AUTORIDADE Princípios de vida. Autoridade sempre existiu, e sempre existirá, até no céu.
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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO
Amaro Braz da Silva Junior
COTAS NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS
São Paulo
2011
Amaro Braz da Silva Junior
RA: 003.200.600.384
COTAS NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Coordenação do Curso de Direito da
Universidade São Francisco, como requisito
parcial para obtenção do Título de Bacharel
em Direito orientado pela professora Maria
Lumena Sampaio Ribeiro.
São Paulo
2011
347.633 Júnior, Amaro Braz da Silva.
V555a Constitucionalidade das Cotas Nas Universidades
Públicas.
São Paulo, 2011. 57 p.
Monografia (graduação) - Universidade São
Francisco.
Orientação de: Maria Lumena de Sampaio
Ribeiro.
1. Ações Afirmativas. 2. Implementação das ações no
. Brasil 3.Princípio da Isonomia
4.Legislação Jurídica Basilar.
Juliana de Sousa Veloso
RA: 003.200.600.384
CONSTITUCIONALIDADE DAS COTAS NAS UNIVERSIDADES
PÚBLICAS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
no Curso de Direito, da Universidade São
Francisco, como requisito parcial para a
obtenção do Título de Bacharel em Direito.
Data de aprovação 10/06/2011
Banca Examinadora:
................................................................................................................
Professora Orientadora Graduada. Maria Lumena de Sampaio Ribeiro
Universidade São Francisco
................................................................................................................
Professora Examinadora Graduada. Ceile Ione de Carvalho Mavropoulos
Universidade São Francisco
................................................................................................................
Professor Especialista Examinador. Jaime dos Santos Penteado
Universidade São Francisco
Agradeço primeiramente a Deus, por ter me
dado forças para executar este trabalho.
Agradeço ainda minha esposa Cátia e meu
filho Gabriel, e toda minha família.
Agradeço também aos professores do curso de
Direito da USF, a quem devo pelos
ensinamentos auferidos durante a graduação,
que ajudaram a tornar possível a realização
deste trabalho.
RESUMO
A presente monografia tem como foco principal analisar as disposições legais, jurisprudências
e normas que regulamentem a Constitucionalidade das Cotas nas Universidades Públicas.
Diante da crescente demanda que vem despertando esse tema. O estudo pormenorizado se faz
pelo relevante interesse público e social, tendo em vista que sua principal afetação, diz
respeito à garantia do serviço público gratuito, que deve ser dado de forma isonômica e
impessoal, e caso seja aprovado as cotas, existirá uma série de entraves jurídicos que serão
questionados por parte dos indivíduos que venham se sentir prejudicados pela reserva de
vagas a um grupo determinado.
Portanto o foco principal desse trabalho é trazermos fundamentos jurídicos e sociais que
tutelem tais inovações legais.
Palavras - chave: Cotas, Isonomia,Escravidão ,Constitucionalidade.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 08
SEÇÃO 1 AÇÕES AFIRMATIVAS ..................................................................................... 11
1.1 Origem das politicas de ações afirmativas ........................................................................ 12
1.2 Processo americano de Ações Afirmativa ......................................................................... 13
1.3 Origem do significado desta expressão ............................................................................. 14
1.4 Definições de ações afirmativas posicionamento favorável ............................................. 15
1.5 Corrente contrária .............................................................................................................. 17
1.6 Natureza Júridica ............................................................................................................... 18
SEÇÃO 2 IMPLEMENTAÇÃO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL ................ 20
2.1 Contexto histórico da situação do negro no Brasil ............................................................ 23
2.2 Começo das pesquisas da temática do negro e a formação do ―Mito da Democracia Racial
................................................................................................................................................. 26
2.3 Autores contradizem o ―Mito da Democracia Racial‖ ...................................................... 28
2.4 A escola Unicampista ........................................................................................................ 29
2.5 Da Escola Paulista e a Lei 10.639/2006 ............................................................................ 32
SEÇÃO 3 PRÍNCIPIO DA ISONOMIA ............................................................................. 34
3.1 Definições do princípio da Isonomia ................................................................................. 35
3.2 Limites do principio da Isonomia e a atuação do Estado .................................................. 37
3.3 Limites das políticas de igualação ..................................................................................... 39
3.4 O que são minorias, sob a ótica jurídico constitucional .................................................... 42
SEÇÃO 4 LEGISLAÇÃO JÚRIDICA BASILAR .............................................................. 44
4.1 Legislação Brasileira de ações Afirmativas e cotas.......................................................... 45
4.2 Os programas de inclusão no Brasil .................................................................................. 48
4.3 A meritocracia e a legitimidade do sistema de cotas ......................................................... 50
CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 53
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 55
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INTRODUÇÃO
Constituição Federal 1988
Art. 2º - Todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidas nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de
raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem
nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
É com esse artigo da Constituição Federal de 1988, que começaremos o nosso estudo
sobre um dos temas mais palpitantes e atuais do nosso ordenamento jurídico, esse artigo nos
traz a reflexão do que há de mais belo e constitucional, que são os direitos e garantias
individuais dos cidadãos e o poder protetivo e garantidor do estado, na legitimação material e
formal desses direitos.
Apesar da beleza desse texto e de todos os pactos que o Brasil é signatário, onde se
compromete a praticar essa premissa básica constitucional, que é a proteção da dignidade da
pessoa humana, ou seja, o comprometimento para que não haja nenhuma forma de exclusão,
discriminação ou privilégio. Na Prática, pouco têm se formulado em ações de políticas
público-privado para efetiva diminuição dessas desigualdades.
Dentre os direitos constitucionais, existem alguns que são essenciais para a dignidade da
pessoa humana, não existindo o que o direito salvaguarda como essencial, ora não há de se
falar em direitos individuais e nem muito menos em dignidade da pessoa humana, entre eles
citamos o acesso a Educação de qualidade.
Mas o direito formal, ainda está longe de ser uma harmonia com o direito material,
porque os índices de exclusão dos negros em relação aos brancos, sobretudo no que diz
respeito no acesso ao ensino superior público no País ainda são alarmantes. Vejamos os
seguintes dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pesquisa tem
como base o interregno de tempo entre 1999 e 2009.
Enquanto 62,6% dos estudantes brancos de 18 a 24 anos cursavam o nível superior em
2009, o porcentual era de 28,2% para os pretos e 31,8% para os pardos, de acordo com a
terminologia usada pelo instituto. Os dados apontam, entretanto, que houve forte expansão
nesse indicador para todos os grupos. Em 1999, esses porcentuais eram de 33,4% para
brancos, de 7,5% para pretos e de 8% entre os pardos.
Em relação à população de 25 anos ou mais com ensino superior concluído, houve
crescimento na proporção de pretos (subiu de 2,3% em 1999 para 4,7% no ano passado) e
pardos (passou de 2,3% para 5,3%). No mesmo período, o porcentual de brancos com
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diploma passou de 9,8% para 15%. Apesar de todos os avanços nos índices quantitativo de
pessoas que acessaram as universidades brasileiras nos últimos anos, esses dados, no entanto
são ínfimos se considerarmos apenas o acesso em Universidade Pública. Na verdade, o
aumento no número de alunos negros nas universidades tem mais haver com a melhoria de
renda da população em geral nos últimos anos, cominado com os programas de acesso as
universidades particulares por intermédio de bolsas de estudos via Pro Uni e FIES.
Mas, essa dura realidade mostra o que toda sociedade não quer ver, ou não
está preparada para fazer a discussão das Cotas Raciais nas Universidades
Públicas, que é a quase total exclusão da população negra nas Univesidades
Públicas , País afora, sob a máxima do discursso reticente da Merítocracia,
que é o acesso universal as vagas via sistema de seleção, que ainda prevalece
o vestibular. (http://www.estadao.com.br/noticias/geral,ibge-diminui-
desigualdade-racial-no-acesso-a-educacao,611305,0.htm).
Sabemos que o Estado Brasileiro em vários momentos da sua história, tanto na
monarquia,como na república e até os dias atuais,nunca fez uma política voltada a garantir a
melhoria efetiva nas condições de vida da população negra e indígena, e sobretudo no que
concerne no acesso ao ensino de qualidade em todos os níveis.
Esse mesmo Estado em vários momentos legislou, medidas que iam de encontro as
pretenssões da população africana do Brasil e seus remanescentes, sendo que a maioria desses
decretos tinham caráter geral, ou seja, tinha ideía racista introjetada, apesar de passarem uma
ideía de proteção aos demais cidadãos,podemos contextualizar a Lei Complementar à
Constituição de 1824, que preconiza:
Por este presente ato, fica proibido que negros e seus descendentes
frequentem escolas, tendo em vista que os mesmo são portadores de
moléstias contagiosas, e devem se manter afastados dos sadios. Portanto
constituí crime mantê-los em instituições de ensino, sendo apenas permitida
a sua catequização. (www.educafro.org.br)
Como é de se notar, diferente do que se pensa, quando se fala em criar uma legislação
de reparação e algumas pessoas entendem que apenas nos Estados Unidos, foi a política racial
uma política de Estado, enquanto que no Brasil teoricamente não aconteceu da mesma forma,.
Mas podemos perceber que tal afirmação trata-se na verdade de uma falácia, porque aqui no
Brasil em diversos momentos da nossa história, praticamos as mesmas políticas raciais
americana, só que sob o manto da falsa ―Democracia Racial‖.
Esse termo ―Democracia Racial‖ é necessário que se faça um parêntese, antes de
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proceguirmos dissertando sobre qualquer outro tema ligado a essa questão, pelo fato de que
nos Estados Unidos o Estado criava leis diretas de segregação, aqui no Brasil sempre erigiu à
máxima da liberdade, fraternidade e igualdade, advinda do pensamento Burguês da Revolução
Francesa.
Que camuflava uma revolta da aristrocracia francesa em nome de uma pseudo-
revolução liberal e igualitária, que num certo momento junta-se aos camponeses, com o
intuíto de fortalecer-se apenas númericamente, para fazer frente ao forte aparato do gonverno
absolutista francês, governado pelo então Rei-Sol Luis XVI.
Não lutavam pela implementação de políticas sociais liberais e igualitárias,
mas na verdade lutavam pela liberdade da classe burguesa frente ao poder
opressivo dos impostos e privilégios das monarquias constitucionais, clero e
nobreza.Fato este comprovado por diversas passagens históricas desse
contexto, que demonstram que a igualdade era meramente formal, como
podemos resaltar o fato de apenas a Burguesia ter direitos políticos tendo
apenas 15% da população, sendo que os camponese representavam mais de
80% , após a revolução francesa de 1789, ou seja essas medidas procuravam
manter o ―status quo‖, mas arrefecendo os anseios das massas por meio de
legislações liberais. (ARRUDA, 1994, 188 à 197)
O escritor francês Anatole France, no seu livro ―false liberté‖ faz uma crítica a esse
sistema de leis, dizendo: ―A lei, na sua majestosa igualdade, proíbe ao rico e ao pobre de
furtarem pão e dormirem embaixo da ponte, e permite a ambos se hospedarem no Hotel Ritz‖.
Foram com medidas pontuais e de caráter geral, que a maioria das leis brasileiras de
segregação foram sendo construídas e introjetadas no imaginário popular brasileiro e mais,
não se tratou de uma política pontual em um determinado momento, foi na verdade, prática
sitemática do governo brasileiro, e isso está comprovado em diversos documentos que
exporemos adiante.
Portanto esse trabalho tem como motivo fazer uma ánalise crítica e conteporizada sobre
as Cotas Raciais, e como principal objetivo propor o debate sobre essa realidade brasileira.
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SEÇÃO 1 AÇÕES AFIRMATIVAS
O termo Ações Afirmativas é relativamente novo no Brasil, são medidas pontuais e
temporárias que visam reparar situação de desigualdade de grupos historicamente
desfavorecidos através de políticas compensatórias. Cabe aqui ressaltar o que causa muitas
discussões e controvérsias, é a diferenciação entre Ações Afirmativas e Cotas, antes que
aprofundemos mais a explicação sobre esses dois conceitos cabe aqui a primeira diferenciação
técnica: As Ações Afirmativas são o gênero, e as cotas são espécies, ou seja, falar de ações
afirmativas é falar em todas as políticas compensatórias que vão desde o reconhecimento da
capoeira como esporte nacional, a devolução de terras quilombolas, dia da consciência negra,
etc.
Enquanto cotas, é uma espécie de ação afirmativa, que seu principal instrumento é a
reserva de vagas para um determinado grupo com características similares, em situações
pontuais, como exemplo: assentos preferências nos ônibus. Existe um conjunto de lugares e
uma parte destes são reservados para as pessoas que se enquadram naquela situação. Podemos
ainda tomar a exposição do Professor Athaíde Moreira Gonçalves que no seu livro ‖A
Formação Jurídica Inclusiva‖, e o mestre Lobato Silva Santos, fazem as seguintes
conceituações:
Atualmente no Brasil existe uma confusão entre o conceito de ações
afirmativas e de cotas raciais ou sociais. Ações afirmativas podem ser
compreendidas como ações públicas ou privadas, ou ainda, como programas
que buscam prover oportunidades ou outros benefícios para pessoas
pertencentes a grupos específicos, alvo de discriminação. Tais ações têm
como objetivo garantir o acesso a recursos, visando remediar uma situação
de desigualdade considerada socialmente indesejável. Para isso, instituem
um tratamento preferencial que pode ter diferentes perfis. A instituição de
metas ou cotas é um dos recursos de correção ou compensação aos
mecanismos de discriminação. Nesse sentido, ações afirmativas no ensino
superior correspondem ao estabelecimento de dispositivos que promovam o
acesso e a manutenção, nas universidades, de estudantes pertencentes a
grupos sociais que historicamente têm sido objeto de discriminação. Tais
ações têm se desenvolvido por meio de diferentes instrumentos, organizados
ou não pelo sistema de cotas. (MOREIRA, p. 39)
Ou ainda o segundo conceito:
As Ações Afirmativas e as cotas são apenas dois dos principais meios que
podem ser utilizados como instrumentos capazes de propiciar mobilidade
social aos afro-descendentes, a fim de integrá-los economicamente e
socialmente aos demais membros da sociedade inclusiva, sem olvidar outras
formas fecundas de obter justiça social. Porém, é importante enfatizar que
essas propostas deverão vir acompanhadas de outras medidas de cunho
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social, universalistas, tais como: melhorias na qualidade de ensino público;
políticas de redistribuição de renda; aumentos e reajustes reais de salários e
vencimentos; reforma tributária, reforma agrária e etc. (SANTOS, 1993,
p.72).
