Mundos unidos 06.5 - Sonic batalhas de mundos unidos 01 (sonic tales)
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS URBANOS E
REGIONAIS
RENATO LUNA DE LIMA
DESVENDANDO O ESPAÇO URBANO: ESTUDO DE CASO SOBRE A
EMERGÊNCIA DA FRAGMENTAÇÃO URBANA
NATAL-RN
2017
RENATO LUNA DE LIMA
DESVENDANDO O ESPAÇO URBANO: ESTUDO DE CASO SOBRE A
EMERGÊNCIA DA FRAGMENTAÇÃO URBANA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Estudos Urbanos e Regionais para
obtenção do título de Mestre em Estudos Urbanos
e Regionais da Universidade Federal do Rio
grande do Norte.
Natal-RN
2017
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -
CCHLA
Lima, Renato Luna de.
Desvendando o espaço urbano: estudo de caso sobre a emergência
da fragmentação urbana / Renato Luna de Lima. - 2017. 126f.: il.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Humanas e Artes. Programa de Pós
Graduação em Estudos Urbanos e Regionais, 2017.
Orientador: Prof. Dr. Cláudio Roberto de Jesus.
1. Conjuntos habitacionais. 2. Condomínios fechados. 3.
Segregação. 4. Fragmentação urbana. I. Jesus, Claudio Roberto de.
II. Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 711.582(813.2)
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, gostaria de agradecer a oportunidade que Deus me deu em ter
alcançado o título de mestre. Foram muitas angustias e vários sinais de perseverança que
pude captar nesses dois anos.
Agradeço а todos оs professores do PPEUR, em especial a Cláudio e Patrick,
pоr mediarem о conhecimento racional, bem como a manifestação dо caráter е da
afetividade dа educação nо processo dе pesquisar e ensinar. Com isso, posso afirmar que,
com a atenção dedicada а mim, nãо somente mе ensinaram como ainda me fizeram
aprender. А palavra mestre nunca fez tanto sentido ao relacionar aos tantos professores
dedicados, оs quais terão оs meus eternos agradecimentos.
Agradeço a minha família, em especial, a meus pais que, por vezes, deram tudo
que tinham para eu sempre continuar a estudar. Meus tios, em especial, a Sidney, que
também fez a diferença ao longo da minha formação. A meus avós, inclusive os que
partiram, pois tenho certeza que estarão vibrando como todos os presentes.
E por fim, agradeço a minha companheira, Larissa Maria, e sua família, que já é
como se fosse a minha. Mas, sem ela, não teria conseguido ir até o fim. Soube me ouvir
e ajudar com as mais belas ações, que são somente explicadas pelo admirável sentido do
amor
Obrigado a todos!
“Mil motivos pra sorrir. Não se deixe desistir
Você estará seguro, não se esqueça que essa dor, também é o que
nos dá força!” Sign - Flow
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Regiões administrativas por bairros ............................................................ 51
Figura 2 − Natal: Localização dos conjuntos habitacionais .......................................... 55
Figura 3 − Produção imobiliária na década de 1990 .................................................... 59
Figura 4 − Natal: rendimento médio mensal por bairro ................................................ 60
Figura 5 – Natal, distribuição das incorporações década de 2000 ................................. 63
Figura 6 – Natal, distribuição renda média mensal por bairros ..................................... 65
Figura 7 – Mapa do município de Parnamirim ............................................................. 67
Figura 8 – Evolução demográfica do município de Parnamirim (dados mais atuais) .... 68
Figura 9 − População residente por bairro em Parnamirim/RN 2000 ........................... 69
Figura 10 – Localização do Condomínio Jardim Atlântico .......................................... 71
Figura 11 − Planta Locacional – Condomínio Jardim Atlântico ................................... 83
Figura 12 – Planta Locacional 3D – Jardim Atlântico .................................................. 84
Figura 13 − Mapa Situacional – Condomínio Jardim Atlântico .................................... 84
Figura 14 – Área de lazer ............................................................................................ 85
Figura 15 − Estrutura administrativa do Condomínio Jardim Atlântico ........................ 85
Figura 16 – Folder de venda do condomínio ................................................................ 95
Figura 17 – Deslocamentos peculiares do morador 5 ................................................. 113
Figura 18 – Deslocamentos peculiares da moradora 3 ............................................... 114
RESUMO
A fragmentação urbana é um fenômeno recente que se propaga no mundo inteiro.
Tem como um dos seus principais sintomas a criação de distâncias físicas e simbólicas.
Especificamente, esse fenômeno muito se relaciona à crescente polarização entre o
mundo público e privado, que culmina na quebra da conexão física e simbólica desses
dois mundos. As cidades também apresentam velhos sintomas da autossegregação das
camadas médias, muitas vezes associados aos chamados condomínios fechados. Esses
espaços são oferecem fortificação e proteção dos “infortúnios” da cidade, bem como
asseguram uma aparente qualidade de vida. O presente trabalho procura analisar,
considerando a conexão entre o local e o global, como um condomínio fechado contribui
para o fenômeno da fragmentação urbana, com base no estudo de caso do Condomínio
Jardim Atlântico, localizado na zona de conurbação entre Natal/RN e Parnamirim/RN.
Para considerar o global e o local, realiza a pesquisa aos moldes etnográficos,
especificamente a observação direta associada à análise documental, e entrevistas
qualitativas, associando sua totalidade à dinâmica da cidade. O estudo conclui que a
dinâmica interna do condomínio junto à dinâmica da cidade exerce influência nas
representações de seus moradores, o que acaba acentuado a distinção entre o mundo
público e privado desses indivíduos. Para eles, a cidade é repleta de ilhotas organizadas
de forma peculiar frente ao objeto público, as quais são transitáveis por meio de seus
veículos. Esses deslocamentos, junto ao desejo de se chegar a uma ilhota, formam
verdadeiros hiatos que exprimem a negação da cidade.
Palavras-chave: Segregação. Condomínios fechados. Fragmentação urbana.
ABSTRACT
The urban fragmentation is a recent phenomenon that spreads over the world.
It has as the main characteristic physical and symbolical distances. Specifically, this
phenomenon is related to the polarization that is growing between public and private
world, resulting in the broken of physical and symbolical connection of those worlds.
Cities also present old symptoms of media classes’ self-segregation, many times
associated to the closed condominiums. Those habitations give protection and strengthens
from the “treat” of the city, as well as they assure an apparent quality of life. This study
aims to analyze, considering connection between local and global, how a closed
condominium contributes to the phenomenon of urban fragmentation, based on case study
of Jardim Atlântico condominium, situated between Natal and Parnamirim/RN. To
consider global and local, it is an ethnographic research, specifically direct observation
associated to the documental analyze, and qualitative interview related to the city
dynamics. It concludes that condominium intern dynamic linked to the city dynamic have
influence in the resident representations, that detaches differences between public and
private world of those people. To them, the city is full of organized little islands in a
peculiar way to the public object, made to pass through by their cars. Those routes
connected to the desire to go to the little island are the real gaps that expresses city
negation.
Keywords: Segregation. Closed condominium. Urban fragmentation.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11
2 REFLEXÃO HISTÓRICA: DA SEGREGAÇÃO À FRAGMENTAÇÃO
URBANA ................................................................................................................... 18
2.1 A CIDADE E O URBANO: AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES 19
2.2 SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL: REFLEXÕES SOBRE SEUS FUNDAMENTOS NA CIDADE
CONTEMPORÂNEA 23
2.3 FRAGMENTAÇÃO 28
2.4 CONCLUSÃO PARCIAL 30
3 CONCEITUAÇÕES GERAIS SOBRE CONDOMÍNIOS ................................... 31
3.1 CONDOMÍNIO FECHADO: DEFINIÇÃO LEGAL 35
3.2 SOBRE A MORADIA: CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS 37
3.3 CONDOMÍNIOS HORIZONTAIS (BRASIL) E GATED COMMUNITIES: SEMELHANÇAS E
DIFERENÇAS 40
3.3.1 Estados Unidos ................................................................................................. 41
3.3.2 Brasil ................................................................................................................. 45
3.4 CONCLUSÃO PARCIAL 47
4 CICLOS IMOBILIÁRIOS E A FRAGMENTAÇÃO URBANA ......................... 49
4.1 NATAL: CICLOS IMOBILIÁRIOS E CRESCIMENTO DO EIXO SUL 51
4.1.1 Primeiro ciclo: mercado de terras, produção estatal e incorporações
imobiliárias. ............................................................................................................... 53
4.1.2 Segundo e terceiro ciclo: produção estatal e as incorporações imobiliárias .. 54
4.1.3 Quarto ciclo (1982-1990): capitais privados .................................................... 56
4.1.4 Quinto ciclo − condomínios fechados/autofinanciados e turismo imobiliário/
Programa Minha casa minha vida ........................................................................... 57
4.2 PARNAMIRIM/RN: CONURBAÇÃO E ATRAÇÃO RESIDENCIAL NO BAIRRO DE NOVA
PARNAMIRIM 66
4.3 BAIRRO DE NOVA PARNAMIRIM 69
4.4 CONCLUSÃO PARCIAL 72
5 EXPLORANDO O CAMPO .................................................................................. 73
5.1 PIERRE BOURDIEU: OS CAMPOS E A PONTE PARA RELAÇÃO FRAGMENTAÇÃO URBANA
74
5.2 CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO 77
5.2.1 Primeira convenção: aspectos importantes ..................................................... 77
5.2.2 Segunda convenção: mudanças no poder de coerção ...................................... 79
5.3 ESTRUTURA DOS CAMPOS: CULTURA DE MORAR, CONDOMÍNIO E DISTÂNCIAS 79
5.3.1 Espaço físico ..................................................................................................... 82
5.4 O CONFLITO: DOMINÂNCIA E SUBVERSÃO 87
5.4.1 Diferença nos campos: a antiga moradia......................................................... 88
5.5 DIFERENÇA ENTRE CAMPOS: ANÁLISE INTRAMUROS DO CONDOMÍNIO JARDIM
ATLÂNTICO 94
5.6 CONCLUSÃO PARCIAL 116
6 CONCLUSÃO FINAL ......................................................................................... 118
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 125
11
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho se dispõe a debater alguns dos aspectos mais evidentes da
era moderna recente: o crescimento do movimento de autossegregação residencial das
camadas de porte médio, sob a égide da expansão da moradia nos condomínios fechados.
Especificamente, trata do eixo sul da cidade de Natal/RN em direção à zona de
conurbação com Parnamirim/RN.
Este estudo objetiva caracterizar, por meio da dinâmica social interna do
condomínio fechado Jardim Atlântico, a relação dos seus moradores com o fenômeno da
segregação, em especial, a fragmentação urbana. Portanto, qual seria a contribuição, no
caso do condomínio citado, para a fragmentação urbana na região? A partir desse
questionamento, espera-se evidenciar quais seriam os impactos dessa vivência interna no
condomínio, no uso da cidade por parte dos moradores. Por fim, busca caracterizar um
suposto movimento de negação da cidade.
A expansão dos condomínios fechados, tipologia de moradia denominada na
literatura “enclaves fortificados” (CALDEIRA, 2000), é um dos sintomas das
transformações urbanas recentes mais observáveis. Várias pesquisas se dispõem a
evidenciar suas características, tais como Glasze (2002 apud SPOSITO; GOES, 2015, p.
14), que mostra esses espaços como sendo os novos habitats da era moderna que
evidenciam uma nova questão urbana. Esta última ganha atenção nesta pesquisa, pois se
mostra como suporte para observação da emergência de novas formas de relação entre os
espaços públicos e privados. Consequentemente, isso envolve as relações sociais e suas
derivadas construções coletivas (BLAKELY; SNYDER, 1997).
Com base nisso, é comum ver a disseminação de estudos sobre esses espaços no
Brasil partindo do paradigma estruturalista. Isto é, trata de evidenciar, por meio das
explicações na macroescala, supostas implicações no espaço urbano. Também há estudos
evidenciando as dinâmicas referentes à microescala e seus impactos locais. Nesse
sentido, Hannertz (2015) comenta que é necessário se atentar com relação a esses estudos,
visto que podem cometer o erro de generalizar uma questão, destoando das escalas locais,
ou, ao contrário, estudos locais podem ficar presos a sua pequena territorialidade e se
desconectar das questões globais.
Vale salientar que a análise estruturalista não é considerada neste estudo como
algo errôneo. As análises realizadas por essa corrente se mostraram bastante importantes
12
ao longo do século XX, vide a importância de Talcot Parsons. A observação apresentada
é mais uma tentativa de elucidar que o uso único e exclusivo desta análise na macroescala
pode revelar mais informações se for considerada a microescala.
Portanto, é comum estudos que se comprometem a se debruçar sobre a
macroescoala e a microescala, mas que se fixam em tais níveis, formando zonas de
atuação e com consequências. Os dados dessas pesquisas muitas vezes evidenciam
questões ligadas à crescente criminalidade, à disputa por territórios na cidade ou à
apropriação da classe dominante, que serão explicitados posteriormente. Porém, se
considerarmos o alerta de Hannertz (2015), no intuito de atentar para as problemáticas
ligando o global ao local, acredita-se que se poderiam evidenciar mais informações sobre
o fenômeno da fragmentação urbana.
Isso fica evidente quando se relacionam alguns dos principais estudos sobre a
expansão dos condomínios fechados. A esse respeito, Ellin (2003) e Bauman (2010)
comentam que essa proliferação se dá a partir da cristalização do medo típico da pós-
modernidade. Já Blakely e Snyder (1997) relacionam vários fatores, que incluem a busca
por estilos de vida distintos. Svampa (2001), por sua vez, conclui, em seu estudo na
Argentina, que isso implica problemas do contexto urbano, como, por exemplo, a falta de
urbanidades, o que dá origem à crise do espaço público. Ademais, Duhau (2001)
menciona a fraca atuação do Estado para resolver essa problemática. Por fim, Caldeira
(2000) justifica o fenômeno, em grande proporção, com base na ação do mercado
imobiliário. Desse modo, fica claro que estudos evidenciam o paradigma estruturalista
veementemente.
Ainda se chama a atenção para a quantidade de justificativas que existem
referentes à fragmentação urbana, cuja causa envolve somente o Estado, a distinção, o
crime etc. Kessler (2009) comenta sua preocupação com a ligação de diferentes escalas
de análises, junto a este, Souza (2000) evidencia que o fenômeno se trata de um estilo de
segregação que envolve o tecido social, espacial e político, elucidando assim a
importância do olhar entre o global ligado ao local. Assim, este estudo procura realizar
seu objetivo encarando o condomínio fechado Jardim Atlântico como um caso singular,
mas que faz parte de um todo, sendo, desse modo, um elo fundamental na sua participação
como estruturante e estruturador do espaço em que está inserido.
Dissertar sobre o condomínio escolhido perpassa necessariamente pelo
conhecimento da capital do Estado do Rio Grande do Norte, Natal, devido a sua relação
13
simbiótica1, nos termos da Escola de Chicago. Um dos estudos mais relevantes para o
entendimento da expansão recente da capital potiguar dá-se pelo estudo de Queiroz
(2010). O autor cita, por exemplo, que a cidade tem apresentado especificidades no
mercado imobiliário. Durante os anos 1990, segundo Queiroz (1998), o processo de
verticalização aumentou, proliferando muitos condomínios de alto padrão se estendendo
até a década de 2000. Somado a isso, o censo entre 2000 e 2010 mostra a população de
Natal com um crescimento de 73,405 habitantes (IBGE, 2010). Baseado nas observações
de Queiroz (2012), se distribuídos os habitantes a uma divisão de 3 pessoas por habitação,
seriam necessárias 24.000 unidades habitacionais.
Porém, o mercado imobiliário local foi além, uma vez que registrou em cartórios
32.000 unidades somente na modalidade incorporação, ou seja, foi um avanço
extraordinário na construção. Além disso, deve-se considerar a tipologia dos
empreendimentos, em especial, a do Condomínio Clube, construído em grande número,
pois se caracterizam por empreendimentos de grande porte, em alguns casos ultrapassam
500 unidades habitacionais. O avanço construtivo foi além dos limites da capital, e se
encontra atualmente bastante presente na conurbação entre Natal e Nova Parnamirim –
bairro de Parnamirim RN –, mais especificamente nas avenidas Maria Lacerda e Abel
Cabral.
O Condomínio Jardim Atlântico está situado na Avenida Abel Cabral. Foi
fundado em 2007, em pleno momento do “boom imobiliário”. É voltado para a classe
média, possuindo 109 lotes de residência, com uma área de lazer coletiva que dispõe de
diversos serviços típicos dos condomínios club e uma sede administrativa. O condomínio
Jardim Atlântico reproduz o ambiente de cidade jardim2 e, apesar de existirem outros
condomínios de residências, esse é o que mais exige custos para manutenção de padrão
de vida3 nessa avenida. Além de possuir essas peculiaridades, o motivo da escolha
1 Consiste na interação entre meio ambiente, população e organização.
2 Faz-se referência a Garden City de Howard (1898) por conter em seu ambiente a reprodução
temática da cidade integrada a vastas áreas verdes.
3 Segundo algumas entrevistas realizadas na pesquisa de Luna (2014) com proprietários de
empresas de imóveis que atuam na localidade, em relação ao preço médio de um condomínio
clube de uma unidade habitacional na Avenida Abel Cabral, girava em torno de 180 mil a 300
mil no ano de 2014. O condomínio Jardim Atlântico possui apenas no terreno esse valor, é
acrescido ainda o valor da construção da moradia ao valor da casa e a taxa da administração.
14
também perpassa pelo fato de conseguir livre acesso ao interior para a atividade de
pesquisa, que foi possível firmar com a administração do condomínio.
Compreender a relação do estudo de caso do condomínio Jardim Atlântico
requer uma análise sobre sua definição e a explicação de alguns processos e conceitos.
Portanto, para realizar o estudo, será realizado, inicialmente, um levantamento
bibliográfico. Dessa maneira, esta pesquisa pretende realizar uma pesquisa na literatura
da área que se justapõe às descrições mais estruturalistas que envolvem a segregação
(SOUZA, 2000; JANOSCHKA, 2002; PARK, 1987; EUFRASIO, 1999; CASTELS,
1983). Como elo entre o global e o local, usam-se alguns princípios de Bourdieu (1979)
ligados ao conceito de habitus para quebrar o paradigma estruturalista.
Dessa forma, a bibliografia servirá como apoio para entender a evolução das
perspectivas sobre a segregação, bem como as características de sua manifestação atual,
a fragmentação urbana. Além disso, o conhecimento teórico sobre pesquisas que
envolvem os condomínios fechados se faz presente no apanhado bibliográfico. Com isso,
delimitam-se características da natureza do termo condomínio fechado dada a cultura em
que está inserido.
Em seguida, vale comentar que esta pesquisa se trata de um estudo de caso de
base etnográfica, ou seja, seu olhar é voltado para a vivência dentro do condomínio
fechado. Dessa forma, para contemplar tal característica, este estudo tomou como base
especificamente o método da observação direta. Escolheu-se tal método devido a sua
facilidade em proporcionar ao pesquisador a oportunidade de registrar eventos e retratá-
los em determinados contextos.
Para tanto, foi necessário estruturar tais observações sob dois aspectos, as
formais e informais divididas em dois períodos: a primeira convenção, fase que
proporciona um resgate histórico desde a ocupação do condomínio; e à segunda
convenção, período em que há a ocorrência de certas definições do primeiro período. A
divisão por modelos de convenções se torna importante em virtude de se considerar a
transformação das regras, reflexo dos condicionantes do espaço que evidencia a lógica
que se propõe ao espaço. Durante esse período, tornou-se possível realizar observações
durante reuniões do condomínio, atividades físicas guiadas por instrutores certificados4
4 Isso exclui formas de execução de exercício de maneira individual.
15
(formais), assim como das atividades espontâneas, baseadas em preferências temporais
independentes5 (informais).
Nesse sentido, reconhece-se que investigar o fato antropológico só pode ser
levado até certo ponto. Em consideração às orientações sobre a casa urbana x cabana de
Hennertz (2015), passa-se a considerar que é inerente o fato de o ser humano se
desenraizar, deslocar e se fixar no espaço. A partir do momento em que o ser humano é
fixado, a sua relação com a moradia e com a vizinhança é iniciada e isso pode ser
conflituoso se colocado sem suas devidas assimetrias. Dessa forma, considera-se a
conexão da moradia, especificamente com a preocupação em não cair no dilema casa
urbana x cabana.
Portanto, levando em consideração a localização do condomínio Jardim
Atlântico, isto é, em meio à simbiose da mancha urbana, pode-se considerar junto ao
dilema de Hannertz (2015) como uma casa urbana, no entanto, ressalva-se que ela está
inserida em uma determinada cultura, civilização e modo de produção. Assim, o uso da
visão da dinâmica urbana foi considerado imprescindível, sendo esta uma de suas
dimensões. A vivência também pode ser considerada uma dimensão que potencialmente
compõe os elos estruturadores e estruturantes, sendo possível considerando a ideia de
habitus de Bourdieu (1989). Seguindo essa linha, não se trata de um aspecto inerte ou
solto, a dimensão, nesse caso, conecta-se com várias outras dimensões, o global ligado ao
local.
Atrelada à etnografia, a observação direta será um pilar fundamental na pesquisa,
pois, uma vez que o pesquisador está inserido no ambiente, possibilitou uma análise
descritiva da pequena escala estudada. Nessa direção, algumas observações ligadas à
literatura da Escola de Chicago se entrelaçam com a literatura de Bourdieu. Apesar de
seguirem escolas de pensamentos diferentes, acredita-se que há certos conceitos ligados
à questão metodológica na Escola de Chicago que podem ajudar, com as devidas
acomodações, a entender as microrrelações nos bairros. Trata-se, portanto, de questões
que envolvem, por exemplo, a adaptação dos indivíduos aos seus ambientes.
Ademais, baseado nas técnicas para compreensão das microrrelações, adota-se
o estilo de pesquisa baseada em Whyte (2005), Park (1970) e Hennertz (2015), que traçam
o objetivo a partir da análise do espaço como processo e não como estrutura. Com isso,
5 Incluem-se atividades espontâneas, aparentemente influenciadas diretamente pela
administração.
16
usa-se fundamentalmente a técnica de observação do cotidiano em meio a um processo
em curso. Vale salientar que o uso do autor Robert Park foi devido a sua relevância sobre
os estudos referentes ao cotidiano, como o seu manuseio com as de fontes primárias de
pesquisa: autobiografias, histórias de vida, análise dos bairros com base nos trajetos de
vida de seus moradores, sendo este último ponto analisado neste trabalho.
Cabe salientar observações importantes acerca do que está sendo apresentado. É
de se reconhecer que a Escola de Chicago possui uma estreita relação com a naturalização
das relações sociais de modo que os fatos acontecem assim, pois a competição prevalece
acima de tudo e há uma corrida por adaptação; trata-se, nesse caso, de percepções
darwinistas. Essa visão é rechaçada parcialmente nesta pesquisa, partindo do princípio
que os indivíduos vivem em competição, adaptam-se etc., no entanto, isso acontece
também em função do movimento de processos maiores que impactam a vida cotidiana.
Assim, mergulhar no mundo das relações e observar apenas as relações naturais seria
negligenciar a influência dos demais agentes urbanos. Nesse, sentido, fazemos referência
aos agentes e aos processos da macroescala, pois, de fato, se há competição, adaptação,
assimilação de uma dada forma e em um dado momento é por também existirem
estruturas que vão além das relações da microescala.
Sendo assim, a observação se deu de modo que o pesquisador participou
semanalmente em turnos mesclados, divididos em suas visitas, sendo uma pela manhã,
três à tarde e duas pelo período da noite, totalizando cerca de um ano de observação.
Nesse ritmo, procurou-se observar formas de organização legais e espontâneas, costumes
relacionados ao modo de viver e, com base no discurso dos moradores, identificar sua
relação com a cidade.
É importante notar que a pesquisa não se limitou a fatos observados, mas
também aliou algumas outras estratégias. Para auxiliar na interpretação dos
comportamentos foram realizadas entrevistas com os moradores. Ao todo, foram 14
moradores entrevistados, sendo, em sua ordem, indicados pelos próprios moradores. É
importante frisar que a identificação dos moradores foi realizada de acordo com o número
de sua entrevista, assim preservando a identidade deles, seguindo, assim, o que foi
solicitado pela administração do condomínio e pela ética.
Tais entrevistas se deram de forma semiestruturada, apenas se delimitaram os
eixos guias elencados como: lazer, trabalho, família e consumo, tanto de forma externa
17
ao condomínio como interna. Isso se deu em virtude de provocar comparações entre
condomínio x cidade por parte dos moradores.
Também se usou da pesquisa documental sob a égide da análise de conteúdo,
auxiliando, com isso, no entendimento das regras do condomínio, fato que se liga à teoria
dos Campos de Bourdieu (1979). Sob essa ótica, admite-se que os Campos possuem certas
regras próprias imersas a vários outros Campos. Nesse sentido, o modelo de gestão é
importante para analisarmos a organização social, portanto, mapas, convenção do
condomínio, regimento interno e atas de reunião serão importantes documentos que
influenciam na pesquisa. Embora a análise de documentos não gere um contato do
pesquisador com os moradores, é lá que são registradas as suas regras legais de convívio
social esperado.
Em relação à leitura, esta se inicia a partir de dois blocos: o primeiro conceitual
e depois o prático. O primeiro bloco se divide em seção 1 e 2, que trará um breve resgate
teórico sobre a evolução da forma, apresentando como se via a segregação até a
determinação do molde atual. Fazer essa análise possibilitou caracterizar o fenômeno da
fragmentação urbana pontualmente na América Latina. A segunda seção também diz
respeito a uma delimitação, nesse caso, para explicar o que viria a ser um condomínio
fechado nos moldes brasileiros. Acredita-se que essa diferenciação ajuda a evitar
incorporar características únicas de um dado modelo de condomínio fechado em outro
contexto.
O segundo bloco consiste em uma análise mais voltada para o espaço empírico.
Portanto, para fins didáticos, a seção 3 procura mostrar ao leitor a formação do espaço
estudado com base nos fatores que levaram à migração para o bairro de Nova
Parnamirim/RN e que culminou na sua formação. Com base nisso, a seção 4 é totalmente
dedicada à análise do campo, nele, procura-se evidenciar a trajetória da pesquisa com o
auxílio da teoria dos Campos e Habitus de Pierre Bourdieu (1989)
18
2 REFLEXÃO HISTÓRICA: SEGREGAÇÃO A FRAGMENTAÇÃO URBANA
O termo fragmentação urbana tem sido referenciado no que tange às
características das cidades contemporâneas de maneira bastante abundante na literatura
acadêmica. O que chama atenção é a sua capacidade de revelar múltiplos sentidos em seu
termo, muitos desses relacionados ao espaço, à economia, à política e também ao aspecto
social. À primeira vista, analisando Lambony (2004 apud CHETRY, 2014), o termo
fragmentação urbana conecta dinâmicas importantes que parecem estar relacionadas ao
conceito geográfico de vetores de metropolização, consequentemente envolvendo
questões de mobilidade e dispersão.
No entanto, a generalidade do emprego desse termo promove um sentido amplo.
Dessa maneira, Chetry (2014) comenta que o termo foi alojado na pesquisa urbana sem
antes haver uma reflexão sobre seu uso. É crescente a utilização do termo quando se refere
a novos padrões de segregação nas cidades, muitas vezes envolvendo a dispersão nas
periferias em virtude da tipologia habitacional, o condomínio fechado.
Reconhecendo isso, esta seção tratará de caracterizar o termo fragmentação
urbana no contexto latino-americano, especificamente no Brasil, na área urbana da grande
Natal, no Rio Grande do Norte. No entanto, não é possível deter-se apenas nisso, sendo
necessário ainda ater-se ao objetivo de construir, a partir da caracterização do conceito, a
relação entre espaço e sociedade, considerando a perspectiva de que o espaço não é
somente o reflexo das outras dimensões (economia, política, social) mas também é uma
dimensão que determina as outras. Conforme Carlos (2007, p. 39) coloca, “as relações
sociais se realizam na condição das relações espaciais”.
19
Sendo assim, trataremos especificamente sobre a relação do chamado novo
padrão de segregação na cidade contemporânea, caracterizado pela presença de
condomínios fechados nos centros e nas periferias da cidade, tornando-a supostamente
fragmentada (CALDEIRA, 2000, p. 30). De certo, muitas análises, como a de Silva
(2009), trabalham a questão a partir de explicações espaciais. No entanto, atenta-se para
a possibilidade de negligenciar certos aspectos relacionados às microrrelações sociais e
espaciais.
A esse respeito, afirma-se que os condomínios estão entre os responsáveis pelo
fenômeno da fragmentação urbana, sendo que não há propriamente a caracterização exata
de como isso atinge a cidade do ponto de vista comportamental. A conclusão acontece
sobre o olhar espacial, mas se considerarmos as relações sociais, algo muda?
Em relação à apropriação, o que poderia estar envolvido? Sabemos muito sobre
os efeitos, mas ainda se deve melhorar o entendimento sobre as causas, perguntas como
o que acontece no intramuros acaba reforçando os sintomas, tal como a perda do espaço
público? Essas são questões ainda bastante difusas, caindo muitas vezes no “conto da
Aldeia6” (HANNERZ, 2015).
Sobre o campo da pesquisa, o condomínio estudado está situado em uma zona
de conturbação, o que também caracteriza o perfil desse novo padrão de segregação por
estar na região periférica. Muito se discute sobre o crescimento da cidade sendo
consumado nessas zonas de conurbação. De fato, essa ligação causa um acirramento da
organicidade das relações do espaço para além dos limites administrativos da cidade.
