacutede no territoacuterio
No discursos de Hebe e Jacobina respectivamente aparece a recomendaccedilatildeo de uma
visatildeo holiacutestica e integrada em sauacutede mental com sugestotildees dos atributos necessaacuterios para o
trabalho na ESF
Olha pra trabalhar em Sauacutede da Famiacutelia tem que saber ouvir ver aleacutem do que eles
tatildeo te mostrando veja aleacutem do que eles querem ver (Hebe)
Porque tem paciente que ele quer conversar contigo problemas pessoais dele e vocecirc
tem que taacute aberta a ouvir aquilo muitas das vezes opinar muitas das vezes natildeo opinar
porque sua opiniatildeo pode trazer problemas na famiacutelia entatildeo haacute toda um temperanccedila mas eacute
interessante eu gosto (Jacobina)
Jaacute os discursos de Iana e Heda marcados pela loacutegica do especialismo ainda centrado
no modelo biomeacutedico a recomendaccedilatildeo eacute ter mais meacutedico especializado na Cliacutenica da Famiacutelia
ficando explicito o desconhecimento dos princiacutepios da APS
137
Eu acho que teria que ter mais vamos dizer meacutedicos especializados neacute porque aqui
a gente tem um meacutedico mas um meacutedico pra trecircs equipes eacute muito pouco e hoje a populaccedilatildeo taacute
sofrendo muito com sauacutede mental eu vejo muita gente tomando muito remeacutedio controlado agraves
vezes ateacute sem prescriccedilatildeo (Iana)
Teria que implantar psiquiatria e psicologia era uma das coisas que natildeo deveria
faltar aqui dentro Natildeo teria que ser assim soacute estagiaacuterios ou residentes natildeo teria que ser
pessoas fixas aqui mesmo tinha que ter uma sala realmente soacute pra eles mesmo porque aqui
noacutes temos muitos problemas de sauacutede mental Teria que ser uma coisa fixa (Heda)
O discurso de Natalina natildeo eacute uma recomendaccedilatildeo mas eacute tambeacutem uma queixa denuacutencia
da demora para o atendimento em sauacutede mental
Eu acho muito distante eu acho que poderia ser mais proacuteximo porque assim vem ateacute
aqui () aiacute pra marcar uma consulta eacute um dilema porque vai ter que ver a agenda do
meacutedico agraves vezes eacute um pra mil aiacute agraves vezes a pessoa ateacute desiste entendeu Eu acho que tem
uma distacircncia sei laacute eacute uma coisa muito distante
E finalmente no discurso de Lana natildeo haacute nenhuma recomendaccedilatildeo para ser feita pois
na sua opiniatildeo a chegada do NASF trouxe significativas contribuiccedilotildees para as accedilotildees de sauacutede
mental na ESF Hoje jaacute melhorou bastante porque como eu falei chegou o NASF O que
demonstrou que a equipe do NASF na Cliacutenica da Famiacutelia estudada estaacute efetivamente apoiando
as equipes conforme recomendado na Portaria GM 1542008
138
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Natildeo poderia deixar de pontuar o quanto foi difiacutecil escrever no periacuteodo de crise poliacutetica
brasileira desde o afastamento da Presidenta eleita democraticamente por voto popular em
marccedilo de 2016 ateacute a aprovaccedilatildeo do seu impeachment em agosto do mesmo ano Instalou-se
entatildeo no paiacutes um periacuteodo conservador de incertezas e ameaccedilas agrave tatildeo duramente conquistada
democracia Nesse clima de incertezas eacute colocada em votaccedilatildeo a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 241 que se transformou em PEC 55 Este Projeto tramitou sem a
necessaacuteria discussatildeo com diferentes atores e setores da sociedade e foi aprovado gerando a
desvinculaccedilatildeo de recursos da sauacutede nos proacuteximos 20 anos o que traraacute prejuiacutezos gigantescos
ao jaacute combalido SUS
A perda de recursos eacute histoacuterica e os caacutelculos demonstram que poderaacute acarretar ateacute R$
600 bilhotildees de reais retirados da sauacutede Isto coloca em risco o conjunto inquestionaacutevel de
conquistas da sauacutede brasileira desde a criaccedilatildeo do SUS apoacutes a promulgaccedilatildeo da nossa
Constituiccedilatildeo em 1988 como a melhoria da sauacutede puacuteblica brasileira aumento da expectativa
de vida reduccedilatildeo da mortalidade infantil queda da desnutriccedilatildeo e inuacutemeras campanhas de
promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede
A defesa do direito constitucional previsto no Artigo 196 da Constituiccedilatildeo de que a
sauacutede eacute um dever do Estado e um direito de todos estaacute gravemente ameaccedilada com a
aprovaccedilatildeo da PEC 55 Como escrevo em defesa do SUS e de uma Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Puacuteblica
que aprofunde a universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade e participaccedilatildeo popular o
cenaacuterio atual estaacute desolador
Na cidade do Rio de Janeiro a gestatildeo do governo do PMDB (Partido do Movimento
Democraacutetico Brasileiro) que contribuiu expressivamente para expansatildeo da APS na cidade por
meio da ESF mesmo com todas as minhas criacuteticas (gestatildeo por OSs viacutenculos precaacuterios etc) a
cobertura que era de 694 em janeiro de 2009 chegou em dezembro de 2016 a 5172
(MSSASDAB e IBGE) E com a eleiccedilatildeo para a prefeitura do Rio de Janeiro onde foi eleito
um governo do PRB (Partido Republicano Brasileiro) o cenaacuterio de duacutevidas e incertezas
novamente se repete Nessa nova gestatildeo ainda natildeo se sabe se haveraacute continuidade a todo
investimento feito na APS
Retomando ao fechamento dessa pesquisa o objeto de estudo dessa tese foram os
sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo
adulta do territoacuterio de sua responsabilidade A anaacutelise desses sentidos foi realizada tendo
como referecircncia as formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela
triangulaccedilatildeo do que foi dito por cada profissional entrevistado a teoria que fundamentou o
139
texto e as minhas consideraccedilotildees sobre o tema estudado Quero aqui deixar claro que natildeo tive a
intenccedilatildeo de esgotar todas as possibilidades de efeitos de deriva advindos das formaccedilotildees
discursivas nomeadas pelos entrevistados O que eacute compatiacutevel com a Anaacutelise de Discurso que
se caracteriza pela incompletude sem iniacutecio absoluto nem ponto final definitivo o que escrevi
de acordo com o proposto por Orlandi (2013) foi uma proposta de reflexatildeo sobre a
linguagem sobre os sujeitos entrevistados e suas subjetividades sobre a histoacuteria e suas
ideologias
Para os profissionais de niacutevel superior (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes e
enfermeiros) a motivaccedilatildeo para trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) apareceu
como uma alternativa ao modelo meacutedico centrado e hospitalocentrico Portanto a
compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para estes profissionais estaacute relacionada com um
modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede centrado na pessoa e natildeo na doenccedila considerando a famiacutelia e o
entorno social O que foi colocado pelos proacuteprios profissionais como um trabalho muito mais
amplo assistindo a todas as faixas etaacuterias do receacutem-nascido ao idoso que tambeacutem eacute bem mais
complexo pois estaacute o tempo todo atravessado pela realidade de onde as pessoas vivem
Jaacute para os profissionais de niacutevel meacutedio e fundamental (teacutecnicos de enfermagem e
agentes comunitaacuterios de sauacutede) a motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF foi a oportunidade de
emprego proacuteximo agrave residecircncia A compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para esse
grupo de profissionais estaacute relacionada a importacircncia de fazer algo para a comunidade aonde
moram e poder ajudar o proacuteximo O que foi apontado por eles proacuteprios como prevenccedilatildeo
ressaltando a importacircncia de propor accedilotildees educativas como armazenamento adequado do lixo
haacutebitos saudaacuteveis de alimentaccedilatildeo o que denominaram como orientar para natildeo chegar ao
ponta da doenccedila jaacute instalada
As denominaccedilotildees utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasosrdquo de sauacutede
mental se relacionaram principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade
Pois utilizaram uma perspectiva mais ampliada do processo sauacutede-doenccedila com abordagem
psicossocial sofrimento psiacutequico e todo caso pode ser um caso de sauacutede mental Embora
tenham se utilizado do termo transtorno mental para diferenciar o que pode ser acompanhado
na ESF e o que deve ser referenciado houve um certo cuidado para explicar a diferenccedila entre
transtorno e sofrimento Quanto ao manejo demonstraram trabalhar e ensinar agraves equipes que
inicialmente o acompanhamento do usuaacuterio deve ser com a ESF mesmo Observou-se que o
encaminhamento para outros serviccedilos ocorriam somente em situaccedilotildees de transtornos mentais
graves transtornos mentais em crianccedilas e dependecircncia quiacutemica
140
Os meacutedicos residentes ao nomearem ldquocasordquo de sauacutede mental utilizaram-se de termos
teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da
psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda
euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico com uma
perspectiva holiacutestica o uso de termos psiquiaacutetricos parecia lsquooacutebviorsquo para nomear os ldquocasosrdquo de
sauacutede mental Quando se questionou a esses entrevistados sobre o porquecirc de utilizarem as
categorias nosograacuteficas acima mencionadas ficaram espantados como se aquele
questionamento natildeo fizesse nenhum sentido Isso indicou que o saber psiquiaacutetrico natildeo eacute
passiacutevel de questionamento eacute um saber preacute-existente e portanto naturalizado como
linguagem explicativa para as formas de adoecimento em sauacutede mental
Quanto ao manejo os meacutedicos residentes demonstraram natildeo fazer encaminhamentos
externos sem uma escuta ativa preacutevia e sem consultar os preceptores e os profissionais do
Nuacutecleo de Apoio ao Sauacutede da Famiacutelia (NASF) Embora tenha aparecido em seus discursos
uma dificuldade ou mesmo medo e inseguranccedila em manejar esses ldquocasosrdquo ndash pisando em ovos
e se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel os entrevistados apresentaram disponibilidade
para acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental Demonstraram ateacute interesse em
atendecirc-los pois se sentiam apoiados seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra
e psicoacutelogo) Daiacute a importacircncia de um processo de educaccedilatildeo continuada no cotidiano das
equipes ampliando o escopo de accedilotildees e a resolutividade na atenccedilatildeo primaacuteria Processo esse
que pode ser realizado pela equipe do NASF que tem uma funccedilatildeo teacutecnica e pedagoacutegica junto
agraves equipes da ESF
No discurso dos enfermeiros tambeacutem prevaleceu os termos teacutecnicos psiquiaacutetricos
Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia ansiedade doenccedila mental ndash para
nomear o ldquocasordquo de sauacutede mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais
ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias
desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Quanto ao manejo o que predominou foi a
solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico embora tenham relatado conseguir acolher e
escutar A dinacircmica do funcionamento em equipe surgiu em uma das falas dos enfermeiros
mas tambeacutem com ecircnfase na centralidade no profissional meacutedico
No discurso dos teacutecnicos de enfermagem a concepccedilatildeo de ldquocasosrdquo de sauacutede mental
apareceu impregnada da visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica
dependecircncia e tutela da famiacutelia comportamentos estereotipados Reafirmada na
recomendaccedilatildeo destes profissionais de ter um psiquiatra fixo na Cliacutenica da Famiacutelia (CF) para
atender a esses casos Exceccedilatildeo em um discurso que sugeriu a criaccedilatildeo de atividades em grupos
141
na proacutepria CF com a finalidade de reinserccedilatildeo no meio social Quanto ao manejo apareceram
dois modos de agir um centrado na equipe com discussatildeo de caso apoio do matriciador e
atividades em grupo como preconizado pela PNAB (2012) e pela Poliacutetica Puacuteblica de Sauacutede
Mental e outro centrado na crise na medicaccedilatildeo no profissional especialista e na loacutegica do
encaminhamento
Jaacute no discurso dos agentes comunitaacuterios de sauacutede o que predominou na nomeaccedilatildeo de
ldquocasordquo de sauacutede mental foi uma concepccedilatildeo mais ampliada das vaacuterias situaccedilotildees da vida
(estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas
com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou
social desagregador) Em relaccedilatildeo ao manejo o que prevaleceu foi levar para unidade de sauacutede
(CF) ou seja os agentes exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculordquo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo
Daiacute a importacircncia da atuaccedilatildeo do agente comunitaacuterio de sauacutede pois possui o capital social
muitas vezes facilitando esse canal de comunicaccedilatildeo Tambeacutem trouxeram a importacircncia da
prevenccedilatildeo (pelo viacutenculo e acompanhamento do indiviacuteduo e grupo familiar) do
empoderamento dos usuaacuterios e da comunidade (com praacutetica de atividades fiacutesicas em grupo) e
da natildeo dissociaccedilatildeo mente e corpo
Mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na CF
estudada tais como a praacutetica da reuniatildeo de equipe semanal com discussatildeo conjunta de casos
a relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila com
visitas domiciliares e aplicaccedilatildeo do familiograma onde foi apontado pelos meacutedicos residentes
a importacircncia da pessoa falar da sua experiecircncia de estar doente do acompanhamento
longitudinal e de ter um meacutedico para chamar de seu o que haacute alguns anos atraacutes era somente
para as pessoas mais abastadas da sociedade
O deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e
desmedicalizadoras com propostas de grupos como ldquoCafeacute com Especialistardquo espaccedilo pensado
para reunir as pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica haacute muitos anos com o objetivo de
questionar esse uso dividir experiecircncias e reduzir a medicaccedilatildeo principalmente os
benzodiazepiacutenicos Ressalto que esse grupo foi pensado pelo psiquiatra do NASF com os
meacutedicos residentes a partir de uma listagem nominal que a farmaacutecia da unidade dispotildee dos
usuaacuterios que fazem uso de psicotroacutepico com o nome da substancia a dose utilizada e a data da
dispensaccedilatildeo O nome do grupo a princiacutepio seria ldquoCafeacute com Psiquiatrardquo depois foi repensado
pois poderia se tornar um espaccedilo para troca de receitas e lsquopsiquiatrizantersquo o que natildeo era a
intenccedilatildeo
142
Outra atividade em grupo da unidade eacute o ldquoGrupo de Artesanatordquo coordenado por uma
enfermeira com o objetivo de aproximar as pessoas do entorno agrave unidade de sauacutede onde a
princiacutepio participam mulheres idosas com atividades de costura e crochecirc hoje participam
pessoas de vaacuterias idades e tornou-se mais um espaccedilo potente de convivecircncia Acontece
tambeacutem na CF a ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo mas essa eacute coordenada por dois voluntaacuterios
um ex-residente de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da proacutepria unidade e uma psicoacuteloga
Aberta a todos os usuaacuterios interessados realizada no horaacuterio noturno com modo de
funcionamento proacuteprio do meacutetodo da ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo Se pensarmos a
unidade baacutesica de sauacutede como o lugar onde as pessoas vatildeo para fazer consultas meacutedicas e
odontoloacutegicas procedimentos teacutecnicos (curativos vacinas colher exames) a presenccedila desses
grupos satildeo realmente propostas inovadoras
Nas entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede surgiram vaacuterias propostas de
inovaccedilatildeo em fazer sauacutede na comunidade darei destaque a duas delas uma foi a proposta de
chamar o educador fiacutesico para uma accedilatildeo com as mulheres no alto da comunidade o
profissional foi com sua ideia de propor atividades fiacutesicas e haacutebitos de vida saudaacuteveis na sua
concepccedilatildeo dogmaacutetica enquanto que a ideia da agente comunitaacuteria de sauacutede era de uma coesatildeo
social entre esses mulheres explicando que na comunidade as casas satildeo todas muito
proacuteximas mas as pessoas satildeo muito desunidas A outra proposta foi de um grupo de
caminhada semanal fora da comunidade para que as pessoas pudessem ter um espaccedilo de
conviacutevio social e tirar o estresse do dia-a-dia pois na aacuterea dessa agente comunitaacuteria havia
muitos porteiros e empregadas domeacutesticas E no seu entendimento esse espaccedilo ajudaria essas
pessoas a natildeo ficarem doentes prevenindo doenccedilas fiacutesicas e mentais
Um dos pontos fracos observado na unidade estudada que foi tambeacutem uma das queixa
dos meacutedicos residentes foi passarem a maior parte da carga horaacuteria dentro da unidade de
sauacutede natildeo restando tempo para atividades extramuros na comunidades com exceccedilatildeo das
visitas domiciliares que no primeiro ano da residecircncia satildeo mais frequentes mas no segundo
ano satildeo muito escassas a prevenccedilatildeo eacute dentro do consultoacuterio mesmo como apareceu em um
dos discursos Apesar dessa natildeo ter sido uma queixa dos enfermeiros e teacutecnicos de
enfermagem observei que esses profissionais tambeacutem permaneciam a maior tempo dentro da
unidade O profissional com mais tempo fora da unidade de sauacutede pareceu ser mesmo o
agente comunitaacuterio de sauacutede
Os meacutedicos residentes se queixaram tambeacutem da falta de valorizaccedilatildeo da especialidade
Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela populaccedilatildeo talvez por falta de conhecimento e
divulgaccedilatildeo do funcionamento da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede atraveacutes da Estrateacutegia Sauacutede da
143
Famiacutelia e pelo proacuteprio sistema de sauacutede que ateacute o momento natildeo conseguiu colocar a APS
como coordenadora do cuidado Essa foi similarmente uma queixa-denuacutencia dos enfermeiros
recomendando inclusive a divulgaccedilatildeo junto a populaccedilatildeo em geral da forma de funcionamento
da ESF assim como o melhoramento dos fluxos de referecircncia e contra referecircncia
Os profissionais da ESF da CF estudada conseguem com o apoio do NASF
acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental encaminhando soacute os casos mais graves que
necessitam de um serviccedilo mais especializados em geral crianccedilas adolescentes casos agudos
de sofrimento psiacutequico e dependecircncia quiacutemica Inclusive foi uma recomendaccedilatildeo dos proacuteprios
profissionais ampliar o nuacutemero de dispositivos abertos como os Centros de Atenccedilatildeo
Psicossocial nas suas modalidades adulto infantil aacutelcool e drogas natildeo soacute na aacuterea onde estaacute
situada a CF mas em toda a cidade do Rio de Janeiro
A necessidade de capacitaccedilatildeo para accedilotildees de sauacutede mental violecircncia no territoacuterio e
dependecircncia quiacutemica foi muito recomendada por todos os profissionais entrevistadas atenccedilatildeo
especial para melhor seleccedilatildeo e qualificaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios de sauacutede devido a
importacircncia de sua funccedilatildeo natildeo soacute para as questotildees de sauacutede mental mas para ESF como um
todo Outra necessidade apontada pelos profissionais foi mais apoio no fazer cotidiano por
parte gestatildeo que cobra muito as metas a serem atingidas focando em nuacutemeros priorizando a
quantidade e natildeo a qualidade do atendimento
A Cliacutenica da Famiacutelia estudada por ser campo de praacutetica para a Residecircncia de Medicina
de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro tem uma estrutura de recursos
humanos e materiais muito boa funciona em horaacuterio estendido das 0800 agraves 2000hs
facilitando assim o acesso dos usuaacuterios que trabalham em horaacuterio comercial Mas a alta
rotatividade dos profissionais principalmente dos meacutedicos residentes eacute uma queixa frequente
dos usuaacuterios como apontado nas entrevistas pelos agentes comunitaacuterios de sauacutede e teacutecnicos
de enfermagem o que acaba interferindo no princiacutepio da longitudinalidade Os meacutedicos
preceptores embora defendam essa forma de organizaccedilatildeo caiacuteram numa contradiccedilatildeo quando
em seus discursos sinalizaram que a sauacutede da famiacutelia eacute como vinho quanto mais tempo
melhor
Um ponto de destaque que encontrei nas entrevistas e necessita de mais estudos para
melhor investigaccedilatildeo foi a criacutetica de que o tempo meacutedio de duraccedilatildeo de um meacutedico de famiacutelia
seria de 5 (cinco) anos tamanha a sobrecarga de trabalho devido agrave alta taxa de adoecimento
da populaccedilatildeo a falta de articulaccedilatildeo entre os serviccedilos ou seja os niacuteveis de atenccedilatildeo totalmente
desarticulados Nesse contexto como a Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede vai ser coordenadora do
cuidado de se natildeo haacute uma rede de sauacutede estruturada E como o meacutedico de famiacutelia vai
144
conseguir suportar toda essa demanda Foram alguns dos questionamentos dos meacutedicos
residentes O adoecimento dos agentes comunitaacuterios de sauacutede pela sobrecarga de trabalho
apareceu na entrevista com esses profissionais Assim como no discurso dos teacutecnicos de
enfermagem a queixa da sobrecarga de trabalho esteve presente
Uma abordagem de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede poderaacute ser eficaz para
defender a vida para diminuir a dor e o sofrimento extremo a partir de uma reflexatildeo de que
diversos fatores estatildeo envolvidos neste processo que vatildeo desde as condiccedilotildees econocircmicas e
sociais da populaccedilatildeo passando por questotildees ligadas agrave subjetividade contemporacircnea pela
maneira como estatildeo organizados os serviccedilos e que tipos de demanda induzem ateacute a
capacitaccedilatildeo dos profissionais envolvidos nessa tarefa com apoio e financiamento da gestatildeo
Atualmente uma das grandes questotildees para uma atenccedilatildeo em sauacutede mental puacuteblica e de
qualidade eacute definir o limite de suas prestaccedilotildees que tipo de problemas devem ser atendidos
nos serviccedilos de sauacutede mental e quais outros supotildee um mal-estar da vida cotidiana e portanto
natildeo deveriam ser objeto da atenccedilatildeo de sauacutede especifica Quais satildeo os limites do sofrimento
ou do transtorno mental Qualquer sofrimento psicoloacutegico deve ser objeto de atenccedilatildeo em
sauacutede Quais satildeo as prestaccedilotildees de sauacutede que um sistema puacuteblico responsaacutevel e bem
organizado deve garantir
Colocar essas questotildees eacute de suma importacircncia nesse contexto de crise econocircmica e
poliacutetica ndash onde o SUS puacuteblico e universal estaacute ameaccedilado com cortes no orccedilamento e
aprovaccedilatildeo da PEC 55 Que tipo de atenccedilatildeo em sauacutede mental justa deveraacute ser feita pelos
sistemas puacuteblicos de sauacutede nas proacuteximas deacutecadas
De acordo com Retolaza (2013) os partidaacuterios de uma concepccedilatildeo biomeacutedica positivista
tem isso muito claro tem que prestar assistecircncia somente para aqueles que tem doenccedila que
possa ser medicamente catalogada e definida como doenccedila Mas natildeo eacute faacutecil definir o que eacute
doenccedila e o que natildeo eacute especialmente em uma sociedade que medicaliza o sofrimento e as
dificuldades da existecircncia passando para a sauacutede (e natildeo soacute para a psiquiatria) a atenccedilatildeo e o
cuidado de disfunccedilotildees sociais de todo o tipo Para o sistema privado desde que haja um preccedilo
acertado pouco importa aonde comeccedila e termina a doenccedila Se pode se pagar haacute tratamento
se natildeo natildeo haacute
Esse eacute o desafio que estaacute colocado natildeo soacute para a APS mas para o nosso SUS que
convive com a expansatildeo do sistema privado e dos grandes conglomerados de planos privados
de sauacutede
As limitaccedilotildees desse estudo foram o cenaacuterio do estudo foi uma Cliacutenica da Famiacutelia
cenaacuterio de praacutetica da Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio
145
de Janeiro considerada uma unidade modelo pela Secretaria Municipal de Sauacutede localizada
na zona sul (AP 21) uma aacuterea rica em equipamentos de sauacutede E apenas os profissionais
foram entrevistados perfazendo um total de 22 participantes quando se tivesse oportunidade
e tempo haacutebil para entrevistar os usuaacuterios seria mais enriquecedor
Como recomendaccedilatildeo sugiro que essa pesquisa seja replicada em outras Cliacutenicas da
Famiacutelia nas diferentes Aacutereas Programaacuteticas da cidade a fim de comparar os resultados
encontrados que os usuaacuterios sejam entrevistados a respeito do cuidado em sauacutede mental
ofertado na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e suas expectativas sobre o comportamento que os
profissionais e esses serviccedilos devem ter na prestaccedilatildeo desse cuidado E por fim um estudo
com os psiquiatras matriciadores para investigar a percepccedilatildeo deles na comunicaccedilatildeo e no
acompanhamento dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental com a equipe da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
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APENDICE I ndash Roteiro de Entrevista
Iniciais do nome
Idade Sexo Estado Civil Natural de
Formaccedilatildeo profissional Tempo de formaccedilatildeo
Poacutes-graduaccedilatildeo Sim ( ) Aacuterea_______________ Natildeo ( )
Tempo de atuaccedilatildeo na ESF
Teve ou tem algum tipo de treinamento curso ou apoio para accedilotildees de sauacutede mental
1) O que eacute para vocecirc trabalhar na ESF
- Por quecomo veio trabalhar (motivaccedilatildeo)
- Como eacute a sua rotina de trabalho
- O que caracteriza o seu trabalho na ESF
- Qual eacute a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede
- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria da ESF
2) O que vocecirc considera como ldquocaso de Sauacutede Mentalrdquo na populaccedilatildeo adulta assistida pela
sua equipe da ESF
- Como identifica acolhe acompanha eou encaminha
- Se encaminha para onde
- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria do atendimento agrave Sauacutede Mental na
ESF
161
APENDICE II ndash Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) Prezado participante
Vocecirc estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa ldquoOs sentidos atribuiacutedos pelos
profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos casos de Sauacutede Mentalrdquo desenvolvida
por Vanessa Andrade Martins Pinto discente de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica da Escola
Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (ENSPFIOCRUZ)
sob orientaccedilatildeo do Professor Dr Paulo Duarte de Carvalho Amarante e coorientaccedilatildeo da
Professora Drordf Ana Elisa Bastos Figueiredo
O objetivo central do estudo eacute Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da
Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca do que apreendem como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo na
populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio
do Rio de Janeiro
Vocecirc estar sendo convidado a participar desse estudo por trabalhar na Estrateacutegia de Sauacutede
da Famiacutelia haacute mais de seis (6) meses
O convite a sua participaccedilatildeo se deve agrave sua praacutetica na Equipe de Estrateacutegia de Sauacutede da
Famiacutelia no territoacuterio adscrito
Sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria isto eacute ela natildeo eacute obrigatoacuteria e vocecirc tem plena autonomia
para decidir se quer ou natildeo participar bem como retirar sua participaccedilatildeo a qualquer momento
Vocecirc natildeo seraacute penalizado de nenhuma maneira caso decida natildeo consentir sua participaccedilatildeo ou
desistir da mesma Contudo ela eacute muito importante para a execuccedilatildeo da pesquisa
Seratildeo garantidas a confidencialidade e a privacidade das informaccedilotildees por vocecirc
prestadas uma vez que qualquer dado que possa identificaacute-lo seraacute omitido na divulgaccedilatildeo dos
resultados da pesquisa As entrevistas seratildeo transcritas e todo o material seraacute armazenado em
arquivos digitais seguros aos quais somente teratildeo acesso eu como pesquisadora meu
orientador e minha co-orientadora
A qualquer momento durante a pesquisa ou posteriormente vocecirc poderaacute solicitar da
pesquisadora informaccedilotildees sobre sua participaccedilatildeo eou sobre a pesquisa o que poderaacute ser feito
atraveacutes dos meios de contato explicitados neste Termo
A sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder perguntas de um roteiro de entrevista com
questotildees norteadoras agrave pesquisadora do projeto A gravaccedilatildeo de toda a entrevista eacute condiccedilatildeo
necessaacuteria agrave sua participaccedilatildeo
O tempo de duraccedilatildeo da entrevista eacute de aproximadamente trinta minutos As entrevistas
seratildeo realizadas em local apropriado com somente a sua presenccedila e a da pesquisadora
Ao teacutermino da pesquisa todo material seraacute mantido em arquivo por pelo menos cinco
(5) anos conforme Resoluccedilatildeo 46612 e orientaccedilotildees do CEPENSP
O benefiacutecio direto relacionado com a sua colaboraccedilatildeo nesta pesquisa eacute o de reflexatildeo
sobre o seu proacuteprio processo de trabalho e da sua equipe O que indiretamente poderaacute
influenciar na melhoria da qualidade do cuidado em sauacutede mental aos usuaacuterios adscritos em
seu territoacuterio de responsabilidade
Rubrica do Participante ____________
Rubrica do Pesquisador ___________
(1-2)
162
O risco da sua participaccedilatildeo neste estudo pode ser de constrangimento durante as
entrevistas Nesse caso seraacute sugerido uma pausa ou retorno em outro momento ou ateacute mesmo
a desistecircncia em vocecirc responder a entrevista Outro risco pode ser de sua identificaccedilatildeo como
participante da pesquisa O que seraacute minimizado ao realizarmos uma anaacutelise em conjunto dos
dados coletados na entrevista impossibilitando assim atribuiccedilatildeo individual aos seus
depoimentos
Esse Termo eacute redigido em duas (2) vias uma (1) para vocecirc participante e outra para a
pesquisadora responsaacutevel pela pesquisa Devendo obrigatoriamente todas as paacuteginas serem
rubricadas por vocecirc participante e pela pesquisadora sendo que a uacuteltima paacutegina deve conter
sua assinatura assim como da pesquisadora do estudo
Em caso de duacutevida quanto agrave conduccedilatildeo eacutetica do estudo entre em contato com o Comitecirc
de Eacutetica em Pesquisa da ENSP O Comitecirc de Eacutetica eacute a instacircncia que tem por objetivo defender
os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no
desenvolvimento da pesquisa dentro de padrotildees eacuteticos Dessa forma o comitecirc tem o papel de
avaliar e monitorar o andamento do projeto de modo que a pesquisa respeite os princiacutepios
eacuteticos de proteccedilatildeo aos direitos humanos da dignidade da autonomia da natildeo maleficecircncia da
confidencialidade e da privacidade
Tel e Fax - (0XX) 21- 25982863
E-Mail cepenspfiocruzbr
httpwwwenspfiocruzbretica
Endereccedilo Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca FIOCRUZ Rua Leopoldo
Bulhotildees 1480 ndashTeacuterreo - Manguinhos - Rio de Janeiro ndash RJ - CEP 21041-210
___________________________________________
Vanessa Andrade Martins Pinto (Pesquisadora)
Laboratoacuterio de Estudos e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial
LAPSENSPFiocruz Avenida Brasil 4036506 CEP 21040-361 - Manguinhos - Rio de
Janeiro ndash RJ Telefone (21) 3882-9105 E-mail vanessaampgmailcom
RIO DE JANEIRO ____ de _______________ 2015
Declaro que entendi os objetivos e condiccedilotildees de minha participaccedilatildeo na pesquisa e concordo
em participar
_________________________________________
(Assinatura do participante da pesquisa)
Nome do participante _____________________________________________
Rubrica do Participante ____________
Rubrica da Pesquisadora _____________
(2-2)
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Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz
Instituto de Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo Cientiacutefica e Tecnoloacutegica
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Os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede
da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo de sauacutede mental Vanessa Andrade
Martins Pinto -- 2017
162 f tab graf
Orientador Paulo Duarte de Carvalho Amarante
Coorientadora Ana Elisa Bastos Figueiredo
Tese (Doutorado) ndash Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz Escola Nacional
de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca Rio de Janeiro 2017
Vanessa Andrade Martins Pinto
Os Sentidos Atribuiacutedos pelos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo
de Sauacutede Mental
Tese apresentada ao Programa de Poacutes-
graduaccedilatildeo em Sauacutede Puacuteblica da Escola
Nacional de Sauacutede Seacutergio Arouca na
Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz como requisito
parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em
Sauacutede Puacuteblica Aacuterea de concentraccedilatildeo Sauacutede
Mental
Aprovada em 07 de Abril de 2017
Banca Examinadora
Prof Drordf Anna Luiza Castro Gomes
CCSUFPB
Profordm Drordm Cesar Augusto Orazem Favoreto
FCMUERJ
Profordf Drordf Elyne Montenegro Engstrom
ENSPFIOCRUZ
Profordf Drordf Maacutercia Cristina Rodrigues Fausto
ENSPFIOCRUZ
Profordm Drordm Paulo Duarte de Carvalho Amarante
ENSPFIOCRUZ
Rio de Janeiro
2017
Aos meus pais Neuza e Luiz Gonzaga (in memoriam)
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeccedilo a Deus pela forccedila e sabedoria na realizaccedilatildeo de mais um
projeto
Difiacutecil seria aqui nomear a todos que direta e indiretamente contribuiacuteram para que
este trabalho pudesse se concretizar
Ao meu orientador e mestre Paulo Amarante uma pessoa insubstituiacutevel Sua
capacidade de lutar pela vida eacute fantaacutestica Acima de tudo me ensinou o valor da vida e a
importacircncia da luta por uma sociedade onde as diferenccedilas sejam respeitadas e natildeo
desprezadas O final do ano de 2013 e inicio do ano de 2014 foram periacuteodos muito nebulosos
mas que conseguimos superar com feacute e esperanccedila
Agrave minha segunda orientadora Ana Elisa pelo acolhimento desde o primeiro contato
em sua disciplina ateacute a extensatildeo em sua casa onde passamos diversas tardes de extensas
leituras e reflexotildees Foi imprescindiacutevel
Agrave minha turma do doutorado e ao nosso coletivo de pesquisa ndash Laboratoacuterio de Estudos
e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial (Laps) pelas valiosas contribuiccedilotildees e
encorajamento para seguir em frente
Agrave toda a equipe da Cliacutenica da Famiacutelia participantes desse estudo que me recebeu
generosamente abrindo-se agraves reflexotildees dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Agraves minhas chefias do Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ e do Hospital Municipal
Rocha Maia pela compreensatildeo nesse periacuteodo que estive dividida entre o cotidiano laboral e a
pesquisa
Aos meus familiares e amigos que participaram desta jornada em diferentes
momentos estando proacuteximos ou a distacircncia que foram apoio suportando as minhas loucuras
nessa empreitada sem os quais nada teria sentido
Quando suportamos a posiccedilatildeo de cuidador navegamos por aacuteguas escuras e operamos
manobras de alta complexidade
LANCETTI 2014 p107
RESUMO
Foi realizado um estudo de natureza qualitativa do tipo estudo de caso descritivo-
analiacutetico em uma Cliacutenica da Famiacutelia na zona sul da cidade do Rio de Janeiro Com o objetivo
geral de estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
(ESF) acerca do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do
territoacuterio de sua responsabilidade A coleta de dados incluiu dois instrumentos diaacuterio de
campo e entrevistas semi-estruturadas Foram entrevistados vinte e dois (22) profissionais
nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) cinco (5) meacutedicos residentes trecircs (3)
enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores Utilizou-se a
teacutecnica de Anaacutelise do Discurso como referencial teoacuterico-metodoloacutegico As denominaccedilotildees
utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasordquo de sauacutede mental se relacionaram
principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade sofrimento psiacutequico e todo
caso pode ser um caso de sauacutede mental Os meacutedicos residentes utilizaram-se de termos
teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da
psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda
euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico Os enfermeiros
tambeacutem usaram termos teacutecnicos psiquiaacutetricos Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico
esquizofrenia ansiedade doenccedila mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais
ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias
desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Os teacutecnicos de enfermagem trouxeram uma
visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia
comportamentos estereotipados Jaacute os agentes comunitaacuterios de sauacutede foram os trabalhadores
que menos utilizaram termos diagnoacutesticos e trouxeram um entendimento mais amplo das
vaacuterias situaccedilotildees da vida estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho
casamento mal sucedido crianccedilas com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo
econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou social desagregador Apesar dos discursos dos
profissionais mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na
Cliacutenica da Famiacutelia estudada reuniatildeo semanal de equipe com discussatildeo conjunta dos casos a
relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila o
deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e desmedicalizantes
Palavras-chave Sauacutede Mental Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede Integralidade em Sauacutede Equipe
Multidisciplinar
ABSTRACT
A qualitative descriptive-analytical case study was carried out at a Family Clinic in
the southern area of Rio de Janeiro city The general objective was to study the meanings
attributed by Family Health Strategy (ESF) professionals on what they perceive as mental
health cases in the adult population in the territory of their responsibility Data collection
included two instruments field journal and semi-structured interviews Twenty-two (22)
professionals were interviewed nine (9) community health agents (ACS) five (5) resident
physicians three (3) nurses three (3) nursing technicians and two (2) preceptor physicians
The Discourse Analysis technique was used as a theoretical-methodological reference The
names used by preceptor physicians to name a mental health case were mainly related to
the field of Family and Community Medicine psychological suffering and any case can be a
case of mental health Resident physicians either used technical terms or made some
correlation with the nosographic categories of the field of psychiatry schizophrenia
hallucinations anxiety disorder deep depression euphoria except in a speech where the
term psychic suffering was used The nurses also used psychiatric technical terms simple
depression panic syndrome schizophrenia anxiety mental illness except in a speech that
addressed a broader view correlated with the discomforts of life (relationship difficulties
unstructured families violence and drug use) The nursing technicians brought a vision of
the asylum mode with emphasis on psychotropic medication stereotyped behaviors family
tutelage and family dependence Community health agents were the ones to least use
diagnostic terms and to bring a broader understanding of various life situations stress
violence drug addiction job problems unsuccessful marriage children with social
relationship difficulties the economic crisis family or social isolating environments Despite
the assessment of the professionals indicative changes in clinical practice were observed in
the Family Clinic under scrutiny weekly team meetings for joint discussion of the cases the
professional focus centered on the patient and their family nucleus instead of the disease the
shift from individual consultation to more collective and de-medicalizing practices
Keywords Mental Health Primary Health Care Integrality in Health Multidisciplinary
Team
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Quadro 1 ndash Os Movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo 30
Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede 36
Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 89
Meacutedicos Preceptores
Figura 2 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 99
Meacutedicos Residentes
Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 111
Enfermeiros
Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 120
Teacutecnicos de Enfermagem
Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 127
Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABS Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede
ACS Agente Comunitaacuterio de Sauacutede
APS Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
AM Apoio Matricial
UBS Unidade Baacutesica de Sauacutede
CID-10 Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados
com a Sauacutede em sua deacutecima ediccedilatildeo
CF Cliacutenica da Famiacutelia
CNSM Conferencia Nacional de Sauacutede Mental
DAB Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica
DSM Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais
ESB Equipe de Sauacutede Bucal
ESF Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
EqSF Equipe de Sauacutede da Famiacutelia
MS Ministeacuterio da Sauacutede
MFC Medicina de Famiacutelia e Comunidade
NASF Nuacutecleo de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia
NOB Norma Operacional Baacutesica
OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
OPAS Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede
OS Organizaccedilatildeo Social
OTICS Observatoacuterio de Tecnologias de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Serviccedilos de
Sauacutede no Rio de Janeiro
PMAQ-AB Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica
PNAB Programa Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica
PNAC Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede
PRMFC Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade
PSF Programa de Sauacutede da Famiacutelia
RAPS Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial
SAS Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede
SF Sauacutede da Famiacutelia
SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede
SUMAacuteRIO
1 APRESENTACcedilAtildeO
11 Trajetoacuteria e motivaccedilatildeo 12
2 INTRODUCcedilAtildeO 13
3 OBJETIVOS 31 Objetivo geral 20
32 Objetivos especiacuteficos 20
4 QUADRO TEOacuteRICO
41 Definiccedilatildeo de Termos 20
42 Modelos de Atenccedilatildeo em Sauacutede 29
43 Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede 34
44 A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 42
45 Os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 51
46 Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental Transformaccedilotildees de Paradigma 57
47 Medicalizaccedilatildeo do Social 60
48 Meacutetodo Cliacutenico Centrado na Pessoa 66
5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS
51 Etapas do estudo 71
52 Tipo de Estudo 72
53 Campo do Estudo 72
54 Participantes do Estudo 74
55 Procedimento para coleta dos dados 74
56 Forma de Anaacutelise dos dados 75
57 Aspectos Eacuteticos 77
6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
61 Descrevendo o Campo 78
62 Anaacutelise das entrevistas 82
621 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Preceptores 89
622 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Residentes 99
623 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Enfermeiros 111
624 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Teacutecnicos de Enfermagem 120
625 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede 127
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 138
REFEREcircNCIAS 146
APENDICES
APENDICE I - Roteiro de Entrevista 160
APENDICE II - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 161
12
1 APRESENTACcedilAtildeO
11 Trajetoacuteria e Motivaccedilatildeo
A opccedilatildeo pelo tema parece-me uma escolha coerente com minha histoacuteria recente e com
as atividades que venho desenvolvendo no aprimoramento multiprofissional Descobri o
Campo da Sauacutede Mental e da Atenccedilatildeo Psicossocial ao final da minha graduaccedilatildeo em
Enfermagem e Obstetriacutecia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Momento no
qual resolvi prestar concurso para Residecircncia Multiprofissional de Sauacutede Mental pela
Secretaria Municipal de Sauacutede Fui aprovada e iniciei o curso aprendi e visualizei a
importacircncia do trabalho multidisciplinar e a impossibilidade de se trabalhar em sauacutede sem
uma visatildeo integral que implicasse em uma rede de cuidados
Tive a oportunidade tambeacutem de ser aprovada no concurso para enfermeira da UFRJ e
pude ter o privileacutegio de escolher trabalhar no Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ Dei
continuidade ao que me interessava no cuidado em sauacutede mental em participaccedilotildees no
Laboratoacuterio de Pesquisa em Enfermagem em Psiquiatria e Sauacutede Mental (LAPEPS) agrave eacutepoca
coordenado pela Professora Cristina Loyola quando pude comeccedilar a aprender como
funcionam as investigaccedilotildees cientiacuteficas e os processos de coleta de dados Iniciei meu
mestrado nesse laboratoacuterio na linha de pesquisa ldquoArte e Sauacutede Mentalrdquo com o estudo
ldquoOficinas Terapecircuticas em Sauacutede Mental um olhar na perspectiva dos usuaacuterios do CAPSrdquo
realizado em um Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial na zona norte da cidade do Rio de Janeiro
Ao final do mestrado junto a minha experiecircncia de atuaccedilatildeo em um ambulatoacuterio
especializado de psiquiatria e mais recentemente na coordenaccedilatildeo de um projeto piloto na
porta de entrada denominado ldquoGrupo de Recepccedilatildeo e Encaminhamentordquo que tem como
proposta fazer com que as demandas solicitadas via Sistema de Regulaccedilatildeo (SISREG) do
Municiacutepio do Rio de Janeiro e demandas espontacircneas para atendimento especializado de
psiquiatria sejam acolhidas de acordo com a necessidade de cada usuaacuterio respectivo territoacuterio
e serviccedilos de referecircncia considerando a Portaria nordm 4279GMMS de 30 de dezembro de
2010 que estabelece diretrizes para a organizaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede E mais
especificamente agrave Portaria nordm 3088 de 23 de dezembro de 2011 que Institui a Rede de
Atenccedilatildeo Psicossocial
Nos primeiros cinco meses de funcionamento desse projeto piloto do total de 142
agendamentos 57 compareceram e apenas 08 foram inseridos em nosso ambulatoacuterio
especializado As inuacutemeras dificuldades econocircmicas de transporte e de locomoccedilatildeo
comprometem o acesso da populaccedilatildeo a serviccedilos especializados Nesse momento comecei a
questionar como equipamentos mais proacuteximos do local de residecircncia como a Estrateacutegia
13
Sauacutede da Famiacutelia (ESF) poderiam contribuir de forma mais decisiva para o cuidado das
pessoas em sofrimento psiacutequico Nesse contexto comecei a elaborar meu projeto de
doutorado em busca de conhecer inicialmente a articulaccedilatildeo da sauacutede mental com a atenccedilatildeo
primaacuteria em um territoacuterio de alta vulnerabilidade social
Apoacutes o ingresso no Curso de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica com o desenvolvimento
das leituras e colaboraccedilatildeo das disciplinas cursadas percebi que seria mais viaacutevel e produtivo
primeiro investigar qual a compreensatildeo dos profissionais da ESF sobre o seu trabalho para
depois inferir o que consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental no acircmbito de suas accedilotildees Para
entatildeo perguntar como eacute o acompanhamento dessas pessoas por parte das equipes da ESF
(orientaccedilotildees procedimentos e relaccedilotildees intra e interinstitucionais) Essa descriccedilatildeo pode
permitir em uacuteltima instacircncia situar em que medida as equipes da ESF estabelecem relaccedilotildees
de troca com as equipes de sauacutede mental e com a rede de atenccedilatildeo em sauacutede do territoacuterio sob
sua responsabilidade
2 INTRODUCcedilAtildeO
Na uacuteltima deacutecada a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o Movimento da Reforma
Psiquiaacutetrica Brasileira tecircm trazido contribuiccedilotildees importantes no sentido da reformulaccedilatildeo do
modelo de atenccedilatildeo em sauacutede no paiacutes Ambos defendem os princiacutepios baacutesicos do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) e propotildeem uma mudanccedila radical no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede
privilegiando a descentralizaccedilatildeo a abordagem comunitaacuteriafamiliar promoccedilatildeo da cidadania e
construccedilatildeo da autonomia possiacutevel de usuaacuterios e familiares
Aleacutem disso apontam para a criaccedilatildeo de uma rede de cuidados que se articularia no
territoacuterio atraveacutes da criaccedilatildeo de parcerias intersetoriais e intervenccedilotildees transversais de outras
poliacuteticas puacuteblicas de acordo com a IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM)
Brasil (2010) Em detrimento do modelo assistencial biomeacutedico caracterizado pelo
atendimento agrave demanda espontacircnea eminentemente curativo hospitalocecircntrico de alto custo
e de baixa resolutividade Essas poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede vecircm trazendo grandes avanccedilos no
processo de municipalizaccedilatildeo da sauacutede contribuindo para a transformaccedilatildeo do modelo de
atenccedilatildeo vigente em nosso paiacutes e para a consolidaccedilatildeo de outros modos de se pensar e agir em
sauacutede que consideram sobretudo a cliacutenica do sujeito isto eacute que incluem aleacutem da doenccedila o
contexto e o proacuteprio sujeito (CAMPOS 2003)
Na deacutecada de 1970 a Conferecircncia de Alma Ata alertou para a necessidade de rever a
organizaccedilatildeo dos sistemas de sauacutede no mundo redirecionando-os para Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave
Sauacutede (APS) valorizando a assistecircncia no territoacuterio com estiacutemulo agrave promoccedilatildeo da sauacutede e
14
prevenccedilatildeo de doenccedilas Gerando as bases para que a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS)
desenvolvesse em 1981 a estrateacutegia ldquoSauacutede para Todos no Ano 2000rdquo que influiu no
desenvolvimento de curriacuteculos orientados para temas comunitaacuterios e a implantaccedilatildeo de novas
aacutereas de ensino voltadas para a educaccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede
Segundo Barbara Starfield (2002) estudiosa da APS na atualidade a APS eacute o primeiro
contato da assistecircncia continuada centrada na pessoa de forma a satisfazer suas necessidades
de sauacutede promovendo atenccedilatildeo longitudinal coordenando o cuidado e ampliando a oferta de
acesso agrave sauacutede Starfield sugere entatildeo os seguintes atributos para as praacuteticas da atenccedilatildeo
primaacuteria primeiro contato longitudinalidade integralidade e coordenaccedilatildeo
Embora muitos paiacuteses do mundo jaacute tenham adotado a atenccedilatildeo primaacuteria como
estrateacutegia chave na organizaccedilatildeo de seu sistema de sauacutede alguns mais recentemente vem-se
destacando na conduccedilatildeo de estudos que articulam estrateacutegias assistenciais e educacionais com
enfoque na sauacutede mental Nessa esfera do conhecimento paiacuteses como Canadaacute Austraacutelia e
Chile tecircm contribuiacutedo de forma valiosa (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)
Esses mesmos autores destacam que a Inglaterra por sua vez haacute mais de 20 anos tem
se consolidado como o local de maior tradiccedilatildeo de pesquisa em estrateacutegias educacionais em
sauacutede mental dirigidas para a atenccedilatildeo primaacuteria O primeiro estudo mais aprofundado sobre o
tema foi publicado na deacutecada de 1980 pelos professores Goldberg et al (1980) vinculados ao
Instituto de Psiquiatria de Londres Outros trabalhos identificaram que aspectos da
personalidade dos cliacutenicos gerais bem como suas habilidades na conduccedilatildeo da entrevista
cliacutenica eram fatores determinantes na capacidade desses cliacutenicos em identificar distuacuterbios
emocionais em seus pacientes
Outro centro de grande importacircncia na pesquisa educacional em sauacutede mental para a
atenccedilatildeo primaacuteria eacute o Departamento de Psiquiatria da Universidade de Manchester O grupo de
pesquisadores dessa Instituiccedilatildeo coordenado pela professora Linda Gask trabalha em
conjunto com o Instituto de Psiquiatria de Londres e possui vasta experiecircncia na conduccedilatildeo
bem como na avaliaccedilatildeo de cursos de sauacutede mental direcionados para profissionais da atenccedilatildeo
primaacuteria (GOLDBERG et al 1980)
No Reino Unido alguns dos programas mais recentes de capacitaccedilatildeo estatildeo
organizados por meio de momentos de concentraccedilatildeo mediados por facilitadores quando
profissionais de atenccedilatildeo primaacuteria (meacutedicos e enfermeiros) desenvolvem projetos
compartilhados com membros das equipes de sauacutede mental (psiquiatras enfermeiras
psiquiaacutetricas e psicoacutelogos) a partir das demandas concretas da assistecircncia satildeo constituiacutedos
planos de cuidados compartilhados o que acaba produzindo accedilotildees criativas junto aos
15
usuaacuterios ao mesmo tempo em que satildeo instituiacutedos novos canais de comunicaccedilatildeo entre as
unidades baacutesicas de sauacutede e os centros comunitaacuterios de sauacutede mental (PEREIRA COSTA amp
MEGALE 2012)
Em 2001 a OMS propocircs no relatoacuterio sobre a sauacutede no mundo - Sauacutede mental nova
concepccedilatildeo nova esperanccedila que os transtornos mentais sejam diagnosticados e tratados por
cliacutenicos gerais Para isso os cliacutenicos recebiam treinamentos e aprendiam os criteacuterios
diagnoacutesticos supostamente objetivos do Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais (DSM) para em seguida
comeccedilarem a diagnosticar e tratar pacientes isto eacute a prescrever medicamentos Zarifian 2003
apud Burkley 2009 indica que paiacuteses como a Franccedila onde jaacute existe haacute mais tempo uma
campanha para que cliacutenicos gerais atendam casos de transtorno mental 80 dos diagnoacutesticos
e prescriccedilotildees de psicotroacutepicos satildeo feitos por generalistas Em 2003 apenas 15 dos pacientes
com diagnoacutestico de depressatildeo se dirigiam a um psiquiatra enquanto os outros 85 eram
tratados por cliacutenicos gerais (PIGNARRE 2003 apud BURKLEY 2009)
Faz-se importante tambeacutem destacar que as primeiras iniciativas de se trabalhar a sauacutede
mental inserida nas comunidades aconteceram na Europa e Estados Unidos e apesar do
caraacuteter controlador que essas praacuteticas assumiam no sentido de medicalizar os problemas da
vida ainda assim puderam ser consideradas inovadoras na medida em que mudaram o setting
terapecircutico do cuidado do hospital psiquiaacutetrico para a comunidade minimizando o estigma e
a discriminaccedilatildeo (HOCHMANN 1972)
Segundo um grupo de estudos da OMS que se deteve no desenvolvimento de cuidados
de sauacutede mental para a APS a formaccedilatildeo e treinamento dos meacutedicos de famiacutelia devem ter
como enfoque a relaccedilatildeo meacutedicopaciente as teacutecnicas e praacuteticas do trabalho em equipe e o
desenvolvimento da capacidade para ouvir e se comunicar (OMS 2001)
Em alguns paiacuteses da Ameacuterica Latina entre eles o Brasil as accedilotildees da APS foram
induzidas por agecircncias internacionais entre elas United Nations Childrens Fund (UNICEF) e
Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPAS) reduzindo seus valores princiacutepios e bases
conceituais instituiacutedas em Alma-Ata (OMS 1978) a programas seletivos simplificados e
desvinculados das accedilotildees realizadas em outros niacuteveis de atenccedilatildeo Testa (1992) discorre que
esta poliacutetica quando adotada de forma restritiva torna a medicina pobre para os pobres como
poliacutetica racional e econocircmica de accedilotildees promovidas pelo Estado
Para distinguir a concepccedilatildeo seletiva da APS no Brasil o Ministeacuterio da Sauacutede passou a
utilizar o termo ldquoAtenccedilatildeo Baacutesicardquo definida como ldquoum conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito
individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos
16
o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutederdquo
Brasil (2006) Poreacutem neste estudo optou-se por utilizar o termo equivalente Atenccedilatildeo
Primaacuteria agrave Sauacutede como considerado na atual Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica e
reconhecido internacionalmente Essa Poliacutetica tem na Sauacutede da Famiacutelia sua estrateacutegia
prioritaacuteria para expansatildeo e consolidaccedilatildeo da APS (BRASIL 2012)
A inserccedilatildeo dos cuidados comunitaacuterios de sauacutede mental no Brasil foi incorporada e
veiculadas pelo movimento da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira que nasceu no bojo da
Reforma Sanitaacuteria tendo guardado consigo princiacutepios e diretrizes que orientam esta uacuteltima
em especial a universalidade integralidade descentralizaccedilatildeo e participaccedilatildeo popular A ideacuteia eacute
que os profissionais da APS possam se responsabilizar pelo cuidado em sauacutede mental Mas a
que se considerar que a proposta da sauacutede mental nos cuidados primaacuterios numa abordagem
exclusivamente bioloacutegica corre o risco de acarretar uma medicalizaccedilatildeo cotidiana
Segundo Souza (2012) a proposta que hoje estaacute consolidada como uma das diretrizes
da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Mental em nosso paiacutes ndash a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental
na atenccedilatildeo primaacuteria ndash pode ter comeccedilado a ser desenhada desde 1990 quando a Declaraccedilatildeo
de Caracas privilegiou os Sistemas Locais de Sauacutede como espaccedilo privilegiado para o
desenvolvimento das accedilotildees de sauacutede mental A autora ressalta que na II Conferecircncia Nacional
de Sauacutede Mental realizada em 1992 tambeacutem foi enfatizada a importacircncia da aproximaccedilatildeo
com a comunidade tendo como eixo os princiacutepios da desinstitucionalizaccedilatildeo e do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) Nesta Conferecircncia ainda se destacou a necessidade de capacitaccedilatildeo dos
Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) para o atendimento em sauacutede mental Nesse mesmo
ano a publicaccedilatildeo da PortariaSNAS nordm 224 estabelecia as diretrizes para o funcionamento dos
hospitais-dia e ambulatoacuterios e apontava para a necessidade de maior integraccedilatildeo com a
comunidade e inserccedilatildeo das pessoas em sofrimento psiacutequico nas redes sociais aleacutem de
normatizar o atendimento em sauacutede mental nas redes do SUS (BRASIL 1992)
A III Conferecircncia Nacional de Sauacutede Mental que foi realizada somente em 2001
reiterou a necessidade de ampliar as accedilotildees de sauacutede mental para o eixo territorial e
intensificou o debate sobre a importacircncia da reorientaccedilatildeo do modelo assistencial Nesta
Conferecircncia ficou estabelecido que uma estrateacutegia a ser adotada para a reversatildeo do modelo
assistencial seria a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria o que pode ser
considerado como afirma Souza (2012) uma estrateacutegia para se alcanccedilar a integralidade no
atendimento agraves questotildees relacionadas agrave sauacutede mental Aleacutem disso tambeacutem em 2001 foi
sancionada a Lei 10216 que afirma os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais
e redireciona o modelo assistencial em sauacutede mental
17
Na avaliaccedilatildeo de um treinamento em cuidados primaacuterios agrave sauacutede mental para meacutedicos
dos serviccedilos primaacuterios de sauacutede no Brasil Ballester (1996) defende tambeacutem a capacitaccedilatildeo em
psicofarmacologia no entanto argumenta que a ecircnfase na abordagem farmacoloacutegica pode
gerar certa ldquomedicalizaccedilatildeordquo da populaccedilatildeo atendida no primeiro momento jaacute que o
treinamento em sauacutede mental poderaacute resultar em um maior nuacutemero de transtornos mentais
diagnosticados Por essa razatildeo eacute necessaacuterio que haja o aperfeiccediloamento da capacidade dos
meacutedicos de distinguir entre problemas existenciais situaccedilotildees estressantes da vida problemas
de viacutenculo familiar e social dos transtornos mentais propriamente ditos para que natildeo ocorram
prescriccedilotildees desnecessaacuterias (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)
Em um estudo mais recente Ballester e colaboradores (2005) estudaram 41 cliacutenicos
gerais que atuavam na atenccedilatildeo primaacuteria em duas cidades da regiatildeo Sul do Brasil com o
intuito de identificar possiacuteveis barreiras no atendimento aos portadores de transtornos
mentais Apoacutes a conduccedilatildeo de grupos focais anaacutelise de conteuacutedo do material transcrito e
revisatildeo da literatura atual os autores chegaram agraves seguintes conclusotildees de cunho educacional
programas de formaccedilatildeo centrados exclusivamente no diagnoacutestico e no uso da medicaccedilatildeo
podem descaracterizar a atuaccedilatildeo do meacutedico na atenccedilatildeo primaacuteria cujo principal objetivo eacute
sustentar relacionamentos com pacientes portadores de problemas complexos com o intuito
de facilitar o atendimento e contribuir para com uma maior eficaacutecia no tratamento A
formaccedilatildeo em sauacutede mental oferecida nas escolas de medicina tem demonstrado notoacuteria
limitaccedilatildeo Alguns autores tecircm relatado modelos de integraccedilatildeo assistencialeducativa em sauacutede
mental no acircmbito da atenccedilatildeo primaacuteria alguns deles voltados para a integraccedilatildeo curricular de
residentes de psiquiatria e de medicina comunitaacuteria (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)
Fato interessante quando comparamos agrave experiecircncia de Satildeo Joseacute do Murialdo no Rio
Grande do Sul (RS) na deacutecada de 1970 que marcou a iniciativa de se trabalhar as accedilotildees de
sauacutede mental na comunidade em nosso paiacutes Esta surge basicamente como alternativa agrave
formaccedilatildeo meacutedica e natildeo como ao modelo assistencial Natildeo pretendia constituir-se em um
dispositivo substitutivo aos modelos vigentes de atenccedilatildeo agrave sauacutede Foi influenciado pelos
postulados da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede de Alma Ata e pelo modelo de serviccedilos de
medicina familiar do National Health System Inglecircs vinculado agrave Secretaria do Estado do RS e
estava conveniado a algumas universidades federais como a do RS marcando a importacircncia
de parcerias para o ecircxito da proposta Tambeacutem mantinha uma articulaccedilatildeo com o sistema local
de sauacutede e apresentava como caracteriacutesticas a multiprofissionalidade das accedilotildees a ecircnfase na
formaccedilatildeo de recursos humanos a participaccedilatildeo da comunidade e o desenvolvimento de
atividades de assistecircncia ensino e pesquisa Tendo o atendimento cliacutenico baseado no
18
acolhimento e na busca da resolutividade Suas accedilotildees pautavam-se nas visitas domiciliares na
educaccedilatildeo em sauacutede nos programas para grupos de risco e num menu tiacutepico da atenccedilatildeo
primaacuteria Esta experiecircncia foi marcada pelo seu pioneirismo pela resistecircncia aos modelos de
formaccedilatildeo vigentes e pela articulaccedilatildeo com o sistema de sauacutede local (SOUZA 2012)
Todavia o delineamento de uma proposta para a Sauacutede Mental na APS no Brasil pelo
Ministeacuterio da Sauacutede ganhou ecircnfase em 2003 com a ediccedilatildeo de uma Circular Conjunta da
Coordenaccedilatildeo de Sauacutede Mental e Coordenaccedilatildeo de Gestatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica nordm 0103 Brasil
2003 Tambeacutem muito mais tarde com a Portaria 154 de 2008 que criou o Nuacutecleo de Apoio agrave
Sauacutede da Famiacutelia (NASF) e instituiu seu financiamento Na deacutecada de 2000 entatildeo com
financiamento e regulaccedilatildeo tripartite amplia-se fortemente a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial
(Raps) que passa a integrar a partir do Decreto Presidencial nordm 75082011 o conjunto das
redes indispensaacuteveis na constituiccedilatildeo das regiotildees de sauacutede Em dezembro desse mesmo ano foi
decretada a Portaria nordm 3088 que institui a RAPS (Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial) para pessoas
com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool
e outras drogas no acircmbito do SUS que deve ser constituiacuteda pelos seguintes componentes I
Atenccedilatildeo baacutesica em sauacutede II Atenccedilatildeo psicossocial especializada III Atenccedilatildeo de urgecircncia e
emergecircncia IV Atenccedilatildeo residencial de caraacuteter transitoacuterio e V Atenccedilatildeo hospitalar
Eacute bom lembrar que no Brasil embora tenham sido criados ateacute o ano de 2014 2129
Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) ndash serviccedilos que estatildeo se interiorizando e adensando
nos territoacuterios somados a 129 consultoacuterios de rua e 695 residecircncias terapecircuticas o nuacutemero de
serviccedilos bem como de profissionais da sauacutede mental capacitados para atender toda a
populaccedilatildeo brasileira ainda se mostra insuficiente (CHIORO 2014)
A despeito de estudos demonstrarem a importacircncia da integraccedilatildeo da sauacutede mental nos
cuidados primaacuterios como a melhor maneira de assegurar que as pessoas recebam os cuidados
de sauacutede mental de que precisam de uma forma mais holiacutestica respondendo agraves necessidades
de sauacutede mental das pessoas com doenccedilas fiacutesicas assim como agraves necessidades de sauacutede fiacutesica
das pessoas com sofrimento psiacutequico como apontam Prates Garcia e Moreno (2013) Souza e
Luis (2012) Cossetim e Olschowsky (2011) Neves Lucchese e Munari (2010) Souza e
Riviera (2010) satildeo praticamente inexistentes os trabalhos de natureza qualitativa sobre a
percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental por parte dos profissionais da ESF Sendo assim o
objeto deste estudo foram os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de
sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade
E como questotildees norteadoras Como os profissionais da ESF compreendem o seu
trabalho na ESF O que os profissionais da ESF consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental na
19
populaccedilatildeo adulta de seu territoacuterio E como os profissionais da ESF identificam acompanham
eou encaminham esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental Problematizando a ampliaccedilatildeo do conceito
de sauacutede mental eou de transtorno mental tatildeo presente hoje em nossa sociedade
Com o aumento da cobertura da ESF na cidade do Rio de Janeiro que nos uacuteltimos
cinco anos (2009-2014) passou de 829 para 4486 de acordo com os dados do MSSAS
via Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB)- Brasil (2014) a capilaridade das accedilotildees de sauacutede
no territoacuterio foi expandida Com isso a demanda por atendimento em sauacutede mental tambeacutem
aumentou tanto para novos casos como para os casos que eram acompanhados em
ambulatoacuterios de psiquiatria e sauacutede mental em outras regiotildees respeitando-se o criteacuterio de
territorializaccedilatildeo
O pressuposto do estudo foi de que os profissionais da ESF teriam dificuldade de
identificar acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental no territoacuterio de sua
responsabilidade Sentiam-se muitas vezes despreparados e sobrecarregados e a demanda por
atendimento em sauacutede mental era tida como mais uma tarefa a ser executada E que haveria
uma atenccedilatildeo especial por parte dos trabalhadores da ESF para centralidade na administraccedilatildeo
da medicaccedilatildeo e no encaminhamento para serviccedilos especializados Ou seja a expansatildeo da ESF
poderia estar relacionada a uma medicalizaccedilatildeo do social
O acuacutemulo das experiecircncias ateacute aqui tem feito acreditar que uma rede diversificada de
serviccedilos de sauacutede mental articulada com a incorporaccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo
primaacuteria com parcerias na comunidade e intersetoriais poderiam contribuir para acelerar o
processo da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira oferecendo melhor cobertura de atenccedilatildeo ao
sofrimento psiacutequico que historicamente sempre apresentou grande dificuldade para entrar no
circuito de atenccedilatildeo agrave sauacutede no acircmbito do SUS
Desse modo com esse estudo esperamos que o papel da ESF no acircmbito das poliacuteticas
puacuteblicas de sauacutede mental seja apreciado dando subsiacutedios para que novos estudos avancem no
entendimento das accedilotildees de sauacutede mental na ESF tal como proposto na Agenda Nacional de
Prioridades de Pesquisa em Sauacutede (BRASIL MS 2011)
O que os profissionais da ESF de um dado territoacuterio consideram como ldquocasordquo de sauacutede
mental a partir da compreensatildeo da natureza do seu trabalho na ESF pode ser um potente
instrumento para a transformaccedilatildeo das praacuteticas de cuidado nos territoacuterios ratificando a APS e
os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica cuidado de base comunitaacuteria integral em liberdade e
trabalho em equipe Pois para se compreender a real capacidade da ESF em lidar com os
ldquocasosrdquo de sauacutede mental da comunidade eacute condiccedilatildeo primeira que se compreenda o
20
entendimento da equipe sobre o seu trabalho na ESF na perspectiva de uma APS abrangente
e integral na concepccedilatildeo de Alma-Ata
3 OBJETIVOS
31 Objetivo Geral
Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca
do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua
responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio do Rio de Janeiro
32 Objetivos especiacuteficos
321 Descrever como os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia compreendem o
seu trabalho
322 Identificar o que os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia consideram
ldquocasordquo de sauacutede mental
323 Discutir como estatildeo sendo identificados acolhidos acompanhados ou
encaminhados os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
4 QUADRO TEOacuteRICO
41 Definiccedilatildeo de termos
ldquoCasosrdquo de Sauacutede Mental
ldquoCasordquo de sauacutede mental seraacute compreendido neste estudo como todo relato a ser feito
pelos profissionais da ESF durante as entrevistas relacionado ao sofrimento transtorno mental
ou queixa psiacutequica na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade Estaacute colocado
entre parecircnteses propositalmente para destacar a complexidade do fenocircmeno a ser estudado
conforme uma breve problematizaccedilatildeo abaixo
No estudo realizado por Jucaacute Nunes e Barreto (2009) na Bahia para compreender
como os profissionais de sauacutede interpretam o sofrimento mental foi identificado que os
profissionais vivenciam dificuldades diversas que vatildeo desde a identificaccedilatildeo do sofrimento
mental passando pelos impasses relativos ao manejo de situaccedilotildees especificas ateacute as questotildees
relativas ao encaminhamento para os serviccedilos especializados
Em outro dois estudos ambos realizados em 2013 um no Cearaacute e outro em Minas
Gerias respectivamente Quindereacute et al apontam que os trabalhadores da APS natildeo se sentem
instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede e Gonccedilalves et al trazem que 60 dos
enfermeiros que trabalham na APS afirmam sentir-se despreparados para lidar com as
questotildees de sauacutede mental por natildeo ter formaccedilatildeo especifica na aacuterea
21
Se por um lado como os estudos apontam haacute uma dificuldade dos profissionais da ESF
em identificarem o sofrimento mental por outro lado vivemos hoje uma expansatildeo dos
diagnoacutesticos psiquiaacutetricos como afirma Amarante (2014) ldquouma apropriaccedilatildeo que a medicina
faz da vida cotidianardquo O que pode acontecer tambeacutem na ESF com um treinamento para Sauacutede
Mental voltado pra uma abordagem restrita e tradicional biomeacutedica
Atualmente existem dois sistemas de diagnoacutestico usados simultaneamente no mundo
a ediccedilatildeo recente do DSM -5 (Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais)
traduzido para mais de vinte idiomas e a CID-10 (Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de
Doenccedilas e Problemas Relacionados agrave Sauacutede) desenvolvida pela OMS e traduzida para 42
idiomas O DSM eacute utilizado com mais frequecircncia em pesquisa e a CID funciona melhor
quando um sistema mais simples eacute necessaacuterio no mundo em desenvolvimento poreacutem ambos
praticamente se equivalem no trabalho cliacutenico em paiacuteses desenvolvidos ldquoOs DSMs ateacute o
momento tecircm sido mais influentes poreacutem seratildeo necessaacuterios vaacuterios anos para que possamos
julgar se o DMS-5 ou a CID-11 (cuja publicaccedilatildeo deve ocorrer por volta de 2018) venceraacute a
proacutexima etapa de competiccedilatildeordquo (FRANCES 2016 p45)
O DSM eacute mais especifico para profissionais da aacuterea da sauacutede mental uma vez que
lista diferentes categorias de transtornos mentais e criteacuterios para diagnosticaacute-los de acordo
com a Associaccedilatildeo Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association - APA) Eacute
usado ao redor do mundo por cliacutenicos e pesquisadores bem como por companhias de seguro
induacutestria farmacecircutica e parlamentos poliacuteticos
Existem cinco revisotildees para o DSM desde sua primeira publicaccedilatildeo em 1952 A maior
revisatildeo foi a DSM-IV publicada em 1994 apesar de uma ldquorevisatildeo textualrdquo ter sido produzida
em 2000 O DSM-5 (anteriormente conhecido como DSM-V) foi publicado em 18 de maio de
2013 e eacute a versatildeo atual do manual A seccedilatildeo de desordens mentais da Classificaccedilatildeo Estatiacutestica
Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados com a Sauacutede - CID (International
Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems ndash ICD) eacute outro guia
comumente usado especialmente fora dos Estados Unidos Entretanto em termos de pesquisa
em sauacutede mental o DSM continua sendo a maior referecircncia da atualidade
Sauvagnat em maio de 2012 em uma Conferecircncia proferida no campus Dom Bosco
da Universidade Federal de Satildeo Joatildeo Del-Rei (UFSJ) na Etapa Brasileira do Movimento
Internacional StopDSM traz importantes consideraccedilotildees criacuteticas acerca da classificaccedilatildeo DSM
e suas implicaccedilotildees na diagnoacutestica contemporacircnea Questiona primeiramente o fato de o
manual ser utilizado como uma espeacutecie de ldquobiacutebliardquo Depois infere como o DSM que era uma
lista de categorias ligadas a um paiacutes para responder a necessidades desse paiacutes torna-se uma
22
regra mundial uma norma mundial Referindo-se aos Estados Unidos que em termos de sauacutede
mental estaacute entre os paiacuteses de ldquoterceiro mundordquo
Segue colocando que o DSM surge como o grande ldquoesperanto psicopatoloacutegicordquo ldquoEacute
como se essas tensotildees que faziam surgir agraves figuras de compromisso entre a psiquiatria e a
filosofia ou a psiquiatria e a psicanaacutelise elas fossem desaparecendo elas ficassem caladasrdquo
Sauvagnat (2012) Acredita que esse eacute o maior malefiacutecio que essa classificaccedilatildeo causa Eacute um
silenciamento de outras formas eacute um silenciamento da possibilidade de expressatildeo de outras
formas de mal- estar na cultura O efeito colateral percebido como destaca o palestrante eacute que
natildeo se sabe mais se o DSM classifica o que eacute visto ou se ele cria os tipos que ele pretende
classificar
Quando falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos
efetivamente Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir
sobre o que eacute a normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito
aos sintomas psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de
grande controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno
mental Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os
quais se trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de
vaacuterios criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada
profissional (DALGALARRONDO 2008)
Para Burkley (2009) em seu estudo tambeacutem sobre reflexotildees criacuteticas dos DSMs a
mudanccedila recorrente entre as categorias diagnoacutesticas do Manual mostra que aquilo que pode
ser considerado doenccedila em uma determinada eacutepoca e cultura pode natildeo ser em outra Natildeo haacute
especialmente em psiquiatria um agente causador que confira objetividade absoluta a um
diagnoacutestico dos diversos transtornos mentais Mesmo os pesquisadores que trabalham em
busca dos marcadores bioloacutegicos de alguns transtornos mentais para a elaboraccedilatildeo do DSM-V
ainda natildeo obtiveram muitos resultados significativos em suas pesquisas O que nos reaviva a
afirmaccedilatildeo de que o que se considera como loucura como doenccedila mental natildeo eacute algo natural
ou com existecircncia natural que legitimaria um marcador bioloacutegico e sim que se trata de algo
construiacutedo de acordo com um momento histoacuterico com um modelo epistemoloacutegico
(FOUCAULT 1972)
Ainda sobre a normalidade George Canguilhem opotildee duas grandes posiccedilotildees Uma
posiccedilatildeo onde supomos que existe um indiviacuteduo normal que seraacute dotado de todas as
qualidades e um indiviacuteduo anormal que eacute mal dito por Deus um pobre coitado e que a
norma estatiacutestica permitiria justamente essa diferenciaccedilatildeo entre os dois Em segundo lugar
23
Canguilhem (2015 p23) oferece sua proacutepria posiccedilatildeo que eacute de dizer ldquoa norma a lei eacute alguma
coisa de relativo Cada sociedade fabrica suas leisrdquo
Em sua criacutetica ao DMS Sauvagnat (2012) diz que efetivamente haacute uma maldiccedilatildeo Eacute
necessaacuterio comparar as coisas Essas pessoas se pretendem neo-kraepelinianas Ele relata que
jaacute trabalhou muito sobre a psiquiatria alematilde No final do seacuteculo XIX iniacutecio do seacuteculo XX
Kraepelin foi algueacutem que sobretudo tentou pocircr em ordem organizar a psiquiatria a partir
das pesquisas que existiam Natildeo se pode dizer isso do DSM O problema deles eacute responder as
objeccedilotildees que lhe satildeo feitas ao mesmo tempo em que satildeo financiados pela induacutestria
farmacecircutica conclui
Burkley (2009) finaliza seu estudo questionando que se adotamos uma concepccedilatildeo de
sauacutede como algo vivencial que natildeo pode ser reduzida e tatildeo pouco medida necessariamente o
diagnoacutestico ganha uma outra dimensatildeo uma funccedilatildeo mais instrumental auxiliar a uma
compreensatildeo da complexidade real da sauacutede mental e talvez o nuacutemero de categorias
diagnoacutesticas pudesse ser reduzido ldquoPois se a sauacutede eacute relativa e singular a psicopatologia
tambeacutem o eacuterdquo (BURKLEY 2009 p 97)
Para Retolaza (2013) nos dias atuais da era tecnoloacutegica o imaginaacuterio coletivo estaacute
impregnado de tecnologia Tudo (ou quase tudo) pode ser explicado pela ciecircncia e pela
teacutecnica portanto para tudo deve existir uma soluccedilatildeo tecnoloacutegica Cada eacutepoca coloca em cena
suas doenccedilas Psiquiatras e psicoacutelogos satildeo os encarregados de sustentar essa narrativa
coletiva certificando em suas consultas publicaccedilotildees e tratados o que eacute e o que natildeo eacute
transtorno psiquiaacutetrico O que eacute e o que natildeo eacute um ldquocasordquo psiquiaacutetrico
O autor afirma que sem duacutevida a falta de um criteacuterio objetivo para agarrar-se a
definiccedilatildeo de um ldquocasordquo em sauacutede mental vem sendo e parece que seraacute ainda por algum tempo
o resultado de um consenso profissional procedente de muitas fontes Em primeiro lugar de
tudo aquilo que nos apontam as provas procedentes da evidencia cientifica os resultados da
experimentaccedilatildeo e o acervo de conhecimento dele derivado Por outro lado no acircmbito da
sauacutede mental (a psiquiatria a psicologia) tambeacutem satildeo importantes os conhecimentos
empiacutericos de ordem praacutetica que permitem organizar a atenccedilatildeo e o cuidado dos usuaacuterios
Finalmente e de uma forma muito importante este consenso tem tambeacutem que dar conta de
tudo aquilo que luta e demanda o entorno o meio cultural e em definitivamente a maioria
social dominante
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Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (ESF)
A ESF eacute a estrateacutegia prioritaacuteria adotada pelo Ministeacuterio da Sauacutede para expandir
qualificar e consolidar a APS no Brasil por favorecer uma reorientaccedilatildeo do processo de
trabalho com maior potencial de aprofundar os princiacutepios diretrizes e fundamentos da APS
de ampliar sua resolutividade e seu impacto na situaccedilatildeo de sauacutede das pessoas e coletividades
aleacutem de propiciar uma importante relaccedilatildeo custo-benefiacutecio (BRASIL 2006 2012)
Tem como foco a famiacutelia visa agrave reorganizaccedilatildeo da APS no Paiacutes de acordo com os
preceitos do SUS e seu maior desafio eacute reverter o modelo assistencial predominantemente
biomeacutedico centrado na doenccedila e no hospital Seus principais objetivos satildeo conhecer as
famiacutelias do seu territoacuterio de abrangecircncia identificar os problemas de sauacutede e as situaccedilotildees de
risco existentes na comunidade elaborar programaccedilatildeo de atividades para enfrentar os
determinantes do processo sauacutededoenccedila desenvolver accedilotildees educativas e intersetoriais
relacionadas com os problemas de sauacutede identificados prestar assistecircncia integral contiacutenua e
organizada agraves famiacutelias sob sua responsabilidade realizar acolhimento com escuta qualificada
classificaccedilatildeo de risco avaliaccedilatildeo de necessidade de sauacutede e anaacutelise de vulnerabilidade tendo
em vista a responsabilidade da demanda espontacircnea e o primeiro atendimento as urgecircncias
desenvolver accedilotildees educativas que possam interferir no processo sauacutede-doenccedila da populaccedilatildeo
no desenvolvimento de autonomia individual e coletiva e na busca por qualidade de vida
pelos usuaacuterios (BRASIL 2012)
Uma anaacutelise das contribuiccedilotildees e desafios da ESF na APS publicada recentemente por
Arantes et al (2016) traz que na dimensatildeo poliacutetico-institucional a ESF favoreceu a expansatildeo
dos cuidados primaacuterios no paiacutes e incrementou o processo de avaliaccedilatildeo institucional Melhorou
a equidade quando comparado ao modelo de UBS tradicional Os principais desafios nessa
dimensatildeo foram financiamento insuficiente formaccedilatildeo profissional em desarmonia com o
modelo de atenccedilatildeo centrado na APS precarizaccedilatildeo do viacutenculo profissional com as instituiccedilotildees
e o desenvolvimento de accedilotildees intersetoriais Na dimensatildeo organizativa a implantaccedilatildeo da ESF
contribuiu para a ampliaccedilatildeo das possibilidades de ofertas de serviccedilos nas aacutereas perifeacutericas e
rurais inclusive da sauacutede bucal Trouxe tambeacutem um efeito estruturante perante os vazios
assistenciais em pequenos municiacutepios com resultados melhores quanto agrave integralidade da
atenccedilatildeo e ao contato por accedilotildees programaacuteticas quando comparado agrave APS tradicional Os
desafios identificados nessa dimensatildeo estiveram ligados ao acesso agrave referencia da Unidade
de Sauacutede da Famiacutelia como porta de entrada do sistema de sauacutede agrave integraccedilatildeo da ESF agrave rede
assistencial ao planejamento e agrave participaccedilatildeo social
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Jaacute na dimensatildeo teacutecnico-assistencial a ESF foi melhor que o modelo de APS em UBS
tradicional quanto ao desempenho ao trabalho multidisciplinar ao enfoque familiar ao
acolhimento ao viacutenculo agrave humanizaccedilatildeo e agrave orientaccedilatildeo comunitaacuteria Com estaque para os
benefiacutecios da ESF para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de doenccedilas a busca ativa de casos a
educaccedilatildeo em sauacutede a assistecircncia domiciliar o aumento de consultas preacute-natais puericultura
de orientaccedilotildees sobre o aleitamento materno exclusivo da coleta de colpocitologia oncoacutetica a
reduccedilatildeo de nascidos com baixo peso da mortalidade infantil e das internaccedilotildees hospitalares
Aleacutem disso proporcionou adesatildeo agraves accedilotildees para tratamento da hipertensatildeo diabetes
hanseniacutease tuberculose e de doenccedilas sexualmente transmissiacuteveis Avanccedilos importantes
foram percebidos tambeacutem nas aacutereas de sauacutede bucal e assistecircncia farmacecircutica Os desafios
observados nessa dimensatildeo estiveram relacionados ao desenvolvimento de praacuteticas
integrativas complementares de accedilotildees para sauacutede mental do adolescente na aacuterea de sauacutede
mental (grifos meus para dimensionar a importacircncia desse trabalho) ao portador do Viacuterus da
Imunodeficiecircncia HumanaSiacutendrome da Imunodeficiecircncia Adquirida (HIVAIDS) aos
usuaacuterios de drogas iliacutecitas e da obesidade O risco de reproduzir a racionalidade biomeacutedica no
processo de trabalho foi outra dificuldade muito importante detectada a ser enfrentada pela
ESF no processo de cuidado
Os profissionais da ESF
A equipe da ESF (Equipe da Sauacutede da Famiacutelia - EqSF) deve ser multiprofissional
composta por no miacutenimo pelo seguintes profissionais meacutedico generalista ou especialista em
Sauacutede da Famiacutelia ou meacutedico de Famiacutelia e Comunidade enfermeiro generalista ou especialista
em Sauacutede da Famiacutelia auxiliares ou teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede
(ACS) de preferecircncia moradores da aacuterea e que fazem o elo entre a Unidade Baacutesica de Sauacutede
(UBS) e a populaccedilatildeo atraveacutes de visitas domiciliares (BRASIL 2012)
Podendo acrescentar a esta composiccedilatildeo como parte da equipe multiprofissional os
profissionais de Sauacutede Bucal (ESB) cirurgiatildeo-dentista generalista ou especialista em Sauacutede
da Famiacutelia auxiliar eou teacutecnico de higiene bucal Eacute recomendado pela Poliacutetica Nacional da
Atenccedilatildeo Baacutesica que cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a
meacutedia recomendada de 3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo De
maneira que o nuacutemero de pessoas por equipe considere o grau de vulnerabilidade das famiacutelias
daquele territoacuterio ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o
nuacutemero de pessoas por equipe (BRASIL 2012)
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Satildeo atribuiccedilotildees especiacuteficas de cada membro da equipe descrito a seguir conforme
Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica (2012)
Agente Comunitaacuterio de Sauacutede I - desenvolver accedilotildees que busquem a integraccedilatildeo entre
a equipe de sauacutede e a populaccedilatildeo adscrita agrave UBS considerando as caracteriacutesticas e as
finalidades do trabalho de acompanhamento de indiviacuteduos e grupos sociais ou coletividade II
- trabalhar com adscriccedilatildeo de famiacutelias em base geograacutefica definida a microaacuterea III - estar em
contato permanente com as famiacutelias desenvolvendo accedilotildees educativas visando agrave promoccedilatildeo da
sauacutede e a prevenccedilatildeo das doenccedilas de acordo com o planejamento da equipe IV - cadastrar
todas as pessoas de sua microaacuterea e manter os cadastros atualizados V - orientar famiacutelias
quanto agrave utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede disponiacuteveis VI - desenvolver atividades de
promoccedilatildeo da sauacutede de prevenccedilatildeo das doenccedilas e de agravos e de vigilacircncia agrave sauacutede por meio
de visitas domiciliares e de accedilotildees educativas individuais e coletivas nos domiciacutelios e na
comunidade mantendo a equipe informada principalmente a respeito daquelas em situaccedilatildeo
de risco VII - acompanhar por meio de visita domiciliar todas as famiacutelias e indiviacuteduos sob
sua responsabilidade de acordo com as necessidades definidas pela equipe e VIII - cumprir
com as atribuiccedilotildees atualmente definidas para os ACS em relaccedilatildeo agrave prevenccedilatildeo e ao controle da
malaacuteria e da dengue conforme a Portaria nordm 44GM de 3 de janeiro de 2002
Enfermeiro I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo
de agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e
famiacutelias na USF e quando indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos
comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) em todas as fases do desenvolvimento humano
infacircncia adolescecircncia idade adulta e terceira idade II - conforme protocolos ou outras
normativas teacutecnicas estabelecidas pelo gestor municipal ou do Distrito Federal observadas as
disposiccedilotildees legais da profissatildeo realizar consulta de enfermagem solicitar exames
complementares e prescrever medicaccedilotildees III ndash realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo a
demanda espontacircnea IV ndash planejar gerenciar e avaliar as accedilotildees desenvolvidas pelos ACS em
conjunto com os outros membros da equipe V ndash contribuir participar e realizar atividades de
educaccedilatildeo permanente da equipe de enfermagem e outros membros da equipe e VI - participar
do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF
Meacutedico I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de
agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e
famiacutelias em todas as fases do desenvolvimento humano infacircncia adolescecircncia idade adulta e
terceira idade II - realizar consultas cliacutenicas e procedimentos na USF e quando indicado ou
necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) III
27
- realizar atividades de demanda espontacircnea e programada em cliacutenica meacutedica pediatria
gineco-obstetriacutecia cirurgias ambulatoriais pequenas urgecircncias cliacutenico-ciruacutergicas e
procedimentos para fins de diagnoacutesticos IV - encaminhar quando necessaacuterio usuaacuterios a
serviccedilos de meacutedia e alta complexidade respeitando fluxos de referecircncia e contra- referecircncia
locais mantendo sua responsabilidade pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio
proposto pela referecircnciaV - indicar a necessidade de internaccedilatildeo hospitalar ou domiciliar
mantendo a responsabilizaccedilatildeo pelo acompanhamento do usuaacuterio VI - contribuir e participar
das atividades de Educaccedilatildeo Permanente dos ACS Auxiliares de Enfermagem ACD e THD e
VII - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da
USF
Auxiliar e Teacutecnico de Enfermagem I - participar das atividades de atenccedilatildeo
realizando procedimentos regulamentados no exerciacutecio de sua profissatildeo na USF e quando
indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas
associaccedilotildees etc) II - realizar accedilotildees de educaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo adstrita conforme planejamento
da equipe e III - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado
funcionamento da USF IV- Realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo agrave demanda
espontacircnea e V- contribuir participar e realizar atividades de educaccedilatildeo permanente
Cirurgiatildeo Dentista I - realizar diagnoacutestico com a finalidade de obter o perfil
epidemioloacutegico para o planejamento e a programaccedilatildeo em sauacutede bucal II - realizar os
procedimentos cliacutenicos da Atenccedilatildeo Baacutesica em sauacutede bucal incluindo atendimento das
urgecircncias pequenas cirurgias ambulatoriais e procedimentos relacionados com a fase cliacutenica
da instalaccedilatildeo de proacuteteses dentaacuterias elementares III - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede
bucal (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos diagnoacutestico tratamento
reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) individual e coletiva a todas as famiacutelias a indiviacuteduos e a
grupos especiacuteficos de acordo com planejamento local com resolubilidade IV - realizar
atividades programadas e de atenccedilatildeo a demanda espontacircnea V- coordenar e participar de
accedilotildees coletivas voltadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave prevenccedilatildeo de doenccedilas bucais VI -
acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com os demais
membros da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de sauacutede de
forma multidisciplinar VII - realizar supervisatildeo teacutecnica do teacutecnico em sauacutede bucal (TSB) e
auxiliar em sauacutede bucal (ASB) e VIII - Participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios
para o adequado funcionamento da USF
Teacutecnico em Higiene Dental (THD) I - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede bucal
(promoccedilatildeo prevenccedilatildeo assistecircncia e reabilitaccedilatildeo) individual e coletiva a todas as famiacutelias a
28
indiviacuteduos e a grupos especiacuteficos segundo programaccedilatildeo e de acordo com suas competecircncias
teacutecnicas e legais II - coordenar e realizar a manutenccedilatildeo e a conservaccedilatildeo dos equipamentos
odontoloacutegicos III - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com
os demais membros da equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de
sauacutede de forma multidisciplinar IV - apoiar as atividades dos ACD e dos ACS nas accedilotildees de
prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede bucal e V - participar do gerenciamento dos insumos
necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF
Auxiliar de Consultoacuterio Dentaacuterio (ACD) I - realizar accedilotildees de promoccedilatildeo e
prevenccedilatildeo em sauacutede bucal para as famiacutelias grupos e indiviacuteduos mediante planejamento local
e protocolos de atenccedilatildeo agrave sauacutede II - proceder agrave desinfecccedilatildeo e agrave esterilizaccedilatildeo de materiais e
instrumentos utilizados III - preparar e organizar instrumental e materiais necessaacuterios IV -
instrumentalizar e auxiliar o cirurgiatildeo dentista eou o THD nos procedimentos cliacutenicos V -
cuidar da manutenccedilatildeo e conservaccedilatildeo dos equipamentos odontoloacutegicos VI - organizar a
agenda cliacutenica VII - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal
com os demais membros da equipe de sauacutede da famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees
de sauacutede de forma multidisciplinar e VIII - participar do gerenciamento dos insumos
necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF
Devendo ser atribuiccedilotildees comuns agrave todos os profissionais das equipes de sauacutede da
famiacutelia de sauacutede bucal e de ACS (BRASIL 2006)
I - Participar do processo de territorializaccedilatildeo e mapeamento da aacuterea de atuaccedilatildeo da
equipe identificando grupos famiacutelias e indiviacuteduos expostos a riscos inclusive aqueles
relativos ao trabalho e da atualizaccedilatildeo contiacutenua dessas informaccedilotildees priorizando as situaccedilotildees a
serem acompanhadas no planejamento local II - Realizar o cuidado em sauacutede da populaccedilatildeo
adscrita prioritariamente no acircmbito da unidade de sauacutede no domiciacutelio e nos demais espaccedilos
comunitaacuterios (escolas associaccedilotildeesentre outros) quando necessaacuterio III - Realizar accedilotildees de
atenccedilatildeo integral conforme a necessidade de sauacutede da populaccedilatildeo local bem como as previstas
nas prioridades e protocolos da gestatildeo local IV - Garantir a integralidade da atenccedilatildeo por
meio da realizaccedilatildeo de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos e curativas e da
garantia de atendimento da demanda espontacircnea da realizaccedilatildeo das accedilotildees programaacuteticas e de
vigilacircncia agrave sauacutede V - Realizar busca ativa e notificaccedilatildeo de doenccedilas e agravos de notificaccedilatildeo
compulsoacuteria e de outros agravos e situaccedilotildees de importacircncia local VI - Realizar a escuta
qualificada das necessidades dos usuaacuterios em todas as accedilotildees proporcionando atendimento
humanizado e viabilizando o estabelecimento do viacutenculo VII - Responsabilizar-se pela
populaccedilatildeo adscrita mantendo a coordenaccedilatildeo do cuidado mesmo quando esta necessita de
29
atenccedilatildeo em outros serviccedilos do sistema de sauacutede VIII - Participar das atividades de
planejamento e avaliaccedilatildeo das accedilotildees da equipe a partir da utilizaccedilatildeo dos dados disponiacuteveis IX
- Promover a mobilizaccedilatildeo e a participaccedilatildeo da comunidade buscando efetivar o controle
social X - Identificar parceiros e recursos na comunidade que possam potencializar accedilotildees
intersetoriais com a equipe sob coordenaccedilatildeo da SMS XI - Garantir a qualidade do registro
das atividades nos sistemas nacionais de informaccedilatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica XII - participar das
atividades de educaccedilatildeo permanente e XIII - Realizar outras accedilotildees e atividades a serem
definidas de acordo com as prioridades locais
42 MODELOS DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE
Aspectos Teoacutericos-Conceituais
Os modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede estatildeo relacionados ao modo como satildeo organizadas as
accedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede incluindo os aspectos tecnoloacutegicos assistenciais e os recursos
fiacutesicos disponiacuteveis que se articulam para enfrentar e resolver os problemas de sauacutede de uma
coletividade Ao redor do mundo pode-se considerar a existecircncia de diversos modelos de
atenccedilatildeo sustentados pelas diferentes concepccedilotildees de sauacutede e de doenccedila pelas tecnologias
disponiacuteveis em uma determinada eacutepoca para intervir na sauacutede e na doenccedila e pelas escolhas
poliacuteticas e eacuteticas que priorizam os problemas a serem enfrentados pela poliacutetica de sauacutede
Desta maneira pode-se considerar que natildeo existe modelo de atenccedilatildeo certo ou errado eles
estatildeo relacionados a todos esses fatores de um dado momento histoacuterico
No Brasil as expressotildees modelos assistenciais ou modelos tecnoassistenciais
aparecem a partir da deacutecada de 1980 com significados muito proacuteximos Poreacutem haacute objeccedilotildees
ao adjetivo lsquoassistencialrsquo pois lembra assistecircncia meacutedica ou odontoloacutegica centrada em
procedimentos para indiviacuteduos O termo lsquoatenccedilatildeorsquo teria maior abrangecircncia pois aleacutem de
envolver a assistecircncia incluiria outras accedilotildees individuais e coletivas nos acircmbitos da
promoccedilatildeo proteccedilatildeo recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo da sauacutede (PAIM 2012 p459)
No que diz respeito agrave prestaccedilatildeo da atenccedilatildeo esta eacute reconhecida como um dos
componentes de um sistema de sauacutede juntamente com a gestatildeo o financiamento a
organizaccedilatildeo e a infraestrutura de recursos Kleczkowski Roemer e Werf (1984) Desta
maneira o modelo de atenccedilatildeo tem como foco o lsquoconteuacutedorsquo do sistema de sauacutede isto eacute as
accedilotildees de sauacutede e natildeo o lsquocontinentersquo - infraestrutura organizaccedilatildeo gestatildeo e financiamento o
que torna necessaacuteria a reflexatildeo sobre os processos de trabalho em sauacutede quando se pretende
analisar os modelos de atenccedilatildeo
30
Portanto eacute importante compreender os modelos de atenccedilatildeo natildeo como algo exemplar
um molde Ao contraacuterio disso indicam modos de organizar a accedilatildeo e dispor os meios teacutecnico-
cientiacuteficos existentes para intervir sobre os problemas e necessidades de sauacutede que podem ser
diversos tendo em conta as realidades distintas
Nessa perspectiva modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede pode ser definido como ldquocombinaccedilotildees
tecnoloacutegicas estruturadas para resoluccedilatildeo de problemas e para o atendimento de necessidades
de sauacutede individuais e coletivasrdquo (PAIM 2012 p463)
Contextualizaccedilatildeo movimentos ideoloacutegicos e proposiccedilotildees de modelos
Apoacutes essa breve discussatildeo teoacuterico-conceitual faz-se necessaacuteria a contextualizaccedilatildeo no
sentido de identificar movimentos ideoloacutegicos que influenciaram na elaboraccedilatildeo de modelos e
no desenvolvimento histoacuterico das poliacuteticas e praacuteticas de sauacutede O quadro a seguir mostra a
relaccedilatildeo dos diferentes movimentos ideoloacutegicos com as respectivas preposiccedilotildees de modelo de
atenccedilatildeo
Quadro 1 Os movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo
MOVIMENTOS IDEOLOacuteGICOS PROPOSICcedilOtildeES DE MODELO
Medicina preventiva
(Deacutec 195060 criaccedilatildeo de departamentos nas escolas
meacutedicas especialmente apoacutes Reforma Universitaacuteria em
1968)
(Agente-hospedeiro-ambiente) multicausalidade Ambiente
fiacutesico bioloacutegico e sociocultural
lsquoModelo ecoloacutegicorsquo
lsquoModelo da histoacuteria natural da doenccedilarsquo
Niacuteveis de prevenccedilatildeo
Medicina Comunitaacuteria
(Deacutec 1970 reproduziu-se nos centros de sauacutede-escola
tendo como caracteriacutesticas a integraccedilatildeo docente-
assistencial participaccedilatildeo da comunidade e
regionalizaccedilatildeo)
lsquoModelo de piracircmidersquo ndash atenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e
terciaacuteria ndash Hierarquizaccedilatildeo
lsquoCampo da sauacutedersquo (Questiona custos crescentes da assistecircncia meacutedica)
Atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
(Apoacutes a Conferecircncia de Alma-Ata 1978)
Ecircnfase em tecnologias ditas simplificadas e de baixo custo
Contrapotildee-se ao lsquomodelo hospitalocentricorsquo visa a
reformulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e a reorganizaccedilatildeo do
sistema de serviccedilos de sauacutede
Promoccedilatildeo da sauacutede
(Carta de Otawa 1986 determinantes socioambientais
da sauacutede)
Modelo Dahlgren amp Whitehead (elementos bioloacutegicos
estilo de vida redes sociais e comunitaacuterias aleacutem de
condiccedilotildees socioeconocircmicas culturais e ambientais gerais)
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria baseado em Paim 2012
A partir do quadro acima podemos observar o que jaacute foi dito anteriormente sobre natildeo
existir modelo de atenccedilatildeo certo ou errado mas que cada proposiccedilatildeo de modelo estaacute
intrinsecamente relacionado aos fatores de um dado momento histoacuterico ou seja ao
movimento ideoloacutegico da eacutepoca em que foi pensado e estruturado
31
Modelos de Atenccedilatildeo Hegemocircnicos
No Brasil ao considerar a conformaccedilatildeo histoacuterica do sistema de serviccedilos de sauacutede no
paiacutes podem ser identificados esses dois modelos hegemocircnicos o modelo meacutedico e o modelo
sanitarista
O modelo meacutedico tem como representantes o ldquomodelo meacutedico assistencial privatista e
o maneged care - atenccedilatildeo gerenciadardquo Paim (2012 p 468) E apresenta os seguintes traccedilos
fundamentais 1) individualismo 2) sauacutededoenccedila como mercadoria 3) ecircnfase no biologismo
4) a-historicidade da praacutetica meacutedica 5) medicalizaccedilatildeo dos problemas 6) privileacutegio da
medicina curativa 7) estiacutemulo ao consumismo meacutedico 8) participaccedilatildeo passiva e subordinada
dos consumidores (MENEacuteNDEZ 1992 apud PAIM 2012)
Jaacute o modelo sanitarista que se apoia nas correntes bacterioloacutegica e meacutedico-sanitarista
que geraram distintos modelos tecnoassistenciais como o campanhista e o verticalista
permanente Merhy (1992) Portanto remete agrave ideacuteia de campanha ou programa sempre
presente no imaginaacuterio da populaccedilatildeo diante de problema ou de uma necessidade de sauacutede de
caraacuteter coletivo
Embora subalterno ao modelo meacutedico o modelo sanitarista predomina no Brasil desde
o seacuteculo XX sob influecircncia norte-americana Fundamenta-se no saber biomeacutedico
(microbiologia parasitologia virologia imunologia cliacutenica etc) bem como nas disciplinas
de epidemiologia estatiacutestica administraccedilatildeo saneamento As campanhas sanitaacuterias
(vacinaccedilatildeo controle de epidemias erradicaccedilatildeo de endemias etc) os programas especiais
(controle da tuberculose hanseniacutease AIDS tabagismo etc) e as accedilotildees de vigilacircncias sanitaacuteria
e epidemioloacutegica podem ser citados como exemplos desse modelo de atenccedilatildeo (PAIM 2012)
Esses modelos hegemocircnicos natildeo contemplam nos seus fundamentos o princiacutepio da
integralidade isto eacute ou estatildeo voltados para a demanda espontacircnea (modelo meacutedico) ou
buscam atender necessidades que nem sempre se expressam em demandas (modelo
sanitarista)
As propostas de modelos alternativos
Diante do exposto acerca dos modelos de atenccedilatildeo hegemocircnicos no Brasil apresentam-
se como grandes desafios a integralidade a efetividade a qualidade e a humanizaccedilatildeo dos
serviccedilos Nesse contexto Paim (2012) apresenta algumas ferramentas elaboradas a partir da
deacutecada de 1980 que buscam conciliar o atendimento agrave demanda e agraves necessidades na
perspectiva da integralidade Satildeo elas a) Oferta organizada b) Distritalizaccedilatildeo c) Accedilotildees
32
programaacuteticas de sauacutede d) Vigilacircncia da sauacutede e) Acolhimento f) Linhas de cuidado g)
Promoccedilatildeo da sauacutede e h) Estrateacutegia da Sauacutede da Famiacutelia
A oferta organizada fundamenta-se em conceitos da epidemiologia e no planejamento
Trabalha com noccedilatildeo de territorializaccedilatildeo integralidade e impacto epidemioloacutegico Sua atuaccedilatildeo
caracteriza-se pela redefiniccedilatildeo da demanda ou seja baseia-se nas necessidades
epidemiologicamente identificadas para orientar a programaccedilatildeo da oferta de serviccedilos e accedilotildees
nas unidades de sauacutede Haacute atendimento agrave demanda espontacircnea e ao mesmo tempo agrave execuccedilatildeo
de accedilotildees sobre o ambiente e grupos populacionais visando o controle de agravos doenccedilas
riscos e as necessidades da comunidade
A Distritalizaccedilatildeo surge atraveacutes de experiecircncias de implantaccedilatildeo de distritos sanitaacuterios
como o Suds na Bahia Rio Grande do Norte e Satildeo Paulo na deacutecada de 80 Paim (2012
p247) define distritos sanitaacuterios como
Unidade operacional e administrativa miacutenima do sistema de sauacutede
definida com criteacuterios geograacuteficos populacionais epidemioloacutegicos
gerenciais e poliacuteticos onde se localizam recursos de sauacutede puacuteblicos e
privados organizados por meio de um conjunto de mecanismos
poliacuteticos institucionais com a participaccedilatildeo da sociedade organizada
para desenvolver accedilotildees integrais de sauacutede capazes de resolver a maior
quantidade possiacutevel de problemas de sauacutede
Esta proposta apoia-se na geografia na epidemiologia e no planejamento Visa
organizar serviccedilos e estabelecimentos em uma rede estruturada nos distritos sanitaacuterios com
mecanismos de comunicaccedilatildeo e integraccedilatildeo Aleacutem disso contempla uma populaccedilatildeo definida
um territoacuterio-processo uma rede de serviccedilos de sauacutede e equipamentos comunitaacuterios
Jaacute as accedilotildees programaacuteticas de sauacutede utilizam tecnologias derivadas da epidemiologia e
da programaccedilatildeo em sauacutede e baseia-se na utilizaccedilatildeo de programaccedilatildeo como instrumento de
redefiniccedilatildeo do processo de trabalho em sauacutede Parte da identificaccedilatildeo das necessidades sociais
de sauacutede da populaccedilatildeo para a redefiniccedilatildeo de programas especiais no niacutevel local Concentram-
se no interior das unidades de sauacutede e natildeo se reduzem agrave uma padronizaccedilatildeo sistemaacutetica de
condutas
Em relaccedilatildeo agrave vigilacircncia da Sauacutede esta proposta apoia-se na epidemiologia na
geografia criacutetica no planejamento e nas ciecircncias sociais Atua articulando o controle de
danos riscos e causas e sugere a possibilidade de uma integraccedilatildeo com as vigilacircncias a
assistecircncia meacutedica e as poliacuteticas puacuteblicas Aleacutem disso tambeacutem articula a oferta organizada
accedilotildees programaacuteticas a intervenccedilatildeo social organizada e as poliacuteticas intersetoriais Busca
33
reorganizar as praacuteticas de sauacutede no niacutevel local atraveacutes da i) Intervenccedilatildeo sobre problemas de
sauacutede (danos riscos eou determinantes) ii) Ecircnfase em problemas que requerem atenccedilatildeo e
acompanhamentos contiacutenuos iii) Utilizaccedilatildeo do conceito epidemioloacutegico de risco iv)
Articulaccedilatildeo entre accedilotildees promocionais preventivas e curativas v) Atuaccedilatildeo intersetorial vi)
Accedilotildees sobre o territoacuterio vii) Intervenccedilatildeo na forma de operaccedilotildees (PAIM 2012 p 481)
O acolhimento fundamenta-se na cliacutenica nas ciecircncias de gestatildeo na psicologia e na
anaacutelise institucional Busca reorganizar o serviccedilo de forma usuaacuterio-centrada e parte de trecircs
orientaccedilotildees i) Atender a todas as pessoas que procuram os serviccedilos de sauacutede ii) Reorganizar
processo de trabalho afim de que este desloque seu eixo central do meacutedico para uma equipe
profissional iii) Qualificar a relaccedilatildeo trabalhador-usuaacuterio com base em valores humanitaacuterios
de solidariedade e cidadania Trabalha com a demanda espontacircnea e busca a qualidade da
atenccedilatildeo e a satisfaccedilatildeo do usuaacuterio Implica em mudanccedilas na ldquoporta de entradardquo na recepccedilatildeo
do usuaacuterio no agendamento das consultas e na programaccedilatildeo da prestaccedilatildeo de serviccedilos
incluindo atividades baseadas nas necessidades sociais de sauacutede da populaccedilatildeo (PAIM 2012
p 483)
No que tange agraves linhas de cuidado estas correspondem a um conjunto de saberes
tecnologias e recursos acionados para enfrentar riscos agravos ou condiccedilotildees especiacuteficas do
ciclo da vida As linhas de cuidado satildeo estruturadas por projetos terapecircuticos valorizam o
viacutenculo a partir da atenccedilatildeo primaacuteria orientam o usuaacuterio sobre os caminhos a percorrer no
sistema de sauacutede e trabalha atraveacutes da loacutegica da referecircncia e contra referecircncia Segundo Paim
(2012 p452) ldquo() a linha de cuidado tem se mostrado uma proposta alternativa importante
diante do atual panorama epidemioloacutegico do Brasil e do mundo devido ao aumento das
doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis (DCNT)rdquo
A promoccedilatildeo da Sauacutede no Brasil estaacute presente em dispositivos legais e iniciativas do
Ministeacuterio da Sauacutede desde 2000 Envolve medidas que visam agrave melhoria das condiccedilotildees e dos
estilos de vida de grupos populacionais Dentre as principais caracteriacutesticas dessa proposta
estaacute a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas saudaacuteveis criaccedilatildeo de ambientes favoraacuteveis agrave sauacutede
reforccedilo da accedilatildeo comunitaacuteria desenvolvimento de habilidades pessoais cidades saudaacuteveis
escolas promotoras de sauacutede ambientes saudaacuteveis
Por fim a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia que se fundamenta no planejamento na cliacutenica
na epidemiologia e nas ciecircncias sociais Utiliza combinaccedilotildees tecnoloacutegicas da oferta
organizada distritalizaccedilatildeo vigilacircncia da sauacutede e acolhimento Esta proposta possui papel de
reorientadora da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Brasil e por sua importacircncia nesse trabalho estaacute
melhor descrita nos capiacutetulos seguintes
34
43 ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE (APS)
Conceitos trajetoacuteria e abordagem
O termo Primary Care (Atenccedilatildeo Primaacuteria) foi introduzido em 1961 por White e
apontou para a necessidade de meacutedicos generalistas na era da especializaccedilatildeo Contribuiacuteram
ainda para a ampliaccedilatildeo do conceito de Atenccedilatildeo Primaacuteria e por conseguinte para a ampliaccedilatildeo
do papel do meacutedico de famiacutelia e comunidade dois movimentos histoacutericos a reformulaccedilatildeo do
sistema de sauacutede canadense implantado a partir do informe Lalonde de 1974 e as discussotildees
de representantes de vaacuterios paiacuteses no acircmbito da Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede que gerou o
movimento da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS) e que culminou com a realizaccedilatildeo da
Conferecircncia de Alma Ata em 1978
Eacute importante frisar que o contexto histoacuterico em que surgiram estas propostas foi
marcado pela crescente urbanizaccedilatildeo pelo crescimento populacional e pela desigualdade Os
governos estavam sendo chamados a buscarem estrateacutegias de aumento da cobertura de seus
sistemas de sauacutede com a otimizaccedilatildeo de custos e melhoria dos indicadores de sauacutede e doenccedila
Em termos conceituais foi a partir dessa I Conferecircncia Internacional de Cuidados
Primaacuterios em Sauacutede realizada mais precisamente em setembro de 1978 em Alma-Ata cidade
do Cazaquistatildeo uma das repuacuteblicas da antiga Uniatildeo Sovieacutetica promovida pela Organizaccedilatildeo
Mundial de Sauacutede e pelo Fundo das Naccedilotildees Unidas que se buscou uma definiccedilatildeo de APS
(FAUSTO 2005)
Assim a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) passou a compreender e divulgar os
cuidados primaacuterios em sauacutede como
Cuidados essenciais baseados em meacutetodos praacuteticos
cientificamente bem fundamentados e socialmente aceitaacuteveis e
em tecnologia de acesso universal para indiviacuteduos e suas
famiacutelias na comunidade [] Aleacutem de serem o primeiro niacutevel de
contato de indiviacuteduos da famiacutelia e da comunidade com o
sistema nacional de sauacutede aproximando ao maacuteximo possiacutevel os
serviccedilos de sauacutede nos lugares onde o povo vive e trabalha
constituem tambeacutem o primeiro elemento de um contiacutenuo
processo de atendimento em sauacutede (OMSUNICEF 1978 p 2)
A Declaraccedilatildeo de Alma-Ata coroou o processo anterior de questionamento dos modelos
verticais de intervenccedilatildeo da OMS para o combate agraves endemias nos paiacuteses em desenvolvimento
35
em especial na Aacutefrica e na Ameacuterica Latina e do modelo meacutedico hegemocircnico cada vez mais
especializado e intervencionista Sendo que na primeira vertente de questionamento
aprofundava-se a criacutetica a OMS no que se refere agrave abordagem vertical dos programas de
combate a doenccedilas transmissiacuteveis desenvolvidos com intervenccedilotildees seletivas e
descontextualizadas durante a deacutecada de 1960 como a Malaacuteria Jaacute na segunda vertente de
questionamento desde o final da deacutecada de 1960 o modelo biomeacutedico de atenccedilatildeo agrave sauacutede
recebia criacuteticas de diversas origens evidenciando-se os determinantes sociais mais gerais dos
processos sauacutede enfermidade e a exigecircncia de nova abordagem em atenccedilatildeo agrave sauacutede
(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
A OMS passou entatildeo por uma renovaccedilatildeo em contexto mundial favoraacutevel no qual
predominavam os governos social-democrata em paiacuteses europeus e em 1973 Halfdan
Mahler um meacutedico com senso de justiccedila social e experiecircncia em sauacutede puacuteblica em paiacuteses em
desenvolvimento assumiu a direccedilatildeo da OMS que comeccedilou a desenvolver abordagens
alternativas para a intervenccedilatildeo em sauacutede Ponderava-se que as intervenccedilotildees verticais natildeo
respondiam agraves principais necessidades de sauacutede dos povos e que seria preciso prosseguir
desenvolvendo concepccedilotildees mais abrangentes dentre elas a de APS Foi assim que em 1976
Mahler propocircs a meta Sauacutede para Todos no Ano 2000
A APS na Conferencia de Alma-Ata foi entatildeo entendida como atenccedilatildeo agrave sauacutede
essencial fundada em tecnologias apropriadas e custo-efetivas primeiro componente de um
processo permanente de assistecircncia sanitaacuteria orientado por princiacutepios de solidariedade e
equidade cujo acesso deveria ser garantido a todas as pessoas e famiacutelias da comunidade
mediante sua plena participaccedilatildeo e com foco na proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede A
compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a necessidade da abordagem dos determinantes
sociais e poliacuteticos mais amplos da sauacutede satildeo destaques na corrente mais filosoacutefica da
Declaraccedilatildeo de Alma-Ata com ecircnfase nas suas implicaccedilotildees poliacuteticas e sociais Ainda eacute
defendida a ideacuteia de que as poliacuteticas sociais de desenvolvimento devem ser inclusivas e
apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo para poder alcanccedilar equidade em
sauacutede (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
A denominaccedilatildeo ldquoatenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutederdquo vem entatildeo sendo empregada para modelos
distintos de organizaccedilatildeo e oferta de serviccedilos de sauacutede em vaacuterios paiacuteses ao redor do mundo
Numa tentativa de descrever e diferenciar os diversos modelos que utilizam a denominaccedilatildeo
ldquoAPSrdquo a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPASOMS 2007) em seu documento
Renovaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Primaacuteria nas Ameacutericas propocircs uma classificaccedilatildeo para as abordagens
de APS entatildeo existentes (Quadro 2)
36
Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em sauacutede
ABORDAGEM CONCEITO DE ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE ENFASE
APS seletiva
Programas focalizados e seletivos com cesta restrita de serviccedilos para
enfrentar limitado nuacutemero de problemas de sauacutede nos paiacuteses em
desenvolvimento Dirigidas ao grupo materno-infantil accedilotildees mais
comuns satildeo monitoramento de crescimento infantil reidrataccedilatildeo oral
amamentaccedilatildeo imunizaccedilatildeo e por vezes complementaccedilatildeo alimentar
planejamento familiar e alfabetizaccedilatildeo de mulheres
Conjunto restrito
de serviccedilos de
sauacutede para a
populaccedilatildeo pobre
Primeiro niacutevel
de atenccedilatildeo
Refere-se ao ponto de entrada no sistema de sauacutede e ao local de
cuidados de sauacutede para a maioria das pessoas na maior parte do
tempo correspondendo aos serviccedilos ambulatoriais meacutedicos de
primeiro contato natildeo especializados ndash incluindo accedilotildees preventivas e
serviccedilos cliacutenicos direcionados a toda populaccedilatildeo Trata-se da
concepccedilatildeo mais comum em paiacuteses da Europa com sistemas
universais puacuteblicos Em sua definiccedilatildeo mais estreita refere-se agrave
disponibilidade de meacutedicos com especializaccedilatildeo em medicina geral ou
medicina de famiacutelia e comunidade (meacutedicos generalistas ou general
practioners ndash GP)
Um dos niacuteveis de
atenccedilatildeo do
sistema de sauacutede
APS
abrangente ou
integral Alma-
Ata
A declaraccedilatildeo de Alma-Ata (1978) define a APS integrada ao sistema
de sauacutede garantindo a integralidade e a participaccedilatildeo social
Os princiacutepios fundamentais da APS integral satildeo a necessidade de
enfrentar os determinantes sociais de sauacutede acessibilidade e
cobertura universais com base nas necessidades participaccedilatildeo
comunitaacuteria emancipaccedilatildeo accedilatildeo intersetorial tecnologias apropriadas
e uso eficiente dos recursos
Estrateacutegia para
organizar os
sistemas de
atenccedilatildeo agrave sauacutede e
para a sociedade
promover a sauacutede
Abordagem de
sauacutede e de
direitos
humanos
Enfatiza a compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a
necessidade de abordar os determinantes sociais e poliacuteticos mais
amplos da sauacutede como preconizado na Declaraccedilatildeo de Alma-Ata
Defende a ideacuteia de que as poliacuteticas de desenvolvimento devem ser
inclusivas e apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo
para promover a equidade em sauacutede
Uma filosofia que
permeia os setores
sociais e de sauacutede
Fonte OPASOMS 2007 p04
Como podemos observar nesse documento as distintas concepccedilotildees de atenccedilatildeo primaacuteria
pelas agecircncias internacionais tecircm importantes repercussotildees sobre a equidade e direitos agrave
sauacutede principalmente entre a abordagem seletiva e integral As concepccedilotildees de APS seletiva e
abrangente ldquocompreendem questotildees teoacutericas ideoloacutegicas e praacuteticas muito distintas com
consequecircncias diferenciadas sobre a garantia do direito universal agrave sauacutederdquo (GIOVANELLA
MENDONCcedilA 2012 p 506)
Com base na produccedilatildeo de Starfield (2002) e Vuori (1984) APS em resumo pode ser
compreendida como uma tendecircncia relativamente recente de se inverter a priorizaccedilatildeo das
accedilotildees de sauacutede de uma abordagem curativa desintegrada e centrada no papel hegemocircnico do
meacutedico para uma abordagem preventiva e promocional integrada com outros niacuteveis de
atenccedilatildeo e construiacuteda de forma coletiva com outros profissionais de sauacutede fornecendo
ldquoatenccedilatildeo agrave pessoa natildeo agrave enfermidaderdquo (ANDRADE et al 2012 p 850)
37
Atributos caracteriacutesticos da APS
Uma abordagem para caracterizar a atenccedilatildeo primaacuteria abrangente nos paiacuteses
industrializados foi desenvolvida pela meacutedica e pesquisadora estadunidense Baacuterbara Starfield
(2002) definindo os atributos essenciais dos serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria Tal abordagem
reconhecida por especialistas e difundida tambeacutem no Brasil considera como caracteriacutesticas
especiacuteficas da APS a prestaccedilatildeo de serviccedilos de primeiro contato a assunccedilatildeo de
responsabilidade longitudinal pelo paciente com continuidade da relaccedilatildeo equipe-paciente ao
longo da vida a garantia de cuidado integral considerando-se os acircmbitos fiacutesico psiacutequico e
social da sauacutede dentro dos limites de atuaccedilatildeo do pessoal de sauacutede e a coordenaccedilatildeo das
diversas accedilotildees e serviccedilos indispensaacuteveis para resolver necessidades menos frequumlentes e mais
complexas
Para Giovanella e Mendonccedila (2012) os serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria nessa concepccedilatildeo
devem estar orientados para a comunidade conhecendo as necessidades de sauacutede centrar-se
na famiacutelia para bem avaliar como responder agraves necessidades de sauacutede de seus membros e ter
competecircncia cultural para se comunicar e reconhecer as diferentes necessidades dos diversos
grupos populacionais Ainda de acordo essas autoras essa competecircncia cultural e a orientaccedilatildeo
para a comunidade satildeo facilitadas pela integraccedilatildeo na equipe de atenccedilatildeo primaacuteria de membros
da comunidade os trabalhadores comunitaacuterios de sauacutede que no Brasil satildeo denominados de
agentes comunitaacuterios de sauacutede
Outro atributo essencial da atenccedilatildeo primaacuteria eacute a coordenaccedilatildeo que implica na
capacidade de garantir a continuidade da atenccedilatildeo (atenccedilatildeo ininterrupta) no interior da rede de
serviccedilos Sendo a sua essecircncia a disponibilidade de informaccedilatildeo acerca dos problemas preacutevios
o que requer a existecircncia de prontuaacuterio de acompanhamento longitudinal (ao longo da vida)
do paciente o envio de informaccedilatildeo adequada ao especialista (referencia) e o seu retorno ao
generalista (contra-referencia) apoacutes o encaminhamento a profissional especializado A
coordenaccedilatildeo dos cuidados torna-se cada vez mais indispensaacuteveis em razatildeo do envelhecimento
populacional das mudanccedilas no perfil epidemioloacutegico que evidencia crescente prevalecircncia de
doenccedilas crocircnicas e da diversificaccedilatildeo tecnoloacutegica nas praacuteticas assistenciais
Uma importante caracteriacutestica de uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede que se diz integral
segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) eacute a compreensatildeo da sauacutede como inseparaacutevel do
desenvolvimento econocircmico e social como discutido na Conferencia de Alma-Ata o que
implica atuaccedilatildeo dirigida para a comunidade para enfrentar os determinantes sociais do
processo sauacutede-enfermidade e incentivar a participaccedilatildeo social Para que a determinaccedilatildeo social
do processo sauacutede-doenccedila seja reconhecida eacute necessaacuterio a articulaccedilatildeo com outros setores de
38
poliacuteticas puacuteblicas desencadeando e mediando accedilotildees intersetoriais para o desenvolvimento
social integrado e a promoccedilatildeo da sauacutede devendo essa ser uma estrateacutegia estruturante da
poliacutetica municipal completa as autoras
Essas autoras tambeacutem destacam que a accedilatildeo comunitaacuteria das equipes de APS com
diagnostico do territoacuterio discussatildeo dos problemas da comunidade mobilizaccedilatildeo social e
planejamento de intervenccedilotildees eacute fundamental para responder natildeo soacute as necessidades
individuais mas tambeacutem as necessidades coletivas de sauacutede
Serviccedilos de Atenccedilatildeo Primaacuteria antecedentes histoacutericos
Foi durante a segunda e terceira deacutecadas do seacuteculo XX que as autoridades sanitaacuterias da
eacutepoca desenvolveram o conceito de distrito sanitaacuterio e centro de sauacutede numa tentativa de
aproximar o trabalho em sauacutede da populaccedilatildeo Sendo essas concepccedilotildees colocadas em praacuteticas
de vaacuterias maneiras e em paiacuteses diferentes (ROSEN 1994 apud ANDRADE et al 2012)
Entre 1910 e 1915 nos Estados Unidos da Ameacuterica os esforccedilos para relacionar ldquoos
serviccedilos a uma populaccedilatildeo delimitada ou agrave populaccedilatildeo de uma aacuterea definida logo levaram agrave
compreensatildeo da necessidade de um loacutecus de administraccedilatildeo que foi denominado Centro de
Sauacutederdquo (ANDRADE et al 2012 p845)
Jaacute Giovanella e Mendonccedila (2012) trazem que data de 1920 na Gratilde-Bretanha a
primeira proposta formal de organizaccedilatildeo de um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo quando por
iniciativa do conselho composto por representantes do Ministeacuterio da Sauacutede do partido
trabalhista e dos profissionais meacutedicos privados propocircs a prestaccedilatildeo de serviccedilos de atenccedilatildeo
primaacuteria por equipe de meacutedicos e pessoal auxiliar para cobertura de toda a populaccedilatildeo em
centros de sauacutede Esse documento ficou conhecido como Relatoacuterio Dawson (nome do
ministro de Sauacutede da Inglaterra) onde foi definido ldquoo Centro de Sauacutede como a instituiccedilatildeo
encarregada de oferecer atenccedilatildeo meacutedica no niacutevel primaacuteriordquo (ANDRADE et al 2012 p845)
ldquoA proposiccedilatildeo do Relatoacuterio Dawson incluiacutea ainda a organizaccedilatildeo regionalizada dos
serviccedilos de sauacutede hierarquizada em niacutevel primaacuterio secundaacuterio e terciaacuteriordquo Giovanella e
Mendonccedila (2012 p 507) Por pressatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica essas ideacuteias natildeo foram
imediatamente implementadas mas fundamentaram posteriores iniciativas de organizaccedilatildeo dos
sistemas de sauacutede Na Inglaterra em 1946 na criaccedilatildeo do National Health Service (NHS) o
primeiro niacutevel de atenccedilatildeo foi instituiacutedo por meacutedicos generalistas que atuavam em seus
consultoacuterios com dedicaccedilatildeo exclusiva Foi somente na deacutecada de 1960 que os centros de
sauacutede foram difundidos quando muitas unidades foram construiacutedas na Inglaterra Ainda que
permanecendo como profissionais autocircnomos os ldquomeacutedicos generalistas passaram a dar
39
consultas nesses centros de sauacutede trabalhando ao lado de outros profissionais de sauacutede
empregados governamentais como enfermeiras visitadoras domiciliares e assistentes sociaisrdquo
(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012 p 507)
Segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) os centros de sauacutede foram o modelo de
atenccedilatildeo ambulatorial predominante nos paiacuteses socialistas da URSS e do Leste Europeu
Financiados predominantemente com recursos fiscais de impostos gerais representaram o
modelo de atenccedilatildeo ambulatorial mais inclusivo e integral articulando serviccedilos cliacutenicos e de
acesso universal gratuito Cliacutenico geral ou internista pediatra gineco-obstetra odontoacutelogo
enfermeiras e pessoal de apoio auxiliar constituiacuteam a equipe baacutesica Esses serviccedilos eram
nomeados com frequumlecircncia de policliacutenicas e situados nos locais de trabalho como nas
empresas por exemplo
Ainda de acordo com essas autoras foi difundido nos paiacuteses em desenvolvimento
como o Brasil um modelo diferente de centro de sauacutede limitado a serviccedilos preventivos que
separava funccedilotildees cliacutenicas e de sauacutede puacuteblica Esse modelo foi experimentado inicialmente em
uma das colocircnias britacircnicas (Sri Lanka) A atuaccedilatildeo dos centros de sauacutede era focada em
serviccedilos preventivos e as pessoas que necessitavam de tratamento eram referenciadas para os
ambulatoacuterios de hospitais
Histoacuterico da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede no Brasil
O desenvolvimento da Atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede no Brasil natildeo foi diferente de
outros paiacuteses em desenvolvimento onde imperou a concepccedilatildeo da APS seletiva Por muito
tempo as accedilotildees de sauacutede puacuteblica estiveram separadas das accedilotildees assistenciais assim os centros
de sauacutede eram limitados aos serviccedilos preventivos separando as accedilotildees cliacutenicas e de sauacutede
puacuteblica Assim as pessoas que precisavam de tratamento eram encaminhadas para os
ambulatoacuterios em hospitais gerais
Na deacutecada de 1930 houve a consolidaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica como funccedilatildeo estatal ainda
focada na prevenccedilatildeo de doenccedilas atraveacutes de campanhas sanitaacuterias de sauacutede puacuteblica
organizaccedilatildeo de serviccedilos rurais de profilaxia centralizados pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e
Sauacutede Puacuteblica (MESP) Jaacute a assistecircncia meacutedica urbana realizava uma atenccedilatildeo de caraacuteter
curativo e individual com base em especialidades por meio de Caixas e Institutos de
Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) seguindo o modelo de seguridade social isto eacute apenas
algumas categorias de trabalhadores formais tinham o acesso Os centros de sauacutede do Brasil
natildeo prestavam atendimento cliacutenico nem a populaccedilatildeo pobre a qual era encaminhada aos
40
ambulatoacuterios dos hospitais de caridade onde recebiam atendimento apoacutes provarem sua
indigecircncia Exceto para algumas doenccedilas transmissiacuteveis (doenccedilas veneacutereas e tuberculose)
esses centros de sauacutede realizavam o tratamento como medida de impedir a transmissatildeo da
doenccedila (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
Na deacutecada de 1940 ocorreram as reformas administrativas do MESP que
aprofundaram e verticalizaram as accedilotildees de sauacutede puacuteblica Houve a criaccedilatildeo dos Serviccedilos
Nacionais de Sauacutede (voltados para doenccedilas especiacuteficas como malaacuteria hanseniacutease
tuberculose etc) e a criaccedilatildeo do Serviccedilo Especial de Sauacutede Puacuteblica (SESP) que articulava
accedilotildees coletivas e preventivas agrave assistecircncia meacutedica curativa respaldada em desenvolvimento
cientiacutefico e tecnoloacutegico limitado influenciado pela medicina preventiva norte-americana
atraveacutes de convecircnios com a Fundaccedilatildeo Rockfeller (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)
Apenas em 1953 o Ministeacuterio da Sauacutede eacute criado Poreacutem ainda assim a dualidade entre
sauacutede puacuteblica e assistecircncia meacutedica urbana no acircmbito do seguro social persistiu por vaacuterias
deacutecadas Durantes as deacutecadas de 1950 e 1960 a cobertura previdenciaacuteria foi estendida pela
unificaccedilatildeo dos IAPs no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ainda mantendo o modelo
de seguro de sauacutede
Em 1970 houve a emergecircncia da medicina comunitaacuteria pela Ameacuterica Latina com
apoio das Agecircncias internacionais com um caraacuteter paralelo agrave organizaccedilatildeo da assistecircncia
meacutedica individual voltada para categorias excluiacutedas A dimensatildeo do programa que se
destinava agrave reduccedilatildeo da pobreza daacute a essa praacutetica o caraacuteter de programa social associada ao
direito agrave sauacutede e ao desenvolvimento social Houve uma articulaccedilatildeo de princiacutepios de
participaccedilatildeo social e da inclusatildeo dos pobres na forccedila de trabalho em sauacutede por meio de
treinamento profissional (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
Com a crise econocircmica aprofundada a assistecircncia meacutedica previdenciaacuteria comeccedilou a
ser questionada e as mazelas do sistema social e de sauacutede comeccedilaram a ser evidenciadas pela
pobreza falta de acesso aos bens puacuteblicos e taxas de morbimortalidade elevadas Nesse
contexto surgiram experiecircncias sanitaacuterias que difundiam uma reforma da assistecircncia meacutedica e
um confronto com o modelo vigente tendo como importantes protagonistas os departamentos
de medicina preventiva de vaacuterias universidades federais
Esses departamentos das universidades federais apostaram no programa de integraccedilatildeo
docente assistencial para a implementaccedilatildeo de praacuteticas de medicina comunitaacuteria baseadas na
atenccedilatildeo integral com destaque para a dimensatildeo social em que se desencadeava o processo
sauacutede-doenccedila enfocando os efeitos coletivos da atenccedilatildeo prestada nesse processo e natildeo apenas
41
no resultado (cura) Contou com a cooperaccedilatildeo entre diversas agecircncias e praacuteticas ligadas a vida
(escolas postos de sauacutede centros de treinamento profissional serviccedilo social creches etc)
A forma como as praacuteticas se efetivaram no Brasil abriram o debate nacional para a
atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede recebendo suporte da decisatildeo poliacutetica traccedilada em Alma-Ata Foi
criado o Programa de Interiorizaccedilatildeo das Accedilotildees de Sauacutede Saneamento (PIASS) que financiava
a construccedilatildeo de unidades baacutesicas de sauacutede e visava implantar serviccedilos de primeiro niacutevel em
cidades de pequeno porte O modelo de assistecircncia meacutedica curativa comeccedila a colapsar por
oferecer cobertura restrita aos segurados da previdecircncia social por ser oneroso e ter a sua
conduccedilatildeo deteriorada pela gestatildeo fraudulenta do INAMPS
Na deacutecada de 1980 uma articulaccedilatildeo entre setores do Ministeacuterio da Sauacutede e do
Instituto de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social (INAMPS) propocircs o Programa
Nacional de Serviccedilos Baacutesicos de Sauacutede (Prevsauacutede) que estenderia os benefiacutecios
experimentados aos centros urbanos de maior porte e buscaria minimizar os efeitos da crise
previdenciaacuteria (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
Esse fato aprofundou a discussatildeo sobre a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica sem
alcanccedilar a sua aprovaccedilatildeo O Plano do Conselho Consultivo da Administraccedilatildeo de Sauacutede
Previdenciaacuteria (Conasp) propocircs uma racionalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo meacutedica previdenciaacuteria
respaldada por orientaccedilotildees teacutecnicas de organismos internacionais como a OPAS e o acuacutemulo
de conhecimento teoacuterico-cientiacutefico produzido no Brasil Assim o programa de Accedilotildees
Integradas em Sauacutede (AIS) foi consolidado Esse programa visava agrave organizaccedilatildeo de serviccedilos
baacutesicos nos municiacutepios com base em convecircnios entre as trecircs esferas de governo
Em 1985 foi estimulada a integraccedilatildeo das instituiccedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede na definiccedilatildeo
de uma accedilatildeo unificada em niacutevel local Desta maneira as unidades baacutesicas de niacutevel local
seriam responsaacuteveis por accedilotildees de caraacuteter preventivo e de assistecircncia meacutedica integrando o
sistema de sauacutede puacuteblica e previdenciaacuterio a fim de prestar atenccedilatildeo integral a toda populaccedilatildeo
independente de contribuiccedilatildeo financeira agrave previdecircncia Paralelamente foram criados
programas de atenccedilatildeo primaacuteria direcionados a grupos especiacuteficos como o Programa de
Atenccedilatildeo Integrada agrave Sauacutede da Mulher (PAISM) e da crianccedila (PAISC) que serviram como
modelo para os demais programas de atenccedilatildeo integral voltados para grupos de risco idosos
adolescentes portadores de doenccedilas crocircnicas etc (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
42
44 A ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Reorientaccedilatildeo do Modelo Assistencial
A reorganizaccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos de sauacutede se inscreveu no projeto de Reforma
Sanitaacuteria Brasileira desde a deacutecada de 1970 Na deacutecada de 1980 a Reforma Sanitaacuteria foi
contemporacircnea agrave reestruturaccedilatildeo da poliacutetica social brasileira que apontou para um modelo de
proteccedilatildeo social abrangente justo equacircnime e democraacutetico definindo constitucionalmente a
sauacutede como direito de todos e dever do Estado com acesso universal igualitaacuterio agraves accedilotildees e
serviccedilos para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo
Com a luta pela ampliaccedilatildeo da cidadania as bases legais para a organizaccedilatildeo do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) foram fixadas na Constituiccedilatildeo de 1988 seguindo princiacutepios e
diretrizes de universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade da atenccedilatildeo resolutividade
humanizaccedilatildeo do atendimento e participaccedilatildeo social complementadas na aprovaccedilatildeo das Leis
Orgacircnicas da Sauacutede I e II que criaram o Fundo Nacional de Sauacutede (recursos fiscais) e o
Conselho Nacional de Sauacutede (participaccedilatildeo social) (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)
Na deacutecada de 1990 a tensatildeo entre o avanccedilo do projeto neoliberal e a preservaccedilatildeo do
SUS e suas diretrizes faz com que o MS adote mecanismos indutores do processo de
descentralizaccedilatildeo da gestatildeo Esses mecanismos transferiram a responsabilidade da atenccedilatildeo para
o governo municipal o que exigiu rever a loacutegica da lsquoatenccedilatildeo baacutesicarsquo organizando-a e
expandindo-a como primeiro niacutevel de atenccedilatildeo de acordo com as necessidades da populaccedilatildeo
Assim a concepccedilatildeo de ESF passou por profundas mudanccedilas e sua funccedilatildeo dentro do
SUS tambeacutem mudou radicalmente Vale ressaltar alguns marcos cronoloacutegicos desse processo
Em 1991 surge o Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) implantado pela
FUNASA no Norte e Nordeste do paiacutes Ainda na deacutecada de 1990 o MS fortaleceu as accedilotildees de
caraacuteter preventivo com investimento em programas de accedilotildees baacutesicas como parte da estrateacutegia
de reorganizaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo visando a promoccedilatildeo da sauacutede Nessa esteira foi
formulado o Programa de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) materializado pela portaria MS n 692 de
dezembro de 1993
No ano de 1996 foi implantada a Norma Operacional Baacutesica (NOB) que definiu um
novo modelo de financiamento para a atenccedilatildeo baacutesica agrave sauacutede com vistas agrave sustentabilidade
financeira para um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo Neste texto a Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede (ABS)
contemplava ldquo() um conjunto de accedilotildees de caraacuteter individual e coletivo situadas no primeiro
niacutevel de atenccedilatildeo dos sistemas de sauacutede voltadas para a promoccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de
agravos o tratamento e a reabilitaccedilatildeordquo (BRASIL 1996 p18)
43
Ainda em 1996 houve a implantaccedilatildeo dos Poacutelos de Capacitaccedilatildeo Formaccedilatildeo e Educaccedilatildeo
Permanente de Recursos Humanos para Sauacutede da Famiacutelia e no ano seguinte 1997 por meio
do documento oficial Sauacutede da Famiacutelia uma estrateacutegia para a reorientaccedilatildeo do modelo
assistencial o PSF passa a ser ldquouma estrateacutegia que possibilita a integraccedilatildeo e promove a
organizaccedilatildeo das atividades em um territoacuterio definido com propoacutesito de propiciar o
enfrentamento e resoluccedilatildeo dos problemas identificados ()rdquo (GIOVANELLA et al 2009
p24 )
Apoacutes o PSF ter se tornado a estrateacutegia de reestruturaccedilatildeo do sistema de sauacutede houve
uma mudanccedila na forma de financiamento da ABS que passa a ser fundo a fundo isto eacute do
Fundo Nacional de Sauacutede para os Fundos Municipais de Sauacutede Haacute entatildeo a definiccedilatildeo pela
primeira vez de orccedilamento proacuteprio para o PSF estabelecido no Plano Plurianual
(GIOVANELLA et al 2009)
Outro documento importante eacute o 1ordm Pacto da Atenccedilatildeo Baacutesica de 1999 A Portaria nordm
1329 estabeleceu as faixas de incentivo ao PSF por cobertura populacional Jaacute no final do
seacuteculo XX houve a criaccedilatildeo do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB) com o intuito de
promover a consolidaccedilatildeo da Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (CASTRO FAUSTO 2012)
No iniacutecio do seacuteculo XXI foi lanccedilado o documento NOAS01 (Norma Operacional da
Assistecircncia agrave Sauacutede de 2001) A ecircnfase dada nesse documento foi a qualificaccedilatildeo da APS no
paiacutes e a incorporaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede bucal na ESF Ainda com o objetivo de fortalecer a
ESF em todo paiacutes em 2002 foi dado iniacutecio ao Programa de Expansatildeo e Consolidaccedilatildeo da
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (Proesf) Esse programa foi dividido em duas fases a primeira
- Fase I - foi concluiacuteda em 2007 e a segunda fase - Fase II foi de 2009 ateacute 2013
Outra importante iniciativa para melhor desenvolver a capacidade de atuaccedilatildeo das
EqSF foi a criaccedilatildeo em 2008 dos Nuacutecleos de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia (NASFs) com o
objetivo de apoiar a consolidaccedilatildeo da APS no Brasil ampliando sua abrangecircncia e
resolutividade Outros profissionais que natildeo compotildeem a equipe miacutenima como alguns
meacutedicos especialistas psicoacutelogos farmacecircuticos fisioterapeutas terapeutas ocupacionais e
assistentes sociais tecircm por funccedilatildeo apoiar as equipes em pelo menos duas dimensotildees apoio a
proacutepria equipe no que diz respeito a seu processo de trabalho e apoiador da equipe no que
tange aos cuidados dos usuaacuterios compartilhando saberes
Apoacutes quinze anos de ESF eacute possiacutevel fazer um balanccedilo de sua atuaccedilatildeo apontando os
desafios e as possibilidades da ABS no Brasil Foi entre os anos de 2001 a 2010 que a Poliacutetica
Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica ampliou a concepccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria brasileira
incorporando caracteriacutesticas da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente Com isso a atenccedilatildeo
44
primaacuteria passa a ser entendida como ldquoum conjunto de accedilotildees de promoccedilatildeo prevenccedilatildeo
recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo de sauacutede nos acircmbitos individual e coletivo realizadas por meio de
trabalho em equipe e dirigidas a populaccedilotildees de territoacuterios delimitadosrdquo (GIOVANELLA
MENDONCcedilA 2012 p539)
A APS tem como importante funccedilatildeo ser o ponto de contato preferencial e a porta de
entrada do sistema de sauacutede garantindo a integralidade da atenccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo dos
cuidados A Sauacutede da Famiacutelia tornou-se a estrateacutegia prioritaacuteria e permanente para a
organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria Aleacutem disso o modelo brasileiro de atenccedilatildeo primaacuteria
incorpora outros elementos da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente com centralidade na
famiacutelia e direcionamento para a comunidade Apesar disso observa-se uma diversidade de
modelos implementados nas diferentes experiecircncias de APS no paiacutes e ainda haacute um longo
caminho a se percorrer ateacute a hegemonia de um novo modelo de atenccedilatildeo em sauacutede
O Programa Sauacutede da Famiacutelia ao ser aplicado como estrateacutegia passa a difundir uma
perspectiva inovadora para a atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes voltado para a famiacutelia e a
comunidade Tomados como paracircmetros para anaacutelise da implementaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo
primaacuteria abrangente a integraccedilatildeo e as accedilotildees intersetoriais satildeo desafios importantes
O sucesso da implementaccedilatildeo ESF para a grande maioria da populaccedilatildeo dependeraacute de
alguns fatores tais como incentivos financeiros poliacutetica adequada de recursos humanos
profissionalizaccedilatildeo dos ACS fixaccedilatildeo dos profissionais da sauacutede proporcionando-lhes
satisfaccedilatildeo no trabalho poliacuteticas de formaccedilatildeo profissional e educaccedilatildeo permanente iniciativas
locais competentes e criativas para o enfrentamento da diversidade no paiacutes A natildeo-
qualificaccedilatildeo de profissionais meacutedicos como generalistas eacute outro grande desafio Somente em
2002 a Medicina de Famiacutelia e da Comunidade foi reconhecida como especialidade pelo
Conselho Federal de Medicina fomentando-se a abertura de cursos de residecircncia e de
especializaccedilatildeo lato sensu (GIONANELLA et al 2009)
Outros desafios operacionais tambeacutem se colocam diante da efetivaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo
primaacuteria abrangente como insuficiente oferta de atenccedilatildeo especializada agravada pela baixa
integraccedilatildeo com os prestadores estaduais ainda responsaacuteveis em alguns municiacutepios pela maior
parte dos serviccedilos de meacutedia complexidade ausecircncia de poliacuteticas federais para a atenccedilatildeo
especializada A construccedilatildeo de redes integradas passa necessariamente por maior
investimento em serviccedilos de meacutedia complexidade com expansatildeo do leque de serviccedilos
ofertados no primeiro niacutevel novas accedilotildees curativas serviccedilos comunitaacuterios de sauacutede mental
cuidados domiciliares (home care) e cuidados paliativos investimentos em tecnologias de
45
informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com a implantaccedilatildeo de sistemas informatizados de regulaccedilatildeo e
prontuaacuterios eletrocircnicos (GIOVANELLA amp MENDONCcedilA 2012)
Por fim a organizaccedilatildeo do SUS orientada por uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
abrangente eacute uma perspectiva para a reduccedilatildeo das desigualdades sociais e regionais no acesso e
na utilizaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede no desenvolvimento de accedilotildees comunitaacuterias e na mediaccedilatildeo
de accedilotildees intersetoriais para responder aos determinantes sociais e regionais que contribuem
para efetivar o direito agrave sauacutede no Brasil
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil e na Cidade do Rio de Janeiro
A implementaccedilatildeo da ESF ocorre de diferentes modos nos mais de 5600 municiacutepios do
paiacutes e ainda satildeo poucos os estudos que nos permitem saber se mudanccedilas substanciais foram
efetivamente implementadas no modelo assistencial Silva Casotti e Chaves (2013)
realizaram uma revisatildeo da produccedilatildeo cientiacutefica na base de dados Scielo entre os anos de 2002
a 2010 sobre a variedade de estudos existentes abordando a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e seu
papel na orientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo no paiacutes Os resultados mostraram que apesar da
melhoria do processo de trabalho na atenccedilatildeo primaacuteria seu caraacuteter substitutivo natildeo foi
evidenciado na maioria dos estudos Sendo predominante a expansatildeo da universalizaccedilatildeo do
acesso aos serviccedilos de sauacutede a extensatildeo de cobertura e focalizaccedilatildeo As mudanccedilas foram
verificadas quando analisadas sob o foco da demanda como maior acolhimento e viacutenculo Os
limites mais evidentes se situaram no pouco foco das necessidades de sauacutede como na
territorializaccedilatildeo participaccedilatildeo comunitaacuteria e enfrentamento dos determinantes sociais de forma
intersetorial Foram evidenciados diferentes graus de implantaccedilatildeo da estrateacutegia mas que ainda
natildeo resultou na reorganizaccedilatildeo do sistema no niacutevel local
A cidade do Rio de Janeiro foi capital do Estado do Brasil uma colocircnia do Impeacuterio
Portuguecircs depois capital do Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves de 1815 a 1822
capital do Impeacuterio do Brasil ateacute 1889 e capital do Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil ateacute
1960 quando a sede do governo foi transferida para Brasiacutelia
Hoje eacute a capital do Estado do Rio de Janeiro e o principal destino turiacutestico
internacional da Ameacuterica Latina sendo a segunda metroacutepole mais populosa do Brasil (depois
de Satildeo Paulo) a sexta maior da Ameacuterica e a trigeacutesima quinta do mundo Em 2010 segundo
censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo do Rio de janeiro
era de 6320446 habitantes e em 2014 a populaccedilatildeo estimada era de 6453682 habitantes
O desenvolvimento e a construccedilatildeo de uma razoaacutevel infraestrutura de serviccedilos puacuteblicos
incluindo um importante conjunto de serviccedilos de sauacutede em especial unidades hospitalares sob
46
a coordenaccedilatildeo das diferentes esferas de governo foi favorecido pelo importante papel
histoacuterico-poliacutetico desempenhado pela cidade (CASOTTI et al 2013)
Quanto a organizaccedilatildeo dos serviccedilos a atenccedilatildeo agrave sauacutede no municiacutepio se estrutura em
trecircs niacuteveis com diferentes tipos de unidades Atenccedilatildeo Primaacuteria (Centro Municipal de
SauacutedeCMS e Cliacutenica da FamiacuteliaCF) Atenccedilatildeo Secundaacuteria (Policliacutenicas Centros de Atenccedilatildeo
Psicossocial -CAPS Unidades de Pronto Atendimento - Upas e Centros de Reabilitaccedilatildeo) e
Atenccedilatildeo Terciaacuteria (Maternidades Hospitais e Institutos) (RIO DE JANEIRO 2013
ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DA SAUacuteDE 2013)
Com a finalidade de gestatildeo do sistema municipal de sauacutede desde 1993 a cidade do
Rio de Janeiro estaacute organizada em 10 (dez) Aacutereas de Planejamento Sanitaacuterio cada uma com
sua Coordenaccedilatildeo de Aacuterea denominadas Aacutereas Programaacuteticas ndash AP (10 21 22 31 32 33
40 51 52 e 53) que satildeo bem diversas entre si em relaccedilatildeo a equipamentos de sauacutede e
necessidades da populaccedilatildeo (RIO DE JANEIRO 2014)
Na deacutecada de 90 a rede municipal de atenccedilatildeo primaacuteria da cidade recebeu
investimentos de requalificaccedilatildeo estrutural (reformas adequaccedilotildees e ampliaccedilotildees) da sua
capacidade instalada valorizando a implantaccedilatildeo de um sistema corretivo e preventivo de
manutenccedilatildeo predial mas sem apresentar aumento significativo no nuacutemero de unidades no
municiacutepio (CASOTTI et al 2013)
Apesar do movimento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo primaacuteria no paiacutes em 1994
com a adoccedilatildeo da PSF a secretaria municipal de sauacutede manteve a atenccedilatildeo primaacuteria tradicional
como modelo predominante de atenccedilatildeo e implantou a ESF de forma residual fragmentada e
desarticulada Ao passo que outras capitais como Belo Horizonte e Florianoacutepolis alcanccedilavam
a cobertura da ESF acima de 70 da populaccedilatildeo no ano de 2008
Situaccedilatildeo essa que perdurou sem alteraccedilatildeo ateacute 2009 onde o cenaacuterio da atenccedilatildeo primaacuteria
no municiacutepio apresentava uma estrutura bastante incipiente com cobertura da ESF em torno
de 7 segundo dados da Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (2013) quando se instalou
um processo de Reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria que incluiu a territorializaccedilatildeo das redes e uma
importante expansatildeo do nuacutemero de unidades de atenccedilatildeo primaacuteria o que resultou numa
expansatildeo acelerada com implantaccedilatildeo de 828 equipes da ESF atingindo uma cobertura de
479 em marccedilo de 2015 consolidando assim o modelo da ESF na cidade (SORANZ 2013)
Para viabilizar essa expansatildeo de cobertura vecircm sendo implementadas no campo da
gestatildeo do trabalho algumas estrateacutegias para atrair e fixar profissionais qualificados incluindo
alteraccedilatildeo de salaacuterios e formas de contrataccedilatildeo operacionalizadas por meio das Organizaccedilotildees
Sociais (OSs) e a criaccedilatildeo do Curso de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade
47
(RMFC) pela Prefeitura do Rio de Janeiro Outra estrateacutegia importante estaacute voltada para o
campo da qualificaccedilatildeo profissional em parceria com instituiccedilotildees de ensino como a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj) e a Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (PINTO 2011 MAGNAGO E PIERANTONI 2015
