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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE ANDERSON NUNES PINTO ENTRE A MÁQUINA E A FÉ: PACIENTES E MÉDICOS EM UM PROGRAMA DE HEMODIÁLISE RIO DE JANEIRO 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE

ANDERSON NUNES PINTO

ENTRE A MÁQUINA E A FÉ: PACIENTES E MÉDICOS EM UM PROGRAMA DE

HEMODIÁLISE

RIO DE JANEIRO

2013

ANDERSON NUNES PINTO

ENTRE A MÁQUINA E A FÉ: PACIENTES E MÉDICOS EM UM PROGRAMA DE

HEMODIÁLISE

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

de Pós-Graduação do Núcleo de Tecnologia

Educacional para Saúde da Universidade Federal

do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para

obtenção do grau de mestre em Educação em

Ciências e Saúde.

Área de concentração: Ensino

Orientadora: Profª Eliane Brígida Morais Falcão

RIO DE JANEIRO

2013

Ficha elaborada pela Biblioteca de Recursos Instrucionais/NUTES

P659e Pinto, Anderson Nunes.

Entre a máquina e a fé : pacientes e médicos em um programa de hemodiálise / Anderson Nunes Pinto. – Rio de Janeiro : NUTES, 2013.

157 f. ; 21 cm.

Orientadora: Profa. Eliane Brígida Morais Falcão. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e

Saúde) -- UFRJ, NUTES, Rio de Janeiro, 2013. Bibliografia: f. 101-106. 1. Assistência médica. 2. Hemodiálise - Tratamento. 3.

Religiosidade. I. Título. II. Falcão, Eliane Brígida Morais.

CDD 616.125088

Anderson Nunes Pinto

ENTRE A MÁQUINA E A FÉ: pacientes e médicos em um programa de hemodiálise

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação Educação em

Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia

Educacional para a Saúde, Universidade

Federal do Rio de Janeiro, como requisito

parcial à obtenção do Título de Mestre em

Educação em Ciências e Saúde.

Aprovado em __________________________________

______________________________________________________

Profa. Dra. Eliane Brigida Morais Falcão – UFRJ

______________________________________________________

Profa. Dra. Ana Elisa Bastos Figueiredo – FIOCRUZ

______________________________________________________

Prof. Dr. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca – UFRJ

Dedico este trabalho aos meus pais, Ana Maria

Nunes Pinto e Valdeci Alves Pinto. Valeu a pena

o esforço de vocês pela minha educação.

Dedico também a minha filha Sofia, pela

passagem do seu quarto aniversário.

AGRADECIMENTOS

À minha esposa Cristiane e às minhas filhas, Andressa e Sofia, pela compreensão e tolerância

em virtude dos meus afastamentos para dedicar-me às atividades acadêmicas;

À Profª Eliane Brígida Morais Falcão, pela generosidade e confiança com que me abriu a

oportunidade de estar no Laboratório de Estudos da Ciência e com que me orientou neste e

em outros trabalhos realizados no NUTES;

Ao Prof. Marco Antônio Alves Brasil, chefe do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do

HUCFF/UFRJ pelo fundamental apoio dado ao longo do mestrado;

Ao Prof. Maurilo de Nazaré de Lima Leite Jr. e ao Dr. Egivaldo Fontes Ribamar pela

confiança depositada em mim ao autorizar a realização da pesquisa no Programa de

Hemodiálise;

Aos colegas do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica pela confiança e estímulo;

Aos colegas da turma 2011 de mestrado NUTES e do Laboratório de Estudos da Ciência,

especialmente a Viviane Vieira, pelo companheirismo e solidariedade;

Aos funcionários da Secretaria Acadêmica da Pós-Graduação do NUTES Lúcia Cristina

Castanho Cardinelli e Ricardo Hadlich pela presteza no atendimento sempre que foi

necessário;

À Alessandra Galvão da Silva pela ajuda na configuração deste trabalho.

Permanece um sentimento de que Deus também está

na jornada.

Santa Teresa de Ávila

RESUMO

PINTO, Anderson Nunes. Entre a máquina e a fé: pacientes e médicos em um programa

de hemodiálise. Rio de Janeiro, 2013. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e

Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional para Saúde. Universidade Federal do Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.

Esta dissertação é resultado de uma pesquisa realizada em um programa de

hemodiálise de um hospital público universitário do Rio de Janeiro. O seu objetivo foi

investigar a relação entre religiosidade e atitudes frente à doença e ao tratamento em pacientes

e médicos de um programa de hemodiálise. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas

com 30 pacientes e 20 médicos do referido programa. Foi usada como base teórica a Teoria

das Representações Sociais de Moscovici e a metodologia qualiquantitativa de análise do

discurso do sujeito coletivo (DSC) de Lefèvre e Lefrève. Os resultados revelaram o

reconhecimento, pelos investigados da presença e da importância das práticas e crenças

religiosas no contexto da assistência médica, valorizadas sobretudo como um recurso, tanto

no enfrentamento das dificuldades da doença e do tratamento, no caso dos pacientes, como no

enfrentamento das situações difíceis vividas no exercício profissional, no caso dos médicos.

Embora isto seja reconhecido pelos médicos, a religiosidade não é objeto de estudo em de

abordagem sistemática na rotina assistencial, o que é percebido pelos pacientes como

desvalorização da sua religiosidade. O apoio de grupos sociais aos pacientes como os

familiares e religiosos revelaram-se um dado relevante na adesão ao tratamento. O conjunto

dos resultados indica a religiosidade como tema relevante a ser incluído na agenda de estudos

para incremento da qualidade da formação médica. Há necessidade de melhor divulgação

entre os médicos sobre o impacto da religiosidade na saúde, bem como sobre a sua abordagem

no contexto assistencial.

Palavras-chave: Religiosidade. Educação médica. Pacientes da hemodiálise. Médicos.

ABSTRACT

PINTO, Anderson Nunes. Between the machine and faith: patients and doctors in a

hemodialysis program. Rio de Janeiro, 2013. Thesis (Master of Science in Education and

Health) - Educational Technology Center for Health Federal University of Rio de Janeiro, Rio

de Janeiro, 2013.

This dissertation is the result of a survey conducted in a hemodialysis program of a public

university hospital in Rio de Janeiro. Its aim was to investigate the relationship between

religiosity and attitudes towards disease and treatment on patients and physicians a

hemodialysis program. Were conducted semi-structured interviews with 30 patients and 20

physicians of the program. Was used as the theoretical basis of the Theory of Social

Representations Moscovici and methodology of qualitative and quantitative analysis of the

discourse of the collective subject (DSC) and Lefevre Lefevre. The results revealed the

recognition by investigated the presence and importance of religious beliefs and practices in

the context of medical care, particularly valued as a resource, both in facing the difficulties of

the disease and treatment, in the case of patients, as in facing difficult situations experienced

in professional practice for doctors. Although this is recognized by doctors, religiosity is not

the object of study of systematic approach in routine care, which is perceived by patients as

devaluation of their religiosity. Support from social groups to patients as family and religious

proved an important finding in treatment adherence. The overall results indicate religiosity as

relevant topic to be included in the research agenda to improve the quality of medical training.

There is need for better dissemination among physicians about the impact of religion on

health, as well as on its approach in their health care.

Keywords: Religiosity. Medical education. Hemodialysis patients. Physicians.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1. "O que você pensa sobre a religiosidade dos pacientes com relação à doença e ao

tratamento?” 40

Quadro 2. “Como você lida com a sua própria religiosidade no contexto do trabalho?” 44

Quadro 3. “Como você aborda a religiosidade dos seus pacientes?” 49

Quadro 4. “O que significa fazer hemodiálise para você?” 56

Quadro 5. “Sua religião lhe ajuda no enfrentamento da sua doença e no seu tratamento?” 65

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Adesão ao DSC dos médicos relativos à primeira questão "o que você pensa sobre a

religiosidade dos pacientes com relação à doença e ao tratamento?” 43

Tabela 2. Adesão ao DSC dos médicos relativos à questão “como você lida com a sua própria

religiosidade no contexto do trabalho?” 49

Tabela 3. Adesão ao DSC dos médicos relativos à questão “como você aborda a religiosidade

dos seus pacientes?” 54

Tabela 4. Adesão ao DSC dos pacientes relativos à questão “o que significa fazer hemodiálise

para você?” 64

Tabela 5. Adesão ao DSC dos pacientes relativos à questão “sua religião lhe ajuda no

enfrentamento da sua doença e no seu tratamento?” 73

LISTA DE ANEXOS

ANEXO A – Roteiro de entrevistas com os pacientes

ANEXO B – Roteiro de entrevistas com os médicos

ANEXO C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os pacientes

ANEXO D – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os médicos

ANEXO E – Expressões-chaves e ideias centrais – médicos

ANEXO F – Expressões-chaves e ideias centrais – pacientes

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CCS – Centro de Ciências da Saúde

DSC – Discurso do sujeito coletivo

HUCFF – Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

NUTES – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 14

2 JUSTIFICATIVA 19

2.1 A relação histórica entre religiosidade, ciência e saúde 19

2.2 A influência da religiosidade no contexto da saúde 23

3 OBJETIVOS 30

3.1 Objetivo geral 30

3.2 Objetivos específicos 30

4 METODOLOGIA 31

4.1 Marco Teórico: a Teoria das Representações Sociais de Moscovici 31

4.2 Abordagem metodológica: o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) 32

4.3 Sujeitos 34

4.4 Contexto da pesquisa 36

5 RESULTADOS 39

5.1 Perfil dos médicos 39

5.2 DSC – médicos 39

5.3 Perfil dos pacientes 55

5.4 DSC – pacientes 56

6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 75

6.1 Discussão do DSC dos médicos 75

6.2 Discussão do DSC dos pacientes 82

6.3 DSC – médicos e DSC – pacientes: semelhanças e diferenças 92

7 CONCLUSÕES 98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 101

ANEXOS 107

14

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa intitulada “Entre a Máquina e a Fé: pacientes e médicos em um

programa de hemodiálise” reflete questões suscitadas ao longo de meus 17 anos de vida

profissional, primeiramente como técnico de enfermagem (07 anos) e depois como psicólogo

(10 anos), quase sempre atuando em hospitais públicos e, na maioria das vezes, servindo a

população de baixa renda. Tenho atuado junto a pacientes em situações-limite da existência,

seja por serem vítimas de doenças agudas graves, seja por serem portadores de doenças

crônicas incapacitantes, não raro agravadas pelas precárias condições sociais de vida.

Trabalho atualmente em um hospital universitário no atendimento a portadores de diversas

patologias e condições médico-hospitalares, tanto no ambulatório geral, como nas

enfermarias, respondendo a pedidos de parecer das diversas clínicas e fazendo o

acompanhamento psicológico quando indicado. Em suma, tenho trabalhado ao longo da

minha carreira com doentes crônicos em vários momentos da evolução de suas doenças e de

seus respectivos tratamentos.

Tenho me deparado frequentemente com pacientes (e familiares) que possuem crenças

religiosas com discursos e atitudes diversas frente à doença crônica e ao tratamento, ora

favoráveis, ora desfavoráveis do ponto de vista terapêutico: negação da realidade da doença,

esperança com relação à cura, coragem diante de tratamentos difíceis, resistência diante das

reagudizações clínicas, resignação diante de perdas irreparáveis, etc. Apenas para ilustrar, há

tanto aquele que, à espera de um milagre, recusa-se à cirurgia de amputação do membro

irrecuperável, como aquele que segue à risca o tratamento proposto pelo médico, visto como

um “instrumento nas mãos de Deus”. Seja como for, em minha experiência profissional a

religiosidade vem se mostrando como algo muito presente na história e na relação dos

pacientes com seus problemas de saúde. No caso dos pacientes portadores de insuficiência

renal crônica, tenho observado no meu cotidiano que as referidas atitudes são freqüentes,

independente do nível escolar e socioeconômico.

Nos últimos anos tenho me voltado para o cuidado psicológico aos pacientes

portadores de insuficiência renal crônica, atendendo a uma importante demanda existente no

hospital onde trabalho. A rotina de atendimento da Psicologia consiste em fazer avaliações

iniciais dos pacientes (antes de começar ou no início do tratamento), fazer interconsulta (ação

do profissional de saúde mental junto a equipe solicitante de um serviço hospitalar, visando

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esclarecer, diagnosticar e propor condutas para um determinado problema psicológico e/ou

psiquiátrico), responder a pedidos de parecer feitos pelos médicos e acompanhar pacientes em

casos de dificuldades de ajustamento à doença e/ou ao tratamento, instabilidade emocional ou

reações psicológicas à doença e/ou ao tratamento com sintomas depressivos e ansiosos.

A Insuficiência Renal Crônica (IRC) é uma síndrome que pode ser causada por

diferentes nefropatias e consiste em lesão renal e perda irreversível da função dos rins, órgão

responsável por diversas funções homeostáticas. À medida que a perda da função renal

progride, o paciente pode desenvolver diferentes manifestações clínicas. Em termos

epidemiológicos, a IRC é considerado um problema de saúde pública nacional,

caracterizando-se por alta morbimortalidade e taxas de incidência e prevalência crescentes nos

últimos anos (LAGE; MONTEIRO, 2007). A IRC é considerada uma condição sem

alternativas de melhoras rápidas, de evolução progressiva, que causa problemas médicos,

sociais e econômicos (RESENDE ET AL, 2007).

As técnicas de tratamento, desenvolvidas nas últimas décadas, para os pacientes IRC

são a diálise (hemodiálise e diálise peritoneal) e o transplante renal, denominadas Terapias

Substitutivas Renais. De acordo com dados do Ministério da Saúde, no Brasil, a hemodiálise

representa 89,63% da terapêutica dialítica, geralmente antecedendo o transplante no percurso

de tratamento do paciente (LAGE; MONTEIRO, 2007). O número estimado de pacientes em

programa de diálise em todo o mundo é de aproximadamente 1.200.000, número este que

aumenta em média 7% ao ano. No Brasil, dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN)

de 2006 apontam a existência de mais de 70 mil pacientes em terapia substitutiva (MOURA

JUNIOR et al, 2008).

A hemodiálise é um tratamento de apoio à função renal e consiste na remoção de

substâncias tóxicas e excesso de líquido por uma máquina de diálise, em um procedimento

cuja duração leva de 2 a 4 horas, necessitando ser realizado numa freqüência de 2 a 4 vezes

por semana. A máquina funciona como um rim artificial, pois contém um filtro especial que

purifica o sangue do paciente (PEDROSO & SBARDELOTTO, 2008). Uma série de

complicações técnicas e efeitos colaterais podem afetar o paciente, tais como: ruptura de

membrana, coagulação sanguínea, mal-estares, dores nas pernas, sede, sensação de cansaço,

prurido, dor óssea, vômitos, câimbras, cefaléias, convulsões, demência, disfunções sexuais e

transtornos do sono (ROSA, 2005). Sendo assim, o tratamento hemodialítico pode ser

responsável por um cotidiano restrito e as atividades dos pacientes tornam-se limitadas após o

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início do mesmo, favorecendo o sedentarismo e a deficiência funcional, fatores que se

refletem na vida diária do paciente (RESENDE ET AL, 2007).

Tem sido observado que muitos pacientes em hemodiálise apresentam prejuízos

psicossociais importantes, estando submetidos a um estresse constante relacionado às

exigências do tratamento, a dificuldades de acesso aos serviços e aos procedimentos de saúde,

à vulnerabilidade física, tendo baixa expectativa de vida, e a restrições na vida laborativa e

social (RESENDE ET AL, 2007; PICCOLOTO & BARROS, 2002). Esta condição médica

também está associada à maior prevalência de transtornos depressivos, transtornos ansiosos e

suicídio (JÚNIOR J. ET AL, 2008). Assim sendo, tem sido ressaltada a importância dos

aspectos psicossociais no tratamento da IRC como fatores de proteção e de promoção da

qualidade de vida dos pacientes, dentre os quais aparece a religiosidade (CUKOR ET AL,

2007; RUDNICKI, 2007).

A religião é uma dimensão cultural importante das sociedades humanas, que tem

exercido historicamente a função de prover significados para que os sujeitos possam

interpretar a sua experiência e organizar a sua conduta. Segundo GEERTZ (1989, p.104-5),

“... religião é um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas,

penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da

formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e vestindo essas

concepções com tal aura de fatualidade que as disposições e motivações

parecem singularmente realistas.”

A definição acima deixa claro que a religiosidade pode exercer uma poderosa

influência na formação e determinação das atitudes, considerando, de acordo com

RODRIGUES, ASSMAR & JABLONSKI (2000, p.100) que

“Atitude é uma organização duradoura de crenças e cognições em geral,

dotada de carga afetiva pró ou contra um objeto social definido, e que

predispõe a uma ação coerente com as cognições e afetos relativos a este

objeto.”

Fortemente interessado em compreender o fenômeno da relação entre religiosidade e

atitudes frente à doença e ao tratamento, constatei que o conhecimento oriundo da minha

formação psicológica não era suficiente. Em minha especialização em Envelhecimento e

Saúde do Idoso, cursado na ENSP/FIOCRUZ voltei-me para a questão da finitude e do

sentido da vida em idosos hospitalizados, portadores de doenças clínicas, de baixa renda e de

nível escolar variando entre o fundamental e o médio. Embora não fosse o meu foco na

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ocasião, deparei-me com a religiosidade dos idosos durante as entrevistas realizadas em

minha pesquisa, tendo sido a fé em Deus um dos motivos mais apontados pelos mesmos como

algo que lhes dava sentido à vida e disposição para viver. Fortemente motivado pelo desejo de

melhor compreender meus pacientes (e seus familiares) do ponto de vista religioso, entrei

para um curso de Teologia. Não por acaso, o tema da minha monografia de fim de curso foi

“O Conceito de Sofrimento da História da Teologia: dos Apóstolos aos Reformadores”.

Durante a produção deste trabalho tive a oportunidade de conhecer o pensamento de Max

Weber ao ler “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”. Esta leitura despertou o meu

interesse em aprofundar a questão do ponto de vista das Ciências Sociais. Weber discorre

sobre a diferença de atitude entre protestantes e católicos com relação à busca do bem-estar:

enquanto estes adiavam a felicidade para uma vida além, aqueles a procuravam nesta vida

através do trabalho e da produção de riqueza. Chamou a minha atenção também o que

denominou “ascetismo intramundano” em que as pessoas evitariam prazeres relacionados ao

ócio e aos excessos no beber e no comer, considerados pecaminosos, e viveriam de modo

disciplinado, modo de vida que hoje em dia é considerado favorável à promoção da saúde

(WEBER, 2004). Além disso, retive a advertência de WEBER quanto ao risco de se fixar em

uma única interpretação causal da história e da cultura, admitindo que as idéias religiosas

tanto influenciaram quanto foram influenciadas pela totalidade das condições sociais

(WEBER, 2004).

Tive a clareza de que tinha um longo caminho a percorrer no meu esforço de

compreender o fenômeno que observava em meu trabalho clínico. Portanto, meu caminho

seria não só o da Psicologia, o da Teologia ou o da Sociologia, mas o da reflexão integrada de

diferentes perspectivas teóricas oferecidas pelas diversas áreas de investigação do

comportamento humano.

Meu passo seguinte nesta direção foi inscrever-me, na condição de aluno especial, na

disciplina “Ciência e Religiosidade” do Programa de Pós-Graduação do Núcleo de Tecnologia

Educacional para a Saúde/UFRJ, ministrada pela professora Eliane Brígida de Morais Falcão.

As aulas ajudaram-me a entender que há um pano de fundo que condiciona a relação entre a

religiosidade e a educação na instituição hospitalar, pois embora instituída pela modernidade e

regida pela lógica científica, a educação em saúde também sofre a mediação simbólica e

sociocultural da religião. Assim sendo, a relação entre religiosidade, saúde e educação é

particularmente importante no contexto de um hospital universitário que, além da assistência,

18

tem o compromisso com a produção de conhecimento e a formação de recursos humanos.

Particularmente tenho atuado também em educação, sendo coordenador de um curso de

especialização em psicologia hospitalar e da Residência Multiprofissional no hospital em que

atuo.

Finalmente, devo dizer que a minha inserção no NUTES/UFRJ aumentou a minha

motivação em pesquisar mais profundamente sobre o assunto, o que me levou a inscrever-me

para o ingresso no Curso de Mestrado. Acredito que a pesquisa em curso possa contribuir não

apenas para a minha formação, mas de fato ter relevância acadêmica e social, conforme a

justificativa a seguir.

19

2 JUSTIFICATIVA

2.1 A relação histórica entre religiosidade, ciência e saúde

Os progressos da pesquisa científica relacionados com a medicina referem-se apenas a

um recente e inconcluso período da história da humanidade. Durante a maior parte, a magia, a

religião e a cura quase sempre andaram juntas (HENRY, 1998; ROSSI, 2001). A associação

entre religiosidade e saúde possui raízes histórico-culturais muito antigas, presentes em mitos

gregos, em rituais indígenas e nas inscrições bíblicas, que influenciaram e ainda influenciam a

cultura. Encontra-se, frequentemente, em relatos de pacientes de diversas religiões, alusão à

percepção de causalidades religiosas de suas doenças assim como da cura desses males,

ilustradas por falas como: “Deus quis assim” ou “se Deus quiser ficarei bom” (FARIA E

SEIDL, 2005). Também há a associação entre saúde e bênção divina assim como entre doença

e pecado ou punição (PAIVA, 2007). Um exemplo recente disso pode-se ser encontrado entre

certos grupos evangélicos que associam a AIDS a represália divina à suposta “perversão” e

“perversidade” dos homossexuais (MACHADO, 1996). São tradicionais as peregrinações a

espaços considerados sagrados com objetivo de pedir curas ou “pagar promessas” por curas

recebidas. Uma característica comum das religiões é a sua relação com o sofrimento e a

morte, pois elas oferecem um sistema de crenças que dá sentido aos acontecimentos, para

além do mero acaso ou falta de sorte (VASCONCELOS, 2006). Sendo a realidade assim

entendida e, em certa medida, controlada, experimenta-se um conforto diante do sofrimento

conforme o cotidiano nos mostra em diferentes situações: missa de sétimo dia, visitas de

padres e pastores em hospitais muitas vezes por demandas de pacientes, o uso do terço e de

imagens de santos bem como da Bíblia em momentos críticos.

O movimento intelectual iluminista gerou o modelo racionalista de conhecimento das

ciências modernas, assistindo-se a partir do século XVII a um progressivo processo político e

cultural de separação entre a Igreja e o Estado e entre a vida religiosa e a organização do

funcionamento das instituições públicas, que se denominou de secularização (HENRY, 1998;

ROSSI, 2001). Essa mudança significa fundamentalmente o enfraquecimento da autoridade

religiosa sobre as pessoas, que passaram aos poucos a verem as religiões mais como recursos

a serem adicionados segundo as circunstâncias ou necessidades do que como princípios

inquestionáveis aos quais se deve obediência (RIVERA, 2010). Numa cultura moderna, em

20

que se reconhece a autonomia dos diversos segmentos da vida individual e social, a saúde e a

doença não têm de passar pelo crivo religioso (PAIVA, 2007). Não mais as atividades

médicas seriam exercidas dentro da esfera sagrada, como nos mosteiros e sob a

responsabilidade dos monges que tratavam tanto do corpo quanto da alma, mas assim em

instituições médicas racionalizadas, com emprego do método científico (FIGUEIREDO,

2006).

O enfraquecimento da autoridade religiosa sobre as pessoas reflete-se não na ausência

de crenças ou práticas religiosas, mas no enfraquecimento do compromisso com as

instituições religiosas e os seus dogmas. Observa-se nos dias atuais uma tendência ao

individualismo e à mobilidade religiosa. Isto significa dizer que o fato de uma pessoa declarar

ser adepta de uma religião específica não implica em uma adesão exclusiva às crenças e

práticas daquela religião, assim como o fato de uma pessoa declarar não ter religião, não

implica que ela não tenha crenças ou práticas religiosas. Deve-se observar, no entanto, que o

referido enfraquecimento da autoridade religiosa na sociedade é relativo, perdendo a religião a

sua força na esfera institucional e pública, mas não necessariamente na esfera privada onde se

pode observar uma diversidade de crenças em diversos segmentos sociais.

Segundo Berger, a secularização pode ser entendida como sendo de dois tipos: a

objetiva e a subjetiva. A objetiva refere-se ao enfraquecimento da religião como uma

instituição e a subjetiva refere-se ao enfraquecimento da religião enquanto crença (MARIZ,

2006). Seja como for, o impacto da modernidade, os efeitos da urbanização no campo

cultural, a industrialização capitalista e o avanço do conhecimento científico levaram a

importante mudança no papel das religiões nas nossas sociedades e na vida dos indivíduos.

Sua perda de influência na vida política correspondeu também a um processo de

individualização, em que sua importância passou a ser concentrada na vida privada das

pessoas, embora se assista contemporaneamente à busca de espaço público pelas religiões

(CASANOVA, 1994; BERGER, 2001).

Porém, as religiões continuam presentes de forma relevante. O mundo de hoje, com

algumas exceções, é tão religioso quanto antes do início do processo de secularização, e até

mais em certos lugares, como é o caso da Rússia através do renascimento da religião cristã

ortodoxa após a queda do regime comunista, da África sub-saariana através da expansão do

islamismo e da América Latina através do crescimento dos evangélicos (BERGER, 2001). Na

América Latina, especialmente, os estudos disponíveis sobre religiões populares urbanas

21

mostram que à medida que avança a urbanização social e cultural, nem sempre se observa a

racionalização secularista de suas crenças, e, inclusive, revitalizam-se a magia e as

superstições. A influência crescente dos movimentos pentecostais, dos cultos afro-brasileiros

e de expressões mágico-religiosas no catolicismo popular mostra que a urbanização nos países

latino-americanos pode igualmente estar na origem de transformações do campo religioso

que, longe de diminuir a magia, o simbolismo e o fervor religioso, os incrementa, uma vez

que estimula a criatividade religiosa no povo (PARKER, 1996).

No Brasil, trata-se de um traço marcante de sua cultura. Segundo o Censo demográfico

de 2010 realizado pelo IBGE, 92 % da população se considera religiosa (IBGE, 2012). Os

resultados do referido Censo confirmam estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas em

2009 a partir dos microdados da PNAD/IBGE segundo o qual a religiosidade está em alta na

alvorada do novo milênio, com diversificação das crenças alternativas em comparação à

década passada, sendo constatada uma tendência para uma crescente situação de pluralismo e

diversidade religiosa no país (NERI, 2011, p.639). Mas já no Censo de 2000, respondendo à

pergunta: “qual a sua religião?”, chegou-se a trinta e cinco mil respostas diferentes, o que

traduz uma pluralidade de crenças disseminadas por todo o país (TEIXEIRA E MENEZES,

2006). Este quadro de multiplicidade de ofertas religiosas e liberdade de escolha vêm se

mantendo desde o CENSO de 2000, tendência que pode ser considerada como resultado do

processo de modernização, liberalização e democratização operado no país e também da

diversidade de suas tradições culturais: religiões afro-brasileiras, cristãs e dos imigrantes

(ANTONIAZZI apud TEIXEIRA E MENEZES, 2006).

Observa-se, concomitantemente, o aumento do total dos sem-religião, que passou, do

CENSO demográfico de 2000 para o de 2010, de 7,4% da população para 8,04% (IBGE,

2000; SOMAIN, R., 2012). Deve-se assinalar, entretanto, que os que se declararam “sem

religião” não constituem um grupo de indivíduos que necessariamente não possuem crenças

religiosas. Pesquisa realizada em 2004 em 23 capitais e 27 municípios brasileiros sobre

mobilidade religiosa mostrou que 41,4% dos indivíduos sem religião justificaram a própria

condição afirmando que possui uma religiosidade própria sem vínculo com igrejas e somente

0,5% não acreditavam em Deus (FERNANDES, s.d.).

Um fenômeno considerado um traço característico da cultura brasileira é o sincretismo

religioso, que consiste no entrelaçamento de entidades, símbolos e discursos religiosos

(STEIL, 2001). Um exemplo concreto é a umbanda que, a partir de elementos extraídos do

22

catolicismo, do espiritismo, das religiões africanas e indígenas, constrói um sistema religioso

com uma coerência interna (ibid). Porém questiona-se se o sincretismo não seria, ao invés de

uma síntese de elementos religiosos diversos, uma constante que pode ser observada em todas

as religiões e culturas, sendo próprio dos sistemas sociais reproduzir-se e perpetuar-se através

da incorporação de símbolos e signos de outros sistemas e da reavaliação permanente dos seus

próprios (SANCHIS, 2001). Neste caso, o sincretismo seria uma dimensão possivelmente

universal na história das religiões, mas sendo mais encontrado na sociedade brasileira do que

em outras sociedades.

Pode-se afirmar, todavia, que a diversidade religiosa no contexto brasileiro é vista não

apenas comparando as religiões entre si, como também comparando as orientações existentes

dentro da mesma religião. As religiões afro-brasileiras são múltiplas (candomblé, batuque,

umbanda, pajelança, xangô, etc.) e as religiões protestantes possuem um amplo espectro de

denominações (assembléia de Deus, batista, congregação cristã do Brasil, Deus é Amor,

Igreja Universal do Reino de Deus, etc.). Da mesma forma, o catolicismo é diverso,

diferenciando-se pela incorporação de diferentes tendências em seu interior. Toda esta

diversidade pode implicar em diferentes atitudes diante dos problemas da vida e,

particularmente, daqueles relacionados á saúde.

Estudos contemporâneos também mostram que a vivência religiosa pode ser

importante na vida particular de profissionais de saúde e de pesquisadores da área da saúde

pública. Mostram ainda que existe uma demanda oculta entre membros da comunidade

científica para se fazer uma reflexão crítica sobre o assunto. Contudo constata-se pouco

debate científico sobre a presença de crenças religiosas entre cientistas e entre profissionais no

trabalho de saúde (VASCONCELOS, 2006; FALCÃO, 2010). Um exemplo da presença de

crenças religiosas no contexto acadêmico-assistencial em saúde encontra-se em um estudo

realizado em uma instituição hospitalar universitária com o objetivo de melhor conhecer

visões, valores e atitudes dos médicos docentes em relação aos pacientes em processo de

morrer. Constatou-se a ausência de um discurso religioso, não obstante 75% de o grupo

investigado ter declarado a sua fé em Deus, o que sugere, segundo a autora, que investidos de

seu papel de médicos e comprometidos com a idéia de cura científica, referirem-se a um Deus

salvador poderia parecer um afastamento das atribuições profissionais (FALCÃO, 2009).

Enquanto isso, uma extensa literatura de auto-ajuda, em grande parte inspirada em

tradições religiosas, passa a ser divulgada amplamente na sociedade, proclamando idéias e

23

estratégias de saúde integradas a uma visão religiosa. Variadas publicações dos mais diversos

tipos (livros, revistas, textos on-line, etc.) sobre a importância, o significado e as formas de

utilização da religiosidade no enfrentamento dos problemas de saúde passam a ser

consumidas amplamente pela população e, até mesmo, pelos profissionais de saúde. Apesar

de toda essa mudança cultural, o debate acadêmico em saúde continua, via de regra, bastante

restrito em relação à incorporação de aspectos religiosos na compreensão das atitudes dos

pacientes e dos profissionais de saúde, tanto no processo de adoecimento, quanto no de cura e

prevenção (VASCONCELOS, 2006).

2.2 A influência da religiosidade no contexto da saúde

Historicamente, o discurso médico-científico tem se caracterizado pela busca da

neutralidade e da objetividade, como também pelo menosprezo aos aspectos culturais

presentes no relacionamento com os pacientes (HELMAN, 2003). A medicina ocidental como

um todo, incluindo a psiquiatria, por muito tempo se caracterizou pela negligência ou

oposição ao estudo da religiosidade como um fator possivelmente relevante para a saúde,

caracterizando as experiências religiosas dos pacientes como evidências de psicopatologias

diversas. A religião foi denominada, por LARSON E LARSON (1997), o fator esquecido na

saúde física e mental. Freud na psiquiatria e Stanley Hall na psicologia, por exemplo,

acreditavam que a religião gerava neurose e que teorias psicológicas iriam substituir as

religiões como propiciadoras de visão de mundo e fonte de tratamento. Tais atitudes em

relação à religião não eram baseadas em pesquisas científicas nem em estudos sistemáticos,

mas primordialmente nas crenças e nas opiniões pessoais desses pioneiros. Como

conseqüência, o campo da saúde mental subestimou e frequentemente desqualificou as

crenças e práticas religiosas dos pacientes (KOENIG, 2007).

Entretanto, este quadro está em processo acelerado de mudança. KOENIG, um dos

maiores pesquisadores do tema na atualidade, afirma que várias pesquisas sugerem que as

crenças e as práticas religiosas podem estar associadas com maior bem-estar, melhor saúde

mental e um enfrentamento mais bem-sucedido de situações de alto estresse (KOENIG,

2007). Além disso, outros pesquisadores afirmam que o conhecimento e a valorização dos

sistemas de crenças dos clientes colaboram com a aderência do indivíduo, assim como com

melhores resultados das intervenções (PERES; SIMÃO; NASELLO, 2007). Também a

24

influência da religiosidade tem demonstrado ser possível fator de prevenção ao

desenvolvimento de doenças, na população previamente sadia, e eventual redução de óbito ou

impacto de diversas doenças (GUIMARÃES, 2007). Outros estudos têm enfatizado o possível

incentivo que práticas religiosas oferecem a hábitos de vida saudável, suporte social, menores

taxas de estresse, depressão e redução de mortalidade, provendo suporte e significado de vida

(GUIMARÃES; AVENUM, 2007). Por fim, a literatura tem demonstrado a existência de

relação entre religiosidade e qualidade de vida (PANZINI, 2007). A seguir, alguns exemplos

de tais pesquisas.

KOENIG, GEORGE & TITO, pesquisadores da Duke University e, realizou,

juntamente com os seus colaboradores, uma pesquisa com uma amostra de 853 adultos

internados no Duke University Medical Center (Carolina do Norte, EUA), concluindo que as

atividades religiosas, atitudes e experiências espirituais eram predominantes no enfrentamento

à doença e estavam associadas a maior apoio social recebido pelo seu grupo religioso, mas

também por outros grupos, e pelo seu cônjuge, e melhor saúde física e psicológica (KOENIG,

GEORGE & TITO, 2004).

CARLETON ET AL, psicólogos pesquisadores da De Paul University, realizaram uma

pesquisa com 2100 adolescentes americanos de baixa renda no contexto urbano. Os resultados

desta pesquisa deram suporte para a hipótese de que recursos de enfrentamento religioso

podem servir para interromper a ligação entre estresse e sintomas depressivos (CARLETON

ET AL, 2008).

IRONSON ET AL, pesquisadores da University of Miami na área da medicina

comportamental aplicada ao HIV/AIDS, avaliaram em 100 pacientes durante 4 anos de

seguimento os efeitos de mudanças na religiosidade após o diagnóstico de soropositividade

para o HIV e suas conseqüências sobre as dosagens de CD4 e carga viral. A mudança na

religiosidade dos pacientes, isto é, considerar-se mais religioso após descobrir que era HIV

positivo e frequentar mais serviços religiosos, foi fator preditor independente para redução da

carga viral e aumento dos valores de CD4 (IRONSON ET AL, 2006).

AUKST-MARGETIC ET AL (2005), pesquisadores do Department of Psychiatry /

University Hospital Zagreb, realizaram um estudo com 115 pacientes portadoras de câncer de

mama recrutadas de uma unidade de radioterapia de um hospital especializado em tratamento

de câncer que foram acompanhadas durante seis meses. A religiosidade foi associada a uma

25

prevalência significativamente menor de depressão e considerada um fator protetivo contra a

depressão e de ajuda no processo de recuperação (AUKUST-MARGETIC ET AL, 2005).

STRAWBRIDGE ET AL (1997), pesquisadores do Institute for Health & Aging da

University of Califórnia, avaliaram 6298 pacientes da Califórnia, EUA, entre 16 e 94 anos,

durante 28 anos de seguimento, com o objetivo de analisar a associação de longo prazo entre a

frequência a atividades religiosas. Os praticantes regulares de atividades religiosas tiveram

menores taxas de mortalidade, tendo interrompido o tabagismo, adotado atividade física

regular e aumentado o suporte social.

No Brasil, DALGALARRONDO ET AL (2004), pesquisadores da UNICAMP,

fizeram um estudo transversal com uma amostra de 2287 estudantes de escolas públicas e

particulares da cidade de Campinas, SP, verificaram que o uso pesado de pelo menos uma

droga foi maior entre os estudantes que na infância não tiveram educação religiosa,

concluindo que, entre outras variáveis, como nível sócio-econômico, tipo de escola e apoio e

compreensão familiar, a educação religiosa na infância está relacionada a um possível efeito

inibidor no uso de drogas.

VOLCAN ET AL (2003), pesquisadores da Universidade de Pelotas, RS, realizaram

um estudo transversal com 464 estudantes universitários da cidade de Pelotas, RS, a fim de

examinar a influência do bem-estar espiritual na saúde mental dos estudantes. Estes

pesquisadores basearam-se no conceito de bem-estar espiritual que consiste na percepção

subjetiva de bem-estar do sujeito com relação às suas crenças religiosas, incluindo um sentido

de relação com Deus e um sentido de satisfação e propósito na vida. Segundo este estudo, os

estudantes que apresentavam bem-estar espiritual baixo ou moderado tinham o dobro de

chances de possuir tais transtornos, concluindo que o bem-estar espiritual atua como fator

protetor para transtornos psiquiátricos menores.

Há também exemplos específicos da relação entre religiosidade e saúde nos pacientes em

hemodiálise. FILKESTEIN ET AL (2007), pesquisadores da Columbia University College of

Physicians and Surgeons, realizaram uma pesquisa com 200 pacientes em tratamento de

hemodiálise e diálise peritonial investigando a relação entre percepções religiosas e espirituais

e qualidade de vida. Os resultados sugeriram forte associação positiva, sem diferenças entre

pacientes em hemodiálise e pacientes em diálise peritonial.

SPINALE ET AL (2008), pesquisadores da George Washington University Center,

realizaram um estudo com o objetivo de avaliar a relação entre espiritualidade, apoio social e

26

sobrevida em 166 pacientes com doença renal terminal e concluíram que existe uma

associação entre espiritualidade e sobrevivência que pode ser parcialmente explicada pelo

aumento da percepção de apoio social em pacientes em hemodiálise que participam de

atividades religiosas.

KIMMEL ET AL (2003), pesquisadores da mesma instituição acima, realizaram um

estudo multicêntrico (centros de diálise da Virgínia, de Washington e Nova York, EUA) com

165 pacientes renais terminais dialíticos para investigar as percepções dos pacientes sobre a

sua qualidade de vida, encontrando nos resultados uma associação entre crenças espirituais,

qualidade de vida e satisfação com a vida, juntamente com a percepção de apoio social e o

controle da dor.

BERMAN ET AL (2004), pesquisadores da University of Pennsylvania, realizaram

uma pesquisa com 74 pacientes de dois centros de hemodiálise da Filadélfia (EUA) com o

objetivo de investigar a relação entre religiosidade e satisfação com o cuidado médico, a

satisfação com a vida e a adesão ao tratamento. Os resultados encontrados nesses pacientes

mostraram que maior religiosidade está associada a maior satisfação de vida e mais satisfação

com os cuidados médicos.

Entre as produções brasileiras encontram-se MADEIRO ET AL (2010), pesquisadores

da Universidade Estadual do Ceará e da Universidade de Fortaleza, CE, que fizeram um

estudo sobre adesão ao tratamento de hemodiálise em 45 pacientes renais crônicos de uma

unidade de diálise de um hospital público de grande porte em Fortaleza. Os resultados

mostraram a fé em Deus como um dos principais fatores de promoção da adesão ao

tratamento de hemodiálise.

Também CORDEIRO ET AL (2009), pesquisadores da Universidade de Goiás

realizaram um estudo sobre qualidade de vida com 72 pacientes de uma clínica conveniada ao

SUS do município de Goiânia, GO. Os resultados mostraram que pacientes religiosos

referiram ter menos dificuldades no trabalho e enfrentar melhor os sintomas da doença renal

(fadiga, prurido, cefaléia e náusea) quando comparados com pacientes que afirmaram não

possuir religião.

É importante ressaltar que o uso de enfrentamento religioso só faz sentido se essas

crenças fizerem parte do sistema de valores geral da pessoa. Dessa forma, não se defende o

uso da religiosidade no enfrentamento de sua doença, mas sim de sua valorização e incentivo

quando o paciente possui crenças religiosas e, em virtude disso, já o faz em sua vida. Neste

27

sentido é útil considerar o conceito de enfrentamento. LAZARUS e FALKMAN (1986)

definem enfrentamento como esforços cognitivos e comportamentais voltados para o manejo

de exigências ou demandas internas ou externas, que são avaliadas como sobrecarga aos

recursos pessoais. Os esforços despendidos pelos indivíduos para lidar com situações

estressantes, crônicas ou agudas, têm-se constituído em objeto de estudo da psicologia social,

clínica e da personalidade, encontrando-se fortemente atrelado ao estudo das diferenças

individuais. Porém, grande parte da literatura sobre enfrentamento concentra-se em estudos

do campo da psicologia da saúde, mais especificamente direcionada a condições de

cronicidade e realização de procedimentos médicos. Estratégias cognitivas ou

comportamentais para lidar com eventos estressores, advindas da religião ou da

espiritualidade da pessoa, foram definidas como enfrentamento religioso (ANTONIAZZI;

DELL’AGLIO; BANDEIRA, 1998).

O enfrentamento religioso nem sempre é eficaz no sentido de efetivamente contribuir

no tratamento. PARGAMENT ET AL argumentam que a religião pode assumir funções

diferentes nos diversos estilos de solução de problemas que variam conforme a atribuição de

responsabilidade e do nível de participação da pessoa na resolução do problema

(PARGAMENT ET AL, 1998). Os estilos de solução de problemas podem inibir ou promover

o desenvolvimento de competência pessoal e iniciativa, favorecendo a esquiva ou atrasando a

busca de cuidados médicos ou modalidades de tratamento. Os referidos autores identificaram

padrões positivos e negativos de enfrentamento religioso das situações de doença. Várias

características foram consideradas representativas do padrão positivo, como busca de apoio

espiritual, perdão religioso, enfrentamento religioso colaborativo, ligação espiritual,

purificação religiosa e redefinição benevolente do estressor. Já as características do padrão

negativo foram o descontentamento religioso, a redefinição punitiva do estressor por Deus, a

presença de conflitos interpessoais com membros do grupo religioso, a atribuição da causa ao

demônio e o aparecimento de dúvida sobre os poderes de Deus para interferir na situação

estressora (FARIA, J.B.; SEIDL, E.M.F. , 2005).