1.1 Origem das politicas de ações afirmativas
Segundo Paulo Lucena, as ações afirmativas não tiveram início nos Estados Unidos, na
verdade, ela é originária da Índia quando nos anos 60 foi instituída cotas para dalits
(intocáveis). Essa política foi criada por B.R.Ambedkar, que foi um dos fundadores do Estado
indiano juntamente com Nehru e Gandhi, tendo sido também um dos relatores da Constituição
daquele País, quando foi introduzida na própria constituição cotas para dalits, mas outros
Países também criaram legislações especiais que visam combater a desigualdade de grupos
minoritários, como podemos citar o caso da Austrália que decretou cotas para os maoris, a
Austrália não foi diferente criou uma lei de inclusão por intermédio de cotas para os
aborígenes e no Canadá tivemos o caso foi decretada cotas nas Universidades e no congresso
para os inuits e na África do Sul com o fim do apartheid foi instituída política de ações
afirmativas em prol dos negros. Mas uma vês é mister destacar que ao contrário dos outros
casos que os grupos assistidos eram minorias quantitativas, nesse caso da África do Sul, assim
como no Brasil, a apenas de ser falar de minorias no sentido analítico, ou seja, no que tange a
tutela dos seus direitos fundamentais.
Mas sem dúvidas, que devido ao poderio econômico mundial, o caso que causa mais
comparação é o caso Americano, ainda mais por tratar de uma realidade muito mais próxima a
nossa que é o caso da população negra advinda de ambos os casos do processo de escravidão.
As ações Afirmativas tiveram inicio no Estados Unidos, com a promulgação da Carta dos
Direitos Civis em 1964, após uma série de manifestações e protesto em prol do
reconhecimento dos direitos civis dos negros americanos, liderada entre outros por Martin
Luter King e Malcon X.
Os ideais das lutas raciais nos EUA foram disseminados para todo o restante
do mundo, de forma sempre a buscar a igualdade das classes (SILVA
CARDOSO, 2009, p.04). No ano de 1968, a ONU sob a ratificação de 157
países – inclusive o Brasil que a ratificou em 1969 por meio do Decreto-Lei
n° 65.810 –, aprovou a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial. Desde então a ONU vem se esforçado no sentido de
abolir qualquer forma de racismo, ou práticas xenófobas – tão comuns nos
países europeus. (WWW. jusdireito.com.br acesso em 20/05/2011).
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1.2 Processo americano de Ações Afirmativa
Quando falamos de Ações Afirmativas e sistema de cotas para negros, nos remete aos
Estados Unidos da América, que na década de 60 no auge das ações de direitos civis
(Affirmative Action). Esse complexo de lei tinha como principal pretensão, a proteção de
grupos marginalizados historicamente pelo sistema vigente, sobretudo, no caso americano,
foram os negros.
Como é mister lembrar, que apesar do banimento da escravidão nos Estados Unidos ter
ocorrido em 1865 e ocorreu nos moldes da brasileira, não tendo havido nenhuma política
compensatória para os afro-americanos, mas do contrário até o ano de 1967 vigia no estado da
Virginia a lei que proibia o casamento entre negros e brancos, os chamados casamentos inter-
raciais, onde observamos nesse dado que sem uma efetiva intervenção estatal a comunidade
americana foi incapaz de reconhecer os direitos dessa população .
Como vimos a simples abolição da escravidão não foi capaz de incluir de forma digna
uma população negra, que nos Estados Unidos corresponde a cerca de 11% do total, enquanto
que no Brasil essa parcela chega a 51% se contabilizarmos, negros e pardos, segundo dados
do IBGE em 2010.
As Ações Afirmativas tiveram origem na premissa básica inicial: Propunham medidas
que visavam acabar com a discriminação que os negros sofriam, para que estes pudessem
concorrer de forma igual com os brancos no mercado de trabalho. (CRUZ, 2006, p.143).
Essa ideia de igualdade entre os homens, tendo após evoluído para um conceito mais
pontual e aparentemente contraditório que são as ações afirmativas americanas , está
embasada na vasta literatura Iluminista sobretudo advinda de Rousseau, Locke entre outros,
no caso desse segundo autor podemos citar a obra, Segundo tratado do Governo Civil, onde
ele escreve a seguinte afirmação: ―A ordem social não deve ser assentar-se em grupos,
entidades, ou aglomerações, mas em indivíduos autônomos e independentes, que são os
verdadeiros responsáveis pelo próprio destino e os únicos capazes de buscar a felicidade‖
(Rousseau, 2006, 174.).
No caso concreto as ações afirmativas americanas propunham acabar com a
discriminação contra a população negra, no que tange os direitos políticos, jurídicos e
econômicos, ou seja, tinham como objetivo principal, não a proteção individual de uma ente
determinado, mas tinham uma natureza resolutiva muito mais ampla, pois tinha como objetivo
a tutela de uma grupo de indeterminado de pessoas, desde que, pertencentes ao grupo em
questão.
14
Portanto vemos aqui, que apesar de a constituição americana ter como base os
princípios iluministas, que apregoava a ideologia do ―Faça você mesmo‖, onde privilegiava a
tutela individual de cada pessoa. No caso das ações afirmativas foi demonstrada a real
necessidade do Estado intervir com uma política não mas voltada para um indivíduo em
questão, mas para que cada medida no caso concreto, tivesse aplicabilidade e abrangência
para todos as pessoas pertencentes aquela situação concreta.
1.3 Origem do significado desta expressão
O termo Ações Afirmativas (Afirmative Action), foi usada a primeira vez, em uma
ordem expedida pelo presidente Kennedy, no ano de 1961. Mas foi no governo do presidente
Lyndon Johnson, entre os anos de 1963 a 1969 que ganharam forças as leis antidiscriminação,
também denominada de discriminação positiva, em favor dos negros e das demais minorias
étnicas americana.(Prudente. Wilson,2009,p.83)
Citamos aqui um trecho de um dos mais famosos discursos do presidente Lyndon
Johnson, que defendia a necessidade de reparação da população negra americana, discurso
esse realizado no ano de 1965:
Você não pega uma pessoa que durante anos foi tolhida por correntes e a
liberta, a põe na linha de partida de uma corrida e então diz – ‗você está livre
para competir com os outros‘ – e ainda acredita que está sendo totalmente
imparcial. Não é justo o bastante, neste caso, abrir as portas, ou
oportunidades. Todos os cidadãos devem estar dispostos a trabalhar para que
essa igualdade funcione... Nós buscamos a completa igualdade, não como
um direito ou uma teoria, mas como um fato um resultado.
Entre as diversas medidas compensatórias ali introduzidas, como acesso ao mercado de
trabalho, preferência de empresas administradas por negros em licitações, junto aos órgão
públicos, mas as que ganharam mais destaques diz respeito Cotas nas Universidades.
Mas como sabemos nos Estados Unidos vigio o sistema de escravidão até o ano de
1865, quando foi assinado o tratado de paz da guerra civil americana(secessão), onde o
presidente Abraham Lincoln decretou também a libertação dos escravos, que já estava
proibida mas não havia sido amparada pela Constituição no ato da independência dos Estados
Unidos da Inglaterra no ano de 1783.
Um dos motivos da não contemplação da abolição da escravatura no texto
constitucional, tem a ver com a amarração política que se fez necessária, para que fosse
15
contemplado todos os anseios das classes econômicas americanas, tendo em vista, que
enquanto os estados do norte eram altamente industrializados, os estados do sul eram
totalmente dependentes da mão- de - obra escrava, assim como o Brasil
Daí surge a problemática, porque apesar de a constituição norte-americana nada falar a
cerca da abolição da escravatura, as base intelectual e filosófica para essa independência
adivinham o ideário francês, que eram sustentado pelo seguinte trinômio:, liberdade,
igualdade e fraternidade, ou seja teoria que demonstrava ser totalmente contrária a existência
de um Estado escravocrata. Ao contrário do que se apregoa, sobre a passividade dos negros,
na verdade isso não é totalmente verdadeiros, tendo em vista inúmeras revoltas em todos os
lugares que havia escravidão e o elevado número de leis e aparato humano que tinham como
objetivo ,manter esses escravos subjugados nas fazendas e isso ocorreu tanto nos Estados
Unidos, quanto aqui no Brasil.
1.4 Definições de ações afirmativas posicionamento favorável
Alguns autores fazem uma descrição do termos Ações Afirmativas , de forma muito
pontual e isenta buscando tão somente conceituar a abrangência de tais medidas, Entre eles:
O Ministro Joaquim Barbosa, em sua obra Ação Afirmativa e princípio constitucional
da igualdade, conceitua as ações afirmativas como:
Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de
políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou
voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de
gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da
discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do
ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e
emprego. (BARBOSA, 2001, p. 137).
Luiza Cristina Fonseca Frischeisen conceitua ação afirmativa da seguinte forma:
Entendemos as ações afirmativas como um conjunto de ações públicas, que
pode ser diretamente implementadas pela legislação ou incentivado a partir
de um programa estabelecido e que visam o rompimento de desigualdades
históricas ou sociais no acesso ao efetivo exercício de direitos, bens e
serviços considerados essenciais para uma vida digna. Desigualdades que
não conseguem ser rompidas com os mecanismos tradicionais de inclusão
social, como a expansão do mercado de trabalho ou o acesso universal à
saúde e á educação. É importante destacar que iniciativas no âmbito das
empresas privadas também podem ser classificadas como ações afirmativas,
por exemplo, uma instituição financeira que adote um programa de
responsabilidade social baseado na concessão de bolsas somente para
16
meninas em local no qual as mulheres tenham dificuldade no acesso à
educação ou somente para jovens afrodescendentes em um país no qual estes
sejam sub-representados nas universidades públicas em relação ao
percentual que representam na população como um todo. (FRISCHEISEN,
2007, p.59).
Lima Junior delimita o conceito de ação afirmativa:
A Ação Afirmativa tem a finalidade justamente de possibilitar, por meios
mais ágeis, a igualação formalmente pretendida pela Constituição. Tratar
desigualmente os desiguais, enquanto durar a desigualdade, é a fórmula para
chegar a uma igualação prática sem para isso ser preciso esperar séculos de
desenvolvimento social e cultural. (JUNIOR, 2001, p.139).
Com o mesmo entendimento o jurista, Paulo Lucena de Menezes traz o seu conceito:
Ação afirmativa, nos dias correntes, é um termo de amplo alcance que
designa o conjunto de estratégias, iniciativas ou políticas que visam
favorecer grupos ou segmentos sociais que se encontram em piores
condições de competição em qualquer sociedade em razão, na maior parte
das vezes, da prática de discriminações negativas, sejam elas presentes ou
passadas. Colocando-se de outra forma, pode-se asseverar que são medidas
especiais que buscam eliminar os desequilíbrios existentes entre
determinadas categorias sociais até que eles sejam neutralizados, o que se
realiza por meio de providências efetivas em favor das categorias que se
encontram em posições desvantajosas. (MENEZES, 2001, p.27).
Álvaro Ricardo Souza Cruz entende as ações afirmativas como sendo:
Medidas públicas e privadas, coercitivas ou voluntárias, implementadas na
promoção/integração de indivíduos e grupos sociais tradicionalmente
discriminados em função de sua origem, raça, sexo, opção sexual, idade,
religião, patogenia físico-psicológica, etc. (CRUZ, 2005, p.143).
Lobato Silva Santos destaca, em sua obra:
As Ações Afirmativas e as cotas são apenas dois dos principais meios que
podem ser utilizados como instrumentos capazes de propiciar mobilidade
social aos afrodescendentes, a fim de integrá-los economicamente e
socialmente aos demais membros da sociedade inclusiva, sem olvidar outras
formas fecundas de obter justiça social. Porém, é importante enfatizar que
essas propostas deverão vir acompanhadas de outras medidas de cunho
social, universalistas, tais como: melhorias na qualidade de ensino público;
políticas de redistribuição de renda; aumentos e reajustes reais de salários e
vencimentos; reforma tributária, reforma agrária. (SANTOS; LOBATO,
2003, p.72).
Outra corrente de pensadores que são contrários as cotas no Brasil, via de regra,
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defendem essa posição por entenderem que vivemos em um País mestiço e que diante de tal
fato, será impossível delimitarmos a abrangência dessa norma, caso viesse a ser
implementada, ou ainda defendem que a meritocracia universitária deve ser o principal meio
de seleção dos alunos, independente de qualquer outro critério.
1.5 Corrente contrária
Entre esse pensadores citamos:
Raças biologicamente falando não existem, não houve escravidão contra o
negro, o que houve na verdade foi um sistema econômico que necessitava de
uma mão- de - obra, e por acaso foi o negro. Mas poderia ser qualquer outro,
portanto não a de se falar em reparação advinda das cotas raciais, ao
contrário do que se espera, vai criar privilégios para os negros que os demais
... E de alguma forma eles mesmos (os pobres) são culpados dessa situação...
(...) Alguns justificam as cotas dizendo que temos uma ―dívida‖ com os
negros, por tudo o que fizemos com eles no passado. Bom, eis o argumento
que nos traz as guerras de Israel x Palestina, Índia x Paquistão e as infinitas
guerras civis africanas: lutar em nome de uma antiga dívida não paga, seja
ela de ordem moral ou mesmo financeira. Porque, então, não cobramos de
Portugal todo o ouro e recursos minerais que eles extraíram daqui? Aliás,
porque não culpá-los de vez pela situação dos negros de hoje, já que foram
eles os colonizadores escravistas? Não culpamos porque não adianta. Morreu
aquela sociedade que via no negro um escravo, embora haja resquícios deste
racismo ainda hoje. Os brancos não têm culpa de nascerem brancos e serem
forçados a pagar a culpa que seus antepassados têm para com os negros. Os
mortos já não podem nem se defender e nem se desculpar. Se um branco de
hoje nada tem a ver com as atitudes daquele de outrora, então por que (ou
por quem), estamos pagando uma dívida do passado em que estamos
moralmente desconectados?. (MAGNOLI, 2009,pág 78,167).
Roberta Fragoso Kauffmann apregoa na sua defesa a inconstitucionalidade das cotas
interposta no STF.
