UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ THAÍS LETÍCIA...
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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
THAÍS LETÍCIA GONÇALVES
CO-CULPABILIDADE E SUA ANÁLISE NO DIREITO BRASILEIRO
CURITIBA
2016
THAÍS LETÍCIA GONÇALVES
CO-CULPABILIDADE E SUA ANÁLISE NO DIREITO BRASILEIRO
Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Me. Luiz Renato Skroch Andretta.
CURITIBA
2016
TERMO DE APROVAÇÃO
THAÍS LETÍCIA GONÇALVES
CO-CULPABILIDADE E SUA ANÁLISE NO DIREITO BRASILEIRO
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná
Curitiba, de de 2016
Prof. Dr. PhD Eduardo de Oliveira Leite Universidade TUIUTI do Paraná
Curso de Direito
Orientador: Prof. Me. Luiz Renato Skroch Andretta Universidade TUIUTI do Paraná Curso de Direito Professor: Universidade TUIUTI do Paraná Curso de Direito
Professor: Universidade TUIUTI do Paraná Curso de Direito
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, em especial a minha mãe Liz qυе mе dеυ apoio, incentivo nаs horas
difíceis, de desânimo е cansaço, aos amigos da faculdade e também agradeço ao
meu orientador, Professor Luiz Renato Skroch Andretta.
RESUMO
Regularmente, nota-se a prática de diversas condutas insertas na lei penal incriminadora, que, certamente, causam repulsa à sociedade e, portanto, necessária que seja repudiada pelo ordenamento jurídico pátrio. Contudo, há de se salientar que as condutas citadas não são praticadas apenas pela camada menos abastada da sociedade, eis que se denota, comumente, a prática de crimes por indivíduos que possuem elevado padrão de vida. Partindo-se desta premissa, surge a seguinte indagação: seria possível reprimir, da mesma forma, pela prática do mesmo crime, indivíduos que se encontram insertos em patamares econômicos diferentes? Analisando-se superficialmente a dita questão, podemos concluir que não se mostra razoável reprimir da mesma forma os indivíduos que estão em patamares econômicos diferentes. Nessa perspectiva, faz-se necessário, no decorrer do presente estudo, a compreensão da co-culpabilidade, de modo a demonstrar sua efetividade no ordenamento jurídico pátrio e, assim, verificar a possibilidade de minimizar a pena daquele indivíduo com menos condições.
Palavras-chave: Co-culpabilidade. Dignidade. Igualdade. Circunstância judicial.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................... 6
2 DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS.................................................... 7
2.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE................................................................ 7
2.2 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA.............................................. 8
2.3 PRINCÍPIO DA HUMANIZAÇÃO DA PENA........................................... 9
2.4 PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE.......................................................... 10
2.5 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.............................................. 11
2.6 PRINCÍPIO DA IGUALDADE................................................................. 12
2.7 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA............................ 13
3 ASPECTOS GERAIS ACERCA DA CO-CULPABILIDADE.................. 15
3.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CO-CULPABILIDADE.......... 15
3.2 CONCEITO DE CO-CULPABILIDADE................................................... 16
3.3 A CO-CULPABILIDADE NO DIREITO COMPARADO........................... 17
4 CO-CULPABILIDADE E SUA ANÁLISE NO DIREITO BRASILEIRO.. 19
4.1 DISCUSSÕES DOUTRINÁRIAS ACERCA DA APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO..........................................................................................
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4.2 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DA CO-CULPABILIDADE..... 21
5 CONCLUSÃO........................................................................................ 28
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................... 30
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1 INTRODUÇÃO
Sem dúvida, a desigualdade social é uma questão que assola o contexto
social brasileiro, eis que inúmeros indivíduos não possuem condições de estudar, se
profissionalizar e, consequentemente, adentrar no mercado de trabalho de modo
satisfatório, o que acaba ensejando a marginalização da camada menos abastada
da sociedade.
As questões para isso demandaria um debate que é inesgotável, que não
convém discorrer neste trabalho.
Indaga-se, portanto, se as desigualdades sociais podem servir de aparato
para minimizar a pena imposta aos menos favorecidos, na medida em que,
induvidosamente, não poderá sofrer a mesma reprovação estatal que o indivíduo
inserido em um ambiente familiar que proporcione todos os elementos
imprescindíveis para a sua manutenção e desenvolvimento.
Nessa toada, é importante salientar que o meio social influencia,
sobremaneira, a prática de crimes, eis que a carência na educação, assim como a
marginalização e a banalização de determinadas condutas podem, efetivamente,
fazer parte do cotidiano de determinadas pessoas.
Assim sendo, o presente trabalho monográfico tem o objetivo de trazer
aspectos que são inerentes ao instituto da co-culpabilidade, de modo a analisar, in
totum, se tal fenômeno encontra-se recepcionado pelo ordenamento jurídico pátrio.
Nesse diapasão, faz-se necessário analisar, preliminarmente, os princípios
fundamentais aplicáveis à espécie, como, por exemplo, o princípio da legalidade, o
princípio da intervenção mínima, o princípio da igualdade e, ainda, o princípio da
dignidade da pessoa humana.
Por conseguinte, passando a analisar de modo mais acurado o assunto em
comento, trar-se-á, de modo superficial, seu contexto histórico, sua delimitação
conceitual, bem como de que forma o instituto da co-culpabilidade vem sendo
recepcionado em outros países.
Derradeiramente, estudar-se-á a possibilidade de se aplicar o aludido
instituto no Brasil, ocasião em que se utilizará como supedâneo o entendimento
doutrinário e jurisprudencial.
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2 DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
2.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Inicialmente, vale mencionar que o artigo 5.º, inciso XXXIX, da Constituição
Federal, dispõe que "não há crime sem lei anterior que o define, nem pena sem
prévia cominação legal".
Por conseguinte, se conciliando com os moldes explicitados no diploma
constitucional, o artigo 1.º, do Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940,
estabelece que "Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal".
Nessa toada, extrai-se dos dispositivos acima colacionados o princípio da
legalidade, também intitulado como princípio da reserva legal, que, de acordo com
Luiz Regis Prado (2008), o surgimento de tipos incriminadores, assim como de suas
consequências jurídicas, encontra-se intrinsecamente ligados à existência de uma lei
formal.
Seguindo esta linha de raciocínio, Fernando Capez (2015, p. 54) explica
que:
[...] trata-se de garantia constitucional fundamental do homem. O tipo exerce função garantidora do primado da liberdade porque, a partir do momento em que somente se pune alguém pela prática de crime previamente definido em lei, os membros da coletividade passam a ficar protegidos contra toda e qualquer invasão arbitrária do Estado em seu direito de liberdade.
Ainda, Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 89/90) assevera que:
[...] a elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente.
Pontua-se, inclusive, que o princípio da legalidade encontra-se inserido no
rol de direitos fundamentais, perfazendo, assim, uma verdadeira cláusula pétrea,
cujo núcleo é imutável, conforme mencionado por André Estefam e Victor Eduardo
Rios Gonçalves (2012).
