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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO ANA BEATRIZ NUNES PAIVA DO AMARAL A APLICAÇÃO DA COISA JULGADA SECUNDUM EVENTUM PROBATIONIS NAS LIDES PREVIDENCIÁRIAS NATAL/RN 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

ANA BEATRIZ NUNES PAIVA DO AMARAL

A APLICAÇÃO DA COISA JULGADA SECUNDUM EVENTUM PROBATIONIS NAS LIDES PREVIDENCIÁRIAS

NATAL/RN 2017

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ANA BEATRIZ NUNES PAIVA DO AMARAL

A APLICAÇÃO DA COISA JULGADA SECUNDUM EVENTUM PROBATIONIS NAS LIDES PREVIDENCIÁRIAS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como pré-­requisito parcial de Conclusão do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientador: Professor Mestre Carlos Wagner Dias Ferreira. NATAL/RN 2017

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Amaral, Ana Beatriz Nunes Paiva do. A aplicação da coisa julgada secundum eventum probationis nas lides

previdenciárias/ Ana Beatriz Nunes Paiva do Amaral. - Natal, RN, 2017. 89f. Orientador: Prof. Me. Carlos Wagner Dias Ferreira.

Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande

do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Direito.

1. Direitos Fundamentais Sociais – Monografia. 2. Direito Processual Previdenciário - Monografia. 3. Dignidade da Pessoa Humana - Monografia. 4. Proteção Previdenciária - Monografia. 5. Coisa julgada - Secundum Eventum Probationis.- Monografia. I. Ferreira, Carlos Wagner Dias. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 342.7

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AGRADECIMENTOS A conclusão deste trabalho me proporciona uma sensação de felicidade, por

estar finalizando mais um ciclo da minha vida;; de orgulho, por ter vivido o sonho de

cursar Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte;; e de gratidão, pelo

apoio de tantas pessoas que viveram cada conquista, no decorrer desses últimos

cinco anos, ao meu lado.

Gostaria de agradecer, inicial e principalmente, aos meus pais, Airene e Sufia,

que além de grandes incentivadores, sempre transbordaram amor, educação e bons

exemplos para mim e meus irmãos. Agradeço a dedicação, a torcida e o apoio que

me deram em cada objetivo que almejei, bem como o amparo nos momentos de

maiores dificuldades. O alicerce que vocês construíram na minha educação, ao longo

desses meus vinte e dois anos, talvez, hoje, tenha o maior reflexo e retribuição que

eu possa lhes dar, a minha graduação. Obrigada!

Estendo os meus agradecimentos aos meus irmãos, Felipe e Arthur, que me

mostram diariamente o significado de companheirismo, de doação ao próximo, de

amor e de união.

Sou extremamente grata também aos meus primos, em particular, Diana e João

Pedro, e aos meus tios, principalmente, Raimundo e Betânia, por terem sonhado e

vivido essa graduação ao meu lado, por terem sido refúgio nas dificuldades, e fortaleza

diante das fragilidades. Obrigada pelo amor que exala em nossa família e que nos

sustenta para quaisquer sonhos que queiramos alcançar.

Não poderia deixar de agradecer aos meus amigos por dividirem comigo todos

os desafios enfrentados ao longo da graduação. Especialmente direciono minha

gratidão a Bruna e Isabela, presentes em cada etapa deste trabalho, acompanhando-­

me nos momentos de pesquisa e produção.

Agradeço, ainda, a Victor, que esteve comigo nesses quase cinco anos, sendo

companheiro, compreensivo e grande incentivador dos meus objetivos.

Reservo um agradecimento especial a Deus, que me concedeu o dom da vida

e que rege, guarda e guia todos os meus caminhos.

Por fim, serei eternamente grata e levarei sempre comigo as grandes amizades

que construí neste curso e os bons exemplos de mestres que tive durante a

graduação, dentre os quais destaco aqueles que compõem a banca de avaliação do

meu trabalho, os professores Zéu Palmeira Sobrinho, Francisco Barros Dias e Carlos

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Wagner Dias Ferreira. Agradeço a este último não apenas pelo excelente exemplo

que passou enquanto docente, mas pela dedicação e orientação incansável na

elaboração da minha pesquisa.

A todos que estiveram ao meu lado e participaram ativamente deste processo,

o meu muito obrigada.

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“Negar ao povo trabalhador, na sua grande maioria

pobre e sofrido, a oportunidade de valer-­se de um

mecanismo processual que lhe propicie rever, por

meio de uma nova ação judicial, o direito

previdenciário indevidamente negado em um

processo precedente, essencialmente ficto, é

atribuir-­lhe, sem compaixão à dignidade da pessoa

humana, mais pobreza e sofrimento”.

(João Carlos Barros Roberti Júnior)

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RESUMO A proteção previdenciária consiste em um direito fundamental social de relevância ímpar, posto que proporciona aos indivíduos os meios necessários para uma sobrevivência digna. Diante disso, o Estado Democrático de Direito tem o dever de buscar, sempre, facilitar a concretização deste direito, levando em consideração os valores humanísticos e o caráter social consagrados pela Constituição Federal de 1988. Nessa perspectiva, o direito processual previdenciário detém singularidades que clamam por técnicas processuais específicas as quais, de fato, concretizem o acesso à justiça, o devido processo legal e o referido direito social. O regime geral pro et conta da coisa julgada, estabelecido pelo processo civil tradicional, não se apresenta compatível com a verdade real e a realidade social em que se insere o processo previdenciário. Por vezes, a imutabilidade da decisão sacrifica direitos legalmente garantidos a segurados que, por falta de diligência e informação, não obtiveram êxito em provar na ação judicial. A eternização de decisões nesse sentido não é condizente com uma ordem jurídica que protege os mais necessitados, prega a justiça social e a existência digna a todos. Diante disso, a aplicação da coisa julgada secundum eventum probationis, a qual impede a constituição de coisa julgada material em decisões judiciais improcedentes por insuficiência de provas, é a técnica processual mais legítima para as demandas previdenciárias. E, apesar de não haver previsão legal específica para tanto, os métodos hermenêuticos contemporâneos, que guiam os operados do direito a uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico de acordo com os fins constitucionais, legitimam uma atuação ativa do Judiciário em prol da concretização dos direitos e princípios fundamentais, tendo como sentido prevalecente a dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil. Palavras-­chave: Direito Processual Previdenciário. Direitos Fundamentais Sociais. Dignidade da Pessoa Humana. Proteção Previdenciária. Coisa Julgada Secundum Eventum Probationis.

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ABSTRACT

The social security protection is a fundamental social right of unique relevance, since it provides individuals with the necessary means for a dignified survival. In view of this, the Democratic State of Law has the duty to always seek to facilitate the realization of this right, assuming that the humanistic values and social character enshrined in the Federal Constitution of 1988. From this perspective, the procedural law on social security holds singularities that claim by specific procedural techniques which, in fact, give access to justice, due process of law and fundamental social rights. The general scheme of the res judicata, established by the traditional civil process, is not compatible with the real truth and the social reality in which the social security process is inserted. Sometimes the immutability of the decision sacrifices legally guaranteed rights to policyholders who, due to lack of diligence and information, have not been successful in proving in the lawsuit. The eternalization of decisions in this sense is not consistent with a legal order that protects the needy, preaches social justice and dignified existence to everyone. Therefore, the application of the res judicata secundum eventum probationis, which prevents the constitution of res judicata material in judicial decisions that are unfounded due because of insufficient evidence, is the most legitimate procedural technique for social security claims. And, although there is no specific legal provision for this, contemporary hermeneutical methods that guide jurists to a systematic interpretation of law in accordance with constitutional purposes, legitimize an active action of the Judiciary in the realization of fundamental rights and principles, as prevailing sense the dignity of the human person, the foundation of the Federative Republic of Brazil. Keywords: The Social Security Law. Fundamental Social Rights. Dignity of human person. Social Security Protection. Res Judicata Secundum Eventum Probationis.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 11

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS: EVOLUÇÃO E CONSTITUCIONALIZAÇÃO..........14

2.1 CONTORNOS E ORIGEM DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS............................14

2.2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988........19

2.3 O DIREITO FUNDAMENTAL À PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA.........................22

2.4 O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS

SOCIAIS.....................................................................................................................27

2.5 O DIREITO CONSTITUCIONAL DO ACESSO À JUSTIÇA..................................33

3 O INSTITUTO DA COISA JULGADA......................................................................37

3.1 FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA COISA JULGADA...........................................37

3.2 A COISA JULGADA E SUA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL.............................40

3.3 DECISÃO JUDICIAL E FORMAÇÃO DA COISA JULGADA.................................44

3.4 A FLEXIBILIZAÇÃO DA COISA JULGADA SOB O ASPECTO DOUTRINÁRIO E

JURISPRUDENCIAL..................................................................................................47

3.5 A MITIGAÇÃO DA COISA JULGADA E SUA DISCIPLINA LEGAL.......................51

4 A COISA JULGADA NO PROCESSO PREVIDENCIÁRIO.....................................54

4.1 A SINGULARIDADE DA LIDE PREVIDENCIÁRIA................................................54

4.2 A APLICAÇÃO DA COISA JULGADA SECUNDUM EVENTUM PROBATIONIS NO

DIREITO PROCESSUAL PREVIDENCIÁRIO E O ENTENDIMENTO DO SUPERIOR

TRIBUNAL DE JUSTIÇA............................................................................................62

4.3 O AJUIZAMENTO DA AÇÃO E A “PROVA NOVA” NO PROCESSO

PREVIDENCIÁRIO.....................................................................................................77

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 81

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................83

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1 INTRODUÇÃO O presente estudo versa sobre a aplicação da coisa julgada previdenciária na

ordem jurídica brasileira. Aqui, parte-­se da indagação se a técnica adotada pelo

processo civil clássico (Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/15) está consonante

com as peculiaridades inerentes ao processo previdenciário.

Inicialmente, é sabido que, quem aciona o Poder Judiciário busca, de modo

geral, uma solução conclusiva para o seu litígio. Em decorrência disso, o Direito

ostenta o instituto da coisa julgada, o qual exsurge quando a decisão judicial não é

mais susceptível de modificação através de insurgência recursal, tornando-­se

imutável dentro e fora do processo. Sendo assim, a coisa julgada configura-­se óbice

para o regular andamento de novel processo, de modo que não pode o Estado-­Juiz

voltar a julgar a causa e as partes ficam impedidas de reingressar com idêntica

demanda.

A formação da res judicata busca, portanto, assegurar segurança jurídica à

sociedade. Todavia, é evidente que o referido instituto pode consolidar situações

incompatíveis com o ordenamento jurídico. Diante disso, a jurisprudência vem

permitindo a sua relativização no próprio caso concreto, em casos de flagrante

injustiça, a partir de uma ponderação de princípios constitucionais. Ademais,

buscando não sacrificar direitos de relevância incontestável, a legislação ordinária

prevê, também, a mitigação do regime geral da coisa julgada em alguns ramos do

direito, tal como ocorre nos processos penal e coletivo.

No âmbito do processo previdenciário, contudo, não obstante tratar de direitos

eminentemente fundamentais e humanos, de índole alimentar e de elevada

magnitude, o legislativo mostrou-­se omisso em proporcionar, na processualística,

meios diferenciados adequados com a realidade material dos valores humanos

discutidos.

Em relação à coisa julgada, especialmente, será desenvolvida, ao logo deste

trabalho, a incoerência do regime geral pro et contra – adotado pelo Código de

Processo Civil – com o processo previdenciário, levando em consideração o princípio

constitucional do acesso a uma ordem jurídica justa, corolário do devido processo

legal, bem como o direito social fundamental à seguridade social que se persegue

numa ação previdenciária.

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Sobre o assunto, a doutrina brasileira apresenta posicionamentos diversificados,

não estando a temática pacificada. Nessa toada, o estudo revela-­se bastante

pertinente, sobretudo no direito previdenciário, guiado por princípios que favorecem a

solução da causa de modo a beneficiar o hipossuficiente e a chancelar situações que

melhor representem a verdade real.

Além disso, a temática é relevante para os operadores do direito, ao passo em

que pode servir como catálogo das hipóteses de mitigação da coisa julgada as quais

vêm sendo adotadas pelos tribunais brasileiros, bem como base para novas

interpretações da aplicação do mencionado instituto.

Para atingir o escopo do trabalho, foi procedida a revisão bibliográfica e

documental, com o escopo de realizar uma investigação jurídico-­interpretativa.

Destacaram-­se como referenciais teóricos as lições de José Antônio Savaris e a

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Esclareça-­se que, primeiramente, fora

realizada uma leitura exploratória, mediante exame das introduções, prefácios e

conclusões dos materiais encontrados. Depois, uma leitura seletiva definindo qual

material mostrou-­se importante para o trabalho, seguida de uma leitura analítica com

base nos textos já selecionados. Por fim, uma leitura interpretativa com finalidade de

relacionar as afirmações dos autores com a proposta de estudo. Com este aparato,

utilizando-­se do método hipotético-­dedutivo, buscou-­se concluir quais seriam as

melhores soluções para a aplicação da coisa julgada na processualística

previdenciária.

Os resultados da pesquisa foram, então, estruturados em três capítulos. O

primeiro tratará dos direitos fundamentais e sua evolução histórico-­constitucional, com

o fito de ratificar o direito à previdência social como um legítimo direito social

fundamental e humano. Ademais, serão demonstradas as principais características

dos direitos e princípios fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, o

caráter social adotado pela mesma e a primazia do princípio da dignidade da pessoa

humana por ela enraizado. Será abordado, ainda, o princípio processual fundamental

do acesso à justiça, explicando seu real conceito e seus reflexos no direito processual.

Ao final, o conteúdo versará sobre a importância e legitimação da atuação ativa do

Poder Judiciário na concretização dos direitos fundamentais, contemporaneamente,

após a superação do positivismo jurídico.

O segundo capítulo voltar-­se-­á para a coisa julgada. Nessa perspectiva, explorar-­

se-­á a sua natureza e seus fundamentos jurídicos, evidenciando o instituto como

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opção político-­legislativa, bem como será explanado como se dá a sua formação, de

acordo com as previsões legais. O desfecho do capítulo ficará a cargo da

demonstração da existência da mitigação da coisa julgada tanto nas leis, como na

jurisprudência brasileira, destacando a cognição secundum eventum probationis

adotada nas ações coletivas.

À guisa de conclusão, será analisado, no terceiro capítulo, o direito processual

previdenciário e suas características peculiares, a fim de demonstrar a necessidade

de técnicas processuais específicas para este ramo. Após, o foco deste trabalho será

abordado através da defesa da aplicação da coisa julgada secundum eventum

probationis nas lides previdenciárias. Será apresentado, também, como a

jurisprudência brasileira vem entendendo sobre o tema, alvitrando a análise do

importante precedente do Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial Nº

1.352.721/SP). Por fim, o tema será concluído com o esclarecimento de como se dará

o ajuizamento de nova ação e do que se trata a “nova prova” hábil a legitimar a

rediscussão de um mérito já transitado julgado, porém, improcedente por escassez

probatória.

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2 DIREITOS FUNDAMENTAIS: EVOLUÇÃO E CONSTITUCIONALIZAÇÃO

2.1 CONTORNOS E ORIGEM DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais constituem-­se base e fundamento de existência dos

ordenamentos jurídicos fundados no Estado Democrático de Direito. O direito à

Previdência Social nasce no âmbito desta singular classe de direitos e, portanto,

incabível seria iniciar a abordagem deste trabalho sem trazer a lume um aparato

reflexivo sobre a dogmática desses direitos.

A vinculação essencial dos direitos fundamentais aos valores histórico-­

filosóficos da liberdade e dignidade dos indivíduos os faz terem como característica

basilar a universalidade, pois a busca por esses dois fundamentos é indissociável e

ininterrupta na vida das pessoas, principalmente, nas sociedades ocidentais calcadas

no Estado de direito. Afinal, é sabido que os seres humanos possuem na sua trajetória

histórica um cenário de lutas por melhores condições de vida e instrumentos de

proteção contra o Poder Estatal, sendo esse o papel precípuo dos direitos

fundamentais.

Aécio Pereira Júnior alerta que não se pode olvidar que os direitos e garantias

fundamentais, por conta do neoconstitucionalismo, têm adquirido força normativa

suprema de mais alto grau, como o caso de ordenamento jurídico constitucional que

qualifica os direitos e garantias fundamentais como cláusulas imutáveis, dentre os

quais, sem dúvida, incluem-­se os direitos sociais, consoante previsto no art. 60, §4º,

IV, da Constituição Federal12.

1 PEREIRA JÚNIOR, Aécio. Evolução histórica da Previdência Social e os direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-­4862, Teresina, ano 10, n. 707, 12 jun. 2005. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/6881>. Acesso em: 15 ago. 2017. 2 “Para defender os direitos sociais como cláusulas pétreas, é necessária uma interpretação sistemática da Constituição, situação que nos faz perceber que existem princípios e garantias distribuídos em diferentes passagens do corpo constitucional, portanto, fora do rol disposto no artigo 5º, que tratam das garantias individuais, mas que nem por isso deixam de ser disposições constitucionais protegidas contra a interferência tendente a aboli-­las. A abrangência das cláusulas pétreas na esfera dos direitos fundamentais vai além da proteção exclusiva daqueles individuais elencados no artigo 5º, sob pena de, interpretando-­se literalmente as disposições do artigo 60, §4º, não apenas os direitos sociais estariam desabrigados de reformas profundas, mas também os direitos de nacionalidade e os direitos políticos também estariam excluídos da proteção outorgada pelo Constituinte. Ainda, levando-­se ao extremo essa forma de interpretação, haveria a possibilidade de se sustentar que, mesmo dentre os direitos e garantias catalogados no artigo 5º, somente aqueles de cunho individual estariam protegidos, donde poderia se concluir que o mandado de segurança coletivo não encontraria abrigo contra reformas tendentes a aboli-­lo, enquanto que o mandado de segurança individual estaria protegido. Interpretando-­se restritivamente o artigo 60, §4º, IV, da CFRB/88, poder-­se-­ia dizer que a expressão “direitos e garantias individuais” deve ser encarada de tal forma, que apenas os direitos fundamentais

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Ademais, a influência da Constituição no direito público e privado resulta em

uma grande evolução, que trata de compreender os direitos fundamentais como

prioridade do sistema jurídico, constituindo-­a na Lei Fundamental mais eficaz, em

todos os segmentos jurídicos3.

Não obstante a sua importância globalmente afirmada, dada a proteção que

guardam aos valores mais caros à sociedade, faz-­se imprescindível esclarecer que os

direitos fundamentais não foram sempre os mesmos e nem continuarão a ser com a

evolução social. Tratam-­se de direitos eminentemente ligados ao tipo de sociedade à

época, os quais evoluem e se transmitem junto a ela, conforme vem acontecendo

desde o seu surgimento.

Nesse sentido, Paulo Bonavides contribui afirmando que, do ponto de vista

material, os direitos fundamentais variam conforme a ideologia, a modalidade de

Estado, a espécie de valores e princípios que a Constituição consagra. Em suma,

cada Estado tem seus direitos fundamentais específicos4. De mais a mais, é substancial diferenciar os direitos fundamentais, dos direitos

do homem e dos direitos humanos.

Os direitos do homem são garantias não positivadas, decorrentes de valores

ético-­políticos considerados hierarquicamente superiores ao próprio direito positivo,

por corresponderem a verdadeiros direitos naturais. Decorrem, portanto, de um ideal

jusnaturalista, baseado na crença de existência de direitos inatos a todos os seres

humanos.

Os direitos fundamentais consistem na positivação dos direitos do homem nos

textos das Constituições nacionais de cada Estado. E, finalmente, os direitos humanos

são valores enraizados no âmbito do direito internacional, mediante seus tratados e

equiparáveis aos direitos individuais do artigo 5º poderiam ser considerados cláusulas pétreas. Contudo, mostra-­se de complexa dificuldade diferenciar direitos individuais e os não-­individuais. Aliás, aqui, se faz necessária uma indagação: qual o direito social que antes, lá na origem, não é individual? Outra relevante colocação é que o princípio da proibição do retrocesso social impede a supressão ou restrição de direito social reconhecido no sistema jurídico e definido como direito fundamental. José Joaquim Gomes Canotilho, nesse sentido, diz que o princípio da proibição do retrocesso social é aquele segundo o qual o legislador, uma vez reconhecido um direito social, não pode eliminá-­lo posteriormente nem retornar sobre seus passos”. GARCIA, Nei Comes. Cláusulas Pétreas – Direitos Sociais. Páginas de Direito: Porto Alegre, 2002. Disponível em: <http://www.tex.pro.br/artigos/126-­artigos-­abr-­2003/3495-­clausulas-­petreas-­-­direitos-­sociais>. Acesso em: 16 nov. 2017. 3 BLANK, Dionis Mauro Penning. A constitucionalização do direito e sua evolução na matéria ambiental. Cad. De Pós-­Graduação em Direito/UFRGS, vol. VIII, n. 1, 2013. 4 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 579.

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convenções internacionais, jus cogens e costumes construídos na arena

transfronteiriça.

Nessa acepção, expõe Ingo Wolfgang Sarlet:

“Direitos fundamentais” se aplicam para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão "direitos humanos" guardaria relação com os documentos de direito internacional, para referir-­se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determina ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal5.

No dizer de José Joaquim Gomes Canotilho, os direitos fundamentais cumprem

a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva.

Primeiramente, constituem, no plano jurídico-­objetivo, normas de competência

negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente a sua ingerência na

esfera jurídica individual. E, em segundo plano, no âmbito jurídico-­subjetivo, implicam

o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir

omissões dos poderes públicos, de modo a evitar agressões lesivas por parte dos

mesmos (liberdade negativa)6.

Mais recentemente, a doutrina passou a classificar os direitos fundamentais em

primeira, segunda e terceira gerações, baseando-­se no critério histórico-­cronológico

que acabaram por ser constitucionalmente reconhecidos. De acordo com Celso

Antônio Bandeira de Mello, os direitos de primeira geração realçam o princípio da

liberdade e constituem os direitos civis e políticos, compreendendo as liberdades

clássicas, negativas ou formais. Já os direitos de segunda geração, tidos como direito

econômicos, sociais e culturais, identificam-­se com a liberdade real, positiva e

concreta, acentuando o princípio da igualdade. E, por fim, os direitos de terceira

geração materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a

todas as formações sociais, consagrando o princípio da solidariedade7.

5 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais – uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 21. 6 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 541. 7 Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 22164/SP. Relator: Ministro Celso de Mello, Pleno, Diário da Justiça, Seção I, 17. Nov. 1995. p. 39206. Disponível em: <https://jurisprudencia.s3.amazonaws.com/STF/IT/MS_22164_SP_1278866594468.pdf?Signature=bq%2Fv25wwQIX7PU22%2FqBDwGSbD2A%3D&Expires=1510920140&AWSAccessKeyId=AKIAIPM2XEMZACAXCMBA&response-­content-­type=application/pdf&x-­amz-­meta-­md5-­hash=bdec223ae429727558a8b017db33d908>. Acesso em: 10 set. 2017.

