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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE DIREITO RODRIGO NEVES FRAGOSO DRE 101149523 DIREITO E MÚSICA ECAD, ENTIDADES DE GESTÃO COLETIVA E A PRÁTICA DO JABÁ RIO DE JANEIRO 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE DIREITO

RODRIGO NEVES FRAGOSO

DRE 101149523

DIREITO E MÚSICA

ECAD, ENTIDADES DE GESTÃO COLETIVA E A PRÁTICA DO JABÁ

RIO DE JANEIRO

2008

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RODRIGO NEVES FRAGOSO

DRE 101149523

DIREITO E MÚSICA

ECAD, ENTIDADES DE GESTÃO COLETIVA E A PRÁTICA DO JABÁ

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel.

Orientador: Prof. Afonso de Albuquerque Reis e Silva Neto,___________

RIO DE JANEIRO

2008

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RODRIGO NEVES FRAGOSO

DRE 101149523

DIREITO E MÚSICA

ECAD, ENTIDADES DE GESTÃO COLETIVA E A PRÁTICA DO JABÁ

Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovada em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

____________________, ______ de _________________ de 20_____. Local dia mês ano

____________________________________________________Prof. e Orientador Afonso de Albuquerque Reis e Silva Neto,

Universidade Federal do Rio de Janeiro

_____________________________________________________ Prof.__________________________________________

Universidade_____________________

_____________________________________________________ Prof.__________________________________________

Universidade_____________________

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AGRADECIMENTOS

A meu amado Pai do Céu – em todos os sentidos, minha condição sine qua non.

Ao meu professor orientador, Afonso de Albuquerque Reis e Silva Neto, ser de

notável saber e grande coração, sem o qual este trabalho não teria sido possível.

À Faculdade Nacional de Direito, sua Direção, Coordenação e Secretarias que, num

momento de angustioso conflito de escolha profissional pelo qual passei, tiveram sensibilidade e

grande compreensão, permitindo-me concluir este estudo.

À minha amada mãe, por sua abnegação e devotamento inerentes ao amor mais

celestial, apoiando-me incansável nas minhas dificuldades e cujo extremo cuidado remeteu a

meus tempos de indefeso infante.

Aos meus irmãos de sangue, que já ajudam muito pelo simples fato de existirem e me

amarem tanto.

Aos meus irmãos de banda, companheiros fiéis nessa incansável luta – que não

desistamos, meus amigos, pois nossa missão aqui é bem maior do que o poder de prostração das

dificuldades.

A toda a minha amada família, de avós, primos, irmãos, tios e pais, sem os quais, o

que seria de mim?

À minha Bibi, pelas saudades, carinho, afeto e amor sincero e toda a compreensão

durante os meus momentos de necessário exílio.

À minha Kia, por ter sido a minha mais fiel sombra e companheira.

A todos os meus amigos que me apoiaram muito para que terminasse este trabalho.

A todos os que acreditaram, acreditam e irão acreditar.

Estamos todos juntos!

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Dedico este trabalho ao meu avô, Stênio

Lutgardes Neves, por ter sido o meu primeiro

público seja em qual estrada eu tenha querido

trilhar.

Dedico este estudo, ainda, a toda minha

maravilhosa família que, graças a Deus, rema

contra a crescente maré de um mundo

freqüentemente pessimista e sem sonhos.

Tente! (Tente!)

E não diga

Que a vitória está perdida

Se é de batalhas

Que se vive a vida

Tente outra vez!

Raul Seixas

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RESUMO

Esta monografia é um estudo crítico sobre o sistema de gestão coletiva no Brasil no que se refere

à contraposição entre realidade de fato e realidade de direito e as distorções que provoca. O

trabalho manter-se-á ligado ao cenário fático em comparação com o que institui a Lei e será

conduzido sob a perspectiva do Autor – maior interessado no desenvolvimento de uma doutrina

coerente do Direito Autoral. Isto porque, muita voz se tem dado no país aos empresários e

representantes de entidades de gestão acerca do instituto, enquanto ao principal e também mais

frágil personagem pouco se questiona. Este estudo destina-se a estudantes e profissionais do

direito e da música e visa iluminar questões muito controvertidas e deturpadas que só contribuem

em impedir que o direito autoral brasileiro se consolide de maneira firme e proporcional.

Também será discutida a questão da desvalorização da cultura em favor dos aspectos puramente

econômicos dos bens intelectuais, o que denominamos “cultura do entretenimento”. As obras e os

autores, em conflito ao que estabelece a Lei nº 9.610/98, encontram-se reduzidas a unidades

eqüitativas com vistas a explorar unicamente o seu valor econômico, prejudicando o social. E

para isto também muito contribui o fenômeno mencionado no último ponto deste estudo – a

compra de execuções televisivas e radiofônicas das obras autorais, o ao mesmo tempo famoso e

misterioso “Jabá”. Esta prática desleal e às margens da moralidade destrói a cultura genuína de

um povo, expondo em seus meios de comunicação uma realidade ditatorial comprada por poucos.

Convocamos o leitor a um mundo repleto de inseguranças, mas cuja grandeza nos impulsiona a

uma busca incessante, pelo bem maior de um povo que de nada precisa para ser culto além do

apoio público à manifestação de seu singular talento.

Palavras-chave: Direito Autoral. Gestão Coletiva. Jabá.

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ABSTRACT

This monograph is a critical study about the intermediary music licensing in Brazil in what

concerns the contraposition between factual reality and legal reality and the distortions it creates.

The work will be linked to the actual scenario compared to what establishes the Law and will be

guided through the perspective of the Author – the most interested in the development of a

coherent Copyright doctrine. That is because, much voice has been given in the country to the

businessmen and intermediary organizations representatives about the institute, while for the

main and also most fragile character little have been inquired. This study is destined to Law and

music students and professionals and intends to elucidate controversial and misleading questions

which only contribute to prevent the firm and proportional consolidation of the Brazilian

copyright. It will also be discussed the issue of culture depreciation in favor of the purely

economic aspects of intellectual assets, for what we call “entertainment culture”. Songs and

authors, in conflict with what establishes the Law nº 9.610/98, find themselves reduced to equal

units in means to explore uniquely their economic value, in detriment of the social. And also

contributes for that the phenomenon mentioned on the last part of this study – the practice of

payment for the broadcast of music recordings on TV and radio, the simultaneously famous and

mysterious “Payola”. This unfair and immoral practice destroys genuine culture of the people,

imposing on its Mass Media a dictatorial reality purchased by few. We call the reader to join a

world full of uncertainty, but whose grandeur drives us to an incessant search, for the greater

good of a people that needs nothing to be cultured but the State support for the exhibition of their

unique talent.

Key words: Copyright. Intermediary Music Licensing Organizations. Payola.

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1 INTRODUÇÃO

É necessário ressaltar que, qualquer estudo referente a direitos autorais no Brasil é

irresistivelmente problemático. Primeiro por ser um instituto novo, de pouco mais de um século.

Segundo, porque como é novo e ainda pouco difundido, possui exíguas fontes de estudo sobre a

matéria e temos que nos limitar a pesquisar estes poucos títulos. Terceiro porque, particularmente

no Brasil, não existe uma cultura sobre direito autoral séria, com vistas a informar

adequadamente a população em todas as suas vertentes e, conseqüentemente, gerar novos debates

que nos permitam enriquecer o tema.

Não obstante a militância de alguns valiosíssimos profissionais, a verdade é que o

direito autoral brasileiro ainda é bastante discriminado e está longe o tempo em que se inverterá

essa situação. Cabe a nós, estudantes e profissionais jurídicos e musicais, a árdua, mas nobre

missão de buscar a evolução do pensamento comum a respeito do que tanto nos concerne, porque

afinal, todo grande feito invariavelmente se iniciará por um primeiro passo desconcertado.

Este o cenário fático em nosso país:

De um lado toda forma de usuários que se negam a pagar direitos autorais. Não

compreendem o motivo que os leva à contribuição, muito menos vêem justiça em seus

parâmetros. Demonizam a figura das entidades de gestão e freqüentemente sonegam o

pagamento, com integral consciência. Do outro lado, as associações de direito autoral,

representadas pela figura central do ECAD, estabelecendo preços, regras e formas de cobrança,

justificando suas formas de atuação pelo interesse maior do autor (do qual é mandatário), sem

qualquer negociação com o outro lado. E no meio, no limbo, o autor e os que lhes são conexos.

Sem participar nas decisões das entidades de gestão, sem poder negociar com os usuários, à

mercê das atitudes de terceiros.

Este trabalho se destina a estudar de forma muito específica a interseção entre o “ser”

e o “dever ser” no Brasil, no que se refere à gestão coletiva do direito autoral. No lugar de

estabelecermos discussões doutrinárias sobre os dispositivos da Nova Lei de Direitos Autorais,

nos manteremos focados na realidade dos fatos, em comparação com o que instituiu a Lei. Isto

porque, não há sentido em qualquer discussão jurídica se não nos atrelarmos ao principal

interessado – o Autor. Mas de forma diversa, muito no Brasil se discute, em total detrimento do

que este agente pensa, as dificuldades que encontra, a realidade em que vive. Grandes

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empresários e instituições de gestão têm muita voz, e os verdadeiros titulares são mantidos

silentes.

Este trabalho de monografia é direcionado a todos os autores e os que lhes são

conexos, e também a todos os estudantes e profissionais de direito que desejam conhecer a

realidade fática da gestão coletiva no instituto do direito autoral e vislumbrar seus mecanismos

por uma visão essencialmente crítica. Para isso estudaremos os aspectos históricos do direito

autoral e seus desdobramentos e como ele se introduziu no Brasil. Também daremos breves e

tímidas noções sobre direitos autorais e conexos, embora essenciais, no que se refere à sua

conceituação, tendo em vista que nosso foco encontra-se mais adiante.

Estudaremos, enfim, o instituto da gestão coletiva de direito autoral no Brasil e seus

mecanismos, conceituando, discernindo seus órgãos e traçando um comparativo com os que lhes

são semelhantes noutros países. Explicitaremos uma série de distorções que o padrão adotado no

nosso país evoca, prejudicando artistas, principalmente os independentes (aos quais dedicamos

um longo capítulo) e o sistema como um todo.

Após, ingressaremos noutro aspecto polêmico e importantíssimo – a compra da

execução pública de obras musicais em rádios e emissoras de televisão – o simultaneamente

conhecido e misterioso “Jabá”. Buscaremos conhecimento de agentes que viveram o cotidiano

desta realidade e não a mera elaboração de conjecturas a seu respeito, já que o Direito não pode

estar inadequado à realidade fática. Como comparação, também estudaremos o “Payola”, que

consiste no correspondente estadunidense ao Jabá de nosso país.

Esperamos com otimismo que nosso humilde trabalho possa colaborar de alguma

forma com a melhoria do sistema, trazendo esclarecimentos, buscando discussões, incitando o

espírito humano criador a manter acesa a chama da esperança em tempos autorais justos e

proporcionais, pois se não nos empolga e consola o cenário atual, muito nos incita a luta pelo

bom direito e a expectativa da vitória.

Trabalhemos!

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2 HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DO DIREITO AUTORAL

Entender e falar sobre direitos autorais é se aprofundar sobre os mecanismos do

espírito humano da criação, fator fundamental na evolução social à medida em que é o maior

responsável pela construção da cultura.

Para adentrarmos nesse estudo, necessário se faz uma análise histórica geral dos

acontecimentos que ocasionaram a mudança gradual nos conceitos da autoria, autor e a

proteção às obras e seus criadores. Isto porque os direitos autorais estão presentes em quase

todas as atividades do mundo contemporâneo, sejam elas puramente criativas – produções

artísticas, manifestações culturais, científicas, publicitárias – ou apenas industriais.

2.1 PERÍODOS PRECEDENTES

Nos primórdios da vida social humana, a comunicação era basicamente oral – os

gritos aliados à expressão corporal, gestos e palavras primitivas. Mais tarde, o homem criou a

representação gráfica – através de hieróglifos, da transposição de imagens presentes em seu

cotidiano, de símbolos abstratos e alguns escritos, todos passados hereditariamente. A música

também se fazia presente, pela manifestação rítmica e melódica em instrumentos

rudimentares e pelas vocalizações.

Na Grécia Antiga, sociedade cuja cultura fundamentava-se na composição oral e

rítmica – ou “poética”, como comenta Henrique GANDELMAN1 – surge a revolução da

palavra escrita. Como observa ERIC A. HAVELOCK, in verbis:

“A introdução das letras gregas na escrita, em algum momento por volta de 700

a.C., deveria alterar a natureza da cultura humana, criando um abismo entre todas as

sociedades alfabéticas e suas precursoras. Os gregos não inventaram um alfabeto: eles

inventaram a cultura letrada e a base letrada do pensamento moderno”2.

E foi com base na evolução da comunicação escrita que o direito autoral obteve

sua estruturação, como poderemos perceber mais à frente.

No período romano, as manifestações artísticas eram extensas, e já apresentavam

grande complexidade, acompanhando o desenvolvimento das sociedades, cada vez com

maiores sofisticações.

1 GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à Internet. 4ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 28.2 HAVELOCK. Eric. A revolução da escrita na Grécia e suas conseqüências culturais. Trad. Oderp. J. Serra. São Paulo: Paz e Terra/UNESP,1994. Pág 81.

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As obras escritas eram reproduzidas por cópias manuscritas executadas por

trabalhadores especializados – os copistas – e tão somente estes eram remunerados pelo seu

trabalho, que se considerava uma verdadeira criação artística. Aos reais autores restavam as

glórias e as honras, o respeito à paternidade e a fidelidade ao texto original3.

Por todos os indícios históricos, o direito romano realmente não possuiu nenhuma

disposição relativa ao direito dos autores das obras artísticas propriamente dito. Isto se deve,

também, ao fato de que boa parte dos princípios básicos desse instituto se fundam no direito

natural, não cogitado à época.

Os direitos, nesse período, conheceram uma divisão tripartite, denominada de

sistema clássico, em função dos diferentes níveis de relações jurídicas mantidas no convívio –

eram os: a) direitos pessoais – da pessoa em si e no meio familiar; b) direitos obrigacionais –

da pessoa com outras pessoas, no circuito negocial; c) direitos reais – da pessoa com a

coletividade, em função das diferentes coisas (bens existentes).

Ainda assim, havia uma certa consciência de que essas criações deveriam ser

conhecidas como bens de seus autores. Como ensina Eduardo J.V. MANSO, foi por isso que,

passados quase 2.500 anos, ainda sabemos, como em sua época também era sabido, que

Antígona, Édipo Rei e Electra são obras de SÓFOCLES. Que mesmo tendo desaparecido,

afirma-se que a estátua de Zeus Olímpico é de Fídias, como dele é a de Atena, ainda que

tenha vivido há mais de 400 anos antes de Cristo. O autor persiste questionando, ainda, o

porquê de ninguém jamais ter ousado, por exemplo, atribuir-se a autoria da Eneida, mesmo

estando ciente de que VIRGÍLIO não mais possuía sucessores que poderiam lhe defender a

qualidade.4

Mesmo sem positivação que regrasse o direito dos autores das obras intelectuais,

instituindo punição àqueles que o violassem, existia uma coerção moral, um repúdio público

que menosprezava e desonrava os contrafatores nos meios intelectuais. Não havia efeitos

jurídicos pessoais, nem patrimoniais, mas já se considerava, por juízo de valor, criminoso

aquele que apresentasse como sua a obra de outrem. Neste sentido, há indícios históricos da

primeira atribuição do conceito de “plagiador” aos que cometiam o abuso. Teria sido

MARCIAL o primeiro a atribuir-lhes oficialmente o epíteto de plagiarus, comparando-os aos

3 GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à Internet. 4ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2001.

4 MANSO, Eduardo J. Vieira. Direito Autoral: exceções impostas aos direitos autorais. São Paulo: José Bushatsky, 1980. p. 8-9.

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que cometiam o crime de furto de pessoas livres, definido como plagium por uma lei do

segundo século antes de Cristo, conhecida como Lex Fabia de Plarigriis.5

O direito dos autores seguiu por anos desprotegido, embora eivado daquela noção

moral anteriormente discutida, mas isto não representava verdadeiramente um problema

porque a repercussão das criações costumava estar restrita a pequenos círculos, porque a

reprodução e divulgação se davam em pequena escala. O uso das obras era restrito, sua

exploração era limitada.

Foi então que, quando GUTENBERG inventou a impressão gráfica com os tipos

móveis, no século XV, este panorama se alterou drasticamente:

Fixou-se definitivamente a forma escrita, e as idéias e suas diversas expressões puderam finalmente e aceleradamente, atingir divulgação em escala industrial. Aí, sim, surge realmente o problema da proteção jurídica do direito autoral, principalmente no que se refere à remuneração dos autores e de seu direito de reproduzir e de qualquer forma utilizar suas obras.6

E o problema surge não só em função da reprodução cada vez mais numerosa e

acelerada das obras, mas também porque, com o advento da imprensa e a revolução que ela

causou, o trabalho dos editores passou a ser supervalorizado, mais que dos criadores.

Remetendo-nos novamente ao período romano, os editores passaram a ter status similar ao

dos copistas e lhes eram garantidos, pelos monarcas, privilégio para a exploração econômica

das obras, por prazos determinados (geralmente 10 anos) e de acordo com interesses dos

garantidores. Surge também, então, uma forma de censura, já que os privilégios dependiam de

vontade política e não seriam concedidos se contrários às intenções dos monarcas.

Dava-se um monopólio ao impressor, ao empresário, o que significa que a razão

da tutela não foi proteger a criação intelectual, mas proteger os investimentos.7

Transcrevemos, in verbis, a título de enriquecimento, passagem de obra escrita pelo professor

Eduardo J. V. MANSO:

Consta que um dos primeiros desses privilégios foi concedido pelo Senado de Veneza do editor Aldo Manucio (que também é o inventor dos caracteres itálicos) para a publicação das obras de Aristóteles, em 1495. Juristas como Philipp Allfred (Del Derecho de Autor y Del Derecho de Inventor, trad. Ernesto Volkeining,

5 Ibidem. P. 8-9.6 GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à Internet. 4ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 30.

7 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição, fef. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 4.

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Bogotá, Tomis, 1982, pág.10) admitem que esses privilégios partiam do pressuposto, em boa fé, de que esses editores já haviam obtido autorização dos autores para a publicação da obra, restando apenas a do governante, tal como dispunha o Código de Direito Territorial Prussiano, ainda em 1794. Nada obstante, dissesse, também, que “a inclusão de um escrito impresso em uma compilação de textos requer o consentimento, não apenas do editor, mas também do autor”, nada disse sobre o direito exclusivo do autor para reproduzir sua obra, nem sobre os recursos que teria para proteger-se contra a reprodução ilícita.8

Na Inglaterra, através do Copyright Act, de 1709, da Rainha Ana, a coroa

concedia uma regalia por 21 anos (e após registro formal) às cópias impressas de determinada

obra – e de 14 nos às não impressas. Antes, a partir de 1662, já existia o Licensing Act que

proibia reprodução de qualquer livro que não estivesse devidamente licenciado ou registrado.

Era o mencionado controle de censura prévia, em que se licenciavam tão somente as obras

que não ofendessem os interesses dos licenciadores.

O aparecimento do direito de autor, portanto, está diretamente ligado à existência

prévia desse instituto do privilégio do editor, pois só a reação dos autores ao monopólio que

existia em favor dos editores foi capaz de desencadear um processo revolucionário de

reivindicação que culminou na Inglaterra e na França, no século XVIII, com o aparecimento e

reconhecimento do direito de autor.

O Copyright Act, de fato, concedeu um privilégio de reprodução, numa visão

anglo-americana que nunca foi abandonada, baseada na materialidade do exemplar (e não da

criação em abstrato) e a exclusividade de reprodução.

Por um outro caminho seguiu o pensamento majoritário europeu a partir da

Revolução Francesa, embora também recorrendo à figura do privilégio, mas centrando-se na

tutela da atividade criadora em si, em abstrato, e não na materialidade do exemplar.

Mesmo hoje, subsiste a conjunção entre a obra e a sua materialidade, de muitas

leis e instrumentos internacionais que continuam a se referir a “os livros, folhetos e outros

escritos” como se fossem análogos à obra, à criação incorpórea. E foi só no final do século

XIX que a escola germânica estabeleceu profundamente a idéia da “imaterialidade”, com o

surgimento da denominada concepção pura do direito sobre bens incorpóreos, que hoje se

mostra na forma de um doutrina que se baseia na noção de propriedade espiritual (geistiges

Eigentum) distinguindo-se tanto da materialidade da obra, quanto da atividade empresarial.

8 MANSO, Eduardo J. Vieira. Direito Autoral: exceções impostas aos direitos autorais. São Paulo: José Bushatsky, 1980. p. 13-14.

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O Conselho do Rei, na França, foi responsável pelo assentamento gradativo do

direito do Autor para, em 1777 começar a lhe garantir a remuneração do seu trabalho,

destacando-se, nessa fase, o advogado Héricourt. Logo após, surgem as leis de 13.07.1793 e

19.07.1793 que reconheceram direitos exclusivos de permitir a execução de obras dramáticas

e de propriedade do escritor, de composições musicais, pinturas e desenhos.

Nos Estados Unidos, após a criação de normas de direito autoral pelos seus

estados-membros, inseriu-se lei própria na Constituição de 1783. Mais tarde, veio o Federal

Copyright Act, de 31.05.1790.

Com seus ideais que exacerbavam a proteção aos direitos individuais, a

Revolução Francesa de 1789 veio adicionar novos conceitos à concepção inglesa do

Copyright. O droit d’auteur visava proteger não só os aspectos materiais, mas também morais

dos autores. Os direitos ao ineditismo, à paternidade e à integridade da obra fazem parte deste

grupo de direitos que garantiam a primazia do autor. Uma obra jamais poderia ser modificada

sem o seu expresso consentimento e ainda que ele quisesse ceder por completo os seus

direitos patrimoniais sobre a criação, mantinha ainda assim os direitos morais sobre a mesma

pelo resto de sua vida e mesmo após a morte, transferindo-se os direitos aos seus herdeiros.

Daí surge o conceito que perdura até a atualidade, na maioria dos países, de que os direitos

patrimoniais são transferíveis no todo ou em parte, mas os direitos morais são irrenunciáveis e

inalienáveis. O aspecto moral já havia se manifestado outrora, na concepção do delito de

contrafação que teve suas raízes no período romano e foi herdado pela doutrina germânica.

Porém, a noção foi sedimentada e pacificada pela jurisprudência, culminando com as

declarações de direitos resultantes da Revolução Francesa.

A positivação do aspecto moral do direito autoral deu-se após defesa feita por

Hervieu, na Convenção de Berlim (1908), em que foi cogitado. Muitas leis de hoje citam tais

aspectos por expresso, como a lei francesa (art.1ª), a italiana (art.20 e segs.), a tcheca (art.15),

a sueca (art.3º), a austríaca (art.19), a mexicana (art.2º) e a brasileira (arts. 25,28,52, parágrafo

único), dentre outras.

Quanto à noção da unidade e incindibilidade dos direitos autorais, assentou-se em

razão da defesa de Piola Caselli, na Convenção de Roma, em 1928.

2.2 OS TRATADOS INTERNACIONAIS E DEMAIS FONTES LEGISLATIVAS

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O Direito de Autor é disciplinado mundialmente através das constituições e leis

próprias de cada país, influenciados principalmente por tratados e convenções internacionais

responsáveis por lhe dar unidade e delinear seus contornos.

Foram esses instrumentos internacionais os grandes responsáveis pela evolução

do pensamento jurídico em matéria de direito de autor na maior parte do mundo. Seus

signatários comprometeram-se a incorporar seus direcionamentos às leis internas, regulando o

direito autoral conforme os costumes inerentes ao seu povo e tradições jurídicas próprias,

porém, obedecendo aos pressupostos estabelecidos internacionalmente, de forma a dar aos

autores titulares a mesma proteção legal que cada país daria a seu autor ou titular nacional. É

o princípio da reciprocidade no tratamento jurídico da autoria. Como ilustra o professor

GANDELMAN, isso faz com que um autor francês, por exemplo, goze no Brasil da mesma

proteção que os autores brasileiros e vice-versa, apesar de algumas diferenças nas suas

legislações nacionais9.

Foram muitas as Convenções (incluindo-se as realizadas especificamente para

revisar, ou atualizar, uma anterior) das quais resultaram os numerosos tratados internacionais.

Destaca-se, porém, o sistema instituído pela Convenção de Berna, intitulada “União para a

propriedade literária”, a primeira formalizada, datando de 09.09.1886 à qual aderiram muitos

países10, inclusive o Brasil, mais tardiamente, aprovando-a pelo Decreto Legislativo nº 94, de

4 de dezembro de 1974 e promulgando-a pelo Decreto nº 75.699, de 6 de março de 1975, da

Presidência da República.

Revisões foram efetuadas na Convenção de Berna – em Paris (de 15.04 a

04.04.1896), Berlim (de 14.10 a 14.11.1908), Roma (de 07.05 a 02.06.1928), Bruxelas (de

06.06 a 26.06.1948), Estocolmo (14.07.1967) e Paris (24.07.1971, modificado em

28.09.1979).

Houve ainda a Convenção Universal de Genebra (da UNESCO, de 06.09.1952),

revista em Paris (1971). A Convenção de direitos conexos de Roma (26.10.1961) e a de

Genebra (29.10.1971).

Em meio a estes acontecimentos, como observa BITTAR11, têm sido formados

princípios e orientações que influenciam a uma certa uniformização da legislação interna dos

países convenentes.

9 GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à Internet. 4ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 35.

10 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 13.11 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 13.

14

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Continuando ainda no relato sucinto acerca das Convenções, importante se faz

observarmos o continente americano, onde os primeiros esforços em busca dessa

uniformização se manifestaram através do Congresso de Direito Internacional Privado de

Montevidéu, em 11.01.1889, revisto na mesma cidade aos 04.08.1939. Outras convenções

foram realizadas no México (27.01.1908), no Rio de Janeiro (23.08.1906), em Buenos Aires

(11.08.1910), Caracas (17.07.1911 – convenção regional), Havana (18.02.1928, para revisar a

de Buenos Aires) e Washington (22.06.1946, que substitui todas as demais).12

O Brasil aprovou muitos dos textos das convenções internacionais citadas, quais

sejam as de:

- Berna (aprovada pelo Decreto Legislativo nº 94, de 4 de dezembro de 1974 e

promulgada pelo Decreto nº 75.699, de 6 de março de 1975, da Presidência da República);

- Berlim (Decreto nº 15.330, de 21.06.1922);

- Roma, pelo Decreto nº 23.270 de 24.10.1933;

- Bruxelas (Decreto nº 34.954, de 18.01.1954);

- Roma (Decreto nº 57.125, de 19.10.1965, de direitos conexos; para proteção dos

artistas intérpretes, dos produtores de fonogramas e dos organismos de radiodifusão);

- Paris (Decreto nº 79.905, de 24.12.1975);

- Genebra (Decreto nº 48.458, de 04.07.1960), para proteção de produtores de

fonogramas;

- A Convenção Universal de Genebra, na revisão de Paris (Aprovada pelo Decreto

nº 76.905, de 24.12.1975, promulgada pelo Decreto nº 76.906, de 24.12.1975, de direitos

conexos).

E também as interamericanas, quais sejam as:

- do Rio de Janeiro (Decreto nº 9.190, de 06.12.1911);

- de Buenos Aires (Decreto nº 11.588, de 19.05.1915);

- de Washington (Decreto nº 26.675, de 18.05.1949).

Aderiu, ainda, a outras convenções e acordos, como:

- A Convenção de Paris, de 14.07.1971, que instituiu a Organização Mundial da

Propriedade Intelectual (OMPI) – Decreto nº 75.541, de 31.05.1975.

12 Ibidem.

15

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- A Convenção sobre sinais emitidos por satélites de comunicação, de Bruxelas,

de 21.05.1974 (Decreto nº 74.130, de 28.05.1974).

- O Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados

ao Comércio (TRIPS), transcrevemos acerca do referido, a nota que segue:

O Brasil depositou o Instrumento de Ratificação da ata final em que se incorporaram os resultados da Rodada Uruguay de Negociações Comerciais Multilaterais, em Genebra, em 21 de dezembro de 1994. Esta ata final foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 30, de 15 de dezembro de 1994, e promulgada pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994.Obsevação: Neste diploma legal, existem vários artigos que se referem ao direito autoral, inclusive à proteção de programas de computadores13.

O TODA (WCT) e TOIEF (WPPT) – os novos tratados da OMPI que dissertam

sobre os usos digitais no direito autoral e a normatização relativa às interpretações, execução e

fonogramas, foram ratificados pelo Brasil, mas dependem da aprovação do Congresso

Nacional e sanção do poder Executivo para que sejam inseridos à Legislação.14 15

2.3 POSITIVAÇÃO DO DIREITO AUTORAL NO BRASIL

No Brasil, a primeira positivação relacionada ao direito de autor se deu através do

aspecto moral, pelo delito da contrafação do Código Criminal de 1831, em seu art. 261. Uma

lei anterior, do ano de 1827, que criou os cursos jurídicos de São Paulo e de Olinda, concedia

privilégio exclusivo aos lentes (professores universitários) sobre compêndio de suas lições

(art.7º).

Muitos projetos foram criados para regulamentar o direito de autor, mas nenhum

obteve aprovação. A criação de lei própria esbarrava na doutrina francesa que entendia que as

idéias gerais não eram passíveis de proteção autoral. Isso gerava contradições e confusões que

tornavam a regulamentação por lei especial um ideal utópico.

Foi em 1898, porém, com o advento da Constituição de 1891 – que previa a

proteção ao direito de autor entre os direitos individuais em seu art. 72, §26 – que surgiu a Lei

nº 496, definindo o Direito Autoral quanto às obras literárias, científicas e artísticas, baseada

no projeto Medeiros e Albuquerque, influenciado pela lei belga. Foi a primeira positivação

13 GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à Internet. 4ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 37.14 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 13-14.15 GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à Internet. 4ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 35-37.

16

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específica sobre Direito Autoral e abriu espaço para uma extensa série de normatizações sobre

a matéria.

As constituições subseqüentes mantiveram o Direito Autoral, com exceção da de

1937, como uma das liberdades públicas (Emenda de 1926, art. 72, §26, Constituição de

1934, art.113, XX, Constituição de 1946, art.150, §25, Constituição de 1967, art.153, §25,

Constituição de 1988, art.5º, XXVII e XXVIII.)

O Código Civil de 1916, consoante orientação doutrinária que então prevalecia,

dedicou um capítulo à matéria intitulado “Da Propriedade Literária, Científica e Artística”

(arts.649 a 673) no Direito de Propriedade.

O Decreto nº 4.790 de 1924 definiu os direitos autorais; o Decreto nº 5.492 de

1928 regulou a organização das empresas de diversões e a locação de serviços teatrais; o

Decreto nº 18.527 de 1928 aprovou o regulamento do nº 5.492 de 1928; o Decreto nº 20.493

de 1946 aprovou o regulamento do Serviço de Censura de Diversões Públicas; o Decreto nº

2.415 de 1955 disciplinou a licença autoral para execuções públicas e transmissões pelo rádio

e televisão; o Decreto nº 1.023 de 1962 alterou e revogou disposições do Decreto nº 18.627 de

1928; a Lei nº 4.944 de 1966 disciplinou os direitos conexos e o Decreto nº 61.123 de 1967 a

regulamentou.

Em 14.12.1973, em atenção à demanda da doutrina, foi editada a mais importante

e completa Lei sobre direitos autorais até então. A Lei nº 5.988/73 revolucionou o direito de

autor no Brasil e retirou do Código Civil a incumbência sobre o tema, pela especificidade e

multiplicidade de aspectos de sua matéria.

Após a 5.988/73, novos diplomas legais surgiram para regulamentar algumas

questões, inclusive sobre direitos conexos, e modificar aspectos de sua regência. Foram os

seguintes: Lei nº 6.533 de 1978, que regulamentou a profissão de artista e de técnico em

espetáculos de diversões; Lei nº 6.615 de 1978, que regulamentou a profissão de radialista;

Lei nº 6.800 de 1980, que introduziu modificações nos arts. 184 e 186 do Código Penal; Lei

nº 7.123 de 1983, que revogou o art. 93 e o inc. I do art.120 da Lei nº 5.988/73, extinguindo o

denominado “domínio público remunerado”.