Ainda problematizando a importância da relação entre a religiosidade e a saúde, é

interessante considerar a Teoria do Apoio Social tal como desenvolvida por Vincent Valla

(2001). Esta teoria tem como idéia central o seguinte: quando as pessoas sentem que conta

com o apoio de um grupo de pessoas (associação, vizinhança, igreja, por exemplo), isso tem o

efeito de causar melhora em sua saúde. Esse apoio normalmente ocorre, de forma sistemática,

28

entre pessoas que se conhecem, razão pela qual frequentemente envolve uma instituição ou

entidade como pano de fundo. É assim que cabe considerar esse apoio social como uma das

explicações do extraordinário crescimento da presença das classes populares nas igrejas de

todas as religiões, mas principalmente nas chamadas “evangélicas” ou “pentecostais”. Atrás

dessa procura está também o processo do crescimento da urbanização, o consequente aumento

das demandas dos bens coletivos e individuais e, ao mesmo tempo, a dilapidação dos direitos

sociais e humanos. Segundo o pensamento de Valla, a falta de apoio institucional, nesta

época de mudanças sociais intensas, faz com que as igrejas sejam, muitas vezes, a principal

alternativa que oferece um sentido para a vida e para convivência solidária. Afirma ainda que,

por outro lado, a frágil presença dos partidos políticos, de associações e do próprio Estado

entre os pobres, faz dos grupos religiosos as alternativas de suporte social e fonte de

motivação para enfrentar a pobreza.

As referidas perspectivas teóricas apontam para certas possibilidades de interpretação

do fenômeno, concordando entre si no sentido de que a religiosidade pode ser um recurso de

enfrentamento às doenças e aos respectivos tratamentos. No entanto, apontam também para

possíveis aspectos prejudiciais dessa relação, mostrando que a religiosidade pode ser um fator

deletério e que se acentua em função do enfraquecimento da presença do estado e de

condições para o pleno exercício da cidadania. Em suma, não é fácil distinguir quando a

religiosidade constitui ajuda ou obstáculo ao alcance de resultados adaptativos no processo de

enfrentamento. A presente pesquisa segue a trilha aberta da dúvida, pretendendo compreender

se e como a religiosidade participa do processo saúde-doença no caso específico dos pacientes

renais crônicos do programa de hemodiálise de um hospital universitário.

Não obstante os estudos acima sugerirem a existência de uma associação favorável

entre religiosidade e a saúde, é razoável questionar se tal associação existiria em todos os

casos, considerando as diferenças contextuais em que os mesmos foram realizados. Foi

observado neste levantamento bibliográfico que a grande maioria dos estudos foi realizada em

países mais desenvolvidos economicamente, com um nível escolar mais elevado e mais

secularizados. Além disso, predomina no segmento religioso destas sociedades a adesão à

religião cristã na vertente protestante. Cabe investigar se os resultados seriam os mesmos no

contexto brasileiro, visto que há relativamente poucos estudos aqui. A presente pesquisa visa

contribuir no sentido de conhecer as peculiaridades do fenômeno dentro de um recorte social

diferenciado, investigando a realidade de pacientes em um programa de hemodiálise de um

29

hospital público e universitário no Rio de Janeiro, ou seja, em um grupo cujo perfil sócio-

econômico é predominante de baixa renda e baixa escolaridade e cujo perfil religioso é de

maioria católica e mais diversificado do que o perfil dos países onde foram realizados os

estudos citados, com acesso a serviços de um hospital quaternário e profissionais de alta

qualificação.

Por último, cabe ressaltar que este trabalho está em consonância com a Portaria do

Ministério da Saúde nº 1168/GM de 15 de junho de 2004, que institui a Política Nacional de

Atenção ao Portador de Doença Renal, uma vez que pretende contribuir para aumentar o

corpo de conhecimentos necessários para a boa prática assistencial. Está escrito em seu Art.

3º:

X - qualificar a assistência e promover a educação permanente dos profissionais de

saúde envolvidos com a implantação e implementação da Política de Atenção ao Portador de

Doença Renal, em acordo com os princípios da integralidade e da humanização.

IX - capacitação e educação permanente das equipes de saúde de todos os âmbitos da atenção,

a partir de um enfoque estratégico promocional, envolvendo os profissionais de nível superior

e os de nível técnico, em acordo com as diretrizes do SUS e alicerçada nos pólos de educação

permanente em saúde.

30

3 OBJETIVOS

3.1 Objetivo geral

O objetivo geral deste trabalho é investigar a presença de crenças religiosas entre

pacientes e médicos e como a religiosidade é expressa face à doença e ao tratamento em um

programa de hemodiálise de um hospital universitário.

3.2 Objetivos específicos

2.2.1 Investigar os discursos relativos à religiosidade presentes no grupo de pacientes do

Programa de Hemodiálise do HUCFF que justificam, influenciam ou interferem, se for o caso,

nas atitudes frente à doença, ao tratamento e à equipe de saúde;

2.2.2 Investigar os discursos relativos à religiosidade presentes no grupo de médicos do

Programa de Hemodiálise do HUCFF que justificam, influenciam ou interferem, se for o caso,

nas atitudes frente à doença, ao tratamento e aos pacientes;

2.2.3 Investigar se os pacientes percebem que suas crenças religiosas ou atitudes para

enfrentamento de sua doença e o seu respectivo tratamento inspiradas em suas crenças

religiosas são valorizadas pelos médicos do Programa de Hemodiálise;

2.2.4 Discutir os possíveis conflitos entre os discursos produzidos pelos pacientes e o

discursos produzidos pelos médicos do Programa de Hemodiálise.

31

4 METODOLOGIA

4.1 Marco Teórico: a Teoria das Representações Sociais de Moscovici

Buscou-se para este trabalho um referencial teórico e uma metodologia adequados

para os seus objetivos e que já têm sido usados na área da saúde, conforme será mostrado

mais abaixo. É usada a abordagem quantiqualitativa, dentro do referencial teórico das

Representações Sociais e a Metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC).

O termo “representação social” foi cunhado por Serge Moscovici para designar

especificamente o tipo de fenômeno ao qual a sua interpretação teórica se aplicava. Moscovici

elabora o conceito de representações sociais a partir do conceito de representações coletivas

de Durkheim. Para este, a estabilidade da transmissão e da reprodução das representações

coletivas é o que as diferencia fundamentalmente das representações individuais (JODELET,

2001, p. 47). Uma das principais mudanças que Moscovici introduz com relação a este

conceito está na questão da estabilidade ao longo do tempo em dado grupo social. Enquanto

as representações coletivas mantêm-se estáveis por longo tempo, tendendo a sua permanência,

as representações sociais mudam no ritmo cotidiano das interações sociais, tendendo a

impermanência. O interesse maior de Durkheim era compreender as forças e as estruturas que

mantinham a sociedade coesa e estável. Neste sentido, as representações coletivas exerceriam

um poder coercitivo. Em outras palavras, pode-se afirmar que a ênfase do pensamento de

Durkheim era compreender o que fazia a sociedade não mudar ao longo do tempo. Moscovici

apresentou uma proposta inversa: ele queria compreender o que fazia a sociedade mudar e

como, ou seja, quais os processos que mantinham a sociedade coesa e estável e, ao mesmo

tempo, mantinham em si contradições capazes de produzir mudanças na sua estrutura.

Moscovici interessou-se pelo potencial transformador das minorias sociais bem como das

inovações culturais (MOSCOVICI, 2010, p.14-15). Embora tenham certa estabilidade, as

Representações Sociais se caracterizam pelo dinamismo de sua produção e reprodução.

Para MOSCOVICI (2010), as representações sociais devem ser vistas como uma

“atmosfera” com relação ao indivíduo ou grupo e como uma maneira específica de um grupo

para compreender e comunicar o que sabe. Trata-se do universo consensual onde a sociedade

possui uma voz humana em contraste com o universo reificado, que é o espaço próprio das

ciências. Por isso, o universo consensual é o espaço do conhecido e do familiar e o universo

32

reificado é o do imparcial e do submisso. Os dois processos necessários para a produção de

uma representação social são a ancoragem e a objetivação. Enquanto o primeiro assegura a

inclusão do estranho no universo consensual, o segundo busca transformar algo abstrato em

algo quase concreto, transferindo o que está na mente em algo que exista no mundo físico

(ibid, p. 49-53).

4.2 Abordagem metodológica: o Discurso do Sujeito Coletivo

Baseada nos pressupostos da teoria das representações sociais, Lefèvre & Lefèvre

criaram a abordagem metodológica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Esta abordagem

foi elaborada visando responder a pergunta sobre como obter descrições de pensamentos,

crenças e valores em escala coletiva, partindo-se do pressuposto de que era possível produzir

algum tipo de soma de discursos. Para tanto criaram o conceito de Discurso do Sujeito

Coletivo, que é uma proposta de organização e tabulação de dados qualiquantitativos de

natureza verbal, obtidos de depoimentos, coletados em pesquisas empíricas. Para obter os

dados é preciso fazer perguntas abertas para o conjunto de indivíduos que de alguma forma

compõem essa coletividade e deixar que esses indivíduos se expressem o mais livremente

possível (LEFÈVRE & LEFÈVRE, 2003, p.15-16).

Os DSC são confeccionados usando-se as figuras metodológicas das expressões-

chaves e das idéias centrais. As expressões-chaves são pedaços, trechos ou transcrições

literais do discurso que revelam a essência do depoimento, a partir dos quais são construídos

os Discursos do Sujeito Coletivo. Uma vez identificadas todas as expressões-chaves, essas

devem ser analisadas e agrupadas por semelhança. Cada conjunto de expressões-chaves

semelhantes é nomeado por uma idéia central que expressará o sentido básico do conjunto de

expressões-chaves semelhantes. As idéias centrais são, portanto, nomes ou expressões

lingüísticas que revelam e descrevem, da maneira mais sintética, precisa e fidedigna possível,

o sentido de cada um dos depoimentos analisados e de cada conjunto homogêneo de

expressões-chaves, sendo não uma interpretação, mas uma descrição do sentido de um

depoimento ou de um conjunto de depoimentos (ibid, p.17).

O DSC é um discurso-síntese redigido na primeira pessoa e composto pelas

expressões-chaves que têm a mesma idéia central. É assim, uma abordagem metodológica

que, utilizando uma estratégia discursiva, visa tornar mais clara uma dada representação

33

social, bem como o conjunto das representações que conforma um dado imaginário (ibid,

p.18-19). Cabe esclarecer que se busca reconstruir tantos discursos quanto se julgue

necessários para expressar as representações sociais sobre um fenômeno (ibid, p.19-20).

O DSC tem se mostrado uma abordagem proveitosa no campo da saúde para o estudo

da relação entre religiosidade e atitudes frente à doença e ao tratamento, como sugerem as

pesquisas a seguir. Em uma pesquisa realizada por TEIXEIRA & LEFRÈVE (2008)

procurou-se identificar o significado da intervenção médica e da fé religiosa para o paciente

idoso com câncer. Em outra pesquisa realizada pelos mesmos autores e utilizando a mesma

metodologia, buscou-se identificar o significado da fé religiosa no trabalho da enfermeira e o

significado atribuído pela enfermeira á fé religiosa no tratamento e na vida do paciente idoso

com câncer (TEIXEIRA & LEFÈVRE, 2007). Como último exemplo de utilização da técnica

DSC neste campo, CARVALHEIRA, TONETE & PARADA (2010) realizaram uma pesquisa

que objetivou compreender a experiência relativa à morbidade materna grave, a partir de um

grupo de mulheres que vivenciou esse problema, mostrando, entre outros, a utilização do

recurso da religiosidade.

Para a presente pesquisa, a coleta de dados foi feita mediante entrevistas semi-

estruturadas orientadas por questões abertas abordando opiniões, condutas e atitudes com

relação à religiosidade e o seu papel no contexto assistencial. Também foram coletados dados

sobre o perfil religioso e sócio-demográfico. Os sujeitos foram estimulados a discursar o mais

livremente possível a partir de questões relacionadas ao objetivo do trabalho. Os dados foram

anotados e posteriormente analisados. A freqüência de expressões-chaves encontradas para

cada idéia central no grupo investigado foi medida por meio de porcentagem. Este

procedimento permite melhor visualização da adesão a cada idéia central.

Tendo em vista os objetivos da pesquisa, os discursos do sujeito coletivo foram

elaborados e organizados em torno de determinadas questões. Para os médicos foram as

seguintes: 1ª) “o que você pensa sobre a religiosidade dos pacientes com relação à doença e

ao tratamento?”; 2ª) “como você lida com a sua própria religiosidade no ambiente de

trabalho?”; 3ª) “como você aborda a religiosidade dos pacientes?”. Através das respostas a

estas questões pretendeu-se mostrar as representações sociais dos médicos no contexto da

hemodiálise a respeito da religiosidade dos pacientes (primeira questão), da religiosidade dos

médicos (segunda questão) e da religiosidade como tema na relação médico-paciente. Já no

caso dos pacientes as questões foram: 1ª) “o que significa a hemodiálise para você?”; 2ª) “A

34

sua religião lhe ajuda no enfrentamento da sua doença e no tratamento?”. No caso da primeira

questão, pretendeu-se mostrar as representações sociais dos pacientes sobre a hemodiálise, a

fim de melhor compreender a relação possível entre o a religiosidade dos pacientes e o seu

principal recurso de tratamento; no caso da segunda questão, pretendeu-se mostrar as

representações sociais dos pacientes sobre se e como a religiosidade dos pacientes participam

do seu processo terapêutico.

Os pacientes e os médicos foram convidados a participar com, no mínimo, uma

semana de antecedência, sendo informados sobre a instituição de origem da pesquisa, os

objetivos gerais do trabalho e o anonimato dos dados. As entrevistas são realizadas

individualmente em uma das salas de consulta ou no espaço onde se realizam as sessões de

hemodiálise, de acordo com a vontade dos sujeitos. No dia da entrevista são recapituladas as

informações comunicadas na ocasião do convite para participar da pesquisa e, em seguida, é

apresentado ao sujeito o termo de consentimento livre e esclarecido e, caso consinta, é

solicitado a assinar o mesmo. Cabe ressaltar que a coleta de dados foi iniciada após a

apresentação do projeto de pesquisa ao chefe de serviço da hemodiálise a fim de obter a sua

autorização.

4.3 Sujeitos

Os sujeitos para a pesquisa foram 20 pacientes presentes entre portadores de

patologias e condições médicas que determinam a necessidade de fazer hemodiálise, sendo,

na grande maioria dos casos, pacientes portadores de insuficiência renal crônica inscritos no

programa de hemodiálise de um hospital universitário. Também foram sujeitos 20 médicos do

referido programa, entre 21 membros em atividade, sendo eles do staff, residentes, diaristas e

plantonistas. Quanto à escolha dos pacientes, o principal motivo consiste no fato do

pesquisador ser psicólogo do programa de hemodiálise e constatar na sua rotina de trabalho a

importante presença das crenças e da prática religiosa entre os pacientes assistidos. O segundo

motivo, que está associado ao primeiro, é o fato de entre os sujeitos estarem pacientes que se

encontram, em maior ou menor grau, em situações de sofrimento físico e psíquico e com

limitada expectativa de vida, o que fez considerar, como hipótese, que neste grupo haveria

uma maior necessidade de buscar a religião como um recurso importante no sentido de

promover conforto, esperança e sentido para a vida. O terceiro e último motivo é que a

35

literatura aponta para a grande importância do suporte simbólico, afetivo e de cuidados para

os pacientes portadores de insuficiência renal crônica. Quanto aos médicos, o motivo é o fato

de atuarem em um serviço universitário de um hospital de alta complexidade que, além da

assistência, dedica-se ao ensino e à pesquisa, envolvendo nessas atividades tanto os médicos

do staff quanto os residentes, o que abre um questionamento sobre as peculiaridades na

abordagem realizada por esse grupo de profissionais às questões religiosas trazidas pelos

pacientes: seria a religiosidade um tema valorizado e abordado pelos médicos no cotidiano de

trabalho no programa de hemodiálise?

Os sujeitos são pacientes adultos, de ambos os sexos, sem distinção de nível sócio-

econômico, escolaridade e religião. Os critérios de exclusão para a escolha dos pacientes

foram:

1) Ter menos de 18 anos de idade;

2) Ser portador de transtornos mentais graves;

3) Ser portador de retardo mental;

4) Apresentar quadros psiquiátricos agudos;

5) Apresentar quadros clínicos agudos;

6) Estar internado;

7) Estar realizando a hemodiálise no setor destinado aos pacientes aos pacientes portadores de

hepatite C, ou seja, em espaço distinto dos demais pacientes em hemodiálise não internados.

O critério de inclusão dos pacientes foi concordar em participar da pesquisa mediante

a assinatura do paciente do termo de consentimento livre e informado e da assinatura do

pesquisador do termo de responsabilidade.

Ressalte-se que os pacientes haviam sido previamente informados sobre o seu

diagnóstico pelos seus médicos de referência, o que pôde ser verificado em registro feito em

prontuário ou diretamente com os médicos.

36

Para efeito da verificação das condições mentais, é considerada a avaliação

psicológica de rotina realizada pelo psicólogo da equipe. Já quanto às condições clínicas, é

considerada a avaliação médica de rotina realizada pelos nefrologistas. Ambas as avaliações

podem ser acessadas no prontuário dos pacientes.

Os critérios de exclusão dos médicos foram:

1) Ser médico parecerista atuando no programa de hemodiálise;

2) Ser médico do ambulatório do hospital não atuante no programa de hemodiálise.

Já os critérios de inclusão dos médicos foram:

1) Ser médico nefrologista;

1) Fazer parte da escala de serviço do Programa de Hemodiálise;

2) Concordar em participar da pesquisa mediante a assinatura do termo de consentimento livre

e informado e da assinatura do pesquisador do termo de responsabilidade.

A pesquisa foi realizada após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital

Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ (Parecer consubstanciado nº 23260).

4.4 Contexto da pesquisa

O programa de hemodiálise do hospital universitário onde foi realizada a pesquisa

funciona no setor de nefrologia, 7º andar. Funciona de segunda-feira a sábado, sendo cada dia

dividido em três turnos com quatro horas de duração cada. Os pacientes são provenientes dos

ambulatórios e das enfermarias do hospital ou de outros serviços da rede de saúde, através da

central de regulação de vagas da área programática de saúde.

Cada paciente comparece três vezes por semana em turno e horário determinado. O

programa atende 8 pacientes em cada turno e, assim, cerca de 48 pacientes por semana. Além

desses pacientes, há atendimentos de emergência e outros voltados aos pacientes internados

com insuficiência renal crônica. Não se trata de um centro de hemodiálise; portanto, os

37

pacientes permanecem em tratamento até conseguirem vaga em um centro de diálise da rede

mais próximo de sua residência. Este período de espera varia de semanas a anos.

O espaço físico onde é desenvolvido o programa de hemodiálise é parte do andar

destinado à Nefrologia. Possui uma área externa onde há uma sala de espera e uma copa. Na

sala de espera, os pacientes aguardam a chamada a ser feita pela equipe de enfermagem para

início da sessão. Este é o principal espaço de interação entre os pacientes. Na copa, os

pacientes podem realizar refeições e conversar livremente com qualquer membro da equipe

multiprofissional. Já a área interna é onde são realizadas as sessões. É dividida em duas alas,

ficando cinco pacientes em cada ala por sessão. Os pacientes ficam sentados em poltronas que

formam um semicírculo no espaço destinado a realização das sessões. Os pacientes

conseguem falar uns com os outros, porém precisam falar usando um volume de voz mais alto

que o normal. A poucos metros dos pacientes fica uma bancada onde os profissionais fazem

anotações e outras tarefas de rotina. Na área interna todos os profissionais circulam e

interagem frequentemente com os pacientes. Os pacientes podem interagir com aqueles que

ficam na ala oposta, porém antes ou depois das sessões. Já os profissionais circulam mais

livremente no espaço físico do setor durante as sessões, interagindo entre si com mais

frequência. Além das áreas descritas, o programa de hemodiálise conta com uma recepção

administrativa e duas salas para consultas, sendo estas de uso multiprofissional.

Cumprindo o que determina a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância

Sanitária (art.6º da resolução nº 154, de 15 de junho de 2004, que estabelece o regulamento técnico

para o funcionamento dos Serviços públicos e privados de Diálise), o programa de

hemodiálise possui uma equipe multiprofissional constituída por médicos, enfermeiros,

técnicos de enfermagem, assistente social, nutricionista, fisioterapeuta e psicólogo.

A assistência religiosa no hospital é coordenada pelo programa de humanização que

existe desde 2002. Este programa implementa o que está determinado pela Lei nº 9982, de 14

de julho de 2000, que dispõe sobre a prestação de assistência religiosa nas entidades

hospitalares públicas e privadas, bem como nos estabelecimentos prisionais e militares. Antes

da criação do programa de humanização, a assistência religiosa era oferecida conforme a

demanda, sem a regulação institucional. Atualmente, o programa de humanização atua no

sentido de garantir aos pacientes o direito à assistência religiosa de modo a não ferir o direito

de quem não quer e não solicita assistência religiosa, evitando assim o proselitismo e os

conflitos religiosos. O programa reúne-se periodicamente com os líderes religiosos que atuam

38

no hospital para definirem rotina e procedimentos comuns. Atualmente existe o oferecimento

de assistência religiosa pelos católicos e pelos evangélicos. Na hemodiálise não existe rotina

estabelecida para visitação, porém os pacientes podem participar das reuniões semanais que

acontecem em salas do hospital.

39

5 RESULTADOS

5.1 Perfil dos médicos

Foram entrevistados 20 médicos, do total de 21 médicos atuantes no Programa de

hemodiálise, apenas não sendo entrevistado o médico chefe do programa devido ao exercício

de suas funções administrativas fora do espaço próprio da assistência aos pacientes. Destes,

10 são membros do staff e 10 são residentes de nefrologia. Quanto ao sexo, metade é do sexo

masculino e outra é do sexo feminino. Quanto à idade, 10 possuem menos de 30 anos, 7 entre

31 e 50 anos e 3 acima de 50 anos. Quanto à rotina de trabalho, 10 atuam tanto como médicos

diaristas quanto como plantonistas, 7 são exclusivamente plantonistas e 3 são exclusivamente

diaristas. Pode-se constatar que o grupo investigado apresenta uma proporção equilibrada

tanto no que se refere ao status institucional (ser do staff ou residente), sexo, idade e rotina de

trabalho. Todos foram receptivos ao convite e participaram com interesse. O tempo médio das

entrevistas foi de 30 minutos.

Quanto ao perfil religioso, 8 dos entrevistados declararam não ter religião, mas

acreditar em Deus; 7 declararam ser católicos; 2 espíritas; 1 evangélico; 1 agnóstico e 1 ateu.

Entre os médicos que tem religião, todos declararam ser praticantes, embora mais da metade

tenha declarado não freqüentar reuniões religiosas com regularidade. Todos afirmaram

praticar a sua religião de modo privado, geralmente através de orações ou rezas espontâneas e

individuais. Entre os que declararam não ter religião, todos declararam possuir crenças e/ou

práticas religiosas, mas sem adesão exclusiva às crenças e práticas de uma única religião.

Comparando-se com os dados do Censo de 2010, que revelou 8% de "sem religião", pode-se

observar que o grupo investigado é menos aderido a uma religião do que a população

brasileira vista em seu conjunto, mas bem próximos se forem considerados aqueles que

declararam acreditar em Deus.

5.2 DSC - médicos

Foram produzidos três discursos relativos à primeira questão, seis relativos à segunda

questão e cinco relativos à terceira questão. Os discursos produzidos não foram mutuamente

40

excludentes, o que significa que eles expressam representações sociais presentes em todos os

componentes do grupo investigado, podendo variar ao longo do tempo a sua expressão verbal.

A seguir, os discursos produzidos pelo grupo investigado referentes à primeira questão.

Quadro 1 - "O que você pensa sobre a religiosidade dos pacientes com relação à doença

e ao tratamento?”

IDÉIAS CENTRAIS DSC DOS MÉDICOS

1 – EU PENSO QUE A RELIGIOSIDADE

PODE DAR UM APOIO PSICOLÓGICO

AO TRATAMENTO (adesão de 90 %)

DSC 1

Eu respeito todas as religiões. No fundo, eu acredito

que tudo é a mesma coisa. É uma questão de se

identificar mais com uma ou com outra. A religião em

si quer o bem, mas os homens interpretam mal. Há

casos que muitos dizem não ter mais jeito, drogados,

bandidos, que se apegam à religião e mudam. A

religião tem o seu papel na sociedade, não pode ser

ignorada. Eu não sou nem um pouco preconceituosa:

quantas pessoas não saem das drogas! De fato, a

religião muda a vida das pessoas, independente do

que se está pregando. A religião ajuda muito. Em

geral eu penso que é uma coisa boa. Na verdade,

considero a religiosidade uma coisa totalmente útil. É

muito importante os pacientes se apegarem à religião.

É um recurso, um suporte, uma forma de entender o

que está acontecendo. É mais um reforço ao

tratamento. Tudo o que o paciente faz para se ajudar,

não atrapalhando o tratamento é bom. Quando

ocorre em paralelo é excelente, nada que entre em

conflito com o verdadeiro tratamento. É mais um

alicerce psíquico para continuar na luta contra uma

doença de elevada letalidade.

Acho que a hemodiálise é um território para a

psicologia. Aqui a demanda é imensa. Acho que os

pacientes precisam de mais apoio psicológico. Acho

que é assim: os médicos atendem 500 pacientes, mas

eles só têm um médico. Eu acho que eles valorizam

demais a gente, eles não deveriam dar tanta atenção

às coisas pessoais. Na hemodiálise temos um contato

muito próximo e muito prolongado com o paciente.

Aqui parece que o ambiente é menor e os conflitos

ficam mais intensos, fica tudo mais próximo... Cria um

laço inevitável. Tem que ser próxima, mas se for

demais... O paciente te desvaloriza como médico.

Muita gente confunde proximidade com intimidade.

Achar que os pacientes só vão falar da doença é um

engano. Eles precisam desabafar, falar da sua vida. É

difícil impor uma barreira, é estranho... Eles te

sugam! Tudo eles falam: minha filha está com dor,

meu marido está me tratando mal, meu vizinho está

com um problema, tudo é a gente! Os pacientes trazem

para nós todas as suas insatisfações que estão

41

vivendo, as dúvidas, desde a dor no joelho até a briga

com o irmão... É muito difícil eles chamarem por uma

coisa positiva, é sempre problema! Cadê a nossa

alma, alguém levou?

A religião é como um psicólogo. Em muitas situações,

sei que isso é importante por causa do psicológico

deles. A gente tá lidando com pacientes crônicos com

bastantes problemas psicológicos. Na hemodiálise os

pacientes são especialmente graves, a gente lida com

paciente crônico, não tem cura. Eu acho interessante

em um processo difícil como esse da hemodiálise. Os

pacientes renais crônicos têm uma doença

estigmatizante: se eles não tiverem o apoio da

religião, fica difícil. Eles passam por um sofrimento

muito grande, têm uma vida social limitada e baixa

auto-estima. O paciente renal crônico sofre o tempo

todo; a religião é para ele não se tornar o próprio

sofrimento. Às vezes é uma coisa a que os pacientes se

apegam pra não deprimirem e, assim, não perderem

os laços familiares, não se isolarem e não tentarem o

suicídio. Pessoas sem religiosidade tendem muito mais

à depressão. Acreditar em alguma coisa é superválido

para confortar. Às vezes o paciente sabe que não vai

ter tratamento, então a religião dá conforto. É um

atenuante para quem vive com uma doença crônica e

serve como válvula de escape das suas preocupações e

ansiedades.

A religiosidade é um aporte importante para o

paciente saber como lidar com a doença. O paciente

com doença renal terminal estabelecida não vai

receber um milagre de cura, mas pra enfrentar a

doença, buscar coisas positivas pra vida dele... Ajuda

a enfrentar a sua situação e os seus traumas. É bom

para ele encarar as coisas de uma forma melhor.

Independente de em que o paciente creia, ele precisa

ter fé, ter esperança, de algo que sirva como

motivação pra ele viver, acreditar que existe uma

chance para ele. Todo mundo precisa, mas no

momento de doença a pessoa está mais fragilizada. A

religiosidade dá força e gana de viver; dá um sentido

pra vida deles, pra aquilo que eles estão passando.

Principalmente quando os pacientes começam a

hemodiálise, eles precisam se agarrar em alguma

coisa. Muitas vezes eles vão ao tratamento como se

fosse o fim. Eles precisam da religiosidade pra ter

esperança, pra entender melhor que as coisas não

acabam porque começou a fazer hemodiálise. Muitos

pacientes acham que estão jogando pra perder, que a

vida já acabou. É uma forma de manter os pacientes

com certa motivação porque a perspectiva de vida

delas é nula.

A religiosidade pode ajudar como uma forma de

resignação. O paciente diz: “estou passando esse

problema pela vontade de Deus”, “Deus quis assim”,

“Deus sabe o que está fazendo”, já que ele não tem

perspectiva de sair da hemodiálise. Quem é mais

religioso aceita e tolera melhor a doença, como se

fosse uma provação: talvez suporte para ter uma

42

recompensa no futuro. Quem tem fé é mais tranqüilo.

Por outro lado, quem não tem religião é mais rebelde,

faz o que não deveria fazer. Todos os que seguem uma

religião, seguem mais o tratamento e são mais

cooperativos. Geralmente o paciente religioso é mais

aderente, é mais obediente e mais perseverante. A

religiosidade ajuda a ele se manter de pé e a não

deixar de se tratar. Principalmente no caso da

insuficiência renal crônica, cada pessoa vai se cuidar

dependendo da sua crença. Às vezes nós mesmos

estamos duvidosos com relação ao tratamento e ao

prognóstico e eles vêm com um pensamento positivo.

Parece que há uma necessidade de ter fé. O remédio

que a gente não encontra na farmácia tem que buscar

em outro lugar.

2 – EU PENSO QUE A RELIGIOSIDADE

PODE SER UM PROBLEMA PARA O

TRATAMENTO (adesão de 50%)

DSC 2

A religião é usada como pretexto para matar e

dominar. A religião serviu muito para dominar os

povos, catequizar. A religiosidade é importante desde

que não seja ao extremo, até o limite em que não

interfere no tratamento. Os que são mais religiosos,

mas sem excesso, se dão melhor. Mas há religiões que

podem ser obstáculos para o tratamento. Quando a

religião não serve para motivar o tratamento, mas sim

para buscar a cura, é um obstáculo. Quando se pede a

cura, aí vem o lado da negociação, o lado ruim da

religião. Uma coisa que sai da realidade, que não tem

nenhum fundamento técnico... Isso pode prejudicar

muito a adesão deles. É meio complicado quando

começa a influenciar na parte médica... A gente não

consegue fazer o que é melhor pra o paciente por

causa de questões religiosas. É uma coisa que pode

ser muito boa, mas que acaba sendo muito ruim. Têm

alguns pacientes que são muito ignorantes e alguns

líderes religiosos acabam usando isso... O pastor disse

que vai curar, que as coisas não são como são e a

coisa acaba indo para um lado ruim. Passam por uma

lavagem cerebral e acham que a religião explica tudo.

Às vezes, a fé pode ser prejudicial: se for radical, a

pessoa deixa de seguir uma orientação médica... Se o

médico prescreve um remédio, diz que não vai tomar,

e até deixa o tratamento... O paciente diz: “Deus vai

me curar”, acha que tudo quem resolve é Deus e não

precisa fazer mais nada. O radicalismo é, sem dúvida,

um problema.

43

3 – EU PENSO QUE O PAPEL DA

RELIGIOSIDADE NO TRATAMENTO

PRECISA SER BEM AVALIADO

(adesão de 15%)

DSC 3

Já tive pacientes de várias religiões, eles não

expressaram essa situação da religiosidade

influenciar a adesão ao tratamento. Nenhum paciente

chegou pra mim e disse que a religião está ajudando

ou piorando a vida dele. A minha impressão é que

favorece mais a adesão ao tratamento e que traz mais

benefícios, mas depende muito de cada um. Quem tem

religião vê a doença como castigo ou como algo que

está acontecendo, mas vai melhorar. Quem não tem

religião, vê de modo mais científico. Uns aceitam mais

e outros menos, mas não dá pra dizer que os religiosos

têm atitudes melhores que os não religiosos. Talvez

isso dependa da personalidade, da estrutura familiar e

da religiosidade, que viria em 3º lugar. Se você está

frágil emocionalmente, não tem uma estrutura

familiar, aí vem a religião. Não é uma substituta: pode

ter uma importância maior ou menor. É mais uma

questão de relação com a equipe multiprofissional

fazer o paciente entender e aceitar o tratamento.

Talvez a religião seja uma válvula de escape para

alguns. Não tenho uma posição, mas acho que não

interfere nem positiva nem negativamente.

Tabela 1 – Adesão aos DSC dos médicos relativos à questão "o que você pensa sobre a

religiosidade dos pacientes com relação à doença e ao tratamento?”

DSC DOS MÉDICOS ADESÃO (%)

DSC 1 - Eu penso que a religiosidade pode

dar um apoio psicológico ao tratamento

90%

DSC 2 - Eu penso que a religiosidade pode

ser um problema para o tratamento

50%

DSC 3 - Eu penso que o papel da

religiosidade no tratamento precisa ser

bem avaliado

15%

Com relação à primeira questão, podem-se observar representações com características

positivas onde a religiosidade é associada a um possível recurso psicológico de enfrentamento

da doença e do tratamento, ainda que alertem para a possibilidade de que ela possa ser usada

como substituta do tratamento e do próprio médico, bem como considerem que o seu papel

precisa ser melhor avaliada em cada caso. Cabe ressaltar que o grupo usou os termos

“religião” e “religiosidade” de forma genérica, sem fazer distinção entre eles.

44

A seguir, os seis discursos relativos à segunda questão: "Como você lida com a sua

própria religiosidade no contexto do trabalho?"

Quadro 2 – "Como você lida com a sua própria religiosidade no contexto do trabalho?”

IDÉIAS CENTRAIS DSC DOS MÉDICOS

4 – EU EVITO CONVERSAR SOBRE

RELIGIÃO COM OS MÉDICOS NO

HOSPITAL (adesão de 90%)

DSC 4

A religião é um tema muito comum e muito pouco

falado. Os médicos conversam muito pouco sobre

religião. É muito difícil. Entre os médicos é um

assunto que não circula, não se discute, não se

pergunta... Isso não é abordado, não se explicita isso.

Geralmente ele é rápido. A conversa fica estagnada

porque um é católico, outro é evangélico, outro é

espírita... Acaba não fluindo. Também porque médico

é uma pessoa muito cética. Até para não ser julgado,

avaliado. Ia virar uma discussão muito teórica.

Médico é muito teórico.

Acho que é uma coisa muito pessoal. Por isso eu não

falo, cada um tem a sua. Quando conversamos sobre

questões pessoais, a religião não aparece. Sei da

religião de um ou de outro, dos mais próximos.

Geralmente eu percebo um respeito, talvez se evite

conversar sobre o assunto para não se criar conflitos.

As pessoas, em geral, não param pra ficar discutindo

religião. Cada um tem a sua própria e ninguém entra

em controvérsia. Ninguém tenta mudar a cabeça de

ninguém. Ninguém fica: “por que você acredita nisso

ou naquilo?”. Geralmente é fora do hospital, a gente

conversa e se respeita. Acontece de conversar mais

com a enfermagem sobre esse assunto. A minha

percepção é que na hemodiálise há muito mais

profissionais da enfermagem religiosos.

Aqui na Hemodiálise é muito pouco, ninguém aqui

conversa muito sobre isso... Nunca aconteceu, não tem

papo sobre religião. Não é rotina. Acontece mais

informalmente do que direcionado aos pacientes,

exceto quando há casos marcantes. Ocorrem

conversas informais sobre alguma coisa relacionada a

algum paciente, mas não é usual. Não me lembro

quando foi a última vez... Aqui não me lembro de

conversar sobre isso... Só quando tem o caso de uma

paciente difícil, quando reclamam das Testemunhas de

Jeová ou quando há uma situação que está sendo

comentada, por exemplo, quando alguém faz uma

chacina por motivos religiosos... Mas não é muito

comum. Além disso, o trabalho está sempre agitado,

sobra pouco tempo para conversar mais sobre isso. A

gente fala mais sobre futebol do que sobre religião... A

gente quer extravasar, jogar fora esse estresse,

conversar sobre coisas mais leves. Dificilmente a

gente parar pra pensar nesse assunto. Esse assunto é

45

muito deixado de lado pelos médicos.

5 – EU TENHO CRENÇAS RELIGIOSAS

E ELAS TÊM SIDO ÚTEIS NO MEU

TRABALHO (adesão de 80%)

DSC 5

Deus é tudo. É a primeira coisa na vida de todo

mundo. Eu acredito em algo superior, acima de tudo.

Acho que é uma coisa boa. Eu acredito que Deus seja

uma pessoa superior, um espírito maior, quem sabe de

todas as coisas, que é presente em todas as situações,

de quem eu tenho necessidade e de quem eu tento pelo

menos chegar próximo. Mas talvez Deus seja uma

energia maior, nada personificado, nada humanizado.

Não sei se é uma pessoa, uma energia, uma força, um

espírito... Talvez o meu Deus seja a vida... E com

todas as suas imperfeições. Talvez ele seja a justiça, o

responsável pelo bom curso do mundo, da hora e da

forma como as coisas acontecem. Deus é um nome,

mas poderia chamar de outra coisa. Eu tenho a idéia

de que Deus é o que cada um prega. O importante é

que eu tenho uma relação com Deus e acredito nele.

Eu acredito que Deus tenta nos ajudar nos momentos

difíceis. Seria a solução pra tudo... Ao mesmo tempo a

gente não pode achar que ele vai resolver tudo.

Para o médico a religiosidade também é importante.

Tive um colega que era ateu, mas conversando com

ele, percebi que ele não era tão ateu assim. É da

formação humana acreditar em algo além do que está

vendo. Acho que ninguém é tão ateu. Se você não tiver

religião perde o sentido do que está fazendo. A

religião me faz ficar mais tranqüilo nas situações

difíceis, tomar as melhores decisões e ter as melhores

condutas. A religião me ajuda a entender o sofrimento

das pessoas, os pacientes que tratam mal, a

convivência no ambiente de trabalho. No momento em

que a gente acaba de perder um paciente que, em

nossa opinião, teria chance de sobreviver.

Peço a ajuda dele em termos de sucesso nos

procedimentos, nos concursos, nos planos... Peço a

bênção dele pra fazer tudo isso bem. Eu agradeço a

Deus pelas coisas positivas que acontecem e nas

dificuldades eu peço luz para encontrar as soluções.

Posso dizer que isso acontece diariamente. Minha fé

em Deus tem uma participação muito grande, efetiva,

no meu trabalho. Eu sempre peço a Deus que ele me

ajude, que eu não faça mal a ninguém. Faço as minhas

orações e rezas antes de chegar ao plantão. Pra fazer

as coisas certas, pra olhar o caminho certo sobre

como conduzir o paciente. Nos procedimentos médicos

peço a Deus pra me guiar. Eu sempre rezo antes de

começar um procedimento e depois eu agradeço. Eu

peço pra Deus guiar as minhas mãos quando eu vou

fazer uma punção. Faço isso por causa do paciente e

principalmente quando estou sozinho. Pra minha

prática profissional é muito importante acreditar em

Deus porque a gente lida com a vida das pessoas... Em

várias situações a gente lida com pacientes graves. É

uma situação em que se está exposto, grave, lidando

46

com a vida dos pacientes. A gente procura alguma

força sobrenatural que tranqüilize e dê mais ânimo.

Do meu modo, eu ponho em prática as minhas

crenças. A gente aprende que deve amar ao próximo.

O ser bom está muito envolvido com religião. O

importante é fazer coisas boas. Acredito que se você

fizer o mal, ele volta pra você. Se você ficar com

pensamentos negativos, isso atrai coisas negativas. A

idéia de ajudar o próximo me influencia no dia a dia

da profissão e em tudo. Sempre que a gente está com o

paciente procura dar um conforto, um carinho. Eu

sinto retribuição e é muito gratificante. É um

diferencial. Em nível técnico pode ser semelhante, mas

faz diferença no trabalho com o paciente. As minhas

crenças me ajudam no trabalho indiretamente: em que

a gente tem que fazer a nossa parte, o nosso papel, e

em cuidar do paciente de uma forma humana, que a

gente tem que fazer o bem. O paciente da hemodiálise

é muito carente... Talvez tentar o máximo de benefício

para ele. Mas me ajuda principalmente a lidar com a

questão dos pacientes terminais.

Acho importante acreditar em alguma coisa. Se não a

impressão que dá é que é que tudo fica perdido...

Aonde se vai depois da morte, o que existe além do

que se está vendo, qual o motivo para algumas coisas

acontecerem e pessoas aparecerem na sua vida... Tem

umas pessoas que te tocam mais, pacientes... Nesses

casos você faz mais, vai além porque você quer. A sua

vida se torna muito difícil se você não acreditar em

uma força superior. As coisas perdem muito o sentido.

Por que uma pessoa tão boa sofre, por que umas

sofrem mais do que as outras? Penso muito nisso. Se

não pensar nisso, deixa de ser humano. Algumas

frases ficaram: “a gente tem que passar por uma

missão” e “o espírito, quando a gente se mata, não

encontra luz”. Talvez a gente tenha uma caminhada

longa para melhorar os sentimentos, as relações, o

jeito de ser, de ver as coisas, de tratar as outras

pessoas.

6 - EU CONCILIO MINHAS CRENÇAS

RELIGIOSAS COM A MINHA

FORMAÇÃO CIENTÍFICA

(adesão de 45%)

DSC 6

Tenho uma religiosidade íntima e tenho uma formação

científica. Eu não acredito em Adão em Eva. Eu

acredito em Darwin. Mas quando a surgiu a primeira

molécula? Deus estava ali. Botar a culpa no acaso pra

tudo é muito fácil... Não me satisfaz. Já tive conflitos

com meus colegas de trabalho. Um era criacionista, o

outro era ateu: são dois extremos. Respeito, mas não

concordo. Eu tento me manter com um pensamento

racional, mas acho que isso não exclui a religiosidade.

Isso não interfere nas decisões racionais. Eu tento

intercalar religião e ciência. Acho que as duas coisas

andam juntas. Deus dá inteligência ao homem pra ele

se virar, né? São complementares.

Eu não tenho uma religião padronizada. Tenho uma

47

religiosidade própria, não institucional. Acho que

nenhuma instituição religiosa é 100%. Acho que a

religião tem erros enormes. Talvez a igreja tenha mais

erros que acertos. Vou à missa numa boa, mas fico ali

pra renovar minhas forças, não pra ficar concordando

com aquilo que está sendo dito. Tem muita coisa que

eu não concordo na minha religião. Por exemplo, ser

contra o uso de preservativo. Eu, como médico, não

posso concordar com isso. Existe esse sentimento

ambíguo. Tenho discordâncias técnicas, como na

questão do aborto, controle da natalidade, distanásia.

Mas sou profundamente mística.

Eu tenho uma religiosidade ligada à natureza. Sinto

que há algo que emerge da gente que não pode ser

demonstrado pelo método cartesiano-positivista, mas

que está presente em tudo que é vivo. Ao mesmo

tempo, não tem como fazer ciência com religião. Não

é que ciência e religião estejam uma contra outra, mas

são universos paralelos. Não dá pra fazer cálculos,

dizer que se deve fazer isto ou aquilo com a religião.

