UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO · CENTRO DE LETRAS E ARTES COMO REQUISITO PARA OBTENÇÃO...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FELIPE RIBEIRO CAMPOS MONSTROS ASSUSTADORES E TERROR NA LITERATURA PARA CRIANÇAS E JOVENS RIO DE JANEIRO 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FELIPE RIBEIRO CAMPOS

MONSTROS ASSUSTADORES E TERROR NA LITERATURA

PARA CRIANÇAS E JOVENS

RIO DE JANEIRO

2011

FELIPE RIBEIRO CAMPOS

MONSTROS ASSUSTADORES E TERROR NA LITERATURA

PARA CRIANÇAS E JOVENS

MONOGRAFIA APRESENTADA AO CENTRO DE LETRAS E ARTES COMO

REQUISITO PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM

LITERATURA INFANTIL E JUVENIL, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE

JANEIRO.

Orientadora: Profª. Drª. Rosa Maria de Carvalho Gens

Rio de Janeiro

2011

FELIPE RIBEIRO CAMPOS

MONSTROS ASSUSTADORES E TERROR NA LITERATURA

PARA CRIANÇAS E JOVENS

MONOGRAFIA APRESENTADA AO CENTRO DE LETRAS E ARTES COMO REQUISITO PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM LITERATURA INFANTIL E JUVENIL, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO.

APROVADA EM

( ORIENTADOR, TITULAÇÃO E INSTITUIÇÃO )

(LEITOR 1, TITULAÇÃO E INSTITUIÇÃO )

( LEITOR 2, TITULAÇÃO E INSTITUIÇÃO )

AGRADECIMENTOS

Tenho que agradecer a algumas pessoas que sempre estiveram próximas, me

ajudando de várias maneiras:

Aos meus pais, irmão e familiares por me apoiarem em minha pesquisa,

entendendo a importância que a literatura tem na minha vida e os dias que eu passava

em frente ao computador trabalhando na monografia.

À minha professora e orientadora Rosa Gens, por todas as conversas, reuniões,

conselhos, carinho, paciência e por acreditar na minha capacidade.

Aos outros professores do curso de especialização, que me ajudaram a ser o

pesquisador que sou hoje, sabendo que ainda tenho que estudar muito mais.

Aos meus amigos da turma, que souberam compartilhar conhecimento e

também proporcionaram muitas risadas.

Aos meus amigos ilustradores que trabalham e que já trabalharam comigo:

Renato Bittencourt, David Vieira, Luíz Felipe Piorotti, Anderson Magno, Hugo Daniel,

Roberto Jales, Michel Mostacatto e Thiago Rocha, à Jéssica Pansini e às professoras

Maria Aparecida Fernandes, Mariana Lima, Tamara Viana e Ingrid Mattos, que se

preocuparam com o andamento dessa pesquisa e acompanharam todo o processo de

perto. Obrigado pelo apoio e pela cobrança, na certeza de que no fim daria tudo certo.

E porque não agradecer também a H.P. Lovecraft, Edgar Allan Poe, Neil

Gaiman e a todos os autores pesquisados (alguns eu não conhecia) pela existência,

talento e paixão pelo que fizeram ou ainda fazem.

A Elvis, pela ótima música nos intervalos entre um livro e outro.

“De qualquer forma você sabe o que dizem sobre os lobos. Se os lobos

saírem de dentro das paredes, está tudo acabado.”

Neil Gaiman

Os lobos dentro das paredes

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1 LITERATURA DE TERROR ..................................................................................10

1.1 H. P. Lovecraft, Edgar Allan Poe e a narrativa de horror .........................................10

1.2 Drácula, Frankenstein, O médico e o monstro e O retrato de Dorian Gray

...........15

2 TERROR PARA CRIANÇAS E JOVENS .............................................................19

2.1 Características no texto para crianças .......................................................................19

2.2 Pequenos heróis ........................................................................................................26

2.3 Monstros que não são assustadores ..........................................................................27

2.4 Livros e monstros

2.4.1 Os lobos dentro das paredes .................................................................................31

.....................................................................................................31

2.4.2 As bruxas ...............................................................................................................34

2.4.3 10 + Histórias de terror ........................................................................................37

2.4.4 Paúra – 20 coisas de que você morre de medo e como encarar todas elas ..........39

2.4.5 Bicho de sete cabeças e outros seres fantásticos ...................................................41

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................45

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................46

INTRODUÇÃO

Falar sobre terror, especialmente sobre monstros, permite a discussão de um

mundo fantástico cheio de perigos, dificuldades e obstáculos, mas também de

personagens que são decididos e que descobrem a força dentro deles mesmos. Para o

leitor que encontra livros que descrevem essas aventuras, é a chance de fugir da

realidade por um tempo e, além disso, depois que fechar o livro, compreender certos

valores e estabelecer maior relação com a literatura e com o que está nas entrelinhas do

texto.

Essa pesquisa também é uma oportunidade de selecionar, em meio a vários

livros direcionados ao público infantojuvenil, alguns títulos que tratam de assuntos um

pouco mais delicados de uma maneira que não se preocupa em ser didática e outros que

tratam de temas que até tempos atrás eram considerados inapropriados para as crianças

e, com todo o cuidado, são passados de forma divertida e não traumatizante.

A figura do monstro, quando bem trabalhada, pode causar pavor. Em qualquer

site de busca na internet podemos encontrar facilmente imagens de monstros e também

elementos da criptozoologia1

Os livros nos dão vários exemplos de monstros de diversas partes do mundo,

sejam eles de lendas antigas ou crias das mentes fantasiosas de escritores para suas

histórias maravilhosas. O livro dos seres imaginários

, considerada uma pseudociência por biólogos e zoólogos

que seguem uma linha tradicional, com foco em espécies animais lendárias, mitológicas,

hipotéticas ou avistadas por poucas pessoas, também incluindo o estudo de ocorrências

de animais presumivelmente extintos, e a lista é grande e variada: abominável homem

das neves, vampiro, lobisomem, homem-mariposa, kraken, pé-grande, monstro do lago

Ness, verme-da-mongólia, chupacabras, yeti e jacaré luminoso são alguns exemplos.

2

1 http://filosofiaimortal.blogspot.com/p/criptozoologia.html

, de Jorge Luís Borges, por

exemplo, é uma coleção de criaturas estranhas pesquisadas pelo autor que saíram de

várias fontes, como as mitologias egípcia e grega, do livro As Mil e Uma Noites e das

aventuras escritas por C.S. Lewis, Kafka e Edgar Allan Poe. Até Giordano Bruno –

teólogo, filósofo, escritor e frade dominicano italiano – é citado por dizer que os

planetas seriam grandes animais tranquilos de sangue quente, de hábitos regulares e

dotados de razão.

2 BORGES, Jorge Luís. O livro dos seres imaginários. São Paulo: Companhia das letras. 2008.

Os dois tipos de dragão, o oriental e o ocidental, talvez um dos monstros mais

conhecidos, também foram “catalogados” por Borges. A seguinte definição mostra

características que podem ser encontradas nas duas lendas:

O dragão possui a faculdade de assumir muitas formas, mas essas formas são inescrutáveis. Em geral o imaginam com cabeça de cavalo, cauda de serpente, grandes asas laterais e quatro garras, cada qual equipada com quatro unhas. Fala-se também de suas nove semelhanças: seus chifres se assemelham aos de um cervo, sua cabeça à do camelo, seus olhos aos de um demônio, seu pescoço ao da serpente, sua barriga à de um molusco, suas escamas às de um peixe, suas garras à da águia, as plantas de seus pés às do tigre e suas orelhas às de boi. Há exemplares desprovidos de orelhas e que escutam pelos chifres. É habitual representá-lo com uma pérola, que está pendurada em seu pescoço e que simboliza o Sol. Nessa pérola está seu poder. Se a tirarem dele, é inofensivo. (BORGES, 2008. p. 76)

Diante de tantas novidades, o leitor se sente interessado em pesquisas além do

livro que está lendo e pode descobrir infinitas possibilidades de leituras sobre tudo o

que inspira as histórias buscando assim outras fontes de conhecimento. Outro tópico a

ser observado é o modo de lidar com o medo e o que é desconhecido: o monstro no

livro pode representar qualquer tipo de fobia e, na maioria das vezes, até o fim da

narrativa seremos capazes de descobrir um jeito de vencê-lo.

Essa pesquisa abordará a literatura de terror para crianças partindo da produção

feita para adultos, das características que existem na literatura adulta e que não

encontraremos nos livros infantis e vice-versa: cenários, personagens e aproximação do

leitor com eles, momentos de tensão, reviravoltas na história, jogo com as palavras,

verossimilhança, elementos fantásticos e outros. Para apresentar melhor o assunto,

autores como Edgar Allan Poe, H.P. Lovecraft, Stephen King, Bram Stocker, Robert

Louis Stevenson, Mary Shelley e outros servirão de exemplo, com trechos de suas

obras. Além desses autores clássicos, livros e contos que apresentam algum elemento de

terror podem ser mencionados em alguma parte da pesquisa.

Segundo o Pequeno dicionário da língua portuguesa3

, o verbete “monstro”

apresenta diferentes definições:

3 FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira. Pequeno dicionário da língua portuguesa. Gamma. 1980.

s.m. Corpo organizado, que apresenta conformação anômala em todas ou em algumas das suas partes; ser de conformação extravagante, imaginado pela mitologia; animal de grandeza desmedida; figura colossal; prodígio; (fig.) pessoa cruel, desnaturada ou horrenda; adj. (Bras.) muito grande.

As várias acepções da palavra “monstro” podem ser encontradas em

literatura de terror quando o grande vilão da narrativa é um monstro. Trata-se de uma

criatura que deve despertar medo no leitor, mas também aproximação e identificação.

H. P. Lovecraft, um dos escritores mais influentes em literatura de horror,

trabalha o lado escuro e maléfico de todas as coisas de um mundo que pode ser

desconhecido e assim ter uma infinidade de perigos. Tudo fica mais assustador porque

contra o que é desconhecido não há defesa possível, deixando espaço para a angústia e a

insegurança. Esse sentimento, a propósito, pode ser simbolizado como a presença da

morte, e se apresenta como uma das sensações que sentimos quando estamos com

medo. É como se fosse um alerta de defesa que nos dá garantia contra os perigos, um

reflexo indispensável que permite ao organismo escapar da morte.4

Em literatura de horror para o público adulto, todas essas características e

modos de escrita são bem apresentados, desenvolvidos e estruturados por vários autores,

mas como é a literatura de terror para crianças? Se analisarmos as histórias de terror,

podemos seguir por três caminhos: o terror de assombração, de serial-killlers e de

monstros (nessa categoria incluímos vampiros, lobisomens, bruxas, extraterrestres,

aberrações e outras criaturas assustadoras). Como a literatura para crianças apresenta

como proposta o trabalho com o lúdico e evita temas que possam ter ligação com a

violência que acontece na realidade, descarta-se a possibilidade de um serial-killer

aparecer em uma história para o público infantil. Trabalhamos então com as

assombrações e com os monstros. A figura do monstro pode sim ser assustadora, ao

contrário da maioria que surge nos livros para o público infantil atualmente.

4 DELUMEAU, Jean. A história do medo no Ocidente. São Paulo: Companhia de bolso. 2009.

10

1 LITERATURA DE TERROR

H.P. Lovecraft, no livro O horror sobrenatural em literatura, lista algumas

obras que são importantes para o estudo do terror, já que elas possuem características

essenciais para uma competente narrativa nesse estilo.

1.1 H. P. Lovecraft, Edgar Allan Poe e a narrativa de horror

Para o autor, uma atmosfera bem construída faz com que a história seja

assustadora, e para isso o escritor utiliza a tensão psicológica que pode ser obtida com

boas descrições de cenários e também personagens da história. Os personagens têm que

enfrentar situações complicadas em uma atmosfera de terror que se baseia no medo do

desconhecido. A narrativa, para conseguir o efeito esperado, deve ser refinada e

sofisticada usando muitas imagens, efeitos de sons e simbolismos. O elemento

fantástico entra na história em uma superfície cuja verossimilhança interna (a da própria

narrativa) permita ocorrências sobrenaturais, tudo aquilo que não é esperado de uma

realidade lógica.