A nova Lei de Direitos Autorais, nº 9.610, de 19.02.1998, surgiu para sedimentar

e aperfeiçoar a série de conquistas adquirida por sua predecessora, a 5.988/73. O caráter

pioneiro desta última foi mantido, assim como a Nova Lei se encontra em conformidade com

o direcionamento dado pelos princípios da Constituição de 1988. Alterações substanciais

foram inseridas, mormente no que se refere ao caráter do avanço tecnológico – como no § 1º

do art. 7º - e à controvertida abolição normativa do CNDA (Conselho Nacional de Direito

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Autoral) como veremos mais adiante em nosso estudo. A base dos direitos do autor, porém,

nos aspectos patrimoniais e morais, foi mantida.

O texto da Lei 9.610/98 é basicamente o mesmo da Lei anterior, que ele revogou,

com algumas supressões e outros adicionamentos, mas resumido a sistematizar, unificar e

atualizar a regulamentação sobre direitos autorais.

Coloquemos, in verbis, o que leciona BITTAR em sua obra “Direito de Autor”16:

As disposições da nova lei abrangem os direitos de autor e os direitos conexos aos do autor (art.1º ), disciplinam o conceito e abrangência das obras protegidas (art. 7º ), conferem proteção ao autor que se identifica como tal por nome, pseudônimo ou sinal convencional (arts. 12 e 13), relacionam os direitos morais do autor (art.24), disciplinam a utilização das obras e detalham normas a respeito dos direitos patrimoniais do autor (arts. 28 a 45), também descrevendo quais condutas não se constituem em ofensa a direitos autorais (arts. 46 a 48). Os direitos conexos vêm versados em espécie no Título V, bem como o associativismo e a proteção contra as violações de direito autorais e conexos vêm dados nos Títulos VI e VII. Com previsão de vigência para 120 dias após sua publicação (art.114), revoga, a Lei nº 9.610, de 19.02.98, expressamente, os arts 649 a 673 e 1.346 a 1.362 do Código Civil de 1916, terminando com algumas querelas doutrinárias a respeito do Direito de Autor como Direito de Propriedade, o que de fato já vinha dado pelo texto do art. 134, da Lei nº 5.988, de 14.12.73, e as Leis nº 4.944, de 6 de abril de 1966 (que dispunha sobre proteção a artistas, produtores de fonogramas e organismos de radiodifusão), excetuado o art.17 e seus §§1º e 2º, 6.800, de 25 de junho de 1980 (que dispunha sobre alteração da Lei nº 5.988, de 1973, quanto a dados em fonogramas e a competência do CNDA), 7.123, de 12 de setembro de 1983 ( que dispunha sobre a extinção do denominado “domínio público remunerado”, da Lei nº 5.988. de 1973), 9.045, de 18 de maio de 1995 (que dispunha sobre a autorização do MED e do MC a disciplinarem a obrigatoriedade de reprodução, pelas editoras de todo o País, em regime de proporcionalidade de obras em caracteres braile, e a permitir a reprodução, sem finalidade lucrativa, de obras já divulgadas, para uso exclusivo de cegos), e tacitamente, demais disposições em contrário, mantidas em vigor as Leis nº 6.533, de 24 de maio de 1978 ( que dispões sobre os direitos dos artistas) e 6. 615, de 16 de dezembro de 1978 (que dispões sobre os direitos dos radialistas).Fica, no entanto, ressalvada a vigência e a aplicação das normas subsidiárias e complementares ao texto da Lei nº 9.610/98, que não foram expressa ou tacitamente revogadas, sendo claro que a legislação civil codificada continua a representar o manancial básico de referência em matéria de direitos civis, quando inexistente regra específica para a disciplina de determinada questão de cunho prático. Neste sentido, a nova lei de direitos autorais exerce o mesmo papel anteriormente delegado à Lei nº 5.988/73, o de regulamentar com caráter especial a matéria dos direitos autorais e conexos.

16 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 16-17.

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3 DIREITO AUTORAL – BREVE CONCEITO

Como o nosso trabalho tem a missão objetiva de trazer a lume as questões

relativas à aplicação prática do direito autoral na realidade da indústria musical brasileira, no

que tange primordialmente aos mecanismos de gestão coletiva e suas dificuldades, não nos

aprofundaremos na sua definição teórica.

Cumpre, porém, analisarmos de uma forma breve e geral, mas essencial, esse

ramo do instituto jurídico que tanto nos concerne.

3.1 CONCEITO

O Direito Autoral é o instituto jurídico do ramo do Direito Privado que regula as

relações jurídicas nascidas da atividade da criação intelectual e da utilização de suas obras que

compreendem as de literatura, das artes em geral e da ciência17. Teve seu reconhecimento

positivado no século XVIII por influência da doutrina dos direitos individuais. Possui aspecto

subjetivo e essencialmente privado, mas delimitado por ordens de caráter público em razão de

sua denominada “função social”.

O fato gerador das suas relações jurídicas é a criação da obra intelectual, eis que

surgem daí as proteções referentes à sua face individual, do criador com a própria obra em

relação a terceiros – são os direitos morais, que compreendem direitos como a paternidade e a

autoria, a integridade, o ineditismo, entre outros. E da prerrogativa exclusiva do criador em

explorar a sua obra e gozar de seus produtos, através da comunicação ao público, reprodução

e fixação em suportes, gerando ou não proventos econômicos de sua utilização – relações

jurídicas advindas de seus direitos patrimoniais18. Vejamos que o que irá causar as primeiras

proteções ao autor é, de fato, o ato da criação, já que as idéias não são protegidas pelo direito

autoral19.

Desta forma, podemos dizer que este ramo do direito representa

fundamentalmente dois aspectos – o moral e o patrimonial.

O primeiro aspecto tem sua origem no conceito debatido desde os seus primórdios

sobre o caráter imaterial da criação, já que a forma de expressão de idéias que resultam nas

17 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 8.18 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 8.19 AFONSO, Otávio. Direito Autoral: conceitos essenciais. 1ª edição. Barueri, SP: Manole, 2009. p. 12.

19

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obras intelectuais representam uma verdadeira transposição da personalidade de seus próprios

criadores20. Este modelo de pensamento adveio de mudanças ocasionadas pela evolução do

pensamento jurídico, que incluiu, no século XIX, novas categorias de direitos em razão dos

estudos de doutrina e jurisprudência, que detectaram a existência e edificaram os contornos

dos chamados direitos intelectuais e direitos da personalidade, ambos fundamentais para o

nascimento da doutrina do direito autoral21.

Os direitos da personalidade são os que fornecem os princípios do aspecto moral

do direito autoral, tão fortemente protegido pelo seu ramo da ciência jurídica. Definitiva para

esta questão foi fonte da jurisprudência francesa em episódio bastante interessante, de 1865, o

caso Rosa Bonheur, onde a justiça reconheceu como legítima a recusa de um pintor em

entregar obra (o retrato de uma dama), encomendada e já paga. No conflito entre a obrigação

civil e o direito da personalidade, prevaleceu o segundo, com conversão da obrigação do

artista em perdas e danos para a encomendante, decisão que logo inspirou outras (casos

Whistler, Camoin Rouault, Bonnar e Picabia)22.

Conforme MIGUEL REALE, podemos dizer que os direitos da personalidade são

aqueles a ela inerentes, como atributo essencial à sua constituição, tais como o direito de ser

livre e o de ter livre iniciativa. Para ele, não são fruto da evolução histórica no convívio

social, já que não foram constituídos, como muitos doutrinadores acreditam – mas são

originários – segundo o que também defende a corrente do Direito Natural23. BITTAR ensina

que os direitos de personalidade são os que se referem à relação da pessoa consigo mesma no

que diz respeito a características extrínsecas do ser e suas qualificações psíquicas e morais,

alcançando o ser humano em suas projeções para o exterior através de, por exemplo, o direito

à vida, à honra, à imagem e outros24.

Já os direitos intelectuais são os que se referem à relação da pessoa com os bens

intelectuais que cria, sobre os quais detêm um monopólio25.

20 GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à Internet. 4ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 37.

21 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 2.

22 Ibidem.23 REALE, Miguel. Estudos. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/dirpers.htm>. Acesso em: 14 nov. 2008.

24 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos de personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.

25 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 2.

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Obras Intelectuais são todas aquelas emanações do espírito autoral, às quais os

autores deram forma. As obras protegidas pelo instituto do direito autoral (embora não haja

consenso sobre os requisitos exigíveis para que uma obra seja protegida, a não ser sobre dever

ser uma criação original)26 são todas as criações intelectuais destinadas à sensibilização ou

transmissão de conhecimentos, que compreendem as de caráter estético, e as de caráter

científico. As primeiras são criações literárias (poesias, contos, romances, e outros tipos de

escrito), ou da arte (música, artes cênicas, fotografia, pintura, entre outros). As segundas

compreendem as teses, relatos, descrições de pesquisa, bulas medicinais e semelhantes27.

Como mencionamos que as idéias não são protegidas pelo direito autoral, embora o

ordenamento jurídico institua a proteção à figura do autor, na prática o que se protege é a obra

(e os autores irão conseqüentemente se beneficiar dessa proteção), porque não há que se falar

em direito autoral se destarte não exista uma obra28.

A qualidade, finalidade e o valor intrínseco das obras são elementos subjetivos

que não influenciam a existência ou não da proteção pelos direitos autorais. O que faz a obra

ser protegida é o elemento objetivo de que ela seja uma criação intelectual inédita, não

necessariamente no sentido de ser nova, mas em relação à forma de sua expressão, de modo

que tenha características próprias suficientes para se distinguir de uma outra do mesmo gênero

sem configurar cópia, mesmo que parcial, ou mera interpretação das idéias alheias sem um

veio pessoal.29

O Autor é a figura do criador, aquele que deu origem à obra intelectual como fruto

de seu espírito. É aquele que elaborou e escreveu a obra literária, o que imaginou e compôs

uma canção, o que vislumbrou uma perspectiva e capturou a fotografia, etc. São as figuras

essenciais à cultura humana por serem a sua fonte, contribuindo para dar formas e tendências

ao caráter social do homem, rumando no seu processo evolutivo. São os agentes sem os quais

as obras não existem.

No sistema do direito autoral europeu ou francês, o dtroit d’auteur, chamado de

sistema individual e adotado pela Convenção de Berna e pelo Brasil, impera o caráter

subjetivo, dirigido à proteção da figura do autor, outorgando-lhe total exclusividade e

26 AFONSO, Otávio. Direito Autoral: conceitos essenciais. 1ª edição. Barueri, SP: Manole, 2009. p. 12.

27 AFONSO, Otávio. Direito Autoral: conceitos essenciais. 1ª edição. Barueri, SP: Manole, 2009. p. 8-9.

28 AFONSO, Otávio. Direito Autoral: conceitos essenciais. 1ª edição. Barueri, SP: Manole, 2009. p. 12.

29 AFONSO, Otávio. Direito Autoral: conceitos essenciais. 1ª edição. Barueri, SP: Manole, 2009. p. 12-13, 15.

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garantindo a participação em todos os meios de utilização econômica de suas obras. As leis e

contratos são interpretados de forma estrita, sempre em defesa do autor. A proteção às obras é

conferida independentemente de registro. Protege-se a criação intelectual como um bem

imaterial, independentemente da sua forma física (ou seja, a proteção não é sobre o exemplar,

mas sobre a obra30.

O sistema de países anglo-saxões como EUA, Inglaterra e outros de mesma

origem, é o copyright, ou sistema empresarial, que prima essencialmente pela proteção à

cultura como prevalência sobre o interesse individual do criador e, por esse raciocínio, volta

sua proteção à obra, e não ao autor. Impera o caráter objetivo e o copyright é conferido ao

titular com limitações que resguardem o interesse público maior. A obra é protegida mediante

registro, o que significa dizer que a autoria é definida por meio dessa formalidade – nunca é

presumida. Protege-se a criação intelectual por meio de sua expressão física, ou seja, o

exemplar31.

A Rússia e os países influenciados pelo socialismo utilizam o denominado sistema

coletivo, em que a proteção aos direitos autorais é considerada elemento essencial para a

expansão da cultura nacional. O direito é reconhecido com fins de alcançar o progresso do

regime socialista e o regime jurídico está sujeito à esquematização baseada nos preceitos da

Convenção de Berna.32

3.2 TERMINOLOGIA

O instituto recebeu variadas denominações ao longo de sua evolução, em função

de posições doutrinárias. Expressões como “propriedade literária, artística e científica” (com a

qual ingressou no cenário jurídico), “propriedade imaterial”, “direitos intelectuais sobre as

obras literárias e artísticas”, direitos imateriais”, “direitos sobre bens imateriais”, “direitos de

criação”, até os mais recentes “Direito Autoral”, “direitos de autor e “Direito de Autor”. Há

ainda quem utilize o termo “autoralismo”.33

Mormente em virtude do pouco tempo de existência da doutrina e sua pequena

difusão em território nacional (o que se reflete na ausência de escolas com cadeira específica

30 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 9.

31 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 9.

32 Ibidem.33 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 9.

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sobre o instituto), os termos Direito de Autor, Direitos Autorais e Direito Autoral são

atualmente os mais utilizados, com divergências doutrinárias.

BITTAR defende que o termo Direito de Autor encontra preferência na doutrina,

jurisprudência e legislação, por ser o exato correspondente aos termos utilizados

mundialmente, como droit d’auteur, diritto di autore, Autorrecht, derecho de autor e seus

equivalentes e que a expressão Direito Autoral é eivada de impropriedade técnica34 já que

resulta de neologismo criado por Tobias Barreto para corresponder à palavra alemã

Urhberrecht – que significa, por sinal, “Direito de Autor”.35

Já ASCENSÃO defende que o termo “Direito Autoral” é o mais adequado, por

abranger não só os direitos relacionados exclusivamente ao Autor, mas também os direitos

que lhes são conexos. A própria Lei brasileira sobre direitos autorais impõe essa distinção

entre Direito de Autor e Direito Autoral, como dispõe seu Art. 1º. O primeiro seria o ramo da

ordem jurídica a disciplinar a atribuição de direitos relativos à criação de obras literárias,

artísticas e científicas, enquanto que o segundo engloba também os direitos conexos aos do

direito do autor, como os dos artistas intérpretes ou executantes, produtores de fonogramas,

músicos acompanhantes, operadores de radiodifusão, etc.36 Ou seja, Direito de Autor seria

uma “espécie” do “gênero” Direito Autoral.

Entendemos como mais adequada a posição do professor ASCENSÃO, como

assim também pensam AFONSO37, NEHEMIAS GUEIROS38, entre outros. Adotando ainda o

mesmo termo, mas utilizado no plural, qual seja, “Direitos Autorais”, os autores

GANDELMAN39 e PIMENTA40.

É de se ressaltar que o Brasil é um dos poucos países do mundo cuja legislação

reconhece os direitos conexos e por isso mesmo não há porque se utilizar termos iguais aos de

países que adotam posturas diferentes.

3.3 NATUREZA JURÍDICA E AUTONOMIA

34 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 10.35 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição, fef. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 16.36 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição, fef. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 15-16.37 AFONSO, Otávio. Direito Autoral: conceitos essenciais. 1ª edição. Barueri, SP: Manole, 2009.38 NEHEMIAS GUEIROS, Jr. O direito autoral no show business: tudo o que você precisa saber: volume 1: a música. 3ª edição. Rio de Janeiro: Gryphus, 2005.39 GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à Internet: direitos autorais na era digital. 4ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2001.40 PIMENTA, Eduardo Salles. Direitos autorais: estudos em homenagem a Otávio Afonso dos Santos. 1ª edição. São Paulo: RT, 2008.

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Muitas teorias se fizeram presentes com o intuito de delinear a natureza jurídica

do Direito Autoral, tanto em razão da evolução do pensamento quanto por distinções

doutrinárias, o que resultou em definições como a de privilégio para incremento das letras e

das artes, Direito de Propriedade, direito da personalidade e muitas variantes, combinações e

posições únicas.

Ocorre que, em virtude de sua especificidade e caráter próprio, vem-se

considerando já há algum tempo o Direito Autoral como ramo autônomo da ciência jurídica,

sujeito a disciplinação própria. São particularidades que distinguem o instituto de quaisquer

outros, como nos ensina BITTAR41:

a) dualidade de aspectos em sua cunhagem [os aspectos moral e patrimonial], que, embora separáveis, para efeito de circulação jurídica, são incindíveis por natureza e por definição; b) perenidade e inalienabilidade dos direitos decorrentes do vínculo pessoal do autor com a obra, de que decorre a impossibilidade de transferência plena a terceiros, mesmo que o queira o criador; c) limitação dos direitos de cunho patrimonial; d) exclusividade do autor, pelo prazo definido em lei, para a exploração econômica da obra; e) integração, a seu contexto, de cada processo autônomo de comunicação da obra, correspondendo cada qual a um Direito Patrimonial; f) limitabilidade dos negócios jurídicos celebrados para a utilização econômica da obra; g) interpretação estrita das convenções firmadas pelo autor.

Isto o que levou o citado autor, como representante de uma das duas principais

correntes atuais acerca da natureza jurídica do Direito Autoral, a classificar o instituto como

um Direito especial, sui generis, porque não se insere propriamente no contexto de nenhuma

das divisões dos ramos jurídicos e requer sua consideração como um Direito autônomo42.

Já ASCENSÃO, com o entendimento da segunda corrente, com a qual fazemos

coro, o coloca como direito autônomo, mas com natureza distinta. Ensina que o Direito

Autoral é um Direito Privado, comum e que integra um sexto ramo especializado dentro do

Direito Civil. Não é um Direito Privado especial, como ocorre com o Direito Comercial, o

Direito do Trabalho e outros, pois não consiste num instituto que especializa os princípios de

direito comum para as situações especiais que contempla. Ele não adapta uma estruturação já

existente, mas sim, cria uma nova43.

Há aparente confusão entre as conceituações dos dois supramencionados autores.

Enquanto ASCENSÃO defende que o Direito Autoral consiste em Direito Privado, comum,

como ramo especializado do Direito Civil, BITTAR o define como Direito especial sui

41 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 11-12.42 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 10-11.43ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição, fef. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. 19-20.

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generis, mas eventualmente acaba por dizer que: “... pudemos defender a autonomia científica

deste ramo do Direito Civil...”, expressão da qual não se utilizara em momento algum de suas

anteriores exposições.44 Parece não ficar clara a definição dada por este autor ao final do

capítulo em que discorre sobre a autonomia do instituto. Permanece, porém, a definição

diferenciada cedida pelos dois, não obstante a aparente contradição no trecho mencionado.

O direito contemporâneo, por doutrina e jurisprudência, entende que a doutrina

autoral é autônoma e possui instrumentos e características próprias, que não poderiam lhe

conferir mero caráter acessório de nenhum ramo jurídico específico. Em razão disto, seus

conflitos são dirimidos mediante a utilização do instrumento legal próprio (qual seja, Lei nº

9.610/98 e acessórias) e apenas subsidiariamente pelas demais codificações que se lhe

apliquem, quando haja lacuna na Lei específica.

Sua natureza jurídica, porém, permanece sob divergências doutrinárias, até porque

a Lei optou por não lhe conferir esta classificação, cedendo a interpretação aos estudos de

doutrina.

3.4 DIREITOS CONEXOS

Os direitos conexos (conhecidos como, em inglês, neighbouring rights, em

francês, droits voisins ou connexes, em alemão, Verwandte ou Nachbarrechte e em italiano,

diritti conessi)45 são o conjunto de proteções que recaem sobre artistas intérpretes e

executantes, músicos, cantores, produtores musicais, fonográficos e videofonográficos e

empresas de radioteledifusão, em virtude da comunicação da obra autoral por meio de

qualquer tipo de execução pública. Não está relacionado à autoria da obra em si, mas à sua

utilização em locais de freqüência coletiva, seja por meio de interpretações que configurem a

ela uma outra roupagem dada pelo intérprete ou executante, seja mantendo fidedigno o seu

aspecto, mas de qualquer forma explorando-se a sua utilização pública46.

A execução pública se constitui no uso da obra em locais de freqüência coletiva,

considerados pela Lei nº 9.610/98 os “teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates,

bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e

industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos

44 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 18.45 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição, fef. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 468.

46 NEHEMIAS GUEIROS, Jr. O direito autoral no show business: tudo o que você precisa saber: volume 1: a música. 3ª edição. Rio de Janeiro: Gryphus, 2005. p. 51.

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públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de

passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem

ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas.”

A consolidação dos direitos conexos só se iniciou com o advento da tecnologia,

permitindo-se comunicar as obras artísticas, e principalmente a musical, pelos mais variados

meios, através de diversos suportes físicos, por meio de diferentes mídias e veículos. Tal não

seria possível antes do surgimento desses mecanismos, o que permitiria a presença dos

direitos conexos somente nos shows e eventos que não dependessem da gravação da obra num

suporte físico. Por isso mesmo, a primeira convenção sobre direitos conexos (ou vizinhos), só

ocorreu quase 80 anos depois da Convenção de Berna (1886), no ano de 1961, em Roma.

Hoje, o Brasil é um dos poucos países do mundo que prevêem o pagamento do direito conexo.

O titular de direitos conexos possui direitos quase idênticos aos de autor, em todos

os seus desdobramentos, mas por não ter participação na criação, não possui proteção

específica de autoria. A diferenciação prática é pequena, e o que muda é mais uma questão de

precisão terminológica em função da natureza distinta, até porque o titular de direitos conexos

também tem exclusividade sobre esses direitos que lhe dizem respeito, e podem ingressar em

juízo contra os próprios autores, reivindicando direitos exclusivos relacionados à execução

sobre obras que estes mesmos criaram47.

O cenário do direito conexo é de total importância na questão da gestão coletiva

de direitos autorais, justamente porque a arrecadação dos direitos econômicos é efetuada junto

a usuários que utilizam a execução pública e, portanto, geram direitos conexos.

4 A GESTÃO COLETIVA DO DIREITO AUTORAL

47 NEHEMIAS GUEIROS, Jr. O direito autoral no show business: tudo o que você precisa saber: volume 1: a música. 3ª edição. Rio de Janeiro: Gryphus, 2005. p. 54.

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O mundo contemporâneo vive a Era da Informação. O conhecimento é o fator

crucial na evolução e é transmitido a velocidades surpreendentes. Barreiras outrora

intransponíveis tornam-se meros obstáculos de percurso, superados pela tecnologia. Tudo que

é novo passa potencialmente a ser obsoleto em poucos meses, dias, ou mesmo segundos. O

fenômeno da globalização é consolidado pelos avanços digitais e a distância de um ponto a

outro do planeta passa a ser absorvida e extinta por um simples clique.

Neste cenário cibernético, onde talvez a mais significativa evolução tenha se dado

em razão da internet, a troca de todo tipo de informações foi massificada a níveis

astronômicos. E se há uma oferta titânica de conhecimento, da mesma forma existe uma

demanda crescente e incomensurável. Pois é natural que o consumidor desse conteúdo torne-

se cada vem mais exigente e tenha mais facilidade de adquirir conteúdos diversificados.

Podemos raciocinar, exemplificativamente, sobre o consumo do jornal. Há alguns anos talvez

fosse fato comum que um leitor comprasse diariamente o circular X, de sua preferência, ou de

repente, até, os circulares X e Y, como forma de ter acesso a duas fontes distintas. Mas

dificilmente um leitor compraria cinco ou mais marcas diferentes de jornal. Com a evolução

da Internet e as edições online da grande maioria deles, hoje um leitor de qualquer lugar do

mundo pode ter acesso gratuito e imediato a milhares de periódicos de todas as partes do

globo e fazer a sua própria intercessão de opiniões entre uma mesma notícia.

E dessa mesma forma ocorre com a maioria dos tipos de textos, fotografias,

estudos, músicas, vídeos, programas de computador e tantos outros.

A massificação é um fenômeno real e sem retorno. E ao mesmo tempo em que,

por causa dela o mundo nunca foi tão democrático, a cultura também se torna sua prisioneira.

O consumidor se torna mais exigente quanto à quantidade e variedade de informações que

consome, mas deixa diluir a questão qualitativa daquilo que usufrui, pois se um homem vive

na escuridão por falta de informação, também pode viver perdido pelo seu excesso. Ele não

possui mais tempo de mergulhar a fundo naquilo que descobre, se limita a pincelar suas

superfícies, como aquele que lê diariamente só a capa do jornal.

Nesse contexto, a criação é um fenômeno que se multiplica e seu produto passa a

ser disponibilizado de forma incontrolável a um sem número de usuários. Obras de arte

outrora disponíveis aos olhos dos que comprassem ingressos a exposições, hoje se amontoam

à gratuidade em inúmeras fotografias de páginas virtuais. Da mesma forma ocorre com os

filmes, os livros, tantas outras criações, e com a música.

Com tantas formas de divulgação por meios físicos e principalmente os virtuais, o

surgimento de sites especializados em hospedagem de canções para download ou adição por

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streaming, sites de relacionamento como Orkut, MySpace, Facebook e tantos outros, e com o

barateamento das tecnologias e conseqüentes preços menores para a realização de gravações

profissionais de artistas, houve uma erupção criativa musical no país e no mundo. Cada vez

mais grupos ou autores solo nunca antes falados surgem no mercado e, ainda que o sistema

não acompanhe o crescimento – e não o faz – eles são uma realidade e representam um

número muito maior do que a soma de todos os artistas conhecidos do planeta.

Autores nada ou muito famosos têm suas obras musicais executadas diariamente

em locais de freqüência coletiva, ou transmitidas por radiodifusão. Hospitais, clínicas, casas

noturnas, feiras, hotéis, escritórios, lojas de departamento, todos os dias são incontáveis

usuários que se beneficiam da música como parte integrante de seu negócio, seja como

entretenimento direto, seja como simples música ambiente. São milhares de autores que têm a

expectativa justa de remuneração por seus direitos autorais em virtude da execução pública. A

música é utilizada como produto direto ou indireto em todos os lugares.

Como é possível, então, administrar tamanho contingente, garantindo que cada

autor receba o que lhe é devido de forma justa?

É antiga a história de luta do Autor pela retribuição em virtude do uso público de

sua obra por diversos entes.

Quando falamos em Gestão Coletiva nos direitos autorais, nos referimos

diretamente à atividade exercida pelas organizações de gestão coletiva, que se constituem em

vários tipos de coletividades de autores, de natureza diversa, reunidas para o exercício comum

de seus direitos. Elas aparecem sob a forma de sociedades de autores, de associações, de

agências, de bureaus (escritórios centrais) e se estruturam como entidades privadas ou

públicas, como monopólio “de direito ou de fato”, ou superpostas, em alguns poucos países.

Existem diferentes modelos, segundo uma série de circunstâncias nacionais de

cada país – podem tratar de uma única expressão artística (ex.: música) dentro de uma

determinada forma de exploração (ex.: comunicação); de todos ou de vários aspectos da

exploração de uma mesma expressão artística; ou ser multidisciplinares (música, teatro,

dança, cinema), caso em que podem ser classificadas como “sociedades gerais”.48

Dessa forma, essas entidades buscam trazer o fortalecimento do artista que,

sozinho, é na maioria das vezes frágil para buscar valer os seus direitos perante a massa social

e seus organismos complexos. Quando esse indivíduo se alia a outros cujos interesses lhe

48 SANTIAGO, Vanisa. Gestão coletiva: quem ganha, quem perde e qual o papel do Estado. In: SEMINÁRIO DE LANÇAMENTO DO FÓRUM NACIONAL DE DIREITO AUTORAL, 1, 2007, Rio de Janeiro, Palestra. Disponível em: <www.cultura.gov.br/blogs/direito_autoral/wp-content/uploads/2007/12/apresenta-vanisa-santiago.ppt.> Acesso em: 14 nov. 2008.

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sejam coincidentes, eles se tornam uma figura mais forte, com conseqüente poder maior de

alcançar suas finalidades.

É antiga a luta do Autor pelos direitos decorrentes de suas criações artísticas. Com

efeito, a história das associações de titulares como parte fundamental dessa busca se coincide

com a do próprio Direito Autoral.

Surgida na França, à época em que começava a fermentar a luta pelo

reconhecimento dos direitos de autores, essas entidades contribuíram decisivamente para a

sua implantação prática (com destaque às atuações de Richelieu e Beaumarchais, que

procuraram reunir os intelectuais que pugnavam por seus direitos, tendo o movimento se

iniciado com os autores dramáticos em 1829, na sociedade conhecida pela sigla SACD e

continuado, com os de música, na sociedade de sigla SACEM, em 1851.

As sociedades nasceram por influência do espírito associativo – que mais tarde

tornou-se um legado aproveitado pelos trabalhadores manuais na Revolução Social. Com a

união de forças das categorias interessadas, conseguiram fazer valer os direitos de seus

associados, através dos mecanismos jurídicos possíveis. Inicialmente eram reunidas por

classes de titulares, em consonância com o espírito classista – em uma, só músicos, noutras,

só autores, etc., e depois começaram a surgir instituições híbridas, com titulares de categorias

distintas, em função da necessidade de maior aglutinação de forças, desde que, como ensina

BITTAR, “sempre se manifestou, em oposição ao pagamento, o complexo empresarial

usuário, em função da eterna contraposição entre capital e trabalho, que marca, aliás, a crise

do mundo moderno.”49

Por esses elementos, as associações instituíram-se diferenciadamente entre os

vários países, obedecendo ou não critério das categorias. Em alguns, existem diversas

associações do mesmo gênero (como é o caso do Brasil) e, noutros, há apenas uma que

representa todos os intelectuais como obras de uma mesma categoria.50

Vejamos alguns exemplos:

Alemanha – GEMA (exclusiva para música), GVL (fonografia e execução

artística) e a VG WORT (literatura);

Argentina – SADAIC (exclusiva em música), ARGENTORES (obras dramáticas)

e a SADE (literatura);

Espanha – SGAE (exclusiva);

49 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 119.50 Ibidem.

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Estados Unidos – Há pluralidade, mesmo setorial, mas destaca-se, entre outras, a

ASCAP, de Nova Iorque;

França – SACEM (música) e a SACD (obras dramáticas);

Itália – SIAE (com exclusividade, para direitos autorais e conexos);

Rússia – VAAP (global e exclusiva);

Uruguai – AGADU (exclusiva em música) e assim por diante.51

Quanto ao regime jurídico, em alguns países as associações têm liberdade de

constituição e funcionamento, enquanto que noutros dependem de autorização estatal para

tanto. Mas ainda que de livre criação, essas instituições sempre irão sofrer a fiscalização de

seus governos.52

Ressalte-se aqui que, quanto ao regime jurídico, o Brasil é um caso singular que

estudaremos adiante.

4.1 AS ASSOCIAÇÕES DE GESTÃO COLETIVA NO BRASIL

Embora já houvesse lei sobre direitos autorais no fim do século XIX, foi a partir

da edição do Código Civil brasileiro de 1916 que a sociedade começou a se conscientizar de

sua existência, momento no qual surgiu o movimento de formação de associações.

O movimento teve início em 1917 por iniciativa de uma congregação de autores

de teatro que fundou uma associação com a sigla SBAT (Sociedade Brasileira de Autores

Teatrais). Inicialmente formada somente por autores dramáticos, ela depois se expandiu com a

entrada de compositores musicais. O movimento tomou forma e se expandiu com o

surgimento, ao longo dos tempos, de novas entidades que muitas vezes se originavam de

desdobramentos de outras, em virtude de dissensões internas. Foi desta forma que, em 1938,

os compositores musicais se desligaram da SBAT para formar a ABCA (Associação

Brasileira de Compositores e Autores), enquanto aquela voltava às origens, mas mantendo um

departamento musical. Os componentes deste departamento, no entanto, se separaram da

SBAT em 1942, fundindo-se a ABCA para constituir a UBC (União Brasileira de

Compositores). Em 1946, divergência na UBC entre autores e editores ocasionaram um outro

desligamento, cujos dissidentes formaram a SADEMBRA (Sociedade Arrecadadora De

Direitos de Execuções Musicais no Brasil). Logo após, constituiu-se uma coligação

denominada “Coligação das Sociedades de Autores, Compositores e Editores” em virtude dos

51 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 119.52 Ibidem.