O que se discute é se a implementação de um Estado Racializado, ou, em
outras palavras, se o Racismo Institucionalizado, nos moldes em que
praticado nos Estados Unidos, em Ruanda e na África do Sul, será a medida
mais adequada, conveniente, exigível e ponderada, no Brasil, para a
finalidade à que se propõe: a construção de uma sociedade mais justa, igual e
solidária. Para termos uma ideia, segundo dados do PNUD, no Norte, os
negros são 78,8% dos pobres, e os brancos, 21%. Já na região Sul, 73,6%
dos pobres são brancos e 25,9% negros. É com base nisso que podemos dizer
que a cota para negros não funciona nem no princípio e nem na prática.
Imagine uma pessoa pobre perdendo a vaga para um rico abastado pelo fato
deste último ser negro. Este cenário por si só já é improvável, uma vez que o
pobre dificilmente chegará em condições de igualdade educacional com um
rico. Ainda assim, pode acontecer e, assim sendo, a injustiça estará feita.
18
Afinal, qual a culpa de uma pessoa em ter nascido com uma cor ou com
outra. (KAUFFMANN, Adin 3.330/2009).
A historiadora Ivone Maggie, no seu livro O perigo das cotas raciais, faz o seu
comentário a cerca do tema.
A implantação das cotas raciais não promove a inclusão nem resolve as
desigualdades que existem no país: "A sociedade é dividida em classes e é aí
que reside a fonte de toda a desigualdade. O Brasil optou por um sistema
econômico altamente concentrador de renda. Sem lutar contra isso, sem lutar
pela igualdade de direitos e pelos direitos universais não há como construir
uma sociedade mais igualitária e justa,...projetos como esses devem ser
considerados inconstitucionais,... pois dividem a sociedade brasileira — para
efeito de distribuição de direitos — em brancos e negros. (MAGGIE, p. 81).
1.6 Natureza Júridica
Após a leitura a pesquisa de inúmeros doutrinadores, podemos humildemente concluir,
sob a ótica da corrente entende pela constitucionalidade das cotas raciais que:
Ações Afirmativas são medidas temporárias e pontuais, que tem natureza jurídica
reparadora de caráter constitutivo de eficácia coletiva, porem permite demandas individuais
de objetivo coletivo, desde que o individuo pertença ao grupo reparado em questão. Nesse
passo, podemos ainda afirmar que as ações afirmativas têm como fundamentação jurídica,
uma decisão de caráter resolutivo, mas que tem eficácia jurídica constitutiva de direitos, a
eficácia de sua decisão passa a ser ―Erga Omines‖ , por se tratar de direito pessoal, que diz
respeito a direitos subjetivos do individuo. O presente trabalho cita as cotas nas Universidades
Públicas, como constitutivas de direito ou reparadoras, como foi o caso da reintegração de
terras Quilombolas na Favela do Sabão, no Rio de Janeiro.
Cabe ainda demonstrar que não há de se falar em privilégio, tendo em vista que esses
grupos marginalizados, não possuem força econômica nem muito menos política para
exigirem os seus direitos, sendo as ações afirmativas no caso concreto, o meio mais eficaz e
pontual de diminuir essa mazela social.
Portanto as ações afirmativas tem demonstrado ao longo dos anos, ser uma medida
eficaz que pontual que visa reparar grupos historicamente excluídos, buscando através dessas
políticas compensatórias a efetivação dos seus direitos. Mas do que isso segundo dados do
IPEA (Instituto de Políticas Econômicas Aplicadas), sem uma medida governamental que
contemple um recorte étnico, serão necessários 32 anos para que negros se igualem aos
salários dos brancos.
19
Portanto diante de tais dados, vesse a urgente necessidade da implantação de políticas
reparadoras que visem a igualdade material de condições entre negros e brancos no País.
20
SEÇÃO 2 IMPLEMENTAÇÃO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL
O subjugamento pela força não foi tão pacífico como apregoa alguns livros de história
principal forma de exteriorização dos movimentos negros rebeldes contra a escravização, nos
cerca de quatro séculos em que a mesma perdurou no país (1549-1888), foi a quilombagem.
Na definição de Moura:
Entendemos por quilombagem o movimento de rebeldia permanente
organizado e dirigido pelos próprios escravos que se verificou durante o
escravismo brasileiro em todo o território nacional. Movimento de mudança
social provocado, ele foi uma força de desgaste significativa ao sistema
escravista, solapou as suas bases em diversos níveis – econômico, social e
militar – e influiu poderosamente para que esse tipo de trabalho entrasse em
crise e fosse substituído pelo trabalho livre. (MOURA, 1989 p. 22)
Que segundo o autor foi o embrião de todos os grupos negros organizados que surgiram
em seguidas, e podemos aqui afirmar que foram os primeiros movimentos de Ações
Afirmativas no Brasil, que tinham como intuito principal a igualdade no direito a terras, que
havia sido Barrada com a promulgação da Lei de terras 601/1850 que promulgava ―A partir
dessa data todas as terras pertencem a União e só poderão ser usada se compradas ou se
devidamente documentada a sua posse por seus usufrutuários.‖ Outros movimentos surgiram
logo após como, a guarda negra fundada por José do Patrocínio, a revolta dos Alfaiates na
Bahia, que tinha como principal reivindicação a libertação dos escravos, canudos que teve
uma participação numerosa de negros libertos e a Revolta da chibata no ano de 1910,
capitaneada por João Cândido, o ―Almirante Negro‖, que mesmo mais de doze anos após o
fim da escravidão, continuavam os negros sofrendo castigo de chibatas nos porões dos navios
da Marinha Brasileira.
Na década de 30 surge a Frente Negra Brasileira, grupo formado por vários intelectuais
que tinha como missão que tinha como objetivo principal o ingresso de negros nas forças
pública de São Paulo. Obtiveram certa repercussão em suas demandas que usando o mesmo
nome fundaram um partido no ano de 1936, que veio a ser considerado ilegal no de 1937 com
o advento do Estado Novo.
A população negra brasileira ao contrário do que muitos dizem, nunca foi omissa, no
que tange a incessante busca por espaços dignos na sociedade brasileira, e isso se vê desde a
formação dos quilombos, no período da escravatura a formação da Frente Negra de Combate
ao Racismo, na década de 40, essa formação de grupos de direitos dos negros, foram
21
perseguidos de forma violenta pelo regime ditatorial, tendo em vista que os mesmo eram
considerados subversivos e inimigos do Estado. Em 1944 Abdias do Nascimento funda o
Teatro Experimental Negro, que viria a ser depois eleito deputado e senador pela República.
Essa luta ficou arrefecida, até meados da década de 60, quando novamente o movimento
negros toma força e volta a fazer o trabalho de base que dá origem a diversos grupos de luta
contra o preconceito, como ONGs, sindicatos, centros culturais e etc.
Com o término do período ditatorial no Brasil em 1985, surge uma corrente que visava
transformar o País em uma democracia plena, onde o todos os cidadãos seriam contemplados
com os bons ventos do período pós ditadura e que as desigualdades até então existentes
sanariam com a promulgação da nova carta constitucional, que foi promulgada no ano de
1988, sendo chamada de a Constituição Cidadã. O principal objetivo dessa constituição era
modernizar o sistema econômico, para que o País pudesse dar um salto de desenvolvimento
que havia sido estagnado desde a posse dos militares no poder.
Outra função que se buscou com essa nova carta, era a garantia de todos os
direitos básicos de cidadãos, onde pela primeira vez na história do País, a
constituição tinha como função principal tutelar direitos individuais, em
detrimento do coletivo, ou seja, cada indivíduo seria protegido nos seus
direitos e garantias individuas e o Estado teria a função de propiciar os meios
adequado para tutelar esses direitos.. Todavia, tal avanço não se fez
acompanhar nas áreas da educação e acesso ao mercado de trabalho, tendo
mais uma vez o Poder Público renegado a questão da desigualdade racial foi
relegada à segundo plano, e mantendo a margem do avanço econômico e
institucional os grupos menos favorecidos economicamente, que em sua
maioria são compostos pelos negros e pardos (LUZ , 2009, p.23).
Diante de tais perspectivas em que mais uma vez a questão do negro tinha um caráter
secundário nas pautas de todas as instâncias de poderes do País, grupos do movimento negro
começaram um trabalho de fomentação de lideranças, que tinham como objetivo no primeiro
momento, pressionar o Estado para que fosse colocado em pauta as questões ligadas ao negro
no País, como a questão da baixa escolaridade, violência policial, moradia e outros.
Como demonstra Guimarães:
A partir de 1996, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, foi
organizado um seminário internacional sediado em Brasília, que discutiu o
racismo no Brasil e o papel das ações afirmativas, sendo convidados
pesquisadores brasileiros e norte-americanos, bem como várias lideranças
negras nacionais. Tudo culminou com a participação brasileira, em 2001, na
III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia
22
e Intolerância Correlatas, realizada em Durban na África do Sul. O Brasil
participou desta conferência e assinou uma plataforma de compromissos, e
de adoção de políticas de redução das desigualdades perante uma audiência
global. Assim sendo, como resta demonstrado pelo histórico das ações
afirmativas, houveram várias lutas para que os grupos socialmente
marginalizados pudessem de fato ser inseridos no círculo social a que
pertencem. No Brasil, esta luta ainda está em sua fase inicial, sendo que o
Poder Público começa a elaborar políticas de inserção destes grupos – as
chamadas ações afirmativas. (GUIMARAES, 2003, p.252; 254; 256)
Após anos de tramitação nas diversas casas do poder legislativo, no dia 20 de junho de
2010, foi sancionada pelo então Presidente da República, Luis Inácio ‖LULA‖ da Silva a Lei
12.288 que é conhecido como o Estatuto da Igualdade Racial, que pela primeira vez no Brasil,
mesmo de forma tímida contempla a palavra Ações Afirmativas em uma lei nacional. Entre os
diversos parágrafos dessa Lei, transcreveremos alguns mais pontuais:
Art. 3º Além das normas constitucionais relativas aos princípios
fundamentais, aos direitos e garantias fundamentas e aos direitos sociais,
econômicos e culturais, o Estatuto da Igualdade Racial adota como diretriz
político-jurídica a inclusão das vítimas de desigualdade étnico-racial, a
valorização da igualdade étnica e o fortalecimento da identidade nacional
brasileira.
Art. 4º A participação da população negra, em condição de igualdade de
oportunidade, na vida econômica, social, política e cultural do país será
promovida, prioritariamente, por meio de:
I – inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social;
II – adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa;
III – modificação das estruturas institucionais do Estado para o adequado
enfrentamento e a superação das desigualdades étnicas decorrentes do
preconceito e da discriminação étnica;
IV – promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à
discriminação étnica e às desigualdades étnicas em todas as suas
manifestações individuais, institucionais e estruturais;
V – eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que
impedem a representação da diversidade étnica nas esferas pública e privada;
VI – estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade
civil direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate
às desigualdades étnicas, inclusive mediante a implementação de Série
Legislação 10 incentivos e critérios de condicionamento e prioridade no
acesso aos recursos públicos;
VII – implementação de programas de ação afirmativa destinados ao
enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante à educação, cultura,
esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação
de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros.
Parágrafo único. Os programas de ação afirmativa constituirse-ão em
políticas públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades sociais e
demais práticas discriminatórias adotadas, nas esferas pública e privada,
durante o processo de formação social do país.
Art. 5º Para a consecução dos objetivos desta lei, é instituído o Sistema
Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir), conforme estabelecido
no Título III.
23
Como é de se notar questões polêmicas como cotas raciais e demarcação de terras de
remanescentes quilombolas foram tiradas do texto da Lei, mas isso não impede que seja
normatizado, via STF, tendo em vista que tramita nessa casa uma ADIN 3197 que condena as
cotas nas universidades públicas e será julgada possivelmente ainda este ano.
Segundo dados recentes da Universidade Federal de Brasília, das 94 universidades
públicas, ai se inclui as estaduais e federais, 70 adotam ações afirmativas para minorias
vinculadas ao sistema de cotas e mais de 150 instituições de ensino, incluindo técnico
adotaram alguma forma de ações afirmativas, mostrando que a decisão do STF, não mudará
em nada o que silenciosamente já vem ocorrendo no País.
Com o término do período ditatorial no Brasil em 1985, surge uma corrente que visava
transformar o País em uma democracia plena, onde o todos os cidadãos seriam contemplados
com os bons ventos do período pós ditadura e que as desigualdades até então existentes
sanariam com a promulgação da nova carta constitucional, que foi promulgada no ano de
1988, sendo chamada de a Constituição Cidadã. O principal objetivo dessa constituição era
modernizar o sistema econômico, para que o País pudesse dar um salto de desenvolvimento
que havia sido estagnado desde a posse dos militares no poder.
Outra função que se buscou com essa nova carta, era a garantia de todos os
direitos básicos de cidadãos, onde pela primeira vez na história do País, a
constituição tinha como função principal tutelar direitos individuais, em
detrimento do coletivo, ou seja, cada indivíduo seria protegido nos seus
direitos e garantias individuas e o Estado teria a função de propiciar os meios
adequado para tutelar esses direitos.. Todavia, tal avanço não se fez
acompanhar nas áreas da educação e acesso ao mercado de trabalho, tendo
mais uma vez o Poder Público renegado a questão da desigualdade racial foi
relegada à segundo plano, e mantendo a margem do avanço econômico e
institucional os grupos menos favorecidos economicamente, que em sua
maioria são compostos pelos negros e pardos (LUZ , 2009, p.23).
Diante de tais perspectivas em que mais uma vez a questão do negro tinha um caráter
secundário nas pautas de todas as instâncias de poderes do País, grupos do movimento negro
começaram um trabalho de fomentação de lideranças, que tinham como objetivo no primeiro
momento, pressionar o Estado para que fosse colocado em pauta as questões ligadas ao negro
no País, como a questão da baixa escolaridade, violência policial, moradia e outros.
2.1 Contexto histórico da situação do negro no Brasil
24
Para falarmos de ações afirmativas ou qualquer outro tema que vise a reparação ou
inclusão da comunidade negra, sobretudo no Brasil, é necessário que façamos um breve relato
histórico, social, e jurídico sobre a situação do negro no Brasil, desde a sua chegada até os
dias atuais.