Derradeiramente, esclarece-se que o princípio da legalidade, de acordo com
Cleber Masson (2015, p. 82) "Preceitua, basicamente, a exclusividade da lei para a
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criação de delitos (e contravenções penais) e cominação de penas, possuindo
indiscutível dimensão democrática, pois revela a aceitação pelo povo, representado
pelo Congresso Nacional (...)".
2.2 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA
O princípio da intervenção mínima, também denominado como princípio da
subsidiariedade, dispõe, nos moldes confirmados por Luiz Regis Prado (2008, p.
138) que "(...) o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos
imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser
eficazmente protegidos de forma menos gravosa".
Confirmando o entendimento acima articulado (2015, p. 69), Rogério
Sanches Cunha (2015, p. 67):
O Direito Penal só deve ser aplicado quando estritamente necessário, de modo que a sua intervenção fica condicionada ao fracasso das demais esferas de controle (caráter subsidiário), observando somente os casos de relevante lesão ou perigo de lesão ao bem juridicamente tutelado (caráter fragmentário).
Nesse passo, não pairam dúvidas de que a legislação vigente só poderá
albergar penas que se mostrem estritamente necessárias, nos moldes estabelecidos
pelo artigo 8.º, da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789,
consoante esclarece Fernando Capez (2015).
Por oportuno, mostra-se imperioso trazer o contido no artigo 8.º, da
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, o qual dispõe que "A lei
apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém
pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do
delito e legalmente aplicada".
Damásio de Jesus (2011, p. 52) esclarece que o princípio em espeque
busca elidir a arbitrariedade do Estado, eis que somente entrará em cena nos casos
em que outros campos do Direito não tiverem o condão de prevenir a conduta
considerada como ilícita.
Procurando restringir ou impedir o arbítrio do legislador, no sentido de evitar a definição desnecessária de crimes e a imposição de penas injustas, desumanas ou cruéis, a criação de tipos delituosos deve obedecer à
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imprescindibilidade, só devendo intervir o Estado, por intermédio do Direito Penal, quando os outros ramos do Direito não conseguirem prevenir a conduta ilícita.
Nota-se, portanto, que o princípio da intervenção mínima tem por escopo
limitar o poder punitivo proveniente do Estado, na medida em que somente restará
legitimado nos casos em que a conduta do agente afrontar bens jurídicos relevantes,
conforme se denota dos ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt (2012).
Salienta-se que de acordo com Grégore Moreira de Moura (2015, p. 151), a
co-culpabilidade perfaz um desdobramento do direito penal mínimo, senão vejamos:
Assim, não resta dúvida de que o reconhecimento da responsabilidade estatal no cometimento de determinados delitos nos leva a crer que o Direito Penal está diminuindo, e muito, o seu âmbito de atuação, na incessante procura de uma minimalização do poder punitivo, ao contrário do que vem ocorrendo nos dias atuais, com o apoio midiático e o Movimento de Lei e Ordem.
Nessa esteira, conclui-se que o princípio da intervenção mínima diz respeito
ao fato do regramento jurídico penal ser o último instrumento que se deve utilizar, eis
que, primeiramente, devem-se aplicar normas de cunho eminentemente civil e
administrativo.
2.3 PRINCÍPIO DA HUMANIZAÇÃO DA PENA
Nesse particular, cumpre mencionar que o princípio em discussão dispõe
que a punição estatal não poderá instituir penas que atentem contra a dignidade da
pessoa humana, tampouco que lesionem as condições físicas e psíquicas dos
condenados, elidindo-se, assim, condutas arbitrárias emanadas do Poder Público,
de acordo com Cezar Roberto Bitencourt (2012).
Grégori Moreira de Moura (2015, p. 53) salienta que o princípio em espeque
"Impõe a necessidade de se tratar o acusado como verdadeiro ser humano, ao
contrário do que se dava antigamente, em que o condenado era mero objeto, e não
sujeito de direitos".
Acerca do princípio da humanização da pena, Luiz Regis Prado (2008, p.
142) pontua que:
A ideia de humanização das penas criminais tem sido uma reivindicação
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constante no perpassar evolutivo do Direito Penal. [...] Em um Estado democrático de Direito vedam-se a criação, a aplicação ou a execução da pena, bem como de qualquer outra medida que atentar contra a dignidade humana [...]. É justamente a dignidade humana que radica o fundamento material do princípio da humanidade, visto que constitui o último e fundamental limite material à atividade punitiva do Estado.
Confirmando tal entendimento, Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique
Pierangeli (2011, p. 78) asseveram que "Do princípio da humanidade deduz-se a
proscrição das penas cruéis e de qualquer pena que desconsidere o homem como
pessoa".
2.4 PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE
Nesse particular, não se deve esquecer que o princípio da culpabilidade
perfaz, indubitavelmente, não apenas um juízo de censura, mas também de
reprovabilidade, que recai sobre o agente.
Fernando Capez (2015, p. 317), acertadamente, fala sobre o tema:
A culpabilidade é exatamente isso, ou seja, a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. Por essa razão, costuma ser definida como juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre alguém que praticou um fato típico e ilícito.
Por sua vez, Rogério Sanches Cunha (2015, p. 95) traz o seguinte
entendimento:
Trata-se de postulado limitador do direito de punir. Assim, só pode o Estado impor sanção penal ao agente imputável (penalmente capaz), com potencial consciência da ilicitude (possibilidade de conhecer o caráter ilícito do seu comportamento), quando dele exigível conduta diversa (podendo agir de outra forma).
Sob o mesmo enfoque, Juarez Cirino dos Santos (2004, p. 200) assegura
que:
O conceito de culpabilidade como juízo de valor negativo ou reprovação do autor pela realização não-justificada de um crime, fundado na imputabilidade como capacidade penal geral do autor, na consciência da antijuridicidade como conhecimento real ou possível do injusto concreto do fato, e na exigibilidade de conduta diversa determinada pela normalidade das circunstâncias do fato, parece constituir a expressão contemporânea
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dominante do conceito normativo de culpabilidade: um juízo de reprovação sobre o sujeito (quem é reprovado), que tem por objeto a realização do tipo de injusto (o que é reprovado) e por fundamento (a) a capacidade geral de saber o que faz (b) o conhecimento concreto que permite ao sujeito saber realmente o que faz e (c) a normalidade das circunstâncias do fato que confere ao sujeito o poder de não fazer o que faz (porque é reprovado).
Portanto, nos moldes estabelecidos por Luiz Roberto Curia e Thaís de
Camargo Rodrigues (2015), é um pressuposto imprescindível para a aplicabilidade
da pena para o agente que, sendo imputável, tenha cometido um fato descrito como
típico e antijurídico.
Vige o instituto do nullum crimen sine culpa, na medida em que a pena só
será atribuída àquele que cometeu uma conduta considerada típica e antijurídica,
sendo, assim, merecedor do juízo de reprovação, consoante explica Damásio de
Jesus (2011).
