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1 Universidade Federal do Rio de Janeiro A TRANSITIVIDADE DE PROCESSOS MATERIAIS EM NOTÍCIAS JORNALÍSTICAS Gesieny Laurett Neves Damasceno 2016

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

A TRANSITIVIDADE DE PROCESSOS MATERIAIS EM NOTÍCIAS JORNALÍSTICAS

Gesieny Laurett Neves Damasceno

2016

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A TRANSITIVIDADE DE PROCESSOS MATERIAIS EM NOTÍCIAS JORNALÍSTICAS

Gesieny Laurett Neves Damasceno

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Letras Vernáculas, da Universidade

Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do Título de Doutor em

Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Orientadora: Profa. Dra. Violeta Virginia Rodrigues

Coorientadora: Profa. Dra. Mônica Maria Rio Nobre

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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A TRANSITIVIDADE DE PROCESSOS MATERIAIS EM NOTÍCIAS JORNALÍSTICAS

Gesieny Laurett Neves Damasceno

Orientadora: Profa. Dra. Violeta Virginia Rodrigues

Coorientadora: Profa. Dra. Mônica Maria Rio Nobre

Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, da Universidade

Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte integrante dos requisitos necessários para

obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Examinada por

___________________________________________________________________________

Presidente, Profa. Dra. Violeta Virginia Rodrigues (UFRJ) – Orientadora

___________________________________________________________________________

Profa. Dra. Mônica Maria Rio Nobre (UFRJ) – Coorientadora

___________________________________________________________________________

Profa. Dra. Nilza Barrozo Dias (UFF)

___________________________________________________________________________

Profa. Dra. Lúcia Helena Peyroton da Rocha (UFES)

___________________________________________________________________________

Prof. Dr. Marcelo da Silva Amorim (UFRN)

___________________________________________________________________________

Profa. Dra. Márcia dos Santos Machado Vieira (UFRJ)

___________________________________________________________________________

Profa. Dra. Aucione das Dores Smarsaro (UFES) – Suplente

___________________________________________________________________________

Profa. Dra. Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva (UFRJ) – Suplente

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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Damasceno, Gesieny Laurett Neves.

A transitividade de processos materiais em notícias jornalísticas / Gesieny

Laurett Neves Damasceno. Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de Letras, 2016.

xxi, 186f.: il.; 31 cm.

Orientadora: Violeta Virginia Rodrigues

Tese (doutorado) – UFRJ / Faculdade de Letras / Programa de Pós-

Graduação em Letras Vernáculas, 2016.

Referências Bibliográficas: f. 208-215.

1. Transitividade. 2. Linguística Sistêmico-Funcional. 3. Notícias

Jornalísticas. 4. Mapas Auto-organizáveis. I. Rodrigues, Violeta Virginia. II.

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-

Graduação em Letras Vernáculas. III. A transitividade de processos materiais em

notícias jornalísticas.

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“Porque dEle, e por Ele, e para Ele são todas as coisas;

glória, pois, a Ele eternamente. Amém!”

(Romanos 11:36)

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AGRADECIMENTOS

Ao meu Pai Celestial, pela inspiração, pelo renovo e pelos incontáveis milagres.

Ao meu amado esposo, Pedro, pelo companheirismo, pela paciência e pelo apoio

incondicional.

À minha mãe, Cenia, pelo incentivo aos estudos, pelos preciosos ensinamentos acerca da fé

em Cristo e pelas constantes orações, que em muito me sustentaram.

Ao meu pai, Paulo, pelos primeiros ensinamentos acerca da mensagem da Cruz, que se

tornaram lâmpada para os meus pés nos momentos de incerteza.

Aos meus irmãos, Gediane, Gideone, Jedaías e Sarah, pelos laços de comprometimento que

nos unen e pelas palavras de incentivo.

À minha tia Selma, por fazer parte da nossa família de forma tão engajada.

À minha sogra, Dona Lúcia, pelo carinho e pelo estímulo.

Aos meus cunhados e cunhadas, Beto, Cínthia, Vinícius, Andréa, Luciana, Anchieta, Marcelo

e Luanda, por fortalecerem meus laços familiares e, com isso, me encherem de energia e

ânimo.

Aos meus sobrinhos, Elisa, Isaque, Heitor, Isabela, Rebeca, Talita e João Pedro, pelos

inúmeros momentos de descontração e alegria.

À minha orientadora, professora Violeta Virginia Rodrigues, pelo exemplo de seriedade com

a pesquisa e pela orientação segura, constante e amável.

À minha coorientadora, professora Mônica Nobre, por ter me acolhido na UFRJ.

Ao professor Pedro Corrêa Damasceno Junior (meu esposo!!!), pelas preciosíssimas

orientações concernentes às análises estatísticas.

À querida Laura do Carmo, pelas valiosas dicas e informações, ainda no início desse

processo.

À querida amiga Gabriela Baroni, pela amizade sincera e pelas inúmeras ajudas.

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Aos amigos que fiz na UFRJ, Karine Bastos, Dedilene de Jesus, Carlos Eduardo Garcia,

Adriana Gonçalves, Gustavo Machado, Karen de Souza, Amanda Marchon e Aline Silvestre,

por dividirem comigo esse momento tão intenso, mas, também, tão gratificante.

Aos queridos amigos do Projeto “Cláusulas Hipotáticas: uso(s) de articuladores”, pelos

constantes apoios.

Ao PG Comunhão e Adoração, da PIB de Campo Grande-RJ, pelas constantes orações.

Aos queridos irmãos e amigos da PIB de Paracambi, pelo acolhimento e pelas orações.

À professora Lúcia Helena Peyroton da Rocha, por ter me apresentado o universo da pesquisa

científica e, agora, por ter aceitado colaborar para o crescimento deste trabalho.

À professora Nilza Barrozo Dias, pelas preciosas dicas no exame de qualificação e por ter

aceitado participar da banca de avaliação deste trabalho.

À professora Marcia dos Santos Machado Vieira, também pelos importantes apontamentos no

exame de qualificação e por ter aceitado o convite para compor a banca de avaliação deste

trabalho.

Ao professor Marcelo da Silva Amorim, por ter aceitado o convite para avaliar este trabalho.

À professora Aucione das Dores Smarsaro, por ter aceitado fazer parte da banca de

avaliadores desta tese.

À professora Vera Lucia Paredes, pelas aulas produtivas e agradáveis e por ter aceitado fazer

parte da banca de avaliadores deste trabalho.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, da Universidade

Federal do Rio de Janeiro, por dividirem conosco seus conhecimentos.

À CAPES, pelo apoio financeiro.

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RESUMO

A TRANSITIVIDADE DE PROCESSOS MATERIAIS EM NOTÍCIAS JORNALÍSTICAS

Gesieny Laurett Neves Damasceno

Orientadora: Profa. Dra. Violeta Virginia Rodrigues

Coorientadora: Profa. Dra. Mônica Maria Rio Nobre

Resumo da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Para a Gramática Sistêmico-Funcional, as línguas, de um modo geral, são organizadas em

torno de três tipos principais de significados: o ideacional, o interpessoal e o textual. Esses

significados, chamados de metafunções, são a manifestação no sistema linguístico dos três

objetivos principais que fundamentam todos os usos da linguagem: representação, interação e

mensagem. Na perspectiva sistêmica, os papéis principais do sistema de transitividade

fornecem o quadro de referência para que a experiência da realidade seja interpretada. Tendo

em vista essa concepção, este trabalho objetiva investigar o modo como os componentes do

sistema de transitividade são articulados em textos pertencentes ao gênero notícia jornalística,

a fim de que os propósitos sociocomunicativos desse gênero discursivo sejam mais

eficazmente alcançados. Como aporte descritivo-metodológico, elegeram-se oito parâmetros,

que visaram a abarcar tanto as propriedades sintáticas e semânticas dos elementos envolvidos

na transitividade, como as propriedades pragmáticas e discursivas que atuam nas escolhas

efetuadas. São exemplos desses parâmetros: caracterização dos fazeres transitivos e

intransitivos, número de Participantes na cláusula, formas de expressão do significado,

objetivos pragmático-discursivos das configurações clausais e expansão dos Processos

Materiais. O corpus da pesquisa constitui-se de 31 notícias jornalísticas, retiradas do corpus

Varport. O recorte de análise compreende 131 cláusulas construídas em torno de Processos do

tipo Material. Para o reconhecimento dos padrões de transitividade codificados nas notícias

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jornalísticas e a estimativa das correlações entre os parâmetros arrolados, utilizamos como

ferramentas os Mapas Auto-Organizáveis (do inglês, Self-organizing Maps – SOM), que se

constituem em um tipo de Rede Neural não supervisionada, e a estimativa da correlação de

Pearson. Tendo em vista a relação de similaridade entre os sinais de entrada, foi possível

identificar quinze importantes padrões linguísticos, que sintetizam, com bastante eficácia, as

escolhas efetuadas no âmbito do sistema de transitividade e os significados construídos nas

notícias jornalísticas a partir dos arranjos estabelecidos. O estabelecimento da correlação entre

os parâmetros analisados permitiu entrever, por exemplo, (i) a relação existente entre as

expressões metafóricas e a ocultação do real agente da ação verbal, (ii) a tendência de os

fazeres intransitivos codificarem experiências mais concretas, (iii) a importância das

expressões metonímicas no processo de construção de face de instituições empresariais e (iv)

o alto grau de importância dos elementos circunstanciais na representação dos fazeres

intransitivos.

Palavras-chave: Transitividade; Linguística Sistêmico-funcional; Notícias jornalísticas;

Mapas Auto-organizáveis.

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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ABSTRACT

THE TRANSITIVITY OF MATERIAL PROCESSES IN JOURNALISTIC NEWS

Gesieny Laurett Neves Damasceno

Orientadora: Profa. Dra. Violeta Virginia Rodrigues

Coorientadora: Profa. Dra. Mônica Maria Rio Nobre

Abstract da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

According to the Systemic Functional Grammar, languages are generally organized in three

main types of meaning: the ideational, the interpersonal and the textual one. These meanings,

known as metafunctions, exhibit the three main goals underlying all language uses in the

linguistic system, namely: representation, interaction and message. According to the systemic

perspective, the main roles played by the transitivity system provide the framework in which

the experience of reality is interpreted. Given this concept, the aim of the current study is to

investigate how the transitivity system components are articulated in texts that belong to the

journalistic news genre, so that the social and communicative purposes of this discursive

genre are effectively achieved. Eight parameters were chosen as descriptive and

methodological support. The aim of these parameters is to encompass both the syntactic and

semantic properties of the elements involved in transitivity and the pragmatic and discursive

properties that influence the choices people make. Here are the examples of these parameters:

the characterization of transitive and intransitive actions, the number of participants in the

clause, the forms of expressing meaning, the pragmatic-discursive goals of clausal settings,

and the expansion of Material processes. The research corpus encompasses 31 journalistic

news taken from the Varport corpus. The analysis clipping comprises 131 clauses which are

based on Material-type processes. We used Self-Organizing Maps, which constitute a type of

unsupervised neural network, and a Pearson’s correlation estimate as tools to recognize the

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transitivity standards codified in journalistic news and to estimate the correlations between the

listed parameters. The similarity relation between the input signals allowed identifying fifteen

important linguistic patterns, which quite effectively synthesize the choices made within the

transitivity system, and the meanings constructed in the journalistic news based on established

arrangements. Establishing the correlation among the analyzed parameters allowed seeing, for

instance, (i) the relationship between the metaphorical expressions and the concealment of the

real verbal action agent, (ii) the tendency of the intransitive actions to encode the most

concrete experiences, (iii) the importance of metonymic expressions in the business

institutions face-building process, and (iv) the high importance degree of circumstantial

elements in representing intransitive actions.

Keywords: Transitivity; Systemic Functional Linguistics; Journalistic news; Self-Organizing

Maps.

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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RÉSUMÉ

LA TRANSITIVITÉ DES PROCESSUS MATÉRIELS DANS LES NOUVELLES

JOURNALISTIQUES

Gesieny Laurett Neves Damasceno

Orientadora: Profa. Dra. Violeta Virginia Rodrigues

Coorientadora: Profa. Dra. Mônica Maria Rio Nobre

Résumé da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Selon la Grammaire systémique fonctionnelle, les langues sont généralement organisées

autour de trois types principaux de significations: le type idéationnel, l’interpersonnel et le

textuel. Ces significations, appelées métafonctions, sont la manifestation dans le système

linguistique des trois objectifs principaux qui sous-tendent toutes les utilisations du langage:

la représentation, l'interaction et le message. Selon la perspective systémique, les rôles

principaux du système de transitivité fournissent le cadre de référence pour que l'expérience

de la réalité soit interprétée. En vue de cette conception, cette recherche vise à étudier la façon

dont les composants du système de transitivité sont articulés dans les textes appartenant au

genre des nouvelles journalistiques, de sorte que les buts socio-communicatifs de ce genre

discursif soient mieux réalisés. Huit paramètres ont été élus comme support descriptive et

méthodologique. Ces paramètres visent à englober à la fois des propriétés syntaxiques et

sémantiques des éléments impliqués dans la transitivité et les propriétés pragmatiques et

discursives qui agissent sur les choix effectués. Voici les exemples de ces paramètres: la

caractérisation des actes transitifs et intransitifs, le nombre des participants à la clause, les

formes d'expression du sens, des objectifs pragmatiques-discursives des configurations

clausales et l'expansion des processus matériels. Le corpus de recherche se compose de 31

nouvelles journalistiques issues du corpus Varport. La coupure d'analyse comprend 131

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clauses construites autour des processus matériels. En ce qui concerne la reconnaissance des

normes de transitivité codifiées dans les nouvelles journalistiques et l'estimation des

corrélations entre les paramètres énumérés, nous avons utilisé comme des outils les Cartes

Auto-Organisatrices (de l’ Anglais, Self-Organizing Maps - SOM) - qui sont un type de

réseau neuronal sans supervision - et une estimation de la corrélation de Pearson. En vue de la

relation de similitude entre les signaux d'entrée, il a été possible d'identifier quinze modèles

linguistiques importants qui synthétisent assez efficacement les choix effectués dans le cadre

du système de transitivité et les significations construites dans des nouvelles journalistiques à

partir des arrangements établis. La mise en place de la corrélation entre les paramètres

analysés a permi d’entrevoir, par exemple, (i) la relation entre les expressions métaphoriques

et l'occultation de l'agent réel de l'action verbale, (ii) la tendance des actions intransitives à

codifier des expériences les plus concrètes, (iii) l'importance des expressions métonymiques

dans le processus de construction de face des institutions d'affaires et (iv) le haut degré

d'importance des éléments circonstanciels dans la représentation des actions intransitives.

Mots-clés: Transitivité; Linguistique Systémique Fonctionnelle; Nouvelles journalistiques;

Cartes Auto-Organisatrices.

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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SUMÁRIO

ABREVIATURAS .......................................................................................................... 17

ÍNDICE DE FIGURAS, QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS .............................. 19

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 22

1. FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO ....................................................................... 26

1.1. PRESSUPOSTOS GERAIS ...................................................................................... 26

1.2. A LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL ....................................................... 28

2. A TRANSTIVIDADE NAS GRAMÁTICAS DE LÍNGUA PORTUGUESA ........................................................................................................................................... 33

2.1. A CONCEPÇÃO TRADICIONAL DE CUNHA E CINTRA (2013) .................... 33

2.2. A CONCEPÇÃO SINTÁTICO-SEMÂNTICA DE ROCHA LIMA (2014) ............ 35

2.3. A CONCEPÇÃO SINTÁTICO-SEMÂNTICA DE AZEREDO (2008) ................... 37

2.4. A CONCEPÇÃO SINTÁTICA DE RAPOSO ET ALII (2013) ............................... 40

2.5. A CONCEPÇÃO FORMAL DE PERINI (2009) ...................................................... 44

2.6. A CONCEPÇÃO FUNCIONAL-COGNITIVISTA DE CASTILHO (2010) ........... 46

3. A TRANSITIVIDADE NO FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO ........................ 49

3.1. A TRANSITIVIDADE NA PERSPECTIVA DE HOPPER E THOMPSON (1980) ........................................................................................................................................... 49

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3.2. A TRANSITIVIDADE NA PERSPECTIVA DE GIVÓN (1984) ............................ 54

3.3. A TRANSITIVIDADE NA PERSPECTIVA DA LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL ................................................................................................................... 59

3.3.1. Os tipos de Processo e seus respectivos Participantes ....................................... 62

3.3.2. Os elementos circunstanciais ............................................................................... 66

4. O GÊNERO NOTÍCIA JORNALÍSTICA ............................................................... 69

4.1. DEFINIÇÃO DE GÊNERO DISCURSIVO ............................................................. 69

4.2. O DOMÍNIO DISCURSIVO JORNALÍSTICO E O GÊNERO NOTÍCIA ............. 73

5. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................. 78

5.1. CONSTITUIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO CORPUS ...................................... 78

5.2. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE ......................................................................... 80

5.3. PROCESSAMENTO ESTATÍSTICO DOS DADOS ............................................... 85

6. A TRANSITIVIDADE NAS NOTÍCIAS JORNALÍSTICAS – DISCUSSÕES E RESULTADOS ............................................................................................................... 91

6.1. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS PARÂMETROS SELECIONADOS ................... 92

6.1.1. Os fazeres transitivos e intransitivos ................................................................... 93

6.1.1.1. A perspectivização de mudança (ou afetamento) nas cláusulas Materiais transitivas e intransitivas ................................................................................................... 97

6.1.2. Número de Participantes na cláusula .............................................................. 112

6.1.3. Natureza dos Processos Materiais ................................................................... 117

6.1.4. Tipos de “fazeres” Materiais ............................................................................ 122

6.1.5. A macrofunção Ator e os papéis temáticos atribuídos ao sujeito ................... 130

6.1.6. Formas de expressão do significado .................................................................. 139

6.1.6.1. As expressões congruentes e as expressões metafóricas ................................... 140

6.1.6.2. Casos de complementaridade ............................................................................. 146

6.1.6.3. As expressões metonímicas ............................................................................... 147

6.1.7. Objetivos pragmático-discursivos ..................................................................... 155

6.1.8. Expansão dos Processos Materiais .................................................................... 166

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6.2. AS CLÁUSULAS MATERIAIS NAS NOTÍCIAS JORNALÍSTICAS E SEUS PADRÕES DE TRANSITIVIDADE .............................................................................. 178

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 203

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 208

ANEXOS ........................................................................................................................ 216

ANEXO 1 – NOTÍCIAS JORNALÍSTICAS ANALISADAS ....................................... 217

ANEXO 2 – CLÁUSULAS ANALISADAS .................................................................. 236

ANEXO 3 – CLÁUSULAS POSICIONADAS DENTRO DOS NEURÔNIOS NO GRID MAP ...................................................................................................................... 246

ANEXO 4 – FIGURAS DE DISPERSÃO DAS CLASSES DOS PARÂMETROS .... 248

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ABREVIATURAS

AD = Distância Média (do inglês, Average distance) ADM = Distância Média entre as Médias (do inglês, Average distance between means) afet = Afetamento Ant = Anteposição APN = Proporção Média de Não-sobreposição (do inglês, Average proportion of non-overlap) CL = Clivado CN = Concordância com o nome CV = Concordância com o verbo Ex-OD = Exige Objeto Direto EXP = Expansão dos Processos Materiais FES = Formas de Expressão do Significado FOM = Figura de Mérito (do inglês, Figure of Merit) GSF = Gramática Sistêmico-Funcional GT = Gramática Tradicional inst = Instigação L-OD = Aceita livremente Objeto Direto LSF = Linguística Sistêmico-Funcional MCI = Modelo Cognitivo Idealizado N = Nome NAP = Natureza dos Processos Materiais NdP = Núcleo do Predicado NGB = Nomenclatura Gramatical Brasileira NUP = Número de Participantes na cláusula

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O = Objeto OI = Objeto Indireto OPD = Objetivos Pragmático-discursivos PA = Posição do auxiliar pNdP = Posição obrigatória antes do Núcleo do Predicado PTS = Papéis temáticos do sujeito Q = Retomável através de (o) que / quem Rec-OD = Recusa Objeto Direto SN = Sintagma Nominal SOM = Mapas Auto-organizáveis (do ingles, Self-Organizing Maps) SPrep = Sintagma Preposicionado TIF = Tipos de Fazeres Materiais TRI = Processos Materiais Transitivos e Intransitivos V = Verbo vol = Volição

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ÍNDICE DE FIGURAS, QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS

FIGURAS

Figura 1: Texto em contexto ............................................................................................ 29

Figura 2: Dimensões do contexto de situação .................................................................. 30

Figura 3: A cláusula como realização dos significados principais da língua .................. 32

Figura 4: A gramática da experiência – tipos de Processo .............................................. 61

Figura 5: A cláusula como representação da experiência ................................................ 67

Figura 6: Relação entre contexto e linguagem ................................................................. 70

Figura 7: Rede Neural de Mapas Auto-organizáveis (visualização tridimensional) ....... 87

Figura 8: Continuum de representação das categorias transitivo e intransitivo, tendo em vista o Participante modificado ao longo do Processo ............................................... 103

Figura 9: Dispersão do parâmetro Fazeres transitivos e intransitivos (TRI) .................. 111

Figura 10: Dispersão do parâmetro Número de Participantes (NUP) ............................. 116

Figura 11: Dispersão do parâmetro Natureza dos Processos Materiais (NAP) .............. 120

Figura 12: Dispersão do parâmetro Tipos de fazeres Materiais (TIF) ............................. 127

Figura 13: Dispersão do parâmetro Papel temático do sujeito (PTS) ............................. 138

Figura 14: Representação da metáfora da transitividade nas notícias jornalísticas ......... 144

Figura 15: Dispersão do parâmetro Formas de expressão do significado (FES) ............ 152

Figura 16: Dispersão do parâmetro Objetivos pragmático-discursivos (OPD) ............... 164

Figura 17: Dispersão do parâmetro Expansão dos Processos Materiais (EXP) ............. 175

Figura 18: Agrupamento dos dados a partir da relação de similaridade entre as classes dos parâmetros ................................................................................................................. 179

Figura 19: Agrupamento dos dados, segundo Brock et alii (2008) ................................. 183

Figura 20: Quantidade de cláusulas em cada neurônio .................................................... 184

Figura 21: Relação de similaridade entre os modelos de transitividade .......................... 188

Figura 22: Peso das classes dos parâmetros em cada neurônio ...................................... 192

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Figura 23: Padrões de transitividade dos Processos Materiais das notícias jornalísticas ........................................................................................................................................... 195

QUADROS

Quadro 1: Componentes de transitividade – Hopper e Thompson (1980) ..................... 50

Quadro 2: Critérios de definição de um objeto individuado ........................................... 51

Quadro 3: Identificação do grau de transitividade .......................................................... 52

Quadro 4: Funções típicas das classes de palavras no sistema de transitividade ............ 60

Quadro 5: Processos Materiais 1 ..................................................................................... 63

Quadro 6: Processos Materiais 2 ..................................................................................... 63

Quadro 7: Principais tipos de Processos Relacionais ...................................................... 65

Quadro 8: Circunstâncias de extensão e de localização .................................................. 66

Quadro 9: Contexto de situação das notícias jornalísticas .............................................. 77

Quadro 10: Caracterização do corpus ............................................................................. 79

Quadro 11: Quantificação dos assuntos abordados nas notícias jornalísticas ................ 79

Quadro 12: Valores atribuídos às classes constitutivas dos parâmetros descritivos ..... 84

Quadro 13: Constituição de um vetor de entrada ............................................................ 88

Quadro 14: Representação do sistema de transitividade de uma cláusula intransitiva ... 103

Quadro 15: Representação do sistema de transitividade de uma cláusula transitiva ...... 103

Quadro 16: Tipos de mudança codificados pelas cláusulas Materiais ............................ 105

Quadro 17: Configuração de uma cláusula comumente denominada “transitiva de objeto elíptico” ................................................................................................................ 108

Quadro 18: Configuração de uma cláusula comumente denominada “transitiva de objeto elíptico” ................................................................................................................ 109

Quadro 19: Processos Materiais do tipo 1 ...................................................................... 131

Quadro 20: Processos Materiais do tipo 2 ...................................................................... 131

Quadro 21: Processos Materiais involuntários ................................................................ 132

Quadro 22: Propriedades do Participante Ator nas notícias jornalísticas ....................... 137

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Quadro 23: Representação da forma metafórica do sistema de transitividade ............... 144

Quadro 24: Representação da forma congruente do sistema de transitividade ............... 145

Quadro 25: Representação da forma metafórica do sistema de transitividade ............... 145

Quadro 26: Representação da forma congruente do sistema de transitividade ............... 146

Quadro 27: Tema, Sujeito e Ator realizados por diferentes grupos nominais ................ 156

Quadro 28: Tema, Sujeito e Ator realizados pelo mesmo grupo nominal ...................... 157

Quadro 29: Modelo de representação das funções Tema, Sujeito e Ator nas notícias jornalísticas ..................................................................................................................... 157

Quadro 30: Formas de expansão dos Processos Materiais ............................................. 174

Quadro 31: Parâmetros selecionados para descrição dos dados; as classes componentes desses parâmetros e as abreviaturas adotadas ........................................... 193

TABELAS

Tabela 1: Correlação de Pearson (STEEL e TORRIE, 1980) entre os parâmetros descritos .......................................................................................................................... 114

Tabela 2: Frequência dos Processos Materiais concretos e abstratos nas cláusulas transitivas e intransitivas ................................................................................................. 121

Tabela 3: Percentual dos tipos de fazeres nas cláusulas Materiais das notícias jornalísticas ..................................................................................................................... 130

Tabela 4: Percentual de ocorrência dos objetivos pragmático-discursivos nas notícias jornalísticas ..................................................................................................................... 163

Tabela 5: Estimativas de índices de medidas internas com suas respectivas indicações do número de grupos na Rede SOM ............................................................................... 181

Tabela 6: Estimativas de índices de medidas de estabilidade com suas respectivas indicações do número de grupos na Rede SOM ............................................................. 182

GRÁFICO

Gráfico 1: Progresso de treinamento da Rede SOM ...................................................... 92

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INTRODUÇÃO

O estudo da sintaxe e das primeiras noções de transitividade verbal no ocidente nasce

com a preocupação do gramático alexandrino Apolônio Díscolo, ainda no século II d. C., de

investigar a relação que as palavras estabelecem entre si. Vários séculos se passaram, e a

transitividade continua sendo alvo de investigações e, também, de inúmeras controvérsias,

geradas pelas múltiplas abordagens presentes nos manuais de gramática e nos estudos

linguísticos de modo geral.

Longe de constituir um tema consensual, a transitividade, a depender da perspectiva

teórica, recebe definições bastante díspares. Nos estudos de cunho tradicional (seguidores da

Nomenclatura Gramatical Brasileira), por exemplo, a definição de transitividade orienta-se

pela noção de completude e incompletude verbal: intransitivos são os verbos que possuem

predicação completa, ou seja, que podem constituir sozinhos o predicado, pois não necessitam

de outro termo para completá-los; em contrapartida, transitivos são os verbos que, por

possuírem predicação incompleta, necessitam de um complemento para integralizar seu

sentido (CUNHA e CINTRA, 2013). Na contramão dessa concepção tradicional, que utiliza

critérios sintático e semântico indiscriminadamente, encontram-se as acepções de natureza

formalista, que concebem a transitividade como um fenômeno puramente sintático. Para os

adeptos dessa perspectiva, a dimensão dos verbos transitivos e intransitivos distingue os

verbos que selecionam um argumento com a função de complemento direto e os verbos que

não selecionam tal argumento (RAPOSO et alii, 2013).

Neste estudo, a transitividade é concebida a partir dos pressupostos teóricos do

funcionalismo linguístico. Dessa feita, com vistas a descrever a importância desse sistema no

processo de construção dos significados, nas situações reais de uso da língua, além do critério

sintático, esse fenômeno linguístico é considerado em suas dimensões semânticas, discursivas

e pragmáticas.

O termo Funcionalismo compreende disposições bastante diversificadas em relação ao

estudo da língua, mas, de modo geral, o modelo funcionalista de análise linguística se

caracteriza por priorizar a função que as formas exercem em dados contextos discursivos e

por buscar estabelecer possíveis motivações funcionais para determinadas realizações.

Inseridas no rol das teorias funcionalistas, encontram-se as ideias de Michael A. K.

Halliday, denominadas de Linguística Sistêmico-Funcional. Halliday (1994) explica que a

teoria sistêmica é uma teoria do significado como escolha. Para essa corrente, a língua é

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interpretada como uma rede de opções que se organiza em torno de duas possibilidades

alternativas: a cadeia (o sintagma) e a escolha (o paradigma). Levar em conta o nível

sistêmico implica, portanto, a consideração de escolhas entre os termos do paradigma, sob a

ideia de que escolha, ainda que nem sempre consciente, produz significado (HALLIDAY:

1994, p. xiv).

Para a teoria sistêmico-funcional, as diferentes redes sistêmicas codificam diferentes

espécies de significado, ligando-se, pois, às diferentes funções da linguagem – as chamadas

metafunções (ideacional, interpessoal e textual). O sistema de transitividade, por meio dos

elementos que o compõem (os Participantes, os Processos e as Circunstâncias), explica, de

forma mais geral, como os fenômenos do mundo real são representados como estruturas

linguísticas, ligando-se, portanto, à função ideacional. Para muito além da familiar dicotomia

entre verbos transitivos e intransitivos, a transitividade é compreendida pela Linguística

Sistêmico-Funcional como o sistema que permite identificar as ações e atividades humanas

que estão sendo expressas no discurso e que realidade está sendo retratada (FURTADO DA

CUNHA e SOUZA: 2007).

A partir dos pressupostos principais da Linguística Sistêmico-Funcional e do status

que essa teoria atribui à transitividade na construção do significado, constitui-se objetivo

principal deste trabalho investigar como os componentes do sistema de transitividade dos

Processos Materiais se encontram codificados nas notícias jornalísticas pertencentes ao final

do século XX e quais os significados que são construídos a partir dessas representações, tendo

em vista os propósitos comunicativos desse gênero discursivo.

Dessa busca por compreender como as diferentes configurações do sistema de

transitividade auxiliam na construção dos sentidos do gênero notícia jornalística, os seguintes

questionamentos orientaram nossas investigações: (i) que tipos de arranjos léxico-gramaticais

predominam nas cláusulas constitutivas das notícias analisadas? (ii) De que forma essa

proeminência se relaciona com as funções sociocomunicativas desse gênero discursivo? (iii)

Quais as configurações formais e semânticas das expressões que exercem os papéis de

Participantes das cláusulas Materiais? (iv) Quais as razões discursivo-textuais para esses

modos de realização?

O intuito em caracterizar as escolhas feitas, no âmbito do sistema de transitividade,

para o cumprimento das funções a que se propõem as notícias jornalísticas, levou-nos à busca

por parâmetros descritivos capazes de evidenciar as codificações dos Processos de natureza

Material. Assim, depois de sucessivas tentativas, visando a uma melhor descrição dos

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Processos e de seus componentes pragmático-discursivos, chegamos a um total de oito

parâmetros, que se mostraram bastante eficientes no estabelecimento das similaridades e

dissimilaridades dos padrões de transitividade presentes nesse contexto particular de

interação. Os parâmetros selecionados foram: (i) caracterização e distinção dos fazeres

transitivos e intransitivos, (ii) número de Participantes na cláusula, (iii) natureza dos

Processos Materiais, (iv) tipos de fazeres Materiais, (v) papéis temáticos atribuídos ao

Ator/Sujeito das cláusulas, (vi) formas de expressão do significado, (vii) objetivos

pragmático-discursivos das configurações clausais e (viii) formas de expansão dos Processos

Materiais.

Para a descrição dos padrões de transitividade, foram selecionados 31 exemplares de

notícias jornalísticas. As notícias foram extraídas do banco de dados do corpus Varport,

criado pela Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em parceria com

pesquisadores de Portugal. Esse banco de dados disponibiliza textos tanto da modalidade

escrita da língua como da modalidade falada, representativos de gêneros discursivos diversos

e, também, de períodos históricos distintos. As 31 notícias que constituem o corpus desta

pesquisa foram escritas entre os anos 1975 e 2000 (último período abarcado pelo corpus

Varport), configurando, portanto, uma fase mais moderna do jornalismo. O recorte de análise

compreende 131 cláusulas ativas construídas em torno de Processos do tipo Material, que são

os Processos do fazer, ou seja, Processos que expressam algum tipo de mudança.

O reconhecimento dos padrões de transitividade das notícias jornalísticas e o

estabelecimento das correlações entre os oito parâmetros arrolados foram feitos por meio de

Rede Neural de Mapas Auto-organizáveis (ou Rede SOM). Criada por Teuvo Kohonen, em

1982, a Rede SOM, conforme atestaram as análises empreendidas nesta tese, é mais uma

importante ferramenta disponível para organização de dados, com a notável característica de

representar visualmente a classificação e a distribuição das amostras, através de seu

posicionamento espacial em um mapa topológico.

Tendo em vista a relação de similaridade (e de dissimilaridade) existente entre as 131

cláusulas, foi possível identificar, por meio da Rede SOM, quinze padrões de codificação, que

sintetizam, com bastante eficácia, tanto as escolhas efetuadas no âmbito do sistema de

transitividade como os significados construídos, a partir dos arranjos estabelecidos.

A fim de explicitarmos os resultados encontrados e alicerçarmos as discussões

suscitadas nos pilares das teorias linguísticas, organizamos este trabalho da seguinte forma: a

primeira parte, intitulada Funcionalismo Linguístico, apresenta os postulados principais da

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corrente funcionalista de análise linguística (como as concepções de língua e de gramática, e a

noção de contexto como elemento motivador para as diferentes construções sintáticas) e, mais

especificamente, os preceitos da vertente sistêmico-funcional.

O capítulo 2 tece um panorama de como a transitividade é abordada em algumas das

principais gramáticas de língua portuguesa. Nesse capítulo, foram reunidas desde concepções

mais tradicionais de transitividade, baseadas na distinção estabelecida pela Nomenclatura

Gramatical Brasileira, a descrições de cunho mais semântico, funcional-cognitivista, ou,

ainda, puramente formal.

O capítulo 3 fornece um quadro geral de como o tema da transitividade é retratado

pelos estudos funcionalistas. Nessa parte do trabalho, foram retomados os postulados da

Linguística Funcional Norte-americana (mais especificamente, os estudos de Hopper e

Thompson (1980) e de Givón (1984)) e os da Linguística Sistêmico-Funcional. Conforme

veremos, diferentemente da Gramática Tradicional (GT), na linha funcionalista de análise

linguística, a transitividade é vista como uma propriedade da cláusula como um todo, e não

apenas do verbo.

O capítulo 4 apresenta a definição de gênero discursivo, a partir das noções divulgadas

pela Teoria Sistêmico-Funcional e pela Linguística Textual, e a caracterização dos textos que

compõem o gênero notícia jornalística, tendo em vista o contexto de cultura e o contexto de

situação que circundam essas manifestações linguísticas.

O capítulo 5, além da constituição e caracterização do corpus, explicita os

procedimentos adotados para a análise das cláusulas e o trajeto percorrido no processamento

estatístico dos dados. Consta deste capítulo, ainda, uma breve caracterização da Rede Neural

de Mapas Auto-Organizáveis.

Por fim, o capítulo 6 apresenta os resultados desta pesquisa. A seção 6.1 descreve e

discute os oito parâmetros selecionados para a descrição do sistema de transitividade. Por

meio dos mapas de dispersão, que permitem entrever a representatividade estatística das

classes nas cláusulas analisadas, é possível perceber, por exemplo, as correlações que se

estabelecem entre os parâmetros descritivos. A seção 6.2 explicita os padrões de

transitividade mais recorrentes nas notícias jornalísticas, bem como os sentidos evocados por

esses padrões nesse contexto de interação.

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1. FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO

Cumpre a este capítulo apresentar, ainda que sucintamente, os preceitos que regem a

vertente funcionalista de análise linguística e, mais especificamente, caracterizar a Linguística

Sistêmico-Funcional.

1.1. PRESSUPOSTOS GERAIS

Apesar de compreender posições bastante diversificadas no que tange ao estudo da

língua, o modelo funcionalista de análise linguística caracteriza-se, de modo geral, por

priorizar a função que as formas exercem em dados contextos discursivos e por buscar

estabelecer possíveis motivações funcionais para determinadas realizações linguísticas.

Comumente, as análises que seguem a linha funcionalista são distinguidas com base

no grau em que se considera a influência das funções externas sobre a configuração do

sistema linguístico. A partir desse critério, é possível encontrar, pelo menos, dois

funcionalismos: um mais radical e um mais moderado. Furtado da Cunha (2009) explica que a

postura mais radical sugere que as categorias gramaticais são definidas pelas funções

externas, tais como os propósitos comunicativos dos interlocutores, a tal ponto que a língua

poderia ser descrita unicamente com base nos princípios comunicativos, sem a necessidade do

nível estrutural chamado sintaxe. Encontra-se inserido nessa linha funcionalista, por exemplo,

o trabalho de Hopper e Thompson (1980), que trata a transitividade como uma categoria que

deriva do discurso. Em contrapartida, uma postura de funcionalismo mais moderado, ainda

segundo Furtado da Cunha (2009), admite a interação entre forma e função, de modo que as

funções externas atuariam concomitantemente com a organização formal inerente ao sistema

linguístico, influenciando-a em certos pontos, sem fundamentalmente definir suas categorias

básicas. Os trabalhos de Michael A. K. Halliday, que integram a semântica e a pragmática à

análise sintática, exemplificam essa vertente mais moderada.

Segundo Pezatti (2007), o funcionalismo moderno é, de certo modo, um retorno à

concepção de linguistas anteriores a Saussure, como Whitney e Hermann Paul, que

conceberam a análise linguística a partir dos fenômenos sincrônicos e diacrônicos no final do

século XIX, entendendo que a estrutura linguística deve ser explicada em termos de

imperativos psicológicos, cognitivos e funcionais. Para esses linguistas, os homens se utilizam

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das instrumentalidades pressupostas pela linguagem para representarem seus pensamentos

com a finalidade principal de torná-los conhecidos de outros homens. Em outras palavras, na

concepção desses estudiosos, a expressão na linguagem deve estar a serviço da comunicação.

A vertente funcionalista concebe a língua como instrumento de interação social e,

como tal, não a interpreta como um conhecimento autônomo, independente do

comportamento social, mas como um reflexo de um processo de adaptação, estabelecido pelo

falante, às diferentes situações comunicativas. Diferentemente de outras abordagens

linguísticas, em que a análise da forma parece desempenhar papel preponderante, os estudos

de cunho funcionalista se preocupam menos com as características internas da língua e mais

com as relações (ou funções) entre a língua como um todo e as diversas modalidades de

interação social, frisando, assim, a importância do papel do contexto na compreensão da

natureza das línguas (NEVES, 2001).

A noção de que o contexto de uso motiva as diferentes construções sintáticas é um dos

pressupostos centrais do funcionalismo, como ressaltam Furtado da Cunha e Souza (2007).

Sendo assim, as regularidades que caracterizam a gramática só podem ser estabelecidas a

partir dos papéis e funções das formas linguísticas na situação real de comunicação. Para

atingir esse objetivo, os funcionalistas trabalham, fundamentalmente, com textos, escritos ou

falados, retirados de contextos sociais específicos.

O cerne da concepção funcionalista da linguagem pode ser resumido nas seguintes

premissas com que Givón (1995, p. 09) a caracteriza:

(i) a linguagem é uma atividade sociocultural.

(ii) A estrutura serve a funções cognitivas e comunicativas.

(iii) A estrutura é não-arbitrária, motivada e icônica.

(iv) Mudança e variação estão sempre presentes.

(v) O sentido é contextualmente dependente e não-atômico.

(vi) As categorias não são discretas.

(vii) A estrutura é maleável e não-rígida.

(viii) As gramáticas são emergentes.

(viiii) As regras de gramática permitem algumas exceções.

O estudo acerca do sistema de transitividade que apresentamos aqui se enquadra na

vertente funcionalista de análise linguística pelo fato de, entre outros aspectos, (i) investigar a

correlação entre forma e função, a partir das categorias envolvidas na transitividade, ou seja,

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verificar o modo como os usuários da língua adaptam as estruturas linguísticas às suas

intenções comunicativas; (ii) priorizar o estudo da língua no seu contexto real de uso e (iii)

considerar as categorias a partir de um continuum de realização.

Pelo fato de as descrições feitas neste trabalho estarem mais próximas da vertente do

funcionalismo denominada teoria sistêmico-funcional, exibiremos, a seguir, os preceitos

fundamentais dessa corrente.

1.2. A LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL

Nesta pesquisa, as considerações propostas vinculam-se, mais especificamente, aos

preceitos da vertente funcionalista denominada Linguística Sistêmico-funcional (doravante,

LSF), cujo principal expoente é o britânico Michael A. K. Halliday. No quadro teórico da

LSF, a linguagem deixa de ser um mero conjunto de regras e uma representação do

pensamento e passa a ser vista como o lugar de interação e, principalmente, como um recurso

para a construção de significados. A abordagem sistêmico-funcional é uma teoria do

significado enquanto escolha. Para essa vertente teórica, a língua se organiza em torno de

duas possibilidades alternativas: a cadeia (sintagma) e a escolha (paradigma). Levar em conta

o nível sistêmico implica dizer que a gramática é vista como um sistema de escolhas possíveis

não-arbitrariamente motivadas, ainda que nem sempre consciente, visto que o grau de

consciência pode variar de uma escolha completamente subconsciente até a escolha

plenamente consciente (HALLIDAY, 1994).

Em termos mais específicos, Halliday (1994) esclarece que a estrutura conceitual

sobre a qual se baseia a teoria sistêmica é uma estrutura funcional, e não formal. Pelo menos

três argumentos justificam o fato de ser esta uma concepção funcional, a saber: (i) é funcional

no sentido de que é projetada para descrever o modo como a língua é usada. Segundo o autor,

todo texto – isto é, tudo o que é dito ou escrito – se desenvolve em um contexto de uso, e são

esses usos que, ao longo dos anos, moldam o sistema1. Nessa perspectiva, a linguagem evolui

para satisfazer as necessidades humanas, e a forma como se organiza é funcional no que diz

respeito a essas necessidades, não sendo, portanto, arbitrária; (ii) o significado de uma língua

é considerado a partir de seus componentes funcionais (as metafunções); (iii) é funcional no

sentido de que cada elemento em uma língua é explicado por referência à sua função no 1 Além do pressuposto de que “o discurso molda a gramática”, a relação entre discurso e gramática pode, ainda, na perspectiva funcionalista, ser equacionada pela seguinte proposição: “a gramática molda o discurso”. Dito de outra forma, além de a gramática ser feita à imagem do discurso, o discurso nunca é observado sem a roupagem da gramática (DUBOIS, 1993).

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sistema linguístico como um todo. Nesse sentido, uma abordagem funcional é aquela que

interpreta todas as unidades de uma língua – suas cláusulas, frases e assim por diante – como

configurações orgânicas de funções. Em outras palavras, cada elemento é interpretado como

funcional em relação ao conjunto (HALLIDAY: 1994, p. xiv).

A abordagem sistêmico-funcional considera a descrição linguística a partir das

situações reais de interação, por isso, suas análises sempre são feitas a partir do texto, que é

definido como parte da língua falada ou escrita, para efeitos de comunicação, por pessoas

reais, em situações reais (BLOOR e BLOOR: 2004, p. 04).

Como esclarecem Halliday e Matthiessen (2004) e Butt (2000), o significado de um

texto só pode ser explicado a partir da relação do sistema linguístico como um todo, ou seja,

para se alcançar a interpretação do texto, é preciso que haja a interpretação do contexto, da

situação, da cultura e da sistemática relação entre texto e contexto. De acordo com a teoria

sistêmico-funcional, um texto ocorre em dois contextos, um dentro do outro: o contexto de

cultura e o contexto de situação. Essa relação entre esses dois contextos está visualmente

representada na figura a seguir:

FIGURA 1: Texto em contexto (BUTT: 2000, p. 04).

O contexto de cultura, de acordo com But (2000), é o contexto exterior em torno de

um texto e se refere à soma de todos os significados que podem fazer sentido em uma cultura

particular. Dentro do contexto de cultura, falantes e ouvintes usam a linguagem em contextos

específicos, imediatos, conhecidos na LSF como contexto de situação. Na teoria hallidayana,

o contexto de situação exerce papel fundamental, pois é por intermédio dele que os

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participantes obtêm grande parte das informações sobre os significados que estão sendo

negociados no instante da interação. As diferenças de situação entre os textos podem ser

percebidas a partir de três dimensões do contexto. São elas: campo, relação e modo, conforme

é demonstrado na figura a seguir:

FIGURA 2: Dimensões do contexto de situação (BUTT: 2000, p. 04).

Em termos bastante gerais, os três aspectos do contexto de situação são definidos da

seguinte forma: o campo refere-se à natureza da prática social e corresponde ao que é dito ou

escrito sobre algo; a relação diz respeito à natureza da ligação entre os participantes da

situação, e o modo refere-se à natureza do meio de transmissão da mensagem (EGGINS,

1994). Essas dimensões concernentes ao contexto de situação afetam sobremaneira a escolha,

a estruturação e a natureza do texto, pois refletem as três funções que, segundo Halliday

(1994, p. xiii), constituem os propósitos principais da linguagem: são as chamadas

metafunções da linguagem.

Para a teoria sistêmico-funcional, as línguas, de um modo geral, são organizadas em

torno de três tipos principais de significados: o ideacional, o interpessoal e o textual. Esses

componentes, chamados de metafunções, são a manifestação no sistema linguístico dos três

objetivos principais que fundamentam todos os usos da linguagem: representação, interação e

mensagem. As metafunções, segundo Bloor e Bloor (2004, p. 09), podem ser assim definidas:

• Metafunção ideacional – a linguagem é usada para organizar, compreender e expressar

as nossas percepções do mundo e de nossa própria consciência;

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• Metafunção interpessoal – a linguagem é usada para nos permitir participar de atos

comunicativos com outras pessoas, para assumir papéis e para expressar e entender os

sentimentos, atitudes e julgamentos;

• Metafunção textual – a linguagem é utilizada para relacionar o que é dito (ou escrito)

para o mundo real.

Na abordagem sistêmico-funcional, cada uma das três metafunções se relaciona com

um sistema diferenciado (SOUZA, 2009). A metafunção interpessoal, por exemplo, é

codificada pelo sistema de modo, que abrange as vozes dos verbos e a modalidade da

cláusula. Essa categoria é entendida como tipo de enunciado (declarativo, interrogativo,

imperativo) e como uma gradação entre a polaridade, isto é, entre os polos positivo e

negativo. A metafunção textual é codificada pelo sistema de informação (um processo que

associa o previsível – Dado – ao imprevisível – Novo), pelos vários mecanismos de coesão e

pelo sistema temático, em especial, nas categorias de Tema e Rema. A metafunção ideacional

é codificada pelo sistema de transitividade, que, diferentemente da perspectiva tradicional,

não se restringe ao verbo, mas se estende à cláusula2 como um todo.

Embora o texto seja considerado pela linha sistêmico-funcional como a unidade de

análise linguística, para Halliday (1994, p. xxi), a cláusula é a unidade gramatical mais

significativa e integra todos os componentes funcionais usados para construir significado. Em

outras palavras, a cláusula (simples ou complexa) é entendida nessa perspectiva como a

realização simultânea dos três significados principais da língua: uma troca (em termos de

dinâmica da significação), uma mensagem (em termos de relevância contextual) e uma

representação (em termos de conteúdo de significado). O esquema a seguir permite visualizar

a forma como as funções da língua se refletem na cláusula. Conforme se percebe, na

representação dos subsistemas, foi dado um enfoque especial ao sistema de transitividade, por

ser o objeto de estudo desta pesquisa.

2 Halliday (1994) chama de clause tanto a cláusula simples (que se aproxima da oração absoluta da gramática tradicional) quanto a cláusula complexa (que se aproxima do período composto da tradição).

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CLÁUSULAcomo:

Mensagem(Tema e Rema)

Troca(Modo e Polaridade)

Representação(Transitividade)

MetafunçãoTextual

MetafunçãoInterpessoal

Processo + Participante + Circunstância

MetafunçãoIdeacional

FIGURA 3: A cláusula como realização dos significados principais da língua.

A partir dessa breve descrição acerca dos preceitos da teoria sistêmico-funcional, é

possível perceber que, para essa corrente funcionalista, a noção de sistema é central, pois diz

respeito à forma como a língua é organizada. Como esclarece Halliday (1994), nessa

perspectiva de gramática, a língua é interpretada como um sistema de significados,

acompanhada por formas através das quais os significados podem ser realizados. A

linguagem, portanto, representa um conjunto de sistemas (caráter sistêmico) que se inter-

relacionam, formando uma rede sistêmica, em que os significados são construídos como um

todo integrado e são representados a partir dos usos que os falantes fazem. Ao se ater à

questão de como os significados são expressos, o polo hallidayano de análise linguística

coloca as formas da língua em uma ótica diferente, ou seja, as formas passam a ser entendidas

como meios para um fim, e não como um fim em si mesmas (HALLIDAY: 1994, p. xiv).

Consideradas todas as proposições que fundamentam essa vertente teórica,

entendemos que o trabalho desenvolvido aqui se insere no quadro da LSF por, dentre outros

aspectos, objetivar investigar como os significados são construídos nas notícias jornalísticas a

partir da codificação do sistema de transitividade, tendo em vista os objetivos discursivos do

gênero em questão e os contextos de cultura e de situação em que essas realizações

linguísticas se encontram inseridas.

No capítulo subsequente, apresentaremos um quadro geral acerca do tratamento

dispensado à transitividade em algumas das mais importantes gramáticas da língua

portuguesa. Esse quadro objetiva evidenciar as diferentes perspectivas que podem nortear o

estudo dessa temática.

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2. A TRANSTIVIDADE NAS GRAMÁTICAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

Como já se sabe, a transitividade não é um tema consensual entre as gramáticas de

língua portuguesa. A este capítulo cumpre apresentar as diferentes perspectivas acerca desse

tema, reunindo desde uma concepção mais tradicional, a das gramáticas tradicionais (GT),

baseada na listagem estabelecida pela Nomenclatura Gramatical Brasileira (doravante, NGB),

até descrições de cunho mais semântico, funcional ou, ainda, puramente formal. Como

representantes dessas diversas correntes de descrição linguística, reproduzimos, a seguir, os

preceitos de Cunha e Cintra (2013), Rocha Lima (2014), Azeredo (2008), Raposo et alii

(2013), Perini (2009), e Castilho (2010)3.

2.1. A CONCEPÇÃO TRADICIONAL DE CUNHA E CINTRA (2013)

O conceito de transitividade adotado por Cunha e Cintra (2013) segue a uniformização

estabelecida pela NGB. Assim, os verbos, de acordo com a necessidade ou não de termos que

complementem seu sentido, podem ser transitivos ou intransitivos.

Segundo esses autores, nos verbos intransitivos, a ação não vai além do verbo. Como

exemplo, Cunha e Cintra (2013, p. 149) citam as orações

“Sobe a névoa... A sombra desce...”

em que a ação está integralmente contida nas formas verbais sobe e desce.

Diferentemente dos intransitivos, os verbos transitivos exigem certos termos para

complementar-lhes o significado. Nesses casos, o processo verbal não se encontra

integralmente contido no verbo, mas se transmite a outros elementos. Como exemplo de

verbo transitivo, Cunha e Cintra (2013, p. 150) citam as orações

“Ele não me agradece, / nem eu lhe dou tempo.”

em que o pronome me, na primeira oração, e o pronome lhe e o substantivo tempo, na segunda

oração, completam o significado das formas verbais agradece e dou. 3 Nesta seção, a ordem de apresentação das gramáticas é feita com base na abordagem adotada e não com base na data de publicação das obras, como sugerem as normas de padronização.

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Dada a natureza do complemento verbal, os verbos transitivos, segundo Cunha e

Cintra (2013), podem ser diretos, indiretos ou diretos e indiretos concomitantemente.

Nos verbos transitivos diretos, a ação expressa pelo verbo transmite-se a outros

elementos diretamente, ou seja, sem o auxílio da preposição. O termo da oração que integra o

sentido dos verbos transitivos diretos denomina-se objeto direto, definido como o

complemento que normalmente vem ligado ao verbo sem preposição e indica o ser para o qual

se dirige a ação verbal. Como exemplos de verbos transitivos diretos, Cunha e Cintra (2013,

p. 154) citam as orações

“Vou ver o doente.”

e

“Ela invejava os homens.”

em que a ação expressa por vou ver e invejava transmite-se, diretamente, aos elementos o

doente e os homens.

Nos verbos transitivos indiretos, por sua vez, a ação expressa pelo verbo transita para

outros elementos da oração indiretamente, isto é, por meio da preposição. O termo da oração

que completa o sentido de um verbo transitivo indireto denomina-se objeto indireto, definido

como o complemento que se liga ao verbo por meio da preposição. Cunha e Cintra (2013, p.

150) citam as orações

“Da janela da cozinha, as mulheres assistiam à cena.”

e

“Perdoem ao pobre tolo.”

como exemplos de verbos transitivos indiretos: a ação expressa por assistiam e perdoem

transita indiretamente para os elementos a cena e o pobre tolo.

Nos verbos simultaneamente transitivos diretos e indiretos, a ação expressa transita

para outros elementos da oração, simultaneamente, direta e indiretamente. Dito de outra

forma, esses verbos requerem, ao mesmo tempo, objeto direto e objeto indireto para

completar-lhes o sentido. As orações

“O sucesso do seu gesto não deu paz ao Lomba.”

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e

“Apenas lhe aconselho prudência.”

são exemplos de verbos transitivos diretos e indiretos citados por Cunha e Cintra (2013, p.

151): a ação expressa por deu e aconselho transita para os elementos paz, o Lomba, prudência

e lhe direta (sem preposição) e indiretamente (com preposição).

O quadro de referência anteriormente descrito permite entrever que a transitividade de

Cunha e Cintra (2013) se pauta na dicotomia verbos intransitivos versus verbos transitivos,

estabelecida a partir de critérios semântico (complementação do sentido) e sintático (presença

ou não de complemento do tipo objeto). Entretanto, apesar de mencionarem o fato de alguns

verbos exigirem termos que lhes complementem o sentido, os autores não incluem em sua

descrição verbos como ir e morar, que, se considerado o critério de integralização do sentido,

deveriam constar da lista de verbos transitivos. Nesse sentido, a diferenciação entre verbos

transitivos e intransitivos, elaborada por Rocha Lima (2014), parece seguir critérios

semânticos mais coerentes, conforme veremos na seção a seguir.

2.2. A CONCEPÇÃO SINTÁTICO-SEMÂNTICA DE ROCHA LIMA (2014)

A descrição proposta por Rocha Lima (2014) diferencia-se das abordagens

tradicionais, baseadas na NGB, pelo fato de o autor apresentar um quadro novo dos

complementos verbais, em que aparecem quatro possibilidades, no lugar das duas

possibilidades propagadas pelas outras gramáticas tradicionais. Além do objeto direto e do

objeto indireto, Rocha Lima (2014) acrescenta à sua descrição o complemento relativo e o

complemento circunstancial. A título de exemplificação, consideremos os seguintes casos,

citados pelo autor (ROCHA LIMA: 2014, p. 307, 311, 312):

(1) Dar esmola a um mendigo. (Dar-lhe esmola)

Escrever a um amigo. (Escrever-lhe)

Mandei flores para a noiva. (Mandei-lhe flores)

(2) Assistir a um baile. (Assistir a ele)

Depender de despachos. (Depender dele)

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Precisar de conselhos. (Precisar deles)

Anuir a uma proposta. (Anuir a ela)

Gostar de uvas. (Gostar delas)

Reparar nos outros. (Reparar neles)

(3) Morar em Paquetá.

