Monografia Expressões da Terra – Denise Fragoso

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Defesa do Projeto Expressões da Terra

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Centro Universitário SENACDesign com Habilitação em Comunicação Visual

Expressões da Terra

Denise dos Santos FragosoSão Paulo, 2014

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F81e Fragoso, Denise dos Santos.

Expressões da Terra. / Denise dos Santos Fragoso. – São Paulo, 2014. 92 f.; il. color.

Orientador: Eduardo Cardoso Braga.

Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Design - habilitação em Comunicação Visual) – Centro Universitário Senac Santo Amaro, São Paulo, 2014.

1.Aldeia indígena Guarani Tenondé Porã 2.Antropologia visual 3.Fotografia 4. Design editorial I.Braga, Eduardo Cardoso(orient.) II.Título

CDD 770.1

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Primeiramente gostaria de agradecer a Nhanderu por ter me dado forças e sabedoria quan-do tudo parecia não ter solução. Ao meu orientador, querido Eduardo Cardoso Braga, que sempre esteve disposto a tirar minhas dúvidas e me atender nos momentos de desespero. Ao Elias Vera, que me permitiu a entrada em sua casa, suas terras, acreditando em meu projeto. Ao meu cunhado, meu fiador, que me deu a oportunidade de estudar, aos meus pais que sempre me apoiaram sem mesmo compreender o que faço. E, por fim, não menos importante minha irmã, que me incentivou de corpo e alma, me ajudando no que fosse necessário para que esse projeto se tornasse realidade. Obrigada a todos pelo apoio que foi, sem dúvida, importantíssimo para concluir este trabalho.

AgrAdecimentos

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O preconceito com o indígena e o consequente desinteresse por sua cultura e visão de mun-do são muito comuns no Brasil. Embora nosso país seja conhecido pelo multiculturalismo e pela diversidade, muitos brasileiros ainda têm preconceito com os indígenas e uma visão deturpada, estereotipada e superficial de sua cultura. A fim de revelar essa realidade e pos-sibilitar sua reafirmação como cultura e visão de mundo, propõe-se neste projeto que seja feito um ensaio fotográfico na aldeia indígena Guarani Tenondé Porã, localizada no bairro de Parelheiros da cidade de São Paulo. Para este ensaio, serão tiradas fotos de caráter etno-gráfico com o propósito de registrar a minha visão sobre esta cultura e, da mesma forma, a visão dos indígenas, que tirarão fotos do que acreditam que seja a sua própria cultura, contemplando, assim, a visão do observador externo e a do próprio índio. Justapondo estas duas visões, estes dois pontos de vista, pretendo também trabalhar com a ideia de alterida-de, invertendo a prática mais comum, na qual prevalece, em geral, a visão do observador externo, a visão do branco, que detém também a interpretação dos dados.

Palavras Chave: Aldeia indígena Guarani Tenondé Porã; antropologia visual; fotografia; design editorial

resumo

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introdução ...................................................................................................................................................................... 08

capítulo 1 – uma história não-indigenista

1.1 os povos indígenas ............................................................................................................................................. 12

1.2 As terras ..................................................................................................................................................................... 21

1.3 A Aldeia tenondé Porã ....................................................................................................................................... 28

capítulo 2 – um recorte

2.1 o olhar e Antropologia Visual ........................................................................................................................ 34

2.2 A Fotografia ............................................................................................................................................................ 44

2.3 imagem e Autoimagem .................................................................................................................................... 52

capítulo 3 – o Projeto

3.1 – Procedimentos metodológicos .................................................................................................................. 62

3.2 – o objeto ............................................................................................................................................................... 70

conclusão ........................................................................................................................................................................ 81

notas ..................................................................................................................................................................................82

referências ...................................................................................................................................................................... 83

Lista de imagens ......................................................................................................................................................... 87

sumário

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ExprEssõEs da TErra8

A ideia do projeto nomeado como Expressões da Terra, surgiu a partir de, um convite para registrar em fotos um trabalho de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de São Paulo que estava sendo realizado na aldeia indígena Guarani Tenondé Porã. Tal projeto propunha que um grupo de crianças não indígenas trocasse experiências musicais e culturais com um grupo de crianças guarani desta aldeia. Acabei me envolvendo com o projeto e percebi que a cultura indígena era muito interessante.

Durante esse tempo me envolvi com aldeia e com a família (cujo patriarca é pajé e cacique da aldeia) e estabelecemos vínculos e temos bastante proximidade, afinal, como diz o Elias Verá (o pajé mencionado), quem vai trabalhar na aldeia deveria ser parte deles para sempre e não somente enquanto a pesquisa acontece. Assisti a apresentações das crianças e adultos desta família na casa de reza; me envolvi com campanhas e atos em favor dos direi-tos indígenas bem como em campanhas de doação de roupas e alimentos para toda a aldeia.

Foi a partir desse contexto que tive a ideia de realizar o meu Trabalho de Conclusão do Curso com um tema que os favorecesse. Uma das principais queixas do povo guarani (e, prova-velmente, de muitos povos indígenas brasileiros) é sobre o descaso das autoridades e da popula-ção em relação à sua cultura. Desconhecem o eles são e o que representam para este país. Assim, pensei que, por meio do meu trabalho – Expressões da Terra –, poderia, como estudante de Comunicação Visual, ajudar a criar uma imagem que comunicasse parte da riqueza e importân-cia cultural desse povo indígena, a qual parecesse ser desconhecida das pessoas e mesmo desse próprio povo, promovendo assim toda a beleza e expressividade da cultura guarani.

O trabalho é dividido em 3 partes. A primeira parte nomeada como Uma história não-indigenista, ou seja, uma história sobre os índios não contada por brancos. Durante

introdução

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muito tempo, a história indigenista foi a única história a ser contata. A ideia do índio selvagem, o branco civilizado, os bandeirantes heróis desbravadores com direitos a mo-numentos, a catequização como fonte de progresso, essas eram as únicas ideias que tí-nhamos em nossas mentes. A cultura indígena, foi considerada por muito tempo uma cultura ágrafa, ou seja uma sociedade sem escrita. Sua tradição foi passada oralmente, e por não usarem de registros, muitas vezes não foi considerada como uma verdade. Desde então, com a chegada dos colonizadores, os índios buscam seu espaço social e físico como por exemplo a sua terra, que é considerado bem imaterial e inalienável para os indígenas, principalmente para os Guarani, que acreditam em uma “Terra sem Mal”, e a buscam incessantemente. Hoje o povo Guarani, luta por sua terras, pois a cada dia a cidade toma mais espaço dos indígenas espremendo-os em uma pequena área não equivalente ao ne-cessário para sua cultura.

A segunda parte, Um recorte, conta um pouco da Antropologia e a nova maneira da etnografia, que saiu dos laboratórios e partiu para uma observação participante, ir a campo para compreender um pouco mais sobre a outra cultura. Usar a fotografia como meio de registro cultural, e usar da imagem como ferramenta da antropologia para autoafirmação resultando na antropologia visual.

A terceira parte, porém não menos importante, O projeto. Esse capítulo descreve os processos metodológicos e uma síntese de como funcionou a pesquisa e sua execução, com diários de campo, embasamento teórico para a construção do livro, e passo a passo de como funcionou cada etapa do projeto.

Esse trabalho tem como principais objetivos promover meios que possam diminuir o preconceito com o indígena e contribuir para sua autoafirmação através da imagem, pois serão unidas duas visões, pontos de vista diferentes, trabalhando com a ideia de alteridade, invertendo a prática mais comum, na qual prevalece, em geral, a visão do observador exter-no, ou seja a visão do branco, que na maioria das vezes também retém a interpretação de todo material coletado.

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umA históriA não-indigenistA

cAPítuLo 1

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1.1 – os PoVos indígenAs

Não existem muitos relatos sobre o que eram as Américas antes de seus “descobridores”. Estes se consideravam assim por chegarem e perceberem que o povo que vivia nessa terra era “gente sem religião, sem justiça, e sem estado” (Fausto, 2005, p. 10). É com essa percepção que os portugueses chegaram com uma atividade “adâmica” que, de acordo com Manuela Carneiro Cunha (2012), pode ser compreendida a partir do ato de nomear a tudo e a todos como estando em um “Novo Mundo”, assim como fez Adão, no paraíso, ainda compara a autora. Muitos dos portugueses chegaram aqui e ficaram encantados acreditando que ti-nham chegado nesse mesmo paraíso de Adão e “assim, apenas nomeando-o, se tomou posse dele, como se fora virgem” (Todorov apud Cunha, 2012, p.8) .

Sem muitos relatos, é difícil buscar um passado para esse povo. Fausto (2005) afirma que antes de Cabral não tinham escritos, pois a cultura indígena é uma cultura ágrafa, ou seja, que não usam ou não tem escrita. Então, temos que recorrer à arqueologia e à linguís-tica histórica (ibidem, p.9). Outro fato é recorrer às populações indígenas de hoje que são 1/20 da população e muitas vezes não se identificam como índios. A partir dessas poucas “provas”, fica muito mais complexo conhecer os donos dessa terra em que vivemos, mas não podemos acreditar que já sabemos de todas as coisas, podemos saber ainda mais, como afirma Fausto:

Tudo somado, é possível dizer que vivemos em uma ilha de conheci-mento rodeada por um oceano de ignorância. Sabemos menos do que deveríamos, mas felizmente ainda podemos saber mais (ibidem, p.9).

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Um outro ponto é que se formos levar em consideração a visão continental, ou seja uma visão da América como continente, temos sociedades muitos diferentes, uns em suas terras al-tas e outros nas terras baixas. De um lado, temos as montanhas andinas que se ergue à costa do pacífico; do outro lado temos a floresta tropical, uma oposição entre as montanhas e o terreno árido, de outro uma floresta verde e úmida (ibidem, p.10). De um lado a sociedade andina se criou um império que ficou marcado em pedras e metais e, de outro, os índios que não tinham terras fixas (eram, sim, nômades) e não registraram sua existência (ibidem).

Mas como esses povos chegaram aqui nas Américas? Como vieram? Sobre isso são le-vantadas muitas hipóteses e uma delas e que a maioria dos pesquisadores acredita trata de os indígenas terem vindo pelo estreito de Bering, mas há quanto tempo atrás? Há entre 35 mil e 12 mil anos atrás, uma glaciação teria feito o mar descer a uns 50 metros do nível atual do mar permitindo que fosse feita a “passagem a pé da Ásia para América” (Cunha, 2012, p.10). Já em outro período (entre 15 mil e 19 mil anos atrás), o excesso de frio teria provocado a junção das “geleiras ao norte da América do Norte impedindo a passagem de homens” (ibidem).

De 12 mil anos até hoje, as temperaturas não tão geladas e mais amenas permitiram que fosse criado um mar entre os dois continentes – América e Ásia. Essa hipótese de uma migração entre esses dois continentes teria ocorrido, como afirma Cunha (ibidem), entre 14 mil e 12 mil anos atrás. Cunha também levanta uma outra hipótese baseando-se em Meltzer: tal imigração poderia ser feita através de uma entrada marítima pelo estreito de Bering, pois há uns 50 mil anos homens vieram da Ásia para Austrália e nada os impedia de virem pela América navegando pela costa.

Cunha ainda afirma que existem outras hipóteses além da Beríngia (ponte terrestre de Bering de aproximadamente 1600 km de extensão que junta o Alasca e a Sibéria, onde se forma o Estreito de Bering no período de glaciações), outras “fontes populacionais e rotas alternativas” para chegada à América e não devem ser descartadas, “pois se sabe muito pou-co da história indígena” (ibidem, p.11).

Estes fatos fazem parte da história indígena que é aquela contada pelo próprio ín-dio e considerada por ser sociedades “frias” sem história pela falta de registros, como já

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foi levantado anteriormente. Além disso, a história indígena é dividida em duas eras A.B. e D.B, ou seja, antes do branco e depois do branco de acordo divisão que Marawê, índio Kayabi do Parque Nacional do Xingu (Cunha, 2009, p.129)

A chegada dos portugueses nestas terras fez com que a vida dos índios sofressem várias mu-danças. Ao pisarem no Novo Mundo, se iniciou uma era conhecida como escambo. O escambo é uma troca, transação entre duas partes. Os índios, durante o primeiro meio século, foram “par-ceiros comerciais dos europeus, trocando por foices, machados facas o pau-brasil para tintura de tecidos e curiosidades exóticas como papagaios e macacos” (Cunha, 2012, p.18).

Com esse novo povo, iniciou-se um processo de mortandade. Os indígenas começa-ram a simplesmente desaparecer da terra, pois começaram a pegar as doenças dos brancos; epidemias derrubaram aldeias inteiras destruindo milhares de índios. A varíola e o saram-po, entre 1562 a 1564, destruíram as aldeias da Bahia, resultando na morte tanto por causa da doença como de fome “a tal ponto que os sobreviventes preferiam se vender como escra-vos a morrer à míngua” (Cunha apud Cunha, 2012, p.15).

Mas não foram apenas os micro-organismos que mataram esse povo. As guerras in-dígenas também contribuíram para esse morticínio, como por exemplo a “Guerra dos Bárbaros” que ocorreu no nordeste brasileiro após a expulsão dos Holandeses do Brasil em 1654. Essa guerra foi considerada uma das mais cruéis e longas das guerras de exter-mínios que já ocorreu no Brasil, como afirma Gomes (2010, p. 420). Essa guerra durou até por volta de 1720, quando os últimos grupos foram derrotados. Um reflexo disso é que hoje, Piauí e Rio Grande do Norte são os únicos estados em que não existem índios atualmente (ibidem).

Traçando um paralelo, praticamente no mesmo período, outros tipos de colonização fo-ram realizadas por europeus, como por exemplo no continente africano. Cunha (2012, p. 14) afirma como foi desfavorável ao europeu, pois eram eles que morriam de varíola, “sarampo, da coqueluche, da catapora, do tifo, difteria, da gripe da peste bubônica e possivelmente da ma-lária” (ibidem), diferentemente do que aconteceu no Novo Mundo onde eram os índios que sofriam com essas epidemias e aqui morriam aos milhares com a chegada dos portugueses.

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Com a morte de tantos índios e a instalação de colonos, os índios foram colocados em uma posição “assenhorada pelo sistema colonial” resultando em uma “população submissa, socialmente inferiorizada e culturalmente transfigurada” (Gomes, 2010, p.420). Além dis-so, essa população ficou submetida como mão-de-obra por logos anos (ibidem). O escam-bo não fazia mais parte das relações entre o índio e o colono, então buscavam a mão de obra para conseguirem mais índios, ou seja “mão de obra, na forma de canoeiros e soldados para o apresamento de mais índios” (Cunha, 2012, p.18).

Essa mortandade não pode ser apenas relacionada à morte física, podemos também relacionar com a morte cultural – o etnocídio. Em muitos momentos foi cogitada a ideia dos índios não serem seres humanos, considerados animais para os padrões da igreja, por terem atos diferenciados. Contudo, em 1537, o Papa Paulo III, declarou que os índios que habitavam nesse Novo Mundo e devastado no Caribe e México tinham alma e seriam, en-tão, capazes de compreender a fé católica (Gomes, 2010, p.422).