OPAS 2013)
Outro passo foi dado a partir de 2010 com o iniacutecio da implantaccedilatildeo dos Nuacutecleos de
Atenccedilatildeo agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASFs)) que tecircm o objetivo de apoiar e dar resolutividade agraves
diversas especialidades na atenccedilatildeo baacutesica aleacutem de promover sua integraccedilatildeo agrave rede de
serviccedilos Uma rede de NASF foi entatildeo progressivamente implementada chegando a 47
equipes em 2015
A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e sua importacircncia para a Sauacutede Mental
No acircmbito internacional seguindo as diretrizes do ldquoMental Health Action Plan 2013-
2020rdquo satildeo destacados quatro grandes objetivos principais 1) lideranccedila e governanccedila mais
efetiva em sauacutede mental 2) fornecimento de serviccedilos de sauacutede mental e cuidados sociais de
base comunitaacuteria abrangente integrado 3) implantaccedilatildeo de estrateacutegias para promoccedilatildeo e
prevenccedilatildeo e 4) fortalecimento do sistema de informaccedilatildeo evidencia e pesquisa Esse Plano de
Accedilatildeo Global estaacute baseado na abordagem do ciclo de vida e objetiva alcanccedilar equidade atraveacutes
da cobertura de sauacutede universal enfatizando a importacircncia da prevenccedilatildeo e do respeito aos
Direitos Humanos A World Health Organization recomenda o fortalecimento da Atenccedilatildeo
Primaacuteria e da Atenccedilatildeo Psicossocial Comunitaacuteria para isso sugere que cada paiacutes encontre o
melhor caminho respeitadas as particularidades sociais econocircmicas e culturais (WHO
2013)
A atual Poliacutetica de Sauacutede Mental no Brasil eacute resultado da mobilizaccedilatildeo de trabalhadores
da Sauacutede Mental usuaacuterios e familiares iniciada na deacutecada de 1980 com o objetivo de mudar a
realidade dos manicocircmios onde viviam mais de 100 mil pessoas com transtornos mentais
institucionalizadas com seacuterias violaccedilotildees dos Direitos Humanos O movimento foi
impulsionado pela importacircncia que o tema dos Direitos Humanos adquiriu no combate agrave
ditadura e alimentou-se das experiecircncias exitosas de paiacuteses europeus na substituiccedilatildeo de um
modelo de sauacutede mental baseado no hospital psiquiaacutetrico por um modelo de serviccedilos
comunitaacuterios com forte inserccedilatildeo territorial Esse processo de mudanccedila nas uacuteltimas deacutecadas
se expressa especialmente por meio do movimento Social da Luta Antimanicomial e de um
projeto coletivamente produzido de mudanccedila do modelo de atenccedilatildeo e de gestatildeo do cuidado a
Reforma Psiquiaacutetrica
48
A atenccedilatildeo as pessoas com transtornos mentais passa entatildeo a ter como objetivo ldquoo
pleno exerciacutecio de sua cidadania e natildeo somente o controle de sua sintomatologiardquo Brasil
(2013 p21) O que vai implicar na organizaccedilatildeo de serviccedilos abertos de base territorial com a
participaccedilatildeo dos usuaacuterios e formando redes com outras poliacuteticas puacuteblicas (educaccedilatildeo trabalho
moradia cultura etc) A inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental nos cuidados de sauacutede primaacuterios
portanto vai propiciar a loucura sair de um lugar segregador excludente para um de conviacutevio
de agenciamentos de possibilidades de produccedilatildeo de vida (SOUZA RIVERA 2010)
Para Lancetti e Amarante (2012) eacute no acircmbito da Sauacutede da Famiacutelia que se pode
alcanccedilar a radicalidade da desinstitucionalizaccedilatildeo Mas para isso as equipes da Estrateacutegia de
Sauacutede da Famiacutelia precisam ser bem instrumentalizadas na concepccedilatildeo mais geral da Reforma
Psiquiaacutetrica e da Reforma Sanitaacuteria entendendo ambas como ldquoprocessos sociais complexos
que visam tanto agrave melhoria da assistecircncia meacutedica quanto agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave construccedilatildeo
de consciecircncia sanitaacuteria nas comunidadesrdquo (AMARANTE 2007 p96)
Aleacutem de as equipes serem bem instrumentalizadas Amarante (2007) destaca ser
importante que as equipes recebam apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da
Famiacutelia - NASF (Portaria GM 1542008) para conduzir os casos de sauacutede mental de forma
mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada a partir da vivencia cotidiana
dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias profissionais para lidar com os
problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento psiacutequico e comprometer a
resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA 2013)
A Portaria GM 1542008 determina que todo NASF tenha ao menos um profissional
da aacuterea da sauacutede mental para orientar problematizar oferecer apoio teacutecnico e institucional em
situaccedilotildees de sauacutede mental aos profissionais da ESF contribuindo para que estas consigam o
maacuteximo de ecircxito em suas intervenccedilotildees sem a necessidade de encaminhar as pessoas aos
niacuteveis mais complexos de recursos Por Apoio Matricial no seu sentido original entende-se
como uma equipe composta por um ou mais profissionais de sauacutede detentores de certo saber
cientifico que apoacuteia utilizando-se para isso de diversas modalidades de processos uma ou
mais equipes de referecircncia (CAMPOS1999)
Souza et al (2012) realizaram uma revisatildeo narrativa da literatura brasileira sobre
relaccedilotildees entre Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o campo da sauacutede mental no periacuteodo de
1999 a 2009 Os resultados apontaram problemas como visotildees estereotipadas sobre os
transtornos mentais predominacircncia da loacutegica manicomial ausecircncia de registros fluxos
estrateacutegias apoio qualificado agraves famiacutelias e de integraccedilatildeo em rede Assim como na revisatildeo
feita por Gama e Onocko (2009) que constatou a persistecircncia do paradigma biomeacutedico
49
tradicional pouca correspondecircncia entre as diretrizes de inclusatildeo da sauacutede mental e a
realidade dos serviccedilos dificuldades na relaccedilatildeo entre equipes de ESF e CAPS
Esses estudos mostraram que alguns profissionais construiacuteram formas de lidar com os
problemas de sauacutede mental na APS mais adequadas aos princiacutepios do SUS e da Reforma
Psiquiaacutetrica No entanto essas estrateacutegias permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais
natildeo tinham clareza sobre elas) assistemaacuteticas e desarticuladas da rede de serviccedilos O que
sugere que a atenccedilatildeo agrave sauacutede mental na APS brasileira do iniacutecio do seacuteculo XXI ainda se
encontra em seus ldquotateiosrdquo iniciais Apresentando-se como um desafio atual e importante
tanto para a academia quanto para praacutetica dos serviccedilos
Apoio Matricial (AM)
No presente estudo o foco natildeo foi o Apoio Matricial (AM) mas faz-se necessaacuterio
esclarecer que essa eacute uma ferramenta que tem como funccedilatildeo segundo Campos (1999)
estimular cotidianamente a produccedilatildeo de novos padrotildees de inter-relaccedilatildeo entre equipe e
usuaacuterios ampliar o compromisso dos profissionais com a produccedilatildeo de sauacutede e quebrar
obstaacuteculos organizacionais agrave comunicaccedilatildeo Privilegiando dessa forma o exerciacutecio
interdisciplinar em busca do cuidado integral em sauacutede a racionalizaccedilatildeo do acesso e do uso
de recursos especializados e estimulando uma cliacutenica compartilhada embasada por um pacto
de corresponsabilizaccedilatildeo sanitaacuteria ampliando assim o escopo da APS
Embora o Ministeacuterio da Sauacutede tenha formalizado os Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da
Famiacutelia (NASF) pressupondo um funcionamento a partir do apoio matricial em 2008 em um
estudo recente Fonseca Sobrinho et al (2014) apontam que no Brasil em 12 estados cerca de
50 das EqSF possuem nenhum ou grau baixo de AM Demonstrando assim que as
atividades de AM na Atenccedilatildeo Baacutesica satildeo desiguais com graus de AM mais elevados nos
estados e regiotildees mais desenvolvidas O estudo destaca que os trabalhadores das ESF
reconhecem a potecircncia do AM para mudanccedilas das praacuteticas (mais consoante aos princiacutepios da
integralidade) e das subjetividades daqueles que as protagonizam ficando mais
comprometidos com os casos o que corrobora para o fortalecimento de viacutenculos com os
usuaacuterios que se sentem mais seguros pelo fato dos profissionais da ESF serem apoiados por
um ou mais especialistas
Para Delfini e Reis (2012) o AM pode ser uma ferramenta facilitadora da acessibilidade
dos usuaacuterios de sauacutede mental aos serviccedilos de sauacutede funcionando como um arranjo
organizacional capaz de dar sustentaccedilatildeo aos equipamentos da rede de forma a operar de
maneira integrada e articulada possibilitando a apreensatildeo do sujeito em sofrimento psiacutequico
50
no entanto as EqSF natildeo se sentem instrumentalizadas para o manejo dos casos de transtornos
mentais Jaacute para Campos e Domitti (2007) os profissionais referem-se ao apoio matricial sem
compreender o que eacute o fundamento de sua proposta a corresponsabilizaccedilatildeo pelos usuaacuterios e a
construccedilatildeo de accedilotildees conjuntas
Na cidade do Rio de Janeiro o AM na aacuterea de sauacutede mental ainda estaacute processo de
construccedilatildeo Estatildeo sendo feitas vaacuterias tentativas de aproximaccedilatildeo entre as EqSF e os Centro de
Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) de sua aacuterea de referecircncia algumas jaacute bem sucedidas Sendo
esse processo possiacutevel quando haacute esse serviccedilo no territoacuterio No entanto natildeo podemos
esquecer que ainda haacute um nuacutemero insuficiente deste dispositivo em todo o territoacuterio
brasileiro
A Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro possui uma Carteira de Serviccedilos ndash
Guia de Referecircncia Raacutepida com a relaccedilatildeo de serviccedilos prestados na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
elaborado em (2011) e atualizado em (2016) que visa nortear as accedilotildees de sauacutede na atenccedilatildeo
primaacuteria oferecidas agrave populaccedilatildeo no Municiacutepio do Rio de Janeiro Neste documento os
serviccedilos oferecidos para a Sauacutede Mental satildeo
Acompanhamento ao usuaacuterio de aacutelcool e outras drogas
Realizaccedilatildeo de desintoxicaccedilatildeo alcooacutelica na unidade primaacuteria de sauacutede
Acolher as pessoas em situaccedilotildees de crise e referenciar se necessaacuterio
Referenciar todos os casos de sauacutede mental quando necessaacuterio
(CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio NASF ou hospital) para suporte teacutecnico mantendo o
acompanhamento dos pacientes
Educaccedilatildeo em sauacutede para manejo de sobrecarga familiar (apoio aos cuidadores)
Realizaccedilatildeo e incentivo agrave participaccedilatildeo de profissionais da ESF em foacuteruns de sauacutede
mental visando a integraccedilatildeo e a construccedilatildeo de parcerias intersetoriais
Atendimento individual a familiares visando intervenccedilatildeo em situaccedilotildees de violecircncia
domeacutestica
Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica para inserccedilatildeo de usuaacuterios com transtornos mentais
nas atividades de rotina da unidade como consultas e acompanhamento de hipertensatildeo
diabetes tuberculose odontologia e em grupos de atividade fiacutesica ou outras atividades
realizadas pela unidade
Atendimento e acompanhamento de usuaacuterios que realizam uso crocircnico de
benzodiazepiacutenico atraveacutes de consulta meacutedica e de enfermagem ou grupos terapecircuticos
Discussatildeo de casos cliacutenicos com equipes dos CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio e
NASF
51
Acompanhamento ao portador de transtornos mentais comuns (leves) atraveacutes de
consulta meacutedica e grupo terapecircutico
Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica visando a inserccedilatildeo do usuaacuterio nos espaccedilos de
convivecircncia da comunidade como vilas oliacutempicas escolas centros culturais e centros de
convivecircncia
Abordagem e manejo de transtornos de ansiedade natildeo complicados
Abordagem e manejo de transtornos depressivos natildeo complicados
Na CF onde foi realizado o estudo agrave eacutepoca das entrevistas a equipe contava com o AM
via NASF com um psiquiatra e uma psicoacuteloga que estavam disponiacuteveis na unidade em dois
turnos mas natildeo contava com um CAPS de referecircncia para adultos apenas para crianccedilas o
CAPSI da Universidade Federal do Rio de Janeiro E o CAPS Ad para adultos do Estado
encontrava-se com atendimento muito restrito devido ao deacuteficit de recursos humanos e
recursos financeiros
45 OS PROFISSIONAIS DA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Formaccedilatildeo dos Profissionais de Sauacutede no Brasil
A formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede eacute um processo de fundamental importacircncia para o
desenvolvimento e manutenccedilatildeo de um sistema puacuteblico de sauacutede de qualidade Isto porque o
trabalho em sauacutede baseia-se necessariamente no elemento humano ou seja ldquona sua
capacidade de agir refletir colocar-se no lugar das pessoas que recebem seus cuidados e
entender os determinantes do processo sauacutede-doenccedila em seu dinamismo e sua complexidaderdquo
(CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012 p885)
Atualmente temos 14 (quatorze) profissotildees de sauacutede de niacutevel universitaacuterio em nosso paiacutes
medicina enfermagem odontologia fisioterapia terapia ocupacional psicologia
fonoaudiologia farmaacutecia veterinaacuteria educaccedilatildeo fiacutesica serviccedilo social ciecircncias bioloacutegicas
biomedicina e nutriccedilatildeo Sendo importante destacar a importacircncia histoacuterica da medicina para a
aacuterea de sauacutede e seu referencial teoacuterico - Relatoacuterio Flexner que influenciaram a conformaccedilatildeo
do ensino das demais profissotildees de sauacutede
O Relatoacuterio Flexner elaborado pelo educador americano Abrahem Flexner ficou
conhecido por normatizar as bases para um ensino meacutedico pautado no meacutetodo cientiacutefico Suas
principais propostas para escolas de medicina eram Definiccedilatildeo de padrotildees de entrada e
ampliaccedilatildeo para quatro anos da duraccedilatildeo dos cursos Introduccedilatildeo do ensino laboratorial
Estimulo a docecircncia em tempo integral Expansatildeo do ensino clinico especialmente em
52
hospitais Vinculaccedilatildeo das escolas meacutedicas agraves universidades Ecircnfase na pesquisa bioloacutegica
Vinculaccedilatildeo da pesquisa ao ensino Estiacutemulo agrave especializaccedilatildeo meacutedica Controle do exerciacutecio
profissional pela profissatildeo organizada (CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012)
A separaccedilatildeo ainda hoje da maioria dos cursos da aacuterea de sauacutede em ciclo baacutesico (inicial
composto por disciplinas baacutesicas geralmente bioloacutegicas) e ciclo profissional (com disciplinas
voltadas para a praacutetica) eacute um exemplo da influecircncia do modelo flenexeriano no ensino de
praticamente todas as profissotildees nessa aacuterea o que consequentemente proporciona uma
hipervalorizaccedilatildeo do aspecto bioloacutegico e a fragmentaccedilatildeo dos conhecimentos com consequente
desvalorizaccedilatildeo dos demais determinantes do processo sauacutede-doenccedila (CAMPOS AGUIAR e
BELISAacuteRIO 2012)
Tendo-se em mente que o sistema educativo eacute uma imensa maacutequina burocraacutetica e que a
foacutermula da educaccedilatildeo bancaacuteria ainda eacute majoritaacuteria na realidade educacional como esperar que
a maioria dos estudantes ao final de seu curso natildeo tenha uma praacutetica fragmentada e centrada
na medicalizaccedilatildeo jaacute que em seus cursos veem escutam e aprendem desta forma
quotidianamente (FREIRE 2003)
Campos Aguiar e Belizaacuterio (2012) destacam que as profissotildees de sauacutede que conhecemos
hoje satildeo relativamente novas inclusive a medicina considerada uma das profissotildees mais
antigas do mundo soacute obteve credibilidade popular a partir do seacuteculo XIX quando o meacutetodo
cientifico se tornou determinante das praacuteticas em sauacutede A medicina nos seacuteculos anteriores era
uma profissatildeo baseada no empirismo ou em supersticcedilotildees
Tambeacutem ressaltam que o ldquocasamento entre a sauacutede e a ciecircncia foi fruto da euforia
positivista1 daquela eacutepoca que assistiu a importantes descobertas como a anestesia e a
microbiologiardquo Campos Aguiar e Belisaacuterio (2012 p886) o que contribuiu para generalizar a
impressatildeo de que a ciecircncia mais cedo ou mais tarde traria respostas objetivas para a maioria
dos problemas da humanidade E tambeacutem para reforccedilar a ideia positivista de que esses
problemas teriam sempre causas bem definidas sendo portanto passiveis de intervenccedilatildeo cujo
aparecimento seria soacute uma questatildeo de tempo
Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos
diversos cursos da aacuterea da sauacutede com a Lei Orgacircnica da Sauacutede (Lei Nordm 80801990) segundo
a qual um dos objetivos e atribuiccedilotildees do SUS eacute a ordenaccedilatildeo da formaccedilatildeo dos trabalhadores do
setor com base em metodologias mais reflexivas voltadas ao aprendizado no proacuteprio
1 O Positivismo eacute uma corrente filosoacutefica que surgiu na Franccedila no comeccedilo do seacuteculo XIX Defende a ideacuteia de
que o conhecimento cientifico eacute a uacutenica forma de conhecimento verdadeiroAdvoga a descoberta de leis naturais
e o seu domiacutenio pela ciecircncia de forma a resolver os problemas do mundo e da vida
53
exerciacutecio profissional Somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo de
reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a
novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
Em um artigo publicado em 2010 Haddad e colaboradores a partir de uma anaacutelise
sobre a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede no Brasil no periacuteodo de 1991 a 2008
apresentaram um panorama dos 14 cursos considerados da aacuterea de sauacutede e por resoluccedilatildeo do
Conselho Nacional de Sauacutede (CNS) afirmaram que as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN)
Apontam a necessidade de os cursos incorporarem nos seus projetos
pedagoacutegicos o arcabouccedilo teoacuterico do SUS valorizando tambeacutem os
postulados eacuteticos a cidadania a epidemiologia e o processo
sauacutededoenccedilacuidado no sentido de garantir formaccedilatildeo
contemporacircnea de acordo com referenciais nacionais e internacionais
de qualidade As DCN inovam ao estimularem a inserccedilatildeo precoce e
progressiva do estudante no SUS o que lhe garantiraacute conhecimento e
compromisso com a realidade de sauacutede de seu paiacutes e sua regiatildeo
(HADDAD et al 2010 p 38)
Eacute importante destacar nesse cenaacuterio de formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede no Brasil
que o ensino acadecircmico e o ensino profissional foram historicamente tratados de modos
distintos com maior ou menor interferecircncia puacuteblica privada ou de trabalhadores
O ensino profissionalizante natildeo pode ser separado dos movimentos econocircmicos de
cada periacuteodo Desde 1809 com a criaccedilatildeo do Coleacutegio das Faacutebricas a profissionalizaccedilatildeo teve
iniacutecio e se manteve como concessatildeo governamental agraves classes sociais pobres Ao mesmo
tempo em que qualificava os trabalhadores preparava para exercer as atividades econocircmicas
vigentes ou seja a profissionalizaccedilatildeo era vista como uma soluccedilatildeo para os problemas sociais
(BARROS et al 2010)
No campo da sauacutede a partir dos anos 1930 eacutepoca da criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho
com a industrializaccedilatildeo e o aumento da cobertura previdenciaacuteria cresceu a necessidade do
mercado por profissionais de sauacutede especialmente meacutedicos Como consequecircncia verificou-se
a ampliaccedilatildeo da oferta de cursos de medicina Na eacutepoca devido ao crescimento econocircmico a
expansatildeo dos cursos de ensino superior ocorreu em toda a Ameacuterica Latina No entanto o
54
mesmo natildeo sucedeu com o ensino meacutedio Teacutecnicos e auxiliares natildeo eram prioridade na
agenda de formaccedilatildeo e eram absorvidos pelo mercado de trabalho sem qualificaccedilatildeo (BARROS
et al 2010)
Ateacute a promulgaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei Nordm
402461) natildeo era permitida a equivalecircncia entre o ensino regular e o profissionalizante
coerente com a loacutegica de que a educaccedilatildeo profissional era dirigida sempre aos mais pobres
para que exercessem atividades servis enquanto o ensino formal destinava-se agrave elite
(BRASIL MEC 2000)
Em 1963 na 3ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede (CNS) foi discutida a profissionalizaccedilatildeo
de niacutevel meacutedio e apresentada uma proposta de preparaccedilatildeo desses trabalhadores Na 4ordf CNS
em 1967 cujo tema central foi ldquoRecursos Humanos para as Atividades de Sauacutederdquo propocircs-se a
formulaccedilatildeo de uma poliacutetica permanente de recursos humanos voltada ao ensino no trabalho
pelo trabalho e para o trabalho (BARROS et al 2010)
Nos anos 1960 e 1970 os investimentos puacuteblicos em hospitais privados decorreram do
modelo de seguridade social estabelecido O crescimento de serviccedilos meacutedicos e hospitalares
a ampliaccedilatildeo de leitos e o foco nas doenccedilas tambeacutem aumentaram a compra de serviccedilos
meacutedicos pelo Estado com incremento de leitos hospitalares Nessa eacutepoca disparou o nuacutemero
de empregos no setor hospitalar privado (BARROS et al 2010)
Ateacute os anos 1980 predominava a contrataccedilatildeo de pessoal desqualificado para os serviccedilos
Um estudo realizado por Pronko (1999) analisou a forccedila de trabalho em sauacutede na deacutecada de
1970 e verificou que houve um aumento significativo de pessoas desqualificadas (em especial
atendentes) que atuavam nas atividades hospitalares passando de 32137 para 85541 o
nuacutemero desses profissionais sem qualificaccedilatildeo
Tampouco nos hospitais e postos de sauacutede puacuteblicos havia qualquer exigecircncia de formaccedilatildeo
para o atendente de enfermagem Barros et al (2010) Somente com a promulgaccedilatildeo da Lei do
Exerciacutecio Profissional da Enfermagem em 1986 fruto de uma longa luta poliacutetica da
enfermagem junto a oacutergatildeos centrais como Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Ministeacuterio da Sauacutede eacute
que ficou estabelecido o prazo de dez anos para a extinccedilatildeo da categoria
Nos anos 1990 por pressatildeo de organismos internacionais e pela forccedila da Lei do Exerciacutecio
Profissional de Enfermagem foram iniciados cursos de formaccedilatildeo profissionalizante pelos
Centros de Desenvolvimento de Recursos Humanos (CE- DRHU) das Secretarias Estaduais
de Sauacutede (SESs) Tambeacutem em decorrecircncia das determinaccedilotildees legais para o ensino
profissionalizante exigia-se matriacutecula em escola de ensino meacutedio fator que dificultou a
55
permanecircncia de muitos profissionais nos cursos Em seguida surgiu o Projeto de Formaccedilatildeo
em Larga Escala de Pessoal de Sauacutede (BARROS et al 2010)
Nesse sentido como afirmam Barros et al (2010) em seu estudo a deacutecada de 1990
registrou uma contradiccedilatildeo no mesmo periacuteodo ocorreu incorporaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios
sem escolaridade nas poliacuteticas de governo como o Programa de Agentes Comunitaacuterios de
Sauacutede e implantaccedilatildeo de programas nacionais de formaccedilatildeo com exigecircncia de escolaridade para
os profissionais de enfermagem em geral
Foram criados os Centros de Formaccedilatildeo de Recursos Humanos em Sauacutede e as Escolas
Teacutecnicas de Sauacutede do SUS vinculadas agraves SES com o intuito de promover a
profissionalizaccedilatildeo dos trabalhadores inseridos nos serviccedilos sem a devida qualificaccedilatildeo O MS
no ano de 2000 criou o Projeto de Profissionalizaccedilatildeo dos Trabalhadores da Aacuterea de
Enfermagem (Profae) que foi oferecido para 225 mil trabalhadores cadastrados pelas
Secretarias Municipais de Sauacutede
Formaccedilatildeo dos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
Com a implementaccedilatildeo do Sauacutede da Famiacutelia o discurso poliacutetico governamental se
alterou com vistas a reorientar o recurso humano em sauacutede em termos de capacitaccedilatildeo para a
integralidade e nova praacutetica no SUS natildeo apenas no contexto do serviccedilo mas tambeacutem na
formaccedilatildeo dos futuros profissionais jaacute no acircmbito dos cursos de Enfermagem Medicina e
Odontologia Moretti-Pires (2009) O autor ainda destaca que este processo natildeo se deu
simplesmente por opccedilatildeo poliacutetica dos governos mas sim em virtude de necessidades concretas
de assistecircncia agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira frente ao dever constitucional do Estado em
relaccedilatildeo agrave sauacutede de todos
Mesmo com estes esforccedilos ainda foi mantido o modelo universitaacuterio tradicional
focado na atenccedilatildeo curativo-individual desconsiderando o contexto sociocultural das famiacutelias
pelos profissionais de sauacutede Pensamento que natildeo estaacute de acordo com a praacutetica necessaacuteria
para atuaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia comprometendo a legitimidade do modelo de atenccedilatildeo na
medida em que a equipe ainda vivencia o modelo hegemocircnico biomeacutedico e tradicional apesar
das tentativas de modifica-lo na praacutetica permanece em um ldquoestado entre a ESF idealizada e a
ESF de fatordquo (MORETTI-PIRES 2009 p155)
Em seu estudo sobre a complexidade em Sauacutede da Famiacutelia e formaccedilatildeo do futuro
profissional de sauacutede Moretti-Pires (2009) conclui que a formaccedilatildeo reducionistabiomeacutedica
nas trecircs profissotildees (Enfermagem Medicina e Odontologia) assim como o foco no trabalho
individual e natildeo na equipe multiprofissional eacute um quadro inadequado ao SUSESF que
56
preconiza atuaccedilatildeo profissional focada na complexidade do entorno socioeconocircmico e
antropoloacutegico dos usuaacuterios do sistema E que apesar de a Sauacutede da Famiacutelia se constituir em
um modelo de atenccedilatildeo primaacuteria que se distingue pela visatildeo integral do usuaacuterio a formaccedilatildeo
universitaacuteria de seus profissionais ainda se pauta na visatildeo fragmentaacuteria reduzida ao acircmbito da
disciplinaridade (anatomia patologia geneacutetica farmacologia economia sociologia etc)
Atualmente jaacute existem vaacuterios cursos de Poacutes-Graduaccedilatildeo Lato Sensu e Stricto Sensu no
Brasil em Sauacutede da Famiacutelia voltados para os profissionais que atuam preferencialmente na
atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
De acordo com o estudo realizado por Pereira Costa e Megale (2012) nos uacuteltimos seis
anos atraveacutes de iniciativas interministeriais promovidas pelos Ministeacuterios da Sauacutede e da
Educaccedilatildeo tem-se observado a implantaccedilatildeo de importantes programas que vecircm ao encontro
das premissas defendidas pela Educaccedilatildeo Permanente em Sauacutede O Programa Nacional de
Reorientaccedilatildeo da Formaccedilatildeo Profissional em Sauacutede (Proacute-Sauacutede) lanccedilado em 2005 alicerccedilado
pelos Programa de Educaccedilatildeo pelo Trabalho para a Sauacutede (PET-Sauacutede) e o Proacute-Ensino na
Sauacutede ambos de 2010 propotildeem profundas mudanccedilas na relaccedilatildeo ensino-serviccedilo-comunidade
a partir do resgate do papel social das Instituiccedilotildees de Ensino (atividades de extensatildeo e
pesquisa em educaccedilatildeo na sauacutede) bem como da responsabilidade dos serviccedilos de sauacutede em
formarem ativamente seus futuros profissionais com enfoque na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
Em relaccedilatildeo a formaccedilatildeo profissional dos Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) em
1991 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em parceria com as secretarias estaduais e municipais
institucionalizou o Programa Nacional de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PNACS)
posteriormente Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) objetivando reduzir os
alarmantes indicadores de morbimortalidade infantil e materna inicialmente no Nordeste do
Brasil
Com a criaccedilatildeo do Programa de sauacutede da Famiacutelia em 1993 posteriormente denominado
ESF emergiu a categoria do Agente Comunitaacuterio de Sauacutede (ACS) para atuar nas unidades
baacutesicas e ser o elo entre a comunidade e os serviccedilos de sauacutede Essa atividade profissional natildeo
tinha nem qualificaccedilatildeo nem regulaccedilatildeo Dada a importacircncia de sua funccedilatildeo no programa e em
decorrecircncia de seu papel estrateacutegico no fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria enquanto poliacutetica
puacuteblica para a sauacutede houve necessidade de capacitar esse profissional No entanto somente
em 2002 a profissatildeo foi criada em termos de lei que em 2006 foi revogada para que ajustes
pudessem ser feitos por meio da promulgaccedilatildeo da Lei 11350 A nova regulamentaccedilatildeo ocorreu
agora em 2014 com a Lei 12994 que altera a Lei no 11350 de 2006 para instituir piso
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salarial profissional nacional e diretrizes para o plano de carreira dos Agentes Comunitaacuterios
de Sauacutede
Segundo Barros et al (2010) considerando os aspectos mencionados observa-se que o
ACS nasce num contexto permeado por influecircncias sociais ideoloacutegicas poliacuteticas e teacutecnicas
envolvendo demandas de ordem nacional e internacional Na agenda brasileira passa a ser
visto como uma estrateacutegia poliacutetica possiacutevel para superar o modelo tradicional e assinala
assim perspectivas para a construccedilatildeo de um novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede
Observa-se hoje que o ACS desempenha papel relevante na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
devido a suas atribuiccedilotildees que envolvem o cadastramento e o acompanhamento nas aacutereas de
cobertura da ESF aleacutem do seu capital social Por sua condiccedilatildeo hiacutebrida de estar entre a
comunidade (eacute morador e conhecedor daquela realidade) e os profissionais de sauacutede tornou-
se um importante elemento na promoccedilatildeo de mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de
fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes
46 ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE MENTAL TRANSFORMACcedilOtildeES DE PARADIGMA
Da Psiquiatria agrave Sauacutede Mental
Segundo Costa-Rosa Luzio amp Yasui (2003 p 28) as ldquopraacuteticas cliacutenicas concebidas ao
modo da cliacutenica meacutedica e psicoloacutegica foram consideradas como meios de adaptar os
indiviacuteduos agrave aceitaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo de objetos da violecircnciardquo Os autores denunciam nesse
contexto a situaccedilatildeo perversa entre os profissionais da assistecircncia e os seus pacientes
Rotelli Leonardis e Mauri (2001) de maneira convergente destacam que se faz
necessaacuteria a mudanccedila do paradigma psiquiaacutetrico na assistecircncia
O mal obscuro da Psiquiatria estaacute em haver separado um objeto
fictiacutecio a ldquodoenccedilardquo da existecircncia global complexa e concreta dos
pacientes e do corpo social Sobre essa separaccedilatildeo artificial se
construiu um conjunto de aparatos cientiacuteficos legislativos e
administrativos (a instituiccedilatildeo) todos referidos agrave ldquodoenccedilardquo Eacute este
conjunto que eacute preciso desmontar (desinstitucionalizar) para retomar o
contato com aquela existecircncia dos pacientes enquanto ldquoexistecircnciardquo
doente (ROTELLI LEONARDIS MAURI 2001 p29-30)
O modelo de cuidados proposto para atenccedilatildeo em Sauacutede Mental baseia-se nos
princiacutepios da Atenccedilatildeo Psicossocial Esse modelo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua
58
ldquoexistecircncia-sofrimentordquo Costa-Rosa (2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia
subjetiva colocando em questatildeo a ideacuteia de ldquodoenccedila mentalrdquo ldquotranstorno mentalrdquo do modelo
biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais
[] colocar um lsquofenocircmenorsquo entre parecircnteses representa uma
importante demarcaccedilatildeo epistemoloacutegica no acircmbito da tradiccedilatildeo do
pensamento filosoacutefico existencial consiste na ideacuteia de que o
lsquofenocircmenorsquo natildeo existe em si mas eacute construiacutedo pelo observador
o sujeito do conhecimento constroacutei o lsquofenocircmenorsquo este eacute parte
do primeiro eacute parte de sua cultura e de sua subjetividade
(AMARANTE 1999 p49)
Para melhor compreender o alcance das propostas da Atenccedilatildeo Psicossocial haacute de se
contextualizar as mudanccedilas de paradigmas no interior dos quais ela se define e as questotildees
importantes que atualmente atravessam o contexto da Sauacutede Mental Coletiva
A Atenccedilatildeo Psicossocial inserida no campo da Reforma Psiquiaacutetrica ldquotem sustentado
um conjunto de accedilotildees teoacuterico-praacuteticas poliacutetico-ideoloacutegica e eacuteticas norteadas pela aspiraccedilatildeo de
substituiacuterem o Modo Asilar e algumas vezes o proacuteprio paradigma da Psiquiatriardquo (COSTA-
ROSA LUZIO YASUI 2003 p 28)
De acordo com esses autores sua origem remonta a uma serie de diferentes
experiecircncias histoacutericas que incluem principalmente a Psiquiatria de Setor e Comunitaacuteria a
Antipsiquiatria a Psicoterapia Institucional e a Psiquiatria Democraacutetica Italiana aleacutem da
contribuiccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas e das experiecircncias locais brasileiras dos Centros de
Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) e dos Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial (NAPS) Esses mesmos
autores afirmam que de um modo geral os elementos teoacutericos impliacutecitos a essas experiecircncias
transitam especialmente pelas ideacuteias socioloacutegicas e psicoloacutegicas pelo Materialismo Histoacuterico
pela Psicanaacutelise e pela Filosofia da Diferenccedila
Para Amarante (1999 p47-52) as transformaccedilotildees na Sauacutede mental podem ser
especificadas em quatro campos teoacuterico conceitual teacutecnico-assistencial juriacutedico-poliacutetico e
sociocultural Vou tentar sintetizar as transformaccedilotildees em cada um desses campos como
estrateacutegia de visualizar a praacutexis da Atenccedilatildeo Psicossocial conforme abordado por Costa-Rosa
Luzio e Yasui (2003 p 32-33)
No campo teoacuterico-assistencial tem-se trabalhado na desconstruccedilatildeo de conceitos e
praacuteticas sustentadas pela psiquiatria e pela psicologia nas suas visotildees sobre a doenccedila mental
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Por outro lado tem-se construiacutedo noccedilotildees e conceitos como ldquoexistecircncia-sofrimentordquo do sujeito
com o corpo social paradigma esteacutetico acolhimento cuidado emancipaccedilatildeo e contratualidade
social O conceito de existecircncia-sofrimento por oposiccedilatildeo ao paradigma doenccedila-cura explicita
a exigecircncia de dar ao sujeito a cena simultaneamente impulsiona a Reforma Psiquiaacutetrica na
direccedilatildeo de uma revoluccedilatildeo paradigmaacutetica uma vez que coloca em questatildeo a tatildeo cara relaccedilatildeo
sujeito-objeto e o proacuteprio paradigma doenccedila-cura Aqui a dimensatildeo esteacutetica ganha uma
relevacircncia particular que eacute essa especificidade do sujeito de estar por si no centro da cena
inclusive das terapecircuticas
No campo teacutecnico-assistencial tem-se construiacutedo uma rede de novos serviccedilos espaccedilo
de sociabilidade de trocas em que se enfatiza a produccedilatildeo de subjetividades O que tem
significado colocar a doenccedila entre parecircnteses e oportunizar contato com o sujeito rompendo
com as praacuteticas disciplinares ampliando a possibilidade de recuperaccedilatildeo do seu estatuto de
sujeito de direitos Transformaccedilotildees tanto na concepccedilatildeo dos novos equipamentos (Centros e
Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial Oficinas Terapecircuticas e de Reintegraccedilatildeo Social e
Cooperativas de Trabalho) quanto na sua forma de organizaccedilatildeo e gestatildeo (Instituiccedilotildees abertas
com participaccedilatildeo e co-gestatildeo com os usuaacuterios e a populaccedilatildeo tecircm sido realizadas Tambeacutem se
colocam em praacutetica experiecircncias com a aacuterea de abrangecircncia da instituiccedilatildeo considerada sob o
conceito de territoacuterio Enfim eacute nesse campo que a Reforma Psiquiaacutetrica tem deixado mais
visiacuteveis suas inovaccedilotildees paralelo agrave reconstruccedilatildeo de conceitos
No campo juriacutedico-poliacutetico satildeo realccediladas algumas aquisiccedilotildees aleacutem das transformaccedilotildees
advindas da Reforma Sanitaacuteria luta-se pela extinccedilatildeo dos manicocircmios e sua substituiccedilatildeo por
instituiccedilotildees abertas pela revisatildeo das legislaccedilotildees sanitaacuterias civil e penal referentes a doenccedila
mental para viabilizar o exerciacutecio do direito agrave cidadania ao trabalho e agrave inclusatildeo social
Vaacuterias portarias ministeriais tem sido publicadas agrave partir da Lei 102162001 oficializando os
vaacuterios dispositivos substitutivos ao modelo manicomial para efeito de financiamento de suas
accedilotildees no SUS Mais recentemente tivemos a publicaccedilatildeo da Portaria GM 30882011 que
institui a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento mental e com
necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool e outras drogas na busca pela consolidaccedilatildeo
de um modelo de sauacutede mental em rede e de base comunitaacuteria
No campo sociocultural uma seacuterie de praacuteticas sociais tem sido construiacutedas com vistas
a transformar o imaginaacuterio social relacionado com a loucura a doenccedila mental e a
anormalidade passando pelas distinccedilotildees de doenccedila mental loucura desrazatildeo ateacute chegar ao
conceito de existecircncia-sofrimento A imagem da loucura e do louco a imagem da instituiccedilatildeo e
a da relaccedilatildeo dos usuaacuterios e a populaccedilatildeo com ela (desinstitucionalizaccedilatildeo) estatildeo ainda em
60
processo de transformaccedilotildees Merecendo destaque para a imagem da instituiccedilatildeo que se formula
como espaccedilo de circulaccedilatildeo (natildeo mais espaccedilo depositaacuterio) e poacutelo de exerciacutecio esteacutetico e a
imagem do louco como cidadatildeo que deve almejar poder de contratualidade social
Faz se necessaacuterio aqui destacar que Lobosque (1997) e Amarante (1996) buscam
mostrar que eacute na dimensatildeo poliacutetica da Reforma Psiquiaacutetrica que se encontra a verdadeira
cliacutenica da Reforma pautada sobretudo pela possibilidade de criaccedilatildeo e invenccedilatildeo cotidiana
Haacute que se observar ainda que
O lugar da Sauacutede Mental eacute um lugar de conflito confronto e
contradiccedilatildeo Talvez esteja aiacute uma certa caracteriacutestica ontoloacutegico-
social pois isso eacute expressatildeo e resultante de relaccedilotildees e situaccedilotildees
concretas Por qualquer perspectiva que se olhe tratar-se-aacute sempre de
um processo de um eterno confronto pulsaccedilotildees de vidapulsaccedilotildees
mortiacuteferas inclusatildeoexclusatildeo toleracircnciaintoleracircncia (COSTA-
ROSA LUZIO YASUI 2003 p 29)
47 MEDICALIZACcedilAtildeO DO SOCIAL
De acordo com Rosen (1994 p1) ldquoa histoacuteria da medicina social eacute em grande parte a
histoacuteria da poliacutetica e da accedilatildeo social em relaccedilatildeo aos problemas da sauacutederdquo Nota-se nesse autor
a preocupaccedilatildeo com uma abordagem histoacuterica para se estudar agraves novas relaccedilotildees instauradas
com a medicina social ldquoO cuidado com a sauacutede sempre esteve relacionado agraves condiccedilotildees
poliacuteticas econocircmicas e sociais de grupos especiacuteficos mas em eacutepocas passadas estas relaccedilotildees
natildeo eram objeto de investigaccedilatildeo sistemaacuteticardquo (ROSEN 1994 p2)
O foco do trabalho de George Rosen assim como de Michel Foucault estaacute centrado
no apogeu da institucionalizaccedilatildeo da medicina no seacuteculo XIX Uma triacuteade relacional entre
ldquoMedicina- Estado- Sociedaderdquo Para entender a ligaccedilatildeo entre a doenccedila e a sauacutede Rosen
argumenta que a articulaccedilatildeo dessas duas premissas se dava por meio de dois ambientes social
e cultural pois para ele
A doenccedila e a sauacutede satildeo aspectos desta instabilidade onipresente satildeo
expressotildees das relaccedilotildees mutaacuteveis entre os vaacuterios componentes do
corpo entre o corpo e o ambiente externo no qual ele existe Como
fenocircmeno bioloacutegico as causas da doenccedila satildeo procuradas no reino da
natureza mas no homem a doenccedila possui ainda uma outra dimensatildeo
nele a doenccedila natildeo existe como ldquonatureza purardquo sendo mediada e
61
modificada pela atividade social e pelo ambiente cultural que tal
atividade criardquo (ROSEN 1994 p77)
Assim a mudanccedila na aacuterea da medicina inicia-se a partir do momento em que a doenccedila
assume um valor social Eacute dessa forma que Rosen busca identificar a relaccedilatildeo que os
diferentes Estados europeus operacionalizam a adoccedilatildeo de poliacuteticas higiecircnicas A preocupaccedilatildeo
da medicina em marcar seu espaccedilo no cerne do Estado vincula-se a diferentes projetos e uso
das praacuteticas meacutedicas
Para Rosen a industrializaccedilatildeo e os consequentes problemas sociais levaram vaacuterios
investigadores a estudar a influecircncia de fatores como pobreza e profissionalizaccedilatildeo da
medicina no estado de sauacutede E como pode-se observar na colocaccedilatildeo de Rosen a questatildeo
urbana eacute primordial para as particularidades na concepccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede puacuteblica
Chega-se entatildeo agrave afirmaccedilatildeo de que a medicina tambeacutem assume um valor pedagoacutegico pois
para ele
Mas sendo a sauacutede e a educaccedilatildeo condiccedilotildees de bem-estar eacute tarefa do
Estado providenciar para que o maior nuacutemero de pessoas tenha
acesso atraveacutes da accedilatildeo puacuteblica aos meios de manutenccedilatildeo e promoccedilatildeo
tanto da sauacutede quando da educaccedilatildeo Assim natildeo eacute suficiente que o
Estado garanta a cada cidadatildeo o necessaacuterio a sua existecircncia e decirc
assistecircncia a todo aquele cujo trabalho natildeo eacute suficiente para a
obtenccedilatildeo do necessaacuterio O Estado deve fazer mais deve assistir todos
para que tenham as condiccedilotildees necessaacuterias para gozar uma existecircncia
saudaacutevel (ROSEN 1994 p82)
Ao estudar a acessibilidade dos cidadatildeos ao serviccedilo baacutesico de sauacutede aproxima-se da
definiccedilatildeo conceitual que Virchow meacutedico estudado por Rosen busca empreender sobre a
Sauacutede Puacuteblica em seu processo de legitimaccedilatildeo Para Virchow a Sauacutede Puacuteblica tinha como
carro chefe o estudo das vaacuterias condiccedilotildees de vida nos diferentes grupos sociais Sendo assim
Rosen sintetiza que o alcance da medicina social pode ser delimitado atraveacutes de trecircs aspectos
socioloacutegicos a saber ldquosauacutede em relaccedilatildeo agrave comunidade sauacutede como valor social e a sauacutede e
poliacutetica socialrdquo (ROSEN 1994 p138)
Dessa maneira a ligaccedilatildeo poliacutetica da medicina com o Estado como propotildee Rosen faz
parte das tecnologias instaladas pelo Estado Moderno a fim de melhorar as condiccedilotildees
higiecircnicas da populaccedilatildeo europeia
62
Jaacute a tese de Michel Foucault para analisar a aproximaccedilatildeo da medicina com Estado
parte da ideacuteia da medicalizaccedilatildeo da sociedade Esse processo pode ser compreendido quando
as relaccedilotildees meacutedicas extrapolam a concepccedilatildeo individualista do corpo e do tratamento meacutedico e
passam a valorizar a aproximaccedilatildeo do meacutedico com o doente O enfermo passa ser objeto da
medicina e natildeo o contraacuterio a medicina como objeto do enfermo Pois para ele em termos de
economia o capitalismo contribuiu para a divulgaccedilatildeo das praacuteticas de uma medicina oficial
Minha hipoacutetese eacute que com o capitalismo natildeo se deu a passagem de
uma medicina coletiva para uma medicina privada mas justamente o
contraacuterio que o capitalismo desenvolvendo-se em fins do seacuteculo
XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX socializou um primeiro objeto que foi o
corpo enquanto forccedila de produccedilatildeo forccedila de trabalho O controle da
sociedade sobre os indiviacuteduos natildeo se opera simplesmente pela
consciecircncia ou pela ideologia mas comeccedila no corpo com o corpo
(FOUCAULT 2011 p80)
Segundo Illich (1975) a expansatildeo da medicina cientiacutefica ou biomedicina a outra face
da medicalizaccedilatildeo social gera o fenocircmeno da contraprodutividade um fenocircmeno moderno das
sociedades industriais em que a utilizaccedilatildeo de ferramentas sociais e tecnoloacutegicas tem como
resultado efeitos antagocircnicos ao seu objetivo No caso instituiccedilotildees de sauacutede que produzem
doenccedilas medicina que produz iatrogenias Tal fenocircmeno pode se dar por monopoacutelio das
funccedilotildees ou por excesso de uso da ferramenta ou ambos como eacute o caso da biomedicina
A medicalizaccedilatildeo social estaacute associada ao que Illich (1975) chamou de iatrogenia
cultural uma forma difusa e sub-reptiacutecia de iatrogenia da biomedicina a perda do potencial
cultural para manejo da maior parte das situaccedilotildees de dor adoecimento e sofrimento O carro-
chefe das propostas desse autor consiste em incrementar reinventar eou resgatar a autonomia
das pessoas em sauacutede-doenccedila de forma a caminhar no sentido do reequiliacutebrio entre accedilotildees
autocircnomas e heterocircnomas Isso remete ao papel que a atenccedilatildeo agrave sauacutede institucional
desempenha nesse processo
Segundo Tesser (2006) a medicalizaccedilatildeo social pode ser considerada o resultado do
sucesso da empreitada cientiacutefica na sauacutede que buscou monopolizar a legitimidade
epistemoloacutegica oficial no ocidente Usando a concepccedilatildeo epistemoloacutegica de Fleck (1986)
Tesser interpreta a medicalizaccedilatildeo social como o resultado do sucesso da socializaccedilatildeo dessa
medicina para grandes contingentes populacionais pouco modernizados o que implica um
63
epistemiciacutedio de saberes e praacuteticas natildeo-cientiacuteficos populares ou tradicionais Ateacute pouco
tempo esses saberes foram importantes fornecedores de lastro cultural e teacutecnico para accedilotildees
autocircnomas em sauacutede-doenccedila lastro este em processo de extinccedilatildeo ou intensa transformaccedilatildeo
Adotando posiccedilatildeo inspirada em Boaventura de Sousa Santos (2000 2004) o autor
propotildee que a biomedicina seja considerada indispensaacutevel e necessaacuteria e simultaneamente
inadequada e perigosa Um dos seus perigos eacute justamente sua atuaccedilatildeo no processo de
medicalizaccedilatildeo e iatrogenia cultural de que falou Illich
A formaccedilatildeo biomeacutedica e o Programa Sauacutede da Famiacutelia
Facilmente nos domiciacutelios brasileiros a ESF eacute uma ldquofaca de dois gumes uma chance
para a reconstruccedilatildeo da autonomia e ou simultaneamente uma nova e poderosa forccedila
medicalizadorardquo (TESSER 2006 p25)
Institucionalizado como ciecircncia vitorioso social e politicamente o saber meacutedico eacute
sempre um saber sobre outrem com caracteriacutesticas especiais Eacute um saber sobre as doenccedilas ou
probabilidades e riscos de doenccedilas do corpo (ou psique) E aleacutem disso ainda eacute um saber que
estaacute aleacutem do proacuteprio profissional que supostamente o domina radicando-se na instituiccedilatildeo
ldquoCiecircnciardquo Este saber concentrou de forma espetacular sua fundamentaccedilatildeo e seu poder numa
instituiccedilatildeo que eacute representada por um outro transcendente alheio agrave pessoa doente distante
dela e inacessiacutevel Tendo sido seu objeto de atenccedilatildeo reduzido de sujeito doente a corpo (ou
psique) doente corpo portador de doenccedila e por fim doenccedilas e seus riscos o saber cliacutenico-
epidemioloacutegico desconhece a sauacutede e a vida dos sujeitos as quais vatildeo se transformando em
medidas que instrumentos quantificadores e padrotildees de imagens registram em termos de
constantes e variantes fisioloacutegicas dinacircmicas funcionais e fatores de risco estabelecidos por
padrotildees estatiacutesticos (TESSER 2006)
O precedente eacute dito no sentido de contextualizar teoricamente uma constataccedilatildeo sobre
os saberes profilaacuteticos da biomedicina esta criou um fosso quase intransponiacutevel entre o
sujeito e os conhecimentos sobre sua proacutepria sauacutede-doenccedila entre o saber meacutedico e o saber
individual que na praacutetica orienta as pessoas e ganha significado e valor diferenciado para
cada sujeito conforme as suas caracteriacutesticas pessoais sociais culturais e econocircmicas A
ldquosegunda ruptura epistemoloacutegicardquo proposta por Boaventura de Sousa Santos (1982) como
necessaacuteria parece dificiacutelima na sauacutede e mesmo quando buscada parece que nunca chega
satisfatoriamente ndash senatildeo sob a forma de medicalizaccedilatildeo e sua dependecircncia generalizada
Com isso o saber biomeacutedico profilaacutetico desligou-se da perspectiva existencial do
sujeito doente pouco dizendo que lhe faccedila significado vital e lhe remeta ao processo de
64
revisatildeo valorativa no sentido de abrir possibilidades de crescimento accedilatildeo e responsabilizaccedilatildeo
em relaccedilatildeo a si mesmo seus proacuteximos e seus problemas de sauacutede Como consequecircncia
muitos saberes preventivos estabelecidos por essa medicina ganham caraacuteter de prescriccedilotildees
que natildeo se integram ao universo vivenciado pelo sujeito Revestem-se de um tom monaacutestico
asseacuteptico pouco convincente e operacionalizaacutevel por seu caraacuteter riacutegido e restritivo natildeo beba
natildeo fume natildeo use drogas durma bem alimente se moderadamente sem excessos coma mais
vegetais restrinja o accediluacutecar o sal a gordura faccedila exerciacutecios regularmente natildeo se estresse etc
Aleacutem disso a situaccedilatildeo da profilaxia se agrava pelo imbroacuteglio valorativo e filosoacutefico no
qual esse saber se encontra destituiacutedo de espaccedilo filosoacutefico proacuteprio (como de resto a
biomedicina como um todo devido a sua adesatildeo ao modelo cientiacutefico positivista que
transformou esse espaccedilo em debate metodoloacutegico eacute difiacutecil amalgamar uma proposta de
revalorizaccedilatildeo da questatildeo sauacutede (vida) que possa articular o saber profilaacutetico acumulado pela
biomedicina com o universo simboacutelico e cultural dos doentes (TESSER 2006)
Esse eacute um dos principais desafios na ESF Com a expansatildeo das capilaridades das
accedilotildees de sauacutede nos diversos territoacuterios desse Brasil tatildeo desigual A atenccedilatildeo agrave sauacutede fora do
setting hospitalar necessita tambeacutem considerar a abordagem cultural procurando se aproximar
o maacuteximo possiacutevel de onde as pessoas vivem e andam a vida para de fato produzir sauacutede e
natildeo cuidar soacute da doenccedila
Uma ldquodoenccedilardquo entidade de existecircncia supostamente autocircnoma distinta do paciente e
no seu corpo instalada a ser explicada (em geral apenas nomeada) ao doente e eleita como
alvo e objeto das suas atenccedilotildees como inimigo a ser combatido e vencido Vale ressaltar a
respeito da ldquoteoria das doenccedilasrdquo dessa medicina e do imaginaacuterio reinante no mundo
medicalizado que as doenccedilas satildeo vistas como ldquocoisasrdquo relacionadas a lesotildees a serem
investigadas no interior do corpo fiacutesico e corrigidas com alguma intervenccedilatildeo concreta Eacute
desnecessaacuterio comentar que mesmo em ambientes especializados o caraacuteter convencional e
construtivo das doenccedilas eacute extremamente difiacutecil de ser percebido dado que um dos efeitos da
construccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos eacute o apagamento dos vestiacutegios de sua construccedilatildeo dando-lhes a
aparecircncia de pura objetividade (LATOUR 2000a b LATOUR WOOLGAR 1997)
Operou-se pela via do saber da interpretaccedilatildeo um movimento de focalizaccedilatildeo da
atenccedilatildeo na doenccedila como entidade distinta e alheia ao sujeito Operou-se um desvio especiacutefico
do olhar que deixou de lado a vida do sujeito e seu adoecimento nas suas condiccedilotildees de
existecircncia (sociais econocircmicas emocionais ambientais espirituais) e apresentou as
65
categorias fisiopatoloacutegicas fatores etioloacutegicos e de risco com que trabalha a biomedicina
(TESSER 2004)
Feito o diagnoacutestico o doente eacute ldquoconvidadordquo a aceitar a interpretaccedilatildeo teacutecnica do
profissional Mesmo que haja relevantes diferenccedilas culturais como ocorre na maioria das
vezes no Brasil haacute um certo grau de sucesso na apropriaccedilatildeo pelo doente da interpretaccedilatildeo
biomeacutedica Ainda que o saber meacutedico aponte causas enraizadas na vida do doente como
comumente ocorre nas doenccedilas crocircnicas este enquanto sujeito praticamente natildeo aparece eacute
portador de fatores de risco geneacuteticos comportamentos de risco etc todas coisas que satildeo do
acircmbito de sua vida vivida mas que lhe ficam estranhas no isolamento e na objetivaccedilatildeo
biomeacutedica por mais seus que possam ser Aleacutem disso ainda que os diagnoacutesticos sejam
sindrocircmicos ou apenas descritivos operam uma objetivaccedilatildeo dos sintomas Estes receberatildeo
intervenccedilatildeo supostamente local (especificamente dirigida) a qual tenderaacute a desviar a atenccedilatildeo
dos sujeitos no sentido jaacute apontado (TESSER 2006)
A vinculaccedilatildeo do combate aos sintomas com o saber meacutedico eacute ambiacutegua Ela se daacute pelo
dever eacutetico de sedar a dor e aliviar o sofrimento como regra geral e arremedo de doutrina
meacutedica No entanto isso se confunde com o comodismo profissional e com a impotecircncia do
saber biomeacutedico ao se defrontar com queixas e sofrimentos natildeo-enquadraacuteveis na grade
nosoloacutegica como acontece diariamente na ESF Natildeo podendo dar sentido ou interpretaccedilatildeo
satisfatoacuteria aos adoecimentos e queixas ficando com diagnoacutesticos descritivos o meacutedico tem
de recorrer a noccedilotildees vagas de somatizaccedilotildees distuacuterbios funcionais eou psicoloacutegicos com os
quais a proximidade do saber da biomedicina eacute pequena Tais sintomas satildeo provavelmente a
maioria do que eacute relatado pelos pacientes Daiacute a vaacutelvula de escape da inibiccedilatildeo de sintomas
altamente medicalizante e de apelo quase irresistiacutevel Doutra parte mesmo quando se
conseguem definir diagnoacutesticos muitas vezes a terapecircutica restringe-se ao combate aos
sintomas (TESSER 2006)
Ainda para esse autor os dilemas da medicalizaccedilatildeo devem ser abordados nas seguintes
accedilotildees aleacutem-consulta meacutedica intersetoriais grupais educativas poliacuteticas sanitaacuterias em
parceria com instituiccedilotildees culturais poliacuteticas educativas etc Essas accedilotildees que devem ser
desenvolvidas pela equipe do SF satildeo essenciais para evitar a medicalizaccedilatildeo desenfreada que a
pura oferta de consultas meacutedicas comumente gera (TESSER 2006)
Eacute primordial ter em mente que os diagnoacutesticos satildeo uma fotografia estaacutetica a vida estaacute
em movimento complexo e infindaacutevel Mas que eacute preciso cuidar de natildeo privar o doente dos
conhecimentos e saberes meacutedicos sobre sua situaccedilatildeo usando uma linguagem que seja
inteligiacutevel ao seu conhecimento social e cultural (TESSER 2006)
66
De acordo com esse autor faz-se urgente sucumbir agrave tendecircncia de construccedilatildeo e fixaccedilatildeo
do mito da entidade doenccedila que o doente carrega tanto para o paciente quanto para o
profissional Ou seja tentar desontologizar a doenccedila e o sofrimento devolvendo-os ao doente
partilhando sua anguacutestia e buscando terapecircuticas com ele para a situaccedilatildeo Isso demanda uma
profunda mudanccedila cultural no imaginaacuterio meacutedico trabalho que praticamente natildeo se iniciou e
natildeo teraacute fim Esta mudanccedila eacute necessaacuteria e viaacutevel se for resgatado ldquoo personagem que natildeo tem
lugar na teoria das doenccedilas o sujeito doenterdquo (TESSER 2006 p352)
Na biomedicina os doentes e suas vidas orbitam ao redor das doenccedilas A revoluccedilatildeo
copernicana necessaacuteria nessa medicina implica fazer as doenccedilas orbitarem ao redor dos
doentes e suas vidas Isso no ambiente especializado da construccedilatildeo do saber cientiacutefico natildeo
estaacute nem ao menos concebido Mas na praacutetica cliacutenica fica facilitado e pode acontecer com
uma simples mas profunda mudanccedila de enfoque que aos poucos altera todo o processo
cognitivo do raciociacutenio cliacutenico (TESSER 2004)
Para finalizar vale ressaltar que a construccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de praacutetica cliacutenica menos
medicalizante na rede de atenccedilatildeo primaacuteria e no PSF eacute uma tarefa urgente tanto para a
formaccedilatildeo meacutedica como para a educaccedilatildeo permanente dos demais profissionais da equipe Isto
significa concretamente o perigo de uma aceleraccedilatildeo na medicalizaccedilatildeo social caso a ESF
cresccedila sem inovar na cliacutenica que oferece a seus usuaacuterios
48 MEacuteTODO CLINICO CENTRADO NA PESSOA
Epistemologia
O relacionamento entre a pessoa que busca atendimento e o meacutedico comeccedilou a ser
trabalhado pelo Departamento de Medicina de Famiacutelia da Universidade de Western Ontaacuterio
desde a sua fundaccedilatildeo em 1968 com a chegada do primeiro chefe de departamento o Dr Ian
McWhinney Moira Stwart et al (2010) Em seu trabalho para elucidar a ldquoreal razatildeordquo pela
qual uma pessoa procura o meacutedico McWhinney (1972) abriu caminho para as investigaccedilotildees
sobre a amplitude de todos os problemas da pessoa fiacutesicos sociais ou psicoloacutegicos e da
profundidade do sentido e da forma como ela se apresenta
Moira Stewart sua aluna de doutorado desenvolveu uma pesquisa guiada por esses
interesses e deu iniacutecio ao foco no relacionamento entre a pessoa atendida e o meacutedico Moira
Stewart Mawhinney e Buck (1975 1979) Moira Stewart e Buck (1977) O Dr Joseph
Levenstein da Aacutefrica do Sul como professor visitante em 1982 compartilhou suas tentativas
de desenvolver um modelo de praacutetica cliacutenica com o departamento Logo depois o meacutetodo
67
clinico centrado na pessoa seguiu sua evoluccedilatildeo no trabalho do Grupo de Comunicaccedilatildeo entre
Pessoa e Meacutedico da Universidade de Western Ontaacuterio (MOIRA STWART et al 2010)
O termo usado para designaacute-lo inicialmente foi o de Medicina Centrada na Pessoa
mas atualmente se reconhece que o meacutetodo tem amplo potencial de aplicaccedilatildeo pelos
profissionais de sauacutede em geral independente de sua formaccedilatildeo De forma crescente a
abordagem centrada na pessoa estaacute sendo reconhecida como um paracircmetro importante na
qualidade assistencial Uma vez que essa proposta de atendimento pressupotildee vaacuterias mudanccedilas
na mentalidade do meacutedico e dos demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo
hieraacuterquica de que o profissional estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta
nessa abordagem Para ser centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a
ela compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que
tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Para Moira Stewart et al (2010) esse eacute o
imperativo moral do meacutetodo centrado na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o
profissional experimentaraacute os novos direcionamentos que o relacionamento pode assumir
quando o poder eacute compartilhado
Em segundo lugar de acordo com Moira Stewart et al (2010) manter uma posiccedilatildeo
sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento humano que
eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o objetivo em
um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)
Quando comparada a modelos tradicionais como apontam esses autores a abordagem
centrada na pessoa apresenta mais resultados positivos tais como
- maior satisfaccedilatildeo das pessoas e meacutedicos
- melhora na aderecircncia aos tratamentos
- reduccedilatildeo de preocupaccedilotildees e ansiedades
- reduccedilatildeo de sintomas
- diminuiccedilatildeo na utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede
- diminuiccedilatildeo das queixas por maacute-praacutetica
- melhora na sauacutede mental
- melhora na situaccedilatildeo fisioloacutegica e na recuperaccedilatildeo de problemas recorrentes
Faz-se importante aqui ressaltar que o modelo tradicional e dominante na praacutetica
meacutedica eacute denominado de ldquomodelo meacutedico convencionalrdquo Moira Stewart et al (2010 p26) A
ampla influencia desse meacutetodo natildeo eacute refutada por ningueacutem mas ele tem sido frequentemente
questionado por simplificar em excesso os problemas da condiccedilatildeo de estar doente Odegard
(1986) e White (1988)
68
Os problemas do modelo meacutedico convencional foram descritos por Engel (1977
p130)
Esse meacutetodo toma por princiacutepio que a doenccedila eacute totalmente explicada
por desvios da norma de variaacuteveis bioloacutegicas (somaacuteticas) que podem
ser medidas Natildeo deixa espaccedilo dentro de sua estrutura para as
dimensotildees sociais psicoloacutegicas e comportamentais da doenccedila O
modelo biomeacutedico natildeo soacute exige que a doenccedila seja tratada apenas
como uma entidade independente do comportamento social mas
tambeacutem que as aberraccedilotildees comportamentais sejam explicadas com
base em processos somaacuteticos (bioquiacutemicos ou neurofisioloacutegicos)
Em 1970 Balint e colaboradores introduziram o termo ldquomedicina centrada no
pacienterdquo que o definiram em oposiccedilatildeo ao termo ldquomedicina centrada na doenccedilardquo
Denominava-se ldquodiagnoacutestico abrangenterdquo ndash o entendimento das queixas com base nas
opiniotildees da proacutepria pessoa e ldquodiagnoacutestico convencionalrdquo - o entendimento baseado na
avaliaccedilatildeo centrada na doenccedila (BROWN WAYNE WESTON MOIRA STEWART p55
2010)
Jaacute o meacutetodo para classificar uma consulta centrada no meacutedico ou na pessoa foi
desenvolvido por Byrne e Long (1984) Para esses autores o conceito de consulta centrada no
meacutedico se aproximava do que outros autores chamam de meacutetodos centrados na ldquodoenccedilardquo
(disease) ou na ldquoexperiecircncia da doenccedilardquo (illness) Uma abordagem de assistecircncia centrada no
meacutedico e outra centrada na pessoa tambeacutem foi descrita por Wright e MacAdam (1979)
O meacutetodo cliacutenico centrado na pessoa descrito de forma resumida nesse capitulo se une
aos trabalhos de Rogers (1961) sobre o aconselhamento centrado no cliente de Balint (1957)
sobre medicina centrada no paciente de Newman e Young (1972) sobre uma abordagem da
pessoa como um todo ao lidar com problemas de enfermagem e da ldquoPraacutetica de Dois Corposrdquo
da Terapia Ocupacional (MOIRA STEWART et al 2010)
Os seis componentes interativos
O meacutetodo propotildee em seus seis componentes interativos um conjunto claro de
orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem mais centrada na pessoa
Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo entre a pessoa e o
profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no contexto dentro do
69
qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem Para Moira Stewart et al
(2010) apesar de os componentes serem usados para facilitar o ensino e a pesquisa a praacutetica
cliacutenica centrada na pessoa eacute um conceito holiacutestico no qual os componentes interagem e se
unem de forma uacutenica em cada encontro entre ambos
Como descreve esses autores o primeiro componente eacute utilizado para avaliaccedilatildeo de dois
conceitos de sauacutede debilitada a doenccedila e a experiecircncia da doenccedila Aleacutem de avaliar o processo
de doenccedila atraveacutes da histoacuteria cliacutenica e do exame fiacutesico o profissional de sauacutede procura
ativamente entrar no mundo da pessoa atendida para entender sua experiecircncia uacutenica de estar
doente O profissional avalia especificamente os sentimentos da pessoa a respeito de sua
experiecircncia suas ideacuteias sobre a doenccedila como a doenccedila afeta seu funcionamento e por uacuteltimo
o que ela espera do meacutedico
O segundo componente eacute a integraccedilatildeo dos conceitos de doenccedila e experiecircncia da
doenccedila com o entendimento da pessoa como um todo O que inclui uma consciecircncia dos
muacuteltiplos aspectos da vida da pessoa atendida personalidade histoacuteria de seu
desenvolvimento questotildees do seu ciclo de vida e os muacuteltiplos contextos em que vive
inclusive o ecossistema
Jaacute o terceiro componente eacute a tarefa muacutetua de elaborar um plano conjunto de manejo
dos problemas entre a pessoa atendida e o profissional e tem por foco trecircs aacutereas-chave a
definiccedilatildeo do problema o estabelecimento de metas de tratamento eou manejo da doenccedila e a
identificaccedilatildeo dos papeacuteis a serem assumidos por ambos
Enquanto o quarto componente salienta a importacircncia de se usar cada encontro como
uma oportunidade de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede o quinto componente enfatiza que cada
encontro com a pessoa deve ser usado para desenvolver o relacionamento desta com o
profissional Por meio da compaixatildeo da confianccedila do compartilhamento de poder e da cura
Sendo que para colocar essas habilidades em praacutetica eacute preciso consciecircncia de si mesmo e um
entendimento dos aspectos inconscientes do relacionamento como transferecircncia e
contratransferecircncia
E para finalizar o sexto componente exige que durante todo o processo o profissional
seja realista com o tempo disponiacutevel participe no desenvolvimento da equipe e do trabalho
em equipe e reconheccedila a importacircncia de uma administraccedilatildeo sensata do acesso aos recursos de
sauacutede
Os componentes interativos descritos item por item satildeo assim apresentados por Moira
Stewart et al (2010)
70
1 Explorando a doenccedila e a experiecircncia da pessoa com a doenccedila
- Avaliando a histoacuteria exame fiacutesico exames complementares
- Avaliando a dimensatildeo da doenccedila sentimentos ideacuteias efeitos sobre a funcionalidade e
expectativas da pessoa
2 Entendendo a pessoa como um todo inteira
- A pessoa Sua histoacuteria de vida aspectos pessoais e de desenvolvimento
- Contexto proacuteximo Sua famiacutelia comunidade emprego suporte social
- Contexto distante Sua comunidade cultura ecossistema
3 Elaborando um projeto comum de manejo
- Avaliando quais os problemas e prioridades
- Estabelecendo os objetivos do tratamento e do manejo
- Avaliando e estabelecendo os papeacuteis da pessoa e do profissional de sauacutede
4 Incorporando a prevenccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede
- Melhorias de sauacutede
- Evitando ou reduzindo riscos
- Identificando precocemente os riscos ou doenccedilas
- Reduzindo complicaccedilotildees
5 Fortalecendo a relaccedilatildeo meacutedico-pessoa
- Exercendo a compaixatildeo
- A relaccedilatildeo de poder
- A cura (efeito terapecircutico da relaccedilatildeo)
- O auto-conhecimento
- A transferecircncia e a contratransferecircncia
6 Sendo realista
- Tempo e timing
- Construindo e trabalhando em equipe
- Usando adequadamente os recursos disponiacuteveis
71
5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS
51 Etapas do Estudo
Para subsidiar este estudo na primeira etapa da pesquisa realizei uma revisatildeo de
literatura com pesquisa de publicaccedilotildees no site da Bireme (wwwbiremebr) do periacuteodo de
2004 a 2014 abrangendo as bases de dado SciELO Lilacs IBECS Medline e Biblioteca
Cochrane Como descritores usei os termos ldquoAtenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutederdquo AND ldquoEstrateacutegia
Sauacutede da Famiacuteliardquo AND ldquoSauacutede Mentalrdquo e como filtro as publicaccedilotildees do tipo artigo cujo
assunto principal era ldquoSauacutede Mentalrdquo
Foram encontrados 224 artigos Destes 63 estudos natildeo possuiacuteam o texto completo na
plataforma de busca e por isso foram excluiacutedos Estavam repetidos na listagem gerada pelo
site 46 artigos que foram removidos para evitar duplicidade na consolidaccedilatildeo dos dados Dos
115 artigos restantes 58 foram excluiacutedos por se tratar de artigos natildeo originais experiecircncias
estrangeiras e com abordagem natildeo centrada nos profissionais da ESF nas accedilotildees de sauacutede
mental na APS Dessa forma foram incluiacutedos nesta revisatildeo os estudos que tiveram unidades
de sauacutede baacutesica profissionais da ESF associados ao contexto da Sauacutede Mental bem como os
estudos de revisatildeo de literatura totalizando assim 115 artigos
A revisatildeo revelou que as accedilotildees de sauacutede mental desenvolvidas na atenccedilatildeo primaacuteria natildeo
apresentam uniformidade em sua execuccedilatildeo Coexistindo accedilotildees centradas na terapecircutica
medicamentosa na loacutegica do encaminhamento especializado retratando uma fragmentaccedilatildeo da
atenccedilatildeo e das praacuteticas de promoccedilatildeo da sauacutede ainda muito focalizadas com accedilotildees que apontam
para uma lenta mudanccedila em relaccedilatildeo ao modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede demostrado na perspectiva
da praacutetica interdisciplinar do acolhimento da escuta e do viacutenculo (BEZERRA et al 2014
TEIXEIRA et al 2014 WETZELA et al 2014 ANDRADE et al 2013 MINOZZO et al
2012 CORREIA BARROS COLVERO 2011 NEVES LUCCHESE MUNARI 2010
BUCHELE et al 2006)
Nesse momento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo em sauacutede com importantes
conquistas legais e com a ampliaccedilatildeo crescente que cerca a sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria
estimulada sobretudo pela descentralizaccedilatildeo municipalizaccedilatildeo e territorializaccedilatildeo do seu
cuidado por meio da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) essa revisatildeo tambeacutem revelou a
necessidade de qualificaccedilatildeo dos profissionais que atuam na ESF para realizaccedilatildeo de accedilotildees de
sauacutede mental no territoacuterio integrando os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica com o SUS Pois
os trabalhadores da APS natildeo se sentem instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede
mental (QUINDEREacute et al 2013 CORREIA BARROS COLVERO 2011 SOUZA et al
72
2013 VANNUCHI CARNEIRO JUNIOR 2012 RIBEIRO et al 2010 JUCA NUNES
BARRETO 2009)
A segunda etapa do estudo foi realizada com imersatildeo no campo e realizaccedilatildeo de
entrevistas com os profissionais da ESF como descrito a seguir nesse capiacutetulo
52 Tipo de estudo
Estudo de natureza qualitativa pois atraveacutes da compreensatildeo do discurso dos sujeitos
entrevistados foi possiacutevel chegar aos objetivos que me propus a alcanccedilar e tambeacutem porque a
abordagem qualitativa preocupa-se em abranger e aprofundar ao maacuteximo da realidade e do
universo de significados aspiraccedilotildees crenccedilas valores e atitudes que faz correspondecircncia a um
espaccedilo mais iacutentimo (profundo) das relaccedilotildees dos processos e fenocircmenos humanos (MINAYO
2010)
Trata-se ainda de um estudo do tipo estudo de caso descritivo analiacutetico onde o
pesquisador vai aleacutem da descriccedilatildeo das caracteriacutesticas analisando e explicando o
acontecimento dos fenocircmenos estudados O que ajuda a entender o fenocircmeno descobrindo e
mensurando relaccedilotildees causais entre ele A sua valorizaccedilatildeo estaacute baseada na premissa que os
problemas podem ser resolvidos e as praacuteticas podem ser melhoradas atraveacutes da descriccedilatildeo e
anaacutelise de observaccedilotildees objetivas diretas e das opiniotildees As teacutecnicas utilizadas para a obtenccedilatildeo
de informaccedilotildees satildeo bastante diversas destacando-se os questionaacuterios as entrevistas e as
observaccedilotildees (RICHARDSON 1989)
53 Campo do Estudo
Como jaacute citado anteriormente a cidade do Rio de Janeiro estaacute dividida em 10 (dez)
distritos sanitaacuterios denominados Aacutereas Programaacuteticas (10 21 22 31 32 33 40 51 52
e 53) Por jaacute trabalhar na AP 21 Zona Sul da cidade e participar dos Foacuteruns de Sauacutede Mental
e do Conselho Distrital de Sauacutede que acontecem mensalmente na aacuterea a pesquisadora jaacute tinha
uma aproximaccedilatildeo maior com os vaacuterios atores e dispositivos de sauacutede portanto essa foi a AP
escolhida para realizaccedilatildeo do estudo
Na cidade Rio de Janeiro as unidades de sauacutede da famiacutelia satildeo denominadas lsquocliacutenicas
da famiacuteliarsquo e identificadas como inovadoras e estrateacutegicas para o atual modelo de gestatildeo Com
a opccedilatildeo clara pela ESF como modelo organizador da atenccedilatildeo a Secretaria de Sauacutede do
municiacutepio investiu fortemente na criaccedilatildeo dessas cliacutenicas que se tornaram uma espeacutecie de
lsquocarro-chefersquo da sauacutede no Rio de Janeiro As sedes das cliacutenicas da famiacutelia estatildeo localizadas
em pontos estrateacutegicos dos territoacuterios sob sua responsabilidade (PRATA et al 2017)
73
Nos uacuteltimos cinco anos na AP 21 foram implantadas quatro (04) Cliacutenicas da Famiacutelia
(CF) nas respectivas comunidades Botafogo Copacabana Satildeo Conrado e Rocinha Sendo
que a CF da Rocinha estaacute instalada no mesmo preacutedio do Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial
(CAPS III) esse serviccedilo muito proacuteximo poderia ser um fator facilitador para o manejo dos
ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio
Jaacute as outras trecircs (3) natildeo contavam com um serviccedilo comunitaacuterio de sauacutede mental tatildeo
proacuteximo os dispositivos de apoio matricial via NASF ainda estavam em construccedilatildeo portanto
um campo feacutertil para o estudo Foi realizada uma aproximaccedilatildeo preacutevia com a gerente da CF de
Botafogo onde atuavam trecircs (3) equipes da ESF o que facilitou o acesso da pesquisadora Foi
entatildeo solicitado autorizaccedilatildeo dessa responsaacutevel teacutecnica pela CF para realizaccedilatildeo do estudo
A CF estudada foi inaugurada em 03 de fevereiro de 2009 mas iniciou seu efetivo
funcionamento em 25 de maio de 2009 Situada no bairro de Botafogo Zona Sul da cidade do
Rio de Janeiro Mais precisamente no segundo andar de um preacutedio com trecircs pavimentos em
frente agrave uma praccedila na entrada do Morro Santa Marta Nesse preacutedio no primeiro pavimento
funciona o Centro de Referecircncia de Assistecircncia Social (CRAS) da aacuterea e o Centro de
Convivecircncia Padre Veloso para idosos O segundo pavimento eacute exclusivo da CF conforme
vamos detalhar mais adiante E no terceiro pavimento funciona a direccedilatildeo do CRAS e uma
unidade do SESI que oferece atividades de recreaccedilatildeo aulas de informaacutetica culinaacuteria
biblioteca
A CF estudada eacute uma Unidade BaacutesicaCentro de Sauacutede do tipo A porque todo o
territoacuterio estaacute coberto por equipes de Sauacutede da Famiacutelia Divide o territoacuterio de Botafogo com o
Centro Municipal de Sauacutede Dom Helder Cacircmara Aleacutem de cobrir tambeacutem uma parte do
Humaitaacute (asfalto) e todo o Morro Santa Marta (comunidade) como denominado pelos
profissionais entrevistados A populaccedilatildeo de sua aacuterea de abrangecircncia eacute de 29906 segundo
dados do Censo 2010 Seu horaacuterio de funcionamento eacute estendido de 08hs agraves 20hs facilitando
assim o acesso aos cuidados de sauacutede a todos que deles necessitam
De acordo o sistema de Informaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica ateacute o mecircs de Junho de 2015 o
nuacutemero total de pessoas com cadastro completo (CPF ou Declaraccedilatildeo de Nascido Vivo ndash
DNV) na unidade era de 8346 Com trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia a saber Equipe
Pioneiro Equipe Zumbi dos Palmares e Equipe Dede e duas (2) Equipes de Sauacutede Bucal O
nuacutemero de pessoas cadastradas por equipe respectivamente eacute de 3151 2763 e 2432 sendo a
Equipe Pioneiro com maior nuacutemero de cadastrado e a Equipe Dede menor As duas (2)
Equipes de Sauacutede Bucal se dividem para cobrir as trecircs (3) equipes de Sauacutede da Famiacutelia Em
marccedilo de 2015 a CF recebeu a equipe do Nuacutecleo de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASF)
74
Segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (CNES) em junho
de 2015 o nuacutemero de profissionais que atuavam na unidade era de cinquenta e dois (52) Cada
equipe de sauacutede da famiacutelia conta com dois (2) meacutedicos residentes um (1) enfermeiro um (1)
teacutecnico de enfermagem seis (6) Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) e um (1) Agente de
Vigilacircncia em Sauacutede (AVS) Como a unidade recebe meacutedicos residentes conta com dois (2)
meacutedicos preceptores que se dividem na supervisatildeo das trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia A
equipe de sauacutede bucal eacute composta por um (1) dentista um (1) teacutecnico de sauacutede bucal e (1)
auxiliar de sauacutede bucal A equipe do NASF eacute composta por 1 psicoacuteloga 1 meacutedico psiquiatra
1 fisioterapeuta 1 fonoaudioacuteloga e 1 educador fiacutesico que jaacute atuava na unidade
54 Participantes do Estudo
Profissionais das trecircs equipes da ESF da CF selecionada para o estudo meacutedicos
enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede Natildeo entrevistamos a
equipe de sauacutede bucal e nem os Agentes de Vigilacircncia em Sauacutede pois esses profissionais natildeo
fazem parte da equipe miacutenima embora participem das accedilotildees comunitaacuterias e educativas seu
nuacutecleo de atuaccedilatildeo eacute mais especifico natildeo envolvendo diretamente os cuidados com os ldquocasosrdquo
de sauacutede mental Assim como natildeo entrevistamos a equipe do NASF porque estes
profissionais possuem a expertise da aacuterea Sauacutede MentalAtenccedilatildeo PsicossocialPsiquiatria natildeo
preenchendo os criteacuterios de participaccedilatildeo para o estudo Portanto foram entrevistados vinte e
dois (22) profissionais nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5) meacutedicos residentes
trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores
Os criteacuterios de inclusatildeo foram 1) Querer participar do estudo2) Ser membro da equipe
miacutenima da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia selecionada para o estudo haacute no miacutenimo seis (6) meses
E os criteacuterio de exclusatildeo foram1) Estar de feacuterias ou qualquer outro tipo de afastamento
durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da coleta de dados da pesquisa 2) Natildeo se dispor a participar
do estudo 3) Ser membro da equipe da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia eleita para o estudo haacute
menos de seis (6) meses
55 Procedimento para coleta dos dados
A coleta de dados incluiu dois instrumentos 1) observaccedilatildeo sistematizada do cotidiano
do serviccedilo cujos os dados foram registrados em um diaacuterio de campo e serviu como
complemento das entrevistas semi-estruturadas e da contextualizaccedilatildeo do campo Natildeo foi
observada nenhuma atividade que implicasse na relaccedilatildeo profissionalusuaacuterio e sim a estrutura
fiacutesica do serviccedilo ndash nuacutemero de salas para atendimento sala de espera espaccedilos de convivecircncia
75
para usuaacuterios e profissionais acessibilidade do serviccedilo e visibilidade (placas de identificaccedilatildeo)
2) entrevistas semi-estruturadas com os profissionais da ESF e desenvolvidas por meio de um
guia de questotildees norteadoras que foram gravadas em aacuteudio e transcritas com a anuecircncia de
cada entrevistado respeitando os princiacutepios eacuteticos postulados na Resoluccedilatildeo 4662012 do
Conselho Nacional de Sauacutede
O roteiro de entrevista com as questotildees norteadoras constituiu-se de duas partes uma
estruturada para caracterizaccedilatildeo dos sujeitos entrevistados (nome idade sexo estado civil
natural de onde formaccedilatildeo quanto tempo de formado quanto tempo na ESF) e outra semi-
estruturada com perguntas disparadoras visando estimular o entrevistado a falar sobre seu
trabalho na ESF e o que considera como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea
ao inveacutes de fazer perguntas diretas Tendo como ponto relevante dessas questotildees disparadoras
o tempo a escolha a forma as limitaccedilotildees do trabalho na ESF e depois o que entende como
lida e trabalha com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental
56 Forma de Anaacutelise dos dados
Foi realizada utilizando a teacutecnica de Anaacutelise do Discurso uma proposta de reflexatildeo
sobre a linguagem o sujeito a histoacuteria e a ideologia A Escola Francesa de Anaacutelise de
Discurso foi fundada na deacutecada de 1960 por Michel Pecirccheux filosofo francecircs e esta teacutecnica
de anaacutelise foi introduzida no Brasil na deacutecada de 80 e 90 por Eni P Orlandi
A Anaacutelise do Discurso como seu proacuteprio nome indica trata do sentido do discurso E
a ldquopalavra discurso etimologicamente tem em si a ideia de curso de percurso de correr por
de movimento O discurso eacute assim palavra em movimento praacutetica de linguagem com o
estudo do discurso observa-se o homem falandordquo Orlandi (2013 p20) Pois eacute a partir do
processo histoacuterico social e subjetivo de cada sujeito que os discursos satildeo construiacutedos
Reunindo estrutura e acontecimento a forma material eacute vista como o acontecimento do
significante (a liacutengua) em um sujeito afetado pela histoacuteria
A Anaacutelise do Discurso eacute entatildeo constituiacuteda por trecircs domiacutenios disciplinares a
Linguumliacutestica (natildeo transparecircncia da linguagem) o Marxismo (materialismo histoacuterico e
ideologia) e a Psicanaacutelise (desloca a noccedilatildeo de homem para sujeito e traz a noccedilatildeo do
inconsciente) O sujeito discursivo funciona entatildeo pelo inconsciente e pela ideologia Orlandi
(2000)
ldquoAs palavras simples do nosso cotidiano jaacute chegam ateacute noacutes carregadas de sentidos que
natildeo sabemos como se constituiacuteram e que no entanto significam para noacutes e em noacutesrdquo
(ORLANDI 2000 p 83)
76
Portanto o discurso produzido pela fala sempre teraacute relaccedilatildeo com o contexto soacutecio
histoacuterico ldquoTodo dizer eacute ideologicamente marcadordquo (ORLANDI 2000 p38)
A ideologia eacute entendida como o posicionamento do sujeito quando se filia a um
discurso sendo o processo de constituiccedilatildeo do imaginaacuterio que estaacute no inconsciente ou seja o
sistema de ideias que constitui a representaccedilatildeo a histoacuteria representa o contexto soacutecio histoacuterico
e a linguagem eacute a materialidade do texto gerando ldquopistasrdquo do sentido que o sujeito pretende
dar Logo na Anaacutelise do Discurso a linguagem vai aleacutem do texto trazendo sentidos preacute-
construiacutedos que satildeo ecos da memoacuteria do dizer (CAREGNATO e MUTTI 2006)
Por meio da teacutecnica de entrevista utilizei questotildees mais abertas o que tornou possiacutevel
disparar o sujeito discursivo de forma a analisar o que ele dizia Anaacutelise essa que tentei extrair
a essecircncia do discurso desse sujeito com o exerciacutecio contiacutenuo de me despir dos valores
pessoais enquanto pesquisadora E procurei imergir ao maacuteximo na fala desse sujeito o que
ela trazia de sentido para ele considerando sua subjetividade sua crenccedila seus valores e o
contexto no qual estava inserido
Sem cair na ilusatildeo de que o analista eacute consciente de tudo a contribuiccedilatildeo da Anaacutelise do
Discurso eacute o exerciacutecio permanente de reflexatildeo permitindo dessa forma uma relaccedilatildeo menos
ingecircnua com a linguagem e a consciecircncia de que ldquotodo discurso eacute incompleto sem iniacutecio
absoluto nem ponto final definitivordquo (ORLANDI 2013 p16)
Devendo o analista buscar os efeitos de sentido e para isso eacute necessaacuterio sair do
enunciado e chegar ao enunciaacutevel atraveacutes da interpretaccedilatildeo
Para Minayo (2010 p 322) ldquotodo discurso eacute referidor e referido dialoga com outros
discursos e se produz no interior das instituiccedilotildees e grupos que determinam quem fala o que
fala e como fala e em que momento falardquo Portanto todo o movimento que acontece no
interior do discurso eacute ao mesmo tempo o processo o produto e ponto central da significaccedilatildeo
a ser compreendido na anaacutelise do texto
Todo texto eacute carregado de ideologia e pode determinar a relaccedilatildeo entre quem fala e
quem ouve caracterizando sua inserccedilatildeo discursiva Haacute dois pressupostos baacutesicos segundo
Pecirccheux
1 O sentido de uma palavra de uma expressatildeo ou de uma proposiccedilatildeo natildeo existe em si
mesmo Ao contraacuterio expressa posiccedilotildees ideoloacutegicas em jogo no processo soacutecio-
histoacuterico no qual as formas de relaccedilatildeo satildeo produzidas
2 Toda formaccedilatildeo discursiva dissimula pela pretensatildeo da transparecircncia sua dependecircncia
de formaccedilotildees ideoloacutegicas
77
Para natildeo concluir faz-se relevante destacar como propotildeem Caregnato e Mutti (2006)
que a Anaacutelise do Discurso trabalha com o sentido sendo o discurso heterogecircneo marcado pela
histoacuteria e ideologia a Anaacutelise do Discurso entende que natildeo iraacute descobrir nada novo apenas
faraacute uma nova interpretaccedilatildeo ou uma re-leitura outro aspecto ressaltado pelas autoras eacute que a
Anaacutelise do Discurso mostra como o discurso funciona natildeo tendo a pretensatildeo de dizer o que eacute
certo ou errado porque isso natildeo estaacute em julgamento
57 Aspectos Eacuteticos
O presente projeto de pesquisa foi submetido aos Comitecircs de Eacutetica da Escola Nacional
de Sauacutede Puacuteblica da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz CAEE (43999015000005240) e da Prefeitura
Municipal do Rio de Janeiro CAEE (43999015030015279) apoacutes contato e autorizaccedilatildeo do
responsaacutevel teacutecnico da unidade de sauacutede eleita para o estudo
Foram considerados os riscos de constrangimento durante as entrevistas sendo
sugerido uma pausa ou retorno em outro momento Para natildeo identificaccedilatildeo dos profissionais
participantes da pesquisa foi realizada uma anaacutelise em conjunto impossibilitando assim
atribuiccedilatildeo individual aos depoimentos
Os benefiacutecios do estudo poderatildeo ser a reflexatildeo dos profissionais sobre o proacuteprio
processo de trabalho estimulando o processo de educaccedilatildeo permanente na unidade estudada e
contribuiccedilatildeo para o conhecimento da aacuterea de Sauacutede Mental na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede tatildeo
importante e tatildeo caro para consolidaccedilatildeo das Reformas Sanitaacuteria e Psiquiaacutetrica
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6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
61 Descrevendo o campo
As observaccedilotildees ora descritas foram colhidas por meio do diaacuterio de campo e obedeceu uma
sistematizaccedilatildeo dos dados coletados dando ecircnfase principalmente a estrutura fiacutesica do local e a
dinacircmica da equipe
Durante o periacuteodo do trabalho de campo que foi de 4 (quatro) meses participei das
reuniotildees de cada equipe que aconteciam uma vez por semana Espaccedilo esse em que toda a
equipe (meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem agentes comunitaacuterios de
sauacutede profissionais da equipe de sauacutede bucal e agentes de vigilacircncia sanitaacuteria) se reuniam
para fazer um balanccedilo da semana discutir os casos mais emblemaacuteticos os possiacuteveis
encaminhamentos as accedilotildees educativas com campanhas nas escolas e na comunidade Assim
como eram distribuiacutedos aos agentes comunitaacuterios de sauacutede as marcaccedilotildees e resultados de
exames para entrega em sua respectiva micro aacuterea O meacutedico preceptor por vezes participava
desse momento ora com uma funccedilatildeo mais pedagoacutegica trazendo explicaccedilotildees sobre
determinados assuntos ora com uma funccedilatildeo mais de gestatildeo cobrando objetivosmetas a
alcanccedilar e apontando possiacuteveis pendencias da equipe
Observei que esse eacute um lugar em que toda a equipe sem exceccedilatildeo tem poder de
vocalizaccedilatildeo claro que uns mais tiacutemidos outros mais falantes principalmente por parte dos
agentes comunitaacuterios de sauacutede Onde todos os membros da equipe tecircm a oportunidade de
trazer determinada dificuldade de abordagem ou manejo de algum caso especifico ou de
determinada accedilatildeo na comunidade e efetivamente haacute uma discussatildeo em equipe Embora
aconteccedila de alguma decisatildeo ou palavra final ainda ser endereccedilada ao profissional meacutedico seja
ele residente preceptor ou no ldquocasordquo de sauacutede mental ao psiquiatra O que nos leva a refletir
sobre o quanto o modelo biomeacutedico ainda estaacute presente nos espaccedilos da sauacutede da famiacutelia que
deveria ser um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede com abordagens e decisotildees mais coletivas e
multiprofissionais
Quanto a estrutura fiacutesica do local onde funciona a Cliacutenica da Famiacutelia estudada agrave eacutepoca
da coleta de dados havia uma placa de sinalizaccedilatildeo grande com o nome da cliacutenica do lado de
fora da fachada preacutedio mas era necessaacuterio olhar para cima para visualizar Na entrada mesmo
do preacutedio natildeo havia nenhuma informaccedilatildeosinalizaccedilatildeo de que a CF funcionava no segundo
andar eu mesma na primeira visita precisei pedir informaccedilatildeo ao guarda do primeiro andar O
acesso ao segundo pavimento consequentemente agrave CF era exclusivamente de escada com
corrimatildeo eram dois lances natildeo havia rampa de acesso ou elevador muito menos barras de
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apoio banheiro adaptado ou portas mais largas para pessoas com deficiecircncia O que jaacute causou
alguns transtornos e constrangimentos no atendimento de pessoas idosas eou cadeirantes
segundo relatos dos profissionais durante as minhas visitas
As instalaccedilotildees da CF eram compostas por 01 hall para acolhimento (com 3 baias de
atendimento sendo uma para cada equipe e cadeiras para usuaacuterios) 7 consultoacuterios para
atendimento meacutedico e enfermagem 1 consultoacuterio para Sauacutede Bucal onde na entrada se
localizava o escovaacuterio com 3 pias para escovaccedilatildeo de adulto e 1 pia para crianccedila 1 sala para
farmaacutecia (dividida para dispensaccedilatildeo de medicaccedilatildeo aos usuaacuterios e estoque) 1 sala de reuniatildeo
1 sala da administraccedilatildeo 1 sala para agentes comunitaacuterios de sauacutede 1 sala de imunizaccedilatildeo 1
sala de coleta de sangueprocedimentos 1 sala de curativo 1 sala de esterilizaccedilatildeo 1 sala de
expurgo 1 banheiro feminino com 1 pia e dois vasos sanitaacuterios e 1 banheiro masculino
tambeacutem composto por uma 1 pia e dois vasos sanitaacuterios ambos de uso comum para
profissionais e usuaacuterios
A iluminaccedilatildeo e ventilaccedilatildeo na CF eram adequadas Todas as salas consultoacuterios
possuiacuteam ar-condicionado e estavam funcionando agrave eacutepoca da minha visita de ambiecircncia e
coleta dados As janelas eram de vidro e com persianas claras facilitando a luminosidade
natural Embora as salas estivessem devidamente identificadas com placas nas portas
indicando os serviccedilos faltava melhorar a sinalizaccedilatildeo de acesso agraves essas salas como por
exemplo com setas indicativas
O hall do acolhimento como era uma aacuterea aberta natildeo possuiacutea ar-condicionado mas
tinha ventiladores e janelas Existiam 02 bebedouros (um mais baixo proacuteximo na entrada do
banheiro feminino) e outro mais alto (ao lado das baias de atendimento do acolhimento) Todo
o piso da unidade era antiderrapante as paredes e os acabamentos com superfiacutecie lisa A
limpeza em geral era satisfatoacuteria deixando a desejar nos banheiros talvez pelo grande fluxo
de uso como jaacute mencionado anteriormente servia a usuaacuterios e profissionais
Cada consultoacuterio como padratildeo possuiacutea 1 mesa ginecoloacutegica 1 biombo 1 reacutegua
antropomeacutetrica 1 balanccedila pediaacutetrica 1 sonar 1 balanccedila adulto 1 mesa e 1 cadeira para o
profissional 2 cadeiras para os usuaacuterios 1 computador e 1 impressora Faz-se importante
destacar que todos os prontuaacuterios eram informatizados Na sala de imunizaccedilatildeo havia 01
cacircmara fria para conservaccedilatildeo dos imunobioloacutegicos 1 geladeira comum 1 pia grande com
torneira 1 mesa 1 dispensador de perfuro-cortante 1 computador 1 maca para crianccedila 2
cadeiras Na sala de curativo tinha um reservatoacuterio com torneira corrente para lavagem das
feridas 1 mesa 2 cadeiras armaacuterio para armazenamento do material lixeira para material
bioloacutegico Na sala de coleta tambeacutem havia 1 mesa 4 cadeiras com braccediladeira armaacuterios para
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guarda do material 1 dispensador de perfuro-cortante Na sala de reuniotildees existiam duas
mesas grandes vaacuterias cadeiras e 2 armaacuterios onde a fisioterapeuta o educador fiacutesico e grupo
de artesanato guardavam o material
Gostaria de dar uma ecircnfase especial a sala dos agentes comunitaacuterios onde encontrava-
se uma mesa redonda meacutedia com 5 cadeiras 3 computadores (1 por equipe ndash no ato da visita
de ambientaccedilatildeo uma ACS fez questatildeo de falar que era muito pouco 01 computador para 06
ACS) 1 quadro de aviso 2 armaacuterios com arquivos ao final tinha uma geladeira para
armazenamento de leito materno pois a unidade fazia parte do ldquoPrograma Amiga da
Amamentaccedilatildeordquo recolhendo o leite e enviando para as maternidades E tambeacutem uma mesa
pequena onde era feito o cafeacute servindo portanto como um local de ponto de encontro e
almoccedilo para toda a equipe natildeo soacute para os agentes comunitaacuterios de sauacutede uma vez que a
unidade natildeo tinha um espaccedilo para refeitoacuterio
De acordo com o Manual de Estrutura Fiacutesica das unidades baacutesicas de sauacutedesauacutede da
Famiacutelia (2008) o ambiente de apoio deve ter copacozinha e banheiro para funcionaacuterios
ambos ausentes na unidade estudada No ambiente de atendimento cliacutenico natildeo foi observado
uma sala de nebulizaccedilatildeo e na parte estrutural natildeo havia rampas de acesso ou elevador para
pessoas portadoras de deficiecircncia especial nem mesmo qualquer aparato (banheiro especial
barras de proteccedilatildeo porta mais largas bebedouro mais baixo) para esse grupo de pessoas como
recomenda o referido manual
A Cliacutenica da Famiacutelia estudada natildeo estava equipada com laboratoacuterio os exames eram
colhidos e enviados para um laboratoacuterio terceirizado que presta serviccedilo ao municiacutepio assim
como natildeo dispunha de aparelho de raio X nem de ecografia Mas possuiacutea prontuaacuterio
eletrocircnico computador com acesso agrave internet a conexatildeo agraves vezes lenta foi inclusive uma
das queixas dos profissionais durante as entrevistas A proposta tal como apresentada pela
gestatildeo municipal de sauacutede seria qualificar a atenccedilatildeo oferecendo infraestrutura sofisticada
(ambiecircncia conforto e sustentabilidade) adequadamente equipada e com ofertas de
procedimentos (exames laboratoriais raios X ecografia entre outros) aleacutem de inovaccedilotildees
tecnoloacutegicas (Observatoacuterio de Tecnologia de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Sistemas e
Serviccedilos de Sauacutede prontuaacuterio eletrocircnico acesso agrave internet e rede wi-fi) dentre outras
caracteriacutesticas (RIO DE JANEIRO 2012)
Na Cliacutenica da Famiacutelia aconteciam algumas atividades em grupo muito citadas durante
as entrevistas ldquoGrupo de Artesanatordquo ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo e ldquoCafeacute com
Especialistardquo
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O ldquoGrupo de Artesanatordquo era coordenado por uma enfermeira acontecia
semanalmente todas agraves 5ordf feiras no periacuteodo da tarde com duraccedilatildeo de 2 horas No iniacutecio a
proposta era produzir algum produto muitas idosas com habilidades manuais e artiacutesticas se
voluntariaram a participar Depois com o desenrolar do grupo passou a ser tambeacutem um
espaccedilo de convivecircncia para conversar e trocar experiecircncias
A ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo tambeacutem acontecia semanalmente agraves 4ordf feiras no
periacuteodo da noite facilitando o acesso a quem trabalhava durante o dia e com tempo de
duraccedilatildeo em meacutedia de 1 hora Era coordenada por dois voluntaacuterios (um meacutedico que foi RMFC
da proacutepria cliacutenica e uma psicoacuteloga) Tive a oportunidade de participar de uma sessatildeo achei
muito interessante Eram feitos alguns acordos para participaccedilatildeo Falar em 1ordf pessoa ndash ldquoeurdquo
sou sujeito da minha proacutepria e natildeo dar conselhos No iniacutecio da sessatildeo teve alguns movimentos
de relaxamento do corpo logo depois veio o momento de celebraccedilatildeo onde os participantes
falavam algo que tenha acontecido de especial durante a semana e depois algo que havia
deixado os participantes para baixo Esse uacuteltimo era apresentado em forma de manchete
como se fosse um noticiaacuterio e a mais votada era eleita para aprofundamento onde todos os
participantes tinham a oportunidade de falar sobre o processo de identificaccedilatildeo e mecanismos
de enfrentamento
O ldquoCafeacute com especialistardquo de iniacutecio seria ldquoCafeacute com psiquiatrardquo depois a equipe
repensou esse nome uma vez que poderia se tornar um espaccedilo para consultas de psiquiatria e
pegar receitas controladas Pois a proposta era justamente o inverso um espaccedilo para repensar
junto com os usuaacuterios o uso de psicofaacutermacos de longa data A proposta foi feita pelo
psiquiatra junto com as trecircs equipes pois na unidade havia um programa na farmaacutecia que
gerenciava por nome os usuaacuterios que faziam uso de psicofaacutermacos onde constavam nome do
usuaacuterio nome do meacutedico nome do medicamento posologia quantidade dispensada data
retorno e observaccedilotildees Facilitando assim principalmente aos meacutedicos das equipes o
conhecimento desses usuaacuterios de forma a racionalizar o uso desses psicofaacutermacos pois a
utilizaccedilatildeo destes por meacutedicos generalistas eacute um toacutepico importante na estruturaccedilatildeo de uma
atenccedilatildeo em sauacutede mental de qualidade com atitudes menos prescritivas
Assim os psicofaacutermacos devem ser utilizados preferencialmente em conjunto com
outros tipos de intervenccedilotildees terapecircuticas sendo ofertados apoio e cuidado de outras formas
aleacutem do uso de medicamentos em especial de benzodiazepiacutenicos Nesse sentido o
acolhimento e a escuta estruturam espaccedilos de reorganizaccedilatildeo e soluccedilatildeo de problemas que
contribuem para uma melhora efetiva por meio da compreensatildeo do sujeito em sua forma
proacutepria de organizar a vida e seu universo simboacutelico
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O projeto de Acompanhamento Farmacoterapecircutico (AFT) em Sauacutede Mental nos Centros
Municipais de Sauacutede (CMS) e Cliacutenicas da Famiacutelia (CF) no municiacutepio do Rio de Janeiro visa a
melhora no serviccedilo prestado aos usuaacuterios envolvendo o mesmo em seu projeto terapecircutico
singular contribuindo para o sucesso terapecircutico e pessoal por meio de uma maior integraccedilatildeo
entre o profissional farmacecircutico e os profissionais da ESF (OLIVEIRA SILVA DIAS
2014)
62 Anaacutelise das entrevistas
Consideraccedilotildees introdutoacuterias
As entrevistas foram transcritas obedecendo ao seguinte esquema de transcriccedilatildeo
1) o uso de reticecircncias entre parecircnteses () para demarcar uma pausa longa
2) o sublinhado para ecircnfase e MAIUacuteSCULAS para muita ecircnfase
3) o siacutembolo igual = para sinalizar que natildeo houve pausa na fala
4) o siacutembolo barra foi usado para demonstrar falas justapostas
5) o termo entrevistadora foi identificado pela letra e minuacutescula
6) os profissionais entrevistados (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes enfermeiros
teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede) foram identificados por nomes
fictiacutecios
As anaacutelises das entrevistas tal como proposta na AD incluiacuteram a discussatildeo de cada
uma das formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela triangulaccedilatildeo do que
foi dito pelos entrevistados da teoria que fundamentou o texto e das minhas consideraccedilotildees
sobre o tema estudado Assim me reportarei agraves falas dos entrevistados com intuito de
apreender seus significados e produzir deslizamentos de sentido
Nesse processo de anaacutelise identifiquei os NUacuteCLEOS DISCURSIVOS
SIGNIFICANTES no qual articulamos simultaneamente ao todo e as singularidades das falas
de onde emergiram os GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais) compreensatildeo e
percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental e manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mental
Os nuacutecleos discursivos significantes que foram a essecircncia das anaacutelises constituiacuteram as
formaccedilotildees discursivas tal como descritas por Foucault (1970) Segundo o autor haacute processos
internos de controle do discurso que se datildeo a tiacutetulo de princiacutepios de classificaccedilatildeo de
ordenaccedilatildeo de distribuiccedilatildeo visando domesticar a dimensatildeo de acontecimento e de acaso do
discurso normatizando-o Em noccedilotildees como as de comentaacuterio de disciplina e na de autor
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pode-se observar tal controle ldquoEssas noccedilotildees tem um papel multiplicador mas tecircm tambeacutem
funccedilatildeo restritiva e coercitivardquo (ORLANDI 2015 p73)
Foram realizadas vinte e quatro (24) entrevistas sendo que duas (02) foram
descartadas por natildeo se incluiacuterem nos criteacuterios de inclusatildeo o que reduziu o total de entrevistas
analisadas para vinte e duas (22) a saber nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5)
meacutedicos residentes trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos
preceptores
De acordo com os profissionais entrevistados identifiquei 05 (cinco) niacuteveis de
discurso meacutedicos receptores meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e
agentes comunitaacuterios de sauacutede estes uacuteltimos por ser constituiacuterem uma categoria situada
entre a comunidade e os profissionais de sauacutede possuem um olhar diferenciado sobre o
processo sauacutede-doenccedila natildeo marcado pelo saber biomeacutedico o que pocircde ser verificado na
anaacutelise das entrevistas
Por serem as entrevistas semi-estruturadas apresento de iniacutecio os resultados das
questotildees relacionadas agraves perguntas fechadas caracterizando nuacutemero de profissionais
entrevistados sexo idade estado ciacutevel naturalidade formaccedilatildeo profissional tempo de
formaccedilatildeo tempo de atuaccedilatildeo na ESF e treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede
mental conforme descrito a seguir
Meacutedicos preceptores (02 - Abel e Bartolomeu) ambos do sexo masculino com
idade entre 28 e 36 anos estado civil - (01) casado e (01) solteiro ambos naturais do Rio de
Janeiro e com especializaccedilatildeo em Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) tempo de formaccedilatildeo de 4 e 10 anos e tempo
de atuaccedilatildeo na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia de 3 a 8 anos e 6 meses Relataram treinamento
especifico para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental seja por cursos como o Babel ou
durante a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade Ressalto que (01) meacutedico
preceptor declarou que atua na CF estudada desde a sua inauguraccedilatildeo tambeacutem declarou ser um
colaborador na disciplina de formaccedilatildeo em sauacutede mental com discussatildeo de casos no Programa
da Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro
Meacutedicos residentes (05 - Acaacutecio Betino Braacuteulio Cesaacuterio e Accedilucena) idade
entre 27 e 29 anos (04) sexo masculino e (1) do sexo feminino estado civil todos (05)
solteiros naturalidade (01) Rio de Janeiro (01) Satildeo Paulo (01) Goiaacutes (01) Minas Gerais e
(01) Macapaacute o que deu um panorama de como a Residecircncia de MFC da Prefeitura do Rio de
Janeiro estaacute sendo procurada por meacutedicos de outros estados O tempo de formaccedilatildeo destes
meacutedicos variou de 1 ano e 8 meses a 4 anos Apenas (01) entrevistado declarou jaacute ter uma
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especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia com duraccedilatildeo de 12 meses que inclusive o motivou a
buscar a residecircncia em MFC Os outros (04) meacutedicos residentes declararam estar em processo
formativo O tempo de atuaccedilatildeo na ESF variou de 1 ano e 6 meses a 4 anos pois (03)
entrevistados informaram que jaacute tinham trabalhado na ESF como primeiro emprego depois de
formado antes de iniciar o curso de residecircncia (03) meacutedicos residentes declaram que estavam
tendo durante o curso de residecircncia aulas e matriciamento para lidar com as questotildees de sauacutede
mental (01) informou que estava tendo parcialmente no Curso de Residecircncia e (01) declarou
que oficialmente natildeo teve nenhum treinamento em sauacutede mental mas que durante a sua
graduaccedilatildeo por iniciativa proacutepria procurou estaacutegio em sauacutede mental na rede extra-hospitalar
(CAPS em suas modalidades adulto infantil e aacutelcool e drogas)
Enfermeiros (03 - Aacutedila Clemecircncia Claudemiro) idade entre 27 e 40 anos (02)
sexo feminino e (01) sexo masculino estado civil (01) casado e (02) solteiros (02) naturais do
Rio de Janeiro e (01) Santa Catarina estado civil (01) casado e (02) solteiros O tempo de
formaccedilatildeo variou entre de 3 anos e 6 meses a 8 anos Apenas (01) entrevistada informou ter
residecircncia em Medicina de Famiacutelia os outros dois (01) tem poacutes-graduaccedilatildeo em Terapia
Intensiva e Enfermagem do Trabalho e (01) em Promoccedilatildeo da Sauacutede O tempo de atuaccedilatildeo na
ESF variou entre 3 anos e 6 meses a 6 anos sendo que uma entrevistada estava na CF
estudada desde a sua inauguraccedilatildeo (02) entrevistados declararam jaacute ter tido treinamento para
lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos fizeram o curso BABEL que agrave eacutepoca foi uma
parceria entre a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Prefeitura do Rio de
Janeiro e (01) informou natildeo ter tido nenhum treinamento Ressalto que (01) profissional
informou ser morador da aacuterea onde trabalha
Teacutecnicos de enfermagem (03 - Daacutercio Eliseu e Felismina) idade entre 33 e 36
anos (02) sexo masculino e (01) do sexo feminino estado civil (02) solteiros e (01) casado
todos (03) naturais do Rio de Janeiro O tempo de formaccedilatildeo variou entre 2 anos e 6 meses a
10 anos O tempo de atuaccedilatildeo na ESF entre 2 anos e 6 meses a 5 anos (02) destes profissionais
informaram jaacute terem tido treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos
citaram o Curso Caminhos do Cuidado parceria da Fiocruz (RJ) por meio do Instituto de
Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo Cientiacutefica e Tecnoloacutegica (ICICT) do Grupo Hospitalar
Conceiccedilatildeo (RS) da Rede de Escolas Teacutecnicas do SUS e do Ministeacuterio da Sauacutede e (01)
declarou natildeo ter tido nenhuma treinamento Aqui tambeacutem cabe informar que todos (03)
teacutecnicos de enfermagem declaram serem moradores da aacuterea onde trabalham
Agentes comunitaacuterios de sauacutede (09 - Geneacutesia Heda Hebe Iana Jacobina
Kiara Lana Marcilene e Nateacutercia) sendo todos do sexo feminino idades entre 26 e 40
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anos (05) casadas e (04) solteiras (06) naturais do Rio de Janeiro (01) Paraiacuteba (01)
Maranhatildeo e (01)Minas Gerais tempo de formaccedilatildeo entre 1 ano e 6 meses a 6 anos e tempo de
atuaccedilatildeo na ESF entre 1 ano e 5 meses a 6 anos (08) relataram treinamento para lidar com as
questotildees de Sauacutede mental como apoio dos meacutedicos da Cliacutenica da Famiacutelia e do NASF cursos
como ldquoCaminhos do Cuidadordquo e ldquoReduccedilatildeo de Danosrdquo assim como outros cursos e
capacitaccedilotildees pelo proacuteprio serviccedilo via OTICS - rede criada a partir da expansatildeo da APS que
proporciona todo um suporte fiacutesico e tecnoloacutegico como auditoacuterios bibliotecas laboratoacuterios de
informaacutetica para qualificaccedilatildeo de profissionais e para avaliaccedilatildeo de indicadores da APS
(RJSMSDC 2012) Participaram tambeacutem de algumas palestras Elogiaram muito o curso
ldquoCaminhos do Cuidadordquo
A motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF para os profissionais de niacutevel superior preceptores
meacutedicos residentes meacutedicos e enfermeiros apareceu como uma alternativa ao modelo
biomeacutedico tradicional como podemos observar nas falas
Esse trabalho eacute realmente mais efetivo do que aquilo que a gente vinha aprendendo
na faculdade aquela coisa da hiperespecializaccedilatildeo (Acaacutecio)
Gosto muito de ter esse olhar mais ampliado natildeo soacute para o indiviacuteduo mas para a
famiacutelia (Bartolomeu)
Principalmente a enfermagem () acho que tem um campo de atuaccedilatildeo bem amplo ()
a gente natildeo fica soacute restrito ao cuidado no sentido de como eacute no hospital cuidar do paciente
administrar medicamento fazer rotina () acaba que eacute bem mais complexo porque tem que
entender de tudo natildeo deixa a gente cair na rotina e a gente estaacute cada vez mais aprendendo
(Claudemiro)
Enquanto que para os teacutecnicos de enfermagem e ACSs as motivaccedilotildees foram a
oportunidade de emprego e a ajuda ao proacuteximo com a oportunidade de fazer algo pela
vizinhanccedila e pela Comunidade todos satildeo moradores da comunidade como eles mesmos
denominaram
Sou cria da comunidade a gente taacute sempre querendo ajudar o proacuteximo (Daacutercio)
Foi meu primeiro emprego na aacuterea da sauacutede (Felismina)
Uma oportunidade eu natildeo estava trabalhandoestou na minha comunidade conheccedilo
muita gente e achei que iria conseguir fazer alguma coisa boa (Geneacutesia)
Eu moro na comunidade eu vou conhecer meus vizinhos e vou poder trabalhar com
eles (Heda)
Eu estava desempregada uma oportunidade de trabalhar dentro da comunidade
(Hebe)
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Em relaccedilatildeo as entrevistas abertas aprofundadas com perguntas disparadoras que tiveram
como objetivo estimular o entrevistado a falar sobre seu trabalho na ESF e o que considera
como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea e livre os pontos relevantes dessas
perguntas foram 1 Motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF 2 Caracteriacutesticas do trabalho na ESF
3 Importacircncia da ESF no sistema de sauacutede 4 O que entende como lida e maneja os ldquocasosrdquo
de sauacutede mental e 5 Recomendaccedilotildees para melhorar a atenccedilatildeo na ESF e a atenccedilatildeo em sauacutede
mental na ESF
As entrevistas transcorreram com tranquilidade no proacuteprio serviccedilo sempre durante o
seu horaacuterio de funcionamento Os meacutedicos residentes foram os primeiros a manifestarem
interesse em participar do estudo seguidos pelos meacutedicos preceptores enfermeiros e teacutecnicos
de enfermagem Jaacute os ACSs manifestaram resistecircncia em participar do estudo com
expressotildees como eu natildeo gosto muito de falar natildeo sei falar Enquanto pesquisadora tentei ao
maacuteximo minimizar essa resistecircncia mas deixando-os bem agrave vontade a participarem ou natildeo do
estudo Frisando sempre a importacircncia da pesquisa da participaccedilatildeo deles que era voluntaacuteria e
a garantia do anonimato Mas dos (18) ACSs lotados na Unidade pesquisada somente (09)
aceitaram participar do estudo
Durante a minha estada no serviccedilo por aproximadamente quatro (4) meses transitei
livremente participei das reuniotildees semanais de cada equipe ateacute mesmo para apresentar o
projeto de pesquisa conhecer os integrantes de cada equipe e a dinacircmica de trabalho na ESF
Esse foi um periacuteodo muito enriquecedor antes da realizaccedilatildeo das entrevistas Procurei agendar
as entrevistas durante essas reuniotildees de equipe com os profissionais interessados colocando-
me agrave disposiccedilatildeo do horaacuterio dos mesmos para natildeo interferir no cotidiano do serviccedilo
Eacute importante dizer que desde a primeira visita todos os profissionais da unidade foram
muito receptivos ao estudo desde da gerente ao pessoal administrativo e de apoio Alguns
trabalhadores declararam entender a temaacutetica dessa pesquisa como deveras importante para o
momento atual de expansatildeo da capilaridade das accedilotildees de sauacutede por meio da ESF nos
territoacuterios incluindo as accedilotildees de sauacutede mental Muitos profissionais se dirigiram gentilmente
a mim e disseram que a pesquisa soacute podia ajudaacute-los pois tinham muitos ldquocasosrdquo de sauacutede
mental na sua aacuterea
Ressalto mais uma vez que a unidade estudada era campo de praacutetica para os meacutedicos
residentes de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de
Janeiro e eram esses residentes que estavam ligados diretamente agrave assistecircncia da populaccedilatildeo O
que lhe dar uma caracteriacutestica bem peculiar meacutedicos que estavam ali em formaccedilatildeo e com
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desejo de estarem nesse lugar mas eram temporaacuterios permaneciam por 2 (dois) anos tempo
de formaccedilatildeo do curso de residecircncia
Segundo Justino Oliver e Melo (2016) a reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Rio
de Janeiro pode ser vista como indutora do Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e
Comunidade na cidade uma vez que gerou diferentes necessidades de melhoria na rede
(unidades de sauacutede mais bem equipadas informatizadas mais recursos em terapecircutica e
diagnoacutestico) e mais profissionais meacutedicos qualificados para este niacutevel de atenccedilatildeo agrave sauacutede
Ainda de acordo com esses autores em 2011 a Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de
Janeiro a fim de contribuir com a oferta de maior nuacutemero de especialista em Medicina de
Famiacutelia e Comunidade e fixar profissionais para trabalhar nas diversas Cliacutenicas da Famiacutelia em
expansatildeo criou o seu proacuteprio programa de residecircncia na aacuterea Aleacutem de criar outros
incentivos inclusive financeiros - maior remuneraccedilatildeo para os residentes e profissionais jaacute
formados no proacuteprio curso
Poucos profissionais pareceram ansiosos com a possibilidade de serem entrevistados
Perguntaram quanto tempo durava a entrevista e se poderiam saber de antematildeo qual seria o
ldquoroteirordquo de perguntas A maioria construiu comigo um clima amistoso de conversa que
costumava se iniciar quase informalmente durante as reuniotildees de equipe
As entrevistas foram realizadas na sala de reuniatildeo da unidade colocada a minha
disposiccedilatildeo Aconteceram pequenas interrupccedilotildees por parte de outros membros da equipe
contudo natildeo as considerei prejudiciais para o desenvolvimento da entrevista Algumas
entrevistas no entanto foram realizadas nos consultoacuterios das equipes tambeacutem respeitando a
preferecircncia de cada profissional e com razoaacutevel privacidade Natildeo houve interrupccedilotildees
importantes como por exemplo ter que parar a entrevista e fazer em outro momento devido
a uma demanda qualquer do serviccedilo ou do entrevistado Pelo contraacuterio os entrevistados se
mostraram muito tranquilos em relaccedilatildeo ao tempo disponiacutevel
Apenas uma entrevista teve a duraccedilatildeo de aproximadamente 1 hora e seis minutos Foi
a realizada com um meacutedico preceptor que atuava na unidade estudada desde a sua fundaccedilatildeo
Primeiro como meacutedico de famiacutelia de uma equipe portanto ligado diretamente agrave assistecircncia e
na eacutepoca da coleta de dados como preceptor dos residentes e responsaacutevel meacutedico da unidade
com uma funccedilatildeo mais gerencial e administrativa como ele mesmo apontou durante a
entrevista Jaacute a entrevista mais breve durou um pouco mais de 12 minutos e foi com um
teacutecnico de enfermagem
As perguntas foram compreendidas com certa facilidade mas as respostas que
demandavam explicitar a motivaccedilatildeo de trabalhar na ESF e a conceituaccedilatildeo sobre ldquocasosrdquo de
88
sauacutede mental demoraram mais tempo para serem respondidas Tal demora talvez tenha sido
acompanhada de inseguranccedila por parte dos entrevistados em alguns casos pontuais Chamou
atenccedilatildeo o fato de quando questionados sobre se gostariam de acrescentar algo que natildeo foi
perguntado alguns profissionais responderam que a sauacutede mental eacute um tema difiacutecil e que eles
tinham muita dificuldade em lidar com esses ldquocasosrdquo embora pudessem contar com o apoio
do NASF Mesmo assim todos os entrevistados demonstraram muito interesse pelo tema o
que me pareceu ser um assunto candente entre eles Ao final das entrevistas alguns
agradeceram por poder participar do estudo e senti como se falar sobre o tema tivesse sido
mais um pedido de auxiliosuporte para lidar com esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois a
palavra capacitaccedilatildeo foi muito usada como sugestatildeo para melhoria da Sauacutede Mental na
Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
89
621 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Preceptores
Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Meacutedicos Preceptores
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTE
Sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no
funcionamento familiar e social algum tipo de
transtorno dependecircncia seja a cigarro especialmente
aacutelcool e drogas
Todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e todo
paciente pode ser muito complexo por menor que seja o
problema dele soacute depende muito do meacutedico de quanto o
meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida dele
O encaminhamento inicialmente eacute com a gente mesmo
Transtorno mental comum (transtorno de ansiedade
depressatildeo somatizaccedilatildeo) eu natildeo referencio para o
psiquiatra jaacute fiz isso natildeo faccedilo mais Transtorno mental
grave (transtorno psicoacutetico) e transtorno mental em
crianccedila eu referencio e a intervenccedilatildeo eacute
multidimensional envolve medicamento grupos em
sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com
assistente social agente de sauacutede cuidado com equipe
matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui ou no
CAPS
Cliacutenica centrada na pessoa a gente aborda muito a
escuta ativa numa fase inicial uma primeira tentativa de
abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo
ser medicamentosa
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Formaccedilatildeo experiecircncia no campo da sauacutede mental
Mais equipamentos mais CAPS diminuiccedilatildeo do nuacutemero de usuaacuterios por equipe capacitaccedilotildees
90
Ambos os meacutedicos preceptores relataram que fazer a especializaccedilatildeo em Medicina de
Famiacutelia e Comunidade natildeo foi a primeira opccedilatildeo em suas respectivas carreiras profissionais
Um preceptor contou que natildeo teve contato com APS na sua graduaccedilatildeo (agrave eacutepoca era muito
incipiente) portanto natildeo conheceu a especialidade durante a sua formaccedilatildeo acadecircmica Soacute
depois de formado veio a ter contato com a especialidade em um Congresso da Associaccedilatildeo
Brasileira de Medicina de Famiacutelia Mas que foi fazer a residecircncia na aacuterea porque o soldo era
maior E que hoje eacute uma coisa que o apaixona - poderia conversar mais umas duas ou trecircs
horas no miacutenimo ou ateacute eu sentir fome e sede (risos) e essa aacuterea eacute como o vinho com o tempo
vai ficando muito melhor (Abel)
O outro narrou que natildeo passou na residecircncia escolhida como primeira opccedilatildeo comeccedilou
entatildeo a trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia gostou muito do ambiente surgiu a
oportunidade de fazer a prova de residecircncia para o local onde estava trabalhando fez passou
e o que a princiacutepio era um teste para saber se ia se adaptar foi se apaixonando e hoje tem a
sauacutede da famiacutelia como a possibilidade de ter um olhar mais ampliado do indiviacuteduo e sua
famiacutelia Mencionou tambeacutem que trabalhar na aacuterea possibilita ter final de semana ter feriados
ou seja ter uma vida um pouquinho melhor planejada do que muitos meacutedicos hoje em dia
costumam ter por aiacute (Bartolomeu)
Em ambos os discursos apareceu o apaixonamento pela Medicina de Famiacutelia e
Comunidade pude observar durante o periacuteodo do campo que para trabalhar na aacuterea parece
requerer dos profissionais principalmente para o meacutedico e preceptor uma certa afinidade em
querer conhecer o cotidiano e a vida das pessoas natildeo soacute a sua queixa de sauacutede ou sintoma O
que me pareceu exigir menos objetividade cientiacutefica e mais empatia com o outro
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental
Em relaccedilatildeo ao guia para anaacutelise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mentalrsquo os meacutedicos preceptores expressaram perspectivas diferentes uma mais holiacutestica
sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no funcionamento social e familiar outra
mais difusa todo caso pode ser um caso de sauacutede mental O primeiro discurso caracteriza
uma linguagem mais objetiva teacutecnica e qualificada profissionalmente com uma visatildeo integral
do processo sauacutede-doenccedila o que aponta tambeacutem para um conhecimento mais especifico no
campo da APS
Essa interferecircncia agraves vezes pode ser muito grave a ponto da pessoa natildeo conseguir se
relacionar com a famiacutelia ou ter alguma situaccedilatildeo de violecircncia domeacutestica fiacutesica ou
91
psicoloacutegica seja na crianccedila na matildee no adulto em qualquer indiviacuteduo da famiacutelia ou algum
tipo de situaccedilatildeo familiar que resulte em dependecircncia seja a cigarro especialmente aacutelcool e
drogas ou algum tipo de prejuiacutezo e dificuldade na formaccedilatildeo escolar da crianccedila ou de jovens
adultos aonde isso acontece certamente eacute a ponta do iceberg de algum tipo de transtorno
menta (Abel)
Nesse primeiro discurso podemos observar uma noccedilatildeo voltada para o modo
psicossocial quando nomeia o ldquocasordquo de sauacutede mental como sofrimento psiacutequico esse modo
de atenccedilatildeo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua ldquoexistecircncia-sofrimentordquo (Costa-
Rosa 2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia subjetiva e assim como na
Medicina de Famiacutelia considera a pessoa seu grupo familiar e social A razatildeo disso estaacute em
entender que o sofrimento psiacutequico natildeo eacute um fenocircmeno soacute individual mas tambeacutem social e
como tal deve ser pensado Dessa maneira as formas de participaccedilatildeo da famiacutelia e da rede de
apoio social superam as posturas assistencial e orientadora caracteriacutesticas do modo asilar
(COSTA-ROSA 2000)
A nomenclatura ldquopessoa em sofrimento psiacutequicordquo ressurge a partir da publicaccedilatildeo do
relatoacuterio final da IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM) em julho de 2010 apoacutes
um levantamento de quais categorias haviam sido utilizadas nas CNSM anteriores para
denominar o indiviacuteduo em situaccedilatildeo de sofrimento Brasil (2010 p144) Ateacute o ano de 2010
foram realizadas quatro conferecircncias respectivamente em 1987 1992 2001 e 2010 Tendo
sido encontrada uma multiplicidade de categorias relativas ao adoecimentosofrimento agraves
terapecircuticas e locais de tratamento O uso da categoria ldquosofrimento psiacutequicordquo por Abel
portanto demonstra um conhecimento mais ampliado e integrado em sauacutede trazendo para o
centro da cena o sujeito e seu sofrimento natildeo a sua doenccedila
Abel durante sua entrevista explica que entende transtorno diferente de sofrimento tal
como vocecircs claro da sauacutede mental Transtorno para ele eacute o sofrimento continuado crocircnico
ou natildeo mas que gera prejuiacutezo funcional e familiar que depende do grau da gravidade do
histoacuterico Jaacute o sofrimento na perspectiva de Abel estaacute presente em qualquer populaccedilatildeo do
planeta sendo natural ao ser humano diferentes tipos de cultura teratildeo diferentes tipos de
sofrimento
Ao concluir Abel ressalta que na sua opiniatildeo principalmente para o jovem meacutedico e o
jovem enfermeiro eacute difiacutecil diferenciar sofrimento de transtorno pois natildeo tiveram uma
formaccedilatildeo para isso e agraves vezes colocam um pouco do seu proacuteprio sofrimento Resultando
durante o atendimento numa detecccedilatildeo precoce de algum transtorno quando na verdade o
indiviacuteduo pode estar passando por algum momento de ajustamento na vida O fundamental
92
para meacutedico de famiacutelia e toda sua equipe segundo a cartilha de serviccedilos da APS da Prefeitura
do Rio de Janeiro sobre as accedilotildees de sauacutede mental eacute ldquoatentar para a dimensatildeo do sofrimento
psiacutequico que pode estar presente nos mais diversos processos de adoecimento tais como
hipertensatildeo diabetes tuberculose HIVAIDSrdquo (RIO DE JANEIRO 2016 p76)
Nomear algo que acontece com o outro ou consigo mesmo como sofrimento natildeo eacute
apenas um ato individual do lugar de profissional ou de usuaacuterio Nesse sentido as formas de
nomeaccedilatildeo natildeo satildeo naturais e nem simplesmente emergem de um indiviacuteduo de forma isolada
Todas as formas de nomeaccedilatildeo satildeo apreendidas socialmente bem como as formas de nomear o
cuidado a dor o adoecimento a sauacutede e outras experiecircncias de vida Em particular em
relaccedilatildeo ao sofrimento e a dor Sarti (2001) afirma
A dor como o amor remete a uma experiecircncia radicalmente subjetiva
Aquele que sente a dor dela diz eu eacute que sei Frente agrave dor do outro
haacute comoccedilatildeo sofrimento (ou mesmo gozo) com maior ou menor
distacircncia e intensidade Embora singular para quem sente a dor como
qualquer experiecircncia humana traz a possibilidade de ser
compartilhada em seu significado que eacute uma realidade coletiva
(embora jamais possamos nos assegurar de que o que atribuiacutemos ao
outro corresponda exatamente ao que ele atribui a si mesmo) Assim
dizemos que entendemos a dor do outro (SARTI 2001 p4)
A percepccedilatildeo de caso de sauacutede mental no discurso de Abel foge um pouco do modelo
biomeacutedico como podemos observar trazendo a ideacuteia de sofrimento e suas repercussotildees nos
contextos familiar e social apontando para novas possibilidades de modificaccedilatildeo e
qualificaccedilatildeo das condiccedilotildees e dos modos de vida orientando-se pela produccedilatildeo de vida e sauacutede
e natildeo se restringindo agrave cura de doenccedilas Brasil (2013) Embora a categoria transtorno mental
tenha aparecido nesse discurso remetendo ao modelo biomeacutedico observei um certo cuidado
ao ser contextualizada e explicada a diferenccedila entre transtorno e sofrimento
O termo ldquotranstorno mentalrdquo oriunda do modelo biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um
objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais Amarante (1996) e classifica-a em
inuacutemeras categorias como podemos observar no CID-10 e mais recentemente no DSM-V Ao
modo do alienista ou do botacircnico ou mesmo da atual nosologia psiquiaacutetrica identificar e
classificar a entidade moacuterbida para o profissional meacutedico parece ser suficiente para
estabelecer a terapecircutica e o encaminhamento a ser feito (LAPLANTINE 2004)
93
No CID-10 o termo ldquotranstornordquo eacute usado por toda a classificaccedilatildeo de forma a evitar
problemas ainda maiores inerentes ao uso de termos como ldquodoenccedilardquo ou ldquoenfermidaderdquo
ldquoTranstornordquo natildeo eacute um termo exato poreacutem no CID-10 eacute usado para indicar a existecircncia de um
conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconheciacuteveis associados na maioria
dos casos a sofrimento e interferecircncia com funccedilotildees pessoais Desvio ou conflito social
sozinho sem disfunccedilatildeo pessoal natildeo deve ser incluiacutedo em transtorno mental como definido
no CID-10
Abel tambeacutem identifica dependecircncia a cigarro especialmente aacutelcool e drogas como
ldquocasordquo de sauacutede mental O debate sobre o consumo das mais diversas drogas pela humanidade
eacute complexo e de maneira nenhuma seraacute simplificado aqui Mas para ldquocompreender por que
alguns humanos mais humanos do que outros tem problemas com o uso de drogas eacute preciso
revelar as condiccedilotildees individuais e sociais dessa incorporaccedilatildeordquo Garcia (2016 p 11) Nesse
processo de revelaccedilatildeo a questatildeo da escuta eacute primordial
Segundo Lancetti (2013 p36) ldquotodo sujeito dialoga com um interlocutor invisiacutevelrdquo
citando o etnopsiquiatra Tobie Nathan seguidor de Devereux que afirmava que mais que
noventa por cento do sofrimento psiacutequico eacute atendido pelo que ele chama de pensamento negro
(pajeacutes pastores padres) e soacute dez por cento ou menos pelo pensamento branco Sua
afirmaccedilatildeo tambeacutem era de que a consulta psiquiaacutetrica ou psicologia eacute um combate
epistemoloacutegico ndash um dizendo que eacute um trabalho de macumba e o outro que eacute uma psicose
paranoica Por isso a importacircncia de ldquotransitar por esses territoacuterios existenciaisrdquo para adesatildeo
ao programa elaborado para cada famiacutelia (LANCETTI 2013 p36)
Jaacute no discurso de Bartolomeu todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e que soacute
depende muito do meacutedico de quanto o meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida
dele o que pode produzir trecircs interpretaccedilotildees discursivas 1) uma dificuldade de identificar os
ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois essa colocaccedilatildeo do entrevistado traz a ideia de que ateacute as
questotildees da vida cotidiana podem ser psiquiatrizadas 2) aquilo que eacute denominado doenccedila na
maioria das vezes existe na ldquociecircncia do meacutedicordquo antes de existir na ldquoconsciecircncia do homemrdquo
Canguilhem (2015) e 3) como o proacuteprio entrevistado relatou a abordagem psicossocial da
Medicina de Famiacutelia
Na primeira interpretaccedilatildeo com a expansatildeo das capilaridades das accedilotildees de sauacutede por
meio da ESF no territoacuterio temos que estar atentos como nos alerta Amarante (2007 p 95)
para medicalizaccedilatildeo do social ou seja tornar lsquomeacutedicorsquo aquilo que eacute da ordem do social ou
econocircmico ou poliacutetico Ou seja ldquoo termo estaacute relacionado agrave possibilidade de fazer com que as
94
pessoas sintam que os seus problemas satildeo problemas de sauacutede e natildeo proacuteprios da vida
humanardquo
Na segunda interpretaccedilatildeo a doenccedila natildeo deixaria de existir ou de se manifestar de
alguma maneira porque natildeo existe na consciecircncia do homem mas a perspectiva do doente do
que seja ou natildeo doenccedila ou do que seja normal ou patoloacutegico fica fora das consideraccedilotildees do
conhecimento biomeacutedico principalmente das praacuteticas de cuidado dos profissionais da sauacutede
que em geral natildeo incluem o saber do doente Esse saber na maioria das vezes eacute colocado
em segundo plano pois o que se busca eacute a objetividade da doenccedila expressa pelos seus
sintomas e sinais fiacutesicos e se possiacutevel pela conformaccedilatildeo anatomopatoloacutegica daiacute a
importacircncia do meacutedico Canguilhem (2015 p69) a respeito dessa busca da correspondecircncia
entre doenccedila e lesatildeo recupera um argumento de Leacuteriche (1879-1955) para problematizar a
ldquodoenccedila do doenterdquo
Aos que identificam doenccedila com lesatildeo Leacuteriche objeta que o fato
anatocircmico deve ser considerado na realidade como segundo e
secundaacuterio segundo por ser produzido por um desvio originalmente
funcional na vida dos tecidos secundaacuterio por ser apenas um elemento
da doenccedila e natildeo o elemento dominante (CANGUILHEM 2015 p69)
Com isso Canguilhem (2015) aponta que a doenccedila anatocircmica vista pelo meacutedico natildeo eacute
a mesma vista pelo doente A partir das ideias de Leacuteriche Canguilhem problematiza a natildeo
validaccedilatildeo da opiniatildeo da pessoa sobre sua doenccedila que em geral ocorria na aplicaccedilatildeo da ciecircncia
dos meacutedicos Essa ciecircncia constituiu-se em parte por um conjunto de informaccedilotildees clinicas
recolhidas ao longo da praacutetica dos meacutedicos Esses relatos se constituiacuteram na cultura meacutedica
que passava de meacutedico para meacutedico e que devido ao acuacutemulo desse conhecimento
possibilitava ao meacutedico se adiantar ao relato do paciente sobre a sua doenccedila No entanto
conclui o autor ldquoa medicina existe porque haacute homens que se sentem doentes e natildeo porque
existem meacutedicos que os informam de suas doenccedilasrdquo (CANGUILHEM 2015 p 69)
Se por um lado o argumento exposto acima poderia ser contraposto a afirmaccedilatildeo de
que haacute doenccedilas que satildeo produzidas pela medicina a exemplo do erro de Charcot naquela
eacutepoca ou a questatildeo da patologizaccedilatildeo da vida cotidiana e a consequente medicalizaccedilatildeo do
sofrimento natildeo podemos deixar de considerar o argumento de Canguilhem a partir das
consideraccedilotildees de Leacuteriche de que primeiro existiu o doente antes mesmo de existir a doenccedila e
o meacutedico Amarante e Torre (2010) Foucault (2011) Serpa Juacutenior (sd) Todavia no cenaacuterio
95
atual da biomedicina e das praacuteticas em sauacutede o que se observa eacute que o discurso da pessoa
atendida em geral fica em uacuteltimo plano (CAMPOS 2013)
Jaacute na terceira alternativa na abordagem biopsicossocial que visa estudar a causa ou o
progresso de doenccedilas utilizando-se de fatores bioloacutegicos (geneacuteticos bioquiacutemicos etc)
fatores psicoloacutegicos (estado de humor de personalidade de comportamento etc) e fatores
sociais (culturais familiares socioeconocircmicos etc) que devem ser a abordagem do Meacutedico
de Famiacutelia A entidade doenccedila por si soacute eacute insatisfatoacuteria para entender o sofrimento da pessoa
que chega ao serviccedilo de sauacutede Portanto o meacutedico de famiacutelia deve considerar o usuaacuterio em
sua singularidade e inserccedilatildeo sociocultural buscando produzir uma atenccedilatildeo integral saindo do
modelo biologizante que apenas trata a doenccedila sem considerar o sujeito em sofrimento e todo
o seu entorno social cultural familiar (MOIRA STEWART et al 2010)
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Abel comeccedila seu discurso com a fala politicamente correta inicialmente eacute com a gente
mesmo demonstrando o princiacutepio da coordenaccedilatildeo do cuidado que recai na ESF Starfield
(2002) e de acordo com Lancetti (2013) o imperativo de resolver o maacuteximo de problemas na
regiatildeo evita o encaminhamento irresponsaacutevel dos profissionais e fundamentalmente aumenta
o grau de singularizaccedilatildeo da relaccedilatildeo equipeusuaacuterio No entanto observamos uma contradiccedilatildeo
nesse discurso quando Abel classifica os transtornos em transtorno mental comum
(transtorno de ansiedade depressatildeo somatizaccedilatildeo) transtorno mental grave (transtorno
psicoacutetico) e transtorno mental em crianccedila para diferenciar o que eacute acompanhado pela ESF e
o que eacute referenciado para outros serviccedilos Nesse caso o transtorno mental grave e o transtorno
mental em crianccedila satildeo referenciados para outros serviccedilos
De acordo com a atual poliacutetica puacuteblica de sauacutede mental o cuidado deve ser sempre
que necessaacuterio compartilhado com os demais serviccedilos da rede de sauacutede explorando-se ao
maacuteximo possiacutevel os recursos do territoacuterio com o objetivo de dar um passo a mais no
abandono da morada da psiquiatria e intensificar o status ontoloacutegico da cidadania sendo o
portador do transtorno ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicopatoloacutegicordquo Lancetti
(2013 p19) Tambeacutem encontramos outra contradiccedilatildeo em relaccedilatildeo ao encaminhamento dos
transtornos graves e em crianccedilas no discurso de Abel Pois ao relatar o encaminhamento natildeo
mencionou se a equipe de referecircncia continua com a responsabilidade compartilhada Natildeo
sendo possiacutevel portanto analisar como seria esse cuidado compartilhado com outros serviccedilos
No entanto Abel ao discorrer que a intervenccedilatildeo eacute multidimensional - envolve
medicamento grupos em sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com assistente
96
social agente de sauacutede cuidado com equipe matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui
ou no CAPS retomou sua visatildeo inicial do Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial pois centralizou a
dinacircmica do trabalho na equipe e nas possiacuteveis necessidades do usuaacuterio e natildeo na sua
demanda de doenccedila Na ESF assim como na Atenccedilatildeo Psicossocial no interstiacutecio da praacutexis se
reforccedila o conceito de cidadania portanto as pessoas devem ser atendidas por Direito e natildeo por
demanda de doenccedila (LANCETTI 2013)
No discurso de Bartolomeu identificamos o meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa e a
abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo ser medicamentosa Percebemos nessa
fala uma tentativa de justificar e explicar a sua formaccedilatildeo discursiva em relaccedilatildeo a sua
concepccedilatildeo de casos de sauacutede mental uma vez que a cliacutenica centrada na pessoa enfatiza a
experiecircncia com a doenccedila ou seja o modo singular como cada pessoa eacute afetada pela doenccedila
A esse respeito Moira Stewart et al (2010) informa que essa proposta de atendimento ndash
cliacutenica centrada na pessoa - pressupotildee vaacuterias mudanccedilas na mentalidade do meacutedico e dos
demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo hieraacuterquica de que o profissional
estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta nessa abordagem Para ser
centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a pessoa que estaacute sendo
atendida compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que
tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Esse eacute o imperativo moral do meacutetodo centrado
na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o profissional experimentaraacute os novos
direcionamentos que o relacionamento pode assumir quando o poder eacute compartilhado Manter
uma posiccedilatildeo sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento
humano que eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o
objetivo em um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)
O meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa possui seis componentes interativos que
formam um conjunto de orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem
mais centrada na pessoa Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo
entre a pessoa e o profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no
contexto no qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem facilitando
inclusive o ensino e a pesquisa Portanto no discurso de Bartolomeu tambeacutem eacute possiacutevel notar
a presenccedila de um conhecimento meacutedico mais especifico e direcionado ao ensino marcando a
fala do entrevistado enquanto preceptor meacutedico
Hoje eu atuo como preceptor aqui na Cliacutenica da Famiacutelia entatildeo a minha rotina
costuma ser diferente dos meacutedicos residentes eu fico na retaguarda
97
Ressalto que na funccedilatildeo de meacutedicos preceptores os entrevistados deixaram
transparecer uma preocupaccedilatildeo com a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade que
considere o usuaacuterio em seu contexto social e familiar Para Campos (2005) a realidade social
e cultural dos indiviacuteduos deve ser a referecircncia para o trabalho meacutedico na APS pois o esforccedilo
sistemaacutetico de enquadramento e classificaccedilatildeo dos usuaacuterios em quadros nosoloacutegicos pode ser
uma tarefa frustrante Os usuaacuterios se apresentam em sua mais completa dimensatildeo humana
porque estatildeo imersos em sua cultura contexto e ambiente trazendo para o Medicina de
Famiacutelia e Comunidade toda a dimensatildeo dos problemas desafios expectativas e conflitos que
se colocam no dia a dia
Aleacutem dos processos de adoecimento estes estatildeo sempre acompanhados de agravos
queixas vagas e incocircmodos mal definidos que desafiam a Medicina de Famiacutelia e Comunidade
a reconhecer semiologicamente os aspectos e dimensotildees biopsicossociais dos quadros que se
apresentam Haacute que se perceber que muitas queixas vagas padecimentos e carecimentos
trazidos satildeo um pretexto e um chamamento para que o profissional se aprofunde em um
conhecimento mais abrangente e integral dos processos de sauacutede e doenccedila (RODRIGUES
1998)
A abordagem familiar representa um desafio a mais Compreender a dinacircmica das
relaccedilotildees familiares impactando sobre a sauacutede e a doenccedila e suas formas de evoluccedilatildeo requer
uma aguccedilada capacidade de observaccedilatildeo e interaccedilatildeo Em sentido oposto o meacutedico de famiacutelia e
comunidade necessita avaliar o impacto da doenccedila na dinacircmica familiar e compreender os
muacuteltiplos impactos em termos de sofrimento e outras repercussotildees sobre as interaccedilotildees
familiares Os papeacuteis representados pelos membros da famiacutelia os equiliacutebrios e desequiliacutebrios
que se estabelecem no nuacutecleo familiar satildeo parte deste processo (CAMPOS 2005)
Recomendaccedilotildees
Em relaccedilatildeo as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF ambos
os discursos (Abel e Bartolomeu) trouxeram agrave tona a importacircncia da formaccedilatildeo e da educaccedilatildeo
continuada para exercer a contento as accedilotildees a serem desenvolvidas Pensando dessa forma
nos reportamos a Amarante (2007) quando destaca ser importante que as equipes recebam
apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia ndash NASF para conduzir os
casos de sauacutede mental de forma mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada
a partir da vivencia cotidiana dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias
profissionais para lidar com os problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento
98
psiacutequico e comprometer a resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA
2013)
Abel e Bartolomeu pontuaram tambeacutem a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de CAPS e demais
equipamentos substitutivos ao modelo manicomial O que sugere um conhecimento sobre a
Reforma Psiquiaacutetrica e a importacircncia do aumento do nuacutemero de dispositivos extramuros para
sua concretizaccedilatildeo com intervenccedilotildees voltadas para a comunidade sua cultura e menos
medicalizadora explorando tambeacutem os recursos do territoacuterio e trazendo para o centro da cena
o sujeito em sofrimento e sua famiacutelia
Quanto a recomendaccedilatildeo de diminuir o nuacutemero de usuaacuterio atendidos por equipe
mencionada por Bartolomeu a atual Poliacutetica Nacional da Atenccedilatildeo Baacutesica recomenda que
cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a meacutedia recomendada de
3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo Dessa forma o nuacutemero de
pessoas por equipe deve considerar o grau de vulnerabilidade das famiacutelias daquele territoacuterio
ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o nuacutemero de pessoas por
equipe (BRASIL 2012)
Na unidade campo do estudo o nuacutemero de usuaacuterio por equipe em ordem crescente era
de 2432 2763 e 3151 Considerando a aacuterea de cobertura do Morro Santa Marta territoacuterio
de alta vulnerabilidade e o bairro plano de classe meacutedia supostamente de baixa
complexidade o nuacutemero de usuaacuterios encontra-se dentro do recomendado pelo Ministeacuterio da
Sauacutede O que nos leva a seguinte reflexatildeo ldquoEacute possiacutevel que com a carga de doenccedilas e de
necessidades desses grupos populacionais o nuacutemero de famiacutelias sob responsabilidades de
cada equipe extrapole sua capacidade de respostardquo (FERRAZ e AERTS 2005 p353)
99
622 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Residentes
Figura 2 - Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Meacutedicos Residentes
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
algum grau de sofrimento psiacutequico com repercussatildeo
na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na
forma como ele se relaciona no trabalho na
comunidade
envolve alguma alteraccedilatildeo psiquiaacutetrica ou psicoloacutegica
qualquer tipo de sofrimento emocional psiacutequico ou
doenccedilas como esquizofrenia alucinaccedilotildees qualquer
usuaacuterio de drogas
tanto um transtorno de ansiedade mais leve com
prejuiacutezo funcional ou de insocircnia quanto sauacutede mental
mais grave como esquizofrenia e tambeacutem
alcoolismo uso de drogas iliacutecitas
qualquer sofrimento psiacutequico desde uma depressatildeo
profunda euforia agrave pessoa estaacute sentindo que natildeo estaacute
bem psicologicamente
pisando em ovos
soacute com a escuta ativa a gente consegue acompanhar eu natildeo
encaminho agora se for alguma outra situaccedilatildeo hoje a gente
consegue encaminhar por causa do NASF
primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas
abertas e deixo a pessoa falar aquilo que ela tem
necessidade de falar
geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o
paciente se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel em
tratar ou que eu ache que sei manejar bem
eu tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com
algum preceptor primeiro ou com a psicoacuteloga tento ver com
o agente comunitaacuterio colher melhor uma histoacuteria de vida
faccedilo um familiograma vejo como estaacute o ciclo vital
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Ampliar nuacutemero e a carga horaacuteria do NASF com maior tempo de psicologia e mais atividades de grupo
Ter uma rede mais integrada
Talvez ter mais investimento em CAPS
Ter mais cursos de formaccedilatildeo capacitaccedilatildeo melhor dos profissionais que trabalham na atenccedilatildeo primaacuteria
para alivio da sobrecarga do secundaacuterio e terciaacuterio e continuar a capacitaccedilatildeo nas interconsultas
Ter serviccedilo de terapia ocupacional mais fortalecido
ldquo
100
Durante as entrevistas pude observar o quanto satildeo latentes a busca pelo aprendizado e
a satisfaccedilatildeo do fazer cotidiano na sauacutede da famiacutelia para esses profissionais em formaccedilatildeo
como por exemplo nas falas
Na verdade tem uma questatildeo pessoal e uma coisa ideoloacutegica eu gosto muito de
ouvir as histoacuterias das pessoas e aiacute por eu acreditar nessa ideologia da atenccedilatildeo primaacuteria eu
resolvi fazer (Betino)
No uacuteltimo ano quase me formando no estaacutegio obrigatoacuterio do internato conheci a
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia que eu natildeo conhecia antes eu passei minha formaccedilatildeo toda
no hospital terciaacuterio de referecircncia vendo doenccedilas raras quando tive contato com a
realidade com o cotidiano com as doenccedilas mais comuns foi quando eu me senti realmente
meacutedica (Accedilucena)
Outro ponto de destaque que apareceu no iniacutecio da entrevista de Acaacutecio foi o eterno
dilema entre a Sauacutede Coletiva e a Cliacutenica Meacutedica Tradicional quando discorre sobre a reaccedilatildeo
de seus pais quando ele disse que faria a residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade
investimos tanto em vocecirc e vocecirc vai ser meacutedico de postinho
De um lado a Sauacutede Coletiva com sua visatildeo mais ampla sobre o processo sauacutede-
doenccedila considerando a determinaccedilatildeo social a intersetorialidade e a multidisplinaridade em
sauacutede na construccedilatildeo de mais qualidade de vida a toda populaccedilatildeo De outro a Cliacutenica Meacutedica
tradicional com sua visatildeo cartesiana sobre o adoecer A doenccedila do sujeito eacute o objeto de
estudo natildeo o sujeito da doenccedila Assim o que deve ser estudado e tratado eacute uacutenica e
exclusivamente a doenccedila e se alguma coisa natildeo foi bem eacute culpa do indiviacuteduo que natildeo seguiu a
terapecircutica prescrita Nesse modo de pensar em sauacutede o meacutedico eacute o detentor do conhecimento
e centraliza todo o atendimento supervalorizando o saber profissional especializado e
desvalorizando o saber do sujeito que adoece O que acaba gerando muita dependecircncia do
saber profissional e pouca autonomia do saber do sujeito sobre o seu processo de
adoecimento
No campo da Sauacutede Coletiva falar sobre cuidados primaacuterios em sauacutede eacute trazer a
importacircncia da promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo em sauacutede levando em consideraccedilatildeo o contexto social
econocircmico e cultural da populaccedilatildeo E a Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) eacute uma
especialidade clinica orientada para os cuidados primaacuterios ou seja
Satildeo meacutedicos pessoais principalmente responsaacuteveis pela prestaccedilatildeo de
cuidados abrangentes e continuados a todos os indiviacuteduos que os
procurem independentemente da idade sexo ou afecccedilatildeo Cuidam de
101
indiviacuteduos no contexto das suas famiacutelias comunidades e culturas
respeitando sempre a autonomia dos seus pacientesrdquo (WONCA 2002)
Embora a MFC tenha uma abordagem mais humanizada solidaacuteria e coletiva segundo
a Sociedade Brasileira de Medicina de Famiacutelia e Comunidade o reconhecimento dessa
especialidade em nosso paiacutes ainda natildeo tem o prestiacutegio e nem o meacuterito que faz jus devido a
diversos fatores De um lado tanto a sociedade quanto o coletivo meacutedico em geral continuam
categorizando-a como a ldquoMedicina dos pobresrdquo principalmente pelo modo como se deu a
implementaccedilatildeo do Programa de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil voltado primeiramente para aacutereas
de grande vulnerabilidade e risco social ndash ldquoum programa pobre para pobrerdquo Diferentes de
paiacuteses europeus e da Ameacuterica Central como Canadaacute onde o Meacutedico de Famiacutelia tem o
reconhecimento natildeo soacute de seus colegas especialistas como de toda a populaccedilatildeo independente
da classe social ao qual pertence (VICENTE et al 2012)
Nesses paiacuteses para a populaccedilatildeo o meacutedico de famiacutelia eacute o profissional de referecircncia para
qualquer problema de sauacutede uma vez que o sistema de sauacutede estaacute estruturado na Atenccedilatildeo
Primaacuteria agrave Sauacutede Aqui no Brasil ateacute o final dos anos 80 essa cultura do meacutedico de famiacutelia
era vista como apareceu na entrevista com os profissionais ldquomeacutedico de ricordquo pois era um
profissional caro e soacute quem podia pagar usufruiacutea dessa modalidade Com a implantaccedilatildeo do
Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e das Leis 808090 e 814290 a sauacutede passou a ser um
direito de todos e dever do Estado O que foi uma grande conquista de cidadania Um sistema
de sauacutede universal exigiu rever outras formas de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em sauacutede Saindo de
um modelo centrado no hospital e nas doenccedilas para outro centrado nas comunidades e nas
pessoas
Por outro lado temos a super valorizaccedilatildeo das especialidades com atrativa oferta do
mercado privado que atrai os meacutedicos especialistas com grande rentabilidade e prestiacutegio
social Este modelo tem claras repercussotildees negativas para o sistema de sauacutede e para a
sociedade porque oferece uma atenccedilatildeo fragmentada sem coordenaccedilatildeo entre niacuteveis de
assistecircncia o que potencializa a polimedicaccedilatildeo e a iatrogenia para uma populaccedilatildeo cada vez
mais envelhecida com problemas mais complexos e com maior necessidade de coordenaccedilatildeo
do cuidado (JUSTINO OLIVER MELO 2016 e MENDES 2012)
Mais um ponto marcante no discurso dos meacutedicos residentes foi em relaccedilatildeo a carga
horaacuteria da residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade surgiu uma queixa-denuacutencia de
que a carga horaacuteria praacutetica eacute muito grande ou seja o tempo que permanecem na CF eacute muito
extenso e que gostariam de ter mais tempo para se dedicarem a carga horaacuteria teoacuterica ou seja
102
para estudar mais a teoria dos casos interessantes atendidos como apontado nos discursos
abaixo
Aqui eacute uma formaccedilatildeo acadecircmica tambeacutem muito voltada para o treinamento em
serviccedilo de matildeo-de-obra mesmo gostaria de ter uma tranquilidade de trabalho para meu
aperfeiccediloamento apesar da carga horaacuteria natildeo facilitar isso natildeo me permitir isso aqui a
gente tem uma carga horaacuteria que cobre cerca de sessenta horas semanais mesmo (Accedilucena)
Eu tenho uma agenda padratildeo que eu trabalho de segunda agrave sexta de oito agraves oito uma
hora pra almoccedilo (Cesaacuterio)
Apareceram tambeacutem queixas relativas a sobrecarga de atendimentos diaacuterios aleacutem da
agenda programada (consultas dos programas do Ministeacuterio da Sauacutede diabetes hipertensatildeo
sauacutede da crianccedila etc) atendiam agrave demanda livre (pessoas que procuram a unidade por algum
problema de sauacutede mais agudo sem agendamento) Embora o enfermeiro tambeacutem ajude no
atendimento das demandas livres o profissional meacutedico fica mais uma vez no centro do
cuidado agrave medida que fica muito no modelo queixa-conduta sem tempo haacutebil para outras
abordagens em sauacutede como representado nos discursos
Eacute basicamente atendimento Aqui na cliacutenica eu natildeo faccedilo promoccedilatildeo em sauacutede fora da
cliacutenica a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo que a gente faz satildeo dentro do consultoacuterio com cada
paciente (Braacuteulio)
Agenda padratildeo a gente tenta abordar tudo o que o meacutedico de famiacutelia tem que