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problemas que existiam para arrecadação. Em 1960, em razão do descontentamento de

compositores de São Paulo com o sistema operante, surgiu a SICAM (Sociedade

Independente de Compositores e Autores Musicais).

A partir daí, cinco sociedades passaram a atuar na cobrança e distribuição de

direitos autorais. Ocorre que como não existia qualquer regulamentação e/ ou fiscalização do

Estado a respeito, as condutas de cada uma delas geravam óbices e disputas pelo poder de

receber os recursos, com prejuízo enorme para todo o sistema. Os utentes (usuários das obras

intelectuais e fonogramas em execução pública), justificadamente, não respeitavam as

entidades e muitas vezes não realizavam o pagamento de forma espontânea.

As sociedades SBAT, UBC, SADEMBRA e SBACEM tomaram a iniciativa de

formar um escritório central (ou bureau) de arrecadação, controlado por elas, com o nome de

SDDA (Serviço de Defesa do Direito Autoral). Deste projeto, no entanto, não participou a

SICAM e os problemas de arrecadação persistiam e aumentavam gradativamente. No meio

termo, após a regulamentação dos direitos conexos surgiu, em 1967, a SOCIMPRO

(Sociedade Independente de Intérpretes e Produtores de Fonogramas).

Os problemas relativos à arrecadação e respectiva distribuição eram enormes e as

reclamações cada vez mais freqüentes. Como já mencionado, o usuário era resistente ao

pagamento e via a desorganização do sistema com desconfiança, ao passo que os titulares

estavam abandonados à incerteza em razão da falta de uma regulamentação que estabelecesse

critérios nítidos. Foi então que começaram a surgir defensores da edição de um “Código de

Direitos de Autor e Direitos Conexos” em que se inserisse toda a legislação e ainda fossem

previstos instrumentos de controle do Estado como fiscal na atuação das sociedades, bem

como a unificação da cobrança.

Após estudos e debates a respeito do tema, foi editada a Lei nº 5.988/73 que criou,

como órgão máximo para regência do setor, o Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA),

em seu art. 116 e, como ente centralizador da arrecadação, o Escritório Central de

Arrecadação e Distribuição, em seu art. 115, os quais foram efetivamente constituídos

somente no início de 1976 e 1977. As sociedades foram obrigadas a adaptar suas estruturas às

prescrições legais, em 120 dias, a partir da instalação do órgão de controle (art. 133).

Por determinação legal, as sociedades passaram à denominação e forma de

“associações”, receberam uma minuciosa regulamentação, conforme os arts. 103 a 114, e a

incumbência de organizar o ECAD, mas sujeita a autorização para funcionamento de acordo

com regras emitidas pelo CNDA. Este órgão chegou a tentar impor ao ECAD, em sua

composição, integrantes do Poder Público (Resolução CNDA nº1, de 06.04.76), porém, as

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associações obtiveram por via judicial, o direito de compor o bureau, que passou a reunir

titulares da área musical.

A SBAT continuou, por via de convênio, a recolher os direitos do setor teatral.

Pela Lei, então, entende-se que o ECAD nada mais é do que uma extensão

organizada, em forma centralizada, de todas as associações de direitos autorais de música. As

associações constituem e organizam o ECAD, que age de acordo com as suas determinações e

as da Lei.

Outras associações surgiram, ainda obtendo autorização para o funcionamento.

Elas reúnem intelectuais de variados campos, mas com prevalência na área musical. São

algumas delas: a) ASA (Associação de Atores) – intérpretes não musicais, artistas em geral e

dubladores); SABEM (Associação de Autores Brasileiros e Escritores de Música); AMAR

(Associação de Arranjadores e Músicos); ASSIM (Associação de Intérpretes e Músicos);

ANACIM (Associação Nacional de Compositores, Intérpretes e Músicos); ABRAMUS

(Associação Brasileira de Regentes, Arranjadores e Músicos); ABDA (Associação Brasileira

de Direito de Arena).

Na atualidade, as associações que integram o ECAD são 10, quais sejam (dados

de 06.11.2008):

Associações Efetivas 53

- ABRAMUS (Associação Brasileira de Música e Artes)

- AMAR (Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes)

- SBACEM (Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de

Música)

- SICAM (Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais)

- SOCINPRO (Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos

Intelectuais)53 De acordo com o Estatuto do ECAD (disponível no site do ECAD na Internet), as associações que integram a sua estrutura se dividem em EFETIVAS e ADMINISTRADAS. Estas se constituem das instituições que não possuam titularidade sobre bens intelectuais publicadas em quantidade equivalente ou superior a 20% da média administrada por sociedades componentes do ECAD (possuem percentual igual ou superior a 10% e inferior a 20%) e/ou não tenham ainda permanecido como Administradas por período igual a 1 (um) ano - Estatuto do ECAD, art.8º , c; art.9º,a. Associações EFETIVAS são as que possuem o mencionado percentual igual ou superior a 20%, tenham representação permanente em pelo menos dois Estados além de sua sede (ou seja, no mínimo três), tenham quadro social igual ou superior a 20% da média das associações efetivas e tenham permanecido como administradas pelo mencionado período e obtido a aprovação da Assembléia Geral - Estatuto do ECAD, art.9º, a,b,c,d. As Administradas não têm direito a voto, ou participação na Assembléia Geral, nem acesso aos documentos e dependências sociais do ECAD, nem qualquer prerrogativa similar no intuito de fiscalização - Estatuto do ECAD, art.10º, § único, I,II.

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- UBC (União Brasileira de Compositores)

Associações Administradas

- ABRAC (Associação Brasileira de Autores, Compositores, Intérpretes e

Músicos)

- ANACIM (Associação Nacional de Autores, Compositores, Intérpretes e

Músicos)

- ASSIM (Associação de Intérpretes e Músicos)

- SADEMBRA (Sociedade Administradora de Direitos de Execução Musical do

Brasil)

4.2 REGIME LEGAL DAS ASSOCIAÇÕES

A Lei nº 9.610/98, atual lei de direitos autorais, surgiu para atualizar, alterar e

consolidar a sua precedente, Lei nº 5.988/73. Em muitos aspectos a lei antiga satisfazia a

necessidade do setor, porém algumas inovações se mostraram indispensáveis. No que diz

respeito às associações de gestão coletiva, já havia uma grande disciplinação que criava os

órgãos de administração e os estruturava e a nova lei foi editada para reelaborar algumas

minúcias a respeito dos entes privados (as associações e o ECAD), mas no que diz respeito

aos órgãos públicos (CNDA, Fundo de Direito Autoral, Centro Brasileiro de Informações

Sobre Direitos Autorais e Museu do CNDA), não houve qualquer menção legal. A Lei optou

por permanecer silente a esse respeito. Nos aprofundaremos nessa questão tão logo tenhamos

discorrido sobre a disciplinação legal.

No Título VI, “Das Associações de Titulares de Direitos de Autor e dos que lhes

são Conexos”, a Lei adota, no seu art. 97, o princípio da liberdade de associação sem intuito

de lucro. Ou seja, associa-se aquele que o desejar, não é uma exigência sine qua non. Veda,

porém, a possibilidade de se fazer parte de mais de uma associação da mesma categoria. O

titular ainda pode se transferir, quando queira, para uma outra associação, só devendo

comunicar o fato, por escrito, à associação de origem. Dispõe o diploma, ainda, que as

associações autorais com sede no exterior poderão se fazer representar no Brasil por

associações nacionais constituídas conforme a Lei. (Art.97, caput, §1º,§2º,§3º).

Com o ato de filiação as associações tornam-se mandatárias de seus associados

para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus direitos

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autorais, bem como para sua cobrança (Art. 98). A jurisprudência é pacífica no entendimento

de que tais associações estão legitimadas a propor, em nome próprio, as ações cabíveis.

Ressalta a Lei, porém, no parágrafo único, que o titular do direito pode praticar pessoalmente

(sem serem representados pelas associações) os atos referidos no artigo, mediante uma

comunicação prévia à sua instituição. Novamente, realcemos, o titular do direito não é

obrigado pela Lei a agir mediante atuação de uma associação.

Em seu Art. 99, diz a Lei atual que as associações manterão um único escritório

central para a arrecadação e distribuição, em comum, dos direitos relativos à execução pública

das obras musicais e lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e

transmissão por qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais. Segue dizendo

que: o escritório central não terá finalidade de lucro e que será dirigido e administrado pelas

associações que o integrem (§1º); que este e as associações a que a Lei se refere atuarão em

juízo e fora dele em seus próprios nomes como substitutos processuais dos titulares a eles

vinculados (§2º); que o recolhimento de quaisquer valores pelo escritório central só poderá ser

feito por depósito bancário, e nunca em espécie (§3º); que o escritório central poderá manter

fiscais, aos quais é terminantemente proibido receber numerário a qualquer título (§4º); que o

descumprimento da ordem legal de não receber pagamento que não seja por depósito bancário

torna o fiscal inabilitado à função, sem prejuízo das sanções civis e penais cabíveis (§5º).

O Título sobre associações de titulares termina no Art. 100, que estabelece um

poder de fiscalização, condicionado, para associações e sindicatos. As referidas instituições

que congreguem não menos de um terço dos filiados de uma associação autoral poderão, uma

vez por ano, após notificação com oito dias de antecedência, fiscalizar, por intermédio de

auditor, a exatidão das contas prestadas a seus representados.

Podemos observar de antemão que a Lei 9.610/98 reduziu a matéria a respeito de

gestão coletiva da Lei anterior de 18 (dezoito) para 4 (quatro) artigos e suprimiu a

disciplinação do Conselho Nacional de Direito Autoral e seus outros órgãos públicos. A Lei

diminuiu os limites impostos aos organismos privados e, pelo contrário, aumentou seus

poderes e importância transferindo-lhes a incumbência de administrar os direitos autorais no

Brasil com total independência, sem qualquer regramento ou fiscalização externa.

Organizadas no Brasil sob a forma de associações civis privadas sem fins

lucrativos, essas entidades de gestão coletiva tiveram suas atividades regulamentadas pela

primeira vez através da Lei nº 5.988/73, e de forma bastante rigorosa, em atenção aos

clamores dos representantes de certos setores artísticos. Por outro lado, a Lei 9.610/98

mostrou-se eficiente em alguns aspectos, mas bastante tímida no que diz respeito a essas

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organizações, inclusive quando se encontram em posição privilegiada e administram

importante patrimônio de terceiros, nacionais ou estrangeiros, isentas de qualquer supervisão

ou acompanhamento por parte do poder público. Em relação a esses aspectos, muito foi

debatido em seminário do Fórum Nacional de Direito Autoral, realizado no Rio de Janeiro no

mês de Julho de 2008.54

4.3 O ECAD

Criado por força da Lei nº 5.988/73, o Escritório Central de Arrecadação e

Distribuição veio com a função de atender os clamores de grande parte da classe autoral em

virtude da falta de regulamentação do sistema de cobranças e pagamentos que, desorganizado,

prejudicava em muito a consolidação dos direitos autorais no Brasil e deixava autores e

usuários insatisfeitos. Assim, com a sistemática estabelecida pela lei, ocorreu a centralização

da arrecadação de direitos de execução musical, já tentada anteriormente, mas sem sucesso,

por iniciativa das associações interessadas, através do SDDA (Serviço de Defesa do Direito

Autoral) composto por SBAT, UBC, SADEMBRA e SBACEM.

Apesar de criado pela lei de 1973, o ECAD só entrou em funcionamento no

primeiro dia do ano de 1977 e a partir de então, as associações passaram a desempenhar o

papel de repassadoras das verbas de arrecadação aos seus titulares55, recebendo, assim como o

Escritório Central, um percentual de cada recolhimento para fins de custeamento de seus

gastos de administração. O Escritório realizava a cobrança junto aos usuários, recolhia um

percentual para o seu próprio custeio e transferia o restante às associações. Estas faziam

também uma dedução e repassavam o valor final aos seus associados, de acordo com suas

regras de distribuição.

O Art. 115 da Lei nº 5.988/73 dispunha da seguinte forma:

Art. 115 – As associações organizarão, dentro do prazo e consoante as normas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Direito Autoral, um Escritório Central de Arrecadação e Distribuição dos direitos relativos à execução pública, inclusive através da radiodifusão e da exibição cinematográfica, das composições musicais ou lítero-musicais e de fonogramas.§1º O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição que não tem finalidade de lucro, rege-se por estatuto aprovado pelo Conselho Nacional de Direito Autoral.

54 FÓRUM NACIONAL DE DIREITO AUTORAL, 2008, Rio de Janeiro. Seminário: a defesa do direito autoral: gestão coletiva e papel do estado. 55 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 123.

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§2º Bimensalmente o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição encaminhará ao Conselho Nacional de Direito Autoral relatório de suas atividades e balancete, observadas as normas que este fixar.§3º Aplicam-se ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, no que couber, os artigos 113 e 114.

Estabeleciam, ainda, os Arts. 113 e 114 da mesma lei:

Art.113 – A escrituração das associações obedecerá às normas da contabilidade comercial, autenticados seus livros pelo Conselho Nacional de Direito Autoral.Art.114 – As associações estão obrigadas, em relação ao Conselho Nacional de Dirito Autoral, a:I – Informá-lo, de imediato, de qualquer alteração no estatuto, na direção e nos órgãos de representação e fiscalização, bem como na relação de associados ou representados, e suas obras;II – Encaminhar-lhe cópia dos convênios celebrados com associações estrangeiras, informando-o das alterações realizadas;III – Apresentar-lhe, até trinta de março de cada ano, com relação ao ano anterior:a) relatório de suas atividades;b) cópia autêntica do balanço;c) relação das quantias distribuídas a seus associados ou representantes, e das despesas efetuadas;IV – Prestar-lhe as informações que solicitar, bem como exibir-lhe seus livros e documentos.

Como podemos observar, a referida Lei que instituiu a criação não só do ECAD

(como órgão privado), mas também do Conselho Nacional de Direito Autoral (como órgão

público), estabelecia limites bastante rigorosos e bem definidos para a atuação do primeiro,

limites estes exercidos por meio da fiscalização e regulação exercida sobre ele pelo CNDA.

Este órgão, instituição máxima em matéria de direito autoral no Brasil, era o único organismo

que permitia o acompanhamento e, se necessário, ajustamento das associações de direitos

autorais e do ECAD pelo poder público, exercendo o seu poder-dever de Estado fiscal. A Lei

nº 9.610/98, no entanto, exclui por completo o Estado da atuação sobre a matéria, optando por

ceder integralmente à iniciativa privada as rédeas da implementação prática do instituto. Com

relação ao ECAD e à possibilidade de fiscalizar o seu funcionamento, a nova Lei substituiu a

anterior por meio dos Arts. 99 e 100, como seguem:

Art. 99 - As associações manterão um único escritório central para a arrecadação e distribuição, em comum, dos direitos relativos à execução pública das obras musicais e lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais.§1º - O escritório central organizado na forma prevista neste artigo não terá finalidade de lucro e será dirigido e administrado pelas associações que o integrem.

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§2º - O escritório central e as associações a que se refere este Título atuarão em juízo e fora dele em seus próprios nomes como substitutos processuais dos titulares a eles vinculados.§ 3º - O recolhimento de quaisquer valores pelo escritório central somente se fará por depósito bancário.§4º - O escritório central poderá manter fiscais, aos quais é vedado receber do empresário numerário a qualquer título.§5º - A inobservância da norma do parágrafo anterior tornará o faltoso inabilitado à função de fiscal, sem prejuízo das sanções civis e penais cabíveis.Art.100 – O sindicato ou associação profissional que congregue não menos de um terço dos filiados de uma associação autoral poderá, uma vez por ano, após notificação, com oito dias de antecedência, fiscalizar, por intermédio de auditor, a exatidão das contas prestadas a seus representados.

Podemos perceber, após a leitura e comparação entre os textos legais, que o

legislador adotou a conduta de eximir o Estado da responsabilidade não só do regramento do

sistema autoral, mas também de sua fiscalização, que atualmente limita ao setor privado a

possibilidade de fazê-lo, representado por um sindicato ou associação profissional que deve

obrigatoriamente congregar em seu quadro um mínimo de um terço dos filiados de alguma

associação integrante do ECAD. E essa prestação, ainda, se limita tão somente às contas de

seus representados. Não há, portanto, a possibilidade de se empreender uma fiscalização geral

às contas do Escritório Central.

Cabe ressaltar, oportunamente, que o ECAD se constitui de uma emanação ou

extensão das associações de autores. Os institutos obviamente não se confundem, tendo

personalidades jurídicas distintas, mas conforme observado na Lei atual em seu Art. 99,

caput, e §s 1º e 2º, o bureau é dirigido e administrado pelas associações de titulares e reveste-

se da forma jurídica de associação de associações56

4.3.1 ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA DISTRIBUIÇÃO

As informações de que nos utilizaremos neste tópico foram fornecidas pelo

próprio ECAD através de sua página virtual57. Com exceção do seu Estatuto, não podemos

ratificar a verossimilhança dos dados, posto que se constituem de afirmações inevitavelmente

parciais já que tiveram como única fonte a instituição interessada.

O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição é uma instituição altamente

avançada que investe continuamente em tecnologia e qualificação de pessoal, visando

otimizar os processos de arrecadação e distribuição de direitos autorais, o que é feito através

56 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 123.

57 ECAD. A Instituição. Disponível em: <http://www.ecad.org.br/ViewController/publico/conteudo.aspx?codigo=16>. Acesso em 18 nov. 2008.

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do avanço na qualidade da informação através de procedimentos eletrônicos de captação e

identificação das execuções musicais e constante atualização do banco de dados do bureau,

que, atualmente, segundo o ECAD, reúne cerca de 1.150.000 (um milhão, cento e cinqüenta

mil) obras musicais, 581.000 (quinhentos e oitenta e um mil) fonogramas e 262.000 (duzentos

e sessenta e dois mil) titulares de música cadastrados, considerado um dos maiores

contingentes autorais da América Latina.

O órgão tem estrutura preparada para distribuir os valores relativos aos direitos

patrimoniais mensalmente ou trimestralmente, dependendo da situação, enquanto, argumenta

o bureau, os países estrangeiros o fazem através de períodos de intervalo maiores.

Tão logo arrecadados, os valores são distribuídos segundo critérios definidos

pelas associações efetivas que o compõem, tomando como modelo os critérios adotados em

países do exterior.

A divisão dos valores relativos à distribuição se dá como segue58:

- 100% - É o montante total arrecadado pelo ECAD junto aos usuários.

- 18% - É o percentual recolhido pelo ECAD para administração de suas despesas

operacionais.

- 7% - É o percentual recolhido pelas associações para administração de suas

despesas operacionais.

- 75% - É o percentual restante repassado aos titulares filiados. A partir de então,

essa quantia será dividida de acordo com vários fatores, como o segmento onde a música foi

executada, a existência de co-autoria e de direitos conexos, etc. O titular recebe um

demonstrativo de pagamento de sua associação, caso sua música tenha sido executada, com a

discriminação dos valores distribuídos por cada segmento.

A verba a ser distribuída a cada setor é definida através do seguinte critério:

- Músicas Mecânicas – 2/3 de parte autoral e 1/3 de parte conexa.

- Música ao Vivo – 3/3 (ou 100%) de parte autoral.

A partilha da distribuição é diferenciada de acordo com a forma de utilização. Na

execução de músicas mecânicas, quando há emprego de algum suporte físico (CD’s, DVD’s,

etc.) original ou não (o que conta é a gravação que o originou, que gera o fonograma), tanto os

titulares de direito de autor quanto os de direitos conexos recebem nas devidas proporções. É

o caso da execução de música por DJ, por exemplo. Já na música ao vivo, somente os titulares

58 ECAD. Distribuição. Disponível em: < http://www.ecad.org.br/ViewController/publico/conteudo.aspx?codigo=25>. Acesso em 11 nov. 2008.

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do direito de autor recebem a retribuição, em virtude de não haver utilização de fonograma e,

portanto, não gerar direito conexo.

No caso de instrumento particular entre o titular do direito de autor e uma editora,

a distribuição dessa parte autoral ficará ainda submetida à repartição definida no contrato de

edição. Tais percentuais são ajustados entre as partes e podem variar em cada contrato, mas

normalmente seguem a ordem de 75% para o autor e 25% para a editora.

Quanto à parte conexa, seus percentuais de divisão são fixos, definidos pela

Assembléia Geral do ECAD. A partilha se dá como segue:

- Parte Conexa – 41,70% aos Intérpretes; 16,6% aos Músicos Acompanhantes;

41,70% aos Produtores Fonográficos.

Poucos países no mundo realizam o pagamento dos direitos conexos e o Brasil

está entre eles. Intérpretes, músicos acompanhantes e produtores fonográficos (muitas das

vezes os produtores fonográficos são as gravadoras) recebem seu percentual de direitos

conexos e isso, declara o bureau: “... mostra a excelência da distribuição realizada pelo

ECAD, sob a gestão das associações musicais.”

Tipos De Distribuição

Há três tipos de distribuição - a Direta, a Indireta e a Indireta Especial.

Para a sua realização, o ECAD se utiliza de uma referência, chamada “ponto”, que

é o valor de cada execução musical em qualquer tipo de distribuição. Ele pode ser um Ponto

Autoral ou Conexo, o que confere um valor diferente em cada segmento.

O Ponto é calculado da seguinte forma:

O Valor do Ponto é igual a:

- Verba arrecadada líquida (75% que se refere à parte dos titulares, deduzidos os

percentuais para administração do ECAD e associações) dividida por:

- Número de execuções captadas e identificadas.

O sistema informatizado do ECAD torna possível o cadastramento de obras

musicais, obras audiovisuais, titulares e fonogramas, obedecendo às peculiaridades de cada

um e seguindo métodos de codificação unificada internacional, como por exemplo pelo

sistema do ISRC, que consiste numa codificação que fornece todas as informações sobre uma

obra, em qualquer parte do mundo, de forma a poder se identificar de forma eficiente e rápida

a sua execução em variados meios.

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Distribuição Direta

Consiste na distribuição dos valores arrecadados de:

- Shows

- Circo

- Micaretas / Festejos Populares

- Cinema

- Televisão (Redes Globo, Record e audiovisual da rede SBT)

Todos os valores arrecadados nas esferas de Carnaval, Reveillon, shows e

eventos, espetáculo circenses, TV aberta e cinema são distribuídos diretamente aos titulares

com base em planilhas de gravação elaboradas pelo ECAD e/ou roteiros musicais enviados

pelos promotores ou produtores dos eventos.

O valor pago pelo usuário para cada show, por exemplo, é distribuído aos autores

das músicas executadas nele, com base no roteiro musical ou gravação efetuada pelo ECAD,

como supramencionado. No caso dos shows, somente os autores recebem os direitos autorais

em virtude do pressuposto de que os músicos acompanhantes receberam cachê para tocar,

diferentemente do caso da música mecânica, onde os mesmos recebem a justa retribuição a

título de direitos conexos em virtude da reprodução de suas performances, sem que eles

tenham recebido qualquer quantia prévia. Nos casos mencionados, excetuando-se o último

comentário sobre direitos conexos dos músicos acompanhantes, não há amostragem – a

distribuição é feita diretamente.

Distribuição Indireta

Consiste na distribuição dos valores arrecadados de:

- Direitos Gerais (usuários de sonorização ambiental e música ao vivo)

- Rádio

- Televisão (TV Planilha da rede SBT, demais emissoras desvinculadas de redes)

A distribuição é Indireta, feita após a realização de amostragem de gravações das

músicas tocadas em rádios, direitos gerais (sonorização ambiental e música ao vivo) e TV

Planilha (consideram-se programas de audirório).

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Esse critério de amostragem leva em consideração a relação entre os valores

pagos pelos usuários em cada Estado e o número de amostras definidas para a coleta.

De acordo com o ECAD, alguns critérios são levados em consideração, como:

a) Distribuição de rádio – Feita por amostragem, de acordo com critérios

mundialmente seguidos. A arrecadação é regionalizada – dessa forma, os valores arrecadados

numa região são distribuídos tão-somente aos titulares cujas obras tenham sido executadas e

captadas por meio da gravação ou envio de planilha com o roteiro musical das rádios daquela

região. Essa divisão regional segue o critério geográfico do país – regiões Norte, Nordeste,

Centro-Oeste, Sudeste e Sul e são realizadas as gravações e recolhimentos de planilhas apenas

das rádios que pagam direito autoral ao ECAD.

Esse critério por regiões tem a intenção de garantir uma distribuição mais

condizente com as características culturais de cada lugar, o que tem maior coerência.

A amostragem é composta de 200.000 (duzentas mil) músicas, e dela constarão

todas as rádios (adimplentes) gravadas pelo ECAD em seus pólos autorizados e pelas

empresas terceirizadas para efetuar o serviço de gravação e identificação das músicas, além

das rádios que tenham enviado a planilha de programação diária, corretamente preenchida e

enviada dentro do padrão estipulado pelo Escritório Central.

A partir dessas planilhas e gravações, o ECAD distribui a verba autoral a todos os

titulares, proporcionalmente ao número de exibições captadas na amostragem.

Os pontos autoral e conexo também são regionalizados, dependendo da verba

arrecadada por região e do tipo de utilização musical, ao vivo ou mecânica, para que se

chegue ao valor de cada execução.

b) Distribuição de Direitos Gerais – Entende-se que certos estabelecimentos,

como bares, restaurantes, casas de diversões, hotéis, motéis, lojas comerciais, etc, utilizam-se

da sintonização de aparelhos de rádio e televisão como meio de sonorização, e dessa forma os

valores pagos são distribuídos de acordo com as amostras de rádios e televisão, através do

seguinte procedimento59:

Amostragem de sonorização ambiental :Valor a ser distribuído (composta por) 95%100% amostragem de rádio 5%100% amostragem televisão

59 ECAD. Distribuição. Disponível em: < http://www.ecad.org.br/ViewController/publico/conteudo.aspx?codigo=25>. Acesso em 11 nov. 2008.

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Também são considerados usuários de direitos gerais as casa noturnas, pianos-bar,

etc, onde são executadas músicas ao vivo. Nestes casos, funcionários especializados (fiscais

do ECAD) visitam os estabelecimentos e gravam o repertório executado para compor a

amostragem específica de música ao vivo. Os valores arrecadados são distribuídos com base

nas amostras coletadas.

c) Distribuição de Televisão – Os valores arrecadados das emissoras de televisão

de sinal aberto são distribuídos da seguinte forma:

- 50% do valor, com base em planilhas recebidas das emissoras, contendo

programa de auditório, shows, etc;

- 50% do valor, com base nas fichas técnicas dos filmes nacionais e estrangeiros

exibidos e, ainda, nas gravações de novelas e seriados nacionais realizados pelo ECAD

(Distribuição Direta – com base na minutagem).

A distribuição de televisão é basicamente direta, apesar de não listar formalmente

do Regulamento de Distribuição do ECAD como tal. O que ocorre é que as principais

emissoras televisiva do Brasil (TV Globo, SBT e Record) têm a distribuição de forma direta

após a arrecadação. A distribuição é feita com base nas informações de suas respectivas

planilhas de programação. Já as das demais emissoras existentes no país, ainda é realizada

com base num montante composto por todas as informações provenientes delas, que servirão

de amostra para embasar essa distribuição específica.

O ECAD sustenta que quando as planilhas de programação seguem padrões

mundiais (como os adotados pela TV Globo e Record), o total da renda arrecadada é dividida

pela totalidade do tempo das execuções musicais, procedendo-se à distribuição daquelas obras

ou fonogramas que foram executados e no montante proporcional ao seu tempo.

As mesmas informações enviadas por meio de planilhas pelas emissoras de

televisão são também utilizadas como base no pagamento dos direitos gerais (de distribuição

indireta), tendo em vista que os estabelecimentos usuários desta categoria muitas vezes

sintonizam programas musicais das referidas emissoras para sonorização.

Já as regras adotadas para distribuição em virtude de execução musical nas TVs

por assinatura são diferentes. Em razão do grande número de canais existentes, foram criados

grupos de canais, levando em conta a característica preponderante da programação exibida.

Eles se dividem em: Variedade, Audiovisual, Esporte, Jornalismo, Alternativo e Música.

Após a classificação dos canais, os valores são distribuídos mais uma vez com base nas

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planilhas enviadas pelas emissoras, e/ou nas revistas de programação e nas informações

enviadas pelas associações.

Distribuição Indireta Especial

Consiste na distribuição dos valores arrecadados de:

- Carnaval

- Festas Juninas

- Músico Acompanhante

Pensando em remunerar de forma mais justa os titulares que têm suas músicas

regionalizadas e executadas exclusivamente em eventos específicos, criaram-se formas de

distribuição própria para festas como o Carnaval e Festa Junina. O montante arrecadado

nestes eventos é distribuído com base em gravações destes. Por ser uma amostragem especial,

baseada em rol específico, é chamada de Distribuição Indireta Especial.

Outra forma desta distribuição é aquela destinada aos músicos acompanhantes. A

distribuição considera os titulares dos 650 (seiscentos e cinqüenta) fonogramas mais

executados no trimestre, obtido pelas amostras de rádio e dos 300 (trezentos) fonogramas

mais executados no trimestre, provenientes da amostragem de TV Planilha.60

Aconselhamos visita ao site do ECAD com vistas a conhecer seu muitíssimo

extenso Estatuto61.

4.4 O CONSELHO NACIONAL DE DIREITO AUTORAL (CNDA)

A lei nº 5.988/73 disciplinou o sistema de direitos autorais no Brasil de forma

bastante rigorosa e, com o cuidado de promover o bom funcionamento de sues mecanismos,

cedeu parte da competência à iniciativa privada e a outra ao controle público, sendo que a

primeira se subordinava ao segundo.

Estabelecia a Lei que o órgão fundamental de gestão dos direitos autorais era o

Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), com as funções de fiscalização, consulta e

assistência no que a eles se relacionasse (Art.116). Com isto se consumava a intervenção 60 ECAD. Distribuição. Disponível em: < http://www.ecad.org.br/ViewController/publico/conteudo.aspx?codigo=25>. Acesso em 11 nov. 2008.

61 ECAD. Estatuto. Disponível em: < http://www.ecad.org.br/ViewController/publico/conteudo.aspx?codigo=138>. Acesso em 18 nov. 2008.

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pública no domínio autoral.62 Art.117 estabelecia que cabia ao CNDA determinar, orientar e

fiscalizar as providências necessárias à exata aplicação das leis, tratados e convenções

internacionais ratificados pelo Brasil, sobre direitos do autor e os que lhe são conexos. O

Conselho era organizado pelo Poder Executivo, conforme o Art.132.

O CNDA tinha sede em Brasília e vinculava-se ao Ministério da Educação e

Cultura (que representa hoje o Ministério da Cultura) e sofreu três principais formulações de

estrutura: I- em sua instalação (Decreto nº 76.275/75) e Regimento Interno (Portaria

Ministerial nº 248/75); II- a que lhe conferiu a composição básica final (Decreto nº 84.252/79)

e III – com a recepção de novas atribuições (Decreto nº 91.873/85, aprovado pela Portaria nº

128/85).