Estar à janela.

Ter alguém ao colo.

Distar muitos quilômetros.

Como vimos em Cunha e Cintra (2013), a tradição gramatical como um todo classifica

os complementos destacados nos agrupamentos (1) e (2), indistintamente, como objeto

indireto. Para Rocha Lima (2014), no entanto, somente em (1) se tem um objeto indireto, ou

seja, um termo regido de preposição (a ou, às vezes, para), cujo papel semântico é o de

beneficiário (alvo ou fonte da ação) e pode ser substituído pelas formas pronominais átonas

lhe, lhes. Em (2), o segundo complemento da predicação, embora seja regido de preposição,

possui características sintáticas e semânticas diferentes das do objeto indireto: (i) não pode ser

substituído pelo clítico lhe e (ii) não tem o papel semântico de beneficiário. Por isso, Rocha

Lima (2014) distingue essa função da de objeto indireto, classificando-a como complemento

relativo.

Quanto ao grupo (3), o argumento destacado em itálico é um elemento circunstancial,

incluído pelas gramáticas tradicionais que adotam a NGB entre os adjuntos adverbiais, ou

seja, um termo acessório. Para Rocha Lima (2014), no entanto, os termos destacados são

complementos de natureza adverbial – tão indispensáveis à construção do verbo quanto, em

outros casos, os demais complementos verbais. O autor classifica essa função como

complemento circunstancial.

Para Rocha Lima (2014, p. 416), o complemento forma com o verbo uma expressão

semântica, de tal forma que a sua supressão torna o predicado incompreensível. Em função do

tipo de complemento que requerem para formar essa expressão semântica, de acordo com esse

autor, os verbos podem ser classificados em cinco tipos:

1. Intransitivos – por encerrarem em si a noção predicativa, dispensam quaisquer

complementos.

2. Transitivos diretos – exigem a presença de um objeto direto.

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3. Transitivos indiretos – que pedem a presença de um objeto indireto – complemento

este que, na maioria das vezes, independe da regência verbal.

4. Transitivos relativos – que apresentam um complemento preposicional, chamado

relativo.

5. Transitivos circunstanciais – que requerem um complemento, preposicional ou não,

chamado circunstancial.

6. Bitransitivos – que têm concomitantemente um objeto direto e um indireto, ou um

objeto direto e um complemento relativo.

Diferentemente daquilo que se percebeu em Cunha e Cintra (2013), ao incluir no

quadro de complementos do verbo as funções de complemento relativo e de complemento

circunstancial, Rocha Lima (2014) fornece à sua descrição maior coerência quanto aos

critérios semânticos adotados. Conforme veremos na seção subsequente, Azeredo (2008)

adota posição semelhante à de Rocha Lima (2014) no estabelecimento do quadro da

transitividade.

2.3. A CONCEPÇÃO SINTÁTICO-SEMÂNTICA DE AZEREDO (2008)

O conceito de transitividade apresentado por Azeredo (2008) fundamenta-se em três

pilares principais. São eles:

(i) a transitividade é uma propriedade do verbo;

(ii) a noção de completude e incompletude verbal perpassa a classificação dos verbos

em transitivos e intransitivos (princípio da implicação mútua);

(iii) não há uma fronteira rígida entre verbos transitivos e intransitivos; o que há é um

contínuo, em cujos extremos se encontram o verbo que sempre recusa complemento e o verbo

que sempre seleciona complemento (como nascer e fazer, respectivamente).

De acordo com Azeredo (2008), são denominados de intransitivos (ou de predicação

completa) os núcleos verbais que dispensam – não selecionam ou não implicam – um termo

adjacente. Os verbos intransitivos típicos são, portanto, aqueles que constituem por si só o

predicado de uma oração, como sobrar (o dinheiro sobrava), nascer (seu filho nasceu), sumir

(a mancha sumirá). Os demais verbos (de predicação incompleta), que travam com o termo

adjacente uma relação de implicação mútua, são chamados de transitivos (com exceção dos

verbos de ligação).

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A abordagem de transitividade sugerida por Azeredo (2008) admite que a predicação

de um verbo possa ser complementada por uma expressão locativa, cuja natureza é adverbial.

O autor justifica essa perspectiva de categorização tendo em vista a relação de implicação

mútua que, segundo ele, se estabelece entre o verbo e o sintagma adverbial. A esse respeito,

Azeredo (2008) explica que as construções resultantes da união entre o núcleo verbal e o(s)

termo(s) adjacentes(s) apresentam uma grande variedade de padrões, sobretudo, se o núcleo

verbal for do tipo que ocorre necessariamente acompanhado de termo adjacente. Segundo

Azeredo (2008), se compararmos as orações

a) Os gatos corriam no telhado.

e

b) Os gatos estavam no telhado.

percebemos que em ‘a’ o termo adjacente no telhado implica a presença do núcleo verbal –

corriam – mas a referência ao ato de correr não implica a necessária menção do lugar. Já em

‘b’, o núcleo verbal e o termo adjacente ocorrem no predicado por implicação ou exigência

mútua. Assim, o verbo estar seleciona uma expressão locativa e esta pressupõe algum verbo –

fato que permite inseri-lo na categoria dos verbos transitivos. Assim sendo, percebe-se que,

nessa perspectiva de categorização, os complementos tradicionalmente chamados de objetos,

tipicamente identificados, do ponto de vista sintático, pela possibilidade de serem

representados pelas formas o/a/os/as, não se constituem como única forma de integralização

da predicação verbal.

A subcategorização dos verbos transitivos apresentada por Azeredo (2008, p. 215) é

bastante complexa, pois procura abarcar as diferentes características dos verbos em relação à

sua predicação. Contudo, de modo mais generalizado, os verbos transitivos são distribuídos

em duas classes, segundo venham seguidos de um termo adjacente (transitivo objetivo) ou de

dois termos adjacentes (transitivo biobjetivo):

1. Os transitivos objetivos, que se subdividem em:

• transitivos diretos, quando seguidos de objeto direto (O agricultor colhe as

bananas, Não conheço essa pessoa);

• transitivos indiretos, quando seguidos de objeto indireto (O filme agradou ao

público jovem);

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• transitivos relativos, quando seguidos de complemento relativo (Eles precisam

de nossa ajuda, João mora na roça).

2. Os biobjetivos, que são seguidos de dois termos adjacentes. Eles se subdividem em

cinco subtipos (nos exemplos citados, a função de objeto direto se encontra em negrito e o

segundo termo adjacente se encontra sublinhado):

• transitivos diretos e indiretos, seguidos de objeto direto + objeto indireto

(Entreguei o serrote ao marceneiro);

• transitivos diretos e relativos, seguidos de objeto direto + complemento

relativo (Misture o feijão com a farinha, Coloquei o livro na estante);

• transitivos diretos e predicativos, seguidos de objeto direto + complemento

predicativo (Nomeou o irmão como/para seu secretário, Viu o ladrão pular o

muro);

• transitivos relativos e predicativos, seguidos de complemento relativo +

complemento predicativo (Preciso dessa sala limpa (= Preciso dela limpa);

• transitivos birrelativos, seguidos de complemento relativo + complemento

relativo (Bati com o joelho na mesa, Ele passou de tenente a capitão).

A descrição feita por Azeredo (2008) evoca, ainda, os ditos verbos transitivos que

ocorrem sem o respectivo complemento (denominados, pelo autor, de verbos transitivos sem

complemento explícito) e os verbos de predicação dupla. O caso dos verbos transitivos sem

complemento explícito acontece (i) quando por sua redundância ou generalidade, a

informação a ser expressa no objeto é considerada irrelevante, como em Ele só fuma após

tomar um cafezinho; Ainda não comi nada hoje; Parei de gastar; agora estou

economizando; Cuidado, que esse pó cega, e (ii) quando a situação comunicativa ou o

contexto verbal permitem que o objeto seja reconhecido ou recuperado, como em Leia! (dito

por alguém que oferece ou aponta a coisa a ser lida); Ele ofereceu o dinheiro, mas eu não

aceitei (em que o objeto de aceitar – o dinheiro – já foi mencionado).

Quanto aos verbos de predicação dupla, o autor explica que muitos deles se empregam

articulados a um mesmo substantivo que, no papel de entidade afetada ou tema, tanto lhes

podem servir de objeto como de sujeito. Essa classe abrange verbos que expressam processo

com mudança de características materiais, como quebrar: João quebrou o espelho (transitivo)

/ O espelho quebrou (intransitivo). Na construção intransitiva, o ser afetado (objeto na

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construção transitiva) se torna o tópico da oração e, recategorizado como sujeito, passa a

determinar o número e a pessoa do verbo (o espelho quebrou / os espelhos quebraram).

Assim como nas gramáticas tradicionais, a transitividade como uma propriedade do

verbo também é um dos pilares da perspectiva de Azeredo (2008). Todavia, conforme vemos,

baseada na noção de implicação mútua, de natureza semântica, a gramática de Azeredo (2008)

acrescenta à tradicional dicotomia objeto direto/objeto indireto a noção de complemento

relativo, o que a aproxima da perspectiva apresentada por Rocha Lima (2014).

Diferentemente deste autor, no entanto, Azeredo (2008) abriga, sob o rótulo de transitivos

relativos, tanto os verbos com complemento relativo como os verbos com complemento

circunstancial.

Em sentido oposto às noções de Rocha Lima (2014) e de Azeredo (2008), caminha a

definição apresentada por Raposo et alii (2013). Conforme veremos a seguir, diferentemente

da perspectiva sintático-semântico de Rocha Lima (2014) e de Azeredo (2008), para Raposo

et alii (2013), a transitividade é um fenômeno estritamente sintático.

2.4. A CONCEPÇÃO SINTÁTICA DE RAPOSO ET ALII (2013)

Para Raposo et alii (2013), os verbos plenos podem ser organizados em uma tipologia

que considera o quadro de regência que lhes está associado. A tipologia adotada pelos autores

assenta, no seu topo, em duas dimensões binárias, que se cruzam entre si, e que permitem

estabelecer quatro classes de verbos, organizadas em dois pares. Essas dimensões são as

seguintes:

1. seleção versus não seleção de um argumento com a função de sujeito;

2. seleção versus não seleção de um argumento com a função de complemento direto.

A primeira dimensão divide os verbos em duas classes: os verbos pessoais, que

selecionam um sujeito, e os verbos impessoais, que não selecionam um sujeito. A segunda

dimensão divide os verbos em duas classes: a dos verbos transitivos, que selecionam um

complemento direto, e a dos verbos intransitivos, que não selecionam um complemento

direto.

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Diferentemente das perspectivas apresentadas em Cunha e Cintra (2013), Rocha Lima

(2014) e Azeredo (2008), que consideram a dimensão semântica dos verbos, a abordagem de

transitividade considerada por Raposo et alii (2013) é de cunho estritamente sintático.

Raposo et alii (2013, p. 1195) caracterizam os verbos transitivos e os verbos

intransitivos, basicamente, da seguinte forma:4

Verbos transitivos – selecionam um argumento com a função de complemento direto;

podem ou não selecionar outros complementos. É o caso de verbos como desejar, fechar,

guardar, nomear, oferecer, persuadir, proibir, propor e surpreender.

Raposo et alii (2013, p. 1196) citam os seguintes exemplos de orações transitivas (os

complementos ou outros constituintes selecionados dentro do sintagma verbal foram

colocados dentro de colchetes, e o complemento direto foi colocado em itálico):

(1) a. O Pedro fechou [a porta].

b. Surpreendeu [o António] que a Maria tivesse ido à festa.

c. O Mário deseja {[um Ferrari]/[comprar um Ferrari]/[que o filho o deixe em

paz]}.

d. O Pedro ofereceu [um carro novo] [ao filho].

e. A Manuela guardou [o livro] [na estante].

f. O Paulo propôs [ao pai] [que saíssem mais cedo]/[sair mais cedo].

g. O Zé proibiu [a Ricardina] [de ir ao cinema].

h. Os camionistas transportaram [a minha mobília] [de Lisboa] [para Coimbra].

i. O presidente nomeou [o Luís Filipe] [treinador do clube].

Verbos intransitivos – não selecionam um argumento com a função de complemento

direto; podem ou não selecionar outros complementos. É o caso de verbos como bastar,

chover, descansar, desmaiar, durar, falar, nascer, pensar, pertencer, portar-se e tossir.

Raposo et alii (2013, p. 1196) citam os seguintes exemplos de orações intransitivas

(outros complementos ou constituintes selecionados dentro do sintagma verbal foram

colocados dentro de colchetes):

4 Esta seção objetiva apresentar um quadro geral acerca da transitividade sob a perspectiva de Raposo et alii (2013). Faz-se importante ressaltar, no entanto, que os verbos transitivos e intransitivos são subclassificados por esses autores de forma mais fina. Uma subclassificação dos verbos intransitivos pessoais, por exemplo, distingue os verbos inergativos dos verbos inacusativos, consoante o sujeito corresponde a um argumento externo ou a um argumento interno do verbo.

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(2) a. A Rita tossiu.

b. Esse livro pertence [ao professor].

c. Constou [ao António] que a Maria tinha ido à festa.

d. A Joana pensa [nos amigos].

e. O concerto durou [duas horas].

f. O Pedro portou-se [mal]/[com pouco tino].

g. O António passou [por tonto].

h. O professor falou [com o aluno] [sobre linguística].

Acerca dessa perspectiva de análise, é importante sublinhar que o fato de um verbo

selecionar um complemento não é condição suficiente para que ele seja do tipo transitivo,

visto que um constituinte com estatuto de complemento não desempenha, necessariamente, a

função de complemento direto. Sintagmas nominais e sintagmas preposicionados

selecionados por verbos como custar e ir, por exemplo, embora sejam complementos

selecionados, não manifestam as propriedades típicas de um complemento direto, quais sejam:

(i) ser substituível por um pronome clítico acusativo;

(ii) poder ocorrer como sujeito de uma oração passiva;

(iii) responder a uma pergunta iniciada pela locução interrogativa o que.

Verbos como custar e ir selecionam complementos do tipo oblíquo e, por isso, são

intransitivos. A esse respeito, vejamos os seguintes exemplos, mencionados por Raposo et alii

(2013, p. 1181):

(3) a. O livro custou 20 euros.

b. O concerto durou horas!

c. A pista deste estádio mede 4 km.

d. Essa cadeira pesa muito.

(4) a. O Pedro mora em Milão.

b. Os jornalistas partiram para a zona dos combates.

c. O avião não saiu do aeroporto.

d. O comboio passou pela Pampilhosa.

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Nos grupos (3) e (4), os termos em itálico são complementos oblíquos, ou seja, não

são complementos diretos nem indiretos. Em (3), os complementos oblíquos não

preposicionados têm um valor quantificacional e são selecionados por um número restrito de

verbos de medida, que exprimem o valor de entidades físicas ou abstratas numa escala

quantitativa cujo domínio é definido pelo verbo pleno: o preço (custar), a dimensão temporal

(durar), uma das dimensões espaciais (medir) ou o peso (pesar). Em (4), os complementos

oblíquos preposicionados denotam localização espacial ou movimento (respectivamente:

complemento de lugar onde, complemento de lugar a/para onde, complemento de lugar de

onde e complemento de lugar por onde).

Além dos complementos direto e oblíquo, o verbo pode selecionar, ainda, um

complemento indireto, caracterizado por Raposo et alii (2013, p. 1171) como o complemento

passível de ser substituído por um pronome clítico dativo, como nos exemplos seguintes,

citados pelos autores (o complemento indireto encontra-se em itálico):

(5) a. O programa do concerto agradou aos espectadores. (O programa do concerto

agradou-lhes)

b. A Marta deu um ramo de flores à mãe. (A Marta deu-[me/te/lhe] um ramo de

flores)

A depender do número e do tipo dos constituintes selecionados dentro do sintagma

verbal, os verbos transitivos e intransitivos podem ser articulados em subclasses. Para a classe

dos verbos transitivos, os autores definem os seguintes grupos:

(i) Verbos transitivos simples – selecionam apenas o complemento direto, como em O

Pedro fechou a porta.

(ii) Verbos ditransitivos – para além do complemento direto, selecionam também um

complemento indireto, como em O professor anunciou as boas notícias ao aluno.

(iii) Verbos transitivos com complemento oblíquo – para além do complemento direto,

selecionam um ou mais complementos oblíquos, como em O professor colocou o livro sobre

a mesa.

(iv) Verbos transitivos-predicativos – para além do complemento direto, selecionam

um constituinte de natureza predicativa, como em A Joana acha a filha lindíssima.

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Para a classe dos verbos intransitivos, Raposo et alii (2013) reconhecem os seguintes

grupos:

(i) Verbos intransitivos simples – verbos que não selecionam qualquer complemento,

podendo selecionar ou não um argumento com a função de sujeito, o qual concorda em pessoa

e número com o verbo, como em As crianças ainda não descansaram.

(ii) Verbos intransitivos com complemento indireto – selecionam um complemento

indireto, como em O livro pertence ao Alexandre.

(iii) Verbos intransitivos com complemento oblíquo – selecionam um complemento

oblíquo preposicionado ou não, como em A minha filha partiu para Paris e O concerto durou

duas horas.

Diferentemente das gramáticas de Rocha Lima (2014) e de Azeredo (2008), em que a

distinção entre verbos transitivos e intransitivos se baseia na seleção versus não seleção de

qualquer complemento (direto, indireto, relativo ou circunstancial), a concepção de

transitividade adotada em Raposo et alii (2013) se baseia na presença versus ausência de

apenas um tipo de complemento, o complemento direto.

Ainda sob uma ótica formal, veremos, a seguir, como Perini (2009) concebe a

transitividade.

2.5. A CONCEPÇÃO FORMAL DE PERINI (2009)

A concepção de transitividade adotada por Perini (2009), como ele mesmo define, é

puramente sintática. Na perspectiva do autor, a transitividade deve ser incluída na descrição

gramatical como fenômeno formal (sintático) pelo fato de cada verbo estabelecer suas

exigências quanto à ocorrência de complementos, e essas exigências serem, em princípio,

independentes de seu significado.

A noção de verbo transitivo em oposição a intransitivo se distingue, tradicionalmente,

da seguinte forma: um verbo é transitivo quando exige a presença de um objeto direto em sua

oração; é intransitivo quando recusa a presença de objeto direto. Acerca dessa acepção, Perini

(2009) diz que as noções de exigência e recusa de complementos não são suficientes para

caracterizar todos os tipos de transitividade encontrados na língua. Por isso, o gramático

acrescenta uma terceira noção, a de aceitação livre. Nessa classe, estaria, por exemplo, o

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verbo comer, que pode ocorrer com ou sem complemento, sem por isso causar

inaceitabilidade, como em Meu gato quase não come. Como se percebe, em Perini (2009), as

duas classes tradicionais de transitivo e intransitivo se desdobraram em pelo menos três

classes de verbos, a saber: os que recusam objeto direto (marcados [Rec-OD]), os que o

exigem ([Ex-OD]) e os que o aceitam livremente ([L-OD]).

Além das noções de exigência, recusa e aceitação livre, Perini (2009) define quatro

funções ditas relevantes para o estabelecimento das transitividades. Segundo o autor, as

funções relevantes são aquelas que são exigidas ou, então, recusadas por algum verbo, visto

que uma função que seja aceita livremente por todos os verbos não é relevante para

estabelecer a transitividade, pois não caracteriza os verbos com que coocorre. Diferentemente

das abordagens tradicionais, que apresentam três funções consideradas relevantes (objeto

direto, objeto indireto e predicativo do sujeito), Perini (2009) diz que, em termos de

transitividade, as funções relevantes em português são as seguintes:

• objeto direto – definido através do conjunto de traços [–CV, +Ant, +Q, –CN], ou

seja, termo que não estabelece relação de concordância com o verbo; admite a

anteposição; pode ser retomado pelo elemento o que e não estabelece relação de

concordância nominal com outros termos da oração. Exemplo: Meus sobrinhos

comeram a melancia.

• Complemento do predicado – diferencia-se do objeto direto em função da relação

de concordância nominal ([CN]) que se observa com frequência entre o sujeito e o

complemento de verbos como ser. Assim, em termos formais, o complemento do

predicado assume a seguinte definição: [–CV, +Ant, +Q, +CN]. Exemplo:

Carolina está entusiasmada / Os jogadores estão entusiasmados.

• Predicativo – função definida pelos traços [–CV, –Ant, +Q, +CN], o que significa

que o predicativo não estabelece relação de concordância com o verbo; não pode

aparecer anteposto em uma oração correspondente; pode ser retomado por o que e,

quando representado por um item passível de concordância nominal, esta se

manifesta (com o objeto direto). Exemplo: Todos acharam esse livro péssimo /

Todos acharam essa ideia péssima.

• Adjunto circunstancial – função formalmente definida como [–CV, +Ant, –Q,

+CL, –CN, –pNdP, –PA], ou seja, o adjunto circunstancial não estabelece relação

de concordância com o verbo; pode ser anteposto (levado para o início da oração);

não pode ser retomado por o que; pode ser clivado; não é passível de concordância

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nominal com algum outro termo da oração; não precisa ocorrer logo antes do

núcleo do predicado e não necessariamente ocorre entre o sujeito e o núcleo do

predicado. Exemplo: Juracy bebe muito.

A partir dessas quatro funções sintáticas, consideradas relevantes no estabelecimento

da transitividade, e das relações de exigência, recusa e livre aceitação, Perini (2009) propõe

onze matrizes de transitividade que, segundo ele, dão conta de descrever a transitividade de

todos os verbos da língua (com a possível exceção do verbo haver).

As acepções teóricas listadas até agora apresentam como ponto de convergência o fato

de limitarem o tema da transitividade ao verbo. A concepção funcional-cognitivista veiculada

em Castilho (2010) apresenta a transitividade a partir de outra perspectiva, que abarca a

cláusula como um todo, e não somente os argumentos internos da predicação. Essa concepção

constitui-se o tema da próxima seção.

2.6. A CONCEPÇÃO FUNCIONAL-COGNITIVISTA DE CASTILHO (2010)

Castilho (2010) apresenta a transitividade como um princípio de conexidade sintática,

responsável por organizar a estrutura argumental da sentença. Dito de outra forma, nessa

perspectiva, a transitividade é vista como uma propriedade que organiza a sentença

escolhendo seus argumentos, aos quais atribui casos e papéis temáticos.

Nessa concepção gramatical de transitividade, o estabelecimento da diferença entre os

argumentos e os adjuntos torna-se crucial para a classificação das sentenças quanto à sua

tipologia. O critério utilizado para diferenciar os termos adjacentes ao verbo é,

fundamentalmente, o da comutação pronominal, ou seja, os argumentos são proporcionais a

pronomes, mas não os adjuntos, visto que não recebem atribuição de caso gramatical.

Acerca da natureza dos argumentos, são apresentadas as seguintes propriedades:

(1) sujeito: argumento externo, expresso por um sintagma nominal comutável pelo

pronome ele nominativo, ou por toda uma sentença, comutável por isso, como em O menino

chegou e É certo que vamos viajar amanhã.

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(2) Objeto direto: argumento interno, expresso por um sintagma nominal comutável

pelos pronomes o e ele acusativo, ou por uma sentença, comutável por isso, como em O

menino pegou a prova e Ele disse que chegaria cedo.

(3) Objeto indireto: argumento interno, expresso por um sintagma preposicional

comutável pelo pronome lhe, a ele, ou por uma sentença, como em O menino entregou a

prova ao professor e O menino entregou a prova a quem estava encarregado disso.

(4) Complemento oblíquo: argumento interno, expresso por sintagma nominal ou por

um sintagma preposicional equivalente a uma preposição + ele/isso/lá5, por um sintagma

adverbial comutável por sintagma preposicional, ou por toda uma sentença comutável por

disso, para isso. Alguns exemplos: Preciso de grana, O menino veio de Araçatuba e Preciso

que você me empreste dinheiro.

Tendo em vista os argumentos selecionados, a transitividade atribui às sentenças as

seguintes tipologias:

(1) sentenças não argumentais: os verbos não argumentais constituem sentenças

simples sem quaisquer argumentos. Por exemplo: Chove e Relampeja. Esses verbos são

simultaneamente impessoais e intransitivos, não dispondo nem de sujeito nem de argumento

interno.

(2) Sentenças monoargumentais: estatisticamente menos frequentes que as sentenças

biargumentais, as sentenças monoargumentais são de pelo menos quatro tipos: (i)

apresentacionais ou existenciais, (ii) ergativas, (iii) atributivas e (iv) equativas.

(3) Sentenças biargumentais: podem ser transitivas diretas, transitivas indiretas e

transitivas oblíquas. Em geral, elas respondem à pergunta o que X faz?, exibindo a estrutura

sintagmática [SN1 + V + SN2/SPrep].

(4) Sentenças triargumentais: são organizadas pelos verbos bitransitivos, que

selecionam um argumento externo e dois argumentos internos.

Em suma, para Castilho (2010), a transitividade organiza a estrutura argumental da

sentença, juntamente com a concordância e a colocação, e é tida como uma propriedade da

sentença, e não do verbo que a constrói, visto que, para o autor, não há verbos exclusivamente

transitivos, nem verbos exclusivamente intransitivos, pois é o uso na sentença que explicita a

decisão tomada pelo falante. Assim, um verbo como viver pode figurar intransitiva ou

transitivamente, como em Vivi bem e Vivi uma vida legal.

5 Em Castilho (2010), os termos lá e aqui são tratados como pronomes, pois, segundo o autor, os pronomes pessoais e os advérbios dêiticos compartilham várias propriedades gramaticais. Podem, por exemplo, ser argumentais, recebendo caso e papel temático do verbo.

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Conforme percebemos, ao atrelar a transitividade ao conceito de estrutura argumental

da sentença, Castilho (2010) não estabelece, muito claramente, a diferenciação entre as

noções de transitividade e de valência verbal. Sob essa perspectiva, os conceitos de

transitividade e de valência parecem abarcar um mesmo fenômeno linguístico, o que, a nosso

ver, gera prejuízos para as análises e descrições linguísticas. Entretanto, apesar dessa ressalva,

nosso trabalho de pesquisa compartilha com Castilho (2010) as ideias de que a transitividade

não é uma propriedade do verbo, mas sim da cláusula como um todo, e de que o status de

transitiva ou intransitiva não deve ser atribuído à cláusula a priori, visto que é o uso da

linguagem, no contexto de interação, que confere forma ao sistema, em função das intenções

comunicativas dos usuários da língua nas situações sociais diversas.

A fim de nos aprofundarmos nessa perspectiva que considera a transitividade como

uma propriedade da cláusula, instaurada no uso efetivo da linguagem, apresentamos, no

próximo capítulo, a definição de transitividade sob a ótica da corrente funcionalista.

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3. A TRANSITIVIDADE NO FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO

Na linha funcionalista de análise linguística, o termo transitividade é usado em sentido

mais amplo, pois se refere a um sistema que descreve a oração como um todo, não apenas o

verbo e seus complementos. Nas seções subsequentes, apresentaremos os princípios gerais

que norteiam o estudo da transitividade nessa corrente teórica. Tomaremos como base os

pressupostos da linguística funcional norte-americana, mais especificamente, os estudos de

Hopper e Thompson (1980) e de Givón (1984), e os da Linguística Sistêmico-Funcional.

3.1. A TRANSITIVIDADE NA PERSPECTIVA DE HOPPER E THOMPSON (1980)

O modelo de transitividade desenvolvido por Hopper e Thompson (1980) – e

rediscutido por Thompson e Hopper (2001) – ocupa uma posição de grande destaque dentro

do funcionalismo linguístico, pois a concepção desses teóricos abandona a visão dicotômica e

discreta, que enxerga a transitividade como uma propriedade inerente ao verbo, e adota uma

perspectiva de análise que considera a cláusula como um todo, no seu contexto de uso.

Ao eleger a estrutura narrativa como foco de suas análises, Hopper e Thompson

(1980) atrelam o estudo da transitividade a uma perspectiva discursiva, que considera a

proeminência gramatical e semântica da transitividade como derivada de sua função

discursiva característica. Dessa forma, a alta transitividade relaciona-se ao primeiro plano

discursivo de uma narrativa (Figura), e a baixa transitividade, ao segundo plano (Fundo).

A noção de transitividade formulada por Hopper e Thompson (1980) não se baseia

na seleção versus não seleção de complemento(s), conforme a maioria dos manuais de

gramática, mas se define como uma propriedade que está relacionada à efetividade de

transferência de uma ação de um agente para um paciente. A diferença pode ser percebida,

ainda, pelo fato de a transitividade ser, para esses autores, escalar, contínua e não categórica.

Para Hopper e Thompson (1980), a transitividade é concebida como um complexo de dez

componentes sintático-semânticos, cada qual sugerindo uma escala de acordo com a qual as

cláusulas podem ser ordenadas, conforme é demonstrado no quadro a seguir:

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Componentes Transitividade alta Transitividade baixa

Participantes Dois ou mais Participantes Um Participante

Cinese Ação Não ação

Aspecto do verbo Perfectivo Não perfectivo

Pontualidade do verbo Pontual Não pontual

Volitividade Volitivo Não volitivo

Polaridade da oração Afirmativa Negativa

Modalidade da oração Realis Irrealis

Agentividade do sujeito Agentivo Não agentivo

Afetamento do objeto Afetado Não afetado

Individuação do objeto Individuado Não individuado

QUADRO 1: Componentes de transitividade - Hopper e Thompson (1980).

Cada parâmetro que compõe a escala da transitividade anteriormente reproduzida diz

respeito a um aspecto diferente da forma como a ação é transferida de um Participante para

outro, como é resumido a seguir:

1. Participantes: refere-se à presença de participantes na cláusula. Não pode haver

transferência a menos que dois participantes estejam envolvidos.

2. Cinese: ações podem ser transferidas de um participante a outro; estados, não. Assim, algo

acontece a Maria em Eu derrubei Maria, mas não em Eu gosto de Maria.

3. Aspecto: uma ação vista do seu ponto final, isto é, uma ação télica, é mais eficazmente

transferida para um participante do que uma ação que não tenha término.

4. Pontualidade: ações realizadas sem nenhuma fase de transição óbvia entre o início e o fim

têm um efeito mais marcado sobre seus pacientes do que ações que são inerentemente

contínuas.

5. Volitividade: o efeito sobre o paciente é tipicamente mais aparente quando a ação do agente

é apresentada como proposital.

6. Polaridade: refere-se ao fato de as cláusulas serem afirmativas ou negativas.

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7. Modalidade: refere-se à distinção entre a codificação realis e irrealis de eventos. Uma ação

que não ocorreu, ou que expressa um evento hipotético, ou ainda que é apresentada como

tendo ocorrido em um mundo não-real é menos eficaz do que uma ação cuja ocorrência é de

fato asseverada.

8. Agentividade: participantes que têm agentividade alta podem efetuar a transferência de uma

ação de um modo que participantes com agentividade baixa não podem.

9. Afetamento do objeto: relaciona-se diretamente ao fato de o objeto ser afetado pela ação.

10. Individuação do objeto: uma ação pode ser transferida mais efetivamente para um objeto

individuado do que para um não individuado. Os critérios expostos em seguida distinguem

um objeto individuado de um não individuado:

Individuado Não individuado

Próprio Comum

Humano, animado Não animado

Concreto Abstrato

Singular Plural

Contável Massivo

Referencial, definido Não referencial

QUADRO 2: Critérios de definição de um objeto individuado.

A título de exemplo, consideremos a aplicação dos parâmetros nos exemplos [01] e

[02], citados pelos autores:

[01] Jerry nocauteou Sam.

[02] Jerry aprecia cerveja6.

Conforme vimos no capítulo 2 (cf. p. 33), para grande parte das gramáticas de língua

portuguesa, os verbos que compõem as orações supracitadas (nocautear e apreciar) são

classificados, indistintamente, como transitivos, pois possuem predicação incompleta e, por

isso, necessitam de um complemento (objeto) para integralizar seu sentido. Todavia, quando

as cláusulas são analisadas a partir da escala sugerida por Hopper e Thompson (1980), é

6 Traduções livres de Jerry knocked Sam down e Jerry likes beer (HOPPER e THOMPSON: 1980, p. 4).

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possível observar que há diferença significativa na eficácia e na intensidade com que a ação é

transferida de um participante para outro, como mostra o quadro a seguir:

C

láus

ulas

Par

tici

pant

es

Cin

ese

Asp

ecto

Pon

tual

idad

e

Vol

itiv

idad

e

Pol

arid

ade

Mod

alid

ade

Age

ntiv

idad

e

Afe

tam

ento

do

O

Indi

vidu

ação

do

O

TO

TA

L

[1] + + + + + + + + + + 10

[2] + - - - + + + + - - 5

QUADRO 3: Identificação do grau de transitividade

(adaptado de FURTADO DA CUNHA e SOUZA: 2007, p. 40).

Considerando os parâmetros de Hopper e Thompson (1980), o exemplo [01] ocupa o

ponto mais alto na escala de transitividade (grau 10), pois contém todos os dez traços do

complexo: dois Participantes (Jerry e Sam), verbo de ação (nocautear), aspecto perfectivo

(ação completa), verbo pontual (ação não durativa), sujeito volitivo (Jerry), cláusula

afirmativa, sujeito agente (Jerry), cláusula realis (modo indicativo), objeto afetado (Sam) e

individuado (referencial, humano, próprio, singular). Ocupando uma posição mais abaixo na

escala de transitividade, encontra-se o exemplo [02], que apresenta apenas cinco dos dez

traços do complexo (portanto, grau 5 de transitividade): dois Participantes (Jerry e cerveja),

sujeito volitivo (Jerry), cláusula afirmativa, cláusula realis (modo indicativo) e sujeito agente

(Jerry).

Com o intuito de averiguar como a transitividade se manifesta em outros domínios do

uso da língua, Thompson e Hopper (2001) retomam o tema, examinando, dessa vez, a

transitividade na conversação. A análise quantitativa de um corpus conversacional permitiu

que os autores observassem, dentre outros aspectos, que o tipo mais frequente de cláusulas

usadas pelos falantes em interações conversacionais cotidianas é aquele pobre em

transitividade, ou seja, que apresenta, por exemplo, apenas um participante ou dois

participantes com baixa transitividade, segundo os demais parâmetros. Tendo em vista esse

estudo, Thompson e Hopper (2001) destacam, ainda, que o leque de formas com as quais os

verbos podem ser usados pelos usuários da língua, de acordo com os diferentes sentidos que

têm, apresenta fortes implicações para a noção de estrutura argumental.

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Outro aspecto importante descoberto por Thompson e Hopper (2001) diz respeito à

presença significativa de cláusulas cópulas (37%) e de cláusulas epistêmicas (14%) nos dados

analisados por eles. A análise de um corpus conversacional apontou que as cláusulas

prototípicas de transitividade, ou seja, aquelas em que são preenchidos todos os dez

parâmetros da escala de transitividade proposta por Hopper e Thompson (1980), são bastante

raras no uso real da língua. Em contrapartida, a representação significativa das cláusulas

intransitivas, das cláusulas cópulas e das cláusulas epistêmicas nas interações cotidianas

normais sugere que seja dada mais atenção aos estudos da gramática de cláusulas com apenas

um participante.

O modelo de transitividade elaborado por Hopper e Thompson (1980) tem sido

bastante discutido, ao longo dos anos, pelos estudiosos funcionalistas. Silveira (1990), por

exemplo, revisando o conceito de transitividade desses autores, propõe a redefinição de

alguns parâmetros que compõem o modelo, assim como o redimensionamento da pontuação

utilizada na análise.

Além de redefinir o conceito de transitividade, Silveira (1990) discute o caráter binário

da pontuação proposta para a determinação do grau de transitividade das cláusulas e

redimensiona essa pontuação, optando pela marcação eneária, determinando escalas com

amplitude de 0 a 5, a partir do desmembramento de cada um dos parâmetros em traços

semântico-pragmáticos. A pesquisadora explica que a diversificação dos traços se deu pela

observação direta de dados, ou seja, os níveis foram sendo definidos à medida que aqueles,

que já haviam sido propostos, não davam conta das cláusulas estudadas. Assim, para o

parâmetro Participantes, por exemplo, Silveira (1990) desmembrou a escala binária de

Hopper e Thompson (1980) em cinco níveis diferentes. Os valores dessa nova escala, que

considera o local como um dos participantes, são os seguintes:

zero – para as cláusulas sem agente, sem paciente e sem local, isto é, sem nenhum

limite explícito para a situação expressa pelo verbo.

Um – para cláusulas com um único participante.

Dois – para as cláusulas com um paciente e um local.

Três – para cláusulas com agente e local.

Quatro – para cláusulas com agente e objeto (esquema transitivo canônico).

Cinco – para cláusulas com agente, objeto e local.

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Assim como Silveira (1990), Abraçado e Kenedy (2014) discutem os problemas

teóricos e metodológicos concernentes, em especial, à classificação binária dos parâmetros

que compõem a escala de transitividade. Além de revisitar e ampliar o construto teórico

subjacente a essa noção, os autores propõem averiguar, por meio de testes psicolinguísticos,

em que medida a percepção dos informantes condiz com os postulados de Hopper e

Thompson (1980). Como resultado, os experimentos realizados mostraram que, na prática,

cada um dos dez traços de transitividade apresenta especificidades e relações com outros

traços, trazendo à tona problemas que, na maioria das vezes, não se resolvem com avaliações

de caráter binário. Novamente, o que se percebe, então, é a necessidade de se estabelecer uma

marcação mais gradiente e, portanto, menos dicotômica.

Ainda que as descrições propostas neste trabalho estejam mais precisamente

fundamentadas na vertente sistêmico-funcional do funcionalismo linguístico, os estudos

elaborados por Hopper e Thompson (1980) e por Thompson e Hopper (2001) fornecem a esta

pesquisa uma noção mais bem definida acerca do protótipo7 de transitividade, uma vez que a

teoria sistêmica, apesar de considerar relevante uma abordagem baseada num continuum, não

se atém em estabelecer critérios variados para a identificação de uma construção mais ou

menos prototípica. Desta forma, visto ser importante para os objetivos desta pesquisa o

reconhecimento de uma escala que indique o grau em que uma cláusula se encontra mais ou

menos próxima do protótipo das categorias transitivo e intransitivo, os dez parâmetros

sugeridos por esses autores inspiraram o estabelecimento dos critérios de prototipia

pertinentes à análise dos dados que compõem esta tese, conforme se verá em seções

subsequentes.

Com vistas a ampliar a noção de transitividade sob a perspectiva funcionalista norte-

americana, a seção seguinte apresenta os preceitos divulgados por Givón (1984).

3.2. A TRANSITIVIDADE NA PERSPECTIVA DE GIVÓN (1984)

A transitividade concebida por Givón (1984) fundamenta-se em uma complexa relação

entre componentes sintático e semântico. Do ponto de vista semântico, o verbo transitivo

7 Como nos informa Castilho (2010, p. 688), para a Teoria dos protótipos, “não há limites claros entre as classes, estabelecendo-se entre elas um continuum de limites imprecisos. Nesse continuum, as extremidades são ocupadas por entidades que compartilham traços comuns, constituindo-se nos protótipos de sua categoria. O espaço intermediário é ocupado por entidades que compartilham apenas alguns traços, integrando-se como elementos marginais na classe considerada”.

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prototípico é definido pelas propriedades do agente (ter um sujeito agente) e do paciente (ter

um objeto paciente), vistas como uma questão de grau. Já do ponto de vista sintático, todos os

verbos que têm um objeto direto são tidos como transitivos, e os que não o têm são

intransitivos.

O protótipo de um verbo transitivo é descrito, portanto, como sendo aquele em que há

uma mudança física discernível no estado do objeto paciente. O grupo dos verbos transitivos

prototípicos pode ser subclassificado de acordo com o tipo de alteração registrada no

paciente/objeto. Givón (1984, p. 96) cita os seguintes exemplos:

(1) Objeto criado:

a. Ela fez um vestido.

b. Ele construiu uma ponte.

(2) Objeto totalmente destruído:

a. Eles demoliram a casa.

b. Ela quebrou o vidro.

(3) Mudança física do objeto:

a. Ela abriu o pote.

b. Ele ampliou a cama.

(4) Mudança de localização do objeto:

a. Eles moveram o celeiro.

b. Ele empurrou o carrinho de mão.

(5) Mudança com instrumento implicado:

a. Ele martelou o prego. (martelo)

b. Eles o esfaquearam. (faca)

(6) Mudança superficial:

a. Ela lavou sua camisa.

b. Eles pintaram o celeiro.

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(7) Mudança interna:

a. Eles aqueceram a solução.

b. Ele esfriou a sopa.

(8) Mudança com modo implicado:

a. Eles a assassinaram. (matar com intenção)

b. Ela espatifou o copo. (quebrar completamente)8

Os exemplos supracitados demonstram que o protótipo de um verbo transitivo

envolve, portanto, uma mudança física discernível no estado do objeto paciente. Pode-se

medir o grau de prototipicidade (ou grau de variação do protótipo) de outros verbos

sintaticamente pertencentes a esse grupo, parcialmente em termos do grau de mudança do

objeto, ou seja, se essa mudança é física, óbvia, concreta, acessível à observação etc.

Segundo Givón (1984), alguns verbos semanticamente desviantes podem aparecer, em

muitas línguas, na mesma classe sintática dos verbos transitivos prototípicos. A explicação

para isso pode ser buscada em duas direções: o primeiro motivo diz respeito ao fato de a

transitividade ser uma questão de grau, em parte porque a evidência de mudança no objeto é

uma questão de grau, e em parte porque depende de mais de uma propriedade, como as

mencionadas por Hopper e Thompson (1980); a segunda razão vincula-se ao fato de o usuário

da língua interpretar as propriedades de um verbo menos prototípico como sendo semelhantes

aos verbos prototipicamente transitivos. Essa analogia é interpretada por Givón (1984) como

um fenômeno linguístico chamado de extensão metafórica.

Vistos sob esse prisma, verbos com um objeto direto locativo, por exemplo, podem ser

considerados como um tanto desviantes, mas, mesmo assim, são entendidos como membros

legítimos da classe. Em exemplos como

(9) a. Ela adentrou a casa. (= ir para dentro da casa)

b. Ela nadou o canal. (= nadar através do canal)9

8 Tradução livre de She made a dress, He constructed a bridge, They demolished the house, She smashed the glass, She cracked the pot, He enlarged the bed, They moved the barn, He rolled the wheelbarrow, hammered the nail (hammer), They knifed him (knife), She washed his shirt, They painted the barn, They heated the solution, He chilled the gazpacho, They murdered her (‘kill’ with intent) e She smashed the cup (‘break’ completely) (GIVÓN: 1984, p. 96). 9 Tradução livre de She entered the house (= go into the house) e She swam the Channel (= swim across the Channel) (GIVÓN: 1984, p. 98).

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o objeto direto aparentemente é, de fato, o ponto de referência locativo para o movimento

espacial do sujeito, indicado pelo uso da preposição (para dentro e através). Segundo Givón

(1984), ao interpretar esses eventos como envolvendo um objeto direto, o falante apresenta

uma perspectiva diferente, tornando o objeto mais saliente. O autor sugere que, em (9), o

objeto é mais importante do que se fosse um simples ponto de referência locativo. Assim,

adentrar uma casa não é apenas mover-se para dentro de uma casa, mas é mudar o estado da

casa de vazio para ocupado. Da mesma forma, nadar o canal não é um mero movimento

através do canal, mas sim uma conquista do canal.

De acordo com Givón (1984, p. 99), além dos verbos com objeto direto locativo, a

extensão metafórica pode ser percebida ainda nos seguintes casos:

(10) verbos com um paciente implícito

a. Ele alimentou as vacas. (deu-lhes comida)

b. Eles pulverizaram as plantações. (puseram pó nas plantações)10

Nesses exemplos, o objeto paciente semanticamente mais plausível é suprimido, em

geral porque ele é previsível ou porque constitui a base de um verbo derivado de um

substantivo (alimentação/alimentar, pó/pulverizar).

(11) verbos com objeto cognato

a. Ela cantou uma canção cigana.

b. Ela dançou uma dança original.11

O objeto criado, nesses casos, é uma forma nominalizada do verbo. A cláusula

assume, aqui, a aparência de uma construção transitiva, ou seja, que está em conformidade

com o padrão sintático de sujeito-agente e objeto-paciente.

Além dos objetos, os casos desviantes do protótipo podem envolver, ainda, os sujeitos

dos verbos transitivos. Esses casos são mais comuns nos verbos de cognição, de sensação ou

de volição, cujo objeto não registra nenhuma mudança ou impacto perceptíveis. Na verdade, é

o sujeito experienciador que registra alguma mudança interna/cognitiva. Os verbos mais

comuns dessa classe são ver, ouvir, conhecer, compreender, pensar, querer, sentir, que,

10 Tradução livre de He fed the cows (gave them food) e They dusted the crops (= put dust on the crops) (GIVÓN: 1984, p. 99). 11 Tradução livre de She sang a gypsy song e He dance an original dance (GIVÓN: 1984, p. 99).

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semanticamente, se aproximam mais de estados do que de ações. A extensão metafórica

desses verbos para a classe transitiva prototípica pode ser explicada em termos de o sujeito ser

um ser animado, cuja importância no evento é alta e cujo campo perceptual é estendido para o

objeto, que é, então, metaforicamente interpretado como afetado.

Nos verbos do grupo (9), a relação do sujeito com o objeto envolve um ponto de

referência locativo. Agora, quando são considerados, por exemplo, os verbos espalmar,

chutar, esbofetear e esmurrar, percebe-se que uma parte bastante estereotipada do corpo do

sujeito se move através do espaço para fazer contato com um objeto. Mais comumente, no

entanto, esse objeto não é interpretado como sendo um mero alvo locativo, mas sim como um

objeto afetado, que absorve o impacto do evento. Mais uma vez, segundo Givón (1984), a

importância do real objeto é diminuída e se torna bastante razoável interpretar o objeto

logicamente locativo como um paciente e, portanto, codificá-lo da mesma forma

sintaticamente.

Para Givón (1984, p. 106), a noção de extensão metafórica se aplica também às

cláusulas com sujeitos não agentivos. Muitas línguas permitem uma margem razoável na

atribuição de sujeitos não agentes para verbos prototipicamente transitivos, por analogia aos

agentes reais. Assim, verbos transitivos prototípicos podem ter sujeitos menos agentivos,

como em:

(12) a. A bebida o matou. (‘Ele bebia bebidas alcóolicas, o que o matou.’)

b. O martelo quebrou a janela. (‘Alguém quebrou a janela com um martelo.’)12

Presumivelmente, nesses exemplos, a extensão metafórica é a de “sendo uma causa

(ou um instrumento)”, de maneira que uma entidade que não poderia iniciar um evento

intencionalmente, de algum modo, dentro da cadeia da causalidade, é reinterpretada como o

“agente iniciador” e marcada sintaticamente como sujeito-agente.

A ideia de extensão metafórica permite acomodar, na classe dos verbos transitivos,

construções que se distanciam das propriedades semânticas que singularizam o protótipo da

categoria, ou seja, as de agente e paciente. Pelo fato de essas propriedades serem tratadas

como uma questão de grau, os verbos desviantes são interpretados como membros da classe

transitiva por meio de semelhanças e analogias, que fazem lembrar o protótipo.

12 Tradução livre de Liquor killed him (‘He drank liquor, and that killed him’) e The hammer broke the window (‘Someone broke the window with a hammer’) (GIVÓN: 1984, p. 106).

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Deve-se notar, no entanto, que, devido a marcas morfológicas, muitas línguas não

permitem algumas das extensões metafóricas sugeridas por Givón (1984), o que faz entrever

que a tendência a estender metaforicamente a classe dos verbos transitivos é de nenhuma

maneira uma solução universal.

Fornecidos os postulados gerais acerca da transitividade na corrente funcionalista

norte-americana, na próxima seção, discorreremos sobre essa temática à luz da vertente

sistêmico-funcional. Conforme veremos, para essa corrente teórica, o sistema de

transitividade é responsável por codificar experiências e por construir significados.

3.3. A TRANSITIVIDADE NA PERSPECTIVA DA LINGUÍSTICA SISTÊMICO-

FUNCIONAL

Como esclarece Halliday (1994), a linguagem permite aos seres humanos construir

uma imagem mental da realidade, para dar sentido ao que se passa à sua volta e dentro de si.

Nessa perspectiva, a cláusula é considerada na sua função representacional, ou seja, como

uma forma de representar os padrões da experiência. A cláusula desempenha, portanto, um

papel central, porque ela encerra um princípio geral para o modelo de experiência, ou seja, o

princípio de que a realidade é composta por processos. Assim, além de ser um modo de ação

(de dar e pedir, por exemplo, bens-e-serviços e informação), a cláusula é também um modo de

reflexão, de impor ordem na variação infinita e no fluxo de eventos. De acordo com a vertente

sistêmico-funcional, o sistema gramatical pelo qual isso é alcançado é o de transitividade.

Os papéis principais do sistema de transitividade – a saber, os Processos, os

Participantes e as Circunstâncias – fornecem o quadro de referência para que a experiência

da realidade seja interpretada. Em outras palavras, como bem resumem Furtado da Cunha e

Souza (2007), o sistema de transitividade permite identificar as ações e atividades humanas

que estão sendo expressas no discurso e que realidade está sendo retratada. O termo Processo

refere-se à categoria responsável por codificar ações, eventos, estabelecer relações, exprimir

ideias e sentimentos, construir o dizer e o existir; o termo Participante refere-se aos elementos

envolvidos com os Processos, de forma obrigatória ou não; o termo Circunstância diz respeito

às informações adicionais atribuídas aos diferentes Processos. A interpretação tripartida dos

processos corresponde à distinção gramatical de classes de palavras em verbo, substantivo e

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advérbio (conforme será demonstrado a seguir), que permitem analisar quem faz o quê, a

quem e em que circunstâncias.

Tipo de elemento Tipicamente realizado por

(i) Processo

(ii) Participante

(iii) Circunstância

sintagma verbal

sintagma nominal

sintagmas adverbiais

QUADRO 4: Funções típicas das classes de palavras no sistema de transitividade

(HALLIDAY e MATTHIESSEN: 2004, p. 109).

Os conceitos de Processo, Participante e Circunstância são categorias semânticas que

explicam de forma mais geral como os fenômenos do mundo real são representados como

estruturas linguísticas. No entanto, quando a gramática da cláusula passa a ser interpretada, é

preciso reconhecer funções que são mais específicas que essas e que podem diferir de acordo

com o tipo de Processo que está sendo representado. Sendo assim, precisamos explorar os

diferentes tipos de Processo que são incorporados à gramática, bem como os tipos particulares

de Participantes que são associados a cada um.

Diferentemente do que se poderia imaginar, se considerado terminologicamente, o

sistema de transitividade apresentado pela LSF constrói o mundo da experiência por meio de

um conjunto relativamente pequeno de Processos, que são: os Materiais, os Mentais, os

Relacionais, os Verbais, os Comportamentais e os Existenciais. Halliday (1994) explica que

os Materiais, os Mentais e os Relacionais são os três principais Processos do sistema de

transitividade e codificam, respectivamente, a experiência exterior (ações e eventos), a

experiência interior (consciência) e as relações que são estabelecidas entre um fragmento da

experiência com outro. Os Processos Verbais, Comportamentais e Existenciais são

considerados secundários e estão nas fronteiras entre os principais, preservando certos traços

dos Processos que os cercam. Um resumo esquemático é dado na seguinte figura:

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FIGURA 4: A gramática da experiência – tipos de Processo

(HALLIDAY e MATTHIESSEN: 2004, p. 172).

A Figura 4 interpreta os tipos de Processo como um espaço semiótico, com diferentes

regiões que representam os diferentes Processos. As regiões têm áreas centrais que

representam membros prototípicos da categoria, mas as regiões são contínuas, não estanques.

As zonas de fronteira referem-se ao fato de que os tipos de Processo são categorias indistintas.

Esse é um princípio fundamental em que o sistema é baseado, ou seja, o princípio da

indeterminação sistêmica. O mundo da nossa experiência é altamente indeterminado, e essa

indeterminação se reflete no modo como a gramática constrói seu sistema de tipos de

Processo. Por exemplo, um mesmo texto pode oferecer modelos alternativos do que parece ser

o mesmo domínio da experiência: podemos interpretar o domínio da emoção com um

Processo Mental (Isso agradou a Deus) ou com um Processo Relacional (Isso fez Deus feliz)

(HALLIDAY e MATTHIESSEN: 2004, p. 173).

Conforme foi mencionado em parágrafos anteriores, a construção do domínio de cada

experiência se dá pelo sistema de transitividade, expresso pelos diferentes tipos de Processo

(que ocupam o centro da abordagem), pelos Participantes específicos associados aos

Processos e pelas circunstâncias variadas que os circundam. A ideia principal é a de que a

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escolha por um determinado Processo acarreta a escolha por determinados tipos de

Participante, de acordo com a semântica do Processo. A seguir, abordaremos mais

detalhadamente os tipos de Processo e os Participantes associados a cada um. Além disso,

discorreremos sobre a natureza das circunstâncias que podem compor o sistema de

transitividade13.

3.3.1. Os tipos de Processo e seus respectivos Participantes

Para a teoria sistêmica, a experiência humana é traduzida em linguagem por meio dos

Processos, dos Participantes e das Circunstâncias, ou seja, por intermédio dos papéis

principais que compõem o sistema de transitividade. Conforme dissemos, são identificados,

nessa corrente teórica, seis tipos de Processo (Material, Mental, Relacional, Verbal,

Comportamental e Existencial), aos quais se associam Participantes particulares e

circunstâncias específicas, conforme será demonstrado a partir de agora.

Os Processos Materiais são Processos do ‘fazer’, ou seja, eles expressam a noção de

que alguma entidade ‘faz’ algo – que pode ser feito ‘para’ alguma outra entidade

(HALLIDAY e MATHIESSEN, 2004; 2013). Os Processos Materiais não são

necessariamente concretos (eventos físicos), eles podem representar fazeres abstratos ou

acontecimentos, como ocorre, respectivamente, em O prefeito renunciou e O turista caiu. Os

Participantes associados a esse tipo de Processo são:

1. Ator – aquele que, no evento prototípico, provoca a ação. É o Participante inerente,

visto que qualquer Processo Material tem um Ator, ainda que ele não esteja expresso na

cláusula (como é o caso, por exemplo, de algumas passivas). Sob o rótulo de Ator se

encontram abrigadas entidades de natureza bastante diversificada, como a humana, a

inanimada, a abstrata e assim sucessivamente, como é possível observar nos exemplos citados

por Thompson (1996, p. 80):

13 Neste momento, forneceremos um quadro bastante genérico acerca da transitividade sob a ótica da Linguística Sistêmico-Funcional. No entanto, o tema será retomado e pormenorizado no capítulo 6, que versa sobre o sistema de transitividade nas notícias jornalísticas.

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Ator Processo: Material Meta Circunstância

Ele

A jovem garota

Eduardo

Sua mãe

tinha se barbeado.

saltou

estava serrando

quebrou

madeira.

o vidro.

para fora do portão.

QUADRO 5: Processos Materiais 1.

Ator Processo: Material

Meta Cinscuntância

O carro

A grama grossa

A infelicidade

O fogo

Dezenas de pequenos arbustos

O ritmo acelerado

deslizou

estava crescendo

desapareceu.

havia destruído

arranharam

sacudiu

tudo.

ele.

paredes e chão.

para fora da estrada.

aqui e ali.

QUADRO 6: Processos Materiais 2.