Com essa declaração, os jesuítas não perderam oportunidade para catequizar e ensinar as boas novas, isto é, divulgar o evangelho sobre a salvação em Cristo Jesus. Manuel da Nóbrega (1517-1570), um dos primeiros jesuítas da missão na América, descreves sua “tática” para conseguir capturar esses homens inconstantes: “Com um anzol que lhes dê, os converterei a todos, com outro os tornarei a desconverter por serem inconstantes e não lhes entrar a verda-deira fee no coração” (Leite apud Cunha, 2012, p.44). A questão é que se fossem considera-dos animais, sem alma, sem a possibilidade de uma doutrina cristã, seriam mais aceitáveis os “maus-tratos brutais, as torturas”, ou seja, “se tivessem sem alma, os colonos poderiam amargar mais do que dores de consciência, se não o real perigo de serem condenados ao perpétuo infer-no” (Gomes, 2010, p.422). Jean de Léry (1534 - 1611), por exemplo, um jesuíta que veio para o Rio de Janeiro e conviveu com os tupinambá, realizou alguns registros visuais para mostrar ao povo europeu como viviam os índios aqui no Brasil; através de xilogravuras, Léry pretendia mostrar como esse povo era “atormentado por esse demônios” (Cunha, 2012, p.46).

De acordo com Gomes, as relações aqui no Brasil, nos primeiros anos com de-terminadas aldeias, eram de luta intensa. Os portugueses entravam em conflito com

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as aldeias tupinambá ou se aliavam a ela por exemplo, por serem consideradas aldeias mais rebeldes. Sempre insistindo nessas relações, tomavam prisioneiros, comandavam aliados, negociavam o pau-brasil e produziam filhos. E foi a partir dessas convivências que se foi comprovada a ideia de que “essa gente estranhíssima seria, humana – que pensava, sonhava indagava aprendia tinha algum tipo de inteligência, portanto teria alma humana” (ibidem, p. 423).

Fazendo apenas um parênteses, a prática da antropofagia nos rituais tupinambás, que por muitas vezes, causou dúvida perante a “humanidade dos índios” (Gomes, 2010, p. 423). Muitos até hoje afirmam ser um ato de canibalismo, até mesmo Gomes, mas Cunha, co-menta sobre a diferença e esclarece:

Os tupi, no entanto, não são canibais, e sim antropófagos: a distinção, que é, num primeiro momento, léxica e, mais tarde, quando os termos se tornaram sinônimos, semântica, é crucial no século XVI, e é ela que permitirá a exaltação do índio brasileiro. A diferença é esta: canibais são gente que se alimenta de carte humana; muito distinta é a situação dos Tupi, que comem seus inimigos por vingança (2012, p.37).

Não podemos, excluir a ideia de que na Europa também existiam atos de antropofagia. As “guerras de religião” na França ou a conquista da Espanha nas Américas “são memorados acusatoriamente por católicos e protestantes”. De um lado tínhamos os calvinistas e de ou-tro os católicos que por muitas vezes esquartejavam e torturam os seres humanos. “Dentro da selvageria que a França se encontrava imersa, é como se a antropografia tupinambá figu-rasse como a forma mais civilizada dentro do gênero” (Cunha, 2012, p.49), ou seja como os europeus poderiam considerar os índios um povo “bestial” por praticar o antropofagismo se na Europa eram realizados os mesmos atos, contudo o índios eram leais a si próprios e ao seu povo diferentemente dos brancos.

São com estes e muitos outros relatos jesuítas que nos trazem a história dos povos que já estavam aqui. As cartas enviadas para Europa, os métodos de ensinos e mesmo as

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Figura 1: Ilustração do século XVI de Jean de Léry

xilogravuras de Jean de Léry (citadas acima), são fontes desses relatos que permitem olhar por um lado de nossa história.

Quanto às xilogravuras, sendo representações fieis ou não, não podemos desconsi-derá-las assim como os relatos que foram feitos pelos jesuítas, pois é um recorte daquele momento, é uma interpretação a partir de sua cultura. De uma forma ou de outra, boa ou má, essa foi a maneira que a Europa conheceu o Brasil e, até hoje, muitos acreditam que os indígenas ainda ajam da maneira descrita, inclusive muitos brasileiros. Aqui podemos perceber o poder que a imagem exerce, mas este tema será tratado com maior profundi-dade mais à frente.

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Além desses relatos tanto visuais quanto escritos, por sorte temos uma declaração de um índio tupinambá, que descreve como foi a chegada dos portugueses e suas relações por volta de 1610, dizendo:

Vi a chegada dos peró (portugueses) em Pernambuco e Potiú; e co-meçaram eles como vós, franceses, fazeis agora. De início, os peró não faziam senão traficar sem pretenderem fixar residência (...) Mais tarde, disseram que nos devíamos acostumar a eles e que precisavam cons-truir fortalezas, para se defenderem, e cidades para morarem conosco (...) Mais tarde afirmaram que nem eles nem os paí (padres) podiam viver sem escravos para os servirem e por eles trabalharem. Mas não satisfeitos com os escravos capturados na guerra, quiseram também os filhos dos nossos e acabaram escravizando toda a nação (d’Abbeville apud Cunha, 2012, p.19).

Essa declaração indica a maneira como eles roubaram a cultura do índio, praticaram o genocídio e escravizaram a nação. Como, em tão pouco tempo, essa população aborígine desapareceu do mapa? Existem certas controvérsias em relação a quantidade de habitantes em toda a América neste tempo, mas o que se afirma, de acordo com Cunha (2012, p.17), é que na Europa, em 1500, existiam 60 a 80 milhões de habitantes, enquanto na América existiam 90 a 112 milhões de pessoas (Dobyns apud Cunha, 2012, p.16). Também é levan-tada a dúvida de como foi possível despovoar um continente tão rapidamente? Uma das respostas pode ser os atos que foram realizados por colonos, jesuítas contra as populações indígenas e epidemias, como foram descritos acima.

Com o tempo, as questões indígenas e as atenções a esses povos foram se esta-belecendo. No século XIX, por exemplo, alguns escritores da literatura brasileira tais como José de Alencar, Gonçalves Dias descreviam os personagens indígenas de forma romantizada, cheios de vida, força e fulgor. Já em 1922, acontece a Semana de Arte Moderna, em São Paulo, que inicialmente, de acordo com Vânia Moreira (2008,

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p.71), propunha captar a vida moderna, como retratado pela Paulicéia Desvairada de Maria de Andrade. Porém, no segundo período do modernismo, o foco central passa a ser brasilidade. Oswald Andrade, por exemplo, criou os movimentos Pau-Brasil e Antropofágico abraçando simbolicamente a cultura indígena.

Após a revolução de 1930, muito mudou no país, principalmente em seu aspecto go-vernamental: a República Velha deixa de existir e a Constituição de 1891 é substituída pela de 1934, pelo comando de Getúlio Vargas iniciado em 1930. Em 1934, Vargas sentindo o movimento que movia os intelectuais da época, passa a se atentar às raízes do país, e cria, no dia 19 de abril, o Dia do Índio. Essa atenção do governo voltada aos indígenas fez com que ocorresse, de acordo com Seth Garfield (2000, p.19), um movimento continental de expansão da cultura indígena e de suas políticas, afinal, a mídia e o governo, cada vez mais, evocavam o passado brasileiro para que a sociedade se atentasse a esse povo. Tanto é que Getúlio Vargas foi o primeiro presidente a visitar uma área indígena (sem pretender aqui vamos contestar os resultados da visitação nem o objetivo de sua visita).

De acordo com Seth (2000, p.20), os intelectuais da era Vargas estavam se apoderando de uma rica tradição brasileira de homenagem aos índios, pois estavam sendo influenciados pelos movimentos dos anos 20. Além disso, tais ações de união, de integração nacional, trouxeram benefícios e malefícios contestáveis da era Vargas, como a entrada dos indígenas no serviço militar do país e com a “marcha para o Oeste”, no sentido de retirar a ideia de nomadismo dos indígenas e estabelecer terras na área desabitada no país, ou até mesmo a “pacificação” dessas aldeias estabelecidas no Oeste do país.

Hoje, depois de muitos anos a cultura indígena como qualquer povo, colhe os frutos de muitas histórias, Caio Prado Júnior afirma:

É apenas a parte de um todo, incompleto sem visão deste todo. Incompleto que se disfarça muitas vezes sob noções que damos como claras que dispensam explicações; mas que não resultam na verdade senão hábitos viciados de pensamentos (1961, p.20).

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O importante, é aprender e compreender que a história vai muito mais além do real-mente sabemos e, como já foi dito, a cada dia é possível saber mais. Rompermos as barreiras dos “viciados pensamentos” e nos abrirmos para a outra parte do todo, havendo respeito e compressão pela outra parte da história, que talvez nunca você tenha ouvido ou se permi-tindo ouvir, desta maneira partimos para uma sociedade menos preconceituosa e mais rica historicamente e principalmente culturalmente.

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1.2 – As terrAs

As lutas com as terras indígenas e a busca por seus direitos vêm de séculos atrás. Durante esse tempo, tais terras sempre foram desejadas, tomadas e até mesmo vendidas. Sobre isso, frei Francisco de Vitória, considerado por ser o fundador do direito internacional, no sé-culo XVI discorre: “os índios eram ‘verdadeiros senhores de suas terras pública e privada-mente’, mas até que o papa não tinha autoridade para atribuir os territórios da América a Espanha e Portugal” (Cunha, 2012, p.111).

Os portugueses já sabiam que existiam leis indigenistas contudo, foi apenas na década de 1750, o rei D. José I, tendo como ministro o Marquês de Pombal (1699-1782) criaram a lei conhecida como lei pombalina, que “tomou um rumo mais radical” (Gomes, 2010, p.427). Essa lei refletiu na expulsão dos jesuítas das aldeias religiosas, com o objetivo de que os índios aprendessem com os “diretores não indígenas as normas da vida portuguesa, adquirindo modos civilizados” (ibidem, p.427).

Em 1823, José Bonifácio “(...) pensou a nação como um projeto que incluísse bran-cos, negros e índios” (ibidem, p.427), levando à Assembleia Constituinte esta proposta. Na visão de Cunha, Bonifácio, estava interessado na “civilização dos índios bravos” e pedia justiça “não esbulhando mais os índios, pela força, das terras que ainda lhes restam [resta-vam], e de que são [eram] legítimos senhores, pois Deus lh’as deu [tinha dado]’” (Cunha, 2012, p.111).

Após oito anos, em 1831, é declarada a liberdade de todos os índios, mesmo aqueles que estavam sob as cartas régias de D. João. Só precisavam manter uma condição de orfan-dade, ou seja, teriam como tutores os juízes, porque eram considerados “ingênuos, volúveis e manipuláveis” (Gomes, 2010, p.431). A tutela passou a ser uma maneira de civilizarem

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os índios e de fazer com que assimilassem a cultura branca, pois os consideravam como “grandes crianças” que precisavam de proteção, até que crescessem e chegassem a ser como eles (como nós?).

Para ter mais controle sobre os índios, os colonizadores decidiram reunir esses povos fazendo aldeamentos, como os jesuítas faziam anteriormente para catequizá-los. Os índios foram se aproximando cada vez mais perto das colônias onde se concentra-vam as missões e onde, hoje, estão as cidades. Além disso, Cunha afirma que esses alde-amentos serviam como fonte de mão de obra (2012, p.76). Em 1827, por exemplo, os índios de Santo Antônio da Saúde, Soure, Pombal, Mirandela e Geru foram reunidos para que ficassem vagos os terrenos, alegando que existiam poucos índios nessas terras (Cunha, 2012, p. 77). Sem dúvidas, os colonizadores nunca pensaram nas diferenças entre cada uma dessas sociedades, pois tinham origens, culturas diferentes e mereciam o espaço que já era deles.

Cunha ainda declara que no alvará de 23/11/1700, foi demarcado uma “légua por quadra para cada aldeia”1, mas em 1819 foi diminuído para “um quarto de légua de frente e meia légua aos índios” (Cunha, 2012, p.78). Em 1832, iniciou-se a corrida pelas terras das aldeias e uma longa disputa por elas. Muitas das terras das aldeias recebiam as sesmarias, e essas terras até 1812 podiam ser vendidas. Só a partir de 1819 decretou-se os direitos inalie-náveis dos índios sobre as terras das aldeias.

O Decreto 426, realizado em 1845, conhecido como “Regimento das Missões” ou “Regulamento das Missões” estabeleceu inúmeras medidas. De acordo com Gomes, esse novo decreto deveria auxiliar essas atitudes e nortear o relacionamento com índios “e de certa forma chamou para o governo central a responsabilidade final sobre a questão indíge-na”. Ou seja, haveria um “posto indígena” com um diretor que era escolhido pelo imperador e mais outros “diretores parciais” (2010, p.431).

Depois de cinco anos (em 1850), após o “Regulamento das Missões”, criou-se a Lei das Terras. Essa lei não protegia as terras indígenas como o termo sugere, mas, ao contrá-rio, tinha como objetivo reservar as terras públicas para o Império para serem realizados

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aldeamento dos índios; terras que seriam “inalienáveis e destinadas a seu usufruto” (Cunha, 2012, p.79). Essa lei gerou muitos conflitos pois “inaugura [inaugurou] uma política agres-siva em relação às terras das aldeias”: os índios que não habitassem nos aldeamentos es-tabelecidos e/ou fossem encontrados fora deles, seriam desconsiderados índios, isto é, a única garantia de serem reconhecidos como indígenas, seria se permanecessem no lugar estabelecido pelo império.

Um exemplo disso é o próprio estado do Ceará, que foi primeiro território a “negar a existência de índios identificáveis nas aldeias e a querer se apoderar de suas terras”, alegando a ausência de qualquer índio para não precisarem separar terras devolutas (Cunha, 2012, p.80). Essa lei trouxe muitos problemas para os indígenas principalmente por começarem a existir aldeias extintas e pessoas que negavam sua identidade como índios ou não eram reconhecidos como tais, acabando por serem “confundidos com a massa da população”.

(...) Devem ser considerados nulos quaisquer aforamentos dessa terras feitos pelas Câmaras Municipais (7/12/1858; 19/5/1862). Aos poucos, porém, o poder local ganha terreno: a partir de 1875, as Câmaras Municipais passam a poder vender aos foreiros as ter-ras das aldeias extintas, e a poder ‘usá-las” para fundação de vilas, povoações ou mesmo logradouros públicos (Decreto 2672 de 20/101875). Em 1887, as terras das aldeias extintas revertem ao domínio das províncias e as Câmaras Municipais passam a poder aforá-las (Lei 3348 de 20/10/1887, atg.8 par.3;12/12/1887 e 4/4/1888 (Cunha, 2012, p.81).