Calcula-se que vieram cerca de três milhões de negros para o Brasil, sem contar com os
que morreram no trajeto insalubre entre a África e o Brasil. Mas esse número chega a ser
irrelevante se pensarmos no montante de mais de 50 milhões de negros que foram retirados de
suas terras para serem escravos em diversos Países como Inglaterra, Portugal, Espanha,
França, Holanda e suas colônias.
Documenta-se que a presença dos negros no País, tem o seu primeiro relato no ano de
1550, e em menos de 300 anos depois de cada três brasileiros um era escravo africano ou
descendente de africano.(Prudente.Wilson,2009,p.166)
O africano não era considerado ser humano conforme vemos no código penal do
império advindo do código Português, salvo quando eram agente ativo do fato delituoso...
Equipara-se os escravos para efeitos deste código a animais e coisas....(Titulo LXII das
Leis Filipinas), ou seja caso um escravo tivesse um braço quebrado o senhor responderia a
crime de dano e não lesão corporal, e caso este fosse sequestrado o autor responderia a crime
de furto, tendo em vista que ele equiparava-se a coisa.
Com base nesse pensamento desumanizante e mercantil, os negros eram exposto e
vendidos em praça pública, sem que houvesse uma preocupação de manter a unidade familiar,
diferentes pessoas podiam comprar separadamente membros de uma mesma família. Após a
compra os senhores de engenho os levavam para as fazendas onde viviam em um local
fechado e sem janela para coibir as fugas e facilitar a segurança.
Quando se aborda a questão racial no Brasil comparativamente com os Estados Unidos
da América, muitos autores e doutrinadores dizem que são realidades distintas as formas que
foram abordadas as questões raciais no Brasil e a forma Americana. Dizem inclusive que aqui
nunca houve uma política de Estado, voltada para marginalizar e excluir os negros e manter
os privilégios do brancos, que o que vigio no País sobretudo foi a questão econômica.
Mas como veremos a seguir esses dois textos demonstram que ao contrário do que se
fala, foi prática do governo brasileiro criar leis que cerceava os direitos dos negros brasileiros,
nos moldes do que estava sendo feito nos Estados Unidos.
Lei Complementar à Constituição de 1824, que preconiza:
Por este presente ato, fica proibido que negros e seus descedentes
25
frequentem escolas, tendo em vista que os mesmo são portadores de
moléstias contagiosas, e devem se manter afastados dos sadíos. Portanto
constituí crime mante-los em instituições de ensino, sendo apenas permitida
a sua catequisação.
Código penal do estado da Geórgia (1833)
Considera-se crime ensinar a qualquer escravo negro, ou pessoa de cor livre
a ler tantos caracteres escritos quanto impressos.
Código Penal do Estado da Carolina do Sul (1800)
É ilegal qualquer número de negros escravos ou livres, mulatos, mulatos ou
mestiços, mesmo em companhia de pessoas brancas, reunir-se com o
propósito de obter instrução intelectual ou religiosa, mesmo que tal ato
aconteça antes do sol nascer ou depois que o sol se
pôs.(Prudente.Wilson,2009,p.137)
Portanto como vimos os legisladores de ambos Estados, em dado momento da história
legislaram mediadas restritivas de direitos aos cidadãos negros dos seus Países e, sobretudo
no que tange a questão do acesso a educação, fazendo com que anos depois os Estados
Unidos, ao contrário do Brasil, reconheceram que estas medidas foram pontuais mas decisivas
para a desencadear à exclusão histórica no que tange o acesso dos negros nos postos de poder
econômico, social e político, e adotaram as ações afirmativas.
As ferramentas jurídicas para se obter esse controle e evitar que os negros fugissem ou
fossem auxiliados foram os seguintes artigos da mesma Lei.
LXIII_ Serão punidos todos aqueles que auxiliarem a fuga de escravo, como
também aqueles que o acolher.
LXVIII_ É crime pedir esmola, como também viver sem ocupação regular
continua.
E ainda Lei de 15 de outubro de 1827,
Fica determinada a destruição de todos os quilombos, e dá-se a expressa
autorização para providenciar os meios necessários de da criação de outros
E o decreto 3609, de 17 de fevereiro de 1886, que determinava a prisão de
escravos localizados nas ruas após as 22:00 horas sem a autorização dos
senhores. (Piovesan.Flávia,2005,p.443)
Como vimos existiam várias leis que tutelavam os deveres dos escravos, mas em
momento algum o estado criou leis que determinassem uma melhor qualidade de vida aos
escravos, tendo em vista que devido a precariedade das condições de higiene, saúde,
alimentação e segurança a média de vida útil de um escravo não ultrapassava dez anos. Mas
eram automaticamente substituídos por seus filhos ou por outros negros.
Essas medidas visam desestabilizar a condição dos negros de reagirem as agressões,
tendo em vista que eram separados do seu convívio familiar e social, e muitas das vezes eram
colocados juntos com negros de outras etnias e línguas diferentes, para que não pudessem ter
26
uma comunicação clara e viessem a se rebelar, como revela o livro do ―As histórias de um
povo sem pátria‖ do autor Thomas Bieguedon, que narra a seguinte passagem:
As diferentes formas de amordaçamento e violações que sofreram os povos
africanos nas Américas, foram concretamente uma das maiores atrocidades
históricas, no que concerne ao total aparato do Estado membros da
comunidade escravista, em violarem todos os direitos possíveis dos povos
africanos.
Não a de se falar que o contexto econômico era singular e que a questão
racial não predominou de forma decisiva na forma de tratamento cruel,
desumano e degradante que foram e ainda são tratados os africanos pelas
potências Europeias, porque se fizermos uma leitura de todos os povos
subjugados ao longo dos anos e não pertencem a comunidade Africana,
veremos que outros Países tiveram um tratamento diferenciado, ou no
mínimo de apoio de outras nações, quando se encontraram em situação de
dominação por potências econômicas. (BIEGUEDON, ANO, PAG).
2.2 Começo das pesquisas da temática do negro e a formação do “Mito da Democracia
Racial
Os estudos sobre a questão negra no Brasil ganha força no final dos anos 20, mas esse
tema ganha força e relevância acadêmica, sobretudo, nos anos 30, quando grandes
pesquisadores começaram a dissertar sobre o contexto histórico, sociológico e econômico do
negro no Brasil colonial, e suas consequências, esses estudos perduram até meados dos anos
80, é nesse interregno de tempo que se constata o grande número de publicações acadêmica
que abordam a temática da escravidão, ou do negro no Brasil. Falamos de negro e escravidão
muitas vezes como coisas separadas, porque parte desses estudiosos, delimitam a escravidão a
uma espécie de opção negra e não como um processo de subjugamento pela força dos
africanos no Brasil.
Como havíamos falado, diversos autores abordaram o tema do negro brasileiro, sobre
diversas óticas distintas, de acordo com a sua ideologia de econômica, política e social, por
exemplo o autor Gilberto Freyre com o livro ―Casa Grande & Senzala‖, ele descreve sob a
ótica do senhor de engenho, como se dá a relação entre negros e brancos, escravizados e
escravizadores no contexto dos engenhos de açúcar, ou seja, ele faz um estudo da relação
fraterna entre a senzala e a casa grande. Como sabemos essa relação era de dominação e não
de cooperação, mas a teoria de Gilberto Freyre lança a base teórica para o que viria ser
conhecido posteriormente como, o ―Mito da Democracia Racial‖, onde em sua obra ele afirma
que viviam como uma grande família e que se enriqueceram mutuamente com experiência e
valores diversos, formando uma sociedade multicultural, onde o negro manteve as suas raízes
27
e agregou o conhecimento do europeu e vice-versa.‖escravos domésticos eram tratados como
familiares, pessoas da casa, parentes pobres; sentavam-se à mesa, passeavam com os
senhores‖. Analisa a presença negra na história do Brasil, como esteio indispensável para a
colonização portuguesa.
Os escravos vindos das áreas de cultura negra mais adiantada foram um
elemento ativo, criador, e quase que se pode acrescentar nobre na
colonização do Brasil; degradados apenas pela sua condição de escravos.
Longe de terem sido apenas animais de tração e operários de enxada, a
serviço da agricultura, desempenharam uma função civilizadora. Foram a
mão direita da formação agrária brasileira, os índios, e sob certo ponto de
vista, os portugueses, a mão esquerda.
Os ensinamentos de Gilberto Freyre foram logo absolvidos pelo governo de Getúlio
Vargas criador do Estado Novo, e membro da família Vargas, um grupo de aristocratas
gaúchos, que com o final da escravidão buscavam o forma de não indenizarem os negros que
haviam sido escravos em suas fazendas e se apoderaram dessa teoria para o que conhecemos
como sendo a democracia racial. A um passo que o mesmo governo decreta em 18/09/1945 a
Lei 7.967 que tem como objetivo principal:
―atender-se-á, admissão dos imigrantes Europeu, a necessidade de preservar e
desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua
ascendência européia, assim como a defesa do trabalhador nacional.‖.
Uma lei anterior já havia sido promulgada, foi a Lei das Emigrações de 28 de junho
1890, que dizia:
Pelo presente dispositivo, fica decretada como condição determinante para à
entrada de estrangeiros oriundos de Países Asiáticos ou Africanos, com
prévia autorização do congresso nacional, que emitirá a autorização de
permanência, segundo lhe achar conveniente, obedecendo os preceitos
legais.
A tese de Gilberto Freyre, serviu de base para fundamentação de todos aqueles que
fossem cobrados, por uma política de reparação para população negra do País, e foi usado
pelo Estado Novo como propaganda para o mundo, que a mistura de raças no Brasil não
atravancou o seu desenvolvimento, pelo contrário, essa mistura de raças serviu para que o
Brasil fosse um País multicultural e que havia oportunidades em todos os espaços da
sociedade para todas as raças.
28
Uma das partes mais importantes do debate diz respeito também à inovação da
metodologia de Freyre que passou a frequentar todas as áreas da casa para descrever a vida
cotidiana do brasileiro.
A ideia de escravidão patriarcal foi modernizada pelo historiador americano, Eugene
Genovese, que faz um estudo sobre a ―coisas‖, daí a denominação ―teoria do escravo-coisa‖.
2.3 Autores contradizem o “Mito da Democracia Racial”
Mas para autores como Florestan Fernandes, essa teoria culturalista defendida por
Freyre, na verdade é a fonte de todas as injustiças que viriam a ser praticadas dentro desse
contexto da ―democracia Racial‖ e que apesar da aparente liberalidade que o Estado Brasileiro
tratou a questão do negro, logo após o fim da escravatura, tendo inclusive aceitado as suas
músicas, sua dança, sua culinária, e as diversas manifestações culturais absorvidas pala
sociedade brasileira, serviram na verdade para camuflar o grande fosso que existia entre os
negros e brancos, no que tange ao acesso aos meio de poder como política, educação, justiça
e bens.
Segundo analisa o próprio Florestan Fernandes,
Todo brasileiro traz na alma, quando não no corpo também, a influência do
africano na ternura, na música e na culinária, - contribuíam para camuflar a
desintegração social do negro brasileiro que, em meio à evolução da
sociedade e seus ciclos econômicos, ficara excluído do novo sistema de
relações de trabalho e destituído de quaisquer iniciativas de ressocialização à
nova ordem social baseada no trabalho livre. (FERNANDES, 1973, 204).
Na década de 60, alguns autores revisionistas buscaram entender o contexto da
escravidão, e a forma que o próprio negro se via nas relações sociais da época, os autores
perceberam, que apenas para os grupos que usaram a força como arma de auto afirmação,
foram capazes de gozarem de um certo respeito como cidadão e se tornaram protagonista e
narradores das histórias de resistência contra as atrocidades cometidas pelo sistema
escravocrata, entre eles citamos: Manoel Congo, Zumbi, Dandara, entre outros. Para Clóvis
Moura, ―só os escravos que fugiam e participavam de quilombos, eram escravos que
combatiam o regime escravista. Por outro lado, aqueles que permaneciam no trabalho, que
não fugiam para os quilombos, que não se insurgiam, consolidaram o regime escravista‖.
O mito da democracia racial, foi fonte de estudo de vários historiadores entre eles
Emília Viotti, afirma que:
29
Os brancos beneficiaram-se com o mito, mas também é verdade que os
negros beneficiaram-se igualmente, embora de uma maneira mais limitada e
contraditória. A negação do preconceito; a crença no processo de
branqueamento; a identificação do mulato como uma categoria especial; a
aceitação de indivíduos negros entre as camadas da elite branca tornou mais
difícil para o negro desenvolver um senso de identidade como grupo. Por
outro lado, criaram oportunidades para alguns negros ou mulatos
ascenderem na escala social. Embora socialmente móveis, os negros tinham,
entretanto, de pagar um preço pela sua mobilidade. Tinham que fingir que
eram brancos. Negros de alma branca. (VIOTTI, 1984, 437).
Ela não houve mobilidade social devido a esse contexto, e os poucos negros que
conseguiram tal feito, isso só foi possível, devido ao processo de clientelismo e patronato que
se instalou no Brasil.
Outro grande teórico a cerca da condição da existência do negro no Brasil foi o
sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que escreveu não sob o prisma da existência
meramente física e biológica, mas sobre o prisma da condição social do negro, a forma que
ele era visto pela sociedade da época, na qual o autor descreve de forma pontual que para a
sociedade escravocrata e pós escravocrata, o negro era considerado como mera ferramenta de
trabalho, não um sujeito ativo da relação, mas um ser inferior de consciência de consciência
subalterna.
Segundo Fernando Henrique Cardoso, o processo de transição do escravismo que era a
formação da sociedade patriarcal hereditária, onde o escravo compunha esse acervo
patrimonial, para uma sociedade de classes, tendo em vista que com o término da escravidão,
esse escravo teoricamente, seria um cidadão livre e portanto dotado de direitos e deveres, não
foi percebida pelo negros livres, tendo em vista que a estrutura econômica pré-existente não
foi capaz de absolver essa mão de obra livre, nem o Estado foi capaz de tutela os seus direitos
fundamentais, como falou Fernando Henrique Cardoso:‖ O escravo era testemunha muda da
história‖.( Fernando Henrique Cardoso apud VIOTTI, 1984, 433)
2.4 A escola unicampista
Com o advento dos cem anos do término da escravatura, a década de 80 foi um período
em que vários estudiosos começaram um estudo contemporizado e profundo sobre a condição
do negro no Brasil e no mundo, entre os vários grupos de estudos destaca-se a Escola
Unicampista, que faz uma abordagem crítica, sobre tudo que havia sido estudado até então de
forma empírica sobre esse tema. Esse grupo rechaço a forma romântica que muitas vezes
30
eram retratados os negros, como também o heroísmo exacerbado que alguns autores os
retratavam.