Na medicina a gente estuda e coloca em prática.

Adquirir conhecimento é importante, mas o problema

é a aplicabilidade.

Há uma interface entre religiosidade e medicina. Há

inúmeras camadas de conhecimento a serem

esclarecidas. Eventualmente em situações difíceis eu

rezo. Mas no trabalho tenho que ser frio e calculista,

separar as coisas, tenho que ser técnico. Eu acredito

nisso: que Deus faz milagres por meio das coisas

materiais. O transplante seria um milagre. Os

milagres são feitos através das atitudes dos outros,

não através de um raio que vai cair na cadeira e tirar

o paciente da máquina.

7 - AS MINHAS CRENÇAS RELIGIOSAS

EMERGEM EM SITUAÇÕES

RELACIONADAS À MORTE

(adesão de 25%)

DSC 7

Acho que muitas crenças e das vivências pessoais

interferem nas decisões médicas. As crenças

interferem na decisão de até onde vai investir no

paciente ou não. Há situações em que não há regras

absolutas. Existem vários conflitos entre religião e

ciência, até que ponto você pode ou deve investir no

paciente. De um ponto de vista profissional, penso por

um lado; de um ponto de vista religioso, por outro

lado. Para quê trazer de volta uma pessoa que não

interage, toda sequelada? Por que não deixar seguir o

curso natural da vida? Talvez Deus estivesse

chamando o paciente para outra chance em outra

vida. Com relação à morte, acho que a gente acaba

criando um bloqueio, não sei explicar. Acho que o

médico não fica totalmente insensível, mas cria uma

barreira. O paciente morre e daqui há pouco a gente

está vendo TV... As pessoas que não vivem o dia a dia

do hospital não entendem isso. Mas quando vemos

pessoas com quadros irreversíveis ou que vão a óbito,

acaba vindo o assunto sobre por que estamos aqui... A

48

gente se pergunta se está fazendo as melhores

escolhas, se está aproveitando bem a vida, se não

deveria trabalhar menos, se deveria passar mais

tempo com a família. Quando o paciente sabe que vai

falecer, diz: “doutora, estou sentindo que estou

morrendo” e depois morre... Todo mundo fica

apavorado. Qual é a explicação pra isso? Não tem

explicação. Isso gera uma polêmica, um nervosismo

entre os médicos. Tem uns que acreditam em vida após

a morte, outros acham que é uma besteira.

8 - EU TENHO DÚVIDAS SOBRE A

MINHA RELIGIOSIDADE

(adesão de 25%)

DSC 8

Não sei se acredito em Deus... Às vezes sim, às vezes

não. Talvez ele exista. Deus é... Eu não sei... É difícil...

Eu não consigo definir. Não consigo chegar a uma

explicação... Talvez Deus seja... Um pensamento

coletivo. Alguém? Não sei caracterizar muito bem. A

gente não consegue aferir. Deus não é uma coisa pra

ser definida. Acho que creio em Deus... Não sei se é

Deus. Eu só penso em Deus nas horas que eu quero

que ele me guie em alguma coisa, pra algum

procedimento mais difícil aqui... Na verdade eu

sempre peço a ele. Mas dizer que eu creio... Não é

claro pra mim. É um conflito. Racionalmente não

acredito que Deus existe. Mas toda vez que meu filho

fica doente eu peço a Deus por ele. Às vezes eu penso

que a vida é só o que existe aqui... Parece que é só

biológico mesmo. Nas outras vezes... Essa necessidade

de conforto... Eu me sinto confortado pela religião.

Não é algo concreto. Eu me sinto em dúvida entre o

meu juízo crítico e as minhas necessidades. Eu não sei

se essa parte da atenção, do carinho, está relacionada

à minha personalidade ou à minha religião. Eu não sei

se eu crescesse no meio ateu se eu seria da mesma

maneira. Eu acho que não, mas não tenho certeza.

9 – EU SOU ATEU (adesão de 5%)

DSC 9

Eu sou ateu, não acredito em nada. Sempre me

apeguei muito a parte científica, na evolução, na

origem do planeta. Fui questionando e achando

desnecessária a religião.

49

Tabela 2 – Adesão aos DSC dos médicos relativos à questão "como você lida com a sua

própria religiosidade no contexto do trabalho?”

DSC DOS MÉDICOS ADESÃO (%)

DSC 4 – Eu evito conversar sobre religião

com os médicos no hospital

90%

DSC 5 – Eu tenho crenças religiosas e elas

têm sido úteis no meu trabalho

80%

DSC 6 - Eu concilio minhas crenças

religiosas com a minha formação científica

45%

DSC 7 - As minhas crenças religiosas

emergem em situações relacionadas à

morte

25%

DSC 8 - Eu tenho dúvidas sobre a minha

religiosidade

25%

DSC 9 - Eu sou ateu 5%

Com relação à segunda questão, os discursos, ainda que revelem uma preocupação em

enfatizar que as crenças religiosas não interferem na atuação profissional e científica,

mostram que não só há crenças religiosas entre os médicos, como ela está presente na prática

profissional individual, destacadamente em situações relacionadas à morte, ainda que haja

uma preocupação em conciliar as crenças religiosas com a formação científica. Entretanto, a

religiosidade é também percebida como expressão pessoal de caráter privado, não sendo

mencionada nem discutida entre os seus pares no ambiente de trabalho.

Por último, os seis discursos referentes à terceira questão: “Como você aborda a

religiosidade dos seus pacientes?"

Quadro 3 - “Como você aborda a religiosidade dos seus pacientes?"

IDÉIAS CENTRAIS DSC DOS MÉDICOS

10 – EU NÃO COSTUMO PERGUNTAR,

MAS PODE SER ÚTIL (adesão de 75%)

DSC 10

Faz parte da formação médica, temos que perguntar...

Mas eu não valorizo isso. Poucas vezes, dificilmente

pergunto sobre a religião dos pacientes. Em geral eu

não pergunto por que esqueço. A gente parte do

princípio que todo mundo é católico... Mas se tivesse

que fazer anamnese, não perguntaria, não me

preocuparia. Quando faço anamnese, ela é muito

abreviada. O correto é perguntar, mas o que

acontece? Pra fazer a anamnese correta é uma

50

conversa de 1 hora, 1 hora e meia... Se for fazer a

gente não trabalha. Eles podem valorizar a religião de

uma forma que eu não valorizo. A gente não tem

tempo, se a gente entrar nesse assunto a gente não faz

nada. Às vezes na correria eu não pergunto... Na

maioria das vezes. Nesse processo de encurtar a gente

acaba eliminando a religião, por que não vai te dar

uma definição mais imediata de conduta. A nefrologia

é uma especialidade que lida com urgências. A

verdade é que isso não é uma prioridade. O tempo

para conversar, discutir, falar dos aspectos sociais é

limitado.

A religião é mais importante a médio e longo prazo

pra saber como o paciente vai interpretar as coisas:

para fazer um diagnóstico ou traçar uma conduta, não

faz diferença. Acredito que religião não tem muito a

ver. Acaba sendo uma anamnese mais dirigida para a

parte médica. Acredito que não seja tão importante

para o que estou procurando: doenças, a parte clínica.

É mais importante saber quanto está o potássio, se o

paciente está taquipneico... Nunca passei por uma

situação em que precisei saber da religião para definir

uma conduta para o paciente. Naquele momento a

gente fica tão direcionado àquela coisa que a gente

precisa resolver... Eu foco logo no que traz o paciente

ao hospital. Só quando há situação de cirurgia

pergunto a religião pra saber se tem problema com

transfusão de sangue. A religiosidade não é muito

importante, o que faz a diferença é no caso das

Testemunhas de Jeová: se eu vejo que é um paciente

que vai precisar de hemotransfusão eu pergunto se é

Testemunha de Jeová. Pra mim não faz tanta diferença

assim. Além disso, normalmente a melhora clínica

acontece sem esse recurso.

Além do mais, depois que a gente passa a conhecer o

paciente ele fica sabendo das nossas coisas e a gente

fica sabendo muito mais das coisas deles. No decorrer

da relação com o paciente a gente percebe qual é a

religião deles. Às vezes os pacientes perguntam a

nossa religião e, conversando sobre o assunto, a gente

fica sabendo a religião deles. Quando a gente vai

conhecendo as pessoas elas vão demonstrando,

fazendo comentários, aí fica evidente qual é a sua

religião. Procuro perceber a situação social com

quem está acompanhando, saber se a pessoa é muito

sozinha. Vejo muitos pacientes sozinhos. A religião sai

como conseqüência da observação de questões

sociais. Mas não converso com os pacientes sobre

religião. De graça não converso, só se ele perguntar.

Normalmente eles não tocam no assunto. Se fosse

importante conversar sobre religião com os pacientes

eu faria. Mas já aconteceu de conversar sobre

religião. Alguns pacientes ficam agradecidos pela

resolução de um caso e rezam para agradecer. Eles

também perguntam sobre a nossa religião. Às vezes

eles falam: “deixe Deus entrar na sua vida”. Por mais

que eu não queira mudar de religião, eu escuto o

ponto de vista deles e falo o meu.

51

Perguntar sobre a religião dos pacientes? Taí... Tem

que perguntar... Mas geralmente eu não pergunto não.

Tenho perguntado muito raramente sobre religião...

Faz muito tempo que eu não pergunto. Faz parte da

anamnese... É um item da história social ou dos seus

hábitos de vida. Eu perguntava sobre a religião dos

pacientes quando aprendi a fazer anamnese... É um

hábito que a gente vai perdendo, quanto mais a gente

vai se afastando de quando a gente aprendeu a fazer

anamnese. Não sei por que não faço... Talvez por uma

falha mesmo. Não é costume perguntar. Acho que a

maioria não pergunta. Tanto que raramente se vê a

religião nas anamneses. Isso tá mudando...

Antigamente a maioria era católica e as pessoas não

perguntavam... Mas estão crescendo as religiões

evangélicas e espíritas.

Não consigo ver se é certo ou errado questionar sobre

religião. Tem pessoas que fazem, outras não. Cada um

tem o seu jeito de trabalhar. Acho importante

conversar sobre religião com qualquer paciente. Mas

não dou muita ênfase... Converso muito pouco com os

pacientes sobre religião. Só quando o assunto surge a

gente conversa. Eu tenho curiosidade de saber, de

entender a pessoa pela religião dela. Nunca fiz isso,

mas acho importante, principalmente com os mais

rebeldes. Teria a função de tranqüilizar. É importante

também por causa dos problemas que podem

acontecer futuramente... Os pacientes deixam de fazer

o tratamento. Acho importante perguntar para saber

com quem se está lidando e para ter uma boa relação

médico-paciente. Isso cria uma aproximação. Ao

mesmo tempo em que falo sobre religião eu posso

saber sobre as condições sociais, moradia, posso me

aproximar mais da realidade do paciente. Também

sobre o que eles esperam da doença. No caso da

religião, se ele sabe que Deus quis assim e por que

está passando por isso fico mais tranqüilo. É

importante conversar com o paciente sobre qualquer

assunto. Nós damos oportunidades para todos,

respeitamos a todos. Não sei se estou fazendo certo ou

errado... O fato é que eu não dou muita importância.

Não sei se outros médicos dão, talvez se forem

religiosos.

11 – EU ACHO PROBLEMÁTICO

ABORDAR A RELIGIOSIDADE DOS

PACIENTES (adesão de 50%)

DSC 11

De uma forma geral, eu não converso com os

pacientes sobre religião. Falar sobre isso é uma

questão muito pessoal, individual. É muito delicado,

acho isso complexo. É como perguntar pelo time de

futebol, pelo partido político. Prefiro não interferir. Só

quando a gente percebe que a entrevista está indo pra

esse lado é que a gente pergunta sobre religião. Eu

acho que saber a religião em si não é importante, mas

a relação do paciente com a religião. Geralmente não

pergunto sobre religião, mas se crê em Deus. Não

pergunto para não entrar em conflito. Na minha

52

opinião, o mais importante é buscar em que o paciente

tem fé para ajudar na sua adesão ao tratamento. A

gente vive numa sociedade que é muito preconceituosa

com relação a algumas crenças. Principalmente

porque a população é muito ignorante. Me

impressionam quando dizem: “para Deus tudo é

possível”. Religião não, mas falar de religiosidade é

mais fácil: falar sobre Deus, sobre a vida, sobre a

morte, sobre a doença. Mas quando coloca um rótulo

complica. É totalmente possível falar de uma coisa

sem falar sobre a outra.

Na hemodiálise, por tratar de uma doença muito

grave, é preciso tomar cuidado para o paciente não

achar que ele merece passar por isso. Do ponto de

vista técnico é importante perguntar por causa da

transfusão no caso das Testemunhas de Jeová. Há um

potencial conflito. Eu nunca vivi isso, não sei como me

portaria. É uma discussão ética, e até jurídica,

grande. Não me sinto preparado pra isso não. Do

ponto de vista humano, né? O médico não é uma

máquina... Mas isso é muito pessoal. É importante não

se envolver demais, nem virar gelo. Acho que essa

pesquisa é muito importante para orientar a gente a

como abordar melhor os pacientes, para tentar

raciocinar sobre como isso pode estar interferindo,

como abordar a religiosidade com o paciente. O

médico geralmente não usa muito isso, não é uma de

suas opções de trabalho.

12 – EU ABORDO A RELIGIOSIDADE

DOS PACIENTES EM SITUAÇÕES

ESPECIAIS (adesão de 35%)

DSC 12

Talvez em algumas situações seja importante

conversar sobre religião com o paciente. Quando é

importante para o paciente a gente logo percebe por

que ele traz a religiosidade pra conversa. Se faz parte

do dia a dia dele é importante conversar. Para Eu

converso sobre religião quando o paciente está

precisando, está deprimido, quando ele dá abertura.

Quando percebo que o paciente está mais carente

emocionalmente, pergunto se ele tem religião e

reforço a sua religiosidade. Às vezes os pacientes nos

procuram porque estão muito tristes e você acaba

usando a religião para ajudar os pacientes. Isso

acontece principalmente quando lido com óbito: cito

Deus para que os familiares tenham algum conforto.

Acontece também no caso de doenças mais graves. Há

alguns momentos, quando o paciente está terminal,

que uma palavra, um gesto de carinho... ”Ah, vai dar

tudo certo! Vamos ter fé que vai dar tudo certo!”. De

um modo espontâneo acaba entrando na religião. Não

entro em detalhes, como a vida após a morte, cada

religião tem suas idéias. Eu não consigo deixar de

fazer isso, no sentido de confortar, especialmente em

situação de óbito, de acordo com a base religiosa do

paciente. Já rezei por eles em alguns momentos, tentei

passar uma energia positiva. Quando o paciente não

quer se tratar também apelo para a religião e digo:

53

“tem coisas que a gente tem que passar”. Dentro de

um contexto, é um recurso de convencimento para

fazer o paciente aceitar o tratamento. Para equilibrar

as coisas... Para os pacientes ou é o médico ou é a

religião. Oriento a seguir nos dois, religião e

tratamento. Também faço isso quando a pessoa está

desanimada. Eu acho que o mais importante é

preparar o paciente para o que ele vai passar.

13 – EU ABORDO A RELIGIOSIDADE

DOS PACIENTES USANDO AS SUAS

CRENÇAS RELIGIOSAS

(adesão de 30%)

DSC 13

Eu pergunto sobre a religião dos pacientes. É um item

da história social ou dos seus hábitos de vida. Acho

que é importante perguntar para saber com quem se

está lidando e para ter uma boa relação médico-

paciente. Quando os pacientes querem conversar

sobre religião eu sento e escuto. Os pacientes

costumam me perguntar sobre a minha religião. A

minha resposta é: todas as formas de buscar a Deus

são válidas. Na verdade muitas vezes converso sobre

religião. Já recebi advertências: “você não é analista,

você não é psiquiatra”. Tem que se colocar no lugar

do outro. Às vezes os pacientes dizem: “para Deus

tudo é possível”. Percebo o pensamento de cura

milagrosa. Mas se a pessoa diz que Deus vai curar, eu

não falo isso. Também nunca falo que não existe:

enquanto isso, eu vou tratando. Eu não acredito em

Deus, mas não passo a minha posição para os

pacientes. Eu apóio a crença deles, não tenho

problema com nenhum tipo de religião. Só faço essa

observação: eles devem pedir a Deus serenidade,

resignação, coragem, paciência, sabedoria, que lhe

mostre caminhos, mas não deixem de fazer a

hemodiálise. Eu uso o argumento de que Deus cuida

da gente pela tecnologia e que tudo tem um propósito.

No caso do transplante falo que só Deus sabe quando

vai ser. Uso as crenças da religião da pessoa. Não vou

trazer coisas que eu acredito. Também não entro no

mérito da religião nem fico discutindo: a diversidade é

muito grande. Uso Deus da marca genérica, não uso

das marcas comerciais. Eu uso mais ou menos o que a

pessoa diz. Às vezes os pacientes falam, aí eu

respondo, pergunto... Você percebe que o paciente

quer ouvir. Às vezes o paciente fala e eu respondo

“vamos ter fé”, quando eu percebo que é importante

para ele. Sempre falo aos pacientes e aos familiares

que a gente está fazendo o melhor que pode ser feito e

que é importante ter fé.

14 - SIM, EU USO MINHAS CRENÇAS

RELIGIOSAS (adesão de 30%)

DSC 14

Eu não dispenso a religiosidade apesar de ter uma

formação científica. Quando preciso, uso a

religiosidade como um artifício de um processo de

convencimento. É importante para convencer os

pacientes da necessidade de aderência ao tratamento.

54

É uma forma de tentar confortar também. Às vezes os

pacientes nos procuram porque estão muito tristes e

você acaba usando a religião para ajudar os

pacientes. Até quem diz que não, na hora que o bicho

pega... Tem que se apegar a uma religião. Senão ele

sente um vazio tão grande... Aí eu digo: “procure uma

religião”. Acho que Deus nos faz trilhar os rumos

certos. Alguns caminhos são árduos, até o do filho

dele... Foi o mais árduo de todos. Então a gente não

deve reclamar. Falo isso para os pacientes, não de

uma maneira direta, mas de uma maneira mais amena.

Acredito na reencarnação, na evolução espiritual, na

prática do bem, que quando a gente morrer vai para

outro plano. Algumas vezes tentamos transmitir isso

para os familiares após o óbito dos pacientes e para

os pacientes em situação de sofrimento. Alguns

pacientes falam que Deus mandou a hemodiálise como

uma provação. O paciente fala: “por que eu fiquei

renal crônico?”. Não existe um dilema real nesse

caso. Cada um tem que fazer a sua parte, não é só

Deus. Vários pacientes de hemodiálise me perguntam:

“doutor, por que eu?”. No caso de muitos deles a

gente sabe que certamente Deus não tem nada a ver

com isso. O cara não tomou remédio, não fez dieta,

por que Deus é o culpado? Não sei se estou

ultrapassando uma barreira na relação médico-

paciente, mas eu falo que Deus só dá o que a gente

pode suportar. É uma crença minha e que é um alento

para o paciente. Na verdade, eu falo muito sobre isso:

que as coisas não acontecem por acaso, que o

paciente está passando por um problema que pode não

entender agora, mas que existe uma razão.

Tabela 3 – Adesão ao DSC dos médicos relativos à questão “como você aborda a

religiosidade dos seus pacientes?"

DSC DOS MÉDICOS ADESÃO (%)

DSC 10 – Eu não costumo perguntar, mas

pode ser útil

75%

DSC 11 – Eu acho problemático abordar a

religiosidade dos pacientes

50%

DSC 12 – Eu abordo a religiosidade dos

pacientes em situações especiais

35%

DSC 13 – Eu abordo a religiosidade dos

pacientes usando as suas crenças religiosas

30%

DSC 14 - Sim, eu uso minhas crenças

religiosas

30%

55

Com relação à terceira questão, os discursos revelam que a abordagem da

religiosidade é, antes de mais nada, individualizada no sentido de que não é objeto de trocas

entre os pares. Os discursos mostram que o grupo investigado identifica dificuldades nesta

abordagem, sendo a limitação do tempo a principal justificativa para não abordar a

religiosidade. Mas as dificuldades apresentadas são também de ordem subjetiva caracterizadas

pela insegurança sobre se e como se deve abordar o tema, sendo que, em situações especiais, a

abordagem parece ser vista como mais adequada. Mesmo com dificuldades, o grupo

investigado busca caminhos de lidar com a religiosidade de seus pacientes, incluindo suas

próprias crenças, o que é coerente com o perfil religioso do grupo onde apenas um se declarou

ateu. O grupo percebe que a religiosidade pode ser considerada como recurso psicológico de

apoio na vivência de situações consideradas difíceis e onde está envolvido o sofrimento

humano e a terminalidade da vida humana.

5.3 Perfil dos pacientes

Foram entrevistados 18 pacientes homens e 12 mulheres. Com relação à idade, houve

o predomínio de pessoas com mais de 40 anos, sendo que, desses, 15 tem de 40 a 60 anos e 10

tem mais de 60 anos. Quanto ao restante, apenas 5 têm menos de 40 anos.

Com relação à escolaridade, a maioria possui o nível fundamental: 12 incompleto e 6

completo. Apenas 5 pacientes possuem o nível superior. Os demais possuem o nível médio

incompleto (3) ou completo (4). Quanto à ocupação, a metade encontra-se aposentada. Quanto

ao demais, 9 são do lar e 6 são profissionais ativos.

Com relação às doenças de base1, a maioria é portadora de hipertensão arterial

sistêmica (HAS): 18. Destes, 11 possuem também outra doença crônica (glomeruloesclerose

segmentar focal, infeccção por HIV ou trombocitose essencial, diabetes). Os demais são

portadores de outras doenças crônicas, sendo 7 portadores de diabetes (3 com HAS também).

Outras doenças de base encontradas foram: lupus eritematoso sistêmico, câncer de bexiga,

artrite reumatóide, cirrose hepática alcoólica, glomerulonefrite, linfoma, insuficiência

cardíaca congestiva.

1 Doenças de base são as doenças causadoras da insuficiência renal crônica e que levam à necessidade

do tratamento dialítico.

56

Quanto ao tempo de hemodiálise, mais da metade (22) está realizando o tratamento há

mais 02 anos. Destes, 7 fazem há mais de 03 anos. Os restantes, há menos de 01 ano (9).

Quanto à religião, a maioria é católica (14 pacientes), seguida da religião evangélica (8

pacientes). Outras religiões declaradas foram: a kardecista (2), o candomblé, a messiânica e a

espiritualista. Apenas 3 pacientes declaram não possuir religião, porém possuem crenças

religiosas. A maioria participa regularmente das atividades coletivas de sua religião e o fazem

desde a infância (14). Apenas por motivo de saúde, 4 pacientes afirmaram que não participam

regularmente das atividades. Todos os pacientes religiosos declararam praticar a sua religião

de modo individual e privado. Todos os pacientes, tendo ou não religião declarada, afirmaram

crer em Deus.

5.4 DSC - pacientes

Foram produzidos nove discursos relativos à primeira questão “O que significa fazer

hemodiálise para você?” e sete discursos relativos à segunda questão “Sua religião lhe ajuda

no enfrentamento da sua doença e no seu tratamento?”. Assim como no caso dos médicos, os

discursos produzidos não foram mutuamente excludentes. A seguir, os discursos relativos à

primeira questão “O que significa fazer hemodiálise para você?”.

Quadro 4 - “O que significa fazer hemodiálise para você?”

IDÉIAS CENTRAIS DSC DOS PACIENTES

15 – EU JÁ SOFRI COM A

HEMODIÁLISE (adesão de 83%)

DSC 15

Acabou acontecendo de fazer hemodiálise. A gente

pensa que nunca vai acontecer com a gente, ninguém

pensa em ficar doente. Eu sempre via no hospital, a

gente não dava importância... Eu nunca imaginei... De

repente começou. Desmaiei em casa, fui ao posto e o

médico descobriu que eu estava perdendo os rins. O

médico falou que eu estava renal. Falou pra mim: “eu

vou te internar agora porque você está morrendo”.

Fiquei internado, dali fui para a hemodiálise. O

médico falou que ia botar o catéter e depois uma

fístula. Falou de várias restrições, que eu não poderia

comer tudo que eu tinha no quintal, ter a obrigação de

vir toda semana ao hospital... Me deu uma tristeza

muito grande. Eu não acreditava. Pensava: “Deus não

vai fazer isso comigo!”. Naquele impacto eu fiquei

57

parado, frio, sem ação, tão desorientado que não

pensei em nada, não tive reação... Depois passou

muita coisa na minha cabeça: “por que aconteceu

comigo? Logo comigo? Fulano fez o diabo e está com

saúde enquanto eu... Será que Deus virou as costas

pra mim? Deus não vai fazer isso comigo Eu achava

que não estava renal, que isso não tinha acontecido.

Não parava de pensar: “meu Deus, vou ter que fazer

hemodiálise? Não, Deus não vai fazer isso comigo!”.

Não estava aceitando de jeito nenhum.

Quando eu entrei e vi a máquina pela primeira vez

entrei em desespero! Eu pensei que ia fazer e não ia

resistir. Fiquei arrasado, pensando em desistir. Eu não

queria mais fazer. Eu não acreditava que ia para

aquela máquina e ficar quatro horas ali! Quando eu

pensava que alguém ia ficar cinco horas me

esperando, deixando o que estava fazendo... Saber que

vai depender da máquina... Ficar preso a uma

máquina dia sim, dia não, tira todo o seu norte,

objetivo, realizações, coisas a fazer na sua vida. Eu

era um cara perfeito, era completamente ativo e que ia

ter que ficar como um objeto! Comecei a achar que eu

era inútil, que não era um cara normal... Eu achava

que minha vida não ia ter valor algum. O que eu

pensei ali foi que não só os meus rins pararam, mas a

minha vida parou. Eu tinha projetos, sonhos... Muita

coisa foi abandonada. Toda vez que eu fazia

hemodiálise era como se eu fosse abusado

sexualmente. Aquilo era muito violento! Era como se

tivesse arrancando a minha alma. Também não era tão simples como eu imaginava.

Depois que eu descobri, fiquei muito chateado.

Entendi, mas não aceitei. Vem às complicações, se não

se cuidar direitinho, se não se resguardar passa mal:

fraqueza nas pernas, desânimo de vida, preguiça,

tontura, pressão alterada, tonteira, acabava a

hemodiálise eu caía, botava a comida pra fora... Há

várias restrições: não poderia comer tudo que eu tinha

no quintal, teria a obrigação de vir toda semana ao

hospital... Depois da hemodiálise eu me sentia um lixo.

O catéter eu achava estranho no pescoço. Eu pegava o

ônibus, todo mundo olhando pra sua cara e você tem

que fingir que não está sendo olhado. É pesado,

horrível, pra tomar banho. Só depois que botaram a

fístula melhorou. Mas era o jeito: ou fazia ou morria...

Fiquei psicologicamente arrasado, sofri muito. Entrei

em depressão, tomei remédios de tarja preta. Senti

muita, profunda tristeza... Fiquei chorando uma

semana inteira, muito pensativo, triste pelos cantos,

não dormia, não queria sair, só chorava. Eu não

podia entrar, voltava pra casa chorando. Pensei: “Ah,

meu Deus! Não vou agüentar, eu vou morrer!”.

Também fiquei apavorado, com um medo danado,

incrível, de fazer. De imediato pensei que ia morrer,

que quando eu visse o sangue passando ia morrer.

Tinha dia que eu ficava segurando nas paredes,

entrava de cadeira de rodas. Eu chorava demais, foi

muito triste, não podia entrar aqui, voltava pra casa

58

chorando. Isso durou um bom tempo. Pensei em

desistir. Para mim foi a pior coisa. Minha reação foi

péssima, fiquei transtornado... Foi um tsunami! A casa

caiu, o mundo acabou... Realmente tinha acabado

tudo. Desabei, fiquei totalmente desestabilizado. Tive

sentimentos que ainda não estão catalogados. Foi

horrível, uma doideira, pirei legal... Quis me suicidar

e tudo. Comecei a maquinar a possibilidade de acabar

com a minha vida: dar um tiro na cabeça, me jogar da

janela da enfermaria, de cima da ponte... A gente

costuma dizer: “tem uma luz no fim do túnel”. No meu

caso, não tinha um túnel! O médico explicou: “Sua

vida mudou: ou faz hemodiálise ou vai correr risco de

vida”. Eu disse: “se não tem mais cura, prefiro

morrer!”. Antes o sentimento muito forte era de

morte. Neste momento teria sido bom receber a

orientação de um psicólogo ou o apoio de alguém pra

falar alguma coisa, uma palavra que me desse ânimo...

Mas não tive nem dentro da minha família.

16 - O APOIO DOS OUTROS É

IMPORTANTE PARA FAZER A

HEMODIÁLISE (adesão de 67%)

DSC 16

Eu ouvia falar na hemodiálise. O pessoal faz um bicho

de sete cabeças sobre a hemodiálise, te bota medo.

Pra mim era aquele dragão. Eu tive colegas pacientes

que me diziam que a pior coisa que alguém poderia

ouvir de um médico era que precisava fazer

hemodiálise, que era melhor se matar. No começo

tinha muita gente que morria e meu medo era esse.

Fiquei com aquilo na cabeça: “meu Deus, será que é

tão ruim assim?”. No começo eu relutei, não queria

vir. Fiquei apavorado, nervoso. Isso durou um bom

tempo.

Depois foram conversar comigo. O médico mandou me

buscar em casa. Ele conversou comigo, que eu tinha

que conhecer melhor antes de desistir. O médico

falou: “não, depois você vai pensar direitinho”. Outro

médico falou: “o rim é um órgão que quando pára a

gente ainda sobrevive. Dá pra fazer transplante,

diálise... Não é coisa de outro mundo”. Aí eu pensei

que era para o meu bem. Passei a me concentrar nisso

e me fortaleceu. Me lembrei disso quando comecei a

fazer e ainda me lembro. O psicólogo e a assistente

social falaram que eu ia me recuperar, ia superar, era

só fazer direitinho, que tudo faziam comigo era só

para melhorar. Depois que eu conversei com o

psicólogo eu melhorei, saiu uma nuvem da minha

cabeça. Também fui conversando com a fisioterapeuta,

com a nutricionista, com a secretária e fui me

acalmando. Aí eu mudei de opinião, fui vendo que eu

tinha que fazer, que era para o meu bem e parei de

faltar.

Fiz uma visita antes e isso também me ajudou

bastante. Conversei com uma paciente e ela me falou:

“a gente tem que agradecer a Deus por ter essa

máquina!”. Eu pensei: “é mesmo. Essa máquina é

uma bênção, ajuda a baixar as taxas”. Quando eu

59

entrei na máquina vi que não é aquele bicho de sete

cabeças que pensava. Aí eu peguei as enfermeiras

falando: “calma, daqui a pouco isso aqui vira uma

família”. E vi todo mundo numa boa: a gente começou

a conversar, a brincar... Era uma família. Quando a

gente fica assim, a gente esquece de tudo. Na semana

seguinte já estava mais conformado. Saí daquela fase

de fraqueza. Às vezes eu me revolto, mas depois que eu

comecei nunca mais parei.

Mas a família é o primeiro remédio, o primeiro

despertamento. Tem dia que eu tenho que vir pra cá e

digo: “vou ficar”. Minha família diz: “Não, você tem

que ir”. Se eu reclamo de ir para a hemodiálise, meus

familiares dizem: “não reclama... Graças a Deus

existe essa máquina”. Se eu digo que não quero ir,

eles falam pra mim: “vamos tocar a vida! você vai ter

que viver! Tem que dar a volta por cima! Viva!”. Se

não fosse a minha família, eu teria desistido a muito

tempo. Diante da insistência da minha família, “não

pára, sem isso você não vai sobreviver”, eu mudei de

opinião. Eles não me deixam vir sozinho de jeito

nenhum. Quando não é um, é outro. Ter a família ao

lado é uma coisa que ajuda muito. É muito importante

mesmo! O negócio é o seguinte: mesmo doente, eu vejo

os parentes, converso, abraço... Estou doente, mas

estou com vida!

Muitos pensam que é um sofrimento muito grande: não

é não. No começo foi difícil, mas me animei com as

conversas, o carinho, sempre alguém dando apoio... Acho importante o apoio das pessoas, o carinho, a

dedicação, te tratar como se você tivesse saúde, fazer

as coisas de boa vontade. O apoio moral e o

companheirismo são muito positivos. Tem muitas

pessoas, vizinhos, que sempre ajudam. O apoio moral

é o que me fez firmar.

17 – EU SOFRO COM A HEMODIÁLISE

(adesão de 50%)

DSC 17

Pra mim a hemodiálise não tem importância nenhuma.

É um saco! É muito chato, ruim, horrível! Tem hora

que não agüento mais, tenho vontade de desistir. Até

hoje eu não aceito a idéia. Faço por que sou obrigada.

Eu venho porque tenho que vir, se não vai ficar pior.

Pra mim não é uma coisa boa, mas o que eu posso

fazer? Tem alternativa? Só de saber que vai ficar

preso num lugar desses... Quem é que gosta? O

pessoal diz: “se acostuma”. Mentira! Não tem como

se acostumar não. Parece que o corpo vem, mas a

mente não vem.

É um sofrimento inútil. A gente está fazendo isso, mas

sabe que não adianta: o rim não vai melhorar. Se

fosse uma coisa que melhorasse a gente, mas faz a

gente ficar mais fraca. De repente eu passo mal e tem

que parar a máquina. O meu problema agora é a

máquina. São umas dores nas pernas, uma falta de

ar... Saio cansada. Um dia estou bem, outro dia estou

mal. Dá dor no peito, dor nos joelhos, passo o dia

deitado... Aquela massa muscular, aquela vitalidade,

60

eu senti que fui perdendo, por mais que eu faça o

tratamento.

Sua qualidade de vida é praticamente zero. A

hemodiálise não dá qualidade de vida, ela só prolonga

a vida. Ela me prejudicou muito. A nossa vida, muda

tudo... Eu tive que parar de trabalhar, sempre

trabalhei muito. Parei mais em casa, quase não saio.

Eu viajava, não posso mais porque fico com medo de

passar mal. Fazia exercícios... Praticamente a nossa

vida acaba. Fica restrita a isso: vir pra cá três vezes

por semana, sair de casa de manhã e voltar à noite, já

pra ficar deitada... Perde o dia todo, não tem mais

tempo pra nada.

Também atrapalha a vida da minha família também

por que tem que me trazer. Me aborrece o fato das

pessoas deixarem de trabalhar e estudar pra me

trazerem. Não quero prejudicar ninguém... Eu era uma

pessoa muito ativa, cuidava da família, cuidava de

tudo, de repente, fiquei totalmente dependente. Ter que

depender dos outros aborrece. Nunca tive dependência

de nada, de repente ficar dependente de tudo...

Vir prá máquina e ficar quatro horas está fora do

contexto de uma vida normal. Tenho milhões de coisa

pra fazer e estou aqui... Você fica preso, parece uma

prisão. As pessoas que fazem isso são como

extraterrestres. Às vezes eu me sinto como um

extraterrestre. Tinha que ficar com o cateter no

pescoço, morria de vergonha. Eu pegava o ônibus,

todo mundo olhando pra sua cara e você tem que

fingir que não está sendo olhado. É pesado, horrível,

pra tomar banho. Depois que botaram a fístula

melhorou, mas até pouco tempo escondia o braço...

Eu não penso muito na doença e na hemodiálise. Se

pensar é pior.

18 – EU ESTOU RESIGNADO COM A

HEMODIÁLISE (adesão de 63%)

DSC 18

No início foi pauleira, foi brabo. Não é fácil encarar

isso. Depois fui vendo que eu tinha que fazer. Com o

tempo fui me acostumando, buscando uma

conformação de aceitar o tratamento, não se deixar

levar, entregar os pontos. É uma fase, tem condições

de melhorar e já melhorou.

Para mim a hemodiálise significa viver, seguir em

frente. É a única maneira de sobrevivência que tem: Sem ela já teria morrido, sem ela nada feito. A

importância é continuar vivendo... Mais ou menos, aí

está nas mãos de Deus. Eu penso em não morrer. Se

desistir, como é que vou viver? Não tem como desistir.

Tenho que viver para poder criar meus filhos. Se

preciso fazer, vou continuar fazendo, acompanhando

os médicos.

A hemodiálise faz parte da minha vida. Tem que se

habituar a ela. Faz parte da rotina, venho pra cá,

volto pra casa e tenho uma vida normal. Às vezes você

acorda de manhã e não quer vir. Às vezes você quer

61

ficar em casa. Por uma questão de mau-humor, não

por querer desistir do tratamento. A hemodiálise é

prioritária. É a minha vida, né?

Aprendi a conviver com a hemodiálise. Tinha a

questão estética por causa da fístula, mas depois eu fui

me tranqüilizando. É meio cansativo e dolorido. Mas

hemodiálise é pro resto da vida, não tem jeito não, tem

que se acostumar. Ninguém gosta de fazer isso, mas

não adianta se desesperar. O meu caminho é esse.

Minha vida depende disso agora. Não tinha mais nada

a fazer.

Eu tenho que deixar fazerem isso, senão... Se não fizer,

vai ser um problema muito sério. Fico com medo de

passar mal. Pensei: “A hemodiálise ajuda a baixar as

taxas”.Tudo sobe: pressão, creatina, fósforo,

colesterol... Só de levar tudo, é bem bolado, é positivo.

A gente tem que usar aquilo que for melhor para o

organismo. Tem que ser valorizada como você

valoriza a vida. Enquanto o organismo aceitar, você

vai bem.

Procuro tirar lições das situações que estão

acontecendo. Tudo aconteceu no seu devido momento.

Se é meu, eu tenho que abarcar e levar até o fim.

Agora não esquento mais, vejo as coisas de outra

maneira. Ser humano é ser humano. As coisas

acontecem em nosso organismo por que tem que

acontecer. Não tem que contestar a natureza. Tem que

aceitar, se tratar e deixar correr. Contra a natureza

ninguém consegue lutar. Se você se desesperar é pior

ainda. Se olhar bem, tem doenças piores, ainda tem

esse recurso. Hoje existe hemodiálise, houve um tempo

que não tinha. A hemodiálise é uma coisa que salva

muitas pessoas. Ajuda muito. Foi a melhor coisa que

inventaram pra isso. Eu sou um privilegiado porque

tem muita gente que não consegue lugar pra fazer

hemodiálise. Tem gente que não encontra esse

tratamento e eu tive sorte.

Hoje eu estou bem, tranquilo. Eu não me revolto, não

me permito entrar em depressão. Eu não gosto de

hemodiálise, mas traz benefícios pra mim. Não venho

com alegria, seria masoquismo... Venho com a

consciência de que tenho que fazer. Eu tive que

escolher: fazer ou morrer. Tem a conformidade de que

futuramente vou poder ficar bem melhor. Quando eu

saio daqui eu nem lembro que estou doente. Hoje pra

mim é um esporte.

19 – EU NÃO SABIA SOBRE A

HEMODIÁLISE (adesão de 37%)

DSC 19

Os médicos disseram que os meus rins tinham

parado... Pensei: “vou morrer!”. Não foram

conversar, mas queriam logo me trazer pra fazer

hemodiálise. Fiquei apavorada, né? Na primeira vez,

entrei com naturalidade, sem saber o que era... Levei

um susto sem saber o que fazer. Passou um monte de

62

coisas na minha cabeça... “o que é isso,

hemodiálise?”. Sinceramente, não sabia nada sobre o

tratamento, nunca tinha ouvido falar, não tinha

conhecido ninguém que tinha feito, não tinha

informação. Os médicos não passam, se a gente não

perguntar... Não sei explicar direito por que, mas eu

fiquei meio retraído... O médico vai explicar e eu não

vou entender, então deixa pra lá... Me mandaram vir

fazer e eu vim...Pensei: “seja o que Deus quiser!”.

Eu pensava que estava com câncer, com AIDS, por

causa do meu emagrecimento, que não ia durar muito

tempo, que ia correr risco de ter outros problemas,

problema de coração, que ia fazer e não ia resistir,

que tem gente que morre durante o tratamento.

Perguntando a equipe, não encontrei uma explicação,

nem os médicos souberam explicar. Só entendi que o

meu rim não filtrava mais, que o negócio era tirar o

líquido e a impureza. Mas tive curiosidade de saber

mais como é que era. Pesquisei na internet e descobri.

Fui estudando e entendendo. Fui vendo que o que

acontece comigo acontece com muitas pessoas: tem

muita gente ficando renal. Não é injustiça, isso

acontece mesmo... A hemodiálise é para melhorar,

mas é muito pouco divulgada. Tem muita gente que

não conhece.

20 – EU FAÇO HEMODIÁLISE PARA

TER QUALIDADE DE VIDA

(adesão de 30%)

DSC 20

A hemodiálise pra mim é qualidade de vida. É uma

para viver melhor. Pra mim significa viver de novo.

Quem me conhecia antes e me conhece agora sabe que

eu estava morto. Hoje sou outra pessoa. Depois que eu

comecei a fazer hemodiálise... Puxa! Uma maravilha!

Minha qualidade de vida mudou 100%. Quem me

conhecia antes e me conhece agora sabe que eu estava

morto. Tenho mais disposição, passo menos mal. Antes

eu não conseguia subir escada, aquela canseira que eu

sentia, saiu tudo. Era muito cansaço, sentia até

quando tava falando... A pressão era altíssima...

Melhorou tudo, até o meu astral: estou mais tolerante,

motivada, estou querendo trabalhar de novo. A

hemodiálise me dá condições de tocar a minha vida,

me dá a chance de poder sonhar. A gente não pode se

deixar levar, senão a gente vai ficar sempre deitada e

desistir da vida. Tem que curtir a vida. Por que eu vou

me revoltar se a hemodiálise só me traz benefícios? É

muito ruim ficar intoxicada. Como é que eu ia ficar

intoxicada, vomitando? Eu gosto de vir pra

hemodiálise, às vezes eu conto os dias pra vir. Pra

mim está uma beleza, adoro.

63

21 – EU FAÇO HEMODIÁLISE

ENQUANTO ESPERO O

TRANSPLANTE (adesão de 23%)

DSC 21

Acho que todo mundo espera o transplante. Houve

muita conversa que tinha que fazer bem a hemodiálise

pra não perder a chance de fazer o transplante.

Quando soube que poderia fazer o transplante eu

fiquei todo bobo! Eu penso comigo assim: “eu tenho

que melhorar, ficar bom, fazer esse transplante logo”.

Não posso fraquejar até fazer meu transplante. É o

único motivo para largar a hemodiálise. Enquanto não

chegar um órgão compatível a hemodiálise eu vou

fazendo. Transplantado é outra vida. Lembrar do

transplante me anima.

22 – EU DOU UM SENTIDO

RELIGIOSO À HEMODIÁLISE

(adesão de 17%)

DSC 22

Nada acontece por acaso na nossa vida, sem a

permissão de Deus. Tudo tem objetivo. Existe uma

predestinação com relação a algum fato que você não

pode mudar. Eu acredito em causa espiritual. As

doenças surgem para purificar o espírito. Você tem

que passar por doenças para se purificar. Se a pessoa

entender que ela está sendo purificada, ela pode

deixar de sofrer. A hemodiálise é uma purificação do

sangue e o sangue é a materialização do espírito. Acho

que a doença e a hemodiálise são uma grande prova.