Podemos perceber que ano a ano, enquanto a cidade ia crescendo, os índios foram perdendo seu espaço e a partir do século XIX, como vimos anteriormente, essa relação com o espaço das terras indígenas começou a se acentuar. Os índios, e os brancos pobres viviam às margens de grande propriedades, “cronicamente carente de mão de obra” (Cunha apud Cunha, 2012, p.71).

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Dentro dessa razão, os índios foram essencialmente tratados como mão de obra (escrava na maior parte) e fornecedores das ‘drogas do sertão’. Hoje, sem peso significativo como mão de obra, suas terras são o resta a cobiçar. Trata-se, agora de substituí-los por gado, construir barragens, explorar minérios. O índio, em sua é hoje totalmente supér-fluo: um luxo (Cunha, 2012, p.114 e 115).

Em 1910, com o objetivo de dar assistências a todos os índios e garantir seus diretos, foi criada a SPI (Serviço de Proteção aos Índios). Nos primeiros anos, a SPI tentou de-marcar as terras com um acordo dos estados, mas isso resultou em pequenas terras para os “índios kaingangs do sul do país, os Guarani e os Terena, do Mato Grosso do Sul” e, por essa razão, é que hoje não há espaço para essas populações (Gomes, 2010, p. 437). Contudo, a Constituição de 1934 determinou, no artigo 129 que fosse “respeitada a posse da terra por indígenas que nelas se achem permanentemente localizados, e sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las” (ibidem).

Em 6 de abril 1936, no Decreto 736, publicado por Getúlio Vargas, os artigos 3º, 41º e 42º2 sobre isso afirmam:

Art. 3º. O Serviço de Protecção aos indios promoverá os actos mais convenientes: para impedir que as terras habitadas pelos selvicolas sejam tratadas como se devolutas fossem, demarcando-as, fazendo respeitar, garantir, reconhecer e legalizar a posse. dos indios, já pelos Governos Estadoaes ou Municipaes, já pelos particulares; (...)

Art. 41. Nas terras reservadas para os indios ou por elles habitadas, nas de sua propriedade ou nas terras a que se refere o art. 129 da Constituição da Republica, ninguem poderá construir ou fazer bemfeitorias para gozo ou lucro proprio, sob pena de incorrer nas comminações da ultima parte do art. 547 do Codigo Civil e mais disposições legaes que resguardam as propriaedades em geral e especialmente as propriedades dos indios.

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Art. 42. Todos os immoveis construidos em terras dos indios, bens moveis e semoventes ahi existentes, a que so refere o artigo anterior ou ahi introduzidos, resarcidos os damnos consequentes (Const. Bras. art. 113 n. 17) serão considerados de propriedade da communidade indigena habitante das terras respectivas, resalvadas as propriedades e bemfeitorias das associações particulares, leigas ou religiosas, que se dedicam á manutenção de obras do assistencia em beneficio dos indios.

Em 1967, foi extinguida a SPI por acusações de “corrupção e desleixo com as po-pulações indígenas” (Gomes, 2010, p.434) e se criou, em 5 de dezembro, a Fundação Nacional do Índio (Funai) que tem como missão, de acordo com seu próprio site, “pro-teger e promover os direitos dos povos indígenas no Brasil”. Também “cabe à Funai promover estudos de identificação e delimitação, demarcação fundiária e registro das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, além de monitorar e fiscalizar as terras indígenas”3.

De acordo com Gomes, desde 1934 até a presente Constituição Federal, os índios são apontados de maneira positiva “reconhecendo suas culturas e seus territórios. Além de serem considerados cidadãos plenos têm direitos específicos, comunitários, e respaldo do Ministério Público” (2010, p.434). Além disso, está presente no artigo 67 da atual Constituição Federal que as terras indígenas já deveriam estar demarcadas em um prazo de cinco anos, ou seja, isso deveria ter acontecido em até 1993: “Art. 67. A União con-cluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”4.

Mais de 20 anos se passaram após a promulgação da Constituição e, até hoje, os indí-genas sofrem o dilema das demarcações. Na cidade de São Paulo existem aldeias que lutam por terras, por mais espaço, por condições de vida básicas. Uma delas é a aldeia do Pico do Jaraguá luta por suas terras. Cercada pelas Rodovias dos Bandeirantes e Anhanguera, essa aldeia vive em descaso com suas terras, seu rio está completamente poluído e suas terras são minúsculas de acordo com a demarcação realizada pela Funai.

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Esta imagem disponibilizada no site5 da Comissão Pró-Índio de São Paulo mostra a demarcação realizada pela Funai que já foi aprovada. A área azul é o território reconhecido pelo governo e o pequeno ponto amarelo é a aldeia atual.

Figura 2: Área da Aldeia do Pico do Jaraguá

Já a aldeia Tenondé Porã e a Krukutu, localizadas na extrema região sul de São Paulo, também vivem o “encolhimento” de suas terras demarcadas, pois cada dia mais a cidade avança mais para dentro de suas terras, como podemos ver na imagem disponibilizada pela Comissão Pró-Índio de São Paulo.

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Hoje, os indígenas e apoiadores pela causa lutam por essas demarcações nessas aldeias. No dia em que se escreve este texto, os processos de demarcação estão em posse do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso para que sejam assinados e, assim, não sejam despejada população indígena que vive na Aldeia do Jaraguá. Nos dia 24 de abril de 2014, de acordo com a Folha de São Paulo, 300 indígenas e ativistas foram às ruas para protestarem contra o descaso do ministro da justiça e recolheram canetas da população para enviar-lhe e pres-sioná-lo a favor deles, afinal, a garantia de suas terras, garantem aos indígenas o direito de viverem de acordo com sua cultura, de realizarem seus rituais e até mesmo de falarem sua língua. Alguns julgam esses direitos como privilégios aos indígenas, mas essa ideia de que “os índios gozam de privilégios (e não direitos)” (Cunha, 2012, p.110) precisa ser desfeita por aqueles que se consideram “civilizados”, afinal, os indígenas são os primeiros donos des-sas terras e sequer deveriam estar lutando pelo que já é seu.

Figura 3: Área da Aldeia do Krukutu e

Tenondé Porã

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1.3 – A ALdeiA tenondé Porã

Em São Paulo, de acordo com dados oficiais da prefeitura6, existem 3 aldeias: Aldeia do Jaraguá, na zona oeste da cidade; Aldeia Krukutu e Aldeia Tenondé Porã, ambas localizadas em Parelheiros, extremo da zona sul de São Paulo. Esta é uma região de mananciais e de flo-restas protegidas pela APAs Capivari-Monos e Bororé-Colônia que tem como objetivo, de acordo com a Prefeitura de São Paulo, preservar a região e seus importantes recursos naturais.

Esta é uma das últimas regiões de São Paulo que possui áreas verdes e nascentes e estas drenam as Bacias Guarapiranga e Billings. De acordo com o site da Sabesp7, em São Paulo existem oito complexos de água para atender a 33 municípios. Um destes complexos é o do Guarapiranga, formado pela Represa Guarapiranga e pela Represa Billings que possui o se-gundo maior sistema de água da região metropolitana do estado de São Paulo, produzindo, assim, 14 mil litros de água por segundo e abastecendo 3,7 milhões de pessoas das zonas sul e sudoeste da capital.

Essa região é essencial para a vida na cidade de São Paulo, principalmente por conta dessa questão de suas nascentes e porque preservarem ainda fragmentos da Mata Atlântica (como por exemplo o Parque Estadual da Serra do Mar). Apesar disso, a cidade não para de se aproximar desta região e, cada vez mais, consome esses pequenos fragmentos. Exemplos são as obras do Rodoanel (trecho sul), ocupações irregulares, causando um grande impacto ambiental. Não podemos deixar de comentar sobre as especulações imobiliárias crescentes próximas a essas regiões e sobre a possibilidade de se construir um aeroporto nesta região.

Os Guarani fazem parte da grande família Tupi-Guarani que ocupava Argentina, Brasil, Bolívia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru e Uruguai antes das chegadas dos colo-nizadores. Hoje, os Tupi-Guarani estão divididos em 20 grupos8, cuja principal marca

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de divisão é a língua, e dentre esses grupos estão os guarani. Ainda assim, os guarani estão divididos em Guarani Nhandeva, Guarani Kaiowá e Guarani Mbya (também divididos por conta da língua). Estes últimos habitam o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai (Bolzan, 2013, p.34) e, segundo o senso do IBGE 2010, existem, no Brasil, 8026 índios da etnia Guarani Mbya.

A aldeia Tenondé Porã, que tem como sentido de seu nome9 “luz e esperança” ou “alian-ça para o futuro”, foi nomeada em 1990. A origem de seu nome veio a partir de um grupo de crianças que dançavam e cantavam. Antes de chamarem Tenondé Porã foram nomeados como Morro da Saudade e, antes de 1970, apenas de Vila Guarani (Bolzan, 2013, p.31).

Hoje, são 26 hectares de terras demarcadas e reconhecidas10 (com uma proposta de revisão para ampliação onde vivem, atualmente, 800 e 1200 indígenas (Bolzan 2013, p.33). Isso significa que são, quase, 47 habitantes por hectare, o que, para os indígenas é um espaço bastante pequeno.

A relação com a terra para o indígena Guarani não é uma relação de proprieda-de, mas de conexão, pois através da terra em que habitam, são estabelecidas relações com seus ancestrais. Também acreditam que tais terras lhes serão dirigidas pelas divindades, e que devem pertencer-lhes enquanto caminham em direção à outra terra, a “Terra sem Mal”. A antropóloga Hélène Clastres comenta sobre as regras e obrigações desse povo para que cheguem à “Terra sem Mal” e estas têm “um peso insu-portável”. Além disso, tal lugar seria a chan-ce de poder alcançar um lugar perfeito: Figura 4: Aldeia Tenondé Porã (ponto vermelho)

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Figura 5: Índio Guarani fumando o petỹgua (cachimbo) na manifestação em São Paulo. Fumar o petỹgua, para os Guarani é também uma forma de conexão com as divindades

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Nesse momento, os Guarani Mbya, despidos em vida de sua condição humana, se metamor-foseariam em homens-deuses e se tornariam capazes de viver sem fome, eternamente jovens e felizes, numa terra esplêndida (Clastres apud Bolzan, 2013, p.35).

Além dessa relação espiritual e profética que os indígenas têm com a terra, é da terra que eles retiram o sustento de sua família e de seu povo. É na terra que colhem suas plantas consideradas sagra-das para uso medicinal, para sua alimentação e para o artesanato. A agricultura, de acordo com Bolzan (2013, p.53), ainda hoje faz parte da cultura guarani, tendo o período para cultivo determinado pelos antepassados e pelos mais velhos da aldeia. Fazem o plantio de milho, mandioca, feijão, bata e cana, cabaça e melancia.

Nesse pequeno espaço, há, hoje, casas de alvenaria, mas ain-da existem as casas tradicionais. De acordo com o Censo do IBGE 2010, 89,5% das casas da aldeia Tenondé Porã são casas de alvena-ria, 10,5% são ocas e 100% possuem energia elétrica, somando 114 domicílios. O abastecimento de água a 107 domicílios é realizado por poço ou nascente encontrados na aldeia e 7 domicílios possuem nascente em sua propriedade. Possuem banheiros exclusivos e sa-nitários com fossa rudimentar. A maior parte do lixo é coletado e apenas 1,7% é queimado.

Quando o censo foi realizado, em 2010, a população que dessa aldeia era formada por 599 pessoas e todas se declararam indígenas, sendo 50,1% de homens, 49,9% de mulheres. 98% de pessoas indíge-nas de cinco anos ou mais de idade; falam Guarani Mbya, Guarani Nhandeva, Guaraní, Kariri – Xocó, Kiriri, Pankararú, Tupi-Gurani

Figura 6: Melancia no banco da aldeia Tenondé Porã.

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Figura 7: Caneta envolta com artesanato da fibra de bambo para campanha de demarcação de terras

não especificado, Xavánte. Praticamente metade da aldeia vive sem rendimento ou no máxi-mo meio salário mínimo (Censo, IBGE, 2010). Hoje, a aldeia possui uma escola, posto de saúde, um telecentro para acesso a internet e uma casa de reza principal – a opy – e e outras menores que espalhadas pela aldeia para atender às famílias.

O representante/líder espiritual é o pajé. Este é uma figura muito importante para os Guaranis, pois é ele quem faz a ligação do mundo real com o “sobrenatural”; é ele quem se comunica com Nhanderu, Nosso Pai e também é responsável pelas curas espirituais e até físicas. Ainda que todos os Guaranis individualmente possuam suas rezas, cantos, é o pajé o maior conhecedor dessa ligação sobrenatural; ele é a pessoa a quem se pode recorrer para a resolução de impasses complexos. Para atingir esses status, esse alto grau de perfeição, é pre-ciso que os pajés sejam capazes de dirigir a cerimônia”11. Enquanto o cacique, líder político é escolhido pela comunidade, o pajé se torna pajé quando lhe é revelada essa posição por Nhanderu através de sonhos.

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um recorte

cAPítuLo 2

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2.1 o oLhAr e AntroPoLogiA VisuAL

A antropologia

O olho e olhar, para muitos não há uma grande diferença entre essas duas palavras, contudo há uma grande diferença. O olho é aquele órgão externo, enquanto o olhar é o movimento interno da busca de informações e significações. Em português, essa diferença entre as pala-vras não é muito nítida, e talvez seja por isso que muitas pessoas não façam a distinção entre essas duas palavras. Já em outras línguas, como o espanhol, olho é ojo, olhar é mirada, em inglês, eye e look, francês, oeil e regard/regarder respectivamente (Bosi, 1988, p.66).

A fotografia se vale do olhar a todo instante, e não necessariamente o olho. É com o olhar que percebemos e damos significados ao que observamos. A todo momento fazemos traduções do que estamos vendo a partir do olho. A antropologia começa sempre com o processo de estudo, observação, interpretação e algumas vezes comparação. Após a análise do que estão vendo o antropólogo passa para um suporte para que tudo o que viu não seja perdido no tempo ou mesmo no “fundo da memória”. A antropologia, sendo uma ciência, muitas vezes se aproxima da fotografia pelo uso da observação. Pois na fotografia, se usa da observação, do olhar para recortar alguma imagem que se torne um símbolo daquele mo-mento, que signifique algo, que fale por si só, sintetize.

No caso de estudos com outras culturas, a atividade de descrever e relatar uma cultura é conhecida como etnografia. Lévi-Strauss faz a distinção e a hierarquização de três tipos de atividades para o estudo do homem, que são a etnografia: uma escrita descritiva de uma cultura; etnologia: extrair as lógicas dessa cultura; e a antropologia: que estuda as socieda-des humanas (Freire, 2006).