Entre os historiadores citamos: João José Reis e Eduardo Silva, os estudos desses
autores trazem á tona as negociações cotidianas, que muitas vezes partiam dos cativos que de
alguma forma entendiam a situação a qual estavam integrados na sociedade e a sua
importância no contexto social escravocrata, e muitas vezes usavam dessa condição para
barganharem algo em seu favor de forma pacífica, como em outras vezes usavam da força
para conseguirem lograr êxito nesse objetivo, fato esse que para esses historiadores não os
transformavam nem em heróis, nem muito menos vilões, mas meros agentes de circunstância,
Mas como relata os autores, a violência sempre foi algo corriqueiro no sistema escravocrata
brasileiro, sendo esta praticada na maioria das vezes como forma de controle e subjugação do
escravo. Na introdução do livro ―Liberdade por um fio‖, João Reis declara:
Onde houve escravidão houve resistência. E de vários tipos. Mesmo sob a
ameaça do chicote, o escravo negociava espaços de autonomia com os
senhores ou fazia corpo mole no trabalho, quebrava ferramentas, incendiava
plantações, agredia senhores e feitores, rebelava-se individual e
coletivamente, de alguma forma as relações senzala e casa-grande, sempre
foi marcada pelo choque de dominadores e dominados. (REIS, 1987,p.35).
Em Negociação e Conflito, João Reis e Eduardo Silva (Reis, 1987 p.472) concentram
seus esforços na recuperação dos escravos, que na medida de suas possibilidades, resistiram a
se tornar meros objetos de um sistema que lhes era exterior. Dessa forma, estes sujeitos
inventaram o seu viver, seja através da negociação mais imediata, corriqueira e mesmo
pacífica; seja através do conflito individual ou coletivo, que se corporificava nas insurreições
e quilombos.
Mas a Escola Unicampista recebeu várias críticas de diversos autores, sobretudo no
início dos anos 90, quando um grupo de historiadores, liderado pelo autor Jacob Gorender,
que em seu livro ―A Escravidão Reabilitada‖, faz uma série de questionamento aos autores
unicampistas e acusa-os de reinventarem o mito da democracia racial de forma acadêmica,
quando segundo o autor, eles mostram os negros como sujeitos protagonistas no processo da
escravidão, que tinham uma certa autonomia pela sua liberdade e condição de vida, o que para
Gorender, é uma forma incoerente de retratar a escravidão, mascarando-a como um sistema
permissivo e acusa os historiadores de usarem a academia para imporem um pensamento
ideológico, pertencente a classe não descendente de escravos.
31
Recentemente, no início da década de 90, surge no cenário da historiografia brasileira, o
polêmico historiador.
Para Gorender não devemos tomar como base para conceituarmos a relação entre senhor
e escravo, como sendo uma relação pacífica e benevolente, o que torna a relação de
escravidão uma relação quase familiar, o que não condiz com o caráter repressor e dominador
da escravidão. Ele afirma ainda que em alguns casos os escravos gozaram de certa ―regalias‖
para o contexto escravocrata, como é o caso de algumas fazendas que era proibido o açoite de
negros sem justa causa, ou ainda em alguns casos que havia liberdade religiosa para os negros
de certas fazendas.
Mas apesar de certas liberalidades, em nenhum dos contextos que seja o mais repressor
ao mais benevolente, tiraram a condição do escravo ser visto, como mera mercadoria ou da
possibilidade de ascensão social, tendo em vista que no sistema escravista colonial a
diplomacia era exceção, enquanto que a violência era regra e as oportunidades para a
comunidade negra eram inexistentes, dentro do contexto escravocrata social. Todavia, admite
Gorender:
O escravo não aceitava a escravidão. Era obrigado a adaptar-se a ela.
Demonstração disso era não só as fugas para os quilombos, das insurreições,
mas também na vida cotidiana, como mau trabalhador, como sabotador do
trabalho, exigindo assim, um alto custo de vigilância. ―O escravo era um
sujeito, tinha subjetividade, podia reagir ao senhor, seja pela insubordinação,
pela astúcia, ou pela violência, ou mesmo em alguns casos – pela
negociação. Isso não deixava de fazer com que, então socialmente, ele fosse
uma coisa‖. (GORENDER, ANO E PÁG).
Levando em conta todas as fontes de estudos, que retrataram a vida do escravo
brasileiro, no contexto da escravidão é de fácil percepção que esses estudos caminharam
sempre por dois pólos opostos na forma de retratar o comportamento do negro no contexto da
escravidão e de alguma forma eram sempre retratados não como agentes e sim como objetos
do contexto dos que se propunham a estudá-los, sendo horas considerados meras vítimas, ou
seja objeto do sistema feudal, quando são retratados de forma vitimizada e precária, outras
vezes retratados como heróis, quando se insurgiam contra o sistema escravocrata, ai nesse
caso eles eram retratados como objeto das circunstâncias
.Mas observem que em ambos os casos o escravo não aparece como autor de sua
história e sim como mero objeto do sistema ao qual estava inserido, mas na verdade a nova
história da escravidão se propõe a mostrar que em muitos casos os negros tinham consciência
que eles representavam, para o senhor de engenho, um mero componente para a engrenagem
32
escravista e que se rebelavam ou acomodavam-se cientes dessa dura situação e não apenas
como meros objetos, e sim como senhores de sua decisões, mesmo que com alcance limitado
em suas atuações, devido ao contesto da escravidão.
Os estudos do Gorender, são alicerçados pelos estudos do pensamento marxista,
advindos da revolução russa, que se contrapõe ao pensamento burguês, onde encara as
relações econômica, como relações de poder entra dominadores e dominados. Um dos
expoentes desse pensamento foi o autor italiano Antonio Gramsci, ―que definia essa aparente
aceitação da classe dominada em subordinar-se a classe dominante se dava pelo poderio
econômico dos dominadores sobre as classes subalternas, no caso do Brasil isso se deu pelo
poder econômico, religioso, que permitia uma margem de negociação entra senhores e
escravos, nos moldes de qualquer sistema econômico, que permitem pequenas vantagens para
os subalternos, com o intuito de mantê-los sob controle.
2.5 Da Escola Paulista e a Lei 10.639/2006
Uma outra escola de pensadores do tema da escravidão que se consolidou no início dos
anos 60, foi o que ficou conhecida como Escola Paulista, que rechaçaram a teoria da
democracia racial, advindo do pensamento Freyriano, entre esses pensadores destacam
Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni, Emília Viotti da Costa e
outros, esses pensadores se contrapuseram a visão benevolente e amigável retratadas na teoria
do Gilberto Freyre, mostrando que ao contrário do que retratava essa teoria, a vida do negro
no período da escravidão e posterior a esse, foi caracterizada pela total ausência de aparatos
que possibilitassem uma vida digna dessa população no nosso País. As condições de vida do
negro no período escravista, foram cruciais no que tange as oportunidades da comunidade
negra no Brasil, tendo esses inclusive introjetado a idéia de inferioridade advinda do
pensamento escravista fazendo com que esses grupos não se reconhecessem como pessoas,
mas como coisas, meros objetos. Esse pensamento perdurou até os nossos dias, tendo em
vista, que muitos negros não se vê como negros e portanto não absolveram a ideia de grupo.
Cabe aqui relembrar que o fim da escravidão no nosso País, foi uma imposição do
poderio econômico inglês que decretou no ano de 1845 a Lei Bill Aberdeen, que decretou que
seria preso qualquer navio que fosse pego traficando escravos, e caso o ato continuasse a
ocorre o Brasil pagaria multa a Inglaterra e teria os seus navios afundados. O que ia
completamente contra os planos da burguesia brasileira, porque como disse Raymundo Faoro:
33
Ao contrário do que se apregoa ou possa pensar, a formação econômica do
Brasil e o acumulo de capital, não são determinadas pelo ciclo do café, ouro,
algodão e nenhum outro meio, foi tão decisivo e essencial quanto o trabalho
escravo dos negros no Brasil. (FAORO, 1988, p. 278)
Mas ao contrário do que disse Raymundo Faoro, com embasamento histórico da real
situação do negro e sua importância no processo de formação do Estado Brasileiro a
sociedade Brasileira relegou a situação histórica do negro a um mero ―ser‖ no sistema
colonial, sendo acusado pela vasta literatura nacional como um cidadão inferior e quando
ocupavam um papel de destaque em algum contexto histórico, eram sumariamente relegados
a condição de revoltosos como é o caso de Zumbí e tantos outros negros protagonistas da
nossa história. A falta de acesso a história de personagens negros brasileiro, sobretudo no
ensino fundamental e médio., levando essa realidade até as universidades, como foi relatado
acima os estudos embrionários da temática do negro e suas contradições, devido a falta de
pesquisas da temática do negro, fazendo que grupos de pesquisadores tendenciosos
realizassem trabalhos de pesquisas que eram mera extensão da ignorância acadêmica sobre o
tema. Essa realidade começa a ser mudada no ano de 2003, quando foi sancionada pelo então
presidente Luis Inácio ―lula‖ da Silva a Lei 10.639, que obriga as escolas públicas e
particulares a contarem a história da África nos seus currículos escolares. Transcrevemos um
trecho dessa Lei:
Art. 1o A Lei n
o 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida
dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-
Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o
estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras
"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‗Dia
Nacional da Consciência Negra‘."
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
(WWW.senado.gov.br)
Mas infelizmente essa Lei continua sendo desrespeitada pela grande maioria das escolas
de todo País, fazendo com que outra geração de brasileiros cresçam sem conhecer a história
dos seus antepassados.
34
SEÇÃO 3 PRÍNCIPIO DA ISONOMIA
Os princípios de igualdade figuraram pela primeira vez na Constituição Norte-
Americana no ano de 1776. É considerado o documento embrionário do que posteriormente
viria a ser a Declaração de Direitos, no século XVIII, que antecede a Declaração dos Direitos
dos Homens e do Cidadão, no ano de 1789, advindo do ideário da Revolução Francesa, onde
em seu artigo 1º, dispunha a inovadora e atual determinação elementar no que tange aos
anseios dos direitos e garantias fundamentais das minorias:...‖ Os homens nascem e são livres
e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum‖...
Se observarmos de forma mais analítica, o termo ―as distinções sociais só podem
fundamentar-se na utilidade comum‖, inserido na Declaração dos Direitos Humanos e do
Cidadão, veremos que apesar de redigido há quase 300 anos atrás, esse trecho vislumbra a
possibilidade do que viria a ser chamada posteriormente de discriminação positiva ou ações
afirmativas.
Tendo em vista que, ele permite uma discricionariedade nos atos, em distinguir, (cabe
aqui um grifo nosso), ricos e pobres, negros e brancos, mulheres e homens, quando o Estado
tiver que tutelar direitos, ou cominar deveres e penalidades, ele terá a discricionariedade de
agir visando o bem comum.
Aqui no caso o legislador abre mão de ser tratado de forma igualitária, e é cabível a
distinção, não como arma de empoderamento ou manutenção de poder de um povo ou classe
dominante, mas como ferramenta da justiça distributiva, igualitária e reparadora de direitos e
garantias.
No caso do nosso ordenamento jurídico não é diferente do que preconizava a
Constituição Americana e os Tratados da Revolução Francesa, mas se olharmos de forma
desprecavida, podemos julgar que tais inovações legais ferem de forma frontal, um dos
preceitos máximos da Constituição Federal que é o principio da isonomia. Em verdade a
função principal dos textos constitucionais, é para servirem de base jurídica, para que possam
dirimir no caso concreto desavenças e tutela direitos de quem deles necessite, sobretudo,
àqueles entes hipossuficientes juridicamente na relação. Vejamos a cerca desse principio
constitucional: artigo. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988 ―todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza‖.
Também está disperso por vários outros dispositivos constitucionais, tendo em vista a
preocupação da Carta Magna em concretizar o direito a igualdade. Cabe citar os mais
importantes:
35
a) igualdade racial (art. 4º, VIII);
b) igualdade entre os sexos (art. 5º, I);
c) igualdade de credo religioso (art. 5º, VIII);
d) igualdade jurisdicional.... (art. 5º, XXXVII).
Alguns autores contrários as cotas, tomam esse texto constitucional como base jurídica
da sua rejeição a essas medidas jurídicas, por entenderem que tais medidas ferem o princípio
da isonomia, mas como veremos esse princípio não se sobrepõe aos demais princípios
constitucionais como o da equidade e razoabilidade.
3.1 Definições do princípio da Isonomia
Como vimos o princípio da isonomia, está elencado no artigo supra citado, abarca as
condições da promoção da igualdade de direitos entre os cidadãos tutelados pela Carta
Constitucional. É claro que essa previsão legal deixa de forma cristalina, que todos devem ser
tratados de forma similar. O que se discute na verdade não é a objetividade da lei em sua letra
fria, mas a sua aplicabilidade cotidiana e sua abrangência legal. Sabemos ainda que tal
delimitação de sua subjetividade e abrangência se torna mais delicada e complexa, quando se
trata de cotas raciais, por ser um liame tênue entra a justiça distributiva e reparadora de
direitos, indo de encontro com os direitos e garantias adquirida.
Pondera Celso Bastos que a exata definição, têm se constituído como algo difícil.
É o princípio da igualdade um dos de mais difícil tratamento jurídico. Isto
em razão do entrelaçamento existente no seu bojo de ingredientes de direito
e elementos metajurídicos. A almejada igualdade entre os cidadãos constitui
na realidade, uma ficção jurídica, visto que estes não são semelhantes no
sentido biológico, social e econômico, nem nunca o serão. O princípio busca
justamente dar oportunidades materiais de igualação das diferenças que
surgem entre as pessoas‖. (BASTOS, 1999, p.149).