aprender e tem que desenvolver entatildeo eu atendo preacute-natal puericultura sauacutede mental sauacutede
do idoso sauacutede do homem sauacutede da mulher e enfim Eu atendo de tudo faccedilo procedimento
tambeacutem no meu caso a minha agenda pra marcar comigo soacute finalzinho de
setembroimportante ressaltar talvez que a gente natildeo bloqueia a nossa agenda ela eacute aberta
qualquer demanda que uma pessoa tiver marca com a gente (Cesaacuterio)
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Em relaccedilatildeo ao guia para analise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mentalrsquo embora os meacutedicos residentes tenham usado muito o termo ldquosofrimento psiacutequicordquo
que aparece em 4 dos 5 discursos utilizaram tambeacutem termos teacutecnicos mais meacutedicos como
alteraccedilatildeo psicoloacutegica ou psiquiaacutetrica esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade
depressatildeo euforia deixando assim bem demarcado o lugar de onde falam - profissional
meacutedico com formaccedilatildeo biomeacutedica tradicional cartesiana O que prevaleceu nos discursos foi
uma compreensatildeo e percepccedilatildeo muito voltada ainda para a patologia e o diagnoacutestico meacutedico
103
Resultado dos programas de ensino onde aprendem dar atenccedilatildeo excessiva aos diagnoacutesticos e
insuficiente atenccedilatildeo agrave compreensatildeo da pessoa como um todo
O estranhamento dos profissionais em relaccedilatildeo agrave proposta de problematizaccedilatildeo das
denominaccedilotildees psiquiaacutetricas assim como apontou Basaglia (2010 [1969]) sinaliza para a
ausecircncia de uma dialeacutetica demonstrando que o universo de significaccedilatildeo do sofrimento teria
se tornado unidimensional A dialeacutetica compreendida como a explicitaccedilatildeo das diferentes
posiccedilotildees opostas ou natildeo preservaria uma margem de liberdade necessaacuteria a qualquer
possibilidade terapecircutica (idem) O uso quase exclusivo da linguagem psiquiaacutetrica como
modo de significaccedilatildeo do sofrimento poderia criar entatildeo uma intoleracircncia agraves outras formas de
nomeaccedilatildeo Dessa maneira como afirmou Basaglia (2010 [1969] p158) ldquoSe o doente mental
sofre a impossibilidade de viver dialeticamente a proacutepria realidade tais instituiccedilotildees
lsquoterapecircuticasrsquo natildeo o ajudaratildeo a recuperar essa capacidade perdida ou jamais possuiacutedardquo
No caso da CF estudada a capacidade dialeacutetica perdida ou jamais possuiacuteda natildeo
esteve presente em quatro discursos dos meacutedicos residentes entrevistados Constatei essa
realidade unidimensional de nomeaccedilatildeo do ldquocasordquo de sauacutede mental ainda no modelo
biomeacutedico nesses discursos Dessa maneira a loacutegica de apreensatildeo do adoecimento natildeo seria
terapecircutica para as pessoas em situaccedilatildeo de sofrimento pois satildeo modos de apreensatildeo muito
distintos das experiecircncias humanas que dizem respeito ao estar saudaacutevel ou adoecido
A fala de Acaacutecio foi a que se diferenciou nesse conjunto pois apresentou uma
compreensatildeo da cliacutenica centrada na pessoa Algum grau de sofrimento psiacutequico com
repercussatildeo na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na forma como ele se relaciona
no trabalho na comunidade Eacute importante relatar que esse entrevistado declarou jaacute ter uma
especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia antes de entrar para o curso de residecircncia O que pode
ter influenciado na sua compreensatildeo e percepccedilatildeo mais holiacutestica dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Foi o primeiro entrevistado a se voluntariar a participar da pesquisa
Considerando as falas dos quatro profissionais e excluindo a fala de Acaacutecio quando
falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos efetivamente
Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir sobre o que eacute a
normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito aos sintomas
psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de grande
controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno mental
Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os quais se
trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de vaacuterios
104
criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada
profissional (DALGALARRONDO 2008)
A tese defendida por Canguilhem (2015) em seu ensaio ldquoO normal e o patoloacutegicordquo eacute a
de que os problemas das estruturas e dos comportamentos patoloacutegicos humanos seratildeo mais
facilmente compreendidos se tomados como um todo uacutenico natildeo isoladamente De forma que
os fenocircmenos patoloacutegicos seriam idecircnticos aos fenocircmenos normais correspondentes sendo as
variaccedilotildees de ordem unicamente quantitativas A medicina natildeo sendo uma ciecircncia em si mas
se apropriando dos resultados de todas as ciecircncias a serviccedilo das normas da vida
No campo da Sauacutede mental o nuacutecleo da psiquiatria tem especial vulnerabilidade agrave
manipulaccedilatildeo da fronteira entre a normalidade e a doenccedila por carecer de testes bioloacutegicos e ser
muito dependente de julgamentos subjetivos (FRANCES 2016)
Frances (2016) afirma que eacute bom conhecer e utilizar as definiccedilotildees do DSM mas natildeo
reificaacute-las ou veneraacute-las Pois ao diagnosticar e tratar eacute crucial ter sensibilidade para as
diferenccedilas culturais A classificaccedilatildeo dos transtornos mentais pelo DSM natildeo passa de uma
coleccedilatildeo de constructos faliacuteveis e limitados que busca poreacutem jamais encontra a verdade ndash mas
essa continua sendo a melhor forma de comunica-los trata-los e pesquisa-los Embora as
definiccedilotildees do DSM encubram individualidades e diferenccedilas Muito se perde entre a rica
diversidade de experiecircncias individuais e o conjunto de criteacuterios escolhidos pra definir
determinado diagnostico Esses natildeo incluem fatores pessoais e contextuais essenciais agrave
cliacutenica do meacutedico de famiacutelia e comunidade
Se pensarmos que esses profissionais meacutedicos estatildeo ali em um processo de formaccedilatildeo
em Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) espera-se que ao longo dessa trajetoacuteria o
meacutedico seja capaz de desenvolver uma abordagem centrada na pessoa orientada para o
indiviacuteduo a sua famiacutelia e comunidade conforme recomendado pela Wonca (2002) Ao
contraacuterio das demais especialidades que focam o paciente segundo um corpo de
conhecimentos particulares pela condiccedilatildeo etaacuteria ou de gecircnero ou ainda voltado para as
doenccedilas ligadas a determinados sistemas orgacircnicos a procedimentos e teacutecnicas especiais a
MFC tem como foco de atuaccedilatildeo a pessoa Embora em qualquer especialidade o meacutedico deva
atuar necessariamente tendo como referecircncia a pessoa na MFC este foco eacute a principal
vertente do trabalho e condiciona as suas demais dimensotildees
Tendo a vista a MFC ter como foco a abordagem na pessoa ela torna-se singular pelas
seguintes razotildees a atuaccedilatildeo natildeo se funda e natildeo se limita a um problema de sauacutede potencial ou
identificaacutevel tecnicamente quem define o problema eacute a pessoa o viacutenculo meacutedico-paciente
natildeo cessa pela cura fim de um tratamento e pode se iniciar sem que nenhuma doenccedila tenha
105
ainda sido manifestada Eacute portanto definida como uma relaccedilatildeo natildeo associada a uma razatildeo
especiacutefica o que a torna diferenciada frente agraves demais especialidades
Desse modo a abordagem centrada na pessoa pressupotildee que os contatos que se faccedilam
entre meacutedico e paciente possam se dar considerando o conhecimento e a vivecircncia aprofundada
dos muacuteltiplos aspectos do indiviacuteduo Aprimoram-se a confianccedila e o viacutenculo aspectos uacuteteis
para a melhoria da sauacutede Conhecer a realidade familiar e comunitaacuteria do indiviacuteduo
potencializa este tipo de foco Esta resoluccedilatildeo se baseia na constataccedilatildeo de que inuacutemeras
doenccedilas natildeo podem ser totalmente compreendidas sem serem vistas em seu contexto pessoal
familiar e comunitaacuterio (Moira Stewart et al 2010)
Poreacutem como jaacute discutido o discurso biomeacutedico baseado em uma linguagem
classificatoacuteria com categorias diagnoacutestica ainda se faz muito presente entre os profissionais
meacutedicos residentes de MFC influecircncia do modelo flexneriano de formaccedilatildeo meacutedica que
preconizava o estudo cientiacutefico e parcializado do paciente estritamente no ambiente dos
hospitais universitaacuterios Nesse modelo de formaccedilatildeo como formar profissionais com uma
percepccedilatildeo voltada para o indiviacuteduo e natildeo para a doenccedila
Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos
diversos cursos da aacuterea da sauacutede somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo
de reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a
novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
Em resumo a Atenccedilatildeo Baacutesica de qualidade implica na discussatildeo pelo aparelho
formador da natureza e desafios da especializaccedilatildeo do recurso meacutedico e dos demais
profissionais voltados para prestar uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede de qualidade Este esforccedilo
deve estar na pauta de prioridades de todos os setores envolvidos no fortalecimento do SUS
uma vez que se torna cada vez mais um consenso em todo o mundo que a sauacutede da populaccedilatildeo
depende mais da disponibilidade de uma boa atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede do que de avanccedilos dos
recursos teacutecnicos e cientiacuteficos presentes nos hospitais Espera-se que esforccedilos no sentido de
problematizar a formaccedilatildeo de recursos deste campo de saber sejam aprofundados A ideacuteia de
que para trabalhar no Campo da Atenccedilatildeo Primaacuteria basta disposiccedilatildeo boa vontade dedicaccedilatildeo
conhecimentos adquiridos na graduaccedilatildeo e experiecircncia em praacuteticas comunitaacuterias nos parece
argumentos insuficientes para consolidar a especialidade e alcanccedilar uma praacutetica meacutedica
qualificada que resulte em um impacto para a sauacutede da populaccedilatildeo a meacutedio e a longo prazo
(CAMPOS 2005)
106
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental
Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental os meacutedicos residentes
entrevistados ao mesmo tempo em que demonstraram certo receio ou ateacute mesmo medo na
abordagem como podemos observar na fala de Acaacutecio pisando em ovos e complementada
durante a entrevista a gente fica com medo de falar alguma coisa e complicar o quadro Por
outro lado demonstraram certa seguranccedila nessa abordagem
Primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas abertas e deixo a pessoa
falar aquilo que ela tem necessidade de falar (Accedilucena)
Geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o paciente se for uma coisa
que eu me sinta confortaacutevel em tratar ou que eu ache que sei manejar bem (Cesaacuterio)
Durante as entrevistas e a observaccedilatildeo sistemaacutetica os meacutedicos residentes apresentaram
disponibilidade para acolher e escutar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois se sentiam apoiados
seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra e psicoacutelogo) o que faz toda a
diferenccedila no cotidiano das equipes transmitindo seguranccedila no trabalho desenvolvido Eu
tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com algum preceptor primeiro ou com a
psicoacuteloga tento ver com o agente comunitaacuterio colher melhor a histoacuteria de vida (Betino)
Praticamente natildeo existem encaminhamentos externos imediatos Os casos satildeo
discutidos em conjunto com o NASF e somente os casos que de fato extrapolam as linhas de
cuidado da ESF satildeo referenciados para outros serviccedilos mas com o acompanhamento da
equipe Alguns exemplos de serviccedilos para os quais estes casos satildeo encaminhados satildeo o
CAPSi da UFRJ que eacute o serviccedilo de referencia para crianccedilas e adolescentes no qual pude
observar uma parceria de trabalho de ambos os lados e o CAPSad referencia para o cuidado
de aacutelcool e drogas que agrave eacutepoca natildeo estava recebendo casos novos devido a uma crise do
governo estadual
Os meacutedicos residentes tambeacutem apresentaram muita clareza quanto a um dos atributos
essenciais da atenccedilatildeo primaacuteria que eacute a coordenaccedilatildeo do cuidado assumindo a responsabilidade
pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio proposto pela unidade referenciada
Escuta histoacuteria de vida familiograma e ciclo vital foram alguns conceitos importantes
usados durante as entrevistas marcando a especificidade da cliacutenica em MFC onde o centro eacute
a pessoa em atendimento tal como na cliacutenica da atenccedilatildeo psicossocial onde o foco eacute a pessoa
e sua existecircncia-sofrimento
O ato da escuta eacute um ato primordial em qualquer cliacutenica mas na MFC e na atenccedilatildeo
psicossocial eacute a ferramenta principal de trabalho possibilitando a pessoa ser ouvida e ouvir-
se o que em muitos casos jaacute eacute um esvaziamento da sua angustia trazendo um alivio
107
imediato Daiacute a importacircncia desse espaccedilo possibilitando um entendimento melhor caso a caso
e prevenindo o uso de medicalizaccedilatildeo desnecessaacuteria
No diaacuterio de campo relatei o projeto desenvolvido pelo farmacecircutico da CF que faz
uma listagem das pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica controlada por equipe Sendo
uma preocupaccedilatildeo dos meacutedicos residentes rever analisar e se possiacutevel diminuir ou ateacute mesmo
retirar algumas medicaccedilotildees em conjunto com o NASF e a preceptoria Haacute algumas situaccedilotildees
em que repetem prescriccedilotildees de pessoas que jaacute fazem uso prolongado de medicaccedilatildeo controlada
e satildeo de responsabilidade da CF mas esses profissionais relataram ter senso criacutetico de
questionar o uso prolongado e natildeo naturalizar o ato de soacute ldquorepetirrdquo deixando claro isso com o
usuaacuterio no momento do atendimento
Importante ressaltar a importacircncia desse treinamento em sauacutede mental dos
profissionais do NASF com os meacutedicos residentes em formaccedilatildeo embora tambeacutem tivessem
matriciamento em dermatologia onde inclusive realizavam pequenos procedimentos
ciruacutergicos na proacutepria CF e tambeacutem matriciamento em fisioterapia
A inserccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na sauacutede geral tendo como ponto de apoio a
APS por meio da ESF vai ao encontro dos objetivos propostos no Plano de Accedilatildeo Global para
a Sauacutede Mental 2013-2020 que preconiza atenccedilatildeo comunitaacuteria com serviccedilos de base
territorial auxiliando assim a diminuir o gap entre as pessoas que realmente precisam de
cuidado treinando os profissionais generalistas e melhorando o acesso ao cuidado agrave
populaccedilatildeo Eacute sabido tambeacutem que um cuidado de responsabilidade exclusiva do especialista
aumenta o gap do acesso ao tratamentoacompanhamento O que estaacute em consonacircncia com as
poliacuteticas puacuteblicas do nosso SUS acesso universal integralidade equidade e hierarquizaccedilatildeo
A facilidade do acesso com o funcionamento do horaacuterio estendido da unidade (8 agraves
20hs) foi um ponto crucial citado durante as entrevistas pelos meacutedicos residentes pois
acreditavam que as pessoas que trabalham em horaacuterio comercial tinham agora a oportunidade
de procurar a unidade de sauacutede e ir agraves consultas O que acreditavam melhorar o grau de sauacutede
das pessoas com essa oportunidade de horaacuterio depois do trabalho Martinez (2016) considera
que embora alguns autores avaliem o acesso centrado apenas na provisatildeo e no financiamento
dos serviccedilos de sauacutede outros vecircm o acesso como algo relacionado com a interaccedilatildeo entre o
sistema de sauacutede e os indiviacuteduos ou famiacutelias de tal forma que o acesso de algueacutem a alguma
coisa implica uma relaccedilatildeo
Jaacute no ano de 1973 Donabedian e posteriormente em 1981 Penchansky e
Thomas definiram o acesso como o grau de adequaccedilatildeo entre o sistema de sauacutede e seus
usuaacuterios ou seja se refere agrave interaccedilatildeo do sistema de sauacutede com os indiviacuteduos e a dos
108
indiviacuteduos com os sistemas de sauacutede A interaccedilatildeo dinacircmica e relacional estaacute centrada na troca
de informaccedilotildees pelo que a dinacircmica do acesso estaacute determinada pela qualidade da
comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos reafirmando a importacircncia do horaacuterio estendido
adotado pela unidade facilitando a circulaccedilatildeo dos usuaacuterios e o diaacutelogo com a equipe de sauacutede
Quanto ao familiograma a principal funccedilatildeo eacute organizar os dados referentes agrave famiacutelia e
seus processos relacionais e tem sido largamente usado como instrumento cliacutenico de trabalho
para o profissional de sauacutede em diversas aacutereas que permite uma visualizaccedilatildeo raacutepida e
abrangente da organizaccedilatildeo familiar e suas principais caracteriacutesticas constituindo um mapa
relacional onde satildeo registrados dados relevantes ao caso
Desse modo o familiograma possibilita analisar a estrutura da famiacutelia sua
composiccedilatildeo problemas de sauacutede situaccedilotildees de risco e padrotildees de vulnerabilidade Retrata a
histoacuteria familiar identificando sua estrutura funcionamento relaccedilotildees e conflitos entre os
membros Brasil (2013) Dados que satildeo essenciais para a cliacutenica da MFC para um melhor
entendimento do processo de adoecer de cada indiviacuteduo que estaacute diretamente relacionado a
sua histoacuteria de vida Facilita ainda a identificaccedilatildeo dos fatores de risco e de proteccedilatildeo de cada
indiviacuteduo conceitos caros a uma cliacutenica centrada na pessoa e natildeo na doenccedila que deve ser
reforccedilada o tempo todo na praacutetica da MFC Do contraacuterio corremos o risco patologizante das
accedilotildees capilarizadas de sauacutede aumentando o territoacuterio da doenccedila e natildeo da sauacutede
Apesar de se apropriarem de uma linguagem meacutedica classificatoacuteria para conceituar os
ldquocasosrdquo de sauacutede mental os entrevistados no manejo demonstraram uma praacutetica mais voltada
para accedilotildees de sauacutede ampliadas com escuta ativa atendimento centrado na pessoa visatildeo
holiacutestica e natildeo medicalizante Muitas vezes criticando o modelo biomeacutedico centrado no
especialismo na doenccedila e no hospital apontando que a escolha em fazer a especialidade em
MFC foi uma rota de fuga que encontraram para sair desse modelo mais duro Enfatizaram a
importacircncia dessa formaccedilatildeo para a sauacutede da populaccedilatildeo em geral e para o SUS mas tambeacutem
criticaram a natildeo valorizaccedilatildeo da especialidade por parte da populaccedilatildeo e do proacuteprio sistema
A populaccedilatildeo almeja ser atendida por um meacutedico especialista (cardiologista psiquiatra
ginecologista pediatra) e o sistema que muitas das vezes sobrecarrega este profissional
cobrando metas em quantidade de procedimentos e atendimentos Betino chegou a citar que o
tempo meacutedio de trabalho de um meacutedico de famiacutelia eacute de 5 anos tamanha a sobrecarga de
trabalho O que precisa ser melhor investigado dada a importacircncia desse profissional para a
promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede de toda a nossa populaccedilatildeo
109
Recomendaccedilotildees
Os meacutedicos residentes solicitaram a ampliaccedilatildeo do nuacutemero e da carga horaacuteria dos
profissionais do NASF A equipe do NASF na unidade estudada eacute identificada como
modalidade 1 sendo composta agrave eacutepoca por um psiquiatra e uma psicoacuteloga profissionais
diretamente relacionados agrave aacuterea de sauacutede mental que matriciavam 08 (oito) equipes de Sauacutede
da Famiacutelia dividindo a carga horaacuteria em 02 (dois) turnos de 04 (quatro) horas para as 03
(trecircs) equipes da CF campo do estudo Pela Portaria GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 cada
NASF 1 deveraacute estar vinculado a no miacutenimo 5 (cinco) e no maacuteximo 9 (nove) Equipes de
Sauacutede da Famiacutelia eou equipes de Atenccedilatildeo Baacutesica para populaccedilotildees especiacuteficas (consultoacuterios
na rua equipes ribeirinhas e fluviais) Esta Portaria traz que a soma das cargas horaacuterias
semanais dos profissionais da equipe deve acumular no miacutenimo 200 (duzentas) horas
semanais e que nenhum profissional considerado isoladamente poderaacute ter carga horaacuteria
semanal menor que 20 (vinte) horas semanais Portanto de acordo com as recomendaccedilotildees do
MS o nuacutemero e a carga horaacuteria dos profissionais do NASF estaacute dentro do preconizado
A recomendaccedilatildeo de maior tempo do profissional de psicologia pode nos levar a refletir
sobre dois aspectos a dificuldade de lidar com o sofrimento humano e com a labilidade
emocional gerada resultando no encaminhamento precipitado para o profissional do campo
ldquopsirdquo Ou pela grande demanda de atendimento em sauacutede mental que chega na Atenccedilatildeo
Baacutesica O meacutedico de famiacutelia eacute o primeiro profissional meacutedico a atender o usuaacuterio em
condiccedilotildees de novas queixas ou necessidades O acesso ao profissional eacute priorizado nestas
condiccedilotildees de um problema novo devido a maior probabilidade de identificaccedilatildeo da origem e
da melhor conduta a ser tomada acrescentado da expectativa de que o profissional possa dar
uma resposta ao sofrimento de forma raacutepida e eficaz onde eacute estipulado um tempo de consulta
e metas para alcanccedilar uma alta produtividade diaacuteria Entatildeo o profissional meacutedico pressionado
a atender em tempo curto para dar conta do grande nuacutemero de consultas diaacuterias natildeo consegue
oferecer ao usuaacuterio o tempo de escuta necessaacuterio
Em relaccedilatildeo a recomendaccedilatildeo de ter uma rede mais integrada o sistema puacuteblico
brasileiro de atenccedilatildeo agrave sauacutede organiza-se segundo suas normativas em atenccedilatildeo baacutesica
atenccedilatildeo de meacutedia e de alta complexidade Portanto uma estrutura hieraacuterquica definida por
niacuteveis de ldquocomplexidadesrdquo crescentes e com relaccedilotildees de ordem e graus de importacircncia entre
os diferentes niacuteveis o que caracteriza uma hierarquia Essa concepccedilatildeo de sistema
hierarquizado segundo Mendes (2011) estaacute presente em sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave
sauacutede e apresenta seacuterios problemas teoacutericos e operacionais Ela fundamenta-se num conceito
de complexidade equivocado ao estabelecer que a atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede eacute menos
110
complexa do que a atenccedilatildeo nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio Esse conceito distorcido de
complexidade leva consciente ou inconscientemente a uma ldquobanalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria
agrave sauacutede e a uma sobrevalorizaccedilatildeo seja material seja simboacutelica das praacuteticas que exigem maior
densidade tecnoloacutegica e que satildeo exercitadas nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio de atenccedilatildeo agrave
sauacutederdquo (MENDES 2011 p 51)
Para Mendes (2011) um sistema integrado de sauacutede que satildeo as Redes de Atenccedilatildeo agrave
Sauacutede (RASs) deve ser organizado atraveacutes de um conjunto coordenado de pontos de atenccedilatildeo agrave
sauacutede para prestar uma assistecircncia contiacutenua e integral a uma populaccedilatildeo definida atuando
equilibradamente sobre as condiccedilotildees agudas e crocircnicas
Ainda segundo esse autor sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave sauacutede fortemente
hegemocircnicos satildeo aqueles que se organizam atraveacutes de um conjunto de pontos de atenccedilatildeo agrave
sauacutede isolados e incomunicaacuteveis uns dos outros e que por consequecircncia satildeo incapazes de
prestar uma atenccedilatildeo contiacutenua agrave populaccedilatildeo Em geral natildeo haacute uma populaccedilatildeo adscrita de
responsabilizaccedilatildeo Neles a APS natildeo se comunica fluidamente com a atenccedilatildeo secundaacuteria agrave
sauacutede e esses dois niacuteveis tambeacutem natildeo se articulam com a atenccedilatildeo terciaacuteria nem com os
sistemas de apoio nem com os sistemas logiacutesticos
Uma outra recomendaccedilatildeo dos meacutedicos residentes tambeacutem foi relacionado ao
investimento em formaccedilatildeo ou seja na educaccedilatildeo continuada a partir das vivencias cotidianas
do serviccedilo para alivio da sobrecarga nos niacuteveis secundaacuterios e terciaacuterios de atenccedilatildeo mas como
exposto acima para aleacutem das ldquocapacitaccedilotildeesrdquo com os profissionais da APS com o objetivo de
melhorar sua resolutividade diminuindo a procura por serviccedilos especializados e internaccedilotildees
desnecessaacuterias eacute primordial rever o modo de organizaccedilatildeo do sistema de atenccedilatildeo agrave sauacutede
brasileiro
A recomendaccedilatildeo de aumentar o investimento em dispositivos extra-hospitalares como
CAPS tambeacutem aparece no discurso dos meacutedicos residentes tal como apareceu no dos
meacutedicos preceptores acrescido de ter serviccedilos de terapia ocupacional mais fortalecidos
Demonstrando dessa forma um conhecimento sobre a necessidade desses dispositivos para
uma atenccedilatildeo em sauacutede mental que promova cidadania e construccedilatildeo da autonomia princiacutepios
orientados pela Reforma Psiquiaacutetrica
111
623 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Enfermeiros
Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos significantes
Enfermeiros
Nuacutecleo discursivo Enfermeiro
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
Vou para o meacutedico da equipe falo que estou
sentindo que tem alguma coisa marco consulta e
matriciamento
Converso bem natildeo vejo o tempo da consulta
deixo o paciente se sentir a vontade falar se natildeo
quiser falar ok minha porta estaacute aberta quando
quiser pode voltar
Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para
o meacutedico avaliar
Dificuldade de relacionamento na escola ou em
casa famiacutelias desestruturadas aacutelcool drogas
violecircnciaai tem muita coisa
Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico
esquizofrenia momentos ou doenccedilas que o
paciente pode se tornar mais agressivo
Depressatildeo ansiedade algum transtorno alguma
doenccedila mental
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Capacitaccedilatildeo de toda a equipe e criar estrateacutegias que facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF no
trabalho em sauacutede mental
Aumentar nuacutemero e carga horaacuteria das equipes do NASF
Melhorar o fluxo dos serviccedilos (o que estaacute funcionando para onde referenciar)
112
As entrevistas evidenciaram que o profissional enfermeiro na ESF tem um leque de
atuaccedilatildeo muito amplo lideranccedila da equipe coordenaccedilatildeo das linhas de cuidado e de grupos
(tabagismo gestante) accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede nas escolas consultas e prescriccedilatildeo de
acordo com os programas do MS gerenciamento dos programas de imunizaccedilatildeo e doaccedilatildeo de
leite materno accedilotildees de educaccedilatildeo continuada de teacutecnicos de enfermagem e ACSs ateacute
atendimento cliacutenico das demandas livres Denomina-se demanda livre o atendimento das
pessoas que chegam agrave CF sem consulta agendada mas que apresentam alguma queixa de
sauacutede aguda
No discurso de Adaacutelia apareceu a resistecircncia da populaccedilatildeo em aceitar o atendimento
de um profissional enfermeiro no atendimento cliacutenico da demanda livre uma paciente
retrucou () eacute com vocecirc mas eu tocirc morrendo natildeo posso ser atendida por uma
enfermeira() demonstrando que natildeo soacute no discurso dos profissionais mas tambeacutem no da
populaccedilatildeo atendida haacute ainda uma presenccedila marcante do modelo meacutedico hegemocircnico que a
profissional sinaliza como
Um pouco de resistecircncia na parte da consulta cliacutenica e que tem que ter muita
paciecircncia para estar explicando a maioria entende e cria vinculo alguns natildeo entendem natildeo
querem saber e natildeo te aceitam (Adaacutelia)
A ESF cuja emergecircncia se deu em 1994 conforme jaacute exposto em seu histoacuterico
mediante a implantaccedilatildeo do PSF num processo lento e continuo de tensatildeo com o modelo
hegemocircnico tecnicista hospitalocentrico e medicalocentrico ainda eacute muito recente para a
populaccedilatildeo brasileira habituada ao atendimento meacutedico centrado e com foco nas
especialidades Tambeacutem apareceu no discurso dos meacutedicos residentes a resistecircncia da
populaccedilatildeo em ser atendida por um generalista e natildeo por um especialista Por outro lado haacute
tambeacutem uma insuficiecircncia de formaccedilatildeo profissional para atuaccedilatildeo qualificada na APS
resultando em deficiecircncias teacutecnicas (ANDRADE et al 2013)
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental
No discurso dos enfermeiros observei uma visatildeo holiacutestica sobre ldquocasosrdquo de sauacutede
mental pontuado por Aacutedila Dificuldade de relacionamento na escola ou em casa No
entanto nos outros dois Claudomiro e Clemecircncia uma visatildeo ainda muito centrada no
modelo biomeacutedico na doenccedila e no diagnoacutestico Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico
esquizofrenia Importante destacar que a visatildeo holiacutestica apareceu no discurso de Aacutedila que
tem residecircncia em Sauacutede da Famiacutelia Os outros dois profissionais natildeo possuem especializaccedilatildeo
113
na aacuterea Daiacute a importacircncia do processo de formaccedilatildeo desconstruindo o modo de agir pensar e
fazer hegemocircnico centrado na doenccedila e no diagnoacutestico O que vai modificar o modo de
planejar e receber as accedilotildees de sauacutede tanto para o profissional como para a pessoa que procura
o serviccedilo e sua famiacutelia
Com a concepccedilatildeo mais ampliada de que ldquocasordquo de sauacutede mental pode estar
relacionado a dificuldades na escola ou em casa famiacutelia desestruturada violecircncia aacutelcool
drogas Aacutedila abre outras possibilidades de intervenccedilatildeo natildeo meacutedicas No entanto eacute necessaacuterio
lembrar que na loacutegica da SF os profissionais devem abandonar o ideologema - famiacutelia
desestruturada - e procurar ldquoentender quais satildeo as regularidades que organizam a vida do
coletivo as deposiccedilotildees acontecidas nos lsquoloucosrsquo drogados deprimidos ou crianccedilas-problema
na famiacutelia os sistemas que estruturam a vida desses coletivosrdquo (LANCETTI 2013 p119)
Ainda de acordo Lancetti (2013) eacute importante que os profissionais da ESF busquem
conhecer os modos que cada cultura possui para compreender o sofrimento e as maneiras de
superaacute-lo Pois as pessoas natildeo padecem de sofrimento fiacutesico e mental separadamente As
condiccedilotildees ambientais sociais e mentais formam parte de ecologias inter-relacionadas E eacute
produzindo mudanccedilas nessas esferas que se poderaacute alcanccedilar o impacto desejado do programa
Isto eacute promover sauacutede qualidade de vida reduzir o nuacutemero de internaccedilotildees o consumo
patoloacutegico e suicida de drogas ilegais e legais
Enquanto que uma concepccedilatildeo centrada no diagnoacutestico meacutedico presente nos discursos
de Claudomiro e Clemecircncia depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia doenccedila
mental pode refletir em accedilotildees mais engessadas reducionistas e medicalizantes Porque a
centralidade na doenccedila e natildeo na experiecircncia da doenccedila faz com que os profissionais de
sauacutede neste caso os enfermeiros percam oportunidades de reconhecer os sentimentos das
pessoas adequadamente e como resultado algumas emitem o mesmo sinal diversas vezes
como por exemplo procurando frequentemente a unidade de sauacutede e sendo repetidamente
ignoradas Daiacute a importacircncia de escutar a experiecircncia de estar adoecido e natildeo soacute o sintoma
procurando fornecer respostas empaacuteticas que ajudem as pessoas a se sentirem entendidas e
reconhecidas (MOIRA STEWART et al 2010)
Ao longo do discurso de Claudomiro observei uma contradiccedilatildeo dessa visatildeo
reducionista ao discorrer sobre a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede
Proporcionou-me entender o indiviacuteduo como um todo natildeo simplesmente um fiacutegado
um cacircncer um aneurisma () entendo que minha visatildeo profissional depois que eu entrei na
atenccedilatildeo baacutesica mudou bastante
114
Ao falar tambeacutem sobre o curso BABEL Claudomiro apontou a importacircncia da
formaccedilatildeo continuada para instrumentalizaccedilatildeo das equipes
Ajudou muito a me preparar e conhecer o programa de sauacutede mental porque ateacute
entatildeo para mim era uma coisa quase inexplorada quando a gente tinha algum paciente no
hospital de sauacutede mental chamava o psiquiatra quando tinha senatildeo fazia haldol e fenergan e
pronto () hoje me sinto mais sensiacutevel para identificar algum sofrimento psicoloacutegico
Pois para os profissionais da ESF em especial o enfermeiro liacuteder da equipe
(responsaacutevel pela supervisatildeo do trabalho dos teacutecnicos de enfermagem e dos ACSs) eacute essencial
a compreensatildeo de que os recursos da comunidade devem ser considerados e ativados em
primeiro lugar que qualquer processo terapecircutico consiste na ressignificaccedilatildeo do sintoma
sendo necessaacuterio para isso criar um dispositivo articulado agrave rede de sauacutede e que a invenccedilatildeo
deve fazer parte do meacutetodo de trabalho no SF Considerando assim que a pessoa portadora de
algum transtorno ou alguma doenccedila eacute ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicoloacutegicordquo
(LANCETTI 2013 p 19)
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Embora para os enfermeiros entrevistados trabalhar no SF seja uma alternativa ao
modelo meacutedico representando mais autonomia e liberdade de trabalho com um campo de
atuaccedilatildeo mais amplo e bem mais complexo no manejo aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
demonstraram ainda estar dependentes do saber meacutedico
Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma coisa marco
consulta e matriciamento (Aacutedila)
Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para o meacutedico avaliar (Clemecircncia)
Claudomiro embora pontue a escuta relata converso bem natildeo vejo o tempo da
consulta deixo o paciente se sentir agrave vontade falar () ao fazer um relato de uma usuaacuteria
atendida que seria um suposto ldquocasordquo de sauacutede mental mas tambeacutem acionou o meacutedico da
equipe para confirmar sua anamnese ndash A gente trabalha em equipe entatildeo ateacute mesmo para
uma seguranccedila do paciente que eu vejo eu fiz o exame fiacutesico natildeo encontrei coisa sugestiva
para aquela dor solicitei ajuda do colega meacutedico
() natildeo basta o profissional ter uma escuta que reflita uma postura
empaacutetica Nos encontros cliacutenicos terapecircuticos a escuta eacute mais que um
ato ela precisa incorporar uma atitude que expresse a necessidade
primordial de reconhecimento do outro e da legitimidade do lugar que
115
ele ocupa ao falar Esse reconhecimento pressupotildee uma ideologia que
desconstroacutei assimetrias ou melhor reconhece e valoriza a diversidade
do lugar cognitivo cultural e social que cada um ocupa na relaccedilatildeo
(FAVORETO amp PINHEIRO 2011 p 236)
Em todos os discursos foi marcante a solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico
para o ldquomanejordquo dos casos de sauacutede mental enquanto que na ESF um ponto fundamental para
seu modus operandis de acordo com Lancetti (2013) pela proacutepria dinacircmica de trabalho eacute o
funcionamento com centralizaccedilatildeo na equipe que aparece no discurso de Claudomiro ao falar
sobre o encaminhamento de um caso especifico
Fazer uma consulta em conjunto e ateacute encaminhar para psicoacuteloga depois da
avaliaccedilatildeo da equipe () uma avaliaccedilatildeo conjunta tanto da dor fiacutesica quanto da dor
psicoloacutegica () senatildeo desse para equipe e o matriciador fazerem ai sim ele encaminhava
(Claudomiro)
O trabalho na ESF assim como no Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial deve ser baseado
na equipe multiprofissional onde os saberes satildeo compartilhados cada profissional tem a sua
contribuiccedilatildeo e a tomada de decisotildees natildeo eacute exclusiva do profissional meacutedico
Os enfermeiros entrevistados demonstraram uma preocupaccedilatildeo em acolher os ldquocasosrdquo
de sauacutede mental mas natildeo se sentiam preparados para conduzir o manejo solicitando o apoio
do meacutedico da equipe ou do psiquiatra matriciador
Sinto que tenho dificuldade de entrar ali no problema do paciente exatamente mas
assim a gente tenta () Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma
coisa marco consulta e matriciamento (Aacutedila)
Apareceu tambeacutem durante as entrevistas uma queixa-denuacutencia de que antes da
chegada do NASF o matriciamento em sauacutede mental era feito soacute com o meacutedico residente natildeo
tinha a participaccedilatildeo de toda equipe conforme a fala de Aacutedila com a vinda do NASF estaacute
muito mais amplo para as equipes eu tenho acesso ao psicoacutelogo psiquiatra
O NASF deve apoiar as equipes com uma funccedilatildeo teacutecnico-pedagoacutegica e assistencial
(Campos 1999) discutir em conjunto com toda a equipe as melhores estrateacutegias de
intervenccedilatildeo se necessaacuterio atender junto (interconsultas) e instrumentalizar as equipes a partir
das vivencias cotidianas Ampliando assim as possibilidades de continuidade da atenccedilatildeo com
gradientes maiores de viacutenculo e responsabilizaccedilatildeo com o pressuposto de que nenhum
especialista isoladamente pode assegurar uma abordagem integral (FONSECA SOBRINHO et
al 2014)
116
Observei durante as entrevistas com os profissionais enfermeiros uma linha muito
tecircnue entre o cuidar e o medicalizar
Eacute muito assim solto eles natildeo datildeo soluccedilatildeo pra sauacutede mental() eu sou muito
acolhedora quero resolver os problemas dos pacientes quero dar uma soluccedilatildeo para eles
(Clemecircncia)
Num discurso muito tecnicista e determinista do paradigma meacutedico do ldquoproblem
sovingrdquo Gallio (2014 p15) baseado que dado o problema se tem uma causa e uma soluccedilatildeo
numa linha direta Neste caso a causa o problema - seria a doenccedila E a soluccedilatildeondash o que seria a
cura Um modo de pensar e agir baseado no modelo biomeacutedico Daiacute talvez a preocupaccedilatildeo em
acolher e encaminhar para o meacutedico Qual a funccedilatildeo esperada do meacutedico Fazer diagnoacutestico e
prescrever medicaccedilatildeo
Como podemos constatar no discurso dos enfermeiros embora haja alguns deslizes de
um discurso contra hegemocircnico
Vocecirc vecirc o paciente como um todo natildeo soacute pela doenccedila (Clemecircncia)
Na Estrateacutegia a gente natildeo trabalha sozinho precisa de um bom relacionamento tanto
com o paciente como com a equipe multidisciplinar (Claudomiro)
O que ainda predomina nos discursos eacute o modelo meacutedico hegemocircnico doenccedila
paciente
No campo da sauacutede coletiva a missatildeo primordial eacute natildeo permitir que o processo de
patologizaccedilatildeomedicalizaccedilatildeo seja algo natural No manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental eacute
fundamental o entendimento de que simplificaccedilatildeo do tipo queixa- conduta problema-soluccedilatildeo
natildeo conseguiratildeo dar conta da complexidade do sofrimento humano E que seratildeo necessaacuterias
intervenccedilotildees natildeo soacute do campo da sauacutede mas tambeacutem intervenccedilotildees intersetoriais
Recomendaccedilotildees
Quanto agraves recomendaccedilotildees os enfermeiros entrevistados apontaram a capacitaccedilatildeo de
toda a equipe a partir das praacuteticas vivenciadas no cotidiano com a criaccedilatildeo de estrateacutegias que
facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF ao trabalho em sauacutede mental
A gente precisa aprender com o que a gente estaacute vendo aqui na realidade (Aacutedila)
E tambeacutem tem outra coisa importante conseguir que os profissionais possam aderir
melhor a sauacutede mental (Clemecircncia)
Enfatizaram a importacircncia da participaccedilatildeo de todos os profissionais da equipe
117
Natildeo tem que ser com uma pessoa especifica fazer com o enfermeiro ou com o meacutedico
acho que tem que ser com o agente de sauacutede com dentista para toda a equipe estar afinada
nesse sentido da sauacutede mental (Aacutedila)
Melhoria do processo de qualificaccedilatildeo dos profissionais que estatildeo entrando na
atenccedilatildeo baacutesica (Claudomiro)
Pontuaram tambeacutem que a gestatildeo da Secretaria Municipal de Sauacutede poderia ajudar
trabalhando mais estrateacutegias pedagoacutegicas em sauacutede mental junto agraves reuniotildees equipes
O pessoal da secretaria tentar trabalhar mais isso com as equipes porque a sauacutede
mental eacute diferente neacute Porque por exemplo tuberculose vocecirc vai numa capacitaccedilatildeo de
tuberculose as coisas satildeo mais redondinhas neacute A sauacutede mental natildeo eacute assim tatildeo faacutecil tatildeo
redondinha para vocecirc (Aacutedila)
Acho que a prefeitura poderia ajudar tambeacutem as equipes a como trabalhar em certas
situaccedilotildees () porque eu acho que eacute um tema difiacutecil sauacutede mental a gente tem muita
dificuldade em lidar com isso ou porque natildeo sabe de muita coisa ou tem eacute dificuldade mesmo
de lidar (Clemecircncia)
Nesse mesmo discurso tambeacutem surgiu a dificuldade em lidar com os casos de
violecircncia e drogadiccedilatildeo no territoacuterio e a solicitaccedilatildeo de apoio da Coordenaccedilatildeo da Aacuterea
Programaacutetica (CAP)
Tem muito caso de violecircncia na nossa aacuterea e situaccedilotildees de droga eu estou pensando
em formar um grupo junto com o residente meacutedico soacute que ai eu preciso de uma capacitaccedilatildeo
da proacutepria CAP porque noacutes moramos aqui entatildeo para gente eacute muito difiacutecil tambeacutem vocecirc
denunciar vocecirc fazer alguma coisa (Clemecircncia)
O que deixa claro que haacute uma insuficiecircncia de treinamentos em sauacutede mental natildeo soacute
para os enfermeiros mas para todos os membros da equipe apesar da entrada do NASF na
unidade estudada O que leva a inuacutemeras reflexotildees por que lidar com ldquocasosrdquo sauacutede mental
continua sendo uma grande dificuldade para os profissionais da sauacutede Seraacute o processo de
formaccedilatildeo Seraacute a periculosidade do louco construiacuteda ao longo da histoacuteria Seraacute o estigma da
doenccedila mental
No discurso de Clemecircncia notei um deslize quando discorre sobre as dificuldades dos
profissionais da ESF em lidar com as questotildees de sauacutede mental ndash Porque eu acho que alguns
tecircm alguma dificuldade de lidar porque natildeo gostam eu natildeo sei o que me passa eacute isso E
completa o discurso explicando ndash natildeo eacute aqui estou falando de outros lugares de outros
profissionais Mais adiante de sua entrevista ao discorrer sobre o que poderia melhorar na
118
ESF fala que gostaria que os profissionais da ESF fossem mais compromissados com seus
afazeres cotidianos
As pessoas tivessem compromisso com o trabalho mesmo em si que eu acho que
muitas das vezes assim devido agrave sobrecarga alguns ficam desmotivados outros natildeo tem
perfil para trabalhar e ai soacute estatildeo pelo dinheiro (Clemecircncia)
No discurso de Clemecircncia surgiram as queixas-denuacutencia de sobrecarga de trabalho
gerando desmotivaccedilatildeo e a cobranccedila para alcance de metas e nuacutemeros por parte da gestatildeo
municipal de sauacutede sem um apoio adequado agrave realidade cotidiana das equipes
Porque muitas das vezes soacute veem a parte burocraacutetica que eu acho que eacute ruim ndash ah
porque vocecircs tecircm que alcanccedilar meta tal oitenta por cento taacute mas ai ningueacutem vem aqui
ajudar Como eacute que vocecircs podem fazer isso Quais as estrateacutegias E o que vocecircs estatildeo
fazendo para melhorar a equipe de vocecircs Natildeo tem isso em minha opiniatildeo (Clemecircncia)
Tambeacutem notamos nesse discurso algo que ateacute entatildeo natildeo havia aparecido o trabalho no
SF natildeo por uma questatildeo de afinidade com a proposta de trabalho mas pela remuneraccedilatildeo que
principalmente para meacutedicos e enfermeiros realmente eacute diferenciada o rendimento mensal eacute
maior que o oferecido na rede hospitalar justamente para incentivar a cobertura de vagas
Outra recomendaccedilatildeo apontada nos discursos dos enfermeiros foi a gestatildeo municipal
melhorar os fluxos entre os serviccedilos com desenho do que funciona qual a clientela atendida
como deve ser feita a referencia e contra-referencia
Poderia melhorar o fluxo de a gente saber o que funciona o quecirc O que cada um faz
() se eu tenho algum paciente agora com algum transtorno a gente encaminha para o
Pinel e como eacute que fica esse feedback do Pinel pra gente (Clemecircncia)
Principalmente aqui no Rio uma dificuldade da atenccedilatildeo primaacuteria para a secundaacuteria
eles estatildeo tentando organizar atraveacutes do SISREG mas muitas especialidades demoram muito
e a gente precisa () tambeacutem influencia muito melhorar a questatildeo do encaminhamento da
regulaccedilatildeo (Aacutedila)
Natildeo soacute em sauacutede mental mas em vaacuterias aacutereas eacute pouco a gente ter a contra-
referecircncia a gente encaminha o paciente explica o caso envia guia de referencia e contra-
referecircncia e a gente natildeo tem esse retorno infelizmente (Claudomiro)
A expansatildeo da APS por meio da ESF principalmente na Cidade do Rio de Janeiro
avanccedilou muito conforme dados jaacute mostrados anteriormente mas o que se percebe por meio
dos discursos dos profissionais entrevistados eacute que ainda natildeo haacute uma integraccedilatildeo entre os
niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede apesar do instituiacutedo na Lei 808090 haacute uma grande lacuna entre o
instituinte e o instituiacutedo Como a ESF pode ser coordenadora do cuidado sem uma rede
119
integralizada de serviccedilos instituiacuteda A falta de integraccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede
eacute um grande desafio para expansatildeo da ESF nos diversos municiacutepios brasileiros onde
persistem importantes barreiras organizacionais para acesso a atenccedilatildeo especializada os fluxos
estatildeo pouco ordenados a integraccedilatildeo da APS agrave rede ainda eacute incipiente e inexiste coordenaccedilatildeo
entre APS e atenccedilatildeo especializada como apontam os autores Fausto et al (2014) em um
estudo realizado sobre ldquoA posiccedilatildeo da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia na rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede
na perspectiva das equipes e usuaacuterios participantes do PMAQ-ABrdquo que analisou a perspectiva
das 16566 equipes de Sauacutede da Famiacutelia e dos 62505 usuaacuterios participantes do Programa
Nacional para Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica em 2012
E fechando as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF
tambeacutem apareceu no discurso dos enfermeiros entrevistados tal como no dos meacutedicos
residentes entrevistados o aumento do nuacutemero e da carga horaacuteria das equipes do NASF
O NASF eu tentaria colocar mais equipe com mais tempo nas unidades porque noacutes
temos um NASF que eacute dividido entre algumas clinicas eles fazem quarenta horas poreacutem
tantas horas em cada cliacutenica e agraves vezes apesar da modernidade hoje do Whatsapp a gente
tem que telefonar (Claudomiro)
Como jaacute relatado nas recomendaccedilotildees dos residentes meacutedicos entrevistados o nuacutemero
de profissionais do NASF assim como suas cargas horaacuterias estatildeo de acordo com a mais
recente Portaria do NASF - GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 Deixando-nos tambeacutem algumas
reflexotildees Os profissionais da ESF tem clareza da funccedilatildeo do NASF Os profissionais do
NASF tem clareza do seu papel junto agrave ESF O trabalho da ESF apesar de seus atributos
essenciais acesso continuidade do cuidado coordenaccedilatildeo do cuidado e integralidade Starfield
(2002) continua baseado no especialismo
Faz-se importante aqui ressaltar que natildeo basta soacute ter profissionais especialistas para
apoio agraves equipes da ESF mas que eacute fundamental que esses especialistas e as equipes apoiadas
possam revisitar suas praacuteticas em direccedilatildeo a processos efetivamente mais compartilhados e que
incidam sobre uma nova forma de construir o cuidado em sauacutede com discussotildees de processo
de trabalho e intervenccedilotildees no territoacuterio (FONSECA SOBRINHO et al 2014)
120
624 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Teacutecnicos de Enfermagem
Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Teacutecnicos de Enfermagem
Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
Violecircncia na famiacutelia depressatildeo uso de drogas
uso de medicaccedilatildeo psiquiaacutetrica controlada toda
hora repetindo as coisas ficas aacutes vezes
piscando a vista fica inquieto
Aquele paciente dependente acompanhado pela
famiacutelia e que a famiacutelia tem um cuidado melhor
e uma atenccedilatildeo redobrada
Paciente que eacute acompanhado pelo Pinel faz uso
de 3 ampolas de haldol de 1414 dias
Muitas das vezes a gente pede ajuda da equipe
e fazemos discussatildeo de casos
Sauacutede mental geralmente quando chega com
alguma crise a gente daacute a medicaccedilatildeo o paciente
fica calmo e se precisar assim a gente
encaminha para a UPA
Depende de cada diagnoacutestico porque o
psiquiatra que estaacute junto com a gente do
matriciamento ele estaacute justamente para resolver
o que puder ser aqui junto com o meacutedico
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Ter psiquiatra como meacutedico da unidade
Natildeo ter atendimento conjunto psiquiatra e meacutedico da famiacutelia
Grupos de atividades para integraccedilatildeo social
121
Durante as entrevistas com os Teacutecnicos de Enfermagem percebi algumas dificuldades
de entendimento das perguntas colocadas por exemplo na identificaccedilatildeo quando pedi para
falar soacute as iniciais do nome completo dois entrevistados natildeo entenderam e acabaram
pronunciando o nome todo Tambeacutem quando questionado sobre a importacircncia da ESF para o
sistema de sauacutede um deles entendeu diferenccedila sendo necessaacuteria reformular a mesma pergunta
diversas vezes ateacute sua compreensatildeo Percebi tambeacutem uma timidez por parte deles em
participar da pesquisa pois como podemos evidenciar nos discursos o trabalho dessa
categoria na ESF parece ainda estar muito voltado para procedimentos teacutecnicos sem muita
participaccedilatildeo na equipe como um todo
No iniacutecio eu estava meio preocupado porque o teacutecnico de enfermagem ele fica soacute ali
no procedimento vacina curativo entatildeo ele acaba natildeo se envolvendo muito com as coisas
aqui da unidade entendeu Mas assim eu gostei da entrevista (Felismina)
Noacutes teacutecnicos a gente natildeo consegue pegar muito esse momento do acolhimento a
gente jaacute pega o poacutes quando jaacute foi acolhido jaacute teve uma consulta e uma orientaccedilatildeo
geralmente quando chega pra gente eacute soacute para fazer medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute para controle de
alguma coisa assim eacute isso (Eliseu)
Esses discursos satildeo analisadores importantes para avaliaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder
dentro das equipes de sauacutede O quanto o poder estaacute relacionado ao detentor do conhecimento
no caso aos profissionais de niacutevel superior meacutedico e enfermeiro O teacutecnico de enfermagem
dentro da equipe de sauacutede onde a escolaridade exigida eacute o ensino meacutedio fica tomado em
afazeres teacutecnicos sendo uma matildeo-de-obra importante mas com pouca vocalizaccedilatildeo o que se
repete mesmo na ESF
Tambeacutem apareceram nos discursos dos teacutecnicos de enfermagem duas queixas -
denuacutencia
1) a sobrecarga de trabalho ndash Acho que os teacutecnicos na Cliacutenica da Famiacutelia satildeo muito
sobrecarregados muito trabalho (Eliseu)
2) a alta rotatividade dos profissionais principalmente meacutedicos residentes o campo de
estudo como jaacute relatado anteriormente eacute cenaacuterio de praacutetica para Residecircncia em Medicina de
Famiacutelia e Comunidade que tem duraccedilatildeo de dois anos o que acaba interferindo no
acompanhamento e viacutenculo com os usuaacuterios
Nesse periacuteodo que eu estou na Estrateacutegia vejo essa dificuldade que agraves vezes tem um
profissional e ai esse profissional comeccedila desenvolve um trabalho e ai de repente por algum
outro motivo aquele profissional eacute deslocado dali natildeo estaacute mais vem outro agora com essa
122
coisa dos residentes tem essa troca muito continua () e os pacientes fazem esse vinculo eacute a
queixa deles a gente ouve muito isso agora (Daacutercio)
Quanto agrave sobrecarga de trabalho o nuacutemero de teacutecnicos de enfermagem na CF estaacute
dentro dos preceitos legais do MS um teacutecnico para cada equipe da ESF o nuacutemero de usuaacuterios
tambeacutem como jaacute relatado anteriormente estaacute de acordo com preconizado pela PNAB (2012)
respeitando-se inclusive que em aacutereas de maior vulnerabilidade social o nuacutemero de usuaacuterios
por equipe eacute menor como de fato acontece na unidade estudada A questatildeo eacute que como as
pessoas estatildeo de fato sendo atendidas e as carecircncias em relaccedilatildeo a poliacuteticas puacuteblicas de um
modo geral satildeo muitas o que acaba acontecendo eacute que muitas coisas que natildeo deveriam chegar
agrave ESF chegam e natildeo satildeo questotildees propriamente de sauacutede ou ateacute mesmo o usuaacuterio jaacute ficou
tanto tempo desassistido que o seu quadro acaba cronificando o que demanda mais visita agraves
unidades de sauacutede Ou tambeacutem como natildeo existe uma articulaccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo
em sauacutede o usuaacuterio chega agrave ESF que eacute a porta de entrada mas natildeo consegue ser referenciado
para outros niacuteveis demandando atenccedilatildeo cuidado visita domiciliar mas sem muita
resolutividade
Quanto a questatildeo da alta rotatividades dos profissionais na ESF o estudo realizado por
Rizzoto et al (2014) apontou que mais de 70 dos profissionais nas equipes de Atenccedilatildeo
Baacutesica natildeo permanecem mais que dois anos em cada equipe e que a precarizaccedilatildeo dos viacutenculos
e contratos de trabalho para manter o serviccedilo cumpri tambeacutem com a Lei de responsabilidade
fiscal o que tem chamado atenccedilatildeo de gestores e pesquisadores do campo do planejamento e
da gestatildeo do trabalho em sauacutede Em relaccedilatildeo aos meacutedicos residentes em especifico a
Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade foi uma estrateacutegia adotada pela Secretaria
Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro para fixaccedilatildeo de profissionais meacutedicos prioritariamente
em aacutereas de difiacutecil acesso com incentivo financeiro para expansatildeo da ESF na cidade
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
No discurso dos Teacutecnicos de Enfermagem foi presente uma visatildeo do modo asilar
reducionista centrado na medicaccedilatildeo no controle e na ausecircncia de autonomia
Hoje mesmo teve um paciente aqui (fala o nome do paciente) ele eacute acompanhado pelo
Pinel junto com o pessoal do matriciamento daqui () ele toma de 14 em 14 dias trecircs
ampolas de haldol (Daacutercio)
Desde adolescente ele sempre usou medicaccedilatildeo atraveacutes de psiquiaacutetrico controlado ()
depois piorou usou a medicaccedilatildeo e misturou com a droga (Felismina)
123
Acho que eacute aquele paciente dependente (Eliseu)
Quando questionado que dependecircncia seria essa (Eliseu) responde
Acompanhado pela famiacutelia que a famiacutelia tem um cuidado e atenccedilatildeo melhor atenccedilatildeo
redobrada assim com o indiviacuteduo Eu acho que eacute isso
Como pude constatar para os teacutecnicos de enfermagem entrevistados ldquocasordquo de sauacutede
mental estaacute relacionado ao uso de medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia e
comportamentos estereotipados
Toda hora vai repetindo a coisa neacute fica agraves vezes piscando a vista fica inquieto ai
fica pra laacute e pra caacute (Felismina)
Um comportamento diferente que natildeo eacute comum natildeo eacute normal do que vocecirc estaacute
acostumado a ver (hellip) agraves vezes chegam muito agitados ou se isolam e ficam ali no cantinho
(Daacutercio)
O que representa ainda uma concepccedilatildeo do modelo meacutedico psiquiaacutetrico talvez ateacute
mesmo pela formaccedilatildeo teacutecnica que eacute de 1 (um) ano com conteuacutedos teoacuterico e praacutetico voltados
para o ambiente e cuidados hospitalares
Talvez tambeacutem pelo grau de escolaridade e perfil socioeconocircmico desses profissionais
exista uma insuficiecircncia de conhecimento e leitura sobre a Reforma Psiquiaacutetrica ateacute mesmo
pela dificuldade de acesso agraves leituras do campo
Todos os teacutecnicos de enfermagem responderam que natildeo tiveram nenhum treinamento
para lidar com as questotildees de sauacutede mental ou seja natildeo tiveram durante a formaccedilatildeo e nem no
serviccedilo fato alarmante para profissionais que atuam na ESF
Apesar dessa visatildeo ainda do modo asilar apareceram alguns deslizes ao longo de seus
discursos
Ele ateacute que conversa direitinho eacute um paciente hipertenso () ele vem sozinho verificar
a pressatildeo e a gente dar toda atenccedilatildeo para ele (Eliseu)
Numa boa porque assim a gente consegue passar essa seguranccedila para eles e ai eles
ficam com essa referecircncia nossa (Daacutercio)
Uma vez eu fui atender o paciente ele tem problema de sauacutede mental eu vi a pressatildeo
dele estava muito alta orientei a irmatilde (Felismina)
O que demonstrou que na praacutetica cotidiana esses profissionais conseguem atender aos
ldquocasosrdquo de sauacutede mental natildeo soacute por suas queixas psicopatoloacutegicas mas valorizando tambeacutem
suas queixas fiacutesicas e estabelecendo viacutenculos
O que explicitou a importacircncia da inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na ESF o
cuidado integral sem separaccedilatildeo entre mente e corpo de base territorial e com criaccedilatildeo de
124
viacutenculos O direito a atendimento universal equacircnime e integral eacute uma das premissas da
poliacutetica nacional de sauacutede mental Para o alcance dessa premissa de acordo com Souza
(2015) eacute primordial estar atento agraves necessidades e demandas dos usuaacuterios valorizando suas
queixas assim como caminhar na direccedilatildeo de serviccedilos inseridos nos territoacuterios de vida das
pessoas como a ESF Para Delgado (2001) soacute dessa forma seraacute possiacutevel caminhar para
atenccedilatildeo e cobertura decentes em sauacutede mental Portanto embora o discurso dos teacutecnicos de
enfermagem ainda seja do modo asilar mesmo sem saber estatildeo realizando accedilotildees do modo
psicossocial O que coincide com o estudo feito por Souza (2012) que apontou que as accedilotildees
de sauacutede mental na AB permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais natildeo tinham clareza
sobre elas)
2) Manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Quanto ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental nos discursos dos Teacutecnicos de
Enfermagem verifiquei dois modos de agir
1) Um com centralidade na equipe com discussatildeo de caso e apoio do matriciador
como preconizado pela PNAB (2012)
Muitas vezes a gente pede ajuda da equipe e fazemos discussatildeo de caso (Eliseu)
Eu acho que depende de cada diagnoacutestico entendeu Porque o (fala o nome do
meacutedico psiquiatra) que eacute o psiquiatra e esta junto com a gente no matriciamento ele estaacute na
unidade justamente para isso resolver o que puder ser resolvido aqui junto do meacutedico da
equipe trabalham em conjunto e vecircem o que podem resolver acho que somente poucos casos
devem ser encaminhados para alguma outra instituiccedilatildeo fora daqui (Daacutercio)
2) E outro com centralidade na crise na medicaccedilatildeo e na loacutegica do encaminhamento
confirmando o modo asilar de pensar e fazer presente na concepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mental no discursos dos profissionais dessa categoria
Sauacutede mental a gente geralmente quando chega com alguma crise assim a gente daacute a
medicaccedilatildeo o paciente fica calmo e se precisar assim a gente encaminha pra UPA (Eliseu)
O primeiro modo de agir embora esteja baseado no discurso politicamente correto de
acordo com as premissas da PNAB (2012) ao longo das entrevistas percebi alguns deslizes
pois esses profissionais pareciam natildeo se sentirem participes do processo de construccedilatildeo do
plano do cuidado dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental passando essa responsabilidade para os
meacutedicos tanto para o psiquiatra matriciador como para o meacutedico da equipe entrando em accedilatildeo
soacute quando solicitado para fazer algum procedimento (seja medicaccedilatildeo verificaccedilatildeo PA ou ateacute
mesmo visita domiciliar)
125
A gente passava para os meacutedicos e tentava fazer o melhor possiacutevel para estar
ajudando o paciente (Felismina)
Geralmente quando chega pra gente jaacute chega para fazer uma medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute
para o controle de alguma coisa (Daacutercio)
No cenaacuterio do estudo quando participei das reuniotildees de equipe percebi que os
teacutecnicos de enfermagem estavam de corpo presente na reuniatildeo mas permaneciam a maior
parte do tempo calados alguns tiravam um cochilo e apresentavam-se muito preocupados
com os afazeres teacutecnicos (curativo sala de vacinaccedilatildeo procedimentos) Chegavam inclusive
muitas das vezes atrasados ou saiam antes ou ateacute mesmo eram solicitados durante a reuniatildeo
Portanto nas discussotildees de equipe a voz desse profissional aparecia muito pouco exceto
quando havia a necessidade de fazer alguma intervenccedilatildeo com a presenccedila dessa categoria
Percebi tambeacutem que as atividades destes profissionais estavam muito concentradas na
unidade de sauacutede restando pouco tempo para accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede na comunidade
Seraacute que essa categoria profissional estaacute realmente sobrecarregada na ESF como jaacute
apresentado como queixa-denuncia no discurso dos proacuteprios profissionais
Recomendaccedilotildees
Um entrevistado relatou natildeo ter nenhuma recomendaccedilatildeo para melhoria das accedilotildees de
sauacutede mental na atenccedilatildeo baacutesica pois na sua concepccedilatildeo com a chegada do NASF o trabalho
estaacute bem realizado
Tem bastante coisa que a Cliacutenica da Famiacutelia tem feito tem discussatildeo de casos dentro
da proacutepria equipe tem rodas de conversas que os meacutedicos fazem discutindo os casos junto
com os pacientes tecircm tambeacutem os meacutedicos do NASF eu acho que o trabalho com a sauacutede
mental estaacute sendo bem realizado (Eliseu)
Nesse discurso mais uma vez notamos o protagonismo do profissional meacutedico nas
atividades relatadas
No discurso de Felismina tambeacutem percebemos a centralidade do atendimento no
profissional meacutedico acrescido do foco no especialismo segregando as pessoas por sua
patologia o que deixou claro o desconhecimento da proposta de atendimento do NASF por
meio do apoio matricial e de toda a forma de atendimento no sauacutede da famiacutelia
Na unidade teria que ter realmente o psiquiatra ele como meacutedico da unidade
atendendo o paciente e natildeo precisar ser junto neacute O clinico geral com o psiquiatra Claro
que a gente jaacute tem mas eacute um atendimento conjunto estaacute oacutetimo neacute Porque jaacute foi mais uma
126
passo que a unidade avanccedilou neacute Que natildeo tinha () entatildeo tipo assim pessoas que tem
problemas psiquiaacutetricos ficar ali com meacutedico psiquiaacutetrico (Felismina)
Jaacute no discurso de Daacutercio ficou evidenciada uma recomendaccedilatildeo de acordo com o
modelo de atenccedilatildeo psicossocial onde foram sugeridas atividades em grupo na unidade de
sauacutede para estimular o conviacutevio social apesar de sua concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental
ainda ser do modo asilar
Acho que dentro da unidade de repente poderia ter grupos de atividades que pudesse
trazer para a sociedade trazer de volta esses pacientes que se isolam que ficam mais assim
() eu acho que seria bom melhoraria (Daacutercio)
127
625 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede
Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACSs)
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
Nuacutecleos Discursivos Significantes
Pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa
pessoas que fazem parte de algumas religiotildees e deixam de
fazer algumas coisas pessoas que fumam exageradamente
que comem compulsivamente ou deixam de comer que
bebem muito
Eu acho que a maioria tem sauacutede mental obvio que tem gente
que jaacute nasce com problema outras que com a sofrencia da
vida acaba adquirindo problemas entrando em surto ficando
doido estressado
Pessoas deprimidas que se isolam que natildeo tem mais alegria
tecircm dificuldades tentam ateacute se matar
Envolvimento com drogas certos transtornos que a pessoa eacute
agressiva transtorno bipolar obsessivo
Pessoas estressadas
Um olhar de tristeza algo que perturba o dia-a-dia e foge da
rotina
Algum distuacuterbio alguma mania um estresse que acarreta
uma crise eacute o momento que tu vive
Perturbaccedilatildeo devido a tantos remeacutedios
Agressividade irritabilidade surto situaccedilatildeo de vida precaacuteria
depressatildeo
Procuro conversar adequando o meu tom de voz estar
sempre perto visitando perguntando o que poderia tirar a
pessoa daquele quadro
Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a
enfermeira resolvem e eu fico soacute acompanhando
Acolhemos procuramos conviver conversar mais apoiando
tentando trazer para a CF para participaccedilatildeo dos nossos
programas que oferecemos
Converso peccedilo para ir a CF falar com os meacutedicos cliacutenicos
que eles que encaminham para psiquiatria e comeccedilar um
tratamento
Venho a CF falo com o meacutedico e peccedilo para o paciente vir na
demanda tenho um grupo de caminhada e um grupo de
exerciacutecio a gente dava uma caminhadinha para tirar o
estresse do dia-a-dia
Prevenccedilatildeo escuta atuaccedilatildeo sem remeacutedio jaacute levei para o
CMS onde sabia que tinha psiquiatra e para emergecircncia
psiquiaacutetrica
Trago o caso pra equipe
Trago diretamente para enfermeira chefe e para os meacutedicos
da equipe marcamos uma visita domiciliar
A gente traz para equipe para que eles nos decirc que rumo vai
ser feito
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE
SAUacuteDE MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Cursos de capacitaccedilatildeo e teacutecnicas de abordagem para usuaacuterios de drogas violecircncia domeacutestica
Presenccedila de outros oacutergatildeos
Dar mais ecircnfase ndash ainda mais agora que estatildeo comeccedilando a liberar essas pessoas e como a sociedade vai receber
Implantar psiquiatria e psicologia fixos na CF
Interconsulta com todos os profissionais de sauacutede com a participaccedilatildeo do ACS
Diminuir o tempo de espera para atendimento
Aprender ldquoouvirrdquo e ver ldquoaleacutem do que estatildeo mostrandordquo
Ter mais meacutedicos especializados
Estar aberto agraves pessoas ter temperanccedila
128
Durante as entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACSs) percebi que ao
falarem sobre o que consideravam como ldquocasordquo de sauacutede mental no iniacutecio tinham uma
inibiccedilatildeo por natildeo terem ldquoformaccedilatildeordquo ou seja conhecimento teoacuterico sobre o assunto como
podemos observar nos discursos
Eu tenho natildeo eacute minha formaccedilatildeo neacute (Geneacutesia)
Enfim eu sou meio leigo no assunto (Heda)
Eu natildeo entendo muito de sauacutede mental (Iana)
Como jaacute descrito anteriormente esse trabalhador eacute um morador da aacuterea que atua sem
formaccedilatildeo em sauacutede seu capital social eacute o conhecimento do territoacuterio e das pessoas que nele
habitam eacute portanto o elo entre a comunidade e os profissionais de sauacutede E eacute nisso nessa
ldquoalma comum e comunitaacuteriardquo que estaacute radicada a potecircncia terapecircutica dos ACSs
(LANCETTI 2014 p96)
Talvez por ser a classe de trabalhadores da base no niacutevel hieraacuterquico da equipe da
ESF sentem-se muitas vezes dependentes das decisotildees do meacutedico e do enfermeiro natildeo
reconhecendo a potecircncia do seu trabalho por acreditarem que por natildeo ter o conhecimento
teacutecnico da sauacutede o seu trabalho teria menos valor Para Lancetti (2014) os ACSs satildeo peccedilas
preciosas da maacutequina de produzir e fazer sauacutede mental em virtude de sua praacutetica paradoxal
ldquoParadoxal pois satildeo ao mesmo tempo membros da comunidade e integrantes da organizaccedilatildeo
sanitaacuteria E nesse funcionamento radica sua potencialidaderdquo (LANCETTI 2014 p93)
Embora sejam a categoria em maior nuacutemero dentro da equipe nas reuniotildees que tive
oportunidade de presenciar alguns tinham uma participaccedilatildeo bem ativa outros nem tanto
assim como o grau de afinidade com o trabalho desenvolvido uns mostraram-se envolvidos
interessados e proacute-ativos outros precisavam de um lsquoempurratildeozinhorsquo do enfermeiro ou meacutedico
da equipe
Nas entrevistas realizadas tantos com os meacutedicos preceptores e residentes assim como
com os enfermeiros foi constante a queixa-denuncia da necessidade urgente de formaccedilatildeo para
os ACSs Foi comum nos discursos a reclamaccedilatildeo de que alguns ACSs natildeo sabiam o que
estavam fazendo na ESF qual era a sua funccedilatildeo a ser desempenhada Ateacute mesmo nos discursos
deles proacuteprios sugiram sugestotildees para aperfeiccediloar as estrateacutegias de seleccedilatildeo e investir mais em
capacitaccedilatildeo para os ACSs O que eacute uma queixa-denuncia que necessita ser melhor escutada e
avaliada pois satildeo os ACSs os responsaacuteveis pelo acolhimento dos usuaacuterios hoje nas Cliacutenicas
da Famiacutelia e pela busca ativa no territoacuterio portanto um trabalhador fundamental para a
engrenagem da ESF
129
No discurso dos ACSs pudemos observar tambeacutem um corte social de classe presente
nas falas
A cliacutenica numa fase de expansatildeo foi pro asfalto fiquei apavorada vou trabalhar na
rua com essas pessoas que sabem muito mais e eu tatildeo pouco sei (Heda)
Entrosando num soacute vinculo social porque eacute comunidade eacute rua ultrapassar as
barreiras de preconceitos ateacute preconceitos meus mesmos (Jacobina)
Mais uma vez assim como no discurso dos teacutecnicos de enfermagem apareceu a
questatildeo social encarada por estes profissionais que natildeo possuiacuteam niacutevel de instruccedilatildeo superior
como um sentimento de menos valia Acrescentado ao lugar de moradia comunidade x
asfalto num sentimento de inferioridade formando barreiras de comunicaccedilatildeo produzidas por
eles proacuteprios Pois acreditavam que no asfalto soacute havia pessoas cultas e que eles natildeo tinham
nada para passar ensinar O que logo caiu por terra ao longo de suas imersotildees no cotidiano do
asfalto pois perceberam que essas pessoas eram carentes de atenccedilatildeo e afeto o que permitiu
aproximaccedilatildeo e construccedilatildeo de vinculo Embora tenham relatado o quanto eacute difiacutecil entrar em
alguns condomiacutenios fechados desafios do trabalho da ESF em uma grande metroacutepole como eacute
a cidade do Rio de Janeiro
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Em relaccedilatildeo ao guia para analise compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
os ACSs foram os trabalhadores dentro da ESF que menos usaram os termos doenccedila doente e
diagnoacutestico meacutedico trouxeram um entendimento mais amplo das vaacuterias situaccedilotildees da vida
estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas
com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou
social desagregador ou como denominou Kiara em seu discurso satildeo muitos assuntos mal
resolvidos Mas tambeacutem surgiram em alguns discursos os termos perturbado transtorno
psiquiaacutetrica mania distuacuterbio agressividade problema mental e remeacutedio controlado
No discurso desses profissionais surgiu a concepccedilatildeo muito cara para o campo da
Atenccedilatildeo Psicossocial que eacute a prevenccedilatildeo com a valorizaccedilatildeo do vinculo da longitudinalidade e
da escuta
Eu consigo perceber que hoje dei um bom dia mas aquele bom dia natildeo me fluiu bem e
vou laacute perguntar o que estaacute acontecendo e ela me diz um monte de coisa ela jaacute um caso de
sauacutede mental um caso que a gente pode controlar sem remeacutedio Soacute com a escuta sem poder
introduzir o remeacutedio isso eacute prevenccedilatildeo isso eacute sauacutede mental (Hebe)
130
Outra concepccedilatildeo tambeacutem presente e muito cara ao campo eacute a natildeo medicalizaccedilatildeo ou
seja natildeo transformar os problemas da vida em problemas meacutedicos portanto passiveis de
diagnoacutestico e medicaccedilatildeo Mas ampliar o espaccedilo de escuta e a oferta de outras estrateacutegias de
intervenccedilatildeo natildeo medicamentosa explorando os recursos da proacutepria comunidade Pois ativar
os recursos escondidos ou disponiacuteveis da comunidade nunca deve ser um ato tecnocraacutetico ou
burocraacutetico (LANCETTI 2014)
Nesse mesmo discurso encontramos um exemplo riquiacutessimo de empoderamento
A gente tem um grupo um professor de atividade fiacutesica e a gente levou ele na minha
aacuterea () levamos porque um dia uma paciente me ligou agraves trecircs horas da manhatilde que a sogra
dela tinha morrido e ela estava velando o corpo sozinha eu natildeo podia fazer nada mas eu fui
porque naquele momento eu era o apoio dela e ser Agente de Sauacutede eacute ser apoio () e
quando cheguei laacute a gente mora em uma comunidade estava soacute eu ela e minha amiga
velando o corpo () isso me incomodou muito quando o professor chegou a ideacuteia dele era
que as mulheres emagrecessem mudassem a rotina delas pudesse fazer um exerciacutecio em
casa a minha era de que elas pudessem se conhecer e se ajudar (Hebe)
Como podemos observar eacute notaacutevel a potecircncia do viacutenculo estabelecido entre a ACS e a
usuaacuteria sendo o apoio nesse momento tatildeo doloroso que foi a perda de um ente familiar mas
que a proacutepria ACS ao mesmo tempo em que se coloca como apoio se contradiz eu natildeo podia
fazer nada Natildeo conseguiu entender que naquele momento o apoio estar do lado dessa
usuaacuteria foi o seu pedido de ajuda e isso eacute promover sauacutede mental Outra intervenccedilatildeo valorosa
dessa mesma ACS foi a partir desse episoacutedio levou o professor de educaccedilatildeo fiacutesica para
possibilitar o conviacutevio entre as mulheres que moravam na mesma aacuterea visando a coesatildeo entre
elas e a ajuda muacutetua Enquanto o professor muito preso ao seu saber teacutecnico tinha como
objetivo estimular atividades fiacutesicas e haacutebitos saudaacuteveis Daiacute o potencial da contribuiccedilatildeo de
outros saberes no fazer cotidiano da ESF tornando as estrateacutegias de intervenccedilatildeo mais soft e
menos medicalizadoras (SARACENO 2001)
Faz-se importante destacar que essa ACS eacute reconhecida na unidade como a que tem
mais afinidade com as questotildees de sauacutede mental participa dos Foacuteruns e das supervisotildees de
territoacuterio da Sauacutede Mental da aacuterea e se colocava disponiacutevel e atuante para tal funccedilatildeo O que
deixava transparecer sua disponibilidade interna para delicadeza das situaccedilotildees que ela exerce
com muita facilidade e espontaneidade Natildeo tendo clareza do potencial de suas accedilotildees
Tornado explicito mais uma vez o mito do especialista da necessidade de ter um profissional
de sauacutede mental para produzir intervenccedilotildees terapecircuticas adequadas
131
No discurso Jacobina apareceu o estresse como percepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental
apontando a importacircncia de avaliar o que a pessoa estaacute sentido ou vivendo no momento
Agraves vezes vocecirc estaacute estressado vocecirc daacute uma crise isso natildeo quer dizer que vocecirc eacute
louco entendeu Eu acho que a sauacutede mental eacute o que vocecirc estaacute sentindo naquela hora ()
Poreacutem houve contradiccedilotildees nesse discurso com o uso dos termos distuacuterbio mania louco e
maluco
Alguma coisa que a pessoa tem algum distuacuterbio porque a sauacutede mental a pessoa fala
eacute louco natildeo agraves vezes eacute alguma mania isso eacute sauacutede mental () porque agraves vezes os outros
falam ah sauacutede mental eacute maluco e natildeo eacute (Jacobina)
Como podemos observar o discurso de Jacobina foi marcado por uma ambivalecircncia
ao mesmo tempo em que traz a visatildeo do modo da Atenccedilatildeo Psicossocial traz tambeacutem os
termos distuacuterbio e mania do Modelo Biomeacutedico
O discurso de Lana traz a importacircncia da sauacutede mental na ESF com a compreensatildeo
de que mente e corpo natildeo satildeo dicotomizados oferecendo um cuidado longitudinal e
integrado Sinalizando tambeacutem a importacircncia de considerar o ambiente social e cultural no
processo de adoecimento
Ela era psiquiaacutetrica mas ela tinha tambeacutem enfisema diabetes () porque muitas das
vezes natildeo eacute soacute o transtorno agraves vezes eacute o ambiente que aquela pessoa estaacute vivendo que estaacute
deixando ela psiquiaacutetrica () porque haacute uma briga interna da famiacutelia que dificulta a situaccedilatildeo
da vida tambeacutem precaacuteria que ai vocecirc fica tentando ver o que vocecirc vai fazer com aquele
paciente qual eacute a maneira que tu vai entrar naquela famiacutelia () porque a famiacutelia briga a
casa que mora eacute peacutessima a situaccedilatildeo que natildeo ajuda e as doenccedilas propriamente ditas ()
Entatildeo assim difiacutecil mas assim a gente conseguiu acompanhar ter acesso () que no
comeccedilo natildeo tiacutenhamos era bem difiacutecil e a famiacutelia tambeacutem porque a gente adota a famiacutelia
mas eles tambeacutem nos adotam porque depende tambeacutem da aceitaccedilatildeo deles agrave nossa pessoa
Nesse mesmo discurso encontramos tambeacutem a inclusatildeo do nuacutecleo familiar e o poder
da visita domiciliar como uma espeacutecie de ldquopoliacutecia meacutedica revolucionaacuteriardquo Lancetti (2014
p93) O autor explica poliacutecia no antigo sentido da poliacutecia meacutedica uma das fontes histoacutericas
da medicina sanitaacuteria pois se inserem no ambiente domeacutestico iacutentimo e no territoacuterio
existencial das pessoas E revolucionaacuteria porque ali onde somente a TV Globo ou as
emissoras de raacutedio se inserem como componentes de produccedilatildeo de subjetivaccedilatildeo com
consequumlecircncias infantilizantes os ACSs conseguem penetrar criando viacutenculos por meio de
processos sociais de comunicaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e produccedilatildeo de singularidades O que conduz a
132
accedilotildees e paixotildees coletivas solidaacuterias e tecem fio a fio redes microssociais de alto poder
terapecircutico (LANCETTI 2014)
No discurso de Heda a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental estaacute relacionada a desde
melancolia passando por pessoas que fumam ou comem compulsivamente ateacute pertencer a
alguma religiatildeo uma conceituaccedilatildeo ampliada e holiacutestica mas focada nos excessos pois nos
informa que o excesso pode ser sinal de algo natildeo vai bem
Eu tenho pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa () pessoas
que umas satildeo asseadas outras natildeo pessoas que fazem parte de alguma religiotildees entatildeo
deixam de fazer outras coisas porque a religiatildeo impede e elas ficam agrave espera de um milagre
natildeo entendem que elas precisam fazer a parte delas pessoas que fumam exageradamente
jogam toda a sua ansiedade seu nervosismo ali pessoas que comem compulsivamente ou
deixam de comer pessoas que bebem muito (Heda)
Seraacute mesmo o excesso um sinal vermelho Os ACSs com seu poder de entrar na casa
das pessoas para accedilotildees seja de promoccedilatildeo ou prevenccedilatildeo de sauacutede comeccedilam a se apropriar do
modo de vida delas e a trazer para unidade de sauacutede o que detectam como problema no caso
acima os excessos Mas seraacute isso um problema para esses usuaacuterios tambeacutem Esses agentes de
sauacutede satildeo o dedo do Estado na comunidade surfam no controle Lancetti (2014) Faz-se
necessaacuterio aqui lembrar Deleuze a sociedade de controle opera ao ar livre natildeo mais no
hospiacutecio mas em todo lugar e fundamentalmente no domicilio Portanto esse instrumento
valioso de trabalho na ESF pode ser tambeacutem uma nova forma de controlar a vida das pessoas
indo mais longe ateacute tornar meacutedico questotildees cotidianas da vida Esse eacute um risco que precisa
ser melhor estudado com a expansatildeo da ESF e aumento da capilaridade das accedilotildees de sauacutede
nas cidades brasileiras
No discurso de Nateacutercia a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental aparece como
Ficou perturbado devido a tantos remeacutedios () porque ele sofreu de meningite ele
ficou cego e ficou perturbado devido a tantos remeacutedios agraves vezes descontrolados que ele
tomava por falta de conhecimento hoje jaacute estaacute ateacute melhor
Foi muito interessante perceber que para falar sobre a concepccedilatildeo e percepccedilatildeo dos
ldquocasosrdquo de sauacutede mental os ACSs citaram os exemplos de atendimento que realizaram
trazendo exemplos praacuteticos do trabalho cotidiano Nesse discurso por exemplo o
entrevistado conta o caso por ele atendido de um usuaacuterio com tuberculose resistente e notou-
se uma vaidade em falar
Jaacute existiram trecircs agentes de sauacutede na aacuterea eu entrei na minha aacuterea para fazer a
diferenccedila disso eu tenho certeza por quecirc Porque eu curei tenho certeza disso natildeo foi soacute o
133
remeacutedio dependeu de mim a cura dele () natildeo aceitava tomar remeacutedio de matildeo de agente
nenhum porque nenhum agente soube chegar ateacute ele da forma que eu cheguei (Nateacutercia)
Nateacutercia no decorrer de seu discurso falou de sua opccedilatildeo sexual da sua dificuldade
em ser aceito pelas pessoas da comunidade e das barreiras que ele mesmo criou impedindo
por exemplo de fazer accedilatildeo educativa nas escolas A eacutepoca das entrevistas essa dificuldade de
aceitaccedilatildeo jaacute estava sanada Mas todo o seu discurso eacute marcado pela necessidade de fazer mais
ser o melhor ser o diferente dentro da equipe apontando uma necessidade de reconhecimento
Ateacute mesmo seu comportamento dentro da unidade pareceu um movimento de atrair as
atenccedilotildees o tempo todo mesmo nos pequenos gestos como chegar atrasado agrave reuniatildeo de
equipe entrar e deixar a porta aberta sair e bater porta com forccedila falar alto
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental a accedilatildeo que prevaleceu nos
discursos dos ACSs foi levar para unidade de sauacutede (Cliacutenica da Famiacutelia) ou seja os agentes
exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo No entanto faz-se
necessaacuterio mais uma vez alertar que esta proximidade potencializada dos ACSs um dos
elementos importantes da maacutequina de fazer sauacutede tem uma dimensatildeo hiacutebrida articula-se a
uma singularizaccedilatildeo do cuidado mas tambeacutem a uma capilarizaccedilatildeo do controle sobre a
populaccedilatildeo (PICCININI NEVES 2013)
Com a ampliaccedilatildeo da cobertura da ESF nos domiciacutelios brasileiros em especial na
cidade do Rio de Janeiro em aacutereas carentes tambeacutem haacute que se observar como apontam
Lemke e Silva (2013) nessa mesma direccedilatildeo do controle
() o trabalho dos ACS tem essa dupla direccedilatildeo a de ser um modo de
racionalizar custos e a de ser um modo de ampliar o acesso e de
focalizar a atenccedilatildeo em grupos vulneraacuteveis atendendo a um principio
equitativo de justiccedila social Por esse motivo a praacutetica dos ACS
comporta o risco de ser uma cesta baacutesica simplificada para os pobres
que por meio das praacuteticas de educaccedilatildeo em sauacutede e das visitas
domiciliares tenha como efeito a medicalizaccedilatildeo a normalizaccedilatildeo e o
controle da vida no territoacuterio comunitaacuterio (LEMKE SILVA 2013
p41)
134
Como jaacute descrito o ACS que natildeo tem uma formaccedilatildeo acadecircmica nem qualquer
conhecimento teacutecnico preacutevio em sauacutede que eacute um dos requisitos fundamentais para a sua
atuaccedilatildeo foram a via pela qual se planejou executar parte das mudanccedilas nos modos de
produzir sauacutede no paiacutes ldquoA sauacutede bate agrave sua portardquo Piccinini e Neves (2013 p 83) O
indiviacuteduo que antes era mais um morador do territoacuterio eacute promovido a cuidador tornando-se
corresponsaacutevel pelos cuidados em sauacutede de um determinado recorte territorial geograacutefico
Outro analisador importante do discurso dos agentes sobre o manejo foi a passividade
traziam o ldquocasordquo para equipe resolver natildeo sentiam-se participes do processo de produccedilatildeo do
cuidado a esses usuaacuterios
Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a enfermeira resolvem e eu
fico soacute acompanhando (Hebe)
Converso peccedilo para vim aqui (na Cliacutenica da Famiacutelia) falar com os meacutedicos com os
cliacutenicos que eles que encaminham para aacuterea de psiquiatria e para comeccedilar um tratamento
(Marcilene)
Sobressaltando mais uma vez o lugar do ldquosuposto saberrdquo onde soacute os profissionais de
niacutevel superior com seu conhecimento teacutecnico cientifico teriam as soluccedilotildees para os problemas
apresentados E o agente comunitaacuterio de sauacutede sem o conhecimento teacutecnico-acadecircmico fica
mais uma vez subordinado ao poder meacutedico
Um contraponto muito interessante desses dois discursos foi o discurso Natalina
Eu tenho um grupo de caminhada ai assim quando eu vou na casa deles eles tem
abertura para conversar comigo eles falam ai eu tento chamar para fazer atividades ()
qualquer um que gostaria de caminhar a gente dava uma caminhadinha na Lagoa para tirar
o estresse do dia-a-dia () a maioria dos meus pacientes eacute empregada domeacutestica e porteiro
entatildeo eacute muita cobranccedila em cima deles natildeo tem como ficar estressado
O que representou por parte dessa agente comunitaacuteria de sauacutede iniciativa e autonomia
no seu processo trabalho A ideia do grupo foi de autoria dessa agente Chamou atenccedilatildeo
tambeacutem a sua sensibilidade de abrir um espaccedilo de escuta para essas pessoas com ocupaccedilotildees
de trabalho estressante Marcando assim uma caracteriacutestica fundamental do meacutetodo para as
accedilotildees de sauacutede mental na ESF a invenccedilatildeo no modo de produzir sauacutede (LANCETTI 2013)
No discurso de Hebe eacute sinalizada a presenccedila do NASF realmente como apoio para o
manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental em uma perspectiva de territoacuterio de sauacutede e natildeo de
doenccedila pois quando a ACS natildeo conhecia a rede o lugar para pedir ajuda era uma instituiccedilatildeo
psiquiaacutetrica
135
Agora a gente tem o NASF mas nem sempre foi assim () uma paciente que todo dia
descia pra trabalhar de repente ela passou a ficar andando pela comunidade isso me causou
estranheza isso natildeo eacute normal () e a pessoa estava falando as coisas natildeo tinham conexatildeo
() eu peguei natildeo conhecia a rede levei ela no PINEL laacute ela foi medicada
Nesse discurso tambeacutem fica caracterizado o princiacutepio da longitudinalidade ou seja o
quanto acompanhar um usuaacuterio ao longo do tempo possibilita reconhecer que determinada
accedilatildeo desse usuaacuterio eacute ou natildeo eacute estranha no seu cotidiano permitindo uma intervenccedilatildeo precoce
que pode ser iatrogecircnica ou natildeo
Nesse caso citado natildeo foi a mais adequada mas no momento foi a melhor que Hebe
pode fazer em termos de cuidado e proteccedilatildeo da usuaacuteria
A mudanccedila tatildeo ansiada no paradigma da atenccedilatildeo agrave sauacutede ateacute entatildeo centrado no
modelo hospitalocentrico em um nuacutemero significativo de textos e artigos incluindo os
documentos oficiais do Ministeacuterio da Sauacutede deposita sobre a ESF e muitas vezes sobre a
figura do ACS a responsabilidade dessa mudanccedila Como apontado por Tomaz (2002) faz-se
necessaacuterio natildeo tomar o ACS como um super-heroacutei Onde o autor procura combater a visatildeo
romacircntica do ACS e da APS como ldquomola propulsora da consolidaccedilatildeo do SUSrdquo Pois nesse
entendimento existiria uma distorccedilatildeo do papel dos ACS gerando sobrecarga de trabalho e
sofrimento para estes trabalhadores como colocado no discurso Kiara
Eu acho que ateacute os funcionaacuterios deveriam ter um tratamento porque nesse curso a
gente descobriu que tem uma Unidade que todos os ACS estatildeo tomando remeacutedios
controlados
Uma revisatildeo de literatura sobre a temaacutetica dos ACSs realizada por Bornstein e Storz
(2008) indica que natildeo eacute possiacutevel delegar a um uacutenico niacutevel do sistema de sauacutede a realizaccedilatildeo de
uma mudanccedila de tamanhas proporccedilotildees A afirmaccedilatildeo eacute sustentada com uma retomada da
criacutetica ao ldquodiscurso mudancistardquo presente nos documentos oficiais que muitas vezes mitifica
o meacutedico generalista e vecirc a simples inserccedilatildeo deste na APS como suficiente para modificaccedilatildeo
do paradigma de atenccedilatildeo O mesmo acontece com o ACS uma vez que a aposta neste
personagem eacute de ele possa fazer a articulaccedilatildeo entre o saber popular e o saber teacutecnico visando
agrave construccedilatildeo de um projeto de cuidado que atenda agraves necessidades da populaccedilatildeo de um
territoacuterio especifico do qual o ACS seria membro integrante e vasto conhecedor Pois as
transformaccedilotildees sociais para mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo em sauacutede satildeo lentas e dependem
do esforccedilo de todos os cidadatildeos (TOMAZ 2002)
136
Recomendaccedilotildees
Quanto as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF no
discurso dos ACSs o que predominou foi o pedido de capacitaccedilatildeo o que nos leva a concluir
que esses trabalhadores natildeo se sentem instrumentalizados para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede
mental apontando para necessidade de treinamentos ou capacitaccedilotildees tambeacutem para abordagem
ao usuaacuterios de droga e violecircncia domeacutestica
Acho que precisa ser trabalhado mais A sociedade estaacute tatildeo estressada taacute tatildeo
sobrecarregada que precisa sim ter uma atenccedilatildeo maior ainda mais agora que eles estatildeo
comeccedilando a liberar essas pessoas e como que a sociedade vai receber essas pessoas
Kiara
CAPACITACcedilAtildeO DOS AGENTES COMUNITAacuteRIOS DE SAUacuteDE mas uma
capacitaccedilatildeo muito efetiva aonde aborda-se todos os temas e natildeo alguns somente (Nateacutercia)
No discurso Marcilene aparece uma recomendaccedilatildeo muito interessante que soa como
uma criacutetica ou uma queixa denuacutencia da natildeo participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas que a
entrevistada tenta negar mas se contradiz
Assim eu acho que a equipe meacutedica neacute estar junto numa interconsulta com todos os
profissionais de sauacutede Eacute assim os agentes jaacute estatildeo junto com eles tem isso entendeu Que
muitas das vezes os casos eacute a gente que traz pra caacute para os outros profissionais
Como afirma Lancetti (2014) a regra fundamental do funcionamento das equipes eacute
fazer circular o saber tanto o teacutecnico e cientiacutefico como o cultural e o popular Portanto a
participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas eacute salutar para produccedilatildeo de sauacutede no territoacuterio
No discursos de Hebe e Jacobina respectivamente aparece a recomendaccedilatildeo de uma
visatildeo holiacutestica e integrada em sauacutede mental com sugestotildees dos atributos necessaacuterios para o
trabalho na ESF
Olha pra trabalhar em Sauacutede da Famiacutelia tem que saber ouvir ver aleacutem do que eles
tatildeo te mostrando veja aleacutem do que eles querem ver (Hebe)
Porque tem paciente que ele quer conversar contigo problemas pessoais dele e vocecirc
tem que taacute aberta a ouvir aquilo muitas das vezes opinar muitas das vezes natildeo opinar
porque sua opiniatildeo pode trazer problemas na famiacutelia entatildeo haacute toda um temperanccedila mas eacute
interessante eu gosto (Jacobina)
Jaacute os discursos de Iana e Heda marcados pela loacutegica do especialismo ainda centrado
no modelo biomeacutedico a recomendaccedilatildeo eacute ter mais meacutedico especializado na Cliacutenica da Famiacutelia
ficando explicito o desconhecimento dos princiacutepios da APS
137
Eu acho que teria que ter mais vamos dizer meacutedicos especializados neacute porque aqui
a gente tem um meacutedico mas um meacutedico pra trecircs equipes eacute muito pouco e hoje a populaccedilatildeo taacute
sofrendo muito com sauacutede mental eu vejo muita gente tomando muito remeacutedio controlado agraves
vezes ateacute sem prescriccedilatildeo (Iana)
Teria que implantar psiquiatria e psicologia era uma das coisas que natildeo deveria
faltar aqui dentro Natildeo teria que ser assim soacute estagiaacuterios ou residentes natildeo teria que ser
pessoas fixas aqui mesmo tinha que ter uma sala realmente soacute pra eles mesmo porque aqui
noacutes temos muitos problemas de sauacutede mental Teria que ser uma coisa fixa (Heda)
O discurso de Natalina natildeo eacute uma recomendaccedilatildeo mas eacute tambeacutem uma queixa denuacutencia
da demora para o atendimento em sauacutede mental
Eu acho muito distante eu acho que poderia ser mais proacuteximo porque assim vem ateacute
aqui () aiacute pra marcar uma consulta eacute um dilema porque vai ter que ver a agenda do
meacutedico agraves vezes eacute um pra mil aiacute agraves vezes a pessoa ateacute desiste entendeu Eu acho que tem
uma distacircncia sei laacute eacute uma coisa muito distante
E finalmente no discurso de Lana natildeo haacute nenhuma recomendaccedilatildeo para ser feita pois
na sua opiniatildeo a chegada do NASF trouxe significativas contribuiccedilotildees para as accedilotildees de sauacutede
mental na ESF Hoje jaacute melhorou bastante porque como eu falei chegou o NASF O que
demonstrou que a equipe do NASF na Cliacutenica da Famiacutelia estudada estaacute efetivamente apoiando
as equipes conforme recomendado na Portaria GM 1542008
138
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Natildeo poderia deixar de pontuar o quanto foi difiacutecil escrever no periacuteodo de crise poliacutetica
brasileira desde o afastamento da Presidenta eleita democraticamente por voto popular em
marccedilo de 2016 ateacute a aprovaccedilatildeo do seu impeachment em agosto do mesmo ano Instalou-se
entatildeo no paiacutes um periacuteodo conservador de incertezas e ameaccedilas agrave tatildeo duramente conquistada
democracia Nesse clima de incertezas eacute colocada em votaccedilatildeo a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 241 que se transformou em PEC 55 Este Projeto tramitou sem a
necessaacuteria discussatildeo com diferentes atores e setores da sociedade e foi aprovado gerando a
desvinculaccedilatildeo de recursos da sauacutede nos proacuteximos 20 anos o que traraacute prejuiacutezos gigantescos
ao jaacute combalido SUS
A perda de recursos eacute histoacuterica e os caacutelculos demonstram que poderaacute acarretar ateacute R$
600 bilhotildees de reais retirados da sauacutede Isto coloca em risco o conjunto inquestionaacutevel de
conquistas da sauacutede brasileira desde a criaccedilatildeo do SUS apoacutes a promulgaccedilatildeo da nossa
Constituiccedilatildeo em 1988 como a melhoria da sauacutede puacuteblica brasileira aumento da expectativa
de vida reduccedilatildeo da mortalidade infantil queda da desnutriccedilatildeo e inuacutemeras campanhas de
promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede
A defesa do direito constitucional previsto no Artigo 196 da Constituiccedilatildeo de que a
sauacutede eacute um dever do Estado e um direito de todos estaacute gravemente ameaccedilada com a
aprovaccedilatildeo da PEC 55 Como escrevo em defesa do SUS e de uma Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Puacuteblica
que aprofunde a universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade e participaccedilatildeo popular o
cenaacuterio atual estaacute desolador
Na cidade do Rio de Janeiro a gestatildeo do governo do PMDB (Partido do Movimento
Democraacutetico Brasileiro) que contribuiu expressivamente para expansatildeo da APS na cidade por
meio da ESF mesmo com todas as minhas criacuteticas (gestatildeo por OSs viacutenculos precaacuterios etc) a
cobertura que era de 694 em janeiro de 2009 chegou em dezembro de 2016 a 5172
(MSSASDAB e IBGE) E com a eleiccedilatildeo para a prefeitura do Rio de Janeiro onde foi eleito
um governo do PRB (Partido Republicano Brasileiro) o cenaacuterio de duacutevidas e incertezas
novamente se repete Nessa nova gestatildeo ainda natildeo se sabe se haveraacute continuidade a todo
investimento feito na APS
Retomando ao fechamento dessa pesquisa o objeto de estudo dessa tese foram os
sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo
adulta do territoacuterio de sua responsabilidade A anaacutelise desses sentidos foi realizada tendo
como referecircncia as formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela
triangulaccedilatildeo do que foi dito por cada profissional entrevistado a teoria que fundamentou o
139
texto e as minhas consideraccedilotildees sobre o tema estudado Quero aqui deixar claro que natildeo tive a
intenccedilatildeo de esgotar todas as possibilidades de efeitos de deriva advindos das formaccedilotildees
discursivas nomeadas pelos entrevistados O que eacute compatiacutevel com a Anaacutelise de Discurso que
se caracteriza pela incompletude sem iniacutecio absoluto nem ponto final definitivo o que escrevi
de acordo com o proposto por Orlandi (2013) foi uma proposta de reflexatildeo sobre a
linguagem sobre os sujeitos entrevistados e suas subjetividades sobre a histoacuteria e suas
ideologias
Para os profissionais de niacutevel superior (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes e
enfermeiros) a motivaccedilatildeo para trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) apareceu
como uma alternativa ao modelo meacutedico centrado e hospitalocentrico Portanto a
compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para estes profissionais estaacute relacionada com um
modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede centrado na pessoa e natildeo na doenccedila considerando a famiacutelia e o
entorno social O que foi colocado pelos proacuteprios profissionais como um trabalho muito mais
amplo assistindo a todas as faixas etaacuterias do receacutem-nascido ao idoso que tambeacutem eacute bem mais
complexo pois estaacute o tempo todo atravessado pela realidade de onde as pessoas vivem
Jaacute para os profissionais de niacutevel meacutedio e fundamental (teacutecnicos de enfermagem e
agentes comunitaacuterios de sauacutede) a motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF foi a oportunidade de
emprego proacuteximo agrave residecircncia A compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para esse
grupo de profissionais estaacute relacionada a importacircncia de fazer algo para a comunidade aonde
moram e poder ajudar o proacuteximo O que foi apontado por eles proacuteprios como prevenccedilatildeo
ressaltando a importacircncia de propor accedilotildees educativas como armazenamento adequado do lixo
haacutebitos saudaacuteveis de alimentaccedilatildeo o que denominaram como orientar para natildeo chegar ao
ponta da doenccedila jaacute instalada
As denominaccedilotildees utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasosrdquo de sauacutede
mental se relacionaram principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade
Pois utilizaram uma perspectiva mais ampliada do processo sauacutede-doenccedila com abordagem
psicossocial sofrimento psiacutequico e todo caso pode ser um caso de sauacutede mental Embora
tenham se utilizado do termo transtorno mental para diferenciar o que pode ser acompanhado
na ESF e o que deve ser referenciado houve um certo cuidado para explicar a diferenccedila entre
transtorno e sofrimento Quanto ao manejo demonstraram trabalhar e ensinar agraves equipes que
inicialmente o acompanhamento do usuaacuterio deve ser com a ESF mesmo Observou-se que o
encaminhamento para outros serviccedilos ocorriam somente em situaccedilotildees de transtornos mentais
graves transtornos mentais em crianccedilas e dependecircncia quiacutemica
140
Os meacutedicos residentes ao nomearem ldquocasordquo de sauacutede mental utilizaram-se de termos
teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da
psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda
euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico com uma
perspectiva holiacutestica o uso de termos psiquiaacutetricos parecia lsquooacutebviorsquo para nomear os ldquocasosrdquo de
sauacutede mental Quando se questionou a esses entrevistados sobre o porquecirc de utilizarem as
categorias nosograacuteficas acima mencionadas ficaram espantados como se aquele
questionamento natildeo fizesse nenhum sentido Isso indicou que o saber psiquiaacutetrico natildeo eacute
passiacutevel de questionamento eacute um saber preacute-existente e portanto naturalizado como
linguagem explicativa para as formas de adoecimento em sauacutede mental
Quanto ao manejo os meacutedicos residentes demonstraram natildeo fazer encaminhamentos
externos sem uma escuta ativa preacutevia e sem consultar os preceptores e os profissionais do
Nuacutecleo de Apoio ao Sauacutede da Famiacutelia (NASF) Embora tenha aparecido em seus discursos
uma dificuldade ou mesmo medo e inseguranccedila em manejar esses ldquocasosrdquo ndash pisando em ovos
e se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel os entrevistados apresentaram disponibilidade
para acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental Demonstraram ateacute interesse em
atendecirc-los pois se sentiam apoiados seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra
e psicoacutelogo) Daiacute a importacircncia de um processo de educaccedilatildeo continuada no cotidiano das
equipes ampliando o escopo de accedilotildees e a resolutividade na atenccedilatildeo primaacuteria Processo esse
que pode ser realizado pela equipe do NASF que tem uma funccedilatildeo teacutecnica e pedagoacutegica junto
agraves equipes da ESF
No discurso dos enfermeiros tambeacutem prevaleceu os termos teacutecnicos psiquiaacutetricos
Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia ansiedade doenccedila mental ndash para
nomear o ldquocasordquo de sauacutede mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais
ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias
desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Quanto ao manejo o que predominou foi a
solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico embora tenham relatado conseguir acolher e
escutar A dinacircmica do funcionamento em equipe surgiu em uma das falas dos enfermeiros
mas tambeacutem com ecircnfase na centralidade no profissional meacutedico
No discurso dos teacutecnicos de enfermagem a concepccedilatildeo de ldquocasosrdquo de sauacutede mental
apareceu impregnada da visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica
dependecircncia e tutela da famiacutelia comportamentos estereotipados Reafirmada na
recomendaccedilatildeo destes profissionais de ter um psiquiatra fixo na Cliacutenica da Famiacutelia (CF) para
atender a esses casos Exceccedilatildeo em um discurso que sugeriu a criaccedilatildeo de atividades em grupos
141
na proacutepria CF com a finalidade de reinserccedilatildeo no meio social Quanto ao manejo apareceram
dois modos de agir um centrado na equipe com discussatildeo de caso apoio do matriciador e
atividades em grupo como preconizado pela PNAB (2012) e pela Poliacutetica Puacuteblica de Sauacutede
Mental e outro centrado na crise na medicaccedilatildeo no profissional especialista e na loacutegica do
encaminhamento
Jaacute no discurso dos agentes comunitaacuterios de sauacutede o que predominou na nomeaccedilatildeo de
ldquocasordquo de sauacutede mental foi uma concepccedilatildeo mais ampliada das vaacuterias situaccedilotildees da vida
(estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas
com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou
social desagregador) Em relaccedilatildeo ao manejo o que prevaleceu foi levar para unidade de sauacutede
(CF) ou seja os agentes exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculordquo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo
Daiacute a importacircncia da atuaccedilatildeo do agente comunitaacuterio de sauacutede pois possui o capital social
muitas vezes facilitando esse canal de comunicaccedilatildeo Tambeacutem trouxeram a importacircncia da
prevenccedilatildeo (pelo viacutenculo e acompanhamento do indiviacuteduo e grupo familiar) do
empoderamento dos usuaacuterios e da comunidade (com praacutetica de atividades fiacutesicas em grupo) e
da natildeo dissociaccedilatildeo mente e corpo
Mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na CF
estudada tais como a praacutetica da reuniatildeo de equipe semanal com discussatildeo conjunta de casos
a relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila com
visitas domiciliares e aplicaccedilatildeo do familiograma onde foi apontado pelos meacutedicos residentes
a importacircncia da pessoa falar da sua experiecircncia de estar doente do acompanhamento
longitudinal e de ter um meacutedico para chamar de seu o que haacute alguns anos atraacutes era somente
para as pessoas mais abastadas da sociedade
O deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e
desmedicalizadoras com propostas de grupos como ldquoCafeacute com Especialistardquo espaccedilo pensado
para reunir as pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica haacute muitos anos com o objetivo de
questionar esse uso dividir experiecircncias e reduzir a medicaccedilatildeo principalmente os
benzodiazepiacutenicos Ressalto que esse grupo foi pensado pelo psiquiatra do NASF com os
meacutedicos residentes a partir de uma listagem nominal que a farmaacutecia da unidade dispotildee dos
usuaacuterios que fazem uso de psicotroacutepico com o nome da substancia a dose utilizada e a data da
dispensaccedilatildeo O nome do grupo a princiacutepio seria ldquoCafeacute com Psiquiatrardquo depois foi repensado
pois poderia se tornar um espaccedilo para troca de receitas e lsquopsiquiatrizantersquo o que natildeo era a
intenccedilatildeo
142
Outra atividade em grupo da unidade eacute o ldquoGrupo de Artesanatordquo coordenado por uma
enfermeira com o objetivo de aproximar as pessoas do entorno agrave unidade de sauacutede onde a
princiacutepio participam mulheres idosas com atividades de costura e crochecirc hoje participam
pessoas de vaacuterias idades e tornou-se mais um espaccedilo potente de convivecircncia Acontece
tambeacutem na CF a ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo mas essa eacute coordenada por dois voluntaacuterios
um ex-residente de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da proacutepria unidade e uma psicoacuteloga
Aberta a todos os usuaacuterios interessados realizada no horaacuterio noturno com modo de
funcionamento proacuteprio do meacutetodo da ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo Se pensarmos a
unidade baacutesica de sauacutede como o lugar onde as pessoas vatildeo para fazer consultas meacutedicas e
odontoloacutegicas procedimentos teacutecnicos (curativos vacinas colher exames) a presenccedila desses
grupos satildeo realmente propostas inovadoras
Nas entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede surgiram vaacuterias propostas de
inovaccedilatildeo em fazer sauacutede na comunidade darei destaque a duas delas uma foi a proposta de
chamar o educador fiacutesico para uma accedilatildeo com as mulheres no alto da comunidade o
profissional foi com sua ideia de propor atividades fiacutesicas e haacutebitos de vida saudaacuteveis na sua
concepccedilatildeo dogmaacutetica enquanto que a ideia da agente comunitaacuteria de sauacutede era de uma coesatildeo
social entre esses mulheres explicando que na comunidade as casas satildeo todas muito
proacuteximas mas as pessoas satildeo muito desunidas A outra proposta foi de um grupo de
caminhada semanal fora da comunidade para que as pessoas pudessem ter um espaccedilo de
conviacutevio social e tirar o estresse do dia-a-dia pois na aacuterea dessa agente comunitaacuteria havia
muitos porteiros e empregadas domeacutesticas E no seu entendimento esse espaccedilo ajudaria essas
pessoas a natildeo ficarem doentes prevenindo doenccedilas fiacutesicas e mentais
Um dos pontos fracos observado na unidade estudada que foi tambeacutem uma das queixa
dos meacutedicos residentes foi passarem a maior parte da carga horaacuteria dentro da unidade de
sauacutede natildeo restando tempo para atividades extramuros na comunidades com exceccedilatildeo das
visitas domiciliares que no primeiro ano da residecircncia satildeo mais frequentes mas no segundo
ano satildeo muito escassas a prevenccedilatildeo eacute dentro do consultoacuterio mesmo como apareceu em um
dos discursos Apesar dessa natildeo ter sido uma queixa dos enfermeiros e teacutecnicos de
enfermagem observei que esses profissionais tambeacutem permaneciam a maior tempo dentro da
unidade O profissional com mais tempo fora da unidade de sauacutede pareceu ser mesmo o
agente comunitaacuterio de sauacutede
Os meacutedicos residentes se queixaram tambeacutem da falta de valorizaccedilatildeo da especialidade
Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela populaccedilatildeo talvez por falta de conhecimento e
divulgaccedilatildeo do funcionamento da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede atraveacutes da Estrateacutegia Sauacutede da
143
Famiacutelia e pelo proacuteprio sistema de sauacutede que ateacute o momento natildeo conseguiu colocar a APS
como coordenadora do cuidado Essa foi similarmente uma queixa-denuacutencia dos enfermeiros
recomendando inclusive a divulgaccedilatildeo junto a populaccedilatildeo em geral da forma de funcionamento
da ESF assim como o melhoramento dos fluxos de referecircncia e contra referecircncia
Os profissionais da ESF da CF estudada conseguem com o apoio do NASF
acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental encaminhando soacute os casos mais graves que
necessitam de um serviccedilo mais especializados em geral crianccedilas adolescentes casos agudos
de sofrimento psiacutequico e dependecircncia quiacutemica Inclusive foi uma recomendaccedilatildeo dos proacuteprios
profissionais ampliar o nuacutemero de dispositivos abertos como os Centros de Atenccedilatildeo
Psicossocial nas suas modalidades adulto infantil aacutelcool e drogas natildeo soacute na aacuterea onde estaacute
situada a CF mas em toda a cidade do Rio de Janeiro
A necessidade de capacitaccedilatildeo para accedilotildees de sauacutede mental violecircncia no territoacuterio e
dependecircncia quiacutemica foi muito recomendada por todos os profissionais entrevistadas atenccedilatildeo
especial para melhor seleccedilatildeo e qualificaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios de sauacutede devido a
importacircncia de sua funccedilatildeo natildeo soacute para as questotildees de sauacutede mental mas para ESF como um
todo Outra necessidade apontada pelos profissionais foi mais apoio no fazer cotidiano por
parte gestatildeo que cobra muito as metas a serem atingidas focando em nuacutemeros priorizando a
quantidade e natildeo a qualidade do atendimento
A Cliacutenica da Famiacutelia estudada por ser campo de praacutetica para a Residecircncia de Medicina
de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro tem uma estrutura de recursos
humanos e materiais muito boa funciona em horaacuterio estendido das 0800 agraves 2000hs
facilitando assim o acesso dos usuaacuterios que trabalham em horaacuterio comercial Mas a alta
rotatividade dos profissionais principalmente dos meacutedicos residentes eacute uma queixa frequente
dos usuaacuterios como apontado nas entrevistas pelos agentes comunitaacuterios de sauacutede e teacutecnicos
de enfermagem o que acaba interferindo no princiacutepio da longitudinalidade Os meacutedicos
preceptores embora defendam essa forma de organizaccedilatildeo caiacuteram numa contradiccedilatildeo quando
em seus discursos sinalizaram que a sauacutede da famiacutelia eacute como vinho quanto mais tempo
melhor
Um ponto de destaque que encontrei nas entrevistas e necessita de mais estudos para
melhor investigaccedilatildeo foi a criacutetica de que o tempo meacutedio de duraccedilatildeo de um meacutedico de famiacutelia
seria de 5 (cinco) anos tamanha a sobrecarga de trabalho devido agrave alta taxa de adoecimento
da populaccedilatildeo a falta de articulaccedilatildeo entre os serviccedilos ou seja os niacuteveis de atenccedilatildeo totalmente
desarticulados Nesse contexto como a Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede vai ser coordenadora do
cuidado de se natildeo haacute uma rede de sauacutede estruturada E como o meacutedico de famiacutelia vai
144
conseguir suportar toda essa demanda Foram alguns dos questionamentos dos meacutedicos
residentes O adoecimento dos agentes comunitaacuterios de sauacutede pela sobrecarga de trabalho
apareceu na entrevista com esses profissionais Assim como no discurso dos teacutecnicos de
enfermagem a queixa da sobrecarga de trabalho esteve presente
Uma abordagem de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede poderaacute ser eficaz para
defender a vida para diminuir a dor e o sofrimento extremo a partir de uma reflexatildeo de que
diversos fatores estatildeo envolvidos neste processo que vatildeo desde as condiccedilotildees econocircmicas e
sociais da populaccedilatildeo passando por questotildees ligadas agrave subjetividade contemporacircnea pela
maneira como estatildeo organizados os serviccedilos e que tipos de demanda induzem ateacute a
capacitaccedilatildeo dos profissionais envolvidos nessa tarefa com apoio e financiamento da gestatildeo
Atualmente uma das grandes questotildees para uma atenccedilatildeo em sauacutede mental puacuteblica e de
qualidade eacute definir o limite de suas prestaccedilotildees que tipo de problemas devem ser atendidos
nos serviccedilos de sauacutede mental e quais outros supotildee um mal-estar da vida cotidiana e portanto
natildeo deveriam ser objeto da atenccedilatildeo de sauacutede especifica Quais satildeo os limites do sofrimento
ou do transtorno mental Qualquer sofrimento psicoloacutegico deve ser objeto de atenccedilatildeo em
sauacutede Quais satildeo as prestaccedilotildees de sauacutede que um sistema puacuteblico responsaacutevel e bem
organizado deve garantir
Colocar essas questotildees eacute de suma importacircncia nesse contexto de crise econocircmica e
poliacutetica ndash onde o SUS puacuteblico e universal estaacute ameaccedilado com cortes no orccedilamento e
aprovaccedilatildeo da PEC 55 Que tipo de atenccedilatildeo em sauacutede mental justa deveraacute ser feita pelos
sistemas puacuteblicos de sauacutede nas proacuteximas deacutecadas
De acordo com Retolaza (2013) os partidaacuterios de uma concepccedilatildeo biomeacutedica positivista
tem isso muito claro tem que prestar assistecircncia somente para aqueles que tem doenccedila que
possa ser medicamente catalogada e definida como doenccedila Mas natildeo eacute faacutecil definir o que eacute
doenccedila e o que natildeo eacute especialmente em uma sociedade que medicaliza o sofrimento e as
dificuldades da existecircncia passando para a sauacutede (e natildeo soacute para a psiquiatria) a atenccedilatildeo e o
cuidado de disfunccedilotildees sociais de todo o tipo Para o sistema privado desde que haja um preccedilo
acertado pouco importa aonde comeccedila e termina a doenccedila Se pode se pagar haacute tratamento
se natildeo natildeo haacute
Esse eacute o desafio que estaacute colocado natildeo soacute para a APS mas para o nosso SUS que
convive com a expansatildeo do sistema privado e dos grandes conglomerados de planos privados
de sauacutede
As limitaccedilotildees desse estudo foram o cenaacuterio do estudo foi uma Cliacutenica da Famiacutelia
cenaacuterio de praacutetica da Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio
145
de Janeiro considerada uma unidade modelo pela Secretaria Municipal de Sauacutede localizada
na zona sul (AP 21) uma aacuterea rica em equipamentos de sauacutede E apenas os profissionais
foram entrevistados perfazendo um total de 22 participantes quando se tivesse oportunidade
e tempo haacutebil para entrevistar os usuaacuterios seria mais enriquecedor
Como recomendaccedilatildeo sugiro que essa pesquisa seja replicada em outras Cliacutenicas da
Famiacutelia nas diferentes Aacutereas Programaacuteticas da cidade a fim de comparar os resultados
encontrados que os usuaacuterios sejam entrevistados a respeito do cuidado em sauacutede mental
ofertado na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e suas expectativas sobre o comportamento que os
profissionais e esses serviccedilos devem ter na prestaccedilatildeo desse cuidado E por fim um estudo
com os psiquiatras matriciadores para investigar a percepccedilatildeo deles na comunicaccedilatildeo e no
acompanhamento dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental com a equipe da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
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APENDICE I ndash Roteiro de Entrevista
Iniciais do nome
Idade Sexo Estado Civil Natural de
Formaccedilatildeo profissional Tempo de formaccedilatildeo
Poacutes-graduaccedilatildeo Sim ( ) Aacuterea_______________ Natildeo ( )
Tempo de atuaccedilatildeo na ESF
Teve ou tem algum tipo de treinamento curso ou apoio para accedilotildees de sauacutede mental
1) O que eacute para vocecirc trabalhar na ESF
- Por quecomo veio trabalhar (motivaccedilatildeo)
- Como eacute a sua rotina de trabalho
- O que caracteriza o seu trabalho na ESF
- Qual eacute a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede
- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria da ESF
2) O que vocecirc considera como ldquocaso de Sauacutede Mentalrdquo na populaccedilatildeo adulta assistida pela
sua equipe da ESF
- Como identifica acolhe acompanha eou encaminha
- Se encaminha para onde
- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria do atendimento agrave Sauacutede Mental na
ESF
161
APENDICE II ndash Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) Prezado participante
Vocecirc estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa ldquoOs sentidos atribuiacutedos pelos
profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos casos de Sauacutede Mentalrdquo desenvolvida
por Vanessa Andrade Martins Pinto discente de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica da Escola
Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (ENSPFIOCRUZ)
sob orientaccedilatildeo do Professor Dr Paulo Duarte de Carvalho Amarante e coorientaccedilatildeo da
Professora Drordf Ana Elisa Bastos Figueiredo
O objetivo central do estudo eacute Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da
Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca do que apreendem como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo na
populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio
do Rio de Janeiro
Vocecirc estar sendo convidado a participar desse estudo por trabalhar na Estrateacutegia de Sauacutede
da Famiacutelia haacute mais de seis (6) meses
O convite a sua participaccedilatildeo se deve agrave sua praacutetica na Equipe de Estrateacutegia de Sauacutede da
Famiacutelia no territoacuterio adscrito
Sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria isto eacute ela natildeo eacute obrigatoacuteria e vocecirc tem plena autonomia
para decidir se quer ou natildeo participar bem como retirar sua participaccedilatildeo a qualquer momento
Vocecirc natildeo seraacute penalizado de nenhuma maneira caso decida natildeo consentir sua participaccedilatildeo ou
desistir da mesma Contudo ela eacute muito importante para a execuccedilatildeo da pesquisa
Seratildeo garantidas a confidencialidade e a privacidade das informaccedilotildees por vocecirc
prestadas uma vez que qualquer dado que possa identificaacute-lo seraacute omitido na divulgaccedilatildeo dos
resultados da pesquisa As entrevistas seratildeo transcritas e todo o material seraacute armazenado em
arquivos digitais seguros aos quais somente teratildeo acesso eu como pesquisadora meu
orientador e minha co-orientadora
A qualquer momento durante a pesquisa ou posteriormente vocecirc poderaacute solicitar da
pesquisadora informaccedilotildees sobre sua participaccedilatildeo eou sobre a pesquisa o que poderaacute ser feito
atraveacutes dos meios de contato explicitados neste Termo
A sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder perguntas de um roteiro de entrevista com
questotildees norteadoras agrave pesquisadora do projeto A gravaccedilatildeo de toda a entrevista eacute condiccedilatildeo
necessaacuteria agrave sua participaccedilatildeo
O tempo de duraccedilatildeo da entrevista eacute de aproximadamente trinta minutos As entrevistas
seratildeo realizadas em local apropriado com somente a sua presenccedila e a da pesquisadora
Ao teacutermino da pesquisa todo material seraacute mantido em arquivo por pelo menos cinco
(5) anos conforme Resoluccedilatildeo 46612 e orientaccedilotildees do CEPENSP
O benefiacutecio direto relacionado com a sua colaboraccedilatildeo nesta pesquisa eacute o de reflexatildeo
sobre o seu proacuteprio processo de trabalho e da sua equipe O que indiretamente poderaacute
influenciar na melhoria da qualidade do cuidado em sauacutede mental aos usuaacuterios adscritos em
seu territoacuterio de responsabilidade
Rubrica do Participante ____________
Rubrica do Pesquisador ___________
(1-2)
162
O risco da sua participaccedilatildeo neste estudo pode ser de constrangimento durante as
entrevistas Nesse caso seraacute sugerido uma pausa ou retorno em outro momento ou ateacute mesmo
a desistecircncia em vocecirc responder a entrevista Outro risco pode ser de sua identificaccedilatildeo como
participante da pesquisa O que seraacute minimizado ao realizarmos uma anaacutelise em conjunto dos
dados coletados na entrevista impossibilitando assim atribuiccedilatildeo individual aos seus
depoimentos
Esse Termo eacute redigido em duas (2) vias uma (1) para vocecirc participante e outra para a
pesquisadora responsaacutevel pela pesquisa Devendo obrigatoriamente todas as paacuteginas serem
rubricadas por vocecirc participante e pela pesquisadora sendo que a uacuteltima paacutegina deve conter
sua assinatura assim como da pesquisadora do estudo
Em caso de duacutevida quanto agrave conduccedilatildeo eacutetica do estudo entre em contato com o Comitecirc
de Eacutetica em Pesquisa da ENSP O Comitecirc de Eacutetica eacute a instacircncia que tem por objetivo defender
os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no
desenvolvimento da pesquisa dentro de padrotildees eacuteticos Dessa forma o comitecirc tem o papel de
avaliar e monitorar o andamento do projeto de modo que a pesquisa respeite os princiacutepios
eacuteticos de proteccedilatildeo aos direitos humanos da dignidade da autonomia da natildeo maleficecircncia da
confidencialidade e da privacidade
Tel e Fax - (0XX) 21- 25982863
E-Mail cepenspfiocruzbr
httpwwwenspfiocruzbretica
Endereccedilo Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca FIOCRUZ Rua Leopoldo
Bulhotildees 1480 ndashTeacuterreo - Manguinhos - Rio de Janeiro ndash RJ - CEP 21041-210
___________________________________________
Vanessa Andrade Martins Pinto (Pesquisadora)
Laboratoacuterio de Estudos e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial
LAPSENSPFiocruz Avenida Brasil 4036506 CEP 21040-361 - Manguinhos - Rio de
Janeiro ndash RJ Telefone (21) 3882-9105 E-mail vanessaampgmailcom
RIO DE JANEIRO ____ de _______________ 2015
Declaro que entendi os objetivos e condiccedilotildees de minha participaccedilatildeo na pesquisa e concordo
em participar
_________________________________________
(Assinatura do participante da pesquisa)
Nome do participante _____________________________________________
Rubrica do Participante ____________
Rubrica da Pesquisadora _____________
(2-2)
Vanessa Andrade Martins Pinto
Os Sentidos Atribuiacutedos pelos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos ldquoCasosrdquo
de Sauacutede Mental
Tese apresentada ao Programa de Poacutes-
graduaccedilatildeo em Sauacutede Puacuteblica da Escola
Nacional de Sauacutede Seacutergio Arouca na
Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz como requisito
parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em
Sauacutede Puacuteblica Aacuterea de concentraccedilatildeo Sauacutede
Mental
Aprovada em 07 de Abril de 2017
Banca Examinadora
Prof Drordf Anna Luiza Castro Gomes
CCSUFPB
Profordm Drordm Cesar Augusto Orazem Favoreto
FCMUERJ
Profordf Drordf Elyne Montenegro Engstrom
ENSPFIOCRUZ
Profordf Drordf Maacutercia Cristina Rodrigues Fausto
ENSPFIOCRUZ
Profordm Drordm Paulo Duarte de Carvalho Amarante
ENSPFIOCRUZ
Rio de Janeiro
2017
Aos meus pais Neuza e Luiz Gonzaga (in memoriam)
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeccedilo a Deus pela forccedila e sabedoria na realizaccedilatildeo de mais um
projeto
Difiacutecil seria aqui nomear a todos que direta e indiretamente contribuiacuteram para que
este trabalho pudesse se concretizar
Ao meu orientador e mestre Paulo Amarante uma pessoa insubstituiacutevel Sua
capacidade de lutar pela vida eacute fantaacutestica Acima de tudo me ensinou o valor da vida e a
importacircncia da luta por uma sociedade onde as diferenccedilas sejam respeitadas e natildeo
desprezadas O final do ano de 2013 e inicio do ano de 2014 foram periacuteodos muito nebulosos
mas que conseguimos superar com feacute e esperanccedila
Agrave minha segunda orientadora Ana Elisa pelo acolhimento desde o primeiro contato
em sua disciplina ateacute a extensatildeo em sua casa onde passamos diversas tardes de extensas
leituras e reflexotildees Foi imprescindiacutevel
Agrave minha turma do doutorado e ao nosso coletivo de pesquisa ndash Laboratoacuterio de Estudos
e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial (Laps) pelas valiosas contribuiccedilotildees e
encorajamento para seguir em frente
Agrave toda a equipe da Cliacutenica da Famiacutelia participantes desse estudo que me recebeu
generosamente abrindo-se agraves reflexotildees dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Agraves minhas chefias do Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ e do Hospital Municipal
Rocha Maia pela compreensatildeo nesse periacuteodo que estive dividida entre o cotidiano laboral e a
pesquisa
Aos meus familiares e amigos que participaram desta jornada em diferentes
momentos estando proacuteximos ou a distacircncia que foram apoio suportando as minhas loucuras
nessa empreitada sem os quais nada teria sentido
Quando suportamos a posiccedilatildeo de cuidador navegamos por aacuteguas escuras e operamos
manobras de alta complexidade
LANCETTI 2014 p107
RESUMO
Foi realizado um estudo de natureza qualitativa do tipo estudo de caso descritivo-
analiacutetico em uma Cliacutenica da Famiacutelia na zona sul da cidade do Rio de Janeiro Com o objetivo
geral de estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
(ESF) acerca do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do
territoacuterio de sua responsabilidade A coleta de dados incluiu dois instrumentos diaacuterio de
campo e entrevistas semi-estruturadas Foram entrevistados vinte e dois (22) profissionais
nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) cinco (5) meacutedicos residentes trecircs (3)
enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores Utilizou-se a
teacutecnica de Anaacutelise do Discurso como referencial teoacuterico-metodoloacutegico As denominaccedilotildees
utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasordquo de sauacutede mental se relacionaram
principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade sofrimento psiacutequico e todo
caso pode ser um caso de sauacutede mental Os meacutedicos residentes utilizaram-se de termos
teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da
psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda
euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico Os enfermeiros
tambeacutem usaram termos teacutecnicos psiquiaacutetricos Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico
esquizofrenia ansiedade doenccedila mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais
ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias
desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Os teacutecnicos de enfermagem trouxeram uma
visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia
comportamentos estereotipados Jaacute os agentes comunitaacuterios de sauacutede foram os trabalhadores
que menos utilizaram termos diagnoacutesticos e trouxeram um entendimento mais amplo das
vaacuterias situaccedilotildees da vida estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho
casamento mal sucedido crianccedilas com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo
econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou social desagregador Apesar dos discursos dos
profissionais mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na
Cliacutenica da Famiacutelia estudada reuniatildeo semanal de equipe com discussatildeo conjunta dos casos a
relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila o
deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e desmedicalizantes
Palavras-chave Sauacutede Mental Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede Integralidade em Sauacutede Equipe
Multidisciplinar
ABSTRACT
A qualitative descriptive-analytical case study was carried out at a Family Clinic in
the southern area of Rio de Janeiro city The general objective was to study the meanings
attributed by Family Health Strategy (ESF) professionals on what they perceive as mental
health cases in the adult population in the territory of their responsibility Data collection
included two instruments field journal and semi-structured interviews Twenty-two (22)
professionals were interviewed nine (9) community health agents (ACS) five (5) resident
physicians three (3) nurses three (3) nursing technicians and two (2) preceptor physicians
The Discourse Analysis technique was used as a theoretical-methodological reference The
names used by preceptor physicians to name a mental health case were mainly related to
the field of Family and Community Medicine psychological suffering and any case can be a
case of mental health Resident physicians either used technical terms or made some
correlation with the nosographic categories of the field of psychiatry schizophrenia
hallucinations anxiety disorder deep depression euphoria except in a speech where the
term psychic suffering was used The nurses also used psychiatric technical terms simple
depression panic syndrome schizophrenia anxiety mental illness except in a speech that
addressed a broader view correlated with the discomforts of life (relationship difficulties
unstructured families violence and drug use) The nursing technicians brought a vision of
the asylum mode with emphasis on psychotropic medication stereotyped behaviors family
tutelage and family dependence Community health agents were the ones to least use
diagnostic terms and to bring a broader understanding of various life situations stress
violence drug addiction job problems unsuccessful marriage children with social
relationship difficulties the economic crisis family or social isolating environments Despite
the assessment of the professionals indicative changes in clinical practice were observed in
the Family Clinic under scrutiny weekly team meetings for joint discussion of the cases the
professional focus centered on the patient and their family nucleus instead of the disease the
shift from individual consultation to more collective and de-medicalizing practices
Keywords Mental Health Primary Health Care Integrality in Health Multidisciplinary
Team
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Quadro 1 ndash Os Movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo 30
Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede 36
Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 89
Meacutedicos Preceptores
Figura 2 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 99
Meacutedicos Residentes
Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 111
Enfermeiros
Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 120
Teacutecnicos de Enfermagem
Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 127
Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABS Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede
ACS Agente Comunitaacuterio de Sauacutede
APS Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
AM Apoio Matricial
UBS Unidade Baacutesica de Sauacutede
CID-10 Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados
com a Sauacutede em sua deacutecima ediccedilatildeo
CF Cliacutenica da Famiacutelia
CNSM Conferencia Nacional de Sauacutede Mental
DAB Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica
DSM Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais
ESB Equipe de Sauacutede Bucal
ESF Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
EqSF Equipe de Sauacutede da Famiacutelia
MS Ministeacuterio da Sauacutede
MFC Medicina de Famiacutelia e Comunidade
NASF Nuacutecleo de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia
NOB Norma Operacional Baacutesica
OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
OPAS Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede
OS Organizaccedilatildeo Social
OTICS Observatoacuterio de Tecnologias de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Serviccedilos de
Sauacutede no Rio de Janeiro
PMAQ-AB Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica
PNAB Programa Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica
PNAC Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede
PRMFC Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade
PSF Programa de Sauacutede da Famiacutelia
RAPS Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial
SAS Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede
SF Sauacutede da Famiacutelia
SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede
SUMAacuteRIO
1 APRESENTACcedilAtildeO
11 Trajetoacuteria e motivaccedilatildeo 12
2 INTRODUCcedilAtildeO 13
3 OBJETIVOS 31 Objetivo geral 20
32 Objetivos especiacuteficos 20
4 QUADRO TEOacuteRICO
41 Definiccedilatildeo de Termos 20
42 Modelos de Atenccedilatildeo em Sauacutede 29
43 Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede 34
44 A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 42
45 Os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 51
46 Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental Transformaccedilotildees de Paradigma 57
47 Medicalizaccedilatildeo do Social 60
48 Meacutetodo Cliacutenico Centrado na Pessoa 66
5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS
51 Etapas do estudo 71
52 Tipo de Estudo 72
53 Campo do Estudo 72
54 Participantes do Estudo 74
55 Procedimento para coleta dos dados 74
56 Forma de Anaacutelise dos dados 75
57 Aspectos Eacuteticos 77
6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
61 Descrevendo o Campo 78
62 Anaacutelise das entrevistas 82
621 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Preceptores 89
622 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Residentes 99
623 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Enfermeiros 111
624 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Teacutecnicos de Enfermagem 120
625 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede 127
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 138
REFEREcircNCIAS 146
APENDICES
APENDICE I - Roteiro de Entrevista 160
APENDICE II - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 161
12
1 APRESENTACcedilAtildeO
11 Trajetoacuteria e Motivaccedilatildeo
A opccedilatildeo pelo tema parece-me uma escolha coerente com minha histoacuteria recente e com
as atividades que venho desenvolvendo no aprimoramento multiprofissional Descobri o
Campo da Sauacutede Mental e da Atenccedilatildeo Psicossocial ao final da minha graduaccedilatildeo em
Enfermagem e Obstetriacutecia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Momento no
qual resolvi prestar concurso para Residecircncia Multiprofissional de Sauacutede Mental pela
Secretaria Municipal de Sauacutede Fui aprovada e iniciei o curso aprendi e visualizei a
importacircncia do trabalho multidisciplinar e a impossibilidade de se trabalhar em sauacutede sem
uma visatildeo integral que implicasse em uma rede de cuidados
Tive a oportunidade tambeacutem de ser aprovada no concurso para enfermeira da UFRJ e
pude ter o privileacutegio de escolher trabalhar no Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ Dei
continuidade ao que me interessava no cuidado em sauacutede mental em participaccedilotildees no
Laboratoacuterio de Pesquisa em Enfermagem em Psiquiatria e Sauacutede Mental (LAPEPS) agrave eacutepoca
coordenado pela Professora Cristina Loyola quando pude comeccedilar a aprender como
funcionam as investigaccedilotildees cientiacuteficas e os processos de coleta de dados Iniciei meu
mestrado nesse laboratoacuterio na linha de pesquisa ldquoArte e Sauacutede Mentalrdquo com o estudo
ldquoOficinas Terapecircuticas em Sauacutede Mental um olhar na perspectiva dos usuaacuterios do CAPSrdquo
realizado em um Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial na zona norte da cidade do Rio de Janeiro
Ao final do mestrado junto a minha experiecircncia de atuaccedilatildeo em um ambulatoacuterio
especializado de psiquiatria e mais recentemente na coordenaccedilatildeo de um projeto piloto na
porta de entrada denominado ldquoGrupo de Recepccedilatildeo e Encaminhamentordquo que tem como
proposta fazer com que as demandas solicitadas via Sistema de Regulaccedilatildeo (SISREG) do
Municiacutepio do Rio de Janeiro e demandas espontacircneas para atendimento especializado de
psiquiatria sejam acolhidas de acordo com a necessidade de cada usuaacuterio respectivo territoacuterio
e serviccedilos de referecircncia considerando a Portaria nordm 4279GMMS de 30 de dezembro de
2010 que estabelece diretrizes para a organizaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede E mais
especificamente agrave Portaria nordm 3088 de 23 de dezembro de 2011 que Institui a Rede de
Atenccedilatildeo Psicossocial
Nos primeiros cinco meses de funcionamento desse projeto piloto do total de 142
agendamentos 57 compareceram e apenas 08 foram inseridos em nosso ambulatoacuterio
especializado As inuacutemeras dificuldades econocircmicas de transporte e de locomoccedilatildeo
comprometem o acesso da populaccedilatildeo a serviccedilos especializados Nesse momento comecei a
questionar como equipamentos mais proacuteximos do local de residecircncia como a Estrateacutegia
13
Sauacutede da Famiacutelia (ESF) poderiam contribuir de forma mais decisiva para o cuidado das
pessoas em sofrimento psiacutequico Nesse contexto comecei a elaborar meu projeto de
doutorado em busca de conhecer inicialmente a articulaccedilatildeo da sauacutede mental com a atenccedilatildeo
primaacuteria em um territoacuterio de alta vulnerabilidade social
Apoacutes o ingresso no Curso de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica com o desenvolvimento
das leituras e colaboraccedilatildeo das disciplinas cursadas percebi que seria mais viaacutevel e produtivo
primeiro investigar qual a compreensatildeo dos profissionais da ESF sobre o seu trabalho para
depois inferir o que consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental no acircmbito de suas accedilotildees Para
entatildeo perguntar como eacute o acompanhamento dessas pessoas por parte das equipes da ESF
(orientaccedilotildees procedimentos e relaccedilotildees intra e interinstitucionais) Essa descriccedilatildeo pode
permitir em uacuteltima instacircncia situar em que medida as equipes da ESF estabelecem relaccedilotildees
de troca com as equipes de sauacutede mental e com a rede de atenccedilatildeo em sauacutede do territoacuterio sob
sua responsabilidade
2 INTRODUCcedilAtildeO
Na uacuteltima deacutecada a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o Movimento da Reforma
Psiquiaacutetrica Brasileira tecircm trazido contribuiccedilotildees importantes no sentido da reformulaccedilatildeo do
modelo de atenccedilatildeo em sauacutede no paiacutes Ambos defendem os princiacutepios baacutesicos do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) e propotildeem uma mudanccedila radical no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede
privilegiando a descentralizaccedilatildeo a abordagem comunitaacuteriafamiliar promoccedilatildeo da cidadania e
construccedilatildeo da autonomia possiacutevel de usuaacuterios e familiares
Aleacutem disso apontam para a criaccedilatildeo de uma rede de cuidados que se articularia no
territoacuterio atraveacutes da criaccedilatildeo de parcerias intersetoriais e intervenccedilotildees transversais de outras
poliacuteticas puacuteblicas de acordo com a IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM)
Brasil (2010) Em detrimento do modelo assistencial biomeacutedico caracterizado pelo
atendimento agrave demanda espontacircnea eminentemente curativo hospitalocecircntrico de alto custo
e de baixa resolutividade Essas poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede vecircm trazendo grandes avanccedilos no
processo de municipalizaccedilatildeo da sauacutede contribuindo para a transformaccedilatildeo do modelo de
atenccedilatildeo vigente em nosso paiacutes e para a consolidaccedilatildeo de outros modos de se pensar e agir em
sauacutede que consideram sobretudo a cliacutenica do sujeito isto eacute que incluem aleacutem da doenccedila o
contexto e o proacuteprio sujeito (CAMPOS 2003)
Na deacutecada de 1970 a Conferecircncia de Alma Ata alertou para a necessidade de rever a
organizaccedilatildeo dos sistemas de sauacutede no mundo redirecionando-os para Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave
Sauacutede (APS) valorizando a assistecircncia no territoacuterio com estiacutemulo agrave promoccedilatildeo da sauacutede e
14
prevenccedilatildeo de doenccedilas Gerando as bases para que a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS)
desenvolvesse em 1981 a estrateacutegia ldquoSauacutede para Todos no Ano 2000rdquo que influiu no
desenvolvimento de curriacuteculos orientados para temas comunitaacuterios e a implantaccedilatildeo de novas
aacutereas de ensino voltadas para a educaccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede
Segundo Barbara Starfield (2002) estudiosa da APS na atualidade a APS eacute o primeiro
contato da assistecircncia continuada centrada na pessoa de forma a satisfazer suas necessidades
de sauacutede promovendo atenccedilatildeo longitudinal coordenando o cuidado e ampliando a oferta de
acesso agrave sauacutede Starfield sugere entatildeo os seguintes atributos para as praacuteticas da atenccedilatildeo
primaacuteria primeiro contato longitudinalidade integralidade e coordenaccedilatildeo
Embora muitos paiacuteses do mundo jaacute tenham adotado a atenccedilatildeo primaacuteria como
estrateacutegia chave na organizaccedilatildeo de seu sistema de sauacutede alguns mais recentemente vem-se
destacando na conduccedilatildeo de estudos que articulam estrateacutegias assistenciais e educacionais com
enfoque na sauacutede mental Nessa esfera do conhecimento paiacuteses como Canadaacute Austraacutelia e
Chile tecircm contribuiacutedo de forma valiosa (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)
Esses mesmos autores destacam que a Inglaterra por sua vez haacute mais de 20 anos tem
se consolidado como o local de maior tradiccedilatildeo de pesquisa em estrateacutegias educacionais em
sauacutede mental dirigidas para a atenccedilatildeo primaacuteria O primeiro estudo mais aprofundado sobre o
tema foi publicado na deacutecada de 1980 pelos professores Goldberg et al (1980) vinculados ao
Instituto de Psiquiatria de Londres Outros trabalhos identificaram que aspectos da
personalidade dos cliacutenicos gerais bem como suas habilidades na conduccedilatildeo da entrevista
cliacutenica eram fatores determinantes na capacidade desses cliacutenicos em identificar distuacuterbios
emocionais em seus pacientes
Outro centro de grande importacircncia na pesquisa educacional em sauacutede mental para a
atenccedilatildeo primaacuteria eacute o Departamento de Psiquiatria da Universidade de Manchester O grupo de
pesquisadores dessa Instituiccedilatildeo coordenado pela professora Linda Gask trabalha em
conjunto com o Instituto de Psiquiatria de Londres e possui vasta experiecircncia na conduccedilatildeo
bem como na avaliaccedilatildeo de cursos de sauacutede mental direcionados para profissionais da atenccedilatildeo
primaacuteria (GOLDBERG et al 1980)
No Reino Unido alguns dos programas mais recentes de capacitaccedilatildeo estatildeo
organizados por meio de momentos de concentraccedilatildeo mediados por facilitadores quando
profissionais de atenccedilatildeo primaacuteria (meacutedicos e enfermeiros) desenvolvem projetos
compartilhados com membros das equipes de sauacutede mental (psiquiatras enfermeiras
psiquiaacutetricas e psicoacutelogos) a partir das demandas concretas da assistecircncia satildeo constituiacutedos
planos de cuidados compartilhados o que acaba produzindo accedilotildees criativas junto aos
15
usuaacuterios ao mesmo tempo em que satildeo instituiacutedos novos canais de comunicaccedilatildeo entre as
unidades baacutesicas de sauacutede e os centros comunitaacuterios de sauacutede mental (PEREIRA COSTA amp
MEGALE 2012)
Em 2001 a OMS propocircs no relatoacuterio sobre a sauacutede no mundo - Sauacutede mental nova
concepccedilatildeo nova esperanccedila que os transtornos mentais sejam diagnosticados e tratados por
cliacutenicos gerais Para isso os cliacutenicos recebiam treinamentos e aprendiam os criteacuterios
diagnoacutesticos supostamente objetivos do Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais (DSM) para em seguida
comeccedilarem a diagnosticar e tratar pacientes isto eacute a prescrever medicamentos Zarifian 2003
apud Burkley 2009 indica que paiacuteses como a Franccedila onde jaacute existe haacute mais tempo uma
campanha para que cliacutenicos gerais atendam casos de transtorno mental 80 dos diagnoacutesticos
e prescriccedilotildees de psicotroacutepicos satildeo feitos por generalistas Em 2003 apenas 15 dos pacientes
com diagnoacutestico de depressatildeo se dirigiam a um psiquiatra enquanto os outros 85 eram
tratados por cliacutenicos gerais (PIGNARRE 2003 apud BURKLEY 2009)
Faz-se importante tambeacutem destacar que as primeiras iniciativas de se trabalhar a sauacutede
mental inserida nas comunidades aconteceram na Europa e Estados Unidos e apesar do
caraacuteter controlador que essas praacuteticas assumiam no sentido de medicalizar os problemas da
vida ainda assim puderam ser consideradas inovadoras na medida em que mudaram o setting
terapecircutico do cuidado do hospital psiquiaacutetrico para a comunidade minimizando o estigma e
a discriminaccedilatildeo (HOCHMANN 1972)
Segundo um grupo de estudos da OMS que se deteve no desenvolvimento de cuidados
de sauacutede mental para a APS a formaccedilatildeo e treinamento dos meacutedicos de famiacutelia devem ter
como enfoque a relaccedilatildeo meacutedicopaciente as teacutecnicas e praacuteticas do trabalho em equipe e o
desenvolvimento da capacidade para ouvir e se comunicar (OMS 2001)
Em alguns paiacuteses da Ameacuterica Latina entre eles o Brasil as accedilotildees da APS foram
induzidas por agecircncias internacionais entre elas United Nations Childrens Fund (UNICEF) e
Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPAS) reduzindo seus valores princiacutepios e bases
conceituais instituiacutedas em Alma-Ata (OMS 1978) a programas seletivos simplificados e
desvinculados das accedilotildees realizadas em outros niacuteveis de atenccedilatildeo Testa (1992) discorre que
esta poliacutetica quando adotada de forma restritiva torna a medicina pobre para os pobres como
poliacutetica racional e econocircmica de accedilotildees promovidas pelo Estado
Para distinguir a concepccedilatildeo seletiva da APS no Brasil o Ministeacuterio da Sauacutede passou a
utilizar o termo ldquoAtenccedilatildeo Baacutesicardquo definida como ldquoum conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito
individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos
16
o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutederdquo
Brasil (2006) Poreacutem neste estudo optou-se por utilizar o termo equivalente Atenccedilatildeo
Primaacuteria agrave Sauacutede como considerado na atual Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica e
reconhecido internacionalmente Essa Poliacutetica tem na Sauacutede da Famiacutelia sua estrateacutegia
prioritaacuteria para expansatildeo e consolidaccedilatildeo da APS (BRASIL 2012)
A inserccedilatildeo dos cuidados comunitaacuterios de sauacutede mental no Brasil foi incorporada e
veiculadas pelo movimento da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira que nasceu no bojo da
Reforma Sanitaacuteria tendo guardado consigo princiacutepios e diretrizes que orientam esta uacuteltima
em especial a universalidade integralidade descentralizaccedilatildeo e participaccedilatildeo popular A ideacuteia eacute
que os profissionais da APS possam se responsabilizar pelo cuidado em sauacutede mental Mas a
que se considerar que a proposta da sauacutede mental nos cuidados primaacuterios numa abordagem
exclusivamente bioloacutegica corre o risco de acarretar uma medicalizaccedilatildeo cotidiana
Segundo Souza (2012) a proposta que hoje estaacute consolidada como uma das diretrizes
da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Mental em nosso paiacutes ndash a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental
na atenccedilatildeo primaacuteria ndash pode ter comeccedilado a ser desenhada desde 1990 quando a Declaraccedilatildeo
de Caracas privilegiou os Sistemas Locais de Sauacutede como espaccedilo privilegiado para o
desenvolvimento das accedilotildees de sauacutede mental A autora ressalta que na II Conferecircncia Nacional
de Sauacutede Mental realizada em 1992 tambeacutem foi enfatizada a importacircncia da aproximaccedilatildeo
com a comunidade tendo como eixo os princiacutepios da desinstitucionalizaccedilatildeo e do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) Nesta Conferecircncia ainda se destacou a necessidade de capacitaccedilatildeo dos
Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) para o atendimento em sauacutede mental Nesse mesmo
ano a publicaccedilatildeo da PortariaSNAS nordm 224 estabelecia as diretrizes para o funcionamento dos
hospitais-dia e ambulatoacuterios e apontava para a necessidade de maior integraccedilatildeo com a
comunidade e inserccedilatildeo das pessoas em sofrimento psiacutequico nas redes sociais aleacutem de
normatizar o atendimento em sauacutede mental nas redes do SUS (BRASIL 1992)
A III Conferecircncia Nacional de Sauacutede Mental que foi realizada somente em 2001
reiterou a necessidade de ampliar as accedilotildees de sauacutede mental para o eixo territorial e
intensificou o debate sobre a importacircncia da reorientaccedilatildeo do modelo assistencial Nesta
Conferecircncia ficou estabelecido que uma estrateacutegia a ser adotada para a reversatildeo do modelo
assistencial seria a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria o que pode ser
considerado como afirma Souza (2012) uma estrateacutegia para se alcanccedilar a integralidade no
atendimento agraves questotildees relacionadas agrave sauacutede mental Aleacutem disso tambeacutem em 2001 foi
sancionada a Lei 10216 que afirma os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais
e redireciona o modelo assistencial em sauacutede mental
17
Na avaliaccedilatildeo de um treinamento em cuidados primaacuterios agrave sauacutede mental para meacutedicos
dos serviccedilos primaacuterios de sauacutede no Brasil Ballester (1996) defende tambeacutem a capacitaccedilatildeo em
psicofarmacologia no entanto argumenta que a ecircnfase na abordagem farmacoloacutegica pode
gerar certa ldquomedicalizaccedilatildeordquo da populaccedilatildeo atendida no primeiro momento jaacute que o
treinamento em sauacutede mental poderaacute resultar em um maior nuacutemero de transtornos mentais
diagnosticados Por essa razatildeo eacute necessaacuterio que haja o aperfeiccediloamento da capacidade dos
meacutedicos de distinguir entre problemas existenciais situaccedilotildees estressantes da vida problemas
de viacutenculo familiar e social dos transtornos mentais propriamente ditos para que natildeo ocorram
prescriccedilotildees desnecessaacuterias (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)
Em um estudo mais recente Ballester e colaboradores (2005) estudaram 41 cliacutenicos
gerais que atuavam na atenccedilatildeo primaacuteria em duas cidades da regiatildeo Sul do Brasil com o
intuito de identificar possiacuteveis barreiras no atendimento aos portadores de transtornos
mentais Apoacutes a conduccedilatildeo de grupos focais anaacutelise de conteuacutedo do material transcrito e
revisatildeo da literatura atual os autores chegaram agraves seguintes conclusotildees de cunho educacional
programas de formaccedilatildeo centrados exclusivamente no diagnoacutestico e no uso da medicaccedilatildeo
podem descaracterizar a atuaccedilatildeo do meacutedico na atenccedilatildeo primaacuteria cujo principal objetivo eacute
sustentar relacionamentos com pacientes portadores de problemas complexos com o intuito
de facilitar o atendimento e contribuir para com uma maior eficaacutecia no tratamento A
formaccedilatildeo em sauacutede mental oferecida nas escolas de medicina tem demonstrado notoacuteria
limitaccedilatildeo Alguns autores tecircm relatado modelos de integraccedilatildeo assistencialeducativa em sauacutede
mental no acircmbito da atenccedilatildeo primaacuteria alguns deles voltados para a integraccedilatildeo curricular de
residentes de psiquiatria e de medicina comunitaacuteria (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)
Fato interessante quando comparamos agrave experiecircncia de Satildeo Joseacute do Murialdo no Rio
Grande do Sul (RS) na deacutecada de 1970 que marcou a iniciativa de se trabalhar as accedilotildees de
sauacutede mental na comunidade em nosso paiacutes Esta surge basicamente como alternativa agrave
formaccedilatildeo meacutedica e natildeo como ao modelo assistencial Natildeo pretendia constituir-se em um
dispositivo substitutivo aos modelos vigentes de atenccedilatildeo agrave sauacutede Foi influenciado pelos
postulados da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede de Alma Ata e pelo modelo de serviccedilos de