Na mesma linha é o entendimento de André Estefam e Victor Eduardo Rios
Gonçalves (2012, p. 111), na medida em que asseveram que "Não há pena sem
culpabilidade: nulla poena sine culpa. O Direito Penal não institui penas por mero
capricho, exigindo-se que sua imposição tenha uma razão de ser, a qual se identifica
com a culpabilidade".
Luiz Regis Prado (2008) salienta a ideia de que o princípio da culpabilidade
encontra-se atrelado, simultaneamente, ao fundamento e limite da pena, na medida
em que não há pena sem culpabilidade, tampouco ultrapassará a culpabilidade do
agente.
2.5 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
O princípio da proporcionalidade surgiu com o proposito de impor limites ao
poder estatal, criando mecanismos dispostos a equilibrar a relação entre o Poder
Público e os indivíduos, de modo que a pena possa alcançar os anseios a que se
destina. André Estefam e Victor Eduardo Rios Gonçalves (2012, p. 131) explicam
que:
Em sua concepção originária, a proporcionalidade fora concebida como limite ao poder estatal em face da esfera individual dos particulares; tratava-se de estabelecer uma relação de equilíbrio entre o “meio” e o “fim”, ou seja, entre o objetivo que a norma procurava alcançar e os meios dos quais ela se valia.
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Nesse passo, sem dúvidas, o princípio da proporcionalidade é a ligação
entre o fato praticado e a consequência jurídica, servindo, portanto, de graduação
entre as esferas citadas, conforme se extrai dos ensinamentos propostos por Luiz
Regis Prado (2008).
Por conseguinte, Damásio de Jesus (2011, p. 53) explica que:
Chamado também “princípio da proibição de excesso”, determina que a pena não pode ser superior ao grau de responsabilidade pela prática do fato. Significa que a pena deve ser medida pela culpabilidade do autor. Daí dizer-se que a culpabilidade é a medida da pena.
Ademais, Fernando Capez (2015, p. 38) menciona que o comportamento
humano somente poderá ser tipificado quando ensejar vantagens para a sociedade,
eis que o surgimento de novos limites alteram sobremaneira os direitos tidos como
individuais.
Somente se pode falar na tipificação de um comportamento humano, na medida em que isto se revele vantajoso em uma relação de custos e benefícios sociais. Em outras palavras, com a transformação de uma conduta em infração penal impõe-se a toda coletividade uma limitação, a qual precisa ser compensada por uma efetiva vantagem: ter um relevante interesse tutelado penalmente. Quando a criação do tipo não se revelar proveitosa para a sociedade, estará ferido o princípio da proporcionalidade, devendo a descrição legal ser expurgada do ordenamento jurídico por vício de inconstitucionalidade.
Finalmente, Roberto Masson (2015) explica que o princípio da
proporcionalidade possui dupla acepção, eis que elimina a cominação de penas
excessivas, que não se coadunam com a realidade apresentada no caso concreto,
além de impedir a proteção irrisória dos bens jurídicos relevantes. Ou seja, para
cada conduta típica, deve-se aplicar uma pena que se mostre adequada para
demonstrar a sua reprovabilidade.
2.6 PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Ressalta-se, inicialmente, que o princípio da igualdade encontra-se inserto
no artigo 5.º, inciso I, da Constituição Federal, trazendo em seu bojo a seguinte
redação:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
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garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; [...]
Em consonância com o dispositivo acima colacionado, Damásio de Jesus
(2011, p. 54) assevera que "Todos são iguais perante a lei penal (Const. Federal,
art. 5.º, caput), não podendo o delinquente ser discriminado em razão de cor, sexo,
religião, raça, procedência, etnia etc".
Registre-se, ainda, que o princípio da igualdade deve ser concebido não
apenas em seu aspecto formal, mas também substancial, de modo a tratar de modo
desigual os desiguais, na proporção de suas desigualdades.
Diante disso, considerando-se o aspecto substancial do princípio da
igualdade, Grégore Moreira de Moura (2015, p. 90) entende plenamente aceitável
pelo ordenamento jurídico pátrio o fenômeno da co-culpabilidade. Veja-se os
valiosos ensinamentos trazidos pelo aludido autor.
Assim, impõe-se ao Estado sua parcela de responsabilidade e, em contrapartida, diminui-se a reprovação penal do cidadão que se encontra em condições socioeconômicas adversas, com o objetivo de diminuir as desigualdades. O princípio da co-culpabilidade, portanto, está em constante interação com o princípio da igualdade (art. 5º, caput, da CF), visto que enseja não só à igualdade formal, mas também aproxima o Direito da tão sonhada igualdade material, consubstanciada na igualdade de oportunidades.
Sob esse ponto de vista, Rogério Sanches Cunha (2015, p. 95) assegura
que "A igualdade, entretanto, não deve ser considerada sob o seu aspecto
meramente formal, mas substancial, demandando tratamento análogo apenas aos
iguais, mas desigual aos desiguais, na medida de suas desigualdades".
2.7 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Oportuno mencionar que o princípio da dignidade da pessoa humana
encontra respaldo no artigo 1.º, inciso III, da Constituição Federal. Portanto, é um
dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
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dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; [...]
Sobre o tema, Luiz Regis Prado (2008, p. 133) explica que:
O homem deixa de ser considerado apenas como cidadão e passa a valer como pessoa, independentemente de qualquer ligação política ou jurídica. O reconhecimento do valor do homem enquanto homem implica o surgimento de um núcleo indestrutível de prerrogativas que o Estado não pode deixar de reconhecer, verdadeira esfera de ação dos indivíduos que delimita o poder estatal.
Sob o prisma do princípio da dignidade da pessoa humana, mostra-se
plenamente viável a aceitação do instituto da co-culpabilidade, consoante assevera
Grégore Moreira de Moura (2015, p. 92/93), na medida em que o Estado passará a
reduzir as consequências decorrentes das desigualdades, reconhecendo-se, assim,
o indivíduo como sujeito de direitos.
Assim, a aplicação do princípio da co-culpabilidade é um instrumento indispensável no reconhecimento da co-responsabilidade do Estado, que não leva aos seus cidadãos à dignidade da pessoa humana. Trata-se, sem dúvida, de reconhecer o direito à dignidade do acusado, evitando a reificação do homem, na forma do art. 1º, III, da Constituição de 1988, embora o certo seja que o Estado cumpra seus deveres constitucionais, isto é, promova a inclusão social de seus cidadãos.
Nesse diapasão, de acordo com o princípio da dignidade da pessoa
humana, o ordenamento jurídico pátrio elide a aplicação de penas que possam
ensejar ofensa à dignidade da pessoa humana, mormente aquelas de cunho cruel,
desumano, degradante e indigno, conforme explicitado por Rogério Sanches Cunha
(2015).
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3 ASPECTOS GERAIS ACERCA DO CO-CULPABILIDADE
3.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA ACERCA DA CO-CULPABILIDADE
Salienta-se, inicialmente, que o marco histórico acerca do surgimento do
instituto da co-culpabilidade se mostra certa dificuldade em ser relatado, tendo em
vista que nos regramentos jurídicos remotos não havia uma legislação que tratasse
expressamente sobre o tema.