O ouro pra ficar bonito tem que passar pelo fogo, tem

que ser refinado.

A gente tem um fardo pra carregar. Tem uns que são

mais pesados, outros que são mais leves. A minha foi a

hemodiálise. É pra ver até onde o espírito agüenta.

Doenças e sofrimento... Jesus não passou? Tem

pessoas que parecem que são escolhidas. Deus escolhe

o cara para saber se ele é um ser humano de bom

coração. Eu acredito que fui escolhido por Deus. Tem também as consequências da vida: excesso de

gorduras, açúcar, álcool... Mas Deus escolhe o cara

para saber se ele é um ser humano de bom coração. Pra alguma coisa vai servir... Um exemplo pras

pessoas que estão passando por problemas, às vezes

até piores... Pra não desanimarem diante das

dificuldades, tocarem a vida pra frente, estudarem.

Deus está me usando pra edificar a eles. A minha

doença uniu mais a minha família. Meus familiares

estão sempre lá em casa, passaram a ajudar mais uns

aos outros. A hemodiálise é uma situação em que a

gente aprende a amar mais a Jesus e ao próximo. Foi

um ganho.

64

23 – EU FAÇO HEMODIÁLISE, MAS

NÃO ESPERO O TRANSPLANTE

(adesão de 10%)

DSC 23

Eu não tenho opção: ou eu faço hemodiálise ou eu

faço transplante. Eu quero a cura. Transplante é a

troca de doença. Se for para o transplante só saio da

máquina, mas vou continuar tendo uma vida toda

cheia de restrições, vou continuar tomando remédios.

Estou nas mãos de Deus: na hora que ele decidir que

acabou, acabou. De repente, ele põe um transplante

no meu caminho. Mas eu não fico contando com isso

não. Conheci pessoas que fizeram transplante e

tiveram que fazer de novo hemodiálise. Já pensou?

Você com um rim novo e ter que voltar a fazer

hemodiálise? Eu tenho até medo de fazer transplante e

ficar pior.

Tabela 4 – Adesão aos DSC dos pacientes relativos à questão “o que significa fazer

hemodiálise para você?”

DSC DOS PACIENTES ADESÃO (%)

DSC 15 – Eu já sofri com a hemodiálise 83%

DSC 16 - O apoio dos outros é importante

para fazer a hemodiálise

67%

DSC 17 – Eu estou resignado com a

hemodiálise

63%

DSC 18 – Eu sofro com a hemodiálise 50%

DSC 19 – Eu não sabia sobre a

hemodiálise

37%

DSC 20 – Eu faço hemodiálise para ter

qualidade de vida

27%

DSC 21 – Eu faço hemodiálise enquanto

espero o transplante

23%

DSC 22 – Eu dou um sentido religioso à

hemodiálise

17%

DSC 23 – Eu faço hemodiálise, mas não

espero o transplante

10%

Os discursos relativos à primeira questão mostram que a hemodiálise é percebida pelo

grupo investigado como uma situação de vida muito difícil de ser enfrentada e que traz

sofrimento, sendo o momento inicial do tratamento considerado o mais crítico, quando

65

predominam o sentimento de perplexidade e desespero, os incômodos com os procedimentos

e os efeitos colaterais, além da necessidade de apoio profissional e pessoal. Pode-se observar

claramente o quanto o grupo compreende o início da hemodiálise como um ponto de ruptura

na sua vida, tão violento em que se pensa até em suicídio. Neste quadro, predomina a

desinformação sobre a hemodiálise em que, na ausência de informações que poderiam ser

comunicadas de modo compreensível no contexto hospitalar, predominam as tentativas

individuais de buscar respostas sobre o que é e o que leva a fazer a hemodiálise, seja por meio

de especulações ou de pesquisas em fontes não indicadas pelos profissionais, como, por

exemplo, em sites da internet.

Ao mesmo tempo, os discursos mostram que a situação inicial de tratamento pode ser

superada, especialmente com o apoio, tanto de profissionais quanto de pessoas do seu meio

social, sendo vivida como algo normal e que promove a qualidade de vida. Neste momento de

superação o grupo oscila entre a experiência de resignação, em que se enfatiza o valor da

sobrevivência acima dos incômodos vividos no tratamento, e a euforia, em que se valoriza a

melhora do quadro clínico e a recuperação das possibilidades de viver mais plenamente.

Portanto, o grupo expressa de modo ambivalente o sofrimento por ter que fazer hemodiálise e

a satisfação por poder usufruir dos benefícios deste recurso médico.

Como elementos que auxiliam nesta superação, seja animando ou confortando,

encontram-se a esperança de poder realizar o transplante, embora não para todo o grupo, e o

sentido religioso dado à doença e ao tratamento. O transplante anima por ser considerada uma

“cura” e uma possibilidade de viver uma “outra vida”. Já o sentido religioso conforta pelo

motivo oposto: ao não esperar a “cura”, resta encontrar na religião razões para aceitar e

enfrentar a doença.

Por último, os discursos relativos à segunda questão: “sua religião lhe ajuda no

enfrentamento da sua doença e no seu tratamento?”.

Quadro 5 - “Sua religião lhe ajuda no enfrentamento da sua doença e no seu

tratamento?”

IDÉIAS CENTRAIS DSC DOS PACIENTES

24 – AS MINHAS CRENÇAS ME

AJUDAM A SUPORTAR A DOENÇA E

DSC 24

Deus significa a minha vida, o meu alicerce. Deus tem

me sustentado, ele é fiel. Acredito com certeza que

66

O TRATAMENTO (adesão de100%) Deus me ajuda muito. Nas minhas aflições eu sempre

clamo a Deus. Quando estou na pior é a Deus quem eu

busco. Não entro em desespero porque creio em Deus.

Se não fosse ele... Eu não agüentaria, não estaria aqui

na terra. Acredito na intervenção de Deus, no poder

dele. Se ele não ajudar quem vai ajudar? Ninguém! De

um jeito ou de outro, Deus sempre ajuda a gente. Tudo

que eu peço, Deus me devolve. Não sei como... Eu não

consigo quantificar, é um sentimento. Eu tenho fé, tem

que ter fé. Eu sinto que ele me ajuda e não tenho a

menor dúvida. Essa fé que eu tenho é que me fortalece.

Deus me ajuda muito nas coisas que eu preciso e não

tenho condições de obter. Eu penso muito em Deus, só

ele pode resolver certas coisas. É muito bom! Faz

uma diferença incrível, você não tem noção!

Todos os dias eu oro, rezo, escuto uma oração. Eu

sinto forças quando estou orando. Quando eu me sinto

angustiado eu leio a Bíblia. Estudo a Bíblia, ela

mantêm a minha esperança. A música religiosa

também ajuda, Também ajuda ouvir uns louvores,

procuro estar sempre ouvindo. Também ouço orações

e mensagens nos programas de rádio e televisão.

Busco ajuda nos cultos, freqüento as reuniões e as

atividades da minha paróquia. Eu sinto muita paz

quando estou na igreja. É mais na igreja, mas sinto em

toda parte, em todos os momentos da nossa vida Deus

nos acompanha. Não tem mais nada a fazer, nunca é

demais. Ajuda a manter acesa esta expectativa

positiva, não me deixa desviar o foco.

Minha fé me ajuda na situação em que estou agora, na

doença. É muito importante, tem sido fundamental pra

enfrentar a doença. Na hora em que a gente está

deitada, doente, a gente grita logo por Deus. Quando

eu vim pra cá eu não andava. Nos momentos mais

difíceis da minha doença eu me apego a Deus. No caso

de doença, se o homem não está conseguindo resolver,

só Deus mesmo. Deus é quem me dá forças pra

enfrentar a doença. Nada mais. Tive que buscar forças

nele para continuar. Tem hora que eu penso que uma

oração faz mais efeito que o próprio remédio. Eu já

tenho isso comigo que a fé em Deus e a oração feita

com fé trazem um efeito superior a qualquer

medicamento. Nos momentos mais difíceis, primeiro

falo com Deus e ligo pra igreja. Depois pego os

remédios. É justamente essa fé que me aponta para

um final feliz, uma saída pra essa situação. É Deus

quem me dá forças pra sobreviver. Penso mais nele

ainda e melhoro logo.

Pra mim, Deus está no que eu estou fazendo na

hemodiálise, desde quando entro até quando saio do

hospital. Os médicos ajudam, mas se não for a ajuda

de Deus a gente não vence de jeito nenhum. Deus me

dá condições para enfrentar a doença, mas tenho que

me esforçar. Eu peço muito a Deus quando estou

desanimada. Aí eu me sinto melhor, melhoro. Vou à

igreja aos domingos, assisto ao pastor, faço oração

em casa, peço muito pra ter força e continuar vindo à

hemodiálise. Como Deus me ajuda! Até dormindo... A

67

gente acorda ruim e pensa: “eu não vou, não”. Mas

Deus me dá forças e eu penso: “vou sim”. Eu rezo e é

aí que eu encontro forças pra seguir meu tratamento.

Dá vontade de desistir e aí eu recupero a vontade de

continuar. Peço a Deus força pra chegar e voltar pra

casa. Termino a hemodiálise e agradeço a proteção

dele; quando chego em casa também. Quando eu estou

vindo ou quando eu estou na hemodiálise, eu peço a

Deus pra que tudo dê certo. A punção dói, às vezes

não conseguem. Se estou com muita dor ou um

problema no cateter, ele me ajuda. Deus está me

protegendo. Às vezes eu estou passando mal e eu oro...

Graças a Deus sempre melhorei. Às vezes não tenho o

que pensar enquanto faço hemodiálise, aí eu fico

orando e, de repente, o tempo passa. Oro pra encher a

cabeça. Faço minha hemodiálise sem complicações.

Vejo tanta gente com complicações... Eu não sei

quando vou fazer o transplante, tem muita gente

esperando... Peço a Deus para não desanimar.

Se o Senhor não pode me curar, me dá paz de espírito,

para não sofrer e não sentir dor. Às vezes sinto um

vazio, um pânico... É como um vento que dá e passa.

Quando eu estou muito angustiado, triste, eu busco um

conforto nas orações. Eu converso com Deus, faço o

meu lamento, o meu desabafo, “ai, meu Deus! O que é

que está acontecendo?”, e me sinto confortado, as

coisas vão melhorando, acalmando... Eu sinto uma paz

e fico alegre. Em casa, quando alguém vem perto de

mim para orar, eu sinto uma melhora muito grande.

Aquela angústia, aquela dor, não foi o remédio...

Daquela hora em diante passo a me sentir melhor,

dormir melhor. Isso ajuda a ir em frente. Acredito que

Deus sempre dá um conforto espiritual, um tipo de

paz. Pra conviver com tudo isso, é preciso ter muita

paz. Se não você não agüenta, não. Por que se você

deixar os problemas da vida te levarem você vai tentar

se matar. Se não fosse pra Deus me ajudar, ele já

tinha me levado. Ele já tinha me tirado a idéia de ir

pra frente. No começo eu pedia a ele proteção e força

para não fazer nenhuma besteira. Eu não podia fazer

besteira porque a minha religião diz que quem se mata

é covarde e não tem sossego do outro lado. Mas minha

fé é que Deus está sempre agindo, sempre olhando por

mim, não me deixa sozinho. Sem Ele eu não

conseguiria passar o que eu passo. Se eu estou

sofrendo hoje, amanhã será diferente.

Os ensinamentos da minha religião me dão sabedoria

para enfrentar as adversidades. Ajuda a ter mais

entendimento do que você ta passando e a ter uma

vida mais feliz. Ele me ajuda me dando sabedoria,

paciência, conhecimento... Conhecer as coisas dele.

Peço a Deus todo dia pra ele restaurar meu rim e me

dar sabedoria pra poder suportar tudo isso. Eu tenho

essa concepção: nada é por acaso. Muita gente diz:

“Deus não me ajuda”. Não! A gente tem que entender

que muita coisa acontece por nossa causa. A gente não

sabe o que fez na vida passada... Tudo tem um

merecimento. Se a gente pensar legal, Jesus sofreu pra

68

caramba... E Jesus é Deus! Jesus é um exemplo de

vida para mim. O cara queria o bem pra todo mundo e

ainda foi crucificado. Quando eu penso na minha

situação... Quem sou eu pra questionar isso? Por que

a gente não pode sofrer um pouco também? Faz parte

da vida. Acho que cada um tem que carregar a sua

cruz. Me consola quando eu penso no que Jesus

passou na cruz: qual é o sofrimento maior que este?

Ele veio pra isso. Não é que ele merecesse, ele tinha

uma missão. Ele não queria sofrer, mas suportou.

Penso: “por que está acontecendo isso comigo?”.

Olho pra trás, não fiz nada demais. Mas o espiritismo

diz que você tem que zerar o que você fez aqui para

partir do tempo. Eu poderia estar com um pensamento

totalmente contrário, com certa revolta. Mas eu

sempre peço a Deus assim: “se estou passando por

isso, não me dê nem mais nem menos, mas na medida

certa”. Aí eu suporto. Deus não lhe dá a vida que você

não possa suportar.

25 - EU ACREDITO NA CURA DIVINA

PARA A DOENÇA RENAL

(adesão de 73%)

DSC 25

Eu tenho pedido a libertação dessa doença. Se você

não tem saúde você não é nada. Deus te dando saúde é

a melhor coisa. Peço a ele pra dar vida aos rins, pra

eles fazerem o que eles faziam. Tenho buscado a cura

pela oração por que Deus pode todas as coisas, se for

da vontade dele. Deus levou consigo todas as nossas

enfermidades e todas as nossas dores. Ele tem o poder

de restaurar a saúde do ser humano. Na minha

religião há vários casos de cura. Já passei por várias

situações de risco de vida e Deus esteve ali para me

ajudar através das pessoas, dos médicos, da família,

nos momentos críticos pra me dar vida.

Eu acredito que, apesar do meu caso ser complicado,

um dia vou ser curado. Tem que acreditar, senão a

gente se entrega a doença. Eu tenho uma fé, uma

esperança de recuperação... Onde há fé, há esperança.

Se eu creio então é “show de bola”, a coisa vai

funcionar. Creio que Deus vai dar esse presente, essa

alegria para mim e minha família. Eu acredito que o

meu tempo na hemodiálise está contado. Por que eu

acredito em um milagre. E ele está muito próximo.

Mas não fico preocupado com o tempo. O tempo que

precisar eu fico fazendo hemodiálise. Na minha igreja

falam pra esperar em Deus a cura e ter fé. O milagre

acontece todos os dias. É só uma questão de tempo

Se Deus achar que eu devo ser curada, eu vou receber

um rim para transplantar. Estou nas mãos de Deus: de

repente, ele põe um transplante no meu caminho.

Acredito que vai chegar o mais rápido possível. Mas

não fico pedindo que isso vai acontecer. Alguém tem

que morrer pra eu receber... O que tiver que ser meu

vai ser no seu tempo. Quando vier o transplante, veio.

Enquanto isso eu vou fazendo a hemodiálise

tranquilamente. Se não tiver o transplante, acredito

69

que ele vai me dar a cura assim mesmo.

Eu acredito no milagre, mas tem que ter merecimento.

Talvez a minha fé não seja para tanto. Se Deus achar

que a pessoa deve ser curada, ela vai ser. Eu peço a

cura ao Senhor para mim e para os meus amigos da

hemodiálise. Se for da vontade dele curar, tudo bem.

Quem sabe um dia eu consigo?

26 – EU CONCILIO MINHAS CRENÇAS

RELIGIOSAS COM A MEDICINA

(adesão de 70%)

DSC 26

A ciência e a medicina vêm de Deus. Existe uma luta

entre o bem e o mal também na ciência. É a luta da

humanidade pelo bem. Percebe que a doença é uma

coisa do mal e começa a trabalhar essa questão, busca

uma solução para isso. É uma pesquisa incessante,

usa de todas as ferramentas que forem possíveis. Vejo

os médicos como agentes de Deus, como anjos, que

estão lutando contra esse mal. Obviamente que eu vou

procurar ajuda nos profissionais que tratam da

patologia. Mas buscar a Deus é sempre. Não são

coisas mutuamente excludentes. Eu procuro não ficar

bitolado na religião. A ciência está aí para contribuir.

O médico é uma coisa, o padre é outra. Geralmente o

médico é ateu. Já aconteceu de descobrir que o médico

era ateu. O ateu não acredita em nada, só acredita

nele mesmo. Então não adianta pedir. Cada um tem o

seu pensamento. Mas o padre não vai se meter com

médico nem o médico se meter com o padre. Não

misturo as coisas. Na minha concepção é o seguinte:

temos o lado espiritual e o lado material. O médico

não tem nada com o lado espiritual. Ele cuida do

corpo. Aí é evidente que não vai ter conflito. Tenho

consciência que os médicos estão aí para nos ajudar.

Que Deus esteja sempre na frente, mas em primeiro

lugar eu procuro os médicos.

Deus é o médico dos médicos; sem ele, médico nenhum

teria sucesso. O médico não é médico por que ele

estudou, mas porque Deus o constituiu para ser

médico, para cuidar das pessoas. Tudo o que o médico

faz, faz porque Deus quis, na esperança de um

tratamento que, junto com a fé em Deus, possa trazer

cura. Deus bota a mão para os médicos irem certo. Os

médicos falam, mas é Deus quem opera. Não há

contradição alguma, isto é o certo. Espiritualmente é

Deus, é o único que pode ser, mas tem que procurar o

médico. Deus está agindo no médico, dando

sabedoria, para saber qual é o problema que estou

tendo e qual é o remédio que eu estou precisando. Tem

os médicos, sem eles a gente não melhora. Eles são

fundamentais. Acho que é uma profissão divina,

inigualável. Pessoas que trabalham dedicadas,

cuidando do sofrimento dos outros.

Na minha igreja falam que a gente sempre tem que

estar no médico, que apesar de Deus curar, que tem os

profissionais que estão aqui o tempo todo... Falam pra

Deus abençoar os profissionais que estão com a gente,

70

que na hora que eles cuidassem da gente, que Deus

tocasse neles. Estou sempre pedindo a Deus que

oriente os médicos. Senão dá um nó na cabeça da

pessoa... Se Deus não der capacidade para os

médicos, o que seria? Se Deus não ficasse olhando, o

que seria? Peço que Deus guie as mãos dos médicos

para que corra tudo bem. Você pode pedir que os

médicos vão fazer aquilo que o Senhor determinar na

mente deles. As enfermeiras também podem errar, isso

aqui é muito perigoso. Agradeço a Deus porque ele

deu inteligência aos médicos pra cuidar de mim.

Na minha igreja falam que a gente que fazer as coisas

que o médico manda. Na minha igreja dizem que a

gente não pode abandonar o tratamento e, ao mesmo

tempo, não perder a fé e continuar orar até ser

atendido. Nunca me falaram para deixar o tratamento.

+Falam a mesma coisa que os médicos falam: é

importante não se opor ao tratamento, é necessário

que se faça. Se na minha igreja me mandarem parar

de fazer o tratamento, eu não paro: vou pra outra

igreja. Oro e tomo os remedinhos, faço o que deve ser

feito. Sempre quando passo mal venho para o hospital.

Se fosse para ser assim, Deus não daria o dom para o

homem, para os médicos. Tem gente que procura a

igreja e não o médico. Eu até questiono as

Testemunhas de Jeová que dizem não poder fazer

transfusão de sangue. Isso é coisa material do ser

humano.

A minha religião não me proíbe de tomar

medicamentos, de nada. A minha religião fala muito

de agricultura natural, alimento sem agrotóxico. A

gente acredita que esses alimentos contribuem para a

cura das doenças. A gente acredita que tem que haver

a limpeza do espírito e a limpeza da matéria, um

equilíbrio entre os dois. Não adianta querer limpar

uma coisa e não limpar a outra. A Bíblia diz sobre o

que faz bem e o que faz mal, que é preciso ter uma

vida regrada. Na minha religião orientam a gente a se

cuidar.

Peço a Deus a cura também através dos médicos. Eu

não sou desses caras que ficam buscando cura, não. A

maioria dos problemas os médicos resolvem. Nem

tudo você pode dizer que Deus vai resolver. Se Deus

me libertar dessa doença, tudo bem; se não, tenho que

levar até o fim. Na minha igreja só pedem pra você

crer em Deus, que se você crer, ele vai te curar. Mas

se o padre falar: “você está curado”, é claro que eu

não vou acreditar. Quem é ele pra falar isso?

Nos momentos mais difíceis eu procuro os médicos

porque eles são as pessoas ideais para o meu

problema. Religião é uma coisa totalmente diferente

de tratamento. Se eu preciso de alguma coisa difícil,

eu posso pedir a Deus pra conseguir. Peço força,

coragem, para suavizar meu sofrimento. Mas doença é

outra coisa. Se você vai comer coisas gordurosas, você

vai ter problema nas articulações... Então tem que

evitar comer gordura, se não evitar vai ter problema.

71

27 - EU RECEBO APOIO DE GRUPOS

RELIGIOSOS (adesão de 57%)

DSC 27

É essencial ter alguém que me apóie. Os amigos,

adeptos de várias religiões, fazem orações, preces,

visitas. Alguns me visitaram em casa, outros me

encontraram em outros ambientes, outros me

telefonaram. Isso me ajudou muito. Outras pessoas, de

diversas religiões, me visitaram na enfermaria

oferecendo orações. Me perguntaram se teria algum

problema fazer uma oração, uma reza. Falei: “fiquem

à vontade, por favor”. Às vezes eu estava fazendo

hemodiálise e eles estavam esperando para me ver na

enfermaria. As palavras me dão forças, são sempre

bem-vindas.

Recebo apoio da minha igreja, eles vão lá a casa

conversar, orar, dão sempre uma palavra de conforto.

Quando eu vou às reuniões eles conversam comigo,

estão sempre indo lá em casa dando apoio. O pessoal

da minha igreja me estimula muito. O pessoal sente

falta de mim. Sempre tem um pra comentar: “o que

houve?”, “puxa, em vista do que você estava, você

está bem melhor!”. As pessoas da minha igreja estão

sempre ligando pra mim, vão me visitar, mostram uma

preocupação, um interesse em saber como eu estou,

como está esse tratamento, se estou vivo. As pessoas

da minha igreja estão sempre me visitando, telefonam,

e marcam reunião lá, me levam pra igreja. Eu fico

feliz. O pessoal da igreja é mais ligado do que o

pessoal de casa... São coisas que levantam o moral,

dão alto astral.

O envolvimento com a reunião, o contato com as

pessoas é estimulador. A igreja faz muito passeio, aí

eu vou. O ônibus vai cheio, a gente vai conversando...

É muito bom. A melhor coisa é sair de casa, fingir que

não é doente. O renal não é doente, ele só tem um

problema renal. Nos passeios da igreja, você se

distrai, finge que não é doente. Todo mundo trata você

normal, não como uma pessoa doente. Mexem comigo,

fazem aquelas brincadeiras... Tem dia de domingo que

eu ajudo a distribuir a água ungida e o jornal da

igreja... Distrai. É bom pra mim.

Tem ministro na igreja: quando você quiser conversar,

receber alguma orientação, eles estão lá disponíveis.

Uma vez pensei em desistir do tratamento. Aí fui

conversar com os cabeças da minha igreja e isso foi

abrindo a minha mente, explicando que a hemodiálise

é boa pra saúde. Falam que não pode desistir da vida,

ficar com maus pensamentos e que tudo tem sua hora.

É uma palavra amiga.

Na minha casa nunca faltou ninguém. Sempre tinha

alguém pra conversar, levar uma palavra, um texto

bíblico, “não desanimes, Deus está contigo”, sempre

uma palavra de ânimo. O pastor ligou lá pra casa e

perguntou: “posso ir aí agora?”. Eles dizem:

“qualquer coisa que precisar, o padre vai!”. Também

72

vão se eu tiver necessidade de cesta básica. Eles falam

que se precisar de remédio de qualquer coisa, eles

ajudam. Perguntam se estou precisando de alguma

coisa, como estou indo, se preciso de alguém pra fazer

alguma coisa. Isso me ajuda, me deixa mais tranqüilo.

28 – EU QUASE NÃO CONVERSO

SOBRE RELIGIÃO COM OS MÉDICOS

(adesão de 40%)

DSC 28

No hospital eles nunca conversaram sobre religião. Só

me perguntaram qual era a minha religião e acabou.

Faz muito tempo, fizeram muitas perguntas, fazendo a

ficha para o meu prontuário ou preenchendo um

questionário. Mas aqui nunca foi feito nenhum

comentário sobre religião. Nunca conversei com a

equipe de saúde sobre isso. A maioria das pessoas que

me abordam tão mais preocupadas com a minha

doença do que com um assunto mais pessoal.

Infelizmente há muito preconceito.

Quando eu vim fazer a minha admissão, o médico

perguntou qual era a minha religião e mais nada. Os

médicos não se metem com a religião. Nunca puxaram

esse assunto nem falaram nada. Mas teve um gesto que

um médico fez. Falei que Deus estava em minha vida,

aí ele falou em Deus. Eu gostei e achei isso muito

importante.

Tem umas enfermeiras que são religiosas, a gente

conversa... Elas sabem dos meus problemas. Elas têm

uma palavra de conforto, de carinho. Quando eu

quero, boto um cordão e a pulseira de São Jorge.

Ninguém nunca falou nada. Mas nunca ouvi os

médicos falarem sobre isso na hemodiálise.

A maioria dos pacientes fala da religião deles e eu falo

da minha. Com os pacientes eu converso. A gente

entra na conversa e vai renovando as forças. Eu já

falei com companheiros de quarto, internada, sempre

entre nós.

Na enfermaria toda semana ia alguém orar, às vezes

no mesmo dia, entrava um e saia outro. Mas aqui na

hemodiálise não. Eu gostaria que viesse.

29 – FIQUEI MAIS RELIGIOSO APÓS A

DOENÇA E A HEMODIÁLISE

(adesão de 20%)

DSC 29

Depois que eu comecei a fazer hemodiálise estou mais

religioso. Busquei a religião por causa da doença. Na

hora do sofrimento ligado à saúde, eu procuro em

primeiro lugar ajuda na minha religião. Desde que eu

fiquei doente eu passei a orar, ir às missas, falar com

o padre... Agora estou até lendo a Bíblia demais. Tem

que buscar, senão não dá em nada.

A última vez que eu pensei em desistir da hemodiálise

foi em cima de uma maca. Eu comecei a me lembrar

da minha infância, senti que tinha que voltar às

origens. Aí voltei a freqüentar a igreja. Eu faço o terço

todo dia, quando deito e quando levanto. Agora eu me

73

sinto mais firme, como se estivesse no caminho em que

devo andar.

Depois que os médicos falaram que não vão me

inscrever para o transplante eu passei a crer mais em

Deus. Quando a coisa aperta a gente pensa mais em

Deus. Até o cara que não acredita, quando a coisa o

aperta ele chama o nome de Deus. Você fica sem saber

o que fazer.

30 – EU NÃO ACREDITO NA CURA

DIVINA PARA A DOENÇA RENAL

(adesão de 10%)

DSC 30

A fé de curar eu não tenho não. Até porque eu não

tenho um exemplo de que aconteceu isso. Existe a

realidade: eu não vou ficar bom nunca. Nem com

médico quanto mais com religião. A cura não existe, a

não ser que eu faça um transplante. Mesmo assim eu

peço que o Senhor me dê uma vida melhor. Eu sinto

muita dor no peito, falta de ar... Eu acredito que possa

melhorar. Pra doenças leves eu acredito, peço a cura.

Mas sei que não tem jeito não: enquanto eu viver,

tenho que fazer hemodiálise.

Tabela 5 – Adesão aos DSC dos pacientes relativos à questão “sua religião lhe ajuda no

enfrentamento da sua doença e no seu tratamento?”

DSC DOS PACIENTES ADESÃO (%)

DSC 24 – As minhas crenças me ajudam a

suportar a doença e o tratamento

100%

DSC 25 - Eu acredito na cura divina para

a doença renal

73%

DSC 26 – Eu concilio minhas crenças

religiosas com a medicina

70%

DSC 27 - Eu recebo apoio de grupos

religiosos

57%

DSC 28 – Eu quase não converso sobre

religião com os médicos

40%

DSC 29 – Eu fiquei mais religioso após a

doença e a hemodiálise

20%

DSC 30 – Eu não acredito na cura divina

para a doença renal

10%

Os discursos relativos à segunda questão expressam que o grupo investigado inclui a

crença religiosa como característica de seu perfil sociocultural e em grande parte vinculado à

74

atividades de religiões como orar individualmente e participar de suas igrejas. Para o grupo, a

fé em Deus é o elemento comum e central na sua religiosidade, sendo considerado como uma

necessidade vital, mesmo quando não se tem adesão à instituição religiosa. Deus é percebido

como um ser totalmente confiável que sustenta, ajuda e atende aos pedidos, especialmente nos

momentos mais difíceis, dentre eles os relacionados à saúde. Por esta razão, observa-se que

religiosidade foi despertada ou intensificada após a doença e a hemodiálise.

Os discursos mostram que a religiosidade está presente em todo processo de

enfrentamento da doença e do tratamento, desde o deslocamento da casa até o hospital,

passando pelos incômodos vividos durante as sessões (punção, problema no cateter). Neste

sentido, destaca-se como função das crenças religiosas o fortalecimento pessoal, o alívio da

angústia e da tristeza, a motivação para continuar o tratamento, além da esperança de

resolução dos problemas aparentemente insolúveis. Quanto a isto, prevalece a esperança da

cura para a doença renal, mesmo que de modo hesitante, o que não é considerado um

impedimento para o discurso de conciliação entre as crenças religiosas e o conhecimento

médico. Neste sentido, houve o discurso que associa o exercício médico a influências divinas

e o tratamento visto como a maneira pela qual Deus poderá intervir na doença. O transplante

foi mencionado, apesar da hesitação, como um recurso médico através do qual Deus poderá

trazer a cura.

Não obstante à expectativa do milagre, o grupo busca apoio para o enfrentamento da

doença e no tratamento e o encontra em grupos religiosos. Esse apoio se traduz no constante

estímulo para o autocuidado e na disponibilidade das pessoas em ajudar no que for necessário.

Conversar a respeito dos problemas relativos à saúde é percebido como gerador de sentimento

de estar integrado à comunidade e de melhora do humor. Segundo a percepção do grupo,

efeitos semelhantes acontecem ao se conversar sobre religião com as enfermeiras e com

outros pacientes no contexto hospitalar, ainda que isto aconteça menos no setor de

hemodiálise do que nas enfermarias. Entretanto, os médicos se sobressaem nos discursos

como aqueles com quem não se conversa sobre religião e que se limitam a eventualmente

perguntar pela religião dos pacientes e abordar o assunto.

75

6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

6.1 Discussão do DSC dos médicos

As representações sociais do grupo investigado expressam visões de receptividade às

crenças religiosas e o reconhecimento da sua importância no contexto do trabalho médico,

mesmo que inclua riscos de um uso indevido prejudicar o tratamento. Esta percepção é

coerente com o perfil religioso do grupo, constituído em sua grande maioria por pessoas que

seguem alguma religião ou que acreditam em Deus, ainda que haja momentos de oscilação na

manutenção de tais crenças. Tais representações podem ser vistas especialmente nos discursos

relativos à questão 1, onde há grande adesão ao discurso que considera a religiosidade

importante como apoio psicológico, ainda que também haja adesão ao discurso que expressa a

preocupação com a possibilidade de que as crenças religiosas prejudiquem a adesão ao

tratamento e a outro que expressa dúvidas neste sentido.

Diante da percepção da grande demanda de apoio psicológico e, ao mesmo tempo, da

impossibilidade de corresponder a ela (DSC 1 – “É difícil impor uma barreira, é estranho...

Eles te sugam!”), a religiosidade é valorizada como um recurso alternativo capaz de oferecer

aos pacientes conforto emocional, sentido ao sofrimento e motivo para se resignar ou para

superar as limitações e prejuízos impostos pela doença e pelo tratamento (DSC 1 - “O

remédio que a gente não encontra na farmácia tem que buscar em outro lugar”).

Compreende-se que estando o grupo inserido em um contexto institucional em que se valoriza

especialmente a ciência, as representações sobre a religiosidade tenham se associado à ciência

psicológica, igualando crenças religiosas a recurso psicológico. Embora isto possa acontecer

na experiência subjetiva de pessoas que se encontrem em situações críticas, devem-se

esclarecer as diferenças entre elas. As crenças religiosas referem-se a uma dimensão sagrada e

transcendente, podendo ou não estarem inseridas em um sistema religioso organizado e que

visam, juntamente com práticas, rituais e uso de símbolos, uma aproximação com esta

dimensão (KOENIG, 2012). Já um recurso psicológico pode estar relacionado a quaisquer

outras crenças pessoais sustentados por um indivíduo e que caracterizam seu estilo de vida e

comportamento (PANZINI, 2007).

Os discursos expressam a necessidade de estabelecer limites entre as intervenções

médicas e as intervenções religiosas. Neste sentido, é um objeto especial de preocupação a

76

possibilidade dos pacientes buscarem a cura religiosa e, com isso, comprometer a adesão

deles ao tratamento (DSC 2 - “quando a religião não serve para motivar o tratamento, mas

sim para buscar a cura, é um obstáculo”). A adesão ao tratamento é um objetivo médico

especialmente visado no caso dos pacientes crônicos como os portadores de IRC já que esta

condição exige comportamentos sistemáticos (dieta, uso de medicamentos, sessões

terapêuticas, etc.) que, se interrompidos, podem acarretar em conseqüências graves em curto

prazo e, às vezes, irreversíveis, incluindo o óbito. Além disso, a experiência dos médicos

expressa nos discursos aponta para o risco de que certas religiões ou crenças religiosas

possam levar os pacientes a rejeitarem tratamento proposto, como no caso das Testemunhas

de Jeová, que recusam à transfusão de sangue, ou no caso de alguns grupos evangélicos que

pregam a cura divina exclusivamente mediante a fé. Não é sem razão que, embora a

representação social do uso da crença religiosa como recurso no tratamento seja positiva, a

aceitação é vista como condicionada ao compromisso do paciente com o tratamento médico.

Deve-se observar que os discursos fazem alusões ao conceito de saúde e de doença

crônica, particularmente na insuficiência renal crônica onde há necessidade de cuidados

especiais (DSC 1 – “no caso da insuficiência renal crônica, cada pessoa vai se cuidar

dependendo da sua crença”; DSC 2 –“Quando a religião não serve para motivar o

tratamento, mas sim para buscar a cura, é um obstáculo”; DSC 3 - “é mais uma questão de

relação com a equipe multiprofissional fazer o paciente entender e aceitar o tratamento”).

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), “saúde é o estado do mais completo bem-

estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade” (SCLIAR, 2007, p.37).

Uma visão coerente com este conceito exige a compreensão da saúde como uma situação

dinâmica onde cabe a inclusão de cuidados especiais permanentes, onde, por exemplo, a

hemodiálise é indispensável. Se isto não é compreendido, entre outras conseqüências, o

paciente pode usar as suas crenças religiosas para buscar o milagre da cura, implicando em

abandono do tratamento, já que este não visa a cura, e sim a possibilidade da sobrevivência e

da melhora do bem-estar integral. Para evitar tal situação, isto é, para motivar o paciente a

buscar a saúde no sentido dado pela OMS, o grupo investigado percebe a necessidade de que

haja um esforço integrado da equipe multiprofissional no papel de educador. Neste sentido, a

religiosidade, ao invés de ser considerada pelos pacientes apenas como fonte de cura, pode

passar a ser um componente na promoção ou na recuperação do bem-estar completo.

77

Os discursos produzidos em resposta à questão 2 ("Como você lida com a sua própria

religiosidade no contexto do trabalho?") mostram claramente que as crenças religiosas dos

médicos são mobilizadas no contexto de trabalho, havendo uma grande adesão ao discurso

que afirma a sua presença e importância para eles. Os discursos expressam não só que os

médicos reconhecem um papel colaborador das crenças religiosas no tratamento, como as

usam como apoio para si mesmos no exercício da profissão, sendo usadas como fonte de

segurança, sentido e valor (DSC 5 – “Eu peço a Deus para guiar as minhas mãos quando eu

vou fazer uma punção (...) A religião me faz ficar mais tranquilo nas situações difíceis, tomar

as melhores decisões e ter as melhores condutas (...) em várias situações a gente lida com

pacientes graves (...) Se você não tiver religião perde o sentido do que está fazendo (...) me

ajuda a entender o sofrimento das pessoas, os pacientes que tratam mal, a convivência no

ambiente de trabalho”). As crenças religiosas também são usadas como um recurso para fazer

frente ao estresse e às exigências típicas da profissão, especialmente frente ao medo de errar e

de causar danos aos pacientes, considerando o fato de lidarem com o alto risco de morte dos

pacientes no cotidiano (DSC 5 - “A religião me faz ficar mais tranqüilo nas situações difíceis,

tomar as melhores decisões e ter as melhores condutas”).

Entretanto, a presença de crenças religiosas no grupo investigado não significa

ausência de críticas, dúvidas ou rejeição a crenças (DSC 4 – “Médico é uma pessoa muito

cética”). Na verdade, os discursos que expressam as crenças religiosas dos médicos (DSC 5,

6 E 7) o fazem de modo a preservar o compromisso com a medicina e com a base de seus

conhecimentos, que é a ciência. O DSC 6 expressa a percepção da necessidade de conciliar as

crenças religiosas com a formação científica, o que permite ver a existência de conflitos, tanto

do ponto de vista intelectual quanto emocional (“Eu tento me manter com um pensamento

racional, mas acho que isso não exclui a religiosidade (...) existe esse sentimento ambíguo”).

Inversamente, este discurso expressa a falta de compromisso às instituições religiosas e seus

dogmas (“tenho uma religiosidade própria, não institucional”). De acordo com isso,

repudiam posições religiosas contrárias ao saber médico (“Tenho discordâncias técnicas,

como na questão do aborto, controle da natalidade, distanásia”). Ao mesmo tempo em que

afirma que religiosidade e ciência são campos distintos da experiência humana, afirma a

necessidade de mantê-los à distância um do outro (“Não é que ciência e religião estejam uma

contra a outra, mas são universos paralelos”). Pode-se ver aqui a preocupação com o risco

de que a intromissão da religião no campo científico possa repercutir negativamente na prática

78

médica. Já o DSC 7 expressa o confronto com situações clínicas graves que levam os médicos

a buscarem na religiosidade respostas para questões que, para eles, a ciência não oferece

satisfatoriamente, especialmente com relação ao sentido do sofrimento, da morte e da vida

(“Existem vários conflitos entre religião e ciência, até que ponto você pode ou deve investir

no paciente... Para quê trazer de volta uma pessoa que não interage, toda sequelada? Talvez

Deus estivesse chamando o paciente para outra chance em outra vida (...) A gente se

pergunta se está fazendo as melhores escolhas, se está aproveitando bem a vida”). O

conjunto dos discursos revela a presença de crenças religiosas no contexto de trabalho médico

investigado ao mesmo tempo em que existe a oscilação entre a crença e a descrença,

conforme mostram, embora de menor adesão, o DSC 8 (“eu me sinto em dúvida entre o meu

juízo crítico e as minhas necessidades”) e o DSC 9 (“eu sou ateu, não acredito em nada”).

No entanto, um dos discursos de maior adesão do grupo revela a ausência de

compartilhamento entre os menmbros do grupo de suas crenças religiosas e do papel que

eventualmente teriam no contexto de atendimento médico aos pacientes. confira-se os

fragmentos do dsc 4 ( “entre os médicos é um assunto que não circula, não se discute, não se

pergunta...”). Fica evidente a percepção de que, caso houvesse a discussão do assunto, ela se

daria necessariamente em função do conteúdo das crenças assumidas por cada profissional e

isto seria um foco de desajustes do grupo, segundo a percepção dos mesmos. note-se que não

está mencionado o papel de tais crenças no contexto da clínica (DSC 4 – “cada um tem a

própria e ninguém entra em controvérsia”). Os discursos não mencionaram a possibilidade

de se conversar sobre a importância da religiosidade no contexto de trabalho bem como sobre

a abordagem do assunto junto aos pacientes independente de confrontos entre crenças

adotadas por cada médico particularmente. De acordo com tal percepção, o assunto é tão

potencialmente gerador de tensões no grupo investigado que deve ser preterido no ambiente

de trabalho (“A gente aqui fala mais sobre futebol do que sobre religião... A gente quer

extravasar. Jogar fora esse estresse, conversar sobre coisas mais leves.”). Porém, evitando-

se o assunto dessa forma, a religiosidade não se torna um objeto de reflexão enquanto variável

relevante na clínica e possível estabelecimento de condutas terapêuticas apropriadas de apoio

a ser integrado nas ações terapêuticas.

O fato dos médicos não terem o papel das crenças religiosas de seus pacientes e

também as suas próprias crenças como tema de reflexão coletiva reflete-se no modo como o

mesmo grupo percebe e lida como os pacientes no âmbito da hemodiálise, conforme mostram

79

principalmente os discursos relativos à questão 3. Nessa questão, os médicos investigados

foram instigados a falar sobre seus próprios comportamentos em situações concretas de

atendimento. Nos discursos expressos estão expostas às dificuldades de traduzir a percepção

da religiosidade como recurso de “apoio psicológico” em procedimentos coletivamente

elaborados e que possam servir de referência para a abordagem médica nas suas condutas de

rotina (DSC 10 – “Temos que perguntar, mas geralmente não pergunto não”). Ao invés

disso, os discursos mostram que a abordagem é feita de modo individualizado e baseada na

experiência pessoal do médico (DSC 13 – “Eu uso mais ou menos o que a pessoa diz. Às

vezes os pacientes falam, aí eu respondo, pergunto... Você percebe o que o paciente quer

ouvir”).

Os discursos revelam o reconhecimento do próprio despreparo para lidar com o tema,

seja pela falta de conhecimento e elaboração de algo que lhes parece complexo,

principalmente os de maior adesão (DSC 11 - “Não me sinto preparado pra isso não (...)

acho que essa pesquisa é muito importante para orientar a gente a como (...) abordar a

religiosidade com o paciente”), seja pelas dificuldades impostas pelas condições de

atendimento onde o tempo lhes parece limitado (DSC 10 – “às vezes na correria eu não

pergunto”), expressando hesitações, dúvidas e conflitos (DSC 10 – “Não consigo ver se é

certo ou errado questionar sobre religião (...)”; DSC 11 – “Não pergunto para não entrar em

conflito (...); DSC 14 – “Não sei se estou ultrapassando uma barreira na relação médico-

paciente (...)”). A referência que os discursos fazem a educação médica revela um conflito

entre abordar a religiosidade tal como aprenderam a fazer na sua formação e priorizar os

aspectos biológicos nas situações concretas de atendimento (DSC 10 – “Faz parte da

formação médica (...) Eu perguntava sobre a religião quando aprendi a fazer anamnese” (...)