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Existem inúmeros métodos de observação para com o outro. Uma das que ganhou destaque foi a nova abordagem realizada no início do século XX conhecida como Os Argonautas do Pacífico Ocidental, realizada por Bronislaw Malinowski (1922), que saiu da pesquisa convencional e partiu para uma “observação participante”, aquela em que o pes-quisador convive com a sociedade, afastado de qualquer outra pessoa que não pertença aquele grupo, assim envolvendo-se em um “novo mundo” (Sôlha, 1998).

Sôlha (1998) afirma que, na época, houve muitas críticas sobre esse método do observa-dor participante, pois este era um trabalho que era realizado diretamente no campo, o que era considerado fora dos padrões da época já que os estudos culturais eram feitos fora de campo. A etnografia utilizada por Malinowski era aquela em que os nativos participavam da pesquisa e compreendiam o trabalho que estava sendo realizado com seu povo para resultar em uma gran-de contribuição em ambas as partes. Neste sentido, Malinowski afirma:

Estudar as instituições; costumes e códigos; ou estudar o comporta-mento e mentalidades do homem, sem atingir os seus desejos e sen-timentos subjetivos pelos quais ele vive, e sem intuito de compreen-der o que é, para ele, a essência de sua felicidade, é, em minha opinião perder a maior recompensa que se possa esperar do estudo do homem (Malinowski apud Sôlha 1998, p.70).

Segundo Sôlha (1998), esse trabalho que Malinowski realizou transformou muitas ideias sobre os trabalhos etnográficos. Priorizar o ponto de vista dos nativos, seu relaciona-mento com a vida e sua visão de mundo, para Malinowski, sem sombra de dúvidas, era im-prescindível para um trabalho de estudo do homem. Em contrapartida aquele trabalho em que não é levado em consideração os desejos do observado, sem os sentimentos dele, não faz sentido, pois não se está compreendendo o outro, apenas relatando como eles são diferentes.

A antropologia, muitas vezes é considerada como a comparação da sua sociedade para o outro. A partir dai percebemos as diferenças, pois olhamos para nós mesmos antes de perceber que o outro é diferente. Passa a ser óbvio considerar que o pesquisador tenta ser

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imparcial para com a outra sociedade, mas isso não é possível pois “frequentemente assumi-mos os pressupostos mais básicos de nossa cultura como tão certos que nem nos apercebe-mos dele” (Wagner, 2012, p.39). Muitas vezes, este processo não é tão óbvio, afinal, usamos a nossa cultura como parâmetro para olhar a diferença do outro. Que vale perceber que ele é diferente de você e não perceber o que move aquele povo? Se você não permitiu que eles dissessem como eles vivem, não basta fazer um quadro comparativo, pois isso não é estudo do homem. Acreditamos que Malinowski, por acreditar que a pesquisa vai muito além de observar seus costumes e códigos, transformou a antropologia.

Sobre isso, Franz Boas (1858-1942), um dos primeiros antropólogos que realizou uma pesquisa com trabalho de campo12, afirma:

(...)Muitas vezes me pergunto que vantagens nossa ‘boa sociedade’ tem sobre a dos ‘selvagens’. Quanto mais eu vejo seus costumes, mais reco-nheço não termos o direito de olhá-los de cima para baixo (Boas apud

Moura, 2004, p. 36).

Boas nessa afirmação comenta sobre a vontade que temos de olhar os “selvagens” e rotularmos, como piores ou inferiores, sem o conhecimento necessário de seu povo e modo de vida. Após o conhecimento é nítido perceber que muitas vezes somos arrogantes perante eles, e sim fazemos um pré-conceito por serem diferentes, e na maioria das vezes são melho-res que a tal “boa sociedade”.

A antropologia visual

A Antropologia sempre acompanhou a fotografia e o cinema. Em 1895 foi realizada a primeira exibição comercial do cinema (Novaes, 2005). Em 1898 o inglês Alfred Cort Haddon (1855-1940) e William Halse Rivers (1864-1922) organizaram uma expedição

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ao Estreito de Torres (Oceania) levando uma câmera e realizando filmes etnográficos.

Na década de XX, foram lançados alguns clássicos dos filmes etnográficos como o pioneiro Nanook of the North realizado por Robert Flaherty com os Innuit. Um filme que marcou a história da antropologia, pois foi o primeiro filme documentário de longa-metragem, com 78 minutos.

Como estudante de Design com habilitação em Comunicação Visual, não poderia deixar passar uma análise sucinta sobre o car-taz. Este é composto por ilustrações de retratos daquela comunida-de e nele são usado tons frios nos fundos das fotos, pois se trata de um estudo com os Innuit, isto é, com pessoas que vivem no extre-mo do planeta terra, um dos pontos mais frios mundo. A tipografia tem uma pequena serifa, que faz um contraste com os outros tipos encontrados no cartaz. A fonte na cor vermelha com um contorno em preto para dar uma moldura ao título, que tem como utilida-de destacar do todo. Remete a dualidade encontrada entre frio e o quente, esverdeado e vermelho, o amor, a vida, resultando em uma síntese que é, existe vida em um lugar frio, branco e gelado, ou me-lhor, existem seres-humanos nos extremos da terra.

O subtítulo é composto por uma fonte não serifada, as-sim como outras informações como o diretor, produtor. Na parte superior, temos em itálico o que pode ser considerada como cha-madas: “A historia mais humana e verdadeira das Grandes Geleiras Brancas”, e “Imagens com muito drama, ação e emoção, como você nunca viu antes” (tradução nossa).

O documentário retrata o dia-a-dia dessa família e apresenta uma vida simples e um pai com características de provedor, caçador

Figura 8: Cartaz do primeiro documentário de Longa-metragem. Nanook of the North

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e herói, para sua família. O filme estreou em 1922. Fazendo um paralelo com o período histórico, percebemos que a imigração de europeus foi intensa nos Estados Unidos porque estavam vivendo um período conturbado pós Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918 de miséria, pobreza e guerras.

Contudo, muitos questionam o fato do filme possuir características para agradar a imaginação dos norte-americanos de modo que o espectador se identificasse com o perso-nagem, principalmente em um momento difícil em que os EUA estavam sofrendo naquela época na década de 20.

Bill Nichols, professor da San Francisco State University, um dos principais pensadores sobre estudos de cinema, afirma que “o cinema era requisitado para reforçar a afirmação de uma identidade nacional. Dessa forma o documentário serviria para afirmar ou contestar, o poder do Estado” (Hallak, 2009, p.20), ou seja, nessa época, Nanook foi importante fonte de afirmação de identidade dos norte-americanos, reavivando aquele estereótipo de que são pro-vedores, perseverantes e batalhadores, de que enfrentam problemas, enfim, de que são heróis.

Além disso, Marcello critica Flaherty por usar “encenação dos hábitos e não sua ime-diata efetivação” (Di Tella apud Marcello, 2010, p.132) ou seja, quando não conseguia cap-turar o momento pedia para Nanook (que era o pai da família) atuar. Um exemplo é a caça de uma morsa, que, por não ter sido capturada, foi então criada a cena de Nanook matando o animal. Além disso, nessa época, já se usava rifles para caçar.

Independente de Nanook ter recebido inúmeras críticas pelo seu processo de não ter sido tão fiel à documentação e por outras questões mais, contudo podemos afirmar que é uma fonte de referência para a antropologia visual e etnografia e, por isso, não podemos excluir o tempo de pesquisa, os obstáculos das baixas temperaturas, o recorte do câmera etc. Esse documentário, sendo ou não fiel, a realidade abriu as fronteiras para o cinema, a fotografia e as pesquisas antropológicas em diversas áreas.

Após Flaherty, Jean Rouch, considerado o mestre das imagens mostrou ao mundo os filmes conhecidos como cinéma vérité (cinema-verdade), que busca captar a realidade tal como ela é, ou melhor “reproduzir”.

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Na primeira face de seus filmes, Rouch usa dos registros etnográficos, como: Bataille sur le grand fleuve (1951), Les maîtres fous (1954), Sigui (1967), Le dama d’ambara (1980); filmes de improviso: Jaguar (1954-1967), Moi, un Noir (1958), La pyramide humaine (1959), Chronique d’un Été (1960), Petit à petit (1970), Madame l’eau (1993); e também filmes considerados de ficção: La punition (1962), Gare du nord (1965), Les veuves de quinze ans (1964), Les adolescents, Le foot-girafe ou L’alternative, Cocorico, monsieur poulet (1974), Babatu, les trois conseils (1976), Dyonisos (1984) (Freire, 2006).

Rouch dizia que “apenas filmava e deixava os personagens elaborarem sua própria verda-de” (Freire, 2006, p.62). Em Crônicas de um Verão (Chronique d’un Été, levantou questões, por exemplo, de como seria o comportamento das pessoas na hora de gravar com uma câmera presente, será que a atitude das pessoas é alterada por existir uma câmera presente; se era possível retratar a realidade... Essas são uma das inquietações que Rouch levanta em seu filme.

Após o fim do filme Crônicas de um Verão, Rouch está em uma sala e pergunta para as pessoas que participaram do filme (Rouch deixa bem claro que o filme é caracterizado por ser “sem atores, criado por homens e mulheres” logo no início do filme, contextuali-zando seu propósito de ser um filme de improvisação retratando a verdade) o que acha-ram do filme. Muitos disseram inúmeras coisas, contudo uma das crianças levanta uma questão: “O que não é verdadeiro? Câmeras podem mentir?”. E a partir dessa pergunta foi levantada uma discussão sobre o papel da câmera. Muitos dos personagens que par-ticiparam do filme se esqueceram da câmera, já outros apontaram dizendo que a pessoa havia atuado, tinha sido artificial.

A ideia de cinema-verdade que Jean traz reflete nas discussões que são abordadas em seu próprio filme, que é aberto a reflexões e trata de assuntos diversos do dia-a-dia de cada pessoa. São por esses motivos que Jean Rouch, na visão da antropóloga Sylvia Caiuby Novaes, é considerado o “mestre das imagens” (Novaes, 2005) revolucionou o cinema e até hoje é reconhecido pelo seu trabalho.

Com todos esses trabalhos citados anteriormente (Malinowski, Haddon e Jean Rouch), a antropologia visual já caminhava para seu surgimento contudo, para muitos, teve seu “ponta

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pé incial” em 1942, na Academia de Ciências de Nova Iorque com o lançamento do livro de antropologia: Balinese Character. A photographic Analysis. Questionado até hoje nos círculos acadêmicos, de acordo com Novaes por seus textos terem uma riqueza superior à da imagem.

Haddon, que tinha sido o percursor desse novo campo e professor, incentivou Gregory Bateson a realizar uma pesquisa em Sepik (conhecida hoje como Nova-Guiné). O governo não autorizou sua pesquisa por ele não ter experiência na área antropológica, então Bateson foi para o Vilarejo Baining de Latramat e ficou lá por 10 meses. A empol-gação diminuiu e Bateson já estava cansado por não estar tendo sucesso com a pesquisa. Mandava cartas a sua mãe dizendo que “já estava cheio de viajar e meter o nariz nos as-suntos de outras raças” (Freire, 2006, p.61).

Bateson estava desanimado com suas expedições, e quando teve a oportunidade para voltar ao Sepik, começa fazer contato com os Iatmul. Sendo cativado por algumas carac-terísticas, decide ficar com esse novo grupo. Margaret Mead, que já era uma renomeada antropóloga, e seu esposo antropólogo neozelandês Reo Fortune, abandonaram seu local de pesquisa em 1932 decidiram também ir ao rio Sepik.

Ao chegar a Sepik, Bateson e Margaret tiveram o seu primeiro contato. Margaret ficou doente e seu relacionamento com Reo ia desabando. Com a afinidade intelectual e as rela-ções aproximadas com Bateson, tomaram o rumo de um envolvimento afetivo que pouco tempo depois estavam casados e, em 1936, empreenderam a aventura científica, a primeira e a última que realizaram juntos. Aventura que resultou na primeira pesquisa antropológica a usar a fotografia e o cinema como instrumentos, de coleta e divulgação (Freire, 2006).

Esse livro constitui uma autêntica revolução metodológica na técnicas de coleta de dados e consolidará o status da fotografia como ferramen-ta na investigação cultural (Andrade, 2022, p.71)

O resultado desse trabalho foram 25 mil negativos fotográficos e quase sete mil metros de película cinematográfica, além de recolherem depoimentos e artefatos com o intuito

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de “retratar”, registrar a cultura do grupo estudo. A origem do livro transformou a meto-dologia para coleta de dados e proporcionou um impulso a fotografia como investigação cultural, que mais tarde reconhecida com a Antropologia Visual.

A partir do reconhecimento e a importância da fotografia, como suporte do etnó-grafo, a imagem ganha força como forma de expressão uma nova dimensão de compreen-der e interpretar o real, pois o “fotógrafo é uma testemunha ocular dos acontecimentos” (Sôlha, 1998, p.77).

No caso de estudos com sociedades e culturas extremamente diferentes do pesquisa-dor, o fotógrafo tem uma facilidade muito maior em ser bem aceito a nova comunidade, ao contrário do antropólogo que na maioria das vezes não é bem aceito porque a comunidade cria uma forma de tentar manter longe o antropólogo. “Frequentemente lhe criam difi-culdades como uma forma de ‘defesa’, para tentar mantê-lo a uma certa distância ou pelo menos retardá-lo” (Wagner, 2012, p.45). Para Wagner, essa é uma estratégia de defesa, pois a comunidade se sente invadida e com medo do dos objetivos do pesquisado que muitas vezes pode ferir ou causar risco a sua cultura.

Esse estranhamento entre o antropólogo e a nova comunidade deve ser respeitado pelo pesquisador, pois na maioria das vezes eles se sentem invadidos e o outro (pesquisa-dor) coloca-os na posição de aberração. Esse é um cuidado que deve ser tomado na hora de começar os primeiros contatos com o outro. É preciso cuidar para que não sejam de maneira alguma serem expostos.

Não poderia deixar passar esse preocupação que percebo na hora em que muitos vão a campo, não respeitando o outro. Contudo não podemos perder o foco que é refletir o papel que a fotografia tem em relação a antropologia.

A fotografia pode ser considerada como algo que está ligado ao tempo, identificação pes-soal, eventos, acontecimentos. Essa questão de evocar a realidade, olhar que sem sombra de dúvidas faz o paralelo com a antropologia, que tem como papel analisar, registrar e documen-tar uma realidade (Novaes, 2005). Mas mesmo a fotografia tendo todas essas características nunca serão a realidade e sim a interpretação de um olhar como Novaes deixa claro:

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Apesar de as imagens fílmica, fotográfica e videográfica estarem im-pregnadas de resíduos do real, elas não são uma extensão da realidade, mas sim uma criação interpretativa fruto de um imaginário social e que, ao mesmo tempo, engendra outros, que podem até mesmo verem a se transformar em realidade (Novaes, 2005, p.111).