Nos quadros 5 e 6, o Participante Ator codifica, respectivamente, uma entidade

animada e uma entidade inanimada, o que corrobora a natureza diversificada dessa categoria.

2. Meta – aquele para quem a ação é dirigida, ou seja, aquele que efetivamente é

modificado pela ação, como em O leão pegou o turista, em que o turista é o Participante do

tipo Meta.

3. Escopo – o Participante que completa e especifica a ação, mas que não é afetado por

ela, como no exemplo João tocava piano, em que piano é o Escopo.

4. Beneficiário – entidade para quem alguma coisa é feita, criada ou transformada,

como em Eu dei ao meu amor um anel14, em que ao meu amor é o Participante Beneficiário.

Considerado o fato de que as cláusulas intransitivas, além do Processo, podem

apresentar somente o Participante Ator, os Participantes Meta, Escopo e Beneficiário não são

considerados obrigatórios no processo de representação.

14 Os exemplos citados aqui são traduções livres de The Lion caught the tourist, John played piano, I gave my love a ring that has no end (HALLIDAY: 1994, p. 109, 145, 147).

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Os Processos Mentais são Processos que expressam a apreciação humana do mundo,

ou seja, são relativos à representação do nosso mundo interior: crenças, desejos e valores.

Dentro da categoria geral de Processos Mentais, Halliday (1994) estabelece uma

subdivisão em que se consideram três tipos: (1) Processos Mentais de percepção (ver, ouvir

etc.), (2) Processos Mentais de afeto (gostar, temer etc.) e (3) Processos Mentais de cognição

(pensar, conhecer, compreender etc.).

Os Participantes que se associam aos Processos Mentais são:

1. Experienciador – aquele que sente, pensa, deseja ou percebe.

2. Fenômeno – o fato que é percebido, sentido ou compreendido. Em Eu acredito em

você15, Eu codifica o Participante Experienciador, e em você, o Participante Fenômeno.

A diferença entre os Processos Mentais e os Materiais pode ser percebida, por

exemplo, (i) na natureza dos Participantes obrigatórios: dado o nível de consciência

necessário a essa entidade, nos Processos Mentais, apenas um Participante animado pode

codificá-lo; (ii) na variação do número de Participantes: diferentemente dos Processos

Materiais, que podem ser divididos em dois tipos – aqueles com apenas um Participante e

aqueles com dois –, os Processos Mentais envolvem potencialmente um Experienciador e um

Fenômeno (HALLIDAY, 1994).

Os Processos Relacionais são aqueles que estabelecem uma conexão entre entidades,

identificando-as ou classificando-as, são os Processos de ser, ter e pertencer. Segundo a teoria

sistêmica, todas as línguas acomodam, em sua gramática, formas sistemáticas de construção

dos Processos Relacionais e os tipos principais são:

(1) Intensivo: ‘X é A’

(2) Circunstancial: ‘X está em A’ (a preposição em pode ser substituída por outra).

(3) Possessivo: ‘X tem A’

Cada um desses tipos pode ser classificado de dois modos:

(i) Atributivo: ‘A é um atributo de X’

(ii) Identificativo: ‘A é a identidade de X’

São geradas, portanto, seis categorias de Processos Relacionais, tal como é

estabelecido no quadro a seguir:

15 Tradução livre de I believe you (HALLIDAY: 1994, p. 118).

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Tipo/Modo (i) Atributivo

(‘a é um atributo de x’)

(ii) Identificativo

(‘a é uma identidade de x’)

(1) Intensivo (‘x é a’) Sarah é inteligente. Sarah é a líder.

(2) Possessivo (‘x tem a’) Peter tem um piano. O piano é de Peter.

(3) Circunstancial (‘x está em a’) A feira é às terças-feiras. Dia 10 é amanhã.

QUADRO 7: Os principais tipos de Processos Relacionais (HALLIDAY e MATTHIESSEN: 2004, p. 216).

Quanto à natureza dos Participantes, aos Processos Relacionais Intensivos Atributivos

são associados dois Participantes: o Portador, ou elemento classificado, e o Atributo, ou

elemento classificador, como podemos ver nos exemplos citados no Quadro 7. Os Processos

Intensivos Identificativos codificam dois Participantes: o Identificado, que é o alvo da

definição, e o Identificador, que é o elemento definidor. Os Processos Relacionais

Possessivos contam com os Participantes Possuidor e Possuído, visto representarem uma

relação de propriedade. Nos Processos Relacionais Circunstanciais, um elemento

circunstancial exerce a função de Atributo ou Identificador.

Os Processos Verbais são Processos que expressam o dizer, e seus Participantes são

chamados de Dizente, Participante inerente que diz, comunica ou aponta algo; Receptor,

Participante para quem o Processo Verbal se dirige, e Verbiagem, Participante que codifica o

que é comunicado. Em João disse que estava com fome16, por exemplo, João codifica o

Dizente e que estava com fome representa a Verbiagem.

Os Processos Comportamentais são ações, tipicamente humanas, que englobam os

comportamentos físicos e psicológicos, como olhar, assistir, respirar, preocupar-se. A esse

tipo de Processo estão associados os Participantes Comportante, Participante consciente que

realiza a ação, e Fenômeno, Participante que define o escopo do Processo.

Por último, mas não menos importantes, estão os Processos Existenciais, que

representam algo que existe ou acontece. Esse tipo de Processo possui apenas um

Participante, o Existente, entidade que existe (pessoas, objetos, instituições, eventos etc.).

Os rótulos relacionados aqui, apesar de pretenderem abarcar uma parte significativa

das representações linguísticas que se encontram à disposição dos falantes, nem sempre são

suficientes para descrever a realização dos significados em seus vários contextos discursivos. 16 Os exemplos citados aqui são traduções livres de Sarah is wise, Sarah is the leader, Peter has a piano, The piano is Peter’s, The fair is on a Tuesday, The 10th is tomorrow (HALLIDAY e MATTHIESSEN: 2004, p. 216); John said he was hungry (HALLIDAY: 1994, p. 140).

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Diante desse fato, a abordagem sistêmico-funcional, como as demais teorias funcionalistas,

considera a categorização de um modo geral a partir da noção de prototipia, ou seja, ela olha

para as categorias reconhecendo que existe um elemento-núcleo que melhor as representa,

bem como existem configurações que se encontram no entorno desse núcleo, como membros

mais periféricos. Esse mesmo viés deve ser utilizado na descrição da categoria circunstância,

que também compõe o sistema de transitividade, conforme veremos na seção seguinte.

3.3.2. Os elementos circunstanciais

As circunstâncias são o terceiro componente do sistema de transitividade e exercem a

função de definir o contexto no qual uma ação acontece. São realizadas gramaticalmente por

sintagmas adverbiais e sintagmas preposicionados e ocorrem livremente em todos os tipos de

Processos. A seguir, foram descritos alguns dos tipos de circunstâncias relacionados por

Halliday e Matthiessen (2004).

1. Expansão: Extensão e Localização – constroem o desdobramento do processo em

espaço e tempo, como é mostrado no seguinte quadro:

Espacial Temporal

Extensão

Distância

andar sete milhas

Duração

ficar (por) duas horas

Frequência

bater três tempos

Localização Lugar

trabalhar na cozinha

Tempo

levantar-se às seis horas

QUADRO 8: Circunstâncias de extensão e de localização (HALLIDAY e MATTHIESSEN: 2004, p. 264).

2. Modo: constrói a maneira pela qual o processo é atualizado, como em Morgan

calmamente observava a paisagem do topo de Rock Island, em que a circunstância de modo

está representada pelo elemento calmamente.

3. Causa: constrói a razão pela qual o processo é atualizado, como em Assad morreu

de insuficiência cardíaca, representada pelo termo de insuficiência cardíaca.

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4. Acompanhamento: é uma forma de juntar participantes no processo. Representa o

significado de adição, por meio das expressões e e com, ou de subtração, por meio da

preposição sem. Um exemplo de circunstância de acompanhamento seria a expressão com

meu pai em Eu estava viajando pela costa oeste da Flórida com meu pai.

5. Papel: constrói os significados de ser e tornar-se circunstancialmente. Essa

categoria corresponde ao Atributo ou Valor das cláusulas Relacionais Intensivas. Um

exemplo da circunstância de papel seria como socialistas em: Como socialistas, entendemos

muito bem o impacto dos cortes de pessoal.

6. Assunto: relaciona-se com os Processos Verbais; é o equivalente circunstancial da

Verbiagem, como vemos em Conte-me sobre o Paris Review, em que a Circunstância é sobre

o Paris Review17.

O esquema apresentado a seguir permite visualizar, resumidamente, o modo como os

significados são representados linguisticamente:

FIGURA 5: A cláusula como representação da experiência.

17 Os exemplos mencionados aqui são traduções livres de Morgan calmly surveyed the scenery from the top of Rock Island, Assad died of heart faillure, I was traveling up the West coast of Florida with my father, As socialists, we understand all tôo well the impacto f staffing cuts, Tell me about the Paris Review (HALLIDAY e MATTHIESSEN: 2004, pp. 268, 270, 273, 274 e 276).

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A partir dessa exposição, concluímos que, na visão propagada pela abordagem

sistêmica, os três componentes do sistema de transitividade (processo de desdobramento

através do tempo, Participantes envolvidos no Processo e circunstâncias associadas aos

Processos) são organizados em configurações que fornecem os modelos ou esquemas para

interpretar nossa experiência acerca do que se passa (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004;

2013). Portanto, para muito além da familiar dicotomia instaurada entre verbos transitivos

versus verbos intransitivos, a transitividade é tida aqui como uma propriedade de elaboração

de sentidos, no desenvolvimento efetivo da linguagem.

Conforme dissemos em seções anteriores, o objetivo principal deste trabalho é

correlacionar as escolhas efetuadas no âmbito do sistema de transitividade aos propósitos

comunicativos do gênero notícia jornalística. Antes de apresentarmos os resultados

encontrados, exibiremos, no capítulo seguinte, a noção de gênero discursivo e a caracterização

dos textos que compõem o gênero notícia jornalística nesta investigação.

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4. O GÊNERO NOTÍCIA JORNALÍSTICA

Uma análise linguística pautada na perspectiva de gênero discursivo busca,

primeiramente, considerar as construções a partir das influências do contexto em que foram

produzidas. Compartilhamos com os teóricos sistêmicos o pressuposto de que a noção de

gênero se encontra alinhada à noção de contexto de cultura, ou seja, ao contexto social que

perpassa o texto, influenciando as palavras e as estruturas utilizadas por seu produtor

(EGGINS e MARTIN, 1997). Neste capítulo, situaremos a perspectiva de gênero discursivo a

partir dos postulados da LSF e da Linguística Textual (seção 4.1), bem como caracterizaremos

os textos que compõem o gênero notícia jornalística (seção 4.2).

4.1. DEFINIÇÃO DE GÊNERO DISCURSIVO

A teoria sistêmica possui como pressuposição básica a ideia de que há uma relação

estreita entre o ambiente social, no qual os textos acontecem, e a organização funcional da

linguagem. Conforme vimos na seção 1.2 (cf. p. 28), o contexto social, para a LSF, divide-se

em contexto de situação (ou contexto de registro) e contexto de cultura. O contexto de

situação fornece aos participantes uma gama de informações acerca dos significados

construídos e negociados na interação. Já o contexto de cultura, de natureza mais abrangente,

se refere à atividade social e à interpretação do uso da língua pelos usuários de modo a fazer

sentido em uma cultura particular (HALLIDAY e HASAN, 1985; EGGINS, 1994; BUTT,

2000). Para a LSF, os gêneros são produzidos no âmbito do contexto de cultura, sendo o

contexto de registro o ponto de partida para sua descrição, pois é esse contexto imediato que

fornece os elementos específicos da situação em que determinado gênero ocorre.

Eggins e Martin (1997), ao versarem sobre registro e gênero, demonstram que é

possível encontrar, nos contextos situacionais, dimensões imediatas que ajudam a explicar por

que cada texto assume diferentes padrões linguísticos. Sendo assim, as diferenças linguísticas

entre os textos podem ser correlacionadas com diferenças nos contextos em que os textos são

produzidos. Os autores, por meio de exemplos, permitem entrever que as escolhas de

vocabulário e das estruturas de um texto são influenciadas por três dimensões contextuais

principais: as dimensões de modo, relação e campo.

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Essa pluralidade de influência sugere que um texto é a combinação de várias vertentes

do significado: na dimensão do modo, observam-se, entre outros aspectos, a natureza do canal

(se o texto é falado, escrito ou alguma combinação dos dois) e o grau de formalidade entre os

interlocutores; na dimensão de relação, são observados, por exemplo, os papéis

desempenhados pelo autor e as relações de poder estabelecidas entre os interlocutores; e,

finalmente, na dimensão de campo, observam-se as escolhas lexicais e as fontes de referências

intertextuais.

A figura a seguir, adaptada de Eggins (1994), mostra como o modelo sistêmico de

análise linguística concebe a relação entre o contexto social e a linguagem. A ideia veiculada

na figura é a de que as estruturas do texto são resultado de uma troca social de significados.

CONTEXTO DE CULTURA

campo CONTEXTO DE SITUAÇÃO relação

modo

Léxico-gramática

tema

transitividade modo

FIGURA 6: Relação entre contexto e linguagem (adaptado de EGGINS: 1994, p. 111).

Vistos como produtos da atividade humana, os textos encontram-se, portanto,

articulados às necessidades, aos interesses e às condições de funcionamento das formações

sociais no interior das quais são produzidos. Dessa forma, sendo os contextos sociais diversos

e evolutivos, foram elaborados, ao longo da história, diferentes modos de fazer texto ou

diferentes espécies de texto. Diante dessa diversidade das espécies de texto, surgiu, desde a

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Antiguidade Grega até a atualidade, uma preocupação com sua delimitação e nomeação, que

se traduziu na elaboração de múltiplas classificações, centradas, na maioria das vezes, na

noção de gênero de texto (ou gênero de discurso)18 (BRONCKART, 2003).

Na Antiguidade, a noção de gênero aplicava-se apenas aos textos com valor social ou

literário reconhecido, como os gêneros épico, poético, lírico etc. Somente a partir dos estudos

de Mikhail Bakhtin, o conceito de gênero passou a ser aplicado ao conjunto das produções

verbais organizadas, tanto às formas escritas (artigo científico, resumo, notícia, publicidade

etc.), quanto às orais (exposição, relato de acontecimentos vividos, conversação etc.). Essa

concepção mais abrangente permite enquadrar qualquer tipo de texto em termos de gênero. Se

visto dessa forma, todo exemplar de texto observável pode ser considerado como pertencente

a um determinado gênero. Em termos bakhtinianos, todas as atividades humanas, por mais

variadas que sejam, estão relacionadas ao uso da língua: “a utilização da língua efetua-se em

forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma

ou doutra esfera da atividade humana” (BAKHTIN: 2000, p. 279).

Baseados na perspectiva bakhtiniana, os linguistas sistêmicos definem os gêneros em

termos de sua finalidade social. Assim, os diferentes gêneros configuram diferentes maneiras

de se usar a linguagem para se atingir diferentes propósitos comunicativos (EGGINS, 1994;

EGGINS e MARTIN, 1997).

De forma análoga, a noção que perpassa os estudos da Linguística do Texto é a de que

os gêneros são marcados sócio-historicamente e se baseiam em formas-padrão relativamente

estáveis de estruturação. Visto estarem diretamente relacionados às diferentes situações

sociais e culturais, os gêneros discursivos não podem ser tratados fora de sua realidade social

e de sua relação com as atividades humanas, conforme ponderou Bakhtin (2000).

Baseado em uma perspectiva cujo enfoque é a melhor composição dos atos de fala

entre locutor e ouvinte, Bazerman (2005) identifica os gêneros discursivos como formas de

comunicação reconhecíveis e autorreforçadoras. Para o autor, “se percebemos que um certo

tipo de enunciado ou texto funciona bem numa situação e pode ser compreendido de uma

certa maneira, quando nos encontrarmos numa situação similar, a tendência é falar ou

escrever alguma coisa também similar” (BAZERMAN: 2005, p. 29). Assim sendo, se o

locutor segue padrões comunicativos com os quais os interlocutores estão familiarizados, eles

podem reconhecer mais facilmente o que está sendo dito. Para Bazerman (2005), os gêneros

emergem a partir do reforço mútuo dessas formas padronizadas e reconhecíveis. 18 Apesar de reconhecermos sua existência, a discussão teórica sobre a dicotomia gênero textual e gênero discursivo não se constitui como objetivo deste trabalho.

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No Brasil, os trabalhos desenvolvidos por Luiz Antônio Marcuschi corroboram a ideia

de que os gêneros são formas textuais – escritas ou orais – bastante estáveis, histórica e

socialmente situadas. O autor explica que os gêneros textuais são os textos que encontramos

diariamente e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por

composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na

integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. Assim como é impossível se

comunicar verbalmente a não ser por algum texto, também é impossível se comunicar

verbalmente a não ser por algum gênero, visto que toda manifestação verbal se dá sempre por

meio de textos pertencentes a algum gênero (MARCUSCHI, 2008).

Apesar de reconhecerem nos gêneros o alto poder preditivo e interpretativo das ações

humanas em qualquer contexto discursivo, os autores citados aqui não enxergam essas

organizações linguísticas como modelos estanques, nem mesmo como estruturas rígidas. Para

Marcuschi (2003) e Eggins e Martin (1997), por exemplo, os gêneros caracterizam-se como

eventos altamente maleáveis e dinâmicos.

O caráter não rígido dos gêneros é defendido, ainda, por Bronckart (2003). O autor

argumenta que, ao longo do tempo, alguns gêneros tendem a desaparecer (como foi o caso da

narração épica) e, às vezes, reaparecer sob formas parcialmente diferentes. Dito de outra

forma, alguns gêneros se modificam, ao passo que novos gêneros aparecem (como o folheto

publicitário). Sob essa ótica, os gêneros estão em constante movimento, e essa mobilidade

explica o fato de que as fronteiras entre os gêneros não podem ser sempre claramente

estabelecidas (por exemplo, o problema das fronteiras entre o romance e a novela) e o fato de

que algumas novas espécies de textos podem não ter recebido um nome específico, em termo

de gêneros. A esse respeito, o autor explica que a organização dos gêneros apresenta-se, para

os usuários de uma língua, na forma de uma nebulosa, que comporta pequenas ilhas mais ou

menos estabilizadas (gêneros que são claramente definidos e rotulados) e conjuntos de textos

com contornos vagos e em intersecção parcial (gêneros para os quais as definições e os

critérios de classificação ainda são móveis e/ou divergentes) (BRONCKART, 2003).

Corroborando a afirmação de Bronckart (2003), Marcuschi (2008, p. 159) acrescenta

que, por serem entidades sócio-históricas e variáveis, não há como fazer uma lista fechada dos

gêneros discursivos, o que dificulta ainda mais a classificação. Segundo o autor, os gêneros

caracterizam-se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais que

por suas particularidades linguísticas e estruturais. Marcuschi (2008) ressalta que tais

entidades são de difícil definição formal, devendo ser caracterizadas por seus aspectos

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sociocomunicativos e funcionais, o que não significa um desprezo pela forma, dado que, não

poucas vezes, as formas determinam o gênero, assim como o suporte e o ambiente em que o

texto aparece.

Em termos gerais, Koch (2003, p. 54) caracteriza os gêneros discursivos da seguinte

forma:

(i) são tipos relativamente estáveis de enunciados presentes em cada esfera de troca: os

gêneros possuem uma forma de composição, um plano composicional;

(ii) além do plano composicional, distinguem-se pelo conteúdo temático e pelo estilo;

(iii) trata-se de entidades escolhidas tendo em vista as esferas de necessidade temática,

o conjunto dos participantes e a vontade enunciativa ou intenção do locutor.

As descrições linguísticas feitas sob a ótica dos gêneros discursivos visam a colocar

em foco a multifuncionalidade das estruturas linguísticas, distanciando-se da preocupação em

analisar a organização gramatical de orações dissociadas de seu contexto social de elaboração.

Por ser vista como o lugar de interação, a linguagem a ser considerada é aquela

utilizada nas situações reais de comunicação, pois é no uso real da língua que os significados

são construídos e reconstruídos, através das escolhas linguísticas realizadas. Assim, partindo

da premissa de que as escolhas realizadas não são aleatórias, mas são efetuadas com base nos

objetivos comunicativos a que se pretende chegar, buscou-se compreender, neste trabalho,

como a codificação das categorias relacionadas ao sistema de transitividade cumpre os

propósitos comunicativos do gênero notícia jornalística. Conforme se verá nas seções

subsequentes, trata-se de um gênero pertencente ao domínio discursivo jornalístico, com

estilos composicional e discursivo relativamente bem definidos.

4.2. O DOMÍNIO DISCURSIVO JORNALÍSTICO E O GÊNERO NOTÍCIA

O gênero notícia, que compõe o escopo desta pesquisa, pertence ao que se

convencionou chamar de domínio discursivo jornalístico. Os domínios discursivos, segundo

Marcuschi (2008), são esferas da vida social ou institucional (religiosa, jurídica, jornalística,

pedagógica, política, familiar etc.) nas quais se dão práticas que organizam formas de

comunicação e respectivas estratégias de compreensão. Os domínios discursivos criam

modelos de ação comunicativa que se estabilizam e se transmitem às gerações com efeitos e

propósitos bem definidos. Além de produzirem contextos e situações para as práticas

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sociodiscursivas, os domínios discursivos organizam as relações de poder e operam como

enquadres globais de superordenação comunicativa. Na visão de Marcuschi (2008), é

justamente pelas distintas práticas sociais desenvolvidas nos diversos domínios discursivos

que sabemos, por exemplo, que nosso comportamento discursivo num circo não pode ser o

mesmo que numa igreja e que nossa produção textual na universidade e numa revista de

variedades não será a mesma.

A identificação dos gêneros que constituem o domínio discursivo jornalístico constitui

uma tarefa a que os pesquisadores têm se dedicado, pois, nos termos de Melo (1985), a

questão tem origem na própria práxis. Consta que a classificação dos gêneros jornalísticos

teve seu início no momento em que o editor inglês Samuel Buckley optou pela separação

entre news e comments, já no princípio do século XVIII. Desde então, segundo Melo (1985), a

mensagem jornalística vem experimentando transformações significativas, não só em

decorrência dos avanços tecnológicos que determinam as formas de expressão, mas também,

e, sobretudo, em função das alterações culturais com que se defronta a instituição jornalística.

De um modo geral, os gêneros jornalísticos podem ser classificados a partir de dois

critérios principais:

(i) são agrupados em categorias que correspondem à intencionalidade determinante

dos relatos através de que se configuram. São identificadas duas vertentes: a reprodução do

real e a leitura do real. No primeiro caso, tem-se a observação da realidade e, no outro, tem-se

a análise da realidade e a sua avaliação possível dentro dos padrões da instituição jornalística.

O jornalismo articula-se, portanto, em função de dois núcleos de interesse, a saber, a

informação (saber o que se passa) e a opinião (saber o que se pensa sobre o que se passa).

(ii) São identificados a partir da natureza estrutural dos relatos observáveis no

processo jornalístico. Conforme explica Melo (1985), esse critério não se refere

especificamente à estrutura do texto, mas considera a articulação que existe entre os

acontecimentos (real), sua expressão jornalística (relato) e a apreensão pela coletividade

(leitura). Os gêneros que correspondem ao universo da informação se estruturam

independentemente da instituição jornalística, pois dependem somente da eclosão e evolução

dos acontecimentos. Em contrapartida, os gêneros que se agrupam na área da opinião

possuem a estrutura da mensagem codeterminada pelas variáveis controladas pela instituição

jornalística. A partir dessas premissas, o autor propõe a seguinte classificação:

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A) Jornalismo informativo B) Jornalismo opinativo

1. Nota 5. Editorial

2. Notícia 6. Comentário

3. Reportagem 7. Artigo

4. Entrevista 8. Resenha

9. Coluna

10. Crônica

11. Caricatura

12. Carta

Apesar de os manuais de literatura acadêmica que versam sobre o assunto não serem

unânimes no tratamento dispensado ao gênero notícia, o fato de priorizar o relato dos

acontecimentos parece ser uma das suas características afins, como foi demonstrado no

esquema anteriormente citado. A notícia distingue-se, ainda, dos demais gêneros jornalísticos

por (i) informar de maneira bastante objetiva; (ii) estabelecer uma relação mais ou menos

distanciada entre seus participantes; (iii) apresentar linguagem mais “imparcial” (HINTZE,

2009; TRAQUINA, 2012).

Do ponto de vista da estrutura, Lage (2003, p. 16) define a notícia como “o relato de

uma série de fatos a partir do fato mais importante ou interessante; e de cada fato, a partir do

aspecto mais importante ou interessante”. O que fica evidente nessa definição é o fato de os

eventos serem ordenados não por sua sequência temporal, mas pelo interesse ou importância

que representam no ato discursivo, sob a perspectiva de quem conta e, sobretudo, na suposta

perspectiva de quem ouve. Lage (2003) identifica três fases do processo de produção de uma

notícia:

(i) a seleção dos eventos: identificar os eventos mais relevantes;

(ii) a ordenação dos eventos: o contato, a atenção do interlocutor fixa-se a partir do

evento mais importante ou interessante. Os demais aparecerão em ordem determinada pela

motivação do principal, transformados em circunstâncias dele, como se fossem explicações;

(iii) a nomeação: há compromisso e sutileza nos nomes que se atribuem às coisas.

As notícias que compõem o corpus desta pesquisa apresentam, em sua maioria,

importantes mecanismos textuais para ajudar a construir a estrutura temática, como as

manchetes e o lead, que exprimem as informações consideradas mais importantes do texto. A

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partir da manchete e da primeira sentença do texto (lead), o leitor é capaz de sumarizar o

sentido global do texto. Conforme é demonstrado no exemplo a seguir, esses recursos

objetivam informar ao leitor quem fez o que, a quem, quando, onde, como, por que e para

quê. No exemplo seguinte, a manchete encontra-se em negrito, e o lead, em itálico.

[03]

Lula encontra FH e diz que PT está disposto a dialogar

Reunião de uma hora e meia no Alvorada recebe críticas de Brizola e ACM

Após quatro anos sem se encontrarem, o presidente Fernando Henrique e o principal

líder da oposição, Luiz Inácio Lula da Silva, conversaram por uma hora e meia na

noite de quinta-feira, no Palácio da Alvorada. Segundo Lula, Fernando Henrique

agradeceu o comportamento ético do PT nas eleições, referindo-se ao suposto dossiê

com acusações ao Governo que o partido decidiu não divulgar. O presidente definiu o

encontro como uma conversa entre pessoas que se respeitam. "Eu gosto do Lula, disse

isso a ele e ele sabe que é verdade." Lula acha que pode ser o início de um diálogo

com o presidente "Se o Governo estiver disposto a ouvir a oposição sobre o que ela

pensa do Brasil, o PT e a oposição têm muito a dizer". O senador Antônio Carlos

Magalhães minimizou a conversa: "Foi só o encontro de um metalúrgico com um

professor." Para o presidente do PDT, Leonel Brizola, a reunião "enfraquece a

oposição". Segundo a colunista Tereza Cruvinel, Lula foi recebido pelo presidente no

Palácio com a seguinte frase: "É bom que você veja tudo, pois ainda pode vir a morar

aqui." A próxima conversa já está marcada será em janeiro. Páginas 3 a 9 e Panorama

Político. (E-B-94-Jn-030)

Quando pensamos nas notícias jornalísticas a partir dos contextos sociais em que os

textos se encontram engajados, podemos sumarizar que, em termos de contexto de cultura,

esse gênero discursivo cumpre a função de colocar o cidadão a par dos fatos considerados

relevantes na sociedade, de forma objetiva, mas se preocupando com o quem, o quê, o

quando, o onde, o porquê e o como. Já em termos de contexto de situação, podemos

caracterizar esse gênero pelos seguintes aspectos:

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Campo

(natureza da prática social)

Relação

(ligação entre os falantes)

Modo

(meio de transmissão)

Relato de uma série de

fatos, a partir do fato

considerado mais

importante ou interessante.

O autor é alguém que possui

a informação e o poder de

decidir quais são os

elementos mais importantes

dos acontecimentos; o leitor

é o público em geral; a

relação entre eles é de

natureza semiformal.

Canal: jornal

Meio: escrito

A linguagem tem papel

constitutivo.

QUADRO 9: Contexto de situação das notícias jornalísticas

Fornecidas as noções teóricas que envolvem a concepção de gênero e as principais

propriedades que caracterizam as notícias jornalísticas, passaremos a descrever, no capítulo

seguinte, os procedimentos metodológicos adotados para análise e descrição dos dados desta

tese.

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5. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Com vistas a descrever o caminho percorrido para se alcançarem os objetivos desta

pesquisa, dividimos este capítulo em três seções. Na seção 5.1, apresentamos a constituição e

a caracterização do corpus. Na seção 5.2, apontamos os procedimentos adotados para o

estabelecimento das particularidades, em termos de transitividade, das cláusulas analisadas.

Consta, desse tópico do trabalho uma breve apresentação dos oito parâmetros utilizados como

aporte para a identificação dos padrões de transitividade das cláusulas Materiais. Na seção

5.3, procedemos à apresentação da Rede Neural de Mapas Auto-organizáveis e do protocolo

adotado para a análise estatística dos dados.

5.1. CONSTITUIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO CORPUS

Nesta investigação, conforme temos dito, a descrição da transitividade é atrelada à

noção de gênero discursivo, mais especificamente, ao contexto sociocomunicativo das

notícias jornalísticas. Assim sendo, para a descrição dos padrões de transitividade, foram

selecionados 31 textos pertencentes ao gênero notícia jornalística. As notícias foram retiradas

do banco de dados do corpus VARPORT, disponível no endereço eletrônico

www.letras.ufrj.br/varport.

Esse banco de dados, criado pela Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio

de Janeiro em parceria com pesquisadores de Portugal, disponibiliza textos tanto da

modalidade escrita da língua como da falada, pertencentes a diversos gêneros discursivos e,

também, a períodos históricos distintos. As notícias jornalísticas que constituem o corpus

deste estudo foram escritas entre os anos 1975 e 2000 (Fase 4 do século XX – último período

abarcado pelo corpus VARPORT) – configuram, portanto, uma fase mais moderna do

jornalismo brasileiro (MELO, 1985). As notícias analisadas constam do Anexo 1 deste

trabalho.

A escolha pelo gênero notícia jornalística baseou-se, primeiramente, na desconfiança

de que o sistema de transitividade recebia, nesse contexto de interação, codificações bastante

particulares, em função dos propósitos sociocomunicativos desse gênero discursivo. Uma

análise prévia das manchetes presentes nas notícias jornalísticas corroborou essa conjectura, o

que motivou uma análise mais sistemática de textos pertencentes ao gênero em questão.

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Após seleção dos textos, separamos, por meio de leitura criteriosa, as cláusulas ativas

construídas em torno de Processos do tipo Material. Foram encontrados 91 tipos diferentes de

verbos e 131 cláusulas codificando Processos do ‘fazer’ e do ‘acontecer’. Optamos por

descrever a transitividade dos Processos Materiais pelo fato de esse tipo de Processo ser

reconhecido pela Gramática Sistêmico-Funcional (doravante, GSF) como um dos mais

relevantes na representação das experiências humanas (juntamente com os Processos Mental e

Relacional) (HALLIDAY, 1994). As cláusulas analisadas, bem como os tipos de verbos

encontrados, constam do Anexo 2 desta tese.

O quadro exibido a seguir resume os aspectos que caracterizam o corpus deste estudo:

Gênero discursivo Quantidade de textos Tipos de verbos Cláusulas Materiais

Notícias jornalísticas

31 91 131

QUADRO 10: Caracterização do corpus.

As notícias jornalísticas foram caracterizadas, ainda, com relação ao assunto abordado.

O quadro exibido a seguir fornece a quantificação das abordagens temáticas dos textos

analisados:

Assunto abordado Quantidade de textos

Política 19

Policial 6

Economia 2

Cidade 1

Esporte 1

Greve 1

Guerra 1

Total 31

QUADRO 11: Quantificação dos assuntos abordados nas notícias jornalísticas.

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Tendo em vista os dados fornecidos pelo Quadro 11, é possível perceber que os temas

políticos foram, consideravelmente, os mais recorrentes nas notícias jornalísticas pertencentes

ao final do século XX. Fatos como o Movimento Diretas Já (1983-1984), o fim do Regime

Militar (1985) e o Impeachment do presidente Collor (1992) corroboram a importância do

cenário político no período abarcado pelas notícias que compõem o corpus deste estudo (1975

a 2000).

Feita a caracterização do corpus, exibiremos, na seção seguinte, os procedimentos

adotados para descrição dos dados desta tese.

5.2. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

Nosso intento em caracterizar as escolhas feitas pelos jornalistas, no âmbito do sistema

de transitividade, para a elaboração dos sentidos nas notícias jornalísticas nos levou a buscar

parâmetros descritivos que fossem capazes de estabelecer as diferenças existentes entre os

Processos de natureza Material. Uma descrição mais sistemática do corpus selecionado

mostrou, por exemplo, que, sob o rótulo de Ator, estão reunidas codificações com

características muito peculiares, como é o caso das cláusulas a seguir, em que a função de

Ator tanto é representada por uma entidade humana (exemplo [04]) como por uma entidade

de natureza mais institucional (exemplo [05]). Os termos que codificam a função de Ator nas

cláusulas se encontram em itálico.

[04] O substitutivo votado pelo Congresso, embora tenha recebido 241 votos

favoráveis dos arenistas (apenas a Deputado Lígia Lessa Bastos votou contra) e

156 contrários, por se tratar de emenda constitucional, precisava de dois terços

do total (282 votos) para ser aprovado. (E-B-94-Jn-003)

[05] A aviação apoiou o avanço dos tanques em Khaldes e ainda bombardeou a cidade

desportiva, onde há redutos da guerrilha palestina. (E-B-94-Jn-014)19

Por expressarem sentidos diferenciados, essas escolhas necessitam de uma descrição

que as caracterize de forma mais sistemática. Assim, depois de sucessivas tentativas, com

19 A numeração dos exemplos seguirá a ordem em que eles aparecem no texto, ainda que haja repetição.

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vistas à melhor descrição das cláusulas e de seus componentes pragmático-discursivos,

elaboramos um modelo descritivo, formado por oito parâmetros. Esses parâmetros

mostraram-se bastante eficientes no que tange ao estabelecimento das similaridades e

dissimilaridades dos padrões de transitividade.

Os oito parâmetros descritivos foram estabelecidos por nós com base, especialmente,

na análise criteriosa e sistemática das diferentes codificações dos Processos Materiais. Essa

análise encontrou embasamento no arsenal teórico da GSF, nos componentes de transitividade

elencados por Hopper e Thompson (1980) e em outros pressupostos adicionais (como a teoria

dos papéis temáticos, de Fillmore (1968), o modelo de divisão verbal de Chafe (1979) e

alguns pressupostos da linguística cognitiva, como a noção de metonímia).

Os oito parâmetros selecionados por nós como critério descritivo-metodológico são os

seguintes (como serão retomados em capítulos subsequentes [cf. seção 6.1], forneceremos,

neste momento, um panorama bastante resumido acerca desses parâmetros):

1. fazeres transitivos e intransitivos – objetiva diferenciar uma mudança que se estende a um

segundo Participante de uma mudança que fica confinada ao próprio Participante inerente. As

classes definidoras desse parâmetro são: (i) fazeres intransitivos e (ii) fazeres transitivos.

2. Número de Participantes na cláusula – objetiva identificar a quantidade de Participantes

envolvidos no Processo, bem como sua atuação no desenrolar do evento e suas características

sintático-semânticas. As classes definidoras são: (i) cláusulas com apenas um Participante, (ii)

cláusulas com dois Participantes e (iii) cláusulas com três Participantes.

3. Natureza dos Processos Materiais – por meio desse parâmetro, distinguem-se os fazeres

abstratos dos fazeres concretos. Suas classes são, portanto, as seguintes: (i) eventos abstratos e

(ii) eventos concretos.

4. Tipos de “fazeres” Materiais – baseado no modelo de divisão verbal proposto por Chafe

(1979), esse parâmetro objetiva caracterizar as diversas faces que os Processos Materiais, ou

seja, os Processos de mudança, podem assumir. As classes que compõem esse parâmetro são:

(i) processo, (ii) ação e (iii) ação-processo.

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5. Papéis temáticos atribuídos à função sintática de sujeito – como as funções de Ator e de

sujeito corresponderam, nos dados analisados, ao mesmo sintagma nominal, esse parâmetro

objetiva apontar as diversas funções da macrofunção Ator, por meio da identificação dos

papéis temáticos atribuídos à categoria sintática de sujeito. Foram identificados os seguintes

papéis temáticos, que, portanto, compõem as classes desse parâmetro: (i) sujeito-paciente, (ii)

sujeito-causa; (iii) sujeito-agente híbrido e (iv) sujeito-agente prototípico.

6. Formas de expressão do significado – objetiva diferenciar as formas de expressão mais

congruentes do significado daquelas menos congruentes, ou seja, daquelas em que o locutor

atribui novas funções aos componentes do sistema de transitividade. Esse parâmetro é

constituído pelas seguintes classes: (i) expressões metafóricas do significado (metáfora da

transitividade), (ii) expressões metonímicas do significado e (iii) expressões congruentes do

significado.

7. Objetivos pragmático-discursivos das configurações clausais – as diversas configurações

atribuídas à cláusula (especialmente, ao Participante inerente), por meio da manipulação dos

componentes do sistema de transitividade, encontram-se atreladas a objetivos discursivos

bastante relevantes no gênero notícia jornalística. Cumpre a esse parâmetro descrever esses

objetivos, tendo em vista as escolhas efetuadas pelo usuário na codificação dos eventos

relatados. Foram identificados cinco objetivos principais, que constituem as classes desse

parâmetro: (i) ocultação do Participante responsável pelas mudanças, (ii) tematização, (iii)

indefinição da entidade agentiva, (iv) generalidade, (v) individualização do Participante

responsável pelas mudanças.

8. Expansão dos Processos Materiais – em adição aos Participantes inerentes das cláusulas

intransitivas (Ator) e transitivas (Ator e Meta), há, em alguns casos, outros papéis e alguns

sintagmas circunstanciais envolvidos nas construções do tipo Material. Assim, por meio desse

parâmetro, buscou-se identificar os termos que expandem o significado das cláusulas

Materiais. Conforme prevê a teoria sistêmica, esses elementos de expansão podem ser de três

tipos, de acordo com as relações lógico-semânticas que estabelecem: elaboração, extensão e

realce. Tendo em vista o uso efetivo dessas expansões nos dados deste trabalho, chegou-se a

um total de seis diferentes classes: (i) cláusulas sem expansão, (ii) expansão por extensão, (iii)

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expansão por elaboração, (iv) expansão por realce, (v) expansão por extensão e realce,

concomitantemente, (vi) expansão por elaboração e realce, concomitantemente.

Apesar de terem se revelado bastante eficientes na descrição do nosso corpus, os oito

parâmetros estabelecidos por nós não constituem um modelo de análise encerrado em si

mesmo, pois reconhecemos que, considerada a especificidade dos dados, outros parâmetros e

outras classes poderão ser acrescentados a essa listagem.

Após definição dos parâmetros, atribuímos um valor a cada uma das classes que

compõem os oito parâmetros. Para melhor visualização dos resultados, optamos por atribuir

valores mais altos às classes representativas do protótipo de uma construção mais transitiva

(por exemplo, uma construção com um sujeito mais agentivo, com um fazer mais concreto,

que represente, concomitantemente, uma ação e um processo). Os parâmetros selecionados, as

classes encontradas e os valores atribuídos encontram-se organizados no seguinte quadro:

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Parâmetros Classes Valores

Fazeres transitivos e intransitivos Cláusulas intransitivas 1

Cláusulas transitivas 2

Número de Participantes

Um 1

Dois 2

Três 3

Natureza dos Processos Abstrata 1

Concreta 2

Tipos de fazeres Materiais

Processo 1

Ação 2

Ação-processo 3

Papéis temáticos do sujeito

Paciente 1

Causa 2

Agente Híbrido 3

Agente Prototípico 4

Formas de expressão do significado

Metafórica 1

Metonímica 2

Congruente 3

Objetivos pragmático-discursivos

Ocultação 1

Tematização 2

Indefinição 3

Generalidade 4

Individualização 5

Expansão dos Processos Materiais

Sem expansão 1

Extensão 2

Elaboração 3

Realce 4

Realce e Extensão 5

Realce e Elaboração 6

QUADRO 12: Valores atribuídos às classes constitutivas dos parâmetros descritivos.

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A atribuição de valores às classes dos parâmetros foi organizada em uma planilha do

programa Excel e se fez necessária para o processamento estatístico dos dados, conforme

veremos no item subsequente.

Além dos valores atribuídos às classes, os parâmetros receberam abreviaturas. São

elas:

Fazeres transitivos e intransitivos – TRI

Número de Participantes – NUP

Natureza dos Processos – NAP

Tipos de fazeres Materiais – TIF

Papéis temáticos do sujeito – PTS

Formas de expressão do significado – FES

Objetivos pragmático-discursivos – OPD

Expansão dos Processos Materiais – EXP

A seguir, listamos os critérios adotados para o processamento estatístico de nossos

dados. Como a metodologia utilizada na organização das informações foi, especialmente, a

Rede Neural de Mapas Auto-organizáveis, fornecemos uma exposição do caminho percorrido

para o estabelecimento dos arranjos topológicos.

5.3. PROCESSAMENTO ESTATÍSTICO DOS DADOS

A Rede Neural de Mapas Auto-organizáveis e as correlações simples foram os meios

utilizados para a análise estatística dos dados deste estudo. Antes de listarmos a prática de

processamento dos dados, propriamente dita, apresentaremos, a seguir, um panorama bastante

geral acerca da Rede Neural de Mapas Auto-organizáveis.

O agrupamento de informações constitui-se uma tática indispensável na produção de

conhecimento, pois, por intermédio dessa estratégia, a identificação de padrões e de

características de determinados dados se torna possível. Os Mapas Auto-organizáveis (Self-

organizing Maps – SOM), criados por Teuvo Kohonen em 1982, são mais um dos

importantes algoritmos disponíveis para organização de informações, com a notável

característica de representarem visualmente a classificação e a distribuição dos dados através

de seu posicionamento espacial em uma rede ou grade.

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A concepção de Mapas Auto-organizáveis como modelo neural é motivada por uma

característica distintiva do cérebro humano: estudos biológicos têm demonstrado que as

células do córtex cerebral se organizam de forma altamente estruturada em suas funções,

resultando em regiões do cérebro especificamente capacitadas no processamento sensorial,

como visão, audição, controle motor, linguagem etc. (KOHONEN, 2001). As diferentes

entradas sensoriais são representadas, portanto, por mapas computacionais ordenados

topologicamente. O mapa computacional constitui um bloco construtivo básico na infra-

estrutura de processamento de informação do sistema nervoso (HAYKIN, 2001).

Semelhantemente ao que ocorre no modelo cerebral humano, no modelo estatístico de

Kohonen (KOHONEN, 1982; 1990), os dados de entrada, por meio de aprendizado

competitivo e não-supervisionado, são mapeados em um conjunto finito de neurônios (nodes)

organizados em uma grade (grid), normalmente bidimensional. Os modelos mais semelhantes

estão associados a neurônios próximos na grade, e modelos menos similares são posicionados,

gradualmente, em neurônios mais distantes na grade (KOHONEN, 2013).

De acordo com Kohonen (2013), os princípios matemáticos e de aprendizagem na

Rede Neural de Mapas Auto-organizáveis (doravante, Rede SOM) podem ser entendidos da

seguinte forma: cada vetor de entrada (input vector) seleciona o modelo localizado no

neurônio que melhor corresponda às suas características, e isso se repetirá com os demais

vetores de entrada. Dessa forma, vetores mais semelhantes serão posicionados em neurônios

próximos, formando sua vizinhança. A figura a seguir ilustra os elementos que norteiam a

Rede SOM:

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Mapa de grade

Vetores de entrada(cláusulas Materiais)

Distância (euclidiana) entre os vetores deentrada e os modelos localizados nosneurônios

Neurônio (contendo um modelo )

FIGURA 7: Rede Neural de Mapas Auto-organizáveis (visualização tridimensional)

Tendo em vista a Figura 7 e as informações apresentadas até aqui, apreende-se que o

mapa de grade é, portanto, previamente montado e organizado com os respectivos modelos

associados aos neurônios. Os vetores de entrada (no caso desta tese, as cláusulas Materiais)

serão recebidos nos neurônios associados aos modelos vencedores (definidos pelo cálculo da

menor distância euclidiana). As sucessivas entradas de vetores na grade causam correções nas

ordenações de subgrupos dos modelos, por isso, a dinâmica de ordenação local ocorre

gradualmente sobre o mapa de grade. A construção da grade possibilita a inspeção rápida e

fácil das relações de similaridade dos dados de entrada, bem como da sua tendência de

agrupamento.

Conforme resume Haykin (2001, p. 483), os Mapas Auto-organizáveis são

caracterizados “pela formação de um mapa topográfico dos padrões de entrada no qual as

localizações espaciais (ou seja, coordenadas) dos neurônios na grade são indicativas das

características estatísticas intrínsecas contidas nos padrões de entrada”.

Fornecidas as características gerais da Rede SOM, descrevemos, a partir de agora, as

etapas dos procedimentos de análise estatística por Rede Neural não supervisionada via

algoritmo SOM (KOHONEN, 1982). As análises estatísticas foram realizadas no Programa R

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versão 3.1.2 (R DEVELOPMENT CORE TEAM, 2011), por meio do pacote “kohonen”

(WEHRENS e BUYDENS, 2007).

Inicialmente, os dados obtidos foram escalonados de acordo com a função “scale( )”,

disponível no Programa R. Visto que os parâmetros possuem quantidades diferenciadas de

classes (por exemplo, os parâmetros Fazeres transitivos e intransitivos e Expanão dos

Processos Materiais possuem, respectivamente, duas e seis classes, conforme foi indicado no

Quadro 12, p. 84), o objetivo do escalonamento foi conceder a mesma importância a cada

uma das classes dos parâmetros durante a análise na Rede SOM. Essa estratégia permite que

analisemos os dados de forma mais gradiente, pois não requer um número de categorias que

seja comum a todos os parâmetros (como requer, por exemplo, o modelo proposto por Hopper

e Thompson (1980), em que a atribuição de valores é de 0 e 1, somente).

A Rede Neural utilizada foi idealizada a partir de uma matriz de entrada de 131 x 8,

correspondendo, respectivamente, ao número de cláusulas analisadas (131) e à quantidade de

parâmetros (8). Cada vetor de entrada utilizado para alimentar a Rede foi constituído pelos

valores atribuídos às classes dos parâmetros para cada uma das cláusulas do corpus da

pesquisa. Assim, a partir da cláusula Salário mínimo aumenta amanhã, por exemplo, formou-

se o vetor [1 1 1 1 1 1 2 4], por meio da atribuição de valores para os parâmetros analisados

(Quadro 12), conforme exemplifica a classificação apresentada a seguir:

Cláusula Parâmetros

TRI NUP NAP TIF PTS FES OPD EXP

Salário mínimo aumenta amanhã (E-B-94-Jn-016)

1 1 1 1 1 1 2 4

QUADRO 13: Constituição de um vetor de entrada.

Legenda: TRI 1 – construção intransitiva, NUP 1 – cláusula com um Participante, NAP 1 – Processo de natureza abstrata, TIF 1 – cláusula de natureza processual, PTS 1 – sujeito paciente, FES 1 – forma metafórica de expressão do significado, OPD 2 – tematização, EXP 4 – expansão por realce.

De acordo com Kohonen (2013), o tamanho do grid map é, via de regra, definido pelo

método de tentativa e erro, não sendo possível adivinhar ou estimar, antecipadamente, seu

tamanho exato. Sendo assim, a configuração do mapa topológico20 da Rede SOM foi definida

após sucessivas tentativas. Com essas tentativas, buscou-se, sempre, minimizar o erro

20 Neste trabalho, as expressões mapa topológico, mapa de grade e grid map são sinônimas.

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topológico, para que fosse selecionado um mapa de maior qualidade (ou seja, um mapa que

retratasse mais fidedignamente as similaridades e dissimilaridades dos dados, tendo em vista

sua distribuição na grade). O erro topológico expressa a capacidade da Rede SOM de

representar a disposição dos dados no mapa de grade.

Seguida à estruturação do grid map, a Rede SOM foi treinada, com o objetivo de se

obter a melhor precisão possível com relação aos modelos localizados dentro dos neurônios.

Nesse treinamento, foram utilizados a taxa de aprendizagem, o raio topológico da vizinhança

e o número de iterações previamente definidos no modelo estatístico disponível no pacote

“kohonen” do Programa R (ou seja, optou-se por não alterar a configuração sugerida no

pacote).

O treinamento da Rede SOM objetivou, ainda, alcançar a menor distância média entre

os modelos dos neurônios e os vetores de entrada (cláusulas Materiais). Com essa distância

minimizada, os modelos dos neurônios retratam mais fielmente as diferentes codificações das

cláusuas Materiais quanto aos parâmetros selecionados.

A partir do pacote “kohonen” (WEHRENS e BUYDENS, 2007), estimaram-se os

Heatmaps – que demonstram a distribuição das classes dos parâmetros sobre a grade, os

modelos de transitividade presentes nas notícias jornalísticas, os macroagrupamentos das

cláusulas Materiais, o número de cláusulas por neurônio (Counts Plots), a distância entre os

neurônios (Distance Plots) e o peso dos parâmetros em cada neurônio (Weight vectors),

conforme será demonstrado nas seções 6.1 e 6.2.

Com o intuito de descrever os padrões de transitividade mais significativos nos textos

analisados, estimou-se, por meio do pacote clValid (BROCK et alii, 2008), o número ótimo

de grupos. Nessa estimativa, foram considerados os seguintes critérios: (i) medidas de

validação internas (Internal Measures) e (ii) medidas de estabilidade do agrupamento

(Stability Measures).

Os estimadores referentes às medidas internas foram: (i) Conectividade (Connectivity)

(HANDL et alii, 2005), (ii) Largura de Silhueta (Silhouette width) (ROUSSEEUW et alii,

2007) e (iii) Índice Dunn (Dunn index) (DUNN, 1974). Tendo em vista esses estimadores, o

número de grupos deve ser considerado da seguinte forma:

(i) menor estimativa de Conectividade.

(ii) Maior estimativa de Largura de Silhueta e de Índice Dunn.

Os estimadores utilizados para as medidas de estabilidade foram: (i) Proporção Média

de Não-sobreposição (Average proportion of non-overlap - APN), (ii) Distância média

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(Average distance - AD), (iii) Distância Média entre as Médias (Average distance between

means - ADM) e (iv) Figura de Mérito (Figure of merit – FOM). A indicação do número de

grupos estáveis é alcançada quando APN, AD, ADM e FOM atingirem as menores

estimativas, ou seja, elas devem ser minimizadas (DATTA e DATTA, 2003; YEUNG et alii,

2001).

A definição estatística dos agrupamentos, conforme será demonstrado na seção 6.2,

permitiu que as cláusulas que compõem o corpus desta pesquisa fossem congregadas a partir

de critérios bem definidos, o que revelou aspectos bastante relevantes com relação aos

modelos de transitividade.

Além da aplicação da Rede SOM, a análise estatística dos dados contou com a

estimativa das correlações de Pearson (STEEL e TORRIE, 1980) entre as classes dos oito

parâmetros selecionados.

A correlação é uma medida de associação bivariada do grau de relacionamento entre

duas variáveis. Esse recurso mensura a direção e o grau dessa relação. As correlações podem

variar de zero a 1,0 (ou, dito de outra forma, de zero a 100%), positiva ou negativamente

(estas últimas, marcadas pelo sinal negativo, que indica a direção da relação). A magnitude

das correlações aumenta à medida que a estimativa se aproxima de 1,0 e -1,0 (ou seja, de

100% e -100%).

O próximo capítulo, que apresenta os resultados encontrados, permite visualizar, de

forma efetiva, as implicações desse protocolo de processamento sobre a descrição do sistema

de transitividade das cláusulas Materiais.

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6. A TRANSITIVIDADE NAS NOTÍCIAS JORNALÍSTICAS – DISCUSSÕES E

RESULTADOS

Neste capítulo, discorreremos sobre as análises efetuadas e sobre os resultados

encontrados, tendo em vista os objetivos que norteiam nossas investigações. Esta parte do

trabalho encontra-se organizada da seguinte forma: na seção 6.1, são apresentados e

discutidos os parâmetros selecionados para descrição do sistema de transitividade das notícias

jornalísticas. Além disso, constam dessa parte, a dispersão estatística das classes dos

parâmetros sobre o grid map e a identificação das correlações que se estabelecem entre essas

classes. Na seção 6.2, descrevem-se, por meio dos agrupamentos estabelecidos pela Rede

SOM, os padrões de transitividade mais relevantes nas notícias jornalísticas.

Considerando-se a importância atribuída ao modo como a Rede SOM organizou os

dados desta pesquisa no grid map, apresentamos, nos parágrafos subsequentes, os critérios

estatísticos utilizados para a estruturação do agrupamento de informações e,

consequentemente, dos modelos de transitividade.

Com base nas recomendações de Kohonen (2013), definiu-se a Rede SOM com uma

topologia (grid map) constituída por 11 x 11 neurônios (portanto, 121 neurônios). Conforme

mencionamos na seção 5.3, desde que se consiga precisão estatística, o tamanho do grid map

deve estar em função do interesse em se estudar de forma mais detalhada os dados

(KOHONEN, 2013).

A definição de um mapa topológico de alta resolução pôde ser garantida, ainda, pela

estimativa do menor erro topológico durante o treinamento (no caso dos dados desta tese, o

menor erro foi estimado em 1,01).

O gráfico exibido a seguir apresenta os valores médios da distância entre os neurônios

e os vetores de entrada (cláusulas) na Rede.

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0 20 40 60 80 100

0.0

10

.02

0.0

30.0

40.0

5

planilha

Iteration

Me

an d

ista

nce

to

clo

sest unit

GRÁFICO 1: Progresso de treinamento da Rede SOM.

O gráfico 1 mostra que se alcançou a estabilização da distância quando o patamar

mínimo foi atingido (conforme indicado no gráfico, próximo de 0.01). Para se alcançar essa

estabilização, conforme vemos na imagem, foram necessárias pouco mais de 80 iterações.

Apresentadas as informações que resguardam e corroboram, em termos de

metodologia, a organização dos dados, passaremos, então, aos resultados encontrados.

6.1. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS PARÂMETROS SELECIONADOS

Nesta seção, são apresentados e discutidos os parâmetros selecionados para a

descrição do sistema de transitividade das notícias jornalísticas, bem como a correlação

existente entre eles. Os dados serão analisados, estatisticamente, por meio de Heatmaps

(gerados pela Rede SOM) e via estimativa da correlação simples.

Os oito parâmetros elaborados para descrição da transitividade foram assim

denominados: (i) Fazeres transitivos e intransitivos, (ii) Número de Participantes na

cláusula, (iii) Natureza dos Processos Materiais, (iv) Tipos de fazeres Materiais, (v) Papel

temático do sujeito, (vi) Formas de expressão do significado, (vii) Objetivos pragmático-

discursivos e (viii) Expansão dos Processos Materiais.