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Imperativo ressaltar que, por meio de uma construção doutrinária, firmou-­se

que os direitos fundamentais, sob o aspecto formal, são aqueles que possuem como

fonte primária a Constituição de uma nação, pois devem dispor de valor e proteção

especiais. Senão, pode-­se observar as palavras de Alexy: “Segundo as definições que

acabam de ser formuladas, de caráter ainda provisório, são normas de direito

fundamental somente aquelas normas que são expressas diretamente por enunciados

da Constituição alemã (disposições de direitos fundamentais)”8.

Em compasso com a tese de Leonardo Martins, o surgimento dos direitos

fundamentais propriamente ditos somente se faz possível com a presença de três

elementos: Estado, indivíduo e texto regulamentador da relação entre Estado e

indivíduos9.

Em princípio, põe-­se que aqui se refere a um Estado como "um aparelho de

poder que possa efetivamente controlar determinado território e impor suas decisões

por meio da Administração Pública, dos tribunais, da polícia e das forças armadas"10.

Esse requisito justifica-­se na medida em que, sem este Estado, os direitos

fundamentais careceriam de aplicabilidade prática, pois perderiam sua primordial

função de limitar o poder Estatal em face do indivíduo.

Outrossim, deve-­se haver indivíduos, na concepção de “seres morais,

independentes e autônomos”, diferentemente das sociedades do passado, em que as

pessoas eram consideradas meramente membros de pequenas e grandes

coletividades, não detendo direitos e vontades próprios11.

Por fim, quanto ao texto regulamentador, este é representado pelas

Constituições, as quais possuem o papel substancial de garantir ao indivíduo seus

direitos, permitindo-­o conhecer os limites de sua esfera de atuação, bem como

delinear até que ponto o Estado possui legitimidade para interferir na sua vida sem

ultrapassar garantias da liberdade individual.

Evidencie-­se que esta obrigação negativa do Estado em abster-­se de intervir

na autodeterminação das pessoas representa o “status negativo” dos direitos

fundamentais. Por outro lado, a possibilidade de o indivíduo cobrar dos governantes

8 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 69. 9 DIMOULIS, Dimitri;; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 22-­24. 10 Ibidem, p. 22. 11 Ibidem, p. 23.

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meios de melhoria de condição de vida através de políticas públicas, com vistas a

assegurar-­lhes uma vivência digna, representa o “status positivo” – também

denominado de “status social”. Tais esclarecimentos são reflexões decorrentes da

teoria do status, idealizada pelo filósofo do direito Georg Jellinek12.

O desenvolvimento histórico dos direitos fundamentais é indispensável para

percepção de que a sua evolução é diretamente ligada ao surgimento do moderno

Estado Constitucional, o qual, justamente, possui como essência e razão de ser o

reconhecimento e o esforço pela concretização desses direitos13.

Distintamente da maioria dos autores, os quais defendem a onipresença dos

direitos fundamentais desde os primórdios, com manifestações no direito babilônico,

na Grécia Antiga e na Roma Republicana, conforme assevera Leonardo Martins,

reitere-­se a defesa do surgimento desta classe direitos somente com a existência dos

três requisitos anteriormente apresentados: Estado, indivíduo e texto regulamentador.

Portanto, o que existia, nas primeiras civilizações humanas, tratavam-­se de direitos

dos homens, em sua concepção jusnaturalista14.

Sendo assim, as condições mencionadas somente se reuniram de modo a

fulminarem a aparição dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos na

segunda metade do século XVIII, com a imposição do regime capitalista1516.

Nessa época, houve a proclamação de importantes compilações responsáveis

por brotarem, definitivamente, os direitos fundamentais no mundo jurídico. Entre

essas, inclui-­se a Declaração de Direitos da Virgínia, em 1776 – no ano da

independência das 13 ex-­colônias da Inglaterra na América do Norte – a qual

salvaguardou direitos como a liberdade, a autonomia, a igualdade e a proteção da

vida do indivíduo.

Não menos importante, em 1789, tem-­se a edição da Declaração dos Direitos

do Homem e do Cidadão na França, inspirada pelos ideais iluministas, trazendo a

proteção de direitos semelhantes aos da Virgínia e introduzindo outros novos, como

12 DINIZ, Bráulio Gomes Mendes. Pedido e sentença na efetivação judicial dos direitos fundamentais: a importância de entender a classificação geracional e conhecer a teoria dos status. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3914, 20 mar. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/27035/>. Acesso em: 21 ago. 2017. 13 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais – uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 36. 14 DIMOULIS, Dimitri;; MARTINS, Leonardo. Op. Cit., p. 22. 15 DIMOULIS, Dimitri;; MARTINS, Leonardo. Op. Cit., p. 24. 16 Não se pode esquecer, outrossim, a Revolução Gloriosa, ocorrida na Inglaterra ainda no século XVII (entre 1688 e 1699), que culminou com a instituição do Bill Of Rights.

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garantias contra a repressão penal. A principal distinção entre elas, na verdade,

consistiu no afastamento da percepção individualista americana e uma maior

atribuição de responsabilidade e confiança na intervenção do legislador como

representante do interesse geral das pessoas, uma vez que a maioria dos direitos

cominados ficaram subordinados a limites que o legislador deveria estipular17.

Diante do desenvolvimento do capitalismo e com a revolução industrial, o

cenário de desigualdade social assentou-­se na Europa e, posteriormente, nos demais

continentes ocidentais. À vista disso, os direitos fundamentais, antes possuidores do

papel precípuo de limitar a interferência estatal na autonomia dos indivíduos,

passaram a abarcar, em muitas normas jurídicas, uma preocupação social,

requerendo do Estado ações positivas a fim de garantir condições de vida digna a

todos, através do oferecimento de saúde, educação, alimentação, trabalho, moradia,

dentre outras atuações necessárias para assegurar aos indivíduos, no mínimo, o

substancial para se ter uma vivência com dignidade.

Nesse passo e, após as inúmeras situações de guerra vivenciadas pela

humanidade nos últimos séculos, os direitos fundamentais se consolidaram, dia após

dia, nos ordenamentos jurídicos nacionais. No direito brasileiro, a maior expressão

dos direitos fundamentais, os quais, no aspecto material, são detentores de forte

conteúdo ético-­valorativo, veio a se enraizar por meio da Constituição da República

Federativa do Brasil, em 1988.

2.2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Carta Constitucional de 1988 legitimou inúmeros direitos e garantias

fundamentais, outorgando-­lhes aplicabilidade imediata (CRFB/88, art. 5º, §1º) e

inalterabilidade (CRFB/88, art. 60, §4º, IV). De acordo com Sarlet, é possível afirmar

que, pela primeira vez na história do constitucionalismo pátrio, a matéria foi tratada

com a merecida relevância e com o status jurídico que lhe é devida18.

A respeito do tema, o autor cita o artigo 5º, §1º, como inovação mais expressiva

da Lei Magna, mediante os quais as normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais possuem aplicabilidade imediata, excluindo o cunho meramente

17 DIMOULIS, Dimitri;; MARTINS, Leonardo. Op. Cit., p. 25. 18 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais – uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 63.

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programático destes preceitos, conquanto não exista consenso a respeito do alcance

deste dispositivo. De qualquer modo, afirma que ficou consagrado o status jurídico

diferenciado e reforçado dos direitos fundamentais na Constituição vigente19.

Ademais, a Constituição Cidadã foi a primeira na história do constitucionalismo

pátrio a prever um título próprio destinado aos princípios fundamentais, localizado na

parte inicial do texto, após o preâmbulo e antes dos direitos fundamentais. Com isso,

o Constituinte deixou transparecer de forma inequívoca a sua intenção de outorgar

aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de

toda a ordem constitucional, inclusive dos direitos fundamentais20.

Igualmente sem precedentes em nossa evolução constitucional, houve o

reconhecimento, na seara do direito positivo, do princípio fundamental da dignidade

da pessoa humana (art. 1º, inciso III). Inclusive, mesmo fora da topografia dos

princípios fundamentais, o valor da dignidade da pessoa humana recebeu guarida do

Poder Constituinte, quando, por exemplo, estabeleceu-­se que a ordem econômica

tem por fim assegurar a todos uma existência digna (art. 170, caput), bem como no

âmbito da ordem social, quando fundou o planejamento familiar nos princípios da

dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (art. 226, parágrafo 6º) e,

também, ao assegurar à criança e ao adolescente o direito à dignidade (art. 227,

caput)21.

Com esse reconhecimento expresso, a Constituição Federal identificou o

sentido, a finalidade e a justificação do exercício do poder estatal, de modo que o

Estado existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o homem

constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal. Em outras palavras,

segundo os ensinamentos de Jorge Reis Novais, no momento em que a dignidade é

guindada à condição de princípio constitucional estruturante e fundamento do Estado

Democrático de Direito, é o Estado que passa a servir como instrumento para a

garantia e promoção da dignidade das pessoas individual e coletivamente

consideradas22.

19 Ibidem, p. 66. 20 Ibidem, p. 96. 21 Ibidem, p. 96. 22 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Fundamentais – Trunfos Contra a Maioria. Coimbra: Coimbra, 2006 Apud SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais – uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. 98.

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A respeito do conceito e alcance do princípio da dignidade da pessoa humana,

Sarlet conclui23:

Num primeiro momento, a qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o art. 1º, inc. III, de nossa Lei Fundamental não contém apenas uma declaração de conteúdo ético e moral (que ela, em última análise, não deixa de ter), mas que constitui norma jurídico-­positiva com status constitucional e, como tal, dotada de eficácia, transformando-­se de tal sorte, para além da dimensão ética já apontada, em valor jurídico fundamental da comunidade. Importa considerar, neste contexto, que, na condição de princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana constitui valor-­guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a ordem constitucional, razão pela qual se justifica plenamente sua caracterização como princípio de maior hierarquia axiológico-­valorativa. (grifos nossos)

Acerca dos direitos fundamentais expressamente previstos na Constituição, o

Poder Constituinte estabeleceu, no Título II, os direitos e garantias fundamentais,

subdividindo-­os em cinco capítulos: direitos individuais e coletivos;; direitos sociais;;

nacionalidade;; direitos políticos e partidos políticos. Assim, pela classificação adotada,

segundo Alexandre de Moraes24, o legislador constituinte identificou cinco espécies

do gênero direitos e garantias fundamentais: direitos e garantias individuais e

coletivas;; direitos sociais;; direitos de nacionalidade;; direitos políticos;; e direitos

relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos.

Esclareça-­se que essa listagem é exemplificativa, não exaurindo o catálogo de

direito e garantias fundamentais, conforme a própria Carta Magna estabelece, pois os

direitos e garantias expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos

princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República

Federativa do Brasil for parte (art. 5º, inciso II, Constituição Federal de 1988).

Por fim, cumpre esclarecer que esses direitos são, em regra, relativos, e não

absolutos. Esse é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, o qual, embasado

no princípio da convivência entre liberdades, concluiu que nenhuma prerrogativa pode

ser exercida de modo danoso à ordem pública e aos direitos e garantias fundamentais,

as quais sofrem limitações de ordem ético-­jurídicas. Essas limitações visam, de um

23 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais – uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 105. 24 MOARES, Alexandre de. Direito Constitucional. 32. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 91.

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lado, tutelar a integridade do interesse social e, de outro, a convivência harmônica das

liberdades, para que não haja colisões ou atritos entre elas25.

Dentre direitos e garantias fundamentais expressos na Lei Fundamental, para

o presente estudo, destaca-­se os direitos fundamentais sociais, posto que neles se

insere o direito à proteção previdenciária.

2.3 O DIREITO FUNDAMENTAL À PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA

O Brasil firmou-­se como um Estado Democrático de Direito, estabelecendo

diversos direitos fundamentais de ordem social, dentre eles, a Previdência, que

solidificaram ainda mais a soberania popular e prestigiaram a dignidade da pessoa

humana, elevando-­a a princípio vetor da nossa República (CRFB/88, art. 1º, III).

Os direitos sociais, ditos de segunda dimensão, cujo papel principal é de

prestação social, configuram-­se, primordialmente, como prestações positivas estatais,

que têm por premissas a justiça e o bem-­estar social, visando-­se à isonomia material

e aos objetivos fundamentais da República brasileira, insculpidos no art. 3º da

Constituição Federal, dentre os quais são citados a erradicação da pobreza e da

marginalização, e a promoção do bem de todos.

Nelson Nery Júnior afirma que, na passagem do Estado Liberal para o Estado

de Bem-­Estar Social, nasceu esta classe de direitos, tida como prestacional, em

defesa de uma igualdade em sentido material, ou seja, na busca de tratar “igualmente

os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”26.

Nessa época, tem-­se mais presente uma preocupação com a coletividade, em

detrimento dos direitos individuais inicialmente caucionados pelas primeiras

manifestações das garantias fundamentais. Vê-­se, de fato, um olhar mais atento do

Estado para aqueles que mais precisavam de sua proteção. Diante disso, assentados

no ideário da isonomia substancial, os direitos fundamentais passaram a exigir de

forma mais efetiva ao poder público, no sentido de que este atue em favor do cidadão.

25 Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 23.452/RJ. Relator: Ministro Celso de Mello. Data de Publicação: DJ 12/05/2000. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000020700&base=baseAcordas>. Acesso em: 20 set. 2017. 26 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 25.

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A proteção do Estado passou a se preocupar, sobretudo, com os problemas

individuais de natureza social, assim entendidos aqueles que, não solucionados, têm

reflexos diretos sobre os demais indivíduos e, em última análise, sobre a sociedade.

A sociedade então, por intermédio de seu agente natural, o Estado, antecipa-­se a

esses problemas, adotando para resolvê-­los principalmente medidas de proteção

social.

Conforme os ensinamentos de Alexandre de Moraes, os direitos sociais são

direitos fundamentais do homem, caracterizando-­se como verdadeiras liberdades

positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por

finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à

concretização da igualdade social, os quais, no Brasil, são consagrados como

fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Carta Política de 198827.

De acordo com Uadi Lâmmego Bulos, tratam-­se de direitos de prestações

positivas, porque revelam um fazer por parte do Estado, que devem realizar serviços

para concretizar os direitos sociais. São, portanto, direitos de crédito, haja vista que

envolvem poderes de exigir atuações do governo28.

Para Andreas Joachim Krell, os direitos fundamentais sociais não são direitos

contra o Estado, mas sim direitos através do Estado, exigindo do poder público certas

prestações materiais. São, portanto, os direitos fundamentais do homem social dentro

de um modelo de Estado que tende cada vez mais a ser social, dando prevalência

aos interesses coletivos antes que aos individuais29.

No âmbito internacional, os direitos sociais são assegurados em documentos

como a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e o Pacto Internacional

dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, elevando-­os, portanto, ao alto

grau de direitos humanos, os quais devem ser reconhecidos universalmente,

independentemente da disposição constitucional do país.

Na Constituição Federal brasileira, os direitos sociais encontram-­se descritos

no artigo 6º, o qual está localizado no título reservado aos direitos e garantias

fundamentais:

27 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 32. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 202. 28 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 803. 29 KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha – os (des)caminhos de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Fabris, 2002. p. 19.

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Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifos nossos)

Dentre as garantias citadas, destaca-­se, para o presente estudo, o direito à

previdência social.

No tocante à sua origem, Gustavo Amaral refere que a previdência social

nasceu das lutas por melhores condições de trabalho, que resultaram em diferentes

sistemas protetivos, de acordo com as situações de cada país envolvido, onde alguns

limitaram a proteção ao necessário à sobrevivência, enquanto outros buscaram

implementar até a substituição plena da remuneração. Tais variações colocam em

destaque as diferentes estruturas dos sistemas de proteção. Basicamente, todos

buscavam uma previdência social como garantia, ao menos, do mínimo vital, de modo

viável financeiramente30.

A previdência social originou-­se junto aos direitos fundamentais de segunda

dimensão, tendo suas maiores expressões ao longo do fim do século XIX e durante

todo o século XX, com o crescimento da sociedade industrial, que culminou num

avanço considerável em matéria de proteção social, diante do reconhecimento de que

a sociedade, no seu todo, deveria ser solidária com seus integrantes31.

Nesse período, houve o aumento da marginalização social, estimulando

conflitos sociais, principalmente dos proletários com o aparato policial do Estado. Tais

convulsões foram grandes responsáveis para o despertar do Estado para a

intervenção e regulamentação na vida econômica e social de seu território32.

Assim, desenvolveu-­se aos poucos uma ideia de proteção estatal às pessoas

vítimas de infortúnios, engrenando um sistema jurídico assegurador de normas de

proteção dos trabalhadores em suas relações contratuais. Inaugurou-­se, dessa forma,

uma nova política social, plantando-­se as bases da Previdência Social.

Nesse ínterim, pertinente expor que, de acordo com Paulo Cruz, há quatro

fases de evolução histórica da proteção social ao trabalhador: a) experimental;; b) de

consolidação;; c) de expansão;; e d) de redefinição, a qual ainda vigora33.

30 AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 52. 31 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de;; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 7. 32 Ibidem, p. 8. 33 CRUZ, Paulo Márcio. Poder, Política, Ideologia, e Estado Contemporâneo. Florianópolis: Diploma Legal, 2001. p. 219 et seq.

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O primeiro estágio refere-­se ao modelo desenvolvido por Otto Von Bismark,

que possuía caráter securitário e era voltado para a atividade industrial, no qual os

trabalhadores e seus empregadores aportavam recursos para um fundo o qual, no

futuro, iria retorná-­los na proporção do que cada um havia pago. Tratava-­se, dessarte,

de um sistema próximo ao de capitalização, que não visava necessariamente a uma

solidariedade ampla34.

Na etapa da consolidação, evidencia-­se a constitucionalização dos direitos

sociais, tendo como significativos marcos a Constituição Mexicana de 1917, a

Organização Internacional do Trabalho, no mesmo ano, e a Constituição de Weimar

de 1919. Quanto a esta, mister apresentar o seu art. 161:

O império promoverá um sistema geral de segurança social, para conservação da saúde e da capacidade para o trabalho, proteção da maternidade e prevenção de riscos de idade, da invalidez e das vicissitudes da vida35.

A partir daí, o Estado passa a abandonar o seu papel absenteísta para se tornar

um Estado positivo, que busca o equilíbrio das forças econômicas, a fim de mitigar

suas consequências individualistas, intervindo no mercado de mão de obra com novas

convicções de "Estado de direito e de bem estar".

Na fase de expansão, propagam-­se, após a Segunda Guerra Mundial, as ideias

de John Mayard Keynes, o qual preconizava, dentre outras propostas, a intervenção

estatal na economia, a realização de ações políticas voltadas ao protecionismo

econômico e à tomada de medidas estatais que visassem à garantia do pleno

emprego, a ser alcançado com o equilíbrio entre demanda e capacidade de

produção36.

Filiando às teses de Keynes, Lorde William Henry Beveridge – responsável por

analisar o sistema previdenciário na Inglaterra, em meados de 1941 – introduziu ao

mundo jurídico o regime beveridgeano, influenciador das normas previdenciárias de

inúmeros países, inclusive, as do Brasil, inseridas por meio da Constituição Federal

de 198837.

34 SOBRINHO, Zéu Palmeiras. Aula ministrada na disciplina de Direito Previdenciário, do curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no dia 04 ago. 2017. 35 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de;; LAZZARI, João Batista. Op. Cit., p. 12. 36 CRUZ, Paulo Márcio. Poder, Política, Ideologia, e Estado Contemporâneo. Florianópolis: Diploma Legal, 2001. p. 219 et seq. 37 Ibidem, p. 220.

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Cuida-­se de um modelo redistributivista e universal. Baseado no solidarismo

social e visando a redução da pobreza, inclui-­se até aqueles que não podem

contribuir, de modo que cada indivíduo recebe de acordo com sua necessidade,

diferentemente do sistema bismarkiano, o qual somente era composto por aqueles

que contribuíam e somente recebiam proporcionalmente ao que fundeavam38.

Perante as lastimosas consequências da Segunda Guerra Mundial, expandiu-­

se vigorosamente o modo de segurança social, materializando a universalização dos

direitos sociais através do seu reconhecimento como direito fundamental em inúmeros

países. Logo, “depois das experiências totalitárias, nada menos que cinquenta

Estados elaboraram novas constituições, buscando adaptação às novas exigências

políticas e sociais, nas quais os direitos sociais ocupam um lugar de destaque”39.

Quanto ao cenário atual no Brasil, a Previdência Social, inspirada pelos ideais

beveridgeanos, é tratada como espécie do gênero Seguridade Social, garantida

constitucionalmente pelo nosso Estado Democrático de Direito mediante diversos

artigos da Carta Magna de 1988. Trata-­se, neste sentido, de um seguro público de

índole jusfundamentalista destinado compulsoriamente a todo cidadão brasileiro,

como forma de proteção contra diversos riscos econômicos (por exemplo, a perda de

rendimentos devido a doença, velhice ou desemprego), buscando, assim, garantir à

sociedade a continuidade de sua condição de subsistência. Nesse sentido preceitua

a Lei Maior, em sua seção destinada à previdência social:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I -­ cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;; II -­ proteção à maternidade, especialmente à gestante;; III -­ proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;; IV -­ salário-­família e auxílio-­reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;; V -­ pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.

O direito à previdência social, portanto, detém status especial de direito

fundamental, concedido expressamente pela Constituição Federal. Inclusive, nesse

mesmo seguimento, já afirmou o Superior Tribunal de Justiça:

38 SOBRINHO, Zéu Palmeiras. Aula ministrada na disciplina de Direito Previdenciário, do curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no dia 04 ago. 2017. 39 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de;; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 15.

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Com efeito, a Constituição Federal de 1988, atenta à necessidade de proteção do trabalhador nas hipóteses de riscos sociais constitucional e legalmente eleitos, deu primazia à função social do RGPS, erigindo como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral40. (grifos nossos)

Por fim, assevere-­se que o poder constituinte estabeleceu, como um dos

fundamentos da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana (art.

1º, III da CFRB/88), a qual, como já dito, constitui fonte material dos direitos

fundamentais sociais, e, por conseguinte, da previdência social. À vista disso, verifica-­

se que foi evidenciada a importância da proteção social aos indivíduos, legitimando a

Previdência Social como um direito fundamental dotado de força normativa vinculante

e de reprodução obrigatória por todos os entes federativos.

2.4 O PAPEL FUNDAMENTAL DO PODER JUDICIÁRIO NA EFETIVAÇÃO DOS

DIREITOS SOCIAIS

Em retrospectiva à expansão dos direitos sociais, pós Segunda Guerra

Mundial, desenvolveu-­se também, nesta época, um ideário neoconstitucionalista,

baseado na revalorização das Constituições nos sistemas jurídicos, o qual foi

fielmente abarcado pela maior parte da doutrina até os dias atuais.

Além disso, na mesma época, houve o declínio do positivismo jurídico

kelseniano, que cede espaço ao que se convencionou nominar “pós-­positivismo

jurídico”, de forma que o aplicador por excelência da norma jurídica, órgão jurisdicional

estatal, deixou de funcionar como um mero aplicador do texto de lei41.

Assim, a acepção Montesquiana, em que o juiz era um verdadeiro ser

inanimado, somente sendo a boca que pronunciava as palavras da lei (la bouche da

la loi) sem interpretá-­la nem valorá-­la, é superada, passando o magistrado a ostentar

a condição de verdadeiro copartícipe na criação do Direito.

