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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, CIÊNCIAS CONTÁBEIS E TURISMO DEPARTAMENTO DE TURISMO TATIANA ANDRADE BARBOSA DE CASTRO VOZES NO AVENTUREIRO: UMA REFLEXÃO SOBRE AS RELAÇÕES DO TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA E OS CONFLITOS TERRITORIAIS NITERÓI 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, CIÊNCIAS CONTÁBEIS E TURISMO

DEPARTAMENTO DE TURISMO

TATIANA ANDRADE BARBOSA DE CASTRO

VOZES NO AVENTUREIRO: UMA REFLEXÃO SOBRE AS RELAÇÕES DO

TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA E OS CONFLITOS TERRITORIAIS

NITERÓI

2013

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TATIANA ANDRADE BARBOSA DE CASTRO

VOZES NO AVENTUREIRO: UMA REFLEXÃO SOBRE AS RELAÇÕES DO

TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA E OS CONFLITOS TERRITORIAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Turismo da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Turismo da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Turismo. Orientadora: Profª Drª Helena Catão Henriques Ferreira

Niterói

2013

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VOZES NO AVENTUREIRO: UMA REFLEXÃO SOBRE AS RELAÇÕES DO

TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA E OS CONFLITOS TERRITORIAIS

Por

TATIANA ANDRADE BARBOSA DE CASTRO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Turismo da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Turismo da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Turismo.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________ Prof.ª Dr.ª Helena Catão Henriques Ferreira – Orientadora

Universidade Federal Fluminense – UFF

__________________________________________

Prof.º Dr.º Marcello de Barros Tomé Machado Universidade Federal Fluminense – UFF

__________________________________________

Prof.º M.Sc Frederico Cascardo Alexandre e Silva Universidade Federal Fluminense – UFF

Niterói, 04 de março de 2013

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer, especialmente, a professora Helena Catão por sua

imensa colaboração com esse trabalho e sua paciência e energia para as orientações.

Suas aulas foram de grande importância para o desenvolvimento de minha pesquisa e,

por isso, guardo também a admiração pelo seu trabalho como antropóloga.

Aos professores do Departamento de Turismo que permitiram a troca de

conhecimento ao longo de minha jornada na Universidade, e me mostraram a

importância de ser um turismólogo.

À professora Teresa Mendonça, pela ajuda na pesquisa e por permitir que eu a

acompanhasse em minha primeira visita de campo ao Aventureiro.

A toda equipe do LabCons, pela convivência amiga e de muita pesquisa. Acho

que será difícil encontrar uma equipe com tanta harmonia.

À Juliana Fernandes pela troca de experiência acadêmica e por ter me ajudado

inúmeras vezes durante a minha pesquisa. Muita gratidão!

Ao amigo Caio Basílio por ter me acompanhado na primeira visita de campo e

pela amizade.

Aos grandes amigos que a UFF me deu: Aline Luz, Bárbara Abreu, João Freitas,

Liana Freire, Maira Alves, Marcelo Nunes, Mayara Hartog, Mayara Oliveira, Rafael

Ramalho, Paula Pontes, Thais Latorraca, Thais Vinagre, Wélida Muniz.

Às integrantes do querido 611: Ana Luz, Anele Rodrigues, Carol Jordão, Flávia

Lopes, Maria Mendes, Marcela Uchôa, Mariana Uchôa por terem feito da minha vida

universitária em Niterói uma realidade bem mais agradável e por terem contribuído para

o meu crescimento pessoal. Alegria, alegria.

À Afra de Sousa, pela amizade e por ter contribuído na parte da transcrição.

Ao Felipe Velloso, por ter acompanhado de perto o fim desse ciclo e por toda a

caminhada que temos pela frente.

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À minha família, pelo apoio em todos os momentos que precisei e por me dar

todo o amor do mundo, especialmente, ao meu pai que me acompanhou na aventura

da pesquisa de campo e meu irmão Dudu que me ajudou na pesquisa e compartilhou

comigo os desabafos acadêmicos.

À UFF, por ter me propiciado momentos que eu nem imaginava quando entrava

pela primeira vez no campus do Valonguinho. Por todas as experiências de projeto de

pesquisa, projeto de extensão, de eventos e de encontros com amigos que são para a

vida.

Por fim, agradeço aos moradores do Aventureiro que eu tive o prazer de

conhecer e todos os entrevistados, que abriram suas casas, seus sorrisos e seus

corações.

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Tú no puedes comprar las nubes, Tú no puedes comprar los colores, Tú no puedes comprar mi alegría, Tú no puedes comprar mis dolores. Calle 13

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RESUMO

O turismo na Vila do Aventureiro se apresenta com o protagonismo da comunidade local na medida em que os próprios moradores conduzem seus empreendimentos domiciliares, seja com camping, bar ou aluguel de quartos, configurando-se no chamado turismo de base comunitária. A atividade foi uma forma encontrada de garantir a sobrevivência diante de restrições quanto à prática de atividades tradicionais como a pesca e a roça. Essas restrições ocorrem por conta da criação da Reserva Biológica da Praia do Sul em 1981, afetando a dinâmica da população na relação com a natureza. Desde a criação da Reserva Biológica até os dias atuais, os moradores já passaram por diversas situações de insegurança quanto à permanência no lugar em que nasceram e onde têm seus costumes, mitos e sua identidade compartilhada. No período de fevereiro de 2009 a janeiro de 2011, foi realizado pela UFRRJ um projeto de fortalecimento do turismo de base comunitária no Aventureiro, objeto desse estudo. Para a presente pesquisa, os objetivos são: identificar o cenário de conflitos territoriais e processo de recategorização da área do Aventureiro para uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS); identificar o processo de implantação do projeto realizado pela UFRRJ e financiado pelo Ministério do Turismo; captar as visões da população local em relação ao projeto; analisar a importância do projeto e sua relação com a prática do turismo de base comunitária na Vila do Aventureiro. Desta forma, foi utilizada a metodologia qualitativa, com influência da metodologia etnográfica, em que foram utilizadas entrevistas em profundidade e observação direta com 18 moradores e com a coordenadora do projeto. O processo de recategorização para uma RDS surge como um passo importante para a autonomia dessa população. As visões sobre o projeto por parte dos moradores são majoritariamente positivas a partir de seus relatos durante a pesquisa de campo. Para eles, constituiu-se como uma etapa necessária e importante de mobilização tanto para a melhoria da prática na relação com o turista quanto com relação ao entendimento da comunidade sobre as ações que venham a decidir sobre o seu futuro.

Palavras-chave: turismo de base comunitária; Vila do Aventureiro, conservação ambiental, população tradicional.

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ABSTRACT

Tourist activity in Vila do Aventureiro is conducted mainly by locals, as they

themselves run their home-based businesses, which may be campsites, bars or room

rental, establishing what is called community-based tourism. Tourism was the activity

found to ensure their survival before restrictions of traditional activities such as fishing

and agriculture. These restrictions are consequences of the creation of Reserva

Biológica da Praia do Sul (Praia do Sul Biological Reserve) in 1981, which affected the

dynamics between the population and nature. Since the establishment of the Biological

Reserve, the inhabitants have been through several situations of uncertainty as to their

permanence to the place where they were born and where they share their customs,

myths and identity. The object of this study is a project conducted by UFRRJ (Rural

Federal University of Rio de Janeiro) from February 2009 to January 2011 to strengthen

community-based tourism in Aventureiro. For this research, the objectives are (1) to

identify the scenario of territorial conflicts and the process of reclassification of

Aventureiro area to a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (Sustainable

Development Reserve); (2) to identify the process of the project implantation conducted

by UFRRJ and funded by the Ministry of Tourism; (3) to collect the views of locals about

the project; and (4) to analyze the relevance of the project and its relation to the practice

of community-based tourism in Vila do Aventureiro. In order to this, I used qualitative

methodology, influenced by ethnographic methodology, which included in-depth

interviews and direct observation with 18 locals and the project coordinator. The process

of reclassification to a Sustainable Development Reserve emerges as an important step

towards the autonomy of this people. During the field research, the locals expressed

mostly positive views about the project. In their opinion, the project was a necessary and

important step in order to improve practice in the exchanges with tourists, and to raise

awareness to the actions that may decide the future of the community.

Keywords: community-based tourism; Vila do Aventureiro; environmental conservation;

traditional populations.

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LISTA DE SIGLAS

ACI Aliança Cooperativista Internacional

ALERJ Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro

AMAV Associação de Moradores e Amigos da Vila do Aventureiro

APA Área de Proteção Ambiental

CODIG Código de Defesa da Ilha Grande

Fapur Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica

FEEMA Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente

GT Grupo de Trabalho

IEF Instituto Estadual de Florestas

INEA Instituto Estadual do Ambiente

IPCM Instituto Penal Cândido Mendes

Mtur Ministério do Turismo

OMT Organização Mundial do Turismo

ONG Organização Não Governamental

PEIG Parque Estadual da Ilha Grande

PEMA Parque Estadual Marinho do Aventureiro

RBMA Reserva da Biosfera da Mata Atlântica

RBPS Reserva Biológica Praia do Sul

RDS Reserva de Desenvolvimento Sustentável

Rebio Reserva Biológica

Serla Superintendência Estadual de Rios e Lagoas

SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação

TAC Termo de Ajustamento de Conduta

TBC Turismo de Base Comunitária

TURISANGRA Fundação de Turismo de Angra dos Reis

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UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

UNEP United Nations Environment Programme

UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

WWF World Wide Fund for Nature

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Casas e Bar no início da Praia do Aventureiro.............................................19

Figura 2 Vista para a Praia do Aventureiro, tirada na trilha do Sundara......................20

Figura 3 Mapa da Ilha Grande......................................................................................23

Figura 4 Mapa das Regiões Turísticas do Estado do Rio de Janeiro com

destaque para a localização da Ilha Grande..................................................24

Figura 5 Igreja de Santa Cruz......................................................................................36

Figura 6 Vista da Praia do Aventureiro a partir do alto do morro.................................51

Figura 7 Procissão realizada durante a Festa de Santa .............................................60

Figura 8 Embarcação afundando na praia...................................................................61

Figura 9 Lixo depositado na área de entrada da praia.................................................65

Figura 10 O coqueiro “deitado”, um dos atrativos da praia............................................75

Figura 11 Camping com placa de sinalização................................................................80

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.............................................................................................................13

2 CONFLITOS E TURISMO NO AVENTUREIRO..........................................................18

2.1 VILA DO AVENTUREIRO: A “ILHA” DENTRO DA ILHA..........................................18

2.2 A ILHA GRANDE E SUAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO..................................22

2.3 O SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO (SNUC).................25

2.4 OS CONFLITOS TERRITORIAIS E A RECATEGORIZAÇÃO..................................26

2.5 SURGIMENTO DO TURISMO NA ILHA GRANDE E NO AVENTUREIRO..............31

2.5.1 Apoio do Ministério do Turismo: “o povo do Aventureiro”.............................37

2.5.1.1 O projeto..............................................................................................................38

3 ELEMENTOS DO TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA............................................41

3.1 O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA (TBC) COMO ALTERNATIVA

AO “TURISMO CONVENCIONAL”.............................................................................41

3.2 TURISMO RESPONSÁVEL......................................................................................46

3.3 ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO LOCAL.......................................................48

3.4 IDENTIDADE E SENTIMENTO DE PERTENCIMENTO...........................................51

3.5 ASSOCIATIVISMO E COOPERATIVISMO...............................................................54

3.6 A SUSTENTABILIDADE COMO UM CAMINHO PARA O TURISMO.......................56

4 PRÓXIMA PARADA: VILA DO AVENTUREIRO........................................................59

4.1 DA CONVIVÊNCIA COM O INEA.............................................................................62

4.2 MELHORIAS DA QUALIDADE DE VIDA NO AVENTUREIRO................................,69

4.3 DINÂMICA DA ATIVIDADE TURÍSTICA NA VILA....................................................71

4.4 “O POVO DO AVENTUREIRO”: FORTALECIMENTO DO TURISMO DE

BASE COMUNITÁRIA..............................................................................................78

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................86

REFERÊNCIAS...............................................................................................................89

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ANEXOS.........................................................................................................................97

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1 INTRODUÇÃO

A Vila do Aventureiro se encontra na parte sudoeste da Ilha Grande e pertence

ao município de Angra dos Reis. A Ilha Grande abriga um dos importantes trechos de

Mata Atlântica em bom estado de conservação no Brasil (TAVARES JÚNIOR;

MENDONÇA; MENDONÇA, 2011). A população se autodenomina como “povo do

Aventureiro” e possui uma vivência de pelo menos quatro gerações, de acordo com

relatos orais de moradores (COSTA; CATÃO; PRADO, 2009).

O que diferencia essa praia das demais da Ilha Grande é a história de seus

habitantes, que desde 1981 viram suas vidas afetadas pela criação de uma Reserva

Biológica no lugar em que viviam. Essa categoria é a mais restritiva das unidades de

conservação, provocando mudanças na relação da população com a natureza a partir

do momento em que passou a ter restrições quanto às suas atividades tradicionais

como a pesca e a roça.

Além de estar dentro de uma Reserva Biológica, o Aventureiro também

compreende o Parque Estadual Marinho do Aventureiro (PEMA). No restante da Ilha,

existem outras unidades de conservação como: o Parque Estadual da Ilha Grande

(PEIG), que ocupa a maior parte da Ilha, e a Área de Proteção Ambiental dos Tamoios

(APA Tamoios), onde está inserido todo o território da Ilha Grande. Todas as quatro

foram criadas entre 1971 e 1990, demonstrando o interesse do governo estadual em

preservar a área remanescente de Mata Atlântica no Estado do Rio de Janeiro. Todas

estas unidades juntas perfazem um total de 87% de área de proteção integral na Ilha

(SANTIAGO; MARQUES, 2007 apud MARQUES, 2010).

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Um histórico de 31 anos compõe a “ilegalidade” da população em seu território

nativo. No entanto, um debate sobre a recategorização excluindo a praia do Aventureiro

dos limites da Reserva Biológica da Praia do Sul (RBPS) acompanha a vida desses

moradores, por exemplo, desde quando o Plano Diretor da Reserva Biológica Estadual

da Praia do Sul, de 1985, apresentou alternativas para o zoneamento da reserva.

Desde a criação da Reserva Biológica até os dias atuais, os moradores já passaram por

diversas situações de insegurança quanto a permanência no lugar em que nasceram e

onde vivenciam seus costumes, mitos e sua identidade compartilhada como

comunidade diferenciada.

No momento em que as atividades tradicionais são restringidas, o turismo, hoje

visto como “de base comunitária” aparece como uma chance em melhorar a qualidade

de vida na Vila, substituindo em grande parte as atividades tradicionais. As relações

com a atividade turística em toda a Ilha, e também no Aventureiro, se intensificaram

desde a extinção do Instituto Penal Candido Mendes (IPCM), em 1994. Antes disso,

havia o medo constante dos ataques dos detentos, o que de certa forma, porém não

totalmente, restringia a visitação à Ilha. O modelo de turismo praticado no Aventureiro

de campings nos terrenos das casas seria inconcebível com a presença do presídio,

tanto pelas fugas que aconteciam, quanto pela força policial atenta aos muros do

instituto penal (COSTA, 2008).

A Vila do Abraão é a localidade onde se tem o maior fluxo de turistas da Ilha

Grande, apresentando um cenário com muitos investimentos de pessoas de fora da

Ilha, com maior infraestrutura e movimento. O desenvolvimento turismo no Aventureiro

é diferente das demais praias da Ilha, primeiramente em razão da reserva biológica,

que não permite a atividade, não sendo possível o planejamento e políticas públicas

voltadas para ela. Há também a dificuldade de acesso, já que para chegar à vila é

necessário viajar por duas horas e meia de barco saindo do cais de Angra (FERREIRA,

2004; MENDONÇA, 2010). Ferreira (2004, p.102) também argumenta que o turismo na

Ilha “é explorado prioritariamente por pessoas vindas de fora, com maior poder

econômico e melhores condições sociais” e, no Aventureiro, “é a própria população

nativa que conduz a forma e a maneira de organizar esta recepção partindo de

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elementos próprios da sua experiência de vida, articulando seus elementos culturais

com valores, informações e demandas dos próprios turistas”. Esse protagonismo nos

empreendimentos de turismo e no envolvimento com a atividade é o que caracteriza o

turismo de base comunitária.

No Brasil, Bursztyn e Bartholo (2012) apontam o reconhecimento mais

significativo do turismo de base comunitária (TBC) quando houve investimento do

Ministério do Turismo através de um edital, no ano de 2008, com foco em projetos de

fortalecimento da atividade. Um dos 50 projetos selecionados foi “O Povo do

Aventureiro: fortalecimento do turismo de base comunitária”, desenvolvido pela

Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica da Universidade Federal Rural

do Rio de Janeiro (Fapur/UFRRJ), em parceria com o Comitê de Defesa da Ilha Grande

(Codig).

A partir de uma contextualização de nossa sociedade capitalista, o Turismo de

Base Comunitária (TBC) deve, em grande parte, ao “envolvimento participativo da

comunidade local”, proposto em seus princípios, sua diferenciação em relação ao

chamado “turismo convencional”. Enquanto o primeiro reforça a ideia de manutenção

de modos de vida tradicionais, visando um comércio justo, solidário e sustentável

(SAMPAIO; CORIOLANO, 2009), o segundo, frequentemente se configura na produção

frequente de fenômenos significativos de exclusão social (IRVING, 2009).

Devido ao fato da vila estar dentro da reserva biológica, verifica-se um histórico

de conflitos com o Estado, porém esta atividade persistiu e se desenvolveu desde seu

surgimento na área. A presente pesquisa procura analisar a contribuição do projeto “O

povo do Aventureiro: fortalecimento de turismo de base comunitária”, desenvolvido no

período de fevereiro de 2009 a janeiro de 2011 pela Universidade Federal Rural do Rio

de Janeiro – UFRRJ, na dinâmica encontrada atualmente nessa área. Sendo assim,

fez-se importante entender o cenário de transição em que se encontra a Vila, no

momento em que se aguarda o término do processo de recategorização para uma

Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), categoria que permite a permanência

da população em seu território e o desenvolvimento de um projeto de TBC.

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Diante do exposto, este estudo tem como objetivos: a) identificar o cenário de

conflitos territoriais e o processo de recategorização da área do Aventureiro para uma

RDS; b) identificar o processo de implantação do projeto realizado pela UFRRJ

financiado pelo Ministério do Turismo; c) captar as diferentes visões da população local

em relação ao projeto; d) analisar a importância do projeto e sua relação com a prática

do turismo de base comunitária verificada atualmente na Vila do Aventureiro.

Busquei inspiração no campo antropológico ao aplicar metodologia qualitativa

através de entrevistas, observação direta e o contato direto com o universo investigado.

Meu estudo foi marcado por técnicas de observação como: perceber, memorizar e

anotar (BEAUD; WEBER, 2007). As entrevistas aprofundadas foram escolhidas por se

adequarem à tentativa de entender o cenário conflituoso do Aventureiro e o turismo, a

partir de uma proximidade com a realidade vivida pelos entrevistados. Acredito que

desta forma exista maior predisposição para ouvir o que o entrevistado tenha a dizer.