Exemplos de uma narrativa competente, daquelas que prendem a atenção do

leitor, estão espalhados nos contos de H. P. Lovecraft. No conto “Aprisionado com os

Faraós”1

, o escritor opta por não descrever com tantos detalhes o que o narrador viu,

fazendo um texto tenso, que insiste em não mostrar diretamente o que está acontecendo,

e assim, deixando a imaginação fluir para o total desconhecido. Formas imprecisas são

apontadas em um trecho do conto que mostra a habilidade em apenas sugerir situações

desesperadoras:

(...) Parecia não ter pescoço, mas cinco cabeças peludas separadas mexendo-se numa fileira de um tronco relativamente cilíndrico. A primeira era bastante pequena, a segunda de um bom tamanho, a terceira e a quarta iguais e maiores que as outras, e a quinta um tanto pequena, mas não tão pequena quanto a primeira. Dessas cabeças lançavam-se tentáculos rígidos esquisitos que agarravam ferozmente as quantidades excessivamente grandes de um alimento indizível colocado diante da fenda. De vez em quando a coisa dava um salto e voltava para o esconderijo de um jeito muito estranho. A sua locomoção era tão inexplicável que fiquei observando fascinado, torcendo para que ela saísse um pouco mais do covil cavernoso abaixo. Então ela saiu... ela saiu, e com a visão voltei as costas e fugi

1 LOVECRAFT. H.P. A tumba e outras histórias. Porto Alegre: L&M Pocket. 2007

11

na escuridão pela escada mais alta que se elevava atrás de mim; (...) (LOVECRAFT,. 2007. p. 63)

Os mistérios do Egito, com todas as pirâmides e histórias sobre as múmias,

servem de tema para esse conto. Quando o protagonista é jogado em um mundo muito

antigo e se vê sozinho em um lugar estranho e, apesar de ser milenar, ainda vivo e cheio

de entidades iguais àquelas que ele tinha tanto estudado, o conto ganha atmosfera

sobrenatural em um espaço misterioso, com pouquíssima luz, com sons que podem ser

ouvidos atrás de uma pilastra enquanto o homem se esconde e aparentemente está sem

saída. A tensão aumenta no momento que o deus que é descrito revela sua forma,

mesmo que não seja possível perceber todos os detalhes. As palavras e expressões que o

narrador escolhe nunca dão ao leitor a certeza do que realmente está acontecendo,

fornecendo poucas informações : “indizível”, “jeito muito estranho” e “inexplicável”

são apenas alguns dos exemplos que mostram que o texto pode ter várias interpretações,

umas mais assustadoras do que outras, mas o que é mais interessante é esse exercício de

imaginação e desprendimento da realidade proposto pela narrativa.

O narrador tem função importantíssima, já que é através dele que o leitor

conhece a história. Sendo uma das personagens, apresenta uma história que já

aconteceu, dando margem para a dúvida do leitor, ainda mais se a descrição dos fatos

for econômica ou, pelo contrário, extremamente confusa com diferentes pontos de vista.

Mesmo que essas personagens ocupem posições de destaque ou de autoridade (médicos,

advogados, cientistas, pesquisadores), o jogo de adivinhação que é uma narrativa de

terror sempre pergunta “E se...?” ou “Será que tudo o que foi relatado realmente

aconteceu?” Os cenários das narrativas, apesar de serem “reais”, acabam tornando-se

distantes por causa das atividades que ocorrem. O fantástico tem a característica de

causar estranhamento mesmo se algo for completamente conhecido do leitor.

Outro trecho, dessa vez do conto “O horror em Red Hook”, também na

coletânea A tumba e outras histórias, é mais um exemplo de como a imaginação do

leitor é importante para que a história funcione:

(...) O grito veio do camarote de Suydam, e o marinheiro que derrubou a porta talvez pudesse contar coisas terríveis se não tivesse ficado completamente maluco logo depois. De qualquer forma, ele guinchou mais alto que as primeiras vítimas, e depois disso correu com um sorriso tolo em torno do barco até ser pego e colocado a ferros. O médico do barco que entrou no camarote e ligou as luzes em

12

seguida não enlouqueceu, mas também não falou nada do que viu até mais tarde, quando se correspondeu com Malone em Chepachet. (...) (LOVECRAFT. H.P. 2007. p. 94)

O clima de tensão está nas linhas do texto, enquanto o narrador não revela o

que realmente acontece. O leitor apenas é informado das reações das personagens, o que

contribui com a narrativa de horror tipo cinematográfica que o conto possui, como se

existisse uma câmera que conduzisse as imagens com momentos de terror psicológico

deixando por conta, mais uma vez, todos os acontecimentos terríveis apenas a cargo da

imaginação do leitor e por vezes cenas extremamente violentas e descritivas.

O autor também tem que escrever com naturalidade, tornando a história o mais

verossímil possível, com cenários que sejam familiares aos leitores, com fluência e

apelo. Uma escrita mais realista, quando parte para o sobrenatural, fica muito mais

sólida e mórbida. Uma citação de Montague Rhodes James, considerado um dos

melhores escritores de histórias de fantasmas da literatura inglesa, é apresentada no

livro Introdução à literatura fantástica2

Uma das ferramentas de que o escritor dispõe é o cenário, que na literatura de

horror tem a função de criar uma atmosfera apropriada para a história. É a descrição do

cenário que apresenta ao leitor a história e elementos que serão usados ao longo da

narrativa.

e resume bem as características do universo

fantástico na narrativa de horror: “É às vezes necessário ter uma porta de saída para uma

explicação natural, mas teria que adicionar que esta porta deve ser o bastante estreita

como para que não possa ser utilizada.” (TODOROV, 1981. Pág. 16) Outro artifício que

o autor pode utilizar para assustar seus leitores é o que o escritor Stephen King chama

de pontos de pressão fóbica, os temores que afligem as pessoas como aranhas, cobras ou

o medo de altura ou do escuro. São os medos interiores que têm origem no inconsciente

coletivo e que muitas vezes não podem ser explicados. Diferente do horror explícito,

com cenas de sangue e violência gratuita, o verdadeiro horror procura dentro de cada

leitor o que é mais primitivo, os temores que podem ser psicológicos e também

sobrenaturais, tendo como exemplo o subconsciente coletivo e sonhos (e pesadelos) que

são bem comuns: ser perseguido, cair, tentar gritar e não conseguir, estar perdido e só

em um lugar perigoso... São os “terminais de medo”, assim chamados por Stephen

King, que estão enraizados em todos nós. O bom trabalho de um escritor de terror é

encontrar todos eles e manipulá-los da melhor maneira.

2 TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Editora Perspectiva. 1981

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Alguns cenários já são conhecidos, sendo constantemente usados pelos

escritores. Casas mal-assombradas, hospitais, cemitérios, florestas, cidades abandonadas

e outros locais que podem tornar-se sombrios e têm infinitas possibilidades que colocam

as personagens em diversas situações que podem ser aterrorizantes, assustadoras. Um

exemplo que já é clichê é o posto de gasolina ou o hotel de beira de estrada que, na

maioria das vezes, é o esconderijo de um monstro ou de um assassino em série pronto

para atacar o primeiro grupo de amigos que aparecer.

Um recurso que é bastante valorizado é a maneira como o cenário é

apresentado: para dar verossimilhança, o cenário deve ter o maior número de detalhes

porque, quanto mais próximo da realidade, maior é a identificação, permitindo a

visualização da narrativa e facilitando o envolvimento do leitor. Quando o improvável,

o sobrenatural aparece na narrativa, tudo se dá de uma maneira muito mais natural.

Edgar Allan Poe, em vários contos de suas Histórias extraordinárias, cria

cenários claustrofóbicos e sombrios, paisagens nebulosas que não inspiram segurança

alguma, sempre na iminência de alguma ameaça. No conto “O barril de Amontillado”3

,

história sobre vingança, um homem planeja enterrar vivo seu desafeto por todas as

humilhações que ele o fez passar. É uma das histórias que nos remete á tafofobia (medo

mórbido de ser enterrado vivo e acordar preso dentro de um caixão sem poder sair), que

são comuns em narrativas de terror. Abaixo um trecho que serve como exemplo de

cenário que é descrito em vários contos de Poe:

Na extremidade mais afastada dessa cripta havia outra, menos espaçosa. Suas paredes estavam ocultas por uma pilha de despojos humanos que subia até a abóbada, à maneira das grandes catacumbas de Paris. Três lados da cripta interior estavam assim ornamentados. No quarto, os ossos haviam sido derrubados ao chão e jaziam promiscuamente, formando, em certo ponto, um monte de alguma altura. Na parede, exposta pela remoção dos ossos, percebemos ainda mais uma alcova, de pouco mais de um metro de profundidade, uns noventa centímetros de largura e cerca de dois metros de altura. Parecia não ter sido construída para qualquer fim especial, e sim originada meramente do intervalo entre duas das colossais colunas que suportavam o teto da catacumba, sendo o seu fundo uma das paredes circunscritas, de sólido granito. (POE, Edgar Allan. 2010. p. 105)

3 POE, Edgar Allan. Histórias extraordinárias. São Paulo: Companhia de bolso, 2010

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Stephen King, em seu livro Dança macabra4

Segundo o autor, o terror na literatura surge através de um sentimento

penetrante de desestruturação que tem horrores inventados por nós para que dessa

maneira possa nos ajudar a suportar os horrores da vida real, sendo assim o sonho do

horror um modo de extravasar o desconforto causado por essas situações.

, expõe algumas características do

gênero terror que se aplicam às produções de H. P. Lovecraft e Edgar Allan Poe, apesar

de os dois autores terem criado estilos de horror diferentes.

O horror revolve a mente, brinca com o que podemos imaginar, nos dá um

combinado de emoção e tensão que aparecem com a nossa mania de especular o que

está acontecendo enquanto lemos uma história. No campo da imaginação o terror pode

se valer de uma abordagem mais refinada, com um toque de thriller psicológico ou ter

uma forma mais violenta, repulsiva, com bastante sangue. Não apenas nos livros, mas as

histórias em quadrinhos, os games e principalmente a indústria cinematográfica

passeiam por esses dois estilos de horror. Vários exemplos de terror em outras mídias

são Contos da Cripta e Prontuário 666: Os anos de cárcere de Zé do Caixão nos

quadrinhos; Resident Evil, Silent Hill, Fatal Frame e Mortal Kombat nos games; O

exorcista, Halloween, O massacre da serra elétrica e Brinquedo assassino no cinema.

Há uma tendência em aumentar a quantidade de sangue conforme sequências são

filmadas enquanto o enredo se perde completamente. É uma maneira de continuar

causando impacto na plateia de uma maneira certeira e mais fácil com cenas típicas de

filmes de terror gore5. O escritor Clive Barker, na introdução do primeiro de seis

volumes de seus Livros de sangue6

, utiliza o artifício da extrema violência. Um grupo

em busca de fantasmas em uma velha casa é atacado por espíritos malignos que usam o

corpo de um jovem médium como páginas de um livro que conta várias histórias

sobrenaturais:

Mary Florescu sabia que estava sozinha. Acima dela, o belo rapaz, aquele jovem belo e mentiroso contorcia-se e gritava sob as mãos vingadoras dos mortos que agarravam sua pele jovem. Mary sabia das intenções deles; estavam marcadas naqueles olhos — não havia nada de surpreendente nisso. Toda história tem seu tormento tradicional. Este devia ser usado para registrar seus testamentos. Ele seria a página, o livro, o veículo das suas autobiografias. Um livro de

4 KING, Stephen. Dança macabra. Rio de Janeiro: Editora Objetiva. 2007 5 No gênero do terror há uma subdivisão chamada gore, sem tradução específica para o português. Trata-se de filmes com extrema e explícita violência física.. Muitas vezes, tudo isso é mostrado de uma maneira tão exagerada que se torna absurda e desnecessária, sem acrescentar nada ao filme. 6 BARKER, Clive. Livros de sangue vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1993

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sangue. Um livro escrito com sangue. Ela pensou nos artefatos macabros feitos com pele humana que havia visto, que havia tocado. Pensou nas tatuagens que havia visto, apenas para exibições, em parques de diversão algumas delas, outras apenas em trabalhadores sem camisa, andando na rua com uma mensagem para suas mães gra-vada nas costas. Não era novidade escrever um livro com sangue.

