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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUÍSTICA APLICADA ANA PRISCILA GRINER A LINGUAGEM DO BLOG ESCOLAR EM UM TRABALHO COM MULTILETRAMENTOS: COMPARTILHANDO SENTIDOS NATAL-RN 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUÍSTICA APLICADA

ANA PRISCILA GRINER

A LINGUAGEM DO BLOG ESCOLAR EM UM TRABALHO COM

MULTILETRAMENTOS: COMPARTILHANDO SENTIDOS

NATAL-RN

2013

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ANA PRISCILA GRINER

A LINGUAGEM DO BLOG ESCOLAR EM UM TRABALHO COM

MULTILETRAMENTOS: COMPARTILHANDO SENTIDOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos

da Linguagem do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência para

a obtenção do título de Mestre em Letras, área de concentração:

Linguística Aplicada.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Renata Archanjo

NATAL-RN

2013

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FOLHA DE APROVAÇÃO

A linguagem do blog escolar em um trabalho com multiletramentos: compartilhando sentidos

Por Ana Priscila Griner

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência para a obtenção do título de

Mestre em Estudos da Linguagem, na área de concentração de Linguística Aplicada, e avaliada

pela seguinte banca examinadora em 23 de agosto de 2013.

__________________________________________________

Dra. Renata Archanjo – Orientadora

UFRN

__________________________________________________

Dr. Orlando Vian Jr.

UFRN

__________________________________________________

Dr. Júlio César Araújo

UFC

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A Arbel, Advá, Almog e Hanoch,

boa parte das minhas inspirações.

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AGRADECIMENTOS

Aos alunos da Casa Escola, à Almog e aos estagiários: Juliana Karla, Bruno, Denyse e

Stéphanie

– pela colaboração e intenso envolvimento;

À equipe pedagógica da Casa Escola, em especial à coordenação, Claudiana, Cristina, Eleide,

Jorge, Juliana e Ramona

– por terem compreendido a importância do trabalho e coberto as minhas ausências;

A todos da secretaria da escola, em especial a Ana Lúcia

– por cuidar e não me deixar descuidar;

À Renata Archanjo

– por sua participação ativa e acolhedora nas orientações, desde a largada até a reta final;

Aos professores do PPGEL

– por me fazerem enxergar a porta aberta ao mundo do conhecimento;

À equipe da base da Educomunicação

– pelos momentos de debate, construção e realização;

À banca examinadora da qualificação

– pelas aprendizagens que refinaram a dissertação e que trouxeram luz para prosseguir;

À Magda Diniz, amiga da graduação, da pós-graduação e da vida

– pelos momentos intensos de companheirismo;

Aos colegas da pós-graduação

– por se disponibilizaram na hora do aperto;

Ao Aluizio, Ione, Edite, Silvana e Dora

– por poder contar sempre com a amizade;

Aos amigos Vera, Gugu e à turma de Pium

– por não deixarem faltar a tapioca, o café, o cuscuz e o pão de queijo;

À Mogui, Nochi, Belula e Dushi

– por formarem uma grande equipe e saberem desatar os nós;

À Maria Gorete

– pelo modo especial de cuidar;

Aos meus irmãos, Patricia e Manu

– por serem amigos e companheiros;

Ao Ron e Esther Kalin, meus pais

– por estarem sempre monitorando.

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Outros animais até conseguem sobreviver na água ou se adaptar a ela,

como focas, pinguins, sapos e salamandras, que levam uma existência

anfíbia. Mas os peixes não: peixe é ser na água. Com seres humanos é

a mesma coisa: não existimos fora da linguagem, não conseguimos nem

imaginar o que é não ter linguagem – nosso acesso à realidade é

mediado por ela de forma tão absoluta que podemos dizer que para nós

a realidade não existe, o que existe é a tradução que dela nos faz a

linguagem, implantada em nós de forma tão intrínseca e essencial

quanto nossas células e nosso código genético. Ser humano é ser

linguagem.

Marcos Bagno

(ANTUNES,2003)

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RESUMO

Esta pesquisa, inserida no campo da Linguística Aplicada, tem por objetivo analisar a

linguagem de um blog escolar, desenvolvido com a participação de alunos, resultante de um

trabalho ancorado na concepção dos multiletramentos, com foco na construção de sentidos. A

pesquisa se desenvolve a partir da confecção e manutenção de um blog, o Ieceblog, com alunos

do Ensino Fundamental II, desde 2008, em uma escola da rede privada de Natal. Justifica-se a

investigação das manifestações de linguagem produzidas neste blog mediante a demanda das

concepções interativas de leitura e escrita no meio digital. Dada a constatação de que as novas

tecnologias são uma realidade dentro das escolas que se abrem para as práticas dos

multiletramentos, pressupõe-se que texto, imagem, vídeo, áudio, signos não-gráficos e

hipertexto potencializam a interação produzida, em que alunos se tornam autores reais. Nessa

perspectiva, destacam-se as vozes pertencentes aos enunciados que se formam através das

postagens e dos comentários escolhidos para análise e reflexão sobre o espaço do blog como

locus de produção de sentidos, inserido no ambiente escolar e no mundo, assim como para a

identificação dos recursos de linguagem usados para potencializar os sentidos que emergem. A

partir da visão de dialogismo conceitualizada pelo Círculo de Bakhtin, a pesquisa de cunho

qualitativo-interpretativista se aprofunda na experiência do blog escolar com foco na linguagem

digitalizada em sintonia com a visão de letramento digital. Assim, adotamos o método de

análise dialógica do discurso (ADD) ancorado nos estudos de Bakhtin e do Círculo. A partir

das postagens do blog, elege-se o corpus, que faça despontar as diferentes manifestações de

linguagem nas seguintes categorias: (i) no humor reforçado pelo deboche, (ii) na busca pela

adequação à esfera escolar, (iii) nos valores sociais conflitantes e concordantes, na

cumplicidade entre sentido verbal e imagético e, por fim, (iv) nas práticas sociais que se

realizam a partir e por meio do gênero discursivo. O estudo aponta para a tensão existente entre

as vozes atuantes em várias direções, revelando a unidade falseada das postagens, que, sob o

olhar analítico, faz surgir múltiplos significados de maneira responsiva. A análise do diálogo

que entremeia a interação no meio digital torna mais visível que os eventos dos

multiletramentos mediados pela linguagem estão para além da estrutura da língua e faz repensar

as práticas escolares.

Palavras-chave: linguagem, multiletramentos, blog escolar.

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ABSTRACT

This research, part of Applied Linguistics field, aims to analyze the language of a school blog,

developed with the participation of students, as a work based on the conception of

multiliteracies, focusing on the construction of different meanings. The research is carried on

from the building and maintenance of a school blog, the Ieceblog, with students of Ensino

Fundamental II, since 2008, in a private school in Natal-RN. The investigation of the language

produced on a school blog is justified due to the interactive conceptions of writing and reading

on the virtual environment. Given the fact that new technologies are a reality in the schools

opened to the practices of multiliteracies, it is assumed that text, image, video, audio, non-

graphic signs and hypertext intensifies the produced interaction, in which the students become

real authors. In this perspective, some voices belonging to the statements that are formed

through the posts and comments chosen to the analyses and reflection on the blog space as locus

of productions of senses inserted in the school and the world environment, as well as for the

identification of the language resources used to intensify the senses that emerge from it. From

the view of dialogism conceptualized by Bakhtin Circle, the qualitative interpretive-research

deepens the experience of a school blog focusing on digital language in line with the vision of

digital literacy. From the blog posts, a corpus that promote the exposure of different

manifestations of language in the design of digital multiliteracies is elected. Thereby, the

method used was the dialogical analysis of speech based on Bakhtin’s studies and the Circle.

The corpus was taken from the blog’s posts in order to point up the different language

manifestations in the following categories: (i) mood reinforced by the mockery, (ii) search for

compliance with school sphere, (iii) conflicting social values and consistent complicity between

sense and verbal imagery, and finally (iv) social practices that take place from and through the

discursive genre. The study points to the tension between the active voices in several directions,

revealing the distorted unit of posts which, under the analytical observation raises multiple

meanings in a responsive manner. The analysis of the dialogue interaction in which intersperses

the digital one becomes more apparent that the multiliteracies events that are mediated by

language in addition to structure of the language and makes us rethink the students.

Keywords: language, multiliteracies, school blog

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Parâmetros para identificação do gênero no meio virtual. 53

Tabela 2: Seções do Ieceblog por número de postagens. 70

Tabela 3: Visualizações de páginas no Ieceblog. 81

Tabela 4: Visualizações em diferentes países. 81

Tabela 5: Comentários não moderados do CONCURSO DA VEZ (3). 112

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LISTA DE FRAGMENTOS

Fragmento 1: Ieceblog Notícias 83

Fragmento 2: Tirinhas (28) 90

Fragmento 3: BIZARRAS! (13) 95

Fragmento 4: Vídeo da hora (15) 99

Fragmento 5: Concurso da Vez! (3) 106

Fragmento 6: O que é música boa e música ruim? 118

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LISTA DE ABREVIAÇÕES

GR Grupo de Responsabilidade

GRA Grupo de Responsabilidade de Apresentação

GRJP Grupo de Responsabilidade de Jogos e Parque

GRM Grupo de Responsabilidade de Música

PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais

PPP Projeto Político Pedagógico

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SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................. 14

Preâmbulo: linguagem digital e novas demandas de ensino ................................... 14

As buscas ................................................................................................................... 18

Outras visões complementares ................................................................................. 18

Um blog indisciplinar ................................................................................................ 23

O passo a passo.......................................................................................................... 23

Capítulo 1: Fundamentação Teórica ........................................................................ 26

1.1 Em tempos pós-modernos ........................................................................... 26

1.2 Linguagem e interação ................................................................................ 33

1.3 Linguagem e alteridade – o campo dialógico do discurso .......................... 34

1.4 Na (ir)relevante compreensão do gênero do discurso ................................ 37

1.5 Do letramento aoS multiletramentos .......................................................... 43

1.6 O blog em sua fluidez .................................................................................. 50

Capítulo 2: Metodologia de pesquisa ....................................................................... 61

2.1 Um modo único de contar o que se quer narrar ........................................ 65

2.2 Do encontro à análise .................................................................................. 68

2.3 Os critérios para a escolha .......................................................................... 70

2.4 Uma visita ao contexto ................................................................................ 72

2.5 Historicizando o Ieceblog ............................................................................ 74

2.5.1 Um modo de ensinar e de aprender ............................................................ 77

2.5.2 O Ieceblog em suas seções ........................................................................... 79

2.6 Um ponto de vista, o foco no corpus ............................................................ 81

Capítulo 3: A análise ................................................................................................. 83

3.1 Ieceblog Notícias: exposição versus adequação .......................................... 83

3.2 Tirinha: a voz e a vez do profano................................................................ 90

3.3 Bizarras: a imagem indissociável da linguagem ......................................... 95

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3.4 Vídeo da hora: o foco no consumo .............................................................. 99

3.5 Concurso da vez: expor ou não expor? ..................................................... 106

3.6 Desabafo da galera: argumento é poder ................................................... 118

Considerações Finais ............................................................................................... 132

Referências .............................................................................................................. 143

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INTRODUÇÃO

PREÂMBULO: LINGUAGEM DIGITAL E NOVAS DEMANDAS DE ENSINO

Com o advento da presença do computador nos lares, em sua versão micro e, ainda,

com a atual mobilidade dos tablets, inseparáveis de seus usuários, surgem as mais variadas

formas de manifestação verbal. Por meio da informação digitalizada1, o que se diz se acultura

ao ambiente virtual2, onde qualquer indivíduo pode ser autor com direito a publicação. Nessa

realidade de intensas mudanças, aparece o blog3. Criado inicialmente com o intuito restrito de

armazenar conteúdos, logo passa a ser utilizado como um diário digital, entrando para a história

da evolução da escrita e das mídias.

Os blogs surgiram na última década do século XX e incontáveis são aqueles que se

inscrevem na cibercultura4. Alguns blogs se estabelecem e se tornam de interesse público,

outros são abandonados antes mesmo de se tornarem conhecidos. De fácil manipulação, eles

oferecem possibilidades e articulações entre a linguagem verbal e não-verbal inusitadas, antes

não alcançáveis pelo usuário comum. Os blogs se tornaram cada vez mais populares e se

desdobraram em outras versões, tais como radioblog, fotolog, trumble etc. Assim, despontam

pela sua versatilidade e se expandem para as mais diversas esferas sociais, alojando-se, de

alguma forma, na instituição de ensino.

Na vertente pedagógica, o blog passa a ser explorado, principalmente, no ensino da

língua inglesa e da literatura (ROJO, 2012). De caráter efêmero e bem pontual, o blog de cunho

educativo cumpre o seu papel na escola, na maioria dos casos, em função da disciplina que o

toma como recurso de ensino. Nessa ambientação educacional, esta dissertação pretende

estudar um blog escolar diferenciado por suas características, que não se prendem a uma

1 Digital vem da palavra dígitos. Trata-se de um sistema baseado uma sequência de números 0 e 1 que

são decodificados em palavras ou imagens (LÉVY, 2010) 2 Para Lévy (2010) virtual é a materialização da informação digitalizada. “É virtual toda entidade

‘desterritorializada’, capaz de gerar diversas manifestações concretas em diferentes momentos e locais

determinados, sem, contudo, estar ela mesma presa a um lugar ou tempo em particular. Para usar um exemplo

fora da esfera técnica, uma palavra é uma entidade virtual. O vocábulo ‘árvore’ está sempre sendo pronunciado

em um local ou outro, em determinado dia ou certa hora... ainda que não possamos fixá-lo em nenhuma

coordenada espaço temporal, o virtual é real” (LÉVY, 2010; p. 49) 3 Segundo Marchusci (2010), os blogs ou weblogs são definidos como diários pessoais expostos em rede com agendas, anotações diárias ou não, em geral, muito praticados pelos adolescentes podendo ser exercido de forma

participativa. 4 Conforme explicita Lévy (2010, p.132) a cibercultura é a expressão da aspiração de construção de um

laço social, que não seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relações institucionais, nem sobre as

relações de poder, mas sobre a reunião de interesses comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamento do saber,

sobre a aprendizagem cooperativa, sobre os processos abertos de colaboração.

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disciplina em específico. Trata-se de uma proposta interdisciplinar de multiletramentos, dada

a extensão de leitura e de escrita possível no ciberespaço.

O blog a ser pesquisado é denominado de Ieceblog5, se realiza com alunos do 5º ao 9º

ano do Ensino Fundamental, em uma escola da rede privada de Natal, e foi criado no ano de

2008, persistindo até o período de elaboração desta dissertação. Nesse sentido, o blog não foi

delimitado por tempo, o que faz dele um material que desperta interesse, visto que a maioria

dos blogs existentes na esfera escolar se finalizam em função de um assunto específico a ser

estudado. O material que nele se veicula se adapta às diversas modalidades de linguagem e aos

desdobramentos de interação em rede. Por meio dele, o aluno cria, significa, indaga, reflete,

escreve e lê exposto ao mundo.

Em consideração ao modo que se pretende focar a linguagem, esta pesquisa se insere

na área da Linguística Aplicada (MOITA LOPES, 2006) que, pela sua abrangência, aproxima-

se de diferentes campos de conhecimento e, principalmente, como ponto de apoio

metodológico flexível para uma pesquisa centrada na significação das vozes sociais como

sistema aberto aos valores discursivos. Tais manifestações, a serem observadas e analisadas,

ocorrem em consonância com o surgimento das novas linguagens digitais e serão analisadas a

partir dos estudos bakhtinianos, os quais compreendem a língua como prática social.

Em direção às visões que incidem sobre os comportamentos da contemporaneidade,

surge um maior interesse de se compreender como a intervenção tecnológica digital influencia

a linguagem dentro das práticas cotidianas, inclusive as escolares. A Internet, por sua vez, não

deve ser vista como uma ameaça para a língua, visto que amplia as possibilidades de seus usos

e, portanto, pode e deve ser objeto de ensino e reflexão na escola.

Entretanto, ultrapassar os obstáculos em relação à presença da linguagem digital no

meio escolar não parece ser tarefa simples, além de demandar saberes tecnológicos que se

renovam a cada momento. Cabe à escola superar os mitos, criados sobre a língua, que se

estabeleceram ao longo da História, os quais engessam docentes e influenciam, inclusive, a

percepção dos pais sobre esse assunto. Uma nova postura de enfrentamento requer reconhecer

a língua em sua heterogeneidade como produto de interação. As atuais manifestações de

linguagem precisam vigorar em um ambiente acolhedor de escrita e leitura, no qual a rigidez

centrada em norma e forma se transforme em realizações comunicativas de acordo com os

gêneros dos discursos gerados para o novo contexto, mesmo que não se possa defini-los ou

caracterizá-los com convicção. A partir dessa preocupação, trazer novos sentidos provenientes

5 É possível acessar o Ieceblog em http//ieceblog.blogspot.com.br/

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da interação no meio digital pode justificar a pesquisa sobre a linguagem produzida no

Ieceblog, materializada em postagens que se criam dentro da esfera escolar, como pode ser

visualizado a partir do exemplo a da imagem 1:

Imagem 1

Disponível em: <http://www.ieceblog.blogspot.com.br/>. Acesso em 07/09/2013.

O que se pode observar de início, por meio de um trabalho sujeito a maiores variáveis,

é que o blog escolar promove um espaço de leitura e escrita peculiar, tendo em vista que suscita

outras posturas, tais como: usar os recursos digitais de forma atualizada; obter trocas frequentes

de saberes entre discente e docente; ler, analisar e replicar em situações de velocidade; procurar

e considerar o que circula nas mídias; refletir sobre linguagem e sobre o que se adequa para

postagem; estimar o que pode interessar ao outro; usar o texto e o hipertexto numa nova

concepção de autoria; e reconhecer o entrelaçamento das vozes sociais, ressignificá-las e

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esperar por outras que poderão surgir numa perspectiva de continuidade do discurso aberto ao

público em rede.

Sendo assim, pressupõe-se que os atos de ler, escrever e criar conectado com o mundo

suscitam outras questões de cunho ético e estético a serem pensadas no ato da produção. Sob

um olhar mais cauteloso sobre o que é novo, Zanotto (2005) lembra que a inovação sobre a

linguagem no meio digital é parcial e é atribuída aos membros mais experientes da comunidade

discursiva. São forças que atendem às novas necessidades de interação social pela linguagem

por meio de recursos existentes, principalmente os tecnológicos, os quais promovem mudanças

em alta velocidade. Portanto, fazer emergir novos significados acerca de um blog escolar vem

favorecer outros olhares que se debruçam sobre a questão da linguagem digital e do ensino da

língua.

Em se tratando de construção de sentido, cabe compreender que, para Bakhtin (2010),

o sentido tem uma conotação de atividade que só pode ocorrer a partir do encontro entre dois

sujeitos. Assim, o conceito de sentido perpassa pela alteridade, num moto-perpétuo, quando o

encontro entre os sujeitos na arena do discurso recomeça a todo momento. Desse modo, “na

vida real do discurso falado, toda compreensão concreta é ativa, ela liga o que deve ser

compreendido ao seu próprio círculo, expressivo e objetal e será indissoluvelmente fundido a

uma resposta, a uma objeção motivada – a uma aquisciência” (opcit. p. 90).

Centrado nessa concepção, o sentido nesta pesquisa se constrói a partir de uma série de

interações complexas, de concordâncias e discordâncias, principalmente na busca por

diferentes posicionamentos sociais, como um de ato de embate, procurando distinguir o

“círculo subjetivo” (opcit. p. 91) dos sujeitos, expresso a partir das vozes que se manifestam.

Assim, a construção de sentidos propõe enriquecer a compreensão do discurso formado nos

diferentes enunciados que foram postados no Ieceblog, tendo a interpretação ancorada na

dialogicidade, na responsividade e na alteridade. Esses são elementos fundamentais para a

realização deste farto exercício, em que o método teórico-analítico do Círculo é o dialógico, o

que justifica a adoção de uma Análise Dialógica do Discurso, também denominada de ADD.

Diante do objeto em estudo, condicionado à linguagem que se manifesta em um blog

escolar, devem-se levantar as questões que darão subsídio a esta pesquisa, quais sejam: (i) De

que modo o blog escolar, concebido na visão dos multiletramentos, pode favorecer a construção

de sentidos voltado à produção de leitura e escrita? (ii) De que forma se manifestam as vozes

que promovem a ocorrência dos variados sentidos disponíveis no Ieceblog? (iii) Quais

fenômenos linguísticos que potencializam a produção de sentidos podem ser identificados no

Ieceblog?

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Em busca de respostas, a pesquisa qualitativa interpretativista incidirá sobre as

postagens selecionadas para compor o corpus da análise. Vista a perspectiva bakhtiniana que

se estende ao olhar científico de caráter indutivo, a partir das postagens selecionadas, serão

destacadas as manifestações linguísticas que constituirão as categorias de análise na medida

em que estas forem identificadas como formas de interação entre os sujeitos da pesquisa e como

expressão de seus posicionamentos. Em decorrência de esta pesquisa acontecer dentro do

ambiente escolar em sua configuração particular, fora de sala de aula e não direcionada a uma

disciplina curricular, mas com bases na linha de projeto que se insere nos estudos dos

letramentos, este trabalho terá como suporte os estudos dos multiletramentos no uso da língua

nas práticas sociais que acontecem no ciberespaço.

AS BUSCAS

Nesse percurso, o objetivo da investigação é a análise da linguagem de um blog escolar,

o Ieceblog, desenvolvido participativamente com alunos do Ensino Fundamental II de uma

escola da rede privada em Natal, resultante de um trabalho ancorado na perspectiva dos

multiletramentos, com foco na construção de sentidos.

Assim, considera-se importante encontrar as vozes sociais inclusas nos enunciados que

dialogam na formação da identidade de um blog escolar. Além disso, cabe descrever como as

práticas de letramentos auxiliam e favorecem o trabalho com leitura e escrita no meio digital

na esfera escolar.

OUTRAS VISÕES COMPLEMENTARES

Em virtude do caráter inacabado ou de acabamento relativo do discurso científico, vale,

nesse momento, recorrer aos estudos que se situam no campo da Linguística Aplicada e se

aproximam do objeto de pesquisa – a linguagem do blog. Para isso, foi preciso fazer o

levantamento de alguns trabalhos mais recentes, buscando mostrar um recorte do estado da arte

de pesquisas que contribuem para o estudo da temática, além de atualizar e ampliar visões que

não se encerram e dialogam com o que se quer relatar.

Coracini (2005) traz à pauta o tema da transmutação de um gênero para outro mais

atual, expondo que os diários de papel caracterizam-se pela narrativa do cotidiano de quem

descreve para si mesmo, no qual o tom é da confidencialidade e que se destinam à leitura

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pública e irrestrita. A autora analisa ainda que, no espaço em que o blog se materializa, o

virtual, a identidade é construída através da interpretação, pois, para ela, o sem lugar se valida

pela repetição e pelo que é seguido. Nessa visão, o blog se idealiza como o não lugar, isto é,

como um espaço que não pertence a ninguém, onde predomina o anonimato e onde a memória

do passado não tem lugar, não faz história, e o que prevalece, assim mesmo, é a relação entre

as pessoas.

Na busca pelos significados, esta pesquisa se alinha à ideia de identidade construída por

meio do diálogo, trazida pela autora. Para aprofundar a concepção da validade discursiva a

partir do que é seguido no meio virtual, os estudos desta investigação se propõem a

contextualizar e falar sobre a esfera discursiva em que o blog acontece e a estender a

compreensão de enunciado ao conceito de responsividade. Dessa forma, esta pesquisa visa

entender melhor como ocorrem as relações dialógicas por meio do discurso, o que será

ressaltado como elemento primordial para identificação das vozes emergentes nas postagens

que serão analisadas.

Dantas (2006) realiza a análise dos processos de intersubjetividade virtual na relação

entre produtores e leitores de blogs por meio dos links de comentários. O autor procura

descrever como ocorrem as práticas de letramento digital no mundo dos blogs e os seus

impactos nas questões referentes à leitura. Nesta visão, o blog é definido como lugar virtual

apropriado para a manifestação típica da escrita interativa que ocorre no ciberespaço através

do hipertexto. Dantas (2006) reconhece que os participantes se adequam às regras de conduta

e uso da linguagem apropriada para o blog e que a relação que se constrói entre os membros

constitui uma forma de realidade intersubjetiva no ciberespaço, seja através do consenso ou da

polêmica. Nesse sentido, os textos polêmicos atraem os leitores e promovem reflexão acerca

das próprias ações e vivências dos comentadores e da comunidade blogueira em si. Na

formação do hipertexto, o blog é visto como evento de letramento no domínio discursivo

midiático. Para se constituir dentro do blog, o leitor precisa ler e deixar algo por escrito, e, nesta

conduta, o blogueiro se torna um mediador de leituras. Em suas observações, Dantas (2006)

sustenta que o blog não deve ser mais visto como gênero e sim como um suporte. Na tentativa

de definir o que seja o suporte, o autor defende que o suporte é uma superfície física ou virtual

em formato específico que mostra o texto, o que vem apontar para o abandono pontual de seu

trabalho da abordagem bakhtiniana, aquela que olha o texto como produto sócio-histórico e

cultural. Desse modo, Dantas (2006) posiciona o blog em situação exteriorizada, sem o

enquadre cognitivo contextualizado das práticas discursivas que tem como materialização do

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texto o gênero dentro de um todo sócio-histórico cultural e não como um conjunto de textos

dentro de um aporte.

Caiado (2007), num estudo sobre a escrita no contexto do ciberespaço, aborda as novas

práticas discursivas, no enfoque das "transgressões" realizadas pelos sujeitos, as quais ocorrem

tanto no contexto escolar como fora deste. Tendo como base os estudos de Bakhtin sobre

gêneros discursivos e dos gêneros emergentes, a autora entende e caracteriza o weblog como

gênero. Nesse sentido, os blogs abrem mais uma possibilidade de articulação entre as

linguagens oral e escrita, produzem sentido e fortalecem as trocas dialógicas entre os sujeitos.

As questões ortográficas digitais servem de contraponto ao que é proposto pela norma.

Nesse sentido, o estudo da autora corrobora com esta pesquisa, no compartilhamento e

no acréscimo com preocupações pertinentes ao ensino aberto no meio virtual e suas devidas

adequações à esfera escolar. A compreensão da autora sobre o blog como gênero discursivo

contrapõe-se com a visão desta pesquisa, que não pretende demaracar o blog como gênero,

necessessariamente, mas visa abrir o assunto para debate questionando a necessidade desta

definição.

Komesu (2010) expõe que os estudos linguísticos sobre a escrita são tomados no

contexto das tecnologias digitais, uma vez que as produções na internet são, fundamentalmente,

baseadas na atividade de escrita. A autora analisa a rápida atualização, a manutenção dos

escritos em rede, a falta de espacialidade fixa e aponta para a interatividade entre escritor e

leitor, características que diferenciam o blog, enquanto gênero discursivo, do diário pessoal.

Na perspectiva bakhtiniana do enunciado sobre as esferas da atividade humana, a autora

ressalta a peculiaridade do gênero no apelo explícito em busca da interação, através de

possíveis comentários, o que sustenta a ideia sobre a importância da presença do Outro para

constituição do sujeito, do enunciado como constituinte das práticas sociais e vice-versa.

Para esta pesquisa, os estudos da autora vêm reforçar a compreensão do sujeito

enunciativo permeado pela alteridade e construído por meio da alteridade. Entretanto, no que

se refere ao gênero do discurso, a autora procura compreender o blog, trazendo um paradigma

de identificação de gênero que não se verifica no mundo eclético dos blogs, assim restringindo

o blog ao modelo de diário pessoal ou aberto. O blog a ser estudado amplia as visões acerca

dos gêneros discursivos que ocorrem no próprio blog, que não se definem de maneira precisa

e nem constante.

Numa metalinguagem descontraída, que se aproxima mais da linguagem produzida para

os blogs, Ribeiro (2011) discorre sobre leitura, trazendo ao texto reflexões que envolvem

hipertexto, leitores e leitura. A autora aborda as interfaces gráficas e faz um recorte de algumas

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tecnologias inventadas pelo homem até a chegada da internet como local de leitura e escrita.

Seus estudos chamam a atenção, ainda, para os gêneros textuais que apenas são lidos e para

outros que são também escritos, a fim de mostrar que os jovens estão, sim, situados nesta última

prática na medida em que estão adquirindo habilidades de forma tal que surpreedem os adultos,

principalmente, os professores.

Nesse enfoque, o trabalho de Ribeiro (2011) procura traduzir o modo de ler e escrever

do jovem no meio virtual, contribuindo para reflexão acerca do ensino da língua, visto que é

possível verificar, a partir dessa pesquisa, que ensinar a ler e a escrever hoje demanda a

aquisição de diferentes habilidades outrora não requeridas.

Xavier (2010) realimenta o debate referente à leitura virtual enquanto processo de

coprodução de sentido de textos e hipertextos. O autor define o hipertexto como uma linguagem

híbrida, dinâmica, flexível, que dialoga com outras interfaces semióticas, adiciona e

acondiciona à sua superfície formas novas e antigas de textualidade. O hipertexto tende a

mediar as relações dos sujeitos na sociedade da informação, como uma aldeia global. A

inovação no hipertexto está na possibilidade de transformar a deslinearização, a ausência de

um foco dominante de leitura, em princípio básico de sua construção.

Mesmo sabendo que toda linguagem é hibrida e que o hipertexto não foi inventado a

partir das tecnologias, o modo de realizar leitura e escrita no meio virtual potencializa e

evidencia a interação, fazendo emergir a multiculturalidade e formas mais difusas e abertas de

práticas de leitura. Sendo assim, embora não seja este o seu foco, o autor traz contribuições

para esta pesquisa, cuja busca está voltada para a construção de sentidos.

Braga (2010) auxilia nessa compreensão, de que ocorrem mudanças nas práticas

sociais que afetam o letramento ainda em debate. A autora levanta a preocupação com o

excesso de informações gerado pelas transformações e conduz o foco de observação para a

interatividade e a multimodalidade. Tornam-se mais visíveis as vantagens dessa nova

modalidade de leitura e escrita para o aprendizado, tendo como referência os dados obtidos em

uma interação concreta de alunos com um material digital. O (hiper) texto não linear sem

conexão narrativa, como no blog, de fato confere ao leitor maior poder sobre sua leitura,

favorecendo a diversidade de sentidos. A contribuição da autora indica que a leitura e a escrita

construídas de forma hipertextual e hipermodal podem auxiliar na aprendizagem na medida em

que permite ao aprendiz fazer escolhas de caminhos e canais de recepção que são mais

adequados às suas necessidades e também aos seus estilos cognitivos e modos de aprender.

Visto que esta pesquisa discorre sobre os discursos que se formam por meio do que se

posta e dos comentários que surgem de forma aberta ao público, entende-se que ela se

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diferencia do estudo apontado por Braga (2010). Sendo assim, o discurso que se concretiza

favorece uma visão social mais ampla do investigador que se estende aos enunciados dos

ilocutores, que nem sempre são alunos. Por este viés, o Ieceblog não se restringe à linguagem

enunciada pelos alunos, assim como acontece com o blog fora do âmbito escolar; ele está aberto

à participação de qualquer ilocutor que venha a somar para a construção dos sentidos.

Em outro estudo, Coracini (2011) oferece um novo olhar para os blogs escolares, em

relação às condições de produção, ao seu funcionamento e a possíveis efeitos tanto na

aprendizagem quanto na construção da identidade do sujeito-aluno. O levantamento de

algumas características sobre o blog em si aponta para um gênero que tem um caráter público,

permitindo a espetacularização do eu. Nesse sentido, tempo e espaço se reduzem ao

instantâneo, e a relação entre a exposição do sujeito que posta e o ocultamento de quem

comenta se transforma em um jogo. Ao compreender melhor os blogs escolares, Coracini

(2011) comenta que os blogs de professores mais se assemelham a estudos dirigidos. Nestes

casos, o blog serve como meio de transmitir as informações necessárias para o

desenvolvimento das aulas. Para o aluno, se torna mais uma tarefa obrigatória, que não traz

reflexão, posicionamento ou criatividade, assim como ocorre com algumas atividades no papel.

A autora acredita que, no trabalho em sala de aula, pouca coisa mudou, pois os conteúdos se

mantêm os mesmos, a posição de autoridade do professor permanece e pouco se constata de

uma abertura para a autonomia do aluno, deixando a reflexão para que um trabalho focado na

diversidade dos gêneros possa favorecer uma proposta de letramento que se assemelhe mais à

vida real e não se detenha somente nos gêneros escolares consagrados.

Em virtude dessa percepção, a pesquisa vem apontar para as novas visões de

multiletramentos, trazendo a descrição de um trabalho voltado para a linha de projetos em um

enfoque transdisciplinar que se reflete na linguagem do blog a ser analisada.

Por fim, em sua recente tese de doutorado, Dantas (2012) analisa um blog corporativo,

"Fatos e Dados" da Petrobrás, em um contexto de denúncias de corrupção e investigação da

empresa no Congresso Nacional, um blog que quer, afinal, defender seu ponto de vista. Os

estudos de Dantas (2012) visam compreender o agendamento de temas e a influência que os

elementos discursivos acionados pela argumentação exercem em blogs, elegendo Bakhtin e

Foucault como principais teóricos da linguagem. Nessa perspectiva, o blog é compreendido

como manifestação discursiva falada em uma situação histórica concreta, cuja compreensão e

atribuição de significados se realizam a partir das relações sociais estabelecidas entre sujeitos

que se alojam em posições discursivas e ideológicas de disputa. Mesmo que essa pesquisa tenha

se realizado em outra esfera institucional, a Petrobrás, seu foco na argumentação traz

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contribuições para este estudo, o qual pretende encontrar e analisar as vozes que emergem das

postagens. Assim, verifica-se que, também no Ieceblog, as vozes enunciadas ora se alinham

em concordância ora entram em embate, trazendo para o cenário discursivo o argumento

carregado de valores sociais.

Nesse diálogo entre os autores que foram aqui expostos, a nossa pesquisa tangencia os

estudos destacados. Por possuírem questões em comum e, por vezes, algumas contraposições

pertinentes ao que se quer aprofundar, o conjunto dos recortes dos trabalhos apresentados

aponta para as singularidades existentes em pontos de vista dos diferentes autores, que bem-

vindos a esta pesquisa, acrescentam subsídios ao estado da arte.

UM BLOG INDISCIPLINAR

A relevância desta investigação ressalta o objeto que se elege: os sentidos

compartilhados, em diálogo, que emergem por meio da linguagem que se manifesta nas

postagens de um blog escolar. Enquanto recurso didático, o blog se mostra como material de

penetração ascendente no meio escolar em suas mais variadas formas. Na oportunidade de se

estudar um blog escolar que não sucumbe às disciplinas escolares e se aproxima mais aos

modelos sociais de blogs abertos ao mundo, analisar o objeto, a linguagem dialógica - os

sentidos que a constituem - torna-se um convite para se compreender como um trabalho

ancorado na perspectiva dos multiletramentos, abre caminhos que se aproximam à linguagem

do aluno e constrói sentidos inesperados que podem surpreender.

Nesse contexto, a comunicação verbal voltada à vida cotidiana em um blog escolar

permite dispor da linguagem de forma mais espontânea, fazendo emergir manifestações

dialógicas que apresentam os valores sociais constituintes de sua linguagem. Ressalva-se, a

partir dos estudos bakhtinianos, que a linguagem, além de sua estrutura, está carregada de

valores socioculturais construídos entre os sujeitos de forma híbrida ao longo da história.

Portanto, cabe entender a significância do dialogismo presente na formação da linguagem e

fazer emergir os diferentes posicionamentos sociais carregados de valores que se entremeiam

a partir do que se posta e se comenta no Ieceblog.

O PASSO A PASSO

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Esta dissertação se apresenta dividida em três capítulos, tendo, cada um deles,

subdivisões que se complementam em seus conteúdos, além das considerações finais que os

arrematam.

Como preâmbulo, a pesquisa vem apresentar o blog escolar, cuja linguagem a ser

investigada tem um foco especial nos significados embutidos nos enunciados e problematiza

demandas de ensino, direcionadas às novas tecnologias no ambiente escolar. Assim, ao se

apresentar a linha de estudo no campo da Línguística Aplicada, os conceitos de linguagem na

visão bakhtiniana vão subsidiar as questões de ensino na perspectiva dos multiletramentos.

Diante disso, as inquietações que emergem direcionam as questões de pesquisa para os

sentidos manifestos na linguagem do blog escolar a ser investigado, o Ieceblog. A seguir, outros

autores, com suas diferentes visões, tendo o blog como objeto de interesse comum, somam-se

a esta pesquisa. Em suas particularidades, o blog escolar a ser estudado se apresenta relevante

como um blog peculiar e transgressor, considerando a esfera a qual ele pertence, a escola, um

campo vasto para a pesquisa que ocorrerá na área da Linguística Aplicada voltada às reflexões

que envolvem linguagem no âmbito do ensino e aprendizagem.

Para compreender os conceitos de linguagem, multiletramentos e situar o blog como

objeto de linguagem, o Capítulo 1, a fundamentação teórica vem, de início, posicionar a

pesquisa em tempos pós-modernos, delineando o sujeito contemporâneo e levantando aspectos

conflituosos pertinentes ao ensino. Logo após, voltado aos estudos bakhtinianos, a

fundamentação teórica divide-se de modo a reforçar, primeiramente, as concepções de

linguagem e interação e de linguagem e alteridade, duas concepções indissociáveis e que se

complementam. Ainda sobre os conceitos de linguagem, foi reservado um lugar especial aos

estudos sobre o gênero do discurso, trazendo a sua importância para o ensino da língua sem

apego às categorizações fixas. Nessa oportunidade, é possível fazer um levantamento sobre as

buscas de vários autores da Linguística Aplicada para caracterizar o blog como objeto de

linguagem e acrescentar outras que transpareceram como resultado desta investigação.