Foram feitos roteiros para as entrevistas de modo a facilitar a coleta dos dados

necessários. Aqui ressalto o que Beaud e Weber (2007) falam sobre as

contraindicações de uma estrutura rígida e regulada de questões “impedindo todo o

imprevisto, todo o desencadeamento de uma dinâmica da entrevista”. Nesse sentido, foi

respeitada a fluidez de cada entrevista, permitindo sua particularidade. As entrevistas

foram realizadas no período de janeiro a abril de 2012, em um total de 19, sendo 18

com moradores da Vila e uma com a coordenadora do projeto.

A estrutura desse estudo é a seguinte: o segundo capítulo apresenta uma

contextualização do Aventureiro como um lugar de conflito pela existência da reserva

biológica, falando, também, sobre o sistema nacional de unidades de conservação

vigente na atual legislação brasileira do qual faz parte a categoria reserva biológica; o

histórico de conflitos e o atual processo de recategorização; o surgimento do turismo na

Ilha e no Aventureiro; e o projeto de Turismo de Base Comunitária financiado pelo

Ministério do Turismo e realizado pela UFRRJ. O terceiro capítulo trata da revisão

bibliográfica e das conceitualizações referentes ao tema “Turismo de Base Comunitária”

e aspectos relacionados a ele, como por exemplo, a questão da sustentabilidade, o

sentimento de pertencimento e o fortalecimento de elementos identitários da

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comunidade. Por fim, o quarto capítulo apresenta a análise através das entrevistas

realizadas com os moradores e também com a coordenadora do projeto.

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2 CONFLITOS E TURISMO NO AVENTUREIRO

Este capítulo traz uma contextualização histórica e geográfica sobre a Vila do

Aventureiro, considerando o modo de vida tradicional de seus moradores. Aborda

também sobre os conflitos gerados pela implantação de uma Reserva Biológica na área

da Vila, mencionando o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e o

projeto de lei de recategorização da área. Na última parte do capítulo, é apresentado o

turismo na Ilha Grande e no Aventureiro; e como surge o projeto “O Povo do

Aventureiro: Fortalecimento do turismo de base comunitária”.

2.1 VILA DO AVENTUREIRO: A “ILHA” DENTRO DA ILHA

A praia do Aventureiro se encontra na parte sudoeste da Ilha Grande, voltada

para o mar aberto, com extensão de aproximadamente 800 metros, areia fina e branca

e águas transparentes (TAVARES JÚNIOR; MENDONÇA; MENDONÇA, 2011). Em

meio a trabalhos acadêmicos e pesquisas o lugar é descrito como um “paraíso idílico,

lugar exótico, símbolo do natural, do primitivo, do único, pedaço do paraíso perdido do

“'povo caiçara tradicional'” (MENDONÇA, 2011, p.18,19). Poderia ser somente mais um

destino turístico do Brasil, não fosse a comunidade da Vila do Aventureiro ter sido

inserida em uma reserva biológica, categoria do tipo “proteção integral”, que não

permite a presença de moradores em sua área, e ainda

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mais, com a visitação de turistas. Este fato determinou que o Aventureiro passasse a

ser um cenário de conflitos entre seus moradores e o governo.

O Aventureiro (Fig. 1) abriga há mais de 150 anos agricultores e pescadores

(SEMADS-RJ, 2001; WUNDER, 2000 apud FERREIRA, 2004). A população se

autodenomina como “povo do Aventureiro” com uma vivência de pelo menos quatro

gerações, de acordo com relatos orais de moradores (COSTA, CATÃO, PRADO, 2009).

Antes de a prática do turismo fazer parte da rotina da comunidade, as famílias se

voltavam para o trabalho com a pesca e a caça realizada pelos homens, e o trabalho

doméstico e da roça, majoritariamente realizado pelas mulheres. A partir de suas

plantações, os moradores tinham acesso a feijão, mandioca, milho, inhame, guandu,

abóbora, mamão, batata, entre outros (FERREIRA, 2004). Atualmente, ainda existem

algumas roças, mas a maior parte da renda das famílias advém também da prática do

turismo. Em algumas a renda é gerada exclusivamente pela atividade turística, e em

outras o turismo aparece como complementar. A pesca ainda está presente no

cotidiano dos moradores do Aventureiro.

Figura 1: Casas e Bar no início da praia do Aventureiro.

Fonte: Acervo próprio (28-03-2012).

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A área em que se encontra a Vila do Aventureiro (Fig. 2) pertence à Reserva

Biológica Estadual da Praia do Sul (RBPS) que foi criada em 1981, pelo decreto

estadual nº 4972 com 3600 hectares (RIO DE JANEIRO, 1981). A RBPS se encontra na

face sudoeste da ilha e “abriga cinco ecossistemas naturais: mata da encosta,

manguezal, restinga, lagunas (com campos inundáveis em seu entorno) e costões

rochosos” (INEA, 20121). A dimensão da RBPS abrange as Praias do Sul e do Leste,

assim como as Praias do Demo, dos Meros e do Aventureiro.

Figura 2: Vista para a praia do Aventureiro, tirada na trilha do Sundara.

Fonte: Acervo próprio (12-01-2012).

De acordo com o artigo 2º do decreto (RIO DE JANEIRO, 1981, p.1), a RBPS

“está compreendida na categoria de áreas naturais protegidas e é criada com a

finalidade de preservar, sob rigoroso controle do governo estadual, os ecossistemas

naturais que abrigam exemplares da flora e fauna indígenas” (RIO DE JANEIRO, 1981).

A área compreendida pela RBPS de acordo com o artigo 4º do referido decreto estadual

é a seguinte:

1 INEA. Disponível em: http://www.inea.rj.gov.br/unidades/pqpraiasul.asp. Acesso em: 01 mar 2012

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[...] começa na Ponta da Escada, a sudoeste da Ilha Grande (ponto 1), e segue pelo divisor de águas, passando pelos topos de 419m (ponto 2), 369m (ponto 3), 464m (ponto 4), 479m (ponto 5), 388 (ponto 6), 452 (ponto 7), até o Morro do Pilão, topo de 419m (ponto 8); daí segue pelo divisor de águas na direção geral leste, até a Serra de Araçatiba, passando pelo topo de 679m (ponto 9); prossegue pela Serra de Araçatiba, na direção sudeste, sempre pelo divisor de água, até a Serra do Papagaio, cota de 900m (ponto 10); daí desce, sempre pelo divisor de águas, na direção geral sudoeste, até a ponta da Tacunduba, entre a Enseada de Parnaioca e a Enseada da Praia do Sul (ponto 11); daí segue, pelo litoral, até o ponto 1 (1981, p.1).

À época da criação do decreto, a reserva estava sob responsabilidade da

Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), antigo órgão

responsável pelo “licenciamento, controle e fiscalização das atividades potencialmente

poluidoras, bem como pelo monitoramento dos corpos d’água do Estado” (FEEMA,

20122). Em 2009, o governo do estado instalou o Instituto Estadual do Ambiente (INEA),

unificando três órgãos ambientais vinculados à Secretaria do Estado do Ambiente: a

FEEMA já citada, a Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla) e o Instituto

Estadual de Florestas (IEF) (INEA, 20123). Atualmente, portanto, a RBPS é

administrada pelo INEA. Sua sede se encontra na Vila do Aventureiro. Segundo o órgão

ambiental, a reserva não está aberta à visitação, sendo somente permitida a pesquisa

acadêmica e atividades educacionais, mediante prévia autorização.

Além da RBPS, foi criado também o Parque Estadual Marinho do Aventureiro

(PEMA) de acordo com o decreto estadual nº 4972, de 1990. Em seu artigo 1º o decreto

mostra que o objetivo da criação do Parque Estadual Marinho do Aventureiro é

“resguardar atributos excepcionais da natureza, conciliando a proteção da flora e da

fauna e das belezas naturais, com a utilização para objetivos educacionais,

recreacionais e científicos” (RIO DE JANEIRO, 1990, p.1). Sua administração também

era feita pela FEEMA, e atualmente, é realizada pelo INEA.

2 FEEMA. Disponível em: http://www.qualidade.eng.br/ambiente/conheca_feema.htm. Acesso em: 01 mar.

2012 3 INEA. Disponível em: http://www.inea.rj.gov.br/inea/sobre.asp. Acesso em: 01 mar. 2012.

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No artigo 2º do decreto é definido o limite do Parque:

a partir da Ponta do Drago, prosseguindo pela linha do preamar média de 1831, no sentido nordeste, pela linha de costa, até encontrar a ponta do Aventureiro. Desse ponto, prossegue em sentido horário até o ponto mais a sudoeste da Ponta da Tacunduba, incluindo costões rochosos, matacões, e a elevação existente na desembocadura das lagunas do Leste e do Sul, e as praias do Aventureiro, Demo, Sul e Leste. A partir da Ponta da Tacunduba, prossegue acompanhando a isóbata de profundidade 30 (trinta) metros até o ponto mais sudoeste da Ponta do Drago, englobando basicamente todo o volume de mar do espelho d’água daquela reentrância natural da ilha, bem como os meios físicos e bióticos existentes da superfície até o fundo do marque naquela região varia na profundidade zero até 30 (trinta) metros (1990, p.1).

Outro artigo a ser ressaltado é o 3º, no qual fica vedada a exploração de

recursos naturais, como a pesca ou outra atividade potencialmente poluidora. A pesca

artesanal é permitida somente sob controle e fiscalização do INEA (RIO DE JANEIRO,

1990).

Na atual legislação, as áreas protegidas em que se insere o Aventureiro são dos

tipos mais restritivos. No entanto, no restante da Ilha existem outros tipos de unidades

de conservação.

2.2 A ILHA GRANDE E SUAS UNIDADES DE CONSERVAÇAO

A Ilha Grande apresenta um total de quatro unidades de conservação. Além da

RBPS e do PEMA, existem também o Parque Estadual da Ilha Grande (PEIG), que

ocupa a maior parte da Ilha, e a Área de Proteção Ambiental dos Tamoios (APA

Tamoios), onde está inserido todo o território da Ilha Grande. Todas as quatro foram

criadas entre 1971 e 1990, demonstrando o interesse do governo estadual em

preservar a área remanescente de Mata Atlântica no Estado do Rio de Janeiro. Todas

elas juntas perfazem um total de 87% de área de proteção integral na Ilha (SANTIAGO;

MARQUES, 2007 apud MARQUES, 2010).

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A importância do ecossistema da Ilha também foi ressaltada quando do

reconhecimento da United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

(UNESCO) como parte da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, em 1992 (INEA,

20124). O programa da UNESCO trata as Reservas da Biosfera como “áreas de

ecossistemas terrestres e/ou marinhos [...] como importantes em nível mundial para a

conservação da biodiversidade e o desenvolvimento sustentável e que devem servir

como áreas prioritárias para experimentação e demonstração dessas práticas” (RBMA,

20125).

A Ilha Grande (Fig. 3) fica localizada na baía de mesmo nome e pertence ao

município de Angra dos Reis. Compreende uma área de 193 Km2, incluindo 106 praias,

cachoeiras e montanhas (TURISANGRA6, 2012). Possui um contorno acidentado e se

apresenta como um maciço montanhoso que possui um relevo formado por: encostas

íngremes, picos, paredões, costões no litoral, grandes depósitos de material

proveniente da erosão das encostas e canais fluviais retilíneos em vales bem

encaixados (GAMA et al., 2009 apud MARQUES, 2010).

Figura 3: Mapa Ilha Grande

Fonte: Ilhagrande, 20127

4 INEA. Disponível em: http://www.inea.rj.gov.br/unidades/pqilhagrande_ampliacao.asp Acesso em: 01

mar. 2012 5 RBMA. Disponível em: http://www.rbma.org.br/mab/unesco_01_oprograma.asp Acesso em 01 mar.

2012 6 TURISANGRA. Disponível em: http://www.turisangra.com.br/ilha-grande. Acesso em 04 mar. 2012

7 ILHAGRANDE. Disponível em: http://www.ilhagrande.org/Mapas-Ilha-Grande/parque-estadual.html

Acesso em: 04 mar. 2012

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O ponto culminante é a Pedra D´Água, com 1037m de altitude, seguido do Pico

do Papagaio, com 980m de altitude. O clima é tipicamente tropical, com temperaturas

médias variando entre 23º e 31ºC ao longo do ano, com grande pluviosidade e

frequentes chuvas extremas (SALGADO ; VASQUEZ, 2009 apud MARQUES, 2010).

O acesso à ilha se faz regularmente por meio de travessia em catamarã,

saveiros, escunas ou barca (da empresa CCR Barcas) a partir de Angra dos Reis ou

com a barca ou saveiro a partir de Mangaratiba, contando ainda com algumas

embarcações saindo de Conceição de Jacareí. Essas apresentam trajetos com destino

à Vila do Abraão, área que possui maior infraestrutura na Ilha, contando com pousadas,

campings, agências de receptivo, restaurantes, etc. De lá saem outras embarcações de

passeio para o restante da ilha. O acesso à praia do Aventureiro pode ser feito por

trilhas (a mais utilizada liga a uma praia vizinha chamada Provetá), ou barcos (a partir

de Angra dos Reis ou da Vila do Abraão, em que há passeios de lancha que saem

geralmente levando visitantes para passarem o dia no Aventureiro). A travessia de

Angra dos Reis (Fig. 4) para o Aventureiro só é feita regularmente no período do verão.

Figura 4: Mapa Regiões Turísticas do Estado do Rio de Janeiro com destaque para a localização da Ilha Grande no município de Angra dos Reis

Fonte: http://www.rio-turismo.com/mapas/regioes.htm

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2.3 O SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO (SNUC)

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) foi instituído com a

promulgação da lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000 e foi regulamentado pelo Decreto

4.340, de 22 de agosto de 2002 (BRASIL, 2002). A lei estabeleceu critérios e normas

para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação (BRASIL, 2000).

Segundo o artigo 3º, o SNUC é constituído pelo conjunto das unidades de conservação

federais, estaduais e municipais (BRASIL, 2000).

Entende-se por unidade de conservação, de acordo com o SNUC: “espaço

territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com

características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com

objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao

qual se aplicam garantias adequadas de proteção” (BRASIL, 2000).

As unidades de conservação são divididas em dois grupos, como apresentado

na tabela 1:

Unidades de Proteção Integral Unidades de Uso Sustentável

Estação Ecológica

Reserva Biológica

Parque Nacional

Refúgio de Vida Silvestre

Monumento Natural

Área de Proteção Ambiental

Área de Relevante Interesse Ecológico

Floresta Nacional

Reserva Extrativista

Reserva de Desenvolvimento Sustentável

Reserva de Fauna

Reserva Particular do Patrimônio Natural

Tabela 1: Grupos das Unidades de Conservação. Fonte: Elaboração própria a partir do SNUC.

De acordo com o parágrafo 1 do artigo 7º, “o objetivo básico das Unidades de

Proteção Integral é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos

seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta lei”. Enquanto que o

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parágrafo 2 do artigo 7º discorre que “o objetivo básico das Unidades de Uso

Sustentável é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de

parcela dos seus recursos naturais” (BRASIL, 2000).

No caso da praia do Aventureiro, a área pertence à Reserva Biológica da Praia

do Sul, sendo, portanto, uma unidade de proteção integral. De acordo com o artigo 10º

do SNUC:

A Reserva Biológica tem como objetivo a preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais.

O parágrafo 1 do artigo 10º estabelece também que áreas particulares dentro da

Reserva Biológica serão desapropriadas, já que são de posse e domínio público. O

parágrafo 2 trata da visitação, que só pode ocorrer se tiver cunho educacional de

acordo com regulamento específico; fora isso, a visitação é proibida. E o parágrafo 3

especifica que “a pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão

responsável pela administração da unidade e está sujeita às condições e restrições por

este estabelecidas, bem como àquelas previstas em regulamento” (BRASIL, 2000).

2.4 OS CONFLITOS TERRITORIAIS E A RECATEGORIZAÇÃO

A partir do conceito de Reserva Biológica e de seus respectivos artigos e

parágrafos tratados na Lei mencionada, percebe-se uma incoerência entre a Lei e a

realidade uma vez que a Vila do Aventureiro atualmente conta com cerca de 100

moradores. Desde 1981, ano da criação da reserva, os moradores da praia do

Aventureiro estão sujeitos à propostas de remoção por parte do Estado para outra área,

conforme observa Ferreira (2004, 2010), quando houve a possibilidade de a FEEMA

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transferí-los para Angra dos Reis, e por conta de uma mudança interna do órgão, a

nova equipe defendeu a permanência dos moradores. A remoção não ocorreu, a

população permaneceu nos limites da Reserva e, com a vigência da lei, os moradores

passaram para uma situação de ilegalidade. No momento de criação da unidade de

conservação a população local não foi consultada. Além da ilegalidade, os moradores

tinham seu modo de vida tradicional ameaçado pela legislação (COSTA; CATÃO;

PRADO, 2009).

De um lado, o Estado tende a restringir costumes dos moradores como a roça, a

caça, a pesca, criminalizando os moradores e, por outro lado, garante uma série de

direitos e melhorias que colaboram para a fixação da população no local, garantindo

sua reprodução social (COSTA, 2004). No momento em que a criação da reserva

biológica - Rebio - inseriu a praia do Aventureiro em seus limites, essa parte da Ilha

Grande se resguardou da especulação imobiliária (FERREIRA, 2010). Em outros locais

na Ilha, como ressalta Ferreira, existiram diversas disputas para a construção de

complexos turísticos, como por exemplo, na Freguesia de Santana, em que havia uma

pretensão de construção de condomínios de grandes proporções. Na Ilha, ainda

segundo esta autora, “a especulação imobiliária domina a cena, transformando os

espaços de forma rápida e radical. No Aventureiro, esta demanda é reprimida e as

modificações espaciais ocorrem mais lentamente e de forma mais controlada”

(FERREIRA, 2004, p.102).

A área do Aventureiro passa a ter intervenção do Estado através de ações de

órgãos ambientais que alteram a vida dessa Vila de pescadores. Segundo os autores

Madeira Filho e Hagino (2008, p.6), “a área que tinha um determinado significado para

os moradores passou a ter outro tipo de significado para os ambientalistas, gerando um

conflito que permanece até os dias atuais”.

Um histórico de 31 anos compõe a “ilegalidade” da população do Aventureiro em

seu território nativo. No entanto, o debate sobre a recategorização, que pretende prevê

a exclusão da praia do Aventureiro dos limites da RBPS, acompanha a vida desses

moradores, desde quando o Plano Diretor da Reserva Biológica Estadual da Praia do

Sul, de 1985, apresentou alternativas para o zoneamento da reserva. A primeira

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proposta considerava os limites estabelecidos na criação da reserva em 1981, tornando

o grupamento humano “um corpo estranho aos objetivos de uma Reserva Biológica”.

Acrescentava ainda que a ideia original da reserva “incluía a praia do Aventureiro,

porém julgara-se que aquele agrupamento de pescadores poderia ser deslocado para

outras áreas, onde pudesse auferir melhor qualidade de vida”. A segunda alternativa

excluía a área da praia do Aventureiro dos limites da reserva. Nesta segunda opção é

citada a realização de um trabalho feito pelas biólogas da FEEMA, Ângela Azevedo

Maia e Aparecida Maria Neiva Vilaça, no qual concluíam: “pela expressa recomendação

de não se proceder à remoção dos moradores que ficariam com suas atividades

subordinadas a uma Área de Proteção Ambiental, a ser implantada posteriormente”. E

dadas as condições da época, o Plano Diretor optou pela segunda alternativa (FEEMA,

1985).