Mas naquela pele, naquela pele tão translúcida — oh Deus! — isso era um crime. Ele gritava, enquanto as agulhas torturantes de vidro quebrado eram passadas por sua carne, abrindo grandes sulcos. Mary sentiu a agonia como se fosse dela, e não lhe pareceu assim tão terrível... Mas ele gritava. E lutava e xingava seus atacantes com nomes obscenos. Amontoavam-se em volta dele, surdos a qualquer súplica ou prece, torturando seu corpo com todo o entusiasmo de criaturas de há muito obrigadas a um silêncio total. (BARKER, Clive. Livros de sangue vol. 1. 1993. p. 10)

O terror tem várias formas e é papel do bom escritor fazer que o leitor tenha

medo e insegurança, sinta prazer em viver através de personagens perigos que só

poderão acabar quando o livro for fechado.

Podemos listar vários livros de terror, mas apenas alguns são considerados

clássicos, colocando no imaginário dos leitores criaturas e situações totalmente

absurdas. A literatura gótica tinha como características – citando apenas parte delas - a

estética do terror, a deformação da forma, acontecimentos sobrenaturais, aspectos

religiosos e questões filosóficas.

1.2 Drácula, Frankenstein, O médico e o monstro e O retrato de Dorian Gray

A figura do monstro está ligada à aberração da natureza e também à

discriminação, pois uma criatura monstruosa significa a quebra da ordem e da

normalidade. Representa o que deve ser evitado e perseguido. Os monstros muitas vezes

podem ser classificados como alegorias nas histórias de terror, eles nos dão diversas

interpretações sendo a materialização de um medo que o personagem deve enfrentar ou,

de forma simbólica, exercita emoções que a sociedade nos faz manter sob controle.

De tantos romances que formam o corpus da literatura gótica, quatro são muito

conhecidos do grande público, tendo em comum a maneira complexa que trata o

comportamento humano em eventos perigosos. Drácula7, O médico e o monstro8

7 STOKER, Bram. Drácula - O vampiro da noite. São Paulo: Martin Claret. 2002

,

8 STEVENSON, Robert Louis. O médico e o monstro.São Paulo: Martin Claret. 2000

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Frankenstein9 e O retrato de Dorian Gray10

Drácula, livro escrito pelo irlandês Bram Stoker em 1897, utiliza além do

terror, o erotismo para descrever uma criatura que é maligna mas que ao mesmo tempo

é muito sedutora. O livro mostra a capacidade que o mal tem de ser atraente, fazendo a

vítima ignorar totalmente o perigo, a insegurança. Fazer a criatura ( ou o monstro ) ser

sedutor deixa a narrativa mais tensa, sem chance de fuga para as personagens e também

para o próprio leitor. Não há outra maneira a não ser participar, ser levado por tudo que

acontece, tentar entender o que força aquela pessoa a correr tanto perigo, mesmo se ela

não souber toda a real situação.

representam vários conceitos do mal, suas

diversas facetas. Todas as personagens têm um segredo que não deve ser revelado e

assim assumem as consequências de seus atos.

Stoker escreveu um romance cheio de horror, paixão, superstições, fé, folclore

e eventos sobrenaturais. O realismo aparece através dos relatos dos personagens

principais em diários e cartas e também em alguns recortes de jornal.

Outro livro que pode ser usado como exemplo é Frankenstein, escrito por Mary

Shelley em 1818. O romance é uma mistura de história de terror com ficção científica,

sendo assim um questionamento da natureza humana, sobre a vida e a morte e também o

poder da criação. Até que ponto o homem é capaz de se superar, ser mais poderoso que

a própria natureza? Será que ele está preparado para assumir as consequências? Essas

são perguntas que o romance nos faz e a ascensão e a destruição de Victor mostram que

o assunto é realmente muito complexo. A história também toca em questões como a

religiosidade, já que o jovem cientista tem momentos de Criador, fazendo a ciência

sobrepujar o poder da natureza.

A autora se preocupa em mostrar o descontrole do jovem cientista no ímpeto de

atividade louca em um trecho do livro que nos é relatada a profanação dos túmulos:

Quem seria capaz de imaginar os horrores do meu trabalho árduo e secreto, enquanto eu chapinhava na umidade infecta dos túmulos ou torturava os animais vivos, a fim de dar vida ao barro inanimado? A lembrança me faz estremecer, e meus olhos se enchem de lágrimas (...) eu apanhava ossos nos ossários e perturbava, com dedos profanos, os segredos prodigiosos do corpo humano (...) eu trabalhava em minha criação imunda; meus olhos saltavam das órbitas enquanto eu cuidava dos detalhes desse projeto. (SHELLEY, Mary. 2007. p. 57)

9 SHELLEY, Mary. Frankenstein. São Paulo: Martin Claret. 2007 10 WILDE. Oscar. O retrato de Dorian Gray. São Paulo: Martin Claret. 2009

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A criação de Victor Frankenstein que não tem nome e é sempre chamado de

monstro, quando relata o que passou, o que sofreu, não se parece tanto como o monstro

que o doutor tanto amaldiçoa. O monstro se humaniza, principalmente quando a

necessidade de se relacionar com outras pessoas e sentimentos como a inveja começam

a atormentar a criatura depois que ela sofre com o preconceito e sente a injustiça em sua

pele.

Já o livro O médico e o monstro, escrito por Robert Louis Stevenson, mostra de

forma assustadora a ideia de que seria possível existir várias personalidades em um

único corpo. O monstro é a própria pessoa, no caso o médico Henry Jekyll que divide

corpo com o estranho Edward Hyde.

Stevenson, que era conhecido por sua literatura feita para jovens leitores, criou

uma história que mexe por lidar não com a ameaça que está à volta, mas que parte de

dentro de cada um. Ninguém é totalmente bom ou totalmente mau, todos nós temos

qualidades e defeitos, mas o que torna o questionamento do duplo interessante é lidar

com a parte maligna que todos nós temos. Sr. Hyde, na aparência descrita como

deformada, torta, um homem de baixa estatura se for comparado com o bem construído

Dr. Jekyll, nada mais é do que a representação da parte sombria do bondoso médico.

Também causa apavoramento a própria pessoa não ter controle de seus atos mais vis,

podendo assim machucar amigos, familiares e até ela mesma. O monstro ser parte da

personagem do médico ficou em segredo durante todo o romance para que no último

capítulo fosse revelada toda a verdade. É esse jogo psicológico de ter controle de si

mesmo para depois descontrolar-se completamente faz do livro o ponto de partida para

uma discussão sobre o que ou quem de verdade devemos temer.

Escrito por Oscar Wilde, O retrato de Dorian Gray é uma viagem pela

transformação da personagem principal, a vontade de experimentar o que é proibido,

inadequado, a impunidade e a monstruosidade sem nenhuma culpa a princípio. Dorian

não precisa de remédios ou fórmulas para se afundar em uma vida sem limites, não se

arrepende ou se atormenta. Vive o ímpeto de conhecer coisas novas, que até então eram

impensáveis, mas que não são mais já que nenhuma doença ou outro tipo de mal pode

feri-lo ou não tem o poder de impedir essa busca que torna aos poucos seu espírito tão

negro.

O quadro, que no trato com a imortalidade fica feio, velho e decrépito no lugar

do jovem e belo Dorian Gray nada mais é do que a imagem da destruição não apenas do

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jovem como de todos que estão à sua volta. A beleza de Dorian Gray atrai e ao mesmo

tempo destrói, a juventude, o anseio e a sensação de que nada pode ir de encontro a ele

fazem do jovem Dorian um monstro criado por sua determinação em conquistar o

mundo com altas doses de irresponsabilidade. Não há dupla personalidade (assim como

acontece do Dr. Henry Jekyll), mas existe um desejo muito forte de abraçar tudo que há

no mundo, sem distinção do que é bom ou ruim, maléfico ou benéfico, em uma

mudança gradativa para o fim que só pode ser autodestrutivo.

Nas últimas páginas do romance Dorian Gray encontra a saída para a situação:

Dorian Gray correu o olhar em torno. Viu a faca que lhe servira para apunhalar Basil Hallward, cintilante e limpa. Matara o pintor. Mataria o quadro e tudo o que este significava. E ele estaria livre, livre dessa tela monstruosa dotada de alma, livre de suas admoestações hediondas. Viveria finalmente em paz. (...) Ao entrarem na sala, viram na parede o magnífico retrato do amo, como eles o tinham conhecido, em pleno apogeu da sua esplêndida mocidade e beleza. No chão, jazia o cadáver de um homem em traje de rigor, com uma faca cravada no peito. Ele estava lívido, enrugado e repugnante. Só pelos anéis é que os criados conseguiram identificá-lo. (WILDE, Oscar. 2004. p. 176-177)

Mais uma vez, aquele que tenta vencer a natureza sofre as consequências, cai

em si e verifica quão suja é a condição de estar em posição superior para depois ficar na

completa melancolia, a realidade sendo o resultado de ações impensadas. Como um

imortal, Dorian ganha uma oportunidade única mas acaba sendo reduzido a nada. O

jovem é vítima dele mesmo.

19

TERROR PARA CRIANÇAS E JOVENS

2.1 Características no texto para crianças

Não é atual a utilização de elementos de terror em histórias contadas para as

crianças.Seguindo a tradição oral, os contos de fadas chamados contos de advertência

são histórias em que o perigo está presente na forma de um monstro, o que desencadeia

o medo ao longo da narrativa. A ameaça pode ser o que mora no bosque ou qualquer

criatura ameaçadora que aparece quando alguém desobedece uma ordem vinda de

alguém mais velho.

Chapeuzinho Vermelho por exemplo, na versão escrita por Charles Perrault,

tem o desfecho marcado pela tragédia: depois de encontrar o lobo no bosque e dizer a

ele para onde estava indo e com quem iria se encontrar, a protagonista é enganada e

devorada pela fera. O monstro vence, tendo devorado a menina e a sua avó. A moral do

conto é a de que as jovens não devem conversar com os “lobos” que encontrarem pelo

caminho. O lobo, aqui sendo a representação de um homem, é o que deve ser evitado, já

que pelo menos nessa versão, não pode ser vencido.

Já na versão de Chapeuzinho Vermelho contada pelos irmãos Grimm, vemos

algumas diferenças se compararmos com a versão de Charles Perrault. Nessa versão a

mãe avisa a menina para não sair da trilha mas, desobedecendo o conselho, logo depois

de conversar com o lobo e dar todas as coordenadas de como chegar na casa da vovó,

Chapeuzinho Vermelho vai colher flores e esquece por um bom tempo o compromisso

que tinha com a sua avó. O lobo chega antes na casa, devora a vovó, veste a camisola e

engana a Chapeuzinho Vermelho quando a esta chega e entra na casa. Quando

desconfia, já é tarde demais e também é devorada pelo lobo.

Mas, nessa versão dos irmãos Grimm, o final não é tão chocante pois no conto

um caçador passa próximo à casa e, ouvindo roncos muito altos, decide entrar e se

certificar de que está tudo bem com a senhora que morava ali e, por obra do acaso,

encontra o lobo dormindo na cama. Mesmo sendo um castigo para o lobo pelas

maldades que cometeu, a violência na narrativa está presente quando o caçador, com

uma tesoura, corta a barriga do lobo para salvar a menina e a avó, e depois, para que a

fera não fugisse, pedras são colocadas na barriga do lobo, que em pouco tempo morre.