O Capítulo 2, referente à metodologia, traz todo um contexto orientado ao olhar

investigativo em sua posição exotópica, expondo, detalhadamente, os procedimentos de

análise, a delimitação do corpus, com isso direcionando a pesquisa aos resultados de análise.

Por conseguinte, no Capítulo 3, tem-se a exposição crítica do corpus; nele são

apresentados seis fragmentos ou postagens do blog estudado, de forma a abordar as mais

variadas manifestações de interação. Sendo assim, torna-se viável destacar os sentidos que

emergem em meio às mudanças de contexto, do real para o virtual e vice-versa, e significar o

trabalho que se realiza com os alunos a partir do Ieceblog.

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As considerações finais recuperam as elucubrações realizadas durante as análises e

procuram acrescentar outras, diante do comparativo que se pode obter e das futuras

perspectivas de trabalho com a linguagem digital no meio escolar.

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Capítulo 1: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

As práticas atuais de interação virtual – como chats, blogs, sites, revistas acadêmicas,

salas de aula, vídeos conferênicias, e-mails, jornalismo online, entre outros – transformam

linguagem, comportamento e cultura, marcados pelas novas tecnologias. Em um avanço

constante, crescem, consideravelmente, as redes6 dos centros comuns conforme os interesses e

as afinidades pessoais. Qualquer indivíduo informatizado é capaz de interagir com outro e

ocupar diferentes lugares ao mesmo tempo, sem que esteja fisicamente presente.

Segundo Lévy (2010), toda reflexão sobre a evolução da cibercultura requer

fundamentos em uma análise antecipada acerca das transformações contemporâneas

direcionadas ao saber. Nesse sentido, torna-se evidente a necessidade de se pensar a respeito

da velocidade do surgimento e da renovação dos saberes e, consequentemente como utilizá-

los. O autor alerta para a nova condição humana, na qual a maioria das competências adquiridas

pelo sujeito no começo de sua trajetória profissionalizante estarão obsoletas no fim de sua

carreira. Além disso, cabe conceber, nesse tempo, que a nova natureza do trabalho demanda

atualizar-se constantemente, isto é, trabalhar diz respeito a aprender, ensinar e produzir

conhecimentos que se modificam a toda hora.

Em tempos pós-modernos, é importante compreender e significar como se apresenta

uma multiplicidade de produtos gerados por meio das novas tecnologias. Essas manifestações

ampliam um sem número de funções cognitivas humanas e, principalmente, alteram

perceptivelmente condutas sociais provenientes de outros tipos de interação que se criam.

Nesse sentido, a fundamentação requer um olhar mais detalhado sobre a contemporaneidade e

sobre suas consequências nas formas de agir e interagir do homem.

1.1 EM TEMPOS PÓS-MODERNOS

Compreende-se que na modernidade, estabeleceu-se o domínio da razão, a supremacia

da ciência, a urbanização planejada e a tecnologia controladora, na crença de que, por meio do

progresso científico e tecnológico, o homem poderia seguir linearmente no investimento da

territorialização do tempo e do espaço. Outrora, a chamada “fase do conforto” (LEMOS, 2010;

p. 52) era aquela em que o homem podia idealizar a sua condição de existência através da

6 “[...] rede ou web na contemporaneidade significa uma estrutura telemática ligada a conceitos como

interatividade, simultaneidade, circulação e tactilidade” (SANTAELLA, 2010; p.137).

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racionalização e do domínio da natureza humana. Nesse sentido, é possível resgatar que, a cada

época da história da humanidade, houve uma cultura técnica em particular, correspondente à

condição de ser do homem.

Assim, ao longo da História, desde o período da pedra lascada até o momento atual, as

mudanças foram marcadas pelas tecnologias. O homem se modernizou ao longo de sua história,

passando pela retenção do fogo, pela invenção da roda, da escrita, da imprensa, fazendo

grandes conquistas por meio das navegações, chegando à Revolução Industrial. Após marcos

sócio-históricos progressivos, a humanidade construiu a sua forma de ser e de viver em uma

atualidade fluida: a pós-modernidade.

Lemos (2010) ressalta a ideia de pós-modernidade demarcada pelo fim da modernidade

em uma concepção não histórica. Na ruptura com o espaço e com o tempo, o homem se

encontra assolado por seus próprios inventos, fomentados pelo consumo desenfreado, em um

momento quando não há tempo para recuperar o passado e nem para criar expectativas sólidas

de futuro. Nesse momento vive-se um presente em constantes e radicais mudanças, sob a

influência das novas tecnologias e seus aparatos, que vêm ao mercado a toda hora. Para o autor,

a nova realidade social desmaterializada e simulada de um mundo conectado em rede, sofre

uma sucessão ininterrupta de estímulos ocasionados pelo desenvolvimento das diferentes

máquinas de informação (computadores, celulares, tablets etc) que se atualizam a todo instante.

A corrida desenfreada se estabelece a favor daquilo que se torna obsoleto. Quem não se

atualiza fica “desconectado”, por isso não participa desse momento. Nessa busca pela

velocidade e por mais recursos de comunicação que se multiplicam, a mídia se torna

instrumento de simulação do tempo e do espaço e não obedece mais à concepção genealógica,

a de uma árvore com tronco central e com suas ramificações progressivas e temporais. A ideia

se volta à multiplicidade do rizoma, que ramificado e sem fronteiras, embute noções de

interatividade e de descentralização da informação.

Para Bauman (2001), os tempos pós-modernos se tornaram líquidos, visto que, a cada

instante, tudo muda rapidamente e nada é feito para durar. Esse fato altera assombrosamente o

comportamento humano e sua forma de interagir. Conforme o sociólogo, torna-se difícil

vislumbrar uma cultura indiferente à preservação e que evita a durabilidade das coisas e até

mesmo das relações. Em sua concepção, o imediatismo e a moralidade inconsequente, próprias

às ações humanas, evitam as responsabilidades frente aos seus efeitos sobre os outros. A partir

da ideia do descarte, a individualidade, mesmo que em rede, inaugura o novo direcionamento

das relações.

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O avesso ao que se esperava da razão inverteu a ordem em consonância com a

ubiquidade. Nela ninguém tem a real responsabilidade, sobrecarregando a pauta dos

acontecimentos com temas como a violência, as desigualdades socioeconômicas e os detritos

da ganância do mercado e do desinteresse político, os quais foram condensados ao conceito de

poluição. Num cotidiano de transformações constantes, em que nada apareceu do nada e nem

surgiu hoje, cabe ressaltar fatores sociais evidentes, vinculados ao comportamento mais

individualista do humano, que vive em uma sociedade hedonista, presa à obsessão do corpo

ideal, ao culto às celebridades, à corrida pelo consumismo, à paranoia acerca da segurança etc.

Na sociedade que não se fixa nas promessas futuristas, cada vez mais submergidas em

jogos de linguagem, reposicionam-se os novos valores sociais, tão reforçados pelas mídias que

invadem os lares, nossas mentes, nosso modo de agir, de persuadir e de se relacionar. Nesse

contexto de mudanças rápidas e (des)contínuas, constroem-se outros sentidos sociais e

ratificam-se os antigos através de novas linguagens, quando todo mundo se torna capaz de

produzir conhecimento e fazer notícia, oferecendo uma sensação mais democrática da

informação, que se processa em altas velocidades por meio do uso de múltiplos recursos

digitais agora tão fartos e alcançáveis.

Segundo Lemos (2010), com o surgimento da digitalização, a distribuição e o

armazenamento da informação tornam-se independentes, multimodais, e a eleição do meio para

se apropriar de uma informação sob forma textual, imagética ou sonora se faz de modo

dissociável à sua transmissão. Acerca desse novo domínio, as redes eletrônicas constituem uma

forma de publicação acessível, onde o aparato tecnológico pode produzir cópias tão perfeitas

quanto o original. Cada sujeito, cada esfera social, cada ponto em rede pode se manifestar e

produzir conhecimentos, resultado de uma sinergia de experiências coletivas na abolição do

espaço físico autorizado pela quebra linear do tempo e territorial de espaço geográfico. Tal

relação entre emissor e receptor independente contrapõe os sistemas hegemônicos frente aos

contra-hegemônicos quando o fluxo do conhecimento se compõe de extratos multiculturais que

fluem de maneira caótica e difusa, na qual os saberes circulam em todas as direções no chamado

vácuo espacial, mesmo quando existem forças tendentes à canalização desses saberes.

Na percepção de que a diversidade e a complexidade das manifestações

comunicacionais e culturais atraem os internautas, torna-se possível conceber que as culturas

se tornam fronteiriças, fluidas e desterritorializadas. A cultura de massas, uniformizada e

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direcionada a todos em sua emissão, perde espaço para a cultura das mídias7. Na pluralidade

das mídias, voltadas à intensa propagação de mensagens e de suas fontes, foram sendo criados

subsídios à formação de outros tipos de usuários, atuantes, os quais se posicionam de maneira

mais criteriosa, seletiva e individualizada. A mudança de atitude, de receptor para

receptor/emissor, prepara um terreno propício ao nascimento da cultura digital, na demanda de

usuários que preencham dupla função e se tornem “caçadores em busca de presas

informacionais de sua própria escolha” (SANTAELLA, 2010; p.68), embora fique o alerta que

[...] longe de estar emergindo como um reino de algum modo inocente, o ciberespaço e suas experiências virtuais vêm sendo produzidos pelo

capitalismo contemporâneo e estão necessariamente impregnados das formas

culturais e paradigmas que são próprias do capitalismo global. O ciberespaço,

por isso mesmo, está longe de inaugurar uma nova era emancipadora. Embora a internet esteja revolucionando o modo como levamos nossas vidas, trata-se

de uma revolução que em nada modifica a identidade e natureza do montante

cada vez mais exclusivo e minoritário daqueles que detêm as riquezas e continuam no poder. (SANTAELLA, 2010; p.75).

Mesmo assim, é possível considerar que cada sujeito pode se tornar um produtor, fato

este que trouxe reflexos significativos para os comportamentos sociais, transpondo a

concorrência de uma sociedade piramidal para uma sociedade reticular de integração em tempo

real, o que vem inaugurar aquilo que é chamado de terceira era midiática ou de cibercultura.

Assim, o ambiente que surge pode ser caracterizado como aquele que acolhe múltiplos recursos

de linguagem organizados de maneira rizomática, isto é descentralizada, que se amplia de

forma desordenada e extensa.

A partir de conexões múltiplas e diferenciadas em rede, a cibercultura se institui

permitindo a formação de comunidades (fluidas), apontando para a existência social do

ciberespaço como ambiente de compartilhamento comunitário. Na dimensão virtual de

comunidade, é possível as pessoas formarem agrupamentos independentes de referência física,

religiosa e cultural no ciberespaço. Criam-se outras territorialidades, simbólicas, de

identificação, sejam elas centradas na forte ligação do pertencimento ou na frágil difusão da

efemeridade. Desse modo, é possível perceber que as novas tecnologias podem atuar tanto nos

vetores que direcionam à alienação como ao compartilhamento de ideias voltado à formação

comunitária.

7 Segundo Santaella (2010), os produtos de comunicação emitidos em computador, web sites e livros

eletrônicos, cd-roms são considerados novas mídias. Por trás das novas, existe toda uma revolução cultural

profunda, cujos efeitos estão apenas começando a se registrar.

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Nessa mesma compreensão, Britto (2009) aponta para o sujeito que está em formação.

Observa-se o sujeito de caráter descentrado, com mobilidade indentitária intensa, que se

desloca conforme as demandas e suas conveniências, um sujeito que está presente em vários

lugares da realidade social. Tais sujeitos apresentam-se desenraizados do ponto de vista

geográfico e cultural e, segundo o autor, transitam sobre as fronteiras. Em vez das identidades

rígidas usadas para se fixar ao lugar, as identificações mais flexíveis passam a ser o novo cartão

de embarque para se transitar por diferentes realidades sociais. Nesse aspecto, o sujeito deixa

de ser e passa a estar, pronto para se mudar, caráter este que lhe confere maior maleabilidade,

abertura e mobilidade.

Sobre o processo participativo do ciberespaço, local virtual de comunicação interativa

e comunitária, Lévy (2010) aborda o conceito de inteligência coletiva, que, em meio à

desordem (ocasionada pela interconexão em tempo real), também promove soluções práticas

aos problemas de orientação e de aprendizagem entre os saberes em fluxo. Para o autor, quanto

mais os processos de inteligência coletiva se ampliarem melhor será a assimilação de

indivíduos ou grupos às alterações técnicas e menores serão os efeitos de exclusão resultantes

da aceleração tecnossocial que exige participação ativa na cibercultura.O ciberespaço, que

oferece a conexão entre os computadores do planeta, alarga-se para ser (ou já se tornou) a

principal infraestrutura de gerenciamento econômico e se tornará o principal equipamento

global de memória, seja do pensamento humano seja de comunicação. Em suma,

[...] em algumas dezenas de anos, o ciberespaço, suas comunidades virtuais,

suas reservas de imagens, suas simulações interativas, sua irresistível

proliferações de textos e de signos será o mediador essencial da inteligência

coletiva da humanidade. Com esse novo suporte de informação e de comunicação, emergem gêneros de conhecimento inusitados, critérios de

avaliação inéditos para orientar o saber, novos atores na produção dos

conhecimentos. Qualquer política de educação terá que levar isso em conta (LÉVY, 2010; p.170).

Nessa visão, Freitas (2009) faz alusão à instituição social escola que, embasada nos

princípios da racionalidade, da transmissão do saber e da verdade científica, não considera os

aspectos culturais, o diverso, a linguagem em sua evolução, voltada aos novos acontecimentos.

Estagnada diante das transformações sociais que ocorrem no contexto onde se insere, a escola

continua atrelada aos velhos conceitos de ensino estático, embora utilize, vez ou outra, os

computadores e alguns recursos, porém desconsiderando a cibercultura, seus efeitos sobre o

modo de ser e o modo de se comunicar do homem.

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A necessidade de a escola atualizar seus currículos, rever as didáticas, valorizar o saber

e a cultura do aluno e situar as informações ressignificando-as à luz do compartilhamento pode

parecer uma meta difícil a ser alcançada, contudo não pode ser desmerecida. As poucas

tentativas que ocorrem no meio pedagógico não acompanham a velocidade das inovações

tecnológicas. Somente ter acesso aos recursos tecnológicos não significa saber usá-los nem

tampouco saber como ativá-los pedagogicamente, compreendendo que a internet não é uma

mídia de massa, mas uma infraestrutura que favorece a coletividade. A escola e os professores

poderão fazer bom uso de novos espaços de participação compartilhada na expectativa de

preparar a geração digital nativa para a sua atuação cidadã no meio virtual.

De acordo com Abreu (2009), algumas questões no ambiente escolar revelam o quanto

o excesso de informações gera conflitos que precisam ser ouvidos e considerados para serem

cuidados por novas visões de gestão. Sentimentos de insegurança, perplexidade, medo e

angústia apontam para os desafios pautados pela internet que parecem decorrentes,

principalmente, de dois fatores:

desorganização do conhecido e do estabelecido;

perplexidade, insegurança e confusão perante o inusitado.

No primeiro caso, parece que a internet revolucionou e estremeceu as fundações

historicamente construídas sobre o que é ensinar e aprender, principalmente no que diz respeito

à função de professor, que detém um saber a ser passado para o aluno. Lidar com alunos que

podem criar outras formas de aprender e que não suscitam a ajuda docente pode desarrumar e

ameaçar o que socialmente se entende sobre a função de lecionar. Nesse sentido, avançar

tecnologicamente significa perder um território de dominação sobre o conhecimento. A falta

de controle sobre o processo pedagógico da maneira como se estava acostumado a ver leva a

entender que o caráter de imprevisibilidade e de inusitado é uma competência ainda a ser

conquistada. Concernente ao segundo fator, entende-se que sair em busca de novas estratégias

de ensino faz o professor se sentir distante de suas práticas costumeiras. Portanto, caminhar

pelas novas práticas pode lhe parecer divergente e perigoso, ou seja, comprometedor para o

desenvolvimento do aluno. Desse modo, a insegurança suscita o retorno do docente às velhas

práticas e aos modelos por ele conhecidos, como ação repressora ao que é novidade.

No confronto com as resistências e com a real dificuldade de mudar as práticas de

ensino, o mundo contemporâneo apresenta as múltiplas exigências que a escola não consegue

atender. Para Rojo (2012), trata-se de a escola repensar como as novas tecnologias podem

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transformar os hábitos institucionais de ensinar e aprender em vez de limitar os recursos digitais

em prol da disciplina ou da ignorância pedagógica. Desse modo, voltar-se-ia para uma ordem

mais maleável e compartilhada entre os agentes – aluno, professor, coordenador e gestor – em

busca dos letramentos críticos por meio dos quais seja possível transformar o consumidor

acrítico em analista crítico. Nesse sentido, a autora sugere uma revisão do ensino,

principalmente na produção de leitura e escrita direcionada aos multiletramentos no uso da

linguagem nas práticas sociais. Uma proposta aberta à pluralidade cultural e à diversidade de

linguagens. Frente a essa assertiva, torna-se importante perguntar: O que significa lecionar

leitura e escrita voltadas ao mundo contemporâneo? O que pode significar um trabalho de

linguagem aberto à pluralidade cultural?

Na intensão de abordar a complexidade do assunto, esta pesquisa tem o propósito de

aprofundar o estudo sobre os aspectos pertinentes à linguagem que orientam os trabalhos com

os multiletramentos, um percurso a ser galgado mesmo que a resposta encontrada seja

contemplada de forma parcial. Mais ainda, compreender que, por trás da escolha de estudar um

blog escolar, existe o interesse em buscar fundamentações e reflexões que apontem os

caminhos transgressores aos comumente esperados, pois, nessa perspectiva teórica, o mundo

da cultura e da arte (o do acontecimento) não se dissocia do mundo da vida. Por conseguinte,

encontrar aberturas que invadam as fórmulas cristalizadas, ainda regentes no trato com o

ensino. Em outras palavras, essa construção referencial procura trazer novos sentidos ao uso

da linguagem que se adequem ao contexto escolar voltado às práticas sociais, frente às novas

tecnologias e situado na contemporaneidade, pois:

O atual uso inflacionado no Brasil – em especial no discurso pedagógico

posterior à reforma do ensino de 1996 – da expressão gênero do discurso,

tendo o texto de Bakhtin como referência, é o que nos motiva a discutir em mais detalhes essa questão. Interessa-nos, particularmente, expor à crítica

certa cristalização do conceito em sua transposição pedagógica (FARACO,

2009; p.122).

Nesse sentido, o referencial eleito associa o formato do objeto à situação de produção,

visto que vamos nos aprofundar em uma concepção de linguagem cuja conceituação está

atrelada à sua função interacional. Com embasamento na teoria bakhtiniana, é possível afirmar

que “a linguagem é ação e ao mesmo tempo refração da realidade”, portanto requer uma

investigação direcionada aos conceitos de sujeito, acontecimento, história e relações de poder.

Em vistas de traçar contornos mais precisos acerca da linguagem nas práticas sociais, sugere-

se um reposicionamento frente à concepção de linguagem diante da vida,

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“[...] levando-se em conta o fato de Bakhtin ter diante do mundo e

particularmente diante da linguagem uma postura que articula estética, ética, diferentes pressupostos filosóficos, não permitindo que suas reflexões sobre

o sentido sejam sistematizadas unicamente sob uma perspectiva lingüística

ou mesmo lingüística-literária” (BRAIT, 2001; p.71).

O termo práticas sociais pode ser definido como atividade discursiva, um

acontecimento de caráter sócio-histórico visto como discurso constituinte e constituído da vida

social em todas as esferas da ação humana. Assim, compreende-se que linguagem circula em

todas as esferas das práticas sociais e que lidar com os sentidos compartilhados torna-se, afinal,

um ato de aprofundamento nas intimidades das diversas camadas constituintes dos enunciados

emitidos.

1.2 LINGUAGEM E INTERAÇÃO

Em virtude de este trabalho estudar a concepção de linguagem a partir da perspectiva

sócio-histórica e cultural (BAKHTIN, 2000 e 2010; VOLOCHÍNOV, 2006; BRAIT, 2001 e

2009; OLIVEIRA, 2008 e 2009; FARACO, 2009; GERALDI, 1999 e 2004; ALVES 2009;

MARCUSCHI, 2010; ARAÚJO 2007; POSSENTI, 2005; ZANOTTO, 2005), não se pode,

aqui, tomar a língua como sistema abstrato, individual, alheio ao contexto. Isso nos levaria a

uma abordagem estruturalista (SAUSSURE, 2000), que não considera a mutabilidade da língua

e seus significados, ou somente aos princípios gerativos (MORAIS, 1998), que se detêm na

língua como conjunto de normas. Para se desprender de uma concepção que enquadra a língua

a um sistema e se alocar na perspectiva interacionista (BAKHTIN, 2000; VOLOCHÍNOV,

2006; e VYGOTSKY, 1999), é preciso compreender a linguagem como objeto de uso contínuo,

vinculado às ações do sujeito, isto é, na relação dialógica. Assim, será possível ampliar esse

conhecimento, quando a linguagem será concebida de forma bem mais abrangente associanda-

a às práticas sociais e aos valores a ela agregados.

Faraco (2009) destaca Bakhtin8 (1929) e Voloshinov9 (1926) construindo a ideia de

linguagem como móvel, em constante adaptação a situações de uso e constituída das ações

8 Referência original encontrada em Faraco (2009, p. 159) que diz respeito à obra BAKHTIN. Problemas da

poética de Dostoievshi (1929/1963). 9 Referência original encontrada em Faraco (2009, p. 160) que diz respeito à obra de VOLOCHINOV V. N. O

discurso na vida e o discurso na poesia (1926).

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cotidianas dos sujeitos em interação. Portanto, ao contrário do que se poderia pensar, a

linguagem sofre alterações e não se molda à rigidez.

Na visão fluida de linguagem, “todos os produtos da criatividade humana nascem na e

para a sociedade humana.” (BAKHTIN, 1997; p.2), considerando o aspecto sociológico da

língua e fazendo entender que a linguagem é uma prática social e que, na verdade,

[...] a língua não se transmite; ela dura e perdura sob a forma de um processo

evolutivo contínuo. Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada;

eles penetram na corrente da comunicação verbal, ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar.

(VOLOSHINOV, 2006; p.111).

Cabe, então, repensar a visão interacionista da linguagem numa relação intrínseca entre

individual e social. Contudo, ao se falar em relação, não podemos reduzir o conceito de

interação somente ao diálogo face a face, assim como assujeitar a interação, abrindo mão do

que é singular, imprevisível e relacionado à criação. Ao considerar tais aspectos, o conceito de

linguagem se acresce de concepções socioculturais e que, antes não tão conhecidas, não

parecem, ainda, ganhar força a ponto de se infiltrarem nos compêndios e currículos escolares.

Portanto, na compreensão interacionista de linguagem é preciso considerar o outro

como parte integrante e indissociável da linguagem do sujeito, mesmo que esse outro não esteja

presente no momento em que se inicia a interação. Segundo Antunes (2003), no ato de

linguagem, embora o sujeito com quem se interaja não esteja presente à situação da produção

de texto, tal sujeito existe e precisa ser levado em conta, em cada momento, pois para a autora,

“Sem o outro do outro lado da linha, não há linguagem” (ANTUNES, 2003; p.47).

1.3 LINGUAGEM E ALTERIDADE – O CAMPO DIALÓGICO DO DISCURSO

Segundo Bakhtin (2006), a restrita concepção de interação voltada para uma ação entre

locutor e receptor não é suficiente para sustentar a ideia de alteridade. Para ele, o outro está

presente dentro do próprio processo enunciativo, quando qualquer dito ou enunciado traz em

si o que outro, deveras, pronunciou.

A palavra da língua é uma palavra semialheia. Ela só se torna “própria” quando o falante

a povoa com sua intenção, com seu acento, quando a domina através do discurso, torna-a

familiar com a sua orientação semântica e expressiva. Até o momento em que foi apropriado,

o discurso não se encontra em uma língua neutra e impessoal (pois não é do dicionário que ele

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é tomado pelo falante!), ele está nos lábios de outrem, nos contextos de outrem e a serviço das

intenções de outrem (BAKHTIN, 2006; p. 100).

A base para esse pensamento pode ser bem compreendida em Faraco (2009), quando o

autor elucida que, a partir do século XVIII, o debate sobre a interação foi tema da reflexão

filosófica em busca de soluções para os entraves existentes nas concepções solipsistas, isto é,

na visão de que o conhecimento deve estar fundado em estados de experiência interiores e

pessoais do Ser. Na mesma corrente em que os eventos históricos fazem questionar as velhas

formas organizacionais, políticas, sociais e econômicas, a intelectualidade volta-se para a

formulação das ideias constitutivas das relações e da alteridade, nas quais o sujeito não existe

sem o outro.

Entre os filósofos do século XX que mais contribuíram sobre a ideia, Faraco (2009)

ressalta Martin Buber (2001), o qual se aprofundou na relação como modo humano da

existência e, por consequência, em uma ética do inter-humano. Nesse enfoque, a alteridade

precede e é constitutiva da identidade única do ser. Mesmo que o ser se diferencie de todos os

outros de sua espécie como singular, toda e qualquer função psíquica só se desenvolve, bem

ou mal, na presença do outro social. Ser reconhecido é o fundamento para a construção do Eu:

ser visto, reconhecido, respeitado, quando isso, afinal, só ocorre na presença do outro.

Do ponto de vista filosófico, a linguagem inaugura a articulação entre o social e o

individual, quando a sua dinâmica responsiva é o ponto de convergência entre individual e

social. O levantamento histórico e filosófico que estabeleceu o conceito do outro dialogante

onipresente na Filosofia Contemporânea concebe a “outredade” (Zavala, 2009; p.157) como

constructo básico do ser que envolve, sempre, o eu relacionado no nível intersubjetivo.

Compreendendo a linguagem como um acontecimento, é possível perceber a

enunciação carregada de alteridade. Essa abordagem coloca o enunciado no plano do dialógico,

onde os sujeitos invisíveis, os que dialogam e debatem entre si, encontram-se presentes de

forma axiológica. Para além do que está dito ou escrito, as entrelinhas podem ser caracterizadas

como as brechas de significados que conduzem os impulsos à compreensão participativa, o

cerne dos julgamentos de valor.

Importante ressaltar que para efeitos de pesquisa não são os acontecimentos de

interação que serão focados, mas, sim, o que ocorre na linguagem na relação dialógica, quando

a linguagem se apresenta estratificada e saturada pelas axiologias sociais. No embate das

refrações sociais manifestas pelos enunciados, as marcas sociais de valor são construídas ao

longo do processo sócio-histórico da humanidade, delineando a ideia sequencial de interação

ininterrupta. Sendo vista dessa maneira, a interação é entendida como comunicação-verbal.

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Oliveira (2008) explicita que à medida que a alteridade é definida na dimensão

dialógica, da interconstitutividade entre o ser e o outro, os conceitos bakhtinianos rompem com

a dicotomia entre o mundo abstrato e o mundo da cultura e passam a enxergá-los, ambos, em

uma relação unitária, nos espaços onde os atos ganham significados. Assim sendo, no momento

em que o ato é realizado, no plano da signific(ação), ação e sentido adquirem

responsabilidade/respondibilidade.

O encadeamento entre o sentido e o fato, entre o universal e o individual, entre o real e

o ideal, faz parte de um todo que se insere na composição de motivação responsável, isto é, a

partir do reconhecimento da participação única do ser quando o ato responsável é uma resposta,

pois somos “cada um com o outro na irrecusável continuidade da história.” (GERALDI, 2004;

p.228).

Enxergar cada resposta responsável como ela é, torna-se um modo de reencontrar

deslocamentos imperceptíveis na construção continuada de valores, que se transformam à

medida que o tempo ocorre. Nessa relação em cadeia é preciso conceber o enunciado como um

elo comunicativo dos discursos carregado de atitudes responsivas dirigidas a outros enunciados

que ocorreram em outras esferas comunicativas discursivas.

Conforme explicita Geraldi (2004), a alteridade demarca a ação do pensamento

participativo, o qual se concretiza e se revela pela linguagem. O pensamento traz em si a

alteridade mediada pela linguagem internalizada pelos outros. Daí, podemos pensar que o

evento só se concretiza caso venha ocorrer de forma participativa, pois a compreensão da

alteridade passa pelo discurso como entrelaçamento de interação dos pensamentos que

dialogam entre si. Portanto, é possível vislumbrar que o evento é sempre novo e original no

momento e no espaço em que ocorre, ao ponto de se pensar que, antes de ser executado e

reconhecido, o ato nunca existiu.

É possível retomar a ideia de que o sujeito dialógico constitui-se na linguagem em

relações de sentido, resultante da responsividade (da tomada de posição axiológica de sentido).

Quando um sujeito enuncia, ele emite ideias, significados de outros que perpassam pela sua

subjetividade. A tomada (sempre) parcial de sentido pelo sujeito é ativa (como ato), não sendo

possível repeti-lo, só ressignificá-lo. Assim, os enunciados emergem da multidão das vozes

interiorizadas e são sempre discurso citado, embora nem sempre sejam percebidos como tal.

Cabe entender que as vozes impregnadas de valores sociais se encontram em nossa

memória discursiva quando os sujeitos, que se envolvem nas relações dialógicas, estão

socialmente organizados. Isso quer dizer que os sujeitos se definem como feixes de relações

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sociais múltiplos, não fixos e marcados pela heterogeneidade, “numa emaranhada rede de

signos” (FARACO, 2009; 121).

Em conformidade com o Círculo de Bakhtin, “a consciência adquire forma e existência

nos signos criados por um grupo organizado no curso de relações sociais” (BAKHTIN;

VOLOCHINOV, 2006; p.35). Dessa maneira, é possível vislumbrar a consciência individual

abastecida de signos, derivando e refletindo deles a lógica e as leis que se impõem sobre a

sociedade numa construção coletiva de consciências. Na perspectiva bivocal do discurso,

nossos enunciados expressam, a um só tempo, a palavra do outro e a perspectiva com que a

tomamos. O Círculo considera a singularidade do sujeito, sua unicidade e a impossibilidade de

sua substituição. Assim, cada ser reage, à sua maneira, às condições objetivas. O ser humano

é um ser de ação, uma ação sempre valorada e que, ao mesmo tempo em que o constitui,

possibilita o seu reconhecimento como sujeito.

As relações dialógicas coexistem e, ao mesmo tempo, tencionam-se da mesma forma

que a responsividade: a reação ao dizer do outro através da significação se mantém na área do

embate e do encontro entre as vozes sociais. Todo enunciado é uma unidade tensa conflituosa,

promovida pelas forças centrípetas e centrífugas que incorrem no discurso, pois toda palavra

demanda um contexto ou contextos que a permeiam e apontam para o seu caráter intencional,

pois as palavras se encontram povoadas de intenções. Cabe compreender a palavra ou

enunciado como um campo de batalha entre as forças sociais, a força centrípeta, que busca

centralizar seus valores e se sobrepujar ao plurilinguismo, e a força centrífuga, aquela que

desgasta as tendências monológicas, abrindo-se para o processo dialógico do verbo.

Na percepção de que linguagem é interação no sentido de forças internas carregadas de

valores sociais, a interação diz respeito às vozes que se encontram e se desencontram dentro

dos enunciados. Diante disso, é possível definir que a linguagem se materializa nas relações

sociais semioticamente e ocorrem sempre no interior das diversas esferas da atividade humana.

Cabe agora entender que, dentro dessas esferas, ocorrem as formas relativamente estáveis dos

enunciados que são chamadas de gêneros do discurso.

1.4 NA (IR)RELEVANTE COMPREENSÃO DO GÊNERO DO DISCURSO

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs – (BRASIL, 1998), a

escola é a instituição do saber legítimo, autorizada a promover o ensino da leitura e da escrita.

O processo de aprendizagem está direcionado ao contato e ao aprofundamento dos alunos com

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as mais diversas formas de produção textual, levando em consideração o significado, o

interesse e a cultura de seus alunos. As novas teorias orientam para o conceito de gênero

discursivo, direcionando o trabalho do professor em sala de aula às práticas de compreensão

de textos orais e escritos, como também para a produção de textos diversos e a análise

linguística em torno do uso da língua nas mais variadas situações. Por conseguinte, o trabalho

com gêneros textuais diferentes dos usualmente utilizados nas escolas aborda os gêneros do

discurso com o intuito de atrair os alunos para o trabalho com a escrita e leitura e aprimorar a

sua competência com a linguagem.

Atualmente, exigem-se níveis de leitura e de escrita diferentes dos que

satisfizeram as demandas sociais até há bem pouco tempo e tudo indica que essa exigência tende a ser crescente. A necessidade de atender a essa demanda

obriga à revisão substantiva dos métodos de ensino e à constituição de

práticas que possibilitem ao aluno ampliar sua competência discursiva na interlocução. Nessa perspectiva, não é possível tomar como unidades básicas

do processo de ensino as que decorrem de uma análise de estratos

letras/fonemas, sílabas, palavras, sintagmas, frases que, descontextualizados,

são normalmente tomados como exemplos de estudo gramatical e pouco têm a ver com a competência discursiva. Dentro desse marco, a unidade básica do

ensino só pode ser o texto. Os textos10 organizam-se sempre dentro de certas

restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção

de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino.

Nessa perspectiva, necessário contemplar nas atividades de ensino a diversidade de textos e gêneros, e não apenas em função de sua relevância

social, mas também pelo fato de que textos pertencentes a diferentes gêneros

são organizados de diferentes formas (BRASIL, 1998; p.23).

Ao se falar em gênero discursivo, é preciso lembrar que Bakhtin (2000) estipula o

vínculo orgânico entre a utilização da linguagem e a atividade humana. Segundo o autor, todas

as esferas da atividade humana estão relacionadas ao uso da linguagem, a qual se organiza em

gêneros do discurso. Esses últimos são maleáveis, multiformes e tão heterogêneos quantos são

as práticas sociais associadas à linguagem na interação.

Faraco (2009) explicita que, para além da forma, a concepção de gênero também se

encontra nas transformações, na maleabilidade, na plasticidade, na imprecisão de suas

características e fronteiras. Isto ocorre porque:

A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade

comporta um repertório de gêneros de discurso que vai diferenciando-se e

10 Cabe elucidar que o conceito de texto baseia-se no princípio de que “Todo texto se organiza dentro de

determinado gênero em função das intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos,

as quais geram usos sociais que os determinam” (BRASIL, 1998; p.20).

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ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais

complexa (Bakhtin, 2000; p.279).

Mesmo assim, diante de tanta flexibilização, é necessário ressaltar que tanto os

enunciados orais como os escritos contêm conteúdo temático, organização e estilo próprios, o

que lhes dá identidade comum, embora, mais especificamente, estejam relacionados às

condições singulares de produção e às suas finalidades.

Conforme discorre Alves (2009), na visão bakhtiniana, o uso da língua acontece em

forma de enunciados concretos particulares, que refletem as condições de cada esfera a partir

do seu próprio interior. Considerando-se o forte vínculo existente entre dizer e atividade

humana, o reflexo não ocorre somente pelo conteúdo ou pelo estilo do enunciado, mas,

principalmente, por sua construção composicional. Nesse sentido, a autora defende a definição

bakhtiniana de gênero como enunciados relativamente estáveis, devido não só ao léxico usado

ou às escolhas gramaticais ocorridas, mas também pela construção composicional que está

relacionada ao caráter sócio-histórico cultural do gênero.

Nessa visão, os enunciados ocorrem em diversas e infinitas situações não previsíveis e

nem totalmente casuais, as quais influenciam diretamente na diferenciação (fluida) entre um

gênero e outro. Sendo assim, o gênero, em sua composição, é dinâmico e mutável segundo as

condições da enunciação. Isso significa que os enunciados enformados (sem fronteiras rígidas)

nesse ou naquele gênero são proferidos considerando-se o lugar e o momento, o que se torna

fundamental tanto para a sua emissão assim como para a sua posterior compreensão.

Faraco (2009) explicita que os gêneros criam expectativas diante do reconhecimento

das similaridades e promovem adaptação frente à maleabilidade às circunstâncias. Os gêneros

regulam a compreensão das nossas ações e das ações dos outros, cumprindo a função social e

a cognitiva de orientar a participação dos sujeitos em determinada esfera de atividade. Para o

autor, aprender as formas sociais de se fazer tem a ver com aprender o modo social de dizer.

No sentido de que o gênero é linguagem atrelada à situação sócio-histórica, ele não

deve ser abstraído da esfera e das condições em que o criam e o usam, isto é das suas

coordenadas de tempo-espaço e das relações entre os interlocutores, inseridos e pertencentes à

mesma comunidade como um grupo organizado em suas relações sociais. É possível

acrescentar que, na maneira de conceber o mundo por meio da linguagem, os gêneros

[...] constituem agregados de meios de orientação coletiva à frente da

realidade; constituem, em outros termos, meios de conhecimento situado. São

modos sócio-históricos de visualização e conceitualização da realidade (FARACO 2009; p. 130).

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Conforme Machado (2007), os gêneros surgem da forma prosaica da linguagem e se

incluem em toda forma de discurso do cotidiano. A linguagem prosaica permeia o discurso da

vida pública e institucionalizada, como acontece nas artes, no trabalho científico, na esfera

religiosa, escolar etc. Na perspectiva do dialogismo, a forma prosaica de dizer se torna mais

vasta culturalmente e se infiltra em outros modos de dizer. Consoante a essa percepção, é

possível distinguir os gêneros em primários e secundários. Os gêneros primários são aqueles

do uso cotidiano e os secundários são aqueles criados a partir de códigos culturais mais

elaborados e institucionalizados, convocando, de maneira mais formal, geralmente, a escrita.