A discussão sobre cidade e urbano, então, ganha importância na medida em que
há essa organicidade. Mas se considerarmos as barreiras impostas, inclusive as
institucionais, dentro do esquema desse novo “padrão” a complexidade vem à tona.
Portanto, para a construção desta seção será necessário exibir a discussão da concepção
de cidade e de urbano como campo de múltiplas dimensões, bem como a questão histórica
da segregação para direcionar o termo fragmentação nesta pesquisa.
2.1 A CIDADE E O URBANO: AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES
6 Faz-se referência ao dilema da casa urbana x cabana.
20
A discussão sobre o espaço urbano está inserida em uma gama de visões e formas
de elaborar métodos de análises, quer seja quantitativa quer qualitativa. Em um período
recente, após os anos 1970, Abreu (1994) comenta que o planejamento territorial era o
cerne da resposta sobre os estudos geográficos a respeito da cidade, técnica difundida
entre os geógrafos, arquitetos urbanistas etc. Tais pesquisas procuravam buscar padrões
espaciais usando traços da teoria, destaque para a neoclássica e, mais tarde, para os
marxistas. Oliveira (2013) comenta que esse movimento era caracterizado pelo
“quantitativismo”, sendo aplicado pelo método dedutivo.
Ao passar dos anos 1970, Abreu (1994) menciona um período de transição
importante encabeçado pela crítica de David Harvey à teoria neoclássica, por meio da
incorporação de ideias relacionadas ao pensamento marxista, especificamente no que
concerne ao materialismo histórico dialético. É nesse período que surge a definição dos
processos espaciais envolvendo o conceito de vetores de metropolização. Ademais,
aspectos importantes foram reformulados sob a influência do papel neoliberal7, tais como
análise do papel do Estado, expansão urbana, descentralização, centralidades, segregação
urbana etc. O materialismo histórico procurou dar explicações baseado nos aspectos
históricos, engendrando a ideia da produção social do espaço.
Durante esse processo, a discussão sobre o que é cidade e o que é urbano ganha
ainda mais destaque, pois seria esse um dos alicerces para as análises do espaço
urbanizado. Como exemplo, temos a conceituação de Lencioni (2008 apud OLIVEIRA,
2013, p. 12), que comenta: “Mantém-se [sobre a cidade] as ideias de aglomerado,
sedentarismo, mercado e administração pública, que parecem constituir referências
importantes na conceituação de cidade”.
Nesse sentido, ainda temos a definição de Souza que generaliza as características
de qualquer cidade, quando afirma: “Cidade é o lugar de mercado, é uma localidade
central, é predominantemente um espaço de produção não agrícola e é um centro de
gestão do território” (SOUZA, 2003, p. 26).
Em uma análise bastante fecunda sobre a cidade, podemos citar Lefebvre (1999),
quando afirma que a cidade é a materialização da força produtiva que acontece em meio
à reunião de trabalhadores de obras, de trabalhos técnicos ou dos meios de produção, o
que acaba intervindo no seu crescimento. “A cidade se torna, no curso da história, o lugar
7 Sobre tais reformulações, podemos citar a retração do Estado e a privatização de suas
instituições.
21
privilegiado onde se elaboram as relações de produção, onde se manifestam os conflitos
entre as relações de produção e as forças produtivas” (LEFEBVRE, 1999, p. 91-92).
Podemos inferir, com base nisso, a forte influência da perspectiva geográfica.
No entanto, as observações de Lefebvre colocam nossa visão sobre outro patamar,
considerando a dimensão do conflito. Assim, na análise da cidade, sua materialidade é
revelada em função de algo mais elementar, que seria pelas relações sociais que lhe dão
corpo.
Essa suposição nos permite considerar que a cidade é campo do produto social,
seu trabalho se materializa e se acumula ao longo do tempo. Expressa também a vida
humana como razão e produto da realidade espacial. Essa se incorpora às ações do
passado e aponta possibilidades para a vida cotidiana. Esse raciocínio é apresentado
também por Sposito (1997) ao colocar a cidade como o somatório de seus momentos
históricos.
Ampliando a perspectiva marxista, Lojkine (1997) coloca em evidência uma
perspectiva mais aproximada, a intraurbana. A esse respeito, explica que a cidade é vista
como espaço que possui valores de uso complexo, os quais são articulados por diferentes
valores de uso presentes na cidade. A reunião desses valores provoca uma nova dinâmica
estruturadora, as localizações. Essas, por sua vez, aparecem como ponto importante para
análise do que seria a segregação espacial e o mercado de terras, visto que esses valores
se tornam lucrativos. Portanto, em uma vasta gama, os conflitos citados podem ser
materializados na disputa para o desenvolvimento de mais localizações que podem ganhar
valores de troca altíssimos e, com isso, mais seletividade.
Considerando as ideias expostas, percebe-se que até para conceituar o termo
cidade a gama de objetos a ser levada em consideração perpassa a ideia de espaço físico.
De fato, cidade e urbano perpassam pelo espaço físico, mas a discussão torna-se muito
complexa sob esse aspecto. Assim, para além da questão espacial, o fluxo capital aparece
também de forma bastante importante. No determinar da intenção, também cria uma gama
de possibilidades individuais de mercado.
As contradições do processo de produção espacial [...] é dirigida a uma fração
pequena da sociedade, conduz à degradação do meio ambiente e das condições
de vida, e concorre para a articulação e organização da população na luta por
seus direitos. Assim, no embate entre essas forças do que é bom para o capital
e do que é bom para a sociedade, o espaço urbano se (re) produz (CARLOS, 1994 apud OLIVEIRA, 2013, p. 47).
22
Dessa forma, levando em consideração o que vimos, podemos pensar a cidade
como espaço que se torna palco das relações de produção e de força de trabalho, mas o
conflito não se encerra propriamente na disputa de espaços. Observando o que afirma
Correa (1991, p. 6):
Eis o que é espaço urbano: fragmentado e articulado, reflexo e condicionante
social, um conjunto de símbolos e campo de lutas. É assim a própria sociedade
em uma de suas dimensões, aquela mais aparente, materializada nas formas
espaciais.
Conforme o autor propõe, toda discussão sobre o espaço nos remete à ideia da
condição social. No entanto, essa é uma das dimensões da sociedade, devem-se considerar
ainda, o campo do conflito social, a luta simbólica, as razões que envolvem uma
microescala como influenciadoras da grande dinâmica urbana. Assim, se o espaço urbano
é segregado ou fragmentado, quais fatores de determinadas formas de organizações, em
linhas gerais, corroboram para influenciar dialeticamente a cidade de forma local e/ou
global?
Trazendo a discussão para a perspectiva da habitação, podemos destacar o debate
sobre os condomínios fechados. Ao analisar a estrutura dos vetores de metropolização, o
resultado da produção ao longo do espaço serão produtos físicos, tais como: grandes
comércios, ruas, empresas, residências verticais ou horizontais, em suma, elementos que
constituem as localizações.
Dessa maneira, podemos dizer que outra característica geral dos estudos sobre a
habitação perpassa pela questão de sua estruturação e seu funcionamento. Tal
funcionamento pode ser visto por diferentes ângulos, que abrange diversas visões
destacando-se a ecológica, a neoclássica e a marxista.
Em linhas gerais, considerando suas diferenças, a discussão se resume, grosso
modo, em entender a habitação sobre dois grandes aspectos, o do equilíbrio e o do
conflito. Segundo Farret (1985), podemos dizer que há uma função à qual correspondem
essas perspectivas, o equilíbrio está muito ligado à questão da competição individual e ao
conflito em torno do jogo do poder. Considerando os termos apresentados sobre cidade e
sobre urbano, adotaremos para análise a natureza do conflito inerente ao método dialético
presente nas análises no Brasil.
Junto à perspectiva da habitação, existe a cidade, palco das dinâmicas sociais e
do capital; e, como produto, temos a produção de valores de uso que ganham valor de
troca culminando na criação das localizações. Em tese, esses espaços são bastante
23
cobiçados e, por isso, ganham alto valor, que, por sua vez, pode ser um dos motivos para
o desenvolvimento da segregação socioespacial.
Segundo Villaça (2001), a segregação referida se traduz na dominação da classe
mais favorecida sobre a menos favorecida, sendo essa apropriação diferenciada das
vantagens e desvantagens dos demais espaços urbanos. Conforme Rodrigues (1988 apud
OLIVEIRA, 2013), seria produto do conflito entre a produção social da cidade a
apropriação particularizada com base na terra privada.
Nas metrópoles brasileiras, essa corrente afirma que, nos casos de segregação
socioespacial, tão marcantes no país, as elites procuram se concentrar num determinado
setor da cidade. Desse modo, buscam, por meio de sua influência, atrair mais
investimentos oriundos do recurso público para seu espaço. Segundo Villaça (2001), a tal
concentração culmina no controle sobre determinada região a ponto de, por meio do
controle dos equipamentos urbanos, sejam eles centrais ou não, atrair a força de trabalho
para seu espaço, minimizando custos como deslocamentos etc. Dessa maneira, entende-
se que, por objetivo de ilustração de um papel geral da dominação na cidade, a corrente
cumpre suas expectativas. No entanto, seria sempre o ponto chave para entender a
fragmentação?
O primeiro ponto que se destaca é que em uma relação, que podemos chamar de
organizacional, as estruturas do Estado junto aos mecanismos de fluidez do capital são
levadas corretamente em conta. No entanto, se pensarmos em uma microescala,
encontraremos aporte para outras disposições organizacionais, tais como as pequenas
instituições e seus efeitos no comportamento. Para podermos delimitar melhor essa
questão, será necessário esclarecer ainda mais alguns pontos sobre a segregação
socioespacial.
2.2 SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL: REFLEXÕES SOBRE SEUS FUNDAMENTOS NA CIDADE
CONTEMPORÂNEA
Como clássico dos estudos sobre a segregação urbana, encontramos Marcuse
(2004). Baseados nesse autor, colocamos como ponto principal de análise a maneira de
se enxergar a segregação e sua disposição espacial na cidade. Dessa maneira, podemos
citar três tipos de segregação, a saber: (i) a segregação cultural, que se dá a partir de
diferença cultural, geralmente ligada a costumes de países ou de regiões diferentes, tais
como: língua, religião etc.; (ii) a divisão funcional leva em consideração a divisão
24
econômica, é comum isso se ligar à funcionalidade do espaço, como, por exemplo, áreas
industriais e rurais; e (iii) a divisão por diferença de status hierárquico seria aquela que
reflete a luta do poder na cidade. Esta última será escolhida como o interesse desta
pesquisa, pois acreditamos que o condomínio fechado é uma exemplificação.
Quando se analisa a segregação sobre o status hierárquico, as pesquisas tomam
automaticamente seu desenrolar por meio do termo segregação residencial
socioeconômica. “Na realidade latino-americana, é consenso entre os pesquisadores que
o padrão característico de estruturação das grandes cidades é o da segregação
socioeconômica” (SABATINI; SIERRALTA, 2006; VIGNOLI, 2001; VILLAÇA, 2001).
De certo, a preferência por essa determinação se dá em função da escolha pelo modelo
marxista predominante. Nesse caso, poderíamos relacionar esse modelo de segregação
simplesmente por variáveis econômicas?
Com base na história, tornou-se possível enxergar alguns modelos que propõem
observações pertinentes para análise da segregação urbana. Nesse sentido, Correa (1991)
coloca que as análises sobre o espaço urbano referentes à segregação foram engatilhadas
a partir do modelo de Kohl em 1841, que determinava que a cidade europeia poderia ser
analisada por meio de anéis concêntricos em que os pobres residiam na periferia. Nessa
mesma guinada, os estudos da Escola de Chicago ganham destaque com base no modelo
Burgess, já no século XX. Ainda sobre o olhar dos anéis concêntricos, o modelo propõe
uma identificação importante para este estudo: haveria um avanço das camadas mais
pobres para os centros deteriorados e a burguesia passaria a ocupar os subúrbios,
motivada pela busca da qualidade de vida e pela segurança.
Essa alteração da dinâmica de ocupação era explicada por meio da ideia do
darwinismo social, que foi representado como movimento natural em função da disputa
por espaços em que os mais ricos podem possuir força necessária para se isolar dos
pobres, em função de acompanhamentos mais próximos das relações na microescala.
Portanto, se havia um gueto, eram encontradas as formas de seu funcionamento e as
causas que culminam em sua segregação na cidade.
Diante do exposto, destacamos os modos possíveis de separação entre ricos e
pobres. Nessa direção, os ricos podem também residir nos subúrbios em busca de
qualidade de vida. Desse modo, o acompanhamento mais aproximado das causas da
segregação não leva em conta somente o aspecto econômico mas também o das relações
sociais e o funcionamento das instituições.
25
Com o tempo, o modelo de Burgess foi criticado e substituído pela alternativa
de Hoyt. Chamado de modelo setorial, a segregação não era vista necessariamente a partir
dos extremos (centro e periferia), mas pela setorização, de forma que as áreas mais
amenas eram ocupadas pela classe mais ricas enquanto que, diametralmente, as mais
pobres se alocavam. Dessa maneira, extrai-se o terceiro ponto importante sobre os
modelos clássicos, especificamente o de Hoyt, a possibilidade de ricos e pobres se
alocarem em áreas diametralmente opostas.
Em uma perspectiva mais contemporânea, podemos citar Villaça (2001), que se
baseou nos modelos citados para propor sua visão da segregação urbana. Considerando o
controle das classes mais altas sobre os valores de uso, culminando na valorização de
serviços, o autor mostra que existem três esferas que podem corroborar para isso, quais
sejam:
1. Forte influência no mercado imobiliário que pode decidir investir em
bairros onde as classes altas desejam;
2. Influência na esfera política na localização da infraestrutura, nos aparelhos
do Estado, no controle da legislação e na ocupação do solo;
3. Desenvolvimento de ideologia do espaço urbano, fazendo ser aceitável
para os mais pobres determinadas estruturas que beneficiam os mais ricos.
Destaca-se, também, o quarto ponto importante, que é a criação de uma ideologia
do espaço que, diante do conflito urbano, parece ser aceitável até para as classes menos
favorecidas. Novamente citando a década de 1970, sabemos que a ideia de segregação
marxista ganhou novos contornos. A esse respeito, Castells (1983) coloca que toda essa
dinâmica é fruto e reflexo da distribuição espacial das variadas classes, englobando
determinações políticas, econômicas e ideológicas. Assim, fica definido segregação para
o autor como “a tendência à organização do espaço em zonas de forte homogeneidade
social interna e com intensa disparidade social entre elas, sendo esta disparidade
compreendida não só em termos de diferença, como também de hierarquia” (CASTELLS,
1983 apud OLIVEIRA, 2013, p. 56).
No contexto sul-americano, a definição de Carlos (2007) enfatiza o viés da
segregação urbana na cidade contemporânea, como a negação do urbano em função da
escolha pelo aspecto privado em detrimento do público. Nesse contexto, ainda aparecem
como destaque Sabatini e Sierralta (2006), que tratam das fases da espacialização da
segregação na mesma sequência da apresentação dos modelos clássicos. No entanto, de
26
1990 aos dias de hoje, os autores comentam que há um novo modelo de segregação se
constituindo com um novo padrão, chamado de fractal, tendo por característica os
condomínios fechados que aparecem e são bastante explorados por Caldeira (2000).
Neste estudo, Caldeira (2000) identifica três modelos de segregação na cidade
de São Paulo. O primeiro se estabelece entre os anos 1900 até 1940, quando a cidade era
caracterizada por haver um núcleo central que reunia ricos e pobres. Apesar disso, a
segregação era percebida de outras formas, como nos padrões de residências. O segundo
corresponde ao período de 1942 até 1980, nesse caso, a cidade aparece conforme as
características de Correa (1991), isto é, com aumento das distâncias físicas, tinha-se a
periferia pobre e o centro rico. No entanto, é a partir de 1980 que se dá o “avanço” da
classe pobre para áreas próximas aos bairros de prestígio e a atenuação da criação
aglomerados subnormais8. Assim, fica marcada a criação de uma espécie de fratura que
seria presença, no grande espaço de alta renda, de estratificações sociais menos
favorecidas.
Ao relacionar o modelo fractal e os padrões observados, verificamos que o
processo é similar àquilo identificado por Hoyt, de modo que a escala geográfica de
análise passa a ser reduzida em função da maior setorização, contraposta em termos de
presença de classe social, dos espaços, o que torna as escalas ampliadas, por vezes, pouco
explicativas em relação aos microterritórios. “[...] há uma mudança no padrão de
segregação da escala metropolitana para a microescala (intra-urbana), embora a
segregação em grande escala (metropolitana) não deixe de existir (OLIVEIRA, 2013, p.
59). Dessa maneira, Sabatini e Sierralta (2006) destacam que a mudança para o padrão
fractal está estritamente ligada à expansão imobiliária, especificamente na existência de
condomínios fechados, inicialmente nas áreas tradicionais até as periferias, evidenciando
a alteração da estrutura interna nas cidades também na América do Sul.
O modelo fractal está também diretamente relacionado à auto segregação das
classes mais altas, esfacelando a ideia de centro periferia. De acordo com Oliveira (2013),
além das características citadas, o modelo fractal pode ser ainda explorado sob o viés do
distanciamento sociocultural em função da exclusividade desse modelo de habitação.
Nesse sentido, Villaça (2001), embora seja adepto da análise dos grandes espaços, ressalta
que, para esse modelo vigorar, é necessária a mobilização de uma grande força de coerção
8 Termo usado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística que diz respeito a favela
27
para que haja uma supremacia que também envolve a questão relação social no espaço
em que os indivíduos vivem.
A discussão nos leva às seguintes constatações em torno da relevância histórica
da discussão sobre a segregação urbana: a cidade deve ser necessariamente campo das
lutas antagônicas, isto é, quando se fala especificamente sobre a terra urbana, a disputa se
dá em torno das localizações; a análise espacial se mostra relevante para estudar essa
dinâmica, mas, especificamente, seu sucesso se deu em virtude de uma necessidade de se
ter um panorama geral determinado por modelos, especificamente pelo “padrão centro e
periferia”, elencado pelo fator econômico que objetiva a luta de classes. Após a
constatação de sua variedade setorial, ou seja, a quebra dos padrões dos modelos de
localização, surgiram casos, por exemplo, de bairros onde residem famílias de grande
poder aquisitivo, mas não estão necessariamente em um centro rico, pode estar no centro
pobre ou de periferia rica. Além disso, nem sempre esses bairros dispõem de todas as
estruturas9 que os tornariam valorizados. Observamos essas situações considerando que
a ideia da categorização a partir do viés econômico se torna contestável.
Ao observarmos os modelos propostos pela Escola de Chicago, isto é, sua
aproximação com os estudos das relações sociais, sente-se uma mudança relevante na
leitura do espaço, tal como os aspectos relacionados à estabilidade, à localização espacial,
à interdependência entre os indivíduos etc. Considerar isso ratifica a aplicação automática
do modelo centro periferia, surgindo, assim, a necessidade de se trabalhar outra proposta,
a qual pode ser o modelo fractal. Este modelo está relacionado a autrosegregação das
camadas de alta/média renda, que substitui distâncias físicas pelo uso exacerbado de
aparatos de segurança arquiteturais e tecnológicos que garantem distanciamento
sociocultural. Para ser mais objetivo, este modelo, no que tange à segregação residencial,
pode ser visto a partir de três dimensões, de acordo com o que destacam Sabatini e
Sierralta (2006 apud SANTOS, 2013, p. 61):
A segregação social do espaço urbano, ou segregação residencial, apresenta, a
nosso ver, três dimensões principais: a) a tendência de certos grupos sociais
em concentrar-se em algumas áreas da cidade; b) a conformação das áreas com
alto grau de homogeneidade social; e c) a percepção subjetiva que se forma
sobre o que é segregação “objetiva” (as duas primeiras dimensões), tanto para
os que pertencem a bairros ou grupos segregados, como para os que estão fora
deles. [...]. Enquanto a primeira trata o grau da concentração ou a dispersão de
cada grupo na cidade, a segunda examina cada área, em termos da
homogeneidade ou heterogeneidade social que a caracteriza. A primeira
9 Ex: saneamento básico
28
analisa grupos sociais em termos de sua posição espacial, e a segunda, as áreas
da cidade com relação a sua composição e dinâmica social.
Nessa perspectiva, o que se torna relevante para esta pesquisa é exatamente o
segundo viés, que se relaciona à composição e à dinâmica social. É do desenrolar dessa
visão que emerge o termo “fragmentação”, empregado sob diferentes abordagens. Sabe-
se que a cidade, por natureza, é fragmentada e articulada. Entretanto, em relação ao
fenômeno da fragmentação, como podemos observar a presença de diferenças? É
necessário explorar a ideia para reflexões para que haja avanço.
2.3 FRAGMENTAÇÃO
A fragmentação urbana pode ser vista sobre dois aspectos gerais, aquela definida
por Salgueiro (1998), que gira em torno de questões, como os aspectos estruturais
visíveis10, físicos, políticos, econômicos, de forma separada. No entanto, chama-se
atenção para a definição de Souza (2000), que indica que a fragmentação pode ser também
percebida englobando os aspectos social, político e espacial (sociopolítico-espacial).
Partindo dessa premissa de Souza (2000), a dimensão política representaria a
ideia do poder. Desse modo, as fronteiras não seriam em torno das delimitações
organizacionais, mas sim, sob o aspecto do poder. Este, por sua vez, seria evidenciado
nas diferentes territorializações na cidade, que tem o potencial de encarar o controle
estatal. Sob o olhar do autor, a referência ao controle estatal emerge na exemplificação
em torno da discussão sobre a precariedade da periferia, especificamente a favela, na qual
certos grupos, desafiantes da lei, impõem regras para garantir a convivência de forma
“pacífica”.
Ademais, a fragmentação, nos termos de Souza (2000), pode ser também
referenciada na territorialização dos mais ricos. Nessa perspectiva, Santos (2013)
comenta que esses espaços possuem regras de convivência legalizadas, no entanto,
chama-se a atenção para a conivência do Estado para a legitimação de tais regras. Souza
(2000) alcunha de “comportamento escapista” e ainda adiciona a característica da busca
10 Esse aspecto corresponde à materialização dos grandes temas elencados.
29
pelas periferias da cidade. O escapismo dá-se especificamente pela busca por residências
afastadas do grande centro urbano, como alguns condomínios fechados.
Na América Latina, autores como Janoschka e Glasze (2003) fazem uma análise
mais aprofundada sobre o recente fenômeno. Nessa direção, propõem três modelos
analíticos para se estudar cidades assim. O primeiro é categorizado pela fragmentação ser
essencialmente físico-material, seu esfacelamento está ligado à crescente construção de
corpos urbanos independentes, ou seja, com acessos restritos provocando rupturas na
mancha urbana. Tais rupturas são evidenciadas conforme a conduta que o espaço propõe.
O segundo ponto é o da fragmentação social, que se entende na dificuldade do
engajamento comum. No entanto, chama-se a atenção para que a análise sob o aspecto
social não seja realizada de forma independente, pois se acredita que essa é uma
consequência do primeiro modelo. Entre seus efeitos está a evidencia da vida organizada
contrária à rua pública, por conseguinte, evitando o contato com a diferença. Já o terceiro
ponto é a fragmentação político-territorial. A esse respeito, os autores comentam que está
relacionado à extensão de serviços comunitários voltados para dentro desses espaços,
prejudicando assim o transporte de massas.
Vale salientar que essa analogia parece ser similar à definição de Souza (2000),
quando destaca que certas regras do Estado passam a existir paralelamente com outras de
interesse privado. Sendo assim, percebe-se que os autores Janoschka e Glasze (2003)
focam o termo sobre o aspecto físico e territorial, enquanto que Souza abrange o aspecto
político e, em certa medida, cultural. Entretanto, apesar da diferença, os autores
concordam com a ideia de espaço rompido, e por esse motivo estaria ligado à ideia de
negação da cidade.
No Brasil, o conceito é bem explorado no trabalho de Zandonadi (2008), que
procura estudar a periferia da cidade de Marília. O autor investiga a ideia e propõe uma
concepção voltada para cidades brasileiras. Por fragmentação físico-material entende-se
que é o fenômeno expressado pela criação dos condomínios horizontais que constituem
barreira física e provocam rupturas em continuidades urbanas. Esses espaços procuram
controlar a circulação de pessoas, suas unidades são independentes e possuem
aparelhagem de segurança reforçada.
A terminologia da fragmentação sociopolítica e espacial está ligada à dimensão
política. Esse poder se dá também por meio da crescente opção pela administração
privada no quesito serviços coletivos, regras de convivência (SANTOS, 2013). Vale
30
salientar que essa concepção se restringe mais aos condomínios fechados, objeto desta
pesquisa. A última categoria é a funcional que se expressa na dispersão das residências
voltadas para as camadas mais ricas, o que, por conseguinte, dispersa também as áreas de
comércio e, por fim, acaba culminando no aparecimento de novas centralidades.
2.4 CONCLUSÃO PARCIAL
Diante do exposto, a ideia que diz respeito à fragmentação foi comentada nos
termos de Janoschka e Glaze (2003) e Souza (2000). No entanto, para a contextualização
do uso desse termo na contemporaneidade, faz-se necessário realizar um apanhado sobre
as correntes de estudos da segregação urbana. Sendo assim, nesta seção, procurou-se
analisar as diversas teorias sobre segregação socioespacial. Situar essa questão tornou-se
imprescindível para a caracterização dos perfis das cidades latino-americanas.
Do ponto de vista teórico, observa-se que, a partir de uma análise da bem datada
segregação, consegue-se evidenciar um modelo presente na contemporaneidade, que se
trata do padrão fractal. Acredita-se que esse modelo possibilidade de se articular com a
ideia de fragmentação urbana. Como resultado dessa articulação, vê-se o crescimento de
condomínios fechados normatizados que, do ponto de vista espacial, causam uma fratura
no tecido urbano, permitindo que as classes sociais possam estar próximas e ao mesmo
tempo bastante distantes.
É justamente por esse viés que a definição de Janoschka e Glasze (2003) e Souza
(2000) apontam que é necessário saber articular as etapas de seus modelos para poder
entender como um condomínio fechado pode estar contribuindo, sob o aspecto de suas
relações sociais, para o acirramento da fragmentação urbana. Se pelo viés da segregação
ainda temos a estratificação social, por outro, temos a criação de barreiras físicas e
simbólicas por meio desses novos empreendimentos, que vêm comandando a estruturação
das metrópoles.
Dessa maneira, uma vez elencadas tais informações, foi estabelecido nesta
pesquisa o padrão fractal como modelo vigente de segregação. Tal modelo se articula
com a ideia de fragmentação urbana proposta e que, em seu seio, tem como característica
a proliferação dos condomínios fechados residenciais e comerciais. Sobre a tipologia
residencial, sabendo que é a característica marcante dessa composição, as próximas
seções deste trabalho serão dedicadas à exploração de sua gênese histórica. Mas, afinal,
31
o que seria um condomínio fechado residencial? Surge da mesma maneira em toda
localidade?
3 CONCEITUAÇÕES GERAIS SOBRE CONDOMÍNIOS
A tipologia habitacional denominada condomínio pode ser assinalada como algo
não recente na história e está sofrendo forte expansão mercadológica em muitas cidades
desde o século XX. Fortificação pode ser o termo que se transmutou diante de diversas
eras na história humana, tal como feudo, cidadela, fortificação e atualmente condomínio
fechado. Para definir exatamente do que se trata esse termo, devem-se considerar algumas
importantes observações.
Geralmente a ideia do que seria o condomínio é bastante difundida por meio das
ações de publicidade que envolvem promotores imobiliários, panfleteiros e até mesmo a
televisão. A literatura acadêmica revela que o “condomínio” é um termo abrangente11.
Em linhas gerais, pode-se entender que são um produto cujas vantagens, cada vez mais,
são exploradas pela propaganda diante de um suposto ambiente urbano.
Sob essa ótica, esta seção tem como objetivo elucidar as diferenças entre as
diversas expressões conceituais sobre o que é um condomínio fechado. Assim, será vista
uma conceituação básica sobre como se pensa geralmente sobre esses espaços, seguida
de algumas definições exploratórias de base conceitual literária e legal. Por fim, serão
11 Abrangente no sentido de tentar levar todas as suas características em um único filtro de
resposta.
32
apresentadas algumas aproximações e distâncias entre os as gated communities e os
condomínios fechados no Brasil.
Com base em vários estudos (SVAMPA, 2001; JANOSCHKA, 2002;
CALDEIRA, 2000; SILVA, 2004; MAMMARELLA; BARCELLOS, 2008), aponta-se
que a sua franca expansão é certa ao redor do mundo. Logo, é comum definir que se trata
de algo que poderá trazer impacto urbano, seja de ordem espacial, seja social.
Observando uma rápida classificação do senso comum, poderíamos dizer que o
condomínio consiste em um espaço fechado, com a finalidade de obter lazer, moradia ou
exercer atividades relacionadas a negócios, bem como funciona como recinto de
segurança contra a violência urbana. Já observando as leituras sobre o tema, considera-se
um espaço para autossegregação controlado por sistemas de segurança contra a violência
urbana que, de alguma forma, relaciona-se com a cidade.
Convém especificar algumas particularidades entre o que se observa no
referencial teórico e o que se difere do senso comum. Segundo Ferreira (2006), de uma
maneira mais assertiva, o condomínio, quanto ao espaço social, pode ser definido como
um domínio exercido por um conjunto de indivíduos a partir de um regime de
copropriedade 12 . Considerando isso, podemos dizer que o condomínio, isto é, a
morfologia do termo, pode ser compreendida como uma espécie de igualdade entre os
pares em uma propriedade privada, onde os indivíduos que partilham do espaço têm os
mesmos direitos sobre as áreas coletivas.