Isso porque se tornou perceptível em determinados momentos históricos que a

prevalência de tal lógica, no afã de equiparar o direito à lei, terminava por subtrair do

40 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.352.721/SP. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Data de Publicação: DJ 28/04/2016. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/falta-­prova-­acao-­previdenciaria-­gera.pdf> Acesso em: 24 set. 2017. 41 LEAL, Pedro Henrique Peixoto. O Supremo Tribunal Federal e o ativismo judicial em matéria previdenciária: análise de casos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-­4862, Teresina, ano 19, n. 3938, 13 abr. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/27305>. Acesso em: 10 set. 2017.

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direito, em não poucos casos, o conteúdo justo que lhe deveria ser inerente. Há, pois,

uma reaproximação do conceito de direito com a “moral” e com a “ética”, voltando a

importar o chamado “conteúdo justo do direito”. Ressalte-­se que não se despreza a

importância da lei escrita, mas se avulta, de outra banda, a normatividade dos

princípios constitucionais e o papel do intérprete como verdadeiro integrante na

construção da norma em si42.

Outro não é o entendimento que se extrai das palavras de Luís Roberto

Barroso:

Em busca de objetividade científica, o positivismo equiparou o Direito à lei, afastou-­o da filosofia e de discussões como legitimidade e justiça e dominou o pensamento jurídico da primeira metade do século XX. Sua decadência é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, regimes que promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade. Ao fim da 2ª Guerra, a ética e os valores começam a retornar ao Direito43. (grifos nossos)

Ainda segundo o Ministro, o neoconstitucionalismo e o pós-­positivismo

possuem como marco teórico o conjunto de mudanças que incluíram o

reconhecimento da força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição

constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática de interpretação

constitucional.44

Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de

constitucionalização do Direito, o qual logrou como frutos a irradiação dos valores

fundamentais abrigados nos princípios e regras da Constituição por todo o

ordenamento jurídico, o reconhecimento da inconstitucionalidade das normas

incompatíveis com a Carta Constitucional e, sobretudo, a interpretação das normas

infraconstitucionais conforme a Constituição, circunstância que irá conformar-­lhes o

seu sentido e alcance. Nessa linha, corroboram J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira

42 LEAL, Pedro Henrique Peixoto. O Supremo Tribunal Federal e o ativismo judicial em matéria previdenciária: análise de casos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-­4862, Teresina, ano 19, n. 3938, 13 abr. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/27305>. Acesso em: 10 set. 2017. 43 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-­4862, Teresina, ano 10, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7547>. Acesso em: 11 set. 2017. 44 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-­4862, Teresina, ano 10, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7547>. Acesso em: 11 set. 2017.

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que: “A principal manifestação da preeminência normativa da Constituição consiste

em que toda a ordem jurídica deve ser lida à luz dela e passada pelo seu crivo”45.

Logo, este novo sistema reestruturou o ordenamento jurídico, colocando a

Constituição como o centro de atribuição de sua validade, a qual irradia para todos os

ramos as suas prescrições e seus critérios axiológicos, devendo influenciar

ininterruptamente a produção e aplicação normativa do Estado. E não só isso,

remodelou-­se, consequentemente, o papel dos magistrados, os quais não mais

somente subsumiam as leis aos casos concretos sem uma maior análise, mas

passaram a interpretá-­las e aplicá-­las através de uma acepção constitucional – e tão

somente se harmonizáveis com a Constituição, concebendo-­se, assim, fonte do

direito, por meio da jurisprudência.

Jorge Miranda, ao tratar do tema, deslinda que a Constituição passou a conferir

uma unidade de sentido e de valor de concordância prática ao sistema dos direitos

fundamentais. Ademais, elucida que a Lei Maior passa a ter como base a dignidade

da pessoa humana, de maneira que "faz a pessoa fundamento e fim da sociedade e

do Estado"46.

Nesse diapasão, os direitos fundamentais auferem relevância tal que seu

reconhecimento prescinde de normatização infraconstitucional. Desse modo,

observa-­se a perda de espaço do Poder Legislativo para o Poder Judiciário, no tocante

à postura ativa na busca pela concretização dos direitos fundamentais albergados nas

constituições nacionais47.

Diante da consciência de seus direitos por parte da população, a luta por sua

garantia e efetividade torna-­se prioridade nas ações dos movimentos populares –

principais propulsores das mudanças sociais – levando ao Judiciário, continuamente,

inúmeras demandas de natureza social, com destaque nos interesses difusos e

coletivos. Assim, conforme leciona Lênio Streck, no Estado Democrático de Direito, o

maior foco de tensão encontra-­se no Judiciário, uma vez que as inércias do Executivo

45 CANOTILHO, José Joaquim Gomes;; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991. p. 45. 46 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 9. ed. vol. IV. Coimbra: Coimbra, 2012. p. 180. 47 SOBRINHO, Emílio Gutierrez. Aspectos teóricos do movimento neoconstitucional. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3319, 2 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22345/ Acesso em: 21 ago. 2017.

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e do Legislativo passam a ser suprida por este, o qual deve atuar na busca da máxima

efetividades das normas constitucionais48.

Essas ações constantes do Poder Judiciário materializando aos indivíduos

direitos fundamentais, várias vezes, negados de forma comissiva ou omissiva pelos

outros Poderes, suscitam uma participação eficaz dos magistrados, principiando o

chamado ativismo judicial, o qual seu conceito é interligado a uma ingerência mais

ampla e acentuada do Judiciário no cumprimento dos valores e fins constitucionais,

com maior intervenção nas esferas dos outros Poderes.

Barroso observa que, dentre as condutas que manifestam esse fenômeno, está

a aplicação direta da Constituição a situações não explicitamente presentes em sua

redação, mesmo sem a manifestação do Legislativo;; a declaração de

inconstitucionalidade de atos normativos;; e a determinação de condutas ou

continências ao Estado, principalmente em matéria de políticas públicas, a fim de

cumprir os direitos e garantias constitucionais previstos aos cidadãos49.

No que concerne aos efeitos dos direitos fundamentais, a doutrina é pacífica

no sentido de que todas as normas constitucionais são dotadas de uma eficácia

mínima, a qual varia de acordo com a sua densidade normativa. Nesse aspecto,

Garcia de Enterría, partindo de uma concepção substancial da Constituição e

reconhecendo o caráter vinculante reforçado e geral das suas normas, explana que

na Lei Fundamental não existem declarações destituídas de conteúdo normativo,

ocorrendo que apenas o conteúdo concreto de cada norma poderá precisar, em cada

caso, qual o alcance específico de sua porção de eficácia50.

Todavia, alguns doutrinadores entendem que os direitos sociais,

primordialmente, não teriam aplicabilidade imediata, já que necessitariam de atuação

do legislador para sua concretização, pois, por consistirem em programas e diretrizes

para atuação futura, somente orientariam as ações dos Poderes Públicos.

48 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 54-­55. 49 BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. In: Revista Eletrônica da OAB. Edição Número 4 -­ Janeiro/fevereiro de 2009. Disponível em: <http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf./>. Acesso em: 16 ago. 2017. 50 Enterría, Garcia de. La Constituición como Norma y el Tribunal Constitucional. 3. ed. Madrid: Civitas, 1994 apud SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais – uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 255.

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No entanto, em que pese as normas programáticas necessitarem de

intervenção legislativa, a discricionariedade dos parlamentares e dos governantes não

é absoluta, pois, se assim o fosse, não haveria que se falar em força normativa e

vinculante da Constituição, ou ainda, do princípio da máxima efetividade dos ditames

constitucionais.

Sobre a importância da proteção judicial no reconhecimento dos direitos

sociais, Victor Abramovich e Christian Courtis destacam:

O reconhecimento dos direitos sociais como direitos completos não será alcançado até haver a superação das barreiras que impedem sua adequada justiciabilidade, entendida como a possibilidade de reivindicar a um juiz ou tribunal de justiça o cumprimento ao menos de algumas das obrigações que derivam do direito51. (tradução nossa)

Além disso, note-­se que o fundamento da dignidade da pessoa humana rege o

Estado Democrático de Direito brasileiro. Por conseguinte, limitar seu alcance, quando

reconhecido o direito daquele indivíduo ou da coletividade numa ação judicial, em

razão de omissão Legislativa ou Executiva, seria ilegítimo e dissonante com as

concepções axiológicas patenteadas na Carta Magna.

Nesse sentido, consoante Alexy, os direitos sociais são importantes e

essenciais de tal modo que a decisão sobre garanti-­los não pode ser simplesmente

deixada à mercê do Poder Legislativo52. Reconhece-­se, por isso mesmo, a

incumbência dos demais Poderes no cumprimento dos direitos de segunda dimensão.

Na seara do direito social à previdência, a busca por parte dos cidadãos a

caminho de conquistar seus direitos perante o Poder Judiciário cresce fortemente.

Segundo pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) junto a todos

os tribunais brasileiros, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – responsável

pelo pagamento da aposentadoria e demais benefícios aos trabalhadores brasileiros,

51 “El reconocimiento de los derechos sociales como derechos plenos no se alcanzará hasta superar las barreras que imiden su adecuada justiciabilidad, entendida como la posibilidad de reclamar ante um juez o tribunal de justicia el cumplimiento almenos de algumas de las obligaciones que se derivan del derecho.” ABRAMOVICH, Victor;; COURTIS, Christian. Apuntes sobre la exigibilidad judicial de los derechos sociales. In: SARLET, Ingo Wolfgang. (Org.). Direitos fundamentais sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Ronovar, 2003. p. 143-­144. 52 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 511.

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com exceção de servidores públicos – lidera a lista dos maiores litigantes judiciais do

país53.

Nesse contexto, a atuação do Judiciário é imprescindível a fim de concretizar o

princípio constitucional da acessibilidade plena à justiça, igualmente conhecido como

inafastabilidade jurisdicional, consagrado no artigo 5º, XXXV, da Lei Excelsa, o qual

se trata de uma verdadeira conquista, em prol do povo, destinatários da jurisdição e,

ainda, a razão maior da existência de um modelo previdenciário.

A atuação do Judiciário, que deve ter como vetor a primazia da dignidade da

pessoa humana nas causas previdenciárias, é indispensável para garantir aos indivíduos uma tutela jurisdicional efetiva e para, por meio da jurisprudência,

atualmente reconhecida como fonte direta de Direito, aprimorar, sedimentar temas e

tratar as lacunas. É nesta conjectura, inclusive, que se pode verificar uma notória

superação do positivismo jurídico clássico, uma vez que os julgadores comumente

vão muito além da mera subsunção normativa, utilizando em casos concretos novas

formas de interpretação jurídica.

Nesse sentido, em conformidade com Leonardo Augusto Gonçalves, o Poder

Judiciário deve se mostrar disposto a evoluir no campo da efetivação dos direitos

fundamentais, procurando cumprir o papel que o texto constitucional lhe atribui, de

maneira a exercer com retidão a parcela do poder estatal que lhe é outorgada pelo

povo, sob pena de, a exemplo do que se verifica atualmente com os outros dois

Poderes, passar a ser intensamente questionado pelos cidadãos acerca de sua

verdadeira função no âmbito da sociedade, se a de garantir privilégios a uma minoria

ou de concretizar direitos em prol da maioria54.

No que tange à coisa julgada secundum eventum probationis no processo

previdenciário, a ser desenvolvida neste trabalho, observar-­se-­á que esse fenômeno

está sendo empregado pelos magistrados em detrimento de previsão legal específica.

Todavia, será constatado que, diante das razões suscitadas neste tópico e outras a

serem vistas, é legítimo ao Poder Judiciário mitigar determinados institutos jurídicos

com vistas a concretizar fidedignos direitos sociais fundamentais, adequando o

53 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. INSS lidera número de litígios na Justiça. Brasília, 2011. Disponível em: <http://cnj.jus.br/noticias/cnj/56911-­inss-­lidera-­numero-­de-­litigios-­na-­justica/>. Acesso em: 19 ago. 2017. 54 GONÇALVES, Leonardo Augusto. O Poder Judiciário e a efetivação dos direitos sociais. Curitiba, 2009. Disponível em: <http://webartigos.com/artigos/o-­poder-­judiciario-­e-­a-­efetivacao-­dos-­direitos-­sociais/29315/>. Acesso em: 18 ago. 2017.

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comando judicial à realidade dos fatos. Assim, abranda-­se a coisa julgada, mediante

a ponderação, para proporcionar ao indivíduo, no caso concreto, o seu direito

devidamente provado a um benefício previdenciário.

Afinal, como refere Tércio Sampaio Ferraz Júnior, os direitos sociais têm um

sentido promocional prospectivo, o que muda a função judicante, e a esta, diante da

transgressão desses direitos, não cabe apenas julgar no sentido de estabelecer o

certo e o errado com base na lei (responsabilidade condicional do juiz politicamente

neutralizado), mas também e, sobretudo, observar se o exercício discricionário do

poder de legislar consolida os resultados objetivados55.

2.5 O DIREITO CONSTITUCIONAL DO ACESSO À JUSTIÇA

A garantia constitucional do acesso à justiça está prevista no art. 5º, inciso XXV,

da Constituição Federal, o qual dispõe que “a lei não excluirá do Poder Judiciário lesão

ou ameaça a Direito”.

Além da Carta Magna, o artigo 8º da 1ª Convenção Interamericana sobre

Direitos Humanos de São José da Costa Rica, da qual o Brasil é signatário, também

garante: Art. 8º. Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza.

Assim, acesso à justiça, além de uma garantia constitucional, é elevado a uma

prerrogativa de direitos humanos, revelando tamanha sua importância. Para o

Supremo Tribunal Federal, inclusive, a inafastabilidade do controle judicial consiste

em um princípio regente da própria jurisdição (STF, RTJ, 99:790)56.

Da leitura dos dispositivos, extrai-­se que a todos é assegurado o direito de

invocar a proteção judicial estatal, de modo que ninguém poderá ser impedido de

requerer salvaguarda ao Judiciário com base em exigências formais ou econômicas57.

Na lição de Uadi Lammêgo Bulos, o objetivo desta garantia é esclarecer “que

55 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência. Revista USP. São Paulo, n. 21, p. 13-­21: Coordenadoria de Comunicação Social (CCS) / USP, 1994. p. 18. 56 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 625. 57 SAVARIS, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 84.

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todo homem, independente de raça, credo, condição econômica, posição política ou

social, tem o direito de ser ouvido por um tribunal independente e imparcial, na defesa

de seu patrimônio ou liberdade”58.

Ademais, esclarece o constitucionalista que a palavra lei deve ser

compreendida no sentido formal e material, englobando qualquer pauta jurídica que

porventura pretenda obstaculizar o acesso à justiça, e, por conseguinte, não se limita

aos atos já produzidos do Poder Legislativos59.

Deve ser dito ainda que o sentido desta garantia não se restringe a possibilitar

o exercício do direito de ação e de obtenção de resposta pelo Poder Judiciário. Mais

do que isso, o Estado deve adotar meios que viabilizem e facilitem o acesso à justiça.

Desvela-­se, portanto, do art. 5º, XXV, da CRFB/88, um direito à tutela jurisdicional

adequada, efetiva e tempestiva.

Mauro Cappelletti e Bryant Garth, com obra ícone sobre o tema, pontuam que

a expressão “acesso à justiça” deve ser interpretada sob a ótica de que o sistema

deve ser igualmente acessível a todos, bem como deve produzir resultados justos nos

aspectos individual e social60.

Clarificam que o conceito em análise e o próprio direito processual tem de ser

observado de acordo com o Estado, razão pela qual nos séculos XVIII e XIX até havia

o direito formal do indivíduo propor ou constar uma ação, mas o poder estatal em nada

interferia e auxiliava, era, destarte, um acesso à justiça formal, baseado na igualdade

formal, que não proporcionava nem buscava um acesso efetivo e uma isonomia

substancial61.

Com a mudança do modelo de Estado, enraizando-­se a sua função de garantir

efetivamente direitos sociais a todos as pessoas, tais como à educação, à segurança,

à saúde e trabalho, passou-­se a entender que o governo deveria ter uma atuação

positiva para garanti-­los, sendo esta concepção incorporada, do mesmo modo, ao

direito do acesso à justiça, o qual passa a ser considerado um direito social básico62.

Em arremate, Cappelletti e Garth asseveram que o acesso à justiça passou a

ser compreendido como um meio de concretização dos direitos fundamentais:

58 BULOS, Uadi Lammêgo. Op. Cit., p. 625. 59 BULOS, Uadi Lammêgo. Op. Cit., p. 625. 60 CAPPELLETTI, Mauro;; GARTH, Byant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 9. 61 Ibidem, p. 9. 62 Ibidem, p. 11.

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O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar direitos de todos. [...] O “acesso” não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido;; ele é também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística63.

Essa linha é o entendimento Luiz Guilherme Marinoni, que propõe uma leitura

moderna do dispositivo, como garantidor da efetividade da justiça. Para o

processualista, não seria cabível entender que a Constituição havia tão somente

assegurado que o cidadão poderia declarar uma lesão ou ameaça ao Poder Judiciário

e receber uma resposta, independente de ser esta efetiva ou tempestiva. Sendo o

acesso à justiça um direito fundamental, a Lei Maior não só se limitaria a declarar que

todos têm direito a resposta de um juiz, que é uma consequência lógica e indiscutível

da jurisdição64.

Com efeito, a cláusula constitucional da proteção judicial, conforme denomina

Savaris65, consiste em um direito fundamental que assegura aos jurisdicionados o

envolvimento dos agentes do Poder Judiciário no intuito de melhor proporcionar a

justiça. Nas palavras de Chiovenda, “o processo deve dar, quanto for possível

praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha

direito de conseguir”66.

Do exposto, conclui-­se que o acesso à justiça manifesta-­se como um

verdadeiro direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, não se limitando a “abrir

as portas” do Poder Judiciário, mas buscando efetivamente viabilizar o acesso à

ordem jurídica justa. Para que isso seja possível, deve-­se levar em conta as

especificidades do direito material em exame, haja vista que o direito de ação não se

perfaz com a petição inicial, pelo contrário, constitui em um conjunto de atos, ao

decorrer de todo processo judicial, em busca da tutela efetiva, adequada e tempestiva.

Assim sendo, decorre deste princípio a necessidade de se interpretar o sistema

processual de modo que, a todo tempo, sejam asseguradas as exigências para uma

resposta jurisdicional satisfatória às diferentes circunstâncias oferecidas pelo direito

63 Ibidem, pp. 12-­13. 64 1999, p. 218 apud SAVARIS, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 85. 65 SAVARIS, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 84. 66 CHIOVENDA, Giuseppe. Instruções de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 1998, v. 1. p. 67.

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material e pela conjuntura social67.

De mais a mais, tendo em mente a força máxima que detém o citado direito

fundamental e, claro, sem deixar de lado a devida ponderação que se deve realizar

com os demais direitos constitucionais em tensão, são cabíveis e valiosas, malgrado

não estejam previstas no ordenamento processual positivado, providências tomadas

pelo Judiciário com o desígnio de oportunizar a concretização dessa garantia.

Assentadas tais premissas, passa-­se estudar o fenômeno processual da coisa

julgada a fim de possibilitar a discussão sobre sua aplicação no direito processual

previdenciário.

67 SAVARIS, José Antônio. Op. Cit., p. 87.

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3 O INSTITUTO DA COISA JULGADA 3.1 FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA COISA JULGADA

Várias são as teses que fundamentam a coisa julgada. Antes das obras de

Enrico Tullio Liebman, a doutrina unânime defendia ser a coisa julgada um efeito

decorrente da sentença. Liebman, contudo, trouxe uma nova roupagem para o

instituto, rompendo a homogeneidade existente nos conceitos clássicos. Sua

contribuição no Brasil foi tamanha que impeliu influência direta no Código de Processo

Civil de 1973, repetindo-­se na nova codificação de 201568. As lições do ilustre

processualista são, atualmente, abarcadas pela maioria dos operadores do direito,

sendo a teoria prevalecente na ordem jurídica brasileira69.

Nesse particular, válidas e coerentes são as colocações de Cândido Rangel

Dinamarco a respeito da norma processual em destaque:

Nenhum estudioso do processo civil brasileiro duvida que o autor do anteprojeto do vigente Código de Processo Civil70 teve a intenção de adotar o notório conceito de coisa julgada proposta por Liebman, não obstante a defeituosa redação dada pelo art. 467, que a define como a ‘eficácia que torna imutável a sentença71.

Consoante os ensinamentos do jurista, a coisa julgada não consiste em um

efeito da sentença, mas sim em uma qualidade especial inerente a todos os efeitos

dela, a qual passa a incorporá-­los, a partir de um certo momento. Trata-­se de uma

qualidade que torna o “comando emergente” da sentença imutável. A sentença, por

68 SANTOS, Cláudio Sinoé Ardenghy dos. Breve histórico da revitalização da coisa julgada no Brasil. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do;; DELGADO, José Augusto (Org.). Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 23. 69 FERREIRA, Carlos Wagner Dias. LEMOS, Jonas Eduardo Gonzalez. Aposentadoria Especial em Juízo: aspectos controversos de direito material e de processo previdenciário. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2017. p. 193. 70 O jurista se remete ao Código de Processo Civil de 1973, vigente à época do discurso. Esclareça-­se que a conceituação da coisa julgada continuou com o mesmo sentido no Código de Processo Civil de 2015, porém, de modo tecnicamente mais apropriado, o legislador retirou o termo “eficácia”. Observe-­se: “Art. 502. Denomina-­se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”. 71 LEAL, Rosemiro Pereira. O ciclo teórico da coisa julgada: de Chiovenda a Fazzalari. Belo horizonte: Del Rey, 2007. p. 80.

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sua vez, é definida como uma ordem, seja de declaração, constituição ou modificação

de relações jurídicas72.

Por conseguinte, afirma que a eficácia da decisão judicial não poderia, por si

só, impedir que um magistrado – dotado de jurisdição legalmente atribuída –

reexaminasse um caso já julgado por outro nas mesmas condições. Tal papel só é

possível através de uma razão de “utilidade política e social”, estabelecida pelo

legislador, que atribui ao comando a qualidade da imutabilidade quando o processo

chega a sua conclusão, ou seja, a coisa julgada73.

Ainda de acordo com as lições do processualista italiano, primeiramente, a

sentença passaria a ser imutável sob aspecto formal, quando não mais recorrível por

força da preclusão dos recursos. Além disso, a coisa julgada também se projetaria

aos efeitos declaratórios, condenatórios ou constitutivos da sentença, numa

perspectiva material.

A coisa julgada formal consistiria na preclusão máxima, refletindo-­se

internamente no litígio em que se consubstancia, por não caber mais reexame da

sentença como ato processual. É, portanto, a impossibilidade de refutação da decisão

no mesmo processo em que foi exarada, em virtude do esgotamento das vias

recursais, ou em decorrência da própria inércia das partes em relação à interposição74.

De outro lado, a coisa julgada material revelar-­se-­ia como a lei das partes,

repercutindo na mesma demanda ou em qualquer outra, ao vedar o reexame do

mesmo objeto trazido à juízo75. Para Nelson Nery Júnior, o prisma material da coisa

julgada é o instrumento de pacificação social, o “centro de todos os objetivos do

processo civil”, e a consequência primordial do exercício do direito de ação76.