É essa a riqueza da imagem, seu poder de sintetizar o olhar do fotógrafo que deve ser considerada como representação do real, pois de uma forma ou de outra esse foi um recorte pessoal, uma interpretação do olhar. Collier Jr. (1973), faz uma comparação entre dois olhares, o olhar com e sem a câmera, e aponta as características que a fotografia pode oferecer para o pesquisador. Uma das primeiras características é o testemunho da realidade, registro ilimitado de detalhes que muitas vezes são imperceptíveis, pois após muito tempo de pesquisa “o olho já estava viciado” em certos pontos.

O olho somente pode manter um registro de um alcance limitado de fenômenos, enquanto que a máquina fotográfica pode registrar deta-lhes ilimitados precisamente. O olho de máquina fotográfica também não é subjetivo, não é confundido com o pouco conhecido e não sofre fadiga (...). Fotografias ampliam, de forma incomensurável os pontos fixos da realidade efetiva e então aceleram e criam um campo alargado para as conclusões fidedignas (Sôlha, 1998, p.85).

Com essa capacidade de reportar o real e registrar detalhes que muitas vezes o olho não percebe, a antropologia visual começa hoje a caminhar, mesmo ainda não sendo bem aceita e incentivada pelas universidades e museus. Para muitos a imagem não tem o mesmo valor que um texto.

Esse pensamento deturpado em relação às imagens se esquece do que a imagem é na sua essência: uma interpretação do olhar perante aquela realidade que, na maioria das ve-zes, a fotografia consegue captar algo que é praticamente impossível de se descrever em um texto, evoca sensações, desejos, sentimentos que nenhum texto é capaz de relatar, vai mais

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além. Em momento algum, não pretendemos tirar a importância da escrita, mas deixar claro que a imagem tem uma capacidade semelhante à escrita, isto é, nem uma é superior ou inferior a outra, mas tem cada uma sua função. Para Novaes, “imagens, tais como os textos, são artefatos culturais.” (Novaes, 2005). Isso quer dizer que, assim como textos, as imagens também são um suporte que pode ajudar nos relatos sobre a cultura.

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2.2 A FotogrAFiA

A invenção da fotografia ocorreu em 1826 com a primeira fotografia de Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833) cuja exposição durou 8 horas e foi tirada de seu quar-to em Le Gras (Achutti, 1997). Contudo, anunciado por Niépce com daguerreótipo, obtendo grande sucesso e sendo reconhecido na Academia de Ciências em Paris em 1839 (Andrade, 2002).

No romantismo (século XIX), as pinturas de paisagens, o individualismo, emoções e sentimentos são valorizados e é nesse contexto que a fotografia ganha força, resultando no abandono da tela e da tinta por parte de muitos pintores para fotografarem em estúdios. Os retratos feitos por eles possuíam custo muito mais acessível para a aristocracia e a burgue-sia, causando grande polêmica por estarem comercializando a arte. Benjamin (1991, p.224 apud Achutti, 1997, p.20) descreve

(...) as coisas evoluíram tão depressa que já por volta de 1840 a maioria dos inúmeros pintores dessas miniaturas tornaram-se fotógrafos profis-sionais, primeiro só com atividade lateral, mas logo de modo exclusivo.

Muitos contrariaram a existência da fotografia porque, para estes, era inaceitável que a fotografia fizesse parte da industrialização, ou seja uma produção fotográfica em série. Segundo Andrade (2002) Charles Baudelaire, um dos maiores críticos radicais da foto-grafia, afirma que a sociedade estava precipitada por contemplar sua própria imagem em um metal, uma loucura. Todavia, alguns contrariam essas afirmações de Baudelaire com o argumento de que:

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(...) a fotografia é a libertação da arte de copiar a realidade; ela con-tribui e influencia na continuidade das artes visuais”. Nesse sentido, é superior à pintura afirma André Bazin (1979), pois alcança com obje-tividade a realidade, sendo um decalque do real (Andrade, 2002, p.35).

Enquanto parte da sociedade repulsava a fotografia, a ciência aceitava-a muito bem, designando a fotografia à reprodução realista da natureza e das paisagens e era considerada como prova para atestar a existência do que tinha sido visto. Os pintores acabaram cen-surando sua imaginação como algo subjetivo, partindo para o realismo e tomando como tema principal as belezas do corpo, terra e natureza, com grande interessa pela luz com pinceladas suaves.

Para a igreja, a fotografia era assustadora, diabólica e pecadora e seu processo era tão misterioso que a consideravam como magia, como uma máquina podia roubar o real. Só os pintores que recebiam o talento de Deus poderiam ver essas pinturas ou reproduzir algo tão realista, afinal os fotógrafos eram pecadores por natureza (Fontcuberta, 1997), pois estavam roubando a semelhança de Deus e reproduzindo, como afirma Freund:

Fixar efêmeras imagens de espelho não é somente uma impossibilida-de, como a ciência alemã o provou irrefutavelmente, como um projeto sacrílego. O homem foi feito à semelhança de Deus, e a imagem de Deus não pode ser fixada por nenhum mecanismo humano. No má-ximo, o próprio artista divino, movido por uma inspiração celeste, poderia atrever-se a reproduzir esses traços ao mesmo tempo divinos e humanos, num momento de suprema solenidade, obedecendo às diretrizes superiores do seu gênio, e sem qualquer artifício mecânico (Freund, apud Andrade, 2002, p. 47 ).

Por causa dessa visão da igreja quanto à fotografia, muitos fotógrafos, antes de tirar suas fotos, pediam a Deus para abençoá-los para que pudessem reproduzir em um mecanis-mo humano suas fotos e, assim, instantes antes da foto, recebiam a benção de Deus.

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Mais tarde, os fotógrafos começam a ganhar espaço. A comercialização de retratos se torna mais comum e a fotografia passa ter como função, além do auxílio à ciência, o registro social. Eugène Atget (1857-1927) começou a documentar o cotidiano parisiense rompendo com a ideia da foto convencional, o retrato. Benjamin (1996), afirma que Atget foi o precursor da fotografia surrealista e que “ele saneia essa atmosfera, purifica-a: começa a libertar o objeto da sua aura, consistindo o mérito mais incontestável da moderna escola fotográfica” (Benjamin apud Andrade, 1996, p.101).

No início do século XX, grandes fotógrafos ficam em dúvida sobre qual caminho se-guir com a fotografia. De um lado estava a fotografia documental que já havia tido seus primeiros passos nos Estados Unidos com os movimentos do fotógrafo Alfred Stieglitz (1864-1946) e que retratava o movimento das ruas da cidade de Nova Iorque assim como as que retratavam Paris como dito acima. No outro lado a fotografia como forma de ex-pressão (arte). Fotógrafos famosos Henri Cartier-Bresson, André Kertész, Werner Bishop, Alexander Rodchenko e Pierre Verger, estavam entre essa dualidade, recortavam o cotidia-no e usando a fotografia como arte.

(....) a fotografia é um duplo testemunho: por aquilo que ela nos mos-tra da cena passada, irreversível, ali congelada fragmentariamente, e por aquilo que nos informa acerca de seu autor (...) é um testemunho segundo um filtro cultural, ao mesmo tempo que é uma criação a partir de um visível fotográfico. Toda fotografia representará sempre a cria-ção de um testemunho (Kossoy, apud Andrade, 2002, p.42).

A fotografia documental, conhecida como fotojornalismo, vai muito além de apenas ser um testemunho do que está acontecendo. De acordo com Santos (2009), a imagem fotográfica é creditada como índice do real, ou seja é um sinal de que algo está acontecendo ou aconteceu, isso faz com que aumente sua força de persuasão e valide a mensagem da fotografia. Além disso, o fotógrafo no momento da captura e leitura obtém a capacidade de evocar sentimentos e expressões para a imgagem.

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O propósito do principio do olhar testemunhal é, como eu tentei ar-gumentar, essencialmente dramático. Note que, no arranjo dessa expe-riência do olhar testemunhal a imagem serve a duplo propósito – ela nos mostra o que aconteceu lá fora, mas também por implicação, o que poderia ter corrido a nós, física emocionalmente (Gombrich, apud Santos, 2009, p.20).

Para Cartier-Bresson (1908-2014), um dos maiores fotógrafos do século XXI, esse tes-temunho do fotógrafo deve “significar” o mundo, ou seja, fazer uma tradução do real, sain-do da passividade como alguém que apenas manipula um equipamento e tomando parte ativa para perceber qual seria a melhor forma de construir aquela escrita visual, um processo de construção do real através do julgamento do que se considera importante para recortar (Santos, 2009). Ele ainda descreve que para capturar a imagem fotográfica, é preciso que sejam colocados na mesma linha da mira a cabeça, o olho e o coração, e com essa junção, a fotografia deixa de ser apenas uma tradução do fato e desperta inúmeros sentimentos e atitudes em relação à ela.

Para “significar” o mundo, temos que nos sentir implicados no que recortamos através do visor (...). Fotografar é, num mesmo instante e numa fração de segundo reconhecer um fato e a organização rigoro-sa das formas percebidas visualmente que exprimem e significam esse fato. É colocar na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração. É um estilo de vida. (Cartier-Bresson, 2011, p.12)

Com a industrialização, o preço para se fotografar se tornou mais acessível e o manu-seio mais prático. A máquina fotográfica agora não está mais apenas nas mãos dos fotó-grafos e qualquer pessoa que quisesse registrar algum momento para não perdê-lo em sua memória podia usá-la: “A fotografia, no entanto, é espelho da memória: imobiliza nossa imagem para sempre” (Andrade, 2002, p.48). A fotografia começa a fazer parte da vida das pessoas e o hábito de tirar fotos em casamentos, aniversário, batizados e viagens foi se

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tornando cada vez mais comum. Neste sentido, a fotografia tem o poder de tornar o imate-rial – sentimentos e sensações – para algo tocável, algo físico. Andrade (ibidem) afirma que usamos a fotografia para o contorno de nossa identidade, para a autoafirmação e para trazer presente o que está ausente (Andrade, 2002).

No início do século XXI, a fotografia se tornou acessível a todos, principalmente no ocidente. Com a revolução tecnológi-ca, a internet chega na casa dos brasileiros e, em poucos anos, invade os celulares que possuem os sistemas operacionais Android e iOS13. Neste período assiste-se à explosão das fotos instantâneas em aplicativos que estão interligados às redes sociais. Grande parte dos usuários que possuem celular com acesso à internet fazem registros e do-cumentam o que consideram importante, imagens de si próprio, comidas, lugares, via-gens, trabalho, enfim, seu dia a dia e a todo momento expõem sua vida na rede para que outros vejam e aprovem sua atitude consi-derando como porta de entrada para novos grupos ou uma autoafirmação.

Além disso, muitas comunidades indíge-nas consideram a fotografia e o registro da sua cultura muito importantes para a preservação dela. No dia 23 de janeiro de 2014, o Museu da Casa Brasileira recebeu o lançamento do Figura 9: Criança guarani tirando foto de outra

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Figura 10: Criança guarani tirando foto

livro “Rojapo ta’angaa – Fazendo Imagens” e do documentário “Ka’a’i – O ritual da erva-mate” realizado pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI) na aldeia guarani Ribeirão Silveira, no litoral de São Paulo. Durante a apresentação do projeto, um dos indígenas participantes deste trabalho fez algumas declarações das quais se ressaltam as seguintes:

Nós também somos seres humanos e por isso temos o direito de co-nhecer a tecnologia e dominá-la (...). As pessoas vão saber que um dia eu existi e tive o direito de viver.

Com esta fala, pode-se perceber como foi importante o trabalho realizado com esta comunidade guarani. O paralelo que os indígenas desse trabalho fazem com a tecnologia é

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bastante pertinente, a tecnologia e seu domínio estão diretamente ligados aos seus direitos de expressão, e principalmente ao seus maiores direitos, a vida. Com esses registros, todos terão acesso a conhecer um pouco mais sobre eles, inclusive os brancos para não terem uma visão estereotipada e saberem que índio também é gente.

Sem dúvidas a fotografia, ajudou muito a esses indígenas, a olharem um pouco mais para sua cultura, para dentro de si, e perceberem que a fotografia é um benefício ao seu fa-vor, que com ela eles podem preservar sua cultura.

Já para Lévi-Stauss (apud Andrade, 2002), a fotografia não é considerada arte, mas é apenas mecânica e documental, um testemunho da realidade, uma imitação. Contudo, não é considerada como um simples registro da realidade fatual, é muito mais que um índice do real. Ela é construída pela bidimensionalidade da superfície, evocando sensações de pre-sença do próprio referente (Santos, 2009). Ou seja, a fotografia tem um papel muito mais importante do que apenas indicar ou afirmar a veracidade de uma notícia, pois ela tem duas dimensões na sua superfície, garantindo um ícone que passa ao observador os objetivos do fotógrafo e sua maneira de resgatar o real.

A fotografia, no entanto, é apenas uma imitação, uma reprodução; re-gistra paisagens, acontecimentos, sem chegar ao que eles realmente são afirma Lévi-Strauss. Para ele, não podemos falar de arte, pois fotografia não é arte, é mecânica e documental. Eis o velho diálogo entre fotogra-fia e arte: a pintura não pode ser substituída por um processo que não tem linguagem própria. Mas a fotografia mudou o comportamento do mundo! (Andrade, 2002, p.31)

Cabe ao fotógrafo, repensar no discurso visual que quer oferecer, seus objetivos, ao usar a fotografia como instrumento de escrita visual, muitas vezes dispensando qualquer outro tipo de escrita, a fotografia será uma escolha. O objetivo da fotojornalismo não é ape-nas reportar a realidade, como já foi dito, vai mundo mais além, é a capacidade de expressão e compressão de uma imagem fotográfica (Santos, 2009).

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Nesta foto percebemos que o soldado baleado está com roupas brancas, com braços abertos fazendo uma comparação até com a morte de Jesus Cristo (Stepan, 2006, nossa tradução). Essa foto marcou a guerra na Espanha, e a muitos europeus. Muitos dizem que é um fake14 que essa foto pode ter sido criada, que ela não tenha realmente acontecido, en-tretanto, se aconteceu ou não temos o índice de que houve guerra e que este militar estava baleado. E além disso, temos o sentimento e a sensação de sofrimento perante a morte, a guerra e o homem ferido.

Essa é uma fotografia testemunhal que relatou o fato, e comoveu milhares, sendo con-siderada uma das fotos que marcaram o mundo pela sua comoção, e repercussão. Alcançou seu objetivo, cumpriu a dualidade do relato e da emoção, a imagem tomou força e fala por si só, tem sua própria escrita visual e mudou o mundo.

Para a fotografia testemunhal que é es-sencialmente dramática, ela nos mostra essa duplicidade da fotografia que é testemunha do fato, mas também desperta diferentes sentimentos, servindo como instrumento de comoção (Santos, 2009).

Temos alguns exemplos de fotogra-fias testemunhais que marcaram o mundo além de autenticar a verdade como é a foto de Robert Capa que registra a morte de um soldado morrendo baleado.