Mesmo com o final amenizado pela morte do lobo, a moral continua a mesma: não

desobedecer os conselhos dos mais velhos e não falar com estranhos.

20

Seguindo a linha da advertência, dessa vez tendo um final que não é trágico e

sim mostrando que, com astúcia, o mais fraco pode vencer o mais forte, o conto Barba

Azul11

A traição da jovem é descoberta por Barba Azul e, no último instante antes do

marido cortar a garganta de sua esposa, os dois irmãos dela entram na casa e o matam.

Mesmo com um final feliz para a mocinha, o conto é macabro, cheio de violência e

mantém características dos contos de fadas como o sobrenatural na chave enfeitiçada e

na estranha barba azul do homem.

tem como ponto principal a curiosidade de uma jovem. Casada com um homem

muito rico e tendo permissão para entrar em todos os aposentos da casa – exceto um –

ela desobedece a recomendação do marido e descobre um quarto no qual estavam

guardados os corpos das jovens que tinham sido casadas com ele. Corpos degolados em

um aposento tingido de sangue o chão até o teto.

É importante salientar um elemento que foi utilizado nos contos de fadas e que

até hoje é encontrado nas boas narrativas de terror, não apenas para crianças: o

momento de tensão, o clímax da história. Um trecho do conto Barba Azul exemplifica

muito bem o que é esse artifício: A irmã Ana subiu ao alto da torre e de vez em quando a pobre desesperada gemia: “Ana, minha irmã Ana, não está vendo chegar ninguém?” E a irmã Ana respondia: “Só vejo o sol coruscante e o capim verdejante.” Então Barba Azul, com um grande cutelo na mão, gritou para a mulher a plenos pulmões: “Desça já, ou subirei aí. (Antologia.. 2010. p. 90)

Ana ainda demora um pouco para avistar os cavaleiros que salvariam a vida da

jovem e, enquanto isso não acontece, Barba Azul não para de ameaçar a esposa,

amaldiçoando-a e pronto para assassiná-la. Essa é uma parte do conto tensa, com a

possibilidade de morte da moça, assim como todas as outras esposas de Barba Azul. Os

momentos que se seguem são angustiantes até que Barba Azul é morto.

Alguns livros aproveitam o interesse pelo terror para crianças e podem ser uma

boa maneira de introduzir o gênero para os jovens leitores. Um exemplo é o livro

Monstro mania12

11 Antologia. Contos de fadas: de Perrault, Grimm, Andersen & outros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2010.

, que não é um livro de ficção, mas serve como um guia (que está

12MALAM, John. Monstro mania. São Paulo: Editora Girassol. 2010

21

longe de ser completo) de monstros e assombrações que constantemente aparecem nas

histórias de terror. Em uma pesquisa bem próxima aos sites de busca da internet – tudo

muito rápido e nem um pouco aprofundado - , o livro tem imagens interessantes sobre

as criaturas pesquisadas – vampiros, fantasmas, lobisomens e bruxas – traz uma versão

muito resumida de Drácula, tenta contextualizar as lendas fornecendo datas e mapas

onde o país do acontecimento fica em destaque e mostra algumas histórias verídicas,

fatos estranhos ligados ao sobrenatural. Em uma dessas histórias, o leitor conhece uma

história real de 1720, que aconteceu na Sérvia sobre Arnold Paole, um homem que

pensou ter sido atacado por um vampiro e, após morrer alguns dias depois, havia

rumores que Paole tinha voltado da sepultura e assassinado quatro pessoas. Como em

várias histórias que são contadas nos livros, quando seu túmulo foi aberto, foi

encontrado o corpo de Paole bem preservado, com sangue em sua boca. Para ter certeza

de que os ataques aos aldeões acabariam, os habitantes locais enterraram uma estaca no

coração de Paole, cortaram-lhe a cabeça e queimaram seu corpo.

O mérito do livro, além de trazer um apanhado das lendas e dos fatos que

constituem toda a mitologia que serve de inspiração para as histórias de terror, é deixar

o leitor na dúvida se realmente tudo o que nós lemos é apenas fruto da imaginação de

pessoas muito criativas ou se deve realmente existir fatos verdadeiros sobre esses

monstros. Livros desse tipo facilitam a leitura de narrativas de ficção, ajudam o leitor

com o tão conhecido “pacto” entre a obra e aquele que está lendo.

Outro nicho dentro de terror para crianças é a adaptação de romances clássicos

como O médico e o monstro, Drácula e Frankenstein. Essas adaptações possuem

linguagem mais ágil e a narrativa contada através de cartas, documentos ou diários é

substituída pela utilização de um narrador em terceira pessoa. As descrições dos

personagens e dos cenários rápidas e consomem poucas linhas, completamente diferente

de seus originais. Esse artifício compromete as histórias, subtraindo muitas vezes o

clima de tensão e terror característicos das três obras. Uma das adaptações desses

clássicos é o livro Três terrores da coleção Três por tr3s13

O romance Drácula, nessa adaptação, tem a narrativa condensada, mas

competente no início da história quando Jonathan Harker começa sua viagem até a

Transilvânia para encontrar-se com o Conde Drácula. O desenrolar da história, o castelo

que contém adaptações de

Drácula e de O médico e o monstro.

13 CUNHA, Leo [adaptação]. Três terrores. São Paulo: Atual Editora. 2007

22

do conde, o período que Jonathan era prisioneiro no castelo, os primeiros ataques do

vampiro, a doença misteriosa da Srta. Lucy Westenra, a vinda do Doutor Van Hellsing e

posteriormente a morte de Lucy, apesar de não ser rico em detalhes, mantém um bom

ritmo de leitura. No entanto, a partir do momento que Mina Murray é mordida e

vampirizada e começa a corrida do grupo de amigos contra o tempo para salvá-la e

matar o vampiro, a adaptação adquire um ritmo muito mais rápido e tem-se a impressão

de um final extremamente curto, com todos os problemas sendo selecionados de

maneira brusca.

A adaptação se manteve fiel ao original, mas no final a emoção da perseguição

ficou comprometida, não mantém o nível de tensão e não emociona da mesma maneira

quando acompanhamos o grupo desesperado de amigos com a missão de salvar Mina na

perseguição a Conde Drácula no romance de Bram Stoker. Mesmo com o final

apressado, é uma ótima adaptação, se levarmos em conta que o romance tem

aproximadamente 400 páginas enquanto a adaptação tem apenas 42.

No mesmo livro a adaptação de O médico e o monstro não perde tanto com

relação ao original e também se compararmos com a adaptação de Drácula. O romance

de Robert Louis Stevenson tem aproximadamente 70 páginas e uma trama com menos

personagens, o que facilita uma adaptação da história. Nessa história aconteceu

justamente o contrário do que ocorreu na adaptação de Drácula: o início da história não

teve tantos detalhes, com descrições muito breves de cada personagem para no final dar

bastante ênfase ao clímax da história, não devendo em nada em questão de mistério e

tensão se compararmos com o original. O segredo é guardado até o último capítulo, com

o desfecho assustador contado de forma eficiente.

Retomando os contos de fadas, outro livro que desempenha muito bem o papel

de apresentar o gênero tanto dos contos maravilhosos quanto do terror é O grande livro

das bruxas14

14 TELLO, Antonio. O grande livro das bruxas. Belo Horizonte: Editora Leitura. 2009

, que mostra as bruxas dos contos maravilhosos como verdadeiras vilãs,

perfeitos exemplos de maldade sem fim, dando maior destaque a elas. Nem todas têm

aparência monstruosa, mas com certeza todas compartilham de uma personalidade

maligna, querendo conquistar seus objetivos a qualquer custo. Em uma coletânea de

treze contos, com elementos macabros que não foram amenizados, a bruxas do conto de

Rapunzel, a bruxa da casa de doces de João e Maria, a feiticeira dos mares, Baba Yaga e

23

tantas outras têm no livro apresentados seus poderes especiais e atos vis, onde moram e

de que parte do mundo a lenda se originou.

O autor deixa bem claro que o livro mostra o mundo de apenas treze bruxas,

“um mundo” que abriga um número infinito de bruxas. Entramos em um mundo

obscuro que tem habitantes no Brasil e também na China, passando pela França e

Rússia. No fim do livro, como uma conclusão, temos a mesma sensação que o livro

“Monstro mania” nos passa: a dúvida sobre a veracidade de todos os fatos.

Para as bruxas, as épocas do ano são iguais,

e elas aparecem em todos os lugares onde as estações brilham por sua ausência.

(TELLO. 2009. p. 112)

O cinema se apropria de alguns elementos da literatura – não apenas de horror,

outros gêneros são aproveitados - e também não é diferente com os longas-metragens de

animação, que infelizmente ainda hoje são chamados de “filmes para crianças” ou, em

uma forma mais leve, “desenho animado”. Um bom exemplo de história de terror é a

animação A casa monstro15

Em frente à casa de um menino chamado DJ Walters, mora o esquisito e mal-

encarado senhor Epaminondas em uma casa de madeira assustadora. O senhor

Epaminondas odeia quando alguma criança pisa em sua calçada e expulsa qualquer um

que chega perto do seu quintal.

, filme de 2006 e dirigido por Robert Zemeckis.

Quando por acidente a bola de basquete de Bocão, amigo de DJ, cai no

gramado da casa do outro lado da rua, o senhor Epaminondas aparece e encara DJ, bem

na hora que o menino tinha criado coragem para buscar a bola. Em um momento de

raiva e descontrole, o senhor sofre um ataque cardíaco e é levado para o hospital.

Depois desse evento a casa misteriosamente cria vida, torna-se hostil e continua

atacando crianças e animais, mas apenas DJ e Bocão sabem disso e, apesar dos esforços,

avisar os adultos sobre a aura maligna da casa era um absurdo. E, em mais um dia de

intensiva vigilância, DJ e Bocão salvam Jenny, uma menina ruiva que tentava vender

biscoitos, de um dos ataques da casa e assim formam um grupo com a missão de

descobrir o mistério que envolve o senhor Epaminondas e a sua casa.

O filme revisita um tema que costuma ser utilizado com frequência em outras

produções para o cinema e também em alguns livros: a casa mal-assombrada. 15 A casa monstro. Animação. Dir.: Robert Zemeckis. Dreamworks. 2006. 91 min.

24

Tendo uma característica em comum com as narrativas de terror, o que

aconteceu no passado é muito importante, tendo consequências sérias no presente. É um

segredo que é como um fantasma que assombra a vida do senhor Epaminondas.

A utilização da casa mal-assombrada como cenário é o exemplo de um lugar

onde aconteceram e/ou podem acontecer coisas ruins, é o palco de eventos paranormais

e possivelmente lar de fantasmas que, nas histórias de terror, sempre são malignos e

querem fazer o mal para aqueles que por acaso invadiram seu espaço.

Vários lugares podem ser mal-assombrados: hotéis, parques de diversão,

escolas, hospitais, cemitérios, etc., mas a casa é o único lugar onde qualquer pessoa se

sente segura, protegida de todos os males do mundo. A boa ficção de terror mostra que

não trancamos o mal no lado de fora, mas que estamos nos trancando com ele dentro de

nossa casa. Em outra interpretação, a casa de uma pessoa é a extensão dela mesma, a

degradação de um lar consequentemente acarreta na profanação daquele que vive no

ambiente. Nas histórias de terror os cenários funcionam como espelhos das

personagens, tendo a casa e a mobília como elementos que podem identificar as nuances

de cada um, o que acontece com os habitantes da casa. Cores, arquitetura, quadros e

objetos pessoais também ajudam a montar o quebra-cabeça que é cada personagem.

No filme A casa monstro, a casa do senhor Epaminondas se transforma, torna-

se uma criatura terrível e assustadora: ripas de madeira da frente da casa na varanda

formam dentes ameaçadores, o tapete é a língua que captura suas vítimas, janelas com

luzes do segundo piso da casa acesas são dois olhos que podem localizar qualquer

intruso, as árvores do jardim são os braços fortes capazes de levantar um carro e galhos

como dedos sinistros em busca de alimento para a casa. Como um ser vivo que tem

sentimentos (a raiva sendo um dos mais primitivos) e também um coração, a casa deixa

de ser apenas cenário da história para ser mais um dos personagens da trama, tamanha é

a importância dela na história.