Além disso, os gêneros do discurso, orais e escritos, abarcam desde uma pequena fala

de um diálogo cotidiano (SOUZA, 2007) até as mais diversas formas institucionalizadas e

literárias. Compreende-se que os gêneros de discurso primários, constituídos de comunicação

verbal cotidiana, são distintos dos gêneros de discurso secundários, que surgem a partir das

circunstâncias culturais de comunicação mais complexas principalmente as escritas.

Durante o processo de transformação dos gêneros primários para os secundários, os

primeiros foram absorvidos, conservando sua forma e significado em relação ao cotidiano

apenas no conteúdo. Sua integração com a realidade vai ocorrer através do gênero que o

incorporou. É por isso que, na relação entre gêneros primários e secundários, é possível

vislumbrar o princípio dialógico da linguagem, que poderia permanecer oculto caso o estudo

dos gêneros se concentrasse, exclusivamente, sobre os gêneros secundários.

Em relação ao caráter dialógico do discurso, se torna possível reforçar que os gêneros

articulam o ajuste desejado entre a comunicação oral imediata e a escrita, quando tanto os

gêneros primários como os secundários são resultado de uma mistura entre as duas

modalidades, oral e escrita, num grau maior ou menor. Nesse sentido, Marcuschi (2008, p.37)

afirma: “As ideias entre fala e escrita se dão dentro do continuum tipológico das práticas sociais

de produção textual e não na relação dicotômica de dois pólos opostos”

A concepção que dicotomiza a fala da escrita deve ser elucidada, colocando ambas as

modalidades em igualdade valorativa e atribuindo apenas uma diferenciação gradual entre uma

e outra, em distintas condições de uso. As semelhanças entre fala e escrita, ao contrário do que

se pensa, são maiores do que as diferenças encontradas, seja nos aspectos linguísticos seja nos

aspectos sociocomunicativos. Entende-se que as duas formas são normatizadas e

multissistêmicas somando-se o que é verbal e o que é não verbal para a construção de sentido”.

Ademais, uma das características mais acentuadas na escrita diante da fala é que aquela está na

ordem ideológica de valor sociopolítico, isto é, na maneira como nos apropriamos dela para

desenvolver relações de poder, longe de ser livre de tensões.

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Machado (2007) esclarece o aspecto cultural do gênero por meio dos conceitos de

cronotropo e de exotopia como sendo o cerne das culturas, principalmente, a partir do momento

em que o foco sobre as mensagens de comunicação foi substituído da poética pela prosaica. A

partir de um olhar sobre as formas cotidianas de interação, o gênero tornou-se o representante

de linguagem responsável pela existência cultural, visto tanto em seu próprio contexto como

fora dele.

Nessa perspectiva, a visão de contemporaneidade passa a ganhar um lugar privilegiado

e se estabelece através da concepção dialógica de tempo e de cultura, como memória criativa

e projeção de futuro. Os novos gêneros discursivos, independente de suas estruturas e

associações que se configuram como produto estratificado de cultura, carregam, em suas

representações ética e estética, o legado sócio-histórico da humanidade. Assim, sem adentrar o

campo das classificações, o olhar analítico sobre o gênero do discurso favorece a compreensão

das conquistas, descobertas, expectativas e ações, significativas, no tempo e no espaço em

constante relação entre a cultura que se formou e a que estará por vir.

Amorim (2006) e Alves (2009) ressaltam a fusão entre tempo e espaço defendida pela

visão bakhtiniana, em que o tempo ganha a primazia sobre o espaço, pois, nessa fusão, o espaço

acaba por ser dimensionado através do tempo. Dessa forma, destacam as relações espaço e

tempo como constitutivas das interações e, consequentemente, como construção de linguagem.

Sendo assim, para o cronotopo não ser reduzido apenas a uma referência temporal e espacial,

ele precisa ser concebido nas relações dialógicas e axiológicas, exteriores ao indivíduo,

constitutivo e constituinte do sujeito histórico.

Quando o sujeito enuncia (narra) o ocorrido para outro sujeito ouvinte, ambos já não se

encontram na situação momentânea do evento, externos à situação, eles interagem

dialogicamente com seus posicionamentos axiológicos, ativos e projetados.

Deste modo, em cada momento da sua existência histórica, a linguagem é

grandemente pluridiscursiva. Deve-se isto à coexistência de contradições sócio-ideológicas entre presente e passado, entre diferentes épocas do

passado, entre diferentes grupos sócio-ideológicos, entre correntes, escolas,

círculos, etc., etc. Estes “falares” do plurilingüismo entrecruzam-se de maneira multiforme, formando novos “falares”, socialmente típicos

(BAKHTIN, 2010; p. 98).

Em suma, considerar os gêneros do discurso, nas distintas esferas de atividade humana,

implica perceber, para além de sua estrutura léxica gramatical, as suas características

intrinsicamente voltadas às ocorrências de produção – ambiente e situação – que se implicam

na maleabilidade, na mutabilidade e na interatividade entre os discursos axiologicamente

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posicionados no elo da cadeia enunciativa. Pelo seu caráter material flexível, composto por

linguagem, a presença do gênero se torna imperceptível em situações de uso rotineiro. Produzir

um gênero secundário muitas vezes requer adequações conscientes e até mesmo de aprendizado

para realizá-lo conforme as convenções socioculturais. Assim, é muito comum existirem

dúvidas acerca de como escrever um ofício, como escrever uma dissertação de mestrado, como

dar uma palestra, como apresentar uma comunicação, como fazer um ensaio, um resumo, uma

sinopse etc. Entretanto, em ações como conversar descontraidamente, perguntar como chegar

a certo lugar, deixar um bilhete, escrever uma mensagem no celular, responder a um e-mail

informal, anexar uma foto ou um arquivo, encaminhar mensagens, colocar um comentário no

Facebook, entre muitas outras – uma infinidade de ações de linguagem corriqueiras –, os

processos cognitivos que envolvem o seu reconhecimento como estrutura composicional foram

esquecidos. Ou seja, as pessoas assim agem sem perceber.

Por isso, Alves (2009) orienta o ensino da linguagem no ambiente escolar voltado para

o estudo dos gêneros de modo a não cristalizar o conceito de gênero assim com se fez com o

conceito de língua. Boa parte dos livros didáticos, atualmente, aborda a questão do gênero da

mesma forma que se fez com a gramática, engessando a língua na estrutura, desconsiderando

as manifestações pós-textuais que possibilitam enxergar os enunciados como unidade de

significados culturalmente compartilhados. Sendo assim, voltar-se para a formação do leitor e

produtor de texto crítico requer compreender a linguagem situada no mundo da vida, e mais

ainda, voltar-se para o texto como discurso prenhe de valores sociais e posicionamentos que

circulam em diferentes gêneros e nas mais diversas esferas.

O atual uso inflacionado no Brasil – em especial no discurso pedagógico

posterior à reforma do ensino de 1996 – da expressão gênero do discurso,

tendo o texto de Bakhtin como referência, é o que nos motiva a discutir em mais detalhes essa questão. Interessa-nos, particularmente, expor à crítica

certa cristalização do conceito em sua transposição pedagógica (FARACO,

2009; p.122).

Sendo assim, os estudos sobre letramentos e multiletramentos podem aproximar os

conceitos de linguagem ora fundamentados às questões de ensino englobando as linguagens

contemporâneas que se manifestam no meio digital.

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1.5 DO LETRAMENTO AOS MULTILETRAMENTOS

Diante das novas reflexões direcionadas à alfabetização e dos estudos que comprovam

a baixa qualidade de ensino como principal responsável pelo fracasso escolar no Brasil, nesta

pesquisa optou-se por usar o conceito de letramento e seus desdobramentos considerando os

processos de apropriação de práticas de leitura e escrita da língua materna.

De acordo com Soares (1998), o termo letramento foi efetivamente difundido no país

ao longo da década de 1990, quando letrar-se passou a ser mais do que alfabetizar. Para a

autora, a noção de letramento refere-se à aquisição de condições para fazer uso social das

habilidades de leitura e escrita. Acima da concepção de decodificação das letras e das palavras,

compreendeu-se que seria preciso aprender a ler e a escrever dentro da ideia de um contexto,

considerando as hipóteses de escrita do sujeito inserido na linguagem, isso segundo as

transformações sociais e culturais que envolvem escrita e leitura, proporcionando sentido e

funcionalidade ao seu usuário.

As pesquisas construtivistas da psicogênese da língua escrita (FERREIRO, 2001), do

início dos anos de 1980, mostraram que aprender a ler e a escrever vai muito além do ato de se

apropriar do código que permite associar fonemas às sílabas e transitar dos sons das palavras

aos registros gráficos da língua. Cabe entender que esses estudos se desenvolveram num

contexto educacional imerso no fracasso escolar quando a maioria da população, formada pela

classe de trabalhadores urbanos e rurais, teve acesso a uma escola pública falida.

A abertura das políticas educacionais, reconhecendo epistemologicamente a

psicogênese da escrita, não foi o suficiente para diminuir as disparidades sociais e colocar a

parcela desprivilegiada da população na condição de leitores funcionais. Nesse sentido, educar

para formar sujeitos providos de habilidades que lhes possibilitem fazer uso dos conhecimentos

sistematizados e historicamente acumulados, torna-os cidadãos críticos capazes de

transformarem o meio no qual convivem e, além disso, instrumentaliza-os o suficiente para

buscarem uma melhor qualidade de vida para si, expressa em maiores condições de igualdade

e respeito entre os homens.

Nesse contexto, Kleiman e Oliveira (2008) apontam para a necessidade de se refletir

sobre “educar linguisticamente” com efeitos de aplicabilidade ao mundo, inclusive à realidade

tecnológica que está amplamente permeada pela escrita e pela leitura em função das diferentes

demandas sociais. As autoras definem letramento como um conjunto de práticas sociais

inferidas por eventos mediados pela escrita, quando os eventos se distribuem por diferentes

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contextos e suscitam adequações de linguagem pertinentes. Assim, as autoras atribuem aos

letramentos a denotação de múltiplos sentidos, colocando-os em situação plural de ação, isto

é, de letramentos múltiplos, e ainda se preocupam em mostrar que existem determinantes que

conduzem à dominância de uma prática de letramento sobre a outra, numa visão de educar para

a vida, pois

[...] a escola, a mais importante das agências de letramento, preocupa-se não

com o letramento, prática social, mas com apenas um tipo de prática de

letramento: a alfabetização, o processo de aquisição de códigos (alfabético, numérico), processo geralmente concebido em termos de uma competência

individual necessária para o sucesso e promoção na escola. Já outras agências

de letramento, como a família, a igreja, a rua, como lugar de trabalho, mostram orientação de letramento muito diferenciadas (KLEIMAN, 1995; p.

30).

Nesse sentido, é possível refletir sobre a função da escola, considerada o lugar de

aprendizagens e formação do sujeito (por meio de leitura e escrita), quando ela despende a

maior parte de seu tempo e sua energia com tarefas destinadas à promoção do aluno para a série

seguinte e aos exames de seleção. Exercícios de leitura e interpretação de texto, resolução de

algoritmos, memorizações de eventos históricos, guerras, conflitos, todo um contexto

conteudista em excesso direcionado ao acúmulo de conhecimento, sem compromisso com a

sua funcionalidade para a vida. Diante disso, cabe repensar as práticas escolares de ensino, que

se destinam ao armazenamento de conteúdo, dissociadas de função e fazer os seguintes

questionamentos: Para que o aluno escreve, para quem ele escreve? Como lidar com o exercício

da leitura na escola de maneira que os alunos se tornem leitores aptos a reconhecer os discursos

embutidos nos enunciados e seus múltiplos significados? Essas duas perguntas são tão básicas

e elementares que deveriam permear as intencionalidades das ações pedagógicas.

Para Buzato (2007), letramentos são práticas sociais as quais podem ser vistas como

plurais e situadas, isto é podem ocorrer em qualquer lugar da sociedade e de várias formas em

determinado contexto. As práticas de letramento combinam oralidade e escrita de formas

distintas, segundo a natureza do evento, e direcionadas a um destino, conforme suas intenções

e fins mais específicos. Na percepção do autor, os letramentos se validam pela forma de

inclusão do dominado pelo dominante, isto é, espelha os valores culturais (e linguísticos) dos

grupos sociais mais dominantes no contexto social em que são praticados.

É importante reforçar que os letramentos dominantes estão associados a organizações

formais, incluindo a própria escola. Nessa ambientação, preparar o aluno para o bom uso da

língua se reserva, na maioria dos casos, às tarefas orientadas ao uso da norma padrão

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(FARACO, 2008) com foco na memorização da gramática normativa como valor social de

sabedoria e completude da língua. Portanto, o empobrecimento didático se resguarda das

infinitas formas de utilização da língua, e o ensino se limita, principalmente, ao estudo da língua

em circunstâncias especificamente escolares e orientadas às situações formais. Por

conseguinte, a escola se exime dos aspectos plurais da cultura pertinentes aos letramentos

vernaculares, que podem enriquecer o uso funcional da língua e ampliá-lo às manifestações

diversificadas de linguagem ainda desconhecidas e não valorizadas em seu contexto.

Na visão de Oliveira (2010), voltada para uma compreensão mais sistemática da

multiplicidade das práticas de letramento, é possível concebê-la em três dimensões: 1)

diferentes contextos de atividade; 2) atividades particulares da vida cultural; e 3) diferentes

sistemas simbólicos. Nessa extensão, as práticas de letramento podem ocorrer em variados

contextos – casa, escola, igreja, rua, lojas, empresas, órgãos oficiais, bares, festas etc. – e, ao

mesmo tempo, atender a funções e propósitos diferentes, direcionados à competência

linguística do sujeito, a qual é a porta aberta às diferentes situações de interação no mundo

abrangente da comunicação verbal.

Nessa compreensão, as práticas de letramentos são favorecidas pelos gêneros do

discurso, reforçando a ideia de que o que se lê e como se lê são determinados pelo

momento/lugar/situação da enunciação, o que exige maior reflexão sobre o caráter responsivo

sobre o que se produz no uso da linguagem. Por exemplo, uma piada contada pelo professor,

na sala de aula, aos alunos não possui o mesmo caráter cômico que a piada contada aos amigos

na mesa do bar.

Considerando que o mundo é textualizado e que leitura e escrita estão em toda parte, o

que circula na rua ou em ambientes comunitários são modos de inscrição específicos (placas,

propagandas, faixas, outdoors, fachadas, blogs etc.) de grande força comunicativa e, por isso,

merecem a devida atenção para a sua significação como produto sócio-histórico. Consumir e

saber produzir gêneros variados destinados aos mais diversos contextos sociais, orais e escritos,

denotam acesso às práticas comunicativas e, principalmente, aos seus significados, e, assim,

pode-se identificar nos discursos suas tensões e as vozes sociais de poder.

Em consonância com as diversidades discursivas que envolvem as práticas humanas,

Rojo (2008) alega que a escola contemporânea precisa se perceber na atualidade e acolher as

várias práticas discursivas dos diversos campos de atuação dos cidadãos em sociedade.

Reforça, ainda, que focar o ensino da língua somente na gramática e na ortografia não abrange

o que se pretende como domínio das diferentes linguagens. Nessa perspectiva, os letramentos

são mediados por textos específicos que dependem não só da atividade praticada como também

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dos papéis que as pessoas exercem, quando a seleção do gênero a ser usado passa pela escolha

intencional do enunciador a fim de que ele chegue aos propósitos que quer atingir.

A discussão se torna clara na visão de Bakhtin (2000) ao afirmar que se fazer

compreender quando se fala ou se escreve requer mais do que colocar no papel letras ou emitir

o som em palavras. Transformar o enunciado em unidade de sentido entre os sujeitos demanda

o encontro das significações atribuídas entre os sujeitos presentes e ausentes, até mesmo entre

o dito e o não dito, nas formas socialmente estabelecidas, de forma coletiva, como apropriadas

para a enunciação.

Num primeiro passo em direção às práticas de letramento, importante vislumbrar que:

A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura

desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquela. Linguagem e

realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançado por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto

e o contexto (FREIRE, 1999; p.11).

Avesso ao termo letramento como uma alusão ao termo em inglês literacy, Paulo Freire

(1999) aponta para uma pedagogia de alfabetização funcional. Na perspectiva dos letramentos,

sua visão pode significar o letramento crítico, no esforço de evidenciar o sujeito, suas ideias,

sua história e sua cultura, tendo direito à voz permeada pela capacidade de criticar, reivindicar

e transformar. Nessa percepção, aprender a ler e a escrever com fluência requer o uso da

linguagem no contexto cultural do sujeito (crítico), na reconstrução e significação de sua

própria história, enquanto ser capaz de mudar as visões do outro (dominante), se posicionando

como ser de valor e se fazendo incluir na sociedade.

Na perspectiva de que o sujeito consegue protagonizar suas ideias e sua própria história

em direção às mudanças, tem-se em vista as atividades não tão escolares, as que se assemelham

mais à vida real. Em se tratando de sala de aula, as atividades de letramentos críticos podem

envolver participantes com diferentes saberes que se mobilizam, em determinada situação, a

favor de interesses e metas comuns e, portanto, os saberes circulam de modo cooperativo.

Em relação à cooperação, Baynham (1995) contempla as práticas de letramento que

ocorrem em qualquer segmento social como culturalmente aceitas pelos membros da

comunidade. O autor ressalta que a leitura e a escrita que se realizam por meio dos eventos de

letramento envolvem não só pessoas, ações e texto como questões em separado. Perpassam,

também, pelo significado construído coletivamente que os une a partir do que pensam sobre o

que fazem e o que criam. Isso reforça a importância de uma prática de linguagem em situação

de uso na qual se façam perceber os valores e as ideologias que atravessam as ações.

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Até o momento, compartilhamos a ideia de que os letramentos, seja em escola ou em

qualquer outro lugar, tornam-se um processo de aprendizagem dos usos social e histórico de

leitura e de escrita em vários contextos, incluindo formais e informais. Sendo para usos

utilitários, os letramentos comungam com a concepção de conjunto de práticas sociais

cooperativas.

No enfoque das práticas discursivas, os letramentos são construídos a partir dos

enunciados elaborados pelos sujeitos, conforme suas singularidades e objetivos comuns. Essa

fato vem reforçar a ideia de que atuar no campo dos letramentos não se restringe às habilidades

escolares de ler, escrever e falar. Letrar-se passa a ser visto, de forma emancipatória e

transformadora, como fazer-se escutar e tornar útil o discurso dos vários sujeitos, seja por meio

das vozes sociais dominantes seja por meio das pertencentes às minorias. Ao pensarmos em

vozes sociais e em minorias, passamos a entender melhor que letramentos não se referem ao

domínio de determinadas habilidades técnicas de decodificação, mas da aquisição de novos

modos de compreensão da realidade, do mundo, de si mesmo, de modo a se integrar a eles.

Para somar às visões de letramento, leitura e escrita que ultrapassam a ideia de código

escrito, Bazerman (2004, p. 23) complementa que, “numa sala de aula, o trabalho de um

professor frequentemente serve para definir gêneros e atividades, e, fazendo isso, criar

oportunidades e expectativas de aprendizagem”. Para o autor, a sistematização do trabalho com

linguagem direcionada à noção de gêneros assume um caráter pragmático e sociocognitivo, de

forma dinâmica e interativa, que promove sentido construído por meio do compartilhamento.

Além disso, Oliveira (2010) sugere a linha de projetos direcionada a estudos que

envolvam assuntos de interesse dos alunos ou até mesmo à criação de eventos, situações

inusitadas que extrapolam as disciplinas e seus tarefismos. Destaca-se a promoção de um

evento organizado pelos alunos em forma de projeto, envolvendo vários gêneros discursivos.

Ao se organizar uma festa de alunos, por exemplo, é preciso planejar, determinar, combinar,

criar o convite, fazer uma lista de providências, enviar comunicados, fazer solicitações,

divulgar etc. Para que isso venha a acontecer, é preciso confeccionar cartazes, postar no blog,

enviar para o site, colocar no Twitter11. As necessidades geram enunciados (orais e escritos)

em torno do evento, entretanto, para cada uma das providências, cria-se um tipo específico de

gênero. Apesar de o discurso ser único referente à produção de uma festa, o enunciado que se

adequa ao cartaz não será o mesmo (exatamente) ao que será postado no Twitter.

11 Twitter é uma rede social que permite aos usuários enviar e receber atualizações pessoais de outros

contatos, em textos de até 140 caracteres. Os textos são conhecidos como tweets, e podem ser enviados por meio

do website do serviço, por SMS, por celulares etc.

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Na visão dos multiletramentos, Rojo (2012) aponta para o gênero em seu aspecto

híbrido, destacando a necessidade de a escola se abrir para outras visões de ensino da língua

materna que ampliem concepções de leitura e escrita, acompanhando o desenvolvimento das

tecnologias e as aberturas da globalização. A autora preza pelas práticas que acentuam o uso

aleatório da linguagem, considerando os inúmeros recursos promovidos pela chegada das

novas tecnologias e as mudanças geradas pela criação da internet.

Assim, os letramentos múltiplos se diferenciam dos multiletramentos quando o

primeiro se refere à multiplicidade e variedade das práticas letradas, e o segundo caso, o dos

multiletramentos, vem abarcar o que identificamos como diversidades sociais da

contemporaneidade, destacando-se, em princípio, a sociedade urbana. Rojo (2012) explicita

que a proposta de mutiletramentos, criada pelo Grupo de Nova Londres (GNL, 1996), defende

as novas práticas que envolvem múltiplas linguagens e mídias presentes na atualidade e,

concomitantemente, abrem espaço à mestiçagem cultural constituinte da produção de leitura e

escrita e de seus inúmeros enunciados.

O que hoje vemos à nossa volta são produções culturais letradas em efetiva

circulação social, como um conjunto de textos híbridos de diferentes

letramentos (vernaculares e dominantes), de diferentes campos (ditos

“popular/de massa/erudito”), desde sempre, híbridos, caracterizados por um processo de escolha pessoal e política e de hibridização de produções de

diferentes “coleções” (ROJO, 2007; p.13).

Rojo (2007) utiliza a ideia de hibridização para sinalizar o enfraquecimento das posturas

dicotômicas entre culto e inculto, erudito e popular, canônico e de massa, tão presentes no

ambiente escolar. Para a autora, vivemos “em sociedade de híbridos impuros, fronteiriços” (op.

cit, p.14) e para lidar com essa nova concepção, é preciso adotar posicionamentos éticos e

estéticos mais democratizantes, que não se afunilem na autoria patrimonial do que é criado e

se dissolva por entre as ondas da navegação na web.

É possível vislumbrar que o processo histórico de hibridização situa-se no surgimento

das intersemioses, que envolvem a mistura dos recursos midiáticos, os quais tiveram início nas

vanguardas estéticas do começo do século XX, e que se manifestam intensamente nos dias

atuais, principalmente através das artes plásticas. No que diz respeito às mídias digitais imersas

na interatividade, o conceito de hibridização celebra a capacidade de gerar múltiplos sentidos,

voláteis e dialógicos, que envolvem participação ativa de qualquer usuário. A convergência

entre as mídias promove a conexão, sem precedentes, da imagem com áudio, vídeo, gráficos,

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texto, animação etc., quando a “hibridização já está incorporada na essência da própria

linguagem hipermidiática” (SANTAELLA, 2010; p 147).

Numa percepção mais atualizada de leitura e escrita, alteram-se o foco e a dinamicidade

da ética, agora, centrada na recepção e na produção. Alunos se tornam produtores de sentido

como autores/responsáveis (explícitos ou não) por aquilo que escolhem, copiam, produzem e

veiculam. Sob o mesmo ponto de vista, a produção, embasada nos letramentos críticos e nos

conceitos de culturas múltiplas, configuram-se em uma estética mais democrática, em que os

velhos conceitos de feio e belo, tão dominantes, se desconstroem, não se definindo mais pelo

cânone, mas, sim, pelo que se curte. Cabe entender que, por ora, o gosto não só se discute,

também se aprende.

A possibilidade híbrida da criação não é um fato novo, afinal, antes mesmo da

existência do computador, a fotografia já promovia essa condição. A hibridização da qual se

fala é aquela em que as mídias digitais permitem que qualquer tipo de dado, em qualquer

formato digital, seja manipulado e traduzido para uma mesma linguagem. Sendo assim, cada

sujeito pode se tornar um produtor, o que trouxe reflexos significativos para os

comportamentos sociais, transpondo a concorrência de uma sociedade piramidal para uma

sociedade reticular de integração em tempo real, o que veio inaugurar aquilo que é chamado

de terceira era midiática ou de cibercultura (SANTAELLA, 2010; p.82).

Para Canclini (2005), o conceito de hibridização passou a ser usado para descrever

inúmeras situações de relação cultural, levando-se em conta os processos e alcances

internéticos que possibilitam o cruzamento de fronteiras, a descolonização e a globalização,

promovendo as fusões artísticas, literárias e linguísticas. Diante desse emaranhado de processos

socioculturais provocados pela globalização, o autor levanta hipóteses acerca das

multiculturalidades e defende que o acesso a uma maior variedade de bens democratizou a

capacidade de combinar e de criar. Apesar da hibridização servir para acomodar

democraticamente as divergências culturais, a fusão nem sempre é acolhida em toda esfera das

realizações humanas, fazendo reconhecer que existem restrições e que por mais que existam

fronteiras mais flexíveis, a fusão não acontece a qualquer preço.

Nesse ensejo, Rojo (2012) entende que é função da escola reconhecer que a

virtualidade, tão presente em nossas vidas, não envolve somente o entretenimento. Assumir as

práticas que envolvem os multiletramentos significa enviesar-se pelas possibilidades virtuais

por meio das diferentes linguagens e mídias, procurando o caminho que integre as diversidades

culturais sem extrapolar os limites. Aberta à concepção híbrida dos enunciados, a escola pode

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favorecer a construção social de novos significados e permitir aos alunos que se tornem

protagonistas mais conscientes do meio em que vivem, fora e dentro da escola.

A possibilidade de criação de textos, vídeos, músicas, ferramentas, designs

não unidirecionais, controlados e autorais, mas colaborativos e interativos

dilui (e no limite fratura e transgride) a própria ideia de propriedade das

ideias: posso passar a me apropriar do que é visto com “fatrimônio” da humanidade e não mais como um “patrimônio”. Evidentemente, a estrutura

em rede e o formato/funcionamento hipertextual e hipermidiático facilitam a

as apropriações e remissões e funcionam (nos remixes, nos mashups), por meio da produção, cada vez mais intensa, de híbridos polifônicos. E claro:

para permitir a colaboração, a interação e a apropriação dos ditos “bens

imateriais” da cultura, o ideal é que tudo funcione nas nuvens, pois nas

nuvens, nada é de ninguém – tudo é nosso. Esta é a lógica do GoogleDocs, do Prezi, do Youtube, dentre outros. E onde estão as nuvens? (ROJO, 2012;

p. 25).

A contemporaneidade, imersa nas inovações tecnológicas e mercadológicas, interferem

nos letramentos, e os instrumentos semióticos, advindos das atuais relações sociais,

influenciam o modo das pessoas interagirem, em seus valores e comportamentos. Nessa

empreitada, a escola se vê pressionada pelas novas práticas sociais, quando as práticas docentes

resistem e não enxergam o aluno no convívio e na interação, pois é assim que se vive hoje.

A convivência dos alunos com a linguagem virtual impulsiona a escola e, mais

especificamente, as transformações com a disciplina da língua portuguesa. Isso se mostra

através da necessidade de se desenvolver e aprimorar capacidades de linguagem com diferentes

semioses (som, imagem estática e em movimento, cores, efeitos computacionais etc.), ampliar

as possibilidades de se trabalhar com a diversidade dos gêneros discursivos em rede, ora

centrado em sala de aula, ora linkados em rede, tudo isso em consonância com as diferentes

culturas e ideologias formadoras das práticas de linguagem.

1.6 O BLOG EM SUA FLUIDEZ

Com o propósito de situar o blog a ser pesquisado no âmbito sócio-histórico, cabe fazer

referências ao surgimento dos weblogs no contexto das novas tecnologias. Segundo a

enciclopédia colaborativa e virtual Wikipédia, o termo web significa teia e é utilizado para

designar mais um ambiente de internet entre tantos já existentes, e log significa registro, diário

de bordo.

Batizado por Jonh Barger, em 1997, de weblog, o blog, forma abreviada, foi logo

considerado como diário de navegação. Os primeiros blogs eram constituídos de sites que

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arquivavam links organizados de modo a fazer aparecer na tela, primeiramente, as informações

mais recentes (CAIADO, 2007). Essa organização temporal se preserva até os dias atuais,

situando as postagens numa contínua linha do tempo.

A configuração mais atualizada dos blogs apareceu em 1999, na empresa de Evan

Williams, como um software12 que oferecia uma alternativa popular de textos on-line,

promovendo a facilidade de edição em rede. Assim, o blog foi logo habilitado como ferramenta

de auto-expressão; um software que permite ao usuário, leigo em computação, criar uma página

que pode ser constantemente atualizada, sem ajuda de terceiros (KOMESU, 2010).

Atualmente, a estrutura virtual de um blog permite aos usuários publicar ou postar

conteúdos na rede e, de maneira anacrônica, esperar por comentários de outros usuários. O

aparelho de entrada e saída de informações utilizado (computador, notebook, celular, tablet

etc), deve ser idealizado como um nó que interliga os vários componentes do ciberespaço.

O blog pode ser percebido como um espaço de “integração de recursos semiológicos”

(MARCUSCHI, 2010. p.39) na proporção em que é possível inserir imagem, emoticons13,

vídeos, áudio e linguagem escrita. Entretanto, visto como objeto de linguagem, isto é, de

interação verbal, o blog suscita uma reflexão acerca de sua caracterização, pois observa-se sua

popularização e sua maleabilidade a serviço de diferentes fins. O autor define que

weblogs (blogs, diários virtuais) - são diários pessoais na rede; uma escrita

autobiográfica com observações diárias ou não, agendas, anotações, em geral

muito praticados pelos adolescentes na forma de diários participativos. (Marcuschi, 2010; p.35).

Ancorado nessa visão de blog voltado a um público tão específico e demarcado pelo

diário pessoal, Marcuschi (op.cit) reforça alguns aspectos que emergem ao seu olhar. Para o

autor, os blogs apresentam uma aproximação com a oralidade, certo grau de informalidade com

uma escrita idiossincrática e icônica. Nesse sentido, essa proposta de definir o blog foge a um

olhar mais amplo sobre a blogosfera com sua diversidade de blogs presentes e atuantes na

cibercultura.

Segundo Dantas (2006), é possível encontrar que os blogs surgiram para se estabelecer

como “gêneros da esfera virtual/digital”, a partir da concepção inicial de blog como gênero

primário diário íntimo. Entretanto, o autor explica que, com o passar do tempo, os blogs foram

12 Um programa de computador é composto por uma sequência de instruções, que é interpretada e

executada por um processador ou por uma máquina virtual. Em um programa correto e funcional, essa sequência

segue padrões específicos que resultam em um comportamento desejado. 13 Emoticons – ícones indicadores de emoção (MARCUSCHI, 2010, p. 36).

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se tornando mais complexos, sendo possível contestar a definição inicial de blog como gênero

do discurso com intenções tão ingênuas. O autor procura tomar outra direção trazendo

recomendações acerca da visão do blog como suporte, visto como um continuum, que vai desde

os gêneros discursivos primários até os suportes de caráter mais complexo. Como parâmetro,

ele acorda para um posicionamento de que a homepage não seja mais considerada um gênero,

mas um sítio onde os diversos gêneros se realizam. Na tentativa de definir o que é o suporte,

ele se alia aos estudos bakhtinianos, mas não se aprofunda, conceituando o blog como extensão

de uma superfície física ou virtual em formato específico, que suporta, fixa e mostra um texto,

e abrindo mão do que sustenta o blog como manifestação cultural sócio-histórica.

Nas coordenadas do debate, ainda em aberto, Marcuschi (2010) se reposiciona em uma

nova visão. Ele argumenta que o blog como instrumento de linguagem no contexto virtual

possibilita o enquadramento dos gêneros, podendo ser visto como um espaço onde eles se

alojam. Mas, para além de sua estrutura aparente, o autor comenta que é possível observar que

o blog em si, como um todo, possui um alto grau de interatividade e uma influência direta

advinda da relação entre fala e escrita, o que aponta para um redirecionamento das definições

que envolvem o blog como forma que se apropria da interação verbal, e vice-versa, voltada ao

gênero.

Mesmo que as postagens de um blog (qualquer) possam ter um caráter formal, os

comentários que se seguem e se unem à postagem infringem o protocolo. Eles trazem, em sua

composição, uma linguagem mais descontraída, permeada pela oralidade, sem compromisso

de manter um estilo único e com marcas mais pronunciadas de subjetividade. Nesse sentido, o

blog não pode ser visto somente na sua exterioridade ou como um agrupamento de textos

sucessivos. É preciso entendê-lo em sua composição maior, como um objeto de linguagem que

promove, à sua maneira, a interação verbal de modo dinâmico e monitorado.

Visto a partir de suas peculiaridades, o blog se mostra mais aberto à transgressão,

criando outras situações de sentido que sugestionam o levantamento de parâmetros que possam

posicionar o blog frente a um comportamento mais estável e nos permita identificá-lo como

objeto de linguagem efetivo e não apenas como objeto de enquadramento, suporte, sítio ou

moldura.

Marcuschi (2010) destaca a abertura do blog a participantes e o modo de comunicação

assíncrona como fator inicial, embora que ainda incipiente, para se relacionar uma estrutura

específica voltada para a interação verbal. O autor recorre aos estudos bakhtinianos, trazendo

alguns parâmetros que se afinam à teoria e inserem o blog na discussão sobre gênero,

evidenciando as novidades que o campo virtual suscita. No contexto da cultura digital, o autor

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observa vários aspectos que influenciam o modo de potencializar a interação, envolvendo três

aspectos pertinentes ao gênero – o composicional, o tema e o estilo, contudo o blog ainda não

se define seguramente como gênero, porém se aproxima bastante.

Com base na Tabela 1, Parâmetros para identificação dos gêneros no meio virtual

(MARCUSCHI, 2010, p.41), evidenciam-se fatores técnicos e socioculturais de semelhança e

diferenciação entre os Gêneros em ambientes virtuais. Porém, visto que o foco desta pesquisa

está no blog como produtor de sentidos, cabe destacar somente o que lhe é pertinente e reavaliar

o posicionamento de Marcuschi sob o olhar da pesquisadora. Assim foram adicionadas à tabela

original mais duas colunas (de cor cinza) à direita, uma de reavaliação e outra com observações,

configurando-se da seguinte forma:

Tabela 1: Parâmetros para identificação do gênero no meio virtual.

Marchuschi (2010, p. 41)

Visão atualizada do blog

com foco no Ieceblog.

Dimensão Aspecto Traços Reavaliação Observação

Relação temporal

Síncrona - -

Assíncrona + +

Duração

Indefinida + + O exemplo do blog

pesquisado.

Rápida - + Há uma infinidade de

blogs abandonados.

Limitada - +

Segundo a intenção, o

tempo pode ser

delimitado.

Extensão do texto

Indefinida 0 - Depende da intensão do

blogueiro

Longa 0 -

Curta - + Na maioria, os textos

parecem curtos.

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Formato textual

Turnos

encadeados - +

Os comentários aparecem

encadeados uns após os

outros de forma

assincrônica. Pode haver

fuga do tema, em que o

comentário não

corresponda ao assunto da

postagem.

Texto corrido + -

Mais característico nas

postagens. As postagens

aparecem como

apresentação do tema

aberto ao debate ou

comentário.

Sequências

soltas - -

Estrutura fixa - -

Participantes

Dois - -

Múltiplos + +

Caracterizado pela

presença de comentários e

visualizadores.

Grupo fechado - + ou - Ex: blogues pedagógicos

(ROJO, 2012)

Relação dos

Participantes

Conhecidos * + ou - Menos comum, depende

da intensão do blogueiro

Anônimos - +

Há a presença de

identidade fake14 e

anônima.

14 Do inglês: falso.

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Hierarquizados - -

Na relação

professor/aluno há

hierarquia, embora o blog

ofereça um campo mais

democrático para o

diálogo. A hierarquia está

presente no valor

axiológico do enunciado.

O blogueiro tem o poder

de moderar o comentário,

aceitá-lo ou não.

Troca de falantes

Alternada 0 0 Raro, mas possível

Inexistente - + Oferece postagem sem

comentários

Função

Interpessoal + + Promove abertura

interacional entre sujeitos.

Lúdica + +

Passa pela

intencionalidade do

blogueiro.

Institucional - + Refere-se à esfera de

produção.

Educacional - +

Refere-se aos propósitos

pessoais e à esfera de

produção. Ex: blog

didático.

Tema

Livre + + Ex: blog literário, de

receitas, jornalístico etc.

Combinado - -

Depende do locutor:

esfera ou sujeito

enunciativo

Inexistente - + Sempre há um tema

(explícito ou implícito)

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Estilo

Monitorado - - Cada locutor com o seu

modo de enunciar

Informal + + A presença de uma

linguagem híbrida é forte.

Fragmentário 0 + ou -

Permite enunciados sem

nexo e postagens

diversificadas sem

compromisso com o

estilo. Assim, pode ser

formal na postagem e

informal nos comentários.