Ao CNDA cabia autorizar no país o funcionamento de associações de direitos

autorais, quando cumpridas as exigências legais e por ele impostas, e cassar-lhes a

autorização, após um mínimo de três intervenções (Art.117, II); fiscalizar essas referidas

associações e o ECAD, podendo intervir no órgão quando descumprissem ao leis autorais ou

suas determinações, ou lesassem, de qualquer modo, os interesses dos titulares (art.117,III);

fixar normas para a unificação de preços e sistemas de arrecadação e distribuição dos direitos

autorais (Art. 117, IV); agir como árbitro em questões que versassem sobre direitos autorais,

entre autores, intérpretes, ou executantes, e sua associações, tanto entre si, quanto entre uns e

outras (Art.117, V); proceder à gestão do Fundo de Direito Autoral, aplicando-lhe os recursos

segundo as normas que estabelecesse, sendo que, desse montante seria deduzido um máximo

de 20% (vinte por cento) para a manutenção do próprio Conselho (Art.117,VI); manifestar-se

sobre a conveniência da alteração de normas dos direitos autorais, nacional ou

internacionalmente, bem como sobre problemas concernentes ao instituto (Art.117, VII);

manifestar-se sobre os pedidos de licenças compulsórias previstas em Tratados e Convenções

Internacionais (Art. 117, VIII); fiscalizar o exato e fiel cumprimento das obrigações de

produtores de videofonogramas ou fonogramas, editores e associações de gestão coletiva de

direitos autorais para com os titulares, procedendo, quando requerido por estes, a todas as

verificações necessária, incluindo auditorias e exames contábeis (Art; 117, IX – incluído pela

Lei nº 8.800 de 1980); impor normas de contabilidade às pessoas jurídicas mencionadas no

inciso anterior, de forma que se pudesse proceder à adequada verificação da quantidade de

exemplares reproduzidos e vendidos (Art.117, X – incluído pela Lei nº 8.800 de 1980); tornar

obrigatório que as etiquetas distintivas de cópia de videofonogramas fossem autenticadas pelo

CNDA, na forma de instruções que baixou (Art.117, XI – incluído pela Lei nº 8.800 de 1980).

62 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição, fef. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 625.

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O Conselho deveria ainda organizar e manter um Centro Brasileiro de Informações Sobre

Direitos Autorais (Art. 117, § único).

Como previa o Art.117, o Poder Executivo poderia , mediante decreto, conferir

outras atribuições ao Conselho Nacional de Direito Autoral.63 O mesmo foi realizado por

repetidas vezes, como no Decreto nº 91.873 de 1985 que, em seu Art. 1º, incumbia ainda ao

CNDA: I- impedir ou interditar, por solicitação do titular ou de sua associação a

representação, execução, transmissão, retransmissão, ou utilização ao público por qualquer

meio, de obra que não tenha sido devidamente autorizada, bem como executar a apreensão da

receita bruta para garantia dos direitos patrimoniais, podendo requerer a atuação da autoridade

policial para tanto; II- impedir a destruição, danificação, ou deturpação de obras intelectuais, a

fim de evitar prejuízos culturais, morais ou patrimoniais, coletivos ou individuais, mediante as

medidas legais cabíveis. Parágrafo único – À autoridade policial cabia executar, por

solicitações, essas determinações.64 Outro Decreto do Executivo, nº 78.965 de 1976,

estabelecia em seu Art.1º que cometia ao Conselho a função de organizar e manter registro

próprio das obras musicais que, com fins comerciais, fossem gravadas ou fixadas em qualquer

tipo de suporte material.

O Conselho tinha atribuições vastas, como pudemos perceber e , na prática,

adotava a postura de ser o órgão para o qual a Lei atribuiu o poder de concretizar os princípios

legais do direito autoral, o que fazia por meio de resoluções que eram publicadas no Diário

Oficial da União. Esses documentos funcionam hoje como importantes fontes do direito

autoral.65

Dentre suas resoluções, ressaltamos algumas de maior importância, como – as que

estabeleceram toda a estruturação e funcionamento do Fundo de Direito Autoral (nºs 4, de

17.08.76; 34, de 11.07.84; e 48, de 25.02.87); as sobre registros de obras intelectuais (nº 5, de

08.09.76; nº 18, de 16.10.79; e nº 47, de 25.02.87); as sobre a constituição, o funcionamento e

a administração do ECAD, que sofreu muitas reformulações ao longo do tempo (nº 1, de

06.04.76; nº 19, de 14.05.80; nº 26, de 07.09.80; nº 21, de 02.12.80; nº 30, de 14.09.83; nº 31,

de 26.10.83; nº 32, de 11.04.84; nº 46, de 25.02.87); as sobre autorização para as associações

(º 26, de 15.04.81, e nº 44, de 25.02.87); as sobre preços e unificação de cobrança da

execução musical (nº 7, de 15.12.76; nº 24, de 11.03.81; nº 25, de 11.03.81; nº 40, de

08.07.86; nº 42, de 24.02.87; nº 43, de 25.02.87; e nº 51, de 07.05.87); sobre a

63 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição, fef. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 625.64 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 126.65 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição, fef. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 625.

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regulamentação do direito de seqüência (nº 22, de 22.01.81; e nº 27, de 09.12.81); sobre

modelo de contrato para direitos referentes à interpretação não-musical (nº 36, de 14.08.85);

sobre fiscalização nas associações de titulares e no ECAD (nº 35, de 26.09.84); sobre registro

de obras cinematográficas e televisivas (nº 38, de 16.06.86); sobre cadastramento de

fonogramas industrializados no País (nº 39, de 18.06.86; e nº 50, de 25.02.87).66

O CNDA atuou amplamente com sua função fiscalizadora junto às associações de

titulares e ao ECAD, avaliando suas atuações, conferindo-lhes os atos, auditando contas e já

interveio em várias situações, sanando irregularidades e traçando o direcionamento para que

essas instituições funcionassem dentro dos padrões estabelecidos e não ocasionassem

comprometimento à devida proteção dos direitos dos titulares.

O Conselho ainda atuou como órgão julgador, decidindo inúmeros litígios na

esfera administrativa, fosse como árbitro necessário, nos casos de contenda quanto à obra de

colaboração, fosse no desempenho da arbitragem facultativa (Art. 117, V), nos demais casos

de divergência, bem como respondeu a diversas consultas em matéria de direitos autorais

requisitadas por autores, entidades públicas ou privadas, usuários, ou quaisquer interessados,

firmando-se o CNDA com importante papel também nessa meteria de aconselhamento,

inclusive no que tange à elaboração de projetos de lei sobre o instituto67.

O Conselho Nacional de Direito Autoral era composto por especialistas na matéria

e, na sua organização estrutural, dividia-se em Câmaras em sua função do objeto e atuava

como órgão colegiado em grau de recurso e na análise de questões de maior importância,

inclusive na função normatizadora. Integravam-lhe 12 membros titulares com notório

conhecimento do Direito Autoral, dentre os quais: 1 Presidente (representante do Ministério

da Educação e Cultura), 1 Vice-Presidente (designado pelo primeiro), 1 representante do

Ministério da Justiça, 1 representante do Ministério do Trabalho, 5 conselheiros escolhidos

por indicação das associações de titulares, através de sua Assembléia Geral e 2 de livre

nomeação. Dispunha, ainda, de seis conselheiros suplentes, todos nomeados pelo Presidente e

com mandato de dois anos, prorrogável por uma recondução.

Das três Câmaras, a Primeira julgava questões sobre obras intelectuais não-

específicas das demais – obras protegidas num geral; a Segunda julgava questões relativas aos

direitos de música e suas vertentes; a Terceira julgava matérias de direitos conexos, desde que

não compreendidas pelo que já fosse da anterior. O Colegiado decidia sobre matérias de

66 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 127.67 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 127.

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caráter geral e assuntos que estão dispostos nas regulamentações como de sua competência,

tal qual fiscalização, normatização, expedição de autorização para associações e outros.

As reuniões eram Ordinárias, em intervalos mensais por pauta e prévia

convocação, e Extraordinárias por convocação do Presidente, conforme a Portaria n° 128/85.

Constituía o quadro do CNDA, ainda, a Diretoria Executiva, dividida em diversos

setores, dos quais se destacam os – administrativo, jurídico, financeiro, de fiscalização e de

execução orçamentária. Neste âmbito também se encontravam o CBI (Centro Brasileiro de

Informações sobre Direitos Autorais) e o Museu do Direito Autoral.

4.4.1 O CENTRO BRASILEIRO DE INFORMAÇÃO SOBRE DIREITO AUTORAL E O

MUSEU DO DIREITO AUTORAL

Entre os órgãos públicos instituídos pela Lei n° 5.988/73, mantidos e

administrados pelo CNDA, também foram criados o CBI e o Museu do Direito Autoral. O

primeiro foi uma importante entidade com a função de divulgar as atividades do Conselho, do

arquivo de legislação e da jurisprudência, de forma a instruir a sociedade e dar unidade e

conscientização sobre o direito autoral. Promovia ainda encontros, estudos e levantamentos

sobre o instituto.

O segundo, Museu do Conselho Nacional de Direito Autoral, constante da Lei nº

5.988/73 em seu art. 119, V e regulamentado pela Portaria nº 248, foi instituição destinada à

formação e guarda de acervo de criações e de peças de interesse para a cultura do país. Como

constante de sua referida Portaria, o Museu serviria “como memória de atividades intelectuais

no país e sua proteção” (art. 10, § 1º). O jurista ASCENSÃO critica uma certa impropriedade

na técnica para tratar do tema, tendo em vista que a matéria é regulada em parágrafos do

artigo dedicado ao Centro de Informação68.

4.4.2 O FUNDO DE DIREITO AUTORAL

Uma inovação importante da Lei nº 5.988/73 foi a criação do Fundo de Direito

Autoral, entidade com relevantes funções no domínio autoral, no estímulo da criação cultural

e no apoio a órgãos de assistência social das associações de titulares, além de ser o

responsável pelo custeio no funcionamento do museu.

68 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição, fef. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 629.

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A Lei, em seu art. 117, VI, estabelece que o Fundo será gerido pelo CNDA,

aplicando-lhe recursos segundo suas próprias normas e deduzindo-lhe, no máximo vinte por

cento, anualmente, para o custeio do próprio Conselho. O art. 119 dispões em seus incisos

sobre as finalidades do Fundo, quais eram: I – a de estimular a criação de obras intelectuais,

inclusive pela instituição de prêmios e bolsas de estudo e pesquisa; II – auxiliar os órgãos de

assistência social das associações de titulares e sindicatos de autores, intérpretes ou

executantes; III – publicar obras de novos autores por meio de convênios com órgãos públicos

ou editoras privadas; IV – custear as despesas do CNDA; V – custear o funcionamento do

Museu do CNDA. Pelo art. 120, em seu inciso I, seria parte da renda do Fundo de Direito

Autoral o produto da autorização para a utilização de obras pertencentes ao domínio público,

mas a Lei n° 7.123, de 1983, revogou essa disposição em função de ter findado com o

domínio público remunerado, exaurindo uma importante fonte de recursos de que se valia o

Fundo. Percorrendo os outros incisos, integravam ainda a arrecadação da entidade: II – as

doações de pessoas físicas ou jurídicas nacionais ou estrangeiras; III – o produto das multas

importas pelo CNDA; IV – as quantias distribuídas pelo ECAD às associações que se

tornassem ociosas, ou seja, não fossem reclamadas por seus associados após o decurso do

prazo de 5 (cinco) anos; V – recursos oriundos de outras fontes.

Conforme narra o autor Carlos Alberto BITTAR, o Fundo cumpriu, durante a sua

existência, importante missão de apoio a programas culturais, instituindo concursos,

premiações, lançamentos de obras literárias, artísticas e científicas, tendo suas verbas sido

aplicadas de acordo com a disciplinação do Conselho. Mas a Nova Lei de Direito Autorais

deixou de disciplinar a matéria e esta lacuna implicou em sua desativação até porque, sua

previsão se encontrava na Lei nº 5.988/73, no Título VII, que versava sobre o CNDA e este já

fora desativado em virtude da Lei nº 9.610/98, que revogou a anterior69.

4.5 PROBLEMÁTICA DO SISTEMA DE GESTÃO COLETIVA BRASILEIRO

4.5.1 A QUESTÃO DO ENTRETENIMENTO

Como narra Deborah SZTAJNBERG, a idéia da sociedade do espetáculo, no

sentido de crítica social, foi desenvolvida por Guy DEBORD e está presente na afirmação:

“...a raiz do espetáculo está no terreno da economia que se tornou abundante, e daí vêm os

69 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 128.

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frutos que tendem afinal a dominar o mercado espetacular.”70 E o entretenimento tomou

proporções industriais e dominou o mercado, a partir do momento em que, para o bem ou para

o mal, o espetáculo se instaurou profundamente na vida hodierna em seus meios e costumes.

Foi também por grande influência da mídia o estabelecimento desta nova era, que

vive uma política-espetáculo em que suas pessoas públicas malfeitoras tornam-se heroínas da

noite para o dia, com suas obscuras façanhas fadadas ao esquecimento, uma justiça –

espetáculo onde os casos penais ocasionam comoção pública estratosférica, e seus

personagens viram espécies de participantes de reality shows, de uma sociedade-consumista-

de-espetáculo que constrói e aniquila seus ídolos na velocidade de um SMS.

O entretenimento, segue Luiz G.G. TRIGO, “é algo novo que surge em novas

formações sociais. Tem a ver com prazer, com a valorização do hedonismo, do ócio, e do

tempo enquanto valor cada vez mais significativo para as pessoas”.71 E quanto mais

evoluímos nessa era de informação e entretenimento, mais percebemos que ele se faz presente

na vida do homem, com todas as suas atividades, de uma forma essencial e necessária. E

talvez porque o homem tenha cada vez menos tempo de viver, de aproveitar, de gozar do que

é simples, talvez por isso esse espírito instintivo alimente e lhe suplique fontes cada vez

maiores dessa forma de desfrute, num meio dinâmico de viver fantasias, amortecer as

angústias, vivificar o corpo, esquecer as tribulações.

Esse fenômeno da massificação do entretenimento pode se confundir, mas é

diverso da massificação da cultura e, na verdade, é resultante dele. A globalização da cultura,

pela absoluta facilidade da informação em virtude primordialmente da revolução tecnológica

das redes mundiais (Internet e novas tecnologias de comunicação) é extremamente importante

e um fator crucial para o desenvolvimento social. E a massificação do entretenimento é a

globalização cultual levada ao máximo aproveitamento econômico.

A cultura foi transformada num produto pelo mercado e tanto não seria se não

existisse uma astronômica demanda nesse sentido. Vejamos bem que não se trata de crítica,

mas tão somente constatação. A cultura é um bem e um direito garantido constitucionalmente

e hoje também podemos dizer, sem equívocos, que o entretenimento se constitui de um direito

de igual valia. O lazer, assim como a cultura, são direitos humanos, mas também pertencem à

esfera dos direitos sociais, incorporados à Carta Magna em seu art. 6º. E o entretenimento,

70 DEBORD, Guy apud SZTAJNBERG, Deborah. O show não pode parar: direito do entretenimento no Brasil. 2ª edição. rev. at. e ampl. Rio de Janeiro: Espaço Jurídico, 2005.

71 SZTAJNBERG, Deborah. O show não pode parar: direito do entretenimento no Brasil. 2ª edição. rev. at. e ampl. Rio de Janeiro: Espaço Jurídico, 2005. p. 35.

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estando diretamente ligado a lazer e cultura e devido ao atual impacto econômico, vem

gradualmente sendo inserido no rol dos denominados “direitos humanos econômicos, sociais

e culturais”.72

E é em virtude desse clamor do homem do século XXI pelo entretenimento, da

mudança nas relações de consumo de produtos e serviços, da evolução notória nos meios de

comunicação , de uma massificação sem fronteiras de todo tipo de informação, da

multiplicação das formas de exploração econômica dos bens culturais (CD’s e DVD’s,

rádios, shows e eventos, televisão aberta e por assinatura, venda de produtos temáticos, MP3,

IPod, Youtube, ringtones e etc.), que as criações intelectuais se tornaram ainda mais

importantes em virtude de serem utilizadas a todo tempo de forma a beneficiar direta ou

indiretamente os negócios de qualquer mercado. É o que demanda a sociedade. E aliados à

função social dos bens artísticos, é necessário atentar à proteção de seus criadores para que o

ciclo produtivo não seja entravado e possamos buscar uma justiça proporcional tanto à classe

que cria, quanto à classe que utiliza.

4.5.2 GESTÃO COLETIVA NECESSÁRIA

A Lei nº 9.610/98, no Título VI sobre Associações de titulares de autor e os que

lhes são conexos, estabeleceu a liberdade de associação sem intuito de lucro, como consta de

seu art. 97 e seguindo o diploma constitucional pelo que determina seu art. 5º, XVII, que

confere plena liberdade de associação para fins lícitos e proíbe as de caráter paramilitar e XX,

dispondo que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado.

Continua o dispositivo a instituir, em seus parágrafos, que: § 1º - É vedado pertencer a mais

de uma associação para a gestão coletiva de direitos da mesma natureza; § 2º - Pode o titular

transferir-se a qualquer momento para uma outra associação, só devendo comunicar o fato por

escrito à sua associação de origem; § 3º - As associações com sede no exterior far-se-ão

representar, no País, por associações nacionais constituídas na forma da Lei nº 9.610/98. O

art. 98 estabelecia que as associações se constituiriam mandatárias dos titulares no ato da

filiação, para representá-los judicial ou extrajudicialmente na defesa dos direitos autorais que

lhes eram ou seriam devidos. O parágrafo único deste artigo deixa expresso que os titulares

poderão praticar, pessoalmente, os atos relativos à cobrança de seus direitos, mediante

comunicação prévia à associação a que estiverem filiados.72 SZTAJNBERG, Deborah. O show não pode parar: direito do entretenimento no Brasil. 2ª edição. rev. at. e ampl. Rio de Janeiro: Espaço Jurídico, 2005. p. 39-40.

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Pelo que explicita a referida Lei e numa interpretação sistemática de todo o seu

diploma, podemos auferir que procurou o legislador garantir a máxima proteção dos autores e

titulares de direitos conexos por meio de uma série de prerrogativas de exclusividade, onde

têm total controle sobre o destino e forma de utilização de suas obras e ainda a prerrogativa,

de forma consoante à Constituição, de ter ou não seus direitos patrimoniais geridos por um

ente coletivo. A LDA confere super proteção ao criador da obra intelectual e lhe dá uma

configuração bastante individualizada dentro de seus dispositivos. É esta a influência, por

sinal, do sistema do droit d’auteur, adotado pelos países europeus e também pelo Brasil.73

A Lei, portanto, consoante interpretação de suas demais normas, continua no

mesmo direcionamento e confere ao titular de direitos, quanto à gestão coletiva, plena

liberdade de escolha, sem prejuízo de seus direitos básicos (morais e patrimoniais), não está

correto? Certamente que não. Esta é a primeira grande distorção ocasionada pela gestão

coletiva no Brasil74, e esclareceremos a seguir.

No ano de 1997, os negócios do mercado do entretenimento mundial (música,

cinema, televisão, teatro, shows, espetáculos, multimídia, etc.) atingiu a soma de 35 (trinta e

cinco) bilhões de dólares. Praticamente metade deste montante foi de responsabilidade da

indústria de show business dos EUA, e o Brasil já se mostrava uma grande potência entre o

restante, atingindo a 7ª colocação no ranking fonográfico mundial. O país se aproximava dos

80 milhões de unidade totais, entre CD’s, cassetes e LP’s, encostando na receita de 1 bilhão

de dólares (fonte da ABPI, 1997).75

Com o advento das novas tecnologias e a dominação da já mencionada indústria

do entretenimento, estes números totais se diluíram na implementação de novas e variadas

formas de exploração, no caso, a musical, e hoje voltam a crescer em ritmo acelerado.

Pos últimos dados constantes do site da Associação Brasileira dos Produtores de

Discos, de responsabilidade da IFPI – Federação Internacional da Indústria Fonográfica, do

ano de 2007, revelam que o ranking do nosso país no mercado fonográfico caiu, assim como a

receita derivada de venda de fonogramas também baixou vertiginosamente. Ainda assim, ele

ainda se encontra no ranking dos 20 maiores mercados desse gênero específico. O Brasil

passou do 7º (em 1997) para o 12º lugar dez anos depois reduzindo sua receita de venda de

quase 1 bilhão de dólares para pouco menos de 200 milhões (193 milhões de dólares). E a

73 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 9.

74 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição, ref. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 621.75 NEHEMIAS GUEIROS, Jr. O direito autoral no show business: tudo o que você precisa saber: volume 1: a música. 3ª edição. Rio de Janeiro: Gryphus, 2005. p. 20.

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redução nas vendas entre o ano de 2006 e o de 2007 foi de assustadores 25%76. Isto se deu em

virtude, primordialmente, das práticas de pirataria, que movimentam milhões de dólares no

mercado ilegal, anualmente, aliado à, como inicialmente mencionado, prática de novas e

rentáveis explorações comerciais da música, como a venda digital via sites especializados

(hoje o Brasil possui vários portais do tipo), e via celular, que movimentam somas

consideráveis e aumentaram exponencialmente o uso da música no país.

Os dados mundiais da agência internacional IFPI mostram que o uso digital da

música vem crescendo rapidamente. Estima-se que, em 2007, houve uma renda global de 2,9

bilhões de dólares somente com vendas digitais de música, que representam aproximadamente

uma fatia de 15% do mercado de música geral mundial. O número de serviços legais da

Internet para vendas deste gênero é de mais de 500 e há mais de 6 milhões de faixas musicais

licenciadas. O mercado do disco se transformou num verdadeiro mercado do entretenimento,

onde as opções aos consumidores são infindáveis e impera o conceito de portabilidade de

dispositivos que realizam multifunções, como o Ipod, os celulares e, recentemente, o

IPhone.77

Outra pesquisa realizada pela agência retrata a importância da música no

entretenimento da maior potência mundial, os EUA, que exerce total influência nas tendência

de mercados globais. Em entrevista realizada no mês de Abril de 2007, 88% dos

estadunidenses disseram ser importante ou muito importante – Ir ao cinema (10%); Assistir

TV (27%); Ouvir música (51%). Não resta mesmo dúvidas quanto à dominação absoluta do

produto musical no mercado de entretenimento.78

Para complementar, ainda a mesma agência informa que o site MySpace, hoje o

principal veículo de divulgação de música no meio virtual, possui a soma aproximada de

1.200.000 (um milhão e duzentos mil) artistas cadastrados somente do gênero rock, 1.700.000

(um milhão e setecentos mil) do gênero rythm & blues (R&B), e milhões de outros de

variados estilos.

Temos a abrangência assustadora do mercado musical, suas infinitas

possibilidades e podemos deduzir a importância direta que isto tem com os direitos autorais, a

partir do momento em que estes novos usos através de novas tecnologias, também geram,

como não poderia deixar de ser, pagamento de direitos patrimoniais e isso tem gerado

76 ABPD. Estatísticas e dados de mercado: mercado fonográfico mundial: apresentação. Disponível em: < http://www.abpd.org.br/estatisticas_mercado_mundial.asp>. Acesso em 11 nov. 2008.77 IFPI. Satistics: music market statistics. Disponível em: < http://www.ifpi.org/content/section_statistics/index.html>. Acesso em 14 nov. 2008.78 IFPI. Satistics: music market statistics. Disponível em: < http://www.ifpi.org/content/section_statistics/index.html>. Acesso em 14 nov. 2008.

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diversos encontros, estudos e debates mundialmente para a consolidação de medidas sobre a

matéria.

Mas vejamos alguns números de um mercado mais familiar – e também titânico,

restrito ao nosso país.

Só no Brasil o IBOPE informa haver 41,5 milhões de usuários de Internet,

enquanto o Datafolha defende se tratar de 59 milhões – e ambos consideram, em sua pesquisa,

apenas os internautas maiores de 16 anos. Constataram que, nas áreas urbanas, 44% da

população está conectada à rede mundial, enquanto entre as empresas brasileiras este número

é de 97%. Quanto aos grupos de mídia não necessariamente digitais (bem mais familiares aos

órgãos de cobrança de direitos autorais), temos também os seguintes dados:

O Brasil possui um total de 34 redes de TV, liderados pelas 5 maiores redes

privadas, quais sejam, TV Globo, Band, SBT, Record e RedeTV! que controlam, direta e

indiretamente, os principais veículos de comunicação no país embora isso não se dê

totalmente de forma explícita ou ilegal79. Há ainda 1.553 veículos, sendo que a maioria é

vinculada às redes nacionais, como os 340 veículos (emissoras de TV geradoras ou

retransmissoras do sinal cabeça-de-rede) ligados à TV Globo.

O Brasil possui uma quantidade de 35 grupos nacionais de mídia, que são os

conjuntos de empresas, fundações ou órgãos públicos que controlam mais de um veículo,

independentemente de seu suporte, em mais de dois estados. 516 é o número total de veículos

controlados por esses grupos. Destacam-se os grupos: Abril – ligado à MTV (74 veículos);

Globo – ligado à TV Globo (69 veículos); Band – ligado à Band (47 veículos) e Record –

ligado à Record (34 veículos).

Nosso país possui um conglomerado de 2.538 rádios adimplentes, ou seja, que

pagam direitos autorais (relatório do ECAD requisitado através da ABRAMUS em

14.11.2008), através das quais ocorrem mais de 13 milhões de execuções musicais mensais.

São ainda centenas de complexos de cinema e milhares de casas noturnas, bares e

restaurantes.

Os números do ECAD informados pela superintendente GLÓRIA BRAGA80,

contabilizam 228 mil titulares de direito autoral cadastrados ao órgão e mais de 1 milhão de

obras artísticas, o que gera um número aproximado de 50 mil boletos bancários mensais. Isso

tudo em virtude do número de usuários de música cadastrados (ou seja, os que se utilizam da

79 DONOS DA MÍDIA. Pessoas. Disponível em: http://donosdamidia.com.br/pessoas. Acesso em 14 nov. 2008.

80 CONJUR. Glória Braga. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/static/text/60564,1>. Acesso em 14 nov.

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execução musical pública), que é de mais de 300 mil e daqui não constam os numerosíssimos

inadimplentes, que não têm cadastro, ainda que se utilizem da execução.

Agora que analisamos alguns poucos indicadores do que compõe a vastidão e

complexidade do mercado, reflitamos sobre a questão inicialmente apresentada da liberdade

associativa instituída na Lei Autoral e à independência dada ao titular para efetuar

pessoalmente a cobrança de seus direitos. Embora o autor e os demais personagens que lhe

são conexos possam, querendo, confiar a gestão dos direitos a um mandatário de gestão

coletiva, ele é flagrantemente forçado a recorrer a ele, por uma razão ou situação de fato, que

está em desarmonia com a situação de direito, porque não possui outro meio de gerir os seus

direitos. Será que o autor teria a possibilidade física de negociar todas as autorizações e

remunerações que lhe caibam, individualmente? Como exemplifica ASCENSÃO: “...às 10h

para a TV X, às 21h para o clube Y, depois para a revista Z. Nem pode [o autor] passar o dia a

ouvir rádios para saber se a sua música foi tocada ou não e quantas vezes. Nem pode ter

serviços que assegurem a cobrança das remunerações que lhe são devidas”.81

Como ensina o professor OTÁVIO AFONSO82:

A motivação pela qual se busca o sistema de gestão coletiva de direitos é que, na maioria das vezes, o direito de autor e os direitos conexos não podem ser exercidos individualmente, visto que as obras de que se tratam são utilizadas por um número muito grande de usuários. Os autores, em geral, não têm meios para fiscalizar todas essas utilizações, negociar com os usuários e arrecadar as remunerações devidas, uma vez que essas utilizações se dão em locais distintos e simultaneamente, o que torna impraticável um acompanhamento pessoal destes atos (grifo nosso).

A especialista VANISA SANTIAGO também ensina83: “...ainda que em teoria a

legislação reserve aos titulares o direito ao exercício pessoal de suas prerrogativas, na prática

essa possibilidade não se mostrava [mostra] uma alternativa válida (grifo nosso)...”

O que queremos explicitar, como primeira crítica, é que não há dúvidas,

unanimamente, da importância e necessidade da gestão coletiva nos direitos autorais, mas a

Lei nº 9.610/98 não tratou da realidade ao não reconhecer que o sistema inteiro de

entretenimento atual é necessariamente de gestão coletiva, e isso significa que tudo o que diz

81 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição, fef. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 620.82 AFONSO, Otávio. Direito Autoral: conceitos essenciais. 1ª edição. Barueri, SP: Manole, 2009. p. 90.

83 SANTIAGO, Vanisa. Gestão coletiva: quem ganha, quem perde e qual o papel do Estado. In: SEMINÁRIO DE LANÇAMENTO DO FÓRUM NACIONAL DE DIREITO AUTORAL, 1, 2007, Rio de Janeiro, Palestra. Disponível em: <www.cultura.gov.br/blogs/direito_autoral/wp-content/uploads/2007/12/apresenta-vanisa-santiago.ppt.> Acesso em: 14 nov. 2008.

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a Lei sobre a necessidade de o autor autorizar previamente o uso de suas obras é ficção – e o

que ele pode fazer, tão-somente, é decidir que ela seja ou não utilizada84, ou ainda, decidir ou

não receber remuneração pelo uso dela, e isto se condiciona de forma absoluta ao seu ingresso

na gestão coletiva. Isto significa que ao dispor como Direitos Autorais fundamentais, no art.

22, o moral e o patrimonial e a exclusividade do titular na forma de utilizar o segundo, criou-

se uma ilusão, que na realidade se configura da seguinte forma – se o autor quer ser

remunerado pelo uso de sua obra, ele precisa se associar, do contrário, não haverá o direito

patrimonial a receber. E vejamos que nós falamos de artistas, criadores, cuja atividade da

criação é a vocação maior, seu meio de vida, e, portanto, a vontade de receber por suas

criações é de se presumir.

O direito de escolha do autor, que se resultava de sua individualização na Lei, é na

prática um verdadeiro direito de representação obrigatória. Ainda como bem nos ensina

ASCENSÃO, “o autor é a pessoa de quem se fala, mas não é a pessoa que fala (grifo

nosso)”85.

Na prática, isso ainda sim não seria um problema, não fosse utilizado por diversos

agentes para deturpar a realidade e confundir (não só) os leigos. As associações e o ECAD,

com muita freqüência, defendem com veemência a nova Lei, em resposta às inúmeras críticas

sobre monopólio que recebem, com o argumento de que a associação não é obrigatória, é uma

faculdade do titular e a Lei confere a ele a prerrogativa de realizar as cobranças pessoalmente.

Recorrem, muitas das vezes, a sofismas, e caem em contradições, tendo em vista que a Lei

conferiu uma proteção enorme aos titulares de direito e à exclusividade de decidir sobre

preços e formas de utilização, mas como na prática os criadores não têm meios de realizar isso

de per se, toda essa protetividade foi diretamente transferida às associações e ao ECAD. Os

titulares não têm opinião sobre a forma de instituição de preços, cobranças, distribuição, ou

qualquer ingerência sobre a administração do funcionamento dos órgãos de gestão. Na

realidade, ficam dependentes do que elas instituem unilateralmente, sem qualquer consulta

aos legítimos interessados, quais sejam, uma legião de mais de 200 mil verdadeiros titulares

dos direitos. Não se pode nem dizer que há uma representatividade legítima, apesar de legal,

tendo em vista que os autores e os que lhe são conexos não podem votar, seja para decidir

quem os representará (o que só pode ser minimamente decidido pela escolha da associação a

que se filiará o que, convenhamos, resulta no mesmo, já que as associações passaram a ser

meras repassadoras das verbas arrecadadas pelo ECAD e que como quase tudo é decidido por

84 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição, fef. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 621.85 Ibidem.

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Assembléia Geral, no fim as opiniões de todas as outras associações continuam se fazendo

valer, muitas vezes não importando se a instituição ao qual o titular se filiou pensa diferente),

seja para decidir sobre o que será feito. E ainda que pseudo-representantes dos artistas, atuam

junto aos usuários como se artistas fossem, impondo preços e condições unilateralmente, na

maioria das vezes sem qualquer possibilidade de acordo. Dizem que são a voz do titular, mas

na verdade este permanece amordaçado à mercê do que decidem.

4.5.3 A MASSIFICAÇÃO DA OBRA E DO AUTOR

Como defende a Lei nº 9.610/98, o autor tem total exclusividade sobre o uso de

sua obra, nos diversos meios de exploração (direitos patrimoniais) e a ele protegem direitos

morais irrenunciáveis e inalienáveis que conferem garantias de : autoria, paternidade,

ineditismo, integridade, modificação, suspensão da circulação ou utilização, ainda que já

autorizada, e ao acesso a exemplar único e raro, todas estas garantias relacionadas à sua obra.