O filme soube mexer com vários clichês de filmes de terror e, mesmo assim,

tem estética de filme para o público infantil (e não por causa da técnica usada). Ter um

trio de protagonistas pré-adolescentes, com todas as suas dúvidas, inseguranças e

tentativas frustradas aproxima o público.

Outro longa-metragem que usa como cenário um local mal-assombrado é o

terror O orfanato. O filme conta a história de uma mulher que se muda para uma antiga

casa que anos atrás tinha sido o orfanato em que ela havia morado com outras crianças

durante a infância. A intenção dela era fazer da casa um centro de cuidados para

25

crianças especiais, mas o local começa a ficar perigoso principalmente quando seu filho

começa a se comunicar com os fantasmas que ainda estão pela casa.

A casa mal-assombrada nessa tensa e ao mesmo tempo delicada história de

terror faz da casa um lugar amaldiçoado, assombrado por lembranças do passado que

formam um elo com o tempo presente. Os segredos de anos que estavam guardados são

como feridas que devem ser curadas, os acontecimentos que originaram tal perdição

ecoam tendo fantasmas como elementos principais nessa trama. Em O orfanato todos os

elementos de uma boa história de suspense aparecem no filme – mesmo aqueles que já

vimos em outros filmes ou em romances – como crianças e seus amigos imaginários

perigosos, aparições assustadoras e estranhos acontecimentos pela casa. Na trama fica

clara a ameaça que o passado exerce sobre as vidas das pessoas, mesmo sendo uma

história que além do terror tem uma grande carga de drama. Outras características

interessantes são a presença constante de algo maligno na casa e também a aceitação da

protagonista de presenças e por fim, seu destino em enfrentá-las.

O pequeno conto Bu!16

também nos mostra como a nossa casa nem sempre é o

lugar seguro onde podemos nos afastar de tudo que nos ameaça:

A menina não gostou nem um pouco quando seu pai teve de

ir para Londres, e, pela primeira vez na vida, precisou dormir sozinha

na velha casa. Ela foi para cama cedo. Trancou a porta com chave.

Passou o ferrolho nas janelas e fechou as cortinas. Depois inspecionou

o guarda-roupa e abriu a última gaveta da cômoda; ajoelhou-se e

espiou embaixo da cama.

Então tirou a roupa e vestiu a camisola.

Levantou as pesadas cobertas de linho e subiu na cama. Não

para ler, mas para tentar dormir – queria adormecer o mais depressa

possível. Estendeu a mão e apagou a luz.

- Que bom – disse uma vozinha – Agora estamos trancados

em segurança para passar a noite.

( CROSSLEY – HOLLAND. 2010. 126 )

O conto é ao mesmo tempo assustador e cômico. A menina se prepara para

dormir, fecha todas as portas e janelas, se certifica se não tem ninguém embaixo da

16 CROSSLEY-HOLLAND. Encantamento – Contos de fadas, fantasma e magia. São Paulo: Companhia das Letras. 2010.

26

cama, verifica todas as gavetas e quando fica satisfeita quanto à segurança da casa, vai

se deitar. Na história acompanhamos a menina, sabemos que toda a casa está fechada

após tantas fechaduras serem revistadas e tudo leva a crer que o ambiente é seguro.

Então no escuro, quando a menina ouve a vozinha (e estando no escuro pode-se

imaginar qualquer forma para a criatura ou talvez nem imaginar um corpo para ela) o

terror se instala, já que ela está presa com algo que não sabe o que é e nem como entrou

lá. O final, com apenas a voz dizendo que gostava de ficar fazendo companhia para a

menina no confortável ambiente do quarto, é a total quebra de expectativa, um

acontecimento imprevisível.

Todo o texto leva o leitor para uma atmosfera de segurança que é despedaçada

nas duas últimas linhas. Não solucionar o problema, deixando em aberto o que poderia

acontecer, arrebata o leitor causando-lhe as sensações de terror, insegurança e, em outra

interpretação, resignação em se tornar a vítima de algo maligno.

2.2 Pequenos heróis

Os protagonistas de histórias de terror para crianças, de uma maneira ou de

outra, enfrentam perigos e criaturas malignas, constantemente correndo perigo de morte.

Apesar de toda a atmosfera de medo e, de início, esses protagonistas sentirem pavor

pela situação assustadora que estão para enfrentar, eles precisam de coragem para

vencer o inimigo.

Não teria como falar de medo sem falar de coragem, falar de perigos sem ter

uma maneira de enfrentá-los e destruí-los. Por maior que sejam os monstros, é

praticamente uma regra que o protagonista vai vencer o mal no final da história. Trata-

se de trabalhar o medo e também uma forma de lidar com diversos desafios, mostrando

por entre as linhas do texto para o jovem leitor que se pode vencer o que está assustando

o protagonista na história por mais temível que seja. Assim está sendo trabalhada de

forma implícita a autoestima. É a literatura ajudando a solucionar problemas que podem

surgir na vida real, depois que o livro é fechado.

Mais uma vez voltando a mencionar os contos de fadas, algumas personagens

enfrentam várias dificuldades até chegar ao final feliz. Mesmo os contos que tem final

trágico, “A pequena vendedora de fósforos” de Hans Christian Andersen, por exemplo,

mostra que o leitor não necessariamente terá o mesmo futuro da menina.

27

Muito se discute sobre a violência na produção para crianças, mas alguns

poucos estudos dizem que crianças, adolescentes e até adultos podem viver a emoção e

a violência de faz-de-conta fazendo uma verdadeira catarse de algumas de suas

experiências emocionais mais fortes. As personagens dos livros tornam-se modelos para

dramatizar fantasias agressivas, não são incorporadas pelos leitores de forma passiva,

elas (as personagens) são adaptadas às preferências e necessidades de cada leitor.

Não apenas a literatura, mas games de atirar, letras de raps , séries em

animação como Pokémon, tudo se transforma em ferramenta para que pais e mestres

ajudem os jovens a se sentirem mais fortes, a acalmarem seus medos e a aprenderem

mais a respeito de si mesmos. Gerard Jones pesquisa, em seu interessante livro

Brincando de matar monstros – Por que as crianças precisam de fantasia, videogames

e violência de faz-de-conta17

Protagonistas normalmente têm suas personalidades modificadas quando algo

de anormal acontece em suas vidas. Se pudéssemos fazer uma comparação, eles se

tornam os heróis sem medo dos clássicos romances de cavalaria. Um jovem leitor,

quando encontra esse tipo de literatura, tem a chance de fantasiar baseando-se na

narrativa, podendo imaginar o que quiser sem limites. Cabe ao adulto responsável

mostrar que

pensar e fazer

Mas nem todas as crianças agem da mesma maneira: algumas reagem

violentamente a certos estímulos e outras não. Jovens mais agressivos são inclinados a

assistir programas de ação, ouvir músicas nervosas e jogar games de combate,

precisando assim dar forma a seus sentimentos agressivos.

são bem diferentes um do outro e deixar que a criança possa

discernir o que é a realidade e o que é a ficção. Uma boa maneira de trabalhar a

literatura é deixar que os leitores vivam livremente a fantasia, não deixando de ensinar-

lhes o que é a realidade.

Na contramão das histórias de monstros violentos e sanguinários que

aterrorizam os pequenos protagonistas, existem livros que insistem em mostrar essas

criaturas sobrenaturais de maneira demasiadamente ingênua, tirando assim toda a carga

de terror desses personagens. Muitos são os livros que falam de “monstrinhos”,

2.3 Monstros que não são assustadores

17 JONES, Gerard. Brincando de matar monstros. São Paulo: Editora Conrad. 2004

28

“fantasminhas” ou “bruxinhas” e, por ter monstros cheios de bondade descaracterizam

completamente essas figuras tão conhecidas.

Um bom exemplo de livro, que apesar de não poder ser classificado como do

gênero de terror, mas que apresenta de forma competente alguns monstros é O livro dos

monstros!18

Um dos seis contos, entitulado “A garota sem medo”, da África do Sul, conta a

história de uma princesinha que desrespeita a mãe dos monstros e, por conta disso, o

grande monstro de olhos saltados e boca enorme sai do rio onde mora e devora todos os

animais e humanos que encontra pela frente. Nesse banquete que parece não ter fim o

monstro come o gado e os dois filhos de um caçador muito corajoso que, quando chega

até a sua casa e vê tudo destruído, decide matar o monstro que tinha causado toda a

confusão.

. O livro é uma pequena compilação de seis contos maravilhosos onde nem

todos os monstros são maus, alguns são apenas incompreendidos. Como qualquer conto

maravilhoso, os monstros são criaturas sobrenaturais que interagem com os seres

humanos.

As lendas recontadas no livro mostram outro lado que os monstros podem ter:

alguns deles tem medo dos humanos, e outros podem ser enganados por suas possíveis

vítimas. Na tradição dos contos que mostram o mais fraco vencendo o mais forte, no

livro também aparecem personagens corajosas que usam a esperteza ao invés da força

bruta e assim vencem seus medos: o casal de namorados que amolece o coração de um

monstro que estava disposto a devorá-los e a princesa que faz o gigante ogro

emplumado dormir com uma de suas belas canções para fugir com seu salvador e futuro

marido.

No campo dos contos populares brasileiros de terror, o livro Contos de enganar

a morte19

Os contos têm muitos elementos parecidos com os contos maravilhosos

europeus, mas aqui no Brasil as personagens são simples, algumas procurando melhorar

de vida, buscando maneiras de ganhar dinheiro ou viajar o mundo e sempre com a

preocupação em ter comida na mesa. O que é sobrenatural aparece na figura da morte,

é uma pequena compilação de quatro contos de um dos personagens mais

interessantes das narrativas de horror: a Morte. Nos contos a presença da morte não é

assustadora, é até engraçada.As personagens tentam enganar a morte utilizando-se de

vários artifícios para não serem levadas por ela.

18 PARNELL, Fran. O livro dos monstros! São Paulo: Companhia das letrinhas. 2011 19 AZEVEDO, Ricardo. Contos de enganar a morte. São Paulo: Editora Ática. 2003

29

podendo ser um vulto ou uma pessoa bem idosa. A morte é mostrada como uma

entidade que é justa, levando qualquer um sendo rico ou pobre, com algum cargo

importante ou não, mas mesmo assim sendo tão honesta em seu ofício, ela tem

dificuldades em executar seu trabalho, já que as pessoas dificilmente aceitam o fato de

que têm que morrer.

O interessante no livro é que a morte não é retratada como uma vilã: ela leva

quem tiver que ir para o mundo dos mortos porque é algo muito natural. Em um dos

contos, após ser enganada por um homem que a fez subir em uma figueira para depois

não conseguir mais descer por conta de um feitiço, ela grita desesperada e

inconformada, reclamando que só estava fazendo o trabalho dela, que pessoas que

nunca morrem são contra a natureza. Todo o discurso sobre a ordem natural do mundo

faz sentido, pessoas tm que morrer para dar lugar às que vão nascer. Outro ponto

interessante a ser comentado é que em nenhum dos contos a morte está ligada à ideia de

dor. A morte leva as pessoas porque afinal é a única certeza que todo ser humano tem.

A morte pode ser enganada e contrariada, mas ela sempre encontra uma

maneira de voltar e resolver o assunto que está pendente. Os tratos com a morte são

recorrentes nos contos e, por acreditar nas pessoas (ou por vezes ser obrigada a

concordar com os termos das negociações) ela constantemente tem um trabalho extra.

O livro tem a proposta de falar sobre a morte, um tema delicado para o público

infanto-juvenil, mas que deve ser apresentado. A leitura está longe de ser assustadora,

pelo contrário, é bem leve, divertida e descontraída.