Compreendido isso, observamos a seguir do que se constitui o termo condomínio
objeto desta pesquisa. Na opinião popular, inclusive em entre alguns agentes
especializados, é recorrente encontrarmos definições diferentes sobre o que seria um
condomínio, tais como:
1. Moradores 13 : “Um condomínio fechado, você tem privacidade,
tranquilidade e pra ‘mim’ é só isso o que importa, não consigo imaginar melhor
definição” (Morador 12)/ O condomínio é um lugar que oferece vantagem de
ser seguro por ser fechado mas também tem a desvantagem da área de lazer ser
para todos. Digo isto porque nem todos sabem usá-la (Morador 8). 2. Agente imobiliário: “O conceito de condomínio é sua estrutura,
segurança, lazer, trabalho e conforto” (Empresa Jean Negócios Imobiliários).
12 “Direito de propriedade de duas ou mais pessoas sobre partes ideais de uma mesma coisa indivisa”
(MEIRELLES, 1990, p. 18).
13 Opinião expressada por uns dos moradores do condomínio estudado
33
Trata-se de discursos que estão dispersos no tecido social, isto é, o discurso
encontra-se fragmentado, desse modo, fala-se em privacidade e, contraditoriamente, em
desconforto, em área de lazer para todos, trabalho e por fim em segurança. No entanto,
para melhor compreendermos, cabem algumas especificações. É básico os condomínios
se apresentarem em forma de conjuntos caracterizados por terem mais de duas unidades
de uso residencial ou comercial. Observando a característica física e sua descrição, os
condomínios possuem regimes característicos divididos em propriedades exclusivas e
comuns. Este termo – área comum – apresenta o alicerce necessário para o emprego do
termo condomínio.
Por propriedade exclusiva entende-se tudo que está relacionado à área privativa,
autônoma, de posse exclusiva do proprietário. Já propriedade comum compreende as
áreas de uso coletivo dos moradores, portanto, não cabe exclusividade. Ao mesmo tempo,
o espaço comum pode ser interpretado também como um espaço partilhado para somente
aqueles detentores de áreas exclusivas (residências).
Em Gerstenberger (1999 apud LOPES, 2008) podemos observar de forma mais
esquematizada algumas dessas características dos condomínios em geral. O autor trabalha
com várias características, porém, destacam-se no Quadro 1, a seguir, apenas algumas14:
Quadro 1 – Características dos condomínios segundo Gerstenberger (1999f)
1. Sobre a edificação: deverá existir uma ou um conjunto com a presença de
pavimentos;
2. A(s) edificação(ões) ou a(s) residência(s) deverá(ão) ser dividida(s) em
unidades exclusivas;
3. A unidade exclusiva deverá possuir acesso ao espaço público;
4. A indivisibilidade do terreno e das demais partes comuns;
5. A inalienabilidade autônoma do terreno e das demais partes comuns.
Fonte: Lopes (2008, p. 99)
Mesmo em se tratando dessas características gerais, há outros pontos que devem
ser levados em consideração, uma vez que se observa a pluralidade e as designações a
14 Não significa que se desprezem as outras que o autor menciona.
34
respeito do termo condomínio. Como citado anteriormente, condomínios podem não ser
de fato somente de residências, podem existir para fins comerciais ou a mescla do uso
residencial e comercial, chamado de condomínios mistos.
O condomínio misto, nesses termos, é geralmente caracterizado pela presença
de estabelecimentos comerciais de localização específica, dependendo da tipologia
(prédios ou casas) do condomínio. Em cidades da Europa, como Londres, na Inglaterra,
essa tipologia é bastante difundida. No Brasil, segundo Lopes (2008), já houve uma
época, entre os anos 1960 e 1970, em que foi mais construído, porém, atualmente sua
presença é bem menor. Para fins desta pesquisa, o condomínio comercial não faz parte
diretamente do nosso quadro de estudo. No entanto, a breve caracterização descrita tem
utilidade na diferenciação das demais tipologias.
Ao considerar algumas informações básicas, podemos ir direcionando nossa
análise para o objetivo desta dissertação. O ponto principal do trabalho foca o condomínio
de uso residencial horizontal, no município de Parnamirim/RN, e a vivência cotidiana
dos moradores. A designação do termo condomínio de uso residencial horizontal não se
aplica de maneira automática, cabendo, assim, algumas especificações conceituais.
Caracterizar um condomínio de forma generalista 15 pode gerar algumas falhas
metodológicas ou explicações que não se encaixam na realidade. Observando isso, será
necessário qualificar melhor os termos para que se possa compreender o campo de
trabalho. Além disso, permitirá que ao longo da leitura possamos fazer aproximações com
o campo.
Sob essa ótica, Silva (2005, p. 28, grifo nosso) faz considerações importantes
para nossa análise, o que nos auxilia a buscar uma melhor definição de condomínios
residenciais. O primeiro ponto diz respeito a nomenclaturas gerais:
1. Condomínio voluntário: caracterizado pela partilha de um imóvel por
duas ou mais pessoas. No caso, ao invés de haver divisão do condomínio, há
divisão da propriedade entre os proprietários. Ex: casas de praia familiares.
2. Loteamento e loteamento desmembrado: o primeiro termo é
designado a divisão de terra destinado a fins de comércio ou moradia a qual há possibilidade de abertura para acessos públicos a qual o uso é de todos. O
desmembramento ocorre quando a porção de gleba é subdividida e que não
abre possibilidade para criação de logradouros públicos
3. Loteamento Fechado: caracterizado por suas divisões visíveis
constituídas por muros e, portanto, seu acesso é controlado por meio de
permissões de entrada evidenciando espaços internos de uso exclusivo ou
comum.
15 Refere-se, neste estudo, a conclusões fáceis.
35
4. Condomínio Edilício: não necessariamente possui vias internas, mas
há certa divisão entre o espaço comum e exclusivo.
Relacionando com o campo de estudo, existe certa correlação com o termo
loteamento fechado. De fato, há direcionamento nesse sentido, no entanto, devemos
considerar algumas nuances importantes a fim de não enfatizar generalizações. Tal fato
se dá observando considerações na vasta área da interpretação dos espaços, entre essas, a
própria lei nos traz algumas considerações importantes.
Baseado em Silva (2004), devemos considerar a interpretação da lei sobre os
condomínios. Existem, entre as vertentes das conceituações das leis, duas formas de
interpretar os condomínios fechados no Brasil. A primeira se daria pela definição de
condomínios a partir da Lei dos Condomínios (4.591/64) e a segunda à luz da Lei do
Parcelamento do Solo Urbano (Lei Federal nº 6.766/79). Tal diferença se torna crucial
em nossa análise, pois evita reducionismo no termo que podem distorcer o entendimento.
3.1 CONDOMÍNIO FECHADO: DEFINIÇÃO PELA LEI
Segundo Silva (2004), do ponto de vista da lei brasileira, há duas definições que
implicam diretamente a questão. A primeira trata-se da definição de área condominial e
não condominial, visto que a correta distinção desses termos ajudará a compreender
melhor o campo de estudo, permitindo, assim, caracterizar seu espaço, alinhado aos
conceitos adequados.
O termo condominial refere-se à gleba descrita na Lei no. 4.591/64 (Lei dos
Condomínios), que atende um estatuto específico no que tange à propriedade
condominal16. Nesses termos, caracteriza-se resumidamente da seguinte forma quanto à
propriedade exclusiva e comum respectivamente: (i) as propriedades privadas de uso
restrito, sejam apartamentos, no caso dos condomínios verticais, sejam residências que
combinam um termo e uma edificação, no caso dos horizontais; (ii) as copropriedades de
uso coletivo de áreas comuns, como vias calçadas, áreas verdes, de lazer etc., sobre as
quais cada condômino tem direito de propriedade sobre a fração ideal, proporcionalmente
correspondente ao tamanho e/ou preço de sua propriedade individual (SOBARZO;
SPOSITO, 2003, p. 39-40).
16 Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002.
36
Já a definição de não condominial está relacionada a lotes e imóveis edificados
oriundos de porções de terra loteadas segundo a Lei Federal 6.766/1979 (Lei de
parcelamento do solo urbano). A aprovação desse parcelamento de terra estabelece
exigências relacionadas à destinação pública de parte da terra loteada. Geralmente, são
áreas voltadas para calçadas, espaços de lazer, ambiental entre outros. A lei de 1979 exige
que parte da gleba tenha esse destino público.
Devido a essa diferenciação da interpretação das leis, ocorrências como essas
acontecem, mas por quê? A resposta está justamente no uso da Lei Federal n. 4.591, em
vez a Lei Federal n. 6.766 que não prevê essa destinação de parte da gleba ao público.
Apesar de ser uma discussão importante envolvendo a cidade, o tema referente à
destinação de glebas públicas não será especificamente explorado.
Nesse sentido, observando a interpretação jurídica, acolhe-se a definição para
caracterizar o campo de estudo seguindo a Lei dos Condomínios, especificamente para
condomínios horizontais. Isso se justifica em virtude de essa Lei Federal mencionar
definições legais sobre o uso exclusivo do espaço comum dentro do condomínio,
conforme comentado anteriormente, permitindo ligações de conceitos às análises futuras
sobre o cotidiano dos moradores e o uso dos espaços públicos e privados. Ademais, sua
descrição estabelece que seja necessariamente fechado aos moradores.
Outro ponto importante é que mesmo que o condomínio se caracterize por ser
um loteamento fechado irregular, a intenção da escolha da Lei dos Condomínios leva em
consideração a descrição do intramuros, bem como a disposição legal de sua gestão.
Ainda há de se considerar que existem os loteamentos fechados que são espaços privados,
porém, permeados de público. Muitas vezes, esses loteamentos são confundidos com
condomínios horizontais devido à presença de características comuns, como a disposição
interna similar17.
Considerando a dualidade de interpretação, observa-se que na realidade
brasileira, para além das várias conceituações de loteamento, há arranjos mais específicos
que podem ser resumidos em duas grandes realidades nas cidades, essas são o condomínio
horizontal e o loteamento fechado. A primeira delas é a que nos interessa. A esse respeito,
conforme Silva (2004) expõe:
17 Essa similaridade se dá apenas pelo fato de sua área ser cercada por muros e existirem,
muitas vezes, cobranças de taxas de manutenção do espaço.
37
O condomínio não se constitui como um tipo de parcelamento urbanístico do
solo, do ponto de vista jurídico. Condomínios são conjuntos construídos dentro
de um mesmo terreno, o qual é propriedade de todos. Pequenos ou grandes
conjuntos construídos são condomínios quando todo o espaço de uso comum,
como acessos, ruas, praças, infra-estrutura e equipamentos implantados, é
propriedade e responsabilidade do conjunto de moradores, os condôminos. A
gleba, assim utilizada, não perde sua individualidade, diferentemente do
loteamento, onde uma parte do terreno transforma-se em lotes privados e outra parte se integra ao espaço público da cidade (SILVA, (2004 apud LOPES,
2008, p. 35).
Devido à grande variedade de nomenclaturas que se dá a esses espaços, há uma
necessidade de ter atenção quanto a essa definição. Por essa razão, para este estudo, a
definição que se emprega é de condomínio horizontal.
3.2 SOBRE A MORADIA: CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS
Tomando como base a definição legal de condomínio horizontal já apresentada,
resta qualificar quanto a sua característica de moradia. Em termos básicos, quando se fala
em tipologia residencial, diz respeito a dois grandes modelos de condomínios: vertical e
horizontal. Em relação ao processo histórico, as verticalizações para fins de moradia não
se apresentam como algo novo. Na história brasileira temos sua franca expansão durante
os anos de 1960 e 1970.
Segundo Queiroz (2011), o corte temporal apresentado se deu em virtude de uma
conjuntura político-econômica, resultando em uma grande base de oferta e procura de
moradia, principalmente pelas classes médias urbanas no Brasil. Em virtude disso, essa
tipologia se apresenta com números expressivos fazendo com que sua visualização se
torne cada vez mais comum no meio urbano.
Nesse sentido, observaremos algumas informações que diferenciam as duas
tipologias para, assim, definir a mais adequada para esta pesquisa. O primeiro espaço a
ser discutido é referente aos condomínios verticais. Esses se tornaram muito numerosos
em função de sua fácil adaptação às camadas sociais, isto é, atende a diversas classes
sociais, apenas variando seus serviços e lazer.
Sobre sua estrutura, podemos encontrar condomínios verticais das mais variadas
formas, com presença ou não de guarita comum, portaria, piscina, quadra etc. Esses
espaços se enquadram na ideia apresentada sobre espaço comum, que supostamente
incentivaria o relacionamento de vizinhança. Todavia, não se atentando somente as suas
variações de serviços e lazer, diz-se que, à luz da questão jurídica, esses espaços são
38
caracterizados também pela presença de relações de condomínio, ou seja, direitos e
deveres dos moradores com relação ao espaço.
Nesse molde habitacional, temos o condomínio horizontal (objeto desta
pesquisa). Esses espaços se dão através do conjunto de casas, ruas, áreas verdes livres,
presença de muros e equipamentos de segurança. Trata-se, assim, de uma tipologia em
franca expansão e, apesar disso, possui certa dificuldade em sua instalação, uma vez que
é necessária uma grande gleba de terra para sua construção. Além disso, podem possuir
localização junto a centralidades urbanas, mas também é bastante comum estarem
afastados dessas centralidades18. Apesar disso, os problemas potenciais que se pensa a
priori sobre os deslocamentos realizados entre esses empreendimentos19 afastados e a
cidade não sofrem dificuldades expressivas devido às variações da mobilidade, em
especial, o uso do automóvel.
Nesse caso, podemos fazer uma rápida referência ao espaço estudado. A cidade
de Natal/RN, junto ao município de Parnamirim/RN, esboça as características descritas
anteriormente. Essa constatação se dá em virtude de relacionarmos os deslocamentos
pendulares entre Parnamirim/RN e Natal/RN. Isso acontece em função da expansão
imobiliária e da criação de vários condomínios fechados, alguns considerados afastados,
no município de Parnamirim/RN, mas próximos da cidade de Natal.
Condomínios horizontais geralmente são originados de arranjos em loteamentos,
tornando-se fechados quer seja de forma legal, quer ilegal. Essa discussão tem profunda
ligação com as definições das leis e suas aplicações. Nesse sentido, entende-se por legal
aqueles que obedecem à lei e têm seu reconhecimento estabelecido pelo Estado e ilegal
como tudo que é feito de forma desviante da característica citada. Essa questão já foi
levantada, mas precisa ser lembrada, pois perpassa por um grande debate jurídico, embora
não seja nosso objetivo aprofundar neste estudo.
Observando as várias características mencionadas, podemos fazer algum tipo de
conexão com o campo de pesquisa pretendido. Torna-se, assim, importante que se tenha
como característica geral a presença de área de uso privado e comum tal como definido
18 Segundo Gottaman (1974), a centralidade urbana se refere, sobretudo, a um conjunto de
importantes e típicas funções que dá às cidades um papel condutor no desenvolvimento de
uma região ou de um país. Condomínios agora existem independentemente dessa
característica, o que relativiza a ideia de periferia.
19 Diz respeito geralmente a empreendimentos de classe média ou superior.
39
na nomenclatura de condomínios horizontais. Ademais, chamamos a atenção para outra
peculiaridade, trata-se de um aspecto comportamental que chamaremos de ato voluntário.
A priori, entende-se por isso, a ação que cada indivíduo morador manifesta ao desejar
morar e se alocar em um condomínio. Isso implica a escolha de optar se desmembrar ou
simplesmente se segregar atrás de barreiras físicas e simbólicas, conforme mencionado
por moradores que foram entrevistados:
Vim morar aqui para ter uma qualidade de vida melhor, onde morava (bairro
Cidade Satélite), estava ficando esquisito, tinha muita gente estranha apesar de
gostar dos vizinhos. Morar aqui se tornou mais fácil por que apesar de morar
em Parnamirim, me sinto em Natal, a cidade é mais próxima e tenho todo o
privilégio de estar neste condomínio que oferece todos os serviços básicos. Aqui podemos fazer o que está meio difícil lá fora, ficar nas ruas, olhar as
crianças etc. (Morador 14, servidor público, 55 anos).
Além disso, suas áreas privativas são obviamente de uso exclusivo do morador
e de seus agregados. Geralmente, em condomínios horizontais, seus espaços exclusivos
são as residências, terras de um ou mais pavimentos. Ainda pertencente à área exclusiva,
é comum observar jardins privados. Isso se difere, por exemplo, dos Condomínios
Verticais, em que as unidades privadas se restringem ao espaço quadrado do apartamento.
O condomínio Jardim Atlântico preza para que os jardins privados
sejam rigorosamente cuidados conforme expressa seu regimento Art
24 – Zelar os jardins de suas unidades, como também zelar por seu aprimoramento (Regimento Interno – Condomínio Jardim Atlântico,
p. 8).
A área comum, naturalmente, terá de ser destinada a todos os moradores e seus
agregados mediante permissão para membros que forem de fora dos domínios do muro.
Assim, a área comum é dividida em locais de lazer como esportes: churrasqueira, jardim
comum, salão de festa, piscina e quadra poliesportiva, calçadas e demais áreas livres.
Dessa forma, ao listar essas características, podemos observar a ligação entre os
termos adotados: condomínio horizontal e a definição jurídica segundo a Lei do
Condomínio. Sendo assim, considerando as grandes peculiaridades entre condomínios
verticais e horizontais, este último destaca-se especialmente em sua forma, não
propriamente física, mas na sua capacidade de reprodução de configurações que nos
remetem à cidade como o caso de haver ruas, calçadas e praças, ou seja, uma espécie de
bairro privado.
40
3.3 CONDOMÍNIOS HORIZONTAIS (BRASIL) E GATED COMMUNITIES: SEMELHANÇAS E
DIFERENÇAS
Especificamente, os condomínios horizontais residenciais apontam experiências
espaciais peculiares e dotadas de certas semelhanças com outras realidades, como nos
Estados Unidos – EUA. Nessa perspectiva, cabem experiências dotadas de
especificidades culturais que nos remetem a distingui-las para melhor compreensão das
representações de seus moradores.
O conhecimento da temática sobre condomínios residenciais perpassa
primordialmente pelo conhecimento bibliográfico e sua relação com o empírico.
Considerando isso, é natural procurar referências consolidadas (tais como: LOPES, 2008;
CALDEIRA, 2000; LOW, 2003; BLAKELY; SNYDER, 2000) a fim de buscar
aproximações teóricas, origens etc. Nesse percurso, é comum esbarrar-se com diversos
estudos sobre gated communities americanas, uma vez que se trata de uma parte essencial
para o entendimento desse molde habitacional dado também pela sua influência no mundo
Le Goix e Webster (2008), especificamente na América Latina, Brasil. Sobre as leituras,
podemos observar a origem, o crescimento e o funcionamento no contexto americano.
Apesar disso, ressalta-se que se trata de outra cultura, ainda assim, é possível fazer
algumas aproximações com o molde brasileiro, estabelecendo principalmente diferenças.
À primeira vista, podemos supor semelhanças em alguns aspectos, entre eles, a
morfológica, isto é, relacionada aos espaços internos e algumas estruturas
administrativas. Sobre o espaço, ambas as estruturas são dotadas de áreas verdes, amplos
espaços horizontais, oferta de amenidades urbanas etc. Na administrativa, temos algumas
semelhanças no modelo de gestão econômica e um pouco da social. Nessa direção, há de
se notar que estruturas administrativas americanas são mais desenvolvidas20 (SILVA,
2004).
Ademais, ao comparar na prática e até mesmo teoricamente podemos observar
profundas distinções entre os dois moldes. Para fins didáticos, separam-se essas
distinções em três grandes pontos, a saber: (i) origem; (ii) distribuição; e (iii) localização
que são percebidos ao longo da história e relacionando com o objeto de estudo.
20 Nos EUA, já passam para o estágio de associações organizadas por grandes gated
communities.
41
3.3.1 Estados Unidos
A origem do fenômeno das gated communities teve sua forte propagação nos
anos de 1960. Esses espaços tiveram grande crescimento nas áreas do subúrbio rico.
Segundo Blakely e Snyder (2000), sua maior concentração se encontra em estados como
Flórida, Califórnia, entre outros. Tais subúrbios americanos são áreas dotadas de
indivíduos das classes média e alta.
A esse respeito, os autores expõem que esses indivíduos procuraram essas
residências para não viver os incômodos do centro urbano e não precisar dividir o espaço
com os ocupantes de classe baixa (imigrantes negros etc.). Assim, para além da distância
provocada por barreiras, é necessária certa distância social simbólica. Ademais, podemos
encontrar a existência de divisões mais “aproximadas” se observarmos a vizinhança entre
condomínios e bairros populares.
Algumas importantes características do caso americano podem ajudar na
explicação sobre proliferação das chamadas gated communities. A primeira reside no
argumento representado pela ideologia do medo e da segurança descritos por Newman
(1972); Davis (1990) entre outros. Nessa perspectiva, a proliferação desses espaços seria
uma tendência da era pós-moderna que expande a ideia de um espaço público voltado
para consumidores que vivem a iminente sensibilização aos riscos da vida urbana (LE
GOIX; WEBSTER, 2008).
A iminência do medo nas cidades culminou na reclusão dos moradores, bem
como na crescente proliferação da arquitetura defensiva frente à ineficiência do governo
para controlar o crime. Assim, é comum, em virtude da reclusão dos indivíduos, a perda
do uso do espaço público. No lugar disso, veem-se cada vez mais muros mais altos, cercas
elétricas, ou seja, a militarização da arquitetura em prol da defesa pessoal.
Ademais, outra perspectiva gira em torno da ideia da coalização ou do
alinhamento administrativo. Segundo Landman (2006), nos EUA, há um crescente
alinhamento entre as ações administrativas dos atores locais junto a associações de
moradores desses espaços que levam à propagação dos condomínios fechados. A esse
respeito, Le Goix e Webster (2008) comentam que os sintomas visíveis dessa perspectiva
estão na crescente ação que vai em direção de dar autonomia administrativa a certos
territórios, como, por exemplo, o fechamento de ruas e estradas de forma massiva. Tais
42
acessos, construídos com recursos públicos/privados, passam a ser cercados ficando sob
a responsabilidade de uma associação de proprietários.
Isso leva a desdobramentos interessantes, especialmente aqueles ligados à ideia
de governança, isto é, à medida do controle do Estado nas cidades. Tal ideia tem origem
na esfera comum desde a revolução industrial e ficou conhecida como governança urbana.
Trocando em miúdos, constata-se que aos poucos a burguesia industrial na Europa
procurou adotar a governança privada em certos aspectos que envolvem a vida comum21.
Nos EUA, essa ideologia continua. Como exemplo, temos a Llewellyn de Haskell, que
foi a primeira comunidade fechada que surgiu no país, mais especificamente em Nova
Jersey. Seus preceitos, como senso de comunidade a partir da integração entre os
residentes, foram bastante difundidos. Nesse ponto, destaca-se também a transposição da
unificação do interesse comum dessas associações que promovem e seguem regras para
manter a ordem e a homogeneidade do espaço.
Posteriormente, requisitos paisagísticos e arquitetônicos também passaram a
reforçar a ideia em outros empreendimentos. Mais tarde, entre os anos de 1960-1970,
esses espaços foram sendo projetados para o consumo da massa. Assim, começa a surgir
um complexo sistema de interesses envolvendo agentes imobiliários financiados por
grandes corporações atraídas pelo potencial de lucros do mercado de terras e apoiadas
pelo Governo, por meio do Departamento de Habitação, Urbanismo e Desenvolvimento
(MCKENZIE, 1994).
Ao observar as perspectivas, constata-se que há uma corrente que comenta sobre
as mudanças da pós-modernidade e o medo; e outra que trata da função de um
alinhamento de ações apoiadas pelo governo para a proliferação desses espaços. De fato,
passa-se a considerar que as duas correntes não estão se anulando, e que, portanto, há
certa correlação. Na América latina, a literatura ressalta muito a questão da crescente
criminalidade, no entanto, considera-se que a discussão sobre os aparatos administrativos
é digna de, ao menos, ter relevância nesta pesquisa.
Acerca dessas ações administrativas nos EUA, Silva (2012) comenta, de forma
mais detalhada que, no país, a unidade administrativa local, além do Estado e das cidades,
é chamada de condado, ou seja, o território estadual é dividido em condados. Nesses
espaços, há divisões similares às cidades, sendo criadas a partir de uma ordem do Estado,
21 Pode-se citar as grandes fábricas que tinham a proposta de alojar seus próprios
funcionários em um verdadeiro campus privado.
43
geralmente a fim de oferecer serviços variados em certo território. Sua função gira em
torno das coletas estatísticas, da construção de estradas, da administração de eleições, dos
aspectos judiciais, da educação etc. Além disso, o controle do uso da terra também pode
ser de incumbência do condado ou do governo local.
Assim, os licenciamentos de novos empreendimentos são pedidos junto à
administração responsável (condado ou governo local). Tais construções geralmente são
realizadas no subúrbio dos condados e são chamados de Master Planed Communities –
MPCs. A área suburbana é considerada como terreno de expansão, portanto, é comum
haver falta de infraestrutura. Considerando isso, o Estado deixa, em muitos casos, sua
atribuição de provedor de infraestrutura e passa a determinar parâmetros de habitação de
modo que o incorporador interessado possa construir e atender os requisitos.
Vale salientar que o condado pode produzir também áreas de anexação. Esse
processo ocorre quando determinada área é cedida para construções de habitações, porém,
não há área para oferecer serviços básicos. Desse modo, o condado tem o poder de anexar
uma área que possua serviços úteis àqueles moradores e o anexar à demarcação do
território.
A esse respeito, Silva (2012) comenta que esse movimento pode ser executado de
quatro maneiras diferentes. A primeira seria o ato de incorporação que determina que a
área oferecida ganhe status legal de cidade incorporada. Grosso modo, o espaço
demarcado fica sujeito à cobrança de taxas os quais retornam para a mesma localidade,
garantindo sua manutenção. A segunda maneira é caracterizada pela criação de uma nova
área urbanizada que contrata serviços do condado ou da cidade mais próxima. Geralmente
são novas áreas rurais, por assim dizer, comunidades cuja proposta é a sua localização
mais próxima à natureza. Já a terceira seria a própria anexação de uma área já estabelecida
por meio de uma consulta pública dos envolvidos, por exemplo, duas cidades
incorporadas transformam-se em uma. A quarta maneira seria a criação de um novo
distrito especial voltado para exercer poucas funções para as comunidades como, por
exemplo, distrito econômico, educacional etc.
Com relação às cidades, há o método de criação através dos charters. Trata-se da
criação de cidades que podem determinar seu modelo de gestão desde que não vá contra
as leis Estaduais e Federais. Assim, fica à vontade da gestão criar seus métodos de eleição,
membros de conselho fiscal, comissões etc.. Dessa maneira, percebe-se o alinhamento
44
administrativo em direção a dar certa autonomia às áreas em expansão, mas que ainda
assim, estão restritos por algumas leis superiores.
Pode-se dizer que essa articulação forma a característica necessária para a criação
de mais comunidades fechadas, uma vez que há certa liberdade para criação de
dispositivos administrativos independentes, criando uma “camada de poder, de natureza
privada, intermediária entre os moradores e governo local” (SILVA, 2012, p. 117).
Conforme Silva (2012) comenta:
[...] Desde os anos 1970, vem se consolidando uma “dramática” e “silenciosa
revolução no setor habitacional e na governança local” dos EUA, através da
produção dos condomínios e da organização de suas governanças privadas. Em
menos de 40 anos, o número de residenciais existentes dentro de CIDs passou de 1%, em 1970, para 18,8%, em 2008, quando se estimou que 59,5 milhões
de pessoas, aproximadamente 20% da população norte-americana, já residia
sob o regime das associações de proprietários. O autor argumenta que o
resultado desse processo tem conduzido a três consequências “provavelmente
irreversíveis” sobre: 1) a estrutura dos governos locais; 2) a natureza do regime
de propriedade; e 3) a organização do espaço urbano (SILVA, 2012, p. 119).
Sob essa ótica, o que se percebe em relação à evolução dos condomínios em
definitivo é esse alinhamento jurídico e administrativo dos espaços autônomos. No
entanto, somado a isso ainda se mostra bastante evidente a questão do medo e da distinção
que vêm ajudando a promover a autoexclusão e, consequentemente, mais espaços
privativos. Para se ter ideia, as próprias associações, por meio de suas regras, demonstram
seus aspectos restritivos.
Para estabelecer critérios de organização, as gated communities seguem diretrizes
demandadas por uma associação de proprietários, que se caracteriza como um conselho
oficial institucionalizado que exerce poder político particular. Essa força se desenvolve
mais precisamente por meio de uma usurpação daquilo que o Estado deveria fazer. Tal
questão ganha força com o discurso da eficiência dos gastos com respostas às demandas
dos moradores a partir de um agente privado, no caso, a associação. O controle dos
espaços públicos é dado a essa associação, que tem entre sua função a arrecadação de
fundos para manutenção.
Outra característica relacionada às associações de moradores das gated
communities que toca a esfera da homogeneização é a sua padronização. Esta é
determinada pela estrutura dos planos e pelas exigências das construtoras. Caracteriza-se,
portanto, uma indução ao gosto pela padronização, já que se trata de um anseio a ser
seguido pela comunidade que procura se diferenciar das demais por diversas razões.