Ao titular são conferidos realmente super-poderes no resguardo de suas criações intelectuais.

Isto porque, na função de essencial personagem para a cultura da humanidade e, ao mesmo

tempo, com a figura da fragilidade destes artistas diante da máquina mundial, era necessário

que o direito autoral fornecesse suficiente segurança jurídica para estimular mais a criação

sem que isso ocasionasse injustiças (e conseqüente desestimulação) a nenhum dos dois lados

– autores e sociedade num geral.

Pois bem, pensando na questão da criação como bem cultural, valor essencial da

humanidade e o quanto cada tipo de criação influencia de forma diferenciada às sociedades,

estamos dando um escopo moral às obras intelectuais, pensando no seu caráter intrínseco –

justamente o que ditou e mais influenciou as bases da legislação autoral.

Toda música, assim como toda arte, tem seu valor instrínseco. E aliado a isto,

temos o valor subjetivo que é aquela interpretação que o próprio artista dá a sua obra,

medindo a importância para ele mesmo. Isto é importantíssimo e, na verdade, o próprio

sentido transcendental da criação. Se todo autor ignorasse qualquer valor subjetivo ao que faz,

não faria nada com alma e, portanto, não criaria. Ou simplesmente viveria de engenhos vazios

que fariam da cultura o nada improdutivo.

O valor intrínseco da obra é o valor que ela tem para a cultura, o que só pode ser

percebido observando-se suas contribuições práticas para a sociedade. Ou seja, toda obra tem

um valor intrínseco que causa um fenômeno social, por menor que seja.

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O resultante disto no aspecto econômico é que, principalmente por possuírem seu

valor intrínseco, que causam fenômenos sociais (e enriquecem a cultura), é justo que o autor

receba uma retribuição pelo uso de suas obras. E o valor subjetivo que o autor dá a ela (que é

o seu julgamento sobre o valor intrínseco que tem) é exatamente o que irá determinar o valor

dela. Quanto mais um autor tenha apreço por determinada obra, em qualquer sentido que seja,

mais irá querer cobrar por ela e isso é absolutamente justo a partir do momento em que foi

exclusivamente dele o esforço da criação.

Num modelo ideal, e basicamente o que tentou defender a Lei, cada obra (assim

como cada autor) é uma singularidade na cultura e tem sua importância própria e, por isso, o

autor vai decidir como utilizar cada uma delas da forma que achar adequada e cobrando

diferenciadamente (se assim o deseja) pelas suas utilizações públicas. Cada caso é um caso.

Aos primeiros exames do diploma legal, a impressão a qualquer leigo (deixando-o

por demais confuso) é que os autores (ou as entidades de gestão) negociam cada utilização

individual de suas obras, cada uma na sua particularidade. É o que faz entender a Lei pela sua

insistência cerrada na necessária autorização individual e prévia do autor para cada uso86.

Não é o que acontece. Como vimos anteriormente, é o ECAD que dialoga com os

usuários e exerce discricionariamente o poder de proteção aos direitos autorais, pelo que

nomeamos anteriormente de gestão coletiva necessária. E ao invés de negociarem prévia e

individualmente o uso de cada obra, concedem autorizações genéricas. É uma outorga para a

utilização global das obras intelectuais constantes do banco de titulares da instituição, o que

significa que cada usuário, desde que pague devidamente os direitos autorais, está autorizado

a utilizar a música (ou audiovisual) de quaisquer titulares associados e, conseqüentemente,

vinculados ao ECAD. Ou seja, não há negociação de obras singulares ou artistas

diferenciados, mas de toda carteira de autores e obras protegidas pelo Escritório Central.

Todas as obras de um determinado autor ficam dissolvidas num conjunto, assim como todos

os titulares.

Ainda assim, a remuneração poderia ser diferenciada, obedecendo ao critério

estabelecido pelos autores para cada obra, por exemplo, no momento do cadastramento de

repertório junto às suas associações. Mas também não é o que acontece. Pela autorização

global de utilização, também se estabelece uma remuneração geral, calculada de acordo com

critérios estritamente objetivos, como, por exemplo, na forma de percentagem sobre as

receitas de publicidade. Como coloca mais uma vez o professor ASCENSÃO: “A negociação

86 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição, fef. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 622.

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é feita a granel.” E o caráter individual não existe, pois a obra é um elemento de massa, um

produto, não havendo nada que a especifique no todo87 88.

E quanto aos caracteres subjetivos e intrínsecos de cada obra e autor, poderiam

ainda surgir, no momento da remuneração, a individualização com as diferenças na divisão do

montante. Mas ainda aí o que interessa é a quantidade da utilização. Cada obra cadastrada no

ECAD, para efeitos de cobrança, é reduzida a uma unidade eqüitativa. É como se realiza

numa venda comum a peso, onde não há valor pela unidade, mas só pelo somatório do todo.

Não importa a obra, nem o artista, mas quantas vezes aquele produto foi utilizado. Uma

música do Cazuza e outra do MC Leozinho (relevância social à parte) têm exatamente o

mesmo valor. Ou é como colocar, por analogia, um quadro do “Fulaninho-de-Talento-

Duvidoso” e a mais importante obra de Leonardo Da Vinci em pé de igualdade, pois não

importa o que a arte causa, mas somente o número de quadros que se vendeu. Vejamos que na

execução radiofônica, por exemplo, o que se leva em conta é o tempo da emissão que coube a

cada um como critério de repartição89.

É certo que é muito mais prático o sistema realmente utilizado e que, apesar da

banalização da importância da cultura pelo império do simples entretenimento e toda a

desvalorização de aspectos subjetivos e morais da arte em função do fenômeno da

massificação, ainda assim podemos tolerar tais práticas em busca de uma remuneração viável

ao artista pela sua criação, posto que seria utopia acreditarmos em alguma espécie de justiça

absoluta e os ideais existem para ser seguidos, mas não necessariamente precisam ser

integralmente atingidos. O que importa é a constante busca pela renovação e o crescimento.

O que devemos deixar explicitado, porém, é a falta de acuidade da Lei nº 9.610/98

no aspecto de gestão coletiva com relação aos demais dispositivos, ou vice-versa. O diploma

legal contribui em muito para a crença numa falsa realidade e a conseqüente confusão no que

diz respeito aos direitos autorais. A Lei não mostra adequação ao fenômeno em que vivemos

em aspectos fundamentais, o que mostra-se fatal no entendimento entre as diferentes classes,

ocasionando críticas e acusações muitas das vezes alimentadas pelas diferenças de

interpretação no que concerne à relação situação de direito – situação de fato.

4.5.4 GESTÃO COLETIVA DE MONOPÓLIO E A AUSÊNCIA DE CONTROLE

EXTERNO

87 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição, fef. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 622.88 ALEMANHA ULMER apud ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição, fef. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 622.89 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição, fef. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 623.

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Como estudamos anteriormente, a gestão coletiva no Brasil , disposta no diploma

legal como facultativa, é na realidade uma condição que se impõe ante a impossibilidade

fática de os titulares de direitos autorais receberem pessoalmente a justa retribuição pela

execução pública de suas obras.

Vimos ainda que o padrão estabelecido pelos entes de gestão nos critérios de

arrecadação e distribuição, resume todos os titulares e suas respectivas obras a unidades

eqüitativas, onde a música se transforma num fator de massa e não há qualquer diferenciação

relativa ao valor subjetivo que o autor dê à sua criação, pois o valor econômico da arte é

contabilizado de acordo com elementos meramente objetivos dentro do todo.

Por essas mesmas questões, pudemos começar a entender que a Lei nº 9.610/98,

apesar de elaborada no intuito de dar maior proteção aos autores e titulares conexos e tentar se

adequar aos avanços tecnológicos, além de dar maior unidade ao direito autoral, também

causou grandes distorções – principalmente no concernente à relação da gestão coletiva com o

restante dos dispositivos – por não refletir a realidade fática.

Como parte de uma destas distorções, mencionamos anteriormente que toda essa

proteção legal conferida ao titular de direito autoral acabou sendo transferida – em parte por

razões de direito e mais por razões de fato – às entidades de gestão, que se beneficiaram

destas prerrogativas e se revestiram indiretamente de poderes de autoridade90. Não é

mesmo o autor que negocia com os usuários, mas sim o Escritório Central que impõe (e

impõe mesmo) preços, formas de cobrança e critérios de arrecadação e distribuição de forma

unilateral, sem a participação dos maiores interessados (os titulares de direitos autorais),

usando-se freqüentemente do argumento de que a participação efetiva deste advém da figura

das associações, que exercem a administração do bureau como se autores fossem, ou como se

falassem legitimamente por eles. Mas a mesma arbitrariedade demonstrada pelo ECAD é

realizada por essas instituições, que nada têm de representantes dos titulares senão um

mandato que é imposto. Afinal, os titulares cujos direitos patrimoniais de autor e conexos são

integralmente regidos por aqueles, não têm direito a qualquer voto, a escolher seus

representantes, a se fazerem diretamente presentes nas escolhas que lhes influenciam

diretamente.

O grande problema para o titular passa a ser o da defesa de seus direitos perante a

entidade de gestão, única com quem contata, e não perante os usuários. E esse monopólio

90 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição, fef. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 624.

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atinge seu ápice quando há uma única entidade de gestão a quem recorrer – o ECAD, formado

pelas associações.

De acordo com VANISA SANTIAGO, os especialistas em direito autoral

constataram que as “...organizações que administram um ‘repertório mundial’, especialmente

o musical, se encontravam em situação de monopólio de direito – ou de fato, frente aos

titulares dos direitos e frente aos usuários.” E “...conclui-se que se a organização não

funcionar de maneira adequada ela poderá prejudicar os interesses dos criadores e também

dos usuários, ao obter no mercado uma posição forte, eventualmente ‘dominante’, no sentido

da legislação relativa a cartéis, situando-se em perigosa vizinhança com as medidas adotadas

pelos Estados para o controle dos monopólios e que se seria portanto adequada uma

supervisão estatal”91.

O professor OTÁVIO AFONSO ensina que:

“A natureza, o caráter e a abrangência de atuação das sociedades que atuam na área de gestão coletiva de direitos autorais, dependendo de alguns elementos, podem se apresentar com as seguintes características:[...]4) Serem monopólicas de direito ou de fato, ou concorrerem com outras no mesmo campo de atuação.92

De fato, o Art. 99 da Lei nº 9.610/98 estabelece que as associações de direito

autoral manterão um único Escritório Central para arrecadação e distribuição e, embora

disponha ainda que a entidade não terá intuito de lucro, é evidente o seu caráter econômico

em virtude da sua atividade exclusiva de licenciamento, recebimento e cobrança, que exerce

como meio de atingir suas finalidades. Essas entidades se negam a aceitar a pecha de

sociedades de monopólio, seja porque a Lei dá uma tímida e impraticável possibilidade de

atuação unipessoal do titular, seja porque não tem fins de lucro.

ASCENSÃO ensina que é evidente o abuso de posição apresentado por essas

instituições, e que ele está caracterizado no art. 82 do Tratado de Amsterdã, do qual o Brasil é

signatário e cuja Comissão já reconheceu expressamente que as entidades de gestão são

empresas, para efeito dos artigos 81 e 82 do diploma, pois desempenham uma atividade

91 ULRICH UCHTENHAGEN apud SANTIAGO, Vanisa. Gestão coletiva: quem ganha, quem perde e qual o papel do Estado. In: SEMINÁRIO DE LANÇAMENTO DO FÓRUM NACIONAL DE DIREITO AUTORAL, 1, 2007, Rio de Janeiro, Palestra. Disponível em: <www.cultura.gov.br/blogs/direito_autoral/wp-content/uploads/2007/12/apresenta-vanisa-santiago.ppt.> Acesso em: 14 nov. 2008.92 AFONSO, Otávio. Direito Autoral: conceitos essenciais. 1ª edição. Barueri, SP: Manole, 2009. p. 92.

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econômica que não pode deixar de se submeter aos princípios gerais da concorrência . E

neste aspecto, falamos tanto no que se refere à relação entidades-titulares dos direitos quanto à

de entidades-usuários. Como coloca o professor:

Em qualquer caso, a entidade de gestão não poderá impor condições não eqüitativas, graças à sua posição dominante (art. 82a);Não poderá restringir as condições de utilização, em prejuízo do público (al. b);Não poderá impor condições desiguais em caso de prestação equivalente (al. c).Não poderá subordinar a celebração de contrato a prestações suplementares (al. d).93

Não há motivo para se ignorar a regra de concorrência. A entidade de gestão tem

uma posição dominante em relação a um produto ou serviço e não pode abusar desta posição.

Não se entende porque em matéria de direito de propriedade intelectual se permita aumentar

os lucros (ou seja, a arrecadação) à custa de posições concorrenciais abusivas.

No que se refere também ao monopólio, o Partido Social Trabalhista – PST

propôs, após a edição da Lei nº 9.610/98, a Ação Direta de Inconstitucionalidade do diploma

em seu art. 99 e parágrafos, que instituíam o Escritório Central e uma das argüições se referia

à existência de monopólio, o que afronta o art. 173, § 4° da CF/88, que dispõe que a Lei

reprimirá o abuso do poder econômico que vive à dominação dos mercados à eliminação da

concorrência e no aumento arbitrário dos lucros (ADI 2054-4 – STF).

Embora critiquemos a decisão94, o STJ julgou improcedente a ADIN 2054-4, por

maioria, com votos vencidos do Presidente Marco Aurélio Mello e do Relator, Ilmar Galvão

(ACÓRDÃO DA ADI 2054-4 – STF) e o art. 99 foi declarado integralmente constitucional.

O ECAD tem sido alvo de inúmeras críticas e uma das argumentações mais

freqüentes de que se utiliza em auto-defesa é de que a instituição segue modelos

internacionalmente aceitos, adotados nos principais países membros dos acordos

internacionais sobre o direito autoral.95

Ocorre que, em todos os países da América do Sul (exceto no Brasil) e em quase

todos os países do mundo (incluindo os EUA e toda a Europa), o sistema de gestão coletiva

embora varie entre monopólios de fato ou direito, ou oligopólios e muitos se submetam às

93 ASCENSÃO, José de Oliveira. Síntese dos Trabalhos e perspectivas futuras: 4. a aplicação das regras da concorrência. Disponível em: < http://www.gpeari.pt/gda/novidades/coloquio/oliveira.html> Acesso em 11 nov. 2008.

94 KRUEL JOBIM, Alexandre. In: FÓRUM NACIONAL DE DIREITO AUTORAL, 2008, Rio de Janeiro. Seminário: a defesa do direito autoral: gestão coletiva e papel do estado: mesa nº 5: gestão coletiva e critérios de arrecadação: o ponto de vista dos usuários.

95 CONJUR. Glória Braga. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/static/text/60564,1>. Acesso em 14 nov.

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regras da concorrência (devemos ressaltar o acordo TRIPS, do qual o Brasil é signatário, que

busca trazer um maior controle dos governos sobre a atuação da indústria da propriedade

intelectual, tendo em vista sua crescente importância para o comércio internacional e,

conseqüentemente, a economia), apesar destas distinções, todos estes têm um controle externo

exercido por órgão determinado pelo governo. O Brasil é o único que não exerce qualquer

fiscalização sobre a atuação da gestão coletiva de direitos autorais, embora ela funcione sob o

regime de monopólio (de fato ou de direito).

O poder de que se revestem os órgãos de direitos autorais, tendo em vista serem

os mandatários aos quais se transfere toda a proteção comedida aos titulares, aliado ao fato de

exercerem atividade de monopólio, deveria ter como contrapartida uma supervisão externa, e

disponibilizada ao público, onde se proporcionasse a máxima justiça e transparência. Ocorre

que o Brasil recaiu numa situação de vazio legal.

Há de certa forma um consenso sobre a atuação do Estado na função de órgão de

supervisão ou fiscalização das associações de gestão coletiva de direitos autorais e do

Escritório Central. Uma das principais razões apontadas para isso é a existência de uma

atividade de monopólio, de fato ou de direito, que de outra forma poderia abrir possibilidades

a abusos e submeter os envolvidos a litígios judiciais (em razão, inclusive, da ausência de uma

instância administrativa organizada pelo órgão de fiscalização como forma de dirimir

previamente os conflitos).

ULRICH UCHTENHAGEN defende o termo “supervisão estatal” como mais

adequado que “controle”96, e entende que algumas bases que tornam de suma importância o

apoio desempenhado por órgão administrativo são – o fato de que as atividades

desempenhadas por essas associações também compreendem responsabilidades do Estado; a

relação existente entre a atividade de arrecadação e os usuários TV e Rádio, tendo em vista

que são de concessão pública; as leis de controle ao monopólio. Segue ainda o especialista

suíço ensinando que a supervisão estatal pode ser obtida se os direitos dos titulares forem

administrados corretamente, com imparcialidade e economia.

A gestão coletiva é um sistema imprescindível para a realidade massificada do

mercado dos dias atuais e tem o intuito de facilitar aos autores e outros titulares de direito o

exercício da prerrogativa que a Lei lhes assegura com relação a suas criações, bem como

defender e incentivar os interesses morais e materiais de seus associados97. Não é possível

absorver o máximo que a Lei Autoral confere, se não por meio da gestão. E como ela está 96 ULRICH UCHTENHAGEN apud AFONSO, Otávio. O estado e as associações autorais. Disponível em: <http://ocmasr.blogspot.com/2007_10_01_archive.html>

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diretamente relacionada ao incentivo à cultura, tendo em vista que para fomentar a criação é

necessário encorajar seus criadores com retribuições adequadas e justas e a responsabilidade

pela cultura é função precípua do Estado, torna-se dever deste primar pelo bom

funcionamento dos seus mecanismos. E o que encontramos no Brasil hoje é, na realidade,

uma total abstenção de responsabilidade social pública depositada nas mãos de uma iniciativa

privada detentora de super-privilégios e praticamente nenhuma limitação.

Vejamos alguns modelos de gestão coletiva em outros países como, por exemplo,

os outros integrantes da América do Sul:

Os países do Pacto Andino (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela), no

que se denominou Acordo de Cartagena, em 1993, estabeleceram várias normas em comum

para a regência da gestão coletiva de direitos autorais. As entidades de gestão necessitam de

autorização para funcionar e são inspecionadas e vigiadas pelo Estado. Essa autorização só

será concedida se presentes as condições de representatividade e idoneidade para uma

administração eficaz, além das normas relativas à participação dos autores nas decisões

societárias e as que se referem à distribuição, arrecadação e transparência de seus

procedimentos. O Estado se faz presente através das Oficinas Nacionais de Direitos Autorais,

que exercem várias funções de regulação, supervisão e controle.

No Chile, a Lei nº 17.336/70 e posteriores modificações criaram um

Departamento de Direitos Intelectuais com funções de registro e diversas normas que devem

ser obedecidas pelas “corporações de autores”. O funcionamento de cada uma das entidades

depende de autorização prévia do Ministério da Educação e dentre os requisitos iniciais estão

os relacionados à representatividade mínima de titulares chilenos e estrangeiros domiciliados

no Chile, além da comprovação de idoneidade. As autorizações podem ser revogadas pelo

Ministério da Educação.

Os países do Mercosul, com exceção do Brasil – Argentina, Paraguai e Uruguai –

adotam o regime do Domínio Público pagante. Constitui-se de uma licença em forma de

remuneração, em geral arrecadada através das sociedades de gestão e levada a um fundo de

fomento e difusão das artes, gerido pelo Estado.

Na Argentina, as sociedades de autores SADAIC, de música e ARGENTORES,

de obras dramáticas, são associações civis sem fins lucrativos, aprovadas pelo Poder

Executivo e controladas pela Inspeção Geral de Justiça e pelo Instituto de Associativismo e

97 SANTIAGO, Vanisa. Gestão coletiva: quem ganha, quem perde e qual o papel do Estado. In: SEMINÁRIO DE LANÇAMENTO DO FÓRUM NACIONAL DE DIREITO AUTORAL, 1, 2007, Rio de Janeiro, Palestra. Disponível em: <www.cultura.gov.br/blogs/direito_autoral/wp-content/uploads/2007/12/apresenta-vanisa-santiago.ppt.> Acesso em: 14 nov. 2008.

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Economia Social (INAES). Ambas são monopólios de direito, instituídos pelas Leis 17.648 e

20.115, respectivamente. A Diretoria das sociedades, é composta só por autores. Os titulares

ou seus representantes que tenham direitos patrimoniais a receber são obrigados a atuar

através destas entidades98.

No Paraguai, a Lei nº 1328/88 instituiu que as entidades de gestão terão a forma

de associações civis sem fins lucrativos e necessitam de autorização para funcionar, a ser

concedida pela Direção Nacional de Direito de Autor, que deverá fiscalizar suas atividades e

funcionar como árbitro quando houver solicitação. A Lei prevê requisitos como

representatividade, idoneidade, publicidade para as tabelas de preços e regras de distribuição

eqüitativas, que excluam arbitrariedades. As autorizações podem ser suspensas, conforme as

sanções impostas pela Lei.

No Uruguai, a Lei nº 9739/37, atualizada pela Lei nº 17.616/2003, estabelece que

a gestão coletiva será realizada por uma associação civil sem fins lucrativos, com objetivos

definidos, preços eqüitativos e regras de distribuição que não permitam arbitrariedades.

Necessita de autorização do Poder Executivo. Deve manter comunicação periódica com os

sócios e as sociedades estrangeiras sobre suas atividades e publicar seus balanços com o

parecer de auditores externos. Mantém o denominado “Conselho de Direito de Autor”, órgão

colegiado subordinado ao Ministério da Educação e Cultura que tem funções inspecionais e

fiscalizatórias da aplicação das leis autorais e também de custodiar os bens caídos em

Domínio Público, além de emitir pareceres e atuar como árbitro, se solicitado99.

Os EUA, maior e mais eficiente mercado musical do mundo e conseqüentemente

o melhor exemplo em arrecadação e distribuição, possui três entidades que formam a espinha

dorsal na gestão coletiva dos direitos autorais de execução pública. São as sociedades centrais

ASCAP, BMI e SESAC, às quais as demais sociedades têm que se afiliar. As duas primeiras

centralizam o esquema de arrecadação, que funciona desde 1897 no país, enquanto a terceira,

de natureza privada, arrecada consideravelmente menos do que elas, mas se beneficia de

fontes alternativas de coleta, como das jukeboxes (máquinas de execução musical) e as trilhas

sonoras das televisões a cabo. A ASCAP é uma entidade que realiza a arrecadação através de

uma licença única geral concedida às emissoras de rádio e TV para o uso da totalidade do

98 SANTIAGO, Vanisa. Gestão coletiva: quem ganha, quem perde e qual o papel do Estado. In: SEMINÁRIO DE LANÇAMENTO DO FÓRUM NACIONAL DE DIREITO AUTORAL, 1, 2007, Rio de Janeiro, Palestra. Disponível em: <www.cultura.gov.br/blogs/direito_autoral/wp-content/uploads/2007/12/apresenta-vanisa-santiago.ppt.> Acesso em: 14 nov. 2008.99 SANTIAGO, Vanisa. Gestão coletiva: quem ganha, quem perde e qual o papel do Estado. In: SEMINÁRIO DE LANÇAMENTO DO FÓRUM NACIONAL DE DIREITO AUTORAL, 1, 2007, Rio de Janeiro, Palestra. Disponível em: <www.cultura.gov.br/blogs/direito_autoral/wp-content/uploads/2007/12/apresenta-vanisa-santiago.ppt.> Acesso em: 14 nov. 2008.

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catálogo de artistas e obras. A base de cálculo desta licença resulta da receita bruta de cada

emissora e tem o valor aproximado de 2% desta. A BMI, sua concorrente, é de propriedade de

300 rádios dos EUA e foi criada em 1940 para incentivar e aumentar o poder de negociação

com a ASCAP e como alternativa aos que não queriam se afiliar a esta. Também baseia sua

arrecadação nas receitas brutas das rádios com o mesmo percentual aproximado de 2%. A

SESAC é a menor das três e a única instituição privada. Diferentemente das outras, ela

remunera seu número limitado de titulares com 50% dos lucros líquidos de sua operação,

além de efetuar a base de cálculo de cada pagamento com base nas chart positions, ou

posições nas paradas de sucesso100.

Não há uma fórmula pronta que possa definir o melhor modelo a ser utilizado por

um país – se de monopólio de fato, de direito, oligopólio (como nos EUA), com entidades

públicas, privadas, mistas e etc. O necessário é que seja assegurado aos autores e todos os

demais titulares a possibilidade de influírem no processo de administração dos seus direitos101.

Há que se fazer sopesamentos para equilibrar as situações de acordo com os modelos. Se há a

possibilidade de concorrência, a necessidade de fiscalização por parte do Estado é menor. Se

não há, ela se torna necessária, tendo em vista que a nenhum ente privado pode se dar poderes

de autoridade sem limitação.

Foi com a edição da CF/88 que o CNDA (órgão instituído pela Lei nº 5.988/73

como autoridade nacional de direitos autorais, mas ainda assim mantendo o caráter privado da

atividade de gestão pelas associações e o ECAD) foi desativado. Fruto do momento de

dirigismo econômico, onde o Estado-controlador promoveu cerceamento de muitos direitos

que após a nova Constituição se tornaram fundamentais, o Conselho tinha a função de

fiscalizar, regular e controlar os entes de gestão buscando coibir quaisquer atitudes que

pudessem lesar os titulares de direito e ainda agindo como órgão de consulta (que em muito

contribuiu para a Consolidação do Direito Autoral no Brasil, posto que era integrado por

autoridades no assunto) e árbitro nos conflitos entre titulares e usuários ou entre só titulares.

Enxugam-se a máquina administrativa e a ingerência do Estado nos negócios civis

pelo espírito libertador de que estava imbuída a CF/88, retornando-se a um Estado

Democrático de Direito. As associações de titulares de direito autoral se fizeram bastante

presentes na pressão sobre a elaboração de seu texto, de forma que o instituto de proteção ao

100 NEHEMIAS GUEIROS, Jr. O direito autoral no show business: tudo o que você precisa saber: volume 1: a música. 3ª edição. Rio de Janeiro: Gryphus, 2005. p. 440-442.

101 AFONSO, Otávio. O estado e as associações autorais. Disponível em: <http://ocmasr.blogspot.com/2007_10_01_archive.html>

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autor foi resguardado pela Carta Magna e o art. 5º, XVIII, instituiu que as associações

independem de autorização para serem criadas e que ficava vedada a interferência estatal no

seu funcionamento, o que se utiliza a todo momento como defesa contra a fiscalização dos

entes autorais pelo Estado.

Defende OTÁVIO AFONSO que a Lei nº 9.610/98 é tímida na instituição da

gestão coletiva e silente no que concerne à sua supervisão pela administração, ou seja, pelo

Poder Executivo, e o é porque foi elaborada pelo Legislativo e a responsabilidade

administrativa do Executivo é uma prerrogativa do Presidente da República, como dispõe a

Carta Magna102. Concordamos veementemente com o ator quando ele obtempera ser

realmente difícil entendermos que ainda que com a existência de um monopólio legal (art. 99

da Lei nº 9.610/98) o Estado não tenha se feito presente no efetivo acompanhamento de

questões que são de sua responsabilidade.

E não há que se justificar a ausência da ingerência pública em razão do caráter

privado das instituições. Se assim o fosse, o que diríamos dos consórcios (que também são de

cunho privado), e nem por isso o BACEN se abstém de realizar a fiscalização? E as empresas

de telefonia (privadas), reguladas pela ANATEL? E as empresas de ônibus, as

concessionárias de METRÔ e todas as demais instituições privadas que exploram o transporte

público? E a garantia e fomento à cultura, não são obrigações do Estado, dispostas na

Constituição? Haverá alguma dúvida de que as instituições de gestão coletiva são entidades

privadas no cumprimento de função pública e, por isso, é absurdo que não possuam um

órgão de supervisão?

Outra questão lacunosa no sistema autoral em virtude da ausência de

regulamentação a respeito do que já comentamos é a inexistência de uma instância

administrativa especial de conciliação, um juízo arbitral, que existia no antigo CNDA e

dirimia conflitos diversos, contribuindo para desafogar um judiciário que hoje é

sobrecarregado de litígios protagonizados pelo ECAD. O Conselho resolvia dissídios entre

titulares, associações e usuários e suas inter-relações, estabelecendo soluções para

divergências entre a definição de preços das cobranças e muitos outros, e fornecia laudos que

muitas das vezes instruíam os juízes da instância judicial (caso não se resolvesse naquele

juízo arbitral), colaborando para a celeridade e elucidação das demandas.

Isto sem mencionar o Fundo de Direito Autoral que, à época em que vigorava,

muito contribuiu para o fomento da cultura e incentivo a novos artistas, cedendo bolsas de 102 AFONSO, Otávio. O estado e as associações autorais. Disponível em: <http://ocmasr.blogspot.com/2007_10_01_archive.html>

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estudos, promovendo cursos, realizando consórcios com a iniciativa privada e ainda

auxiliando instituições sociais ligadas às associações de gestão.

Não é porque são entidades privadas que o Estado não deve fiscalizar, pois como

já vimos, há variados exemplos que se aplicam à situação sem que isto configure qualquer

afronta à Constituição, pois a hermenêutica deve ser utilizada conforme a Carta Magna e seus

princípios norteadores. E no caso, muito mais importante se faz a proteção ao instituto do

direito autoral cada vez mais presente neste mundo tecnológico, mas ainda carente de

divulgação, que não pode ser abandonado à arbitrariedade como se deu em razão da nova

LDA, que evoluiu em alguns aspectos importantes, mas permitiu-se um grande retrocesso

numa questão que prejudica o funcionamento de todo o sistema. Afinal, o direito autoral no

mundo de hoje é inevitavelmente um sistema de gestão coletiva.

4.5.5 O FENÔMENO DOS ARTISTAS INDEPENDENTES

A proximidade com o novo milênio foi caracterizada por uma série de

modificações na indústria musical. As novas tecnologias tornaram obsoletas antigas formas de

uso da música. O computador com seus programas profissionais de gravação e edição de

áudio cada vez mais acessíveis e a Internet com a sua infinidade de compartilhamento de

qualquer conteúdo de dados, entre outros, causaram uma revolução no meio, com grandes

conseqüências. As vendas de fonogramas caíram vertiginosamente, por dois motivos básicos

– a pirataria e a hiper-democratização nas redes virtuais de computadores. Resistentes à

adaptação com a nova realidade, demorando muito a tomar providências, as grandes

gravadoras começaram a quebrar. Inicialmente baseando a maior parte de seus lucros na

venda de CD’s, cassetes, LP’s e DVD’s, essas empresas foram obrigadas a modificar suas

estratégias sob pena de falir por completo.

Adequando-se à realidade do mercado, as gravadoras começaram a adotar formas

de auferir lucros através de, primeiro, redução de gastos, o que ocasionou uma diminuição na

contratação de novos artistas e no corte de verbas para muitos já presentes em seu cast, e

segundo, explorar os meios digitais de uso musical, tanto pela Internet quanto através de

download de músicas pelo celular e, por último, estabelecer participação nos direitos autorais

através de contratos de edição (muitas gravadoras já possuíam suas próprias editoras ou

criaram, com vistas a aumentar os ganhos) e participação nos percentuais de vendas de shows,

coisa anteriormente restrita ao empresário que na maioria das vezes não possuía relação

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prévia com a instituição – e com isto a gravadora também iniciou um processo de otimização

de gastos e ganhos, impondo aos novos contratados um empresário da própria companhia.

Nesse meio de revolução tecnológica e quebra das gravadoras, um fenômeno

impressionante e avassalador começou a tomar forma no cenário – o surgimento massificado

dos chamados “artistas independentes”.