Canal / semioses

Só texto escrito - -

Difícil de encontrar. A

importação de imagem se

torna de fácil manipulação

e faz parte da significação.

Oral e escrito + +

O radioblog pode conter

esta característica, o que

se torna relevante.

Texto e imagem + +

O texto está aberto à

imagem assim como a

imagem suscita o texto,

numa relação de

completude.

com

paralinguagem + +

Não há clareza sobre uso

do termo (paralinguagem)

utilizado – há espaço para

signos não linguísticos –

emoticons.

Recuperação de

mensagens Por gravações + ?

Desconhecido pela

pesquisadora

Fonte: Marchuschi (2010, p. 41).

Legenda 1: Sinais para marcação dos traços: + = presença; - = ausência; 0 = irrelevância do traço para

definição do gênero; ? = indefinição quanto a presença e relevância.

*No caso dos blogs, pode haver uma assimetria, pois todos os que interagem com o(a) bloguista sabem

quem ele(a) é, mas não o contrário, pois pode haver anonimato de quem entre em contato com ele(a).

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57

Nesse comparativo, entre as diferentes percepções sobre o blog, entram alguns fatores

pertinentes ao blog escolar pesquisado e outros em suas distintas formas de se apresentar na

blogosfera. Conforme exposto anteriormente, os parâmetros de identificação elencados por

Marcuschi (2010) nem sempre se enquadraram a toda variedade de blog que circula no meio

virtual, principalmente no fator referente aos participantes, na função educacional e na

determinação de um tema. Ao contrário do que se encontra na obra, é possível encontrar blogs

temáticos com função educativa e aqueles que têm como proposta se estabelecer de forma

fechada mediante uma moderação controlada. Portanto, fica a pergunta: Seriam os aspectos

elencados na tabela acima suficientes para definir a estrutura composicional de blog? Será que

os aspectos se ajustam a todo tipo de blog ou fogem ao controle da criatividade?

Na tentativa de aprofundar a visão sobre a estrutura do blog, cabe entender que algumas

características não se definem por completo, como no caso de blog aberto ao público ou

fechado, e assim como surgem e se renovam os gêneros, a cada momento pode surgir um tipo

de blog ainda não pensado, que tornará a classificação da tabela exposta sujeita a alterações em

consideração às novas práticas sociais que entrarão em voga.

Também flutuante em seu posicionamento acerca do gênero, Komesu (2010)

compreende o blog como um espaço em que seu realizador pode expressar-se na sua atividade

escrita da forma como ele quiser, com escolha de imagens e sons que compõem o texto

veiculado à internet. Logo após, a autora denomina o Blogger15 de “ferramenta de auto

expressão” (KOMESU, 2010; p.138) ou software, e o blog, em si, como espaço em que o

escrevente se expressa. Ela considera os blogs diferentes dos diários pessoais por sua

materialidade distinta, que advém de gêneros discursivos diferentes, e sua aproximação ao

diário se justifica pela imagem estereotipada, pois quem escreve sobre si, inscreve-se na prática

diarista. Portanto, para ela, pode se identificar traços do gênero diário na constituição do blog,

mas não defini-lo como tal.

De acordo com Araújo (2007), temos o blog ou diário pessoal como constructo sócio-

histórico característico do ciberespaço, uma nova sociabilidade de interação verbal, com teias

comunicativas e aprendizagem cooperativa. O blog é definido como gênero, trazendo mais uma

possibilidade de articulação entre as linguagens oral e escrita, numa relação que produz sentido

e fortalece as trocas dialógicas-axiológicas dos enunciados entre os sujeitos. Nessa relação

15 Blogger, uma palavra criada pela Pyra Labs, é um serviço do Google, que oferece ferramentas para edição e

gerenciamento de blogs, de forma semelhantemente ao WordPress, mas indicado para usuários que nunca tenham

criado um blog, ou que não tenham muito familiaridade com a tecnologia. (Disponível em:

<http://pt.wikipedia.org/wiki/Blogger>).

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entre gênero e blog, não há dúvidas que os estudos bakhtinianos favorecem a compreensão de

como as diferentes manifestações de linguagem se comportam, dessa forma aprofundam os

olhares sobre o blog.

Portanto, recorrer à teoria, faz lembrar que falar sobre gênero do discurso remete ao

vínculo orgânico existente entre a utilização da linguagem e a atividade humana em todas as

esferas. Entretanto, a própria caracterização também deixa espaço para a imprecisão,

dificultando a caracterização do blog como suporte, gênero, recurso, ferramenta, manifestação

de linguagem ou software. O que se percebe é um pouco de cada um dos termos utilizados por

diferentes autores, que com seus diferentes propósitos denominam o blog segundo a sua

necessidade referente ao que querem focar.

Com o intuito de compreender o blog, Souza (2007) considera que alguns gêneros

foram criados especialmente para se inserir no meio virtual, outros foram transmutados e

outros, ainda, mesclados. Não fica clara a diferença entre as três ocorrências, mas o que se

torna importante notar é que o gênero no meio real não será o mesmo se estiver conectado em

rede. Nesse momento histórico de transferência do papel à tela, o que é carta vira e-mail, o que

é conversa vira chat, o que é consulta vira hipertexto, o que é anúncio se infiltra como pop-up,

o que é revista ou jornal se transforma em gênero de mesmo nome acompanhado de sobrenome,

virtual ou digital. Portanto parece que a proposta de gênero precisa se estender para algo ainda

não nomeado e nem definido, o que não impede que as criações humanas continuem surgindo

e operando sobre o homem.

Diante de possíveis confusões, Marcuschi (2010) adverte não querer tratar como gênero

a home page, o hipertexto, o ambiente correio eletrônico, os fóruns de discussão, ambiente mud

e os ambientes de áudio e vídeo. Além disso, ressalta que os gêneros aparecem dentro de

ambientes com suas culturas específicas, sendo que alguns ambientes são de fácil manipulação

e outros não. De qualquer maneira, o autor aponta para instabilidade na hora de se definir o

blog como gênero, cautela necessária diante do avanço vertiginoso da tecnologia virtual, pois

quando o assunto é gênero virtual é possível validar ou invalidar com grande rapidez as ideias

expostas.

Mesmo com todas as definições apresentadas, que delineiam o blog e levam a

aproximá-lo ao conceito de gênero discursivo, aparece a dúvida que sugere perguntar: Caberia

ao blog ser considerado realmente como um gênero do discurso? Qual seria o paradigma

adotado para a definição de um blog como gênero? Por que o jornal ou revista podem ser

considerados gêneros quando englobam diferentes gêneros em sua composição?

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Tais questionamentos vêm reforçar a ideia bakhtiniana de que os gêneros não são

necessariamente categorizáveis. Mesmo sem determinar exatamente a que moldes e gêneros as

postagens poderiam ser classificadas, de forma intuitiva os usuários iniciaram um blog com o

propósito de ser lido e comentado. Conforme Komesu (2010) confirma, o trabalho do

escrevente está pautado na expectativa de como trazer visibilidade ao blog de modo que ele

seja acessado por outros usuários.

O foco sobre o gênero está em suas funções comunicativas, muito mais do que pelas

suas estruturas linguísticas. Portanto, o gênero com as singularidades que o blog no meio virtual

favorece é visto como uma prática sociodiscursiva e, assim como aparece, também pode

desaparecer. É o que, na visão bakhtiniana, é chamado de transmutação dos gêneros, na

assimilação de um gênero por outro gerando novos. Há uma maior plasticidade, e os novos

textos se nutrem por meio dos antigos, agora em outro quadro funcional, quando os textos se

tornam mais enfáticos em relação a seus objetivos.

A complexa renovação dos gêneros discursivos que ocorre da dimensão não virtual para

a virtual não concebe os gêneros secundários constituídos apenas de um primário pré-existente,

mas que podem ser formados de vários outros que os compõem como uma “constelação de

gêneros” (ARAÚJO, 2007; p. 114). Na visão constelar do gênero, a linguagem que se manifesta

no blog tem alcance rápido e global, ocupa um espaço privilegiado na era da comunicação,

quando se torna possível interagir com diferentes pessoas e em diversos locais frente à tela de

um computador. Portanto, não se pode perder de vista que, no blog, a escrita e a leitura recebem

uma nova roupagem em forma de textos multimodais, multiculturais e de hipertexto, numa

versão amplificada de recursos como parte indissociável da comunicação verbal.

Referente à leitura virtual nos blogs, Xavier (2010) realimenta o debate como um

processo de coprodução de sentidos por meio de textos e hipertextos. O autor define o

hipertexto como uma linguagem híbrida, dinâmica, flexível que dialoga com outras interfaces

semióticas, adiciona e acondiciona à sua superfície formas novas e antigas de textualidade. O

hipertexto tende a mediar as relações dos sujeitos na sociedade da informação, como uma aldeia

global. A inovação no hipertexto está na possibilidade de transformar a deslinearização, a

ausência de um foco dominante de leitura, em princípio básico de sua construção.

Em suma, os blogs abrem mais uma possibilidade de articulação entre as linguagens

oral e escrita, fortalecem as trocas dialógicas entre os sujeitos, promovem um novo modo de

se lidar com a escrita, inovam e mesclam antigos gêneros, transgridem com as normas trazendo

outras formas e, consequentemente, outros significados. Por fim, democratizam a força de

expressão, reduzindo as barreiras para que os usuários se tornem escritores e leitores mais

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hábeis nos recursos disponíveis e mais atentos aos discursos que se manifestam. Como

constructo de sentidos de linguagem, o blog motiva a interação do visitante no ambiente virtual

– a condição para opinar e questionar em relação ao que foi postado – e também de interagir

com outros coautores em qualquer lugar do mundo – o que realmente se torna importante para

esta pesquisa.

Em sua propriedade dialogal e pluralista, o blog, nesta dissertação, não será definido

como um gênero do discurso digital, mas será compreendido como um todo orgânico e como

unidade de interação verbal. Sendo assim, não haverá uma preocupação específica, durante a

análise, em se definir gêneros, nem em se deter, com profundidade, numa demarcação sobre a

sua origem, embora que seja importante lembrar que, na relação entre linguagem e práticas

sociais, o gênero tenha papel fundamental (DOLZ e SCHEUWLY, 2011). O hipertexto também

não será enfatizado, pois, apesar dos encontros recorrentes dos alunos com o hipertexto no

momento de leitura e pesquisa, o recurso não foi muito explorado durante a criação das

postagens. Todavia, considera-se que não trazer tais questões para análise de forma

aprofundada não será impedimento para entender o blog como objeto de linguagem repleto de

significados e valores, que é objetivo deste trabalho.

Após expostos os limites conceituais e teóricos deste trabalho, segue o momento de

abrir a discussão para os aspectos metodológicos considerando a pesquisa inserida no campo

da Linguística Aplicada enquanto área de conhecimento de referência.

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Capítulo 2: METODOLOGIA DE PESQUISA

Estudar linguagem como lugar de produção de conhecimentos, segundo Oliveira

(2007), está para além do trânsito nas Ciências Sociais e Humanas, e, nesse enfoque o estudo,

evoca uma filosofia de linguagem que favoreça a compreensão e a interpretação das práticas

do discurso que permeiam e se realizam na sociedade contemporânea. Em se tratando de um

estudo no campo da filosofia da linguagem entendida como interação social, a autora enfatiza

o olhar voltado para a alteridade como representação do sujeito incompleto e diverso que se

constitui somente a partir do outro. Nesse sentido, a interação entre os sujeitos é compreendida

pelo seu aspecto axiológico, seja através dos encontros entre as semelhanças seja através dos

embates entre as diferenças. Desse modo, a pesquisadora aberta à diversidade vislumbra a

interação, avesso ao que possa transparecer homogêneo, linear e categórico.

Conforme Amorim (2002), a teoria das vozes nas Ciências Humanas se torna uma

preocupação epistemológica de cunho ético e político. Quando exposta para compor a análise,

a teoria vem orientar a leitura crítica das postagens na tentativa de identificar os limites, os

entraves, a riqueza do pensamento e dos saberes encontrados e os posicionamentos axiológicos

inerentes ao objeto pesquisado. Além disso, a teoria subsidia a pesquisadora/autora em busca

de uma verdade provisória, ancorada num acontecimento não repetível.

Com a expectativa de conhecer e explorar o mundo através da linguagem na visão

bakhtiniana, é preciso reconhecer, humildemente, que não existe o limite delineado à verdade

como formulação de conhecimento – nem pela primeira palavra nem pela última. Considera-

se o contexto dialógico dos enunciados aberto ao passado assim como ao futuro, de maneira

ilimitada. Portanto, atende-se a um saber aberto a outras pesquisas e saberes que se

complementam numa troca contínua e interminável do conhecimento.

Ao se estudar linguagem, Faraco (2009) deixa claro que é preciso tomá-la como

atividade e não como estrutura, quando a ênfase da investigação se estabelece nos processos

verbointeracionistas. Além disso, na concepção bakhtiniana de linguagem, não há pretensões

classificatórias, deterministas nem dicotômicas. Mesmo que a análise desta investigação venha

recorrer às observações de cunho linguístico, pautando-se, por algum momento, em fatores de

ordem estruturais, ela não pretende perder de vista a abrangência das solicitações de linguagem,

prioritariamente, tidas como interação. Consequentemente, o foco deve centrar-se nos sentidos

que emergem da linguagem dialógica em função do um meio digital pouco explorado na

pesquisa, podendo oferecer inovações, adequações e ressignificações.

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Mediante esse quadro, o grande desafio está na complexidade em se captar a interação

decorrente do que se torna peculiar ao trabalho desenvolvido no ambiente virtual, na

expectativa de encontrar o que seja inusitado e criativo. Entretanto, Faraco (2009) sugere não

se deter somente ao que é local. Para o autor, torna-se importante tratar do que é heterogêneo

na relação condicionante às práticas culturais como eventos interacionais. Além disso,

subsidiado pelos estudos bakhtinianos, entende-se que a interpelação dos sujeitos ativos não se

processa, somente, pelo viés da cultura local ou global, ela se dá tanto pelas estruturas do

inconsciente quanto pelos construtos sócio-histórico-axiológicos que se adequam ao discurso,

para o que pode ou não ser dito.

Em se tratando de Ciências Humanas, centrada nos estudos da Linguística Aplicada, a

investigação vem lidar com a área da metalinguagem na relação com as diversas áreas do

conhecimento, de portas abertas para o mundo. Nesse sentido, trata-se de um mundo amplo e

diversificado do qual os sujeitos participam e o realizam – “o mundo dos acontecimentos”

(BAKHTIN, 2000; p.404). Fala-se, mais especificamente, do mundo dos homens em diálogo,

no entendimento dialógico através do uso das palavras e dos elementos semióticos que se aliam

na enunciação.

Nessa abordagem, os estudos bakhtinianos, em uma relação direta com a análise desta

pesquisa, subsidiam a análise dialógica do discurso – ADD –, considerando as particularidades

discursivas que sinalizam os contextos mais amplos dos textos a serem apresentados. Assim,

estende-se ao extralinguístico que se implica no linguístico. Em decorrência desse foco, o

trabalho metodológico, analítico e interpretativo ocorre por meio do legado, deixado pela

linguística, de

[...] esmiuçar campos semânticos, descrever e analisar micro e ma-

croorganizações sintáticas, reconhecer, recuperar e interpretar marcas e

articulações enunciativas que caracterizam o(s) discurso(s) e indicam sua heterogeneidade constitutiva, assim como a dos sujeitos aí instalados. E mais

ainda: ultrapassando a necessária análise dessa ‘materialidade lingüística’,

reconhecer o gênero a que pertencem os textos e os gêneros que nele se

articulam, descobrir a tradição das atividades em que esses discursos se inserem e, a partir desse diálogo com o objeto de análise, chegar ao inusitado

de sua forma de ser discursivamente, à sua maneira de participar ativamente

de esferas de produção, circulação e recepção, encontrando sua identidade nas relações dialógicas estabelecidas com outros discursos, com outros sujeitos.

(BRAIT, 2006; p. 13)

A partir da concepção teórica e analítica sugerida pelos trabalhos do Círculo de Bakhtin,

é necessário ainda considerar o sujeito. Na abordagem dialógica, como já visto na

fundamentação teórica, o sujeito é, sempre, composto do “outro”. Entretanto, como afirma

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Brait (2006, p. 21), “Postular a existência de uma teoria/análise do discurso” em Bakhtin

“exige, por assim dizer, uma reconstituição do percurso desse pensamento”, o que tem sido

tarefa de diversos estudiosos que se propõem a refletir e compreender a formação e a

consolidação de uma Análise Dialógica do Discurso.

Assim, aberta à abrangência dos acontecimentos humanos que se materializam por meio

da linguagem, a pesquisa interpretativista se propõem a produzir conhecimento no campo da

Linguística Aplicada, o que, na compreensão opaca dos sentidos, nem sempre oferece clareza

ao que se percebe (ARCHANJO, 2008). Vale reconhecer que o objeto de estudo, o corpus

escolhido, é plural em seus sentidos e que, para significá-los, serão necessárias mais do que as

regras estáticas e preexistentes em uma única disciplina de estudo. É preciso ousar e percorrer

um campo de estudo aberto ao domínio do outro, no qual se reconheça a complexidade do

objeto assujeitado às forças (sociais, subjetivas, políticas, históricas, econômicas etc.) que o

atravessam e interferem nas diferentes interpretações que irão surgir subjugadas ao olhar da

pesquisadora.

Compreende-se que, na relação da alteridade, “‘dois’ não significa, nunca, ‘iguais’”

(ARCHANJO, 2008; p.165). Cada sujeito ocupa uma única posição nos diferentes contextos,

reforçando a ideia de que os discursos sempre (cada um) são singulares; pois prenhes de

significados, carregam posições avaliativas resultantes do acontecimento dialógico, ou melhor,

dos confrontos de sentido que emergem dos sujeitos enunciativos em forma de vozes

carregadas de valores.

Por esse viéis, a investigação no paradigma qualitativo interpretativista deve ser

compreendida como um ato sígnico, no qual será possível o aprofundamento direcionado à

construção de sentidos que será resgatada pela interpretação interativa-dialógica, composta

pela participação responsiva do “pesquisador e dos participantes a fim de refletir, aprender e

ressiginificar-se no processo de pesquisa” (SOUZA, 2003; p.29). Nessa direção, considerou-se

o blog para o uso escolar como objeto, ainda, pouco explorado, principalmente quando se trata

de um blog dessa categoria, sem vínculo disciplinar ou curricular determinado.

A princípio detectou-se que, nesse blog em específico, os alunos e a comunidade escolar

interagem com maior liberdade de escolha para ler, pesquisar, colar, escrever, criticar, renovar

e criar, usando, para além da fala e da escrita, os recursos midiáticos que a internet pode

oferecer em rede. Vale ainda apontar para algumas ocorrências linguísticas que, também, serão

abordadas, signos gráficos e não gráficos que pareçam relevantes, o entorno, os bastidores, as

imagens, e até mesmo o não dito, pois, conforme afirma Bogdan e Biklen (1994, p.49), “Nada

é trivial, tudo tem potencial, nada escapa a avaliação”.

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Após a definição de que a linguagem que se manifesta por meio das postagens foi

tomada como o objeto a ser investigado, assume-se que o material a ser pesquisado se torna

fonte de informação sobre o comportamento humano (ANDRÉ e LÜDKE, 1986). Nesse

sentido, o corpus será formado a partir de três critérios de seleção do material de análise, quais

sejam:

1. Cronológico – delimitado por período de tempo;

2. Numérico – pelo maior número de seções publicadas;

3. Eleição – por parte da pesquisadora a partir das postagens representativas de

cada seção.

Mesmo assim, é importante entender que a opacidade da língua e dos múltiplos

significados que virão se desdobrar na análise de uma pesquisa no campo das Ciências

Humanas e na área da Linguística Aplicada requer um olhar e um posicionamento tanto

ideológico quanto ético. Tendo em vista que a pesquisa se adapte às práticas sociais, isto é, ao

modo como as pessoas vivem, ela tem que estar sujeita às mudanças sociais, políticas e

históricas. Portanto, todo e qualquer acontecimento estudado é decorrente da necessidade de se

tratar e cuidar dos problemas que o objeto eleito demanda, de forma contextualizada, no tempo

e no espaço.

Sendo assim, é possível compreender que só a partir de uma agenda ética de

investigação, o conhecimento que se quer (re)produzir estará situado e pronto a responder às

questões de pesquisa. Neste processo de elaboração, fazer pesquisa à visão da Linguística

Aplicada suscita “criar inteligibilidade sobre problemas sociais em que a linguagem tem um

papel central” (MOITA LOPES, 2009; p. 14). Cabe lembrar que isto ocorre, principalmente,

quando estamos analisando um produto humano bem específico, resultado da criação e

manutenção de um blog escolar com alunos, focando sua linguagem e considerando todo um

contexto peculiar a sua produção, assim fazendo emergir os sentidos constituintes dos

enunciados sob o ponto de vista da pesquisadora.

Portanto, torna-se inerente a esta dissertação dialogar com as teorias que a

fundamentam, vindouras de diferentes áreas de conhecimento que se complementam e somam

ao campo da Línguística Aplica. Nessa vertente, a teoria está relacionada à linguagem do blog

estudado, considerando, principalmente, os interesses daqueles que trabalham no contexto de

aplicação, o escolar. Ao infringir o cenário epistemológico de pesquisa, conforme incita Moita

Lopes (op.cit), é possível trazer para o cerne da pesquisa interpretativista um modo de construir

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o conhecimento social, intercalando as análises com os relatos de histórias do cotidiano da

escola pesquisada com narrativas que contam o que acontece. Dessa forma, trazer à tona, à luz

da opacidade, os significados (relativizados) que atravessam a vivência com o Ieceblog,

transgredindo os limites disciplinares, sem compromisso nem com a verdade única nem com

as certezas indestrutíveis, o que virá a seguir.

2.1 UM MODO ÚNICO DE CONTAR O QUE SE QUER NARRAR

Retomando que o conceito de inacabamento de pesquisa inerente a todo discurso

científico é compreendido como um elo na cadeia enunciativa, o conceito tem por princípio

epistemológico instalar as inferências construídas dialogicamente na corrente do conhecimento

para captar os velhos significados e introduzir os novos sentidos. Em meio aos embates entre

os sujeitos, o discurso científico como narrativa de uma experiência é singular, considerando

que o seu autor tem um ponto de vista único – ao seu modo de contar, sua versão. Para Amorim

(2000), o saber narrativo comporta em si o Mythos, onde a verdade não se contrapõe à falsidade,

mas sim ao esquecimento. Dessa forma, o mito do conto é encarado como o conjunto de versões

infinitas, sobre o que é narrado, quando aquele que conta se posiciona no lugar do outro, do

Tu.

Em virtude da exotopia necessária, o Tu (e não o Ele dissonante) é aquele que se

posiciona axiologicamente diante do acontecimento, no entendimento tácito da cumplicidade,

seja na discórdia ou concordância, e o que é contado entra na corrente enunciativa do discurso

conforme os significados que se realizam. A fim de significar, a narrativa precisa se constituir

a partir das vozes sociais circulantes que se confrontam e se complementam. É na arena do

embate e do desconforto que se pode extrair o que chamamos de sentidos que venham

contribuir como repostas não definitivas às questões de pesquisa.

A partir dos estudos de Bakhtin (2000), foi possível confirmar que a consciência do

autor criador engloba a consciência do herói e do seu mundo, diante da premissa de que o autor

sabe mais do que herói. Com essa afirmativa, é possível acrescentar que o olhar exotópico do

autor define-se frente ao fato de que só o outro pode dar o acabamento. Cada ser, a partir do

ponto em que se encontra, tem apenas um horizonte, estando, apenas, na fronteira do mundo

em que vive. Portanto, somente o outro, a partir do princípio da alteridade, pode oferecer

complementação.

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É na consciência que se constata o excedente de saber necessário para que ocorra a

construção dialógica do conhecimento, o que confirma que toda investigação de natureza

dialógica pressupõe a análise do objeto a partir do olhar exotópico da pesquisadora, numa visão

de mundo cuja intervenção analítica do evento promove consequências teóricas que se somam.

O autor aponta para o olhar exotópico como questão ética existencial que, também, envolve

pesquisa afirmando que:

[...], no universo bakhtiniano, nenhuma voz, jamais, fala sozinha. E não fala

sozinha não porque estamos, vamos dizer, mecanicamente influenciados

pelos outros, eles lá, nós aqui, instâncias isoladas e isoláveis, mas porque a

natureza da linguagem é inelutavelmente dupla. O que, em princípio, parece apenas uma classificação teórica aplicável à literatura ou à linguística, um

instrumento neutro, na verdade é uma visão de mundo: a natureza dupla da

linguagem tem consequências filosóficas que se desdobram até mesmo, acho que não será exagero dizer, até mesmo à fundação de uma ética (TEZZA,

2001).16

Sendo assim, para responder às perguntas que organizam a pesquisa sobre o blog

escolar, partimos da perspectiva de que o conceito de linguagem abrange toda a atividade da

cultura humana, ou melhor, um evento sociocultural aberto à vida. O posicionamento exterior

voltado às análises, mesmo que com o olhar mais distante, não possibilita a total isenção da

pesquisadora na pesquisa, em virtude do seu envolvimento com o processo de criação e

manutenção do Ieceblog, com os alunos, em geral, e com a gestão escolar. Mesmo assim, é

importante esclarecer que o envolvimento pedagógico da pesquisadora com o Ieceblog se

estendeu às ações de ensino e aprendizagem da língua materna no uso das novas tecnologias.

No entendimento de que a pesquisadora se torna uma peça fundamental para que a pesquisa

venha ocorrer, “sua compreensão se constrói a partir do lugar sociocultural em que se situa e

depende das relações intersubjetivas com os sujeitos com quem pesquisa” (RAMOS;

SCHAPPER, 2010; p. 78).

Nesse sentido, o capítulo dos procedimentos metodológicos pode ser dividido em duas

situações, originando quatro etapas específicas que envolveram a pesquisadora, em sua

pesquisa, como sujeito participante dos processos. As três primeiras etapas que serão narradas

ocorreram em campo, envolvendo a pesquisadora como sujeito didático e pedagógico,

integrante do grupo e participante do processo de criação e manutenção do blog. A última etapa

16 Citação disponível em <http://www.cristovaotezza.com.br/textos/palestras/p_vozesromance.htm>. Esse texto,

na íntegra, foi apresentado em mesa redonda no Colóquio Internacional “Dialogismo: Cem Anos de Bakhtin”, em

novembro de 1995, no Departamento de Linguística da FFLCH/USP e publicado em Bakhtin, dialogismo e

construção do sentido, Editora da Unicamp, 2001, organização de Beth Brait.

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conduziu a pesquisadora à situação de afastamento, como observadora e investigadora. Nessa

construção, temos:

1ª etapa – contextualização da escola pesquisada, de seus participantes,

direcionada ao trabalho que se realiza nas práticas de letramentos.

2ª etapa – levantamento do histórico da formação dos grupos de trabalhos com

alunos do Ensino Fundamental II, os Grupos de Responsabilidade,

considerando, em especial, a dinâmica de produção do blog escolar.

3ª etapa – recorte do Ieceblog para análise e interpretação como produto de

linguagem dialógica.

Diante da compreensão de que o trabalho com os alunos em forma de grupos,

denominados Grupos de Responsabilidade17 ou GR, é um modo interessante de favorecer a

formação do sujeito crítico posicionado no mundo, a pesquisa deverá conter, em sua

construção, o registro sobre esse trabalho que envolve multiletramentos na esfera escolar. Visto

isso, a investigação agencia um planejamento mais flexível e sujeito a alterações, já que se

realiza com o grupo de alunos do Ensino Fundamental II, com idades diferentes, de forma não

seriada, que ocorre de maneira bem peculiar. Na proporção em que as postagens realizadas

promovem ou não comentários, há espaços para decisões conjuntas e cooperativas sempre em

busca de uma adequação da linguagem ao meio digital e de um interlocutor que comente. Nessa

expectativa, que pode ser frustrada, é preciso levar em consideração os imprevistos e o

inesperado, pois o inusitado pode ocorrer, tem que ser percebido e deve ser relatado para fins

de análise e produção de conhecimento.

Para Moita Lopes (2004), uma abordagem teórica e metodológica transgressora, híbrida

ou mestiça não seria, apenas, privilégio da LA. O autor considera outras áreas em que os

pesquisadores contemplam a complexidade, a discursividade e o sociointeracionismo. A

principal condição dessa abordagem está focada na multiplicidade de paradigmas

epistemológicos constituintes do universo científico contemporâneo, voltado para uma

participação mais expressiva da LA, o que se revela nas.diversas teorias de interpretação,

produzidas em diferentes áreas, incluindo os estudos aplicados sobre leitura/escrita e discurso.

17 GR – Grupo de Responsabilidade – uma forma de organizar os alunos, voltada para o trabalho de

multiletramento em que os estudantes promovem ações a serviço da comunidade escolar. Esse trabalho será

melhor explicitado no capítulo Historicizando o Ieceblog.

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Segundo Mazzotti e Gewandsznadjer (1998), a observação deve ser tratada no contexto

espaço-temporal de pesquisa, sugerindo os critérios de uma investigação na abordagem

qualitativa, quando o registro detalhado se implica na interpretação do corpus. Nessa costura

de procedimentos que se soma ao olhar analítico sobre a linguagem, considera-se a

ambientação, a importância e especificidade dos participantes, as peculiaridades da instituição

e o tipo de envolvimento que a pesquisadora ocupa na instituição pesquisada. Foi salientado

que, como investigadora, ela se torna o principal instrumento de pesquisa e, à medida que isso

ocorre, ela tem espaço para atuar tanto como sujeito participante como sujeito analítico.

Portanto, após o levantamento acerca dos elementos que compõem os sujeitos e o entorno do

objeto a ser analisado, parte-se para um detalhamento sobre os procedimentos de análise dos

dados a serem escolhidos.

2.2 DO ENCONTRO À ANÁLISE

A fim de detalhar os procedimentos a serem seguidos para a geração dos dados, no

enfoque mais específico sobre o que se quer pesquisar, foram praticados os seguintes passos:

Observação geral do blog escolar, o Ieceblog, no tocante às suas características

e às suas especificidades;

Criação do corpus através do estabelecimento de critérios de escolha que

possam promover material de pesquisa;

Análise das postagens selecionadas para construção dos sentidos manifestos a

partir das vozes sociais representantes da subjetividade dos sujeitos presentes

no Ieceblog.

O passo a passo investigativo, focado no Ieceblog, tem por justificava o princípio de

que o trabalho com a confecção de um blog dessa categoria, voltado às práticas de

multiletramentos no ambiente escolar, potencializa a produção de sentidos que emergem em

suas postagens. À medida que este tipo de trabalho é introduzido, sob a ordem das velhas forças

que ainda se mantêm, transpor as dificuldades didáticas tradicionais concernentes ao ensino e

à aprendizagem da língua materna suscita novas posturas. A tradicional produção de texto não

se comporta dentro nos novos moldes. Com o uso das novas tecnologias, a produção se torna

multimodal, constrói-se por meio de múltiplos recursos, em maior velocidade e o significado

não se basta nos exercícios de interpretação de texto. Escrever, ler ou falar é um ato, produto

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do que se enuncia, e, no caso do Ieceblog, os significados surgem a partir de trocas,

compartilhamentos, pesquisa, no contato com o hiperlink, tendo em vista que o usuário se torna

sujeito responsivo que carrega consigo valores construídos sócio-historicamente, pertencentes

à grande cadeia enunciativa da humanidade. Nessa perspectiva, as novas composições de

linguagem que eclodem precisam vigorar na escola, de modo que promovam interação que se

transpõe ao texto.

Nesse contexto, em que a forma tradicional de se ensinar a Língua Materna ainda vigora

com força total dentro da esfera escolar, o qual desconsidera o uso da língua em sua

funcionalidade, e consequentemente vira as costas às novas formas de interagir por meio dos

recursos tecnológicos que se alteram diariamente, parte-se para as questões que dão o suporte

a esta pequisa:

1) De que modo o blog escolar, concebido na visão dos multiletramentos, pode

favorecer a construção de sentidos voltado à produção de leitura e escrita?

2) De que forma se manifestam as vozes que promovem a ocorrência dos variados

sentidos disponíveis no Ieceblog?

3) Que fenômenos linguísticos podem ser identificados que potencializam a produção

de sentidos no Ieceblog?

Para responder a esses questionamentos, tornam-se relevantes, para o momento, definir

os objetivos de pesquisa, os que dão o norte e o aprofundamento do que se quer saber e,

portanto, investigar. São eles:

Objetivo Geral:

Analisar a linguagem de um blog escolar, o Ieceblog, desenvolvido

participativamente com alunos do Ensino Fundamental II de uma escola

da rede privada em Natal, resultante de um trabalho ancorado na

perspectiva dos multiletramentos, com foco na construção de sentidos.

Objetivos Específicos:

1. Refletir sobre o espaço do blog como locus de produção de sentidos,

inserido no ambiente escolar;

2. Destacar as vozes pertencentes aos enunciados que se formam através das

postagens e comentários escolhidos para análise;

3. Observar/Identificar os recursos de linguagem usados de modo a

potencializar os sentidos que se manifestam.

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Nesse momento, ressaltam-se as questões de pesquisa e os objetivos que sustentam a

condução desta dissertação, é preciso lembrar que a compreensão e interpretação devem

acontecer dialogicamente no confronto entre o corpus, os sujeitos, os contextos, evidenciando

a complexidade das relações e dos eventos humanos.

Diante dessas considerações, o momento a seguir vem descrever o corpus da pesquisa.

2.3 OS CRITÉRIOS PARA A ESCOLHA

Para a definição do corpus desta pesquisa, foram analisadas as postagens do Ieceblog

com seus respectivos comentários, estabelecendo um primeiro critério cronológico como fator

de delimitação. Frente a isso, ficou definido que as postagens analisadas deveriam se situar

entre o período do 02.06.2008, momento em que o Ieceblog se inicia, e se estender até o dia

29.11.2011, quando a pesquisadora ainda não estava envolvida com a escrita e a análise

direcionada para esta dissertação. Nessa faixa de tempo, foi possível avaliar o número total de

348 que acarretaram 932 comentários.

Um segundo critério estabelecido na delimitação do corpus, ocorreu a partir da

observação e da contagem das seções que contêm o maior número de postagens publicadas.

Desse modo, tornou-se possível visualizar os tipos de seções criadas para o Ieceblog e quais

delas foram as mais publicadas. As 10 mais recorrentes seriam as escolhidas para estabelecer

que tipo de postagem fariam parte do corpus, segundo a tabela abaixo em ordem decrescente

em quantidade:

Tabela 2: Seções do Ieceblog por número de postagens.

Seções do Ieceblog Gênero e especificações Número de

postagens

Iecenotícias Notícias internas, relacionadas a eventos e a rotina escolar 75

Tirinhas Tirinha crítica 55

Bizarras Imagem crítica com humor 41

Vídeo da hora Vídeo do interesse dos alunos ou que sugerem assuntos

pertinentes à escola 30

Concurso da vez Concurso com imagem artística para propor um enunciado 21

Desabafo Artigo de opinião, confissões, diário 17

Das antigas Foto antiga do profissional da escola – adivinhas 16

Se o Mr. Bean fosse Leitura de imagem 9

Além da imagem Imagem com efeito visual 7

Recomendações Sinopses, resenhas de livros, filmes e vídeos 7

Câmera zoom Adivinha – fotos de adereços de alunos 4

Entrevista Entrevista com funcionário da escola 4

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Segurança na net Recomendações sobre o bom uso da internet 4

GRA Os alunos do GRA se apresentam 3

Vítimas do flash Fotos de alunos 2

Anúncio Anúncio de venda, procura 1

Fique ligado! - diretamente da

assembleia Tópicos referentes a ata de assembleia 1

Papo cabeça Projeto de sala de aula realizado e introdução do vídeo

11/08/09 1

Receita Culinária 1

Total 348

Fonte: Painel de configuração do Ieceblog – acesso restrito ao moderador.

O fato de algumas postagens não apresentarem nenhuma indicação de seção levou a

pesquisadora a tomar a iniciativa de agrupá-las conforme as seções encontradas. O propósito

de pesquisa de não deixar nenhuma postagem sem ser seccionada não provocou nenhuma

modificação na estrutura do blog em si, considerou apenas o material existente e o classificou,

segundo algumas características visíveis, na tabela. Um vídeo se tornou Vídeo da hora, uma

notícia – Ieceblog notícias e assim por diante.

Vale compreender que as postagens, segundo suas seções, possuem comportamentos

que se repetem, dando a elas um caráter específico que as fazem merecer essa ou aquela

nomenclatura. Sendo assim, torna-se possível agrupá-las, não exatamente atribuindo a cada

uma das postagens um gênero específico, mas, de certa forma, arrumando-as no que já

compreendemos ser culturalmente uma identidade reconhecida seja ela pela semelhança ou

pela diferença.

Agrupadas pelo GRA18, sob o título criativo de uma seção, as postagens demonstram

algo comum que as permitem pertencer a uma mesma categoria de seções. Mesmo assim, cabe

acrescentar que realizadas em situações de produção diferentes, toda e qualquer postagem

possui aspectos que as diferenciam uma das outras.

A partir das postagens mais recorrentes que se apresentaram para a formação do corpus,

foi estabelecido um terceiro critério, o da eleição. Através da observação das 10 seções mais

publicadas, seria escolhido um exemplo de cada uma delas que, conforme o olhar da

pesquisadora, teria maior representatividade para o trabalho de análise da pesquisa com o

Ieceblog, pois foram as mais comentadas entre as seções que se estabeleceram. Entretanto, em

um segundo olhar, compreendeu-se que as 06 (seis) seções mais visitadas seriam

18 GRA – grupo de alunos pertencentes ao Grupo de Responsabilidade de Apresentação – sua explicação

mais detalhada se encontra nesta pesquisa no subcapítulo 2.5 página 70.