Figura 11: Morte de um Militar Espanhol – 5 de setembro de 1936 – Cerro Muriano, Espanha

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A imagem hoje é um meio de comunicação presente no nosso dia a dia, podendo se apre-sentar de forma pura ou acompanhadas com pequenos textos. As redes sociais e os aplicati-vos que existem e que vêm surgindo só reafirmam a ligação que temos com a imagem e, de acordo com Flusser (2007), estamos voltando ao nosso “estado normal”. Antes que a escrita fosse inventada, a imagem era um dos únicos meio de comunicação. Voltando um pouco à pré-história, chegamos às pinturas rupestres que são representações de desenhos, realizadas em paredes tetos ou em outras superfícies das cavernas ou rochas. Esta era uma forma de comunicação e expressão que era utilizada por aquela sociedade.

Com a invenção da escrita, os códigos nas superfícies continuavam existindo já que a escrita não era acessível a todos e poucas pessoas conseguiam compreender esse códi-go. Neste período – conhecido por Idade Média –, apenas os Monges copiavam os textos utilizando como substrato o papiro e, depois de um tempo, utilizaram o pergaminho que tinha características superiores a do substrato anterior, pois era macio, dobrável e poderia ser escrito nos dois lados e costurado, diferentemente do papiro que não podia ser dobrado e era escrito em apenas um lado.

Pela flexibilidade que o pergaminho oferecia, foi muito usado pelos monges para có-pias de trechos bíblicos. Contudo, em 1400 d.C., o papel substituiu o pergaminho. A ori-gem do papel não é específica, mas o que se pode afirmar é que em 1100 d.C. já existia o papel nos países orientais, porém só começou a ser usado na Europa a partir desse período.

Com o surgimento da imprensa, a ideia de códigos lineares, ou seja, a escrita, começou a ser a principal forma para se descrever a história, os acontecimentos, e uma outra manei-ra de comunicação. As imagens (códigos bidimensionais), começaram a se perder nesse

2.3 imAgem e AutoimAgem

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período, como maneira de comunicação, e ficou apenas com o objetivo de “apoiadores” de textos, ou seja, ilustrações, imagens que exemplificavam o que o texto.

A escrita começou a tomar significado na sociedade gerando muita mudança, principal-mente pelo início da facilidade de produção e reprodução. Então, a partir daí, entramos na “tensa relação” entre texto e imagem ou, como afirma Novaes (2008, p.455), “desde Leonardo da Vinci, as diferentes formas de expressão artística, como a pintura e a poesia são comparadas”.

Essas “tensas relações” pelas formas de expressão são bem antigas. Vilanova Artigas (1975), um dos principais arquitetos que mudou a história de São Paulo, e sem dúvi-da a arquitetura, escreve um texto para os novos alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na USP (Universidade de São Paulo). Nesse texto, Artigas desenvolve a ideia das relações dialéticas entre arte e técnica.

Dominar a natureza foi e é criar uma técnica capaz de obrigá-la a do-brar-se às nossas necessidades e desejos. De outro lado, fazer a história é, também, como se diz hoje, um dom de amor. É fazer as relações entre os homens, a história como iniciativa humana.

Neste dualismo, provisório e didático, que nada tem de misterioso, é que encontra suas origens o conflito entre a técnica e a arte. Uma técni-ca para apropriação da natureza e o uso desta técnica para a realização do que a mente humana cria dentro de si mesma.

Uma técnica para apropriação da natureza e o uso dessa técnica para a realização do que a mente humana cria dentro de si mesma.

(Artigas, 1975, s.i)

Mesmo antes de Platão esse dualismo existia. Entretanto, foi com início da industriali-zação – Revolução Industrial – que se buscou o equilíbrio entre arte e técnica.

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Essas “tensas relações”, descritas anteriormente, são discutidas e sempre repensadas, seja como arte ou técnica até alcançar o equilíbrio. O ideal é ter um ciclo, ocorrendo como uma troca.

A imagem é o resultado da junção dessa dualidade que atravessa séculos e pensadores. Com essa junção de técnica e arte, a imagem se torna algo tão impressionante, mexendo di-retamente com nossas emoções; “há algo na imagem que afasta da racionalidade” (Novaes, 2008, p.455). Olgária Matos (Matos apud Novaes, 2005, p.108), supõe uma origem comum entre imagem e magia. Magia, no grego mageia, é a “arte de produzir efeitos maravilhosos pelo emprego de meios sobrenaturais e, particularmente, pela intervenção de demônios”. Já para Barthes (1920, p.27), a palavra imagem está ligada imitare.

Lévi-Strauss (Strauss apud Novaes, 2008, p.456), de certo modo, também apoia essa ideia de ser uma imitação e não ser algo real como afirma:

A imagem é uma apropriação que a cultura faz da natureza. Imagens não reproduzem o real, elas o representam ou o reapresentam. Nenhuma delas é idêntica ao real (...). Se não houvesse nenhuma relação entre a imagem e o objeto que ela representa, estaríamos diante de um objeto de ordem linguística e não diante de uma imagem (Novaes, 2008, p.456) .

Figura 13: Criança indígena guarani desenhando em si mesma com caneta esferográfica

Figura 12: Criança indígena guarani, usando o tablet como espelho para se pintar

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Como foi afirmado acima, a imagem é apenas uma representação ou reapresentação, ou seja, quando se tem uma imagem, podemos ter a certeza de que o que estamos vendo é apenas um recorte, uma nova representação moldada pelo olhar de quem a desenhou. Além disso, a imagem tem uma característica importantíssima para as Ciências Humanas. Todas as imagens, são universais, e existem em todas as culturas, diferentemente do texto que não é utilizado em muitas sociedades ágrafas. A imagem vem sendo estudada como uma forma de linguagem, como afirma Novaes:

Imagens favorecem, mas do que o texto, a introspeção, a memória, a identificação, uma mistura de pensamento e emoção. Imagens, como o de que as contempla. Elementos visuais têm a capacidade de metá-fora e sinestesia – relação subjetiva espontânea entre uma percepção e outra que pertença ao domínio de um sentido diferente. Podemos as-sociar algumas formas ou objetos a pessoas ou seres específicos, certos cheiros evocam a infância etc. Esta capacidade de metáfora e sineste-sia é muita acentuada nas imagens quando comprada ao texto verbal (Novaes, 2008, p.465).

Figura 15: Criança indígena desenhando nas costas da outra criança com caneta hidrográfica.

Figura 14: Criança guarani desenhando trecho de música guarani

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Como foi afirmado por Novaes (2008, p.457), o uso das imagens é muito comum em culturas ágrafas. A cultura indígena guarani, por exemplo, foi, por muito tempo, uma cultura ágrafa, pois não era comum usarem códigos lineares para se comunicarem e a língua falada era passada de geração em geração. Desta maneira, os guaranis usavam as imagens intensamente em seus artesanatos, casas e principalmente em seu corpo, tendo, ainda hoje, prevalecido o uso de imagens em sua cultura, ainda que já possuem sistema de escrita definido.

Uma matéria publicada na BBC Brasil, em 2012, relata a luta da língua guarani se manter existente no Paraguai. “O guarani sempre foi o idioma nas nossas casas. Agora as crianças aprendem, na escola a ler e a escrever, mas não a falar guarani. Para sobreviver, a língua deve ser falada. Por isso, acho que a tendência é que ela acabe em duas gerações”, diz Ramón Silva à BBC Brasil, professor doutor em língua guarani.

Independe das variações existentes entre as línguas guaranis, no Brasil, São Paulo, a si-tuação não é muito diferente. Na aldeia Tenondé Porã, as crianças aprendem a falar apenas guarani até os seis, sete anos, até entrarem na escola pública. Nessa escola localizada dentro da aldeia, tem aulas de guarani e português. Essa foi a maneira em que encontraram para preservar sua língua nessa aldeia e, assim, sua cultura.

Além da preservação da língua que se inclui dentro da preservação cultural, existe tam-bém a preservação de sua imagem, de sua identidade, sua memória e que estão se perdendo entre esses povos indígenas. Muitos indígenas não têm mais como referencial seu visual:

No processo de colonização, os índios “perderam” seu referencial visual mas não o referencial identitário. Foram afastados e foram se afastando, progressivamente, de sua natureza, de suas realidade grupal ancestral, do índio anterior a Cabral, que, descrito por Caminha, é reconhecido visualmente dessa forma icônica até nossos dias, e a par-tir da República, através da tipologia instituída durante o Serviço de Proteção ao Índio – SPI, para classificá-los de silvícola, de selvagem, índio civilizado, integrado, etc. Imagens como bem diz Novaes, são

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“rigorosamente construídas para divulgar a um público mais amplo a importância da atividades da Comissão Rodon pelo interior do Brasil no intuído de “pacificar” e “civilizar” os índios. (Amorin, 2003, p.149)

Com essa afirmação de Amorim, percebemos como as imagens são importantes para dar uma visualidade há uma cultura e socidade, e como a partir delas surgem estereótipos. Além disso, a sociedade ainda insiste em acreditar que mesmo depois de tantos anos, o índio ainda seja desta forma como é descrita por Pedro Vaz de Caminha:

A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons ros-tos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, de comprimento duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta como um furador (Caminha, 1500, s.i).

Ainda que a sociedade veja o índio desta forma, esse não é o maior dos problemas. Devemos considerar o fato da própria cultura indígena ter perdido suas referências visuais, como já foi problematizado. São os próprios indígenas que estão perdidos em meio a tantas diferenças étnicas e aos problemas que enfrentam com suas terras, falta de recursos, pobreza e abandono. A dificuldade de permanecerem em sua cultura é grande nos dias de hoje por existirem tantos problemas que afetam direta ou indiretamente sua cultura.

Para isso, a Antropologia Visual tem a capacidade de usar as imagens como um fator determinante para sua autoidentificação, pois as imagens podem “dialogar com as questões sensoriais humanas” dando “visibilidade à problemática” (Amorin, 2003, p.145) e ajudan-do diretamente há se auto reafirmarem dentro de sua própria cultura, ou fora dela.

Dubois (1994, p.14 e 15) afirma que uma imagem não é apenas um “produto de uma técnica e de uma ação”, mas vai muito mais além disso: deve ser considerada o “ato de sua

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recepção de sua contemplação”, ou seja, como a imagem irá chegar ao receptor. Além disso, Dubois (ibidem, p.20) comenta a capacidade da imagem fotográfica ser “um jogo complexo de relações entre fotógrafo, que se vê ‘retratado’ nesta imagem, e o observador, que se vê ‘refletido’”, criando uma interação do fotógrafo com o fotografado a partir de uma imagem.

Portanto, usar a imagem como um meio de uma representação, reflexo de uma re-alidade, neste caso fotografias, significa usar de um documento que pode atestar aquela realidade, como “testemunha de sua realidade”. No caso dos indígenas, então, é reafirmar a existência de uma maneira visual aproximando-os de sua realidade.

Para essas culturas que foram consideradas ágrafas por muito tempo, a imagem é pri-mordial não apenas como um simples registro de dados, mas como uso para fixar suas cultu-ras e se auto-reafirmarem (como já foi colocado acima) e usando a imagem assim como um “princípio de identidade”, enquanto étnico, social e histórica” como afirma Amorim (2003) nos processos dos povos indígenas ressurgidos que não se autoidentificavam como índios.

Amorin (2003, p.162) afirma que a “a imagem é susceptível de texto e não o contrário. É a Imagem que prova a escrita e não o contrário”. E Novaes, completa dizendo que as ima-gens são muito mais envolventes do que um texto, pois têm uma capacidade de metáfora e sinestesia, mexendo com os nossos sentidos, “uma mistura de pensamento e emoção”:

Imagens favorecem, mas do que o texto, a introspeção, a memória, a identificação, uma mistura de pensamento e emoção. Imagens, como o próprio termo diz, envolvem, mas do que o texto descritivo, a imagi-nação de quem as contempla. Elementos visuais têm a capacidade de metáfora e sinestesia – relação subjetiva espontânea a entre uma per-cepção e outra pertença ao domínio de um sentido diferente. Podemos associar algumas formas ou objetos a pessoas ou seres específicos, cer-tos cheiros evocam a infância etc. Esta capacidade de metáfora e sines-tesia é muito mais acentuada nas imagens quando comparadas ao texto verbal. (Novaes, 2008, p.466)

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O objetivo principal, neste caso, é usar a imagem para que essas sociedades se auto-re-afirmem em todos os sentidos, tanto culturais, quanto étnicos e históricos; é usar da capaci-dade da imagem para “lembrar, resgatar, sinalar, mostrar, sustentar uma direção”, (Amorim, 2003, p.145), pois a imagem tem como potencial dialogar com a identidade de um povo, dando capacidade de auto-reconhecimento. O suporte imagético é “capaz de mostrar, de sugerir, de provocar questionamentos” (Novaes, 2005, p.116).

Usar da imagem como maneira de representação e comunicação, como afirma Suzan Santog (Amorin, 2003, p.147), é poder “transformar o próprio vivido em uma maneira de ver” indo muito mais além de apenas funções de ilustração; é usar dos significados que a imagem pode oferecer e da relação entre o observador e o observado. Sem a existência desses meios de comunicação, independente de qual seja, “não poderíamos sequer falar de sociedade nem de trocas (simbólicas ou outras) trocas possíveis entre grupos huma-nos” (Amorin, 2003, p.164). O ser humano não consegue viver sem comunicação, “a comunicação humana seria um artifício contra a solidão” (Flusser, 2007, p.94), na nossa essência procuramos comunicação dentro do nosso meio, e ela é feita a partir da troca. É a partir da troca que podemos aprender, desenvolver e a partir da comunicação que podemos obter uma sociedade.

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o Projeto

cAPítuLo 3

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3.1 – Procedimentos metodoLógicos

Com o levantamento e síntese das referências bibliográficas sobre a cultura indígena e guarani, a antropologia visual e a fotografia, propõe-se um ensaio fotográfico, de caráter etnográfico, com o finalidade de captar a vida na aldeia indígena Tenondé Porã, de etnia Guarani, localizada em Parelheiros, bairro da cidade de São Paulo.

Após a realização do ensaio fotográfico, os indígenas que estiverem interessados serão convidados a participar de uma oficina de fotografia, a partir da qual realizarão registros fotográficos do que consideram relevante sobre a sua cultura e seu modo de vida. Com esses dois ensaios - um realizado por mim e outro pelos nativos - teremos dois olhares distintos da cultura guarani, elucidando a imagética do branco sobre o indígena e a do indígena so-bre si mesmo. Dessa forma, obtemos dois resultados de autoimagem e, principalmente, de autoafirmação cultural.

As crianças da aldeia Tenondé Porã são muito ligadas à tecnologia, redes sociais e gos-tam muito de tirar fotos e vídeos. Deixarei uma câmera para as crianças (de 3 a 5 delas) da aldeia, que irão relatar como é o seu dia a dia, no período de umasemana. Eles registrarão o que consideram ser importante para sua cultura e o que gostariam que outros conhecessem.