Verdade seja dita, o músico independente (aquele não-contratado por alguma

gravadora ou instituição que nele invista dinheiro e promova seu nome de maneira eficiente)

sempre existiu, afinal sempre foi muito maior o número de anônimos que os famosos. Ocorre

que não há grau de comparação em função da magnitude que tomou nos dias atuais. O

barateamento de equipamentos e softwares de gravação (em virtude da globalização), aliado

ao surgimento acelerado de sites de relacionamento e divulgação gratuita, como MySpace,

Tramavirtual, Orkut, entre tantos outros, tornou extremamente fácil o contato do artista com

uma audiência (mundial) que, outrora, jamais ousaria atingir. A gravação (em qualidade

profissional) de músicas a preços que anteriormente só poderiam ser pagos por gravadoras ou

artistas com muito dinheiro passou a ser acessível a praticamente qualquer classe econômica.

Para termos uma idéia, um fonograma que custaria 100 mil dólares no início dos anos 90, hoje

não demandaria gasto maior que 10 mil reais.

A questão é que houve uma facilitação enorme a todo tipo de artista musical (e ao

não musical também) para ser visto por alguém. Se hoje não existem mais aqueles conhecidos

até o início dos anos 90 como “caça-talentos”, que compareciam com freqüência aos saraus

universitários e fechavam contratos milionários com artistas recém-conhecidos, ao menos

restou um espaço muito mais democrático a todos aqueles artistas menos ou mais talentosos,

que de outra forma estariam fadados a se apresentar para os seus próprios condomínios.

Mas isto também ocasionou um sério problema, a partir do momento em que, por

lei de mercado, todo produto cuja oferta é demasiada, acaba sobrando, ou desvalorizado – ou

os dois. São dezenas de milhões de artistas independentes em todo o mundo que

disponibilizam suas obras na Internet. O excesso de informação alimenta a impaciência do

ouvinte, que acaba por colocar os artistas todos num mesmo patamar – o de “anônimos da

Internet”. Sobre isso um menino de 15 anos, estudante dos EUA, respondeu a uma pesquisa

de foco da agência internacional IFPI, em julho de 2007: “A única coisa ruim sobre o

MySpace é que existem 100.000 bandas e nenhuma filtragem. Eu tento encontrar as bandas

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que eu possa gostar, mas com freqüência eu simplesmente me canso de procurar. (tradução

nossa)”103.

De fato, há mais de 10 milhões de artistas cadastrados somente no MySpace. A

conclusão a que chegamos é que hoje, gravar e mostrar músicas é muito mais fácil para um

artista, mas é muito mais difícil atingir o mercado. O percentual dos que iniciam carreira e

atingem o sucesso é infinitamente menor do que outrora (até porque, por um lado havia

menos oferta de artistas e por outro, mais contratações por parte das gravadoras).

Dificuldades de se alcançar o estrelato à parte, da mesma forma que entre esses

milhões de músicos há uma soma enorme de artistas “sem potencial para o mercado”, uma

outra parcela muito menor, mas considerável (e avassaladora, se comparada ao número de

artistas que ocupam posições de sucesso), é composta de verdadeiros fenômenos que,

certamente, poder-se-iam constituir em novos “Joãos Boscos”, “Renatos Russos” e

“Djavans”. Músicos que têm absoluta dificuldade em conseguir seu espaço no mercado por

motivos que vão desde o ceticismo do público, até as compras imorais de espaço radiofônico

e televisivo, sobre a qual falaremos mais tarde. Da mesma forma que alguns artistas

consagrados e, certamente, muito mais do que muitas outras “estrelas”, esses criadores têm a

arte como vocação maior, vivem e respiram música e tecem enorme valor subjetivo ao que

fazem, que sem dúvida está cheio de intrínseco valor. Mais especificamente no que diz

respeito ao Brasil, são muitos milhares de representantes de uma cultura rica e pulsante,

legítimos canalizadores de uma arte tão grandiosa que, diferentemente do que muitos dizem,

não está decadente – muito pelo contrário. Ocorre que, devido a muitos fatores que se

relacionam a uma capacidade mesquinha do homem de materialismo, esta pérola se esconde,

a cada dia, atrás dos nossos ouvidos.

Artistas independentes que vivem de música, e são obrigados a se submeterem às

regras de mercado para permanecer de pé.

Neste ponto, começamos uma avaliação crítica de como este fenômeno do artista

independente se relaciona com o direito autoral.

O músico independente profissional utiliza muito a Internet como veículo de

divulgação (e um dos únicos, pois normalmente não tem recursos para fazer a distribuição

nacional de seu disco, pagar outdoors, lambe-lambe, jabá, etc.) principalmente em função do

baixo custo, mas não se limita a ela. Antes de mais nada, ele faz shows – e eles são muitos.

Não há muita diferença entre a carga de apresentações de um artista famoso e um músico 103 IFPI. Satistics: music market statistics. Disponível em: < http://www.ifpi.org/content/section_statistics/index.html>. Acesso em 14 nov. 2008.

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independente muito ativo. Ocorre que, como anteriormente mencionado, e principalmente

quando se trata de um artista-compositor, que expõe suas próprias músicas (desconhecidas do

mainstream), a dificuldade no mercado é muito grande e não é diferente na questão de lugares

para se apresentar. Em muitas cidades do Brasil, que não incentivam sua produção autoral

independente (como, por exemplo, a cidade do Rio de Janeiro) o músico é obrigado a se

sujeitar a situações vexatórias e desrespeitosas por parte de pseudo-produtores culturais e

donos de casas noturnas, havendo uma inversão de valores – o músico, cujo trabalho é a arte,

e a expõe beneficiando o estabelecimento onde se apresenta, é muitas vezes levado a garantir

rendas mínimas de bilheteria para a casa contratante (que deveria ser a maior responsável por

trazer público), cobrindo o prejuízo do seu próprio bolso quando o mínimo não for atingido.

Muitos não sabem, mas a maioria das casas noturnas do Brasil assim procede – não pagam

cachê e estipulam uma renda de risco, ou, nas melhores hipóteses, cede um percentual de cada

ingresso vendido (na maioria das vezes, a preço irrisório) ao artista, em dias de pouquíssimo

(ou nenhum) movimento. Esta é a situação do mercado de shows do músico independente que

toca músicas autorais. Aqueles donos de casas noturnas e pseudo-produtores se aproveitam do

fenômeno de massificação dos artistas independentes (na maioria das vezes uma mão-de-obra

barata que, por falta de experiência, cede em troca de migalhas) para reverterem o ônus que

teriam em noites de “prejuízo provável”, para um “lucro possível”, às custas desses artistas.

E por que é tão importante avaliarmos a situação fática exposta? Porque o direito

autoral, quando se refere ao direito patrimonial que possuem os titulares de receberem pela

execução pública de suas obras artísticas, surge como um punho forte regrador de algumas

das desigualdades expostas anteriormente. Porque a Lei Autoral não estabelece qualquer

distinção entre o artista revestido de aparatos institucionais que o possibilitem a exploração

econômica viável de sua profissão e aquele menos favorecido, tão grandioso em sua criação

quanto o outro, mas desguarnecido dos fatores materiais que fazem diferença no mercado. A

Lei estabelece que tanto um quanto o outro têm os mesmos direitos de receber pela utilização,

porque o que ela busca proteger é o aspecto mais íntimo da atividade da criação e, na Lei, a

arte não tem medida.

A Lei serve de um certo consolo para aqueles autores-compositores que se

aventuram, corajosos, em mostrar suas próprias obras e não receber um cachê ou pior, pagar

para tocar. E serve de consolo porque, bem ou mal, muito ou pouco, o artista associado a uma

entidade de gestão coletiva irá ver a retribuição de direitos autorais ser arrecadada pelo ECAD

justo à instituição e, após, distribuída de forma justa a ele pelos shows que realizou. Não

pagam ao artista para tocar, mas o direito autoral é um agente silencioso que lhe garantirá ao

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menos um mínimo, protegendo este autor, legítimo integrante da força da cultura e do próprio

sentido que busca a Lei, das arbitrariedades causadas pelos que desmerecem os artistas.

Mas tal expectativa se configura em amarga ilusão mais uma vez demonstrada

pela cruel e injusta distorção causada pela realidade do inadequado sistema de gestão coletiva

do direito autoral brasileiro.

Como aqui dissemos, esses artistas fazem muitos shows, e na maioria das vezes

em casas noturnas (com alguma estrutura de palco e disposição montada para a realização de

um show), em dias que não possuam tanto movimento (terças, quartas, quintas e domingos –

e às vezes, até segundas, mas quase nunca sextas ou sábados). Essas instituições quase sempre

são estabelecimentos adimplentes, ou seja, que realizam o pagamento de direitos autorais

junto ao ECAD. Ocorre que de acordo com as regras do próprio Escritório Central, estas casas

são consideradas “usuários de música ao vivo” e pagam um valor mensal fixo, o que quer

dizer que qualquer utilização musical efetuada pela casa é considerada música ambiente, tanto

faz se for um CD executado, um DJ tocando um set de músicas de boate, ou uma banda

fazendo um “show”, de músicas autorais, com público próprio presente para assisti-lo. A

utilização cai num lugar comum e, o pior, a distribuição é feita a título de amostragem...

Pois vejamos bem, esse músico-autor de que tanto falamos está realizando um

show próprio, a toda apresentação, e não executando músicas como um DJ – que recebe,

SEMPRE, cachê para tocar – ou um fonograma que é executado fria e

computadorizadamente para preencher o espaço sonoro e “quebrar o gelo”. Não, a situação se

mostra totalmente diferente a partir do momento em que o foco não está no ambiente, no

estabelecimento, mas sim no artista, no show. E esta é uma realidade de todo o país. O

músico independente, por não ser revestido da estrutura material daqueles contratados por

gravadoras, QUASE NUNCA faz os seus shows nos estabelecimentos considerados pelo

ECAD como locais de eventos e shows. É fácil raciocinarmos que o artista em questão não se

apresentará a todo momento em “Praças da Apoteose”, “Canecões” ou “Circos Voadores”, e

ainda assim, ele tem tanto direito de receber a remuneração pela sua interpretação quanto o

famoso, obviamente adequando-se o montante de acordo com a renda do evento, mas o direito

é o mesmo, porque a Lei não o diferenciou – MAS O ECAD SIM.

E resta, ainda, a pior questão quanto a esta distribuição por amostragem de

arrecadação efetuada em casa noturna. O ECAD elabora (é o que diz) planilha de

planejamento de gravação de repertório destes estabelecimentos, de forma similar ao que faz

nas rádios. Só que, após contatos telefônicos com a instituição, descobrimos que o bureau

elabora o planejamento e não divulga a ninguém, nem mesmo às associações, que são

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teoricamente as fiéis representantes dos titulares e integram o Escritório. E o pior, efetuam

uma única visitação mensal às casas nas quais realizam gravação do repertório executado e,

feito isto, promovem a distribuição dos 75% do montante (deduzidos os 25% do ECAD e

associações) arrecadado (do mês inteiro, já que o valor é mensal e fixo) aos artistas

executados SOMENTE NAQUELA NOITE!

O que isto quer dizer? Vamos supor que a casa noturna pague o valor de R$

3.000,00 (três mil reais) mensais ao ECAD, a título de direitos autorais, na posição de casa

usuária de música ao vivo. Agora imaginemos que uma banda autoral independente realizou 5

shows nesta casa, durante um mês inteiro, em quatro domingos e numa terça-feira. Num outro

dia do mesmo mês, sábado, um DJ foi contratado para tocar músicas de boate (só de artistas

famosos). O ECAD decidiu visitar a casa noturna naquele sábado do DJ, gravou um repertório

de 10 músicas (porque eles não gravam todas) e constatou que foram executadas canções de 5

artistas (duas de cada). Pela amostragem do ECAD, 20% das músicas tocadas NO MÊS

INTEIRO naquela casa pertenciam a cada um dos 5 artistas que ele gravou, o que significa

que cada um deles receberá 450 reais, enquanto que todos os outros executados nos outros 29

dias não receberão NADA, inclusive a banda que tocou mais de uma vez por semana músicas

suas, mas “não deu sorte”.

Caso interessante teve evento com o grupo de música autoral “Menino Prodígio”,

banda de rock atuante no cenário independente como tantas outras e já acostumada à triste

realidade da gestão coletiva como se dá no país, o que só contribui com o desestímulo às

novas produções culturais. Tendo realizado 56 shows no período de 14 meses (uma boa média

para o cenário carioca), sendo que a contagem desse tempo se iniciou a partir do ingresso de

seus integrantes à associação de direitos autorais ABRAMUS, eles contabilizam a

arrecadação resultante do recolhimento de direitos autorais: R$ 201,92 (duzentos e um reais e

noventa e dois centavos), ou R$ 50,48 (cinqüenta reais e quarenta e oito centavos) na conta-

corrente de cada um dos quatro. Mas que não se interprete equivocadamente, pois o valor,

ainda que baixo, foi fruto de um único show – justo o primeiro, desde o momento em que se

associaram. Nenhum dos outros 55 shows, isso sem contar a participação também sem retorno

econômico em rádios adimplentes e um programa da TV Brasil (antiga TVE), trouxe qualquer

remuneração. De acordo com um dos integrantes, a casa que propiciou o único recolhimento

não era mensalista (e nem adimplente) e o show foi realizado numa sexta-feira, dia de

movimento104:

104 PRODÍGIO, Menino. Entrevista realizada no mês de Julho de 2008. Rio de Janeiro.

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O fiscal do ECAD bateu lá e perguntou sobre o repertório. Eram três bandas, mas só a nossa era associada. Ele disse que a casa não tinha feito recolhimento de direito autoral e que o responsável pelo local teria que pagar uma multa. Como o produtor de fato do lugar era um caloteiro e ainda chegou a dizer anteriormente que nós é que teríamos que pagar ao ECAD pra liberar a execução – de nossas próprias músicas – acabou que ele nem estava por lá na hora do show. O produtor de uma das outras duas bandas se apresentou como responsável e pagou em dinheiro (GRIFO NOSSO) pro fiscal algo em torno de 400 reais. Ou seja, acabou que quem tinha que receber terminou pagando. E como a gente não sabia direito o que estava acontecendo, nem teve como intervir. O cara gravou umas 4 músicas nossas e foi embora. Quinze dias depois tinha 50 reais na conta de cada um. A gente até pensou na época – ‘pô [sic], se for assim dá até pra ganhar um dinheirinho justo por direito autoral!’ Um ano e meio depois e não vimos mais nenhum centavo, e olha que sempre mandamos agenda de shows pra ABRAMUS. Não dava pra entender, até saber dessa história da amostragem. Alguma coisa tinha que estar errada, né? E olha só – estava mesmo. Essa história de direito autoral pra artista independente, banda de rock, meu amigo, não funciona não.

Este é um relato importante de informações valiosas (e desanimadoras) a respeito

da forma de atuação do ECAD no sistema de gestão brasileiro. Situações semelhantes

ocorrem corriqueiramente e fica evidente que tanto o Estado, quanto os organismos privados

de gestão não têm consciência da verdadeira situação musical brasileira, que é esta dos

bastidores de artistas sem apoio e explorados a todo tempo por supostos profissionais da

cultura sem escrúpulos. A realidade do mundo de sucesso é falsa, tendo em vista que, embora

movimente milhões, fala de uma parcela ínfima dos personagens que sobrevivem da música,

que fala muito mais de um mercado empresário do que verdadeiramente musical.

É de ressaltar o comentário citado sobre o recebimento de quantia em dinheiro

pelo fiscal do ECAD, atitude flagrantemente ilegal (conforme o art. 99 da LDA em seus §s 3º,

4º e 5º), mas bastante relatada nos também já citados bastidores da música.

Como se não bastasse, a Sra. Superintendente do ECAD, Dra. GLÓRIA BRAGA,

tem, reiteradas vezes, em defesa às críticas relativas ao critério de amostragem, assegurado

que o tal sistema seguido pelo ECAD é adequado e segue os padrões internacionalmente

estabelecidos, além de respeitar às regras de estatística105. Com a devida venia, sabemos que o

critério utilizado é deficiente, assim como concordam muitos autores106 107 108, e já

demonstramos alguns números que o comprovam, como ainda exporemos outros. Ainda que

teoricamente padrão internacional, o acompanhamento por amostragem feito pelo ECAD não 105 CONJUR. Glória Braga. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/static/text/60564,1>. Acesso em 14 nov. 106 NEHEMIAS GUEIROS, Jr. O direito autoral no show business: tudo o que você precisa saber: volume 1: a música. 3ª edição. Rio de Janeiro: Gryphus, 2005. p. 435-437.107 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição, fef. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.108 AFONSO, Otávio. O estado e as associações autorais. Disponível em: <http://ocmasr.blogspot.com/2007_10_01_archive.html>

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funciona como deveria no Brasil por alguns motivos os quais, I – o Escritório não possui a

devida tecnologia para um acompanhamento satisfatório das execuções109, II – Não realiza

uma amostragem com valores mínimos razoáveis. Quanto a esta última façamos um teste

simplificado, por conta matemática:

O Brasil possui hoje, exatamente, 2.538 rádios adimplentes que realizam mais de

13 milhões de execuções mensais, e o ECAD realiza uma gravação total de 200 mil execuções

por mês. Agora dividamos o número de execuções pelo de rádios. Arredondando, são em

média 5 mil execuções por rádio, mensais. Agora dividamos o número de gravações por essa

média, e temos 40 gravações por rádio mensais, o que significa aproximadamente 1,5 (uma

gravação e meia diária por rádio).

Embora seja uma conta bastante simplificada, ela traz a realidade da ineficiência

dessa amostragem realizada no Brasil, principalmente porque, ainda se considerarmos que

estes números não podem ser reduzidos a uma média, tendo em vista que há rádios que

executam mais do que as outras, podemos levar então a um limite – imagine-se que algumas

das rádios tenham 40 músicas gravadas por dia. Imaginemos quanto teria de se diminuir nas

gravações às outras rádios para não alterarmos o número de 200 mil (lembremos que a média

aritmética, que representa uma divisão perfeita entre todas elas, foi de 1,5 por rádio).

Teríamos rádios com várias gravações ao dia, mas muitas outras com gravações de uma

música por quinzena, ou mesmo por mês. E de fato é isto mesmo o que acontece, pelo que se

pode auferir de rápidas contas matemáticas sem o risco de equívoco. E continuemos, ainda,

imaginando que uma rádio tivesse uma quantidade relativamente grande de 48 gravações por

dia – isso corresponderia à captação de 2 (duas) músicas POR HORA. Se pensarmos que

uma música radiofônica tem em média 4 (quatro) minutos, deduzamos a quantidade de

músicas que ficarão sem gravação... São pilhas de obras musicais sem o devido

acompanhamento e portanto, sem a possibilidade de fornecer os devidos direitos patrimoniais

aos seus titulares legítimos.

Ainda em defesa dos padrões de amostragem, a superintendente do bureau

argumenta que, se o modelo não fosse válido, não poderiam se sustentar quaisquer pesquisas

por amostragem como as de opção de candidato para eleições políticas no Brasil. Ocorre que

o argumento não é valido porque, primeiro – já se comprovou que este tipo de pesquisa tem

possibilidades de falha a um nível consideravelmente maior do que a sua margem de erro de

dois pontos percentuais como, por exemplo, pudemos observar no primeiro turno das eleições 109 NEHEMIAS GUEIROS, Jr. O direito autoral no show business: tudo o que você precisa saber: volume 1: a música. 3ª edição. Rio de Janeiro: Gryphus, 2005. p. 436.

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municipais de 2008 no Rio de Janeiro, onde o então candidato Marcelo Crivella encontrava-se

um pouco à frente do então candidato Fernando Gabeira de acordo com as pesquisas de

opinião e, após as eleições de 1º turno, contabilizou-se uma vantagem considerável do

segundo sobre o primeiro, contrariando bastante as estatísticas; e segundo – a “pesquisa” em

questão é completamente diferente porque não se trata da análise de um grupo de pessoas

consideradas unidades comuns com a faculdade de optar entre uns pouco candidatos distintos.

Trata-se de uma investigação sobre um contingente de quase 1 milhão de obras totalmente

diferentes entre si e mais de 228 mil titulares se fazendo presentes numa possibilidade de

2.538 rádios. A pesquisa não deveria buscar descobrir os artistas estatisticamente mais

tocados do Brasil de forma que estes tomem posse das quantias de distribuição em níveis

quase integrais, mas sim buscar descobrir quantos e quais artistas efetivamente são executados

e em qual percentual em relação ao todo. Aí sim seria possível uma distribuição justa. Oras, se

é possível considerar que o método seja adequado, se admitiria então como justa a

distribuição de direitos autorais de execução radiofônica a uma parcela ínfima da totalidade de

artistas, composta por algumas dezenas de titulares que ocupam, muitas vezes em virtude da

criação de cartéis formados pelo pagamento do jabá, as primeiras posições das paradas de

sucesso do país, enquanto o restante pouco ou nada recebe porque, é tão exígua a quantidade

de gravações feita pelo ECAD, que somente aqueles que tocam muito, repetidas vezes ao dia,

serão captados na filtragem. É uma questão de lógica. E que não se critique como elaboração

de meras conjecturas a nossa atitude, já que a lógica torna-se a única aliada a partir do

momento em que o ECAD se nega a disponibilizar suas planilhas de gravação. Ou seja,

diferentemente do que sustenta o órgão, não atua com transparência numa quantidade

razoável de trâmites de sua gestão e age arbitrariamente, podendo adequar suas agendas de

captação de execuções ao que melhor lhes atenda o interesse.

O método de aferição por amostragem, portanto, é injusto, insuficiente e

desproporcional, a partir do momento em que beneficia os que já muito têm e torna

efetivamente inatingíveis os direitos dos que quase não possuem, tendo em vista que, por

exemplo, um artista que toque uma só vez por semana numa rádio de grande audiência não

terá praticamente chance alguma de receber direitos autorais de execução, e se fizéssemos a

divisão proporcional desta sua participação com relação ao montante arrecadado da emissora,

teríamos um valor que não se mostra muito grande, mas que na maioria das vezes faz muita

diferença para esse autor. Algumas poucas centenas de reais não influenciam os montantes

dos que ganham mensalmente dezenas de milhares, mas pratica total relevância para os que

quase nada (ou nada) auferem. Só que essas “migalhas” não contabilizadas pelo ECAD em

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seu sistema ineficiente vão as poucos se aglutinando às já generosas contas dos titulares mais

arrecadadores, que acabam realmente por receber valores estratosféricos.

Iremos expor agora mais um caso de desproporção causado pelo sistema, a título

de ilustração.

Como informa o Escritório Central, os usuários de TV que estão entre as

principais emissoras do país (no caso em questão, a TV Globo) são classificados na categoria

de usuários que permitem proporcionar uma distribuição direta, já que possuem padrões

mundiais de tecnologia, enviam planilhas prontas e padronizadas, com a minutagem

(contagem de tempo em segundos) de todas as obras executadas em sua programação. Ou

seja, pelo que informa o bureau, não importa o horário de execução, a data, ou o programa

exibido, mas tão-somente a sua extensão temporal. A distribuição é direta, não há

amostragem.

Pois bem, o baixista e músico profissional Raphael Piquet, coincidentemente hoje

um dos integrantes do artista “Menino Prodígio”, era um dos artistas-compositores de banda

de reggae relativamente famosa nos anos 80. Esta mesma teve uma de suas músicas

executadas no reality show “Big Brother Brasil”, exibido pela TV Globo, no ano de 2005,

pelo tempo de 7 segundos. Os integrantes receberam a distribuição dos direitos autorais e o

citado música auferiu, na ocasião, a quantia de R$ 76,00 (setenta e seis reais) depositado em

conta por sua associação.

O ator da TV Globo Thiago Fragoso, que há poucos anos também atuou como

artista-compositor e cantor de banda de pop rock autoral independente que teve uma atividade

curta, mas considerável no mercado musical, executou com os então integrantes uma música

autoral na novela das 20h, “O Clone”, pelo período de 5 segundos. Os integrantes receberam a

distribuição dos direitos autorais e o citado ator auferiu, na ocasião, a quantia de R$ 0,45

(quarenta e cinco centavos).

A banda de reggae possuía contrato com editora vinculada a uma grande

gravadora, e a banda de pop rock era independente110 111.

É pelo apresentado que temos convicta a existência de desrespeito ao máximo

preceito constitucional, qual seja, o Princípio da Igualdade. O Estado, no dever de promover o

fomento e o direito de acesso à cultura (arts. 215 e 216 da CF/88) é o responsável por proteger

os seus agentes fundamentais, de forma a incentivar a criação do espírito humano, que é

essência da evolução da humanidade. A Lei nº 9.610/98 não diferenciou os titulares de

110 PRODÍGIO, Menino. Entrevista: raphael piquet. Rio de Janeiro, 2008. 111 GAIA, Poesia de. Entrevista: thiago fragoso. Rio de Janeiro, 2008.

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direitos autorais musicais, estabelecendo as mesmas prerrogativas independentemente de suas

situações econômico-institucionais. Ocorre que é função do Estado, por atenção ao preceito

constitucional, estabelecer a igualdade formal (ou de direito) e buscar a igualdade material (ou

de fato) oferecendo tratamento desigual nos casos que se configuram desiguais em função da

situação social distinta112. Tendo em vista que as liberdades materiais objetivam a igualdade

de condições sociais, meta a ser alcançada, “não só por meio de leis, mas também pela

aplicação de políticas ou programas de ação estatal”113, não pode o poder público abster-se de

atuação, pois configura-se flagrante a situação desfavorecedora do conjunto desses citados e

muito numerosos músicos independentes, eivados de enorme talento e representantes

legítimos da cultura nacional. Não têm formas de concorrer contra a indústria musical imposta

pelo poder econômico de cartéis de empresários, que dia e noite esvaziam qualquer valor da

arte e verdadeira expressão de um povo em troca de somas astronômicas pela massificação de

produtos forjados e com apoio de uma mídia ditatorial – “ditada” pelos que pagam mais.

O Estado deve estabelecer medidas que transformem a indústria musical num

mercado justo, proporcional e por isso percebemos a necessidade e urgência no

estabelecimento de um órgão fiscalizador do direito autoral no país, instituído por esse poder

público que, ele sim, embora eivado de muitas contradições e erros, é o legítimo representante

dos titulares de direitos autorais, possui verdadeiro interesse no estabelecimento de um

sistema que fomente atividade criativa, contribuindo para a evolução da sociedade num

Estado Democrático de Direito em que as liberdades são garantidas, mas as arbitrariedades

são abominadas. No que tange o sistema de gestão coletiva de direitos autorais brasileiro, são

muitos os que se beneficiam das prerrogativas concedidas por práticas escorreitas de

imposição de cultura vazia, inescrupulosamente comprada e vendida, contribuindo no

afastamento irrefreável entre os que não têm apoio e os que são intocáveis. Porque é como em

canção imortal já anunciava (o também artista) Chico Science: “A cidade não pára, a cidade

só cresce, o de cima sobe e o debaixo desce...”

112 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11ª edição. São Paulo: Atlas, 2002. p. 64.113 COMPARATO, Fábio Konder. Direito Público: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 59.

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5 COMENTÁRIOS SOBRE O JABÁ

Quanto a este tema nos desculpamos, desde logo, ante a necessidade de

utilizarmos um termo que, embora muito conhecido no linguajar popular, não é certamente

uma expressão técnica. Ocorre que, em virtude da falta de estudos sérios a seu respeito, não

há correspondente adequado que seria de melhor utilização na terminologia jurídica.

Muitas lendas e mitos são contados, freqüentemente, pelo público leigo (ou quase)

a respeito de uma prática polêmica, imoral e perturbadora, bem conhecida por todos pelo

nome de “Jabá” (ou “Jabaculê”). Muito se fala e, na verdade, pouco se sabe, porque na teoria

essa atividade não existe – esconde-se a sete chaves nas redes das grandes empresas

fonográficas e sua menção é proibida e pode ocasionar sérias conseqüências.

O jabá consiste numa atividade absolutamente imoral, desleal e totalmente

desfavorável às leis de livre competição no mercado. Constitui-se de um suborno, em que

representantes de gravadoras pagam aos agentes divulgadores das emissoras de rádio e TV,

seja em espécie, mercadorias, serviços, favores ou até contratos de trabalho, para que

executem as músicas de seus artistas nesses veículos. Efetuam pagamentos acordados

previamente, normalmente somas absurdas impostas pelos diretores, presidentes ou

apresentadores das mídias de divulgação, com vistas a promover a massificação de seus

“produtos” e, com isto, atingir âmbito nacional em curto espaço de tempo e acarretar lucros

(após a recuperação do investimento inicial) pela conseqüente venda de discos e itens

promocionais do artista, além de shows.

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O jabá é um truque fácil, rápido e inescrupuloso, pelo qual um divulgador

(instruído pela diretoria da gravadora a fazê-lo) do artista insere produto musical de, na

maioria das vezes, baixa qualidade, dentro do mercado e efetua repetição de execuções a

números massacrantes, sem cessar, impondo de maneira artificial a familiarização e

memorização da música pelos ouvintes. Não raras são as vezes em que nos flagramos

cantarolando um trecho de música de que não necessariamente gostamos, mas que de tanto

tocar nas emissoras “não sai de nossa cabeça”. Este é um exemplo clássico de jabá114.

A questão é que este fenômeno, presente no mercado musical brasileiro desde

sempre, começou a se institucionalizar por volta dos anos 70, tornando-se fruto de uma

chantagem promovida por um cartel de disc-jockeys que se julgam merecedores de uma justa

retribuição “por fora” em função da importância de seus papéis como divulgadores. Ocorre

que as emissoras de rádio são concessionárias de serviço público (assim como as de TV), em

função de sua importância no papel da comunicação social e cultura, responsabilidades do

Estado. Estes agentes, personagens do cenário “jabazeiro” do Brasil, contribuem imoralmente

para uma completa distorção na promoção do bem cultural musical brasileiro. É porque a

cultura, após o início das compras de grandes gravadoras por grandes acionistas de Wall

Street, nos anos 80, foi completamente sobrepujada a elementos de massa, de lucro, de

exploração econômica. As pressões sobre a necessidade de lucro imediato surgiram, se

multiplicaram e deram o pressuposto necessário para que a indústria do jabá tomasse a

proporção que hoje assume, transformando irresistivelmente o mercado num ser neurótico e

superficial, onde a única preocupação é com o lucro.

A verdadeira cultura brasileira, então, ficou prejudicada. Não é raro ouvirmos

hoje, das mais variadas vertentes, que a música brasileira está em decadência. Isto não se

configura verdade. A criatividade do país talvez nunca tenha sido de tanta riqueza, variedade

e multiplicidade quanto agora. Inúmeros artistas com dificuldades enormes de se estabelecer

no mercado (pela impossibilidade de concorrerem com a realidade que o jabá criou)

produzem, a todo momento, novas obras-primas da cultura nacional, inspiradas pela

infinidade de informações culturais a que têm acesso, no mundo todo.

Mas estes artistas não têm como se estabelecer. Não têm espaço no mercado, ou

dinheiro para estarem aptos a concorrer com a indústria musical formada de cartéis. A música

que está decadente, na realidade, que não representa o legítimo clamor cultural de um povo e

que marginaliza o verdadeiro criador musical de qualidade, hoje representado na figura do 114 NEHEMIAS GUEIROS, Jr. O direito autoral no show business: tudo o que você precisa saber: volume 1: a música. 3ª edição. Rio de Janeiro: Gryphus, 2005. p. 357.

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artista independente, essa música que não presta é aquela insistentemente tocada em rádios,

TVs, bares, boates, restaurantes e etc. É essa música da indústria do lucro sobre o produto

musical forjado, amparada no jabá.

E esta distorção que, de antemão já promove a destruição da identidade cultural de

um povo (pelo constante desestímulo às criações espontâneas, ante a deslealdade da

concorrência), fica tão pior quanto essa institucionalização da imoralidade recai sobre o

sistema de gestão coletiva dos direitos autorais. Pois bem, hoje é obrigatório nesse criticável

mercado que todo artista tenha que pagar para ter sua obra executada nas emissoras de rádio

de forma satisfatória e se firmar, com raríssimas e honrosas exceções. Como as emissoras de

radiodifusão impõem a retribuição e as empresas fonográficas não possuem o interesse ou

mesmo a organização institucional suficiente para se unirem e acabarem com a prática, o

modelo segue só ganhando força. E já que as rádios impõem o pagamento a preços que só as

gravadoras podem pagar, os artistas vinculados a elas acabam por serem os únicos com

potencial para adentrar nas posições de sucesso (devido à compra das execuções) e, por isso,

conseguir arrecadar os frutos de seus direitos patrimoniais, muitas vezes em grandes somas. O

artista beneficiado pelo aparato institucional de sua gravadora tem seu direito de receber a

retribuição porque, na prática, esse direito foi comprado. E os independentes, mais uma vez,

ficam integralmente desprotegidos.