Pra fazer a anamnese correta é uma conversa de 1 hora, 1 hora e meia (...) Nesse processo

de encurtar a gente acaba eliminando a religião (...) Acredito que não seja tão importante

para o que estou procurando: doenças, a parte clínica. É mais importante saber quanto está

o potássio, se o paciente está taquipneico (...) A nefrologia é uma especialidade que lida com

urgências.”). Estes discursos provocam a reflexão sobre a relação existente entre o que

percebem os médicos sobre a religiosidade e o que eles percebem sobre as condições de

trabalho para abordar o assunto, especialmente no que diz respeito ao tempo. É interessante

notar que assim como os médicos valorizam especialmente os aspectos biológicos em função

de urgências clínicas, valorizam também os aspectos religiosos em função de urgências

80

psicológicas que se impõe em situações especiais (DSC 12 - “eu converso sobre religião com

o paciente quando o paciente está precisando, está deprimido (...) carente emocionalmente

(...) quando está terminal”). Tais discursos provocam a reflexão sobre o quanto estes

discursos estão influenciados pelo modelo biomédico, considerando a possibilidade de que, na

verdade, não abordar a religiosidade regularmente não seria uma impossibilidade intrínseca às

atividades de um médico nefrologista, mas sim uma opção que corresponderia a percepção de

corresponder ao referido modelo, que é centrado na doença e nas intervenções biológicas

sobre o paciente.

Porém mesmo com o reconhecimento de dificuldades para abordar a religiosidade, o

DSC 13 e o DSC 14 expressam os esforços do grupo médico, reconhecendo a presença das

crenças religiosas presentes tanto no repertório dos pacientes como no do seu próprio grupo.

Nesses discursos estão afirmados os recursos às crenças religiosas como apoio e fonte de

sentido para o sofrimento. A diferença é que, no primeiro caso, existe o esforço em conhecer e

utilizar as crenças religiosas dos pacientes, enquanto no segundo caso, utilizam-se as próprias

crenças. Em ambos os casos há o propósito declarado de usar as crenças religiosas como um

expediente possível em favor do tratamento (DSC 13 – “Às vezes o paciente fala e eu

respondo vamos ter fé, quando eu percebo que é importante para ele; DSC 14 – “Quando

preciso, uso a religiosidade como um artifício de um processo de convencimento... da

necessidade de aderência ao tratamento... É uma forma de tentar confortar também”). Pode-

se observar que estes discursos refletem a experiência dos investigados: ainda que não tenham

relatado estudos especializados para elaborar suas experiências a respeito, eles exercitam

mesmo precariamente o uso das crenças religiosas. Embora o contexto do trabalho seja de

base científica, onde a ciência é o principal parâmetro para orientar a prática, os discursos não

fazem referência a estudos relacionados a como abordar a religiosidade dos pacientes.

Contudo, a literatura científica sobre isso é crescente e oferece diversidade de respostas às

questões apresentadas pelo grupo investigado sobre como melhor abordar a religiosidade e

entender a sua relação com a clínica (FOSARELI, 2008; KOENIG, 2004; LO ET AL, 1999).

Deve-se entender o que foi dito acima à luz dos processos de secularização (BERGER,

2001; CASANOVA, 1994). A religião tornou-se um assunto da esfera privada, sendo, de

certa forma, inconveniente tratar dela na esfera pública. Entretanto, a saída da religião das

diferentes esferas da vida tem ocorrido de forma paulatina com avanços e recuos, podendo-se

dizer que a secularização tem sido parcial. Historicamente falando, é relativamente recente o

81

fato do médico, e não o sacerdote, ser aquele a quem se deve procurar em caso de doenças. Se

por um lado, a religião é substituída pela medicina de base científica como parâmetro nas

instituições de saúde, por outro lado, ela persiste como um recurso de recuperação da saúde

valorizado e buscado na sociedade. Além disso, a secularização objetiva, isto é, a saída da

religião do espaço público, não necessariamente está acompanhada da secularização subjetiva,

isto é, da perda da fé pelos indivíduos. Isto se torna concreto no caso de um hospital público

onde, mesmo não sendo falada, a religiosidade está presente de modo mais ou menos

influente, tanto nos paciente quanto nos profissionais de saúde. No caso de um hospital

universitário, campo de atuação do grupo investigado, amplia-se a questão: não se trata

apenas da oposição entre o privado e o público, mas também entre o científico e o não-

científico. Do ponto de vista histórico também pode ser considerado recente a separação entre

ciência e religião e, ainda sim, a relação entre ambas nem sempre foi de oposição e rivalidade.

É somente no Iluminismo no século XVIII que surge o projeto de substituir todo

conhecimento baseado na religião pelo conhecimento científico, levando ao pensamento

vigente em muitos grupos sociais de que ciência e religião são totalmente incompatíveis entre

si, de modo que quem estiver relacionado com uma, não poderá estar relacionado com a outra.

Porém, a literatura que aborda a história da ciência e religião inclui todo um conjunto de

dados e reflexões que mostram que conflitos nesse âmbito não são obrigatórios, antes são

campos da cultura humana (ROSSI, 2001; HENRY, 1998).

Diante do exposto, pode-se perceber através dos discursos que existe no grupo

investigado uma importante relação entre os processos de secularização e as representações

sociais expressas através dos discursos, seja nas dificuldades em se lidar com a religiosidade

com os pacientes, seja nas dificuldades em se tratar do tema no ambiente de trabalho,

especialmente no silêncio que predomina sobre ele. Como um importante efeito dos processos

acima descritos, deve-se ressaltar que existe no grupo investigado o reconhecimento da

dimensão cultural da religiosidade no grupo de pacientes. Isto está sintonizado com a

literatura científica que afirma a necessidade de considerar os aspectos culturais e

psicossociais como determinantes dos comportamentos individuais e grupais na clínica

(HELMAN, 2003; GEERTZ, 1989; EISENBERG, 1977). A dimensão religiosa das culturas

está presente em diferentes grupos e podem se expressar no grupo específico de pessoas

acometidas por problemas de saúde. Estudos mostram que isso é uma realidade no caso de

grupos de pacientes em hemodiálise, influenciando no enfrentamento da doença, na adesão ao

82

tratamento e no busca de melhor qualidade de vida (CUKOR ET AL, 2007). Finalmente

observou-se o modelo biomédico atravessando o conjunto dos discursos e de alguma forma

influenciando percepções e atitudes do grupo investigado

6.2 Discussão do DSC dos pacientes

Com o propósito de melhor compreender os discursos dos pacientes, é importar

analisá-los à luz da realidade em que se encontra o paciente renal crônico no programa de

hemodiálise do hospital seja em seus aspectos clínicos, institucionais ou sociais. O DSC 15,

discurso de maior adesão referente à questão 1 (do roteiro elaborado para as entrevistas com

os pacientes), refere-se ao momento inicial do tratamento do grupo investigado. sentimentos

e relexões expressam nesse discurso as percepções dos doentes renais crônicos vividos tão

logo receberam a notícia de que dependeriam da hemodiálise para sobreviver e manter a

qualidade de vida possível até as primeiras sessões do tratamento. No caso dos pacientes que

estão em acompanhamento regular no ambulatório do hospital é possível programar o início

da hemodiálise e, assim, realizar um melhor preparo prévio, incluindo esclarecimentos

médicos sobre o tratamento e apoio psicológico. No caso dos pacientes em estado muito

grave, sua primeira sessão de hemodiálise ocorre após receber um atendimento emergencial,

sendo encaminhado para dar continuidade de modo ininterrupto (“De repente começou.

Desmaiei em casa, fui ao posto e o médico descobriu que eu estava perdendo os rins. Falou

pra mim:”eu vou te internar agora porque você está morrendo”. Fiquei internado, dali fui

para a hemodiálise”). Seja como for, o início da hemodiálise implica, via de regra, em uma

mudança drástica na rotina de vida do paciente, principalmente por exigir que ele esteja na

unidade de hemodiálise três vezes por semana, podendo levar a interrupção temporária ou

definitiva da vida profissional e outros projetos de vida em andamento (“Ficar preso a uma

máquina dia sim, dia não, tira todo o seu norte, objetivo, realizações, coisas a fazer na sua

vida”). Pode-se observar a necessidade de apoio para os pacientes neste momento, seja ela

suprida por um profissional ou não (“Neste momento teria sido bom receber a orientação de

um psicólogo ou o apoio de alguém pra falar alguma coisa, uma palavra que me desse

ânimo... Mas não tive nem dentro da minha família”) .

No DSC 18, que apresentou adesão de metade do grupo investigado, verificam-se as

dificuldades de ajustamento à etapa inicial de tratamento ainda não totalmente superadas, isto

83

é, não há apenas dificuldades transitórias, mas sim estabelecidas ao longo do tempo (“O

pessoal diz: “se acostuma”. Mentira! Não tem como se acostumar não. Parece que o corpo

vem, mas a mente não vem”). Neste discurso, encontra-se a percepção de que a hemodiálise é

uma penosa obrigação, que não acaba com o sofrimento e apenas prolonga a vida, não

melhorando a sua qualidade (“Sua qualidade de vida é praticamente zero. A hemodiálise não

dá qualidade de vida, ela só prolonga a vida. Ela me prejudicou muito. A nossa vida, muda

tudo....”). De fato, não apenas a vida, mas o próprio paciente é percebido como anormal, tanto

pelo fato de ter uma rotina diferente da maioria das pessoas como pelo fato de possuir em seu

corpo uma fístula ou um cateter (“Vir prá máquina e ficar quatro horas está fora do contexto

de uma vida normal. Tenho milhões de coisa pra fazer e estou aqui... Você fica preso, parece

uma prisão. As pessoas que fazem isso são como extraterrestres. Às vezes eu me sinto como

um extraterrestre. Tinha que ficar com o cateter no pescoço, morria de vergonha”). Neste

discurso valorizam-se os possíveis efeitos colaterais do tratamento (câimbras musculares,

cefaléia, enjôo, etc) e intercorrências durante as sessões (punção dolorosa, obstrução da

fístula, coagulação de sangue no circuito, problemas de funcionamento na máquina

dialisadora, etc) (“De repente eu passo mal e tem que parar a máquina. O meu problema

agora é a máquina. São umas dores nas pernas, uma falta de ar... Saio cansada”). Além

disso, destaca-se o fato de depender de familiares para a locomoção de casa até a unidade de

hemodiálise, que é uma necessidade para uma parte dos pacientes, seja por dificuldades

físicas (perda de força física, acuidade visual, risco de crises durante o trajeto, etc.),

emocionais (medo de passar mal, necessidade de apoio, etc.) ou sociais (falta de um meio

próprio de locomoção, dinheiro para custear as passagens do transporte público, etc.) (“Ter

que depender dos outros aborrece. Nunca tive dependência de nada, de repente ficar

dependente de tudo...”). Observa-se que os recursos oferecidos no contexto hospitalar não são

mencionados como meios usados para dirimir o sofrimento. No DSC 17 já se observa um

certo grau de ajustamento à hemodiálise, ainda que também se observe a expressão de certo

grau de sofrimento e a falta de referências a ganhos no sentido da qualidade de vida (“Não

venho com alegria, seria masoquismo... Venho com a consciência de que tenho que fazer. Eu

tive que escolher: fazer ou morre”), o que já aparece no DSC 20, embora com baixa adesão

(“Antes eu não conseguia subir escada, aquela canseira que eu sentia, saiu tudo. Era muito

cansaço, sentia até quando tava falando... A pressão era altíssima... Melhorou tudo, até o meu

astral”).

84

Embora o DSC 19 refira-se também a etapa inicial do tratamento, nele se destaca o

aspecto da desinformação sobre a hemodiálise, tanto com relação ao que ela é, quanto com

relação às causas que levam a fazê-la e os seus procedimentos, sendo geradora de angústia e

especulações fantasiosas (“Na primeira vez, entrei com naturalidade, sem saber o que era...

levei um susto sem saber o que fazer. Passou um monte de coisas na minha cabeça... “o que é

isso, hemodiálise?... Eu pensava que estava com câncer, com AIDS,... que não ia durar muito

tempo,... ia fazer e não ia resistir”). Deve-se esclarecer que as circunstâncias que levam ao

início do tratamento pode não favorecer a comunicação entre os médicos e o paciente, como

nos casos de atendimentos emergenciais e de quadros clínicos que afetem o nível de

consciência. Por outro lado, deve-se ressaltar que os pacientes renais são portadores de uma

doença crônico-degenerativa com uma longa perspectiva de tratamento cuja possibilidade de

se fazer hemodiálise é previsível.

É de se questionar o que levou o grupo investigado a não ser bem informado sobre a

hemodiálise. O referido discurso aponta como motivos a percepção de falta de iniciativa do

médico em informar e de que o modo de falar do médico é incompreensível (“Os médicos...

Não foram conversar, mas queriam logo me trazer pra fazer hemodiálise... Os médicos não

passam, se a gente não perguntar... Não sei explicar direito por que, mas eu fiquei meio

retraído... O médico vai explicar e eu não vou entender, então deixa pra lá... Perguntando a

equipe, não encontrei uma explicação, nem os médicos souberam explicar...”). Em virtude

desta percepção e da demanda por informação, a busca individual pela internet foi a

alternativa encontrada para obter informações sobre a hemodiálise (“Pesquisei na internet e

descobri”). Este discurso confronta os médicos e toda equipe multiprofissional quanto ao

papel de educador que deve ser exercido especialmente na etapa inicial do tratamento a fim de

se evitar o sofrimento dos pacientes.

O DSC 16 refere-se à possibilidade de encontrar no relacionamento com os outros

uma rede de suporte para superar as dificuldades de ajustamento à hemodiálise, especialmente

na etapa inicial. Recebe uma importância maior os familiares (“Mas a família é o primeiro

remédio, o primeiro despertamento..), mas as pessoas do convívio cotidiano dos pacientes

também são mencionados (“Tem muitas pessoas, vizinhos, que sempre ajudam”), além dos

diversos profissionais que lhe prestam assistência no setor de hemodiálise (“Depois que eu

conversei com o psicólogo eu melhorei, saiu uma nuvem da minha cabeça. Também fui

conversando com a fisioterapeuta, com a nutricionista, com a secretária e fui me

85

acalmando”). Neste discurso pode-se observar a importância do contato interpessoal para o

paciente no contexto do seu tratamento, o que pode ser comparado com o mesmo tipo de

contato que experimenta com grupos religiosos. À propósito, pode-se observar no DSC 22

que, mesmo sem ser estimulados neste sentido, o grupo expressou a sua religiosidade ao ser

indagado sobre as suas percepções sobre a hemodiálise (“A hemodiálise é uma purificação do

sangue e o sangue é a materialização do espírito”). Na questão 2, que indaga sobre o papel

da religiosidade no tratamento, o conteúdo deste discurso é expandido e aí aparece a

importância do apoio dado por grupos religiosos. Deve-se destacar que o discurso relativo ao

apoio social teve grande adesão, o que chama atenção sobre a importância do apoio social

para o grupo investigado no momento.

O DSC 21 e 23 abordam outra possibilidade de tratamento na doença renal crônica: o

transplante (DSC 21 - “Acho que todo mundo espera o transplante”; DSC 23 – “Eu não tenho

opção: ou eu faço hemodiálise ou eu faço transplante”). Para saber se esta é a melhor opção

para o paciente é preciso fazer um cálculo da relação custo-benefíco incluindo condições

clínicas, idade, etc. Porém, este é um recurso do qual nem todos podem se beneficiar.

Primeiramente, nem todos preenchem os critérios técnicos para inclusão na lista de espera de

um órgão. Em segundo lugar, ainda que já tenham sido inscritos, nem sempre surge um

doador ou um órgão compatível com o paciente. O grupo expressa tanto a visão de que o

transplante pode lhes dar uma melhor ou uma pior condição de vida se comparado à vida que

têm fazendo hemodiálise. Seja como for, este é um tema incontornável para o paciente em

hemodiálise. Por isso, pode-se esperar que, de alguma forma, a religiosidade seja relacionada

à questão do transplante.

O DSC 24 pode ser visto como uma resposta às dificuldades típicas de quem faz

hemodiálise onde a religiosidade surge como um importante apoio (“Eu rezo e é aí que eu

encontro forças pra seguir meu tratamento. Dá vontade de desistir e aí eu recupero a vontade

de continuar (...) Peço a Deus força pra chegar e voltar pra casa. (...). Quando eu estou

vindo ou quando eu estou na hemodiálise, eu peço a Deus pra que tudo dê certo. (...) A

punção dói, às vezes não conseguem. Se estou com muita dor ou um problema no cateter, ele

me ajuda”). Mais destacadamente, a obrigação de estar sempre presente às sessões requer

uma disposição de ânimo constante. Faz alusão também ao ir e vir do tratamento, o que pode

ser um sério problema para os pacientes mais comprometidos seja do ponto de vista clínico

(que pode impor, entre outras, limitações na capacidade de se locomover), seja do ponto de

86

vista social (pela falta de acesso a um transporte adequado ou de disponibilidade de

acompanhante). Outro exemplo são as complicações possíveis durante às sessões, como não

conseguir fazer à punção arteriovenosa ou acontecer uma obstrução no cateter. Estas e outras

dificuldades são percebidas como motivo de quase insuportável sofrimento, o que leva o

grupo a esperar a cura divina, como expressa o DSC 25, mesmo que esta venha através do

próprio tratamento médico, como o transplante (“Se Deus achar que eu devo ser curada, eu

vou receber um rim para transplantar”). O DSC 29 reflete esta tendência do grupo

investigado em recorrer à religiosidade nas situações em que se sente desamparado e

desorientado, especialmente àquelas que dizem respeito às intercorrências clínicas da doença

(“Na hora do sofrimento ligado à saúde, eu procuro em primeiro lugar ajuda na minha

religião”). É de se esperar, portanto, que a religiosidade apareça como um recurso de apoio

para o grupo investigado.

O DSC 26 mostra que não é necessariamente um problema para o grupo investigado

conciliar as suas crenças religiosas com a medicina, como o DSC 25 já havia indicado ao

associar cura divina com transplante (“Obviamente que eu vou procurar ajuda nos

profissionais que tratam da patologia. Mas buscar a Deus é sempre. Não são coisas

mutuamente excludentes”). É relevante apontar a relação feita entre ensinos religiosos e

tratamento no que diz respeito à alimentação, visto que a dieta é um ponto fundamental para o

êxito do tratamento hemodialítico. O DSC 30 reflete esta visão ao concordar com a medicina

quanto à incurabilidade da doença renal e ter como motivo para continuar o tratamento não a

cura, mas a melhora da saúde, tendo a religiosidade um importante papel coadjuvante no

processo terapêutico (“A cura não existe, a não ser que eu faça um transplante. Mesmo assim

eu peço que o Senhor me dê uma vida melhor”). Trata-se de um discurso que poderá crescer

como consequência de um processo de esclarecimento e educação para saúde.

O DSC 27 mostra o quanto é importante receber o apoio de grupos religiosos no

contexto de enfrentamento da doença renal crônica, tanto dentro quanto fora do contexto

hospitalar (“Os amigos, adeptos de várias religiões, fazem orações, preces, visitas. Alguns me

visitaram em casa, outros me encontraram em outros ambientes, outros me telefonaram. Isso

me ajudou muito”). Por um lado é ressaltado a importância do apoio de religiosos e nesse

sentido, pode-se entender quer há demanda de colocar o setor de hemodiálise na agenda de

atendimento previsto pelo setor de humanização do hospital. Ao contrário das enfermarias,

neste setor não há visitação de grupos religiosos, conforme a rotina organizada pelo próprio

87

hospital, através de seu Programa de Humanização. Tal apoio ganha em importância ao se

levar em consideração o fato de que a freqüência às reuniões religiosas pode diminuir em

função das intercorrências clínicas e exigências do tratamento. O DSC 28 mostra que na

ausência de uma assistência religiosa específica, o grupo vale-se de contatos espontâneos, seja

dos próprios companheiros de tratamento, seja das enfermeiras (“No hospital eles nunca

conversaram sobre religião. Só me perguntaram qual era a minha religião e acabou”). Ao

fazer isto, o DSC 28 denuncia a falta de iniciativa médica em abordar o tema e conhecer as

necessidades religiosas dos pacientes, ou seja, falta uma sistemática de apoio nesse quesito.

Por outro, destaca-se a importância do contato ou da solidariedade humana a esses pacientes.

o compartilhamento do sofrimento experimentado por esse grupo de pacientes requer trocas

humanas, conversas e formas de viabilizar a oferta de apoio.

Os discursos revelam que o grupo investigado não apenas possui vínculos com crenças

e práticas religiosas, como mostra o seu perfil religioso, como as usam como recurso de

enfrentamento da doença e no tratamento, como evidencia a adesão total ao discurso que

afirma isso. O DSC 24 mostra mais claramente isso. Nota-se que a religiosidade é usada

como apoio em quatro aspectos. Em primeiro lugar, destaca-se o aspecto da esperança de

melhora clínica, especialmente em situações mais críticas que aparentemente não tem solução

(DSC 24 – “Nos momentos mais difíceis da minha doença eu me apego a Deus. No caso de

doença, se o homem não está conseguindo resolver, só Deus mesmo”). Em segundo lugar, no

aspecto da melhora do humor e da estabilidade emocional, aliviando tensões relacionadas à

doença e ao tratamento (DSC 24 – “Quando eu estou muito angustiado, triste, eu busco um

conforto nas orações”). Em terceiro lugar, no aspecto da motivação para o tratamento,

ajudando a prosseguir na rotina de comparecimento às sessões de hemodiálise e a suportar as

intecorrências das próprias sessões (DSC 24 – “Eu rezo e é aí que eu encontro forças pra

seguir meu tratamento”; “A punção dói, às vezes não conseguem. Se estou com muita dor ou

um problema no cateter, ele me ajuda. Deus está me protegendo. Às vezes eu estou passando

mal e eu oro”). Em quarto lugar, no aspecto do sentido para o sofrimento, dando uma

resposta para o porquê de ter sido acometido pela doença e de ter que se submeter a um

tratamento considerado difícil de realizar (DSC 24 – “Penso: ‘por que está acontecendo isso

comigo?’. Olho pra trás, não fiz nada demais. Mas o espiritismo diz que você tem que zerar o

que você fez aqui para partir do tempo”.). O DSC 27 mostra que a situação de doença e

tratamento em hemodiálise mobiliza sentimentos de natureza religiosa e busca da religião

88

(DSC 29 – “Busquei a religião por causa da doença... Agora eu me sinto mais firme, como se

estivesse no caminho em que devo andar.)”. Em todos os casos, verificam-se ganhos no

sentido do bem-estar dos pacientes.

O ato de conversar aparece nos discursos como um meio comum para construir formas

de superação encontradas no âmbito religioso, familiar e hospitalar (DSC 16 - “O psicólogo e

a assistente social falaram que eu ia me recuperar, ia superar... Também fui conversando

com a fisioterapeuta, com a nutricionista, com a secretária e fui me acalmando... Mas a

família é o primeiro remédio, o primeiro despertamento. Se eu reclamo de ir para a

hemodiálise, meus familiares dizem: “não reclama... Graças a Deus existe essa máquina”;

DSC 27 – “Uma vez pensei em desistir do tratamento. Aí fui conversar com os cabeças da

minha igreja e isso foi abrindo a minha mente, explicando que a hemodiálise é boa pra

saúde...”). Neste sentido, os discursos 16 e 27 destacam a importância dos grupos de

convivência para que os pacientes possam enfrentar a doença e o tratamento, especialmente

na etapa inicial, mas durante todo o processo. Chama atenção a ausência de menção a grupos

de convivência dos pacientes no ambiente hospitalar, embora exista uma sala destinada para

isto no hospital onde o grupo investigado realiza o seu tratamento sob a coordenação do

programa de humanização. Nesse espaço existe uma biblioteca, uma TV, alguns jogos e

instrumentos musicais, porém não há atividades programadas que estimulem a interação entre

os pacientes, sendo, na realidade, mais utilizada pelos funcionários do hospital. Não há,

portanto, atividades apropriadas aos objetivos para aos quais foi criado. Também não há

menção a grupos de mútua ajuda ou grupos terapêuticos no programa de hemodiálise, o que

há são as conversas de apoio com outros pacientes através de iniciativas individuais (DSC 16

– “Conversei com uma paciente e ela me falou: ‘a gente tem que agradecer a Deus por ter

essa máquina!’. Eu pensei: ‘é mesmo”). Os grupos religiosos aparecem nos discursos como

sendo os únicos que, de modo sistemático e regular, oferecem apoio aos pacientes quando

estes encontram-se internados (DSC 27 - “Outras pessoas, de diversas religiões, me visitaram

na enfermaria oferecendo orações... Às vezes eu estava fazendo hemodiálise e eles estavam

esperando para me ver na enfermaria). Pode-se afirmar, com base nesses discursos, que a

ocupação de forma apropriada dos espaços existentes e bem como possibilidades de criação

de outros para convivência entre os pacientes do programa de hemodiálise poderia favorecer o

encontro ou expressão diversificada de apoio ou mesmo do apoio que não fosse encontrado

em outros grupos sociais.

89

Contudo, os discursos apontam uma diferença com relação aos médicos.

Primeiramente, mostra a desinformação sobre a hemodiálise pela falta de conversa com os

médicos no contexto de tratamento (DSC 19 – “Não foram conversar, mas queriam logo me

trazer pra fazer hemodiálise”). Apesar da importância clínica do assunto e do fato do grupo

investigado ser constituído por pacientes que tinham encontros regulares com médicos, existe

a percepção de falta de informação sobre a hemodiálise ou, ao menos, feita de modo

compreensível (DSC 19 – “O médico vai explicar e eu não vou entender, então deixa pra

lá...”). Os discursos dos médicos expressam algumas características que permitem refletir se

estas situações estão relacionadas à rotina hospitalar, à falta de suficiente preparo dos médicos

ou a ambas. Se falta conversa adequada para assuntos relacionados à doença e ao tratamento,

que normalmente são priorizados pelos médicos, é presumível que também falte para assuntos

da esfera pessoal e social, onde se situa a religiosidade, como mostra o DSC 28, discurso que

teve a adesão de quase a metade do grupo (“Os médicos não se metem com a religião. Nunca

puxaram esse assunto nem falaram nada”). A falta de uma abordagem regular sobre

religiosidade dos pacientes por parte dos médicos confirma estudos já realizados sobre o tema

(CURLIN ET AL, 2006; EHMAN, 1999).

Outro aspecto importante que os discursos expressam é que, para o grupo investigado,

a religiosidade não dificulta a adesão ao tratamento. Na percepção do grupo, as crenças e as

práticas religiosas não são motivos para prejudicar a adesão ao tratamento ou diminuir a

importância da hemodiálise na vida dos sujeitos, como expressam o DSC (DSC 24 – “Pra

mim, Deus está no que eu estou fazendo na hemodiálise, desde quando entro até quando saio

do hospital”; DSC 25 – “... eu acredito em um milagre... Mas não fico preocupado com o

tempo. O tempo que precisar eu fico fazendo hemodiálise”). Os pacientes afirmam encontrar

nas suas crenças e no seu grupo religioso reforço para continuar no tratamento, sendo os

serviços de saúde a principal referência de cuidado relacionado à saúde, não sendo

substituídos pela instituição religiosa (DSC 26 – “Na minha igreja dizem que a gente não

pode abandonar o tratamento e, ao mesmo tempo, não perder a fé e continuar orar até ser

atendido”). Ao mesmo tempo, existe a expectativa e a busca religiosa pela cura divina, como

destaca o DSC 25, um dos discursos de maior adesão (“Eu tenho uma fé, uma esperança de

recuperação... Onde há fé, há esperança”). É interessante notar que isso não implica em

abandono do tratamento, ao contrário do que os discursos do grupo médico expressam,

mesmo porque os discursos dos pacientes mostram um esforço de conciliação entre as crenças

90

religiosas e a medicina, como se pode ver no DSC 26, que foi também um discurso de grande

adesão. A visão dos pacientes é que Deus está no controle de todas as coisas, inclusive da

ação dos cientistas e dos médicos, pois, segundo os discursos, é ele quem dá inteligência,

capacidade para tomar decisões e habilidade técnica a alguns homens para usá-las em

benefício de todos (DSC 26 - “A ciência e a medicina vêm de Deus... Deus está agindo no

médico, dando sabedoria, para saber qual é o problema que estou tendo e qual é o remédio

que eu estou precisando”.). O que o grupo aprende na sua religião sobre cura divina, portanto,

inclui a medicina como meio pelo qual Deus pode operar o esperado milagre. Não obstante a

observação presente nos discursos dos médicos de que a religiosidade induz ao abandono do

tratamento em alguns casos, é importante que haja uma compreensão da noção de “cura

divina” de acordo com os ensinamentos das religiões. Esta compreensão pode auxiliar na

avaliação das implicações práticas desta crença na adesão ao tratamento, já que não

necessariamente acreditar na cura divina implica em abandonar o tratamento. Deve-se

ressaltar ainda que o grupo investigado apresenta também o discurso da descrença com

relação à cura divina, embora sendo de pequena adesão.

Se por um lado o grupo de pacientes investigado valoriza o tratamento médico, por

outro lado, o conceito de saúde como ausência de doença predomina nos discursos, ainda que

se expresse também a respeito do bem-estar trazido pela hemodiálise (DSC 18 – “É um

sofrimento inútil. A gente está fazendo isso, mas sabe que não adianta: o rim não vai

melhorar”; DSC 23 – “Eu quero a cura. Transplante é a troca de doença”; DSC 25 – “Eu

tenho pedido a libertação dessa doença. Se você não tem saúde você não é nada”). Até o

transplante é visto como cura quando, na verdade, trata-se de um tratamento que requer

acompanhamento constante após a sua realização e que não está livre de intercorrências

clínicas e cirúrgicas (DSC 21 - “Transplantado é outra vida”). O fato de se ter uma doença

crônica e depender da hemodiálise são associados necessariamente a uma condição de não ter

saúde, sentido como uma espécie de condenação (DSC 18 - “Você fica preso, parece uma

prisão”). Estes discursos evidenciam que falta uma compreensão mais ampla de saúde, que

reconheça os ganhos em termos de qualidade de vida, não obstante os prejuízos e limites

impostos pela doença renal crônica e pelo seu próprio tratamento. Assim sendo, a hemodiálise

não seria considerada como um tratamento a ser suportado enquanto a cura não vem, mas sim

como meio pelo qual se pode obter saúde dentro das possibilidades médicas. Para tanto,

91

caberia a equipe multiprofissional exercer o seu papel de educador no contexto da

hemodiálise.

Pode-se dizer, de acordo com FOLKMAN & LAZARUS (1986) e PARGAMENT

(1998) que o grupo investigado usa o enfrentamento religioso com um padrão

predominantemente positivo, caracterizado, entre outras coisas, pela busca de apoio espiritual,

pela atitude colaborativa no tratamento e pela redefinição benevolente do estressor.

Entretanto, considerar que para este grupo a religiosidade teria apenas a função de propiciar

apoio psicológico ao sofrimento vivido diante da doença e do tratamento seria uma

interpretação limitada. Os discursos mostram que a religiosidade pode ser vivenciada para

além de ser um meio de apaziguar aflições, sejam elas devido a problemas de saúde ou de que

qualquer outra natureza: ela pode fazer parte da vida cotidiana de vários dos que crêem e

cumprir propósitos espirituais (DSC 20 – “Nada acontece por acaso na nossa vida, sem a

permissão de Deus... A hemodiálise é uma situação em que a gente aprende a amar mais a

Jesus e ao próximo”). Concordando com GEERTZ (1989), pode-se dizer que o grupo

investigado não foge à regra de ter a religião como um produto cultural que provê valores e

significados gerais para que os sujeitos possam interpretar sua experiência e organizam sua

conduta.

Além disso, em consonância com VALLA (2006), a religiosidade cumpre uma

importante função de apoio social aos pacientes devido a possibilidade que a instituição

religiosa oferece de estimular um contato sistemático entre as pessoas através das reuniões

regulares e da assistência dada aos membros que estejam afastadas do convívio habitual,

como ocorre por motivo de doenças e tratamentos de saúde com repercussões benéficas para

sua saúde (DSC 27 – “Perguntam se estou precisando de alguma coisa, como estou indo, se

preciso de alguém pra fazer alguma coisa. Isso me ajuda, me deixa mais tranqüilo”). A

religiosidade aparece como um elemento que contribui para a superação não apenas das

dificuldades físicas e emocionais, mas também, direta ou indiretamente, das dificuldades

sociais (DSC 27 – “Também (os grupos religiosos) vão se eu tiver necessidade de cesta

básica. Eles falam que se precisar de remédio na área do trabalho e do transporte”). A

religiosidade aparece associada à solidariedade e a disponibilidade das pessoas em oferecerem

amparo nos momentos críticos relacionados à doença e ao tratamento.

92

6.3 DSC – médicos e DSC – pacientes: semelhanças e diferenças

Foram identificadas semelhanças entre os discursos dos médicos e dos pacientes nos grupos

investigados. Em primeiro lugar, tanto os médicos quanto os pacientes possuem crenças

religiosas e se beneficiam delas no contexto hospitalar (DSC 5 – “Eu acredito que Deus tenta

nos ajudar nos momentos difíceis”; DSC 24 – “Nos momentos mais difíceis da minha doença

eu me apego a Deus”). Apesar da diferença de perfis sociais, e de estarem inseridos em

grupos distintos, médicos e pacientes participam de um meio cultural comum: tanto visto sob

o ponto de vista mais amplo da cultura religiosa brasileira, predominantemente católica

embora inclua elementos de diferentes religiões quanto vista sob o ponto de vista mais estrito,

qual seja a cultura própria do espaço hospitalar universitário, onde ambos os grupos

experimentam ou testemunham sofrimentos humanos conseqüentes a limites de saúde e

ameaças à vida. Assim sendo, médicos e pacientes possuem algumas crenças comuns e as

usam nas situações mais difíceis relacionadas à doença e ao tratamento, seja na condição de

quem cuida seja na condição de quem é cuidado.

Neste sentido, os discursos dos médicos e pacientes assemelham-se quanto à

necessidade de ter fé (DSC 1 – “Parece que há uma necessidade de ter fé”; DSC 24 – “Eu

tenho fé, tem que ter fé”). Os discursos não apresentaram conflitos relativos a conteúdos de

crenças religiosas, havendo uma tendência convergente no sentido da valorização da fé em

Deus. Igualmente, as crenças religiosas em si foram mais valorizadas que a vinculação à

alguma religião ou instituição religiosa específica. Usando as definições de KOENIG (2012),

pode-se dizer que, em ambos os grupos, embora mais acentuada no grupo médico, observa-se

a religiosidade não organizacional e intrínseca, isto é, a que é praticada em particular (como

orar, meditar, ler a Bíblia, ouvir mensagens religiosas) e motivada pelo seu próprio valor

religioso. Para ambos os grupos, a filiação formal a uma religião ou a frequência às reuniões

religiosas não são tão relevantes para determinar a participação da religiosidade pessoal no

contexto de tratamento.

Comparando-se os discursos dos médicos com os discursos dos pacientes constata-se

que existe concordância com relação à necessidade de adesão ao tratamento, ainda que os

pacientes refiram dificuldades para efetivá-la, o que se dá, deve-se frisar, não por razões

religiosas (DSC 1 – “A religiosidade ajuda a ele se manter de pé e a não deixar de se tratar”;

DSC 3 - “A minha impressão é que favorece mais a adesão ao tratamento... Mas isso

93

depende de cada um; DSC 24 – “Eu rezo e é aí que eu encontro forças pra seguir meu

tratamento”). Médicos e pacientes fazem a mesma crítica a quem se recusa ao tratamento por

razões religiosas (DSC 10 – “A religiosidade não é muito importante, o que faz a diferença é

no caso das Testemunhas de Jeová: se eu vejo que é um paciente que vai precisar de

hemotransfusão eu pergunto se é Testemunha de Jeová”; DSC 26 - “Eu até questiono as

Testemunhas de Jeová que dizem não poder fazer transfusão de sangue. Isso é coisa material

do ser humano”). Os discursos dos pacientes que se referem à cura divina não excluem o

compromisso com o tratamento médico. Contudo, os discursos médicos associam a busca da

cura divina a algo necessariamente prejudicial e que se coloca em oposição ao tratamento com

base em experiências concretas de atendimento (DSC 3 – “Quando a religião não serve para

motivar o tratamento, mas sim para buscar a cura, é um obstáculo... Isso pode prejudicar

muito a adesão deles”). Na verdade, para os pacientes, a esperança pela cura divina aparece

como um estímulo para continuar lutando contra a doença (DSC 25 – “Creio que Deus vai

dar esse presente, essa alegria para mim e minha família. Eu acredito que o meu tempo na

hemodiálise está contado. Por que eu acredito em um milagre”). A compreensão sobre o

sentido e o valor de se buscar a cura divina é importante para que os médicos possam avaliar

corretamente, em cada caso, as implicações desta crença na adesão ao tratamento, sem correr

o risco de desestimular uma crença que pode ser útil em determinado momento da vida do

paciente, conforme expresso pelo grupo de pacientes. Certamente não se exclui aqui a

necessária atenção para casos em que ocorre o contrário, isto é, o abandono do tratamento em

função de suas crenças religiosas. Mesmo não havendo constatado nessa pesquisa nenhum

caso semelhante, não se pode ignorar casos que eventualmente possam ocorrer já que há um

passado de registros referidos pelos médicos em seus discursos.

Assim como os discursos sobre a adesão ao tratamento se coadunam, os discursos

sobre a relação entre a religiosidade e a medicina de base científica também. Médicos e

pacientes fazem um esforço de conciliação entre eles (DSC 3 – “Não é que ciência e religião

estejam uma contra outra, mas são universos paralelos”; DSC 26 – “A ciência e a medicina

vêm de Deus... Não são coisas mutuamente excludentes”). Trata-se de uma demonstração do

quanto cada um desses campos culturais é valorizado e considerado indispensável, ainda que

em determinadas situações um possa ser mais valorizado do que o outro. No caso dos

médicos, a religiosidade pode ser mais valorizada em situações extremas de intervenção

médica ou relacionadas à morte e ao morrer do paciente; no caso dos pacientes, mesmo sendo

94

fortemente religiosos, entregam-se aos cuidados médicos nas situações de emergência clínica.

Este dado torna-se relevante considerando-se que o programa de hemodiálise encontra-se em

um hospital universitário, comprometido não apenas com a assistência, mas também com o

ensino e a pesquisa, o que pode induzir o seu corpo técnico a esforços de conciliação entre

suas crenças religiosas e atuação como docente, médico e pesquisador. Isso evidencia a força

das representações ancoradas na religião junto aos médicos. Porém, pode-se dizer que o

inverso também ocorre quanto aos pacientes: embora tenham discursos onde a ótica da

religião é enfatizada, suas representações são também ancoradas no conhecimento médico.

Assim como ocorre com os médicos no hospital universitário, os pacientes são envolvidos

com as produções científicas, seja como sujeitos de pesquisas ou como alvo de atividades e

material educativo, como palestras e panfletos.

Médicos e pacientes concordam que a hemodiálise pode trazer muito sofrimento (DSC

1 - “Eles passam por um sofrimento muito grande... O paciente renal crônico sofre o tempo

todo; a religião é para ele não se tornar o próprio sofrimento”; DSC 18 – “É um sofrimento

inútil. A gente está fazendo isso, mas sabe que não adianta: o rim não vai melhorar. Se fosse

uma coisa que melhorasse a gente, mas faz a gente ficar mais fraca”). Ambos os grupos

compartilham uma visão pessimista a respeito da doença e do tratamento. É inquestionável o

fato de a insuficiência renal crônica ser uma doença grave e que traz sérias limitações e

prejuízos aos pacientes; entretanto, pouco aparece nos discursos a visão da superação para

uma qualidade de vida melhor, sendo a preocupação central e quase única a sobrevivência. A

religiosidade aparece então para compensar psicologicamente este pessimismo (DSC 1 –

“Independente de em que o paciente creia, ele precisa ter fé, ter esperança, de algo que sirva

como motivação pra ele viver, acreditar que existe uma chance para ele”; DSC 24 – “Mas

minha fé é que Deus está sempre agindo, sempre olhando por mim, não me deixa sozinho.

Sem Ele eu não conseguiria passar o que eu passo. Se eu estou sofrendo hoje, amanhã será

diferente”). Se por um lado a religiosidade pode cumprir um papel importante no sentido de

instilar esperança e provocar ânimo diante da gravidade do quadro clínico, por outro lado, não

se trata de um papel de sua exclusividade. Pode-se questionar o que está limitando os médicos

investigados a desempenharem também este papel. Essa questão tem uma relação com o

aspecto da comunicação entre os próprios médicos e deles com os pacientes. Os discursos

mostram um reconhecimento quanto à importância da conversa como meio para proporcionar

apoio aos pacientes, dentro ou fora do hospital. (DSC 1 – “Achar que os pacientes só vão

95

falar da doença é um engano. Eles precisam desabafar, falar da sua vida”; DSC 16 - “O

médico... conversou comigo, que eu tinha que conhecer melhor antes de desistir... Passei a

me concentrar nisso e me fortaleceu”). Não obstante, os mesmos discursos concordam entre

si no sentido de que a conversa sobre a religiosidade não acontece rotineiramente e que há

dificuldades para isto. Os médicos apontam como principais dificuldades a falta de tempo

(DSC 10 – “O tempo para conversar, discutir, falar dos aspectos sociais é limitado”) e o

despreparo para lidar com tensões emocionais (DSC 1 – “Aqui parece que o ambiente é

menor e os conflitos ficam mais intensos... O paciente te desvaloriza como médico... É difícil

impor uma barreira, é estranho... Eles te sugam!”; DSC 11 – “Falar sobre religião é uma

questão muito pessoal. É muito delicado, acho isso complexo”), enquanto os pacientes dizem

que há preconceito da parte dos médicos (DSC 28 – “A maioria das pessoas que me abordam

tão mais preocupadas com a minha doença do que com um assunto mais pessoal.

Infelizmente há muito preconceito”). Quanto à falta de tempo, estudos mostram que embora

esta seja uma alegação freqüente dos médicos para não abordar a religiosidade, a coleta de um

histórico espiritual pode levar cerca de dois minutos (KOENIG, 2004). Os discursos médicos

também expressam o temor de que, a partir da abordagem da religiosidade, surjam demandas

de natureza psicológica fora de sua capacidade de intervenção, o que, por um lado, pode

denunciar a necessidade de capacitação técnica e, por outro lado, a falta de interlocução com o

psicólogo e toda a equipe, pois se trata de uma demanda que necessita de articulação de

esforços e competências da equipe.

Quanto ao suposto preconceito dos médicos, pode-se dizer que, embora os médicos

sejam receptivos à religiosidade, o fato de pouco tomarem a iniciativa de abordar o assunto

seja interpretado pelos pacientes como uma atitude de rejeição ao mesmo. Neste caso, seria

importante as trocas de experiências e reflexões entre os médicos a fim de facilitar a

comunicação com os pacientes sobre a sua religiosidade no contexto de tratamento.