Com as fotografias em mãos, discutiremos estas representações da cultura e da visão do mundo guarani. Após essa discussão, iremos selecionar quais são as imagens que mais sintetizam sua cultura, para dispormos de um material editorial que possa divulgar e contribuir para um estudo mais aprofundado sobre o índio e com a futura redução do preconceito para com eles.

Na análise da cultura indígena, base para o ensaio fotográfico, utilizaremos princípios e métodos da antropologia visual, os quais objetivam uma aproximação entre horizontes culturais, por meio de uma compreensão hermenêutica com empatia e troca affectus.

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São Paulo, domingo, 06 de julho de 2014

Mais um domingo, como tantos, estávamos na aldeia. Fazia 10 meses que frequentá-vamos a aldeia,pelo menos umas duas vezes por mês. Conhecíamostodos e, as nossas chegadas, sempre eram muito bem recepcionadas pelas crianças, com abraços e falas do tipo: “Quanto tempo que vocês não vem! Achei que não viriam mais.”

Ao caminharmos cerca de 20 metros em direção à casa do Elias - cacique e pajé da aldeia - , sempre vemos o mesmo cenário: a maior parte dos indígenas está sentada na frente da casa, fumando um cigarro ou cachimbo, lavando roupas, amamentando os filhos e “jogando conversa fora”.

Indo em direção à casa do líder, as crianças nos contaram que a avó Iara, esposa do Elias, estava com um bebê. E a pergunta que nos angustiava era: “Mas eu não vi a Iara grávida!”. E as crianças nos responderam dizendo: “Não! Esse bebê não nasceu da vó. Nasceu de uma mulher “louquinha” e agora é da minha vó”. Encontramos com a Iara e logo perguntamos: “Você tem um bebê agora?”. E ela responde: “Sim! Vamos entrar para vocês verem”.

Pela primeira vez em 10 meses entramos na casa da Iara e do Elias. A meu ver, a casa é pequena para a quantidade de pessoas que residem lá. São apenas três cômodos e o banheiro, que fica na parte externa da casa. Entramos no quarto da Iara e conhecemos a “grandona”, apelido carinhoso dado pela Iara, já que a criança tem apenas uma semana de vida e ainda não foi registrado com o nome guarani, que somente será dado quando completar dois meses de vida.

Iara nos conta que o bebê nasceu de uma índia que tinha alguma deficiência mental que não se alimentou corretamente durante a gravidez, e por esses moti-vos, que a “grandona” nasceu tão pequena e frágil. Iara afirma que a mãe biológi-ca não consegue nem cuidar de si mesma, e por essa razão, não cuida do filho. Ela também revela que a assistência social queria levar a criança para um “orfanato

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de branco”. Todavia, a esposa do líder se prontificou rapidamente em criar a criança, para que ela cresça imersa na cultura indígena.

Depois de conversarmos por um longo tempo sobre a criança, nos despedimos e, ao sair do quarto, vimos um painel de fotos. Mas esse painel não era tão sim-ples. Ele continha as fotos que foram registradas por mim, durante os 10 meses em que frequentava a aldeia. Esse foi um dos momentos mais prazerosos do meu trabalho até agora, pois percebi que as fotos capturadas correspondiam aos sen-timentos deles, já que eles se identificavam com as representações fotográficas.

Figura 16: Painel com as minhas fotos encontrado na parede de um dos quartos da casa do Elias e da Iara. Esse painel foi montado espontaneamente pelas crianças da aldeia.

Figura 17: Iara e o novo bebê, Eliara, apelidada como “Grandona” por ter nascido pequenina

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São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 2014

Saindo de Santo Amaro fizemos mais uma viagem até a aldeia Tenondé Porã. Mas essa viagem era diferente das outras. Além de ser um dia de semana, eu estava com uma expectativa enorme em relação ao que as crianças haviam regis-trado naquelas semanas. Chegamos na aldeia e era um dia bem frio. O sol que raiva nos aquecia, fazendo com que as crianças estivessem sem blusa, de shorts, descalço, e como sempre, correndo livremente pela aldeia.

Descemos do “Celtinha” preto, envergonhadas e com receio de que não houves-se ninguém para nos recepcionar, pois pela primeira vez, não tínhamos avisados sobre a nossa ida. Foi literalmente uma surpresa, já que sempre íamos aos do-mingos, com visitas previamente marcadas. Mas desta vez foi diferente. Assim, uma certa insegurança nos envolveu até o momento em que escutamos a voz da Yva (Alessandra) gritando: “Daisy! Denise!” e correndo em nossa direção para receber-nos. Nesse momento, ficamos tranquilas e o alívio de que seríamos mais uma vez bem recebidas predominou entre nós.

Passando pelo cantinho da casa principal do Cacique para fugir da lama, Jera, de 13 anos, vem correndo e pega em meu braço dizendo: “Denise, eu fui cer-tamente burra e, sem querer, apaguei todas as fotos que havia tirado dos arte-sanatos”. Naquele momento confesso que desabei internamente, pensando que toda a ideia do projeto iria por água abaixo. Como isso poderia ter acontecido? Essa era a pergunta que pairava pela minha mente. Mas praticamente no mesmo instante em que eu me questionava com a mesma pergunta, pensei: “Sim, isso é um risco que se corre quando trata-se de pessoas, principalmente crianças”. E com a tecnologia não existe certo ou errado, apenas existem pessoas que estão participando e trocando experiências. Não haveria motivos para achar que deu errado, apenas daquela vez não teriam fotos deles.

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Jera corre para dentro da casa e logo volta com a câmera em mãos. O objeto ficou na aldeia por mais de duas semanas para que eles realizassem os registros. Ao me entregar a máquina, para meu alívio, algumas fotos não foram deletadas. Ufa! Existiam uma pequena quantidade de registros, mas muito importantes, por terem sido tiradas dentro da “Casa de Reza”, onde normalmente é proibido fotografar e filmar, pois é um local sagrado. A menina me contou como obte-ve os registros: ela colocava a câmera em uma bolsa e saía fotografando sem as pessoas perceberem. Achei incrível como ela foi capaz de abraçar a ideia e, prin-cipalmente, filmar e fotografar coisas tão importantes para a cultura indígena.

Algumas índias se aproximaram e me contaram que só Jera queria fotografar e não emprestava a câmera para ninguém. Guardei a pequena câmera e fomos caminhar para aldeia. Contudo, ela permaneceu pouco tempo em minha bolsa. Pediram-me a máquina para registrarem mais um pouco do dia a dia na aldeia. E essa foi a segunda devolutiva em relação ao meu trabalho na aldeia Tenondé Porã.

São Paulo, quarta-feira, 02 de novembro de 2014

Os dois volumes do meu trabalho já estavam prontos. Chegou o grande dia de mostrar à eles tudo o que foi estudado por mais de um ano e para onde iam todas as fotos e o real motivo de capturá-las.

Cheguei na aldeia acompanhada de minha irmã e uma amiga mexicana. Desta vez, os indígenas não vieram nos receber. O som das casas estava alto. Todos estavam na antiga “Casa de Reza”, mas agora sem paredes. Elias Verá estava sentado no meio e levantou para nos cumprimentar. Após a recepção, contei a novidade: “Elias, tenho um presente para vocês! Não sei se vão gostar, mas espero que sim”. Entreguei a sacola e ele pegou o livro, sem saber direito o que era aquilo, e me deu um abraço e um beijo. Clarice, uma das filhas de Elias,

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levantou e pegou a sacola, sentando em um toco de madeira e, em poucos segundos, todos fizeram uma roda ao redor da menina. Folheamos o livro len-tamente, foto por foto.

Os comentários eram feitos em guarani. Não sabia se estavam gostando, pois não entendia a língua falada. Mas o sorriso, gesto universal, predominava. Os olhos grandes e negros estavam fixados nas páginas do livro. Contudo, quando chegaram na página entitulada “Xeramoĩ iro”, todos começaram a rir, e eu nao entendia o motivo da graça. Não hesitei e perguntei: “Está errado?”. Eles pron-tamente responderam: “Sim. Iro é amargo!”. O correto seria “Xeramoĩ oo”, que daria à segunda palavra o significado de “casa”. Olhei para o xeramoĩ, ou seja, o homem mais velho de sabedoria - nesse caso o Elias - e pedi desculpas, mas ele não se importou e todos nós demos risadas do ocorrido.

O grupo terminou de olhar o livro e muitos outros vieram conferir o resultado. Saí com as crianças para darmos uma volta pela aldeia. No retorno, Elias e Iara estavam folheando o livro novamente, com muito carinho. Nesse momento, tive o sentimento de dever cumprido. Foi o maior reconhecimento que poderia ter. Esqueci de todas as dificuldades que passei até chegar aqui. A satisfação de ter o seu esforço reconhecido supera qualquer sentimento negativo.

Figura 18: Entrega do livro para Elias Vera

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(leitura feita da esquerda para direita de cima para baixo)Figura 19: Clarice reconhecendo os pés de sua filha Jade na capaFigura 20: Clarice lendo o capítulo Xeramoĩ iroFigura 21: Clarice folheando o livroFigura 22: Clarice lendo o livro

Figura 23: Cláudio lendo o livroFigura 24: Gilmara lendo o livroFigura 25: Meninos lendo o livro “Na Visão Deles”

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Figura 26: Elias lendo o livro

Figura 27: Elias lendo o livro “ Na

Visão Deles”Figura 28: Elias

lendo o livro ao lado de Iara e suas netas

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O século XXI iniciou-se com uma Era de muita informação. Todos os dias, meios digitais nos conectam com o mundo em apenas poucos cliques ou toques, dando uma abundância de informação, seja ela útil ou descartável. Não é preciso muito esforço para buscar qual-quer tipo de informação. A maioria da população das grandes metrópoles absorve qualquer notícia muito rápido, assim como uma esponja absorve algo.

No começo desse séculos, muitos acreditavam que um dos meios de informação mais antigo iria morrer. Ou seja, a publicação impressa estaria com os dias contados e perderia seu espaço. Mas, como afirma Timothy Samara (2011, p.6), “a evolução de 600 anos da página impressa ainda vale mais que um pixel piscando, sem sombra de dúvida”.

O surgimento da imprensa foi um marco histórico. No início do século XV, os livros feitos de xilogravura resultavam em gravuras simples, com uma imagem e texto, e necessi-tavam de meios de produção mais rápidos, como “blocos de madeiras para reutilizar letras ou cortando letras individuais em aço e ferro”. (Samara, 2011, p.7).

Em 1455, Gutemberg criou um sistema que produzia milhares de letras reutilizáveis, e seu primeiro projeto, foi uma Bíblia com duas colunas de 42 linhas cada. Esse projeto revo-lucionou a história em aproximadamente 30 anos. Havia, de acordo com Samara (ibidem), prensas por toda Europa. A Revolução Industrial, no fim do século XVII, mecanizou todo o processo e, em 1820, já existiam catálogos de produtos, periódicos.

A imprensa brasileira iniciou, de uma forma definitiva, apenas em 1808 com a chega-da da família real. No século XIX, temos o surgimento do Correio Braziliense. Os jornais iam nascendo de forma controlada, optavam por publicidades para ocupar suas páginas, e não tomavam uma posição para orientar seus leitores. No fim do século, é publicado o livro

3.2 – o objeto

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considerado como “a primeira grande reportagem do jornalismo brasileiro” (Melo, 2005, p.10): Os Sertões, de Euclides da Cunha.

Com o tempo, o desenvolvimento da parte gráfica aumenta e os jornais começam a ser impressos em cores, com gráficos e, principalmente, fotos. As fotos vieram para ajudar na comprovação dos fatos, dando um panorama visual sobre os acontecimentos. Os livros acompanharam esse processo, fazendo com que a informação fosse mais acessível para uma maior parte da população.

A editora Martin Claret (2008, p. 5), afirma que, até 1960, de acordo com UNESCO, o livro era “uma publicação impressa, não periódica, que consta de no mínimo 48 páginas sem contar as capas”. Talvez essa definição possa ter perdido-se ao longo desses anos, pois um livro é muito mais que uma publicação de 48 paginas, já que se trata de uma fonte de co-nhecimento cultural e de troca de experiências, seja ela cheia de códigos ou apenas signos.

Por isso, o livro pode ser considerado instrumento cultural capaz de libertar informação, sons, imagens, sentimentos e ideias através do tempo e do espaço” (ibidem).

Com essa definição podemos expandir e libertar sons, imagens e sentimentos por algumas páginas. Trocar informações e adquirir mais conhecimento, independente de quantas vezes já tenha lido, pois sua percepção se une ao que você viveu, possibilitando um olhar diferente perante o livro a cada vez que o abre, pois tem a sensação de uma nova

descoberta a cada página lida.

Ao trocar informações, o homem na verdade permuta valores e per-mite o acesso, entre povos diferente, a informações concernentes a um modo de vida peculiar a um grupo social e não a outro, ou seja, tradi-ções e crenças são conhecidas e determinadas pelos meios de consumi-ção disponíveis em cada sociedade (Melo, 2005, p.12).

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Portanto, o objetivo no presente trabalho é exatamente esse: que o livro seja um meio de comunicação que permute os valores das sociedades e que facilite, consequentemente, o acesso a diferentes povos e culturas, como instrumento de expansão cultural.

O nosso objeto

Primeiramente, antes de começar a pensar no projeto gráfico, pensamos no público-alvo. Isto é, quem seriam as pessoas que apreciariam o projeto, além dos próprios guarani que foram re-tratados. Escolhemos como público-alvo pessoas que acompanham publicações fotográficas, sociais e antropológicas, com tendências para fontes visuais. Como referência visual, foram montados três painéis, a fim de obter bons resultados e afunilarmos a linha criativa do projeto.

Figura 29: Referências de capas de livros fotográficos indígenas

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Figura 31: Referências de encadernação

Figura 30: Referências de diagramação de livros fotográficos

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Após a montagem dos painéis semânticos, partimos para a construção do projeto gráfico, escolha do formato, tamanho, tipografia e paleta cromática. Para a forma do livro foi usado um quadrado 23cm x 23cm, que remete à geometria da cultura guarani. Visualmente, há três centímetros a mais em sua largura pelo fato de a encadernação ser do tipo japonesa e necessitar de uma área para a costura. Já no anexo, temos um formato retangular de 16cm x 12,5cm, seguindo o tamanho das fotos que possuem formato padrão 15cm x 10cm.

23 cm

23 cm

+ 3 cm

área reservada para encadernação

Figura 32: Grid do livro fotográfico

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O grid utilizado é modular. São guias horizontais e verticais que criam pequenos mó-dulos de informação, obtendo um maior controle do grid, como afirma Timothy Samara (2007, p.28). O grid modular nos anos de 1950 e 1960 “esteve associado à uma ordem polí-tica e social ideal”, que vinha da concepção racionalista da Bauhaus e do estilo internacional suíço. Além disso, Samara (ibidem) afirma que o grid modular “acrescenta um maior senso de ordem, clareza e seriedade.”