Em outro acontecimento mais recente, no ano de 2000, sob nova ameaça de

expulsão resultante de um inquérito civil público instaurado por uma organização não

governamental (ONG) ambientalista contra a comunidade, os moradores se viram

obrigados a se organizar com a criação da Associação de Moradores e Amigos da Vila

do Aventureiro (AMAV) (FERREIRA, 2004,2010). O inquérito tinha os seguintes

objetivos: relocar a população da praia do Aventureiro; prisão do então presidente da

FEEMA, e ainda acusação de improbidade administrativa da prefeitura de Angra dos

Reis, da FEEMA e do Instituto Estadual de Florestas (IEF) (COSTA, 2004).

Segundo Costa (2009), a criação da AMAV foi uma determinação do poder

público e da legislação ambiental que exige que haja uma Associação formal para

representar as reivindicações e estabelecer negociações sobre a permanência dos

moradores na Praia do Aventureiro. No entanto, o autor destaca que mesmo sendo um

novo tipo de organização presente na Vila do Aventureiro, “houve uma apropriação

extremamente rápida e eficaz” (COSTA, 2009, p.62) junto ao poder público, e isso pode

ser entendido “a partir da coesão e organização dos moradores do Aventureiro, que

antecede a própria criação da Associação de Moradores” (COSTA, 2009, p.61). Ferreira

(2004, p.98) salienta que a “reterritorialização imposta à localidade a partir de

elementos externos, não necessariamente aponta para uma degradação ou uma

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decomposição da sociedade local, mas pode também contribuir para uma

reorganização no sentido de sua coesão”.

O surgimento da AMAV fez com que fosse adquirido um novo canal de

negociação, sendo possível a reivindicação da instalação de luz elétrica, o transporte

de crianças para a escola em Provetá (comunidade vizinha), o telefone, entre outras

(COSTA, 2008). E com a associação dos moradores criada, o trâmite sobre a

permanência da população do Aventureiro era representado na esfera jurídica em

resposta as pressões do Ministério Público (COSTA; CATÃO; PRADO, 2009). A partir

desse novo canal de negociação, os moradores também perceberam a necessidade de

uma organização em relação ao turismo (FERREIRA, 2010).

De 2001 a 2003, a conjuntura no Aventureiro se estabilizou, com períodos de

menos fiscalização, possibilitando uma maior inserção da praia do Aventureiro como um

dos principais destinos para jovens no verão, prevalecendo os turistas vindos do Rio de

Janeiro e de São Paulo. Em período de Réveillon e Carnaval, o número de visitantes

acampando chegava a mais de duas mil pessoas. Em 2003, por meio de uma operação

ilegal, policiais militares retiraram turistas do Aventureiro em condições agressivas e

ameaçando, fisicamente inclusive, alguns moradores. Esse fato acarretou prejuízo

econômico relevante para as famílias e ainda uma revolta por parte dos moradores que

mais uma vez tinham suas atividades criminalizadas. O caso do Aventureiro começava

a ganhar visibilidade pública. (COSTA; CATÃO; PRADO, 2009).

Até o ano de 2006, a praia de Aventureiro permaneceu recebendo mais turistas;

os moradores mantiveram a AMAV como um canal de negociações junto ao poder

público, tanto na tentativa de retirar o Aventureiro legalmente dos limites da Reserva,

quanto no empenho em legalizar os campings, os bares e restaurantes, e o transporte

dos turistas (COSTA; CATÃO; PRADAO, 2009). No carnaval de 2006, a repressão se

deu através de uma operação chamada “Angra Legal”, que contava com policiais e

bombeiros e ainda com lanchas e helicópteros como apoio para retirar os turistas

considerados ilegais em todas as praias da Ilha Grande. (COSTA, 2008; COSTA;

CATÃO; PRADO, 2009; FERREIRA, 2010).

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Em dezembro de 2006 foi firmado um termo de compromisso entre o Ministério

Público do Estado do Rio, a Procuradoria Geral do Estado do Rio, a Fundação Estadual

de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), a Prefeitura de Angra e a comunidade,

através de sua Associação de Moradores (AMAV). O documento chamado de “Termo

de Ajustamento de Conduta” (TAC) libera a prática de camping e, conforme um estudo

preliminar determina a capacidade de 560 pessoas por dia e o número de campings em

18 no Aventureiro. A TURISANGRA emite um passe com identificação e origem do

turista, período de permanência, camping de destino e embarcação condutora

(PREFEITURA ANGRA, 20128). O TAC possui caráter provisório e tem validade até o

processo de recategorização estar concluído. Após a recategorização, conforme

Ferreira (2010, p.212), “a capacidade de carga turística poderia ser modificada, com

base em estudos mais aprofundados, com a elaboração de um plano de ecoturismo e

com a implantação da infraestrutura adequada”.

No mês de janeiro de 2008, teve início processo de reuniões com objetivo de

tratar da recategorização, que havia sido prevista no termo de compromisso de 2006,

sendo realizada a primeira reunião. Essa reunião contava com a presença de muitos

moradores, pesquisadores, ONG´s, órgãos estaduais, prefeitura de Angra e habitantes

de outras praias. A finalidade era obter esclarecimentos junto aos órgãos públicos e

ouvir a opinião de outros envolvidos.

Nessa primeira reunião também foi anunciada a criação do Grupo de Trabalho

(GT) do Aventureiro. O GT atuou a partir de 2008 com o objetivo de criar uma proposta

de exclusão da Vila do Aventureiro dos limites da Reserva Biológica da Praia do Sul.

Foram realizados diversos encontros entre o GT e os moradores, marcados por muitas

divergências. Em 2009, o GT apresentou a RDS como sendo a opção adequada para a

praia do Aventureiro (FERREIRA, 2010).

O Projeto de Lei nº 3250/2010 trata sobre a criação da RDS e atualmente se

encontra em tramitação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ, 20129).

8 PREFEITURA ANGRA DOS REIS. Disponível em:

http://www.angra.rj.gov.br/asp/noticiasdaprefeitura.asp?vid_noticia=1223 Acesso 04 abr. 2012 9 ALERJ. Disponível em: http://www.alerj.rj.gov.br/processo3.htm Acesso em: 20 abr 2012

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2.5 SURGIMENTO DO TURISMO NA ILHA GRANDE E NO AVENTUREIRO

A construção da BR-101 no trecho Rio-Santos, na década de 70 e o acelerado

crescimento populacional resultaram na valorização da região - a chamada região

Costa Verde, que inclui os municípios litorâneos de Mangaratiba, Angra dos Reis e

Paraty -, na qual a economia do litoral norte de São Paulo e sul do Rio de Janeiro passa

a ser favorecida pela expansão do setor turístico (BRITO, 2001). O projeto da BR-101

denotou um grande potencial para o desenvolvimento do turismo, principalmente pela

sua localização entre as duas maiores concentrações urbanas do país (FRATUCCI,

2005).

Em um período anterior à construção da rodovia, Alves Filho (2004) indica a

existência de um fluxo de visitantes para fins de descanso motivados pelas viagens

entre Barra Mansa e Angra pela Estrada de Ferro Oeste de Minas em 1926. Em 1953,

Angra dos Reis ganhou a publicação de um guia turístico, em que exaltava o patrimônio

histórico e as diversas ilhas (BRASIL DOS REIS apud Mendonça, 2010).

A partir do destaque mundial do movimento ambientalista10 na década de 1970,

espaços insulares se tornaram preocupação por constituírem um cenário único e frágil,

podendo ser alvo da prática do turismo predatório (DIEGUES, 1998 apud MENDONÇA,

2010). Neste contexto, no ano de 1971, conforme Mendonça (2010), um momento

importante para a história do turismo na Ilha é a criação do Parque Estadual da Ilha

Grande (PEIG), uma das primeiras ações do poder público direcionando a vontade de

transformar posteriormente a Ilha em um destino turístico.

Durante a década de 80 e a de 90, a região citada ficou marcada pela intensa

construção de hotéis e empreendimentos como resorts e condomínios fechados ao

longo do trecho Rio-Santos (FERREIRA, 2004).

10

O movimento ambientalista se apresenta com duas ideias: o preservacionismo – visão biocentrica na qual o homem está a parte na interação com a natureza, e o conservacionismo – visão que entende que a conservação da natureza pode se associar a sobrevivência do homem.

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Ramuz (1997) apud Mendonça (2010, p.87) menciona que a Rio-Santos permitiu

não só a dinamização de projetos turísticos para a região, no caso de Ilha Grande,

como também tornou possível “uma nova relação de troca entre a Ilha e o mercado

externo, levando o turismo a se tornar um grande agente das relações socioeconômicas

locais”.

Um fator relevante para o crescimento do turismo na Ilha Grande e no

Aventureiro foi a demolição do Instituto Penal Candido Mendes em 1994. Como mostra

Mendonça (2010) em sua pesquisa, foi crucial a implosão do presídio para o maior fluxo

de visitantes na Ilha, estabelecendo o começo da fase de afirmação da atividade no

lugar. O governo estadual alegou que entre as razões do fim do presídio estava a

importância do turismo na Ilha Grande, além do alto custo de manutenção por se

localizar numa área isolada, propiciando ainda o afastamento do presidiário de sua

família. Esse afastamento dificultava ainda a reintegração do preso à sociedade

(FERREIRA, 2004). Nos últimos anos de existência da penitenciária, o local tornou-se

prisão de segurança máxima por conta de criminosos com maiores sentenças a serem

cumpridas (COSTA, 2008). Antes da desativação do presídio, os moradores do

Aventureiro viviam em alerta constante por conta das rotas de fuga dos presos. Estes,

por sua vez, para retornar ao continente, faziam os pescadores de reféns (MADEIRA

FILHO; HAGINO, 2008).

O modelo de turismo praticado no Aventureiro de campings nos terrenos das

casas seria inconcebível com a presença do presídio, tanto pelas fugas que

aconteciam, quanto pela força policial atenta aos muros do instituto penal (COSTA,

2008).

Costa acentua os distintos momentos da Ilha Grande: “ilha-presídio” e “ilha-

paraíso”, relacionados às condições geográficas naturais referentes às ilhas em geral

(COSTA, 2004, p.50). Ainda conforme o autor:

A ideia da Ilha Grande, como um lugar que está fora do alcance, distante [...] A ilha, por suas características naturais tende a isolar tanto espécies vegetais e animais que se tornam endêmicas, como as pessoas, que estão sujeitas às

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condições climáticas e do mar. Esta noção da Ilha Grande como local de isolamento e prisão permaneceu no imaginário das pessoas, tanto dos ilhéus, moradores locais, como dos habitantes do continente, por muitos anos. A Ilha Grande como lugar de desterro, de separação da vida social, associada ao presídio.(2004, p.50-51)

Há uma transição da sensação de medo e afastamento da época da instituição

penal para uma sensação de sossego e liberdade maior para as pessoas. Costa reforça

essa transição “do lugar-maldito para onde ninguém queria ir, para o lugar paradisíaco

que hoje atrai milhares de turistas” (COSTA, 2008, p.53). A partir do momento em que

não há mais presídio, a Ilha se expande como um novo destino para o mercado turístico

e imobiliário (COSTA, 2008).

Os moradores da Ilha tinham na agricultura e na pesca o seu sustento. Com a

criação das unidades de conservação, conforme Ferreira (2010, p.31), “a terra e a

natureza passaram a ter outros significados, como o de um patrimônio público a ser

preservado”.

No período do presídio, a Ilha Grande já era citada em folhetos turísticos e

através de meios de comunicação sempre se destacando por sua beleza paradisíaca.

Também fez parte de políticas públicas que já demonstravam o interesse em

desenvolver a atividade turística. Dessa forma, a implosão da penitenciária afirma a Ilha

Grande como um lugar para o lazer e o turismo (MENDONÇA, 2010).

Publicado em 1997, o Plano Diretor de Turismo de Ilha Grande mencionava um

turismo que estava acontecendo sem ordem e planejamento, degradando o meio

ambiente e produzindo uma economia instável e sazonal. O referido documento

descrevia também a consolidação da Ilha Grande como um destino barato para ser

visitado nas férias ou em feriados como o Carnaval (TANGARÁ, 1998).

O número de pousadas de pequeno porte teve um acréscimo acentuado nos

anos 90, principalmente entre 1997 e 1999 conforme afirma Ferreira (2010),

acrescentando ainda que embora esse tipo de hospedagem beneficiasse mais pessoas

e com menor poder aquisitivo, a forma desorganizada como ocorreu trazia grandes

mudanças para a vida da população local e para o meio ambiente. O poder público não

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acompanhou o crescimento turístico, como se pode notar pela falta de infraestrutura na

Ilha. Em períodos de alta temporada, a consequência era o aumento de esgoto e lixo.

Abraão é a vila mais populosa da Ilha e é onde se percebe um maior impacto do

turismo justamente por haver transportes mais regulares entre ela e o continente. É

onde existem mais empreendimentos, infraestrutura, serviços públicos. Dessa forma,

tem-se também uma maior concentração de visitantes (MENDONÇA, 2010).

Outro ponto a ser destacado sobre o turismo na Ilha é a chegada de cruzeiros a

partir do ano de 2007 (MENDONÇA, 2010). Na temporada de 2011/2012, houve o total

de 67 transatlânticos no município de Angra, com 59 paradas na Vila do Abraão e 08 no

centro de Angra (PANROTAS, 201211). O assunto é polêmico no que diz respeito ao

impacto que esse tipo de turismo causa em Ilha Grande. Em sua pesquisa, Mendonça

(2010) mostra opiniões de moradores contrários à chegada de navios tanto pela

quantidade de pessoas no desembarque quanto pelo retorno financeiro.

A história do turismo no Aventureiro é diferente das outras praias da Ilha,

primeiramente em razão da existência da reserva biológica, mas há, também, a

dificuldade de acesso, devido o tempo de barco que é despendido saindo do cais de

Angra. Ainda existe a possibilidade de o mar não estar em boas condições, fazendo

com que a parada mais próxima seja na praia de Provetá e, de lá, fazendo uma

caminhada de 2 a 3 horas por trilha íngreme (MENDONÇA; FERREIRA 2010). Ferreira

(2004, p.102) também aponta as diferenças na exploração do turismo, visto que na Ilha

ele “é explorado prioritariamente por pessoas vindas de fora, com maior poder

econômico e melhores condições sociais” e, no Aventureiro, “é a própria população

nativa que conduz a forma e a maneira de organizar esta recepção partindo de

elementos próprios da sua experiência de vida, articulando seus elementos culturais

com valores, informações e demandas dos próprios turistas”.

Assim, a partir de 1994, a chegada de turistas gradualmente mudou as relações

de trabalho dos moradores do Aventureiro, que antes viviam da pesca embarcada e

passaram a viver do turismo, configurando uma nova forma de renda na qual as

11

PANROTAS. Disponível em: http://www.panrotas.com.br/noticia-turismo/cruzeiros/angra-dos-reis-rj-

recebera-38-transatlanticos-ate-abril_74952.html?pesquisa=1. Acesso em: 30 out. 2012

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famílias queriam permanecer em suas terras reclamando por novos espaços para a

construção de casas. Como ressalta Costa, “se os moradores já estavam em situação

ilegal, a chegada dos turistas, aos olhos dos funcionários do órgão ambiental e de

ativistas ambientalistas, representava a maior ameaça à Reserva Biológica desde sua

criação em 1981” (2010, p.187).

Mendonça (2010, p.257) observa que “as potencialidades paisagísticas do

Aventureiro, fortalecidas pela patrimonialização da natureza e sua sacralização

(resultado da criação da RBPS) levaram a transformação do lugar voltado para o

turismo”.

Os meios de hospedagem se apresentam de forma diferenciada, pois não

aparentam ser como um empreendimento turístico. Ou são casas no mesmo terreno da

casa do morador ou são campings nos quintais. Bares, aluguel de snorkel e transporte

entre a Vila e Angra são outros empreendimentos/serviços no turismo de lá

(MENDONÇA, 2010).

Em relação ao transporte, a realidade é que a travessia feita do cais de Angra

para a praia do Aventureiro pelos moradores é ilegal, já que estes não têm autorização

para navegar em mar aberto, ainda que muitos deles tenham habilitação para pilotar os

barcos. Apesar de continuarem realizando o transporte de turistas e moradores, a

situação não é regularizada, uma vez que demanda um alto custo financeiro. Por isso,

durante o período com maior número de visitantes, a TurisAngra oferece o serviço de

barqueiros, que não são moradores da Vila, aptos a realizar este percurso

(MENDONÇA, 2010).

Um evento de grande relevância para a comunidade é a Festa de Santa Cruz,

uma comemoração que ocorre uma vez por ano. Antes comemorada no mês de maio,

foi alterada para o mês de janeiro devido à melhor condição de navegabilidade. É

comemorada no primeiro fim de semana de lua cheia do ano (FERREIRA;

MENDONÇA; 2010) caracterizando-se como o evento mais importante do lugar

(FERREIRA, 2008). Nela, o padre está presente e é realizada uma procissão e uma

missa na Igreja de Santa Cruz (Fig. 5). Após a procissão, é feito um leilão, para a

arrecadação de dinheiro para a festa do ano seguinte. O responsável pela organização

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da festa é o “festeiro”, escolhido todo ano. Após o leilão, o forró acontece no anexo da

Igreja sem hora para terminar (FERREIRA, 2004; MENDONÇA, 2010).

Figura 5: Igreja de Santa Cruz.

Fonte: Acervo próprio (25-03-2012).

Deve-se considerar, que apesar da sazonalidade da atividade turística na Vila, o

turismo aparece como um significativo aporte financeiro para os moradores –

principalmente pelo histórico de terem uma renda essencialmente da agricultura e da

pesca –, embora os ganhos sejam inferiores aos de investimentos do turismo na Vila do

Abraão e mesmo em outras praias (MENDONÇA, 2010).

A forma como o turismo acontece no Aventureiro é descrita por Mendonça (2010,

p.275):

Privilegia os agentes sociais com pequeno capital econômico e pequeno capital cultural no que se refere às qualificações consideradas necessárias ao turismo, e por outro lado, com um alto grau de capital social, exemplificado por uma rede durável de relações, vinculada a um grupo em um lugar com pequena estratificação econômica, com elos de parentesco e com uma configuração local de cooperação entre eles.

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2.5.1 Apoio do Ministério do Turismo: “o povo do Aventureiro”

No âmbito das políticas públicas, em 2008, o governo federal decidiu apoiar

projetos de turismo de base comunitária por considerar o desenvolvimento local como

uma alternativa para reduzir desigualdades e gerar trabalho e renda (MINISTÉRIO DO

TURISMO, 2010).

O desenvolvimento local no turismo, segundo o Ministério do Turismo (MTur), é:

A oportunidade de inserção de atores sociais e econômicos de assumirem papel ativo na organização da oferta de produtos e serviços em destinos turísticos. Nesta perspectiva, indivíduos de uma comunidade se reúnem para produzir de forma diferenciada, ; buscando alternativas de sobrevivência econômica na atividade turística, aliadas a outros fatores como a valorização do modo de vida da cultura e/ou a defesa do meio ambiente (2010, p.11).

Neste mesmo ano, o Ministério do Turismo publicou um edital12 aceitando

propostas para apoio financeiro no valor entre R$ 100 mil e R$ 150 mil, com prazo de

execução de até 18 meses (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2010).