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suficientemente ricas em material de exploração para trazer os significados e seus valores para

a análise de forma suficientemente consistente, de modo a não tornar as análises da pesquisa

repetitivas.

Com o foco na diversidade discursiva, entende-se que o recorte temporal do blog fará

emergir o dialogismo encontrado nos distintos enunciados em forma de postagens e

comentários, revelando as possibilidades dos sujeitos trazerem suas vozes, valores e

posicionamentos, traçando um perfil de identidade discursiva ao Ieceblog como blog escolar

único, que favorece os multiletramentos na formação do sujeito crítico.

Nessa abrangência, o corpus para a análise em discussão considera: a esfera

institucional; a linguagem; o fórum real de produção; o universo geral de usuários; as

postagens; as seções em maior número de publicação; a postagem de cada seção com o maior

número de comentários; as ideologias circulantes, como humor, deboche; as inquietações

acerca da adequação dos enunciados ao contexto escolar; as práticas sociais realizadas em

gêneros discursivos; e, por fim, a própria pesquisadora. Esses elementos pertencem ao evento

criado e desenvolvido em um momento sócio-histórico voltado para as práticas dos

multiletramentos. Tudo isso se soma ao caráter dialógico e de alteridade da pesquisa que

pretende, a respeito do seu campo do conhecimento, a Linguística Aplicada, significar

ocorrências pertinentes à conduta humana no mundo contemporâneo através da Análise

Dialógica do Discurso.

Com o foco na diversidade discursiva, o recorte temporal do blog vem apontar para o

dialogismo encontrado nos enunciados em forma de postagens e comentários, revelando as

possibilidades de os sujeitos trazerem suas vozes, seus valores e posicionamentos, traçando um

perfil de identidade discursiva ao Ieceblog como blog escolar único, que se manifesta por meio

de uma linguagem híbrida (multimodal), direcionado às práticas dos mutiletramentos.

2.4 UMA VISITA AO CONTEXTO

O número de alunos que participaram da confecção do blog não é estável e variavam

entre 8 a 12 alunos, todos vindos das do 5º ao 9º ano. A cada ano, recebiam-se novos

participantes, visto que os alunos podiam escolher e vivenciar outras experiências que são

oferecidas a partir dos Grupos de Responsabilidades (os GRs) com o intuito de ampliar os

letramentos mais formais para os mais funcionais.

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A escola em que se realiza a pesquisa encontra-se em um conjunto residencial, no bairro

da Candelária, em Natal/ RN. Embora sua localização esteja em meio à classe A, boa parte dos

alunos vive em bairros relativamente próximos que não retratam de forma regular a situação

financeira de seus pais e familiares. O que é significativo saber neste levantamento é que o

nível de instrução das famílias traz um diferencial. Sendo assim, trata-se de uma escola

particular, cuja população de pais possui, na maioria, o nível superior de ensino como

formação.

Vale ressaltar que a escola pesquisada é uma escola inclusiva, referendada em várias

produções acadêmicas (SILVA, L.G.S., 2004); (LIMA, 2005); (SILVA, S.T., 2009) e (LIRA,

2012) desde a sua fundação, há 29 anos. Portanto, a heterogeneidade da qual tanto se fala e se

busca na teoria é um aspecto reconhecido e rotineiro na escola. Nesse sentido, lidar com alunos

de diferentes faixas etárias, com distintos níveis de conhecimento não é obstáculo, pelo

contrário, geralmente, acrescenta à proposta pautada na diversificação de saberes como se

pretende por meio da organização dos GRs.

No que diz respeito à pesquisadora, sendo proprietária e diretora pedagógica da escola,

a sua relação com o blog fortalece seu posicionamento junto à equipe na busca pelo

aprimoramento e sedimentação dos projetos que se estabelecem focados nas práticas sociais

com trabalhos voltados para os multiletramentos, assim como ocorre nos Grupos de

Responsabilidade.

A implicação da gestora da escola com a produção escrita e com a leitura dos alunos

vem desde a implantação do Projeto Livro do Final do Ano (FERNANDES e GRINER, 2009),

que já acontece há mais de 25 anos e aponta para a ênfase que se dá aos diferentes projetos de

letramento que acontecem. Alguns desses projetos são permanentes, como Teatro para Todos,

Biblioteca Viva, Literatura em Vídeo (GRINER, 2011), e outros são mais efêmeros, voltados

para o currículo nacional e que acontecem à medida que os alunos escolhem assuntos para

serem estudados ao longo do ano letivo.

Em síntese, o Ieceblog envolve uma proposta peculiar, focada em produção de

linguagem, que foge ao formato curricular tradicional de ensino e promove ações dirigidas ao

bem-estar da comunidade escolar quando os principais atores são os alunos.

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2.5 HISTORICIZANDO O IECEBLOG

Para melhor entender como se realiza a proposta dos Grupos de Responsabilidade, em

que os alunos são divididos em grupos de trabalho, foi retirada do Projeto Político Pedagógico

(PPP) da escola pesquisada a seguinte citação:

Desde o ano de 2007 foi instituída uma metodologia de trabalho inspirada na

Escola da Ponte, uma escola pública democrática em Vila das Aves-Portugal, onde a pedagogia rompe com as formas tradicionais e potencializa a

autonomia do aluno, bem semelhante ao que sugere as propostas atuais de

letramentos. Kleimam (2005) e Bazerman (2005) afirmam que é preciso incentivar o aluno a praticar socialmente a leitura e a escrita, de forma

criativa, descobridora, crítica, autônoma e ativa, já que a linguagem é

interação e, como tal, requer a participação transformadora dos sujeitos

sociais que a utilizam. Nessa perspectiva, as atividades são compartilhadas com os alunos e orientadas pelo professor. O contexto de trocas revela suscitar

uma maior autonomia e a autoaprendizagem por parte do aluno, pois ele se

envolve de maneira a se sentir mais responsável pelo que realiza ou deixa de realizar. Sendo assim, Pacheco (2004, p.94) argumenta que essa maneira de

educar permite que “o aluno construa o seu conhecimento de forma ativa e

participada”. (IECE, 2010)

A criação de grupos de trabalho não seriados por turmas, envolvendo alunos de várias

idades e organizados por afinidade, gerou a formação dos Grupos de Responsabilidade –

chamados de GRs. Essa forma de se organizar para o trabalho dentro da escola teve como

inspiração a proposta da Escola da Ponte (ROSA, 2008). Assim, estabeleceram-se alguns

grupos de trabalho, nos quais os alunos elaboram e prestam serviços em prol da comunidade

escolar, dividindo-se em grupos de diferentes atribuições: Grupo de Responsabilidade de

Eventos, Biblioteca, Filmes, Parque, Materiais, Música, Meio Ambiente, Grêmio e, por fim, o

Grupo de Responsabilidade de Apresentação (GRA).

A organização dos alunos em Grupos de Responsabilidade tem por finalidade promover

práticas diárias relacionadas ao cotidiano escolar voltadas para o que acontece no mundo real.

Desse modo, pretende-se ampliar os horizontes das aprendizagens em uma concepção

orientada às diferentes práticas de letramentos, na produção efetiva de leitura e escrita por meio

do uso da língua frente à sua funcionalidade. Nesse trabalho, os grupos se reúnem

semanalmente, todas as terças-feiras, por uma hora-aula para discutirem temas e ações

pertinentes às suas responsabilidades e produzir produtos que envolvem a comunidade escolar

segundo suas atribuições. Por exemplo: o GR de Música se torna responsável pela escolha das

músicas a serem tocadas no intervalo e produz uma rádio escolar; o GR de filmes promove

sessões de cinema e escolhe os filmes que serão passados durante o passeio anual; o GR de

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biblioteca realiza um trabalho de organização de livros e produz resenhas. No final, cada grupo

realiza um trabalho característico à sua função que beneficia não só o grupo em si, mas serve

para os outros alunos.

O Grupo de Reponsabilidade de Apresentação, GRA, foi criado a partir da necessidade

de se ter um grupo de alunos aptos a apresentar a escola aos visitantes que queriam conhecer

tanto o seu espaço físico quanto o trabalho que é, nela, desenvolvido. Considerando que a

linguagem se torna um instrumento capital para se realizar essa tarefa, os alunos se veem

estimulados a falar e discutir sobre a proposta da escola, usando a oralidade de modo bastante

formal e adequado à situação, observando as informações apropriadas para o momento e

direcionando-a para quem vai escutá-la. Esse trabalho possibilita que o aluno seja um agente

participante da divulgação de sua escola e entenda que o seu fazer dentro dela já é a sua própria

divulgação. Nesse sentido, o aluno conta o que faz, com o requinte que o gênero suscita.

Para além da apresentação da escola aos visitantes, os alunos do GRA sentiram a

necessidade de procurar outra atribuição que envolvesse divulgação. Decidimos partir para as

mídias, e o que parecia mais viável aos nossos olhos era criar um blog que passou a ser chamado

de Ieceblog.

Com o passar do tempo, o trabalho com o GRA foi se caracterizando como uma

proposta implantada dentro da escola, o que demandou o seu registro no Projeto Político

Pedagógico (IECE, 2010), o PPP, descrevendo-o como um projeto de letramentos. Portanto,

podemos encontrar algumas das atribuições dos alunos descriminadas, como se vê abaixo:

Realizar debates e tomar decisões a serem arcadas;

Anotar o que foi combinado em documento, no Google docs19;

Fazer cumprir o que foi combinado para se realizar o que se propôs;

Trocar ideias, entrevistar, pesquisar, interagir e criar o texto escrito e imagético

almejado;

Veicular o material ao blog hospedeiro;

Fazer parte do processo em diferentes situações;

Esperar por comentários por parte dos interlocutores;

Responder aos comentários;

Pensar nas melhorias do blog;

19 Aplicativo do Google que permite o compartilhamento sincrônico de documentos, planilhas e gráficos,

tanto na leitura como na elaboração.

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Refletir e avaliar a sua participação como membro do GRA.

Sobre a avaliação do trabalho dos alunos, conforme o PPP (IECE, 2010), ela se dá

através de dois direcionamentos: o pontual e o acumulativo. No primeiro caso, a avaliação se

realiza à medida que se produz qualquer tipo de debate ou postagem. A mediação pode vir por

parte de um colega ou por parte do educador e, geralmente, ocorre durante a realização das

postagens. A segunda situação se realiza a cada trimestre por escrito e se dá da seguinte forma:

Os alunos analisam o trabalho do blog;

Os alunos comentam uns sobre o trabalho do outro;

Os alunos falam sobre as suas expectativas;

Os alunos comentam como se envolveram;

Os alunos apontam para as falhas;

Os alunos atribuem valores às suas realizações com a ajuda dos colegas;

O aluno destaca os apectos em que pode melhorar;

O educador é avaliado pelo grupo;

O educador fortalece as virtudes do aluno, suas realizações e aponta para o que

ele pode melhorar.

Contudo, a dimensão reflexiva e dialógica da pesquisa promove, a todo o momento,

alterações sobre a produção textual para o blog, de forma que o que está escrito no PPP de 2010

já não espelha exatamente o que se pensa como proposta de trabalho com o blog escolar

atualmente. Espera-se que, com a conclusão desta pesquisa, o PPP da escola possa se modificar

para uma proposta mais atualizada e aperfeiçoada, principalmente no tocante às manifestações

de linguagem digitalizada.

O Ieceblog existe e persiste por cinco anos, sofre alterações, evolui, avança e retrocede,

recebe novos autores para postagens, recomeça a partir do zero com novos alunos e progride.

Ele não é estanque, não se interrompe como um projeto que tem início e fim e nem como um

experimento que se promove para fins só de pesquisa.

Apesar das opiniões dos alunos estarem presentes nos textos, não se trata de uma

liberdade sem direção, pois as forças sociais institucionalizam a linguagem a ser usada.

Sabendo que a postagem está veiculada à web e envolve a escola, os alunos se preocupam com

que pode parecer abusivo, inadequado e comprometedor. Além disso, a própria instituição

legisla e cria documentos a fim de orientar e regimentar as suas propostas de trabalho. Ainda,

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há a presença dos pais que eventualmente visitam o blog, postam comentários, participam de

reuniões pedagógicas e se preocupam acerca da exposição dos filhos na internet.

O Ieceblog, realizado no contexto escolar, é um novo modo de se contar, divulgar,

entreter, falar inutilidades, ver o que motiva a “galera” a usar linguagem e se aprimorar.

Enquanto projeto que se transforma, é fácil dizer que se trata de um jeito especial de se

encantar, de se frustrar, de ser crítico a ponto de manter a proposta voltada para os

multiletramentos viva, operante e em busca de aperfeiçoamentos em relação ao uso da

linguagem digitalizada no meio escolar.

2.5.1 Um modo de ensinar e de aprender

A fim de se certificar se os alunos possuíam ou não computador em seus lares, foi

realizado um questionário no Google Docs, no qual se concluiu que os alunos em 2010 e de

2011, que confeccionavam o blog, possuíam computadores em suas casas, todos com acesso à

internet, e que, apesar da presença dos recursos eletrônicos disponíveis em seus lares, a maioria

não conhecia e nem usava blogs.

Tal informação se tornou importante para pesquisa, pois traçou um perfil de aluno que

escolhe trabalhar no GRA. Além disso, vem apontar para os saberes iniciais que devem ser

proporcionados para que os alunos possam usar os recursos disponibilizados para se

confeccionar um blog.

Mesmo sendo uma escolha pessoal do aluno trabalhar no GRA, o ambiente de ensino é

tido por ele como local imposto pela escola. Os alunos realmente cooperam e compartilham,

uns mais e outros menos. Contudo, a autoridade do educador precisa estar presente, sempre,

para que haja compromisso, produção e aprendizagem. No caso da exposição do aluno à

internet sem a presença do adulto e sem uma proposta pedagógica norteadora, os alunos

estariam totalmente voltados para seus interesses pessoais que, na maioria das situações,

envolveria entretenimento e bate-papo.

Faz-se importante ressaltar que o trabalho não requer somente lidar com a produção

direcionada ao blog. A proposta demanda formar alunos críticos, desenvoltos no uso dos

recursos digitais e responsáveis para circular e fazer parte da cibercultura. Isso acarreta o

direcionamento do que se faz para um pensamento mais reflexivo, para uma ética que mantenha

o Ieceblog apropriado ao contexto, numa linguagem adequada para um blog escolar, em

constante discussão e funcionamento. Por isso, algumas dinâmicas, atividades e alguns

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recursos avaliativos são criados durante o trabalho com os alunos. A cada final de trimestre,

realiza-se uma avaliação escrita, em que os alunos podem verificar suas produções, avaliá-las

a partir da análise do próprio blog e de seu desempenho. Os alunos também têm a oportunidade

de criticar o colega e atribuir notas uns aos outros, pois o trabalho com os Grupos de

Responsabilidade recebe o valor 1,0 (um) como nota que incide sobre as médias de todas as

outras disciplinas como estímulo para produção.

Em se tratando de um trabalho coletivo, cada um depende do outro para que o blog se

desenvolva. Os alunos se responsabilizam pelo o que postam, identificando-se, o que não

ocorria, necessariamente, no início da criação do blog, ficando mais fácil recuperar o que cada

um postou e realizou. Eles comentam quando um colega não participa a contento, não se

disponibiliza e não produz. Por isso, ao longo do trabalho, pode-se conceber que

responsabilidade com as tarefas (início e finalização), concentração no trabalho, participação

nas discussões, iniciativa com a produção fora dos dias de encontro do GRA, solidariedade,

capacidade de troca com o colega e produção individual seriam os aspectos mais pertinentes a

serem avaliados e autoavaliados.

Ao se pensar que os alunos têm contato com os mais diversos sites, escolhem e

elaboram suas postagens produzindo postagens, é preciso orientar à pesquisa na internet. Isso

demanda a firmeza e a autoridade do educador, lembrando que, ao leve clique, o aluno tem

acesso a games e vídeos que não dizem respeito ao trabalho proposto e é o que eles mais querem

visitar.

Outro aspecto que vale comentar refere-se à correção e preservação do produto

realizado, isto é, salvar o que se confeccionou para uma verificação antes de ir para a postagem.

Às vezes, por falta de tempo hábil, é preciso arquivar o material no e-mail do GRA

([email protected]) ou nas demais pastas que se encontram destinadas ao arquivo de

material de aluno nos computadores da escola. Além disso, é possível o aluno usar o Google

Docs para registro de tomadas de decisões compartilhadas, realizar tarefas propostas e trocar

informações. Sendo assim, todas essas atividades passam a fazer parte da rotina escolar, assim

como acontece nas outras aulas, em que o aluno tem hora para começar e finalizar.

Ao se trabalhar um horário-aula de 50 minutos, apenas uma vez por semana com os

alunos do GRA para o Ieceblog, a sensação de pouco realizado traz angústia. A ideia de

produção sugere volume e a de blog sugestiona a constante manutenção, entretanto nem sempre

o encontro com os alunos promove um produto final a ser postado. Por vezes, é preciso somente

mostrar, retomar, conversar, combinar e reforçar, quando nada se posta. Não se pode perder de

vista que se trata de um recurso pedagógico para promover produção de leitura e escrita no

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meio digital e também para ampliar as aprendizagens, portanto não há outro propósito maior

do que os expostos. Nesse sentido, o compromisso com o contexto de aprendizagem é

importante, e a regularidade é imprescindível para que o blog aconteça.

Mais uma questão a se considerar diz respeito às idades dos alunos que se diferem umas

das outras, desfazendo os conceitos de seriação e nivelamento como já comentado. A

habilidade de cada aluno em manusear o computador é distinta e, diante das diversidades

presentes, independente de suas idades, uns dominam mais os recursos digitais outros menos.

Inclusive, há aqueles que são capazes de gerir o seu próprio blog, enquanto há outros que

precisam ser constantemente assistidos por um adulto ou colega. A heterogeneidade não é um

empecilho para o encaminhamento das tarefas dos alunos quando há uma cultura de trocas,

respeito pela diversidade, o que ajuda e amplia as possibilidades. Muitas vezes, os alunos

trabalham em duplas ou em pequenos grupos decidindo de antemão que tipo de postagens

realizarão, através da escolha das seções já disponíveis, ou terão que criar outras. Assim, cabe

entender toda uma dinâmica que envolve os agentes participantes que produzem e mantêm em

funcionamento o Ieceblog.

2.5.2 O Ieceblog em suas seções

Frente à possibilidade dos gêneros serem transmutados do mundo real para o virtual

com certa liberdade, o que se notou foi que os tipos de postagem começaram a se diversificar,

e ficava complicado dar nome ao tipo de texto ou à estrutura que se formava. O que se podia

perceber é que havia uma miscigenação de formatos e de modos de escrever, ora mais ora

menos formais. Nesse ínterim, buscou-se, com os alunos, classificar as postagens por tipos,

com base em aspectos comuns pertencentes aos gêneros mais conhecidos. Desse modo, a

equipe de profissionais que auxiliavam na condução do trabalho com o blog procurou

classificar as postagens, buscando categorizá-las em seções. Nas escolhas, que não foram

aleatórias, foi possível escolher alguns dos textos que se produziu e designar um nome que

remetesse ao gênero que lhe assemelhasse: o que era mais íntimo virou Desabafo da galera, o

que noticiava se tornou Ieceblog notícias, e assim por diante. Nessa alternativa, os alunos se

prontificaram a produzir conforme o fluxo de seções que apareciam, gerando a estrutura que,

no blog, tem reservada para seus marcadores de busca. Assim, foi possível determinar que,

quando havia muita tirinha, era hora de produzir notícia; quando se tinha muito vídeo, era

preciso escrever um desabafo.

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Nesse ensaio, o de seccionar o blog, surgiram os nomes das demais postagens, como:

Concurso da vez, Bizarras, Vídeo da hora, Tirinhas, IeceNotícias, Reflexões, Bicho

Homem etc. É importante ressaltar que realizar essa categorização com alunos jovens, cuja

autonomia é parcial, nem sempre trouxe o resultado esperado. A cada postagem, definir a que

tipo de seção ele pertence e lembrar de colocar o nome e a numeração da sequência ou criar

uma outra seção de forma criteriosa para uma nova postagem não é algo que ocorre de modo

constante e sistemático. Lidar com essa questão faz lembrar que o gênero por si é híbrido

(ROJO, 2012) e não se deixa enquadrar facilmente por categorizações.

Os gêneros relativamente estáveis também apontam para um rico repertório os quais

moldamos à nossa fala, por vezes de forma estereotipada, outras de maneira mais maleável. O

que fica bastante claro é que as classificações não são necessárias para se usar os gêneros

discursivos, assim como não é necessário conhecer a gramática para se falar e se fazer

compreender.

Segundo Bakhtin (2000, p.302), “aprender a falar é aprender a estruturar enunciados

quando os gêneros do discurso organizam a nossa fala”. Assim, aprendemos a moldar o modo

de dizer as coisas às formas do gênero da mesma maneira que o fazemos para compreender o

que o outro tem a nos dizer. Mesmo sem nomear, pressentimos o gênero a partir das primeiras

palavras enunciadas: “caro colega”, “gostaríamos de solicitar”, “meus sinceros sentimentos”,

“tudo bem?”. Estamos então falando da estrutura composicional do texto, pela qual podemos

culturalmente identificar o assunto que se vem tratar mesmo que ainda não se tenha chegado

ao fim do que se tem a dizer. Existe, ao longo do reconhecimento do gênero, marcas de

identificação e diferenciação que nos permitem fazer-nos compreender, embora que, em um

mesmo contexto de leitura ou escrita, o gênero que parece se apresentar de começo vai

acolhendo para dentro de si outras formas de se acomodar e se fazer compreender através da

produção de sentidos.

Nessa acepção, é notável que a pesquisa sobre a linguagem produzida no Ieceblog

favoreça a exploração dos sentidos em torno do uso da língua nas mais variadas situações de

leitura e escrita, com um propósito de provocar interação no meio digital, quando o que se

escreve é sempre escrito para alguém, não importa quem seja, leia e faça comentários. Assim,

o que se apresentou como trabalho com multiletramentos e produção de sentidos será mais

aprofundado a partir da análise dos fragmentos selecionados no capítulo que se segue.

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2.6 UM PONTO DE VISTA, O FOCO NO CORPUS

Ao se pensar em interlocutores, torna-se curioso comentar que o número de

visualizações do Ieceblog vai muito além do número de alunos, profissionais e pais da escola.

Nesse sentido, a concepção de sujeito que visualiza ou que interage no ambiente

virtual/discursivo propiciado pelo blog refere-se tanto às pessoas pertencentes ao contexto

escolar como a qualquer sujeito conectado à web que “esbarrou” na página do blog estudado.

Desse modo, o visualizador do Ieceblog pode ser qualquer um: os próprios alunos do GRA, os

alunos de outras turmas, professores, pais, interessados e conhecidos da escola, desconhecidos,

enfim, todo e qualquer sujeito do Planeta que tenha acesso à internet.

A propósito, essa informação é proveniente do painel estatístico do blog que possui um

contador numérico para cada acesso, portanto os dados são automaticamente atualizados, sendo

o acesso restrito aos responsáveis pela manutenção do blog. Com precisão, é possível dizer

que, até o dia 30/09/2012 às 22h23 minutos, o Ieceblog obteve 22.729 visualizações.

Tabela 3: Visualizações de páginas no Ieceblog.

Visualizações de página de hoje 2

Visualizações de página de ontem 6

Visualizações de página do mês passado 406

Histórico de todas as visualizações de página 26.729

Fonte: Painel de configuração do Ieceblog – acesso restrito ao moderador.

(Acesso realizado entre 02/06/200820 e 30/09/2012)

Além das informações captadas a partir do painel estatístico do Ieceblog, é interessante

mostrar que as visualizações vêm de locais diferentes, sendo possível obter o registro exato dos

países em que elas ocorreram com o respectivo número de acessos realizados.

Tabela 4: Visualizações em diferentes países.

Brasil 24470

Estados Unidos 901

Alemanha 332

Portugal 277

Rússia 247

20 Dia da primeira postagem realizada no Ieceblog.

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Moldávia 69

Suécia 39

França 33

Japão 26

Reino Unido 22

Fonte: Painel de configuração do Ieceblog – acesso restrito ao moderador.

(Acesso realizado entre 02/06/2008 e 30/09/2012)

Diante dessas informações, foi possível constatar que o Ieceblog, mesmo sendo um blog

escolar para fins de aprendizado, tem certo alcance entre os internautas, embora não se possa

saber quem desses interlocutores realmente leu ou não algum conteúdo postado. Entretanto,

para efeitos de pesquisa, é preciso pensar acerca da perspectiva responsiva do enunciado

emitido e refletir sobre o fato de que todo signo está carregado de valores como consequência

direta da produção humana através da linguagem; portanto, toda postagem está sujeita à

avalição do interlocutor. Mesmo que sem comentários postados, é possível afirmar que toda

compreensão de um enunciado é de natureza responsiva e “prenhe de resposta” (BAKHTIN,

2000; p. 271).

Os jovens do GRA, por vezes, depararam-se com a notificação de zero comentários em

suas postagens. Com isso, compreende-se que o zero comentários também é passível de

interpretações. Mesmo que exista o apelo para que o leitor faça comentários, nem sempre a

postagem obtém o retorno desejado, isto é, recebe comentários, como poderemos ver a seguir

através das análises dos fragmentos que se apresentam.

Nesse segmento, importante reforçar que o corpus a ser analisado ponderou acerca da

esfera institucional a qual ele pertence, o fórum real de produção, o universo geral de usuários,

as postagens, as seções em maior número de publicação, a postagem de cada seção com o maior

número de comentários, e tem por foco categorias definidas para a análise.

Tudo isso se soma ao caráter dialógico e de alteridade da pesquisa que pretende, a

respeito do seu campo do conhecimento, a Linguística Aplicada, significar ocorrências

pertinentes à conduta humana no mundo contemporâneo voltado às práticas de letramento,

como será visto logo a seguir.

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Capítulo 3: A ANÁLISE

A partir da compreensão do que se quer focalizar por meio do corpus desta investigação,

considera-se importante retomar que alguns aspectos notáveis se tornaram recorrentes para a

pesquisadora e, desse modo, definiram as categorias elencadas para a análise. Estas virão à

análise reforçadas pelo recurso de formatação do Word em negrito. São elas:

as marcas do humor e do deboche;

a busca pela adequação a partir da alteridade;

a cumplicidade de sentido entre linguagem imagética e linguagem verbal;

as práticas sociais na perspectiva dos multiletramentos.

Em busca dos sentidos compartilhados, cabe ressaltar que a Linguística Aplicada (LA)

estabelece seus próprios moldes teóricos e defende a posição de uma LA transgressora e

indisciplinar (MOITA LOPES, 2009). Assim sendo, torna-se viável dizer que a LA atravessa

suas fronteiras, no campo do conhecimento, produzindo outras formas de pensar, sobre outros

pontos de vista, reforçando-se o paradigma qualitativo interpretativista que envolve questões

de poder e de ética. Nessa compreensão, as análises da dissertação virão logo a seguir.

3.1 IECEBLOG NOTÍCIAS: EXPOSIÇÃO VERSUS ADEQUAÇÃO

Fragmento 1

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Disponível em: <http://ieceblog.blogspot.com.br/2010/04/estavamos-olhando-as-fotos-ai-vimos.html>.

Acessado em: 30 de junho de 2013.

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O Fragmento 1 escolhido para análise é referente à postagem do dia 26/04/2010. Ela

ocorreu em comum acordo quando a turminha do GRA decidiu postar, no Ieceblog, notícias

sobre o torneio de futebol organizado pelo GRJP (Grupo de Responsabilidade de Jogos e

Parque). Julgou-se necessário, então, atribuir esse tipo de postagem à seção Ieceblog Notícias.

O torneio esportivo na escola se torna uma atividade bem empolgante para os alunos do Ensino

Fundamental II e conta com a participação de professores e de alguns funcionários de apoio.

Meninos e meninas, envolvidos com o esporte nacional, todos tornam-se jogadores ou

torcedores na hora do intervalo.

Com o propósito de noticiar o que acontecia na escola nesse momento esportivo e

também auxiliar os outros GRs para anunciar seus eventos, a matéria de cunho jornalístico,

supostamente, daria cobertura sobre os jogos e os seus resultados. Entretanto, o foco saiu do

campo de futebol e se voltou para a imagem de uma foto tirada, por parte dos alunos do GRA,

com a máquina digital da escola. Cabe ressaltar que os alunos do GRA de 2010, diferente dos

outros anos, eram, excepcionalmente, todos alunos do 5º ano. Um grupinho muito unido,

empolgante e divertido. Apesar da enorme inexperiência com blogs, a ansiedade para aprender

e trabalhar estava muito presente e é justamente com eles que surge o Ieceblog Notícias.

Cabe lembrar que boa parte do que se produz, no momento do encontro semanal com o

GRA, é postado na hora. O que o aluno produz no horário destinado ao funcionamento do GRA

é de imediato publicado. O fragmento em questão é um exemplo de prática em que o aluno

produz e publica em tempo real, o que será percebido em boa parte dos fragmentos a serem

analisados nesta pequisa.

Segundo Lemos (2010), na cibercultura, constroem-se novos sentidos sociais e

confirmam-se os antigos, nada é puramente novo, o que se torna novidade é a perspectiva

democrática da informação que se processa em alta velocidade e por meio de múltiplos

recursos. Nesse ambiente, revela-se um aluno ativo, aquele que busca a informação e precisa

reatualizá-la segundo seu ponto de vista para, assim, se transformar em autor. Mesmo que em

tempo real, nada garante que as reações ao que foi postado tenham que ser imediatas ou

impensadas pela urgência do livre. Mas, quando se trata de alunos tão jovens, é bom saber que

isto pode se suceder.

No que diz respeito à imagem da postagem, ela não é neutra. Assim como o texto

escrito, a imagem é texto e é discurso, portanto, produz efeitos de sentido. A princípio, a

imagem retrata um senhor em cima do telhado, o que não parece ter nada a ver com futebol ou

notícia, pois o jogo que acontece não se vê exposto. O que se enxerga nessa imagem é um

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senhor que ficou em pé parado para assistir, do alto da casa vizinha à escola, as finais do torneio

entre alunos, o que se transformará em alvo da discussão gerada pela postagem.

Segundo Souza (2003), a imagem é signo. Dessa forma, é concebida como linguagem,

a qual suscita diferentes olhares sobre o mundo, em suas partes e particularidades, por meio de

narrativas figuradas, trazendo à superfície as várias camadas de significados que se

transformam em verbo (pensamento, escrita ou fala). Significar a imagem é reconstruir o texto

que ela contém, por meio dos conceitos que o homem constrói acerca do mundo.

A primeira categoria identificada nessa postagem diz respeito às marcas do humor e

do deboche, percebidos na escolha da imagem e no tom da notícia. Os enunciados recaíram

sobre o deboche, como se fosse um Big Brother21, marcado pela exposição do outro diante da

possibilidade do autor de direcionar o dito orientado ao outro. Portanto, atentando-se à

intencionalidade do locutor, o discurso acolhe o show e não segue a demanda do título da seção

anunciada, uma notícia. O que se percebe é que o vínculo orgânico entre a linguagem usada e

a atividade humana, no ato de noticiar, transforma o enunciado em uma espécie de piada, pois

o que autor quer mesmo é contagiar o leitor com o riso, como é possível distinguir abaixo:

Estávamos olhando as fotos, aí vimos "ESSA COISA AEW ". Então, a

gente queria compartilhar com vocês "UHSAUSAUSUASU', o vovô

tosco, olhando o torneio de tutoria no dia da final querendo ser o juiz do

jogo. Quem já viu uma coisa dessas? (Retirado do Fragmento 1)

Com a intenção voltada ao riso do leitor, os alunos do GRA se projetam para o horizonte

alheio, no território do interlocutor, numa expectativa de receber um discurso do outro em

consonância, como forma de adesão – um retorno linear em sinal de concordância. Todavia, na

arena do debate, a harmonia esperada se desfaz, o autor perde o controle, o sujeito dialógico

aparece das relações de sentido, resultando na tomada da posição axiológica em conflito

(BAKHTIN, 2010) que modifica o sentido suposto ou esperado.

O olhar sobre cada resposta (responsável), mesmo que venha a ser apenas um “kkkkkk”,

uma representação gráfica do riso, como aparece em alguns comentários, pode ser percebido

como um localizador inicial do movimento axiológico em construção. À medida em que cada

comentário novo aparece, o peso sobre o riso vai perdendo posição para o enfraquecimento

21 Alusão ao programa televisivo de grande audiência que expõe os participantes no cotidiano (Reallity

Show), trata-se também do livro do escritor George Orwell, uma ficção que retrata uma sociedade em que todas

as pessoas estão sob constante vigilância das autoridades, sendo constantemente lembradas pela frase propaganda

do Estado: "o Grande Irmão zela por ti" ou "o Grande Irmão está te observando”.

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axiológico da força centrípeta em ação. A tendência se dirige à crítica sobre o discurso

carregado de preconceito, caracterizando a força centrífuga em combate. Tudo isto ocorre

dentro do elo comunicativo dos discursos circulantes, carregados de atitudes responsivas, isto

é, em forma de ato.

No Fragmento 1, que também será chamado de F1, a discordância baliza a ação do

pensamento participativo mediado pela alteridade, no entrelaçamento de interação dos

pensamentos que dialogam entre si (GERALDI, 2004). Assim, o sujeito dialógico constitui-se

na linguagem em relações de sentido, resultante da responsividade (da tomada de posição

axiológica de sentido). O sujeito que enuncia emite ideias, valores de outros que perpassam

pela sua subjetividade e sempre são parcialmente significados. Aqui podemos identificar a

emergência de outra categoria de análise: a busca pela adequação a partir da alteridade.

A coisificação do sujeito (um operário em forma de “coisa”) – a ser visto no enunciado

carregado de valores – aparece em caixa alta na linguagem virtual dos jovens para evidenciar

o dito em forma de grito, assim como será, também, observado em evidência no Fragmento 3.

O tom de deboche é reforçado pela risada (escandalosa) que aparece como vem exposto a

seguir:

ESSA COISA AEW, "UHSAUSAUSUASU’ (Retirado do Fragmento 1)

Como é possível perceber, o espetáculo não está mais no jogo de futebol com seus

jogadores e sim na “coisa” situada nas redes sociais. Isso quer dizer que o foco sai do campo e

vai para o sujeito socialmente apagado e de menor valia – “o vovo tosco”, como se vê no

fragmento analisado.

Por outro viés, há de se compreender que a linguagem do blog segue muitas vezes o

modelo oral, com o grau de informalidade e representado por uma escrita idiossincrática e

icônica. Segundo Araújo (2007), o blog oferece um ambiente propício para a interação verbal,

pois traz a possibilidade de articulação entre as linguagens oral e escrita, na relação de produção

de sentido que fortalece as trocas dialógicas-axiológicas dos enunciados entre os sujeitos.

Nesse enfoque, essa manifestação de linguagem não deve ser ignorada pela escola,

ficando alheia à realidade múltipla dos usos linguísticos (MARCUSCHI, 2010). O flagrante de

um trabalhador sendo pego em cima do telhado, curioso com o jogo da escola, ao julgo de

alguns alunos do GRA, gerou sentidos a serem questionados. Seguindo a ordem das categorias

elencadas, analisaremos a postagem sob o critério da cumplicidade de sentido entre

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linguagem imagética e linguagem verbal. A primeira manifestação de valor detectada foi

direcionada ao termo “vovô”, na qual se revela a relação existente entre a imagem do senhor

em cima do telhado e o tom áspero do comentário a seguir, conforme pode ser observado

através das escolhas lexicais que o constituem:

o vovô tosco, olhando o torneio de tutoria no dia da final querendo ser o

juiz do jogo. Quem já viu uma coisa dessa? (Retirado do Fragmento 1)

Em seu teor ideológico, a postagem, carregada de valores que não se encaixam aos

ideais inclusivos da esfera institucional, fugiu ao crivo dos adultos responsáveis. O que emerge

no tom da brincadeira jovem é a voz do desestimo, do poder do mais favorecido sobre o menos

privilegiado, a revelação de um preconceito existente, que, por vezes, não se quer enxergar ou,

muitas vezes, se consegue abafar – uma excelente temática para ser cuidada no ambiente

escolar.

Os comentários auxiliaram nesse sentido, pois o que surgiu trouxe ao Ieceblog várias

manifestações por parte dos seus interlocutores, nem sempre as esperadas pela turma do GRA.

O tempo ocorrido entre postagem e comentários durou cerca de duas a três semanas, e poucos

foram aqueles que comungaram com o posicionamento do GRA. Alguns “kkkkkkkk” e outros

discursos que surgiram reforçaram o deboche e o preconceito, porém o que prevaleceu mesmo

foi a crítica contrária ao que a turma do GRA postou:

“vovô tosco” que respeito hein? achei horrível a legenda. Seria melhor

pensar antes de escrever legendas ofensivas no seu blog, ainda mais se

tratando de uma escola... (Retirado do Fragmento 1)

O posicionamento inesperado, no contra fluxo da intenção do locutor, não ocorreu

somente via blog, foi tema de discussão em outros segmentos da escola. Diante da percepção

do preconceito, o GRA teve que repensar a proposta do ridículo, de exposição do outro, e se

desculpar perante a Assembleia dos alunos do Ensino Fundamental II. A reparação também

veio em forma de texto coletivo exposto logo abaixo:

gra disse...

Olá anônimo

Que bom perceber a sua sensibilidade para o comentário” vovô tosco”.