Enquanto todas as sentenças são suscetíveis de obterem a imutabilidade

formal, ante a missão jurisdicional do Estado somente se concluir no momento em

72 LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução de Alfredo Buzald e Benvindo Aires;; tradução dos textos posteriores à edição de 1945 e notas relativos ao direito brasileiro vigente, de Ada Pelegrinni Grinover. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 46. 73 Ibidem, p. 53 74 PINTO, Leandro de Carvalho. Coisa julgada: conceito, classificação e outros aspectos. Conteúdo Jurídico, Brasília-­DF: 24 dez. 2013. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.46445>. Acesso em: 25 ago. 2017. p. 12 75 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. V. I, 56. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015. p. 463. 76 NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 501.

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que há a estabilização da decisão, seja ela meritória ou não, contrariamente, somente

as sentenças que resolvem o mérito são atingidas pelo aspecto material77.

Desse modo, apenas a res judicata que atinge os efeitos da sentença pode ser

oponível, nos limites do que fora decidido, em futura relação processual igual, uma

vez que somente neste caso o objeto do processo obteve solução. Por outro lado,

havendo extinção do feito sem apreciação meritória, as partes podem ingressar com

nova ação detentora do mesmo objeto7879.

Sobre esse enfoque, Dinamarco destaca que a coisa julgada não engloba a

verdade dos fatos aceita como causa de pedir, nem qualquer outro fundamento da

sentença, visto que a solução prática do caso está presente no dispositivo decisório,

e não na fundamentação. Deste modo, é somente o resultado do litígio que deve se

tornar inabalável, posto que a coisa julgada material tem finalidade puramente prática

e não teórica80.

Ressalte-­se que, conforme Liebman, a autoridade da coisa julgada possui

eficácia meramente negativa, isto é, de consumação da ação, posto que os efeitos da

sentença são independentes da coisa julgada, a qual serve tão somente para torná-­

los inalteráveis. Logo, a função positiva que obriga o juiz a reconhecer a existência do

julgado em todas as decisões que a ele se relacionam, decorre simplesmente da

eficácia da sentença, considerada um comando plenamente eficaz em virtude da

idoneidade natural dos atos estatais81.

77 LIEBMAN, Enrico Tullio. Op.Cit., p. 60. 78 SIMEÃO, Álvaro Osório do Valle de. Considerações sobre a coisa julgada. Revista da AGU, v.4, n.8, p. 105-­126, Brasília, 2005. 79 PROCESSUAL CIVIL -­ COISA JULGADA E PRECLUSÃO. INEXISTE COISA JULGADA MATERIAL SE AS QUESTÕES DECIDIDAS FORAM SOMENTE DE NATUREZA PROCESSUAL. A INCIDÊNCIA DO DISPOSTO NO ART. 468 DO CPC SUPÕE DECISÃO DE MÉRITO. AÇÃO DEMARCATÓRIA –EXISTÊNCIA DE MARCOS DIVISÓRIOS – FALTA DE CORRESPONDENCIA COM OS TÍTULOS. SE A LINHA DIVISÓRIA EXISTENTE NÃO CORRESPONDE AOS TÍTULOS E NÃO HÁ OUTROS LIMITES, DEVIDAMENTE DEFINIDOS NO TERRENO, CABIVEL A DEMARCATORIA. A REIVINDICATÓRIA SUPÕE A PERFEITA INDIVIDUAÇÃO DA COISA E PARA TANTO E ADEQUADO O PEDIDO DE DEMARCAR. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 3193/PR 1990/004694-­7. Relator: Ministro Eduardo Ribeiro. Julgamento em 09/10/1990. Terceira Turma, Data de Publicação: DJ 09/10/1990. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/listarAcordaos?classe=&num_processo=&num_registro=199000046947&dt_publicacao=09/10/1990>. Acesso em: 20 set. 2017. 80 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista Forense, v. 97, n. 358 2002, p. 18. Disponível em: <http://www.processocivil.net/novastendencias/relativizacao.pdf>. Acesso em 15 set. 2017. 81 Cf. Notas relativas ao direito brasileiro vigente de GRINOVER, Ada Pellegrini, p. 66. In: LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução de Alfredo Buzald e Benvindo Aires;; tradução dos textos posteriores à edição de 1945. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

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Nessa esteira, defende-­se a insubstancialidade da coisa julgada, pois esta não

constitui um fim em si mesmo. Não se trata, assim, de uma parte intrínseca do ato

jurisdicional, nele se inserindo na condição de mero “acidente” da sentença. Esta, ao

contrário da coisa julgada, tem caráter substancial, por ser configuradora da prestação

do Estado, mediante a ativação da função judicial, possuindo, no seu próprio bojo,

elementos substantivos e adjetivos que visam à persecução da ordem jurídica.

Para Guerra Filho, a sentença simboliza não somente um ato processual e

material, mas o momento em que o direito do plano valorativo e potencial passa para

aquele dos fatos, a fim de resolver os problemas jurídicos na realidade, que se

diferenciam de como são prescritos nas normas jurídicas abstratas.

Por sua vez, a coisa julgada existe como um artifício de que se vale o

ordenamento jurídico para implementar o convencimento e a certeza do direito

concebido pela decisão, garantindo a sua estabilidade ao torná-­la incontrovertida.

Consiste, pois, num “conceito operativo indissociável da sentença”, o qual sem esta

não existe e não possui utilidade, daí a afirmação de sua insubstancialidade82.

3.2 A COISA JULGADA E SUA PROTEÇÃO CONSTITUTICIONAL

O estudo acerca da coisa julgada remonta ao Estado Liberal, momento em que

houve a preeminência do dogma da segurança jurídica como forma de assegurar

integridade do direito patrimonial e do direito absoluto da propriedade, insurgindo-­se,

portanto, como um princípio jurídico voltado ao cidadão para limitar a intervenção

estatal.

Nesse período, marcado pelo positivismo jurídico, cabia ao juiz simplesmente

aplicar a lei ditada pelo legislador. Tanto é que, para Chiovenda, estudioso da época,

a coisa julgada consistia na indiscutibilidade da existência da vontade da lei

concretamente afirmada83.

82 GUERRA FILHO, Willis Santigado. A filosofia do direito: aplicada ao direito processual e à teoria da constituição. São Paulo: Atlas, 2001. p. 68 apud NASCIMENTO, Carlos Valder do;; PEREIRA JÚNIOR, Lourival. Natureza da coisa julgada: uma abordagem filosófica. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do;; DELGADO, José Augusto (Org.). Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 58. 83 LEAL, Rosemiro Pereira. O ciclo teórico da coisa julgada: de Chiovenda a Fazzalari. Belo horizonte: Del Rey, 2007. p. 18.

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Muitos doutrinadores interligam a coisa julgada diretamente ao conceito de

segurança jurídica, como maior forma de expressão desse princípio84. Ocorre que se

deve ter em mente, ao analisar o tema, que a relevância da coisa julgada, no

liberalismo, deu-­se em decorrência dos anseios da época: vida, liberdade e

propriedade. Ao se buscar a certeza jurídica, os cidadãos perquiriam, em verdade, a

indubitabilidade de que o Estado não iria se imiscuir em suas relações. Por isso, tão

expressiva e inatingível era a coisa julgada e seu entrelaçamento com a segurança,

tida como mecanismo de defesa dos indivíduos85.

O direito processual moderno, entretanto, após a manifestação do Estado de

Bem-­Estar Social, é um sistema orientado à construção de resultados justos, levando

à necessária revisão de conceitos estabelecidos anteriormente como dogmas

jurídicos, dentro os quais, o da coisa julgada.

Nos tempos atuais, o princípio da segurança jurídica, antes tido como maior

forma de resistência ao poder estatal, desincumbe-­se desse papel, assumindo uma

visão de que este preceito é alcançado quando se têm decisões justas, com vistas a

assegurar as garantias constitucionais preceituadas aos cidadãos, principalmente,

com relação à dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, Constituição Federal de 1988).

Assim, quando, através de uma decisão (expressão da vontade estatal) concede-­se

à parte um direito inerente à vida, estar-­se-­á diante de uma expressão da segurança

jurídica, posto que o Judiciário, fielmente, estará cumprindo com os ditames

constitucionalmente estabelecidos e com o que o Direito mais deve guiar-­se: a justiça.

Deve-­se ter em mente, nesse contexto, que o corolário da segurança jurídica sempre

foi um instrumento a favor do cidadão em detrimento do Estado, e nunca o contrário.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXXVI, preconiza: “a lei não

prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Essa regra,

por estar inserida no título dos direitos e garantias fundamentais, justifica, de certo

modo, a razão da expressiva extensão que muitos imprimem ao instituto.

Sobre a previsão constitucional da res judicata, lúcidas são as reflexões

levantadas por Paulo Roberto de Oliveira Lima. Segundo o autor, a norma

supramencionada tem direcionamento para o legislador ordinário, de modo que, ao

84 DIDIER JÚNIOR, Fredie;; BRAGA, Paula Sarno;; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2015. p. 522. 85 NASCIMENTO, Carlos Valder do;; PEREIRA JÚNIOR, Lourival. Natureza da coisa julgada: uma abordagem filosófica. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do;; DELGADO, José Augusto (Org.). Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 59.

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legislar, deve o parlamentar atentar para não prejudicar as coisas julgadas

constituídas anteriormente à lei. Desse modo, esta é a única regra sobre coisa julgada

decorrente da Carta Magna, sendo todo o resto objeto da legislação

infraconstitucional. Para chegar a esta conclusão, o jurista traça uma primorosa

análise interpretativa do comando.

Pelo método de interpretação gramatical hermenêutico, poder-­se-­ia apontar

duas conclusões do dispositivo em destaque, diametralmente diferentes entre si. A

primeira consistiria que a lei não deveria conferir qualquer tipo de estrutura e limites

que ocasionassem a redução da amplitude ao instituto da coisa julgada. Nessa

concepção, seriam inconstitucionais normas que, de qualquer modo, mitigassem a

importância e alcance do instituto ou previssem instrumentos processuais hábeis a

desconstituí-­lo. Por conseguinte, a Constituição Federal realmente estaria protegendo

expressivamente o mencionado mecanismo86.

Em alternativa, a outra interpretação possível seria que a lei não poderia

modificar o conteúdo de um caso já transitado em julgado. Diante disso, havendo a

constituição da coisa julgada, pouco importaria se as normas jurídicas utilizadas na

solução do litígio fossem alteradas posteriormente, pois estas não retroagiriam ao

caso, nele em nada intervindo. Portanto, nessa perspectiva, a Carta Magna estaria

resguardando, em verdade, o teor do julgado87.

Do exame das duas interpretações gramaticais, defende-­se ser a segunda

coerente com ordenamento jurídico brasileiro, até porque, no inciso XXXVI, não se

utilizou o termo “instituto da coisa julgada”, mas tão somente “a coisa julgada”,

evidenciando que se trata daquela já constituída e não do instrumento propriamente

dito. Logo, os ditames constitucionais protegeram o “comando emergente” da

sentença, como defendia Liebman, tornando-­o imune de ulteriores alterações

legislativas88.

Aduz o processualista, ainda, que igual conclusão extrai-­se mediante o método

sistemático de interpretação, uma vez que a regra constitucional não trata somente

da coisa julgada, mas se refere igualmente ao ato jurídico perfeito e ao direito

adquirido, dando-­lhes mesmo tratamento jurídico. Nesse caso, o poder constituinte

86 LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à teoria da coisa julgada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 84-­85. 87 Ibidem, p. 85. 88 Ibidem, p. 85.

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não quis proteger os três institutos, mas tão somente destacar o princípio da não-­

surpresa e da irretroatividade das leis89.

Além disso, impende apontar que, caso fosse a primeira interpretação coerente

com o direito vigente no país, seria considerada inconstitucional a ação rescisória,

uma vez que objetiva desconstituir a res judicata. A revisão criminal, do mesmo modo,

não seria cabível, já que possibilita a alteração da sentença em qualquer tempo,

quando em favor do condenado. Não obstante, tais institutos processuais sempre

conviveram em harmonia com a regra constitucional em comento90.

Para o Supremo Tribunal Federal, o art. 5º, XXXVI, da Carta Magna, não é uma

consagração de um princípio da coisa julgada, mas uma regra de direito intertemporal,

sendo o instituto da coisa julgada de caráter infraconstitucional9192.

Diante do exposto, observa-­se que “o instituto da coisa julgada detém uma

proteção constitucional tímida, sendo perfeitamente compatível com a existência de

89 Ibidem, p. 85. 90 Ibidem, p. 86. 91 RECURSO EXTRAORDINÁRIO – BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA PENSÃO POR MORTE – REVISÃO (LEI Nº 9.032/95) – DEBATE EM TORNO DA OCORRÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE SITUAÇÃO QUE PODE CARACTERIZAR, OU NÃO, A EXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE, DE DIREITO ADQUIRIDO – HIPÓTESE REGIDA PELO ART. 6º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL (LICC) – CONTENCIOSO DE MERA LEGALIDADE – CONFIGURAÇÃO, QUANDO MUITO, DE OFENSA REFLEXA AO TEXTO CONSTITUCIONAL – INVIABILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – RECURSO IMPROVIDO. A necessidade de constatação, em cada caso ocorrente, da configuração, ou não, do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada faz instaurar contencioso de mera legalidade, desvestido, por isso mesmo, de qualificação constitucional, eis que reside, na lei (LICC, art. 6º) – e nesta, tão-­somente – a "sedes materiae" pertinente ao delineamento conceitual dos requisitos caracterizadores de tais institutos. Precedentes. A decisão judicial que reconhece caracterizada, ou não, no caso concreto, a ocorrência do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e/ou da coisa julgada, independentemente da controvérsia de direito intertemporal, regida por norma de sobredireito (CF, art. 5º, XXXVI), projeta-­se em domínio revestido de caráter eminentemente infraconstitucional, não viabilizando, desse modo, por incabível, o acesso à via recursal extraordinária. Precedentes.” (grifos nossos). Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 414556/SC, Relator: Ministro Celso de Mello, Data de Julgamento: 31/05/2005, Segunda Turma, Data de Publicação: 07/10/2005 PP-­00043 EMENT VOL-­02208-­04 PP-­00734. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/764727/agregno-­recurso-­extraordinario-­re-­agr-­414556-­sc>. Acesso em 20 set. 2017. 92 “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. VITALICIAMENTO DE MAGISTRADO. COISA JULGADA NÃO RECONHECIDA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. LIMITES OBJETIVOS. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA. PRECEDENTES. 1. É pacífica a jurisprudência da Corte de que não se presta o recurso extraordinário para a verificação dos limites objetivos da coisa julgada, haja vista tratar-­se de discussão de índole infraconstitucional. 2. Agravo regimental não provido”. (grifos nossos). Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 814342/DF. Relator: Ministro Dias Toffoli, Data de Julgamento: 24/11/2015, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 05/02/2016. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/310895210/agreg-­no-­recurso-­extraordinario-­agr-­re-­814342-­df-­distrito-­federal>. Acesso em: 15 set. 2017.

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restrições e de instrumentos de revisão e controle dos julgados”93. Sendo assim, a

mitigação ou até supressão do instituto em determinados casos é constitucional, o

que não pode, de fato, pela compreensão constitucionalista, é que o Poder Legislativo

venha a intervir em sentenças já transitadas em julgado. Esta é, pois, a única

expressão da coisa julgada salvaguardada constitucionalmente.

3.3 DECISÃO JUDICIAL E FORMAÇÃO DA COISA JULGADA

O Código de Processo Civil, em seu art. 502, expende que: “denomina-­se coisa

julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não

mais sujeita a recurso”. Por sua vez, o art. 6º, § 3º da Lei de Introdução às Normas do

Direito Brasileiro, traz a seguinte definição: “chama-­se coisa julgada ou caso julgado

a decisão judicial de que já não caiba recurso”.

Para compreender a constituição da coisa julgada, necessário esmiuçar as

duas espécies de sentenças94: definitivas e terminativas. As primeiras dizem respeito

àquelas por meio das quais se põe fim ao processo com resolução do mérito,

baseando-­se no art. 487 do CPC95.

Por outro lado, as terminativas consistem naquelas que finalizam o processo

sem resolver o mérito, em conformidade com os casos previstos no art. 485 do CPC96.

93 LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à teoria da coisa julgada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 86. 94 De acordo com o Código de Processo Civil de 2015, a decisão parcial de mérito também é passível de ser acobertada pelo manto da coisa julgada material, não sendo mais, portanto, uma qualidade pertencente somente as sentenças. 95 Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: I -­ acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção;; II -­ decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;; III -­ homologar: a) o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção;; b) a transação;; c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção. 96 Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: I -­ indeferir a petição inicial;; II -­ o processo ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;; III -­ por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;; IV -­ verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;; V -­ reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada;; VI -­ verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;; VII -­ acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência;; VIII -­ homologar a desistência da ação;; IX -­ em caso de morte da parte, a ação for considerada intransmissível por disposição legal;; e

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Tal distinção é fundamental ao presente estudo pois, consoante o já exposto

art. 502 do diploma legal em comento, somente as sentenças definitivas têm aptidão

para serem acobertadas pela coisa julgada material, enquanto que as terminativas,

por não discutirem o objeto da ação, não a têm, sujeitando-­se unicamente a coisa

julgada formal, como se verificará adiante.

Outro aspecto acerca da sentença pertinente ao tema são os seus elementos

essenciais, quais sejam, relatório, fundamentação e dispositivo, como expõe o art.

489 do CPC.

O relatório é responsável por demonstrar qual foi a pretensão do autor e a

defesa do réu, além de constar o trâmite do processo, apresentando uma síntese de

suas etapas, bem como seus pontos relevantes.

Já a fundamentação corresponde as razões da decisão, incluindo a valoração

das provas. No que concerne a esse segundo elemento, inclusive, o Novo Código de

Processo Civil deixou claro, em seu art. 11, a necessidade da fundamentação de todos

os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário, sob pena de nulidade. Foi ressaltada

infraconstitucionalmente, portanto, a ingerência da fundamentação das decisões

judiciais, já consagrada pela Constituição Federal, mediante seu art. 93, inciso IX.

Em relação ao dispositivo, este representa o espaço da sentença em que o

magistrado afirma o acolhimento (podendo ser parcial) ou não do pedido autoral,

formulando uma norma jurídica concreta que deve disciplinar a situação jurídica. E,

segundo jurisprudência sedimentada do Superior Tribunal de Justiça, apenas o

dispositivo da sentença poderá ser revestido pelo manto da coisa julgada97.

X -­ nos demais casos prescritos neste Código. 97 “CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PEDIDO DE RESSARCIMENTO DE DANOS MATERIAIS QUE JÁ FEZ PARTE DE ANTERIOR AÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. QUESTÃO ABRANGIDA APENAS NA FUNDAMENTAÇÃO. PARTE DISPOSITIVA OMISSA, QUANTO AO PONTO. AUSÊNCIA DE COISA JULGADA MATERIAL. ARTIGO 469, I, DO CPC. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que somente a parte dispositiva da sentença é alcançada pela coisa julgada material. Por essa razão, os fundamentos de fato e de direito em que se baseou a sentença não são atingidos pela coisa julgada e podem ser reapreciados em outra ação (art. 469 do CPC). Precedentes. 3. Não sendo a linha argumentativa apresentada pelo agravante capaz de evidenciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado, devendo ele ser integralmente mantido em seus próprios termos. 3. Agravo regimental não provido.” Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1498093/SP 2014/0283172-­1, Relator: Ministro Moura Ribeiro, Data de Julgamento: 16/06/2015, Terceira Turma, Data de Publicação: DJ 25/06/2015. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/202283880/agravo-­regimental-­no-­recurso-­especial-­agrg-­no-­resp-­1498093-­sp-­2014-­0283172-­1>. Acesso em: 15 set. 2017.

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Por esse ângulo também preconiza o Código de Processo Civil, ao estatuir, no

art. 504, que “não fazem coisa julgada: I -­ os motivos, ainda que importantes para

determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;; II -­ a verdade dos fatos,

estabelecida como fundamento da sentença”. Tem-­se estabelecido na ordem jurídica

brasileira, então, o limite objetivo da coisa julgada.

Diante de todo o exposto, conclui-­se que tão somente o dispositivo de uma

sentença judicial de mérito não mais susceptível de recurso, a qual deve ser baseada

cognição exauriente, será atingido pela coisa julgada material.

Ademais, é fundamental que se saiba identificar os elementos da ação que

impedem a instauração de uma nova demanda quando presentes: partes, causa de

pedir e pedido. Sendo os três idênticos a processo anterior com decisão revestida de

imutabilidade material, haverá óbice de prestação jurídica pelo Estado. Todavia,

qualquer alteração quanto aos fatos, às partes e ao objeto, modifica a ação e afasta

a incidência do instituto98.

Por fim, no que tange aos meios de formação da coisa julgada, há prestigiado

na doutrina a existência de três manifestações, a serem destrinchadas nas linhas

seguintes.

O direito processual civil nacional consagra, majoritariamente, a coisa julgada

pro et contra, constituindo a coisa julgada independente do resultado final do processo

e do conteúdo de sua decisão judicial, seja pela procedência ou improcedência do

pleito principal, seja pela homologação de acordo, seja pelo reconhecimento de

prescrição ou da decadência, dentre as outras hipóteses previstas no art. 487 do CPC.

Sendo assim, nessa espécie de coisa julgada, ambas as partes partilham igualmente

o risco de ter provocado a máquina estatal para resolução de seus conflitos99.

Porém, o ordenamento jurídico pode condicionar a formação da coisa julgada

à ocorrência de específica repercussão do litígio, tal qual acontece no processo penal

pátrio, em que somente a sentença absolutória transita em julgado, posto que a

condenatória pode ser revisada com o desígnio de beneficiar o condenado, conforme

se extrai do art. 641, do Código de Processo Penal. Nesse caso, trata-­se da coisa

julgada secundum eventum litis.

98 FILHO, João Alves Dias;; RODRIGUES, Pedro Lucas Crispim. A relativização da coisa julgada no Direito Previdenciário. Revista jurídica. 11. ed. ISSN 1087.1627. p. 4. 99 PINTO, Arthur Emílio de Carvalho. Uma análise crítica da Relativização da Coisa Julgada nas Lides Previdenciárias. Revista Themis – Revista da Escola Superior do Estado do Ceará, 2016. p. 50.

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Já a terceira maneira de produção da coisa julgada consiste no tipo secundum

eventum probationis, representando que, somente quando operado o esgotamento

das provas, a decisão será revestida de imutabilidade. Diante disso, a contrario sensu

do regime geral (pro et contra), se a sentença for improcedente por insuficiência de

provas, não será constituída a coisa julgada, ficando, pois, a produção da res judicata

estritamente ligada ao fundamento do magistrado100.

Superada esta parte teórico-­conceitual da coisa julgada, passemos a análise

de sua mitigação no ordenamento jurídico do Brasil, a qual acontece mediante uma

construção jurisprudencial dos tribunais, bem como pela prévia disposição legal.

3.4 A FLEXIBILIZAÇÃO DA COISA JULGADA SOB O ASPECTO DOUTRINÁRIO E

JURISPRUDENCIAL

As convicções relacionadas ao devido processo legal, anunciado pela

Constituição Federal de 1988 (art. 5º, inciso LIV) foram, de início, abarcadas pelo

formalismo, engessando-­se por um positivismo exagerado que, alienado em seguir

uma aplicabilidade literal das leis, conduziu a institucionalização de barreiras

procedimentais à consumação da justiça material101.