medicina familiar do National Health System Inglecircs vinculado agrave Secretaria do Estado do RS e
estava conveniado a algumas universidades federais como a do RS marcando a importacircncia
de parcerias para o ecircxito da proposta Tambeacutem mantinha uma articulaccedilatildeo com o sistema local
de sauacutede e apresentava como caracteriacutesticas a multiprofissionalidade das accedilotildees a ecircnfase na
formaccedilatildeo de recursos humanos a participaccedilatildeo da comunidade e o desenvolvimento de
atividades de assistecircncia ensino e pesquisa Tendo o atendimento cliacutenico baseado no
18
acolhimento e na busca da resolutividade Suas accedilotildees pautavam-se nas visitas domiciliares na
educaccedilatildeo em sauacutede nos programas para grupos de risco e num menu tiacutepico da atenccedilatildeo
primaacuteria Esta experiecircncia foi marcada pelo seu pioneirismo pela resistecircncia aos modelos de
formaccedilatildeo vigentes e pela articulaccedilatildeo com o sistema de sauacutede local (SOUZA 2012)
Todavia o delineamento de uma proposta para a Sauacutede Mental na APS no Brasil pelo
Ministeacuterio da Sauacutede ganhou ecircnfase em 2003 com a ediccedilatildeo de uma Circular Conjunta da
Coordenaccedilatildeo de Sauacutede Mental e Coordenaccedilatildeo de Gestatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica nordm 0103 Brasil
2003 Tambeacutem muito mais tarde com a Portaria 154 de 2008 que criou o Nuacutecleo de Apoio agrave
Sauacutede da Famiacutelia (NASF) e instituiu seu financiamento Na deacutecada de 2000 entatildeo com
financiamento e regulaccedilatildeo tripartite amplia-se fortemente a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial
(Raps) que passa a integrar a partir do Decreto Presidencial nordm 75082011 o conjunto das
redes indispensaacuteveis na constituiccedilatildeo das regiotildees de sauacutede Em dezembro desse mesmo ano foi
decretada a Portaria nordm 3088 que institui a RAPS (Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial) para pessoas
com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool
e outras drogas no acircmbito do SUS que deve ser constituiacuteda pelos seguintes componentes I
Atenccedilatildeo baacutesica em sauacutede II Atenccedilatildeo psicossocial especializada III Atenccedilatildeo de urgecircncia e
emergecircncia IV Atenccedilatildeo residencial de caraacuteter transitoacuterio e V Atenccedilatildeo hospitalar
Eacute bom lembrar que no Brasil embora tenham sido criados ateacute o ano de 2014 2129
Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) ndash serviccedilos que estatildeo se interiorizando e adensando
nos territoacuterios somados a 129 consultoacuterios de rua e 695 residecircncias terapecircuticas o nuacutemero de
serviccedilos bem como de profissionais da sauacutede mental capacitados para atender toda a
populaccedilatildeo brasileira ainda se mostra insuficiente (CHIORO 2014)
A despeito de estudos demonstrarem a importacircncia da integraccedilatildeo da sauacutede mental nos
cuidados primaacuterios como a melhor maneira de assegurar que as pessoas recebam os cuidados
de sauacutede mental de que precisam de uma forma mais holiacutestica respondendo agraves necessidades
de sauacutede mental das pessoas com doenccedilas fiacutesicas assim como agraves necessidades de sauacutede fiacutesica
das pessoas com sofrimento psiacutequico como apontam Prates Garcia e Moreno (2013) Souza e
Luis (2012) Cossetim e Olschowsky (2011) Neves Lucchese e Munari (2010) Souza e
Riviera (2010) satildeo praticamente inexistentes os trabalhos de natureza qualitativa sobre a
percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental por parte dos profissionais da ESF Sendo assim o
objeto deste estudo foram os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de
sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade
E como questotildees norteadoras Como os profissionais da ESF compreendem o seu
trabalho na ESF O que os profissionais da ESF consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental na
19
populaccedilatildeo adulta de seu territoacuterio E como os profissionais da ESF identificam acompanham
eou encaminham esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental Problematizando a ampliaccedilatildeo do conceito
de sauacutede mental eou de transtorno mental tatildeo presente hoje em nossa sociedade
Com o aumento da cobertura da ESF na cidade do Rio de Janeiro que nos uacuteltimos
cinco anos (2009-2014) passou de 829 para 4486 de acordo com os dados do MSSAS
via Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB)- Brasil (2014) a capilaridade das accedilotildees de sauacutede
no territoacuterio foi expandida Com isso a demanda por atendimento em sauacutede mental tambeacutem
aumentou tanto para novos casos como para os casos que eram acompanhados em
ambulatoacuterios de psiquiatria e sauacutede mental em outras regiotildees respeitando-se o criteacuterio de
territorializaccedilatildeo
O pressuposto do estudo foi de que os profissionais da ESF teriam dificuldade de
identificar acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental no territoacuterio de sua
responsabilidade Sentiam-se muitas vezes despreparados e sobrecarregados e a demanda por
atendimento em sauacutede mental era tida como mais uma tarefa a ser executada E que haveria
uma atenccedilatildeo especial por parte dos trabalhadores da ESF para centralidade na administraccedilatildeo
da medicaccedilatildeo e no encaminhamento para serviccedilos especializados Ou seja a expansatildeo da ESF
poderia estar relacionada a uma medicalizaccedilatildeo do social
O acuacutemulo das experiecircncias ateacute aqui tem feito acreditar que uma rede diversificada de
serviccedilos de sauacutede mental articulada com a incorporaccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo
primaacuteria com parcerias na comunidade e intersetoriais poderiam contribuir para acelerar o
processo da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira oferecendo melhor cobertura de atenccedilatildeo ao
sofrimento psiacutequico que historicamente sempre apresentou grande dificuldade para entrar no
circuito de atenccedilatildeo agrave sauacutede no acircmbito do SUS
Desse modo com esse estudo esperamos que o papel da ESF no acircmbito das poliacuteticas
puacuteblicas de sauacutede mental seja apreciado dando subsiacutedios para que novos estudos avancem no
entendimento das accedilotildees de sauacutede mental na ESF tal como proposto na Agenda Nacional de
Prioridades de Pesquisa em Sauacutede (BRASIL MS 2011)
O que os profissionais da ESF de um dado territoacuterio consideram como ldquocasordquo de sauacutede
mental a partir da compreensatildeo da natureza do seu trabalho na ESF pode ser um potente
instrumento para a transformaccedilatildeo das praacuteticas de cuidado nos territoacuterios ratificando a APS e
os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica cuidado de base comunitaacuteria integral em liberdade e
trabalho em equipe Pois para se compreender a real capacidade da ESF em lidar com os
ldquocasosrdquo de sauacutede mental da comunidade eacute condiccedilatildeo primeira que se compreenda o
20
entendimento da equipe sobre o seu trabalho na ESF na perspectiva de uma APS abrangente
e integral na concepccedilatildeo de Alma-Ata
3 OBJETIVOS
31 Objetivo Geral
Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca
do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua
responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio do Rio de Janeiro
32 Objetivos especiacuteficos
321 Descrever como os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia compreendem o
seu trabalho
322 Identificar o que os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia consideram
ldquocasordquo de sauacutede mental
323 Discutir como estatildeo sendo identificados acolhidos acompanhados ou
encaminhados os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
4 QUADRO TEOacuteRICO
41 Definiccedilatildeo de termos
ldquoCasosrdquo de Sauacutede Mental
ldquoCasordquo de sauacutede mental seraacute compreendido neste estudo como todo relato a ser feito
pelos profissionais da ESF durante as entrevistas relacionado ao sofrimento transtorno mental
ou queixa psiacutequica na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade Estaacute colocado
entre parecircnteses propositalmente para destacar a complexidade do fenocircmeno a ser estudado
conforme uma breve problematizaccedilatildeo abaixo
No estudo realizado por Jucaacute Nunes e Barreto (2009) na Bahia para compreender
como os profissionais de sauacutede interpretam o sofrimento mental foi identificado que os
profissionais vivenciam dificuldades diversas que vatildeo desde a identificaccedilatildeo do sofrimento
mental passando pelos impasses relativos ao manejo de situaccedilotildees especificas ateacute as questotildees
relativas ao encaminhamento para os serviccedilos especializados
Em outro dois estudos ambos realizados em 2013 um no Cearaacute e outro em Minas
Gerias respectivamente Quindereacute et al apontam que os trabalhadores da APS natildeo se sentem
instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede e Gonccedilalves et al trazem que 60 dos
enfermeiros que trabalham na APS afirmam sentir-se despreparados para lidar com as
questotildees de sauacutede mental por natildeo ter formaccedilatildeo especifica na aacuterea
21
Se por um lado como os estudos apontam haacute uma dificuldade dos profissionais da ESF
em identificarem o sofrimento mental por outro lado vivemos hoje uma expansatildeo dos
diagnoacutesticos psiquiaacutetricos como afirma Amarante (2014) ldquouma apropriaccedilatildeo que a medicina
faz da vida cotidianardquo O que pode acontecer tambeacutem na ESF com um treinamento para Sauacutede
Mental voltado pra uma abordagem restrita e tradicional biomeacutedica
Atualmente existem dois sistemas de diagnoacutestico usados simultaneamente no mundo
a ediccedilatildeo recente do DSM -5 (Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais)
traduzido para mais de vinte idiomas e a CID-10 (Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de
Doenccedilas e Problemas Relacionados agrave Sauacutede) desenvolvida pela OMS e traduzida para 42
idiomas O DSM eacute utilizado com mais frequecircncia em pesquisa e a CID funciona melhor
quando um sistema mais simples eacute necessaacuterio no mundo em desenvolvimento poreacutem ambos
praticamente se equivalem no trabalho cliacutenico em paiacuteses desenvolvidos ldquoOs DSMs ateacute o
momento tecircm sido mais influentes poreacutem seratildeo necessaacuterios vaacuterios anos para que possamos
julgar se o DMS-5 ou a CID-11 (cuja publicaccedilatildeo deve ocorrer por volta de 2018) venceraacute a
proacutexima etapa de competiccedilatildeordquo (FRANCES 2016 p45)
O DSM eacute mais especifico para profissionais da aacuterea da sauacutede mental uma vez que
lista diferentes categorias de transtornos mentais e criteacuterios para diagnosticaacute-los de acordo
com a Associaccedilatildeo Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association - APA) Eacute
usado ao redor do mundo por cliacutenicos e pesquisadores bem como por companhias de seguro
induacutestria farmacecircutica e parlamentos poliacuteticos
Existem cinco revisotildees para o DSM desde sua primeira publicaccedilatildeo em 1952 A maior
revisatildeo foi a DSM-IV publicada em 1994 apesar de uma ldquorevisatildeo textualrdquo ter sido produzida
em 2000 O DSM-5 (anteriormente conhecido como DSM-V) foi publicado em 18 de maio de
2013 e eacute a versatildeo atual do manual A seccedilatildeo de desordens mentais da Classificaccedilatildeo Estatiacutestica
Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados com a Sauacutede - CID (International
Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems ndash ICD) eacute outro guia
comumente usado especialmente fora dos Estados Unidos Entretanto em termos de pesquisa
em sauacutede mental o DSM continua sendo a maior referecircncia da atualidade
Sauvagnat em maio de 2012 em uma Conferecircncia proferida no campus Dom Bosco
da Universidade Federal de Satildeo Joatildeo Del-Rei (UFSJ) na Etapa Brasileira do Movimento
Internacional StopDSM traz importantes consideraccedilotildees criacuteticas acerca da classificaccedilatildeo DSM
e suas implicaccedilotildees na diagnoacutestica contemporacircnea Questiona primeiramente o fato de o
manual ser utilizado como uma espeacutecie de ldquobiacutebliardquo Depois infere como o DSM que era uma
lista de categorias ligadas a um paiacutes para responder a necessidades desse paiacutes torna-se uma
22
regra mundial uma norma mundial Referindo-se aos Estados Unidos que em termos de sauacutede
mental estaacute entre os paiacuteses de ldquoterceiro mundordquo
Segue colocando que o DSM surge como o grande ldquoesperanto psicopatoloacutegicordquo ldquoEacute
como se essas tensotildees que faziam surgir agraves figuras de compromisso entre a psiquiatria e a
filosofia ou a psiquiatria e a psicanaacutelise elas fossem desaparecendo elas ficassem caladasrdquo
Sauvagnat (2012) Acredita que esse eacute o maior malefiacutecio que essa classificaccedilatildeo causa Eacute um
silenciamento de outras formas eacute um silenciamento da possibilidade de expressatildeo de outras
formas de mal- estar na cultura O efeito colateral percebido como destaca o palestrante eacute que
natildeo se sabe mais se o DSM classifica o que eacute visto ou se ele cria os tipos que ele pretende
classificar
Quando falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos
efetivamente Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir
sobre o que eacute a normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito
aos sintomas psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de
grande controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno
mental Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os
quais se trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de
vaacuterios criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada
profissional (DALGALARRONDO 2008)
Para Burkley (2009) em seu estudo tambeacutem sobre reflexotildees criacuteticas dos DSMs a
mudanccedila recorrente entre as categorias diagnoacutesticas do Manual mostra que aquilo que pode
ser considerado doenccedila em uma determinada eacutepoca e cultura pode natildeo ser em outra Natildeo haacute
especialmente em psiquiatria um agente causador que confira objetividade absoluta a um
diagnoacutestico dos diversos transtornos mentais Mesmo os pesquisadores que trabalham em
busca dos marcadores bioloacutegicos de alguns transtornos mentais para a elaboraccedilatildeo do DSM-V
ainda natildeo obtiveram muitos resultados significativos em suas pesquisas O que nos reaviva a
afirmaccedilatildeo de que o que se considera como loucura como doenccedila mental natildeo eacute algo natural
ou com existecircncia natural que legitimaria um marcador bioloacutegico e sim que se trata de algo
construiacutedo de acordo com um momento histoacuterico com um modelo epistemoloacutegico
(FOUCAULT 1972)
Ainda sobre a normalidade George Canguilhem opotildee duas grandes posiccedilotildees Uma
posiccedilatildeo onde supomos que existe um indiviacuteduo normal que seraacute dotado de todas as
qualidades e um indiviacuteduo anormal que eacute mal dito por Deus um pobre coitado e que a
norma estatiacutestica permitiria justamente essa diferenciaccedilatildeo entre os dois Em segundo lugar
23
Canguilhem (2015 p23) oferece sua proacutepria posiccedilatildeo que eacute de dizer ldquoa norma a lei eacute alguma
coisa de relativo Cada sociedade fabrica suas leisrdquo
Em sua criacutetica ao DMS Sauvagnat (2012) diz que efetivamente haacute uma maldiccedilatildeo Eacute
necessaacuterio comparar as coisas Essas pessoas se pretendem neo-kraepelinianas Ele relata que
jaacute trabalhou muito sobre a psiquiatria alematilde No final do seacuteculo XIX iniacutecio do seacuteculo XX
Kraepelin foi algueacutem que sobretudo tentou pocircr em ordem organizar a psiquiatria a partir
das pesquisas que existiam Natildeo se pode dizer isso do DSM O problema deles eacute responder as
objeccedilotildees que lhe satildeo feitas ao mesmo tempo em que satildeo financiados pela induacutestria
farmacecircutica conclui
Burkley (2009) finaliza seu estudo questionando que se adotamos uma concepccedilatildeo de
sauacutede como algo vivencial que natildeo pode ser reduzida e tatildeo pouco medida necessariamente o
diagnoacutestico ganha uma outra dimensatildeo uma funccedilatildeo mais instrumental auxiliar a uma
compreensatildeo da complexidade real da sauacutede mental e talvez o nuacutemero de categorias
diagnoacutesticas pudesse ser reduzido ldquoPois se a sauacutede eacute relativa e singular a psicopatologia
tambeacutem o eacuterdquo (BURKLEY 2009 p 97)
Para Retolaza (2013) nos dias atuais da era tecnoloacutegica o imaginaacuterio coletivo estaacute
impregnado de tecnologia Tudo (ou quase tudo) pode ser explicado pela ciecircncia e pela
teacutecnica portanto para tudo deve existir uma soluccedilatildeo tecnoloacutegica Cada eacutepoca coloca em cena
suas doenccedilas Psiquiatras e psicoacutelogos satildeo os encarregados de sustentar essa narrativa
coletiva certificando em suas consultas publicaccedilotildees e tratados o que eacute e o que natildeo eacute
transtorno psiquiaacutetrico O que eacute e o que natildeo eacute um ldquocasordquo psiquiaacutetrico
O autor afirma que sem duacutevida a falta de um criteacuterio objetivo para agarrar-se a
definiccedilatildeo de um ldquocasordquo em sauacutede mental vem sendo e parece que seraacute ainda por algum tempo
o resultado de um consenso profissional procedente de muitas fontes Em primeiro lugar de
tudo aquilo que nos apontam as provas procedentes da evidencia cientifica os resultados da
experimentaccedilatildeo e o acervo de conhecimento dele derivado Por outro lado no acircmbito da
sauacutede mental (a psiquiatria a psicologia) tambeacutem satildeo importantes os conhecimentos
empiacutericos de ordem praacutetica que permitem organizar a atenccedilatildeo e o cuidado dos usuaacuterios
Finalmente e de uma forma muito importante este consenso tem tambeacutem que dar conta de
tudo aquilo que luta e demanda o entorno o meio cultural e em definitivamente a maioria
social dominante
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Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (ESF)
A ESF eacute a estrateacutegia prioritaacuteria adotada pelo Ministeacuterio da Sauacutede para expandir
qualificar e consolidar a APS no Brasil por favorecer uma reorientaccedilatildeo do processo de
trabalho com maior potencial de aprofundar os princiacutepios diretrizes e fundamentos da APS
de ampliar sua resolutividade e seu impacto na situaccedilatildeo de sauacutede das pessoas e coletividades
aleacutem de propiciar uma importante relaccedilatildeo custo-benefiacutecio (BRASIL 2006 2012)
Tem como foco a famiacutelia visa agrave reorganizaccedilatildeo da APS no Paiacutes de acordo com os
preceitos do SUS e seu maior desafio eacute reverter o modelo assistencial predominantemente
biomeacutedico centrado na doenccedila e no hospital Seus principais objetivos satildeo conhecer as
famiacutelias do seu territoacuterio de abrangecircncia identificar os problemas de sauacutede e as situaccedilotildees de
risco existentes na comunidade elaborar programaccedilatildeo de atividades para enfrentar os
determinantes do processo sauacutededoenccedila desenvolver accedilotildees educativas e intersetoriais
relacionadas com os problemas de sauacutede identificados prestar assistecircncia integral contiacutenua e
organizada agraves famiacutelias sob sua responsabilidade realizar acolhimento com escuta qualificada
classificaccedilatildeo de risco avaliaccedilatildeo de necessidade de sauacutede e anaacutelise de vulnerabilidade tendo
em vista a responsabilidade da demanda espontacircnea e o primeiro atendimento as urgecircncias
desenvolver accedilotildees educativas que possam interferir no processo sauacutede-doenccedila da populaccedilatildeo
no desenvolvimento de autonomia individual e coletiva e na busca por qualidade de vida
pelos usuaacuterios (BRASIL 2012)
Uma anaacutelise das contribuiccedilotildees e desafios da ESF na APS publicada recentemente por
Arantes et al (2016) traz que na dimensatildeo poliacutetico-institucional a ESF favoreceu a expansatildeo
dos cuidados primaacuterios no paiacutes e incrementou o processo de avaliaccedilatildeo institucional Melhorou
a equidade quando comparado ao modelo de UBS tradicional Os principais desafios nessa
dimensatildeo foram financiamento insuficiente formaccedilatildeo profissional em desarmonia com o
modelo de atenccedilatildeo centrado na APS precarizaccedilatildeo do viacutenculo profissional com as instituiccedilotildees
e o desenvolvimento de accedilotildees intersetoriais Na dimensatildeo organizativa a implantaccedilatildeo da ESF
contribuiu para a ampliaccedilatildeo das possibilidades de ofertas de serviccedilos nas aacutereas perifeacutericas e
rurais inclusive da sauacutede bucal Trouxe tambeacutem um efeito estruturante perante os vazios
assistenciais em pequenos municiacutepios com resultados melhores quanto agrave integralidade da
atenccedilatildeo e ao contato por accedilotildees programaacuteticas quando comparado agrave APS tradicional Os
desafios identificados nessa dimensatildeo estiveram ligados ao acesso agrave referencia da Unidade
de Sauacutede da Famiacutelia como porta de entrada do sistema de sauacutede agrave integraccedilatildeo da ESF agrave rede
assistencial ao planejamento e agrave participaccedilatildeo social
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Jaacute na dimensatildeo teacutecnico-assistencial a ESF foi melhor que o modelo de APS em UBS
tradicional quanto ao desempenho ao trabalho multidisciplinar ao enfoque familiar ao
acolhimento ao viacutenculo agrave humanizaccedilatildeo e agrave orientaccedilatildeo comunitaacuteria Com estaque para os
benefiacutecios da ESF para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de doenccedilas a busca ativa de casos a
educaccedilatildeo em sauacutede a assistecircncia domiciliar o aumento de consultas preacute-natais puericultura
de orientaccedilotildees sobre o aleitamento materno exclusivo da coleta de colpocitologia oncoacutetica a
reduccedilatildeo de nascidos com baixo peso da mortalidade infantil e das internaccedilotildees hospitalares
Aleacutem disso proporcionou adesatildeo agraves accedilotildees para tratamento da hipertensatildeo diabetes
hanseniacutease tuberculose e de doenccedilas sexualmente transmissiacuteveis Avanccedilos importantes
foram percebidos tambeacutem nas aacutereas de sauacutede bucal e assistecircncia farmacecircutica Os desafios
observados nessa dimensatildeo estiveram relacionados ao desenvolvimento de praacuteticas
integrativas complementares de accedilotildees para sauacutede mental do adolescente na aacuterea de sauacutede
mental (grifos meus para dimensionar a importacircncia desse trabalho) ao portador do Viacuterus da
Imunodeficiecircncia HumanaSiacutendrome da Imunodeficiecircncia Adquirida (HIVAIDS) aos
usuaacuterios de drogas iliacutecitas e da obesidade O risco de reproduzir a racionalidade biomeacutedica no
processo de trabalho foi outra dificuldade muito importante detectada a ser enfrentada pela
ESF no processo de cuidado
Os profissionais da ESF
A equipe da ESF (Equipe da Sauacutede da Famiacutelia - EqSF) deve ser multiprofissional
composta por no miacutenimo pelo seguintes profissionais meacutedico generalista ou especialista em
Sauacutede da Famiacutelia ou meacutedico de Famiacutelia e Comunidade enfermeiro generalista ou especialista
em Sauacutede da Famiacutelia auxiliares ou teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede
(ACS) de preferecircncia moradores da aacuterea e que fazem o elo entre a Unidade Baacutesica de Sauacutede
(UBS) e a populaccedilatildeo atraveacutes de visitas domiciliares (BRASIL 2012)
Podendo acrescentar a esta composiccedilatildeo como parte da equipe multiprofissional os
profissionais de Sauacutede Bucal (ESB) cirurgiatildeo-dentista generalista ou especialista em Sauacutede
da Famiacutelia auxiliar eou teacutecnico de higiene bucal Eacute recomendado pela Poliacutetica Nacional da
Atenccedilatildeo Baacutesica que cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a
meacutedia recomendada de 3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo De
maneira que o nuacutemero de pessoas por equipe considere o grau de vulnerabilidade das famiacutelias
daquele territoacuterio ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o
nuacutemero de pessoas por equipe (BRASIL 2012)
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Satildeo atribuiccedilotildees especiacuteficas de cada membro da equipe descrito a seguir conforme
Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica (2012)
Agente Comunitaacuterio de Sauacutede I - desenvolver accedilotildees que busquem a integraccedilatildeo entre
a equipe de sauacutede e a populaccedilatildeo adscrita agrave UBS considerando as caracteriacutesticas e as
finalidades do trabalho de acompanhamento de indiviacuteduos e grupos sociais ou coletividade II
- trabalhar com adscriccedilatildeo de famiacutelias em base geograacutefica definida a microaacuterea III - estar em
contato permanente com as famiacutelias desenvolvendo accedilotildees educativas visando agrave promoccedilatildeo da
sauacutede e a prevenccedilatildeo das doenccedilas de acordo com o planejamento da equipe IV - cadastrar
todas as pessoas de sua microaacuterea e manter os cadastros atualizados V - orientar famiacutelias
quanto agrave utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede disponiacuteveis VI - desenvolver atividades de
promoccedilatildeo da sauacutede de prevenccedilatildeo das doenccedilas e de agravos e de vigilacircncia agrave sauacutede por meio
de visitas domiciliares e de accedilotildees educativas individuais e coletivas nos domiciacutelios e na
comunidade mantendo a equipe informada principalmente a respeito daquelas em situaccedilatildeo
de risco VII - acompanhar por meio de visita domiciliar todas as famiacutelias e indiviacuteduos sob
sua responsabilidade de acordo com as necessidades definidas pela equipe e VIII - cumprir
com as atribuiccedilotildees atualmente definidas para os ACS em relaccedilatildeo agrave prevenccedilatildeo e ao controle da
malaacuteria e da dengue conforme a Portaria nordm 44GM de 3 de janeiro de 2002
Enfermeiro I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo
de agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e
famiacutelias na USF e quando indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos
comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) em todas as fases do desenvolvimento humano
infacircncia adolescecircncia idade adulta e terceira idade II - conforme protocolos ou outras
normativas teacutecnicas estabelecidas pelo gestor municipal ou do Distrito Federal observadas as
disposiccedilotildees legais da profissatildeo realizar consulta de enfermagem solicitar exames
complementares e prescrever medicaccedilotildees III ndash realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo a
demanda espontacircnea IV ndash planejar gerenciar e avaliar as accedilotildees desenvolvidas pelos ACS em
conjunto com os outros membros da equipe V ndash contribuir participar e realizar atividades de
educaccedilatildeo permanente da equipe de enfermagem e outros membros da equipe e VI - participar
do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF
Meacutedico I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de
agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e
famiacutelias em todas as fases do desenvolvimento humano infacircncia adolescecircncia idade adulta e
terceira idade II - realizar consultas cliacutenicas e procedimentos na USF e quando indicado ou
necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) III
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- realizar atividades de demanda espontacircnea e programada em cliacutenica meacutedica pediatria
gineco-obstetriacutecia cirurgias ambulatoriais pequenas urgecircncias cliacutenico-ciruacutergicas e
procedimentos para fins de diagnoacutesticos IV - encaminhar quando necessaacuterio usuaacuterios a
serviccedilos de meacutedia e alta complexidade respeitando fluxos de referecircncia e contra- referecircncia
locais mantendo sua responsabilidade pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio
proposto pela referecircnciaV - indicar a necessidade de internaccedilatildeo hospitalar ou domiciliar
mantendo a responsabilizaccedilatildeo pelo acompanhamento do usuaacuterio VI - contribuir e participar
das atividades de Educaccedilatildeo Permanente dos ACS Auxiliares de Enfermagem ACD e THD e
VII - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da
USF
Auxiliar e Teacutecnico de Enfermagem I - participar das atividades de atenccedilatildeo
realizando procedimentos regulamentados no exerciacutecio de sua profissatildeo na USF e quando
indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas
associaccedilotildees etc) II - realizar accedilotildees de educaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo adstrita conforme planejamento
da equipe e III - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado
funcionamento da USF IV- Realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo agrave demanda
espontacircnea e V- contribuir participar e realizar atividades de educaccedilatildeo permanente
Cirurgiatildeo Dentista I - realizar diagnoacutestico com a finalidade de obter o perfil
epidemioloacutegico para o planejamento e a programaccedilatildeo em sauacutede bucal II - realizar os
procedimentos cliacutenicos da Atenccedilatildeo Baacutesica em sauacutede bucal incluindo atendimento das
urgecircncias pequenas cirurgias ambulatoriais e procedimentos relacionados com a fase cliacutenica
da instalaccedilatildeo de proacuteteses dentaacuterias elementares III - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede
bucal (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos diagnoacutestico tratamento
reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) individual e coletiva a todas as famiacutelias a indiviacuteduos e a
grupos especiacuteficos de acordo com planejamento local com resolubilidade IV - realizar
atividades programadas e de atenccedilatildeo a demanda espontacircnea V- coordenar e participar de
accedilotildees coletivas voltadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave prevenccedilatildeo de doenccedilas bucais VI -
acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com os demais
membros da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de sauacutede de
forma multidisciplinar VII - realizar supervisatildeo teacutecnica do teacutecnico em sauacutede bucal (TSB) e
auxiliar em sauacutede bucal (ASB) e VIII - Participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios
para o adequado funcionamento da USF
Teacutecnico em Higiene Dental (THD) I - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede bucal
(promoccedilatildeo prevenccedilatildeo assistecircncia e reabilitaccedilatildeo) individual e coletiva a todas as famiacutelias a
28
indiviacuteduos e a grupos especiacuteficos segundo programaccedilatildeo e de acordo com suas competecircncias
teacutecnicas e legais II - coordenar e realizar a manutenccedilatildeo e a conservaccedilatildeo dos equipamentos
odontoloacutegicos III - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com
os demais membros da equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de
sauacutede de forma multidisciplinar IV - apoiar as atividades dos ACD e dos ACS nas accedilotildees de
prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede bucal e V - participar do gerenciamento dos insumos
necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF
Auxiliar de Consultoacuterio Dentaacuterio (ACD) I - realizar accedilotildees de promoccedilatildeo e
prevenccedilatildeo em sauacutede bucal para as famiacutelias grupos e indiviacuteduos mediante planejamento local
e protocolos de atenccedilatildeo agrave sauacutede II - proceder agrave desinfecccedilatildeo e agrave esterilizaccedilatildeo de materiais e
instrumentos utilizados III - preparar e organizar instrumental e materiais necessaacuterios IV -
instrumentalizar e auxiliar o cirurgiatildeo dentista eou o THD nos procedimentos cliacutenicos V -
cuidar da manutenccedilatildeo e conservaccedilatildeo dos equipamentos odontoloacutegicos VI - organizar a
agenda cliacutenica VII - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal
com os demais membros da equipe de sauacutede da famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees
de sauacutede de forma multidisciplinar e VIII - participar do gerenciamento dos insumos
necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF
Devendo ser atribuiccedilotildees comuns agrave todos os profissionais das equipes de sauacutede da
famiacutelia de sauacutede bucal e de ACS (BRASIL 2006)
I - Participar do processo de territorializaccedilatildeo e mapeamento da aacuterea de atuaccedilatildeo da
equipe identificando grupos famiacutelias e indiviacuteduos expostos a riscos inclusive aqueles
relativos ao trabalho e da atualizaccedilatildeo contiacutenua dessas informaccedilotildees priorizando as situaccedilotildees a
serem acompanhadas no planejamento local II - Realizar o cuidado em sauacutede da populaccedilatildeo
adscrita prioritariamente no acircmbito da unidade de sauacutede no domiciacutelio e nos demais espaccedilos
comunitaacuterios (escolas associaccedilotildeesentre outros) quando necessaacuterio III - Realizar accedilotildees de
atenccedilatildeo integral conforme a necessidade de sauacutede da populaccedilatildeo local bem como as previstas
nas prioridades e protocolos da gestatildeo local IV - Garantir a integralidade da atenccedilatildeo por
meio da realizaccedilatildeo de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos e curativas e da
garantia de atendimento da demanda espontacircnea da realizaccedilatildeo das accedilotildees programaacuteticas e de
vigilacircncia agrave sauacutede V - Realizar busca ativa e notificaccedilatildeo de doenccedilas e agravos de notificaccedilatildeo
compulsoacuteria e de outros agravos e situaccedilotildees de importacircncia local VI - Realizar a escuta
qualificada das necessidades dos usuaacuterios em todas as accedilotildees proporcionando atendimento
humanizado e viabilizando o estabelecimento do viacutenculo VII - Responsabilizar-se pela
populaccedilatildeo adscrita mantendo a coordenaccedilatildeo do cuidado mesmo quando esta necessita de
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atenccedilatildeo em outros serviccedilos do sistema de sauacutede VIII - Participar das atividades de
planejamento e avaliaccedilatildeo das accedilotildees da equipe a partir da utilizaccedilatildeo dos dados disponiacuteveis IX
- Promover a mobilizaccedilatildeo e a participaccedilatildeo da comunidade buscando efetivar o controle
social X - Identificar parceiros e recursos na comunidade que possam potencializar accedilotildees
intersetoriais com a equipe sob coordenaccedilatildeo da SMS XI - Garantir a qualidade do registro
das atividades nos sistemas nacionais de informaccedilatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica XII - participar das
atividades de educaccedilatildeo permanente e XIII - Realizar outras accedilotildees e atividades a serem
definidas de acordo com as prioridades locais
42 MODELOS DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE
Aspectos Teoacutericos-Conceituais
Os modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede estatildeo relacionados ao modo como satildeo organizadas as
accedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede incluindo os aspectos tecnoloacutegicos assistenciais e os recursos
fiacutesicos disponiacuteveis que se articulam para enfrentar e resolver os problemas de sauacutede de uma
coletividade Ao redor do mundo pode-se considerar a existecircncia de diversos modelos de
atenccedilatildeo sustentados pelas diferentes concepccedilotildees de sauacutede e de doenccedila pelas tecnologias
disponiacuteveis em uma determinada eacutepoca para intervir na sauacutede e na doenccedila e pelas escolhas
poliacuteticas e eacuteticas que priorizam os problemas a serem enfrentados pela poliacutetica de sauacutede
Desta maneira pode-se considerar que natildeo existe modelo de atenccedilatildeo certo ou errado eles
estatildeo relacionados a todos esses fatores de um dado momento histoacuterico
No Brasil as expressotildees modelos assistenciais ou modelos tecnoassistenciais
aparecem a partir da deacutecada de 1980 com significados muito proacuteximos Poreacutem haacute objeccedilotildees
ao adjetivo lsquoassistencialrsquo pois lembra assistecircncia meacutedica ou odontoloacutegica centrada em
procedimentos para indiviacuteduos O termo lsquoatenccedilatildeorsquo teria maior abrangecircncia pois aleacutem de
envolver a assistecircncia incluiria outras accedilotildees individuais e coletivas nos acircmbitos da
promoccedilatildeo proteccedilatildeo recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo da sauacutede (PAIM 2012 p459)
No que diz respeito agrave prestaccedilatildeo da atenccedilatildeo esta eacute reconhecida como um dos
componentes de um sistema de sauacutede juntamente com a gestatildeo o financiamento a
organizaccedilatildeo e a infraestrutura de recursos Kleczkowski Roemer e Werf (1984) Desta
maneira o modelo de atenccedilatildeo tem como foco o lsquoconteuacutedorsquo do sistema de sauacutede isto eacute as
accedilotildees de sauacutede e natildeo o lsquocontinentersquo - infraestrutura organizaccedilatildeo gestatildeo e financiamento o
que torna necessaacuteria a reflexatildeo sobre os processos de trabalho em sauacutede quando se pretende
analisar os modelos de atenccedilatildeo
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Portanto eacute importante compreender os modelos de atenccedilatildeo natildeo como algo exemplar
um molde Ao contraacuterio disso indicam modos de organizar a accedilatildeo e dispor os meios teacutecnico-
cientiacuteficos existentes para intervir sobre os problemas e necessidades de sauacutede que podem ser
diversos tendo em conta as realidades distintas
Nessa perspectiva modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede pode ser definido como ldquocombinaccedilotildees
tecnoloacutegicas estruturadas para resoluccedilatildeo de problemas e para o atendimento de necessidades
de sauacutede individuais e coletivasrdquo (PAIM 2012 p463)
Contextualizaccedilatildeo movimentos ideoloacutegicos e proposiccedilotildees de modelos
Apoacutes essa breve discussatildeo teoacuterico-conceitual faz-se necessaacuteria a contextualizaccedilatildeo no
sentido de identificar movimentos ideoloacutegicos que influenciaram na elaboraccedilatildeo de modelos e
no desenvolvimento histoacuterico das poliacuteticas e praacuteticas de sauacutede O quadro a seguir mostra a
relaccedilatildeo dos diferentes movimentos ideoloacutegicos com as respectivas preposiccedilotildees de modelo de
atenccedilatildeo
Quadro 1 Os movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo
MOVIMENTOS IDEOLOacuteGICOS PROPOSICcedilOtildeES DE MODELO
Medicina preventiva
(Deacutec 195060 criaccedilatildeo de departamentos nas escolas
meacutedicas especialmente apoacutes Reforma Universitaacuteria em
1968)
(Agente-hospedeiro-ambiente) multicausalidade Ambiente
fiacutesico bioloacutegico e sociocultural
lsquoModelo ecoloacutegicorsquo
lsquoModelo da histoacuteria natural da doenccedilarsquo
Niacuteveis de prevenccedilatildeo
Medicina Comunitaacuteria
(Deacutec 1970 reproduziu-se nos centros de sauacutede-escola
tendo como caracteriacutesticas a integraccedilatildeo docente-
assistencial participaccedilatildeo da comunidade e
regionalizaccedilatildeo)
lsquoModelo de piracircmidersquo ndash atenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e
terciaacuteria ndash Hierarquizaccedilatildeo
lsquoCampo da sauacutedersquo (Questiona custos crescentes da assistecircncia meacutedica)
Atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
(Apoacutes a Conferecircncia de Alma-Ata 1978)
Ecircnfase em tecnologias ditas simplificadas e de baixo custo
Contrapotildee-se ao lsquomodelo hospitalocentricorsquo visa a
reformulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e a reorganizaccedilatildeo do
sistema de serviccedilos de sauacutede
Promoccedilatildeo da sauacutede
(Carta de Otawa 1986 determinantes socioambientais
da sauacutede)
Modelo Dahlgren amp Whitehead (elementos bioloacutegicos
estilo de vida redes sociais e comunitaacuterias aleacutem de
condiccedilotildees socioeconocircmicas culturais e ambientais gerais)
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria baseado em Paim 2012
A partir do quadro acima podemos observar o que jaacute foi dito anteriormente sobre natildeo
existir modelo de atenccedilatildeo certo ou errado mas que cada proposiccedilatildeo de modelo estaacute
intrinsecamente relacionado aos fatores de um dado momento histoacuterico ou seja ao
movimento ideoloacutegico da eacutepoca em que foi pensado e estruturado
31
Modelos de Atenccedilatildeo Hegemocircnicos
No Brasil ao considerar a conformaccedilatildeo histoacuterica do sistema de serviccedilos de sauacutede no
paiacutes podem ser identificados esses dois modelos hegemocircnicos o modelo meacutedico e o modelo
sanitarista
O modelo meacutedico tem como representantes o ldquomodelo meacutedico assistencial privatista e
o maneged care - atenccedilatildeo gerenciadardquo Paim (2012 p 468) E apresenta os seguintes traccedilos
fundamentais 1) individualismo 2) sauacutededoenccedila como mercadoria 3) ecircnfase no biologismo
4) a-historicidade da praacutetica meacutedica 5) medicalizaccedilatildeo dos problemas 6) privileacutegio da
medicina curativa 7) estiacutemulo ao consumismo meacutedico 8) participaccedilatildeo passiva e subordinada
dos consumidores (MENEacuteNDEZ 1992 apud PAIM 2012)
Jaacute o modelo sanitarista que se apoia nas correntes bacterioloacutegica e meacutedico-sanitarista
que geraram distintos modelos tecnoassistenciais como o campanhista e o verticalista
permanente Merhy (1992) Portanto remete agrave ideacuteia de campanha ou programa sempre
presente no imaginaacuterio da populaccedilatildeo diante de problema ou de uma necessidade de sauacutede de
caraacuteter coletivo
Embora subalterno ao modelo meacutedico o modelo sanitarista predomina no Brasil desde
o seacuteculo XX sob influecircncia norte-americana Fundamenta-se no saber biomeacutedico
(microbiologia parasitologia virologia imunologia cliacutenica etc) bem como nas disciplinas
de epidemiologia estatiacutestica administraccedilatildeo saneamento As campanhas sanitaacuterias
(vacinaccedilatildeo controle de epidemias erradicaccedilatildeo de endemias etc) os programas especiais
(controle da tuberculose hanseniacutease AIDS tabagismo etc) e as accedilotildees de vigilacircncias sanitaacuteria
e epidemioloacutegica podem ser citados como exemplos desse modelo de atenccedilatildeo (PAIM 2012)
Esses modelos hegemocircnicos natildeo contemplam nos seus fundamentos o princiacutepio da
integralidade isto eacute ou estatildeo voltados para a demanda espontacircnea (modelo meacutedico) ou
buscam atender necessidades que nem sempre se expressam em demandas (modelo
sanitarista)
As propostas de modelos alternativos
Diante do exposto acerca dos modelos de atenccedilatildeo hegemocircnicos no Brasil apresentam-
se como grandes desafios a integralidade a efetividade a qualidade e a humanizaccedilatildeo dos
serviccedilos Nesse contexto Paim (2012) apresenta algumas ferramentas elaboradas a partir da
deacutecada de 1980 que buscam conciliar o atendimento agrave demanda e agraves necessidades na
perspectiva da integralidade Satildeo elas a) Oferta organizada b) Distritalizaccedilatildeo c) Accedilotildees
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programaacuteticas de sauacutede d) Vigilacircncia da sauacutede e) Acolhimento f) Linhas de cuidado g)
Promoccedilatildeo da sauacutede e h) Estrateacutegia da Sauacutede da Famiacutelia
A oferta organizada fundamenta-se em conceitos da epidemiologia e no planejamento
Trabalha com noccedilatildeo de territorializaccedilatildeo integralidade e impacto epidemioloacutegico Sua atuaccedilatildeo
caracteriza-se pela redefiniccedilatildeo da demanda ou seja baseia-se nas necessidades
epidemiologicamente identificadas para orientar a programaccedilatildeo da oferta de serviccedilos e accedilotildees
nas unidades de sauacutede Haacute atendimento agrave demanda espontacircnea e ao mesmo tempo agrave execuccedilatildeo
de accedilotildees sobre o ambiente e grupos populacionais visando o controle de agravos doenccedilas
riscos e as necessidades da comunidade
A Distritalizaccedilatildeo surge atraveacutes de experiecircncias de implantaccedilatildeo de distritos sanitaacuterios
como o Suds na Bahia Rio Grande do Norte e Satildeo Paulo na deacutecada de 80 Paim (2012
p247) define distritos sanitaacuterios como
Unidade operacional e administrativa miacutenima do sistema de sauacutede
definida com criteacuterios geograacuteficos populacionais epidemioloacutegicos
gerenciais e poliacuteticos onde se localizam recursos de sauacutede puacuteblicos e
privados organizados por meio de um conjunto de mecanismos
poliacuteticos institucionais com a participaccedilatildeo da sociedade organizada
para desenvolver accedilotildees integrais de sauacutede capazes de resolver a maior
quantidade possiacutevel de problemas de sauacutede
Esta proposta apoia-se na geografia na epidemiologia e no planejamento Visa
organizar serviccedilos e estabelecimentos em uma rede estruturada nos distritos sanitaacuterios com
mecanismos de comunicaccedilatildeo e integraccedilatildeo Aleacutem disso contempla uma populaccedilatildeo definida
um territoacuterio-processo uma rede de serviccedilos de sauacutede e equipamentos comunitaacuterios
Jaacute as accedilotildees programaacuteticas de sauacutede utilizam tecnologias derivadas da epidemiologia e
da programaccedilatildeo em sauacutede e baseia-se na utilizaccedilatildeo de programaccedilatildeo como instrumento de
redefiniccedilatildeo do processo de trabalho em sauacutede Parte da identificaccedilatildeo das necessidades sociais
de sauacutede da populaccedilatildeo para a redefiniccedilatildeo de programas especiais no niacutevel local Concentram-
se no interior das unidades de sauacutede e natildeo se reduzem agrave uma padronizaccedilatildeo sistemaacutetica de
condutas
Em relaccedilatildeo agrave vigilacircncia da Sauacutede esta proposta apoia-se na epidemiologia na
geografia criacutetica no planejamento e nas ciecircncias sociais Atua articulando o controle de
danos riscos e causas e sugere a possibilidade de uma integraccedilatildeo com as vigilacircncias a
assistecircncia meacutedica e as poliacuteticas puacuteblicas Aleacutem disso tambeacutem articula a oferta organizada
accedilotildees programaacuteticas a intervenccedilatildeo social organizada e as poliacuteticas intersetoriais Busca
33
reorganizar as praacuteticas de sauacutede no niacutevel local atraveacutes da i) Intervenccedilatildeo sobre problemas de
sauacutede (danos riscos eou determinantes) ii) Ecircnfase em problemas que requerem atenccedilatildeo e
acompanhamentos contiacutenuos iii) Utilizaccedilatildeo do conceito epidemioloacutegico de risco iv)
Articulaccedilatildeo entre accedilotildees promocionais preventivas e curativas v) Atuaccedilatildeo intersetorial vi)
Accedilotildees sobre o territoacuterio vii) Intervenccedilatildeo na forma de operaccedilotildees (PAIM 2012 p 481)
O acolhimento fundamenta-se na cliacutenica nas ciecircncias de gestatildeo na psicologia e na
anaacutelise institucional Busca reorganizar o serviccedilo de forma usuaacuterio-centrada e parte de trecircs
orientaccedilotildees i) Atender a todas as pessoas que procuram os serviccedilos de sauacutede ii) Reorganizar
processo de trabalho afim de que este desloque seu eixo central do meacutedico para uma equipe
profissional iii) Qualificar a relaccedilatildeo trabalhador-usuaacuterio com base em valores humanitaacuterios
de solidariedade e cidadania Trabalha com a demanda espontacircnea e busca a qualidade da
atenccedilatildeo e a satisfaccedilatildeo do usuaacuterio Implica em mudanccedilas na ldquoporta de entradardquo na recepccedilatildeo
do usuaacuterio no agendamento das consultas e na programaccedilatildeo da prestaccedilatildeo de serviccedilos
incluindo atividades baseadas nas necessidades sociais de sauacutede da populaccedilatildeo (PAIM 2012
p 483)
No que tange agraves linhas de cuidado estas correspondem a um conjunto de saberes
tecnologias e recursos acionados para enfrentar riscos agravos ou condiccedilotildees especiacuteficas do
ciclo da vida As linhas de cuidado satildeo estruturadas por projetos terapecircuticos valorizam o
viacutenculo a partir da atenccedilatildeo primaacuteria orientam o usuaacuterio sobre os caminhos a percorrer no
sistema de sauacutede e trabalha atraveacutes da loacutegica da referecircncia e contra referecircncia Segundo Paim
(2012 p452) ldquo() a linha de cuidado tem se mostrado uma proposta alternativa importante
diante do atual panorama epidemioloacutegico do Brasil e do mundo devido ao aumento das
doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis (DCNT)rdquo
A promoccedilatildeo da Sauacutede no Brasil estaacute presente em dispositivos legais e iniciativas do
Ministeacuterio da Sauacutede desde 2000 Envolve medidas que visam agrave melhoria das condiccedilotildees e dos
estilos de vida de grupos populacionais Dentre as principais caracteriacutesticas dessa proposta
estaacute a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas saudaacuteveis criaccedilatildeo de ambientes favoraacuteveis agrave sauacutede
reforccedilo da accedilatildeo comunitaacuteria desenvolvimento de habilidades pessoais cidades saudaacuteveis
escolas promotoras de sauacutede ambientes saudaacuteveis
Por fim a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia que se fundamenta no planejamento na cliacutenica
na epidemiologia e nas ciecircncias sociais Utiliza combinaccedilotildees tecnoloacutegicas da oferta
organizada distritalizaccedilatildeo vigilacircncia da sauacutede e acolhimento Esta proposta possui papel de
reorientadora da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Brasil e por sua importacircncia nesse trabalho estaacute
melhor descrita nos capiacutetulos seguintes
34
43 ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE (APS)
Conceitos trajetoacuteria e abordagem
O termo Primary Care (Atenccedilatildeo Primaacuteria) foi introduzido em 1961 por White e
apontou para a necessidade de meacutedicos generalistas na era da especializaccedilatildeo Contribuiacuteram
ainda para a ampliaccedilatildeo do conceito de Atenccedilatildeo Primaacuteria e por conseguinte para a ampliaccedilatildeo
do papel do meacutedico de famiacutelia e comunidade dois movimentos histoacutericos a reformulaccedilatildeo do
sistema de sauacutede canadense implantado a partir do informe Lalonde de 1974 e as discussotildees
de representantes de vaacuterios paiacuteses no acircmbito da Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede que gerou o
movimento da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS) e que culminou com a realizaccedilatildeo da
Conferecircncia de Alma Ata em 1978
Eacute importante frisar que o contexto histoacuterico em que surgiram estas propostas foi
marcado pela crescente urbanizaccedilatildeo pelo crescimento populacional e pela desigualdade Os
governos estavam sendo chamados a buscarem estrateacutegias de aumento da cobertura de seus
sistemas de sauacutede com a otimizaccedilatildeo de custos e melhoria dos indicadores de sauacutede e doenccedila
Em termos conceituais foi a partir dessa I Conferecircncia Internacional de Cuidados
Primaacuterios em Sauacutede realizada mais precisamente em setembro de 1978 em Alma-Ata cidade
do Cazaquistatildeo uma das repuacuteblicas da antiga Uniatildeo Sovieacutetica promovida pela Organizaccedilatildeo
Mundial de Sauacutede e pelo Fundo das Naccedilotildees Unidas que se buscou uma definiccedilatildeo de APS
(FAUSTO 2005)
Assim a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) passou a compreender e divulgar os
cuidados primaacuterios em sauacutede como
Cuidados essenciais baseados em meacutetodos praacuteticos
cientificamente bem fundamentados e socialmente aceitaacuteveis e
em tecnologia de acesso universal para indiviacuteduos e suas
famiacutelias na comunidade [] Aleacutem de serem o primeiro niacutevel de
contato de indiviacuteduos da famiacutelia e da comunidade com o
sistema nacional de sauacutede aproximando ao maacuteximo possiacutevel os
serviccedilos de sauacutede nos lugares onde o povo vive e trabalha
constituem tambeacutem o primeiro elemento de um contiacutenuo
processo de atendimento em sauacutede (OMSUNICEF 1978 p 2)
A Declaraccedilatildeo de Alma-Ata coroou o processo anterior de questionamento dos modelos
verticais de intervenccedilatildeo da OMS para o combate agraves endemias nos paiacuteses em desenvolvimento
35
em especial na Aacutefrica e na Ameacuterica Latina e do modelo meacutedico hegemocircnico cada vez mais
especializado e intervencionista Sendo que na primeira vertente de questionamento
aprofundava-se a criacutetica a OMS no que se refere agrave abordagem vertical dos programas de
combate a doenccedilas transmissiacuteveis desenvolvidos com intervenccedilotildees seletivas e
descontextualizadas durante a deacutecada de 1960 como a Malaacuteria Jaacute na segunda vertente de
questionamento desde o final da deacutecada de 1960 o modelo biomeacutedico de atenccedilatildeo agrave sauacutede
recebia criacuteticas de diversas origens evidenciando-se os determinantes sociais mais gerais dos
processos sauacutede enfermidade e a exigecircncia de nova abordagem em atenccedilatildeo agrave sauacutede
(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
A OMS passou entatildeo por uma renovaccedilatildeo em contexto mundial favoraacutevel no qual
predominavam os governos social-democrata em paiacuteses europeus e em 1973 Halfdan
Mahler um meacutedico com senso de justiccedila social e experiecircncia em sauacutede puacuteblica em paiacuteses em
desenvolvimento assumiu a direccedilatildeo da OMS que comeccedilou a desenvolver abordagens
alternativas para a intervenccedilatildeo em sauacutede Ponderava-se que as intervenccedilotildees verticais natildeo
respondiam agraves principais necessidades de sauacutede dos povos e que seria preciso prosseguir
desenvolvendo concepccedilotildees mais abrangentes dentre elas a de APS Foi assim que em 1976
Mahler propocircs a meta Sauacutede para Todos no Ano 2000
A APS na Conferencia de Alma-Ata foi entatildeo entendida como atenccedilatildeo agrave sauacutede
essencial fundada em tecnologias apropriadas e custo-efetivas primeiro componente de um
processo permanente de assistecircncia sanitaacuteria orientado por princiacutepios de solidariedade e
equidade cujo acesso deveria ser garantido a todas as pessoas e famiacutelias da comunidade
mediante sua plena participaccedilatildeo e com foco na proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede A
compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a necessidade da abordagem dos determinantes
sociais e poliacuteticos mais amplos da sauacutede satildeo destaques na corrente mais filosoacutefica da
Declaraccedilatildeo de Alma-Ata com ecircnfase nas suas implicaccedilotildees poliacuteticas e sociais Ainda eacute
defendida a ideacuteia de que as poliacuteticas sociais de desenvolvimento devem ser inclusivas e
apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo para poder alcanccedilar equidade em
sauacutede (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
A denominaccedilatildeo ldquoatenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutederdquo vem entatildeo sendo empregada para modelos
distintos de organizaccedilatildeo e oferta de serviccedilos de sauacutede em vaacuterios paiacuteses ao redor do mundo
Numa tentativa de descrever e diferenciar os diversos modelos que utilizam a denominaccedilatildeo
ldquoAPSrdquo a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPASOMS 2007) em seu documento
Renovaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Primaacuteria nas Ameacutericas propocircs uma classificaccedilatildeo para as abordagens
de APS entatildeo existentes (Quadro 2)
36
Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em sauacutede
ABORDAGEM CONCEITO DE ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE ENFASE
APS seletiva
Programas focalizados e seletivos com cesta restrita de serviccedilos para
enfrentar limitado nuacutemero de problemas de sauacutede nos paiacuteses em
desenvolvimento Dirigidas ao grupo materno-infantil accedilotildees mais
comuns satildeo monitoramento de crescimento infantil reidrataccedilatildeo oral
amamentaccedilatildeo imunizaccedilatildeo e por vezes complementaccedilatildeo alimentar
planejamento familiar e alfabetizaccedilatildeo de mulheres
Conjunto restrito
de serviccedilos de
sauacutede para a
populaccedilatildeo pobre
Primeiro niacutevel
de atenccedilatildeo
Refere-se ao ponto de entrada no sistema de sauacutede e ao local de
cuidados de sauacutede para a maioria das pessoas na maior parte do
tempo correspondendo aos serviccedilos ambulatoriais meacutedicos de
primeiro contato natildeo especializados ndash incluindo accedilotildees preventivas e
serviccedilos cliacutenicos direcionados a toda populaccedilatildeo Trata-se da
concepccedilatildeo mais comum em paiacuteses da Europa com sistemas
universais puacuteblicos Em sua definiccedilatildeo mais estreita refere-se agrave
disponibilidade de meacutedicos com especializaccedilatildeo em medicina geral ou
medicina de famiacutelia e comunidade (meacutedicos generalistas ou general
practioners ndash GP)
Um dos niacuteveis de
atenccedilatildeo do
sistema de sauacutede
APS
abrangente ou
integral Alma-
Ata
A declaraccedilatildeo de Alma-Ata (1978) define a APS integrada ao sistema
de sauacutede garantindo a integralidade e a participaccedilatildeo social
Os princiacutepios fundamentais da APS integral satildeo a necessidade de
enfrentar os determinantes sociais de sauacutede acessibilidade e
cobertura universais com base nas necessidades participaccedilatildeo
comunitaacuteria emancipaccedilatildeo accedilatildeo intersetorial tecnologias apropriadas
e uso eficiente dos recursos
Estrateacutegia para
organizar os
sistemas de
atenccedilatildeo agrave sauacutede e
para a sociedade
promover a sauacutede
Abordagem de
sauacutede e de
direitos
humanos
Enfatiza a compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a
necessidade de abordar os determinantes sociais e poliacuteticos mais
amplos da sauacutede como preconizado na Declaraccedilatildeo de Alma-Ata
Defende a ideacuteia de que as poliacuteticas de desenvolvimento devem ser
inclusivas e apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo
para promover a equidade em sauacutede
Uma filosofia que
permeia os setores
sociais e de sauacutede
Fonte OPASOMS 2007 p04
Como podemos observar nesse documento as distintas concepccedilotildees de atenccedilatildeo primaacuteria
pelas agecircncias internacionais tecircm importantes repercussotildees sobre a equidade e direitos agrave
sauacutede principalmente entre a abordagem seletiva e integral As concepccedilotildees de APS seletiva e
abrangente ldquocompreendem questotildees teoacutericas ideoloacutegicas e praacuteticas muito distintas com
consequecircncias diferenciadas sobre a garantia do direito universal agrave sauacutederdquo (GIOVANELLA
MENDONCcedilA 2012 p 506)
Com base na produccedilatildeo de Starfield (2002) e Vuori (1984) APS em resumo pode ser
compreendida como uma tendecircncia relativamente recente de se inverter a priorizaccedilatildeo das
accedilotildees de sauacutede de uma abordagem curativa desintegrada e centrada no papel hegemocircnico do
meacutedico para uma abordagem preventiva e promocional integrada com outros niacuteveis de
atenccedilatildeo e construiacuteda de forma coletiva com outros profissionais de sauacutede fornecendo
ldquoatenccedilatildeo agrave pessoa natildeo agrave enfermidaderdquo (ANDRADE et al 2012 p 850)
37
Atributos caracteriacutesticos da APS
Uma abordagem para caracterizar a atenccedilatildeo primaacuteria abrangente nos paiacuteses
industrializados foi desenvolvida pela meacutedica e pesquisadora estadunidense Baacuterbara Starfield
(2002) definindo os atributos essenciais dos serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria Tal abordagem
reconhecida por especialistas e difundida tambeacutem no Brasil considera como caracteriacutesticas
especiacuteficas da APS a prestaccedilatildeo de serviccedilos de primeiro contato a assunccedilatildeo de
responsabilidade longitudinal pelo paciente com continuidade da relaccedilatildeo equipe-paciente ao
longo da vida a garantia de cuidado integral considerando-se os acircmbitos fiacutesico psiacutequico e
social da sauacutede dentro dos limites de atuaccedilatildeo do pessoal de sauacutede e a coordenaccedilatildeo das
diversas accedilotildees e serviccedilos indispensaacuteveis para resolver necessidades menos frequumlentes e mais
complexas
Para Giovanella e Mendonccedila (2012) os serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria nessa concepccedilatildeo
devem estar orientados para a comunidade conhecendo as necessidades de sauacutede centrar-se
na famiacutelia para bem avaliar como responder agraves necessidades de sauacutede de seus membros e ter
competecircncia cultural para se comunicar e reconhecer as diferentes necessidades dos diversos
grupos populacionais Ainda de acordo essas autoras essa competecircncia cultural e a orientaccedilatildeo
para a comunidade satildeo facilitadas pela integraccedilatildeo na equipe de atenccedilatildeo primaacuteria de membros
da comunidade os trabalhadores comunitaacuterios de sauacutede que no Brasil satildeo denominados de
agentes comunitaacuterios de sauacutede
Outro atributo essencial da atenccedilatildeo primaacuteria eacute a coordenaccedilatildeo que implica na
capacidade de garantir a continuidade da atenccedilatildeo (atenccedilatildeo ininterrupta) no interior da rede de
serviccedilos Sendo a sua essecircncia a disponibilidade de informaccedilatildeo acerca dos problemas preacutevios
o que requer a existecircncia de prontuaacuterio de acompanhamento longitudinal (ao longo da vida)
do paciente o envio de informaccedilatildeo adequada ao especialista (referencia) e o seu retorno ao
generalista (contra-referencia) apoacutes o encaminhamento a profissional especializado A
coordenaccedilatildeo dos cuidados torna-se cada vez mais indispensaacuteveis em razatildeo do envelhecimento
populacional das mudanccedilas no perfil epidemioloacutegico que evidencia crescente prevalecircncia de
doenccedilas crocircnicas e da diversificaccedilatildeo tecnoloacutegica nas praacuteticas assistenciais
Uma importante caracteriacutestica de uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede que se diz integral
segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) eacute a compreensatildeo da sauacutede como inseparaacutevel do
desenvolvimento econocircmico e social como discutido na Conferencia de Alma-Ata o que
implica atuaccedilatildeo dirigida para a comunidade para enfrentar os determinantes sociais do
processo sauacutede-enfermidade e incentivar a participaccedilatildeo social Para que a determinaccedilatildeo social
do processo sauacutede-doenccedila seja reconhecida eacute necessaacuterio a articulaccedilatildeo com outros setores de
38
poliacuteticas puacuteblicas desencadeando e mediando accedilotildees intersetoriais para o desenvolvimento
social integrado e a promoccedilatildeo da sauacutede devendo essa ser uma estrateacutegia estruturante da
poliacutetica municipal completa as autoras
Essas autoras tambeacutem destacam que a accedilatildeo comunitaacuteria das equipes de APS com
diagnostico do territoacuterio discussatildeo dos problemas da comunidade mobilizaccedilatildeo social e
planejamento de intervenccedilotildees eacute fundamental para responder natildeo soacute as necessidades
individuais mas tambeacutem as necessidades coletivas de sauacutede
Serviccedilos de Atenccedilatildeo Primaacuteria antecedentes histoacutericos
Foi durante a segunda e terceira deacutecadas do seacuteculo XX que as autoridades sanitaacuterias da
eacutepoca desenvolveram o conceito de distrito sanitaacuterio e centro de sauacutede numa tentativa de
aproximar o trabalho em sauacutede da populaccedilatildeo Sendo essas concepccedilotildees colocadas em praacuteticas
de vaacuterias maneiras e em paiacuteses diferentes (ROSEN 1994 apud ANDRADE et al 2012)
Entre 1910 e 1915 nos Estados Unidos da Ameacuterica os esforccedilos para relacionar ldquoos
serviccedilos a uma populaccedilatildeo delimitada ou agrave populaccedilatildeo de uma aacuterea definida logo levaram agrave
compreensatildeo da necessidade de um loacutecus de administraccedilatildeo que foi denominado Centro de
Sauacutederdquo (ANDRADE et al 2012 p845)
Jaacute Giovanella e Mendonccedila (2012) trazem que data de 1920 na Gratilde-Bretanha a
primeira proposta formal de organizaccedilatildeo de um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo quando por
iniciativa do conselho composto por representantes do Ministeacuterio da Sauacutede do partido
trabalhista e dos profissionais meacutedicos privados propocircs a prestaccedilatildeo de serviccedilos de atenccedilatildeo
primaacuteria por equipe de meacutedicos e pessoal auxiliar para cobertura de toda a populaccedilatildeo em
centros de sauacutede Esse documento ficou conhecido como Relatoacuterio Dawson (nome do
ministro de Sauacutede da Inglaterra) onde foi definido ldquoo Centro de Sauacutede como a instituiccedilatildeo
encarregada de oferecer atenccedilatildeo meacutedica no niacutevel primaacuteriordquo (ANDRADE et al 2012 p845)
ldquoA proposiccedilatildeo do Relatoacuterio Dawson incluiacutea ainda a organizaccedilatildeo regionalizada dos
serviccedilos de sauacutede hierarquizada em niacutevel primaacuterio secundaacuterio e terciaacuteriordquo Giovanella e
Mendonccedila (2012 p 507) Por pressatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica essas ideacuteias natildeo foram
imediatamente implementadas mas fundamentaram posteriores iniciativas de organizaccedilatildeo dos
sistemas de sauacutede Na Inglaterra em 1946 na criaccedilatildeo do National Health Service (NHS) o
primeiro niacutevel de atenccedilatildeo foi instituiacutedo por meacutedicos generalistas que atuavam em seus
consultoacuterios com dedicaccedilatildeo exclusiva Foi somente na deacutecada de 1960 que os centros de
sauacutede foram difundidos quando muitas unidades foram construiacutedas na Inglaterra Ainda que
permanecendo como profissionais autocircnomos os ldquomeacutedicos generalistas passaram a dar
39
consultas nesses centros de sauacutede trabalhando ao lado de outros profissionais de sauacutede
empregados governamentais como enfermeiras visitadoras domiciliares e assistentes sociaisrdquo
(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012 p 507)
Segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) os centros de sauacutede foram o modelo de
atenccedilatildeo ambulatorial predominante nos paiacuteses socialistas da URSS e do Leste Europeu
Financiados predominantemente com recursos fiscais de impostos gerais representaram o
modelo de atenccedilatildeo ambulatorial mais inclusivo e integral articulando serviccedilos cliacutenicos e de
acesso universal gratuito Cliacutenico geral ou internista pediatra gineco-obstetra odontoacutelogo
enfermeiras e pessoal de apoio auxiliar constituiacuteam a equipe baacutesica Esses serviccedilos eram
nomeados com frequumlecircncia de policliacutenicas e situados nos locais de trabalho como nas
empresas por exemplo
Ainda de acordo com essas autoras foi difundido nos paiacuteses em desenvolvimento
como o Brasil um modelo diferente de centro de sauacutede limitado a serviccedilos preventivos que
separava funccedilotildees cliacutenicas e de sauacutede puacuteblica Esse modelo foi experimentado inicialmente em
uma das colocircnias britacircnicas (Sri Lanka) A atuaccedilatildeo dos centros de sauacutede era focada em
serviccedilos preventivos e as pessoas que necessitavam de tratamento eram referenciadas para os
ambulatoacuterios de hospitais
Histoacuterico da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede no Brasil
O desenvolvimento da Atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede no Brasil natildeo foi diferente de
outros paiacuteses em desenvolvimento onde imperou a concepccedilatildeo da APS seletiva Por muito
tempo as accedilotildees de sauacutede puacuteblica estiveram separadas das accedilotildees assistenciais assim os centros
de sauacutede eram limitados aos serviccedilos preventivos separando as accedilotildees cliacutenicas e de sauacutede
puacuteblica Assim as pessoas que precisavam de tratamento eram encaminhadas para os
ambulatoacuterios em hospitais gerais
Na deacutecada de 1930 houve a consolidaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica como funccedilatildeo estatal ainda
focada na prevenccedilatildeo de doenccedilas atraveacutes de campanhas sanitaacuterias de sauacutede puacuteblica
organizaccedilatildeo de serviccedilos rurais de profilaxia centralizados pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e
Sauacutede Puacuteblica (MESP) Jaacute a assistecircncia meacutedica urbana realizava uma atenccedilatildeo de caraacuteter
curativo e individual com base em especialidades por meio de Caixas e Institutos de
Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) seguindo o modelo de seguridade social isto eacute apenas
algumas categorias de trabalhadores formais tinham o acesso Os centros de sauacutede do Brasil
natildeo prestavam atendimento cliacutenico nem a populaccedilatildeo pobre a qual era encaminhada aos
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ambulatoacuterios dos hospitais de caridade onde recebiam atendimento apoacutes provarem sua
indigecircncia Exceto para algumas doenccedilas transmissiacuteveis (doenccedilas veneacutereas e tuberculose)
esses centros de sauacutede realizavam o tratamento como medida de impedir a transmissatildeo da
doenccedila (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
Na deacutecada de 1940 ocorreram as reformas administrativas do MESP que
aprofundaram e verticalizaram as accedilotildees de sauacutede puacuteblica Houve a criaccedilatildeo dos Serviccedilos
Nacionais de Sauacutede (voltados para doenccedilas especiacuteficas como malaacuteria hanseniacutease
tuberculose etc) e a criaccedilatildeo do Serviccedilo Especial de Sauacutede Puacuteblica (SESP) que articulava
accedilotildees coletivas e preventivas agrave assistecircncia meacutedica curativa respaldada em desenvolvimento
cientiacutefico e tecnoloacutegico limitado influenciado pela medicina preventiva norte-americana
atraveacutes de convecircnios com a Fundaccedilatildeo Rockfeller (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)
Apenas em 1953 o Ministeacuterio da Sauacutede eacute criado Poreacutem ainda assim a dualidade entre
sauacutede puacuteblica e assistecircncia meacutedica urbana no acircmbito do seguro social persistiu por vaacuterias
deacutecadas Durantes as deacutecadas de 1950 e 1960 a cobertura previdenciaacuteria foi estendida pela
unificaccedilatildeo dos IAPs no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ainda mantendo o modelo
de seguro de sauacutede
Em 1970 houve a emergecircncia da medicina comunitaacuteria pela Ameacuterica Latina com
apoio das Agecircncias internacionais com um caraacuteter paralelo agrave organizaccedilatildeo da assistecircncia
meacutedica individual voltada para categorias excluiacutedas A dimensatildeo do programa que se
destinava agrave reduccedilatildeo da pobreza daacute a essa praacutetica o caraacuteter de programa social associada ao
direito agrave sauacutede e ao desenvolvimento social Houve uma articulaccedilatildeo de princiacutepios de
participaccedilatildeo social e da inclusatildeo dos pobres na forccedila de trabalho em sauacutede por meio de
treinamento profissional (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
Com a crise econocircmica aprofundada a assistecircncia meacutedica previdenciaacuteria comeccedilou a
ser questionada e as mazelas do sistema social e de sauacutede comeccedilaram a ser evidenciadas pela
pobreza falta de acesso aos bens puacuteblicos e taxas de morbimortalidade elevadas Nesse
contexto surgiram experiecircncias sanitaacuterias que difundiam uma reforma da assistecircncia meacutedica e
um confronto com o modelo vigente tendo como importantes protagonistas os departamentos
de medicina preventiva de vaacuterias universidades federais
Esses departamentos das universidades federais apostaram no programa de integraccedilatildeo
docente assistencial para a implementaccedilatildeo de praacuteticas de medicina comunitaacuteria baseadas na
atenccedilatildeo integral com destaque para a dimensatildeo social em que se desencadeava o processo
sauacutede-doenccedila enfocando os efeitos coletivos da atenccedilatildeo prestada nesse processo e natildeo apenas
41
no resultado (cura) Contou com a cooperaccedilatildeo entre diversas agecircncias e praacuteticas ligadas a vida
(escolas postos de sauacutede centros de treinamento profissional serviccedilo social creches etc)
A forma como as praacuteticas se efetivaram no Brasil abriram o debate nacional para a
atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede recebendo suporte da decisatildeo poliacutetica traccedilada em Alma-Ata Foi
criado o Programa de Interiorizaccedilatildeo das Accedilotildees de Sauacutede Saneamento (PIASS) que financiava
a construccedilatildeo de unidades baacutesicas de sauacutede e visava implantar serviccedilos de primeiro niacutevel em
cidades de pequeno porte O modelo de assistecircncia meacutedica curativa comeccedila a colapsar por
oferecer cobertura restrita aos segurados da previdecircncia social por ser oneroso e ter a sua
conduccedilatildeo deteriorada pela gestatildeo fraudulenta do INAMPS
Na deacutecada de 1980 uma articulaccedilatildeo entre setores do Ministeacuterio da Sauacutede e do
Instituto de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social (INAMPS) propocircs o Programa
Nacional de Serviccedilos Baacutesicos de Sauacutede (Prevsauacutede) que estenderia os benefiacutecios
experimentados aos centros urbanos de maior porte e buscaria minimizar os efeitos da crise
previdenciaacuteria (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
Esse fato aprofundou a discussatildeo sobre a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica sem
alcanccedilar a sua aprovaccedilatildeo O Plano do Conselho Consultivo da Administraccedilatildeo de Sauacutede
Previdenciaacuteria (Conasp) propocircs uma racionalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo meacutedica previdenciaacuteria
respaldada por orientaccedilotildees teacutecnicas de organismos internacionais como a OPAS e o acuacutemulo
de conhecimento teoacuterico-cientiacutefico produzido no Brasil Assim o programa de Accedilotildees
Integradas em Sauacutede (AIS) foi consolidado Esse programa visava agrave organizaccedilatildeo de serviccedilos
baacutesicos nos municiacutepios com base em convecircnios entre as trecircs esferas de governo
Em 1985 foi estimulada a integraccedilatildeo das instituiccedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede na definiccedilatildeo
de uma accedilatildeo unificada em niacutevel local Desta maneira as unidades baacutesicas de niacutevel local
seriam responsaacuteveis por accedilotildees de caraacuteter preventivo e de assistecircncia meacutedica integrando o
sistema de sauacutede puacuteblica e previdenciaacuterio a fim de prestar atenccedilatildeo integral a toda populaccedilatildeo
independente de contribuiccedilatildeo financeira agrave previdecircncia Paralelamente foram criados
programas de atenccedilatildeo primaacuteria direcionados a grupos especiacuteficos como o Programa de
Atenccedilatildeo Integrada agrave Sauacutede da Mulher (PAISM) e da crianccedila (PAISC) que serviram como
modelo para os demais programas de atenccedilatildeo integral voltados para grupos de risco idosos
adolescentes portadores de doenccedilas crocircnicas etc (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
42
44 A ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Reorientaccedilatildeo do Modelo Assistencial
A reorganizaccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos de sauacutede se inscreveu no projeto de Reforma
Sanitaacuteria Brasileira desde a deacutecada de 1970 Na deacutecada de 1980 a Reforma Sanitaacuteria foi
contemporacircnea agrave reestruturaccedilatildeo da poliacutetica social brasileira que apontou para um modelo de
proteccedilatildeo social abrangente justo equacircnime e democraacutetico definindo constitucionalmente a
sauacutede como direito de todos e dever do Estado com acesso universal igualitaacuterio agraves accedilotildees e
serviccedilos para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo
Com a luta pela ampliaccedilatildeo da cidadania as bases legais para a organizaccedilatildeo do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) foram fixadas na Constituiccedilatildeo de 1988 seguindo princiacutepios e
diretrizes de universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade da atenccedilatildeo resolutividade
humanizaccedilatildeo do atendimento e participaccedilatildeo social complementadas na aprovaccedilatildeo das Leis
Orgacircnicas da Sauacutede I e II que criaram o Fundo Nacional de Sauacutede (recursos fiscais) e o
Conselho Nacional de Sauacutede (participaccedilatildeo social) (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)
Na deacutecada de 1990 a tensatildeo entre o avanccedilo do projeto neoliberal e a preservaccedilatildeo do
SUS e suas diretrizes faz com que o MS adote mecanismos indutores do processo de
descentralizaccedilatildeo da gestatildeo Esses mecanismos transferiram a responsabilidade da atenccedilatildeo para
o governo municipal o que exigiu rever a loacutegica da lsquoatenccedilatildeo baacutesicarsquo organizando-a e
expandindo-a como primeiro niacutevel de atenccedilatildeo de acordo com as necessidades da populaccedilatildeo
Assim a concepccedilatildeo de ESF passou por profundas mudanccedilas e sua funccedilatildeo dentro do
SUS tambeacutem mudou radicalmente Vale ressaltar alguns marcos cronoloacutegicos desse processo
Em 1991 surge o Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) implantado pela
FUNASA no Norte e Nordeste do paiacutes Ainda na deacutecada de 1990 o MS fortaleceu as accedilotildees de
caraacuteter preventivo com investimento em programas de accedilotildees baacutesicas como parte da estrateacutegia
de reorganizaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo visando a promoccedilatildeo da sauacutede Nessa esteira foi
formulado o Programa de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) materializado pela portaria MS n 692 de
dezembro de 1993
No ano de 1996 foi implantada a Norma Operacional Baacutesica (NOB) que definiu um
novo modelo de financiamento para a atenccedilatildeo baacutesica agrave sauacutede com vistas agrave sustentabilidade
financeira para um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo Neste texto a Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede (ABS)
contemplava ldquo() um conjunto de accedilotildees de caraacuteter individual e coletivo situadas no primeiro
niacutevel de atenccedilatildeo dos sistemas de sauacutede voltadas para a promoccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de
agravos o tratamento e a reabilitaccedilatildeordquo (BRASIL 1996 p18)
43
Ainda em 1996 houve a implantaccedilatildeo dos Poacutelos de Capacitaccedilatildeo Formaccedilatildeo e Educaccedilatildeo
Permanente de Recursos Humanos para Sauacutede da Famiacutelia e no ano seguinte 1997 por meio
do documento oficial Sauacutede da Famiacutelia uma estrateacutegia para a reorientaccedilatildeo do modelo
assistencial o PSF passa a ser ldquouma estrateacutegia que possibilita a integraccedilatildeo e promove a
organizaccedilatildeo das atividades em um territoacuterio definido com propoacutesito de propiciar o
enfrentamento e resoluccedilatildeo dos problemas identificados ()rdquo (GIOVANELLA et al 2009
p24 )
Apoacutes o PSF ter se tornado a estrateacutegia de reestruturaccedilatildeo do sistema de sauacutede houve
uma mudanccedila na forma de financiamento da ABS que passa a ser fundo a fundo isto eacute do
Fundo Nacional de Sauacutede para os Fundos Municipais de Sauacutede Haacute entatildeo a definiccedilatildeo pela
primeira vez de orccedilamento proacuteprio para o PSF estabelecido no Plano Plurianual
(GIOVANELLA et al 2009)
Outro documento importante eacute o 1ordm Pacto da Atenccedilatildeo Baacutesica de 1999 A Portaria nordm
1329 estabeleceu as faixas de incentivo ao PSF por cobertura populacional Jaacute no final do
seacuteculo XX houve a criaccedilatildeo do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB) com o intuito de
promover a consolidaccedilatildeo da Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (CASTRO FAUSTO 2012)
No iniacutecio do seacuteculo XXI foi lanccedilado o documento NOAS01 (Norma Operacional da
Assistecircncia agrave Sauacutede de 2001) A ecircnfase dada nesse documento foi a qualificaccedilatildeo da APS no
paiacutes e a incorporaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede bucal na ESF Ainda com o objetivo de fortalecer a
ESF em todo paiacutes em 2002 foi dado iniacutecio ao Programa de Expansatildeo e Consolidaccedilatildeo da
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (Proesf) Esse programa foi dividido em duas fases a primeira
- Fase I - foi concluiacuteda em 2007 e a segunda fase - Fase II foi de 2009 ateacute 2013
Outra importante iniciativa para melhor desenvolver a capacidade de atuaccedilatildeo das
EqSF foi a criaccedilatildeo em 2008 dos Nuacutecleos de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia (NASFs) com o
objetivo de apoiar a consolidaccedilatildeo da APS no Brasil ampliando sua abrangecircncia e
resolutividade Outros profissionais que natildeo compotildeem a equipe miacutenima como alguns
meacutedicos especialistas psicoacutelogos farmacecircuticos fisioterapeutas terapeutas ocupacionais e
assistentes sociais tecircm por funccedilatildeo apoiar as equipes em pelo menos duas dimensotildees apoio a
proacutepria equipe no que diz respeito a seu processo de trabalho e apoiador da equipe no que
tange aos cuidados dos usuaacuterios compartilhando saberes
Apoacutes quinze anos de ESF eacute possiacutevel fazer um balanccedilo de sua atuaccedilatildeo apontando os
desafios e as possibilidades da ABS no Brasil Foi entre os anos de 2001 a 2010 que a Poliacutetica
Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica ampliou a concepccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria brasileira
incorporando caracteriacutesticas da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente Com isso a atenccedilatildeo
44
primaacuteria passa a ser entendida como ldquoum conjunto de accedilotildees de promoccedilatildeo prevenccedilatildeo
recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo de sauacutede nos acircmbitos individual e coletivo realizadas por meio de
trabalho em equipe e dirigidas a populaccedilotildees de territoacuterios delimitadosrdquo (GIOVANELLA
MENDONCcedilA 2012 p539)
A APS tem como importante funccedilatildeo ser o ponto de contato preferencial e a porta de
entrada do sistema de sauacutede garantindo a integralidade da atenccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo dos
cuidados A Sauacutede da Famiacutelia tornou-se a estrateacutegia prioritaacuteria e permanente para a
organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria Aleacutem disso o modelo brasileiro de atenccedilatildeo primaacuteria
incorpora outros elementos da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente com centralidade na
famiacutelia e direcionamento para a comunidade Apesar disso observa-se uma diversidade de
modelos implementados nas diferentes experiecircncias de APS no paiacutes e ainda haacute um longo
caminho a se percorrer ateacute a hegemonia de um novo modelo de atenccedilatildeo em sauacutede
O Programa Sauacutede da Famiacutelia ao ser aplicado como estrateacutegia passa a difundir uma
perspectiva inovadora para a atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes voltado para a famiacutelia e a
comunidade Tomados como paracircmetros para anaacutelise da implementaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo
primaacuteria abrangente a integraccedilatildeo e as accedilotildees intersetoriais satildeo desafios importantes
O sucesso da implementaccedilatildeo ESF para a grande maioria da populaccedilatildeo dependeraacute de
alguns fatores tais como incentivos financeiros poliacutetica adequada de recursos humanos
profissionalizaccedilatildeo dos ACS fixaccedilatildeo dos profissionais da sauacutede proporcionando-lhes
satisfaccedilatildeo no trabalho poliacuteticas de formaccedilatildeo profissional e educaccedilatildeo permanente iniciativas
locais competentes e criativas para o enfrentamento da diversidade no paiacutes A natildeo-
qualificaccedilatildeo de profissionais meacutedicos como generalistas eacute outro grande desafio Somente em
2002 a Medicina de Famiacutelia e da Comunidade foi reconhecida como especialidade pelo
Conselho Federal de Medicina fomentando-se a abertura de cursos de residecircncia e de
especializaccedilatildeo lato sensu (GIONANELLA et al 2009)
Outros desafios operacionais tambeacutem se colocam diante da efetivaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo
primaacuteria abrangente como insuficiente oferta de atenccedilatildeo especializada agravada pela baixa
integraccedilatildeo com os prestadores estaduais ainda responsaacuteveis em alguns municiacutepios pela maior
parte dos serviccedilos de meacutedia complexidade ausecircncia de poliacuteticas federais para a atenccedilatildeo
especializada A construccedilatildeo de redes integradas passa necessariamente por maior
investimento em serviccedilos de meacutedia complexidade com expansatildeo do leque de serviccedilos
ofertados no primeiro niacutevel novas accedilotildees curativas serviccedilos comunitaacuterios de sauacutede mental
cuidados domiciliares (home care) e cuidados paliativos investimentos em tecnologias de
45
informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com a implantaccedilatildeo de sistemas informatizados de regulaccedilatildeo e
prontuaacuterios eletrocircnicos (GIOVANELLA amp MENDONCcedilA 2012)
Por fim a organizaccedilatildeo do SUS orientada por uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
abrangente eacute uma perspectiva para a reduccedilatildeo das desigualdades sociais e regionais no acesso e
na utilizaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede no desenvolvimento de accedilotildees comunitaacuterias e na mediaccedilatildeo
de accedilotildees intersetoriais para responder aos determinantes sociais e regionais que contribuem
para efetivar o direito agrave sauacutede no Brasil
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil e na Cidade do Rio de Janeiro
A implementaccedilatildeo da ESF ocorre de diferentes modos nos mais de 5600 municiacutepios do
paiacutes e ainda satildeo poucos os estudos que nos permitem saber se mudanccedilas substanciais foram
efetivamente implementadas no modelo assistencial Silva Casotti e Chaves (2013)
realizaram uma revisatildeo da produccedilatildeo cientiacutefica na base de dados Scielo entre os anos de 2002
a 2010 sobre a variedade de estudos existentes abordando a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e seu
papel na orientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo no paiacutes Os resultados mostraram que apesar da
melhoria do processo de trabalho na atenccedilatildeo primaacuteria seu caraacuteter substitutivo natildeo foi
evidenciado na maioria dos estudos Sendo predominante a expansatildeo da universalizaccedilatildeo do
acesso aos serviccedilos de sauacutede a extensatildeo de cobertura e focalizaccedilatildeo As mudanccedilas foram
verificadas quando analisadas sob o foco da demanda como maior acolhimento e viacutenculo Os
limites mais evidentes se situaram no pouco foco das necessidades de sauacutede como na
territorializaccedilatildeo participaccedilatildeo comunitaacuteria e enfrentamento dos determinantes sociais de forma
intersetorial Foram evidenciados diferentes graus de implantaccedilatildeo da estrateacutegia mas que ainda
natildeo resultou na reorganizaccedilatildeo do sistema no niacutevel local
A cidade do Rio de Janeiro foi capital do Estado do Brasil uma colocircnia do Impeacuterio
Portuguecircs depois capital do Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves de 1815 a 1822
capital do Impeacuterio do Brasil ateacute 1889 e capital do Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil ateacute
1960 quando a sede do governo foi transferida para Brasiacutelia
Hoje eacute a capital do Estado do Rio de Janeiro e o principal destino turiacutestico
internacional da Ameacuterica Latina sendo a segunda metroacutepole mais populosa do Brasil (depois
de Satildeo Paulo) a sexta maior da Ameacuterica e a trigeacutesima quinta do mundo Em 2010 segundo
censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo do Rio de janeiro
era de 6320446 habitantes e em 2014 a populaccedilatildeo estimada era de 6453682 habitantes
O desenvolvimento e a construccedilatildeo de uma razoaacutevel infraestrutura de serviccedilos puacuteblicos
incluindo um importante conjunto de serviccedilos de sauacutede em especial unidades hospitalares sob
46
a coordenaccedilatildeo das diferentes esferas de governo foi favorecido pelo importante papel
histoacuterico-poliacutetico desempenhado pela cidade (CASOTTI et al 2013)
Quanto a organizaccedilatildeo dos serviccedilos a atenccedilatildeo agrave sauacutede no municiacutepio se estrutura em
trecircs niacuteveis com diferentes tipos de unidades Atenccedilatildeo Primaacuteria (Centro Municipal de
SauacutedeCMS e Cliacutenica da FamiacuteliaCF) Atenccedilatildeo Secundaacuteria (Policliacutenicas Centros de Atenccedilatildeo
Psicossocial -CAPS Unidades de Pronto Atendimento - Upas e Centros de Reabilitaccedilatildeo) e
Atenccedilatildeo Terciaacuteria (Maternidades Hospitais e Institutos) (RIO DE JANEIRO 2013
ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DA SAUacuteDE 2013)
Com a finalidade de gestatildeo do sistema municipal de sauacutede desde 1993 a cidade do
Rio de Janeiro estaacute organizada em 10 (dez) Aacutereas de Planejamento Sanitaacuterio cada uma com
sua Coordenaccedilatildeo de Aacuterea denominadas Aacutereas Programaacuteticas ndash AP (10 21 22 31 32 33
40 51 52 e 53) que satildeo bem diversas entre si em relaccedilatildeo a equipamentos de sauacutede e
necessidades da populaccedilatildeo (RIO DE JANEIRO 2014)
Na deacutecada de 90 a rede municipal de atenccedilatildeo primaacuteria da cidade recebeu
investimentos de requalificaccedilatildeo estrutural (reformas adequaccedilotildees e ampliaccedilotildees) da sua
capacidade instalada valorizando a implantaccedilatildeo de um sistema corretivo e preventivo de
manutenccedilatildeo predial mas sem apresentar aumento significativo no nuacutemero de unidades no
municiacutepio (CASOTTI et al 2013)
Apesar do movimento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo primaacuteria no paiacutes em 1994
com a adoccedilatildeo da PSF a secretaria municipal de sauacutede manteve a atenccedilatildeo primaacuteria tradicional
como modelo predominante de atenccedilatildeo e implantou a ESF de forma residual fragmentada e
desarticulada Ao passo que outras capitais como Belo Horizonte e Florianoacutepolis alcanccedilavam
a cobertura da ESF acima de 70 da populaccedilatildeo no ano de 2008
Situaccedilatildeo essa que perdurou sem alteraccedilatildeo ateacute 2009 onde o cenaacuterio da atenccedilatildeo primaacuteria
no municiacutepio apresentava uma estrutura bastante incipiente com cobertura da ESF em torno
de 7 segundo dados da Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (2013) quando se instalou
um processo de Reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria que incluiu a territorializaccedilatildeo das redes e uma
importante expansatildeo do nuacutemero de unidades de atenccedilatildeo primaacuteria o que resultou numa
expansatildeo acelerada com implantaccedilatildeo de 828 equipes da ESF atingindo uma cobertura de
479 em marccedilo de 2015 consolidando assim o modelo da ESF na cidade (SORANZ 2013)
Para viabilizar essa expansatildeo de cobertura vecircm sendo implementadas no campo da
gestatildeo do trabalho algumas estrateacutegias para atrair e fixar profissionais qualificados incluindo
alteraccedilatildeo de salaacuterios e formas de contrataccedilatildeo operacionalizadas por meio das Organizaccedilotildees
Sociais (OSs) e a criaccedilatildeo do Curso de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade
47
(RMFC) pela Prefeitura do Rio de Janeiro Outra estrateacutegia importante estaacute voltada para o
campo da qualificaccedilatildeo profissional em parceria com instituiccedilotildees de ensino como a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj) e a Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (PINTO 2011 MAGNAGO E PIERANTONI 2015
OPAS 2013)
Outro passo foi dado a partir de 2010 com o iniacutecio da implantaccedilatildeo dos Nuacutecleos de
Atenccedilatildeo agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASFs)) que tecircm o objetivo de apoiar e dar resolutividade agraves
diversas especialidades na atenccedilatildeo baacutesica aleacutem de promover sua integraccedilatildeo agrave rede de
serviccedilos Uma rede de NASF foi entatildeo progressivamente implementada chegando a 47
equipes em 2015
A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e sua importacircncia para a Sauacutede Mental
No acircmbito internacional seguindo as diretrizes do ldquoMental Health Action Plan 2013-
2020rdquo satildeo destacados quatro grandes objetivos principais 1) lideranccedila e governanccedila mais
efetiva em sauacutede mental 2) fornecimento de serviccedilos de sauacutede mental e cuidados sociais de
base comunitaacuteria abrangente integrado 3) implantaccedilatildeo de estrateacutegias para promoccedilatildeo e
prevenccedilatildeo e 4) fortalecimento do sistema de informaccedilatildeo evidencia e pesquisa Esse Plano de
Accedilatildeo Global estaacute baseado na abordagem do ciclo de vida e objetiva alcanccedilar equidade atraveacutes
da cobertura de sauacutede universal enfatizando a importacircncia da prevenccedilatildeo e do respeito aos
Direitos Humanos A World Health Organization recomenda o fortalecimento da Atenccedilatildeo
Primaacuteria e da Atenccedilatildeo Psicossocial Comunitaacuteria para isso sugere que cada paiacutes encontre o
melhor caminho respeitadas as particularidades sociais econocircmicas e culturais (WHO
2013)
A atual Poliacutetica de Sauacutede Mental no Brasil eacute resultado da mobilizaccedilatildeo de trabalhadores
da Sauacutede Mental usuaacuterios e familiares iniciada na deacutecada de 1980 com o objetivo de mudar a
realidade dos manicocircmios onde viviam mais de 100 mil pessoas com transtornos mentais
institucionalizadas com seacuterias violaccedilotildees dos Direitos Humanos O movimento foi
impulsionado pela importacircncia que o tema dos Direitos Humanos adquiriu no combate agrave
ditadura e alimentou-se das experiecircncias exitosas de paiacuteses europeus na substituiccedilatildeo de um
modelo de sauacutede mental baseado no hospital psiquiaacutetrico por um modelo de serviccedilos
comunitaacuterios com forte inserccedilatildeo territorial Esse processo de mudanccedila nas uacuteltimas deacutecadas
se expressa especialmente por meio do movimento Social da Luta Antimanicomial e de um
projeto coletivamente produzido de mudanccedila do modelo de atenccedilatildeo e de gestatildeo do cuidado a
Reforma Psiquiaacutetrica
48
A atenccedilatildeo as pessoas com transtornos mentais passa entatildeo a ter como objetivo ldquoo
pleno exerciacutecio de sua cidadania e natildeo somente o controle de sua sintomatologiardquo Brasil
(2013 p21) O que vai implicar na organizaccedilatildeo de serviccedilos abertos de base territorial com a
participaccedilatildeo dos usuaacuterios e formando redes com outras poliacuteticas puacuteblicas (educaccedilatildeo trabalho
moradia cultura etc) A inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental nos cuidados de sauacutede primaacuterios
portanto vai propiciar a loucura sair de um lugar segregador excludente para um de conviacutevio
de agenciamentos de possibilidades de produccedilatildeo de vida (SOUZA RIVERA 2010)
Para Lancetti e Amarante (2012) eacute no acircmbito da Sauacutede da Famiacutelia que se pode
alcanccedilar a radicalidade da desinstitucionalizaccedilatildeo Mas para isso as equipes da Estrateacutegia de
Sauacutede da Famiacutelia precisam ser bem instrumentalizadas na concepccedilatildeo mais geral da Reforma
Psiquiaacutetrica e da Reforma Sanitaacuteria entendendo ambas como ldquoprocessos sociais complexos
que visam tanto agrave melhoria da assistecircncia meacutedica quanto agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave construccedilatildeo
de consciecircncia sanitaacuteria nas comunidadesrdquo (AMARANTE 2007 p96)
Aleacutem de as equipes serem bem instrumentalizadas Amarante (2007) destaca ser
importante que as equipes recebam apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da
Famiacutelia - NASF (Portaria GM 1542008) para conduzir os casos de sauacutede mental de forma
mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada a partir da vivencia cotidiana
dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias profissionais para lidar com os
problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento psiacutequico e comprometer a
resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA 2013)
A Portaria GM 1542008 determina que todo NASF tenha ao menos um profissional
da aacuterea da sauacutede mental para orientar problematizar oferecer apoio teacutecnico e institucional em
situaccedilotildees de sauacutede mental aos profissionais da ESF contribuindo para que estas consigam o
maacuteximo de ecircxito em suas intervenccedilotildees sem a necessidade de encaminhar as pessoas aos
niacuteveis mais complexos de recursos Por Apoio Matricial no seu sentido original entende-se
como uma equipe composta por um ou mais profissionais de sauacutede detentores de certo saber
cientifico que apoacuteia utilizando-se para isso de diversas modalidades de processos uma ou
mais equipes de referecircncia (CAMPOS1999)
Souza et al (2012) realizaram uma revisatildeo narrativa da literatura brasileira sobre
relaccedilotildees entre Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o campo da sauacutede mental no periacuteodo de
1999 a 2009 Os resultados apontaram problemas como visotildees estereotipadas sobre os
transtornos mentais predominacircncia da loacutegica manicomial ausecircncia de registros fluxos
estrateacutegias apoio qualificado agraves famiacutelias e de integraccedilatildeo em rede Assim como na revisatildeo
feita por Gama e Onocko (2009) que constatou a persistecircncia do paradigma biomeacutedico
49
tradicional pouca correspondecircncia entre as diretrizes de inclusatildeo da sauacutede mental e a
realidade dos serviccedilos dificuldades na relaccedilatildeo entre equipes de ESF e CAPS
Esses estudos mostraram que alguns profissionais construiacuteram formas de lidar com os
problemas de sauacutede mental na APS mais adequadas aos princiacutepios do SUS e da Reforma
Psiquiaacutetrica No entanto essas estrateacutegias permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais
natildeo tinham clareza sobre elas) assistemaacuteticas e desarticuladas da rede de serviccedilos O que
sugere que a atenccedilatildeo agrave sauacutede mental na APS brasileira do iniacutecio do seacuteculo XXI ainda se
encontra em seus ldquotateiosrdquo iniciais Apresentando-se como um desafio atual e importante
tanto para a academia quanto para praacutetica dos serviccedilos
Apoio Matricial (AM)
No presente estudo o foco natildeo foi o Apoio Matricial (AM) mas faz-se necessaacuterio
esclarecer que essa eacute uma ferramenta que tem como funccedilatildeo segundo Campos (1999)
estimular cotidianamente a produccedilatildeo de novos padrotildees de inter-relaccedilatildeo entre equipe e
usuaacuterios ampliar o compromisso dos profissionais com a produccedilatildeo de sauacutede e quebrar
obstaacuteculos organizacionais agrave comunicaccedilatildeo Privilegiando dessa forma o exerciacutecio
interdisciplinar em busca do cuidado integral em sauacutede a racionalizaccedilatildeo do acesso e do uso
de recursos especializados e estimulando uma cliacutenica compartilhada embasada por um pacto
de corresponsabilizaccedilatildeo sanitaacuteria ampliando assim o escopo da APS
Embora o Ministeacuterio da Sauacutede tenha formalizado os Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da
Famiacutelia (NASF) pressupondo um funcionamento a partir do apoio matricial em 2008 em um
estudo recente Fonseca Sobrinho et al (2014) apontam que no Brasil em 12 estados cerca de
50 das EqSF possuem nenhum ou grau baixo de AM Demonstrando assim que as
atividades de AM na Atenccedilatildeo Baacutesica satildeo desiguais com graus de AM mais elevados nos
estados e regiotildees mais desenvolvidas O estudo destaca que os trabalhadores das ESF
reconhecem a potecircncia do AM para mudanccedilas das praacuteticas (mais consoante aos princiacutepios da
integralidade) e das subjetividades daqueles que as protagonizam ficando mais
comprometidos com os casos o que corrobora para o fortalecimento de viacutenculos com os
usuaacuterios que se sentem mais seguros pelo fato dos profissionais da ESF serem apoiados por
um ou mais especialistas
Para Delfini e Reis (2012) o AM pode ser uma ferramenta facilitadora da acessibilidade
dos usuaacuterios de sauacutede mental aos serviccedilos de sauacutede funcionando como um arranjo
organizacional capaz de dar sustentaccedilatildeo aos equipamentos da rede de forma a operar de
maneira integrada e articulada possibilitando a apreensatildeo do sujeito em sofrimento psiacutequico
50
no entanto as EqSF natildeo se sentem instrumentalizadas para o manejo dos casos de transtornos
mentais Jaacute para Campos e Domitti (2007) os profissionais referem-se ao apoio matricial sem
compreender o que eacute o fundamento de sua proposta a corresponsabilizaccedilatildeo pelos usuaacuterios e a
construccedilatildeo de accedilotildees conjuntas
Na cidade do Rio de Janeiro o AM na aacuterea de sauacutede mental ainda estaacute processo de
construccedilatildeo Estatildeo sendo feitas vaacuterias tentativas de aproximaccedilatildeo entre as EqSF e os Centro de
Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) de sua aacuterea de referecircncia algumas jaacute bem sucedidas Sendo
esse processo possiacutevel quando haacute esse serviccedilo no territoacuterio No entanto natildeo podemos
esquecer que ainda haacute um nuacutemero insuficiente deste dispositivo em todo o territoacuterio
brasileiro
A Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro possui uma Carteira de Serviccedilos ndash
Guia de Referecircncia Raacutepida com a relaccedilatildeo de serviccedilos prestados na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
elaborado em (2011) e atualizado em (2016) que visa nortear as accedilotildees de sauacutede na atenccedilatildeo
primaacuteria oferecidas agrave populaccedilatildeo no Municiacutepio do Rio de Janeiro Neste documento os
serviccedilos oferecidos para a Sauacutede Mental satildeo
Acompanhamento ao usuaacuterio de aacutelcool e outras drogas
Realizaccedilatildeo de desintoxicaccedilatildeo alcooacutelica na unidade primaacuteria de sauacutede
Acolher as pessoas em situaccedilotildees de crise e referenciar se necessaacuterio
Referenciar todos os casos de sauacutede mental quando necessaacuterio
(CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio NASF ou hospital) para suporte teacutecnico mantendo o
acompanhamento dos pacientes
Educaccedilatildeo em sauacutede para manejo de sobrecarga familiar (apoio aos cuidadores)
Realizaccedilatildeo e incentivo agrave participaccedilatildeo de profissionais da ESF em foacuteruns de sauacutede
mental visando a integraccedilatildeo e a construccedilatildeo de parcerias intersetoriais
Atendimento individual a familiares visando intervenccedilatildeo em situaccedilotildees de violecircncia
domeacutestica
Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica para inserccedilatildeo de usuaacuterios com transtornos mentais
nas atividades de rotina da unidade como consultas e acompanhamento de hipertensatildeo
diabetes tuberculose odontologia e em grupos de atividade fiacutesica ou outras atividades
realizadas pela unidade
Atendimento e acompanhamento de usuaacuterios que realizam uso crocircnico de
benzodiazepiacutenico atraveacutes de consulta meacutedica e de enfermagem ou grupos terapecircuticos
Discussatildeo de casos cliacutenicos com equipes dos CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio e
NASF
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Acompanhamento ao portador de transtornos mentais comuns (leves) atraveacutes de
consulta meacutedica e grupo terapecircutico
Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica visando a inserccedilatildeo do usuaacuterio nos espaccedilos de
convivecircncia da comunidade como vilas oliacutempicas escolas centros culturais e centros de
convivecircncia
Abordagem e manejo de transtornos de ansiedade natildeo complicados
Abordagem e manejo de transtornos depressivos natildeo complicados
Na CF onde foi realizado o estudo agrave eacutepoca das entrevistas a equipe contava com o AM
via NASF com um psiquiatra e uma psicoacuteloga que estavam disponiacuteveis na unidade em dois
turnos mas natildeo contava com um CAPS de referecircncia para adultos apenas para crianccedilas o
CAPSI da Universidade Federal do Rio de Janeiro E o CAPS Ad para adultos do Estado
encontrava-se com atendimento muito restrito devido ao deacuteficit de recursos humanos e
recursos financeiros
45 OS PROFISSIONAIS DA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Formaccedilatildeo dos Profissionais de Sauacutede no Brasil
A formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede eacute um processo de fundamental importacircncia para o
desenvolvimento e manutenccedilatildeo de um sistema puacuteblico de sauacutede de qualidade Isto porque o
trabalho em sauacutede baseia-se necessariamente no elemento humano ou seja ldquona sua
capacidade de agir refletir colocar-se no lugar das pessoas que recebem seus cuidados e
entender os determinantes do processo sauacutede-doenccedila em seu dinamismo e sua complexidaderdquo
(CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012 p885)
Atualmente temos 14 (quatorze) profissotildees de sauacutede de niacutevel universitaacuterio em nosso paiacutes
medicina enfermagem odontologia fisioterapia terapia ocupacional psicologia
fonoaudiologia farmaacutecia veterinaacuteria educaccedilatildeo fiacutesica serviccedilo social ciecircncias bioloacutegicas
biomedicina e nutriccedilatildeo Sendo importante destacar a importacircncia histoacuterica da medicina para a
aacuterea de sauacutede e seu referencial teoacuterico - Relatoacuterio Flexner que influenciaram a conformaccedilatildeo
do ensino das demais profissotildees de sauacutede
O Relatoacuterio Flexner elaborado pelo educador americano Abrahem Flexner ficou
conhecido por normatizar as bases para um ensino meacutedico pautado no meacutetodo cientiacutefico Suas
principais propostas para escolas de medicina eram Definiccedilatildeo de padrotildees de entrada e
ampliaccedilatildeo para quatro anos da duraccedilatildeo dos cursos Introduccedilatildeo do ensino laboratorial
Estimulo a docecircncia em tempo integral Expansatildeo do ensino clinico especialmente em
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hospitais Vinculaccedilatildeo das escolas meacutedicas agraves universidades Ecircnfase na pesquisa bioloacutegica
Vinculaccedilatildeo da pesquisa ao ensino Estiacutemulo agrave especializaccedilatildeo meacutedica Controle do exerciacutecio
profissional pela profissatildeo organizada (CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012)
A separaccedilatildeo ainda hoje da maioria dos cursos da aacuterea de sauacutede em ciclo baacutesico (inicial
composto por disciplinas baacutesicas geralmente bioloacutegicas) e ciclo profissional (com disciplinas
voltadas para a praacutetica) eacute um exemplo da influecircncia do modelo flenexeriano no ensino de
praticamente todas as profissotildees nessa aacuterea o que consequentemente proporciona uma
hipervalorizaccedilatildeo do aspecto bioloacutegico e a fragmentaccedilatildeo dos conhecimentos com consequente
desvalorizaccedilatildeo dos demais determinantes do processo sauacutede-doenccedila (CAMPOS AGUIAR e
BELISAacuteRIO 2012)
Tendo-se em mente que o sistema educativo eacute uma imensa maacutequina burocraacutetica e que a
foacutermula da educaccedilatildeo bancaacuteria ainda eacute majoritaacuteria na realidade educacional como esperar que
a maioria dos estudantes ao final de seu curso natildeo tenha uma praacutetica fragmentada e centrada
na medicalizaccedilatildeo jaacute que em seus cursos veem escutam e aprendem desta forma
quotidianamente (FREIRE 2003)
Campos Aguiar e Belizaacuterio (2012) destacam que as profissotildees de sauacutede que conhecemos
hoje satildeo relativamente novas inclusive a medicina considerada uma das profissotildees mais
antigas do mundo soacute obteve credibilidade popular a partir do seacuteculo XIX quando o meacutetodo
cientifico se tornou determinante das praacuteticas em sauacutede A medicina nos seacuteculos anteriores era
uma profissatildeo baseada no empirismo ou em supersticcedilotildees
Tambeacutem ressaltam que o ldquocasamento entre a sauacutede e a ciecircncia foi fruto da euforia
positivista1 daquela eacutepoca que assistiu a importantes descobertas como a anestesia e a
microbiologiardquo Campos Aguiar e Belisaacuterio (2012 p886) o que contribuiu para generalizar a
impressatildeo de que a ciecircncia mais cedo ou mais tarde traria respostas objetivas para a maioria
dos problemas da humanidade E tambeacutem para reforccedilar a ideia positivista de que esses
problemas teriam sempre causas bem definidas sendo portanto passiveis de intervenccedilatildeo cujo
aparecimento seria soacute uma questatildeo de tempo
Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos
diversos cursos da aacuterea da sauacutede com a Lei Orgacircnica da Sauacutede (Lei Nordm 80801990) segundo
a qual um dos objetivos e atribuiccedilotildees do SUS eacute a ordenaccedilatildeo da formaccedilatildeo dos trabalhadores do
setor com base em metodologias mais reflexivas voltadas ao aprendizado no proacuteprio
1 O Positivismo eacute uma corrente filosoacutefica que surgiu na Franccedila no comeccedilo do seacuteculo XIX Defende a ideacuteia de
que o conhecimento cientifico eacute a uacutenica forma de conhecimento verdadeiroAdvoga a descoberta de leis naturais
e o seu domiacutenio pela ciecircncia de forma a resolver os problemas do mundo e da vida
53
exerciacutecio profissional Somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo de
reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a
novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
Em um artigo publicado em 2010 Haddad e colaboradores a partir de uma anaacutelise
sobre a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede no Brasil no periacuteodo de 1991 a 2008
apresentaram um panorama dos 14 cursos considerados da aacuterea de sauacutede e por resoluccedilatildeo do
Conselho Nacional de Sauacutede (CNS) afirmaram que as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN)
Apontam a necessidade de os cursos incorporarem nos seus projetos
pedagoacutegicos o arcabouccedilo teoacuterico do SUS valorizando tambeacutem os
postulados eacuteticos a cidadania a epidemiologia e o processo
sauacutededoenccedilacuidado no sentido de garantir formaccedilatildeo
contemporacircnea de acordo com referenciais nacionais e internacionais
de qualidade As DCN inovam ao estimularem a inserccedilatildeo precoce e
progressiva do estudante no SUS o que lhe garantiraacute conhecimento e
compromisso com a realidade de sauacutede de seu paiacutes e sua regiatildeo
(HADDAD et al 2010 p 38)
Eacute importante destacar nesse cenaacuterio de formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede no Brasil
que o ensino acadecircmico e o ensino profissional foram historicamente tratados de modos
distintos com maior ou menor interferecircncia puacuteblica privada ou de trabalhadores
O ensino profissionalizante natildeo pode ser separado dos movimentos econocircmicos de
cada periacuteodo Desde 1809 com a criaccedilatildeo do Coleacutegio das Faacutebricas a profissionalizaccedilatildeo teve
iniacutecio e se manteve como concessatildeo governamental agraves classes sociais pobres Ao mesmo
tempo em que qualificava os trabalhadores preparava para exercer as atividades econocircmicas
vigentes ou seja a profissionalizaccedilatildeo era vista como uma soluccedilatildeo para os problemas sociais
(BARROS et al 2010)
No campo da sauacutede a partir dos anos 1930 eacutepoca da criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho
com a industrializaccedilatildeo e o aumento da cobertura previdenciaacuteria cresceu a necessidade do
mercado por profissionais de sauacutede especialmente meacutedicos Como consequecircncia verificou-se
a ampliaccedilatildeo da oferta de cursos de medicina Na eacutepoca devido ao crescimento econocircmico a
expansatildeo dos cursos de ensino superior ocorreu em toda a Ameacuterica Latina No entanto o
54
mesmo natildeo sucedeu com o ensino meacutedio Teacutecnicos e auxiliares natildeo eram prioridade na
agenda de formaccedilatildeo e eram absorvidos pelo mercado de trabalho sem qualificaccedilatildeo (BARROS
et al 2010)
Ateacute a promulgaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei Nordm
402461) natildeo era permitida a equivalecircncia entre o ensino regular e o profissionalizante
coerente com a loacutegica de que a educaccedilatildeo profissional era dirigida sempre aos mais pobres
para que exercessem atividades servis enquanto o ensino formal destinava-se agrave elite
(BRASIL MEC 2000)
Em 1963 na 3ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede (CNS) foi discutida a profissionalizaccedilatildeo
de niacutevel meacutedio e apresentada uma proposta de preparaccedilatildeo desses trabalhadores Na 4ordf CNS
em 1967 cujo tema central foi ldquoRecursos Humanos para as Atividades de Sauacutederdquo propocircs-se a
formulaccedilatildeo de uma poliacutetica permanente de recursos humanos voltada ao ensino no trabalho
pelo trabalho e para o trabalho (BARROS et al 2010)
Nos anos 1960 e 1970 os investimentos puacuteblicos em hospitais privados decorreram do
modelo de seguridade social estabelecido O crescimento de serviccedilos meacutedicos e hospitalares
a ampliaccedilatildeo de leitos e o foco nas doenccedilas tambeacutem aumentaram a compra de serviccedilos
meacutedicos pelo Estado com incremento de leitos hospitalares Nessa eacutepoca disparou o nuacutemero
de empregos no setor hospitalar privado (BARROS et al 2010)
Ateacute os anos 1980 predominava a contrataccedilatildeo de pessoal desqualificado para os serviccedilos
Um estudo realizado por Pronko (1999) analisou a forccedila de trabalho em sauacutede na deacutecada de
1970 e verificou que houve um aumento significativo de pessoas desqualificadas (em especial
atendentes) que atuavam nas atividades hospitalares passando de 32137 para 85541 o
nuacutemero desses profissionais sem qualificaccedilatildeo
Tampouco nos hospitais e postos de sauacutede puacuteblicos havia qualquer exigecircncia de formaccedilatildeo
para o atendente de enfermagem Barros et al (2010) Somente com a promulgaccedilatildeo da Lei do
Exerciacutecio Profissional da Enfermagem em 1986 fruto de uma longa luta poliacutetica da
enfermagem junto a oacutergatildeos centrais como Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Ministeacuterio da Sauacutede eacute
que ficou estabelecido o prazo de dez anos para a extinccedilatildeo da categoria
Nos anos 1990 por pressatildeo de organismos internacionais e pela forccedila da Lei do Exerciacutecio
Profissional de Enfermagem foram iniciados cursos de formaccedilatildeo profissionalizante pelos
Centros de Desenvolvimento de Recursos Humanos (CE- DRHU) das Secretarias Estaduais
de Sauacutede (SESs) Tambeacutem em decorrecircncia das determinaccedilotildees legais para o ensino
profissionalizante exigia-se matriacutecula em escola de ensino meacutedio fator que dificultou a
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permanecircncia de muitos profissionais nos cursos Em seguida surgiu o Projeto de Formaccedilatildeo
em Larga Escala de Pessoal de Sauacutede (BARROS et al 2010)
Nesse sentido como afirmam Barros et al (2010) em seu estudo a deacutecada de 1990
registrou uma contradiccedilatildeo no mesmo periacuteodo ocorreu incorporaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios
sem escolaridade nas poliacuteticas de governo como o Programa de Agentes Comunitaacuterios de
Sauacutede e implantaccedilatildeo de programas nacionais de formaccedilatildeo com exigecircncia de escolaridade para
os profissionais de enfermagem em geral
Foram criados os Centros de Formaccedilatildeo de Recursos Humanos em Sauacutede e as Escolas
Teacutecnicas de Sauacutede do SUS vinculadas agraves SES com o intuito de promover a
profissionalizaccedilatildeo dos trabalhadores inseridos nos serviccedilos sem a devida qualificaccedilatildeo O MS
no ano de 2000 criou o Projeto de Profissionalizaccedilatildeo dos Trabalhadores da Aacuterea de
Enfermagem (Profae) que foi oferecido para 225 mil trabalhadores cadastrados pelas
Secretarias Municipais de Sauacutede
Formaccedilatildeo dos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
Com a implementaccedilatildeo do Sauacutede da Famiacutelia o discurso poliacutetico governamental se
alterou com vistas a reorientar o recurso humano em sauacutede em termos de capacitaccedilatildeo para a
integralidade e nova praacutetica no SUS natildeo apenas no contexto do serviccedilo mas tambeacutem na
formaccedilatildeo dos futuros profissionais jaacute no acircmbito dos cursos de Enfermagem Medicina e
Odontologia Moretti-Pires (2009) O autor ainda destaca que este processo natildeo se deu
simplesmente por opccedilatildeo poliacutetica dos governos mas sim em virtude de necessidades concretas
de assistecircncia agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira frente ao dever constitucional do Estado em
relaccedilatildeo agrave sauacutede de todos
Mesmo com estes esforccedilos ainda foi mantido o modelo universitaacuterio tradicional
focado na atenccedilatildeo curativo-individual desconsiderando o contexto sociocultural das famiacutelias
pelos profissionais de sauacutede Pensamento que natildeo estaacute de acordo com a praacutetica necessaacuteria
para atuaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia comprometendo a legitimidade do modelo de atenccedilatildeo na
medida em que a equipe ainda vivencia o modelo hegemocircnico biomeacutedico e tradicional apesar
das tentativas de modifica-lo na praacutetica permanece em um ldquoestado entre a ESF idealizada e a
ESF de fatordquo (MORETTI-PIRES 2009 p155)
Em seu estudo sobre a complexidade em Sauacutede da Famiacutelia e formaccedilatildeo do futuro
profissional de sauacutede Moretti-Pires (2009) conclui que a formaccedilatildeo reducionistabiomeacutedica
nas trecircs profissotildees (Enfermagem Medicina e Odontologia) assim como o foco no trabalho
individual e natildeo na equipe multiprofissional eacute um quadro inadequado ao SUSESF que
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preconiza atuaccedilatildeo profissional focada na complexidade do entorno socioeconocircmico e
antropoloacutegico dos usuaacuterios do sistema E que apesar de a Sauacutede da Famiacutelia se constituir em
um modelo de atenccedilatildeo primaacuteria que se distingue pela visatildeo integral do usuaacuterio a formaccedilatildeo
universitaacuteria de seus profissionais ainda se pauta na visatildeo fragmentaacuteria reduzida ao acircmbito da
disciplinaridade (anatomia patologia geneacutetica farmacologia economia sociologia etc)
Atualmente jaacute existem vaacuterios cursos de Poacutes-Graduaccedilatildeo Lato Sensu e Stricto Sensu no
Brasil em Sauacutede da Famiacutelia voltados para os profissionais que atuam preferencialmente na
atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
De acordo com o estudo realizado por Pereira Costa e Megale (2012) nos uacuteltimos seis
anos atraveacutes de iniciativas interministeriais promovidas pelos Ministeacuterios da Sauacutede e da
Educaccedilatildeo tem-se observado a implantaccedilatildeo de importantes programas que vecircm ao encontro
das premissas defendidas pela Educaccedilatildeo Permanente em Sauacutede O Programa Nacional de
Reorientaccedilatildeo da Formaccedilatildeo Profissional em Sauacutede (Proacute-Sauacutede) lanccedilado em 2005 alicerccedilado
pelos Programa de Educaccedilatildeo pelo Trabalho para a Sauacutede (PET-Sauacutede) e o Proacute-Ensino na
Sauacutede ambos de 2010 propotildeem profundas mudanccedilas na relaccedilatildeo ensino-serviccedilo-comunidade
a partir do resgate do papel social das Instituiccedilotildees de Ensino (atividades de extensatildeo e
pesquisa em educaccedilatildeo na sauacutede) bem como da responsabilidade dos serviccedilos de sauacutede em
formarem ativamente seus futuros profissionais com enfoque na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
Em relaccedilatildeo a formaccedilatildeo profissional dos Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) em
1991 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em parceria com as secretarias estaduais e municipais
institucionalizou o Programa Nacional de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PNACS)
posteriormente Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) objetivando reduzir os
alarmantes indicadores de morbimortalidade infantil e materna inicialmente no Nordeste do
Brasil
Com a criaccedilatildeo do Programa de sauacutede da Famiacutelia em 1993 posteriormente denominado
ESF emergiu a categoria do Agente Comunitaacuterio de Sauacutede (ACS) para atuar nas unidades
baacutesicas e ser o elo entre a comunidade e os serviccedilos de sauacutede Essa atividade profissional natildeo
tinha nem qualificaccedilatildeo nem regulaccedilatildeo Dada a importacircncia de sua funccedilatildeo no programa e em
decorrecircncia de seu papel estrateacutegico no fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria enquanto poliacutetica
puacuteblica para a sauacutede houve necessidade de capacitar esse profissional No entanto somente
em 2002 a profissatildeo foi criada em termos de lei que em 2006 foi revogada para que ajustes
pudessem ser feitos por meio da promulgaccedilatildeo da Lei 11350 A nova regulamentaccedilatildeo ocorreu
agora em 2014 com a Lei 12994 que altera a Lei no 11350 de 2006 para instituir piso
57
salarial profissional nacional e diretrizes para o plano de carreira dos Agentes Comunitaacuterios
de Sauacutede
Segundo Barros et al (2010) considerando os aspectos mencionados observa-se que o
ACS nasce num contexto permeado por influecircncias sociais ideoloacutegicas poliacuteticas e teacutecnicas
envolvendo demandas de ordem nacional e internacional Na agenda brasileira passa a ser
visto como uma estrateacutegia poliacutetica possiacutevel para superar o modelo tradicional e assinala
assim perspectivas para a construccedilatildeo de um novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede
Observa-se hoje que o ACS desempenha papel relevante na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
devido a suas atribuiccedilotildees que envolvem o cadastramento e o acompanhamento nas aacutereas de
cobertura da ESF aleacutem do seu capital social Por sua condiccedilatildeo hiacutebrida de estar entre a
comunidade (eacute morador e conhecedor daquela realidade) e os profissionais de sauacutede tornou-
se um importante elemento na promoccedilatildeo de mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de
fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes
46 ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE MENTAL TRANSFORMACcedilOtildeES DE PARADIGMA
Da Psiquiatria agrave Sauacutede Mental
Segundo Costa-Rosa Luzio amp Yasui (2003 p 28) as ldquopraacuteticas cliacutenicas concebidas ao
modo da cliacutenica meacutedica e psicoloacutegica foram consideradas como meios de adaptar os
indiviacuteduos agrave aceitaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo de objetos da violecircnciardquo Os autores denunciam nesse
contexto a situaccedilatildeo perversa entre os profissionais da assistecircncia e os seus pacientes
Rotelli Leonardis e Mauri (2001) de maneira convergente destacam que se faz
necessaacuteria a mudanccedila do paradigma psiquiaacutetrico na assistecircncia
O mal obscuro da Psiquiatria estaacute em haver separado um objeto
fictiacutecio a ldquodoenccedilardquo da existecircncia global complexa e concreta dos
pacientes e do corpo social Sobre essa separaccedilatildeo artificial se
construiu um conjunto de aparatos cientiacuteficos legislativos e
administrativos (a instituiccedilatildeo) todos referidos agrave ldquodoenccedilardquo Eacute este
conjunto que eacute preciso desmontar (desinstitucionalizar) para retomar o
contato com aquela existecircncia dos pacientes enquanto ldquoexistecircnciardquo
doente (ROTELLI LEONARDIS MAURI 2001 p29-30)
O modelo de cuidados proposto para atenccedilatildeo em Sauacutede Mental baseia-se nos
princiacutepios da Atenccedilatildeo Psicossocial Esse modelo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua
58
ldquoexistecircncia-sofrimentordquo Costa-Rosa (2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia
subjetiva colocando em questatildeo a ideacuteia de ldquodoenccedila mentalrdquo ldquotranstorno mentalrdquo do modelo
biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais
[] colocar um lsquofenocircmenorsquo entre parecircnteses representa uma
importante demarcaccedilatildeo epistemoloacutegica no acircmbito da tradiccedilatildeo do
pensamento filosoacutefico existencial consiste na ideacuteia de que o
lsquofenocircmenorsquo natildeo existe em si mas eacute construiacutedo pelo observador
o sujeito do conhecimento constroacutei o lsquofenocircmenorsquo este eacute parte
do primeiro eacute parte de sua cultura e de sua subjetividade
(AMARANTE 1999 p49)
Para melhor compreender o alcance das propostas da Atenccedilatildeo Psicossocial haacute de se
contextualizar as mudanccedilas de paradigmas no interior dos quais ela se define e as questotildees
importantes que atualmente atravessam o contexto da Sauacutede Mental Coletiva
A Atenccedilatildeo Psicossocial inserida no campo da Reforma Psiquiaacutetrica ldquotem sustentado
um conjunto de accedilotildees teoacuterico-praacuteticas poliacutetico-ideoloacutegica e eacuteticas norteadas pela aspiraccedilatildeo de
substituiacuterem o Modo Asilar e algumas vezes o proacuteprio paradigma da Psiquiatriardquo (COSTA-
ROSA LUZIO YASUI 2003 p 28)
De acordo com esses autores sua origem remonta a uma serie de diferentes
experiecircncias histoacutericas que incluem principalmente a Psiquiatria de Setor e Comunitaacuteria a
Antipsiquiatria a Psicoterapia Institucional e a Psiquiatria Democraacutetica Italiana aleacutem da
contribuiccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas e das experiecircncias locais brasileiras dos Centros de
Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) e dos Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial (NAPS) Esses mesmos
autores afirmam que de um modo geral os elementos teoacutericos impliacutecitos a essas experiecircncias
transitam especialmente pelas ideacuteias socioloacutegicas e psicoloacutegicas pelo Materialismo Histoacuterico
pela Psicanaacutelise e pela Filosofia da Diferenccedila
Para Amarante (1999 p47-52) as transformaccedilotildees na Sauacutede mental podem ser
especificadas em quatro campos teoacuterico conceitual teacutecnico-assistencial juriacutedico-poliacutetico e
sociocultural Vou tentar sintetizar as transformaccedilotildees em cada um desses campos como
estrateacutegia de visualizar a praacutexis da Atenccedilatildeo Psicossocial conforme abordado por Costa-Rosa
Luzio e Yasui (2003 p 32-33)
No campo teoacuterico-assistencial tem-se trabalhado na desconstruccedilatildeo de conceitos e
praacuteticas sustentadas pela psiquiatria e pela psicologia nas suas visotildees sobre a doenccedila mental
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Por outro lado tem-se construiacutedo noccedilotildees e conceitos como ldquoexistecircncia-sofrimentordquo do sujeito
com o corpo social paradigma esteacutetico acolhimento cuidado emancipaccedilatildeo e contratualidade
social O conceito de existecircncia-sofrimento por oposiccedilatildeo ao paradigma doenccedila-cura explicita
a exigecircncia de dar ao sujeito a cena simultaneamente impulsiona a Reforma Psiquiaacutetrica na
direccedilatildeo de uma revoluccedilatildeo paradigmaacutetica uma vez que coloca em questatildeo a tatildeo cara relaccedilatildeo
sujeito-objeto e o proacuteprio paradigma doenccedila-cura Aqui a dimensatildeo esteacutetica ganha uma
relevacircncia particular que eacute essa especificidade do sujeito de estar por si no centro da cena
inclusive das terapecircuticas
No campo teacutecnico-assistencial tem-se construiacutedo uma rede de novos serviccedilos espaccedilo
de sociabilidade de trocas em que se enfatiza a produccedilatildeo de subjetividades O que tem
significado colocar a doenccedila entre parecircnteses e oportunizar contato com o sujeito rompendo
com as praacuteticas disciplinares ampliando a possibilidade de recuperaccedilatildeo do seu estatuto de
sujeito de direitos Transformaccedilotildees tanto na concepccedilatildeo dos novos equipamentos (Centros e
Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial Oficinas Terapecircuticas e de Reintegraccedilatildeo Social e
Cooperativas de Trabalho) quanto na sua forma de organizaccedilatildeo e gestatildeo (Instituiccedilotildees abertas
com participaccedilatildeo e co-gestatildeo com os usuaacuterios e a populaccedilatildeo tecircm sido realizadas Tambeacutem se
colocam em praacutetica experiecircncias com a aacuterea de abrangecircncia da instituiccedilatildeo considerada sob o
conceito de territoacuterio Enfim eacute nesse campo que a Reforma Psiquiaacutetrica tem deixado mais
visiacuteveis suas inovaccedilotildees paralelo agrave reconstruccedilatildeo de conceitos
No campo juriacutedico-poliacutetico satildeo realccediladas algumas aquisiccedilotildees aleacutem das transformaccedilotildees
advindas da Reforma Sanitaacuteria luta-se pela extinccedilatildeo dos manicocircmios e sua substituiccedilatildeo por
instituiccedilotildees abertas pela revisatildeo das legislaccedilotildees sanitaacuterias civil e penal referentes a doenccedila
mental para viabilizar o exerciacutecio do direito agrave cidadania ao trabalho e agrave inclusatildeo social
Vaacuterias portarias ministeriais tem sido publicadas agrave partir da Lei 102162001 oficializando os
vaacuterios dispositivos substitutivos ao modelo manicomial para efeito de financiamento de suas
accedilotildees no SUS Mais recentemente tivemos a publicaccedilatildeo da Portaria GM 30882011 que
institui a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento mental e com
necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool e outras drogas na busca pela consolidaccedilatildeo
de um modelo de sauacutede mental em rede e de base comunitaacuteria
No campo sociocultural uma seacuterie de praacuteticas sociais tem sido construiacutedas com vistas
a transformar o imaginaacuterio social relacionado com a loucura a doenccedila mental e a
anormalidade passando pelas distinccedilotildees de doenccedila mental loucura desrazatildeo ateacute chegar ao
conceito de existecircncia-sofrimento A imagem da loucura e do louco a imagem da instituiccedilatildeo e
a da relaccedilatildeo dos usuaacuterios e a populaccedilatildeo com ela (desinstitucionalizaccedilatildeo) estatildeo ainda em
60
processo de transformaccedilotildees Merecendo destaque para a imagem da instituiccedilatildeo que se formula
como espaccedilo de circulaccedilatildeo (natildeo mais espaccedilo depositaacuterio) e poacutelo de exerciacutecio esteacutetico e a
imagem do louco como cidadatildeo que deve almejar poder de contratualidade social
Faz se necessaacuterio aqui destacar que Lobosque (1997) e Amarante (1996) buscam
mostrar que eacute na dimensatildeo poliacutetica da Reforma Psiquiaacutetrica que se encontra a verdadeira
cliacutenica da Reforma pautada sobretudo pela possibilidade de criaccedilatildeo e invenccedilatildeo cotidiana
Haacute que se observar ainda que
O lugar da Sauacutede Mental eacute um lugar de conflito confronto e
contradiccedilatildeo Talvez esteja aiacute uma certa caracteriacutestica ontoloacutegico-
social pois isso eacute expressatildeo e resultante de relaccedilotildees e situaccedilotildees
concretas Por qualquer perspectiva que se olhe tratar-se-aacute sempre de
um processo de um eterno confronto pulsaccedilotildees de vidapulsaccedilotildees
mortiacuteferas inclusatildeoexclusatildeo toleracircnciaintoleracircncia (COSTA-
ROSA LUZIO YASUI 2003 p 29)
47 MEDICALIZACcedilAtildeO DO SOCIAL
De acordo com Rosen (1994 p1) ldquoa histoacuteria da medicina social eacute em grande parte a
histoacuteria da poliacutetica e da accedilatildeo social em relaccedilatildeo aos problemas da sauacutederdquo Nota-se nesse autor
a preocupaccedilatildeo com uma abordagem histoacuterica para se estudar agraves novas relaccedilotildees instauradas
com a medicina social ldquoO cuidado com a sauacutede sempre esteve relacionado agraves condiccedilotildees
poliacuteticas econocircmicas e sociais de grupos especiacuteficos mas em eacutepocas passadas estas relaccedilotildees
natildeo eram objeto de investigaccedilatildeo sistemaacuteticardquo (ROSEN 1994 p2)
O foco do trabalho de George Rosen assim como de Michel Foucault estaacute centrado
no apogeu da institucionalizaccedilatildeo da medicina no seacuteculo XIX Uma triacuteade relacional entre
ldquoMedicina- Estado- Sociedaderdquo Para entender a ligaccedilatildeo entre a doenccedila e a sauacutede Rosen
argumenta que a articulaccedilatildeo dessas duas premissas se dava por meio de dois ambientes social
e cultural pois para ele
A doenccedila e a sauacutede satildeo aspectos desta instabilidade onipresente satildeo
expressotildees das relaccedilotildees mutaacuteveis entre os vaacuterios componentes do
corpo entre o corpo e o ambiente externo no qual ele existe Como
fenocircmeno bioloacutegico as causas da doenccedila satildeo procuradas no reino da
natureza mas no homem a doenccedila possui ainda uma outra dimensatildeo
nele a doenccedila natildeo existe como ldquonatureza purardquo sendo mediada e
61
modificada pela atividade social e pelo ambiente cultural que tal
atividade criardquo (ROSEN 1994 p77)
Assim a mudanccedila na aacuterea da medicina inicia-se a partir do momento em que a doenccedila
assume um valor social Eacute dessa forma que Rosen busca identificar a relaccedilatildeo que os
diferentes Estados europeus operacionalizam a adoccedilatildeo de poliacuteticas higiecircnicas A preocupaccedilatildeo
da medicina em marcar seu espaccedilo no cerne do Estado vincula-se a diferentes projetos e uso
das praacuteticas meacutedicas
Para Rosen a industrializaccedilatildeo e os consequentes problemas sociais levaram vaacuterios
investigadores a estudar a influecircncia de fatores como pobreza e profissionalizaccedilatildeo da
medicina no estado de sauacutede E como pode-se observar na colocaccedilatildeo de Rosen a questatildeo
urbana eacute primordial para as particularidades na concepccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede puacuteblica
Chega-se entatildeo agrave afirmaccedilatildeo de que a medicina tambeacutem assume um valor pedagoacutegico pois
para ele
Mas sendo a sauacutede e a educaccedilatildeo condiccedilotildees de bem-estar eacute tarefa do
Estado providenciar para que o maior nuacutemero de pessoas tenha
acesso atraveacutes da accedilatildeo puacuteblica aos meios de manutenccedilatildeo e promoccedilatildeo
tanto da sauacutede quando da educaccedilatildeo Assim natildeo eacute suficiente que o
Estado garanta a cada cidadatildeo o necessaacuterio a sua existecircncia e decirc
assistecircncia a todo aquele cujo trabalho natildeo eacute suficiente para a
obtenccedilatildeo do necessaacuterio O Estado deve fazer mais deve assistir todos
para que tenham as condiccedilotildees necessaacuterias para gozar uma existecircncia
saudaacutevel (ROSEN 1994 p82)
Ao estudar a acessibilidade dos cidadatildeos ao serviccedilo baacutesico de sauacutede aproxima-se da
definiccedilatildeo conceitual que Virchow meacutedico estudado por Rosen busca empreender sobre a
Sauacutede Puacuteblica em seu processo de legitimaccedilatildeo Para Virchow a Sauacutede Puacuteblica tinha como
carro chefe o estudo das vaacuterias condiccedilotildees de vida nos diferentes grupos sociais Sendo assim
Rosen sintetiza que o alcance da medicina social pode ser delimitado atraveacutes de trecircs aspectos
socioloacutegicos a saber ldquosauacutede em relaccedilatildeo agrave comunidade sauacutede como valor social e a sauacutede e
poliacutetica socialrdquo (ROSEN 1994 p138)
Dessa maneira a ligaccedilatildeo poliacutetica da medicina com o Estado como propotildee Rosen faz
parte das tecnologias instaladas pelo Estado Moderno a fim de melhorar as condiccedilotildees
higiecircnicas da populaccedilatildeo europeia
62
Jaacute a tese de Michel Foucault para analisar a aproximaccedilatildeo da medicina com Estado
parte da ideacuteia da medicalizaccedilatildeo da sociedade Esse processo pode ser compreendido quando
as relaccedilotildees meacutedicas extrapolam a concepccedilatildeo individualista do corpo e do tratamento meacutedico e
passam a valorizar a aproximaccedilatildeo do meacutedico com o doente O enfermo passa ser objeto da
medicina e natildeo o contraacuterio a medicina como objeto do enfermo Pois para ele em termos de
economia o capitalismo contribuiu para a divulgaccedilatildeo das praacuteticas de uma medicina oficial
Minha hipoacutetese eacute que com o capitalismo natildeo se deu a passagem de
uma medicina coletiva para uma medicina privada mas justamente o
contraacuterio que o capitalismo desenvolvendo-se em fins do seacuteculo
XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX socializou um primeiro objeto que foi o
corpo enquanto forccedila de produccedilatildeo forccedila de trabalho O controle da
sociedade sobre os indiviacuteduos natildeo se opera simplesmente pela
consciecircncia ou pela ideologia mas comeccedila no corpo com o corpo
(FOUCAULT 2011 p80)
Segundo Illich (1975) a expansatildeo da medicina cientiacutefica ou biomedicina a outra face
da medicalizaccedilatildeo social gera o fenocircmeno da contraprodutividade um fenocircmeno moderno das
sociedades industriais em que a utilizaccedilatildeo de ferramentas sociais e tecnoloacutegicas tem como
resultado efeitos antagocircnicos ao seu objetivo No caso instituiccedilotildees de sauacutede que produzem
doenccedilas medicina que produz iatrogenias Tal fenocircmeno pode se dar por monopoacutelio das
funccedilotildees ou por excesso de uso da ferramenta ou ambos como eacute o caso da biomedicina
A medicalizaccedilatildeo social estaacute associada ao que Illich (1975) chamou de iatrogenia
cultural uma forma difusa e sub-reptiacutecia de iatrogenia da biomedicina a perda do potencial
cultural para manejo da maior parte das situaccedilotildees de dor adoecimento e sofrimento O carro-
chefe das propostas desse autor consiste em incrementar reinventar eou resgatar a autonomia
das pessoas em sauacutede-doenccedila de forma a caminhar no sentido do reequiliacutebrio entre accedilotildees
autocircnomas e heterocircnomas Isso remete ao papel que a atenccedilatildeo agrave sauacutede institucional
desempenha nesse processo
Segundo Tesser (2006) a medicalizaccedilatildeo social pode ser considerada o resultado do
sucesso da empreitada cientiacutefica na sauacutede que buscou monopolizar a legitimidade
epistemoloacutegica oficial no ocidente Usando a concepccedilatildeo epistemoloacutegica de Fleck (1986)
Tesser interpreta a medicalizaccedilatildeo social como o resultado do sucesso da socializaccedilatildeo dessa
medicina para grandes contingentes populacionais pouco modernizados o que implica um
63
epistemiciacutedio de saberes e praacuteticas natildeo-cientiacuteficos populares ou tradicionais Ateacute pouco
tempo esses saberes foram importantes fornecedores de lastro cultural e teacutecnico para accedilotildees
autocircnomas em sauacutede-doenccedila lastro este em processo de extinccedilatildeo ou intensa transformaccedilatildeo
Adotando posiccedilatildeo inspirada em Boaventura de Sousa Santos (2000 2004) o autor
propotildee que a biomedicina seja considerada indispensaacutevel e necessaacuteria e simultaneamente
inadequada e perigosa Um dos seus perigos eacute justamente sua atuaccedilatildeo no processo de
medicalizaccedilatildeo e iatrogenia cultural de que falou Illich
A formaccedilatildeo biomeacutedica e o Programa Sauacutede da Famiacutelia
Facilmente nos domiciacutelios brasileiros a ESF eacute uma ldquofaca de dois gumes uma chance
para a reconstruccedilatildeo da autonomia e ou simultaneamente uma nova e poderosa forccedila
medicalizadorardquo (TESSER 2006 p25)
Institucionalizado como ciecircncia vitorioso social e politicamente o saber meacutedico eacute
sempre um saber sobre outrem com caracteriacutesticas especiais Eacute um saber sobre as doenccedilas ou
probabilidades e riscos de doenccedilas do corpo (ou psique) E aleacutem disso ainda eacute um saber que
estaacute aleacutem do proacuteprio profissional que supostamente o domina radicando-se na instituiccedilatildeo
ldquoCiecircnciardquo Este saber concentrou de forma espetacular sua fundamentaccedilatildeo e seu poder numa
instituiccedilatildeo que eacute representada por um outro transcendente alheio agrave pessoa doente distante
dela e inacessiacutevel Tendo sido seu objeto de atenccedilatildeo reduzido de sujeito doente a corpo (ou
psique) doente corpo portador de doenccedila e por fim doenccedilas e seus riscos o saber cliacutenico-
epidemioloacutegico desconhece a sauacutede e a vida dos sujeitos as quais vatildeo se transformando em
medidas que instrumentos quantificadores e padrotildees de imagens registram em termos de
constantes e variantes fisioloacutegicas dinacircmicas funcionais e fatores de risco estabelecidos por
padrotildees estatiacutesticos (TESSER 2006)
O precedente eacute dito no sentido de contextualizar teoricamente uma constataccedilatildeo sobre
os saberes profilaacuteticos da biomedicina esta criou um fosso quase intransponiacutevel entre o
sujeito e os conhecimentos sobre sua proacutepria sauacutede-doenccedila entre o saber meacutedico e o saber
individual que na praacutetica orienta as pessoas e ganha significado e valor diferenciado para
cada sujeito conforme as suas caracteriacutesticas pessoais sociais culturais e econocircmicas A
ldquosegunda ruptura epistemoloacutegicardquo proposta por Boaventura de Sousa Santos (1982) como
necessaacuteria parece dificiacutelima na sauacutede e mesmo quando buscada parece que nunca chega
satisfatoriamente ndash senatildeo sob a forma de medicalizaccedilatildeo e sua dependecircncia generalizada
Com isso o saber biomeacutedico profilaacutetico desligou-se da perspectiva existencial do
sujeito doente pouco dizendo que lhe faccedila significado vital e lhe remeta ao processo de
64
revisatildeo valorativa no sentido de abrir possibilidades de crescimento accedilatildeo e responsabilizaccedilatildeo
em relaccedilatildeo a si mesmo seus proacuteximos e seus problemas de sauacutede Como consequecircncia
muitos saberes preventivos estabelecidos por essa medicina ganham caraacuteter de prescriccedilotildees
que natildeo se integram ao universo vivenciado pelo sujeito Revestem-se de um tom monaacutestico
asseacuteptico pouco convincente e operacionalizaacutevel por seu caraacuteter riacutegido e restritivo natildeo beba
natildeo fume natildeo use drogas durma bem alimente se moderadamente sem excessos coma mais
vegetais restrinja o accediluacutecar o sal a gordura faccedila exerciacutecios regularmente natildeo se estresse etc
Aleacutem disso a situaccedilatildeo da profilaxia se agrava pelo imbroacuteglio valorativo e filosoacutefico no
qual esse saber se encontra destituiacutedo de espaccedilo filosoacutefico proacuteprio (como de resto a
biomedicina como um todo devido a sua adesatildeo ao modelo cientiacutefico positivista que
transformou esse espaccedilo em debate metodoloacutegico eacute difiacutecil amalgamar uma proposta de
revalorizaccedilatildeo da questatildeo sauacutede (vida) que possa articular o saber profilaacutetico acumulado pela
biomedicina com o universo simboacutelico e cultural dos doentes (TESSER 2006)
Esse eacute um dos principais desafios na ESF Com a expansatildeo das capilaridades das
accedilotildees de sauacutede nos diversos territoacuterios desse Brasil tatildeo desigual A atenccedilatildeo agrave sauacutede fora do
setting hospitalar necessita tambeacutem considerar a abordagem cultural procurando se aproximar
o maacuteximo possiacutevel de onde as pessoas vivem e andam a vida para de fato produzir sauacutede e
natildeo cuidar soacute da doenccedila
Uma ldquodoenccedilardquo entidade de existecircncia supostamente autocircnoma distinta do paciente e
no seu corpo instalada a ser explicada (em geral apenas nomeada) ao doente e eleita como
alvo e objeto das suas atenccedilotildees como inimigo a ser combatido e vencido Vale ressaltar a
respeito da ldquoteoria das doenccedilasrdquo dessa medicina e do imaginaacuterio reinante no mundo
medicalizado que as doenccedilas satildeo vistas como ldquocoisasrdquo relacionadas a lesotildees a serem
investigadas no interior do corpo fiacutesico e corrigidas com alguma intervenccedilatildeo concreta Eacute
desnecessaacuterio comentar que mesmo em ambientes especializados o caraacuteter convencional e
construtivo das doenccedilas eacute extremamente difiacutecil de ser percebido dado que um dos efeitos da
construccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos eacute o apagamento dos vestiacutegios de sua construccedilatildeo dando-lhes a
aparecircncia de pura objetividade (LATOUR 2000a b LATOUR WOOLGAR 1997)
Operou-se pela via do saber da interpretaccedilatildeo um movimento de focalizaccedilatildeo da
atenccedilatildeo na doenccedila como entidade distinta e alheia ao sujeito Operou-se um desvio especiacutefico
do olhar que deixou de lado a vida do sujeito e seu adoecimento nas suas condiccedilotildees de
existecircncia (sociais econocircmicas emocionais ambientais espirituais) e apresentou as
65
categorias fisiopatoloacutegicas fatores etioloacutegicos e de risco com que trabalha a biomedicina
(TESSER 2004)
Feito o diagnoacutestico o doente eacute ldquoconvidadordquo a aceitar a interpretaccedilatildeo teacutecnica do
profissional Mesmo que haja relevantes diferenccedilas culturais como ocorre na maioria das
vezes no Brasil haacute um certo grau de sucesso na apropriaccedilatildeo pelo doente da interpretaccedilatildeo
biomeacutedica Ainda que o saber meacutedico aponte causas enraizadas na vida do doente como
comumente ocorre nas doenccedilas crocircnicas este enquanto sujeito praticamente natildeo aparece eacute
portador de fatores de risco geneacuteticos comportamentos de risco etc todas coisas que satildeo do
acircmbito de sua vida vivida mas que lhe ficam estranhas no isolamento e na objetivaccedilatildeo
biomeacutedica por mais seus que possam ser Aleacutem disso ainda que os diagnoacutesticos sejam
sindrocircmicos ou apenas descritivos operam uma objetivaccedilatildeo dos sintomas Estes receberatildeo
intervenccedilatildeo supostamente local (especificamente dirigida) a qual tenderaacute a desviar a atenccedilatildeo
dos sujeitos no sentido jaacute apontado (TESSER 2006)
A vinculaccedilatildeo do combate aos sintomas com o saber meacutedico eacute ambiacutegua Ela se daacute pelo
dever eacutetico de sedar a dor e aliviar o sofrimento como regra geral e arremedo de doutrina
meacutedica No entanto isso se confunde com o comodismo profissional e com a impotecircncia do
saber biomeacutedico ao se defrontar com queixas e sofrimentos natildeo-enquadraacuteveis na grade
nosoloacutegica como acontece diariamente na ESF Natildeo podendo dar sentido ou interpretaccedilatildeo
satisfatoacuteria aos adoecimentos e queixas ficando com diagnoacutesticos descritivos o meacutedico tem
de recorrer a noccedilotildees vagas de somatizaccedilotildees distuacuterbios funcionais eou psicoloacutegicos com os
quais a proximidade do saber da biomedicina eacute pequena Tais sintomas satildeo provavelmente a
maioria do que eacute relatado pelos pacientes Daiacute a vaacutelvula de escape da inibiccedilatildeo de sintomas
altamente medicalizante e de apelo quase irresistiacutevel Doutra parte mesmo quando se
conseguem definir diagnoacutesticos muitas vezes a terapecircutica restringe-se ao combate aos
sintomas (TESSER 2006)
Ainda para esse autor os dilemas da medicalizaccedilatildeo devem ser abordados nas seguintes
accedilotildees aleacutem-consulta meacutedica intersetoriais grupais educativas poliacuteticas sanitaacuterias em
parceria com instituiccedilotildees culturais poliacuteticas educativas etc Essas accedilotildees que devem ser
desenvolvidas pela equipe do SF satildeo essenciais para evitar a medicalizaccedilatildeo desenfreada que a
pura oferta de consultas meacutedicas comumente gera (TESSER 2006)
Eacute primordial ter em mente que os diagnoacutesticos satildeo uma fotografia estaacutetica a vida estaacute
em movimento complexo e infindaacutevel Mas que eacute preciso cuidar de natildeo privar o doente dos
conhecimentos e saberes meacutedicos sobre sua situaccedilatildeo usando uma linguagem que seja
inteligiacutevel ao seu conhecimento social e cultural (TESSER 2006)
66
De acordo com esse autor faz-se urgente sucumbir agrave tendecircncia de construccedilatildeo e fixaccedilatildeo
do mito da entidade doenccedila que o doente carrega tanto para o paciente quanto para o
profissional Ou seja tentar desontologizar a doenccedila e o sofrimento devolvendo-os ao doente
partilhando sua anguacutestia e buscando terapecircuticas com ele para a situaccedilatildeo Isso demanda uma
profunda mudanccedila cultural no imaginaacuterio meacutedico trabalho que praticamente natildeo se iniciou e
natildeo teraacute fim Esta mudanccedila eacute necessaacuteria e viaacutevel se for resgatado ldquoo personagem que natildeo tem
lugar na teoria das doenccedilas o sujeito doenterdquo (TESSER 2006 p352)
Na biomedicina os doentes e suas vidas orbitam ao redor das doenccedilas A revoluccedilatildeo
copernicana necessaacuteria nessa medicina implica fazer as doenccedilas orbitarem ao redor dos
doentes e suas vidas Isso no ambiente especializado da construccedilatildeo do saber cientiacutefico natildeo
estaacute nem ao menos concebido Mas na praacutetica cliacutenica fica facilitado e pode acontecer com
uma simples mas profunda mudanccedila de enfoque que aos poucos altera todo o processo
cognitivo do raciociacutenio cliacutenico (TESSER 2004)
Para finalizar vale ressaltar que a construccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de praacutetica cliacutenica menos
medicalizante na rede de atenccedilatildeo primaacuteria e no PSF eacute uma tarefa urgente tanto para a
formaccedilatildeo meacutedica como para a educaccedilatildeo permanente dos demais profissionais da equipe Isto
significa concretamente o perigo de uma aceleraccedilatildeo na medicalizaccedilatildeo social caso a ESF
cresccedila sem inovar na cliacutenica que oferece a seus usuaacuterios
48 MEacuteTODO CLINICO CENTRADO NA PESSOA
Epistemologia
O relacionamento entre a pessoa que busca atendimento e o meacutedico comeccedilou a ser
trabalhado pelo Departamento de Medicina de Famiacutelia da Universidade de Western Ontaacuterio
desde a sua fundaccedilatildeo em 1968 com a chegada do primeiro chefe de departamento o Dr Ian
McWhinney Moira Stwart et al (2010) Em seu trabalho para elucidar a ldquoreal razatildeordquo pela
qual uma pessoa procura o meacutedico McWhinney (1972) abriu caminho para as investigaccedilotildees
sobre a amplitude de todos os problemas da pessoa fiacutesicos sociais ou psicoloacutegicos e da
profundidade do sentido e da forma como ela se apresenta
Moira Stewart sua aluna de doutorado desenvolveu uma pesquisa guiada por esses
interesses e deu iniacutecio ao foco no relacionamento entre a pessoa atendida e o meacutedico Moira
Stewart Mawhinney e Buck (1975 1979) Moira Stewart e Buck (1977) O Dr Joseph
Levenstein da Aacutefrica do Sul como professor visitante em 1982 compartilhou suas tentativas
de desenvolver um modelo de praacutetica cliacutenica com o departamento Logo depois o meacutetodo
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clinico centrado na pessoa seguiu sua evoluccedilatildeo no trabalho do Grupo de Comunicaccedilatildeo entre
Pessoa e Meacutedico da Universidade de Western Ontaacuterio (MOIRA STWART et al 2010)
O termo usado para designaacute-lo inicialmente foi o de Medicina Centrada na Pessoa
mas atualmente se reconhece que o meacutetodo tem amplo potencial de aplicaccedilatildeo pelos
profissionais de sauacutede em geral independente de sua formaccedilatildeo De forma crescente a
abordagem centrada na pessoa estaacute sendo reconhecida como um paracircmetro importante na
qualidade assistencial Uma vez que essa proposta de atendimento pressupotildee vaacuterias mudanccedilas
na mentalidade do meacutedico e dos demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo
hieraacuterquica de que o profissional estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta
nessa abordagem Para ser centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a
ela compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que
tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Para Moira Stewart et al (2010) esse eacute o
imperativo moral do meacutetodo centrado na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o
profissional experimentaraacute os novos direcionamentos que o relacionamento pode assumir
quando o poder eacute compartilhado
Em segundo lugar de acordo com Moira Stewart et al (2010) manter uma posiccedilatildeo
sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento humano que
eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o objetivo em
um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)
Quando comparada a modelos tradicionais como apontam esses autores a abordagem
centrada na pessoa apresenta mais resultados positivos tais como
- maior satisfaccedilatildeo das pessoas e meacutedicos
- melhora na aderecircncia aos tratamentos
- reduccedilatildeo de preocupaccedilotildees e ansiedades
- reduccedilatildeo de sintomas
- diminuiccedilatildeo na utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede
- diminuiccedilatildeo das queixas por maacute-praacutetica
- melhora na sauacutede mental
- melhora na situaccedilatildeo fisioloacutegica e na recuperaccedilatildeo de problemas recorrentes
Faz-se importante aqui ressaltar que o modelo tradicional e dominante na praacutetica
meacutedica eacute denominado de ldquomodelo meacutedico convencionalrdquo Moira Stewart et al (2010 p26) A
ampla influencia desse meacutetodo natildeo eacute refutada por ningueacutem mas ele tem sido frequentemente
questionado por simplificar em excesso os problemas da condiccedilatildeo de estar doente Odegard
(1986) e White (1988)
68
Os problemas do modelo meacutedico convencional foram descritos por Engel (1977
p130)
Esse meacutetodo toma por princiacutepio que a doenccedila eacute totalmente explicada
por desvios da norma de variaacuteveis bioloacutegicas (somaacuteticas) que podem
ser medidas Natildeo deixa espaccedilo dentro de sua estrutura para as
dimensotildees sociais psicoloacutegicas e comportamentais da doenccedila O
modelo biomeacutedico natildeo soacute exige que a doenccedila seja tratada apenas
como uma entidade independente do comportamento social mas
tambeacutem que as aberraccedilotildees comportamentais sejam explicadas com
base em processos somaacuteticos (bioquiacutemicos ou neurofisioloacutegicos)
Em 1970 Balint e colaboradores introduziram o termo ldquomedicina centrada no
pacienterdquo que o definiram em oposiccedilatildeo ao termo ldquomedicina centrada na doenccedilardquo
Denominava-se ldquodiagnoacutestico abrangenterdquo ndash o entendimento das queixas com base nas
opiniotildees da proacutepria pessoa e ldquodiagnoacutestico convencionalrdquo - o entendimento baseado na
avaliaccedilatildeo centrada na doenccedila (BROWN WAYNE WESTON MOIRA STEWART p55
2010)
Jaacute o meacutetodo para classificar uma consulta centrada no meacutedico ou na pessoa foi