Apesar do flash interessante, um homem no telhado, o comentário, sim,

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deixou a desejar. É isso aí, todo mundo desliza, e é preciso de gente como

você, para que as pessoas não se deixem levar pelo “engraçado” sem

passar pelo senso crítico. Vamos refazer o comentário. Obrigada pela sua

não omissão, pena que você está no anonimato. (Retirado do Fragmento 1)

O texto postado pelo GRA no corpo dos comentários vem marcado, ressaltando a

categoria de busca pela adequação a partir da alteridade, o que se revela a partir das

desculpas e justificativas, entrando como reparação para a cadeia contínua dos enunciados, o

que se deduz que a polêmica, por mais que pareça assunto encerrado, nunca deixará de retornar

para a arena do debate. Quanto à promessa de refazer o comentário, julgou-se não ser correto

modificá-lo, pois, a partir de sua alteração, a discussão preciosa perderia o seu sentido original.

Sobre a inadequação da postagem, para os adultos responsáveis do Ieceblog e para os

outros adultos que compõem o corpo técnico da escola, ficou o aprendizado: em se tratando de

um trabalho de produção do aluno que requeira maior velocidade, liberdade e exposição

imediata ao público, o controle sobre o que será postado deve ser dobrado, considerando o local

de produção do discurso, a instituição escolar. Isso nem sempre ocorreu e nem sempre garantiu

o total ajuste.

O que se pode concluir é que a linguagem vista sob o enfoque da interação de maneira

ativa e dialógica torna-se como que penetrada de intenções (BAKHTIN, 2006). As palavras

(nunca soltas) vistas como enunciados perdem a sua inocência, evocam uma tendência, um

partido, valores, um sujeito, uma esfera, um momento específico em dada situação e momento,

portanto, só se realizam através do gênero discursivo.

Na visão atual do ensino da Língua Portuguesa, ressalta-se, nesta investigação, a

procura pelas práticas sociais na perspectiva dos multiletramentos, voltadas ao uso dos gêneros

discursivos a fim de ampliar a competência do aluno para o exercício mais fluente e interessante

da leitura, da fala e da escrita, defende-se de que “a escola não deve ter outra pretensão senão

chegar aos usos sociais da língua, na forma em que ela acontece no dia-a-dia da vida das

pessoas” (ANTUNES, 2003; p. 108). Desse modo, avalia-se que o evento de letramento em

questão, produzir postagens para o Ieceblog, influenciou as aprendizagens dos alunos do GRA

quando os encaminhamentos que foram surgindo por meio da linguagem e com a linguagem

trouxeram amplas funções desempenhadas por meio da linguagem em uso na construção do

sujeito operante na sociedade.

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Nesse vem e vai de ocorrências por meio da linguagem carregada de valores sociais, é

possível entender a língua como “opinião plurilíngue concreta sobre o mundo” (BAKHTIN,

2010; p.100).

3.2 TIRINHA: A VOZ E A VEZ DO PROFANO

Fragmento 2:

Disponível em: <http://ieceblog.blogspot.com.br/2010/03/quadrinho-do-dia.html>.

Acessado em: 30 de junho de 2013.

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A introdução da seção Tirinhas no Ieceblog teve início em 04/11/2008. De início, as

tirinhas foram escolhidas pelo adulto escolhido para auxiliar no trabalho com o blog. Já que as

produções do gênero se encontravam prontas na internet e postá-las parecia dizer respeito,

somente, a copiar e colar, as tirinhas eram consideradas como algo de pouco teor didático,

portanto vieram para ilustrar. Elas foram postadas, apenas, com o propósito de manter o blog

atrativo e bem atualizado, todo dia, assim como ocorre com os blogs mais visitados da web.

Compreendendo que a proposta do Ieceblog, em sua percepcão incial, era a de envolver

os leitores e colher comentários, escolheu-se postar as tirinhas do Dr. Pepper22, muito

populares entre os jovens e cujo teor humorístico costuma ser bem picante. Da mesma família,

temos o Cyanide and Happiness23, trazido ao blog pelos alunos do GRA, o qual apresenta

uma linguagem própria dos adolescentes, atravessada pela visão irreverente dos jovens fãs. As

figuras são grosseiramente desenhadas, e os temas provocativos incluem o profano, como

canibalismo, assassinato e incesto; mais uma razão para os alunos, sob a visão da moral, não

chegarem perto do acervo. Entretanto, tendo por estímulo a cópia do site pelos próprios autores,

sem a preocupação de manter os direitos autorais, o humor ácido da tirinha se popularizou e

foi mais um motivo para ser, também, usada no Ieceblog sob o controle próximo do adulto.

O trabalho de seleção das tirinhas pelos alunos começou a partir do momento em que

se formalizou o trabalho com o Ieceblog no laboratório de informática, pois anteriormente só

havia um computador disponível para todos. O novo ambiente possibiltou que cada um ou cada

dupla pudesse usurfruir de um computador. Isso ampliou a proposta, promoveu a pesquisa na

internet e trouxe maior autonomia na hora de postar, reforçando o que queremos encontrar em

relação às práticas sociais na perspectiva dos multiletramentos, que ocupou um lugar

especial nas reflexões vindouras acerca do uso das tirinhas na confecção do blog escolar.

A seção envolvendo tirinhas, muito cogitadas pela turma de alunos do GRA, ocupava,

sob o olhar do adulto, um lugar marginalizado, de pouco trabalho e investimento. A seção

nunca trouxe comentários e, quando ocorreram, não havia coerência entre a postagem e o que

era comentado, como pode ser visto no fragmento escolhido. Cabe ressaltar que a ausência de

comentários não desestimulava os alunos a pesquisar tirinhas para o Ieceblog e que isso não

significa que os discursos não estejam circulantes, produzindo efeitos de sentido.

22 Dr. Pepper pode ser encontrado em <http://blog.drpepper.com.br/>. Acessado em 02.03.2013. 23 Cyanide and Happiness é uma série de quadrinhos para a web hospedada em Explosm.net, escrito e

ilustrado por Kris Wilson, Rob DenBleyker, Matt Melvin e Dave McElfatrick. (Tradução livre de “is a webcomic

series hosted on Explosm.net, written and illustrated by Kris Wilson, Rob DenBleyker, Matt Melvin and Dave

McElfatrick”, disponível em <http://knowyourmeme.com/memes/sites/cyanide-and-happiness>, acessado em

28.02.2013).

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Segundo Vargas e Magalhães (2012), as tirinhas têm grande aceitação no público

juvenil na idade escolar, um dos motivos que motivam o uso do gênero em sala de aula. A

presença do humor, faz aparecer, nesta pesquisa, as marcas do humor e do deboche de

maneira bastante óbvia pois é coincidente com umas das principais características usadas no

gênero. A imagem se faz presente, acompanhada de diálogos concisos que englobam recursos

icônico-verbais próprios que geram vários sentidos. É muito comum observar no gênero o uso

de balões, onomatopeias, metáforas visuais, figuras cinéticas etc. As tirinhas podem conter

personagens fixos ou não e geralmente apresentam desfecho inesperado que provoca o riso.

Como objeto de linguagem, a tirinha oferece sentidos múltiplos que espelham os valores da

corrente discursiva inerentes à sociedade contemporânea o que revela, ainda, a cumplicidade

de sentido entre linguagem imagética e linguagem verbal, aqui procurada.

O que mais surpreendeu em um trabalho que oferece certa liberdade de pesquisa em

sites de tirinhas foi o fato de crianças, pré-adolescentes, tão jovens, já conhecerem a fundo o

Cyanide and Happiness, com seu conteúdo tirânico, no qual eles se reconheciam como jovens

do século XXI, expostos à violência e às grosserias virtuais, muito mais do que os educadores

envolvidos com o Ieceblog.

Nesse contexto, o aluno do 5º ano, Roger24, que se sentia muito resistente a escrever,

não chegou a se destacar em seus textos, porém mostrou o empenho necessário na hora de

eleger a tirinha apropriada ao novo meio em que ela seria publicada, do site Explosm25 para o

Ieceblog, contendo uma crítica sobre o vício, no caso, sobre a ingestão excessiva do álcool.

Intransigente para escrever, Roger ora não se disponibilizava à escrita ora deixava o colega

produzir diante de sua postura passiva. Colocado, propositalmente, sozinho frente ao

computador, encontrou a melhor solução à sua produção para o Ieceblog – os sites de tirinha

viraram sua fonte predileta de pesquisa.

Sob a pressão do tempo de aula esgotado, ele sempre tinha uma tirinha apropriada para

postar, diferente de outros alunos que, nessa missão, se dispersavam e nem sempre tinham o

que oferecer. No meio a tantas palavras chulas, com agressões e violência, Roger selecionava

a pérola lisa entre as rugosas, tudo isso acompanhado de suas gostosas gargalhadas. Nunca

houve reclamações externas, como censura, em relação ao conteúdo da seção tirinhas, apesar

do humor negro e do absurdo nelas embutidos.

24 Roger – o nome original do aluno foi alterado para efeitos de pesquisa. 25 Página: <http://www.explosm.net/>

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Nesse sentido, Roger conseguiu circular por links e sites transgressores e extrair deles

o que poderia ser publicado no blog. Assuntos mais picantes envolvendo palavrões ou valores

duvidosos eram, por ele, questionados: “‘Merda’ pode entrar no blog?”. Esse fato aponta

para a busca pela adequação a partir da alteridade, que não necessariamente aparece na

postagem, mas é inerente à sua escolha. Outras questões, cujo teor era mais forte ou

provocativo, nem vinham à pauta, ele, afinal, os filtrava a partir do discernimento, usando o

seu reconhecimento sobre as distintas ideologias circulantes (ROJO, 2012) que não precisam

ser vistas como dicotômicas – as dos sites explorados, que fomentavam a transgressão, e as da

esfera escolar, que devem promover as adequaçoes de convívio social e de construção do juízo

moral dos alunos.

Considerando a leitura anterior necessária para extrair o material procurado de sites

com teor de escracho – em que o que o dito, muitas vezes, ocorre sem dar importância ao pudor

–, o ato de eleger uma tirinha que envolve a questão do vício, mais especificamente sobre o

alcoolismo e o comportamento incontrolável do alcoólatra, aponta para o dialogismo que

outorga o discurso duplamente orientado, no qual autor inclui, ao seu, o discurso do outro

(BRAIT, 2009) como pode ser observado na tirinha em destaque logo a seguir:

(Retirado do Fragmento 2)

No ato de eleição e busca pela adequação, o aluno situa-se na arena dos desdobramentos

de vozes, passa pelo conflito de consciências, depara-se com ideologias diversificadas, pela

palavra de outro(s), uma série de encontros e desencontros antes de eleger e, finalmente, se

posicionar em um blog aberto ao mundo dentro da esfera escolar. No ato de sua escolha, Roger

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não elege uma tirinha que valoriza o consumo da bebida e nem traz o argumento do viciado

sobre o careta tão presente nas rodas sociais em um país cuja economia está, altamente,

comprometida com a produção da cana-de-açúcar e a de seus derivados. A tira sobre o vício e

o viciado dá o tom de sua escolha, mesmo que ao arrematar a postagem, Roger não faça

nenhuma menção sobre o assunto e deixe para o interlocutor, apenas, a marca de sua intenção,

a do entretenimento que vem ao Ieceblog como suplemento destinado ao período festivo da

Páscoa, um festejo que, por sua vez, contém seus significados religiosos implícitos

contrastantes com os valores embutidos da tirinha, como se vê abaixo:

Para fechar o mês com chave de ouro, vamos mostrar um quadrinho!

Esperamos que se divirtam para que a páscoa de vocês fique melhor! (Retirado do Fragmento 2)

Ao final da postagem, o aluno se identifica através do seu nome, o que pode ser

analisado como um ato responsável com quem realiza a postagem e que confirma a

responsividade presente no discurso enunciado por um locutor cujo nome o torna autor

identificável.

Com o passar do tempo, nos acostumamos ao riso de Roger e ao seu sucesso e, também,

aprendemos que a escolha da tirinha adequada ao novo meio hospedeiro tratava-se de um

minucioso trabalho de leitura, esta concebida como um ato de significação que exige bastante

consumo de energia (RIBEIRO, 2007). O trabalho com as tirinhas realizado pelos alunos

mostrou que é possível frequentar os mesmos blogs e sites que eles visitam em geral e fazer

uso de seus conteúdos na escola. O trabalho reflexivo sobre a adequação do que se escreve e

para quem se escreve na esfera escolar se torna uma questão a ser valorizada, assim como se

procede com a gramática e ortografia.

Na concepção híbrida do gênero, o Ieceblog tornou-se o objeto de linguagem

responsável pela fusão cultural que envolve transgressão e adequação à nova esfera social.

Nessa perspectiva, o autor da postagem para o Ieceblog, o Roger, precisava lidar com dois

contextos aparentemente opostos e fundi-los, de modo que o profano passasse a ter voz em um

contexto educacional por excelência. Assim, é possível perceber que, na visão de

contemporaneidade, a ideia de convergência entre vozes opostas ganha força e se reposiciona

por meio do dialogismo que atua no tempo e no espaço (MACHADO, 2007). Isso vem evocar

uma concepção de cultura maleável e penetrável, mesmo que aconteça em uma esfera

considerada vedada às transgressões, como a escola. Dessa forma, se tornou possível abarcar a

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diversidade de vozes que transitam nos gêneros discursivos com suas representações ética e

estética para dentro do meio escolar, viabilizando ações mais significativas direcionadas aos

jovens autores do Ieceblog.

3.3 BIZARRAS: A IMAGEM INDISSOCIÁVEL DA LINGUAGEM

Fragmento 3:

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Disponível em: <http://ieceblog.blogspot.com.br/2009/10/bizarras-13.html>. Acessado em: 30 de junho

de 2013.

No período em que o Ieceblog completa um ano de existência, em 02.06.2009,

inaugura-se a seção Bizarras, que se tornou popular entre os alunos do GRA e veio fortalecer

o trabalho com imagem como parte relevante da linguagem na composição desse blog escolar.

Capturar imagens se torna um exercício prático e fácil de realizar, principalmente com o intuito

de usá-las para manter a perspectiva de um blog que sirva de divertimento para o interlocutor.

Para Santaella (2010), o código digital é um denominador comum para realizar traduções

integrando as mídias analógicas anteriormente separadas (fotografar, filmar, gravar, editar) em

novas arquiteturas audiovisuais que povoam as formas da multimídia interativa on-line. Dessa

forma, a tecnologia digital estende-se à função de selecionar e editar que era típica do produtor

para o usuário comum, em uma oferta ampla de escolhas em que o usuário pode retirar o

material desejado de um contexto e usá-lo em outro, acrescentando, se quiser, o texto híbrido

para reforço de sua intenção interacional.

Sob a premissa de que é impossível coexistirem linguagem e neutralidade, o efeito da

cultura da imagem no meio digital, geralmente, se revela no comportamento responsivo do

observador. Ao contrário do que se quer apontar, Souza (2003) diz notar o olhar direcionado à

imagem de um modo natural, sem muitas indagações e sem efeitos, o que no Ieceblog nem

sempre ocorreu. Nesse aspecto, o Fragmento 3 vem apontar que lidar com imagem no meio

virtual requer reflexão e posicionamento frente ao que se captura e ao que se posta,

considerando que, por trás de todo ato de linguagem, existem intenções que precisam ser

socialmente orientadas, até mesmo por lei26.

Cabe ressaltar que a imagem na esfera escolar não encontrou o seu espaço de valor

didático-pedagógico de privilégio quando tratada fora do meio virtual. A cultura da imagem

entrou na escola como apêndice ou mera ilustração: ela não fala por si e nem completa sentidos;

na melhor das hipóteses, ela vem para atrair o consumidor do livro didático. Mesmo assim, a

primazia da escrita nas escolas não se estende à exploração e enriquecimento dos sentidos por

26 Lei no 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, no artigo 159, regula o direito autoral sobre a imagem e

protege as pessoas vítimas de calúnia e difamação na internet, considerando que o uso indevido de imagem alheia

é crime.

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meio do diálogo, nem à articulação entre as linguagens escrita, oral e imagética. De certa forma,

também a produção escrita recai no empobrecimento didático, quando o foco está no que é

certo e no que é errado.

Para Rojo (2012), a escola precisa abordar trabalhos com gêneros digitais em sala de

aula, como agente de democratização dos letramentos, e considerar que existe uma mudança

na constituição dos sujeitos (alunos, pais e professores) que frequentam os ambientes. Essa

ampliação deve atender às demandas em que imagem, diversão, humor e gozação geram

interpretações que circulam não só na internet ou no meio dos adolescentes, mas fazem parte

constitutiva dos sujeitos em sociedade. Dar espaço para essas manifestações promove o embate

dos discursos sociais circulantes em dialogia.

Como entendemos, a extensão verbo-visual da linguagem participa de maneira ativa da

vida em sociedade, ela faz parte da constituição de sujeitos e identidades, formando um todo

indissolúvel na cadeia enunciativa. No que diz respeito ao meio digital, a imagem toma seu

lugar de relevância (LÉVY, 2010), abrindo-se para a imersão e acolhendo o explorador (leitor)

ativo ou até mesmo uma coletividade de trabalho ou de jogo. A charge, a fotografia, o banner,

a figura, o desenho, as tirinhas, a caricatura etc., tudo isso requer aprofundamento; camada

após camada a ser decifrada, para se construir inferências e se unir aos discursos.

Segundo as observações realizadas, e procurando, aqui, ressaltar a cumplicidade de

sentido entre linguagem imagética e linguagem verbal, boa parte das imagens da seção

Bizarras sugestiona a exposição do outro, provocado pelo estranhamento do que pode não

parecer normal e correndo o risco de se ancorar no estigma social. A imagem importada de

outro meio para o Ieceblog explora um tipo de humor, acentuando as marcas do humor e do

deboche em um gênero típico da gozação barata que circula na internet, nesse caso, que aponta

para um sujeito sem instrução, proveniente do comércio alternativo (o vendedor de rua, o pintor

de placas), colocando-o no lugar do ridículo, do erro, do cúmulo e do absurdo. A imagem

postada se transforma em um gênero que enuncia e, assim, torna-se responsiva. Por

conseguinte, o gênero que se compõe por meio da imagem traduz um riso debochado sobre o

sujeito de menor valia social. Daí a postagem se tornar algo a ser cuidado, pois a exposição do

outro implica, consequentemente, a exposição de quem importa e posta o que o outro produziu.

Compreende-se que, na sucessão de downloads27, este tipo de postagem, disseminada

pela internet, difere-se do flagrante comum; ela deixa de ser um flash fotográfico íntimo e se

27 Download significa transferir (baixar) um ou mais arquivos de um servidor remoto para um computador local.

É um procedimento muito comum e necessário quando o objetivo é obter dados disponibilizados na internet. Os

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populariza, provocando os “rsssss” e “kkkkkkk” nas multidões. A cultura dos “incultos” passa

a ser diversão entre as postagens mais procuradas na internet. No Ieceblog, ela vira motivo de

debate, quando quem posta tem que se responsabilizar e quem comenta não fica isento à crítica.

Não há dúvidas que o uso do “kkkkkkk” dos comentários está axiologicamente carregado de

risos, muitos risos, reforçados pelo ícone “ \o/ ”, representando uma pessoa que comemora com

os braços levantados a descoberta da imagem e a sua divulgação. A manifestação do riso, no

caso, da gozação à forma “inculta” de se escrever, também, aparece através do uso da letra em

caixa alta nos comentários, tudo isso para gerar sentidos e manifestar valores, como é possível

ver a seguir, nos três comentários que aparecem fazendo o uso de letra maiúscula:

KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK Adorei!!! Inacreditável!!

muito ingraçado KKKKKKKKKKKKKKK\o/\o/\o/\o/esse fala

portuquês

ESSE HOMEM É UM GÊNIO, VAI REVOLUCIONAR O

PORTUGUÊS NO BRASIL. VAMOS ADIMITIR, É UM GÊNIO! (Retirado do Fragmento 3)

Para os leitores desavisados, o uso ou não de letra maiúscula pode ser somente uma

opção na hora de escolher a letra, porém para o internauta, jovem e fluente no meio digital, a

letra maiúscula traz a palavra em forma de grito, como foi observado anteriormente no

Fragmento 1.

Torna-se senso comum a compreensão de que quem escreve sem respeitar as normas

ortográficas está factível à ridicularização. Na maioria das vezes, não se concebe que a norma

padrão (aquela que se ensina) é um instrumento de dominação, por conseguinte, de exclusão.

Segundo Bagno (2007), a historicidade do surgimento da norma padrão revela a imposição de

uma minoria europeia dominante sobre a cultura, a religião e o modo de falar dos dominados e

escravizados, o que ainda está muito presente em nossa sociedade no início do século XXI.

Em se tratando de alunos na escola escolhida para subsidiar a pesquisa, na sua maioria,

brancos, filhos de pessoas instruídas e pertencentes a uma elite intelectual, o estranhamento

com o modo de escrever exposto na imagem vira diversão. Os erros ortográficos, presentes na

imagem, associados aos comentários iniciais entram no jogo do cômico, usando uma

linguagem forjada, de propósito, para reforçar o sentido do humor. Outros erros aparecem, mas

arquivos para download podem ser textos, imagens, vídeos, programas etc. Disponibilizado em

<http://www.significados.com.br/download/>.

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sem o cuidado ou consciência do autor (aluno), promovendo o alerta, entre os comentários, de

que, ao se criticar erros, pelo menos, é preciso se ter o devido cuidado com a norma. Essa busca

pela adequação a partir da alteridade se vê claramente no comentário abaixo:

j.p. pare de reclamar do(ª) pobre, pq escrever ad"I"mitir é pior q

"tapióca fazida na hora" (Retirado do Fragmento 3)

Diante da visão das práticas sociais na perspectiva dos multiletramentos, é possível

perceber que a postagem em forma de imagem promove a interação verbal dialógica. O leitor

pode ou não transgredir as relações de poder e, mesmo assim, ficar no silêncio. Entretanto,

alguns comentários surgem a partir do verbo, eles traduzem aceitação e transgressão em

diálogo. Simplesmente debochar sai do óbvio e se volta à crítica, a qual oferece o direito de

falar e escrever aos que não tiveram o direito de estudar. Também fica a advertência aos mais

descontraídos de que, ao se falar sobre o erro do outro, deve-se cuidar, primeiramente, dos seus

próprios erros.

3.4 VÍDEO DA HORA: O FOCO NO CONSUMO

Fragmento 4:

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Disponível em: <http://ieceblog.blogspot.com.br/2011/08/video-da-hora-15-galera-

do-5-ano-indica.html>. Acessado em: 30 de junho de 2013.

Entre momentos de reflexão e outros de completo abandono à diversão, a seção Vídeo

da hora veio compor o Ieceblog a partir de 22 de fevereiro de 2011. Não que antes os vídeos

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não fossem assistidos durante os encontros do GRA, mas postá-los era um conhecimento ainda

a ser descoberto pelos realizadores do Ieceblog, e o que fazer didaticamente com eles, no

horário dedicado ao GRA, ainda se mantinha na área dos questionamentos.

O fácil acesso aos vídeos, a partir da chegada da Web 2.0 (em 2004) e, logo depois, do

Youtube (em 2005), estendeu aos blogs a veiculação da imagem em movimento sob a forma

de vídeos. A TV, o rei da audiência do século XX, passa para o segundo plano entre os

internautas ou é simplesmente substituída pelo computador e demais aparelhos que se

conectam à rede. No final da primeira década do século XXI, os jovens não se ocupam tanto

com os programas televisivos por meio da TV aberta ou fechada, tudo pode ser encontrado na

internet antes mesmo de chegar às emissoras, principalmente, quando se fala sobre os vídeos

mais acessados.

Na perspectiva de acessar o que há na web, os internautas compartilham e multiplicam.

Portanto, sob a importância do compartilhamento foi que se estabeleceu o critério de seleção

deste fragmento (4). Ele foi eleito tanto por ser o vídeo postado no Ieceblog que continha o

maior número de comentários (18), como por causa do grande número de visualizações desse

mesmo vídeo quando veiculado no Youtube. O contador de número de acessos na casa dos

milhões aponta para o alto grau de popularidade do vídeo em discussão, quando a força social

do ciberespaço é vista como espaço de compartilhamento.

O vídeo de um minuto e onze segundos divulga um produto de caráter extremamente

comercial, uma pick-up Frontier da marca Nissan. Colocado em destaque entre tantos outros

produtos da Nissan, um carro dessa categoria só pode ser adquirido, por poucos, pela exata

quantia de R$ 84.990,00, como vem anunciado. O vídeo escolhido, direcionado ao público

amplo, se tornou popular entre os pequenos jovens do GRA que detectaram o seu grande

número de visualizações, 15.002.35428, no Youtube. A marca japonesa, que veicula seu

produto à mídia, aposta nos pôneis malditos, um meio criativo para aumentar o número de

vendas, como podemos visualizar na postagem do Youtube destacada a seguir.

De aspecto extremamente afável, os pôneis malditos fazem refletir sobre a

cumplicidade de sentido entre linguagem imagética e linguagem verbal. Os pôneis se

travestem nas cores rosa, lilás, amarelo, azul claro, em tons bebê; todos dispostos em forma de

carrossel, unindo imagem ao som (música e letra) ao cantarem, alegremente, uma música cuja

entoação infantil contrasta com sua letra provocativa e com o desespero do motorista atolado

28 Disponível <http://www.youtube.com/watch?v=X3yGSJE53kU>, acessado em 14/03/2013.

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na lama. Por meio do jingle “enjoado”, os pôneis se assujeitam à figura do motorista atolado

instigando os milhões de espectadores que os escutam cantando:

Pôneis malditos

Venha com a gente atolar

Odeio barro, Odeio lama

(Que nojinho)

Não vou sair do lugar

(Te quiero)29

A música irritante, em tom de implicância, surte o efeito da “maldição”: a musiquinha,

literalmente, gruda na cabeça do interlocutor, como revela a maioria dos comentários

observados, comprovando, afinal, que a “maldição funcionou”.

A propaganda veiculada à mídia não só visa alcançar audiência televisiva; pretenciosa,

ela se lança de maneira lúdica na voz de um pônei maldito enfurecido, a voz da ameaça, tão

comum, encontrada nas correntes – “É o seguinte, se você não passar este vídeo, agora, para

10 pessoas, você vai sofrer a maldição do pônei, vai ficar o resto da vida com essa música na

cabeça” – com a intenção explícita de se tornar um vídeo muito acessado na internet, uma

persuasão subliminar garantida por meio do compartilhamento voluntário.

Lemos (2010) defende o ciberespaço aberto em oposição a um sistema

hierarquicamente fechado, pois, criado pelas comunidades multidirecionais, estabelece o jogo

comunicativo sem pertencer a uma entidade central. Entretanto, no caso específico em que o

vídeo da Nissan é importado para o Ieceblog, o discurso hegemônico atinge a maioria que se

diverte, quando o fluxo da informação que circula, aparentemente anárquica, tem por origem a

centralização do poder voltado às forças discursivas de domínio do consumo. Isso também

mostra que os discursos dominantes têm influência mesmo em grupos ou populações para as

quais as postagens não se destinam originalmente.

Imagem, música e falas (em áudio) de diferentes personagens, unidos em vídeo,

manifestam-se por meio de discursos congruentes que se agregam aos valores do capitalismo

leve (BAUMAN, 2000), o qual alerta que seu carro, com pôneis e não com cavalos, torna-se

descartável – não serve mais. É hora de trocá-lo por outro mais atraente, moderno, isto é, por

um “top de linha” da Nissan, como aparece em um comentário solitário de um interlocutor:

29 Fonte:< http://letras.mus.br/temas-de-comerciais/1940201/>

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a nissan tirando onda com a toyota pq tem mais força (Retirado do Fragmento 4)

Com valor ideológico centrado no consumo ingênuo, sem promessas de durabilidade,

o consumidor da era digital se volta para o que há de mais atual. O que está por trás não são

exatamente os carros fortes e duradouros, como pode parecer no vídeo, o que importa é levar

a Nissan como marca de peso ao consumidor viciado em consumo, do mais rico ao mais

popular.

Não se trata, então, do carro forte, indestrutível que passa em qualquer lugar, inclusive

na lama. O que há pela frente, à espera de quem está na linha de largada para o consumo, é a

corrida pela substituição do produto antigo pelo novo. É o rally das compras, das trocas, da

intensa e interminável busca pelo aperfeiçoamento nunca alcançado, pois o que você comprou

pensando que era novo e melhor, a partir do momento da compra, já se tornou velho possui

menos valor – algo melhor já está no mercado à sua espera.

Curioso perceber que a propaganda subliminar se insere dentro do enunciado proferido

pelos pôneis, por isso a mensagem chega aos jovens em forma de brincadeira ingênua; quando

a intencionalidade está focada na capacidade de um jingle, idiotizado, de construir as

consciências (VOLOCHÍNOV, 2006) – do consumidor em potencial ao indireto, ao que indica,

ao que está em formação –, procurando atingir a todos, pois, independentemente de situação

financeira ou de idade, o importante é dominar o sujeito.

Segundo Volochínov (2006), o direcionamento da palavra a cargo do interlocutor tem

enorme relevância, pois ela constitui o produto da interação entre locutor e interlocutor. Toda

palavra, por mais ingênua que pareça, até mesmo o riso, tem por objetivo provocar

responsivamente o outro. Através da palavra enunciativa, o sujeito se posiciona em relação ao

outro e em relação à coletividade, uma espécie de elo entre o sujeito que enuncia e os outros,

quando a palavra se torna território comum. Nesse sentido, locutor e interlocutor se confundem,

o interlocutor passa à posição de emissor, pois basta rir ingenuamente para demonstrar

aprovação, como vemos no comentário destacado abaixo reforçando as marcas do humor e

do deboche procuradas:

eu acho engraçado e por mais que eu veja repetidamente não vou me

cansar de escutar essa musica porque é muito fofo ver os pôneis e eu gosto

da parte da maldição eu fiquei vendo só a parte assim pôneis malditos

pôneis malditos lalalalalalala por 10 minutos eu e minha prima fizemos

uma aposta (Retirado do Fragmento 4)

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Sob a visão dos multiletramentos, a postagem contemplou as mídias de forma

conjugada, promoveu envolvimento dos interlocutores pelo viés dos comentários escritos,

entretanto não desenvolveu um trabalho no contrafluxo do discurso dominante ancorado no

gênero publicitário, que induz e seduz o interlocutor. Sob o olhar das práticas sociais na

perspectiva dos multiletramentos o evento se fixou no entretenimento e fez perder uma boa

ocasião para o aprofundamento. O fato de se abrir um espaço para o material surpresa trazido

pelos alunos, por vezes, fica sem o direcionamento pedagógico pré-estabelecido, o que se

espelhou na falta de percepção momentânea do adulto para uma grande oportunidade de se

discutir sobre o que há por trás dos pôneis malditos e de uma empresa automobilística recém-

chegada (desde o ano 2000) ao país, ansiosa por ampliar a sua fatia de vendas no mercado.

Conforme Oliveira (2010), a experiência que os alunos, mais letrados do que seus

professores, têm com os gêneros digitais deveria implicar um novo olhar sobre o ensino e

aprendizagem das práticas discursivas na escola. Mas, mesmo assim, diante dessa assertiva, a

autora questiona sobre qual seria o papel da escola diante da informatização dos gêneros. Nesse

sentido, não há mais dúvidas de que é preciso tirar proveito dos enunciados circulantes no meio

virtual, abrir os olhos dos alunos para as ideologias com que dialogam e, como em qualquer

situação de leitura e escrita, torna-se importante apontar para os posicionamentos axiológicos

diante do que é visto, dito e lido.

Entretanto, o equívoco pode estar no mito que se fixa, de se pensar que o fato de alunos

possuírem mais domínio sobre os recursos tecnológicos do que professores significa que os

primeiros são mais letrados em todos os sentidos. Essa percepção duvidosa que se encontra no

discurso popular e acadêmico, de que os jovens que dominam as tecnologias sabem mais do

que os adultos, parece fragilizar e inibir a autoridade do saber, o professor. Assim, cabe a ele

com suas competências, bagagem e formação se reposicionar junto aos seus alunos, abrir-se

para as novas tecnologias e as novas formas de ensinar mesmo que não as domine, pois ele

também pode aprender.

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3.5 CONCURSO DA VEZ: EXPOR OU NÃO EXPOR?

Fragmento 5:

Disponível em: <http://ieceblog.blogspot.com.br/2009/10/concurso-da-vez-3.html>. Acessado em: 30

de junho de 2013.

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Postagem referente à resposta do CONCURSO DA VEZ (3) – (2ª parte)

Disponível em: <http://ieceblog.blogspot.com.br/2009/11/resultado-concurso-

da-vez-3.html>. Acessado em: 30 de junho de 2013.

A seção Concurso da vez, criada em 19/08/2008, teve boa aceitação por um longo

período, e essa postagem em específico contém 51 comentários (não moderados), o que a torna

um material rico a ser explorado em busca do dialogismo presente no discurso, acrescentando

novos significados aos valores subjacentes encontrados no Ieceblog.

A fim de atrair os alunos da escola à visualização e aos comentários no Ieceblog, o

fragmento se enuncia por meio de um gênero peculiar que se adequa, mais especificamente, a

um anúncio. Nele, se convoca o leitor a participar de um concurso, manifestado em uma

linguagem concisa, sem se delongar entre maiores explicações. A simplicidade e a objetividade

dão o tom da postagem, na qual se condensam vários enunciados culturalmente reconhecidos

para formar o todo discursivo, nesse caso: o título, a imagem artística, a legenda explicativa

sobre a obra erudita de Frida Kalo, a pergunta provocativa e informal, a divulgação contendo

normas de participação, a observação didática sobre a ortografia e ainda, como em todas as

postagens de um blog, data, hora, número de comentários e os próprios comentários. Nesse

sentido a postagem condensa todos os critérios a serem aqui lembrados:

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as marcas do humor e do deboche;

a busca pela adequação a partir da alteridade;

a cumplicidade de sentido entre linguagem imagética e linguagem verbal;

as práticas sociais na perspectiva dos multiletramentos.

Apesar de o enunciado descontraído, “O que é que o macaco aí tá pensando???”

retirado do Fragmento 5, doravante denominado de F5, entre outros da mesma categoria que

manifestam as marcas do humor e o deboche, como o “hihihi” (retirado do F5), o didatismo

se torna presente em várias instâncias da postagem no uso intensificado das práticas sociais

na perspectiva dos multiletramentos. A imagem de uma pintora mexicana consagrada,

símbolo do feminismo e da liberdade, vinculada ao Concurso da vez em nuança lúdica,

disfarça o objetivo pedagógico, mas sem dúvida afeta a cumplicidade de sentido entre

linguagem imagética e linguagem verbal. Atrelar o lúdico à oportunidade de alunos tomarem

um contato periódico com obras clássicas é um dos propósitos da postagem, visto que o próprio

título da seção “Concurso da vez” adverte sobre o seu retorno – outros concursos como este

ainda estarão por vir. Mais adiante, a observação enunciada no mesmo Fragmento 5:

“Baseando-se na nova ortografia, a escrita certa deste termo seria autorretrato.”, aponta para

a preocupação com o modo correto, segundo a norma, dos alunos escreverem. O modo

descontraído de enunciar não consegue mascarar os fins escolares formais e faz emergir,

novamente, a busca pela adequação a partir da alteridade.

Para além da postagem em si, seguir à risca as normas de participação do concurso e se

responsabilizar por elas demandou toda uma engrenagem especial para os agentes que se

encontravam nos bastidores do Ieceblog a fim de que o evento, o Concurso da vez, viesse

acontecer. Ao perceber-se que se tratava de uma agência de letramento mais complexa no

processo de confecção do blog, todos do GRA precisavam retomar uma postura de

engajamento maior para produzir os efeitos de participação ativa dos interlocutores em forma

de comentários. Por isso, como norte para a efetivação do concurso em conjunto com os alunos,

foi produzido um pequeno projeto de letramento, o que ativou e amarrou, no compromisso

coletivo, o passo a passo a ser seguido, como pode ser observado no que diz respeito as

práticas sociais na perspectiva dos multiletramentos no projeto a seguir:

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PROJETO CONCURSO DA VEZ

O que é o concurso da vez?

Vamos eleger um pintor e uma obra famosa que contenha um personagem, uma alusão

à figura humana, para que os alunos possam inventar uma frase de efeito comunicativo e assim

concorrer ao prêmio – uma barra de chocolate.

Porque achamos que é importante esse concurso?

Porque vai favorecer a estética do nosso blog, vai divulgar um artista famoso e sua obra,

vai fazer a galera pensar na frase, conhecer e usar o blog, porque achamos que vai ser divertido

e vai entreter o pessoal, vai fazer a gente trabalhar e se divertir também.

Para que vamos trabalhar para esse concurso?

Para aprender também, quando a gente procura e discute a gente aprende como mexer

em tudo, no computador, nos textos, aprende a decidir qual a frase que vai ganhar e se sente

importante.

Como vamos trabalhar para esse concurso? Temos que seguir o que combinamos:

1. Determinar data para o concurso;

2. Escolher um pintor;

3. Pesquisar sobre o pintor;

4. Escolher a obra de arte;

5. Salvar no arquivo GRA;

6. Determinar quem vai comprar o prêmio dessa vez;

7. Fazer uma breve biografia sobre o artista;

8. Salvar no arquivo GRA;

9. Combinar os detalhes sobre o concurso;

10. Escrever sobre o concurso, como se procede;

11. Adequar tudo à linguagem do blog;

12. Salvar no arquivo GRA;

13. Anexar todo o material no e-mail [email protected];

14. Postar o concurso no blog;

15. Divulgar o concurso no mural da escola e no mural do GR mural;

16. Anunciar na sala de informática;

17. Fechar o concurso dois dias antes (numa 4ª feira);

18. Recolher os comentários com as frases dos participantes (na 5ª feira);

19. Anunciar o vencedor na assembleia (numa 6ª feira);

20. Publicar o resultado no mural da escola e no blog

21. Avaliar o concurso, o nível das respostas e o número de comentários que colocaram. (Retirado dos arquivos pessoais da pesquisadora escrito em 20 de junho de 2010.)