Todavia, ao se observar, no mundo moderno, principalmente nos países em

desenvolvimento, que a dignidade, a liberdade, e, sobretudo, a vida do homem,

deveriam ser as verdadeiras diretrizes do Direito, passou-­se a ter em mente que a

rigidez legal não poderia se sobrepor aos valores sociais, de maneira a limitá-­los. As

regras processuais, na verdade, não podem ser um fim em si mesmo, mas um meio

para se concretizar a vontade do ordenamento jurídico, que deve sempre estar focada

no bem-­estar da sociedade, e mais precisamente, na dignidade da pessoa humana.

Nessa linha de princípio, vem a lume a discussão acerca da mitigação da coisa

julgada, que pode ocorrer mediante dois modos distintos: i) pela evolução da

jurisprudência, que enfrenta o tema à luz dos princípios constitucionais a qual, no

Brasil, nasceu no seio do Superior Tribunal de Justiça através do Ministro José

100 DIDIER JÚNIOR, Fredie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2015. p. 483. 101 NASCIMENTO, Carlos Valder do;; PEREIRA JÚNIOR, Lourival. Natureza da coisa julgada: uma abordagem filosófica. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do;; DELGADO, José Augusto (Org.). Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 56.

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Delgado102;; e ii) pela prévia definição legal das hipóteses em que se excepciona a

auctoritas rei judicatae.

A teoria que corrobora com o primeiro modo supracitado parte do pressuposto

que nenhum valor constitucional é irrefutável, devendo ser interpretados

sistematicamente de modo harmônico com os principais fins constitucionais, através

do princípio da proporcionalidade. Assim sendo, defende-­se a prevalência de valores

humanos de envergadura maior do que a coisa julgada.

Não obstante o já mencionado caráter político-­legislativo do instituto, inegável

a dedução de que a coisa julgada é uma das manifestações do princípio da segurança

jurídica, pois proporciona aos indivíduos a garantia da estabilidade e preservação da

solução dada pelo Juiz.

Portanto, falar de sua mitigação por meios atípicos, feita diretamente pelo

Judiciário, trata-­se de uma aplicação da ponderação de normas constitucionais,

diferentemente da mitigação do próprio instituto abstratamente, por meio da lei. Nesse

último caso, consiste em mera atividade típica do Poder Legislativo, tendo em vista

que a Constituição em nada restringe a regulamentação e limitação do instituto

propriamente dito, mas salvaguarda a interferência posterior na res judicata já formada

em processo judicial.

Ressalte-­se que o princípio da segurança jurídica, conforme ora explanado,

não mais detém a concepção reconhecida na época de suas primeiras expressões

(Estado Liberal). Em sentido amplo, nota-­se que ele visa dar garantias aos direitos

tratados constitucionalmente, estando a segurança voltada para o homem cidadão,

no intuito de preservar os direitos tratados na Lei Maior103. Nesse diapasão, a

ponderação não é tão conflituosa quanto parece, pois, a exemplo de uma colisão com

um direito fundamental de caráter previdenciário, ambos – este e o da segurança

jurídica – são meios proteção dos indivíduos e não do Estado, devendo a guarida ao

cidadão se sobrelevar de qualquer modo. Sob essa ótica, é o sentimento do justo e

da confiabilidade nas instituições que resulta na segurança jurídica almejada, e não o

contrário.

102 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo;; GRINOVER, Ada Pellegrini;; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 326. 103 SILVA, José Afonso. Constituição e segurança jurídica. In: ROCHA, Cármem Lúcia Antunes (coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2004. https://michellysantos.jusbrasil.com.br/artigos/171343529/principio-­da-­seguranca-­juridica

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Por outro lado, mesmo diante da consideração da segurança jurídica

meramente como garantia da preservação dos pronunciamentos judiciais, a coisa

julgada, no seu regime geral pro et contra, não prevaleceria quando em colisão com

o direito exemplificado acima, uma vez que o segundo engloba o princípio que se

mostra mais intimamente associado à índole do sistema constitucional104.

Sobre o tema, brilhantes são as palavras de João Bonumá, citadas por

Ardenghy dos Santos105:

É preciso abrir uma exceção ao princípio geral da imodificabilidade da sentença transitada em julgado. Se os efeitos jurídicos do comando judicial não se esgotam pela simples prolação do julgado, mas perseveram na constituição de um estado ou situação nova, tornada incompatível com o sistema jurídico, ou dominante, ou se transforma em uma injustiça evidente e intolerável, sua modificação é tão necessária como a modificação de lei em casos semelhantes. [...] Isso importa afirmar, pelo menos no terro na de teoria do processo civil, que a clausula rebus sic standibus, é até certo ponto, implícita no comando jurisdicional e que a imodificabilidade dos julgados só é possível e aconselhável quando a produção da certeza jurídica das relações privadas não fere princípios superiores de ordem publica, nem se transforma, com o tempo, em estado de sofrível injustiça. (grifos nossos)

Louváveis também são os apontamentos feitos Cândido Rangel Dinamarco,

ao concluir que “a ordem constitucional não tolera que se eternizem injustiças a

pretexto de não eternizar conflitos. Pois, não se pode olvidar que, numa sociedade de

homens livres, a justiça tem de estar acima da segurança, porque sem justiça não há

liberdade”106.

Depreende-­se, então, que a mitigação da coisa julgada por meios atípicos se

consubstancia num conflito permanente entre os valores da justiça e da segurança

jurídica107. Sendo estes princípios constitucionais, a forma de pela qual se resolve o

conflito entre ambos é regida pela proporcionalidade, temática enfrentada com

excelência por Paulo Bonavides.

104 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo;; GRINOVER, Ada Pellegrini;; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 30. Ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 326. 105 SANTOS, Cláudio Sinoé Ardenghy dos. Breve histórico da revitalização da coisa julgada no Brasil. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do;; DELGADO, José Augusto (Org.). Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 28-­29. 106 SANTOS, Cláudio Sinoé Ardenghy dos. Breve histórico da revitalização da coisa julgada no Brasil. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do;; DELGADO, José Augusto (Org.). Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 33-­34. 107 ARMELIN, Donaldo. Flexibilização da coisa julgada. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do;; DELGADO, José Augusto (Org.). Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 200.

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Em consonância com o constitucionalista, os princípios e direitos retirados da

Lei Maior não detêm caráter absoluto e, em virtude disso, podem entrar em colisão, a

qual deve ser resolvida no campo valorativo e não no campo da validade. Portanto,

quando em choque, não se excluem, mas se harmonizam, através da ponderação dos

valores conflitantes, permitindo a aplicação da ideia da proporcionalidade108.

Nessa toada, vale atentar para trecho da decisão monocrática do Ministro

Cesar Peluzo, proferida nos autos da Ação Cautelar nº 2.182/DF:

Esse direito fundamental à segurança jurídica não é, como todos os demais, absoluto, podendo ceder em caso de conflito concreto com outros direitos de igual importância teórica. Ora, somente em hipótese nítida de colisão entre direitos fundamentais é que se pode admitir, em tese, a chamada “relativização da coisa julgada”, mediante ponderação dos respectivos bens jurídicos, com vistas à solução do conflito109.

Desse modo, o valor da segurança jurídica não é intangível, nem é, por

consequência, o da coisa julgada, haja vista que ambos devem conviver com outro

valor de primeiríssima grandeza, que é o direito ao justo processo,

constitucionalmente prometido mediante a garantia do acesso à justiça, presente no

art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal110, o qual é alcançado quando se outorga

uma tutela judicial efetiva e adequada em consonância com a realidade social e fática.

Saliente-­se, todavia, que o que se propõe é um trato extraordinário, destinado

a matérias excepcionalíssimas, tal qual o direito previdenciário, com o intuito de

afastar injustiças flagrantes e infrações a Constituição. Portanto, não se pretende

minar o instituto da coisa julgada sistematicamente, mas apenas possibilitar a sua

mitigação quando este afrontar a outros valores que dignificam a cidadania e o Estado

Democrático de Direito.

Por fim, com base nas lições de Luiz Guilherme Marinoni, conclui-­se que esta

relativização atípica é pautada em três premissas: instrumentalidade, legalidade e

proporcionalidade. Quanto à primeira, tem-­se que o processo, na sua acepção

instrumental, apenas tem sentido quando o julgamento estiver pautado pelos ideais

108 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 440. 109 Supremo Tribunal Federal. Ação Cautelar nº 2182/DF. Relator: Ministro Cesar Peluzo, Data de Publicação: DJ 12.11.2008. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14768785/acao-­cautelar-­ac-­2182-­df-­stf>. Acesso em 17 set. 2017. 110 DANTAS, Ivo. Coisa julgada inconstitucional: declaração judicial de inexistência. In: In: NASCIMENTO, Carlos Valder do;; DELGADO, José Augusto (Org.). Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 248.

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da Justiça e quando coerente com a realidade. No tocante à legalidade, esclarece que

o Estado deve agir nos limites da lei, não podendo proteger a coisa julgada quando

alheia ao direito positivo. Finalmente, em relação à proporcionalidade, sustenta que a

segurança jurídica (como princípio norteador do instituto da coisa julgada), não

prevalece sobre outros valores de mesmo grau hierárquico, considerando que a res

judicata pode se chocar com direitos igualmente dignos de proteção, sendo suscetível

a ceder quando diante de outros valores merecedores de agasalho111.

Sob outro prisma, é de observar as nuances da mitigação do instituto da res

judicata legalmente previstas no ordenamento jurídico brasileiro, constatando que,

principalmente no que concerne ao modo de produção secundum eventum

probationis, este não se trata de uma inovação jurídica proposta por esse trabalho.

Pelo contrário, consiste num mecanismo reconhecido e já estabelecido mediante lei

no nosso país, na seara das ações coletivas.

3.5 A MITIGAÇÃO DA COISA JULGADA E SUA DISCIPLINA LEGAL

No âmbito do processo cível, a ação rescisória propõe-­se a elidir a

imutabilidade dos efeitos de uma sentença, no prazo máximo de dois anos, quando

eivada de vícios previstos no art. 966, do Código de Processo Civil, prestigiando-­se,

em detrimento da coisa julgada, outros valores de maior peso, tais como a

imparcialidade da jurisdição, a legalidade, e até mesmo a verdade real. Já o Direito Processual Penal, como já introduzido, dispõe do instrumento da

revisão criminal, prevista nos arts. 621 e 622 do Código de Processo Penal112, a qual

permite, sem limitação temporária, a desconstituição da coisa julgada diante de uma

sentença condenatória manifestamente injusta. Inclusive, segundo Rangel, a

condenação criminal será sempre coisa relativamente julgada, na medida em que se

admite revisão criminal ou habeas corpus para desconstituir qualquer prisão indevida,

111 MARINONI, Luiz Guilherme. Relativizar a coisa julgada material? Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Luiz%20G.%20Marinoni%284%29%20-­formatado.pdf>. Acesso em: 15 set. 2017. 112 Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: I -­ quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;; II -­ quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;; III -­ quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena. Art. 622. A revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após. Parágrafo único. Não será admissível a reiteração do pedido, salvo se fundado em novas provas.

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ou ocorrência do erro judicial113. Assim, somente a sentença absolutória é acobertada

pela coisa julgada material. Deu-­se, porquanto, por parte do Legislativo, a prevalência

ao direito fundamental à liberdade em detrimento da segurança jurídica, pelo valor

humano incontestável do primeiro.

Sobre a coisa julgada penal, em face da injustiça da decisão, observou José

Frederico Marques:

Se o status libertatis é fundamental para a pessoa humana, constituiria atentado, sem justificativa, aos princípios que tutelam e garantem a dignidade e os direitos do homem, colocar, em termos absolutos, a proeminência da segurança jurídica, na realização da Justiça, a ponto de sacrificar-­se um bem jurídico, tão relevante, como a liberdade. Tal sacrifício, se alicerçado em sentença injusta, seria ilícito e antijurídico114.

No campo dos direitos fundamentais coletivos, o ordenamento jurídico também

conferiu um tratamento menos rígido à imutabilidade decorrente da coisa julgada, a

fim de resguardar direitos tão relevantes para sociedade de uma possível injusta

apreciação judicial.

Aqui, o legislador brasileiro utilizou-­se da técnica da cognição secundum

eventum probationis para, em razão de falta ou insuficiência de provas, permitir que a

causa seja decidida de sem caráter de definitividade, a fim de que não seja alcançada

com a autoridade da coisa julgada material115.

O art. 18 da Lei de Ação Popular (Lei n 4.717/65) prescreve que a sentença

proferida em sede deste tipo de ação não faz coisa julgada em caso de improcedência

por insuficiência de provas, resguardando os direitos fundamentais tutelados por esse

remédio constitucional, quais sejam, o patrimônio público, histórico e cultural, a

moralidade administrativa e o meio ambiente, nos termos do art. 5º, inciso LXXIII, da

CRFB/88.

Do mesmo modo, no contexto da Ação Civil Pública, regulamentada pela Lei nº

7.347/85, bem como no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), foi dada

a coisa julgada a mesma configuração demonstrada alhures, denominada como

secundum eventum probationis. Preponderou-­se, portanto, os direitos fundamentais

de índole transindividuais em desfavor da rigidez processual.

113 RANGEL, Paulo. A coisa julgada no processo penal brasileiro como instrumento de garantia. São Paulo: Atlas, 2012. p. 225. 114 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. III. Campinas: Bookseller, 1997. p. 84. 115 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: RT, 1987. p. 89-­90.

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Veja-­se, portanto, que as partes podem, livremente, ajuizar nova ação sobre o

mesmo objeto já julgado a partir destas previsões legais, desde que apresentem “nova

prova”, a qual não precisa ser recente, mas apenas não pode ter sido apreciada pelo

órgão jurisdicional que analisou anteriormente o pedido, a despeito de ser preexistente

ou contemporânea, como será discutido adiante116. Ante o exposto, verifica-­se uma

preocupação do Direito com a efetiva tutela dos direitos fundamentais dotados de forte

valor humanístico.

Todavia, o Poder Legislativo, ao salvaguardar determinadas garantias da

sociedade por meio da aplicação da coisa julgada secundum eventum litis – no caso

do processo penal – e secundum eventum probationis – nas ações coletivas,

esqueceu-­se de proteger, da mesma maneira, direitos fundamentais de importância

máxima, conquistados pelos indivíduos através de sofríveis lutas sociais e de peculiar

ligação à dignidade da pessoa humana, haja vista que buscam efetivar, de fato, a

justiça material, bem como possuem natureza alimentar, de modo que sem eles,

grande parte da população brasileira prescinde das necessidades básicas de sua

sobrevivência: os direitos sociais à previdência social.

Assim sendo, se o legislador ordinário desconsidera, ao menos em parte, a

necessidade de disciplina específica para o processo previdenciário, o aplicador do

direito tem o dever de suprir a inadequação ou insuficiência do processo civil comum,

orientando-­se pelo devido processo legal e, mais especificamente, pelo direito

fundamental a um processo justo.

Consequentemente, conforme será apresentado no próximo capítulo, relevante

papel ao Judiciário é designado, quando este, por meios atípicos, aplica a res judicata

secundum eventum probationis nas lides previdenciárias, de modo análogo à

aplicação realizada nas tutelas coletivas, com o objetivo de triunfar o valor humanístico

dos direitos em jogo no processo previdenciário em detrimento da segurança jurídica,

pois, conforme já mencionado, o Poder Judiciário, atualmente, detém papel elementar

de copartícipe na criação do Direito e na concretização dos direitos fundamentais

sociais.

A partir dessas reflexões, impõe-­se a analisar o peculiar processo

previdenciário, para investigar a aplicação o instituto da coisa julgada nesta seara

processual.

116 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 5. ed. São Paulo: Método, 2013. p. 537.

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4 A COISA JULGADA NO PROCESSO PREVIDENCIÁRIO 4.1 A SINGULARIDADE DA LIDE PREVIDENCIÁRIA

O Direito Previdenciário, como ramo autônomo da ciência do Direito,

apresenta-­se em contínuo desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial, clamando,

cada vez mais, por instrumentos processuais adequados para a sua

instrumentalização, no sentido de levar em conta as particularidades das lides que se

apresentam à solução judicial para se consagrar como o direito fundamental a um

processo justo, assim compreendido aquele que se revela adequado ao direito

material que busca satisfazer.

O segurado, ao requerer a concessão de um determinado benefício

previdenciário no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por vezes, enfrenta

dificuldades de comprovar os requisitos necessários para a concessão do benefício.

As normas administrativas estabelecidas pelo INSS, por intermédio do Decreto

3.048/99, não enfrentam situações específicas, culminando, frequentemente, devido

a uma interpretação restritiva do Decreto pela autarquia, no indeferimento do benefício

previdenciário, mormente porque muitas dessas situações referem-­se a fatos que

remontam considerável tempo.

À vista disso, o Direito Processual Previdenciário, com amparo constitucional e

em normas processuais cíveis, bem como na doutrina e jurisprudência, permite ao

segurado, perante o Poder Judiciário, a ampla produção probatória para comprovar,

processualmente, que preenche os requisitos necessários para restar agraciado com

o benefício previdenciário postulado. Conforme fora mencionado no capítulo inicial, o

INSS figura como principal litigante desse país, o que demonstra a importância de se

discutir e aprimorar o processo previdenciário, presente ostensivamente nos tribunais

brasileiros.

De início, mister relembrar que os benefícios previdenciários são um

instrumento de concretização da justiça social, na medida em que permitem os meios

indispensáveis à sobrevivência dos segurados que não se encontram aptos para o

labor, seja pela idade avançada, seja por eventuais patologias que os acometam,

entra outras contingências sociais previstas no art. 201 da Constituição Federal de

1988.

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Assim sendo, a aplicação justa e eficaz dessa seara do direito se revela

imprescindível, porquanto visa primordialmente a efetivação de direitos fundamentais

de importância incontestável. Assume, destarte, papel fundamental no Estado

constitucional, pois este não mais se limita em declarar os direitos dos cidadãos, mas

se responsabiliza em garantir meios de concretizá-­los. Em decorrência disso,

necessário que o processo seja visto como técnica processual destinada a dar

efetividade aos direitos fundamentais, de modo a concretizar os fins almejados pelo

Estado117.

No âmbito das lides previdenciárias, segundo as valiosas ponderações de

Savaris118, pode-­se delimitar, de modo principal, quatro características que

evidenciam a sua unicidade, percebidas em razão dos sujeitos da relação processual

e da natureza do objeto em litígio.

Destaca-­se, em primeiro ligar, a “fundamentalidade de um bem jurídico

previdenciário, isto é, sua natureza alimentar correspondendo a um direito de

relevância social fundamental”119. Tal qual como já fora desenvolvido, o direito à

previdência constitui genuíno direito fundamental, diante de sua relação intrínseca

com a dignidade da pessoa humana, haja vista que possui o condão de proporcionar

aos indivíduos, que não mais podem trabalhar para auferir rendimentos, os recursos

suficientes para manterem sua subsistência. Portanto, ao se improceder o pedido

invocado em um processo previdenciário, estar-­se-­á negando um direito humano

fundamental de elevada magnitude.

Ressalte-­se que a sua fundamentalidade não decorre tão somente da

topografia posta pela Constituição Federal, que coloca a seguridade social no Título

dos Direitos e Garantias Fundamentais. Muito mais do que isso, deriva dos próprios

valores humanísticos enraizados pela Lei Fundamental de 1988 de modo geral, a qual

tem como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e como

objetivos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), a

erradicação da pobreza e marginalização e a redução das desigualdades sociais e

regionais (art. 3º, III)120.

117 FILHO, João Alves Dias;; RODRIGUES, Pedro Lucas Crispim. A relativização da coisa julgada no Direito Previdenciário. Revista jurídica. 11. ed. ISSN 1087.1627. p. 6. 118 SAVARIS, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 87. 119 Ibidem, p. 87. 120 SAVARIS, José Antônio. Coisa julgada previdenciária como concretização do direito constitucional a um processo justo. Revista Brasileira de Direito Previdenciário, v. 1, 2011. p. 11. Disponível em:

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Para Marco Aurélio Serau Júnior, o mais importante argumento a justificar a

fundamentalidade material da seguridade social reside na dignidade da pessoa

humana, que constitui o ponto de unidade, racionalidade e sentido do direito

constitucional contemporâneo121.

Esse caráter jusfundamental do direito previdenciário, reitere-­se, também já foi

reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, que, reconhecendo a função social do

Regime Geral de Previdência Social, enquadrou-­a como dirieto fundamental de

segunda geração122.

Nesse mesmo sentido, em valioso acórdão que apreciou a probabilidade da

edição de uma lei que reduzia em 10% (dez por cento) os valores de aposentadoria,

o Tribunal Constitucional Português, pela relatoria do Conselheiro Lino Rodrigues

Ribeiro, inferiu: “a configuração constitucional da segurança social perspectiva-­a

ainda como um direito social, de natureza positiva, que tem como correspetivo

verdadeiras obrigações de facere por parte do Estado”123.

Além disso, não é demais recordar que o direito à seguridade social é um

legítimo direito humano, previsto, dentre outros tratados internacionais, na Declaração

Universal dos Direitos dos Homens, ratificada pelo Brasil, em seu artigo XXV124.

A proteção social dos mais necessitados representa pilar elementar da ordem

jurídica constitucional atual, sendo a previdência uma destas maneiras de amparo

para a sociedade, dado que busca promover a igualdade material entre os cidadãos

<https://docs.google.com/document/d/1kjIXHAm17t58oVR18raWWgEjdDQrFe09CJEg7TDETlg/edit>. Acesso em 26 set. 2017. 121 SERAU JÚNIOR, Marco Aurélio. Seguridade social como direito fundamental material. Curitiba: Juruá, 2009. p. 162-­163. 122 [...] Com efeito, a Constituição Federal de 1988, atenta à necessidade de proteção do trabalhador nas hipóteses de riscos sociais constitucional e legalmente eleitos, deu primazia à função social do RGPS, erigindo como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.352.721/SP. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Data de Publicação: DJ 28/04/2016. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/falta-­prova-­acao-­previdenciaria-­gera.pdf> Acesso em: 24 set. 2017. 123 Tribunal Constitucional Português. Acórdão 862/2013. Relator: RIBEIRO, Lino Rodrigues. Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/observatorios/crisalt/documentos/cronologia/2013,12,19%20ACORDAO_862.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2017. 124 “1.Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-­estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. 2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção social.” Declaração Universal dos Direitos Humanos. Organização das Nações Unidas, 1948. Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf>. Acesso em 27 set. 2017.

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e a manutenção de uma vida com condições dignas a todos aqueles que se encontram

nas contingências sociais definidas pelo sistema normativo.

Demais disso, manifesta-­se também a “presumível hipossuficiência econômica

e informacional da pessoa que reivindica uma prestação da previdência social”125,

posto que, por estarem perquirindo o benefício para lhe prover recursos financeiros –

mostrando-­se indubitável sua carência econômica – a maioria possui dificuldades de

contratar um advogado realmente especializado, ingressando em juízo desprovidos

de elementos e técnicas cabais relevantes para oportunizarem a procedência da

ação126.