45
Sobre isso, é conveniente exibir as considerações de Setha Low (2003). De
acordo com a autora, as gated comunnities são de fato espacialidades com potencial
separatista, perpassando a ideia de homogeneidade social. No entanto, Low (2003) nos
mostra que tais movimentos giram uma engrenagem perigosa, que é o estímulo à cultura
do medo dos grupos exteriores.
Dessa forma, entende-se que as gated communities são uma resposta dos grupos
economicamente privilegiados contra grupos exteriores de quem sentem potencial
ameaça. O problema perpassa toda uma caracterização de seu contexto histórico e que
hoje tem como principal sintoma a necessidade de controlar o contato com áreas
degradadas (habitadas por imigrantes, negros etc.).
Ademais, esses espaços servem como refúgio para evitar o contato com minorias
“perigosas”, consolidando aquilo que Sennet (1996) chama de purificação social no
intramuros. Dessa forma, o autor entende que a grande questão que marca os condomínios
americanos seria a busca pelo desejo de homogeneizar o espaço, procurando estabelecer
realmente o senso comunitário entre supostos “iguais”, que é impulsionado pela grande
engrenagem do capital imobiliário junto à permissão do Estado para a criação de mais
espaços autônomos, fragmentando mais ainda o espaço.
3.3.2 Brasil
Tomando como base o contexto americano, podemos fazer algumas
aproximações com o geral brasileiro e, em seguida, especificamente no caso empírico da
pesquisa. Sendo assim, tomando como base Queiroz (2011) e Silva (2009), os
condomínios horizontais no Brasil surgiram na segunda metade do século XX, como
promessa de concretização de um espaço com serviços e dotado de certo lazer. No
entanto, no decorrer das décadas e suas constantes mudanças sociais e econômicas, os
condomínios passaram a representar espaços de certo prestígio e de segurança mais
desenvolvida. Considerando isso, podemos perceber melhor o movimento de expansão
nesse contexto, uma vez que mesmo em cidades de baixo teor criminal, o seu
desenvolvimento é notável.
Segundo Caldeira (2000), o desenvolvimento das cidades brasileiras seguiu a
lógica do centro-periferia até meados dos anos 1980. O seu centro é dotado de
infraestrutura, enquanto que a periferia precária nesse sentido. Dessa forma, observando
46
a valorização dos terrenos centrais, a ação natural de oferta e procura levou à forte
expulsão dos mais pobres para essas periferias. Visto isso, observa-se imediatamente uma
diferença entre as origens no Brasil e EUA.
No contexto americano, os subúrbios possuem peculiaridades cujo sua forma de
expansão é caracterizada por apresentar espaços estruturados e ocupados por uma camada
rica; já no Brasil geralmente são menos estruturados e geralmente mais pobres. É
importante frisar que no Brasil, grande parte dos condomínios fechados horizontais estão
localizados neste subúrbio (periferia) devido à disponibilidade de terras para sua
construção, dotadas então de proximidade com os mais pobres.
Outra diferença em sua estrutura e origem está na sua construção. No Brasil, é
comum os condomínios já nascerem em caráter totalmente privado e sem anexação de
áreas. Assim, Suas ruas, praças, áreas de lazer são construídas dentro do seu perímetro
interno. Nos EUA., ver-se que sua proliferação dar-se em torno das áreas de expansão ou
de anexação em que as associações de proprietários tratam de desenvolver a gestão local.
O senso de comunidade, isto é aquilo que está incorporado ao processo de
homogeneização, é uma característica comentada por Blakely e Snyder (2000) também
faz parte de outra diferença. No Brasil, os moradores desses espaços são dotados de certa
similaridade econômica, porém, a homogeneidade social é questionável (LOPES, 2008).
Segundo Caldeira (2000), na estrutura administrativa e física, nota-se que há certo esforço
para individualização das famílias, portanto, ocorre de forma diferente dos EUA.
Esse contraste é comentado por Lopes (2008), ao ressaltar que historicamente
no Brasil, por exemplo, casas padronizadas remetem-se a conjuntos habitacionais
populares, sendo, assim, uma imagem não valorizada. Nos condomínios brasileiros, é
geralmente dada a permissão para variação arquitetônica das casas em moldes pré-
estabelecidos, abrindo espaço para certa personalização. Tal fato se diferencia de várias
gated commnunities visto que muitas vezes a padronização arquitetônica é induzida
22pelos agentes envolvidos em sua produção
Nesse sentido, observamos propriamente algumas características das gated
communities.
22 Essa indução está atrelada em vários detalhes, dentre eles os arquitetônicos onde há
determinação de cor, estilo das residências e etc
47
Quadro 2 – Diferença Brasil x EUA.
Divisão Brasil (Condomínio Jardim
Atlântico/RN)
Teoria – EUA.
Origem (teoria)
Origem: área privada ( subúrbio
não estruturado)
Origem: áreas de expansão (
subúrbios estruturados)
Contexto urbano: centro/
periferia, periferia desvalorizada,
periferia ocupada por população
pobre
Contexto urbano: centro +
periferia, periferia valorizada
com infraestrutura; população
rica escolhe periferia.
Motivações: lazer, segurança e
prestígio.
Motivações: controle de tráfego,
segurança e restauração, senso
vizinhança
Social (empírico)
COMUNIDADE
Tímida busca em direção à
construção de uma comunidade
com base no que a cidade
representa (ações embrionárias)
COMUNIDADE
Há certa preocupação desde o
início com a constituição de uma
comunidade (ações mais
direcionadas desde
determinações do projeto, até a
formalidade das associações)
Estrutural
(empírico)
PROJETO
ARQUITETÔNICO
Projetos distintos. A
padronização é vista como algo
negativo
PROJETO
ARQUITETÔNICO
projetos semelhantes por
indução a homogeneização
desde a origem . A padronização
é vista como algo positivo e
deve-se zelar
CONSTRUÇÃO
Projeto e construção por
iniciativa de cada morador
CONSTRUÇÃO
Em muitos casos, o incorporador
constrói em série determinando
todas as características dos
imóveis ( difícil personalização)
Fonte: adaptado LOPES (2008)
3.4 CONCLUSÃO PARCIAL
48
Considerando as semelhanças, podemos definir uma questão importante para
esta pesquisa: diante das diferenças culturais entre Brasil e Estados Unidos, principal
bloco influenciador na América Latina, podemos notar pontos importantes, a saber: (i) a
busca no caso norte-americano está direcionada à homogeneização social dos extratos
mais ricos desses espaços; (ii) no caso brasileiro, temos o direcionamento para a
segregação social não só entre ricos e pobres como não parece haver a sinergia entre
membros da própria classe em condomínios diferentes por exemplo; (iii) no caso do
campo de estudo, a segregação segue o direcionamento brasileiro aparentemente
permeado pelo medo. Assim, o medo seria o afeto de aproximação mais latente observado
na vivência.
Considerando isso, decorre do primeiro o desenvolvimento do conceito de
condomínios até o ponto que mais se encaixará nesta pesquisa. Partindo de uma definição
comum, podemos acompanhar elementos que podem caracterizar concretamente a
empiria. Porém, para essa análise, considerou-se prudente observar variáveis importantes
dentro do grande campo do estudo sobre a cidade, evitando cair em estudo sobre aldeias
ou relacionar conceitos que não se encaixam perfeitamente na a realidade estudada.
Dessa forma, considerando o conceito adotado “condomínios horizontais
residenciais fechados”, levou-se em conta sua construção histórica, relacionada aos
fatores tempo/espaço e à cultura nas suas grandes varáveis locais. Sendo assim,
observamos, com base em alguns relatos ocorridos no condomínio estudado, objeto desta
pesquisa, que apesar de haver semelhanças entre os condomínios horizontais residenciais
fechados quanto à estrutura, há também diferenças elementares as que tornam distintas.
Portanto, a principal questão está em torno de uma espécie de sentido de existir
nesses espaços. Nos Estados Unidos, vemos que há um direcionamento em torno da
homogeneização social, ou seja, viver entre iguais e prezar por isso. Ao contrário do
Brasil, particularmente no caso do condomínio Jardim Atlântico, o direcionamento está
em torno da segregação social, uma vez que o sentido de comunidade não parece ser a
busca prioritária, dependendo do processo, é que vai sendo construído. Assim,
diferentemente dos Estados Unidos, não importa sua etnia ou coisas parecidas que sirvam
para diferenciar
Vale salientar a observação dos arranjos administrativos com relação aos
condomínios fechados nos EUA. Percebe-se que lá o estágio se encontra bem mais
49
estruturado com relação ao Brasil. Isto vai desde as concessões do Estado dadas a esses
empreendimentos até a ação das associações de moradores que em busca da
homogeneidade desenvolve e contrata serviços de lazer e etc, configurando um mercado
exclusivo para isso. Essa constatação demonstra que o fato de seu arranjo administrativo
ser mais estruturado, leva a impressão da maior perversão do processo de fragmentação
da cidade com a conivência do Estado americano. No Brasil, isto parece ainda estar em
um estágio mais distante, diga-se embrionário, apesar de haver fortes indícios de
fragmentação urbana, este processo ainda acontece em virtude de respostas similares
como descrença no serviço público ou proteção contra o crime.
Constando isto, a próxima seção será dedicada à explicação do processo de
formação territorial procurando demonstrar tais diferenças vistas não somente na seção 2
mas também englobando a discussão da seção 1. Assim, o próximo bloco terá mais
relação com o real objeto de estudo.
4 CICLOS IMOBILIÁRIOS E A FRAGMENTAÇÃO URBANA
50
Tomando como base as informações sobre a fragmentação urbana, como
fenômeno que se articula com a questão da segregação socioespacial padrão fractal,
podemos seguir com a análise. Tal padrão nos levou a perceber as diversas fraturas
urbanas que podem existir, que exprimem certa aproximação espacial dos mais ricos com
relação aos mais pobres. Todavia, a distância social se exprime na criação de barreiras
físicas em áreas exclusivas.
Seguindo o raciocínio, tal fato nos levou a situar a terminologia do objeto de
pesquisa, no que tange especificamente à ideia de condomínio residencial horizontal
como resultante do processo de segregação fractal engendrando a fragmentação urbana.
Nessa direção, para podermos articular a microescala com relação à macroescala, fez-se
necessário diferenciar o contexto do que seria condomínio residencial horizontal no Brasil
do padrão gated communities dos EUA.
Reunidos os elementos, temos que o condomínio horizontal residencial seria o
sintoma de um padrão de segregação chamado fractal que, de alguma forma, acirra a
fragmentação urbana. Sendo assim, para poder caracterizar essa forma com que os
condomínios fechados acirram a fragmentação, torna-se necessário mergulhar no campo
de estudo. Para isso, passamos a contextualizar o espaço estudado. Optou-se pela
apresentação da história da produção do espaço no qual o condomínio horizontal fechado
estudado está situado. Esse resgate histórico foi efetuado, pois, nesse processo, podemos
observar movimentos importantes que se articulam com os temas discutidos nas seções
anteriores, tal como o movimento de autoexclusão, os vetores de metropolização, as
localizações e a expansão dos condomínios clube.
A ideia dos ciclos imobiliários tem grande relevância para os estudos
econômicos sobre o mercado imobiliário. Assim, a economia, em um primeiro momento,
não parece ser um assunto que seja tão necessário aparecer neste estudo. No entanto, ao
fazer uma análise da formação territorial junto à temática sobre os vetores de
metropolização abordado na primeira seção, optou-se por elencar algumas informações
sobre os ciclos em Natal-RN até a configuração do bairro em que o condomínio Jardim
Atlântico está situado. Dessa maneira, será possível demonstrar informações sobre os
condomínios fechados expressando seus eixos de expansão e as causas que levaram até a
formação do bairro e, consequentemente, do próprio empreendimento estudado.
51
Logo em seguida, a contextualização será direcionada para o município de
Parnamirim, especificamente o bairro de Nova Parnamirim. O intuito é apresentar um
rápido retrospecto histórico, destacando sua origem e a situação atual.
4.1 NATAL: CICLOS IMOBILIÁRIOS E CRESCIMENTO DO EIXO SUL
Localizada no oriente do Brasil, Natal é uma cidade situada na costa litorânea do
país. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística – IBGE (2016), Natal
possui população de 862.044 habitantes, está dividida em quatro zonas administrativas
(ver Figura 1) e possui forte dinâmica econômica na sua região, liderando um grupo 10
municípios na sua respectiva região metropolitana. Dentre suas características
econômicas, destacam-se atividades administrativas ligadas ao serviço público, militar e
à prestação de serviços com destaque para o turismo.
Figura 1 – Regiões administrativas por bairros
52
Fonte: Extraído de Silva (2003)
Muitos autores se propuseram a estudar o crescimento urbano de Natal. Assim,
existem várias divisões temporais no que tange ao crescimento da cidade. A esse respeito,
Ferreira e Queiroz (1990) destaca que houve, em diferentes momentos, vários modos de
produção do ambiente construído associados à dinâmica das localizações, considerando
que a produção imobiliária está ligada diretamente às transformações urbanas. Dessa
maneira, os autores destacam:
53
[...] (Pré 1940): Caracterizado por um período de baixa produção imobiliária
(autoconstrução23) (Pós 1940) – Alta procura por imóveis para compra e
aluguel. (1950 -1960): Formação de um mercado de terras e produção
fundiária. (1970 a 1980): Produção em grande escala de moradias através de
conjuntos habitacionais. (1980 em diante): Aumento da produção de edifícios
e inovações habitacionais (FERREIRA; QUEIROZ, 1990, p. 139).
Já Queiroz (2012), em seu estudo sobre os ciclos imobiliários em Natal, destaca
que existiram cinco ciclos:
1º ciclo: Emergência do mercado terras (1940 a 1964); 2º Ciclo: Produção
Estatal (conjuntos habitacionais) (1964 a 1982); 3º Ciclo: Incorporações
imobiliárias (1982 a 1990); 4º Ciclo: Condomínios Fechados/Autofinanciados
(1990 a 2000) e 5º ciclo Turismo imobiliário/ Programa Minha casa minha vida
(QUEIROZ, 2012, p. 145).
O estudo do ciclo econômico imobiliário de Queiroz (2012) é caracterizado pela
presença de informações bastante minuciosas sobre a economia nacional e mundial, que
fogem do escopo deste trabalho. Dessa forma, a abordagem baseada nos ciclos
imobiliários será usada com o objetivo de contextualizar, de forma exploratória, a
produção do espaço de Natal até Parnamirim.
4.1.1 Primeiro ciclo: mercado de terras, produção estatal e incorporações imobiliárias.
O primeiro ciclo de produção (1940-1964) ocorre pela emergência de mercado
de terras. De forma resumida, essa fase é caracterizada pelo ganho do valor de troca no
mercado de terra. Ou seja, a terra era algo passado de pai para filho, sem pretensão de
lucro. Logo, não tinha valor de troca. Isso perdurou até Natal adquirir status de região
estratégica na Segunda Guerra Mundial, fato que acarretou na explosão demográfica,
acirrando a disputa por terras. Ademais, a Segunda Guerra Mundial proporcionou uma
grande imigração de vários tipos de povos, inclusive americanos, para a cidade, em
função de haver uma base militar estratégica norte-americana instalada em
Parnamirim/RN (município vizinho).
Dessa maneira, o comércio de lotes passa a vigorar devido à alta procura por
moradia dos imigrantes. Segundo Queiroz (2012), nesse período, a grande maioria dos
23 Autoconstrução de residências – embora comece a haver uma caracterização inicial do
mercado imobiliário na cidade, algumas construções eram feitas pelos próprios donos dos
terrenos.
54
loteamentos eram realizados por iniciativa familiar ou individual. Essas famílias foram
se organizando no ramo de vendas, profissionalizando-se nas décadas seguintes.
4.1.2 Segundo e terceiro ciclo: produção estatal e as incorporações imobiliárias
O segundo ciclo (1964-1982) foi caracterizado pela produção estatal de
habitações. Esse perfil de produção nasce junto à ditatura militar e ao Banco Nacional de
Habitação (BNH). A atuação marcante dessa política na cidade de Natal gerou, sem
dúvida, a grande quantidade de moradias construídas, beirando 25% da área edificável,
abrigando 230.000 habitantes dos 510 residentes no município na época (SILVA, 2003).
Essas construções envolviam a criação de conjuntos habitacionais divididos por
faixa de renda, nesse caso, a camada mais pobre passou a morar em zonas com pouca
aparelhagem pública e distantes (Figura 2). Outro efeito dos conjuntos habitacionais foi
a criação de vazios urbanos, dada a separação entre ricos, pobres e equipamentos urbanos.
“Deu-se iniciou a ocupação de rarefeita e fragmentada da cidade iniciado com
loteamentos. Estes vazios, no futuro, vão ser o principal estoque de terras das empresas
promotoras imobiliárias” (QUEIROZ, 2012, p. 147).
55
Figura 2 − Natal: Localização dos conjuntos habitacionais
Fonte: Extraído de Queiroz (2012, p. 45)
Conforme já foi discutido, observamos a consolidação da segregação
socioespacial e o começo da fragmentação urbana notadamente em direção ao eixo sul.
Os conjuntos mais próximos do centro, isto é, na zona administrativa leste, em boa parte,
eram mais destinados aos de renda média, enquanto os mais distantes, aos de renda baixa.
Segundo Ferreira e Queiroz (1990), os lotes distantes eram delimitados englobando áreas
verdes públicas e por esse motivo passam a incorporar a área privada chamada de jardim.
A integração entre os moradores passa a ser comprometida. De acordo com
Ferreira e Queiroz (1990), havia uma dificuldade de deslocamento devido às distâncias e
56
aos espaços públicos, vistos como elementos importantes para a socialização da
vizinhança, porém, não desempenhavam sua função atrativa para reunião de indivíduos
por vários motivos, como, por exemplo, a falta de investimentos em manutenção de
praças. “Sua disposição, tipologia e dimensionamento mostram descaso com estas áreas,
demonstrando ainda, pela ausência de tratamento adequado e de equipamentos – fatores
fundamentais para apropriação dos moradores” (FERREIRA; QUEIROZ, 1990, p. 8).
4.1.3 Quarto ciclo (1982-1990): capitais privados
Os capitais privados-incorporadores assumem o controle econômico do processo
de produção da moradia, definindo localizações de produção, características do
empreendimento, com estratégias de vendas e público-alvo. Dessa forma, passam a
produzir inovações espaciais, como os edifícios e o remanejamento de uso do solo. Esse
agente passa a deixar marcas perenes na cidade. Seus empreendimentos são direcionados
para segmentos superiores da sociedade. Esses segmentos se originaram a partir da década
de 1950, com uma série de deslocamentos de organizações Federais para o Estado que
deram aporte para migração de técnicos mais qualificados, como corpo técnico para a
Universidade Federal e a Petrobrás.
A esse respeito, Queiroz (2012, p. 56) comenta: “O Estado favoreceu a
concretização da convenção idealizada pelos loteadores, causando a substituição dos
moradores desses bairros por uma camada de população com maior poder aquisitivo”. Já
segundo Ferreira e Queiroz (1990), o agente incorporador na cidade de Natal passa a atuar
liberando as áreas centrais, advindo dos deslocamentos das camadas mais ricas para áreas
mais afastadas, em busca de externalidade proposta pelo incorporador. Até mesmo nas
áreas centrais, as antigas residências e edificações de valor histórico dão lugar a edifícios
comerciais no núcleo central e novas residências propínquas. As residências desse
período se caracterizam, em sua maioria, pela nova proposta do setor imobiliário: o
apartamento.
Dessa maneira, esses espaços são construídos “numa graduação de qualidade
que vai desde o edifício de alto padrão nas áreas centrais, até a construção de moradias
padrão INOCOOP24 na periferia” (FERREIRA; QUEIROZ, 1990, p. 9). As inovações
24 O Inocoop surgiu com a Lei que o criou, pelo extinto BNH – Banco Nacional de Habitação e
o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo, em 1964, com o intuito de captar ação pública e
57
vão sendo aplicadas e assim surge uma nova estratégia dos agentes. Dessa forma, as
localizações alvo da atividade imobiliária passaram a edificar mais intensamente. A zona
sul foi bastante privilegiada com provimento de estruturas básicas e serviços urbanos.
Isso se deve à concentração de mercado solvável na região enquanto que as áreas como a
Zona Oeste e Norte, consideradas mais pobres, foram deixadas de lado. O fato
mencionado acirra o processo de fragmentação da cidade25.
As zonas centrais alvos da produção para demanda solvável (os bairros de Tirol,
Petrópolis, Capim Macio, Lagoa Nova e Candelária) passam a receber investimentos,
com isso, ganham mais importância, uma vez que vários estabelecimentos passam a se
agregar às localidades, desenvolvendo valores de uso (escolas, hospitais públicos e
privados etc.), somados às inovações habitacionais que deturbam as antigas habitações e
passam a ser considerados zona foco de investimento. Em contraste, observa-se a
criação de zonas menos sinérgicas, como Zona Norte e Oeste, que possuem habitantes,
em sua maioria de baixa renda, não considerados público-alvo prioritário para os agentes
privados, acarretando poucos investimentos em infraestrutura se comparado com as zonas
mais sinérgicas. No entanto, as estruturas aplicadas nas zonas menos sinérgicas,
supostamente, impulsionam uma dinâmica diferente das zonas mais sinérgicas como, por
exemplo, comércios informais valiosos.
4.1.4 Quinto ciclo − condomínios fechados/autofinanciados e turismo imobiliário/ Programa
Minha casa minha vida
Devido à crise de retenção de crédito, o poder de compra ficou restrito àqueles
detentores de maior renda na cidade. Nesse sentido, o mercado imobiliário passou a
mobilizar seus esforços para esse segmento do mercado, a partir da década de 1990. Um
aspecto importante disso está relacionado ao poder que agora a demanda rica tem sobre
orientar a iniciativa privada, estimulando a construção de habitações de interesse social e
financiando a aquisição da casa própria, principalmente para as populações de média e baixa
renda.
25 Fragmentação tem a ver, obviamente, com fragmentos. E fragmentos são partes, frações de
um todo que ou não se conectam mais, ou quase não se conectam mais umas com as outras:
podem ainda “tocar-se”, mas não muito mais que isso. Claro está, ou deveria estar, que se
trata de muito mais que um processo de “diferenciação”. Menos óbvio é que se trata de algo
que vai além, até mesmo, de um processo de “segregação” (SOUZA, 2008, p. 56).
58
o empreendimento. O consumidor passa a também arbitrar em relação à forma da
residência, como a tipologia, o padrão e a localização. Nesse momento, “os consumidores
(agente mercado alvo) se tornam mais decisivos no processo de segregação
socioespacial” (QUEIROZ, 2012, p. 162).
Como um dos produtos dessa operação, surge o condomínio fechado. Embora
haja mais participação da demanda, o promotor age de forma diretamente envolvida na
externalidade da vizinhança reunindo grupos seletos em um mesmo espaço,
intensificando a elitização nas localizações. Conforme Queiroz comenta:
Existem casos nos quais o agente privado planeja estimula formação de grupos
de condomínios [...]. Essa modalidade resulta na intensificação do processo de
elitização e segmentação socioespacial [...]. Os empreendimentos produzidos
nesse sistema curarizam-se pelo alto padrão e pela localização nas áreas nobres
da cidade (QUEIROZ, 2012, p. 162).
Segundo dados dos cartórios levantados por Queiroz (1996) e Ferreira e Queiroz
(1990), durante a década de 1980 até 1990 (Figura 3), foram construídos 221
empreendimentos, em um total de área construída de 578.949 m², possuindo 435 edifícios
e 5.336 unidades. Já na década de 1990 a 2000, foram 211 empreendimentos, em uma
área de 774.777 m², possuindo 324 edifícios e 4.505 unidades concentrados no eixo sul.
Dessa forma, era muito comum existir prédios bastante homogêneos, com a presença de
muitos médicos, juízes e empresários (Figura 4).
59
Figura 3 − Produção imobiliária na década de 1990
Fonte: Extraído de Queiroz (2012, p. 181)
60
Figura 4 − Natal: rendimento médio mensal por bairro
Fonte: Extraído de Queiroz (2012, p. 182)
61
Segundo Queiroz (2010), o padrão exigido pelos consumidores passa a levar em
consideração: (i) uma ambientação particular com áreas de lazer privadas; (ii) exigência
retificada de que o empreendimento deve estar em áreas já valorizadas dotadas de
acessibilidade. É interessante frisar que alguns bairros foram ocupados por serviços que
estereotipa a localidade, como a concentração de profissionais da saúde em Petrópolis e
Tirol. Já os bairros como Candelária desenvolveram comércios elitizados, como o Natal
Shopping, e por último, a procura passa a ser também pelo litoral turístico da cidade, isto
é, o bairro de Ponta Negra; (iii) homogeneização da população residente em condomínios
fechados, ou seja, ocupantes com renda semelhantes. Tal fato se assemelha à teoria
comentada por Villaça (2001) sobre o poder das classes mais ricas sobre as regiões
valorizadas por eles.
Nessa perspectiva, Abramo (2007) comenta sobre essa ação justificando a
escolha por bairros, indo além da questão acessibilidade. Para ele, “Escolher um bairro é
escolher seus vizinhos. Optar por um bairro de boas escolhas é, por exemplo, escolher
uma vizinhança onde as pessoas querem boas escolas” (SHELLING apud ABRAMO,
2007, p. 30).
Ademais, o desenvolvimento do turismo induziu o estado a tratar de forma
diferenciada os corredores que fazem parte do circuito de deslocamentos dos turistas na
cidade de Natal. Portanto, segundo Queiroz (2012), caracteriza-se por uma ação do
capitalismo moderno em sua expressão artística, no caso, obras públicas para
embelezamento estético para atração de capital. Dessa forma, passaram a investir em
obras públicas em áreas que estavam sendo alvo da produção26. “O Estado ratifica a nova
espacialidade proposta pelos capitais privados e consumidores, favorecendo o processo
de diferenciação espacial que vai lhes garantir lucro” (QUEIROZ, 2001, p. 181). Sendo
esta o eixo sul.
26 É interessante frisar a questão sobre a criação de espacialidades. Claramente o processo
descreve a tentativa de se produzir uma nova zona de convergência na faixa litorânea. Uma
vez que a concentração de produto social aceita essa condição, podemos dizer que surge assim
uma nova localização.
62
O desenvolvimento do Turismo27 junto a incentivos do governo através de
programas, como o de desenvolvimento do turismo do Nordeste – Prodetur/NE (1995),
ajudaram a adaptar o cenário de Natal ao que o capital exigia para o ingresso em uma
atividade turística rentável e, assim, atrair futuros investidores. Embora os investimentos
tenham vindo para obras de acessibilidade e infraestrutura do litoral, Natal recebeu
também a ampliação do Aeroporto Augusto Severo, importante para chegada de turistas.
Nesse período, empreendimentos de alto padrão passaram a ser produzidos nas
mesmas localidades já valorizadas (ver Figura 5) somando ao fato de o investimento ainda
seguir os espaços onde se encontram a renda mais alta das famílias (ver Figura 6).
“Edifícios de alto padrão e o condomínio clube, ambos fechados com presença de
equipamentos coletivos restritos aos moradores” (QUEIROZ, 2012, p. 190). Registram-
se empreendimentos com unidades que variam entre 55 a 19m² a 218,95 m² variando
entre 65.000 e 220.000 reais.
27 Vale salientar que a atividade turística sempre foi uma das principais atividades econômicas
do município, mas sempre desenvolvido com escassez de planejamento. Porém, nesse caso,
trata-se de um incentivo Federal mais impactante.
63
Figura 5 – Natal, distribuição das incorporações década de 2000
64
Fonte: Extraído de Queiroz (2012)
65
Figura 6 – Natal, distribuição renda média mensal por bairros
Fonte: SEMURB – Secretaria meio ambiente e urbanismo, Anuário de Natal (2012).
66
“O aumento surpreendente na produção imobiliária colocou Natal como um dos
grandes destinos para investimentos” (QUEIROZ, 2012, p. 234), seja reutilizando as
áreas centrais, seja se expandindo até os limites do município em tentativa de criar novas
convenções. “Os lançamentos imobiliários impressionavam pela quantidade e variedade
de opções ofertada aos consumidores” (QUEIROZ, 2012, p. 234). Dessa forma, grandes
empresas como Cyrela28 entraram no mercado também a partir da ação de incorporação.
A verticalização se tornou mais intensa na história do município, concentrando-
se em áreas centrais ou de interesse turístico. Outro ponto importante é que o fenômeno
turístico afetou a tipologia de apartamentos, sendo agora cada vez menores, advindos do
interesse em obter lucros por meio das vendas das unidades.
Em meados de 2008, O Programa Minha Casa Minha Vida, veio como medida
para manter a produção da construção civil, gerar empregos e reduzir o déficit
habitacional existente no país. Dessa forma, a produção continua no fim da década de
2000, porém, mais voltada para o consumidor local que estava em busca da primeira
residência. O processo se expande ainda, mas de maneira mais lenta.
4.2 PARNAMIRIM/RN: Conurbação e atração residencial no Bairro de Nova Parnamirim
A relação entre Parnamirim e Natal perpassa antes de tudo por uma corrente
histórica e espacial. Conforme visto, o crescimento de Natal pode ser resumido no
acontecimento de fatores como: (i) crescimento demográfico exponencial; (ii) tendência
à rápida urbanização por ser capital do Estado do Rio Grande do Norte; (iii) rápida
guinada na formação de especialização da cidade. Nesse sentido, cabe ressaltar a nova
característica que é a sua simbiose entre as cidades vizinhas, fato que culmina no avanço
sobre Parnamirim/RN.