16 cm

12,5 cm

Figura 33: Grid do anexo “Na Visão Deles”

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Após a escolha do tamanho, formato e grid, escolhemos a tipografia. Desenvolvido nos séculos XV e XVI pelo francês Maximilien Vox, o sistema de classificação de tipos, é dividido em nove classes, como explicado abaixo.

(…) humanes (com serifas ‘humanistas’), garaldes (com serifas ‘garal-dinas’), réales (com serifas ‘reais’), didones (com serifas ‘didônicas’), mécanes (com serifas ‘mecânicas’), linéales (lineais, ou sem serifas), incises (com serifas ‘incisas’), manuaires (manuais), e scriptes (escritu-rais)(Paput apud Farias e Silva, 2005, p.71).

Optei por duas tipografias para compor o trabalho: a primeira é a Garamond, usada para o texto corrido. Neste caso, a Garamond se adequa às Garaldinas, por ter serifa apoiada, “com curva entre a haste e a ponta da serifa” (ibidem), contraste inclinado na letra ‘o’ e a linha da letra ‘e’ que é reto. A segunda tipografia escolhida é a Elegant Lux, utilizada nos títulos, na paginação e na capa do anexo. É uma fonte geométrica, com suas extremidades arredondadas para dar uma suavidade. Se encaixa muito bem com o projeto, que tem um apelo à geometria.

Já na capa temos a Gotham, uma fonte desenvolvida nos anos 2000, sem serifa e modernista, com traços sem variações no con-traste muito usada em sinalizações por ser uma fonte versátil, e a Parqa, também uma fonte jovem, sem serifa, desenvolvida pelo designer italiano Marco Oggian, em 2013. A Parqa possui dois estilos, o regular e o alternative. Optei pelo segundo estilo, com algumas alterações no desenho, eliminando alguns traços e for-mas para facilitar a leitura, mas sem perder a essência da tipografia e seu lado geometrico.

Figura 34: Análise da tipografia Garamond

Figura 35: Análise da tipografia Elegant Lux

Figura 36: Tipografia Gotham encontrada na capa

Figura 37: Desenho baseado na tipografia Parqa

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A paleta cromática foi desenvolvida a partir das fotos que foram selecionadas para o projeto, considerando as cores pre-dominantes e que eram encontradas na maioria das fotos.

As cores predominantes são: o ver-melho, identificado nas roupas e pinturas; O verde, encontrado na natureza; E o ma-genta, também visto em suas vestimentas. Todas essas cores são bem saturadas e vi-brantes, entretanto, o laranja é o menos sa-turado, e detectado em suas terras, paredes e nas casas feitas de barro ou alvenaria.

ANÁLOGAS

C= 15 M=40 Y=79 K=0 R=217 G=158 B=81

C= 0 M=100 Y=85 K=0 R=237 G=27 B=52

C= 0 M=97 Y=8 K=0R=237 G=29 B=133

C= 50 M=0 Y=100 K=0R=141 G=198 B=63

COMPLEMENTARES

Figura 38:Painel com fotos utilizados no livro e exposto no IV fórum sobre questões afroindígenas na contemporaneidade, no Unasp, São Paulo, em 17/08/2014

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Figura 39: Comportamento das fotos dentro gridFigura 40: Página com fundo preto, para dar maior ritmo ao livro

A parte interna do livro tem poucas fotos, no máximo três por página. Além disso, é explorada uma movimentação nas posições das fotos, pois, como afirma Bruno Munari (1998, p.214), “se além disso usarmos também papéis de duas cores, alternando uma folha de papel branco e uma de papel preto (ou vermelho), o efeito rítimico será acentuado”. Desta maneira, usamos do grid modular para termos páginas diversas. Foram usadas tam-bém páginas com cores distintas, com o fundo preto, para dar um ritmo maior, já que o livro possui 62 páginas, e poderia ficar cansativo se todas as páginas fossem da mesma cor.

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Figura 41: Grafismo guarani utilizado

no projeto gráfico, encontrado nas capas Figura 42: Grafismo

guarani em parede de sala de aula

Figura 43: Desenhos na parede da escola

De acordo com Nhambiquara (2014, p.2464), pode-se compreender a origem e a intensidade dos grafismos utilizados na cultura guarani Myba. Cada pintura tem seu sig-nificado, contudo, estão sempre reproduzindo pinturas que traçam “X”, pois acreditam em uma ligação direta com a constelação Cruzeiro do Sul, que os guiavam em sua jornada até a terra sem males. Além disso, cada desenho é feito com o espírito, pois não basta apenas desenhar. Você deve estar feliz e firme com a natureza, e por isso ela não pode ser destruída. No caso do projeto, foi usado um grafismo encontrado nas paredes da escola, nos artesanatos e pinturas corporais.

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A produção final do livro de ensaio fotográfico da aldeia Tenondé Porã foi muito importan-te para mim no âmbito da vida acadêmica, uma vez que consegui colocar em prática con-ceitos e técnicas apresentadas pelos professores ao longo do curso e ao longo da orientação que recebi durante esse ano.

Após mais de um ano de trabalho, regado de levantamentos bibliográficos, leituras e trabalhos de campo, pude concluir que foi possível alcançar os objetivos traçados no início projeto que são promover meios que possam diminuir o preconceito para com os indígenas e contribuir para a autoafirmação dos mesmos por meio da imagem.

Mesmo com pouca divulgação, apenas com algumas postagens em mídias sociais, per-cebi que meu trabalho foi aceito pelas pessoas que também abraçaram a ideia, e que até mesmo se interessaram para conhecer a aldeia estudada.

Os registros fotográficos foram realizados a partir de duas visões: um com as minhas visões em relação à aldeia e outra com a visão dos próprios indígenas sobre o seu dia a dia. Essas reflexões, representando as expressões e impressões de cada um, justapõe as duas vi-sões. Essa troca cultural, afetiva e emocional, resultou em um aprendizado e em experiên-cias que, para mim, não são possíveis de medir nem pontuar.

Não sou a mesma pessoa após a realização desse trabalho. Agradeço a cada dia por ter conhecido tão de perto e vivenciado com os índios momentos tão opostos dos vividos no meu dia a dia. Esse contato rompeu os preconceitos que eu possuía e permitiu que eu com-preendesse um pouco mais sobre nossas origens.

concLusão

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notAs

1. 1 légua = 6,6 quilômetros (Gomes, 2010, p. 437).

2. http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-736-6-abril-1936-472619-publicacaooriginal-1-pe.html, acesso em 08 de maio de 2014.

3. http://www.funai.gov.br/index.php/quem-somos, acesso em 8 de maio de 2014.

4. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acesso em 8 de maio de 2014.

5. http://campanhaguaranisp.yvyrupa.org.br/?page_id=4 , acesso em 8 de maio de 2014.

6. http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/atencao_basica/index.php?p=29931, acesso em 06 de maio 2014.

7. http://site.sabesp.com.br/interna/Default.aspx?secaoId=36, acesso em 06 de maio de 2014.

8. http://www.geocities.ws/indiosbr_nicolai/tupi.html, acesso em 06 de maio 2014.

9. A tradução literal do nome seria “O bem primeiro” em que tenonde é “primeiro”, “antecessor”, “precedente” e porã é “bom”, “bem”, “agradável”.

10. Decreto nº 94223 de 14/04/1987, publicado pelo Diário Oficial da União em 1987.

11. Comissão Pró-Índio de São Paulo. http://cpisp.org.br/indios/html/saiba-mais/24/o-povo-indigena-guarani.aspx, acesso em 8 de maio de 2014

12. O primeiro trabalho de Boas neste sentido foi um trabalho realizado com os Inuit nos anos de 1883 a 1884, na Terra de Baffin. Lá, ele recolheu dados sobre a vestimenta, caça, língua, enfim sobre os modos de vida, enfim, sobre a cultura deste povo.

13. Android e iOS são sistemas operacionais de celulares da Google e da Apple.

14. Fake, um termo em inglês que tem como tradução falso ou falsificação. Pode ser considerado como uma pessoa, objeto ou um ato.

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Figura 1: Ilustração do século XVI de Jean de Léry ................................................................................. p.17

Fonte: https://www.usp.br/jorusp.

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Acesso em: 05/05/14

Figura 2: Área da Aldeia do Pico do Jaraguá ............................................................................................. p.26

Fonte: http://campanhaguaranisp.yvyrupa.org.br/?page_id=4

Acesso em: 8 de maio de 2014

Figura 3: Área da Aldeia do Krukutu e Tenondé Porã ............................................................................ p.27

Fonte: http://campanhaguaranisp.yvyrupa.org.br/?page_id=4

Acesso em: 8 de maio de 2014

Figura 4: Aldeia Tenondé Porã (ponto vermelho) ................................................................................... p.29

Fonte: Google Maps

Figura 5: Índio Guarani fumando o petỹgua (cachimbo) na manifestação em São Paulo.

Fumar o petỹgua, para os Guarani é também uma forma de conexão com as divindades ................. p.30

Fonte: Acervo próprio

Figura 6: Melancia no banco da aldeia Tenondé Porã ............................................................................. p.31

Fonte: Acervo próprio

Figura 7: Caneta envolta com artesanato da fibra de bambo para campanha

de demarcação de terras .................................................................................................................................. p.32

Fonte: https://www.facebook.com/yvyrupa/

Page 88: Monografia Expressões da Terra – Denise Fragoso

ExprEssõEs da TErra88

Disponível em: https://www.facebook.com/yvyrupa/photos/a.659404137460146.1073741844.5487

05488530012/659404264126800/?type=1&theater

Acesso em: 11 de maio de 2014

Figura 8: Cartaz do primeiro documentário de Longa-metragem. Nanook of the North ...............p.37

Fonte: http://movieposters.2038.net/.

Disponível em: http://movieposters.2038.net/p/Nanook-Of-The-North.jpg

Acesso em: 27/03/14

Figura 9: Criança guarani tirando foto de outra ...................................................................................... p.48

Fonte: Acervo Próprio

Figura 10: Criança guarani tirando foto .................................................................................................... p.49

Fonte: Acervo Próprio

Figura 11: Morte de um Militar Espanhol – 5 de setembro de 1936 Cerro Muriano, Espanha ........p.51

Fonte: https://www.magnumphotos.com.

Disponível em: https://www.magnumphotos.com/robertcapa

Acesso em: 17/03/14

Figura 12: Criança indígena guarani, usando o tablet como espelho para se pintar ......................... p.54

Fonte: Acervo próprio

Figura 13: Criança indígena guarani desenhando em si mesma com caneta esferográfica .............. p.54

Fonte: Acervo Próprio

Figura 14: Criança guarani desenhando trecho de música guarani ..................................................... p.55

Fonte: Acervo Próprio

Figura 15: Criança indígena desenhando nas costas da outra criança com caneta hidrográfica .........p.55

Fonte: Acervo Próprio

Page 89: Monografia Expressões da Terra – Denise Fragoso

ExprEssõEs da TErra 89

Figura 16: Painel com as minhas fotos encontrado na parede de um dos quartos

da casa do Elias e da Iara. Esse painel foi montado espontaneamente pelas crianças da aldeia ........ p.64

Fonte: Acervo Próprio

Figura 17: Iara e o novo bebê, Eliara, apelidada como “Grandona” por ter nascido pequenina .........p.64

Fonte: Acervo Próprio

Figura 18: Entrega do livro para Elias Vera ............................................................................................... p.67

Fonte: Foto de Daisy Fragoso (acervo próprio)

Figura 19: Clarice reconhecendo os pés de sua filha Jade na capa ........................................................ p.68

Fonte: Foto de Daisy Fragoso (acervo próprio)

Figura 20: Clarice lendo o capítulo Xeramoĩ iro...............................................................................p.68

Fonte: Foto de Daisy Fragoso (acervo próprio)

Figura 21: Clarice folheando o livro ........................................................................................................... p.68

Fonte: Foto de Daisy Fragoso (acervo próprio)

Figura 22: Clarice lendo o livro ................................................................................................................... p.68

Fonte: Foto de Daisy Fragoso (acervo próprio)

Figura 23: Cláudio lendo o livro ................................................................................................................. p.68

Fonte: Foto de Daisy Fragoso (acervo próprio)

Figura 24: Gilmara lendo o livro ................................................................................................................. p.68

Fonte: Foto de Daisy Fragoso (acervo próprio)

Figura 25: Meninos lendo o livro “Na Visão Deles” ................................................................................ p.68

Fonte: Foto de Daisy Fragoso (acervo próprio)

Page 90: Monografia Expressões da Terra – Denise Fragoso

ExprEssõEs da TErra90

Figura 26: Elias lendo o livro ........................................................................................................................ p.69

Fonte: Acervo Próprio

Figura 27: Elias lendo o livro “ Na Visão Deles” ...................................................................................... p.69

Fonte: Acervo Próprio

Figura 28: Elias lendo o livro ao lado de Iara e suas netas ...................................................................... p.69

Fonte: Acervo Próprio

Figura 29: Referências de capas de livros fotográficos indígenas .......................................................... p.72

Fonte: Acervo Próprio

Figura 30: Referências de diagramação de livros fotográficos ............................................................... p.73

Fonte: Acervo Próprio

Figura 31: Referências de encadernação .................................................................................................... p.73

Fonte: Acervo Próprio

Figura 32: Grid do livro fotográfico ........................................................................................................... p.74

Fonte: Acervo Próprio

Figura 33: Grid do anexo “Na Visão Deles” ............................................................................................. p.75

Fonte: Acervo Próprio

Figura 34: Análise da tipografia Garamond .............................................................................................. p.76

Fonte: Acervo Próprio

Figura 35: Análise da tipografia Elegant Lux ............................................................................................ p.76

Fonte: Acervo Próprio

Figura 36: Tipografia Gotham encontrada na capa................................................................................. p.76

Fonte: Foto de Daisy Fragoso (acervo próprio)

Page 91: Monografia Expressões da Terra – Denise Fragoso

Figura 37: Desenho baseado na tipografia Parqa ..................................................................................... p.76

Fonte: Acervo Próprio

Figura 38: Painel com fotos utilizados no livro e exposto no IV fórum sobre questões afroindígenas

na contemporaneidade, no Unasp, São Paulo, em 17/08/2014 ............................................................. p.77

Fonte: Acervo Próprio

Figura 39: Comportamento das fotos dentro grid .................................................................................. p.78

Fonte: Acervo Próprio

Figura 40: Página com fundo preto, para dar maior ritmo ao livro ...................................................... p.78

Fonte: Acervo Próprio

Figura 41: Grafismo guarani utilizado no projeto gráfico, encontrado nas capas ............................ p.79

Fonte: Acervo Próprio

Figura 42: Grafismo guarani em parede de sala de aula .......................................................................... p.79

Fonte: Acervo Próprio

Figura 43: Desenhos na parede da escola ................................................................................................... p.79

Fonte: Foto de Giovane Tupã Mirĩ (acervo próprio)

Page 92: Monografia Expressões da Terra – Denise Fragoso