Dessa forma, foram apoiados projetos que primavam pela valorização das

identidades culturais e também pelo incremento do capital social para a promoção do

desenvolvimento sustentável de comunidades. Nesse cenário, um dos 50 projetos

selecionados foi “O Povo do Aventureiro: fortalecimento do turismo de base

comunitária”, desenvolvido pela Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e

Tecnológica da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Fapur/UFRRJ), em

parceria com o Comitê de Defesa da Ilha Grande (Codig).

12

Ver Catálogo Ministério do Turismo sobre projetos selecionados para financiamento.

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2.5.1.1 O projeto

Através de demandas locais identificadas em pesquisa de campo realizada em

2008 pelo Codig em parceria com a AMAV, o projeto deu continuidade ao trabalho já

iniciado com a comunidade do Aventureiro. A Universidade Federal Rural do Rio de

Janeiro - UFRRJ já atuava na Ilha Grande, tanto em projetos de pesquisa e extensão,

quanto como membro do Conselho do Parque Estadual (SILVA et al, 2011). O projeto

contou com apoio institucional da prefeitura de Angra, da Turisangra e do INEA.

Essa pesquisa mostrou que para além das demandas de infraestrutura, era

indispensável um trabalho de capacitação dos moradores para o trabalho com a

atividade turística, considerando ainda atividades que vierem a ser implantadas a partir

da transformação da praia em uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável.

O objetivo geral do projeto foi:

Mobilizar e integrar a comunidade para a qualificação dos moradores e o aperfeiçoamento dos empreendimentos locais por meio de ações que visem ao fortalecimento do associativismo e/ou cooperativismo da Vila do Aventureiro e que busquem a melhoria da qualidade de vida dos moradores, a manutenção das ações de conservação do meio ambiente e a valorização de seu patrimônio cultural. (SILVA et al, 2011, p.126)

A partir de encontros comunitários e visitas às casas dos moradores, a equipe do

projeto apresentou propostas de atividades, readequando-as de acordo com a

avaliação destes. Essa foi a fase de sensibilização, mobilização e planejamento.

Na fase seguinte, de gestão de empreendimentos solidários produtivos, foram

oferecidos conhecimentos básicos para gestão de empreendimentos locais e

capacitação para a gestão sustentável dos negócios.

Em seguida foi realizada a etapa de capacitação técnica, na qual foram

organizadas oficinas com foco nas práticas operacionais do turismo, tais como: meios

de hospedagem; alimentos e bebidas; condução de visitantes; transportes; legislação

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ambiental; fundamentos de informática (curso realizado em Angra dos Reis) e incentivo

à formalização de cooperativismo e fortalecimento do turismo de base comunitária da

Vila do Aventureiro.

A coordenadora do projeto foi entrevistada no dia 27-04-2012 para essa

pesquisa. Considerando as expectativas da equipe antes de o projeto acontecer, a

professora disse que mesmo sabendo que somente o processo seria capaz de mostrar

o caminho a ser seguido pelo projeto, a equipe já tinha consciência da complexidade de

desenvolver um projeto em um território em conflitos com o Estado.

Diante desse cenário, a estratégia utilizada para iniciar o projeto foi tentar uma

relação próxima com os moradores indo nas casas e conversando para mostrar

possibilidades de desenvolvimento de algum projeto junto aos moradores apesar das

dificuldades enfrentadas na realidade do Aventureiro.

Além da mobilização junto às famílias, outro canal de contato foi a Associação de

moradores. A agenda do projeto previa que todo mês ocorressem atividades, e para as

oficinas, dependia-se também da agenda do instrutor. Elas foram desenvolvidas,

segundo a coordenadora, somente aos fins de semana a pedido dos moradores. Sendo

assim, quando havia necessidade de estendê-las por 4 dias, a estratégia era utilizar

dois fins de semana seguidos. O financiamento do projeto foi renovado por mais um

ano, terminando assim em janeiro de 2011.

O papel da UFRRJ nesse projeto foi o de desenvolver um projeto de extensão,

porém a coordenadora fala também da grande afinidade que se estabeleceu entre a

equipe e os moradores. Isso se confirma nas entrevistas de campo, em que vários

moradores citaram essa relação e o apreço pelos professores bem como pelos alunos

envolvidos.

A importância do projeto para os moradores, segundo a professora, se dá pela

construção conjunta de um trabalho, em que foi elaborada uma revista; e, também

respondendo às pesquisas que geraram um livro, como se pode constatar na

declaração seguinte:

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“E o mapa, isso também eu acho que foi de grande valia, porque eles não, nunca

tinham nada registrado, os filmes, eles nunca tiveram nada registrado, assim, da

história deles. [...] eles podem, né aproveitar e aprimorar, imprimir, divulgar, acho que

um dos grandes resultados foi isso, que eles nunca tiveram nada materializado, né.

Assim, então ali tem uma revista já impressa, ou na internet, que muitos jovens têm

acesso a internet, algumas pessoas têm, tem o livro, né, tem o mapa. Então isso pra

mim também acho que pra comunidade, e pro projeto, é um grande legado, pra gente é

legado que a gente acaba ganhando produção, né, mas pra eles é um legado que é a

primeira vez que tem alguma coisa registrada”.

No que concerne à relevância do projeto para o turismo, segundo as palavras da

coordenadora,

“[...] acho que a gente tentou também dar pra eles a importância deles, deles se

manterem ali, que eles têm possibilidade de ganho financeiro com turismo, né, pra eles

defenderem o lugar onde eles moram, assim, porque a gente, mesmo nas, nos cursos

de qualificação a gente tinha sempre essa premissa a questão da sustentabilidade, do

patrimônio cultural, a importância né da história e de que aquele lugar era deles e eles

tinham que garantir a permanência deles, que eles garantissem que eles continuassem

sendo, né os protagonistas daquela história, isso sempre”.

Como profissional, ela fala da possibilidade de vincular o projeto de extensão

com o ensino e a pesquisa, no qual é uma “descoberta, sempre é rico conhecer outras

realidades”.

O projeto abrangeu o período de fevereiro de 2009 a janeiro de 2011 com a

participação de 77 moradores (entre fixos e temporários).

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3. ELEMENTOS DO TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA

3.1 O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA (TBC) COMO ALTERNATIVA AO

“TURISMO CONVENCIONAL”

Inserido em uma sociedade globalizada e de lógica capitalista, o Turismo de

Base Comunitária (TBC) deve, em grande parte, ao “envolvimento participativo da

comunidade local”, proposto em seus princípios, sua diferenciação em relação ao

chamado “turismo convencional”. Enquanto o primeiro reforça a ideia de manutenção

de modos de vida tradicionais, visando um comércio justo, solidário e sustentável

(SAMPAIO; CORIOLANO, 2009), o segundo, geralmente se configura na produção

frequente de fenômenos significativos de exclusão social (IRVING, 2009).

O turismo pensado somente pelo viés econômico acaba contribuindo para sua

própria insustentabilidade econômica e social (ARAÚJO, 2011). Esta tem sido a forma

com que o “turismo convencional” comumente se apresenta. Bursztyn e Bartholo (2012)

argumentam que na atualidade os produtos “homogeneizados”, que o “turismo

convencional” costuma criar, estão perdendo espaço para práticas que impulsionem um

turismo mais personalizado.

Considerando o fenômeno turístico e o processo de globalização como

irreversíveis, Irving (2009, p.108) aponta para a difícil tarefa de conceber opções para

um tipo de turismo em que sejam internalizadas “a variável local e as identidades

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envolvidas como elemento central de planejamento”. A perspectiva “local” se contrapõe

ao turismo de massa, capaz de realizar experiências que seguem “padrões do modo de

produção industrial em seu empenho por maximizar a programação e o controle e

minimizar riscos e perdas” (BOORSTIN, 1996 apud BURSZTYN et al, 2009, p.85).

Ribeiro (2008, s.p.) argumenta em relação ao modelo de turismo comunitário

que:

Existe a necessidade de entrelaçamento entre os setores, pois o modelo

comunitário não exclui a importância de apoio e recursos para os fins, ou seja,

para que este modelo de desenvolvimento não seja mais uma utopia deparada

a globalização de economia capitalista, faz-se necessário que a comunidade

busque sua organização e apoio para exploração do turismo [...] tornando

possível que esta [a comunidade] usufrua das oportunidades geradas pela

atividade.

Diversas iniciativas de turismo de base comunitária no Brasil, e também na

América Latina, têm nos atores locais a participação mais efetiva no que se refere ao

planejamento, à execução e ao monitoramento das atividades turísticas. Essa realidade

possibilita a geração de uma renda complementar, bem como o desenvolvimento

socioeconômico (MENDONÇA; MORAES, 2012). Cabe ressaltar que as experiências

do turismo comunitário “são recentes e a maioria está em espaços naturais e rurais, em

países de desigualdades históricas, como dos continentes latino americano e africano”

(SAMPAIO; CORIOLANO, 2009, p.21).

No cenário brasileiro, Bursztyn e Bartholo (2012) consideram um marco

importante do TBC quando o Ministério do Turismo lança um edital, no ano de 2008,

com o objetivo de financiar projetos para estruturação e fortalecimento da atividade. Já

com relação à produção acadêmica, Irving (2009) indica que o tema passou a ser mais

difundido no momento em que o turismo passa a ser interpretado como uma

possibilidade de inclusão social, com discussão em âmbito internacional.

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Cumpre mencionar algumas experiências de turismo de base local no cenário

brasileiro: Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá no Amazonas;

Prainha do Canto Verde no Ceará (inserido dentro da Rede de Turismo Comunitário do

Ceará – Rede Tucum); Quilombo do Campinho no Rio de Janeiro; Projeto Acolhida na

Colônia em Santa Catarina (Coriolano, 2009; Ministério do Turismo). Já no cenário

latino americano exemplos como: Rede de Agroturismo de Chiloé no Chile e

Comunidade Unión Lojana no Equador.

Nas experiências brasileiras, nota-se um número maior dessas práticas na região

Norte e Nordeste13, “as regiões mais injustiçadas socialmente” (CORIOLANO, 2009,

p.65). Segundo a autora, o modo de vida moderno acaba por centrar no valor do capital

em vez do humano, e no momento em que o Estado não corresponde em relação aos

cuidados necessários com as populações destas regiões, tem-se no fortalecimento dos

movimentos sociais um importante elemento na luta para suprir esta falta e na criação

de alternativas econômicas e sociais. Muitas das iniciativas de TBC no Brasil estão

vinculadas à reivindicação pela posse de terra e pelo direito ao uso sustentável dos

recursos naturais (FABRINO, 2012; MENDONÇA; MORAES; 2012), como é o caso da

Vila do Aventureiro, objeto deste estudo.

A literatura a respeito do TBC é respaldada por uma pluralidade de conceitos nos

estudos de diversos autores, abrangendo dimensões antropológicas, sociológicas,

econômicas, políticas, históricas, psicológicas e ambientais (FABRINO et al, 2012).

Apesar da variedade, esses conceitos têm como denominador comum o

desenvolvimento na escala humana, apoiado em valores culturais, sociais e ambientais

(CORIOLANO, 2009). Outros termos são usados referindo a este modo diferenciado de

se trabalhar com o turismo: turismo comunitário, turismo de base local, turismo rural

comunitário, turismo situado de base comunitária, ecoturismo de base comunitária,

turismo solidário, experiência de economia solidária, turismo alternativo, turismo

integrado (CORIOLANO, 2009; MENDONÇA; MORAES, 2012).

O Ministério do Turismo (2010) corrobora essa diversidade de conceitos

alegando que são muitas as especificidades da experiência de TBC, tanto do ponto de

13

Ver Coriolano (2009) para experiências detalhadas sobre o TBC no Ceará.

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vista do lugar em que ocorre, como das perspectivas dos envolvidos na viabilização

desse modelo de turismo. Sendo assim, o conceito do Ministério do Turismo

fundamenta na cultura e no modo de vida local o principal motivo da visita.

Turismo comunitário, no entendimento de Maldonado (2009), parte da ideia de

uma organização pautada na autogestão sustentável dos recursos patrimoniais

comunitários, possibilitando a distribuição de benefícios gerados pela prestação dos

serviços turísticos. É um turismo com objetivo de estimular encontros interculturais entre

visitantes e visitados. O referido autor observa que as atividades tradicionais não

devem ser substituídas pelo turismo. É importante que este seja um complemento

potencializador destas (agricultura, pesca, artesanato, etc.), permitindo também ser

uma estratégia que proteja a comunidade de empreendedores que ameacem o modo

de vida local (MENDONÇA; MORAES, 2012).

Para Irving (2009), esse tipo de turismo, em tese, acolhe o sentido coletivo de

vida em sociedade para promover qualidade de vida, inclusão social, valorização da

cultura local e o sentimento de pertencimento da comunidade local. O diferencial do

TBC se encontra no fato de a lógica da atividade do turismo em si ser organizada por

uma vontade da comunidade receptiva, que se “reapropria” de seu cotidiano de modo a

estabelecer novos arranjos. A comunidade se fortalece, conforme Lima et al:

A atuação do homem como protagonista no desenvolvimento da vida

comunitária se dá por meio da liberdade de participar espontaneamente dos

processos de tomada de decisão, que implica responsabilização pelo cenário

futuro desenhado e definido como objetivo a ser alcançado. Esse exercício,

quando desejado por um número significativo de membros comunitários, resulta

no fortalecimento político e institucional do grupo social (2009, p.5).

Cabe lembrar a formação da associação de moradores no Aventureiro, criada

justamente para tentar fazer valer seus direitos diante de conflitos de uso da terra e em

reivindicações de melhorias na qualidade de vida. Fabrino et al (2012) apontam que o

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TBC acrescenta uma oportunidade de a comunidade se articular com agentes externos

em prol dos movimentos de luta do lugar.

Segundo Mendonça e Moraes (2012, p.1174-1175), o Turismo de Base

Comunitária pode ser visto como:

Alternativa ao modelo hegemônico de turismo; protagonismo e forte mobilização dos grupos sociais locais envolvidos; fundamentos da economia solidária e do cooperativismo; busca pelo desenvolvimento local; inclusão social; participação e diálogo efetivo; sentimento de pertencimento e identidade com o local; desenvolvimento de capacidades; organização em redes; conservação do patrimônio natural e cultural; distribuição equitativa dos benefícios gerados pela atividade; pequenos empreendimentos domiciliares e familiares; produção associada do turismo, entre outras.

A partir das denominações referentes ao TBC, este normalmente aparece

atrelado a segmentos14 do turismo, por exemplo: ecoturismo e turismo rural. Ao

levarmos em conta que o TBC é uma maneira endógena de desenvolvimento do

turismo, não se pretende encaixar o TBC como um segmento de mercado. É uma

prática que pode ser incorporada aos segmentos já existentes (BURSZTYN;

BARTHOLO; FABRINO et al, 2012).

Em outra visão, Silva et al (2009, p.363) imprimem um caráter mercadológico ao

TBC quando falam que “a gestão e a oferta de bens e serviços turísticos visa tanto

atrair turistas que demandam especificamente este segmento turístico, como agregar

valor a destinos turísticos de cunho mais tradicional”. Rezende (2011) assinala que

essa visão coloca o TBC numa perspectiva de preocupação com o aumento do número

de turistas nos destinos, tratando o TBC como mais um segmento.

Não somente o TBC em si é proposto como uma tendência alternativa ao modelo

hegemônico. Organizações e países buscam uma forma de criar uma consciência

crítica. Nesse cenário, o turista também se configura com outro comportamento, atento

14

Para o Ministério do Turismo, a segmentação é estabelecida através da identidade da oferta e também

das variáveis da demanda. É uma forma de organizar o turismo para fins de planejamento do mercado.

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a um turismo menos padronizado e mais ligado a cultura local (REZENDE, 2011), como

será assinalado na sessão seguinte.

3.2 TURISMO RESPONSÁVEL

O movimento do turismo responsável tem crescido no mundo. Nele os turistas se

sentem também responsáveis por minimizar os impactos sociais e ambientais de suas

viagens (BURSZTYN; BARTHOLO, 2012). Ainda conforme estes autores, esse

empenho mais ativo dos turistas tem origem na Europa no final do século XX. Assim

como o TBC, não se trata de um novo segmento de mercado, e sim de um novo olhar

sobre o modo de viajar. No Brasil, essa demanda aos poucos aparece refletida em um

consumo turístico que inclui a busca por mais informações sobre a cultura, a natureza e

a história dos locais visitados (GRIMM; SAMPAIO, 2011).

Em seus estudos, Irving (2009) observa uma mudança do perfil do turista no tipo

de turismo que ele deseja praticar, visto que há um crescimento de uma postura crítica

diante de temas como responsabilidade social e ambiental, influenciando também no

mercado. Neste sentido, as empresas passam a vender destinos menos convencionais,

capazes de “viabilizar novas experiências e descobertas para um ‘cidadão global’, em

busca de oportunidades e aprendizagens, para além do ‘cardápio’ de opções

disponíveis” (IRVING, 2009, p.109).

A demanda assimilada pelo mercado mundial contemporâneo parece estimular

os negócios comunitários (MALDONADO, 2009). Grimm e Sampaio (2011) apresentam

o “novo” turista para o qual o turismo de base comunitária é um cenário capaz de

propiciar as novas experiências desejadas:

Este novo turista seleciona mais e melhor seus destinos e a forma de viajar, valorizam os aspectos espirituais e ecológicos da viagem; buscam o real e o natural dos destinos, não o meio alterado; tem mais tempo livre e são mais flexíveis; as atividades turísticas formam parte das necessidades fundamentais e da qualidade de vida; dedicam mais tempo as atividades turísticas; [...]

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procuram independência fazendo um tipo de viagem distinto do modelo praticado pelas massas (2011, p. 61).

Em 1999, a Organização Mundial do Turismo (OMT) apresenta nove artigos do

Código Mundial de Ética do Turismo, como um marco de referência para o

desenvolvimento responsável e sustentável do turismo. Destaca-se para essa pesquisa

o quinto princípio, no qual o turismo é apresentado como atividade benéfica para os

países e para as comunidades de destino. Este princípio propõe que as políticas de

turismo sejam conduzidas de forma a contribuir para a melhoria da qualidade de vida

das populações receptoras. Indica também a importância da atenção para áreas

insulares onde o turismo pode ser uma das poucas chances de desenvolvimento

(ORGANIZAÇAO MUNDIAL DO TURISMO, 1999). Dessa forma, a criação do Código

pode ser entendida como uma ação da Organização Mundial do Turismo em priorizar a

sustentabilidade do turismo, bem como fortalecer o movimento do turismo responsável.

No ano de 2002, foi realizada na Cidade do Cabo, a primeira Conferência

Internacional sobre Turismo Responsável em destinos15. No evento, foi discutida a

Declaração da Cidade do Cabo, elaborada pelo Prof. Harold Goodwin, na qual definia o

Turismo Responsável com os seguintes pontos (CAPE TOWN DECLARATION, 2012):

Minimiza os impactos negativos sociais, ambientais e econômicos;

Gera mais benefícios econômicos para a população local, e melhora o bem –

estar da comunidade receptora; melhora as condições de trabalho e de acesso

ao mercado de trabalho;

Envolve a população local nas decisões que afetam sua vida e oportunidades;

Contribui positivamente para a conservação do patrimônio natural e cultural, para

a manutenção da diversidade do mundo;

15

O evento ocorreu paralelamente ao World Summit on Sustainable Development (Rio+10) realizado em Johanesburgo.