Desde os anos 1980, o vetor de metropolização natalense passou a transbordar
suas fronteiras, chegando ao território de Parnamirim, especificamente na região norte
(ver o mapa da Figura 7).
28 Sediada em São Paulo, a empresa possui vasto mercado no Brasil, ocupando 16 Estados,
além de possuir empreendimentos na Argentina e Uruguai.
67
Figura 7 – Mapa do município de Parnamirim
Fonte: Prefeitura de Parnamirim (2015).
Disponível em: <http://www.parnamirim.rn.gov.br/mapas.jsp>. Acesso em: 20 ago. 2016.
Antes de descrever as características do espaço transbordado, convém mencionar
um pouco do histórico da cidade de Parnamirim/RN. O município apresenta
características naturais específicas, cercado por dunas e tem litoral privilegiado em
Cotovelo, Pium e Pirangi do Norte. Tal fato atrai interesses imobiliários, principalmente
aqueles ligados à exploração de ambientes naturais. Para além do aspecto natural,
podemos destacar sua funcionalidade urbana, que começou a se desenhar com a fundação
de um campo de decolagem em 1927. Tal espaço serviu de apoio para seu pequeno
crescimento urbano na época.
Apesar do baixo crescimento, sua importância comercial aumentou devido às
rotas de comércio aéreas e a existência do campo. Isso tinha tamanha importância que
durante o período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o município serviu de base
estratégica americana para os acessos em direção à Europa e à América do Norte. Em
1942, foi criada oficialmente a base área brasileira subordinada como vila de Natal.
Sua rápida evolução demográfica (ver Figura 8), em função de sua
especialização, justificou investimentos urbanísticos, alavancando seu status de Vila para
68
Distrito de Natal em 1948. Após dez anos de desenvolvimento, Parnamirim ganha status
de município (NETO, 1990). Com o tempo, as trocas econômicas entre Natal e
Parnamirim continuaram. Assim, quem não podia residir em Natal, certamente teria como
segunda opção Parnamirim (SOUZA, 2006). Segundo dados do IBGE – Instituto
Brasileiro de Geografia Estatística, sua população passou de 9 mil habitantes em 1960
para 120 mil até o início da década de 2000. De acordo com o censo demográfico do
IBGE realizado em 2010, registram-se 202 mil habitantes (ver Figura 8).
Figura 8 – Evolução demográfica do município de Parnamirim (dados mais atuais)
Fonte: IBGE – Censo demográfico (2010)
Medeiros e Petta (2005) comentam que o município cresceu quase cinco vezes
a mais que o valor da mancha urbana registrada em 1960 (369,87 ha29) para 1998 (1,994
ha). Assim, em meados dos anos 1990, esse crescimento se concentrou nas áreas
litorâneas. A esse respeito, chama a atenção o aumento populacional do distrito de Nova
Parnamirim, nessa época, ainda não considerado bairro. Medeiros e Petta (2005)
comentam que essa peculiaridade da região se deu em torno de sua aproximação com os
bairros de Natal e por investimentos de famílias que procuravam casas de verão. Tal fato
estabeleceu a continuidade urbanística entre Natal e Parnamirim.
Alguns anos depois, Souza (2006) comenta que a mancha urbana do município
chegou a 2,829 ha em 2003, sendo sua concentração maior no distrito de Nova
Parnamirim. Esse crescimento se torna importante, pois, além de ratificar a continuidade
29 Unidade de medida hectares.
69
urbanística entre os municípios, serviu para consolidar os fluxos de deslocamento
pendulares. Isso foi confirmado com a criação de acessos pelo prolongamento da BR-101
e Avenida Ayrton Senna, considerados os principais corredores de acesso ao local.
4.3 BAIRRO DE NOVA PARNAMIRIM
O aspecto histórico estrito ao bairro será apresentado a seguir com base nas
informações de Nicolau (2008) e alguns dados atualizados do IBGE (2016). Entre as
décadas 1960 e 1980, o crescimento de Nova Parnamirim se deu no sentido dos corredores
de acesso da BR 101 e Avenida Ayrton Sena. Após a década de 1990, seu crescimento
estava mais pautado para dentro, constituindo as avenidas Maria Lacerda Montenegro e
Avenida Abel Cabral, em virtude da criação de loteamentos para moradias voltadas
incialmente para o lazer de muitos natalenses (LIMA; NETO, 2000 apud NICOLAU,
2008). Tal fato caracteriza movimentos escapistas e fraturas espaciais típicos do processo
de fragmentação urbana. Conforme Nicolau (2008) comenta:
Apesar da ocupação progressiva dos lotes, a configuração espacial que se
firmou acabou por instituir alguns vazios urbanos provenientes de espaços não
ocupados nestes loteamentos, e que depois foram adquiridos com a intenção
de se realizar especulação (NICOLAU, 2008, p. 76).
Esse processo que se desenvolveu a partir dos anos 1980 culminou no
movimento de desmembramento e remembramento do distrito. Devido às fraturas
urbanas, o Estado e o mercado imobiliário agem instalando escolas, condomínios, acessos
e estruturas básicas de saneamento com a finalidade de promover a consolidação da área.
Em decorrência disso, em 1993, o distrito de Nova Parnamirim passa a ser desmembrado
em função da criação de conjuntos habitacionais divididos espacialmente. Essa
espacialidade deu origem, nos anos 2000, aos bairros residenciais Parque do Pitimbu e
Parque dos Eucaliptos. Os dois bairros estavam entre os mais ocupados de todo o
município de Parnamirim conforme o gráfico apresentado na Figura 9, a seguir.
Figura 9 − População residente por bairro em Parnamirim/RN 2000
70
Fonte: Nicolau (2008)
Após esse desmembramento, ocorre uma junção dos bairros de Parque dos
Eucaliptos e Pitimbu. Essa integração se deu pela continuação da forte concentração
populacional até o ano de 2004, período em que os bairros descritos são unificados dando
origem ao bairro de Nova Parnamirim, com base na Lei 1.222/2004. Em uma pesquisa do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística − IBGE (2016), constata-se que o bairro de
Parnamirim em 2015 possuía 54 mil habitantes, ultrapassando a soma dos dois bairros até
seu último dia de existência e configurando-se como o bairro mais populoso do município
de Parnamirim/RN.
De acordo com Nicolau (2008), tais crescimentos vertiginosos se deram em
função da geração de empregos em relação ao período de construção do bairro, expansão
do emprego em Natal, caracterizando a área como dormitório de Natal. Além disso, há
um volume de serviços oferecidos, como: supermercado, bancos, equipamentos públicos,
escolas públicas e privadas e etc., “Portanto, a consolidação de sua mancha urbana, a
partir da evolução dos loteamentos e desmembramentos, esteve ligada aos processos de
ocupação direcionados no sentido Natal/Parnamirim e não o contrário” (NICOLAU,
2008, p. 82).
Além disso, a redução de ofertas de terrenos urbanos em Natal no eixo de
principal interesse, metropolização sul, ocasionou também a forte mudança para a região
de Parnamirim/RN. Dessa forma, houve um escoamento e forte atuação do mercado
imobiliário na área, construindo inúmeros condomínios fechados horizontais e verticais,
71
este último muito mais presente que o primeiro. Esses empreendimentos foram
amplamente divulgados com a ideia de continuação do município de Natal. Entre as
estratégias comentadas por Nicolau (2008), a venda perpassava pela apresentação de
atributos da região metropolitana de Natal (RMN), e não como espaço de Parnamirim,
mostrando, assim, a vantagem de diversas localidades como a aproximação com a capital,
o rápido acesso às praias, aos serviços etc.
Atualmente, o bairro de Nova Parnamirim é considerado uma das espacialidades
que mais crescem em toda RMN. A moradia em Nova Parnamirim representa a vantagem
de residir em uma área de dinâmica relativamente pacata em relação aos grandes centros
de Natal/RN. Trata-se de um bairro dormitório. Nessa perspectiva, Ojima (apud
CLEMENTINO; FERREIRA, 2015) comenta que esse espaço possui deslocamentos
pendulares da população de forma intensa em direção a Natal. Outro fator elencado está
relacionado à criação de vastos serviços úteis como bancos, supermercados etc.
Acompanhado da característica de bairro dormitório, devido à grande atuação
do mercado imobiliário, vários condomínios do tipo clube se instalaram no bairro. Além
dos verticais, podemos citar a existência de muitos loteamentos fechados e condomínios
constituídos de forma horizontais. Esses últimos, alguns sendo de grande porte, no
entanto, localizam-se muito afastados da malha urbana. Em contraste, existem alguns
ligados à malha urbana. Dentre esses, o destaque é o condomínio residencial horizontal
Jardim Atlântico, o de mais alto padrão, se considerada a sua localização, conforme o
mapa apresentado a seguir (Figura 10):
Figura 10 – Localização do Condomínio Jardim Atlântico
72
Fonte: Google Maps
Paralelo a isso, residências localizadas em áreas não exclusivas também são
muito presentes, inclusive muitas dessas formam aglomerados subnormais nas
redondezas. Tal fato caracteriza o padrão fractal, devido à fratura entre áreas exclusivas
e pobres. A existência dessas características reforça a ideia da distinção pelo meio da
autoexclusão. Como já discutido anteriormente, trata-se de uma análise espacial. Isso nos
remete à ideia do macroespaço que denuncia alguns fatos, promovendo uma ponte para
adentrar no universo do microespaço. O próximo passo será a exploração na escala dos
bairros exclusivos.
4.4 CONCLUSÃO PARCIAL
73
Ao analisar o contexto histórico da formação do bairro de Nova Parnamirim,
podemos observar alguns pontos. Foi apresentada a evolução histórica e ainda a crescente
do mercado imobiliário, junto a algumas nuances específicas de sua atuação. Esses fatores
justificam, de certo modo, o surgimento das tipologias de moradia na RMN. Sendo assim,
evidencia-se a expansão de uma tipologia denominada condomínio fechado,
especificamente aqueles que incorporam a ideia de clube.
As duas tipologias, isto é, a vertical e a horizontal, foram bastante difundidas e
ajudam a identificar, sob um olhar da macroescala, barreiras físicas. Tais barreiras
mostram muito mais do que uma divisão física. Por causa delas há certa aproximação das
camadas mais ricas com as mais pobres, apesar disso, devido a tais defesas, o espaço
contínuo do bairro torna-se fragmentando.
Considerando isso, a atividade imobiliária em Natal em direção às áreas de
interesse turístico culmina no fenômeno de conurbação com Parnamirim, especificamente
o bairro de Nova Parnamirim. Foi evidenciado que isso se deu em virtude de sua
aproximação com as áreas limítrofes de Natal, evidenciando crescimento parecido com o
das áreas de interesse turístico.
O espaço de Nova Parnamirim fora sendo ocupado por vários motivos, entre os
quais, aquilo que caracteriza os movimentos escapistas baseados na fuga do centro, quer
seja por busca de terras mais baratas, quer pela opção de qualidade de vida, típico do
movimento de fragmentação urbana. Desse modo, foi possível estabelecer uma ideia de
formação territorial. Com isso, além de evidenciar certos aspectos que se relacionam com
assuntos comentados em seções anteriores, serve também como alicerce para ajudar a
entender a problemática desta pesquisa.
Assim, evidenciamos a localização de um condomínio em meio à conurbação: o
Condomínio residencial Jardim Atlântico. Tal espaço apresenta muitas das características
que compõem a fratura urbana segundo a ótica da fragmentação urbana. Portanto, do
ponto de vista das relações sociais que esse espaço provoca, como ele influencia na
fragmentação urbana? É o que trataremos na seção a seguir.
5 EXPLORANDO O CAMPO
74
Seguindo a sequência planejada para este estudo, observou-se que várias
abordagens ajudaram a explicar o fenômeno da segregação urbana. Diante disso, após
várias contribuições analisadas, encontramos um padrão dito como predominante na
cidade contemporânea, o padrão de segregação fractal. Viu-se, assim, que há uma relação
desse modelo de segregação com a ideia de fragmentação urbana.
Desse modo, analisa-se o espaço a partir do seu modelo de dispersão tendo em
vista um processo de desconcentração produtiva da cidade que, por sua vez, provoca uma
reorganização no modo de consumir o espaço. Tal consumo está ligado a uma espécie de
ideal de exclusividade traduzido na grande expansão dos condomínios fechados.
Evidencia-se o aparecimento dessa tipologia habitacional como um dos sintomas
dessa fragmentação urbana. No entanto, este sintoma é muitas vezes percebido na
macroescala, evidenciando uma suposta lacuna na microescala. Isso se torna relevante
quando observamos que a cidade é a obra dos agentes históricos, o que permite inferir
que a partir disso é possível distinguir a ação do resultado, dos grupos e seu produto
resultante no espaço (LEFEBVRE, 1999). Assim, os elementos, seja da macro, seja da
microescala, são complementares. É a ação desses elementos que produz a cidade,
consequentemente envolve a fragmentação urbana.
Esta seção tem por objetivo mostrar elementos que possam contribuir para
entender a ação descrita, especificamente analisar a vivência do condomínio fechado
Jardim Atlântico e sua relação com fragmentação urbana. Para isso, será necessário
abarcar aspectos teóricos que possam servir como articulação entre a macro e a
microescala. Considera-se, portanto, a teoria dos Campos de Bourdieu (1979) como peça
importante para o entendimento dessa relação. A Escola de Chicago e seus estudos sobre
o cotidiano urbano também irão contribuir na conexão pretendida.
Considerando isso, serão apresentadas as análises da vida cotidiana dos
moradores de Condomínio Jardim Atlântico situado no bairro de Nova Parnamirim/RN.
A respeito dos moradores, elementos importantes serão explorados, tais como: suas
historicidades urbanas e as relações de conflito entre o público e o privado nesse
ambiente.
5.1 PIERRE BOURDIEU: OS CAMPOS E A PONTE PARA RELAÇÃO FRAGMENTAÇÃO URBANA
75
O primeiro ponto que se deve levar em consideração é que devemos relembrar
que a cidade é o palco das lutas antagônicas, tal como já discutido ao longo da
contextualização sobre a segregação. Se o espaço urbano se caracteriza dessa forma,
então, podemos dizer que também está incluído nesse jogo de análise as relações poder.
Em uma relação entre espaço e lutas, novos signos serão desenvolvidos (BOURDIEU,
1979). Considerando isso, há indícios de que a teoria de Pierre Bourdieu aparece como
importante para o entendimento do espaço de lutas e da produção de novos signos.
Ademais, será necessário estabelecer as estruturas que se relacionam com a
lógica do avanço do consumo (uso) sobre esse tipo de espaço. Nesse caso, tais estruturas
podem apontar para funcionalidades simbólicas que ajudam a produzir
“operacionalizadores da realidade social30” (COSTA, 2016, p. 1), havendo, nesse campo,
uma relação de dominação.
O uso da teoria dos campos de Bourdieu (1989) é tratado neste estudo na
intenção de apontar como umas estruturas em suas dadas relações objetivas interagem
entre diferentes universos. Isso é possível graças ao refinado relacionamento dessa teoria
com autores que se propuseram a estudar a estrutura e o indivíduo, tais como Durkheim,
Weber e Marx. Tal fato proporciona a identificação de homologias31, isto é, traços
semelhantes em estruturas diferentes. Essas homologias podem ser funcionais ou
estruturais que estão presentes no campo. Assim, o campo seria um espaço em que os
agentes estão dispostos a resistir ou a filiar-se a tais homologias (BOURDIEU, 1989).
A filiação pode ser traduzida em “ilusio” ou prêmios. A conquista desses
prêmios embasa um espaço de lutas entre esses agentes. As lutas pelos prêmios estão
relacionadas ao ganho do conhecimento necessário para atuar nesse campo, traduzindo a
ideia de Habitus. Esse termo é conceituado por “sistemas de disposições duráveis,
estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, quer dizer,
enquanto princípio de geração e de estruturação de práticas e de representações”
(BOURDIEU, 1992, p. 40).
30 O autor remete a ações dos indivíduos que estão ligados à lógica do funcionamento do
espaço, executada por vezes através de uma imposição.
31 Homologia vem da palavra homólogo, que quer dizer semelhante. Na literatura de
Durkheim (1978), o termo advém da biologia sendo usado quando estruturas de animais
diferentes se mostram similares, apesar de diferentes.
76
Dessa maneira, habitus é entendido neste estudo como uma espécie de
engrenagem que tem o poder integrar experiências do passado a partir de um elemento
que é referencial do campo. O resultado disso poderá ser algo não estático, mas flexível
à medida que sua interiorização das regras do campo é realizada.
Em outras palavras, o campo do condomínio age sobre certa lógica que se choca
com experiências passadas em que supostamente se produz uma lógica de consumo desse
espaço. É nesse ponto que a ideia de habitus se torna importante nesta pesquisa, porque
rompe com um paradigma estruturalista, dando espaço relevante para observação da ação
dos agentes no cotidiano, podendo assim caracterizar o campo de lutas simbólicas, uma
vez que tal simbolismo não se remete somente a uma estrutura interna, mas atinge toda a
globalidade, traduzida na fragmentação urbana.
É importante que salientar a natureza deste estudo consiste em uma análise de
um caso. Portanto, o sentido do habitus não se dá de maneira generalizante e sim se
relaciona com a maneira com o que os moradores do condomínio Jardim Atlântico
participam da dinâmica da fragmentação urbana.
Deve-se ainda compreender o campo como espaço estruturado, em que há regras
para se jogar o jogo. É com esse intuito que discutimos como o campo condomínio
fechado no Brasil possui particularidades, suas próprias regras, que devem ser levadas em
consideração. Além disso, há a disposição de regras exclusivas que se concretizam
justamente pelo fato de haver a tal singularidade descrita anteriormente.
Dessa maneira, o Condomínio Jardim Atlântico pode ser caracterizado segundo
sua singularidade, como já apresentado anteriormente, sendo regido por regras específicas
que deverão ser elucidadas ao longo da amostra das análises. Tais regras e suas
transformações indicam indícios da criação de um suposto comportamento necessário
para colocar em vigor um estilo de consumo desse espaço.
Partindo do ponto de análise, será apresentada a estrutura do campo a partir da
ideia das regras do campo. As formulações dessas regras estão relacionadas ao modo de
vida cotidiana desse espaço, de modo que sua evolução perpassa por uma espécie de
habitar 32 , nos termos de Lefebvre (1999), já consolidado, que se transforma em
regulações pré-dispostas.
32 O habitar simboliza a apropriação, de fato, do espaço físico e do ambiente social para a vivência
individual e associativa, e, além disso, para o estabelecimento de trocas, de reconhecimentos, de
experiências e de modos de vida.
77
Essas regulações predispostas, no contexto do condomínio se materializam em
documentos de peso legal, cujos principais são a convenção e o regimento interno do
condomínio. Considerando isso, a análise do campo se divide justamente nesse processo
de transformação, sendo, portanto, dividido em duas grandes fases, a saber: (i) Primeira
Convenção e (ii) Segunda Convenção.
5.2 CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO
Diante do exposto, procuraremos definir o que é a convenção de um condomínio
para, em seguida, entrar na discussão que envolve o tema. O documento chamado
convenção de condomínio é um registro que regulamenta todas as normas de vivência e
administração do patrimônio comum. Nesse sentido, as regras só são válidas se
constarem diante da carta maior, que é a própria convenção, podendo ser desmembrada
em outros documentos relevantes, como os detalhamentos orçamentários, o regimento
interno etc.
Cada condomínio tem o poder de redigir a sua própria convenção33 de modo
que essa não contrarie certas leis municipais, estaduais e federais. Essas regras delimitam
como se darão os seguintes poderes decisórios:
1. Assembleias;
2. Multas: contra transgressão de regras;
3. Detalhamento orçamentário
4. Regimento interno: normalmente incluem regras de utilização de áreas
comuns, relacionamento entre moradores e empregados, criação de animais e segurança
do condomínio etc.
5.2.1 Primeira convenção: aspectos importantes
No tocante à convenção do condomínio pesquisado, o registro de regras junto
aos relatos expõe que a primeira convenção usada foi a que a construtora registrou como
modelo, isto é, sem nenhuma alteração, com base em dinâmicas sociais internas. Estavam
33 Lembrando que o registro da incorporadora do empreendimento dispõe de uma convenção
generalista.
78
previstas nesse documento regulações que incluem a área de lazer, o uso das áreas de
circulação, o paisagismo, os aspectos construtivos, conforme segue:
DO USO DAS PARTES COMUNS, DOS SERVIÇOS E DE
PROPRIEDADES PRIVATIVAS
Art. 7º – As partes de uso e propriedade comuns, assim como os sistemas de prestação de serviços aos moradores, serão utilizados na
conformidade com seu destino e com observância das disposições
contidas nesta Convenção e no Regimento Interno do Condomínio. Parágrafo único – As despesas com reparação de partes, dependências
e instalações comuns serão suportadas pelos condôminos, ressalvadas,
porém, as exceções expressas nesta Convenção e no Regimento Interno. Todavia, mesmo dentre as exceções referidas, a despesa será
do condômino ou seu autorizado, quando tenha ele dado causa ao
dano (Primeira Convenção do Condomínio Jardim Atlântico).
Não havia outra mais elaborada até 2013 por que o condomínio ainda estava se estabelecendo financeiramente. Contudo, muitos problemas
surgiram em função da falta de segurança jurídica que fazia falta, era
preciso fazer outra convenção com a opinião de todos, uma mais forte e cidadã (Administração Condomínio Jardim Atlântico).
Observa-se, no trecho do documento, que a convenção faz um direcionamento
para o regimento interno. Este último documento era basicamente uma forma de
direcionar comportamentos em contextos gerais dos condomínios, não em específicos de
sua vivência, dada a forma de sua criação.
O termo “forte e cidadã”, descrito pela administração, remete ao movimento
caracterizado pela criação de sua segunda convenção. Sobre o emprego do termo
“cidadã”, tem a ver, segundo as observações de campo, com a aplicação de demandas
internas na regra, conforme o grupo julgou necessário. Tal fato é relacionado
metaforicamente ao termo cidadão. Já o termo “forte” se dá em função de diversas
imposições acatadas devido a condicionantes específicos.
Esse é um exemplo de que alguns fatos cotidianos podem se materializar de
forma reflexiva nesses documentos. Nesse sentido, chama-se a atenção para os fatos não
explícitos, ou seja, que estão por trás dessa materialização. Os condicionantes específicos
costumam ser atrelados a fatos que vão além do contexto interno. Com isso, depreende-
se que não são somente imposições mas também constam outras variáveis que podem
estar ligadas à explicação desses condicionantes. Desse modo, esses documentos
costumam ir além do contexto interno e podem ser a chave para melhor interpretação do
habitus que está se desenvolvendo. Este é primeiro ponto importante a se observar no
cotidiano: os condicionantes específicos.
79
Outro ponto importante está relacionado à variável de coerção e coação que o
espaço pode exprimir, vejamos um exemplo:
Algumas pessoas não tinham ainda cultura de morar em condomínio,
isso acarretada alguns problemas e que cabia a administração fazer
algo, porém a falta do peso jurídico atrapalhava. Depois de alguns acontecimentos, tudo melhorou (Administração Jardim Atlântico).
5.2.2 Segunda convenção: mudanças no poder de coerção
Provavelmente, o maior problema do ponto de vista da administração foi a
passagem da primeira fase (1ª convenção 2007-2014) para a segunda (2ª convenção
2014). Pelo fato de a sua redação estar concentrada em parágrafos únicos, as
especificidades das ocorrências não tinham apenas uma interpretação, portanto, o seu
sentido era difuso. Isso representa o aporte jurídico que o administrador mencionou, em
outras palavras, esse agente (administrador) diz que há pouco poder de coerção na
administração. Embora o espaço tenha suas regras, o seu poder era limitado em função
da pouca força no campo jurídico.
Portanto, o segundo aspecto importante na análise se dá no ganho de poder de
coerção e coação do espaço. Isso o caracteriza como algo singular, ou seja, diferente do
que há nos extramuros e se dá simplesmente pela moldagem de sua estrutura a certos
aspectos que devem ser evitados e evidenciados em seus documentos.
Dessa maneira, podemos dizer que há dois aspectos importantes que nortearão
as análises cotidianas: a primeira se relacionada a certos condicionantes específicos que
se externam a partir de aspectos ligados à história e ao habitar; a segunda se dá em virtude
do poder de coerção e coação do espaço, caracterizando-o como espaço singular próprio
da característica quando foi discutida a questão da fragmentação urbana.
5.3 ESTRUTURA DOS CAMPOS: CULTURA DE MORAR, CONDOMÍNIO E DISTÂNCIAS
Avançando no estudo, é importante mencionar que a administração do
condomínio comenta que existe um suposto déficit de crescimento na cultura de morar
nesses espaços. De fato, não há como mensurar essa afirmação, no entanto, podemos
relacionar esse discurso com a emergência do desejo de superar essa suposta “falta de
80
cultura”. Considerando isso, há outro elemento que pode ser relacionado ao desejo citado,
trata-se do poder da administração em guiar a situação até o fim do suposto “problema”.
A relação entre esses fatos leva fatalmente à questão já citada, relacionada ao
poder de coerção do condomínio. Nesse ponto, a administração do Condomínio Jardim
Atlântico atua como ferramenta para proporcionar a devida solução ao problema, em
virtude do seu poder estrutural como sendo elo entre os ícones que devem sofrer distinção.
Essa questão pode ser analisada da seguinte maneira: podemos considerar a ideia
dos campos de Bourdieu (1989) que são espaços onde acontecem disputas entre agentes
sociais para se conquistar objetos. Vale salientar que esses campos são também
relativamente autônomos perante outros (BOURDIEU, 1989).
Consideramos a cidade um objeto físico que possui um campo, sendo dotado de
um espaço abstrato que possui seus agentes. Temos ainda o campo do condomínio, que
é relativamente autônomo em relação ao campo da cidade. Ambos são estruturados, ou
seja, a cidade tem sobre sua atuação a sociedade que, por sua vez, atua em cima de regras
jurídicas e também por meio de suas aceitações tácitas, esta última é extremamente
importante. Mas por que são assim? Porque tais aceitações são produtos de conflitos e
concordâncias da sociedade. Dessa forma, se há conflitos, o campo (cidade), quanto ao
seu espaço social, pode apresentar distâncias cujo aspecto físico (localização) não
determina o abstrato (relações). Ou seja, embora o condomínio esteja na cidade, sua
distância social pode ser enorme.
Nesse cenário, as distâncias sociais entre o campo (cidade) e o condomínio
fechado perpassam por certa jurisdição compartilhada34, mas suas aceitações tácitas
possuem diferenças. Isso remete à ideia de exclusividade na própria concepção do espaço
produzido. É justamente por haver essa peculiaridade que o objeto (condomínio) ganha
uma posição no campo (cidade), sua situação será determinada em cima de uma
concepção relacional em que, de um lado, temos o público, os espaços coletivos da
cidade, por exemplo, e de outro o privado, representado pelos condomínios fechados.
Ainda relacionado a isso, se suas aceitações tácitas são diferentes a ponto de
caracterizarem que existe uma “cultura do condomínio”, podemos dizer então que suas
pretensões de existência são antagônicas. O condomínio fechado em seu modus operandi,
é para ser algo que se diferencie em termos de qualidade do que há na cidade. Logo, isso
34 Refere-se aos direitos que, em grande maioria, torna seus moradores cidadãos brasileiros.
81
vai determinar também o discurso apresentado pelo termo “cultura”, ligado ao espaço
físico. Todos esses aspectos acabam impactando o próprio indivíduo, fazendo com que o
comportamento deste, considerando seu percurso histórico de vida, deva necessariamente
se adequar ao seu novo campo, com isso, deverá haver uma transposição de capital social
para se adequar à nova cultura que pode ser custosa ou não.
Observa-se, nos primeiros passos da pesquisa de campo, que há algo que deve
ser esclarecido. Segundo o discurso apresentado, há algo relacionado ao modo de
organização dentro do condomínio que ajuda a se obter a “cultura de morar” nesse espaço.
Ainda considerando a ideia de campo de Bourdieu (1979), sabemos que o campo é uma
estrutura em que há um espaço para lutas entre os seus agentes. Assim, pode-se dizer que
a disputa está em torno da valorização do capital do espaço, cuja exclusividade buscada
poderia ser o grande troféu. Para que isso faça sentido, deverá haver a busca por certos
tipos de valorizações.
Essa ideia de valor deve ocorrer no espaço simbólico e físico. No espaço
simbólico, ocorre pelas relações dentro do campo (condomínio), mas que não despreza a
condição estruturante do campo (cidade). Nessa perspectiva, seria possível que essa
valorização fosse relacionada aos comportamentos desses moradores. Sob essa ótica, o
conflito percebido entre os condicionantes do campo (cidade) e condomínio fechado tem
como uma de suas aceitações tácitas a incorporação de um novo habitus para ocorrer
valorização a partir de condicionantes específicos.
Nos termos de Bourdieu (1989), a ideia de habitus deve ser entendida como o
princípio da operação no campo desse condomínio, não generalizando o caso. De início,
poderia integrar experiências vividas como base para o próximo estágio de incorporação,
chamado de “cultura do condomínio” por seus moradores. Vale salientar que pode se
tratar de uma matriz referencial que pode ser mutável, adaptando-se a interesses de
agentes do novo campo (condomínio).
Uma vez compreendido isso, retoma-se atenção para a caracterização da
estrutura do campo (condomínio). Essa caracterização pode ser realizada de duas formas.