Onde vivem os monstros20 também não é uma história de terror, mas tem

monstros que à primeira vista podem ser assustadores, mas depois se mostram

brincalhões. Em poucas linhas nos é contada a história de Max, um menino fantasiado

de lobo que, depois de fazer malcriações, fica de castigo. No quarto as árvores crescem

e pela janela o menino pode ver o mar e um veleiro que o leva para a terra onde

monstros vivem. Lá Max se torna o rei de todos os monstros, com a única ordem de se

divertir até cansar, quando decide voltar para casa. O filme21

20 SENDAK, Maurice. Onde vivem os monstros. São Paulo: Cosac naify. 2009.

inspirado no livro se

aprofunda na viagem do pequeno Max, tendo a infância como pano de fundo, assim

como a necessidade de aceitação e a vontade de estar inserido em um mundo de amor e

compreensão. Os monstros podem ser apenas criaturas que se tornam servos do rei Max

mas, em outra interpretação, podem ser a materialização da imaginação do menino, que

21 Onde vivem os monstros. Dir. Spike Jonze. Warner Bros. 2010. 101 min.

30

transporta para esse mundo de fantasia seus problemas e frustrações. Prova disso são as

constantes brigas entre os monstros e as tentativas de Max de controlar tudo da melhor

maneira sem ferir ninguém. O filme tem uma visão séria e até um pouco melancólica do

que é a infância, com o menino e também os monstros sempre pedindo atenção para

mostrar para os outros o que eles podem fazer. Isso qualquer criança faz. Tanto no livro

quanto no filme os monstros não estão na ilha distante para assustar ou serem

enganados pelo menino, mas sim para mostrá-lo como se deve lidar com algum

problema, não apenas fugir dele.

No divertido e criativo longa em animação Monstros S.A.22

Outra animação, dessa vez uma série francesa que teve em duas temporadas

117 capítulos e que utiliza o gênero de terror de maneira primorosa, é Ernest, o

vampiro. Na história, Ernest é um vampiro que tem vários pesadelos, uns assustadores e

outros nem tanto. O grande artifício utilizado pela animação é o clima sombrio causado

por cores que passeiam pelos tons cinzentos, pouquíssimas vezes passando para os tons

de terra e vermelhos. Outro destaque é o som, já que os curtos episódios são mudos,

deixando para a música o papel de transportar o espectador para um mundo

desconhecido e assustador. Ernest é um vampiro que sempre acorda assustado por conta

há uma brincadeira

com os tão assustadores monstros que moram nos armários: no filme eles têm

verdadeiro pavor de crianças. Quando uma porta é deixada aberta e uma menininha de

três anos invade a cidade dos monstros, a confusão toma grandes proporções, deixando

clara a ideia que os monstros tinham que qualquer criança seria muito perigosa por ser

tóxica. Mike e Sully são os melhores na arte de assustar crianças na empresa Monstros

S.A., eles são trabalhadores como qualquer adulto no mundo dos humanos, e se veem

em um jogo de perseguição com o grupo responsável por expulsar invasores de

Monstrópolis, a Agência de Detecção de Crianças. Os dois monstros tentam de qualquer

maneira proteger a menina ao mesmo tempo em que começam a se afeiçoar por ela.

Nesse filme temos uma história leve sobre monstros, que tem como argumento o medo

que as crianças têm do escuro, de portas de armários abertas. A expectativa é quebrada

quando nos deparamos com monstros que são medrosos, ou seja, tem as mesmas

características humanas de autopreservação.

22 Monstros S.A. Dir. Peter Docter, David Silverman e Lee Unkrich. Estúdios Disney / Pixar. 2001. 92 min

31

de seus pesadelos, o que já é uma quebra de expectativa já que espera-se que criaturas

sobrenaturais tão temidas quanto os vampiros não tenham medo de nada.

2.4 Livros e monstros

Mesmo com tantos exemplos citados na pesquisa, ainda se faz necessário o

estudo um pouco mais aprofundado sobre algumas obras que lidam com o terror para

crianças destacando elementos de horror seja na narrativa ou nas ilustrações. Os cincos

livros que servem como corpus para essa monografia tem as características descritas nas

páginas anteriores, mas sem perder o humor que é uma maneira de aliviar a tensão da

história.

2.4.1 Os lobos dentro das paredes

O livro Os lobos dentro das paredes23

Um trecho dá a noção de que Lucy estava sozinha nessa situação. Não apenas a

mãe, mas o pai e o irmão dizem que “se os lobos saírem de dentro da parede está tudo

acabado”. É uma frase simples, mas que ao mesmo tempo tem muito significado. Como

se fosse a anunciação de uma tragédia, um evento espetacular que todos deveriam se

preparar.

é um bom exemplo de livro de terror para

crianças. Neil Gaiman, em seus livros para crianças, é conhecido por tratar de temas que

não são muito explorados em narrativas para esse tipo de público. No caso de Os lobos

dentro das paredes, temos a história de Lucy, que mora com seus pais e irmão em um

casarão antigo. A menina começa a ouvir estranhos ruídos e tenta alertar a família sobre

o perigo em ter lobos andando, arranhando e tramando planos malignos enquanto

ficavam dentro das paredes do casarão. Apesar das outras três pessoas conhecerem

histórias sobre lobos, ninguém acredita em Lucy.

Não – disse a mãe. – Não existem lobos dentro das paredes. - Você deve estar ouvindo camundongos. Eu acho. - Lobos – insistiu Lucy.

23 GAIMAN, Neil. Os lobos dentro das paredes. Rio de Janeiro: Rocco. 2003

32

- Tenho certeza de que não são lobos – replicou a mãe. – E depois você sabe o que dizem... Se os lobos saírem de dentro da parede está tudo acabado. - O que está acabado? – perguntou Lucy? - Tudo – disse a mãe. – Todo mundo sabe disso. (GAIMAN, 2003, p. 13)

Gaiman trabalha com a sensação de insegurança, já que a menina tem a

impressão de estar sendo observada todo o tempo. O que agrava mais a situação é saber

que ninguém faz nada para ajudá-la. O que resta é esperar pelo pior, já que a sua própria

casa não é mais sinônimo de proteção.

O velho casarão não é o típico cenário de história de terror onde temos casas

mal-assombradas com maldições, armadilhas mortais e segredos, mas os barulhos que

saem das paredes podem ter uma conexão com acontecimentos ligados a presenças

malignas que vemos em vários livros de literatura adulta de terror.

Quanto aos lobos, que seriam os monstros que amedrontam a menina Lucy na

história, quando finalmente saem das paredes e invadem a casa, fazem uma grande

bagunça e expulsam a família. Todos fogem correndo desesperados para o jardim, tarde

demais para que se arrependessem de não terem acreditado em Lucy quando ela tentava

avisá-los. Os lobos não têm atitudes violentas, não tentam devorar os moradores ou

qualquer outras maldade característica dos vilões, o que eles fazem de tão grave – e o

fazem muito bem – é destruir a casa comendo tudo que havia na despensa, fazendo

festa, vendo televisão no máximo volume, usando as melhores roupas das pessoas,

dormindo profundamente nas camas e arrumando várias outras confusões. O mais

assustador no livro é ver a casa ser tomada pelas criaturas que trazem o caos, a menina

perceber que tudo que era seu a partir daquele momento pertenceria aos lobos, que ela

tinha sido tirada de sua casa e teria que viver em outro lugar bem longe para fugir dos

lobos.

Mas como heroína de história de terror infantil, Lucy tem a coragem de

resgatar seu porquinho de pelúcia e depois de expulsar os lobos, fazendo com que seus

pai e irmão desistissem da ideia de morar em um lugar distante. O que acontece depois é

bem interessante: uma vez que eles são fortes e decididos o bastante para mandar os

lobos irem embora, os animais ficam com medo deles, correndo pela casa e fugindo

para um lugar que ninguém sabe onde fica. No fim de tudo, os monstros não são tão

assustadores quando decidimos enfrentá-los. Há uma inversão de papéis: o que causava

medo não causa mais e o que vivia assustado não vive da mesma maneira.

33

A família precisou de dias para que pudesse arrumar a casa, deixá-la da melhor

maneira possível como tinha sido antes, mas pelo menos eles tinham recuperado a casa.

Não há nenhuma necessidade de explicação para o aparecimento dos lobos e o que

deixa a história mais próxima dos leitores é o acompanhamento da luta da menina para

proteger sua casa dos invasores.

Lucy, com sua esperteza e temperamento decidido faz lembrar outra

personagem criada por Neil Gaiman: Coraline, do livro homônimo24

As ilustrações com autoria de Dave McKean, colaborador de Neil Gaiman em

vários outros trabalhos, são sombrias e com traços angulares, com muitas pontas que

deixam com um ar assustador e sinistro todos os seus trabalhos, indo na direção

contrária de ilustrações extremamente coloridas para livros infantis. McKean usa várias

técnicas nas ilustrações e faz ótimo uso da técnica mista no livro. Os lobos, por

exemplo, têm um tratamento totalmente diferenciado do restante dos personagens no

livro, sendo representados de maneira deformada em ágeis traços de nanquim. A

fotografia também está presente como alguns elementos das ilustrações: o porquinho de

pelúcia, os potes de geleia, as mãos de Lucy e a tuba do pai. A arte complementa a

história de Gaiman que foge dos padrões da literatura para crianças.

. As duas meninas

enfrentam forças misteriosas para recuperar o lar e a companhia da família. Perder os

pais e a casa, onde acreditamos ser um lugar de paz e carinho, é um pensamento capaz

de causar arrepios em qualquer criança.

Com um papel muito importante na condução da narrativa, o livro tem páginas

fragmentadas com blocos que parecem histórias em quadrinhos e também páginas

duplas. As cores do livro mudam para demonstrar o pandemônio causado pelos lobos,

assim como quando os personagens dormem no quintal. A ilustração não compromete a

mancha gráfica, o que vemos aqui é um perfeito casamento entre figura e texto. Os

diálogos podem aparecer dentro de balões riscados na ilustração ou em blocos

inclinados em determinadas partes do texto, nunca em vão. Quando Lucy ouve os ruídos

dos lobos, com a cabeça encostada na parede para ouvir melhor, o texto está justamente

onde os lobos poderiam estar. Em momentos de mais ação, como a festa dos lobos com

música alta e muita comida espalhada, ou quando a família se prepara para ter de volta

sua casa antes de atacar os invasores, algumas palavras ficam em negrito ou em um

número de fonte maior para que o leitor tenha outro entendimento, como se certos

24 GAIMAN, Neil. Coraline. Rio de Janeiro: Rocco. 2003

34

personagens gritassem. Tudo pensado com cuidado, sem exageros e muito eficaz. A

mancha gráfica e as ilustrações acompanham a história, tendo como resultado um livro

que assusta, diverte e de maneira sutil mostra como uma menina conseguiu lidar com os

terríveis lobos que poderiam destruir qualquer lugar para onde eles fossem.

2.4.2 As bruxas

O livro As bruxas25

O livro não é basicamente uma história de terror, mas o modo como Dahl

descreve as bruxas faz com que elas fiquem realmente assustadoras. Um menino

começa a entender sobre o perigo que essas mulheres representam através das histórias

que sua avó conta: são histórias de crianças que foram amaldiçoadas e maneiras de

identificar uma bruxa são coisas que o menino acaba aprendendo e, por coincidência,

ele acaba por encontrar essas mulheres perigosas. Narrado em primeira pessoa e com

descrições detalhadas sobre os rostos, corpos e hábitos das bruxas, o livro pode ser

também um guia para um bruxólogo (aquele que estuda a vida das bruxas, como

explicado no livro).

tem o conhecido estilo literário de Roald Dahl, com

situações engraçadas, heróis inteligentes e alguns adultos comportando-se como idiotas.