Subsiste o entendimento no qual, muito embora o Iluminismo tenha trazido
algumas consequências drásticas para a camada menos abastada da sociedade,
mormente as questões das desigualdades sociais, foi nessa época que surgiram os
primeiros traços acerca do fenômeno em discussão. Nesse diapasão, Grégore
Moreira de Moura (2015, p. 66) explica que:
Logo, somente com o advento das ideias iluministas e a consequente criação dos Estados Liberais, bem como a adoção do princípio da secularização e laicização, torna-se possível determinar o surgimento do princípio da co-culpabilidade, ressaltando o seu total desrespeito pelos Estados, desde aquela época. Todavia, as ideias trazidas pelos iluministas, quando da sua aplicação pelos Estados liberais, propiciaram um liberalismo e um individualismo exacerbado, o que ocasionou o aprofundamento das desigualdades sociais e a sensação que o Direito é um instrumento de controle social para manter o controle das classes sociais ditas inferiores.
Nota-se que o instituto da co-culpabilidade não é um fenômeno atual, eis
que, de acordo com Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (2011, p.
529), foi uma ideia que surgiu com mais afinco no direito penal socialista, mediante
estudos provenientes de Jean Paul Marat.
Tem-se afirmado que este conceito de coculpabilidade é uma ideia introduzida pelo direito penal socialista. Cremos que a coculpabilidade é herdeira do pensamento de MARAT e, hoje, faz parte da ordem jurídica de todo Estado Social de Direito, que reconhece direitos econômicos e sociais, e portanto, tem cabimento no Código Penal mediante a disposição genérica do art. 66.
Diante disso, a co-culpabilidade se confunde com o surgimento do Estado
Liberal, o qual se fundou, principalmente, nos ideais perseguidos pelos iluministas,
ocasião em que o Estado quebrou o contrato social, na medida em que deixou de
fornecer aos seus cidadãos condições mínimas para que pudesse estudar, se
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profissionalizar e, assim, viver com dignidade.
Nota-se, portanto, que as desigualdades sociais, que remontam o contexto
histórico vivenciado pela sociedade, são um instrumento, que, sem dúvida,
possibilitam a prática de delitos, eis que, de acordo com Cleber Masson (2015, p.
547) "(...) a personalidade do agente é moldada em consonância com as
oportunidades oferecidas a cada indivíduo para orientar-se ou não em sintonia com
o ordenamento jurídico".
3.2 CONCEITO DE CO-CULPABILIDADE
Há de se mencionar, inicialmente, que o instituto da co-culpabilidade, de
acordo com André Estefam e Victor Eduardo Rios Gonçalves (2015), pode ser
entendido como sendo a parcela de culpa destinada ao Estado, sob o prisma de não
ter proporcionado ao infrator condições culturais e educacionais, com o escopo de
possibilitar outro modo de vida.
Diverso não é o entendimento de Cleber Masson (2015, p. 547):
Com efeito, a teoria da coculpabilidade aponta a parcela de responsabilidade social do Estado pela não inserção social e, portanto, devendo também suportar o ônus do comportamento desviante do padrão normativo por parte dos atores sociais sem cidadania plena que possuem uma menor autodeterminação diante das concausas socioeconômicas da criminalidade urbana e rural.
Da mesma forma, Rogério Sanches Cunha (2015, p. 275) traz à tona o
conceito da co-culpabilidade, ocasião em que menciona, inclusive, que os fatores
sociais de cunho negativo muitas vezes têm o condão de influenciar na formação do
caráter do indivíduo.
Já tivemos a oportunidade de ressaltar a predominância do livre arbítrio dos indivíduos para que adotem comportamentos concordes ou contrários ao direito. Bem assim, destacamos que mesmo estabelecida esta premissa, fatores sociais negativos muitas vezes influenciam a formação do caráter, com reflexos nas escolhas individuais. Neste passo, surge a teoria da coculpabilidade, que imputa ao Estado parcela da responsabilidade social pelos atos criminosos dos agentes em razão das desigualdades sociais.
No mesmo sentido é o entendimento de Eugenio Raúl Zaffaroni e José
Henrique Pierangeli (2011, p. 529):
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Todo sujeito age numa circunstância determinada e com um âmbito de autodeterminação também determinado. Em sua própria personalidade há uma contribuição para esse âmbito de autodeterminação, posto que a sociedade - por melhor organizada que seja - nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades. Em consequência, há sujeitos que têm um menor âmbito de autodeterminação, condicionado desta maneira por causas sociais.
Acertadamente, Grégore Moreira de Moura (2015, p. 59/61) dispõe que o
instituto em discussão é um princípio implícito, o qual, induvidosamente, reconhece
a co-responsabilidade do Estado e da sociedade no cometimento de determinados
delitos, nas hipóteses em que as condutas típicas encontram-se intrinsecamente
ligada às condições sociais e econômicas.
O princípio da co-culpabilidade é um princípio constitucional implícito que reconhece a co-responsabilidade do Estado no cometimento de determinados delitos, praticados por cidadãos que possuem menor âmbito de autodeterminação diante das circunstâncias do caso concreto, principalmente no que se refere às condições sociais e econômicas do agente, o que enseja menor reprovação social, gerando consequência práticas não só na aplicação e execução da pena, mas também no processo penal. [...] Com efeito, esse princípio, ao ser aplicado no caso concreto, reconhece o papel do Estado e da sociedade no que se refere aos delitos praticados por certas pessoas, em certas condições, propiciando a diminuição da seletividade e da visão ideológica do Direito Penal, indo ao encontro dos direitos fundamentais do cidadão.
Por sua vez, Fernando Capez (2015, p. 43) entende que na co-culpabilidade
a "(...) responsabilidade pela prática de uma infração penal deve ser compartilhada
entre o infrator e a sociedade, quando essa não lhe tiver proporcionado
oportunidades".
3.3 A CO-CULPABILIDADE NO DIREITO COMPARADO
Passando-se a análise da co-culpabilidade no direito comparado, mostra-se
indispensável trazer de que forma outros países vêm se posicionando acerca do
tema, notadamente a Argentina, México, Bolívia e Portugal.
O Código Penal da República da Argentina, mormente em seus artigos 40 e
41, traz em seu bojo, expressamente, a questão da co-culpabilidade, que,
basicamente, tem o escopo de agravar ou atenuar a pena imposta ao acusado,
dependendo do caso concreto.
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De acordo com Grégore Moreira de Moura (2015, p. 102), "[...] podemos
perceber a natureza jurídica da co-culpabilidade no direito argentino, ou seja,
equivaleria aqui ao que chamamos de circunstância legal, que incidiria na aplicação
da pena em sua segunda fase, na forma do art. 68 [...]".