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Proporciona experiências mais agradáveis para os turistas através de conexões

mais significativas com os moradores locais, e uma maior compreensão das

questões culturais, sociais e ambientais locais;

Oferece acesso a pessoas com deficiência;

É culturalmente sensível, estimulando respeito entre turistas e anfitriões, e

criando orgulho e confiança locais.

Na edição de 2008 em Kerala, na Índia, a declaração apresentada cita

diretamente o turismo de base comunitária, como um tipo de desenvolvimento que

precisa ter mais foco no planejamento da atividade, sem esquecer o papel da

comunidade local em todo o processo decisório (KERALA DECLARATION, 2012). Após

essa edição, o evento passou a ser realizado anualmente. As edições seguintes foram

em Belize (2009), Omã (2010), Canadá (2011) e Brasil (2012).

O levantamento dessas informações nos leva a perceber a importância mundial

do enfoque no turismo responsável, tanto por parte dos turistas, quanto por parte de

organizações e governos.

No que diz respeito às comunidades, tornou-se importante a reflexão sobre os

conceitos de desenvolvimento local, identidade, comunidade, pertencimento.

3.3 ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO LOCAL

A fim de tratar de elementos da comunidade local em relação ao

desenvolvimento local em si e a prática do TBC, importam algumas considerações

sobre esse tipo de desenvolvimento. Seria um processo de dentro para fora, ou seja,

endógeno.

Ao termo “desenvolvimento”, já foram designadas diferentes acepções como:

crescimento econômico; relação com o bem-estar das comunidades, sendo chamado

de desenvolvimento social (SOUZA, 1997 apud SPINOLA, 2006); além de

desenvolvimento sustentável.

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Vázquez Barquero (2000) condiciona o desenvolvimento local a um processo de

crescimento e mudança estrutural que se reflete no bem-estar da população local. Se a

comunidade é capaz de liderar a mudança estrutural, o desenvolvimento é chamado de

local ou endógeno.

Considerar o desenvolvimento local como um processo de fortalecimento

endógeno implica a participação da comunidade local que surge de sua própria

dinâmica. O conceito de desenvolvimento local faz parte da concepção de

desenvolvimento sustentável. Existe uma estreita relação entre o desenvolvimento

local, o lugar e a comunidade (RODRIGUEZ, 2007).

Podemos atentar para os seguintes pressupostos do processo endógeno do

desenvolvimento local de acordo com Aguiar (2007, p.103):

Dimensionar as potencialidades internas do território;

Promover processos de inclusão social a partir do crescimento dos níveis de

empregabilidade e de renda;

Promover, capacitar e treinar os recursos humanos com vistas à mobilização de

suas virtualidades e habilidades para realizações empreendedoras;

Trabalhar para seu próprio desenvolvimento a partir de um esforço endógeno e

autônomo da organização social;

Dimensionar a ociosidade dos recursos humanos e naturais e do capital social

básico ou economia externas existentes.

A partir do que já foi exposto sobre o TBC, percebe-se sua inserção no cenário

do desenvolvimento local. Nas palavras de Irving (2009, p.112):

O turismo de base comunitária resulta de uma demanda direta dos grupos sociais que residem no lugar turístico, e que mantém com este território uma relação cotidiana de dependência e sobrevivência material e simbólica. Assim, não é possível imaginar uma iniciativa de turismo de base comunitária resultante de uma decisão externa, de uma intervenção exógena a realidade e aos modos de vida locais. Neste caso, embora frequentemente atores externos

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funcionem como “indutores” do turismo de base comunitária, se a iniciativa não tiver motivação endógena e expressar o desejo dos grupos sociais locais, ela certamente não atenderá as demandas de desenvolvimento local e nem contribuirá para o protagonismo social, condição essencial para este tipo de turismo. O protagonismo resulta do sentimento de pertencimento e do poder de influencia sobre os processos de decisão, e só pode ser expresso plenamente quando o ator social se reconhece como agente do processo de construção da realidade e da dinâmica de desenvolvimento.

Pensar o TBC seria, portanto, pensar num desenvolvimento em que o local seja

entendido como um espaço socialmente construído “onde se conformam comunidades

e constroem-se identidades territoriais” (COELHO E FONTES, 1998 apud IRVING,

2009, p.112). Bauman (2003) aponta o entendimento entre a comunidade como um

ponto de partida da união, um ponto que aparece antes de eventuais divergências.

Jeffrey Weeks (2000, apud BAUMAN, 2003) acentua que o sentido mais forte de

comunidade surge justamente do grupo que se encontra numa situação ameaçadora, e

por isso, os laços de uma comunidade e sua identidade trazem uma sensação de

coesão que possibilita a resistência ao poder.

No cenário da Vila do Aventureiro (Fig. 6), o turismo é um dos exemplos de como

se dá o desenvolvimento local. Irving (2009) estabelece a importância do encontro e da

experiência compartilhada, não tornando o turista apenas um visitante a procura de

exotismo. Esse encontro pode ser visto como uma relação interativa, na qual o papel do

anfitrião e do turista não se valem de uma dimensão de consumo (BURSZTYN et al,

2009).

A relação entre o visitante e a comunidade local, neste caso, tende a ser mais

aberta e próxima, criando laços entre eles. A própria comunidade está ali exposta com

seu cotidiano, e por esse encontro, a identidade e o sentimento de pertencimento

podem vir a serem fortalecidos. Daí a necessidade de se refletir acerca desses

elementos inerentes ao desenvolvimento local e ao TBC.

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Figura 6: Vista da praia do Aventureiro a partir do alto do morro.

Fonte: Acervo próprio (25-03-2012).

3.4 IDENTIDADE E SENTIMENTO DE PERTENCIMENTO

Quando pensamos em “identidade”, logo vem à mente algo que caracterize

aquilo que se é, o que está por trás da pessoa ou de um lugar. Nesse processo, ter

uma identidade diz respeito também à história, tradições, costumes, língua, cultura, etc.

Yázigi (2001) de uma forma simples fala em identidade inata e adquirida. A inata seria

nossa identidade genética dada pelo nosso DNA e a adquirida seria a construída

socialmente e mutável, considerando, por exemplo, a cidadania e o pertencimento a

algum grupo. Ainda conforme o referido autor, o conjunto de identidades do lugar pode

ser entendido por meio de relações sociais, instituições, e toda a cultura material, e os

costumes.

Sobre a identidade, o sociólogo Hall (1989) argumenta que esta não é estável,

estando suscetível a ação da história e a ação das diferenças culturais. Essa diferença

se apresenta a partir da relação com o “outro”. Somente quando há o “outro” é que você

pode saber quem você é. Este “outro”, então, não se encontra fora, se encontra incluso

na identidade.

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Em outro estudo, Hall (2004) descreve três concepções de identidade

relacionadas a diferentes períodos históricos. Se antes o sujeito possuía uma

identidade unificada e estável, agora o sujeito pós-moderno se torna fragmentado,

composto de múltiplas identidades. Isso se deve muito, segundo o autor, ao processo

da globalização, pois “à medida em que os sistemas de significação e representação

cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e

cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos

identificar – ao menos temporariamente” (HALL, p. 13, 2004).

Quando Hall (1989) fala nessa relação com o “outro”, pode-se pensar no

exemplo da Vila do Aventureiro. O “outro”, nesse caso, seria o Estado, que se apropria

de termos como “populações tradicionais” ou “caiçaras” para designar os moradores

dessa comunidade. Estar nesse enquadramento atribuído por agentes externos acabou

permitindo que os habitantes continuassem morando lá desde a criação da reserva

(FERREIRA, 2004, 2010).

A identidade sujeita a ação da história também pode ser percebida em relação

ao uso do termo “caiçara”. Em sua pesquisa, Ferreira (2004, 2010) aponta sobre como

o uso desse termo muda de acordo com a circunstância, uma vez que “caiçara” já foi

sinônimo de pessoa sem valor ou ignorante, porém com o reconhecimento do discurso

socioambiental, passa a ter um valor positivo. Segundo Souza e Silva (2010, p.308), “a

identidade tem sido um fator importante para reconhecimento de seus direitos e

deveres [em relação aos moradores], além da valorização do que representa ser

caiçara, principalmente para o turismo. Deve-se ressaltar que os benefícios do turismo

geram na população do Aventureiro sentimento de propriedade de terra”.

O cenário do turismo de base comunitária é aquele de um território que não se

restringe ao espaço físico, e sim o de uma sociedade que foi incorporada a uma

dinâmica. Conforme Rodrigues (2007, p.17):

Ao mesmo tempo em que a sociedade transforma o espaço em território, transforma-se a si mesma, através de um processo contínuo e dialético. Assim o território assume um peso, um cariz, uma identidade, principalmente na sua

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dimensão zonal. A personalidade que o território adquire, consubstanciada materialmente pelo poder econômico e político, e/ou simbolicamente pelas representações sociais, definirá novas ações humanas, que poderão fortalecer ou desestruturar as territorialidades construídas.

Hall (1996) também fala sobre a identidade cultural, apresentando duas visões:

(1) uma espécie de ser coletivo que abrange experiências partilhadas resultando em

histórias e códigos culturais; e (2) reconhecimento de que, mesmo com muitos pontos

similares, existem pontos com uma diferença significativa que constituem o que uma

comunidade se torna a partir da dinâmica de sua história.

Na segunda visão, Hall (1996, p.69) acrescenta ainda que a identidade cultural

“pertence ao passado, mas também ao futuro. Não é algo que já exista, transcendendo

a lugar, tempo, cultura e história. As identidades culturais provem de alguma parte, tem

histórias. Mas, como tudo que é histórico, sofrem transformação constante”. Dessa

forma, pode-se dizer que o patrimônio comunitário é partilhado através de

manifestações tangíveis e intangíveis, expressando assim o modo de vida da

comunidade e sua identidade cultural (MALDONADO, 2009).

A partir das ideias de identidade e identidade cultural, podemos pensar na

relação com a atividade do turismo de base comunitária dado que o envolvimento da

comunidade para projetos turísticos e para uma nova dinamização do cotidiano reflete

diretamente no campo social (RODRIGUES, 2007). Nesse sentido o turismo organizado

comunitariamente pode servir como um reforço do sentimento de pertença, de união e

solidariedade entre os participantes. Nota-se o estímulo à coletividade, e a defesa de

um lugar que respeite suas tradições e costumes cotidianos.

Ser parte de algo que seja construído com o protagonismo da comunidade local

“resulta do poder de sentimento de pertencimento e do poder de influência sobre os

processos de decisão, e só pode ser expresso plenamente quando o ator social se

reconhece como agente do processo de construção da realidade e da dinâmica de

desenvolvimento” (IRVING, 2009, p.112).

A identidade aparece como afirmação da personalidade do lugar, o que Yázigi

(2001, p.44) chama de a alma do lugar, composta de diversas identidades que se

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traduzem “como significativos referenciais para a vida cotidiana; como meio de vida e

de sentimento de pertença que permitem resistir a diversos aspectos da globalização”.

Dentro das especificidades da história de vida dos moradores e da história do

turismo no Aventureiro, a identidade reforça laços de mobilização na luta pelo direito ao

território. O comprometimento com essa luta ou pela luta pelo direito ao uso sustentável

dos recursos naturais fortalecem o sentido de comunidade. Nessa lógica, Bartholo

(2009, p.51) acrescenta também que “o turismo não é afirmado como elemento

identitário no movimento de resistência das comunidades, e sim um meio para dar

visibilidade aos conflitos dos modos de vida tradicionais com a chegada da

modernidade”.

Podemos pensar na própria criação da associação dos moradores do

Aventureiro na questão de união e força da comunidade. A associação primeiramente

criada para atender questões relacionadas ao uso da terra, permanência dos

moradores e melhorias na qualidade de vida local, também pode se expandir para

questões próprias do turismo. Deste modo, se fortalece mais ainda no papel de

associação ou cooperativa, apontando para um caminho do desenvolvimento do

turismo de base comunitária.

3.5 ASSOCIATIVISMO E COOPERATIVISMO

A representação de uma associação ou cooperativa pode servir como um agente

indutor no processo do desenvolvimento turístico uma vez que se configura em ponto

comum para elementos que estejam de acordo com as necessidades de determinada

comunidade.

Mielke (2009) explana sobre como a sinergia entre os atores locais pode gerar

um valor social intangível de forma que fortaleça o sentido comunitário em uma mesma

região. Esse cenário permite que os moradores relatem sua história e valores de forma

a contribuir para uma renda complementar a partir de venda e serviços estabelecidos.

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Sendo associação ou cooperativa, alguns princípios comuns regem esses

grupos, considerando a busca solidária a problemas comuns (Tabela 2):

1º Princípio: Adesão livre e voluntária;

2º Princípio: Controle democrático pelos sócios;

3º Princípio: Participação econômica dos sócios;

4º Princípio: Autonomia e independência;

5º Princípio: Educação, capacitação e informação;

6º Princípio: Cooperação entre associações/cooperativas;

7º Princípio: Preocupação com a comunidade.

Tabela 2: Princípios de Associação e Cooperativa Fonte: Aliança Cooperativista Internacional – ACI 1995 (apud MIELKE, 2009).

Faz-se importante grifar as diferenças entre associação e cooperativa. Ambas

são organizações não governamentais, mas enquanto a associação tem um conceito

de organização sem fins lucrativos, a cooperativa atua com esse fim e numa relação

produtivo-comercial (MIELKE, 2009).

A associação tem um caráter de representar os interesses de seus membros

(MIELKE, 2009). Esse tipo de organização torna o agente local mais próximo da

promoção do desenvolvimento social, de forma a ter um acréscimo de novos

conhecimentos no estabelecimento de interesses comuns (LEONELLO; COSAC, 2008).

O cooperativismo se apresenta numa relação muito próxima com o conceito de capital

empresarial ou cultura empreendedora. Para pensar na eficiência dessa organização é

primordial que os agentes locais atuem como sujeitos protagonistas de seus negócios

(SEBRAE, 2012).

Muitas experiências de turismo de base comunitária se solidificam ou se

apresentam em parte através da ação de associações ou cooperativas. Vale citar

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alguns exemplos: Associação Acolhida na Colônia; Associação Grãos de Luz;

Associação dos Colonos Ecologistas do Vale Mampituba; Cooperativa de Produção

Artesanal do Crutac (COOPERCRUTAC); Cooperativa de Ecoturismo de Guaraqueçaba

(Cooperguará Ecotur) e Cooperativa Mista dos Pais e Amigos da Casa Grande

(MINISTÉRIO DO TURISMO, 2010).

Para a melhoria de qualidade de vida na comunidade que pratica o TBC é

primordial a vivência da sustentabilidade. E ela engloba muitos aspectos já explorados

aqui, como o desenvolvimento endógeno, a participação da comunidade, a valorização

da identidade (e associados a ela, os laços de comunidade e união).

3.6 A SUSTENTABILIDADE COMO UM CAMINHO PARA O TURISMO

A ideia da sustentabilidade, proveniente da biologia e da ecologia, é aplicada

num entendimento “circular” e “includente”, conforme Boff (2012, p.45), considerando

que “representa a tendência dos ecossistemas ao equilíbrio dinâmico, a cooperação e a

coevolução, e responde pelas interdependências de todos com todos, garantindo a

inclusão de cada um, até dos mais fracos”.

Boff (2012) chama a atenção para a contradição do uso da expressão

desenvolvimento sustentável, pois “desenvolvimento” é um termo proveniente da esfera

da economia política industrialista/capitalista no qual se pressupõe a exploração da

natureza e o crescimento de desigualdades, incompatível, portanto, com a ideia de

sustentabilidade.

Ao citar a Carta da Terra16, o autor ressalta alguns pontos como, por exemplo, a

necessidade de se criar um modo sustentável de vida, sem pensar somente em

crescimento ou desenvolvimento econômico, englobando as esferas de comunidades,

cultura, política, indústria, cidades e o próprio Planeta Terra com seus ecossistemas. É

a sustentabilidade pensada “como um modo de ser e de viver que exige alinhar as 16

Divulgada em 2000, é uma declaração de princípios éticos fundamentais para a construção de uma sociedade justa, sustentável e pacífica. Disponível em: <http://www.cartadaterrabrasil.org/prt/what_is.html>. Acesso: 21 dez 2012.

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práticas humanas as potencialidades limitadas de cada bioma e as necessidades das

presentes e das futuras gerações” (BOFF, 2012, p.16). E esse novo modo de viver deve

ser entendido em todos os níveis: local, nacional e global, considerando as

peculiaridades de cada realidade. O autor afirma que a sustentabilidade não pode ser

garantida se apenas uma parcela do planeta tem acesso aos benefícios de qualidade

de vida.

Do mesmo modo que a sustentabilidade precisa envolver todas essas esferas, o

turismo comunitário também precisa ser entendido como um subsistema relacionado a

outros, como educação, saúde e meio ambiente. Dessa forma, ele pode ser pensado

como uma forma de crescimento territorial sustentável da comunidade (SAMPAIO;

CORIOLANO, 2009).

Tendo em vista a sustentabilidade no desenvolvimento do turismo, é necessário

o envolvimento público, privado e do terceiro setor, entendendo que o

comprometimento de cada parte é essencial para o alcance dos objetivos da

comunidade (MIELKE, 2009).

No turismo, a forma como a atividade é comumente praticada se contrapõe a

ideia do desenvolvimento local. Coriolano (2006, p.373) afirma que essa atividade

resulta:

das práticas políticas dos discursos hegemônicos e dos de resistência. Obter sucesso no nível comunitário com o turismo não significa desconhecer a presença do Estado ou da mundialização do capital. Não se trata de desconectar dessas realidades, implica, contudo, em redirecionar a política estatal para os interesses das economias populares, enquanto alternativa de social mais ampla e continuada. O turismo comunitário é uma estratégia de sobrevivência, e de entrada daqueles de menores condições econômicas na cadeia produtiva do turismo.

Sendo o turismo um fenômeno com potencial para transformações em nossa

sociedade, a sustentabilidade se torna importante para o setor, de forma a gerar menos

impactos e contribuir para redução das desigualdades e processos de exclusão

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(SANTOS, 2007). Deste modo, torna-se necessário um novo olhar sobre os problemas

sociais dos destinos, perante cenários, em grande parte, pelo processo de globalização.

De acordo com Irving et al (2005, p.2), “a sustentabilidade no turismo depende de uma

concepção estratégica e duradoura de desenvolvimento, apoiada numa interpretação

interdisciplinar e integral da dinâmica regional, resultado de uma sinergia mutante,

apoiada na noção de “espaço” material e imaterial, lugar concreto e abstrato, cenário de

interações, conflitos e transformações, ponto de contato simbólico entre local e global”.

A OMT (1995 apud IRVING et al, 2005, p.3) define o turismo sustentável como

um turismo “ecologicamente sustentável, de longo prazo, economicamente viável,

assim como ética e socialmente equitativo para as comunidades locais”. Diz respeito a

todos os segmentos do mercado turístico, sendo necessária a participação de todos

envolvidos na atividade (UNEP, 2005 apud IRVING et al, 2005).

A sociedade se aproxima da sustentabilidade a partir do momento em que

procura garantir a vida dos indivíduos e dos ecossistemas. O maior uso de recursos

renováveis e recicláveis demonstra que se trabalha por uma sociedade mais

sustentável, enquanto que com relação aos não renováveis o importante é que sejam

utilizados com racionalidade. Ainda no sentido de Boff (2012), quanto mais autônoma,

mais sustentável a sociedade, considerando o alcance de igualdade social e política e

redução da desigualdade econômica, dentre outros. Mielke (2009) destaca a

consolidação da autonomia política da comunidade como sendo um dos pontos de

sustentabilidade e sua legitimidade perante a comunidade, o poder público, o terceiro

setor e o mercado turístico.