A primeira está relacionada ao seu aspecto óbvio, que é seu espaço físico; e a segunda
sobre seu aspecto organizacional. Convém mencionar o aspecto físico por razão de sua
descrição na convenção, tornando sua apresentação oportuna. Já sobre o espaço
organizacional, este está potencialmente envolvido com aquilo que representa o modus
operandi da ideia de campo descrita nesta pesquisa, de modo que seus filamentos
82
perpassam para além do aspecto físico e chega até a dimensão simbólica. Observam-se,
no tópico a seguir, suas caracterizações.
5.3.1 Espaço físico
Sobre o aspecto físico, convém citá-lo para situar melhor a leitura da análise.
Sendo assim, além das unidades autônomas, o espaço é caracterizado por conter áreas
verdes de circulação interna, de comunicação com a via pública, as destinadas a
edificações comunitárias. Tais estruturas contêm quadra esportiva, salão de festas,
vestiários masculino e feminino, banheiros masculino e feminino, banheiro com
acessibilidade, salão de jogos, depósito, copa/cozinha, salão de ginástica, piscina adulto
e infantil, deck molhado, deck, raia de 25m, ducha, churrasqueira, playground infantil,
playground juvenil, caramanchão, praça, casa de lixo, área de serviço, varanda,
copa/garçons, hall dos banheiros, guarita, hall de entrada, 07 ruas locais numeradas de 01
a 07 e pórtico de entrada, tudo encravado numa área comum de 15.598,15 m² (quinze mil
quinhentos e noventa e oito vírgula quinze metros quadrados)
Vale salientar que por trás da mera descrição do espaço está a informação mais
rica: trata-se da estrutura que participa da produção e da reprodução de sua dinâmica,
sendo que cada espaço descrito é o lugar de muitas representações que se interligam,
conforme pode ser observado nas Figuras 11 a 13.
83
Figura 11 − Planta Locacional – Condomínio Jardim Atlântico
Fonte: Administração Jardim Atlântico
A imagem mostra a divisão dos lotes e a magnitude do espaço do condomínio.
A área comum de lazer é situada próximo da entrada e da administração central, em
seguida, há 7 ruas dotadas de 108 lotes de uso residencial.
84
Figura 12 – Planta Locacional 3D – Jardim Atlântico
Fonte: SS Empreendimentos. Planta em 3 dimensões fornecida pela construtora do Condomínio
Jardim Atlântico
Figura 13 − Mapa Situacional – Condomínio Jardim Atlântico
Fonte: Google Maps
85
A imagem acima revela o entorno do condomínio. Como se pode notar, o espaço
pode ser considerado uma fratura, pois é bastante singular ao modelo de moradia de suas
redondezas (bairros abertos).
Já no que diz respeito à area de lazer do condomínio (Figura 14), é possível
enxergar a piscina, a administração central, a quadra de esportes e o salão coberto de
eventos/ jogos/ biblioteca.
Figura 14 – Área de lazer
Fonte: Google Maps
Já em relação ao modelo administrativo, este é caracterizado pelos elementos
que se encontram na Figura 15, a seguir.
Figura 15 − Estrutura administrativa do Condomínio Jardim Atlântico
86
Fonte: Adaptado da Primeira Convenção oficial do condomínio
Quanto à estrutura organizacional, esta é composta pelos seguintes órgãos:
1. Assembleia Geral
2. Síndico/ Subsíndico
3. Conselho administrativo
4. Administradora
5. Conselho fiscal
Possui como primeiras definições dos órgãos:
1. Assembleia Geral: seguindo a formalidade, a assembleia tem como
função ser uma espécie de arena para discussão sobre temas diversos e sua respectiva
votação, vencendo sempre a simples. Pode ser de caráter extraordinário e ordinário.
2. Síndico: pessoa física, que deverá ser um condômino, compete a ele
administrar e supervisionar os interesses gerais da coletividade condominial, atendendo
87
a sugestões e reclamações de acordo com o interesse do condomínio. O síndico tem a
liberdade de indicar um administrador externo (empresa ou pessoa física) para auxiliá-lo
na gestão. Desde essa definição, o condomínio é gerido pelo sistema de cogestão, tendo
como administrador uma pessoa física, funcionária do condomínio.
3. Subsíndico: auxiliar do síndico, que deverá ser, obrigatoriamente, titular
de unidade autônoma do condomínio, cooperando na administração geral.
4. Conselho Administrativo/Consultivo: é composto por (três) membros
efetivos, e 3 (três) suplentes, os quais serão obrigatoriamente titulares de unidades
autônomas e eleitos juntamente com o síndico e o subsíndico.
5. Conselho Fiscal: órgão a quem compete a análise dos atos de gestão
financeira do condomínio, sua escrituração e o correto cumprimento do orçamento
Diante do exposto, as implicações dessa estrutura perpassam pelo problema
apresentado da pouca eficácia no poder de coerção do condomínio. Apesar disso, define-
se, desde o seu início, tal estrutura administrativa que ainda perdura, mesmo com as
mudanças de síndico. No entanto, cabe salientar que os usos de alguns mecanismos só
foram bem explorados pelos moradores na segunda fase do estudo, este seria o conselho
consultivo.
Dessa maneira, fica evidenciado que o caso do condomínio fechado Jardim
Atlântico pode se relacionar à ideia de conflito dos campos presentes na sociologia de
Bourdieu (1989). Conforme explicado, há um antagonismo espacial entre viver em
condomínio ou não, que é percebido no discurso de seus representantes administrativos.
Tal fato se deu em virtude de considerar a existência de uma cultura de morar em
condomínio, que deve ser diferente daquilo que representa morar nos bairros abertos.
Com base nisso, identificam-se indícios que podem estar relacionados à fragmentação
urbana sob o ponto de vista da microescala. No conjunto da dinâmica entre os campos e
o habitus, a fragmentação urbana poderia ser mais bem qualificada. Desse modo, esses
são os aportes para explorar a vivência dos moradores.
5.4 O CONFLITO: DOMINÂNCIA E SUBVERSÃO
88
A esfera do conflito por vezes é associada a uma disputa entre duas ou mais
posições. É comum que essas disputas delineiem a dominação de um pensamento ou ação.
Sendo assim procuraremos identificar esse processo de acordo com a proposta do trabalho
5.4.1 Diferença nos campos: a antiga moradia
Considerando o contexto dado, o que afinal poderia representar morar em bairros
abertos? E o que de fato se contrapõe ao modo de morar no condomínio fechado? Os
bairros abertos não estariam propensos a ter conflitos, diferenças, hierarquias, barreiras,
regras? O que os tornam diferentes? Levando em conta o conceito de campo como origem
dos valores sociais (BOURDIEU, 1989), pode-se considerar que esse é o espaço legítimo
dessa gênese. Portanto, somente observando esses dados, valores sociais, que se pode
determinar aquilo que predomina. O campo é o espaço do conflito e seus valores sociais
ganham pesos diferentes a cada mudança, logo, sua característica de dominância e
subversão também alterará.
O campo (condomínio), conforme já apresentado, exprime posição social
relacional situada em um eixo cujo seus extremos são o público e o privado. A esse
respeito, Sennet (1998) comenta sobre a perda do espaço público em detrimento do
privado. Podemos, então, visualizar as características da posição em que se encontra o
condomínio, no eixo comentado.
Nesse sentido, pode-se inferir que se no campo (cidade) existe um conflito entre
o público versus privado, a partir disso, haverá uma perda do espaço público. Isso se dá
em virtude de uma espécie de empuxo, que é uma força que atua como elemento de
impulsão, logo, esta é exercida, a partir de características variantes, em um caminho que
privilegia o aspecto privado. Relacionando com Bourdieu (1989), a particularidade que
compõe o movimento de privativo, para os moradores, seria um grande troféu com
características peculiares. Isso é caracterizado por uma construção social que tem
capacidade de transbordar o sentido do intramuros.
No campo (condomínio), supõe-se que esse efeito se traduz na repulsão de certos
simbolismos públicos cooptados durante a trajetória singular de cada indivíduo. A
repulsão se trata do conflito causado pela estrutura do campo (condomínio), colocada para
que os princípios dominantes ganhem estabilidade mesmo que destruam os simbolismos
já cooptados. Isso é de um simbolismo enorme, pois os dominantes conservam a ordem e
89
os subversivos a seguem. No entanto, por vezes, os dominados agem como subversivos,
procurando desestabilizar a ordem dada.
Nessa perspectiva, questionamos: considerando o conceito de campo inerente ao
espaço desse conflito, como se daria a exibição dos valores sociais no bairro comum de
modo que sua relação na transferência de capital do campo (bairro comum) para o campo
(condomínio) cause tamanho choque? Essa relação pode ser observada a partir de seus
próprios moradores.
Comentando sobre sua moradia, o morador 1 faz referências sobre sua antiga
residência:
Morar aqui é muito bom, ultimamente o pessoal tem se aproximado mais e
também temos bastante lazer, atividades e segurança que é o que falta lá fora.
É até chocante quando lembro da minha antiga moradia, lá por volta dos anos
80, no bairro de Capim Macio. Eu conhecia muita gente da vizinhança, sabe?
Tinha muita gente boa, trabalhadora... sabia-se quem era marginal de cara por
que todo mundo já sabia que essas não queriam nada com trabalho. As ruas
eram trafegáveis, poucos carros, sabe? Dava pra andar de bicicleta até a praia
de Ponta Negra com os amigos sem problema. Ir além dos limites do bairro era
gostoso, era bom conhecer coisas novas [...]. Tinham coisas em Ponta Negra que não tínhamos em Capim Macio, a própria praia, né? Também tinha a praça
da caixa d’água. Era um desbravamento da cidade [...] quando voltávamos para
o nosso bairro também sentia um alívio porque era o lugar que eu já conhecia
quase todos (Morador 1, servidor público, 48 anos).
O trecho evidencia fragmentos do cotidiano construído pelo morador 1. Não só
elementos do seu cotidiano mas também alguns aspectos de seu habitar. É nesse cotidiano
que ele exprime algumas de suas atividades, muitas delas voltadas ao lazer. No entanto,
chama-se a atenção para a descrição feita das pessoas residentes no bairro. De acordo com
o morador, elas são conhecidas, inclusive os “marginalizados”. Além disso, menciona as
frequentes saídas dos limites do bairro, evidenciando certa euforia com a descoberta do
que estava além dos limites.
O bairro, para ele, não era apenas um recorte territorial, por mais que em alguns
momentos considere dessa forma. Por exemplo, reconhece que o bairro pode ser o lugar
de certos tipos de equipamentos urbanos em que poderia desbravar o espaço para achar o
que de fato queria. De fato, ir para outro bairro perpassa pela ultrapassagem de limites,
mas há um reconhecimento de que o deslocamento realizado acontece na cidade. No
entanto, o retorno ao seu bairro de origem parece ser reconfortante.Tal fato se torna
relevante, pois o bairro é o espaço onde seu habitar se desenvolve mais livremente. Há
identificação, socialização reconhecida e, portanto, laços de pertencimento.
90
Ir para caixa d’água era uma coisa curiosa. Nós chegávamos lá e botávamos as
bicicletas na grama, bebia água da torneira e as pessoas ficavam olhando para
gente. Pegávamos bola de papel, jogava na grama e sempre tinha a sensação
de que estavam olhando pra gente, mas nunca proibiam. Eu acho que isso era
o que trazia o conforto do meu antigo bairro, porque eram coisas normais fazer
isso, não acha? Além disso, nossa área não tinha problemas com água de chuva,
tinha canto ali que alagava. Era melhor onde eu morava mesmo (Morador 1,
servidor público, 48 anos).
Essa descrição sobre suas atividades na praça de outro bairro evidenciam práticas
habituais, habitus para ser mais preciso, o que fica evidenciado na sensação
“inexplicável” de estar fazendo algo digno de observação (jogar bola na grama da praça).
Para ele, poderia ser algo normal e desviante para outros que observavam. No entanto,
não menciona que havia proibições. Além disso, em seu discurso, o bairro comum ao
visitante também apresenta problemas, sendo o seu refúgio consolativo o seu próprio
bairro.
Dessa forma, o bairro descrito pode ser interpretado como algo que é público,
mas carregado de privações simbólicas No entanto, tais privações não o impediam de
participar e compartilhar um estilo de vida, pois mora em um bairro em que não há praias
e se desloca para outro em que há. Isso acaba implicando um estilo diferente de bairro.
Outro aspecto importante referente às privatizações é o fato de que os moradores do bairro
de origem aparentemente se reconhecerem como semelhantes, e observam os estranhos.
Assim, embora permeado de individualizações, o bairro é também público, pois não se
restringe, nesse caso, a um determinado grupo social.
Park (1970) já comenta sobre a organicidade dos bairros. A flutuação da
população (viajantes na cidade), o trabalho, a religião etc. são fatores que explicam que
um bairro comum sempre necessitará de outro grupo para seu funcionamento. É esse
movimento que qualifica o elemento do bairro comum como pertencente a um grupo, mas
público a outros. O fato de se reconhecerem e de ser observarem os estranhos está ligado
muito mais a outras formas de barreiras, as simbólicas, nos termos de Bourdieu (1997), a
partir de acepções dos moradores que estão estabelecidos (ELIAS, 2002) no espaço.
Isso tudo começou a mudar com cada vez mais pessoas fazendo casas
clandestinas por ali em Ponta Negra. Logo, muitas pessoas desconhecidas
ficam circulando por ali, já dando uma sensação de alerta. Antes a gente sabia
que provavelmente quem não trabalhava era meio que pedinte, mas depois não
tinha como saber. Começaram muitos assaltos, a praça da caixa d’água ficou
muito perigosa, deve ser até hoje. As pessoas foram se mudando ou comprando apartamentos em condomínios que estavam construindo durante os anos
noventa (Morador 1, servidor público, 48 anos).
91
Esse trecho nos revela outra característica representativa dos bairros abertos para
o morador 1. O bairro muda à medida que a situação de conforto se altera. Os conhecidos
e trabalhadores estão se dispersando, visto que há a introdução de uma espécie de extrato
intruso no bairro. Isso pode ser relacionado à reconfiguração simbólica à medida que
certas classes sociais vão ganhando mais ocupações sociais (BOURDIEU, 1997).
A alusão a esse fato também perpassa pela ideia do trabalho, bastante repetida
no discurso. Simbolicamente, o ser honesto, para alguns dos entrevistados, está ligado à
ideia de trabalho, logo, quem não é parece estar na marginalidade. Tal fato é colocado por
Wirth (1987) não somente ligado ao ato de trabalhar mas também pelo dinheiro. No caso,
a forma como se ganha os recursos financeiros, isto é, por meio do trabalho, é o grande
nivelador das relações no cotidiano. Essa proliferação de estranhos, que se relaciona com
indivíduos com potencial de marginalidade, causou para o entrevistado a sensação de que
algo ali estava se perdendo.
A ideia de normalidade é também vista em Park (1987) como aquilo que passa
a ser normal é justificado, ou seja, torna-se aceito pelo grupo da comunidade. Se
porventura houver desvios do que é aceito pelo grupo, haverá quebra da normalidade. Tal
fato pode gerar problemas potenciais no que diz respeito à presença do “estrangeiro”
(estranhos na vizinhança). Nessa direção, Simmel (1987) mostra que a existência desta
diferença é indispensável para compreender novas reconfigurações no bairro, e isso pode
dar origem a outras possibilidades de práticas sociais.
Dessa forma, o bairro comum, nesse caso, levanta alguns valores importantes
carregados de similaridades e diferenças. Sobre as similaridades, o bairro também possui
limites, que não podem ser traduzidos somente em limites físicos mas também em
conforto natural no espaço. Tal conforto perpassa pelo conhecimento de seus
semelhantes, dos espaços com valores simbólicos, entre outros. Mais uma vez, para os
entrevistados, o indivíduo de bem está diretamente relacionado ao homem que trabalha:
Eu adorava meus vizinhos. Eram todas pessoas de bem, trabalhadoras, os
conhecia e tinha aquela solidariedade. Eram o tipo de pessoa que você vê e não
sente hostilidade. Sentávamos na calçada às 16h, todo dia e botávamos nossos
filhos para brincar na rua até perto das 18h. Minha vizinha antiga virou minha
amiga, a conheço há mais de 15 anos. Qualquer festa aqui, eu a chamo, mesmo
morando longe. Tinha também a vizinha dela que eu achava estranha, mas logo
fui me adaptando porque ela sentava junto a nós. Tínhamos esse costume,
sabe? Depois compramos nosso cachorro, passeávamos até duas ou três ruas
além da nossa. Víamos sempre a mesma coisa, íamos na padaria. Até isso eu
sentia falta, porque eu conhecia a dona da padaria, tinha até uma conta lá e a
comida era ótima, aqui é ruim. [...] Cidade Satélite era muito bom de se viver por causa dos vizinhos, minha casa era velhinha também, em comparação a
92
esta atual. [...] mas aí começou a ficar muito esquisito, pessoas estranhas
andando por lá, brigas entre times rivais e acho que tinha bastante drogas além
do sistema de iluminação ser precário e as chuvas35 também atrapalhavam.
Essa situação me fez ficar muito acuada em casa, era diferente daquilo que já
foi um dia. Se pudesse moraria aqui (condomínio) com os meus vizinhos
(Morador 7, 42 anos, engenheiro civil).
Os episódios descritos representam a transcendência da intimidade local em que
o vínculo afetivo se forma. Nessa direção, Prost e Vincent (1992) comentam que tais
vínculos podem perdurar no tempo e no espaço, especificamente no local público,
conforme descrito pelo morador 7 e 1. Suas experiências se passam onde exatamente essa
transcendência se deflagra: no espaço público. É aí que se dá o conhecimento da
intimidade, a aversão etc.
Esse tipo de discurso, remetendo ao passado, foi bastante repetido em várias
entrevistas. Na ocasião, observamos aspectos importantes tais como: (i) situa a posição
dos indivíduos por meio do trabalho; (ii) pessoas desconhecidas provenientes das últimas
transformações do bairro eram taxadas como marginais. Ressalvam-se ainda situações,
como no caso do morador 7, que fez amizade com uma dita “estranha”, a partir do desfrute
do espaço público junto a tal pessoa. Esse fato nos leva ao grande cerne sobre a
representação das antigas moradias dos condôminos. Os espaços formados por ruas,
bairros etc. são heterogêneos e perpassam por grande dinâmica que envolve parte da
formação imaginária. Interações que podem levar as relações a se homogeneizar, mas
também se sedimentam em função de um habitus de confiança baseado em algum grau
de solidariedade. Essa dinâmica é similar ao que Sarti (1994) fala sobre a identidade social
[...] o vizinho torna-se seu espelho, “o real imediato”, o reconhecido e
semelhante que serve de parâmetro para elaboração de sua “identidade social”,
mesmo que ambientada em uma atitude ambivalente de aproximação e
hierarquização com o imaginário social mais amplo em que está inserido
(SARTI, 1994 apud ALMEIDA, 2011, p. 79).
Sob essa ótica, Park (1987) afirma que a vizinhança é considerada uma unidade
social e que devido aos seus contornos e a uma estrutura orgânica interna, suas reações
poderiam ser equiparadas à mente social. O autor chama ainda a atenção para o fato de
que as forças de uma vizinhança tendem a se dissolver em tensões. Os interesses podem
35 As chuvas neste bairro costumam causar transtorno, visto que se formam lagoas nas ruas,
problema típico de falta de saneamento básico.
93
convergir para uma situação mais ideal, ou, no caso urbano, podem sofrer isolamento em
relação a outros grupos.
As mudanças no espaço urbano é outra característica da vida nas grandes
cidades. Muda-se com muito maior frequência de casa e de emprego, com isso, as relações
de vizinhança e de amizade também podem ser instáveis. O grande cerne está nas
entrelinhas, pois apesar das aproximações e das distâncias dadas, as diferenças sempre
circulam e isso cada vez mais gera enriquecimento, formando vínculos com base em suas
identidades. Esse poderia ser o ponto natural em relação à sociabilidade. A distância
citada está relacionada às condições que, para os entrevistados, quebram a normalidade,
o justificável. Por sua vez, a sensação de rebuscar isso leva também a repelir o próprio
espaço de identificação (antiga moradia).
Tais condições de quebra de normalidade se dão em virtude dos “males da
cidade”. Além da questão de desconfiar do estranho, são relatados, diversas vezes,
problemas estruturais envolvendo serviços básicos. Entre os mais citados, podemos
mencionar a iluminação pública, a falta de saneamento, as paradas de ônibus distantes,
entre outros.
Meu antigo bairro (bairro dos professores) se tornou perigoso. Além disso,
tínhamos problemas com saneamento em algumas partes. Iluminação era algo
terrível, o bairro foi se tornando perigoso. Possui uma grande praça, mas sabe-
se lá quem frequenta, o que dá segurança ali é a igreja ao invés do Estado
(Morador 9, servidor público, 41 anos).
Isso nos aponta uma forte vertente ligada à percepção desses moradores: a falta
de urbanidade36. Esse termo é dado na ciência do urbanismo de forma bem ampla, mas
podemos englobar em seu sentido aspectos ligados à diversidade nas ruas, à alta conexão
entre o espaço público e o privado, à diversidade no transporte etc. Ao comparar esses
fatores com a visão dos moradores, a principal queixa em relação à falta de urbanidade
estaria em torno dos serviços prestados pelo Estado e sua baixa eficiência, tal como a
segurança, a iluminação etc.
36 A literatura mostra que a ideia de Urbanidade é polissêmica. Segundo Saboya (2011), o
conceito envolve a utilização do espaço público por diversos perfis sociais na interação com
espaços privados. Além disso, pode envolver os modos de transporte na cidade, interação
entre grupos sociais que desencadeia a vida cotidiana. Vale salientar que o aporte para essas
atividades perpassa pela existência de estruturas e condições vitais para elas existirem
corretamente, como, por exemplo, serviços básicos de segurança.
94
Podemos dizer então que tais relatos servem como parâmetro sendo
evidenciados os anseios sentidos antes da vida em condomínio, especificamente os que
remetem à vida de alguns novos moradores cuja historicidade urbana advém dessa
tipologia de bairro. A esse respeito, foram elencados valores como: (i) territorialidade: o
bairro, apesar de ser aberto, exprime uma territorialidade, no entanto, isto está
condicionado a disputas por territorialidade à medida que o estranho vai sendo percebido;
(ii) interdependência: nos termos de Park (1987), o bairros abertos estão propensos à
constante mutação social, por ora, observa-se seu grupo característico, mas logo outros
podem chegar; (iii) choque de diversidade entre classes sociais; (iv) serviços ou atividades
específicas: ter esses dois elementos garante também a transição entre os espaços, ação
que reforça termos anteriormente citados.
5.5 DIFERENÇA ENTRE CAMPOS: ANÁLISE INTRAMUROS DO CONDOMÍNIO JARDIM
ATLÂNTICO
Neste estudo, já foram ressaltados alguns anseios de acordo com os relatados dos
moradores do condomínio em tela. Tais anseios estão diretamente ligados a uma espécie
de dificuldade de adaptação às crescentes mutações sociais em detrimento das mudanças
que a cidade sofre. Essa dificuldade se deu em função de dois grandes pontos (i) dinâmica
interna; (ii) dinâmica externa. A primeira está relacionada à perda da territorialidade a
partir do estranhamento da vizinhança e a segunda está pautada no desbravamento de
outros bairros, ponto que acaba reforçando a interdependência dos bairros por meio dos
fluxos de migração.
Esses dois pontos formam a complexidade das representações dos bairros. Nesse
sentido, percebe-se a diferença entre essas comentadas através da percepção dos
moradores referente à sensação de falta de organização, serviços básicos e crescimento
do crime. Dessa maneira, considerando o condomínio como uma espécie de contraponto
da cidade, conforme relatado já relatado, quais seriam os pontos significativos que
efetivam esse contraponto sobre a ótica dos moradores?
Observar essa questão remeterá ao cerne desta pesquisa, que é desvendar como
um condomínio fechado em Nova Parnamirim acirra a fragmentação urbana desse lugar.
Esse tema será tratado como segundo tempo das entrevistas, que diz a respeito à vivência
interna no condomínio fechado, sendo pautado nos movimentos de ocupação e de
desenvolvimento da manutenção do espaço concebido.
95
A etapa de ocupação acontece em meados de 2007, chegando a quase uma
ocupação de 100% no ano de 2012. A construção do espaço foi feita durante o movimento
de migração para o bairro de Nova Parnamirim/RN, pela construtora SS
Empreendimentos, que ficou responsável também pelas vendas. Os slogans de vendas
convergiam para o discurso do contraponto da cidade, isto é, a apresentação de um espaço
privilegiado por sua estrutura, conforme a imagem (Figura 16).
Figura 16 – Folder de venda do condomínio
Fonte: SS Empreendimentos
96
A mensagem é enfática sobre sua notória vantagem de estar em meio urbano,
mas ter uma estrutura que preserva a natureza em virtude de seu projeto paisagístico.
Considerando isso, a mensagem ganha tons afrodisíacos para os moradores:
Morar aqui foi uma opção que fiz. Temos toda uma estrutura à disposição,
todas as nossas necessidades são atendidas em menor tempo se comparado a
alguma coisa que for ser feita pela prefeitura, incluindo a segurança. Sem falar
da casa que é nova e como seu sempre quis (Morador 5, advogado, 42 anos).
O discurso apresentado ilustra o encantamento com a estrutura que o espaço
oferece, sendo, portanto considerado o primeiro ponto de interesse segundo os moradores.
Assim, sobre a estrutura, foram muitos os que apresentaram o argumento do projeto
paisagístico, da praça de lazer, da segurança e da organização na limpeza.
Além de tudo que existe aqui, a casa foi um grande atraente para mim. Morava
em um conjunto de apartamentos, era um prédio só e pequeno. A casa aqui é
um bem-estar pra mim e reforça a qualidade de vida deste condomínio. Além
disso, veja só esse lugar, estamos na cidade, mas parece que não estamos, é um lugar tranquilo sem caos e agitação. Às vezes até parece que ninguém mora
aqui, retarda o dia, eu diria (Morador 11, servidor público, 37 anos).
Aqui tem as pessoas que limpam, tem as pessoas que comandam e tem as
pessoas que ajudam pra manter limpo... Aqui nem se compara, aqui é ótimo,
em termos de tudo (Moradora 3, aposentada, 65 anos).
É evidente que no discurso a casa é uma chamativa, sinônimo de bem-estar. No
entanto, chama a atenção a busca pela chamada tranquilidade em detrimento do
afastamento do caos e da agitação. Esses dois elementos simbolizam de maneira rasa o
que o morador 11 percebe da cidade. Para ele, é o local do caos e da agitação, o que difere
do condomínio que se constitui como espaço onde há a paz, a ponto de poder fazer uso
da metáfora do tempo que para, em função da não percepção da agitação. Da mesma
forma, a moradora 3 elenca a limpeza como um ponto chave de diferenciação no
condomínio, algo que ela destaca por funcionar da maneira que ela entende como
adequada e que, segundo ela, não costuma acontecer em ambientes públicos.
Dessa maneira, sobre o aspecto estrutural, percebe-se um ponto importante para
o delineamento da análise. Nesse caso, há uma visão de que pelo condomínio é possível
fugir de certos problemas urbanos representados, através dos moradores, pela busca por
tranquilidade ou organização. Apesar disso, caracterizar esse movimento somente pelo
aspecto físico se torna incompleto para adentrar sobre o conteúdo social, visto que o
espaço é reflexo também da prática social (LEFEBVRE, 1999).
97
Assim, pode-se lembrar de um aspecto ligado à vida nos bairros comuns, a
vizinhança. Analisar pelo ponto de vista da estrutura remete a deixar de lado o aspecto
social, traduzido inicialmente pela vizinhança. Segundo Rivlin (2001 apud ITTELSON
et al, 1974, p. 13): “não há ambiente físico que não esteja envolvido por um sistema social
e inseparavelmente relacionado a ele”. Por conseguinte, a forma como o espaço físico se
manifesta no discurso dos moradores é apenas uma pista sobre a ação do sistema social
sobre o espaço.
Nesse sentido, Marx (2013), ao falar sobre a caracterização de um sistema social,
remete à compreensão de sua história. Não somente ele, mas o próprio Lefebvre (2001),
especificamente sobre a potencialidade do presente explicado pelo passado, mostra que,
nos estudos urbanos, isso pode representar uma coexistência de representações ajudando
a entender o espaço urbano e seu cotidiano. Essa questão pode ser estudada a partir dos
relatos sobre a ocupação inicial do espaço e a formação de sua gênese social interna.
O condomínio Jardim Atlântico inicialmente foi ocupado por poucos moradores.
Entre os 108 lotes, menos de 15 eram ocupados, isto é, estavam com residência
construída, uma vez que havia aqueles que apenas adquiriram o terreno para
posteriormente construir suas moradias. Segundo os relatos expressos nos discursos dos
moradores, no início da ocupação, não havia ainda um sistema administrativo dotado de
poder de coerção e coação consolidado.
Dessa forma, os primeiros anos (2007-2010) foram caracterizados por períodos
“assombrosos” (segundo os entrevistados), devido a atos considerados “extravagantes”,
conforme relata o morador 4:
[...] com o tempo que se foi comprando e levantando as casas, o que acontecia?
As pessoas proprietárias dos lotes vinham para cá e usavam isso como se fosse
um clube e faziam coisas desagradáveis. Tudo isso em função de não ter
normas claras, era uma desordem total, parecia qualquer bairro desses aí que
você vê. Encontraram camisinha na academia, cigarro de maconha etc. Isso
tudo porque isso aqui não se constituía condomínio ainda, as pessoas não via
o espaço assim. Observam como um clube porque você paga condomínio e usa
como quiser (Morador 4, servidor público, 30 anos).