Observa-se nos discursos que tanto os médicos quanto os pacientes percebem a

enfermagem como um grupo de profissionais que mais aborda o tema religiosidade no

contexto da hemodiálise, o que é bem recebido tanto por médicos quanto pelos pacientes

(DSC 4 – “Geralmente é fora do hospital, a gente conversa e se respeita. Acontece de

conversar mais com a enfermagem sobre esse assunto. A minha percepção é que na

hemodiálise há muito mais profissionais da enfermagem religiosos”; DSC 28 – “Tem umas

enfermeiras que são religiosas, a gente conversa... Elas têm uma palavra de conforto, de

96

carinho”). Observa-se, por um lado, a percepção da maior iniciativa e desembaraço da

enfermagem para lidar com o assunto, por outro lado pode-se falar de uma demanda oculta da

parte dos médicos para estabelecimento de mecanismos de conversa sobre o assunto: não

encontrando entre os seus pares oportunidade ou receptividade para conversar sobre

religiosidade, os médicos o fazem, ao menos eventualmente, com a enfermagem. Isto nos leva

a pensar também sobre a carência dos médicos em relação às suas próprias necessidades de

apoio emocional uma vez que vivem situações de forte estresse em seu cotidiano profissional.

Poder-se-ia pensar se o programa de humanização do hospital deveria também contemplar,

além das necessidades dos pacientes, as necessidades humanas dos seus profissionais.

Mas não há apenas semelhanças entre os discursos dos médicos e dos pacientes. Uma

diferença está no modo como estes diferentes grupos lidam com a religiosidade no contexto

hospitalar. Enquanto os médicos não compartilham as suas crenças entre si e preferem evitar o

assunto, os pacientes não apenas compartilham como são receptivos às iniciativas neste

sentido, sejam elas da parte de religiosos, de outros pacientes ou de profissionais. É possível

associar o não compartilhamento da religiosidade entre os médicos, conforme expresso no

DSC 4, relacionado a diferentes aspectos: 1- falta de inclusão regular do tema crenças

religiosas na rotina de trabalho (“Aqui na Hemodiálise é muito pouco, ninguém aqui conversa

muito sobre isso... Não é rotina. Acontece mais informalmente...”), 2-ao temor de conflitos

motivados por diferenças religiosas (“As pessoas, em geral, não param pra ficar discutindo

religião. Cada um tem a sua própria e ninguém entra em controvérsia”), ao ritmo acelerado

do trabalho (“Além disso, o trabalho está sempre agitado, sobra pouco tempo para conversar

mais sobre isso”) e 3- o temor de ser avaliado negativamente em função da expectativa de

uma postura racional para o médico (“Também porque médico é uma pessoa muito cética. Até

para não ser julgado, avaliado... Médico é muito teórico”). No caso dos pacientes, como já

foi discutido, o compartilhamento informal das crenças religiosas é usado como um meio de

mútua ajuda, enquanto entre os médicos isto não se dá, tendendo a adotar uma atitude de

reserva com relação à religiosidade.

Resumindo, os discursos mostram que a religiosidade está presente no cotidiano

hospitalar e à margem do que se está oficialmente estabelecido. E é desta forma que ela ganha

importância no processo assistencial, tanto para pacientes quanto para médicos. Entretanto, a

importância da presença da religiosidade não é levada em consideração coletivamente, tanto

nas discussões clínicas quanto nas condutas médicas rotineiras. Excluídas as iniciativas

97

individuais, a religiosidade não é objeto de atenção regular na rotina assistencial, não havendo

práticas sistemáticas de abordagem do assunto. A falta de problematização desta realidade

limita a qualidade da assistência médica ao paciente onde a expressão de crenças religiosas é

um dado a ser considerado.

98

7 CONCLUSÕES

Os resultados da pesquisa revelaram que a religiosidade tem papel relevante tanto para

pacientes como para médicos no programa de hemodiálise investigado. Para ambos, a

religiosidade cumpre o papel, sobretudo de suporte psicológico, seja para enfrentamento dos

limites e prejuízos impostos pela doença e pelo tratamento, no caso dos pacientes, seja para

fazer frente ao estresse e às exigências provocadas pelas demandas de atendimento aos

pacientes renais, no caso dos médicos. Entretanto, os discursos mostraram que, enquanto os

pacientes conversam entre si e com outras pessoas no contexto hospitalar sobre suas crenças

religiosas, os médicos não conversam entre os seus pares e apenas eventualmente conversam

com os pacientes. Ou seja, embora tanto a religiosidade quanto o ato de conversar sejam

considerados importantes para os pacientes, os mesmos apontam para a falta de conversa com

os médicos que inclui, além das suas crenças e práticas religiosas, até mesmo melhores

explicações sobre o tratamento. Embora os médicos reconheçam que as crenças e as práticas

religiosas dos pacientes são muito importantes no enfrentamento de sua doença e no

tratamento, elas não são objeto de abordagem sistemática na rotina assistencial, ficando à

critério de cada um abordar ou não o assunto. Nesse contexto, os pacientes não percebem que

suas crenças religiosas são valorizadas por seus médicos.

Não obstante os médicos a considerarem importante não só para os pacientes no

enfrentamento da sua doença e do tratamento quanto para eles próprios no seu exercício

profissional, a religiosidade também não é tema de reflexões coletivas no cotidiano do

programa de hemodiálise. Os discursos mostram que as atitudes dos médicos investigados

com relação à religiosidade estão predominantemente baseadas no conhecimento produzido

pela experiência assistencial pessoal e não em conhecimento produzido pelos próprios

médicos do setor hemodiálise, sem mencionar produções acadêmicas sobre o tema. Não

problematizando e elaborando reflexivamente o tema em equipe, os médicos não estabelecem

procedimentos comuns e consensuais, inclusive com o apoio da base científica, filosófica e

literária disponível, que possam tornar a sua abordagem algo mais integrado as ações

assistenciais de rotina, e também algo mais funcional em sua execução, considerando as

dificuldades individuais apresentadas. Assim sendo, o conjunto dos resultados indica a

necessidade de maior investimento na formação médica e na educação continuada tanto

99

quanto a necessidade de melhor divulgação entre os médicos sobre o impacto da religiosidade

na saúde, bem como sobre a sua abordagem no contexto assistencial.

Os resultados afirmam também a importância, para a superação das dificuldades

relacionadas à doença e ao tratamento, de redes de apoio social como a família e outros

grupos sociais. Nesse sentido, grupos religiosos foram percebidos como realizadores desse

papel, o que não aconteceu em relação a equipe multiprofissional do programa de

hemodiálise. A presença do apoio dessa equipe é praticamente uma demanda do grupo de

pacientes. A promoção de abordagens grupais e momentos de convivência entre pacientes,

familiares e profissionais no contexto hospitalar poderia representar uma importante

contribuição para o bem-estar do paciente e para melhor ajustamento à doença e ao seu

tratamento.

Os resultados mostram que, embora não tenham sido expressos conflitos entre

pacientes e médicos com relação ao tratamento em função da religiosidade, existe uma

percepção dos médicos com relação a um possível risco de conflito entre pacientes devido às

diferentes posições que pacientes e médicos têm com relação à possibilidade de cura.

Enquanto os pacientes expressam sua expectativa de uma possível cura milagrosa, os médicos

criticam esta expectativa e temem que ela resulte em abandono do tratamento. De fato, a

busca da cura divina é percebida pelos pacientes como meio para se obter saúde e a

hemodiálise um meio de sobrevivência enquanto se espera o milagre, predominando o

conceito de saúde como ausência de doença. Faz-se necessário intervenções educativas por

parte da equipe multiprofissional junto aos pacientes no sentido de ampliar o conceito de

saúde, reconhecendo a melhora da qualidade de vida produzida por meio da hemodiálise

como ganho real de saúde. Contudo, o papel da religiosidade no tratamento não é percebido

pelos pacientes do grupo investigado como substitutivo, mas complementar, fazendo esforços

de conciliação entre as crenças religiosas e as prescrições médicas, assim como os médicos

também fazem entre suas crenças e os conceitos científicos. Os discursos dos pacientes

expressam a forma religiosa pela qual eles tentar aliviar o seu sofrimento, mesmo sustentando

o desejo de cura que não encontra respaldo nos discursos médicos. Faz-se necessário também

que os médicos abordem a religiosidade dos seus pacientes de modo a avaliar corretamente

em cada caso qual é a influência que ela exerce na adesão ao tratamento, sem reprimir a

esperança de cura que, por si só, não determina um desvio das prescrições médicas.

100

Finalmente, pacientes e médicos apresentam, no contexto da hemodiálise, atitudes em

relação à religiosidade influenciadas pelo processo de secularização em curso na sociedade,

manifestando subjetivamente a sua religiosidade ao mesmo tempo em que buscam distingui-la

e separá-la dos aspectos objetivos, respeitando os limites estabelecidos pela instituição

hospitalar e pela medicina de base científica no que diz respeito aos cuidados de saúde.

Compreender o alcance desses processos que repercutem em diferentes esferas da vida

pessoal e profissional pode ser um elemento motivador para trazer a religiosidade ao campo

das reflexões dos médicos.

101

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107

ANEXO A

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS PACIENTES

Nº _______

1) IDENTIFICAÇÃO

SEXO: ( ) masculino ( ) feminino

IDADE: ___________

ESCOLARIDADE: ( ) fundamental incompleto ( ) fundamental completo

( ) médio incompleto ( ) médio completo ( ) superior incompleto

( ) superior completo

DOENÇA DE BASE: ______________ TEMPO DE HEMODIÁLISE: _________

2) REPRESENTAÇÕES SOBRE A DOENÇA E O TRATAMENTO

1. Na sua opinião, por que você ficou doente e precisou fazer hemodiálise?

2. Para você, o que significa fazer hemodiálise?

3. Que sentimentos e pensamentos você teve quando soube que precisaria fazer hemodiálise?

4. Você já pensou me desistir do tratamento? Caso você tenha pensado, o que lhe fez mudar

de idéia?

5. O que (ou quem) lhe dá forças para enfrentar a doença?

3) REPRESENTAÇÕES SOBRE O PAPEL DA RELIGIÃO NO ENFRENTAMENTO DA

DOENÇA E NO TRATAMENTO

6. Você busca nas atividades de sua religião (cultos, rituais, estudos, etc) ajuda para enfrentar

a sua doença? Em quais atividades?

7. Você recebe apoio dos membros da sua religião no enfrentamento de sua doença? Se tem

recebido apoio, como isto acontece?

108

8. Você acredita que Deus lhe ajuda no enfrentamento da sua doença? Se você acredita, como

isto acontece?

9. Você tem buscado a cura através da sua religião ou da sua fé em Deus? Se Você tem

buscado, como tem feito isto?

10. Você recebe orientações em seu grupo religioso sobre como cuidar de sua saúde? Quais?

4) REPRESENTAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE A RELIGIÃO E A CIÊNCIA (NA

ÁREA DE SAÚDE)

11. Existem conflitos entre as orientações que você recebe da sua religião e as orientações que

você recebe da equipe de saúde (médicos, enfermeiros, etc)? Quais são os conflitos?

12. Você já deixou de seguir as orientações médicas e da equipe de saúde por causa da sua

religião ou fé em Deus? Por quê?

13. Você já teve conflitos com a equipe de saúde (médicos, enfermeiros, etc) por causa da sua

religião ou fé em Deus? Por quê?

14. Nos momentos mais difíceis da sua doença e do seu tratamento, onde você procura ajuda

em primeiro lugar? Quem você procura em primeiro lugar?

5) DADOS SOBRE A RELIGIOSIDADE

15. Você tem religião? ( ) Sim ( ) Não

Se você respondeu SIM, assinale qual a religião na lista abaixo:

( ) Budismo ( ) Candomblé ( ) Catolicismo ( ) Judaísmo

( ) Protestantismo – Qual a denominação? ______________________

( ) Kardecismo

( ) Messianismo ( ) Mormonismo ( ) Umbanda

( ) Testemunha de Jeová ( ) Wicca

( ) Outra: Qual?_________________________

16. Você participa regularmente das atividades de sua religião? Quais?

17. Há quanto tempo participa de sua religião?

109

18. Por que escolheu a sua religião?

19. Você acredita em Deus? O que Deus significa para você?

20. Em que momentos da sua vida a sua religião ou a sua fé em Deus é mais importante?

110

ANEXO B

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS MÉDICOS

Nº _______

1) IDENTIFICAÇÃO

SEXO: ( ) masculino ( ) feminino

IDADE: ______

SITUAÇÃO FUNCIONAL: ( ) staff ( ) residente ( ) outra: __________

ESCALA DE SERVIÇO: ( ) diarista ( ) plantonista ( ) outra: __________

2)REPRESENTAÇÕES SOBRE A RELIGIOSIDADE NO CONTEXTO DA

HEMODIÁLISE

1) Qual é a sua opinião sobre a realização de uma pesquisa sobre a relação entre a

religiosidade e a formação de atitudes frente à doença e ao tratamento no Programa de

Hemodiálise?

2) Você já viveu situações conflitantes com os pacientes motivadas por questões religiosas?

3) O que você pensa sobre a religiosidade dos pacientes com relação à doença e ao

tratamento?

4) Você pergunta sobre a religião dos pacientes quando faz a anamnese dos pacientes do

Programa?

5) Você acha importante conversar sobre religião com os pacientes do Programa de

Hemodiálise?

6) Você conversa sobre religião com os seus colegas médicos do Programa de Hemodiálise?

7) Você acredita em Deus?

8) Você tem religião? Se tem, qual é?

111

ANEXO C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

PESQUISA: “RELIGIOSIDADE E ATITUDES FRENTE À DOENÇA E AO

TRATAMENTO EM UM PROGRAMA DE HEMODIÁLISE”

Você está sendo convidado a participar da pesquisa intitulada “Religiosidade e

Atitudes Frente à Doença e ao Tratamento em um Programa de Hemodiálise”. O objetivo

desta pesquisa é compreender a relação entre religiosidade e atitudes frente à doença e ao

tratamento em pacientes portadores de insuficiência renal crônica. Será realizado no Programa

de Hemodiálise do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho / UFRJ. Os sujeitos da

pesquisa serão pacientes inscritos no Programa de Hemodiálise do referido hospital. Todos

serão entrevistados sobre assuntos relacionados à doença e ao tratamento, além de serem

solicitados a informar alguns dados pessoais, tais como sexo e idade. As entrevistas poderão

trazer benefícios emocionais diretos, aliviando tensões emocionais que possam previamente

existir. Por outro lado, as entrevistas também poderão trazer benefícios indiretos na medida

em que os resultados da pesquisa possam contribuir para que os pacientes sejam melhor

compreendidos pela equipe de saúde com repercussões positivas no tratamento e na

qualidade de vida dos pacientes. Mas, se durante a entrevista, você avaliar que não se

interessa em conversar sobre os temas que forem apresentados poderá interromper sem

nenhum problema. As entrevistas poderão trazer desconforto emocional em alguns pacientes;

neste caso, você terá a liberdade para interromper a entrevista quando quiser. Você tem plena

liberdade de concordar ou não em participar dessa pesquisa e, caso concorde, poderá desistir

em qualquer momento. É garantida a sua liberdade de não participação dessa pesquisa bem

como a retirada de seu consentimento, em qualquer momento da pesquisa, sem qualquer tipo

112

de prejuízo para você. Assumimos o compromisso de publicar os resultados finais dessa

pesquisa, seguindo as normas científicas que resguardam o anonimato pleno de seus

participantes. Estaremos à sua disposição para quaisquer novos esclarecimentos que se façam

necessários, em qualquer momento da realização dessa pesquisa, através de contato com o

pesquisador responsável, Anderson Nunes Pinto, pelo endereço eletrônico

[email protected] ou pelo telefone 91966411, ou ainda através de contato com a sua

orientadora, a Profa

Drª Eliane Brígida Morais Falcão, Coordenadora do Laboratório de

Estudos da Ciência no NUTES/UFRJ, pelo e-mail [email protected]. Se você tiver

alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre em contato com o Comitê de

Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho / UFRJ na R.

Prof. Rodolfo Rocco, nº 255, sala 01D-46 / 1º andar, de segunda a sexta-feira, das 8h às 15h,

pelo telefone 2562-2480.ou pelo e-mail [email protected]. A participação nessa pesquisa

deverá acontecer por livre e espontânea vontade. Vale ressaltar que não há despesas pessoais

para o participante em qualquer fase do estudo, bem como compensação financeira

relacionada à sua participação.

Eu, __________________________________, receberei uma cópia desse Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a outra ficará com o pesquisador responsável

por essa pesquisa. Além disso, estou ciente de que eu (ou meu representante legal) e o

pesquisador responsável deveremos rubricar e assinar as folhas desse TCLE nas laterais e ao

final da última página.

CONSENTIMENTO INFORMADO

Eu, _____________________________________, declaro que fui adequadamente informado

(a) e esclarecido (a) sobre a pesquisa “Religiosidade e atitudes frente à doença e ao tratamento

113

em um programa de hemodiálise”. Discuti com o pesquisador responsável, Anderson Nunes

Pinto, mestrando do Laboratório de Estudos da Ciência/NUTES/CCS/UFRJ, sobre todos os

aspectos da pesquisa e sobre minha decisão espontânea em participar da mesma. Ficaram

claros para mim os seus objetivos, os procedimentos metodológicos a serem realizados e a

garantia de anonimato das informações registradas, bem como a possibilidade de acesso aos

resultados, de esclarecimentos permanentes e de retirada deste consentimento, em qualquer

momento do desenvolvimento da pesquisa, sem nenhum tipo de ônus para mim. Assim sendo,

concordo voluntariamente em participar desta pesquisa.

Rio de Janeiro, ______ de _______________________ de 20 ___.

___________________________ ___________________________

Nome do entrevistado Assinatura do entrevistado

_____________________________ _____________________________

Nome do pesquisador Assinatura do pesquisador

114

ANEXO D

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

PESQUISA: “RELIGIOSIDADE E ATITUDES FRENTE À DOENÇA EM UM

PROGRAMA DE HEMODIÁLISE”

Você está sendo convidado a participar da pesquisa intitulada “Religiosidade e

Atitudes Frente à Doença e ao Tratamento em um Programa de Hemodiálise”. O objetivo

desta pesquisa é compreender a relação entre religiosidade e atitudes frente à doença e ao

tratamento em pacientes portadores de insuficiência renal crônica. Será realizado no Programa

de Hemodiálise do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho / UFRJ. Os sujeitos da

pesquisa serão os pacientes inscritos no Programa de Hemodiálise do referido hospital e os

médicos atuantes no referido programa. Todos serão entrevistados sobre assuntos

relacionados à doença e ao tratamento, além de serem solicitados a informar alguns dados

pessoais, tais como sexo e idade. As entrevistas poderão trazer benefícios emocionais diretos,

aliviando tensões emocionais que possam previamente existir. Por outro lado, as entrevistas

também poderão trazer benefícios indiretos na medida em que os resultados da pesquisa

possam contribuir para a melhora da relação médico-paciente com repercussões positivas no

trabalho médico. Mas, se durante a entrevista, você avaliar que não se interessa em conversar

sobre os temas que forem apresentados poderá interromper sem nenhum problema. As

entrevistas poderão trazer desconforto emocional em algumas pessoas; neste caso, você terá a

liberdade para interromper a entrevista quando quiser. Você tem plena liberdade de concordar

ou não em participar dessa pesquisa e, caso concorde, poderá desistir em qualquer momento.

É garantida a sua liberdade de não participação dessa pesquisa bem como a retirada de seu

consentimento, em qualquer momento da pesquisa, sem qualquer tipo de prejuízo para você.

115

Assumimos o compromisso de publicar os resultados finais dessa pesquisa, seguindo as

normas científicas que resguardam o anonimato pleno de seus participantes. Estaremos à sua

disposição para quaisquer novos esclarecimentos que se façam necessários, em qualquer

momento da realização dessa pesquisa, através de contato com o pesquisador responsável,

Anderson Nunes Pinto, pelo endereço eletrônico [email protected] ou pelo telefone

91966411, ou ainda através de contato com a sua orientadora, a Profa

Drª Eliane Brígida

Morais Falcão, Coordenadora do Laboratório de Estudos da Ciência no NUTES/UFRJ, pelo

e-mail [email protected]. Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética

da pesquisa, entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital

Universitário Clementino Fraga Filho / UFRJ na R. Prof. Rodolfo Rocco, nº 255, sala 01D-46

/ 1º andar, de segunda a sexta-feira, das 8h às 15h, pelo telefone 2562-2480.ou pelo e-mail

[email protected]. A participação nessa pesquisa deverá acontecer por livre e espontânea

vontade. Vale ressaltar que não há despesas pessoais para o participante em qualquer fase do

estudo, bem como compensação financeira relacionada à sua participação.

Eu, __________________________________, receberei uma cópia desse Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a outra ficará com o pesquisador responsável

por essa pesquisa. Além disso, estou ciente de que eu (ou meu representante legal) e o

pesquisador responsável deveremos rubricar e assinar as folhas desse TCLE nas laterais e ao

final da última página.

CONSENTIMENTO INFORMADO

Eu, _____________________________________, declaro que fui adequadamente informado

(a) e esclarecido (a) sobre a pesquisa “Religiosidade e atitudes frente à doença e ao tratamento

em um programa de hemodiálise”. Discuti com o pesquisador responsável, Anderson Nunes

116

Pinto, mestrando do Laboratório de Estudos da Ciência/NUTES/CCS/UFRJ, sobre todos os

aspectos da pesquisa e sobre minha decisão espontânea em participar da mesma. Ficaram

claros para mim os seus objetivos, os procedimentos metodológicos a serem realizados e a

garantia de anonimato das informações registradas, bem como a possibilidade de acesso aos

resultados, de esclarecimentos permanentes e de retirada deste consentimento, em qualquer

momento do desenvolvimento da pesquisa, sem nenhum tipo de ônus para mim. Assim sendo,

concordo voluntariamente em participar desta pesquisa.

Rio de Janeiro, ______ de _______________________ de 20 ___.

___________________________ ___________________________

Nome do entrevistado Assinatura do entrevistado

_____________________________ _____________________________

Nome do pesquisador Assinatura do pesquisador

117

ANEXO E

EXPRESSÕES-CHAVES E IDÉIAS CENTRAIS – MÉDICOS

1ª QUESTÃO - O QUE VOCÊ PENSA SOBRE A RELIGIOSIDADE DOS PACIENTES

COM RELAÇÃO À DOENÇA E AO TRATAMENTO?

SUJEITOS EXPRESSÕES-CHAVES IDÉIA

CENTRAL

01 Acho muito importante, ainda mais no caso dos pacientes

renais crônicos que têm uma doença estigmatizante: se eles não

tiverem o apoio da religião, fica difícil. Dá um suporte, um

sentido pra vida deles. /

Acho importante desde que não seja ao extremo, que não

interfira negativamente.

(...) pode dar

um apoio

psicológico

(...) /

(...) pode ser

um problema

(...)

02 Cada pessoa, dependendo da sua crença, vai se cuidar,

principalmente no caso de uma doença crônica como a

insuficiência renal crônica, cada um vê a doença e o tratamento

dependendo da sua fé . Quem é mais religioso aceita melhor a

doença, como se fosse uma provação, talvez suportem para ter

uma recompensa no futuro; quem não tem religião é mais

rebelde, faz o que não deveria fazer. Quem tem fé é mais

tranqüilo /

Ás vezes, a fé, em alguns extremos, pode ser prejudicial: se for

radical, a pessoa deixa de seguir uma orientação médica por

achar que a fé vai curar.

(...) pode dar

um apoio

psicológico

(...) /

(...) pode ser

um problema

(...)

03 O paciente com doença renal terminal estabelecida não vai

receber um milagre de cura, mas pra enfrentar a doença, buscar

coisas positivas pra vida dele... Muitos pacientes acham que

estão jogando pra perder, que a vida já acabou... É bom para

encarar as coisas de uma forma melhor.

(...) Pode dar

um apoio

psicológico

(...)

04 Já tive pacientes de várias religiões, eles não expressaram essa

situação da religiosidade influenciar a adesão ao tratamento: a

minha impressão é que sim. Quem tem religião vê a doença

como castigo ou como algo que está acontecendo, mas vai

melhorar; quem não tem religião vê de modo mais científico.

Uns aceitam mais e outros menos, mas não dá pra dizer que os

religiosos têm atitudes melhores que os não-religiosos.

(...) precisa ser

bem avaliado

05 Eu considero a religiosidade uma coisa totalmente útil. Pessoas

sem religiosidade tendem muito mais à depressão. Parece que

há uma necessidade de ter fé. Acho que é um suporte.

(...) pode dar

um apoio

psicológico

(...)

118

06 Eu não sou nem um pouco preconceituosa: todas as religiões

são boas, quantas pessoas não saem das drogas... De fato, a

religião muda a vida das pessoas, independente do que está

pregando. Acho que pode ajudar como uma forma de

resignação. O paciente diz: “estou passando esse problema pela

vontade de Deus”. Acho que é um recurso, uma forma de

entender o que está acontecendo /

É uma coisa que pode ser muito boa, mas que acaba sendo

muito ruim por causa do povo, que é muito ignorante. Chega o

pastor e diz que as coisas não são como são e a coisa acaba

indo para um lado ruim. Passa por uma lavagem cerebral e

acha que a religião explica tudo.

(...) pode dar

um apoio

psicológico

(...) /

pode ser um

problema (...)

07 Acho importante eles terem uma religiosidade, acreditarem em

alguma coisa: os pacientes renais crônicos passam por um

sofrimento muito grande, tem uma vida social limitada e baixa

auto-estima. Talvez a religiosidade possa dar um sentido para

aquilo que eles estão passando, para eles não entrarem em

depressão, não tentarem suicídio, não deixarem de fazer o

tratamento, não perderem os laços familiares e não se isolarem

/

A religiosidade é importante até o limite em que não interfere

no tratamento.

(...) Pode dar

um apoio

psicológico

(...) /

(...) pode ser

um problema

(...)

08 Eu respeito todas as religiões. A religião em si quer o bem,

mas os homens interpretam mal. Eu acho que todos os que

seguem uma religião, seguem mais o tratamento, são mais

cooperativos, são menos rebeldes e, de uma forma geral,

toleram e aceitam mais a doença. O paciente renal crônico

sofre o tempo todo; a religião é para ele não se tornar o próprio

sofrimento. Acho que os pacientes precisam de mais apoio

psicológico. /

Tem alguns pacientes que são muito ignorantes e alguns líderes

religiosos acabam usando isso... O pastor disse que vai curar,

aí eles deixam o tratamento. Os que são mais religiosos, mas

sem excesso, se dão melhor.

(...) pode dar

um apoio

psicológico

(...) /

(...) pode ser

um problema

(...)

09 Independente de em que o paciente creia, ele precisa ter fé, ter

esperança, de algo que sirva como motivação pra ele viver e se

tratar, acreditar que existe uma chance para ele. Todo mundo

precisa, mas no momento de doença a pessoa está mais

fragilizada /

O radicalismo é, sem dúvida, um problema: tem aquela pessoa

que tudo acha que Deus vai curar; se prescreve um remédio,

ela diz que não vai tomar, que quem resolve é Deus.

(...) pode dar

um apoio

psicológico

(...) /

(...) pode ser

um problema

(...)

10 Mas a religião ajuda muito. Há casos que muitos dizem não ter

mais jeito, drogados, bandidos, que se apegam à religião e

mudam. A religião tem o seu papel na sociedade, não pode ser

ignorada. Eu acho importante. Às vezes é uma coisa a que o

paciente se apega pra dar força de vontade e não deprimir;

ajuda a ele a se manter de pé e a não deixar de se tratar.

(...) pode dar

um apoio

psicológico

(...)

119

11 Eu acho que é uma forma de manter os pacientes com certa

motivação porque a perspectiva de vida delas é nula. É um

atenuante para quem vive com uma doença crônica. Acreditar

que Deus quis assim, que Deus sabe o que está fazendo, já que

ele não tem perspectiva de sair da hemodiálise. Os religiosos

são mais perseverantes. A religião é mais um recurso. Acho

que a hemodiálise é um território para a psicologia. Aqui a

demanda é imensa. Aqui parece que o ambiente é menor e os

conflitos ficam mais intensos, fica tudo mais próximo... Os

pacientes trazem para nós todas as suas insatisfações que estão

vivendo, as dúvidas, desde a dor no joelho até a briga com o

irmão... É muito difícil eles chamarem por uma coisa positiva,

é sempre problema! Cadê a nossa alma, alguém levou? /

Há religiões que podem ser obstáculos para o tratamento.

Quando a religião não serve para motivar o tratamento, quando

serve para buscar a cura, é um obstáculo. Uma coisa que sai da

realidade, que não tem nenhum fundamento técnico, isso pode

prejudicar muito a adesão deles.

(...) pode dar

um apoio

psicológico

(...) /

(...) pode ser

um problema

(...)

12 Você acreditar em alguma coisa é superválido, basicamente,

para confortar. Às vezes você sabe que não vai ter tratamento,

então a religião dá conforto. Na hemodiálise os pacientes são

especialmente graves /

É meio complicado quando começa a influenciar na parte

médica... A gente não consegue fazer o que é melhor pra ele

por causa de questões religiosas. O extremo é ruim.

(...) pode dar

um apoio

psicológico

(...) /

(...) pode ser

problema (...)

13 Em geral eu penso que é uma coisa boa. Geralmente o paciente

religioso é mais aderente, é mais obediente /

Também tem aqueles que dizem: “Deus vai me curar” e acham

que não precisam fazer mais nada.

(...) pode dar

um apoio

psicológico

(...) /

(...) pode ser

um problema

(...)

14 Acho que é muito importante os pacientes se apegarem à

religião. Ajuda o paciente a enfrentar a sua situação, os seus

traumas, e também pra ter expectativas de vitória,

entendimento da doença e manter a esperança. A gente lida

com paciente crônico, não tem cura. A religiosidade é um

aporte importante para saber como lidar com a doença.

(...) pode dar

um apoio

psicológico

(...)

15 Dá conforto, é mais fácil de ter aceitação /

Talvez isso dependa da personalidade, da estrutura familiar e

da religiosidade, que viria em 3º lugar. Se você está frágil

emocionalmente, não tem uma estrutura familiar, aí vem a

religião. Não é um substituto: pode ter uma importância maior

ou menor.

(...) pode dar

um apoio

psicológico

(...) /

(...) precisa

ser bem

avaliado

16 Eu acho interessante em um processo difícil como esse da

hemodiálise. Os pacientes são beneficiados, eles têm mais um

alicerce psíquico para continuar na luta contra uma doença de

(...) pode dar

um apoio

psicológico

120

levada letalidade. Às vezes nós mesmos estamos duvidosos

com relação ao tratamento e ao prognóstico e eles vêm com um

pensamento positivo.

(...)

17 Respeito todas as religiões. No fundo, eu acredito que tudo é a

mesma coisa. É uma questão de se identificar mais com uma

ou com outra. Tudo o que o paciente faz para se ajudar, não

atrapalhando o tratamento é bom. Quando ocorre em paralelo

é excelente; nada que entre em conflito com o verdadeiro

tratamento. No caso dos pacientes em hemodiálise, dá força e

gana de viver; então, eles continuam o tratamento. É mais um

reforço ao tratamento/

Quando se pede a cura, aí vem o lado da negociação, o lado

ruim da religião. Acho que a religião tem erros enormes.

Talvez a igreja tenha mais erros que acertos.

(...) pode dar

um apoio

psicológico

(...) /

(...) pode ser

um problema

(...)

18 Principalmente quando os pacientes começam a hemodiálise,

eles precisam se agarrar em alguma coisa. Muitas vezes eles

vão ao tratamento como se fosse o fim. Eles precisam da

religiosidade pra ter esperança, pra entender melhor que as

coisas não acabam porque começou a fazer hemodiálise. Acho

que melhora a aceitação, a adesão, a relação familiar e serve

como válvula de escape das suas preocupações e ansiedades.

(...) pode dar

um apoio

psicológico

(...)

19 Não tenho uma posição, mas acho que não interfere nem

positiva nem negativamente; é mais uma questão de relação

com a equipe multiprofissional fazer o paciente entender e

aceitar o tratamento. Nenhum paciente chegou pra mim e disse

que a religião está ajudando ou piorando a vida dele. Depende

muito de cada um. Mas acho que traz mais benefícios. Talvez a

religião seja uma válvula de escape para alguns, eles vão à

igreja para aliviar o sofrimento relacionado à doença.

(...) precisa ser

bem avaliado

20 Em muitas situações, sei que isso é importante por causa do

psicológico deles. A gente ta lidando com pacientes crônicos

com bastante problemas psicológicos. A religião é como um

psicólogo.

(...) pode dar

um apoio

psicológico

2ª QUESTÃO – COMO VOCÊ LIDA COM A SUA PRÓPRIA RELIGIOSIDADE NO

CONTEXTO DE TRABALHO?

SUJEITOS EXPRESSÕES-CHAVES IDÉIAS

CENTRAIS

01 Para o médico a religiosidade também é importante.

Se você não tiver religião perde o sentido do que está

fazendo. Acredito que Deus é uma força superior. A

sua vida se torna muito difícil se você não acreditar

em uma força superior. As coisas perdem muito o

sentido. Por que uma pessoa tão boa sofre, por que

umas sofrem mais do que as outras? Penso muito

Eu tenho crenças

(...) /

Eu concilio (...) /

Eu evito conversar

(...)

121

nisso. Se não pensar nisso, deixa de ser humano, tem

que se colocar no lugar do outro. /

Eu acredito nisso: que Deus faz milagres por meio

das coisas materiais. O transplante seria um milagre.

Os milagres são feitos através das atitudes dos outros,

não através de um raio que vai cair na cadeira e tirar o

paciente da máquina. /

Não conversamos (os médicos) sobre religião.

Médico é uma pessoa muito cética. Até para não ser

julgado, avaliado. Ia virar uma discussão muito

teórica. Médico é muito teórico. Acho que é uma

coisa muito pessoal. Por isso eu não falo, cada um

tem a sua.

02 A religião me faz ficar mais tranqüilo nas situações

difíceis, tomar as melhores decisões e ter as melhores

condutas. Eu acredito que Deus é um ser superior que

tenta nos ajudar nos momentos difíceis, se a gente

procurar por ele também... Até nos momentos fácies

também. A gente procura alguma força sobrenatural

que tranqüilize e dê mais ânimo... Eu acredito que

seja Deus. /

Eu tento intercalar religião e ciência, acho que as duas

coisas andam juntas. Deus dá inteligência ao homem

pra ele se virar, né? São complementares. /

A gente conversa e se respeita. Ninguém tenta mudar

a cabeça de ninguém. Geralmente é fora do hospital.

Eu tenho crenças /

Eu concilio (...) /

Eu evito conversar

(...)

03 Eu não sou muito religioso, mas agradeço a Deus

pelas coisas positivas que acontecem e nas

dificuldades eu peço luz para encontrar as soluções.

Nos procedimentos médicos já pedi a Deus pra me

guiar. /

Mas a gente tem que separar as coisas. A gente tem

que ser técnico. /

Os médicos conversam muito pouco sobre religião.

Mais informalmente do que direcionado aos

pacientes, exceto quando há casos marcantes. Não é

rotina.

Eu tenho crenças

(...) /

Eu concilio (...) /

Eu evito conversar

(...)

04 Eu acredito que Deus nos deu capacidades e que tudo

tem um propósito. Mas não é para ficar com uma

atitude expectante, a gente tem que correr atrás. Do

meu modo, eu ponho em prática as minhas crenças. A

gente aprende que deve amar ao próximo. Sempre

que a gente está com o paciente procura dar um

conforto, um carinho. Eu sinto retribuição e é muito

gratificante. É um diferencial. Em nível técnico pode

ser semelhante, mas faz diferença no trabalho com o

paciente. /

Eu não sei se essa parte da atenção, do carinho, está

Eu tenho crenças

(...) /

Eu tenho dúvidas

(...) /

Eu evito conversar

(...)

122

relacionada à minha personalidade ou à minha

religião. Eu não sei se eu crescesse no meio ateu se eu

seria da mesma maneira. Eu acho que não, mas não

tenho certeza. Dificilmente a gente pára pra pensar

nesse assunto. É bom pensar nisso. /

Raramente surge a religião como assunto entre os

médicos. Geralmente ele é rápido. Com a equipe de

enfermagem é mais frequente. Eu gosto mais de ouvir

do que de falar. Geralmente eu percebo um respeito,

talvez se evite conversar sobre o assunto para não se

criar conflitos. Eu fiz residência aqui e não me lembro

de ter conversado sobre isso com os meus colegas.

05 Talvez o meu deus seja a vida... E com todas as suas

imperfeições. Há inúmeras camadas de conhecimento

a serem esclarecidas. Mas sou profundamente mística.

Eu tenho uma religiosidade ligada à natureza. Sinto

que há algo que emerge da gente que não pode ser

demonstrado pelo método cartesiano-positivista, mas

que está presente em tudo o que é vivo. /

Eu me sinto em dúvida entre o meu juízo crítico e as

minhas necessidades. / Não conversamos sobre

religião, mas há uma interface entre religiosidade e

medicina.

Eu tenho crenças

(...) /

Eu concilio (...) /

Eu tenho dúvidas

(...) /

Eu evito conversar

(...)

06 Acredito que Deus é quem sabe de todas as coisas. É

um espírito maior. Pra minha prática profissional é

muito importante acreditar em Deus porque a gente

lida com a vida das pessoas... Pra fazer as coisas

certas, pra olhar o caminho certo sobre como

conduzir o paciente. Em várias situações a gente lida

com pacientes graves... Aí eu penso em Deus. /

A religião é um tema muito comum e muito pouco

falado.

Eu tenho crenças

(...) /

Eu evito conversar

(...)

07 Acredito que Deus é um ser superior, de quem a gente

tenta pelo menos chegar próximo. Talvez a gente

tenha uma caminhada longa para melhorar os

sentimentos, as relações, o jeito de ser, de ver as

coisas, de tratar as outras pessoas. Acreditar em Deus

me ajuda nisso. Mas me ajuda principalmente a lidar

com a questão dos pacientes terminais. /

As crenças interferem na decisão de até onde vai

investir no paciente ou não. Não há regras absolutas.

Acho que muitas crenças e das vivências pessoais

interferem nas decisões médicas. Para quê trazer de

volta uma pessoa que não interage, toda sequelada?

Por quê não deixar seguir o curso natural da vida?

Talvez Deus estivesse chamando o paciente para uma

outra chance em outra vida. /

Não é tão comum, de vez em quando os médicos

Eu tenho crenças

(...) /

(...) em situações

relacionadas à

morte (...) /

Eu evito conversar

(...)

123

conversam sobre religião.

08 Eu acredito em Deus. Deus é tudo. É a primeira coisa

na vida de todo mundo. A religião me ajuda a

entender o sofrimento das pessoas, os pacientes que

tratam mal, a convivência no ambiente de trabalho.

No momento em que a gente acaba de perder um

paciente que, em nossa opinião, teria chance de

sobreviver./

Existem vários conflitos entre religião e ciência, até

que ponto você pode ou deve investir no paciente. De

um ponto de vista profissional, penso por um lado; de

um ponto de vista religioso, por outro lado. Há

situações em que não há regras absolutas./

Esse assunto é muito deixado de lado pelos médicos.

Eu tenho crenças

(...) /

(...) em situações

relacionadas à

morte /

(...) eu evito

conversar

09 O importante é fazer coisas boas. O ser bom está

muito envolvido com religião. A idéia de ajudar o

próximo me influencia no dia a dia da profissão e em

tudo. Eu acredito em algo superior. Não sei se é uma

pessoa, uma força, um espírito, não sei... Acho que é

uma coisa boa. As pessoas dão nomes diferentes para

ele. /

Quando surge alguma experiência aí a gente

conversa. Quando o paciente sabe que vai falecer.

Sempre tem um fato que envolve religião e aí a gente

fala. Quando o paciente diz: “doutora, estou sentindo

que estou morrendo” e depois morre... Todo mundo

fica apavorado. Qual é a explicação pra isso? Não tem

explicação. Isso gera uma polêmica, um nervosismo

entre os médicos. Tem uns que acreditam em vida

após a morte, outros acham que é uma besteira.

Eu tenho crenças

(...) /

(...) em situações

relacionadas à

morte

10 A religião serviu muito para dominar os povos,

catequizar. /

Eu acredito que se você fizer o mal, ele volta pra

você. Se você ficar com pensamentos negativos, isso

atrai coisas negativas. Acredito que existe uma

energia maior. Deus é um nome, mas poderia chamar

de outra coisa. Não é nada personificado, nada

humanizado. /

Não converso sobre religião com meus colegas. É

muita correria. Não converso muito. Este é um

assunto a que não dou muita importância.

Eu concilio (...) /

Eu tenho crenças

(...) /

Eu evito conversar

(...)

11 Eu não tenho uma religião padronizada. Vou à missa

numa boa, mas não fico ali concordando com aquilo

que está sendo dito, mas fico ali pra renovar minhas

forças. /

Eu sempre rezo antes de começar um procedimento e

depois eu agradeço. Eu peço pra Deus guiar as

minhas mãos quando eu vou fazer uma punção. Faço

Eu concilio (...) /

Eu tenho dúvidas

(...) /

(...) em situações

relacionadas à

morte

124

isso por causa do paciente e principalmente quando

estou sozinha. /

Não sei se acredito em Deus... Às vezes sim, às vezes

não. Talvez ele exista. Eu só penso em Deus nas

horas que eu quero que ele me guie em alguma coisa,

pra algum procedimento mais difícil aqui... Na

verdade eu sempre peço a ele. Mas dizer que eu

creio... Não é claro pra mim. É um conflito. /

Atualmente não, pouco converso. Acontece mais

quando você vê pessoas com quadros irreversíveis ou

que vão a óbito. Acaba vindo o assunto sobre por que

estamos aqui... A gente se pergunta se está fazendo as

melhores escolhas, se está aproveitando bem a vida,

se não deveria trabalhar menos, se deveria passar

mais tempo com a família.

12 Faço as minhas orações e rezas antes de chegar ao

plantão. Eu sempre peço a Deus que ele me ajude,

que eu não faça mal a ninguém. Sempre peço. É uma

situação em que você está exposto, grave, lidando

com a vida dos pacientes. Eu acredito que Deus seja

uma pessoa superior que é presente em todas as

situações e de quem eu tenho necessidade. /

É muito difícil os médicos conversarem sobre

religião. Nunca aconteceu na hemodiálise. Converso

só quando tem o caso de uma paciente difícil. Não

tem papo sobre religião. As pessoas, em geral, não

param pra ficar discutindo religião. Cada um tem a

sua própria e ninguém entra em controvérsia.

Eu tenho crenças

(...) /

Eu evito conversar

(...)

13 Acho importante acreditar em alguma coisa. Senão a

impressão que dá é que é que tudo fica perdido...

Aonde se vai depois da morte, o que existe além do

que se está vendo, qual o motivo para algumas coisas

acontecerem e pessoas aparecerem na sua vida... Tem

umas pessoas que te tocam mais, pacientes... Nesses

casos você faz mais, vai além porque você quer. Acho

que creio em Deus... Não sei se é Deus. Acredito em

uma força maior. Justiça, talvez... O responsável pelo

bom curso do mundo, da hora e d a forma como as

coisas acontecem... Não sei caracterizar muito bem. /

Eu não me interesso em conversar sobre religião.