A escala local aparece como um viés importante para a sustentabilidade uma vez

que estejam incluídas nas metodologias de planejamento as ideias de participação e

envolvimento da comunidade, visando sempre a melhoria na qualidade de vida (HANAI;

ESPÍNDOLA, 2011). Dessa forma, o engajamento da população local na gestão do

turismo se torna essencial, considerando sua vivência da realidade de determinado

lugar, e também, que ela deverá buscar meios que melhorem sua qualidade de vida e

bem estar social, valorizando patrimônio cultural e natural, e fortalecendo sua

identidade (IRVING et al, 2005).

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4 PRÓXIMA PARADA: VILA DO AVENTUREIRO

Durante o período da pesquisa de campo, foram realizadas duas idas à praia do

Aventureiro: a primeira no período de 11 a 15 de janeiro de 2012 e a segunda no

período de 23 a 29 de março de 2012. Nessas etapas, 18 pessoas foram entrevistadas.

Desse total, apenas uma delas não foi gravada por opção do entrevistado.

Durante meu primeiro deslocamento até o Aventureiro, percebi que não seria

possível fazer muitas entrevistas. Era época da Festa de Santa Cruz e os moradores

estavam comprometidos com a organização do evento. Alguns estavam ajudando em

funções específicas (receber o padre; cuidar da parte da limpeza; administrar o dinheiro

levantado no leilão; preparar a procissão, entre outras). Ainda que nem todos os

moradores estivessem fazendo alguma coisa diretamente para a festa, a Vila fica

tomada pela expectativa do evento. Além disso, como era alta temporada, o fluxo maior

de turistas demandava mais tempo dos que trabalham com turismo.

Ao longo da minha estadia, pude acompanhar de perto o entusiasmo dos

moradores, demonstrando um momento de união da população e muita dedicação para

que tudo desse certo. Tradicionalmente o evento era realizado no dia 03 de maio (dia

de Santa Cruz), porém nesse período, as condições do mar e do tempo geralmente

dificultam a entrada e saída da praia do Aventureiro. Por isso, a data da festa foi há

anos alterada para janeiro quando o acesso até a Vila costuma ser mais tranquilo.

Atualmente, a comemoração ocorre no primeiro final de semana de lua cheia do ano e,

por isso, é chamada de “Festa da Lua Cheia” pelos visitantes (TAVARES JÚNIOR;

MENDONÇA; MENDONÇA; 2011).

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A alteração da data do festejo para um período com maior fluxo de visitantes

possibilita que mais turistas conheçam a tradição da Vila. A festa religiosa (Fig.7) é um

símbolo da identidade desta comunidade. Pode-se falar que essa atividade cultural se

torna um fator de reforço da autoestima no momento em que afirma sua identidade

(OLIVEIRA; MARINHO, 2009). O Aventureiro pode ser visto como palco de encontro,

permitindo o compartilhamento das múltiplas identidades expressadas e a troca de

experiências entre o visitante e o morador.

Figura 7: Procissão realizada durante a Festa de Santa Cruz.

Fonte: Acervo próprio (14-01-2012).

Na segunda ida a campo, o retorno para Angra estava previsto para o dia 28 de

março de 2012. Neste dia, o mau tempo não permitiu meu regresso. Houve a tentativa

de viajar em um dos barcos dos moradores, mas tivemos que voltar pouco tempo

depois de nossa saída, por conta do mar agitado e do vento sudoeste já muito

conhecido pelos moradores. Nesse mesmo dia, porém, um barco maior tentou fazer a

travessia, e mesmo com o alerta dos moradores, os turistas decidiram embarcar. Pouco

tempo depois o barco estava de volta, porém com desespero por parte dos turistas,

pois o mar estava muito agitado e já havia água dentro da embarcação. Felizmente

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todos conseguiram desembarcar com seus pertences. E, aproximadamente, meia hora

depois o barco (Fig. 8) afundou na praia do Aventureiro, sob os olhares curiosos e

aflitos dos moradores e turistas.

Figura 8: Embarcação afundando na praia.

Fonte: Acervo próprio (28-03-2012).

Originalmente a ideia era entrevistar todos que trabalham com campings e

algumas pessoas envolvidas com o turismo visto que o projeto “O Povo do Aventureiro:

fortalecimento do turismo de base comunitária” tinha por objetivo promover a

qualificação dos moradores para o trabalho com a atividade turística. A primeira visita a

campo permitiu que eu observasse e me familiarizasse com o lugar e as pessoas, pois

foi de fato a primeira vez que eu estava nessa parte da Ilha. Nesse cenário, realizei

duas entrevistas.

Na segunda viagem, foi possível entrevistar mais pessoas para a pesquisa, para

o que muito contribuiu o fato de não ser alta temporada e poder contar com maior

disponibilidade de tempo dos moradores para as entrevistas. Ainda assim, do total de

18 entrevistas, 11 são de pessoas que trabalham com camping. Não foi possível

entrevistar todos os campings por conta da disponibilidade de tempo de alguns

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moradores, ou ainda pela sua ausência, ou pela recusa em ceder entrevista. Dos 18

entrevistados, 05 não fizeram parte das oficinas do projeto da UFRRJ, participando

apenas da parte de pesquisas da equipe com os moradores.

Como forma de preservar a identidade dos entrevistados do Aventureiro, nenhum

será identificado pelo nome nessa pesquisa. Como as entrevistas tratam de assuntos

pertinentes a escolha do futuro desejado pelos moradores, optei por deixá-los a

vontade sobre o quisessem falar, sem se sentirem preocupados com o que iriam dizer.

4.1 DA CONVIVÊNCIA COM O INEA

Quando a conversa se encaminhava para o tópico sobre a relação com o INEA,

os entrevistados sempre tinham algo a reclamar, tanto no sentido de sugerirem

melhorias para a vida da Vila, quanto de se declararem prejudicados com as ações do

órgão público. Questões como as proibições de obras sem autorização do INEA, a

recategorização para uma RDS (Reserva de Desenvolvimento Sustentável) e o papel

do órgão no cotidiano dos moradores, foram alguns dos assuntos levantados pelos

entrevistados. Apesar dos conflitos na relação com o INEA, alguns moradores citaram o

reconhecimento de que se não fosse pela criação da Reserva Biológica, eles não

estariam mais lá, pois o lugar já teria sido tomado por investimentos de empresários e

pela especulação imobiliária.

“[...] naquela época a gente tinha roça tinha tudo aí. Vivia da plantação, vivia

disso tudo. Nunca faltou água, nunca faltou passarinho, não faltou nada. Até o próprio

passarinho tá aí ó. Banana madura joga ali não tem um bicho que coma. Antigamente

não podia deixar [...] que o bicho comia tudo. [...] Passarinho entrava aí tudo quanto é

quantidade de passarinho. Hoje você não vê. Nós não preservamos a natureza? Por

que que eles não preservam lá onde eles quere... eles devem preservar, né? [...] Nós

somos nativos. Nós não fomos à Reserva, a Reserva veio até a gente”. (Entrevistado

05, sexo masculino, aposentado, 64 anos – 25-03-2012)

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Com essa frase, o entrevistado 5, deixa claro seu discurso de insatisfação

questionando a criação da Reserva Biológica com fins de preservação, quando na

realidade os moradores já se encontravam lá.

Na obra O Mito Moderno da Natureza Intocada, Diegues (2001) aprofunda seus

estudos na relação homem/natureza, mostrando o surgimento dessa ideia de criação

de parques e reservas com a finalidade primeira de apreciação da natureza selvagem

pelas populações urbano-industriais. Esse modelo de área natural protegida provém

das políticas conservacionistas norte-americanas em meados do século XIX.

Reforçando essa ideia de separação entre homem e natureza, o autor mostra que:

Para o naturalismo da proteção da natureza do século passado, a única forma de proteger a natureza era afastá-la do homem, por meio de ilhas onde este pudesse admirá-la e reverenciá-la. Esses lugares paradisíacos serviriam também como locais selvagens, onde o homem pudesse refazer as energias gastas na vida estressante das cidades e do trabalho monótono. Parece realizar-se a reprodução do mito do paraíso perdido, lugar desejado e procurado pelo homem depois de sua expulsão do Éden (DIEGUES, 2001, p.13).

A julgar por essas ideias, países do Terceiro Mundo não seriam ideais para a

implantação dessas políticas, considerando as populações tradicionais que vivem no

interior de parque e reservas. Diegues (2001) acrescenta que o cenário aqui e em

outros países é ecológico, social e culturalmente distinto.

No Brasil, o primeiro parque nacional foi criado em 1937 em Itatiaia, visando o

incentivo a pesquisa científica e o lazer das populações urbanas. Assim como nos

Estados Unidos, aqui essas áreas dotadas de belezas excepcionais desconsideravam o

uso das populações tradicionais, e pensando somente no uso das populações externas

a elas (DIEGUES, 2001).

Com relação ao cenário brasileiro, há de se considerar a época em que houve a

criação do maior número de unidades de conservação. Ocorreu no período de 1970-

1986, durante o regime militar, em um momento que “a criação dessas unidades era

feita de cima para baixo, sem consultar as regiões envolvidas, ou as populações

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afetadas em seu modo de vida pelas restrições que lhes eram impostas quanto ao uso

dos recursos naturais” (DIEGUES, 2001, p.16). Este foi o caso da Reserva Biológica da

praia do Sul, que abrange a praia do Aventureiro criada em 1981.

As proibições por parte de órgão público também aparecem como uma forma de

restringir os usos das populações tradicionais, como pode ser visto nos próximos

comentários:

“Com esse órgão do INEA também foi ruim que tipo assim proíbe os moradores

de muita coisa. Se você quiser, é, é aumentar a sua casa, você tem... você tem que

pedir autorização do INEA. Você quer fazer uma casa, tem que pedir autorização. Tipo,

tudo a gente tá envolvido nesse órgão. Tudo você tem que pedir autorização. E antes

não. Antes... era areia da praia, tirava. Hoje em dia não pode. É proibido. Os moradores

podiam passar pras praias vizinhas Sul e Leste. Hoje em dia não pode. Tipo, e

proibiram muita coisa daqui. Aí, tipo assim os moradores vivem limitados. Não, não

pode fazer praticamente nada” (Entrevistado 04, sexo feminino, estudante, 20 anos –

24-03-2012).

“Pior que a gente não pode fazer nada. Quero fazer um banheiro, não posso.

Quero botar uma parede na minha casa, não posso. Esse troço não é bom”

(Entrevistado 12, sexo masculino, 66 anos – 26-03-2012).

“Vão derrubar aquelas duas casas de INEA ali. E vão fazer uma obra. Terça-feira

agora já vem o material, ou quarta. Aí quer dizer... Por que, se gente não pode? Por

que que eles pode? Porque eles são autoridade? E a gente que mora aqui há anos,

anos e ano. Não pode fazer nada” (Entrevistada 07, sexo feminino - 25-03-2012).

Em uma das entrevistas falou-se sobre a estrutura sanitária do Aventureiro e

sobre qual deveria ser o papel do INEA, no sentido de orientar e informar,

disponibilizando cartilhas ou por meio de conversas sugerindo, também, que houvesse

uma assessoria sobre como construir as fossas, para que fosse evitado o despejo do

esgoto diretamente no mar ou nas águas do rio. Outra questão abordada foi sobre o

lixo, exemplificando com uma situação em que a prefeitura de Angra dos Reis tinha um

plano de construir um galpão para guardar o lixo, o que acabou sendo vetado pelo

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INEA. Os moradores entrevistados criticaram essa ação, uma vez que o lixo é

depositado em sacos plásticos numa área aberta (Fig. 9).

Figura 9: Lixo depositado na área de entrada da praia.

Fonte: Acervo próprio (12-01-2012).

Uma das perguntas tratou do período em que o GT do Aventureiro atuou na

área, com a finalidade de mostrar para a população sobre as vantagens da RDS e

discutir sobre questões de propriedade de terra, sobre a área da RDS, entre outros. A

recategorização é outro assunto polêmico da Vila, já que trata do futuro deles como

moradores de uma área que já é Reserva Biológica há 32 anos.

Nas entrevistas, a maior parte dos entrevistados falou sobre uma clara divisão da

comunidade, quando uns desejavam que a área fosse transformada em Reserva de

Desenvolvimento Sustentável (RDS) e outros em Área de Proteção Ambiental dos

Tamoios (APA dos Tamoios). Do total de 18 entrevistados, 10 são favoráveis a criação

da RDS, 2 são contra a RDS e a favor da APA, outros 2 preferem que fique como se

encontra atualmente e 4 não tem uma opinião formada sobre o assunto. Deste modo,

percebe-se uma clara divisão na comunidade, que apesar de sua união e dos laços

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familiares existentes, ainda não conseguiu se unir no que concerne ao futuro de seu

lugar.

Para analisar esta questão, é pertinente utilizar o pensamento de Eunice Durham

(2004, apud MIGUEZ; FRAXE; WITKOSKI, 2007) que defende que a vida comunitária

não se resume apenas aos interesses comuns, mas também implica inúmeros conflitos

de interesse. Para a autora, a comunidade depende da participação dentro de sua

própria cultura, compartilhando mitos e problemas, mas não significa pensar em uma

pura harmonia, estando sujeita a conflitos e mudanças.

“Rolou briga entre os próprios moradores, mudou... Se eles quisessem, sabe,

tentar acabar com a galera, com a comunidade, eles estavam conseguindo porque eles

estavam começando ter desunião do pessoal daqui. [...] Aqui ninguém pensa igual,

entendeu. Todo mundo pensa diferente” (Entrevistado 09, sexo feminino – 25-03-2012).

“Na minha opinião, a RDS seria melhor do que uma APA. Se entrar uma APA,

vai virar um Abraão, uma Praia Grande. Vai vir gente pra cá, gente de fora... vão querer

vender. O pessoal daqui, muita gente querem vender, querem sair daqui. Então quer

dizer, esses que não querem vender... igual eu, igual muitas pessoas que não querem

vender. Vai chegando gente de fora aí, esses grandão aí...vai prensando, prensando,

prensando a gente vai ter um dia que a gente vai ter que sair porque a gente não vai

aguentar, entendeu” (Entrevistado 13, sexo feminino – 26-03-2012).

Essa preocupação em não se “virar um Abraão” presente no discurso dos

residentes nos mostra que eles sabem de sua diferença, que eles estão ali como

protagonistas de seus negócios, sem estar no alvo da especulação imobiliária e

preservando um espaço, que atualmente limita sua vida enquanto a situação sobre o

processo de recategorização permanecer indefinida.

“Só que a gente quer uma RDS que a gente possa opinar, do nosso jeito e não

do jeito que eles querem. [...] Nós temos direito, Já que vai decidir nosso futuro, nós

temos direito” (Entrevistado 07, sexo feminino, 25-03-2012).

“O que seria melhor do jeito que a gente está mesmo aqui. Vivendo a vida da

gente. Esse negócio de chegar gente pra vender terras. Sou contra isso... né. Tem

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gente que gosta de vender. [...] Tem que ter o sossego da gente. [...] Sou contra esse

negócio de vim pousada, essas coisas pra cá. Acho que não vai ser bom não. Tem quer

ser assim mesmo, a gente viver em paz, tudo igual era mesmo” (Entrevistado 06, sexo

feminino, 64 anos, 25-03-2012).

“Eu não aceito essa RDS. Porque a RDS se entrar aqui, nós vamos viver o

contrato. Acabou o contrato, a RDS vai mandar a gente ir embora. Eu não quero sair

daqui. Se entrar a APA, ainda é melhor. A RDS não deixa você fazer nada. Já não tá

deixando. Esse INEA que tá aí já não deixa fazer nada...” (Entrevistado 12, sexo

masculino, 66 anos, 26-03-2012).

Atualmente, o projeto de lei sobre a recategorização está em trâmite na

Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, porém os moradores não tem conhecimento

sobre quando deve terminar o processo ou mesmo se irá terminar. Alguns moradores

criticaram a ausência do GT no sentido de atualizá-los sobre o andamento do processo,

sendo que outros ainda criticam também a não atuação da própria Associação de

Moradores nesta questão.

A categoria RDS, de acordo com o SNUC, oferece uma oportunidade de no

mesmo projeto de conservação da natureza se manter os usos e costumes da

comunidade tradicional, permitindo sua permanência na área (FERREIRA, 2010).

Outra questão relativa ao processo de recategorização tratada nas entrevistas é

a linguagem utilizada pelo GT Aventureiro nas reuniões. Os entrevistados falaram sobre

o pouco estudo por parte dos moradores, que influencia na da dificuldade de

compreensão de toda problemática e também em se concluir se a RDS seria a melhor

opção, o que causa insegurança e desconfiança sobre as decisões a serem tomadas.

“Muitas palavras que o pessoal falava, a gente não entendia, que a gente não

tem os estudos suficiente pra entender tudo que eles falam. Então quer dizer, eles

vinham, falavam e as pessoas ficavam assim: “Será que isso é bom ou não é?” [...] Não

é que a gente seja burro, é porque a gente não tem o estudo que eles tem”

(Entrevistado 07, sexo feminino – 25-03-2012).

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“As reuniões que o GT fez aqui, que ele acompanhou comunidade, que eles tipo

fizeram um trabalho de informação. Eles não atingiram o objetivo porque não falaram a

linguagem do povo” (Entrevistado 08, sexo feminino – 25-03-2012).

“Realmente ninguém sabe o que é uma RDS. Se fosse uma coisa boa, não

existia só 5 no país. [...] Eu sou contra a RDS. Eu sou contra a RDS porque eu não sei

o que é que vai acontecer. [...] Eles entendem a minha língua e eu não entendo a deles.

Porque estudaram, são inteligente, sabe o negócio de regra do lei, ou botam lei por

conta dele. A gente não sabe nada. A gente cai numa fria por problema disso aí. Sem

orientação. [...] Você quer vender? Vende. É sua. [...] Você tem os seus direitos de ida e

volta. Você tem direito aonde você quer ficar. Nós somos seres humanos. Não existe

cor de pele, nada. Existe os seus direitos. Então, eu luto por meus direitos de posse. Eu

acho que muitos também. [...] A RDS a gente vai ter que assinar um contrato. Esse

contrato vai ser um contrato, acabou o contrato, acabou a nossa convivência diante do

nosso local que nascemos” (Entrevistado 05, sexo masculino, aposentado, 64 anos –

25-03-2012).

A insegurança aparece no discurso dos moradores, sobretudo, com relação a

preocupação quanto ao direito da posse de terra e o futuro dos habitantes. A figura do

Estado trazendo uma possível solução de proteção da área e da permanência dos

moradores não parece convencer alguns moradores de que seria a melhor opção.

“Quando veio a parte do documento, que daria a legitimação da terra pro sujeito,

eles não confiaram no esquema do contrato de concessão de uso. Por que? Porque

tudo que é desconhecido causa uma desconfiança. Ainda mais quando a pessoa [...]

não tem acesso (à informação) [...] não existe propriedade privada dentro de unidade

de conservação, que o SNUC não permite. Que é o único documento possível é o

contrato de concessão. E eles ficam inseguros. É isso que faz eles não quererem a

RDS, quererem a APA. Porque na cabecinha deles, se virar APA, eles vão ter a

escritura das terras” (Entrevistado 08, sexo feminino – 25-03-2012).