Aliado a isso, há de se mencionar que o México traz em seu ordenamento
jurídico pátrio, notadamente em seu artigo 52, redação que muito se assemelha ao
contido no Código Penal da República da Argentina, ou seja, a co-culpabilidade
perfaz uma circunstância judicial, que será aplicada na primeira fase, cujo fenômeno
mostra-se extensível as medidas de segurança.
Intrinsecamente ligado as ideiais acima articuladas, o Código Penal
Boliviano também adota o fenômeno da co-culpabilidade. Grégore Moreira de Moura
(2015, p. 109/110) dispõe acerca do tema:
A co-culpabilidade é também prevista no Código Penal Boliviano, nos arts. 38 e 40, respectivamente, como circunstância judicial para aferir a personalidade do autor e como atenuante genérica, quando o agente pratica o fato impulsionado pela miséria. [...] Assim, o Código Penal boliviano demonstra claramente a preocupação em reconhecer a co-culpabilidade na fixação da pena, pois a miséria pode ser considerada e levada em conta nas circunstâncias trazidas pelo art. 38, especialmente na expressão su situación económica e social.
Urge mencionar que, nos moldes delimitados por Grégore Moreira de Moura
(2015, p. 116), "[...] também em Portugal as condições econômicas do agente é
critério para a mensuração da pena, estando prevista no art. 71, d, do Código Penal
português [...]".
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4 CO-CULPABILIDADE E SUA ANÁLISE NO DIREITO BRASILEIRO
4.1 DISCUSSÕES DOUTRINÁRIAS ACERCA DA APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO
DA CO-CULPABILIDADE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
Sem dúvidas, a co-culpabilidade mostra-se um instituto polêmico, que enseja
muitas discussões, eis que o entendimento doutrinário não se mostra uníssono
quanto a sua aplicabilidade. Desta feita, faz-se necessário analisar, minuciosamente,
os posicionamentos emanados no Direito Pátrio, de modo a demonstrar, na prática,
qual a sua efetividade.
Nessa toada, urge analisar, inicialmente, o disposto no artigo 66, do Código
Penal, o qual estabelece que "A pena poderá ser ainda atenuada em razão de
circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista
expressamente em lei".
Nesse passo, menciona-se que a aplicabilidade da co-culpabilidade não tem
o condão de elidir a aplicabilidade da pena, mas apenas sua atenuação, nos moldes
instituídos pelo artigo 66, do Código Penal. Sobre o tema, Rogério Sanches Cunha
(2015, p. 275) explica que:
Não há exclusão da culpabilidade, mas essas circunstâncias externas devem ser consideradas na dosimetria da pena. O nosso Código Penal possibilita a adoção dessa teoria ao prever, em seu artigo 66, uma atenuante inominada: "A pena poderá ser ainda ATENUADA em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei".
Posicionando-se favoravelmente acerca da aplicação da co-culpabilidade,
Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (2011, p. 529) pontuam que:
Não será possível atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento da reprovação de culpabilidade. Costuma-se dizer que há, aqui, uma "coculpabilidade", com a qual a própria sociedade deve arcar.
Da mesma forma, Grégore Moreira de Moura (2015, 122), dispõe que muito
embora o princípio da co-culpabilidade não se encontre explicitamente inserto no
ordenamento jurídico pátrio, grande parte da doutrina vem se posicionando
favoravelmente acerca da positivação de tal instituto, eis que, sem dúvida, trar-se-á
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benefícios não apenas ao acusado, mas também ao aparelho Estatal.
Com efeito, a positivação do princípio da co-culpabilidade no Código Penal brasileiro não só é uma necessidade, mas também uma esperança possível, já que o legislador infraconstitucional está promovendo a concretização de um princípio constitucional implícito. Vale lembrar que a doutrina tem admitido a aplicação da co-culpabilidade com base no art. 66 do Código Penal que se refere às atenuantes inominadas. Esse artigo dá maior liberdade ao juiz para aplicar a pena, atendendo às peculiaridades do caso concreto.
Ainda, Grégore Moreira de Moura (2015) enfatiza as hipóteses nas quais
seria possível aplicar o princípio da co-culpabilidade no direito brasileiro, que,
basicamente, são os seguintes artigos:
a) como circunstância judicial, inserida no artigo 59, do Código Penal,
incidindo na primeira fase de aplicação da pena;
b) como atenuante genérica, constante no artigo 65, do Código Penal,
inserindo-se, assim, mais uma letra no inciso III, com o desiderato de reforçar a sua
aplicabilidade e, assim, limitar o poder discricionário do magistrado em aplicá-la nos
moldes instituídos pelo artigo 59, do Código Penal;
c) como causa de diminuição de pena, inserta no artigo 26, do Código Penal,
na medida em que quanto maior a condição da miserabilidade, menor será a pena
prevista para o caso concreto; e
d) como causa de exclusão da culpabilidade, conforme dispõe o artigo 29,
do Código Penal, sob o fundamento de que as precárias condições sociais em que
vive é tão grandiosas, que não há o que se falar em culpabilidade.
Sob outro ângulo, Cleber Masson (2015, p. 547) ressalta a ideia da co-
culpabilidade às avessas, na medida em que a camada menos abastada da
sociedade merece um tratamento mais brando, eis que em muitas ocasiões o
caminho da ilicitude era o único a ser perseguido. No entanto, não subsistem razões
para se atribuir o mesmo pensamento àqueles que possuem condições financeiras
para viver de forma digna, justificando-se, portanto, a imposição da pena de modo
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mais gravoso.
Cuida-se da face inversa da coculpabilidade: se os pobres, excluídos e marginalizados merecem um tratamento penal mais brando, porque o caminho da ilicitude lhes era mais atrativo, os ricos e poderosos não têm razão nenhuma para o cometimento de crimes. São movidos pela vaidade, por desvios de caráter e pela ambição desmedida, justificando a imposição da pena de modo severo.
Ainda sobre a questão da co-culpabilidade às avessas, Rogério Sanches
Cunha (2015, p. 275) explica que:
No mesmo contexto, há também a coculpabilidade às avessas, elaborada com propósito crítico à seletividade do sistema penal, merecendo dois ângulos de análise: (A) o primeiro se traduz no abrandamento à sanção de delitos praticados por pessoa com alto poder econômico e social, como no caso dos crimes de colarinho branco (crimes contra a ordem econômica e tributária). Exemplo prático disto no Brasil é a extinção da punibilidade pelo pagamento da dívida nos crimes contra a ordem tributária; (B) o segundo se revela na tipificação de condutas que só podem ser praticadas por pessoas marginalizadas. Exemplos disto são os artigos 59 (vadiagem) e 60 (mendicância revogado pela lei 11.983/2009), da Lei de Contravenções Penais. Há de ser destacado, contudo, que, ao contrário da coculpabilidade, que pode se assentar no art. 66 do Código Penal, a coculpabilidade às avessas não encontra respaldo legal, razão pela qual, como agravante, não pode ser aplicada, vedada, como se sabe, a analogia in malam partem. No máximo, poderá o juiz considerar este aspecto no momento em que analisar as circunstâncias judiciais (art. 59 do Código Penal), especialmente quanto à personalidade do agente e às circunstâncias do crime.