O Autor muito bem conceitua a definição de igualdade como sendo uma ficção jurídica,
tendo em vista que se analisarmos os homens apenas no sentido objetivo como camada social,
País de origem, sexo e etc., veremos que existem diferenças imanentes a condição humana. O
que esse princípio se propõe é na verdade garantir a equiparação de oportunidade entre todas
as classes, tendo em vista que os seres humanos nunca foram e nem serão iguais
Cabe ressaltar que a nossa Constituição elenca ao longo do seu texto, várias passagens a
cerca da igualdade, textos esses que dizem respeito a uma série de considerações
36
constitucionais sobre esse tema, e em diversos campos e formas de abordagem. Mas não cabe
por ora transcrevermos todos esses textos, iremos apenas citarmos quais artigos e incisos
ponderam sobre o tema: o inciso I do artigo 5º, o inciso XXX do artigo 7º, o parágrafo 2º do
artigo 12, o inciso II do artigo 19, o inciso II do artigo 150, os parágrafos 1º, inciso II, e 2º do
artigo 173, o parágrafo 5º do artigo 226 e o parágrafo 6º do artigo 421.
Vários juristas fazem ponderações e considerações sobre esse tema, cabe aqui uma
delimitação da natureza jurídica da Igualdade, constatada pelo jurista Agenor Magalhaes:
A isonomia, como um superprincípio jurídico, tem o condão de criar e dar
forma a outros princípios constitucionais, vinculando sua interpretação, de
forma que estes não podem dispor de forma contrária à famigerada
isonomia. Observe-se que a aplicação do princípio da isonomia é
omnidimensional, ou seja, deve ser aplicada ―o tanto quanto possível na
totalidade do espaço e do tempo‖. A isonomia também não deve ser
ponderada, já que é fundamento dos outros princípios; e configura-se como
um valor jurídico, devendo ser, portanto, protegido de aplicação.‖
(MAGALHAES, 2007, p.581).
A promoção da igualdade é de importância fundamental para o Estado Brasileiro, é
defendido pelo artigo 3°,IV, da nossa Constituição Federal como sendo de prioridade
fundamental a contemplação desses objetivos, que entre eles subscrevemos ―promover o bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação".
O grande dilema desse princípio e que possamos efetivamente, transformar o texto
Constitucional positivado, em direito constitucional material, ou seja, buscar que a letra fria
da Lei se transforme em um provimento efetivo de equiparação e justiça. Cabe ao Estado
buscar a contemplação total de tais princípios, ele que precisa ter o papel principal na garantia
das tutelas, e não ter uma postura muitas vezes omissa na garantia desses direitos positivados
relegando a este uma mera ferramenta de apontamento e estudos constitucionais, sem
efetivamente promover as ferramentas proporcionadora da justiça distributiva.
Tais atalhos são denominados de princípios constitucionais impositivos,
impondo aos órgãos públicos e, principalmente ao legislador, a realização de
fins e a execução de tarefas‖. O principio da isonomia tem como principal
função a equiparação de direitos e garantias constitucionais, sem isso não a
de se falar em isonomia. Por ser o ente público responsável pela tutela de
direitos no que tange a coletividade e faz parte do poder constituído do
Estado, onde os poderes públicos divididos entre o Poder Legislativo, que
tem a obrigação constitucional de fomentar leis que busquem essa
equiparação dos direitos entre os cidadãos, o Poder Judiciário, que quando
provocado tem a missão de proporcionar a efetivação material desse direito,
37
e o Poder Executivo, que tem o poder de formular de forma transversal essas
políticas, como forma de igualar esses direitos. (CANOTILHO, 1993, p.
173).
Outra que disserta sobre esse tema é a procuradora da República Luiza Cristina Fonseca
Frischeisen (2007, p.31), define o princípio da igualdade como ―o conjunto de bens e direitos
aos quais todas as pessoas têm que ter acesso através de política de reparação da
desigualdade.‖.
Analisa Luis Roberto Barroso, a respeito do princípio da isonomia que:
É de praxe invocar-se a máxima aristotélica de que o princípio consiste em
tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que
eles se desigualam. A beleza filosófica de tal asserto não contribui, contudo,
para desvendar o cerne da questão: saber quem são os iguais e os desiguais e
definir em que circunstâncias é constitucionalmente legítimo tratamento
desigual. (BARROSO, 1999, p. 165).
3.2 Limites do principio da Isonomia e a atuação do Estado
Sabemos que é função do Estado tutelar e garantir todas as formas de acesso a uma
efetiva isonomia e promoção de direitos e garantias constitucionais, mas quando falamos em
―todas as formas‖ é bom que deixemos claro que essa expressão aqui elencada, precisa ter o
crivo da legalidade e constitucionalidade, tendo em vista que vivemos em um País
Democrático e de direitos, sendo isso considerado como norma essencial para o
funcionamento do Estado, não cabe nenhuma forma de violação a esse princípio, mesmo que
se tenha em mente a intenção de equiparação de direitos.
O Estado Democrático e de direitos não pode desconsiderar uma norma constitucional
em prol de direitos que contradigam essas normas, porque a função principal do Estado é
proteger o direitos constituídos, direitos esses que diz respeito a coletividade ou como falam
alguns doutrinadores, são os direitos universais. O Estado poderá tutelar demandas legítimas
de grupos ou pessoas, desde que essas não afrontem o direito da coletividade, portanto caso
haja alguma dúvida sobre a legitimidade do pedido, deverá desconsiderá-lo como um todo.
Outro que nos traz uma visão sobre esse tema é o mestre Sahid Maluf (1972, p. 283)
que faz uma análise sobre esse tema e o divide em quatro categorias, que elencaremos a
seguir:
a) Igualdade Jurídica, no sentido de afastar qualquer tratamento discriminatório,
motivos de raça, cor, religião, ideologia, posição social ou outros que possam afetar a
dignidade humana;
b) Igualdade de sufrágio, que se traduz no valor unitário do voto, seja do chefe de
38
família ou do celibatário, do rico ou do pobre do patrão ou do operário, do letrado ou do
ignorante;
c) Igualdade de oportunidade, isto é, idêntica possibilidade a todos de acesso à cultura
universitária, às funções públicas e às conquistas da ciência;
d) Igualdade econômica, consistente no estabelecimento de um padrão mínimo de vida
que corresponda com as necessidades normais do homem, levando-se em conta os seus
encargos de família.
Sabemos que a igualdade de direitos é a premissa básica de qualquer estado que vige o
sistema democrático e de direitos e faz parte do senso de justiça de todos os cidadãos, mas se
o Estado tutela direitos e garantias em detrimento as normas jurídicas legais buscando garantir
efetividade de função dos direitos, ocorrerá na verdade uma disfunção do Estado, o Jurista
Moraes, é quem melhor elucida esse limite da garantia da igualdade, sem violar a isonomia:
A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não
razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que
as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias,
torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de
acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja
exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida
considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de
proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida,
sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente
protegidos. (MORAES, 2006, p32).
O principio defendido por Morais delimita o poder de atuação, mesmo no que tange a
proporcionar a igualdade de direitos, essa distribuição de tutelas jurisdicional não pode ser
feita de forma aleatória e sem justificativa, porque quando se procura tutelar garantias para
pessoas ou grupos, não se pode ferir o direito de outros, porque senão, esses agora que se
tornariam carentes da tutela jurisdicional, portanto o que se procura é que a medida tenha em
seu preceito medidas razoáveis e proporcionais.
Portanto o assento preferencial para mulheres grávidas é uma medida que busca
proporcionar a igualdade, mas a delimitação total de todos os assentos para pessoas nessa
condição geraria uma medida desproporcional, mas no caso de cotas para deficientes físicos,
preferência para idosos, são medidas especiais de igualação de privilégios ou desigulação de
condição, desde que esses sejam efetivamente detentores dessa condição jurídica especial.
Novamente é mister que o tratamento diferenciado as minorias, nada tem a ver com
excedente quantitativo dessa população e sim de excedente quantitativo no que tange serviço
e oportunidades, como bem pondera a Jurista Flávia Piovesan, no caso da população negra
essa disparidade é latente, tendo em vista que os negros são economicamente menos
favorecidos e consequentemente, são usufrutuários de grande parte dos serviços públicos.
39
Outro conceito por minorias é feito pelo Jurista Francesco Capotorti, que delimita da
seguinte forma:
Um grupo numericamente inferior ao resto da população de um Estado, em
posição não-dominante, cujos membros - sendo nacionais desse Estado -
possuem características étnicas, religiosas ou lingüísticas diferentes das do
resto da população e demonstre, pelo menos de maneira implícita, um
sentido de solidariedade, dirigido à preservação de sua cultura, de suas
tradições, religião ou língua. (CAPORTI, 2004, 175).
Nesse contexto apenas número populacional, os negros não são minorias em termos de
contingente populacional ou quantidade demográfica, mas se encontram em situação ―não
dominante‖, fruto de todo o processo histórico e cultural advindos desde a escravidão, outro
jurista que conceitua esse tema de forma pontual é Fábio Konder Comparato, que delimita
esse termo da seguinte forma: ―as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade
de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela
aplicação de políticas ou programas de ação estatal‖. (COMPARATO apud MORAES, 2006,
p.31).
Diante dessa brilhante diferenciação entre justiça quantitativa e distributiva é necessário
que se efetive os meios de tutelas dos direitos formais em direitos matérias. Dentro desse
contexto fica delimitado o limite legal da diferenciação positiva, ou como chama alguns
juristas de ―Discriminação Positiva ou Discriminação Reversa‖, que emana o verdadeiro
principio da Isonomia e far-se-á à junção do direito formal e material.
3.3 Limites das políticas de igualação
A respeito da igualdade material na lei disserta o ilustre jurista Hans Kelsen:
As leis não podem – sob pena de anulação por inconstitucionalidade –
fundar uma diferença de tratamento sobre certas distinções muito
determinadas, tais como as que respeitam à raça, à religião, à classe social ou
à fortuna. A igualdade substancial postula o tratamento uniforme de todos os
homens. Não se trata, como se vê, de um tratamento igual perante o direito,
mas de uma igualdade real e efetiva perante os bens da vida. Essa igualdade,
contudo, a despeito da carga humanitária e idealista que traz consigo, até
hoje nunca se realizou em qualquer sociedade humana. São muitos os fatores
que obstaculizam a sua implementação: a natureza física do homem, ora
débil, ora forte; a diversidade da estrutura psicológica humana, ora voltada
para a dominação, ora para a submissão, sem falar nas próprias estruturas
políticas e sociais, que na maior parte das vezes tendem a consolidar e até
mesmo a exacerbar essas distinções, em vez de atenuá-las. No campo
40
político-ideológico, a manifestação mais acendrada deste tipo de igualdade
foi traduzida no ideário comunista, que procura ainda tradução na realidade
empírica, na vida das chamadas democracias populares. Ainda aqui,
entretanto, a procura da igualdade material não foi de molde a eliminar as
efetivas desigualdades existentes na vida das sociedades sujeitas a tal
regime. (KELSEN, 1999, p.145).
Para Hans Kelsen não existe a possibilidade de discricionariedade do legislador no que
tange ao Princípio da Isonomia, para ele esse princípio é taxativo e não admite nenhuma
forma de interpretação em ―bonna Parte‖, em prol de seguimento ou pessoas, porque para esse
jurista, qualquer distinção jurídica que visasse correções de direitos, levando em consideração
religião, raça, classe social ou fortuna, é inconstitucional desde a sua origem viciada.
Para Galuppo e Basile traz á tona um outro conceito á cerca do tema e explanam da
seguinte forma, buscando contribuir com a difícil tarefa de delimitar esse princípio:
Tratar diferentemente os negros, criando, por meio dos direitos
fundamentais, condições de inclusão social, significa tratá-los de modo
juridicamente adequado, o que é necessário para assegurar a legitimidade,
pois, conforme afirmamos, a legitimação do direito só pode se dar se houver
uma igual possibilidade de participação real nos discursos de formação da
opinião e da vontade, o que exige, muitas vezes, um tratamento diferenciado
daqueles que são faticamente excluídos, implementando-se uma igualdade
produtora e produzida pelo Estado Democrático de Direito. (BASILE, 2006,
p.103).
Áuadi Lammêgo Bulos discorre brilhante exposição a cerca desse mesmo tema:
Os homens nunca foram iguais e jamais o serão no plano terreno. A
desigualdade é própria da condição humana. Por possuíram origem diversa,
posição social peculiar, é impossível afirmar-se que o homem é totalmente
idêntico ao semelhante em direitos, obrigações, faculdades e ônus. Daí se
buscar uma igualdade proporcional, porque não se podem tratar igualmente
situações provenientes de fatos desiguais. O raciocínio que oriente a
compreensão do princípio da isonomia tem sentido objetivo: aquinhoar
igualmente os iguais e desigualmente as situações desiguais. Dessa maneira,
atribui-se ao princípio sentido real e não nominal, igualdade integral e não
incidental ou particular, porquanto a igualdade consiste em assegurar aos
homens que estão equiparados os mesmos direitos, benefícios e vantagens,
ao lado dos deveres correspondentes. O mesmo ocorre em relação àqueles
que estiverem desequiparados, os quais deverão receber o tratamento que
lhes é devido à medida de suas desigualdades. (BULOS, 2005, p.141).
Portanto ao fazermos a análise no sentido amplo, essa incongruência aparente do
Princípio da Isonomia com as ações afirmativas fica totalmente solucionada, porque
entendemos que o princípio trata de forma genérica a questão da igualdade, ele é a forma
41
positivada da Lei, mas que só alcança o seu fim jurídico se ponderarmos que a igualdade não
é absoluta como parece se analisarmos apenas de forma literal, ela na verdade é uma
construção filosófica jurídica e deve ser entendida, que quando falamos de ―Iguais Perante a
Lei‖, estamos nos referindo que a igualdade só se caracteriza dentro de um contexto jurídico
similar de oportunidades matérias entre aqueles membros, porque senão não a de se falar de
igualdade.
Cabe ainda salientar, que cabe ao magistrado a aplicabilidade da lei e que sua efetivação
só se torna plena com o poder jurisdicional a ele incumbido de julgar no caso concreto
levando em consideração as leis, os costumes e a analogia e toda forma que julgar necessária
para que possa proferir uma sentença justa e de aplicabilidade eficaz, em prol dos que dela
necessitam, sobretudo os hipossuficientes de uma relação jurídica. Portanto não cabem as
premissas de igualdade advinda do ideário francês, e sim a efetiva justiça reparadora.