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6.1.1. Os fazeres transitivos e intransitivos

Vimos que, na perspectiva da GSF, o termo transitividade se refere à maneira como os

elementos que compõem o complexo transitivo (os Processos, os Participantes e as

Circunstâncias) se relacionam numa dada estrutura e quais significados são construídos, a

partir das escolhas feitas. Assim sendo, para essa corrente teórica, a noção de transitividade é

bastante ampla, pois se encontra associada ao modo de organização da cláusula, num

determinado contexto discursivo. Em contrapartida, as noções de transitivo e intransitivo são

bem mais específicas, conforme veremos nesta seção.

A premissa que subjaz às subcategorizações transitivo versus intransitivo na corrente

funcionalista de análise linguística é a de mudança/afetamento. Como exemplos de

funcionalistas que concebem esses termos dessa forma, retomamos os postulados de Hopper e

Thompson (1980) e Givón (1984).

Para Hopper e Thompson (1980), o grau de transitividade de uma cláusula reflete o

grau de saliência da ação transferida de um agente para um paciente. Dito de outra forma,

quanto mais eficazmente uma ação for transferida para um paciente, mais transitiva será a

construção. Conforme vimos em capítulos anteriores (cf. seção 3.1), para esses autores, a

eficácia ou intensidade dessa transferência é mensurada por meio de dez parâmetros sintático-

semânticos.

Concerente à noção de transitividade concebida por Givón (1984), os conceitos de

transitivo e intransitivo são fundamentados em uma complexa relação entre componentes

sintático e semântico. O verbo transitivo prototípico é definido pelas propriedades do agente

(ter um sujeito agente) e do paciente (ter um objeto paciente), vistas como uma questão de

grau. O protótipo de um verbo transitivo é descrito, portanto, como sendo aquele em que há

uma mudança física discernível no estado do objeto paciente. Os verbos transitivos

prototípicos podem ser subclassificados, por exemplo, de acordo com o tipo de mudança

registrada no paciente/objeto, como: criação do objeto, mudança de localização do objeto,

mudança superficial do objeto etc. (cf. seção 3.2).

Acerca dessa distinção, a LSF também leva em conta a noção de afetamento, e sua

concepção de transitivo/intransitivo se assenta nos seguintes aspectos:

1. somente as cláusulas do tipo Material (ou seja, Processos do fazer e do acontecer)

podem ser subcategorizadas em transitivas ou intransitivas.

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Como o que está sendo considerado, em termos de categorização, é a mudança de

alguma característica ocorrida entre a fase inicial e a fase final do processo ao longo do

tempo, cláusulas construídas com Processos Mentais, Relacionais, Verbais, Comportamentais

e Existenciais (como amar, estar, dizer, ouvir e haver) não são descritas como transitivas ou

intransitivas.

Ações de mudança encontram-se na base conceptual dos Processos do tipo Material,

caracterizados como Processos do fazer e do acontecer. São consideradas transitivas as

cláusulas que apresentam um Participante do tipo Meta, ou seja, um Participante que

efetivamente é modificado pela ação21. Em contrapartida, são denominadas de intransitivas, as

orações que não possuem esse Participante. As cláusulas caracterizadas como transitivas

codificam experiências do tipo alguém faz algo a alguém e respondem à pergunta o que x fez

a y? Já as construções intransitivas codificam experiências do tipo alguém faz algo e

respondem à pergunta o que x fez? Os exemplos listados a seguir, apresentados por Halliday

(1994, p. 109), ilustram esse contraste:

[06] Fazer representado por uma cláusula Material intransitiva:

o leão saltou

Ator Processo

Grupo nominal Grupo verbal

[07] Fazer representado por uma cláusula Material transitiva:

o leão agarrou o turista22

Ator Processo Meta

Grupo nominal Grupo verbal Grupo nominal

21 Note-se que o termo Meta se refere ao participante modificado, e não ao destino de movimento através do espaço. Assim, o sintagma preposicionado a um matagal em Ele chegou a um matagal não é Meta, nos termos usados aqui: não é sequer um participante, pelo contrário, é uma circunstância de localização – mais especificamente, o lugar de destino. 22 Traduções livres de the lion sprang e the lion caught the tourist (HALLIDAY: 1994, p. 109).

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O que se percebe nesses exemplos é que, em ambas as cláusulas, o Ator (realizado

pelo grupo nominal o leão) é um Participante inerente e a implicação é que, em ambos os

casos, o leão fez algo, ocasionando, portanto, alguma mudança. A diferença que se percebe é

que, em [06], o fazer está confinado no leão, enquanto, em [07], foi estendido (ou dirigido) ao

turista.

Halliday e Matthiessen (2004) ponderam que o conceito de extensão é, de fato, o que

se consubstancia na terminologia clássica de transitivo e intransitivo, a partir do qual o termo

transitividade é derivado. De acordo com essa perspectiva, o verbo saltar, expresso em [06], é

considerado intransitivo (“não passando”) e o verbo agarrar, codificado em [07], é

considerado transitivo (“passando” – isto é, estendendo-se para alguma outra entidade). Essa é

uma interpretação bastante precisa da diferença entre eles. Esses conceitos, no entanto, se

relacionam mais adequadamente à cláusula do que ao verbo, visto que ambos são tratados,

pela teoria sistêmica, como domínios diferentes: a cláusula como o domínio da transitividade,

e o verbo como o domínio, por exemplo, de tempo e de pessoa.

2. A presença de um segundo Participante (complemento) na cláusula não é condição

suficiente para que esta seja descrita como transitiva.

Consideremos os seguintes exemplos:

[08] Você estará cruzando algumas montanhas solitariamente, por isso, verifique se

você tem gasolina suficiente.

[09] Os meninos estavam jogando futebol.23

Em [08] e [09], os termos em destaque (algumas montanhas e futebol) não são

afetados (ou modificados) pelo desempenho do Processo, por isso, não são Participantes do

tipo Meta, mas do tipo Escopo.

Em contraste ao Participante Meta, o Escopo de uma cláusula Material não é de forma

alguma alterado pelo desenrolar do Processo. Pelo contrário, ele interpreta o domínio sobre o

qual o Processo ocorre (como em [08]), ou, ainda, interpreta o próprio Processo, tanto em

termos gerais como em específicos (como em [09]). Em ambos os casos, o Escopo é restrito 23 Traduções livres de You will be crossing some lonely mountains, so make sure you have enough petrol e The boys were playing football (HALLIDAY e MATTHIESSEN: 2004, pp. 192 e 193).

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às cláusulas intransitivas, o que significa que uma cláusula Material consistindo de ‘grupo

nominal + grupo verbal + grupo nominal’ pode ser do tipo ‘Ator + Processo + Meta’

(transitiva), ou do tipo ‘Ator + Processo + Escopo’ (intransitiva).

Como foi exemplificado em [08], o Escopo pode ser interpretado como uma entidade

que existe independentemente do Processo, mas que indica o domínio sobre o qual o Processo

ocorre. Em Você estará cruzando algumas montanhas solitariamente, por isso, verifique se

você tem gasolina suficiente, em nossa experiência, montanhas existem independentemente se

alguém as cruza ou não, e é assim que a gramática interpreta: como Participantes que podem

entrar em diferentes tipos de Processo. Por não ser uma relação do tipo ‘fazendo’ (não

podemos dizer, por exemplo, o que você vai fazer por algumas montanhas é atravessá-las), o

Escopo especifica, nesse caso, a faixa de travessia do turista.

Quando chegamos em Os meninos estavam jogando futebol, entendemos que, apesar

de existir um objeto chamado bola de futebol, futebol é realmente, nesse exemplo, o nome do

jogo. Nesse caso, o Escopo não se trata de uma entidade, mas, antes, de um outro nome para o

Processo. Estruturas do tipo jogar jogos ou cantar canções, em que jogos e canções são

expressos como uma espécie de Participante na cláusula, permitem especificar o número ou

os tipos de Processo que ocorrem. Halliday e Matthiessen (2004, p. 193) identificam os

seguintes tipos de Processos Escopos:

Geral Eles jogaram jogos.

Específico: quantidade Eles jogaram cinco jogos.

Específico: classe Eles jogaram tênis.

Específico: qualidade Eles jogaram um bom jogo.

Esse padrão tem dado origem a uma forma de expressão bastante comum,

exemplificada por tomar um banho, cometer um erro, ter um descanso etc. Aqui, o verbo é

lexicalmente vazio, visto que o processo da cláusula é expresso pelo nome que funciona como

Escopo. Segundo Halliday e Matthiessen (2004), há várias razões por que essa se tornou uma

construção bastante recorrente. Uma delas diz respeito ao fato de os nomes possuírem um

maior potencial modificador, quando comparados com os verbos: seria difícil, por exemplo,

substituir os nomes por verbos em construções como tomar um banho quente, cometer três

erros graves, dar seu sorriso acolhedor de costume, fazer pequenas revisões etc.

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Como foi dito anteriormente, o Escopo ocorre tipicamente nas cláusulas intransitivas,

ou seja, aquelas em que existe apenas um único Participante direto – onde existe, portanto,

apenas Ator, e não Meta. Como resultado, nem sempre é fácil distinguir um Escopo de uma

Meta, pois ambos podem ser interpretados como um grupo nominal “seguindo” o grupo

verbal que serve como Processo. Existem, entretanto, algumas distinções gramaticais que

podem ser estabelecidas entre eles, como o fato de esse Participante não poder ser sondado

por ‘fazer para’ ou ‘fazer com’, como a Meta pode.

Além das premissas estabelecidas pela LSF de que somente as cláusulas Materiais

podem ser subcategorizadas em transitivas e intransitivas e de que a presença de um

complemento verbal não é condição suficiente para que uma cláusula seja descrita como

transitiva, para análise dos dados deste trabalho, incluímos à descrição um terceiro fenômeno

que se mostrou bastante relevante no estabelecimento da distinção entre cláusulas transitivas e

intransitivas e, como consequência, no entendimento dos sentidos evocados a partir das

escolhas linguísticas efetuadas. A este quesito discriminativo, atribuímos o rótulo de

perspectivização de mudança (ou afetamento).

O termo perspectivização integra o arcabouço teórico da Linguística Cognitiva,

conforme vemos em Langacker (1999), Langacker (2008), Silva (2008), Silva e Batoréo

(2010). Como nos informa Silva (2008), a noção de perspectivização conceptual é um dos

princípios essenciais dos estudos linguísticos cognitivos. Ele aponta para o fato de o

significado ser fruto de conceptualização. Segundo o autor, um processo de conceptualização

consiste numa determinada perspectivização do locutor em relação a uma entidade ou

situação. A expressão perspectivização conceptual designa, portanto, o modo de

conceptualizar e descrever determinada situação.

Quando observadas sob a ótica de mudança/afetamento, as cláusulas Materiais

transitivas e intransitivas apresentam significativa diferença quanto ao ajustamento focal. Essa

diferença encontra-se pormenorizada na seção subsequente.

6.1.1.1. A perspectivização de mudança (ou afetamento) nas cláusulas Materiais transitivas e

intransitivas

Para as discussões suscitadas aqui, consideraremos, excepcionalmente, as seguintes

notícias pertencentes ao início do século XIX:

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[10]

Rio de Janeiro 21 de outubro de 1808

As seguintes Cartas, que apresentamos ao Público fôrão remettidas ao En-/viado

Extraordinário de S.M. Britannica junto ao PRINCIPE REGENTE nosso senhor.

Dellas se vê com certeza que a Expedição de Sir Arthur Wellesley, hum dos mais

habeis Generaes de Inglaterra, e que tanto se destinguio na tomada de Copenhague,

desembarcára na Figueira, e que a 10 de Agosto mar-/chára a atacar Lisboa, onde

parece que todo o exercito de Junot só monta a 9 $ homens mesmo depois da reunião

das tropas de Loison.

Algumas Gazetas Inglezas dizem que o Marechal Bessières, depois do combate do Rio

Seco, e da retirada do General Cuesta, entrára em Benevento, e que dali se dirigîra

para Zamora a fim de vir em socorro de Junot; mas esta noticia não parece certa; pois

outras folhas Inglezas da mesma data dizem que elle tomára pelo caminho de Astorga.

Quando porém elle intentasse vir a Lisboa seria em to-/da a parte encontrado pelas

nossas tropas, que facilmente darião cabo de hum exercito cançado de combates, e

marchas forçadas. Junot pois acha-se só em Lisboa, havendo os nossos do Algarve, e o

General Spencer impedido a vinda do auxílio, que elle com ancia esperava da

Andaluzia, e Estremadura Hespanhola.

A distancia da Figueira a Lisboa são sómente humas 35 legoas, de maneira que hé

provavel que o exercito de Sir Arthur, chegasse a tempo de cooperar com as nossas

tropas, cujos postos avançados (segundo se diz) estavão só tres legoas distantes da

Capital. Junot se vê cercado por toda a parte por nós e pelos nossos generosos alliados,

e meio vencido pelo terror panico que lhe infundem os que o vem atacar, e os

opprimidos e indignados habitantes da mesma Cidade onde deseja de-/fender-se. Além

do que, Lisboa he, huma Cidade aberta, e pouco suceptivel de defeza pela parte de

terra.

Temos ouvido boatos, que afirmão, e até contão particularidades da tomada de Lisboa;

mas podemos assegurar aos nossos leitores que são prematuros, e que ainda não há

noticias de officio a este respeito; as quaes com tudo não podem tar-/dar muito; e

consta-nos que a Fragata Lively tem ordem de Sir Carlos Cotton pa-/ra estar prompta a

trazer a S.A.R. as noticias da Restauração da Metropole, lo-/go que ella se effeituar.

(E-B-81-Jn-010)

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[11]

Rio de Janeiro a 10 de Setembro de 1808.

Entrou neste Porto a 19 do passado huma Fragata Ingleza, vinda de Gibraltar, que

trouxe as importantes notícias que se seguem. Em Cadiz depois de hum renhido fogo

das barcas Canhoeiras, e Fortalezas, ficou prizioneira a Esquadra Franceza com perda

de mais de mil homens, entre os quaes se comprehendem muitos Offi-/ciaes. Murat

acha-se cercado no sitio do Bom Retiro. Todas as Provincias da Hespanha tem pegado

em Armas contra a tyrannia do Perturbador do Genero Huma-/no. As tropas

Francezas, que se achão dispersas, estão na maior consternação. O nosso fiel Alliado

El Rei da Grande Bretanha tem prestado todos os soccoros aos Hes/panhoes. A Junta

do Governo Provisorio, estabelecida em Sevilha declarou Guerra a França, e ajustou

hum armisticio com os Chefes Inglezes. Os nossos leaes compa-/triotas manifestão o

mesmo espirito, e já recobrarão a importante posição de Elvas. O General Junot

refugiou-se no Castello de S. Jorge e dali offerece capitular. A Ci-/dade do Porto

arvorou a Bandeira Portugueza.

Correo aqui noticia vinda por Pedestres de Goiazes; que os Francezes ten-/do feito

hum dezembarque no Pará com apparencias de amizade, o Capitão Gene-/ral os

reçachára completamente, ficando vivos só os prizioneiros: porém isto ainda merece

confirmação.

Igualmente correo voz que hum Corsario Francez desembarcára 20 homens na costa

do Pará ou Maranhão para procurar á força mantimentos, e que toda es-/sa gente

fora morta, ou feita prizioneira; tendo-se feito á vela o Corsario bem /ilegível

letras/baraçado no porto em que tocaria, pois Cayenna se diz bloqueada por duas

Fragatas Inglezas. (E-B-81-Jn-004)24

Essas notícias narram a luta que Portugal travou, juntamente com a Inglaterra, contra o

expansionismo da França napoleônica. Nesses relatos, são citados personagens e lugares que

se destacaram nesse confronto, como o Tenente-General Sir Arthur Wellesley, comandante

das forças anglo-lusas, que combateram as forças franco-espanholas, lideradas pelo General

Junot. O primeiro texto objetiva colocar o leitor a par da movimentação geográfica, tanto das

tropas aliadas, como das tropas inimigas. Já no segundo texto, o tema principal é a maneira

como as forças contrárias a Napoleão sustentavam a resistência às investidas de seus

24 Notícias jornalísticas pertencentes ao corpus Varport.

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exércitos. Para fins de análise linguística, concentraremos a atenção no modo como os

significados foram construídos em torno do verbo desembarcar, nas duas cláusulas destacadas

em negrito nos textos [10] e [11]. Para melhor visualização dos exemplos, retomamos, a

seguir, os trechos anteriormente destacados:

[10] a Expedição de Sir Arthur Wellesley, hum dos mais habeis Generaes de

Inglaterra, e que tanto se destinguio na tomada de Copenhague, desembarcára

na Figueira (E-B-81-Jn-010)

[11] hum Corsario Francez desembarcára 20 homens na costa do Pará ou Maranhão

para procurar á força mantimentos (E-B-81-Jn-004)

Nos fragmentos realçados, o Processo Material desembarcar foi codificado

intransitivamente no exemplo [10] e transitivamente no exemplo [11]. Ainda que

consideradas sob as diversas vertentes de análise linguística, conforme exibimos nos capítulos

2 e 3, essa categorização é bastante aceitável. Numa perspectiva de cunho mais formalista, por

exemplo, a diferença entre as cláusulas pode ser percebida pela presença de um complemento

direto no exemplo [11] – 20 homens – e, em contrapartida, pela ausência desse argumento em

[10]. Para a GSF, a diferença entre essas ações se estabelece no fato de haver um Participante

do tipo Meta no exemplo [11] e, em contrapartida, de não haver esse tipo de Participante no

exemplo [10]. Para além dessas discussões, o objetivo desta subseção é apontar que a

diferença existente entre construções dessa natureza pode ser apreendida, ainda, a partir da

noção de perspectivização de mudança/afetamento.

Dissemos anteriormente que as noções de transitivo e intransitivo construídas pela

vertente sistêmico-funcional se assentam sobre a ideia de mudança ocorrida entre a fase

inicial e a fase final do processo ao longo do tempo. Dissemos também que, tendo em vista

esse fundamento conceptual, infere-se que (i) somente as cláusulas construídas com Processos

do tipo Material podem ser caracterizadas como transitivas ou intransitivas, e (ii) a simples

presença de um segundo grupo nominal na cláusula (complemento verbal) não é condição

sine qua non para que esta seja dita transitiva.

Apesar de representarem uma ruptura bastante significativa com os conceitos

tradicionalmente conhecidos de construções transitivas e intransitivas, as discussões

empreendidas neste trabalho acolhem as proposições da LSF. Essa identificação teórica

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ocorre, em especial, porque as premissas da LSF permitem uma abordagem mais ampla

acerca das propriedades semânticas e pragmáticas subjacentes a tais categorias. E é com vistas

ao aprofundamento dessas propriedades que argumentamos que a diferença entre as

construções transitivas e intransitivas pode ser percebida, ainda, por meio da identificação do

Participante que é enquadrado como foco de modificação do Processo. A fim de

estabelecermos mais eficazmente essa diferenciação, tomaremos como referência a hipótese

da máxima distinção entre os argumentos, proposta por Naess (2007).

Para Naess (2007), uma construção transitiva prototípica é aquela em que os dois

Participantes principais, em termos de papéis semânticos, são maximamente distintos no

evento codificado pela cláusula. Assim sendo, segundo a hipótese da máxima distinção entre

os argumentos, um evento transitivo prototípico envolve um agente prototípico e um paciente

prototípico, nenhum dos quais compartilha qualquer uma das propriedades definidoras do

outro.

Os Participantes de uma cláusula transitiva são definidos pelas propriedades volição,

instigação e afetamento. A essas características são atribuídos os valores ‘+’ ou ‘-‘. Uma

cláusula transitiva prototípica é definida como tendo um agente [+volitivo, +instigador, -

afetado] e um paciente [-volitivo, -instigador, +afetado]. Uma definição completa das duas

principais categorias que compõem a estrutura transitiva prototípica é demonstrada no

seguinte esquema (NAESS: 2007, p. 55):

Propriedades Agente Paciente

Volição + -

Instigação + -

Afetamento (ou mudança) - +

Em linhas gerais, a hipótese da máxima distinção entre os argumentos descreve uma

cláusula transitiva prototípica como aquela que codifica um acontecimento que envolve dois

Participantes distintos e independentes, tanto no sentido de que eles são entidades distintas e

independentes, tanto no sentido de que seus papéis no evento são claramente distintos: há

apenas um agente instigador e apenas um ponto final modificado. Em termos de LSF,

poderíamos dizer que uma cláusula Material transitiva prototípica apresenta um Participante

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Ator [+volitivo, +instigador, -afetado] e um Participante Meta [-volitivo, -instigador,

+afetado].

Se os Processos Materiais são caracterizados como os Processos do fazer, ou seja,

Processos que necessariamente demandam ações de mudança, podemos pressupor que, se nas

construções transitivas a modificação se estende ao Participante Meta, nas codificações

intransitivas, essa mudança recai sobre o próprio Participante Ator. Dito de outra forma, nas

cláusulas intransitivas, o resultado do Processo Material é a modificação de algum aspecto do

Participante Ator. Assim sendo, se as cláusulas transitivas prototípicas foram representadas

pela configuração semântica [+volitivo, +instigador, -afetado][-volitivo, -instigador,

+afetado], para as cláusulas Materiais intransitivas prototípicas, a configuração mais próxima

seria [+volitivo, +instigador, +afetado], para construções com apenas um Participante (o

Ator), e [+volitivo, +instigador, +afetado][-volitivo, -instigador, -afetado], para as cláusulas

com dois Participantes (o Ator e o Escopo).

Dito isso, propomos, a seguir, um esquema que define uma construção Material

intransitiva prototípica:

Propriedades Ator (Escopo)25

Volição + -

Instigação + -

Afetamento (ou mudança) + -

Como consideramos as categorias descritas aqui numa perspectiva gradiente (e não

dicotômica), visto que endossamos a ideia de que gradiência e variabilidade são

características intrínsecas da linguagem, propomos, ainda, um continuum de representação das

codificações transitivas e intransitivas, tendo como referência o Participante-alvo do processo

de mudança:

25 Diferentemente do participante ator, nas cláusulas intransitivas, o escopo não é um participante inerente, por isso, ele aparece entre parênteses nesse esquema.

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Cláusula intransitiva Cláusula transitiva

Participante Afetado:Ator Meta

FIGURA 8: Continuum de representação das categorias transitivo e intransitivo, tendo em vista o Participante

modificado ao longo do Processo.

A partir da representação desse continuum, é possível prever que uma cláusula será do

tipo menos transitiva se a entidade modificada ao longo do Processo for aquela instaurada

como o Participante inerente do Processo, ou seja, o Ator. Em contrapartida, será considerada

como mais transitiva a construção cujo elemento modificado for a entidade representada pelo

segundo grupo nominal do complexo transitivo, ou seja, a Meta.

Após essas explanações, podemos retomar os exemplos [10] e [11] citados no início

desta subseção e acrescentar à sua descrição a premissa de que a construção destacada em

[10] é do tipo intransitiva, porque, além de não dispor de um Participante do tipo Meta, o

resultado de mudança do Processo incide sobre o Participante Ator. Em contraposição a isso,

no exemplo [11], o Ator não sofre modificação alguma, mas a segunda entidade codificada,

sim. Podemos, então, representar as cláusulas em destaque das seguintes formas:

a Expedição de Sir Arthur Wellesley [...] desembarcára na Figueira

Participante Ator

[+volitivo, +instigador, +afetado]

Processo Material

Circunstância de localização

QUADRO 14: Representação do sistema de transitividade de uma cláusula intransitiva.

hum Corsario Francez desembarcára 20 homens na costa do Pará ou Maranhão [...]

Participante Ator

[+volitivo, +instigador,

-afetado]

Processo Material

Participante Meta

[-volitivo, -instigador, +afetado]

Circunstância de localização

QUADRO 15: Representação do sistema de transitividade de uma cláusula transitiva.

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Nos exemplos supracitados, as modificações que incidem sobre o Participante Ator e

sobre o Participante Meta são do tipo mudança de lugar. Além desta, nas cláusulas

intransitivas, as mudanças atribuídas ao Participante Ator podem ser dos tipos mudança de

tamanho (crescer, comprimir, murchar etc.), mudança de forma (deformar, dobrar etc.),

mudança de idade (amadurecer etc.), mudança de cor (escurecer, clarear etc.), mudança de

luz (brilhar, reluzir etc.) etc. A tabela a seguir exibe os tipos de mudança descritos nas

cláusulas Materiais transitivas e intransitivas das notícias jornalísticas analisadas, bem como a

quantidade de ocorrências em cada uma das classes:

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Tipo de mudança Transitivas Intransitivas Exemplos de verbos

Acompanhamento 2 - reunir, encontrar-se (com)

Condição 9 11 parar (estagnar), consagrar, cair

Contato 1 1 atingir, entrar (objeto no corpo)

Criação 8 - criar, formar, escrever

Estado 9 6 desaparecer, eliminar, encerrar, anular

Forma 3 1 bombardear, explodir, mexer (alterando a forma)

Inclusão 4 - incluir, fundir

Lugar 1 20 chegar, ir, voltar, descer, fugir, enviar (alguém a algum lugar)

Operação 21 1 comandar, controlar, governar, trabalhar

Possessão 11 - dar, perder, renunciar, recuperar

Preferência 2 3 derrotar, massacrar (nas urnas), vencer

Quantidade 2 5 aumentar, chegar a, restringir (número)

Superfície 4 2 recuperar (reformar), afundar

Tamanho - 1 crescer

Outras 1 2 telefonar, render

Subtotal 78 53

Total 131

QUADRO 16: Tipos de mudança codificados pelas cláusulas Materiais.

Em termos de percentual de ocorrências, o Quadro 16 permite vislumbar, dentre outros

aspectos, que as mudanças de condição e de estado foram codificadas tanto por cláusulas

transitivas quanto por cláusulas intransitivas, o que aponta para o fato de essas mudanças

poderem incidir sobre o Participante Ator ou sobre o Participante Meta, de maneira bastante

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distribuída. As mudanças de lugar e de operação, em contrapartida, apresentaram resultado

distinto: a primeira foi majoritariamente codificada por cláusulas intransitivas, indicando,

portanto, que o enfoque de mudança esteve sobre o Participante Ator, e a segunda representou

mudanças direcionadas a um segundo Participante. Esses resultados apontam para o fato de as

mudanças de lugar tenderem a ser codificadas por Processos intransitivos e, em contrapartida,

de as mudanças de operação tenderem a ser codificadas por Processos transitivos – tais como

as mudanças de criação e de possessão, que, essencialmente, se estendem a um segundo

Participante, conforme atestaram Halliday e Matthiessen (2004).

É importante mencionar que a distinção existente entre as construções transitivas e as

intransitivas no que diz respeito à perspectivização de mudança acarreta consequências mais

significativas quando consideramos, sob esse viés pragmático, algumas construções

denominadas por alguns gramáticos de transitivas de objeto elíptico (ou transitivas de objeto

não explícito). Como essas estruturas não se manifestaram no corpus em análise, a título de

exemplo, lançamos mão das construções Seu bebê já comeu e [Meu namorado] bebeu muito

dos seguintes textos complementares26:

[12] Por que o bebê chora?

Analisamos os suspeitos de sempre (e outras possibilidades que nem passam pela

sua cabeça) para ajudá-lo a descobrir e resolver

Seu bebê já comeu, a fralda está seca, e ele parece bem descansado. Então por

que raios ele começa a choramingar de repente? Embora possa parecer à toa,

pode ter certeza de que os bebês sempre choram por algum motivo. “É a maneira

que os bebês têm de pedir ajuda”, explica a pediatra Charlotte Cowan, de Boston.

“E é sua função descobrir o que ele precisa”. Pois é, óbvio, mas vai traduzir esse

pedido e ajuda... Nem sempre é fácil, a gente sabe. Enquanto você procura por

pistas para entender o desconforto de seu filho, é importante manter a calma e

deixá-lo tranquilo. [...]

[13] Meu namorado foi em uma festa e bebeu mto (ficou mto bêbado)?

meu namorado foi em uma festa e bebeu muito (ficou muito bêbado), e então ele

me chifrou com a prima da minha melhor amiga, e ele disse que nem lembra o

que aconteceu, nem sabia porque tinha feito isso, porque ele me amava, mais na

26 Disponíveis em: http://www.paisefilhos.com.br e https://br.answers.yahoo.com. Acessos: em abril de 2015.

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rua dele eu já estou com o apelido de chifruda...eu gosto muito dele, e não sei se

eu termino com ele por causa das pessoas, o que vocês acham?

Os predicadores comer e beber, que, em termos de descrição de valência básica, são

tradicionalmente classificados como verbos transitivos, aparecem instanciados, nesses

contextos, em uma configuração sintática que os destransitiviza, visto que o complemento à

sua direita é apagado – sem, contudo, gerar um enunciado agramatical, como era de se

esperar.

Devido à classificação apriorística, as cláusulas Seu bebê já comeu e [Meu namorado]

bebeu muito, que compõem os textos [12] e [13], são descritas por alguns manuais de língua

portuguesa como orações transitivas sem complemento explícito. Como exemplo de teóricos

que concebem dessa forma, citamos Azeredo (2008) e Perini (2008), cujos trabalhados foram

comentados nas seções 2.3 e 2.5.

Para Azeredo (2008, p. 221), alguns verbos transitivos podem ocorrer sem o

respectivo complemento quando, por sua redundância ou generalidade, a informação a ser

expressa no objeto é considerada irrelevante. Seguindo a mesma linha de raciocínio, Perini

(2008, p. 300) advoga que, em casos como Sônia já comeu, o paciente (ou, o elemento

afetado) está subentendido, ou seja, se trata de algo comível.

Para além da supressão de um complemento gramatical, devido à sua “redundância

discursiva”, a análise de enunciados como esses pode descortinar uma complexa rede de

associações entre processos cognitivos, pragmáticos e gramaticais. A noção de

perspectivização de mudança permite que consideremos, nesse tipo de construção, um

significado bastante particular, não previsto pelas descrições citadas anteriormente.

Primeiramente, é importante que se diga que Processos como comer e beber não se

constituem como exemplos do protótipo de construções transitivas, conforme já descreveu

Naess (2007, p. 51), ao versar sobre os verbos “ingestivos”. Quando considerados sob a ótica

da perspectivização de mudança, percebemos que, nesses tipos de Processos Materiais, tanto o

Ator quanto a Meta são modificados pela ação – ainda que em proporções diferenciadas. Em

João comeu a comida, por exemplo, além de instigador da ação, o Ator é, também, afetado

por ela, visto que há uma alteração em seu estado entre a fase inicial e a fase final do Processo

– João, que estava faminto, agora está alimentado.

Outra observação relevante diz respeito ao fato de o predicador beber, quando

destransitivizado, restringir o sentido à ingestão de bebidas alcoólicas. Assim, apesar de o

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verbo beber evocar primariamente um esquema genérico de ingestão de líquido, em

construções como [13], o conjunto de entidades capazes de ocupar o espaço referencial do

segundo Participante foi restringido (BRONZATO, 2009).

Pelo fato de não estarem situadas no polo extremo do continuum, logo, não

representarem o protótipo das cláusulas Materiais transitivas, a supressão do Participante

Meta possibilita uma nova significação para essas construções, a saber: o Participante Ator é

focalizado tanto como a entidade instigadora do fazer como a entidade modificada por ele.

Essa possibilidade de interpretação é confirmada pelo tipo de sondagem a que podemos

submeter as cláusulas, conforme exemplificado nos seguintes diálogos27:

Diálogo 1

- Seu bebê está com fome?

-Não. Ele já comeu.

Diálogo 2

- No momento da traição, seu namorado estava sóbrio?

- Não. Ele havia bebido muito.

Por meio desses diálogos, é possível perceber que há uma focalização na mudança de

condição das entidades instigadoras do Processo. Assim, o que está em cena nessas interações

discursivas não é a possibilidade de recuperação da Meta (ou, em termos sintáticos, do

complemento objeto direto), mas, sim, um enquadramento no Participante efetivamente

modificado. O apagamento da Meta reflete, portanto, uma desfocalização desse Participante

na cena. O modo como os elementos interagem nesses exemplos pode, portanto, ser

representado da seguinte forma:

Seu bebê já comeu

Participante Ator

[+volitivo, +instigador, + afetado]

Circunstância de Extensão

Processo Material

QUADRO 17: Configuração de uma cláusula comumente denominada “transitiva de objeto elíptico”.

27 Exemplos criados pela autora desta tese.

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[Meu namorado] bebeu muito

Participante Ator

[+volitivo, +instigador, +afetado]

Processo Material

Circunstância de Extensão

QUADRO 18: Configuração de uma cláusula comumente denominada “transitiva de objeto elíptico”.

Essas representações evidenciam que esses tipos de construções se enquadram no

esquema de protótipo de cláusulas do tipo intransitivas, cujo Participante inerente é

identificado pelas seguintes propriedades: [+volitivo, +instigador, +afetado].

Tendo em vista esses exemplos, entendemos que, ao optar por uma codificação

intransitiva, o usuário da língua denota uma significação ao seu discurso diferente daquela

prevista pelas expressões do tipo mais transitivas. Se nas cláusulas transitivas o foco de

afetamento recai sobre o Participante Meta, nas intransitivas, o enfoque da informação está na

mudança de condição a que se submeteu o Participante Ator: em [12], após comer, o bebê

passou da condição de faminto para a de saciado; em [13], após beber, o namorado passou da

condição de sóbrio para a de embriagado.

Ainda que necessite de um número maior de ocorrências para ser considerado em

termos mais abrangentes, o quesito perspectivização de mudança/afetamento se mostrou

extremamente relevante para a descrição dos dados deste trabalho, visto que auxiliou na

diferenciação das cláusulas transitivas e intransitivas – principalmente nos casos em que as

cláusulas foram construídas com um complemento verbal.

Acerca das configurações semânticas do sistema de transitividade das notícias

jornalísticas, consideremos as seguintes cláusulas, construídas com os verbos apreender,

restringir, ir e aumentar:

[14] Em seguida, o General desceu de seu gabinete, bastão de comando em punho,

apreendeu cerca de 100 automóveis e sete ônibus. (E-B-94-Jn-015)

[15] Novas normas restringem grandemente as viagens ao exterior. (E-B-94-Jn-022)

[16] Lula foi logo para o quarto do casal com a Sra. Marisa Letícia da Silva. Os dois

filhos mais velhos, Marcos, de 10 anos, e Fábio, de cinco, foram para a casa de

um parente. (E-B-94-Jn-008)

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[17] Salário mínimo aumenta amanhã. (E-B-94-Jn-016)

Nos exemplos [14] e [15], são reconhecidos, respectivamente, os seguintes padrões

semânticos: [+vol, +inst, -afet][-vol, -inst, +afet] e [-vol, +inst, -afet][-vol, -inst, +afet].

Com base nas discussões efetuadas até aqui, é possível aferir que os dois exemplos se

enquadram na categoria das cláusulas transitivas, visto que a ação expressa se estende a um

segundo Participante (caracterizado como uma Meta) e o Ator não é, em nada, afetado pelo

fazer. O exemplo [14] é representativo do protótipo das cláusulas Materiais transitivas, pois

abarca todas as propriedades dessa categoria, conforme se verificou na hipótese da máxima

distinção entre os argumentos. Em contrapartida, o exemplo [15] se distancia do protótipo das

cláusulas transitivas pelo fato de o Participante Ator instaurar um valor negativo para a

propriedade volição.

De forma análoga, os exemplos [16] e [17], cujos padrões semânticos são,

respectivamente, [+vol, +inst, +afet] e [-vol, -inst, +afet], apesar de se enquadrarem na

categoria das construções intransitivas (visto que o Processo não se estende a um segundo

Participante e o Ator é o Participante modificado pela ação expressa), apresentam diferenças

quanto às propriedades volição e instigação.

Dado o fato de o estudo do sistema de transitividade segundo a LSF se debruçar sobre

os sentidos que são construídos a partir das escolhas feitas pelo usuário da língua, as

particularidades na configuração dos Processos transitivos e intransitivos, anteriormente

apontadas, devem ser consideradas de forma mais efetiva, pois, se a identificação do

Participante modificado no Processo Material auxilia na distinção das cláusulas transitivas e

intransitivas, as propriedades volição e instigação configuram significados mais congruentes,

nos casos em que a construção se encontra mais próxima do protótipo das categorias, ou mais

metafóricos, nos casos em que a codificação se distancia desse protótipo.

Essa variação na expressão do significado, que será retomada em seções subsequentes

(cf. seção 6.1.6), reforça a natureza gradiente da linguagem e, consequentemente, refuta o

caráter dicotômico e discreto que, muitas vezes, é atribuído ao sistema linguístico.

Fornecidos os aportes teóricos sobre os quais se fundamentam as noções de transitivo

e intransitivo adotados neste estudo, passaremos à análise estatística das cláusulas

constitutivas das notícias jornalísticas.

Concernente ao parâmetro Fazeres transitivos e intransitivos (TRI), a dispersão dos

dados nos Mapas Auto-organizáveis deu-se da seguinte forma:

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Fazeres intransitivos Fazeres transitivos

FIGURA 9: Dispersão do parâmetro Fazeres transitivos e intransitivos (TRI).

A Figura 9 revela que, em termos de frequência, as codificações transitivas

apresentaram percentual mais significativo que as intransitivas. Esse resultado se encontra em

consonância com o encontrado por Souza (2006), que investigou a relação entre o sistema de

transitividade e a construção de sentidos no gênero editorial. A maior ocorrência dos

Processos transitivos em relação aos intransitivos indica que as experiências retratadas nesses

contextos discursivos encontram maior correlação com a configuração o que x fez a y.

Com base nas informações fornecidas à Rede SOM, a Figura 9, de dispersão do

parâmetro Fazeres transitivos e intransitivos (TRI), ressalta as dissimilaridades existentes

entre as cláusulas mais transitivas e as menos transitivas. Essas especificidades podem ser

percebidas, a priori, pela tendência de os Mapas Auto-Organizáveis estabelecerem dois

blocos bem definidos, cujas classes não se mesclam: na parte superior da Figura 9,

encontram-se as cláusulas intransitivas, representadas pelos neurônios azuis; nas partes central

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e inferior da mesma figura, encontram-se agrupadas as construções transitivas, representadas

pelos neurônios vermelhos.

Como a dispersão é feita com base em todos os demais parâmetros, cumpre verificar

de que forma as demais classes arroladas para descrição da transitividade se correlacionam

com as classes transitivo e intransitivo. Iniciaremos essa investigação pela correlação

existente entre os parâmetros Fazeres transitivos e intransitivos (TRI) e Número de

Participantes na cláusula (NUP).

6.1.2. Número de Participantes na cláusula

Vimos em seções anteriores que o sistema de transitividade na perspectiva sistêmico-

funcional é responsável pela construção do domínio da experiência (cf. seção 3.3).

Concernente à ordenação dos componentes desse sistema nas notícias jornalísticas analisadas,

as construções Materiais apresentaram as seguintes configurações:

Fazeres transitivos

1. Ator + Processo + Meta – O Banco Central (Ator) vai fixar (Processo) uma nova taxa de

câmbio (Meta), que se manterá fixa até o governo entenda ser conveniente outro reajuste. (E-

B-94-Jn-016)28

2. Ator + Meta + Processo + Circunstância – As balas (Ator) o (Meta) atingiram

(Processo) no braço, na mão esquerda (Circunstância) e uma entrou pelo abdômen saindo

pelo reto. (E-B-94-Jn-012)

3. Ator + Processo + Meta + Receptivo – O primeiro-secretário do PC polonês (Ator)

enviou (Processo) telegrama (Meta) [ao Vaticano] (Receptivo) desejando rápida

recuperação do Papa. (E-B-94-Jn-012)

28 Diferentemente da perspectiva de Hopper e Thompson (1980), neste trabalho, os eventos hipotéticos (modo irrealis) não descaracterizam um fazer transitivo, visto que, mesmo nesses casos, há um participante do tipo Meta (ou seja, um participante para quem o Processo se estende).

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4. Ator + Processo + Beneficiário + Meta – Mahuad (Ator) roubou a cena e deu (Processo)

ao presidente do Peru, Alberto Fujimori, (Beneficiário) o cantil que seu avô usara no

confronto com os peruanos em 1941 (Meta). (E-B-94-Jn-029)

5. Circunstância + Ator + Processo + Meta – Depois de dois meses de investigação,

(Circunstância) O GLOBO (Ator) localizou (Processo) os empresários Avelino Fernandez

Rivera e Faustino Puerlas Vidal na Galícia (Meta). (E-B-94-Jn-031)

6. Circunstância + Ator + Processo + Receptivo + Meta – Nos próximos três meses

(Circunstância) o Executivo (Ator) enviará (Processo) ao Congresso (Receptivo) o projeto de

reformulação da Lei do Inquilinato, que está sendo elaborado pelo consultor-geral da

República, Saulo Ramos (Meta). (E-B-94-Jn-018)

7. Circunstância + Ator + Processo + Meta + Receptivo – Em novembro de 1979,

(Circunstância) Mohamed (Ator) enviou (Processo) uma carta (Meta), assinada com seu

próprio nome, ao jornal Millyet, de Istambul, (Receptivo) anunciando disposição de matar o

Papa João Paulo II durante sua visita à Turquia. (E-B-94-Jn-012)

Fazeres intransitivos

1. Ator + Processo – O cruzeiro (Ator) vai desaparecer (Processo) e será substituído por

uma nova moeda, o cruzado, com um corte de três zeros. (E-B-94-Jn-016)

2. Ator + Processo + Circunstâncias – Lula (Ator) foi (Processo) logo (Circunstância) para

o quarto do casal (Circunstância) com a Sra. Marisa Letícia da Silva (Circunstância). (E-B-

94-Jn-008)

3. Ator + Processo + Escopo – Operários da Ford (Ator) seguem (Processo) os da Mercedes

Benz (Escopo) e criam comissão de salários. (E-B-94-Jn-005)

4. Ator + Processo + Escopo + Circunstância – Collor (Ator) venceu (Processo) a eleição

(Escopo) em 17 dos 20 estados que concluíram a apuração (Circunstância). (E-B-94-Jn-021)

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5. Processo + Circunstância + Ator – Desapareceram (Processo) da legislação nacional

(Circunstância) as siglas AI (Ato Institucional) e AC (Ato complementar) (Ator). (E-B-94-Jn-

006)

6. Circunstância + Ator + Processo + Circunstância – Em seguida, o General desceu de

seu gabinete, bastão de comando em punho, apreendeu cerca de 100 automóveis e sete

ônibus. (E-B-94-Jn-015)

As configurações supracitadas mostram que existe, nas notícias jornalísticas, uma

preferência mais acentuada pela representação do Participante Ator na posição de Tema da

mensagem. Como as funções semântica e sintática de Ator e sujeito coincidiram em todos os

dados desta pesquisa, conforme veremos mais detalhadamente em discussões posteriores (cf.

seção 6.1.5), podemos concluir que a ordem não-marcada é a mais recorrente nesse contexto

discursivo.

Dissemos anteriormente que a presença (ou ausência) de um complemento verbal na

cláusula Material não é tida como condição suficiente para que esta seja dita transitiva (ou

intransitiva). No entanto, a correlação existente entre os parâmetros Fazeres transitivos e

intransitivos (TRI) e Número de Participantes (NUP) é bastante expressiva, como mostra a

tabela a seguir:

Parâmetros TRI NUP NAP TIF PTS FES OPD EXP TRI 100% 80% -32% 86% 14% -01% -05% -44%

NUP 100% -34% 76% 24% 08% 05% -27%

NAP 100% -22% 20% 28% 26% 18%

TIF 100% 50% 18% 17% -34%

PTS 100% 87% 83% 05%

FES 100% 92% 12%

OPD 100% 21%

EXP 100%

TABELA 1: Correlação de Pearson (STEEL e TORRIE, 1980) entre os parâmetros descritivos

Legenda: TRI – fazeres transitivos e intransitivos; NUP – Número de Participantes; NAP – Natureza dos Processos Materiais; TIF – Tipos de “fazeres” Materiais; PTS – Papéis temáticos do sujeito; FES – Formas de expressão do significado; OPD – Objetivos pragmático-discursivos; EXP – Expansão dos Processos Materiais.

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A Tabela 1, que exibe as estimativas de correlação entre os parâmetros, deve ser

considerada da seguinte forma: a interseção entre uma linha e uma coluna indica a estimativa

de correlação entre dois parâmetros. Sendo assim, a interseção entre a linha 1 e a coluna 4,

por exemplo, indica a correlação estimada entre o parâmetro Fazeres transitivos e

intransitivos (TRI) e o parâmetro Tipos de “fazeres” Materiais (TIF). Conforme indicado na

Tabela 1, essa correlação é de 86%. Da mesma forma, a interseção entre a linha 6 e a coluna 7

indica a correlação estimada entre o parâmetro Formas de expressão do significado (FES) e o

parâmetro Objetivos pragmático-discursivos (OPD). Essa correlação, conforme se verifica na

Tabela 1, atingiu a marca de 92%.

Dito isso, a correlação entre os parâmetros Fazeres transitivos e intransitivos (TRI) e

Número de Participantes (NUP) foi estimada em 80%, conforme se observa na Tabela 1

(linha 1, coluna 2) – portanto, uma correlação positiva e altamente expressiva. Essa correlação

se explica pelos seguintes aspectos: (i) ainda que a presença de um complemento verbal não

seja condição sine qua non para que uma cláusula configure um fazer transitivo, na maioria

das ocorrências, o segundo grupo nominal presente nas construções é do tipo objeto afetado,

ou seja, do tipo Meta; (ii) mesmo considerando a hipótese de que um fazer intransitivo pode

ser construído com um segundo Participante (o Escopo), a maioria das ocorrências

intransitivas observadas no corpus é construída com apenas um Participante. O mapa de

dispersão do parâmetro NUP corrobora essas proposições:

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Um participante Dois participantes Três participantes

FIGURA 10: Dispersão do parâmetro Número de Participantes (NUP)

Tendo em vista a Tabela 1 e as Figuras 9 e 1029, constatam-se as seguintes tendências:

(i) quando TRI é 1 (construções intransitivas, representadas pelos neurônios azuis),

NUP tende a também ser 1 (construções com apenas um Participante, representadas pelos

neurônios azuis).

(ii) Quando TRI é 2 (construções transitivas, representadas pelos neurônios

vermelhos), NUP tende a ser 2 (construções com dois Participantes, representadas pelos

neurônios verdes).

(iii) Quando NUP é 3 (construções com três Participantes, representadas pelos

neurônios vermelhos), TRI é 2 (cláusulas transitivas, representadas pelos neurônios

vermelhos).

Esses resultados indicam que, em termos de percentuais, no uso efetivo da linguagem,

uma cláusula que apresenta um complemento do verbo (objeto direto) tende a ser mais

29 Para melhor visualização das correlações existentes entre as classes dos parâmetros, todas as figuras de dispersão dos parâmetros foram reunidas em uma única página, que consta do Anexo 4 desta tese.

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transitiva que intransitiva, visto que esse segundo Participante tende a ser afetado pelo

desenrolar do Processo. Quanto aos fazeres intransitivos, a forma mais frequente é a que

apresenta apenas um Participante, aquele que encerra em si mesmo os efeitos de mudança

gerados pelo desenrolar da ação.

Conforme veremos na próxima subseção, os Processos Materiais não expressam

apenas eventos concretos, mas constroem, também, experiências mais abstratas, como as

ligadas ao campo das relações sociais e das ideologias.

6.1.3. Natureza dos Processos Materiais

As cláusulas Materiais não representam, necessariamente, eventos físicos e concretos.

Elas podem representar fazeres abstratos, como bem pondera Halliday (1994). A esta

subseção compete a discriminação de como as cláusulas são elaboradas a partir dos quesitos

concretude e abstração.

Os casos apresentados adiante fornecem exemplos tanto de fazeres abstratos,

construídos com os verbos encerrar e eliminar, como de fazeres concretos, construídos com

os verbos enviar e recuperar.

[18] Documento assinado em Brasília encerra cinco décadas de conflito e cerimônia

leva FH às lágrimas (E-B-94-Jn-029)

[19] Dez anos e 18 dias depois de sua edição, o Ato Institucional no 5 que suspendeu

liberdades individuais, eliminou o equilíbrio entre os Poderes e deu atribuições

excepcionais ao Presidente da República, encerra sua existência. (E-B-94-Jn-006)

[20] O primeiro-secretário do PC polonês enviou telegrama desejando "rápida

recuperação do Papa." (E-B-94-Jn-012)

[21] A Prefeitura já recuperou os viadutos de Ana Néri e três pontes nas Avenidas

Francisco Bicalho e Rodrigues Alves. (E-B-94-Jn-010)

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Nos exemplos [18] e [19], os fazeres delimitados encontram-se no âmbito da

abstração, especialmente porque as mudanças codificadas não podem ser sensorialmente

percebidas, como demandam as conceptualizações do tipo mais concretas (RAPOSO et alii,

2013; AZEREDO, 2008). Em contrapartida, os exemplos [20] e [21] denotam fazeres mais

concretos, que são mais reconhecíveis pelos sentidos30.

Nas cláusulas que compõem este estudo, os fazeres abstratos assumiram esse status

por meio dos seguintes artifícios:

(i) o núcleo do sintagma nominal que codifica o Participante Ator é do tipo mais

abstrato, como o substantivo Regime, que compõe o exemplo [22].

[22] Regime do AI-5 acaba à meia - noite de hoje (E-B-94-Jn-006)

(ii) O núcleo do sintagma nominal que codifica o Participante Meta é do tipo mais

abstrato, como a expressão política, do fragmento a seguir.

[23] O Presidente Ernesto Geisel, que governou com o Ato e comandou a política de

distensão que o revogou, passa a última noite do ano – e do regime – na Granja

do Riacho Fundo. (E-B-94-Jn-006)

Diferentemente do exemplo [22], o Participante Ator do exemplo [23] é representado

por uma entidade humana, portanto, mais concreta. No entanto, o fazer é do tipo mais abstrato

pelo fato de o núcleo do sintagma nominal que exerce a função de Meta expressar uma noção

mais ideológica, portanto, menos concreta.

(iii) Tanto o Participante Ator como o participante Meta são codificados por sintagmas

nominais cujos núcleos são do tipo mais abstrato. Os substantivos risada e dúvidas, em

destaque no exemplo [24], não se referem a entidades que existam por si mesmas, mas a

noções abstraídas dos seres humanos, por isso, possuem uma natureza mais abstrata.

[24] Uma risada dissolveu as últimas dúvidas a respeito da entrada em vigor da

Carta - única reação do presidente do Supremo Tribunal Federal quando lhe

30 Reconhecemos haver uma gradiência, também, em relação aos quesitos concretude e abstração, conforme ponderam Camacho et alii (2014). Todavia, para este momento, consideraremos, de forma mais genérica, as categorias concreto e abstrato.

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perguntaram se não seria preciso esperar a publicação pelo Diário Oficial. (E-B-

94-Jn-019)

(iv) O próprio predicador selecionado confere ao fazer uma natureza mais abstrata.

Consideremos o seguinte fragmento de notícia:

[25] As duas maiores votações de Lula foram nos estados dominados pelo ex-

governador Leonel Brizola no primeiro turno da eleição: Rio de Janeiro e Rio

Grande do Sul. No Rio, Lula massacrou Collor com 72,92% contra 27,08%. (E-

B-94-Jn-021)

Diferentemente dos casos supracitados, no fragmento [25], tanto o Participante Ator

como o Participante Meta foram elaborados por sintagmas nominais cujas entidades

referenciais são animadas e reais – portanto, concretas (Lula e Collor). Todavia, o verbo

massacrar foi utilizado em sentido metafórico, o que denotou ao Processo uma natureza mais

abstrata. A disputa eleitoral entre os candidatos é interpretada pelo jornalista como uma

guerra e a seleção do predicador massacrar, com implicação modal, enfatiza o altíssimo

percentual de votos recebidos pelo candidato Lula, em contraposição ao baixo percentual

recebido pelo candidato Collor, no Estado do Rio de Janeiro.

Ponderado o fato de que tanto cláusulas concretas como cláusulas abstratas

conceptualizam Processos de mudança, analisemos, então, a ocorrência do parâmetro

Natureza dos Processos Materiais (NAP) nos dados desta pesquisa. Para tanto,

consideraremos a representação da dispersão das propriedades fazeres concretos e fazeres

abstratos a partir da seguinte figura:

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Fazeres concretos Fazeres abstratos

FIGURA 11: Dispersão do parâmetro Natureza dos Processos Materiais (NAP).

A Figura 11, representativa da dispersão do parâmetro Natureza dos Processos

Materiais (NAP), indica que, no contexto analisado, os fazeres abstratos (neurônios azuis)

foram mais recorrentes que os fazeres concretos (neurônios vermelhos). Além dessa

constatação, uma análise comparativa entre as figuras de dispersão do parâmetro Natureza dos

Processos Materiais (Figura 11) e do parâmetro Fazeres transitivos e intransitivos (Figura 9,

p. 111) – retomadas no Anexo 4 – assinala uma relação da seguinte ordem:

(i) a ocorrência maior dos Processos abstratos (representados pelos neurônios azuis, na

Figura 11) deu-se nas cláusulas transitivas (representadas pelos neurônios vermelhos, na

Figura 9);

(ii) em contrapartida, em termos proporcionais, as cláusulas intransitivas

(representadas pelos neurônios azuis, na Figura 9) apresentaram maior ocorrência de fazeres

concretos (representados pelos neurônios vermelhos, na Figura 11).

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Essa relação é legitimada pelos números exibidos na tabela seguinte, que quantifica a

ocorrência dessas propriedades:

Natureza dos Processos Materiais

Tipo de cláusula

Transitiva Intransitiva

Concreta 18 / 14% 29 / 22%

Abstrata 60 / 46% 24 / 18%

Subtotal 78 / 60% 53 / 40%

Total 131 / 100%

TABELA 2: Frequência dos Processos Materiais concretos e abstratos nas cláusulas transitivas e intransitivas

Tendo em vista os dados da Tabela 2, podemos verificar que, em termos percentuais,

nas notícias analisadas, as cláusulas transitivas codificaram os fazeres mais abstratos, que se

encontram atrelados, sobretudo, ao campo das ideias e das relações sociais (46%). Em

contrapartida, os fazeres concretos, cujas mudanças são mais perceptíveis aos sentidos,

tenderam a ser mais codificados pelas cláusulas intransitivas (22%). As cláusulas exibidas a

seguir, construídas com os verbos criar, fugir e viajar, são exemplos, respectivamente, de

construções transitivas com um fazer abstrato e de construções intransitivas com fazeres

concretos:

[27] Operários da Ford seguem os da Mercedes Benz e criam comissão de salários (E-

B-94-Jn-005)

[28] Desde o início do ano, 225 mil alemães-orientais já fugiram para a Alemanha

Ocidental. Desses, 50 mil viajaram desde sexta-feira, via Tchecoslováquia, e

calcula-se que mais de 1,4 milhão de Alemães-orientais ainda queiram emigrar.

(E-B-94-Jn-020)

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A Tabela 1 (cf. p. 114) revela que a correlação entre os parâmetros Natureza dos

Processos Materiais (NAP) e Fazeres transitivos e intransitivos (TRI) é de -32%31. Apesar de

esse número não expressar uma correlação alta, permite vislumbrar que existe, sim, uma

tendência nos dados analisados, que é a de as estruturas linguísticas transitivas expressarem

fazeres mais abstratos e os fazeres concretos serem mais frequentemente codificados por

estruturas linguísticas intransitivas (apesar de estas aparecerem em menor quantidade no

corpus).

Entendemos que esse é um aspecto que mereça ser considerado a partir de um número

maior de dados, a fim de averiguar se essa convergência se confirma em outros contextos

discursivos. As questões que se levantam são, entre outras, das seguintes ordens:

(i) os fazeres transitivos tendem a codificar experiências mais abstratas?

(ii) Em contrapartida, as experiências mais concretas tendem a ser mais

frequentemente codificadas por fazeres intransitivos?