De acordo com Grégore Moreira de Moura (2015, p. 130), a co-culpabilidade
no direito brasileiro tem o condão de se manifestar sob duas formas, quais sejam:
"[...] a uma, quando tipifica as condutas dos arts. 59 e 60 da Lei de Contravenções
Penais (hoje o artigo 60 se encontra revogado pela Lei nº 11.983 de 2009); a duas,
quando trata dos efeitos da reparação do dano".
Por fim, em sentido contrário, Fernando Capez (2015) entende pela
inaplicabilidade do princípio da co-culpabilidade no ordenamento jurídico pátrio,
muito embora o magistrado possa utilizá-lo de acordo com o contido no artigo 66, do
Código Penal Brasileiro.
4.2 ANÁLISE JURISPRUDÊNCIAL ACERCA DA CO-CULPABILIDADE
Tendo em vista que o instituto da co-culpabilidade é um fenômeno
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controvertido na doutrina brasileira, mostra-se necessário trazer os aspectos
jurisprudenciais acerca do tema, de modo a verificar de que forma os Tribunais
Pátrio vêm se posicionando.
Nessa toada, urge salientar que o Superior Tribunal de Justiça entendeu
pela inviabilidade do reconhecimento do princípio em espeque, eis que, nos moldes
delimitados pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, a citada Corte não vem
admitindo a aplicabilidade da teoria da co-culpabilidade do Estado, tampouco restou
demonstrado no caso concreto que o agente tenha cometido o crime de tráfico de
drogas em razão de suas condições sociais.
EMENTA. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CONDENAÇÃO. APELAÇÃO JULGADA. PRETENSÕES DE ABSOLVIÇÃO E DESCLASSIFICAÇÃO. VIA INADEQUADA. EXAMEAPROFUNDADO DAS PROVAS. TEORIA DA CO-CULPABILIDADE DO ESTADO. NÃOCONFIGURAÇÃO. ORDEM DENEGADA. 1. Hipótese em que as instâncias originárias examinaram, com profundidade, os elementos de convicção produzidos nos autos da ação penal, concluindo pela condenação do paciente. Inviável atender a pretensão defensiva, de absolvição ou desclassificação da conduta, nesta via estreita do mandamus, em que vedado o revolvimento fático-probatório. 2. O Superior Tribunal de Justiça não tem admitido a aplicação da teoria da co-culpabilidade do Estado como justificativa para a prática de delitos. Ademais, conforme ressaltou a Corte estadual,sequer restou demonstrado ter sido o paciente prejudicado por suas condições sociais. 3. Habeas corpus denegado.
1
EMENTA. HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. FURTO QUALIFICADO. DOSIMETRIA DA PENA. MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA. EXISTÊNCIA DE DUAS CONDENAÇÕES COM TRÂNSITO EM JULGADO. EXASPERAÇÃO NA PRIMEIRA E NA SEGUNDA FASE DE FIXAÇÃO DA PENA. POSSIBILIDADE. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. ATENUANTE GENÉRICA DO ART. 66 DO CÓDIGO PENAL. TEORIA DA CO-CULPABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. REGIME INICIAL FECHADO. PACIENTE REINCIDENTE. PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO PATAMAR MÍNIMO LEGAL. HIPÓTESE DE NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 269 DESTA CORTE SUPERIOR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA. 1. Se o réu ostenta mais de uma condenação definitiva, não há ilegalidade na utilização de uma delas na fixação da pena-base e de outra no reconhecimento da reincidência, com acréscimo na segunda fase do cálculo penal. O que não se admite, sob pena de bis in idem, é a valoração de um mesmo fato em momentos diversos da aplicação da pena, circunstância esta não evidenciada na hipótese. Precedentes. 2. A teoria da co-culpabilidade não pode ser erigida à condição de verdadeiro prêmio para agentes que não assumem a sua responsabilidade social e fazem da criminalidade um meio de vida. Ora, a mencionada teoria,
1 JUSBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n.º 187132. Disponível em:
<http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23055629/habeas-corpus-hc-187132-mg-2010-0185087-8-stj>. Acesso em: 02 set. 2016.
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"no lugar de explicitar a responsabilidade moral, a reprovação da conduta ilícita e o louvor à honestidade, fornece uma justificativa àqueles que apresentam inclinação para a vida delituosa, estimulando-os a afastar da consciência, mesmo que em parte, a culpa por seus atos" 3. Nos termos da jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, ao réu reincidente condenado a pena inferior a quatro anos de reclusão aplica-se o regime prisional semiaberto, se consideradas favoráveis as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal. 4. Na hipótese, embora a pena fixada não alcance quatro anos, reconheceu-se, além da reincidência, a existência de circunstância judicial desfavorável ao Paciente, o que afasta a incidência do enunciado da Súmula n.º 269 desta Corte Superior, justificando, portanto, o estabelecimento do regime prisional mais severo. 5. Ordem de habeas corpus denegada.
2
Da mesma forma, o Superior Tribunal Militar elidiu a aplicabilidade do
princípio da co-culpabilidade, na medida em que tal fenômeno não pode ser aplicado
quando se tratar de bens jurídicos tutelados pela caserna, senão vejamos:
EMENTA. APELAÇÃO DEFENSIVA. HOMICÍDIO CULPOSO (CPM, ART. 206). DISPARO ACIDENTAL DE ARMA DE FOGO NO QUARTEL. AUTORIA E MATERIALIDADE CONFIGURADAS. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO APLICAÇÃO DA TEORIA DA CO-CULPABILIDADE DO ESTADO. INEXISTÊNCIA DO "BIS IN IDEM". CULPA CONSCIENTE. NÃO INCIDÊNCIA DA ATENUANTE DE CONFISSÃO. Quanto à aplicação da Lei nº 11.719/08, este Tribunal vem rechaçando sua incidência nesta Justiça Especializada, nos termos da Súmula nº 15 desta Colenda Corte. Preliminar de nulidade rejeitada, por maioria. Inaplicável, ainda, a Teoria da co-culpabilidade do Estado por ser incompatível com os bens e valores juridicamente tutelados pela caserna, assim como inexiste a ocorrência de "bis in idem", porque os tipos penais tratam de fundamentos diversos. Com relação à aplicação da atenuante da menoridade no patamar máximo, ressalte-se que também não merece prosperar, ante a gravidade e a reprovabilidade da conduta perpetrada pelo apelante, que agiu no tênue limite entre a culpa consciente e o dolo eventual. No tocante à incidência da atenuante de confissão, também não é o caso de ser considerada no caso concreto, uma vez que a autoria foi demonstrada por outros meios de prova. Negado provimento ao apelo defensivo. Decisão unânime.