desenvolvido por Byrne e Long (1984) Para esses autores o conceito de consulta centrada no
meacutedico se aproximava do que outros autores chamam de meacutetodos centrados na ldquodoenccedilardquo
(disease) ou na ldquoexperiecircncia da doenccedilardquo (illness) Uma abordagem de assistecircncia centrada no
meacutedico e outra centrada na pessoa tambeacutem foi descrita por Wright e MacAdam (1979)
O meacutetodo cliacutenico centrado na pessoa descrito de forma resumida nesse capitulo se une
aos trabalhos de Rogers (1961) sobre o aconselhamento centrado no cliente de Balint (1957)
sobre medicina centrada no paciente de Newman e Young (1972) sobre uma abordagem da
pessoa como um todo ao lidar com problemas de enfermagem e da ldquoPraacutetica de Dois Corposrdquo
da Terapia Ocupacional (MOIRA STEWART et al 2010)
Os seis componentes interativos
O meacutetodo propotildee em seus seis componentes interativos um conjunto claro de
orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem mais centrada na pessoa
Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo entre a pessoa e o
profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no contexto dentro do
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qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem Para Moira Stewart et al
(2010) apesar de os componentes serem usados para facilitar o ensino e a pesquisa a praacutetica
cliacutenica centrada na pessoa eacute um conceito holiacutestico no qual os componentes interagem e se
unem de forma uacutenica em cada encontro entre ambos
Como descreve esses autores o primeiro componente eacute utilizado para avaliaccedilatildeo de dois
conceitos de sauacutede debilitada a doenccedila e a experiecircncia da doenccedila Aleacutem de avaliar o processo
de doenccedila atraveacutes da histoacuteria cliacutenica e do exame fiacutesico o profissional de sauacutede procura
ativamente entrar no mundo da pessoa atendida para entender sua experiecircncia uacutenica de estar
doente O profissional avalia especificamente os sentimentos da pessoa a respeito de sua
experiecircncia suas ideacuteias sobre a doenccedila como a doenccedila afeta seu funcionamento e por uacuteltimo
o que ela espera do meacutedico
O segundo componente eacute a integraccedilatildeo dos conceitos de doenccedila e experiecircncia da
doenccedila com o entendimento da pessoa como um todo O que inclui uma consciecircncia dos
muacuteltiplos aspectos da vida da pessoa atendida personalidade histoacuteria de seu
desenvolvimento questotildees do seu ciclo de vida e os muacuteltiplos contextos em que vive
inclusive o ecossistema
Jaacute o terceiro componente eacute a tarefa muacutetua de elaborar um plano conjunto de manejo
dos problemas entre a pessoa atendida e o profissional e tem por foco trecircs aacutereas-chave a
definiccedilatildeo do problema o estabelecimento de metas de tratamento eou manejo da doenccedila e a
identificaccedilatildeo dos papeacuteis a serem assumidos por ambos
Enquanto o quarto componente salienta a importacircncia de se usar cada encontro como
uma oportunidade de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede o quinto componente enfatiza que cada
encontro com a pessoa deve ser usado para desenvolver o relacionamento desta com o
profissional Por meio da compaixatildeo da confianccedila do compartilhamento de poder e da cura
Sendo que para colocar essas habilidades em praacutetica eacute preciso consciecircncia de si mesmo e um
entendimento dos aspectos inconscientes do relacionamento como transferecircncia e
contratransferecircncia
E para finalizar o sexto componente exige que durante todo o processo o profissional
seja realista com o tempo disponiacutevel participe no desenvolvimento da equipe e do trabalho
em equipe e reconheccedila a importacircncia de uma administraccedilatildeo sensata do acesso aos recursos de
sauacutede
Os componentes interativos descritos item por item satildeo assim apresentados por Moira
Stewart et al (2010)
70
1 Explorando a doenccedila e a experiecircncia da pessoa com a doenccedila
- Avaliando a histoacuteria exame fiacutesico exames complementares
- Avaliando a dimensatildeo da doenccedila sentimentos ideacuteias efeitos sobre a funcionalidade e
expectativas da pessoa
2 Entendendo a pessoa como um todo inteira
- A pessoa Sua histoacuteria de vida aspectos pessoais e de desenvolvimento
- Contexto proacuteximo Sua famiacutelia comunidade emprego suporte social
- Contexto distante Sua comunidade cultura ecossistema
3 Elaborando um projeto comum de manejo
- Avaliando quais os problemas e prioridades
- Estabelecendo os objetivos do tratamento e do manejo
- Avaliando e estabelecendo os papeacuteis da pessoa e do profissional de sauacutede
4 Incorporando a prevenccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede
- Melhorias de sauacutede
- Evitando ou reduzindo riscos
- Identificando precocemente os riscos ou doenccedilas
- Reduzindo complicaccedilotildees
5 Fortalecendo a relaccedilatildeo meacutedico-pessoa
- Exercendo a compaixatildeo
- A relaccedilatildeo de poder
- A cura (efeito terapecircutico da relaccedilatildeo)
- O auto-conhecimento
- A transferecircncia e a contratransferecircncia
6 Sendo realista
- Tempo e timing
- Construindo e trabalhando em equipe
- Usando adequadamente os recursos disponiacuteveis
71
5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS
51 Etapas do Estudo
Para subsidiar este estudo na primeira etapa da pesquisa realizei uma revisatildeo de
literatura com pesquisa de publicaccedilotildees no site da Bireme (wwwbiremebr) do periacuteodo de
2004 a 2014 abrangendo as bases de dado SciELO Lilacs IBECS Medline e Biblioteca
Cochrane Como descritores usei os termos ldquoAtenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutederdquo AND ldquoEstrateacutegia
Sauacutede da Famiacuteliardquo AND ldquoSauacutede Mentalrdquo e como filtro as publicaccedilotildees do tipo artigo cujo
assunto principal era ldquoSauacutede Mentalrdquo
Foram encontrados 224 artigos Destes 63 estudos natildeo possuiacuteam o texto completo na
plataforma de busca e por isso foram excluiacutedos Estavam repetidos na listagem gerada pelo
site 46 artigos que foram removidos para evitar duplicidade na consolidaccedilatildeo dos dados Dos
115 artigos restantes 58 foram excluiacutedos por se tratar de artigos natildeo originais experiecircncias
estrangeiras e com abordagem natildeo centrada nos profissionais da ESF nas accedilotildees de sauacutede
mental na APS Dessa forma foram incluiacutedos nesta revisatildeo os estudos que tiveram unidades
de sauacutede baacutesica profissionais da ESF associados ao contexto da Sauacutede Mental bem como os
estudos de revisatildeo de literatura totalizando assim 115 artigos
A revisatildeo revelou que as accedilotildees de sauacutede mental desenvolvidas na atenccedilatildeo primaacuteria natildeo
apresentam uniformidade em sua execuccedilatildeo Coexistindo accedilotildees centradas na terapecircutica
medicamentosa na loacutegica do encaminhamento especializado retratando uma fragmentaccedilatildeo da
atenccedilatildeo e das praacuteticas de promoccedilatildeo da sauacutede ainda muito focalizadas com accedilotildees que apontam
para uma lenta mudanccedila em relaccedilatildeo ao modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede demostrado na perspectiva
da praacutetica interdisciplinar do acolhimento da escuta e do viacutenculo (BEZERRA et al 2014
TEIXEIRA et al 2014 WETZELA et al 2014 ANDRADE et al 2013 MINOZZO et al
2012 CORREIA BARROS COLVERO 2011 NEVES LUCCHESE MUNARI 2010
BUCHELE et al 2006)
Nesse momento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo em sauacutede com importantes
conquistas legais e com a ampliaccedilatildeo crescente que cerca a sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria
estimulada sobretudo pela descentralizaccedilatildeo municipalizaccedilatildeo e territorializaccedilatildeo do seu
cuidado por meio da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) essa revisatildeo tambeacutem revelou a
necessidade de qualificaccedilatildeo dos profissionais que atuam na ESF para realizaccedilatildeo de accedilotildees de
sauacutede mental no territoacuterio integrando os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica com o SUS Pois
os trabalhadores da APS natildeo se sentem instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede
mental (QUINDEREacute et al 2013 CORREIA BARROS COLVERO 2011 SOUZA et al
72
2013 VANNUCHI CARNEIRO JUNIOR 2012 RIBEIRO et al 2010 JUCA NUNES
BARRETO 2009)
A segunda etapa do estudo foi realizada com imersatildeo no campo e realizaccedilatildeo de
entrevistas com os profissionais da ESF como descrito a seguir nesse capiacutetulo
52 Tipo de estudo
Estudo de natureza qualitativa pois atraveacutes da compreensatildeo do discurso dos sujeitos
entrevistados foi possiacutevel chegar aos objetivos que me propus a alcanccedilar e tambeacutem porque a
abordagem qualitativa preocupa-se em abranger e aprofundar ao maacuteximo da realidade e do
universo de significados aspiraccedilotildees crenccedilas valores e atitudes que faz correspondecircncia a um
espaccedilo mais iacutentimo (profundo) das relaccedilotildees dos processos e fenocircmenos humanos (MINAYO
2010)
Trata-se ainda de um estudo do tipo estudo de caso descritivo analiacutetico onde o
pesquisador vai aleacutem da descriccedilatildeo das caracteriacutesticas analisando e explicando o
acontecimento dos fenocircmenos estudados O que ajuda a entender o fenocircmeno descobrindo e
mensurando relaccedilotildees causais entre ele A sua valorizaccedilatildeo estaacute baseada na premissa que os
problemas podem ser resolvidos e as praacuteticas podem ser melhoradas atraveacutes da descriccedilatildeo e
anaacutelise de observaccedilotildees objetivas diretas e das opiniotildees As teacutecnicas utilizadas para a obtenccedilatildeo
de informaccedilotildees satildeo bastante diversas destacando-se os questionaacuterios as entrevistas e as
observaccedilotildees (RICHARDSON 1989)
53 Campo do Estudo
Como jaacute citado anteriormente a cidade do Rio de Janeiro estaacute dividida em 10 (dez)
distritos sanitaacuterios denominados Aacutereas Programaacuteticas (10 21 22 31 32 33 40 51 52
e 53) Por jaacute trabalhar na AP 21 Zona Sul da cidade e participar dos Foacuteruns de Sauacutede Mental
e do Conselho Distrital de Sauacutede que acontecem mensalmente na aacuterea a pesquisadora jaacute tinha
uma aproximaccedilatildeo maior com os vaacuterios atores e dispositivos de sauacutede portanto essa foi a AP
escolhida para realizaccedilatildeo do estudo
Na cidade Rio de Janeiro as unidades de sauacutede da famiacutelia satildeo denominadas lsquocliacutenicas
da famiacuteliarsquo e identificadas como inovadoras e estrateacutegicas para o atual modelo de gestatildeo Com
a opccedilatildeo clara pela ESF como modelo organizador da atenccedilatildeo a Secretaria de Sauacutede do
municiacutepio investiu fortemente na criaccedilatildeo dessas cliacutenicas que se tornaram uma espeacutecie de
lsquocarro-chefersquo da sauacutede no Rio de Janeiro As sedes das cliacutenicas da famiacutelia estatildeo localizadas
em pontos estrateacutegicos dos territoacuterios sob sua responsabilidade (PRATA et al 2017)
73
Nos uacuteltimos cinco anos na AP 21 foram implantadas quatro (04) Cliacutenicas da Famiacutelia
(CF) nas respectivas comunidades Botafogo Copacabana Satildeo Conrado e Rocinha Sendo
que a CF da Rocinha estaacute instalada no mesmo preacutedio do Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial
(CAPS III) esse serviccedilo muito proacuteximo poderia ser um fator facilitador para o manejo dos
ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio
Jaacute as outras trecircs (3) natildeo contavam com um serviccedilo comunitaacuterio de sauacutede mental tatildeo
proacuteximo os dispositivos de apoio matricial via NASF ainda estavam em construccedilatildeo portanto
um campo feacutertil para o estudo Foi realizada uma aproximaccedilatildeo preacutevia com a gerente da CF de
Botafogo onde atuavam trecircs (3) equipes da ESF o que facilitou o acesso da pesquisadora Foi
entatildeo solicitado autorizaccedilatildeo dessa responsaacutevel teacutecnica pela CF para realizaccedilatildeo do estudo
A CF estudada foi inaugurada em 03 de fevereiro de 2009 mas iniciou seu efetivo
funcionamento em 25 de maio de 2009 Situada no bairro de Botafogo Zona Sul da cidade do
Rio de Janeiro Mais precisamente no segundo andar de um preacutedio com trecircs pavimentos em
frente agrave uma praccedila na entrada do Morro Santa Marta Nesse preacutedio no primeiro pavimento
funciona o Centro de Referecircncia de Assistecircncia Social (CRAS) da aacuterea e o Centro de
Convivecircncia Padre Veloso para idosos O segundo pavimento eacute exclusivo da CF conforme
vamos detalhar mais adiante E no terceiro pavimento funciona a direccedilatildeo do CRAS e uma
unidade do SESI que oferece atividades de recreaccedilatildeo aulas de informaacutetica culinaacuteria
biblioteca
A CF estudada eacute uma Unidade BaacutesicaCentro de Sauacutede do tipo A porque todo o
territoacuterio estaacute coberto por equipes de Sauacutede da Famiacutelia Divide o territoacuterio de Botafogo com o
Centro Municipal de Sauacutede Dom Helder Cacircmara Aleacutem de cobrir tambeacutem uma parte do
Humaitaacute (asfalto) e todo o Morro Santa Marta (comunidade) como denominado pelos
profissionais entrevistados A populaccedilatildeo de sua aacuterea de abrangecircncia eacute de 29906 segundo
dados do Censo 2010 Seu horaacuterio de funcionamento eacute estendido de 08hs agraves 20hs facilitando
assim o acesso aos cuidados de sauacutede a todos que deles necessitam
De acordo o sistema de Informaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica ateacute o mecircs de Junho de 2015 o
nuacutemero total de pessoas com cadastro completo (CPF ou Declaraccedilatildeo de Nascido Vivo ndash
DNV) na unidade era de 8346 Com trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia a saber Equipe
Pioneiro Equipe Zumbi dos Palmares e Equipe Dede e duas (2) Equipes de Sauacutede Bucal O
nuacutemero de pessoas cadastradas por equipe respectivamente eacute de 3151 2763 e 2432 sendo a
Equipe Pioneiro com maior nuacutemero de cadastrado e a Equipe Dede menor As duas (2)
Equipes de Sauacutede Bucal se dividem para cobrir as trecircs (3) equipes de Sauacutede da Famiacutelia Em
marccedilo de 2015 a CF recebeu a equipe do Nuacutecleo de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASF)
74
Segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (CNES) em junho
de 2015 o nuacutemero de profissionais que atuavam na unidade era de cinquenta e dois (52) Cada
equipe de sauacutede da famiacutelia conta com dois (2) meacutedicos residentes um (1) enfermeiro um (1)
teacutecnico de enfermagem seis (6) Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) e um (1) Agente de
Vigilacircncia em Sauacutede (AVS) Como a unidade recebe meacutedicos residentes conta com dois (2)
meacutedicos preceptores que se dividem na supervisatildeo das trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia A
equipe de sauacutede bucal eacute composta por um (1) dentista um (1) teacutecnico de sauacutede bucal e (1)
auxiliar de sauacutede bucal A equipe do NASF eacute composta por 1 psicoacuteloga 1 meacutedico psiquiatra
1 fisioterapeuta 1 fonoaudioacuteloga e 1 educador fiacutesico que jaacute atuava na unidade
54 Participantes do Estudo
Profissionais das trecircs equipes da ESF da CF selecionada para o estudo meacutedicos
enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede Natildeo entrevistamos a
equipe de sauacutede bucal e nem os Agentes de Vigilacircncia em Sauacutede pois esses profissionais natildeo
fazem parte da equipe miacutenima embora participem das accedilotildees comunitaacuterias e educativas seu
nuacutecleo de atuaccedilatildeo eacute mais especifico natildeo envolvendo diretamente os cuidados com os ldquocasosrdquo
de sauacutede mental Assim como natildeo entrevistamos a equipe do NASF porque estes
profissionais possuem a expertise da aacuterea Sauacutede MentalAtenccedilatildeo PsicossocialPsiquiatria natildeo
preenchendo os criteacuterios de participaccedilatildeo para o estudo Portanto foram entrevistados vinte e
dois (22) profissionais nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5) meacutedicos residentes
trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores
Os criteacuterios de inclusatildeo foram 1) Querer participar do estudo2) Ser membro da equipe
miacutenima da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia selecionada para o estudo haacute no miacutenimo seis (6) meses
E os criteacuterio de exclusatildeo foram1) Estar de feacuterias ou qualquer outro tipo de afastamento
durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da coleta de dados da pesquisa 2) Natildeo se dispor a participar
do estudo 3) Ser membro da equipe da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia eleita para o estudo haacute
menos de seis (6) meses
55 Procedimento para coleta dos dados
A coleta de dados incluiu dois instrumentos 1) observaccedilatildeo sistematizada do cotidiano
do serviccedilo cujos os dados foram registrados em um diaacuterio de campo e serviu como
complemento das entrevistas semi-estruturadas e da contextualizaccedilatildeo do campo Natildeo foi
observada nenhuma atividade que implicasse na relaccedilatildeo profissionalusuaacuterio e sim a estrutura
fiacutesica do serviccedilo ndash nuacutemero de salas para atendimento sala de espera espaccedilos de convivecircncia
75
para usuaacuterios e profissionais acessibilidade do serviccedilo e visibilidade (placas de identificaccedilatildeo)
2) entrevistas semi-estruturadas com os profissionais da ESF e desenvolvidas por meio de um
guia de questotildees norteadoras que foram gravadas em aacuteudio e transcritas com a anuecircncia de
cada entrevistado respeitando os princiacutepios eacuteticos postulados na Resoluccedilatildeo 4662012 do
Conselho Nacional de Sauacutede
O roteiro de entrevista com as questotildees norteadoras constituiu-se de duas partes uma
estruturada para caracterizaccedilatildeo dos sujeitos entrevistados (nome idade sexo estado civil
natural de onde formaccedilatildeo quanto tempo de formado quanto tempo na ESF) e outra semi-
estruturada com perguntas disparadoras visando estimular o entrevistado a falar sobre seu
trabalho na ESF e o que considera como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea
ao inveacutes de fazer perguntas diretas Tendo como ponto relevante dessas questotildees disparadoras
o tempo a escolha a forma as limitaccedilotildees do trabalho na ESF e depois o que entende como
lida e trabalha com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental
56 Forma de Anaacutelise dos dados
Foi realizada utilizando a teacutecnica de Anaacutelise do Discurso uma proposta de reflexatildeo
sobre a linguagem o sujeito a histoacuteria e a ideologia A Escola Francesa de Anaacutelise de
Discurso foi fundada na deacutecada de 1960 por Michel Pecirccheux filosofo francecircs e esta teacutecnica
de anaacutelise foi introduzida no Brasil na deacutecada de 80 e 90 por Eni P Orlandi
A Anaacutelise do Discurso como seu proacuteprio nome indica trata do sentido do discurso E
a ldquopalavra discurso etimologicamente tem em si a ideia de curso de percurso de correr por
de movimento O discurso eacute assim palavra em movimento praacutetica de linguagem com o
estudo do discurso observa-se o homem falandordquo Orlandi (2013 p20) Pois eacute a partir do
processo histoacuterico social e subjetivo de cada sujeito que os discursos satildeo construiacutedos
Reunindo estrutura e acontecimento a forma material eacute vista como o acontecimento do
significante (a liacutengua) em um sujeito afetado pela histoacuteria
A Anaacutelise do Discurso eacute entatildeo constituiacuteda por trecircs domiacutenios disciplinares a
Linguumliacutestica (natildeo transparecircncia da linguagem) o Marxismo (materialismo histoacuterico e
ideologia) e a Psicanaacutelise (desloca a noccedilatildeo de homem para sujeito e traz a noccedilatildeo do
inconsciente) O sujeito discursivo funciona entatildeo pelo inconsciente e pela ideologia Orlandi
(2000)
ldquoAs palavras simples do nosso cotidiano jaacute chegam ateacute noacutes carregadas de sentidos que
natildeo sabemos como se constituiacuteram e que no entanto significam para noacutes e em noacutesrdquo
(ORLANDI 2000 p 83)
76
Portanto o discurso produzido pela fala sempre teraacute relaccedilatildeo com o contexto soacutecio
histoacuterico ldquoTodo dizer eacute ideologicamente marcadordquo (ORLANDI 2000 p38)
A ideologia eacute entendida como o posicionamento do sujeito quando se filia a um
discurso sendo o processo de constituiccedilatildeo do imaginaacuterio que estaacute no inconsciente ou seja o
sistema de ideias que constitui a representaccedilatildeo a histoacuteria representa o contexto soacutecio histoacuterico
e a linguagem eacute a materialidade do texto gerando ldquopistasrdquo do sentido que o sujeito pretende
dar Logo na Anaacutelise do Discurso a linguagem vai aleacutem do texto trazendo sentidos preacute-
construiacutedos que satildeo ecos da memoacuteria do dizer (CAREGNATO e MUTTI 2006)
Por meio da teacutecnica de entrevista utilizei questotildees mais abertas o que tornou possiacutevel
disparar o sujeito discursivo de forma a analisar o que ele dizia Anaacutelise essa que tentei extrair
a essecircncia do discurso desse sujeito com o exerciacutecio contiacutenuo de me despir dos valores
pessoais enquanto pesquisadora E procurei imergir ao maacuteximo na fala desse sujeito o que
ela trazia de sentido para ele considerando sua subjetividade sua crenccedila seus valores e o
contexto no qual estava inserido
Sem cair na ilusatildeo de que o analista eacute consciente de tudo a contribuiccedilatildeo da Anaacutelise do
Discurso eacute o exerciacutecio permanente de reflexatildeo permitindo dessa forma uma relaccedilatildeo menos
ingecircnua com a linguagem e a consciecircncia de que ldquotodo discurso eacute incompleto sem iniacutecio
absoluto nem ponto final definitivordquo (ORLANDI 2013 p16)
Devendo o analista buscar os efeitos de sentido e para isso eacute necessaacuterio sair do
enunciado e chegar ao enunciaacutevel atraveacutes da interpretaccedilatildeo
Para Minayo (2010 p 322) ldquotodo discurso eacute referidor e referido dialoga com outros
discursos e se produz no interior das instituiccedilotildees e grupos que determinam quem fala o que
fala e como fala e em que momento falardquo Portanto todo o movimento que acontece no
interior do discurso eacute ao mesmo tempo o processo o produto e ponto central da significaccedilatildeo
a ser compreendido na anaacutelise do texto
Todo texto eacute carregado de ideologia e pode determinar a relaccedilatildeo entre quem fala e
quem ouve caracterizando sua inserccedilatildeo discursiva Haacute dois pressupostos baacutesicos segundo
Pecirccheux
1 O sentido de uma palavra de uma expressatildeo ou de uma proposiccedilatildeo natildeo existe em si
mesmo Ao contraacuterio expressa posiccedilotildees ideoloacutegicas em jogo no processo soacutecio-
histoacuterico no qual as formas de relaccedilatildeo satildeo produzidas
2 Toda formaccedilatildeo discursiva dissimula pela pretensatildeo da transparecircncia sua dependecircncia
de formaccedilotildees ideoloacutegicas
77
Para natildeo concluir faz-se relevante destacar como propotildeem Caregnato e Mutti (2006)
que a Anaacutelise do Discurso trabalha com o sentido sendo o discurso heterogecircneo marcado pela
histoacuteria e ideologia a Anaacutelise do Discurso entende que natildeo iraacute descobrir nada novo apenas
faraacute uma nova interpretaccedilatildeo ou uma re-leitura outro aspecto ressaltado pelas autoras eacute que a
Anaacutelise do Discurso mostra como o discurso funciona natildeo tendo a pretensatildeo de dizer o que eacute
certo ou errado porque isso natildeo estaacute em julgamento
57 Aspectos Eacuteticos
O presente projeto de pesquisa foi submetido aos Comitecircs de Eacutetica da Escola Nacional
de Sauacutede Puacuteblica da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz CAEE (43999015000005240) e da Prefeitura
Municipal do Rio de Janeiro CAEE (43999015030015279) apoacutes contato e autorizaccedilatildeo do
responsaacutevel teacutecnico da unidade de sauacutede eleita para o estudo
Foram considerados os riscos de constrangimento durante as entrevistas sendo
sugerido uma pausa ou retorno em outro momento Para natildeo identificaccedilatildeo dos profissionais
participantes da pesquisa foi realizada uma anaacutelise em conjunto impossibilitando assim
atribuiccedilatildeo individual aos depoimentos
Os benefiacutecios do estudo poderatildeo ser a reflexatildeo dos profissionais sobre o proacuteprio
processo de trabalho estimulando o processo de educaccedilatildeo permanente na unidade estudada e
contribuiccedilatildeo para o conhecimento da aacuterea de Sauacutede Mental na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede tatildeo
importante e tatildeo caro para consolidaccedilatildeo das Reformas Sanitaacuteria e Psiquiaacutetrica
78
6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
61 Descrevendo o campo
As observaccedilotildees ora descritas foram colhidas por meio do diaacuterio de campo e obedeceu uma
sistematizaccedilatildeo dos dados coletados dando ecircnfase principalmente a estrutura fiacutesica do local e a
dinacircmica da equipe
Durante o periacuteodo do trabalho de campo que foi de 4 (quatro) meses participei das
reuniotildees de cada equipe que aconteciam uma vez por semana Espaccedilo esse em que toda a
equipe (meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem agentes comunitaacuterios de
sauacutede profissionais da equipe de sauacutede bucal e agentes de vigilacircncia sanitaacuteria) se reuniam
para fazer um balanccedilo da semana discutir os casos mais emblemaacuteticos os possiacuteveis
encaminhamentos as accedilotildees educativas com campanhas nas escolas e na comunidade Assim
como eram distribuiacutedos aos agentes comunitaacuterios de sauacutede as marcaccedilotildees e resultados de
exames para entrega em sua respectiva micro aacuterea O meacutedico preceptor por vezes participava
desse momento ora com uma funccedilatildeo mais pedagoacutegica trazendo explicaccedilotildees sobre
determinados assuntos ora com uma funccedilatildeo mais de gestatildeo cobrando objetivosmetas a
alcanccedilar e apontando possiacuteveis pendencias da equipe
Observei que esse eacute um lugar em que toda a equipe sem exceccedilatildeo tem poder de
vocalizaccedilatildeo claro que uns mais tiacutemidos outros mais falantes principalmente por parte dos
agentes comunitaacuterios de sauacutede Onde todos os membros da equipe tecircm a oportunidade de
trazer determinada dificuldade de abordagem ou manejo de algum caso especifico ou de
determinada accedilatildeo na comunidade e efetivamente haacute uma discussatildeo em equipe Embora
aconteccedila de alguma decisatildeo ou palavra final ainda ser endereccedilada ao profissional meacutedico seja
ele residente preceptor ou no ldquocasordquo de sauacutede mental ao psiquiatra O que nos leva a refletir
sobre o quanto o modelo biomeacutedico ainda estaacute presente nos espaccedilos da sauacutede da famiacutelia que
deveria ser um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede com abordagens e decisotildees mais coletivas e
multiprofissionais
Quanto a estrutura fiacutesica do local onde funciona a Cliacutenica da Famiacutelia estudada agrave eacutepoca
da coleta de dados havia uma placa de sinalizaccedilatildeo grande com o nome da cliacutenica do lado de
fora da fachada preacutedio mas era necessaacuterio olhar para cima para visualizar Na entrada mesmo
do preacutedio natildeo havia nenhuma informaccedilatildeosinalizaccedilatildeo de que a CF funcionava no segundo
andar eu mesma na primeira visita precisei pedir informaccedilatildeo ao guarda do primeiro andar O
acesso ao segundo pavimento consequentemente agrave CF era exclusivamente de escada com
corrimatildeo eram dois lances natildeo havia rampa de acesso ou elevador muito menos barras de
79
apoio banheiro adaptado ou portas mais largas para pessoas com deficiecircncia O que jaacute causou
alguns transtornos e constrangimentos no atendimento de pessoas idosas eou cadeirantes
segundo relatos dos profissionais durante as minhas visitas
As instalaccedilotildees da CF eram compostas por 01 hall para acolhimento (com 3 baias de
atendimento sendo uma para cada equipe e cadeiras para usuaacuterios) 7 consultoacuterios para
atendimento meacutedico e enfermagem 1 consultoacuterio para Sauacutede Bucal onde na entrada se
localizava o escovaacuterio com 3 pias para escovaccedilatildeo de adulto e 1 pia para crianccedila 1 sala para
farmaacutecia (dividida para dispensaccedilatildeo de medicaccedilatildeo aos usuaacuterios e estoque) 1 sala de reuniatildeo
1 sala da administraccedilatildeo 1 sala para agentes comunitaacuterios de sauacutede 1 sala de imunizaccedilatildeo 1
sala de coleta de sangueprocedimentos 1 sala de curativo 1 sala de esterilizaccedilatildeo 1 sala de
expurgo 1 banheiro feminino com 1 pia e dois vasos sanitaacuterios e 1 banheiro masculino
tambeacutem composto por uma 1 pia e dois vasos sanitaacuterios ambos de uso comum para
profissionais e usuaacuterios
A iluminaccedilatildeo e ventilaccedilatildeo na CF eram adequadas Todas as salas consultoacuterios
possuiacuteam ar-condicionado e estavam funcionando agrave eacutepoca da minha visita de ambiecircncia e
coleta dados As janelas eram de vidro e com persianas claras facilitando a luminosidade
natural Embora as salas estivessem devidamente identificadas com placas nas portas
indicando os serviccedilos faltava melhorar a sinalizaccedilatildeo de acesso agraves essas salas como por
exemplo com setas indicativas
O hall do acolhimento como era uma aacuterea aberta natildeo possuiacutea ar-condicionado mas
tinha ventiladores e janelas Existiam 02 bebedouros (um mais baixo proacuteximo na entrada do
banheiro feminino) e outro mais alto (ao lado das baias de atendimento do acolhimento) Todo
o piso da unidade era antiderrapante as paredes e os acabamentos com superfiacutecie lisa A
limpeza em geral era satisfatoacuteria deixando a desejar nos banheiros talvez pelo grande fluxo
de uso como jaacute mencionado anteriormente servia a usuaacuterios e profissionais
Cada consultoacuterio como padratildeo possuiacutea 1 mesa ginecoloacutegica 1 biombo 1 reacutegua
antropomeacutetrica 1 balanccedila pediaacutetrica 1 sonar 1 balanccedila adulto 1 mesa e 1 cadeira para o
profissional 2 cadeiras para os usuaacuterios 1 computador e 1 impressora Faz-se importante
destacar que todos os prontuaacuterios eram informatizados Na sala de imunizaccedilatildeo havia 01
cacircmara fria para conservaccedilatildeo dos imunobioloacutegicos 1 geladeira comum 1 pia grande com
torneira 1 mesa 1 dispensador de perfuro-cortante 1 computador 1 maca para crianccedila 2
cadeiras Na sala de curativo tinha um reservatoacuterio com torneira corrente para lavagem das
feridas 1 mesa 2 cadeiras armaacuterio para armazenamento do material lixeira para material
bioloacutegico Na sala de coleta tambeacutem havia 1 mesa 4 cadeiras com braccediladeira armaacuterios para
80
guarda do material 1 dispensador de perfuro-cortante Na sala de reuniotildees existiam duas
mesas grandes vaacuterias cadeiras e 2 armaacuterios onde a fisioterapeuta o educador fiacutesico e grupo
de artesanato guardavam o material
Gostaria de dar uma ecircnfase especial a sala dos agentes comunitaacuterios onde encontrava-
se uma mesa redonda meacutedia com 5 cadeiras 3 computadores (1 por equipe ndash no ato da visita
de ambientaccedilatildeo uma ACS fez questatildeo de falar que era muito pouco 01 computador para 06
ACS) 1 quadro de aviso 2 armaacuterios com arquivos ao final tinha uma geladeira para
armazenamento de leito materno pois a unidade fazia parte do ldquoPrograma Amiga da
Amamentaccedilatildeordquo recolhendo o leite e enviando para as maternidades E tambeacutem uma mesa
pequena onde era feito o cafeacute servindo portanto como um local de ponto de encontro e
almoccedilo para toda a equipe natildeo soacute para os agentes comunitaacuterios de sauacutede uma vez que a
unidade natildeo tinha um espaccedilo para refeitoacuterio
De acordo com o Manual de Estrutura Fiacutesica das unidades baacutesicas de sauacutedesauacutede da
Famiacutelia (2008) o ambiente de apoio deve ter copacozinha e banheiro para funcionaacuterios
ambos ausentes na unidade estudada No ambiente de atendimento cliacutenico natildeo foi observado
uma sala de nebulizaccedilatildeo e na parte estrutural natildeo havia rampas de acesso ou elevador para
pessoas portadoras de deficiecircncia especial nem mesmo qualquer aparato (banheiro especial
barras de proteccedilatildeo porta mais largas bebedouro mais baixo) para esse grupo de pessoas como
recomenda o referido manual
A Cliacutenica da Famiacutelia estudada natildeo estava equipada com laboratoacuterio os exames eram
colhidos e enviados para um laboratoacuterio terceirizado que presta serviccedilo ao municiacutepio assim
como natildeo dispunha de aparelho de raio X nem de ecografia Mas possuiacutea prontuaacuterio
eletrocircnico computador com acesso agrave internet a conexatildeo agraves vezes lenta foi inclusive uma
das queixas dos profissionais durante as entrevistas A proposta tal como apresentada pela
gestatildeo municipal de sauacutede seria qualificar a atenccedilatildeo oferecendo infraestrutura sofisticada
(ambiecircncia conforto e sustentabilidade) adequadamente equipada e com ofertas de
procedimentos (exames laboratoriais raios X ecografia entre outros) aleacutem de inovaccedilotildees
tecnoloacutegicas (Observatoacuterio de Tecnologia de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Sistemas e
Serviccedilos de Sauacutede prontuaacuterio eletrocircnico acesso agrave internet e rede wi-fi) dentre outras
caracteriacutesticas (RIO DE JANEIRO 2012)
Na Cliacutenica da Famiacutelia aconteciam algumas atividades em grupo muito citadas durante
as entrevistas ldquoGrupo de Artesanatordquo ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo e ldquoCafeacute com
Especialistardquo
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O ldquoGrupo de Artesanatordquo era coordenado por uma enfermeira acontecia
semanalmente todas agraves 5ordf feiras no periacuteodo da tarde com duraccedilatildeo de 2 horas No iniacutecio a
proposta era produzir algum produto muitas idosas com habilidades manuais e artiacutesticas se
voluntariaram a participar Depois com o desenrolar do grupo passou a ser tambeacutem um
espaccedilo de convivecircncia para conversar e trocar experiecircncias
A ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo tambeacutem acontecia semanalmente agraves 4ordf feiras no
periacuteodo da noite facilitando o acesso a quem trabalhava durante o dia e com tempo de
duraccedilatildeo em meacutedia de 1 hora Era coordenada por dois voluntaacuterios (um meacutedico que foi RMFC
da proacutepria cliacutenica e uma psicoacuteloga) Tive a oportunidade de participar de uma sessatildeo achei
muito interessante Eram feitos alguns acordos para participaccedilatildeo Falar em 1ordf pessoa ndash ldquoeurdquo
sou sujeito da minha proacutepria e natildeo dar conselhos No iniacutecio da sessatildeo teve alguns movimentos
de relaxamento do corpo logo depois veio o momento de celebraccedilatildeo onde os participantes
falavam algo que tenha acontecido de especial durante a semana e depois algo que havia
deixado os participantes para baixo Esse uacuteltimo era apresentado em forma de manchete
como se fosse um noticiaacuterio e a mais votada era eleita para aprofundamento onde todos os
participantes tinham a oportunidade de falar sobre o processo de identificaccedilatildeo e mecanismos
de enfrentamento
O ldquoCafeacute com especialistardquo de iniacutecio seria ldquoCafeacute com psiquiatrardquo depois a equipe
repensou esse nome uma vez que poderia se tornar um espaccedilo para consultas de psiquiatria e
pegar receitas controladas Pois a proposta era justamente o inverso um espaccedilo para repensar
junto com os usuaacuterios o uso de psicofaacutermacos de longa data A proposta foi feita pelo
psiquiatra junto com as trecircs equipes pois na unidade havia um programa na farmaacutecia que
gerenciava por nome os usuaacuterios que faziam uso de psicofaacutermacos onde constavam nome do
usuaacuterio nome do meacutedico nome do medicamento posologia quantidade dispensada data
retorno e observaccedilotildees Facilitando assim principalmente aos meacutedicos das equipes o
conhecimento desses usuaacuterios de forma a racionalizar o uso desses psicofaacutermacos pois a
utilizaccedilatildeo destes por meacutedicos generalistas eacute um toacutepico importante na estruturaccedilatildeo de uma
atenccedilatildeo em sauacutede mental de qualidade com atitudes menos prescritivas
Assim os psicofaacutermacos devem ser utilizados preferencialmente em conjunto com
outros tipos de intervenccedilotildees terapecircuticas sendo ofertados apoio e cuidado de outras formas
aleacutem do uso de medicamentos em especial de benzodiazepiacutenicos Nesse sentido o
acolhimento e a escuta estruturam espaccedilos de reorganizaccedilatildeo e soluccedilatildeo de problemas que
contribuem para uma melhora efetiva por meio da compreensatildeo do sujeito em sua forma
proacutepria de organizar a vida e seu universo simboacutelico
82
O projeto de Acompanhamento Farmacoterapecircutico (AFT) em Sauacutede Mental nos Centros
Municipais de Sauacutede (CMS) e Cliacutenicas da Famiacutelia (CF) no municiacutepio do Rio de Janeiro visa a
melhora no serviccedilo prestado aos usuaacuterios envolvendo o mesmo em seu projeto terapecircutico
singular contribuindo para o sucesso terapecircutico e pessoal por meio de uma maior integraccedilatildeo
entre o profissional farmacecircutico e os profissionais da ESF (OLIVEIRA SILVA DIAS
2014)
62 Anaacutelise das entrevistas
Consideraccedilotildees introdutoacuterias
As entrevistas foram transcritas obedecendo ao seguinte esquema de transcriccedilatildeo
1) o uso de reticecircncias entre parecircnteses () para demarcar uma pausa longa
2) o sublinhado para ecircnfase e MAIUacuteSCULAS para muita ecircnfase
3) o siacutembolo igual = para sinalizar que natildeo houve pausa na fala
4) o siacutembolo barra foi usado para demonstrar falas justapostas
5) o termo entrevistadora foi identificado pela letra e minuacutescula
6) os profissionais entrevistados (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes enfermeiros
teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede) foram identificados por nomes
fictiacutecios
As anaacutelises das entrevistas tal como proposta na AD incluiacuteram a discussatildeo de cada
uma das formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela triangulaccedilatildeo do que
foi dito pelos entrevistados da teoria que fundamentou o texto e das minhas consideraccedilotildees
sobre o tema estudado Assim me reportarei agraves falas dos entrevistados com intuito de
apreender seus significados e produzir deslizamentos de sentido
Nesse processo de anaacutelise identifiquei os NUacuteCLEOS DISCURSIVOS
SIGNIFICANTES no qual articulamos simultaneamente ao todo e as singularidades das falas
de onde emergiram os GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais) compreensatildeo e
percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental e manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mental
Os nuacutecleos discursivos significantes que foram a essecircncia das anaacutelises constituiacuteram as
formaccedilotildees discursivas tal como descritas por Foucault (1970) Segundo o autor haacute processos
internos de controle do discurso que se datildeo a tiacutetulo de princiacutepios de classificaccedilatildeo de
ordenaccedilatildeo de distribuiccedilatildeo visando domesticar a dimensatildeo de acontecimento e de acaso do
discurso normatizando-o Em noccedilotildees como as de comentaacuterio de disciplina e na de autor
83
pode-se observar tal controle ldquoEssas noccedilotildees tem um papel multiplicador mas tecircm tambeacutem
funccedilatildeo restritiva e coercitivardquo (ORLANDI 2015 p73)
Foram realizadas vinte e quatro (24) entrevistas sendo que duas (02) foram
descartadas por natildeo se incluiacuterem nos criteacuterios de inclusatildeo o que reduziu o total de entrevistas
analisadas para vinte e duas (22) a saber nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5)
meacutedicos residentes trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos
preceptores
De acordo com os profissionais entrevistados identifiquei 05 (cinco) niacuteveis de
discurso meacutedicos receptores meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e
agentes comunitaacuterios de sauacutede estes uacuteltimos por ser constituiacuterem uma categoria situada
entre a comunidade e os profissionais de sauacutede possuem um olhar diferenciado sobre o
processo sauacutede-doenccedila natildeo marcado pelo saber biomeacutedico o que pocircde ser verificado na
anaacutelise das entrevistas
Por serem as entrevistas semi-estruturadas apresento de iniacutecio os resultados das
questotildees relacionadas agraves perguntas fechadas caracterizando nuacutemero de profissionais
entrevistados sexo idade estado ciacutevel naturalidade formaccedilatildeo profissional tempo de
formaccedilatildeo tempo de atuaccedilatildeo na ESF e treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede
mental conforme descrito a seguir
Meacutedicos preceptores (02 - Abel e Bartolomeu) ambos do sexo masculino com
idade entre 28 e 36 anos estado civil - (01) casado e (01) solteiro ambos naturais do Rio de
Janeiro e com especializaccedilatildeo em Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) tempo de formaccedilatildeo de 4 e 10 anos e tempo
de atuaccedilatildeo na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia de 3 a 8 anos e 6 meses Relataram treinamento
especifico para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental seja por cursos como o Babel ou
durante a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade Ressalto que (01) meacutedico
preceptor declarou que atua na CF estudada desde a sua inauguraccedilatildeo tambeacutem declarou ser um
colaborador na disciplina de formaccedilatildeo em sauacutede mental com discussatildeo de casos no Programa
da Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro
Meacutedicos residentes (05 - Acaacutecio Betino Braacuteulio Cesaacuterio e Accedilucena) idade
entre 27 e 29 anos (04) sexo masculino e (1) do sexo feminino estado civil todos (05)
solteiros naturalidade (01) Rio de Janeiro (01) Satildeo Paulo (01) Goiaacutes (01) Minas Gerais e
(01) Macapaacute o que deu um panorama de como a Residecircncia de MFC da Prefeitura do Rio de
Janeiro estaacute sendo procurada por meacutedicos de outros estados O tempo de formaccedilatildeo destes
meacutedicos variou de 1 ano e 8 meses a 4 anos Apenas (01) entrevistado declarou jaacute ter uma
84
especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia com duraccedilatildeo de 12 meses que inclusive o motivou a
buscar a residecircncia em MFC Os outros (04) meacutedicos residentes declararam estar em processo
formativo O tempo de atuaccedilatildeo na ESF variou de 1 ano e 6 meses a 4 anos pois (03)
entrevistados informaram que jaacute tinham trabalhado na ESF como primeiro emprego depois de
formado antes de iniciar o curso de residecircncia (03) meacutedicos residentes declaram que estavam
tendo durante o curso de residecircncia aulas e matriciamento para lidar com as questotildees de sauacutede
mental (01) informou que estava tendo parcialmente no Curso de Residecircncia e (01) declarou
que oficialmente natildeo teve nenhum treinamento em sauacutede mental mas que durante a sua
graduaccedilatildeo por iniciativa proacutepria procurou estaacutegio em sauacutede mental na rede extra-hospitalar
(CAPS em suas modalidades adulto infantil e aacutelcool e drogas)
Enfermeiros (03 - Aacutedila Clemecircncia Claudemiro) idade entre 27 e 40 anos (02)
sexo feminino e (01) sexo masculino estado civil (01) casado e (02) solteiros (02) naturais do
Rio de Janeiro e (01) Santa Catarina estado civil (01) casado e (02) solteiros O tempo de
formaccedilatildeo variou entre de 3 anos e 6 meses a 8 anos Apenas (01) entrevistada informou ter
residecircncia em Medicina de Famiacutelia os outros dois (01) tem poacutes-graduaccedilatildeo em Terapia
Intensiva e Enfermagem do Trabalho e (01) em Promoccedilatildeo da Sauacutede O tempo de atuaccedilatildeo na
ESF variou entre 3 anos e 6 meses a 6 anos sendo que uma entrevistada estava na CF
estudada desde a sua inauguraccedilatildeo (02) entrevistados declararam jaacute ter tido treinamento para
lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos fizeram o curso BABEL que agrave eacutepoca foi uma
parceria entre a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Prefeitura do Rio de
Janeiro e (01) informou natildeo ter tido nenhum treinamento Ressalto que (01) profissional
informou ser morador da aacuterea onde trabalha
Teacutecnicos de enfermagem (03 - Daacutercio Eliseu e Felismina) idade entre 33 e 36
anos (02) sexo masculino e (01) do sexo feminino estado civil (02) solteiros e (01) casado
todos (03) naturais do Rio de Janeiro O tempo de formaccedilatildeo variou entre 2 anos e 6 meses a
10 anos O tempo de atuaccedilatildeo na ESF entre 2 anos e 6 meses a 5 anos (02) destes profissionais
informaram jaacute terem tido treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos
citaram o Curso Caminhos do Cuidado parceria da Fiocruz (RJ) por meio do Instituto de
Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo Cientiacutefica e Tecnoloacutegica (ICICT) do Grupo Hospitalar
Conceiccedilatildeo (RS) da Rede de Escolas Teacutecnicas do SUS e do Ministeacuterio da Sauacutede e (01)
declarou natildeo ter tido nenhuma treinamento Aqui tambeacutem cabe informar que todos (03)
teacutecnicos de enfermagem declaram serem moradores da aacuterea onde trabalham
Agentes comunitaacuterios de sauacutede (09 - Geneacutesia Heda Hebe Iana Jacobina
Kiara Lana Marcilene e Nateacutercia) sendo todos do sexo feminino idades entre 26 e 40
85
anos (05) casadas e (04) solteiras (06) naturais do Rio de Janeiro (01) Paraiacuteba (01)
Maranhatildeo e (01)Minas Gerais tempo de formaccedilatildeo entre 1 ano e 6 meses a 6 anos e tempo de
atuaccedilatildeo na ESF entre 1 ano e 5 meses a 6 anos (08) relataram treinamento para lidar com as
questotildees de Sauacutede mental como apoio dos meacutedicos da Cliacutenica da Famiacutelia e do NASF cursos
como ldquoCaminhos do Cuidadordquo e ldquoReduccedilatildeo de Danosrdquo assim como outros cursos e
capacitaccedilotildees pelo proacuteprio serviccedilo via OTICS - rede criada a partir da expansatildeo da APS que
proporciona todo um suporte fiacutesico e tecnoloacutegico como auditoacuterios bibliotecas laboratoacuterios de
informaacutetica para qualificaccedilatildeo de profissionais e para avaliaccedilatildeo de indicadores da APS
(RJSMSDC 2012) Participaram tambeacutem de algumas palestras Elogiaram muito o curso
ldquoCaminhos do Cuidadordquo
A motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF para os profissionais de niacutevel superior preceptores
meacutedicos residentes meacutedicos e enfermeiros apareceu como uma alternativa ao modelo
biomeacutedico tradicional como podemos observar nas falas
Esse trabalho eacute realmente mais efetivo do que aquilo que a gente vinha aprendendo
na faculdade aquela coisa da hiperespecializaccedilatildeo (Acaacutecio)
Gosto muito de ter esse olhar mais ampliado natildeo soacute para o indiviacuteduo mas para a
famiacutelia (Bartolomeu)
Principalmente a enfermagem () acho que tem um campo de atuaccedilatildeo bem amplo ()
a gente natildeo fica soacute restrito ao cuidado no sentido de como eacute no hospital cuidar do paciente
administrar medicamento fazer rotina () acaba que eacute bem mais complexo porque tem que
entender de tudo natildeo deixa a gente cair na rotina e a gente estaacute cada vez mais aprendendo
(Claudemiro)
Enquanto que para os teacutecnicos de enfermagem e ACSs as motivaccedilotildees foram a
oportunidade de emprego e a ajuda ao proacuteximo com a oportunidade de fazer algo pela
vizinhanccedila e pela Comunidade todos satildeo moradores da comunidade como eles mesmos
denominaram
Sou cria da comunidade a gente taacute sempre querendo ajudar o proacuteximo (Daacutercio)
Foi meu primeiro emprego na aacuterea da sauacutede (Felismina)
Uma oportunidade eu natildeo estava trabalhandoestou na minha comunidade conheccedilo
muita gente e achei que iria conseguir fazer alguma coisa boa (Geneacutesia)
Eu moro na comunidade eu vou conhecer meus vizinhos e vou poder trabalhar com
eles (Heda)
Eu estava desempregada uma oportunidade de trabalhar dentro da comunidade
(Hebe)
86
Em relaccedilatildeo as entrevistas abertas aprofundadas com perguntas disparadoras que tiveram
como objetivo estimular o entrevistado a falar sobre seu trabalho na ESF e o que considera
como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea e livre os pontos relevantes dessas
perguntas foram 1 Motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF 2 Caracteriacutesticas do trabalho na ESF
3 Importacircncia da ESF no sistema de sauacutede 4 O que entende como lida e maneja os ldquocasosrdquo
de sauacutede mental e 5 Recomendaccedilotildees para melhorar a atenccedilatildeo na ESF e a atenccedilatildeo em sauacutede
mental na ESF
As entrevistas transcorreram com tranquilidade no proacuteprio serviccedilo sempre durante o
seu horaacuterio de funcionamento Os meacutedicos residentes foram os primeiros a manifestarem
interesse em participar do estudo seguidos pelos meacutedicos preceptores enfermeiros e teacutecnicos
de enfermagem Jaacute os ACSs manifestaram resistecircncia em participar do estudo com
expressotildees como eu natildeo gosto muito de falar natildeo sei falar Enquanto pesquisadora tentei ao
maacuteximo minimizar essa resistecircncia mas deixando-os bem agrave vontade a participarem ou natildeo do
estudo Frisando sempre a importacircncia da pesquisa da participaccedilatildeo deles que era voluntaacuteria e
a garantia do anonimato Mas dos (18) ACSs lotados na Unidade pesquisada somente (09)
aceitaram participar do estudo
Durante a minha estada no serviccedilo por aproximadamente quatro (4) meses transitei
livremente participei das reuniotildees semanais de cada equipe ateacute mesmo para apresentar o
projeto de pesquisa conhecer os integrantes de cada equipe e a dinacircmica de trabalho na ESF
Esse foi um periacuteodo muito enriquecedor antes da realizaccedilatildeo das entrevistas Procurei agendar
as entrevistas durante essas reuniotildees de equipe com os profissionais interessados colocando-
me agrave disposiccedilatildeo do horaacuterio dos mesmos para natildeo interferir no cotidiano do serviccedilo
Eacute importante dizer que desde a primeira visita todos os profissionais da unidade foram
muito receptivos ao estudo desde da gerente ao pessoal administrativo e de apoio Alguns
trabalhadores declararam entender a temaacutetica dessa pesquisa como deveras importante para o
momento atual de expansatildeo da capilaridade das accedilotildees de sauacutede por meio da ESF nos
territoacuterios incluindo as accedilotildees de sauacutede mental Muitos profissionais se dirigiram gentilmente
a mim e disseram que a pesquisa soacute podia ajudaacute-los pois tinham muitos ldquocasosrdquo de sauacutede
mental na sua aacuterea
Ressalto mais uma vez que a unidade estudada era campo de praacutetica para os meacutedicos
residentes de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de
Janeiro e eram esses residentes que estavam ligados diretamente agrave assistecircncia da populaccedilatildeo O
que lhe dar uma caracteriacutestica bem peculiar meacutedicos que estavam ali em formaccedilatildeo e com
87
desejo de estarem nesse lugar mas eram temporaacuterios permaneciam por 2 (dois) anos tempo
de formaccedilatildeo do curso de residecircncia
Segundo Justino Oliver e Melo (2016) a reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Rio
de Janeiro pode ser vista como indutora do Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e
Comunidade na cidade uma vez que gerou diferentes necessidades de melhoria na rede
(unidades de sauacutede mais bem equipadas informatizadas mais recursos em terapecircutica e
diagnoacutestico) e mais profissionais meacutedicos qualificados para este niacutevel de atenccedilatildeo agrave sauacutede
Ainda de acordo com esses autores em 2011 a Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de
Janeiro a fim de contribuir com a oferta de maior nuacutemero de especialista em Medicina de
Famiacutelia e Comunidade e fixar profissionais para trabalhar nas diversas Cliacutenicas da Famiacutelia em
expansatildeo criou o seu proacuteprio programa de residecircncia na aacuterea Aleacutem de criar outros
incentivos inclusive financeiros - maior remuneraccedilatildeo para os residentes e profissionais jaacute
formados no proacuteprio curso
Poucos profissionais pareceram ansiosos com a possibilidade de serem entrevistados
Perguntaram quanto tempo durava a entrevista e se poderiam saber de antematildeo qual seria o
ldquoroteirordquo de perguntas A maioria construiu comigo um clima amistoso de conversa que
costumava se iniciar quase informalmente durante as reuniotildees de equipe
As entrevistas foram realizadas na sala de reuniatildeo da unidade colocada a minha
disposiccedilatildeo Aconteceram pequenas interrupccedilotildees por parte de outros membros da equipe
contudo natildeo as considerei prejudiciais para o desenvolvimento da entrevista Algumas
entrevistas no entanto foram realizadas nos consultoacuterios das equipes tambeacutem respeitando a
preferecircncia de cada profissional e com razoaacutevel privacidade Natildeo houve interrupccedilotildees
importantes como por exemplo ter que parar a entrevista e fazer em outro momento devido
a uma demanda qualquer do serviccedilo ou do entrevistado Pelo contraacuterio os entrevistados se
mostraram muito tranquilos em relaccedilatildeo ao tempo disponiacutevel
Apenas uma entrevista teve a duraccedilatildeo de aproximadamente 1 hora e seis minutos Foi
a realizada com um meacutedico preceptor que atuava na unidade estudada desde a sua fundaccedilatildeo
Primeiro como meacutedico de famiacutelia de uma equipe portanto ligado diretamente agrave assistecircncia e
na eacutepoca da coleta de dados como preceptor dos residentes e responsaacutevel meacutedico da unidade
com uma funccedilatildeo mais gerencial e administrativa como ele mesmo apontou durante a
entrevista Jaacute a entrevista mais breve durou um pouco mais de 12 minutos e foi com um
teacutecnico de enfermagem
As perguntas foram compreendidas com certa facilidade mas as respostas que
demandavam explicitar a motivaccedilatildeo de trabalhar na ESF e a conceituaccedilatildeo sobre ldquocasosrdquo de
88
sauacutede mental demoraram mais tempo para serem respondidas Tal demora talvez tenha sido
acompanhada de inseguranccedila por parte dos entrevistados em alguns casos pontuais Chamou
atenccedilatildeo o fato de quando questionados sobre se gostariam de acrescentar algo que natildeo foi
perguntado alguns profissionais responderam que a sauacutede mental eacute um tema difiacutecil e que eles
tinham muita dificuldade em lidar com esses ldquocasosrdquo embora pudessem contar com o apoio
do NASF Mesmo assim todos os entrevistados demonstraram muito interesse pelo tema o
que me pareceu ser um assunto candente entre eles Ao final das entrevistas alguns
agradeceram por poder participar do estudo e senti como se falar sobre o tema tivesse sido
mais um pedido de auxiliosuporte para lidar com esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois a
palavra capacitaccedilatildeo foi muito usada como sugestatildeo para melhoria da Sauacutede Mental na
Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
89
621 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Preceptores
Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Meacutedicos Preceptores
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTE
Sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no
funcionamento familiar e social algum tipo de
transtorno dependecircncia seja a cigarro especialmente
aacutelcool e drogas
Todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e todo
paciente pode ser muito complexo por menor que seja o
problema dele soacute depende muito do meacutedico de quanto o
meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida dele
O encaminhamento inicialmente eacute com a gente mesmo
Transtorno mental comum (transtorno de ansiedade
depressatildeo somatizaccedilatildeo) eu natildeo referencio para o
psiquiatra jaacute fiz isso natildeo faccedilo mais Transtorno mental
grave (transtorno psicoacutetico) e transtorno mental em
crianccedila eu referencio e a intervenccedilatildeo eacute
multidimensional envolve medicamento grupos em
sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com
assistente social agente de sauacutede cuidado com equipe
matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui ou no
CAPS
Cliacutenica centrada na pessoa a gente aborda muito a
escuta ativa numa fase inicial uma primeira tentativa de
abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo
ser medicamentosa
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Formaccedilatildeo experiecircncia no campo da sauacutede mental
Mais equipamentos mais CAPS diminuiccedilatildeo do nuacutemero de usuaacuterios por equipe capacitaccedilotildees
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Ambos os meacutedicos preceptores relataram que fazer a especializaccedilatildeo em Medicina de
Famiacutelia e Comunidade natildeo foi a primeira opccedilatildeo em suas respectivas carreiras profissionais
Um preceptor contou que natildeo teve contato com APS na sua graduaccedilatildeo (agrave eacutepoca era muito
incipiente) portanto natildeo conheceu a especialidade durante a sua formaccedilatildeo acadecircmica Soacute
depois de formado veio a ter contato com a especialidade em um Congresso da Associaccedilatildeo
Brasileira de Medicina de Famiacutelia Mas que foi fazer a residecircncia na aacuterea porque o soldo era
maior E que hoje eacute uma coisa que o apaixona - poderia conversar mais umas duas ou trecircs
horas no miacutenimo ou ateacute eu sentir fome e sede (risos) e essa aacuterea eacute como o vinho com o tempo
vai ficando muito melhor (Abel)
O outro narrou que natildeo passou na residecircncia escolhida como primeira opccedilatildeo comeccedilou
entatildeo a trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia gostou muito do ambiente surgiu a
oportunidade de fazer a prova de residecircncia para o local onde estava trabalhando fez passou
e o que a princiacutepio era um teste para saber se ia se adaptar foi se apaixonando e hoje tem a
sauacutede da famiacutelia como a possibilidade de ter um olhar mais ampliado do indiviacuteduo e sua
famiacutelia Mencionou tambeacutem que trabalhar na aacuterea possibilita ter final de semana ter feriados
ou seja ter uma vida um pouquinho melhor planejada do que muitos meacutedicos hoje em dia
costumam ter por aiacute (Bartolomeu)
Em ambos os discursos apareceu o apaixonamento pela Medicina de Famiacutelia e
Comunidade pude observar durante o periacuteodo do campo que para trabalhar na aacuterea parece
requerer dos profissionais principalmente para o meacutedico e preceptor uma certa afinidade em
querer conhecer o cotidiano e a vida das pessoas natildeo soacute a sua queixa de sauacutede ou sintoma O
que me pareceu exigir menos objetividade cientiacutefica e mais empatia com o outro
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental
Em relaccedilatildeo ao guia para anaacutelise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mentalrsquo os meacutedicos preceptores expressaram perspectivas diferentes uma mais holiacutestica
sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no funcionamento social e familiar outra
mais difusa todo caso pode ser um caso de sauacutede mental O primeiro discurso caracteriza
uma linguagem mais objetiva teacutecnica e qualificada profissionalmente com uma visatildeo integral
do processo sauacutede-doenccedila o que aponta tambeacutem para um conhecimento mais especifico no
campo da APS
Essa interferecircncia agraves vezes pode ser muito grave a ponto da pessoa natildeo conseguir se
relacionar com a famiacutelia ou ter alguma situaccedilatildeo de violecircncia domeacutestica fiacutesica ou
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psicoloacutegica seja na crianccedila na matildee no adulto em qualquer indiviacuteduo da famiacutelia ou algum
tipo de situaccedilatildeo familiar que resulte em dependecircncia seja a cigarro especialmente aacutelcool e
drogas ou algum tipo de prejuiacutezo e dificuldade na formaccedilatildeo escolar da crianccedila ou de jovens
adultos aonde isso acontece certamente eacute a ponta do iceberg de algum tipo de transtorno
menta (Abel)
Nesse primeiro discurso podemos observar uma noccedilatildeo voltada para o modo
psicossocial quando nomeia o ldquocasordquo de sauacutede mental como sofrimento psiacutequico esse modo
de atenccedilatildeo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua ldquoexistecircncia-sofrimentordquo (Costa-
Rosa 2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia subjetiva e assim como na
Medicina de Famiacutelia considera a pessoa seu grupo familiar e social A razatildeo disso estaacute em
entender que o sofrimento psiacutequico natildeo eacute um fenocircmeno soacute individual mas tambeacutem social e
como tal deve ser pensado Dessa maneira as formas de participaccedilatildeo da famiacutelia e da rede de
apoio social superam as posturas assistencial e orientadora caracteriacutesticas do modo asilar
(COSTA-ROSA 2000)
A nomenclatura ldquopessoa em sofrimento psiacutequicordquo ressurge a partir da publicaccedilatildeo do
relatoacuterio final da IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM) em julho de 2010 apoacutes
um levantamento de quais categorias haviam sido utilizadas nas CNSM anteriores para
denominar o indiviacuteduo em situaccedilatildeo de sofrimento Brasil (2010 p144) Ateacute o ano de 2010
foram realizadas quatro conferecircncias respectivamente em 1987 1992 2001 e 2010 Tendo
sido encontrada uma multiplicidade de categorias relativas ao adoecimentosofrimento agraves
terapecircuticas e locais de tratamento O uso da categoria ldquosofrimento psiacutequicordquo por Abel
portanto demonstra um conhecimento mais ampliado e integrado em sauacutede trazendo para o
centro da cena o sujeito e seu sofrimento natildeo a sua doenccedila
Abel durante sua entrevista explica que entende transtorno diferente de sofrimento tal
como vocecircs claro da sauacutede mental Transtorno para ele eacute o sofrimento continuado crocircnico
ou natildeo mas que gera prejuiacutezo funcional e familiar que depende do grau da gravidade do
histoacuterico Jaacute o sofrimento na perspectiva de Abel estaacute presente em qualquer populaccedilatildeo do
planeta sendo natural ao ser humano diferentes tipos de cultura teratildeo diferentes tipos de
sofrimento
Ao concluir Abel ressalta que na sua opiniatildeo principalmente para o jovem meacutedico e o
jovem enfermeiro eacute difiacutecil diferenciar sofrimento de transtorno pois natildeo tiveram uma
formaccedilatildeo para isso e agraves vezes colocam um pouco do seu proacuteprio sofrimento Resultando
durante o atendimento numa detecccedilatildeo precoce de algum transtorno quando na verdade o
indiviacuteduo pode estar passando por algum momento de ajustamento na vida O fundamental
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para meacutedico de famiacutelia e toda sua equipe segundo a cartilha de serviccedilos da APS da Prefeitura
do Rio de Janeiro sobre as accedilotildees de sauacutede mental eacute ldquoatentar para a dimensatildeo do sofrimento
psiacutequico que pode estar presente nos mais diversos processos de adoecimento tais como
hipertensatildeo diabetes tuberculose HIVAIDSrdquo (RIO DE JANEIRO 2016 p76)
Nomear algo que acontece com o outro ou consigo mesmo como sofrimento natildeo eacute
apenas um ato individual do lugar de profissional ou de usuaacuterio Nesse sentido as formas de
nomeaccedilatildeo natildeo satildeo naturais e nem simplesmente emergem de um indiviacuteduo de forma isolada
Todas as formas de nomeaccedilatildeo satildeo apreendidas socialmente bem como as formas de nomear o
cuidado a dor o adoecimento a sauacutede e outras experiecircncias de vida Em particular em
relaccedilatildeo ao sofrimento e a dor Sarti (2001) afirma
A dor como o amor remete a uma experiecircncia radicalmente subjetiva
Aquele que sente a dor dela diz eu eacute que sei Frente agrave dor do outro
haacute comoccedilatildeo sofrimento (ou mesmo gozo) com maior ou menor
distacircncia e intensidade Embora singular para quem sente a dor como
qualquer experiecircncia humana traz a possibilidade de ser
compartilhada em seu significado que eacute uma realidade coletiva
(embora jamais possamos nos assegurar de que o que atribuiacutemos ao
outro corresponda exatamente ao que ele atribui a si mesmo) Assim
dizemos que entendemos a dor do outro (SARTI 2001 p4)
A percepccedilatildeo de caso de sauacutede mental no discurso de Abel foge um pouco do modelo
biomeacutedico como podemos observar trazendo a ideacuteia de sofrimento e suas repercussotildees nos
contextos familiar e social apontando para novas possibilidades de modificaccedilatildeo e
qualificaccedilatildeo das condiccedilotildees e dos modos de vida orientando-se pela produccedilatildeo de vida e sauacutede
e natildeo se restringindo agrave cura de doenccedilas Brasil (2013) Embora a categoria transtorno mental
tenha aparecido nesse discurso remetendo ao modelo biomeacutedico observei um certo cuidado
ao ser contextualizada e explicada a diferenccedila entre transtorno e sofrimento
O termo ldquotranstorno mentalrdquo oriunda do modelo biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um
objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais Amarante (1996) e classifica-a em
inuacutemeras categorias como podemos observar no CID-10 e mais recentemente no DSM-V Ao
modo do alienista ou do botacircnico ou mesmo da atual nosologia psiquiaacutetrica identificar e
classificar a entidade moacuterbida para o profissional meacutedico parece ser suficiente para
estabelecer a terapecircutica e o encaminhamento a ser feito (LAPLANTINE 2004)
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No CID-10 o termo ldquotranstornordquo eacute usado por toda a classificaccedilatildeo de forma a evitar
problemas ainda maiores inerentes ao uso de termos como ldquodoenccedilardquo ou ldquoenfermidaderdquo
ldquoTranstornordquo natildeo eacute um termo exato poreacutem no CID-10 eacute usado para indicar a existecircncia de um
conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconheciacuteveis associados na maioria
dos casos a sofrimento e interferecircncia com funccedilotildees pessoais Desvio ou conflito social
sozinho sem disfunccedilatildeo pessoal natildeo deve ser incluiacutedo em transtorno mental como definido
no CID-10
Abel tambeacutem identifica dependecircncia a cigarro especialmente aacutelcool e drogas como
ldquocasordquo de sauacutede mental O debate sobre o consumo das mais diversas drogas pela humanidade
eacute complexo e de maneira nenhuma seraacute simplificado aqui Mas para ldquocompreender por que
alguns humanos mais humanos do que outros tem problemas com o uso de drogas eacute preciso
revelar as condiccedilotildees individuais e sociais dessa incorporaccedilatildeordquo Garcia (2016 p 11) Nesse
processo de revelaccedilatildeo a questatildeo da escuta eacute primordial
Segundo Lancetti (2013 p36) ldquotodo sujeito dialoga com um interlocutor invisiacutevelrdquo
citando o etnopsiquiatra Tobie Nathan seguidor de Devereux que afirmava que mais que
noventa por cento do sofrimento psiacutequico eacute atendido pelo que ele chama de pensamento negro
(pajeacutes pastores padres) e soacute dez por cento ou menos pelo pensamento branco Sua
afirmaccedilatildeo tambeacutem era de que a consulta psiquiaacutetrica ou psicologia eacute um combate
epistemoloacutegico ndash um dizendo que eacute um trabalho de macumba e o outro que eacute uma psicose
paranoica Por isso a importacircncia de ldquotransitar por esses territoacuterios existenciaisrdquo para adesatildeo
ao programa elaborado para cada famiacutelia (LANCETTI 2013 p36)
Jaacute no discurso de Bartolomeu todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e que soacute
depende muito do meacutedico de quanto o meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida
dele o que pode produzir trecircs interpretaccedilotildees discursivas 1) uma dificuldade de identificar os
ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois essa colocaccedilatildeo do entrevistado traz a ideia de que ateacute as
questotildees da vida cotidiana podem ser psiquiatrizadas 2) aquilo que eacute denominado doenccedila na
maioria das vezes existe na ldquociecircncia do meacutedicordquo antes de existir na ldquoconsciecircncia do homemrdquo
Canguilhem (2015) e 3) como o proacuteprio entrevistado relatou a abordagem psicossocial da
Medicina de Famiacutelia
Na primeira interpretaccedilatildeo com a expansatildeo das capilaridades das accedilotildees de sauacutede por
meio da ESF no territoacuterio temos que estar atentos como nos alerta Amarante (2007 p 95)
para medicalizaccedilatildeo do social ou seja tornar lsquomeacutedicorsquo aquilo que eacute da ordem do social ou
econocircmico ou poliacutetico Ou seja ldquoo termo estaacute relacionado agrave possibilidade de fazer com que as
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pessoas sintam que os seus problemas satildeo problemas de sauacutede e natildeo proacuteprios da vida
humanardquo
Na segunda interpretaccedilatildeo a doenccedila natildeo deixaria de existir ou de se manifestar de
alguma maneira porque natildeo existe na consciecircncia do homem mas a perspectiva do doente do
que seja ou natildeo doenccedila ou do que seja normal ou patoloacutegico fica fora das consideraccedilotildees do
conhecimento biomeacutedico principalmente das praacuteticas de cuidado dos profissionais da sauacutede
que em geral natildeo incluem o saber do doente Esse saber na maioria das vezes eacute colocado
em segundo plano pois o que se busca eacute a objetividade da doenccedila expressa pelos seus
sintomas e sinais fiacutesicos e se possiacutevel pela conformaccedilatildeo anatomopatoloacutegica daiacute a
importacircncia do meacutedico Canguilhem (2015 p69) a respeito dessa busca da correspondecircncia
entre doenccedila e lesatildeo recupera um argumento de Leacuteriche (1879-1955) para problematizar a
ldquodoenccedila do doenterdquo
Aos que identificam doenccedila com lesatildeo Leacuteriche objeta que o fato
anatocircmico deve ser considerado na realidade como segundo e
secundaacuterio segundo por ser produzido por um desvio originalmente
funcional na vida dos tecidos secundaacuterio por ser apenas um elemento
da doenccedila e natildeo o elemento dominante (CANGUILHEM 2015 p69)
Com isso Canguilhem (2015) aponta que a doenccedila anatocircmica vista pelo meacutedico natildeo eacute
a mesma vista pelo doente A partir das ideias de Leacuteriche Canguilhem problematiza a natildeo
validaccedilatildeo da opiniatildeo da pessoa sobre sua doenccedila que em geral ocorria na aplicaccedilatildeo da ciecircncia
dos meacutedicos Essa ciecircncia constituiu-se em parte por um conjunto de informaccedilotildees clinicas
recolhidas ao longo da praacutetica dos meacutedicos Esses relatos se constituiacuteram na cultura meacutedica
que passava de meacutedico para meacutedico e que devido ao acuacutemulo desse conhecimento
possibilitava ao meacutedico se adiantar ao relato do paciente sobre a sua doenccedila No entanto
conclui o autor ldquoa medicina existe porque haacute homens que se sentem doentes e natildeo porque
existem meacutedicos que os informam de suas doenccedilasrdquo (CANGUILHEM 2015 p 69)
Se por um lado o argumento exposto acima poderia ser contraposto a afirmaccedilatildeo de
que haacute doenccedilas que satildeo produzidas pela medicina a exemplo do erro de Charcot naquela
eacutepoca ou a questatildeo da patologizaccedilatildeo da vida cotidiana e a consequente medicalizaccedilatildeo do
sofrimento natildeo podemos deixar de considerar o argumento de Canguilhem a partir das
consideraccedilotildees de Leacuteriche de que primeiro existiu o doente antes mesmo de existir a doenccedila e
o meacutedico Amarante e Torre (2010) Foucault (2011) Serpa Juacutenior (sd) Todavia no cenaacuterio
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atual da biomedicina e das praacuteticas em sauacutede o que se observa eacute que o discurso da pessoa
atendida em geral fica em uacuteltimo plano (CAMPOS 2013)
Jaacute na terceira alternativa na abordagem biopsicossocial que visa estudar a causa ou o
progresso de doenccedilas utilizando-se de fatores bioloacutegicos (geneacuteticos bioquiacutemicos etc)
fatores psicoloacutegicos (estado de humor de personalidade de comportamento etc) e fatores
sociais (culturais familiares socioeconocircmicos etc) que devem ser a abordagem do Meacutedico
de Famiacutelia A entidade doenccedila por si soacute eacute insatisfatoacuteria para entender o sofrimento da pessoa
que chega ao serviccedilo de sauacutede Portanto o meacutedico de famiacutelia deve considerar o usuaacuterio em
sua singularidade e inserccedilatildeo sociocultural buscando produzir uma atenccedilatildeo integral saindo do
modelo biologizante que apenas trata a doenccedila sem considerar o sujeito em sofrimento e todo
o seu entorno social cultural familiar (MOIRA STEWART et al 2010)
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Abel comeccedila seu discurso com a fala politicamente correta inicialmente eacute com a gente
mesmo demonstrando o princiacutepio da coordenaccedilatildeo do cuidado que recai na ESF Starfield
(2002) e de acordo com Lancetti (2013) o imperativo de resolver o maacuteximo de problemas na
regiatildeo evita o encaminhamento irresponsaacutevel dos profissionais e fundamentalmente aumenta
o grau de singularizaccedilatildeo da relaccedilatildeo equipeusuaacuterio No entanto observamos uma contradiccedilatildeo
nesse discurso quando Abel classifica os transtornos em transtorno mental comum
(transtorno de ansiedade depressatildeo somatizaccedilatildeo) transtorno mental grave (transtorno
psicoacutetico) e transtorno mental em crianccedila para diferenciar o que eacute acompanhado pela ESF e
o que eacute referenciado para outros serviccedilos Nesse caso o transtorno mental grave e o transtorno
mental em crianccedila satildeo referenciados para outros serviccedilos
De acordo com a atual poliacutetica puacuteblica de sauacutede mental o cuidado deve ser sempre
que necessaacuterio compartilhado com os demais serviccedilos da rede de sauacutede explorando-se ao
maacuteximo possiacutevel os recursos do territoacuterio com o objetivo de dar um passo a mais no
abandono da morada da psiquiatria e intensificar o status ontoloacutegico da cidadania sendo o
portador do transtorno ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicopatoloacutegicordquo Lancetti
(2013 p19) Tambeacutem encontramos outra contradiccedilatildeo em relaccedilatildeo ao encaminhamento dos
transtornos graves e em crianccedilas no discurso de Abel Pois ao relatar o encaminhamento natildeo
mencionou se a equipe de referecircncia continua com a responsabilidade compartilhada Natildeo
sendo possiacutevel portanto analisar como seria esse cuidado compartilhado com outros serviccedilos
No entanto Abel ao discorrer que a intervenccedilatildeo eacute multidimensional - envolve
medicamento grupos em sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com assistente
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social agente de sauacutede cuidado com equipe matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui
ou no CAPS retomou sua visatildeo inicial do Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial pois centralizou a
dinacircmica do trabalho na equipe e nas possiacuteveis necessidades do usuaacuterio e natildeo na sua
demanda de doenccedila Na ESF assim como na Atenccedilatildeo Psicossocial no interstiacutecio da praacutexis se
reforccedila o conceito de cidadania portanto as pessoas devem ser atendidas por Direito e natildeo por
demanda de doenccedila (LANCETTI 2013)
No discurso de Bartolomeu identificamos o meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa e a
abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo ser medicamentosa Percebemos nessa
fala uma tentativa de justificar e explicar a sua formaccedilatildeo discursiva em relaccedilatildeo a sua
concepccedilatildeo de casos de sauacutede mental uma vez que a cliacutenica centrada na pessoa enfatiza a
experiecircncia com a doenccedila ou seja o modo singular como cada pessoa eacute afetada pela doenccedila
A esse respeito Moira Stewart et al (2010) informa que essa proposta de atendimento ndash
cliacutenica centrada na pessoa - pressupotildee vaacuterias mudanccedilas na mentalidade do meacutedico e dos
demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo hieraacuterquica de que o profissional
estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta nessa abordagem Para ser
centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a pessoa que estaacute sendo
atendida compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que
tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Esse eacute o imperativo moral do meacutetodo centrado
na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o profissional experimentaraacute os novos
direcionamentos que o relacionamento pode assumir quando o poder eacute compartilhado Manter
uma posiccedilatildeo sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento
humano que eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o
objetivo em um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)
O meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa possui seis componentes interativos que
formam um conjunto de orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem
mais centrada na pessoa Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo
entre a pessoa e o profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no
contexto no qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem facilitando
inclusive o ensino e a pesquisa Portanto no discurso de Bartolomeu tambeacutem eacute possiacutevel notar
a presenccedila de um conhecimento meacutedico mais especifico e direcionado ao ensino marcando a
fala do entrevistado enquanto preceptor meacutedico
Hoje eu atuo como preceptor aqui na Cliacutenica da Famiacutelia entatildeo a minha rotina
costuma ser diferente dos meacutedicos residentes eu fico na retaguarda
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Ressalto que na funccedilatildeo de meacutedicos preceptores os entrevistados deixaram
transparecer uma preocupaccedilatildeo com a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade que
considere o usuaacuterio em seu contexto social e familiar Para Campos (2005) a realidade social
e cultural dos indiviacuteduos deve ser a referecircncia para o trabalho meacutedico na APS pois o esforccedilo
sistemaacutetico de enquadramento e classificaccedilatildeo dos usuaacuterios em quadros nosoloacutegicos pode ser
uma tarefa frustrante Os usuaacuterios se apresentam em sua mais completa dimensatildeo humana
porque estatildeo imersos em sua cultura contexto e ambiente trazendo para o Medicina de
Famiacutelia e Comunidade toda a dimensatildeo dos problemas desafios expectativas e conflitos que
se colocam no dia a dia
Aleacutem dos processos de adoecimento estes estatildeo sempre acompanhados de agravos
queixas vagas e incocircmodos mal definidos que desafiam a Medicina de Famiacutelia e Comunidade
a reconhecer semiologicamente os aspectos e dimensotildees biopsicossociais dos quadros que se
apresentam Haacute que se perceber que muitas queixas vagas padecimentos e carecimentos
trazidos satildeo um pretexto e um chamamento para que o profissional se aprofunde em um
conhecimento mais abrangente e integral dos processos de sauacutede e doenccedila (RODRIGUES
1998)
A abordagem familiar representa um desafio a mais Compreender a dinacircmica das
relaccedilotildees familiares impactando sobre a sauacutede e a doenccedila e suas formas de evoluccedilatildeo requer
uma aguccedilada capacidade de observaccedilatildeo e interaccedilatildeo Em sentido oposto o meacutedico de famiacutelia e
comunidade necessita avaliar o impacto da doenccedila na dinacircmica familiar e compreender os
muacuteltiplos impactos em termos de sofrimento e outras repercussotildees sobre as interaccedilotildees
familiares Os papeacuteis representados pelos membros da famiacutelia os equiliacutebrios e desequiliacutebrios
que se estabelecem no nuacutecleo familiar satildeo parte deste processo (CAMPOS 2005)
Recomendaccedilotildees
Em relaccedilatildeo as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF ambos
os discursos (Abel e Bartolomeu) trouxeram agrave tona a importacircncia da formaccedilatildeo e da educaccedilatildeo
continuada para exercer a contento as accedilotildees a serem desenvolvidas Pensando dessa forma
nos reportamos a Amarante (2007) quando destaca ser importante que as equipes recebam
apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia ndash NASF para conduzir os
casos de sauacutede mental de forma mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada
a partir da vivencia cotidiana dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias
profissionais para lidar com os problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento
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psiacutequico e comprometer a resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA
2013)
Abel e Bartolomeu pontuaram tambeacutem a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de CAPS e demais
equipamentos substitutivos ao modelo manicomial O que sugere um conhecimento sobre a
Reforma Psiquiaacutetrica e a importacircncia do aumento do nuacutemero de dispositivos extramuros para
sua concretizaccedilatildeo com intervenccedilotildees voltadas para a comunidade sua cultura e menos
medicalizadora explorando tambeacutem os recursos do territoacuterio e trazendo para o centro da cena
o sujeito em sofrimento e sua famiacutelia
Quanto a recomendaccedilatildeo de diminuir o nuacutemero de usuaacuterio atendidos por equipe
mencionada por Bartolomeu a atual Poliacutetica Nacional da Atenccedilatildeo Baacutesica recomenda que
cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a meacutedia recomendada de
3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo Dessa forma o nuacutemero de
pessoas por equipe deve considerar o grau de vulnerabilidade das famiacutelias daquele territoacuterio
ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o nuacutemero de pessoas por
equipe (BRASIL 2012)
Na unidade campo do estudo o nuacutemero de usuaacuterio por equipe em ordem crescente era
de 2432 2763 e 3151 Considerando a aacuterea de cobertura do Morro Santa Marta territoacuterio
de alta vulnerabilidade e o bairro plano de classe meacutedia supostamente de baixa
complexidade o nuacutemero de usuaacuterios encontra-se dentro do recomendado pelo Ministeacuterio da
Sauacutede O que nos leva a seguinte reflexatildeo ldquoEacute possiacutevel que com a carga de doenccedilas e de
necessidades desses grupos populacionais o nuacutemero de famiacutelias sob responsabilidades de
cada equipe extrapole sua capacidade de respostardquo (FERRAZ e AERTS 2005 p353)
99
622 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Residentes
Figura 2 - Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Meacutedicos Residentes
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
algum grau de sofrimento psiacutequico com repercussatildeo
na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na
forma como ele se relaciona no trabalho na
comunidade
envolve alguma alteraccedilatildeo psiquiaacutetrica ou psicoloacutegica
qualquer tipo de sofrimento emocional psiacutequico ou
doenccedilas como esquizofrenia alucinaccedilotildees qualquer
usuaacuterio de drogas
tanto um transtorno de ansiedade mais leve com
prejuiacutezo funcional ou de insocircnia quanto sauacutede mental
mais grave como esquizofrenia e tambeacutem
alcoolismo uso de drogas iliacutecitas
qualquer sofrimento psiacutequico desde uma depressatildeo
profunda euforia agrave pessoa estaacute sentindo que natildeo estaacute
bem psicologicamente
pisando em ovos
soacute com a escuta ativa a gente consegue acompanhar eu natildeo
encaminho agora se for alguma outra situaccedilatildeo hoje a gente
consegue encaminhar por causa do NASF
primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas
abertas e deixo a pessoa falar aquilo que ela tem
necessidade de falar
geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o
paciente se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel em
tratar ou que eu ache que sei manejar bem
eu tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com
algum preceptor primeiro ou com a psicoacuteloga tento ver com
o agente comunitaacuterio colher melhor uma histoacuteria de vida
faccedilo um familiograma vejo como estaacute o ciclo vital
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Ampliar nuacutemero e a carga horaacuteria do NASF com maior tempo de psicologia e mais atividades de grupo
Ter uma rede mais integrada
Talvez ter mais investimento em CAPS
Ter mais cursos de formaccedilatildeo capacitaccedilatildeo melhor dos profissionais que trabalham na atenccedilatildeo primaacuteria
para alivio da sobrecarga do secundaacuterio e terciaacuterio e continuar a capacitaccedilatildeo nas interconsultas
Ter serviccedilo de terapia ocupacional mais fortalecido
ldquo
100
Durante as entrevistas pude observar o quanto satildeo latentes a busca pelo aprendizado e
a satisfaccedilatildeo do fazer cotidiano na sauacutede da famiacutelia para esses profissionais em formaccedilatildeo
como por exemplo nas falas
Na verdade tem uma questatildeo pessoal e uma coisa ideoloacutegica eu gosto muito de
ouvir as histoacuterias das pessoas e aiacute por eu acreditar nessa ideologia da atenccedilatildeo primaacuteria eu
resolvi fazer (Betino)
No uacuteltimo ano quase me formando no estaacutegio obrigatoacuterio do internato conheci a
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia que eu natildeo conhecia antes eu passei minha formaccedilatildeo toda
no hospital terciaacuterio de referecircncia vendo doenccedilas raras quando tive contato com a
realidade com o cotidiano com as doenccedilas mais comuns foi quando eu me senti realmente
meacutedica (Accedilucena)
Outro ponto de destaque que apareceu no iniacutecio da entrevista de Acaacutecio foi o eterno
dilema entre a Sauacutede Coletiva e a Cliacutenica Meacutedica Tradicional quando discorre sobre a reaccedilatildeo
de seus pais quando ele disse que faria a residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade
investimos tanto em vocecirc e vocecirc vai ser meacutedico de postinho
De um lado a Sauacutede Coletiva com sua visatildeo mais ampla sobre o processo sauacutede-
doenccedila considerando a determinaccedilatildeo social a intersetorialidade e a multidisplinaridade em
sauacutede na construccedilatildeo de mais qualidade de vida a toda populaccedilatildeo De outro a Cliacutenica Meacutedica
tradicional com sua visatildeo cartesiana sobre o adoecer A doenccedila do sujeito eacute o objeto de
estudo natildeo o sujeito da doenccedila Assim o que deve ser estudado e tratado eacute uacutenica e
exclusivamente a doenccedila e se alguma coisa natildeo foi bem eacute culpa do indiviacuteduo que natildeo seguiu a
terapecircutica prescrita Nesse modo de pensar em sauacutede o meacutedico eacute o detentor do conhecimento
e centraliza todo o atendimento supervalorizando o saber profissional especializado e
desvalorizando o saber do sujeito que adoece O que acaba gerando muita dependecircncia do
saber profissional e pouca autonomia do saber do sujeito sobre o seu processo de
adoecimento
No campo da Sauacutede Coletiva falar sobre cuidados primaacuterios em sauacutede eacute trazer a
importacircncia da promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo em sauacutede levando em consideraccedilatildeo o contexto social
econocircmico e cultural da populaccedilatildeo E a Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) eacute uma
especialidade clinica orientada para os cuidados primaacuterios ou seja
Satildeo meacutedicos pessoais principalmente responsaacuteveis pela prestaccedilatildeo de
cuidados abrangentes e continuados a todos os indiviacuteduos que os
procurem independentemente da idade sexo ou afecccedilatildeo Cuidam de
101
indiviacuteduos no contexto das suas famiacutelias comunidades e culturas
respeitando sempre a autonomia dos seus pacientesrdquo (WONCA 2002)
Embora a MFC tenha uma abordagem mais humanizada solidaacuteria e coletiva segundo
a Sociedade Brasileira de Medicina de Famiacutelia e Comunidade o reconhecimento dessa
especialidade em nosso paiacutes ainda natildeo tem o prestiacutegio e nem o meacuterito que faz jus devido a
diversos fatores De um lado tanto a sociedade quanto o coletivo meacutedico em geral continuam
categorizando-a como a ldquoMedicina dos pobresrdquo principalmente pelo modo como se deu a
implementaccedilatildeo do Programa de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil voltado primeiramente para aacutereas
de grande vulnerabilidade e risco social ndash ldquoum programa pobre para pobrerdquo Diferentes de
paiacuteses europeus e da Ameacuterica Central como Canadaacute onde o Meacutedico de Famiacutelia tem o
reconhecimento natildeo soacute de seus colegas especialistas como de toda a populaccedilatildeo independente
da classe social ao qual pertence (VICENTE et al 2012)
Nesses paiacuteses para a populaccedilatildeo o meacutedico de famiacutelia eacute o profissional de referecircncia para
qualquer problema de sauacutede uma vez que o sistema de sauacutede estaacute estruturado na Atenccedilatildeo
Primaacuteria agrave Sauacutede Aqui no Brasil ateacute o final dos anos 80 essa cultura do meacutedico de famiacutelia
era vista como apareceu na entrevista com os profissionais ldquomeacutedico de ricordquo pois era um
profissional caro e soacute quem podia pagar usufruiacutea dessa modalidade Com a implantaccedilatildeo do
Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e das Leis 808090 e 814290 a sauacutede passou a ser um
direito de todos e dever do Estado O que foi uma grande conquista de cidadania Um sistema
de sauacutede universal exigiu rever outras formas de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em sauacutede Saindo de
um modelo centrado no hospital e nas doenccedilas para outro centrado nas comunidades e nas
pessoas
Por outro lado temos a super valorizaccedilatildeo das especialidades com atrativa oferta do
mercado privado que atrai os meacutedicos especialistas com grande rentabilidade e prestiacutegio
social Este modelo tem claras repercussotildees negativas para o sistema de sauacutede e para a
sociedade porque oferece uma atenccedilatildeo fragmentada sem coordenaccedilatildeo entre niacuteveis de
assistecircncia o que potencializa a polimedicaccedilatildeo e a iatrogenia para uma populaccedilatildeo cada vez
mais envelhecida com problemas mais complexos e com maior necessidade de coordenaccedilatildeo
do cuidado (JUSTINO OLIVER MELO 2016 e MENDES 2012)
Mais um ponto marcante no discurso dos meacutedicos residentes foi em relaccedilatildeo a carga
horaacuteria da residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade surgiu uma queixa-denuacutencia de
que a carga horaacuteria praacutetica eacute muito grande ou seja o tempo que permanecem na CF eacute muito
extenso e que gostariam de ter mais tempo para se dedicarem a carga horaacuteria teoacuterica ou seja
102
para estudar mais a teoria dos casos interessantes atendidos como apontado nos discursos
abaixo
Aqui eacute uma formaccedilatildeo acadecircmica tambeacutem muito voltada para o treinamento em
serviccedilo de matildeo-de-obra mesmo gostaria de ter uma tranquilidade de trabalho para meu
aperfeiccediloamento apesar da carga horaacuteria natildeo facilitar isso natildeo me permitir isso aqui a
gente tem uma carga horaacuteria que cobre cerca de sessenta horas semanais mesmo (Accedilucena)
Eu tenho uma agenda padratildeo que eu trabalho de segunda agrave sexta de oito agraves oito uma
hora pra almoccedilo (Cesaacuterio)
Apareceram tambeacutem queixas relativas a sobrecarga de atendimentos diaacuterios aleacutem da
agenda programada (consultas dos programas do Ministeacuterio da Sauacutede diabetes hipertensatildeo
sauacutede da crianccedila etc) atendiam agrave demanda livre (pessoas que procuram a unidade por algum
problema de sauacutede mais agudo sem agendamento) Embora o enfermeiro tambeacutem ajude no
atendimento das demandas livres o profissional meacutedico fica mais uma vez no centro do
cuidado agrave medida que fica muito no modelo queixa-conduta sem tempo haacutebil para outras
abordagens em sauacutede como representado nos discursos
Eacute basicamente atendimento Aqui na cliacutenica eu natildeo faccedilo promoccedilatildeo em sauacutede fora da
cliacutenica a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo que a gente faz satildeo dentro do consultoacuterio com cada
paciente (Braacuteulio)
Agenda padratildeo a gente tenta abordar tudo o que o meacutedico de famiacutelia tem que
aprender e tem que desenvolver entatildeo eu atendo preacute-natal puericultura sauacutede mental sauacutede
do idoso sauacutede do homem sauacutede da mulher e enfim Eu atendo de tudo faccedilo procedimento
tambeacutem no meu caso a minha agenda pra marcar comigo soacute finalzinho de
setembroimportante ressaltar talvez que a gente natildeo bloqueia a nossa agenda ela eacute aberta
qualquer demanda que uma pessoa tiver marca com a gente (Cesaacuterio)
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Em relaccedilatildeo ao guia para analise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mentalrsquo embora os meacutedicos residentes tenham usado muito o termo ldquosofrimento psiacutequicordquo
que aparece em 4 dos 5 discursos utilizaram tambeacutem termos teacutecnicos mais meacutedicos como
alteraccedilatildeo psicoloacutegica ou psiquiaacutetrica esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade
depressatildeo euforia deixando assim bem demarcado o lugar de onde falam - profissional
meacutedico com formaccedilatildeo biomeacutedica tradicional cartesiana O que prevaleceu nos discursos foi
uma compreensatildeo e percepccedilatildeo muito voltada ainda para a patologia e o diagnoacutestico meacutedico
103
Resultado dos programas de ensino onde aprendem dar atenccedilatildeo excessiva aos diagnoacutesticos e
insuficiente atenccedilatildeo agrave compreensatildeo da pessoa como um todo
O estranhamento dos profissionais em relaccedilatildeo agrave proposta de problematizaccedilatildeo das
denominaccedilotildees psiquiaacutetricas assim como apontou Basaglia (2010 [1969]) sinaliza para a
ausecircncia de uma dialeacutetica demonstrando que o universo de significaccedilatildeo do sofrimento teria
se tornado unidimensional A dialeacutetica compreendida como a explicitaccedilatildeo das diferentes
posiccedilotildees opostas ou natildeo preservaria uma margem de liberdade necessaacuteria a qualquer
possibilidade terapecircutica (idem) O uso quase exclusivo da linguagem psiquiaacutetrica como
modo de significaccedilatildeo do sofrimento poderia criar entatildeo uma intoleracircncia agraves outras formas de
nomeaccedilatildeo Dessa maneira como afirmou Basaglia (2010 [1969] p158) ldquoSe o doente mental
sofre a impossibilidade de viver dialeticamente a proacutepria realidade tais instituiccedilotildees
lsquoterapecircuticasrsquo natildeo o ajudaratildeo a recuperar essa capacidade perdida ou jamais possuiacutedardquo
No caso da CF estudada a capacidade dialeacutetica perdida ou jamais possuiacuteda natildeo
esteve presente em quatro discursos dos meacutedicos residentes entrevistados Constatei essa
realidade unidimensional de nomeaccedilatildeo do ldquocasordquo de sauacutede mental ainda no modelo
biomeacutedico nesses discursos Dessa maneira a loacutegica de apreensatildeo do adoecimento natildeo seria
terapecircutica para as pessoas em situaccedilatildeo de sofrimento pois satildeo modos de apreensatildeo muito
distintos das experiecircncias humanas que dizem respeito ao estar saudaacutevel ou adoecido
A fala de Acaacutecio foi a que se diferenciou nesse conjunto pois apresentou uma
compreensatildeo da cliacutenica centrada na pessoa Algum grau de sofrimento psiacutequico com
repercussatildeo na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na forma como ele se relaciona
no trabalho na comunidade Eacute importante relatar que esse entrevistado declarou jaacute ter uma
especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia antes de entrar para o curso de residecircncia O que pode
ter influenciado na sua compreensatildeo e percepccedilatildeo mais holiacutestica dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Foi o primeiro entrevistado a se voluntariar a participar da pesquisa
Considerando as falas dos quatro profissionais e excluindo a fala de Acaacutecio quando
falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos efetivamente
Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir sobre o que eacute a
normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito aos sintomas
psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de grande
controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno mental
Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os quais se
trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de vaacuterios
104
criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada
profissional (DALGALARRONDO 2008)
A tese defendida por Canguilhem (2015) em seu ensaio ldquoO normal e o patoloacutegicordquo eacute a
de que os problemas das estruturas e dos comportamentos patoloacutegicos humanos seratildeo mais
facilmente compreendidos se tomados como um todo uacutenico natildeo isoladamente De forma que
os fenocircmenos patoloacutegicos seriam idecircnticos aos fenocircmenos normais correspondentes sendo as
variaccedilotildees de ordem unicamente quantitativas A medicina natildeo sendo uma ciecircncia em si mas
se apropriando dos resultados de todas as ciecircncias a serviccedilo das normas da vida
No campo da Sauacutede mental o nuacutecleo da psiquiatria tem especial vulnerabilidade agrave
manipulaccedilatildeo da fronteira entre a normalidade e a doenccedila por carecer de testes bioloacutegicos e ser
muito dependente de julgamentos subjetivos (FRANCES 2016)
Frances (2016) afirma que eacute bom conhecer e utilizar as definiccedilotildees do DSM mas natildeo
reificaacute-las ou veneraacute-las Pois ao diagnosticar e tratar eacute crucial ter sensibilidade para as
diferenccedilas culturais A classificaccedilatildeo dos transtornos mentais pelo DSM natildeo passa de uma
coleccedilatildeo de constructos faliacuteveis e limitados que busca poreacutem jamais encontra a verdade ndash mas
essa continua sendo a melhor forma de comunica-los trata-los e pesquisa-los Embora as
definiccedilotildees do DSM encubram individualidades e diferenccedilas Muito se perde entre a rica
diversidade de experiecircncias individuais e o conjunto de criteacuterios escolhidos pra definir
determinado diagnostico Esses natildeo incluem fatores pessoais e contextuais essenciais agrave
cliacutenica do meacutedico de famiacutelia e comunidade
Se pensarmos que esses profissionais meacutedicos estatildeo ali em um processo de formaccedilatildeo
em Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) espera-se que ao longo dessa trajetoacuteria o
meacutedico seja capaz de desenvolver uma abordagem centrada na pessoa orientada para o
indiviacuteduo a sua famiacutelia e comunidade conforme recomendado pela Wonca (2002) Ao
contraacuterio das demais especialidades que focam o paciente segundo um corpo de
conhecimentos particulares pela condiccedilatildeo etaacuteria ou de gecircnero ou ainda voltado para as
doenccedilas ligadas a determinados sistemas orgacircnicos a procedimentos e teacutecnicas especiais a
MFC tem como foco de atuaccedilatildeo a pessoa Embora em qualquer especialidade o meacutedico deva
atuar necessariamente tendo como referecircncia a pessoa na MFC este foco eacute a principal
vertente do trabalho e condiciona as suas demais dimensotildees
Tendo a vista a MFC ter como foco a abordagem na pessoa ela torna-se singular pelas
seguintes razotildees a atuaccedilatildeo natildeo se funda e natildeo se limita a um problema de sauacutede potencial ou
identificaacutevel tecnicamente quem define o problema eacute a pessoa o viacutenculo meacutedico-paciente
natildeo cessa pela cura fim de um tratamento e pode se iniciar sem que nenhuma doenccedila tenha
105
ainda sido manifestada Eacute portanto definida como uma relaccedilatildeo natildeo associada a uma razatildeo
especiacutefica o que a torna diferenciada frente agraves demais especialidades
Desse modo a abordagem centrada na pessoa pressupotildee que os contatos que se faccedilam
entre meacutedico e paciente possam se dar considerando o conhecimento e a vivecircncia aprofundada
dos muacuteltiplos aspectos do indiviacuteduo Aprimoram-se a confianccedila e o viacutenculo aspectos uacuteteis
para a melhoria da sauacutede Conhecer a realidade familiar e comunitaacuteria do indiviacuteduo
potencializa este tipo de foco Esta resoluccedilatildeo se baseia na constataccedilatildeo de que inuacutemeras
doenccedilas natildeo podem ser totalmente compreendidas sem serem vistas em seu contexto pessoal
familiar e comunitaacuterio (Moira Stewart et al 2010)
Poreacutem como jaacute discutido o discurso biomeacutedico baseado em uma linguagem
classificatoacuteria com categorias diagnoacutestica ainda se faz muito presente entre os profissionais
meacutedicos residentes de MFC influecircncia do modelo flexneriano de formaccedilatildeo meacutedica que
preconizava o estudo cientiacutefico e parcializado do paciente estritamente no ambiente dos
hospitais universitaacuterios Nesse modelo de formaccedilatildeo como formar profissionais com uma
percepccedilatildeo voltada para o indiviacuteduo e natildeo para a doenccedila
Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos
diversos cursos da aacuterea da sauacutede somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo
de reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a
novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
Em resumo a Atenccedilatildeo Baacutesica de qualidade implica na discussatildeo pelo aparelho
formador da natureza e desafios da especializaccedilatildeo do recurso meacutedico e dos demais
profissionais voltados para prestar uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede de qualidade Este esforccedilo
deve estar na pauta de prioridades de todos os setores envolvidos no fortalecimento do SUS
uma vez que se torna cada vez mais um consenso em todo o mundo que a sauacutede da populaccedilatildeo
depende mais da disponibilidade de uma boa atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede do que de avanccedilos dos
recursos teacutecnicos e cientiacuteficos presentes nos hospitais Espera-se que esforccedilos no sentido de
problematizar a formaccedilatildeo de recursos deste campo de saber sejam aprofundados A ideacuteia de
que para trabalhar no Campo da Atenccedilatildeo Primaacuteria basta disposiccedilatildeo boa vontade dedicaccedilatildeo
conhecimentos adquiridos na graduaccedilatildeo e experiecircncia em praacuteticas comunitaacuterias nos parece
argumentos insuficientes para consolidar a especialidade e alcanccedilar uma praacutetica meacutedica
qualificada que resulte em um impacto para a sauacutede da populaccedilatildeo a meacutedio e a longo prazo
(CAMPOS 2005)
106
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental
Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental os meacutedicos residentes
entrevistados ao mesmo tempo em que demonstraram certo receio ou ateacute mesmo medo na
abordagem como podemos observar na fala de Acaacutecio pisando em ovos e complementada
durante a entrevista a gente fica com medo de falar alguma coisa e complicar o quadro Por
outro lado demonstraram certa seguranccedila nessa abordagem
Primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas abertas e deixo a pessoa
falar aquilo que ela tem necessidade de falar (Accedilucena)
Geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o paciente se for uma coisa
que eu me sinta confortaacutevel em tratar ou que eu ache que sei manejar bem (Cesaacuterio)
Durante as entrevistas e a observaccedilatildeo sistemaacutetica os meacutedicos residentes apresentaram
disponibilidade para acolher e escutar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois se sentiam apoiados
seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra e psicoacutelogo) o que faz toda a
diferenccedila no cotidiano das equipes transmitindo seguranccedila no trabalho desenvolvido Eu
tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com algum preceptor primeiro ou com a
psicoacuteloga tento ver com o agente comunitaacuterio colher melhor a histoacuteria de vida (Betino)
Praticamente natildeo existem encaminhamentos externos imediatos Os casos satildeo
discutidos em conjunto com o NASF e somente os casos que de fato extrapolam as linhas de
cuidado da ESF satildeo referenciados para outros serviccedilos mas com o acompanhamento da
equipe Alguns exemplos de serviccedilos para os quais estes casos satildeo encaminhados satildeo o
CAPSi da UFRJ que eacute o serviccedilo de referencia para crianccedilas e adolescentes no qual pude
observar uma parceria de trabalho de ambos os lados e o CAPSad referencia para o cuidado
de aacutelcool e drogas que agrave eacutepoca natildeo estava recebendo casos novos devido a uma crise do
governo estadual
Os meacutedicos residentes tambeacutem apresentaram muita clareza quanto a um dos atributos
essenciais da atenccedilatildeo primaacuteria que eacute a coordenaccedilatildeo do cuidado assumindo a responsabilidade
pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio proposto pela unidade referenciada
Escuta histoacuteria de vida familiograma e ciclo vital foram alguns conceitos importantes
usados durante as entrevistas marcando a especificidade da cliacutenica em MFC onde o centro eacute
a pessoa em atendimento tal como na cliacutenica da atenccedilatildeo psicossocial onde o foco eacute a pessoa
e sua existecircncia-sofrimento
O ato da escuta eacute um ato primordial em qualquer cliacutenica mas na MFC e na atenccedilatildeo
psicossocial eacute a ferramenta principal de trabalho possibilitando a pessoa ser ouvida e ouvir-
se o que em muitos casos jaacute eacute um esvaziamento da sua angustia trazendo um alivio
107
imediato Daiacute a importacircncia desse espaccedilo possibilitando um entendimento melhor caso a caso
e prevenindo o uso de medicalizaccedilatildeo desnecessaacuteria
No diaacuterio de campo relatei o projeto desenvolvido pelo farmacecircutico da CF que faz
uma listagem das pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica controlada por equipe Sendo
uma preocupaccedilatildeo dos meacutedicos residentes rever analisar e se possiacutevel diminuir ou ateacute mesmo
retirar algumas medicaccedilotildees em conjunto com o NASF e a preceptoria Haacute algumas situaccedilotildees
em que repetem prescriccedilotildees de pessoas que jaacute fazem uso prolongado de medicaccedilatildeo controlada
e satildeo de responsabilidade da CF mas esses profissionais relataram ter senso criacutetico de
questionar o uso prolongado e natildeo naturalizar o ato de soacute ldquorepetirrdquo deixando claro isso com o
usuaacuterio no momento do atendimento
Importante ressaltar a importacircncia desse treinamento em sauacutede mental dos
profissionais do NASF com os meacutedicos residentes em formaccedilatildeo embora tambeacutem tivessem
matriciamento em dermatologia onde inclusive realizavam pequenos procedimentos
ciruacutergicos na proacutepria CF e tambeacutem matriciamento em fisioterapia
A inserccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na sauacutede geral tendo como ponto de apoio a
APS por meio da ESF vai ao encontro dos objetivos propostos no Plano de Accedilatildeo Global para
a Sauacutede Mental 2013-2020 que preconiza atenccedilatildeo comunitaacuteria com serviccedilos de base
territorial auxiliando assim a diminuir o gap entre as pessoas que realmente precisam de
cuidado treinando os profissionais generalistas e melhorando o acesso ao cuidado agrave
populaccedilatildeo Eacute sabido tambeacutem que um cuidado de responsabilidade exclusiva do especialista
aumenta o gap do acesso ao tratamentoacompanhamento O que estaacute em consonacircncia com as
poliacuteticas puacuteblicas do nosso SUS acesso universal integralidade equidade e hierarquizaccedilatildeo
A facilidade do acesso com o funcionamento do horaacuterio estendido da unidade (8 agraves
20hs) foi um ponto crucial citado durante as entrevistas pelos meacutedicos residentes pois
acreditavam que as pessoas que trabalham em horaacuterio comercial tinham agora a oportunidade
de procurar a unidade de sauacutede e ir agraves consultas O que acreditavam melhorar o grau de sauacutede
das pessoas com essa oportunidade de horaacuterio depois do trabalho Martinez (2016) considera
que embora alguns autores avaliem o acesso centrado apenas na provisatildeo e no financiamento
dos serviccedilos de sauacutede outros vecircm o acesso como algo relacionado com a interaccedilatildeo entre o
sistema de sauacutede e os indiviacuteduos ou famiacutelias de tal forma que o acesso de algueacutem a alguma
coisa implica uma relaccedilatildeo
Jaacute no ano de 1973 Donabedian e posteriormente em 1981 Penchansky e
Thomas definiram o acesso como o grau de adequaccedilatildeo entre o sistema de sauacutede e seus
usuaacuterios ou seja se refere agrave interaccedilatildeo do sistema de sauacutede com os indiviacuteduos e a dos
108
indiviacuteduos com os sistemas de sauacutede A interaccedilatildeo dinacircmica e relacional estaacute centrada na troca
de informaccedilotildees pelo que a dinacircmica do acesso estaacute determinada pela qualidade da
comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos reafirmando a importacircncia do horaacuterio estendido
adotado pela unidade facilitando a circulaccedilatildeo dos usuaacuterios e o diaacutelogo com a equipe de sauacutede
Quanto ao familiograma a principal funccedilatildeo eacute organizar os dados referentes agrave famiacutelia e
seus processos relacionais e tem sido largamente usado como instrumento cliacutenico de trabalho
para o profissional de sauacutede em diversas aacutereas que permite uma visualizaccedilatildeo raacutepida e
abrangente da organizaccedilatildeo familiar e suas principais caracteriacutesticas constituindo um mapa
relacional onde satildeo registrados dados relevantes ao caso
Desse modo o familiograma possibilita analisar a estrutura da famiacutelia sua
composiccedilatildeo problemas de sauacutede situaccedilotildees de risco e padrotildees de vulnerabilidade Retrata a
histoacuteria familiar identificando sua estrutura funcionamento relaccedilotildees e conflitos entre os
membros Brasil (2013) Dados que satildeo essenciais para a cliacutenica da MFC para um melhor
entendimento do processo de adoecer de cada indiviacuteduo que estaacute diretamente relacionado a
sua histoacuteria de vida Facilita ainda a identificaccedilatildeo dos fatores de risco e de proteccedilatildeo de cada
indiviacuteduo conceitos caros a uma cliacutenica centrada na pessoa e natildeo na doenccedila que deve ser
reforccedilada o tempo todo na praacutetica da MFC Do contraacuterio corremos o risco patologizante das
accedilotildees capilarizadas de sauacutede aumentando o territoacuterio da doenccedila e natildeo da sauacutede
Apesar de se apropriarem de uma linguagem meacutedica classificatoacuteria para conceituar os
ldquocasosrdquo de sauacutede mental os entrevistados no manejo demonstraram uma praacutetica mais voltada
para accedilotildees de sauacutede ampliadas com escuta ativa atendimento centrado na pessoa visatildeo
holiacutestica e natildeo medicalizante Muitas vezes criticando o modelo biomeacutedico centrado no
especialismo na doenccedila e no hospital apontando que a escolha em fazer a especialidade em
MFC foi uma rota de fuga que encontraram para sair desse modelo mais duro Enfatizaram a
importacircncia dessa formaccedilatildeo para a sauacutede da populaccedilatildeo em geral e para o SUS mas tambeacutem
criticaram a natildeo valorizaccedilatildeo da especialidade por parte da populaccedilatildeo e do proacuteprio sistema
A populaccedilatildeo almeja ser atendida por um meacutedico especialista (cardiologista psiquiatra
ginecologista pediatra) e o sistema que muitas das vezes sobrecarrega este profissional
cobrando metas em quantidade de procedimentos e atendimentos Betino chegou a citar que o
tempo meacutedio de trabalho de um meacutedico de famiacutelia eacute de 5 anos tamanha a sobrecarga de
trabalho O que precisa ser melhor investigado dada a importacircncia desse profissional para a
promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede de toda a nossa populaccedilatildeo
109
Recomendaccedilotildees
Os meacutedicos residentes solicitaram a ampliaccedilatildeo do nuacutemero e da carga horaacuteria dos
profissionais do NASF A equipe do NASF na unidade estudada eacute identificada como
modalidade 1 sendo composta agrave eacutepoca por um psiquiatra e uma psicoacuteloga profissionais
diretamente relacionados agrave aacuterea de sauacutede mental que matriciavam 08 (oito) equipes de Sauacutede
da Famiacutelia dividindo a carga horaacuteria em 02 (dois) turnos de 04 (quatro) horas para as 03
(trecircs) equipes da CF campo do estudo Pela Portaria GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 cada
NASF 1 deveraacute estar vinculado a no miacutenimo 5 (cinco) e no maacuteximo 9 (nove) Equipes de
Sauacutede da Famiacutelia eou equipes de Atenccedilatildeo Baacutesica para populaccedilotildees especiacuteficas (consultoacuterios
na rua equipes ribeirinhas e fluviais) Esta Portaria traz que a soma das cargas horaacuterias
semanais dos profissionais da equipe deve acumular no miacutenimo 200 (duzentas) horas
semanais e que nenhum profissional considerado isoladamente poderaacute ter carga horaacuteria
semanal menor que 20 (vinte) horas semanais Portanto de acordo com as recomendaccedilotildees do
MS o nuacutemero e a carga horaacuteria dos profissionais do NASF estaacute dentro do preconizado
A recomendaccedilatildeo de maior tempo do profissional de psicologia pode nos levar a refletir
sobre dois aspectos a dificuldade de lidar com o sofrimento humano e com a labilidade
emocional gerada resultando no encaminhamento precipitado para o profissional do campo
ldquopsirdquo Ou pela grande demanda de atendimento em sauacutede mental que chega na Atenccedilatildeo
Baacutesica O meacutedico de famiacutelia eacute o primeiro profissional meacutedico a atender o usuaacuterio em
condiccedilotildees de novas queixas ou necessidades O acesso ao profissional eacute priorizado nestas
condiccedilotildees de um problema novo devido a maior probabilidade de identificaccedilatildeo da origem e
da melhor conduta a ser tomada acrescentado da expectativa de que o profissional possa dar
uma resposta ao sofrimento de forma raacutepida e eficaz onde eacute estipulado um tempo de consulta
e metas para alcanccedilar uma alta produtividade diaacuteria Entatildeo o profissional meacutedico pressionado
a atender em tempo curto para dar conta do grande nuacutemero de consultas diaacuterias natildeo consegue
oferecer ao usuaacuterio o tempo de escuta necessaacuterio
Em relaccedilatildeo a recomendaccedilatildeo de ter uma rede mais integrada o sistema puacuteblico
brasileiro de atenccedilatildeo agrave sauacutede organiza-se segundo suas normativas em atenccedilatildeo baacutesica
atenccedilatildeo de meacutedia e de alta complexidade Portanto uma estrutura hieraacuterquica definida por
niacuteveis de ldquocomplexidadesrdquo crescentes e com relaccedilotildees de ordem e graus de importacircncia entre
os diferentes niacuteveis o que caracteriza uma hierarquia Essa concepccedilatildeo de sistema
hierarquizado segundo Mendes (2011) estaacute presente em sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave
sauacutede e apresenta seacuterios problemas teoacutericos e operacionais Ela fundamenta-se num conceito
de complexidade equivocado ao estabelecer que a atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede eacute menos
110
complexa do que a atenccedilatildeo nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio Esse conceito distorcido de
complexidade leva consciente ou inconscientemente a uma ldquobanalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria
agrave sauacutede e a uma sobrevalorizaccedilatildeo seja material seja simboacutelica das praacuteticas que exigem maior
densidade tecnoloacutegica e que satildeo exercitadas nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio de atenccedilatildeo agrave
sauacutederdquo (MENDES 2011 p 51)
Para Mendes (2011) um sistema integrado de sauacutede que satildeo as Redes de Atenccedilatildeo agrave
Sauacutede (RASs) deve ser organizado atraveacutes de um conjunto coordenado de pontos de atenccedilatildeo agrave
sauacutede para prestar uma assistecircncia contiacutenua e integral a uma populaccedilatildeo definida atuando
equilibradamente sobre as condiccedilotildees agudas e crocircnicas
Ainda segundo esse autor sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave sauacutede fortemente
hegemocircnicos satildeo aqueles que se organizam atraveacutes de um conjunto de pontos de atenccedilatildeo agrave
sauacutede isolados e incomunicaacuteveis uns dos outros e que por consequecircncia satildeo incapazes de
prestar uma atenccedilatildeo contiacutenua agrave populaccedilatildeo Em geral natildeo haacute uma populaccedilatildeo adscrita de
responsabilizaccedilatildeo Neles a APS natildeo se comunica fluidamente com a atenccedilatildeo secundaacuteria agrave
sauacutede e esses dois niacuteveis tambeacutem natildeo se articulam com a atenccedilatildeo terciaacuteria nem com os
sistemas de apoio nem com os sistemas logiacutesticos
Uma outra recomendaccedilatildeo dos meacutedicos residentes tambeacutem foi relacionado ao
investimento em formaccedilatildeo ou seja na educaccedilatildeo continuada a partir das vivencias cotidianas
do serviccedilo para alivio da sobrecarga nos niacuteveis secundaacuterios e terciaacuterios de atenccedilatildeo mas como
exposto acima para aleacutem das ldquocapacitaccedilotildeesrdquo com os profissionais da APS com o objetivo de
melhorar sua resolutividade diminuindo a procura por serviccedilos especializados e internaccedilotildees
desnecessaacuterias eacute primordial rever o modo de organizaccedilatildeo do sistema de atenccedilatildeo agrave sauacutede
brasileiro
A recomendaccedilatildeo de aumentar o investimento em dispositivos extra-hospitalares como
CAPS tambeacutem aparece no discurso dos meacutedicos residentes tal como apareceu no dos
meacutedicos preceptores acrescido de ter serviccedilos de terapia ocupacional mais fortalecidos
Demonstrando dessa forma um conhecimento sobre a necessidade desses dispositivos para
uma atenccedilatildeo em sauacutede mental que promova cidadania e construccedilatildeo da autonomia princiacutepios
orientados pela Reforma Psiquiaacutetrica
111
623 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Enfermeiros
Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos significantes
Enfermeiros
Nuacutecleo discursivo Enfermeiro
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
Vou para o meacutedico da equipe falo que estou
sentindo que tem alguma coisa marco consulta e
matriciamento
Converso bem natildeo vejo o tempo da consulta
deixo o paciente se sentir a vontade falar se natildeo
quiser falar ok minha porta estaacute aberta quando
quiser pode voltar
Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para
o meacutedico avaliar
Dificuldade de relacionamento na escola ou em
casa famiacutelias desestruturadas aacutelcool drogas
violecircnciaai tem muita coisa
Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico
esquizofrenia momentos ou doenccedilas que o
paciente pode se tornar mais agressivo
Depressatildeo ansiedade algum transtorno alguma
doenccedila mental
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Capacitaccedilatildeo de toda a equipe e criar estrateacutegias que facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF no
trabalho em sauacutede mental
Aumentar nuacutemero e carga horaacuteria das equipes do NASF
Melhorar o fluxo dos serviccedilos (o que estaacute funcionando para onde referenciar)
112
As entrevistas evidenciaram que o profissional enfermeiro na ESF tem um leque de
atuaccedilatildeo muito amplo lideranccedila da equipe coordenaccedilatildeo das linhas de cuidado e de grupos
(tabagismo gestante) accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede nas escolas consultas e prescriccedilatildeo de
acordo com os programas do MS gerenciamento dos programas de imunizaccedilatildeo e doaccedilatildeo de
leite materno accedilotildees de educaccedilatildeo continuada de teacutecnicos de enfermagem e ACSs ateacute
atendimento cliacutenico das demandas livres Denomina-se demanda livre o atendimento das
pessoas que chegam agrave CF sem consulta agendada mas que apresentam alguma queixa de
sauacutede aguda
No discurso de Adaacutelia apareceu a resistecircncia da populaccedilatildeo em aceitar o atendimento
de um profissional enfermeiro no atendimento cliacutenico da demanda livre uma paciente
retrucou () eacute com vocecirc mas eu tocirc morrendo natildeo posso ser atendida por uma
enfermeira() demonstrando que natildeo soacute no discurso dos profissionais mas tambeacutem no da
populaccedilatildeo atendida haacute ainda uma presenccedila marcante do modelo meacutedico hegemocircnico que a
profissional sinaliza como
Um pouco de resistecircncia na parte da consulta cliacutenica e que tem que ter muita
paciecircncia para estar explicando a maioria entende e cria vinculo alguns natildeo entendem natildeo
querem saber e natildeo te aceitam (Adaacutelia)
A ESF cuja emergecircncia se deu em 1994 conforme jaacute exposto em seu histoacuterico
mediante a implantaccedilatildeo do PSF num processo lento e continuo de tensatildeo com o modelo
hegemocircnico tecnicista hospitalocentrico e medicalocentrico ainda eacute muito recente para a
populaccedilatildeo brasileira habituada ao atendimento meacutedico centrado e com foco nas
especialidades Tambeacutem apareceu no discurso dos meacutedicos residentes a resistecircncia da
populaccedilatildeo em ser atendida por um generalista e natildeo por um especialista Por outro lado haacute
tambeacutem uma insuficiecircncia de formaccedilatildeo profissional para atuaccedilatildeo qualificada na APS
resultando em deficiecircncias teacutecnicas (ANDRADE et al 2013)
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental
No discurso dos enfermeiros observei uma visatildeo holiacutestica sobre ldquocasosrdquo de sauacutede
mental pontuado por Aacutedila Dificuldade de relacionamento na escola ou em casa No
entanto nos outros dois Claudomiro e Clemecircncia uma visatildeo ainda muito centrada no
modelo biomeacutedico na doenccedila e no diagnoacutestico Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico
esquizofrenia Importante destacar que a visatildeo holiacutestica apareceu no discurso de Aacutedila que
tem residecircncia em Sauacutede da Famiacutelia Os outros dois profissionais natildeo possuem especializaccedilatildeo
113
na aacuterea Daiacute a importacircncia do processo de formaccedilatildeo desconstruindo o modo de agir pensar e
fazer hegemocircnico centrado na doenccedila e no diagnoacutestico O que vai modificar o modo de
planejar e receber as accedilotildees de sauacutede tanto para o profissional como para a pessoa que procura
o serviccedilo e sua famiacutelia
Com a concepccedilatildeo mais ampliada de que ldquocasordquo de sauacutede mental pode estar
relacionado a dificuldades na escola ou em casa famiacutelia desestruturada violecircncia aacutelcool
drogas Aacutedila abre outras possibilidades de intervenccedilatildeo natildeo meacutedicas No entanto eacute necessaacuterio
lembrar que na loacutegica da SF os profissionais devem abandonar o ideologema - famiacutelia
desestruturada - e procurar ldquoentender quais satildeo as regularidades que organizam a vida do
coletivo as deposiccedilotildees acontecidas nos lsquoloucosrsquo drogados deprimidos ou crianccedilas-problema
na famiacutelia os sistemas que estruturam a vida desses coletivosrdquo (LANCETTI 2013 p119)
Ainda de acordo Lancetti (2013) eacute importante que os profissionais da ESF busquem
conhecer os modos que cada cultura possui para compreender o sofrimento e as maneiras de
superaacute-lo Pois as pessoas natildeo padecem de sofrimento fiacutesico e mental separadamente As
condiccedilotildees ambientais sociais e mentais formam parte de ecologias inter-relacionadas E eacute
produzindo mudanccedilas nessas esferas que se poderaacute alcanccedilar o impacto desejado do programa
Isto eacute promover sauacutede qualidade de vida reduzir o nuacutemero de internaccedilotildees o consumo
patoloacutegico e suicida de drogas ilegais e legais
Enquanto que uma concepccedilatildeo centrada no diagnoacutestico meacutedico presente nos discursos
de Claudomiro e Clemecircncia depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia doenccedila
mental pode refletir em accedilotildees mais engessadas reducionistas e medicalizantes Porque a
centralidade na doenccedila e natildeo na experiecircncia da doenccedila faz com que os profissionais de
sauacutede neste caso os enfermeiros percam oportunidades de reconhecer os sentimentos das
pessoas adequadamente e como resultado algumas emitem o mesmo sinal diversas vezes
como por exemplo procurando frequentemente a unidade de sauacutede e sendo repetidamente
ignoradas Daiacute a importacircncia de escutar a experiecircncia de estar adoecido e natildeo soacute o sintoma
procurando fornecer respostas empaacuteticas que ajudem as pessoas a se sentirem entendidas e
reconhecidas (MOIRA STEWART et al 2010)
Ao longo do discurso de Claudomiro observei uma contradiccedilatildeo dessa visatildeo
reducionista ao discorrer sobre a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede
Proporcionou-me entender o indiviacuteduo como um todo natildeo simplesmente um fiacutegado
um cacircncer um aneurisma () entendo que minha visatildeo profissional depois que eu entrei na
atenccedilatildeo baacutesica mudou bastante
114
Ao falar tambeacutem sobre o curso BABEL Claudomiro apontou a importacircncia da
formaccedilatildeo continuada para instrumentalizaccedilatildeo das equipes
Ajudou muito a me preparar e conhecer o programa de sauacutede mental porque ateacute
entatildeo para mim era uma coisa quase inexplorada quando a gente tinha algum paciente no
hospital de sauacutede mental chamava o psiquiatra quando tinha senatildeo fazia haldol e fenergan e
pronto () hoje me sinto mais sensiacutevel para identificar algum sofrimento psicoloacutegico
Pois para os profissionais da ESF em especial o enfermeiro liacuteder da equipe
(responsaacutevel pela supervisatildeo do trabalho dos teacutecnicos de enfermagem e dos ACSs) eacute essencial
a compreensatildeo de que os recursos da comunidade devem ser considerados e ativados em
primeiro lugar que qualquer processo terapecircutico consiste na ressignificaccedilatildeo do sintoma
sendo necessaacuterio para isso criar um dispositivo articulado agrave rede de sauacutede e que a invenccedilatildeo
deve fazer parte do meacutetodo de trabalho no SF Considerando assim que a pessoa portadora de
algum transtorno ou alguma doenccedila eacute ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicoloacutegicordquo
(LANCETTI 2013 p 19)
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Embora para os enfermeiros entrevistados trabalhar no SF seja uma alternativa ao
modelo meacutedico representando mais autonomia e liberdade de trabalho com um campo de
atuaccedilatildeo mais amplo e bem mais complexo no manejo aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
demonstraram ainda estar dependentes do saber meacutedico
Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma coisa marco
consulta e matriciamento (Aacutedila)
Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para o meacutedico avaliar (Clemecircncia)
Claudomiro embora pontue a escuta relata converso bem natildeo vejo o tempo da
consulta deixo o paciente se sentir agrave vontade falar () ao fazer um relato de uma usuaacuteria
atendida que seria um suposto ldquocasordquo de sauacutede mental mas tambeacutem acionou o meacutedico da
equipe para confirmar sua anamnese ndash A gente trabalha em equipe entatildeo ateacute mesmo para
uma seguranccedila do paciente que eu vejo eu fiz o exame fiacutesico natildeo encontrei coisa sugestiva
para aquela dor solicitei ajuda do colega meacutedico
() natildeo basta o profissional ter uma escuta que reflita uma postura
empaacutetica Nos encontros cliacutenicos terapecircuticos a escuta eacute mais que um
ato ela precisa incorporar uma atitude que expresse a necessidade
primordial de reconhecimento do outro e da legitimidade do lugar que
115
ele ocupa ao falar Esse reconhecimento pressupotildee uma ideologia que
desconstroacutei assimetrias ou melhor reconhece e valoriza a diversidade
do lugar cognitivo cultural e social que cada um ocupa na relaccedilatildeo
(FAVORETO amp PINHEIRO 2011 p 236)
Em todos os discursos foi marcante a solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico
para o ldquomanejordquo dos casos de sauacutede mental enquanto que na ESF um ponto fundamental para
seu modus operandis de acordo com Lancetti (2013) pela proacutepria dinacircmica de trabalho eacute o
funcionamento com centralizaccedilatildeo na equipe que aparece no discurso de Claudomiro ao falar
sobre o encaminhamento de um caso especifico
Fazer uma consulta em conjunto e ateacute encaminhar para psicoacuteloga depois da
avaliaccedilatildeo da equipe () uma avaliaccedilatildeo conjunta tanto da dor fiacutesica quanto da dor
psicoloacutegica () senatildeo desse para equipe e o matriciador fazerem ai sim ele encaminhava
(Claudomiro)
O trabalho na ESF assim como no Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial deve ser baseado
na equipe multiprofissional onde os saberes satildeo compartilhados cada profissional tem a sua
contribuiccedilatildeo e a tomada de decisotildees natildeo eacute exclusiva do profissional meacutedico
Os enfermeiros entrevistados demonstraram uma preocupaccedilatildeo em acolher os ldquocasosrdquo
de sauacutede mental mas natildeo se sentiam preparados para conduzir o manejo solicitando o apoio
do meacutedico da equipe ou do psiquiatra matriciador
Sinto que tenho dificuldade de entrar ali no problema do paciente exatamente mas
assim a gente tenta () Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma
coisa marco consulta e matriciamento (Aacutedila)
Apareceu tambeacutem durante as entrevistas uma queixa-denuacutencia de que antes da
chegada do NASF o matriciamento em sauacutede mental era feito soacute com o meacutedico residente natildeo
tinha a participaccedilatildeo de toda equipe conforme a fala de Aacutedila com a vinda do NASF estaacute
muito mais amplo para as equipes eu tenho acesso ao psicoacutelogo psiquiatra
O NASF deve apoiar as equipes com uma funccedilatildeo teacutecnico-pedagoacutegica e assistencial
(Campos 1999) discutir em conjunto com toda a equipe as melhores estrateacutegias de
intervenccedilatildeo se necessaacuterio atender junto (interconsultas) e instrumentalizar as equipes a partir
das vivencias cotidianas Ampliando assim as possibilidades de continuidade da atenccedilatildeo com
gradientes maiores de viacutenculo e responsabilizaccedilatildeo com o pressuposto de que nenhum
especialista isoladamente pode assegurar uma abordagem integral (FONSECA SOBRINHO et
al 2014)
116
Observei durante as entrevistas com os profissionais enfermeiros uma linha muito
tecircnue entre o cuidar e o medicalizar
Eacute muito assim solto eles natildeo datildeo soluccedilatildeo pra sauacutede mental() eu sou muito
acolhedora quero resolver os problemas dos pacientes quero dar uma soluccedilatildeo para eles
(Clemecircncia)
Num discurso muito tecnicista e determinista do paradigma meacutedico do ldquoproblem
sovingrdquo Gallio (2014 p15) baseado que dado o problema se tem uma causa e uma soluccedilatildeo
numa linha direta Neste caso a causa o problema - seria a doenccedila E a soluccedilatildeondash o que seria a
cura Um modo de pensar e agir baseado no modelo biomeacutedico Daiacute talvez a preocupaccedilatildeo em
acolher e encaminhar para o meacutedico Qual a funccedilatildeo esperada do meacutedico Fazer diagnoacutestico e
prescrever medicaccedilatildeo
Como podemos constatar no discurso dos enfermeiros embora haja alguns deslizes de
um discurso contra hegemocircnico
Vocecirc vecirc o paciente como um todo natildeo soacute pela doenccedila (Clemecircncia)
Na Estrateacutegia a gente natildeo trabalha sozinho precisa de um bom relacionamento tanto
com o paciente como com a equipe multidisciplinar (Claudomiro)
O que ainda predomina nos discursos eacute o modelo meacutedico hegemocircnico doenccedila
paciente
No campo da sauacutede coletiva a missatildeo primordial eacute natildeo permitir que o processo de
patologizaccedilatildeomedicalizaccedilatildeo seja algo natural No manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental eacute
fundamental o entendimento de que simplificaccedilatildeo do tipo queixa- conduta problema-soluccedilatildeo
natildeo conseguiratildeo dar conta da complexidade do sofrimento humano E que seratildeo necessaacuterias
intervenccedilotildees natildeo soacute do campo da sauacutede mas tambeacutem intervenccedilotildees intersetoriais
Recomendaccedilotildees
Quanto agraves recomendaccedilotildees os enfermeiros entrevistados apontaram a capacitaccedilatildeo de
toda a equipe a partir das praacuteticas vivenciadas no cotidiano com a criaccedilatildeo de estrateacutegias que
facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF ao trabalho em sauacutede mental
A gente precisa aprender com o que a gente estaacute vendo aqui na realidade (Aacutedila)
E tambeacutem tem outra coisa importante conseguir que os profissionais possam aderir
melhor a sauacutede mental (Clemecircncia)
Enfatizaram a importacircncia da participaccedilatildeo de todos os profissionais da equipe
117
Natildeo tem que ser com uma pessoa especifica fazer com o enfermeiro ou com o meacutedico
acho que tem que ser com o agente de sauacutede com dentista para toda a equipe estar afinada
nesse sentido da sauacutede mental (Aacutedila)
Melhoria do processo de qualificaccedilatildeo dos profissionais que estatildeo entrando na
atenccedilatildeo baacutesica (Claudomiro)
Pontuaram tambeacutem que a gestatildeo da Secretaria Municipal de Sauacutede poderia ajudar
trabalhando mais estrateacutegias pedagoacutegicas em sauacutede mental junto agraves reuniotildees equipes
O pessoal da secretaria tentar trabalhar mais isso com as equipes porque a sauacutede
mental eacute diferente neacute Porque por exemplo tuberculose vocecirc vai numa capacitaccedilatildeo de
tuberculose as coisas satildeo mais redondinhas neacute A sauacutede mental natildeo eacute assim tatildeo faacutecil tatildeo
redondinha para vocecirc (Aacutedila)
Acho que a prefeitura poderia ajudar tambeacutem as equipes a como trabalhar em certas
situaccedilotildees () porque eu acho que eacute um tema difiacutecil sauacutede mental a gente tem muita
dificuldade em lidar com isso ou porque natildeo sabe de muita coisa ou tem eacute dificuldade mesmo
de lidar (Clemecircncia)
Nesse mesmo discurso tambeacutem surgiu a dificuldade em lidar com os casos de
violecircncia e drogadiccedilatildeo no territoacuterio e a solicitaccedilatildeo de apoio da Coordenaccedilatildeo da Aacuterea
Programaacutetica (CAP)
Tem muito caso de violecircncia na nossa aacuterea e situaccedilotildees de droga eu estou pensando
em formar um grupo junto com o residente meacutedico soacute que ai eu preciso de uma capacitaccedilatildeo
da proacutepria CAP porque noacutes moramos aqui entatildeo para gente eacute muito difiacutecil tambeacutem vocecirc
denunciar vocecirc fazer alguma coisa (Clemecircncia)
O que deixa claro que haacute uma insuficiecircncia de treinamentos em sauacutede mental natildeo soacute
para os enfermeiros mas para todos os membros da equipe apesar da entrada do NASF na
unidade estudada O que leva a inuacutemeras reflexotildees por que lidar com ldquocasosrdquo sauacutede mental
continua sendo uma grande dificuldade para os profissionais da sauacutede Seraacute o processo de
formaccedilatildeo Seraacute a periculosidade do louco construiacuteda ao longo da histoacuteria Seraacute o estigma da
doenccedila mental
No discurso de Clemecircncia notei um deslize quando discorre sobre as dificuldades dos
profissionais da ESF em lidar com as questotildees de sauacutede mental ndash Porque eu acho que alguns
tecircm alguma dificuldade de lidar porque natildeo gostam eu natildeo sei o que me passa eacute isso E
completa o discurso explicando ndash natildeo eacute aqui estou falando de outros lugares de outros
profissionais Mais adiante de sua entrevista ao discorrer sobre o que poderia melhorar na
118
ESF fala que gostaria que os profissionais da ESF fossem mais compromissados com seus
afazeres cotidianos
As pessoas tivessem compromisso com o trabalho mesmo em si que eu acho que
muitas das vezes assim devido agrave sobrecarga alguns ficam desmotivados outros natildeo tem
perfil para trabalhar e ai soacute estatildeo pelo dinheiro (Clemecircncia)
No discurso de Clemecircncia surgiram as queixas-denuacutencia de sobrecarga de trabalho
gerando desmotivaccedilatildeo e a cobranccedila para alcance de metas e nuacutemeros por parte da gestatildeo
municipal de sauacutede sem um apoio adequado agrave realidade cotidiana das equipes
Porque muitas das vezes soacute veem a parte burocraacutetica que eu acho que eacute ruim ndash ah
porque vocecircs tecircm que alcanccedilar meta tal oitenta por cento taacute mas ai ningueacutem vem aqui
ajudar Como eacute que vocecircs podem fazer isso Quais as estrateacutegias E o que vocecircs estatildeo
fazendo para melhorar a equipe de vocecircs Natildeo tem isso em minha opiniatildeo (Clemecircncia)
Tambeacutem notamos nesse discurso algo que ateacute entatildeo natildeo havia aparecido o trabalho no
SF natildeo por uma questatildeo de afinidade com a proposta de trabalho mas pela remuneraccedilatildeo que
principalmente para meacutedicos e enfermeiros realmente eacute diferenciada o rendimento mensal eacute
maior que o oferecido na rede hospitalar justamente para incentivar a cobertura de vagas
Outra recomendaccedilatildeo apontada nos discursos dos enfermeiros foi a gestatildeo municipal
melhorar os fluxos entre os serviccedilos com desenho do que funciona qual a clientela atendida
como deve ser feita a referencia e contra-referencia
Poderia melhorar o fluxo de a gente saber o que funciona o quecirc O que cada um faz
() se eu tenho algum paciente agora com algum transtorno a gente encaminha para o
Pinel e como eacute que fica esse feedback do Pinel pra gente (Clemecircncia)
Principalmente aqui no Rio uma dificuldade da atenccedilatildeo primaacuteria para a secundaacuteria
eles estatildeo tentando organizar atraveacutes do SISREG mas muitas especialidades demoram muito
e a gente precisa () tambeacutem influencia muito melhorar a questatildeo do encaminhamento da
regulaccedilatildeo (Aacutedila)
Natildeo soacute em sauacutede mental mas em vaacuterias aacutereas eacute pouco a gente ter a contra-
referecircncia a gente encaminha o paciente explica o caso envia guia de referencia e contra-
referecircncia e a gente natildeo tem esse retorno infelizmente (Claudomiro)
A expansatildeo da APS por meio da ESF principalmente na Cidade do Rio de Janeiro
avanccedilou muito conforme dados jaacute mostrados anteriormente mas o que se percebe por meio
dos discursos dos profissionais entrevistados eacute que ainda natildeo haacute uma integraccedilatildeo entre os
niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede apesar do instituiacutedo na Lei 808090 haacute uma grande lacuna entre o
instituinte e o instituiacutedo Como a ESF pode ser coordenadora do cuidado sem uma rede
119
integralizada de serviccedilos instituiacuteda A falta de integraccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede
eacute um grande desafio para expansatildeo da ESF nos diversos municiacutepios brasileiros onde
persistem importantes barreiras organizacionais para acesso a atenccedilatildeo especializada os fluxos
estatildeo pouco ordenados a integraccedilatildeo da APS agrave rede ainda eacute incipiente e inexiste coordenaccedilatildeo
entre APS e atenccedilatildeo especializada como apontam os autores Fausto et al (2014) em um
estudo realizado sobre ldquoA posiccedilatildeo da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia na rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede
na perspectiva das equipes e usuaacuterios participantes do PMAQ-ABrdquo que analisou a perspectiva
das 16566 equipes de Sauacutede da Famiacutelia e dos 62505 usuaacuterios participantes do Programa
Nacional para Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica em 2012
E fechando as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF
tambeacutem apareceu no discurso dos enfermeiros entrevistados tal como no dos meacutedicos
residentes entrevistados o aumento do nuacutemero e da carga horaacuteria das equipes do NASF
O NASF eu tentaria colocar mais equipe com mais tempo nas unidades porque noacutes
temos um NASF que eacute dividido entre algumas clinicas eles fazem quarenta horas poreacutem
tantas horas em cada cliacutenica e agraves vezes apesar da modernidade hoje do Whatsapp a gente
tem que telefonar (Claudomiro)
Como jaacute relatado nas recomendaccedilotildees dos residentes meacutedicos entrevistados o nuacutemero
de profissionais do NASF assim como suas cargas horaacuterias estatildeo de acordo com a mais
recente Portaria do NASF - GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 Deixando-nos tambeacutem algumas
reflexotildees Os profissionais da ESF tem clareza da funccedilatildeo do NASF Os profissionais do
NASF tem clareza do seu papel junto agrave ESF O trabalho da ESF apesar de seus atributos
essenciais acesso continuidade do cuidado coordenaccedilatildeo do cuidado e integralidade Starfield
(2002) continua baseado no especialismo
Faz-se importante aqui ressaltar que natildeo basta soacute ter profissionais especialistas para
apoio agraves equipes da ESF mas que eacute fundamental que esses especialistas e as equipes apoiadas
possam revisitar suas praacuteticas em direccedilatildeo a processos efetivamente mais compartilhados e que
incidam sobre uma nova forma de construir o cuidado em sauacutede com discussotildees de processo
de trabalho e intervenccedilotildees no territoacuterio (FONSECA SOBRINHO et al 2014)
120
624 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Teacutecnicos de Enfermagem
Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Teacutecnicos de Enfermagem
Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
Violecircncia na famiacutelia depressatildeo uso de drogas
uso de medicaccedilatildeo psiquiaacutetrica controlada toda
hora repetindo as coisas ficas aacutes vezes
piscando a vista fica inquieto
Aquele paciente dependente acompanhado pela
famiacutelia e que a famiacutelia tem um cuidado melhor
e uma atenccedilatildeo redobrada
Paciente que eacute acompanhado pelo Pinel faz uso
de 3 ampolas de haldol de 1414 dias
Muitas das vezes a gente pede ajuda da equipe
e fazemos discussatildeo de casos
Sauacutede mental geralmente quando chega com
alguma crise a gente daacute a medicaccedilatildeo o paciente
fica calmo e se precisar assim a gente
encaminha para a UPA
Depende de cada diagnoacutestico porque o
psiquiatra que estaacute junto com a gente do
matriciamento ele estaacute justamente para resolver
o que puder ser aqui junto com o meacutedico
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Ter psiquiatra como meacutedico da unidade
Natildeo ter atendimento conjunto psiquiatra e meacutedico da famiacutelia
Grupos de atividades para integraccedilatildeo social
121
Durante as entrevistas com os Teacutecnicos de Enfermagem percebi algumas dificuldades
de entendimento das perguntas colocadas por exemplo na identificaccedilatildeo quando pedi para
falar soacute as iniciais do nome completo dois entrevistados natildeo entenderam e acabaram
pronunciando o nome todo Tambeacutem quando questionado sobre a importacircncia da ESF para o
sistema de sauacutede um deles entendeu diferenccedila sendo necessaacuteria reformular a mesma pergunta
diversas vezes ateacute sua compreensatildeo Percebi tambeacutem uma timidez por parte deles em
participar da pesquisa pois como podemos evidenciar nos discursos o trabalho dessa
categoria na ESF parece ainda estar muito voltado para procedimentos teacutecnicos sem muita
participaccedilatildeo na equipe como um todo
No iniacutecio eu estava meio preocupado porque o teacutecnico de enfermagem ele fica soacute ali
no procedimento vacina curativo entatildeo ele acaba natildeo se envolvendo muito com as coisas
aqui da unidade entendeu Mas assim eu gostei da entrevista (Felismina)
Noacutes teacutecnicos a gente natildeo consegue pegar muito esse momento do acolhimento a
gente jaacute pega o poacutes quando jaacute foi acolhido jaacute teve uma consulta e uma orientaccedilatildeo
geralmente quando chega pra gente eacute soacute para fazer medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute para controle de
alguma coisa assim eacute isso (Eliseu)
Esses discursos satildeo analisadores importantes para avaliaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder
dentro das equipes de sauacutede O quanto o poder estaacute relacionado ao detentor do conhecimento
no caso aos profissionais de niacutevel superior meacutedico e enfermeiro O teacutecnico de enfermagem
dentro da equipe de sauacutede onde a escolaridade exigida eacute o ensino meacutedio fica tomado em
afazeres teacutecnicos sendo uma matildeo-de-obra importante mas com pouca vocalizaccedilatildeo o que se
repete mesmo na ESF
Tambeacutem apareceram nos discursos dos teacutecnicos de enfermagem duas queixas -
denuacutencia
1) a sobrecarga de trabalho ndash Acho que os teacutecnicos na Cliacutenica da Famiacutelia satildeo muito
sobrecarregados muito trabalho (Eliseu)
2) a alta rotatividade dos profissionais principalmente meacutedicos residentes o campo de
estudo como jaacute relatado anteriormente eacute cenaacuterio de praacutetica para Residecircncia em Medicina de
Famiacutelia e Comunidade que tem duraccedilatildeo de dois anos o que acaba interferindo no
acompanhamento e viacutenculo com os usuaacuterios
Nesse periacuteodo que eu estou na Estrateacutegia vejo essa dificuldade que agraves vezes tem um
profissional e ai esse profissional comeccedila desenvolve um trabalho e ai de repente por algum
outro motivo aquele profissional eacute deslocado dali natildeo estaacute mais vem outro agora com essa
122
coisa dos residentes tem essa troca muito continua () e os pacientes fazem esse vinculo eacute a
queixa deles a gente ouve muito isso agora (Daacutercio)
Quanto agrave sobrecarga de trabalho o nuacutemero de teacutecnicos de enfermagem na CF estaacute
dentro dos preceitos legais do MS um teacutecnico para cada equipe da ESF o nuacutemero de usuaacuterios
tambeacutem como jaacute relatado anteriormente estaacute de acordo com preconizado pela PNAB (2012)
respeitando-se inclusive que em aacutereas de maior vulnerabilidade social o nuacutemero de usuaacuterios
por equipe eacute menor como de fato acontece na unidade estudada A questatildeo eacute que como as
pessoas estatildeo de fato sendo atendidas e as carecircncias em relaccedilatildeo a poliacuteticas puacuteblicas de um
modo geral satildeo muitas o que acaba acontecendo eacute que muitas coisas que natildeo deveriam chegar
agrave ESF chegam e natildeo satildeo questotildees propriamente de sauacutede ou ateacute mesmo o usuaacuterio jaacute ficou
tanto tempo desassistido que o seu quadro acaba cronificando o que demanda mais visita agraves
unidades de sauacutede Ou tambeacutem como natildeo existe uma articulaccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo
em sauacutede o usuaacuterio chega agrave ESF que eacute a porta de entrada mas natildeo consegue ser referenciado
para outros niacuteveis demandando atenccedilatildeo cuidado visita domiciliar mas sem muita
resolutividade
Quanto a questatildeo da alta rotatividades dos profissionais na ESF o estudo realizado por
Rizzoto et al (2014) apontou que mais de 70 dos profissionais nas equipes de Atenccedilatildeo
Baacutesica natildeo permanecem mais que dois anos em cada equipe e que a precarizaccedilatildeo dos viacutenculos
e contratos de trabalho para manter o serviccedilo cumpri tambeacutem com a Lei de responsabilidade
fiscal o que tem chamado atenccedilatildeo de gestores e pesquisadores do campo do planejamento e
da gestatildeo do trabalho em sauacutede Em relaccedilatildeo aos meacutedicos residentes em especifico a
Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade foi uma estrateacutegia adotada pela Secretaria
Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro para fixaccedilatildeo de profissionais meacutedicos prioritariamente
em aacutereas de difiacutecil acesso com incentivo financeiro para expansatildeo da ESF na cidade
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
No discurso dos Teacutecnicos de Enfermagem foi presente uma visatildeo do modo asilar
reducionista centrado na medicaccedilatildeo no controle e na ausecircncia de autonomia
Hoje mesmo teve um paciente aqui (fala o nome do paciente) ele eacute acompanhado pelo
Pinel junto com o pessoal do matriciamento daqui () ele toma de 14 em 14 dias trecircs
ampolas de haldol (Daacutercio)
Desde adolescente ele sempre usou medicaccedilatildeo atraveacutes de psiquiaacutetrico controlado ()
depois piorou usou a medicaccedilatildeo e misturou com a droga (Felismina)
123
Acho que eacute aquele paciente dependente (Eliseu)
Quando questionado que dependecircncia seria essa (Eliseu) responde
Acompanhado pela famiacutelia que a famiacutelia tem um cuidado e atenccedilatildeo melhor atenccedilatildeo
redobrada assim com o indiviacuteduo Eu acho que eacute isso
Como pude constatar para os teacutecnicos de enfermagem entrevistados ldquocasordquo de sauacutede
mental estaacute relacionado ao uso de medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia e
comportamentos estereotipados
Toda hora vai repetindo a coisa neacute fica agraves vezes piscando a vista fica inquieto ai
fica pra laacute e pra caacute (Felismina)
Um comportamento diferente que natildeo eacute comum natildeo eacute normal do que vocecirc estaacute
acostumado a ver (hellip) agraves vezes chegam muito agitados ou se isolam e ficam ali no cantinho
(Daacutercio)
O que representa ainda uma concepccedilatildeo do modelo meacutedico psiquiaacutetrico talvez ateacute
mesmo pela formaccedilatildeo teacutecnica que eacute de 1 (um) ano com conteuacutedos teoacuterico e praacutetico voltados
para o ambiente e cuidados hospitalares
Talvez tambeacutem pelo grau de escolaridade e perfil socioeconocircmico desses profissionais
exista uma insuficiecircncia de conhecimento e leitura sobre a Reforma Psiquiaacutetrica ateacute mesmo
pela dificuldade de acesso agraves leituras do campo
Todos os teacutecnicos de enfermagem responderam que natildeo tiveram nenhum treinamento
para lidar com as questotildees de sauacutede mental ou seja natildeo tiveram durante a formaccedilatildeo e nem no
serviccedilo fato alarmante para profissionais que atuam na ESF
Apesar dessa visatildeo ainda do modo asilar apareceram alguns deslizes ao longo de seus
discursos
Ele ateacute que conversa direitinho eacute um paciente hipertenso () ele vem sozinho verificar
a pressatildeo e a gente dar toda atenccedilatildeo para ele (Eliseu)
Numa boa porque assim a gente consegue passar essa seguranccedila para eles e ai eles
ficam com essa referecircncia nossa (Daacutercio)
Uma vez eu fui atender o paciente ele tem problema de sauacutede mental eu vi a pressatildeo
dele estava muito alta orientei a irmatilde (Felismina)
O que demonstrou que na praacutetica cotidiana esses profissionais conseguem atender aos
ldquocasosrdquo de sauacutede mental natildeo soacute por suas queixas psicopatoloacutegicas mas valorizando tambeacutem
suas queixas fiacutesicas e estabelecendo viacutenculos
O que explicitou a importacircncia da inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na ESF o
cuidado integral sem separaccedilatildeo entre mente e corpo de base territorial e com criaccedilatildeo de
124
viacutenculos O direito a atendimento universal equacircnime e integral eacute uma das premissas da
poliacutetica nacional de sauacutede mental Para o alcance dessa premissa de acordo com Souza
(2015) eacute primordial estar atento agraves necessidades e demandas dos usuaacuterios valorizando suas
queixas assim como caminhar na direccedilatildeo de serviccedilos inseridos nos territoacuterios de vida das
pessoas como a ESF Para Delgado (2001) soacute dessa forma seraacute possiacutevel caminhar para
atenccedilatildeo e cobertura decentes em sauacutede mental Portanto embora o discurso dos teacutecnicos de
enfermagem ainda seja do modo asilar mesmo sem saber estatildeo realizando accedilotildees do modo
psicossocial O que coincide com o estudo feito por Souza (2012) que apontou que as accedilotildees
de sauacutede mental na AB permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais natildeo tinham clareza
sobre elas)
2) Manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Quanto ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental nos discursos dos Teacutecnicos de
Enfermagem verifiquei dois modos de agir
1) Um com centralidade na equipe com discussatildeo de caso e apoio do matriciador
como preconizado pela PNAB (2012)
Muitas vezes a gente pede ajuda da equipe e fazemos discussatildeo de caso (Eliseu)
Eu acho que depende de cada diagnoacutestico entendeu Porque o (fala o nome do
meacutedico psiquiatra) que eacute o psiquiatra e esta junto com a gente no matriciamento ele estaacute na
unidade justamente para isso resolver o que puder ser resolvido aqui junto do meacutedico da
equipe trabalham em conjunto e vecircem o que podem resolver acho que somente poucos casos
devem ser encaminhados para alguma outra instituiccedilatildeo fora daqui (Daacutercio)
2) E outro com centralidade na crise na medicaccedilatildeo e na loacutegica do encaminhamento
confirmando o modo asilar de pensar e fazer presente na concepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mental no discursos dos profissionais dessa categoria
Sauacutede mental a gente geralmente quando chega com alguma crise assim a gente daacute a
medicaccedilatildeo o paciente fica calmo e se precisar assim a gente encaminha pra UPA (Eliseu)
O primeiro modo de agir embora esteja baseado no discurso politicamente correto de
acordo com as premissas da PNAB (2012) ao longo das entrevistas percebi alguns deslizes
pois esses profissionais pareciam natildeo se sentirem participes do processo de construccedilatildeo do
plano do cuidado dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental passando essa responsabilidade para os
meacutedicos tanto para o psiquiatra matriciador como para o meacutedico da equipe entrando em accedilatildeo
soacute quando solicitado para fazer algum procedimento (seja medicaccedilatildeo verificaccedilatildeo PA ou ateacute
mesmo visita domiciliar)
125
A gente passava para os meacutedicos e tentava fazer o melhor possiacutevel para estar
ajudando o paciente (Felismina)
Geralmente quando chega pra gente jaacute chega para fazer uma medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute
para o controle de alguma coisa (Daacutercio)
No cenaacuterio do estudo quando participei das reuniotildees de equipe percebi que os
teacutecnicos de enfermagem estavam de corpo presente na reuniatildeo mas permaneciam a maior
parte do tempo calados alguns tiravam um cochilo e apresentavam-se muito preocupados
com os afazeres teacutecnicos (curativo sala de vacinaccedilatildeo procedimentos) Chegavam inclusive
muitas das vezes atrasados ou saiam antes ou ateacute mesmo eram solicitados durante a reuniatildeo
Portanto nas discussotildees de equipe a voz desse profissional aparecia muito pouco exceto
quando havia a necessidade de fazer alguma intervenccedilatildeo com a presenccedila dessa categoria
Percebi tambeacutem que as atividades destes profissionais estavam muito concentradas na
unidade de sauacutede restando pouco tempo para accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede na comunidade
Seraacute que essa categoria profissional estaacute realmente sobrecarregada na ESF como jaacute