“[...] você mora no paraíso, mas tem uma coisa no paraíso que te deixa

perturbado. Você não é tranquilo. Você não é tranquilo com um monte de coisa. Já

botaram uma vez no jornal que ia tirar os moradores do Aventureiro. Vem um

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ambientalista implica de um lado. Vem outro implica do outro. Vem outro fala que tem

que tirar. Você fica que nem uma bola de neve prum lado pro outro. Ce mesmo não

sabe o futuro aqui. Ninguém sabe o futuro” (Entrevistado 03, sexo masculino – 27-03-

2012).

4.2 MELHORIAS DA QUALIDADE DE VIDA NO AVENTUREIRO

A principal demanda relacionada com a melhoria da qualidade de vida no

Aventureiro é representada pelo fornecimento de energia elétrica para seus habitantes.

Alguns moradores falam que poderia até ser gerada por placa solar, para ser algo

sustentável. Alguns entrevistados mencionaram que só é necessário que a luz chegue

nas casas, e não na praia. Um dos moradores citou o impacto ambiental resultante do

uso do gerador, abastecido a óleo diesel.

“Precisa muito da luz elétrica. Qualquer luz. Uma luz que viesse pra

comunidade... porque os motor que tem aqui é tudo poluente, tá poluindo tudo. Se é pra

preservar o meio ambiente, taí uma poluição que eles tem que ver.... que é o gerador.

São 18 gerador jogar fumaça pra Ilha Grande... pro Aventureiro” (Entrevistado 14, sexo

feminino, funcionária pública, 48 anos – 26-03-2012).

Diversas sugestões foram citadas nas entrevistas:

Criação de um posto de saúde para que um médico atendesse de 15 em 15 dias

ou uma vez por mês. Atualmente, os moradores contam com o trabalho de uma

moradora, que é agente de saúde, mas não possuem assistência de um médico;

A questão do lixo foi mencionada tanto com relação a implantação de um lugar

para seu armazenamento, quanto para a regularidade na coleta feita pela

prefeitura. Alguns moradores contaram que o atraso neste recolhimento já

chegou a dois ou três meses. A situação é agravada pelo fato do lixo ficar

alocado em frente ao cais, ou seja, se constituindo em uma das primeiras visões

da localidade que o turista tem ao desembarcar;

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Licença do INEA para que possam fazer obras em suas casas ou mesmo novas

construções;

Trabalho para a população ou oferta de algum programa de qualificação em que

os moradores possam se integrar, principalmente os mais jovens que terminam

de estudar e muitas vezes não tem onde trabalhar no Aventureiro. Foram citados

também os trabalhos temporários que possam surgir com o aumento do fluxo de

visitantes na alta temporada;

Saneamento básico;

Contratação de novos funcionários para o INEA;

Mais apoio político;

Uma linha regular de barcos para a travessia entre o Aventureiro e Angra dos

Reis de segunda a sexta;

Investimento em um projeto capaz de gerar desenvolvimento com base

sustentável através de alguma parceria.

Além do fornecimento de luz, as sugestões mais citadas foram as relacionadas

ao posto de saúde, a questão do lixo e a liberação de obras. Em um comentário feito

por uma moradora, ela ressaltou a vontade de sair do Aventureiro para estudar, mas

com o objetivo de retornar a Vila para ajudar a comunidade de alguma forma.

Em outro momento, uma moradora sugeriu que o Aventureiro poderia ser um

modelo de desenvolvimento sustentável. Falou que talvez o apoio de alguma entidade

conhecida internacionalmente como o World Wide Fund for Nature (WWF) pudesse

ajudar a Vila. Disse também que apoia a presença das universidades, mas que estas

ainda não conseguem dar o suporte necessário. Sugere, inclusive, a montagem de um

posto avançado em unidade de conservação.

“Então a gente fica meio assim esperando virar RDS pra fazer alguma coisa. [...]

Eu não acredito que só o camping do jeito que está, daqui pra frente se virar RDS, se

continuar do jeito que está, o pessoal trabalhando do jeito que tá, se vai ter algum

progresso. Não acredito. Porque eu acho que pra ter algum progresso, a gente teria

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que estar todo mundo com saneamento ecológico funcionando, o destino e a coleta de

lixo deveria ser completamente regular, né, e limpa. Todos os moradores deveriam ter

banheiro certinho. O destino do lixo devia ter uma pessoa pra recolher, pra levar, pra

separar, pra limpar. O turista tinha que ser informado, tinha que poder atravessar a

praia do sul com guia, um número x por dia” (Entrevistado 08, sexo feminino, 25-03-

2012).

A maior parte dos desejos de melhorias para a Vila está ligada ao momento em

que eles estiverem ocupando “legalmente” seu território. Esta foi a forma como foi

discutida a sustentabilidade no capítulo anterior. Poder pensar um futuro, e ter a

liberdade de decidir o que é melhor, como vai ser feita cada intervenção, criar uma

comunidade autônoma, capaz de seguir o caminho da sustentabilidade, diminuindo a

desigualdade econômica e promovendo de fato, melhorias que estimulem a dinâmica

de relações sociais e culturais entre os próprios membros da comunidade e entre a

comunidade e os turistas. Ou seja, permitir que o Aventureiro tenha seu próprio modo

sustentável de vida em comunidade.

4.3 DINÂMICA DA ATIVIDADE TURÍSTICA NA VILA

Os relatos dos entrevistados mostraram como a vida era diferente antes da

chegada do turismo na Vila. Os moradores viviam da plantação (mandioca, aipim,

batata, feijão guandu), trabalhavam muito na roça e com a pesca. Também havia a

venda de farinha de mandioca. O aumento do fluxo de turistas e as restrições nos usos

e saberes da comunidade, imposta pelos órgãos públicos, foram mudando aos poucos

sua forma de trabalho. É o turismo comunitário como uma forma de sobrevivência.

No momento em que as atividades tradicionais são restringidas, o turismo de

base comunitária aparece como uma das chances em melhorar a qualidade de vida na

Vila, e muitas vezes substituindo a própria atividade tradicional. E como mencionado

por Maldonado (2009) anteriormente, o turismo poderia galgar um espaço no sentido de

dinamizar as atividades tradicionais. Caso a área seja transformada em uma RDS, essa

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discussão entre as atividades tradicionais e o turismo poderá ser mais aberta, uma vez

que os habitantes poderão participar do plano de manejo da unidade de conservação.

Na época do presídio, havia o medo constante dos ataques dos detentos. Com

relação à frequência de turistas, a informação é de que nesse período eram poucas

pessoas as que se aventuraram no lugar. Um morador (Entrevistado 03, sexo

masculino – 27-03-2012) conta que há cerca de 18 ou 20 anos atrás, durante o feriado

de Carnaval, a Vila chegava a ter no máximo 20 pessoas de fora. Todos os campings

praticamente surgiram após a demolição do presídio.

No comentário abaixo o entrevistado fala sobre a mudança de trabalho da pesca

para o turismo:

“Só que aí com a saída do presídio, quando começou o presídio saiu... aí

começou a vir os pingadinho de gente pra acampar. Aí começou a entrar dinheirinho do

turismo. Era pouquinho. Natal o barco parava de pescar. Verão já não ia mais pescar.

Aí eu já ficava aqui janeiro, fevereiro, março. Aí quando chegava abril eu já ia pescar.

Porque aí já não vinha mais ninguém. Já ia pescar. Isso aí foi aumentando,

aumentando que depois dos anos, aí não precisou eu ir mais. Aí hoje em dia eu to aqui

16 anos sem pescar. E também a pesca agora não vale mais a pena ir. Aquela época

valia a pena ainda. Hoje em dia não tem como mais ir pra pesca. Aí foi assim. To até

hoje aqui trabalhando. Hoje em dia que eu tenho aqui é tudo do turismo. Da pesca

mesmo não sobrou nada” (Entrevistado 03, sexo masculino – 27-03-2012).

Alguns moradores afirmam que atualmente a maior parte da renda é proveniente

do turismo, mas isso não acontece com todos os moradores da vila. Ainda existe o

trabalho com a pesca, ou a renda vinda de aposentadoria ou do trabalho como

funcionário público. Em um dos relatos, o morador argumenta que as pessoas que

trabalhavam na pesca foram passando a viver do turismo, e que embora não sejam

todas as pessoas, a maioria hoje se sustenta com o turismo. O turismo no Aventureiro

surgiu como uma opção econômica para os moradores, já que tinham tido restrições de

usos na roça e na pesca.

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A construção do turismo de base comunitária parece ser uma visão externa dada

pelo governo e pela academia, ainda que eles reconheçam o sentido de serem

protagonistas de seus próprios negócios, diferentemente do restante da Ilha.

“Hoje em dia melhorou muito. Antigamente a vida era ruim pra viver. Não tinha

fartura, não tinha nada. O dinheiro não dava, só dava pra sobreviver. Hoje em dia, o

pouco que a gente faz, a gente se alimenta. E ainda sobra algum trocado. E assim nós

estamos vivendo” (Entrevistado 17, sexo masculino, aposentado, 71 anos – 27-03-

2012).

Sobre o turismo que ocorria na Vila depois da implosão da penitenciária, todos

os entrevistados falaram que era mais tumultuado. Citaram também a existência de

muitas drogas, muita bagunça. Um dos moradores classificou o turismo dessa época

como um “turismo sem dignidade”, pois os turistas roubavam as coisas uns dos outros,

era muita gente e tinha muita droga e coisas ruins. Mencionaram também a ida de 2000

a 3000 visitantes na praia.

“[...] o Aventureiro ficava muito lotado. Era coco pela trilha da praia do Demo. A

praia do Sul e do Leste lotada de gente, o mangue lotado de gente. Os riozinhos assim

horríveis, cheio de gordura em cima. De noite, a praia era muito cheia. Tinha caco de

vidro na areia. Muita guimba de cigarro. Vinha um pessoal estilo hippie, que ficava

dormindo na areia, que não ficava em nenhum camping. [...] Eu percebi muitos

impactos na natureza. Apesar de que também me chamava a atenção era o poder de

recuperação, né. Depois que acabava o verão, aquela multidão... No inverno, o rio já

estava translúcido, as areias já estavam limpas, as trilhas já estavam limpas. O meio

ambiente ainda tem o poder de se reciclar aqui. Mas o que eu via era isso, que no

verão era um pouco insustentável. A produção de lixo. E depois dos 560, a gente não

observa isso com tanta intensidade. A gente consegue perceber os problemas que aqui

não tem saneamento básico. Obviamente o tratamento dos esgotos não são bem feitos.

Então você percebe que o rio de vez em quando fica mais carregadinho, mais turvo.

Mas você não tem mais aquele fedor, línguas negras na praia, isso a gente não tem

mais” (Entrevistado 08, sexo feminino – 25-03-2012).

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“[...] a gente trabalhava mais e ganhava mais dinheiro, mas era um turista muito

ruim. Ruim, assim no bem dizer, deixava muita sujeira, era muito lixo e era muita

bagunça. [...] Então, era aquelas garotadas de 14, de 13, de 15 anos. E aí, fazia muita

bagunça, Réveillon eu trabalhava aqui das 7 até às 3 da manhã. Direto.” (Entrevistado

13, sexo feminino, 41 anos – 25-03-2012).

Após o termo de compromisso firmado (TAC) em 2006 limitando a capacidade de

visitantes para 560/dia (nessa contagem não estão incluídos os visitantes que chegam

de lancha, ou passeios de barco), os entrevistados ressaltam a mudança quanto à

organização do turismo.

“O trabalho virou o mesmo, só que você consegue fazer um trabalho de mais

qualidade, porque naquela época você não dava conta de fazer um trabalho maneiro,

era tudo... trabalho muito largado. Hoje em dia não. Você trabalha a mesma coisa, mas

o teu trabalho tem mais qualidade. O dinheiro que você ganhava com 3000 pessoas, se

duvidar com 560, você pode ganhar até mais” (Entrevistado 03, sexo masculino – 27-

03-2012).

“Atualmente, depois desse TAC assinado em 2006, [...] melhorou muito. 560

pessoas são suficientes pro Aventureiro, principalmente nesse sentido de conservação

da praia. (Antes do TAC) Era uma loucura, uma loucura total. Era uma barraca em cima

da outra. O Aventureiro não tem estrutura sanitária pra aguentar isso. Então, as praias

ficavam imundas. [...] Sempre surgiam problemas. [...] Inclusive, as pessoas que

passaram frequentar o Aventureiro parecem com nível de... Quando eu digo educação,

educação ambiental, sabe melhor. Talvez porque multidão sempre tem... Quanto maior

o número de pessoas, maior o número de problemas. Talvez seja por isso também , é

lógico. Mas você vê uma consciência bem melhor nas pessoas” (Entrevistado 10, sexo

feminino, aposentada – 25-03-2012).

“Sempre teve camping, mas era mais desorganizado. Hoje em dia que é tudo

mais organizado, já tem cozinha nos campings, aí coloca fogão no camping, banheiros

melhores. Antes não tinha tudo assim era um banheirinho, um negocinho pra lavar

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louça. Hoje em dia tá bem mais... tá bem melhor, e mais organizado as coisas”

(Entrevistada 07, sexo feminino – 25-03-2012).

Outro ponto abordado refere-se aos períodos de maior movimento de turistas na

Vila e a mudança do perfil do visitante. O fluxo maior atualmente se dá nas datas do

Réveillon, Carnaval e Semana Santa. O mês de janeiro possui um fluxo alto também,

devido ao verão. A partir de maio e junho, permanece a presença do turista, embora em

uma proporção bem menor, pois no inverno o mar começa a ficar mais agitado. De uma

maneira geral, os entrevistados disseram que sempre há turistas no Aventureiro (Fig.

10) e que um fluxo daqueles que chegam a passeios de barco ou lancha, geralmente

em fins de semana e somente para passar o dia, costuma permanecer ocorrendo.

Figura 10: O coqueiro “deitado”, um dos atrativos da praia.

Fonte: Acervo próprio (13-01-2012).

“[...] só vem pessoa legal (referindo-se ao período posterior ao limite de 560/dia).

Mais família mais casais, entendeu. Vem a rapaziada, as moças, mas tudo pessoa de

família, tudo pessoa honesta que vem, come com a gente, paga direitinho”

(Entrevistado 13, sexo feminino, 41 anos – 26-03-2012).

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“Sempre tem alguém. Nas férias de julho, sempre vem uma galera. A galera do

surf é mais nas férias. No meio do ano, o mar já é mais agitado. [...] Quando vinha 3000

pessoas pra cá, não vinha criança, não vinha pessoa idosa. Não vinha porque não tinha

como vir. Era muita bagunça, muita droga, muita coisa. O pessoal não vinha. Hoje em

dia não. 10 crianças no camping, criança recém-nascido, idoso, os filhos estão trazendo

os pais, estão trazendo os avós. [...] Acho interessante isso aí. Naquele tempo não

vinha. Era só pra galera da farra, da balada e pronto. Só vinha... a maioria do surf”

(Entrevistado 03, sexo masculino – 27-03-2012).

Enquanto alguns moradores trabalham somente nos feriados de maior

movimento, outros recebem turistas o ano inteiro. Ainda há aqueles que por terem

campings nas partes mais altas do morro acabam recebendo os turistas somente em

feriados prolongados, já que os turistas normalmente preferem ficar hospedados mais

próximos da praia.

“A gente se dedica muito nesse trabalho aqui. E a gente trabalha o ano todo. Não

é só no verão. Qualquer pingadinho a gente tá recebendo aqui. A gente não fecha isso

aí por nada” (Entrevistado 03, sexo masculino – 27-03-2012).

Em relação ao Réveillon (2011/2012) e ao Carnaval (2012), os moradores

relataram ter sido uma temporada com muito trabalho, porém tranquila, sem confusões

entre os turistas, mas também sem policiamento. No Réveillon houve menos movimento

do que no Carnaval devido ao tempo chuvoso. No feriado do Carnaval em que o tempo

estava bom e ensolarado, alguns comentaram que se chegou ao limite de 560 pessoas

ao dia acrescido dos visitantes que chegam apenas para passar o dia, que não são

contabilizados.

“Foi boa. Réveillon encheu mais. Réveillon encheu e não encheu... porque o

réveillon é assim... Janeiro é o mês de janeiro todo, quer dizer não falta gente. Vai um

bocado, vem um bocado. Fica bastante gente na parte daqui. E aí depois vem São

Sebastião, que é em janeiro também já é um feriado, a galera fica tudo no começo de

janeiro até o final. Aí carnaval teve gente assim o limite, que são 560, foi um limitezinho,

passou raspar um pouquinho. Mas foi tranquilo, foi boa temporada. Deu pra todo mundo

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ganhar seu dinheirinho. Não muito, mas todo mundo ganhou um pouquinho. Não tive do

que reclamar” (Entrevistado 07, sexo feminino - 25-03-2012).

Dois moradores, que tem a renda quase que exclusivamente do turismo,

mencionaram algumas ações que podem incrementar o número de turistas em seus

negócios domiciliares. Um falou que sua renda gera novos investimentos no próprio

camping, fazendo site ou cartão do camping. O outro morador citou o exemplo de

colocar seu contato na internet para aluguel de quarto ou camping para serem feitas

pré-reservas com depósito da metade do valor na conta para feriados e períodos de

maior fluxo de visitantes.

Alguns moradores comentaram que a partir do momento em que o turismo

proporcionou a entrada de maior quantidade de dinheiro e também da melhoria na

qualidade de vida, a população não permaneceu tão unida quanto era anteriormente.

“Antigamente a gente tinha união. Hoje tá mais separado. [...] Cada um quer pra

si. Não tem mais aquela força de vontade de juntar. [...] Agora, se não tiver união, a

gente não consegue nada. Algum consegue outro não consegue. O que vai acontecer?

Vai acontecer é raiva, é ódio um do outro, é quizumba, essas coisas, encrenca, né,

desigualdade. Quer dizer, não era assim. Antes, a gente era mais unido. Depois

começou a entrar o turismo, entrar as pessoas com mais... entrar capital, entrando

melhoria de vida, os cara mudaram a convivência e o modo de olhar e o pensar. Eles

começaram a olhar diferente e pensar muito deferente. [...] Aquela união que nós

tínhamos mais antiga acabou. Ce pode olhar mesmo na praia que você vê uma

deferença. [...] Então, é assim. A gente até fica triste não vê aquilo que a gente viu

antigamente com todas as dificuldades que a gente passava, mas a gente tinha união.

Hoje a gente não passa necessidade, mas não tem união” (Entrevistado 05, sexo

masculino, aposentado, 64 anos – 25-03-2012).

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4.4 “O Povo do Aventureiro: fortalecimento do turismo de base comunitária”

Entre os 18 entrevistados em minha pesquisa, 08 participaram intensamente

(sendo 07 do sexo feminino) do projeto da UFRRJ, 05 consideram ter participado pouco

(todos do sexo masculino) e 05 não participaram (03 do sexo feminino). Dentre os que

não participaram, um trabalhava na época no INEA, dois são moradores, mas são de

fora e os outros dois não tiveram interesse em participar das oficinas. De acordo com

dados do projeto, cerca de 74% do total de moradores e 80% dos moradores fixos

participaram do projeto, o equivalente a 77 moradores (fixos ou temporários) (SILVA;

FONTOURA; MENDONÇA; 2011).

“Eu não quis. Pra mim não interessa mais. To com 66 anos. Pra que participar

mais do que?” (Entrevistado 12, sexo masculino, 66 anos – 26-03-2012).