Ninguém aqui conversa muito sobre isso. Sei da

religião de um ou de outro, dos mais próximos.

Eu tenho crenças

(...) /

Eu evito conversar

(...)

14 Eu tenho a idéia de que Deus é o que cada um prega.

O importante é que eu tenho uma relação com Deus e

acredito nele. Peço a ajuda dele em termos de sucesso

nos procedimentos, nos concursos, nos planos... peço

a bênção dele pra fazer tudo isso bem. Posso dizer

que isso acontece diariamente. Minha fé em Deus tem

Eu tenho crenças

(...) /

Eu evito conversar

(...)

125

uma participação muito grande, efetiva, no meu

trabalho. /

Converso muito pouco sobre religião com os meus

colegas. Não me lembro quando foi a última vez. A

conversa fica estagnada porque um é católico, outro é

evangélico, outro é espírita... Acaba não fluindo. O

trabalho tá sempre agitado, sobra pouco tempo para

conversar mais sobre isso.

15 Algumas frases ficaram: “a gente tem que passar por

uma missão” e “O espírito, quando a gente se mata,

não encotra luz”. Deus é... Eu não sei... É difícil... Eu

não consigo definir. É uma força... Não consigo

chegar a uma explicação... É uma energia... /

Às vezes conversamos (os médicos) sobre questões

pessoais, mas a religião não aparece. Aqui não me

lembro de conversar sobre isso, só quando reclamam

das Testemunhas de Jeová. Acontece de conversar

com a enfermagem sobre esse assunto.

Eu tenho crenças

(...) /

Eu tenho dúvidas

(...) /

Eu evito conversar

(...)

16 Talvez Deus seja... É difícil definir... Uma força...

Um pensamento coletivo. Alguém? Não sei. A gente

não consegue aferir. Às vezes eu penso que a vida é

só o que existe aqui... Parece que é só o biológico

mesmo. Nas outras vezes... Essa necessidade de

conforto... Eu me sinto confortado pela religião. Não

é algo concreto. /

Tenho uma religiosidade própria, não institucional.

Acho que nenhuma instituição religiosa é 100%.

Tenho discordâncias técnicas, como na questão do

aborto, controle da natalidade, distanásia. Tenho uma

religiosidade íntima e tenho uma formação científica.

Eu tento me manter com um pensamento racional,

mas acho que isso não exclui a religiosidade. Isso não

interfere nas decisões racionais. /

Entre os médicos é um assunto que não circula, não

se discute, não se pergunta, isso não é abordado...

Não se explicita isso. A minha percepção é que na

hemodiálise há muito mais profissionais da

enfermagem religiosos. Às vezes converso com eles

sobre isso.

Eu tenho dúvidas

(...) /

Eu concilio (...) /

Eu evito conversar

(...)

17 Creio em Deus. Deus não é uma coisa pra ser

definida. É uma coisa acima de tudo... Seria a solução

pra tudo. Ao mesmo tempo a gente não pode achar

que ele vai resolver tudo. Tive um colega que era

ateu, mas conversando com ele, percebi que ele não

era tão ateu assim. É da formação humana acreditar

em algo além do que está vendo. Acho que ninguém é

tão ateu. /

Eventualmente em situações difíceis eu rezo. Mas no

Eu tenho crenças

(...) / Eu concilio

(...) / Eu evito

conversar (...)

126

trabalho tenho que ser frio e calculista. Se as coisas

derem certo, depois eu agradeço. Não tem como fazer

ciência com religião. Não é que ciência e religião

estejam uma contra outra, mas são universos

paralelos. Não dá pra fazer cálculos, dizer que se deve

fazer isto ou aquilo com a religião. Na medicina a

gente estuda e coloca em prática. Adquirir

conhecimento é importante, mas o problema é a

aplicabilidade. /

Às vezes conversamos (os médicos), pouca coisa. A

gente fala mais sobre futebol do que sobre religião...

A gente quer extravazar, jogar fora esse estresse,

conversar sobre coisas mais leves.

18 Tem muita coisa que eu não concordo na minha

religião. Por exemplo, ser contra preservativo. Eu,

como médico, não posso concordar com isso. Existe

esse sentimento ambíguo. Deus para mim é tudo. Eu

não acredito em Adão em Eva. Eu acredito em

Darwin. Mas quando a surgiu a primeira molécula?

Deus estava ali. Deus está em tudo. Botar a culpa no

acaso pra tudo é muito fácil... Não me satisfaz.

Racionalmente não acredito que Deus existe. Mas

toda vez que meu filho fica doente eu peço a Deus

por ele. Já tive conflitos com meus colegas de

trabalho. Um era criacionista, o outro era ateu. São

dois extremos. Respeito, mas não concordo. /

Aqui na Hemodiálise a conversa sobre religião é

muito pouca. Conversas informais sobre alguma coisa

relacionada a algum paciente, mas não é usual.

Eu concilio (...) /

Eu evito conversar

(...)

19 Em minha opinião, o que a gente tem que fazer é o

bem. As minhas crenças me ajudam no trabalho

indiretamente: eu que a gente tem que fazer a nossa

parte, o nosso papel, e em cuidar do paciente de uma

forma humana. O paciente da diálise é muito

carente... Talvez tentar o máximo de benefício para

ele. Também para tentar ir para o “lado branco” no

final. Não é todo dia, nem tem hora certa, mas em

certas situações eu faço as minhas orações, peço e

agradeço. /

Com relação à morte, acho que a gente acaba criando

um bloqueio, não sei explicar. Acho que o médico

não fica totalmente insensível, mas cria uma barreira.

O paciente morre e daqui há pouco a gente está vendo

TV... As pessoas que não vivem o dia a dia do

hospital não entendem isso. /

Não tenho hábito de conversar sobre religião com os

médicos. Converso quando há uma situação

relacionada à religião que está sendo comentada, por

Eu tenho crenças

(...) / (...) em

situações

relacionadas à

morte / Eu evito

conversar (...)

127

exemplo, quando alguém faz uma chacina por

motivos religiosos... Como é que pode? Mas não é

muito comum. Ninguém fica: “por que você acredita

nisso ou naquilo?”.

20 Eu sou ateu, não acredito em nada. Sempre me

apeguei muito a parte científica, na evolução, na

origem do planeta. Fui questionando e achando

desnecessária a religião. /

Como não sou religioso, a religião é um assunto que

eu não vou puxar. Aqui na Hemodiálise nunca, não

me lembro de ninguém ter trazido, da religião ter

aparecido. A gente conversa muito sobre assuntos

médicos. Até política a gente conversa pouco.

Quando a gente conversa sobre outros assuntos, são

amenidades, assuntos “light”, que não vão trazer

discussão... Desses assuntos a gentes se abstrai.

Eu sou ateu / Eu

evito conversar (...)

3ª QUESTÃO - COMO VOCÊ ABORDA A RELIGIOSIDADE DOS SEUS PACIENTES?

SUJEITOS EXPRESSÕES-CHAVES IDÉIAS CENTRAIS

01 Não pergunto pela religião dos pacientes. Eu acho

que saber a religião em si não é importante, mas a

relação do paciente com a religião. É muito

complicado. /

A gente não tem tempo, se a gente entrar nesse

assunto a gente não faz nada. /

Eu converso sobre religião quando o paciente está

precisando, está deprimido, quando ele dá

abertura. É importante não se envolver demais,

nem virar gelo. /

Não sei se estou ultrapassando uma barreira na

relação médico-paciente, mas eu falo que Deus só

dá o que a gente pode suportar. É uma crença

minha e que é um alento para o paciente.

Eu acho problemático (...)

/

Eu não costumo perguntar

(...) /

(...) em situações especiais

/

(...) Sim, eu uso minhas

crenças

02 Perguntar sobre a religião dos pacientes? Taí...

Tem que perguntar... Mas geralmente eu não

pergunto não. Mas é importante por causa dos

problemas que podem acontecer futuramente, os

pacientes deixa de fazer o tratamento. Acho que a

maioria não pergunta. Tanto que raramente se vê a

religião nas anamneses. Isso tá mudando...

Antigamente a maioria era católica e as pessoas

não perguntavam... Mas estão crescendo as

religiões evangélicas e espíritas. Acho importante

conversar sobre religião com qualquer paciente.

Eu não costumo perguntar

(...)

128

Nunca fiz isso, mas acho importante,

principalmente com os mais rebeldes. Teria a

função de tranqüilizar. Nós damos oportunidades

para todos, respeitamos a todos. Eu foco logo no

que traz o paciente ao hospital.

03 Só quando a gente percebe que a entrevista está

indo pra esse lado é que a gente pergunta sobre

religião. Eu acho isso complexo. Não me sinto

preparado pra isso não. É muito complicado. Do

ponto de vista humano, né? O médico não é uma

máquina... Mas isso é muito pessoal. Acho essa

pesquisa muito importante para esclarecer os

pacientes e orientar a gente a como abordá-los

melhor. /

Talvez em algumas situações seja importante

conversar sobre religião com o paciente. Já rezei

por eles em alguns momentos, tentei passar uma

energia positiva. /

Acredito na reencarnação, na evolução espiritual,

na prática do bem, que quando a gente morrer vai

para outro plano. Algumas vezes tentamos

transmitir isso para os familiares após o óbito dos

pacientes e para os pacientes em situação de

sofrimento.

Eu acho problemático (...)

/

(...) em situações especiais

(...) /

Sim, eu uso minhas

crenças

04 Não é costume perguntar sobre a religião dos

pacientes. No decorrer da relação com o paciente a

gente percebe qual é a sua religião. Às vezes os

pacientes perguntam a nossa religião e,

conversando sobre o assunto, a gente fica sabendo

a religião deles. Acho importante conversar sobre

isso. Quando o assunto surge a gente conversa. É

importante conversar com o paciente sobre

qualquer assunto. /

Percebo o pensamento de cura milagrosa. Eu

nunca falo que não existe: enquanto isso, eu vou

tratando. Eu uso o argumento de que Deus cuida

da gente pela tecnologia e que tudo tem um

propósito.

Eu não costumo perguntar

(...) /

(...) usando as suas

crenças

05 A gente é treinado pra perguntar sobre a religião.

Eu não faço isso porque quando chega a mim o

paciente, já fizeram a anamnese. Quando os

pacientes querem conversar sobre religião eu

sento e escuto. Só faço essa observação: eles

devem pedir a Deus serenidade, resignação,

coragem, paciência, sabedoria, que lhe mostre

caminhos, mas não deixe de fazer a hemodiálise.

Os pacientes costumam me perguntar sobre a

minha religião. A minha resposta é: todas as

(...) usando as suas

crenças (...)

129

formas de buscar a Deus são válidas. Na verdade

muitas vezes converso sobre religião. Já recebi

advertências: “você não é analista, você não é

psiquiatra”.

06 Não pergunto sobre religião quando faço

anamnese. Às vezes eu pergunto quando é um

paciente do pré-transplante porque faz toda

diferença pela questão da possibilidade da recusa.

É muito delicado. Falar sobre religião é muito

pessoal. A gente vive numa sociedade que é muito

preconceituosa com relação a algumas crenças.

Principalmente porque a população é muito

ignorante. Religião não, mas falar de religiosidade

é mais fácil: falar sobre Deus, sobre a vida, sobre

a morte, sobre a doença. Mas quando coloca um

rótulo complica. É totalmente possível falar de

uma coisa sem falar sobre a outra. Na

hemodiálise, por tratar de uma doença muito

grave, é preciso tomar cuidado para o paciente não

achar que ele merece passar por isso. /

Na verdade, eu falo muito sobre isso: que as

coisas não acontecem por acaso, que o paciente

está passando por um problema que pode não

entender agora, mas que existe uma razão...

Eu acho problemático (...)

/

Sim, eu uso minhas

crenças

07 Eu perguntava sobre a religião dos pacientes

quando aprendi a fazer anamnese. Faz muito

tempo que eu não pergunto. / Para a parte médica,

para fazer um diagnóstico ou traçar uma conduta,

não faz diferença. /

Acho importante conversar sobre religião. Às

vezes os pacientes falam, aí eu respondo,

pergunto... É importante para convencer os

pacientes da necessidade de aderência ao

tratamento. Às vezes os pacientes nos procuram

porque estão muito tristes e você acaba usando a

religião para ajudar os pacientes. /

Essa pesquisa é importante para tentar raciocinar

sobre como isso pode estar interferindo, como

abordar a religiosidade com o paciente. É

complicado. O médico geralmente não usa muito

isso, não é uma de suas opções de trabalho. Não

existe isso.

Eu não costumo perguntar

(...) /

(...) em situações especiais

(...) /

Eu acho problemático (...)

08 Não pergunto sobre a religião dos pacientes. Faz

parte da anamnese... Não sei por que não faço.

Acho importante conversar sobre religião. A gente

fala muito pouco nisso. Nunca passei por uma

situação em que precisei saber da religião para

definir uma conduta para o paciente. /

Não costumo perguntar

(...) /

Eu acho problemático (...)

130

Geralmente não pergunto sobre religião, mas se

crê em Deus. Não pergunto pela religião para não

entrar em conflito, pergunto pela fé em Deus. Na

minha opinião o mais importante é buscar em que

o paciente tem fé para ajudar na sua adesão ao

tratamento.

09 Não, dificilmente pergunto sobre religião. A gente

parte do princípio que todo mundo é católico...

Quando a gente vai conhecendo as pessoas elas

vão demonstrando, fazendo comentários, aí fica

evidente qual é a sua religião. Pra mim não faz

tanta diferença assim. /

Depois que a gente passa a conhecer o paciente é

diferente. Ele fica sabendo das nossas coisas e a

gente fica sabendo muito mais das coisas deles.

De graça não converso sobre religião com os

pacientes, só se ele perguntar. É importante

conversar sobre qualquer coisa. Eles podem

valorizar a religião de uma forma que eu não

valorizo. /

Acho que é assim: os médicos atendem 500

pacientes, mas eles só têm um médico. Eu acho

que eles valorizam demais a gente, eles não

deveriam dar tanta atenção às coisas pessoais. Na

hemodiálise temos um contato muito próximo e

muito prolongado com o paciente. Cria um laço

inevitável. Achar que os pacientes só vão falar da

doença é um engano. Eles precisam desabafar,

falar da sua vida. Muita gente confunde

proximidade com intimidade. É difícil impor uma

barreira, é estranho... Eles te sugam! Tudo eles

falam: minha filha está com dor, meu marido está

me tratando mal, meu vizinho está com um

problema, tudo é a gente!Tem que ser próxima,

mas demais... O paciente te desvaloriza como

médico.

Eu não costumo perguntar

(...) /

Eu acho problemático (...)

10 Não pergunto sobre religião. Acredito que não

seja tão importante para o que estou procurando:

doenças, a parte clínica. Acredito que religião não

tem muito a ver.

Se fosse importante conversar sobre religião com

os pacientes eu faria. Não sei se estou fazendo

certo ou errado... O fato é que eu não dou muita

importância. É por falta de tempo também. Não

sei se outros médicos dão, talvez se forem

religiosos.

Eu não costumo perguntar

(...)

11 Às vezes na correria eu não pergunto... Na maioria

das vezes. Eu considero importante perguntar. Isso

Eu não costumo perguntar

(...)

131

cria uma aproximação. Ao mesmo tempo que falo

sobre religião eu posso saber sobre as condições

sociais, moradia, posso me aproximar mais da

realidade do paciente. Também sobre o que eles

esperam da doença. No caso da religião, se ele

sabe que Deus quis assim e por que está passando

por isso. Fico mais tranqüila. Infelizmente o

médico tem uma sobrecarga de serviço... A

verdade é que isso não é uma prioridade. É mais

importante saber quanto está o potássio, se o

paciente está taquipneico... O tempo para

conversar, discutir, falar dos aspectos sociais é

limitado. A nefrologia é uma especialidade que

lida com urgências.

12 Em geral eu não pergunto sobre a religião do

paciente por que eu esqueço. Se eu vejo que é um

paciente que vai precisar de hemotransfusão eu

pergunto se é Testemunha de Jeová. Já aconteceu

de conversar sobre religião. Alguns pacientes

ficam agradecidos pela resolução de um caso e

rezam para agradecer. Às vezes eles falam: “deixe

Deus entrar na sua vida”. Por mais que eu não

queira mudar de religião, eu escuto o ponto de

vista deles e falo o meu. Eles também perguntam

sobre a nossa religião.

Eu não costumo perguntar

(...)

13 Poucas vezes pergunto sobre religião aos

pacientes. Acaba sendo uma anamnese mais

dirigida para a parte médica. A religiosidade não é

muito importante, o que faz a diferença é no caso

das Testemunhas de Jeová por causa da

hemotransfusão. Converso pouco sobre religião

com os pacientes. /

Às vezes, quando preciso, uso a religiosidade

como um artifício de um processo de

convencimento. É uma forma de tentar confortar

também. Eu uso mais ou menos o que a pessoa

diz. Mas se a pessoa diz que Deus vai curar, não

falo. No caso do transplante falo que só Deus sabe

quando vai ser.

Eu não costumo perguntar

(...) /

(...) usando as suas

crenças

14 Eu pergunto sobre a religião dos pacientes. É um

item da história social ou dos seus hábitos de vida.

Acho que é importante perguntar para saber com

quem se está lidando e para ter uma boa relação

médico-paciente. Mas não dou muita ênfase.

Converso muito pouco com os pacientes sobre

religião. /

Sempre falo aos pacientes e aos familiares que a

gente tá fazendo o melhor que pode ser feito e que

Eu não costumo perguntar

(...) /

(...) usando as crenças dos

pacientes

132

é importante ter fé. Não entro no mérito da

religião nem fico discutindo: a diversidade é muito

grande.

15 Quando faço anamnese, ela é muito abreviada.

Não faço anamnese, mas se tivesse que fazer, não

perguntaria, não me preocuparia. Procuro perceber

a situação social com quem está acompanhando,

saber se a pessoa é muito sozinha. Vejo muitos

pacientes sozinhos. A religião sai como

conseqüência da observação de questões sociais. /

Quando o paciente não quer se tratar é que eu

apelo para a religião e digo: “tem coisas que a

gente tem que passar”. Dentro de um contexto, é

um recurso de convencimento para fazer o

paciente aceitar o tratamento. Também faço isso

quando a pessoa está desanimada. Às vezes os

pacientes citam a religião. Eu acho que o mais

importante é preparar o paciente para o que ele vai

passar. /

Me impressionam quando dizem: “para Deus tudo

é possível”.

Eu não costumo perguntar

(...) /

(...) em situações especiais

/

Eu acho problemático (...)

16 Acontece principalmente quando lido com óbito:

cito Deus para que os familiares tenham algum

conforto. Acontece também no caso de doenças

mais graves. /

Não entro em detalhes, como a vida após a morte,

cada religião tem suas idéias. Uso Deus da marca

genérica, não uso das marcas comerciais. Uso as

crenças da religião da pessoa. /

Eu uso a minha religião não institucional. Eu não

dispenso a religiosidade apesar de ter uma

formação científica. Eu não consigo deixar de

fazer isso, no sentido de confortar, especialmente

em situação de óbito, de acordo com a base

religiosa do paciente.

(...) em situações especiais

(...) /

(...) usando as crenças dos

pacientes /

Sim, eu uso minhas

crenças

17 Não pergunto. Faz parte da formação médica,

temos que perguntar. Mas eu não valorizo isso.

Não converso com os pacientes sobre religião.

Normalmente a melhora clínica acontece sem esse

recurso. Normalmente eles não tocam no assunto.

Eu tenho curiosidade de saber, de entender a

pessoa pela religião dela. /

É como perguntar pelo time de futebol, pelo

partido político. É uma questão pessoal. Prefiro

não interferir. /

Quando percebo que o paciente está mais carente

emocionalmente, pergunto se ele tem religião e

procuro orientar, reforço a sua religiosidade.

Eu não costumo perguntar

(...) /

Eu acho problemático (...)/

(...) em situações

especiais/

(...) Sim, eu uso minhas

crenças

133

Quando eu percebo que eles estão perdidos,

pensando em abandonar o tratamento... Aí eu

pergunto pela religião e oriento a seguir nos dois,

religião e tratamento. /

Até quem diz que não, na hora que o bicho pega...

Tem que se apegar a uma religião. Senão ele sente

um vazio tão grande... Aí eu digo: “procure uma

religião”. O remédio que a gente não encontra na

farmácia tem que buscar em outro lugar.

18 Normalmente a gente pergunta. Eu pergunto. Tem

que perguntar. Pra já saber é melhor que esteja no

prontuário. Do ponto de vista técnico é importante

perguntar por causa da transfusão no caso das

Testemunhas de Jeová. Há um potencial conflito.

Eu nunca vivi isso, não sei como me portaria. É

uma discussão ética, e até jurídica, grande. /

Acho que Deus nos faz trilhar os rumos certos.

Alguns caminhos são árduos, até do filho dele...

Foi o mais árduo de todos. Então a gente não deve

reclamar. Falo isso para os pacientes, não de uma

maneira direta, mas de uma maneira mais amena.

Alguns pacientes falam que Deus mandou a

hemodiálise como uma provação. O paciente fala:

“por que eu fiquei renal crônico?”. Não existe um

dilema real nesse caso. Cada um tem que fazer a

sua parte, não é só Deus. Vários pacientes de

hemodiálise me perguntam: “doutor, por que eu?”.

No caso de muitos deles a gente sabe que

certamente Deus não tem nada a ver com isso. O

cara não tomou remédio, não fez dieta, por que

Deus é o culpado?

Eu acho problemático (...)/

Sim, eu uso minhas

crenças

19 Não pergunto sobre religião. Não sei por quê...

Talvez por uma falha mesmo. Não consigo ver se

é certo ou errado questionar sobre religião. Tem

pessoas que fazem, outras não. Cada um tem o seu

jeito de trabalhar. /

Naquele momento a gente fica tão direcionado

àquela coisa que a gente precisa resolver.

Às vezes acontece de conversar sobre religião,

principalmente relacionada à religião evangélica...

Às vezes os pacientes acreditam no que os

pastores vão dizer... Os pastores fazem

questionamentos sobre o que o paciente deve

fazer. Mas é muito difícil acontecer isso. Há

alguns momentos, quando o paciente está

terminal, que uma palavra, um gesto de carinho...

”Ah, vai dar tudo certo! Vamos ter fé que vai dar

tudo certo!”. De um modo espontâneo acaba

Eu não costumo perguntar

(...) /

(...) usando as crenças dos

pacientes

134

entrando na religião. Você percebe que o paciente

quer ouvir. Não vou trazer coisas que eu acredito.

Às vezes o paciente fala e eu respondo “vamos ter

fé”, quando eu percebo que é importante para ele.

20 Tenho perguntado muito raramente sobre religião.

É um hábito que a gente vai perdendo quanto mais

a gente vai se afastando de quando a gente

aprendeu a fazer anamnese. Só quando há situação

de cirurgia pergunto a religião pra saber se tem

problema com transfusão de sangue. O correto é

perguntar. O que acontece? Para fazer a anamnese

correta é uma conversa de 1 hora, 1 hoa e meia...

se for fazer a gente não trabalha. Nesse processo

de encurtar a gente acaba eliminando a religião,

por que não vai te dar uma definição mais

imediata de conduta. A religião é mais importante

a médio e longo prazo pra saber como o paciente

vai interpretar as coisas. /

De uma forma geral, eu não converso com os

pacientes. Acho que isso é muito individual. /

Quando é importante para o paciente a gente logo

percebe por que ele traz a religiosidade pra

conversa. Se faz parte do dia a dia dele é

importante conversar. Para equilibrar as coisas...

Para os pacientes ou é o médico ou é a religião. /

Eu não acredito em Deus, mas não passo a minha

posição para os pacientes. Eu apóio a crença deles,

não tenho problema com nenhum tipo de religião.

Eu não costumo perguntar

(...) /

Eu acho problemático (...)/

(...)em situações especiais/

(...) usando as crenças dos

pacientes

135

ANEXO F

EXPRESSÕES-CHAVES E IDÉIAS CENTRAIS – PACIENTES

1ª QUESTÃO – O QUE SIGNIFICA FAZER HEMODIÁLISE PARA VOCÊ?

SUJEITOS EXPRESSÕES-CHAVES IDÉIA CENTRAL

01 No começo foi muito ruim. /

Entendia que o negócio era tirar o líquido. Depois

entendi que era tirar a impureza. Achava que não ia

durar muito. Acho que a hemodiálise é muito pouco

divulgada. Tem muita gente ficando renal. Tem gente

que não conhece. Sempre procuro me informar na

internet, perguntando a equipe, mas não consigo

explicar./

Tinha que ficar com o cateter no pescoço, morria de

vergonha. Até pouco tempo escondia o braço... Pra

mim, fazer hemodiálise é um saco! Tem hora que não

agüento mais, que tenho vontade de desistir./

Agora não esquento mais. Se olhar bem, têm doenças

piores, você ainda tem esse recurso.

Eu já sofri (...) /

Eu não sabia (...) /

Eu sofro (...) /

Eu estou resignado (...)

02 A reação foi péssima. Pensei em dar um tiro na

cabeça. Dá tristeza. Nos primeiros meses dava

tontura, pressão alterada... Comecei a achar que eu

era inútil, que não era um cara normal... /

Achei que fosse uma coisa simples... Não é tão

simples como eu imaginava. Vem às complicações,

se não se cuidar direitinho, se não se resguardar...

Fraqueza nas pernas, desânimo de vida, preguiça,

passa mal... /

No começo foi difícil, mas me animei. Depois que

conversei com o psicólogo saiu uma nuvem da minha

cabeça. As conversas, o carinho, sempre alguém

dando apoio. O apoio moral é que me fez firmar.

Eu já sofri (...) /

Eu sofro (...) /

O apoio dos outros é

importante (...)

03 Quando soube que precisaria hemodiálise foi a pior

coisa. /

Estava internada, não foram lá pra conversar, já

queriam logo me trazer pra fazer hemodiálise. Eu não

aceitei: fiquei apavorada, né? /

Até hoje eu não aceito a idéia. Eu venho porque

tenho que vir, se não vai ficar pior. Sinceramente não

tem nada que amenize. Seja o que Deus quiser. A

gente está fazendo isso, mas sabe que não adianta: o

rim não vai melhorar. Acho que é um sofrimento

Eu já sofri (...) /

Eu não sabia (...) /

Eu sofro (...) /

O apoio dos outros é

importante (...)

136

inútil. Se fosse uma coisa que melhorasse a gente,

mas a gente faz a gente ficar mais fraca. Também a

nossa vida, muda tudo... Eu viajava, não posso mais;

fico com medo de passar mal. Praticamente a nossa

vida acaba. Fica restrita a isso: vir pra cá três vezes

por semana, chegar em casa já pra ficar deitada...

Saio daqui cansada. Atrapalha a vida da minha

família também por que tem que me trazer./

Eu já pensei em desistir, mas o pessoal de casa não

deixa, as minhas irmãs, minhas sobrinhas.

04 Nada acontece por acaso na nossa vida. Existe uma

predestinação com relação a algum fato que você não

pode mudar. Eu acredito em causa espiritual. As

doenças surgem para purificar o espírito. Se a pessoa

entender que ela está sendo purificada, ela pode

deixar de sofrer. A hemodiálise é uma purificação do

sangue e o sangue é a materialização do espírito. /

Já fiquei chateada por ter que ficar vindo aqui três

vezes por semana. Eu tive que parar de trabalhar.

Também tinha a questão estética por causa da fístula.

Às vezes você acorda de manhã e não quer vir. Às

vezes você quer ficar em casa. Por uma questão de

mau-humor, não por querer desistir do tratamento. É

a minha vida, né? /

A minha família, minhas irmãs, meus pais, cuidam

muito de mim. Nos dias que eu estou triste são eles

que me colocam nos eixos.

Eu dou um sentido

religioso (...) /

Eu já sofri (...) /

Eu estou resignado (...)/

O apoio dos outros é

importante (...)

05 Pra mim tá uma beleza. Eu gosto de vir pra

hemodiálise. Adoro. Eu tô ficando melhor, com mais

disposição. Antes eu não conseguia subir escada,

agora tá normal. Aquela canseira que eu sentia, saiu

tudo. Era muito cansaço. Até quando tava falando

sentia cansaço. A pressão era altíssima melhorou

tudo. /

Meu filho e minha mulher me dão o maior apoio.

Eles não me deixam vir sozinho de jeito nenhum.

Quando não é um, é outro. /

Eu penso comigo assim: “eu tenho que melhorar,

ficar bom, fazer esse transplante logo”. Lembrar do

transplante me anima.

Eu faço (...) para ter

qualidade de vida /

O apoio dos outros é

importante (...) /

Eu faço (...) enquanto

espero o transplante (...)

06 Eu ouvia falar na hemodiálise. Pra mim era aquele

dragão. Fiquei apavorado! Depois que eu entrei na

máquina vi que não é aquele bicho de sete cabeças

que pensava. Mas para quem não conhece... No

começo tinha muita gente que morria. Meu medo era

esse. Mas quando cheguei aqui vi todo mundo numa

boa. Isso aqui é uma família. Quando a gente chega

O apoio dos outros é

importante (...) /

Eu sofro (...) /

Eu estou resignado (...) /

Eu faço (...) enquanto

espero transplante

137

aqui a gente começa a conversar, a brincar... Quando

a gente fica assim, a gente esquece de tudo. /

Eu não penso muito na doença e na hemodiálise. Se

pensar é pior. /

A hemodiálise faz parte da minha vida. Se não fizer,

vai ser um problema muito sério. Faz parte da rotina,

é normal. /

O único motivo que tinha para largar a hemodiálise

era o transplante... Então eu vou fazendo.

07 Até hoje não encontrei uma explicação. Nem os

médicos sabem. Não é injustiça, isso acontece

mesmo. Fui estudando e fui entendendo. Fui vendo

que o que acontece comigo acontece com muitas

pessoas. Passou um monte de coisas na minha

cabeça: “o que é isso, hemodiálise?”. /

Eu não queria ir. O médico mandou me buscar em

casa. Ele conversou comigo, que eu tinha que

conhecer melhor antes de desistir. Aí eu parei de

faltar, nunca mais. /

Mas não acreditava que ia pra aquela máquina e ia

ficar 04 horas ali. Eu achava que não estava renal,

que isso não tinha acontecido. O catéter eu achava

estranho no pescoço. Eu pegava o ônibus, todo

mundo olhando pra sua cara e você tem que fingir

que não está sendo olhado. É pesado, horrível, pra

tomar banho. Depois que botaram a fístula

melhorou./

Tem que fazer... Se a gente ficar sem fazer tudo sobe:

pressão, creatina, fósforo, colesterol... A importância

é pra continuar vivendo. O rim tá parado. /

A gente não pode se deixar levar, senão a gente vai

ficar sempre deitada e desistir da vida. Tem que curtir

a vida./

Houve também muita conversa que tinha que fazer

bem a hemodiálise pra não perder a chance de fazer o

transplante. Quando soube que poderia fazer o

transplante eu fiquei todo bobo!

Eu não sabia (...) /

O apoio dos outros é

importante (...) /

Eu já sofri (...)/

Eu estou resignado / Eu

faço (...) para ter

qualidade de vida /

Eu sofro (...) /

Eu (...) enquanto espero

o transplante

08 Acontece muita coisa, passa muita coisa na nossa

cabeça. Eu achava que minha vida não ia ter valor

algum, ia ser inútil. No começo tive um pouco de

depressão. Eu tinha uma vida totalmente ativa e

fiquei muito debilitada... a vida tinha acabado pra

mim. /

Na minha cabeça a hemodiálise faz a função que o

rim não faz. É uma ajuda pra gente viver melhor /

Eu já sofri (...) /

Eu faço (...) para ter

qualidade de vida /

Eu estou resignado (...)

138

Agora eu vejo as coisas de outra maneira. Venho pra

cá, volto pra casa e tenho uma vida normal. A vida

pode durar mais ou menos... Aí está nas mãos de

Deus.

09 A gente pensa que nunca vai acontecer com a gente.

Ninguém pensa em ficar doente... Logo comigo? Bate

uma tristeza, muita tristeza... Fiquei parada, sem

ação. Fiquei tão desorientada que não pensei em

nada. /

Só de saber que vai ficar presa num lugar desses...

Quem é que gosta? O pessoal diz: “se acostuma!”

Mentira! Não tem como se acostumar não. Ainda

penso em desistir. Parece que o corpo vem, mas a

mente não vem. Parece uma prisão. Eu penso em não

morrer. Se desistir, como é que vou viver? /

Acho que todo mundo espera o transplante.

Eu já sofri (...) /

Eu sofro (...) /

Eu faço (...) enquanto

espero o transplante

10 Quando soube que precisaria fazer reagi mal. Queria

me suicidar e tudo. Eu pensava que estava com

câncer, com AIDS, por causa do meu emagrecimento.

Fiquei internado, queria me jogar da janela da

enfermaria. Fiquei chorando uma semana inteira. Eu

era um cara perfeito!... /

O tempo passou, comecei a conversar com as pessoas

e relaxar. Fui conversando com a fisioterapeuta, com

a nutricionista, com a secretária e fui me acalmando.

Fiz uma visita aqui antes e isso me ajudou bastante.

Conversei com uma paciente e ela me falou: “a gente

tem que agradecer a Deus por ter essa máquina!”. Eu

pensei: “é mesmo. Essa máquina é uma bênção”. /

A hemodiálise pra mim é qualidade de vida.

Melhorou a minha vida 100%. Melhorou até o meu

astral. Melhorou tudo. Hoje sou outra pessoa, estou

mais disposto, estou querendo trabalhar de novo.

Eu já sofri (...) /

O apoio dos outros é

importante (...) /

Eu faço (...) para ter

qualidade de vida

11 A hemodiálise é para que você tenha uma qualidade

de vida melhor. Mas sua qualidade de vida é

praticamente zero. Tira todo seu tempo, não tem mais

tempo pra nada. Ela não dá qualidade de vida, ela só

prolonga a vida. Sem ela você não teria condições de

sobreviver: ou você faz ou você morre. Que é muito

chato é. Mexe muito com a gente... Eu nunca pensei...

Eu sempre via no hospital, a gente não dava

importância... Eu nunca imaginei...

Eu sofro (...)

12 O médico falou que eu estava renal. Eu não

acreditava. Eu pensava: “Deus não vai fazer isso

comigo!”. Eu pensei que ia fazer e não ia resistir. /

O médico falou: “não, depois você vai pensar

direitinho”. Aí eu pensei que era para o meu bem.

Tem dia que eu tenho que vir pra cá e digo: “vou

Eu já sofri (...) / O apoio

dos outros é importante

(...) / Eu estou resignado

(...)

139

ficar”. Meu marido diz: “Não, você tem que ir”. /

Eu tenho que deixar fazerem isso, senão... Não tinha

mais nada a fazer. Pensei: “A hemodiálise ajuda a

baixar as taxas”. Fico com medo de passar mal. Eu

não gosto de hemodiálise, mas traz benefícios pra

mim.

13 Uma vez passei mal e a médica falou que eu ia ter

que fazer hemodiálise. Nem sabia o que era isso.

Pensava: “eu não vou durar muito tempo, não”. Que

tem gente que morre durante o tratamento, que ia

correr risco de ter outros problemas, problema de

coração... Não sei explicar direito por quê, mas eu

fiquei meio retraído. O médico vai explicar e eu não

vou entender, então deixa pra lá... Pensei: “seja o que

Deus quiser!”. /

Eu tinha um medo incrível. Me senti muito triste,

comecei a chorar. Saber que vai depender da

máquina... Deu uma tristeza! /

O psicólogo na época me ajudou. A assistente social

também. Falavam que eu ia me recuperar, ia superar,

era só fazer direitinho. Já me deu vontade de desistir./

Hoje eu estou bem, tranqüilo. Hoje pra mim é um

esporte. A hemodiálise é uma coisa que salva muitas

pessoas. Ajuda muito. Foi a melhor coisa que

inventaram pra isso. Tem gente que não encontra esse

tratamento e eu tive sorte.

Eu não sabia (...) /

Eu já sofri (...) /

O apoio dos outros é

importante (...) /

Eu estou resignado (...)

14 Durante uma internação eu comecei a fazer

hemodiálise. Não parava de pensar: “meu Deus, vou

ter que fazer hemodiálise?”. Não sabia o que era

hemodiálise. Eu tive colegas pacientes que me diziam

que a pior coisa que alguém poderia ouvir de um

médico era que precisava fazer hemodiálise, que era

melhor se matar. Fiquei com aquilo na cabeça: “meu

Deus, será que é tão ruim assim?”. Na primeira vez,

entrei com naturalidade, sem saber o que era... Levei

um susto sem saber o que fazer./

Teve um médico que falou: “o rim é um órgão que

quando pára a gente ainda sobrevive. Dá pra fazer

transplante, diálise... Não é coisa de outro mundo”.

Passei a me concentrar nisso e me fortaleceu. Me

lembrei disso quando comecei a fazer e ainda me

lembro. Depois fui me acostumando. Muitos pensam

que é um sofrimento muito grande: não é não. /

Hemodiálise significa manter meus rins mais ou

menos sempre melhores. É prioritário. É seguir em

frente. Se preciso fazer, vou continuar fazendo,

acompanhando os médicos. O pior é o tempo de

Eu não sabia (...) /

O apoio dos outros é

importante (...) /

Eu estou resignado (...) /

Eu dou um sentido

religioso (...)

140

quatro horas. Pra mim não é uma coisa boa, mas o

que eu posso fazer? O meu caminho é esse. /

A hemodiálise é uma situação em que a gente

aprende a amar mais a Jesus, amar mais o próximo.

15 O médico falou pra mim: “eu vou te internar agora

porque você está morrendo”. Aí foi pauleira:

hemodiálise! A casa caiu! Realmente tinha acabado

tudo. Pirei, pirei legal. Ficou difícil pra mim... Tive

sentimentos que ainda não estão catalogados. Foi

uma tsunami. Tudo no mesmo instante, o cara pira.

Foi horrível! A gente costuma dizer: “tem uma luz no

fim do túnel”. No meu caso, não tinha um túnel!

Desabei, fiquei totalmente desestabilizado. O médico

explicou: “sua vida mudou, ou faz hemodiálise ou vai

correr risco de vida”. Eu disse: “já que estou nessa

situação, se não tem mais cura, prefiro morrer!”.

Antes o sentimento muito forte era de morte. Toda

vez que eu fazia hemodiálise era como se eu fosse

abusado sexualmente. Aquilo era muito violento! Era

como se tivesse arrancando a minha alma. Depois da

hemodiálise eu me sentia um lixo. O que eu pensei ali

foi que não só os meus rins pararam, mas a minha

vida parou. Eu tinha projetos, sonhos... E era muito

ativo. Foi muita coisa abandonada. Comecei a

maquinar a possibilidade de acabar com a minha

vida. /

Mas a família é o primeiro remédio, o primeiro

despertamento: “vamos tocar a vida! você vai ter que

viver! Tem que dar a volta por cima! Viva!”, diziam

os membros da minha família. /

A hemodiálise é vida me dá condições de tocar a

minha vida, me dá a chance de poder sonhar. /

Eu quero a cura. Transplante é a troca de doença. Se

for para o transplante só saio da máquina, mas vou

continuar tendo uma vida toda cheia de restrições,

vou continuar tomando remédios. Eu não tenho

opção: ou eu faço hemodiálise ou eu faço transplante.

Se eu quero viver, eu faço hemodiálise. Hoje existe

hemodiálise, há um tempo atrás não tinha.

Eu já sofri (...) /

O apoio dos outros é

importante /

Eu faço (...) para ter

qualidade de vida /

Eu faço (...), mas não

espero transplante

16 De repente começou. Fiquei internado, dali fui para a

hemodiálise. Sinceramente, nem sabia o que

significava isso. Nunca tinha ouvido falar. /

Depois que eu descobri, fiquei arrasado. Queria até

me jogar de uma ponte. /

Depois eu fiz acompanhamento psicológico e

melhorei. /

É meio cansativo e dolorido. Minha vida depende

disso agora. Só de levar tudo, é bem bolado, é

Eu não sabia (...) /

Eu já sofri (...) /

O apoio dos outros é

importante (...) /

Eu estou resignado (...)/

Eu faço (...) enquanto

espero o transplante

141

positivo. O negócio é ficar preso... /

Não posso fraquejar até fazer meu transplante.

17 Fui internado e depois encaminhado para fazer

hemodiálise. Na verdade, a gente não tem muita

informação: os médicos não passam, se a gente não

perguntar... /

Senti profunda tristeza. Ficar preso a uma máquina

dia sim, dia não, tira todo o seu norte, objetivo,

realizações, coisas a fazer na sua vida. /

No início foi pauleira, foi brabo. Com o tempo fui

buscando uma conformação de aceitar o tratamento,

não se deixar levar, entregar os pontos. É uma fase,

tem condições de melhorar e já melhorou. Não venho

com alegria, seria masoquismo... Venho com a

consciência de que tem que fazer. Tem a

conformidade de que futuramente vou poder ficar

bem melhor.

Eu não sabia (...) /

Eu já sofri (...) /

Eu estou resignado

18 No começo ficava muito chateado. Um cara que era

completamente ativo, ter que ficar como um objeto.

No começo ficava: “meu Deus, por que isso

aconteceu comigo?” /

Não adianta se desesperar. Fazer o quê? Não adianta,

tem que se acostumar. Mais isso é da vida mesmo. Se

é meu, eu tenho que abarcar e levar até o fim.

Aprendi a conviver com a hemodiálise. /

Ter que depender dos outros aborrece. Nunca tive

dependência de nada, de repente ficar dependente de

tudo... /

Ter a família ao lado é uma coisa que ajuda muito. É

muito importante mesmo! O apoio moral e o

companheirismo é muito positivo. Tem muitas

pessoas, vizinhos, que sempre ajudam.

Eu já sofri /

Eu estou resignado (...) /

Eu sofro (...) /

O apoio dos outros é

importante (...)

19 Logo no início pensei em desistir, tive problemas:

tonteira, acabava a hemodiálise eu caía, botava a

comida pra fora... /

Diante da insistência da minha família, “não pára,

sem isso você não vai sobreviver”. Aí eu mudei de

opinião. /

Para mim a hemodiálise significa viver. Só isso. Sem

ela já teria morrido, sem ela nada feito.

Eu já sofri (...) /

O apoio dos outros é

importante (...) / Eu

estou resignado (...)

20 Quando eu comecei fazer hemodiálise eu fiquei

muito pensativo, triste pelos cantos... /

Acontece que a hemodiálise me prejudicou muito.

De repente eu passo mal e tem que parar a máquina.

O meu problema agora é a máquina. Parei mais em

casa, quase não saio. São umas dores nas pernas, uma

falta de ar... Pra mim hemodiálise é manter a vida: se

não fizer, vai morrer. /

Eu já sofri (...) /

Eu sofro (...) /

O apoio dos outros é

importante (...)