A rigor, os segurados, geralmente, não têm conhecimento acerca de sua

situação jurídica, seu direitos e deveres, até porque não possuímos, no Brasil, uma

educação previdenciária suficiente para tanto127. E, tratando-­se dos mais

necessitados, é sabido que muitos tiveram formação escolar de maneira deficiente ou

sequer possuíram esta formação, além de muitos serem iletrados128129, dificultando

profundamente sua instrução a respeito.

Não só isso, há aqueles que sequer contam com defesa técnica, não estando

assistidos por advogado ou pela defensoria pública, como é permitido no âmbito dos

Juizados Especiais Federais (Lei nº 10.259/01, art. 10).

Outra peculiaridade consiste na “suposta contingência que ameaça a

sobrevivência digna da pessoa que pretende a prestação previdenciária”130. Esta é

125 SAVARIS, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 87. 126 SAVARIS, José Antônio. Coisa julgada previdenciária como concretização do direito constitucional a um processo justo. Revista Brasileira de Direito Previdenciário, v. 1, 2011. p. 12. Disponível em: <https://docs.google.com/document/d/1kjIXHAm17t58oVR18raWWgEjdDQrFe09CJEg7TDETlg/edit>. Acesso em: 26 set. 2017. 127 Nas palavras de Savaris, “também não é incomum a dificuldade de comunicação entre o indivíduo que pretende a prestação previdenciária e os operadores do direito. A linguagem do trabalhador rural e suas formas de expressão, por exemplo, precisam ser absorvidas com inteligência própria. Se o que se deseja ouvir é uma narrativa coerente, que atenda o ideário urbano do que é um típico trabalho rural, uma história de vida fracionada e que extrapole o padrão do trabalho contínuo e em uma mesma localidade pode trazer aborrecimentos quando contada pelo que não fala a linguagem do direito ou a linguagem mais próxima e supostamente mais objetiva dos altos funcionários”. SAVARIS, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 65. 128 O Brasil ainda tem 12,9 milhões de analfabetos, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Quanto ao acesso ao ensino superior, este se restringe a 13,5% da população. Disponível em: <http://www.valor.com.br/brasil/4787959/brasil-­tem-­129-­milhoes-­de-­analfabetos-­aponta-­pnad>. Acesso em 27 set. 2017. 129 IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2007/2015. Disponível em: <https://brasilemsintese.ibge.gov.br/educacao/taxa-­de-­analfabetismo-­das-­pessoas-­de-­15-­anos-­ou-­mais.html>. Acesso em: 27 set. 2017. 130 SAVARIS, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 87.

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uma derivação lógica da relação jurídica previdenciária, que concede a proteção

justamente diante de eventos causadores de incapacidade laborativa aos indivíduos.

Portanto, presume-­se que o autor em juízo esteja desprovido de capital para garantir

sua subsistência, já que não apto ao trabalho, e, por isso, a prestação que busca

detém natureza alimentar indispensável, concluindo-­se que a não concessão do

benefício trará consequências negativas descomunais para a sua integridade de vida.

Consoante assinala José Antônio Savaris, essa presunção de vulnerabilidade

é ainda mais séria nas ações que perseguem os denominados benefícios sensíveis,

como o auxílio-­doença131, pensão por morte132, aposentadoria por invalidez133 e

auxílio reclusão134. E, no tocante às ações que buscam os benefícios de prestação

continuada da assistência social135, não há como negar a fragilidade da parte, haja

vista que o próprio direito material em perseguição é reservado unicamente àqueles

que não têm condições de prover sua subsistência ou de tê-­la provida por sua

família136.

Em seguida, evidencie-­se o “caráter público do instituto de previdência que

assume o polo passivo da demanda”, o qual é sempre o Instituto Nacional do Seguro

Social (INSS). Assim, enquanto o autor da demanda é presumivelmente

131 O auxílio-­doença previsto no art. 59 da Lei 8.213/91, é um benefício por incapacidade devido ao segurado do INSS acometido por uma doença ou acidente que o torne temporariamente incapaz para o trabalho. 132 A pensão por morte, prescrita no art. 74 da Lei nº 8.213/91, é um benefício pago aos dependentes do segurado do INSS que vier a falecer ou, em caso de desaparecimento, tiver sua morte presumida declarada judicialmente. 133 A aposentadoria por invalidez, disposto no art. 42 da Lei nº 8.8213/91, é um benefício devido ao trabalhador permanentemente incapaz de exercer qualquer atividade laborativa e que também não possa ser reabilitado em outra profissão, de acordo com a avaliação da perícia médica do INSS. O benefício é pago enquanto persistir a incapacidade e pode ser reavaliado pelo INSS a cada dois anos. Inicialmente o cidadão deve requerer um auxílio-­doença, que possui os mesmos requisitos da aposentadoria por invalidez. Caso a perícia-­médica constate incapacidade permanente para o trabalho, sem possibilidade de reabilitação em outra função, a aposentadoria por invalidez será indicada. 134 O auxílio-­reclusão, estabelecido no art. 80 da Lei nº 8.213/91, é um benefício devido apenas aos dependentes do segurado do INSS (ou seja, que contribui regularmente) preso em regime fechado ou semiaberto, durante o período de reclusão ou detenção. O segurado não pode estar recebendo salário de empresa nem benefício do INSS. 135 O benefício da prestação continuada, regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei nº 8.742/93) é a garantia de um salário mínimo mensal ao idoso com 65 anos ou mais ou à pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar de forma plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas. Para ter direito, é necessário que a renda por pessoa do grupo familiar seja menor que 1/4 do salário-­mínimo vigente. 136 SAVARIS, José Antônio. Coisa julgada previdenciária como concretização do direito constitucional a um processo justo. Revista Brasileira de Direito Previdenciário, v. 1, 2011. p. 12. Disponível em: <https://docs.google.com/document/d/1kjIXHAm17t58oVR18raWWgEjdDQrFe09CJEg7TDETlg/edit>. Acesso em: 26 set. 2017.

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hipossuficiente, do outro lado está o Estado, que possui todo o aparato de informações

necessárias que poderia direcionar à concessão da prestação previdenciária

almejada137. Ademais, como o processo judicial advém em consequência da negativa

do pedido na esfera administrativa, a autarquia detém, também, os documentos

comprobatórios do direito pretendido pelo cidadão. Não bastasse o que fora apontado

para caracterização do desequilíbrio entre as partes no processo previdenciário, outra

dificuldade é enfrentada pelo autor no que concerne aos cálculos do valor do benefício

que pretende, ao revés do INSS, que possui todos os instrumentos pertinentes para

elaboração de cálculos matemáticos, dos simples até os mais complexos.

À face do exposto, ateste-­se que a desigualdade econômica, o desequilíbrio na

produção de provas, o desnível cultural entre as partes, certamente, são realidades

trasladas no processo previdenciário que reclamam uma atenção singular a este

ramo, de modo a focalizar que não se trata de um interesse meramente individual,

mas de uma diligência de caráter público.

Esta índole social, ressalte-­se, existe em razão do princípio da solidariedade

que norteia o sistema da previdência no ordenamento jurídico brasileiro. Sendo o

indivíduo parte de um todo – a sociedade –, entre ambos existe uma relação recíproca

de dependência, pois o que atinge a sociedade atinge também o indivíduo e o que

prejudica o indivíduo se reflete na sociedade. Na lição clássica de Armando de Oliveira

Assis, “quando menos, o infortúnio dos indivíduos causará enfraquecimento na

sociedade. Por isso, deve esta velar pela segurança de seus componentes e

satisfazer às necessidades eventuais por duas razões: 1ª) como um gesto de

sobrevivência;; 2ª) pelos deveres precípuos que lhe tocam” 138.

Assim sendo, deve-­se buscar, efetivamente, dar, a quem preencher os

requisitos legais, os benefícios perquiridos. O Judiciário não pode ser inerte nesse

âmbito. Ao contrário, tem o dever de auxiliar a parte hipossuficiente no decorrer do

processo, mostrando-­se próximo ao jurisdicionado e tendo uma postura ativa, na

busca da verdade real dos fatos para possibilitar à tutela do bem jurídico fundamental

social.

Nesta esteira, virtuosas são as lições trazidas por Savaris:

137 SAVARIS, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 87. 138 ASSIS, Armando de Oliveira apud SAVARIS, José Antônio. Op. Cit., p. 62.

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Em suma: no processo previdenciário, o autor da demanda presume-­se hipossuficiente e destituído, total ou parcialmente, de meios necessários à sua subsistência. Esses recursos de natureza alimentar são pressupostos para o exercício da liberdade real do indivíduo e indispensáveis à afirmação de dignidade humana. Temos, portanto, alguém presumivelmente hipossuficiente na busca de um bem da vida de superior dignidade e com potencialidade para colocar um fim no seu estado de privação de bem-­estar e destituição. No polo passivo da demanda, tem-­se a entidade administradora do Regime Geral da Previdência Social, com os privilégios processuais da Fazenda Pública – exceção feita aos processos que tramitam perante os juizados especiais federais (Lei 10.259/01, art. 9º) – e com as dificuldades já notórias no que diz respeito ao atendimento de seus beneficiários na esfera administrativa e cumprimento das determinações judiciais139. É sempre importante lembrar que numa demanda em que há fracos e fortes, impõe-­se uma atuação judicial tendente a equilibrar as desigualdades, mas isso não parece tão óbvio quando se está diante de uma entidade pública responsável pela gestão dos recursos da previdência social, em tempos de insegurança econômica, anúncios de crise orçamentária e sucessivas reformas previdenciárias. Um falso dilema emerge nesta atmosfera: analisa-­se a pretensão do autor, que se reportaria a um interesse individual, em face do interesse público na preservação do sistema previdenciário. Mas não há interesse social somente na economia de recursos previdenciários, mas fundamentalmente na sua devida aplicação140. (grifos nossos)

Em decorrência da singularidade do processo previdenciário, há de reconhecer

que já existem determinadas disposições legais, distintas de regras do processo civil

clássico, que evidenciam este caráter. A título ilustrativo, tem o regime probatório que

veda a produção de prova exclusivamente testemunhal para a comprovação do tempo

de serviço e contribuição (Lei nº 8.213/91, art. 55, §3º), a revisão administrativa da

coisa julgada nos benefícios por incapacidade (Lei 8.212/91, art. 71), a atribuição de

efeito exclusivamente devolutivo aos processos que envolvam prestações

previdenciárias, o cumprimento imediato das decisões e a dispensa de devolução dos

valores na hipótese de reforma da decisão favorável ao segurado (Lei nº 8.213/91,

art. 130).

No âmbito jurisprudencial, do mesmo modo, já existem manifestações

discriminando regras específicas para as ações previdenciárias, isto é, adotando

soluções processuais adequadas e congruentes para este tipo singular de processo,

como resposta à exigência do princípio constitucional do devido processo legal e do

acesso à justiça, que requerem exatamente esta atuação presente e diligente do

139 SAVARIS, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 67. 140 SAVARIS, José Antônio. Coisa julgada previdenciária como concretização do direito constitucional a um processo justo. Revista Brasileira de Direito Previdenciário, v. 1, 2011. p. 13. Disponível em: <https://docs.google.com/document/d/1kjIXHAm17t58oVR18raWWgEjdDQrFe09CJEg7TDETlg/edit>. Acesso em: 26 set. 2017.

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Judiciário, assumindo os magistrados como verdadeiros agentes de transformação

social.

Na situação de redução ou perda da capacidade para o trabalho, por exemplo,

o Regime Geral da Previdência social possibilita benefícios específicos: a

aposentadoria por invalidez141, o auxílio-­doença142 e o auxílio-­acidente143. Ademais,

há o benefício de prestação continuada para aqueles com deficiência que possuam

impedimento de longo prazo para o trabalho, que não possam prover seu sustento,

nem o ter provido pela sua família.

Esses quatro benefícios possuem, em comum, o pressuposto da redução ou

inexistência de capacidade laboral ou, ainda, impedimento de se inserir na sociedade

em igualdade de condições com os demais. Diante disso, tem-­se permitido a

fungibilidade dos pedidos, com o intuito de não obstaculizar o acesso ao Judiciário

pelos indivíduos, até porque o indeferimento de uma dessas prestações em virtude de

perícia médica contrária dá espaço para o ajuizamento de qualquer uma das ações

que busquem benefícios por incapacidade ou impedimento.

Por conseguinte, atenua-­se o rigor na identificação do interesse processual da

ação. Além disso, diferentemente do que ocorre no processualística civil, a qual proíbe

o juiz de sentenciar concedendo pedido diverso do que fora pretendido pela parte144,

em face do princípio da congruência, a decisão que concede benefício por

incapacidade divergente daquele requerido pelo autor não consiste em sentença ultra

petita ou extra petita e não viola o princípio da adstrição, com base na jurisprudência

pacificamente assentada145.

141 Lei nº 8.212/91, art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-­doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-­lhe-­á paga enquanto permanecer nesta condição 142 Lei nº 8.213/91, art. 59. O auxílio-­doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. 143 Lei nº 8.813/91, art. 86. O auxílio-­acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. 144 Lei nº 13.105/15, art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Parágrafo único. A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional. 145 “Quanto à alegação de julgamento extra petita, esta Corte tem precedentes no sentido de que, em sede previdenciária, postulada na inicial a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-­doença, incensurável a decisão judicial que reconhece o preenchimento dos requisitos e concede ao autor o benefício assistencial de prestação continuada. Nesse sentido, veja-­se: PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. DEFERIDO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL EM VEZ DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-­DOENÇA. DECISÃO EXTRA PETITA. NÃO-­OCORRÊNCIA. JUROS DE MORA. RECURSO PROVIDO. 1. Cuidando-­se de matéria previdenciária, o pleito contido na peça

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Assim, juntamente à natureza singular do direito material à prestação

previdenciária, consistente em um direito fundamental de alta relevância, esses

delineamentos decorrentes das características das partes, que caracterizam relações

jurídicas explicitamente desiguais, imprimem nas ações previdenciárias um caráter

particular que a distingue das demais.

Por isso, em alguns pontos específicos, o processo civil clássico apresenta-­se

insuficiente e inadequado, o que deve inspirar o legislador a atualizar as normas legais

e o julgador a buscar soluções práticas satisfatórias para as questões abertas, tal

como ocorre na aplicação do instituto da coisa julgada, a ser delineada a seguir.

4.2 A APLICAÇÃO DA COISA JULGADA SECUNDUM EVENTUM PROBATIONIS

NO DIREITO PROCESSUAL PREVIDENCIÁRIO E O ENTENDIMENTO DO

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nos últimos tempos, diante dos valores humanos consagrados pelo nosso

Estado Democrático de Direito, construiu-­se uma nova racionalidade jurídica perante

o Judiciário, de difícil percepção para os juristas treinados no sistema formalista.

Trata-­se da superação da burocratização e senso teórico dos sistemas axiomáticos,

aproximando-­se da percepção prática e da justiça no caso concreto146.

Tal percepção não se trata em defender discricionariedades dos magistrados

ou de decisões contra ou além da lei, mas de sobrelevar a importância do

conhecimento das situações fáticas para, a partir daí, extrair o máximo da regra. Ou

seja, a realidade social deve ser observada primordialmente. Desse modo, enquanto

no modelo positivista a cidadania deveria adaptar-­se a rigidez normativa, nessa nova

inaugural deve ser analisado com certa flexibilidade. In casu, postulada na inicial a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-­doença, incensurável a decisão judicial que reconhece o preenchimento dos requisitos e concede ao autor o benefício assistencial de prestação continuada. 2. Os juros moratórios, em se tratando de benefício previdenciário, devem ser fixados à razão de 1% (um por cento) ao mês em face de sua natureza alimentar, a partir da citação, conforme o disposto no art. 3º do Decreto-­Lei 2.322/87. 3. Recurso especial provido.” Superior Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 1.390.216 – RJ. Relator: Ministro Jorge Mussi, Data de Publicação: DJ 06/04/2011. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18675216/ag-­1390216>. Acesso em: 27 set. 2017. 146 FARIA, José Eduardo (org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 39.

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conjunção, preserva-­se a riqueza das situações fáticas, que devem orientar a

aplicação do direito.

Saliente-­se que não é só a busca pela justiça social, pautada na realidade dos

fatos, que gera esta exigência inédita de atuação dinâmica do Judiciário, mas também

os impasses na própria normatividade estatal, como a hipertrofia legislativa, a

variabilidade das normas e os problemas de coerência interna no ordenamento147.

Quanto a este último, importante esclarecê-­lo, tendo em vista sua ligação com

o objeto deste estudo. Esse fenômeno decorre do crescimento da produção de

normas e da instabilidade;; e se apresenta como uma complexa contradição

consequente dos dois outros problemas apresentados, haja vista que, apesar da

quantidade numerosa normas e de sua versatilidade, muitas são ultrapassadas – não

acompanham a realidade social, econômica e política da sociedade – e incongruentes

em relação às necessidades da ordem jurídica148.

A atuação dos juízes, diante da necessidade de ruptura da visão formalista do

Direito e honrando a sua angulação humanística, apresenta-­se fundamental. De

acordo com as palavras do Juiz Federal Artur César de Souza, o qual propôs uma

nova roupagem para o princípio da imparcialidade ao desenvolver a figura do juiz

“positivamente parcial”, o magistrado deve ser aquele que reconhece as diferenças

sociais, econômicas e culturais das pessoas envolvidas na relação processual. Esta,

portanto, deve ser a postura a ser seguida pelos aplicadores do direito, devendo

prezar pela realidade dos fatos, pela justiça social e pela concretização dos direitos

fundamentais, mormente os direitos sociais149.

É nessa esteira que devem ser observadas as particularidades da realidade

fático-­prática do direito processual previdenciário acima apresentadas, como

legitimadoras do modo de produção da coisa julgada secundum eventum probationis

em suas lides, aplicação esta que vem sendo desenvolvida pelos tribunais, a despeito

da falta de previsão legal.

Há de reconhecer, é claro, a importância do instituto da coisa julgada, o qual

transmite aos indivíduos previsibilidade e confiança na ordem jurídica e constitui meio

de pacificação social. Sua essencialidade é inegável. Todavia, recapitule-­se que não

há, na ordem constitucional vigente, valor de envergadura absoluta que seja intangível

147 Ibidem, p. 41. 148 Ibidem, p. 41. 149 SAVARIS, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 54.

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e inflexível. Tanto é verdade que, como já dito, o próprio legislador ordinário já

excepciona a regra geral de produção da res judicata em alguns ramos, tal como nas

ações coletivas.

Para Cândido Dinamarco, é inconstitucional a antiga leitura clássica da coisa

julgada como algo soberano e incondicional. O estudioso infere que não há garantia

alguma que dirija invariavelmente à renegação dos demais valores. Assim, a

segurança jurídica não pode acarretar o desprezo a outros preceitos constitucionais,

como o da dignidade da pessoa humana. Deve-­se harmonizar as exigências, cedendo

quanto a certos valores em nome da segurança jurídica, mas também abrindo mão

desta sempre que sua prevalência seja capaz de “sacrificar o insacrificável”150.

Esclareça-­se que não se trata aqui de discutir questões acerca da coisa julgada

que se resolvem propriamente pela processualística civil, como ocorre, a título de

ilustração, quando um pedido de concessão de benefício de auxílio-­doença foi julgado

improcedente porque não foi constatada incapacidade para o exercício da atividade

habitual do segurado no primeiro processo. Nesse caso, nada obsta seja o pedido

renovado, desde que tenham sido modificadas as circunstâncias de fato. Na hipótese

de alteração da causa de pedir, a repetição do pedido não encontra obstáculo na coisa

julgada. E isso prescreve o processo civil comum.

Da mesma forma, se é negada judicialmente a concessão de aposentadoria

espontânea (por tempo de contribuição, idade ou especial), nada impede que seja o

pedido renovado, uma vez suscitada a ocorrência de novos fatos, como, por exemplo,

o superveniente cumprimento do período de carência ou do requisito específico

exigido para a concessão da prestação reivindicada.

O núcleo da problemática oferecida no presente estudo diz respeito à

necessidade de aplicação da coisa julgada secundum eventum probationis nas lides

previdenciárias, buscando oferecer uma resposta à inaceitável situação de se denegar

proteção social a quem dela necessita e a ela faz jus, mas que, por razões das mais

diversas, não logrou comprovar o fato constitutivo do seu direito. Mais

especificamente, a reflexão proposta manifesta crítica à visão dominante consoante a

qual a decisão judicial passada em julgado que, por insuficiência de provas, denega

proteção previdenciária a uma pessoa, o faz de uma vez por todas.

150 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista Forense, v. 97, n. 358 2002, p. 18. Disponível em: <http://www.processocivil.net/novastendencias/relativizacao.pdf>. Acesso em: 02 out. 2017.

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Defende-­se, dessarte, que, quando denegado judicialmente um benefício em

razão da carência do conjunto probatório demonstrado pelo autor, sobre esta decisão

não deverá constituir a coisa julgada material, de modo que o indivíduo possa,

posteriormente, rediscutir o objeto da ação, se, por acaso, colecionar outras provas

materiais que possam auxiliar na comprovação dos fatos, sendo estas

contemporâneas ou não.

Assim, o foco deste trabalho encontra-­se, especificamente, no modo de

produção da coisa julgada no Direito Previdenciário, posto que o processo civil

tradicional, neste ponto, apresenta-­se insuficiente e incongruente com a realidade dos

processos previdenciários.

Inicialmente, impende ressaltar que, no âmbito dos Juizado Especiais, onde

tramita a maioria das lides previdenciárias, não é admitido o ajuizamento de ação

rescisória, de acordo com o art. 59 da Lei nº 9.099/95. Por conseguinte, a sentença

transitada em julgado torna-­se, realmente, imutável ad eternum, se não corresponder

a relação de trato continuado, a qual o CPC permite a alteração diante de modificação

no estado de fato ou de direito151.

A título exemplificativo, com frequência, o Poder Judiciário tem sido acionado

para resolver a seguinte celeuma: o trabalhador rural, após ter seu pedido de

aposentadoria por idade rural negado pelo Instituto Nacional do Seguro Social,

promove pedido judicial de concessão da aposentadoria, com fundamento no art. 143,

da Lei n°. 8.213/91, não apresenta prova material da atividade rural e produz apenas

prova testemunhal. O pedido é julgado improcedente, com fundamento em que a

prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola152.

Após o trânsito em julgado, o segurado novamente protocola pedido judicial153 para

obter a aposentadoria, todavia apresenta prova material (documentos demonstrando

a atividade rural). Com base na legislação, não seria admitida esta nova ação, posto

que, além de não haver previsão de ação rescisória nos Juizados Especiais Federais,

151 Lei nº 13.105/15, art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I -­ se, tratando-­se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;; II -­ nos demais casos prescritos em lei. 152 FILHO, João Alves Dias;; RODRIGUES, Pedro Lucas Crispim. A relativização da coisa julgada no Direito Previdenciário. Revista jurídica. 11. ed. ISSN 1087.1627. p. 8. 153 Não se pode esquecer que, havendo fato jurídico novo, posterior ao julgamento da primeira causa, antes do ajuizamento de novo processo, é necessário o prévio requerimento junto ao INSS, ou seja, é preciso efetuar novo requerimento administrativo, sob pena de falta de interesse processual.