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O projeto visto como prática de letramento (OLIVEIRA, 2008), quando está presente

no cotidiano do professor, soma-se às ações política e ética que preparam o aluno à conquista

de sua autonomia, sedimentada pelos pilares do desenvolvimento da consciência e da

responsabilidade social. A perspectiva transdisciplinar de conhecimento, numa visão aberta ao

currículo escolar, rompe com as concepções de tempo e espaço (hora-aula e sala de aula) e com

os processos hierárquicos tradicionais em que só o professor ensina.

Portanto, o projeto de letramento na escola precisa conter, em sua intencionalidade

principal, aprender no uso social da leitura e da escrita, tanto no plano individual como no

coletivo, voltado ao ensino da língua como objeto de atividade funcional em interação verbal

(ANTUNES, 2010). Nesse enfoque, o ensino da língua desloca sua primazia sobre o

conhecimento linguístico (compreendendo apenas o lexical e o gramatical) e, por meio das

rotinas comunicativas, passa a valorizar mais o conhecimento de mundo, a ação verbal

referente aos gêneros usados e abre um lugar maior ainda para as realizações multiculturais,

considerando os domínios discursivos de diversas esferas sociais, nos quais circulam valores

que se encontram em diálogo que podem se cruzar em diálogo com os dos alunos em formação.

Assim, ler e escrever para um blog escolar como o pesquisado, muitas vezes, requer

ações práticas, em tempo real, direcionadas ao meio digital dentro de uma ambientação de

produção que se desencadeia na interação verbal. Diante das visualizações e dos comentários

que acontecem no Ieceblog, organiza-se um planejamento em que o aluno possa desenvolver

competências que se voltam ao uso do computador ligado à internet, considerando máquina,

softwares, aplicativos, ferramentas e, principalmente, na ponderação frequente de que o que se

está lendo ou escrevendo em rede ocorre para o outro que espreita. Todo esse procedimento

requer sucessivas adequações que se seguem desde a escolha das palavras, ao uso ou não da

norma, ao tipo de gênero a ser usado, ao domínio discursivo em circulação e relevando,

também, a adequação à esfera de produção. As interações, sejam elas verbais ou semióticas,

consideram, simultaneamente, os recursos disponíveis, portanto, em tempos de leitura e escrita

virtual, elas demandam uma organização prévia direcionada ao olhar analítico e crítico tanto

do professor como do aluno em constante avaliação. Cabe entender que as práticas discursivas

se realizam através da linguagem independente do meio em que se realiza. Sendo assim,

pergunta-se: de que modo é possível a escola expandir seus trabalhos de leitura e escrita mais

voltados às práticas discursivas?

Nesse contexto, o que se espera do aluno é que ele desenvolva vozes independentes nos

discursos públicos (BAZERMAN, 2010), que possa ser crítico, reflexivo e criativo – autor

original dentro da cadeia discursiva. Mas como dar um espaço real para os propósitos escolares

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que envolvem o aperfeiçoamento da língua materna em domínios discursivos diversificados,

se não há valor às próprias práticas sociais que surgem dentro da própria escola?

Voltado para a exploração dos gêneros circulantes, tanto os do contexto escolar como

os da sociedade em geral, a ideia de letramentos amplia a concepção curricular verticalizada

para uma dimensão que favoreça oportunidades ao aluno, envolvendo-o nas práticas de

planejamento, avaliação e até mesmo na gestão escolar. Nessa concepção, cada detalhe do

projeto foi discutido e apresentado no coletivo, direcionando o Concurso da vez ao sucesso,

isto é, numa perspectiva discursiva de colher audiência.

O Passo a passo descrito no projeto acima vem, categoricamente, listado com o

emprego do verbo na forma infinitiva, respeitando o cânone do gênero planejamento – o que

todo professor preza em saber. Nesse sentido, o projeto revela o forte posicionamento

pedagógico embutido na postagem, de que o concurso no Ieceblog não é só para se divertir, os

alunos do GRA estão ali para aprender, se comprometer, seguir uma ordem, mesmo que em

um segundo momento possam se descontrair. Portanto, na visão dialógica de um blog realizado

na esfera escolar, ao se planejar, foi preciso evidenciar a alteridade, prever a responsividade

nos propósitos de ativar a palavra escrita do outro como resposta apropriada para concorrer.

Construir o projeto de letramento estabeleceu uma cumplicidade entre os participantes

do GRA, fortaleceu as amarras institucionais voltadas para o aprendizado, considerando a

linguagem como prática social. Desse modo, os alunos manifestaram suas ideias, buscaram

soluções, se posicionaram, avaliaram e procuraram adequar o projeto não só ao sucesso assim

como à sua continuidade.

Eleger o enunciado vencedor foi, para os integrantes do GRA, uma missão analítica

sobre a linguagem (ANTUNES, 2003). O momento de reflexão sobre os comentários dos

participantes no concurso envolvia a comissão julgadora em um trabalho metalinguístico

delicado. Competia perceber se a resposta:

caberia no balãozinho saída da boca do macaco;

apresentava-se concisa em suas ideias;

provocaria a reação do riso no público;

mantinha adequação ao contexto.

O que se elege como resposta vencedora, “Mãe, tô na net!”, agrega os atributos

destacados acima justamente por sua forma infantilizada de enunciar, muito comum em

programas televisivos de grande audiência infantil. O macaco falante que se encontra na

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postagem resposta (ver segunda parte do F5) tira gargalhadas do público na assembleia no dia

da premiação, o que provoca no GRA a sensação de missão bem cumprida.

Nos entremeios da responsividade e da alteridade, Bakhtin (2010) confirma que o

locutor embrenha-se no campo do ilocutor, constrói a sua enunciação no terreno alheio, no

círculo subjetivo do outro. Nessa visão, a dialogicidade do concurso carrega o caráter

provocador, orientado ao leitor, na perspectiva antecipada de sua resposta, quando o que se

busca, na forma retórica, é a participação em massa dos alunos da escola em busca de uma

única resposta que se adeque às regras do concurso. Assim, o que se divulga é apenas um entre

uma série de enunciados em forma de comentários que procuraram se aproximar ou, melhor,

atingir a satisfação da “comissão altamente capacitada” (retirado do F5, o GRA).

A possibilidade do blogueiro de moderar, ou seja, de publicar ou não os comentários,

favoreceu a exibição de apenas um entre os 51 comentários realizados, o que nos faz retornar

ao critério de análise que envolve a busca pela adequação a partir da alteridade. A

participação em massa dos alunos ao responder a pergunta “O que é que o macaco aí tá

dizendo?” é escondida do público. A forma exageradamente descontraída de alguns alunos ao

escrever seus comentários chama a atenção aos olhos da crítica dos responsáveis pelo blog, e

exacerba a consciência de que o Ieceblog se constitui dentro da esfera escolar, por isso os

“erros” não podem ficar escancarados. Nessa hora, a discussão sobre postar ou não postar, entre

os realizadores do blog, vem preservar a exposição à negligência, quando retomar cada

enunciado com cada aluno se torna uma missão impossível e ao mesmo tempo não proveitosa.

Cabe entender que os comentários não moderados, os não publicados, podem ser

visualizados na configuração interna do Ieceblog, e, para possibilitar maior entendimento sobre

os argumentos de pesquisa, estão expostos abaixo:

Tabela 5: Comentários não moderados do CONCURSO DA VEZ (3).

1. ainda bemque eu tô na pintura se não ela seria horrorosa.

2. ela e mais feia do que eu em

3. Que mulher feia pra que pintar ala. Me pintem que sou mais bonito

4. essa bicha tem mais pelo que eu

5. Mãe to na net.

6. Que mulher feia!Mas tomara que eu saia bem no quadro!

7. O macaco sou eu ou é ela?! (ou ele?)

8. que peido hein?

9. que pena que eu casei com ela.

10. esse mestre ta me enchendo o saco alem de nao pagar cache quer que eu fassa a

posse de satisfeito!

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11. Cara, que fantasia maneira para o haloween!!!

12. eu não devia estar aqui

13. diga x

14. uma banana não satisfaz ninguem, duas bananas satisfas humanos, 3 bananas

satisfaz uma vaca e nenhuma banana me satisfaz!

15. e nóis na foto.

16. Homem ou Mulher? Eis a questão!

17. Do jeito que esses humanos comem bananas elas vão ser EXTINTAS!!

18. EU DIVIA SAIR MELHOR QUE ESSA FEIOSA

19. “devo colocar bigode.mais não que nem essa mulher se naão vãO ACHAR QUE

SOU HOMEN DAS CAVERNAS.”

20. Nunca pegou em uma pinça não é? Oh sobranselhuda.

21. bunitinha !

22. pareçe comigo

23. que patetico fotos de novo, desse jeito vou cobrar mais bananas!

24. meu deus QUE MICO !

25. hoje, o chefe nõ vai me dar nenhuma banana... tenho 100% de certeza

26. Xii... O mestre tá brabo, acho que ele não vai me dar bananas no almoço...

27. que bicha feia!

28. tenho que sair bem na foto

29. Huuuummm... quem sabe se eu ficar aqui, no ombro, eu chame mais atenção do

que essa monstrocelha?

30. eu acho que ele ta com raiva da milher.

31. ele esta pensando por que essa mao esta me tocano aqui atrás

32. eu acho que ele estava pensando em colocar chifre na mulher

33. pesando em comer banana em

34. Socorro ! Um monosselha pré-histórico !

35. Que mulher mais feia.Tem tanto dinheiro e não faz nem uma plastica.

36. devo colocar bigode.mais não que nem essa mulher se naão vãO ACHAR QUE

SOU HOMEN DAS CAVERNAS

37. Oh mulher buita para diser ao comtrario

38. pq eu estou com essa mulher?

39. cadê minha banana?????????????

40. batata!

41. Oh mulher feia da bexiga!!!

42. Quero sair bem na foto. Mesmo com ela!

43. Quero sair bem na foto. Mesmo com ela!

44. Quero sair bem no quadro, mesmo com ela!

45. Quero sair no quadro bonito, mesmo com ela.

46. somos parecidos?

47. bate logo eata foto! ta demorando! vai logo!

48. Ai dona se tem uma banana ai?

49. Nunca ouvio falar em fazer soubrancelha? É percebi!!!

50. coitadinha ta com uma monocelha

51. Essa mulher ta precisando de uma depilação no bigode e na sobrancelha Fonte: Painel de configuração do Ieceblog – acesso restrito ao moderador. Acessado em: 30 de junho de 2013.

A decisão de não publicar os comentários pareceu ser uma atitude responsável, na qual

se estaria preservando o aluno e não revelando ao público que a instituição que promove o

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Ieceblog deixaria passar o que é considerado “errado” segundo a norma culta, valorizada pela

comunidade de pais e alunos pertencentes, principalmente, a essa escola. Por outro lado,

comentários interessantes e divertidos deixaram de ser publicados, principalmente na seção

Concurso da vez. A censura veta o erro para não se expor, já que o posicionamento escolar

valoriza a questão ortográfica e gramatical segundo a norma. Tal valorização está explícita na

seguinte observação do final do fragmento estudado: “Baseando-se na nova ortografia, a

escrita correta deste termo seria Autorretrato” (retirado no F5).

O que se percebe é que, mesmo que com toda a preocupação sobre a forma culta de se

escrever na escola, nem todos os alunos estão atentos – vários comentários estão carregados de

transgressões e outros, ao julgo do certo e do errado segundo a norma culta (FARACO, 2008),

afastam-se do cânone. Portanto, cabe questionar: Por que motivo em outras postagens (ver os

fragmentos F1, F3, F4) alguns comentários, mesmo que “errados”, conseguem passar pelo

crivo do certo e do errado e outros não?

Dentro dos propósitos direcionados a uma maior liberdade de expressão como aparece

nos blogs destinados ao público adolescente (RIBEIRO, 2007), estimula-se, no Ieceblog, o uso

de ícones, abreviações e substituições de letras e se cuida para que os “erros” ortográficos e

gramaticais sejam evitados; a maioria dos textos produzido pelo GRA não está isento de

“erros”, porém nenhum vai para a web sem uma revisão e olhar do adulto. Mesmo assim, diante

das possibilidades que o gênero digital promove, submetido às novas linguagens que emergem,

o que seria considerado certo ou errado? O que pode e o que não pode ser postado no Ieceblog?

Autorizar uma liberdade, ainda que controlada, faz parte de um ambiente de produção

textual responsiva, um local de interação em que o usuário pode criar novos sentidos de valores

através de sua própria produção. Nos estudos mais recentes sobre a linguagem, encontra-se

que, no meio digital como o blog, “os aspectos normativos ortográficos da Língua Portuguesa

são relegados a segundo plano” (CAIADO, 2007; p. 39); o que a corrente normativista

considera “erro” a variacionista interpreta como forma de identificação e interação social.

Perante toda a visão de abertura às novas concepções de linguagem que enfatizam a

interação, existe uma fenda que dicotomiza as ideologias ainda dissidentes de uso de linguagem

e a do ensino estruturalista da língua. O que é considerado um “erro” carrega seu valor

dominante de destituição e de menor valia, ainda muito presente na sociedade. Portanto,

aprofundar o olhar para o que é adequado ou inadequado demanda reflexão, debates e estudo

não só no meio acadêmico como também nas escolas.

Nessa busca entre o que é certo ou errado, o que foi percebido é que, mesmo a ortografia

estando no plano secundário, os usuários do Ieceblog não podem criar suas próprias regras na

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mesma proporção que o fazem em outros ambientes que não é o escolar. O blog escolar não

pode ficar isento às várias adequações que estão, a todo o momento, suscetíveis às forças de

restrição. Portanto, atentar à ortografia é apenas mais uma questão a ser cuidada quando se

trabalha com leitura e escrita dentro das concepções de interação nas práticas sociais.

No caso da adequação ou não à norma, a brincadeira embutida no concurso deu o tom

debochado à boa parte dos comentários; em busca do humor, a descontração pareceu legitimar

a falta de ordem, o que evidencia as marcas do humor e do deboche como um dos critérios

de análise a ser visto na citação a seguir:

devo colocar bigode.mais não que nem essa mulher se naão vãO ACHAR

QUE SOU HOMEN DAS CAVERNAS. (Retirado da Tabela 5 – comentário no 36 )

A maioria dos comentários não segue esse padrão tão desarrumado segundo a norma,

mas quase todos têm alguma questão a ser revista – dos 51 comentários expostos, poucos são

os que se salvam. A exemplo do comentário acima destacado, pode-se refletir que, mesmo que

ele produza sentido e responsividade, atendendo ao que se pede na postagem, o “erro” agride

os olhos críticos do moderador. Pode-se notar:

o mais no lugar do mas;

o n no final da palavra homem;

a falta de uniformidade das letras até na mesma palavra (vãO);

a omissão de pontuação;

o início de letra maiúscula no início da frase.

Outra questão a ser considerada em relação à postura relaxada frente à tela de qualquer

aparelho virtual é que, no caso da digitação rápida, ela traz consigo o viés do atropelo sobre as

letras a serem digitadas. Por vezes, não se erra apenas porque não se sabe a norma, mas porque

se digitou rápido demais, sem a presença de um corretor automático, que nem sempre ajuda

(ou pode até mesmo atrapalhar). Mesmo assim, cabe entender que, na questão ideológica sobre

a escrita circulante na escola, o que se espera é que a escola dê conta de uma revisão impossível,

quando o que se quer é que o aluno passe por múltiplas experiências de escrita. Pergunta-se

então: o que seria mais importante, ampliar as oportunidades de escrita ou só realizá-las quando

houver garantia de policiamento e correção?

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Na cadeia enunciativa, os “erros” também se inserem na interação. Mesmo que

exclusos, eles se processam na brincadeira, na descontração ou no desleixo que, embora tragam

significados aplicáveis ao que se anuncia na postagem (conforme se vê nos comentários do

Fragmento 5), carregam um sentido de desconforto responsivo refletido no senso crítico do

GRA.

Na dúvida entre o que é erro e o do que não é erro, Caiado (2007) identifica dois tipos

de usuários adolescentes da escrita digital: aquele que inova e transgride, pois se apropriou da

norma e é capaz de brincar e criar, e aquele que, influenciado pela transgressão proposital, viola

a norma, porém possui maior dificuldade para se adequar à escrita nas variadas demandas

escolares. Entretanto, o que se vê vai além do limite que se expõe entre o aluno que sabe e o

que tem maior dificuldade. Outras questões penhoradas ao erro traduzem valores socioculturais

difíceis de definir ou de classificar, porém, mesmo que sem muita explicação plausível, ora

eles são aceitos ora não, assim como acontece na oralidade nos mais distintos meios sociais.

No envolvimento com o que é certo ou errado, iniciamos conversas internas no GRA

sobre o assunto e levamos a questão ao restante dos alunos do Ensino Fundamental II. Sem a

pretensão de qualificar o que era certo ou errado ou mostrar um modo adequado de interagir, o

GRA mostrou exemplos, promoveu o debate e fez aflorar a percepção sobre o quê e como se

escreve. Diante do estranhamento com a linguagem, como ela chega à escola pelo caminho

virtual, e também com a rapidez com que as mudanças ocorrem, entendeu-se que era hora de

exercer a função mediadora e clareadora sobre a influência das novas tecnologias no que diz

respeito à interação, e, consequentemente, ao comportamento humano em si. Nesse momento,

compreendeu-se melhor que o debate sobre o erro seria um entre tantos outros assuntos, a serem

abordados com alunos, pais e professores, concernente ao uso das tecnologias e sobre o que se

lê, se produz e se posta no meio digital.

Para além dos erros e da premiação, os comentários vetados carregam seus valores, que,

por sua vez, apontam para os sujeitos e seus posicionamentos, reforçando a ideia de que a

palavra não é neutra e está prenhe de intenções (BAKHTIN, 2010). Cada esfera, em dado

momento e com seus propósitos enunciativos particulares, provocam respostas distintas,

provenientes de sujeitos diferentes, pertencentes a um mesmo meio social. Entretanto, é

importante salientar que as respostas que se repetem ou se assemelham são do mesmo

interlocutor, na tentativa de acertar e de chegar, através do refinamento e aumento de tentativas,

ao prêmio desejado.

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Na linha do consenso, todos os interlocutores procuram se estabelecer no cenário

cômico, e uns conseguem provocar mais humor, outros menos. Alguns comentários ficam no

tom leve da brincadeira dando voz ao macaco:

que quer ser fotografado

diga x (Retirado da Tabela 5 – comentário no. 13)

que deseja banana:

uma banana não satisfaz ninguem, duas bananas satisfas humanos, 3

bananas satisfaz uma vaca e nenhuma banana me satisfaz! (Retirado da Tabela 5 – comentário no. 14)

ou no jogo de palavras com o próprio macaco:

meu deus QUE MICO! (Retirado da Tabela 5 – comentário no. 24)

Muitos comentários avançam em direção ao deboche, como encontrado anteriormente

nos fragmentos F1 e F3, quando a voz do macaco e do interlocutor se confundem, fixos sobre

a fisionomia da Frida Kalo, manifestando estranhamento em relação à sua aparência, dando o

direcionamento tomado no que diz respeito à cumplicidade de sentido entre linguagem

imagética e linguagem verbal, como se vê nos três exemplos em destaque abaixo:

Nunca pegou em uma pinça não é? Oh sobranselhuda.

que bicha feia!

coitadinha ta com uma monocelha (Retirado da Tabela 5 – comentários no. 20, 27, 50 respectivamente)

Como gênero que anuncia, o Fragmento 5 aponta para a tensão existente entre as vozes

atuantes em várias direções, oferecendo a unidade falseada da postagem. Esta, sob o olhar

analítico, faz emergir seus múltiplos significados (ROJO, 2012), provocando, de maneira

responsiva: o olhar diferenciado de cada sujeito sobre a obra de arte, a preocupação da escola

com a ortografia, o entretenimento, o humor, o deboche, o desejo de ganhar, a escrita oralizada,

a substituição dos enunciados escolares formais (faça, responda, resolva, circule) pelo apelo.

Tudo isso ocorre quando o didático quer operar mais próximo à linguagem do aluno sem perder

de vista a proposta de entretenimento do blog dentro de uma instituição escolar.

Nesse enfoque, voltado para as práticas sociais na perspectiva dos multiletramentos,

em que foi possível trazer para análise vários pontos de vistas que entremeiam a interação no

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meio digital, os argumentos da investigação em curso caminham em direção ao tipo de olhar

que se deve almejar no ensino da língua. O que se percebe na produção de leitura e escrita no

meio digital de forma interativa é que se torna mais tangível se posicionar e valorizar o que se

encontra além das estruturas da produção textual que, regularmente, se explora em sala de aula.

Assim, entende-se que a escola não pode se distanciar das inovações sob a pena de se

autoexcluir das atuais realidades dos usos linguísticos. Nesse sentido, é possível afirmar que

“o letramento digital deve ser levado a sério, pois veio para ficar” (MARCUSCHI, 2010; p.

74), o que será mais aprofundado a partir da análise do Fragmento 6, que virá logo a seguir.

3.6 DESABAFO DA GALERA: ARGUMENTO É PODER

Fragmento 6:

Disponível em: <http://ieceblog.blogspot.com.br/2010/11/o-que-e-musica-boa-e-musica-ruim.html>.

Acessado em: 30 de junho de 2013.

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Em busca de um assunto que trouxesse comentários ao Ieceblog, a estagiária de

jornalismo da escola presenciou um debate na portaria da escola e trouxe a discussão para o

blog.

Esses dias eu, J., estava lá na portaria e presenciei uma conversa muito

polêmica! Vocês acreditam que o I. não gosta do Pink Floyd? O S. e a M.

não conseguiram aceitar tamanho absurdo. ‘O quê?? Você não gosta do

Pink Floyd?? Como é possível?’. Até o próprio I. ficou sem graça e quase

mudou de opinião diante de tanta pressão. (Retirado do Fragmento 6)

Ao se fixar no debate, a estagiária percebeu a forte tensão existente sobre o assunto.

Bastante jovem, pôde identificar-se na cultura adolescente em relação à música. Boa parte dos

jovens aprecia e usa os recursos musicais vinculados à internet, de um modo ou de outro escuta,

divulga, faz downloads e, a partir de suas escolhas, o gosto musical mostra e compartilha seus

valores (GRIBL, 2012).

Entende-se que a cultura jovem se constrói a partir das práticas letradas específicas,

bem como as redes sociais se tornam um ambiente propício de relacionamento dialógico e para

analisar os critérios elencados. Quando o assunto é música, cabe considerar que os

posicionamentos sociais ficam atravessados por ela, seja ela boa ou ruim. Nesse sentido, a

postagem foi campo para debate – rico em opiniões, ressaltou valores sociais que, em combate,

mantiveram a discussão acesa, repleta de argumentos, o que justificou a escolha do fragmento

para análise.

A postagem alerta para o conflito, trazendo, de início, uma visão dicotômica entre dois

tipos de música de forma dissidente, a boa e a ruim. Isso aparece, provocando a questão que

intitula a postagem: “o que é música boa e ruim?”. Na discussão, não existe o meio termo, a

dicotomia demarca a incompatibilidade entre os gostos. Amar todo tipo de música é impossível

para quem gosta de “boa” música, e, para entrar no embate, é preciso “sair do muro”, ou seja,

posicionar-se – um convite para a argumentação dentro do blog (DANTAS, 2013).

Em resposta à postagens, surgem os seguintes comentários:

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Disponível em: <http://ieceblog.blogspot.com.br/2010/11/o-que-e-musica-boa-e-musica-ruim.html>.

Acessado em: 30 de junho de 2013.

Assim como nos fragmentos anteriormente analisados, a matéria sígnica presente na

imagem dialoga, em interação, com o texto, reforçando a cumplicidade de sentido entre

linguagem imagética e linguagem verbal. Entretanto, no Fragmento 6, o que difere é que a

imagem foi montada especialmente para a postagem, apontando para certa autonomia como

enunciado responsivo que suscita resposta. A imagem não está a serviço da simples

contemplação, ela é bem provocativa e pode, por si só, promover as discussões, acentuando o

olhar sobre o objeto focado nas práticas sociais na perspectiva dos multiletramentos, assim

como acontece no Fragmento 3.

A concepção bakhtiniana sobre o herói (BAKHTIN, 2000) pode auxiliar na

reconstrução do texto contido na imagem. Nessa visão, os heróis expostos na imagem entram

como os protagonistas do debate, e o que era para ser uma discussão acerca da música boa e

ruim é canalizado para outro tipo de debate, voltado para Justin Bieber e Pink Floyd, suas

músicas e seus valores.

Vale salientar que, na relação entre autor e herói, os dois se imbricam através do

dialogismo. Mesmo que o autor se posicione externamente à imagem numa perspectiva de

acabamento da obra, personagens e autor estão interligados através do diálogo, numa interação

carregada de tensão peculiar, a exotopia, seja no espaço, no tempo aproximando e distanciando

os valores (TEZZA, 2001). No fragmento em destaque, o sujeito J, autor da postagem inicial,

se mostra, se identifica, expõe a opinião viva de alguns alunos, mas todos cedem lugar aos

heróis, os representantes axiológicos dos dois públicos dissidentes.

Sendo assim, a imagem mostra, ao alto, a fisionomia do jovem cantor de música pop

canadense, de apenas 16 anos, Justin Bieber30, em composição com os representantes da velha

guarda dos anos 1980, que aparecem logo abaixo, todos quatro formadores da banda, Pink

30 Bieber foi nomeado como a estrela mais quente pela revista J-14, revelação do ano pela MuchMusic, e listado pela Celebuzz no top 10 dos artistas revelados pelo Youtube na década. Ele também é conhecido por gerar uma

revolução na moda jovem, fazendo com que adolescentes de todo o mundo imitassem seu corte de cabelo e o seu

estilo de vestir, com o uso de bonés da marca New Era e tênis coloridos. Em 2010, Bieber recebeu um pagamento

de 53 milhões de doláres, tornando-se o artista adolescente mais bem pago do show bis segundo a revista People.

Isso se deve ao fato de Bieber ter vendido 12,2 milhões de discos mundialmente.

Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Justin_Bieber>. Acessado em: 06 de novembro de 2012.

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Floyd31. Para pronunciar o embate, é sobreposto em vermelho um X, na cor vermelha,

localizado no centro da figura, reforçando a ideia dicotômica de dois públicos.

A postagem faz parte da seção Desabafo da galera. Considerando o que o nome da

seção – desabafo – sugere, a linguagem que se elege em sua apresentação aparece de maneira

íntima e se manifesta em forma de confissão pessoal aberta ao público. Da forma como a

postagem se anuncia, ela possibilita a retomada da ideia inicial sobre os blogs, situando-o, desta

vez, como prática diarista (KOMESU, 2010). A confissão sai do título e passa ao texto, agora

reforçando um estilo que se aloja no âmbito da intimidade:

Vou confessar uma coisa: não sou muito familiarizada com as músicas

do Pink Floyd, mas "Eenie Meenie" do Justin Bieber já foi até toque do

meu celular... (Retirado do Fragmento 6)

O locutor, balançado em seu gosto musical, expõe-se ao público como amante de uma

música teen do cantor Justin Bieber, Eenie Meenie. A confissão de ouvinte de uma composição

do jovem cantor aparece em forma de constrangimento, logo após cede voz aos mais criteriosos

da música que deixam a marca de indignação pautada pelos amantes do Pink Floyd, como se

vê logo abaixo:

O quê?? Você não gosta do Pink Floyd?? Como é possível?”. Até o

próprio I ficou sem graça e quase mudou de opinião diante de tanta

pressão. (Retirado do Fragmento 6)

A partir dos comentários, emerge uma riqueza de vozes que contracenam com o que foi

postado por J., inicial escolhida para designar a estagiária que auxilia o GRA. Uma sucessão

de anônimos se manifesta, colaborando para a compreensão de que os enunciados estão

prenhes de posicionamentos e de valores sociais independentemente da identidade real do

sujeito falante. Além disso, Dantas (2013) atenta para a linguagem híbrida do blog, em que as

interações se aproximam mais ao discurso da vida, como amostra discursiva dialógica

resultante das relações sociais circulantes de forma indiscriminada. Por isso, o grau de

31 Pink Floyd foi uma banda de rock britânica, formada em Cambridge, Inglaterra, em 1965, que atingiu sucesso

internacional com sua música psicodélica e progressiva. Seu trabalho foi marcado pelo uso de letras filosóficas,

experimentações musicais, capas de álbuns inovativas e shows elaborados. O Pink Floyd é um dos grupos de rock

mais influentes e comercialmente bem-sucedidos da história, tendo vendido mais de 300 milhões de álbuns ao

redor do mundo. A banda foi induzida ao Hall da Fama do Rock and Roll em 1996.

Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Pink_Floyd>. Acessado em: 30 de novembro de 2012.

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liberdade presente que atravessa esse blog escolar em particular, permite posicionamentos que

levam o debate a sério e outros que ficam na superficialidade e na brincadeira.

Os três primeiros comentários inaugurais, mesmo que superficiais, denotam o tom da

desaprovação:

Anônimo disse...

os dois são ruis mais o do justem e pior

Anônimo disse...Esse post é tão absurdo que comentá-lo seria uma

tremenda perda de tempo. (Retirado do Fragmento 6)

O tom de desfeita abre o debate na parte dos comentários, o termo “absurdo” acima

reaparece para desconsiderar a hipótese da dúvida sobre a qualidade da música ou sobre a

qualidade dos cantores, mas não deixa clara a posição do autor. Logo a seguir, surge uma

menção a uma manifestação folclórica potiguar, o “coco de zambê”32. Uma voz representante

da cultura local, como se aparece abaixo:

Massa é coco de zambê (Retirado do Fragmento 6)

O que poderia significar côco de zambé em meio à discussão sobre Pink Floyd e Justin

Bieber? Frente ao comentário postado acima, não há como definir ao certo porque o côco de

zambê vem ao debate quando o assunto está relacionado diretamente à qualidade de música

produzida por representantes de uma cultura estrangeira, mais especificamente da língua

inglesa. O que resta pensar são as probabilidades que a fizeram aparecer: supor que o côco de

zambê veio para provocar um debate que está situado, somente, em músicas estrangeiras, sem

fazer nenhuma referência ao acervo nacional; ou que é uma provocação irônica desmerecendo

um debate dessa ordem; ou que o comentário se encontra no âmbito do deboche, trazendo como

exemplo uma manifestação folclórica muito pouco divulgada em meio aos ritmos mais

escutados. A especulação encontra-se em aberto a outras considerações ainda não pensadas a

fim de sanar a dúvida deixada. Entretanto, a única certeza que se pode afirmar é que um

enunciado dessa ordem é extremamente potiguar, tanto na menção do ritmo quanto no uso da

32 O coco de zambê é uma dança rítmica do folclore potiguar, mais exclusivamente da região litorânea.

A dança apresenta a participação exclusiva de homens, que entram um de cada vez na roda, executam passos

livres e escolhem seu substituto na roda com uma umbigada ou uma vênia com o pé. (Disponível em:

<http://ftp.ufrn.br/pub/biblioteca/ext/bdtd/CyroHA.pdf>. Acesso em 28.04.2013).

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interjeição massa (ver Fragmento 6), geralmente utilizada no sentido de aprovação. Dessa

forma, em situação de reforço positivo, usa-se o enunciado “massa!” como se usa “legal!”.

Em contrapartida ao último comentário analisado, ressurge a voz que valoriza o estilo

da música rock, da cultura dominante na língua inglesa, enunciada somente pela simples

presença do nome da banda heavy metal australiana AC/DC, trazendo de volta à discussão a

música, seja ela boa ou ruim, que não pertence à cultura do país de origem dos sujeitos em

discussão. A música de língua inglesa se revela como preferida dos alunos da escola, como foi

verificado em debates e enquetes promovidos pelo Grupo de Responsabilidade de Música

(GRM) e também através de uma postagem mais antiga do Ieceblog que fala sobre a música

de interesse dos alunos da escola, como pode ser observado no trecho abaixo:

... cansados de saber que a diversidade enriquece a alma, na nossa escola

os alunos acabam tendo o gosto muito parecido e restrito - dão

preferência somente ao rock e ao emocore33

(se não sabe o que é, pesquise

na wikipedia).Por isso nós, forrozeiros de plantão, sugerimos que o GRM

(grupo de responsa de música) varie mais os estilos para nos

acostumarmos com outros modos de apreciar a música. E nada de

preconceitos, pessoal! :) (Disponível em: <http://ieceblog.blogspot.com.br/2008/11/forr-bom-demais.html>.

Acessado em 6 de maio de 2013)

A postagem FORRÓ É BOM DEMAIS procurou democratizar o gosto musical da

escola, estendendo-o para os tipos de música mais populares dentro da diversidade cultural

brasileira. Mesmo que não fazendo parte do corpus desta pesquisa, a postagem se tornou útil

para a análise do Fragmento 6 quando informa que “na nossa escola os alunos acabam tendo

o gosto muito parecido e restrito - dão preferência somente ao rock e ao emocore”,

mostrando que o gosto musical da maioria dos alunos está voltado para a música de origem na

língua inglesa.

Apesar de a hibridização expandir espaços às divergências culturais, a fusão não

acontece a qualquer modo. Canclini (2005) atenta para os obstáculos sociais, os quais podem

acontecer, não oferecendo acolhimento ao convívio diversificado das culturas em todas as

esferas das realizações humanas. Em geral, o adolescente da escola pesquisada escuta o Rock

e não se abre espontaneamente para a música com origens na população periférica nordestina,

mesmo que a instituição ofereça musicalização baseada no folclore para a Educação Infantil e

33 Emocore (termo proveniente da expressão em inglês "emotional hardcore") é um gênero musical

pertencente ao Rock tipicamente caracterizado pela musicalidade melódica e expressiva, e por vezes letras

confessionais.

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um encontro semanal de MPB para o Ensino Fundamental I no Cantando Juntos34 (PPP,

2010). A maioria dos alunos, filhos de uma elite intelectualizada, elege as músicas

internacionais, principalmente as inglesas e as americanas, para serem ouvidas em seus

aparelhos pessoais e pelo som da escola na hora do intervalo.

Nessa percepção, Rojo (2012) entende a importância da escola em reconhecer que a

virtualidade, tão presente na vida dos jovens, não pode envolver somente o entretenimento, o

local de desejo do aluno. Ao se lidar com as práticas sociais que envolvem os multiletramentos,

é preciso ter toda uma preocupação direcionada às diferentes linguagens e mídias, em busca da

inclusão das diversidades culturais, de modo a ultrapassar as fronteiras, porém sem forçar

demais os seus limites.

No segmento, a partir do que se quer analisar sobre as práticas sociais na perspectiva

dos multiletramentos, a discussão se aquece a partir da argumentação que surge:

É até sofrível ter que comentar sobre uma discussão tão simples... A

diferença é que o Pink Floyd é uma banda com músicos competentes que

fizeram verdadeiros clássicos como Dark Side of The Moon, Wish You

Were Here e Meddle, enquanto Justin Bieber não passa de um produto

da indústria fonográfica com o intuito de comercializar. O artista em

questão chega a ser caricato por ter apenas 16 anos e já se achar no

direito de escrever uma auto-biografia. Sem falar no quesito mais

gritante, que são suas músicas porcamente arranjadas e suas letras

infantis e repetitivas. Espero que essa crítica construtiva não seja levada

em vão e que pensem um pouco antes de ignora-la só por que foi escrita

por um anônimo. (Retirado do Fragmento 6)

O anônimo defensor do Pink Floyd sustenta um ar de sabedoria, em tom arrogante,

trazendo como golpe certeiro três exemplos do repertório da banda de sua preferência.

Mencionar Dark Side of The Moon, Wish You Were Here e Meddle em sequência aponta

para a estratégia do embate a fim de enfraquecer a posição do outro, que, em atitude contrária,

provavelmente, desconhece o repertório da banda. Assim, a voz de autoridade sobre música se

apresenta com propriedade, Pink Floyd é colocado no lugar de uma banda “competente”

enquanto Justin Bieber é subjugado pelo tom agressivo e no uso de expressões depreciativas

como “caricato”, produtor de “músicas porcamente arranjadas”, “letras infantis e

repetitivas”. Interessante destacar a preocupação do interlocutor com a aceitação do seu

anonimato que, em forma de suspeita, receia que o seu comentário possa ser ignorado.

34 Cantando Juntos – momento semanal em que os alunos do Ensino Fundamental (do 2º ao 5º ano)

cantam músicas que priorizam o repertório da MPB, música popular brasileira.

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Após comentários consecutivos que sustentam opinião favorável ao Pink Floyd,

aparece a discórdia, alcançando o objetivo de letramento desejado. As alunas do GRA, A. e I,

assim designadas para a pesquisa, entram na área do embate em defesa do Justin Bieber. As

pré-adolescentes iniciam a argumentação com polidez e elegância, com o devido cuidado de

não expressar termos mais agressivos, como a citação retirada do comentário a qual se está

respondendo, conforme se vê abaixo:

Ok, cada um tem que respeitar a sua opinião e a da outra pessoa. Sr.