Considerações importantes a esse respeito que relacionam o jabá à gestão coletiva

serão aqui expostas por meio de um valiosíssimo relato divulgado em seminário do Fórum

Nacional de Direito Autoral, pelo compositor Tim Rescala115, que segue na íntegra:

A Prática do Jabá e Critérios de Distribuição: O Autores e Artistas estão Satisfeitos?

NÃO!!!

O jabá “ lato sensu”

Segundo o dicionário Aurélio, a palavra jabá tem origem tupi e quer dizer carne, charque. E a palavra jabaculê, cuja forma simplificada é jabá, quer dizer gorjeta, dinheiro.

Transformado quase que numa instituição, mas que de fato é uma forma ilícita e , no mínimo, moralmente reprovável de se divulgar música no rádio, o jabá não tem neste veículo seu único habitat. O hábito de se fazer, digamos, um agrado

115 RESCALA, Tim. In: FÓRUM NACIONAL DE DIREITO AUTORAL, 2008, Rio de Janeiro. Seminário: a defesa do direito autoral: gestão coletiva e papel do estado: a prática do jabá e critérios de distribuição: o autores e artistas estão satisfeitos?

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financeiro no intuito de se obter vantagens, parace [sic] ser moeda corrente no mercado da música.

Poderíamos discorrer aqui sobre as inúmeras formas que o jabá adquire no meio musical, mas preferimos nos ater aos critérios, ou à falta dos mesmos, de distribuição dos direitos autorais, onde o jabá, lato sensu, também impera. Mas, como tivemos provas de que falar o que se pensa, principalmente em matéria de direito autoral e gestão coletiva no Brasil, pode nos tornar alvo de um processo por parte do ECAD, vamos adotar uma estratégia diferente e peculiar na mesa de hoje.

O que faremos a seguir é tão somente ler, em voz alta e em bom som, alguns textos escritos e ditos por outrem que não este compositor que vos fala, sobre as variantes do jabá, ou seja, a comissão, o percentual ou a “cervejinha”. Sem emitir opinião, mostraremos aquilo que não poderia ser comum num meio que se pretende sério, responsável e transparente.

Começamos, para revigorar a memória de todos nós, já que tanto se diz que o Brasil é um país sem memória, com algumas declarações extraídas do relatório final daquela que foi chamada CPI do ECAD, realizada em 1995/96. Como sabemos, a CPI apurou muita coisa, mas acabou em jabá, quer dizer, em pizza.

Palavras do Sr. José Roberto do Amaral, primeiro depoente da CPI, ex coordenador jurídico do ECAD:

“O Sr DEPUTADO WIGBERTO TARTUFE- Sendo o senhor do ECAD, conhecendo bem de direitos autorais, por que nos direitos autorais conexos os treze maiores recolhimentos, em primeiro lugar, pela ordem, são feitos para os editores e não para os autores independentes?

O Sr JOSÉ ROBERTO DO AMARAL- Exatamente por uma questão de escuta e na distribuição. Então, a pontuação, o percentual dos editores de 33%, ou 25%, que era, depende dos contratos de edição, dá esse total na soma.

O Sr DEPUTADO WIGBERTO TARTUFE- O senhor sabe me informar por que o critério de votação dos onze associados do ECAD, que formam o ECAD, das associações, passaram a fazê-lo em função do peso financeiro das arrecadações, em vez de fazê-lo conforme anteriormente eram feitos, através da representatividade de cada um ?

O Sr JOSÉ ROBERTO DO AMARAL- Sim, eu posso lhe explicar. Isso foi uma alteração no estatuto do ECAD, aliás, a última alteração no estatuto do ECAD. E, aí, no meu ponto de vista-certo?- estou dizendo como no meu entendimento, para favorecer as sociedades que tinham maior arrecadação em detrimento das outras.

O Sr DEPUTADO WIGBERTO TARTUFE- O senhor está dizendo bem- eu entendi, todos nós entendemos-, o senhor está dizendo para nós, Deputados, que um grupo de duas associações controlam as demais outras associações e estas são ligadas à… são multinacionais. É isso o que o senhor está dizendo ?

O Sr JOSÉ ROBERTO DO AMARAL- Sim.”

Disse também o Sr. José Roberto do Amaral

“Essas rádios, essa pontuação das rádios de escuta das rádios, é o que vai para as planilhas. Certo? E daí, essas emissoras que tiveram escuta são determinadas pela comissão do ECAD, cujo controle é da SOCIMPRO e da UBC, que detêm 52% dos votos, ou 50% dos votos, que é dirigida por multinacionais. E interessa que aumenta a arrecadação exatamente das obras cujos direitos são remetidos a elas. Essas planilhas servem de amostragem. O que que eles fazem ? Eles colecionam essas planilhas que não são todas as emissoras de rádio, é uma minoria que manda, aí eles escolhem meia dúzia lá e tiram, sorteiam essa meia dúzia.”

E agora vamos saber o que disse o compositor Luiz Ayrão :

“O Sr DEPUTADO ANTONIO JOAQUIM- E hoje eu tenho a convicção de que não adianta esta CPI só ouvir superintendente do ECAD, porque na verdade o

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ECAD faz parte, me parece, de um grande complô, de uma grande quadrilha. E o ECAD é um instrumento.

O Sr. LUÍS GONZAGA KEDI AYRÃO- É um instrumento.O Sr DEPUTADO ANTONIO JOAQUIM- É um instrumento. Eu acho que

nós não podemos valorizar tanto só essa estrutura do ECAD. Precisamos pegar os satélites, as coisas que estão aí fortalecendo para que o ECAD tenha inclusive a oportunidade de fazer essa série de arbitrariedades que ele comete. E de uma forma completamente impune esses anos todos. Está-se dizendo isso há uns cinqüenta [sic] anos. Há uma cumplicidade aí muito séria e a CPI vai ter a obrigação de se estender muito mais do que na estrutura do ECAD. Tem que se estender a essas empresas e uma série de outras coisas. É a minha convicção hoje.

O Sr. LUÍS GONZAGA KEDI AYRÃO- É verdade. Eu também acho isso. Concordo plenamente.”

Em outro momento ele diz:

“ Na SOCIMPRO se resolvia quem ia ser o presidente do ECAD. Deram a ele carta branca e ele não quis. Ele não quis porque, como eu disse ainda há pouco, o ECAD está bichado, está acabado, está incompatibilizado com o usuário. Ninguém mais respeita o ECAD. Foi até sugerido que se mudasse o nome do ECAD para outro nome. Aí alguém disse: não adianta, tem que mudar as pessoas, mudar a legislação, mexer em tudo isso, fazer novos critérios para poder funcionar.”

Ouçamos agora três deputados que atuaram na CPI:

“O Sr. DEPUTADO UBALDINO JÚNIOR- Há uma unanimidade neste país de que o ECAD não funciona bem. Alguns dizem que não funciona mal, outros dizem que é corrupto.”

O Sr. DEPUTADO PAULO ROCHA-(…) meu caro Luís Ayrão, pelo que a gente está sentindo, e isso porque só estamos levantando com relação ao ECAD, é a ponta de um iceberg que envolve toda uma estrutura que acaba sendo desvendada à medida que estão vindo os depoimentos de vocês. Sem dúvida nenhuma, pelo que se está percebendo, as gravadoras, que vocês chamam de fonográficas, se eu posso afirmar isso, parece-me é que comandam toda essas estrutura viciada”

O Sr. DEPUTADO CARLOS ALBERTO-(…) O Sr. Waldick Soriano recebe dois reais e vinte centavos. É a coisa mais esdrúxula que pode acontecer neste país. Este homem é tocado diariamente, de manhã, de tarde e de noite em todas as emissoras de rádio AM, FM, em todo o Norte e Nordeste, principalmente no interior.”

E agora o compositor Paulo Massadas

“(…) Agora, acho que o ECAD, no momento, é um mal necessário. E é um mal necessário vou explicar por quê. Porque ele é composto pelas sociedades, acontece que as sociedades, ao envés [sic] de se aglutinarem para compor o ECAD, brigam entre si pelo poder: eu tenho tantos por cento, você tem tantos por cento; eu quero mais isso, mais aquilo… E no meio dessa briga toda, dessa confusão, entre o mar e o rochedo, fica o compositor, que é o marisco da história.”

“(…) Eu acho que o problema maior é a… Veja bem, se tudo forma um órgão só, se todas as sociedades formam uma coisa só, era para que elas estivessem extremamente unidas. Mas elas não estão. O maior problema na fragmentação do ECAD é este. Elas não estão unidas. Elas disputam o poder. Então, aí é que está toda a razão do problema. Porque, na hora de uma votação que seja boa para uma determinada sociedade, para outra não é.”

Estes depoimentos foram dados há mais de dez anos atrás. Vejamos o que aconteceu depois, a partir da leitura de trechos das ATAS das assembléias do ECAD. São documentos registrados em cartório que dão conta do que realmente se passa lá, mas que a maioria de nós desconhece.

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Das 341 ATAS registradas até agora, não é fácil selecionar trechos alarmantes, não por ser difícil encontrá-los, mas porque são tantos que torna-se trabalhoso escolher dentre eles. Vejamos o que relata a assembléia do ECAD ocorrida em 21/11/2002.

“A SOCINPRO impugnou todo o Orçamento e demonstrou que o ECAD, valendo-se de uma dedução contábil, tentou demonstrar que durante o ano de 2003 iria reduzir despesas no valor de quase três milhões de reais, o que proporcionaria a redução do déficit orçamentário de 11 milhões de reais para 8 milhões de reais, baixando a taxa de administração de 18,75% para 17%. Mas, na verdade, a redução de três milhões estava representada, não por redução de despesas, mas por uma baixa contábil de contingência (reserva contábil de um valor relativo a um débito fiscal que não se consumou). Além disso, a SOCINPRO questionou a projeção da arrecadação para 2003, apresentada pelo ECAD, no valor de 190 milhões de reais, sugerindo que esse valor fosse elevado para 220 milhões de reais, uma vez que há três anos a SOCINPRO vem alertando para as projeções mínimas de arrecadação e sempre que encerrava o ano os valores arrecadados se aproximavam dos apresentados pela SOCINPRO. Isso tem duas conseqüências: a primeira porque o ECAD tem um sistema de premiação quando se alcança o orçamento aprovado. A Superintendente, os Gerentes e os funcionários recebem uma premiação; a segunda porque no ano de 2002 a premiação foi no total de 500 mil reais, por ter alcançado um orçamento subestimado e apresentado um resultado positivo porque houve ingresso de arrecadação extra, decorrente do recebimento, por acordo amigável, de valores atrasados devidos pelas emissoras de TV (SBT/RECORD), além da que havia sido estimada. Não é justo que os funcionários do ECAD recebam premiação enquanto os titulares de direitos recebem muito menos do que deveriam. (…)A SOCINPRO mencionou, também, que o ECAD fornecia gratificações a Superintendência, aos Gerentes, e a vários outros funcionários graduados em face do Acordo Coletivo aprovado pela Assembléia Geral, quando o ECAD alcançava o orçamento. O Sr. Ney Tude, da ABRAMUS mencionou que no ano passado o ECAD distribuiu, a título de prêmios, 500 mil reais para a Superintendente, Gerentes e Chefes de Sucursais, apesar de o ECAD continuar sendo deficitário e uma grande parte das filais apresentarem prejuízo. A AMAR disse que o resultado positivo somente decorreu de recebimentos de valores atrasados e acordos realizados com as emissoras de TV. Não se tratou de crescimento de mercado e nem de redução de despesas.”

Como vemos, os próprios dirigentes das sociedades denunciam e discordam do pagamento de prêmios para os funcionários do ECAD. Como se pode ser tão generoso com funcionários se a maioria dos autores recebe mal ou simplesmente nada ? E mesmo havendo sérias evidências de que o balanço de 2003 não refletia a realidade do caixa do ECAD, o mesmo foi aprovado.Ao consultarmos a ATA nº 240, de dois anos antes, vemos que esta é uma questão antiga a dividir as opiniões dos presentes à assembléia.

“(…) c) Pagamento de honorários advocatícios referentes ao acordo com a TV GLOBO LTDA. Discutida a questão apresentada pela Sra. Superintendente, na última reunião, bem como apresentadas as razões para o pagamento dos mencionados honorários. A representante da AMAR manteve seu posicionamento já exposto na reunião passada, no sentido de entender indevido o pagamento, considerando que os advogados do ECAD já recebem salários mensais, destinados ao cumprimento de seus deveres funcionais que incluem a representação do Escritório nas ações designadas pela Superintendência, enfatizando que o acordo não foi realizado pelo Departamento Jurídico do ECAD, motivo pelo qual não há de se falar em honorários. A Sra. Superintendente contra-argumentou, esclarecendo que já houve pagamentos a esse título, justamente com o intuito de incentivar a equipe. As demais sociedades presentes se posicionaram sobre a matéria, sendo decidido que o valor a ser rateado pelos advogados contratados que compõe a Supervisão Jurídica deverá ser de R$ 100.000,00 (cem mil reais). A ABRAMUS

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sugeriu a minoração do valor, mas a Assembléia majoritariamente decidiu pelo pagamento do referido montante.”

Já em 2005, na ATA nº 307, a premiação foi um consenso na assembléia, desde que não fosse contabilizada no balanço patrimonial. O que mais não terá sido contabilizado?

“ A Sra. Superintendente apresentou proposta de premiação para os funcionários, tendo a Assembléia Geral aprovado, por liberalidade e em reconhecimento ao esforço dos empregados, uma premiação de 0,8 dos salários vigentes, sem contudo vincular o resultado dessa premiação ao balanço patrimonial.”

Mas, de volta a ATA nº 271, vemos, porém, que os critérios de distribuição não precisam ser revistos apenas no que diz respeito ao pagamento dos autores, mas também com relação ao que se gasta com o departamento jurídico.

“O Departamento Jurídico do ECAD consome a espantosa soma de quase 5 milhões de reais por ano com a administração de 6.400 ações judiciais através de 80 escritórios de advocacia. Ao invés de renegociar as dívidas e fazer campanha de recuperação de créditos e clientes, ajuíza ação judicial. Só contabiliza custos, tempo e ineficiência de procedimentos. As ações judiciais representam mais de 230 milhões de reais. É um arrematado absurdo vivermos essa situação – finaliza a SOCINPRO.”

Falemos agora de créditos retidos. Segundo procedimento indicado e adotado internacionalmente, após cinco anos sem se identificar os titulares de direito relativos a alguma execução pública de determinada obra, cujos direitos já foram pagos ao ECAD, estes devem ser redistribuídos aos titulares da mesma rubrica em que foram arrecadados. Mas não é isso, contudo, o que o ECAD faz. Vejamos o que diz a ATA nº 294, de abril de 2004.

“a.6) Considerando a existência de valores de créditos retidos e de parâmetro não identificados há mais de cinco anos, cuja distribuição até a presente data não foi possível ser realizada, apesar dos esforços conjuntos das associações e do ECAD para a identificação e conseqüente distribuição, e considerando ainda que a redistribuição desses valores em seus respectivos róis é inviável tecnicamente, o grupo de trabalho sugeriu que tais valores deverão ser redistribuídos da seguinte forma: a.6.1) os valores relativos a shows, retido antigo, música mecânica, proporcional de obras coletadas, MTV, audiovisual de TV, audiovisual de cinema que totalizam R$1.201.763,53 (hum milhão duzentos e um mil setecentos e sessenta e três reais e cinqüenta e três centavos) deverão ser utilizados para abater o déficit operacional do ECAD. As áreas de TI e distribuição deverão validar esses valores e fornecer à área financeira, para proceder ao ajuste contábil;”

Quer dizer então que o dinheiro dos autores foi usado para cobrir déficits no lugar de ser redistribuído e sem que os mesmos fossem consultados? E o que quer dizer validar valores ? É tornar válido o que não é ? Como classificar esse tipo de procedimento ?

Vejamos como o assunto é tratado na ATA seguinte, nº 295:

“Lido e-mail da SOCINPRO solicitando revisão da decisão da 294 ª reunião da Assembléia Geral, que determinou a reversão de valores retidos e sem identificação há mais de cinco anos para abater o déficit do ECAD, :- Prezada Dra. Glória - Conforme posição contrária da Socinpro lançada no dia da apresentação da proposta de transformar o valor do retido de aproximadamente R$1.600.000,00 em receita do ECAD para amortizar o déficit operacional do ECAD, a nossa Diretoria hoje reunida vem ratificar aquela nossa posição e dizer que a Socinpro quer receber a parcela que corresponde ao crédito retido de seus associados, bem como a parcela do percentual societário. A Socinpro não se curva à decisão daquela Assembléia, por corresponder um ilícito civil e criminal, notificando, desde já, que

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recorrerá aos meios legais, seja para anular aquela decisão, seja receber os valores que se destinam à distribuição aos titulares de direitos autorais e à própria associação tudo de acordo com a norma prevista no § 6º do art. 32 do Regulamento de Distribuição, Caso o ECAD e as demais associações insistam na adoção da prática irregular, divulgaremos nos meios de comunicação que estão utilizando o crédito do compositor, do artista, do músico e dos demais titulares para pagar déficit operacional do ECAD. Isso é um verdadeiro absurdo. “

Foi admirável a veemência da SOCIMPRO na defesa dos interesses dos autores. Porém, não há nas atas seguintes qualquer referência a solução deste impasse, um fato desagradável e altamente reprovável. O que terá acontecido? Por que a solução, se é que houve, não foi mencionada em ATA?

Mas, se o nosso tema é “critérios de distribuição”, falemos também de “critérios de distribuição de verbas”, em particular uma verba para divulgação de 1% da arrecadação do ECAD, antes de se fazer o repasse aos autores, como consta na ATA 219, de abril de 1999.

“ Aprovada a realização de campanha institucional do ECAD, após os posicionamentos expressados pela AMAR e pela UBC. Decidiu-se que o ECAD deverá encaminhar todo o processo, consideras todas as colaborações dos compositores que se interessem pelo assunto. A verba alocada à campanha será retirada antes das deduções de percentual societário e da taxa de administração do ECAD, devendo ser igual a 1% (um por cento) do valor bruto arrecadado mensalmente durante os próximos 12 meses, a partir de abril, criando-se no passivo circulante a conta “ Campanha Institucional.”

Dois anos depois, porém, na ATA 252, de julho de 2001, temos a seguinte informação:

“ A SOCINPRO questionou a Sra. Superintendente sobre a verba de marketing que permanence [sic] sendo descontada da arrecadação total do ECAD, sem estar sendo desenvolvida nenhuma campanha publicitária.”

Mas, em agosto de 2005, durante a reunião da Câmara Setorial da Música, na sede do Ministério da Cultura no Rio de Janeiro, a Superintendente Glória Braga negou a existência dessa verba. No entanto, não apresentou qualquer indício de que tenha, de fato, sido extinta, nem foi encontrada qualquer referência à sua extinção nas atas seguintes, entre 1999 e a Ata da 310ª reunião, realizada em julho de 2005.

Continuando a falar de critérios, vejamos como estes são utilizados de forma conflitante e muito discutível também na elaboração dos balanços da empresa, conforme relata a ATA nº 248, de abril de 2001:

“ O representante da SOCINPRO, Dr. Jorge Costa, informou que a sua diretoria decidiu, após análise do Balanço e do relatório da diretoria , não aprovar o Balanço, uma vez que foram adotados dois regimes contábeis; um de “caixa” e o outro de “competência”, o que no entender da Diretoria da SOCINPRO implicou em distorção do resultado, pois o prejuízo apresentado de R$ 107.104,95 , seria, na verdade, de R$ 519.320,40 (quinhentos e dezenove mil, trezentos e vinte reais e quarenta centavos). O relatório da auditoria, por outro lado, destacava a situação crítica do ECAD, não autorizando a assinatura do Balanço. A SOCINPRO também se opõe ao desconto de 1% (um por cento) do valor que deveria ter sido aplicado em publicidade e à conseqüente [sic] redução não autorizada do percentual societário de 5% (cinco por cento) para 4,95% (quarto vírgula noventa e cinco por cento).”

Este procedimento, no entanto, tornou-se corrente na empresa, embora as auditorias independentes contratadas pelo órgão também o desaprovem,conforme está nesta conclusão publicada, por incrível que pareça, no site da empresa:

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“4) Conforme mencionado na nota 2, letra “c”, a entidade somente reconhece a receita de arrecadação por ocasião do efetivo recebimento. Esse procedimento está em desacordo com os princípios de contabilidade, que determinam o reconhecimento das receitas no resultado pelo regime de competência. Os efeitos sobre as demonstrações contábeis em 31 de dezembro de 2004 não foram quantificados.”

Esta questão gerou, inclusive, mais uma briga interna entre UBC e AMAR, que chegou a parar na justiça. Vejamos qual foi a resposta da AMAR à interpelação feita pela UBC, pois esta não se conformou por não ver aprovado o balanço do ECAD no ano de 1999, no processo nº 2000.001.133324-7.

“ Assim como em qualquer organização democrática em que o interesse de uma coletividade deve prevalecer, o voto das associações, dentro do modelo criado no Brasil para a gestão coletiva, corresponde a uma manifestação livre e soberana de cada uma delas. Nenhuma disposição estatutária as obriga, e nem poderia fazê-lo, a votar de tal ou qual maneira. No exercício de um direito inatacável, a Interpelada houve por bem não aprovar as contas que foram submetidas à Assembléia Geral, em uma reunião na qual fatos lamentáveis e constrangedores ocorreram, não refletidos na ata da referida reunião, apesar de sua gravidade.”

“ A bem da verdade, é preciso que se esclareça, ainda, que a interpelada não foi a única voz contrária à aprovação do Balanço de 1999; também a SOCINPRO, uma das demais integrantes do ECAD, manifestou seu voto contrário à aprovação do Balanço. Mesmo assim, em conseqüência [sic] dos critérios adotados pelo artigo 17 do estatuto do ECAD, o Balanço foi aprovado, com todas as conseqüências [sic] que desse ato decorrem, sem que a Interpelada haja desrespeitado a decisão majoritária.”

“ Somente na Assembléia do dia 29 de março de 2000 pode a Interpelada verificar a realidade dos númeors [sic] do Balanço e concluir que, no caso específico, o ECAD, havendo sempre adotado como procedimento contábil para seus atos e fatos o “ Regime de caixa”, no ano base de 1999, diferentemente, adotou uma forma híbrida, contabilizando parte de sua receita pelo regime de caixa, e parte pelo regime de competência (TV GLOBO e SBT).

Ao adotar este procedimento, e reconhecer uma receita “ não recebida”- e apenas uma, quando existem vários casos semelhantes- foi alterado o resultado final das demonstrações contábeis, transformando-se um possível déficit em superávit. Os efeitos deste procedimento poderiam [sic] ter sido minimizados, caso constassem das “ Notas explicativas” do Balanço os valores envolvidos nessa operação. Tampouco o fazem as atas, tanto a da reunião anterior à da aprovação do Balanço, realizada em 19/01/2000, como a ata que aprovou o Balanço por maioria de votos, que mencionam a adoção do procedimento, mas não o quantificam, tornando impossível, com apenas uma análise do balanço publicado concluir quais os efeitos provocados pela mudança dos critérios contábeis.”

“ Tecnicamente, não seria portanto o mais correto adotar o “Regime de caixa” nas operações contábeis, mesmo em se tratando de instituições sem fins

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lucrativos, porque a contabilidade deve refletir a situação econômica, financeira e patrimonial de uma empresa, em um determinado momento, demonstrando o grau de endividamento, e os recursos disponíveis que solidificam o retrato da entidade. Mas essa não é a questão.

Por tudo o que foi explanado, e sem entrar no mérito de qualquer outro procedimento, o reconhecimento da receita oriunda das TVs Globo e SBT representou a quebra do Princípio da Continuidade, ao considerar as receitas, em um mesmo exercício, parte pelo regime de caixa e parte pelo regime de competência, sem reparar seus efeitos, e principalmente por não constarem das “ notas explicativas” os valores envolvidos. Dessa forma, conclui-se que a apreciação do Balanço encerrado no dia 31 de dezembro de 1999 ficou prejudicada.”

Após esta resposta da AMAR, a UBC não prosseguiu com a ação.Enfim, lemos aqui apenas alguns trechos de algumas das 341 ATAS

do ECAD e apenas um dos documentos que dispomos que decunciam [sic] problemas internos seríssimos. O pouco que lemos hoje, por falta de tempo, aponta para o muito que se passa dentro deste órgão e que nós, autores, desconhecemos.

Por isso defendemos veementemente a volta do CNDA, bem como uma revisão profunda da lei do direiro {sic] autoral. Só assim se poderá exercer, como na maioria absoluta das entidades arrecadadoras de direito autoral no mundo que praticam a gestão coletiva, uma fiscalização estatal, assistida por toda a sociedade. Notem bem, não se trata de controle, mas de fiscalização. Sem ela, não só o jabá continuará a imperar, como serão cada vez mais injustos , obscuros e ilícitos, os critérios, ou a falta deles, de distribuição, seja de direitos, de verbas, de votos ou de benefícios.

É estarrecedor que se admita uma situação de balbúrdia jurídica amparada pelo

abandono da gestão de direitos autorais a uma iniciativa privada não-supervisionada e com

poderes de autoridade. Nossa opinião é que o legislador se excedeu na adoção das

liberalidades civis que a CF/88 trouxe como revolução diante de um predecessor Estado

Ditatorial, reproduzindo por meio da Lei nº 9.610/98 o entendimento de que os entes privados

seriam guardiões bem mais fiéis dos direitos de autor e conexos, saltando-se de um extremo

de dirigismo econômico para uma quase anarquia legalizada.

E se admitirmos que é realmente possível, como consta da exposição do

compositor baseada em documentos oficiais registrados em cartório, que alguns integrantes

das associações de direitos autorais sejam sócios de multinacionais (como editoras e

gravadoras, que recebem direitos autorais e conexos, respectivamente), aí sim se estabelece a

total aberração jurídica pelas arbitrariedades e desvio funcional. Pois nestas condições eles

teriam motivos objetivos para designar a gravação de determinadas rádios, em horários

específicos, e de visitas a estabelecimentos de usuários de música ao vivo em datas

estrategicamente marcadas, tudo calculado na medida certa para que se favorecesse o

recolhimento de direitos autorais aos artistas das empresas às quais estão vinculados – ou seja,

para que eles mesmos recebessem dinheiro com isso. Não temos, de fato, provas materiais

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para poder afirmar que isto realmente está ocorrendo, mas os indícios nos mobilizarão a

investigar a fundo, sem dúvida, a possibilidade do abuso que constituiria sério caso de

corrupção, entre outros tantos que já testemunhou e testemunha, infelizmente, o nosso país.

O projeto de Lei nº 1048/2003 elaborado pelo deputado FERNANDO (PT-PE)

FERRO em conjunto com e a pedido do músico LOBÃO, intenta criminalizar no país a

prática do Jabá. Esta iniciativa providencial teve influência no Movimento Anti-Jabá, que

reúne muitos artistas, políticos e estudiosos a luta contra essa atividade lamentável. Muitos

defendem, porém, inclusive o compositor e ex-ministro da Cultura GILBERTO GIL, que a

Lei de nada adiantará para o saneamento do mercado cultural brasileiro116, até porque será

muito difícil comprovar a sua prática, mas nós discordamos. É certo que somente a lei penal

contra o jabá não será suficiente para coibir o mecanismo, pois é necessária a instituição de

mecanismos e políticas que possibilitem o seu controle sistemático. Porém, como obtempera

especialista na área musical, o empresário ANDRÉ MIDANI, o diploma legal seria “o sofá no

qual poderemos nos apoiar” para iniciar profundas mudanças tão emergenciais. No momento,

sem haver nem mesmo o escopo legal, só nos resta o vazio frio do chão.

O Projeto de Lei nº 1048/2003 foi elaborado da seguinte forma117:

PROJETO DE LEI Nº 1048/03, DE 2003 (Do Sr. Fernando Ferro)Acrescenta dispositivo à Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, que ”Institui o Código Brasileiro de Telecomunicações”.O Congresso Nacional decreta:1. Esta lei visa proibir as pessoas jurídicas autorizadas, concessionárias ou permissionárias de serviços de radiodifusão e televisão, de receber dinheiro, ou qualquer outra vantagem, direta ou indireta, de gravadora, artista ou seu empresário, promotor de concertos, ou afins, para executar ou privilegiar a execução de determinada música.2. A Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 53A:“Art. 53A.Constitui crime, punível com a pena de detenção,de 1 (um) a 2 (dois) anos, sem prejuízo das sanções de multa, suspensão ou cassação, previstas nesta lei, receber, na qualidade de proprietário, gerente,responsável, radialista ou apresentador de pessoa jurídica autorizada, concessionária ou permissionária de serviço de radiodifusão, dinheiro, ou qualquer outra vantagem, direta ou indireta, de gravadora, artista ou seu empresário, promotor de concertos, ou afins, para executar ou privilegiar a execução de determinada música.”Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

116 GIL, Gilberto. Entrevista: movimento pelo fim do jabá. Disponível em: <http://movimentopelofimdojaba.blogspot.com/>. Acesso em 15 nov. 2008.

117 CHORO, Samba e. Debates. Disponível em: <http://www.samba-choro.com.br/debates/1053616947>. Acesso em 15 nov. 2008.

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Resta-nos saber se o instrumento legal será aprovado, já que aguarda desde o ano

de sua criação (2003), para não mencionar a existência de interesses particulares conflitantes à

sua possível aprovação. Isto porque, conforme relata o site Donos da Mídia, há 271 políticos

sócios ou diretores de empresas de radiodifusão no país. E 19.466 que são sócios ou dirigentes

de veículos de comunicação, grupos de mídia ou redes nacionais de televisão118.

Como a melhor forma de nos familiarizarmos com a atividade oculta do jabá é

ouvindo aqueles que viveram de perto essa realidade, julgamos também imprescindível a

leitura de entrevista surpreendente concedida para o jornal Folha de S. Paulo, com um dos

maiores personagens que atuaram no mercado brasileiro, responsável pelo lançamento

nacional de artistas como CHICO BUARQUE, CAETANO VELOSO e RAUL SEIXAS, o

ex-empresário de empresas fonográficas ANDRÉ MIDANI119:

Folha - Na indústria fonográfica, é unânime a afirmação de que não existe jabá no Brasil. É verdade?

André Midani - Não, o jabá existe. Acho que o jabá sempre existiu. Não é uma coisa nova, nem particular da indústria fonográfica. É uma coisa universal, acho que desde que o homem começou a existir. Sempre se ouve falar "vamos acabar com a prostituição", "vamos acabar com as drogas", "vamos acabar com o jabá" _que é uma corrupção, não é? O mundo nasceu corrupto e acabará um belo dia na miséria da sua corrupção.

Tendo dito isso e indo ao mercado musical, o jabá, porquanto eu saiba, já existe desde o século 19, quando o grande astro da música era a ópera. Havia um grande terreno de ensaio dos novos tenores e sopranos que estavam para ser descobertos, em Marselha, na França. Lá, os empresários de novos talentos da época compravam 50, 80, cem lugares dos teatros e davam de graça para as pessoas aplaudirem muito. Era uma forma de jabá. Isso é inerente ao negócio, existe desde o início da música como setor lucrativo.

Quando cheguei no Brasil, em 55, o jabá não existia do jeito que possa ser pensado hoje. Mas havia meios de pressão, desde aquela época. Tal como ele é hoje, e em quantidades talvez menores do que agora, o jabá começou, creio, em 70, 71 ou 72.

Eu tinha uma parte grande dos artistas importantes daquela época, então não tinha tanta preocupação. Fazia sucesso no rádio porque os artistas genuinamente faziam sucesso.