João Mangabeira ―entende que a igualdade em seu sentido formal não é
suficiente para determinar as contradições originárias do modo de produção
capitalista, sendo que somente a efetivação das iguais oportunidades é que
virão a atingir os objetivos concernentes à dignidade da pessoa humana. Para
que haja iguais oportunidades são necessárias iguais condições de ascensão
social. Entre os cidadãos desiguais, devem ser priorizadas iguais
oportunidades e iguais condições devido à capacidade pessoal de ação e
direção. A igualdade social não implica em um nivelamento entre os homens
naturalmente desiguais. O que o princípio isonômico deve estabelecer é a
redução das desigualdades criadas pelos privilégios econômicos. Observa-se
que na estrutura social moderna, na qual o trabalho é social, e, por
conseguinte social a produção dos bens, entretanto o lucro é individual e
permanece restrito às camadas mais abastadas da sociedade.‖ (FERREIRA,
1983, p.771).
Galuppo, discorre sobre o princípio isonômico em sua concepção aritmética:
No direito moderno, que pressupõe uma política cujas decisões são tomadas
quantitativamente, e não qualitativamente, e que pressupõe uma sociedade
que não se estrutura hierarquicamente, mas isomorficamente, a igualdade
tem que ser concebida como igualdade aritmética, pois qualquer outra forma
de igualdade implicaria reconhecer maior ou menor importância às pessoas.
A igualdade aritmética, estendida pela universalização dos direitos a todos os
homens, é um conceito inclusivo de igualdade, que exige que o maior
número possível de pessoas (idealmente, a humanidade, mas, pelo menos, os
cidadãos) seja incluído pela proteção jurídica. Consequentemente, a
igualdade tem que ser concebida como um procedimento de inclusão formal
e material nos discursos de justificação e aplicação das normas, e o Direito
só pode ser tido como legítimo se garantir essa igualdade nos discursos que
realiza. (GALUPPO, 2002, p.152).
42
3.4 O que são minorias, sob a ótica jurídico constitucional
Portanto devemos vislumbrar esse princípio com a ressalva que o mesmo só será
efetivo, quando o Estado Legislador obtiver a máxima eficácia no que tange as garantias
individuais, sem se omitir na tutela legal, via equiparação por meio de políticas inclusiva, que
atenuem ou extinga as desigualdades em todos os seus níveis.
Cabe salientar que a função precípua, das ações afirmativas é de reparação dos grupos
minoritários. Quando nos referimos a grupos minoritários, é mister lembrar o que preconiza
Flávia Piovesan ―...entenda-se por minorias, aquela parcela da sociedade que não tem acesso
de forma adequada aos serviços essências, ou seja, não nos referimos em número de pessoas,
mas sim o número de serviços, ao qual essa população têm acesso...‖. (PIOVESAN, 2006, p.
28). Verifica-se então, que os negros não são inferiores numericamente no Brasil, mas se
encontram em uma posição ―não-dominante‖ e portanto minoritária no que concerne aos
direitos e garantias desse grupo.
Ou ainda podemos conceituar minorias da seguinte forma:. Francesco Capotorti define
minoria desta forma:
Um grupo numericamente inferior ao resto da população de um Estado, em
posição não-dominante, cujos membros - sendo nacionais desse Estado -
possuem características étnicas, religiosas ou lingüísticas diferentes das do
resto da população e demonstre, pelo menos de maneira implícita, um
sentido de solidariedade, dirigido à preservação de sua cultura, de suas
tradições, religião ou língua [...] (CAPOTORTI, 2009, P.14) observa-se
então, que os negros não são inferiores numericamente no Brasil, mas se
encontram em uma posição ―não-dominante‖. (COMPARATO apud
MORAES, 2006, p.31).
―...entenda-se por minorias, aquela parcela da sociedade que não tem acesso
de forma adequada aos serviços essências, ou seja,não nos referimos em
número de pessoas,mas sim o número de serviços, ao qual essa população
têm acesso...‖.Verifica-se então, que os negros não são inferiores
numericamente no Brasil, mas se encontram em uma posição ―não-
dominante‖e portanto minoritária no que concerne aos direitos e garantias
desse grupo. (COMPARATO apud MORAES, 2006, p.31)
Fábio Konder Comparato analisa que:
―as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições
sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela
aplicação de políticas ou programas de ação estatal‖. (COMPARATO apud
MORAES, 2006, p.31).
Complementando esse pensamento que delimita as igualações, Boaventura de Souza
Santos define o limite a igualdade na seguinte perspectiva:
43
Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e
temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza.
Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma
diferença que reconheça as desigualdades. (SANTOS, 2007 E 88).
Ou ainda como complementa o Gustavo Binenbojm: ―A igualdade não é
homogeneização forçada, pois ela implica no reconhecimento de que todos têm a igual
liberdade de ser diferente e de viver de acordo com essas diferenças‖ (BINENBOJM,
2002,p.365).
Se analisarmos de forma desprecavida, poderemos imaginar que as cotas raciais, que
são reserva de vagas em universidades públicas para uma determinada parcela da população,
ferem de forma frontal, um dos preceitos máximos da constituição federal que é o principio da
isonomia. Mas na verdade a função principal dos textos constitucionais é para servir de base
jurídica, para que possa dirimir no caso concreto desavenças e tutela direitos de quem deles
necessite, sobretudo, àqueles entes hipossuficientes juridicamente na relação.
44
SEÇÃO 4 LEGISLAÇÃO JÚRIDICA BASILAR
A Constituição Federal de 1988 consagrou o princípio da igualdade material,
reconhecendo em seu próprio texto fatores de discriminação e impondo ao Estado a criação de
outros mecanismos que propiciem a efetivação da igualdade entre os cidadãos. A igualdade de
condições à compensação das carências socioeconômicas é valor sempre subentendido nas
declarações de direitos fundamentais, de maneira que tais condições são definidas no próprio
texto constitucional ou em lei.
Vemos, pois, que na ordem constitucional inaugurada com a Constituição cidadã (como
podemos ver desde seu preâmbulo), o princípio da igualdade é valor norteador do sistema
estabelecido.
Analisando o texto constitucional, temos o art. 3º, o qual estabelece os objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil, entre os quais estão elencados: construir
uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceito de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Invocando, uma vez mais o magistério da Ministra Hellen Gracie da Suprema Corte:
Verifica-se que todos os verbos utilizados na expressão normativa -
construir, erradicar, reduzir, promover - são de ação, vale dizer, designam um
comportamento ativo. O que se tem, pois, é que os objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil são definidos em termos de obrigações
transformadoras do quadro social e político retratado pelo constituinte
quando da elaboração do texto constitucional. E todos os objetivos contidos,
especialmente nos três incisos acima transcritos, do art. 3º, da Lei
Fundamental da República, traduzem exatamente mudança para se chegar à
igualdade (ROCHA, 1996, p. 92, grifos nossos).
Como vimos a nossa Constituição não adotou uma atitude passiva na questão da
discriminação e do acesso ao serviços. Ela não se limitou apenas a descrever esses atos, a
constituição procurou apresentar remédios jurídicos para essas demandas, tendo em vista os
tempos verbais adotados no texto constitucional, que são formas ativas de agir, onde o Estado
traz para si a obrigação de erradicar, promover, construir, reduzir. Diante de tais prerrogativas
constitucionais, as Ações Afirmativas, como o próprio nome já diz, estão agasalhadas pelo
texto constitucional, por se tratar da exteriorização efetiva da vontade do legislador
constitucional.
Nunca é demais lembrar que como preconiza Fábio Konder Comparato, em sua obra ―
45
Rumo à Justiça‖ onde ele afirma ―O estado não possui a autonomia de decisão, quando o
assunto versar sobre tutela dos menos favorecidos‖, ou seja, segundo o Professor Comparato
não cabe ao Estado decidir se deve ou não agir para reduzir as desigualdades ele tem o
compromisso/dever de fazê-lo, tendo em vista que lhe é exigida uma atitude ativa e não um
ato discricionário onde o mesmo reconhece os entraves mas elenca outras prioridades.
Como sabemos o caput do artigo da Carta Magna que trata dos direitos fundamentais,
ratifica o que outrora já havia exposto no que tange ao direito de Igualdade, mas como
sabemos devemos olhar a igualdade trazida á tona nesse artigo, sob o prisma da Isonomia, que
como vimos não é uma mera ilação jurídica para dizer o que parece óbvio, ―todos são iguais‖,
mas é na verdade uma busca pela igualdade efetiva de direitos e garantias constitucionais.
Devemos perseguir a máxima Aristotélica que delimita ou melhor diferencia o que é ser
igual , quando ele fala que devemos tratar igualmente os desiguais, na medida em que essa
aparente igualdade os desiguala.
4.1 Legislação Brasileira de ações Afirmativas e cotas
Como havíamos ressaltado anteriormente, não é a primeira vez que temos medidas de
ações afirmativas para grupos em situação de desvantagem, outrora a nossa constituição já
elencava essa possibilidade como foram os seguintes casos, reserva de cargos e empregos
públicos a portadores de deficiência, regra que foi disciplinada na Lei 8.112/90, do art. 170,
IX, que concedeu tratamento favorável às empresas de pequeno porte. Previu, ainda, a Carta
Magna "proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos" (art. 7º,
XX), além de expressamente proibir a discriminação no ambiente de trabalho em decorrência
de cor, sexo, idade ou estado civil (XXX e XXXI), especial tratamento para a criança e para o
adolescente e para os portadores de deficiência (art. 227), aos índios (art. 231).
Todas essas medidas elencadas no texto constitucional, o que de mostra a preocupação
desde a formulação da Carta Magna em tutelar os direitos das minorias, como já foi
amplamente discutido o conceito de minorias, cabe aqui apenas fazermos uma ressalva de que
se trata no que tange ao acesso de forma qualificada os bens e serviços disponíveis, mas esse
pensamento jurídico vigora até os dias de hoje, como veremos emendas a constituição que
ressalvam os mesmo preceitos constitucionais, demonstrando que o legislador está em muitos
casos atentos as modificações jurídicas, buscando dar maior efetividade ao texto legal, é o
caso dos portadores de deficiência, daqueles que exercem atividades sob condições especiais
ou que prejudiquem a saúde para os quais a EC nº 47 previu a adoção de critérios
46
diferenciados para a concessão de aposentadorias.
No que tange as normas infraconstitucionais, podemos citar uma lei do ano de 1993, de
número 8.666, chamada de Lei das Licitações, que faz uma ressalva na forma de ações
afirmativas, ou cotas da seguinte maneira postulado no seu artigo 24,parágrafo XX, a dispensa
de licitação na contratação de associação de portadores de deficiência física, sem fins
lucrativos, o que consolida uma discriminação positiva, por facilitar o acesso as licitações,
grupos minoritários economicamente ou socialmente por meio de legislação especial.
Outro exemplo de discriminação positiva está elencado nas leis 9.100/95 e 9.504/97,
que tratam de eleições municipais. Onde subscreve em suas normas uma cota de 20% para
que os candidatos de cada partido sejam compostos por mulheres. Estudos posteriores que
visavam medir a eficácia dessa medida, demonstraram que após a implementação dessa lei
houve um acréscimo de mais de 111% no número de mulheres eleitas.
Mas esse número diz pouco se olharmos de forma global a exclusão persiste, vejamos:
nas eleições de 2010, 1.655 cargos estiveram em disputa, entre governadores, senadores,
deputados federais e estaduais. Do total, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
foram eleitas apenas 193 mulheres, o que representa 11,66%, para se ter uma idéia na Câmara
Federal, mantivemos a representação com 45 das 513 cadeiras. No Senado, a bancada
feminina será composta por 13 senadoras das 81 cadeiras. Temos portanto, apenas 8,77% de
deputadas federais e 16% de senadoras . Se falarmos apenas no âmbito estadual nas eleições
para deputados estaduais, vereadores e prefeitos, em muitos estados e regiões essa situação
ainda é mais alarmante, o que demonstra que as ações afirmativas por se só é ineficaz, se não
tivermos uma verdadeira política universal de promoção do acesso das minorias aos sistemas
de poder do País.
Outra política de ação afirmativa elencada no nosso ordenamento jurídico, diz respeito
ao compromisso firmado pelo Brasil, junto a organismo internacionais de proteção aos
Direitos Humanos, em que se compromete a fomentar toda forma de combate á
discriminação e preconceito racial e de gênero, tais convenções ocorreram nos anos de 1968 e
1994, permitindo que se promova todas as formas necessárias para contemplação de tais
objetivos, sendo as ações afirmativas um desses mecanismos legais.
Cabe aqui ressaltar que a Emenda Constitucional nº 45, traz como preceito a cerca dos
tratados em que o Brasil for seguinatário, forma em que a nossa legislação deve acolhe-lo:
Os tratados internacionais sobre Direitos Humanos, quando aprovados em
conformidade com o procedimento adotado para as Emendas Constitucionais, serão
equivalentes a elas. Em que pese restar ainda no ramo do Direito Internacional larga
47
controvérsia sobre a aplicabilidade de dito dispositivo, é certo que há a possibilidade dos
tratados elencados acima serem recepcionados com o status de norma constitucional, o que
tornaria ainda mais evidente a conformação das ações afirmativas ao sistema jurídico pátrio.
Outros dispositivos de ordem estadual acolheram as ações afirmativas, como medidas
eficazes no combate a toda forma de discriminação, fazendo esse acesso das formas mais
variadas como reserva de vagas, que são mais conhecidas como cotas, pontos extras em
vestibulares e concursos, e outras medidas que visam igualar esses entes diferenciados.
Iremos apenas elencar as principais Leis que instituíram cotas em diversos seguimentos
da sociedade:
.3.708/01, de 28 de dezembro de 2000, que instituiu cotas na UERJ, que hoje têm cerca
de 68% das suas vagas ocupadas por cotas sociais e raciais.
. Decreto 4.876/2003, que "Dispõe sobre a análise, seleção e aprovação dos Projetos
Inovadores de Cursos, financiamento e transferência de recursos, e concessão de bolsas de
manutenção e de prêmios.
. Lei n° 9.882/99 que estabeleceu o critério de cotas raciais na Universidade Brasília. A
constitucionalidade dessa lei será decidida ainda esse ano pelo STF, tendo em vista que
tramita nesta casa uma Adin 4773, proposta por partidos contrários a adoção de cotas.