Anônimo, vc pode achar que Justin Bieber é 'porcamente' tosco. (Retirado do Fragmento 6)

A seguir, no mesmo comentário, os argumentos favoráveis ao Pink Floyd são

confrontados, ressaltando-se a incompreensão das alunas com a linguagem elevada e

metafórica das músicas da banda como “estranhamente de outro 'mundo'”. Ao longo do

debate, as estudantes do 5º ano imitam a forma crítica do anônimo (com letra minúscula) de

se posicionar. Elas têm o seu comentário como um exemplo, o que aponta para a apropriação

do modo do outro de argumentar. Percebe-se que, a partir da escrita do outro, torna-se viável

se amoldar ao gênero por meio do reconhecimento de suas similaridades e adaptá-lo às

circunstâncias, reforçando a ideia de que é na relação das múltiplas linguagens que os sujeitos

podem reestruturar as produções escolares nas interações (FARACO, 2009). Nesse caso, a

produção do argumento, pela ocasião do debate, é realizada no ambiente virtual em situação

real e não espera pelo ensino do professor em sala de aula, com as tradicionais produções

argumentativas ou criação de um texto de opinião. O debate envolve emoção e sair em defesa

do Justin Bieber significa muito mais do que escrever um texto para o professor corrigir.

Nessa mesma linha de produção, as alunas do GRA mostram que já possuem certa

compreensão sobre o gênero argumentativo e sobre a produção para o Ieceblog, portanto

trazem para discussão a voz do Justin Bieber como valor agregado à sua defesa, expondo

estrategicamente uma de suas músicas, Pray. Importar a música para o embate significa

adicionar à discussão os valores sociais de inclusão, justiça social e posicionamento antiguerra

ao cantor – o herói enunciativo do combate. Assim, a música á apresentada da seguinte forma:

Agora, vejam um trecho da música Pray, de Justin Bieber:

''Eu simplesmente não consigo dormir esta noite

Sabendo que as coisas não estão certas

Está nos jornais, na TV, aonde quer que eu vá

Crianças estão chorando

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Soldados estão morrendo

Algumas pessoas não têm um lar''

Grande diferença, hein?

Caso dúvidem entrem na página do vagalume e procurem a música. (Retirado do Fragmento 6)

Fazendo parte integrante da legião de fãs do cantor, as alunas do GRA usam essa

identidade para elevar a posição do jovem artista ao rank dos melhores cantores. Desse modo,

a réplica à desfeita das jovens de 10 anos vem com força total, reposicionando o grupo dos

anos 1980 para baixo. Entretanto, a vitória das alunas dura pouco tempo, pois a citação do

ilocutor sobre os álbuns conceituais da velha banda destituem a simplicidade da letra de Pray,

dando maior ênfase ao embate e às vozes que emergem, como pode ser visto a seguir:

Um álbum conceitual é algo com que o Justin provavelmente nunca nem

sonhou, que não consiste apenas em músicas colocadas aleatoriamente

num mesmo disco, mas músicas que complementam-se mutuamente. (Retirado do Fragmento 6)

Ao primeiro olhar, as letras do Pink Floyd podem até parecer estranhas, mas, a partir

de uma leitura mais profunda, é possível entrar em sintonia com as causas mais humanas do

ser, como a loucura e as psicopatias – vozes ainda desconhecidas para as jovens apreciadoras

de Justin Bieber, cujos conhecimentos e valores sociais, ainda imaturos, não as permitem

participar da corrente da comunicação verbal que envolve o tema (VOLOCHÍNOV, 2006)

como ressalta o Anônimo da vez:

A diferença é que enquanto o Justin retratou a guerra com um refrão

direto e não muito desenvolvido, Pink Floyd abordou o tema em álbuns

completos como The Final Cut e The Wall, despertando o entendimento

intelectual e filosófico por parte do ouvinte. (Retirado do Fragmento 6)

A voz do mercado aparece a seguir, em favor da banda de rock inglesa, conforme

mencionado a seguir:

A propósito, parece que a legião de milhões de fãs de Justin Bieber não

curte muito comprar discos... Dark Side Of The Moon ocupa "somente"

a terceira colocação no ranking dos discos mais vendidos do mundo,

perdendo apenas para "Thriller" de Michael Jackson e "Back in Black"

de AC/DC. (Retirado do Fragmento 6)

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Conforme o comentário acima, o número de vendas de discos e cd’s do Pink Floyd

ultrapassa, em muito, as vendas decorrentes da produção musical de Justin Bieber. O

argumento no Ieceblog sobre as vendas favorece a banda em discussão, entretanto,

desconsidera que discos e cd’s, atualmente, não são as únicas fontes existentes para se

conseguir e escutar música. Cabe ponderar que, em dias atuais, em tempos de facilidades

discutíveis como os downloads de músicas alheias, a venda de discos e cd’s não traduz o

contexto socioenconômico global do mercado fonográfico. Existem outros meios de se

apropriar de músicas – por meio de mídias digitais em rede que, principalmente, os jovens em

multidões dominam – e que não foram contabilizados para o debate em foco.

O conceito “legião de fãs”, usado pelas alunas do GRA, também não se sustenta, e

conduz a tribo do jovem cantor ao desmerecimento, como pode ser visto no argumento a seguir:

Ainda sobre fãs, o perfil médio da "legião de fãs" do Justin pode ser

resumido em meninas de 10 a 13 anos que escultam apenas as músicas

que estão na moda e apreciam Justin mais por sua aparência

metrossexual do que por seu "talento" musical. (Retirado do Fragmento 6)

Sendo assim, o enunciado acima desfaz a concepção meritória de fã, quando o ilocutor

afirma que a “‘legião de fãs’ do Justin pode ser resumido em meninas de 10 a 13 anos” –

uma desvalorização social notável tanto pela pouca idade do público anunciada como pela

menção ao gênero feminino associado ao gosto musical, valores embutidos nas palavras: fãs e

meninas. Sob a visão do ilocutor, as representantes, fãs, do cantor não estão categorizadas na

posição de conhecedoras da boa música.

E para acentuar as práticas sociais na perspectiva dos multiletramentos na

valorização do encontro de posicionamentos e vozes sociais, o Anônimo da vez prevalece no

ambiente de discussão virtual, embora a incerteza de sua aceitação tenha aparecido no

fragmento analisado: “Espero que minha opinião não seja oprimida por ser proveniente de

um anônimo.” Nesse contexto, o anônimo vem representado pelo discurso, pelo sujeito social,

historicamente posicionado e definido pela emissão enunciativa ideológica, quando seus

valores dialogam e se misturam como valores emitidos pela banda através de sua música. Para

Bakhtin:

Não é possível representar adequadamente o mundo ideológico de outrem, sem lhe dar sua própria ressonância, sem descobrir suas palavras. Já que só

estas palavras podem realmente ser adequadas à representação de seu mundo

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ideológico original. Ainda que estejam confundidas com as palavras do autor.

(BAKHTIN, 2010; p.137).

Sustentado pelos posicionamentos axiológicos, o discurso só pode circular no gênero

(BRAIT, 2009), no Ieceblog, uma postagem que, desde o seu início, promoveu discussão

aberta. O gênero que se apresenta na seção Desabafo da galera promoveu o debate repleto de

argumentações e expôs a sucessão de valores sociais que envolvem o mundo da música: rock,

coco de zambê, mercado fonográfico, futilidades, guerra, diferenças, loucura, juventude, fãs,

álbum conceitual etc.

Cada enunciação emitida por um sujeito compôs o ponto de encontro entre as forças

centrípetas e centrífugas. Os processos de centralização e de descentralização, de unificação e

de desunificação, cruzaram-se na enunciação quando observados na perspectiva do

plurilinguismo social e histórico e vistos como uma unidade: eles mantiveram a linha

contraditória e tensa entre duas tendências opostas. Na concepção bakhtiniana:

O verdadeiro meio da enunciação, onde ela vive e se forma é um

plurilingüismo dialogizado, anônimo e social da linguagem, mas concreto, saturado de conteúdo e acentuado como enunciação individual (BAKHTIN,

2010; p. 82).

Mesmo que haja alguns nomes factuais que se identificam, locutores e interlocutores,

por vezes anônimos, se alternam dentro da corrente enunciativa. Nem sempre fica exatamente

claro qual anônimo disse o quê, por isso, é possível considerar que a fronteira entre a palavra

de um e a palavra do outro é demasiadamente tênue (OLIVEIRA, 2009) e se confunde. Isso

permite reforçar que as palavras do Eu e do Outro estão em constante interação e tensa luta

dialógica, podendo, muitas vezes, embaraçar-se.

Através da interpretação dos sentidos (CORACINI, 2005), foi possível perceber que

admiradores de música formam suas identidades. No caso do Ieceblog, ficou visível, por meio

dos posicionamentos axiológicos expostos de forma argumentativa, a busca pela adequação

a partir da alteridade, desta vez centrando a postagem no tom da seriedade e da disputa.

Nessa visão, o Ieceblog se idealizou como lugar pertencente à esfera escolar que extrapolou o

seu terreno sólido da linguística e entrou para a área movediça em que a terra é “de ninguém”.

No território das práticas sociais voltado para os multiletramentos predominou o anonimato

e a interação que se realizou entre sujeitos por meio dos argumentos.

Em uma visão mais geral sobre o que se analisou em todos os fragmentos destacados

do Ieceblog, considerando que, a cada olhar, existiu uma fundamentação teórica como subsídio,

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é hora de dar seguimento com o fechamento desta dissertação, isto é, fazer um levantamento

global do que se concluiu.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fazendo a relação entre as análises dos fragmentos destacados e as perguntas dessa

investigação, neste momento, é importante reencontrar o objetivo de pesquisa, que conduziu o

olhar do pesquisador para o aprofundamento do que se quis descobrir e constatar. A Linguística

Aplicada, como campo de estudos interdisciplinar, centrado na investigação da linguagem em

uso nas diferentes esferas sociais, e a perspectiva teórica dos estudos dialógicos do discurso

oferecem subsídios para uma investigação aberta às diversidades da língua (MOITA LOPES,

2009) observadas pelo pesquisador no meio digital. Sendo assim, esta pesquisa buscou analisar

a linguagem de um blog escolar, o Ieceblog, desenvolvido participativamente com alunos do

Ensino Fundamental II de uma escola da rede privada em Natal, resultante de um trabalho

ancorado na perspectiva dos multiletramentos, com foco na construção de sentidos.

Para desenvolver o trabalho com o olhar na produção de sentidos, partiu-se do

pressuposto de que o Ieceblog é um objeto de linguagem virtual, com produções variadas e uso

de recursos multimodais: escrita, imagem, vídeos e signos gráficos. Assim, foi preciso enxergar

o blog escolar como acontecimento social de interação verbal de uso contínuo, condicionado

às ações do sujeito, isto é, na relação dialógica do discurso. Nessa compreensão, consideraram-

se os sujeitos constituintes como seres de linguagem cujas vozes se entrelaçavam; mesmo que

o outro estivesse ausente ou aparecesse no anonimato, a interação ocorreu. Dessa forma, a

palavra enunciada no blog escolar pôde ser percebida como palavra semialheia, carregada de

valores sociais que dialogavam em concordância ou embate com outros valores sociais

circulantes, seja dentro, seja fora da esfera escolar ao qual ela pertence. Nessa busca, foi

possível, então, retomar a ideia de responsividade decorrente das relações de sentido em

embate.

Orientando a pesquisa segundo o conceito de linguagem como prática social, recorreu-

se à concepção de gênero discursivo, tendo como fundamento os estudos bakhtinianos que

atentam para o vínculo orgânico existente entre a utilização da linguagem e a atividade humana.

Cabe lembrar que todas as esferas da atividade humana se traduzem, na linguagem, por

diferentes gêneros do discurso produzidos pelos sujeitos axiológicos. Assim, diante da

diversidade de esferas existentes na sociedade e de suas inúmeras atividades, os gêneros em

suas estruturas composicionais se adequam a cada uma delas de forma maleável, multiforme e

heterogênea, em consonância com as práticas sociais associadas à linguagem na interação.

Portanto, através da percepção de que as postagens do Ieceblog veiculadas na mídia se

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mostraram variadas em suas estruturas composicionais, foi abarcada a concepção de que o

gênero pode ser transferido de esfera a esfera, tendo em vista as alterações necessárias que

ocorrem conforme o momento sócio-histórico e cultural da enunciação.

Visto que a linguagem como prática social foi pesquisada na esfera escolar,

considerada, entre todas, a maior agência de letramento, o foco da investigação voltou-se para

os conceitos de letramentos e multiletramentos. Sendo assim, as práticas de leitura e escrita

decorrentes das ações realizadas foram observadas em seu aspecto plural e multimodal,

atendendo às diversidades discursivas que envolveram a linguagem permeada pela oralidade.

Desse modo, compreendeu-se que a escola contemporânea pode encontrar seus caminhos para

viabilizar uma maior abertura às várias práticas discursivas nos diversos campos de atuação da

sociedade, quando o ensino da língua se estende ao desenvolvimento da competência do aluno

nas diferentes linguagens em uso.

Ponderando que boa parte do Ieceblog foi organizado por seções, foram selecionados,

de forma criteriosa, seis fragmentos que pareceram ser significativos para compor o corpus da

análise. Para atingir esse propósito, foi realizada uma verificação do total de 431 postagens,

responsáveis por 927 comentários que ocorreram entre 02/06/2008 a 29/11/2011. Desse

montante, foi possível destacar as vozes dos sujeitos enunciadores, refletir sobre o espaço do

blog como locus de produção de sentidos inserido no ambiente escolar e identificar os recursos

de linguagem usados. Para uma análise mais minuciosa, foram eleitas, das seções mais

recorrentes, uma postagem de cada, as quais compuseram os 06 fragmentos analisados,

organizados e nomeados da seguinte forma: Fragmento 01 – Ieceblog notícias; Fragmento 02

– Tirinhas; Fragmento 03 – Bizarras; Fragmento 04 – Vídeo da hora; Fragmento 05 – Concurso

da vez; Fragmento 06 – Desabafo da galera. Por vezes, foi possível notar questões peculiares a

cada um dos fragmentos, em outras, pontos comuns a todos; ora perceber demandas referentes

à linguagem em geral, ora, questões pertinentes à linguagem no meio digital.

Cabe ressaltar que o dialogismo inerente à linguagem é característica presente em toda

e qualquer manifestação da linguagem, portanto, considerar que o discurso é composto ou

organizado em vozes circulantes é considerar seu caráter dialógico. Nesse sentido, as categorias

de análise que nortearam a investigação colocaram em evidência:

as marcas do humor e do deboche;

a adequação do texto à esfera social a partir da alteridade;

a cumplicidade de sentido entre linguagem imagética e linguagem verbal;

as práticas sociais na perspectiva dos multiletramentos.

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Desse modo, com o olhar focado no Fragmento 1 (F1), foi possível constatar que o

trabalho com Ieceblog exigia dos alunos do GRA, em muitas situações, a produção da escrita

em tempo real, para ser veiculada em forma de postagem na internet. O ambiente de trabalho

com o Ieceblog demandava uma tensão diferenciada da comum investida em sala de aula. O

professor ou o adulto que monitorava o trabalho com os jovens alunos adotava uma dinâmica

que consistia em frequentes atualizações periféricas ao uso do blog em si, como, por exemplo:

saber usar os recursos do Blogger (o software do blog), explorar várias ferramentas do Google

e outros dispositivos da web que se somavam ao trabalho. Além disso, cabia saber o que “se

curtia” no momento e atentar para as notícias que circulavam nas mais variadas mídias. Mesmo

não sendo nativo das linguagens digitais próprias da contemporaneidade, quem ensina perde o

seu espaço na área do conforto de um saber estável; a fluidez cognitiva, na atualidade, promove

a constante necessidade de se lidar com o que é novo, quando o que se aprendeu se torna

rapidamente obsoleto e perde o direito da permanência diante das forças operantes sobre o

aquecimento do mercado.

A postagem em discussão (F1), que envolvia a imagem do “vovo tosco” sobre o telhado,

fez emergirem os critérios de análise que apontaram para as marcas do humor e do deboche,

a busca pela adequação a partir da alteridade e a cumplicidade de sentido entre

linguagem imagética e linguagem verbal e. Diante disso, foi possível compreender que o

enunciado, que se divulgava em alta velocidade, exigia um monitoramento maior por parte do

adulto e um trabalho de construção ética, em que se promoveriam debates e compartilhamentos

de ideias com todos os que formavam o GRA. O desejo de entreter e “divertir o resto da turma”,

os ilocutores em potencial, mostrou que a exposição do outro ou de si mesmo é algo a ser

discutido e a ser muito bem cuidado no ambiente escolar. A partir de um olhar focado nas

práticas sociais na perspectiva dos multiletramentos, foi percebido com clareza que a

responsividade saía do campo do comando do locutor, pois a postagem não agradou a todos os

leitores. Com isso, notou-se que era necessário aprimorar as medidas pedagógicas que

conduziriam o trabalho de letramento com a leitura e escrita na web, na compreensão de que

escrever para o meio digital não é o mesmo do que escrever no caderno. A providência a ser

tomada demandou outras práticas adjacentes que envolviam debates, questionários

interpretativos, análise crítica em relação ao que se pode encontrar na mídia e outros recursos

didáticos que estão muito além do simplesmente escrever ou pesquisar na internet e postar. A

sensação de responsabilidade se voltou para a qualidade de um trabalho que requer uma maior

tensão ao que será lido e produzido e que não pode cair no mecanicismo didático. Nesse

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sentido, o aluno não se basta mais como promessa de se tornar um futuro escritor, ele precisa

se formar e se transformar em autor no tempo presente para o tempo presente.

O Fragmento 2 analisou as práticas sociais na perspectiva dos multiletramentos por

meio de uma postagem da seção Tirinhas. Isso foi resultante de um trabalho em que o aluno

se tornava responsável em encontrar tirinhas, em sites diversos, que pudessem ser importadas

para compor o corpo do Ieceblog. O trabalho de pesquisa e leitura pela internet oferecia certa

liberdade, portanto o aluno navegava em sites de conteúdo subversivo, com teor grosseiro,

carregado de violência, bem característico do tipo do humor preferido pelo adolescente

contemporâneo, que foi explicitado a partir das marcas do humor e do deboche inerente ao

gênero tirinha.

Observou-se que, a partir da cumplicidade de sentido entre linguagem imagética e

linguagem verbal, surgiram reflexões acerca do trabalho de eleição, de questões de leitura,

compreensão de sentidos e decisão. Isso envolveu o reconhecimento das ideologias conflitantes

e o discernimento do autor, o aluno, ao atentar para a possibilidade de convívio entre as esferas

ditas “profanas” e a escolar. Na procura pela acomodação entre os opostos, o discurso dialógico

duplamente orientado alinhou-se sob o ponto de vista do autor, o que se tornou visível a partir

do critério de análise que favorecia a busca pela adequação a partir da alteridade. Na

perspectiva híbrida do gênero, o novo discurso que se formou no Ieceblog pôde ser visto como

resultado de uma fusão entre as duas culturas, nas quais o jovem transita e que envolvem, ao

mesmo tempo, transgressão e adequação à nova esfera social.

Dando-se um pequeno passo no sentido de ultrapassar os medos que envolvem o que

pode ser lido ou não na internet, no meio escolar, foi possível acolher as diversidades de valores

que transitam nos gêneros discursivos digitais, tão acessíveis, com suas diferentes

representações ética e estética, desse modo, direcionando os jovens leitores e autores, do

mundo contemporâneo, às ações mais expressivas.

No Fragmento 3, referente à seção Bizarras, assim como nos outros fragmentos, a

imagem teve participação relevante na construção de sentidos, sabendo-se que em tempos de

Web 2.0 capturar imagens se tornou algo bastante simples para qualquer usuário que esteja

inserido no meio digital, evidenciado pelo critério de análise a cumplicidade de sentido entre

linguagem imagética e linguagem verbal. Ao contrário de uma visão de imagem meramente

contemplativa que tem por característica o atrativo (atrair o aluno para aula, a criança para a

história a ser contada ou o consumidor para comprar o livro), no trabalho voltado para os

multiletramentos, a imagem tem funcionalidade ativa. Ela é retomada como cúmplice da

linguagem escrita, passando a ser produtora fundamental da interação.

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Por meio da análise voltada às práticas sociais na perspectiva dos multiletramentos,

torna-se possível reforçar a ideia de que é impossível coexistirem linguagem e neutralidade,

quando o efeito da cultura da imagem em um trabalho como o Ieceblog tem o propósito de

instigar uma atitude responsiva, seja no locutor seja no interlocutor. Assim, considera-se que,

na esfera escolar, todo ato de linguagem deve ser pensado como intencional e, portanto, ser

socialmente orientado.

A maioria das imagens capturadas da internet para a seção Bizarras revelou o sentido

de estranhamento provocado pela exposição do outro. No caso das marcas do humor e do

deboche, o humor encontrado carregava o valor do estigma quando o riso fora resultante da

linguagem representante do sujeito sem instrução. A cultura dos “incultos” passou a ser objeto

de diversão no Ieceblog e virou motivo de críticas. O uso do “kkkkkkk” nos comentários foi

percebido como axiologicamente carregado de deboche sobre a forma “inculta” de se escrever,

na compreensão de que quem se expressa sem respeitar as normas vai parar na cadeia

enunciativa do ridículo e da intolerância.

Pelo viéis das práticas sociais na perspectiva dos multiletramentos, foi possível

notar que as vozes que se manifestaram contra o deboche incidiram sobre os alunos que ainda

não escrevem segundo a norma e, mesmo assim, entraram para o círculo da ridicularização. O

que se pode deduzir é que a maioria, incluindo os filhos de pais cultos, insere-se na cultura de

valorização da norma padrão artificialmente convencionada por uma minoria com preceitos de

preservação de um ideal europeu – numa perspectiva sócio-histórica, a ideia de língua padrão

é resultante da organização feudal dominante, preocupada em isolar a aristocracia europeia dos

dialetos produzidos por seus vassalos (FARACO, 2008).

No caso do fragmento 04, representando a sessão Vídeo da hora, o vídeo publicitário

da empresa japonesa de veículos Nissan sobre os pôneis malditos chegou ao Ieceblog pelo viés

do divertimento. Por meio dos critérios de análise que englobam a cumplicidade de sentido

entre linguagem imagética e linguagem verbal e as marcas do humor e do deboche, o

contato com o vídeo, de aparência demasiadamente ingênua, suscitou os discursos dominantes.

Na perspectiva de que os discursos congruentes na propaganda se agregam aos valores fluidos

do capitalismo atual, a brincadeira, a maldição e a força se unem ao produto e potencializam a

intenção do locutor – trocar o velho pelo novo.

A propaganda subliminar se inseriu no enunciado na ideia de que é possível formar as

consciências, dominar o sujeito discursivo (VOLOCHÍNOV, 2006), seja esse o consumidor

direto ou indireto. Nesse sentido, foi possível mais uma vez avaliar a partir do critério de análise

que ressalta as práticas sociais na perspectiva dos multiletramentos que todo enunciado

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provoca responsivamente o outro, quando locutor e interlocutor se confundem. Enquanto o

aluno se diverte, ele aprova e divulga o produto e, assim, ele passa da posição de locutor para

a posição de emissor.

Refletindo ainda sobre as práticas sociais na perspectiva dos multiletramentos,

numa boa oportunidade para desenvolver um trabalho de leitura analítica e crítica acerca de

uma propaganda tão rica em recursos de linguagem e tão eficaz em seu poder enunciativo

interativo, pôde-se repensar sobre outras maneiras de se lidar com os enunciados que surgem

no meio virtual a toda hora. Desse modo, fica a sugestão de que, na escola, é preciso estar mais

atento aos discursos, aos diferentes posicionamentos axiológicos em diálogo que circulam e

fomentam os valores da contemporaneidade a serem pensados com alunos em formação; mais

um motivo para se abrir as portas para as linguagens multimodais que perpassam as novas

tecnologias e também descobrir como lidar com as novas formas de ensinar.

Por meio do fragmento 5, foi trazido para análise todos os critérios elencados, a partir

de um modo peculiar de se realizar um concurso, o qual ocorreu no Ieceblog com a criação da

seção Concurso da vez. Considerando as práticas sociais na perspectiva dos

multiletramentos, o concurso anunciado se adequou à postagem por meio de uma linguagem

concisa, simples e objetiva, possível de condensar vários enunciados culturalmente

reconhecidos para formar o gênero que anunciava o concurso para alunos do Ensino

Fundamental. Cabe ressaltar que a observação que se encontrava no corpo final da postagem,

sobre o modo de escrever a palavra “autorretrato” pela nova ortografia, chamou a atenção para

análise que envolve a busca pela adequação a partir da alteridade. Isso reforça a ideia de

que esse blog em específico circula dentro da esfera escolar, uma esfera que tem por obrigação

se preocupar também com o ensino das normas ortográficas e gramaticais, e, portanto, deve se

adequar a essa esfera.

Segundo o critério de análise que envolve as práticas sociais na perspectiva dos

multiletramentos, foi possível perceber que o didatismo se tornou parte da brincadeira, pois,

diante do evento de letramento maior que despontava, foi preciso criar um planejamento

compartilhado com os agentes responsáveis pela manutenção do Ieceblog, os alunos do GRA

e professores. Percebeu-se que um projeto detalhado com os procedimentos de concurso a

serem organizados voltava-se para um engajamento maior dos alunos responsáveis para

produzir efeitos de participação ativa nos interlocutores em forma de comentários. Seguir um

projeto de letramento (ROJO, 2009) possibilitou variantes que poucas vezes aparecem no dia

a dia escolar. Observou-se que, na construção de um trabalho conjunto, foi gerada uma

cumplicidade entre os participantes do GRA, fortaleceram-se as amarras institucionais voltadas

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para o aprendizado, pensou-se a linguagem como prática social, ofertou-se um espaço para

alunos manifestarem ideias, buscarem soluções, posicionarem-se, avaliarem, adequarem o

projeto ao meio escolar e manterem a sua continuidade.

No que concerne ao ensino da língua como objeto de atividade funcional em interação

verbal, o trabalho com os alunos do GRA por meio do critério abrangendo as marcas do

humor e do deboche e a cumplicidade de sentido entre linguagem imagética e linguagem

verbal, o Concurso da Vez promoveu vários momentos de reflexão, envolvendo um trabalho

metalinguístico na escolha do melhor comentário entre os 51 realizados. Promoveu, ainda,

debates acerca dos comentários que traziam muitas vozes em busca do humor mais atrativo e

marcas de descontração, denotando um desleixo sobre a forma convencional de escrita. O que

ficou claro é que muitos enunciados promoviam risos, mas a quantidade de erros que continham

trazia um significado de desconforto responsivo, espelhado no senso crítico dos alunos do

GRA. Aos poucos, considerando a busca pela adequação a partir da alteridade, foi se

esclarecendo que um blog escolar não pode se desobrigar das inúmeras adequações para se

acomodar à esfera enunciativa em que se encontra; portanto, atentar à ortografia seria apenas

uma questão entre tantas outras a serem cuidadas nas práticas sociais mediadas pela linguagem.

Sendo assim, diante das discussões subsequentes, no momento em que foi perceptível que

vários comentários estavam carregados de transgressões que se afastam do cânone, ficou

decidido bloquear esses comentários a fim de que os erros não ficassem expostos aos demais

visitantes do blog escolar.

No que concerne tanto às práticas sociais na perspectiva dos multiletramentos

quanto à busca pela adequação a partir da alteridade, o fragmento cinco vem apontar para

uma expectativa de que a escola dê conta de uma revisão ortográfica impossível, quando o que

se pretende com as práticas dos multiletramentos é estender as múltiplas experiências de leitura

e escrita do aluno às práticas rotineiras de linguagem, envolvendo o que se publica no meio

digital como produto de interação. Com isso, restou a dúvida: o que seria mais importante,

ampliar as oportunidades de escrita que podem deixar o erro aparecer ou só realizar a escrita

quando houver total garantia de policiamento e correção? Questões diversas atribuídas ao erro

revelaram valores socioculturais e concepções de língua ainda difíceis de romper no meio

escolar. Entretanto, mesmo que haja ressalvas e polêmicas acerca do erro, por vezes eles são

aceitos, assim como acontece na fala nos diferentes meios sociais. Como visto no Fragmento

3, Faraco (2008) aborda a norma-padrão como uma realidade léxico-gramatical relativamente

abstrata em sua codificação sujeita a apagamentos de marcas dialetais. Ele afirma que, por trás

da atitude excessivamente conservadora da elite letrada brasileira, está presente uma

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identificação forte com as culturas branco-europeias em contraponto com o caráter multirracial

da nação, aspirando manter o modo lusitano como padrão de fala e de escrita. Em consonância

com o autor, torna-se importante direcionar um trabalho à descrição e a difusão das variedades

cultas faladas e escritas e, ao mesmo tempo, combater os preceitos da norma reducionista que

visam padronizar e consequentemente engessar uma língua artificialmente fixada. Consoante

aos novos modelos e hibridizações possíveis de línguas e diferentes formas de linguagem, a

noção de “erro” torna-se cada vez mais fluida. Reforça-se assim que são os valores atribuídos

ao modo de falar que vão caracterizar os modelos de linguagem em uso como mais ou menos

certos.

No último fragmento escolhido para análise (F6), originário da seção Desabafo da

galera, o assunto em discussão era a música. Repleto de opiniões convergentes e divergentes,

o debate trouxe, a partir da análise do critério que envolve as práticas sociais na perspectiva

dos multiletramentos, valores sociais que mantiveram a discussão direcionada ao

questionamento provocado na postagem “o que é música boa ou música ruim?”. Nos

argumentos que surgiram, a dicotomia demarcou a impossibilidade de convivência entre os

gostos, dos adeptos da antiga banda de rock Pink Floyd e dos favoráveis ao jovem cantor Justin

Bieber.

Da mesma forma, a cumplicidade de sentido entre linguagem imagética e linguagem

verbal foi o critério elencado que apontou para a imagem criada para a postagem, em especial,

que trouxe a presença dos músicos, em questão, separados pela letra X, tornando-se bem

provocativa e apontando para uma autonomia da própria imagem em relação à escrita. Nesse

sentido, conforme o conceito bakhtiniano do héroi (BAKHTIN, 2000), o protagonista em cena

auxiliou na reconstrução do texto contido na imagem. Os heróis expostos, Justin Bieber e a

banda Pink Floyd, compondo a imagem, canalizaram o debate voltado para suas músicas,

consequentemente para seus valores, numa relação que surgiu entre autor e herói imbricados

pelo dialogismo.

Em relação às práticas sociais na perspectiva dos multiletramentos e à adequação

a partir da alteridade, os comentários que surgiram logo após a postagem trouxeram uma

sucessão de anônimos, dando a entender que os enunciados estavam prenhes de

posicionamentos e de valores sociais ainda que desconsiderando a identidade real do sujeito

falante. Na linguagem híbrida do blog, em que as interações se aproximavam mais do discurso

da vida, o grau de liberdade permitia posicionamentos mais aprofundados, outros menos, que

conviveram na mesma zona de debate. Mesmo que com posicionamentos contrários, durante a

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interação, os jovens alunos do GRA se apoiavam no modelo discursivo do outro, mais

experiente, para se engajar na discussão.

Foi possível ver ainda que, apesar da hibridização permitir o convívio entre as

diversidades culturais, nem sempre houve espaço para que a fusão viesse a acontecer. Os

obstáculos sociais nem sempre ofereceram ponto de apoio para o convívio das diferenças

culturais em todas as esferas das realizações humanas (CANCLINI, 2005). Considerou-se que

a maioria dos adolescentes da escola pesquisada escutava o rock em seus aparelhos pessoais

de som e não se abria espontaneamente para as músicas características, por exemplo, de sua

região, o Nordeste, como o forró.

Considerando que, na sucessão de argumentos produzidos pelos posicionamentos

axiológicos manifestos, o discurso só pôde circular a partir do gênero (BRAIT, 2009). Em sua

estrutura composicional, ele se manifestou, de início, semelhante ao diário íntimo, do modo

que se definia um blog em tempos remotos. À medida que o debate foi desencadeado, o gênero

que promovia confissão do tipo diário se transformou em texto de opinião, em debate que

expunha argumentos com propósitos de provar mais força a ponto de destituir o argumento

contrário. Mais do que definir o gênero que se formou, é importante ressaltar que, através dele,

foi possível expor uma série de temas e valores sociais que envolviam o mundo da música:

rock, coco de zambê, mercado fonográfico, futilidades, guerra, diferenças, loucura, juventude,

fãs, álbum conceitual, termos em língua inglesa, figuras internacionais renomadas etc. Sendo

assim, o ponto de tensão entre as forças contrárias, centrípetas e centrífugas, sustentou os

processos de centralização e de descentralização, por meio da enunciação na perspectiva do

plurilinguismo social e histórico e se manifestou como unidade na linha contraditória entre

duas tendências opostas. Nesse sentido, o Ieceblog se constituiu como local de leitura e escrita

pertencente à esfera escolar que se abriu a territórios “nunca d’antes navegados”, no qual,

mesmo tendo predominado o anonimato na interação entre sujeitos valorados, permitiu a

autores e heróis, o diálogo em pleno embate. A tensão expressa em linguagem pode ser vista

como hibridismo reforçado pelas tecnologias e orientado por sua versatilidade de significação

(BUZATO, 2007) capaz de abarcar várias formas de expressão, bem como a diversidade de

interesses, valores e imaginações de diferentes sujeitos, representantes de culturas e grupos

sociais.

Compreendendo que leitura e escrita estão muito presentes na escola e na sociedade,

não há como ficar indiferente às transformações ocasionadas pelas tecnologias e ao seu papel

cada vez mais presente de editar o mundo. Nessa relação, foi possível constatar ainda que,

muitas vezes, a oralidade permeou a escrita com maior intensidade do que em outras situações

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de registro dentro do contexto escolar. A escrita no Ieceblog, em várias situações, importou as

normas gramaticais e ortográficas construídas coletivamente pelos usuários em rede,

principalmente com a presença dos comentários, quando a transgressão à norma também teve

seu efeito potencializador de sentido.

Ainda sobre as perguntas de pesquisa realizadas, conclui-se que o trabalho com

multiletramentos, fundamentado nas práticas sociais em um blog escolar possibilitou a

exploração diversificada de enunciados através de suas seções. Boa parte dos objetivos

traçados, focando um trabalho com a Língua Materna se encontrava discriminado nos PCNs

(BRASIL, 1998), entretanto, muitos foram fortalecidos e estendidos a outras instâncias à

medida que o Ieceblog acontecia, principalmente em relação à construção de sentidos.

Compreendeu-se assim que tanto o texto visual quanto o texto verbal expostos à interação

foram manipulados por seus intelocutores de modo a criar efeitos de sentido específicos em

situações diferentes.

Cabe lembrar que, na interação, o que foi postado muitas vezes foi resultado de ideias

compartilhadas com os alunos do GRA. Alguns temas surgiram como resultado das discussões

que transitavam pela escola ou pela internet, outros temas abordados no Ieceblog provocaram

debates entre os diferentes atores da instituição, levantando argumentos e valores sociais como

a atenção às normas, os medos, a exposição, a segurança, o preconceito etc. Sendo assim, o

Ieceblog teve a função de provocar fortes reflexões acerca do que se veicula na internet com

suas múltiplas linguagens, suas possibilidades e entraves dentro da escola envolvendo equipe,

alunos e pais.

Mesmo que o trabalho com o blog escolar fosse realizado com um número limitado de

alunos, entre paredes e de porta fechada, o que se postou na web provocou um movimento de

entrada e saída, de circulação de valores potencializados pelas novas tecnologias em rede, numa

grande engrenagem de múltiplos sentidos responsivos. Assim, o Ieceblog contribuiu para

confirmar que, na arena do discurso, dos enunciados, dos gêneros, dos posicionamentos e da

atribuição de sentidos, ele preencheu o seu valor social na interação entre sujeitos. Nele, foi

possível identificar as vozes presentes em dialogia pelo fato de o blog escolar ser visto como

uma incursão discursiva na cadeia enunciativa da vida em sociedade.

No que concerne ao terceiro questionamento desta pesquisa – Que fenômenos

linguísticos podem ser identificados que potencializam a produção de sentidos no

Ieceblog? –, podemos caracterizar o blog como um espaço que abre possibilidades de

manifestação e potencialização de trocas discursivas, de pontos de vista, de compartilhamento

de sentidos. Isso foi verificado em maior ou menor grau nas diferentes postagens analisadas.

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Se os sentidos serão ou não potencializados no blog escolar, a resposta não deve ser buscada

no blog em si, mas nas interações entre sujeitos, as quais estão sempre condicionadas aos

momentos histórico, social e cultural do evento discursivo.

Como ponto de referência para a produção de sentidos, cabe relembrar que o blog pode

ser visto como um espaço de variados recursos semiológicos que se integram, se completam e

se modificam (MARCUSCHI, 2010). Como objeto de linguagem, o blog demanda sucessivas

reflexões (que nunca se acabam) acerca de sua caracterização e sobre tudo que pode ocorrer

dentro dele, visto sua popularização, sua maleabilidade e seu alcance a serviço de diferentes

propósitos de interação.

Frente ao exposto, faz-se necessário pensar que, em tempos de internet e na perspectiva

dos multiletramentos, é preciso estar pronto para aceitar mudanças sem aviso prévio e entender

que não há controle sobre os sentidos que emergem dos enunciados. Cabe então ao usuário se

adequar ao que se veicula e ao que se “curte” na perspectiva de que, qualquer que seja o veículo

em que a linguagem circula, ela está axiologicamente situada e composta por valores que

dialogam em sua constituição. Portanto, o direcionamento a ser dado ao uso da linguagem no

meio digital, na esfera escolar, deve considerar que é hora de se estar aberto à criação e à

ampliação de possibilidades de linguagem em que o diálogo, a discussão e o entendimento

favoreçam o estabelecimento de significações de seus diferentes agentes, em permanente

reformulação.

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