(iii) Os contextos discursivos e os gêneros textuais poderiam favorecer essas

codificações?

Por ora, limitamos as conclusões verificadas aqui aos dados que compõem o corpus

deste estudo.

Se o parâmetro Natureza dos Processos Materiais objetivou distinguir os fazeres mais

concretos dos fazeres mais abstratos e, a partir dessa distinção, correlacionar tais

representações aos demais parâmetros descritivos, o parâmetro Tipos de fazeres Materiais,

tema do próximo tópico, objetiva diferenciar os Processos Materiais que representam ação,

ação-processo e processo, identificando as funções exercidas por essas diferentes

configurações nas notícias jornalísticas.

6.1.4. Tipos de “fazeres” Materiais

O parâmetro Tipos de “fazeres” Materiais (TIF) objetiva averiguar as diversas

configurações que cláusulas do tipo Material podem assumir e quais sentidos essas

formatações evocam na comunicação dos fatos jornalísticos. Como aporte para as discussões

feitas aqui, tomaremos o modelo de divisão verbal sugerido por Chafe (1979), Borba e

Ignácio (1985) e Borba (1996). 31 Conforme dissemos no capítulo 5, o sinal negativo indica a direção da correlação: quando o valor da classe de um parâmetro sobe, o valor da classe do outro parâmetro tende a descer.

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123

Esses autores propõem uma classificação verbal em estado, processo, ação e ação-

processo. Como ponto de partida, Chafe (1979, p. 98) sugere que sejam observadas as

diferenças básicas entre as estruturas semânticas dos quatro conjuntos de cláusulas seguintes:

(1) a. A madeira está seca.

b. A corda está esticada.

c. A travessa está quebrada.

d. O elefante está morto.

(2) a. A madeira secou.

b. A corda esticou.

c. A travessa quebrou.

d. O elefante morreu.

(3) a. Miguel correu.

b. Os homens riram.

c. Harriet cantou.

d. O tigre pulou.

(4) a. Miguel secou a madeira.

b. Os homens esticaram a corda.

c. Harriet quebrou a travessa.

d. O tigre matou o elefante.

No conjunto (1), diz-se que o verbo está especificado como estado, pois traduz uma

visão estática do universo, isto é, tem um núcleo predicativo que não envolve qualquer

mudança. Já as cláusulas restantes, as dos conjuntos (2), (3) e (4) contêm verbos especificados

como não-estados (ou dinâmicos), pois traduzem uma visão dinâmica do universo, isto é, têm

um núcleo predicativo que envolve mudança e exibem graus diferentes de atividade dos

argumentos em relação ao predicado. Segundo Chafe (1979), como regra prática, não-estados

podem distinguir-se de estados pelo fato de responderem às perguntas Que aconteceu? e Que

está acontecendo?

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Há, no entanto, diferenças mais significativas entre os verbos dos grupos (2), (3) e (4)

que mostram que os não-estados não são todos do mesmo tipo. Eles se subdividem em

processo, ação e ação-processo.

Os verbos de processo expressam um evento ou sucessão de eventos que afetam um

sujeito paciente ou experimentador. Por isso, traduzem sempre um acontecer ou um

experimentar, ou seja, algo que se passa com o sujeito ou que ele experimenta (BORBA:

1996, p. 58). As orações do grupo (2) exemplificam essa classe verbal, em que os sujeitos A

madeira, A corda, A travessa e O elefante são pacientes, pois os Processos de secar, esticar,

quebrar e morrer os afetaram.

Os verbos de ação expressam uma atividade realizada por um agente. Indicam,

portanto, um fazer por parte do sujeito (BORBA, 1996). A definição de Chafe (1979)

acrescenta que o nome, em uma oração de ação, não pode mais ser considerado como o

Paciente do verbo, mas sim como seu agente. Assim, estados e processos são acompanhados

por pacientes, mas ações, por agentes. No grupo (3), os nomes Miguel, Os homens, Harriet e

O tigre especificam os realizadores da ação verbal, portanto, os seus agentes.

Segundo Chafe (1979, p. 100), uma regra clara que ajuda a distinguir uma ação de um

processo é que uma oração de ação responderá à pergunta Que fez N?, em que N é algum

nome. Uma oração de processo, em contrapartida, não pode ser sondada por essa pergunta,

como constatamos em:

Que fez Harriet?

Ela cantou.

mas não

*Ela morreu.

De modo inverso, Chafe (1979) diz que as orações de simples processo,

frequentemente, respondem à pergunta Que aconteceu a N?, ao passo que uma oração de

simples ação não pode ser sondada dessa forma, como vemos em:

Que aconteceu a Harriet?

Ela morreu.

mas não

*Ela cantou.

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Como sintetizam Borba e Ignácio (1985), a distinção fundamental entre os verbos de

ação e os de processo está nas relações semânticas que se estabelecem entre o verbo e o

sujeito: nos primeiros, sendo o sujeito um agente, há sempre um fazer da sua parte; já nos

segundos, sendo o sujeito um paciente ou um experimentador, há sempre um acontecer com

relação a ele.

Os verbos de ação-processo expressam uma ação realizada por um sujeito agente ou

uma causação levada a efeito por um sujeito causa, que afetam o complemento (BORBA,

1996, p. 59). A ação-processo sempre atinge um complemento que expressa uma mudança de

estado, de condição ou de posição, ou, então, algo que passa a existir. Pode-se dizer, portanto,

que o afetamento do objeto é condição sine qua non para que o verbo seja considerado como

de ação-processo (SPERANÇA e IGNÁCIO, 2009). Nas orações do grupo (4), o verbo é,

simultaneamente, tanto processo como ação: como processo, ele implica uma mudança na

condição de um nome, seu paciente (a madeira, a corda, a travessa e o elefante); como ação,

expressa o que alguém, seu agente, faz (Miguel, Os homens, Harriet, O tigre).

Antes de prosseguirmos com a investigação desse parâmetro nas cláusulas Materiais, é

importante ressaltar que, apesar de a classificação propagada por esses autores vir ao encontro

dos objetivos descritivos desta subseção, tomaremos esses conceitos como propriedades

sintático-semânticas da cláusula, e não propriamente do verbo. Não atribuiremos a

classificação diretamente ao verbo pela possibilidade que existe de um mesmo sintagma

verbal, a depender do contexto linguístico em que está inserido, poder configurar sentidos

distintos. Esse fato pode ser constatado nos próprios exemplos mencionados por Borba (1996,

p. 62):

(5) a. O trabalho não me acovarda (ação-processo) / Rui não se acovarda (processo).

b. O rapaz acelerou o carro (ação-processo) / O carro acelerou (processo).

c. Quitéria açucarou os pãezinhos (ação-processo) / O doce de leite açucarou

(processo).

d. Leo engorda porcos (ação-processo) / Os porcos engordam no chiqueiro

(processo).

Nas notícias jornalísticas, as cláusulas Materiais codificaram fazeres do tipo processo,

do tipo ação e do tipo ação-processo. Os fragmentos a seguir são exemplos dessas

configurações semânticas em nosso corpus:

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Construções do tipo processo

[28] Um milhão de brasileiros perderam o emprego entre janeiro e maio deste ano, de

acordo com a pesquisa mensal do IBGE sobre o nível de ocupação da mão-de-

obra no país. (E-B-94-Jn-018)

[29] Passados dez anos do naufrágio do "Bateau Mouche IV", que afundou na Baía de

Guanabara no réveillon de 1988 matando 55 pessoas, dois de seus donos,

foragidos da Justiça brasileira, vivem e trabalham normalmente na Espanha. (E-

B-94-Jn-031)

Construções do tipo ação

[30] Mohamed Ali Agca, 23 anos, entrou na Itália há duas semanas, vindo da

Espanha, desembarcando em Milão. (E-B-94-Jn-012)

[31] Os dois fugiram do país após terem a prisão preventiva decretada, em fevereiro

de 1994, sob a acusação de formação de quadrilha, falsificação de documentos e

sonegação. (E-B-94-Jn-031)

Construções do tipo ação-processo

[32] O Papa, com o rosto transtornado pela dor, apertou o abdômen e, em seguida,

caiu em cima de seu secretário particular. (E-B-94-Jn-012)

[33] Uma risada dissolveu as últimas dúvidas a respeito da entrada em vigor da Carta -

única reação do presidente do Supremo Tribunal Federal quando lhe perguntaram

se não seria preciso esperar a publicação pelo Diário Oficial. (E-B-94-Jn-019)

A dispersão do parâmetro Tipos de fazeres Materiais (TIF) sobre os Mapas Auto-

organizáveis deu-se da seguinte forma:

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Processo Ação Ação-processo

FIGURA 12: Dispersão do parâmetro Tipos de “fazeres” Materiais (TIF).

A Figura 12 afere que os fazeres do tipo ação-processo foram os mais frequentes nos

dados analisados. Além disso, quando comparadas as figuras de dispersão do parâmetro Tipos

de fazeres Materiais (Figura 12) e do parâmetro Fazeres transitivos e intransitivos (Figura 9,

p. 111) – retomadas no Anexo 4, percebe-se que há uma correlação bastante estreita entre as

classes representadas nessas duas imagens. Essa correlação, que atingiu o alto percentual de

86% (cf. Tabela 1, p. 114), deve ser interpretada da seguinte forma:

(i) quando TIF é 1 (classe das cláusulas de processo, representada pelos neurônios

azuis), TRI tende a ser 1 (classe das cláusulas intransitivas, representada pelos neurônios

azuis).

(ii) Quando TIF é 2 (classe das cláusulas de ação, representada pelos neurônios

verdes), TRI tende a ser 1 (classe das cláusulas intransitivas, representada pelos neurônios

azuis).

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(iii) Quando TIF é 3 (classe das cláusulas de ação-processo, representada pelos

neurônios vermelhos), TRI tende a ser 2 (classe das cláusulas transitivas, representada pelos

neurônios vermelhos).

A relação existente entre esses dois parâmetros chama a atenção para os seguintes

aspectos:

(i) as ideias subjacentes aos conceitos de cláusulas Materiais transitivas e de cláusulas

de ação-processo são bastante análogas. Conforme foi dito na subseção 6.1.1, as cláusulas

transitivas, na perspectiva da GSF, têm, necessariamente, um Participante Meta, que, em

termos sintáticos, é o complemento (objeto) que sofre alguma mudança. A presença de um

complemento afetado como condição necessária para que uma cláusula seja do tipo transitiva

ou do tipo ação-processo é o ponto de intercessão entre essas duas classes.

Pensar a categoria transitiva a partir dessas noções provoca um significativo

distanciamento dos preceitos tradicionalmente divulgados acerca da transitividade. Uma das

diferenças se estabelece, por exemplo, no fato de os conceitos de transitivo / intransitivo e de

valência verbal não serem propriamente equivalentes, como entreveem alguns autores, como

Perini (2009) e Rocha Lima (2014). Se na valência verbal são observadas as exigências que os

verbos fazem quanto à presença de certos termos em sua oração, na ideia subjacente às

categorias transitivo / intransitivo, investiga-se se uma mudança se estendeu a outro

Participante da cláusula ou se ficou confinada ao próprio Participante Ator.

A noção de transitividade na concepção sistêmica da linguagem não se encontra

restrita, portanto, à classificação de uma cláusula em transitiva ou intransitiva, mas denota um

conceito mais amplo, pois diz respeito ao modo como os elementos do sistema (Participantes,

Processos e Circunstâncias) se relacionam nas cláusulas e quais significados essas relações

evocam na situação real de interação.

(ii) Nos textos analisados, as cláusulas Materiais processuais, em sua maioria, são

construções resultantes de uma operação de destransitivização, que integra o sistema de

ergatividade. Nas construções ergativas, o sujeito de verbo intransitivo e o objeto de verbo

transitivo constituem uma classe, já que apresentam as mesmas características: mesmo

comportamento sintático e mesmo conjunto de traços (PEZATTI, 1993). A título de

ilustração, consideremos as seguintes relações:

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[34] Regime do AI-5 acaba à meia - noite de hoje. (E-B-94-Jn-006)

[34.1] [O Presidente Ernesto Geisel] acaba com o Regime do AI-5 à meia noite de

hoje.

Na estrutura [34], derivada de [34.1], o sujeito agentivo é descartado e o complemento

objeto, paciente da construção transitiva, assume a posição de sujeito, conservando, no

entanto, a mesma matriz de traços do complemento objeto da estrutura da qual derivou.

Halliday e Matthiessen (2004, p. 284) explicam que o uso cada vez mais frequente do

padrão ergativo no sistema linguístico moderno é parte de uma série de acontecimentos

relacionados que foram ocorrendo nas línguas ao longo dos últimos 500 anos – ou mais – e

corresponde a um extenso e complexo processo de mudança semântica. Essas mudanças,

segundo os autores, tenderam, como um todo, a enfatizar a função textual na organização do

discurso, por comparação à função experiencial; e, dentro da função experiencial, para

enfatizar o aspecto de causa-e-efeito do Processo, por comparação com o de ação-e-extensão.

Assim, se na distinção entre transitivo e intransitivo a variável é uma das extensões, ou seja,

se o Processo se estende ou não para alguma outra entidade, sob a ótica da ergatividade, a

variável não é uma extensão, mas uma causalidade. O que se verifica neste momento é se o

Processo é provocado pelo Participante que está comprometido, ou se por outra entidade

externa ao Processo.

Em discussões subsequentes, veremos que o apagamento do SN agente, em contraste

com a total importância dada ao SN afetado, codifica motivações pragmático-discursivas

bastante relevantes nas notícias jornalísticas.

A tabela a seguir quantifica a ocorrência das cláusulas Materiais de processo, de ação

e de ação-processo no corpus deste estudo:

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Tipo de fazer Quantidade Percentual

Processo 24 18%

Ação (sujeito agentivo) 25 19%

Ação-processo sujeito agentivo 27 21%

sujeito causa 26 20%

Subtotal 102 78%

Outras ocorrências 29 22%

Total 131 100%

TABELA 3: Percentual dos tipos de fazeres nas cláusulas Materiais das notícias jornalísticas.

Como se vê, a maioria dos dados deste estudo encontra-se representada na Tabela 3

(78% do total), o que já é um indicativo, juntamente com as correlações estabelecidas, de que

os Processos Materiais das notícias jornalísticas compõem, pelo menos, quatro grupos

significativos. São eles:

1. grupos das cláusulas intransitivas com sujeito paciente (cláusulas processuais).

2. Grupo das cláusulas intransitivas com sujeito agente (cláusulas de ação).

3. Grupo das cláusulas transitivas com sujeito agente (cláusulas de ação-processo).

4. Grupo das cláusulas transitivas com sujeito causa (cláusulas de ação-processo).

Os significados que esses arranjos evocam na interação discursiva e as demais

configurações que não foram previstas nesses esquemas constam das discussões que se

seguem.

6.1.5. A macrofunção Ator e os papéis temáticos atribuídos ao sujeito

Os Processos do tipo Material têm sido genericamente descritos como os Processos do

“fazer” (e do “acontecer”), e a noção conceitual implícita é a de que uma entidade faz algo,

que pode ser feito para alguma outra entidade. Segundo o que temos visto, o “fazedor” desse

tipo de ação é chamado de Ator. A priori, qualquer Processo Material tem um Ator, ainda que

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ele não esteja evidenciado na cláusula.32 Em muitos casos, a ação pode ser representada como

afetando ou “sendo feito para” um segundo Participante, e uma vez que a ação é, em certo

sentido, dirigida a este Participante, ele é chamado de Meta.

Esses rótulos para os Participantes são mais facilmente entendidos quando o Ator é

uma entidade humana, e a Meta, se houver, é uma entidade inanimada, como nos exemplos a

seguir, elencados por Thompson (1996, p. 80):

A jovem garota

Eduardo

Sua mãe

saltou

estava serrando

quebrou

madeira.

o vidro.33

para fora do portão.

Ator Processo: Material Meta Circunstância

QUADRO 19: Processos Materiais do tipo 1.

No entanto, o Participante Ator pode ser uma entidade inanimada ou abstrata, e a Meta

pode, naturalmente, ser uma entidade humana, como nos exemplos a seguir, extraídos de

Thompson (1996, p. 80):

O carro

A grama grossa

A infelicidade

O fogo

Dezenas de pequenos arbustos

O ritmo acelerado

deslizou

estava crescendo

desapareceu.

havia destruído

arranharam

sacudiu

tudo.

ele.

paredes e

chão.34

para fora da estrada.

aqui e ali.

Ator Processo: Material

Meta Circunstância

QUADRO 20: Processos Materiais do tipo 2.

32 Uma das principais formas em que isso pode acontecer é pela escolha de uma cláusula passiva, como em O óleo é adicionado gota a gota (THOMPSON: 1996, p. 81). 33 Tradução livre de The Young girl bounded out of the gate, Edward was sawing wood e Her mother smashed the glass (THOMPSON: 1996, p. 80). 34 Tradução livre de The car slithered off the road, Coarse grass was growing here and there, The unhappiness disappeared, The fire had destroyed everything, Scores of tiny brambles scratched him e The pounding rhythm shook walls and floor (THOMPSON: 1996, p. 80).

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Acerca dessa diversidade, Thompson (1996, p. 80) cita ainda os casos em que o

significado relacional (estado) parece dominante, apesar de ser construído em torno de um

Processo Material, como em

[36] Hope Street corre entre as duas catedrais.35

em que o sentido de localização se encontra claramente expresso, mas a escolha por um verbo

que normalmente codifica ação confere à designação estativa um tom mais dinâmico.

Como não poderia deixar de ser, a maneira mais adequada de olhar para essas

elaborações, que representam áreas de incerteza, é aceitar que a categoria Processo Material

tem um núcleo de Processos prototípicos que pode ser sondado por perguntas como O que x

fez?; em torno desse núcleo, há Processos menos prototípicos que são mais facilmente

sondados por perguntas como O que aconteceu?; e ainda mais para fora, na periferia, existem

Processos para os quais as investigações mais adequadas são perguntas como Qual foi o

estado resultante?

Diante desses fatos, Thompson (1996) chama a atenção para a possibilidade de se

identificarem várias subcategorias de Processos Materiais. Um agrupamento possível seria,

por exemplo, separar os Processos que são “feitos para” Metas já existentes daqueles que

trazem a Meta à existência, como em, respectivamente, Minha mãe nunca come pudim

natalino e Acabei de fazer os pudins natalinos36.

Outra divisão dos Processos Materiais pode ser feita tendo em vista a natureza

intencional ou involuntária do Processo. Os exemplos seguintes, citados por Thompson

(1996, p. 80), representam este último caso.

O carro

O caso

Ela

acelerou.

terminou

tropeçou

depois de um ano.

no degrau.37

Ator Processo: Material Circunstância

QUADRO 21: Processos Materiais involuntários.

35 Tradução livre de Hope Street runs between the two cathedrals (THOMPSON: 1996, p. 81). 36 Tradução livre de My Mum never eats Christmas pudding e I’ve Just made the Christmas puddings (THOMPSON: 1996, p. 80). 37 Tradução livre de The car accelerated, The affair ended after a year e She tripped over the step (THOMPSON: 1996, p. 80).

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Como Processo involuntário, o Ator se assemelha, em alguns aspectos, a uma Meta.

Cláusulas como essas não são suscetíveis à pergunta O que x fez?; em vez disso, parece mais

adequado perguntar O que aconteceu a x? – uma sondagem que lembra a forma como se

definiu o papel do Participante Meta.

A subcategoria dos Processos intencionais ou involuntários pode ser mais bem

caracterizada a partir da identificação dos papéis temáticos atribuídos ao sujeito das cláusulas.

Como as funções de Ator e de sujeito corresponderam, nas estruturas analisadas, ao mesmo

sintagma nominal, a identificação dos papéis desempenhados pela categoria sintática de

sujeito consentirá que sejam esmiuçadas as diversas faces da macrofunção Ator nas cláusulas

Materiais.

Por não haver um consenso sobre quantos papéis temáticos específicos existem, quais

são seus rótulos e quais são os critérios de definição, antes de exibirmos a classificação dos

papéis temáticos atribuídos ao sujeito das cláusulas analisadas, apresentaremos as noções

adotadas para descrição do corpus deste trabalho.

A necessidade de se assumir a noção de papéis temáticos nos estudos gramaticais foi

defendida, inicialmente, a partir do argumento de que as funções gramaticais de sujeito,

objeto e outras são insuficientes para traduzir certas relações existentes entre sentenças do tipo

O garoto quebrou o vaso com o martelo, O vaso quebrou com o martelo e Um martelo

quebrou o vaso.

A relação entre as funções semânticas que um item lexical estabelece com as funções

sintáticas de uma sentença tem sua primeira origem no estudo do sânscrito pelo gramático

indiano Pānini, por volta dos anos 600 e 300 a.C. Como informa Cançado (2013), entre os

linguistas, o tema retoma seu interesse bem mais tardiamente, com os trabalhos de Gruber

(1965), Jackendoff (1972) e Fillmore (1968, 1977), por exemplo.

Os papéis temáticos (ou casos semânticos) são traços semânticos atribuídos por um

predicador ao seu escopo. Dispondo de uma base cognitiva, os papéis temáticos

correspondem a outras tantas representações linguísticas do mundo que nos cerca

(CASTILHO, 2015). A definição defendida por Fillmore (1977, p. 299) estabelece que as

noções de caso incluem um conjunto de conceitos universais, presumivelmente inatos, que

identificam certos tipos de julgamentos que os seres humanos são capazes de fazer acerca dos

acontecimentos que ocorrem a seu redor, julgamentos acerca de assuntos como quem fez, com

quem aconteceu, o que foi mudado etc. Na percepção de Fillmore (1977), os casos que

parecem ser necessários incluem:

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Agentivo: o caso do instigador da ação identificada pelo verbo, tipicamente percebido

como ser animado.

Instrumental: o caso da força ou objeto inanimado, causalmente implicado na ação ou

estado identificados pelo verbo.

Dativo: o caso do ser animado afetado pelo estado ou ação identificados pelo verbo.

Factivo: o caso do objeto ou ser resultante da ação ou estado identificados pelo verbo,

ou compreendido como parte do significado do verbo.

Locativo: o caso que identifica a localização ou orientação espacial do estado ou ação

identificados pelo verbo.

Objetivo: o caso semanticamente mais neutro, aquele em que qualquer coisa

representada por um substantivo cujo papel na ação ou estado identificado pelo verbo é

identificado pela interpretação semântica do próprio verbo.

A classificação dos componentes linguísticos quanto ao papel semântico que

desempenham na cláusula não se constitui, nem de longe, em uma tarefa simples. Por isso,

dada a necessidade de aprimoramento quanto à identificação das funções semânticas que os

argumentos desempenham nas sentenças, alguns linguistas, constantemente, têm se debruçado

sobre o tema, com vistas a tornar os conceitos mais acessíveis e a elaborar listagens mais

abrangentes, de modo que um número maior de casos seja abarcado. Como exemplo,

podemos citar os trabalhos de Mateus et alii (2003), Borba (1996), Ignácio (2003), Franchi e

Cançado (2003), Cançado (2013) e Cançado et alii (2013). Expomos, a seguir, os papéis

temáticos arrolados por Cançado (2013) e Ignácio (2003), que serviram de base para nossa

descrição (os papéis temáticos apontados são marcados em itálico nos exemplos).

Agente: o desencadeador de alguma ação, capaz de agir com controle – O João lavou o

carro.

Causa: o desencadeador de alguma ação, sem controle – As provas preocupam a

Maria.

Instrumento: o meio pelo qual a ação é desencadeada – A Maria escreveu a carta com

uma caneta esferográfica.

Paciente: a entidade que sofre o efeito de alguma ação, havendo mudança de estado –

O João quebrou o vaso.

Tema: a entidade deslocada por uma ação – A bola atingiu o alvo.

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135

Experienciador: ser animado que mudou ou está em determinado estado mental,

perceptual ou psicológico – O João viu um pássaro.

Beneficiário: a entidade que é beneficiada pela ação descrita – O João deu um presente

para a Maria.

Objetivo (ou objeto estativo): a entidade à qual se faz referência, sem que esta

desencadeie algo ou seja afetada por algo – O João leu um livro.

Locativo: o lugar em que algo está situado ou acontece – Eu nasci em Belo Horizonte.

Alvo: a entidade para onde algo se move, tanto no sentido literal como no sentido

metafórico – A Sara jogou a bola para o policial.

Fonte: a entidade de onde algo se move, tanto no sentido literal como no sentido

metafórico – O João voltou de Paris.

Origem: a entidade de onde se origina o Processo – A fonte jorrava água cristalina.

Receptivo: a entidade a quem se destina a ação – A viúva recebia os pêsames.

Em consequência da natureza dos dados (somente Processos do tipo Material), nem

todos os papéis temáticos listados por Cançado (2013) e Ignácio (2003) foram encontrados no

corpus deste estudo. Além disso, a noção de papéis temáticos adotada aqui considerou essas

funções semânticas a partir de uma gradiência. A adoção de um caráter não dicotômico

também com relação a esse parâmetro se fez necessária para que a descrição dos dados tivesse

um aspecto mais fidedigno aos propósitos comunicativos das notícias jornalísticas. Sendo

assim, identificamos os seguintes papéis temáticos atribuídos à função de sujeito e, devido à

natureza dos dados, consequentemente, à função de Ator (os exemplos estão em itálico).

1. Agente prototípico: o Ator é a entidade instigadora da ação. Caracteriza-se por ser

[+animada], [+ instigadora] e [+controladora]. Exemplo:

[36] Em Brasília, universitários e secundaristas, ao estilo dos atletas olímpicos,

escreveram com seus corpos a frase DIRETAS JÁ, nos gramados do Congresso.

(E-B-94-Jn-015)

2. Agente ‘híbrido’: o Ator é a entidade responsabilizada pela ação. No entanto, se

caracteriza por ser mais híbrida, ou seja, [+/-volitiva] e [+/-controladora]. Exemplos:

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136

[37] A Prefeitura já recuperou os viadutos de Ana Néri e três pontes nas Avenidas

Francisco Bicalho e Rodrigues Alves. Agora está terminando as obras dos

viadutos de Realengo, Bento Ribeiro, Magalhães Bastos, Engenheiro Leal, Del

Castilho e Deodoro. Até o final do ano vai recuperar a antiga Ponte dos

Marinheiros, o Trevo dos Estudantes e uma ponte na rua Francisco Eugênio, e

executar laudos técnicos de oito viadutos. (E-B-94-Jn-010)

[38] O Banco Central vai fixar uma nova taxa de câmbio, que se manterá fixa até o

governo entenda ser conveniente outro reajuste. (E-B-94-Jn-016)

Há quem considere termos como A Prefeitura e O Banco Central como locativos

alçados à posição de sujeito (HINTZE, 2009). Optamos por considerá-los como integrantes da

categoria agentiva por apresentarem a mesma matriz de propriedades sintáticas e semânticas

desta categoria. Entretanto, por entendermos que esse tipo de configuração apresenta

peculiaridades no modo como o evento é conceptualizado, visto que se opta por uma

expressão metonímica do significado, julgamos por bem, na descrição dos dados, estabelecer

uma distinção entre essas construções e as que apresentam um agente prototípico – distinção

esta marcada pela gradiência dos atributos volição e controle. Assim, como dissemos

anteriormente, essa classe é descrita como sendo [+/-volitiva] e [+/-controladora].

3. Causa: o Ator é a entidade desencadeadora da ação. Caracteriza-se por ser [–

animada], [+instigadora] e [–controladora]. Exemplo:

[39] O plano de ajuste anunciado por Collor mexe com virtualmente tudo na vida dos

brasileiros. (E-B-94-Jn-022)

4. Paciente: o Ator é a entidade que apenas sofre os resultados do Processo.

Caracteriza-se por ser [-volitiva], [-controladora], [-instigadora]. Exemplo:

[40] O cruzeiro vai desaparecer e será substituído por uma nova moeda, o cruzado,

com um corte de três zeros. (E-B-94-Jn-016)

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Assim, além do papel prototípico de agente, o Participante Ator apresenta

características consideradas mais desviantes em relação ao protótipo. Quando consideradas as

propriedades semânticas definidoras dos protótipos de cláusulas Materiais transitivas e

intransitivas, as configurações do Ator nas notícias jornalísticas analisadas podem ser

resumidas da seguinte forma:

Propriedades Característica do Ator

[+volitivo, +instigador, -afetado]

[+volitivo, +instigador, +afetado]

[+/-volitivo, +instigador, -afetado]

[+/-volitivo, +instigador, +afetado]

[-volitivo, +instigador, -afetado]

[-volitivo, -instigador, +afetado]

Agente (cláusula transitiva)

Agente (cláusula intransitiva)

Agente híbrido (cláusula transitiva)

Agente híbrido (cláusula intransitiva)

Causa

Paciente

QUADRO 22: Propriedades do Participante Ator nas notícias jornalísticas.

A dispersão do parâmetro Papel temático do sujeito (PTS) sobre os Mapas Auto-

organizáveis deu-se da seguinte forma:

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Agente prototípico Agente híbrido Causa Paciente

FIGURA 13: Dispersão do Parâmetro Papel temático do sujeito (PTS).

A Figura 13 permite vislumbrar que as cláusulas foram distribuídas pela Rede SOM da

seguinte forma:

(i) no lado esquerdo da Figura 13, representadas pelos neurônios vermelhos,

encontram-se reunidas as construções transitivas e intransitivas mais próximas do protótipo

das categorias, ou seja, cláusulas cujo Participante Ator possui a característica agentiva.

(ii) Na porção central da Figura 13, representadas pelos neurônios verde-claros,

encontram-se reunidas a maioria das cláusulas transitivas e intransitivas cujo Ator representa

um agente híbrido.

(iii) No canto superior direito da Figura 13, representadas pelos neurônios azuis,

encontram-se reunidas a maioria das cláusulas cujo Participante Ator possui a característica

de Paciente, portanto, cláusulas menos prototípicas. Conforme vimos anteriormente, essas

construções, por serem do tipo processual, não representam exatamente um fazer, mas, sim,

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um acontecer. Conforme evidencia a Figura 9 (cf. p. 111 ou Anexo 4), essas cláusulas

pertencem à categoria dos Processos intransitivos.

(iv) Nas porções central e inferior do canto direito da Figura 13, representadas pelos

neurônios verdes, encontram-se reunidas as cláusulas cujo Ator codifica uma causalidade,

portanto, cláusulas que também se distanciam do protótipo da categoria dos Processos

Materiais transitivos.

Ao correlacionarmos a dispersão dos Processos Materiais em relação aos parâmetros

Papel temático do sujeito (Figura 13) e Fazeres transitivos e intransitivos (Figura 9, p. 111)

(ou cf. Anexo 4), identificamos sete significativas variações relativas à configuração do

sistema de transitividade:

1. estruturas transitivas com sujeito agentivo prototípico – cláusulas de ação-processo.

2. Estruturas transitivas com sujeito agentivo ‘híbrido’ – cláusulas de ação-processo.

3. Estruturas transitivas com sujeito causal – cláusulas de ação-processo.

4. Estruturas intransitivas com sujeito agentivo prototípico – cláusulas de ação.

5. Estruturas intransitivas com sujeito agentivo ‘híbrido’ – cláusulas de ação.

6. Estruturas intransitivas com sujeito paciente – cláusulas de processo.

7. Estruturas transitivas com sujeito paciente – cláusulas de processo.

Os dados analisados demonstraram uma correlação estatística bastante expressiva

entre o parâmetro Papel temático do sujeito (PTS) e os parâmetros Formas de expressão do

significado (FES) e Objetivos pragmático-discursivos (OPD), conforme se vê na Tabela 1 (cf.

p. 114). A alta correlação entre esses parâmetros, respectivamente de 87% e 83%, aponta para

o fato, por exemplo, de as cláusulas Materiais mais periféricas serem fruto de diversificados

processos metafóricos, cujos objetivos pragmático-discursivos são bem definidos. A natureza

desses processos, como a metáfora da transitividade, e os sentidos por eles pretendidos, como

a indeterminação do real agente da ação expressa, serão especificados nas duas próximas

seções.

6.1.6. Formas de expressão do significado

Como postula a LSF, o que faz da linguagem um sistema semiótico é a ideia

subjacente de que os significados são construídos através de escolhas e que cada escolha

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adquire um significado em detrimento a outras escolhas que poderiam ter sido feitas

(SANTOS, 2014). Tendo em vista essa rede de possibilidades, cumpre a esta parte do estudo

relacionar o modo como os componentes do sistema de transitividade são articulados pelos

autores das notícias às funções que esses arranjos desempenham nesse contexto de interação.

Nas notícias analisadas, as diferentes relações estabelecidas entre os papéis principais

do sistema de transitividade configuraram três importantes formas de expressão do

significado. São elas: (i) a forma congruente, (ii) a forma metafórica e (iii) a forma

metonímica. As discussões que se seguem objetivam esclarecer acerca desses processos, bem

como apontar a forma como o locutor engendra a mensagem segundo suas próprias intenções

comunicativas.

6.1.6.1. As expressões congruentes e as expressões metafóricas

A criação da concepção clássica sobre a metáfora, conhecida geralmente como

interpretação comparatista, é atribuída a Aristóteles. O filósofo grego definia a metáfora como

a transferência do nome de uma coisa para outra, ou do gênero para a espécie, ou da espécie

para o gênero, ou da espécie para outra espécie, ou por analogia (NASCIMENTO e PAIVA,

2011). Para a Retórica, a base de toda a relação metafórica é a analogia, que permite

estabelecer relações de correspondência entre elementos distintos (CIAPUSCIO, 2003). A

analogia pode se basear em semelhanças da aparência externa, da funcionalidade ou do uso,

como em a mulher é uma flor, em que determinados atributos da flor, como delicadeza e

beleza, se transferem para a mulher.

Ciapuscio (2003) avalia que, tendo em vista a teoria comparatista inaugurada por

Aristóteles, a tradição literária consolidou a concepção de metáfora como uma figura de

linguagem com funções de adorno ou ornamento linguístico dos textos. Somente a partir do

século XX, o valor da metáfora como instrumento de conhecimento foi devidamente

reconhecido. A Teoria da Metáfora Conceptual, desenvolvida por Lakoff e Johnson (2007) no

âmbito da linguística cognitiva, constituiu um marco na incursão da metáfora como um

instrumento do pensamento. Em seu trabalho, esses autores evidenciam o caráter rotineiro das

metáforas e como ela afeta o modo de percebermos, pensarmos e atuarmos.

Em termos de cognição, a metáfora é entendida como um mecanismo que envolve a

conceptualização de um domínio de experiência em termos de outro, como ponderam Lakoff

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141

e Turner (1989) e Lakoff e Johson (2007). Sendo assim, cada metáfora é constituída de um

domínio-fonte e um domínio-alvo. A título de exemplificação, tomemos o seguinte fragmento

de notícia jornalística:

[41] Regime do AI-5 acaba à meia - noite de hoje

A meia – noite de hoje o Brasil sai do mais longo período ditatorial de sua

História. Dez anos e 18 dias depois de sua edição, o Ato Institucional no 5 que

suspendeu liberdades individuais, eliminou o equilíbrio entre os Poderes e deu

atribuições excepcionais ao Presidente da República, encerra sua existência. (E-

B-94-Jn-006)

A expressão À meia-noite de hoje o Brasil sai do mais longo período ditatorial de sua

História, em destaque no fragmento [41], ilustra uma projeção metafórica que tem a

localidade como domínio-fonte (sair de algum lugar) e o estado (condição) como domínio-

alvo. Nesse exemplo, o conceito de ditadura é estruturado em termos de conceito de lugar,

havendo, portanto, uma associação entre esses dois domínios.

A fim de atingirmos o objetivo principal do nosso estudo, que é o de verificar como a

organização do sistema de transitividade representa o conteúdo ideacional das notícias

jornalísticas, recorremos ao conceito de metáfora adotado pela LSF. Acerca dessa noção,

discorremos nos parágrafos subsequentes.

No uso efetivo da linguagem, o falante possui à sua disposição uma gama de

configurações possíveis para expressar um dado significado. O que irá determinar uma

escolha, em detrimento de outras que poderiam ter sido feitas, será o conjunto de pré-

requisitos determinados pelos propósitos comunicativos.

Os conceitos de Processo, Participante e Circunstância são categorias semânticas que

explicam, de forma bastante geral, como os fenômenos do mundo real são representados em

termos de estruturas linguísticas. Temos notado que, quando passamos a interpretar a

gramática da cláusula de forma mais meticulosa, é possível perceber que as representações

linguísticas reunidas sob um mesmo rótulo apresentam características semânticas e sintáticas

bastante distintas. Exemplos dessa afirmação podem ser vistos nas cláusulas destacadas a

seguir, em que os sintagmas nominais Mohamed, Novas normas e Os tanques israelenses,

representados como Ator dos Processos Materiais, apresentam características bastante

peculiares:

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[42] Em novembro de 1979, Mohamed enviou uma carta, assinada com seu próprio

nome, ao jornal Millyet, de Istambul, anunciando disposição de matar o Papa

João Paulo II durante sua visita à Turquia. (E-B-94-Jn-012)

[43] Novas normas restringem grandemente as viagens ao exterior. (E-B-94-Jn-022)

[44] Os tanques israelenses estacionaram ontem a 200metros do Palácio do Governo

do Líbano, anunciou a rádio oficial libanesa. (E-B-94-Jn-014)

O Participante Ator das cláusulas [42], [43] e [44], destacado em itálico, desempenha,

respectivamente, os papéis de agente, de causa e de paciente. Entendemos que as estruturas

representadas em [43] e [44] são resultado de uma reorganização dos componentes da

transitividade, cuja consequência é uma nova codificação quanto às funções representativas

do sistema ideacional. Como essa recodificação se dá por meio da atribuição de novas funções

aos elementos constitutivos do sistema de transitividade, denominamos esse processo de

metáfora da transitividade. O termo metáfora da transitividade está sendo utilizado aqui,

portanto, de forma mais abrangente que aquele utilizado, normalmente, pelos autores

sistêmicos.

O termo metáfora gramatical, no qual está inserida a metáfora da transitividade, é

usado pela GSF para designar a variação na expressão de um dado significado em relação à

sua forma congruente (HALLIDAY, 1994; HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004;

THOMPSON, 2014). Ao adotar uma nova perspectiva para a metáfora, a GSF amplia o

conceito tradicional estabelecido pela teoria retórica, na qual a metáfora é definida apenas

como a variação no significado de uma palavra. Para a corrente sistêmico-funcional, a questão

que se coloca como relevante é o fato de existirem modos diferentes a partir dos quais os

significados podem ser expressos.

Segundo Halliday (1994), existem duas formas de expressar um significado: uma

forma congruente e uma metafórica. A representação congruente, ou menos marcada, é aquela

considerada como o modo mais comumente dito em uma determinada língua ou o modo que é

dito na ausência de qualquer circunstância especial (HALLIDAY, 1994). A título de exemplo,

Halliday (1994, p. 344) cita as construções em que ocorre a nominalização, como no caso a

seguir:

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Forma Congruente

À noite, os convidados tomaram sorvete e depois nadaram suavemente.

Forma Metafórica

A ceia de sorvete dos convidados foi seguida por um mergulho suave.38

Nesse par de cláusulas, é possível perceber, entre outras coisas, que, na forma

metafórica da representação, (i) o Processo comer e a circunstância à noite foram fundidos no

substantivo ceia, que passou a funcionar como o Participante Identificador do Processo

Relacional; (ii) o Processo nadar foi codificado como um nome (mergulho), funcionando

como núcleo do sintagma nominal; (iii) a circunstância depois foi codificada como um grupo

verbal (foi seguida), passando a funcionar como um Processo Relacional do tipo

Identificador.

Apesar de representarem variações na expressão de um estado das coisas não

linguísticas e, portanto, serem potencialmente correpresentacionais, as formas congruente e

metafórica não devem ser tratadas como sinônimas, visto que as diferentes codificações

contribuem de forma diferente para a construção do significado total (HALLIDAY: 1994, p.

344).

A nominalização, segundo os autores sistêmicos, é o tipo mais comum de metáfora

gramatical. Por meio desse recurso, os Processos (congruentemente organizados como

verbos) e as Propriedades (congruentemente organizadas como adjetivos) são

metaforicamente reformulados como substantivos, e em vez de funcionarem como Processo

ou Atributo, esses componentes funcionam como uma entidade no grupo nominal

(HALLIDAY e MATTHIESSEN: 2004, p. 656).

Neste estudo, a metáfora da transitividade está sendo considerada como o processo em

que uma nova expressão de significado surge em função de uma mudança de categoria no

interior do sistema léxico-gramatical. Em nosso corpus, foram identificados os seguintes

processos metafóricos:

1. um termo congruentemente circunstancial é estruturado como Participante Ator.

2. Um grupo nominal que congruentemente exerce a função de Participante Meta nas

cláusulas transitivas é estruturado como Participante Ator nas cláusulas intransitivas.

38 Traduções livres de In the evening the guests ate ice cream and then swam gently e The guests’ supper of ice cream was followed by a gentle swim (HALLIDAY: 1994, p. 344).

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Como parte do sistema de ergatividade, o Participante Ator representado no segundo

grupo de processos metafóricos recebe um tratamento diferenciado dentro da vertente

sistêmica: ele é chamado de Médio (Medium, em inglês). O Médio refere-se à entidade por

meio da qual o Processo passa a existir. Apesar de não ser o fazedor e nem o causador da

ação, esse Participante se encontra, de alguma forma, envolvido com a natureza do Processo

(HALLIDAY, 1994). Por considerarmos tal distinção relevante para a descrição dos

Processos, sempre que necessário, faremos referência à terminologia.

O esquema a seguir representa visualmente os processos de metáfora da transitividade

identificados nas cláusulas analisadas:

Circunstância

Forma Congruente Forma Metafórica

Participante Ator

Participante Meta Participante Ator (Médio)

FIGURA 14: Representação da metáfora da transitividade nas notícias jornalísticas.

A Figura 14 simula o que ocorre nos exemplos [43] e [44], citados anteriormente. As

representações seguintes permitem observar as formas mais congruentes dessas unidades

linguísticas, bem como evidencia as novas funções atribuídas aos componentes do sistema de

transitividade:

(i) Forma metafórica

[45] Novas normas restringem grandemente as viagens ao exterior. (E-B-94-Jn-022)

Novas normas restringem grandemente as viagens ao exterior

Participante Ator Processo Material Circunstância Participante Meta

QUADRO 23: Representação da forma metafórica do sistema de transitividade.

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(ii) Forma congruente

[45.1] [Alguém] restringe grandemente as viagens ao exterior por meio de novas

normas.

[Alguém]

restringe grandemente as viagens ao exterior

por meio de novas normas

Participante Ator

Processo Material

Circunstância Participante Meta

Circunstância

QUADRO 24: Representação da forma congruente do sistema de transitividade.

No exemplo [45], percebe-se que a configuração da expressão metafórica se deu por

meio da utilização de um termo com características circunstanciais (Novas normas) na função

de Ator do Processo.

No exemplo a seguir, a significação metafórica ocorre por meio da codificação de um

Ator com as típicas características de um Participante do tipo Meta (-volitivo, -instigador e

+afetado):

(i) Forma Metafórica

[46] Os tanques israelenses estacionaram ontem a 200metros do Palácio do Governo

do Líbano, anunciou a rádio oficial libanesa. (E-B-94-Jn-014)

Os tanques israelenses estacionaram ontem a 200 metros do Palácio do Governo do Líbano

Participante Ator Processo Material Circunstância

QUADRO 25: Representação da forma metafórica do sistema de transitividade.

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(ii) Forma congruente

[46.1] [Alguém] estacionou os tanques israelenses ontem a 200 metros do Palácio do

Governo do Líbano.

[Alguém] estacionou os tanques israelenses ontem a 200 metros do Palácio do Governo do

Líbano

Participante Ator

Processo Material

Participante Meta Circunstância

QUADRO 26: Representação da forma congruente do sistema de transitividade.

A ideia de que essas construções se constituem em expressões metafóricas do

significado é corroborada pela tensão existente entre o estrato da léxico-gramática e o estrato

da semântica. Nas cláusulas analisadas, a correspondência entre os estratos que formam o

sistema linguístico não é direta, visto que a representação da categoria Ator resguarda

algumas das propriedades dos componentes circunstância e Meta.

6.1.6.2. Casos de complementaridade

Em algumas situações, a expressão metafórica ocorre pela própria seleção do

predicador. Para melhor compreensão dessas ocorrências, observemos as relações simbólicas

elaboradas para os exemplos [47] e [48]:

[47] Urna eletrônica chega a interior do estado

Eleitores analfabetos demoram a votar e erram em simulação feita pelo TRE (E-

B-94-Jn-027)

[47.1] [Alguém] leva urna eletrônica para interior do estado

Eleitores analfabetos demoram a votar e erram em simulação feita pelo TRE (E-

B-94-Jn-027)

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[48] A Presidência da República cresceu, com a criação das secretarias de

Administração Federal, Assuntos Estratégicos, Ciência e Tecnologia, Cultura,

Meio Ambiente, Desenvolvimento Regional e Desportos. (E-B-94-Jn-022)

[48.1] [Alguém] ampliou a Presidência da República, com a criação das secretarias de

Administração Federal, Assuntos Estratégicos, Ciência e Tecnologia, Cultura,

Meio Ambiente, Desenvolvimento Regional e Desportos.

As relações simbólicas entre as cláusulas [47]-[47.1] e [48]-[48.1] são exatamente as

que se verificam entre algumas construções metafóricas (ergatividade) e as construções

transitivas mais congruentes: em [47] e [48], o Ator se assemelha a um Participante do tipo

Meta; em [47.1] e [48.1], o Ator representa uma entidade mais agentiva. Todavia,

diferentemente das codificações tratadas até aqui, nos exemplos supracitados, a relação que se

percebe não é a de uma expressão metafórica com movimento fictício de categorias no

interior da cláusula, mas, sim, a seleção de um predicador cuja forma congruente do sentido

somente pode ser elaborada a partir de outro predicador. Entendemos, então, que chegar/levar

e crescer/ampliar, nos contextos anteriormente citados, aparecem em pares, ligados pelo

significado. Um dos membros do par é do tipo mais transitivo (levar e ampliar), portanto,

com um Ator [-afetado], e o outro membro do par é do tipo intransitivo (chegar e crescer),

que admite o papel de paciente na função de Participante Ator – portanto, um Ator [+afetado].

Na análise dos dados, a metonímia revelou-se outro importante processo na elaboração

dos significados das notícias jornalísticas. Por isso, a seção seguinte fornece uma descrição

sucinta desse fenômeno, à luz da teoria cognitiva.

6.1.6.3. As expressões metonímicas

Assim como a metáfora, a metonímia sempre foi tratada pela retórica tradicional como

uma mera figura de linguagem, cujo conceito é limitado e simplista. Todavia, longe de ser um

processo simples de expressão, a metonímia representa um dos melhores exemplos da

plasticidade da linguagem, seja em nível enunciativo, pragmático ou textual (BONHOMME,

1987).

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Os estudos cognitivistas reforçam o questionamento acerca da natureza puramente

linguística da metonímia e a colocam como central em nossos processos cognitivos. Radden e

Kövecses (1999, p. 21), por exemplo, definem a metonímia como “um processo cognitivo em

que uma entidade conceitual, o veículo, fornece acesso mental para outra entidade conceitual,

o alvo, dentro do mesmo modelo cognitivo idealizado”. O conceito de metonímia defendido

por esses autores abarca, portanto, as seguintes propriedades:

(i) a metonímia é um fenômeno conceptual – faz parte da nossa maneira cotidiana de

pensar, ou seja, é fundamentada na experiência e está sujeita a princípios e estruturas gerais e

sistemáticas de nossos pensamentos e ações. O exemplo Ela é apenas um rosto bonito ilustra

a natureza conceitual geral da metonímia: obtemos a informação básica sobre uma pessoa a

partir do rosto dessa pessoa. Em nossa cultura, isso se reflete na tradição de retratos e

fotografias. A metonímia conceptual o rosto pela pessoa é, portanto, parte da nossa maneira

cotidiana de pensar sobre as pessoas.

A natureza conceptual da metonímia manifesta-se mais claramente na estrutura de

categorias, pois um membro de uma categoria pode estar para toda a categoria, gerando,

assim, efeitos de protótipo.

(ii) A metonímia é um fenômeno cognitivo – a visão tradicional define metonímia

como uma relação envolvendo substituição. Esse ponto de vista reflete-se na forma

geralmente usada para indicar processos metonímicos, a saber: X representa Y. No exemplo

Ela é apenas um rosto bonito, o nome rosto é, assim, considerado como um substituto para a

expressão pessoa, de modo que a sentença é assumida como significando Ela é apenas uma

pessoa bonita. Para a perspectiva cognitivista, no entanto, a metonímia não simplesmente

substitui uma entidade por outra, mas as relaciona para formar um novo significado. O

processo metonímico consiste em uma entidade conceitual (o ponto de referência)

proporcionando acesso mental para outra entidade conceitual (o alvo desejado).

(iii) A metonímia opera dentro de um modelo cognitivo idealizado – a noção de

contiguidade é o cerne da maior parte das definições de metonímia. As abordagens

tradicionais localizam as relações de contiguidade no mundo da realidade, enquanto as

abordagens cognitivistas as localizam no nível conceitual. Nessa perspectiva, a contiguidade é

pensada em termos de toda a gama de associações conceituais comumente relacionadas com

uma expressão. A contiguidade metonímica é descrita no âmbito dos modelos cognitivos

idealizados (MCIs), que inclui não só o conhecimento enciclopédico das pessoas acerca de

um domínio particular, mas também os modelos culturais envolvidos no processo.

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Embora não haja sempre uma distinção nítida entre a metáfora e a metonímia, os

estudos cognitivistas têm destacado o fato de que a metonímia tem função referencial e,

diferentemente da metáfora, que se dá entre dois domínios, a projeção metonímica envolve

apenas um domínio – denominado de domínio-matriz (CROFT e CRUSE, 2004; FERRARI,

2011; NASCIMENTO e PAIVA, 2011).

De acordo com a relação que expressam, as metonímias são classificadas nos

seguintes tipos (LAKOFF e JOHNSON: 2007, p. 76):

• PARTE PELO TODO: “Tenho um novo quatro portas.”

• PRODUTOR PELO PRODUTO: “Ele comprou um Ford.”

• OBJETO USADO PELO USUÁRIO: “Necessitamos de um luva melhor na terceira

base.”

• CONTROLADOR PELO CONTROLADO: “Napoleão perdeu em Waterloo.”

• INSTITUIÇÃO PELOS RESPONSÁVEIS: “O Senado pensa que o aborto é imoral.”

• LUGAR PELA INSTITUIÇÃO: “Hollywood não é o que costumava ser.”

• LUGAR PELO EVENTO: “Pearl Harbor ainda tem um efeito sobre nossa política

externa.”

No corpus desta pesquisa, foram encontradas relações metonímicas dos tipos

Instituição pelos responsáveis e Lugar pela instituição. As seguintes cláusulas exemplificam

essas relações:

[49] O Banco Central vai fixar uma nova taxa de câmbio, que se manterá fixa até o

governo entenda ser conveniente outro reajuste. (E-B-94-Jn-016)

[50] O Estado utilizará a Lei Delegada n° 4, que permite o fechamento de

estabelecimentos industriais e comerciais que não cumprirem as determinações.

(E-B-94-Jn-016)

No exemplo [49], indica-se a instituição financeira (O Banco Central) em vez de se

indicarem os nomes dos responsáveis pela fixação da nova taxa de câmbio. Já em [50],

recorre-se à expressão locativa O Estado para designar metonimicamente a instituição que ela

representa.

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Os processos metonímicos foram os grandes responsáveis pela função pragmático-

discursiva de indefinição do agente, como veremos na subseção seguinte. A omissão dos reais

agentes da ação expressa pode estar a serviço da função pragmática de construção de face.

Como exemplo dessa proposição, tomemos como modelo a seguinte notícia jornalística:

[51] Donos do Bateau Mouche estão foragidos na Espanha

Dez anos depois da tragédia, O GLOBO localiza os empresários

Passados dez anos do naufrágio do "Bateau Mouche IV", que afundou na Baía de

Guanabara no réveillon de 1988 matando 55 pessoas, dois de seus donos,

foragidos da Justiça brasileira, vivem e trabalham normalmente na Espanha.

Depois de dois meses de investigação, O GLOBO localizou os empresários

Avelino Fernandez Rivera e Faustino Puerlas Vidal na Galícia. Os dois fugiram

do país após terem a prisão preventiva decretada, em fevereiro de 1994, sob a

acusação de formação de quadrilha, falsificação de documentos e sonegação.

Rivera é sócio de duas concessionárias da Mercedes-Benz e uma da Mitsubishi,

em Vigo e Pontevedra. Faustino tem uma pequena participação nos negócios.

Localizado em Vigo, chegou a marcar um encontro com a equipe do GLOBO,

mas não apareceu. Por telefone, ficou surpreso ao ser descoberto: "Preciso

telefonar logo para o Rivera." Há quase 50 processos e ações tramitando na

Justiça sobre o caso. Ninguém está preso e nenhuma vítima recebeu indenização.

Páginas 16 e 19. (E-B-94-Jn-031)

O autor dessa notícia, por meio do processo metonímico Instituição pelos

responsáveis, constrói a face positiva da instituição jornalística O Globo, colocando em

evidência sua natureza investigativa e denunciadora. A metonímia foi empregada nas

seguintes cláusulas: Dez anos depois da tragédia, O GLOBO localiza os empresários e

Depois de dois meses de investigação, O GLOBO localizou os empresários Avelino

Fernandez Rivera e Faustino Puerlas Vidal na Galícia.

Como definem Brown e Levinson (1987, p. 61), face positiva é tudo aquilo que o

interlocutor exibe para obter aprovação ou reconhecimento, correspondendo ao desejo que as

pessoas têm de serem aceitas. Assim, ao atribuir à empresa O Globo as ações de localizar os

empresários responsabilizados pela tragédia que matou 55 pessoas e de denunciar o estado de

completa impunidade em que eles vivem, a notícia jornalística constrói a face positiva do

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jornal diante de seus leitores. O emprego da metonímia nesse contexto torna-se indispensável

pelo fato de a menção dos verdadeiros agentes da ação não surtir esse efeito pragmático-

discursivo.

Além de se revelar como um importante recurso para a construção de face, a

metonímia pode ser utilizada para conferir autoridade àqueles que realizam ações. Vejamos

essa questão na seguinte notícia:

[52] Índios protegem retirada ilegal de mogno

O Ibama e a Polícia Federal, em operação que mobilizou 70 agentes e fiscais e

um helicóptero, entraram na reserva dos índios caiapós, na Serra do Cachimbo

(PA), e descobriram um sistema organizado de retirada ilegal de mogno,

protegido por oito indígenas armados com carabinas calibre 22. Até então, sabia-

se que os índios eram coniventes, mas não que participavam diretamente da

exploração da mata. Doze homens brancos foram presos. Foram apreendidos 614

toras de mogno, avaliadas em R$ 1,5 milhão, quatro caminhões e uma

empilhadeira. A Funai enviou cinco funcionários para convencer os caciques de

que a fiscalização era necessária.Página 10. (E-B-94-Jn-028)

A notícia anteriormente transcrita versa sobre a atividade de retirada ilegal de mogno,

que contava com a conivência e a participação direta de alguns indígenas. Por se tratar de um

crime ambiental, foram introduzidas na narrativa algumas instituições federais, responsáveis

por fiscalizar e combater tal prática. Nesse contexto discursivo, o emprego da relação

metonímica Instituição pelos responsáveis (O Ibama e a Polícia Federal [...] entraram na

reserva dos índios caiapós) indica ao leitor que os agentes da ação expressa estavam

devidamente imbuídos de autoridade, outorgada pelas autarquias federais que representavam.