[...] a área de lazer parecia aquelas praças que todos fazem o que querem [...]
aqui era para ser diferente, sempre foi. Quem compra casa aqui já espera por
isso, não pode agir de qualquer forma senão vira qualquer coisa (Morador 2, do lar, 31 anos).
Essa situação evidencia o início da primeira fase (1ª convenção 2007-2014) de
organização do condomínio a partir da convenção interna. Segundo a administração do
condomínio, a primeira convenção era muito geral, deixava muitas situações sem
98
especificidade de ação. Devido a isso, seu poder jurídico tornava-se fraco em caso de
confronto entre morador x administração. Por exemplo, o regimento interno apresentado
nesse período prevê certos tipos de proibições, mas que não se sustentam. Ou seja, o
morador que quisesse contestar a decisão da administração sobre determinada conduta
poderia entrar na justiça e facilmente vencer. Isso se dá em função de suas cláusulas
generalizantes, o que não condizia com a dinâmica social interna. Era como se fosse algo
aplicado automaticamente com o intuito de apenas fazer valer a ordem.
A administração relata que a solução para esse problema seria redigir uma nova
convenção e, por fim, criar um novo regimento interno baseado em assembleias realizadas
pelos moradores. No entanto, salienta a administração que não havia recursos financeiros
suficientes para realizar tais trâmites. Desse modo, a administração passa a agir de
maneira provisória distribuindo advertências aos infratores. Essa ação não teve muito
impacto, pois as tais situações comentadas pelos entrevistados continuaram.
Nesse percurso, durante as entrevistas, o morador 6 se identifica como uns do
que levaram tais advertências:
Eu discordo um pouco (sobre a haver desordem total no condomínio), acho
que o pessoal exagera nas reclamações por aqui. Sempre há uma pressão para
controlar nossos passos, se pudesse traria minha vizinhança antiga pra cá, por que pense em um pessoal incomodado. Ninguém podia fazer nada aqui que
era a administração olhando, outro fulano também, como se fosse um crime.
Quero fazer um churrasco na piscina com meus convidados, não pode por
causa do número restrito! Chamo para fazer em casa, a vizinha aqui vai e
reclama! Sempre teve essa pressão. Já levei essas advertências chatas, acho
que é uma medida para controlar o que não se pode, o lazer de uma pessoa.
Sempre fui acostumado a me divertir e querem regrar tudo isso (Morador 6,
biólogo, 29 anos).
O discurso do morador 6 é raro de ser admitido, pois passa a se colocar como
infrator que está tentando ser “controlado”. Isso remete à ideia dos campos, nos termos
de Bourdieu (1989). No campo (condomínio), há conflito para a sobreposição de um
comportamento a outro. Nesse sentido, elencamos alguns pontos: podemos dizer que o
primeiro está ligado ao custo de migração dos campos, há um comportamento específico
nos indivíduos, como no caso do morador 6, que faz com que ele sinta dificuldades em
reprimir certos costumes que possui na bagagem na sua vida. O morador 6 optou por
morar em um condomínio fechado, logo, as regras nesse campo se diferem de seus
99
costumes que certamente não eram reprimidos em seu antigo campo (cidade). Por
conseguinte, essa conversão é bastante custosa.
Esse fato evidencia a característica da sobreposição de regras típicas dos espaços
fragmentados, a própria sensação de “estar fazendo um crime” evidencia tal afirmação.
Nesse caso, entende-se por crime um dado comportamento habitual que não deve ser
repetido nesse espaço. Ou seja, trata-se de uma nova regra institucionalizada no
condomínio que se sobrepõe a um dado comportamento comum proveniente de seu antigo
habitat, gerando assim um choque imediato de expectativas ligadas à satisfação de
necessidades e de um potencial início de conflito.
Nessa dinâmica da procura de satisfazer tais necessidades, nasce uma imposição
direcionada a todos, mas que atinge aqueles que não estão adaptados. Essa imposição
notadamente não gera um conceito literal de habitus, mas algo que se assemelha a isso e
é específico desse local. A noção de habitus quebra o paradigma estruturalista e é
colocado por Bourdieu (1989) como algo de imensa amplitude. Esse comportamento é
específico do local e, portanto, é similar ao habitus
Considerando isso, notamos as considerações sobre expectativas e necessidades.
É interessante notar a forma como Rivlin (2003) enxerga a relação dos indivíduos com os
ambientes. Vários desses lugares, que são vivenciados ao longo da vida, têm um valor
simbólico importante e acabam constituindo uma memória afetiva, que persiste e
influencia as experiências com novos lugares.
Vale ressaltar que esses ambientes marcam as vidas tanto em aspectos ditos
“positivos” como “negativos”. Ao habitar um novo ambiente, carregamos todas essas
experiências e, de alguma forma, acabamos por influenciar uma modificação daquele
espaço. Trata-se de uma adaptação, mas também de um esforço para alterá-lo na tentativa
de atingir os objetivos de se estar naquele novo lugar.
A experiência do morador 6 é emblemática no sentido que evidencia um
comportamento peculiar consolidado e outro que está a sua frente. Os indivíduos podem
experienciar ambientes de modos diferentes “dependendo de nossa personalidade,
bagagem étnica, fé religiosa, ou simplesmente, nosso humor do momento, o que
experienciamos pode ser uma distorção do mundo objetivo (ITTELSON et al., 1974), ou
mesmo da experiência com ambientes anteriores. Esse indivíduo, ao não concordar com
100
a imposição comportamental que o ambiente exige, exprime exatamente aquilo que falta
para completar sua satisfação com o local. Provavelmente, para ele, realizar festas,
churrasco etc. é considerado válido. Deixar isso de lado representa um abandono de um
costume enraizado.
De uma forma geral, a primeira fase também evidencia o espaço do condomínio
fechado como local para satisfação dos objetivos previstos para aquele lugar (RIVLIN,
2003). Isto é, formado a partir da bagagem vivencial de um indivíduo, do choque com a
realidade urbana, frente a alternativas para essa realidade (propaganda) e ao
estabelecimento no condomínio. Toda essa dinâmica gera uma expectativa que está ligada
diretamente à experiência urbana de cada morador. Ter um espaço com organização é o
consenso desses moradores, e, portanto, legitimado pela administração, deve ser imposto
a todos.
A imposição gera um conflito que coloca em xeque comportamentos comuns,
muitas vezes ligados à recreação, que não são mais aceitos. Para ese indivíduo que não
aceita de maneira rápida, há uma quebra de uma das expectativas que envolvem o
consumo do espaço para recreação a gosto, evidenciando uma exigência de adaptação a
esse ambiente.
Com o decorrer desses eventos, a busca por impor ordem no uso do espaço
trouxe algumas consequências. A situação se desenha de maneira que a todo instante
passou-se, conforme relatado pelo morador 6, a fiscalizar qualquer tipo de evento
comemorativo de caráter particular, em função do uso da área de lazer e da criação de
outras atividades. Assim, esse processo de forte regulação causou dois grandes efeitos: o
primeiro está relacionado ao desenvolvimento de cultura exprobrar; e o segundo está
ligado diretamente a uma espécie de esterilização das relações de sociabilidade.
Exprobrar é um sinônimo de recriminação, sendo assim, ação da administração
com relação à fiscalização do espaço fez com que alguns moradores passassem a sinalizar
situações consideradas errôneas de maneira mais espontânea. Essa sinalização tem a ver
com a acusação de algum fato indicado por um indivíduo, dirigido a algum vizinho. Dessa
forma, em meio a tantas sinalizações de um sobre o outro, logo foi surgindo certo
distanciamento entre os moradores em função disso.
101
Nesse estágio, é evidente a lógica de consumo e a ordenação do espaço no
intramuros. Realizando uma rápida observação sobre o regimento vigente na época,
podemos observar o parágrafo introdutório com as devidas normatizações do espaço, de
início com regras gerais e, em seguida, com regras específicas no que diz respeito à
maneira de se portar nesses espaços.
INTRODUÇÃO
Este regulamento foi elaborado com os seguintes objetivos: - Estabelecer as normas que proporcionarão a conservação dos bens comuns
do condomínio;
- Estabelecer uma padronização visual das edificações para favorecer o
embelezamento estético;
- Estabelecer regras de convívio entre os condôminos para um melhor desfrute
das áreas comuns;
Foi dividido em 4 blocos de normas que estarão sendo aprovadas na convenção
do condomínio a se realizar em breve
1 – NORMA REGULAMENTARES
2- NORMAS DE ADEQUAÇÃO E APROVAÇÃO DE PROJETOS RESIDENCIAIS
3 – NORMAS PARA TRÂNSITO DE TRABALHADORES E MATERIAIS
PARA CONSTRUÇÃO DE RESIDÊNCIAS
4 – NORMAS PARA UTILIZAÇÃO DA ÁREA DE LAZER E ÁREAS
COMUNS (Regimento Interno do Condomínio Jardim Atlântico, 2008–2015)
Especificamente em relação ao item 4.11, que trata do uso da quadra de esportes,
temos as seguintes normas:
4.11 - Utilizações da quadra de esportes
- A quadra poliesportiva (vôlei, basquete e futebol de salão), estará livre para
utilização pelos condôminos, seus dependentes, agregados, hóspedes e
visitantes desde que respeitadas.
As regras de utilização;
– Não é permitido adentrar as quadras com sapatos de salto alto ou impróprios,
ou ainda com patins, skates, patinetes, bicicletas, velocípedes, ou com qualquer
objeto que possa causar dano ao piso, às redes e telas; (Regimento Interno do
Condomínio Jardim Atlântico, 2008-2015).
Ao observar essas normatizações, nota-se que há uma lógica de consumo do
espaço baseada em regras que devem ser naturalmente cumpridas. No entanto, a
determinação desse uso perpassa por uma lógica de planejamento e ordenamento advinda
de uma espécie de blocos zoneados. Realizando uma alusão com planos urbanos, Mello
(1982) comenta a definição do termo zoneamento como uma espécie de busca pelo
objetivo de desenvolver mudanças nos padrões de consumo na cidade e ainda diminuir
custos e evitar desperdícios por meio de ações sustentáveis.
102
Nota-se que essa definição é algo que advém do campo (cidade) como tentativa
de aperfeiçoar a abrangência dos termos descritos. Nessa perspectiva, chama-se a atenção
para sua aplicação no campo (condomínio). Desenvolver mudanças no padrão de
consumo, por meio da manutenção de custos está diretamente ligado ao modo utilização
do espaço. Segundo Marchesini (2000), a importância da consumação de um determinado
objeto, no caso o espaço, está diretamente ligada ao crescimento de seu valor de uso e,
por fim, culmina em um valor de troca que gera capital.
Crescer o valor em relação ao espaço, no tocante aos moradores, perpassa
também por uma mudança de seus hábitos. Somado a isso, a questão resulta na
valorização e no crescimento de seu valor de troca. Essa observação pode ser
aprofundada para outro patamar não somente envolvendo valores/espaço estruturantes
mas também valores sociais, o que justifica a mudança de hábitos. Nesse momento, a
dinâmica do condomínio Jardim Atlântico se encaixa em novos valores de sociabilidade
por meio da normatização.
Em consequência do crescimento da manutenção do espaço e da imposição de
novos hábitos surgem os primeiros pontos em torno da representação cujo símbolo é a
normatização (convenção), ganhando contornos de valores simbólicos, edificados por
regras e representações que trafegam entre o campo (condomínio) e o campo (cidade).
Nessa direção, Bourdieu (1989) ressalta que valor simbólico atua para expressar
simbolismo. Mas não somente isso, Laplantine (1941) também menciona essa expressão
como linguagem e comunicação, pois esses dois termos possuem dinâmica complexa que
pode se manifestar a tal nível de abstração que, bem analisado, permite inferir a lógica
dos símbolos. Nesse caso, o símbolo pode substituir uma ideia, mas não a representa
totalmente. Considerando isso, elementos como a convenção, tida como constituição do
condomínio, controle etc. podem não se tratar de um mero reflexo, podem também
emergir como símbolo de uma lógica que tenta se diferenciar do urbano.
O resultado disso é o surgimento de um conflito permeado pela imposição
pautada nos termos hobbesianos37, em que é necessário ceder à determinada pressão. A
esse respeito, Bourdieu (1989) destaca que é importante que o símbolo cubra um valor
37 Ver T. Hobbes, Leviatã (1990) – Essa imposição constitui-se como atitude necessária para
aceitar os termos de um contrato.
103
que deverá ser aceito por todas as pessoas que participam de um sistema de linguagem38.
Considerar a linguagem como elemento dessa dinâmica e que, por vezes, pode se transpor
em valores, significa dizer que seu alcance vai além do limite físico territorial de um
espaço, pois ganha status de valor. Esse valor perpassa de um campo para outro, e assim,
o espaço normatizado é dotado de vantagens condizentes com as necessidades de
satisfação em relação ao urbano (segundo os moradores) ganhando maior capacidade de
provocar distinção.
Segundo Bourdieu (1997), as práticas de consumo, no caso do espaço, produzem
necessidades ou preferências. No caso estudado, categoriza-se por uma busca insensata
por controle. Essa busca se configura no objeto real, que é o condomínio. Este une sua
forma à determinada práxis, criando uma atmosfera objetiva. Relacionando com a cidade,
todos aqueles espaços (condomínios, shoppings etc.) que são produtos de condições
objetivas parecidas acabam se distinguindo dos espaços públicos.
Essa distinção parece estar ligada a dois fatores inerentes à prática de consumo
(i) externo e (ii) interno. O externo se dá em função da própria diferenciação que existe
sobre a ótica da fragmentação urbana conforme já descrito: espaço físico territorial
delimitado, mobilidade e acesso seletivo, valorização das terras por meio de sua estrutura
diferençada etc. Já o interno está diretamente ligado ao valor cobrado pela imposição da
normatização do espaço, que tenta alterar o comportamento dos moradores. À medida
que isso vai ganhando força (levando em consideração a estrutura física do espaço), o
indivíduo sente que seu espaço é diferenciado. Isso justifica certos aspectos nos discursos
dos moradores tais como:
Quem compra casa aqui já espera por isso, não pode agir de qualquer forma
senão vira qualquer coisa (Morador 2, do lar, 31 anos).
O lazer do condomínio é melhor do que o lazer público. Aqui existe comando,
as pessoas ajudam [...]. A organização daqui é ótima, em termo de tudo. Aqui
é privado, aqui tem comando, o público não tem (Morador 10, aposentada, 65
anos). Eu não frequento muito a área de lazer, mas quando vou acho uma delícia.
Gosto de usar academia particular, a daqui não frequento muito, mas acho que
também é uma delicia, é muito calmo. Pra mim isso aqui é o suficiente, aqui
tem comando como já falei. Não pode ficar bagunçando, o pessoal aprende
38 Esse sistema se expressa nos diversos códigos que permitem propor valores entre os
campos.
104
respeitar e se não respeitar tem a administração para ver caso a caso (Moradora
10, aposentada, 65 anos).
Eu prefiro mil vezes morar aqui do que em um bairro. Me sinto mais à vontade
aqui, acho que é pelo fato de todo mundo ser do mesmo tipo (Morador 10,
aposentada, 65 anos).
Dessa forma, percebe-se o viés moral que é não só reproduzido mas também
reforçado nesse espaço sob o ponto de vista da normatização, da adaptação da vizinhança
e da cidade. Nesse sentido, valores, virtudes e competências desse mundo simbólico
(condomínio) chocam-se com a realidade urbana, de modo que a dinâmica do campo
(condomínio) serve como um pilar fundamental para sua filiação sobre o ponto de vista
de um espaço idealizado na cidade. Isso acaba fortalecendo a percepção de suas
diferenças em relação aos espaços públicos.
Sob o ponto de vista da normatização, da adaptação e da cidade, observamos que
existe um processo para fortalecer essa distinção. No entanto, a sociabilidade ainda nos
revela outras facetas que podem ampliar a identificação desse processo. Observando a
procura de satisfação das necessidades, que convergem para a questão do controle e do
lazer, viu-se que isso forma um pilar fundamental sobre o valor simbólico do espaço.
Mesmo assim, a relação dessa constatação com a sociabilidade da vizinhança
ainda não mostra sua devida conexão. Considera-se isso, pois, apesar de haver uma
concordância com as questões apresentadas, as relações sociais ainda são dotadas de
contatos secundários (SIMMEL, 1987). Isso fica evidenciado na fala do morador 10, no
tocante à afirmação de que “as pessoas se ajudam”, mesmo sendo notório, aos olhos do
pesquisador, que a relação de vizinhança sofre processo de impessoalidade.
O sistema de valores do morador 10, considerando o seu comportamento
peculiar advindo da cidade e os valores adquiridos no condomínio, distorcem sua
percepção. As vantagens percebidas condizem com sua expectativa de necessidade, logo,
ele não percebe a verdadeira situação da sociabilidade de sua vizinhança.
É sobre essa égide que é caracterizada a segunda fase ou a segunda convenção
do condomínio (2014-2016). Após as eleições de síndico entre 2012-2013, um novo perfil
de administração foi instalado. Na ocasião, foi convencionada a prioridade para
montagem de uma convenção mais elaborada, bem como a revisão de seu regimento
interno. É nessa fase que os moradores começam a discutir e a decidir suas próprias
restrições, ou seja, deixariam de serem regidos por uma norma generalista.
Além disso, foi dado espaço para os conselhos administrativos opinarem sobre
as decisões, havendo oportunidade para mais discussões. Aos poucos, o perfil de forte
105
coerção administrativa foi mudando para uma situação mais pautada. Entre os
apontamentos dados nas tais discussões, observa-se a questão da sociabilidade
emergindo.
Costumo dizer que isto aqui parece ser um condomínio encantado. Ninguém
fica nas ruas, é como se houvesse uma desconfiança. Sinto falta de uma
solidariedade aqui entre nós e precisamos deixar este condomínio mais vivo.
As ruas (fora do condomínio) são perigosas, logo, precisamos valorizar o que temos aqui através de uma melhor integração entre os moradores e
administração (Moradora 13, membro do conselho fiscal, 45 anos).
Por aqui as ruas são desertas, exceto às 16-18h que é quando as crianças
brincam. Mas antes ou depois disso, parece que houve um encantamento ao
estalar de dedos, porque você não vê ninguém mais nas ruas a não ser os
funcionários. [...] veja só, moro aqui há 5 anos e nunca senti tanta dificuldade
de fazer amizades. É uma situação curiosa, até nas festas a gente vê cada um
em sua ilha. Isso foi difícil, porque ataca um pouco a pessoa, ficamos com
saudades até da nossa antiga vizinhança e a solidariedade deles (Moradora 13,
membro do conselho fiscal, 45 anos).
A analogia ao “condomínio encantado” faz referência a pouca vitalidade nas ruas
internas. A moradora 13 comenta que os contatos eram muito tímidos, cada um em sua
individualidade, podendo ser classificados pelos entrevistados como superficial. Esse fato
está ligado ao debate sobre a formação de comunidades nos condomínios,
especificamente no Brasil. No caso do condomínio estudado, a observação da moradora
13 pode estar relacionada ao ideário implantado pela propaganda de sua moradia, que
afirmava que o condomínio Jardim Atlântico seria uma comunidade com vizinhança mais
integrada.
Baseado em Jacobs (2000), a monotonia em bairros pode estar relacionada à falta
de alguns fatores como diversidade, arquitetura similar, fluxo de pessoas, entre outros.
Dada a forma com que o espaço do condomínio é pensado internamente, alguns desses
fatores podem não se desenvolver e sua vitalidade pode ser comprometida. Há a presença
de arquitetura similar, o fluxo de pessoas é restrito, mas não há grande diversidade de
espaços.
Além disso, essa realidade se choca frequentemente com o passado da moradia
dos condôminos. Reconhecer pessoas ou situações como algo estranho era normal, mas,
ainda assim, existiam laços de sociabilidade e presença de diversidade por meio dos
fluxos entre os bairros, conforme comentado no tópico referente à morada nos bairros
abertos relatado pelos entrevistados.
Considerando isso, a opinião da moradora 13 se mostra bastante pertinente se
observarmos que ela esperava um comportamento diferente da vizinhança. O desejo de
106
haver contatos mais próximos se assemelha à ideia de solidariedade mecânica, nos termos
de Durkheim (1990). Esse espaço, se analisado de forma isolada, pode aparentar
características similares desse conceito, como a presença de mecanismos de coerção
punitiva. No entanto, não se trata disso, o condomínio Jardim atlântico não está situado
em uma sociedade simples e nem suas estruturas sociais são semelhantes, não é uma
aldeia.
Trata-se de um espaço conectado à sociedade complexa. Portanto, o
comportamento baseado em solidariedade desejado pelos moradores, apesar de punitivo,
é mais formalizado e sua divisão social/funcional está inserida na cidade, portanto, é mais
complexa. Por conseguinte, o direcionamento para uma maior aproximação, mais
desejável pelos moradores, somente seria possível por uma força que pudesse impulsionar
a dinâmica nesse sentido.
A esse respeito, é notável o surgimento de uma preocupação exacerbada
relacionada ao esvaziamento do espaço do condomínio (ruas, praças etc.) em relação ao
espaço público que sofre de problemas similares39. Esse ponto potencializa ainda mais o
fenômeno de diferenciação por meio da exclusividade (distinção). Isso é constatado não
só em função do discurso individual dos moradores mas também nas assembleias do
condomínio. Conforme o trecho
Restaurar o espaço comum do condomínio é importante. Se torna perigoso para
as crianças brincarem nos parques se não houver manutenção adequada. Acho
que se temos aqui, temos que cuidar, se não fica igual a essas praças públicas
que têm por perto onde a prefeitura não cuida, muito menos o povo (Morador,
Assembleia do condomínio, 02/08/2015).
Partindo desse esforço dos moradores do Condomínio Jardim Atlântico em
promover algumas mudanças, consideradas para eles como essenciais para um melhor
convívio, alguns aspectos tiveram maior atenção. O primeiro deles foi buscar uma maior
sociabilização entre os moradores, já que, como foram explicitados, os próprios
condôminos consideravam o convívio social praticamente inexistente.
Uma vez aberta a discussão sobre o novo regimento, houve uma articulação que
ajudou a promover o convívio social. A discussão sobre as regras era permeada de
consensos e dissensos, mas o debate foi ajudando a aproximar aqueles com ideias
39 Arantes (2011) ressalta que o fator da criminalidade x uso do espaço público tem diminuído
as atividades nas ruas. Esse fato pode estar relacionado à escolha por morar em condomínio
em função da segurança.
107
parecidas. Esse movimento de concordância e discordância possui características
importantes.
No conflito dos argumentos, o símbolo da cidade sempre aparece como
mediador do que seria bom e ruim. Praticamente toda a exigência feita para alteração do
regimento era pautado em evitar a promoção de dinâmicas consideradas intoleráveis que
existem na cidade. A definição dessas situações estava pautada mais uma vez na
historicidade urbana que os indivíduos vivenciaram antes de morar no condomínio.
O argumento central era evitar que o condomínio se transformasse naquilo que
chamavam de “clube”. Conforme o comentário:
Não podemos tratar nosso espaço como se fosse um clube [ainda que
terminologia do espaço fosse expressa como condomínio clube]. Porque é isso
que estão fazendo, as pessoas pagam taxas aqui e usam a piscina sem limites,
andam rápido pelas ruas e não cuidam de seus cachorros. Nosso espaço comum
não é uma rua pública, por isso temos câmeras e regras justamente para não
ser bagunçado (Morador, assembleia do condomínio).
A imagem do clube é tida como espaço que não possui ordem, onde qualquer
pessoa realiza suas ações como bem quer. O argumento do clube nada mais é que mais
uma tentativa de distinção entre o espaço público e o privado. Também pode ser
caracterizada pela presença de criação de regras que assegurem todo esse modelo.
Os contrários à exigência de tantas regras argumentam que seria bom poder usar
o espaço de maneira mais livre, sem tanta restrição, principalmente ligada à área de lazer,
podendo, por exemplo, liberar o espaço que não estivesse sendo utilizado durante a festa
particular aos moradores em geral que se interessassem em usufruir. Isso se deu, pois não
havia a tolerância de querer dividir esses espaços. Essa pauta foi uma, entre várias, que
foram atualizadas no regimento:
Art 16 – As áreas: parque infantil, piscinas, salão de jogos e academia não são
reserváveis, estando sempre disponíveis para o uso dos condôminos, mesmo
nas horas de utilização em eventos por parte de outros condôminos (Regimento
Interno, 2015, p. 3).
Os argumentos dos contrários foram ganhando mais força e de certa forma
combatiam o excesso de individualização dentro do condomínio. No entanto, o aspecto
positivo desses avanços só é aproveitado, logicamente, na especificidade do seu espaço
interno. Convém mencionar que esse movimento também reforça a característica da
exclusividade do espaço. Portanto, pode-se dizer que tais dinâmicas internas, uma vez
pautadas na busca por otimização do espaço do condomínio, podem provocar
108
aproximações internas. No entanto, pouco muda a situação em relação ao espaço público,
pois não há discussão em torno dessa vertente. Apenas aparece como símbolo mediador
de opiniões que compõem a otimização do condomínio
É interessante notar, pela fala dos entrevistados, que a aproximação entre os
moradores também se deu através das redes sociais, como whatsapp, a partir de grupos
com características em comuns, supondo haver pontos de interesses convergentes para
estreitar relação. Dessa forma, surgiu o grupo de mães, os grupos de moradores que
possuíam animais de estimação, e o grupo para divulgação de produtos de beleza.
Em paralelo a isso, buscou-se a realização de alguns eventos que teriam como
objetivo a integração entre os indivíduos, um consenso entre os próprios moradores e a
administração, quais sejam: dia das mães, dia dos pais, aniversário de fundação do
condomínio, Natal e São João. Percebe-se, ainda, que a linha de raciocínio sobre a
construção dos grupos do whatsapp seguiu da mesma forma para a promoção desses
eventos, de acordo com os papeis sociais atribuídos aos moradores. Uma das moradoras
deixa explícita essa organização:
Por exemplo, chás pras mães, encontro pras mães, futebol para os pais, tudo
coisas que estão começando a acontecer, e que tem o grande intuito que é
integrar as pessoas e promover a amizade (Moradora 13).
Diante desses grupos de whatsapp criados, os próprios moradores começaram a
criar momentos diferenciados com o propósito de integrar ainda mais, sempre nas
configurações já citadas.
Como já mencionado, esses movimentos de aproximação possuem
características que são benéficas internamente, mas pouco influencia na melhora da
situação dos espaços públicos na cidade. No entanto, movimentos contrários àqueles que
se originam das dinâmicas da cidade podem influenciar fortemente na dinâmica interna
do condomínio.
É evidente que uma das primeiras formas pela qual a cidade influencia o
condomínio Jardim Atlântico se dá por meio da própria historicidade dos seus moradores.
Ainda assim, existe o fato de os eventos externos situados num dado tempo presente
influenciarem sua dinâmica interna (LEFEVBRE, 1999). Esse caso pode ser ilustrado por
meio do tema segurança urbana.
Esse momento se inicia durante os debates para a construção do novo regimento
interno. De fato, o tema de segurança era um dos pontos em pauta que mais trazia custos.
109
Dessa maneira, durante as discussões, foram levantadas várias estratégias para
formulação de um plano de segurança.
O primeiro deles, e mais custoso, seria o da completa alocação de câmeras,
incluindo pontos cegos, reestruturação da guarita, reformulação de procedimentos de
segurança, aumento do tamanho dos muros. Já o segundo estaria pautado na redução de
custos (de equipamentos eletrônicos), promovendo, assim, apenas modificações de
procedimentos de segurança. Vale salientar que a opção dois caminhava para a ampla
maioria dos votos.
No entanto, nesse mesmo período, agosto de 2016, a cidade de Natal foi alvo de
ataques criminosos em função da frágil situação da segurança pública pela qual, não só o
Rio Grande do Norte mas também o Brasil inteiro passava. Os ataques consistiam em
uma suposta resposta a ações do governo estadual em colocar bloqueadores de celulares
nos presídios. Com isso, vários ônibus foram incendiados, delegacias e estabelecimentos
foram roubados etc. Tal situação disseminou o pânico em todo o Estado, incluindo sua
mancha metropolitana funcional, que inclui Parnamirim e Natal.
Diante desses acontecimentos, as assembleias mudaram de ritmo e a discussão
sobre a primeira opção de votos ganhou por sua maioria. Dessa maneira, o consenso se
formou em direção à melhoria da fortificação com adição de câmeras, escoltas da empresa
particular de segurança nos arredores do Condomínio Jardim Atlântico e mudanças
drásticas no sistema de procedimentos com visitantes e entregadores.
A busca por segurança é bastante evidenciada em estudos sobre condomínio
(LOPES, 2008; CALDEIRA, 2000, entre outros). Existe um forte discurso dos indivíduos
que demonstra que a principal motivação para entrada nos condomínios é a segurança.
Por meio das ações dos moradores desse condomínio percebe-se um contínuo
fortalecimento dos procedimentos de segurança, demonstrando que apenas o fato de
morar em um condomínio não é suficiente para eles se sentirem completamente
protegidos.
É evidente que esse movimento se pautou nos estímulos que a cidade pode dar a
todo seu território. Isso ajuda a caracterizar o movimento simbiótico relacionado aos
acontecimentos urbanos. O estímulo do evento proporcionou uma aceleração das
discussões sobre o aumento do entrincheiramento dos moradores por meio de sistemas de
segurança mais sofisticados.