3
Sob o mesmo enfoque, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu pela
impossibilidade de se aplicar o instituto da co-culpabilidade no caso em espeque,
sob de se incentivar, veemente, a criminalidade. Veja-se a decisão abaixo
colacionada:
EMENTA. APELAÇÃO CRIMINAL - TENTATIVA DE FURTO - PRINCÍPIO
2 JUSBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n.º 213482. Disponível em:
<http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24203504/habeas-corpus-hc-213482-sp-2011-0165566-6-stj>. Acesso em: 02 set. 2016. 3 JUSBRASIL. Superior Tribunal Militar. Apelação Defensiva n.º 00000424820147040004. Disponível
em: <http://stm.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/275179909/apelacao-ap-424820147040004-mg>. Acesso em: 02 set. 2016.
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DA INSIGNIFICÂNCIA - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - ATENUANTE DA CO-CULPABILIDADE - INVIABILIDADE. 1. A aplicação do princípio da insignificância deve ser reservada para casos excepcionais, nos quais, além da ínfima lesão ao bem jurídico tutelado, deve ser analisado o grau de reprovação da conduta e os antecedentes do acusado. A reincidência do réu impede a aplicação do princípio da insignificância. 2. Não há como se responsabilizar o Estado ou a sociedade pela prática delitiva do agente, sob pena de se fomentar a criminalidade, não sendo viável, portanto, o reconhecimento da atenuante genérica da co-culpabilidade.
4
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal também decidiu pela
inaplicabilidade da co-culpabilidade, eis que, no caso dos autos, não restou
comprovado que o agente restou marginalizado pela sociedade, tampouco de que
foram negadas condições básicas pelo Estado.
EMENTA. APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. ABSOLVIÇÃO PELO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. REINCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO ENTRE A CONFISSÃO ESPONTÂNEA E A REINCIDÊNCIA. INVIABILIDADE. RÉU MULTIREINCIDENTE. TEORIA DA CO-CULPABILIDADE. INAPLICABILIDADE. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. O princípio da insignificância exige, para a sua aplicação, a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. No caso dos autos, ainda que o objeto subtraído perfaça valor inexpressivo, trata-se de réu reincidente e portador de maus antecedentes, de modo que não há que se falar em mínima ofensividade da conduta e em reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, o que impede o reconhecimento da atipicidade material da conduta. 3. A 5ª Turma do STJ firmou orientação no sentido da possibilidade da compensação total da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência apenas quando o réu possuir uma só condenação transitada em julgado. Tendoo réu mais de uma condenação transitada em julgado utilizada para aferir a reincidência, a compensação entre as circunstâncias deve ocorrer tão somente de forma parcial. 4. Não prospera o pleito recursal para a aplicação da teoria da co-culpabilidade porque não há comprovação nos autos de que ao apelante foram negadas necessidades básicas pelo Estado ou mesmo de que foi marginalizado pela sociedade. 5. Recurso conhecido e não provido, mantida a condenação do apelante nas sanções do artigo 155, caput, do Código Penal, à pena de 1 (um) ano e 05 (cinco) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 13 (treze) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente à data do fato.
5
4 JUSBRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Criminal n.º 10153130027623001.
Disponível em: <http://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/120508628/apelacao-criminal-apr-10153130027623001-mg>. Acesso em: 02 set. 2016. 5 JUSBRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Criminal n.º 20140111594707.
Disponível em: <http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/308325730/apelacao-criminal-apr-20140111594707>. Acesso em: 02 set. 2016.
25
Confirmando os entendimentos acima elencados, o Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul entendeu pela inviabilidade de se responsabilizar o Estado e a
sociedade pelo caminho que determinado indivíduo deseja seguir.
EMENTA. APELAÇÃO-CRIME. HOMICÍDIO DOLOSO. MINORAÇÃO DO APENAMENTO ARBITRADO. AFASTAMENTO DA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. PRETENSÃO AO RECONHECIMENTO DA ATENUANTE GENÉRICA PELA CO-CULPABILIDADE DO ESTADO. 1. Verificando a existência de uma circunstância judicial desfavorável ao acusado, o apenamento arbitrado pelo juízo a quo mostrou-se excessivo, sendo impositivo o redimensionamento da pena. 2. A agravante genérica da reincidência foi declarada constitucional pelo STF, não subsistindo a tese de que configura inaceitável bis in idem. 3. Não se pode responsabilizar o Estado e a sociedade como um todo pelas escolhas de um indivíduo, não se mostrando razoável a atenuação da pena por uma eventual coculpabilidade do Estado. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
6
O Tribunal Regional Federal da 4.ª Região decidiu de forma semelhante.
EMENTA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA APÓS CONDENAÇÃO RECORRÍVEL A REGIME SEMIABERTO. POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA. EXISTÊNCIA DE DUAS QUALIFICADORAS. VIOLÊNCIA DESNECESSÁRIA À CONSUMAÇÃO DO CRIME. VALORAÇÃO NEGATIVA. CO-CULPABILIDADE AFASTADA. 1. A execução penal provisória não pode se dar em prejuízo do processado, que mantém a condição de inocente até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Não obstante, em seu favor, quando mais favorável o trato da pena definitiva do que o da prisão provisória, é ela admitida e necessária. 2. Em havendo duas qualificadoras, é cabível a utilização de uma para exacerbação da pena-base e outra para qualificar o tipo. 3. Não se pode admitir que as desigualdades sociais e as dificuldades econômicas sirvam como justificativa plausível para a prática de crimes, mormente para crimes praticados com violência contra pessoa, devendo ser afastada a coculpabilidade como atenuante inominada.
7
Da mesma forma, o Tribunal de Justiça do Maranhão entendeu que os
fatores sociais, por si só, não tem o condão de possibilitar a aplicação do instituto da
co-culpabilidade e, consequentemente, diminuir a pena imposta ao indivíduo.
EMENTA. APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO PELO USO DE ARMA E CONCURSO DE PESSOA E CORRUPÇÃO DE MENOR.
6 JUSBRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Criminal n.º 70058144197.
Disponível em: <http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/140018921/apelacao-crime-acr-70058144197-rs>. Acesso em: 02 set. 2016. 7 JUSBRASIL. Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. Apelação Criminal n.º
50038289220144047011. Disponível em: <http://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/255319211/apelacao-criminal-acr-50038289220144047011-pr-5003828-9220144047011>. Acesso em: 02 set. 2016.
26
INEXISTÊNCIA DE PROVAS, PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA E RECONHECIMENTO DE ATENUANTE DA CO-CULPABILIDADE. ELEMENTOS DOS AUTOS SUFICIENTES À MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO E DA PENA IMPOSTA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Tanto a materialidade quanto a autoria dos crimes imputados ao apelante restaram demonstrados. 2. Quanto à alegação de aplicação do art. 29, § 1º, do Código Penal, restou cabalmente demonstrado nos autos que o apelante foi o autor do crime, praticando todos os atos que se subsumem ao tipo penal previsto no art. 157, juntamente com seus comparsas, não sendo, portanto, partícipe. 3. Fatores sociais não são suficientes, por si sós, para fomentar a prática delitiva, sob pena de se diminuir a pena indistintamente de qualquer pessoa que tenha nascido e vivido sem condições financeiras para custear melhor educação. 4. Recurso conhecido e improvido.