As expressões metonímicas O Ibama e a Polícia Federal remetem o leitor às entidades

responsáveis por inibir esse tipo de crime. Novamente, a simples menção do agente

individualizado não seria suficiente para denotar essa significação, o que, entre outros

aspectos, justifica o emprego da metonímia.

Pensar as construções metafóricas e metonímicas como elementos constituintes da

complexidade dos processos cognitivos na construção de sentido, como requer a abordagem

cognitivista da linguagem, é o que também se pretende neste trabalho. Assim, a fim de

prosseguirmos com nossa investigação acerca dos mecanismos utilizados na produção dos

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significados, apresentamos, a seguir, a dispersão do parâmetro Formas de expressão do

significado (FES) no grid map:

Formas congruentes Formas metonímicas Formas metafóricas

FIGURA 15: Dispersão do parâmetro Formas de expressão do significado (FES).

A dispersão do parâmetro Formas de expressão do significado (FES), representada

pela Figura 15, mostra que as expressões metafóricas, metonímicas e congruentes apresentam

características bastante definidas e acentuadas. Essa proposição encontra embasamento no

fato de os neurônios representativos de cada uma dessas configurações terem sido agrupados

de forma bastante compacta: no canto esquerdo do mapa topológico, encontram-se reunidas as

expressões mais congruentes (representadas pelos neurônios vermelhos); as construções

metonímicas, em sua maioria, ocupam a parte central da imagem (representadas pelos

neurônios verdes); e, finalmente, no canto direito da Figura 15, encontram-se reunidas as

expressões de natureza mais metafórica (representadas pelos neurônios azuis).

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Apesar de as formas congruentes terem sido as mais frequentes, a Figura 15 permite

que vislumbremos, ainda, a representatividade e, consequentemente, a importância das

expressões metafóricas e metonímicas na elaboração dos significados das notícias

jornalísticas. Essa relevância pode ser percebida por meio do percentual de ocorrência dessas

formas de expressão do sentido.

Quando comparados estatisticamente, os parâmetros Formas de expressão do

significado (FES) e Papel temático do sujeito (PTS) apresentam uma correlação alta,

atingindo a marca de 87% (cf. Tabela 1, p. 114). Essa correlação pode ser mais bem

interpretada por meio da Figura 15 (dispersão do parâmetro FES) e da Figura 13 (dispersão do

parâmetro PTS, cf. p. 138), também disponíveis no Anexo 4, tendo em vista os seguintes

aspectos:

(i) quando FES é 3 (forma mais congruente do significado, representada pelos

neurônios vermelhos), existe uma forte tendência de PTS ser 4 (papel de agente prototípico,

representado pelos neurônios vermelhos).

(ii) Quando FES é 2 (processos metonímicos, representados pelos neurônios verde-

escuros), PTS tende a ser 3 (papel de agente híbrido, representado pelos neurônios verde-

claros).

(iii) Quando FES é 1 (processos metafóricos, representados pelos neurônios azuis),

PTS tende a ser 1 e 2 (papéis de causa e de paciente, representados pelos neurônios verde-

escuros e azul-escuros).

A partir dessas constatações, verifica-se que há uma forte tendência de as formas

congruentes de elaboração do significado apresentarem um sujeito com características

agentivas prototípicas, conforme foi exemplificado em [43], em que a entidade instaurada

como Ator do Processo (Mohamed) possui as propriedades de volição e instigação. Como

lembrete, retomamos o referido exemplo:

[42] Em novembro de 1979, Mohamed enviou uma carta, assinada com seu próprio

nome, ao jornal Millyet, de Istambul, anunciando disposição de matar o Papa

João Paulo II durante sua visita à Turquia. (E-B-94-Jn-012)

A exceção a essa configuração pode ser vista nas estruturas em que uma forma menos

metafórica possui um sujeito paciente individualizado. Nesses casos, de acordo com o que já

foi mencionado, temos uma construção de processo, e não de ação. Em nosso corpus, poucas

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foram as ocorrências dessa natureza, o que contribuiu para o estabelecimento da alta

correlação entre os parâmetros Forma de expressão do significado (FES) e Papel temático do

sujeito (PTS). Como exemplo desse tipo de construção menos produtiva, citamos a cláusula

seguinte, em que o predicador atribui o papel de paciente ao SN individualizado O Papa

[João Paulo II]:

[53] O Papa [João Paulo II], com o rosto transtornado pela dor, apertou o abdômen e,

em seguida, caiu em cima de seu secretário particular. (E-B-94-Jn-012)

Nas formas metafóricas, por sua vez, o sujeito das cláusulas analisadas desempenhou

os papéis de causa (nas cláusulas transitivas) e de paciente (nas cláusulas intransitivas), cujas

características semânticas são, respectivamente, [-volitivo, +instigador, -afetado] e [-volitivo,

-instigador, +afetado]. Nos exemplos [43] e [44], citados no início desta subseção e retomados

a seguir, os sintagmas nominais Novas normas e Os tanques israelenses, codificados como

Ator dos Processos Materiais, desempenham, respectivamente, as funções de sujeito causativo

e de sujeito paciente.

[43] Novas normas restringem grandemente as viagens ao exterior. (E-B-94-Jn-022)

[44] Os tanques israelenses estacionaram ontem a 200metros do Palácio do Governo

do Líbano, anunciou a rádio oficial libanesa. (E-B-94-Jn-014)

Ainda no que tange às expressões não congruentes, um exame mais sistemático

mostrou que a maioria das construções processuais – aquelas em que o sujeito exerce a função

de paciente da ação, e não a de agente – é fruto de rearranjo metafórico. Essa correlação pode

ser mais bem observada por meio das figuras de dispersão dos parâmetros Formas de

expressão do significado (FES – Figura 15) e Tipos de fazeres Materiais (TIF – Figura 12, p.

127), também disponíveis no Anexo 4, que permitem entrever a seguinte analogia: quando

FES é 1 (construções metafóricas, representadas pelos neurônios azuis), TIF também tende a

ser 1 (construções processuais, representadas pelos neurônios azuis). Como exemplo dessa

relação, citamos as seguintes cláusulas, construídas com os verbos parar e repicar:

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[54] O presidente do PP, senador Tancredo Neves, acusou ontem os governadores de

estarem articulando um movimento para impedir a eleição direta dos seus

sucessores em 1982 e denunciou que eles são apoiados por "importantes pessoas

da esfera do Governo". Reafirmou que a distensão política parou e frisou: "Fazer

abertura sem Constituinte é fazer da abertura uma balela, um engodo. (E-B-94-

Jn-011)

[55] Quando Ulysses Guimarães declarar promulgada a Constituição, a oitava na

história do Brasil, e a quarta emanada de um legítimo poder constituinte, os

sinos repicarão em todo o país. (E-B-94-Jn-019)

Conforme se vê nos fragmentos [54] e [55], o procedimento metafórico percebido nas

cláusulas processuais é o estabelecimento de um termo congruentemente Meta na função de

Ator. No contexto das notícias jornalísticas, essas representações (ergativas) resguardam

grande relevância discursiva, justificada, entre outros aspectos, pela capacidade que possuem

de atribuir forte impressão de atividade como propósito, ainda que, na verdade, apresentem

uma consequência como o fator mais proeminente.

O parâmetro descrito na seção subsequente coloca em evidência algumas das funções

pragmáticas e discursivas desempenhadas pelas estruturas retratadas aqui.

6.1.7. Objetivos pragmático-discursivos

Por meio do parâmetro objetivos pragmáticos discursivos (OPD), objetiva-se mostrar

alguns dos propósitos comunicativos motivadores das estruturas gramaticais. Antes, porém,

de focarmos nessa relação, julgamos relevante enfatizar as diferenças existentes entre as

funções de Tema, de Sujeito e de Ator, segundo a perspectiva sistêmico-funcional.

Para a LSF, cada uma das três formas (Tema, Sujeito e Ator) parte de uma

configuração funcional diferente, tornando-se uma vertente separada no significado global da

cláusula. Halliday e Matthiessen (2004, p. 58) definem essas diferentes vertentes do

significado da seguinte forma:

1. O Tema funciona na estrutura da cláusula como uma mensagem. Nessa perspectiva,

o significado de uma cláusula é o de mensagem, ou seja, a cláusula, como mensagem,

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sistematiza os significados experienciais e interpessoais. O Tema se coloca como o ponto de

partida para a mensagem; ele é o elemento que o locutor relaciona para fundamentar o que

será dito.

2. O Sujeito funciona na estrutura da cláusula como uma troca. Nessa perspectiva, o

significado de uma cláusula é o de troca, ou seja, de uma transação entre falante e ouvinte. O

Sujeito é a garantia da troca; ele é o elemento que o falante torna responsável pela validade do

que está sendo dito.

3. O Ator funciona na estrutura da cláusula como uma representação. Nessa

perspectiva, a cláusula tem sentido como uma representação, ou seja, uma interpretação de

algum processo na experiência humana contínua. Nos eventos mais prototípicos, o Ator é o

Participante ativo no Processo; ele é o elemento que o falante retrata como aquele que faz a

ação.

Ao separar as funções de Tema, Sujeito e Ator, a teoria sistêmico-funcional busca

mostrar que a cláusula é uma entidade composta, ou seja, é constituída não apenas de uma

dimensão estrutural, mas de três, e cada uma delas interpreta um significado distinto. A

distinção feita entre “cláusula como mensagem”, “cláusula como troca” e “cláusula como

representação” diz respeito, de forma mais ampla, às metafunções da linguagem, um dos

conceitos básicos em torno dos quais a teoria sistêmica é construída.

No uso real da linguagem, as três funções podem ocorrer na cláusula separadamente,

como em:

Este bule minha tia ganhou do duque39

Tema Sujeito Ator

QUADRO 27: Tema, Sujeito e Ator realizados por diferentes grupos nominais.

ou integradas ao mesmo termo, como em

39 Tradução livre de this teapot my aunt was given by the Duke (HALLIDAY e MATTHIESSEN: 2004, p. 57).

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O duque deu à minha tia este bule40

Tema

Sujeito

Ator

QUADRO 28: Tema, Sujeito e Ator realizados pelo mesmo grupo nominal.

Atinente aos dados tomados como corpus para esta pesquisa, na maioria das

ocorrências, as funções de Tema, Sujeito e Ator coexistiram em um mesmo sintagma

nominal. No que concerne às três funções, as estruturas exibidas a seguir exemplificam o

padrão ao qual a maioria das cláusulas (61% das ocorrências) esteve submetida:

O primeiro-secretário do PC polonês

Caderneta

O plano de ajuste anunciado por Collor

enviou telegrama desejando "rápida recuperação do Papa." (E-B-94-Jn-012)

dá 14,93% este mês. (E-B-94-Jn-016)

mexe com virtualmente tudo na vida dos brasileiros. (E-B-94-Jn-022)

Tema

Sujeito

Ator

QUADRO 29: Modelo de representação das funções Tema, Sujeito e Ator nas notícias jornalísticas.

As estruturas em que as funções de Tema, de Sujeito e de Ator são confundidas em um

único elemento constituem o uso mais típico, ou seja, a forma não-marcada da cláusula

declarativa. Conforme temos visto aqui, essa forma de codificação da cláusula gera sentidos

diversos e cumpre papéis comunicativos bastante relevantes nas notícias jornalísticas. Ao

relacionarmos a forma gramatical aos propósitos pragmático-discursivos, identificamos as

seguintes funções para as configurações das cláusulas Materiais:

1. Individualização do Participante inerente: o Participante Ator é codificado por SNs

com nomes próprios, ou seja, os sintagmas nominais têm como núcleo indivíduos. Nesse tipo

40 Tradução livre de the duke gave my aunt this teapot (HALLIDAY e MATTHIESSEN: 2004, p. 56).

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de codificação, atesta-se a intencionalidade em expor a pessoa responsável pela ação

expressa. Como exemplos, citam-se os fragmentos a seguir, em que os SNs O Presidente

Figueiredo e Sarney são os sujeitos agentivos dos Processos Materiais.

[56] O Presidente Figueiredo, que recebeu a notícia quando almoçava no Regimento

de Cavalaria de guarda, enviou mensagem na qual faz os seus "desejos e as

preces de toda a nação brasileira pela pronta recuperação de Vossa Santidade."

(E-B-94-Jn-012)

[57] Sarney lança plano da Inflação Zero. Todos os preços estão congelados. Salário

mínimo aumenta amanhã. Cruzado substitui o cruzeiro. Caderneta dá 14,93%

este mês. Poupança renderá por trimestre. ORTN deixa de ser reajustável

O Presidente José Sarney, ante a perspectiva de a inflação este ano alcançar

500%, resolveu aditar medidas de choque que serão anunciadas hoje às 10h em

cadeia nacional de rádio e televisão. O plano tem o objetivo de obter taxa zero de

inflação a curtíssimo prazo. (E-B-94-Jn-016)

2. Generalidade: o Ator é codificado por SNs lexicais genéricos, ou seja, os sintagmas

nominais têm como núcleo um substantivo, modificado ou não. Os sujeitos agentivos são

designados pelo grupo ao qual pertencem, e não de forma individualizada, como nos

exemplos anteriores. O objetivo é estender a agentividade à espécie41 como um todo ou a

parte dela, como se observa nos exemplos a seguir, em que os indivíduos que compõem os

grupos aludidos por meio dos termos O Poder Judiciário, Os funcionários públicos, Os

Estados, Operários da Ford e trabalhadores da Ford do Brasil se encontram unanimemente

comprometidos com as ações:

[58] Regime do AI-5 acaba à meia - noite de hoje

A meia – noite de hoje o Brasil sai do mais longo período ditatorial de sua

História. Dez anos e 18 dias depois de sua edição, o Ato Institucional no 5 que

suspendeu liberdades individuais, eliminou o equilíbrio entre os Poderes e deu

atribuições excepcionais ao Presidente da República, encerra sua existência.

[...] 41 O termo espécie está sendo usado no sentido de “grupos de entidades definidas culturalmente mediante alguma propriedade comum” (MÜLLER, 2003).

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A partir de meia-noite

[...]

- O Poder Judiciário recupera suas prerrogativas.

- Os funcionários públicos recuperam o direito de só sofrerem punição de

acordo com as leis. O Executivo não pode mais demiti-los ou aposentá-los.

- O Direito brasileiro livra-se da pena de morte, da prisão perpétua e do

banimento.

- Os Estados recuperam parte de sua autonomia. O Executivo não pode mais

colocá-los sob intervenção sem licença do Congresso.

- Desapareceram da legislação nacional as siglas AI (Ato Institucional) e AC (Ato

Complementar). (E-B-94-Jn-006)

[59] Operários da Ford seguem os da Mercedes Benz e criam comissão de salários

São Paulo O Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema confirmou

ontem que nos últimos dias houve ligeiras paralisações do trabalho em setores da

indústria, mas desmentiu que os trabalhadores tenham feito greve. O vice-

presidente do Sindicato, Rubens Teodoro de Arruda, informou que as

paralisações tiveram por objetivo, essencialmente a formação de comissões para

discutir salários.

A exemplo do que ocorreu na Mercedes Benz do Brasil no mês passado,

trabalhadores da Ford do Brasil formaram comissões para discutir salário com

a gerência industrial da empresa. Na Mercedes, um grupo de operários

manifestou-se descontente com o aumento de 39% concedido pelo Governo. O

mesmo ocorre na Ford e, segundo o Sr, Rubens de Arruda, poderão ocorrer casos

semelhantes em outras indústrias, "pois estamos sentindo um descontentamento

generalizado entre os metalúrgicos". (E-B-94-Jn-005)

3. Indefinição do agente: o Ator é representado por SNs lexicais, cujos referentes, na

maioria das vezes, são organizações social e legalmente instituídas. Nesse tipo de construção,

o real sujeito agentivo é colocado em um plano secundário na comunicação. Nos exemplos

que se seguem, as expressões referenciais Congresso e STM (Superior Tribunal Militar),

representativas das funções de Ator e de Sujeito, resguardam a identidade dos deputados e dos

ministros responsáveis pela rejeição às eleições diretas para a presidência da república e pelo

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arquivamento do inquérito referente ao atentado no Rio Centro. As ações de rejeição e de

arquivamento são atribuídas, de forma genérica, às instituições governamentais.

[60] CONGRESSO REJEITA DIRETAS

Ao final de mais de 60 discursos, numa das mais longas (16 horas) e tensas

sessões de sua história, o Congresso Nacional rejeitou as primeiras horas de hoje,

por não ter alcançado quorum constitucional, a emenda Dante de Oliveira que

previa eleições diretas já para a Presidência da República. Houve 298 votos

favoráveis, 65 contrários e 3 abstenções. Não compareceram 113 deputados. As

ausências - estratégia do PDS – provocaram a rejeição da emenda. A aprovação

exigia 320 votos para, a seguir, a proposta ser submetida ao Senado. Foi, sem

dúvida, a votação mais vivamente acompanhada pelo povo: 7 mil pessoas nos

jardins em torno do Congresso e 1 nas 200 nas galerias. (E-B-94-Jn-015)

[61] STM (Superior Tribunal Militar) arquiva Riocentro em definito por 10 a 4

O Superior Tribunal Militar por 10 votos a quatro, manteve o arquivamento

definitivo do IPM do Riocentro, ao contrariar o voto do Ministro Júlio

Bierremabach, que pediu a abertura de novo inquérito para que o Capitão Wilson

Ma- | [corroído] fosse ouvido em uma Auditoria como acusado "a menos que o

Ministério Público [corroído] descrédito." (E-B-94-Jn-013)

4. Ocultação do agente: apesar de as funções de Ator e de sujeito estarem

explicitamente marcadas nesse tipo de representação, não é possível identificar o agente da

ação verbal. Nota-se a intencionalidade de não identificar, expor ou comprometer o agente do

Processo de mudança. Como exemplo desse tipo de ocorrência, citamos os textos [62] e [63],

em que os sintagmas nominais Bateau Mouche IV e o adjetivo guanabarino preenchem as

funções semântica e sintática de Ator e de sujeito, porém, são parte de uma estratégia

discursiva, cujo objetivo é a indeterminação referencial dos instigadores das ações

representadas pelos verbos afundar e desaparecer.

[62] Donos do Bateau Mouche estão foragidos na Espanha

Dez anos depois da tragédia, O GLOBO localiza os empresários

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Passados dez anos do naufrágio do "Bateau Mouche IV", que afundou na Baía de

Guanabara no réveillon de 1988 matando 55 pessoas, dois de seus donos,

foragidos da Justiça brasileira, vivem e trabalham normalmente na Espanha.

Depois de dois meses de investigação, O GLOBO localizou os empresários

Avelino Fernandez Rivera e Faustino Puerlas Vidal na Galícia. Os dois fugiram

do país após terem a prisão preventiva decretada, em fevereiro de 1994, sob a

acusação de formação de quadrilha, falsificação de documentos e sonegação.

Rivera é sócio de duas concessionárias da Mercedes-Benz e uma da Mitsubishi,

em Vigo e Pontevedra. Faustino tem uma pequena participação nos negócios.

Localizado em Vigo, chegou a marcar um encontro com a equipe do GLOBO,

mas não apareceu. Por telefone, ficou surpreso ao ser descoberto: "Preciso

telefonar logo par o Rivera." Há quase 50 processos e ações tramitando na Justiça

sobre o caso. Ninguém está preso e nenhuma vítima recebeu indenização. Páginas

16 e 19. (E-B-94-Jn-031)

[63] ESCOLA DA NOTÍCIA UMA AULA VIVA DA FUSÃO DEPARTAMENTO

EDUCACIONAL

A partir de hoje, os cariocas da "mui | leal e heróica" Cidade de São Sebastião do

Rio de Janeiro – título outorgado por D. Pedro I em 9 de janeiro de 1823 e os

fluminenses da antiga província e do território de v á r i a s | Capitanias de que

deram notícia, pela primeira vez, os navegantes Américo Vespúcio e André

Gonçalves em 1502 (descoberta de Angra dos Reis) são conterraneos do mesmo

Estado. Com a fusão, além de toda polêmica sobre suas vantagens e

desvantagens, há pelo menos uma boa consequência imediata: desaparece o

adjetivo guanabarino, definitivamente não pegou. Guanabara voltará a ser apenas

nome de baía e aí está bem – e de logradouros públicos. O novo Estado e sua

nova capital assumem sua identidade através de uma mesma denominação – Rio

de Janeiro – e de vontade comum de enfrentar os desafios e problemas de uma

unidade da Federação que é a segunda em importância econômica, a terceira em

população – só superada por São Paulo e Minas – e a primeira em significado e

projeção cultural. (E-B-94-Jn-001)

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Tendo em vista essas especificidades, percebemos que, se nas codificações

indefinidas, a entidade instigadora do Processo é apontada de forma mais pluralizada e

imprecisa, na ocultação, a entidade instigadora é plenamente apagada, não podendo, de forma

alguma, ser identificada nos limites da notícia jornalística.

5. Tematização: nesse tipo de estrutura, as funções de Ator, de Sujeito e de Tema são

compiladas em SNs não-agentivos. Todavia, como a entidade instigadora do Processo

Material pode ser recuperada no ambiente textual (diferentemente daquilo que acontece nas

codificações mencionadas no item anterior), esses SNs funcionam exclusivamente como a

informação mais relevante da cláusula e, ainda, como o ponto de partida para a mensagem a

ser veiculada nela. A utilização de tais estruturas é exemplificada a seguir:

[64] Carta entra em vigor hoje

Depois de exatos 8.955 dias de incertezas institucionais a contar do dia 31 de

março de 1964, o Brasil inaugura hoje uma nova era. Por volta das 15h, na

Tribuna do Congresso Nacional, perante o presidente José Sarney, o presidente

do Supremo Tribunal Federal, Rafaell Mayer, deputados, senadores,

governadores e representantes de 30 países, o presidente da Assembléia Nacional

Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, dirá: "Declaro promulgada a

Constituição da República Federativa do Brasil."

A nova Constituição entrará imediatamente em vigor. A partir desse momento,

por exemplo, ninguém poderá ser preso a não ser em flagrante ou com expressa

ordem judicial, nem um empregado poderá ser demitido sem receber multa no

valor de 40% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Uma risada dissolveu

as últimas dúvidas a respeito da entrada em vigor da Carta - única reação do

presidente do Supremo Tribunal Federal quando lhe perguntaram se não seria

preciso esperar a publicação pelo Diário Oficial. (E-B-94-Jn-019)

[65] REFORMA DE COLLOR FAZ TERREMOTO NA ECONOMIA

Em seu primeiro dia de governo, o presidente Fernando Collor de Mello colocou

em funcionamento, ontem, o mais amplo, radical e audacioso plano econômico já

experimentado no Brasil, cujo elemento mais explosivo é um bloqueio em contas

correntes, cadernetas de poupança, over-night e demais aplicações financeiras

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que configura um virtual confisco de extensa parcela do dinheiro em poder das

pessoas e das empresas. "Não temos alternativas", disse Collor, durante a reunião

em que, presentes seus ministros e líderes partidários, anunciou as linhas gerais

do plano, às 7h da manhã. "O Brasil não aceita mais derrotas. Agora é vencer ou

vencer. Que Deus nos ajude." (E-B-94-Jn-022)

Nas notícias supracitadas, o enunciador institui os sintagmas lexicais Uma risada e

Reforma de Collor como Ator, Sujeito e Tema das cláusulas Uma risada dissolveu as últimas

dúvidas a respeito da entrada em vigor da Carta e Reforma de Collor faz terremoto na

economia. Nesses contextos discursivos, no entanto, as entidades humanas responsáveis pelas

ações podem ser identificadas no próprio texto, por meio, por exemplo, do aposto única

reação do presidente do Supremo Tribunal Federal [Rafaell Mayer] e da locução adjetiva de

Collor. As cláusulas em destaque poderiam, portanto, ser parafraseadas das seguintes formas:

[64.1] O presidente do Supremo Tribunal Federal, Rafaell Mayer, dissolveu as últimas

dúvidas a respeito da entrada em vigor da Carta com uma risada.

[65.1] Collor faz terremoto na economia por meio de reforma econômica.

A tabela a seguir mostra o percentual de ocorrência dos objetivos pragmático-

discursivos encontrados nas notícias jornalísticas:

Objetivos pragmático-discursivos Quantidade Percentual

Individualização 40 31%

Indefinição 29 22%

Ocultação 24 19%

Tematização 19 14%

Generalidade 19 14%

Total 131 100%

TABELA 4: Percentual de ocorrência dos objetivos pragmático-discursivos nas notícias jornalísticas.

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Como podemos ver na Tabela 4, as cláusulas com Ator e Sujeito codificados por um

SN individualizado foram as mais frequentes. Acerca dessas ocorrências, destacamos o fato

de as notícias com temas policiais terem sido o ambiente mais propício, em termos

percentuais, para a ocorrência de um Ator individualizado. Apesar de as notícias com tema

político terem sido, de longe, as mais frequentes (61% do total), 40% das individualizações

foram encontradas em notícias com tema policial – que representaram apenas 19% do total

dos assuntos abordados. Essa configuração pode ser motivada pelo critério de personalização,

ou seja, de valorização dos indivíduos envolvidos no ato criminoso ou de infração.

A dispersão do parâmetro Objetivos pragmático-discursivos (OPD) sobre o grid map

se deu da seguinte forma:

Individualização Generalidade Indefinição

Tematização Ocultação

FIGURA 16: Dispersão do parâmetro Objetivos pragmático-discursivos (OPD).

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A dispersão retratada na Figura 16 atesta, visualmente, as frequências exibidas na

Tabela 4: as cláusulas com o agente individualizado foram as mais recorrentes (representadas

pelos neurônios vermelhos). Na sequência, aparecem as cláusulas com um agente mais

indefinido (representadas pelos neurônios verdes), seguidas pelas cláusulas em que o agente

foi ocultado (representadas pelos neurônios azul-escuros), e, por último, com o mesmo

número de ocorrências, se encontram as cláusulas que configuram os objetivos tematização

(representadas pelos neurônios azul-claros) e generalidade (representadas pelos neurônios

amarelos).

A correlação entre os parâmetros Objetivos pragmático-discursivos (OPD) e Formas

de Expressão do significado (FES) também foi bastante forte, atingindo o percentual de 92%

(cf. Tabela 1, p. 114). Acerca dessa correlação, as Figuras 16 (dispersão do parâmetro OPD) e

15 (dispersão do parâmetro FES, cf. p. 152), também disponíveis no Anexo 4, assinalam as

seguintes tendências:

(i) quando OPD é 5 (Individualização, representada pelos neurônios vermelhos), FES

tende a ser 3 (forma mais congruente do significado, representada pelos neurônios

vermelhos).

(ii) Quando OPD é 3 (Indefinição, representada pelos neurônios verdes), FES tende a

ser 2 (forma metonímica do significado, representada pelos neurônios verdes).

(iii) Quando OPD é 1 e 2 (Ocultação e Tematização, representadas pelos neurônios

azul-escuros e azul-claros), FES tende a ser 1 (forma mais metafórica do significado,

representada pelos neurônios azuis).

A partir dessas tendências, verifica-se que, se a maioria das formas mais congruentes

de expressão do significado codifica um Ator individualizado, ou seja, se nesse tipo de

estrutura expõe-se o indivíduo responsável pela ação, o inverso ocorre com as expressões

metonímicas e metafóricas. A análise sistemática dos dados pressupõe que a metonímia e a

metáfora da transitividade, no contexto discursivo em questão, se revelam como recursos

muito importantes para os casos em que o que se deseja é a omissão do real agente dos

eventos narrados. O uso mais frequente das expressões metafóricas com fins de ocultação do

agente corrobora essa proposição.

A seguir, discorreremos acerca do oitavo parâmetro selecionado para descrição dos

dados desta tese. Denominado de Expansão dos Processos Materiais, esse parâmetro visa a

descrever os elementos utilizados para expandir o significado das cláusulas, como

Participantes adicionais, elementos circunstanciais e sintagmas correferenciais.

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6.1.8. Expansão dos Processos Materiais

Nos Processos Materiais, encontramos dois Participantes inerentes: o Ator, nas

cláusulas transitivas e também nas intransitivas, e a Meta, nas cláusulas transitivas. Em adição

a essas duas funções, há outros papéis participantes e alguns sintagmas circunstanciais que

podem estar envolvidos em uma construção do tipo Material. Por isso, nesta parte do trabalho,

por meio do parâmetro Expansão dos Processos Materiais, abarcaremos os termos que

expandem o significado das cláusulas Materiais, tais como os Participantes adicionais e os

grupos circunstanciais.

A teoria sistêmica identifica três relações lógico-semânticas de expansão de uma

cláusula Material: a elaboração, a extensão e o realce (HALLIDAY e MATTHIESSEN,

2004; 2013).

Na elaboração, um termo expande o significado de outro, especificando-o,

comentando-o, reformulando-o, ou ainda, apresentando exemplos. São exemplos de expansão

por elaboração:

Escopo (Processo) – como em Eles jogaram um jogo de tênis, em que o Escopo um

jogo de tênis especifica o tipo de Processo.

Escopo (Entidade) – como em Eles tocaram o piano, em que o Escopo o piano indica

o domínio sobre o qual o Processo ocorre.

Atributo qualitativo – como em Ela pintou a casa de vermelho, em que vermelho serve

como um atributo especificando o estado qualitativo da Meta após a conclusão do Processo.

Produto resultativo – como em Eles o cortaram em cubos, em que em cubos

especifica o estado resultativo da Meta após a finalização da ação.

Na extensão, um termo expande o significado da cláusula Material adicionando a esta

algum elemento novo. São exemplos de expansão por extensão:

Beneficiário – presente em cláusulas que denotam a transferência na posse de bens,

esse Participante aparece somente nas cláusulas Materiais transitivas, ou seja, cláusulas do

tipo “estendendo”, como em Deram-lhe uma casa, em que a entidade referenciada pelo

pronome lhe figura como o Beneficiário da ação.

O Participante Beneficiário é comumente identificado pelas gramáticas como sendo o

objeto indireto.

Acompanhamento – é uma forma de participação conjunta no Processo e representa os

significados circunstanciais com quem e com o quê? É expresso por sintagmas

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preposicionados, com preposições como com, sem, além disso, em vez de. Esse elemento varia

numa escala de um coparticipante, como o sintagma preposicionado com seu filho de 18 anos

em O chefe Basílio Amanatidis vai voar para fora de Adelaide com seu filho de 18 anos na

terça-feira, a um “apêndice” de um dos Participantes, como o sintagma preposicionado com

suas luvas de boxe em Ele costumava ir para a cama todas as noites com suas luvas de boxe.

Na expansão por realce, um termo realça o significado do Processo, fornecendo

características circunstanciais de tempo, lugar, causa ou condição. São exemplos de realce:

Escopo (Entidade) – como em Ela atravessou a sala, em que o Escopo a sala

especifica a localização do movimento.

Lugar – interpreta o lugar onde o Processo se desenrolou. Inclui não somente o local

estático no espaço, mas também a fonte, o trajeto de circulação e o destino, como em Ela

cruzou o quarto para o canto oposto e Ela o jogou do outro lado da sala, em que os

sintagmas para o canto oposto e do outro lado da sala42 constituem as circunstâncias

locativas das cláusulas Materiais intransitiva e transitiva, respectivamente.

Fornecido o panorama genérico acerca da expansão dos Processos Materiais,

passaremos à descrição dessas relações lógico-semânticas nas cláusulas que constituem o

corpus desta pesquisa. Como ponto de partida, analisaremos as expansões por elaboração

identificadas nas construções que constituem os textos jornalísticos. A expansão por

elaboração deu-se das seguintes formas:

1. Escopo (Processo) – em determinadas construções, dada a vacuidade do Processo, o

Escopo se torna responsável pela própria significação do grupo verbal. Dito de outra forma,

Processos como fazer e tomar, em construções como nós fazemos demonstração / nós

fazemos instalação e nós tomamos decisão / nós tomamos atitude, parecem estar vazios,

sendo que a diferença entre seus significados reside no próprio Escopo. Uma vez substituídos

por estruturas sem esse argumento, tem-se a especificação do sentido trazido pelos Processos,

como nós demonstramos / nós instalamos, nós decidimos / nós agimos (LIMA-LOPES e

VENTURA, 2008). A título de exemplificação, consideremos o seguinte excerto de notícia:

42 Os exemplos em itálico são traduções livres de They played a game of tennis, They played the piano, She painted the house red, They cut it into cubes, They gave him a house, They built me a house, Mary played a melody for me, Restaurateur and chef Basil Amanatidis Will fly out of Adelaide with his 18-year-old sono n Tuesday, He used to go to bed here every night with his boxing gloves, She crossed the room, She crossed the room into the opposite corner, She threw it across the room (HALLIDAY e MATTHIESSEN: 2004, p. 189).

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[66] REFORMA DE COLLOR FAZ TERREMOTO NA ECONOMIA

Em seu primeiro dia de governo, o presidente Fernando Collor de Mello colocou

em funcionamento, ontem, o mais amplo, radical e audacioso plano econômico já

experimentado no Brasil, cujo elemento mais explosivo é um bloqueio em contas

correntes, cadernetas de poupança, over-night e demais aplicações financeiras

que configura um virtual confisco de extensa parcela do dinheiro em poder das

pessoas e das empresas. "Não temos alternativas", disse Collor, durante a reunião

em que, presentes seus ministros e líderes partidários, anunciou as linhas gerais

do plano, às 7h da manhã. "O Brasil não aceita mais derrotas. Agora é vencer ou

vencer. Que Deus nos ajude." [...] (E-B-94-Jn-022)

Em Reforma de Collor faz terremoto na economia, o Escopo terremoto especifica o

verbo fazer e forma com ele uma unidade semântica. Com essa estruturação, a ênfase recai

sobre o sintagma nominal, que, no casso dessa notícia, evidencia, por meio da escolha lexical,

o significativo impacto que o plano de ajuste instaurado pelo presidente Fernando Collor de

Mello causou na economia brasileira.

2. Escopo (Entidade) – como em

[67] Operários da Ford seguem os da Mercedes Benz e criam comissão de salários (E-

B-94-Jn-005),

em que o complemento do verbo seguir (os [operários] da Mercedes Benz) especifica a

extensão do Processo, mas não é modificado por ele.

3. Produto resultativo – nesse tipo de estrutura, focaliza-se o produto resultante da

ação verbal, como no exemplo seguinte, em que o resultado da mudança expressa no Processo

é a transformação do Rio de Janeiro em município neutro. O sintagma preposicionado,

portanto, representa o estado final da Meta.

[68] A cidade do Rio de Janeiro e a província fluminense viviam natural e

politicamente integrados até o Ato Adicional de 1834 à Constituição de 1824

que transforma o Rio em município neutro. (E-B-94-Jn-001)

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4. Correferente – por meio de um aposto não restritivo, o enunciador promove uma

apresentação mais explícita do referente, garantindo sua plena identificação por parte do

leitor. No exemplo adiante, o termo D. Ivonete elabora o significado da expressão a secretária

de Lula, especificando-a.

[69] Frei Beto atendeu a todos os telefonemas e recebeu a secretária de Lula, D.

Ivonete, que foi lá à procura de instruções. (E-B-94-Jn-008)

Quanto à elaboração por extensão, identificamos os seguintes elementos adicionais:

1. Beneficiário – no fragmento seguinte, a entidade representada pelo SN presidente

eleito Fernando Collor de Melo se beneficia com o percentual de 96,79% dos votos de todo o

país, por isso, se configura como um Beneficiário da ação.

[70] A totalização dos 96,79% dos votos de todo o país, divulgada às 22h13de ontem

pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dava ao presidente eleito Fernando

Collor de Mello uma vantagem de 3,4 milhões de votos sobre seu adversário do

PT, Luís Inácio Lula da Silva, Collor tinha 52,6% dos votos válidos - em números

absolutos 33.933.407 votos – e Lula, 47,38% - ou 30.555.765 votos. (E-B-94-Jn-

021)

2. Receptivo (ou Destinatário) – diz respeito ao Participante a quem se destina a ação

verbal. Como exemplo de Participante Receptivo, citamos a entidade Governo federal,

codificada no seguinte fragmento:

[71] Logo esquecida, a idéia renasce em janeiro de 1970, quando a Federação das

Indústrias do Estado da Guanabara (FIEGA) entrega ao Governo federal um

estudo e anteprojeto de lei complementar, sugerindo a medida como um remédio

para a estagnação industrial do Estado-município. (E-B-94-Jn-001)

A GSF não diferencia, em seu arcabouço teórico, os Participantes Beneficiário e

Receptivo. Todavia, pelo fato de este Participante não ser, exatamente, beneficiado ou afetado

pelo Processo, concebemos essa especificação na descrição dos dados linguísticos em análise

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nesta investigação. Por intermédio dos exemplos [70] e [71], percebe-se que, em [70], a

entidade é favorecida pelo desdobramento da ação; em contrapartida, em [71], a entidade é

apenas o destino final do Processo.

Nas notícias analisadas, a maioria dos Participantes Beneficiário e Receptivo foi

representada por um grupo nominal denotando instituições governamentais, religiosas e

empresariais, como Governo Federal, Congresso, Vaticano e jornal Millyet (representando o

percentual de 71% do total de cláusulas com três Participantes). Esse resultado indica que

essas construções, no contexto analisado, codificam experiências da esfera pública, ou seja, de

natureza mais coletiva.

Quanto à ordenação dos constituintes sintáticos, a frequência maior ocorreu com o

SPrep codificado antes do objeto direto, corroborando o padrão sintático encontrado por

Furtado da Cunha (2013). Em termos pragmáticos, a frequência da configuração SN SV

SPrep SN aponta para o fato de o Beneficiário e o Receptivo ocuparem um status mais

proeminente e mais topicalizado na cláusula, quando comparados ao objeto direto.

3. Acompanhamento – este elemento representa o significado ‘e’ como circunstancial.

É expresso por sintagmas preposicionados, como com, e responde à pergunta e quem? Na

cláusula seguinte, a expressão preposicionada com 270 oficiais das três Forças codifica esse

tipo de extensão.

[72] Ao discursar ontem na Vila Militar, onde almoçou com 270 oficiais das três

Forças em comemoração ao 13o aniversário da Revolução de 64 o Presidente da

República garantiu que a reforma do Judiciário será feita. Ele atribuiu a rejeição

do projeto, pelo Congresso, à situação "de uma minoria que praticamente, dentro

do Congresso, se transformou na ditadura." (E-B-94-Jn-003)

Quanto à expansão por realce, foram encontradas as seguintes categorias

circunstanciais:

1. Localização espacial – responsável por construir o desdobramento do Processo no

espaço. Dada a diversidade semântica das ações expressas, subdividiu-se essa classe da

seguinte forma:

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1.1. Localização espacial (onde):

[73] Mohamed Ali Agca, 23 anos, entrou na Itália há duas semanas, vindo da

Espanha, desembarcando em Milão. (E-B-94-Jn-012)

[74] Passagem de ônibus sobe 50% no Rio (E-B-94-Jn-017)

1.2. Localização espacial (de onde):

[75] Pouco antes [Mohamed] fugira de uma prisão de Istambul, onde cumpria pena

por participar do atentado que causou a morte do redator-chefe do jornal, Abdi

Ipecki. (E-B-94-Jn-012)

1.2. Localização espacial (aonde):

[76] Depois do almoço, às 15 h, Lula chegou a sua casa, no Jardim Assunção, bairro

operário de São Bernardo do Campo, acompanhado pelo Deputado estadual

Geraldo Siqueira, do PT, e do seu hóspede, Frei Beto. (E-B-94-Jn-008)

1.3. Localização espacial (para onde):

[77] Lula foi logo para o quarto do casal com a Sra. Marisa Letícia da Silva. Os dois

filhos mais velhos, Marcos, de 10 anos, e Fábio, de cinco, foram para a casa de

um parente. (E-B-94-Jn-008)

2. Localização temporal – responsável por construir o desdobramento do Processo no

tempo. No fragmento a seguir, as expressões em janeiro de 1970 e este mês indicam o

momento em que o Processo acontece.

[78] Logo esquecida, a idéia renasce em janeiro de 1970, quando a Federação das

Industrias do Estado da Guanabara (FIEGA) entrega ao Governo federal um

estudo e anteprojeto de lei complementar, sugerindo a medida como um remédio

para a estagnação industrial do Estado-município.

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[79] Caderneta dá 14,93% este mês. (E-B-94-Jn-016)

3. Modo – constrói a maneira pela qual o Processo é atualizado. Nas notícias

jornalísticas, o elemento circunstancial de modo compreendeu as subcategorias de meio, de

qualidade, de comparação e de grau.

A subcategoria de meio, como o próprio nome diz, refere-se aos meios pelos quais um

Processo ocorre. No fragmento seguinte, a expressão Em bilhete manuscrito codifica essa

função circunstancial, visto que representa o subterfúgio utilizado por Collor para renunciar

ao mandato de presidente.

[80] Em bilhete manuscrito, lido às 9h35 por seu advogado quando sua primeira

testemunha de defesa começava a depor na sessão em que o Senado julgaria seu

impeachment, Collor renunciou, solicitando a suspensão do julgamento. (E-B-94-

Jn-024)

Na subcategoria qualidade, tipicamente expressa por um sintagma adverbial formado

com o sufixo -mente, apresenta-se uma avaliação pessoal do Processo. No exemplo seguinte,

a circunstância de modo/qualidade veicula uma observação crítica e avaliativa. Por meio da

expressão normalmente, o enunciador expõe a condição de impunidade em que se encontram

os donos do navio que naufragou na Baía de Guanabara.

[81] Passados dez anos do naufrágio do "Bateau Mouche IV", que afundou na Baía de

Guanabara no réveillon de 1988 matando 55 pessoas, dois de seus donos,

foragidos da Justiça brasileira, vivem e trabalham normalmente na Espanha. (E-

B-94-Jn-031)

A comparação é tipicamente realizada por um sintagma preposicional com como ou

ao contrário, ou por um sintagma adverbial que expressa similaridade ou diferença, como no

exemplo seguinte, em que a expressão ao estilo dos atletas olímpicos estabelece a analogia

entre duas ações e reativa na mente do interlocutor uma informação considerada importante

por parte do jornalista.

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[82] Em Brasília, universitários e secundaristas, ao estilo dos atletas olímpicos,

escreveram com seus corpos a frase DIRETAS JÁ, nos gramados do Congresso.

(E-B-94-Jn-015)

O grau é tipicamente realizado por um sintagma adverbial com uma indicação mais

geral de gradação, como muito e bastante, ou por um advérbio de grau mais específico, como

grandemente, que compõe o exemplo adiante.

[83] Novas normas restringem grandemente as viagens ao exterior. (E-B-94-Jn-022)

As ocorrências das subcategorias de modo nas notícias jornalísticas permitem

vislumbrar que esse tipo de expansão por realce exerce, nesse contexto interativo, a

importante função de atribuir, ainda que sutilmente, juízos críticos e avaliativos.

Diferentemente dos gêneros opinativos, como o editorial e o artigo de opinião, em que a

exposição do ponto de vista da entidade jornalística ou do próprio escritor acerca de

determinado fato é o objetivo principal do texto, nas notícias jornalísticas, espera-se um senso

de valoração menos proeminente. Todavia, como não existem textos totalmente imparciais, ao

que tudo indica, os sintagmas adverbiais de modo apontam para o nível de engajamento

avaliativo do enunciador com relação aos dados narrados.

4. Causa – indica a razão pela qual o Processo ocorre. Um exemplo desse tipo de

circunstância pode ser visto na cláusula adiante, em que o sintagma encabeçado pela

preposição com fornece o motivo do crescimento da Presidência da República.

[84] A Presidência da República cresceu, com a criação das secretarias de

Administração Federal, Assuntos Estratégicos, Ciência e Tecnologia, Cultura,

Meio Ambiente, Desenvolvimento Regional e Desportos. (E-B-94-Jn-022)

Fornecidas as descrições gerais acerca dos Participantes adicionais e dos sintagmas

circunstanciais que compõem os Processos do fazer, para melhor visualização das

informações supracitadas, sintetizamos as relações lógico-semânticas no seguinte quadro:

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Relação lógico-semântica

Fazeres transitivos Fazeres intransitivos

Elaboração

Papel resultativo Escopo (Processo)

Escopo (Entidade)

Correferente

Extensão

Beneficiário

Receptivo

Acompanhamento

Realce

Localização Espacial

Localização Temporal

Modo

Causa

QUADRO 30: Formas de expansão dos Processos Materiais.

Com exceção dos subtipos papel resultativo, Beneficiário e Receptivo, que ocorrem

somente em contextos transitivos, e dos subtipos Escopo (Processo) e Escopo (Entidade), que

ocorrem somente em contextos intransitivos (conforme demonstra o Quadro 30), os elementos

de expansão podem compor os mais variados tipos de Processo, a depender, sobretudo, das

intenções comunicativas do enunciador. A inserção desses componentes no contexto

discursivo fornece ao leitor informações do tipo quando, onde, como, a quem, com quem, por

que e para quê.

Para fins qualitativos de análise, pautados em dados quantitativos, apresentamos o

mapa de dispersão das classes que compõem o parâmetro Expansão dos Processos Materiais

(EXP). Dada a coexistência de dois elementos de expansão em uma mesma cláusula, como

mostra a Figura 17, exibida a seguir, acerca dessa propriedade, foram identificadas as

seguintes classes: (i) cláusulas sem expansão; (ii) cláusulas com expansão do tipo elaboração;

(iii) cláusulas com expansão do tipo extensão; (iv) cláusulas com expansão do tipo realce; (v)

cláusulas com expansão dos tipos extensão e realce; (vi) cláusulas com expansão dos tipos

elaboração e realce.

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Sem Expansão Extensão Elaboração

Realce Extensão/Realce Elaboração/Realce

FIGURA 17: Dispersão do parâmetro Expansão dos Processos Materiais (EXP).

A Figura 17 mostra que os modos de expansão das cláusulas Materiais ocorreram de

forma relativamente pulverizada. Percebe-se, no entanto, uma concentração maior de

construções sem qualquer tipo de elemento de expansão (representadas pelos neurônios azuis)

na faixa que ocupa a parte mais inferior da figura, e uma concentração maior de cláusulas com

expansão do tipo realce (representadas pelos neurônios verdes, amarelos e vermelhos) nas

partes central e superior do referido mapa.

Nas notícias analisadas, a expansão por realce – especialmente, a de localização

espacial e a de localização temporal – foi a mais frequente, totalizando 71 ocorrências (o que

corresponde a 54% do total de cláusulas analisadas). Dada a natureza essencialmente narrativa

das notícias jornalísticas, a expressiva presença das circunstâncias de localização nesse gênero

discursivo justifica-se pela necessidade de situar os fatos relatados com relação ao tempo e ao

lugar em que ocorreram. A importância das informações veiculadas por esses elementos

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circunstanciais pode ser verificada, ainda, pela proeminência que, muitas vezes, eles assumem

na cadeia discursiva. Como forma de exemplificação, consideremos os seguintes casos:

[85] A um dia da proclamação da independência, o Movimento Popular de Libertação

de Angola (MPLA) controla a capital Luanda e mais sete capitais provinciais das

16 que compõem o país, estando as demais nas mãos da FNLA e da UNITA,

aliadas contra o movimento de Agostinho Neto e que tentaram sem êxito

conquistar Luanda. (E-B-94-Jn-002)

[86] Donos do Bateau Mouche estão foragidos na Espanha

Dez anos depois da tragédia, O GLOBO localiza os empresários (E-B-94-Jn-

031)

Nessas estruturas, os sintagmas adverbiais A um dia da proclamação da

independência e Dez anos depois da tragédia são instanciados como Tema, ou seja, como a

informação mais relevante, que se coloca como o ponto de partida para a mensagem. Nesses

casos, os componentes circunstanciais veiculam informações relevantes para a compreensão

dos fatos, inseridos em um contexto social mais abrangente. Em [85], por exemplo, a

expressão temporal A um dia da proclamação da independência chama a atenção para o fato

de não haver, em Angola, consenso político-partidário no exato momento em que o país se

encontra às portas com sua independência de Portugal. A importância do momento de

descolonização, no qual a experiência codificada no Processo Material se insere, é realçada

por meio da proeminência atribuída ao sintagma adverbial na ordenação dos constituintes

clausais. Já em [86], o enfoque é dado ao tempo decorrido desde a tragédia que envolveu o

navio dos empresários Avelino Fernandez e Faustino Puerlas, matando 55 pessoas. A

expressão Dez anos depois da tragédia denuncia o longo período de impunidade imputado às

pessoas envolvidas nesse trágico acidente.

Quando comparado a outros parâmetros, o parâmetro Expansão dos Processos

Materiais (EXP) encontrou correlação maior com o parâmetro Fazeres transitivos e

intransitivos (TRI). Conforme se percebe na Tabela 1 (cf. p. 114), essa correlação atingiu o

percentual de -44%, o que, em termos estatísticos, merece ser considerado.

Assim como aconteceu entre os parâmetros Natureza dos Processos Materiais (NAP)

e Fazeres transitivos e intransitivos (TRI), a correlação que se estabelece entre Expansão dos

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Processos Materiais (EXP) e Fazeres transitivos e intransitivos (TRI) também é negativa.

Isso significa que, quando o valor de um parâmetro tende a subir, o valor do outro parâmetro

tende a baixar. No caso dos parâmetros EXP e TRI, o percentual negativo pode ser

interpretado a partir da análise comparativa entre a Figura 17 e a Figura 9 (cf. p. 111), que

representam a dispersão das classes que compõem esses dois parâmetros – também

disponíveis no Anexo 4. As figuras permitem vislumbrar as seguintes tendências:

(i) quando EXP é 1 (classe das cláusulas sem elementos de expansão, representada

pelos neurônios azuis), TRI tende a ser 2 (classe das cláusulas transitivas, representada pelos

neurônios vermelhos).

(ii) Quando EXP é 4 (classe das cláusulas de expansão por realce, representada pelos

neurônios verde-claros), TRI tende a ser 1 (classe das cláusulas intransitivas, representada

pelos neurônios azuis).

Essa correlação demonstra que, nos dados desta pesquisa, os elementos circunstanciais

apareceram mais frequentemente nas cláusulas intransitivas. Em contrapartida, a maior parte

das cláusulas transitivas não apresentou componentes circunstanciais. Em termos percentuais,

79% das construções intransitivas apresentaram sintagmas adverbiais de lugar, tempo, modo e

causa, e 63% das construções transitivas não apresentaram nenhum tipo de expansão

adverbial. Nas notícias jornalísticas, portanto, as construções intransitivas têm como objetivo

informar quem fez o quê, onde, quando, como e por quê, ou o que aconteceu a, onde, quando,

como e por quê; as construções transitivas, por sua vez, têm como objetivo mais proeminente

informar o que x fez a y.

Diferentemente do que acontece nas estruturas transitivas, nas estruturas intransitivas,

muitas vezes, o elemento circunstancial é inerente ao próprio Processo. Nas cláusulas

seguintes, os sintagmas adverbiais para o quarto do casal, para a casa de um parente e para

o outro lado são intrínsecos às ações, construídas com os verbos ir e cruzar.

[87] Lula foi logo para o quarto do casal com a Sra. Marisa Letícia da Silva. Os dois

filhos mais velhos, Marcos, de 10 anos, e Fábio, de cinco, foram para a casa de

um parente. (E-B-94-Jn-008)

[88] Pouco depois de o governo da Alemanha Oriental anunciar que decidira abrir

todas as suas fronteiras com a Alemanha Ocidental, multidões excitadas já se

aglomeravam, em Berlim, nos postos de passagem entre os dois setores da cidade

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e cruzavam para o outro lado - nem que fosse apenas para fazer um passeio. (E-

B-94-Jn-020)

O fato de as expressões locativas destacadas em [87] e [88] serem tão indispensáveis à

construção da cláusula quanto, em outros casos, os demais complementos verbais, é o que

motiva autores como Rocha Lima (2014) e Azeredo (2008) a atribuir a esses casos o status de

complemento circunstancial e complemento relativo, respectivamente, distanciando-se, assim,

das classificações mais tradicionais, que as concebem como simples termos acessórios.

Os resultados apresentados nesta seção mostraram como as classes dos parâmetros

estiveram representadas nos dados desta tese e as correlações estimadas entre essas classes.

Na seção seguinte, mostraremos as configurações atribuídas ao sistema de transitividade das

notícias jornalísticas e apontaremos as possíveis motivações discursivas para tais escolhas.

6.2. AS CLÁUSULAS MATERIAIS NAS NOTÍCIAS JORNALÍSTICAS E SEUS

PADRÕES DE TRANSITIVIDADE

Se na seção anterior o enfoque incidiu sobre a descrição e análise dos parâmetros

elencados para análise dos dados e sobre a estimativa das correlações entre esses parâmetros,

nesta parte do trabalho, objetiva-se explicitar, por meio dos agrupamentos estabelecidos pela

Rede SOM, os padrões de transitividade mais recorrentes nas notícias jornalísticas, bem como

os sentidos evocados por esses padrões no contexto discursivo em foco.

Tendo em vista a relação de similaridade entre os sinais de entrada, ou seja, entre as

classes que compõem os oito parâmetros selecionados, as 131 cláusulas constitutivas do

corpus desta tese foram alocadas pela Rede SOM em 44 (quarenta e quatro) neurônios

distintos, num grid map formado por 121 neurônios. A figura seguinte demonstra como os

dados de entrada foram distribuídos sobre o grid map e os modelos formados a partir da

semelhança entre esses dados.

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FIGURA 18: Agrupamento dos dados a partir da relação de similaridade entre as classes dos parâmetros.

O intuito da Figura 18 é exibir, de forma ainda genérica, o modo de organização dos

dados dentro do grid map43. O Anexo 3 desta tese (cf. p. 246) fornece uma visualização mais

efetiva das cláusulas posicionadas dentro de cada neurônio. Se os mapas de dispersão

(heatmaps) forneceram a visualização, de forma mais abrangente, da representatividade das

classes dos parâmetros nas notícias jornalísticas, a Figura 18, por meio dos neurônios

efetivamente preenchidos, especifica os modelos de transitividade encontrados nas notícias

jornalísticas.

Temos dito que o objetivo principal dos Mapas Auto-organizáveis é aproximar os

dados de entrada que são semelhantes entre si, formando agrupamentos e padrões. A título de

exemplificação, apresentamos as cláusulas que compõem o neurônio 22 do mapa

correspondente à Figura 18. As estruturas consideradas neste momento são aquelas formadas

com os verbos afundar, chegar, desaparecer, explodir e repicar.

43 Nesse mapa, a numeração atribuída às cláusulas é a mesma que foi utilizada na organização do corpus. Portanto, os números indicados aqui não seguem a sequência de apresentação dos exemplos citados ao longo do trabalho.

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Neurônio 22 (linha 2, coluna 11)

Cláusula 2 – Passados dez anos do naufrágio do "Bateau Mouche IV", que afundou na Baía

de Guanabara no réveillon de 1988 matando 55 pessoas , dois de seus donos, foragidos da

Justiça brasileira, vivem e trabalham normalmente na Espanha. (E-B-94-Jn-031)

Cláusula 20 – Urna eletrônica chega a interior do estado (E-B-94-Jn-027)

Cláusula 37 – Desapareceram da legislação nacional as siglas AI (Ato Institucional) e AC

(Ato complementar). (E-B-94-Jn-006)

Cláusula 62 – a bomba explodiu no colo do sargento. (E-B-94-Jn-013)

Cláusula 109 – Quando Ulysses Guimarães declarar promulgada a Constituição, a oitava na

história do Brasil, e a quarta emanada de um legítimo poder constituinte, os sinos repicarão

em todo o país. (E-B-94-Jn-019)

Considerados os oito parâmetros de descrição, as estruturas linguísticas que compõem

esse neurônio 22 seguem o seguinte padrão sintático-semântico-discursivo: (i) são do tipo

intransitivas; (ii) possuem apenas um Participante; (iii) representam Processos Materiais mais

perceptíveis, portanto, mais concretos; (iv) expressam acontecimentos, portanto, são cláusulas

processuais; (v) o sujeito é um paciente; (vi) codificam o sentido metafórico do significado;

(vii) têm a indeterminação do agente como um objetivo pragmático-discursivo; (viii) possuem

uma circunstância de localização como elemento de expansão da cláusula (expansão do tipo

realce).