142

Às vezes dá vontade de desistir, mas eu não posso

pensar sobre mim, tenho que pensar na minha

família. A minha família me dá muita força. O

negócio é o seguinte: mesmo doente, eu vejo os

parentes, converso, abraço...Tá doente, mas tá com

vida! Enfim, é bom ter vida.

21 Depois que fui internado comecei a fazer

hemodiálise. Não sabia de nada. Me mandaram vir

fazer e eu vim. Naquele impacto eu fiquei fria, não

tive reação. Tive curiosidade pra saber como é que

era. Eu não tinha conhecido ninguém que tinha feito

hemodiálise, não ouvia falar sobre isso. /

O médico falou que ia botar o catéter e depois uma

fístula. Falou de várias restrições, que eu não poderia

comer tudo que eu tinha no quintal, ter a obrigação de

vir toda semana ao hospital... Me deu uma tristeza

muito grande. Muitas vezes pensei em desistir, mas

só no começo. Quando eu pensava que alguém ia

ficar cinco horas me esperando, deixando o que

estava fazendo, eu pensava em desistir. O apoio de

alguém pra falar alguma coisa eu não tive não. Uma

palavra que me desse ânimo... Nem de fora nem

dentro da família./

Eu procuro nem pensar. Sinceramente... É melhor

não pensar senão eu entro em pânico. Nunca pensei

nisso pra mim, não. É uma coisa ruim, muito ruim.

Eu era uma pessoa muito ativa, cuidava da família,

cuidava de tudo, de repente, fiquei totalmente

dependente. Um dia tô bem, outro dia tô mal. /

Nada acontece sem a permissão de Deus, tudo tem

objetivo. Acho que a doença e a hemodiálise são uma

grande prova. O ouro pra ficar bonito tem que passar

pelo fogo, tem que ser refinado. Pra alguma coisa vai

servir... Um exemplo pras pessoas que estão passando

por problemas, às vezes até piores. Pra formação dos

meus netos, pra não desanimarem diante das

dificuldades, tocarem a vida pra frente, estudarem.

Deus está me usando pra edificar a eles. E os pais

deles também, o meu esposo. A minha doença uniu

mais a minha família. Eles estão sempre lá em casa,

passaram a ajudar mais uns aos outros. Foi um

ganho./

Estou nas mãos de Deus: na hora que ele decidir que

acabou, acabou. De repente, ele põe um transplante

no meu caminho. Mas eu não fico contando com isso

não. Conheci pessoas que fizeram transplante e

tiveram que fazer de novo hemodiálise. Já pensou?

Você com um rim novo e ter que voltar a fazer

Eu não sabia (...) /

Eu já sofri (...) /

Eu sofro (...) /

Eu dou um sentido

religioso /

Eu faço (...), mas não

espero o transplante

143

hemodiálise?

22 Eu não queria fazer. Mas eu tive que escolher: fazer

ou morrer! Fiquei triste pra burro! Hemodiálise é para

o resto da vida, não tem jeito não. Ninguém gosta de

fazer isso, mas fazer o quê? No começo eu relutei um

pouco, mas depois resolvi fazer. Se não fosse a minha

família, eu teria desistido a muito tempo, feito uma

merda. /

Pra mim a importância é que seu eu não fizesse eu

teria morrido. Fico triste porque eu nunca pensei que

fosse acontecer comigo. Não posso sair de casa mais,

viajar... Sempre trabalhei muito, fazia exercícios...

Eu já sofri (...) /

Eu estou resignado (...) /

Eu sofro

23 Eu não fiquei revoltado. Tudo aconteceu no seu

devido momento. Procuro tirar lições das situações

que estão acontecendo. Eu não permito entrar em

depressão. /

A hemodiálise é minha vida. Enquanto não chegar

um órgão compatível é minha vida. /

Tem dia que eu não estou a fim de vir, mas minha

família fala: ‘porque você não vai?”. /

Depois que eu comecei a fazer hemodiálise a minha

qualidade de vida melhorou. Tenho mais disposição,

passo menos mal, estou mais tolerante,

motivada...Por quê eu vou me revoltar se a

hemodiálise só me traz benefícios? /

O que me aborrece é o fato deixarem das pessoas

deixarem de trabalhar e estudar pra me trazerem aqui.

Não quero prejudicar ninguém...

Eu estou resignado (...) /

Eu faço (...) enquanto

espero o transplante /

O apoio dos outros é

importante (...) /

Eu faço (...) para ter

qualidade de vida /

Eu sofro (...)

24 Na hora que soube que precisaria fazer pensei até em

me matar. O pessoal faz um bicho de sete cabeças

sobre a hemodiálise, te bota medo. Quando eu fiz a

primeira vez fiquei arrasado, pensando até em não

fazer mais. /

Mas depois eu peguei as enfermeiras falando: “calma,

daqui a pouco isso aqui vira uma família. Na semana

seguinte já estava mais conformado. Saí daquela fase

de fraqueza. /

A gente tem um fardo pra carregar. Tem uns que são

mais pesados, outros que são mais leves. A minha foi

a hemodiálise. É pra ver até onde o espírito agüenta. /

Depois que comecei a fazer...puxa! Uma maravilha!

Minha qualidade de vida mudou 100%. Pra mim

hemodiálise significa vida, viver de novo. Quem me

conhecia antes e me conhece agora sabe que eu

estava morto. /

É a única maneira de sobrevivência que tem. Tem

que se habituar a ela. Eu sou um privilegiado porque

tem muita gente que não consegue lugar pra fazer

Eu já sofri (...) /

O apoio dos outros é

importante (...) /

Eu dou um sentido

religioso (...) /

Eu faço (...) para ter

qualidade de vida /

Eu estou resignado (...)

144

hemodiálise.

25 Quando soube que ia precisar fazer hemodiálise meu

mundo acabou, entrei em depressão, tomei remédios

de tarja preta... Mas durou só um mês. Não dormia,

só chorava, não queria sair. Quando eu entrei aqui e

vi essa máquina entrei em desespero! Chorei muito,

como se fosse uma criança. Pensei: “Ah, meu Deus!

Não vou agüentar, eu vou morrer!”. /

Hoje eu tenho noção de que se eu não fizer eu morro.

Depois que eu comecei eu nunca mais parei. Pra mim

é um meio de vida. É tentar sobreviver.

Eu já sofri (...) /

Eu estou resignado (...)

26 Quando soube que ia precisar da hemodiálise fiquei

transtornado. Sofri muito, chorei muito, fiquei

psicologicamente arrasado. De imediato você pensa

que vai morrer. Depois você culpa a Deus: “fulano

fez o diabo e está com saúde enquanto eu... Será que

Deus virou as costas pra mim?”. /

A hemodiálise é uma coisa ruim. Está fora do

contexto de uma vida normal. /

Mas tem alternativa? A gente tem que usar aquilo que

for melhor para o organismo. Tem que ser valorizada

como você valoriza a vida. Enquanto o organismo

aceitar, você vai bem. Quando eu saio daqui eu nem

lembro que estou doente. Ser humano é ser humano.

As coisas acontecem em nosso organismo por que

tem que acontecer. Não tem que contestar a natureza.

Tem que aceitar, se tratar e deixar correr. Contra a

natureza ninguém consegue lutar. Se você se

desesperar é pior ainda. /

Acho importante o apoio das pessoas, o carinho, a

dedicação, te tratar como se você tivesse saúde, fazer

as coisas de boa vontade./

Você tem que passar por doenças para se purificar.

Doenças e sofrimento... Jesus não passou? Tem

pessoas que parecem que são escolhidas. Eu acredito

que fui escolhido por Deus. Tem também as

conseqüências da vida: excesso de gorduras, açúcar,

álcool... Mas Deus escolhe o cara para saber se ele é

um ser humano de bom coração.

Eu já sofri (...) /

Eu sofro (...) /

Eu estou resignado (...)/

O apoio dos outros é

importante (...) /

Eu dou um sentido

religioso (...)

27 Veio a junta médica e disse que os meus rins tinham

parado. Pensei: “vou morrer!”, que era o fim. Não

sabia sobre o tratamento. Fiquei apavorada. /

Sofri muito. Fiquei pensando: “por que aconteceu

comigo?”. /

No começo eu não queria vir, mas vinha. Se eu

reclamava de ir para a hemodiálise, meus familiares

diziam: “não reclama... Graças a Deus existe essa

máquina”. /

Eu não sabia (...) /

Eu já sofri (...) /

O apoio dos outros é

importante (...) /

Eu faço (...) para ter

qualidade de vida /

Eu faço (...) mas não

espero o transplante

145

A hemodiálise existe para fazer a função dos meus

rins. É muito ruim ficar intoxicada. É qualidade de

vida. Como é que eu ia ficar intoxicada, vomitando?

Às vezes eu conto os dias pra vir pra cá. /

Eu tenho até medo de fazer transplante e ficar pior.

28 Desmaiei em casa, fui ao posto e a médica descobriu

que estava perdendo os rins. Explicaram que eu tinha

que entrar na sala de hemodiálise. Falei que não sabia

o que era isso. Ele me falou que era pra filtrar o

sangue. /

Foi muito triste. Entendi, mas não aceitei. Foi muito

difícil. Não estava acostumado, não estava aceitando

de jeito nenhum. /

Pra mim a hemodiálise não tem importância

nenhuma. É uma coisa horrível. Faço por que sou

obrigada. Aqui você fica preso. Sai de casa de manhã

e volta à noite. Perde o dia todo. /

Transplantado é outra vida. /

Não tem como desistir. Tenho que viver para poder

criar meus filhos.

Eu não sabia (...) /

Eu sofri (...) /

Eu sofro /

Eu faço (...) enquanto

espero o transplante /

Eu estou resignado (...)

29 Acabou acontecendo de fazer hemodiálise. Eu fiquei

com medo danado de fazer. Eu achava que quando eu

visse o sangue passando eu ia morrer. Tinha dia que

eu entrava aqui e ficava segurando nas paredes,

entrava de cadeira de rodas. Eu chorava demais, não

podia entrar aqui. Isso durou um bom tempo. Pensei

em desistir. /

Um dia o psicólogo conversou comigo. Falava que

tudo faziam comigo era só para melhorar. Aí eu fui

me acostumando. /

Eu não sabia de nada. Pesquisei na internet e descobri

o que era, como era feito. Meu rim não filtra mais. A

hemodiálise é para melhorar.

Eu já sofri (...) /

O apoio dos outros é

importante (...) /

Eu não sabia (...)

30 Quando comecei foi uma doideira! Chorei muito, foi

muito triste. Voltava pra casa chorando. /

No começo não é fácil encarar isso. Mas depois fui

vendo que eu tinha que fazer. /

Vir para máquina e ficar quatro horas... As pessoas

que fazem isso são como extraterrestres. Às vezes eu

me sinto como um extraterrestre. Tenho milhões de

coisa pra fazer e estou aqui... Dá dor no peito, dor nos

joelhos, passo o dia deitado... Aquela massa

muscular, aquela vitalidade, eu senti que fui

perdendo, por mais que eu faça o tratamento.

Eu já sofri (...) /

Estou resignado (...) /

Eu sofro (...)

146

2ª QUESTÃO – A SUA RELIGIÃO LHE AJUDA NO ENFRENTAMENTO DA SUA

DOENÇA E NO SEU TRATAMENTO?

SUJEITOS EXPRESSÕES-CHAVES IDÉIA

CENTRAL

01 Leio a Bíblia, oro de vez em quando. Acredito com certeza

que Deus me ajuda muito. Quando estou triste converso

com ele e as coisas vão melhorando. /

Eu acredito que, apesar do meu caso ser complicado, um

dia vou ser curado. Tem que acreditar, né? /

Estou sempre tomando os meus remédios, sempre quando

passo mal venho pra cá. Na minha igreja falaram que a

gente sempre tem que estar no médico, que apesar de Deus

curar, que tem os profissionais que estão aqui o tempo

todo... Falavam pra Deus abençoar os profissionais que

estão com a gente. Nunca me falaram para deixar o

tratamento. Que na hora que eles cuidassem da gente, que

Deus tocasse neles. /

No hospital os médicos nunca conversaram sobre religião.

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu acredito na

cura divina (...) /

Eu concilio (...) /

Eu quase não

converso (...)

02 Busco ajuda nos cultos e nas orações. Não tem mais nada a

fazer. Nunca é demais./

Eu tenho uma fé, uma esperança de recuperação... Por quê,

sei lá, eu tenho dentro de mim... Onde há fé, há esperança,

né? Creio que Deus vai me dar esse presente. /

O pessoal da minha igreja me estimula muito. Mexem

comigo, fazem aquelas brincadeiras... O pessoal sente falta

de mim. Sempre tem um pra comentar: “o que houve?”. O

pessoal da igreja é mais ligado do que o pessoal de casa...

São coisas que levantam o moral, dão alto astral. /

Deus é o médico dos médicos. Os médicos falam, mas é

Deus quem opera. Não há contradição alguma, isto é o

certo. Espiritualmente é Deus. É o único que pode ser. Mas

tem que procurar o médico, né? O médico é segundo

plano. /

Só me perguntaram qual era a minha religião e acabou,

fazendo a ficha para o meu prontuário.

As minhas crenças

ajudam (...) /

Eu acredito na

cura (...) / Eu

recebo apoio (...) /

Eu concilio (...) /

Eu quase não

converso (...)

03 Eu peço muito a Deus quando estou desanimada. Aí eu me

sinto melhor. Peço a Deus pra me dar força. Aí eu melhoro.

Deus é importante quando estou desanimada, com vontade

de desistir de tudo. Nos momentos mais difíceis da minha

doença eu me apego a Deus. Quando eu estou vindo pra cá,

quando estou aqui, eu peço a Deus pra que tudo dê certo. A

punção dói, às vezes não conseguem. /

Não acredito que nenhuma pessoa tenha o dom de fazer

milagres. Eu acredito no milagre, mas tem que ter

merecimento. Talvez a minha fé não seja para tanto. Quem

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu acredito na

cura (...) / Eu

recebo apoio (...) /

Eu concilio (...)

147

sabe um dia eu consigo? /

O padre foi lá em casa uma vez. Foi importante pra mim.

Quando eu vou à igreja, ele me abraça e diz: “estou lhe

devendo uma visita, né?”. Tem uma senhora da eucaristia

que também é muito legal, sempre liga para saber como eu

estou. /

Peço que Deus guie as mãos dos médicos para que corra

tudo bem.

04 Deus significa a minha vida, o meu alicerce. Sem Deus eu

não conseguiria passar o que eu passo. Deus é uma força na

minha vida. Os ensinamentos da minha religião me dão

sabedoria para enfrentar as adversidades. Ajuda a ter mais

entendimento do que você tá passando e a ter uma vida

mais feliz. /

Tem ministro na igreja: quando você quiser conversar,

receber alguma orientação, eles estão lá disponíveis. Se eu

estiver mal em casa, quando eu estive internada, se eu não

puder ir à igreja, eles vão à minha casa./

Na minha religião há vários casos de cura. Já passei por

várias situações de risco de vida e Deus esteve ali para me

ajudar através das pessoas, dos médicos, da família, nos

momentos críticos pra me dar vida/

É importante não se opor ao tratamento. É necessário que

se faça. Não fico revoltada. A minha religião não me proíbe

de tomar medicamentos, de nada. A minha religião fala

muito de agricultura natural, alimento sem agrotóxico. A

gente acredita que esses alimentos contribuem para a cura

das doenças. A gente acredita que tem que haver a limpeza

do espírito e a limpeza da matéria, um equilíbrio entre os

dois. Não adianta querer limpar uma coisa e não limpar a

outra. A gente procura não ficar bitolado na religião. A

ciência está aí para contribuir.

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu recebo apoio

(...) / Eu acredito

na cura (...) / Eu

concilio (...)

05 Toda tarde eu ouço a oração da Nossa Senhora. Isso ajuda a

ir em frente. Eu fico alegre. Deus me ajuda muito. Se não

fosse ele... Minha fé me ajuda na situação em que estou

agora, na doença. Não entro em desespero porque creio em

Deus. Nos momentos mais difíceis da minha doença eu

busco a Deus em pensamento./

Eu peço pela cura a Nossa Senhora Aparecida. Todo dia eu

peço. Mas não fico preocupado com o tempo. O tempo que

precisar eu fico fazendo hemodiálise. Quando vier o

transplante, veio./

De vez em quando as pessoas da minha igreja vão lá a casa,

conversam, explicando que a hemodiálise é boa pra saúde.

Também vão se eu tiver necessidade de cesta básica. Eles

As minhas crenças

ajudam (...) /

Eu acredito na

cura (...) / Eu

recebo apoio (...) /

Eu quase não

converso (...)

148

falam que se precisar de remédio de qualquer coisa, eles

ajudam. Isso ajuda, deixa mais tranqüilo. Falam: “não se

entregue, não desanime”. Pra não ficar com maus

pensamentos. Falam também que tudo tem sua hora. É uma

palavra amiga./

A maioria dos pacientes fala da religião deles e eu falo da

minha. Nunca tive essa conversa com profissionais daqui.

06 Quando eu me sinto angustiado eu leio a Bíblia. Também

paro para ouvir uns louvores. Eu sinto forças quando estou

orando. Louvando... A gente vai sentindo forças, isso

renova as nossas forças. Nas minhas aflições eu sempre

clamo a Deus./

A gente pede a cura ao Senhor. A gente tem que acreditar,

né? Senão a gente se entrega a doença./

Recebo apoio da minha igreja, eles vão lá a casa conversar,

orar, dão sempre uma palavra de conforto. O pastor de vez

em quando vai lá a casa. A igreja faz muito passeio, aí eu

vou. O ônibus vai cheio, a gente vai conversando... É muito

bom./

Eles não se metem com a religião. Nunca puxaram esse

assunto. Com os pacientes eu converso. A gente entra na

conversa e vai renovando as forças.

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu acredito na

cura (...) / Eu

recebo apoio (...) /

Eu quase não

converso (...)

07 Vou à igreja aos domingos, assisto ao pastor, faço oração

em casa, peço muito pra ter força e continuar vindo aqui.

Relaxo sozinho no quarto: pego a Bíblia e leio, pego uma

música e escuto antes de dormir. Eu não conseguia dormir,

depois que comecei a ler eu passei a dormir. /

Se você não tem saúde você não é nada. Deus te dando

saúde é a melhor coisa. Peço a ele pra dar vida aos rins, pra

eles fazerem o que eles faziam./

Tem dia de domingo que eu ajudo a distribuir a água

ungida e o jornal da igreja... Distrai. A melhor coisa é sair

de casa, fingir que não é doente. O renal não é doente, ele

só tem um problema renal. Nos passeios da igreja, você se

distrai, finge que não é doente. Todo mundo trata você

normal, não como uma pessoa doente. Os membros da

minha igreja vão lá à casa aos domingos de vez em quando.

Falam que não pode desistir da vida e deixar de ir à igreja./

Deus bota a mão para os médicos irem certo. Ele é o

médico dos médicos.

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu acredito na

cura (...) / Eu

recebo apoio (...) /

Eu concilio (...)

08 Tive que buscar forças em Deus para continuar. Quando

leio a Bíblia, nas atividades da minha paróquia, Deus me dá

forças para caminhar e prosseguir no tratamento. Eu não sei

quando vou fazer o transplante, tem muita gente

esperando... Para não desanimar. Por que se você deixar os

problemas da vida te levarem você vai tentar se matar. É

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu acredito na

cura (...) / Eu

recebo apoio (...) /

Eu concilio (...)

149

para levar minha vida./

Tenho buscado a cura por que Deus pode todas as coisas,

se for da vontade dele. Não peço a cura todos os dias, mas

em alguns momentos. /

Pensei em desistir. Aí fui conversar com os cabeças da

minha igreja e isso foi abrindo a minha mente. Na igreja

tinham pessoas que vinham me visitar. Às vezes eu estava

fazendo hemodiálise e eles estavam esperando para me ver

na enfermaria. Na minha casa também nunca faltou

ninguém. Sempre tinha alguém pra conversar. Levar uma

palavra, um texto bíblico, “não desanimes, Deus está

contigo”, sempre uma palavra de ânimo./

Peço a Deus a cura também através dos médicos. Na minha

igreja falam que a gente que fazer as coisas que o médico

manda.

09 Claro! A gente ora todo dia. Pede forças a Deus todo dia.

Isso vai acalmando... A gente sente uma paz. Eu sinto

muita paz quando estou na igreja. É mais na igreja, mas

sinto em toda parte, em todos os momentos da nossa vida

Deus nos acompanha. Na hora em que a gente tá deitada,

doente, a gente grita logo por Deus. Só acalma mais,

melhora... /

Busco a cura pela oração todos os dias. Na minha igreja

falam pra esperar em Deus a cura e ter fé. O milagre

acontece todos os dias. É só uma questão de tempo./

Na igreja a gente conversa muito e isso vai dando

motivação. Todos eles me apóiam muito, me dão forças.

Eles vão lá a casa também pra fazer oração, o meu pastor...

Marcam reunião lá. /

Tem os médicos, sem eles a gente não melhora. Eles são

fundamentais.

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu acredito na

cura (...) / Eu

recebo apoio (...) /

Eu concilio (...)

10 Depois que comecei a fazer hemodiálise estou mais

religioso. Tem que buscar, senão não dá em nada. /

Se a gente pensar legal, Jesus sofreu pra caramba... E Jesus

é Deus! Jesus é um exemplo de vida para mim. Me

conforta mais. O cara queria o bem pra todo mundo e ainda

foi crucificado. Quando eu penso na minha situação...

Quem sou eu pra questionar isso? Por que a gente não pode

sofrer um pouco também? Faz parte da vida. Acho que

cada um tem que carregar a sua cruz./

Nunca conversei com a equipe de saúde sobre isso. Há

muito tempo uma enfermeira perguntou qual era a minha

religião para preencher um questionário.

Eu fiquei mais

religioso (...) /

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu quase não

converso (...)

11 O que me dá forças pra enfrentar a doença é Deus. Nada

mais. Tem hora que eu penso que uma oração faz mais

efeito que o próprio remédio. Eu já tenho isso comigo que

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu acredito na

150

a fé em Deus e a oração feita com fé trazem um efeito

superior a qualquer medicamento. Em casa, quando

alguém vem perto de mim para orar, eu sinto uma melhora

muito grande. Aquela angústia, aquela dor, não foi o

remédio... Daquela hora em diante passo a me sentir

melhor, dormir melhor. Nos momentos mais difíceis,

primeiro falo com Deus e ligo pra igreja. Depois pego os

remédios./

Deus deu a alguns pastores a unção da cura. Eu peço a

Deus todos os dias a cura. Deus levou consigo todas as

nossas enfermidades e todas as nossas dores. /

A igreja que eu freqüento tem me dado um apoio muito

bom. O pastor teve lá em casa. Ele ligou lá pra casa e

perguntou: “posso ir aí agora?”. /

O médico não é médico por que ele estudou, mas porque

Deus o constituiu para ser médico. Deus constitui os

médicos para cuidar das pessoas. Tudo o que o médico faz,

faz porque Deus quis na esperança de um tratamento que,

junto com a fé em Deus, possa trazer cura. Deus é o médico

dos médicos; sem ele, médico nenhum teria sucesso. /

Aqui nunca foi feito nenhum comentário sobre religião.

Gostei de um gesto que um médico fez. Falei que Deus

estava em minha vida, aí ele falou em Deus. Eu achei isso

muito importante.

cura (...) / Eu

recebo apoio (...) /

Eu concilio (...) /

Eu quase não

converso (...)

12 É Deus que me dá toda força. Eu sempre peço forças a ele.

Se não fosse ele, eu não agüentaria. Ele faz tudo, se não

fosse ele, eu não estaria aqui na terra. Eu fico angustiada.

Eu não posso ficar contra Deus: se eu estou aqui é por

causa dele. Às vezes estou sentindo mal-estar, ele me

melhora. Peço ajuda a ele: “Senhor, me abençoa, sou sua

filha!”. Peço a ele saúde. Eu rezo sozinha, pego a Bíblia e

leio uns capítulos. Quando eu estou meio pra baixo, pego a

Bíblia e leio. Não é uma coisa que vai me curar, mas me

alivia. /

Eu tenho pedido a libertação dessa doença. Deus pode fazer

um milagre, ele pode operar na gente./

O pessoal da igreja vai a minha casa, o padre já foi já foi lá

em casa rezar... Eles dizem: “estamos rezando por você!

Qualquer coisa que precisar, o padre vai!”. Eles são muito

legais. O padre fala pras pessoas irem às casas rezarem pela

cura de quem está doente. Todo mês vão na minha casa. /

Na minha igreja dizem que a gente não pode abandonar o

tratamento. E também pra gente não perder a fé e estar

sempre pedindo a Deus o que a gente quer. Primeiro eu falo

com os médicos, depois eu busco a Deus./

No hospital já fizeram muitas perguntas uma vez. Faz

muito tempo.

As crenças me

ajudam (...) /

Eu acredito na

cura (...) / Eu

recebo apoio (...) /

Eu concilio (...) /

Eu quase não

converso (...)

151

13 Sempre rezo, escuto uma oração. Peço a Deus pra me dar

força, coragem e saúde... O restante a gente resolve. Eu

rezo e é aí que eu encontro forças pra seguir meu

tratamento. Peço a Deus força pra chegar aqui e voltar pra

casa. Como Deus me ajuda! Até dormindo... A gente

acorda ruim e pensa: “eu não vou, não”. Mas Deus me dá

forças e eu penso: “vou sim”. Eu agradeço a Deus por tudo

que ele fez comigo... O único culpado de tudo isso foi eu

mesmo. /

Às vezes o meu irmão vai lá a casa e faz uma oração.

Nunca é demais. Quando estive internado, vieram orar, eu

aceitei. As palavras me dão forças, são sempre bem-

vindas./

Pra mim, Deus está no que eu estou fazendo aqui. Quando

eu entro e saio do hospital eu penso em Deus. Busco em

Deus força e coragem. Depois procuro os médicos. Deus

está em primeiro lugar em tudo.

As crenças me

ajudam (...) /

Eu recebo apoio

(...) /

Eu concilio (...)

14 O que mais me fortalece para enfrentar a doença é acreditar

em Jesus. Nos momentos difíceis da doença, ele está

sempre comigo. Assim como Jesus veio ao mundo e sofreu

por nós, nós temos que sofrer também. Só que a gente sofre

um pouquinho que ele sofreu também. Me sinto

confortado. Se eu ficar mal-humorado, xingando todo

mundo, sem comer ou beber direito... Não é assim o

caminho. /

Peço a cura todo dia. Peço que Deus dê essa alegria a

minha família./

Peço a Deus para suavizar meu sofrimento. Em segundo

lugar, as mãos dos médicos. Que Deus esteja sempre na

frente.

As crenças me

ajudam (...) /

Eu acredito na

cura (...) / Eu

concilio (...)

15 A minha fé tem sido fundamental pra enfrentar a doença, É

justamente essa fé que me aponta para um final feliz, uma

saída pra essa situação. Eu poderia estar com um

pensamento totalmente contrário, com certa revolta. Você

pára e pensa: “por que comigo?”. Freqüento as reuniões e

estudo as Escrituras. Esse estudo é fundamental, elas

mantêm a esperança. A música religiosa também ajuda,

procura estar sempre ouvindo. Ajuda a manter acesa esta

expectativa positiva, não me deixa desviar o foco./

Pra mim, Deus tem o poder de restaurar a saúde do ser

humano. Se não é via comida e remédio, só pode ser

milagre. Hoje eu acredito que o meu tempo aqui está

contado. Por que eu acredito em um milagre. E ele está

muito próximo. É a fé. Se eu creio então é “show de bola”,

a coisa vai funcionar./

O envolvimento com a reunião, o contato com as pessoas é

estimulador. As pessoas da minha igreja estão sempre

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu acredito na

cura (...) / Eu

recebo apoio (...) /

Eu concilio (...)

152

ligando pra mim, vão me visitar, mostram uma

preocupação, um interesse em saber como eu estou, como

está esse tratamento, se estou vivo. /

A Bíblia diz sobre o que faz bem e o que faz mal. Diz que é

preciso ter uma vida regrada. A ciência e a medicina vêm

de Deus. Existe uma luta entre o bem e o mal também na

ciência. É a luta da humanidade pelo bem. Percebe que a

doença é uma coisa do mal e começa a trabalhar essa

questão, busca uma solução para isso. É uma pesquisa

incessante, usa de todas as ferramentas que forem

possíveis. Vejo os médicos como agentes de Deus, como

anjos, que estão lutando contra esse mal.

16 Acredito na intervenção de Deus, no poder dele. Se ele não

ajudar quem vai ajudar? Ninguém! Ele me ajuda me dando

sabedoria, paciência, conhecimento... Conhecer as coisas

dele. Peço a Deus todo dia pra ele restaurar meu rim e me

dar sabedoria pra poder suportar tudo isso. /

Na hora do sofrimento ligado á saúde eu procuro em

primeiro lugar ajuda na minha religião. Vou à igreja, oro.

Desde que eu fiquei doente eu passei a orar e ir às missas.

Agora estou até lendo a Bíblia demais. /

O pessoal da paróquia vai lá a casa, reza o terço, fazia

culto... É bom pra mim. /

O médico é uma coisa, o padre é outra. Geralmente o

médico é ateu. Cada um tem o seu pensamento. Mas o

padre não vai se meter com médico e o médico se meter

com o padre. Não misturo as coisas.

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu fiquei mais

religioso (...) /

Eu recebo apoio

(...) /

Eu concilio (...)

17 Deus me dá condições para enfrentar a doença, mas tenho

que me esforçar. Não sei como... Eu não consigo

quantificar, é um sentimento. Eu sinto que ele me ajuda e

não tenho a menor dúvida. /

Tenho a fé de que um dia vou melhorar. /

Os amigos adeptos de várias religiões fizeram orações,

preces, visitas. Alguns me visitaram em casa, outros me

encontraram em outros ambientes, outros me telefonaram.

Isso me ajudou muito. Outras pessoas me visitaram na

enfermaria oferecendo orações. Me perguntaram se teria

algum problema fazer uma oração. Uma reza... Diversas

religiões. Falei: “fiquem à vontade, por favor”./

A maioria das pessoas que me abordam tão mais

preocupadas com a minha doença do que com um assunto

mais pessoal. /

Obviamente que eu vou procurar ajuda nos profissionais

que tratam da patologia. Mas buscar a Deus é sempre. Não

são coisas mutuamente excludentes.

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu acredito na

cura (...) / Eu

recebo apoio (...) /

Eu quase não

converso (...) /

Eu concilio (...)

18 Acredito que Deus sempre dá um conforto espiritual, um

tipo de paz. É muito importante. Pra conviver com tudo

isso, é preciso ter muita paz. Se não você não agüenta, não.

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu concilio (...)

153

/

O padre dá orientação pra gente se cuidar. Eu não sou

desses caras que ficam buscando cura, não. Se Deus me

libertar dessa doença, tudo bem; se não, tenho que levar até

o fim.

Quando eu vinha pra cá eu não andava. Os médicos

ajudaram, mas se não for a ajuda de Deus a gente não

vence de jeito nenhum.

19 É Deus quem me dá forças pra sobreviver. Termino a

hemodiálise e agradeço a proteção dele; quando chego a

casa também. Essa fé que eu tenho é que me fortalece. Eu

tenho essa concepção: nada é por acaso. Muita gente diz:

“Deus não me ajuda”. Não! A gente tem que entender que

muita coisa acontece por nossa causa. A gente não sabe o

que fez na vida passada.. Tudo tem um merecimento. /

A cura não existe, a não ser que eu faça um transplante. A

fé de curar eu não tenho não. Até porque eu não tenho um

exemplo de que aconteceu isso. /

Na minha concepção é o seguinte: temos o lado espiritual e

o lado material. O médico não tem nada com o lado

espiritual. Ele cuida do corpo. Aí é evidente que não vai ter

conflito. Eu até questiono as Testemunhas de Jeová que

dizem não poder fazer transfusão de sangue. Isso é coisa

material do ser humano. Tenho consciência que os médicos

estão aí para me ajudar... Estou sempre pedindo a Deus que

oriente os médicos. Senão dá um nó na cabeça da pessoa...

Agradeço a Deus porque ele deu inteligência aos médicos

pra cuidar de mim.

As minhas crenças

ajudam (...) /

Eu não acredito na

cura (...) /

Eu concilio (...)

20 Eu oro todos os dias antes de dormir por Senhor Jesus

Cristo me ajudar a vencer os obstáculos. Deus me ajuda

muito nas coisas que eu preciso e não tenho condições de

obter. Eu penso muito em Deus, só ele pode resolver certas

coisas. No caso de doença, se o homem não tá conseguindo

resolver, só Deus mesmo./

Se você vai pedir alguma coisa a Deus e está difícil, você

pede a Deus pra conseguir. Mas doença é outra coisa. Se

você vai comer coisas gordurosas, você vai ter problema

nas articulações... Então tem que evitar comer gordura, se

não evitar vai ter problema. Na minha igreja falam que

você tem que continuar orar até ser atendido, mas nunca

ouvi falar de ter que parar o tratamento. Nos momentos

mais difíceis eu procuro os médicos porque eles são as

pessoas ideais para o meu problema. Religião é uma coisa

totalmente diferente. Nem tudo você pode dizer que Deus

vai resolver. A maioria dos problemas os médicos

resolvem. Você pode pede que o Senhor Jesus esteja

presente, os médicos vão fazer aquilo que ele determinar na

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu concilio (...) /

Eu não acredito na

cura (...)

154

mente deles, aí você pede pra tudo correr bem. Tem médico

que tem umas religiões bem diferentes de outros... Já

aconteceu de descobrir que o médico era ateu. O ateu não

acredita em nada, só acredita nele mesmo. Então não

adianta pedir./

Existe a realidade: eu não vou ficar bom nunca. Mesmo

assim eu peço que o Senhor Jesus Cristo me dê uma vida

melhor. Eu sinto muita dor no peito, falta de ar... Eu

acredito que possa melhorar.

21 Se eu estou sofrendo hoje, amanhã será diferente. Minha fé

é que Deus está sempre agindo, sempre olhando por mim,

não me deixa sozinho. Às vezes sinto um vazio, um

pânico... É como um vento que dá e passa. Estou me

agarrando as minhas orações. Isso melhora. Às vezes não

tenho o que pensar aqui, aí eu fico orando e, de repente, o

tempo passa. Oro pra encher a cabeça. /

A última vez que eu pensei em desistir da hemodiálise foi

em cima de uma maca. Eu comecei a me lembrar da minha

infância, senti que tinha que voltar as origens e voltei a

freqüentar a igreja. Eu faço o terço todo dia, quando deito e

quando levanto. Agora eu me sinto mais firme, como se

estivesse no caminho em que devo andar./

As pessoas da minha igreja estão sempre me visitando,

telefonam, eles me levam pra igreja. Eu fico feliz./

Nunca me perguntaram nem me falaram nada sobre

religião. Eu já falei com companheiros de quarto, internada,

sempre entre nós. Toda semana ia alguém orar, às vezes no

mesmo dia, entrava um e saia outro. Mas aqui na

hemodiálise não. Eu gostaria que viesse.

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu fiquei mais

religioso (...) /

Eu recebo apoio

(...) /

Eu quase não

converso (...)

22 Todo dia eu rezo, todo dia... Eu tenho fé, né? Tem que ter

fé. De um jeito ou de outro, Deus sempre ajuda a gente. Às

vezes eu estou passando mal, eu peço, Graças a Deus

sempre melhorei./

Isso aqui não cura. Nem com médico quanto mais com

religião. Pra doenças leves eu acredito, peço a cura. Mas sei

que não tem jeito não: enquanto eu viver, tenho que fazer

hemodiálise.

As minhas crenças

me ajudam /

Eu não acredito na

cura (...)

23 Eu sou muito devoto de São Jorge e Nossa Senhora

Aparecida. As forças que eu tiro é dele dois. Quando eu

estou muito angustiado, eu busco um conforto nas orações

que eu faço a eles. Quando eu quero eu peço: “ai, meu

Deus! O que é que está acontecendo?”. Faço o meu

lamento, o meu desabafo e me sinto confortado./

Eu peço pra ficar curada. Se Deus achar que a pessoa deve

ser curada, ela vai ser. Se Deus achar que eu devo ser

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu acredito na

cura (...) / Eu

recebo apoio (...) /

Eu quase não

converso (...)

155

curada, eu vou receber um rim para transplantar. Não fico

pedindo que isso vai acontecer. Alguém tem que morrer pra

eu receber! O que tiver que ser meu vai ser no seu tempo.

Cabe a mim me cuidar, levar uma vida melhor, me adaptar

a situação que a doença traz. Senão, ela só vai piorar./

Quando eu vou às reuniões eles conversam comigo, estão

sempre indo lá em casa dando apoio. É aquele conforto,

perguntam se estou precisando de alguma coisa, como

estou indo, se preciso de alguém pra fazer alguma coisa,

oferecem orações./

Não. Eu sempre escuto algumas enfermeiras que são

evangélicas. Quando eu quero, boto um cordão e a pulseira

de São Jorge. Ninguém nunca falou nada.

24 Depois que os médicos falaram que não vão me inscrever

para o transplante eu passei a crer mais em Deus./

Se não fosse pra Deus me ajudar, ele já tinha me levado.

Ele já tinha me tirado a idéia de ir pra frente. No começo eu

pedia a ele proteção e força para não fazer nenhuma

besteira. Eu não podia fazer besteira porque a minha

religião diz que quem se mata é covarde e não tem sossego

do outro lado. Hoje busco ajuda na Palavra. /

Eu peço muito a cura a ele./

Todo mundo da minha igreja que ficou sabendo dá a maior

força. Dizem: “puxa, em vista do que você estava, você

está bem melhor!”. Isso vai levantando a gente. Acho que é

essencial ter alguém que te apóie./

Se Deus não der a capacidade para os médicos, o que seria?

Se Deus não ficasse olhando, o que seria? Continuo com a

fé, mas em primeiro lugar os médicos. Na minha igreja só

pedem pra você crer em Deus. Que se você crer, ele vai te

curar. Mas se o padre falar: “você tá curado”, é claro que

eu não vou acreditar. Quem é ele pra falar isso?

Eu fiquei mais

religioso (...) /

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu acredito na

cura (...)/ Eu

recebo apoio (...) /

Eu concilio (...)

25 A importância de Deus na minha vida é a minha vida. Deus

me ajuda me dando força pra viver. Se não fosse ele, eu

não estaria aqui, né? Na minha saúde é muito importante.

Penso mais nele ainda e melhoro logo. /

Todo dia eu peço a cura a Deus. Eu acredito que ele vai me

dar a cura. Eu estou na fila do transplante. Acredito que vai

chegar o mais rápido possível. Enquanto isso eu vou

fazendo a hemodiálise tranquilamente. Se não tiver o

transplante, acredito que ele vai me dar a cura assim

mesmo. /

Nunca perguntaram nada sobre religião.

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu acredito na

cura (...)/ Eu não

converso (...)

26 Acredito que Deus me ajuda. Ele não lhe da a vida que

você não possa suportar. Faço minha hemodiálise sem

complicações. Vejo tanta gente com complicações... Às

vezes eu rezo, eu oro. / Quando a coisa aperta a gente

pensa mais em Deus. Até o cara que não acredita, quando a

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu fiquei mais

religioso (...) /

Eu acredito na

156

coisa aperta ele chama o nome de Deus. /

Peço a Deus a cura, que ajude aos meus amigos daqui

também. Se for da vontade dele me curar, tudo bem.

Enquanto der eu vou fazendo o tratamento. / De vez em

quando a auxiliar de enfermagem conversa comigo. Nunca

nenhum médico me perguntou sobre religião, nunca ouvi

eles falarem sobre isso aqui. Os enfermeiros sim.

cura (...) /

Eu quase não

converso (...)

27 Deus tem me sustentado. Deus é fiel, tem que ter fé. Eu

sempre peço a ele assim: “se estou passando por isso, não

me dê nem mais nem menos, mas na medida certa”. Aí eu

suporto. Quando eu estou passando mal eu digo: “Senhor,

me ajuda”. Fico confiante e Deus move tudo. Busca ajuda

pra enfrentar a doença. Se o Senhor não pode me curar, me

ajuda a renovar minhas forças, paz de espírito, paz de

coração... Pra não sofrer, não sentir dor./ Peço a cura

também./

Se na minha igreja me mandarem parar de fazer o

tratamento, eu não paro. Vou pra outra igreja. Se fosse

assim, Deus não dava o dom para o homem, para os

médicos. Oro e tomo os remedinhos, faço o que deve ser

feito. /

Tem umas enfermeiras que são evangélicas, a gente

conversa... Elas sabem dos meus problemas. Elas têm uma

palavra de conforto, de carinho. Mas aqui não falo muito.

Infelizmente há muito preconceito. Quando eu vim fazer a

minha admissão, o médico perguntou qual era a minha

religião e mais nada.

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu acredito na

cura (...) /

Eu concilio (...) /

Eu quase não

converso (...)

28 Peço muito a Deus e ele vai me dando forças. Dá vontade

de desistir e aí eu recupero a vontade de continuar. /

Também busco a cura pela oração./

Busquei a religião por causa da doença. Você fica sem

saber o que fazer./

Na minha religião orientam a gente a se cuidar, a tomar os

remédios direitinho, não largar a hemodiálise... A mesma

coisa que os médicos falam.

As minhas crenças

ajudam (...) /

Eu acredito na

cura (...) /

Eu fiquei mais

religioso (...) /

Eu concilio (...)

29 Muito! Eu oro todos os dias. Tudo que eu peço, Deus me

devolve. Se estou com muita dor ou um problema no

catéter, ele me ajuda. Converso muito com Deus para me

fortalecer. É muito bom! Faz uma diferença incrível, você

não tem noção! Quando estou na pior é a Deus quem eu

busco. /

Também peço a ele a cura.

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu acredito na

cura (...)

30 Deus é quem me dá forças pra enfrentar a doença. Oro e

falo com o padre, principalmente depois que comecei a

fazer hemodiálise. Deus está me protegendo aeui. As

enfermeiras podem errar, isso aqui é muito perigoso.

As minhas crenças

me ajudam (...) /

Eu concilio (...)

157

Sempre peço pela saúde. Deus ajuda, mas tem que fazer

por onde... Deus ajuda quem trabalha. Me consola quando

eu penso no que Jesus passou na cruz: qual é o sofrimento

maior que este? Ele veio pra isso. Não é que ele merecesse,

ele tinha uma missão. Ele não queria sofrer, mas suportou.

Penso: “por que está acontecendo isso comigo?”. Olho pra

trás, não fiz nada demais. Mas o espiritismo diz que você

tem que zerar o que você fez aqui para partir do tempo. /

Aqui é uma coisa, lá é outra. Aqui é o corpo; lá é o espírito.

Ao vir aqui, Deus está agindo no médico, dando sabedoria,

saber qual é o problema que estou tendo e qual é o remédio

que eu estou precisando. Tem gente que procura a igreja e

não o médico. Quem cura é Deus, mas ele dá sabedoria aos

médicos. Peço ajuda a Deus em primeiro lugar, mas não

deixo de procurar os médicos. Acho que é uma profissão

divina, inigualável. Pessoas que trabalham dedicadas,

cuidando do sofrimento dos outros.