110
Esse movimento possui característica ambígua: o que parece ser inevitável,
todos são atingidos pelo medo e isso expressa a inclusão inexorável dos moradores na
problemática urbana. No entanto, a resposta para isso se pauta na otimização interna, ou
seja, na melhoria do espaço exclusivo. À medida que esse olhar interno é redobrado,
reforça a desconexão com a discussão sobre o combate à problemática do espaço público.
Os movimentos da cidade mostraram ter o poder de influenciar a retração dos
indivíduos para a exclusividade de maneira mais abrupta. Além disso, a negatividade do
evento mencionado ajuda a reforçar o valor simbólico que os moradores dão à
exclusividade. Os acontecimentos seguintes evidenciam essa valoração, trata-se da busca
por atividades de lazer exclusivas.
Na contínua busca por melhor integração, como já visto, os moradores
propuseram também que houvesse atividades de lazer auxiliadas por profissionais para
toda a vizinhança do condomínio a fim de evitar deslocamentos pelos bairros.
Acho que essas atividades que estão surgindo no condomínio valorizam mais
o que é nosso. A cidade anda muito perigosa e acaba que a gente tenta fazer as
coisas por aqui mesmo (Morador 1, servidor público, 48 anos).
Ao levar a pauta para as assembleias, a posição da administração foi de que não
seria possível arcar com o custo dessas atividades. Dessa forma, os moradores se
organizaram para pagar uma taxa extra a ser dividida e cobrada igualmente. Com isso, foi
possível contratar serviços de lazer ligados à prática de aulas de dança, futebol de salão,
jump etc. A organização para a realização dessas atividades evidencia a melhor integração
com os moradores, mas essa não seria sua única manifestação. Além das atividades de
lazer, os próprios moradores realizaram reformas envolvendo o espaço da academia e a
criação de uma biblioteca/salão de jogos.
Esse movimento está pautado também na busca por espaços e atividades
importantes que acontecem na cidade. Trazer esses espaços evidencia a tentativa de
representá-los dentro de um espaço exclusivo, proporcionando o nítido movimento de
negação da cidade. Considerando o processo visto, percebe-se que a busca pelo espaço
normatizado se dá em função do desenvolvimento de um espaço regulado, onde há
coibição de ações imprevistas baseadas na vivência de seus moradores. Esse movimento
apresenta os primeiros traços da diferenciação entre o espaço exclusivo (condomínio) e o
público.
Embora nem todos se adaptem facilmente, a escolha por um espaço normatizado
ganha força. Em busca de otimização de sua dinâmica, há a crescente integração de seus
111
moradores e mais opções de atividades de lazer. Esse movimento ajuda a fortalecer a
distinção social e espacial, evidenciando assim a fragmentação socioespacial.
Uma vez considerado isso, o movimento de negação da cidade acontece de forma
plena? A essa altura, é evidente que não. Apenas é possível observar que existe um
movimento de retração, quer seja por medo, quer seja pela própria ação resultante da
distinção. Mesmo assim, isso ainda faz os moradores considerarem a cidade e suas
vantagens.
Evidenciam-se assim não apenas a repulsão do lado negativo da cidade mas
também a atração do seu lado positivo representado pela criação de bibliotecas, atividades
de lazer, academia, tudo em caráter exclusivo. Vale salientar que essa constatação não
representa totalmente a atividade/espaço em si, mas sim se constitui como um fragmento
desse valor representado. Portanto, caracteriza apenas uma materialização dessa
representação.
Indo mais além, o comportamento requerido no campo (condomínio) não
demonstra ter total sobreposição a certas práticas do campo (cidade). A incorporação
desses elementos demonstra certa apreciação por ícones que a cidade possui. No entanto,
ainda há forte traço de negação à cidade. Essa materialização de tais ícones evidencia o
desejo dos moradores em vivenciar situações em que os espaços/situações são as mais
homogeneizadas e dotadas de certo grau de ordem. Esse fator assemelha-se a um habitus,
isto é, seu comportamento é contraditório justamente por não negar totalmente a cidade.
Embora isso aconteça, o espaço urbano é pensado a todo tempo como algo que deve
promover exclusividade para evitar certos desconfortos.
Considerando esses moldes, as soluções propostas pelo condomínio fechado
Jardim Atlântico são um tanto limitadas frente às resoluções necessárias para o
enfrentamento dos grandes problemas urbanos. Considerando a correlação entre os
campos por meio da cidade, as mudanças estruturais do sistema social associadas ao grau
de planejamento urbano podem provocar impactos enormes na dinâmica social de uma
cidade.
Grande parte dos entrevistados é servidor público e está situada em um espaço
de alto valor de aquisição. Isso representa a centralidade40 que hoje as camadas da classe
40 Centralidade exprime a capacidade relativa do ator em determinar onde será sua moradia;
não fechado a esse sentido restrito, a capacidade engloba também pontos importantes como a
estrutura do emprego, o mercado de trabalho etc.
112
média têm sobre a distribuição urbana. Essa centralidade exprime também certa
volatilidade, principalmente nas dificuldades em articular interesses: ordenamento,
segurança, entre outros, que podem ser traduzidos em falta de urbanidade na cidade; em
necessidades sociais, o que se justifica conforme o autor a seguir:
Estatuto das ocupações das altas classes médias no sentido da sua precarização
e instabilidade diminuem sua capacidade de tradução e articulação dos
interesses privados em necessidades sociais (QUEIROZ, 2004, p. 35).
O resultado dessa volatilidade é a reinante circulação de um afeto específico, o
medo (SAFATLE, 2015). Esse afeto participa do grande desmonte da coesão entre as
classes sociais da cidade e acaba incentivando ações de autodefesa e forte individualismo,
traduzidos em “dessolidarização com os rumos da cidade” (QUEIROZ, 2004, p. 35). Isso
engendra a proliferação do modelo segregado estudado, a partir do condomínio fechado
Jardim Atlântico, representando assim o espaço para proteção da visão da ameaça de
“desordem urbana”.
Queiroz (2004) comenta sobre as características da situação das cidades
brasileiras e que podem ser relacionadas a alguns fatos observados no campo de pesquisa.
As diferenciações entre as classes na cidade são materializadas em separações físicas e
simbólicas que intensificam a fragmentação de identidades coletivas. O resultado disso é
a grande capacidade de organização dos mesmos extratos de classe dotados de poder em
relação aos grupos desfavorecidos. A resposta à capacidade de se organizar poderia se
relacionar à narrativa do estudo referente às respostas de ameaças do campo (cidade)
sobre a segurança dos seus moradores.
Essa organização é desarticulada e articulada simultaneamente. Desarticulada,
pois está fora de um anseio de bem coletivo; e articulada, porque obedece aos estímulos
do sistema urbano, no caso, Natal. Tais estímulos seriam justamente exprimidos no
campo de necessidades que levam o indivíduo a querer se segregar.
A autossegregação, nos moldes apresentados, de fato contribui para a recriação
da fortificação, para ser mais preciso, são sistemas de cidadela que conduzem a cidade
fragmentada. Toda simbologia do condomínio fechado Jardim Atlântico não está fixada
apenas em seu espaço, seu valor transborda para a cidade repercutindo sobre as escolhas
por outros enclaves, como opção de lazer.
Ademais, foi possível observar alguns dos deslocamentos diários mencionados
durante as entrevistas com os moradores. A grande maioria dos entrevistados afirma que
113
frequenta a cidade especificamente em lugares privativos. O argumento central gira em
torno da questão da segurança, no entanto, pôde-se observar que a ideia referente à
distinção é bastante presente. Conforme as Figuras 17 e 18:
Figura 17 – Deslocamentos peculiares do morador 5
Fonte: Dados coletados nas entrevistas qualitativas.
Costumo me deslocar para casa dos meus pais. Estão morando agora em um
condomínio, o Pan-americano, fica aqui próximo. Para lazer, procuro levar
minha família para locais seguros. Então, a gente vai ao teatro do Shopping Midway, Natal Shopping, tem um bom cinema lá e comemos no Camarões em
Ponta Negra. Costumo ir, sempre que possível, a algumas praias distantes
porque são mais seletas. São locais onde somos bem atendidos, não é uma
superreferência de atendimento, mas é melhor que tudo que tá na mão do
Estado (Morador 5, advogado, 42 anos).
114
Figura 18 – Deslocamentos peculiares da moradora 3
Fonte: entrevista qualitativa
Gosto de fazer minha academia fora, conheço pessoas lá. Faço na Burn Fit aqui
próximo. Em Parnamirim, não faço nada, porque tenho muito medo daqui,
ainda mais com esses bandidos. Em Natal, eu vou ao Midway... ao teatro assim, gosto muito! Isso me atrai, ia muito ao da Ribeira (bairro de Natal), mas agora
tem esse que é mais exclusivo. Festas populares não me atraem, porque não
me sinto à vontade, tenho medo do povão. Prefiro um local mais fechado, que
você pague para ir. Por exemplo, eu vou ao Camarões e Natal Shopping, que é
menos aglomerado. Acho que cidade deveria ser feita toda de condomínios
(Moradora 3, aposentada, 63 anos).
A questão que envolve a mobilidade contém uma importante observação, além
da óbvia da escolha por destinos caracterizados por serem enclaves. Baseado em Le
Guirriec (2014), pode-se inferir que nem todas as camadas sociais têm acesso igual à
115
cidade, o seu estudo evidencia isso, e se torna ainda mais nítido se forem observados com
atenção os deslocamentos no espaço urbano dos grupos menos favorecidos.
Considerar isso abre um espaço complementar que ajuda na compreensão da
fragmentação urbana a partir da vivência estudada no Condomínio Jardim Atlântico.
Segundo Le Guirriec (2014), os deslocamentos urbanos ajudam veementemente na
formação da identidade do indivíduo com a cidade.
Entre os vários modelos de mobilidade mencionados pelo autor, chama-se a
atenção para o deslocamento cotidiano motivado por: trabalho, família e lazer, temas
envolvidos nas entrevistas realizadas desta pesquisa. A mobilidade cotidiana está
intrínseca ao movimento de democratização do carro e da expansão das cidades.
Vale salientar que a grande crítica nos estudos sobre mobilidade cotidiana,
comentada por Willmott e Young (1972 apud LE GUIRRIEC, 2014), revela que esse fator
por muito tempo foi considerado pouco atraente devido à vertente que insistia na ideia de
observar um bairro como uma aldeia. Assim, procuravam valorizar características das
relações de vizinhança e a construção da solidariedade no espaço no qual se desenvolve
sua identidade.
Considerar somente isso é o mesmo que negligenciar o signo que a mobilidade
cotidiana pode representar: o empobrecimento da vida social. A mobilidade cotidiana
advinda de maiores distâncias é um importante elemento para evolução social da
sociedade. “A redução da mobilidade não provoca um impedimento à inclusão social ou
econômica, mas favorece por sua vez uma reprodução e um reforço das segregações
sociais, portanto, da riqueza da vida social” (LE GUIRRIEC, 2014, p. 10).
Dessa maneira, o autor afirma que os grupos menos favorecidos frequentemente
se deslocam em seu seio intrabairro e de maneira “tubular” em direção à execução de
atividades de trabalho, por vezes, o lazer. O termo “tubular” destacado se refere a
deslocamentos únicos que incluem um grande trecho e, a partir dele, realizam
deslocamentos secundários. O autor aponta que esse deslocamento é considerado como
uma manifestação da segregação tendo em vista que o indivíduo está condicionado a essa
mobilidade restrita.
Existe ainda a mobilidade cotidiana estrelada, ou seja, aquela em que o indivíduo
possui condições de desfrutar da cidade da forma que quiser por meio de vários tipos de
deslocamentos, a partir dos modais de transporte. O autor comenta que esse deslocamento
116
é virtuoso para o enriquecimento social, no entanto, por vezes, requer condições
financeiras para sua realização, principalmente sobre o uso do carro.
Os deslocamentos apresentados nas entrevistas, se considerarmos o porte
financeiro dos entrevistados, têm totais condições de se encaixarem na mobilidade
estrelada. No entanto, diferentemente do apontamento de Le Guirriec (2014), a
mobilidade apresentada é permeada da característica “tubular”, pois embora seu
deslocamento seja feito de forma mais alongada, os corredores são os mesmos, inclusive
os destinos são geralmente outros enclaves como shopping centers, restaurantes,
academia etc., todos espaços privados.
Considerando qualquer das justificativas para a realização da mobilidade por
parte dos moradores, o trajeto exercido se constituirá como parte da construção de sua
identidade com a cidade. “A práxis cotidiana, o relacionamento com os vizinhos e seu
deslocamento na cidade formam a projeção de seu território” (LE GUIRRIEC, 2014).
Portanto, tais deslocamentos são a ponte que direcionam ao complemento final de
manifestação de transbordo da distinção. Constituem, na verdade, um meio de encontrar
características que mais se aproximam das imagens que os moradores têm deles mesmos
e como se sentem no seu lugar na cidade. As imagens são resultado de um conjunto de
características que engloba várias facetas, entre elas, a moradia, o círculo social e o do
trabalho.
5.6 CONCLUSÃO PARCIAL
Os dados referentes à pesquisa de campo trouxeram vários posicionamentos
importantes. Relacionando a ideia dos campos de Pierre Bourdieu a uma aproximação
com seu conceito de habitus, pôde-se romper o paradigma estruturalista tão presente nos
estudos sobre condomínios. Dessa maneira, nas seções anteriores, que tratam de uma
visão mais voltada ao estruturalismo fora relacionado com a realidade da vivência dos
moradores no Condomínio Jardim Atlântico.
Assim, foi possível observar e relacionar três grandes momentos do passado dos
moradores que ajudam a explicar o presente. Essas lembranças dizem respeito a uma
breve situação sobre sua antiga moradia, a primeira convenção e a segunda convenção do
condomínio estudado. Isso ajudou a revelar a dinâmica desse espaço a partir da elucidação
117
de expectativas sobre o espaço e a crescente comparação, por parte dos moradores, sobre
a cidade.
Foi possível também perceber como reflexo desse movimento a evolução das
regras nesse espaço, representando a obrigatoriedade de um novo comportamento
necessário para se conviver. Essa “obrigatoriedade” mostrou-se custosa, pois nem todos
se adaptam facilmente a rotinas previsíveis. Apesar disso, a busca por essa normatização
pode ser traduzida pela busca do controle do espaço, cujas variáveis se tornam as mais
rotineiras possíveis.
A crescente comparação com a cidade por parte dos moradores revela que o
intuito da morada no Jardim Atlântico se dá conforme Souza (2000) define como
“comportamento escapista”, devido à aversão da imprevisibilidade da heterogeneidade
da cidade. Assim, concordando com Janoschka e Glaze (2003), os muros caracterizam-
se por ser um dos sintomas da fragmentação, esfacelando a cidade de um espaço distinto
e homogêneo.
E ainda, sintetizam o engajamento comum apenas voltado para dentro. Nesse
caso, perde-se a força quando se trata do espaço público. No entanto, o comportamento
do campo (condomínio) não parece se sobrepor totalmente. Isso fica explícito no
momento em que o evidente desprezo pelo uso do espaço público transforma-se em
necessidade. Para supri-la, esses espaços são representados dentro do condomínio como
o caso da biblioteca, das praças, das academias, das quadras de esporte.
O movimento de crescimento do engajamento interno do Condomínio Jardim
Atlântico não é tratado como uma via única. Ele é estruturante do espaço interno e
influencia o espaço externo, tratando-se de uma via de mão dupla. A vantagem percebida
pelos moradores do condomínio é incessantemente procurada na cidade e seus
deslocamentos para outros enclaves evidenciam esta busca.
Dessa forma, em um desenho mais amplo, pode-se observar como o caso do
condomínio fechado Jardim Atlântico influencia no processo de fragmentação urbana.
Indo além, revela como os moradores desse espaço participam do processo de
fragmentação, que se dá em virtude da criação de um espaço social distinto, voltado para
dentro, sendo sua principal consequência a negação da cidade em grande escala.
Essa negação da cidade representa não somente a distinção por parte dos
moradores mas ainda envolve toda a falta de urbanidade que a cidade deixa a desejar. A
figura do Estado e de suas capacidades também estão em xeque. Isso parece fazer parte
118
da grande potencialização que esse fenômeno ganha na atualidade. A política realizada
pelo Estado é objeto de descrença por parte dos moradores a ponto de eles mesmos
preferirem a figura de um síndico fazendo parte da organização de suas vidas do que um
político.
6 CONCLUSÃO FINAL
119
Esta dissertação procurou discutir alguns dos aspectos mais pertinentes ligados
à cidade: a segregação, especificamente a autossegregação das camadas da classe média
em condomínios fechados na zona de conurbação entre Natal e Parnamirim/RN, local de
franca expansão desse molde habitacional. Assim, foi analisado o caso do Condomínio
Jardim Atlântico, buscando analisar como esse espaço contribui para a fragmentação
urbana de sua localidade.
Dessa maneira, foi assinalada a formação do espaço, bem como sua reflexão
como condicionante social, tornando possível observar e caracterizar de forma
exploratória a relação de seus moradores com a fragmentação urbana que acontece no
local. Esse novo padrão residencial é denominado na literatura como “enclaves
fortificados” (CALDEIRA, 2000), avaliado, por muitos autores, como sintoma da “nova
questão urbana” (CAPRON, 2006). Essa informação foi levada em consideração e
confirmada a partir deste estudo, revelando, assim, uma caracterização de um modelo de
segregação.
Mas qual seria esse padrão? Como visto anteriormente, pode-se observar a
evolução conceitual dos padrões de segregação. De início, o padrão de segregação
considerado mais comum era o de centro-periferia, isto é, com a presença das camadas
pobres na periferia e as ricas na centralidade. No entanto, atenta-se para a inversão desse
processo (ricos passam a viver nas periferias e as camadas mais pobres ocupam o centro).
No entanto, vários estudos, como, por exemplo, o da Escola de Chicago, a partir
da década de 1930, passam a considerar um modelo mais difuso, apesar de partirem do
primeiro modelo de segregação, que era pautado em zonas misturadas na cidade, onde as
áreas mais nobres possuíam mais centralidade, embora fossem vizinhos de áreas mais
desvantajosas. Nessa época, as análises urbanísticas eram pautadas em função da
condição da dimensão física espacial; e na temática segregação, não foi diferente.
Entretanto, a condição de análise pautada no espaço físico passa a ganhar novos
contornos, uma vez que a dimensão das relações sociais vai ganhando mais espaço na
discussão. Estudos antropológicos como de Hennertz (2015), Whyte (2005), entre outros,
passam a associar estudos dessa natureza a várias temáticas ligadas ao ambiente urbano,
tal como a segregação. Ao avançar das décadas (1940-2000), a segregação passa por
muitas variantes que dão margem para demasiadas variações de concretizações, incluindo
aspectos físicos, políticos, sociais e institucionais (SOUZA, 2000).
120
Portanto, a discussão passa a ser mais qualitativa do que outrora. Por
conseguinte, surgem os vários condicionantes para a proliferação da segregação, como a
distinção social, as governanças deficitárias e a grande dimensão política. Neste estudo,
a cidade é entendida como um cerco de várias dimensões complementares que ajudam a
explicar fenômenos como o que estamos pesquisando. Por essa razão, estudar um espaço
urbano, considerando o fato antropológico remete a evitar o olhar muito estruturalista,
assim como a não se limitar ao fato antropológico. Trata-se de um fato levando a outro.
Sendo assim, caracterizando a atualidade (1980-2010), a literatura aponta o
surgimento de um padrão de segregação típico, conhecido como padrão fractal, de
segregação manifestada na era da fragmentação urbana. Baseado em Janoschka e Glasze
(2003), esse modelo aponta para a formação de hiatos de terra que fragmentam a mancha
urbana. No entanto, essa observação também se encaixa nos “hiatos” que os muros de
espaços exclusivos (como os condomínios) provocam devido a sua singularidade não
somente traduzida em sua estrutura física mas também na qualitativa, por exemplo, as
barreiras simbólicas.
A caracterização do fenômeno fragmentação na América Latina leva a
considerar peculiaridades do objeto de estudo. O condomínio fechado estudado está
situado no contexto brasileiro, portanto, foi necessário caracterizar diferenças entre
alguns aspectos, incluindo culturais, da formação de comunidades fechadas. Dessa
maneira, a diferenciação se pautou no eixo Estados Unidos e Brasil.
Observou-se que, nos EUA, as comunidades fechadas possuem poder de
interferência de maior magnitude. Em sua organização, por exemplo, o sentido de
comunidade é dado desde o início de sua concepção, possibilitando a criação de estruturas
que norteiam várias questões, inclusive a entrada de moradores com base em perfis
aceitos. No Brasil, o sentido de comunidade pode ser formado, mas depende muito de sua
trajetória, não sendo, portanto, uma das primeiras prioridades e nem nos moldes
americanos. A entrada para morar nesses empreendimentos, no contexto brasileiro, está
geralmente pautada em ter apenas poder aquisitivo e preferências.
Uma vez caracterizado o padrão de segregação presente e algumas
peculiaridades gerais sobre os condomínios brasileiros. O passo seguinte foi a constatação
dessas informações no campo de estudo. Com isso, foi caracterizada a formação da zona
de expansão dos condomínios em Natal/RN em direção a Parnamirim/RN. Essa
caracterização ajudou a articular aspectos citados anteriormente, tais como a saída do
121
grande centro para a periferia por parte da classe média, a criação dos vetores de
metropolização em direção áreas verdes e turísticas etc.
Em seguida, deu-se inicio à análise da vivência no Condomínio Jardim
Atlântico. Baseado nas inserções no cotidiano do espaço, junto a análises de sua estrutura
organizacional, foi possível desenvolver um panorama da singularidade que representa
esse microespaço. Ademais, entrevistas e observações revelaram que muitas vezes a base
das soluções encontradas para esse espaço acontece sobre o âmbito da individualidade.
O Condomínio Jardim Atlântico, em sua concepção, nasce como movimento que
se contrapõe à cidade. De fato, o comportamento requerido é o que condiz com o
estabelecimento da ordem. Dessa maneira, é necessário para cada morador se enquadrar
na ordem pretendida. À medida que esse comportamento vai se interiorizando nos
moradores, surge a percepção mais aguçada da diferenciação de seu espaço de moradia
com a cidade (bairro privado vs bairro público). Segundo os resultados, essa percepção
se pauta em questões que envolvem urbanidades, tais como: serviços eficientes, ordem,
transparência etc.
Nota-se, ainda, que esse comportamento, embora provoque a distinção social e
espacial, por vezes, pode ser contraditório. A distinção e a concepção do espaço do
condomínio fechado Jardim Atlântico se contrapõe à cidade, mas à medida que isso
acontece, elementos da cidade são incorporados de maneira representativa no seu espaço
interno. Isso fica evidente na criação de praças internas, de bibliotecas, na elaboração de
eventos e feiras livres.
Ademais, a individualidade é um ponto importante nesse processo. Ela se
manifesta de duas formas, interna e externamente. Internamente, ela se manifesta de
várias formas, as mais observadas foram de acordo com o choque entre os costumes de
sua antiga forma de morar e a pretendida no condomínio fechado. Esse choque ajuda a
mostrar certas preferências, consideradas nocivas para o padrão de moradia, baseadas na
individualidade de cada morador.
A segunda manifestação acontece quanto ao grupo, tendo mais poder de
interferência na cidade. Essa individualidade advém do consenso criado entre seus
moradores que, muitas vezes, resultou em “melhorias” para seu ambiente interno. No
entanto, chama-se a atenção que a individualidade externa, por vezes, dependeu muito da
interna para acontecer. Assim, as soluções eram baseadas em correções de situações
internas, que também estavam ligadas a certas percepções que os moradores têm sobre a
122
cidade. As soluções encontradas, os argumentos etc. são permeados de várias
representações que formam valores simbólicos peculiares no grupo.
Desse modo, os valores apreciados são aqueles pautados na privação e os
depreciados são aqueles que advêm daquilo que é público. Esse movimento surge,
segundo as entrevistas, devido ao estímulo sentido pelos moradores em relação às cidades
de Natal e Parnamirim, que não oferecem serviços públicos adequados. Isso os leva
procurar soluções que o Estado não vem oferecendo. Logo, a retração se acirra, tornando,
no caso, o Condomínio Jardim Atlântico como o centro onde desembocam os esforços
para a melhoria da qualidade de vida de seus moradores.
Dessa maneira, os moradores passam a perceber que o condomínio fechado
Jardim Atlântico oferece respostas mais rápidas em vários sentidos. Inclusive, as
entrevistas elucidam o oferecimento de segurança, transparência, resolução de problemas
estruturais, possibilidade de discussão com os líderes, lazer etc. Essa percepção ajuda a
fazer a contraposição que os moradores mencionam em seus discursos. Sendo assim, a
conexão desses movimentos internos com a cidade pode ser percebida pela própria
descrição dos deslocamentos por parte dos moradores que demonstram a preferência
pelos espaços privativos.
A esse respeito, Le Guirriec (2014) mostra que as condições de deslocamento
levam duas formas de executá-las: (i) tubular; e (ii) estrelada. A tubular está ligada a
deslocamentos que seguem uma única rota principal, sendo aproveitada para fazer outros
pequenos deslocamentos, limitando o acesso à cidade. Já a estrelada seria a cidade a la
carte, onde a preferência e sua concretização são realizadas.
Assim, os moradores descrevem seus deslocamentos com vários destinos na
cidade. No entanto, apesar de haver uma aparente diversidade nesses deslocamentos, ao
se analisar os destinos, observa-se que todos são em direção a outros enclaves fortificados
(comerciais e residenciais). Assim, a mobilidade estrelada que executam é permeada de
mobilidade tubular à medida que sua escolha é sempre limitada a espaços similares.
Embora a cidade seja a la carte para esses indivíduos, aparentam estar presos aos mesmos
destinos em função de suas representações solidificadas.
Essa evidência ajuda a mostrar um sintoma da atual conjuntura da fragmentação
urbana pautada na perda do uso dos espaços públicos. O hiato mencionado anteriormente
acontece, no caso estudado, não somente em função dos muros do condomínio Jardim
Atlântico, mas também na cidade. Embora não haja fraturas físicas na mancha urbana,
123
simbolicamente, a cidade é retalhada em função dessas preferências, principalmente
ligadas ao lazer.
Esse fato reflete a ideia entre ser consumidor e cidadão. Nesse caso, ser cidadão
está atrelado à ideia de consumir, mas até certo ponto. O cidadão é aquela figura originada
da Revolução Francesa, que possui direitos e obrigações civis em um território
democrático. Já o consumidor surge na ideia de relação mercantil ou de consumo. Assim,
o indivíduo é cidadão antes de tudo, mas ao relacionar com as conclusões desta pesquisa,
vê-se que cada vez mais essas definições se entrelaçam e parece não haver limite do
reconhecimento.
Isso implica dizer que as relações mercantis estão cada vez mais tonalizadas nos
moradores do Condomínio Jardim Atlântico, por conseguinte, a autoafirmação está
diretamente ligada àquilo que se pode pagar. Não cabe ao exercício público da cidadania
prover melhoras diante das tantas queixas que se sente da cidade. Busca-se, em vez disso,
“fugir” desses incômodos mediante as soluções que o mercado apresenta. Além disso,
nota-se que determinadas soluções, como a ideia da própria segurança do condomínio, é
limitada, não refletindo acerca disso a ponto de perceber que é necessária outra solução.
Entretanto, insiste-se na melhora daquilo que está no cerne do aspecto privativo.
Vale salientar o porquê dessa não percepção: nem todos os detalhes são levados
em conta, mas os moradores demonstram que sabem a quem poderiam recorrer para a
melhora da cidade: ao poder público. No entanto, a imagem do Estado parece estar cada
vez mais arranhada para esses, a ponto de haver grande descrença. Quanto ao Estado, este
parece ao menos engatinhar em direção à conivência da proliferação não somente do
condomínio fechado quanto ao aspecto físico mas também quanto àquilo que ele anda
reforçando no seio da sociedade na cidade.
Como assinala Wirth (1987), a cidade é o palco dos vários mundos sociais e é
ferramenta necessária para o desenvolvimento da convivência em função de seus choques
culturais. Nesse novo ritmo, para os moradores do Condomínio Jardim Atlântico, o que
Wirth comenta é completamente evitado, pois a representação da cidade parece pautada
em ser motor da segregação em função dos seus males. Percebe-se que, para eles, a cidade
é repleta de ilhotas organizadas de forma peculiar a todo objeto público, sendo transitáveis
por meio de seus veículos. Esses deslocamentos, junto ao desejo de se chegar a uma
ilhota, formam verdadeiros hiatos que exprimem a negação da cidade.
124
As notas desta conclusão, como toda a pesquisa, deixam alguns pontos em aberto
que podem guiar uma possível continuação deste estudo. A principal questão está ligada
a própria natureza da pesquisa, um estudo de caso. Dessa maneira, procurou-se retratar
como os moradores de um condomínio se relacionam com a fragmentação urbana, ou
seja, é um estudo que apresenta limitações.
Assim, não é possível cair em generalizações a partir de um caso. Dessa maneira,
um possível desdobramento deste estudo seria caracterizar uma amostra maior de
condomínios fechados na dada localidade para poder determinar um padrão para a cidade.
Outra questão que poderia ser desenvolvida é com relação à natureza dos deslocamentos
utilizados por esses moradores junto a esse padrão apontado por uma amostra maior.
Caracterizar esses deslocamentos com base em uma amostra maior poderia evidenciar
características singulares sobre a identidade da população de um dado espaço com a
cidade.
125
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