Assim como o neurônio 22, todos os demais neurônios formados pela Rede SOM,

conforme Figura 18, possuem um elevado grau de regularidade com relação ao conjunto das

classes dos parâmetros. Sendo assim, foi possível identificar nas cláusulas Materiais das

notícias jornalísticas 44 (quarenta e quatro) formas diferentes de se estruturarem as unidades

linguísticas, considerando os aspectos sintático, semântico e pragmático-discursivo,

selecionados como as propriedades relevantes para a descrição do sistema de transitividade.

A disposição dos dados no grid map (Figura 18) proporciona uma visualização

bastante dinâmica das escolhas linguísticas na construção dos significados dos textos

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jornalísticos. Tendo em vista as figuras de dispersão apresentadas na seção anterior, já

podemos constatar que, de modo mais geral, os neurônios se encontram organizados no grid

map da seguinte forma: o lado esquerdo do mapa tende a reunir as cláusulas transitivas e

intransitivas que representam ações efetuadas por entidades mais humanas, portanto, mais

agentivas; em contrapartida, o lado direito tende a agrupar as construções mais metafóricas,

cujos Atores referenciam entidades menos agentivas. A parte mais central do mapa tende a

alocar as estruturas com características mais híbridas, como as expressões metonímicas.

Para melhor visualização dos padrões de transitividade codificados nas notícias

jornalísticas, subdividimos os dados em agrupamentos diversos, conforme a similaridade

entre os neurônios. Os agrupamentos foram estabelecidos a partir das metodologias

mencionadas por Brock et alii (2008), em que são estimadas as medidas de validação interna e

de estabilidade dos agrupamentos. Acerca das medidas de validação interna, consideremos a

seguinte tabela:

Índices Número de grupos

2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

Conec 5,43 15,50 18,91 21,08 28,22 22,09 23,88 39,19 33,87 39,75 50,70 46,58 49,20 54,22

Dunn 0,23 0,18 0,18 0,22 0,23 0,23 0,25 0,23 0,25 0,25 0,24 0,24 0,28 0,29

Silhu 0,37 0,38 0,38 0,37 0,42 0,42 0,44 0,44 0,48 0,48 0,47 0,52 0,53 0,51

TABELA 5: Estimativas de índices de medidas internas com suas respectivas indicações do número de grupos na Rede SOM.

Legenda: Conec – Conectividade; Dunn – Dunn; Silhu – Silhueta.

Tendo em vista as informações fornecidas pela Tabela 5, o número ótimo de grupos

deve ser obtido da seguinte forma: (i) as estimativas referentes à Conectividade devem ser

minimizadas, ou seja, deve-se considerar o menor índice, (ii) em contrapartida, as estimativas

referentes a Dunn e Silhueta devem ser maximizadas. No caso dos nossos dados, a menor

estimativa de Conectividade, conforme a Tabela 5, foi de 5,43, que aponta para 2

agrupamentos, e as maiores estimativas de Dunn e Silhueta foram de 0,29 e 0,53, que

apontam para 15 e 14 grupos, respectivamente.

Acerca das medidas de estabilidade, consideremos a seguinte tabela:

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Índices Número de grupos

2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

APN 0,07 0,26 0,14 0,17 0,25 0,26 0,19 0,18 0,21 0,27 0,20 0,15 0,19 0,19

AD 2,91 2,76 2,22 2,02 1,94 1,84 1,65 1,55 1,47 1,52 1,31 1,21 1,22 1,15

ADM 0,37 1,15 0,59 0,69 0,82 0,89 0,67 0,56 0,63 0,80 0,65 0,55 0,59 0,60

FOM 0,81 0,79 0,70 0,68 0,65 0,63 0,60 0,58 0,55 0,56 0,55 0,52 0,51 0,52

TABELA 6: Estimativas de índices de medidas de estabilidade com suas respectivas indicações do número de grupos na Rede SOM.

Legenda: APN - Proporção Média de Não-sobreposição (do inglês, Average proportion of non-overlap); AD - Distância Média (do inglês, Average distance); ADM - Distância Média entre as Médias (do inglês, Average distance between means); FOM - Figura de Mérito (do inglês, Figure of Merit).

Para o critério estabilidade, as informações fornecidas pela Tabela 6 devem ser

consideradas da seguinte forma: todos os índices (APN, AD, ADM e FOM) devem ser

minimizados. Assim, para nossos dados, conforme foi destacado na referida tabela, foram

indicados os seguintes números ótimos de grupo: 2, 15 e 14 – tal como no critério medidas

internas.

A mesma indicação de números ótimos de grupos nas duas medidas (interna e de

estabilidade) atribui alta confiabilidade à divisão dos dados. Após análise prévia dos

agrupamentos, optamos por trabalhar apenas com os números ótimos de grupos extremos, ou

seja, apresentar e discutir os dados a partir de 2 e de 15 agrupamentos. A Figura 19, a seguir,

permite a visualização dos dados tendo em vista dois grandes grupos:

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FIGURA 19: Agrupamento dos dados, segundo Brock et alii (2008).

Em termos de classes de parâmetros, os agrupamentos 1 (parte superior da Figura 19)

e 2 (partes central e inferior da Figura 19) apresentam significativa diferença: o primeiro

reúne somente as cláusulas menos transitivas, e o segundo concentra somente as cláusulas

mais transitivas. Assim, tendo em vista esses agrupamentos maiores, além de considerarmos o

modo de organização do sistema de transitividade das construções Materiais nas notícias

jornalísticas, podemos considerar, também, as particularidades das construções Materiais no

que tange aos quesitos transitivo e intransitivo.

Os Mapas Auto-organizáveis permitem que vislumbremos os modelos de construção

mais recorrentes nas notícias jornalísticas. Os neurônios representados nas cores vermelha e

amarela da Figura 20, a seguir, foram os que reuniram o maior número de cláusulas.

Conforme indica a legenda da imagem, o neurônio em vermelho agrupou doze cláusulas e o

neurônio em amarelo agrupou nove cláusulas. Esses dois neurônios reúnem, portanto, os dois

modelos mais frequentes no corpus analisado.

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FIGURA 20: Quantidade de cláusulas em cada neurônio.44

Ao considerarmos a quantidade de cláusulas reunidas em cada neurônio, conforme

aponta a Figura 20, percebemos que os neurônios pertencentes ao macro-agrupamento das

construções mais transitivas (parte inferior da linha divisória) possuem uma leve tendência a

reunir um número maior de dados dentro de si. Essa proposição é corroborada, por exemplo,

pela maior quantidade de neurônios verdes no agrupamento das cláusulas transitivas e, em

contrapartida, pela maior quantidade de neurônios azul-escuros no agrupamento das cláusulas

intransitivas (parte superior da linha divisória). Conforme é indicado na legenda de cores da

Figura 20, os neurônios verdes acoplam maior número de cláusulas que os neurônios azuis.

A tendência de os modelos transitivos reunirem maior número de cláusulas aponta

para o fato de, quando a similaridade entre os Processos Materiais é considerada de forma

mais criteriosa, como a sugerida pela Rede SOM, as expressões linguísticas transitivas

tendem a apresentar modelos mais bem definidos, ou seja, com menos variação entre as

codificações. Em contrapartida, as expressões intransitivas tendem a apresentar maior

diversidade no que tange a esses modelos sintático-semântico-discursivos. Veremos mais à 44 Os neurônios vazios são representados pela cor cinza.

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frente, no entanto, que as diferenças existentes entre os neurônios que compõem o

agrupamento 1, ou seja, o das construções intransitivas, são bem mais sutis que as diferenças

existentes entre os neurônios que compõem o agrupamento das construções transitivas

(agrupamento 2).

Conforme a Figura 20, o modelo de transitividade representado pelo neurônio 23 (em

vermelho) foi o mais frequente nas notícias jornalísticas. Esse modelo, incluído no macro-

agrupamento das construções menos transitivas, possui as seguintes características:

(i) quando consideradas a partir do continuum, as estruturas estão mais próximas dos

fazeres intransitivos mais prototípicos, cujo Participante inerente resguarda as propriedades

semânticas [+volitivo, +instigador, +modificado].

(ii) As cláusulas possuem apenas um Participante.

(iii) Os Processos codificados são mais concretos.

(iv) As cláusulas expressam ação.

(v) O sujeito é um agente prototípico, ou seja, é uma entidade [+animada, +humana].

(vi) O significado codificado é mais congruente.

(vii) O Participante Ator é codificado por SNs com nome próprio, ou seja, o

responsável pela ação expressa é plenamente identificável.

(viii) A ação é situada no tempo e no espaço, por meio de sintagmas adverbiais.

Como exemplos desse modelo de transitividade, citamos as cláusulas elaboradas com

os verbos chegar e ir:

[89] [Mohamed] Chegou a Roma há dois dias e se identificou no hotel, com

passaporte falso, como Farouk Osgum, estudante turco matriculado na

Universidade de Línguas de Perúgia. (E-B-94-Jn-012)

[90] Frei Beto atendeu a todos os telefonemas e recebeu a secretária de Lula, D.

Ivonete, que foi lá á procura de instruções. (E-B-94-Jn-008)

Ainda de acordo com a Figura 20, constatamos que o neurônio 62 (em amarelo) reuniu

o segundo modelo mais recorrente nas notícias jornalísticas. Como parte do macro-

agrupamento das estruturas mais transitivas, as cláusulas reunidas nesse neurônio apresentam

as seguintes características:

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(i) as estruturas possuem um Participante do tipo Meta, por isso, são mais transitivas.

(ii) As cláusulas possuem dois Participantes.

(iii) Os Processos codificados são mais abstratos.

(iv) As cláusulas expressam, concomitantemente, uma ação e um processo.

(v) O sujeito é um agente híbrido, ou seja, possui as seguintes propriedades

semânticas: [+/-volitivo] e [+/-controlador].

(vi) Opta-se pela expressão metonímica do significado.

(vii) O Ator é representado por SNs lexicais e o real sujeito agentivo ocupa um plano

secundário. A responsabilidade pela ação é atribuída a organizações empresariais, sociais e

políticas.

(viii) Circunstâncias de modo, de localização temporal e de localização espacial

expandem o significado das cláusulas.

Como exemplos desse segundo modelo de transitividade, apresentamos as seguintes

cláusulas, construídas com os verbos arquivar e rejeitar:

[91] STM (Superior Tribunal Militar) arquiva Riocentro em definitivo por 10 a 4 (E-

B-94-Jn-013)

[92] Ao final de mais de 60 discursos, numa das mais longas (16 horas) e tensas

sessões de sua história, o Congresso Nacional rejeitou as primeiras horas de

hoje, por não ter alcançado quorum constitucional, a emenda Dante de Oliveira

que previa eleições diretas já para a Presidência da República. (E-B-94-Jn-015)

Os modelos de construção mais frequentes nos textos jornalísticos, representados

pelos neurônios em vermelho e em amarelo na Figura 20, encontram-se em consonância com

os dados quantitativos apresentados na Tabela 4 (cf. p. 163). Na referida tabela, observou-se

que as estruturas linguísticas nas notícias jornalísticas, em termos de percentuais, realizam

duas principais funções pragmático-discursivas, a saber: a individualização (com 31% do total

de ocorrências) e a indefinição (com 22% do total de ocorrências). Vimos que na

individualização, a entidade humana que pratica a ação é referenciada por um SN com nome

próprio, o que a torna plenamente identificável. Já na indefinição, conforme descrevemos, na

maioria das ocorrências, o fazer é atribuído, por meio de processo metonímico, a instituições

empresariais ou organizações sociais e políticas. O que se observa a partir dessa confluência

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de informações é o fato de haver, por parte da notícia, a incumbência maior de, sempre que

possível, identificar os responsáveis pelas ações relatadas, seja de forma mais específica, com

o uso de nomes próprios (como nos exemplos [89] e [90]), ou de forma mais genérica,

valendo-se do processo metonímico do tipo instituição pelos responsáveis (como nos

exemplos [91] e [92]).

Os resultados apresentados na Figura 20 permitem observar que os dois principais

arranjos linguísticos encontrados nas notícias jornalísticas coincidem com o propósito

comunicativo fundamental desse gênero discursivo, que é o de informar quem fez o que, a

quem, quando, onde e como (LAGE, 2003). Por meio de proposições completas, ou seja, de

estruturas que contêm, além do sintagma verbal (acompanhado ou não de complemento), um

sujeito mais agentivo e sintagmas circunstanciais, a notícia cumpre a missão de informar, de

forma mais efetiva, sobre as transformações efetuadas na sociedade.

Apesar de termos tomado como referência para os apontamentos supracitados os

neurônios 23 e 62, portadores dos modelos com maior número de cláusulas, é importante que

se ressalte o fato de os Mapas Auto-organizáveis procurarem fazer com que neurônios

próximos entre si no grid map retratem dados próximos entre si no espaço de dados. Assim

sendo, ao observarmos o mapa de distância entre os neurônios, apresentado adiante, por meio

da Figura 21, percebemos que existem neurônios próximos aos neurônios 23 e 62 com

características bastante similares a estes, o que amplia a rede de análise.

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FIGURA 21: Relação de similaridade entre os modelos de transitividade.

Na Figura 21, a semelhança entre os neurônios pode ser observada a partir de duas

instâncias gradativas, a saber: (i) a distância física entre os neurônios no grid map e (ii) a

escala de cores.

A primeira forma de observação, que considera a distância espacial entre os neurônios,

corresponde ao fato de que quanto mais próximos os neurônios estiverem no grid map, mais

similares eles serão (a proposição contrária também é verdadeira: quanto mais distantes eles

estiverem, mais dissimilares eles serão). Assim, em termos de similaridade, por exemplo, o

neurônio 1 (linha 1, coluna 1) é menos distante do neurônio 25 (linha 3, coluna 3) do que o

neurônio 86 (linha 8, coluna 9). Como exemplo dessa afirmação, consideremos as cláusulas

que compõem esses neurônios. As cláusulas em questão foram construídas com os verbos

posar, entrar e derrotar.

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Neurônio 1 (linha 1, coluna 1)

[93] Em Lisboa, Ronaldinho foi escolhido pela Fifa como o melhor jogador do mundo

em 1996 e posou com o troféu (foto) ao lado do inglês Alan Shearer, terceiro

colocado na votação de 120 técnicos de todo o mundo.( E-B-94-Jn-025)

Neurônio 25 (linha 3, coluna 3)

[94] O Ibama e a Polícia Federal, em operação que mobilizou 70 agentes e fiscais e

um helicóptero, entraram na reserva dos índios caiapós, na Serra do Cachimbo

(PA), e descobriram um sistema organizado de retirada ilegal de mogno,

protegido por oito indígenas armados com carabinas calibre 22. (E-B-94-Jn-028)

Neurônio 86 (linha 8, coluna 9)

[95] Aprovação da reeleição derrota ao mesmo tempo Maluf, Quércia e Paes de

Andrade (E-B-94-Jn-026)

De fato, quando consideramos as classes que compõem os oito parâmetros, vemos que

os neurônios 1 e 25 diferem em apenas quatro quesitos (papel temático do sujeito, forma de

expressão do significado, objetivos pragmáticos discursivos e expansão dos Processos

Materiais), enquanto os neurônios 25 e 86 diferem em seis dos oito quesitos (fazeres

transitivos e intransitivos, número de Participantes, natureza do Processo, tipos de “fazeres”

Materiais, papel temático do sujeito e forma de expressão do significado). Em termos de

modelo de transitividade, portanto, o neurônio 1 é mais semelhante ao neurônio 25 que o

neurônio 86.

Conforme dissemos, a similaridade (ou dissimilaridade) entre os neurônios pode ser

percebida, ainda, pela escala de cores disponibilizada na Figura 21. Essa escala, que vai do

azul-escuro ao vermelho-escuro, aponta para o grau de semelhança (ou diferença) entre os

neurônios imediatamente mais próximos no grid map. Sendo assim, esse critério não se

aplica, por exemplo, na medição da semelhança, em termos de aplicação dos parâmetros,

entre os neurônios 25 e 86, conforme fizemos anteriormente, mas se aplica, por exemplo, na

diferenciação entre os neurônios 10 (linha 1, coluna 10), 11 (linha 1, coluna 11) e 22 (linha 2,

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coluna 11), que estão imediatamente próximos no grid map (WEHRENS e BUYDENS,

2007).

Nessa segunda forma de observação da similaridade entre os neurônios, considera-se o

seguinte aspecto: quanto mais distante uma cor se encontrar da outra na escala à esquerda da

Figura 21, mais distintos serão os modelos correspondentes aos neurônios imediatamente

próximos. Assim, no caso dos nossos dados, o modelo de transitividade do neurônio 11,

representado no mapa pela cor azul-clara, é mais similar ao padrão do neurônio 22,

representado pela cor azul-escura, que o modelo do neurônio 10, representado pela cor

vermelha. A título de exemplo, consideremos uma cláusula de cada um desses três modelos.

Os exemplos em questão foram construídos com os verbos chegar, desaparecer e aumentar.

Neurônio 11 (linha 1, coluna 11)

[96] Tanques de Israel chegam ao Palácio do Governo libanês (E-B-94-Jn-014)

Neurônio 22 (linha 2, coluna 11)

[97] Desapareceram da legislação nacional as siglas AI (Ato Institucional) e AC (Ato

complementar). (E-B-94-Jn-006)

Neurônio 10 (linha 1, coluna 10)

[98] A seguir, Prestes disse que falta atacar os problemas de fundo, que, a seu ver, não

apenas persistiram ao longo de 15 anos de ditadura, como se agravaram

"Aumentou o número de latifundiários" frisou.

As construções pertencentes ao neurônio 11 se diferenciam das pertencentes ao

neurônio 22 apenas pelo critério objetivos pragmático-discursivos: no primeiro caso, a

locução adjetiva de Israel fornece pistas acerca do fazedor da ação (a saber, autoridades

israelenses) , mas não o especifica, por isso, o real agente do Processo Material é do tipo mais

indefinido; no caso das construções em 22, o agente da ação verbal não pode ser inferido de

forma alguma, por isso, a construção metafórica cumpre a função de ocultar plenamente o

agente da mudança. Em contrapartida, a cláusula representativa do modelo definido no

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neurônio 10 se diferencia do padrão definido no neurônio 11 pelos quesitos objetivos

pragmático-discursivos (ocultação do agente) e expansão dos Processos Materiais (a cláusula

pertencente ao neurônio 10, diferentemente das pertencentes ao neurônio 11, não possui

elementos que expandam seu significado). Constata-se, portanto, que, tal como indica o mapa

referente à Figura 21, a cláusula alocada no neurônio 10 é, efetivamente, mais dissimilar das

cláusulas do neurônio 11 que as cláusulas do neurônio 22. Todavia, por estarem fisicamente

muito próximos no arranjo do grid map, todos esses modelos conservam um elevado grau de

similaridade no que tange às propriedades do sistema de transitividade.

A partir da Figura 21, percebe-se, ainda, que os neurônios do macroagrupamento 1,

formado pelos Processos Materiais menos transitivos, se encontram, em termos espaciais,

menos distantes que os neurônios do macroagrupamento 2, formado pelos Processos

Materiais mais transitivos. Essa distribuição espacial dos dados no grid map indica que,

apesar de os padrões intransitivos serem levemente mais pulverizados que os modelos

transitivos – conforme o mapa referente à Figura 20 (cf. p. 184), que demonstrou que as

cláusulas transitivas tendem a se agrupar mais que as intransitivas –, as diferenças existentes

entre os neurônios que acomodam as cláusulas intransitivas são menos expressivas que as

diferenças existentes entre os neurônios que reúnem as cláusulas transitivas. Dito de outra

forma, considerados simultaneamente os oito parâmetros descritivos, os modelos intransitivos

apresentam mais similaridade entre si que os modelos transitivos. Os modelos dos fazeres

transitivos preservam maior grau de dissimilaridade que os modelos dos fazeres intransitivos,

e é isso que justifica a concentração dos neurônios intransitivos em um espaço mais

compactado no grid map.

No capítulo anterior, analisamos, de forma mais sistemática, a forma como cada um

dos oito parâmetros esteve presente nos textos jornalísticos. Analisamos, também, as

correlações mais expressivas existentes entre esses parâmetros, o que deixou entrever a

função de alguns artifícios linguísticos na elaboração das notícias, como a relação entre as

construções metafóricas e a ocultação do agente, a tendência de os Processos intransitivos

codificarem fazeres mais concretos, o alto grau de importância dos elementos circunstanciais

na codificação dos fazeres intransitivos etc. Neste capítulo, objetivamos descortinar os

padrões de transitividade selecionados pelo usuário da língua para alcançar os propósitos

comunicativos a que o gênero notícia jornalística se encontra atrelado. Os mapas de

agrupamento, de número de dados por neurônio e de distância entre os neurônios

(respectivamente, figuras 18, 20 e 21, cf. p. 179, 184 e 188) trouxeram à tona informações

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importantes, como os modelos mais frequentes nos textos e as relações de semelhança e de

diferença existentes entre eles. O mapa exibido a seguir pode ser visto como um resumo de

grande parte das considerações arroladas, pois ele se apresenta como um panorama

esquemático e imagético das principais considerações apontadas ao longo do trabalho. Para as

discussões subsequentes, consideremos, então, a seguinte figura:

FIGURA 22: Peso das classes dos parâmetros em cada neurônio.

Como a Figura 22 lida, concomitantemente, com todas as propriedades descritivas

apresentadas até o momento, retomamos no quadro a seguir os oito parâmetros sobre os quais

se assentam as análises feitas neste trabalho, as classes que compõem cada um desses

parâmetros e suas devidas abreviações:

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Parâmetro Classes Abreviação

Fazeres transitivos e intransitivos Mais transitivo, menos transitivo TRI

Número de Participantes Três, dois, um NUP

Natureza do Processo Mais concreta, mais abstrata NAP

Tipo de fazeres Ação-processo, ação, processo TIF

Papel temático do sujeito Agente, agente híbrido, causa, paciente PTS

Formas de expressão do significado

Congruente, metonímica, metafórica FES

Objetivos pragmático-discursivos

Individualização, generalidade, indefinição, topicalização, ocultação

OPD

Expansão dos Processos Materiais

Realce/elaboração, realce/extensão, realce, elaboração, extensão, não há

EXP

QUADRO 31: Parâmetros selecionados para descrição dos dados, as classes componentes desses parâmetros e as abreviaturas adotadas.

O mapa referente à Figura 22 proporciona uma visualização simultânea do modo como

todas as classes que compõem os oito parâmetros descritivos estiveram representadas em cada

um dos neurônios presentes no grid map. Em termos gerais, as informações fornecidas nesse

mapa devem ser lidas da seguinte forma: quanto mais preenchidos estiverem os gráficos de

pizza dentro dos neurônios, mais próximos estarão os modelos representados por esses

neurônios de uma codificação Material mais completa e mais prototípica. Como forma de

exemplificação, tomemos como referência o neurônio 56 (linha 6, coluna 1), que contém o

gráfico de pizza mais completo, considerando todos os arranjos organizados no grid map.

Conforme indicado na Figura 20 (cf. p. 184), esse neurônio acopla uma única cláusula, a

saber:

[99] Em novembro de 1979, Mohamed enviou uma carta, assinada com seu próprio

nome, ao jornal Millyet, de Istambul, anunciando disposição de matar o Papa

João Paulo II durante sua visita à Turquia. (E-B-94-Jn-012)

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O modelo de transitividade representado pelo neurônio 56 caracteriza-se pelas

seguintes propriedades: (i) o fazer é transitivo, (ii) possui três Participantes, (iii) o Processo é

mais concreto, (iv) codifica simultaneamente uma ação e um processo, (v) o sujeito é um

agente prototípico, (vi) a expressão do significado é mais congruente, (vii) a entidade fazedora

da ação verbal é plenamente identificada e (viii) o sentido da cláusula é estendido por meio de

uma circunstância de localização temporal (realce) e de um Participante Receptivo (extensão).

O fato de o neurônio 56 reunir o maior número de propriedades de um fazer Material

prototípico faz com que ele abrigue um gráfico de pizza mais integral. A ausência de uma

fatia do gráfico ou a representação de apenas parte da fatia indica que o neurônio se distancia

desse modelo de cláusula mais discriminativo.

Tendo em vista essas informações, a Figura 22 permite corroborar, de modo mais

abrangente, que os dados da pesquisa foram distribuídos no grid map da seguinte forma:

1. encontram-se reunidas, no canto superior esquerdo (acima da linha divisória), os

fazeres intransitivos mais próximos do protótipo da categoria. Esses modelos foram

representados, na Figura 22, por gráficos de pizza relativamente bem preenchidos dentro dos

neurônios.

2. Em contrapartida, no canto superior direito (também acima da linha divisória),

encontram-se reunidos os modelos intransitivos mais distantes do protótipo, como as

cláusulas com um sujeito paciente. Esses modelos foram representados por gráficos de pizza

muito pouco preenchidos, o que configura esse distanciamento bastante significativo do

protótipo dos Processos Materiais.

3. Os neurônios que acoplam os gráficos de pizza mais preenchidos, conforme vemos

na Figura 22, estiveram reunidos no lado esquerdo do grid map, nas partes central e inferior

da figura. Esses modelos representam os fazeres Materiais transitivos mais prototípicos, como

as cláusulas com um sujeito agentivo e que codificam um significado mais congruente.

4. Em contrapartia, no lado direito da Figura 22, abaixo da linha divisória, foram

reunidos os modelos transitivos que se distanciam do protótipo da categoria. Os gráficos de

pizza menos preenchidos indicam, por exemplo, que a função sintática de sujeito, nessas

codificiações, exerce um papel menos agentivo e os significados são expressos de forma mais

metafórica.

Apesar de ser possível a identificação imediata de, pelo menos, quatro grandes

agrupamentos, conforme expusemos nos parágrafos supracitados, a Figura 22 permite

entrever a necessidade de subdivisões dos dois grandes agrupamentos, para que os padrões de

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transitividade sejam mais bem definidos. Aplicamos, então, a estimativa de 15 agrupamentos,

conforme foi prometido. Os quinze novos agrupamentos sintetizam os padrões de

transitividade codificados nas notícias jornalísticas. Esses padrões podem ser interpretados a

partir da seguinte figura:

FIGURA 23: Padrões de transitividade dos Processos Materiais das notícias jornalísticas.

Tendo em vista a Figura 23, podemos visualizar os principais padrões concernentes ao

sistema de transitividade das cláusulas Materiais transitivas e intransitivas, constitutivas dos

textos jornalísticos analisados:

CLÁUSULAS INTRANSITIVAS

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Padrão 1 – As cláusulas tendem a codificar ações realizadas por um Ator mais agentivo, mais

humano e mais individualizado. As mudanças efetuadas não se estendem a outro Participante,

mas incidem sobre o próprio Ator, que é o único Participante envolvido no Processo. As

transformações são mais perceptíveis, portanto, mais concretas. A realização do Processo é

situada no tempo e/ou no espaço.

Como exemplo desse padrão de transitividade, citamos o seguinte fragmento,

construído com o verbo descer:

[100] Em seguida, o General [Newton Cruz] desceu de seu gabinete, bastão de

comando em punho, apreendeu cerca de 100 automóveis e sete ônibus. Um dos

carros teve os pneus furados a bala. (B-94-Jn-015)

Padrão 2 – Com um Ator mais agentivo (prototípico ou híbrido), as cláusulas com esse

arranjo de transitividade possuem dois Participantes. No entanto, as mudanças efetuadas não

se estendem ao segundo Participante (que é do tipo Escopo), mas se atêm ao próprio Ator. O

segundo Participante, nesse tipo de construção, exerce a função de especificar o domínio (ou a

esfera) sobre o qual o Processo ocorre. A realização do Processo é situada no tempo e no

espaço e os fazeres são mais abstratos. A cláusula a seguir é um exemplo desse tipo de

arranjo:

[101] O Poder Judiciário recupera suas prerrogativas. (E-B-94-Jn-006)

Padrão 3 – As codificações traduzem um acontecimento, e não uma ação, ou seja, elas

expressam algo que se passa com o próprio Ator, e não o que ele faz. Os Processos são

intransitivos, visto que os resultados não se estendem a uma Meta, e respondem à pergunta o

que aconteceu a x? Os termos que exercem a função de Ator resguardam características da

função Meta, por isso, os sentidos veiculados são mais metafóricos. Os eventos são abstratos

e, majoritariamente, situados no tempo e no espaço.

A seguinte cláusula exemplifica esse padrão 3:

[102] Passagem de ônibus sobe 50% no Rio (E-B-94-Jn-017)

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Padrão 4 – As codificações diferenciam-se do padrão 3 somente quanto à natureza do

Processo: diferentemente do padrão descrito anteriormente, esse arranjo reúne mudanças mais

concretas, conforme podemos ver na cláusula seguinte, construída com o verbo entrar.

[103] As balas o atingiram no braço, na mão esquerda e uma entrou pelo abdômen

saindo pelo reto. (E-B-94-Jn-012)

Padrão 5 – Apesar de o Ator ser codificado por uma entidade humana e individualizada, ele

não é agentivo, mas paciente. A estrutura traduz, portanto, um acontecimento, e não uma

ação, ou seja, ela expressa algo que o Ator vivencia, e não o que ele faz. O sentido veiculado é

mais congruente, o evento é mais concreto e situado no espaço. Apenas uma cláusula dos

dados se configurou dessa forma, portanto, este não foi um padrão muito expressivo nos

dados analisados. A cláusula, como se percebe no fragmento seguinte, foi construída com o

verbo cair.

[104] O Papa, com o rosto transtornado pela dor, apertou o abdômen e, em seguida,

caiu em cima de seu secretário particular. (E-B-94-Jn-012)

Padrão 6 – O fazedor da ação é representado por um agente híbrido, ou seja, a ação é

atribuída a uma instituição empresarial, política ou social. A agentividade e a mudança se

estendem a uma espécie inteira, portanto, a generalidade é o objetivo pragmático-discursivo

mais expressivo. O fazer é abstrato e o evento é situado no tempo. Como ocorreu com o

padrão 5, apenas uma cláusula dos dados obteve este tipo de configuração. Tal cláusula,

transcrita a seguir, foi construída com o verbo sair.

[105] A meia – noite de hoje o Brasil sai do mais longo período ditatorial de sua

História. (E-B-94-Jn-006)

Padrão 7 – O Ator é representado por uma entidade menos humana e menos agentiva. A ação

é codificada com um Escopo do tipo Processo, o que atribui à configuração um novo formato:

o termo congruentemente Meta é configurado como uma expressão de natureza mais

circunstancial (sintagma preposicionado). A cláusula que representa essa configuração foi

construída com o verbo fazer:

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[106] REFORMA DE COLLOR FAZ TERREMOTO NA ECONOMIA (E-B-94-Jn-

022)

CLÁUSULAS TRANSITIVAS

Padrão 8 – Como no modelo 1, as cláusulas pertencentes a este padrão tendem a codificar um

Ator mais agentivo, mais humano e mais individualizado. Todavia, diferentemente do

primeiro agrupamento, as mudanças efetuadas aqui se estendem ao Participante Meta, que é

efetivamente afetado pelo desenrolar da ação. Os fazeres subdividem-se em concretos e

abstratos, e possuem elementos de expansão do significado, tais como correferentes,

sintagmas adverbiais de lugar, de tempo, de modo etc.

O fragmento seguinte, com o verbo reunir, exemplifica esse padrão de transitividade:

[107] O presidente Ernesto Geisel reúne hoje, às 8h, o Conselho de Segurança

Nacional para examinar a situação política do país e, 12 horas depois (20h),

anunciará à Nação o recesso do Congresso, por uma cadeia de rádio e televisão.

(E-B-94-Jn-003)

Padrão 9 – Esse modelo se diferencia do anterior somente pelos critérios Natureza dos

Processos Materiais (NAP) e Expansão dos Processos Materiais (EXP): os fazeres são mais

concretos e não há expansão do tipo realce, mas somente do tipo extensão, ou seja, na maioria

das cláusulas, há um terceiro Participante – o Beneficiário ou o Receptivo. Como exemplo

desse padrão, citamos a seguinte cláusula, com o verbo enviar:

[108] O primeiro-secretário do PC polonês [ao Vaticano] enviou telegrama desejando

"rápida recuperação do Papa." (E-B-94-Jn-012)

Padrão 10 – O Participante Ator é representado por um sujeito mais agentivo e mais humano

(individualizado ou genérico). Os fazeres estendem-se a um participante do tipo Meta e são

codificados na forma mais congruente do significado. Diferentemente do padrão anterior, as

mudanças efetuadas aqui são mais abstratas – retratam, portanto, mais as alterações nas

relações sociais e políticas que as mudanças no mundo físico/perceptível. O enfoque do

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evento incide sobre a mudança efetuada pelo Ator ao Participante Meta, por isso, não existem

elementos que expandam o significado, tais como localização temporal, localização espacial,

Participantes adicionais etc.

Como exemplo desse arranjo de transitividade, citamos o seguinte exemplo:

[109] Sarney lança plano da Inflação Zero. (E-B-94-Jn-016)

Padrão 11 – As cláusulas são do tipo mais transitivas, por isso, respondem à pergunta o que x

fez a y? O fazedor da ação é representado por um agente híbrido, ou seja, a ação é atribuída a

uma instituição empresarial, política ou social. As mudanças efetuadas são, majoritariamente,

mais abstratas. Quanto à expansão do significado, as cláusulas apresentam elementos de

expansão do tipo realce, como indicação de modo, localização de tempo e de lugar etc.

Exemplificamos o padrão 11 com a seguinte cláusula, construída com o verbo

arquivar:

[110] STM (Superior Tribunal Militar) arquiva Riocentro em definito por 10 a 4 (E-

B-94-Jn-013)

Padrão 12 – Esse padrão se diferencia do anterior somente pelos critérios Natureza dos

Processos Materiais (NAP) e Expansão dos Processos Materiais (EXP): os fazeres são mais

concretos e não há elementos que expandam o significado da cláusula. Como exemplo,

citamos a cláusula construída com o verbo bombardear:

[111] A aviação apoiou o avanço dos tanques em Khaldes e ainda bombardeou a

cidade desportiva, onde há redutos da guerrilha palestina. (E-B-94-Jn-014)

Padrão 13 – Os eventos apresentam, simultaneamente, um fazer e um acontecer. Há,

portanto, um Participante codificado como Ator e um Participante codificado como Meta. O

Ator, no entanto, foge ao padrão prototípico agentivo e resguarda algumas propriedades de

um elemento causal, atribuindo à expressão do significado um aspecto mais metafórico. Os

fazeres são tanto concretos como abstratos. Os elementos de expansão são do tipo realce

(localização temporal, espacial etc.) e elaboração (produto resultativo etc.).

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A cláusula com o verbo envolver, exibida adiante, exemplifica o padrão 13 de

transitividade:

[112] O ataque, que se seguiu a uma quebra mútua de cessar-fogo iniciado às 21h

(locais) de sábado, envolveu o desembarque de tropas próximos à aldeia de

Baabda, a 8km do centro de Beirute. (E-B-94-Jn-014)

Padrão 14 – Nesse agrupamento, o padrão de transitividade não ficou tão bem definido como

nos demais. Em termos de similaridade, esse grupo reúne eventos que apresentam tanto um

fazer como um acontecer (ação-processo) – os Processos estendem-se, portanto, a um

Participante do tipo Meta. Os fazeres codificados são mais abstratos, portanto, menos

perceptíveis no mundo físico, e não possuem elementos de expansão do tipo realce (ou seja,

não apresentam sintagmas adverbiais de tempo, de lugar ou de modo, por exemplo). Já em

termos de dissimilaridades, destacamos que esse grupo reúne cláusulas cujo Participante Ator

tanto representa um sujeito híbrido como uma causalidade; as expressões do significado são

tanto metonímicas como metafóricas e algumas cláusulas apresentam um terceiro

Participante, do tipo Beneficiário ou Receptivo (expansão por extensão).

Como exemplos desse agrupamento, citamos as seguintes cláusulas, construídas com

os verbos dar e entregar:

[113] Mudança dá novo perfil ao governo (E-B-94-Jn-022).

[114] Logo esquecida, a idéia renasce em janeiro de 1970, quando a Federação das

Industrias do Estado da Guanabara (FIEGA) entrega ao Governo federal um

estudo e anteprojeto de lei complementar, sugerindo a medida como um

remédio para a estagnação industrial do Estado-município (E-B-94-Jn-001).

Padrão 15 – Neste modelo, as cláusulas não veiculam uma ação, mas, sim, um

acontecimento. O Participante Ator, representado por um SN mais genérico, não é uma

entidade agentiva, mas paciente, o que distancia esse tipo de configuração do protótipo de

categorização dos Processos Materiais transitivos. A expressão do significado é do tipo mais

congruente, e o evento é de natureza mais abstrata.

Um exemplo desse padrão pode ser visto na seguinte cláusula:

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[115] Um milhão de brasileiros perderam o emprego entre janeiro e maio deste ano,

de acordo com a pesquisa mensal do IBGE sobre o nível de ocupação da mão-

de-obra no país. (E-B-94-Jn-018)

Conforme se percebe, cada um dos quinze padrões de transitividade evoca um

propósito comunicativo bastante peculiar nas notícias jornalísticas. Os padrões 1 e 8, por

exemplo, veiculam elementos mais detalhados acerca dos acontecimentos narrados. Os

Participantes envolvidos na cena discursiva são plenamente identificados, por meio de SNs

com nome próprio, bem como as circunstâncias que envolvem os fatos. O objetivo principal

desse tipo de estrutura é fornecer ao leitor informações mais precisas acerca de quem fez o

quê, (a quem), quando, onde e como.

Os padrões 11 e 12 cumprem a função de codificar ações veiculadas às esferas sociais

e públicas. Por meio da metonímia, os fazeres são atribuídos, por exemplo, a instituições

financeiras, jurídicas, sociais e políticas, em detrimento de seus representantes legais ou

responsáveis. Nesses contextos discursivos, as instituições ocupam papel mais relevante que

seus dirigentes específicos. Pelo fato de essas entidades organizacionais exercerem funções

bastante específicas no que tange ao bom funcionamento da sociedade, as mudanças efetuadas

sobre o Participante do tipo Meta se encontram, na maioria das vezes, no domínio de

competência dessas instituições. Assim, à Prefeitura, por exemplo, cabe a manutenção das

obras arquitetônicas existentes na cidade; ao Banco Central, cabe a busca por estabilidade na

economia; ao Poder Executivo, compete a elaboração de projetos, com vista à implementação

de novas leis, e assim por diante. Os exemplos citados ao longo do trabalho mostram que as

ações atribuídas aos agentes metonímicos se encaixam nesses enquadres sociais.

Os padrões 3 e 4 veiculam a noção de mudança autocausada, ou seja, apesar de o

Processo ser provocado por um agente externo a ele, essa entidade agentiva não é identificada

– seja no domínio da cláusula ou, de forma mais ampla, no domínio do texto. Nas notícias

jornalísticas, esses padrões exercem as importantes funções de (i) enfatizar o elemento da

narrativa considerado como o mais importante e (ii) ocultar o real responsável pelas mudanças

efetuadas, sem, no entanto, gerar uma proposição incompleta ou chamar a atenção para a falta

dessa informação.

O padrão 13, conforme foi mencionado no parágrafo anterior, cumpre as funções de

enfatizar um elemento tido como o mais importante do relato e de ocultar o real responsável

pelo fazer Material. Todavia, diferentemente dos padrões 3 e 4, esse padrão não codifica um

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acontecimento, mas uma ação efetuada por uma entidade não agentiva. Nesses casos, uma

entidade menos volitiva e menos controladora é codificada como o Ator do Processo Material

e a ela são atribuídos fazeres característicos de entidades humanas e instigadoras, como criar,

desautorizar, fundir etc. O sistema de transitividade, aqui, é organizado de modo que a causa

ou o instrumento de mudança, elevados à posição de Tema, são interpretados como a

informação mais relevante da narrativa.

Conforme vimos neste capítulo, por meio dos Mapas Auto-organizáveis e das

estimativas de correlação, foi possível identificar as relações que se estabeleceram entre as

classes dos parâmetros selecionados, bem como os arranjos de transitividade mais pertinentes

nas notícias jornalísticas. Na seção seguinte, retomaremos alguns dos resultados apresentados

ao longo desta tese, a fim de apresentarmos nossas considerações finais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embasadas nos posutlados do funcionalismo linguístico, as reflexões apresentadas

aqui se dirigiram para a multifuncionalidade das estruturas linguísticas e se distanciaram da

preocupação em analisar a organização formal de orações dissociadas de seu contexto social

de elaboração. Por ser vista como o lugar de interação, a linguagem considerada neste estudo

foi aquela utilizada nas situações reais de comunicação, pois é no uso efetivo da língua que os

significados são construídos e reconstruídos, através das escolhas linguísticas realizadas.

A partir da ideia de que as escolhas feitas pelo usuário da língua não são aleatórias,

mas são efetuadas com base nos objetivos comunicativos a que se pretende chegar, buscou-se

compreender como a seleção dos elementos que operam o complexo transitivo – em especial,

os Processos, os Participantes e as Circunstâncias – se correlaciona aos propósitos

comunicativos dos gêneros discursivos. Com vistas a alcançar tal objetivo, a transitividade foi

analisada na totalidade da oração e não apenas em relação ao grupo verbal.

Conforme vimos, a transitividade está longe de constituir um tema consensual entre as

teorias linguísticas. Neste estudo, o termo transitividade difere consideravelmente do uso

tradicional, que se limita à classificação dos verbos em transitivos ou intransitivos. A noção

de transitividade adotada aqui se relaciona ao modo como os significados são construídos e,

por isso, considerou, concomitantemente, as dimensões sintáticas, semânticas e pragmáticas

desse sistema linguístico.

Dado nosso interesse em conhecer, de forma mais sistemática, os padrões de

transitividade dos Processos Materiais das notícias jornalísticas, os resultados encontrados

mostraram que os oito parâmetros selecionados para descrição dos dados (fazeres transitivos e

intransitivos, número de Participantes na cláusula, natureza dos Processos Materiais, tipos

de “fazeres” Materiais, papéis temáticos do sujeito, formas de expressão do significado,

objetivos pragmático-discursivos e expansão dos Processos Materiais) cumpriram a função

de distinguir as diversas configurações dos Processos analisados. Além disso, os resultados

reiteraram a importância da Rede SOM quanto à organização das informações e ao

reconhecimento dos modelos linguísticos codificados. Por meio dos oito parâmetros e da

metodologia de Mapas Auto-organizáveis, foi possível aferir, por exemplo, os seguintes

aspectos:

(i) as mudanças que se destinam a um segundo Participante (Meta) são,

percentualmente, mais significativas que as mudanças confinadas ao próprio Participante

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inerente (Ator). Essa preeminência quantitativa dos fazeres transitivos em relação aos fazeres

intransitivos atesta que as experiências retratadas no contexto das notícias jornalísticas

encontram maior correlação com a configuração o que x fez a y, como no exemplo seguinte,

construído com o vebo condenar:

[116] Para justificar seu voto pela abertura de novo inquérito, o Ministro Júlio

Bierrembach disse que "por muito menos o Tribunal já condenou muitos mais."

(E-B-94-Jn-013)

(ii) Apesar de não ser condição sine qua non para que uma cláusula seja tida como

transitiva, a presença de um segundo Participante configurou, na maioria das ocorrências, um

fazer do tipo transitivo, visto que o segundo grupo nominal presente nas cláusulas foi do tipo

objeto mais afetado (ou seja, do tipo Meta). Um exemplo dessa proposição pode ser visto no

seguinte exemplo, construído com o verbo formar:

[117] A exemplo do que ocorreu na Mercedes Benz do Brasil no mês passado,

trabalhadores da Ford do Brasil formaram comissões para discutir salário com

a gerência industrial da empresa. (E-B-94-Jn-005)

(iii) As cláusulas transitivas, no contexto discursivo das notícias jornalísticas, tendem

a codificar fazeres mais abstratos, ou seja, fazeres atrelados ao campo das ideias e das

relações sociais. Em contrapartida, os fazeres mais concretos, cujas mudanças são mais

perceptíveis aos sentidos humanos, tendem a ser codificados pelas cláusulas intransitivas. As

cláusulas seguintes, construídas com os verbos derrotar e entrar, exemplificam,

respectivamente, essas duas situações:

[118] Aprovação da reeleição derrota ao mesmo tempo Maluf, Quércia e Paes de

Andrade (E-B-94-Jn-026)

[119] As balas o atingiram no braço, na mão esquerda e uma entrou pelo abdômen

saindo pelo reto. (E-B-94-Jn-012)

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(iv) As cláusulas Materiais processuais (ou seja, aquelas que veiculam um

acontecimento, e não um fazer, propriamente dito), em sua maioria, são expressões

metafóricas do significado, cujo Participante Ator (Médio) resguarda indícios de um

Participante do tipo Meta. Nesse tipo de expressão, o jornalista busca enfatizar o aspecto

causa-e-efeito da mudança, em detrimento ao aspecto ação-e-extensão. Como exemplo,

citamos a cláusula a seguir, construída com o verbo explodir:

[120] O Ministro Júlio Bierrembach cobra do IPM:

[...]

• o laudo sobre a bomba é inconcludente;

• dizer que os militares foram vítimas de uma armadilha desmoraliza os órgãos

de segurança e informação das Forças Armadas;

• a bomba explodiu no colo do sargento. (E-B-94-Jn-013)

(v) Apesar da representativa frequência do Ator/Sujeito nas funções de agente híbrido,

de causa e de paciente, a função numericamente mais expressiva desse Participante foi a de

agente prototípico, ou seja, de uma entidade [+humana e +individualizada]. Conforme

dissemos em capítulos anteriores, esse tipo de configuração aponta para a intencionalidade

das notícias jornalísticas em expor o indivíduo responsável pela mudança. Um exemplo dessa

configuração pode ser visto no fragmento seguinte, construído com o verbo encaminhar:

[121] Por volta de 23h, Dalla encaminhou a votação, durante a qual os acessos ao

Congresso foram bloqueados por tropas da Polícia Militar. (E-B-94-Jn-015)

(vi) As expressões mais congruentes do significado cumprem a função de identificar

os responsáveis pelo desenrolar do Processo. Em oposição a esse objetivo pragmático-

discursivo, as expressões metafóricas, em sua maioria, cumprem a função de ocultar a

entidade agentiva, sem que, com isso, sejam geradas proposições incompletas. Como exemplo

dessas configurações, citamos as cláusulas construídas com os verbos enviar e dar:

[122] Em novembro de 1979, Mohamed enviou uma carta, assinada com seu próprio

nome, ao jornal Millyet, de Istambul, anunciando disposição de matar o Papa

João Paulo II durante sua visita à Turquia. (E-B-94-Jn-012)

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[123] A totalização dos 96,79% dos votos de todo o país, divulgada às 22h13de ontem

pelo Triibunal Superior Eleitoral (TSE), dava ao presidente eleito Fernando

Collor de Mello uma vantagem de 3,4 milhões de votos sobre seu adversário do

PT, Luís Inácio Lula da Silva, Collor tinha 52,6% dos votos válidos - em

números absolutos 33.933.407 votos – e Lula, 47,38% - ou 30.555.765 votos.

(E-B-94-Jn-021)

(vii) A ocorrência de sintagmas circunstanciais como elementos de expansão dos

fazeres intransitivos demonstrou a importância desses elementos nesse tipo de configuração.

Em muitas ocorrências, as circunstâncias são inerentes ao Processo, tornando-se, assim,

indispensáveis ao enunciado. Como exemplo, citamos a cláusula seguinte, construída com o

verbo pular:

[124] A taxa de desemprego, que era 2,2 % em dezembro, pulou para 4% em maio –

no total, são 2 milhões 204 mil desempregados. Só em maio, 330 mil pessoas

ficaram sem emprego. (E-B-94-Jn-018)

Além desses apontamentos, a Rede SOM mostrou que os padrões referentes às

cláusulas intransitivas tenderam a ser mais bem definidos que os padrões das cláusulas

transitivas. Tanto a dispersão dessas classes no grid map quanto os agrupamentos formados

corroboraram essa tendência. Esse resultado aponta para uma diferença mais acentuada com

relação às codificações dos Processos que se estendem a um segundo Participante.

Os quinze padrões de transitividade encontrados nas notícias jornalísticas, além de

revelarem as configurações mais significativas, permitiram averiguar como os significados

são construídos nesse contexto particular de interação. Além das configurações mais

congruentes (ou menos marcadas), como as representadas pelos padrões 1, 8 e 9 (cf. p. 196 e

198), as necessidades de elaborar uma proposição completa (ou seja, que contenha sujeito,

predicado e circunstância) e de ordenar a cláusula a partir da notação mais importante

motivam a elaboração de outros arranjos, cujas configurações são menos congruentes, como

as representadas pelos padrões 3, 4, 13 e 14 (cf. p. 196, 197 e 199).

Ainda no que tange aos padrões encontrados, as análises permitiram identificar as

configurações menos recorrentes e, portanto, menos produtivas nas notícias jornalísticas.

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Eventos processuais mais prototípicos, como os representados pelos padrões 5 e 15 (cf. p. 197

e 200), não obtiveram muitas ocorrências. Esse tipo de estrutura confere aos eventos um tom

menos dinâmico e, por isso, parecem fugir aos propósitos principais das notícias jornalísticas,

que são informar quem fez o quê, a quem e quando.

Por fim, consideramos que nossa pesquisa contribui para uma ampliação no estudo da

transitividade. A descrição desse sistema a partir de critérios sintáticos, semânticos e

pragmáticos evidencia a relevância da transitividade em termos de construção de significados.

Acusamos, no entanto, a necessidade de aprimoramento de alguns aspectos apresentados nesta

tese, como a diversificação quanto ao gênero discursivo, a ampliação do número de dados,

dos tipos de Processo e, quando necessário, dos parâmetros e das classes relacionados.

Entendemos que essas medidas poderão proporcionar melhor distribuição dos dados na Rede

SOM e, consequentemente, modelos linguísticos ainda mais bem definidos.

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ANEXOS

ANEXO 1 – Notícias jornalísticas analisadas

ANEXO 2 – Cláusulas analisadas

ANEXO 3 – Cláusulas posicionadas dentro dos neurônios no grid map

ANEXO 4 – Figuras de dispersão das classes dos parâmetros

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ANEXO 1 – NOTÍCIAS JORNALÍSTICAS ANALISADAS

Notícia 1

(E-B-94-Jn-001)

ESCOLA DA NOTÍCIA UMA AULA VIVA DA FUSÃO DEPARTAMENTO EDUCACIONAL A partir de hoje, os cariocas da "mui | leal e heróica" Cidade de São Sebastião do Rio | de Janeiro – título outorgado por D. Pedro I | em 9 de janeiro de 1823 e os fluminenses | da antiga província e do território de v á r i a s | Capitanias de que deram notícia, pela pri- | meira vez, os navegantes Américo Ves- | púcci e André Gonçalves em 1502 (desco- | berta de Angra dos Reis) são conterraneos | do mesmo Estado. Com a fusão, além de toda | polêmica sobre suas vantagens e desvanta- | gens, há pelo menos uma boa consequência | imediata: desaparece o adjetivo guanabarino, | definitivamente não pegou. Guanabara | voltará a ser apenas nome de baía | e aí está bem – e de logradouros públicos. O novo Es- | tado e sua nova capital assumem sua identi - | dade através de uma mesma denominação – Rio de Janeiro – e de vontade comum | de enfrentar os desafios e problemas de uma | unidade da Federação que é a segunda em | importância econômica, a terceira em popu- | lação – só superada por São Paulo e Minas – | e a primeira em significado e projeção cul- | tural. ESTADO DO RIO DE JANEIRO A cidade do Rio de Janeiro | e a província fluminense viviam | natural e politicamente integra- | dos até o Ato Adicional de 1834 | à Constituição de 1824 que trans - | forma o Rio em município neu- | tro. Na Proclamação da Repúbli- | ca, o Decreto no 1 de 15 de no- | vembro de 1889 estabelece que | a antiga capital dos vice-reis | (desde 1763); e do Império pas - | saria à sede do Governo provisório. A Consti- | tuição de 1891 – Artigo 3, Para- | gráfo Único – determina que o | então Distrito Federal se torna- | ria, um novo Estado da Fede- | ração a partir da mudança da | capital federal para o planalto | central – o que se consuma em | abril de 1960, com a transferên- | cia para Brasília e a criação do Estado da Guanabara. A fusão agora consumada | teve seu primeiro projeto em | 1959 através de plano elaborado | pelo economista e sociólogo Paulo de Assis Ribeiro, atendendo a | pedido do Centro Industrial do | Rio de Janeiro. Logo esquecida, a idéia renasce em janeiro de | 1970, quando a Federação das | Industrias do Estado da Guana- | bara (FIEGA) entrega ao Gover- | no federal um estudo e antepro- | jeto de lei complementar, suge- | rindo a medida como um remé- | dio para a estagnação industrial do Estado-município. Daí em diante, as especu- | lações e rumores quanto à fusão | ganham corpo definitivamente. | Em abril de 1974, o Ministro da | Justiça Armando Falcão anuncia | pela primeira vez, oficialmente, | que o assunto estava sendo estu- | dado. O projeto chega ao Con- | gresso em inícios de junho, seu | substitutivo (de autoria do ex- | Deputado Djalma Marinho) é | aprovado no fim do mês e final- | mente, em Io de julho do ano | passado, o Presidente G e i s e l | sanciona o texto da lei comple- | mentar que determina a fusão. | A cidade do Rio e o Estado do | Rio de Janeiro estão de novo in- | tegrado na mesma unidade polí- | tica, cuja Constituição começará | a ser elaborada em 31 de março | próximo, com a instalação da | Assembléia Constituinte. Apro- | vado pelo Senado, o Almirante | Floriano Peixoto Faria Lima é | nomeado Governador em 3 de | outubro de 1974.