apresentado como queixa-denuncia no discurso dos proacuteprios profissionais
Recomendaccedilotildees
Um entrevistado relatou natildeo ter nenhuma recomendaccedilatildeo para melhoria das accedilotildees de
sauacutede mental na atenccedilatildeo baacutesica pois na sua concepccedilatildeo com a chegada do NASF o trabalho
estaacute bem realizado
Tem bastante coisa que a Cliacutenica da Famiacutelia tem feito tem discussatildeo de casos dentro
da proacutepria equipe tem rodas de conversas que os meacutedicos fazem discutindo os casos junto
com os pacientes tecircm tambeacutem os meacutedicos do NASF eu acho que o trabalho com a sauacutede
mental estaacute sendo bem realizado (Eliseu)
Nesse discurso mais uma vez notamos o protagonismo do profissional meacutedico nas
atividades relatadas
No discurso de Felismina tambeacutem percebemos a centralidade do atendimento no
profissional meacutedico acrescido do foco no especialismo segregando as pessoas por sua
patologia o que deixou claro o desconhecimento da proposta de atendimento do NASF por
meio do apoio matricial e de toda a forma de atendimento no sauacutede da famiacutelia
Na unidade teria que ter realmente o psiquiatra ele como meacutedico da unidade
atendendo o paciente e natildeo precisar ser junto neacute O clinico geral com o psiquiatra Claro
que a gente jaacute tem mas eacute um atendimento conjunto estaacute oacutetimo neacute Porque jaacute foi mais uma
126
passo que a unidade avanccedilou neacute Que natildeo tinha () entatildeo tipo assim pessoas que tem
problemas psiquiaacutetricos ficar ali com meacutedico psiquiaacutetrico (Felismina)
Jaacute no discurso de Daacutercio ficou evidenciada uma recomendaccedilatildeo de acordo com o
modelo de atenccedilatildeo psicossocial onde foram sugeridas atividades em grupo na unidade de
sauacutede para estimular o conviacutevio social apesar de sua concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental
ainda ser do modo asilar
Acho que dentro da unidade de repente poderia ter grupos de atividades que pudesse
trazer para a sociedade trazer de volta esses pacientes que se isolam que ficam mais assim
() eu acho que seria bom melhoraria (Daacutercio)
127
625 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede
Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACSs)
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
Nuacutecleos Discursivos Significantes
Pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa
pessoas que fazem parte de algumas religiotildees e deixam de
fazer algumas coisas pessoas que fumam exageradamente
que comem compulsivamente ou deixam de comer que
bebem muito
Eu acho que a maioria tem sauacutede mental obvio que tem gente
que jaacute nasce com problema outras que com a sofrencia da
vida acaba adquirindo problemas entrando em surto ficando
doido estressado
Pessoas deprimidas que se isolam que natildeo tem mais alegria
tecircm dificuldades tentam ateacute se matar
Envolvimento com drogas certos transtornos que a pessoa eacute
agressiva transtorno bipolar obsessivo
Pessoas estressadas
Um olhar de tristeza algo que perturba o dia-a-dia e foge da
rotina
Algum distuacuterbio alguma mania um estresse que acarreta
uma crise eacute o momento que tu vive
Perturbaccedilatildeo devido a tantos remeacutedios
Agressividade irritabilidade surto situaccedilatildeo de vida precaacuteria
depressatildeo
Procuro conversar adequando o meu tom de voz estar
sempre perto visitando perguntando o que poderia tirar a
pessoa daquele quadro
Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a
enfermeira resolvem e eu fico soacute acompanhando
Acolhemos procuramos conviver conversar mais apoiando
tentando trazer para a CF para participaccedilatildeo dos nossos
programas que oferecemos
Converso peccedilo para ir a CF falar com os meacutedicos cliacutenicos
que eles que encaminham para psiquiatria e comeccedilar um
tratamento
Venho a CF falo com o meacutedico e peccedilo para o paciente vir na
demanda tenho um grupo de caminhada e um grupo de
exerciacutecio a gente dava uma caminhadinha para tirar o
estresse do dia-a-dia
Prevenccedilatildeo escuta atuaccedilatildeo sem remeacutedio jaacute levei para o
CMS onde sabia que tinha psiquiatra e para emergecircncia
psiquiaacutetrica
Trago o caso pra equipe
Trago diretamente para enfermeira chefe e para os meacutedicos
da equipe marcamos uma visita domiciliar
A gente traz para equipe para que eles nos decirc que rumo vai
ser feito
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE
SAUacuteDE MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Cursos de capacitaccedilatildeo e teacutecnicas de abordagem para usuaacuterios de drogas violecircncia domeacutestica
Presenccedila de outros oacutergatildeos
Dar mais ecircnfase ndash ainda mais agora que estatildeo comeccedilando a liberar essas pessoas e como a sociedade vai receber
Implantar psiquiatria e psicologia fixos na CF
Interconsulta com todos os profissionais de sauacutede com a participaccedilatildeo do ACS
Diminuir o tempo de espera para atendimento
Aprender ldquoouvirrdquo e ver ldquoaleacutem do que estatildeo mostrandordquo
Ter mais meacutedicos especializados
Estar aberto agraves pessoas ter temperanccedila
128
Durante as entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACSs) percebi que ao
falarem sobre o que consideravam como ldquocasordquo de sauacutede mental no iniacutecio tinham uma
inibiccedilatildeo por natildeo terem ldquoformaccedilatildeordquo ou seja conhecimento teoacuterico sobre o assunto como
podemos observar nos discursos
Eu tenho natildeo eacute minha formaccedilatildeo neacute (Geneacutesia)
Enfim eu sou meio leigo no assunto (Heda)
Eu natildeo entendo muito de sauacutede mental (Iana)
Como jaacute descrito anteriormente esse trabalhador eacute um morador da aacuterea que atua sem
formaccedilatildeo em sauacutede seu capital social eacute o conhecimento do territoacuterio e das pessoas que nele
habitam eacute portanto o elo entre a comunidade e os profissionais de sauacutede E eacute nisso nessa
ldquoalma comum e comunitaacuteriardquo que estaacute radicada a potecircncia terapecircutica dos ACSs
(LANCETTI 2014 p96)
Talvez por ser a classe de trabalhadores da base no niacutevel hieraacuterquico da equipe da
ESF sentem-se muitas vezes dependentes das decisotildees do meacutedico e do enfermeiro natildeo
reconhecendo a potecircncia do seu trabalho por acreditarem que por natildeo ter o conhecimento
teacutecnico da sauacutede o seu trabalho teria menos valor Para Lancetti (2014) os ACSs satildeo peccedilas
preciosas da maacutequina de produzir e fazer sauacutede mental em virtude de sua praacutetica paradoxal
ldquoParadoxal pois satildeo ao mesmo tempo membros da comunidade e integrantes da organizaccedilatildeo
sanitaacuteria E nesse funcionamento radica sua potencialidaderdquo (LANCETTI 2014 p93)
Embora sejam a categoria em maior nuacutemero dentro da equipe nas reuniotildees que tive
oportunidade de presenciar alguns tinham uma participaccedilatildeo bem ativa outros nem tanto
assim como o grau de afinidade com o trabalho desenvolvido uns mostraram-se envolvidos
interessados e proacute-ativos outros precisavam de um lsquoempurratildeozinhorsquo do enfermeiro ou meacutedico
da equipe
Nas entrevistas realizadas tantos com os meacutedicos preceptores e residentes assim como
com os enfermeiros foi constante a queixa-denuncia da necessidade urgente de formaccedilatildeo para
os ACSs Foi comum nos discursos a reclamaccedilatildeo de que alguns ACSs natildeo sabiam o que
estavam fazendo na ESF qual era a sua funccedilatildeo a ser desempenhada Ateacute mesmo nos discursos
deles proacuteprios sugiram sugestotildees para aperfeiccediloar as estrateacutegias de seleccedilatildeo e investir mais em
capacitaccedilatildeo para os ACSs O que eacute uma queixa-denuncia que necessita ser melhor escutada e
avaliada pois satildeo os ACSs os responsaacuteveis pelo acolhimento dos usuaacuterios hoje nas Cliacutenicas
da Famiacutelia e pela busca ativa no territoacuterio portanto um trabalhador fundamental para a
engrenagem da ESF
129
No discurso dos ACSs pudemos observar tambeacutem um corte social de classe presente
nas falas
A cliacutenica numa fase de expansatildeo foi pro asfalto fiquei apavorada vou trabalhar na
rua com essas pessoas que sabem muito mais e eu tatildeo pouco sei (Heda)
Entrosando num soacute vinculo social porque eacute comunidade eacute rua ultrapassar as
barreiras de preconceitos ateacute preconceitos meus mesmos (Jacobina)
Mais uma vez assim como no discurso dos teacutecnicos de enfermagem apareceu a
questatildeo social encarada por estes profissionais que natildeo possuiacuteam niacutevel de instruccedilatildeo superior
como um sentimento de menos valia Acrescentado ao lugar de moradia comunidade x
asfalto num sentimento de inferioridade formando barreiras de comunicaccedilatildeo produzidas por
eles proacuteprios Pois acreditavam que no asfalto soacute havia pessoas cultas e que eles natildeo tinham
nada para passar ensinar O que logo caiu por terra ao longo de suas imersotildees no cotidiano do
asfalto pois perceberam que essas pessoas eram carentes de atenccedilatildeo e afeto o que permitiu
aproximaccedilatildeo e construccedilatildeo de vinculo Embora tenham relatado o quanto eacute difiacutecil entrar em
alguns condomiacutenios fechados desafios do trabalho da ESF em uma grande metroacutepole como eacute
a cidade do Rio de Janeiro
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Em relaccedilatildeo ao guia para analise compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
os ACSs foram os trabalhadores dentro da ESF que menos usaram os termos doenccedila doente e
diagnoacutestico meacutedico trouxeram um entendimento mais amplo das vaacuterias situaccedilotildees da vida
estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas
com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou
social desagregador ou como denominou Kiara em seu discurso satildeo muitos assuntos mal
resolvidos Mas tambeacutem surgiram em alguns discursos os termos perturbado transtorno
psiquiaacutetrica mania distuacuterbio agressividade problema mental e remeacutedio controlado
No discurso desses profissionais surgiu a concepccedilatildeo muito cara para o campo da
Atenccedilatildeo Psicossocial que eacute a prevenccedilatildeo com a valorizaccedilatildeo do vinculo da longitudinalidade e
da escuta
Eu consigo perceber que hoje dei um bom dia mas aquele bom dia natildeo me fluiu bem e
vou laacute perguntar o que estaacute acontecendo e ela me diz um monte de coisa ela jaacute um caso de
sauacutede mental um caso que a gente pode controlar sem remeacutedio Soacute com a escuta sem poder
introduzir o remeacutedio isso eacute prevenccedilatildeo isso eacute sauacutede mental (Hebe)
130
Outra concepccedilatildeo tambeacutem presente e muito cara ao campo eacute a natildeo medicalizaccedilatildeo ou
seja natildeo transformar os problemas da vida em problemas meacutedicos portanto passiveis de
diagnoacutestico e medicaccedilatildeo Mas ampliar o espaccedilo de escuta e a oferta de outras estrateacutegias de
intervenccedilatildeo natildeo medicamentosa explorando os recursos da proacutepria comunidade Pois ativar
os recursos escondidos ou disponiacuteveis da comunidade nunca deve ser um ato tecnocraacutetico ou
burocraacutetico (LANCETTI 2014)
Nesse mesmo discurso encontramos um exemplo riquiacutessimo de empoderamento
A gente tem um grupo um professor de atividade fiacutesica e a gente levou ele na minha
aacuterea () levamos porque um dia uma paciente me ligou agraves trecircs horas da manhatilde que a sogra
dela tinha morrido e ela estava velando o corpo sozinha eu natildeo podia fazer nada mas eu fui
porque naquele momento eu era o apoio dela e ser Agente de Sauacutede eacute ser apoio () e
quando cheguei laacute a gente mora em uma comunidade estava soacute eu ela e minha amiga
velando o corpo () isso me incomodou muito quando o professor chegou a ideacuteia dele era
que as mulheres emagrecessem mudassem a rotina delas pudesse fazer um exerciacutecio em
casa a minha era de que elas pudessem se conhecer e se ajudar (Hebe)
Como podemos observar eacute notaacutevel a potecircncia do viacutenculo estabelecido entre a ACS e a
usuaacuteria sendo o apoio nesse momento tatildeo doloroso que foi a perda de um ente familiar mas
que a proacutepria ACS ao mesmo tempo em que se coloca como apoio se contradiz eu natildeo podia
fazer nada Natildeo conseguiu entender que naquele momento o apoio estar do lado dessa
usuaacuteria foi o seu pedido de ajuda e isso eacute promover sauacutede mental Outra intervenccedilatildeo valorosa
dessa mesma ACS foi a partir desse episoacutedio levou o professor de educaccedilatildeo fiacutesica para
possibilitar o conviacutevio entre as mulheres que moravam na mesma aacuterea visando a coesatildeo entre
elas e a ajuda muacutetua Enquanto o professor muito preso ao seu saber teacutecnico tinha como
objetivo estimular atividades fiacutesicas e haacutebitos saudaacuteveis Daiacute o potencial da contribuiccedilatildeo de
outros saberes no fazer cotidiano da ESF tornando as estrateacutegias de intervenccedilatildeo mais soft e
menos medicalizadoras (SARACENO 2001)
Faz-se importante destacar que essa ACS eacute reconhecida na unidade como a que tem
mais afinidade com as questotildees de sauacutede mental participa dos Foacuteruns e das supervisotildees de
territoacuterio da Sauacutede Mental da aacuterea e se colocava disponiacutevel e atuante para tal funccedilatildeo O que
deixava transparecer sua disponibilidade interna para delicadeza das situaccedilotildees que ela exerce
com muita facilidade e espontaneidade Natildeo tendo clareza do potencial de suas accedilotildees
Tornado explicito mais uma vez o mito do especialista da necessidade de ter um profissional
de sauacutede mental para produzir intervenccedilotildees terapecircuticas adequadas
131
No discurso Jacobina apareceu o estresse como percepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental
apontando a importacircncia de avaliar o que a pessoa estaacute sentido ou vivendo no momento
Agraves vezes vocecirc estaacute estressado vocecirc daacute uma crise isso natildeo quer dizer que vocecirc eacute
louco entendeu Eu acho que a sauacutede mental eacute o que vocecirc estaacute sentindo naquela hora ()
Poreacutem houve contradiccedilotildees nesse discurso com o uso dos termos distuacuterbio mania louco e
maluco
Alguma coisa que a pessoa tem algum distuacuterbio porque a sauacutede mental a pessoa fala
eacute louco natildeo agraves vezes eacute alguma mania isso eacute sauacutede mental () porque agraves vezes os outros
falam ah sauacutede mental eacute maluco e natildeo eacute (Jacobina)
Como podemos observar o discurso de Jacobina foi marcado por uma ambivalecircncia
ao mesmo tempo em que traz a visatildeo do modo da Atenccedilatildeo Psicossocial traz tambeacutem os
termos distuacuterbio e mania do Modelo Biomeacutedico
O discurso de Lana traz a importacircncia da sauacutede mental na ESF com a compreensatildeo
de que mente e corpo natildeo satildeo dicotomizados oferecendo um cuidado longitudinal e
integrado Sinalizando tambeacutem a importacircncia de considerar o ambiente social e cultural no
processo de adoecimento
Ela era psiquiaacutetrica mas ela tinha tambeacutem enfisema diabetes () porque muitas das
vezes natildeo eacute soacute o transtorno agraves vezes eacute o ambiente que aquela pessoa estaacute vivendo que estaacute
deixando ela psiquiaacutetrica () porque haacute uma briga interna da famiacutelia que dificulta a situaccedilatildeo
da vida tambeacutem precaacuteria que ai vocecirc fica tentando ver o que vocecirc vai fazer com aquele
paciente qual eacute a maneira que tu vai entrar naquela famiacutelia () porque a famiacutelia briga a
casa que mora eacute peacutessima a situaccedilatildeo que natildeo ajuda e as doenccedilas propriamente ditas ()
Entatildeo assim difiacutecil mas assim a gente conseguiu acompanhar ter acesso () que no
comeccedilo natildeo tiacutenhamos era bem difiacutecil e a famiacutelia tambeacutem porque a gente adota a famiacutelia
mas eles tambeacutem nos adotam porque depende tambeacutem da aceitaccedilatildeo deles agrave nossa pessoa
Nesse mesmo discurso encontramos tambeacutem a inclusatildeo do nuacutecleo familiar e o poder
da visita domiciliar como uma espeacutecie de ldquopoliacutecia meacutedica revolucionaacuteriardquo Lancetti (2014
p93) O autor explica poliacutecia no antigo sentido da poliacutecia meacutedica uma das fontes histoacutericas
da medicina sanitaacuteria pois se inserem no ambiente domeacutestico iacutentimo e no territoacuterio
existencial das pessoas E revolucionaacuteria porque ali onde somente a TV Globo ou as
emissoras de raacutedio se inserem como componentes de produccedilatildeo de subjetivaccedilatildeo com
consequumlecircncias infantilizantes os ACSs conseguem penetrar criando viacutenculos por meio de
processos sociais de comunicaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e produccedilatildeo de singularidades O que conduz a
132
accedilotildees e paixotildees coletivas solidaacuterias e tecem fio a fio redes microssociais de alto poder
terapecircutico (LANCETTI 2014)
No discurso de Heda a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental estaacute relacionada a desde
melancolia passando por pessoas que fumam ou comem compulsivamente ateacute pertencer a
alguma religiatildeo uma conceituaccedilatildeo ampliada e holiacutestica mas focada nos excessos pois nos
informa que o excesso pode ser sinal de algo natildeo vai bem
Eu tenho pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa () pessoas
que umas satildeo asseadas outras natildeo pessoas que fazem parte de alguma religiotildees entatildeo
deixam de fazer outras coisas porque a religiatildeo impede e elas ficam agrave espera de um milagre
natildeo entendem que elas precisam fazer a parte delas pessoas que fumam exageradamente
jogam toda a sua ansiedade seu nervosismo ali pessoas que comem compulsivamente ou
deixam de comer pessoas que bebem muito (Heda)
Seraacute mesmo o excesso um sinal vermelho Os ACSs com seu poder de entrar na casa
das pessoas para accedilotildees seja de promoccedilatildeo ou prevenccedilatildeo de sauacutede comeccedilam a se apropriar do
modo de vida delas e a trazer para unidade de sauacutede o que detectam como problema no caso
acima os excessos Mas seraacute isso um problema para esses usuaacuterios tambeacutem Esses agentes de
sauacutede satildeo o dedo do Estado na comunidade surfam no controle Lancetti (2014) Faz-se
necessaacuterio aqui lembrar Deleuze a sociedade de controle opera ao ar livre natildeo mais no
hospiacutecio mas em todo lugar e fundamentalmente no domicilio Portanto esse instrumento
valioso de trabalho na ESF pode ser tambeacutem uma nova forma de controlar a vida das pessoas
indo mais longe ateacute tornar meacutedico questotildees cotidianas da vida Esse eacute um risco que precisa
ser melhor estudado com a expansatildeo da ESF e aumento da capilaridade das accedilotildees de sauacutede
nas cidades brasileiras
No discurso de Nateacutercia a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental aparece como
Ficou perturbado devido a tantos remeacutedios () porque ele sofreu de meningite ele
ficou cego e ficou perturbado devido a tantos remeacutedios agraves vezes descontrolados que ele
tomava por falta de conhecimento hoje jaacute estaacute ateacute melhor
Foi muito interessante perceber que para falar sobre a concepccedilatildeo e percepccedilatildeo dos
ldquocasosrdquo de sauacutede mental os ACSs citaram os exemplos de atendimento que realizaram
trazendo exemplos praacuteticos do trabalho cotidiano Nesse discurso por exemplo o
entrevistado conta o caso por ele atendido de um usuaacuterio com tuberculose resistente e notou-
se uma vaidade em falar
Jaacute existiram trecircs agentes de sauacutede na aacuterea eu entrei na minha aacuterea para fazer a
diferenccedila disso eu tenho certeza por quecirc Porque eu curei tenho certeza disso natildeo foi soacute o
133
remeacutedio dependeu de mim a cura dele () natildeo aceitava tomar remeacutedio de matildeo de agente
nenhum porque nenhum agente soube chegar ateacute ele da forma que eu cheguei (Nateacutercia)
Nateacutercia no decorrer de seu discurso falou de sua opccedilatildeo sexual da sua dificuldade
em ser aceito pelas pessoas da comunidade e das barreiras que ele mesmo criou impedindo
por exemplo de fazer accedilatildeo educativa nas escolas A eacutepoca das entrevistas essa dificuldade de
aceitaccedilatildeo jaacute estava sanada Mas todo o seu discurso eacute marcado pela necessidade de fazer mais
ser o melhor ser o diferente dentro da equipe apontando uma necessidade de reconhecimento
Ateacute mesmo seu comportamento dentro da unidade pareceu um movimento de atrair as
atenccedilotildees o tempo todo mesmo nos pequenos gestos como chegar atrasado agrave reuniatildeo de
equipe entrar e deixar a porta aberta sair e bater porta com forccedila falar alto
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental a accedilatildeo que prevaleceu nos
discursos dos ACSs foi levar para unidade de sauacutede (Cliacutenica da Famiacutelia) ou seja os agentes
exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo No entanto faz-se
necessaacuterio mais uma vez alertar que esta proximidade potencializada dos ACSs um dos
elementos importantes da maacutequina de fazer sauacutede tem uma dimensatildeo hiacutebrida articula-se a
uma singularizaccedilatildeo do cuidado mas tambeacutem a uma capilarizaccedilatildeo do controle sobre a
populaccedilatildeo (PICCININI NEVES 2013)
Com a ampliaccedilatildeo da cobertura da ESF nos domiciacutelios brasileiros em especial na
cidade do Rio de Janeiro em aacutereas carentes tambeacutem haacute que se observar como apontam
Lemke e Silva (2013) nessa mesma direccedilatildeo do controle
() o trabalho dos ACS tem essa dupla direccedilatildeo a de ser um modo de
racionalizar custos e a de ser um modo de ampliar o acesso e de
focalizar a atenccedilatildeo em grupos vulneraacuteveis atendendo a um principio
equitativo de justiccedila social Por esse motivo a praacutetica dos ACS
comporta o risco de ser uma cesta baacutesica simplificada para os pobres
que por meio das praacuteticas de educaccedilatildeo em sauacutede e das visitas
domiciliares tenha como efeito a medicalizaccedilatildeo a normalizaccedilatildeo e o
controle da vida no territoacuterio comunitaacuterio (LEMKE SILVA 2013
p41)
134
Como jaacute descrito o ACS que natildeo tem uma formaccedilatildeo acadecircmica nem qualquer
conhecimento teacutecnico preacutevio em sauacutede que eacute um dos requisitos fundamentais para a sua
atuaccedilatildeo foram a via pela qual se planejou executar parte das mudanccedilas nos modos de
produzir sauacutede no paiacutes ldquoA sauacutede bate agrave sua portardquo Piccinini e Neves (2013 p 83) O
indiviacuteduo que antes era mais um morador do territoacuterio eacute promovido a cuidador tornando-se
corresponsaacutevel pelos cuidados em sauacutede de um determinado recorte territorial geograacutefico
Outro analisador importante do discurso dos agentes sobre o manejo foi a passividade
traziam o ldquocasordquo para equipe resolver natildeo sentiam-se participes do processo de produccedilatildeo do
cuidado a esses usuaacuterios
Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a enfermeira resolvem e eu
fico soacute acompanhando (Hebe)
Converso peccedilo para vim aqui (na Cliacutenica da Famiacutelia) falar com os meacutedicos com os
cliacutenicos que eles que encaminham para aacuterea de psiquiatria e para comeccedilar um tratamento
(Marcilene)
Sobressaltando mais uma vez o lugar do ldquosuposto saberrdquo onde soacute os profissionais de
niacutevel superior com seu conhecimento teacutecnico cientifico teriam as soluccedilotildees para os problemas
apresentados E o agente comunitaacuterio de sauacutede sem o conhecimento teacutecnico-acadecircmico fica
mais uma vez subordinado ao poder meacutedico
Um contraponto muito interessante desses dois discursos foi o discurso Natalina
Eu tenho um grupo de caminhada ai assim quando eu vou na casa deles eles tem
abertura para conversar comigo eles falam ai eu tento chamar para fazer atividades ()
qualquer um que gostaria de caminhar a gente dava uma caminhadinha na Lagoa para tirar
o estresse do dia-a-dia () a maioria dos meus pacientes eacute empregada domeacutestica e porteiro
entatildeo eacute muita cobranccedila em cima deles natildeo tem como ficar estressado
O que representou por parte dessa agente comunitaacuteria de sauacutede iniciativa e autonomia
no seu processo trabalho A ideia do grupo foi de autoria dessa agente Chamou atenccedilatildeo
tambeacutem a sua sensibilidade de abrir um espaccedilo de escuta para essas pessoas com ocupaccedilotildees
de trabalho estressante Marcando assim uma caracteriacutestica fundamental do meacutetodo para as
accedilotildees de sauacutede mental na ESF a invenccedilatildeo no modo de produzir sauacutede (LANCETTI 2013)
No discurso de Hebe eacute sinalizada a presenccedila do NASF realmente como apoio para o
manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental em uma perspectiva de territoacuterio de sauacutede e natildeo de
doenccedila pois quando a ACS natildeo conhecia a rede o lugar para pedir ajuda era uma instituiccedilatildeo
psiquiaacutetrica
135
Agora a gente tem o NASF mas nem sempre foi assim () uma paciente que todo dia
descia pra trabalhar de repente ela passou a ficar andando pela comunidade isso me causou
estranheza isso natildeo eacute normal () e a pessoa estava falando as coisas natildeo tinham conexatildeo
() eu peguei natildeo conhecia a rede levei ela no PINEL laacute ela foi medicada
Nesse discurso tambeacutem fica caracterizado o princiacutepio da longitudinalidade ou seja o
quanto acompanhar um usuaacuterio ao longo do tempo possibilita reconhecer que determinada
accedilatildeo desse usuaacuterio eacute ou natildeo eacute estranha no seu cotidiano permitindo uma intervenccedilatildeo precoce
que pode ser iatrogecircnica ou natildeo
Nesse caso citado natildeo foi a mais adequada mas no momento foi a melhor que Hebe
pode fazer em termos de cuidado e proteccedilatildeo da usuaacuteria
A mudanccedila tatildeo ansiada no paradigma da atenccedilatildeo agrave sauacutede ateacute entatildeo centrado no
modelo hospitalocentrico em um nuacutemero significativo de textos e artigos incluindo os
documentos oficiais do Ministeacuterio da Sauacutede deposita sobre a ESF e muitas vezes sobre a
figura do ACS a responsabilidade dessa mudanccedila Como apontado por Tomaz (2002) faz-se
necessaacuterio natildeo tomar o ACS como um super-heroacutei Onde o autor procura combater a visatildeo
romacircntica do ACS e da APS como ldquomola propulsora da consolidaccedilatildeo do SUSrdquo Pois nesse
entendimento existiria uma distorccedilatildeo do papel dos ACS gerando sobrecarga de trabalho e
sofrimento para estes trabalhadores como colocado no discurso Kiara
Eu acho que ateacute os funcionaacuterios deveriam ter um tratamento porque nesse curso a
gente descobriu que tem uma Unidade que todos os ACS estatildeo tomando remeacutedios
controlados
Uma revisatildeo de literatura sobre a temaacutetica dos ACSs realizada por Bornstein e Storz
(2008) indica que natildeo eacute possiacutevel delegar a um uacutenico niacutevel do sistema de sauacutede a realizaccedilatildeo de
uma mudanccedila de tamanhas proporccedilotildees A afirmaccedilatildeo eacute sustentada com uma retomada da
criacutetica ao ldquodiscurso mudancistardquo presente nos documentos oficiais que muitas vezes mitifica
o meacutedico generalista e vecirc a simples inserccedilatildeo deste na APS como suficiente para modificaccedilatildeo
do paradigma de atenccedilatildeo O mesmo acontece com o ACS uma vez que a aposta neste
personagem eacute de ele possa fazer a articulaccedilatildeo entre o saber popular e o saber teacutecnico visando
agrave construccedilatildeo de um projeto de cuidado que atenda agraves necessidades da populaccedilatildeo de um
territoacuterio especifico do qual o ACS seria membro integrante e vasto conhecedor Pois as
transformaccedilotildees sociais para mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo em sauacutede satildeo lentas e dependem
do esforccedilo de todos os cidadatildeos (TOMAZ 2002)
136
Recomendaccedilotildees
Quanto as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF no
discurso dos ACSs o que predominou foi o pedido de capacitaccedilatildeo o que nos leva a concluir
que esses trabalhadores natildeo se sentem instrumentalizados para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede
mental apontando para necessidade de treinamentos ou capacitaccedilotildees tambeacutem para abordagem
ao usuaacuterios de droga e violecircncia domeacutestica
Acho que precisa ser trabalhado mais A sociedade estaacute tatildeo estressada taacute tatildeo
sobrecarregada que precisa sim ter uma atenccedilatildeo maior ainda mais agora que eles estatildeo
comeccedilando a liberar essas pessoas e como que a sociedade vai receber essas pessoas
Kiara
CAPACITACcedilAtildeO DOS AGENTES COMUNITAacuteRIOS DE SAUacuteDE mas uma
capacitaccedilatildeo muito efetiva aonde aborda-se todos os temas e natildeo alguns somente (Nateacutercia)
No discurso Marcilene aparece uma recomendaccedilatildeo muito interessante que soa como
uma criacutetica ou uma queixa denuacutencia da natildeo participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas que a
entrevistada tenta negar mas se contradiz
Assim eu acho que a equipe meacutedica neacute estar junto numa interconsulta com todos os
profissionais de sauacutede Eacute assim os agentes jaacute estatildeo junto com eles tem isso entendeu Que
muitas das vezes os casos eacute a gente que traz pra caacute para os outros profissionais
Como afirma Lancetti (2014) a regra fundamental do funcionamento das equipes eacute
fazer circular o saber tanto o teacutecnico e cientiacutefico como o cultural e o popular Portanto a
participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas eacute salutar para produccedilatildeo de sauacutede no territoacuterio
No discursos de Hebe e Jacobina respectivamente aparece a recomendaccedilatildeo de uma
visatildeo holiacutestica e integrada em sauacutede mental com sugestotildees dos atributos necessaacuterios para o
trabalho na ESF
Olha pra trabalhar em Sauacutede da Famiacutelia tem que saber ouvir ver aleacutem do que eles
tatildeo te mostrando veja aleacutem do que eles querem ver (Hebe)
Porque tem paciente que ele quer conversar contigo problemas pessoais dele e vocecirc
tem que taacute aberta a ouvir aquilo muitas das vezes opinar muitas das vezes natildeo opinar
porque sua opiniatildeo pode trazer problemas na famiacutelia entatildeo haacute toda um temperanccedila mas eacute
interessante eu gosto (Jacobina)
Jaacute os discursos de Iana e Heda marcados pela loacutegica do especialismo ainda centrado
no modelo biomeacutedico a recomendaccedilatildeo eacute ter mais meacutedico especializado na Cliacutenica da Famiacutelia
ficando explicito o desconhecimento dos princiacutepios da APS
137
Eu acho que teria que ter mais vamos dizer meacutedicos especializados neacute porque aqui
a gente tem um meacutedico mas um meacutedico pra trecircs equipes eacute muito pouco e hoje a populaccedilatildeo taacute
sofrendo muito com sauacutede mental eu vejo muita gente tomando muito remeacutedio controlado agraves
vezes ateacute sem prescriccedilatildeo (Iana)
Teria que implantar psiquiatria e psicologia era uma das coisas que natildeo deveria
faltar aqui dentro Natildeo teria que ser assim soacute estagiaacuterios ou residentes natildeo teria que ser
pessoas fixas aqui mesmo tinha que ter uma sala realmente soacute pra eles mesmo porque aqui
noacutes temos muitos problemas de sauacutede mental Teria que ser uma coisa fixa (Heda)
O discurso de Natalina natildeo eacute uma recomendaccedilatildeo mas eacute tambeacutem uma queixa denuacutencia
da demora para o atendimento em sauacutede mental
Eu acho muito distante eu acho que poderia ser mais proacuteximo porque assim vem ateacute
aqui () aiacute pra marcar uma consulta eacute um dilema porque vai ter que ver a agenda do
meacutedico agraves vezes eacute um pra mil aiacute agraves vezes a pessoa ateacute desiste entendeu Eu acho que tem
uma distacircncia sei laacute eacute uma coisa muito distante
E finalmente no discurso de Lana natildeo haacute nenhuma recomendaccedilatildeo para ser feita pois
na sua opiniatildeo a chegada do NASF trouxe significativas contribuiccedilotildees para as accedilotildees de sauacutede
mental na ESF Hoje jaacute melhorou bastante porque como eu falei chegou o NASF O que
demonstrou que a equipe do NASF na Cliacutenica da Famiacutelia estudada estaacute efetivamente apoiando
as equipes conforme recomendado na Portaria GM 1542008
138
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Natildeo poderia deixar de pontuar o quanto foi difiacutecil escrever no periacuteodo de crise poliacutetica
brasileira desde o afastamento da Presidenta eleita democraticamente por voto popular em
marccedilo de 2016 ateacute a aprovaccedilatildeo do seu impeachment em agosto do mesmo ano Instalou-se
entatildeo no paiacutes um periacuteodo conservador de incertezas e ameaccedilas agrave tatildeo duramente conquistada
democracia Nesse clima de incertezas eacute colocada em votaccedilatildeo a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 241 que se transformou em PEC 55 Este Projeto tramitou sem a
necessaacuteria discussatildeo com diferentes atores e setores da sociedade e foi aprovado gerando a
desvinculaccedilatildeo de recursos da sauacutede nos proacuteximos 20 anos o que traraacute prejuiacutezos gigantescos
ao jaacute combalido SUS
A perda de recursos eacute histoacuterica e os caacutelculos demonstram que poderaacute acarretar ateacute R$
600 bilhotildees de reais retirados da sauacutede Isto coloca em risco o conjunto inquestionaacutevel de
conquistas da sauacutede brasileira desde a criaccedilatildeo do SUS apoacutes a promulgaccedilatildeo da nossa
Constituiccedilatildeo em 1988 como a melhoria da sauacutede puacuteblica brasileira aumento da expectativa
de vida reduccedilatildeo da mortalidade infantil queda da desnutriccedilatildeo e inuacutemeras campanhas de
promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede
A defesa do direito constitucional previsto no Artigo 196 da Constituiccedilatildeo de que a
sauacutede eacute um dever do Estado e um direito de todos estaacute gravemente ameaccedilada com a
aprovaccedilatildeo da PEC 55 Como escrevo em defesa do SUS e de uma Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Puacuteblica
que aprofunde a universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade e participaccedilatildeo popular o
cenaacuterio atual estaacute desolador
Na cidade do Rio de Janeiro a gestatildeo do governo do PMDB (Partido do Movimento
Democraacutetico Brasileiro) que contribuiu expressivamente para expansatildeo da APS na cidade por
meio da ESF mesmo com todas as minhas criacuteticas (gestatildeo por OSs viacutenculos precaacuterios etc) a
cobertura que era de 694 em janeiro de 2009 chegou em dezembro de 2016 a 5172
(MSSASDAB e IBGE) E com a eleiccedilatildeo para a prefeitura do Rio de Janeiro onde foi eleito
um governo do PRB (Partido Republicano Brasileiro) o cenaacuterio de duacutevidas e incertezas
novamente se repete Nessa nova gestatildeo ainda natildeo se sabe se haveraacute continuidade a todo
investimento feito na APS
Retomando ao fechamento dessa pesquisa o objeto de estudo dessa tese foram os
sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo
adulta do territoacuterio de sua responsabilidade A anaacutelise desses sentidos foi realizada tendo
como referecircncia as formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela
triangulaccedilatildeo do que foi dito por cada profissional entrevistado a teoria que fundamentou o
139
texto e as minhas consideraccedilotildees sobre o tema estudado Quero aqui deixar claro que natildeo tive a
intenccedilatildeo de esgotar todas as possibilidades de efeitos de deriva advindos das formaccedilotildees
discursivas nomeadas pelos entrevistados O que eacute compatiacutevel com a Anaacutelise de Discurso que
se caracteriza pela incompletude sem iniacutecio absoluto nem ponto final definitivo o que escrevi
de acordo com o proposto por Orlandi (2013) foi uma proposta de reflexatildeo sobre a
linguagem sobre os sujeitos entrevistados e suas subjetividades sobre a histoacuteria e suas
ideologias
Para os profissionais de niacutevel superior (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes e
enfermeiros) a motivaccedilatildeo para trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) apareceu
como uma alternativa ao modelo meacutedico centrado e hospitalocentrico Portanto a
compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para estes profissionais estaacute relacionada com um
modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede centrado na pessoa e natildeo na doenccedila considerando a famiacutelia e o
entorno social O que foi colocado pelos proacuteprios profissionais como um trabalho muito mais
amplo assistindo a todas as faixas etaacuterias do receacutem-nascido ao idoso que tambeacutem eacute bem mais
complexo pois estaacute o tempo todo atravessado pela realidade de onde as pessoas vivem
Jaacute para os profissionais de niacutevel meacutedio e fundamental (teacutecnicos de enfermagem e
agentes comunitaacuterios de sauacutede) a motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF foi a oportunidade de
emprego proacuteximo agrave residecircncia A compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para esse
grupo de profissionais estaacute relacionada a importacircncia de fazer algo para a comunidade aonde
moram e poder ajudar o proacuteximo O que foi apontado por eles proacuteprios como prevenccedilatildeo
ressaltando a importacircncia de propor accedilotildees educativas como armazenamento adequado do lixo
haacutebitos saudaacuteveis de alimentaccedilatildeo o que denominaram como orientar para natildeo chegar ao
ponta da doenccedila jaacute instalada
As denominaccedilotildees utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasosrdquo de sauacutede
mental se relacionaram principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade
Pois utilizaram uma perspectiva mais ampliada do processo sauacutede-doenccedila com abordagem
psicossocial sofrimento psiacutequico e todo caso pode ser um caso de sauacutede mental Embora
tenham se utilizado do termo transtorno mental para diferenciar o que pode ser acompanhado
na ESF e o que deve ser referenciado houve um certo cuidado para explicar a diferenccedila entre
transtorno e sofrimento Quanto ao manejo demonstraram trabalhar e ensinar agraves equipes que
inicialmente o acompanhamento do usuaacuterio deve ser com a ESF mesmo Observou-se que o
encaminhamento para outros serviccedilos ocorriam somente em situaccedilotildees de transtornos mentais
graves transtornos mentais em crianccedilas e dependecircncia quiacutemica
140
Os meacutedicos residentes ao nomearem ldquocasordquo de sauacutede mental utilizaram-se de termos
teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da
psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda
euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico com uma
perspectiva holiacutestica o uso de termos psiquiaacutetricos parecia lsquooacutebviorsquo para nomear os ldquocasosrdquo de
sauacutede mental Quando se questionou a esses entrevistados sobre o porquecirc de utilizarem as
categorias nosograacuteficas acima mencionadas ficaram espantados como se aquele
questionamento natildeo fizesse nenhum sentido Isso indicou que o saber psiquiaacutetrico natildeo eacute
passiacutevel de questionamento eacute um saber preacute-existente e portanto naturalizado como
linguagem explicativa para as formas de adoecimento em sauacutede mental
Quanto ao manejo os meacutedicos residentes demonstraram natildeo fazer encaminhamentos
externos sem uma escuta ativa preacutevia e sem consultar os preceptores e os profissionais do
Nuacutecleo de Apoio ao Sauacutede da Famiacutelia (NASF) Embora tenha aparecido em seus discursos
uma dificuldade ou mesmo medo e inseguranccedila em manejar esses ldquocasosrdquo ndash pisando em ovos
e se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel os entrevistados apresentaram disponibilidade
para acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental Demonstraram ateacute interesse em
atendecirc-los pois se sentiam apoiados seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra
e psicoacutelogo) Daiacute a importacircncia de um processo de educaccedilatildeo continuada no cotidiano das
equipes ampliando o escopo de accedilotildees e a resolutividade na atenccedilatildeo primaacuteria Processo esse
que pode ser realizado pela equipe do NASF que tem uma funccedilatildeo teacutecnica e pedagoacutegica junto
agraves equipes da ESF
No discurso dos enfermeiros tambeacutem prevaleceu os termos teacutecnicos psiquiaacutetricos
Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia ansiedade doenccedila mental ndash para
nomear o ldquocasordquo de sauacutede mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais
ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias
desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Quanto ao manejo o que predominou foi a
solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico embora tenham relatado conseguir acolher e
escutar A dinacircmica do funcionamento em equipe surgiu em uma das falas dos enfermeiros
mas tambeacutem com ecircnfase na centralidade no profissional meacutedico
No discurso dos teacutecnicos de enfermagem a concepccedilatildeo de ldquocasosrdquo de sauacutede mental
apareceu impregnada da visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica
dependecircncia e tutela da famiacutelia comportamentos estereotipados Reafirmada na
recomendaccedilatildeo destes profissionais de ter um psiquiatra fixo na Cliacutenica da Famiacutelia (CF) para
atender a esses casos Exceccedilatildeo em um discurso que sugeriu a criaccedilatildeo de atividades em grupos
141
na proacutepria CF com a finalidade de reinserccedilatildeo no meio social Quanto ao manejo apareceram
dois modos de agir um centrado na equipe com discussatildeo de caso apoio do matriciador e
atividades em grupo como preconizado pela PNAB (2012) e pela Poliacutetica Puacuteblica de Sauacutede
Mental e outro centrado na crise na medicaccedilatildeo no profissional especialista e na loacutegica do
encaminhamento
Jaacute no discurso dos agentes comunitaacuterios de sauacutede o que predominou na nomeaccedilatildeo de
ldquocasordquo de sauacutede mental foi uma concepccedilatildeo mais ampliada das vaacuterias situaccedilotildees da vida
(estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas
com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou
social desagregador) Em relaccedilatildeo ao manejo o que prevaleceu foi levar para unidade de sauacutede
(CF) ou seja os agentes exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculordquo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo
Daiacute a importacircncia da atuaccedilatildeo do agente comunitaacuterio de sauacutede pois possui o capital social
muitas vezes facilitando esse canal de comunicaccedilatildeo Tambeacutem trouxeram a importacircncia da
prevenccedilatildeo (pelo viacutenculo e acompanhamento do indiviacuteduo e grupo familiar) do
empoderamento dos usuaacuterios e da comunidade (com praacutetica de atividades fiacutesicas em grupo) e
da natildeo dissociaccedilatildeo mente e corpo
Mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na CF
estudada tais como a praacutetica da reuniatildeo de equipe semanal com discussatildeo conjunta de casos
a relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila com
visitas domiciliares e aplicaccedilatildeo do familiograma onde foi apontado pelos meacutedicos residentes
a importacircncia da pessoa falar da sua experiecircncia de estar doente do acompanhamento
longitudinal e de ter um meacutedico para chamar de seu o que haacute alguns anos atraacutes era somente
para as pessoas mais abastadas da sociedade
O deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e
desmedicalizadoras com propostas de grupos como ldquoCafeacute com Especialistardquo espaccedilo pensado
para reunir as pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica haacute muitos anos com o objetivo de
questionar esse uso dividir experiecircncias e reduzir a medicaccedilatildeo principalmente os
benzodiazepiacutenicos Ressalto que esse grupo foi pensado pelo psiquiatra do NASF com os
meacutedicos residentes a partir de uma listagem nominal que a farmaacutecia da unidade dispotildee dos
usuaacuterios que fazem uso de psicotroacutepico com o nome da substancia a dose utilizada e a data da
dispensaccedilatildeo O nome do grupo a princiacutepio seria ldquoCafeacute com Psiquiatrardquo depois foi repensado
pois poderia se tornar um espaccedilo para troca de receitas e lsquopsiquiatrizantersquo o que natildeo era a
intenccedilatildeo
142
Outra atividade em grupo da unidade eacute o ldquoGrupo de Artesanatordquo coordenado por uma
enfermeira com o objetivo de aproximar as pessoas do entorno agrave unidade de sauacutede onde a
princiacutepio participam mulheres idosas com atividades de costura e crochecirc hoje participam
pessoas de vaacuterias idades e tornou-se mais um espaccedilo potente de convivecircncia Acontece
tambeacutem na CF a ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo mas essa eacute coordenada por dois voluntaacuterios
um ex-residente de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da proacutepria unidade e uma psicoacuteloga
Aberta a todos os usuaacuterios interessados realizada no horaacuterio noturno com modo de
funcionamento proacuteprio do meacutetodo da ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo Se pensarmos a
unidade baacutesica de sauacutede como o lugar onde as pessoas vatildeo para fazer consultas meacutedicas e
odontoloacutegicas procedimentos teacutecnicos (curativos vacinas colher exames) a presenccedila desses
grupos satildeo realmente propostas inovadoras
Nas entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede surgiram vaacuterias propostas de
inovaccedilatildeo em fazer sauacutede na comunidade darei destaque a duas delas uma foi a proposta de
chamar o educador fiacutesico para uma accedilatildeo com as mulheres no alto da comunidade o
profissional foi com sua ideia de propor atividades fiacutesicas e haacutebitos de vida saudaacuteveis na sua
concepccedilatildeo dogmaacutetica enquanto que a ideia da agente comunitaacuteria de sauacutede era de uma coesatildeo
social entre esses mulheres explicando que na comunidade as casas satildeo todas muito
proacuteximas mas as pessoas satildeo muito desunidas A outra proposta foi de um grupo de
caminhada semanal fora da comunidade para que as pessoas pudessem ter um espaccedilo de
conviacutevio social e tirar o estresse do dia-a-dia pois na aacuterea dessa agente comunitaacuteria havia
muitos porteiros e empregadas domeacutesticas E no seu entendimento esse espaccedilo ajudaria essas
pessoas a natildeo ficarem doentes prevenindo doenccedilas fiacutesicas e mentais
Um dos pontos fracos observado na unidade estudada que foi tambeacutem uma das queixa
dos meacutedicos residentes foi passarem a maior parte da carga horaacuteria dentro da unidade de
sauacutede natildeo restando tempo para atividades extramuros na comunidades com exceccedilatildeo das
visitas domiciliares que no primeiro ano da residecircncia satildeo mais frequentes mas no segundo
ano satildeo muito escassas a prevenccedilatildeo eacute dentro do consultoacuterio mesmo como apareceu em um
dos discursos Apesar dessa natildeo ter sido uma queixa dos enfermeiros e teacutecnicos de
enfermagem observei que esses profissionais tambeacutem permaneciam a maior tempo dentro da
unidade O profissional com mais tempo fora da unidade de sauacutede pareceu ser mesmo o
agente comunitaacuterio de sauacutede
Os meacutedicos residentes se queixaram tambeacutem da falta de valorizaccedilatildeo da especialidade
Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela populaccedilatildeo talvez por falta de conhecimento e
divulgaccedilatildeo do funcionamento da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede atraveacutes da Estrateacutegia Sauacutede da
143
Famiacutelia e pelo proacuteprio sistema de sauacutede que ateacute o momento natildeo conseguiu colocar a APS
como coordenadora do cuidado Essa foi similarmente uma queixa-denuacutencia dos enfermeiros
recomendando inclusive a divulgaccedilatildeo junto a populaccedilatildeo em geral da forma de funcionamento
da ESF assim como o melhoramento dos fluxos de referecircncia e contra referecircncia
Os profissionais da ESF da CF estudada conseguem com o apoio do NASF
acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental encaminhando soacute os casos mais graves que
necessitam de um serviccedilo mais especializados em geral crianccedilas adolescentes casos agudos
de sofrimento psiacutequico e dependecircncia quiacutemica Inclusive foi uma recomendaccedilatildeo dos proacuteprios
profissionais ampliar o nuacutemero de dispositivos abertos como os Centros de Atenccedilatildeo
Psicossocial nas suas modalidades adulto infantil aacutelcool e drogas natildeo soacute na aacuterea onde estaacute
situada a CF mas em toda a cidade do Rio de Janeiro
A necessidade de capacitaccedilatildeo para accedilotildees de sauacutede mental violecircncia no territoacuterio e
dependecircncia quiacutemica foi muito recomendada por todos os profissionais entrevistadas atenccedilatildeo
especial para melhor seleccedilatildeo e qualificaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios de sauacutede devido a
importacircncia de sua funccedilatildeo natildeo soacute para as questotildees de sauacutede mental mas para ESF como um
todo Outra necessidade apontada pelos profissionais foi mais apoio no fazer cotidiano por
parte gestatildeo que cobra muito as metas a serem atingidas focando em nuacutemeros priorizando a
quantidade e natildeo a qualidade do atendimento
A Cliacutenica da Famiacutelia estudada por ser campo de praacutetica para a Residecircncia de Medicina
de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro tem uma estrutura de recursos
humanos e materiais muito boa funciona em horaacuterio estendido das 0800 agraves 2000hs
facilitando assim o acesso dos usuaacuterios que trabalham em horaacuterio comercial Mas a alta
rotatividade dos profissionais principalmente dos meacutedicos residentes eacute uma queixa frequente
dos usuaacuterios como apontado nas entrevistas pelos agentes comunitaacuterios de sauacutede e teacutecnicos
de enfermagem o que acaba interferindo no princiacutepio da longitudinalidade Os meacutedicos
preceptores embora defendam essa forma de organizaccedilatildeo caiacuteram numa contradiccedilatildeo quando
em seus discursos sinalizaram que a sauacutede da famiacutelia eacute como vinho quanto mais tempo
melhor
Um ponto de destaque que encontrei nas entrevistas e necessita de mais estudos para
melhor investigaccedilatildeo foi a criacutetica de que o tempo meacutedio de duraccedilatildeo de um meacutedico de famiacutelia
seria de 5 (cinco) anos tamanha a sobrecarga de trabalho devido agrave alta taxa de adoecimento
da populaccedilatildeo a falta de articulaccedilatildeo entre os serviccedilos ou seja os niacuteveis de atenccedilatildeo totalmente
desarticulados Nesse contexto como a Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede vai ser coordenadora do
cuidado de se natildeo haacute uma rede de sauacutede estruturada E como o meacutedico de famiacutelia vai
144
conseguir suportar toda essa demanda Foram alguns dos questionamentos dos meacutedicos
residentes O adoecimento dos agentes comunitaacuterios de sauacutede pela sobrecarga de trabalho
apareceu na entrevista com esses profissionais Assim como no discurso dos teacutecnicos de
enfermagem a queixa da sobrecarga de trabalho esteve presente
Uma abordagem de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede poderaacute ser eficaz para
defender a vida para diminuir a dor e o sofrimento extremo a partir de uma reflexatildeo de que
diversos fatores estatildeo envolvidos neste processo que vatildeo desde as condiccedilotildees econocircmicas e
sociais da populaccedilatildeo passando por questotildees ligadas agrave subjetividade contemporacircnea pela
maneira como estatildeo organizados os serviccedilos e que tipos de demanda induzem ateacute a
capacitaccedilatildeo dos profissionais envolvidos nessa tarefa com apoio e financiamento da gestatildeo
Atualmente uma das grandes questotildees para uma atenccedilatildeo em sauacutede mental puacuteblica e de
qualidade eacute definir o limite de suas prestaccedilotildees que tipo de problemas devem ser atendidos
nos serviccedilos de sauacutede mental e quais outros supotildee um mal-estar da vida cotidiana e portanto
natildeo deveriam ser objeto da atenccedilatildeo de sauacutede especifica Quais satildeo os limites do sofrimento
ou do transtorno mental Qualquer sofrimento psicoloacutegico deve ser objeto de atenccedilatildeo em
sauacutede Quais satildeo as prestaccedilotildees de sauacutede que um sistema puacuteblico responsaacutevel e bem
organizado deve garantir
Colocar essas questotildees eacute de suma importacircncia nesse contexto de crise econocircmica e
poliacutetica ndash onde o SUS puacuteblico e universal estaacute ameaccedilado com cortes no orccedilamento e
aprovaccedilatildeo da PEC 55 Que tipo de atenccedilatildeo em sauacutede mental justa deveraacute ser feita pelos
sistemas puacuteblicos de sauacutede nas proacuteximas deacutecadas
De acordo com Retolaza (2013) os partidaacuterios de uma concepccedilatildeo biomeacutedica positivista
tem isso muito claro tem que prestar assistecircncia somente para aqueles que tem doenccedila que
possa ser medicamente catalogada e definida como doenccedila Mas natildeo eacute faacutecil definir o que eacute
doenccedila e o que natildeo eacute especialmente em uma sociedade que medicaliza o sofrimento e as
dificuldades da existecircncia passando para a sauacutede (e natildeo soacute para a psiquiatria) a atenccedilatildeo e o
cuidado de disfunccedilotildees sociais de todo o tipo Para o sistema privado desde que haja um preccedilo
acertado pouco importa aonde comeccedila e termina a doenccedila Se pode se pagar haacute tratamento
se natildeo natildeo haacute
Esse eacute o desafio que estaacute colocado natildeo soacute para a APS mas para o nosso SUS que
convive com a expansatildeo do sistema privado e dos grandes conglomerados de planos privados
de sauacutede
As limitaccedilotildees desse estudo foram o cenaacuterio do estudo foi uma Cliacutenica da Famiacutelia
cenaacuterio de praacutetica da Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio
145
de Janeiro considerada uma unidade modelo pela Secretaria Municipal de Sauacutede localizada
na zona sul (AP 21) uma aacuterea rica em equipamentos de sauacutede E apenas os profissionais
foram entrevistados perfazendo um total de 22 participantes quando se tivesse oportunidade
e tempo haacutebil para entrevistar os usuaacuterios seria mais enriquecedor
Como recomendaccedilatildeo sugiro que essa pesquisa seja replicada em outras Cliacutenicas da
Famiacutelia nas diferentes Aacutereas Programaacuteticas da cidade a fim de comparar os resultados
encontrados que os usuaacuterios sejam entrevistados a respeito do cuidado em sauacutede mental
ofertado na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e suas expectativas sobre o comportamento que os
profissionais e esses serviccedilos devem ter na prestaccedilatildeo desse cuidado E por fim um estudo
com os psiquiatras matriciadores para investigar a percepccedilatildeo deles na comunicaccedilatildeo e no
acompanhamento dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental com a equipe da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
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APENDICE I ndash Roteiro de Entrevista
Iniciais do nome
Idade Sexo Estado Civil Natural de
Formaccedilatildeo profissional Tempo de formaccedilatildeo
Poacutes-graduaccedilatildeo Sim ( ) Aacuterea_______________ Natildeo ( )
Tempo de atuaccedilatildeo na ESF
Teve ou tem algum tipo de treinamento curso ou apoio para accedilotildees de sauacutede mental
1) O que eacute para vocecirc trabalhar na ESF
- Por quecomo veio trabalhar (motivaccedilatildeo)
- Como eacute a sua rotina de trabalho
- O que caracteriza o seu trabalho na ESF
- Qual eacute a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede
- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria da ESF
2) O que vocecirc considera como ldquocaso de Sauacutede Mentalrdquo na populaccedilatildeo adulta assistida pela
sua equipe da ESF
- Como identifica acolhe acompanha eou encaminha
- Se encaminha para onde
- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria do atendimento agrave Sauacutede Mental na
ESF
161
APENDICE II ndash Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) Prezado participante
Vocecirc estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa ldquoOs sentidos atribuiacutedos pelos
profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos casos de Sauacutede Mentalrdquo desenvolvida
por Vanessa Andrade Martins Pinto discente de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica da Escola
Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (ENSPFIOCRUZ)
sob orientaccedilatildeo do Professor Dr Paulo Duarte de Carvalho Amarante e coorientaccedilatildeo da
Professora Drordf Ana Elisa Bastos Figueiredo
O objetivo central do estudo eacute Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da
Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca do que apreendem como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo na
populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio
do Rio de Janeiro
Vocecirc estar sendo convidado a participar desse estudo por trabalhar na Estrateacutegia de Sauacutede
da Famiacutelia haacute mais de seis (6) meses
O convite a sua participaccedilatildeo se deve agrave sua praacutetica na Equipe de Estrateacutegia de Sauacutede da
Famiacutelia no territoacuterio adscrito
Sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria isto eacute ela natildeo eacute obrigatoacuteria e vocecirc tem plena autonomia
para decidir se quer ou natildeo participar bem como retirar sua participaccedilatildeo a qualquer momento
Vocecirc natildeo seraacute penalizado de nenhuma maneira caso decida natildeo consentir sua participaccedilatildeo ou
desistir da mesma Contudo ela eacute muito importante para a execuccedilatildeo da pesquisa
Seratildeo garantidas a confidencialidade e a privacidade das informaccedilotildees por vocecirc
prestadas uma vez que qualquer dado que possa identificaacute-lo seraacute omitido na divulgaccedilatildeo dos
resultados da pesquisa As entrevistas seratildeo transcritas e todo o material seraacute armazenado em
arquivos digitais seguros aos quais somente teratildeo acesso eu como pesquisadora meu
orientador e minha co-orientadora
A qualquer momento durante a pesquisa ou posteriormente vocecirc poderaacute solicitar da
pesquisadora informaccedilotildees sobre sua participaccedilatildeo eou sobre a pesquisa o que poderaacute ser feito
atraveacutes dos meios de contato explicitados neste Termo
A sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder perguntas de um roteiro de entrevista com
questotildees norteadoras agrave pesquisadora do projeto A gravaccedilatildeo de toda a entrevista eacute condiccedilatildeo
necessaacuteria agrave sua participaccedilatildeo
O tempo de duraccedilatildeo da entrevista eacute de aproximadamente trinta minutos As entrevistas
seratildeo realizadas em local apropriado com somente a sua presenccedila e a da pesquisadora
Ao teacutermino da pesquisa todo material seraacute mantido em arquivo por pelo menos cinco
(5) anos conforme Resoluccedilatildeo 46612 e orientaccedilotildees do CEPENSP
O benefiacutecio direto relacionado com a sua colaboraccedilatildeo nesta pesquisa eacute o de reflexatildeo
sobre o seu proacuteprio processo de trabalho e da sua equipe O que indiretamente poderaacute
influenciar na melhoria da qualidade do cuidado em sauacutede mental aos usuaacuterios adscritos em
seu territoacuterio de responsabilidade
Rubrica do Participante ____________
Rubrica do Pesquisador ___________
(1-2)
162
O risco da sua participaccedilatildeo neste estudo pode ser de constrangimento durante as
entrevistas Nesse caso seraacute sugerido uma pausa ou retorno em outro momento ou ateacute mesmo
a desistecircncia em vocecirc responder a entrevista Outro risco pode ser de sua identificaccedilatildeo como
participante da pesquisa O que seraacute minimizado ao realizarmos uma anaacutelise em conjunto dos
dados coletados na entrevista impossibilitando assim atribuiccedilatildeo individual aos seus
depoimentos
Esse Termo eacute redigido em duas (2) vias uma (1) para vocecirc participante e outra para a
pesquisadora responsaacutevel pela pesquisa Devendo obrigatoriamente todas as paacuteginas serem
rubricadas por vocecirc participante e pela pesquisadora sendo que a uacuteltima paacutegina deve conter
sua assinatura assim como da pesquisadora do estudo
Em caso de duacutevida quanto agrave conduccedilatildeo eacutetica do estudo entre em contato com o Comitecirc
de Eacutetica em Pesquisa da ENSP O Comitecirc de Eacutetica eacute a instacircncia que tem por objetivo defender
os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no
desenvolvimento da pesquisa dentro de padrotildees eacuteticos Dessa forma o comitecirc tem o papel de
avaliar e monitorar o andamento do projeto de modo que a pesquisa respeite os princiacutepios
eacuteticos de proteccedilatildeo aos direitos humanos da dignidade da autonomia da natildeo maleficecircncia da
confidencialidade e da privacidade
Tel e Fax - (0XX) 21- 25982863
E-Mail cepenspfiocruzbr
httpwwwenspfiocruzbretica
Endereccedilo Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca FIOCRUZ Rua Leopoldo
Bulhotildees 1480 ndashTeacuterreo - Manguinhos - Rio de Janeiro ndash RJ - CEP 21041-210
___________________________________________
Vanessa Andrade Martins Pinto (Pesquisadora)
Laboratoacuterio de Estudos e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial
LAPSENSPFiocruz Avenida Brasil 4036506 CEP 21040-361 - Manguinhos - Rio de
Janeiro ndash RJ Telefone (21) 3882-9105 E-mail vanessaampgmailcom
RIO DE JANEIRO ____ de _______________ 2015
Declaro que entendi os objetivos e condiccedilotildees de minha participaccedilatildeo na pesquisa e concordo
em participar
_________________________________________
(Assinatura do participante da pesquisa)
Nome do participante _____________________________________________
Rubrica do Participante ____________
Rubrica da Pesquisadora _____________
(2-2)
Aos meus pais Neuza e Luiz Gonzaga (in memoriam)
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeccedilo a Deus pela forccedila e sabedoria na realizaccedilatildeo de mais um
projeto
Difiacutecil seria aqui nomear a todos que direta e indiretamente contribuiacuteram para que
este trabalho pudesse se concretizar
Ao meu orientador e mestre Paulo Amarante uma pessoa insubstituiacutevel Sua
capacidade de lutar pela vida eacute fantaacutestica Acima de tudo me ensinou o valor da vida e a
importacircncia da luta por uma sociedade onde as diferenccedilas sejam respeitadas e natildeo
desprezadas O final do ano de 2013 e inicio do ano de 2014 foram periacuteodos muito nebulosos
mas que conseguimos superar com feacute e esperanccedila
Agrave minha segunda orientadora Ana Elisa pelo acolhimento desde o primeiro contato
em sua disciplina ateacute a extensatildeo em sua casa onde passamos diversas tardes de extensas
leituras e reflexotildees Foi imprescindiacutevel
Agrave minha turma do doutorado e ao nosso coletivo de pesquisa ndash Laboratoacuterio de Estudos
e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial (Laps) pelas valiosas contribuiccedilotildees e
encorajamento para seguir em frente
Agrave toda a equipe da Cliacutenica da Famiacutelia participantes desse estudo que me recebeu
generosamente abrindo-se agraves reflexotildees dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Agraves minhas chefias do Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ e do Hospital Municipal
Rocha Maia pela compreensatildeo nesse periacuteodo que estive dividida entre o cotidiano laboral e a
pesquisa
Aos meus familiares e amigos que participaram desta jornada em diferentes
momentos estando proacuteximos ou a distacircncia que foram apoio suportando as minhas loucuras
nessa empreitada sem os quais nada teria sentido
Quando suportamos a posiccedilatildeo de cuidador navegamos por aacuteguas escuras e operamos
manobras de alta complexidade
LANCETTI 2014 p107
RESUMO
Foi realizado um estudo de natureza qualitativa do tipo estudo de caso descritivo-
analiacutetico em uma Cliacutenica da Famiacutelia na zona sul da cidade do Rio de Janeiro Com o objetivo
geral de estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
(ESF) acerca do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do
territoacuterio de sua responsabilidade A coleta de dados incluiu dois instrumentos diaacuterio de
campo e entrevistas semi-estruturadas Foram entrevistados vinte e dois (22) profissionais
nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACS) cinco (5) meacutedicos residentes trecircs (3)
enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores Utilizou-se a
teacutecnica de Anaacutelise do Discurso como referencial teoacuterico-metodoloacutegico As denominaccedilotildees
utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasordquo de sauacutede mental se relacionaram
principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade sofrimento psiacutequico e todo
caso pode ser um caso de sauacutede mental Os meacutedicos residentes utilizaram-se de termos
teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da
psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda
euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico Os enfermeiros
tambeacutem usaram termos teacutecnicos psiquiaacutetricos Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico
esquizofrenia ansiedade doenccedila mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais
ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias
desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Os teacutecnicos de enfermagem trouxeram uma
visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia
comportamentos estereotipados Jaacute os agentes comunitaacuterios de sauacutede foram os trabalhadores
que menos utilizaram termos diagnoacutesticos e trouxeram um entendimento mais amplo das
vaacuterias situaccedilotildees da vida estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho
casamento mal sucedido crianccedilas com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo
econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou social desagregador Apesar dos discursos dos
profissionais mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na
Cliacutenica da Famiacutelia estudada reuniatildeo semanal de equipe com discussatildeo conjunta dos casos a
relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila o
deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e desmedicalizantes
Palavras-chave Sauacutede Mental Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede Integralidade em Sauacutede Equipe
Multidisciplinar
ABSTRACT
A qualitative descriptive-analytical case study was carried out at a Family Clinic in
the southern area of Rio de Janeiro city The general objective was to study the meanings
attributed by Family Health Strategy (ESF) professionals on what they perceive as mental
health cases in the adult population in the territory of their responsibility Data collection
included two instruments field journal and semi-structured interviews Twenty-two (22)
professionals were interviewed nine (9) community health agents (ACS) five (5) resident
physicians three (3) nurses three (3) nursing technicians and two (2) preceptor physicians
The Discourse Analysis technique was used as a theoretical-methodological reference The
names used by preceptor physicians to name a mental health case were mainly related to
the field of Family and Community Medicine psychological suffering and any case can be a
case of mental health Resident physicians either used technical terms or made some
correlation with the nosographic categories of the field of psychiatry schizophrenia
hallucinations anxiety disorder deep depression euphoria except in a speech where the
term psychic suffering was used The nurses also used psychiatric technical terms simple
depression panic syndrome schizophrenia anxiety mental illness except in a speech that
addressed a broader view correlated with the discomforts of life (relationship difficulties
unstructured families violence and drug use) The nursing technicians brought a vision of
the asylum mode with emphasis on psychotropic medication stereotyped behaviors family
tutelage and family dependence Community health agents were the ones to least use
diagnostic terms and to bring a broader understanding of various life situations stress
violence drug addiction job problems unsuccessful marriage children with social
relationship difficulties the economic crisis family or social isolating environments Despite
the assessment of the professionals indicative changes in clinical practice were observed in
the Family Clinic under scrutiny weekly team meetings for joint discussion of the cases the
professional focus centered on the patient and their family nucleus instead of the disease the
shift from individual consultation to more collective and de-medicalizing practices
Keywords Mental Health Primary Health Care Integrality in Health Multidisciplinary
Team
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Quadro 1 ndash Os Movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo 30
Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede 36
Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 89
Meacutedicos Preceptores
Figura 2 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 99
Meacutedicos Residentes
Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 111
Enfermeiros
Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 120
Teacutecnicos de Enfermagem
Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes 127
Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABS Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede
ACS Agente Comunitaacuterio de Sauacutede
APS Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
AM Apoio Matricial
UBS Unidade Baacutesica de Sauacutede
CID-10 Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados
com a Sauacutede em sua deacutecima ediccedilatildeo
CF Cliacutenica da Famiacutelia
CNSM Conferencia Nacional de Sauacutede Mental
DAB Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica
DSM Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais
ESB Equipe de Sauacutede Bucal
ESF Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
EqSF Equipe de Sauacutede da Famiacutelia
MS Ministeacuterio da Sauacutede
MFC Medicina de Famiacutelia e Comunidade
NASF Nuacutecleo de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia
NOB Norma Operacional Baacutesica
OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
OPAS Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede
OS Organizaccedilatildeo Social
OTICS Observatoacuterio de Tecnologias de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Serviccedilos de
Sauacutede no Rio de Janeiro
PMAQ-AB Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica
PNAB Programa Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica
PNAC Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede
PRMFC Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade
PSF Programa de Sauacutede da Famiacutelia
RAPS Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial
SAS Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede
SF Sauacutede da Famiacutelia
SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede
SUMAacuteRIO
1 APRESENTACcedilAtildeO
11 Trajetoacuteria e motivaccedilatildeo 12
2 INTRODUCcedilAtildeO 13
3 OBJETIVOS 31 Objetivo geral 20
32 Objetivos especiacuteficos 20
4 QUADRO TEOacuteRICO
41 Definiccedilatildeo de Termos 20
42 Modelos de Atenccedilatildeo em Sauacutede 29
43 Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede 34
44 A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 42
45 Os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia 51
46 Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Mental Transformaccedilotildees de Paradigma 57
47 Medicalizaccedilatildeo do Social 60
48 Meacutetodo Cliacutenico Centrado na Pessoa 66
5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS
51 Etapas do estudo 71
52 Tipo de Estudo 72
53 Campo do Estudo 72
54 Participantes do Estudo 74
55 Procedimento para coleta dos dados 74
56 Forma de Anaacutelise dos dados 75
57 Aspectos Eacuteticos 77
6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
61 Descrevendo o Campo 78
62 Anaacutelise das entrevistas 82
621 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Preceptores 89
622 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Meacutedicos Residentes 99
623 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Enfermeiros 111
624 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Teacutecnicos de Enfermagem 120
625 Nuacutecleo Discursivo Significante ndash Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede 127
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 138
REFEREcircNCIAS 146
APENDICES
APENDICE I - Roteiro de Entrevista 160
APENDICE II - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 161
12
1 APRESENTACcedilAtildeO
11 Trajetoacuteria e Motivaccedilatildeo
A opccedilatildeo pelo tema parece-me uma escolha coerente com minha histoacuteria recente e com
as atividades que venho desenvolvendo no aprimoramento multiprofissional Descobri o
Campo da Sauacutede Mental e da Atenccedilatildeo Psicossocial ao final da minha graduaccedilatildeo em
Enfermagem e Obstetriacutecia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Momento no
qual resolvi prestar concurso para Residecircncia Multiprofissional de Sauacutede Mental pela
Secretaria Municipal de Sauacutede Fui aprovada e iniciei o curso aprendi e visualizei a
importacircncia do trabalho multidisciplinar e a impossibilidade de se trabalhar em sauacutede sem
uma visatildeo integral que implicasse em uma rede de cuidados
Tive a oportunidade tambeacutem de ser aprovada no concurso para enfermeira da UFRJ e
pude ter o privileacutegio de escolher trabalhar no Instituto de Psiquiatria ndash IPUBUFRJ Dei
continuidade ao que me interessava no cuidado em sauacutede mental em participaccedilotildees no
Laboratoacuterio de Pesquisa em Enfermagem em Psiquiatria e Sauacutede Mental (LAPEPS) agrave eacutepoca
coordenado pela Professora Cristina Loyola quando pude comeccedilar a aprender como
funcionam as investigaccedilotildees cientiacuteficas e os processos de coleta de dados Iniciei meu
mestrado nesse laboratoacuterio na linha de pesquisa ldquoArte e Sauacutede Mentalrdquo com o estudo
ldquoOficinas Terapecircuticas em Sauacutede Mental um olhar na perspectiva dos usuaacuterios do CAPSrdquo
realizado em um Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial na zona norte da cidade do Rio de Janeiro
Ao final do mestrado junto a minha experiecircncia de atuaccedilatildeo em um ambulatoacuterio
especializado de psiquiatria e mais recentemente na coordenaccedilatildeo de um projeto piloto na
porta de entrada denominado ldquoGrupo de Recepccedilatildeo e Encaminhamentordquo que tem como
proposta fazer com que as demandas solicitadas via Sistema de Regulaccedilatildeo (SISREG) do
Municiacutepio do Rio de Janeiro e demandas espontacircneas para atendimento especializado de
psiquiatria sejam acolhidas de acordo com a necessidade de cada usuaacuterio respectivo territoacuterio
e serviccedilos de referecircncia considerando a Portaria nordm 4279GMMS de 30 de dezembro de
2010 que estabelece diretrizes para a organizaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede E mais
especificamente agrave Portaria nordm 3088 de 23 de dezembro de 2011 que Institui a Rede de
Atenccedilatildeo Psicossocial
Nos primeiros cinco meses de funcionamento desse projeto piloto do total de 142
agendamentos 57 compareceram e apenas 08 foram inseridos em nosso ambulatoacuterio
especializado As inuacutemeras dificuldades econocircmicas de transporte e de locomoccedilatildeo
comprometem o acesso da populaccedilatildeo a serviccedilos especializados Nesse momento comecei a
questionar como equipamentos mais proacuteximos do local de residecircncia como a Estrateacutegia
13
Sauacutede da Famiacutelia (ESF) poderiam contribuir de forma mais decisiva para o cuidado das
pessoas em sofrimento psiacutequico Nesse contexto comecei a elaborar meu projeto de
doutorado em busca de conhecer inicialmente a articulaccedilatildeo da sauacutede mental com a atenccedilatildeo
primaacuteria em um territoacuterio de alta vulnerabilidade social
Apoacutes o ingresso no Curso de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica com o desenvolvimento
das leituras e colaboraccedilatildeo das disciplinas cursadas percebi que seria mais viaacutevel e produtivo
primeiro investigar qual a compreensatildeo dos profissionais da ESF sobre o seu trabalho para
depois inferir o que consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental no acircmbito de suas accedilotildees Para
entatildeo perguntar como eacute o acompanhamento dessas pessoas por parte das equipes da ESF
(orientaccedilotildees procedimentos e relaccedilotildees intra e interinstitucionais) Essa descriccedilatildeo pode
permitir em uacuteltima instacircncia situar em que medida as equipes da ESF estabelecem relaccedilotildees
de troca com as equipes de sauacutede mental e com a rede de atenccedilatildeo em sauacutede do territoacuterio sob
sua responsabilidade
2 INTRODUCcedilAtildeO
Na uacuteltima deacutecada a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o Movimento da Reforma
Psiquiaacutetrica Brasileira tecircm trazido contribuiccedilotildees importantes no sentido da reformulaccedilatildeo do
modelo de atenccedilatildeo em sauacutede no paiacutes Ambos defendem os princiacutepios baacutesicos do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) e propotildeem uma mudanccedila radical no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede
privilegiando a descentralizaccedilatildeo a abordagem comunitaacuteriafamiliar promoccedilatildeo da cidadania e
construccedilatildeo da autonomia possiacutevel de usuaacuterios e familiares
Aleacutem disso apontam para a criaccedilatildeo de uma rede de cuidados que se articularia no
territoacuterio atraveacutes da criaccedilatildeo de parcerias intersetoriais e intervenccedilotildees transversais de outras
poliacuteticas puacuteblicas de acordo com a IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM)
Brasil (2010) Em detrimento do modelo assistencial biomeacutedico caracterizado pelo
atendimento agrave demanda espontacircnea eminentemente curativo hospitalocecircntrico de alto custo
e de baixa resolutividade Essas poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede vecircm trazendo grandes avanccedilos no
processo de municipalizaccedilatildeo da sauacutede contribuindo para a transformaccedilatildeo do modelo de
atenccedilatildeo vigente em nosso paiacutes e para a consolidaccedilatildeo de outros modos de se pensar e agir em
sauacutede que consideram sobretudo a cliacutenica do sujeito isto eacute que incluem aleacutem da doenccedila o
contexto e o proacuteprio sujeito (CAMPOS 2003)
Na deacutecada de 1970 a Conferecircncia de Alma Ata alertou para a necessidade de rever a
organizaccedilatildeo dos sistemas de sauacutede no mundo redirecionando-os para Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave
Sauacutede (APS) valorizando a assistecircncia no territoacuterio com estiacutemulo agrave promoccedilatildeo da sauacutede e
14
prevenccedilatildeo de doenccedilas Gerando as bases para que a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS)
desenvolvesse em 1981 a estrateacutegia ldquoSauacutede para Todos no Ano 2000rdquo que influiu no
desenvolvimento de curriacuteculos orientados para temas comunitaacuterios e a implantaccedilatildeo de novas
aacutereas de ensino voltadas para a educaccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede
Segundo Barbara Starfield (2002) estudiosa da APS na atualidade a APS eacute o primeiro
contato da assistecircncia continuada centrada na pessoa de forma a satisfazer suas necessidades
de sauacutede promovendo atenccedilatildeo longitudinal coordenando o cuidado e ampliando a oferta de
acesso agrave sauacutede Starfield sugere entatildeo os seguintes atributos para as praacuteticas da atenccedilatildeo
primaacuteria primeiro contato longitudinalidade integralidade e coordenaccedilatildeo
Embora muitos paiacuteses do mundo jaacute tenham adotado a atenccedilatildeo primaacuteria como
estrateacutegia chave na organizaccedilatildeo de seu sistema de sauacutede alguns mais recentemente vem-se
destacando na conduccedilatildeo de estudos que articulam estrateacutegias assistenciais e educacionais com
enfoque na sauacutede mental Nessa esfera do conhecimento paiacuteses como Canadaacute Austraacutelia e
Chile tecircm contribuiacutedo de forma valiosa (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)
Esses mesmos autores destacam que a Inglaterra por sua vez haacute mais de 20 anos tem
se consolidado como o local de maior tradiccedilatildeo de pesquisa em estrateacutegias educacionais em
sauacutede mental dirigidas para a atenccedilatildeo primaacuteria O primeiro estudo mais aprofundado sobre o
tema foi publicado na deacutecada de 1980 pelos professores Goldberg et al (1980) vinculados ao
Instituto de Psiquiatria de Londres Outros trabalhos identificaram que aspectos da
personalidade dos cliacutenicos gerais bem como suas habilidades na conduccedilatildeo da entrevista
cliacutenica eram fatores determinantes na capacidade desses cliacutenicos em identificar distuacuterbios
emocionais em seus pacientes
Outro centro de grande importacircncia na pesquisa educacional em sauacutede mental para a
atenccedilatildeo primaacuteria eacute o Departamento de Psiquiatria da Universidade de Manchester O grupo de
pesquisadores dessa Instituiccedilatildeo coordenado pela professora Linda Gask trabalha em
conjunto com o Instituto de Psiquiatria de Londres e possui vasta experiecircncia na conduccedilatildeo
bem como na avaliaccedilatildeo de cursos de sauacutede mental direcionados para profissionais da atenccedilatildeo
primaacuteria (GOLDBERG et al 1980)
No Reino Unido alguns dos programas mais recentes de capacitaccedilatildeo estatildeo
organizados por meio de momentos de concentraccedilatildeo mediados por facilitadores quando
profissionais de atenccedilatildeo primaacuteria (meacutedicos e enfermeiros) desenvolvem projetos
compartilhados com membros das equipes de sauacutede mental (psiquiatras enfermeiras
psiquiaacutetricas e psicoacutelogos) a partir das demandas concretas da assistecircncia satildeo constituiacutedos
planos de cuidados compartilhados o que acaba produzindo accedilotildees criativas junto aos
15
usuaacuterios ao mesmo tempo em que satildeo instituiacutedos novos canais de comunicaccedilatildeo entre as
unidades baacutesicas de sauacutede e os centros comunitaacuterios de sauacutede mental (PEREIRA COSTA amp
MEGALE 2012)
Em 2001 a OMS propocircs no relatoacuterio sobre a sauacutede no mundo - Sauacutede mental nova
concepccedilatildeo nova esperanccedila que os transtornos mentais sejam diagnosticados e tratados por
cliacutenicos gerais Para isso os cliacutenicos recebiam treinamentos e aprendiam os criteacuterios
diagnoacutesticos supostamente objetivos do Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais (DSM) para em seguida
comeccedilarem a diagnosticar e tratar pacientes isto eacute a prescrever medicamentos Zarifian 2003
apud Burkley 2009 indica que paiacuteses como a Franccedila onde jaacute existe haacute mais tempo uma
campanha para que cliacutenicos gerais atendam casos de transtorno mental 80 dos diagnoacutesticos
e prescriccedilotildees de psicotroacutepicos satildeo feitos por generalistas Em 2003 apenas 15 dos pacientes
com diagnoacutestico de depressatildeo se dirigiam a um psiquiatra enquanto os outros 85 eram
tratados por cliacutenicos gerais (PIGNARRE 2003 apud BURKLEY 2009)
Faz-se importante tambeacutem destacar que as primeiras iniciativas de se trabalhar a sauacutede
mental inserida nas comunidades aconteceram na Europa e Estados Unidos e apesar do
caraacuteter controlador que essas praacuteticas assumiam no sentido de medicalizar os problemas da
vida ainda assim puderam ser consideradas inovadoras na medida em que mudaram o setting
terapecircutico do cuidado do hospital psiquiaacutetrico para a comunidade minimizando o estigma e
a discriminaccedilatildeo (HOCHMANN 1972)
Segundo um grupo de estudos da OMS que se deteve no desenvolvimento de cuidados
de sauacutede mental para a APS a formaccedilatildeo e treinamento dos meacutedicos de famiacutelia devem ter
como enfoque a relaccedilatildeo meacutedicopaciente as teacutecnicas e praacuteticas do trabalho em equipe e o
desenvolvimento da capacidade para ouvir e se comunicar (OMS 2001)
Em alguns paiacuteses da Ameacuterica Latina entre eles o Brasil as accedilotildees da APS foram
induzidas por agecircncias internacionais entre elas United Nations Childrens Fund (UNICEF) e
Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPAS) reduzindo seus valores princiacutepios e bases
conceituais instituiacutedas em Alma-Ata (OMS 1978) a programas seletivos simplificados e
desvinculados das accedilotildees realizadas em outros niacuteveis de atenccedilatildeo Testa (1992) discorre que
esta poliacutetica quando adotada de forma restritiva torna a medicina pobre para os pobres como
poliacutetica racional e econocircmica de accedilotildees promovidas pelo Estado
Para distinguir a concepccedilatildeo seletiva da APS no Brasil o Ministeacuterio da Sauacutede passou a
utilizar o termo ldquoAtenccedilatildeo Baacutesicardquo definida como ldquoum conjunto de accedilotildees de sauacutede no acircmbito
individual e coletivo que abrange a promoccedilatildeo e a proteccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de agravos
16
o diagnoacutestico o tratamento a reabilitaccedilatildeo a reduccedilatildeo de danos e a manutenccedilatildeo da sauacutederdquo
Brasil (2006) Poreacutem neste estudo optou-se por utilizar o termo equivalente Atenccedilatildeo
Primaacuteria agrave Sauacutede como considerado na atual Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica e
reconhecido internacionalmente Essa Poliacutetica tem na Sauacutede da Famiacutelia sua estrateacutegia
prioritaacuteria para expansatildeo e consolidaccedilatildeo da APS (BRASIL 2012)
A inserccedilatildeo dos cuidados comunitaacuterios de sauacutede mental no Brasil foi incorporada e
veiculadas pelo movimento da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira que nasceu no bojo da
Reforma Sanitaacuteria tendo guardado consigo princiacutepios e diretrizes que orientam esta uacuteltima
em especial a universalidade integralidade descentralizaccedilatildeo e participaccedilatildeo popular A ideacuteia eacute
que os profissionais da APS possam se responsabilizar pelo cuidado em sauacutede mental Mas a
que se considerar que a proposta da sauacutede mental nos cuidados primaacuterios numa abordagem
exclusivamente bioloacutegica corre o risco de acarretar uma medicalizaccedilatildeo cotidiana
Segundo Souza (2012) a proposta que hoje estaacute consolidada como uma das diretrizes
da Poliacutetica Nacional de Sauacutede Mental em nosso paiacutes ndash a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental
na atenccedilatildeo primaacuteria ndash pode ter comeccedilado a ser desenhada desde 1990 quando a Declaraccedilatildeo
de Caracas privilegiou os Sistemas Locais de Sauacutede como espaccedilo privilegiado para o
desenvolvimento das accedilotildees de sauacutede mental A autora ressalta que na II Conferecircncia Nacional
de Sauacutede Mental realizada em 1992 tambeacutem foi enfatizada a importacircncia da aproximaccedilatildeo
com a comunidade tendo como eixo os princiacutepios da desinstitucionalizaccedilatildeo e do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) Nesta Conferecircncia ainda se destacou a necessidade de capacitaccedilatildeo dos
Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) para o atendimento em sauacutede mental Nesse mesmo
ano a publicaccedilatildeo da PortariaSNAS nordm 224 estabelecia as diretrizes para o funcionamento dos
hospitais-dia e ambulatoacuterios e apontava para a necessidade de maior integraccedilatildeo com a
comunidade e inserccedilatildeo das pessoas em sofrimento psiacutequico nas redes sociais aleacutem de
normatizar o atendimento em sauacutede mental nas redes do SUS (BRASIL 1992)
A III Conferecircncia Nacional de Sauacutede Mental que foi realizada somente em 2001
reiterou a necessidade de ampliar as accedilotildees de sauacutede mental para o eixo territorial e
intensificou o debate sobre a importacircncia da reorientaccedilatildeo do modelo assistencial Nesta
Conferecircncia ficou estabelecido que uma estrateacutegia a ser adotada para a reversatildeo do modelo
assistencial seria a inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria o que pode ser
considerado como afirma Souza (2012) uma estrateacutegia para se alcanccedilar a integralidade no
atendimento agraves questotildees relacionadas agrave sauacutede mental Aleacutem disso tambeacutem em 2001 foi
sancionada a Lei 10216 que afirma os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais
e redireciona o modelo assistencial em sauacutede mental
17
Na avaliaccedilatildeo de um treinamento em cuidados primaacuterios agrave sauacutede mental para meacutedicos
dos serviccedilos primaacuterios de sauacutede no Brasil Ballester (1996) defende tambeacutem a capacitaccedilatildeo em
psicofarmacologia no entanto argumenta que a ecircnfase na abordagem farmacoloacutegica pode
gerar certa ldquomedicalizaccedilatildeordquo da populaccedilatildeo atendida no primeiro momento jaacute que o
treinamento em sauacutede mental poderaacute resultar em um maior nuacutemero de transtornos mentais
diagnosticados Por essa razatildeo eacute necessaacuterio que haja o aperfeiccediloamento da capacidade dos
meacutedicos de distinguir entre problemas existenciais situaccedilotildees estressantes da vida problemas
de viacutenculo familiar e social dos transtornos mentais propriamente ditos para que natildeo ocorram
prescriccedilotildees desnecessaacuterias (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)
Em um estudo mais recente Ballester e colaboradores (2005) estudaram 41 cliacutenicos
gerais que atuavam na atenccedilatildeo primaacuteria em duas cidades da regiatildeo Sul do Brasil com o
intuito de identificar possiacuteveis barreiras no atendimento aos portadores de transtornos
mentais Apoacutes a conduccedilatildeo de grupos focais anaacutelise de conteuacutedo do material transcrito e
revisatildeo da literatura atual os autores chegaram agraves seguintes conclusotildees de cunho educacional
programas de formaccedilatildeo centrados exclusivamente no diagnoacutestico e no uso da medicaccedilatildeo
podem descaracterizar a atuaccedilatildeo do meacutedico na atenccedilatildeo primaacuteria cujo principal objetivo eacute
sustentar relacionamentos com pacientes portadores de problemas complexos com o intuito
de facilitar o atendimento e contribuir para com uma maior eficaacutecia no tratamento A
formaccedilatildeo em sauacutede mental oferecida nas escolas de medicina tem demonstrado notoacuteria
limitaccedilatildeo Alguns autores tecircm relatado modelos de integraccedilatildeo assistencialeducativa em sauacutede
mental no acircmbito da atenccedilatildeo primaacuteria alguns deles voltados para a integraccedilatildeo curricular de
residentes de psiquiatria e de medicina comunitaacuteria (PEREIRA COSTA MEGALE 2012)
Fato interessante quando comparamos agrave experiecircncia de Satildeo Joseacute do Murialdo no Rio
Grande do Sul (RS) na deacutecada de 1970 que marcou a iniciativa de se trabalhar as accedilotildees de
sauacutede mental na comunidade em nosso paiacutes Esta surge basicamente como alternativa agrave
formaccedilatildeo meacutedica e natildeo como ao modelo assistencial Natildeo pretendia constituir-se em um
dispositivo substitutivo aos modelos vigentes de atenccedilatildeo agrave sauacutede Foi influenciado pelos
postulados da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede de Alma Ata e pelo modelo de serviccedilos de
medicina familiar do National Health System Inglecircs vinculado agrave Secretaria do Estado do RS e
estava conveniado a algumas universidades federais como a do RS marcando a importacircncia
de parcerias para o ecircxito da proposta Tambeacutem mantinha uma articulaccedilatildeo com o sistema local
de sauacutede e apresentava como caracteriacutesticas a multiprofissionalidade das accedilotildees a ecircnfase na
formaccedilatildeo de recursos humanos a participaccedilatildeo da comunidade e o desenvolvimento de
atividades de assistecircncia ensino e pesquisa Tendo o atendimento cliacutenico baseado no
18
acolhimento e na busca da resolutividade Suas accedilotildees pautavam-se nas visitas domiciliares na
educaccedilatildeo em sauacutede nos programas para grupos de risco e num menu tiacutepico da atenccedilatildeo
primaacuteria Esta experiecircncia foi marcada pelo seu pioneirismo pela resistecircncia aos modelos de
formaccedilatildeo vigentes e pela articulaccedilatildeo com o sistema de sauacutede local (SOUZA 2012)
Todavia o delineamento de uma proposta para a Sauacutede Mental na APS no Brasil pelo
Ministeacuterio da Sauacutede ganhou ecircnfase em 2003 com a ediccedilatildeo de uma Circular Conjunta da
Coordenaccedilatildeo de Sauacutede Mental e Coordenaccedilatildeo de Gestatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica nordm 0103 Brasil
2003 Tambeacutem muito mais tarde com a Portaria 154 de 2008 que criou o Nuacutecleo de Apoio agrave
Sauacutede da Famiacutelia (NASF) e instituiu seu financiamento Na deacutecada de 2000 entatildeo com
financiamento e regulaccedilatildeo tripartite amplia-se fortemente a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial
(Raps) que passa a integrar a partir do Decreto Presidencial nordm 75082011 o conjunto das
redes indispensaacuteveis na constituiccedilatildeo das regiotildees de sauacutede Em dezembro desse mesmo ano foi
decretada a Portaria nordm 3088 que institui a RAPS (Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial) para pessoas
com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool
e outras drogas no acircmbito do SUS que deve ser constituiacuteda pelos seguintes componentes I
Atenccedilatildeo baacutesica em sauacutede II Atenccedilatildeo psicossocial especializada III Atenccedilatildeo de urgecircncia e
emergecircncia IV Atenccedilatildeo residencial de caraacuteter transitoacuterio e V Atenccedilatildeo hospitalar
Eacute bom lembrar que no Brasil embora tenham sido criados ateacute o ano de 2014 2129
Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) ndash serviccedilos que estatildeo se interiorizando e adensando
nos territoacuterios somados a 129 consultoacuterios de rua e 695 residecircncias terapecircuticas o nuacutemero de
serviccedilos bem como de profissionais da sauacutede mental capacitados para atender toda a
populaccedilatildeo brasileira ainda se mostra insuficiente (CHIORO 2014)
A despeito de estudos demonstrarem a importacircncia da integraccedilatildeo da sauacutede mental nos
cuidados primaacuterios como a melhor maneira de assegurar que as pessoas recebam os cuidados
de sauacutede mental de que precisam de uma forma mais holiacutestica respondendo agraves necessidades
de sauacutede mental das pessoas com doenccedilas fiacutesicas assim como agraves necessidades de sauacutede fiacutesica
das pessoas com sofrimento psiacutequico como apontam Prates Garcia e Moreno (2013) Souza e
Luis (2012) Cossetim e Olschowsky (2011) Neves Lucchese e Munari (2010) Souza e
Riviera (2010) satildeo praticamente inexistentes os trabalhos de natureza qualitativa sobre a
percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental por parte dos profissionais da ESF Sendo assim o
objeto deste estudo foram os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de
sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade
E como questotildees norteadoras Como os profissionais da ESF compreendem o seu
trabalho na ESF O que os profissionais da ESF consideram como ldquocasordquo de sauacutede mental na
19
populaccedilatildeo adulta de seu territoacuterio E como os profissionais da ESF identificam acompanham
eou encaminham esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental Problematizando a ampliaccedilatildeo do conceito
de sauacutede mental eou de transtorno mental tatildeo presente hoje em nossa sociedade
Com o aumento da cobertura da ESF na cidade do Rio de Janeiro que nos uacuteltimos
cinco anos (2009-2014) passou de 829 para 4486 de acordo com os dados do MSSAS
via Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB)- Brasil (2014) a capilaridade das accedilotildees de sauacutede
no territoacuterio foi expandida Com isso a demanda por atendimento em sauacutede mental tambeacutem
aumentou tanto para novos casos como para os casos que eram acompanhados em
ambulatoacuterios de psiquiatria e sauacutede mental em outras regiotildees respeitando-se o criteacuterio de
territorializaccedilatildeo
O pressuposto do estudo foi de que os profissionais da ESF teriam dificuldade de
identificar acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental no territoacuterio de sua
responsabilidade Sentiam-se muitas vezes despreparados e sobrecarregados e a demanda por
atendimento em sauacutede mental era tida como mais uma tarefa a ser executada E que haveria
uma atenccedilatildeo especial por parte dos trabalhadores da ESF para centralidade na administraccedilatildeo
da medicaccedilatildeo e no encaminhamento para serviccedilos especializados Ou seja a expansatildeo da ESF
poderia estar relacionada a uma medicalizaccedilatildeo do social
O acuacutemulo das experiecircncias ateacute aqui tem feito acreditar que uma rede diversificada de
serviccedilos de sauacutede mental articulada com a incorporaccedilatildeo de accedilotildees de sauacutede mental na atenccedilatildeo
primaacuteria com parcerias na comunidade e intersetoriais poderiam contribuir para acelerar o
processo da Reforma Psiquiaacutetrica Brasileira oferecendo melhor cobertura de atenccedilatildeo ao
sofrimento psiacutequico que historicamente sempre apresentou grande dificuldade para entrar no
circuito de atenccedilatildeo agrave sauacutede no acircmbito do SUS
Desse modo com esse estudo esperamos que o papel da ESF no acircmbito das poliacuteticas
puacuteblicas de sauacutede mental seja apreciado dando subsiacutedios para que novos estudos avancem no
entendimento das accedilotildees de sauacutede mental na ESF tal como proposto na Agenda Nacional de
Prioridades de Pesquisa em Sauacutede (BRASIL MS 2011)
O que os profissionais da ESF de um dado territoacuterio consideram como ldquocasordquo de sauacutede
mental a partir da compreensatildeo da natureza do seu trabalho na ESF pode ser um potente
instrumento para a transformaccedilatildeo das praacuteticas de cuidado nos territoacuterios ratificando a APS e
os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica cuidado de base comunitaacuteria integral em liberdade e
trabalho em equipe Pois para se compreender a real capacidade da ESF em lidar com os
ldquocasosrdquo de sauacutede mental da comunidade eacute condiccedilatildeo primeira que se compreenda o
20
entendimento da equipe sobre o seu trabalho na ESF na perspectiva de uma APS abrangente
e integral na concepccedilatildeo de Alma-Ata
3 OBJETIVOS
31 Objetivo Geral
Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca
do que apreendem como ldquocasordquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua
responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio do Rio de Janeiro
32 Objetivos especiacuteficos
321 Descrever como os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia compreendem o
seu trabalho
322 Identificar o que os profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia consideram
ldquocasordquo de sauacutede mental
323 Discutir como estatildeo sendo identificados acolhidos acompanhados ou
encaminhados os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pelos profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
4 QUADRO TEOacuteRICO
41 Definiccedilatildeo de termos
ldquoCasosrdquo de Sauacutede Mental
ldquoCasordquo de sauacutede mental seraacute compreendido neste estudo como todo relato a ser feito
pelos profissionais da ESF durante as entrevistas relacionado ao sofrimento transtorno mental
ou queixa psiacutequica na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade Estaacute colocado
entre parecircnteses propositalmente para destacar a complexidade do fenocircmeno a ser estudado
conforme uma breve problematizaccedilatildeo abaixo
No estudo realizado por Jucaacute Nunes e Barreto (2009) na Bahia para compreender
como os profissionais de sauacutede interpretam o sofrimento mental foi identificado que os
profissionais vivenciam dificuldades diversas que vatildeo desde a identificaccedilatildeo do sofrimento
mental passando pelos impasses relativos ao manejo de situaccedilotildees especificas ateacute as questotildees
relativas ao encaminhamento para os serviccedilos especializados
Em outro dois estudos ambos realizados em 2013 um no Cearaacute e outro em Minas
Gerias respectivamente Quindereacute et al apontam que os trabalhadores da APS natildeo se sentem
instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede e Gonccedilalves et al trazem que 60 dos
enfermeiros que trabalham na APS afirmam sentir-se despreparados para lidar com as
questotildees de sauacutede mental por natildeo ter formaccedilatildeo especifica na aacuterea
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Se por um lado como os estudos apontam haacute uma dificuldade dos profissionais da ESF
em identificarem o sofrimento mental por outro lado vivemos hoje uma expansatildeo dos
diagnoacutesticos psiquiaacutetricos como afirma Amarante (2014) ldquouma apropriaccedilatildeo que a medicina
faz da vida cotidianardquo O que pode acontecer tambeacutem na ESF com um treinamento para Sauacutede
Mental voltado pra uma abordagem restrita e tradicional biomeacutedica
Atualmente existem dois sistemas de diagnoacutestico usados simultaneamente no mundo
a ediccedilatildeo recente do DSM -5 (Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico de Transtornos Mentais)
traduzido para mais de vinte idiomas e a CID-10 (Classificaccedilatildeo Estatiacutestica Internacional de
Doenccedilas e Problemas Relacionados agrave Sauacutede) desenvolvida pela OMS e traduzida para 42
idiomas O DSM eacute utilizado com mais frequecircncia em pesquisa e a CID funciona melhor
quando um sistema mais simples eacute necessaacuterio no mundo em desenvolvimento poreacutem ambos
praticamente se equivalem no trabalho cliacutenico em paiacuteses desenvolvidos ldquoOs DSMs ateacute o
momento tecircm sido mais influentes poreacutem seratildeo necessaacuterios vaacuterios anos para que possamos
julgar se o DMS-5 ou a CID-11 (cuja publicaccedilatildeo deve ocorrer por volta de 2018) venceraacute a
proacutexima etapa de competiccedilatildeordquo (FRANCES 2016 p45)
O DSM eacute mais especifico para profissionais da aacuterea da sauacutede mental uma vez que
lista diferentes categorias de transtornos mentais e criteacuterios para diagnosticaacute-los de acordo
com a Associaccedilatildeo Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association - APA) Eacute
usado ao redor do mundo por cliacutenicos e pesquisadores bem como por companhias de seguro
induacutestria farmacecircutica e parlamentos poliacuteticos
Existem cinco revisotildees para o DSM desde sua primeira publicaccedilatildeo em 1952 A maior
revisatildeo foi a DSM-IV publicada em 1994 apesar de uma ldquorevisatildeo textualrdquo ter sido produzida
em 2000 O DSM-5 (anteriormente conhecido como DSM-V) foi publicado em 18 de maio de
2013 e eacute a versatildeo atual do manual A seccedilatildeo de desordens mentais da Classificaccedilatildeo Estatiacutestica
Internacional de Doenccedilas e Problemas Relacionados com a Sauacutede - CID (International
Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems ndash ICD) eacute outro guia
comumente usado especialmente fora dos Estados Unidos Entretanto em termos de pesquisa
em sauacutede mental o DSM continua sendo a maior referecircncia da atualidade
Sauvagnat em maio de 2012 em uma Conferecircncia proferida no campus Dom Bosco
da Universidade Federal de Satildeo Joatildeo Del-Rei (UFSJ) na Etapa Brasileira do Movimento
Internacional StopDSM traz importantes consideraccedilotildees criacuteticas acerca da classificaccedilatildeo DSM
e suas implicaccedilotildees na diagnoacutestica contemporacircnea Questiona primeiramente o fato de o
manual ser utilizado como uma espeacutecie de ldquobiacutebliardquo Depois infere como o DSM que era uma
lista de categorias ligadas a um paiacutes para responder a necessidades desse paiacutes torna-se uma
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regra mundial uma norma mundial Referindo-se aos Estados Unidos que em termos de sauacutede
mental estaacute entre os paiacuteses de ldquoterceiro mundordquo
Segue colocando que o DSM surge como o grande ldquoesperanto psicopatoloacutegicordquo ldquoEacute
como se essas tensotildees que faziam surgir agraves figuras de compromisso entre a psiquiatria e a
filosofia ou a psiquiatria e a psicanaacutelise elas fossem desaparecendo elas ficassem caladasrdquo
Sauvagnat (2012) Acredita que esse eacute o maior malefiacutecio que essa classificaccedilatildeo causa Eacute um
silenciamento de outras formas eacute um silenciamento da possibilidade de expressatildeo de outras
formas de mal- estar na cultura O efeito colateral percebido como destaca o palestrante eacute que
natildeo se sabe mais se o DSM classifica o que eacute visto ou se ele cria os tipos que ele pretende
classificar
Quando falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos
efetivamente Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir
sobre o que eacute a normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito
aos sintomas psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de
grande controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno
mental Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os
quais se trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de
vaacuterios criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada
profissional (DALGALARRONDO 2008)
Para Burkley (2009) em seu estudo tambeacutem sobre reflexotildees criacuteticas dos DSMs a
mudanccedila recorrente entre as categorias diagnoacutesticas do Manual mostra que aquilo que pode
ser considerado doenccedila em uma determinada eacutepoca e cultura pode natildeo ser em outra Natildeo haacute
especialmente em psiquiatria um agente causador que confira objetividade absoluta a um
diagnoacutestico dos diversos transtornos mentais Mesmo os pesquisadores que trabalham em
busca dos marcadores bioloacutegicos de alguns transtornos mentais para a elaboraccedilatildeo do DSM-V
ainda natildeo obtiveram muitos resultados significativos em suas pesquisas O que nos reaviva a
afirmaccedilatildeo de que o que se considera como loucura como doenccedila mental natildeo eacute algo natural
ou com existecircncia natural que legitimaria um marcador bioloacutegico e sim que se trata de algo
construiacutedo de acordo com um momento histoacuterico com um modelo epistemoloacutegico
(FOUCAULT 1972)
Ainda sobre a normalidade George Canguilhem opotildee duas grandes posiccedilotildees Uma
posiccedilatildeo onde supomos que existe um indiviacuteduo normal que seraacute dotado de todas as
qualidades e um indiviacuteduo anormal que eacute mal dito por Deus um pobre coitado e que a
norma estatiacutestica permitiria justamente essa diferenciaccedilatildeo entre os dois Em segundo lugar
23
Canguilhem (2015 p23) oferece sua proacutepria posiccedilatildeo que eacute de dizer ldquoa norma a lei eacute alguma
coisa de relativo Cada sociedade fabrica suas leisrdquo
Em sua criacutetica ao DMS Sauvagnat (2012) diz que efetivamente haacute uma maldiccedilatildeo Eacute
necessaacuterio comparar as coisas Essas pessoas se pretendem neo-kraepelinianas Ele relata que
jaacute trabalhou muito sobre a psiquiatria alematilde No final do seacuteculo XIX iniacutecio do seacuteculo XX
Kraepelin foi algueacutem que sobretudo tentou pocircr em ordem organizar a psiquiatria a partir
das pesquisas que existiam Natildeo se pode dizer isso do DSM O problema deles eacute responder as
objeccedilotildees que lhe satildeo feitas ao mesmo tempo em que satildeo financiados pela induacutestria
farmacecircutica conclui
Burkley (2009) finaliza seu estudo questionando que se adotamos uma concepccedilatildeo de
sauacutede como algo vivencial que natildeo pode ser reduzida e tatildeo pouco medida necessariamente o
diagnoacutestico ganha uma outra dimensatildeo uma funccedilatildeo mais instrumental auxiliar a uma
compreensatildeo da complexidade real da sauacutede mental e talvez o nuacutemero de categorias
diagnoacutesticas pudesse ser reduzido ldquoPois se a sauacutede eacute relativa e singular a psicopatologia
tambeacutem o eacuterdquo (BURKLEY 2009 p 97)
Para Retolaza (2013) nos dias atuais da era tecnoloacutegica o imaginaacuterio coletivo estaacute
impregnado de tecnologia Tudo (ou quase tudo) pode ser explicado pela ciecircncia e pela
teacutecnica portanto para tudo deve existir uma soluccedilatildeo tecnoloacutegica Cada eacutepoca coloca em cena
suas doenccedilas Psiquiatras e psicoacutelogos satildeo os encarregados de sustentar essa narrativa
coletiva certificando em suas consultas publicaccedilotildees e tratados o que eacute e o que natildeo eacute
transtorno psiquiaacutetrico O que eacute e o que natildeo eacute um ldquocasordquo psiquiaacutetrico
O autor afirma que sem duacutevida a falta de um criteacuterio objetivo para agarrar-se a
definiccedilatildeo de um ldquocasordquo em sauacutede mental vem sendo e parece que seraacute ainda por algum tempo
o resultado de um consenso profissional procedente de muitas fontes Em primeiro lugar de
tudo aquilo que nos apontam as provas procedentes da evidencia cientifica os resultados da
experimentaccedilatildeo e o acervo de conhecimento dele derivado Por outro lado no acircmbito da
sauacutede mental (a psiquiatria a psicologia) tambeacutem satildeo importantes os conhecimentos
empiacutericos de ordem praacutetica que permitem organizar a atenccedilatildeo e o cuidado dos usuaacuterios
Finalmente e de uma forma muito importante este consenso tem tambeacutem que dar conta de
tudo aquilo que luta e demanda o entorno o meio cultural e em definitivamente a maioria
social dominante
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Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (ESF)
A ESF eacute a estrateacutegia prioritaacuteria adotada pelo Ministeacuterio da Sauacutede para expandir
qualificar e consolidar a APS no Brasil por favorecer uma reorientaccedilatildeo do processo de
trabalho com maior potencial de aprofundar os princiacutepios diretrizes e fundamentos da APS
de ampliar sua resolutividade e seu impacto na situaccedilatildeo de sauacutede das pessoas e coletividades
aleacutem de propiciar uma importante relaccedilatildeo custo-benefiacutecio (BRASIL 2006 2012)
Tem como foco a famiacutelia visa agrave reorganizaccedilatildeo da APS no Paiacutes de acordo com os
preceitos do SUS e seu maior desafio eacute reverter o modelo assistencial predominantemente
biomeacutedico centrado na doenccedila e no hospital Seus principais objetivos satildeo conhecer as
famiacutelias do seu territoacuterio de abrangecircncia identificar os problemas de sauacutede e as situaccedilotildees de
risco existentes na comunidade elaborar programaccedilatildeo de atividades para enfrentar os
determinantes do processo sauacutededoenccedila desenvolver accedilotildees educativas e intersetoriais
relacionadas com os problemas de sauacutede identificados prestar assistecircncia integral contiacutenua e
organizada agraves famiacutelias sob sua responsabilidade realizar acolhimento com escuta qualificada
classificaccedilatildeo de risco avaliaccedilatildeo de necessidade de sauacutede e anaacutelise de vulnerabilidade tendo
em vista a responsabilidade da demanda espontacircnea e o primeiro atendimento as urgecircncias
desenvolver accedilotildees educativas que possam interferir no processo sauacutede-doenccedila da populaccedilatildeo
no desenvolvimento de autonomia individual e coletiva e na busca por qualidade de vida
pelos usuaacuterios (BRASIL 2012)
Uma anaacutelise das contribuiccedilotildees e desafios da ESF na APS publicada recentemente por
Arantes et al (2016) traz que na dimensatildeo poliacutetico-institucional a ESF favoreceu a expansatildeo
dos cuidados primaacuterios no paiacutes e incrementou o processo de avaliaccedilatildeo institucional Melhorou
a equidade quando comparado ao modelo de UBS tradicional Os principais desafios nessa
dimensatildeo foram financiamento insuficiente formaccedilatildeo profissional em desarmonia com o
modelo de atenccedilatildeo centrado na APS precarizaccedilatildeo do viacutenculo profissional com as instituiccedilotildees
e o desenvolvimento de accedilotildees intersetoriais Na dimensatildeo organizativa a implantaccedilatildeo da ESF
contribuiu para a ampliaccedilatildeo das possibilidades de ofertas de serviccedilos nas aacutereas perifeacutericas e
rurais inclusive da sauacutede bucal Trouxe tambeacutem um efeito estruturante perante os vazios
assistenciais em pequenos municiacutepios com resultados melhores quanto agrave integralidade da
atenccedilatildeo e ao contato por accedilotildees programaacuteticas quando comparado agrave APS tradicional Os
desafios identificados nessa dimensatildeo estiveram ligados ao acesso agrave referencia da Unidade
de Sauacutede da Famiacutelia como porta de entrada do sistema de sauacutede agrave integraccedilatildeo da ESF agrave rede
assistencial ao planejamento e agrave participaccedilatildeo social
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Jaacute na dimensatildeo teacutecnico-assistencial a ESF foi melhor que o modelo de APS em UBS
tradicional quanto ao desempenho ao trabalho multidisciplinar ao enfoque familiar ao
acolhimento ao viacutenculo agrave humanizaccedilatildeo e agrave orientaccedilatildeo comunitaacuteria Com estaque para os
benefiacutecios da ESF para a promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de doenccedilas a busca ativa de casos a
educaccedilatildeo em sauacutede a assistecircncia domiciliar o aumento de consultas preacute-natais puericultura
de orientaccedilotildees sobre o aleitamento materno exclusivo da coleta de colpocitologia oncoacutetica a
reduccedilatildeo de nascidos com baixo peso da mortalidade infantil e das internaccedilotildees hospitalares
Aleacutem disso proporcionou adesatildeo agraves accedilotildees para tratamento da hipertensatildeo diabetes
hanseniacutease tuberculose e de doenccedilas sexualmente transmissiacuteveis Avanccedilos importantes
foram percebidos tambeacutem nas aacutereas de sauacutede bucal e assistecircncia farmacecircutica Os desafios
observados nessa dimensatildeo estiveram relacionados ao desenvolvimento de praacuteticas
integrativas complementares de accedilotildees para sauacutede mental do adolescente na aacuterea de sauacutede
mental (grifos meus para dimensionar a importacircncia desse trabalho) ao portador do Viacuterus da
Imunodeficiecircncia HumanaSiacutendrome da Imunodeficiecircncia Adquirida (HIVAIDS) aos
usuaacuterios de drogas iliacutecitas e da obesidade O risco de reproduzir a racionalidade biomeacutedica no
processo de trabalho foi outra dificuldade muito importante detectada a ser enfrentada pela
ESF no processo de cuidado
Os profissionais da ESF
A equipe da ESF (Equipe da Sauacutede da Famiacutelia - EqSF) deve ser multiprofissional
composta por no miacutenimo pelo seguintes profissionais meacutedico generalista ou especialista em
Sauacutede da Famiacutelia ou meacutedico de Famiacutelia e Comunidade enfermeiro generalista ou especialista
em Sauacutede da Famiacutelia auxiliares ou teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede
(ACS) de preferecircncia moradores da aacuterea e que fazem o elo entre a Unidade Baacutesica de Sauacutede
(UBS) e a populaccedilatildeo atraveacutes de visitas domiciliares (BRASIL 2012)
Podendo acrescentar a esta composiccedilatildeo como parte da equipe multiprofissional os
profissionais de Sauacutede Bucal (ESB) cirurgiatildeo-dentista generalista ou especialista em Sauacutede
da Famiacutelia auxiliar eou teacutecnico de higiene bucal Eacute recomendado pela Poliacutetica Nacional da
Atenccedilatildeo Baacutesica que cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a
meacutedia recomendada de 3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo De
maneira que o nuacutemero de pessoas por equipe considere o grau de vulnerabilidade das famiacutelias
daquele territoacuterio ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o
nuacutemero de pessoas por equipe (BRASIL 2012)
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Satildeo atribuiccedilotildees especiacuteficas de cada membro da equipe descrito a seguir conforme
Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica (2012)
Agente Comunitaacuterio de Sauacutede I - desenvolver accedilotildees que busquem a integraccedilatildeo entre
a equipe de sauacutede e a populaccedilatildeo adscrita agrave UBS considerando as caracteriacutesticas e as
finalidades do trabalho de acompanhamento de indiviacuteduos e grupos sociais ou coletividade II
- trabalhar com adscriccedilatildeo de famiacutelias em base geograacutefica definida a microaacuterea III - estar em
contato permanente com as famiacutelias desenvolvendo accedilotildees educativas visando agrave promoccedilatildeo da
sauacutede e a prevenccedilatildeo das doenccedilas de acordo com o planejamento da equipe IV - cadastrar
todas as pessoas de sua microaacuterea e manter os cadastros atualizados V - orientar famiacutelias
quanto agrave utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede disponiacuteveis VI - desenvolver atividades de
promoccedilatildeo da sauacutede de prevenccedilatildeo das doenccedilas e de agravos e de vigilacircncia agrave sauacutede por meio
de visitas domiciliares e de accedilotildees educativas individuais e coletivas nos domiciacutelios e na
comunidade mantendo a equipe informada principalmente a respeito daquelas em situaccedilatildeo
de risco VII - acompanhar por meio de visita domiciliar todas as famiacutelias e indiviacuteduos sob
sua responsabilidade de acordo com as necessidades definidas pela equipe e VIII - cumprir
com as atribuiccedilotildees atualmente definidas para os ACS em relaccedilatildeo agrave prevenccedilatildeo e ao controle da
malaacuteria e da dengue conforme a Portaria nordm 44GM de 3 de janeiro de 2002
Enfermeiro I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo
de agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e
famiacutelias na USF e quando indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos
comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) em todas as fases do desenvolvimento humano
infacircncia adolescecircncia idade adulta e terceira idade II - conforme protocolos ou outras
normativas teacutecnicas estabelecidas pelo gestor municipal ou do Distrito Federal observadas as
disposiccedilotildees legais da profissatildeo realizar consulta de enfermagem solicitar exames
complementares e prescrever medicaccedilotildees III ndash realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo a
demanda espontacircnea IV ndash planejar gerenciar e avaliar as accedilotildees desenvolvidas pelos ACS em
conjunto com os outros membros da equipe V ndash contribuir participar e realizar atividades de
educaccedilatildeo permanente da equipe de enfermagem e outros membros da equipe e VI - participar
do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF
Meacutedico I - realizar assistecircncia integral (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de
agravos diagnoacutestico tratamento reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) aos indiviacuteduos e
famiacutelias em todas as fases do desenvolvimento humano infacircncia adolescecircncia idade adulta e
terceira idade II - realizar consultas cliacutenicas e procedimentos na USF e quando indicado ou
necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas associaccedilotildees etc) III
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- realizar atividades de demanda espontacircnea e programada em cliacutenica meacutedica pediatria
gineco-obstetriacutecia cirurgias ambulatoriais pequenas urgecircncias cliacutenico-ciruacutergicas e
procedimentos para fins de diagnoacutesticos IV - encaminhar quando necessaacuterio usuaacuterios a
serviccedilos de meacutedia e alta complexidade respeitando fluxos de referecircncia e contra- referecircncia
locais mantendo sua responsabilidade pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio
proposto pela referecircnciaV - indicar a necessidade de internaccedilatildeo hospitalar ou domiciliar
mantendo a responsabilizaccedilatildeo pelo acompanhamento do usuaacuterio VI - contribuir e participar
das atividades de Educaccedilatildeo Permanente dos ACS Auxiliares de Enfermagem ACD e THD e
VII - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado funcionamento da
USF
Auxiliar e Teacutecnico de Enfermagem I - participar das atividades de atenccedilatildeo
realizando procedimentos regulamentados no exerciacutecio de sua profissatildeo na USF e quando
indicado ou necessaacuterio no domiciacutelio eou nos demais espaccedilos comunitaacuterios (escolas
associaccedilotildees etc) II - realizar accedilotildees de educaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo adstrita conforme planejamento
da equipe e III - participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios para o adequado
funcionamento da USF IV- Realizar atividades programadas e de atenccedilatildeo agrave demanda
espontacircnea e V- contribuir participar e realizar atividades de educaccedilatildeo permanente
Cirurgiatildeo Dentista I - realizar diagnoacutestico com a finalidade de obter o perfil
epidemioloacutegico para o planejamento e a programaccedilatildeo em sauacutede bucal II - realizar os
procedimentos cliacutenicos da Atenccedilatildeo Baacutesica em sauacutede bucal incluindo atendimento das
urgecircncias pequenas cirurgias ambulatoriais e procedimentos relacionados com a fase cliacutenica
da instalaccedilatildeo de proacuteteses dentaacuterias elementares III - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede
bucal (promoccedilatildeo e proteccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos diagnoacutestico tratamento
reabilitaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da sauacutede) individual e coletiva a todas as famiacutelias a indiviacuteduos e a
grupos especiacuteficos de acordo com planejamento local com resolubilidade IV - realizar
atividades programadas e de atenccedilatildeo a demanda espontacircnea V- coordenar e participar de
accedilotildees coletivas voltadas agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave prevenccedilatildeo de doenccedilas bucais VI -
acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com os demais
membros da Equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de sauacutede de
forma multidisciplinar VII - realizar supervisatildeo teacutecnica do teacutecnico em sauacutede bucal (TSB) e
auxiliar em sauacutede bucal (ASB) e VIII - Participar do gerenciamento dos insumos necessaacuterios
para o adequado funcionamento da USF
Teacutecnico em Higiene Dental (THD) I - realizar a atenccedilatildeo integral em sauacutede bucal
(promoccedilatildeo prevenccedilatildeo assistecircncia e reabilitaccedilatildeo) individual e coletiva a todas as famiacutelias a
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indiviacuteduos e a grupos especiacuteficos segundo programaccedilatildeo e de acordo com suas competecircncias
teacutecnicas e legais II - coordenar e realizar a manutenccedilatildeo e a conservaccedilatildeo dos equipamentos
odontoloacutegicos III - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal com
os demais membros da equipe de Sauacutede da Famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees de
sauacutede de forma multidisciplinar IV - apoiar as atividades dos ACD e dos ACS nas accedilotildees de
prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede bucal e V - participar do gerenciamento dos insumos
necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF
Auxiliar de Consultoacuterio Dentaacuterio (ACD) I - realizar accedilotildees de promoccedilatildeo e
prevenccedilatildeo em sauacutede bucal para as famiacutelias grupos e indiviacuteduos mediante planejamento local
e protocolos de atenccedilatildeo agrave sauacutede II - proceder agrave desinfecccedilatildeo e agrave esterilizaccedilatildeo de materiais e
instrumentos utilizados III - preparar e organizar instrumental e materiais necessaacuterios IV -
instrumentalizar e auxiliar o cirurgiatildeo dentista eou o THD nos procedimentos cliacutenicos V -
cuidar da manutenccedilatildeo e conservaccedilatildeo dos equipamentos odontoloacutegicos VI - organizar a
agenda cliacutenica VII - acompanhar apoiar e desenvolver atividades referentes agrave sauacutede bucal
com os demais membros da equipe de sauacutede da famiacutelia buscando aproximar e integrar accedilotildees
de sauacutede de forma multidisciplinar e VIII - participar do gerenciamento dos insumos
necessaacuterios para o adequado funcionamento da USF
Devendo ser atribuiccedilotildees comuns agrave todos os profissionais das equipes de sauacutede da
famiacutelia de sauacutede bucal e de ACS (BRASIL 2006)
I - Participar do processo de territorializaccedilatildeo e mapeamento da aacuterea de atuaccedilatildeo da
equipe identificando grupos famiacutelias e indiviacuteduos expostos a riscos inclusive aqueles
relativos ao trabalho e da atualizaccedilatildeo contiacutenua dessas informaccedilotildees priorizando as situaccedilotildees a
serem acompanhadas no planejamento local II - Realizar o cuidado em sauacutede da populaccedilatildeo
adscrita prioritariamente no acircmbito da unidade de sauacutede no domiciacutelio e nos demais espaccedilos
comunitaacuterios (escolas associaccedilotildeesentre outros) quando necessaacuterio III - Realizar accedilotildees de
atenccedilatildeo integral conforme a necessidade de sauacutede da populaccedilatildeo local bem como as previstas
nas prioridades e protocolos da gestatildeo local IV - Garantir a integralidade da atenccedilatildeo por
meio da realizaccedilatildeo de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede prevenccedilatildeo de agravos e curativas e da
garantia de atendimento da demanda espontacircnea da realizaccedilatildeo das accedilotildees programaacuteticas e de
vigilacircncia agrave sauacutede V - Realizar busca ativa e notificaccedilatildeo de doenccedilas e agravos de notificaccedilatildeo
compulsoacuteria e de outros agravos e situaccedilotildees de importacircncia local VI - Realizar a escuta
qualificada das necessidades dos usuaacuterios em todas as accedilotildees proporcionando atendimento
humanizado e viabilizando o estabelecimento do viacutenculo VII - Responsabilizar-se pela
populaccedilatildeo adscrita mantendo a coordenaccedilatildeo do cuidado mesmo quando esta necessita de
29
atenccedilatildeo em outros serviccedilos do sistema de sauacutede VIII - Participar das atividades de
planejamento e avaliaccedilatildeo das accedilotildees da equipe a partir da utilizaccedilatildeo dos dados disponiacuteveis IX
- Promover a mobilizaccedilatildeo e a participaccedilatildeo da comunidade buscando efetivar o controle
social X - Identificar parceiros e recursos na comunidade que possam potencializar accedilotildees
intersetoriais com a equipe sob coordenaccedilatildeo da SMS XI - Garantir a qualidade do registro
das atividades nos sistemas nacionais de informaccedilatildeo na Atenccedilatildeo Baacutesica XII - participar das
atividades de educaccedilatildeo permanente e XIII - Realizar outras accedilotildees e atividades a serem
definidas de acordo com as prioridades locais
42 MODELOS DE ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE
Aspectos Teoacutericos-Conceituais
Os modelos de atenccedilatildeo agrave sauacutede estatildeo relacionados ao modo como satildeo organizadas as
accedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede incluindo os aspectos tecnoloacutegicos assistenciais e os recursos
fiacutesicos disponiacuteveis que se articulam para enfrentar e resolver os problemas de sauacutede de uma
coletividade Ao redor do mundo pode-se considerar a existecircncia de diversos modelos de
atenccedilatildeo sustentados pelas diferentes concepccedilotildees de sauacutede e de doenccedila pelas tecnologias
disponiacuteveis em uma determinada eacutepoca para intervir na sauacutede e na doenccedila e pelas escolhas
poliacuteticas e eacuteticas que priorizam os problemas a serem enfrentados pela poliacutetica de sauacutede
Desta maneira pode-se considerar que natildeo existe modelo de atenccedilatildeo certo ou errado eles
estatildeo relacionados a todos esses fatores de um dado momento histoacuterico
No Brasil as expressotildees modelos assistenciais ou modelos tecnoassistenciais
aparecem a partir da deacutecada de 1980 com significados muito proacuteximos Poreacutem haacute objeccedilotildees
ao adjetivo lsquoassistencialrsquo pois lembra assistecircncia meacutedica ou odontoloacutegica centrada em
procedimentos para indiviacuteduos O termo lsquoatenccedilatildeorsquo teria maior abrangecircncia pois aleacutem de
envolver a assistecircncia incluiria outras accedilotildees individuais e coletivas nos acircmbitos da
promoccedilatildeo proteccedilatildeo recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo da sauacutede (PAIM 2012 p459)
No que diz respeito agrave prestaccedilatildeo da atenccedilatildeo esta eacute reconhecida como um dos
componentes de um sistema de sauacutede juntamente com a gestatildeo o financiamento a
organizaccedilatildeo e a infraestrutura de recursos Kleczkowski Roemer e Werf (1984) Desta
maneira o modelo de atenccedilatildeo tem como foco o lsquoconteuacutedorsquo do sistema de sauacutede isto eacute as
accedilotildees de sauacutede e natildeo o lsquocontinentersquo - infraestrutura organizaccedilatildeo gestatildeo e financiamento o
que torna necessaacuteria a reflexatildeo sobre os processos de trabalho em sauacutede quando se pretende
analisar os modelos de atenccedilatildeo
30
Portanto eacute importante compreender os modelos de atenccedilatildeo natildeo como algo exemplar
um molde Ao contraacuterio disso indicam modos de organizar a accedilatildeo e dispor os meios teacutecnico-
cientiacuteficos existentes para intervir sobre os problemas e necessidades de sauacutede que podem ser
diversos tendo em conta as realidades distintas
Nessa perspectiva modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede pode ser definido como ldquocombinaccedilotildees
tecnoloacutegicas estruturadas para resoluccedilatildeo de problemas e para o atendimento de necessidades
de sauacutede individuais e coletivasrdquo (PAIM 2012 p463)
Contextualizaccedilatildeo movimentos ideoloacutegicos e proposiccedilotildees de modelos
Apoacutes essa breve discussatildeo teoacuterico-conceitual faz-se necessaacuteria a contextualizaccedilatildeo no
sentido de identificar movimentos ideoloacutegicos que influenciaram na elaboraccedilatildeo de modelos e
no desenvolvimento histoacuterico das poliacuteticas e praacuteticas de sauacutede O quadro a seguir mostra a
relaccedilatildeo dos diferentes movimentos ideoloacutegicos com as respectivas preposiccedilotildees de modelo de
atenccedilatildeo
Quadro 1 Os movimentos ideoloacutegicos e as proposiccedilotildees de modelo de atenccedilatildeo
MOVIMENTOS IDEOLOacuteGICOS PROPOSICcedilOtildeES DE MODELO
Medicina preventiva
(Deacutec 195060 criaccedilatildeo de departamentos nas escolas
meacutedicas especialmente apoacutes Reforma Universitaacuteria em
1968)
(Agente-hospedeiro-ambiente) multicausalidade Ambiente
fiacutesico bioloacutegico e sociocultural
lsquoModelo ecoloacutegicorsquo
lsquoModelo da histoacuteria natural da doenccedilarsquo
Niacuteveis de prevenccedilatildeo
Medicina Comunitaacuteria
(Deacutec 1970 reproduziu-se nos centros de sauacutede-escola
tendo como caracteriacutesticas a integraccedilatildeo docente-
assistencial participaccedilatildeo da comunidade e
regionalizaccedilatildeo)
lsquoModelo de piracircmidersquo ndash atenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e
terciaacuteria ndash Hierarquizaccedilatildeo
lsquoCampo da sauacutedersquo (Questiona custos crescentes da assistecircncia meacutedica)
Atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
(Apoacutes a Conferecircncia de Alma-Ata 1978)
Ecircnfase em tecnologias ditas simplificadas e de baixo custo
Contrapotildee-se ao lsquomodelo hospitalocentricorsquo visa a
reformulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e a reorganizaccedilatildeo do
sistema de serviccedilos de sauacutede
Promoccedilatildeo da sauacutede
(Carta de Otawa 1986 determinantes socioambientais
da sauacutede)
Modelo Dahlgren amp Whitehead (elementos bioloacutegicos
estilo de vida redes sociais e comunitaacuterias aleacutem de
condiccedilotildees socioeconocircmicas culturais e ambientais gerais)
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria baseado em Paim 2012
A partir do quadro acima podemos observar o que jaacute foi dito anteriormente sobre natildeo
existir modelo de atenccedilatildeo certo ou errado mas que cada proposiccedilatildeo de modelo estaacute
intrinsecamente relacionado aos fatores de um dado momento histoacuterico ou seja ao
movimento ideoloacutegico da eacutepoca em que foi pensado e estruturado
31
Modelos de Atenccedilatildeo Hegemocircnicos
No Brasil ao considerar a conformaccedilatildeo histoacuterica do sistema de serviccedilos de sauacutede no
paiacutes podem ser identificados esses dois modelos hegemocircnicos o modelo meacutedico e o modelo
sanitarista
O modelo meacutedico tem como representantes o ldquomodelo meacutedico assistencial privatista e
o maneged care - atenccedilatildeo gerenciadardquo Paim (2012 p 468) E apresenta os seguintes traccedilos
fundamentais 1) individualismo 2) sauacutededoenccedila como mercadoria 3) ecircnfase no biologismo
4) a-historicidade da praacutetica meacutedica 5) medicalizaccedilatildeo dos problemas 6) privileacutegio da
medicina curativa 7) estiacutemulo ao consumismo meacutedico 8) participaccedilatildeo passiva e subordinada
dos consumidores (MENEacuteNDEZ 1992 apud PAIM 2012)
Jaacute o modelo sanitarista que se apoia nas correntes bacterioloacutegica e meacutedico-sanitarista
que geraram distintos modelos tecnoassistenciais como o campanhista e o verticalista
permanente Merhy (1992) Portanto remete agrave ideacuteia de campanha ou programa sempre
presente no imaginaacuterio da populaccedilatildeo diante de problema ou de uma necessidade de sauacutede de
caraacuteter coletivo
Embora subalterno ao modelo meacutedico o modelo sanitarista predomina no Brasil desde
o seacuteculo XX sob influecircncia norte-americana Fundamenta-se no saber biomeacutedico
(microbiologia parasitologia virologia imunologia cliacutenica etc) bem como nas disciplinas
de epidemiologia estatiacutestica administraccedilatildeo saneamento As campanhas sanitaacuterias
(vacinaccedilatildeo controle de epidemias erradicaccedilatildeo de endemias etc) os programas especiais
(controle da tuberculose hanseniacutease AIDS tabagismo etc) e as accedilotildees de vigilacircncias sanitaacuteria
e epidemioloacutegica podem ser citados como exemplos desse modelo de atenccedilatildeo (PAIM 2012)
Esses modelos hegemocircnicos natildeo contemplam nos seus fundamentos o princiacutepio da
integralidade isto eacute ou estatildeo voltados para a demanda espontacircnea (modelo meacutedico) ou
buscam atender necessidades que nem sempre se expressam em demandas (modelo
sanitarista)
As propostas de modelos alternativos
Diante do exposto acerca dos modelos de atenccedilatildeo hegemocircnicos no Brasil apresentam-
se como grandes desafios a integralidade a efetividade a qualidade e a humanizaccedilatildeo dos
serviccedilos Nesse contexto Paim (2012) apresenta algumas ferramentas elaboradas a partir da
deacutecada de 1980 que buscam conciliar o atendimento agrave demanda e agraves necessidades na
perspectiva da integralidade Satildeo elas a) Oferta organizada b) Distritalizaccedilatildeo c) Accedilotildees
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programaacuteticas de sauacutede d) Vigilacircncia da sauacutede e) Acolhimento f) Linhas de cuidado g)
Promoccedilatildeo da sauacutede e h) Estrateacutegia da Sauacutede da Famiacutelia
A oferta organizada fundamenta-se em conceitos da epidemiologia e no planejamento
Trabalha com noccedilatildeo de territorializaccedilatildeo integralidade e impacto epidemioloacutegico Sua atuaccedilatildeo
caracteriza-se pela redefiniccedilatildeo da demanda ou seja baseia-se nas necessidades
epidemiologicamente identificadas para orientar a programaccedilatildeo da oferta de serviccedilos e accedilotildees
nas unidades de sauacutede Haacute atendimento agrave demanda espontacircnea e ao mesmo tempo agrave execuccedilatildeo
de accedilotildees sobre o ambiente e grupos populacionais visando o controle de agravos doenccedilas
riscos e as necessidades da comunidade
A Distritalizaccedilatildeo surge atraveacutes de experiecircncias de implantaccedilatildeo de distritos sanitaacuterios
como o Suds na Bahia Rio Grande do Norte e Satildeo Paulo na deacutecada de 80 Paim (2012
p247) define distritos sanitaacuterios como
Unidade operacional e administrativa miacutenima do sistema de sauacutede
definida com criteacuterios geograacuteficos populacionais epidemioloacutegicos
gerenciais e poliacuteticos onde se localizam recursos de sauacutede puacuteblicos e
privados organizados por meio de um conjunto de mecanismos
poliacuteticos institucionais com a participaccedilatildeo da sociedade organizada
para desenvolver accedilotildees integrais de sauacutede capazes de resolver a maior
quantidade possiacutevel de problemas de sauacutede
Esta proposta apoia-se na geografia na epidemiologia e no planejamento Visa
organizar serviccedilos e estabelecimentos em uma rede estruturada nos distritos sanitaacuterios com
mecanismos de comunicaccedilatildeo e integraccedilatildeo Aleacutem disso contempla uma populaccedilatildeo definida
um territoacuterio-processo uma rede de serviccedilos de sauacutede e equipamentos comunitaacuterios
Jaacute as accedilotildees programaacuteticas de sauacutede utilizam tecnologias derivadas da epidemiologia e
da programaccedilatildeo em sauacutede e baseia-se na utilizaccedilatildeo de programaccedilatildeo como instrumento de
redefiniccedilatildeo do processo de trabalho em sauacutede Parte da identificaccedilatildeo das necessidades sociais
de sauacutede da populaccedilatildeo para a redefiniccedilatildeo de programas especiais no niacutevel local Concentram-
se no interior das unidades de sauacutede e natildeo se reduzem agrave uma padronizaccedilatildeo sistemaacutetica de
condutas
Em relaccedilatildeo agrave vigilacircncia da Sauacutede esta proposta apoia-se na epidemiologia na
geografia criacutetica no planejamento e nas ciecircncias sociais Atua articulando o controle de
danos riscos e causas e sugere a possibilidade de uma integraccedilatildeo com as vigilacircncias a
assistecircncia meacutedica e as poliacuteticas puacuteblicas Aleacutem disso tambeacutem articula a oferta organizada
accedilotildees programaacuteticas a intervenccedilatildeo social organizada e as poliacuteticas intersetoriais Busca
33
reorganizar as praacuteticas de sauacutede no niacutevel local atraveacutes da i) Intervenccedilatildeo sobre problemas de
sauacutede (danos riscos eou determinantes) ii) Ecircnfase em problemas que requerem atenccedilatildeo e
acompanhamentos contiacutenuos iii) Utilizaccedilatildeo do conceito epidemioloacutegico de risco iv)
Articulaccedilatildeo entre accedilotildees promocionais preventivas e curativas v) Atuaccedilatildeo intersetorial vi)
Accedilotildees sobre o territoacuterio vii) Intervenccedilatildeo na forma de operaccedilotildees (PAIM 2012 p 481)
O acolhimento fundamenta-se na cliacutenica nas ciecircncias de gestatildeo na psicologia e na
anaacutelise institucional Busca reorganizar o serviccedilo de forma usuaacuterio-centrada e parte de trecircs
orientaccedilotildees i) Atender a todas as pessoas que procuram os serviccedilos de sauacutede ii) Reorganizar
processo de trabalho afim de que este desloque seu eixo central do meacutedico para uma equipe
profissional iii) Qualificar a relaccedilatildeo trabalhador-usuaacuterio com base em valores humanitaacuterios
de solidariedade e cidadania Trabalha com a demanda espontacircnea e busca a qualidade da
atenccedilatildeo e a satisfaccedilatildeo do usuaacuterio Implica em mudanccedilas na ldquoporta de entradardquo na recepccedilatildeo
do usuaacuterio no agendamento das consultas e na programaccedilatildeo da prestaccedilatildeo de serviccedilos
incluindo atividades baseadas nas necessidades sociais de sauacutede da populaccedilatildeo (PAIM 2012
p 483)
No que tange agraves linhas de cuidado estas correspondem a um conjunto de saberes
tecnologias e recursos acionados para enfrentar riscos agravos ou condiccedilotildees especiacuteficas do
ciclo da vida As linhas de cuidado satildeo estruturadas por projetos terapecircuticos valorizam o
viacutenculo a partir da atenccedilatildeo primaacuteria orientam o usuaacuterio sobre os caminhos a percorrer no
sistema de sauacutede e trabalha atraveacutes da loacutegica da referecircncia e contra referecircncia Segundo Paim
(2012 p452) ldquo() a linha de cuidado tem se mostrado uma proposta alternativa importante
diante do atual panorama epidemioloacutegico do Brasil e do mundo devido ao aumento das
doenccedilas crocircnicas natildeo transmissiacuteveis (DCNT)rdquo
A promoccedilatildeo da Sauacutede no Brasil estaacute presente em dispositivos legais e iniciativas do
Ministeacuterio da Sauacutede desde 2000 Envolve medidas que visam agrave melhoria das condiccedilotildees e dos
estilos de vida de grupos populacionais Dentre as principais caracteriacutesticas dessa proposta
estaacute a elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas saudaacuteveis criaccedilatildeo de ambientes favoraacuteveis agrave sauacutede
reforccedilo da accedilatildeo comunitaacuteria desenvolvimento de habilidades pessoais cidades saudaacuteveis
escolas promotoras de sauacutede ambientes saudaacuteveis
Por fim a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia que se fundamenta no planejamento na cliacutenica
na epidemiologia e nas ciecircncias sociais Utiliza combinaccedilotildees tecnoloacutegicas da oferta
organizada distritalizaccedilatildeo vigilacircncia da sauacutede e acolhimento Esta proposta possui papel de
reorientadora da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Brasil e por sua importacircncia nesse trabalho estaacute
melhor descrita nos capiacutetulos seguintes
34
43 ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE (APS)
Conceitos trajetoacuteria e abordagem
O termo Primary Care (Atenccedilatildeo Primaacuteria) foi introduzido em 1961 por White e
apontou para a necessidade de meacutedicos generalistas na era da especializaccedilatildeo Contribuiacuteram
ainda para a ampliaccedilatildeo do conceito de Atenccedilatildeo Primaacuteria e por conseguinte para a ampliaccedilatildeo
do papel do meacutedico de famiacutelia e comunidade dois movimentos histoacutericos a reformulaccedilatildeo do
sistema de sauacutede canadense implantado a partir do informe Lalonde de 1974 e as discussotildees
de representantes de vaacuterios paiacuteses no acircmbito da Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede que gerou o
movimento da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS) e que culminou com a realizaccedilatildeo da
Conferecircncia de Alma Ata em 1978
Eacute importante frisar que o contexto histoacuterico em que surgiram estas propostas foi
marcado pela crescente urbanizaccedilatildeo pelo crescimento populacional e pela desigualdade Os
governos estavam sendo chamados a buscarem estrateacutegias de aumento da cobertura de seus
sistemas de sauacutede com a otimizaccedilatildeo de custos e melhoria dos indicadores de sauacutede e doenccedila
Em termos conceituais foi a partir dessa I Conferecircncia Internacional de Cuidados
Primaacuterios em Sauacutede realizada mais precisamente em setembro de 1978 em Alma-Ata cidade
do Cazaquistatildeo uma das repuacuteblicas da antiga Uniatildeo Sovieacutetica promovida pela Organizaccedilatildeo
Mundial de Sauacutede e pelo Fundo das Naccedilotildees Unidas que se buscou uma definiccedilatildeo de APS
(FAUSTO 2005)
Assim a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) passou a compreender e divulgar os
cuidados primaacuterios em sauacutede como
Cuidados essenciais baseados em meacutetodos praacuteticos
cientificamente bem fundamentados e socialmente aceitaacuteveis e
em tecnologia de acesso universal para indiviacuteduos e suas
famiacutelias na comunidade [] Aleacutem de serem o primeiro niacutevel de
contato de indiviacuteduos da famiacutelia e da comunidade com o
sistema nacional de sauacutede aproximando ao maacuteximo possiacutevel os
serviccedilos de sauacutede nos lugares onde o povo vive e trabalha
constituem tambeacutem o primeiro elemento de um contiacutenuo
processo de atendimento em sauacutede (OMSUNICEF 1978 p 2)
A Declaraccedilatildeo de Alma-Ata coroou o processo anterior de questionamento dos modelos
verticais de intervenccedilatildeo da OMS para o combate agraves endemias nos paiacuteses em desenvolvimento
35
em especial na Aacutefrica e na Ameacuterica Latina e do modelo meacutedico hegemocircnico cada vez mais
especializado e intervencionista Sendo que na primeira vertente de questionamento
aprofundava-se a criacutetica a OMS no que se refere agrave abordagem vertical dos programas de
combate a doenccedilas transmissiacuteveis desenvolvidos com intervenccedilotildees seletivas e
descontextualizadas durante a deacutecada de 1960 como a Malaacuteria Jaacute na segunda vertente de
questionamento desde o final da deacutecada de 1960 o modelo biomeacutedico de atenccedilatildeo agrave sauacutede
recebia criacuteticas de diversas origens evidenciando-se os determinantes sociais mais gerais dos
processos sauacutede enfermidade e a exigecircncia de nova abordagem em atenccedilatildeo agrave sauacutede
(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
A OMS passou entatildeo por uma renovaccedilatildeo em contexto mundial favoraacutevel no qual
predominavam os governos social-democrata em paiacuteses europeus e em 1973 Halfdan
Mahler um meacutedico com senso de justiccedila social e experiecircncia em sauacutede puacuteblica em paiacuteses em
desenvolvimento assumiu a direccedilatildeo da OMS que comeccedilou a desenvolver abordagens
alternativas para a intervenccedilatildeo em sauacutede Ponderava-se que as intervenccedilotildees verticais natildeo
respondiam agraves principais necessidades de sauacutede dos povos e que seria preciso prosseguir
desenvolvendo concepccedilotildees mais abrangentes dentre elas a de APS Foi assim que em 1976
Mahler propocircs a meta Sauacutede para Todos no Ano 2000
A APS na Conferencia de Alma-Ata foi entatildeo entendida como atenccedilatildeo agrave sauacutede
essencial fundada em tecnologias apropriadas e custo-efetivas primeiro componente de um
processo permanente de assistecircncia sanitaacuteria orientado por princiacutepios de solidariedade e
equidade cujo acesso deveria ser garantido a todas as pessoas e famiacutelias da comunidade
mediante sua plena participaccedilatildeo e com foco na proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede A
compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a necessidade da abordagem dos determinantes
sociais e poliacuteticos mais amplos da sauacutede satildeo destaques na corrente mais filosoacutefica da
Declaraccedilatildeo de Alma-Ata com ecircnfase nas suas implicaccedilotildees poliacuteticas e sociais Ainda eacute
defendida a ideacuteia de que as poliacuteticas sociais de desenvolvimento devem ser inclusivas e
apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo para poder alcanccedilar equidade em
sauacutede (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
A denominaccedilatildeo ldquoatenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutederdquo vem entatildeo sendo empregada para modelos
distintos de organizaccedilatildeo e oferta de serviccedilos de sauacutede em vaacuterios paiacuteses ao redor do mundo
Numa tentativa de descrever e diferenciar os diversos modelos que utilizam a denominaccedilatildeo
ldquoAPSrdquo a Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (OPASOMS 2007) em seu documento
Renovaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Primaacuteria nas Ameacutericas propocircs uma classificaccedilatildeo para as abordagens
de APS entatildeo existentes (Quadro 2)
36
Quadro 2 ndash Abordagens da Atenccedilatildeo Primaacuteria em sauacutede
ABORDAGEM CONCEITO DE ATENCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA Agrave SAUacuteDE ENFASE
APS seletiva
Programas focalizados e seletivos com cesta restrita de serviccedilos para
enfrentar limitado nuacutemero de problemas de sauacutede nos paiacuteses em
desenvolvimento Dirigidas ao grupo materno-infantil accedilotildees mais
comuns satildeo monitoramento de crescimento infantil reidrataccedilatildeo oral
amamentaccedilatildeo imunizaccedilatildeo e por vezes complementaccedilatildeo alimentar
planejamento familiar e alfabetizaccedilatildeo de mulheres
Conjunto restrito
de serviccedilos de
sauacutede para a
populaccedilatildeo pobre
Primeiro niacutevel
de atenccedilatildeo
Refere-se ao ponto de entrada no sistema de sauacutede e ao local de
cuidados de sauacutede para a maioria das pessoas na maior parte do
tempo correspondendo aos serviccedilos ambulatoriais meacutedicos de
primeiro contato natildeo especializados ndash incluindo accedilotildees preventivas e
serviccedilos cliacutenicos direcionados a toda populaccedilatildeo Trata-se da
concepccedilatildeo mais comum em paiacuteses da Europa com sistemas
universais puacuteblicos Em sua definiccedilatildeo mais estreita refere-se agrave
disponibilidade de meacutedicos com especializaccedilatildeo em medicina geral ou
medicina de famiacutelia e comunidade (meacutedicos generalistas ou general
practioners ndash GP)
Um dos niacuteveis de
atenccedilatildeo do
sistema de sauacutede
APS
abrangente ou
integral Alma-
Ata
A declaraccedilatildeo de Alma-Ata (1978) define a APS integrada ao sistema
de sauacutede garantindo a integralidade e a participaccedilatildeo social
Os princiacutepios fundamentais da APS integral satildeo a necessidade de
enfrentar os determinantes sociais de sauacutede acessibilidade e
cobertura universais com base nas necessidades participaccedilatildeo
comunitaacuteria emancipaccedilatildeo accedilatildeo intersetorial tecnologias apropriadas
e uso eficiente dos recursos
Estrateacutegia para
organizar os
sistemas de
atenccedilatildeo agrave sauacutede e
para a sociedade
promover a sauacutede
Abordagem de
sauacutede e de
direitos
humanos
Enfatiza a compreensatildeo da sauacutede como direito humano e a
necessidade de abordar os determinantes sociais e poliacuteticos mais
amplos da sauacutede como preconizado na Declaraccedilatildeo de Alma-Ata
Defende a ideacuteia de que as poliacuteticas de desenvolvimento devem ser
inclusivas e apoiadas por compromissos financeiros e de legislaccedilatildeo
para promover a equidade em sauacutede
Uma filosofia que
permeia os setores
sociais e de sauacutede
Fonte OPASOMS 2007 p04
Como podemos observar nesse documento as distintas concepccedilotildees de atenccedilatildeo primaacuteria
pelas agecircncias internacionais tecircm importantes repercussotildees sobre a equidade e direitos agrave
sauacutede principalmente entre a abordagem seletiva e integral As concepccedilotildees de APS seletiva e
abrangente ldquocompreendem questotildees teoacutericas ideoloacutegicas e praacuteticas muito distintas com
consequecircncias diferenciadas sobre a garantia do direito universal agrave sauacutederdquo (GIOVANELLA
MENDONCcedilA 2012 p 506)
Com base na produccedilatildeo de Starfield (2002) e Vuori (1984) APS em resumo pode ser
compreendida como uma tendecircncia relativamente recente de se inverter a priorizaccedilatildeo das
accedilotildees de sauacutede de uma abordagem curativa desintegrada e centrada no papel hegemocircnico do
meacutedico para uma abordagem preventiva e promocional integrada com outros niacuteveis de
atenccedilatildeo e construiacuteda de forma coletiva com outros profissionais de sauacutede fornecendo
ldquoatenccedilatildeo agrave pessoa natildeo agrave enfermidaderdquo (ANDRADE et al 2012 p 850)
37
Atributos caracteriacutesticos da APS
Uma abordagem para caracterizar a atenccedilatildeo primaacuteria abrangente nos paiacuteses
industrializados foi desenvolvida pela meacutedica e pesquisadora estadunidense Baacuterbara Starfield
(2002) definindo os atributos essenciais dos serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria Tal abordagem
reconhecida por especialistas e difundida tambeacutem no Brasil considera como caracteriacutesticas
especiacuteficas da APS a prestaccedilatildeo de serviccedilos de primeiro contato a assunccedilatildeo de
responsabilidade longitudinal pelo paciente com continuidade da relaccedilatildeo equipe-paciente ao
longo da vida a garantia de cuidado integral considerando-se os acircmbitos fiacutesico psiacutequico e
social da sauacutede dentro dos limites de atuaccedilatildeo do pessoal de sauacutede e a coordenaccedilatildeo das
diversas accedilotildees e serviccedilos indispensaacuteveis para resolver necessidades menos frequumlentes e mais
complexas
Para Giovanella e Mendonccedila (2012) os serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria nessa concepccedilatildeo
devem estar orientados para a comunidade conhecendo as necessidades de sauacutede centrar-se
na famiacutelia para bem avaliar como responder agraves necessidades de sauacutede de seus membros e ter
competecircncia cultural para se comunicar e reconhecer as diferentes necessidades dos diversos
grupos populacionais Ainda de acordo essas autoras essa competecircncia cultural e a orientaccedilatildeo
para a comunidade satildeo facilitadas pela integraccedilatildeo na equipe de atenccedilatildeo primaacuteria de membros
da comunidade os trabalhadores comunitaacuterios de sauacutede que no Brasil satildeo denominados de
agentes comunitaacuterios de sauacutede
Outro atributo essencial da atenccedilatildeo primaacuteria eacute a coordenaccedilatildeo que implica na
capacidade de garantir a continuidade da atenccedilatildeo (atenccedilatildeo ininterrupta) no interior da rede de
serviccedilos Sendo a sua essecircncia a disponibilidade de informaccedilatildeo acerca dos problemas preacutevios
o que requer a existecircncia de prontuaacuterio de acompanhamento longitudinal (ao longo da vida)
do paciente o envio de informaccedilatildeo adequada ao especialista (referencia) e o seu retorno ao
generalista (contra-referencia) apoacutes o encaminhamento a profissional especializado A
coordenaccedilatildeo dos cuidados torna-se cada vez mais indispensaacuteveis em razatildeo do envelhecimento
populacional das mudanccedilas no perfil epidemioloacutegico que evidencia crescente prevalecircncia de
doenccedilas crocircnicas e da diversificaccedilatildeo tecnoloacutegica nas praacuteticas assistenciais
Uma importante caracteriacutestica de uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede que se diz integral
segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) eacute a compreensatildeo da sauacutede como inseparaacutevel do
desenvolvimento econocircmico e social como discutido na Conferencia de Alma-Ata o que
implica atuaccedilatildeo dirigida para a comunidade para enfrentar os determinantes sociais do
processo sauacutede-enfermidade e incentivar a participaccedilatildeo social Para que a determinaccedilatildeo social
do processo sauacutede-doenccedila seja reconhecida eacute necessaacuterio a articulaccedilatildeo com outros setores de
38
poliacuteticas puacuteblicas desencadeando e mediando accedilotildees intersetoriais para o desenvolvimento
social integrado e a promoccedilatildeo da sauacutede devendo essa ser uma estrateacutegia estruturante da
poliacutetica municipal completa as autoras
Essas autoras tambeacutem destacam que a accedilatildeo comunitaacuteria das equipes de APS com