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estar-­se-­ia a discutir o mesmo objeto e causa de pedir de uma ação já acobertada

pela coisa julgada formal e material, situação não permitida pelo processo civil

clássico fora das exceções previstas para as ações rescisórias.

Esclareça-­se que, distintamente do processo cível clássico, no Direito

Previdenciário, o tempo de contribuição dos segurados, com base no art. 55,

parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91154, deve ser comprovado mediante indício de prova

material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal para tanto. Por

consequência, uma vez que não há a obrigação de contribuição por parte dos

segurados especiais (classe de segurados que integra o trabalhador rural acima

exemplificado), cabem a estes a comprovação integral da carência laborativa – a

atividade rural – mediante provas materiais. Tal entendimento é reafirmado pela

Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça que determina: “a prova exclusivamente

testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção

de benefício previdenciário”.

Não cabendo entrar no mérito da discussão sobre a inconstitucionalidade do

dispositivo citado, levantada por alguns doutrinadores, o que é evidente é a carga

colocada aos ombros do segurado especial no processo administrativo e judicial. Em

certos casos, a exigência da prova material demonstra-­se diabólica, pelas condições

de informalidade da atividade, pelo tempo transcorrido, pelo local onde se praticou a

atividade e, sobretudo, pela falta de instrução da parte em relação a estes documentos

necessários à comprovação.

Conforme previamente explanado, os autores da lide previdenciária não detêm

recursos e formação educacional e informacional suficiente para entender que, ao

longo de toda a vida, devem guardar documentos específicos que comprovem sua

atividade para ulterior necessidade de comprovação perante o Estado. São, em sua

maioria, pessoas humildes e de pouca instrução. Deve-­se levar em conta, portanto, a

dificuldade destes em obter documentos em seu nome para que tenha reconhecido

seu tempo de serviço. Ademais, ressalte-­se que, na cultura do meio rural e na situação

de pessoas mais carentes, é cediço que não há essa busca por formalização, através

de documentos, dos serviços prestados.

154 Art. 55. [...] § 3º: A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.

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Assim sendo, o indivíduo estaria condenado, para o resto de sua vida – em

virtude da prevalência de um instituto processual formalista em detrimento da

realidade dos fatos e da magnitude do bem jurídico perseguido – a viver em situação

de contingência social, já que, por estar inapto a laborar, não mais detém recursos

financeiros para lhe prover uma vida em condições dignas. É evidente a incoerência

desta situação com os valores da nossa ordem jurídica e seus princípios ético-­morais.

Portanto, enquanto no processo civil comum, sobrelevando a imutabilidade da

coisa julgada, permite-­se a privação da justiça em prol da segurança jurídica, o direito

processual previdenciário é orientado por um princípio fundamental de que o indivíduo

não pode ser desprendido de seu direito de sobreviver pela solidariedade social por

uma questão formal. É intolerável que se avulte a estabilidade da coisa julgada,

enterrando um direito à proteção social, quando, na realidade dos fatos, o indivíduo

faz jus ao benefício negado155.

Nas precisas palavras de José Antônio Savaris, a coisa julgada não deve

significar “uma técnica formidável de se ocultar a fome e a insegurança social para

debaixo do tapete da forma processual, em nome da segurança jurídica. Tudo o que

acontece, afinal, seria apenas processual, mesmo que seus efeitos sejam desastrosos

para a vida real”156.

De fato, a negativa de se permitir a rediscussão da questão de estado

erroneamente definida pelo Poder Judiciário, a partir de um conjunto probatório inapto

e insuficiente, implica verdadeiro retrocesso no meandro evolutivo da dignidade da

pessoa humana.

Levando essa e as demais nuances apresentadas em consideração, infere-­se

que a não aplicação do ônus probatório sobre a parte hipossuficiente, isto é, o

afastamento da coisa julgada material nas lides onde não se conseguiu provar

materialmente o direito pleiteado, seria a melhor opção para o processo

previdenciário, e, porque não dizer, a solução que verdadeiramente estaria de acordo

com os preceitos salvaguardados pela Constituição Federal.

Até mesmo porque a proteção previdenciária é de interesse social e de índole

fundamental, humana e constitucional e este relevante direito restaria profundamente

155 SAVARIS, José Antônio. Coisa julgada previdenciária como concretização do direito constitucional a um processo justo. Revista Brasileira de Direito Previdenciário, v. 1, 2011. p. 18-­19. Disponível em: <https://docs.google.com/document/d/1kjIXHAm17t58oVR18raWWgEjdDQrFe09CJEg7TDETlg/edit>. Acesso em: 02 out. 2017 156 Ibidem, p.19.

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ameaçado se o autor, presumidamente hipossuficiente e em discrepante

desigualdade com o outro polo da ação, além de possuir a responsabilidade do ônus

probatório para o desfecho da ação – e sendo impossibilitado de demonstrá-­lo

somente por prova testemunhal – devesse arcar, ainda, com o encargo quando estas

provas fossem consideradas insuficientes.

É nesta conjuntura que se avulta o papel do Poder Judiciário, o qual, a despeito

de previsão legal específica, deve buscar firmar o entendimento da aplicação da coisa

julgada secundum eventum probationis no direito processual previdenciário, de modo

a fazer preponderar a justa e efetiva pacificação social do conflito, recompensando e

não preterindo o suor e o sacrifício do trabalhador.

Levando em consideração relevância do bem jurídico e a necessidade de uma

processualística diferenciada para o Direito Previdenciário, sobretudo em relação ao

modo de produção da coisa julgada, com vistas a não sacrificar a proteção social dos

indivíduos, excelso o acórdão do julgamento do Recurso Especial de nº 1.352.721/SP,

de relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho157.

157 “DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-­C DO CPC. RESOLUÇÃO Nº 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO. 1. Cinge-­se a questão posta na presente demanda em examinar se a insuficiência ou falta de provas ocasiona a improcedência do pedido, por se tratar de julgamento de mérito, ou a extinção do processo sem análise do mérito, o que ensejaria a possibilidade de propositura de nova demanda, idêntica à anterior, com a juntada de novas provas. 2. Como visto, in casu, as instâncias de origem concluíram que os documentos carreados aos autos são insuficientes para comprovar o exercício de atividade rural pelo período correspondente à carência, com base no art. 55, § 3º da Lei 8.213/91 que, embora não sujeite a concessão de benefícios previdenciários exclusivamente à apresentação de prova material, exige ao menos início de prova desta. 3. Como sabido, nos termos do art. 333 do CPC, cabe ao autor a comprovação dos fatos constitutivos do seu direito e, ao réu, a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado pelo autor. 4. Entretanto, não se desconhece as dificuldades enfrentadas pelo segurado para comprovar documentalmente que preenche os requisitos necessários para a concessão do benefício, uma vez que normalmente se referem a fatos que remontam considerável transcurso de tempo. 5. Registre-­se que, tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista. 6. Dessa forma, as normas de Direito Processual Civil devem ser aplicadas ao Processo Judicial Previdenciário levando-­se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários. 7. Com efeito, a Constituição Federal de 1988, atenta à necessidade de proteção do trabalhador nas hipóteses de riscos sociais constitucional e legalmente eleitos, deu primazia à função social do RGPS, erigindo como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral. 8. Diante desse contexto, as normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da

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Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-­se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado. 9. Aliás, assim como ocorre no Direito Penal, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-­se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas. 10. Não se está aqui a defender a impossibilidade de restrição de direitos fundamentais, nem a busca pela justiça social a qualquer custo, mas apenas quando juridicamente viável;; sendo certo que a concessão de benefício devido configura direito subjetivo individual, que em nada desestrutura o sistema previdenciário, na medida em que não perturba o equilíbrio financeiro e atuarial dele. 11. A propósito, cumpre trazer à baila as judiciosas ponderações do douto Magistrado JOSÉ ANTÔNIO SAVARIS: “[...] Tal como no direito penal, se admite a revisão criminal para beneficiar o réu quando, por exemplo, são descobertas novas provas que o favoreçam, o processo previdenciário pauta-­se pelo comprometimento, a todo tempo, com o valor que se encontra em seu fundamento: a proteção social do indivíduo vulnerável, essa essencial dimensão de liberdade real e dignidade humana. Em relação a este valor, é de se reconhecer, a segurança contraposta deve ser superada como um interesse menor. A coisa julgada não deve significar uma técnica formidável de se ocultar a fome e a insegurança social para debaixo do tapete da forma processual, em nome da segurança jurídica. Tudo o que acontece, afinal, seria apenas processual, mesmo que seus efeitos sejam desastrosos para a vida real. A fundamentação para a aceitação do que acima foi proposto não se dá apenas pelas três primeiras características da singularidade previdenciária. Também o caráter público do instituto de previdência que assume o polo passivo da demanda é relevante, pois não haverá o sentimento de eterna ameaça de renovação de um litígio ou de revisão de uma sentença. Não há insegurança em se discutir novamente uma questão previdenciária à luz de novas provas, como inexiste segurança na possibilidade de se rever uma sentença criminal em benefício do réu. O que justifica esta possibilidade é justamente o valor que se encontra em jogo, a fundamentalidade do bem para o indivíduo e sua relevância para a sociedade. Mais ainda, não se pode esquecer que o indivíduo agravado com a sentença de não proteção se presume hipossuficiente (em termos econômicos e informacionais) e sofrendo ameaça de subsistência pela ausência de recursos sociais. Seria minimamente adequada a sentença que impõe ao indivíduo a privação perpétua de cobertura previdenciária a que, na realidade, faz jus? Em nome do quê, exatamente? De outro lado, a entidade pública chamada a conceder a prestação previdenciária tão somente operará na melhor aplicação do princípio da legalidade, entregando ao indivíduo o que, ao fim e ao cabo, lhe era mesmo devido por lei.” (Direito Processual Previdenciário. Curitiba, Juruá, 2012, p. 89/91). 12. Acerca da extinção do processo, o CPC traz a previsão, em seu art. 267, das hipóteses de extinção sem julgamento do mérito, quando constatada a inexistência das condições da ação;; e, em seu art. 269, as situações que ensejam a extinção com julgamento do mérito. 13. Com base nas considerações ora postas, impõe-­se concluir que a ausência de conteúdo probatório válido a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito, de forma a possibilitar que o segurado ajuíze nova ação, nos termos do art. 268 do CPC, caso obtenha prova material hábil a demonstrar o exercício do labor rural pelo período de carência necessário para a concessão da aposentadoria pleiteada. 14. Corroborando esse entendimento, cite-­se o seguinte precedente desta Corte: PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RURÍCOLA. APOSENTADORIA POR IDADE. ART. 202, I DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88. DOCUMENTO OBRIGATÓRIO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. Se na peça inicial de ação em que se postula a aposentadoria por tempo de serviço a parte autora não atende ao requisito do artigo 283, do CPC, deixando de comprovar pela instrução da inicial documentos indispensáveis à propositura da ação, ocorre a situação prevista no artigo 267, VI, do CPC, que dispõe sobre a extinção do processo sem julgamento do mérito pela falta de condições da ação. Recurso especial não conhecido (REsp. 192.032/PR, Rel. Min. VICENTE LEAL, DJU 1.3.1999, p. 410). 15. Ante o exposto, nega-­se provimento ao Recurso Especial do INSS. 16. É como voto.” Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.352.721/SP. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Data de Publicação: DJ 28/04/2016. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/falta-­prova-­acao-­previdenciaria-­gera.pdf> Acesso em: 02 out. 2017

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Mister esclarecer que o acórdão acima julgou um Recurso Especial interposto

pelo INSS, com fundamento no art. 105, III, a da CRFB/88, objetivando a reforma do

acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que extinguiu o processo sem

apreciação meritória. Evidencie-­se que o pedido consistia na concessão de benefício

de aposentadoria por idade, contudo, o autor não trouxe início de prova material,

demonstrando provas tão somente testemunhais.

O INSS argumentou que o acórdão recorrido violou os arts. 267, IV e 333, I do

CPC158, sob o argumento de que o art. 55 da Lei 8.213/91 condiciona o

reconhecimento do exercício de atividade urbana ou rural à apresentação de razoável

início de prova material, sendo certo que tal exigência não exige o exercício do direito

de ação ou impede a formação ou desenvolvimento válido da relação processual, o

que ensejaria a extinção do feito sem julgamento do mérito. Dessa forma, tendo a

parte autora deixado de comprovar fato constitutivo do seu alegado direito, para o

recorrente, deveria o pedido ser julgado improcedente com resolução de mérito.

Pela análise do acórdão acima, observa-­se que o Ministro Relator, seguido pela

maioria dos demais (à exceção de um, a ser demonstrado a frente), considerou o

início de prova material como pressuposto de constituição e desenvolvimento válido

e regular do processo, o qual, em sua falta, ocasiona a extinção do processo sem

resolução do mérito, oportunizando a parte o novo ajuizamento da ação, nos termos

do art. 485, IV do CPC. O Superior Tribunal de Justiça adaptou os próprios dispositivos

do processo civil clássico às necessidades do processo previdenciário, dando uma

interpretação nova e diferenciada à norma, a fim de obter uma solução

descomplicada, prática e justa ao caso concreto.

O desfecho adotado pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho é,

evidentemente, pragmático e de simples aplicação por parte dos demais magistrados,

pois facilita a tramitação das ações e a viabiliza aquilo que realmente importa: o

reajuizamento da demanda. Uma vez que o juiz, ao se deparar com uma situação na

qual já foi proferida sentença, sendo esta sem resolução meritória, não teria

obstáculos, nem maiores dúvidas sobre a livre possibilidade de reapreciação da

questão. Trata-­se de uma primorosa e facilitadora saída, em atenção à política

judiciária.

158 Aqui se trata do antigo Código de Processo Civil, Lei nº 5.869/73. No código atual, Lei nº 13.105/15, os artigos correspondentes são os 485, IV e o 373, I.

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Por outro lado, apresenta-­se desajustada à teoria do processo, pois, se existe

a valoração das provas, está sendo examinado o mérito, indubitavelmente. Não teria

razão técnico-­jurídica de se excluir a demanda sem resolução meritória, mas de julgar

a demanda improcedente por insuficiência de provas, não devendo esta ser

acobertada pelo manto da coisa julgada material.

Nesse sentido, ilustre o posicionamento do Ministro Mauro Campbell Marques,

que teve seu voto vencido no mesmo processo descrito acima159. Observa-­se que

159 “PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENT A TIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-­C DO CPC. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CÔMPUTO DE TEMPO RURAL. PROV A INSUFICIENTE. ALEGAÇÃO DE QUE A P ARTE AUTORA DEIXOU DE COMPROVAR FATO CONSTITUTIVO DO SEU DIREITO, COMO DETERMINA O ARTIGO 333, I, DO CPC. EXTINÇÃO DO PROCESSO COM JULGAMENTO DE MÉRITO. ARTIGO 267, IV, DO CPC. INAPLICABILIDADE. VOTO PRELIMINAR PELA DESAFETAÇÃO DO RECURSO COMO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. VOTO MÉRITO PELO CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL, POR FUNDAMENTO DIVERSO DO ADOTADO PELO MINISTRO RELATOR: NA AUSÊNCIA DE PROVA CONSTITUTIVA DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO, O PROCESSO SERÁ EXTINTO COM FULCRO NO ARTIGO 269, I, DO CPC, COM JULGAMENTO DE MÉRITO, SENDO A COISA JULGADA MATERIAL SECUNDUM EVENTUM PROBATIONIS. VOTO-­VISTAO EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES: DA TESE REPRESENTATIVA DA CONTROVÉRSIA O recurso especial é representativo da controvérsia e tem por questão jurídica perquirir acerca da possibilidade de extinção do processo sem julgamento de mérito, por falta de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, nos termos do artigo 267, IV, do CPC, tendo o pedido sido instruído com provas documentais e testemunhais. O Ministro Relator Napoleão Nunes Maia Filho, ao afetar o recurso especial ao rito do artigo 543-­C do Código de Processo Civil, assim delimitou a tese jurídica in verbis: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ART. 105, III, ALÍNEA A DA CF. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MA TERIAL APT A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA A TIVIDADE RURAL. PROCESSO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, NOS TERMOS DO ART. 267, IV DO CPC. ALEGAÇÃO DE QUE A PARTE AUTORA DEIXOU DE COMPROV AR F A TO CONSTITUTIVO DO SEU DIREITO, COMO DETERMINA O ART. 333, I DO CPC, MOTIVO PELO QUAL O FEITO DEVERIA TER SIDO EXTINTO NOS TERMOS DO ART. 269, I DO CPC. RECURSO ESPECIAL REPRESENT A TIVO DA CONTROVÉRSIA. PROCESSAMENTO NOS TERMOS DO ART. 543-­C DO CPC E DA RESOLUÇÃO Nº. 08/STJ. De acordo com o artigo 333, I, do Código de Processo Civil, o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito. E quanto à prova, concluiu o Tribunal a quo que não foi apresentado início de prova material quanto ao exercício de atividade rural desempenhado pelo autor correspondente ao período necessário, vulnerando a prova testemunhal produzida. O artigo 283 do CPC dispõe que a petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação, que são aqueles tidos por fundamentais ou essenciais à comprovação do direito sustentado. Diante da insuficiência do conjunto probatório do direito sustentado, o Tribunal a quo fundamentou a extinção do processo sem resolução do mérito, no artigo 267, IV, do CPC, que dispõe acerca da extinção do processo sem resolução de mérito, quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo. Oportuno esclarecer que houve o devido processo legal no curso da instrução, não havendo debate acerca de cerceamento de defesa ou obstáculo ao contraditório, depreende-­se que as fases do processo foram observadas em seus devidos termos. Para enfrentamento do presente caso, valho-­me das reflexões que propus junto à Segunda Turma, quando do início do julgamento do Recurso Especial 1.411.886/PR, de minha Relatoria, atualmente aguardando voto-­vista da eminente Ministra Assusete Magalhães, julgamento que aguarda a conclusão do presente caso, pois há profunda relação de fundamentos entre ambos.

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Na ocasião iniciei minhas reflexões com apoio na natureza jurídica do benefício previdenciário, a qual corresponde a direito social fundamental. O bem jurídico previdenciário é um bem de índole alimentar, um direito humano fundamental, um direito constitucional fundamental. A interpretação ora proposta abranda critérios da coisa julgada material do processo civil clássico, quando a denegação de proteção previdenciária ocorrer por insuficiência de provas, adequando o processo civil clássico ao processo civil previdenciário, mercê da garantia do devido processo legal. Pondera-­se de um lado a coisa julgada como garantia da ordem jurídica, legitimada como cláusula pétrea, fenômeno jurídico que torna imutável e indiscutível a sentença não mais sujeita a recurso, que incorpora força de lei nos limites da lide e das questões decididas, prevista no artigo 5º, XXXVI, da Constituição de 1988. Do outro lado um pedido de reconhecimento de um direito previdenciário fundamental, essencial à vida, à própria sobrevivência. É preciso perquirir os valores mais caros ao processo civil, para que se realize a mais adequada cobertura previdenciária, considerando que a relação jurídica do INSS com seu segurado é relação jurídica de trato sucessivo. Por oportuna, merece menção a lição de Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari em seu Manual de Direito Previdenciário, publicado pela Editora Forense, acerca da relação jurídica de seguro social, no sentido de que a responsabilidade do ente previdenciário está fundada na teoria do risco social, puramente objetivo, isto é, independe de resposta às indagações subjetivas sobre a causa do evento deflagrador do direito ao benefício. Por seu turno, o Código de Processo Civil de 1973, em seu artigo 471, I, assegura à parte, tratando-­se de relação jurídica continuativa e sobrevindo modificação do estado de fato ou de direito, a possibilidade de pedir a revisão do que foi estatuído em sentença. Mesmo depois de proferido o julgamento, as relações jurídicas continuativas continuam vivas, gerando novos fatos e com eles novas lides. Resguarda-­se, assim, a possibilidade de o segurado reunir novos elementos de prova necessários para obter efetivamente o benefício previdenciário, a homenagem é feita à lógica da preservação da vida, à ideia de não preclusão do direito previdenciário, à garantia dos direitos fundamentais. No que toca à relação jurídica continuativa, a jurisprudência do STJ já se manifestou no sentido de que a superveniente modificação no estado de direito não caracteriza a violação da coisa julgada, tornando possível uma nova prestação jurisdicional. Confira-­se: [...] É sabido que a coisa julgada determinada pelo resultado do processo, vale dizer, secundum eventum litis, é gênero do qual é espécie a coisa julgada segundo o resultado da prova, isto é, secundum eventum probationis, constitui-­se como expediente de exceção à intangibilidade da coisa julgada. Em lides previdenciárias, se as provas forem insuficientes, a coisa julgada se fará segundo o resultado da prova, isto é, secundum eventum probationis. Alcançada nova prova, poderá o autor propor nova ação, tratando-­se de relação jurídica continuativa, sobrevindo modificação do estado de fato ou de direito. DO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL REPETITIVO Sob a proposta do Ministro Relator, encerra-­se o processo sem julgamento do mérito, para não se formar coisa julgada material, apenas formal. Como se demonstrou, o Tribunal a quo concluiu pela inexistência de prova do exercício de atividade rural, no período que antecedeu a implementação do requisito etário. Cuida-­se, portanto, de julgamento que aprecia a existência de fato constitutivo do direito do autor, pois apreciadas provas. Hipótese de extinção do processo com julgamento do mérito. Deveras, não há dúvida de que a decisão que julga o pedido improcedente, emite pronunciamento quanto ao mérito da controvérsia. O Tribunal a quo, ao considerar inexistente a prova do exercício de atividade rural, pelo período de carência, necessária para reconhecer o direito da autora à aposentadoria por idade rural, na forma do artigo 143 conjugado com o artigo 55, § 3º, da Lei 8.213/1991, emitiu pronunciamento de mérito. Nesse contexto, pedindo vênias ao Relator, julgo pela extinção do processo com resolução de mérito. E, ainda, sugiro, o cancelamento do processo como representativo da controvérsia, considerando que a tese jurídica processual não poderia se limitar às lides previdenciárias. DO CASO CONCRETO Parece-­me mais consentâneo com o Código de Processo Civil brasileiro a extensão da coisa julgada secundum eventum probationis na tutela dos direitos fundamentais previdenciários, que se coaduna com a ideologia contemporânea de extração da máxima efetividade do processo. Esta interpretação compatibiliza-­se com as premissas de um Estado Democrático de Direito. Proponho neste voto, sob a perspectiva de que a decisão judicial é atividade realizadora do Direito, que o instituto da coisa julgada assuma forma distinta nos litígios previdenciários. Trata-­se de reconhecer, na seara processual previdenciária, a pertinência da coisa julgada, segundo a prova dos autos.

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Campbell, para admissão da coisa julgada segundo às provas nos autos, através da

categorização da relação previdenciária como de trato sucessivo, encontrou amparo

no atual art. 505, I do CPC160.