No despacho da convocação da audiência pública que ocorreu em 2010 afirma o
Ministro Carlos Ayres Britto do STF:
A questão constitucional apresenta relevância do ponto de vista jurídico, uma
vez que a interpretação a ser firmada por esta Corte poderá autorizar, ou não,
o uso de critérios raciais nos programas de admissão das universidades
brasileiras. Evidencia-se a repercussão social, porquanto a solução da
controvérsia em análise poderá ensejar relevante impacto sobre políticas
públicas que objetivam, por meio de ações afirmativas, a redução de
desigualdades para o acesso ao ensino superior. É pelo combate eficaz a
situações de desigualdade que se concretiza a igualdade e que a lei pode ser
utilizada como um instrumento de reequilíbrio social, se não incidir em
discriminação.
Não se pode criticar uma lei por fazer distinções. O próprio, o típico da lei é fazer
distinções, diferenciações, desigualações para contrabater renitentes desigualações. Ao ―citar
a máxima de que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais‖, o ministro lembrou que a lei servirá para corrigir a discrepância
do acesso de pobres e negros no ensino superior, uma vez que cabe ao judiciário corrigir as
possíveis lacunas do texto constitucional e transformá-lo em uma ferramenta efetiva de
distribuição e fruição de justiça.
48
4.2 Os programas de inclusão no Brasil
Foram criados diversos programas de inclusão dos negros e pobres nas Universidades
Públicas nos últimos 20 anos. Essas políticas de inclusão foram realizadas primeiramente por
entidades sem fins lucrativos como redes de cursinhos pré-vestibulares comunitários que
fomentavam nos jovens o sonho de ingressarem no ensino superior. Esses cursinhos se
tornaram muito popular no final dos anos 90, quando explodiram nas periferias do Brasil,
dentre esses cursinhos citamos a Educafro, que trabalha com afrodescendentes e carentes
criada por padres Franciscanos e que segundo dados já incluíram mais de 10.000 alunos
bolsistas em universidades públicas e particulares com bolsa de estudo, devido as parcerias
que mantêm com as instituições.
Outro exemplo é o Movimento dos Sem Universidades, que assim como a Educafro,
possuem um trabalho voltado a jovens da periferia, mas sem fazer o recorte étnico feito pela
primeira entidade, fundada por u m grupo de professores que inconformados com a questão
do acesso nas universidades públicas, resolveram dar aulas de reforço para os alunos da
região, ao longo desses anos a entidade acredita que incluiu mais de 5.000 mil jovens em
Universidades Públicas e particulares com bolsas de estudo, via parcerias.
Outro caso curioso é o Grupo dos Sem Tetos, criados inicialmente para serem uma
entidade que lidava apenas com a questão da moradia, ao longo dos anos mantiveram
parcerias com várias Universidades particulares , que conseguiam desconto especiais para
pessoas de baixa renda, sendo hoje cerca de 4.000 assistidos com bolsas de estudo.
Outra iniciativa que merece destaque é o Cursinho da Poli, fundado por alunos da USP,
têm como objetivo proporciona o acesso qualificado dos alunos de baixa renda, nas
universidades públicas, por meio de um cursinho de qualidade a preço espacial. Ao contrário
das outras entidades que trabalham com bolsas, esse cursinho é focado apenas em prepara os
alunos e segundo dados da entidade cerca de 8.000 mil alunos já ingressaram em
universidades públicas ao longo dos anos.
Portanto como vemos diversas iniciativas de inclusão existem Brasil afora, segundo
dados recentes do MEC, no Brasil existem cerca de 4.000 redes de cursinhos pré vestibulares
comunitários e iniciativas de inclusão ligada a diversos setores da iniciativa pública, privada e
entidades sem fins lucrativos.
No que tange a iniciativas de inclusão fomentada pelos estados e municípios, existem
várias ações oriundas desses entes públicos, que se exteriorizam por meio de leis de inclusão e
49
acesso á medidas de apoio a projetos com esses fins, por exemplo, nos últimos anos devido a
pressão do Movimento Negro organizado e de entidades solidárias, vários estados se
sensibilizaram para essa causa e criaram leis infraconstitucionais que buscam salvaguardar o
acesso dos alunos de escolas públicas e negros em universidades estaduais e ferais no País
citamos apenas algumas dessas mais de 150 Universidades:
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Universidade Estadual de Montes Claros
Universidade do Estado da Bahia
Universidade de Brasília
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Universidade Estadual do Norte Fluminense
Universidade Federal do Acre
Universidade Federal de Alagoas
Universidade Federal de Sergipe
Universidade Estadual da Paraíba
Universidade Federal da Bahia
Universidade Federal de Goiás
Universidade Federal do Espírito Santo
Universidade do Estado de Minas Gerais
Universidade Federal do Maranhão
Universidade Federal do Pará
Universidade Federal da Paraíba
Universidade Federal do Paraná
Universidade Federal de Pernambuco
Universidade Federal do Piauí
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Universidade Tecnológica Federal do Paraná
Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia
Universidade do Estado de Mato Grosso
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Universidade Estadual de Londrina
Universidade Federal de Santa Catarina
Universidade Federal de Juiz de Fora
A maioria dessas Universidades além de reservarem parte de suas vagas para alunos de
escolas públicas e que comprovem que são carentes, mais de 70% delas reservaram cotas para
negro. Ante o fato do Brasil muitas vezes as pessoas serem consideradas mestiças ou
afrodescedentes, a forma de aferição da condição de negro para concorrer a essas vags, na
grande maioria das universidades é usado o sistema da autodeclaração, sistema esse que
permite qualquer aluno concorra nas vags destinadas para afrodescdentes sem a nessecidade
de aprovação da veracidade da informação por uma comissão posterior.Um caso curiso a se
50
comentar, é na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, onde os alunos são colocados em
uma fila e a inscrição só é aceita quando declarada pessoalmente, ou seja, não são aceitas
inscrições via internet, o que torna a relação muito mais pessoa e dificulta as fraudes.
No plano federal citamos o PROUNI(Programa Universidade para Todos), que são
bolsas públicas em universidades particulares para alunos oriundos de escolas públicas ou
particulares com bolsas integral, que possuam renda per capita de um salário mínimo e meio,
tendo sido beneficiados por esse programa cerca de 728.788 mil estudantes. Dessas vagas são
reservada aproximadamente 8.5%, para aqueles que se autodeclararem negros e índios.
Outro programa que merece destaque é o SISU(Sistema de Seleção Unificado), que
possibilita o ingresso em universidades e centros federais de ensino técnico, e também possui
uma reserva de vagas para afrodescendente e alunos de escola pública, já colocou mais de
87.000 mil alunos no ensino superior federal. Outras cerca de 30.000 pessoas ingressaram
com bolsa do Fies, mostrando que no que tange ao ensino superior estamos no caminho
correto da equiparação.
4.3 A meritocracia e a legitimidade do sistema de cotas
O princípio meritocrático é embasado na capacidade individual das pessoas, ou seja, a
capacidade que cada um possui de obter uma nota mais alta em um concurso público ou
vestibular, dada as características eliminatória dessas avaliações. Nesses termos eles julgam a
meritocracia como se duas pessoas de formações diferentes e históricos de vida adversos,
concorressem de forma igual nessas provas, o que sabemos que não procede. Quando a
reserva em questão são cotas para negros a resistência é ainda maior por alegarem que o fato
de uma pessoa ser negra, não pode se levado em consideração em uma universidade, pelo fato
de as pessoas possuírem a mesma capacidade intelectual.
A Constituição Federal apresenta, inclusive, dispositivo normativo que enaltece o
mérito dos cidadãos para o ingresso no ensino superior. Nesse sentido é válido transcrevermos
o art.208, inciso V da Carta Magna: Art.208. O dever do Estado com a educação será
efetivado mediante a garantia de: V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa
e da criação artística, segundo a capacidade de cada um. (BRASIL, 1988,p.27)
Esse discurso também é absolvido por muitos negros, que julgam que as cotas iriam
transformá-los em alunos de segunda categoria, e consequentemente seriam alvo de
discriminação dentro das universidades, mesmo que tivessem ingressados pelo sistema
Universal, mas o que esses alunos não percebem é o contexto da escravidão dissertado ao
51
longo desse trabalho e que só as cotas poderão trazer a correção quantitativa, advinda da
exclusão de anos.
Devido a complexidade e o fato de estarmos mexendo no até então status quo, das elites
brasileira que era o acesso as Universidades pública, devido as ações afirmativas e o sistema
de cotas adotados em muitas universidades públicas, tem ocorrido uma série de processos que
tentam impedir essas políticas de ações afirmativas, se formos analisar de forma ponderada
perceberemos que a comunidade negra e pobre nunca cobrou essas vagas, e existia uma
espécie de cotas para ricos e brancos nas universidades públicas. Para visualizarmos o que se
discute segue o exemplo , imaginemos um Curso Superior oferecido em uma universidade
pública que possui o total de 40 vagas. Com a reserva de cotas para negros e indígenas as
vagas, restariam 28 vagas que tem o método de ingresso comum não abrangido pela reserva
de cotas.
A constituição traz ainda em seu art.206, inciso I, que deve ser observado o princípio da
igualdade de condições para o ensino, como podemos visualizar da transcrição do artigo:
Art.206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola; (BRASIL, 1988, p.301).
Guimarães coloca questões mais importantes a serem discutidas do que a análise
jurídica a respeito da constitucionalidade ou não do regime de cotas para negros nas
universidades:
Poderá ocorrer que o acesso de negros nas Universidades diminua o
contingente de alunos de outras raças ou etnias, mas na verdade o papel da
universidade pública é ser um espaço de fomentação de pesquisas e
acolhimento das diferenças, um espaços em que a experiência individual de
cada um seja um diferencial na formulação de projetos dentro da
universidade. (GUIMARÃES, 2003, p.266).
Nesta perspectiva de alcance da norma jurídica, visando a realização de seus objetivos
de realizar uma material igualação dos grupos em desigualdade alertam Galuppo e Basile:
Em uma sociedade pluralista democrática, o Direito deve cumprir
simultaneamente duas tarefas: deve realizar, na maior medida possível, o
projeto de vida da maioria e deve também preservar, de alguma forma, os
projetos de vida alternativos. Ademais, a auto-identidade que se atribui uma
sociedade pluralista só é inteiramente compreendida se o direito que a
interpreta reconhece que essa sociedade tem de querer, mesmo que
paradoxalmente, realizar simultaneamente os projetos de vida distintos,
ainda que tais projetos alternativos requeiram, em algumas situações, uma
aplicação especial do direito, justificada pela produção de mecanismos de
inclusão, como no caso das políticas de ação afirmativa a igualdade é um
52
conceito aritmeticamente inclusivo, ou seja, sempre que o maior número de
cidadãos for incluído em discursos jurídicos, estaremos criando igualdade e
não desigualdade. Uma vez que isso depende da indicação de boas razões, só
se pode avaliar se políticas públicas afirmativas contribuem ou não para a
realização da igualdade caso a caso, não possuindo essa questão uma
resposta abstrata, porque o que deve ser avaliado é se tais políticas criam ou
não desigualdades no caso concreto, ou seja, se permitem maior ou menor
inclusão social. (GALUPPO e BASILE 2006, p.101)
Portanto, a fundamentação das leis de cotas, não se trata de uma análise imponderada do
grupo que deseja obter essa tutela jurisdicional, é na verdade, como vimos o pensamento de
grandes autores, que entendem que esse sistema seria perfeitamente possível com a realidade
brasileira, uma vez que vivemos em um País democrático e de direitos e que o Estado têm o
dever legal de tutelar essas demandas.
53
CONCLUSÃO
Esse trabalho teve como objetivo trazer á tona a discussão da questão de cotas nas
Universidades públicas, sabemos que é um tema um tanto quanto controverso e palpitante
onde o que procuramos trazer á luz do direito para esse assunto que é de relevante interesse
para a sociedade brasileira, uma vez que segundo o IBGE/2010 no Brasil, mais de 51% são
considerados negros e pardos .
Sabemos que não é um tema de fácil convencimento, porque lida com modelo de
mundo pré-estabelecido por uma elite que não quer dividir o que tratam como privilégios, que
são as vagas no ensino superior nas universidades públicas, ao mesmo passo que temos a
consciência que o espaço de empoderamento deve ser a educação como um todo, mas devido
a falta de uma política séria no que concerne a educação básica no ensino público, não é justo
fazer com que as pessoas advindas desse sistema educacional, não possam ter a oportunidade
de estudar em um espaço que lhes pertenceu desde o início da sua vida acadêmica, que é o
ensino público gratuito em todos os níveis de escolaridade.
Quanto a questão da discriminação reversa, ou da propagação do ódio racial como nos
Estados Unidos, sabemos também que isso não vigora, tendo em vista, as universidades que
adotaram cotas, já começam a colher fruto desse trabalho iniciado há mais de dez anos. Essas
universidades usaram da prerrogativa da autonomia universitária para fazer um processo de
redenção com o passado escravocrata do Brasil e deixaram para trás toda a desconfiança de
um processo que não havia acontecido ainda aqui no Brasil e investiram no novo, que é a
transformação social das classes menos favorecidas, ando a esses a efetiva libertação mais de
300 anos após a assinatura da Lei Áurea.
Sabemos também que todos o processo precisa ser aperfeiçoado e que a condição do
negro no Brasil hoje, não é a mesma de 300 anos atrás, quando só havia negros escravos na
sua maioria, por esse motivo as ações afirmativas de cotas, devem ser alicerçadas da questão
econômica, para evitarmos que um jovem branco pobre, tenha sua vaga negada para o acesso
de um jovem negros rico, caso isso acontecesse e o movimento negro nada fizesse para
impedir, estaria fazendo com os brancos pobres o mesmo processo discriminatório e desleal
que foram vítimas os seus antepassados.
Esperamos que sob a luz desse trabalho, possamos entender que cotas nas universidades
públicas não são privilégios, são na verdade a forma mais honesta e transparente de
passarmos o Brasil a limpo e pagarmos um pouco com o suor dos nossos impostos, uma vaga
54
para cada filho e filha de negros que trabalharam nesse País, sem que tivessem sido
devidamente indenizados e mais que isso, esperamos que a propositura desse trabalho faça
que cada um de nós pensamos no modelo de mundo que queremos para o futuro, se é o
modelo de mundo de todas as raças, todos os credos, onde como disse Martin Luther King.
―Que as pessoas não sejam julgadas peal cor da sua pele, mas pela essência de seu caráter.
Portanto diante dessa humilde exposição esperamos, ter contribuído para esse debate e
para que a sociedade brasileira esteja aberta para o novo, e que possamos retribuir sob a luz da
justiça um pouco do que os nossos antepassados fizeram por esta terra.
55
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