Dahl se apropria das bruxas, personagens mais temíveis de qualquer folclore e as

transforma em mulheres extremamente más, sádicas, feias e mortais. Verdadeiras

máquinas de matar crianças. Na pequena introdução do livro podemos ler algumas dicas

sobre como são as bruxas, o que elas costumam vestir para disfarçar suas deformações,

hábitos, o que elas fazem para matar crianças, o que fazer para se proteger de suas

maldades e muitos outros hábitos. Esse texto serve como um rápido guia de

sobrevivências se por acaso alguma criança se deparar com uma delas. A introdução

tem o propósito de preparar o leitor para a história que vem a seguir.

Com muita aventura e situações inusitadas, o livro tem algo que é muito

importante na narrativa de terror para crianças: o protagonista tem que vencer seus

próprios medos e assim destruir o monstro que representa a ameaça para sua existência

e a de pessoas queridas, tendo assim a coragem necessária para completar a missão. A

idade do menino (sete anos) e o fato de ele não ter um nome aproximam-no de qualquer

jovem leitor.

25 DAHL, Roald. As bruxas. São Paulo: Martins Fontes. 1998

35

Um dia, em viagem com sua avó e hospedado em um hotel, o menino leva os

dois ratinhos de estimação para treinar na corda bamba em uma sala vazia. O que o

menino não esperava era que ali seria realizada a convenção anual das bruxas, com

todas as bruxas da Inglaterra e com participação especial da Grande Bruxa, a mulher

mais poderosa. Naquele momento o menino estava preso com muitas bruxas, todas

carecas e sem dedos nos pés. A descrição da Grã-Bruxa é um dos momentos mais

tensos do livro:

Assim que ela tirou a máscara, virou-se para o lado para colocá-la com todo o cuidado em cima de uma mesinha. Quando ela virou de frente outra vez, por um triz não deixei escapar um grito de horror. Seu rosto de verdade era a coisa mais medonha e horripilante que eu já tinha visto na vida. Só de olhar eu já estava tremendo dos pés à cabeça. Era um rosto enrugado e encarquilhado, descarnado e macilento, parecia até picles conservado em vinagre. Era uma visão terrível e apavorante. Dava a impressão de cadáver, era um rosto asqueroso, nojento, parecia coisa podre. Era como se estivesse literalmente se decompondo nas extremidades. Em volta da boca e das bochechas, a pele era toda ulcerada e carcomida pelos vermes, e era como se um monte de larvas estivesse se revolvendo por dentro dela. (DAHL, 1998, p. 54)

Quando o menino reconhece a Grã-Bruxa, aquela que ele conhecia apenas das

histórias, não poupa o leitor de uma descrição bem demorada, detalhada, com palavras

cuidadosamente escolhidas para que o leitor tenha a mesma sensação de asco e

desespero que o menino sentiu. Dizer apenas que a bruxa era uma mulher com um rosto

muito feio e enrugado não seria o bastante. Para compartilhar o medo e acompanhar o

que o menino passou trancado naquele salão com muitas bruxas só mesmo criando

suspense, escrevendo que tremeu dos pés à cabeça quando viu o rosto da bruxa e só

depois começar a explicar o que ele estava presenciando.

Depois disso, as maldades das bruxas continuam, com seus planos para matar

todas as crianças da Inglaterra com uma fórmula secreta que transformaria todas elas em

ratos. Infelizmente o plano já tinha sido colocado em prática e o menino vê outro

garoto, chamado Bruno Jenkins, entrar pela porta cobrando chocolates que tinham sido

prometidos a ele. O que nenhum dos dois sabia era que o doce já estava com uma dose

da fórmula e, logo depois que Bruno chega, acontece a transformação dele em rato. As

bruxas comemoram o sucesso da experiência, estavam se preparando para irem embora,

mas uma delas sente o cheiro do menino escondido. Ele é descoberto e capturado, sendo

36

obrigado a tomar uma dose da fórmula muito maior que a de Bruno. Dessa maneira, a

transformação do menino em rato é instantânea. As bruxas tentam matá-lo, mas ele

consegue fugir levando Bruno até o quarto onde a avó estava.

Depois de convencê-la de que ele era mais uma vítima das artimanhas das

bruxas, os dois começam a tramar um plano para destruir a organização das bruxas e

assim salvar todas as crianças da Inglaterra. Tudo deveria ser executado enquanto as

bruxas estavam no hotel e não teriam muito tempo.

No texto divertido e sarcástico de Roald Dahl, que não poupa suas personagens

infantis ou adultas de seus comentários ácidos, o leitor pode encontrar muitas doses de

terror que se faz na descrição dos acontecimentos e na tensão antes e também muitas

passagens engraçadas de um autor que não subestima a inteligência de seu público e não

se preocupa em ser politicamente correto todas as vezes. O menino, quando

transformado em rato e firme na missão de acabar com os planos das bruxas, corre

perigos reais de morte quando é perseguido pelos cozinheiros do hotel, perdendo até um

pedaço do rabo quando ferido por um facão.

As ilustrações são de Quentin Blake, ilustrador conhecido pelas colaborações

para os livros de Roald Dahl. Assim como Neil Gaiman e Dave Mckean, o desenho de

Blake combina perfeitamente com as loucas histórias que Roald Dahl escreve,

conseguindo captar toda a excentricidade das personagens em traços leves e muito

expressivos. Diferente de Os lobos dentro das paredes, o texto não é dependente da

ilustração, mas Quentin Blake, mestre que é, consegue imprimir maior força no texto

que suas ilustrações acompanham. As bruxas desenhadas por ele são deformadas,

esquisitas, olhos esbugalhados, mãos com dedos muito longos e pontiagudos. A

ilustração vai além do texto sem desrespeitar a imaginação do leitor.

Em 1990 A convenção das bruxas26

26 A convenção das bruxas. Dir.: Nicolas Roeg. 1990. Warner. 91 min.

, filme baseado na obra, teve a atriz

Anjelica Huston no papel de Grã-Bruxa em uma interpretação que lhe rendeu prêmios e

aprovação da crítica. O filme é uma boa adaptação, mas pecou em mudanças

desnecessárias no final da história, tentando ensinar moral, algo que não acontece no

livro. O menino aprende a viver na forma de rato e até consegue ver o lado bom em ter

um corpo pequenino, que possibilitaria a invasão dos locais onde bruxas do mundo todo

se escondem e assim, destruí-las sem maiores dificuldades com a ajuda da avó. O que

foi modificado e foge totalmente da ideia original é mostrar que uma bruxa pode se

37

tornar boa e desfazer maldições. Não é algo que comprometa toda a obra, mas o final do

livro é mais ousado com o fim merecido de todas as bruxas e o menino, ainda

transformado em rato e sem esperanças de se tornar humano de novo, vê nessa nova

vida oportunidades para que seu objetivo de matar todas as bruxas do mundo alcance o

êxito. O menino superou essa dificuldade, viu que não era algo para lamentar e

descobriu como poderia salvar as crianças. Além de bruxólogos, o menino transformado

em ratinho e sua avó tornam-se caçadores de bruxas ao redor do mundo.

2.4.3 10+ Histórias de terror

O livro 10+ Histórias de terror27

A introdução deixa clara a proposta de apresentar o gênero de terror de forma

leve e engraçada, equilibrando as piadas e as inúmeras referências que vão de séries de

jornais passando por filmes e folclore de vários países. O curupira, inclusive, é

mencionado em uma das listas que estão no livro: a dos monstros assustadores.

é uma coletânea de algumas histórias de terror

conhecidas da literatura adulta, revisitadas para o público infantojuvenil de maneira que

usa muito o humor em uma versão livre de cada obra. Além da literatura, o medo e

todos os personagens também são mostrados como aparecem em filmes de terror

clássicos ou os chamados trash. Ao final de cada nova versão para história, várias

informações que tem conexão com o que foi lido são inseridas no livro de modo tão

original quanto a história lida. Tudo é escrito e ilustrado para criar o clima de terror e

mistério que os contos exigem, mas também o livro faz diversas brincadeiras com o

gênero, aproveitando-se de clichês..

Essas listas, a propósito, complementam as histórias de terror, oferecendo

várias opções de pesquisa sobre determinados temas depois da leitura do livro. As

histórias são de autores diversos, sempre sendo iniciadas por uma pequena sinopse com

algumas informações básicas sobre autor, ano em que a obra foi escrita e título original.

Um exemplo de como essas listas funcionam é a que menciona alguns

monstros conhecidos. Do conto de Bram Stoker é explicada a história de uma mulher

chamada Arabella March, cuja forma verdadeira era uma gigante lombriga branca

rastejante e escorregadia. Como uma resenha com comentários cheios de humor, local

onde a criatura vive e comportamento também são descritos.

27 COX, Michael. 10+ Histórias de terror. São Paulo: Companhia das letras. 2006

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As histórias são recontadas de maneira bem diferente umas das outras, todas

diversas das originais - um modo incomum em se tratando de histórias tão conhecidas –

e mostrando as inúmeras faces do gênero. O livro tem desde histórias consideradas

clássicas e outras nem tão conhecidas, histórias que têm elementos de ficção científica

ou ritmo rápido no melhor estilo do pulp-fiction. Apresentando vários autores com

maneiras diferentes de escrever, o leitor é levado para o universo de múltiplas

possibilidades que as histórias de terror proporcionam.

Talvez o humor, mesclado com as narrativas de horror, tenha subtraído a tensão

em certas adaptações, mas nada que comprometa a leitura posterior das histórias que

aparecem nessa coletânea. Como exemplo do que Michael Cox faz, “A mão de macaco”

de W.W. Jacobs foi transformada em uma peça de teatro.

O momento na história que os pais recebem a notícia de que seu filho está

morto é apresentado dessa maneira:

A senhora White vai para a porta e, momentos depois, entra acompanhada de um estranho. Sra. White: Sente-se, senhor. Estranho: Prefiro ficar em pé, se não se importa. Sr. E sra. White, tenho algumas notícias para vocês. Estou aqui por parte da Meggins and Maw. Não são boas notícias, receio. O seu filho foi ferido. Sra. White: Oh, bom Deus misericordioso! Meu pobre rapaz! Ele está muito ferido? Estranho: Muito, muito mesmo. Mas ele não sente mais dores. Não mais... Sr. White: O senhor quer dizer que...? Ele bate a mão na boca enquanto a sra. White começa a chorar descontroladamente. Estranho: Sim, lamento dizer que... ele está morto.Por acidente, foi pego na máquina de polpação. Por algum tempo ninguém percebeu que ele estava lá dentro, com todo aquele barulho abafando seus gritos. Quando chegamos a desligar a eletricidade, já era tarde demais. Sr. White: Oh, meu pobre menino. (COX, 2006, p. 79)

Michael Cox é capaz de manter a tensão, ser o mais fiel possível ao original e

mesmo assim ter controle de bom nível de comédia em um texto que originalmente não

tem nada de engraçado. Certa liberdade pode descaracterizar os originais na opinião de

leitores um pouco mais conservadores, mas esse livro pode ser entendido como uma

diferente oportunidade de conhecer os clássicos. Ter esse livro, que possui a intenção de

recontar autores como H.P. Lovecraft, por exemplo, de uma maneira assustadora e ao

mesmo tempo divertida e interessante para o público infantojuvenil não sendo apenas

39

uma adaptação, já traz a relevante discussão sobre a explosão do terror como gênero de

interesse e também a constante busca por esse tipo de texto, que não fazem apenas o

leitor sentir medo, mas também refletir sobre algumas questões humanas.

As ilustrações de Michael Tickner têm o mesmo tom de comédia misturado

com terror, acompanhando o texto com imagens em preto e branco, como filme de

terror antigo usando muitas hachuras e sombras e traço característico do cartoon, com

monstros exagerados e pessoas com expressões sempre muito assustadas ou

ameaçadoras com olhos bem marcados ou luz com orientação de baixo para cima, que

imprime atmosfera misteriosa.