diagnostico do territoacuterio discussatildeo dos problemas da comunidade mobilizaccedilatildeo social e
planejamento de intervenccedilotildees eacute fundamental para responder natildeo soacute as necessidades
individuais mas tambeacutem as necessidades coletivas de sauacutede
Serviccedilos de Atenccedilatildeo Primaacuteria antecedentes histoacutericos
Foi durante a segunda e terceira deacutecadas do seacuteculo XX que as autoridades sanitaacuterias da
eacutepoca desenvolveram o conceito de distrito sanitaacuterio e centro de sauacutede numa tentativa de
aproximar o trabalho em sauacutede da populaccedilatildeo Sendo essas concepccedilotildees colocadas em praacuteticas
de vaacuterias maneiras e em paiacuteses diferentes (ROSEN 1994 apud ANDRADE et al 2012)
Entre 1910 e 1915 nos Estados Unidos da Ameacuterica os esforccedilos para relacionar ldquoos
serviccedilos a uma populaccedilatildeo delimitada ou agrave populaccedilatildeo de uma aacuterea definida logo levaram agrave
compreensatildeo da necessidade de um loacutecus de administraccedilatildeo que foi denominado Centro de
Sauacutederdquo (ANDRADE et al 2012 p845)
Jaacute Giovanella e Mendonccedila (2012) trazem que data de 1920 na Gratilde-Bretanha a
primeira proposta formal de organizaccedilatildeo de um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo quando por
iniciativa do conselho composto por representantes do Ministeacuterio da Sauacutede do partido
trabalhista e dos profissionais meacutedicos privados propocircs a prestaccedilatildeo de serviccedilos de atenccedilatildeo
primaacuteria por equipe de meacutedicos e pessoal auxiliar para cobertura de toda a populaccedilatildeo em
centros de sauacutede Esse documento ficou conhecido como Relatoacuterio Dawson (nome do
ministro de Sauacutede da Inglaterra) onde foi definido ldquoo Centro de Sauacutede como a instituiccedilatildeo
encarregada de oferecer atenccedilatildeo meacutedica no niacutevel primaacuteriordquo (ANDRADE et al 2012 p845)
ldquoA proposiccedilatildeo do Relatoacuterio Dawson incluiacutea ainda a organizaccedilatildeo regionalizada dos
serviccedilos de sauacutede hierarquizada em niacutevel primaacuterio secundaacuterio e terciaacuteriordquo Giovanella e
Mendonccedila (2012 p 507) Por pressatildeo da corporaccedilatildeo meacutedica essas ideacuteias natildeo foram
imediatamente implementadas mas fundamentaram posteriores iniciativas de organizaccedilatildeo dos
sistemas de sauacutede Na Inglaterra em 1946 na criaccedilatildeo do National Health Service (NHS) o
primeiro niacutevel de atenccedilatildeo foi instituiacutedo por meacutedicos generalistas que atuavam em seus
consultoacuterios com dedicaccedilatildeo exclusiva Foi somente na deacutecada de 1960 que os centros de
sauacutede foram difundidos quando muitas unidades foram construiacutedas na Inglaterra Ainda que
permanecendo como profissionais autocircnomos os ldquomeacutedicos generalistas passaram a dar
39
consultas nesses centros de sauacutede trabalhando ao lado de outros profissionais de sauacutede
empregados governamentais como enfermeiras visitadoras domiciliares e assistentes sociaisrdquo
(GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012 p 507)
Segundo Giovanella e Mendonccedila (2012) os centros de sauacutede foram o modelo de
atenccedilatildeo ambulatorial predominante nos paiacuteses socialistas da URSS e do Leste Europeu
Financiados predominantemente com recursos fiscais de impostos gerais representaram o
modelo de atenccedilatildeo ambulatorial mais inclusivo e integral articulando serviccedilos cliacutenicos e de
acesso universal gratuito Cliacutenico geral ou internista pediatra gineco-obstetra odontoacutelogo
enfermeiras e pessoal de apoio auxiliar constituiacuteam a equipe baacutesica Esses serviccedilos eram
nomeados com frequumlecircncia de policliacutenicas e situados nos locais de trabalho como nas
empresas por exemplo
Ainda de acordo com essas autoras foi difundido nos paiacuteses em desenvolvimento
como o Brasil um modelo diferente de centro de sauacutede limitado a serviccedilos preventivos que
separava funccedilotildees cliacutenicas e de sauacutede puacuteblica Esse modelo foi experimentado inicialmente em
uma das colocircnias britacircnicas (Sri Lanka) A atuaccedilatildeo dos centros de sauacutede era focada em
serviccedilos preventivos e as pessoas que necessitavam de tratamento eram referenciadas para os
ambulatoacuterios de hospitais
Histoacuterico da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede no Brasil
O desenvolvimento da Atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede no Brasil natildeo foi diferente de
outros paiacuteses em desenvolvimento onde imperou a concepccedilatildeo da APS seletiva Por muito
tempo as accedilotildees de sauacutede puacuteblica estiveram separadas das accedilotildees assistenciais assim os centros
de sauacutede eram limitados aos serviccedilos preventivos separando as accedilotildees cliacutenicas e de sauacutede
puacuteblica Assim as pessoas que precisavam de tratamento eram encaminhadas para os
ambulatoacuterios em hospitais gerais
Na deacutecada de 1930 houve a consolidaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica como funccedilatildeo estatal ainda
focada na prevenccedilatildeo de doenccedilas atraveacutes de campanhas sanitaacuterias de sauacutede puacuteblica
organizaccedilatildeo de serviccedilos rurais de profilaxia centralizados pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e
Sauacutede Puacuteblica (MESP) Jaacute a assistecircncia meacutedica urbana realizava uma atenccedilatildeo de caraacuteter
curativo e individual com base em especialidades por meio de Caixas e Institutos de
Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) seguindo o modelo de seguridade social isto eacute apenas
algumas categorias de trabalhadores formais tinham o acesso Os centros de sauacutede do Brasil
natildeo prestavam atendimento cliacutenico nem a populaccedilatildeo pobre a qual era encaminhada aos
40
ambulatoacuterios dos hospitais de caridade onde recebiam atendimento apoacutes provarem sua
indigecircncia Exceto para algumas doenccedilas transmissiacuteveis (doenccedilas veneacutereas e tuberculose)
esses centros de sauacutede realizavam o tratamento como medida de impedir a transmissatildeo da
doenccedila (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
Na deacutecada de 1940 ocorreram as reformas administrativas do MESP que
aprofundaram e verticalizaram as accedilotildees de sauacutede puacuteblica Houve a criaccedilatildeo dos Serviccedilos
Nacionais de Sauacutede (voltados para doenccedilas especiacuteficas como malaacuteria hanseniacutease
tuberculose etc) e a criaccedilatildeo do Serviccedilo Especial de Sauacutede Puacuteblica (SESP) que articulava
accedilotildees coletivas e preventivas agrave assistecircncia meacutedica curativa respaldada em desenvolvimento
cientiacutefico e tecnoloacutegico limitado influenciado pela medicina preventiva norte-americana
atraveacutes de convecircnios com a Fundaccedilatildeo Rockfeller (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)
Apenas em 1953 o Ministeacuterio da Sauacutede eacute criado Poreacutem ainda assim a dualidade entre
sauacutede puacuteblica e assistecircncia meacutedica urbana no acircmbito do seguro social persistiu por vaacuterias
deacutecadas Durantes as deacutecadas de 1950 e 1960 a cobertura previdenciaacuteria foi estendida pela
unificaccedilatildeo dos IAPs no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ainda mantendo o modelo
de seguro de sauacutede
Em 1970 houve a emergecircncia da medicina comunitaacuteria pela Ameacuterica Latina com
apoio das Agecircncias internacionais com um caraacuteter paralelo agrave organizaccedilatildeo da assistecircncia
meacutedica individual voltada para categorias excluiacutedas A dimensatildeo do programa que se
destinava agrave reduccedilatildeo da pobreza daacute a essa praacutetica o caraacuteter de programa social associada ao
direito agrave sauacutede e ao desenvolvimento social Houve uma articulaccedilatildeo de princiacutepios de
participaccedilatildeo social e da inclusatildeo dos pobres na forccedila de trabalho em sauacutede por meio de
treinamento profissional (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
Com a crise econocircmica aprofundada a assistecircncia meacutedica previdenciaacuteria comeccedilou a
ser questionada e as mazelas do sistema social e de sauacutede comeccedilaram a ser evidenciadas pela
pobreza falta de acesso aos bens puacuteblicos e taxas de morbimortalidade elevadas Nesse
contexto surgiram experiecircncias sanitaacuterias que difundiam uma reforma da assistecircncia meacutedica e
um confronto com o modelo vigente tendo como importantes protagonistas os departamentos
de medicina preventiva de vaacuterias universidades federais
Esses departamentos das universidades federais apostaram no programa de integraccedilatildeo
docente assistencial para a implementaccedilatildeo de praacuteticas de medicina comunitaacuteria baseadas na
atenccedilatildeo integral com destaque para a dimensatildeo social em que se desencadeava o processo
sauacutede-doenccedila enfocando os efeitos coletivos da atenccedilatildeo prestada nesse processo e natildeo apenas
41
no resultado (cura) Contou com a cooperaccedilatildeo entre diversas agecircncias e praacuteticas ligadas a vida
(escolas postos de sauacutede centros de treinamento profissional serviccedilo social creches etc)
A forma como as praacuteticas se efetivaram no Brasil abriram o debate nacional para a
atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede recebendo suporte da decisatildeo poliacutetica traccedilada em Alma-Ata Foi
criado o Programa de Interiorizaccedilatildeo das Accedilotildees de Sauacutede Saneamento (PIASS) que financiava
a construccedilatildeo de unidades baacutesicas de sauacutede e visava implantar serviccedilos de primeiro niacutevel em
cidades de pequeno porte O modelo de assistecircncia meacutedica curativa comeccedila a colapsar por
oferecer cobertura restrita aos segurados da previdecircncia social por ser oneroso e ter a sua
conduccedilatildeo deteriorada pela gestatildeo fraudulenta do INAMPS
Na deacutecada de 1980 uma articulaccedilatildeo entre setores do Ministeacuterio da Sauacutede e do
Instituto de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social (INAMPS) propocircs o Programa
Nacional de Serviccedilos Baacutesicos de Sauacutede (Prevsauacutede) que estenderia os benefiacutecios
experimentados aos centros urbanos de maior porte e buscaria minimizar os efeitos da crise
previdenciaacuteria (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
Esse fato aprofundou a discussatildeo sobre a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica sem
alcanccedilar a sua aprovaccedilatildeo O Plano do Conselho Consultivo da Administraccedilatildeo de Sauacutede
Previdenciaacuteria (Conasp) propocircs uma racionalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo meacutedica previdenciaacuteria
respaldada por orientaccedilotildees teacutecnicas de organismos internacionais como a OPAS e o acuacutemulo
de conhecimento teoacuterico-cientiacutefico produzido no Brasil Assim o programa de Accedilotildees
Integradas em Sauacutede (AIS) foi consolidado Esse programa visava agrave organizaccedilatildeo de serviccedilos
baacutesicos nos municiacutepios com base em convecircnios entre as trecircs esferas de governo
Em 1985 foi estimulada a integraccedilatildeo das instituiccedilotildees de atenccedilatildeo agrave sauacutede na definiccedilatildeo
de uma accedilatildeo unificada em niacutevel local Desta maneira as unidades baacutesicas de niacutevel local
seriam responsaacuteveis por accedilotildees de caraacuteter preventivo e de assistecircncia meacutedica integrando o
sistema de sauacutede puacuteblica e previdenciaacuterio a fim de prestar atenccedilatildeo integral a toda populaccedilatildeo
independente de contribuiccedilatildeo financeira agrave previdecircncia Paralelamente foram criados
programas de atenccedilatildeo primaacuteria direcionados a grupos especiacuteficos como o Programa de
Atenccedilatildeo Integrada agrave Sauacutede da Mulher (PAISM) e da crianccedila (PAISC) que serviram como
modelo para os demais programas de atenccedilatildeo integral voltados para grupos de risco idosos
adolescentes portadores de doenccedilas crocircnicas etc (GIOVANELLA MENDONCcedilA 2012)
42
44 A ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Reorientaccedilatildeo do Modelo Assistencial
A reorganizaccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos de sauacutede se inscreveu no projeto de Reforma
Sanitaacuteria Brasileira desde a deacutecada de 1970 Na deacutecada de 1980 a Reforma Sanitaacuteria foi
contemporacircnea agrave reestruturaccedilatildeo da poliacutetica social brasileira que apontou para um modelo de
proteccedilatildeo social abrangente justo equacircnime e democraacutetico definindo constitucionalmente a
sauacutede como direito de todos e dever do Estado com acesso universal igualitaacuterio agraves accedilotildees e
serviccedilos para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo
Com a luta pela ampliaccedilatildeo da cidadania as bases legais para a organizaccedilatildeo do Sistema
Uacutenico de Sauacutede (SUS) foram fixadas na Constituiccedilatildeo de 1988 seguindo princiacutepios e
diretrizes de universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade da atenccedilatildeo resolutividade
humanizaccedilatildeo do atendimento e participaccedilatildeo social complementadas na aprovaccedilatildeo das Leis
Orgacircnicas da Sauacutede I e II que criaram o Fundo Nacional de Sauacutede (recursos fiscais) e o
Conselho Nacional de Sauacutede (participaccedilatildeo social) (BAPTISTA FAUSTO CUNHA 2009)
Na deacutecada de 1990 a tensatildeo entre o avanccedilo do projeto neoliberal e a preservaccedilatildeo do
SUS e suas diretrizes faz com que o MS adote mecanismos indutores do processo de
descentralizaccedilatildeo da gestatildeo Esses mecanismos transferiram a responsabilidade da atenccedilatildeo para
o governo municipal o que exigiu rever a loacutegica da lsquoatenccedilatildeo baacutesicarsquo organizando-a e
expandindo-a como primeiro niacutevel de atenccedilatildeo de acordo com as necessidades da populaccedilatildeo
Assim a concepccedilatildeo de ESF passou por profundas mudanccedilas e sua funccedilatildeo dentro do
SUS tambeacutem mudou radicalmente Vale ressaltar alguns marcos cronoloacutegicos desse processo
Em 1991 surge o Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) implantado pela
FUNASA no Norte e Nordeste do paiacutes Ainda na deacutecada de 1990 o MS fortaleceu as accedilotildees de
caraacuteter preventivo com investimento em programas de accedilotildees baacutesicas como parte da estrateacutegia
de reorganizaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo visando a promoccedilatildeo da sauacutede Nessa esteira foi
formulado o Programa de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) materializado pela portaria MS n 692 de
dezembro de 1993
No ano de 1996 foi implantada a Norma Operacional Baacutesica (NOB) que definiu um
novo modelo de financiamento para a atenccedilatildeo baacutesica agrave sauacutede com vistas agrave sustentabilidade
financeira para um primeiro niacutevel de atenccedilatildeo Neste texto a Atenccedilatildeo Baacutesica em Sauacutede (ABS)
contemplava ldquo() um conjunto de accedilotildees de caraacuteter individual e coletivo situadas no primeiro
niacutevel de atenccedilatildeo dos sistemas de sauacutede voltadas para a promoccedilatildeo da sauacutede a prevenccedilatildeo de
agravos o tratamento e a reabilitaccedilatildeordquo (BRASIL 1996 p18)
43
Ainda em 1996 houve a implantaccedilatildeo dos Poacutelos de Capacitaccedilatildeo Formaccedilatildeo e Educaccedilatildeo
Permanente de Recursos Humanos para Sauacutede da Famiacutelia e no ano seguinte 1997 por meio
do documento oficial Sauacutede da Famiacutelia uma estrateacutegia para a reorientaccedilatildeo do modelo
assistencial o PSF passa a ser ldquouma estrateacutegia que possibilita a integraccedilatildeo e promove a
organizaccedilatildeo das atividades em um territoacuterio definido com propoacutesito de propiciar o
enfrentamento e resoluccedilatildeo dos problemas identificados ()rdquo (GIOVANELLA et al 2009
p24 )
Apoacutes o PSF ter se tornado a estrateacutegia de reestruturaccedilatildeo do sistema de sauacutede houve
uma mudanccedila na forma de financiamento da ABS que passa a ser fundo a fundo isto eacute do
Fundo Nacional de Sauacutede para os Fundos Municipais de Sauacutede Haacute entatildeo a definiccedilatildeo pela
primeira vez de orccedilamento proacuteprio para o PSF estabelecido no Plano Plurianual
(GIOVANELLA et al 2009)
Outro documento importante eacute o 1ordm Pacto da Atenccedilatildeo Baacutesica de 1999 A Portaria nordm
1329 estabeleceu as faixas de incentivo ao PSF por cobertura populacional Jaacute no final do
seacuteculo XX houve a criaccedilatildeo do Departamento de Atenccedilatildeo Baacutesica (DAB) com o intuito de
promover a consolidaccedilatildeo da Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (CASTRO FAUSTO 2012)
No iniacutecio do seacuteculo XXI foi lanccedilado o documento NOAS01 (Norma Operacional da
Assistecircncia agrave Sauacutede de 2001) A ecircnfase dada nesse documento foi a qualificaccedilatildeo da APS no
paiacutes e a incorporaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede bucal na ESF Ainda com o objetivo de fortalecer a
ESF em todo paiacutes em 2002 foi dado iniacutecio ao Programa de Expansatildeo e Consolidaccedilatildeo da
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia (Proesf) Esse programa foi dividido em duas fases a primeira
- Fase I - foi concluiacuteda em 2007 e a segunda fase - Fase II foi de 2009 ateacute 2013
Outra importante iniciativa para melhor desenvolver a capacidade de atuaccedilatildeo das
EqSF foi a criaccedilatildeo em 2008 dos Nuacutecleos de Apoio a Sauacutede da Famiacutelia (NASFs) com o
objetivo de apoiar a consolidaccedilatildeo da APS no Brasil ampliando sua abrangecircncia e
resolutividade Outros profissionais que natildeo compotildeem a equipe miacutenima como alguns
meacutedicos especialistas psicoacutelogos farmacecircuticos fisioterapeutas terapeutas ocupacionais e
assistentes sociais tecircm por funccedilatildeo apoiar as equipes em pelo menos duas dimensotildees apoio a
proacutepria equipe no que diz respeito a seu processo de trabalho e apoiador da equipe no que
tange aos cuidados dos usuaacuterios compartilhando saberes
Apoacutes quinze anos de ESF eacute possiacutevel fazer um balanccedilo de sua atuaccedilatildeo apontando os
desafios e as possibilidades da ABS no Brasil Foi entre os anos de 2001 a 2010 que a Poliacutetica
Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica ampliou a concepccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria brasileira
incorporando caracteriacutesticas da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente Com isso a atenccedilatildeo
44
primaacuteria passa a ser entendida como ldquoum conjunto de accedilotildees de promoccedilatildeo prevenccedilatildeo
recuperaccedilatildeo e reabilitaccedilatildeo de sauacutede nos acircmbitos individual e coletivo realizadas por meio de
trabalho em equipe e dirigidas a populaccedilotildees de territoacuterios delimitadosrdquo (GIOVANELLA
MENDONCcedilA 2012 p539)
A APS tem como importante funccedilatildeo ser o ponto de contato preferencial e a porta de
entrada do sistema de sauacutede garantindo a integralidade da atenccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo dos
cuidados A Sauacutede da Famiacutelia tornou-se a estrateacutegia prioritaacuteria e permanente para a
organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria Aleacutem disso o modelo brasileiro de atenccedilatildeo primaacuteria
incorpora outros elementos da atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede abrangente com centralidade na
famiacutelia e direcionamento para a comunidade Apesar disso observa-se uma diversidade de
modelos implementados nas diferentes experiecircncias de APS no paiacutes e ainda haacute um longo
caminho a se percorrer ateacute a hegemonia de um novo modelo de atenccedilatildeo em sauacutede
O Programa Sauacutede da Famiacutelia ao ser aplicado como estrateacutegia passa a difundir uma
perspectiva inovadora para a atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes voltado para a famiacutelia e a
comunidade Tomados como paracircmetros para anaacutelise da implementaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo
primaacuteria abrangente a integraccedilatildeo e as accedilotildees intersetoriais satildeo desafios importantes
O sucesso da implementaccedilatildeo ESF para a grande maioria da populaccedilatildeo dependeraacute de
alguns fatores tais como incentivos financeiros poliacutetica adequada de recursos humanos
profissionalizaccedilatildeo dos ACS fixaccedilatildeo dos profissionais da sauacutede proporcionando-lhes
satisfaccedilatildeo no trabalho poliacuteticas de formaccedilatildeo profissional e educaccedilatildeo permanente iniciativas
locais competentes e criativas para o enfrentamento da diversidade no paiacutes A natildeo-
qualificaccedilatildeo de profissionais meacutedicos como generalistas eacute outro grande desafio Somente em
2002 a Medicina de Famiacutelia e da Comunidade foi reconhecida como especialidade pelo
Conselho Federal de Medicina fomentando-se a abertura de cursos de residecircncia e de
especializaccedilatildeo lato sensu (GIONANELLA et al 2009)
Outros desafios operacionais tambeacutem se colocam diante da efetivaccedilatildeo de uma atenccedilatildeo
primaacuteria abrangente como insuficiente oferta de atenccedilatildeo especializada agravada pela baixa
integraccedilatildeo com os prestadores estaduais ainda responsaacuteveis em alguns municiacutepios pela maior
parte dos serviccedilos de meacutedia complexidade ausecircncia de poliacuteticas federais para a atenccedilatildeo
especializada A construccedilatildeo de redes integradas passa necessariamente por maior
investimento em serviccedilos de meacutedia complexidade com expansatildeo do leque de serviccedilos
ofertados no primeiro niacutevel novas accedilotildees curativas serviccedilos comunitaacuterios de sauacutede mental
cuidados domiciliares (home care) e cuidados paliativos investimentos em tecnologias de
45
informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo com a implantaccedilatildeo de sistemas informatizados de regulaccedilatildeo e
prontuaacuterios eletrocircnicos (GIOVANELLA amp MENDONCcedilA 2012)
Por fim a organizaccedilatildeo do SUS orientada por uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
abrangente eacute uma perspectiva para a reduccedilatildeo das desigualdades sociais e regionais no acesso e
na utilizaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede no desenvolvimento de accedilotildees comunitaacuterias e na mediaccedilatildeo
de accedilotildees intersetoriais para responder aos determinantes sociais e regionais que contribuem
para efetivar o direito agrave sauacutede no Brasil
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil e na Cidade do Rio de Janeiro
A implementaccedilatildeo da ESF ocorre de diferentes modos nos mais de 5600 municiacutepios do
paiacutes e ainda satildeo poucos os estudos que nos permitem saber se mudanccedilas substanciais foram
efetivamente implementadas no modelo assistencial Silva Casotti e Chaves (2013)
realizaram uma revisatildeo da produccedilatildeo cientiacutefica na base de dados Scielo entre os anos de 2002
a 2010 sobre a variedade de estudos existentes abordando a Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e seu
papel na orientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo no paiacutes Os resultados mostraram que apesar da
melhoria do processo de trabalho na atenccedilatildeo primaacuteria seu caraacuteter substitutivo natildeo foi
evidenciado na maioria dos estudos Sendo predominante a expansatildeo da universalizaccedilatildeo do
acesso aos serviccedilos de sauacutede a extensatildeo de cobertura e focalizaccedilatildeo As mudanccedilas foram
verificadas quando analisadas sob o foco da demanda como maior acolhimento e viacutenculo Os
limites mais evidentes se situaram no pouco foco das necessidades de sauacutede como na
territorializaccedilatildeo participaccedilatildeo comunitaacuteria e enfrentamento dos determinantes sociais de forma
intersetorial Foram evidenciados diferentes graus de implantaccedilatildeo da estrateacutegia mas que ainda
natildeo resultou na reorganizaccedilatildeo do sistema no niacutevel local
A cidade do Rio de Janeiro foi capital do Estado do Brasil uma colocircnia do Impeacuterio
Portuguecircs depois capital do Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves de 1815 a 1822
capital do Impeacuterio do Brasil ateacute 1889 e capital do Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil ateacute
1960 quando a sede do governo foi transferida para Brasiacutelia
Hoje eacute a capital do Estado do Rio de Janeiro e o principal destino turiacutestico
internacional da Ameacuterica Latina sendo a segunda metroacutepole mais populosa do Brasil (depois
de Satildeo Paulo) a sexta maior da Ameacuterica e a trigeacutesima quinta do mundo Em 2010 segundo
censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo do Rio de janeiro
era de 6320446 habitantes e em 2014 a populaccedilatildeo estimada era de 6453682 habitantes
O desenvolvimento e a construccedilatildeo de uma razoaacutevel infraestrutura de serviccedilos puacuteblicos
incluindo um importante conjunto de serviccedilos de sauacutede em especial unidades hospitalares sob
46
a coordenaccedilatildeo das diferentes esferas de governo foi favorecido pelo importante papel
histoacuterico-poliacutetico desempenhado pela cidade (CASOTTI et al 2013)
Quanto a organizaccedilatildeo dos serviccedilos a atenccedilatildeo agrave sauacutede no municiacutepio se estrutura em
trecircs niacuteveis com diferentes tipos de unidades Atenccedilatildeo Primaacuteria (Centro Municipal de
SauacutedeCMS e Cliacutenica da FamiacuteliaCF) Atenccedilatildeo Secundaacuteria (Policliacutenicas Centros de Atenccedilatildeo
Psicossocial -CAPS Unidades de Pronto Atendimento - Upas e Centros de Reabilitaccedilatildeo) e
Atenccedilatildeo Terciaacuteria (Maternidades Hospitais e Institutos) (RIO DE JANEIRO 2013
ORGANIZACcedilAtildeO PAN-AMERICANA DA SAUacuteDE 2013)
Com a finalidade de gestatildeo do sistema municipal de sauacutede desde 1993 a cidade do
Rio de Janeiro estaacute organizada em 10 (dez) Aacutereas de Planejamento Sanitaacuterio cada uma com
sua Coordenaccedilatildeo de Aacuterea denominadas Aacutereas Programaacuteticas ndash AP (10 21 22 31 32 33
40 51 52 e 53) que satildeo bem diversas entre si em relaccedilatildeo a equipamentos de sauacutede e
necessidades da populaccedilatildeo (RIO DE JANEIRO 2014)
Na deacutecada de 90 a rede municipal de atenccedilatildeo primaacuteria da cidade recebeu
investimentos de requalificaccedilatildeo estrutural (reformas adequaccedilotildees e ampliaccedilotildees) da sua
capacidade instalada valorizando a implantaccedilatildeo de um sistema corretivo e preventivo de
manutenccedilatildeo predial mas sem apresentar aumento significativo no nuacutemero de unidades no
municiacutepio (CASOTTI et al 2013)
Apesar do movimento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo primaacuteria no paiacutes em 1994
com a adoccedilatildeo da PSF a secretaria municipal de sauacutede manteve a atenccedilatildeo primaacuteria tradicional
como modelo predominante de atenccedilatildeo e implantou a ESF de forma residual fragmentada e
desarticulada Ao passo que outras capitais como Belo Horizonte e Florianoacutepolis alcanccedilavam
a cobertura da ESF acima de 70 da populaccedilatildeo no ano de 2008
Situaccedilatildeo essa que perdurou sem alteraccedilatildeo ateacute 2009 onde o cenaacuterio da atenccedilatildeo primaacuteria
no municiacutepio apresentava uma estrutura bastante incipiente com cobertura da ESF em torno
de 7 segundo dados da Organizaccedilatildeo Pan-Americana da Sauacutede (2013) quando se instalou
um processo de Reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria que incluiu a territorializaccedilatildeo das redes e uma
importante expansatildeo do nuacutemero de unidades de atenccedilatildeo primaacuteria o que resultou numa
expansatildeo acelerada com implantaccedilatildeo de 828 equipes da ESF atingindo uma cobertura de
479 em marccedilo de 2015 consolidando assim o modelo da ESF na cidade (SORANZ 2013)
Para viabilizar essa expansatildeo de cobertura vecircm sendo implementadas no campo da
gestatildeo do trabalho algumas estrateacutegias para atrair e fixar profissionais qualificados incluindo
alteraccedilatildeo de salaacuterios e formas de contrataccedilatildeo operacionalizadas por meio das Organizaccedilotildees
Sociais (OSs) e a criaccedilatildeo do Curso de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade
47
(RMFC) pela Prefeitura do Rio de Janeiro Outra estrateacutegia importante estaacute voltada para o
campo da qualificaccedilatildeo profissional em parceria com instituiccedilotildees de ensino como a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj) e a Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (PINTO 2011 MAGNAGO E PIERANTONI 2015
OPAS 2013)
Outro passo foi dado a partir de 2010 com o iniacutecio da implantaccedilatildeo dos Nuacutecleos de
Atenccedilatildeo agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASFs)) que tecircm o objetivo de apoiar e dar resolutividade agraves
diversas especialidades na atenccedilatildeo baacutesica aleacutem de promover sua integraccedilatildeo agrave rede de
serviccedilos Uma rede de NASF foi entatildeo progressivamente implementada chegando a 47
equipes em 2015
A Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e sua importacircncia para a Sauacutede Mental
No acircmbito internacional seguindo as diretrizes do ldquoMental Health Action Plan 2013-
2020rdquo satildeo destacados quatro grandes objetivos principais 1) lideranccedila e governanccedila mais
efetiva em sauacutede mental 2) fornecimento de serviccedilos de sauacutede mental e cuidados sociais de
base comunitaacuteria abrangente integrado 3) implantaccedilatildeo de estrateacutegias para promoccedilatildeo e
prevenccedilatildeo e 4) fortalecimento do sistema de informaccedilatildeo evidencia e pesquisa Esse Plano de
Accedilatildeo Global estaacute baseado na abordagem do ciclo de vida e objetiva alcanccedilar equidade atraveacutes
da cobertura de sauacutede universal enfatizando a importacircncia da prevenccedilatildeo e do respeito aos
Direitos Humanos A World Health Organization recomenda o fortalecimento da Atenccedilatildeo
Primaacuteria e da Atenccedilatildeo Psicossocial Comunitaacuteria para isso sugere que cada paiacutes encontre o
melhor caminho respeitadas as particularidades sociais econocircmicas e culturais (WHO
2013)
A atual Poliacutetica de Sauacutede Mental no Brasil eacute resultado da mobilizaccedilatildeo de trabalhadores
da Sauacutede Mental usuaacuterios e familiares iniciada na deacutecada de 1980 com o objetivo de mudar a
realidade dos manicocircmios onde viviam mais de 100 mil pessoas com transtornos mentais
institucionalizadas com seacuterias violaccedilotildees dos Direitos Humanos O movimento foi
impulsionado pela importacircncia que o tema dos Direitos Humanos adquiriu no combate agrave
ditadura e alimentou-se das experiecircncias exitosas de paiacuteses europeus na substituiccedilatildeo de um
modelo de sauacutede mental baseado no hospital psiquiaacutetrico por um modelo de serviccedilos
comunitaacuterios com forte inserccedilatildeo territorial Esse processo de mudanccedila nas uacuteltimas deacutecadas
se expressa especialmente por meio do movimento Social da Luta Antimanicomial e de um
projeto coletivamente produzido de mudanccedila do modelo de atenccedilatildeo e de gestatildeo do cuidado a
Reforma Psiquiaacutetrica
48
A atenccedilatildeo as pessoas com transtornos mentais passa entatildeo a ter como objetivo ldquoo
pleno exerciacutecio de sua cidadania e natildeo somente o controle de sua sintomatologiardquo Brasil
(2013 p21) O que vai implicar na organizaccedilatildeo de serviccedilos abertos de base territorial com a
participaccedilatildeo dos usuaacuterios e formando redes com outras poliacuteticas puacuteblicas (educaccedilatildeo trabalho
moradia cultura etc) A inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental nos cuidados de sauacutede primaacuterios
portanto vai propiciar a loucura sair de um lugar segregador excludente para um de conviacutevio
de agenciamentos de possibilidades de produccedilatildeo de vida (SOUZA RIVERA 2010)
Para Lancetti e Amarante (2012) eacute no acircmbito da Sauacutede da Famiacutelia que se pode
alcanccedilar a radicalidade da desinstitucionalizaccedilatildeo Mas para isso as equipes da Estrateacutegia de
Sauacutede da Famiacutelia precisam ser bem instrumentalizadas na concepccedilatildeo mais geral da Reforma
Psiquiaacutetrica e da Reforma Sanitaacuteria entendendo ambas como ldquoprocessos sociais complexos
que visam tanto agrave melhoria da assistecircncia meacutedica quanto agrave promoccedilatildeo da sauacutede e agrave construccedilatildeo
de consciecircncia sanitaacuteria nas comunidadesrdquo (AMARANTE 2007 p96)
Aleacutem de as equipes serem bem instrumentalizadas Amarante (2007) destaca ser
importante que as equipes recebam apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da
Famiacutelia - NASF (Portaria GM 1542008) para conduzir os casos de sauacutede mental de forma
mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada a partir da vivencia cotidiana
dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias profissionais para lidar com os
problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento psiacutequico e comprometer a
resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA 2013)
A Portaria GM 1542008 determina que todo NASF tenha ao menos um profissional
da aacuterea da sauacutede mental para orientar problematizar oferecer apoio teacutecnico e institucional em
situaccedilotildees de sauacutede mental aos profissionais da ESF contribuindo para que estas consigam o
maacuteximo de ecircxito em suas intervenccedilotildees sem a necessidade de encaminhar as pessoas aos
niacuteveis mais complexos de recursos Por Apoio Matricial no seu sentido original entende-se
como uma equipe composta por um ou mais profissionais de sauacutede detentores de certo saber
cientifico que apoacuteia utilizando-se para isso de diversas modalidades de processos uma ou
mais equipes de referecircncia (CAMPOS1999)
Souza et al (2012) realizaram uma revisatildeo narrativa da literatura brasileira sobre
relaccedilotildees entre Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) e o campo da sauacutede mental no periacuteodo de
1999 a 2009 Os resultados apontaram problemas como visotildees estereotipadas sobre os
transtornos mentais predominacircncia da loacutegica manicomial ausecircncia de registros fluxos
estrateacutegias apoio qualificado agraves famiacutelias e de integraccedilatildeo em rede Assim como na revisatildeo
feita por Gama e Onocko (2009) que constatou a persistecircncia do paradigma biomeacutedico
49
tradicional pouca correspondecircncia entre as diretrizes de inclusatildeo da sauacutede mental e a
realidade dos serviccedilos dificuldades na relaccedilatildeo entre equipes de ESF e CAPS
Esses estudos mostraram que alguns profissionais construiacuteram formas de lidar com os
problemas de sauacutede mental na APS mais adequadas aos princiacutepios do SUS e da Reforma
Psiquiaacutetrica No entanto essas estrateacutegias permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais
natildeo tinham clareza sobre elas) assistemaacuteticas e desarticuladas da rede de serviccedilos O que
sugere que a atenccedilatildeo agrave sauacutede mental na APS brasileira do iniacutecio do seacuteculo XXI ainda se
encontra em seus ldquotateiosrdquo iniciais Apresentando-se como um desafio atual e importante
tanto para a academia quanto para praacutetica dos serviccedilos
Apoio Matricial (AM)
No presente estudo o foco natildeo foi o Apoio Matricial (AM) mas faz-se necessaacuterio
esclarecer que essa eacute uma ferramenta que tem como funccedilatildeo segundo Campos (1999)
estimular cotidianamente a produccedilatildeo de novos padrotildees de inter-relaccedilatildeo entre equipe e
usuaacuterios ampliar o compromisso dos profissionais com a produccedilatildeo de sauacutede e quebrar
obstaacuteculos organizacionais agrave comunicaccedilatildeo Privilegiando dessa forma o exerciacutecio
interdisciplinar em busca do cuidado integral em sauacutede a racionalizaccedilatildeo do acesso e do uso
de recursos especializados e estimulando uma cliacutenica compartilhada embasada por um pacto
de corresponsabilizaccedilatildeo sanitaacuteria ampliando assim o escopo da APS
Embora o Ministeacuterio da Sauacutede tenha formalizado os Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da
Famiacutelia (NASF) pressupondo um funcionamento a partir do apoio matricial em 2008 em um
estudo recente Fonseca Sobrinho et al (2014) apontam que no Brasil em 12 estados cerca de
50 das EqSF possuem nenhum ou grau baixo de AM Demonstrando assim que as
atividades de AM na Atenccedilatildeo Baacutesica satildeo desiguais com graus de AM mais elevados nos
estados e regiotildees mais desenvolvidas O estudo destaca que os trabalhadores das ESF
reconhecem a potecircncia do AM para mudanccedilas das praacuteticas (mais consoante aos princiacutepios da
integralidade) e das subjetividades daqueles que as protagonizam ficando mais
comprometidos com os casos o que corrobora para o fortalecimento de viacutenculos com os
usuaacuterios que se sentem mais seguros pelo fato dos profissionais da ESF serem apoiados por
um ou mais especialistas
Para Delfini e Reis (2012) o AM pode ser uma ferramenta facilitadora da acessibilidade
dos usuaacuterios de sauacutede mental aos serviccedilos de sauacutede funcionando como um arranjo
organizacional capaz de dar sustentaccedilatildeo aos equipamentos da rede de forma a operar de
maneira integrada e articulada possibilitando a apreensatildeo do sujeito em sofrimento psiacutequico
50
no entanto as EqSF natildeo se sentem instrumentalizadas para o manejo dos casos de transtornos
mentais Jaacute para Campos e Domitti (2007) os profissionais referem-se ao apoio matricial sem
compreender o que eacute o fundamento de sua proposta a corresponsabilizaccedilatildeo pelos usuaacuterios e a
construccedilatildeo de accedilotildees conjuntas
Na cidade do Rio de Janeiro o AM na aacuterea de sauacutede mental ainda estaacute processo de
construccedilatildeo Estatildeo sendo feitas vaacuterias tentativas de aproximaccedilatildeo entre as EqSF e os Centro de
Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) de sua aacuterea de referecircncia algumas jaacute bem sucedidas Sendo
esse processo possiacutevel quando haacute esse serviccedilo no territoacuterio No entanto natildeo podemos
esquecer que ainda haacute um nuacutemero insuficiente deste dispositivo em todo o territoacuterio
brasileiro
A Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro possui uma Carteira de Serviccedilos ndash
Guia de Referecircncia Raacutepida com a relaccedilatildeo de serviccedilos prestados na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
elaborado em (2011) e atualizado em (2016) que visa nortear as accedilotildees de sauacutede na atenccedilatildeo
primaacuteria oferecidas agrave populaccedilatildeo no Municiacutepio do Rio de Janeiro Neste documento os
serviccedilos oferecidos para a Sauacutede Mental satildeo
Acompanhamento ao usuaacuterio de aacutelcool e outras drogas
Realizaccedilatildeo de desintoxicaccedilatildeo alcooacutelica na unidade primaacuteria de sauacutede
Acolher as pessoas em situaccedilotildees de crise e referenciar se necessaacuterio
Referenciar todos os casos de sauacutede mental quando necessaacuterio
(CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio NASF ou hospital) para suporte teacutecnico mantendo o
acompanhamento dos pacientes
Educaccedilatildeo em sauacutede para manejo de sobrecarga familiar (apoio aos cuidadores)
Realizaccedilatildeo e incentivo agrave participaccedilatildeo de profissionais da ESF em foacuteruns de sauacutede
mental visando a integraccedilatildeo e a construccedilatildeo de parcerias intersetoriais
Atendimento individual a familiares visando intervenccedilatildeo em situaccedilotildees de violecircncia
domeacutestica
Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica para inserccedilatildeo de usuaacuterios com transtornos mentais
nas atividades de rotina da unidade como consultas e acompanhamento de hipertensatildeo
diabetes tuberculose odontologia e em grupos de atividade fiacutesica ou outras atividades
realizadas pela unidade
Atendimento e acompanhamento de usuaacuterios que realizam uso crocircnico de
benzodiazepiacutenico atraveacutes de consulta meacutedica e de enfermagem ou grupos terapecircuticos
Discussatildeo de casos cliacutenicos com equipes dos CAPSCAPSiCAPSad ambulatoacuterio e
NASF
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Acompanhamento ao portador de transtornos mentais comuns (leves) atraveacutes de
consulta meacutedica e grupo terapecircutico
Realizaccedilatildeo de oficina terapecircutica visando a inserccedilatildeo do usuaacuterio nos espaccedilos de
convivecircncia da comunidade como vilas oliacutempicas escolas centros culturais e centros de
convivecircncia
Abordagem e manejo de transtornos de ansiedade natildeo complicados
Abordagem e manejo de transtornos depressivos natildeo complicados
Na CF onde foi realizado o estudo agrave eacutepoca das entrevistas a equipe contava com o AM
via NASF com um psiquiatra e uma psicoacuteloga que estavam disponiacuteveis na unidade em dois
turnos mas natildeo contava com um CAPS de referecircncia para adultos apenas para crianccedilas o
CAPSI da Universidade Federal do Rio de Janeiro E o CAPS Ad para adultos do Estado
encontrava-se com atendimento muito restrito devido ao deacuteficit de recursos humanos e
recursos financeiros
45 OS PROFISSIONAIS DA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Formaccedilatildeo dos Profissionais de Sauacutede no Brasil
A formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede eacute um processo de fundamental importacircncia para o
desenvolvimento e manutenccedilatildeo de um sistema puacuteblico de sauacutede de qualidade Isto porque o
trabalho em sauacutede baseia-se necessariamente no elemento humano ou seja ldquona sua
capacidade de agir refletir colocar-se no lugar das pessoas que recebem seus cuidados e
entender os determinantes do processo sauacutede-doenccedila em seu dinamismo e sua complexidaderdquo
(CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012 p885)
Atualmente temos 14 (quatorze) profissotildees de sauacutede de niacutevel universitaacuterio em nosso paiacutes
medicina enfermagem odontologia fisioterapia terapia ocupacional psicologia
fonoaudiologia farmaacutecia veterinaacuteria educaccedilatildeo fiacutesica serviccedilo social ciecircncias bioloacutegicas
biomedicina e nutriccedilatildeo Sendo importante destacar a importacircncia histoacuterica da medicina para a
aacuterea de sauacutede e seu referencial teoacuterico - Relatoacuterio Flexner que influenciaram a conformaccedilatildeo
do ensino das demais profissotildees de sauacutede
O Relatoacuterio Flexner elaborado pelo educador americano Abrahem Flexner ficou
conhecido por normatizar as bases para um ensino meacutedico pautado no meacutetodo cientiacutefico Suas
principais propostas para escolas de medicina eram Definiccedilatildeo de padrotildees de entrada e
ampliaccedilatildeo para quatro anos da duraccedilatildeo dos cursos Introduccedilatildeo do ensino laboratorial
Estimulo a docecircncia em tempo integral Expansatildeo do ensino clinico especialmente em
52
hospitais Vinculaccedilatildeo das escolas meacutedicas agraves universidades Ecircnfase na pesquisa bioloacutegica
Vinculaccedilatildeo da pesquisa ao ensino Estiacutemulo agrave especializaccedilatildeo meacutedica Controle do exerciacutecio
profissional pela profissatildeo organizada (CAMPOS AGUIAR e BELISAacuteRIO 2012)
A separaccedilatildeo ainda hoje da maioria dos cursos da aacuterea de sauacutede em ciclo baacutesico (inicial
composto por disciplinas baacutesicas geralmente bioloacutegicas) e ciclo profissional (com disciplinas
voltadas para a praacutetica) eacute um exemplo da influecircncia do modelo flenexeriano no ensino de
praticamente todas as profissotildees nessa aacuterea o que consequentemente proporciona uma
hipervalorizaccedilatildeo do aspecto bioloacutegico e a fragmentaccedilatildeo dos conhecimentos com consequente
desvalorizaccedilatildeo dos demais determinantes do processo sauacutede-doenccedila (CAMPOS AGUIAR e
BELISAacuteRIO 2012)
Tendo-se em mente que o sistema educativo eacute uma imensa maacutequina burocraacutetica e que a
foacutermula da educaccedilatildeo bancaacuteria ainda eacute majoritaacuteria na realidade educacional como esperar que
a maioria dos estudantes ao final de seu curso natildeo tenha uma praacutetica fragmentada e centrada
na medicalizaccedilatildeo jaacute que em seus cursos veem escutam e aprendem desta forma
quotidianamente (FREIRE 2003)
Campos Aguiar e Belizaacuterio (2012) destacam que as profissotildees de sauacutede que conhecemos
hoje satildeo relativamente novas inclusive a medicina considerada uma das profissotildees mais
antigas do mundo soacute obteve credibilidade popular a partir do seacuteculo XIX quando o meacutetodo
cientifico se tornou determinante das praacuteticas em sauacutede A medicina nos seacuteculos anteriores era
uma profissatildeo baseada no empirismo ou em supersticcedilotildees
Tambeacutem ressaltam que o ldquocasamento entre a sauacutede e a ciecircncia foi fruto da euforia
positivista1 daquela eacutepoca que assistiu a importantes descobertas como a anestesia e a
microbiologiardquo Campos Aguiar e Belisaacuterio (2012 p886) o que contribuiu para generalizar a
impressatildeo de que a ciecircncia mais cedo ou mais tarde traria respostas objetivas para a maioria
dos problemas da humanidade E tambeacutem para reforccedilar a ideia positivista de que esses
problemas teriam sempre causas bem definidas sendo portanto passiveis de intervenccedilatildeo cujo
aparecimento seria soacute uma questatildeo de tempo
Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos
diversos cursos da aacuterea da sauacutede com a Lei Orgacircnica da Sauacutede (Lei Nordm 80801990) segundo
a qual um dos objetivos e atribuiccedilotildees do SUS eacute a ordenaccedilatildeo da formaccedilatildeo dos trabalhadores do
setor com base em metodologias mais reflexivas voltadas ao aprendizado no proacuteprio
1 O Positivismo eacute uma corrente filosoacutefica que surgiu na Franccedila no comeccedilo do seacuteculo XIX Defende a ideacuteia de
que o conhecimento cientifico eacute a uacutenica forma de conhecimento verdadeiroAdvoga a descoberta de leis naturais
e o seu domiacutenio pela ciecircncia de forma a resolver os problemas do mundo e da vida
53
exerciacutecio profissional Somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo de
reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a
novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
Em um artigo publicado em 2010 Haddad e colaboradores a partir de uma anaacutelise
sobre a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede no Brasil no periacuteodo de 1991 a 2008
apresentaram um panorama dos 14 cursos considerados da aacuterea de sauacutede e por resoluccedilatildeo do
Conselho Nacional de Sauacutede (CNS) afirmaram que as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN)
Apontam a necessidade de os cursos incorporarem nos seus projetos
pedagoacutegicos o arcabouccedilo teoacuterico do SUS valorizando tambeacutem os
postulados eacuteticos a cidadania a epidemiologia e o processo
sauacutededoenccedilacuidado no sentido de garantir formaccedilatildeo
contemporacircnea de acordo com referenciais nacionais e internacionais
de qualidade As DCN inovam ao estimularem a inserccedilatildeo precoce e
progressiva do estudante no SUS o que lhe garantiraacute conhecimento e
compromisso com a realidade de sauacutede de seu paiacutes e sua regiatildeo
(HADDAD et al 2010 p 38)
Eacute importante destacar nesse cenaacuterio de formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede no Brasil
que o ensino acadecircmico e o ensino profissional foram historicamente tratados de modos
distintos com maior ou menor interferecircncia puacuteblica privada ou de trabalhadores
O ensino profissionalizante natildeo pode ser separado dos movimentos econocircmicos de
cada periacuteodo Desde 1809 com a criaccedilatildeo do Coleacutegio das Faacutebricas a profissionalizaccedilatildeo teve
iniacutecio e se manteve como concessatildeo governamental agraves classes sociais pobres Ao mesmo
tempo em que qualificava os trabalhadores preparava para exercer as atividades econocircmicas
vigentes ou seja a profissionalizaccedilatildeo era vista como uma soluccedilatildeo para os problemas sociais
(BARROS et al 2010)
No campo da sauacutede a partir dos anos 1930 eacutepoca da criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho
com a industrializaccedilatildeo e o aumento da cobertura previdenciaacuteria cresceu a necessidade do
mercado por profissionais de sauacutede especialmente meacutedicos Como consequecircncia verificou-se
a ampliaccedilatildeo da oferta de cursos de medicina Na eacutepoca devido ao crescimento econocircmico a
expansatildeo dos cursos de ensino superior ocorreu em toda a Ameacuterica Latina No entanto o
54
mesmo natildeo sucedeu com o ensino meacutedio Teacutecnicos e auxiliares natildeo eram prioridade na
agenda de formaccedilatildeo e eram absorvidos pelo mercado de trabalho sem qualificaccedilatildeo (BARROS
et al 2010)
Ateacute a promulgaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (Lei Nordm
402461) natildeo era permitida a equivalecircncia entre o ensino regular e o profissionalizante
coerente com a loacutegica de que a educaccedilatildeo profissional era dirigida sempre aos mais pobres
para que exercessem atividades servis enquanto o ensino formal destinava-se agrave elite
(BRASIL MEC 2000)
Em 1963 na 3ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede (CNS) foi discutida a profissionalizaccedilatildeo
de niacutevel meacutedio e apresentada uma proposta de preparaccedilatildeo desses trabalhadores Na 4ordf CNS
em 1967 cujo tema central foi ldquoRecursos Humanos para as Atividades de Sauacutederdquo propocircs-se a
formulaccedilatildeo de uma poliacutetica permanente de recursos humanos voltada ao ensino no trabalho
pelo trabalho e para o trabalho (BARROS et al 2010)
Nos anos 1960 e 1970 os investimentos puacuteblicos em hospitais privados decorreram do
modelo de seguridade social estabelecido O crescimento de serviccedilos meacutedicos e hospitalares
a ampliaccedilatildeo de leitos e o foco nas doenccedilas tambeacutem aumentaram a compra de serviccedilos
meacutedicos pelo Estado com incremento de leitos hospitalares Nessa eacutepoca disparou o nuacutemero
de empregos no setor hospitalar privado (BARROS et al 2010)
Ateacute os anos 1980 predominava a contrataccedilatildeo de pessoal desqualificado para os serviccedilos
Um estudo realizado por Pronko (1999) analisou a forccedila de trabalho em sauacutede na deacutecada de
1970 e verificou que houve um aumento significativo de pessoas desqualificadas (em especial
atendentes) que atuavam nas atividades hospitalares passando de 32137 para 85541 o
nuacutemero desses profissionais sem qualificaccedilatildeo
Tampouco nos hospitais e postos de sauacutede puacuteblicos havia qualquer exigecircncia de formaccedilatildeo
para o atendente de enfermagem Barros et al (2010) Somente com a promulgaccedilatildeo da Lei do
Exerciacutecio Profissional da Enfermagem em 1986 fruto de uma longa luta poliacutetica da
enfermagem junto a oacutergatildeos centrais como Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Ministeacuterio da Sauacutede eacute
que ficou estabelecido o prazo de dez anos para a extinccedilatildeo da categoria
Nos anos 1990 por pressatildeo de organismos internacionais e pela forccedila da Lei do Exerciacutecio
Profissional de Enfermagem foram iniciados cursos de formaccedilatildeo profissionalizante pelos
Centros de Desenvolvimento de Recursos Humanos (CE- DRHU) das Secretarias Estaduais
de Sauacutede (SESs) Tambeacutem em decorrecircncia das determinaccedilotildees legais para o ensino
profissionalizante exigia-se matriacutecula em escola de ensino meacutedio fator que dificultou a
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permanecircncia de muitos profissionais nos cursos Em seguida surgiu o Projeto de Formaccedilatildeo
em Larga Escala de Pessoal de Sauacutede (BARROS et al 2010)
Nesse sentido como afirmam Barros et al (2010) em seu estudo a deacutecada de 1990
registrou uma contradiccedilatildeo no mesmo periacuteodo ocorreu incorporaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios
sem escolaridade nas poliacuteticas de governo como o Programa de Agentes Comunitaacuterios de
Sauacutede e implantaccedilatildeo de programas nacionais de formaccedilatildeo com exigecircncia de escolaridade para
os profissionais de enfermagem em geral
Foram criados os Centros de Formaccedilatildeo de Recursos Humanos em Sauacutede e as Escolas
Teacutecnicas de Sauacutede do SUS vinculadas agraves SES com o intuito de promover a
profissionalizaccedilatildeo dos trabalhadores inseridos nos serviccedilos sem a devida qualificaccedilatildeo O MS
no ano de 2000 criou o Projeto de Profissionalizaccedilatildeo dos Trabalhadores da Aacuterea de
Enfermagem (Profae) que foi oferecido para 225 mil trabalhadores cadastrados pelas
Secretarias Municipais de Sauacutede
Formaccedilatildeo dos Profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
Com a implementaccedilatildeo do Sauacutede da Famiacutelia o discurso poliacutetico governamental se
alterou com vistas a reorientar o recurso humano em sauacutede em termos de capacitaccedilatildeo para a
integralidade e nova praacutetica no SUS natildeo apenas no contexto do serviccedilo mas tambeacutem na
formaccedilatildeo dos futuros profissionais jaacute no acircmbito dos cursos de Enfermagem Medicina e
Odontologia Moretti-Pires (2009) O autor ainda destaca que este processo natildeo se deu
simplesmente por opccedilatildeo poliacutetica dos governos mas sim em virtude de necessidades concretas
de assistecircncia agrave sauacutede da populaccedilatildeo brasileira frente ao dever constitucional do Estado em
relaccedilatildeo agrave sauacutede de todos
Mesmo com estes esforccedilos ainda foi mantido o modelo universitaacuterio tradicional
focado na atenccedilatildeo curativo-individual desconsiderando o contexto sociocultural das famiacutelias
pelos profissionais de sauacutede Pensamento que natildeo estaacute de acordo com a praacutetica necessaacuteria
para atuaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia comprometendo a legitimidade do modelo de atenccedilatildeo na
medida em que a equipe ainda vivencia o modelo hegemocircnico biomeacutedico e tradicional apesar
das tentativas de modifica-lo na praacutetica permanece em um ldquoestado entre a ESF idealizada e a
ESF de fatordquo (MORETTI-PIRES 2009 p155)
Em seu estudo sobre a complexidade em Sauacutede da Famiacutelia e formaccedilatildeo do futuro
profissional de sauacutede Moretti-Pires (2009) conclui que a formaccedilatildeo reducionistabiomeacutedica
nas trecircs profissotildees (Enfermagem Medicina e Odontologia) assim como o foco no trabalho
individual e natildeo na equipe multiprofissional eacute um quadro inadequado ao SUSESF que
56
preconiza atuaccedilatildeo profissional focada na complexidade do entorno socioeconocircmico e
antropoloacutegico dos usuaacuterios do sistema E que apesar de a Sauacutede da Famiacutelia se constituir em
um modelo de atenccedilatildeo primaacuteria que se distingue pela visatildeo integral do usuaacuterio a formaccedilatildeo
universitaacuteria de seus profissionais ainda se pauta na visatildeo fragmentaacuteria reduzida ao acircmbito da
disciplinaridade (anatomia patologia geneacutetica farmacologia economia sociologia etc)
Atualmente jaacute existem vaacuterios cursos de Poacutes-Graduaccedilatildeo Lato Sensu e Stricto Sensu no
Brasil em Sauacutede da Famiacutelia voltados para os profissionais que atuam preferencialmente na
atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
De acordo com o estudo realizado por Pereira Costa e Megale (2012) nos uacuteltimos seis
anos atraveacutes de iniciativas interministeriais promovidas pelos Ministeacuterios da Sauacutede e da
Educaccedilatildeo tem-se observado a implantaccedilatildeo de importantes programas que vecircm ao encontro
das premissas defendidas pela Educaccedilatildeo Permanente em Sauacutede O Programa Nacional de
Reorientaccedilatildeo da Formaccedilatildeo Profissional em Sauacutede (Proacute-Sauacutede) lanccedilado em 2005 alicerccedilado
pelos Programa de Educaccedilatildeo pelo Trabalho para a Sauacutede (PET-Sauacutede) e o Proacute-Ensino na
Sauacutede ambos de 2010 propotildeem profundas mudanccedilas na relaccedilatildeo ensino-serviccedilo-comunidade
a partir do resgate do papel social das Instituiccedilotildees de Ensino (atividades de extensatildeo e
pesquisa em educaccedilatildeo na sauacutede) bem como da responsabilidade dos serviccedilos de sauacutede em
formarem ativamente seus futuros profissionais com enfoque na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
Em relaccedilatildeo a formaccedilatildeo profissional dos Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) em
1991 o Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em parceria com as secretarias estaduais e municipais
institucionalizou o Programa Nacional de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PNACS)
posteriormente Programa de Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS) objetivando reduzir os
alarmantes indicadores de morbimortalidade infantil e materna inicialmente no Nordeste do
Brasil
Com a criaccedilatildeo do Programa de sauacutede da Famiacutelia em 1993 posteriormente denominado
ESF emergiu a categoria do Agente Comunitaacuterio de Sauacutede (ACS) para atuar nas unidades
baacutesicas e ser o elo entre a comunidade e os serviccedilos de sauacutede Essa atividade profissional natildeo
tinha nem qualificaccedilatildeo nem regulaccedilatildeo Dada a importacircncia de sua funccedilatildeo no programa e em
decorrecircncia de seu papel estrateacutegico no fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria enquanto poliacutetica
puacuteblica para a sauacutede houve necessidade de capacitar esse profissional No entanto somente
em 2002 a profissatildeo foi criada em termos de lei que em 2006 foi revogada para que ajustes
pudessem ser feitos por meio da promulgaccedilatildeo da Lei 11350 A nova regulamentaccedilatildeo ocorreu
agora em 2014 com a Lei 12994 que altera a Lei no 11350 de 2006 para instituir piso
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salarial profissional nacional e diretrizes para o plano de carreira dos Agentes Comunitaacuterios
de Sauacutede
Segundo Barros et al (2010) considerando os aspectos mencionados observa-se que o
ACS nasce num contexto permeado por influecircncias sociais ideoloacutegicas poliacuteticas e teacutecnicas
envolvendo demandas de ordem nacional e internacional Na agenda brasileira passa a ser
visto como uma estrateacutegia poliacutetica possiacutevel para superar o modelo tradicional e assinala
assim perspectivas para a construccedilatildeo de um novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede
Observa-se hoje que o ACS desempenha papel relevante na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede
devido a suas atribuiccedilotildees que envolvem o cadastramento e o acompanhamento nas aacutereas de
cobertura da ESF aleacutem do seu capital social Por sua condiccedilatildeo hiacutebrida de estar entre a
comunidade (eacute morador e conhecedor daquela realidade) e os profissionais de sauacutede tornou-
se um importante elemento na promoccedilatildeo de mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede e de
fortalecimento da atenccedilatildeo primaacuteria em nosso paiacutes
46 ATENCcedilAtildeO Agrave SAUacuteDE MENTAL TRANSFORMACcedilOtildeES DE PARADIGMA
Da Psiquiatria agrave Sauacutede Mental
Segundo Costa-Rosa Luzio amp Yasui (2003 p 28) as ldquopraacuteticas cliacutenicas concebidas ao
modo da cliacutenica meacutedica e psicoloacutegica foram consideradas como meios de adaptar os
indiviacuteduos agrave aceitaccedilatildeo de sua condiccedilatildeo de objetos da violecircnciardquo Os autores denunciam nesse
contexto a situaccedilatildeo perversa entre os profissionais da assistecircncia e os seus pacientes
Rotelli Leonardis e Mauri (2001) de maneira convergente destacam que se faz
necessaacuteria a mudanccedila do paradigma psiquiaacutetrico na assistecircncia
O mal obscuro da Psiquiatria estaacute em haver separado um objeto
fictiacutecio a ldquodoenccedilardquo da existecircncia global complexa e concreta dos
pacientes e do corpo social Sobre essa separaccedilatildeo artificial se
construiu um conjunto de aparatos cientiacuteficos legislativos e
administrativos (a instituiccedilatildeo) todos referidos agrave ldquodoenccedilardquo Eacute este
conjunto que eacute preciso desmontar (desinstitucionalizar) para retomar o
contato com aquela existecircncia dos pacientes enquanto ldquoexistecircnciardquo
doente (ROTELLI LEONARDIS MAURI 2001 p29-30)
O modelo de cuidados proposto para atenccedilatildeo em Sauacutede Mental baseia-se nos
princiacutepios da Atenccedilatildeo Psicossocial Esse modelo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua
58
ldquoexistecircncia-sofrimentordquo Costa-Rosa (2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia
subjetiva colocando em questatildeo a ideacuteia de ldquodoenccedila mentalrdquo ldquotranstorno mentalrdquo do modelo
biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais
[] colocar um lsquofenocircmenorsquo entre parecircnteses representa uma
importante demarcaccedilatildeo epistemoloacutegica no acircmbito da tradiccedilatildeo do
pensamento filosoacutefico existencial consiste na ideacuteia de que o
lsquofenocircmenorsquo natildeo existe em si mas eacute construiacutedo pelo observador
o sujeito do conhecimento constroacutei o lsquofenocircmenorsquo este eacute parte
do primeiro eacute parte de sua cultura e de sua subjetividade
(AMARANTE 1999 p49)
Para melhor compreender o alcance das propostas da Atenccedilatildeo Psicossocial haacute de se
contextualizar as mudanccedilas de paradigmas no interior dos quais ela se define e as questotildees
importantes que atualmente atravessam o contexto da Sauacutede Mental Coletiva
A Atenccedilatildeo Psicossocial inserida no campo da Reforma Psiquiaacutetrica ldquotem sustentado
um conjunto de accedilotildees teoacuterico-praacuteticas poliacutetico-ideoloacutegica e eacuteticas norteadas pela aspiraccedilatildeo de
substituiacuterem o Modo Asilar e algumas vezes o proacuteprio paradigma da Psiquiatriardquo (COSTA-
ROSA LUZIO YASUI 2003 p 28)
De acordo com esses autores sua origem remonta a uma serie de diferentes
experiecircncias histoacutericas que incluem principalmente a Psiquiatria de Setor e Comunitaacuteria a
Antipsiquiatria a Psicoterapia Institucional e a Psiquiatria Democraacutetica Italiana aleacutem da
contribuiccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas e das experiecircncias locais brasileiras dos Centros de
Atenccedilatildeo Psicossocial (CAPS) e dos Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial (NAPS) Esses mesmos
autores afirmam que de um modo geral os elementos teoacutericos impliacutecitos a essas experiecircncias
transitam especialmente pelas ideacuteias socioloacutegicas e psicoloacutegicas pelo Materialismo Histoacuterico
pela Psicanaacutelise e pela Filosofia da Diferenccedila
Para Amarante (1999 p47-52) as transformaccedilotildees na Sauacutede mental podem ser
especificadas em quatro campos teoacuterico conceitual teacutecnico-assistencial juriacutedico-poliacutetico e
sociocultural Vou tentar sintetizar as transformaccedilotildees em cada um desses campos como
estrateacutegia de visualizar a praacutexis da Atenccedilatildeo Psicossocial conforme abordado por Costa-Rosa
Luzio e Yasui (2003 p 32-33)
No campo teoacuterico-assistencial tem-se trabalhado na desconstruccedilatildeo de conceitos e
praacuteticas sustentadas pela psiquiatria e pela psicologia nas suas visotildees sobre a doenccedila mental
59
Por outro lado tem-se construiacutedo noccedilotildees e conceitos como ldquoexistecircncia-sofrimentordquo do sujeito
com o corpo social paradigma esteacutetico acolhimento cuidado emancipaccedilatildeo e contratualidade
social O conceito de existecircncia-sofrimento por oposiccedilatildeo ao paradigma doenccedila-cura explicita
a exigecircncia de dar ao sujeito a cena simultaneamente impulsiona a Reforma Psiquiaacutetrica na
direccedilatildeo de uma revoluccedilatildeo paradigmaacutetica uma vez que coloca em questatildeo a tatildeo cara relaccedilatildeo
sujeito-objeto e o proacuteprio paradigma doenccedila-cura Aqui a dimensatildeo esteacutetica ganha uma
relevacircncia particular que eacute essa especificidade do sujeito de estar por si no centro da cena
inclusive das terapecircuticas
No campo teacutecnico-assistencial tem-se construiacutedo uma rede de novos serviccedilos espaccedilo
de sociabilidade de trocas em que se enfatiza a produccedilatildeo de subjetividades O que tem
significado colocar a doenccedila entre parecircnteses e oportunizar contato com o sujeito rompendo
com as praacuteticas disciplinares ampliando a possibilidade de recuperaccedilatildeo do seu estatuto de
sujeito de direitos Transformaccedilotildees tanto na concepccedilatildeo dos novos equipamentos (Centros e
Nuacutecleos de Atenccedilatildeo Psicossocial Oficinas Terapecircuticas e de Reintegraccedilatildeo Social e
Cooperativas de Trabalho) quanto na sua forma de organizaccedilatildeo e gestatildeo (Instituiccedilotildees abertas
com participaccedilatildeo e co-gestatildeo com os usuaacuterios e a populaccedilatildeo tecircm sido realizadas Tambeacutem se
colocam em praacutetica experiecircncias com a aacuterea de abrangecircncia da instituiccedilatildeo considerada sob o
conceito de territoacuterio Enfim eacute nesse campo que a Reforma Psiquiaacutetrica tem deixado mais
visiacuteveis suas inovaccedilotildees paralelo agrave reconstruccedilatildeo de conceitos
No campo juriacutedico-poliacutetico satildeo realccediladas algumas aquisiccedilotildees aleacutem das transformaccedilotildees
advindas da Reforma Sanitaacuteria luta-se pela extinccedilatildeo dos manicocircmios e sua substituiccedilatildeo por
instituiccedilotildees abertas pela revisatildeo das legislaccedilotildees sanitaacuterias civil e penal referentes a doenccedila
mental para viabilizar o exerciacutecio do direito agrave cidadania ao trabalho e agrave inclusatildeo social
Vaacuterias portarias ministeriais tem sido publicadas agrave partir da Lei 102162001 oficializando os
vaacuterios dispositivos substitutivos ao modelo manicomial para efeito de financiamento de suas
accedilotildees no SUS Mais recentemente tivemos a publicaccedilatildeo da Portaria GM 30882011 que
institui a Rede de Atenccedilatildeo Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento mental e com
necessidades decorrentes do uso de crack aacutelcool e outras drogas na busca pela consolidaccedilatildeo
de um modelo de sauacutede mental em rede e de base comunitaacuteria
No campo sociocultural uma seacuterie de praacuteticas sociais tem sido construiacutedas com vistas
a transformar o imaginaacuterio social relacionado com a loucura a doenccedila mental e a
anormalidade passando pelas distinccedilotildees de doenccedila mental loucura desrazatildeo ateacute chegar ao
conceito de existecircncia-sofrimento A imagem da loucura e do louco a imagem da instituiccedilatildeo e
a da relaccedilatildeo dos usuaacuterios e a populaccedilatildeo com ela (desinstitucionalizaccedilatildeo) estatildeo ainda em
60
processo de transformaccedilotildees Merecendo destaque para a imagem da instituiccedilatildeo que se formula
como espaccedilo de circulaccedilatildeo (natildeo mais espaccedilo depositaacuterio) e poacutelo de exerciacutecio esteacutetico e a
imagem do louco como cidadatildeo que deve almejar poder de contratualidade social
Faz se necessaacuterio aqui destacar que Lobosque (1997) e Amarante (1996) buscam
mostrar que eacute na dimensatildeo poliacutetica da Reforma Psiquiaacutetrica que se encontra a verdadeira
cliacutenica da Reforma pautada sobretudo pela possibilidade de criaccedilatildeo e invenccedilatildeo cotidiana
Haacute que se observar ainda que
O lugar da Sauacutede Mental eacute um lugar de conflito confronto e
contradiccedilatildeo Talvez esteja aiacute uma certa caracteriacutestica ontoloacutegico-
social pois isso eacute expressatildeo e resultante de relaccedilotildees e situaccedilotildees
concretas Por qualquer perspectiva que se olhe tratar-se-aacute sempre de
um processo de um eterno confronto pulsaccedilotildees de vidapulsaccedilotildees
mortiacuteferas inclusatildeoexclusatildeo toleracircnciaintoleracircncia (COSTA-
ROSA LUZIO YASUI 2003 p 29)
47 MEDICALIZACcedilAtildeO DO SOCIAL
De acordo com Rosen (1994 p1) ldquoa histoacuteria da medicina social eacute em grande parte a
histoacuteria da poliacutetica e da accedilatildeo social em relaccedilatildeo aos problemas da sauacutederdquo Nota-se nesse autor
a preocupaccedilatildeo com uma abordagem histoacuterica para se estudar agraves novas relaccedilotildees instauradas
com a medicina social ldquoO cuidado com a sauacutede sempre esteve relacionado agraves condiccedilotildees
poliacuteticas econocircmicas e sociais de grupos especiacuteficos mas em eacutepocas passadas estas relaccedilotildees
natildeo eram objeto de investigaccedilatildeo sistemaacuteticardquo (ROSEN 1994 p2)
O foco do trabalho de George Rosen assim como de Michel Foucault estaacute centrado
no apogeu da institucionalizaccedilatildeo da medicina no seacuteculo XIX Uma triacuteade relacional entre
ldquoMedicina- Estado- Sociedaderdquo Para entender a ligaccedilatildeo entre a doenccedila e a sauacutede Rosen
argumenta que a articulaccedilatildeo dessas duas premissas se dava por meio de dois ambientes social
e cultural pois para ele
A doenccedila e a sauacutede satildeo aspectos desta instabilidade onipresente satildeo
expressotildees das relaccedilotildees mutaacuteveis entre os vaacuterios componentes do
corpo entre o corpo e o ambiente externo no qual ele existe Como
fenocircmeno bioloacutegico as causas da doenccedila satildeo procuradas no reino da
natureza mas no homem a doenccedila possui ainda uma outra dimensatildeo
nele a doenccedila natildeo existe como ldquonatureza purardquo sendo mediada e
61
modificada pela atividade social e pelo ambiente cultural que tal
atividade criardquo (ROSEN 1994 p77)
Assim a mudanccedila na aacuterea da medicina inicia-se a partir do momento em que a doenccedila
assume um valor social Eacute dessa forma que Rosen busca identificar a relaccedilatildeo que os
diferentes Estados europeus operacionalizam a adoccedilatildeo de poliacuteticas higiecircnicas A preocupaccedilatildeo
da medicina em marcar seu espaccedilo no cerne do Estado vincula-se a diferentes projetos e uso
das praacuteticas meacutedicas
Para Rosen a industrializaccedilatildeo e os consequentes problemas sociais levaram vaacuterios
investigadores a estudar a influecircncia de fatores como pobreza e profissionalizaccedilatildeo da
medicina no estado de sauacutede E como pode-se observar na colocaccedilatildeo de Rosen a questatildeo
urbana eacute primordial para as particularidades na concepccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede puacuteblica
Chega-se entatildeo agrave afirmaccedilatildeo de que a medicina tambeacutem assume um valor pedagoacutegico pois
para ele
Mas sendo a sauacutede e a educaccedilatildeo condiccedilotildees de bem-estar eacute tarefa do
Estado providenciar para que o maior nuacutemero de pessoas tenha
acesso atraveacutes da accedilatildeo puacuteblica aos meios de manutenccedilatildeo e promoccedilatildeo
tanto da sauacutede quando da educaccedilatildeo Assim natildeo eacute suficiente que o
Estado garanta a cada cidadatildeo o necessaacuterio a sua existecircncia e decirc
assistecircncia a todo aquele cujo trabalho natildeo eacute suficiente para a
obtenccedilatildeo do necessaacuterio O Estado deve fazer mais deve assistir todos
para que tenham as condiccedilotildees necessaacuterias para gozar uma existecircncia
saudaacutevel (ROSEN 1994 p82)
Ao estudar a acessibilidade dos cidadatildeos ao serviccedilo baacutesico de sauacutede aproxima-se da
definiccedilatildeo conceitual que Virchow meacutedico estudado por Rosen busca empreender sobre a
Sauacutede Puacuteblica em seu processo de legitimaccedilatildeo Para Virchow a Sauacutede Puacuteblica tinha como
carro chefe o estudo das vaacuterias condiccedilotildees de vida nos diferentes grupos sociais Sendo assim
Rosen sintetiza que o alcance da medicina social pode ser delimitado atraveacutes de trecircs aspectos
socioloacutegicos a saber ldquosauacutede em relaccedilatildeo agrave comunidade sauacutede como valor social e a sauacutede e
poliacutetica socialrdquo (ROSEN 1994 p138)
Dessa maneira a ligaccedilatildeo poliacutetica da medicina com o Estado como propotildee Rosen faz
parte das tecnologias instaladas pelo Estado Moderno a fim de melhorar as condiccedilotildees
higiecircnicas da populaccedilatildeo europeia
62
Jaacute a tese de Michel Foucault para analisar a aproximaccedilatildeo da medicina com Estado
parte da ideacuteia da medicalizaccedilatildeo da sociedade Esse processo pode ser compreendido quando
as relaccedilotildees meacutedicas extrapolam a concepccedilatildeo individualista do corpo e do tratamento meacutedico e
passam a valorizar a aproximaccedilatildeo do meacutedico com o doente O enfermo passa ser objeto da
medicina e natildeo o contraacuterio a medicina como objeto do enfermo Pois para ele em termos de
economia o capitalismo contribuiu para a divulgaccedilatildeo das praacuteticas de uma medicina oficial
Minha hipoacutetese eacute que com o capitalismo natildeo se deu a passagem de
uma medicina coletiva para uma medicina privada mas justamente o
contraacuterio que o capitalismo desenvolvendo-se em fins do seacuteculo
XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX socializou um primeiro objeto que foi o
corpo enquanto forccedila de produccedilatildeo forccedila de trabalho O controle da
sociedade sobre os indiviacuteduos natildeo se opera simplesmente pela
consciecircncia ou pela ideologia mas comeccedila no corpo com o corpo
(FOUCAULT 2011 p80)
Segundo Illich (1975) a expansatildeo da medicina cientiacutefica ou biomedicina a outra face
da medicalizaccedilatildeo social gera o fenocircmeno da contraprodutividade um fenocircmeno moderno das
sociedades industriais em que a utilizaccedilatildeo de ferramentas sociais e tecnoloacutegicas tem como
resultado efeitos antagocircnicos ao seu objetivo No caso instituiccedilotildees de sauacutede que produzem
doenccedilas medicina que produz iatrogenias Tal fenocircmeno pode se dar por monopoacutelio das
funccedilotildees ou por excesso de uso da ferramenta ou ambos como eacute o caso da biomedicina
A medicalizaccedilatildeo social estaacute associada ao que Illich (1975) chamou de iatrogenia
cultural uma forma difusa e sub-reptiacutecia de iatrogenia da biomedicina a perda do potencial
cultural para manejo da maior parte das situaccedilotildees de dor adoecimento e sofrimento O carro-
chefe das propostas desse autor consiste em incrementar reinventar eou resgatar a autonomia
das pessoas em sauacutede-doenccedila de forma a caminhar no sentido do reequiliacutebrio entre accedilotildees
autocircnomas e heterocircnomas Isso remete ao papel que a atenccedilatildeo agrave sauacutede institucional
desempenha nesse processo
Segundo Tesser (2006) a medicalizaccedilatildeo social pode ser considerada o resultado do
sucesso da empreitada cientiacutefica na sauacutede que buscou monopolizar a legitimidade
epistemoloacutegica oficial no ocidente Usando a concepccedilatildeo epistemoloacutegica de Fleck (1986)
Tesser interpreta a medicalizaccedilatildeo social como o resultado do sucesso da socializaccedilatildeo dessa
medicina para grandes contingentes populacionais pouco modernizados o que implica um
63
epistemiciacutedio de saberes e praacuteticas natildeo-cientiacuteficos populares ou tradicionais Ateacute pouco
tempo esses saberes foram importantes fornecedores de lastro cultural e teacutecnico para accedilotildees
autocircnomas em sauacutede-doenccedila lastro este em processo de extinccedilatildeo ou intensa transformaccedilatildeo
Adotando posiccedilatildeo inspirada em Boaventura de Sousa Santos (2000 2004) o autor
propotildee que a biomedicina seja considerada indispensaacutevel e necessaacuteria e simultaneamente
inadequada e perigosa Um dos seus perigos eacute justamente sua atuaccedilatildeo no processo de
medicalizaccedilatildeo e iatrogenia cultural de que falou Illich
A formaccedilatildeo biomeacutedica e o Programa Sauacutede da Famiacutelia
Facilmente nos domiciacutelios brasileiros a ESF eacute uma ldquofaca de dois gumes uma chance
para a reconstruccedilatildeo da autonomia e ou simultaneamente uma nova e poderosa forccedila
medicalizadorardquo (TESSER 2006 p25)
Institucionalizado como ciecircncia vitorioso social e politicamente o saber meacutedico eacute
sempre um saber sobre outrem com caracteriacutesticas especiais Eacute um saber sobre as doenccedilas ou
probabilidades e riscos de doenccedilas do corpo (ou psique) E aleacutem disso ainda eacute um saber que
estaacute aleacutem do proacuteprio profissional que supostamente o domina radicando-se na instituiccedilatildeo
ldquoCiecircnciardquo Este saber concentrou de forma espetacular sua fundamentaccedilatildeo e seu poder numa
instituiccedilatildeo que eacute representada por um outro transcendente alheio agrave pessoa doente distante
dela e inacessiacutevel Tendo sido seu objeto de atenccedilatildeo reduzido de sujeito doente a corpo (ou
psique) doente corpo portador de doenccedila e por fim doenccedilas e seus riscos o saber cliacutenico-
epidemioloacutegico desconhece a sauacutede e a vida dos sujeitos as quais vatildeo se transformando em
medidas que instrumentos quantificadores e padrotildees de imagens registram em termos de
constantes e variantes fisioloacutegicas dinacircmicas funcionais e fatores de risco estabelecidos por
padrotildees estatiacutesticos (TESSER 2006)
O precedente eacute dito no sentido de contextualizar teoricamente uma constataccedilatildeo sobre
os saberes profilaacuteticos da biomedicina esta criou um fosso quase intransponiacutevel entre o
sujeito e os conhecimentos sobre sua proacutepria sauacutede-doenccedila entre o saber meacutedico e o saber
individual que na praacutetica orienta as pessoas e ganha significado e valor diferenciado para
cada sujeito conforme as suas caracteriacutesticas pessoais sociais culturais e econocircmicas A
ldquosegunda ruptura epistemoloacutegicardquo proposta por Boaventura de Sousa Santos (1982) como
necessaacuteria parece dificiacutelima na sauacutede e mesmo quando buscada parece que nunca chega
satisfatoriamente ndash senatildeo sob a forma de medicalizaccedilatildeo e sua dependecircncia generalizada
Com isso o saber biomeacutedico profilaacutetico desligou-se da perspectiva existencial do
sujeito doente pouco dizendo que lhe faccedila significado vital e lhe remeta ao processo de
64
revisatildeo valorativa no sentido de abrir possibilidades de crescimento accedilatildeo e responsabilizaccedilatildeo
em relaccedilatildeo a si mesmo seus proacuteximos e seus problemas de sauacutede Como consequecircncia
muitos saberes preventivos estabelecidos por essa medicina ganham caraacuteter de prescriccedilotildees
que natildeo se integram ao universo vivenciado pelo sujeito Revestem-se de um tom monaacutestico
asseacuteptico pouco convincente e operacionalizaacutevel por seu caraacuteter riacutegido e restritivo natildeo beba
natildeo fume natildeo use drogas durma bem alimente se moderadamente sem excessos coma mais
vegetais restrinja o accediluacutecar o sal a gordura faccedila exerciacutecios regularmente natildeo se estresse etc
Aleacutem disso a situaccedilatildeo da profilaxia se agrava pelo imbroacuteglio valorativo e filosoacutefico no
qual esse saber se encontra destituiacutedo de espaccedilo filosoacutefico proacuteprio (como de resto a
biomedicina como um todo devido a sua adesatildeo ao modelo cientiacutefico positivista que
transformou esse espaccedilo em debate metodoloacutegico eacute difiacutecil amalgamar uma proposta de
revalorizaccedilatildeo da questatildeo sauacutede (vida) que possa articular o saber profilaacutetico acumulado pela
biomedicina com o universo simboacutelico e cultural dos doentes (TESSER 2006)
Esse eacute um dos principais desafios na ESF Com a expansatildeo das capilaridades das
accedilotildees de sauacutede nos diversos territoacuterios desse Brasil tatildeo desigual A atenccedilatildeo agrave sauacutede fora do
setting hospitalar necessita tambeacutem considerar a abordagem cultural procurando se aproximar
o maacuteximo possiacutevel de onde as pessoas vivem e andam a vida para de fato produzir sauacutede e
natildeo cuidar soacute da doenccedila
Uma ldquodoenccedilardquo entidade de existecircncia supostamente autocircnoma distinta do paciente e
no seu corpo instalada a ser explicada (em geral apenas nomeada) ao doente e eleita como
alvo e objeto das suas atenccedilotildees como inimigo a ser combatido e vencido Vale ressaltar a
respeito da ldquoteoria das doenccedilasrdquo dessa medicina e do imaginaacuterio reinante no mundo
medicalizado que as doenccedilas satildeo vistas como ldquocoisasrdquo relacionadas a lesotildees a serem
investigadas no interior do corpo fiacutesico e corrigidas com alguma intervenccedilatildeo concreta Eacute
desnecessaacuterio comentar que mesmo em ambientes especializados o caraacuteter convencional e
construtivo das doenccedilas eacute extremamente difiacutecil de ser percebido dado que um dos efeitos da
construccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos eacute o apagamento dos vestiacutegios de sua construccedilatildeo dando-lhes a
aparecircncia de pura objetividade (LATOUR 2000a b LATOUR WOOLGAR 1997)
Operou-se pela via do saber da interpretaccedilatildeo um movimento de focalizaccedilatildeo da
atenccedilatildeo na doenccedila como entidade distinta e alheia ao sujeito Operou-se um desvio especiacutefico
do olhar que deixou de lado a vida do sujeito e seu adoecimento nas suas condiccedilotildees de
existecircncia (sociais econocircmicas emocionais ambientais espirituais) e apresentou as
65
categorias fisiopatoloacutegicas fatores etioloacutegicos e de risco com que trabalha a biomedicina
(TESSER 2004)
Feito o diagnoacutestico o doente eacute ldquoconvidadordquo a aceitar a interpretaccedilatildeo teacutecnica do
profissional Mesmo que haja relevantes diferenccedilas culturais como ocorre na maioria das
vezes no Brasil haacute um certo grau de sucesso na apropriaccedilatildeo pelo doente da interpretaccedilatildeo
biomeacutedica Ainda que o saber meacutedico aponte causas enraizadas na vida do doente como
comumente ocorre nas doenccedilas crocircnicas este enquanto sujeito praticamente natildeo aparece eacute
portador de fatores de risco geneacuteticos comportamentos de risco etc todas coisas que satildeo do
acircmbito de sua vida vivida mas que lhe ficam estranhas no isolamento e na objetivaccedilatildeo
biomeacutedica por mais seus que possam ser Aleacutem disso ainda que os diagnoacutesticos sejam
sindrocircmicos ou apenas descritivos operam uma objetivaccedilatildeo dos sintomas Estes receberatildeo
intervenccedilatildeo supostamente local (especificamente dirigida) a qual tenderaacute a desviar a atenccedilatildeo
dos sujeitos no sentido jaacute apontado (TESSER 2006)
A vinculaccedilatildeo do combate aos sintomas com o saber meacutedico eacute ambiacutegua Ela se daacute pelo
dever eacutetico de sedar a dor e aliviar o sofrimento como regra geral e arremedo de doutrina
meacutedica No entanto isso se confunde com o comodismo profissional e com a impotecircncia do
saber biomeacutedico ao se defrontar com queixas e sofrimentos natildeo-enquadraacuteveis na grade
nosoloacutegica como acontece diariamente na ESF Natildeo podendo dar sentido ou interpretaccedilatildeo
satisfatoacuteria aos adoecimentos e queixas ficando com diagnoacutesticos descritivos o meacutedico tem
de recorrer a noccedilotildees vagas de somatizaccedilotildees distuacuterbios funcionais eou psicoloacutegicos com os
quais a proximidade do saber da biomedicina eacute pequena Tais sintomas satildeo provavelmente a
maioria do que eacute relatado pelos pacientes Daiacute a vaacutelvula de escape da inibiccedilatildeo de sintomas
altamente medicalizante e de apelo quase irresistiacutevel Doutra parte mesmo quando se
conseguem definir diagnoacutesticos muitas vezes a terapecircutica restringe-se ao combate aos
sintomas (TESSER 2006)
Ainda para esse autor os dilemas da medicalizaccedilatildeo devem ser abordados nas seguintes
accedilotildees aleacutem-consulta meacutedica intersetoriais grupais educativas poliacuteticas sanitaacuterias em
parceria com instituiccedilotildees culturais poliacuteticas educativas etc Essas accedilotildees que devem ser
desenvolvidas pela equipe do SF satildeo essenciais para evitar a medicalizaccedilatildeo desenfreada que a
pura oferta de consultas meacutedicas comumente gera (TESSER 2006)
Eacute primordial ter em mente que os diagnoacutesticos satildeo uma fotografia estaacutetica a vida estaacute
em movimento complexo e infindaacutevel Mas que eacute preciso cuidar de natildeo privar o doente dos
conhecimentos e saberes meacutedicos sobre sua situaccedilatildeo usando uma linguagem que seja
inteligiacutevel ao seu conhecimento social e cultural (TESSER 2006)
66
De acordo com esse autor faz-se urgente sucumbir agrave tendecircncia de construccedilatildeo e fixaccedilatildeo
do mito da entidade doenccedila que o doente carrega tanto para o paciente quanto para o
profissional Ou seja tentar desontologizar a doenccedila e o sofrimento devolvendo-os ao doente
partilhando sua anguacutestia e buscando terapecircuticas com ele para a situaccedilatildeo Isso demanda uma
profunda mudanccedila cultural no imaginaacuterio meacutedico trabalho que praticamente natildeo se iniciou e
natildeo teraacute fim Esta mudanccedila eacute necessaacuteria e viaacutevel se for resgatado ldquoo personagem que natildeo tem
lugar na teoria das doenccedilas o sujeito doenterdquo (TESSER 2006 p352)
Na biomedicina os doentes e suas vidas orbitam ao redor das doenccedilas A revoluccedilatildeo
copernicana necessaacuteria nessa medicina implica fazer as doenccedilas orbitarem ao redor dos
doentes e suas vidas Isso no ambiente especializado da construccedilatildeo do saber cientiacutefico natildeo
estaacute nem ao menos concebido Mas na praacutetica cliacutenica fica facilitado e pode acontecer com
uma simples mas profunda mudanccedila de enfoque que aos poucos altera todo o processo
cognitivo do raciociacutenio cliacutenico (TESSER 2004)
Para finalizar vale ressaltar que a construccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de praacutetica cliacutenica menos
medicalizante na rede de atenccedilatildeo primaacuteria e no PSF eacute uma tarefa urgente tanto para a
formaccedilatildeo meacutedica como para a educaccedilatildeo permanente dos demais profissionais da equipe Isto
significa concretamente o perigo de uma aceleraccedilatildeo na medicalizaccedilatildeo social caso a ESF
cresccedila sem inovar na cliacutenica que oferece a seus usuaacuterios
48 MEacuteTODO CLINICO CENTRADO NA PESSOA
Epistemologia
O relacionamento entre a pessoa que busca atendimento e o meacutedico comeccedilou a ser
trabalhado pelo Departamento de Medicina de Famiacutelia da Universidade de Western Ontaacuterio
desde a sua fundaccedilatildeo em 1968 com a chegada do primeiro chefe de departamento o Dr Ian
McWhinney Moira Stwart et al (2010) Em seu trabalho para elucidar a ldquoreal razatildeordquo pela
qual uma pessoa procura o meacutedico McWhinney (1972) abriu caminho para as investigaccedilotildees
sobre a amplitude de todos os problemas da pessoa fiacutesicos sociais ou psicoloacutegicos e da
profundidade do sentido e da forma como ela se apresenta
Moira Stewart sua aluna de doutorado desenvolveu uma pesquisa guiada por esses
interesses e deu iniacutecio ao foco no relacionamento entre a pessoa atendida e o meacutedico Moira
Stewart Mawhinney e Buck (1975 1979) Moira Stewart e Buck (1977) O Dr Joseph
Levenstein da Aacutefrica do Sul como professor visitante em 1982 compartilhou suas tentativas
de desenvolver um modelo de praacutetica cliacutenica com o departamento Logo depois o meacutetodo
67
clinico centrado na pessoa seguiu sua evoluccedilatildeo no trabalho do Grupo de Comunicaccedilatildeo entre
Pessoa e Meacutedico da Universidade de Western Ontaacuterio (MOIRA STWART et al 2010)
O termo usado para designaacute-lo inicialmente foi o de Medicina Centrada na Pessoa
mas atualmente se reconhece que o meacutetodo tem amplo potencial de aplicaccedilatildeo pelos
profissionais de sauacutede em geral independente de sua formaccedilatildeo De forma crescente a
abordagem centrada na pessoa estaacute sendo reconhecida como um paracircmetro importante na
qualidade assistencial Uma vez que essa proposta de atendimento pressupotildee vaacuterias mudanccedilas
na mentalidade do meacutedico e dos demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo
hieraacuterquica de que o profissional estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta
nessa abordagem Para ser centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a
ela compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que
tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Para Moira Stewart et al (2010) esse eacute o
imperativo moral do meacutetodo centrado na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o
profissional experimentaraacute os novos direcionamentos que o relacionamento pode assumir
quando o poder eacute compartilhado
Em segundo lugar de acordo com Moira Stewart et al (2010) manter uma posiccedilatildeo
sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento humano que
eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o objetivo em
um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)
Quando comparada a modelos tradicionais como apontam esses autores a abordagem
centrada na pessoa apresenta mais resultados positivos tais como
- maior satisfaccedilatildeo das pessoas e meacutedicos
- melhora na aderecircncia aos tratamentos
- reduccedilatildeo de preocupaccedilotildees e ansiedades
- reduccedilatildeo de sintomas
- diminuiccedilatildeo na utilizaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede
- diminuiccedilatildeo das queixas por maacute-praacutetica
- melhora na sauacutede mental
- melhora na situaccedilatildeo fisioloacutegica e na recuperaccedilatildeo de problemas recorrentes
Faz-se importante aqui ressaltar que o modelo tradicional e dominante na praacutetica
meacutedica eacute denominado de ldquomodelo meacutedico convencionalrdquo Moira Stewart et al (2010 p26) A
ampla influencia desse meacutetodo natildeo eacute refutada por ningueacutem mas ele tem sido frequentemente
questionado por simplificar em excesso os problemas da condiccedilatildeo de estar doente Odegard
(1986) e White (1988)
68
Os problemas do modelo meacutedico convencional foram descritos por Engel (1977
p130)
Esse meacutetodo toma por princiacutepio que a doenccedila eacute totalmente explicada
por desvios da norma de variaacuteveis bioloacutegicas (somaacuteticas) que podem
ser medidas Natildeo deixa espaccedilo dentro de sua estrutura para as
dimensotildees sociais psicoloacutegicas e comportamentais da doenccedila O
modelo biomeacutedico natildeo soacute exige que a doenccedila seja tratada apenas
como uma entidade independente do comportamento social mas
tambeacutem que as aberraccedilotildees comportamentais sejam explicadas com
base em processos somaacuteticos (bioquiacutemicos ou neurofisioloacutegicos)
Em 1970 Balint e colaboradores introduziram o termo ldquomedicina centrada no
pacienterdquo que o definiram em oposiccedilatildeo ao termo ldquomedicina centrada na doenccedilardquo
Denominava-se ldquodiagnoacutestico abrangenterdquo ndash o entendimento das queixas com base nas
opiniotildees da proacutepria pessoa e ldquodiagnoacutestico convencionalrdquo - o entendimento baseado na
avaliaccedilatildeo centrada na doenccedila (BROWN WAYNE WESTON MOIRA STEWART p55
2010)
Jaacute o meacutetodo para classificar uma consulta centrada no meacutedico ou na pessoa foi
desenvolvido por Byrne e Long (1984) Para esses autores o conceito de consulta centrada no
meacutedico se aproximava do que outros autores chamam de meacutetodos centrados na ldquodoenccedilardquo
(disease) ou na ldquoexperiecircncia da doenccedilardquo (illness) Uma abordagem de assistecircncia centrada no
meacutedico e outra centrada na pessoa tambeacutem foi descrita por Wright e MacAdam (1979)
O meacutetodo cliacutenico centrado na pessoa descrito de forma resumida nesse capitulo se une
aos trabalhos de Rogers (1961) sobre o aconselhamento centrado no cliente de Balint (1957)
sobre medicina centrada no paciente de Newman e Young (1972) sobre uma abordagem da
pessoa como um todo ao lidar com problemas de enfermagem e da ldquoPraacutetica de Dois Corposrdquo
da Terapia Ocupacional (MOIRA STEWART et al 2010)
Os seis componentes interativos
O meacutetodo propotildee em seus seis componentes interativos um conjunto claro de
orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem mais centrada na pessoa
Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo entre a pessoa e o
profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no contexto dentro do
69
qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem Para Moira Stewart et al
(2010) apesar de os componentes serem usados para facilitar o ensino e a pesquisa a praacutetica
cliacutenica centrada na pessoa eacute um conceito holiacutestico no qual os componentes interagem e se
unem de forma uacutenica em cada encontro entre ambos
Como descreve esses autores o primeiro componente eacute utilizado para avaliaccedilatildeo de dois
conceitos de sauacutede debilitada a doenccedila e a experiecircncia da doenccedila Aleacutem de avaliar o processo
de doenccedila atraveacutes da histoacuteria cliacutenica e do exame fiacutesico o profissional de sauacutede procura
ativamente entrar no mundo da pessoa atendida para entender sua experiecircncia uacutenica de estar
doente O profissional avalia especificamente os sentimentos da pessoa a respeito de sua
experiecircncia suas ideacuteias sobre a doenccedila como a doenccedila afeta seu funcionamento e por uacuteltimo
o que ela espera do meacutedico
O segundo componente eacute a integraccedilatildeo dos conceitos de doenccedila e experiecircncia da
doenccedila com o entendimento da pessoa como um todo O que inclui uma consciecircncia dos
muacuteltiplos aspectos da vida da pessoa atendida personalidade histoacuteria de seu
desenvolvimento questotildees do seu ciclo de vida e os muacuteltiplos contextos em que vive
inclusive o ecossistema
Jaacute o terceiro componente eacute a tarefa muacutetua de elaborar um plano conjunto de manejo
dos problemas entre a pessoa atendida e o profissional e tem por foco trecircs aacutereas-chave a
definiccedilatildeo do problema o estabelecimento de metas de tratamento eou manejo da doenccedila e a
identificaccedilatildeo dos papeacuteis a serem assumidos por ambos
Enquanto o quarto componente salienta a importacircncia de se usar cada encontro como
uma oportunidade de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede o quinto componente enfatiza que cada
encontro com a pessoa deve ser usado para desenvolver o relacionamento desta com o
profissional Por meio da compaixatildeo da confianccedila do compartilhamento de poder e da cura
Sendo que para colocar essas habilidades em praacutetica eacute preciso consciecircncia de si mesmo e um
entendimento dos aspectos inconscientes do relacionamento como transferecircncia e
contratransferecircncia
E para finalizar o sexto componente exige que durante todo o processo o profissional
seja realista com o tempo disponiacutevel participe no desenvolvimento da equipe e do trabalho
em equipe e reconheccedila a importacircncia de uma administraccedilatildeo sensata do acesso aos recursos de
sauacutede
Os componentes interativos descritos item por item satildeo assim apresentados por Moira
Stewart et al (2010)
70
1 Explorando a doenccedila e a experiecircncia da pessoa com a doenccedila
- Avaliando a histoacuteria exame fiacutesico exames complementares
- Avaliando a dimensatildeo da doenccedila sentimentos ideacuteias efeitos sobre a funcionalidade e
expectativas da pessoa
2 Entendendo a pessoa como um todo inteira
- A pessoa Sua histoacuteria de vida aspectos pessoais e de desenvolvimento
- Contexto proacuteximo Sua famiacutelia comunidade emprego suporte social
- Contexto distante Sua comunidade cultura ecossistema
3 Elaborando um projeto comum de manejo
- Avaliando quais os problemas e prioridades
- Estabelecendo os objetivos do tratamento e do manejo
- Avaliando e estabelecendo os papeacuteis da pessoa e do profissional de sauacutede
4 Incorporando a prevenccedilatildeo e a promoccedilatildeo de sauacutede
- Melhorias de sauacutede
- Evitando ou reduzindo riscos
- Identificando precocemente os riscos ou doenccedilas
- Reduzindo complicaccedilotildees
5 Fortalecendo a relaccedilatildeo meacutedico-pessoa
- Exercendo a compaixatildeo
- A relaccedilatildeo de poder
- A cura (efeito terapecircutico da relaccedilatildeo)
- O auto-conhecimento
- A transferecircncia e a contratransferecircncia
6 Sendo realista
- Tempo e timing
- Construindo e trabalhando em equipe
- Usando adequadamente os recursos disponiacuteveis
71
5 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS
51 Etapas do Estudo
Para subsidiar este estudo na primeira etapa da pesquisa realizei uma revisatildeo de
literatura com pesquisa de publicaccedilotildees no site da Bireme (wwwbiremebr) do periacuteodo de
2004 a 2014 abrangendo as bases de dado SciELO Lilacs IBECS Medline e Biblioteca
Cochrane Como descritores usei os termos ldquoAtenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutederdquo AND ldquoEstrateacutegia
Sauacutede da Famiacuteliardquo AND ldquoSauacutede Mentalrdquo e como filtro as publicaccedilotildees do tipo artigo cujo
assunto principal era ldquoSauacutede Mentalrdquo
Foram encontrados 224 artigos Destes 63 estudos natildeo possuiacuteam o texto completo na
plataforma de busca e por isso foram excluiacutedos Estavam repetidos na listagem gerada pelo
site 46 artigos que foram removidos para evitar duplicidade na consolidaccedilatildeo dos dados Dos
115 artigos restantes 58 foram excluiacutedos por se tratar de artigos natildeo originais experiecircncias
estrangeiras e com abordagem natildeo centrada nos profissionais da ESF nas accedilotildees de sauacutede
mental na APS Dessa forma foram incluiacutedos nesta revisatildeo os estudos que tiveram unidades
de sauacutede baacutesica profissionais da ESF associados ao contexto da Sauacutede Mental bem como os
estudos de revisatildeo de literatura totalizando assim 115 artigos
A revisatildeo revelou que as accedilotildees de sauacutede mental desenvolvidas na atenccedilatildeo primaacuteria natildeo
apresentam uniformidade em sua execuccedilatildeo Coexistindo accedilotildees centradas na terapecircutica
medicamentosa na loacutegica do encaminhamento especializado retratando uma fragmentaccedilatildeo da
atenccedilatildeo e das praacuteticas de promoccedilatildeo da sauacutede ainda muito focalizadas com accedilotildees que apontam
para uma lenta mudanccedila em relaccedilatildeo ao modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede demostrado na perspectiva
da praacutetica interdisciplinar do acolhimento da escuta e do viacutenculo (BEZERRA et al 2014
TEIXEIRA et al 2014 WETZELA et al 2014 ANDRADE et al 2013 MINOZZO et al
2012 CORREIA BARROS COLVERO 2011 NEVES LUCCHESE MUNARI 2010
BUCHELE et al 2006)
Nesse momento de reorientaccedilatildeo do modelo de atenccedilatildeo em sauacutede com importantes
conquistas legais e com a ampliaccedilatildeo crescente que cerca a sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria
estimulada sobretudo pela descentralizaccedilatildeo municipalizaccedilatildeo e territorializaccedilatildeo do seu
cuidado por meio da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) essa revisatildeo tambeacutem revelou a
necessidade de qualificaccedilatildeo dos profissionais que atuam na ESF para realizaccedilatildeo de accedilotildees de
sauacutede mental no territoacuterio integrando os princiacutepios da Reforma Psiquiaacutetrica com o SUS Pois
os trabalhadores da APS natildeo se sentem instrumentalizados para intervir nos casos de sauacutede
mental (QUINDEREacute et al 2013 CORREIA BARROS COLVERO 2011 SOUZA et al
72
2013 VANNUCHI CARNEIRO JUNIOR 2012 RIBEIRO et al 2010 JUCA NUNES
BARRETO 2009)
A segunda etapa do estudo foi realizada com imersatildeo no campo e realizaccedilatildeo de
entrevistas com os profissionais da ESF como descrito a seguir nesse capiacutetulo
52 Tipo de estudo
Estudo de natureza qualitativa pois atraveacutes da compreensatildeo do discurso dos sujeitos
entrevistados foi possiacutevel chegar aos objetivos que me propus a alcanccedilar e tambeacutem porque a
abordagem qualitativa preocupa-se em abranger e aprofundar ao maacuteximo da realidade e do
universo de significados aspiraccedilotildees crenccedilas valores e atitudes que faz correspondecircncia a um
espaccedilo mais iacutentimo (profundo) das relaccedilotildees dos processos e fenocircmenos humanos (MINAYO
2010)
Trata-se ainda de um estudo do tipo estudo de caso descritivo analiacutetico onde o
pesquisador vai aleacutem da descriccedilatildeo das caracteriacutesticas analisando e explicando o
acontecimento dos fenocircmenos estudados O que ajuda a entender o fenocircmeno descobrindo e
mensurando relaccedilotildees causais entre ele A sua valorizaccedilatildeo estaacute baseada na premissa que os
problemas podem ser resolvidos e as praacuteticas podem ser melhoradas atraveacutes da descriccedilatildeo e
anaacutelise de observaccedilotildees objetivas diretas e das opiniotildees As teacutecnicas utilizadas para a obtenccedilatildeo
de informaccedilotildees satildeo bastante diversas destacando-se os questionaacuterios as entrevistas e as
observaccedilotildees (RICHARDSON 1989)
53 Campo do Estudo
Como jaacute citado anteriormente a cidade do Rio de Janeiro estaacute dividida em 10 (dez)
distritos sanitaacuterios denominados Aacutereas Programaacuteticas (10 21 22 31 32 33 40 51 52
e 53) Por jaacute trabalhar na AP 21 Zona Sul da cidade e participar dos Foacuteruns de Sauacutede Mental
e do Conselho Distrital de Sauacutede que acontecem mensalmente na aacuterea a pesquisadora jaacute tinha
uma aproximaccedilatildeo maior com os vaacuterios atores e dispositivos de sauacutede portanto essa foi a AP
escolhida para realizaccedilatildeo do estudo
Na cidade Rio de Janeiro as unidades de sauacutede da famiacutelia satildeo denominadas lsquocliacutenicas
da famiacuteliarsquo e identificadas como inovadoras e estrateacutegicas para o atual modelo de gestatildeo Com
a opccedilatildeo clara pela ESF como modelo organizador da atenccedilatildeo a Secretaria de Sauacutede do
municiacutepio investiu fortemente na criaccedilatildeo dessas cliacutenicas que se tornaram uma espeacutecie de
lsquocarro-chefersquo da sauacutede no Rio de Janeiro As sedes das cliacutenicas da famiacutelia estatildeo localizadas
em pontos estrateacutegicos dos territoacuterios sob sua responsabilidade (PRATA et al 2017)
73
Nos uacuteltimos cinco anos na AP 21 foram implantadas quatro (04) Cliacutenicas da Famiacutelia
(CF) nas respectivas comunidades Botafogo Copacabana Satildeo Conrado e Rocinha Sendo
que a CF da Rocinha estaacute instalada no mesmo preacutedio do Centro de Atenccedilatildeo Psicossocial
(CAPS III) esse serviccedilo muito proacuteximo poderia ser um fator facilitador para o manejo dos
ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo adulta do territoacuterio
Jaacute as outras trecircs (3) natildeo contavam com um serviccedilo comunitaacuterio de sauacutede mental tatildeo
proacuteximo os dispositivos de apoio matricial via NASF ainda estavam em construccedilatildeo portanto
um campo feacutertil para o estudo Foi realizada uma aproximaccedilatildeo preacutevia com a gerente da CF de
Botafogo onde atuavam trecircs (3) equipes da ESF o que facilitou o acesso da pesquisadora Foi
entatildeo solicitado autorizaccedilatildeo dessa responsaacutevel teacutecnica pela CF para realizaccedilatildeo do estudo
A CF estudada foi inaugurada em 03 de fevereiro de 2009 mas iniciou seu efetivo
funcionamento em 25 de maio de 2009 Situada no bairro de Botafogo Zona Sul da cidade do
Rio de Janeiro Mais precisamente no segundo andar de um preacutedio com trecircs pavimentos em
frente agrave uma praccedila na entrada do Morro Santa Marta Nesse preacutedio no primeiro pavimento
funciona o Centro de Referecircncia de Assistecircncia Social (CRAS) da aacuterea e o Centro de
Convivecircncia Padre Veloso para idosos O segundo pavimento eacute exclusivo da CF conforme
vamos detalhar mais adiante E no terceiro pavimento funciona a direccedilatildeo do CRAS e uma
unidade do SESI que oferece atividades de recreaccedilatildeo aulas de informaacutetica culinaacuteria
biblioteca
A CF estudada eacute uma Unidade BaacutesicaCentro de Sauacutede do tipo A porque todo o
territoacuterio estaacute coberto por equipes de Sauacutede da Famiacutelia Divide o territoacuterio de Botafogo com o
Centro Municipal de Sauacutede Dom Helder Cacircmara Aleacutem de cobrir tambeacutem uma parte do
Humaitaacute (asfalto) e todo o Morro Santa Marta (comunidade) como denominado pelos
profissionais entrevistados A populaccedilatildeo de sua aacuterea de abrangecircncia eacute de 29906 segundo
dados do Censo 2010 Seu horaacuterio de funcionamento eacute estendido de 08hs agraves 20hs facilitando
assim o acesso aos cuidados de sauacutede a todos que deles necessitam
De acordo o sistema de Informaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica ateacute o mecircs de Junho de 2015 o
nuacutemero total de pessoas com cadastro completo (CPF ou Declaraccedilatildeo de Nascido Vivo ndash
DNV) na unidade era de 8346 Com trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia a saber Equipe
Pioneiro Equipe Zumbi dos Palmares e Equipe Dede e duas (2) Equipes de Sauacutede Bucal O
nuacutemero de pessoas cadastradas por equipe respectivamente eacute de 3151 2763 e 2432 sendo a
Equipe Pioneiro com maior nuacutemero de cadastrado e a Equipe Dede menor As duas (2)
Equipes de Sauacutede Bucal se dividem para cobrir as trecircs (3) equipes de Sauacutede da Famiacutelia Em
marccedilo de 2015 a CF recebeu a equipe do Nuacutecleo de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia (NASF)
74
Segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sauacutede (CNES) em junho
de 2015 o nuacutemero de profissionais que atuavam na unidade era de cinquenta e dois (52) Cada
equipe de sauacutede da famiacutelia conta com dois (2) meacutedicos residentes um (1) enfermeiro um (1)
teacutecnico de enfermagem seis (6) Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACS) e um (1) Agente de
Vigilacircncia em Sauacutede (AVS) Como a unidade recebe meacutedicos residentes conta com dois (2)
meacutedicos preceptores que se dividem na supervisatildeo das trecircs (3) equipes de sauacutede da famiacutelia A
equipe de sauacutede bucal eacute composta por um (1) dentista um (1) teacutecnico de sauacutede bucal e (1)
auxiliar de sauacutede bucal A equipe do NASF eacute composta por 1 psicoacuteloga 1 meacutedico psiquiatra
1 fisioterapeuta 1 fonoaudioacuteloga e 1 educador fiacutesico que jaacute atuava na unidade
54 Participantes do Estudo
Profissionais das trecircs equipes da ESF da CF selecionada para o estudo meacutedicos
enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede Natildeo entrevistamos a
equipe de sauacutede bucal e nem os Agentes de Vigilacircncia em Sauacutede pois esses profissionais natildeo
fazem parte da equipe miacutenima embora participem das accedilotildees comunitaacuterias e educativas seu
nuacutecleo de atuaccedilatildeo eacute mais especifico natildeo envolvendo diretamente os cuidados com os ldquocasosrdquo
de sauacutede mental Assim como natildeo entrevistamos a equipe do NASF porque estes
profissionais possuem a expertise da aacuterea Sauacutede MentalAtenccedilatildeo PsicossocialPsiquiatria natildeo
preenchendo os criteacuterios de participaccedilatildeo para o estudo Portanto foram entrevistados vinte e
dois (22) profissionais nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5) meacutedicos residentes
trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos preceptores
Os criteacuterios de inclusatildeo foram 1) Querer participar do estudo2) Ser membro da equipe
miacutenima da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia selecionada para o estudo haacute no miacutenimo seis (6) meses
E os criteacuterio de exclusatildeo foram1) Estar de feacuterias ou qualquer outro tipo de afastamento
durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da coleta de dados da pesquisa 2) Natildeo se dispor a participar
do estudo 3) Ser membro da equipe da ESF da Cliacutenica da Famiacutelia eleita para o estudo haacute
menos de seis (6) meses
55 Procedimento para coleta dos dados
A coleta de dados incluiu dois instrumentos 1) observaccedilatildeo sistematizada do cotidiano
do serviccedilo cujos os dados foram registrados em um diaacuterio de campo e serviu como
complemento das entrevistas semi-estruturadas e da contextualizaccedilatildeo do campo Natildeo foi
observada nenhuma atividade que implicasse na relaccedilatildeo profissionalusuaacuterio e sim a estrutura
fiacutesica do serviccedilo ndash nuacutemero de salas para atendimento sala de espera espaccedilos de convivecircncia
75
para usuaacuterios e profissionais acessibilidade do serviccedilo e visibilidade (placas de identificaccedilatildeo)
2) entrevistas semi-estruturadas com os profissionais da ESF e desenvolvidas por meio de um
guia de questotildees norteadoras que foram gravadas em aacuteudio e transcritas com a anuecircncia de
cada entrevistado respeitando os princiacutepios eacuteticos postulados na Resoluccedilatildeo 4662012 do
Conselho Nacional de Sauacutede
O roteiro de entrevista com as questotildees norteadoras constituiu-se de duas partes uma
estruturada para caracterizaccedilatildeo dos sujeitos entrevistados (nome idade sexo estado civil
natural de onde formaccedilatildeo quanto tempo de formado quanto tempo na ESF) e outra semi-
estruturada com perguntas disparadoras visando estimular o entrevistado a falar sobre seu
trabalho na ESF e o que considera como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea
ao inveacutes de fazer perguntas diretas Tendo como ponto relevante dessas questotildees disparadoras
o tempo a escolha a forma as limitaccedilotildees do trabalho na ESF e depois o que entende como
lida e trabalha com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental
56 Forma de Anaacutelise dos dados
Foi realizada utilizando a teacutecnica de Anaacutelise do Discurso uma proposta de reflexatildeo
sobre a linguagem o sujeito a histoacuteria e a ideologia A Escola Francesa de Anaacutelise de
Discurso foi fundada na deacutecada de 1960 por Michel Pecirccheux filosofo francecircs e esta teacutecnica
de anaacutelise foi introduzida no Brasil na deacutecada de 80 e 90 por Eni P Orlandi
A Anaacutelise do Discurso como seu proacuteprio nome indica trata do sentido do discurso E
a ldquopalavra discurso etimologicamente tem em si a ideia de curso de percurso de correr por
de movimento O discurso eacute assim palavra em movimento praacutetica de linguagem com o
estudo do discurso observa-se o homem falandordquo Orlandi (2013 p20) Pois eacute a partir do
processo histoacuterico social e subjetivo de cada sujeito que os discursos satildeo construiacutedos
Reunindo estrutura e acontecimento a forma material eacute vista como o acontecimento do
significante (a liacutengua) em um sujeito afetado pela histoacuteria
A Anaacutelise do Discurso eacute entatildeo constituiacuteda por trecircs domiacutenios disciplinares a
Linguumliacutestica (natildeo transparecircncia da linguagem) o Marxismo (materialismo histoacuterico e
ideologia) e a Psicanaacutelise (desloca a noccedilatildeo de homem para sujeito e traz a noccedilatildeo do
inconsciente) O sujeito discursivo funciona entatildeo pelo inconsciente e pela ideologia Orlandi
(2000)
ldquoAs palavras simples do nosso cotidiano jaacute chegam ateacute noacutes carregadas de sentidos que
natildeo sabemos como se constituiacuteram e que no entanto significam para noacutes e em noacutesrdquo
(ORLANDI 2000 p 83)
76
Portanto o discurso produzido pela fala sempre teraacute relaccedilatildeo com o contexto soacutecio
histoacuterico ldquoTodo dizer eacute ideologicamente marcadordquo (ORLANDI 2000 p38)
A ideologia eacute entendida como o posicionamento do sujeito quando se filia a um
discurso sendo o processo de constituiccedilatildeo do imaginaacuterio que estaacute no inconsciente ou seja o
sistema de ideias que constitui a representaccedilatildeo a histoacuteria representa o contexto soacutecio histoacuterico
e a linguagem eacute a materialidade do texto gerando ldquopistasrdquo do sentido que o sujeito pretende
dar Logo na Anaacutelise do Discurso a linguagem vai aleacutem do texto trazendo sentidos preacute-
construiacutedos que satildeo ecos da memoacuteria do dizer (CAREGNATO e MUTTI 2006)
Por meio da teacutecnica de entrevista utilizei questotildees mais abertas o que tornou possiacutevel
disparar o sujeito discursivo de forma a analisar o que ele dizia Anaacutelise essa que tentei extrair
a essecircncia do discurso desse sujeito com o exerciacutecio contiacutenuo de me despir dos valores
pessoais enquanto pesquisadora E procurei imergir ao maacuteximo na fala desse sujeito o que
ela trazia de sentido para ele considerando sua subjetividade sua crenccedila seus valores e o
contexto no qual estava inserido
Sem cair na ilusatildeo de que o analista eacute consciente de tudo a contribuiccedilatildeo da Anaacutelise do
Discurso eacute o exerciacutecio permanente de reflexatildeo permitindo dessa forma uma relaccedilatildeo menos
ingecircnua com a linguagem e a consciecircncia de que ldquotodo discurso eacute incompleto sem iniacutecio
absoluto nem ponto final definitivordquo (ORLANDI 2013 p16)
Devendo o analista buscar os efeitos de sentido e para isso eacute necessaacuterio sair do
enunciado e chegar ao enunciaacutevel atraveacutes da interpretaccedilatildeo
Para Minayo (2010 p 322) ldquotodo discurso eacute referidor e referido dialoga com outros
discursos e se produz no interior das instituiccedilotildees e grupos que determinam quem fala o que
fala e como fala e em que momento falardquo Portanto todo o movimento que acontece no
interior do discurso eacute ao mesmo tempo o processo o produto e ponto central da significaccedilatildeo
a ser compreendido na anaacutelise do texto
Todo texto eacute carregado de ideologia e pode determinar a relaccedilatildeo entre quem fala e
quem ouve caracterizando sua inserccedilatildeo discursiva Haacute dois pressupostos baacutesicos segundo
Pecirccheux
1 O sentido de uma palavra de uma expressatildeo ou de uma proposiccedilatildeo natildeo existe em si
mesmo Ao contraacuterio expressa posiccedilotildees ideoloacutegicas em jogo no processo soacutecio-
histoacuterico no qual as formas de relaccedilatildeo satildeo produzidas
2 Toda formaccedilatildeo discursiva dissimula pela pretensatildeo da transparecircncia sua dependecircncia
de formaccedilotildees ideoloacutegicas
77
Para natildeo concluir faz-se relevante destacar como propotildeem Caregnato e Mutti (2006)
que a Anaacutelise do Discurso trabalha com o sentido sendo o discurso heterogecircneo marcado pela
histoacuteria e ideologia a Anaacutelise do Discurso entende que natildeo iraacute descobrir nada novo apenas
faraacute uma nova interpretaccedilatildeo ou uma re-leitura outro aspecto ressaltado pelas autoras eacute que a
Anaacutelise do Discurso mostra como o discurso funciona natildeo tendo a pretensatildeo de dizer o que eacute
certo ou errado porque isso natildeo estaacute em julgamento
57 Aspectos Eacuteticos
O presente projeto de pesquisa foi submetido aos Comitecircs de Eacutetica da Escola Nacional
de Sauacutede Puacuteblica da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz CAEE (43999015000005240) e da Prefeitura
Municipal do Rio de Janeiro CAEE (43999015030015279) apoacutes contato e autorizaccedilatildeo do
responsaacutevel teacutecnico da unidade de sauacutede eleita para o estudo
Foram considerados os riscos de constrangimento durante as entrevistas sendo
sugerido uma pausa ou retorno em outro momento Para natildeo identificaccedilatildeo dos profissionais
participantes da pesquisa foi realizada uma anaacutelise em conjunto impossibilitando assim
atribuiccedilatildeo individual aos depoimentos
Os benefiacutecios do estudo poderatildeo ser a reflexatildeo dos profissionais sobre o proacuteprio
processo de trabalho estimulando o processo de educaccedilatildeo permanente na unidade estudada e
contribuiccedilatildeo para o conhecimento da aacuterea de Sauacutede Mental na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede tatildeo
importante e tatildeo caro para consolidaccedilatildeo das Reformas Sanitaacuteria e Psiquiaacutetrica
78
6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
61 Descrevendo o campo
As observaccedilotildees ora descritas foram colhidas por meio do diaacuterio de campo e obedeceu uma
sistematizaccedilatildeo dos dados coletados dando ecircnfase principalmente a estrutura fiacutesica do local e a
dinacircmica da equipe
Durante o periacuteodo do trabalho de campo que foi de 4 (quatro) meses participei das
reuniotildees de cada equipe que aconteciam uma vez por semana Espaccedilo esse em que toda a
equipe (meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem agentes comunitaacuterios de
sauacutede profissionais da equipe de sauacutede bucal e agentes de vigilacircncia sanitaacuteria) se reuniam
para fazer um balanccedilo da semana discutir os casos mais emblemaacuteticos os possiacuteveis
encaminhamentos as accedilotildees educativas com campanhas nas escolas e na comunidade Assim
como eram distribuiacutedos aos agentes comunitaacuterios de sauacutede as marcaccedilotildees e resultados de
exames para entrega em sua respectiva micro aacuterea O meacutedico preceptor por vezes participava
desse momento ora com uma funccedilatildeo mais pedagoacutegica trazendo explicaccedilotildees sobre
determinados assuntos ora com uma funccedilatildeo mais de gestatildeo cobrando objetivosmetas a
alcanccedilar e apontando possiacuteveis pendencias da equipe
Observei que esse eacute um lugar em que toda a equipe sem exceccedilatildeo tem poder de
vocalizaccedilatildeo claro que uns mais tiacutemidos outros mais falantes principalmente por parte dos
agentes comunitaacuterios de sauacutede Onde todos os membros da equipe tecircm a oportunidade de
trazer determinada dificuldade de abordagem ou manejo de algum caso especifico ou de
determinada accedilatildeo na comunidade e efetivamente haacute uma discussatildeo em equipe Embora
aconteccedila de alguma decisatildeo ou palavra final ainda ser endereccedilada ao profissional meacutedico seja
ele residente preceptor ou no ldquocasordquo de sauacutede mental ao psiquiatra O que nos leva a refletir
sobre o quanto o modelo biomeacutedico ainda estaacute presente nos espaccedilos da sauacutede da famiacutelia que
deveria ser um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede com abordagens e decisotildees mais coletivas e
multiprofissionais
Quanto a estrutura fiacutesica do local onde funciona a Cliacutenica da Famiacutelia estudada agrave eacutepoca
da coleta de dados havia uma placa de sinalizaccedilatildeo grande com o nome da cliacutenica do lado de
fora da fachada preacutedio mas era necessaacuterio olhar para cima para visualizar Na entrada mesmo
do preacutedio natildeo havia nenhuma informaccedilatildeosinalizaccedilatildeo de que a CF funcionava no segundo
andar eu mesma na primeira visita precisei pedir informaccedilatildeo ao guarda do primeiro andar O
acesso ao segundo pavimento consequentemente agrave CF era exclusivamente de escada com
corrimatildeo eram dois lances natildeo havia rampa de acesso ou elevador muito menos barras de
79
apoio banheiro adaptado ou portas mais largas para pessoas com deficiecircncia O que jaacute causou
alguns transtornos e constrangimentos no atendimento de pessoas idosas eou cadeirantes
segundo relatos dos profissionais durante as minhas visitas
As instalaccedilotildees da CF eram compostas por 01 hall para acolhimento (com 3 baias de
atendimento sendo uma para cada equipe e cadeiras para usuaacuterios) 7 consultoacuterios para
atendimento meacutedico e enfermagem 1 consultoacuterio para Sauacutede Bucal onde na entrada se
localizava o escovaacuterio com 3 pias para escovaccedilatildeo de adulto e 1 pia para crianccedila 1 sala para
farmaacutecia (dividida para dispensaccedilatildeo de medicaccedilatildeo aos usuaacuterios e estoque) 1 sala de reuniatildeo
1 sala da administraccedilatildeo 1 sala para agentes comunitaacuterios de sauacutede 1 sala de imunizaccedilatildeo 1
sala de coleta de sangueprocedimentos 1 sala de curativo 1 sala de esterilizaccedilatildeo 1 sala de
expurgo 1 banheiro feminino com 1 pia e dois vasos sanitaacuterios e 1 banheiro masculino
tambeacutem composto por uma 1 pia e dois vasos sanitaacuterios ambos de uso comum para
profissionais e usuaacuterios
A iluminaccedilatildeo e ventilaccedilatildeo na CF eram adequadas Todas as salas consultoacuterios
possuiacuteam ar-condicionado e estavam funcionando agrave eacutepoca da minha visita de ambiecircncia e
coleta dados As janelas eram de vidro e com persianas claras facilitando a luminosidade
natural Embora as salas estivessem devidamente identificadas com placas nas portas
indicando os serviccedilos faltava melhorar a sinalizaccedilatildeo de acesso agraves essas salas como por
exemplo com setas indicativas
O hall do acolhimento como era uma aacuterea aberta natildeo possuiacutea ar-condicionado mas
tinha ventiladores e janelas Existiam 02 bebedouros (um mais baixo proacuteximo na entrada do
banheiro feminino) e outro mais alto (ao lado das baias de atendimento do acolhimento) Todo
o piso da unidade era antiderrapante as paredes e os acabamentos com superfiacutecie lisa A
limpeza em geral era satisfatoacuteria deixando a desejar nos banheiros talvez pelo grande fluxo
de uso como jaacute mencionado anteriormente servia a usuaacuterios e profissionais
Cada consultoacuterio como padratildeo possuiacutea 1 mesa ginecoloacutegica 1 biombo 1 reacutegua
antropomeacutetrica 1 balanccedila pediaacutetrica 1 sonar 1 balanccedila adulto 1 mesa e 1 cadeira para o
profissional 2 cadeiras para os usuaacuterios 1 computador e 1 impressora Faz-se importante
destacar que todos os prontuaacuterios eram informatizados Na sala de imunizaccedilatildeo havia 01
cacircmara fria para conservaccedilatildeo dos imunobioloacutegicos 1 geladeira comum 1 pia grande com
torneira 1 mesa 1 dispensador de perfuro-cortante 1 computador 1 maca para crianccedila 2
cadeiras Na sala de curativo tinha um reservatoacuterio com torneira corrente para lavagem das
feridas 1 mesa 2 cadeiras armaacuterio para armazenamento do material lixeira para material
bioloacutegico Na sala de coleta tambeacutem havia 1 mesa 4 cadeiras com braccediladeira armaacuterios para
80
guarda do material 1 dispensador de perfuro-cortante Na sala de reuniotildees existiam duas
mesas grandes vaacuterias cadeiras e 2 armaacuterios onde a fisioterapeuta o educador fiacutesico e grupo
de artesanato guardavam o material
Gostaria de dar uma ecircnfase especial a sala dos agentes comunitaacuterios onde encontrava-
se uma mesa redonda meacutedia com 5 cadeiras 3 computadores (1 por equipe ndash no ato da visita
de ambientaccedilatildeo uma ACS fez questatildeo de falar que era muito pouco 01 computador para 06
ACS) 1 quadro de aviso 2 armaacuterios com arquivos ao final tinha uma geladeira para
armazenamento de leito materno pois a unidade fazia parte do ldquoPrograma Amiga da
Amamentaccedilatildeordquo recolhendo o leite e enviando para as maternidades E tambeacutem uma mesa
pequena onde era feito o cafeacute servindo portanto como um local de ponto de encontro e
almoccedilo para toda a equipe natildeo soacute para os agentes comunitaacuterios de sauacutede uma vez que a
unidade natildeo tinha um espaccedilo para refeitoacuterio
De acordo com o Manual de Estrutura Fiacutesica das unidades baacutesicas de sauacutedesauacutede da
Famiacutelia (2008) o ambiente de apoio deve ter copacozinha e banheiro para funcionaacuterios
ambos ausentes na unidade estudada No ambiente de atendimento cliacutenico natildeo foi observado
uma sala de nebulizaccedilatildeo e na parte estrutural natildeo havia rampas de acesso ou elevador para
pessoas portadoras de deficiecircncia especial nem mesmo qualquer aparato (banheiro especial
barras de proteccedilatildeo porta mais largas bebedouro mais baixo) para esse grupo de pessoas como
recomenda o referido manual
A Cliacutenica da Famiacutelia estudada natildeo estava equipada com laboratoacuterio os exames eram
colhidos e enviados para um laboratoacuterio terceirizado que presta serviccedilo ao municiacutepio assim
como natildeo dispunha de aparelho de raio X nem de ecografia Mas possuiacutea prontuaacuterio
eletrocircnico computador com acesso agrave internet a conexatildeo agraves vezes lenta foi inclusive uma
das queixas dos profissionais durante as entrevistas A proposta tal como apresentada pela
gestatildeo municipal de sauacutede seria qualificar a atenccedilatildeo oferecendo infraestrutura sofisticada
(ambiecircncia conforto e sustentabilidade) adequadamente equipada e com ofertas de
procedimentos (exames laboratoriais raios X ecografia entre outros) aleacutem de inovaccedilotildees
tecnoloacutegicas (Observatoacuterio de Tecnologia de Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo em Sistemas e
Serviccedilos de Sauacutede prontuaacuterio eletrocircnico acesso agrave internet e rede wi-fi) dentre outras
caracteriacutesticas (RIO DE JANEIRO 2012)
Na Cliacutenica da Famiacutelia aconteciam algumas atividades em grupo muito citadas durante
as entrevistas ldquoGrupo de Artesanatordquo ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo e ldquoCafeacute com
Especialistardquo
81
O ldquoGrupo de Artesanatordquo era coordenado por uma enfermeira acontecia
semanalmente todas agraves 5ordf feiras no periacuteodo da tarde com duraccedilatildeo de 2 horas No iniacutecio a
proposta era produzir algum produto muitas idosas com habilidades manuais e artiacutesticas se
voluntariaram a participar Depois com o desenrolar do grupo passou a ser tambeacutem um
espaccedilo de convivecircncia para conversar e trocar experiecircncias
A ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo tambeacutem acontecia semanalmente agraves 4ordf feiras no
periacuteodo da noite facilitando o acesso a quem trabalhava durante o dia e com tempo de
duraccedilatildeo em meacutedia de 1 hora Era coordenada por dois voluntaacuterios (um meacutedico que foi RMFC
da proacutepria cliacutenica e uma psicoacuteloga) Tive a oportunidade de participar de uma sessatildeo achei
muito interessante Eram feitos alguns acordos para participaccedilatildeo Falar em 1ordf pessoa ndash ldquoeurdquo
sou sujeito da minha proacutepria e natildeo dar conselhos No iniacutecio da sessatildeo teve alguns movimentos
de relaxamento do corpo logo depois veio o momento de celebraccedilatildeo onde os participantes
falavam algo que tenha acontecido de especial durante a semana e depois algo que havia
deixado os participantes para baixo Esse uacuteltimo era apresentado em forma de manchete
como se fosse um noticiaacuterio e a mais votada era eleita para aprofundamento onde todos os
participantes tinham a oportunidade de falar sobre o processo de identificaccedilatildeo e mecanismos
de enfrentamento
O ldquoCafeacute com especialistardquo de iniacutecio seria ldquoCafeacute com psiquiatrardquo depois a equipe
repensou esse nome uma vez que poderia se tornar um espaccedilo para consultas de psiquiatria e
pegar receitas controladas Pois a proposta era justamente o inverso um espaccedilo para repensar
junto com os usuaacuterios o uso de psicofaacutermacos de longa data A proposta foi feita pelo
psiquiatra junto com as trecircs equipes pois na unidade havia um programa na farmaacutecia que
gerenciava por nome os usuaacuterios que faziam uso de psicofaacutermacos onde constavam nome do
usuaacuterio nome do meacutedico nome do medicamento posologia quantidade dispensada data
retorno e observaccedilotildees Facilitando assim principalmente aos meacutedicos das equipes o
conhecimento desses usuaacuterios de forma a racionalizar o uso desses psicofaacutermacos pois a
utilizaccedilatildeo destes por meacutedicos generalistas eacute um toacutepico importante na estruturaccedilatildeo de uma
atenccedilatildeo em sauacutede mental de qualidade com atitudes menos prescritivas
Assim os psicofaacutermacos devem ser utilizados preferencialmente em conjunto com
outros tipos de intervenccedilotildees terapecircuticas sendo ofertados apoio e cuidado de outras formas
aleacutem do uso de medicamentos em especial de benzodiazepiacutenicos Nesse sentido o
acolhimento e a escuta estruturam espaccedilos de reorganizaccedilatildeo e soluccedilatildeo de problemas que
contribuem para uma melhora efetiva por meio da compreensatildeo do sujeito em sua forma
proacutepria de organizar a vida e seu universo simboacutelico
82
O projeto de Acompanhamento Farmacoterapecircutico (AFT) em Sauacutede Mental nos Centros
Municipais de Sauacutede (CMS) e Cliacutenicas da Famiacutelia (CF) no municiacutepio do Rio de Janeiro visa a
melhora no serviccedilo prestado aos usuaacuterios envolvendo o mesmo em seu projeto terapecircutico
singular contribuindo para o sucesso terapecircutico e pessoal por meio de uma maior integraccedilatildeo
entre o profissional farmacecircutico e os profissionais da ESF (OLIVEIRA SILVA DIAS
2014)
62 Anaacutelise das entrevistas
Consideraccedilotildees introdutoacuterias
As entrevistas foram transcritas obedecendo ao seguinte esquema de transcriccedilatildeo
1) o uso de reticecircncias entre parecircnteses () para demarcar uma pausa longa
2) o sublinhado para ecircnfase e MAIUacuteSCULAS para muita ecircnfase
3) o siacutembolo igual = para sinalizar que natildeo houve pausa na fala
4) o siacutembolo barra foi usado para demonstrar falas justapostas
5) o termo entrevistadora foi identificado pela letra e minuacutescula
6) os profissionais entrevistados (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes enfermeiros
teacutecnicos de enfermagem e agentes comunitaacuterios de sauacutede) foram identificados por nomes
fictiacutecios
As anaacutelises das entrevistas tal como proposta na AD incluiacuteram a discussatildeo de cada
uma das formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela triangulaccedilatildeo do que
foi dito pelos entrevistados da teoria que fundamentou o texto e das minhas consideraccedilotildees
sobre o tema estudado Assim me reportarei agraves falas dos entrevistados com intuito de
apreender seus significados e produzir deslizamentos de sentido
Nesse processo de anaacutelise identifiquei os NUacuteCLEOS DISCURSIVOS
SIGNIFICANTES no qual articulamos simultaneamente ao todo e as singularidades das falas
de onde emergiram os GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais) compreensatildeo e
percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental e manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mental
Os nuacutecleos discursivos significantes que foram a essecircncia das anaacutelises constituiacuteram as
formaccedilotildees discursivas tal como descritas por Foucault (1970) Segundo o autor haacute processos
internos de controle do discurso que se datildeo a tiacutetulo de princiacutepios de classificaccedilatildeo de
ordenaccedilatildeo de distribuiccedilatildeo visando domesticar a dimensatildeo de acontecimento e de acaso do
discurso normatizando-o Em noccedilotildees como as de comentaacuterio de disciplina e na de autor
83
pode-se observar tal controle ldquoEssas noccedilotildees tem um papel multiplicador mas tecircm tambeacutem
funccedilatildeo restritiva e coercitivardquo (ORLANDI 2015 p73)
Foram realizadas vinte e quatro (24) entrevistas sendo que duas (02) foram
descartadas por natildeo se incluiacuterem nos criteacuterios de inclusatildeo o que reduziu o total de entrevistas
analisadas para vinte e duas (22) a saber nove (9) agentes comunitaacuterios de sauacutede cinco (5)
meacutedicos residentes trecircs (3) enfermeiros trecircs (3) teacutecnicos de enfermagem e dois (2) meacutedicos
preceptores
De acordo com os profissionais entrevistados identifiquei 05 (cinco) niacuteveis de
discurso meacutedicos receptores meacutedicos residentes enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e
agentes comunitaacuterios de sauacutede estes uacuteltimos por ser constituiacuterem uma categoria situada
entre a comunidade e os profissionais de sauacutede possuem um olhar diferenciado sobre o
processo sauacutede-doenccedila natildeo marcado pelo saber biomeacutedico o que pocircde ser verificado na
anaacutelise das entrevistas
Por serem as entrevistas semi-estruturadas apresento de iniacutecio os resultados das
questotildees relacionadas agraves perguntas fechadas caracterizando nuacutemero de profissionais
entrevistados sexo idade estado ciacutevel naturalidade formaccedilatildeo profissional tempo de
formaccedilatildeo tempo de atuaccedilatildeo na ESF e treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede
mental conforme descrito a seguir
Meacutedicos preceptores (02 - Abel e Bartolomeu) ambos do sexo masculino com
idade entre 28 e 36 anos estado civil - (01) casado e (01) solteiro ambos naturais do Rio de
Janeiro e com especializaccedilatildeo em Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) tempo de formaccedilatildeo de 4 e 10 anos e tempo
de atuaccedilatildeo na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia de 3 a 8 anos e 6 meses Relataram treinamento
especifico para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede mental seja por cursos como o Babel ou
durante a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade Ressalto que (01) meacutedico
preceptor declarou que atua na CF estudada desde a sua inauguraccedilatildeo tambeacutem declarou ser um
colaborador na disciplina de formaccedilatildeo em sauacutede mental com discussatildeo de casos no Programa
da Residecircncia de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro
Meacutedicos residentes (05 - Acaacutecio Betino Braacuteulio Cesaacuterio e Accedilucena) idade
entre 27 e 29 anos (04) sexo masculino e (1) do sexo feminino estado civil todos (05)
solteiros naturalidade (01) Rio de Janeiro (01) Satildeo Paulo (01) Goiaacutes (01) Minas Gerais e
(01) Macapaacute o que deu um panorama de como a Residecircncia de MFC da Prefeitura do Rio de
Janeiro estaacute sendo procurada por meacutedicos de outros estados O tempo de formaccedilatildeo destes
meacutedicos variou de 1 ano e 8 meses a 4 anos Apenas (01) entrevistado declarou jaacute ter uma
84
especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia com duraccedilatildeo de 12 meses que inclusive o motivou a
buscar a residecircncia em MFC Os outros (04) meacutedicos residentes declararam estar em processo
formativo O tempo de atuaccedilatildeo na ESF variou de 1 ano e 6 meses a 4 anos pois (03)
entrevistados informaram que jaacute tinham trabalhado na ESF como primeiro emprego depois de
formado antes de iniciar o curso de residecircncia (03) meacutedicos residentes declaram que estavam
tendo durante o curso de residecircncia aulas e matriciamento para lidar com as questotildees de sauacutede
mental (01) informou que estava tendo parcialmente no Curso de Residecircncia e (01) declarou
que oficialmente natildeo teve nenhum treinamento em sauacutede mental mas que durante a sua
graduaccedilatildeo por iniciativa proacutepria procurou estaacutegio em sauacutede mental na rede extra-hospitalar
(CAPS em suas modalidades adulto infantil e aacutelcool e drogas)
Enfermeiros (03 - Aacutedila Clemecircncia Claudemiro) idade entre 27 e 40 anos (02)
sexo feminino e (01) sexo masculino estado civil (01) casado e (02) solteiros (02) naturais do
Rio de Janeiro e (01) Santa Catarina estado civil (01) casado e (02) solteiros O tempo de
formaccedilatildeo variou entre de 3 anos e 6 meses a 8 anos Apenas (01) entrevistada informou ter
residecircncia em Medicina de Famiacutelia os outros dois (01) tem poacutes-graduaccedilatildeo em Terapia
Intensiva e Enfermagem do Trabalho e (01) em Promoccedilatildeo da Sauacutede O tempo de atuaccedilatildeo na
ESF variou entre 3 anos e 6 meses a 6 anos sendo que uma entrevistada estava na CF
estudada desde a sua inauguraccedilatildeo (02) entrevistados declararam jaacute ter tido treinamento para
lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos fizeram o curso BABEL que agrave eacutepoca foi uma
parceria entre a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Prefeitura do Rio de
Janeiro e (01) informou natildeo ter tido nenhum treinamento Ressalto que (01) profissional
informou ser morador da aacuterea onde trabalha
Teacutecnicos de enfermagem (03 - Daacutercio Eliseu e Felismina) idade entre 33 e 36
anos (02) sexo masculino e (01) do sexo feminino estado civil (02) solteiros e (01) casado
todos (03) naturais do Rio de Janeiro O tempo de formaccedilatildeo variou entre 2 anos e 6 meses a
10 anos O tempo de atuaccedilatildeo na ESF entre 2 anos e 6 meses a 5 anos (02) destes profissionais
informaram jaacute terem tido treinamento para lidar com as questotildees de sauacutede mental ambos
citaram o Curso Caminhos do Cuidado parceria da Fiocruz (RJ) por meio do Instituto de
Comunicaccedilatildeo e Informaccedilatildeo Cientiacutefica e Tecnoloacutegica (ICICT) do Grupo Hospitalar
Conceiccedilatildeo (RS) da Rede de Escolas Teacutecnicas do SUS e do Ministeacuterio da Sauacutede e (01)
declarou natildeo ter tido nenhuma treinamento Aqui tambeacutem cabe informar que todos (03)
teacutecnicos de enfermagem declaram serem moradores da aacuterea onde trabalham
Agentes comunitaacuterios de sauacutede (09 - Geneacutesia Heda Hebe Iana Jacobina
Kiara Lana Marcilene e Nateacutercia) sendo todos do sexo feminino idades entre 26 e 40
85
anos (05) casadas e (04) solteiras (06) naturais do Rio de Janeiro (01) Paraiacuteba (01)
Maranhatildeo e (01)Minas Gerais tempo de formaccedilatildeo entre 1 ano e 6 meses a 6 anos e tempo de
atuaccedilatildeo na ESF entre 1 ano e 5 meses a 6 anos (08) relataram treinamento para lidar com as
questotildees de Sauacutede mental como apoio dos meacutedicos da Cliacutenica da Famiacutelia e do NASF cursos
como ldquoCaminhos do Cuidadordquo e ldquoReduccedilatildeo de Danosrdquo assim como outros cursos e
capacitaccedilotildees pelo proacuteprio serviccedilo via OTICS - rede criada a partir da expansatildeo da APS que
proporciona todo um suporte fiacutesico e tecnoloacutegico como auditoacuterios bibliotecas laboratoacuterios de
informaacutetica para qualificaccedilatildeo de profissionais e para avaliaccedilatildeo de indicadores da APS
(RJSMSDC 2012) Participaram tambeacutem de algumas palestras Elogiaram muito o curso
ldquoCaminhos do Cuidadordquo
A motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF para os profissionais de niacutevel superior preceptores
meacutedicos residentes meacutedicos e enfermeiros apareceu como uma alternativa ao modelo
biomeacutedico tradicional como podemos observar nas falas
Esse trabalho eacute realmente mais efetivo do que aquilo que a gente vinha aprendendo
na faculdade aquela coisa da hiperespecializaccedilatildeo (Acaacutecio)
Gosto muito de ter esse olhar mais ampliado natildeo soacute para o indiviacuteduo mas para a
famiacutelia (Bartolomeu)
Principalmente a enfermagem () acho que tem um campo de atuaccedilatildeo bem amplo ()
a gente natildeo fica soacute restrito ao cuidado no sentido de como eacute no hospital cuidar do paciente
administrar medicamento fazer rotina () acaba que eacute bem mais complexo porque tem que
entender de tudo natildeo deixa a gente cair na rotina e a gente estaacute cada vez mais aprendendo
(Claudemiro)
Enquanto que para os teacutecnicos de enfermagem e ACSs as motivaccedilotildees foram a
oportunidade de emprego e a ajuda ao proacuteximo com a oportunidade de fazer algo pela
vizinhanccedila e pela Comunidade todos satildeo moradores da comunidade como eles mesmos
denominaram
Sou cria da comunidade a gente taacute sempre querendo ajudar o proacuteximo (Daacutercio)
Foi meu primeiro emprego na aacuterea da sauacutede (Felismina)
Uma oportunidade eu natildeo estava trabalhandoestou na minha comunidade conheccedilo
muita gente e achei que iria conseguir fazer alguma coisa boa (Geneacutesia)
Eu moro na comunidade eu vou conhecer meus vizinhos e vou poder trabalhar com
eles (Heda)
Eu estava desempregada uma oportunidade de trabalhar dentro da comunidade
(Hebe)
86
Em relaccedilatildeo as entrevistas abertas aprofundadas com perguntas disparadoras que tiveram
como objetivo estimular o entrevistado a falar sobre seu trabalho na ESF e o que considera
como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo de forma mais espontacircnea e livre os pontos relevantes dessas
perguntas foram 1 Motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF 2 Caracteriacutesticas do trabalho na ESF
3 Importacircncia da ESF no sistema de sauacutede 4 O que entende como lida e maneja os ldquocasosrdquo
de sauacutede mental e 5 Recomendaccedilotildees para melhorar a atenccedilatildeo na ESF e a atenccedilatildeo em sauacutede
mental na ESF
As entrevistas transcorreram com tranquilidade no proacuteprio serviccedilo sempre durante o
seu horaacuterio de funcionamento Os meacutedicos residentes foram os primeiros a manifestarem
interesse em participar do estudo seguidos pelos meacutedicos preceptores enfermeiros e teacutecnicos
de enfermagem Jaacute os ACSs manifestaram resistecircncia em participar do estudo com
expressotildees como eu natildeo gosto muito de falar natildeo sei falar Enquanto pesquisadora tentei ao
maacuteximo minimizar essa resistecircncia mas deixando-os bem agrave vontade a participarem ou natildeo do
estudo Frisando sempre a importacircncia da pesquisa da participaccedilatildeo deles que era voluntaacuteria e
a garantia do anonimato Mas dos (18) ACSs lotados na Unidade pesquisada somente (09)
aceitaram participar do estudo
Durante a minha estada no serviccedilo por aproximadamente quatro (4) meses transitei
livremente participei das reuniotildees semanais de cada equipe ateacute mesmo para apresentar o
projeto de pesquisa conhecer os integrantes de cada equipe e a dinacircmica de trabalho na ESF
Esse foi um periacuteodo muito enriquecedor antes da realizaccedilatildeo das entrevistas Procurei agendar
as entrevistas durante essas reuniotildees de equipe com os profissionais interessados colocando-
me agrave disposiccedilatildeo do horaacuterio dos mesmos para natildeo interferir no cotidiano do serviccedilo
Eacute importante dizer que desde a primeira visita todos os profissionais da unidade foram
muito receptivos ao estudo desde da gerente ao pessoal administrativo e de apoio Alguns
trabalhadores declararam entender a temaacutetica dessa pesquisa como deveras importante para o
momento atual de expansatildeo da capilaridade das accedilotildees de sauacutede por meio da ESF nos
territoacuterios incluindo as accedilotildees de sauacutede mental Muitos profissionais se dirigiram gentilmente
a mim e disseram que a pesquisa soacute podia ajudaacute-los pois tinham muitos ldquocasosrdquo de sauacutede
mental na sua aacuterea
Ressalto mais uma vez que a unidade estudada era campo de praacutetica para os meacutedicos
residentes de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de
Janeiro e eram esses residentes que estavam ligados diretamente agrave assistecircncia da populaccedilatildeo O
que lhe dar uma caracteriacutestica bem peculiar meacutedicos que estavam ali em formaccedilatildeo e com
87
desejo de estarem nesse lugar mas eram temporaacuterios permaneciam por 2 (dois) anos tempo
de formaccedilatildeo do curso de residecircncia
Segundo Justino Oliver e Melo (2016) a reforma da Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede no Rio
de Janeiro pode ser vista como indutora do Programa de Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e
Comunidade na cidade uma vez que gerou diferentes necessidades de melhoria na rede
(unidades de sauacutede mais bem equipadas informatizadas mais recursos em terapecircutica e
diagnoacutestico) e mais profissionais meacutedicos qualificados para este niacutevel de atenccedilatildeo agrave sauacutede
Ainda de acordo com esses autores em 2011 a Secretaria Municipal de Sauacutede do Rio de
Janeiro a fim de contribuir com a oferta de maior nuacutemero de especialista em Medicina de
Famiacutelia e Comunidade e fixar profissionais para trabalhar nas diversas Cliacutenicas da Famiacutelia em
expansatildeo criou o seu proacuteprio programa de residecircncia na aacuterea Aleacutem de criar outros
incentivos inclusive financeiros - maior remuneraccedilatildeo para os residentes e profissionais jaacute
formados no proacuteprio curso
Poucos profissionais pareceram ansiosos com a possibilidade de serem entrevistados
Perguntaram quanto tempo durava a entrevista e se poderiam saber de antematildeo qual seria o
ldquoroteirordquo de perguntas A maioria construiu comigo um clima amistoso de conversa que
costumava se iniciar quase informalmente durante as reuniotildees de equipe
As entrevistas foram realizadas na sala de reuniatildeo da unidade colocada a minha
disposiccedilatildeo Aconteceram pequenas interrupccedilotildees por parte de outros membros da equipe
contudo natildeo as considerei prejudiciais para o desenvolvimento da entrevista Algumas
entrevistas no entanto foram realizadas nos consultoacuterios das equipes tambeacutem respeitando a
preferecircncia de cada profissional e com razoaacutevel privacidade Natildeo houve interrupccedilotildees
importantes como por exemplo ter que parar a entrevista e fazer em outro momento devido
a uma demanda qualquer do serviccedilo ou do entrevistado Pelo contraacuterio os entrevistados se
mostraram muito tranquilos em relaccedilatildeo ao tempo disponiacutevel
Apenas uma entrevista teve a duraccedilatildeo de aproximadamente 1 hora e seis minutos Foi
a realizada com um meacutedico preceptor que atuava na unidade estudada desde a sua fundaccedilatildeo
Primeiro como meacutedico de famiacutelia de uma equipe portanto ligado diretamente agrave assistecircncia e
na eacutepoca da coleta de dados como preceptor dos residentes e responsaacutevel meacutedico da unidade
com uma funccedilatildeo mais gerencial e administrativa como ele mesmo apontou durante a
entrevista Jaacute a entrevista mais breve durou um pouco mais de 12 minutos e foi com um
teacutecnico de enfermagem
As perguntas foram compreendidas com certa facilidade mas as respostas que
demandavam explicitar a motivaccedilatildeo de trabalhar na ESF e a conceituaccedilatildeo sobre ldquocasosrdquo de
88
sauacutede mental demoraram mais tempo para serem respondidas Tal demora talvez tenha sido
acompanhada de inseguranccedila por parte dos entrevistados em alguns casos pontuais Chamou
atenccedilatildeo o fato de quando questionados sobre se gostariam de acrescentar algo que natildeo foi
perguntado alguns profissionais responderam que a sauacutede mental eacute um tema difiacutecil e que eles
tinham muita dificuldade em lidar com esses ldquocasosrdquo embora pudessem contar com o apoio
do NASF Mesmo assim todos os entrevistados demonstraram muito interesse pelo tema o
que me pareceu ser um assunto candente entre eles Ao final das entrevistas alguns
agradeceram por poder participar do estudo e senti como se falar sobre o tema tivesse sido
mais um pedido de auxiliosuporte para lidar com esses ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois a
palavra capacitaccedilatildeo foi muito usada como sugestatildeo para melhoria da Sauacutede Mental na
Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
89
621 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Preceptores
Figura 1 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Meacutedicos Preceptores
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTE
Sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no
funcionamento familiar e social algum tipo de
transtorno dependecircncia seja a cigarro especialmente
aacutelcool e drogas
Todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e todo
paciente pode ser muito complexo por menor que seja o
problema dele soacute depende muito do meacutedico de quanto o
meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida dele
O encaminhamento inicialmente eacute com a gente mesmo
Transtorno mental comum (transtorno de ansiedade
depressatildeo somatizaccedilatildeo) eu natildeo referencio para o
psiquiatra jaacute fiz isso natildeo faccedilo mais Transtorno mental
grave (transtorno psicoacutetico) e transtorno mental em
crianccedila eu referencio e a intervenccedilatildeo eacute
multidimensional envolve medicamento grupos em
sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com
assistente social agente de sauacutede cuidado com equipe
matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui ou no
CAPS
Cliacutenica centrada na pessoa a gente aborda muito a
escuta ativa numa fase inicial uma primeira tentativa de
abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo
ser medicamentosa
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Formaccedilatildeo experiecircncia no campo da sauacutede mental
Mais equipamentos mais CAPS diminuiccedilatildeo do nuacutemero de usuaacuterios por equipe capacitaccedilotildees
90
Ambos os meacutedicos preceptores relataram que fazer a especializaccedilatildeo em Medicina de
Famiacutelia e Comunidade natildeo foi a primeira opccedilatildeo em suas respectivas carreiras profissionais
Um preceptor contou que natildeo teve contato com APS na sua graduaccedilatildeo (agrave eacutepoca era muito
incipiente) portanto natildeo conheceu a especialidade durante a sua formaccedilatildeo acadecircmica Soacute
depois de formado veio a ter contato com a especialidade em um Congresso da Associaccedilatildeo
Brasileira de Medicina de Famiacutelia Mas que foi fazer a residecircncia na aacuterea porque o soldo era
maior E que hoje eacute uma coisa que o apaixona - poderia conversar mais umas duas ou trecircs
horas no miacutenimo ou ateacute eu sentir fome e sede (risos) e essa aacuterea eacute como o vinho com o tempo
vai ficando muito melhor (Abel)
O outro narrou que natildeo passou na residecircncia escolhida como primeira opccedilatildeo comeccedilou
entatildeo a trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia gostou muito do ambiente surgiu a
oportunidade de fazer a prova de residecircncia para o local onde estava trabalhando fez passou
e o que a princiacutepio era um teste para saber se ia se adaptar foi se apaixonando e hoje tem a
sauacutede da famiacutelia como a possibilidade de ter um olhar mais ampliado do indiviacuteduo e sua
famiacutelia Mencionou tambeacutem que trabalhar na aacuterea possibilita ter final de semana ter feriados
ou seja ter uma vida um pouquinho melhor planejada do que muitos meacutedicos hoje em dia
costumam ter por aiacute (Bartolomeu)
Em ambos os discursos apareceu o apaixonamento pela Medicina de Famiacutelia e
Comunidade pude observar durante o periacuteodo do campo que para trabalhar na aacuterea parece
requerer dos profissionais principalmente para o meacutedico e preceptor uma certa afinidade em
querer conhecer o cotidiano e a vida das pessoas natildeo soacute a sua queixa de sauacutede ou sintoma O
que me pareceu exigir menos objetividade cientiacutefica e mais empatia com o outro
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental
Em relaccedilatildeo ao guia para anaacutelise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mentalrsquo os meacutedicos preceptores expressaram perspectivas diferentes uma mais holiacutestica
sofrimento psiacutequico com interferecircncia prejudicial no funcionamento social e familiar outra
mais difusa todo caso pode ser um caso de sauacutede mental O primeiro discurso caracteriza
uma linguagem mais objetiva teacutecnica e qualificada profissionalmente com uma visatildeo integral
do processo sauacutede-doenccedila o que aponta tambeacutem para um conhecimento mais especifico no
campo da APS
Essa interferecircncia agraves vezes pode ser muito grave a ponto da pessoa natildeo conseguir se
relacionar com a famiacutelia ou ter alguma situaccedilatildeo de violecircncia domeacutestica fiacutesica ou
91
psicoloacutegica seja na crianccedila na matildee no adulto em qualquer indiviacuteduo da famiacutelia ou algum
tipo de situaccedilatildeo familiar que resulte em dependecircncia seja a cigarro especialmente aacutelcool e
drogas ou algum tipo de prejuiacutezo e dificuldade na formaccedilatildeo escolar da crianccedila ou de jovens
adultos aonde isso acontece certamente eacute a ponta do iceberg de algum tipo de transtorno
menta (Abel)
Nesse primeiro discurso podemos observar uma noccedilatildeo voltada para o modo
psicossocial quando nomeia o ldquocasordquo de sauacutede mental como sofrimento psiacutequico esse modo
de atenccedilatildeo tem como objeto de cuidado o sujeito em sua ldquoexistecircncia-sofrimentordquo (Costa-
Rosa 2000 p 156) considerando-a como uma experiecircncia subjetiva e assim como na
Medicina de Famiacutelia considera a pessoa seu grupo familiar e social A razatildeo disso estaacute em
entender que o sofrimento psiacutequico natildeo eacute um fenocircmeno soacute individual mas tambeacutem social e
como tal deve ser pensado Dessa maneira as formas de participaccedilatildeo da famiacutelia e da rede de
apoio social superam as posturas assistencial e orientadora caracteriacutesticas do modo asilar
(COSTA-ROSA 2000)
A nomenclatura ldquopessoa em sofrimento psiacutequicordquo ressurge a partir da publicaccedilatildeo do
relatoacuterio final da IV Conferencia Nacional de Sauacutede Mental (CNSM) em julho de 2010 apoacutes
um levantamento de quais categorias haviam sido utilizadas nas CNSM anteriores para
denominar o indiviacuteduo em situaccedilatildeo de sofrimento Brasil (2010 p144) Ateacute o ano de 2010
foram realizadas quatro conferecircncias respectivamente em 1987 1992 2001 e 2010 Tendo
sido encontrada uma multiplicidade de categorias relativas ao adoecimentosofrimento agraves
terapecircuticas e locais de tratamento O uso da categoria ldquosofrimento psiacutequicordquo por Abel
portanto demonstra um conhecimento mais ampliado e integrado em sauacutede trazendo para o
centro da cena o sujeito e seu sofrimento natildeo a sua doenccedila
Abel durante sua entrevista explica que entende transtorno diferente de sofrimento tal
como vocecircs claro da sauacutede mental Transtorno para ele eacute o sofrimento continuado crocircnico
ou natildeo mas que gera prejuiacutezo funcional e familiar que depende do grau da gravidade do
histoacuterico Jaacute o sofrimento na perspectiva de Abel estaacute presente em qualquer populaccedilatildeo do
planeta sendo natural ao ser humano diferentes tipos de cultura teratildeo diferentes tipos de
sofrimento
Ao concluir Abel ressalta que na sua opiniatildeo principalmente para o jovem meacutedico e o
jovem enfermeiro eacute difiacutecil diferenciar sofrimento de transtorno pois natildeo tiveram uma
formaccedilatildeo para isso e agraves vezes colocam um pouco do seu proacuteprio sofrimento Resultando
durante o atendimento numa detecccedilatildeo precoce de algum transtorno quando na verdade o
indiviacuteduo pode estar passando por algum momento de ajustamento na vida O fundamental
92
para meacutedico de famiacutelia e toda sua equipe segundo a cartilha de serviccedilos da APS da Prefeitura
do Rio de Janeiro sobre as accedilotildees de sauacutede mental eacute ldquoatentar para a dimensatildeo do sofrimento
psiacutequico que pode estar presente nos mais diversos processos de adoecimento tais como
hipertensatildeo diabetes tuberculose HIVAIDSrdquo (RIO DE JANEIRO 2016 p76)
Nomear algo que acontece com o outro ou consigo mesmo como sofrimento natildeo eacute
apenas um ato individual do lugar de profissional ou de usuaacuterio Nesse sentido as formas de
nomeaccedilatildeo natildeo satildeo naturais e nem simplesmente emergem de um indiviacuteduo de forma isolada
Todas as formas de nomeaccedilatildeo satildeo apreendidas socialmente bem como as formas de nomear o