Em verdade, não há insegurança jurídica em se enfrentar novamente uma questão previdenciária à luz de novas provas. O que justifica essa possibilidade é justamente o valor que emana do bem jurídico previdenciário. A despeito de a coisa julgada secundum eventum probationis estar autorizada expressamente pela lei em algumas hipóteses como a do consumidor, Lei 8.078/1990, em seus artigos 103 e 104. Entendo que para a solução da celeuma jurídica, deve ser considerada a natureza da relação jurídica, que no presente caso se forma entre o segurado e o INSS, nitidamente de trato sucessivo. Por isso que não tenho dificuldades em adequá-­la ao artigo 471, I, do CPC às lides previdenciárias. Para Kazuo Watanabe, in Da cognição no processo civil, páginas 89-­90, a técnica da cognição secundum eventum probationis foi utilizada pelo legislador brasileiro em diversos procedimentos, para, em razão da falta ou da insuficiência das provas, impedir que a questão seja decidida ou para permitir que a causa seja decidida sem caráter de definitividade, a fim de que não seja alcançada com a autoridade da coisa julgada material. Colho ainda as ponderadas razões do juiz federal José Antonio Savaris em artigo jurídico titulado Coisa Julgada Previdenciária como Concretização do Direito Constitucional a Um Processo Justo no sentido de que in verbis, a atuação jurisdicional não deve resignar-­se à concepção metodológica que lhe impõe um papel insignificante no desenvolvimento do Direito e na afirmação de sua fundamentação ética. É justamente da eficácia normativa do devido processo legal que se depreende a existência de um direito processual previdenciário que se ajuste ao direito fundamental e a uma ordem jurídica justa. Parece-­me estranho que um segurado da Previdência Social não possa, depois de obter novas provas, pleitear seu direito. O pêndulo da segurança jurídica está, no meu modo de sentir, em garantir a esse cidadão novamente o acesso ao Judiciário, para que se dê eficácia aos direitos sociais de caráter prestacional. Oportuna a assertiva de Tereza Arruda Alvim Wanbier in Nulidades do processo e da sentença, página 402, em 5ª edição, ano 2004, "o que se quer é um processo de resultados e um processo de resultados justos, o que certamente não se obtém com a adoção de postura teórica, rígida, inflexível e por demais formalista, que não se harmoniza com o conjunto de tendências que vêm norteando os modernos pensadores do processo. Acrescente-­se que boa parte da doutrina, a exemplo de Egas Moniz de Aragão, Moacy Amaral Santos e Vicente Greco Filho, insere as sentenças que decidem relações jurídicas continuativas ou de trato sucessivo no grupo daquelas que não fazem coisa julgada material, ao argumento de que nestas é possível ajuizar ação revisional para decidir novamente as questões já decididas na lide anterior quando sobrevier modificação do estado de fato ou de direito. Oportuno asseverar que, para autorizar o processamento de nova ação, a prova superveniente deve conter um caráter inovador no que toca ao conjunto probatório firmado na primeira ação e suprir com eficiência a lacuna deixada no primeiro processo, em que se julgou o pedido improcedente. Com todas essas ponderações e parabenizando o voto do Ministro Relator, voto, em preliminar, pela desafetação do recurso como representativo da controvérsia. Ultrapassada a preliminar sem acolhimento, proponho a título de tese jurídica a ser firmada para o propósito do artigo 543-­C do CPC a seguinte redação: na ausência de prova constitutiva do direito previdenciário, o processo será extinto com fulcro no artigo 269, I, do CPC, com julgamento de mérito, sendo a coisa julgada material secundum eventum probationis. Se acolhida a preliminar de desafetação, o processo deverá retornar ao órgão julgador originário, qual seja a 1a Turma. É como voto.” Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 1.352.721/SP. Relator: Napoleão Nunes Maia Filho, Data de Publicação: DJ 28/04/2016. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/339874216/recurso-­especial-­resp-­1352721-­sp-­2012-­0234217-­1/inteiro-­teor-­339874217>. Acesso em: 04 nov. 2017 160 Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I -­ se, tratando-­se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;; II -­ nos demais casos prescritos em lei.

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Tal aferição, certamente, resolve inúmeras celeumas nas lides previdenciárias,

principalmente no que tange aos benefícios por incapacidade advindas de

enfermidades, que se apresentam como genuínas relações de trato sucessivo

(auxílio-­doença e aposentadoria por invalidez), podendo, portanto, sempre serem

revistos quando existirem alterações fáticas. Nesses casos, as sentenças possuem,

mesmo que implicitamente, a cláusula rebus sic stantibus. Isto é, a decisão valerá

enquanto as circunstâncias estejam iguais ao momento em que foi proferido o

julgamento. Assim, havendo qualquer mudança fática, sem nenhum óbice, afasta-­se

a coisa julgada anterior.

Conforme já afirmado, há questões que se solucionam desembaraçadamente

pelos procedimentos processuais civis típicos. Contudo, a norma legal mencionada

não resolve a problemática das lides previdenciárias com inteireza.

Tendo como exemplo um indivíduo que não consegue demonstrar, mediante

provas materiais, o exercício do seu trabalho rural, para conseguir o benefício de

aposentadoria por idade numa primeira ação ajuizada. Este, posteriormente,

conseguindo colher um conjunto probatório mais apurado, deseja demandar ao

Judiciário novamente para buscar o seu direito. Esclareça-­se que as provas não são

novas, sendo, inclusive, anteriores ao ajuizamento da demanda. Estar-­se-­ia numa

situação de “modificação de estado de fato” ensejadora de revisão dos termos da

sentença? Evidentemente que não, uma vez que não houve mudança de fato alguma

posterior à decisão, até porque o segurado estaria tentando provar algo em relação a

um tempo precedente à própria ação judicial.

Pela interpretação do dispositivo processual citado, extrai-­se que, numa

relação contínua, havendo posterior mudança nos fatos ou direitos desta, possível é

a sua revisão. Tal dispositivo (art. 505, I, do CPC) não se aplica à abrangência que se

defende neste trabalho: a possibilidade de demonstrar provas, mesmo que

antecedentes a primeira sentença, não levadas em consideração para efeitos de

julgamento da mesma. Perceba-­se que, nesse contexto, os fatos são os mesmos e

são pretéritos. Não houve nenhuma alteração subsequente à decisão. O que ocorreu,

simplesmente, foi a coleção de mais documentos hábeis a provar acontecimentos já

existentes, legitimando o reajuizamento da ação.

Em busca de uma solução adequada e sistematicamente coerente com a

ordem jurídica brasileira, aparece a possibilidade da aplicação analógica dos

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dispositivos legais que impedem a formação da coisa julgada material nas sentenças

proferidas em ações coletivas improcedentes, em razão de deficiência probatória.

Assim como os direitos tutelados por essas ações, a proteção previdenciária

possui índole fundamental, fonte constitucional e relevância explícita. Ademais, no

âmbito previdenciário, apesar de não haver a figura da legitimidade extraordinária,

presente nas ações coletivas, a qual também justifica a aplicação da coisa julgada

secundum eventum probationis, sabe-­se que há, em contrapartida, uma parte

fragilizada, presumidamente hipossuficiente financeira e informacionalmente, que

merece o mesmo amparo legal.

Invocando-­se o brocardo “ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio” (onde

houver a mesma razão, aí se aplica o mesmo dispositivo legal), tem-­se como deslinde

viável a utilização do método hermenêutico da analogia, considerando como

embasamento legal para a aplicação da coisa julgada nas causas previdenciárias os

dispositivos que consignam a res judicata secundum eventum probationis, presentes

nas legislações esparsas que regulam as ações coletivas (Lei nº 4.717/65, art. 18;; Lei

nº 7.347/85, artigo 16;; e Lei nº 8.078/90, art.103).

Não obstante à técnica processual aplicada pelos juristas, que ainda percorrerá

longos caminhos para se constituir uma tese pacificada, o que importa é o

reconhecimento, na ordem jurídica brasileira, da relevância singular do direito à

proteção previdenciária, que requere, cada vez mais, instrumentos processuais

distintos do processo civil clássico, com vistas a possibilitar a sua concretização, de

forma efetiva.

Reconhece-­se, todavia, que há resistências a esse avanço jurisprudencial,

mormente no que tange à falta de previsão legal para tanto e à pretensa insegurança

jurídica causada pela reprodução numerosa de ações previdenciárias.

Em relação à primeira crítica, por todo o exposto até o momento, percebe-­se

que é facilmente afastada, posto que a aplicação da coisa julgada secundum eventum

probationis, conforme exaustivamente apresentado no decorrer do trabalho, trata-­se

de uma necessidade processual com fundamento na Constituição Federal, de sorte

que legitima a atuação positiva do Judiciário na busca de uma solução legal

sistematicamente viável de modo atender aos fins constitucionais. Essa resistência

decorre de uma interpretação equivocada de atrelagem e vinculação à lei, que

despreza a questão social como pano de fundo da discussão e que também

compromete a liberdade de se fazer justiça a partir de construções técnicas calcadas

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na hermenêutica principiológica, vetor irradiante do ordenamento jurídico, no qual se

contempla os fins sociais do processo e a exigência do bem comum.

Sobre o tema, excelente são as lições retiradas de Paulo Bonavides:

Enquanto os Tribunais insistirem em interpretar a lei com métodos especificamente jurídicos, da metodologia clássica, surgidos do dedutivismo jusprivatista inspirado nos cânones de Savigny, eles jamais interpretarão a Constituição. Interpretá-­la, requer, em face da complexa conjuntura social contemporânea, a adoção de uma hermenêutica de princípios. Única, conforme temos reiteradamente assinalado, suscetível de alcançar a inteligência da Constituição referida a situações reais e fazer efetiva e concreta a aplicabilidade dos direitos fundamentais exteriores à esfera neoliberal e permeados da dimensão principiológica que lhes dá sentido e eficácia e normatividade. (...) Fora, portanto, da esteira metodológica da Nova Hermenêutica e sua constelação de princípios extraídos do texto da Lei Maior, não se logra a legitimidade das soluções constitucionais161. (grifos nossos)

No que concerne ao aumento do número de ações previdenciárias, tal

circunstância é, realmente, consequência inevitável da utilização do método

processual defendido. Todavia, consiste em um revés irrisório à medida que se

compara à consequência drástica da frustração do direito ao bem da vida que pode

ser causada na aplicação da coisa julgada nos moldes do processo civil comum. Não

há como privilegiar a organização judiciária e seus custos decorrentes, quando, do

outro lado, há em jogo a possibilidade de suprimir dos trabalhadores o direito a uma

vida em condições dignas.

Além disso, não há insegurança jurídica em se permitir ao cidadão o

reajuizamento da ação no caso das lides previdenciárias, haja vista que, com o caráter

público que assume o instituto da previdência no polo passivo da ação, não se revela

o sentimento de eterna ameaça de renovação de um litígio ou revisão de uma

sentença. Do mesmo modo que não há insegurança na possibilidade de rever uma

sentença criminal em benefício do réu, inexiste também na rediscussão de questão

previdenciária a luz de novas provas. O que ratifica essas possibilidades é justamente

a grandiosidade do valor que está em jogo, a fundamentalidade do bem para o

indivíduo e sua relevância para a sociedade162.

161 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Representativa. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 337. 162 SAVARIS, José Antônio. Coisa julgada previdenciária como concretização do direito constitucional a um processo justo. Revista Brasileira de Direito Previdenciário, v. 1, 2011. p. 19. Disponível em:

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Como bem assinala Cândido Rangel Dinamarco, “a ordem constitucional não

tolera que se eternizem injustiças a pretexto de não eternizar conflitos. Pois, não se

pode olvidar que, numa sociedade de homens livres, a justiça tem de estar acima da

segurança, porque sem justiça não há liberdade”163.

Portanto, a aplicação da coisa julgada secundum eventum probationis no

processo previdenciário mostra-­se uma solução necessária, precisa e coerente com

os cânones constitucionais que privilegiam, dentre outros valores, na ordem jurídica

brasileira, a dignidade da pessoa humana, a justiça social, a solidariedade e o direito

a um processo justo.

Afinal, o direito existe não somente para solucionar litígios, mas também como

um meio de diminuir desigualdades, de garantir direitos aos mais necessitados e,

principalmente, de prezar pela vida digna dos indivíduos, os quais não podem ver seus

direitos essenciais serem sacrificados em nome de institutos formalistas retrógrados.

Estes últimos que devem se adaptar juridicamente às necessidades da realidade

social em que estamos inseridos.

4.3 O AJUIZAMENTO DA AÇÃO E A “PROVA NOVA” NO PROCESSO

PREVIDENCIÁRIO

Através da configuração da coisa julgada secundum eventum probationis, é

oportunizado às partes o ajuizamento de uma nova ação, com vistas a revisar a

situação jurídica previdenciária julgada improcedente. A petição inicial proposta deve

narrar os fatos constitutivos do direito e as circunstâncias principais do processo

anterior. Ademais, a parte demandante deve deixar claro que, no processo

precedente, o seu pedido não fora acolhido em razão da insuficiência de provas.

Diante disso, a questão primordial a ser apresentada pelo autor é a prova nova,

indispensável à propositura da ação, posto que é justamente o que legitima o

ajuizamento dessa demanda para rediscutir o mesmo mérito.

Recapitulando o conceito de prova no seu aspecto geral, nas palavras de Luiz

Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhat, “em direito processual, é todo meio

<https://docs.google.com/document/d/1kjIXHAm17t58oVR18raWWgEjdDQrFe09CJEg7TDETlg/edit>. Acesso em 26 set. 2017. 163 SANTOS, Cláudio Sinoé Ardenghy dos. Breve histórico da revitalização da coisa julgada no Brasil. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do;; DELGADO, José Augusto (Org.). Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 33-­34.

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retórico, regulado pela lei, e dirigido, dentro dos parâmetros fixados pelo direito e de

critérios racionais, a convencer o Estado-­Juiz da validade das proposições, objeto de

impugnação, feitas no processo”164.

Todavia, não é qualquer prova que pode ser levantada para fins de rediscussão

da situação. Deve se tratar de uma prova nova, nos mesmos termos que preceitua o

Código de Processo Civil ao tratar das hipóteses que dão ensejo à ação rescisória,

em seu art. 966165.

Sendo assim, conforme deslinda Carlos Wagner Dias Ferreira, a prova nova

consiste naquela que já existia antes do trânsito em julgado da sentença, a qual,

contudo, a parte não pôde se utilizar no processo precedente, seja por ignorância ou

mesmo por impossibilidade ou motivos alheios à sua vontade. Portanto, não é aquela

que é de ciência ou alcance novo, isto é, não consiste necessariamente na prova

formada posteriormente ao trânsito em julgado166.

A título ilustrativo, o autor traz a lume que, teoricamente, um Perfil

Polissionográfico Previdenciário (PPP) elaborado após o trânsito em julgado estaria

impedido de ser utilizado como prova nova em uma ulterior ação. Contudo, situações

de inacessibilidade do PPP – como recusa do antigo empregador de fornecer o

atualizado, ou mesmo o desconhecimento da existência de um novo – possibilitariam

a rediscussão do mérito de demanda anterior através neste novo PPP, que,

justamente em virtude dessas circunstâncias específicas, poderia ser considerado

prova nova167.

Em arremate, pertinentes os ensinamentos de Sérgio Gilberto Porto:

A obtenção de documento novo, ressalte-­se, depende da ignorância ou da impossibilidade de sua utilização, ao tempo da demanda originária. Nesse sentido, não pode, portanto, a parte haver concorrido com sua negligência, para o não aproveitamento deste na demanda168.

164 2011 apud FERREIRA, Carlos Wagner Dias. LEMOS, Jonas Eduardo Gonzalez. Aposentadoria Especial em Juízo: aspectos controversos de direito material e de processo previdenciário. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2017. p. 201. 165 Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: [...] VII -­ obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável. 166 FERREIRA, Carlos Wagner Dias. LEMOS, Jonas Eduardo Gonzalez. Aposentadoria Especial em Juízo: aspectos controversos de direito material e de processo previdenciário. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2017. p. 201. 167 Ibidem, p. 203-­204. 168 PORTO, Sérgio Gilberto. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. v. 6. p. 329 apud FERREIRA, Carlos Wagner Dias. LEMOS, Jonas Eduardo Gonzalez. Aposentadoria Especial em Juízo: aspectos controversos de direito material e de processo previdenciário. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2017. p. 203.

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Finaliza asseverando que o usufruto da prova nova “estará inarredavelmente

condicionado à existência de contingências que obstaculizaram sua utilização na

demanda anterior”169.

Nesse diapasão, as partes, a qualquer tempo, poderão buscar o seu direito ao

benefício previdenciário mediante uma nova ação judicial. Reitere-­se que a maioria

das ações previdenciárias tramitam nos Juizados Especiais Federais e neles não é

permitida a interposição de ação rescisória, o que evidencia a necessidade do

reconhecimento da coisa julgada secundum eventum probationis, já que possibilita o

reajuizamento de uma simples ação judicial mediante novas provas.

Ressalte-­se que o direito à concessão de benefícios previdenciários é

considerado insuscetível de ocorrer decadência, conforme entendimento cristalizado

pelo Supremo Tribunal Federal170. Desse modo, para a interposição dessa demanda,

os demandantes não ficariam limitadas a prazos específicos, sendo enaltecida a ideia

da não preclusão do direito previdenciário, louvadamente colocada pela 5ª Turma do

Tribunal Regional Federal da 4ª Região, quando afirmou que o direito previdenciário

não tolera preclusão do direito ao benefício por falta de provas, sendo sempre

possível, quando renovadas estas, o seu reajuizamento171.

169 Ibidem, p. 203. 170 PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS). REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA. 1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário. 2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema previdenciário. 3. O prazo decadencial de dez anos, instituído pela Medida Provisória 1.523, de 28.06.1997, tem como termo inicial o dia 1º de agosto de 1997, por força de disposição nela expressamente prevista. Tal regra incide, inclusive, sobre benefícios concedidos anteriormente, sem que isso importe em retroatividade vedada pela Constituição. 4. Inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido. (Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 646.489/SE. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso, Data de Publicação: DJ 16/10/2013. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE_626489_decadencia_voto_16out2013_final2.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2017). 171 “O princípio de prova material é pré-­condição para a própria admissibilidade da lide. Trata-­se de documento essencial, que deve instruir a petição inicial, pena de indeferimento (CPC, art. 283 c.c. 295, VI). Consequentemente, sem ele, o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito (CPC, art. 267, I). E assim deve ser, porque o direito previdenciário não admite a preclusão do direito ao benefício, por falta de provas: sempre será possível, renovadas estas, sua concessão. Portanto, não cabe, na esfera judicial, solução diversa, certo que o Direito Processual deve ser enfocado, sempre, como meio de para a realização do direito material.” Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº 2001.04.01.075054-­3. Relator: Antônio Albino Ramos de Oliveira, Quinta Turma, Data de Publicação: DJ 18/09/2002. Disponível em: <https://trf-­4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8654831/apelacao-­civel-­ac-­75054-­rs-­20010401075054-­3>. Acesso em: 10 set. 2017.

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Por fim, a nova ação interposta, não obstante haver uma ideia de revisão da

decisão denegatória, não é revisional. Seu título e seu pedido devem guardar

referência com a vantagem previdenciária pretendida, sem a formulação de

requerimento para desconstituir a decisão transitada em julgado, uma vez que,

admitindo-­se a coisa julgada secundum eventum probationis, a sentença anterior

improcedente por insuficiência de provas somente constituiu coisa julgada formal, não

estando acobertada pela imutabilidade material, sendo incoerente, portanto, o seu

pedido de revisão.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O fio condutor da análise aqui desenvolvida buscou sustentar que há direitos,

como aqueles que versam sobre as liberdades públicas, interesses transindividuais e

da personalidade, que merecem um tratamento processual diferenciado. Por essa

razão, asseverou-­se a necessidade de se repensar os conceitos clássicos,

perquirindo se a coisa julgada, tal como prevista no Código de Processo Civil, atende

adequadamente a tutela desses direitos. As premissas desse raciocínio se inserem

na contextualização sistemática, racional e equilibrada dos valores, princípios e regras

jurídicos.

Observou-­se que, no âmbito do direito processual previdenciário, o regime

geral da coisa julgada pro et contra, estabelecido pelo processo civil tradicional, não

é apto a concretizar, de fato, o direito ao acesso à justiça, o qual não se limita em

propiciar ao cidadão o acesso à jurisdição, mas assegura às partes o alcance a uma

ordem jurídica justa, de modo que o processo deve estar a serviço dos direitos

materiais e da realidade social em que se insere. Trata-­se do devido processo justo,

que visa, por meio da tutela jurisdicional, à tempestiva e efetiva realização dos direitos

reconhecidos e positivados no ordenamento jurídico.

Levando em consideração que a previdência social consiste num direito

fundamental e humano de elevada magnitude, fruto de uma evolução social lenta

marcada por sofríveis lutas dos trabalhadores, sustentou-­se que o abandono

excepcional do postulado da segurança jurídica, princípio meio, em prol da finalidade

maior, que é a concretização do direito social, é a opção mais condizente com a ordem

jurídica constitucional do país, a qual possui como fundamento, sentido e

racionalidade o princípio da dignidade da pessoa humana.

Ademais, não há como negar que o Estado Democrático brasileiro é, na sua

essência, um aperfeiçoamento do Estado Social, cuja função primordial repousa na

plena realização dos direitos (e valores) humanos, por meio da efetivação da Justiça

Social. Por conseguinte, o objetivo-­síntese da ordem jurídica pátria é promover o bem

comum, tanto é verdade que a Constituição Federal enaltece uma ordem econômica

fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, cujo fim consiste em

“assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” (art. 170

da Constituição Federal de 1988). Sob tal prisma, o direito processual adquire a

função instrumental, pois o processo não constitui um fim em si mesmo. Ao revés, ele

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deve estar a serviço da realização dos valores sociais contemporâneos, que traduzem

um sentimento universal em prol da verdadeira justiça.

Assim, concluiu-­se que a imutabilidade de uma decisão flagrantemente injusta

ao segurado não pode receber o aval do Judiciário e que a pacificação social não se

alcança eternizando injustiças. Ao contrário, esta é atingida quando o processo não

se demonstra indiferente à verdade real vivida pelos sujeitos que o compõem. Desse

modo, os jurisdicionados inegavelmente preferem que a justiça seja feita mesmo que

a destempo do que a conservação de uma injustiça que acarreta resultados drásticos

para sua sobrevivência.

Do exposto, ao se observar o caráter único da lide previdenciária, a eficácia

normativa dos princípios constitucionais que consagram o devido processo legal e,

particularmente, o direito fundamental a uma ordem jurídica justa, bem como a

evolução jurisprudencial sobre o tema, arrematou-­se que a aplicação da coisa julgada

secundum eventum probationis infere-­se como mais adequada técnica processual nas

lides previdenciárias, impedindo que se cubra de imutabilidade material decisões de

improcedência baseadas em insuficiência probatória, fazendo triunfar, desse modo, a

justa aderência do sistema normativo processual à especificidade do direito material

e à dinâmica da realidade social.

Por fim, evidenciou-­se a legitimidade do Judiciário na aplicação da regra acima

defendida, tendo em vista que o instituto da coisa julgada consiste numa opção

político-­legislativa, a qual pode ser preterida em prol dos princípios constitucionais que

fundamentam nosso ordenamento jurídico. Ademais, os magistrados detêm,

atualmente, após a superação do positivismo jurídico, papel singular como partícipe

do Direito, sendo legítimo para concretizar direitos constitucionais, inclusive, aqueles

não garantidos pelos demais poderes.

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