No último parágrafo do epílogo do livro, no qual o autor explica a importância

da literatura de terror, pode-se ler que “já que o mundo real é cheio de medos genuínos,

o que seria melhor do que relaxar com alguns vilões de mentirinha, sobre os quais você

tem controle total? É tudo muito simples, não é? A história assustadora ficou um pouco

assustadora demais? Então feche o livro! O monstro do filme fez você tremer mais do

que uma lesma no saleiro? Então aperte o botão “DESLIGA”!”. Quando falamos de

medo também estamos falando de coragem, e é nisso que a literatura nos ajuda: a fugir

dos problemas reais e, pelo menos na fantasia, sermos capazes de destruir aquilo que

nos faz mal e nos ameaça. E sendo uma via de mão dupla, a fantasia também nos ajuda

a lidar com o mundo real.

2.4.4 Paúra- 20 coisas que você morre de medo e como encarar todas elas

O livro de não-ficção Paúra- 20 coisas que você morre de medo e como

encarar todas elas28

Os medos são estudados com humor sem desrespeitar as razões que fazem as

crianças ficarem com medo de certas situações, pessoas ou lugares. A linguagem é

informal, como uma conversa direta com o pequeno leitor sendo o autor alguém que

entende que o medo é algo natural e tenta tratar o assunto de maneira mais descontraída

possível. O livro cita medos de dentista, de barata e de fantasmas, todos eles o leitor

pode ter ou conhece alguém que tenha.

mostra medos de naturezas diferentes – alguns bem reais e outros

que são apenas do mundo imaginário – listando todos os perigos, mas também explica

como se salvar de tudo que pode ser ameaçador.

28 FRANCO, Sérgio. Paúra- 20 coisas que você morre de medo e como encarar todas elas. São Paulo: Matrix Editora. 2010.

40

O título do livro é explicado logo na introdução, uma ótima maneira de

apresentar o tema, preparando o leitor para o que está por vir:

Paúra não é aquele medinho que você sente quando assiste a um filme de terror. Paúra é o medo medonho, que dá vontade de correr, gritar, se esconder e até fazer xixi nas calças. É o medão que dá dor de barriga e que não sai da sua cabeça. Você tem, seus amigos têm, sua mãe tem e até seu pai, que fala que não tem medo de nada, tem. (FRANCO, 2010, p. 7)

O grande diferencial do livro é a maneira como ele trata o enfrentamento do

medo: depois de assustar bastante o leitor descrevendo algum medo, logo abaixo a

seção “Vai encarar?” oferece dicas para que a criança se salve, o que deve ser evitado e

outras informações importantes. O que também pode ser considerado elemento de terror

é que nunca é dito que monstros ou assombrações não existem: o livro tem a proposta

de manter todos esses perigos tão reais quanto as pessoas que podemos encontrar pela

rua, deixando assim no mesmo patamar seres imaginários e pessoas de carne e osso.

Quando o medo de escuro é mencionado, todos os outros medos também podem

aparecer:

Existe algo mais assustador e mais poderoso do que o escuro? Você não vê nada e mesmo assim morre de medo daquilo que não está vendo. Porque não sabe o que o futuro esconde. Pode ser um monstro, um fantasma, um ladrão. Pode ter uma barata querendo subir na sua perna. Pode ter um palhaço louco querendo se divertir com seu pavor. (...) (FRANCO, 2010, p. 39)

As ilustrações de Gustavo Duarte não poupam as crianças desenhadas por ele

dos perigos apresentados nos livros: elas são sequestradas, amedrontadas, perseguidas,

atacadas.As expressões são sempre de susto, pavor, choro ou desespero. As crianças

aparentam ter idade entre 5 e 7 anos, faixa etária dos leitores desse livro. Desenhar

crianças da mesma idade que aqueles que estão lendo aproxima o livro do leitor.

41

2.4.5 Bicho de sete cabeças e outros seres fantásticos

O livro de poesia infantojuvenil Bicho de sete cabeças e outros seres

fantásticos29

Os monstros que emprestam seus nomes para os poemas no livro podem ser

descritos de maneira que pareçam assustadores ou talvez, em alguns casos, o leitor

possa se sentir mais próximo do monstro cujo poema está lendo por saber um pouco

mais da vida dele, deixando assim de ser tão ameaçador como seria antes. Mesmo

quando os monstros são assustadores, no livro aparecem de forma muito poética e com

simpatia. A proposta do livro não é de amedrontar, é demonstrar que também há beleza

no que é diferente e entender todas essas criaturas fantásticas, ter apreço por elas.

, de Eucanaã Ferraz, tem como tema diversos monstros presentes em

mitologias de muitas partes do mundo, incluindo o folclore brasileiro, na literatura e na

criptozoologia, revelando características e hábitos de cada um.

Alguns monstros do livro são bem conhecidos por serem da nossa cultura ou

por serem utilizados constantemente em outros livros, HQs ou filmes; outros não são

tão conhecidos: independente do leitor conhecer ou não a criatura, o autor dá uma nova

visão de como podemos estudar os monstros na literatura para crianças, não sendo

necessário amedrontá-las, mas também sem a obrigatoriedade de criar monstros

desnecessariamente bondosos e inofensivos.

Alguns trechos abaixo servem como exemplos do universo de monstros que o

autor se apropriou para escrever os poemas. Os centauros, raça de seres com o torso e

cabeça humanos e o corpo de cavalo, são vistos como criaturas bonitas:

Muitos o consideram feio. Discordo! Ele é cheio de força e beleza, de charme e firmeza. O centauro não é errado! O centauro é raro! Tem gente que o imagina grande e burro como um armário, mas eu o vejo ágil, inteligente

29 FERRAZ, Eucanaã. Bicho de sete cabeças e outros seres fantásticos. São Paulo: Editora Companhia das Letras. 2009.

42

e sutil como um... canário. (FERRAZ, 2009. p. 2009)

Nos versos o medo é superado, torna-se admiração, e mesmo assim não foi

preciso transformar o poderoso centauro em um animal dócil. O centauro continua

sendo selvagem, símbolo de força e elegância. O autor valoriza o que é único, dando

importância a qualquer característica do monstro, sendo digno de respeito.

Em um outro poema, da Odisseia escrita por Homero é retirada a passagem dos

ciclopes, em especial o episódio que acontece com Polifemo, ferido pelo herói Ulisses:

Os ciclopes são gigantes! Eles têm um olho só: um olho no meio da testa! São feios de dar dó! Há muito tempo, diziam que eles eram bons ferreiros, trabalhavam com Hefesto forjando raios pra Zeus.

(FERRAZ, 2009. p. 19)

No caso do poema que tem os ciclopes como tema, o autor optou por recontar

em versos uma pequena parte da aventura de Ulisses, explicando um pouco da

mitologia grega e a função dos ciclopes. Essas criaturas são ditas como muito feias, tão

feias que só poderíamos sentir pena delas. Além disso, não são inteligentes, podendo ser

enganadas.

O último exemplo, o dos versos dedicados ao lobisomem, são os que também

transportam para as feras as condições humanas. Diferente do ser belo e elegante que é

o centauro ou muito feio como Polifemo, o lobisomem tem como característica mais

importante nada exterior, mas uma dor interior que é familiar a qualquer pessoa: a

solidão, que traz o monstro para o campo das emoções, não necessariamente as do

leitor, mas com as mesmas angústias, a mesma tristeza.

O lobisomem é aquela criatura que ataca, mata e destrói, mas também é aquela

que tem duas vidas ao mesmo tempo (vive como homem e como lobo) e ainda assim

não vive completamente nenhuma das duas. Os versos nos dão a impressão de que se o

lobisomem não fosse um monstro tão traiçoeiro, poderíamos compartilhar mais dessa

43

dor, o que não deixamos de fazer quando nos emocionamos com os versos dedicados a

ele.

O autor costuma transformar sentimentos ruins que qualquer pessoa pode sentir

em criaturas temidas e listá-los como monstros que podem ter várias formas. O

lobisomem, sempre sozinho, é uma personificação desses sofrimentos :

Pobre lobisomem, porque tem garras, porque tem pelos, porque tem patas, e porque tem garras, pelos e patas, o pobre lobisomem fere o que ama.

(FERRAZ, 2009. p. 8)

Por ser um livro de poesia voltado para o público infantil e juvenil, certas

características podem ser observadas nesse estilo de texto: as palavras são combinadas

para que se tenha um novo sentido para o tratamento do assunto, repetições, jogos com

o som das palavras e musicalidade também são elementos presentes no texto. A poesia

incorpora a oralidade, captando assim “realidades que escapam ao controle da

sucessividade linear do dito pelo entredito das pausas, do gesto, das modulações

sonoras, numa orquestração de ritmos que desenham figuras conceituais, imagéticas,

tácteis e sonoras num espaço-tempo, também linear, mas simultâneo, inclusivo e

múltiplo”.30 Outras características presentes são as situações atraentes, o ludismo, a

graça, ritmo ágil, reiteração de formas em eco e predomínio de sinais de pontuação

emotiva (interrogação, exclamação, hífen e dois pontos) que apelam mais para os

impulsos afetivos do que para os racionais da pontuação lógica (ponto, vírgula, ponto e

vírgula, aspas, parênteses e colchetes).31

As fotografias com fundo branco para as esculturas criadas por André da Loba

para os poemas fogem do lugar comum, tirando partido de vários materiais para traduzir

em imagens a diversidade dessa fauna fantástica. São releituras dos monstros, formas

completamente diferentes das que estamos acostumados, sendo não apenas uma

visualização do poema, possibilitando leituras diversas de cada criatura. O fundo branco

30 PALO, Maria José e OLIVEIRA, Maria Rosa D. Literatura infantil – voz de criança. São Paulo. Editora Ática. 1992. 31 COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria – análise – didática. São Paulo. 2009.

44

não estabelece limites, deixando para a figura o foco principal e deixando a mancha

gráfica respirar.

45

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A literatura de terror para crianças e jovens tem uma proposta muito mais

ampla do que apenas assustar, mas sim de lidar de forma lúdica com o medo,

sentimentos que todos nós temos, aprendemos a conviver e muitas vezes esconder para

não demonstrarmos fraqueza. De maneira segura e saudável, é trabalhado o medo, tendo

os monstros (figuras ameaçadoras e perigosas) como representações do que deve ser

temido e, felizmente na literatura infantojuvenil, subjugado.

O monstro, por mais terrível e assustador que seja, na literatura para crianças

será derrotado no final da história, mostrando assim que o herói é forte e corajoso o

suficiente para lutar contra a criatura. O leitor ao final da obra, se apropria das

mensagens que são carregadas em cada texto, apreendendo valores. Assim, quando o

medo já é um sentimento passado, surge a coragem e a vontade de se superar, de ser

mais forte para enfrentar perigos cada vez maiores.

Os livros citados nessa monografia, por serem voltados para o público

infantojuvenil, possuem o fantástico como elemento na narrativa, amenizando dessa

forma a violência e a tensão. Trabalhar com o maravilhoso nas histórias para crianças

distancia os fatos narrados da realidade, criando um elo que permite essa interação com

a obra. Mesmo a violência ou qualquer outra parte está a serviço da história, assim

como aspectos ou temores da infância são utilizados nas obras.

Muito se discute se seria realmente necessário contar histórias de terror para

crianças e jovens leitores, mas essa pesquisa procurou mostrar que existem diferenças

entre a ficção de terror para crianças e para adultos. Em literatura infantojuvenil a

fantasia e a distorção da realidade dão o tom da história de terror. A literatura, não

apenas a de terror, ajuda a criança ou o jovem (e porque não também o adulto) a

solucionar problemas da vida real ou apenas a se divertir, tendo a vantagem de levar

qualquer um para diversos países, mundos e realidades.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Livros

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Sites

filosofiaimortal.blogspot.com/p/criptozoologia.html

Filmes

A casa monstro. Animação. Dir.: Robert Zemeckis. Dreamworks. 2006. 91 min. A convenção das bruxas. Dir.: Nicolas Roeg. 1990. Warner. 91 min. Monstros S.A. Dir. Peter Docter, David Silverman e Lee Unkrich. Estúdios Disney / Pixar. 2001. 92 min Onde vivem os monstros. Dir. Spike Jonze. Warner Bros. 2010. 101 min.