Mesmo os que não participaram das oficinas, acompanharam o projeto de

alguma forma, ajudando os moradores nas atividades propostas ou ficando com as

cartilhas de sugestões fornecidas pelo projeto.

É importante frisar que o projeto se iniciou no mesmo ano que ocorreram as

reuniões com o GT do Aventureiro, do INEA. Portanto, em um período de insegurança

entre os moradores. As oficinas não eram realizadas quando havia alguma reunião do

GT. Os membros do projeto se preocuparam em não ter uma vinculação com o Estado,

conforme o comentário da coordenadora do projeto:

“[...] tinha uma premissa da nossa imparcialidade né, eles (os moradores) não

poderiam ver a gente como Estado, se eles vissem a gente como Estado a gente seria

rejeitado, então... Pelos conflitos, se eles acham que o Estado for o maior inimigo deles,

mesmo aqueles que querem APA ou RDS, eles estão assim hoje por causa do Estado,

que lá é uma Rebio. Se eles vissem que a gente tava ali representando o Estado, a

gente poderia ter problema. Então a primeira coisa que a gente teve que desvincular é

que a gente não era Estado, senão a gente também ia perder a confiança deles, então

isso foi uma premissa. Quando discutia sobre RDS... a gente não discutia também”.

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A coordenadora acrescenta ainda que a única ação do projeto em relação à RDS

foi passar as informações sobre as categorias de unidades de conservação (APA e

RDS), mostrando sua importância e os aspectos positivos e negativos de cada uma,

oferecendo uma base para que a decisão fosse tomada pela própria comunidade.

Quando perguntados sobre o que acharam do projeto oferecido pela Rural, os

entrevistados que estiveram mais envolvidos nele, citavam exemplos que mudou na

Vila. Ainda que não percebessem mudanças explícitas até o momento, falaram de

ações que poderiam proporcionar essas mudanças em um prazo maior. Muitos falaram

sobre como a troca de conhecimentos foi importante, e como foi importante e

necessária a execução do projeto.

“Foi bom por um lado que eles começaram a ter mais higiene assim na

aparência, trocar piso, na cozinha, [...] começaram a usar toquinha, deu um ar pras

pessoas que vinham aqui de mais... uma coisa mais organizada, mais profissional. [...]

Abriu um pouco a mente, né, você vê que né, o pessoal começou a fazer cardápio.

Começou a vir os turistas já pedindo isso. Foi uma época boa, nessa mudança de

turismo... O pessoal mais exigente. Então, eles querem o cardápio, querem variedade,

querem ver assim né, reparam em higiene, negócio de arrumação dos quartos. É bom

que eles ensinaram várias coisas... A gente foi pegando essa parte mais de turismo,

como tratar as pessoas. Foi legal” (Entrevistada 09, sexo feminino – 25-03-2012).

Destacaram-se outros pontos, de acordo com os relatos, sobre os aprendizados

que são atribuídos ao projeto: como receber melhor os turistas, seja tratando melhor as

pessoas ou na forma de arrumar os quartos e as camas; o reaproveitamento de objetos

e alimentos, antes desperdiçados; como armazenar os alimentos; as potencialidades na

criação de novos pratos, como, por exemplo, a banana chips e a almôndega de

banana. Falaram também da percepção de que poderiam melhorar muito na atividade

do turismo.

As mudanças mais observadas pelos entrevistados após o projeto estão

relacionadas à melhor forma de relacionamento com o turista, pois percebem que agora

existe uma dedicação maior por parte dos moradores. Citaram também a colocação de

placas de identificação (Fig. 11) nos campings; a maior divulgação do artesanato, da

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culinária e dos próprios campings; a elaboração de cardápios; e a informação sobre a

localização de cada um na cabine turística, que fica no início da praia. Uma das

entrevistadas afirmou inclusive que a partir de uma das oficinas do projeto decidiu

trabalhar com hospedagem.

A coordenadora do projeto mencionou a questão da autoestima dos moradores

que participaram do projeto, uma vez que muitos deles nunca tiveram a oportunidade

de fazer algum curso, e agora, de alguma forma estavam diante de uma capacitação, o

que veio a dar maior credibilidade ao projeto.

“[...] eles (os moradores) falavam “Muita gente veio aqui, foi embora, e nem

retornou”. Então, a gente foi até o final. É... uma questão, é... de trabalhar assim, um

pouco como trabalhar em grupo, as dinâmicas, a construção de folhetos, a construção

de alguns produtos, de trabalhar questão ligada a arte, da imagem que eles têm sobre o

Aventureiro, sabe? De conseguir identificar quem são esses turistas, de atender melhor

esse turista. Então, eles têm uma noção da questão do atendimento. Eu acho que

talvez o que seja melhor essa questão mesmo do atendimento” (Coordenadora).

Figura 11: Camping com placa de sinalização.

Fonte: Acervo próprio (27-03-2012)

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No que diz respeito às mudanças de forma mais geral no Aventureiro, alguns

entrevistados citaram que o projeto evoluiu um pouco o próprio Aventureiro em relação

à “cabeça das pessoas. Quanto mais informação passar aqui pra gente aqui, é sempre

bom, se não, trava no tempo. Pra mim foi bom. Evoluiu. Explicou várias coisinhas”

(Entrevistado 09, sexo feminino – 25-03-2012).

Outros relatos mais abrangentes podem ser vistos, conforme os de alguns

moradores:

“Eu achei bacana. Achei bacana porque os objetos sólidos criados desse projeto

trouxeram pra eles um assim um autorreconhecimento. Eles se espelharam naquilo ali.

Eles também ajudaram a fazer. Eles se veem naquele livrinho. [...] Agora eles têm

orgulho de falar que é caiçara, apesar de não entender muito bem do que se trata. Eles

sabem que são. Pessoas que moram no litoral, que trabalham com turismo, com roça,

com pesca. Eles já se reconhecem e conseguem ter um objeto claro que foi o curso. Foi

coisa que eles ajudaram a produzir. Eu achei que o curso foi muito legal pra eles

criarem uma identidade, de comunidade, de reconhecerem que trabalham o turismo de

base comunitária, que eles faziam questão de falar sempre esses termos, que é o

caiçara, o turismo de base comunitária. É valorizar o peixe com banana, é valorizar a

farinha de mandioca. Eles aprenderam a valorizar. Coisas que eles tinham vergonha”

(Entrevistado 08, sexo feminino – 25-03-2012).

“[...] o Aventureiro ficou mais valorizado, ficou mais visto, ficou mais divulgado.

[...] eles (a equipe do projeto) se preocuparam em registrar tudo. E registrar fica pra

humanidade, né. [...] É eterno. Não foi pra mim que eles fizeram. Eles fizeram para o

mundo. Eles fizeram para o, pra todos. E eu fiquei muito feliz dessa, dessa ação deles.

‘Deles’ que eu falo da Universidade, da equipe, de registrar e trazer e mostrar para as

pessoas aqui, os moradores, os nativos. ‘Olha, a gente não está aqui brincando. A

gente não veio aqui pra comer um peixe frito, nem só pra pegar um solzinho. A gente

veio aqui pra trocar informações, pra aprender e ensinar’. E realmente aconteceu isso,

foi um intercâmbio de conhecimento. Eu creio que a Universidade aprendeu mais do

que ensinou, sabe, porque é muita coisa pra gente aprender e é muita coisa pra gente

ensinar. Porque é o dia a dia. E é a valorização. Se tem valor, se você percebe que

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você... é contemplada, é querida, é amada, você faz tudo com muito amor. Então, a

essência é essa aí. É o amor. É a valorização” (Entrevistada 02, sexo feminino – 13-01-

2012).

Os dois relatos apresentados mostram a importância do turismo como

instrumento de apoio ao fortalecimento da autoestima da comunidade. E daí, surge

também a necessidade de que existam políticas públicas que incentivem o

desenvolvimento turístico do lugar, principalmente pela carência de infraestrutura

básica (SANSOLO; BURSZTYN; 2009). Em outro relato, se destaca a importância do

papel da Universidade como fomentadora das possíveis transformações através dos

conhecimentos transmitidos à população. Uma moradora ressaltou que o projeto,

principalmente considerando o cenário instável da época, permitiu que a comunidade

de certa forma se mantivesse unida.

Também podemos relacionar as falas dos entrevistados com a argumentação de

Irving (2009) sobre o protagonismo local e o autorreconhecimento dos habitantes,

permitindo que se vejam como capazes de interferir em sua realidade e na dinâmica do

desenvolvimento de seu território.

Os ideais do turismo de base comunitária como a valorização da cultura local e o

reforço do sentido de coletividade podem ser percebidos na importância dada ao

projeto pelos moradores que dele participaram. Por um lado, se sentiam valorizados e

passaram a prestar atenção em sua própria realidade, e por outro buscavam aprender

formas de lidar com o turismo. Neste sentido, Irving (2009) aponta como característica

do turismo de base comunitária a capacidade de promover a melhoria da qualidade de

vida das populações envolvidas e a ativação de um processo de inclusão social. Em um

de seus relatos, a coordenadora do projeto comentou sobre como ele era visto também

como um momento de lazer, principalmente em razão das poucas opções existentes na

área.

Apesar de a maioria dos entrevistados considerarem o projeto relevante, alguns

moradores têm outra visão, questionando o que de fato foi aprendido, e dizendo que

“na verdade ninguém aprendeu nada”. Outros acreditam que o tempo que a

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Universidade permaneceu na Vila não foi o suficiente para o aprendizado da população,

não sendo possível verificar nenhuma mudança visível na prática do turismo.

Ainda que falassem positivamente do projeto, por diversas vezes os moradores

diziam não se lembrar do que aprenderam ou afirmavam que não colocaram em prática

o que foi aprendido por falta de oportunidade. Afirmaram, entretanto, que como foi

disponibilizado um material escrito, seria possível implementar algumas ações em outro

momento.

Quanto aos pontos negativos, muitos referiram não ter ocorrido nenhum, porém

foi ressaltada a necessidade de a Universidade permanecer mais tempo, sugerindo,

inclusive a criação de um espaço permanente, que pudesse ser utilizado para a troca

de conhecimentos e a prática de novos projetos. Outra questão mencionada foi a

respeito de erros que ocorreram, como a troca ou a ausência de nomes de moradores

no livro que foi editado, além da classificação de alguns que só permanecem no

Aventureiro em determinados períodos do ano.

Há também aspectos relacionados à linguagem, e à maneira como as

informações eram passadas:

“Quando eles (equipe do projeto) usavam as aulas lúdicas e brincadeira e mão

na massa, a aderência era muito maior, eles saíam mais alegres, mais felizes, se

sentindo que tinham aproveitado. Agora, quando era mais falação, blablabla,

papelzinho, slide, eles saiam mais cansados e meio esquecidos. Eles já não lembravam

muito bem o que tinha se passado. [...] O lado negativo foi a falta de aproveitamento...

inconsciente deles (da equipe do projeto). Porque eles não se tocavam que eles não

tavam conseguindo passar tudo pra comunidade. Porque a comunidade sempre se

mostrou receptiva e concordante com tudo. Tipo: ‘Vocês tem alguma dúvida?’ Ninguém

falava que tinha dúvida. O lado negativo pra mim foi esse. Foi que o povo não absorveu

tudo que eles tinham pra passar. Eles tinham muita coisa boa pra passar e o povo não

conseguiu absorver tudo”. (Entrevistado 08, sexo feminino – 25-03-2012)

Segundo a coordenadora do projeto, têm-se dois exemplos do que não

funcionou: (1) ao longo do projeto, a equipe pensou numa ideia de formar monitores.

Seria proposto aos jovens que tivessem cursos de segurança, em que fariam a volta na

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ilha para conhecer e também aprender técnicas de guia, etc. Porém o elevado número

de cancelamentos, que ocorreu por conta da variação climática, não permitiu a

concretização dessa proposta; (2) pensar num modelo de gestão local do turismo.

“Teve uma oficina que a gente só mapeou, mas não conseguia. Porque até nas

oficinas sobre cooperativismo, a pessoa que deu falou pra eles assim ‘Se vocês não

conseguem se pensar nem enquanto, né, se organizarem quanto uma associação forte,

cooperação pra gerenciar esse território em conflito, né, tem muito conflito... vocês não

sabem nem o que vocês querem enquanto território, né... RDS, APA, o que que é’. [...]

Então, a gente tinha muita dificuldade de criar propostas mais concretas. [...] Porque a

gente tava num lugar que você não pode fazer nada. Então, qualquer proposta era uma

proposta que não é viável agora, e a gente não sabe se poderia ser viável. [...] Então,

teve um dia que esse professor de cooperativismo parou tudo e fez uma oficina pra eles

pensarem quanto Aventureiro, né, visão de futuro, que que eles pensam deles porque...

Pensar no turismo sem antes pensar oficialmente, né, eles se organizarem quanto o

fortalecimento do associativismo/cooperativismo no lugar então ficava muito difícil.

Porque tem uma etapa antes a ser cumprida que é essa etapa deles se organizarem,

se fortalecerem quanto associação, né. Aí, isso que é muito difícil. A gente não

conseguiu chegar nessa etapa. A gente conseguiu dar conceitos, o que que seria ideal,

mas não deu pra pensar num modelo de gestão, né, construindo com eles esse modelo

de gestão do turismo” (Coordenadora).

Apesar dessa indefinição quanto ao território, a coordenadora relata que foram

realizadas duas gincanas com feira gastronômica local, apontando uma possibilidade

de aumentar o fluxo na baixa temporada. Daí, os moradores mostraram a intenção de

fazer o evento de modo regular anualmente.

Nesse contexto é possível que o turismo de base comunitária possibilite a maior

utilização da mão de obra familiar, contribuindo na melhoria de renda das famílias e nas

condições de vida da comunidade. Porém faz-se necessário trabalhar com uma visão

de longo prazo, no desenvolvimento do sentido cooperação entre os atores locais

(MIELKE, 2009). No momento, devido à incerteza sobre o futuro do Aventureiro, diante

do processo de recategorização em curso, não foi possível desenvolver um modelo de

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gestão do turismo, já que tudo vai depender das normas relativas à nova unidade de

conservação. Se o território já estivesse definido como uma RDS, talvez fosse possível

esse trabalho.

O projeto da UFRRJ pode ser visto como um estímulo ao desenvolvimento

endógeno, por meio do turismo de base comunitária. A partir do conhecimento obtido,

os habitantes do Aventureiro podem decidir sobre a construção de projeto que os

valorize, tanto com relação ao desenvolvimento do turismo, mas também no que diz

respeito a outras atividades. Desta forma, o envolvimento comunitário pode se voltar

também para o cooperativismo, a partir do estabelecimento da categoria de RDS.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A consolidação do turismo de base comunitária (TBC) na última década no Brasil

se apresenta como uma proposta de desenvolvimento em escala local e de uma

interação mais próxima e humanizada entre turistas e populações receptoras. A

formulação de políticas públicas adequadas proporcionariam maior visibilidade e apoio

para que várias comunidades se fortaleçam com a atividade do turismo (BURSZTYN;

BARTHOLO; 2012), como no caso da Vila do Aventureiro, objeto deste estudo, alvo do

projeto realizado pela UFRRJ e financiado pelo Ministério do Turismo.

Essa forma de realizar a atividade turística possibilita que a comunidade se

apresente como ela própria deseja, estimulando a diversidade e respeitando sua

identidade. A identidade “caiçara” se fortalece como um papel político de manter os

moradores em sua terra, e o turismo foi uma das formas encontradas para a

sobrevivência de uma comunidade que se encontra com sua vida limitada dentro de

uma Reserva Biológica.

Sendo assim, a recategorização se torna um passo muito importante para a

melhoria da qualidade de vida dessa população.

Pelo que pude constatar através das entrevistas e da pesquisa de campo, o

projeto teve um reflexo positivo na dinâmica do turismo. Ao mesmo tempo em que os

moradores avançam em pequenos detalhes, como o uso da touca ou de luvas ao

preparar e servir alimentos, acabam, também, por se fortalecer enquanto comunidade.

A visão dos moradores sobre o projeto foi majoritariamente positiva, devido

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principalmente, ao envolvimento com o projeto e à afinidade com a equipe. Aqueles que

não estiveram tão comprometidos com o projeto se mostraram mais receosos em qual

seria a utilidade prática do projeto para a comunidade. Como a coordenadora do projeto

relatou, a vivência do projeto como um todo foi um passo de mobilização. Acrescento

aqui que essa mobilização é necessária, no sentido de promover novos pensamentos e

novas ações que podem ser importantes para o futuro da Vila.

Ainda que as atividades lúdicas tenham obtido mais adeptos, elas

representaram uma forma de a comunidade se expressar e absorver os conhecimentos

repassados. Talvez seja apenas o início. Um território marcado por conflitos por mais de

três décadas já demonstra reunir forças para convergir numa decisão que seja melhor

para os moradores. Um território marcado por toda uma história, que faz crescer o

sentimento de pertencimento, enriquece a experiência compartilhada entre turistas e

moradores.

O processo de recategorização parece não estar perto de terminar, mas como já

foi iniciado é importante que a comunidade lute pelos seus direitos. Por isso, também é

de suma importância o apoio de Universidades por meio de pesquisas, para a

construção de uma discussão mais abrangente, mas que não fique apenas no debate:

são necessárias propostas práticas que ajudem a melhoria de qualidade de vida local e

a prática do turismo de base comunitária aliados à sustentabilidade.

A partir de um cenário de globalização, a escala local pode ser vista como uma

forma de resistência e de reafirmação da personalidade de um lugar. A luta dos

moradores pelo reconhecimento legal de seu pertencimento ao lugar é uma parte

importante de sua história, que envolve também seus usos tradicionais e saberes. O

conjunto de seus costumes e crenças, história e tradições estabelecem sua identidade

e permeiam novas apropriações na relação com o turista.

Pode ser constatado com essa pesquisa que o turismo no Aventureiro se alinha

com as premissas do turismo de base comunitária. Os próprios habitantes reconhecem

a diferença entre a vida como protagonistas de seus negócios e a vida no Abraão,

marcada por investimentos de pessoas de fora da Ilha. A sustentabilidade, neste caso,

constitui um paradigma a ser seguido, na medida em que leva em consideração

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também todas as esferas e relacionadas à vida dos habitantes da Vila, possibilitando

efetiva melhoria da qualidade de vida.

O tema desta pesquisa faz parte de uma discussão mais ampla, que aborda a

questão da presença de populações humanas dentro de unidades de conservação. No

caso do Aventureiro, está em jogo a forma como o turismo se desenvolveu na área e os

efeitos de um projeto com o objetivo de fortalecer o protagonismo dos habitantes locais

com seus empreendimentos domiciliares.

Parece-me importante que se continue em busca de uma linguagem mais

próxima do entendimento dos habitantes. Talvez seja importante repensar a abordagem

participativa, que tem sido o paradigma de todo o processo de recategorização,

considerando que todas as reuniões e propostas participativas que já aconteceram

nesse processo possam não ter sido suficientes para o envolvimento necessário no

sentido de criar na comunidade um maior senso de união, fazendo com que ela

perceba ser possível ter autonomia sobre seu destino.

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ANEXOS

Anexo A – Mapa Turístico Ilha Grande

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Anexo B – Mapa Vila do Aventureiro feito pelo projeto da UFRRJ a partir de desenhos

de mapas feitos junto aos moradores.