8
O Tribunal de Justiça de São Paulo possui entendimento que muito se
assemelha:
EMENTA. ROUBO. DECLARAÇÕES DA VÍTIMA E RECONHECIMENTO PESSOAL - PROVAS VÁLIDAS. ATENUANTE GENÉRICA - CO-CULPABILIDADE IMPOSSIBILIDADE. As declarações da vítima e o reconhecimento pessoal, ratificados em juízo, são suficientes para a configuração do crime contra o patrimônio, quando seguros e em sintonia com os demais elementos probatórios, dentre eles, a apreensão da res furtiva em poder da acusada. Incabível, ainda, o reconhecimento da atenuante da co-culpabilidade, sob pena de desvirtuar o real do reconhecimento das atenuantes, bem como de se justificar as infrações intoleráveis e reprimidas pela sociedade.
9
Por fim, traz-se a decisão do Tribunal de Justiça do Paraná, que, da mesma
forma, entende pela inaplicabilidade do fenômeno em comento.
EMENTA. APELAÇÃO CRIME. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 14,"CAPUT", DA LEI 10.826/03). AUSÊNCIA DE CONSCIÊNCIA DE ILICITUDE DO FATO. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE PREVISTA NO ART. 21 DO CP. INAPLICABILIDADE. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA ATENUANTE POR LEVAR A PENA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL. SÚMULA 231 DO STJ. CIRCUNSTÂNCIA GENÉRICA DA CO-CULPABILIDADE. INAPLICABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. "(...) o erro de proibição, destarte, não recai sobre o tipo, nem sobre o fato, nem sobre a lei; ele recai sobre a consciência da ilicitude. A consciência da ilicitude, no entanto ´não se trata de juízo técnico-jurídico, que não se poderia exigir do leigo, mas sim, de um juízo profano, um juízo que é emitido de acordo com a opinião comum dominante no meio social e
8 JUSBRASIL. Tribunal de Justiça do Maranhão. Apelação n.º 0515692015. Disponível em: <http://tj-
ma.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/269209911/apelacao-apl-515692015-ma-0017762-8520148100001>. Acesso em: 02 set. 2016. 9 JUSBRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n.º 582782620088260224. Disponível em:
<http://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20333216/apelacao-apl-582782620088260224-sp-0058278-2620088260224>. Acesso em: 02 set. 2016.
27
comunitário. Daí a denominação de ´erro de proibição´, ou ´erro sobre o estar proibido´, para designar esta forma muito especial de erro ou de ignorância que se traduz numa espécie de cegueira para com os preceitos fundamentais de convivência social que chegam necessariamente ao conhecimento de cada um, na maioria dos casos, através dos usos de costumes, da escola, da religião, da tradição, da família, da educação até mesmo ´juntamente com o ar que se respira´, numa bela metáfora da Binding".(GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição. São Paulo: RT, 2001, p. 140.). 2.Inaplicabilidade da atenuante da confissão espontânea porquanto levaria a pena aquém do mínimo legal, o que é vedado pela súmula 231 do STJ. 3.Não há que se falar em emprego da atenuante genérica da co-culpabilidade, pois ainda que nosso país sofra de grandes desigualdades sociais, tal fato não legitima ou atenua a responsabilidade das pessoas que vivem em sociedade, muito menos afeta a validade das leis penais a todos que ela compõe.
10
Sob esse prisma, nota-se que a jurisprudência é uníssona quando se trata
da inaplicabilidade do princípio da co-culpabilidade, o que não ocorre com o
entendimento doutrinário, eis que, conforme restou demonstrado acima existe
inúmeras controvérsias acerca do tema.
10
JUSBRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Crime n.º 5059656. Disponível em: <http://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6169579/apelacao-crime-acr-5059656-pr-0505965-6>. Acesso em: 02 set. 2016.
28
5 CONCLUSÃO
Sem sobra de dúvidas, o princípio da co-culpabilidade pode ser entendido
como sendo a parcela de culpa atribuída ao Estado e a Sociedade, decorrentes de
certas infrações penais cometidas por indivíduos que tiveram seus direitos
fundamentais negados, ante a ausência de mecanismos pelo Poder Público que
pudessem efetivá-los.
Assim sendo, o fenômeno da co-culpabilidade surge de modo a equalizar a
responsabilidade pela prática de determinados crimes, que devem ser atribuídos,
concorrentemente, ao Estado e à Sociedade, sob o fundamento de não terem
proporcionado aos criminosos mecanismos que pudessem educá-los,
profissionalizá-los e, assim, inseri-los no mercado de trabalho.
A legislação pátria não prevê de forma expressa a possibilidade de se
aplicar ao caso concreto o princípio da co-culpabilidade, mas, contudo, de modo
majoritário, os doutrinados brasileiros vêm se posicionando, favoravelmente, acerca
do tema, sob o fundamento no qual seja possível analisá-lo sob a ótica do artigo 59,
do Código Penal.
Por outro lado, os Tribunais Pátrios vêm suprimindo a sua aplicabilidade na
prática, analisando que as condições sociais não podem servir de fundamento para
a prática de condutas descritas na lei penal incriminadora.
Salienta-se, inclusive, que o aludido entendimento poderia fomentar a prática
de delitos, eis que a pena seria mais branda e, portanto, uma futura condenação não
ensejaria consequências drásticas ao agente.
Nessa perspectiva, menciona-se que muito embora a co-culpabilidade não
se mostre recepcionada pelo ordenamento jurídico pátrio, tampouco pelos Tribunais
Pátrios, eis que apenas a doutrina, majoritariamente, vem enfatizando a
possibilidade de aplicá-la ao caso concreto, não se mostra viável deixar de
considerar o instituto citado, principalmente na aplicação da pena base, na qual se
analisa as circunstâncias judiciais constantes no artigo 59, do Código Penal, eis que
o indivíduo com poucas condições sociais não poderá sofrer a mesma reprimenda
que aqueles que possuem um padrão de vida alto.
Para exemplificar, cita-se o Direito Penal da Argentina, assim como do
México, que instrumentalizaram em seus respectivos ordenamentos jurídicos, a
possibilidade de se levar em consideração a questão da co-culpabilidade, com o
29
escopo de minimizar a pena daqueles insertos na camada menos abastada da
sociedade.
Diante disso, há de se concluir pela possibilidade de se instituir o princípio
da co-culpabilidade no Direito Brasileiro, de modo que as penalizações impostas
pelo magistrado se integrem com o atual contexto vivenciado pela sociedade.
Contudo, não paira dúvidas que deverá haver um parâmetro para se considerar o
instituto da co-culpabilidade no Direito Brasileiro, sob pena de incentivar a
criminalização, conforme posicionamento já adotado pelos tribunais.
30
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 17 ago. 2016.
_____. Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 17 ago. 2016.
BUENO, Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Manole, 2012.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
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