cuidado a dor o adoecimento a sauacutede e outras experiecircncias de vida Em particular em
relaccedilatildeo ao sofrimento e a dor Sarti (2001) afirma
A dor como o amor remete a uma experiecircncia radicalmente subjetiva
Aquele que sente a dor dela diz eu eacute que sei Frente agrave dor do outro
haacute comoccedilatildeo sofrimento (ou mesmo gozo) com maior ou menor
distacircncia e intensidade Embora singular para quem sente a dor como
qualquer experiecircncia humana traz a possibilidade de ser
compartilhada em seu significado que eacute uma realidade coletiva
(embora jamais possamos nos assegurar de que o que atribuiacutemos ao
outro corresponda exatamente ao que ele atribui a si mesmo) Assim
dizemos que entendemos a dor do outro (SARTI 2001 p4)
A percepccedilatildeo de caso de sauacutede mental no discurso de Abel foge um pouco do modelo
biomeacutedico como podemos observar trazendo a ideacuteia de sofrimento e suas repercussotildees nos
contextos familiar e social apontando para novas possibilidades de modificaccedilatildeo e
qualificaccedilatildeo das condiccedilotildees e dos modos de vida orientando-se pela produccedilatildeo de vida e sauacutede
e natildeo se restringindo agrave cura de doenccedilas Brasil (2013) Embora a categoria transtorno mental
tenha aparecido nesse discurso remetendo ao modelo biomeacutedico observei um certo cuidado
ao ser contextualizada e explicada a diferenccedila entre transtorno e sofrimento
O termo ldquotranstorno mentalrdquo oriunda do modelo biomeacutedico que vecirc a doenccedila como um
objeto assim como eacute nas ciecircncias fiacutesicas e naturais Amarante (1996) e classifica-a em
inuacutemeras categorias como podemos observar no CID-10 e mais recentemente no DSM-V Ao
modo do alienista ou do botacircnico ou mesmo da atual nosologia psiquiaacutetrica identificar e
classificar a entidade moacuterbida para o profissional meacutedico parece ser suficiente para
estabelecer a terapecircutica e o encaminhamento a ser feito (LAPLANTINE 2004)
93
No CID-10 o termo ldquotranstornordquo eacute usado por toda a classificaccedilatildeo de forma a evitar
problemas ainda maiores inerentes ao uso de termos como ldquodoenccedilardquo ou ldquoenfermidaderdquo
ldquoTranstornordquo natildeo eacute um termo exato poreacutem no CID-10 eacute usado para indicar a existecircncia de um
conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconheciacuteveis associados na maioria
dos casos a sofrimento e interferecircncia com funccedilotildees pessoais Desvio ou conflito social
sozinho sem disfunccedilatildeo pessoal natildeo deve ser incluiacutedo em transtorno mental como definido
no CID-10
Abel tambeacutem identifica dependecircncia a cigarro especialmente aacutelcool e drogas como
ldquocasordquo de sauacutede mental O debate sobre o consumo das mais diversas drogas pela humanidade
eacute complexo e de maneira nenhuma seraacute simplificado aqui Mas para ldquocompreender por que
alguns humanos mais humanos do que outros tem problemas com o uso de drogas eacute preciso
revelar as condiccedilotildees individuais e sociais dessa incorporaccedilatildeordquo Garcia (2016 p 11) Nesse
processo de revelaccedilatildeo a questatildeo da escuta eacute primordial
Segundo Lancetti (2013 p36) ldquotodo sujeito dialoga com um interlocutor invisiacutevelrdquo
citando o etnopsiquiatra Tobie Nathan seguidor de Devereux que afirmava que mais que
noventa por cento do sofrimento psiacutequico eacute atendido pelo que ele chama de pensamento negro
(pajeacutes pastores padres) e soacute dez por cento ou menos pelo pensamento branco Sua
afirmaccedilatildeo tambeacutem era de que a consulta psiquiaacutetrica ou psicologia eacute um combate
epistemoloacutegico ndash um dizendo que eacute um trabalho de macumba e o outro que eacute uma psicose
paranoica Por isso a importacircncia de ldquotransitar por esses territoacuterios existenciaisrdquo para adesatildeo
ao programa elaborado para cada famiacutelia (LANCETTI 2013 p36)
Jaacute no discurso de Bartolomeu todo caso pode ser um caso de sauacutede mental e que soacute
depende muito do meacutedico de quanto o meacutedico quer aprofundar naquele paciente na vida
dele o que pode produzir trecircs interpretaccedilotildees discursivas 1) uma dificuldade de identificar os
ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois essa colocaccedilatildeo do entrevistado traz a ideia de que ateacute as
questotildees da vida cotidiana podem ser psiquiatrizadas 2) aquilo que eacute denominado doenccedila na
maioria das vezes existe na ldquociecircncia do meacutedicordquo antes de existir na ldquoconsciecircncia do homemrdquo
Canguilhem (2015) e 3) como o proacuteprio entrevistado relatou a abordagem psicossocial da
Medicina de Famiacutelia
Na primeira interpretaccedilatildeo com a expansatildeo das capilaridades das accedilotildees de sauacutede por
meio da ESF no territoacuterio temos que estar atentos como nos alerta Amarante (2007 p 95)
para medicalizaccedilatildeo do social ou seja tornar lsquomeacutedicorsquo aquilo que eacute da ordem do social ou
econocircmico ou poliacutetico Ou seja ldquoo termo estaacute relacionado agrave possibilidade de fazer com que as
94
pessoas sintam que os seus problemas satildeo problemas de sauacutede e natildeo proacuteprios da vida
humanardquo
Na segunda interpretaccedilatildeo a doenccedila natildeo deixaria de existir ou de se manifestar de
alguma maneira porque natildeo existe na consciecircncia do homem mas a perspectiva do doente do
que seja ou natildeo doenccedila ou do que seja normal ou patoloacutegico fica fora das consideraccedilotildees do
conhecimento biomeacutedico principalmente das praacuteticas de cuidado dos profissionais da sauacutede
que em geral natildeo incluem o saber do doente Esse saber na maioria das vezes eacute colocado
em segundo plano pois o que se busca eacute a objetividade da doenccedila expressa pelos seus
sintomas e sinais fiacutesicos e se possiacutevel pela conformaccedilatildeo anatomopatoloacutegica daiacute a
importacircncia do meacutedico Canguilhem (2015 p69) a respeito dessa busca da correspondecircncia
entre doenccedila e lesatildeo recupera um argumento de Leacuteriche (1879-1955) para problematizar a
ldquodoenccedila do doenterdquo
Aos que identificam doenccedila com lesatildeo Leacuteriche objeta que o fato
anatocircmico deve ser considerado na realidade como segundo e
secundaacuterio segundo por ser produzido por um desvio originalmente
funcional na vida dos tecidos secundaacuterio por ser apenas um elemento
da doenccedila e natildeo o elemento dominante (CANGUILHEM 2015 p69)
Com isso Canguilhem (2015) aponta que a doenccedila anatocircmica vista pelo meacutedico natildeo eacute
a mesma vista pelo doente A partir das ideias de Leacuteriche Canguilhem problematiza a natildeo
validaccedilatildeo da opiniatildeo da pessoa sobre sua doenccedila que em geral ocorria na aplicaccedilatildeo da ciecircncia
dos meacutedicos Essa ciecircncia constituiu-se em parte por um conjunto de informaccedilotildees clinicas
recolhidas ao longo da praacutetica dos meacutedicos Esses relatos se constituiacuteram na cultura meacutedica
que passava de meacutedico para meacutedico e que devido ao acuacutemulo desse conhecimento
possibilitava ao meacutedico se adiantar ao relato do paciente sobre a sua doenccedila No entanto
conclui o autor ldquoa medicina existe porque haacute homens que se sentem doentes e natildeo porque
existem meacutedicos que os informam de suas doenccedilasrdquo (CANGUILHEM 2015 p 69)
Se por um lado o argumento exposto acima poderia ser contraposto a afirmaccedilatildeo de
que haacute doenccedilas que satildeo produzidas pela medicina a exemplo do erro de Charcot naquela
eacutepoca ou a questatildeo da patologizaccedilatildeo da vida cotidiana e a consequente medicalizaccedilatildeo do
sofrimento natildeo podemos deixar de considerar o argumento de Canguilhem a partir das
consideraccedilotildees de Leacuteriche de que primeiro existiu o doente antes mesmo de existir a doenccedila e
o meacutedico Amarante e Torre (2010) Foucault (2011) Serpa Juacutenior (sd) Todavia no cenaacuterio
95
atual da biomedicina e das praacuteticas em sauacutede o que se observa eacute que o discurso da pessoa
atendida em geral fica em uacuteltimo plano (CAMPOS 2013)
Jaacute na terceira alternativa na abordagem biopsicossocial que visa estudar a causa ou o
progresso de doenccedilas utilizando-se de fatores bioloacutegicos (geneacuteticos bioquiacutemicos etc)
fatores psicoloacutegicos (estado de humor de personalidade de comportamento etc) e fatores
sociais (culturais familiares socioeconocircmicos etc) que devem ser a abordagem do Meacutedico
de Famiacutelia A entidade doenccedila por si soacute eacute insatisfatoacuteria para entender o sofrimento da pessoa
que chega ao serviccedilo de sauacutede Portanto o meacutedico de famiacutelia deve considerar o usuaacuterio em
sua singularidade e inserccedilatildeo sociocultural buscando produzir uma atenccedilatildeo integral saindo do
modelo biologizante que apenas trata a doenccedila sem considerar o sujeito em sofrimento e todo
o seu entorno social cultural familiar (MOIRA STEWART et al 2010)
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Abel comeccedila seu discurso com a fala politicamente correta inicialmente eacute com a gente
mesmo demonstrando o princiacutepio da coordenaccedilatildeo do cuidado que recai na ESF Starfield
(2002) e de acordo com Lancetti (2013) o imperativo de resolver o maacuteximo de problemas na
regiatildeo evita o encaminhamento irresponsaacutevel dos profissionais e fundamentalmente aumenta
o grau de singularizaccedilatildeo da relaccedilatildeo equipeusuaacuterio No entanto observamos uma contradiccedilatildeo
nesse discurso quando Abel classifica os transtornos em transtorno mental comum
(transtorno de ansiedade depressatildeo somatizaccedilatildeo) transtorno mental grave (transtorno
psicoacutetico) e transtorno mental em crianccedila para diferenciar o que eacute acompanhado pela ESF e
o que eacute referenciado para outros serviccedilos Nesse caso o transtorno mental grave e o transtorno
mental em crianccedila satildeo referenciados para outros serviccedilos
De acordo com a atual poliacutetica puacuteblica de sauacutede mental o cuidado deve ser sempre
que necessaacuterio compartilhado com os demais serviccedilos da rede de sauacutede explorando-se ao
maacuteximo possiacutevel os recursos do territoacuterio com o objetivo de dar um passo a mais no
abandono da morada da psiquiatria e intensificar o status ontoloacutegico da cidadania sendo o
portador do transtorno ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicopatoloacutegicordquo Lancetti
(2013 p19) Tambeacutem encontramos outra contradiccedilatildeo em relaccedilatildeo ao encaminhamento dos
transtornos graves e em crianccedilas no discurso de Abel Pois ao relatar o encaminhamento natildeo
mencionou se a equipe de referecircncia continua com a responsabilidade compartilhada Natildeo
sendo possiacutevel portanto analisar como seria esse cuidado compartilhado com outros serviccedilos
No entanto Abel ao discorrer que a intervenccedilatildeo eacute multidimensional - envolve
medicamento grupos em sauacutede recomendaccedilotildees de ressocializaccedilatildeo trabalho com assistente
96
social agente de sauacutede cuidado com equipe matriciadora psiquiatra psicoacutelogo seja aqui
ou no CAPS retomou sua visatildeo inicial do Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial pois centralizou a
dinacircmica do trabalho na equipe e nas possiacuteveis necessidades do usuaacuterio e natildeo na sua
demanda de doenccedila Na ESF assim como na Atenccedilatildeo Psicossocial no interstiacutecio da praacutexis se
reforccedila o conceito de cidadania portanto as pessoas devem ser atendidas por Direito e natildeo por
demanda de doenccedila (LANCETTI 2013)
No discurso de Bartolomeu identificamos o meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa e a
abordagem que pode ser medicamentosa ou pode natildeo ser medicamentosa Percebemos nessa
fala uma tentativa de justificar e explicar a sua formaccedilatildeo discursiva em relaccedilatildeo a sua
concepccedilatildeo de casos de sauacutede mental uma vez que a cliacutenica centrada na pessoa enfatiza a
experiecircncia com a doenccedila ou seja o modo singular como cada pessoa eacute afetada pela doenccedila
A esse respeito Moira Stewart et al (2010) informa que essa proposta de atendimento ndash
cliacutenica centrada na pessoa - pressupotildee vaacuterias mudanccedilas na mentalidade do meacutedico e dos
demais profissionais de sauacutede Em primeiro lugar a noccedilatildeo hieraacuterquica de que o profissional
estaacute no comando e de que a pessoa eacute passiva natildeo se sustenta nessa abordagem Para ser
centrado na pessoa o profissional de sauacutede precisa dar o poder a pessoa que estaacute sendo
atendida compartilhar o poder no relacionamento e isso significa renunciar ao controle que
tradicionalmente fica nas matildeos do profissional Esse eacute o imperativo moral do meacutetodo centrado
na pessoa Ao concretizar essa mudanccedila de valores o profissional experimentaraacute os novos
direcionamentos que o relacionamento pode assumir quando o poder eacute compartilhado Manter
uma posiccedilatildeo sempre objetiva em relaccedilatildeo agraves pessoas produz uma insensibilidade ao sofrimento
humano que eacute inaceitaacutevel ldquoSer centrado na pessoa requer o equiliacutebrio entre o subjetivo e o
objetivo em um encontro entre mente e corpordquo (MOIRA STEWART et al 2010 p23)
O meacutetodo da cliacutenica centrada na pessoa possui seis componentes interativos que
formam um conjunto de orientaccedilotildees para que o profissional de sauacutede consiga uma abordagem
mais centrada na pessoa Os trecircs primeiros componentes interativos englobam o processo
entre a pessoa e o profissional de sauacutede Os trecircs seguintes concentram-se primariamente no
contexto no qual a pessoa que busca atendimento e o profissional interagem facilitando
inclusive o ensino e a pesquisa Portanto no discurso de Bartolomeu tambeacutem eacute possiacutevel notar
a presenccedila de um conhecimento meacutedico mais especifico e direcionado ao ensino marcando a
fala do entrevistado enquanto preceptor meacutedico
Hoje eu atuo como preceptor aqui na Cliacutenica da Famiacutelia entatildeo a minha rotina
costuma ser diferente dos meacutedicos residentes eu fico na retaguarda
97
Ressalto que na funccedilatildeo de meacutedicos preceptores os entrevistados deixaram
transparecer uma preocupaccedilatildeo com a formaccedilatildeo em Medicina de Famiacutelia e Comunidade que
considere o usuaacuterio em seu contexto social e familiar Para Campos (2005) a realidade social
e cultural dos indiviacuteduos deve ser a referecircncia para o trabalho meacutedico na APS pois o esforccedilo
sistemaacutetico de enquadramento e classificaccedilatildeo dos usuaacuterios em quadros nosoloacutegicos pode ser
uma tarefa frustrante Os usuaacuterios se apresentam em sua mais completa dimensatildeo humana
porque estatildeo imersos em sua cultura contexto e ambiente trazendo para o Medicina de
Famiacutelia e Comunidade toda a dimensatildeo dos problemas desafios expectativas e conflitos que
se colocam no dia a dia
Aleacutem dos processos de adoecimento estes estatildeo sempre acompanhados de agravos
queixas vagas e incocircmodos mal definidos que desafiam a Medicina de Famiacutelia e Comunidade
a reconhecer semiologicamente os aspectos e dimensotildees biopsicossociais dos quadros que se
apresentam Haacute que se perceber que muitas queixas vagas padecimentos e carecimentos
trazidos satildeo um pretexto e um chamamento para que o profissional se aprofunde em um
conhecimento mais abrangente e integral dos processos de sauacutede e doenccedila (RODRIGUES
1998)
A abordagem familiar representa um desafio a mais Compreender a dinacircmica das
relaccedilotildees familiares impactando sobre a sauacutede e a doenccedila e suas formas de evoluccedilatildeo requer
uma aguccedilada capacidade de observaccedilatildeo e interaccedilatildeo Em sentido oposto o meacutedico de famiacutelia e
comunidade necessita avaliar o impacto da doenccedila na dinacircmica familiar e compreender os
muacuteltiplos impactos em termos de sofrimento e outras repercussotildees sobre as interaccedilotildees
familiares Os papeacuteis representados pelos membros da famiacutelia os equiliacutebrios e desequiliacutebrios
que se estabelecem no nuacutecleo familiar satildeo parte deste processo (CAMPOS 2005)
Recomendaccedilotildees
Em relaccedilatildeo as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF ambos
os discursos (Abel e Bartolomeu) trouxeram agrave tona a importacircncia da formaccedilatildeo e da educaccedilatildeo
continuada para exercer a contento as accedilotildees a serem desenvolvidas Pensando dessa forma
nos reportamos a Amarante (2007) quando destaca ser importante que as equipes recebam
apoio matricial atraveacutes dos Nuacutecleos de Apoio agrave Sauacutede da Famiacutelia ndash NASF para conduzir os
casos de sauacutede mental de forma mais adequada e tambeacutem que recebam a formaccedilatildeo continuada
a partir da vivencia cotidiana dos serviccedilos A falta de capacitaccedilatildeo de algumas categorias
profissionais para lidar com os problemas de sauacutede mental pode produzir grande sofrimento
98
psiacutequico e comprometer a resolutividade da intervenccedilatildeo (ONOCKO CAMPOS GAMA
2013)
Abel e Bartolomeu pontuaram tambeacutem a ampliaccedilatildeo do nuacutemero de CAPS e demais
equipamentos substitutivos ao modelo manicomial O que sugere um conhecimento sobre a
Reforma Psiquiaacutetrica e a importacircncia do aumento do nuacutemero de dispositivos extramuros para
sua concretizaccedilatildeo com intervenccedilotildees voltadas para a comunidade sua cultura e menos
medicalizadora explorando tambeacutem os recursos do territoacuterio e trazendo para o centro da cena
o sujeito em sofrimento e sua famiacutelia
Quanto a recomendaccedilatildeo de diminuir o nuacutemero de usuaacuterio atendidos por equipe
mencionada por Bartolomeu a atual Poliacutetica Nacional da Atenccedilatildeo Baacutesica recomenda que
cada EqSF fique responsaacutevel por no maacuteximo 4000 pessoas sendo a meacutedia recomendada de
3000 respeitando os criteacuterios de equidade para essa definiccedilatildeo Dessa forma o nuacutemero de
pessoas por equipe deve considerar o grau de vulnerabilidade das famiacutelias daquele territoacuterio
ou seja quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deveraacute ser o nuacutemero de pessoas por
equipe (BRASIL 2012)
Na unidade campo do estudo o nuacutemero de usuaacuterio por equipe em ordem crescente era
de 2432 2763 e 3151 Considerando a aacuterea de cobertura do Morro Santa Marta territoacuterio
de alta vulnerabilidade e o bairro plano de classe meacutedia supostamente de baixa
complexidade o nuacutemero de usuaacuterios encontra-se dentro do recomendado pelo Ministeacuterio da
Sauacutede O que nos leva a seguinte reflexatildeo ldquoEacute possiacutevel que com a carga de doenccedilas e de
necessidades desses grupos populacionais o nuacutemero de famiacutelias sob responsabilidades de
cada equipe extrapole sua capacidade de respostardquo (FERRAZ e AERTS 2005 p353)
99
622 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Meacutedicos Residentes
Figura 2 - Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Meacutedicos Residentes
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
algum grau de sofrimento psiacutequico com repercussatildeo
na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na
forma como ele se relaciona no trabalho na
comunidade
envolve alguma alteraccedilatildeo psiquiaacutetrica ou psicoloacutegica
qualquer tipo de sofrimento emocional psiacutequico ou
doenccedilas como esquizofrenia alucinaccedilotildees qualquer
usuaacuterio de drogas
tanto um transtorno de ansiedade mais leve com
prejuiacutezo funcional ou de insocircnia quanto sauacutede mental
mais grave como esquizofrenia e tambeacutem
alcoolismo uso de drogas iliacutecitas
qualquer sofrimento psiacutequico desde uma depressatildeo
profunda euforia agrave pessoa estaacute sentindo que natildeo estaacute
bem psicologicamente
pisando em ovos
soacute com a escuta ativa a gente consegue acompanhar eu natildeo
encaminho agora se for alguma outra situaccedilatildeo hoje a gente
consegue encaminhar por causa do NASF
primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas
abertas e deixo a pessoa falar aquilo que ela tem
necessidade de falar
geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o
paciente se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel em
tratar ou que eu ache que sei manejar bem
eu tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com
algum preceptor primeiro ou com a psicoacuteloga tento ver com
o agente comunitaacuterio colher melhor uma histoacuteria de vida
faccedilo um familiograma vejo como estaacute o ciclo vital
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Ampliar nuacutemero e a carga horaacuteria do NASF com maior tempo de psicologia e mais atividades de grupo
Ter uma rede mais integrada
Talvez ter mais investimento em CAPS
Ter mais cursos de formaccedilatildeo capacitaccedilatildeo melhor dos profissionais que trabalham na atenccedilatildeo primaacuteria
para alivio da sobrecarga do secundaacuterio e terciaacuterio e continuar a capacitaccedilatildeo nas interconsultas
Ter serviccedilo de terapia ocupacional mais fortalecido
ldquo
100
Durante as entrevistas pude observar o quanto satildeo latentes a busca pelo aprendizado e
a satisfaccedilatildeo do fazer cotidiano na sauacutede da famiacutelia para esses profissionais em formaccedilatildeo
como por exemplo nas falas
Na verdade tem uma questatildeo pessoal e uma coisa ideoloacutegica eu gosto muito de
ouvir as histoacuterias das pessoas e aiacute por eu acreditar nessa ideologia da atenccedilatildeo primaacuteria eu
resolvi fazer (Betino)
No uacuteltimo ano quase me formando no estaacutegio obrigatoacuterio do internato conheci a
Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia que eu natildeo conhecia antes eu passei minha formaccedilatildeo toda
no hospital terciaacuterio de referecircncia vendo doenccedilas raras quando tive contato com a
realidade com o cotidiano com as doenccedilas mais comuns foi quando eu me senti realmente
meacutedica (Accedilucena)
Outro ponto de destaque que apareceu no iniacutecio da entrevista de Acaacutecio foi o eterno
dilema entre a Sauacutede Coletiva e a Cliacutenica Meacutedica Tradicional quando discorre sobre a reaccedilatildeo
de seus pais quando ele disse que faria a residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade
investimos tanto em vocecirc e vocecirc vai ser meacutedico de postinho
De um lado a Sauacutede Coletiva com sua visatildeo mais ampla sobre o processo sauacutede-
doenccedila considerando a determinaccedilatildeo social a intersetorialidade e a multidisplinaridade em
sauacutede na construccedilatildeo de mais qualidade de vida a toda populaccedilatildeo De outro a Cliacutenica Meacutedica
tradicional com sua visatildeo cartesiana sobre o adoecer A doenccedila do sujeito eacute o objeto de
estudo natildeo o sujeito da doenccedila Assim o que deve ser estudado e tratado eacute uacutenica e
exclusivamente a doenccedila e se alguma coisa natildeo foi bem eacute culpa do indiviacuteduo que natildeo seguiu a
terapecircutica prescrita Nesse modo de pensar em sauacutede o meacutedico eacute o detentor do conhecimento
e centraliza todo o atendimento supervalorizando o saber profissional especializado e
desvalorizando o saber do sujeito que adoece O que acaba gerando muita dependecircncia do
saber profissional e pouca autonomia do saber do sujeito sobre o seu processo de
adoecimento
No campo da Sauacutede Coletiva falar sobre cuidados primaacuterios em sauacutede eacute trazer a
importacircncia da promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo em sauacutede levando em consideraccedilatildeo o contexto social
econocircmico e cultural da populaccedilatildeo E a Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) eacute uma
especialidade clinica orientada para os cuidados primaacuterios ou seja
Satildeo meacutedicos pessoais principalmente responsaacuteveis pela prestaccedilatildeo de
cuidados abrangentes e continuados a todos os indiviacuteduos que os
procurem independentemente da idade sexo ou afecccedilatildeo Cuidam de
101
indiviacuteduos no contexto das suas famiacutelias comunidades e culturas
respeitando sempre a autonomia dos seus pacientesrdquo (WONCA 2002)
Embora a MFC tenha uma abordagem mais humanizada solidaacuteria e coletiva segundo
a Sociedade Brasileira de Medicina de Famiacutelia e Comunidade o reconhecimento dessa
especialidade em nosso paiacutes ainda natildeo tem o prestiacutegio e nem o meacuterito que faz jus devido a
diversos fatores De um lado tanto a sociedade quanto o coletivo meacutedico em geral continuam
categorizando-a como a ldquoMedicina dos pobresrdquo principalmente pelo modo como se deu a
implementaccedilatildeo do Programa de Sauacutede da Famiacutelia no Brasil voltado primeiramente para aacutereas
de grande vulnerabilidade e risco social ndash ldquoum programa pobre para pobrerdquo Diferentes de
paiacuteses europeus e da Ameacuterica Central como Canadaacute onde o Meacutedico de Famiacutelia tem o
reconhecimento natildeo soacute de seus colegas especialistas como de toda a populaccedilatildeo independente
da classe social ao qual pertence (VICENTE et al 2012)
Nesses paiacuteses para a populaccedilatildeo o meacutedico de famiacutelia eacute o profissional de referecircncia para
qualquer problema de sauacutede uma vez que o sistema de sauacutede estaacute estruturado na Atenccedilatildeo
Primaacuteria agrave Sauacutede Aqui no Brasil ateacute o final dos anos 80 essa cultura do meacutedico de famiacutelia
era vista como apareceu na entrevista com os profissionais ldquomeacutedico de ricordquo pois era um
profissional caro e soacute quem podia pagar usufruiacutea dessa modalidade Com a implantaccedilatildeo do
Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e das Leis 808090 e 814290 a sauacutede passou a ser um
direito de todos e dever do Estado O que foi uma grande conquista de cidadania Um sistema
de sauacutede universal exigiu rever outras formas de organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em sauacutede Saindo de
um modelo centrado no hospital e nas doenccedilas para outro centrado nas comunidades e nas
pessoas
Por outro lado temos a super valorizaccedilatildeo das especialidades com atrativa oferta do
mercado privado que atrai os meacutedicos especialistas com grande rentabilidade e prestiacutegio
social Este modelo tem claras repercussotildees negativas para o sistema de sauacutede e para a
sociedade porque oferece uma atenccedilatildeo fragmentada sem coordenaccedilatildeo entre niacuteveis de
assistecircncia o que potencializa a polimedicaccedilatildeo e a iatrogenia para uma populaccedilatildeo cada vez
mais envelhecida com problemas mais complexos e com maior necessidade de coordenaccedilatildeo
do cuidado (JUSTINO OLIVER MELO 2016 e MENDES 2012)
Mais um ponto marcante no discurso dos meacutedicos residentes foi em relaccedilatildeo a carga
horaacuteria da residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade surgiu uma queixa-denuacutencia de
que a carga horaacuteria praacutetica eacute muito grande ou seja o tempo que permanecem na CF eacute muito
extenso e que gostariam de ter mais tempo para se dedicarem a carga horaacuteria teoacuterica ou seja
102
para estudar mais a teoria dos casos interessantes atendidos como apontado nos discursos
abaixo
Aqui eacute uma formaccedilatildeo acadecircmica tambeacutem muito voltada para o treinamento em
serviccedilo de matildeo-de-obra mesmo gostaria de ter uma tranquilidade de trabalho para meu
aperfeiccediloamento apesar da carga horaacuteria natildeo facilitar isso natildeo me permitir isso aqui a
gente tem uma carga horaacuteria que cobre cerca de sessenta horas semanais mesmo (Accedilucena)
Eu tenho uma agenda padratildeo que eu trabalho de segunda agrave sexta de oito agraves oito uma
hora pra almoccedilo (Cesaacuterio)
Apareceram tambeacutem queixas relativas a sobrecarga de atendimentos diaacuterios aleacutem da
agenda programada (consultas dos programas do Ministeacuterio da Sauacutede diabetes hipertensatildeo
sauacutede da crianccedila etc) atendiam agrave demanda livre (pessoas que procuram a unidade por algum
problema de sauacutede mais agudo sem agendamento) Embora o enfermeiro tambeacutem ajude no
atendimento das demandas livres o profissional meacutedico fica mais uma vez no centro do
cuidado agrave medida que fica muito no modelo queixa-conduta sem tempo haacutebil para outras
abordagens em sauacutede como representado nos discursos
Eacute basicamente atendimento Aqui na cliacutenica eu natildeo faccedilo promoccedilatildeo em sauacutede fora da
cliacutenica a promoccedilatildeo e a prevenccedilatildeo que a gente faz satildeo dentro do consultoacuterio com cada
paciente (Braacuteulio)
Agenda padratildeo a gente tenta abordar tudo o que o meacutedico de famiacutelia tem que
aprender e tem que desenvolver entatildeo eu atendo preacute-natal puericultura sauacutede mental sauacutede
do idoso sauacutede do homem sauacutede da mulher e enfim Eu atendo de tudo faccedilo procedimento
tambeacutem no meu caso a minha agenda pra marcar comigo soacute finalzinho de
setembroimportante ressaltar talvez que a gente natildeo bloqueia a nossa agenda ela eacute aberta
qualquer demanda que uma pessoa tiver marca com a gente (Cesaacuterio)
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Em relaccedilatildeo ao guia para analise lsquocompreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mentalrsquo embora os meacutedicos residentes tenham usado muito o termo ldquosofrimento psiacutequicordquo
que aparece em 4 dos 5 discursos utilizaram tambeacutem termos teacutecnicos mais meacutedicos como
alteraccedilatildeo psicoloacutegica ou psiquiaacutetrica esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade
depressatildeo euforia deixando assim bem demarcado o lugar de onde falam - profissional
meacutedico com formaccedilatildeo biomeacutedica tradicional cartesiana O que prevaleceu nos discursos foi
uma compreensatildeo e percepccedilatildeo muito voltada ainda para a patologia e o diagnoacutestico meacutedico
103
Resultado dos programas de ensino onde aprendem dar atenccedilatildeo excessiva aos diagnoacutesticos e
insuficiente atenccedilatildeo agrave compreensatildeo da pessoa como um todo
O estranhamento dos profissionais em relaccedilatildeo agrave proposta de problematizaccedilatildeo das
denominaccedilotildees psiquiaacutetricas assim como apontou Basaglia (2010 [1969]) sinaliza para a
ausecircncia de uma dialeacutetica demonstrando que o universo de significaccedilatildeo do sofrimento teria
se tornado unidimensional A dialeacutetica compreendida como a explicitaccedilatildeo das diferentes
posiccedilotildees opostas ou natildeo preservaria uma margem de liberdade necessaacuteria a qualquer
possibilidade terapecircutica (idem) O uso quase exclusivo da linguagem psiquiaacutetrica como
modo de significaccedilatildeo do sofrimento poderia criar entatildeo uma intoleracircncia agraves outras formas de
nomeaccedilatildeo Dessa maneira como afirmou Basaglia (2010 [1969] p158) ldquoSe o doente mental
sofre a impossibilidade de viver dialeticamente a proacutepria realidade tais instituiccedilotildees
lsquoterapecircuticasrsquo natildeo o ajudaratildeo a recuperar essa capacidade perdida ou jamais possuiacutedardquo
No caso da CF estudada a capacidade dialeacutetica perdida ou jamais possuiacuteda natildeo
esteve presente em quatro discursos dos meacutedicos residentes entrevistados Constatei essa
realidade unidimensional de nomeaccedilatildeo do ldquocasordquo de sauacutede mental ainda no modelo
biomeacutedico nesses discursos Dessa maneira a loacutegica de apreensatildeo do adoecimento natildeo seria
terapecircutica para as pessoas em situaccedilatildeo de sofrimento pois satildeo modos de apreensatildeo muito
distintos das experiecircncias humanas que dizem respeito ao estar saudaacutevel ou adoecido
A fala de Acaacutecio foi a que se diferenciou nesse conjunto pois apresentou uma
compreensatildeo da cliacutenica centrada na pessoa Algum grau de sofrimento psiacutequico com
repercussatildeo na qualidade de vida ou na dinacircmica familiar na forma como ele se relaciona
no trabalho na comunidade Eacute importante relatar que esse entrevistado declarou jaacute ter uma
especializaccedilatildeo em Sauacutede da Famiacutelia antes de entrar para o curso de residecircncia O que pode
ter influenciado na sua compreensatildeo e percepccedilatildeo mais holiacutestica dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Foi o primeiro entrevistado a se voluntariar a participar da pesquisa
Considerando as falas dos quatro profissionais e excluindo a fala de Acaacutecio quando
falamos de patologia ou normalidade qual a primeira coisa em que pensamos efetivamente
Existem duas maneiras de pensar a respeito desse problema Pensar refletir sobre o que eacute a
normalidade e em segundo lugar quais satildeo as demandas sociais com respeito aos sintomas
psicopatoloacutegicos O conceito de normalidade em psicopatologia eacute questatildeo de grande
controveacutersia implicando tambeacutem a proacutepria definiccedilatildeo do que eacute sauacutede e transtorno mental
Podendo variar consideravelmente em funccedilatildeo dos fenocircmenos especiacuteficos com os quais se
trabalha com os objetivos que se tem em mente (pode-se utilizar a associaccedilatildeo de vaacuterios
104
criteacuterios de normalidade ou transtorno) e de acordo com as opccedilotildees filosoacuteficas de cada
profissional (DALGALARRONDO 2008)
A tese defendida por Canguilhem (2015) em seu ensaio ldquoO normal e o patoloacutegicordquo eacute a
de que os problemas das estruturas e dos comportamentos patoloacutegicos humanos seratildeo mais
facilmente compreendidos se tomados como um todo uacutenico natildeo isoladamente De forma que
os fenocircmenos patoloacutegicos seriam idecircnticos aos fenocircmenos normais correspondentes sendo as
variaccedilotildees de ordem unicamente quantitativas A medicina natildeo sendo uma ciecircncia em si mas
se apropriando dos resultados de todas as ciecircncias a serviccedilo das normas da vida
No campo da Sauacutede mental o nuacutecleo da psiquiatria tem especial vulnerabilidade agrave
manipulaccedilatildeo da fronteira entre a normalidade e a doenccedila por carecer de testes bioloacutegicos e ser
muito dependente de julgamentos subjetivos (FRANCES 2016)
Frances (2016) afirma que eacute bom conhecer e utilizar as definiccedilotildees do DSM mas natildeo
reificaacute-las ou veneraacute-las Pois ao diagnosticar e tratar eacute crucial ter sensibilidade para as
diferenccedilas culturais A classificaccedilatildeo dos transtornos mentais pelo DSM natildeo passa de uma
coleccedilatildeo de constructos faliacuteveis e limitados que busca poreacutem jamais encontra a verdade ndash mas
essa continua sendo a melhor forma de comunica-los trata-los e pesquisa-los Embora as
definiccedilotildees do DSM encubram individualidades e diferenccedilas Muito se perde entre a rica
diversidade de experiecircncias individuais e o conjunto de criteacuterios escolhidos pra definir
determinado diagnostico Esses natildeo incluem fatores pessoais e contextuais essenciais agrave
cliacutenica do meacutedico de famiacutelia e comunidade
Se pensarmos que esses profissionais meacutedicos estatildeo ali em um processo de formaccedilatildeo
em Medicina de Famiacutelia e Comunidade (MFC) espera-se que ao longo dessa trajetoacuteria o
meacutedico seja capaz de desenvolver uma abordagem centrada na pessoa orientada para o
indiviacuteduo a sua famiacutelia e comunidade conforme recomendado pela Wonca (2002) Ao
contraacuterio das demais especialidades que focam o paciente segundo um corpo de
conhecimentos particulares pela condiccedilatildeo etaacuteria ou de gecircnero ou ainda voltado para as
doenccedilas ligadas a determinados sistemas orgacircnicos a procedimentos e teacutecnicas especiais a
MFC tem como foco de atuaccedilatildeo a pessoa Embora em qualquer especialidade o meacutedico deva
atuar necessariamente tendo como referecircncia a pessoa na MFC este foco eacute a principal
vertente do trabalho e condiciona as suas demais dimensotildees
Tendo a vista a MFC ter como foco a abordagem na pessoa ela torna-se singular pelas
seguintes razotildees a atuaccedilatildeo natildeo se funda e natildeo se limita a um problema de sauacutede potencial ou
identificaacutevel tecnicamente quem define o problema eacute a pessoa o viacutenculo meacutedico-paciente
natildeo cessa pela cura fim de um tratamento e pode se iniciar sem que nenhuma doenccedila tenha
105
ainda sido manifestada Eacute portanto definida como uma relaccedilatildeo natildeo associada a uma razatildeo
especiacutefica o que a torna diferenciada frente agraves demais especialidades
Desse modo a abordagem centrada na pessoa pressupotildee que os contatos que se faccedilam
entre meacutedico e paciente possam se dar considerando o conhecimento e a vivecircncia aprofundada
dos muacuteltiplos aspectos do indiviacuteduo Aprimoram-se a confianccedila e o viacutenculo aspectos uacuteteis
para a melhoria da sauacutede Conhecer a realidade familiar e comunitaacuteria do indiviacuteduo
potencializa este tipo de foco Esta resoluccedilatildeo se baseia na constataccedilatildeo de que inuacutemeras
doenccedilas natildeo podem ser totalmente compreendidas sem serem vistas em seu contexto pessoal
familiar e comunitaacuterio (Moira Stewart et al 2010)
Poreacutem como jaacute discutido o discurso biomeacutedico baseado em uma linguagem
classificatoacuteria com categorias diagnoacutestica ainda se faz muito presente entre os profissionais
meacutedicos residentes de MFC influecircncia do modelo flexneriano de formaccedilatildeo meacutedica que
preconizava o estudo cientiacutefico e parcializado do paciente estritamente no ambiente dos
hospitais universitaacuterios Nesse modelo de formaccedilatildeo como formar profissionais com uma
percepccedilatildeo voltada para o indiviacuteduo e natildeo para a doenccedila
Apesar dos diferenciados momentos histoacutericos de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dos
diversos cursos da aacuterea da sauacutede somente em 2001 com a instituiccedilatildeo das Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduaccedilatildeo estes passaram por um processo
de reorganizaccedilatildeo de seus curriacuteculos (conteuacutedos carga horaacuteria e atribuiccedilotildees) visando atender a
novas exigecircncias do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
Em resumo a Atenccedilatildeo Baacutesica de qualidade implica na discussatildeo pelo aparelho
formador da natureza e desafios da especializaccedilatildeo do recurso meacutedico e dos demais
profissionais voltados para prestar uma atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede de qualidade Este esforccedilo
deve estar na pauta de prioridades de todos os setores envolvidos no fortalecimento do SUS
uma vez que se torna cada vez mais um consenso em todo o mundo que a sauacutede da populaccedilatildeo
depende mais da disponibilidade de uma boa atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede do que de avanccedilos dos
recursos teacutecnicos e cientiacuteficos presentes nos hospitais Espera-se que esforccedilos no sentido de
problematizar a formaccedilatildeo de recursos deste campo de saber sejam aprofundados A ideacuteia de
que para trabalhar no Campo da Atenccedilatildeo Primaacuteria basta disposiccedilatildeo boa vontade dedicaccedilatildeo
conhecimentos adquiridos na graduaccedilatildeo e experiecircncia em praacuteticas comunitaacuterias nos parece
argumentos insuficientes para consolidar a especialidade e alcanccedilar uma praacutetica meacutedica
qualificada que resulte em um impacto para a sauacutede da populaccedilatildeo a meacutedio e a longo prazo
(CAMPOS 2005)
106
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental
Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental os meacutedicos residentes
entrevistados ao mesmo tempo em que demonstraram certo receio ou ateacute mesmo medo na
abordagem como podemos observar na fala de Acaacutecio pisando em ovos e complementada
durante a entrevista a gente fica com medo de falar alguma coisa e complicar o quadro Por
outro lado demonstraram certa seguranccedila nessa abordagem
Primeiro eu dou espaccedilo de fala para eles eu faccedilo perguntas abertas e deixo a pessoa
falar aquilo que ela tem necessidade de falar (Accedilucena)
Geralmente eu natildeo encaminho logo de cara natildeo acolho o paciente se for uma coisa
que eu me sinta confortaacutevel em tratar ou que eu ache que sei manejar bem (Cesaacuterio)
Durante as entrevistas e a observaccedilatildeo sistemaacutetica os meacutedicos residentes apresentaram
disponibilidade para acolher e escutar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental pois se sentiam apoiados
seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra e psicoacutelogo) o que faz toda a
diferenccedila no cotidiano das equipes transmitindo seguranccedila no trabalho desenvolvido Eu
tento acionar o NASF aqui na Cliacutenica discuto com algum preceptor primeiro ou com a
psicoacuteloga tento ver com o agente comunitaacuterio colher melhor a histoacuteria de vida (Betino)
Praticamente natildeo existem encaminhamentos externos imediatos Os casos satildeo
discutidos em conjunto com o NASF e somente os casos que de fato extrapolam as linhas de
cuidado da ESF satildeo referenciados para outros serviccedilos mas com o acompanhamento da
equipe Alguns exemplos de serviccedilos para os quais estes casos satildeo encaminhados satildeo o
CAPSi da UFRJ que eacute o serviccedilo de referencia para crianccedilas e adolescentes no qual pude
observar uma parceria de trabalho de ambos os lados e o CAPSad referencia para o cuidado
de aacutelcool e drogas que agrave eacutepoca natildeo estava recebendo casos novos devido a uma crise do
governo estadual
Os meacutedicos residentes tambeacutem apresentaram muita clareza quanto a um dos atributos
essenciais da atenccedilatildeo primaacuteria que eacute a coordenaccedilatildeo do cuidado assumindo a responsabilidade
pelo acompanhamento do plano terapecircutico do usuaacuterio proposto pela unidade referenciada
Escuta histoacuteria de vida familiograma e ciclo vital foram alguns conceitos importantes
usados durante as entrevistas marcando a especificidade da cliacutenica em MFC onde o centro eacute
a pessoa em atendimento tal como na cliacutenica da atenccedilatildeo psicossocial onde o foco eacute a pessoa
e sua existecircncia-sofrimento
O ato da escuta eacute um ato primordial em qualquer cliacutenica mas na MFC e na atenccedilatildeo
psicossocial eacute a ferramenta principal de trabalho possibilitando a pessoa ser ouvida e ouvir-
se o que em muitos casos jaacute eacute um esvaziamento da sua angustia trazendo um alivio
107
imediato Daiacute a importacircncia desse espaccedilo possibilitando um entendimento melhor caso a caso
e prevenindo o uso de medicalizaccedilatildeo desnecessaacuteria
No diaacuterio de campo relatei o projeto desenvolvido pelo farmacecircutico da CF que faz
uma listagem das pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica controlada por equipe Sendo
uma preocupaccedilatildeo dos meacutedicos residentes rever analisar e se possiacutevel diminuir ou ateacute mesmo
retirar algumas medicaccedilotildees em conjunto com o NASF e a preceptoria Haacute algumas situaccedilotildees
em que repetem prescriccedilotildees de pessoas que jaacute fazem uso prolongado de medicaccedilatildeo controlada
e satildeo de responsabilidade da CF mas esses profissionais relataram ter senso criacutetico de
questionar o uso prolongado e natildeo naturalizar o ato de soacute ldquorepetirrdquo deixando claro isso com o
usuaacuterio no momento do atendimento
Importante ressaltar a importacircncia desse treinamento em sauacutede mental dos
profissionais do NASF com os meacutedicos residentes em formaccedilatildeo embora tambeacutem tivessem
matriciamento em dermatologia onde inclusive realizavam pequenos procedimentos
ciruacutergicos na proacutepria CF e tambeacutem matriciamento em fisioterapia
A inserccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na sauacutede geral tendo como ponto de apoio a
APS por meio da ESF vai ao encontro dos objetivos propostos no Plano de Accedilatildeo Global para
a Sauacutede Mental 2013-2020 que preconiza atenccedilatildeo comunitaacuteria com serviccedilos de base
territorial auxiliando assim a diminuir o gap entre as pessoas que realmente precisam de
cuidado treinando os profissionais generalistas e melhorando o acesso ao cuidado agrave
populaccedilatildeo Eacute sabido tambeacutem que um cuidado de responsabilidade exclusiva do especialista
aumenta o gap do acesso ao tratamentoacompanhamento O que estaacute em consonacircncia com as
poliacuteticas puacuteblicas do nosso SUS acesso universal integralidade equidade e hierarquizaccedilatildeo
A facilidade do acesso com o funcionamento do horaacuterio estendido da unidade (8 agraves
20hs) foi um ponto crucial citado durante as entrevistas pelos meacutedicos residentes pois
acreditavam que as pessoas que trabalham em horaacuterio comercial tinham agora a oportunidade
de procurar a unidade de sauacutede e ir agraves consultas O que acreditavam melhorar o grau de sauacutede
das pessoas com essa oportunidade de horaacuterio depois do trabalho Martinez (2016) considera
que embora alguns autores avaliem o acesso centrado apenas na provisatildeo e no financiamento
dos serviccedilos de sauacutede outros vecircm o acesso como algo relacionado com a interaccedilatildeo entre o
sistema de sauacutede e os indiviacuteduos ou famiacutelias de tal forma que o acesso de algueacutem a alguma
coisa implica uma relaccedilatildeo
Jaacute no ano de 1973 Donabedian e posteriormente em 1981 Penchansky e
Thomas definiram o acesso como o grau de adequaccedilatildeo entre o sistema de sauacutede e seus
usuaacuterios ou seja se refere agrave interaccedilatildeo do sistema de sauacutede com os indiviacuteduos e a dos
108
indiviacuteduos com os sistemas de sauacutede A interaccedilatildeo dinacircmica e relacional estaacute centrada na troca
de informaccedilotildees pelo que a dinacircmica do acesso estaacute determinada pela qualidade da
comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos reafirmando a importacircncia do horaacuterio estendido
adotado pela unidade facilitando a circulaccedilatildeo dos usuaacuterios e o diaacutelogo com a equipe de sauacutede
Quanto ao familiograma a principal funccedilatildeo eacute organizar os dados referentes agrave famiacutelia e
seus processos relacionais e tem sido largamente usado como instrumento cliacutenico de trabalho
para o profissional de sauacutede em diversas aacutereas que permite uma visualizaccedilatildeo raacutepida e
abrangente da organizaccedilatildeo familiar e suas principais caracteriacutesticas constituindo um mapa
relacional onde satildeo registrados dados relevantes ao caso
Desse modo o familiograma possibilita analisar a estrutura da famiacutelia sua
composiccedilatildeo problemas de sauacutede situaccedilotildees de risco e padrotildees de vulnerabilidade Retrata a
histoacuteria familiar identificando sua estrutura funcionamento relaccedilotildees e conflitos entre os
membros Brasil (2013) Dados que satildeo essenciais para a cliacutenica da MFC para um melhor
entendimento do processo de adoecer de cada indiviacuteduo que estaacute diretamente relacionado a
sua histoacuteria de vida Facilita ainda a identificaccedilatildeo dos fatores de risco e de proteccedilatildeo de cada
indiviacuteduo conceitos caros a uma cliacutenica centrada na pessoa e natildeo na doenccedila que deve ser
reforccedilada o tempo todo na praacutetica da MFC Do contraacuterio corremos o risco patologizante das
accedilotildees capilarizadas de sauacutede aumentando o territoacuterio da doenccedila e natildeo da sauacutede
Apesar de se apropriarem de uma linguagem meacutedica classificatoacuteria para conceituar os
ldquocasosrdquo de sauacutede mental os entrevistados no manejo demonstraram uma praacutetica mais voltada
para accedilotildees de sauacutede ampliadas com escuta ativa atendimento centrado na pessoa visatildeo
holiacutestica e natildeo medicalizante Muitas vezes criticando o modelo biomeacutedico centrado no
especialismo na doenccedila e no hospital apontando que a escolha em fazer a especialidade em
MFC foi uma rota de fuga que encontraram para sair desse modelo mais duro Enfatizaram a
importacircncia dessa formaccedilatildeo para a sauacutede da populaccedilatildeo em geral e para o SUS mas tambeacutem
criticaram a natildeo valorizaccedilatildeo da especialidade por parte da populaccedilatildeo e do proacuteprio sistema
A populaccedilatildeo almeja ser atendida por um meacutedico especialista (cardiologista psiquiatra
ginecologista pediatra) e o sistema que muitas das vezes sobrecarrega este profissional
cobrando metas em quantidade de procedimentos e atendimentos Betino chegou a citar que o
tempo meacutedio de trabalho de um meacutedico de famiacutelia eacute de 5 anos tamanha a sobrecarga de
trabalho O que precisa ser melhor investigado dada a importacircncia desse profissional para a
promoccedilatildeo prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede de toda a nossa populaccedilatildeo
109
Recomendaccedilotildees
Os meacutedicos residentes solicitaram a ampliaccedilatildeo do nuacutemero e da carga horaacuteria dos
profissionais do NASF A equipe do NASF na unidade estudada eacute identificada como
modalidade 1 sendo composta agrave eacutepoca por um psiquiatra e uma psicoacuteloga profissionais
diretamente relacionados agrave aacuterea de sauacutede mental que matriciavam 08 (oito) equipes de Sauacutede
da Famiacutelia dividindo a carga horaacuteria em 02 (dois) turnos de 04 (quatro) horas para as 03
(trecircs) equipes da CF campo do estudo Pela Portaria GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 cada
NASF 1 deveraacute estar vinculado a no miacutenimo 5 (cinco) e no maacuteximo 9 (nove) Equipes de
Sauacutede da Famiacutelia eou equipes de Atenccedilatildeo Baacutesica para populaccedilotildees especiacuteficas (consultoacuterios
na rua equipes ribeirinhas e fluviais) Esta Portaria traz que a soma das cargas horaacuterias
semanais dos profissionais da equipe deve acumular no miacutenimo 200 (duzentas) horas
semanais e que nenhum profissional considerado isoladamente poderaacute ter carga horaacuteria
semanal menor que 20 (vinte) horas semanais Portanto de acordo com as recomendaccedilotildees do
MS o nuacutemero e a carga horaacuteria dos profissionais do NASF estaacute dentro do preconizado
A recomendaccedilatildeo de maior tempo do profissional de psicologia pode nos levar a refletir
sobre dois aspectos a dificuldade de lidar com o sofrimento humano e com a labilidade
emocional gerada resultando no encaminhamento precipitado para o profissional do campo
ldquopsirdquo Ou pela grande demanda de atendimento em sauacutede mental que chega na Atenccedilatildeo
Baacutesica O meacutedico de famiacutelia eacute o primeiro profissional meacutedico a atender o usuaacuterio em
condiccedilotildees de novas queixas ou necessidades O acesso ao profissional eacute priorizado nestas
condiccedilotildees de um problema novo devido a maior probabilidade de identificaccedilatildeo da origem e
da melhor conduta a ser tomada acrescentado da expectativa de que o profissional possa dar
uma resposta ao sofrimento de forma raacutepida e eficaz onde eacute estipulado um tempo de consulta
e metas para alcanccedilar uma alta produtividade diaacuteria Entatildeo o profissional meacutedico pressionado
a atender em tempo curto para dar conta do grande nuacutemero de consultas diaacuterias natildeo consegue
oferecer ao usuaacuterio o tempo de escuta necessaacuterio
Em relaccedilatildeo a recomendaccedilatildeo de ter uma rede mais integrada o sistema puacuteblico
brasileiro de atenccedilatildeo agrave sauacutede organiza-se segundo suas normativas em atenccedilatildeo baacutesica
atenccedilatildeo de meacutedia e de alta complexidade Portanto uma estrutura hieraacuterquica definida por
niacuteveis de ldquocomplexidadesrdquo crescentes e com relaccedilotildees de ordem e graus de importacircncia entre
os diferentes niacuteveis o que caracteriza uma hierarquia Essa concepccedilatildeo de sistema
hierarquizado segundo Mendes (2011) estaacute presente em sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave
sauacutede e apresenta seacuterios problemas teoacutericos e operacionais Ela fundamenta-se num conceito
de complexidade equivocado ao estabelecer que a atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede eacute menos
110
complexa do que a atenccedilatildeo nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio Esse conceito distorcido de
complexidade leva consciente ou inconscientemente a uma ldquobanalizaccedilatildeo da atenccedilatildeo primaacuteria
agrave sauacutede e a uma sobrevalorizaccedilatildeo seja material seja simboacutelica das praacuteticas que exigem maior
densidade tecnoloacutegica e que satildeo exercitadas nos niacuteveis secundaacuterio e terciaacuterio de atenccedilatildeo agrave
sauacutederdquo (MENDES 2011 p 51)
Para Mendes (2011) um sistema integrado de sauacutede que satildeo as Redes de Atenccedilatildeo agrave
Sauacutede (RASs) deve ser organizado atraveacutes de um conjunto coordenado de pontos de atenccedilatildeo agrave
sauacutede para prestar uma assistecircncia contiacutenua e integral a uma populaccedilatildeo definida atuando
equilibradamente sobre as condiccedilotildees agudas e crocircnicas
Ainda segundo esse autor sistemas fragmentados de atenccedilatildeo agrave sauacutede fortemente
hegemocircnicos satildeo aqueles que se organizam atraveacutes de um conjunto de pontos de atenccedilatildeo agrave
sauacutede isolados e incomunicaacuteveis uns dos outros e que por consequecircncia satildeo incapazes de
prestar uma atenccedilatildeo contiacutenua agrave populaccedilatildeo Em geral natildeo haacute uma populaccedilatildeo adscrita de
responsabilizaccedilatildeo Neles a APS natildeo se comunica fluidamente com a atenccedilatildeo secundaacuteria agrave
sauacutede e esses dois niacuteveis tambeacutem natildeo se articulam com a atenccedilatildeo terciaacuteria nem com os
sistemas de apoio nem com os sistemas logiacutesticos
Uma outra recomendaccedilatildeo dos meacutedicos residentes tambeacutem foi relacionado ao
investimento em formaccedilatildeo ou seja na educaccedilatildeo continuada a partir das vivencias cotidianas
do serviccedilo para alivio da sobrecarga nos niacuteveis secundaacuterios e terciaacuterios de atenccedilatildeo mas como
exposto acima para aleacutem das ldquocapacitaccedilotildeesrdquo com os profissionais da APS com o objetivo de
melhorar sua resolutividade diminuindo a procura por serviccedilos especializados e internaccedilotildees
desnecessaacuterias eacute primordial rever o modo de organizaccedilatildeo do sistema de atenccedilatildeo agrave sauacutede
brasileiro
A recomendaccedilatildeo de aumentar o investimento em dispositivos extra-hospitalares como
CAPS tambeacutem aparece no discurso dos meacutedicos residentes tal como apareceu no dos
meacutedicos preceptores acrescido de ter serviccedilos de terapia ocupacional mais fortalecidos
Demonstrando dessa forma um conhecimento sobre a necessidade desses dispositivos para
uma atenccedilatildeo em sauacutede mental que promova cidadania e construccedilatildeo da autonomia princiacutepios
orientados pela Reforma Psiquiaacutetrica
111
623 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Enfermeiros
Figura 3 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos significantes
Enfermeiros
Nuacutecleo discursivo Enfermeiro
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
Vou para o meacutedico da equipe falo que estou
sentindo que tem alguma coisa marco consulta e
matriciamento
Converso bem natildeo vejo o tempo da consulta
deixo o paciente se sentir a vontade falar se natildeo
quiser falar ok minha porta estaacute aberta quando
quiser pode voltar
Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para
o meacutedico avaliar
Dificuldade de relacionamento na escola ou em
casa famiacutelias desestruturadas aacutelcool drogas
violecircnciaai tem muita coisa
Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico
esquizofrenia momentos ou doenccedilas que o
paciente pode se tornar mais agressivo
Depressatildeo ansiedade algum transtorno alguma
doenccedila mental
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Capacitaccedilatildeo de toda a equipe e criar estrateacutegias que facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF no
trabalho em sauacutede mental
Aumentar nuacutemero e carga horaacuteria das equipes do NASF
Melhorar o fluxo dos serviccedilos (o que estaacute funcionando para onde referenciar)
112
As entrevistas evidenciaram que o profissional enfermeiro na ESF tem um leque de
atuaccedilatildeo muito amplo lideranccedila da equipe coordenaccedilatildeo das linhas de cuidado e de grupos
(tabagismo gestante) accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede nas escolas consultas e prescriccedilatildeo de
acordo com os programas do MS gerenciamento dos programas de imunizaccedilatildeo e doaccedilatildeo de
leite materno accedilotildees de educaccedilatildeo continuada de teacutecnicos de enfermagem e ACSs ateacute
atendimento cliacutenico das demandas livres Denomina-se demanda livre o atendimento das
pessoas que chegam agrave CF sem consulta agendada mas que apresentam alguma queixa de
sauacutede aguda
No discurso de Adaacutelia apareceu a resistecircncia da populaccedilatildeo em aceitar o atendimento
de um profissional enfermeiro no atendimento cliacutenico da demanda livre uma paciente
retrucou () eacute com vocecirc mas eu tocirc morrendo natildeo posso ser atendida por uma
enfermeira() demonstrando que natildeo soacute no discurso dos profissionais mas tambeacutem no da
populaccedilatildeo atendida haacute ainda uma presenccedila marcante do modelo meacutedico hegemocircnico que a
profissional sinaliza como
Um pouco de resistecircncia na parte da consulta cliacutenica e que tem que ter muita
paciecircncia para estar explicando a maioria entende e cria vinculo alguns natildeo entendem natildeo
querem saber e natildeo te aceitam (Adaacutelia)
A ESF cuja emergecircncia se deu em 1994 conforme jaacute exposto em seu histoacuterico
mediante a implantaccedilatildeo do PSF num processo lento e continuo de tensatildeo com o modelo
hegemocircnico tecnicista hospitalocentrico e medicalocentrico ainda eacute muito recente para a
populaccedilatildeo brasileira habituada ao atendimento meacutedico centrado e com foco nas
especialidades Tambeacutem apareceu no discurso dos meacutedicos residentes a resistecircncia da
populaccedilatildeo em ser atendida por um generalista e natildeo por um especialista Por outro lado haacute
tambeacutem uma insuficiecircncia de formaccedilatildeo profissional para atuaccedilatildeo qualificada na APS
resultando em deficiecircncias teacutecnicas (ANDRADE et al 2013)
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de Sauacutede Mental
No discurso dos enfermeiros observei uma visatildeo holiacutestica sobre ldquocasosrdquo de sauacutede
mental pontuado por Aacutedila Dificuldade de relacionamento na escola ou em casa No
entanto nos outros dois Claudomiro e Clemecircncia uma visatildeo ainda muito centrada no
modelo biomeacutedico na doenccedila e no diagnoacutestico Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico
esquizofrenia Importante destacar que a visatildeo holiacutestica apareceu no discurso de Aacutedila que
tem residecircncia em Sauacutede da Famiacutelia Os outros dois profissionais natildeo possuem especializaccedilatildeo
113
na aacuterea Daiacute a importacircncia do processo de formaccedilatildeo desconstruindo o modo de agir pensar e
fazer hegemocircnico centrado na doenccedila e no diagnoacutestico O que vai modificar o modo de
planejar e receber as accedilotildees de sauacutede tanto para o profissional como para a pessoa que procura
o serviccedilo e sua famiacutelia
Com a concepccedilatildeo mais ampliada de que ldquocasordquo de sauacutede mental pode estar
relacionado a dificuldades na escola ou em casa famiacutelia desestruturada violecircncia aacutelcool
drogas Aacutedila abre outras possibilidades de intervenccedilatildeo natildeo meacutedicas No entanto eacute necessaacuterio
lembrar que na loacutegica da SF os profissionais devem abandonar o ideologema - famiacutelia
desestruturada - e procurar ldquoentender quais satildeo as regularidades que organizam a vida do
coletivo as deposiccedilotildees acontecidas nos lsquoloucosrsquo drogados deprimidos ou crianccedilas-problema
na famiacutelia os sistemas que estruturam a vida desses coletivosrdquo (LANCETTI 2013 p119)
Ainda de acordo Lancetti (2013) eacute importante que os profissionais da ESF busquem
conhecer os modos que cada cultura possui para compreender o sofrimento e as maneiras de
superaacute-lo Pois as pessoas natildeo padecem de sofrimento fiacutesico e mental separadamente As
condiccedilotildees ambientais sociais e mentais formam parte de ecologias inter-relacionadas E eacute
produzindo mudanccedilas nessas esferas que se poderaacute alcanccedilar o impacto desejado do programa
Isto eacute promover sauacutede qualidade de vida reduzir o nuacutemero de internaccedilotildees o consumo
patoloacutegico e suicida de drogas ilegais e legais
Enquanto que uma concepccedilatildeo centrada no diagnoacutestico meacutedico presente nos discursos
de Claudomiro e Clemecircncia depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia doenccedila
mental pode refletir em accedilotildees mais engessadas reducionistas e medicalizantes Porque a
centralidade na doenccedila e natildeo na experiecircncia da doenccedila faz com que os profissionais de
sauacutede neste caso os enfermeiros percam oportunidades de reconhecer os sentimentos das
pessoas adequadamente e como resultado algumas emitem o mesmo sinal diversas vezes
como por exemplo procurando frequentemente a unidade de sauacutede e sendo repetidamente
ignoradas Daiacute a importacircncia de escutar a experiecircncia de estar adoecido e natildeo soacute o sintoma
procurando fornecer respostas empaacuteticas que ajudem as pessoas a se sentirem entendidas e
reconhecidas (MOIRA STEWART et al 2010)
Ao longo do discurso de Claudomiro observei uma contradiccedilatildeo dessa visatildeo
reducionista ao discorrer sobre a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede
Proporcionou-me entender o indiviacuteduo como um todo natildeo simplesmente um fiacutegado
um cacircncer um aneurisma () entendo que minha visatildeo profissional depois que eu entrei na
atenccedilatildeo baacutesica mudou bastante
114
Ao falar tambeacutem sobre o curso BABEL Claudomiro apontou a importacircncia da
formaccedilatildeo continuada para instrumentalizaccedilatildeo das equipes
Ajudou muito a me preparar e conhecer o programa de sauacutede mental porque ateacute
entatildeo para mim era uma coisa quase inexplorada quando a gente tinha algum paciente no
hospital de sauacutede mental chamava o psiquiatra quando tinha senatildeo fazia haldol e fenergan e
pronto () hoje me sinto mais sensiacutevel para identificar algum sofrimento psicoloacutegico
Pois para os profissionais da ESF em especial o enfermeiro liacuteder da equipe
(responsaacutevel pela supervisatildeo do trabalho dos teacutecnicos de enfermagem e dos ACSs) eacute essencial
a compreensatildeo de que os recursos da comunidade devem ser considerados e ativados em
primeiro lugar que qualquer processo terapecircutico consiste na ressignificaccedilatildeo do sintoma
sendo necessaacuterio para isso criar um dispositivo articulado agrave rede de sauacutede e que a invenccedilatildeo
deve fazer parte do meacutetodo de trabalho no SF Considerando assim que a pessoa portadora de
algum transtorno ou alguma doenccedila eacute ldquoprimeiro um cidadatildeo e depois um quadro psicoloacutegicordquo
(LANCETTI 2013 p 19)
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Embora para os enfermeiros entrevistados trabalhar no SF seja uma alternativa ao
modelo meacutedico representando mais autonomia e liberdade de trabalho com um campo de
atuaccedilatildeo mais amplo e bem mais complexo no manejo aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
demonstraram ainda estar dependentes do saber meacutedico
Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma coisa marco
consulta e matriciamento (Aacutedila)
Acolho vejo a queixa e marco uma consulta para o meacutedico avaliar (Clemecircncia)
Claudomiro embora pontue a escuta relata converso bem natildeo vejo o tempo da
consulta deixo o paciente se sentir agrave vontade falar () ao fazer um relato de uma usuaacuteria
atendida que seria um suposto ldquocasordquo de sauacutede mental mas tambeacutem acionou o meacutedico da
equipe para confirmar sua anamnese ndash A gente trabalha em equipe entatildeo ateacute mesmo para
uma seguranccedila do paciente que eu vejo eu fiz o exame fiacutesico natildeo encontrei coisa sugestiva
para aquela dor solicitei ajuda do colega meacutedico
() natildeo basta o profissional ter uma escuta que reflita uma postura
empaacutetica Nos encontros cliacutenicos terapecircuticos a escuta eacute mais que um
ato ela precisa incorporar uma atitude que expresse a necessidade
primordial de reconhecimento do outro e da legitimidade do lugar que
115
ele ocupa ao falar Esse reconhecimento pressupotildee uma ideologia que
desconstroacutei assimetrias ou melhor reconhece e valoriza a diversidade
do lugar cognitivo cultural e social que cada um ocupa na relaccedilatildeo
(FAVORETO amp PINHEIRO 2011 p 236)
Em todos os discursos foi marcante a solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico
para o ldquomanejordquo dos casos de sauacutede mental enquanto que na ESF um ponto fundamental para
seu modus operandis de acordo com Lancetti (2013) pela proacutepria dinacircmica de trabalho eacute o
funcionamento com centralizaccedilatildeo na equipe que aparece no discurso de Claudomiro ao falar
sobre o encaminhamento de um caso especifico
Fazer uma consulta em conjunto e ateacute encaminhar para psicoacuteloga depois da
avaliaccedilatildeo da equipe () uma avaliaccedilatildeo conjunta tanto da dor fiacutesica quanto da dor
psicoloacutegica () senatildeo desse para equipe e o matriciador fazerem ai sim ele encaminhava
(Claudomiro)
O trabalho na ESF assim como no Campo da Atenccedilatildeo Psicossocial deve ser baseado
na equipe multiprofissional onde os saberes satildeo compartilhados cada profissional tem a sua
contribuiccedilatildeo e a tomada de decisotildees natildeo eacute exclusiva do profissional meacutedico
Os enfermeiros entrevistados demonstraram uma preocupaccedilatildeo em acolher os ldquocasosrdquo
de sauacutede mental mas natildeo se sentiam preparados para conduzir o manejo solicitando o apoio
do meacutedico da equipe ou do psiquiatra matriciador
Sinto que tenho dificuldade de entrar ali no problema do paciente exatamente mas
assim a gente tenta () Vou para o meacutedico da equipe falo que estou sentindo que tem alguma
coisa marco consulta e matriciamento (Aacutedila)
Apareceu tambeacutem durante as entrevistas uma queixa-denuacutencia de que antes da
chegada do NASF o matriciamento em sauacutede mental era feito soacute com o meacutedico residente natildeo
tinha a participaccedilatildeo de toda equipe conforme a fala de Aacutedila com a vinda do NASF estaacute
muito mais amplo para as equipes eu tenho acesso ao psicoacutelogo psiquiatra
O NASF deve apoiar as equipes com uma funccedilatildeo teacutecnico-pedagoacutegica e assistencial
(Campos 1999) discutir em conjunto com toda a equipe as melhores estrateacutegias de
intervenccedilatildeo se necessaacuterio atender junto (interconsultas) e instrumentalizar as equipes a partir
das vivencias cotidianas Ampliando assim as possibilidades de continuidade da atenccedilatildeo com
gradientes maiores de viacutenculo e responsabilizaccedilatildeo com o pressuposto de que nenhum
especialista isoladamente pode assegurar uma abordagem integral (FONSECA SOBRINHO et
al 2014)
116
Observei durante as entrevistas com os profissionais enfermeiros uma linha muito
tecircnue entre o cuidar e o medicalizar
Eacute muito assim solto eles natildeo datildeo soluccedilatildeo pra sauacutede mental() eu sou muito
acolhedora quero resolver os problemas dos pacientes quero dar uma soluccedilatildeo para eles
(Clemecircncia)
Num discurso muito tecnicista e determinista do paradigma meacutedico do ldquoproblem
sovingrdquo Gallio (2014 p15) baseado que dado o problema se tem uma causa e uma soluccedilatildeo
numa linha direta Neste caso a causa o problema - seria a doenccedila E a soluccedilatildeondash o que seria a
cura Um modo de pensar e agir baseado no modelo biomeacutedico Daiacute talvez a preocupaccedilatildeo em
acolher e encaminhar para o meacutedico Qual a funccedilatildeo esperada do meacutedico Fazer diagnoacutestico e
prescrever medicaccedilatildeo
Como podemos constatar no discurso dos enfermeiros embora haja alguns deslizes de
um discurso contra hegemocircnico
Vocecirc vecirc o paciente como um todo natildeo soacute pela doenccedila (Clemecircncia)
Na Estrateacutegia a gente natildeo trabalha sozinho precisa de um bom relacionamento tanto
com o paciente como com a equipe multidisciplinar (Claudomiro)
O que ainda predomina nos discursos eacute o modelo meacutedico hegemocircnico doenccedila
paciente
No campo da sauacutede coletiva a missatildeo primordial eacute natildeo permitir que o processo de
patologizaccedilatildeomedicalizaccedilatildeo seja algo natural No manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental eacute
fundamental o entendimento de que simplificaccedilatildeo do tipo queixa- conduta problema-soluccedilatildeo
natildeo conseguiratildeo dar conta da complexidade do sofrimento humano E que seratildeo necessaacuterias
intervenccedilotildees natildeo soacute do campo da sauacutede mas tambeacutem intervenccedilotildees intersetoriais
Recomendaccedilotildees
Quanto agraves recomendaccedilotildees os enfermeiros entrevistados apontaram a capacitaccedilatildeo de
toda a equipe a partir das praacuteticas vivenciadas no cotidiano com a criaccedilatildeo de estrateacutegias que
facilitem a adesatildeo dos profissionais da ESF ao trabalho em sauacutede mental
A gente precisa aprender com o que a gente estaacute vendo aqui na realidade (Aacutedila)
E tambeacutem tem outra coisa importante conseguir que os profissionais possam aderir
melhor a sauacutede mental (Clemecircncia)
Enfatizaram a importacircncia da participaccedilatildeo de todos os profissionais da equipe
117
Natildeo tem que ser com uma pessoa especifica fazer com o enfermeiro ou com o meacutedico
acho que tem que ser com o agente de sauacutede com dentista para toda a equipe estar afinada
nesse sentido da sauacutede mental (Aacutedila)
Melhoria do processo de qualificaccedilatildeo dos profissionais que estatildeo entrando na
atenccedilatildeo baacutesica (Claudomiro)
Pontuaram tambeacutem que a gestatildeo da Secretaria Municipal de Sauacutede poderia ajudar
trabalhando mais estrateacutegias pedagoacutegicas em sauacutede mental junto agraves reuniotildees equipes
O pessoal da secretaria tentar trabalhar mais isso com as equipes porque a sauacutede
mental eacute diferente neacute Porque por exemplo tuberculose vocecirc vai numa capacitaccedilatildeo de
tuberculose as coisas satildeo mais redondinhas neacute A sauacutede mental natildeo eacute assim tatildeo faacutecil tatildeo
redondinha para vocecirc (Aacutedila)
Acho que a prefeitura poderia ajudar tambeacutem as equipes a como trabalhar em certas
situaccedilotildees () porque eu acho que eacute um tema difiacutecil sauacutede mental a gente tem muita
dificuldade em lidar com isso ou porque natildeo sabe de muita coisa ou tem eacute dificuldade mesmo
de lidar (Clemecircncia)
Nesse mesmo discurso tambeacutem surgiu a dificuldade em lidar com os casos de
violecircncia e drogadiccedilatildeo no territoacuterio e a solicitaccedilatildeo de apoio da Coordenaccedilatildeo da Aacuterea
Programaacutetica (CAP)
Tem muito caso de violecircncia na nossa aacuterea e situaccedilotildees de droga eu estou pensando
em formar um grupo junto com o residente meacutedico soacute que ai eu preciso de uma capacitaccedilatildeo
da proacutepria CAP porque noacutes moramos aqui entatildeo para gente eacute muito difiacutecil tambeacutem vocecirc
denunciar vocecirc fazer alguma coisa (Clemecircncia)
O que deixa claro que haacute uma insuficiecircncia de treinamentos em sauacutede mental natildeo soacute
para os enfermeiros mas para todos os membros da equipe apesar da entrada do NASF na
unidade estudada O que leva a inuacutemeras reflexotildees por que lidar com ldquocasosrdquo sauacutede mental
continua sendo uma grande dificuldade para os profissionais da sauacutede Seraacute o processo de
formaccedilatildeo Seraacute a periculosidade do louco construiacuteda ao longo da histoacuteria Seraacute o estigma da
doenccedila mental
No discurso de Clemecircncia notei um deslize quando discorre sobre as dificuldades dos
profissionais da ESF em lidar com as questotildees de sauacutede mental ndash Porque eu acho que alguns
tecircm alguma dificuldade de lidar porque natildeo gostam eu natildeo sei o que me passa eacute isso E
completa o discurso explicando ndash natildeo eacute aqui estou falando de outros lugares de outros
profissionais Mais adiante de sua entrevista ao discorrer sobre o que poderia melhorar na
118
ESF fala que gostaria que os profissionais da ESF fossem mais compromissados com seus
afazeres cotidianos
As pessoas tivessem compromisso com o trabalho mesmo em si que eu acho que
muitas das vezes assim devido agrave sobrecarga alguns ficam desmotivados outros natildeo tem
perfil para trabalhar e ai soacute estatildeo pelo dinheiro (Clemecircncia)
No discurso de Clemecircncia surgiram as queixas-denuacutencia de sobrecarga de trabalho
gerando desmotivaccedilatildeo e a cobranccedila para alcance de metas e nuacutemeros por parte da gestatildeo
municipal de sauacutede sem um apoio adequado agrave realidade cotidiana das equipes
Porque muitas das vezes soacute veem a parte burocraacutetica que eu acho que eacute ruim ndash ah
porque vocecircs tecircm que alcanccedilar meta tal oitenta por cento taacute mas ai ningueacutem vem aqui
ajudar Como eacute que vocecircs podem fazer isso Quais as estrateacutegias E o que vocecircs estatildeo
fazendo para melhorar a equipe de vocecircs Natildeo tem isso em minha opiniatildeo (Clemecircncia)
Tambeacutem notamos nesse discurso algo que ateacute entatildeo natildeo havia aparecido o trabalho no
SF natildeo por uma questatildeo de afinidade com a proposta de trabalho mas pela remuneraccedilatildeo que
principalmente para meacutedicos e enfermeiros realmente eacute diferenciada o rendimento mensal eacute
maior que o oferecido na rede hospitalar justamente para incentivar a cobertura de vagas
Outra recomendaccedilatildeo apontada nos discursos dos enfermeiros foi a gestatildeo municipal
melhorar os fluxos entre os serviccedilos com desenho do que funciona qual a clientela atendida
como deve ser feita a referencia e contra-referencia
Poderia melhorar o fluxo de a gente saber o que funciona o quecirc O que cada um faz
() se eu tenho algum paciente agora com algum transtorno a gente encaminha para o
Pinel e como eacute que fica esse feedback do Pinel pra gente (Clemecircncia)
Principalmente aqui no Rio uma dificuldade da atenccedilatildeo primaacuteria para a secundaacuteria
eles estatildeo tentando organizar atraveacutes do SISREG mas muitas especialidades demoram muito
e a gente precisa () tambeacutem influencia muito melhorar a questatildeo do encaminhamento da
regulaccedilatildeo (Aacutedila)
Natildeo soacute em sauacutede mental mas em vaacuterias aacutereas eacute pouco a gente ter a contra-
referecircncia a gente encaminha o paciente explica o caso envia guia de referencia e contra-
referecircncia e a gente natildeo tem esse retorno infelizmente (Claudomiro)
A expansatildeo da APS por meio da ESF principalmente na Cidade do Rio de Janeiro
avanccedilou muito conforme dados jaacute mostrados anteriormente mas o que se percebe por meio
dos discursos dos profissionais entrevistados eacute que ainda natildeo haacute uma integraccedilatildeo entre os
niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede apesar do instituiacutedo na Lei 808090 haacute uma grande lacuna entre o
instituinte e o instituiacutedo Como a ESF pode ser coordenadora do cuidado sem uma rede
119
integralizada de serviccedilos instituiacuteda A falta de integraccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo em sauacutede
eacute um grande desafio para expansatildeo da ESF nos diversos municiacutepios brasileiros onde
persistem importantes barreiras organizacionais para acesso a atenccedilatildeo especializada os fluxos
estatildeo pouco ordenados a integraccedilatildeo da APS agrave rede ainda eacute incipiente e inexiste coordenaccedilatildeo
entre APS e atenccedilatildeo especializada como apontam os autores Fausto et al (2014) em um
estudo realizado sobre ldquoA posiccedilatildeo da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia na rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede
na perspectiva das equipes e usuaacuterios participantes do PMAQ-ABrdquo que analisou a perspectiva
das 16566 equipes de Sauacutede da Famiacutelia e dos 62505 usuaacuterios participantes do Programa
Nacional para Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenccedilatildeo Baacutesica em 2012
E fechando as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF
tambeacutem apareceu no discurso dos enfermeiros entrevistados tal como no dos meacutedicos
residentes entrevistados o aumento do nuacutemero e da carga horaacuteria das equipes do NASF
O NASF eu tentaria colocar mais equipe com mais tempo nas unidades porque noacutes
temos um NASF que eacute dividido entre algumas clinicas eles fazem quarenta horas poreacutem
tantas horas em cada cliacutenica e agraves vezes apesar da modernidade hoje do Whatsapp a gente
tem que telefonar (Claudomiro)
Como jaacute relatado nas recomendaccedilotildees dos residentes meacutedicos entrevistados o nuacutemero
de profissionais do NASF assim como suas cargas horaacuterias estatildeo de acordo com a mais
recente Portaria do NASF - GM 256 de 11 de marccedilo de 2013 Deixando-nos tambeacutem algumas
reflexotildees Os profissionais da ESF tem clareza da funccedilatildeo do NASF Os profissionais do
NASF tem clareza do seu papel junto agrave ESF O trabalho da ESF apesar de seus atributos
essenciais acesso continuidade do cuidado coordenaccedilatildeo do cuidado e integralidade Starfield
(2002) continua baseado no especialismo
Faz-se importante aqui ressaltar que natildeo basta soacute ter profissionais especialistas para
apoio agraves equipes da ESF mas que eacute fundamental que esses especialistas e as equipes apoiadas
possam revisitar suas praacuteticas em direccedilatildeo a processos efetivamente mais compartilhados e que
incidam sobre uma nova forma de construir o cuidado em sauacutede com discussotildees de processo
de trabalho e intervenccedilotildees no territoacuterio (FONSECA SOBRINHO et al 2014)
120
624 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Teacutecnicos de Enfermagem
Figura 4 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Teacutecnicos de Enfermagem
Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
Violecircncia na famiacutelia depressatildeo uso de drogas
uso de medicaccedilatildeo psiquiaacutetrica controlada toda
hora repetindo as coisas ficas aacutes vezes
piscando a vista fica inquieto
Aquele paciente dependente acompanhado pela
famiacutelia e que a famiacutelia tem um cuidado melhor
e uma atenccedilatildeo redobrada
Paciente que eacute acompanhado pelo Pinel faz uso
de 3 ampolas de haldol de 1414 dias
Muitas das vezes a gente pede ajuda da equipe
e fazemos discussatildeo de casos
Sauacutede mental geralmente quando chega com
alguma crise a gente daacute a medicaccedilatildeo o paciente
fica calmo e se precisar assim a gente
encaminha para a UPA
Depende de cada diagnoacutestico porque o
psiquiatra que estaacute junto com a gente do
matriciamento ele estaacute justamente para resolver
o que puder ser aqui junto com o meacutedico
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE SAUacuteDE
MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Ter psiquiatra como meacutedico da unidade
Natildeo ter atendimento conjunto psiquiatra e meacutedico da famiacutelia
Grupos de atividades para integraccedilatildeo social
121
Durante as entrevistas com os Teacutecnicos de Enfermagem percebi algumas dificuldades
de entendimento das perguntas colocadas por exemplo na identificaccedilatildeo quando pedi para
falar soacute as iniciais do nome completo dois entrevistados natildeo entenderam e acabaram
pronunciando o nome todo Tambeacutem quando questionado sobre a importacircncia da ESF para o
sistema de sauacutede um deles entendeu diferenccedila sendo necessaacuteria reformular a mesma pergunta
diversas vezes ateacute sua compreensatildeo Percebi tambeacutem uma timidez por parte deles em
participar da pesquisa pois como podemos evidenciar nos discursos o trabalho dessa
categoria na ESF parece ainda estar muito voltado para procedimentos teacutecnicos sem muita
participaccedilatildeo na equipe como um todo
No iniacutecio eu estava meio preocupado porque o teacutecnico de enfermagem ele fica soacute ali
no procedimento vacina curativo entatildeo ele acaba natildeo se envolvendo muito com as coisas
aqui da unidade entendeu Mas assim eu gostei da entrevista (Felismina)
Noacutes teacutecnicos a gente natildeo consegue pegar muito esse momento do acolhimento a
gente jaacute pega o poacutes quando jaacute foi acolhido jaacute teve uma consulta e uma orientaccedilatildeo
geralmente quando chega pra gente eacute soacute para fazer medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute para controle de
alguma coisa assim eacute isso (Eliseu)
Esses discursos satildeo analisadores importantes para avaliaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder
dentro das equipes de sauacutede O quanto o poder estaacute relacionado ao detentor do conhecimento
no caso aos profissionais de niacutevel superior meacutedico e enfermeiro O teacutecnico de enfermagem
dentro da equipe de sauacutede onde a escolaridade exigida eacute o ensino meacutedio fica tomado em
afazeres teacutecnicos sendo uma matildeo-de-obra importante mas com pouca vocalizaccedilatildeo o que se
repete mesmo na ESF
Tambeacutem apareceram nos discursos dos teacutecnicos de enfermagem duas queixas -
denuacutencia
1) a sobrecarga de trabalho ndash Acho que os teacutecnicos na Cliacutenica da Famiacutelia satildeo muito
sobrecarregados muito trabalho (Eliseu)
2) a alta rotatividade dos profissionais principalmente meacutedicos residentes o campo de
estudo como jaacute relatado anteriormente eacute cenaacuterio de praacutetica para Residecircncia em Medicina de
Famiacutelia e Comunidade que tem duraccedilatildeo de dois anos o que acaba interferindo no
acompanhamento e viacutenculo com os usuaacuterios
Nesse periacuteodo que eu estou na Estrateacutegia vejo essa dificuldade que agraves vezes tem um
profissional e ai esse profissional comeccedila desenvolve um trabalho e ai de repente por algum
outro motivo aquele profissional eacute deslocado dali natildeo estaacute mais vem outro agora com essa
122
coisa dos residentes tem essa troca muito continua () e os pacientes fazem esse vinculo eacute a
queixa deles a gente ouve muito isso agora (Daacutercio)
Quanto agrave sobrecarga de trabalho o nuacutemero de teacutecnicos de enfermagem na CF estaacute
dentro dos preceitos legais do MS um teacutecnico para cada equipe da ESF o nuacutemero de usuaacuterios
tambeacutem como jaacute relatado anteriormente estaacute de acordo com preconizado pela PNAB (2012)
respeitando-se inclusive que em aacutereas de maior vulnerabilidade social o nuacutemero de usuaacuterios
por equipe eacute menor como de fato acontece na unidade estudada A questatildeo eacute que como as
pessoas estatildeo de fato sendo atendidas e as carecircncias em relaccedilatildeo a poliacuteticas puacuteblicas de um
modo geral satildeo muitas o que acaba acontecendo eacute que muitas coisas que natildeo deveriam chegar
agrave ESF chegam e natildeo satildeo questotildees propriamente de sauacutede ou ateacute mesmo o usuaacuterio jaacute ficou
tanto tempo desassistido que o seu quadro acaba cronificando o que demanda mais visita agraves
unidades de sauacutede Ou tambeacutem como natildeo existe uma articulaccedilatildeo entre os niacuteveis de atenccedilatildeo
em sauacutede o usuaacuterio chega agrave ESF que eacute a porta de entrada mas natildeo consegue ser referenciado
para outros niacuteveis demandando atenccedilatildeo cuidado visita domiciliar mas sem muita
resolutividade
Quanto a questatildeo da alta rotatividades dos profissionais na ESF o estudo realizado por
Rizzoto et al (2014) apontou que mais de 70 dos profissionais nas equipes de Atenccedilatildeo
Baacutesica natildeo permanecem mais que dois anos em cada equipe e que a precarizaccedilatildeo dos viacutenculos
e contratos de trabalho para manter o serviccedilo cumpri tambeacutem com a Lei de responsabilidade
fiscal o que tem chamado atenccedilatildeo de gestores e pesquisadores do campo do planejamento e
da gestatildeo do trabalho em sauacutede Em relaccedilatildeo aos meacutedicos residentes em especifico a
Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade foi uma estrateacutegia adotada pela Secretaria
Municipal de Sauacutede do Rio de Janeiro para fixaccedilatildeo de profissionais meacutedicos prioritariamente
em aacutereas de difiacutecil acesso com incentivo financeiro para expansatildeo da ESF na cidade
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
No discurso dos Teacutecnicos de Enfermagem foi presente uma visatildeo do modo asilar
reducionista centrado na medicaccedilatildeo no controle e na ausecircncia de autonomia
Hoje mesmo teve um paciente aqui (fala o nome do paciente) ele eacute acompanhado pelo
Pinel junto com o pessoal do matriciamento daqui () ele toma de 14 em 14 dias trecircs
ampolas de haldol (Daacutercio)
Desde adolescente ele sempre usou medicaccedilatildeo atraveacutes de psiquiaacutetrico controlado ()
depois piorou usou a medicaccedilatildeo e misturou com a droga (Felismina)
123
Acho que eacute aquele paciente dependente (Eliseu)
Quando questionado que dependecircncia seria essa (Eliseu) responde
Acompanhado pela famiacutelia que a famiacutelia tem um cuidado e atenccedilatildeo melhor atenccedilatildeo
redobrada assim com o indiviacuteduo Eu acho que eacute isso
Como pude constatar para os teacutecnicos de enfermagem entrevistados ldquocasordquo de sauacutede
mental estaacute relacionado ao uso de medicaccedilatildeo psicotroacutepica dependecircncia e tutela da famiacutelia e
comportamentos estereotipados
Toda hora vai repetindo a coisa neacute fica agraves vezes piscando a vista fica inquieto ai
fica pra laacute e pra caacute (Felismina)
Um comportamento diferente que natildeo eacute comum natildeo eacute normal do que vocecirc estaacute
acostumado a ver (hellip) agraves vezes chegam muito agitados ou se isolam e ficam ali no cantinho
(Daacutercio)
O que representa ainda uma concepccedilatildeo do modelo meacutedico psiquiaacutetrico talvez ateacute
mesmo pela formaccedilatildeo teacutecnica que eacute de 1 (um) ano com conteuacutedos teoacuterico e praacutetico voltados
para o ambiente e cuidados hospitalares
Talvez tambeacutem pelo grau de escolaridade e perfil socioeconocircmico desses profissionais
exista uma insuficiecircncia de conhecimento e leitura sobre a Reforma Psiquiaacutetrica ateacute mesmo
pela dificuldade de acesso agraves leituras do campo
Todos os teacutecnicos de enfermagem responderam que natildeo tiveram nenhum treinamento
para lidar com as questotildees de sauacutede mental ou seja natildeo tiveram durante a formaccedilatildeo e nem no
serviccedilo fato alarmante para profissionais que atuam na ESF
Apesar dessa visatildeo ainda do modo asilar apareceram alguns deslizes ao longo de seus
discursos
Ele ateacute que conversa direitinho eacute um paciente hipertenso () ele vem sozinho verificar
a pressatildeo e a gente dar toda atenccedilatildeo para ele (Eliseu)
Numa boa porque assim a gente consegue passar essa seguranccedila para eles e ai eles
ficam com essa referecircncia nossa (Daacutercio)
Uma vez eu fui atender o paciente ele tem problema de sauacutede mental eu vi a pressatildeo
dele estava muito alta orientei a irmatilde (Felismina)
O que demonstrou que na praacutetica cotidiana esses profissionais conseguem atender aos
ldquocasosrdquo de sauacutede mental natildeo soacute por suas queixas psicopatoloacutegicas mas valorizando tambeacutem
suas queixas fiacutesicas e estabelecendo viacutenculos
O que explicitou a importacircncia da inclusatildeo das accedilotildees de sauacutede mental na ESF o
cuidado integral sem separaccedilatildeo entre mente e corpo de base territorial e com criaccedilatildeo de
124
viacutenculos O direito a atendimento universal equacircnime e integral eacute uma das premissas da
poliacutetica nacional de sauacutede mental Para o alcance dessa premissa de acordo com Souza
(2015) eacute primordial estar atento agraves necessidades e demandas dos usuaacuterios valorizando suas
queixas assim como caminhar na direccedilatildeo de serviccedilos inseridos nos territoacuterios de vida das
pessoas como a ESF Para Delgado (2001) soacute dessa forma seraacute possiacutevel caminhar para
atenccedilatildeo e cobertura decentes em sauacutede mental Portanto embora o discurso dos teacutecnicos de
enfermagem ainda seja do modo asilar mesmo sem saber estatildeo realizando accedilotildees do modo
psicossocial O que coincide com o estudo feito por Souza (2012) que apontou que as accedilotildees
de sauacutede mental na AB permaneciam ldquoobscurasrdquo (os proacuteprios profissionais natildeo tinham clareza
sobre elas)
2) Manejo terapecircutico dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Quanto ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental nos discursos dos Teacutecnicos de
Enfermagem verifiquei dois modos de agir
1) Um com centralidade na equipe com discussatildeo de caso e apoio do matriciador
como preconizado pela PNAB (2012)
Muitas vezes a gente pede ajuda da equipe e fazemos discussatildeo de caso (Eliseu)
Eu acho que depende de cada diagnoacutestico entendeu Porque o (fala o nome do
meacutedico psiquiatra) que eacute o psiquiatra e esta junto com a gente no matriciamento ele estaacute na
unidade justamente para isso resolver o que puder ser resolvido aqui junto do meacutedico da
equipe trabalham em conjunto e vecircem o que podem resolver acho que somente poucos casos
devem ser encaminhados para alguma outra instituiccedilatildeo fora daqui (Daacutercio)
2) E outro com centralidade na crise na medicaccedilatildeo e na loacutegica do encaminhamento
confirmando o modo asilar de pensar e fazer presente na concepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede
mental no discursos dos profissionais dessa categoria
Sauacutede mental a gente geralmente quando chega com alguma crise assim a gente daacute a
medicaccedilatildeo o paciente fica calmo e se precisar assim a gente encaminha pra UPA (Eliseu)
O primeiro modo de agir embora esteja baseado no discurso politicamente correto de
acordo com as premissas da PNAB (2012) ao longo das entrevistas percebi alguns deslizes
pois esses profissionais pareciam natildeo se sentirem participes do processo de construccedilatildeo do
plano do cuidado dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental passando essa responsabilidade para os
meacutedicos tanto para o psiquiatra matriciador como para o meacutedico da equipe entrando em accedilatildeo
soacute quando solicitado para fazer algum procedimento (seja medicaccedilatildeo verificaccedilatildeo PA ou ateacute
mesmo visita domiciliar)
125
A gente passava para os meacutedicos e tentava fazer o melhor possiacutevel para estar
ajudando o paciente (Felismina)
Geralmente quando chega pra gente jaacute chega para fazer uma medicaccedilatildeo ou entatildeo soacute
para o controle de alguma coisa (Daacutercio)
No cenaacuterio do estudo quando participei das reuniotildees de equipe percebi que os
teacutecnicos de enfermagem estavam de corpo presente na reuniatildeo mas permaneciam a maior
parte do tempo calados alguns tiravam um cochilo e apresentavam-se muito preocupados
com os afazeres teacutecnicos (curativo sala de vacinaccedilatildeo procedimentos) Chegavam inclusive
muitas das vezes atrasados ou saiam antes ou ateacute mesmo eram solicitados durante a reuniatildeo
Portanto nas discussotildees de equipe a voz desse profissional aparecia muito pouco exceto
quando havia a necessidade de fazer alguma intervenccedilatildeo com a presenccedila dessa categoria
Percebi tambeacutem que as atividades destes profissionais estavam muito concentradas na
unidade de sauacutede restando pouco tempo para accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede na comunidade
Seraacute que essa categoria profissional estaacute realmente sobrecarregada na ESF como jaacute
apresentado como queixa-denuncia no discurso dos proacuteprios profissionais
Recomendaccedilotildees
Um entrevistado relatou natildeo ter nenhuma recomendaccedilatildeo para melhoria das accedilotildees de
sauacutede mental na atenccedilatildeo baacutesica pois na sua concepccedilatildeo com a chegada do NASF o trabalho
estaacute bem realizado
Tem bastante coisa que a Cliacutenica da Famiacutelia tem feito tem discussatildeo de casos dentro
da proacutepria equipe tem rodas de conversas que os meacutedicos fazem discutindo os casos junto
com os pacientes tecircm tambeacutem os meacutedicos do NASF eu acho que o trabalho com a sauacutede
mental estaacute sendo bem realizado (Eliseu)
Nesse discurso mais uma vez notamos o protagonismo do profissional meacutedico nas
atividades relatadas
No discurso de Felismina tambeacutem percebemos a centralidade do atendimento no
profissional meacutedico acrescido do foco no especialismo segregando as pessoas por sua
patologia o que deixou claro o desconhecimento da proposta de atendimento do NASF por
meio do apoio matricial e de toda a forma de atendimento no sauacutede da famiacutelia
Na unidade teria que ter realmente o psiquiatra ele como meacutedico da unidade
atendendo o paciente e natildeo precisar ser junto neacute O clinico geral com o psiquiatra Claro
que a gente jaacute tem mas eacute um atendimento conjunto estaacute oacutetimo neacute Porque jaacute foi mais uma
126
passo que a unidade avanccedilou neacute Que natildeo tinha () entatildeo tipo assim pessoas que tem
problemas psiquiaacutetricos ficar ali com meacutedico psiquiaacutetrico (Felismina)
Jaacute no discurso de Daacutercio ficou evidenciada uma recomendaccedilatildeo de acordo com o
modelo de atenccedilatildeo psicossocial onde foram sugeridas atividades em grupo na unidade de
sauacutede para estimular o conviacutevio social apesar de sua concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental
ainda ser do modo asilar
Acho que dentro da unidade de repente poderia ter grupos de atividades que pudesse
trazer para a sociedade trazer de volta esses pacientes que se isolam que ficam mais assim
() eu acho que seria bom melhoraria (Daacutercio)
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625 Nuacutecleo Discursivo Significante - Os Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede
Figura 5 ndash Guias para Anaacutelise e Nuacutecleos Discursivos Significantes
Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (ACSs)
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
COMPREENSAtildeO E PERCEPCcedilAtildeO DOS ldquoCASOSrdquo SAUacuteDE MENTAL MANEJO TERAPEcircUTICO DOS ldquoCASOSrdquo DE SAUacuteDE MENTAL
NUacuteCLEOS DISCURSIVOS SIGNIFICANTES
Nuacutecleos Discursivos Significantes
Pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa
pessoas que fazem parte de algumas religiotildees e deixam de
fazer algumas coisas pessoas que fumam exageradamente
que comem compulsivamente ou deixam de comer que
bebem muito
Eu acho que a maioria tem sauacutede mental obvio que tem gente
que jaacute nasce com problema outras que com a sofrencia da
vida acaba adquirindo problemas entrando em surto ficando
doido estressado
Pessoas deprimidas que se isolam que natildeo tem mais alegria
tecircm dificuldades tentam ateacute se matar
Envolvimento com drogas certos transtornos que a pessoa eacute
agressiva transtorno bipolar obsessivo
Pessoas estressadas
Um olhar de tristeza algo que perturba o dia-a-dia e foge da
rotina
Algum distuacuterbio alguma mania um estresse que acarreta
uma crise eacute o momento que tu vive
Perturbaccedilatildeo devido a tantos remeacutedios
Agressividade irritabilidade surto situaccedilatildeo de vida precaacuteria
depressatildeo
Procuro conversar adequando o meu tom de voz estar
sempre perto visitando perguntando o que poderia tirar a
pessoa daquele quadro
Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a
enfermeira resolvem e eu fico soacute acompanhando
Acolhemos procuramos conviver conversar mais apoiando
tentando trazer para a CF para participaccedilatildeo dos nossos
programas que oferecemos
Converso peccedilo para ir a CF falar com os meacutedicos cliacutenicos
que eles que encaminham para psiquiatria e comeccedilar um
tratamento
Venho a CF falo com o meacutedico e peccedilo para o paciente vir na
demanda tenho um grupo de caminhada e um grupo de
exerciacutecio a gente dava uma caminhadinha para tirar o
estresse do dia-a-dia
Prevenccedilatildeo escuta atuaccedilatildeo sem remeacutedio jaacute levei para o
CMS onde sabia que tinha psiquiatra e para emergecircncia
psiquiaacutetrica
Trago o caso pra equipe
Trago diretamente para enfermeira chefe e para os meacutedicos
da equipe marcamos uma visita domiciliar
A gente traz para equipe para que eles nos decirc que rumo vai
ser feito
RECOMENDACcedilOtildeES PARA MELHORIAS DAS ACcedilOtildeES DE
SAUacuteDE MENTAL NA ESTRATEacuteGIA SAUacuteDE DA FAMIacuteLIA
Cursos de capacitaccedilatildeo e teacutecnicas de abordagem para usuaacuterios de drogas violecircncia domeacutestica
Presenccedila de outros oacutergatildeos
Dar mais ecircnfase ndash ainda mais agora que estatildeo comeccedilando a liberar essas pessoas e como a sociedade vai receber
Implantar psiquiatria e psicologia fixos na CF
Interconsulta com todos os profissionais de sauacutede com a participaccedilatildeo do ACS
Diminuir o tempo de espera para atendimento
Aprender ldquoouvirrdquo e ver ldquoaleacutem do que estatildeo mostrandordquo
Ter mais meacutedicos especializados
Estar aberto agraves pessoas ter temperanccedila
128
Durante as entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede (ACSs) percebi que ao
falarem sobre o que consideravam como ldquocasordquo de sauacutede mental no iniacutecio tinham uma
inibiccedilatildeo por natildeo terem ldquoformaccedilatildeordquo ou seja conhecimento teoacuterico sobre o assunto como
podemos observar nos discursos
Eu tenho natildeo eacute minha formaccedilatildeo neacute (Geneacutesia)
Enfim eu sou meio leigo no assunto (Heda)
Eu natildeo entendo muito de sauacutede mental (Iana)
Como jaacute descrito anteriormente esse trabalhador eacute um morador da aacuterea que atua sem
formaccedilatildeo em sauacutede seu capital social eacute o conhecimento do territoacuterio e das pessoas que nele
habitam eacute portanto o elo entre a comunidade e os profissionais de sauacutede E eacute nisso nessa
ldquoalma comum e comunitaacuteriardquo que estaacute radicada a potecircncia terapecircutica dos ACSs
(LANCETTI 2014 p96)
Talvez por ser a classe de trabalhadores da base no niacutevel hieraacuterquico da equipe da
ESF sentem-se muitas vezes dependentes das decisotildees do meacutedico e do enfermeiro natildeo
reconhecendo a potecircncia do seu trabalho por acreditarem que por natildeo ter o conhecimento
teacutecnico da sauacutede o seu trabalho teria menos valor Para Lancetti (2014) os ACSs satildeo peccedilas
preciosas da maacutequina de produzir e fazer sauacutede mental em virtude de sua praacutetica paradoxal
ldquoParadoxal pois satildeo ao mesmo tempo membros da comunidade e integrantes da organizaccedilatildeo
sanitaacuteria E nesse funcionamento radica sua potencialidaderdquo (LANCETTI 2014 p93)
Embora sejam a categoria em maior nuacutemero dentro da equipe nas reuniotildees que tive
oportunidade de presenciar alguns tinham uma participaccedilatildeo bem ativa outros nem tanto
assim como o grau de afinidade com o trabalho desenvolvido uns mostraram-se envolvidos
interessados e proacute-ativos outros precisavam de um lsquoempurratildeozinhorsquo do enfermeiro ou meacutedico
da equipe
Nas entrevistas realizadas tantos com os meacutedicos preceptores e residentes assim como
com os enfermeiros foi constante a queixa-denuncia da necessidade urgente de formaccedilatildeo para
os ACSs Foi comum nos discursos a reclamaccedilatildeo de que alguns ACSs natildeo sabiam o que
estavam fazendo na ESF qual era a sua funccedilatildeo a ser desempenhada Ateacute mesmo nos discursos
deles proacuteprios sugiram sugestotildees para aperfeiccediloar as estrateacutegias de seleccedilatildeo e investir mais em
capacitaccedilatildeo para os ACSs O que eacute uma queixa-denuncia que necessita ser melhor escutada e
avaliada pois satildeo os ACSs os responsaacuteveis pelo acolhimento dos usuaacuterios hoje nas Cliacutenicas
da Famiacutelia e pela busca ativa no territoacuterio portanto um trabalhador fundamental para a
engrenagem da ESF
129
No discurso dos ACSs pudemos observar tambeacutem um corte social de classe presente
nas falas
A cliacutenica numa fase de expansatildeo foi pro asfalto fiquei apavorada vou trabalhar na
rua com essas pessoas que sabem muito mais e eu tatildeo pouco sei (Heda)
Entrosando num soacute vinculo social porque eacute comunidade eacute rua ultrapassar as
barreiras de preconceitos ateacute preconceitos meus mesmos (Jacobina)
Mais uma vez assim como no discurso dos teacutecnicos de enfermagem apareceu a
questatildeo social encarada por estes profissionais que natildeo possuiacuteam niacutevel de instruccedilatildeo superior
como um sentimento de menos valia Acrescentado ao lugar de moradia comunidade x
asfalto num sentimento de inferioridade formando barreiras de comunicaccedilatildeo produzidas por
eles proacuteprios Pois acreditavam que no asfalto soacute havia pessoas cultas e que eles natildeo tinham
nada para passar ensinar O que logo caiu por terra ao longo de suas imersotildees no cotidiano do
asfalto pois perceberam que essas pessoas eram carentes de atenccedilatildeo e afeto o que permitiu
aproximaccedilatildeo e construccedilatildeo de vinculo Embora tenham relatado o quanto eacute difiacutecil entrar em
alguns condomiacutenios fechados desafios do trabalho da ESF em uma grande metroacutepole como eacute
a cidade do Rio de Janeiro
GUIAS PARA ANAacuteLISE (Categorias conceituais)
1) Compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Em relaccedilatildeo ao guia para analise compreensatildeo e percepccedilatildeo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
os ACSs foram os trabalhadores dentro da ESF que menos usaram os termos doenccedila doente e
diagnoacutestico meacutedico trouxeram um entendimento mais amplo das vaacuterias situaccedilotildees da vida
estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas
com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou
social desagregador ou como denominou Kiara em seu discurso satildeo muitos assuntos mal
resolvidos Mas tambeacutem surgiram em alguns discursos os termos perturbado transtorno
psiquiaacutetrica mania distuacuterbio agressividade problema mental e remeacutedio controlado
No discurso desses profissionais surgiu a concepccedilatildeo muito cara para o campo da
Atenccedilatildeo Psicossocial que eacute a prevenccedilatildeo com a valorizaccedilatildeo do vinculo da longitudinalidade e
da escuta
Eu consigo perceber que hoje dei um bom dia mas aquele bom dia natildeo me fluiu bem e
vou laacute perguntar o que estaacute acontecendo e ela me diz um monte de coisa ela jaacute um caso de
sauacutede mental um caso que a gente pode controlar sem remeacutedio Soacute com a escuta sem poder
introduzir o remeacutedio isso eacute prevenccedilatildeo isso eacute sauacutede mental (Hebe)
130
Outra concepccedilatildeo tambeacutem presente e muito cara ao campo eacute a natildeo medicalizaccedilatildeo ou
seja natildeo transformar os problemas da vida em problemas meacutedicos portanto passiveis de
diagnoacutestico e medicaccedilatildeo Mas ampliar o espaccedilo de escuta e a oferta de outras estrateacutegias de
intervenccedilatildeo natildeo medicamentosa explorando os recursos da proacutepria comunidade Pois ativar
os recursos escondidos ou disponiacuteveis da comunidade nunca deve ser um ato tecnocraacutetico ou
burocraacutetico (LANCETTI 2014)
Nesse mesmo discurso encontramos um exemplo riquiacutessimo de empoderamento
A gente tem um grupo um professor de atividade fiacutesica e a gente levou ele na minha
aacuterea () levamos porque um dia uma paciente me ligou agraves trecircs horas da manhatilde que a sogra
dela tinha morrido e ela estava velando o corpo sozinha eu natildeo podia fazer nada mas eu fui
porque naquele momento eu era o apoio dela e ser Agente de Sauacutede eacute ser apoio () e
quando cheguei laacute a gente mora em uma comunidade estava soacute eu ela e minha amiga
velando o corpo () isso me incomodou muito quando o professor chegou a ideacuteia dele era
que as mulheres emagrecessem mudassem a rotina delas pudesse fazer um exerciacutecio em
casa a minha era de que elas pudessem se conhecer e se ajudar (Hebe)
Como podemos observar eacute notaacutevel a potecircncia do viacutenculo estabelecido entre a ACS e a
usuaacuteria sendo o apoio nesse momento tatildeo doloroso que foi a perda de um ente familiar mas
que a proacutepria ACS ao mesmo tempo em que se coloca como apoio se contradiz eu natildeo podia
fazer nada Natildeo conseguiu entender que naquele momento o apoio estar do lado dessa
usuaacuteria foi o seu pedido de ajuda e isso eacute promover sauacutede mental Outra intervenccedilatildeo valorosa
dessa mesma ACS foi a partir desse episoacutedio levou o professor de educaccedilatildeo fiacutesica para
possibilitar o conviacutevio entre as mulheres que moravam na mesma aacuterea visando a coesatildeo entre
elas e a ajuda muacutetua Enquanto o professor muito preso ao seu saber teacutecnico tinha como
objetivo estimular atividades fiacutesicas e haacutebitos saudaacuteveis Daiacute o potencial da contribuiccedilatildeo de
outros saberes no fazer cotidiano da ESF tornando as estrateacutegias de intervenccedilatildeo mais soft e
menos medicalizadoras (SARACENO 2001)
Faz-se importante destacar que essa ACS eacute reconhecida na unidade como a que tem
mais afinidade com as questotildees de sauacutede mental participa dos Foacuteruns e das supervisotildees de
territoacuterio da Sauacutede Mental da aacuterea e se colocava disponiacutevel e atuante para tal funccedilatildeo O que
deixava transparecer sua disponibilidade interna para delicadeza das situaccedilotildees que ela exerce
com muita facilidade e espontaneidade Natildeo tendo clareza do potencial de suas accedilotildees
Tornado explicito mais uma vez o mito do especialista da necessidade de ter um profissional
de sauacutede mental para produzir intervenccedilotildees terapecircuticas adequadas
131
No discurso Jacobina apareceu o estresse como percepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental
apontando a importacircncia de avaliar o que a pessoa estaacute sentido ou vivendo no momento
Agraves vezes vocecirc estaacute estressado vocecirc daacute uma crise isso natildeo quer dizer que vocecirc eacute
louco entendeu Eu acho que a sauacutede mental eacute o que vocecirc estaacute sentindo naquela hora ()
Poreacutem houve contradiccedilotildees nesse discurso com o uso dos termos distuacuterbio mania louco e
maluco
Alguma coisa que a pessoa tem algum distuacuterbio porque a sauacutede mental a pessoa fala
eacute louco natildeo agraves vezes eacute alguma mania isso eacute sauacutede mental () porque agraves vezes os outros
falam ah sauacutede mental eacute maluco e natildeo eacute (Jacobina)
Como podemos observar o discurso de Jacobina foi marcado por uma ambivalecircncia
ao mesmo tempo em que traz a visatildeo do modo da Atenccedilatildeo Psicossocial traz tambeacutem os
termos distuacuterbio e mania do Modelo Biomeacutedico
O discurso de Lana traz a importacircncia da sauacutede mental na ESF com a compreensatildeo
de que mente e corpo natildeo satildeo dicotomizados oferecendo um cuidado longitudinal e
integrado Sinalizando tambeacutem a importacircncia de considerar o ambiente social e cultural no
processo de adoecimento
Ela era psiquiaacutetrica mas ela tinha tambeacutem enfisema diabetes () porque muitas das
vezes natildeo eacute soacute o transtorno agraves vezes eacute o ambiente que aquela pessoa estaacute vivendo que estaacute
deixando ela psiquiaacutetrica () porque haacute uma briga interna da famiacutelia que dificulta a situaccedilatildeo
da vida tambeacutem precaacuteria que ai vocecirc fica tentando ver o que vocecirc vai fazer com aquele
paciente qual eacute a maneira que tu vai entrar naquela famiacutelia () porque a famiacutelia briga a
casa que mora eacute peacutessima a situaccedilatildeo que natildeo ajuda e as doenccedilas propriamente ditas ()
Entatildeo assim difiacutecil mas assim a gente conseguiu acompanhar ter acesso () que no
comeccedilo natildeo tiacutenhamos era bem difiacutecil e a famiacutelia tambeacutem porque a gente adota a famiacutelia
mas eles tambeacutem nos adotam porque depende tambeacutem da aceitaccedilatildeo deles agrave nossa pessoa
Nesse mesmo discurso encontramos tambeacutem a inclusatildeo do nuacutecleo familiar e o poder
da visita domiciliar como uma espeacutecie de ldquopoliacutecia meacutedica revolucionaacuteriardquo Lancetti (2014
p93) O autor explica poliacutecia no antigo sentido da poliacutecia meacutedica uma das fontes histoacutericas
da medicina sanitaacuteria pois se inserem no ambiente domeacutestico iacutentimo e no territoacuterio
existencial das pessoas E revolucionaacuteria porque ali onde somente a TV Globo ou as
emissoras de raacutedio se inserem como componentes de produccedilatildeo de subjetivaccedilatildeo com
consequumlecircncias infantilizantes os ACSs conseguem penetrar criando viacutenculos por meio de
processos sociais de comunicaccedilatildeo cooperaccedilatildeo e produccedilatildeo de singularidades O que conduz a
132
accedilotildees e paixotildees coletivas solidaacuterias e tecem fio a fio redes microssociais de alto poder
terapecircutico (LANCETTI 2014)
No discurso de Heda a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental estaacute relacionada a desde
melancolia passando por pessoas que fumam ou comem compulsivamente ateacute pertencer a
alguma religiatildeo uma conceituaccedilatildeo ampliada e holiacutestica mas focada nos excessos pois nos
informa que o excesso pode ser sinal de algo natildeo vai bem
Eu tenho pacientes extremamente melancoacutelicos tristes dentro de casa () pessoas
que umas satildeo asseadas outras natildeo pessoas que fazem parte de alguma religiotildees entatildeo
deixam de fazer outras coisas porque a religiatildeo impede e elas ficam agrave espera de um milagre
natildeo entendem que elas precisam fazer a parte delas pessoas que fumam exageradamente
jogam toda a sua ansiedade seu nervosismo ali pessoas que comem compulsivamente ou
deixam de comer pessoas que bebem muito (Heda)
Seraacute mesmo o excesso um sinal vermelho Os ACSs com seu poder de entrar na casa
das pessoas para accedilotildees seja de promoccedilatildeo ou prevenccedilatildeo de sauacutede comeccedilam a se apropriar do
modo de vida delas e a trazer para unidade de sauacutede o que detectam como problema no caso
acima os excessos Mas seraacute isso um problema para esses usuaacuterios tambeacutem Esses agentes de
sauacutede satildeo o dedo do Estado na comunidade surfam no controle Lancetti (2014) Faz-se
necessaacuterio aqui lembrar Deleuze a sociedade de controle opera ao ar livre natildeo mais no
hospiacutecio mas em todo lugar e fundamentalmente no domicilio Portanto esse instrumento
valioso de trabalho na ESF pode ser tambeacutem uma nova forma de controlar a vida das pessoas
indo mais longe ateacute tornar meacutedico questotildees cotidianas da vida Esse eacute um risco que precisa
ser melhor estudado com a expansatildeo da ESF e aumento da capilaridade das accedilotildees de sauacutede
nas cidades brasileiras
No discurso de Nateacutercia a concepccedilatildeo de ldquocasordquo de sauacutede mental aparece como
Ficou perturbado devido a tantos remeacutedios () porque ele sofreu de meningite ele
ficou cego e ficou perturbado devido a tantos remeacutedios agraves vezes descontrolados que ele
tomava por falta de conhecimento hoje jaacute estaacute ateacute melhor
Foi muito interessante perceber que para falar sobre a concepccedilatildeo e percepccedilatildeo dos
ldquocasosrdquo de sauacutede mental os ACSs citaram os exemplos de atendimento que realizaram
trazendo exemplos praacuteticos do trabalho cotidiano Nesse discurso por exemplo o
entrevistado conta o caso por ele atendido de um usuaacuterio com tuberculose resistente e notou-
se uma vaidade em falar
Jaacute existiram trecircs agentes de sauacutede na aacuterea eu entrei na minha aacuterea para fazer a
diferenccedila disso eu tenho certeza por quecirc Porque eu curei tenho certeza disso natildeo foi soacute o
133
remeacutedio dependeu de mim a cura dele () natildeo aceitava tomar remeacutedio de matildeo de agente
nenhum porque nenhum agente soube chegar ateacute ele da forma que eu cheguei (Nateacutercia)
Nateacutercia no decorrer de seu discurso falou de sua opccedilatildeo sexual da sua dificuldade
em ser aceito pelas pessoas da comunidade e das barreiras que ele mesmo criou impedindo
por exemplo de fazer accedilatildeo educativa nas escolas A eacutepoca das entrevistas essa dificuldade de
aceitaccedilatildeo jaacute estava sanada Mas todo o seu discurso eacute marcado pela necessidade de fazer mais
ser o melhor ser o diferente dentro da equipe apontando uma necessidade de reconhecimento
Ateacute mesmo seu comportamento dentro da unidade pareceu um movimento de atrair as
atenccedilotildees o tempo todo mesmo nos pequenos gestos como chegar atrasado agrave reuniatildeo de
equipe entrar e deixar a porta aberta sair e bater porta com forccedila falar alto
2) Manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental
Em relaccedilatildeo ao manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental a accedilatildeo que prevaleceu nos
discursos dos ACSs foi levar para unidade de sauacutede (Cliacutenica da Famiacutelia) ou seja os agentes
exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo No entanto faz-se
necessaacuterio mais uma vez alertar que esta proximidade potencializada dos ACSs um dos
elementos importantes da maacutequina de fazer sauacutede tem uma dimensatildeo hiacutebrida articula-se a
uma singularizaccedilatildeo do cuidado mas tambeacutem a uma capilarizaccedilatildeo do controle sobre a
populaccedilatildeo (PICCININI NEVES 2013)
Com a ampliaccedilatildeo da cobertura da ESF nos domiciacutelios brasileiros em especial na
cidade do Rio de Janeiro em aacutereas carentes tambeacutem haacute que se observar como apontam
Lemke e Silva (2013) nessa mesma direccedilatildeo do controle
() o trabalho dos ACS tem essa dupla direccedilatildeo a de ser um modo de
racionalizar custos e a de ser um modo de ampliar o acesso e de
focalizar a atenccedilatildeo em grupos vulneraacuteveis atendendo a um principio
equitativo de justiccedila social Por esse motivo a praacutetica dos ACS
comporta o risco de ser uma cesta baacutesica simplificada para os pobres
que por meio das praacuteticas de educaccedilatildeo em sauacutede e das visitas
domiciliares tenha como efeito a medicalizaccedilatildeo a normalizaccedilatildeo e o
controle da vida no territoacuterio comunitaacuterio (LEMKE SILVA 2013
p41)
134
Como jaacute descrito o ACS que natildeo tem uma formaccedilatildeo acadecircmica nem qualquer
conhecimento teacutecnico preacutevio em sauacutede que eacute um dos requisitos fundamentais para a sua
atuaccedilatildeo foram a via pela qual se planejou executar parte das mudanccedilas nos modos de
produzir sauacutede no paiacutes ldquoA sauacutede bate agrave sua portardquo Piccinini e Neves (2013 p 83) O
indiviacuteduo que antes era mais um morador do territoacuterio eacute promovido a cuidador tornando-se
corresponsaacutevel pelos cuidados em sauacutede de um determinado recorte territorial geograacutefico
Outro analisador importante do discurso dos agentes sobre o manejo foi a passividade
traziam o ldquocasordquo para equipe resolver natildeo sentiam-se participes do processo de produccedilatildeo do
cuidado a esses usuaacuterios
Trago para equipe a gente discute em equipe o meacutedico e a enfermeira resolvem e eu
fico soacute acompanhando (Hebe)
Converso peccedilo para vim aqui (na Cliacutenica da Famiacutelia) falar com os meacutedicos com os
cliacutenicos que eles que encaminham para aacuterea de psiquiatria e para comeccedilar um tratamento
(Marcilene)
Sobressaltando mais uma vez o lugar do ldquosuposto saberrdquo onde soacute os profissionais de
niacutevel superior com seu conhecimento teacutecnico cientifico teriam as soluccedilotildees para os problemas
apresentados E o agente comunitaacuterio de sauacutede sem o conhecimento teacutecnico-acadecircmico fica
mais uma vez subordinado ao poder meacutedico
Um contraponto muito interessante desses dois discursos foi o discurso Natalina
Eu tenho um grupo de caminhada ai assim quando eu vou na casa deles eles tem
abertura para conversar comigo eles falam ai eu tento chamar para fazer atividades ()
qualquer um que gostaria de caminhar a gente dava uma caminhadinha na Lagoa para tirar
o estresse do dia-a-dia () a maioria dos meus pacientes eacute empregada domeacutestica e porteiro
entatildeo eacute muita cobranccedila em cima deles natildeo tem como ficar estressado
O que representou por parte dessa agente comunitaacuteria de sauacutede iniciativa e autonomia
no seu processo trabalho A ideia do grupo foi de autoria dessa agente Chamou atenccedilatildeo
tambeacutem a sua sensibilidade de abrir um espaccedilo de escuta para essas pessoas com ocupaccedilotildees
de trabalho estressante Marcando assim uma caracteriacutestica fundamental do meacutetodo para as
accedilotildees de sauacutede mental na ESF a invenccedilatildeo no modo de produzir sauacutede (LANCETTI 2013)
No discurso de Hebe eacute sinalizada a presenccedila do NASF realmente como apoio para o
manejo dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental em uma perspectiva de territoacuterio de sauacutede e natildeo de
doenccedila pois quando a ACS natildeo conhecia a rede o lugar para pedir ajuda era uma instituiccedilatildeo
psiquiaacutetrica
135
Agora a gente tem o NASF mas nem sempre foi assim () uma paciente que todo dia
descia pra trabalhar de repente ela passou a ficar andando pela comunidade isso me causou
estranheza isso natildeo eacute normal () e a pessoa estava falando as coisas natildeo tinham conexatildeo
() eu peguei natildeo conhecia a rede levei ela no PINEL laacute ela foi medicada
Nesse discurso tambeacutem fica caracterizado o princiacutepio da longitudinalidade ou seja o
quanto acompanhar um usuaacuterio ao longo do tempo possibilita reconhecer que determinada
accedilatildeo desse usuaacuterio eacute ou natildeo eacute estranha no seu cotidiano permitindo uma intervenccedilatildeo precoce
que pode ser iatrogecircnica ou natildeo
Nesse caso citado natildeo foi a mais adequada mas no momento foi a melhor que Hebe
pode fazer em termos de cuidado e proteccedilatildeo da usuaacuteria
A mudanccedila tatildeo ansiada no paradigma da atenccedilatildeo agrave sauacutede ateacute entatildeo centrado no
modelo hospitalocentrico em um nuacutemero significativo de textos e artigos incluindo os
documentos oficiais do Ministeacuterio da Sauacutede deposita sobre a ESF e muitas vezes sobre a
figura do ACS a responsabilidade dessa mudanccedila Como apontado por Tomaz (2002) faz-se
necessaacuterio natildeo tomar o ACS como um super-heroacutei Onde o autor procura combater a visatildeo
romacircntica do ACS e da APS como ldquomola propulsora da consolidaccedilatildeo do SUSrdquo Pois nesse
entendimento existiria uma distorccedilatildeo do papel dos ACS gerando sobrecarga de trabalho e
sofrimento para estes trabalhadores como colocado no discurso Kiara
Eu acho que ateacute os funcionaacuterios deveriam ter um tratamento porque nesse curso a
gente descobriu que tem uma Unidade que todos os ACS estatildeo tomando remeacutedios
controlados
Uma revisatildeo de literatura sobre a temaacutetica dos ACSs realizada por Bornstein e Storz
(2008) indica que natildeo eacute possiacutevel delegar a um uacutenico niacutevel do sistema de sauacutede a realizaccedilatildeo de
uma mudanccedila de tamanhas proporccedilotildees A afirmaccedilatildeo eacute sustentada com uma retomada da
criacutetica ao ldquodiscurso mudancistardquo presente nos documentos oficiais que muitas vezes mitifica
o meacutedico generalista e vecirc a simples inserccedilatildeo deste na APS como suficiente para modificaccedilatildeo
do paradigma de atenccedilatildeo O mesmo acontece com o ACS uma vez que a aposta neste
personagem eacute de ele possa fazer a articulaccedilatildeo entre o saber popular e o saber teacutecnico visando
agrave construccedilatildeo de um projeto de cuidado que atenda agraves necessidades da populaccedilatildeo de um
territoacuterio especifico do qual o ACS seria membro integrante e vasto conhecedor Pois as
transformaccedilotildees sociais para mudanccedilas no modelo de atenccedilatildeo em sauacutede satildeo lentas e dependem
do esforccedilo de todos os cidadatildeos (TOMAZ 2002)
136
Recomendaccedilotildees
Quanto as recomendaccedilotildees para melhoria das accedilotildees de sauacutede mental na ESF no
discurso dos ACSs o que predominou foi o pedido de capacitaccedilatildeo o que nos leva a concluir
que esses trabalhadores natildeo se sentem instrumentalizados para lidar com os ldquocasosrdquo de sauacutede
mental apontando para necessidade de treinamentos ou capacitaccedilotildees tambeacutem para abordagem
ao usuaacuterios de droga e violecircncia domeacutestica
Acho que precisa ser trabalhado mais A sociedade estaacute tatildeo estressada taacute tatildeo
sobrecarregada que precisa sim ter uma atenccedilatildeo maior ainda mais agora que eles estatildeo
comeccedilando a liberar essas pessoas e como que a sociedade vai receber essas pessoas
Kiara
CAPACITACcedilAtildeO DOS AGENTES COMUNITAacuteRIOS DE SAUacuteDE mas uma
capacitaccedilatildeo muito efetiva aonde aborda-se todos os temas e natildeo alguns somente (Nateacutercia)
No discurso Marcilene aparece uma recomendaccedilatildeo muito interessante que soa como
uma criacutetica ou uma queixa denuacutencia da natildeo participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas que a
entrevistada tenta negar mas se contradiz
Assim eu acho que a equipe meacutedica neacute estar junto numa interconsulta com todos os
profissionais de sauacutede Eacute assim os agentes jaacute estatildeo junto com eles tem isso entendeu Que
muitas das vezes os casos eacute a gente que traz pra caacute para os outros profissionais
Como afirma Lancetti (2014) a regra fundamental do funcionamento das equipes eacute
fazer circular o saber tanto o teacutecnico e cientiacutefico como o cultural e o popular Portanto a
participaccedilatildeo dos ACSs nas interconsultas eacute salutar para produccedilatildeo de sauacutede no territoacuterio
No discursos de Hebe e Jacobina respectivamente aparece a recomendaccedilatildeo de uma
visatildeo holiacutestica e integrada em sauacutede mental com sugestotildees dos atributos necessaacuterios para o
trabalho na ESF
Olha pra trabalhar em Sauacutede da Famiacutelia tem que saber ouvir ver aleacutem do que eles
tatildeo te mostrando veja aleacutem do que eles querem ver (Hebe)
Porque tem paciente que ele quer conversar contigo problemas pessoais dele e vocecirc
tem que taacute aberta a ouvir aquilo muitas das vezes opinar muitas das vezes natildeo opinar
porque sua opiniatildeo pode trazer problemas na famiacutelia entatildeo haacute toda um temperanccedila mas eacute
interessante eu gosto (Jacobina)
Jaacute os discursos de Iana e Heda marcados pela loacutegica do especialismo ainda centrado
no modelo biomeacutedico a recomendaccedilatildeo eacute ter mais meacutedico especializado na Cliacutenica da Famiacutelia
ficando explicito o desconhecimento dos princiacutepios da APS
137
Eu acho que teria que ter mais vamos dizer meacutedicos especializados neacute porque aqui
a gente tem um meacutedico mas um meacutedico pra trecircs equipes eacute muito pouco e hoje a populaccedilatildeo taacute
sofrendo muito com sauacutede mental eu vejo muita gente tomando muito remeacutedio controlado agraves
vezes ateacute sem prescriccedilatildeo (Iana)
Teria que implantar psiquiatria e psicologia era uma das coisas que natildeo deveria
faltar aqui dentro Natildeo teria que ser assim soacute estagiaacuterios ou residentes natildeo teria que ser
pessoas fixas aqui mesmo tinha que ter uma sala realmente soacute pra eles mesmo porque aqui
noacutes temos muitos problemas de sauacutede mental Teria que ser uma coisa fixa (Heda)
O discurso de Natalina natildeo eacute uma recomendaccedilatildeo mas eacute tambeacutem uma queixa denuacutencia
da demora para o atendimento em sauacutede mental
Eu acho muito distante eu acho que poderia ser mais proacuteximo porque assim vem ateacute
aqui () aiacute pra marcar uma consulta eacute um dilema porque vai ter que ver a agenda do
meacutedico agraves vezes eacute um pra mil aiacute agraves vezes a pessoa ateacute desiste entendeu Eu acho que tem
uma distacircncia sei laacute eacute uma coisa muito distante
E finalmente no discurso de Lana natildeo haacute nenhuma recomendaccedilatildeo para ser feita pois
na sua opiniatildeo a chegada do NASF trouxe significativas contribuiccedilotildees para as accedilotildees de sauacutede
mental na ESF Hoje jaacute melhorou bastante porque como eu falei chegou o NASF O que
demonstrou que a equipe do NASF na Cliacutenica da Famiacutelia estudada estaacute efetivamente apoiando
as equipes conforme recomendado na Portaria GM 1542008
138
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Natildeo poderia deixar de pontuar o quanto foi difiacutecil escrever no periacuteodo de crise poliacutetica
brasileira desde o afastamento da Presidenta eleita democraticamente por voto popular em
marccedilo de 2016 ateacute a aprovaccedilatildeo do seu impeachment em agosto do mesmo ano Instalou-se
entatildeo no paiacutes um periacuteodo conservador de incertezas e ameaccedilas agrave tatildeo duramente conquistada
democracia Nesse clima de incertezas eacute colocada em votaccedilatildeo a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 241 que se transformou em PEC 55 Este Projeto tramitou sem a
necessaacuteria discussatildeo com diferentes atores e setores da sociedade e foi aprovado gerando a
desvinculaccedilatildeo de recursos da sauacutede nos proacuteximos 20 anos o que traraacute prejuiacutezos gigantescos
ao jaacute combalido SUS
A perda de recursos eacute histoacuterica e os caacutelculos demonstram que poderaacute acarretar ateacute R$
600 bilhotildees de reais retirados da sauacutede Isto coloca em risco o conjunto inquestionaacutevel de
conquistas da sauacutede brasileira desde a criaccedilatildeo do SUS apoacutes a promulgaccedilatildeo da nossa
Constituiccedilatildeo em 1988 como a melhoria da sauacutede puacuteblica brasileira aumento da expectativa
de vida reduccedilatildeo da mortalidade infantil queda da desnutriccedilatildeo e inuacutemeras campanhas de
promoccedilatildeo e prevenccedilatildeo da sauacutede
A defesa do direito constitucional previsto no Artigo 196 da Constituiccedilatildeo de que a
sauacutede eacute um dever do Estado e um direito de todos estaacute gravemente ameaccedilada com a
aprovaccedilatildeo da PEC 55 Como escrevo em defesa do SUS e de uma Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Puacuteblica
que aprofunde a universalidade descentralizaccedilatildeo integralidade e participaccedilatildeo popular o
cenaacuterio atual estaacute desolador
Na cidade do Rio de Janeiro a gestatildeo do governo do PMDB (Partido do Movimento
Democraacutetico Brasileiro) que contribuiu expressivamente para expansatildeo da APS na cidade por
meio da ESF mesmo com todas as minhas criacuteticas (gestatildeo por OSs viacutenculos precaacuterios etc) a
cobertura que era de 694 em janeiro de 2009 chegou em dezembro de 2016 a 5172
(MSSASDAB e IBGE) E com a eleiccedilatildeo para a prefeitura do Rio de Janeiro onde foi eleito
um governo do PRB (Partido Republicano Brasileiro) o cenaacuterio de duacutevidas e incertezas
novamente se repete Nessa nova gestatildeo ainda natildeo se sabe se haveraacute continuidade a todo
investimento feito na APS
Retomando ao fechamento dessa pesquisa o objeto de estudo dessa tese foram os
sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da ESF aos ldquocasosrdquo de sauacutede mental na populaccedilatildeo
adulta do territoacuterio de sua responsabilidade A anaacutelise desses sentidos foi realizada tendo
como referecircncia as formaccedilotildees discursivas e seus efeitos de deriva produzidos pela
triangulaccedilatildeo do que foi dito por cada profissional entrevistado a teoria que fundamentou o
139
texto e as minhas consideraccedilotildees sobre o tema estudado Quero aqui deixar claro que natildeo tive a
intenccedilatildeo de esgotar todas as possibilidades de efeitos de deriva advindos das formaccedilotildees
discursivas nomeadas pelos entrevistados O que eacute compatiacutevel com a Anaacutelise de Discurso que
se caracteriza pela incompletude sem iniacutecio absoluto nem ponto final definitivo o que escrevi
de acordo com o proposto por Orlandi (2013) foi uma proposta de reflexatildeo sobre a
linguagem sobre os sujeitos entrevistados e suas subjetividades sobre a histoacuteria e suas
ideologias
Para os profissionais de niacutevel superior (meacutedicos preceptores meacutedicos residentes e
enfermeiros) a motivaccedilatildeo para trabalhar na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia (ESF) apareceu
como uma alternativa ao modelo meacutedico centrado e hospitalocentrico Portanto a
compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para estes profissionais estaacute relacionada com um
modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede centrado na pessoa e natildeo na doenccedila considerando a famiacutelia e o
entorno social O que foi colocado pelos proacuteprios profissionais como um trabalho muito mais
amplo assistindo a todas as faixas etaacuterias do receacutem-nascido ao idoso que tambeacutem eacute bem mais
complexo pois estaacute o tempo todo atravessado pela realidade de onde as pessoas vivem
Jaacute para os profissionais de niacutevel meacutedio e fundamental (teacutecnicos de enfermagem e
agentes comunitaacuterios de sauacutede) a motivaccedilatildeo para trabalhar na ESF foi a oportunidade de
emprego proacuteximo agrave residecircncia A compreensatildeo da natureza do trabalho na ESF para esse
grupo de profissionais estaacute relacionada a importacircncia de fazer algo para a comunidade aonde
moram e poder ajudar o proacuteximo O que foi apontado por eles proacuteprios como prevenccedilatildeo
ressaltando a importacircncia de propor accedilotildees educativas como armazenamento adequado do lixo
haacutebitos saudaacuteveis de alimentaccedilatildeo o que denominaram como orientar para natildeo chegar ao
ponta da doenccedila jaacute instalada
As denominaccedilotildees utilizadas pelos meacutedicos preceptores para nomear ldquocasosrdquo de sauacutede
mental se relacionaram principalmente ao campo da Medicina de Famiacutelia e Comunidade
Pois utilizaram uma perspectiva mais ampliada do processo sauacutede-doenccedila com abordagem
psicossocial sofrimento psiacutequico e todo caso pode ser um caso de sauacutede mental Embora
tenham se utilizado do termo transtorno mental para diferenciar o que pode ser acompanhado
na ESF e o que deve ser referenciado houve um certo cuidado para explicar a diferenccedila entre
transtorno e sofrimento Quanto ao manejo demonstraram trabalhar e ensinar agraves equipes que
inicialmente o acompanhamento do usuaacuterio deve ser com a ESF mesmo Observou-se que o
encaminhamento para outros serviccedilos ocorriam somente em situaccedilotildees de transtornos mentais
graves transtornos mentais em crianccedilas e dependecircncia quiacutemica
140
Os meacutedicos residentes ao nomearem ldquocasordquo de sauacutede mental utilizaram-se de termos
teacutecnicos ou faziam alguma correlaccedilatildeo com as categorias nosograacuteficas do campo da
psiquiatria esquizofrenia alucinaccedilotildees transtorno de ansiedade depressatildeo profunda
euforia exceto em um discurso onde foi nomeado como sofrimento psiacutequico com uma
perspectiva holiacutestica o uso de termos psiquiaacutetricos parecia lsquooacutebviorsquo para nomear os ldquocasosrdquo de
sauacutede mental Quando se questionou a esses entrevistados sobre o porquecirc de utilizarem as
categorias nosograacuteficas acima mencionadas ficaram espantados como se aquele
questionamento natildeo fizesse nenhum sentido Isso indicou que o saber psiquiaacutetrico natildeo eacute
passiacutevel de questionamento eacute um saber preacute-existente e portanto naturalizado como
linguagem explicativa para as formas de adoecimento em sauacutede mental
Quanto ao manejo os meacutedicos residentes demonstraram natildeo fazer encaminhamentos
externos sem uma escuta ativa preacutevia e sem consultar os preceptores e os profissionais do
Nuacutecleo de Apoio ao Sauacutede da Famiacutelia (NASF) Embora tenha aparecido em seus discursos
uma dificuldade ou mesmo medo e inseguranccedila em manejar esses ldquocasosrdquo ndash pisando em ovos
e se for uma coisa que eu me sinta confortaacutevel os entrevistados apresentaram disponibilidade
para acolher e acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental Demonstraram ateacute interesse em
atendecirc-los pois se sentiam apoiados seja pelo preceptor ou pela equipe do NASF (psiquiatra
e psicoacutelogo) Daiacute a importacircncia de um processo de educaccedilatildeo continuada no cotidiano das
equipes ampliando o escopo de accedilotildees e a resolutividade na atenccedilatildeo primaacuteria Processo esse
que pode ser realizado pela equipe do NASF que tem uma funccedilatildeo teacutecnica e pedagoacutegica junto
agraves equipes da ESF
No discurso dos enfermeiros tambeacutem prevaleceu os termos teacutecnicos psiquiaacutetricos
Depressatildeo simples siacutendrome do pacircnico esquizofrenia ansiedade doenccedila mental ndash para
nomear o ldquocasordquo de sauacutede mental exceto em um discurso que trouxe uma visatildeo mais
ampliada correlacionado ao mal-estar da vida (dificuldades de relacionamento famiacutelias
desestruturadas violecircncia e questotildees de droga) Quanto ao manejo o que predominou foi a
solicitaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do profissional meacutedico embora tenham relatado conseguir acolher e
escutar A dinacircmica do funcionamento em equipe surgiu em uma das falas dos enfermeiros
mas tambeacutem com ecircnfase na centralidade no profissional meacutedico
No discurso dos teacutecnicos de enfermagem a concepccedilatildeo de ldquocasosrdquo de sauacutede mental
apareceu impregnada da visatildeo do modo asilar com ecircnfase na medicaccedilatildeo psicotroacutepica
dependecircncia e tutela da famiacutelia comportamentos estereotipados Reafirmada na
recomendaccedilatildeo destes profissionais de ter um psiquiatra fixo na Cliacutenica da Famiacutelia (CF) para
atender a esses casos Exceccedilatildeo em um discurso que sugeriu a criaccedilatildeo de atividades em grupos
141
na proacutepria CF com a finalidade de reinserccedilatildeo no meio social Quanto ao manejo apareceram
dois modos de agir um centrado na equipe com discussatildeo de caso apoio do matriciador e
atividades em grupo como preconizado pela PNAB (2012) e pela Poliacutetica Puacuteblica de Sauacutede
Mental e outro centrado na crise na medicaccedilatildeo no profissional especialista e na loacutegica do
encaminhamento
Jaacute no discurso dos agentes comunitaacuterios de sauacutede o que predominou na nomeaccedilatildeo de
ldquocasordquo de sauacutede mental foi uma concepccedilatildeo mais ampliada das vaacuterias situaccedilotildees da vida
(estresse violecircncia uso de drogas problemas no trabalho casamento mal sucedido crianccedilas
com dificuldades de relacionamento social situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ambiente familiar ou
social desagregador) Em relaccedilatildeo ao manejo o que prevaleceu foi levar para unidade de sauacutede
(CF) ou seja os agentes exercendo a funccedilatildeo de ldquoeloviacutenculordquo entre o serviccedilo e a populaccedilatildeo
Daiacute a importacircncia da atuaccedilatildeo do agente comunitaacuterio de sauacutede pois possui o capital social
muitas vezes facilitando esse canal de comunicaccedilatildeo Tambeacutem trouxeram a importacircncia da
prevenccedilatildeo (pelo viacutenculo e acompanhamento do indiviacuteduo e grupo familiar) do
empoderamento dos usuaacuterios e da comunidade (com praacutetica de atividades fiacutesicas em grupo) e
da natildeo dissociaccedilatildeo mente e corpo
Mudanccedilas indicativas de transformaccedilatildeo da praacutetica cliacutenica foram observadas na CF
estudada tais como a praacutetica da reuniatildeo de equipe semanal com discussatildeo conjunta de casos
a relaccedilatildeo dos profissionais centrada na pessoa e seu nuacutecleo familiar natildeo na doenccedila com
visitas domiciliares e aplicaccedilatildeo do familiograma onde foi apontado pelos meacutedicos residentes
a importacircncia da pessoa falar da sua experiecircncia de estar doente do acompanhamento
longitudinal e de ter um meacutedico para chamar de seu o que haacute alguns anos atraacutes era somente
para as pessoas mais abastadas da sociedade
O deslocamento da consulta individual para praacuteticas mais coletivas e
desmedicalizadoras com propostas de grupos como ldquoCafeacute com Especialistardquo espaccedilo pensado
para reunir as pessoas que usam medicaccedilatildeo psicotroacutepica haacute muitos anos com o objetivo de
questionar esse uso dividir experiecircncias e reduzir a medicaccedilatildeo principalmente os
benzodiazepiacutenicos Ressalto que esse grupo foi pensado pelo psiquiatra do NASF com os
meacutedicos residentes a partir de uma listagem nominal que a farmaacutecia da unidade dispotildee dos
usuaacuterios que fazem uso de psicotroacutepico com o nome da substancia a dose utilizada e a data da
dispensaccedilatildeo O nome do grupo a princiacutepio seria ldquoCafeacute com Psiquiatrardquo depois foi repensado
pois poderia se tornar um espaccedilo para troca de receitas e lsquopsiquiatrizantersquo o que natildeo era a
intenccedilatildeo
142
Outra atividade em grupo da unidade eacute o ldquoGrupo de Artesanatordquo coordenado por uma
enfermeira com o objetivo de aproximar as pessoas do entorno agrave unidade de sauacutede onde a
princiacutepio participam mulheres idosas com atividades de costura e crochecirc hoje participam
pessoas de vaacuterias idades e tornou-se mais um espaccedilo potente de convivecircncia Acontece
tambeacutem na CF a ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo mas essa eacute coordenada por dois voluntaacuterios
um ex-residente de Medicina de Famiacutelia e Comunidade da proacutepria unidade e uma psicoacuteloga
Aberta a todos os usuaacuterios interessados realizada no horaacuterio noturno com modo de
funcionamento proacuteprio do meacutetodo da ldquoRoda de Terapia Comunitaacuteriardquo Se pensarmos a
unidade baacutesica de sauacutede como o lugar onde as pessoas vatildeo para fazer consultas meacutedicas e
odontoloacutegicas procedimentos teacutecnicos (curativos vacinas colher exames) a presenccedila desses
grupos satildeo realmente propostas inovadoras
Nas entrevistas com os agentes comunitaacuterios de sauacutede surgiram vaacuterias propostas de
inovaccedilatildeo em fazer sauacutede na comunidade darei destaque a duas delas uma foi a proposta de
chamar o educador fiacutesico para uma accedilatildeo com as mulheres no alto da comunidade o
profissional foi com sua ideia de propor atividades fiacutesicas e haacutebitos de vida saudaacuteveis na sua
concepccedilatildeo dogmaacutetica enquanto que a ideia da agente comunitaacuteria de sauacutede era de uma coesatildeo
social entre esses mulheres explicando que na comunidade as casas satildeo todas muito
proacuteximas mas as pessoas satildeo muito desunidas A outra proposta foi de um grupo de
caminhada semanal fora da comunidade para que as pessoas pudessem ter um espaccedilo de
conviacutevio social e tirar o estresse do dia-a-dia pois na aacuterea dessa agente comunitaacuteria havia
muitos porteiros e empregadas domeacutesticas E no seu entendimento esse espaccedilo ajudaria essas
pessoas a natildeo ficarem doentes prevenindo doenccedilas fiacutesicas e mentais
Um dos pontos fracos observado na unidade estudada que foi tambeacutem uma das queixa
dos meacutedicos residentes foi passarem a maior parte da carga horaacuteria dentro da unidade de
sauacutede natildeo restando tempo para atividades extramuros na comunidades com exceccedilatildeo das
visitas domiciliares que no primeiro ano da residecircncia satildeo mais frequentes mas no segundo
ano satildeo muito escassas a prevenccedilatildeo eacute dentro do consultoacuterio mesmo como apareceu em um
dos discursos Apesar dessa natildeo ter sido uma queixa dos enfermeiros e teacutecnicos de
enfermagem observei que esses profissionais tambeacutem permaneciam a maior tempo dentro da
unidade O profissional com mais tempo fora da unidade de sauacutede pareceu ser mesmo o
agente comunitaacuterio de sauacutede
Os meacutedicos residentes se queixaram tambeacutem da falta de valorizaccedilatildeo da especialidade
Medicina de Famiacutelia e Comunidade pela populaccedilatildeo talvez por falta de conhecimento e
divulgaccedilatildeo do funcionamento da Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede atraveacutes da Estrateacutegia Sauacutede da
143
Famiacutelia e pelo proacuteprio sistema de sauacutede que ateacute o momento natildeo conseguiu colocar a APS
como coordenadora do cuidado Essa foi similarmente uma queixa-denuacutencia dos enfermeiros
recomendando inclusive a divulgaccedilatildeo junto a populaccedilatildeo em geral da forma de funcionamento
da ESF assim como o melhoramento dos fluxos de referecircncia e contra referecircncia
Os profissionais da ESF da CF estudada conseguem com o apoio do NASF
acompanhar os ldquocasosrdquo de sauacutede mental encaminhando soacute os casos mais graves que
necessitam de um serviccedilo mais especializados em geral crianccedilas adolescentes casos agudos
de sofrimento psiacutequico e dependecircncia quiacutemica Inclusive foi uma recomendaccedilatildeo dos proacuteprios
profissionais ampliar o nuacutemero de dispositivos abertos como os Centros de Atenccedilatildeo
Psicossocial nas suas modalidades adulto infantil aacutelcool e drogas natildeo soacute na aacuterea onde estaacute
situada a CF mas em toda a cidade do Rio de Janeiro
A necessidade de capacitaccedilatildeo para accedilotildees de sauacutede mental violecircncia no territoacuterio e
dependecircncia quiacutemica foi muito recomendada por todos os profissionais entrevistadas atenccedilatildeo
especial para melhor seleccedilatildeo e qualificaccedilatildeo dos agentes comunitaacuterios de sauacutede devido a
importacircncia de sua funccedilatildeo natildeo soacute para as questotildees de sauacutede mental mas para ESF como um
todo Outra necessidade apontada pelos profissionais foi mais apoio no fazer cotidiano por
parte gestatildeo que cobra muito as metas a serem atingidas focando em nuacutemeros priorizando a
quantidade e natildeo a qualidade do atendimento
A Cliacutenica da Famiacutelia estudada por ser campo de praacutetica para a Residecircncia de Medicina
de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio de Janeiro tem uma estrutura de recursos
humanos e materiais muito boa funciona em horaacuterio estendido das 0800 agraves 2000hs
facilitando assim o acesso dos usuaacuterios que trabalham em horaacuterio comercial Mas a alta
rotatividade dos profissionais principalmente dos meacutedicos residentes eacute uma queixa frequente
dos usuaacuterios como apontado nas entrevistas pelos agentes comunitaacuterios de sauacutede e teacutecnicos
de enfermagem o que acaba interferindo no princiacutepio da longitudinalidade Os meacutedicos
preceptores embora defendam essa forma de organizaccedilatildeo caiacuteram numa contradiccedilatildeo quando
em seus discursos sinalizaram que a sauacutede da famiacutelia eacute como vinho quanto mais tempo
melhor
Um ponto de destaque que encontrei nas entrevistas e necessita de mais estudos para
melhor investigaccedilatildeo foi a criacutetica de que o tempo meacutedio de duraccedilatildeo de um meacutedico de famiacutelia
seria de 5 (cinco) anos tamanha a sobrecarga de trabalho devido agrave alta taxa de adoecimento
da populaccedilatildeo a falta de articulaccedilatildeo entre os serviccedilos ou seja os niacuteveis de atenccedilatildeo totalmente
desarticulados Nesse contexto como a Atenccedilatildeo Primaacuteria em Sauacutede vai ser coordenadora do
cuidado de se natildeo haacute uma rede de sauacutede estruturada E como o meacutedico de famiacutelia vai
144
conseguir suportar toda essa demanda Foram alguns dos questionamentos dos meacutedicos
residentes O adoecimento dos agentes comunitaacuterios de sauacutede pela sobrecarga de trabalho
apareceu na entrevista com esses profissionais Assim como no discurso dos teacutecnicos de
enfermagem a queixa da sobrecarga de trabalho esteve presente
Uma abordagem de sauacutede mental na atenccedilatildeo primaacuteria em sauacutede poderaacute ser eficaz para
defender a vida para diminuir a dor e o sofrimento extremo a partir de uma reflexatildeo de que
diversos fatores estatildeo envolvidos neste processo que vatildeo desde as condiccedilotildees econocircmicas e
sociais da populaccedilatildeo passando por questotildees ligadas agrave subjetividade contemporacircnea pela
maneira como estatildeo organizados os serviccedilos e que tipos de demanda induzem ateacute a
capacitaccedilatildeo dos profissionais envolvidos nessa tarefa com apoio e financiamento da gestatildeo
Atualmente uma das grandes questotildees para uma atenccedilatildeo em sauacutede mental puacuteblica e de
qualidade eacute definir o limite de suas prestaccedilotildees que tipo de problemas devem ser atendidos
nos serviccedilos de sauacutede mental e quais outros supotildee um mal-estar da vida cotidiana e portanto
natildeo deveriam ser objeto da atenccedilatildeo de sauacutede especifica Quais satildeo os limites do sofrimento
ou do transtorno mental Qualquer sofrimento psicoloacutegico deve ser objeto de atenccedilatildeo em
sauacutede Quais satildeo as prestaccedilotildees de sauacutede que um sistema puacuteblico responsaacutevel e bem
organizado deve garantir
Colocar essas questotildees eacute de suma importacircncia nesse contexto de crise econocircmica e
poliacutetica ndash onde o SUS puacuteblico e universal estaacute ameaccedilado com cortes no orccedilamento e
aprovaccedilatildeo da PEC 55 Que tipo de atenccedilatildeo em sauacutede mental justa deveraacute ser feita pelos
sistemas puacuteblicos de sauacutede nas proacuteximas deacutecadas
De acordo com Retolaza (2013) os partidaacuterios de uma concepccedilatildeo biomeacutedica positivista
tem isso muito claro tem que prestar assistecircncia somente para aqueles que tem doenccedila que
possa ser medicamente catalogada e definida como doenccedila Mas natildeo eacute faacutecil definir o que eacute
doenccedila e o que natildeo eacute especialmente em uma sociedade que medicaliza o sofrimento e as
dificuldades da existecircncia passando para a sauacutede (e natildeo soacute para a psiquiatria) a atenccedilatildeo e o
cuidado de disfunccedilotildees sociais de todo o tipo Para o sistema privado desde que haja um preccedilo
acertado pouco importa aonde comeccedila e termina a doenccedila Se pode se pagar haacute tratamento
se natildeo natildeo haacute
Esse eacute o desafio que estaacute colocado natildeo soacute para a APS mas para o nosso SUS que
convive com a expansatildeo do sistema privado e dos grandes conglomerados de planos privados
de sauacutede
As limitaccedilotildees desse estudo foram o cenaacuterio do estudo foi uma Cliacutenica da Famiacutelia
cenaacuterio de praacutetica da Residecircncia em Medicina de Famiacutelia e Comunidade da Prefeitura do Rio
145
de Janeiro considerada uma unidade modelo pela Secretaria Municipal de Sauacutede localizada
na zona sul (AP 21) uma aacuterea rica em equipamentos de sauacutede E apenas os profissionais
foram entrevistados perfazendo um total de 22 participantes quando se tivesse oportunidade
e tempo haacutebil para entrevistar os usuaacuterios seria mais enriquecedor
Como recomendaccedilatildeo sugiro que essa pesquisa seja replicada em outras Cliacutenicas da
Famiacutelia nas diferentes Aacutereas Programaacuteticas da cidade a fim de comparar os resultados
encontrados que os usuaacuterios sejam entrevistados a respeito do cuidado em sauacutede mental
ofertado na Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia e suas expectativas sobre o comportamento que os
profissionais e esses serviccedilos devem ter na prestaccedilatildeo desse cuidado E por fim um estudo
com os psiquiatras matriciadores para investigar a percepccedilatildeo deles na comunicaccedilatildeo e no
acompanhamento dos ldquocasosrdquo de sauacutede mental com a equipe da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia
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APENDICE I ndash Roteiro de Entrevista
Iniciais do nome
Idade Sexo Estado Civil Natural de
Formaccedilatildeo profissional Tempo de formaccedilatildeo
Poacutes-graduaccedilatildeo Sim ( ) Aacuterea_______________ Natildeo ( )
Tempo de atuaccedilatildeo na ESF
Teve ou tem algum tipo de treinamento curso ou apoio para accedilotildees de sauacutede mental
1) O que eacute para vocecirc trabalhar na ESF
- Por quecomo veio trabalhar (motivaccedilatildeo)
- Como eacute a sua rotina de trabalho
- O que caracteriza o seu trabalho na ESF
- Qual eacute a importacircncia da ESF para o sistema de sauacutede
- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria da ESF
2) O que vocecirc considera como ldquocaso de Sauacutede Mentalrdquo na populaccedilatildeo adulta assistida pela
sua equipe da ESF
- Como identifica acolhe acompanha eou encaminha
- Se encaminha para onde
- Que recomendaccedilotildees vocecirc daria para melhoria do atendimento agrave Sauacutede Mental na
ESF
161
APENDICE II ndash Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) Prezado participante
Vocecirc estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa ldquoOs sentidos atribuiacutedos pelos
profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia aos casos de Sauacutede Mentalrdquo desenvolvida
por Vanessa Andrade Martins Pinto discente de Doutorado em Sauacutede Puacuteblica da Escola
Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca da Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (ENSPFIOCRUZ)
sob orientaccedilatildeo do Professor Dr Paulo Duarte de Carvalho Amarante e coorientaccedilatildeo da
Professora Drordf Ana Elisa Bastos Figueiredo
O objetivo central do estudo eacute Estudar os sentidos atribuiacutedos pelos profissionais da
Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia acerca do que apreendem como ldquocaso de sauacutede mentalrdquo na
populaccedilatildeo adulta do territoacuterio de sua responsabilidade em um bairro da zona sul do municiacutepio
do Rio de Janeiro
Vocecirc estar sendo convidado a participar desse estudo por trabalhar na Estrateacutegia de Sauacutede
da Famiacutelia haacute mais de seis (6) meses
O convite a sua participaccedilatildeo se deve agrave sua praacutetica na Equipe de Estrateacutegia de Sauacutede da
Famiacutelia no territoacuterio adscrito
Sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria isto eacute ela natildeo eacute obrigatoacuteria e vocecirc tem plena autonomia
para decidir se quer ou natildeo participar bem como retirar sua participaccedilatildeo a qualquer momento
Vocecirc natildeo seraacute penalizado de nenhuma maneira caso decida natildeo consentir sua participaccedilatildeo ou
desistir da mesma Contudo ela eacute muito importante para a execuccedilatildeo da pesquisa
Seratildeo garantidas a confidencialidade e a privacidade das informaccedilotildees por vocecirc
prestadas uma vez que qualquer dado que possa identificaacute-lo seraacute omitido na divulgaccedilatildeo dos
resultados da pesquisa As entrevistas seratildeo transcritas e todo o material seraacute armazenado em
arquivos digitais seguros aos quais somente teratildeo acesso eu como pesquisadora meu
orientador e minha co-orientadora
A qualquer momento durante a pesquisa ou posteriormente vocecirc poderaacute solicitar da
pesquisadora informaccedilotildees sobre sua participaccedilatildeo eou sobre a pesquisa o que poderaacute ser feito
atraveacutes dos meios de contato explicitados neste Termo
A sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder perguntas de um roteiro de entrevista com
questotildees norteadoras agrave pesquisadora do projeto A gravaccedilatildeo de toda a entrevista eacute condiccedilatildeo
necessaacuteria agrave sua participaccedilatildeo
O tempo de duraccedilatildeo da entrevista eacute de aproximadamente trinta minutos As entrevistas
seratildeo realizadas em local apropriado com somente a sua presenccedila e a da pesquisadora
Ao teacutermino da pesquisa todo material seraacute mantido em arquivo por pelo menos cinco
(5) anos conforme Resoluccedilatildeo 46612 e orientaccedilotildees do CEPENSP
O benefiacutecio direto relacionado com a sua colaboraccedilatildeo nesta pesquisa eacute o de reflexatildeo
sobre o seu proacuteprio processo de trabalho e da sua equipe O que indiretamente poderaacute
influenciar na melhoria da qualidade do cuidado em sauacutede mental aos usuaacuterios adscritos em
seu territoacuterio de responsabilidade
Rubrica do Participante ____________
Rubrica do Pesquisador ___________
(1-2)
162
O risco da sua participaccedilatildeo neste estudo pode ser de constrangimento durante as
entrevistas Nesse caso seraacute sugerido uma pausa ou retorno em outro momento ou ateacute mesmo
a desistecircncia em vocecirc responder a entrevista Outro risco pode ser de sua identificaccedilatildeo como
participante da pesquisa O que seraacute minimizado ao realizarmos uma anaacutelise em conjunto dos
dados coletados na entrevista impossibilitando assim atribuiccedilatildeo individual aos seus
depoimentos
Esse Termo eacute redigido em duas (2) vias uma (1) para vocecirc participante e outra para a
pesquisadora responsaacutevel pela pesquisa Devendo obrigatoriamente todas as paacuteginas serem
rubricadas por vocecirc participante e pela pesquisadora sendo que a uacuteltima paacutegina deve conter
sua assinatura assim como da pesquisadora do estudo
Em caso de duacutevida quanto agrave conduccedilatildeo eacutetica do estudo entre em contato com o Comitecirc
de Eacutetica em Pesquisa da ENSP O Comitecirc de Eacutetica eacute a instacircncia que tem por objetivo defender
os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no
desenvolvimento da pesquisa dentro de padrotildees eacuteticos Dessa forma o comitecirc tem o papel de
avaliar e monitorar o andamento do projeto de modo que a pesquisa respeite os princiacutepios
eacuteticos de proteccedilatildeo aos direitos humanos da dignidade da autonomia da natildeo maleficecircncia da
confidencialidade e da privacidade
Tel e Fax - (0XX) 21- 25982863
E-Mail cepenspfiocruzbr
httpwwwenspfiocruzbretica
Endereccedilo Escola Nacional de Sauacutede Puacuteblica Sergio Arouca FIOCRUZ Rua Leopoldo
Bulhotildees 1480 ndashTeacuterreo - Manguinhos - Rio de Janeiro ndash RJ - CEP 21041-210
___________________________________________
Vanessa Andrade Martins Pinto (Pesquisadora)
Laboratoacuterio de Estudos e Pesquisas em Sauacutede Mental e Atenccedilatildeo Psicossocial
LAPSENSPFiocruz Avenida Brasil 4036506 CEP 21040-361 - Manguinhos - Rio de
Janeiro ndash RJ Telefone (21) 3882-9105 E-mail vanessaampgmailcom
RIO DE JANEIRO ____ de _______________ 2015
Declaro que entendi os objetivos e condiccedilotildees de minha participaccedilatildeo na pesquisa e concordo
em participar
_________________________________________
(Assinatura do participante da pesquisa)
Nome do participante _____________________________________________
Rubrica do Participante ____________
Rubrica da Pesquisadora _____________
(2-2)