Mas num belo dia um colaborador meu chegou dizendo que estava havendo um movimento segundo o qual o pessoal do rádio gostaria que se reconhecessem seus méritos. Ele foi conversar com eles e voltou me dizendo que tínhamos que tomar certo cuidado, porque se havia formado uma rede entre vários programadores importantes de Rio e São Paulo. Eu disse: "O que me importa?".

Tive a precaução de telefonar para alguns artistas e explicar o que estava

118 DONOS DA MÍDIA. Pessoas. Disponível em: http://donosdamidia.com.br/pessoas. Acesso em 14 nov. 2008.119 S. PAULO, Folha de. Entrevista com andré midani. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u33266.shtml>. Acesso em 14 nov. 2008.

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acontecendo, que eu não estava a fim de entrar naquilo e que estava dando a instrução de não participarmos. Os artistas apoiaram, aplaudiram. Para minha surpresa, uns dias depois a gente saiu de programação.

Folha - Saiu literalmente, por completo?

Midani - Não me lembro direito mais, mas a imagem que tenho é de que os nossos discos de sucessos naquele momento _havia um de Chico Buarque, por exemplo_ saíram de programação. Aguentei uma semana, duas semanas. Na terceira não deu mais para aguentar, porque os próprios artistas chegaram dizendo: "Pelo amor de Deus, como vai ficar essa história?, a gente está fora do ar". Era uma preocupação legítima deles.

Então foi, creio, a primeira vez que isso aconteceu. Dali por diante houve altos e baixos, e o jabá estava instalado. Tomei uma atitude bastante pragmática, dizendo: se esta é a regra do jogo, lá vou eu com a regra do jogo.

Folha - Quais eram as regras do jogo?

Midani - As regras eram lamentáveis, porque, como em muitas coisas aqui no Brasil, não eram profissionais. Eu tinha vindo em 55 do México, onde o jabá rolava com grande despudor. Mas lá, um dia, estava eu na sala de um diretor de companhia, competidor meu, e tocou o telefone. Era um jabazeiro, e meu colega disse, com o palavreado mais vulgar: "Dei meu compromisso com você de tocar X vezes por dia e você não está tocando. Ou você toca ou você sai do rádio, porque eu vou lhe colocar para fora".

No México, pelo menos, havia uma regra (ri): toco cinco vezes por dia, lhe pago tanto e agora você tem que tocar. No Brasil se tentou várias vezes negociar isso, de as rádios tocarem o que as gravadoras queriam, o que seria justo dentro desse esquema injusto. Mas aí sempre se deu um jeitinho aqui, outro lá, e o fato é que a indústria perdeu muito rapidamente o controle sobre o que se tocava. Pagava e não sabia se ia tocar.

Folha - É o que acontece até hoje?

Midani - Não, piorou. Hoje não estou muito a par, mas piorou. Não me lembro direito, mas devo ter tido várias interferências dentro da indústria, no sentido de dizer "vamos parar com esse negócio".

Minha próxima interferência formal já foi mais tarde, acho que em 78 ou 79, já na Warner. Estava lançando Baby Consuelo e Pepeu Gomes, que como integrantes dos Novos Baianos haviam sido os protegidos e queridos do Chacrinha. De repente recebo a notícia de que o Chacrinha disse que, se não pagássemos, Baby e Pepeu não apareceriam em seu programa. A coisa mais inteligente que achei por bem fazer foi denunciar isso nos jornais. Em termos de companhia, isso me custou caro.

Fui aos jornais, dizendo factualmente que Chacrinha queria cobrar dinheiro para passar os artistas no programa _jabaculê. Isso me custou a adesão à causa do Chacrinha de outros meios de comunicação. Rádios e outros programas de TV passaram a cobrar também.

Agora, como é que a indústria se manifesta nessa história? Vamos dizer que existem cinco importantes companhias na indústria. Várias vezes os presidentes das companhias de discos foram se reunir para tentar chegar a um acordo. Essas coisas acontecem em momentos de crise do mercado ou de crise financeira, quando você vê que o orçamento para o jabá é tão grande que realmente desestabiliza um pouco sua economia interna.

Folha - Você pode quantificar o peso dos orçamentos das gravadoras

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destinados ao jabá?

Midani - Gostaria de dar uma porcentagem, mas o conceito de publicidade mudou muito no decorrer dos anos. Na época em que isso começou, a verba publicitária era 5% das vendas, em geral. Na época do Chacrinha, com certeza era alguma coisa como 10%. Até o momento em que eu estava militando, ou seja, até dois anos atrás, os orçamentos publicitários variavam entre 12% e 16%. E na última vez que vi ou ouvi falar de números, entre o jabá que você dava e alguma regalia, podia chegar a representar 70% das verbas de publicidade.

Folha - O jabá então é a principal fatia da publicidade?

Midani - É, e asfixia a indústria. Na minha época brasileira não chegava a asfixiar, era mais uma questão moral: o que é isso, o cara já ganha seu dinheiro e ainda quer ganhar para tocar disco meu? Se não houvesse meu disco ele não teria uma estação de rádio, o ponto de partida é esse, o absurdo.Pensava que se as cinco companhias se levantassem juntas, em um ano, sem grandes prejuízos, botavam as rádios que praticavam jabá fora do mercado.

Folha - Isso não acontecia por falta de capacidade de articulação da indústria fonográfica?

Midani - Pode-se dizer exatamente isso. No sentido do jabá e das pressões, a indústria fonográfica, mais no Brasil que em outros lugares, é uma indústria muito frágil.

Folha - É refém das rádios?

Midani - É refém de muitas coisas, mas, nesse sentido, é refém do jabá.

Folha - O esquema montado pelos programadores no início não tinha a participação dos donos das emissoras?

Midani - Não. O que aconteceu é que os funcionários de rádio não ganhavam e não ganham muito dinheiro. São salários modestos. Então no início o disc-jóquei encontrou nessa manobra um meio de ganhar um pouco mais. Isso foi cegamente apadrinhado pelos donos das rádios. Eles ficavam contentes, pois não tinham que aumentar os salários. Começaram a fechar os olhos, porque era conveniente para eles. Mas, na medida em que a soma de dinheiro foi ficando maior, os donos começaram a pensar: "Mas e eu nessa história?".

Então houve decisões, por certos donos de rádio, de dizer: "Tudo bem, mas o dinheiro é meu". Entraram em contato com as companhias de disco e disseram: "A partir de agora quem manda na programação da rádio não é meu programador ou meu disc-jóquei. Sou eu". Passaram acordos que, no início pelo menos, foram acordos comerciais. Aí, sim, era uma relação profissional.

Tutinha, da Jovem Pan, por exemplo, gostava do disco ou não. Se ele não gostasse do disco não pegava acordo financeiro com a companhia, não havia jeito. Já não se pode chamar isso de jabá, é uma relação comercial como outra. Tutinha, pelo menos, era um grande profissional. Não sei como está hoje, mas era. Se não gostava do disco dizia: "Não toco". Se gostava, então se sentava lá para uma negociação. E ele fazia isso de uma forma profissional: "Vou tocar tantas vezes por dia, vou fazer um especial". Armava-se quase que uma operação de marketing genuína.

Folha - Então você tinha que agradar e também pagar?

Midani - Mas a regra desta vida tem sido essa. Evidentemente há um lado obscuro nessa história, do porquê da fragilidade das companhias de disco. O óbvio é o resultado comercial, o resultado promocional. Mas, se pelo lado dos presidentes e

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diretores havia grandes ressalvas sobre a prática, o jabá representava para muitas pessoas dos departamentos de promoção com rádio uma possibilidade de dizer: "Toma dez, mas eu fico com dez". Você se reencontra com um câncer estabelecido dentro da companhia. Isso lutava contra qualquer política encontrada por qualquer companhia para eliminar o jabá.

Folha - Então havia gente dentro das gravadoras fazendo acordos clandestinos com gente das rádios?

Midani - Até um momento houve o pagamento em espécie. Não havia recibo, nada. Então certos divulgadores na segunda-feira pegavam uma bolada de dinheiro lá e iam distribuir. E guardavam uma parte para eles. Se estabelecia uma cumplicidade entre representante da gravadora e representante da rádio.

Aí veio um outro elemento. Até os anos 80 _vamos colocar 85 como uma data hipotética_, a lucratividade de uma companhia de discos era uma coisa desejada, como em qualquer negócio. Mas me refiro agora às relações entre os presidentes das companhias e as matrizes das multinacionais. Nos anos em que trabalhei na Philips, uma vez por ano ia à Holanda e dizia: "O ano foi assim". Quando muito a cada três meses a gente mandava um relatório. As companhias naquela época eram uma brincadeira gostosa do dono de cada conglomerado.

Folha - Por que isso se modificou nos anos 80?

Midani - A coisa começou a degringolar quando as companhias de discos e seus conglomerados foram comprados por megainvestidores que tinham suas ações no mercado de Wall Street. Paulatinamente a indústria fonográfica, que era talvez uma indústria de relações públicas, de imagem, passou a ser um centro de lucro completo.

Na medida em que o mercado de Wall Street começou a encurtar os prazos, os investidores começaram a ficar mais sedentos. Isso impossibilitou aos presidentes dos conglomerados de terem políticas de compaixão com seus negócios. Cada vez Wall Street foi mais nervosa quanto aos resultados semestrais, depois trimestrais, depois mensais. Se deu uma variação, por pequena que fosse, as ações já ficavam nervosas. Dali então foi: "Dá lucro! E já!". Na medida que isso foi penetrando na indústria fonográfica se instalou uma pressão sobre os dirigentes locais, daqui e do resto do mundo, cada vez mais feroz.

O cara que está sentado aqui recebe telefonemas a cada três dias: "Como é que está esta semana?". Ele pira daqui. É "não quero saber, eu quero os números". Eu estive do outro lado, sei bem como é esse negócio (ri).

Folha - Ou seja, a indústria foi sendo cada vez mais pressionada, por um lado por Wall Street e por outro pelas rádios locais?

Midani - A situação é hoje tão incompreensível como era então. Como é possível que cinco companhias poderosas não possam se sentar e dizer: "Acabou", e acabou? Várias vezes tentei isso, e sempre me dei mal. Eu ia lá, propunha o acordo. Uma semana depois, tal pessoa furava o acordo. Aí outros todos furavam também, eu continuava e me dava mal a cada vez. Houve uma vez, por exemplo em que não fui eu que liderei o movimento. Quando a corda roeu, todo mundo disse: "Foi o Midani". Paguei pelo pecado que fiz e outras vezes paguei pelo pecado que não fiz. Um dia vi que não tinha nenhum talento para ser um crucificado, então fui tentar organizar isso dentro da companhia para que pelo menos fosse uma coisa mais objetiva e profissional.

Folha - Por que esses acordos nunca deram certo?

Midani - Só posso entender que em determinado momento uma determinada

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companhia está numa situação de fragilidade orçamentária, e então a tentação do diabo é muito grande. Sempre há um nessa situação. Há, por exemplo, o caso recente da Abril Music. Essa companhia entra no mercado, paga o que tiver que pagar para poder tocar e desestabiliza as outras companhias. O prejuízo da Abril foi de milhões e milhões de reais em cinco anos. Evidentemente, esse dinheiro foi para a contratação de artistas em demasia, para formar um catálogo, o que é compreensível. Mas a sede de ter sucesso imediatamente fez com que a companhia fosse uma grande catalisadora da tormenta jabazeira.

Mas uma vez é a Abril, outra vez é outra empresa que está em situação complicada, outra é uma mudança de gerência... Sempre há um acidente que impossibilita a tranquilidade do trabalho.

Folha - Também por pressão do esquema organizado, dos divulgadores?

Midani - Não, porque se as cinco companhias se entendessem e aguentassem um tempo eu suponho que a situação se tranquilizaria. Se não toda, porque toda corrupção é impossível, pelo menos parcialmente, que não seja um câncer como o de que todo mundo se queixa hoje.

Folha - Marcos Maynard sempre negou que fizesse jabá na Abril.

Midani - Essas pessoas sempre dizem que não é jabá, mas é simplesmente um jogo de palavras.

Folha - O sucesso ficou necessariamente condicionado a esse esquema?

Midani - Temo dizer que sim. A gente não sabe se é a galinha ou se são os ovos, mas isso veio a ser agravado pelo que poderia se dizer uma falta de novos talentos genuínos. Não sei se é verdade ou não, mas se poderia dizer que, na visão da indústria, isso foi agravado por uma certa falta de talentos novos, pouco preparados ainda. Então veio um novo tipo de executivo, o cara que faz o artista, escolhe as músicas, bota dentro do estúdio. É música pré-fabricada para o sucesso. Nos anos 80, os produtores passaram a dizer: "Nós fazemos o artista".

É uma coisa completamente antípoda da minha atitude quanto ao artista. Não vou dizer que tenho razão, mas são estilos absolutamente opostos. Telvez, dentro das minhas loucuras, eu tivesse gostado de dizer: "Vou fazer um artista". Mas eu não tinha capacidade nenhuma de fazer, então nunca me meti nisso. Se há uma pessoa que nem canta muito bem nem canta muito mal, nem tem muita personalidade nem tem pouca personalidade, o que eu vou fazer com ela? Não sei trabalhar assim, nunca foi meu estilo.

A partir do momento em que um artista é fabricado, necessariamente o investimento em publicidade e marketing começa a tomar uma importância desmedida.

Folha - Profissionais de rádio afirmam que não se toca uma música só por causa de jabá. Dizem que é preciso haver um respaldo de audiência. Com dinheiro, qualquer coisa toca no rádio?

Midani -Quando surgiu o rock dos anos 80, o rádio estava absolutamente fechado a esse tipo de música. O rádio é um sistema eminentemente conservador. Quando lançamos a bossa nova, o rádio achou que era um absurdo, o mesmo aconteceu com a tropicália. O homem do rádio não vê a música pelo que ela é, vê o anunciante, que vai tirar sua publicidade se a rádio baixar de audiência.

No rock dos 80, existiram algumas músicas de Paralamas do Sucesso, Kid Abelha, Titãs e Ultraje a Rigor que furaram o bloqueio natural. Foi uma surpresa. Ficamos com a música "Inútil", do Ultraje, quatro, cinco ou seis meses sem tocar. Um belo dia, começou a tocar. Acho que o rock não sofreu efeitos de jabá para impedi-lo de

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penetrar. Os programadores devem ter achado que era um sopro novo nas suas programações.

Folha - Aí o jabá entrou como elemento para fortalecê-lo?

Midani - Com certeza. Se me perguntar quais lembranças eu possa ter do meu jabá, posso dizer: paguei por toda aquela linha de frente que eu tinha.

Folha - A geração dos anos 80 contou muito com o programa do Chacrinha para fazer sucesso. Como terminou sua briga com ele?

Midani - A gente coloca o Chacrinha, mas ele também foi uma pessoa que fechou os olhos para seu filho, Leleco Barbosa. Leleco era quem fazia a programação do Chacrinha, e foi uma das pessoas mais militantes, se se pode dizer isso, desse caso.

Não me lembro direito de como acabou, levou um tempo. Certamente houve a turma do deixa-disso, amigos comuns, artistas dos quais Chacrinha gostava muito e estavam trabalhando na Warner. Um dia, recebi um recado de que ele gostaria de se reconciliar. Creio que a gente almoçou, ele fingiu que não houve nada, eu também fingi que não havia nada. Ficou aquela mútua hipocrisia. Chacrinha me convidou ao programa dele para receber um prêmio, as pazes foram feitas e não tinha mais problema, sempre nos amamos muito.

Folha - Os grandes nomes de sucesso pagam jabá?

Midani - Até hoje. Hoje estou realmente afastado, mas até um ano atrás era assim. Havia números, que eram estupendos. Nos anos do milagre brasileiro do início do governo FHC, se nos Estados Unidos o custo de lançar uma música no rádio com esse tipo de ajuda promocional era de US$ 300 mil por uma canção, no rádio brasileiro era de R$ 80 mil a R$ 100 mil, na época em que um dólar era um real. Ou recebi informações erradas, ou esses números são reais.

Folha - Para uma rádio não seria vantajoso tocar a nova música de artista de grande sucesso?

Midani - Não hesito em dizer que, a não ser honrosas e poucas exceções, como Roberto Carlos, não importa o tamanho dos artistas. Tem que pagar. A honra e o prazer são coisas que não existem mais.

Folha - Mesmo a rádio correndo o risco de prejudicar sua própria audiência?

Midani - É, mas a partir do momento em que o sistema funciona dessa maneira, não tem como. Uma toca porque alguém deu dinheiro, outra também toca o mesmo cara, então todo mundo vai. Hoje, a indústria fonográfica vive um momento de crise estrutural (por causa da mudança de tecnologia), criativa (porque raramente se pega um artista que já está pronto no primeiro disco) e econômica (por recessão).

Folha - O que você acha de uma lei de criminalização do jabá?

Midani - Acho que é indispensável, porque se você paga jabá e não tem recibo você não pode deduzir essa despesa do seu Imposto de Renda. Não pode entrar como despesa operacional. Hoje o meio radiofônico e o meio fonográfico estão cheios de subterfúgios para isso. Se você comprovar que esse dinheiro não foi usado para isso, mas para jabá, não acontece nada, porque não existe uma lei que diga que subornar é contra a lei e dá cana. Não se tem nem esse elemento.

Quando comecei a trabalhar nos Estados Unidos, a primeira coisa que recebi em minha mesa foi o chamado livro branco. Eram diretrizes de como se deve comportar com ética, e eu tinha que assinar que na minha gerência nenhum país que estava ligado a mim em nenhum momento ia fazer práticas de suborno. Lá é lei.

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Folha - E lá jabá é considerado uma forma de suborno?

Midani - Então, o que é? Aqui não é considerado dessa maneira, mas é claro que é. É uma questão vernacular: eu lhe pago para você falar bem de mim no seu jornal ou na sua rádio, mesmo que você não goste da minha cara, eu aumento o preço e você acaba falando bem de mim. Isso é suborno. Se chama jabá, suborno ou campanha promocional (ri), moralmente é um suborno.

Folha - Quais outros prejuízos a prática de jabá pode trazer ao mercado musical?

Midani - Hoje em dia eu diria que não tenho nada contra o jabá. Tudo depende do que se faz com esse jabá. É um pouco como a Rifle Association nos Estados Unidos. Eles dizem que o fuzil não mata, que quem mata é quem puxa o gatilho. É um raciocínio incrível, né? Vamos supor que nos idos de 70 a situação fosse como é hoje. Eu teria botado jabá em cima de Caetano, Gil, Chico, desse pessoal todo. E todo mundo teria aplaudido, porque valia a pena. Começa a ficar pior quando você faz uma outra viagem: pega um artista que não tenha nenhuma qualidade que não seja a de ser bonitinho, empurra uma meia dúzia de canções feitas por quilo, e depois coloca dinheiro por cima.

Tudo depende do que você faz com o jabá. Se for colocar o famoso jabá em cima do que poderíamos chamar uma causa nobre, graças a Deus poder convencer essas pessoas de tocar uma coisa que é boa. Se era para botar jabá em cima de Raul Seixas, por exemplo, não me lembro, mas botei com muito prazer, porque estava convicto que esse menino era fantástico. Há cores nessa história, não no lado ético, mas do lado empresarial, objetivo.

Folha - Se emplacasse, a lei anti-jabá seria boa para quê?

Midani - É bom que exista a lei, não só do jabá do disco, mas no geral. Este país está permeado de jabá, não só do fonográfico. É uma sociedade cancerosa com o jabá. O país é jabazeiro.

Folha - Além de dinheiro vivo, o jabá também incluía "mercadorias"?

Midani - O que for. Dinheiro, drogas, prostitutas que eram levadas até o cara no fim-de-semana. Isso já não creio que exista hoje em dia na indústria.

Folha - Há quem defenda não a criminalização do jabá, mas sim sua legalização e regulamentação. O que você acha disso?

Midani - Mas aí se está violando o que se chama de as forças do mercado. Como se vai fazer isso? Determinar quanto se paga para um artista novo, quanto se paga para um veterano?

Folha - Seria mais difícil do que coibir?

Midani - É claro. Dali a pouco ia precisar de uma Ecad [órgão responsável pela cobrança de direitos autorais] para controlar isso, uma Ecad do jabá. São coisas ingênuas.

Folha - Também não seria ingênuo acreditar numa lei de criminalização?

Midani - Mas é assim que se faz. A lei sempre é um suporte, um sofá sobre o qual você pode se sentar quando necessário. Há 10 ou 15 anos, os políticos roubavam muito, mas nem se sabia disso. Aí veio um ciclo em que começou a se saber, estamos entrando num ciclo em que começa a custar caro. Acho que ainda vai ser um grande negócio ser um político honesto. O que a gente pode desejar é que se

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minimize essas coisas. Acabar com isso não dá.

Folha - Gravadoras e rádios em geral são vistas como as vilãs desse esquema todo, enquanto os artistas às vezes aparecem até como vítimas. Mas eles não são coniventes?

Midani - Posso dizer que, uma vez que se faça um acordo, muito artista deve saber. No passado, quem pagava o jabá era o empresário do artista. De onde ele recebia a grana? Da gravadora, obviamente. E o artista estava ciente. O artista sempre sabe. O que ele diz é que não quer se meter em briga de gente grande, "não estou aqui para pagar pelas brigas de vocês". É objetivo assim.

5.1 O JABÁ DOS EUA – PAYOLA

Com a mesma lógica do método utilizado no Brasil, o Jabá nos EUA tem outro

nome – “Payola”.

No auge do escândalo de Payola que se abateu no país na década de 50, a revista

especializada em paradas de sucesso, “Billboard Magazine”, relatou que variadas formas

daquela prática infame já eram comuns no período das big bands, nos anos 30 e 40 e no

chamado “vaudeville business” nos anos 20. Porém, a atividade começou a se tornar aparente

nos anos 50, produto de conjunção de algumas circunstâncias como – a emergência do rock

n’ roll, a introdução no mercado do disco single de 45 RPMs, a prosperidade do pós-2ª guerra

e o surgimento dos adolescentes como nova força econômica. Nessa época, as gravações

começaram a tomar o lugar dos shows ao vivo como principal forma de se escutar – e vender

– música. A indústria estava ciente de que o público adolescente tinha dinheiro, adorava o

rock n’ roll, ouvia rádio e era facilmente convencida a comprar discos de sucesso tocados por

DJs famosos.

A questão residia em como explorar da melhor forma o mercado instável de

música. A forma mais fácil para um artista conseguir exposição e conseqüente venda de

discos era através da execução radiofônica. Ocorre que, a esta época, as gravadoras majors

chegavam a lançar 100 singles por semana, dos quais, pelo menos 10% alcançavam sucesso

ou algum lucro para a empresa. Neste cenário, os selos (gravadoras menores) buscaram uma

forma de poderem se distinguir de seus competidores – e o suborno parecia a melhor opção.

Assim, contrataram divulgadores independentes que pagavam a DJ’s para favorecer a

execução da música de seus artistas nas rádios.

Em novembro de 1959, o Congresso anunciou que abriria audiência sobre a

Payola, após o estouro do escândalo de quiz-shows cujos resultados eram previamente

comprados. Antes do início das investigações, o DJ PHIL LIND da emissora de rádio WAIT

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de Chicago assumiu que havia recebido US$ 22.000,00 (vinte dois mil dólares) para tocar

uma canção. Ele recebeu ameaças de morte e precisou de proteção policial. Outro DJ lendário,

ALAN FREED120, o homem que popularizou o termo rock n’ roll, assistiu sua carreira

desmoronar depois de depor nas audiências que ele também havia aceitado o suborno da

Payola. Alan acabou sendo preso e considerado culpado de aceitar os pagamentos. Foi

excluído da radiodifusão e morreu falido e amargurado , em 1965.

A Payola se transformou num grande escândalo quando a sociedade ASCAP

acusou a BMI de utilizá-la para favorecer a execução radiofônica de seus artistas associados.

As rádios estadunidenses necessitavam realmente de medidas saneadoras, pois

DJ’s recebiam milhares de dólares de Payola em troca de execução musical e as decisões

sobre o que tocar não se baseavam na qualidade das obras musicais, mas na quantidade de

dinheiro que pagavam para tocá-las.

Em 1960, como resultado das audiências realizadas pelo Congesso Norte-

Americano introduziu modificações na Lei Federal que tornaram a Payola uma prática

criminosa em todo país, punível com penas de até 1 ano de prisão, ou multas de até US$

10.000,00 (dez mil dólares). O Congresso Emendou o “Federal Communications Act” em

suas seções 317 e 507, tornando obrigatória a comunicação pública formal de quaisquer

pagamentos, permutas ou presentes cedidos a agentes das emissoras radiofônicas ou

televisivas que visem favorecer a execução pública de certas obras musicais, operação

anteriormente camuflada sob o título de “honorários de consulta”.

O país busca seguir com rigor o dispositivo legal e multou, no ano de 2000, uma

emissora de rádio do Texas em US$ 4.000,00 (quatro mil dólares) por aceitar dinheiro para

tocar uma música do artista BRYAN ADAMS sem divulgar ao público.

O chamado “pay-for-play” legal, ou pagamento por execução no qual se compra

uma parcela do tempo de execução pública ainda é utilizado nos EUA, com a comunicação ao

público sobre o pagamento feita logo antes da execução. Caso interessante sobre o seu

funcionamento é o da banda hoje mundialmente conhecida LIMP BIZKIT, cuja gravadora

pagou, em Janeiro de 1998, US$ 5.000,00 (cinco mil dólares) para que uma emissora de rádio

do Oregon tocasse uma música sua por 50 vezes num período de 5 semanas. Isto gerou uma

demanda espontânea dos ouvintes da rádio, o que causou interesse suficiente para lhes gerar

um show por lá, que gerou ainda interesse de outras rádios por sua música e acabou colocando

o artista no grande mercado musical dos EUA.

120 FRIEDLANDER, Paul – tradução de A. Costa. Rock and roll: uma história social. 2ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2003.

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Ainda assim, a prática da Payola (o pay-for-play ilegal) continuou nos EUA,

embora por meios ocultos, e isso desencadeou uma série de reações que chegaram ao

Governo, quando o então senador AL GORE criticou duramente a prática e divulgou estarem

envolvidos até drogas e favores sexuais em meio aos pagamentos do ilícito, o que

movimentava a quantia aproximada de 80 milhões de dólares, no ano de 1986. A indústria

fonográfica se utilizava de divulgadores independentes, sem vínculo empregatício com as

empresas, como forma de despistar a prática do crime. Uma das formas que o Governo

encontrou para grampear estes agentes foi a realização de uma grande operação pelo Fisco,

buscando a origem dos bens, dinheiro e mudança súbita de hábitos econômicos dos

beneficiados com a Payola. O custo de uma promoção individual para que um disco atingisse

o sucesso estava compreendido entre 150 mil dólares e 200 mil dólares. O resultado da

investigação aos divulgadores independentes gerou a descontinuidade de suas contratações

por parte das gravadoras, mas o ilícito continuou a ocorrer, como ocorre em todas as partes do

mundo, distorcendo as paradas de sucesso e sufocando o nascimento de sucessos genuínos121.

Ao menos o país de maior mercado musical do mundo possui dispositivos

estaduais de crime de suborno que vigem também noutros diversos estados norte-americanos,

exercendo um controle geral quando a Lei sobre Payola por algum motivo não se aplique.

Importante conhecer o trabalho sério realizado nos EUA no esforço de coibir os fraudadores

das paradas de sucesso e sanear o mercado musical, tendo em vista que há muitos exemplos a

serem seguidos na incansável luta pelo nosso país de fazer as pazes com sua cultura, que não

precisa, de forma alguma de jabá para atender à demanda do mercado.

121 NEHEMIAS GUEIROS, Jr. O direito autoral no show business: tudo o que você precisa saber: volume 1: a música. 3ª edição. Rio de Janeiro: Gryphus, 2005. p. 360.

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6 CONCLUSÃO

O direito autoral tem um papel histórico e fundamental na existência do homem

porque é o agente a permitir a contínua e incentivada produção da cultura. Até porque, não há

que se falar em cultura sem criação. E não há que se falar em criação sem seus agentes

responsáveis. Um criador que não possua incentivos a manter o ciclo de construção das idéias

constantes em seu espírito, se verá subjugado a um sistema injusto onde a arte não possui

domínio. E conseqüentemente, prejudica-se a garantia à sua função social, objetivo máximo

da proteção aos autores e suas obras.

Neste sentido, a gestão coletiva desempenha função primordial pois busca

viabilizar uma situação que é de direito, mas não fática. O titular, sem o auxílio institucional

adequado promovido pelas entidades de gestão e o seu órgão central arrecadador, se depara

com a cruel realidade que se lhe impõe. E o duplo aspecto do Direito Autoral torna-se órfão

na medida em que de pouco adianta ao Autor, no mundo real, o total respeito e integridade às

obras que produz, se não lhe é concedido o reconhecimento da criação como legítima

atividade profissional, que gera justa remuneração.

Acreditamos veementemente que seja possível, no Brasil, o estabelecimento de

um sistema de direito autoral (que também é necessariamente de gestão coletiva) justo – por

meio do assentamento de proporcionalidades e da instituição de mecanismos públicos que

exerçam uma fiscalização adequada. Defendemos o retorno de um órgão público de

supervisão dos entes gestores e isto é medida totalmente coerente a uma interpretação

sistemática da Carta Magna e medida da mais evidente justiça. Tais órgãos também devem

exercer função arbitral, desafogando o litigioso e promovendo os princípios da celeridade e

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economia processual, além de colaborar, por meio de seus despachos e aconselhamentos, na

elucidação das causas por demais específicas para a Justiça Comum, já que não há foros

especializados em Direito Autoral. O ente estatal ainda exerceria primordial função educativa

na consolidação e difusão do Direito Autoral no país, opinando ainda sobre a alteração dos

dispositivos legais, como muito bem exerceu o desativado CNDA. Dentre as medidas

públicas, dever-se-iam também estabelecer medidas que promovam a proporcionalidade entre

todos os setores do meio dos titulares, mormente no que diz respeito a coibir métodos de

arrecadação e distribuição que, na prática, trazem enorme prejuízo aos artistas menos

favorecidos.

Defendemos, ainda, e com muita contumácia, a definitiva criminalização da

prática destorcida, anti-ética e perniciosa do “Jabá’. Sabemos bem que isto não resultará na

extinção da atividade, mas ao menos consistirá em importante instrumento de apoio e

embasamento, inclusive por retirar de uma vez por todas essa prática real e absolutamente

relevante para a nossa cultura da pecha de mera discussão política e desprovida de tecnicismo,

porque ao seu combate será finalmente dada a devida importância. Mas além disso, é

necessária a instituição de instrumentos públicos de controle das desigualdades, ainda que

talvez pela instituição de cotas, como defende o ex-ministro da cultura Gilberto Gil, às

execuções das rádios. É preciso analisar as possibilidades e estudar seriamente o assunto.

Os casos narrados e ainda muitos outros que redundariam sobre o tema e

poderiam cansar o nosso estudo são provas fiéis e suficientes para que se perceba que o

sistema adotado pelo ECAD e suas entidades é falho. Também porque, são administrados por

seres humanos e estes são falíveis em sua essência.

A experiência e exemplo oferecidos pelos países mais desenvolvidos na luta pelo

direito autoral são imprescindíveis, e dever-se-iam utilizar atividades de estágio por meio de

convênios de nossas próprias associações de gestão coletiva com as dessas localidades. Mas

antes de tudo, não pode o Estado abster-se de realizar o efetivo acompanhamento do sistema

autoral no Brasil, posto que é sua função como agente garantidor dos preceitos constitucionais

relacionados ao acesso e fomento aos bens culturais. Ajamos, pois, com ética e incansáveis,

pois se mostra estritamente necessário num país (e num mundo) que a cada dia precisa mais

de coragem para se manter digno. Porque sem isto, mais e mais nos depararemos com uma

cultura que parece vazia e comprada do lado de fora, e rica e cansada do lado de dentro. Até

que um dia não haja mais forças para lutar contra o que é inabalável.

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