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Notícia 2 (E-B-94-Jn-002) Angola ganha | amanhã sua | independência A um dia da proclamação da in- | dependência, o Movimento Popular de | de Libertação de Angola (MPLA) con- | trola a capital Luanda e mais sete | capitais provinciais das 16 que com- | põem o país, estando as demais nas | mãos da FNLA e da UNITA, aliadas | contra o movimento de Agostinho Ne- | to e que tentaram sem êxito conquis- | tar Luanda. O líder do FNLA Holden Roberto, | anunciou que não realizara comemora- | ção de independência nos territórios | que controla e advertiu que continuará | a luta, combatendo qualquer Governo | separatista se couber a Agostinho Neto | e seu MPLA a tarefa de assumir o Po- | der a partir de amanhã. (Página 10) Notícia 3 (E-B-94-Jn-003) Geisel anuncia hoje recesso do Congresso O presidente Ernesto Geisel reú- | ne hoje, ,às 8h, o Conselho de Seguran- | ça Nacional para examinar a situação | política do país e, 12 horas depois | (20h), anunciará à Nação o recesso | do Congresso, por um a cadeia de rádio | e televisão. Ao discursar ontem na Vila Mil- | litar, onde almoçou com 270 oficiais | das três Forças em comemoração ao | 13o aniversário da Revolução de 64 | o Presidente da República garantiu que | a reforma do Judiciário será feita. Ele | atribuiu a rejeição do projeto, pelo | Congresso, à situação "de uma minoria | que praticamente, dentro do Congres- | so, se transformou na ditadura." Disse o General Geisel que no | Brasil só não há liberdade para os que | desejam utilizá-la para destruir a Na- | ção. " Estes, sem dúvida, não tem liber- | dade." Mas aqueles que trabalham, que idealizam um futuro melhor, que | pensam no país, que têm espírito na- | cional vivem numa liberdade que, | creio, será difícil encontrar em outros | países de nosso planeta." Em Brasília, o presidente do | MDB, Deputado Ulisses Guimarães, | pediu ao líder em exercício da banca- | da oposicionista na Câmara, Deputado Freitas Nobre, que se mantenha aten- | to para a necessidade de ser convoca- | da uma reunião de urgência da Comis- | são Executiva Nacional. Na reunião do Diretório Nacional | arenista, que teve a presença dos | Ministros Golbery do Couto e Silva e | Armando Falcão, o ministro da Justiça elogiou o comportamento do Partido, que guarneceu o "front político do | Governo", e lamentou a derrubada | do projeto de reforma do Judiciário. O substitutivo votado pelo Con- | gresso, embora tenha recebido 241 | votos favoráveis dos arenistas (apenas | a Deputado Lígia Lessa Bastos votou | contra) e 156 contrários, por se tratar | de emenda constitucional, precisava | de dois terços do total (282 votos) | para ser aprovado. A câmara, ontem, | teve uma reunião tranquila – com a presença de 177 deputados – e não | houve discussões sobre a reforma. (Págs. 2, 3, 4, 18, 19, Coluna do Cas- | tello, editorial pág. 10 e Caderno B) Notícia 4 (E-B-94-Jn-004) Emenda que inclui | divórcio vai ser | votada às 9h30m

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A emenda do Senador Nélson | Carneiro (MDB-RJ) que inclui o di- | vórcio na Constituição para benefi- | ciar desquitados e casais separados | começa a ser votada hoje às 9h30m, | em segundo e último turno pelo Con - | gresso Nacional. Membros da hierar - | quia da Igreja como o Arcebispo de Juiz de Fora, D. Geraldo Penido, con - | sideraram o divórcio como "fato con- | sumado." Encontravam-se em Brasília, on- | tem 347 parlamentares – a emenda | precisa de 212 votos para ser aprova- | da – e o Sr. Nélson Carneiro estava | otimista porque entre eles havia di - | vorcistas que não tinham compareci- | do ao primeiro turno da votação | (219x162), na semana passada. Pou- | cos divorcistas mantinham-se esperançosos de uma reviravolta. Em quase todas as dioceses se rea - | lizam ontem e continuam hoje re- | flexões e preces conjuntas para que | os congressistas rejeitem a Emenda | Nelson Carneiro que, aprovada, será | promulgada em sessão solene do Con- | gresso Nacional na próxima semana, | ficando a prática do divórcio depen- | dente de lei ordinária, que está sendo | elaborada pelos Srs. Nelson Carneiro | e Aciolly Filho (Arena –PR). O sociólogo Gilberto Freyre, res- | salvando que é "acatólico", manifes- | tou-se favorável ao divórcio por acre- | ditar que "corresponde aos anseios e | solicitações de numerosos brasileiros | descomprometidos com a Igreja Cató- | lica", mas ressaltou não compreender | a existência de católicos divorcistas. (Página 16 e editorial na página 10) Notícia 5 (E-B-94-Jn-005) Operários da Ford seguem os da Mercedes Benz e criam comissão de salários São Paulo O Sindicato dos Metalúrgicos de | São Bernardo e Diadema confirmou ontem que nos | últimos dias houve ligeiras paralisações do trabalho | em setores da indústria, mas desmentiu que | os trabalhadores tenham feito greve. O vice-presidente | do Sindicato, Rubens Teodoro de Aruda, infor- | mou que as paralisações tiveram por objetivo, es- | sencialmente a formação de comissões para discutir | salários. A exemplo do que ocorreu na Mercedes Benz do | Brasil no mês passado, trabalhadores da Ford do | Brasil formaram comissões para discutir | salário. | com a gerência industrial da empresa. Na Merce- | des, um grupo de operários manifestou-se descon- | tente com o aumento de 39% concedido pelo Go- | verno. O mesmo ocorre na Ford e, segundo o Sr, Ru- | bens de Arruda, poderão ocorrer casos semelhantes | em outras indústrias, "pois estamos sentindo um | descontentamento generalizado entre os metalúr- | gicos". EMPRESA DESMENTE Através de sua Asses- | soria de Imprensa, a di- | retoria da Ford do Brasil | desmentiu que t e n h a | ocorrido paralisação de "máquinas ou de ho- | mens" em algum setor | da empresa. Diz q u e | "simplesmente alguns | funcionários em grupos | procuraram a gerência | industrial para pletear | um reajuste de 15% , | além dos 9% em seus sa- | lários ou o não descontos da antecipações salari- | ais recebidas em novem- | bro (10%) e fevereiro | (5%)." Ainda que segunda a mês- | ma fonte, o pedido foi | analisado. | Segundo o Sindicatos dos | Metalúrgicos, os setores | a que pertencem os fun- | c i o nários insatisfeitos | são os de ferramentaria, | estamparia e inspeção. ACIDENTE A Ford do Brasil des -| mentiu também notícias | de que o departamento | médico encerra o expedi- | ente às 23 h, informando que, além do trabalho | ininterrupto desse setor os funcionários dispõem | de convênio firmado pela | empresa.

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O Sindicato, por sua | vez, esclarece que não es- | tá a frente do movimen- | to, pois os próprios ope- | rários pediram p a r a | fazer suas negociações | internamente por conta | própria. - E s c l a r e c e m o s | apenas alguns pontos, | como, por exemplo, o das | comissões s e r em for- | madas por operários es - | táveis, para i m p e d i r | demissões, como foi o | caso da Mercedes Bens | - disse o Sr. Rubens Ar- | ruda. Notícia 6 (E-B-94-Jn-006) Regime do AI-5 acaba à meia - noite de hoje A meia – noite de hoje o Brasil sai do | mais longo período ditatorial de sua His- | tória. Dez anos e 18 dias depois de sua | edição, o Ato Institucional no 5 que sus- | pendeu liberdades individuais, eliminou o equilíbrio entre os Poderes e deu atribui- | ções excepcionais ao Presidente da República, encerra sua existência. O Presidente Ernesto Geisel, que go- | vernou com o Ato e comandou a política | de distensão que o revogou, passa a últi- | ma noite do ano – e do regime – na | Granja do Riacho Fundo. O General Fi- | gueiredo, que receberá o Governo sem | poderes arbitrários, começará i abi ba | Granja do Torto, também em Brasília. A partir de meia-noite

• O brasileiro volta a ter direito | a habeas-corpus nos casos de crime po- | lítico. • Os mandatos parlamentares | voltam a ser invioláveis. O Executivo |não pode mais

cassá-los. • Os direitos políticos tornam-se | permanentes. O Executivo não pode | mais suspendê-

los sem amparo judicial. • O Congresso passa funcionar | por delegação popular. O Executivo | não pode mais

colocá-lo em recesso. • O Poder Judiciário recupera suas prerrogativas. • Os funcionários públicos re- | cuperam o direito de só sofrerem pu- | nição de acordo

com as leis. O Executi- | vo não pode mais demiti-los ou apo- | sentá-los. • O Direito brasileiro livra-se da | pena de morte, da prisão perpétua e | do banimento. • Os Estados recuperam parte de | sua autonomia. O Executivo não pode | mais colocá-

los sob intervenção sem li- | cença do Congresso. • Desapareceram da legislação na- | cional as siglas AI (Ato Institucional) | e AC (Ato

Complementar). Exilados retornam Com a extinção do AI-5, prevê-se a | chegada de diversos brasileiros que se en- | contram exilados, banidos ou simples- | mente temerosos de voltar. Sabe-se, po- | rém, que os dispositivos de vigilância dos | principais aeroportos nacionais já estão | efecientemente testados e prontos para a | identificação de cada um, na ocasião do | (3 linhas do jornal corroído) dente da República o decreto que anulou | a pena de banimento aplicada a 127 bra- | sileiros. Já o Cardeal Primaz do Brasil, Dom Avelar Brandão Vilela, afirmava | que a revogação das penas de banimento | e a extinçào da CGI representam um | passo inicial para a anistia." (Páginas | 3, 4, 5, 6 e 7 e editorial na página 10) Notícia 7 (E-B-94-Jn-007)

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Luta pela anistia Saudado incialmente por Maxime Gremeta, | uma das estrelas em ascensão do PCF como | "uma figura prestigiosa em seu país e no plano | internacional Luís Carlos Prestes fez uma breve | declaração inicial "Meu retorno, como o de outros | compatriotas se deve à anistia" – explicou as- | lientando que ela só foi possível graças à ação popular e à luta pelas liberdades democráticas. | Graças também a diversas forças da Oposição | que foram capazes de se unir em torno desses | ideais. Depois de prestar homenagem a todos que, | durante estes 15 anos, "tombaram pela felicidade | do povo e a independência do país" o secretário - | geral do PCB disse que ainda falta muito, no | Brasil, para se chegar a verdadeiro Estado demo- | crático. A anistia deve ser ampliada, porque ain- | da há muitos brasileiros nas prisões e outros que | não podem retornar à sua pátria. A seguir, Prestes disse que falta atacar os | problemas de fundo, que, a seu ver, não apenas | persistiram ao longo de 15 anos de ditadura, como | se agravaram "Aumentou o número de latifundiá- | rios" frisou. "A dependência do estrangeiro igual | mente se ampliou. As contradições sociais e regio- | nais se aprofundaram e também o abismo que | separa a [corroído] [corroído] das grandes massas | cada vez mais pobres e miseráveis. Por isso o líder comunista decidiu "lutar ao | lado do povo". E com esse objetivo em mente que | retorna ao Brasil, afirmou: "Volto para lutar pela | legalização do Partido Comunista Brasileiro. Sem a participação de comunista e progressistas, | não há democracia. E uma democracia mutilada é | a negação da democracia. Volto para participar da | luta popular pela livre organização de todas as | correntes e movimentos de opinião políticos. Lembrando a difícil [corroído] [corroído] [corroído] | uma grande parte da população brasileira. Luís Carlos Prestes declarou: "Não tenho a pretensão | de ter soluções para problemas tão graves. Sou | comunista e luto pela aplicação da ciência socialis- | ta à realidade concreta do país. O que desejo após | 15 anos de afastamento do povo, na clandestinida- | de ou no exílio, é conhecer melhor a realidade | brasileira Para ele, a solução dos problemas virá do | próprio [corroído] [corroído] por um grande debate | não apenas das elitges mas do conjunto de trabalha- | dores brasileiros "Volto a insistir" – declarou - | "que o essencial é a conquista das liberdades | democráticas, bem como a organização da união | de forças da Oposição contra as manobras divisio- | nistas da ditadura, porque a divisão é o objetivo | real da chamada reformulação dos Partidos." Notícia 8 (E-B-94-Jn-008) DOPS ameaça enquadrar líder sindical na Lei de Segurança São Paulo – Luís Inácio da | silva pode ser indiciado por in - | frigir a Lei de Segurança Na- | cional, concluiu o delegado de | Ordem Política do DOPS, Ed- | sel Magnoati, depois de consultar a 2a auditoria militar. Depois de decretada a inter- | venção e ante as manifestações | de Lula, consideradas hostis ao | Governo, houve ordem da Polí- | cia Federal, de Brasília, para | que fossem reexaminadas to- | das as declarações anteriores | do líder metalúrgico desde os | primeiros [corroído] [corroído] | [corroído] A formalização do inquérito e | eventual enquadramento de | Lula na Lei de Segurança Na- | cional dependerá, informam na | polícia, política, do seu compor- | tamento nos próximos dias. TRANQUILO Enquanto sua mulher Sra | Marisa Letícia da Silva, preocu- | pava-se com a hipótese de ele | vir a ser preso, Luís Inácio da | Silva, tranqüilo, dormiu das | 15 as 19h30m. Depois, se reu- |

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niu com parte da diretoria de- | posta do Sindicato dos Meta- | lúrgicos de São Bernardo do | Campo e Diadema | ora discu - | [corroído] [corroído] [corroído] [corroído] | Depois do almoço, às 15 h, Lu- | la chegou a sua casa, no Jardim | Assunção, bairro operário de | São Bernardo do Campo, acom- | nhado pelo Deputado esta - | dual Geraldo Siqueira, do PT, e | do seu hóspede, Frei Beto. "Es- | tou satisfeito com a mobiliza- | ção dos trabalhadores e tam- |bém com o fato de os metalúrgi- | cos aterem atendido a minha de- | terminação de irem para casa". | disse ao chegar. A FAMÍLIA Lula foi logo para o quarto do | casal com a Sra. Marisa Letícia | da Silva. Os dois filhos mais | velhos, Marcos, de 10 anos, e Fábio, de cinco, foram para a | casa de um parente. O menor Sandor, de um ano e sete me- | ses, dormia no outro quarto da | casa. Na sala de visitas, o telefone | não parou de tocar, mas nin- | guém incomodou o casal. Frei | Beto atendeu a todos os telefo- | nemas e recebeu a secretária de | Lula, D. Ivonete, que foi lá á | procura de instruções. Frei Be- | to incumbiu-lhe de comprar um | presente para Marcos, que ani- | versariou na semana passada, | mas o pai não tivera tempo de | comprar presente. ASSEMBLÉIA Sem policiamento nem inci- | dentes, a assembléia dos meta- | lúrgicos de Santo André foi rea- | lizada às 16h, no Estádio Jaça- | tuba, com cerca de 6 mil traba- | lhadores que votaram pela ma- | nutenção e, pela primeira vez, | aclamaram o presidente depos- | to, Deputado Benedito Mar- | cílio. Todos os oradores protesta- | ram contra a intervenção e afir- | maram que sem negociações | não voltam ao trabalho. Termi- | nada a assembléia, todos os tra- | balhadores se dispersaram. Até | as 19h, em Santo André, não foi registrado nenhum conflito. Notícia 9 (E-B-94-Jn-009) Drummond mantém o que disse de Prestes Carlos Drummond de Andrade contesta o líder | comunista Luís Carlos Prestes e nega que tenha | havido falta de memória, interpretação pessoal ou | descuido no resgistro imediato – em diário publicado este mês – de uma conversa que tiveram em | 1945, quando Prestes estava preso. Segundo o poeta, | Prestes declarou-se "católico", mesmo, previu que | "Dutra seria pior que Getúlio", e reiterou que "por | si o homem não tem qualquer significação", pois o | que conta são as "circunstâncias". Drummond divulga a carta que recebeu de | Prestes e se recusa a admitir ligeirezas de sua par- | te; não houve "nem frase solta ouvida em livraria | nem entrevista de meia-dúzia de palavras pelo te- | lefone", como sugeriu Prestes. Lamentou que o re- | gistro não coincida com a memória do líder comu- | nista, mas ressaltou que "isto não altera a consi- | deração que voto a um homem da sua integridade, | provada na ação e no sofrimento."(Caderno B) Notícia 10 (E-B-94-Jn-010) Prefeitura culpa hábito de uninar nas pilastras pela deterioração dos viadutos O hábito de urinar nas pilastra é uma das causas | da deterioração dos viadutos da cidade, porque a urina | provoca a oxidação dos ferros, segundo explicou o | diretor da Divisão de Conservação da Secretaria Muni- | cipal de Obras, Joberto Pimentel. Há ainda o aumento |

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excessivo do tráfego, problema que também afeta as | pontes que sofrem, inclusive, os efeitos da água po- | luída. A Prefeitura já recuperou os viadutos de Ana Néri e | três pontes nas Avenidas Francisco Bicalho e Rodri | gues Alves. Agora está terminando as obras dos viadu- | tos de Realengo, Bento Ribeiro, Magalhães Bastos, | Engenheiro Leal, Del Castilho e Deodoro. Até o final do | ano vai recuperar a antiga Ponte dos Marinheiros, o | Trevo dos Estudantes e uma ponte na rua Francisco | Eugênio, e executar laudos técnicos de oito viadutos. Notícia 11 (E-B-94-Jn-011) Tancredo acusa governadores de sabotar diretas O presidente do PP, senador | Tancredo Neves, acusou ontem os | governadores de estarem articulan- | do um movimento para impedir a | eleição direta dos seus sucessores | em 1982 e denunciou que eles são apoiados por "importantes pessoas | da esfera do Governo". Reafirmou | que a distensão política parou e | frisou: "Fazer abertura sem Consti- | tuinte é fazer da abertura uma bale- | la, um engodo. Em resposta ao Ministro da | Justiça, Ibrahhim Abi-Ackel, para | quem de- | via ter uma postura serena, isenta e | imparcial", mas acrescentou que "isso é apenas mais um flagrante | da filosofia, mentalidade e estilo | do Governo que temos." (Página 3) Notícia 12 (E-B-94-Jn-012) Papa sofre atentado mas está fora perigo O Papa João Paulo II foi ferido por | dois tiros às 17h19m (12h19m no Brasil) | quando chegava, ontem, na Praça São | Pedro, para a audiência semanal. As ba- | las o atingiram no braço, na mão esquer- | da e uma entrou pelo abdômen saindo | pelo reto. A operação durou mais de cinco | horas, e os médicos da Policlínica Gemel- li, para onde foi imediatamente transpor- | tado, confiam em sua recuperação. O autor do atentado, o turco Moha- | med Ali Agca, estava a cinco metros do | jipe em que João Paulo percorria a praça. | Os tiros foram disparados logo após a | primeira volta, quando o Papa acabava | de apertar as mãos de algumas das 30 mil | pessoas que estavam na praça. O Papa, | com o rosto transtornado pela dor, aper- | tou o abdômen e, em seguida, caiu em | cima de seu secretário particular. Duas mulheres, uma americana e | uma jamaicana, também ficaram feridas. | O jipe foi envolvido pelos agentes de | Segurança do Vaticano, e o Papa levado | para a Policlínica. O agressor ainda ten- | tou fugir, mas foi logo cercado por populares e | policiais que o livraram de um massacre. Durante a operação, em que lhe foi | tirada uma parte do intestino, João Paulo | recebeu quase dois litros de sangue, por | causa da forte hemorragia. Passará a noite de hoje e possivelmente todo o dia de | amanhã no centro de tratamento intensi- | vo. Os médicos estão otimistas, pois "ne- | nhum órgão vital foi atingido." Mohamed Ali Agca, 23 anos, entrou | na Itália há duas semanas, vindo da Espa- | nha, desembarcando em Milão. Chegou a Roma há dois dias e se identificou no | hotel, com passaporte falso, como Farouk | Osgum, estudante turco matriculado na | Universidade de Línguas de Perúgia.

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Em novembro de 1979, Mohamed en- | viou uma carta, assinada com seu próprio | nome, ao jornal Millyet, de Istambul, | anunciando disposição de matar o Papa | João Paulo II durante sua visita à Tur- | quia. Pouco antes fugira de uma prisão de | Istambul, onde cumpria pena por partici- | par do atentado que causou a morte do redator-chefe do jornal, Abdi Ipecki. A arma usada no atentado foi uma | pistola semi-automática Browing Hi - | Power, calibre 9mm, Parabellum, consi- | derada de boa potência, tiro preciso e | grande penetração. O ataque ocorreu no | dia da peregrinação anual ao Santuário | da Virgem de Fátima, em Portugal, onde | peregrinos choraram e rezaram ao ter a | notícia. Calcula-se que 30 Papas tiveram mor- | te violenta na história do Pontificado, a | partir do Apóstolo Pedro (ano 64 ou 67 | d.c.). Em 1970, um boliviano disfarçado | quando desferia um golpe de punhal con- | tra Paulo VI. O Camerlengo, Cardeal Pao- | lo Bertoli, assumirá o Governo da Igreja, | com poderes limitados, se João Paulo II | ficar impedido de exercer suas funções. Em Washington, o Presidente Ronald | Reagan – que ainda convalesce do aten- | tado a bala de 30 de março – declarou-se | chocado com a tentativa de assassinato | de João Paulo II. Em Varsóvia, homens | e mulheres choraram pelas ruas. O primeiro-secretário do PC polonês enviou | telegrama desejando "rápida recupera- | ção do Papa." O Presidente Figueiredo, que recebeu | a notícia quando almoçava no Regimento | de Cavalaria de Guarda, enviou mensa- | gem na qual faz os seus "desejos e as | preçes de toda a nação brasileira pela | pronta recuperação de Vossa Santidade." | O presidente do CNBB [corroído] [corroído] [corroído] | [corroído], pediu: "Deus tenha piedade do | [corroído] [corroído] [corroído]. Em Recife, Dom [H]elder Câmara disse | em lágrimas que o Papa estava ferido, | "sangrando pelos crimes do mundo" e | que, "se Deus quiser levá-lo, ele se ofere- | cerá em holocausto." No Rio, onde à noite | cerca de 5 mil pessoas rezaram nas ruas | pelo restabelecimento de João Paulo II, | durante a procissão de Nossa Senhora de | Fátima, Dom Eugênio Salles afirmou que | atentados são graves, sejam contra uma | pessoa importante ou contra um humilde. | Referindo-se ao criminoso concluiu: "Por | mais grave que tenha sido o atentado, | esse homem merece perdão." (Págs. 12, 13, 14 e editorial O Atentado a um Símbolo.) Notícia 13 (E-B-94-Jn-013) STM arquiva Riocentro em definito por 10 a 4 O Superior Tribunal Mili- | tar oir 10 votos a quatro, man- | teve o arquivamento definitivo do IPM do Riocentro, ao | contrariar o voto do Ministro | Júlio Bierremabach, que pediu | a abertura de novo inquérito | para que o Capitão Wilson Ma- | [corroído] fosse ouvido em uma | Auditoria como acusado "a | menos que o Ministério Públi- | co Nukutar seha kevadi ai des- | crédito." Para justificar seu voto pela | abertura de novo inquérito, o | Ministro Júlio Bierrembach | disse que "por muito menos o | Tribunal já condenou muitos | mais." Lamentou estar diante | de um crime à beira da impuni- | dade e disse não ter nenhuma | dúvida de que a bomba que | explodiu no Rio Centro estava | no colo do sargento Guilherme | do Rosário, que a manuseava. O único Ministro que acom- | panhou integralmente o volto | do Almirante Júlio Bierrem- | bach foi o Almirante Andersen | Cavalcante. Os Ministros | Gulater Godinho (civil) e Deo- | clécio Lima de Siqueira (Briga- | deiro) pediram ao STM que en- | caminhasse o processo ao Pro- | curador-Geral da Justiça Mili- | tar, para que o reabrisse ou | determinasse a abertura de ou- | troinquérito.

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Em 52 páginas, o Ministro | Júlio Bierrembach aponta as | falhas, omissões, contradições | e pontos obscuros do IPM e | conclui com uma análise do | relatório do encarregado, Co- | ronel Job Lorena de Sant’na - | bam a quem qualifica de "um | oficial de fertilíssima imagi- | nação. O Ministro Júlio Bierrem- | bach cobra do IPM:

• cópia do boletim de socorro | e prontuário clínico referente | ai Capitão Wilson Machado;

• esclarecimento sobre a | bomba que explodiu na subes- | tação de energia elétrica; • a quem pertencia o telefone | 208-7742, usado por uma teste- | nha para dar ciência do

| ocorrido ao Comando do I | Exército; • onde estava o sargento Gui- | lherme do Rosário, entre as 17h | e 20h30m do dia 30 de

abril; • como foi encontrado o carro | do sargento e rebocado; • como pode um oficial não | conhecer um sargento pelo no- | me, se trabalham juntos; • o laudo sobre a bomba e | inconcludente; • dizer que os militares foram vítimas de uma armadilha des- | moraliza os órgãos de

seguran- | ça e informação das Forças Ar- | madas; • a bomba explodiu no co- | lo do sargento. (Página 8)

Notícia 14 (E-B-94-Jn-014) Tanques de Israel chegam ao Palácio do Governo libanês Os tanques israelenses estaciona- | ram ontem a 200metros do Palácio do | Governo do Líbano, anunciou a rádio | oficial libanesa. O presidente Elias | Sarkis manteve reunião de emergência | com seu gabinete "para considerar a | formação de yn Governo forte que | salve o país." Os tanques [corroído] | antes, posições palestinas em Khalde, a 13 km da Capital. O ataque, que se seguiu a uma | quebra mútua di cessar-fogo iniciado | às 21h (locais) de sábado, envolveu o | desembarque de tropas próximos à al- | deia de Baabda, a 8km do centro de Beirute. A aviação apoiou o avanço | dos tanques em Khaldes e ainda bom- | bardeou a cidade desportiva, onde | há redutos da guerilha palestina. A | rádio de Israel disse que não será tole- | rada a presença de "bases terroristas | no Líbano". Os Estados Unidos são favoráveis | à retirada de todos "os elementos | estrangeiros" do Líbana, disse o Se- | cretário de Estado Alexander Haig. | Os Presidentes REagan e Leonid Brej- | nev se comunicaram pela segunda | vez, informou Haig, que considerou | "alentadoramente prudente" a ati- | tude da União Soviética. (Página 7) Notícia 15 (E-B-94-Jn-015) CONGRESSO REJEITA DIRETAS Ao final de mais de 60 discur - | sos, numa das mais longas (16 ho- | ras) e tebsas sessões de sua histó- | ria, o Congresso Nacional rejeitou | as primeiras horas de hoje, por não | ter alcançado quorum constitucio- | nal, a emenda Dante de Oliveira | que previa eleições diretas já para a | Presidência da República. Houve | 298 votos favoráveis, 65 contrários | e 3 abstenções. Não compareceram | 113 deputados. As ausências - | estratégia do PDS – provocaram a | rejeição da emenda. A aprovação | exigia 320 votos para, a seguir, a | proposta ser submetida ao Senado. | Foi, sem dúvida, a votação a votação mais | vivamente

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acompanhada pelo po- | vo: 7 mil pessoas nos jardins em | torno do Congresso e 1 nas 200 nas | galerias. A sessão foi aberta às 9h45min | pelo presidente do Congresso, Se- | nador Moacir Dalla; e até o meio | da tarde havia 153 oradores inscri- | tos. O número acabou sendo redu - | zido, a pedido de Dalla, pois do | contrário não teria sido possível | votar a emenda. Apesar do clima | tenso e da duração da sessão, houve apenas um incidente: o Depu- | tado Sebastião Curió (PDS-PA), | aos brados, acusou o Deputado | Ademir Andrade (PMDB-PA) de | comunista. Por volta de 23h, Dalla | encaminhou a votação, durante a | qual os acessos ao Congresso foram | bloqueados por tropas da Polícia | Militar. Por todo o país o povo reuniu- | se nas praças para acompanhar a | contagem de votos em painéis cha- | mados de placares das diretas. Em | alguns lugares os votos dos parla- | mentares eram anunciados por sis- | temas de alto-falantes. No Rio, a | concentração comoeçou cedo, na Ci- | nelândia. Comícios relâmpagos e | queima de fogos foram incluídos | bas vigílias. No ABC paulista, houve manifestações de trabalhadores | em 40 empresas metalúrgicas e, na | Capital, o povo reuniu-se na Praça | da Sé. Em Brasília, universitários e | secundaristas, ao estilo dos atletas | olímpicos, escreveram com seus | corpos a frase DIRETAS JÁ, nos | gramados do Congresso. Motoris- | tas que os viram, por volta de | meio-dia começaram a buzinar | seus carros, o que provocou violen- | ta reação do executor das medidas | de emergência, General Newton | Cruz. "Não podem me desmorali- | zar em frente ao meu quartel", disse Cruz. "Vai custar muito caro | para alguém fazer isso." Em segui- | da, o General desceu de seu gabi- | nete , bastão de comando em | punho, apreendeu cerca de 100 | automóveis e sete ônibus. Um dos | carros teve os pneus furados a bala. As 22h45min, a TV Gazeta, de | São Paulo, recebeu autorização pa- | ra voltar a transmitir, depois que | sua suspensão, à tarde, foi classifi- | cada pelo Dentel como um mal-en- | tendido. No início da noite, a cen- | sura foi parcialmente levantada das | emissoras de rádio e televisão. A | Rádio Guarany (AM-FM) , de Belo | Horizonte, também punida, ficou | seis horas fora do ar. Em despacho de oito linhas, o | Juiz da 1a Vara Federal do DE, | Jacy Garcia Vieira, indeferiu a li- | minar do mandado de segurança | impetrado pela Rádio JORNAL | DO BRASIL contra o ato do Den- | tel que exigia a submissão de seus | textos de informação à censura. Ao | longo do dia, o STF rejeitou cinco | habeas corpus e mandados de segu- | ça requeridos contra as medidas | de emergência.. Em Belo Horizonte, os vidros | da seção de cadastramento técnico | do Dentel foram quebrados pela | explosão de uma bomba rudimen - | tar, no momento em que o diretor | regional, Luís Vilela, concedia uma | entrevista. Em Brasília, a violência | da censura e das medidas de emr - | gência recebeu duras críticas em | vários discursos durante todo o dia. "Mas que país, afinal de con- | tas, é este?" questiona o editorial | desta edição. "Uma democracia | certamente não é e nem, será, en- | quanto o Estado pretender que a | vontade nacional continue a ser | ditada pelos instrumentos de coa- | ção da sociedade." "Não entende este governo que | 20 anos de equívocos desautorizam | a aplicação de medidas odientas ? Se o Goveno Figueiredo quer vol- | tar atrás, deve saber em tempo que | a Nação quer seguir em frente: ela aceitas as responsabilidades democráticas que ele recusa assumir." (Páginas 2 a 4 [corroído] [corroído] [corroído] [corroído], Informe JB e "Coisas de Política") Notícia 16 (E-B-94-Jn-016)

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Sarney lança plano da Inflação Zero. Todos os preços estão congelados. Salário mínimo aumenta amanhã. Cruzado substitui o cruzeiro. Caderneta dá 14,93% este mês. Poupança renderá por trimestre. ORTN deixa de ser reajustável O Presidente José Sarney, ante a | perspectiva de a inflação este ano | alcançar 500%, resolveu aditar me- | das de choque que serão anuncia- | das hoje às 10h em cadeia nacional | de rádio e televisão. O plano tem o | objetivo de obter taxa zero de inflação a curtíssimo prazo. O cruzeiro vai desaparecer e será | substituído por uma nova moeda, o | cruzado, com um corte de três zeros. Com isso, CR$ 100.000(cem mil | cruzeiros passam a valer 100 cru- | zados. Todos os preços estão congela- |dos a partir de hoje, inclusive álcool, | gasolina e tarifas públicas. O Estado | utilizará a Lei Delegada n o4, que | permite o fechamento de estabeleci- | mentos industriais e comerciais que | não cumprirem as determinações. A data base do salário mínimo | foi antecipada para o dia 1o de março. De acordo com a variação | real dos salários de novembro até | hoje, acrescida de um bônus, o go- | verno deverá fixar o novo valor do | salário mínimo em cerca de 750 cru- | zados (Cr$ 750 mil). Os trabalhador- | es com dissídio em março terão | reajuste equivalente à variação média da ORTN nos últimos seis meses. Nos próximos meses, os aumen- | tos salariais passarão a ocorrer uma | vez por ano, por ocasião dos dissí | dios de cada categoria, com liberda- | de total para a negociação dos rea- | justes entre trabalhadores e empre- | sas. A escala móvel será adotada | para proteger o poder aquisitivo dos | salários. Dessa forma, tida categoria | profissional poderá optar por um | reajuste imediatos dos salários, sem- | pre que a inflação atingir 20%. Em vez de correção monetária, o | governo oferecerá aos poupadores | uma remuneração trimestral equi- | valente a inflação no período. A | ORTN foi substituída pela OTN, | cujo valor nominal será congelado por um ano. Esse valor da OTN foi | fixado em 107 cruzados, a vigorar a | partir de amanhã. O FGTS e o PIS/Pasep serão | corrigidos automaticamente toda vez | que houver elevação de preços. Aca- | baram as desvalorizações cambiais | diárias. O Banco Central vai fixar | uma nova taxa de câmbio, que se | manterá fixa até o governo en - | tenda ser conveniente outro rea- | juste. O presidente José Sarney con - | vidou todos os governadores do | país para uma reunião domingo em | Brasília. (Páginas 22, 23 e 26) Notícia 17 (E-B-94-Jn-017) Passagem de ônibus sobe 50% no Rio A partir de zero hora de hoje, as passagens de ônibus de empre- | sas particulares passam a custar 50% mais caro. A tarifa padrão de | CZ$4,80 passa par CZ$ 7,20. O | aumento foi determinado sexta- | feira, quando o juiz Ivaldo Correia | de Souza concedeu liminar a medi- | da cautelar pedida pelo sindicato das empresas contra o congela-| metno. A CTC e as empresas encam- | padas não recorreram ao Judiciá- | rio e, por isso, suas tarifas perma- | necem inalteradas, cumprindo a | promessa do prefeito Saturnino | Braga de suspender reajustes em | obediência ao congelamento. Esse | é o terceiro aumento das passagens | em menos de três meses: em abril | houve a elevação de 50% e em maio | outra de 44,9%. (Cidade. p. 3)

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Notícia 18 (E-B-94-Jn-018) País já tem 2 milhões desempregados Um milhão de brasileiros | perderam o emprego entre já- | neiro e maio deste ano, de acor- | do com a pesquisa mensal do | IBGE sobre o nível de ocupação | da mão –de-obra no país. A taxa | de desemprego, que era 2,2 % | em dezembro, pulou para 4% | em maio – no total, são 2 | milhões 204 mil desempregados. Só em maio, 330 mil pessoas | ficaram sem emprego. Em telegrama à Associa- | ção dos Fabricantes de Veícu- | los e ao Sindicato das Indús- | trias de Autopeças , o ministro | Almir Pazzianotto pediu que | as demissões em massa sejam | suspensas. Em reunião ontem | com líderes sindicais do ABC, | o ministro reconheceu que é | delicada a situação em São | Bernardo do Campo, onde já | ocorreram 18 mil demissões. Os empresários paulistas | estão preocupados com o cres- | cimento das taxas de desem- | prego: na área de Máquinas e | Equipamentos 5 mil 400 traba- | lhadores foram despedidos | desde o início do ano. Pelas contas da Fiesp, nas três primeiras semanas de junho o | número de demissões na | in- | dústria paulista superou o de | todo o mês de maio. Com a aprovação ontem | pelo Senado do projeto de | autoria do governo, estão | suspensos por 90 dias as | ações de despejo. Nos pró- | ximos três meses o Executi- | vo enviará ao Congresso o | projeto de reformulação da | Lei do Inquilinato, que está | sendo elaborado pelo con- | sultor- geral da República, | Saulo Ramos (Pags. 14 e 18) Notícia 19 (E-B-94-Jn-019) Carta entra em vigor hoje Depois de exatos 8.955 dias | de incertezas institucionais a | contar do dia 31 de março de | 1964, | o Brasil inaugura hoje | uma nova era. Por volta das | 15h, na Tribuna do Congresso | Nacional, perante o presidente | José Sarney, o presidente do | Supremo Tribunal Federal, Ra- | faell Mayer, deputados, senado- | res, governadores e represen- | tantes de 30 países, o presidente | da Assembléia Nacional Consti- | tuinte, deputado Ulysses Gui - | marães, dirá: "Declaro promul- | gada a Constituição da Repúbli- | ca Federativa do Brasil." A nova Constituição entrará | imediatamente em vigor. A par- | tir desse momento, por exemplo, | ninguém poderá ser preso a não | ser em flagrante ou com expressa | ordem judicial, nem um empre- | gado poderá ser demitido sem | receber multa no valor de 40% | do Fundo de Garantia por Tem- | po de Serviço. Uma risada dissol- | veu as últimas dúvidas a respeito | da entrada em vigor da Carta - | única reação do presidente do | Supremo Tribunal Federal quan- | do lhe perguntaram se não seria | preciso esperar a publicação pelo | Diário Oficial. As cerimônias de promulga- | ção da Constituição de 1988 co- | meçarão às 9h, com a celebração | de um culto ecumênico em frente | ao Congresso, e se encerrarão | com um jantar oferecido às dele- | gações estrangeiras. A sessão no | Congresso será realizada entre | 15h30 e 17h e terá transmissão | direta por todas as redes de tele- | visão. Quando Ulysses Guima- | rães declarar promulgada a | Constituição, a oitava na história | do Brasil, e a quarta emanada de | um legítimo poder constituinte, | os sinos repicarão em todo o | país. Ontem, falando em cadeia | de televisão, o presidente Sarney | disse que será o "maior servidor" | da nova Carta e elogiou Ulysses | Guimarães, "essa figura históri- | ca, simbólica." (Páginas 2 a13)

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Notícia 20 (E-B-94-Jn-020) Festa celebra fim do Muro de Berlim Construído de surpresa e em tem- | po recorde, na noite de 17 para 18 de | agosto de 1961, o Muro de Berlim, | com 160 Km de comprimento e média | de 3m de altura, conheceu ontem, na | prática, um fim tão fulminante | quanto seu começo. Pouco depois de | o governo a Alemanha Oriental | anunciar que decidira abrir todas as | suas fronteiras com a Alemanha | Ocidental, multidões excitadas já se | aglomeravam, em Berlim, nos postos | de passagem entre os dois setores da | cidade e cruzavam para o outro lado | - nem que fosse apenas para fazer um | passeio. Com a decisão do governo alemão- | oriental, termina uma era. "As via- | gens para fora do país poderão ser | feitas por todos os posto fronteiriços entre nosso país e a Alemanha Oci- | dental ou outros vizinhos", anunciou | Guenther Schambowski, novo dirigente | reformista da Alemnha Oriental. Embora o muro de Berlim, a marca | geográfica mais grotescamente pode- | rosa com que o mundo aprendeu a | conviver nesta segunda metade de sé- | culo, permaneça intacto, na prática | perdeu todo seu significado. "Os acontecimentos agora são im- | previsíveis", disse o chanceler da | Alemanha Ocidental, Helmut Kohl, | que se encontra em visita à Polônia. | Kolh afirmou que talvez tenha de | voltar antes do previsto à Alemanha | e pediu uma reunião urgente com o | novo líder da Alemanha Oriental, | Egon Krenz. Desde o início do do ano, 225 mil | alemães-orientais já fugiram para a | Alemanha Ocidental. Desses, 50 | mil viajaram desde sexta-feira, via | Tchecoslováquia, e calcula-se que | mais de 1,4 milhão de Alemães-o- | rientais ainda queiram emigrar. | A Cobertura das fronteiras, segundo | explicou, emocionado, Guenther | Schabowski, foi para "evitar o êxo- | do dos nosso cidadãos." (Pág. 8) Notícia 21 (E-B-94-Jn-021) Collor ganha com 52,6% dos votos A totalização dos 96,79% dos vo- | tos de todo o país, divulgada às 22h13de ontem pelo Triibunal Supe- | rior Eleitoral (TSE), dava ao presi- | dente eleito Fernando Collor de | Mello uma vantagem de 3,4 milhões de votos sobre seu adversário do PT,| Luís Inácio Lula da Silva, Collor | tinha 52,6% dos votos válidos - | em números absolutos 33.933.407 | votos – e Lula, 47,38% - ou | 30.555.765 votos. Collor venceu a eleição em 17 dos | 20 estados que concluíram a apura- | ção. Foi derrotado apenas no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Per- | nambuco. Dos seis estados que ain- | da não incluíram o resultado final no | mapa do TSE, está vencendo em | cinco. Lula continua na frente na | Bahia, com pequena margem, e ga- | nhou no Distrito Federal. A mais expressiva vitória de Col- | lor foi obtida no estado com maior | número de eleitores, São Paulo, ber- | ço do movimento operário que pro- | jetou Lula. Ali, conquistou a prefe- | rência de 57,90% dos 18,5 milhões | de eleitores, enquanto Lula ficou | com 42,10% Collor venceu inclusive | na capital paulista, governada pelo | PT 56,67% contra 43,33%. As duas maiores votações de Lula | foram nos estados dominados pelo | ex-governador Leonel Brizola no | primeiro turno da elição: Rio de | Janeiro e Rio Grande do Sul. No | Rio, Lula massacrou Collor com | 72,92% contra 27,08%. No Rio Grande do Sul, o índice foi menor, | 68,72% contra 31,28%. Nas capitais | dos dois estados, o percentual da | votação de Lula foi mais amplo ain- | da. Chegou a 76,01% em Porto Ale- | gre e 73,01% no Rio. O índice de |

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abstenção, que se imaginava alto em | função da c chuva em algumas regiões | e a insuficiência de transporte em | outras, acabou não se revelando ex- | pressivo. Até ontem, estava em | 13,77%contra 11,94% no primeiro | turno (Quadros detalhados e balan- | ço estado por estado, páginas 4 e 5) Notícia 22 (E-B-94-Jn-022) REFORMA DE COLLOR FAZ TERREMOTO NA ECONOMIA Em seu primeiro dia de go- | veno, o presidente Fernando | Collor de Mello colocou em | funcionamento, ontem, o mais | amplo, radical e audacioso | plano econômico já experi- | mentado no Brasil, cujo ele- | mento mais explosivo é um | bloqueio em contas correntes, | cadernetas de poupança, over- | night e demaisaplicações fi- | nanceiras que configura um | virtual confisco de extensa | parcela do dinheir em poder das pessoas e das empresas. | "Não temos alternativas", | disse Collor, durante a reu- | nião em que, presentes seus | ministros e líderes partidários, | anunciou as linhas gerais do | plano, às 7h da manhã. "O | Brasil não aceita mais derro- | tas. Agora é vencer ou vencer. | Que Deus nos ajude." A moeda nacional, desde | ontem, voltou a ser o cruzeiro | - mas, ao contrário dos pla- | nos anteriores, não se corta | nenhum zero para passar de | uma moeda para outra, nem | desaparece automaticamente | o cruzado novo. Na verdade, | a troca de unidade monetária, | serve fundamentalmente para pro- | mover o monumental blo- | queio do dinheiro em poder | do público. Nas contas cor- | rentes das pessoas, só até um | limite de NCz$ 50.000,00 será | convertido em cruzeiros, que | poderão ser usados normal- | mente. O que exceder disso | continua cruzado novo – e só | 18 meses depois, engordado | com correção monetária e ju- | ros de 6% ao ano, começa a | ser resgatado em 12 parcelas | mensais iguais e não corrigi- | das. O mesmo ocorre com a caderneta de poupança. No caso | do overnight e fundos nomi - | nativos, o mecanismo ainda é | mais draconiano; só vai virar | cruzeiro, e portanto continuar | podendo ser usado livremente | por seu dono, 20% do total | que ele tiver no banco, ou | NCz$ 25mil – das duas op- | ções, a que for maior. O res- | tante será bloqueado para | também só poder ser liberado | 18 meses depois, em 12 parcelas mensais. No total, graças a | esses artifícios, calcula-se que, | dos US$ 120 bilhões que re- | pousam, em todo o país, em | contas correntes, cadernetas, | over e assemelhados, US$ 95 | bilhões serão confiscados pelo | governo – ou, caso se prefira, | seqüestrados, uma vez que se- | rão devolvidos um ano e meio depois. O plano de ajuste anuncia- | do por Collor mexe com vir- | tualmente tudo na vida dos | brasileiros. Os preços das | principais produtos serão ta- | belados, de acordo com listas | que serão divulgadas a partir | de hoje pela Sunab, e só pode- | rá ser alterados mediante au- | torização do governo, num es- | quema que dura até 1o de | maio. A partir daí, começara a | ser observado o índice de in- | flação prefixada a ser estabe- | lecido antes de cada mês. Os | salários, no dia 1o de abril, | serão corrigidos pela inflação | de fevereiro – 72,78%. A partir do mês seguinte, porém, | também passam a ser corrigi- | dos de acordo com a prefixa- | ção estabelecida pelo governo. | Considerado em seu todo, o | plano de Collor não tem com- | parações, em seu alcance e | profundidade, no Brasil ou em | qualquer país senão com mu - | danças produzidas por guer- | ras ou revoluções – e mexeu | muito mais, de uma vez só, | nas relações dos empresários | com seu dinheir, do que toda | a Constituinte em 20 meses. Nesta edição, um suplemento com o Plano Collor e outro com as íntegras das principais medidas Mudança dá novo perfil ao governo

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Tão ampla e radical quanto | plano econômico, a reforma ad- | ministrativa do governo Collor | determinou a extinção de 11 mi- | nistérios, 5 autarquias, 8 funda- | ções, 3 empresas públicas e 8 | sociedades de economia mista, | além de dezenas de comissões, | secretarias e outros órgãos; colo- | cou à venda virtualmente a tota- | lidade dos imóveis funcionais do | Executivo e mansões, dos auto- | móveis (calcula-se que mais de | três mil) e aviões (algo em torno | de uma centena) do governo; | criou novos e fundiu vários ór- | gãos públicos; proibiu a contra- | tação e o acúmulo de cargos, | regulou a dispensa de funcionár- | rios e criou um banco de recur- | sos humanos para cuidar da si- | t u a ç ã o d o s f u n c i o n á r i o s | excedentes. De acordo com cálculos da | ministra da Economia, Zélia | Cardoso deMello, a reforma de - | verá representar uma economia | para o governo de US$ 2 bilhões, | que começam a ser contabiliza- | do ssegunda-feira, quando o | funcionalismo voltar as reparti- | ções. Os que não têm estabilida- | de – contratados com nexos de | cinco anos – e trabalham nos | órgãos extintos serão demitidos. | Os que têm estabilidade vão para | casa, em disponibilidade, aguar- | dando realocação, e os que têm | duplo emprego terão que optar | por um. Na área de pessoal fo- | ram revogadas as cessões de fun- | cionários, obrigando todos os | cedidos a se reapresentarem às | repartições de origem até o dia 1o | de maio. Além disso, foi abolido | o sistema de contratação tanto | de pessoal como de veículos de | empresas particulares prestado- | ras de serviços. Novas normas | restringem grandemente as via- | gens ao exterior. Entre as autarquias extintas | estão o Instituto Brasileiro do | Café (IBC), o Instituto do Açú- | car e do Álcool (IAA)e o De- | partamento Nacional de Obras e | Saneamento (DNOS). Das oito | fundações que acabaram, desta- | cam-se a Funarte (Fundação | Nacional de Artes), Pró-Memó- | ria (Fundação Nacional Pró- | Memória) e Fundação para | Educação de Jovens e Adultos | (Educar). Não mais existem a | Portobrás (Empresa de Portos | do Brasil S. A.), EBTU (Empresa | Brasileirade Transportes Urba- | nos) e Embrater (Empresa Brasi | leira de Assistência Técnica e | Extensão Rural). Nas sociedades | de economia mista foram atingi- | das, entre outras, a Petrobrás | Comércio Internacional (Inter- | brás), a Siderbrás (Siderurgia | Brasileira S.A.) | e o BNCC (Banco Nacional de | Crédito Cooperativo S.A.). A Presidência da República | cresceu, com a criação das secre- | tarias de Administração Federal, | Assuntos Estratégicos, Ciência e | Tecnologia, Cultura, Meio Am- | biente, Desenvolvimento Regio- | nal e Desportos. O Iapas (Insti- | t u t o de Ad m i n i s t r a ç ã o da | Previdência Social) fundiram-se, | dando origem ao novo Instituto | N a c i o n a l de S e g u r o S o c i a l | (INSS), subordinaod ao Minis- | tério do Trabalho e Previdência | Social. Para reduzir a interferên- | cia do Estado na vida e nas ativi- | dades do indivíduo, foi criado o | Programa Federal de Desregula- | mentação. (Páginas 6, 7 e 8) Notícia 23 (E-B-94-Jn-023) Acusação pede que o júri de Xapuri sirva de exemplo Marcelo Auler XAPURI., AC – Depois de quatro | dias de sessão, o julgamento de dois dos | três acusados pela morte do líder sindi- | cal e ecologista Chico Mendes chegava | ao final ontem à noite em Xapuri (ma- | drugada deste domingo, no Rio). Usan- | do a mesma roupa desde quarta-feira, | Darli Alves da Silva, de 54 anos e seu | filho Derci Alves Pereira, 23 anos, fo- | ram chamados de covardes pelo promo- | tor Eliseu Bouchmeier de Oliveira e seus | assistentes de acusação. Darci, como | sempre, permaneceu de cabeça baixa. Darli, sempre esfregando um lenço no | rosto, vez por outro passava os olhos na | platéia. O terceiro acusado, Jardeir Pe- | reira, não

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foi a julgamento porque se | encontra foragido. A acusação pediu | que a condenação dos réus sirva de | exemplo na luta contra a violência fun- | diária no país. A sentença contra o s dois – a pró- | pria defesa sabia que uma absolvição | era quase impossível – coincidente- | mente seria lida no mesmo dia em que | vítima completaria 46 anos. "Não é | tudo, uma vez que existem outras pes- | soas envolvidas, mas é um presente pa- | ra Chico Mendes", comentou Ilzamar | Gadelha Bezerra, viúva do líder ecoló- | gico. O julgamento foi assistido por cerca | de 120 jornalistas, 30 dos quais repre- | sentavam empresas de comunicação es - | trangeiras. Estiveram presente, em pe- | lo menos uma das quatro sessões, o | governador eleito do Acre, Edmundo | Pinto; o diretor- geral da Polícia Fede- | ral Romeu Tuma representado o pre- | sidente da República; o deputado Luís | Inácio Lula da Silva; o presidente da | CUT, Jair Meneguelli; e o ator Antonio | Grass. O bispo do Acre, Dom Moacir | Grecchi, o diretor do departamento ru- | ral da CUT, Avelino Ganzer, e o repre- | sentante do Banco Interamericano de | Desenvolvimento (BID) no Brasil, Da- | vid Atkinson, permaneceram em Xapu- | ri de quarta-feira até ontem. Nestes quatro dias, a cidade esteve | sob forte esquema de segurança do | qual participaram as polícias Civil, Mil- | litar e Federal. Mas nenhum incidente | foi resgistrado. O juiz Adair Longuini, cumprimentado ontem publicamente | pelo advogado de acusação Márcio To- | más Bastos, possibilitou, sem deixar de | ser enérgico, que um grande número de | pessoas – na maioria seringueiros - | participasse da platéia em sistema de | rodízio. O único problema ocorrido em | quatro dias foi a intoxicação intestinal | que o perito Fortunato Palhares, da | Unicamp, sofreu enquanto estava inco- | municável junto com as demais teste- | munhas. Notícia 24 (E-B-94-Jn-024) Collor cassado só pode voltar à política depois do ano 2000 Fernando Collor de Mello | entrou ontem para a história do | Brasil como o segundo presi- | dente da República a renunciar | ao mandato conquistado nas | urnas. Em bilhete manuscrito, | lido às 9h35 por seu advogado | quando sua primeira testemu- | nha de defesa começava a depor | na sessão em que o Senado jul- | garia seu impeachment, Collor | renunciou, solicitando a suspen- | são do julgamento. Mas o Sena- | do prosseguiu e, às 4h20 da | madrugada de hoje, por 76 vo- | tos a 3, decidiu cassar os direi- | tos políticos de ex-presidente | por um período de oito anos, | condenando-o por suas ligações com Paulo César Farias, o PC. O presidente do Supremo Tri- | bunal Federal (STF), Sydney | Sanches, reconvocou o Senado | para nova sessão, a partir das | 13h40 e, por 73 votos contra 8; os | senadores decidiram julgar Col- | lor, sob protestos do advogado | de defesa, José Moura | O advogado de acusação, Evan- | dro Lins e Silva, defendeu a tese | de que a renúncia "é o reconhe- | cimento de sua própria culpa" e | não exclui a punição pelo com- | portamento do presidente. No início da noite, o ex-presi- | dente da República informou | que irá recorrer ao STF contra a | decisão do Senado e prometeu | para hoje, às 11h, um "duro pro- | nunciamento." O presidente vai | recorrer a todas as instâncias pa- | ra preservar seus direitos polí- | ticos", disse o jornalista Etevaldo | dias, porta-voz de Collor. Para o colunista político, Car- | los Castello Branco, "ao mandar | sua carta de renúncia à Presidên- | cia da República, Fernando Col- | lor desmistificou sua causa. Não se trata mais de alguém que se | dispõe a correr todos os riscos | para defender seus direitos e sua | honra, mas de um político que | luta pela continuação da sua | carreira." Segundo Castello, a | renúncia não é uma "estratégia | ética", mas um "cálculo políti- | co". (Páginas 2 a 19, Coluna do | Castello, página 2, e Informe JB)

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Notícia 25 (E-B-94-Jn-025) APOGEU E DECADÊNCIA: Fifa consagra Ronaldinho; polícia caça Reinaldo O futebol brasileiro viveu ontem um dia de contrastes. | Em Lisboa, Ronaldinho foi escolhido pela Fifa como o | melhor jogador do mundo em 1996 e posou com o troféu | (foto) ao lado do inglês Alan Shearer, terceiro colocado | na votação de 120 técnicos de todo o mundo. Em Belo Horizonte, a tragédia de um dos principais jo- | gadores brasileiros do final da década de 70 e início dos anos 80. Reinaldo, ídolo do Atléico Mineiro, está fora- | gido, depois de ter sido condenado a quatro anos de pri- | são por tráfico de drogas. Páginas 36 e 38. Notícia 26 (E-B-94-Jn-026) Câmara diz sim a FH Aprovação da reeleição derrota ao mesmo tempo Maluf, Quércia e Paes de Andrade Aos gritos de "Uh Tererê", usado por torcidas | de futebol e em bailes funk, deputados gover- | nistas comemoraram ontem a aprovação da | emenda da reeleição em primeiro turno no ple - | nário da Câmara. A vitória acabou sendo tran- | quila: o substitutivo do deputado Vic Pires Fran- | co (PFL – PA) foi aprovado por 336 votos a favor, | 17 contra e seis abstenções – 28 a mais do que | os 308 necessários. A emenda passará ainda por | um segundo turno de votação na Câmara e em | dois turnos no Senado. A vitória foi obtida de - | pois que o Governo consegui rachar o PMDB e | o PPB: 67 dos 98 deputados do PMDB e 44 dos | 87 do PPB votaram a favor – resultados que | representam derrotas do ex-governador Orestes | Quércia, do presidente peemedebista Paes de | Andrade e do ex-prefeito Paulo Maluf, contrários | à reeleição. A votação em primeiro turno se en - | cerra hoje com a apreciação dos destaques, que | vão determinar se haverá ou não desincompa - | tibilização do ocupante do cargo. O presidente | da Câmara, Luís Eduardo Magalhães (PFL – BA), | principal articulador da reeleição, comemorou a | vitória com ministros, governadores e líderes | governistas no gabinete de Fernando Henrique. | O presidente divulgou nota oficial afirmando | que se lançará com entusiasmo para completar | a votação das reformas econômicas e na luta pa- | ra superar as desigualdades sociais. Principal | derrotado, Maluf não quis fazer comentários. | Horas antes da votação, ele apostara na derrota | de FH: "Faço uma roleta russa com seis balas no | revólver se ela for aprovada." O presidente da | Argentina Carlos Menem telefonou para dar os | parabéns a FH. Páginas 3 a | 14, 25 e 26 e Panorama Político, página 2. Notícia 27 (E-B-94-Jn-027) Urna eletrônica chega a interior do estado Eleitores analfabetos demoram a votar e erram em simulação feita pelo TRE Com a adoção da urna ele - | trônica em todo o Estado do | Rio, eleitores como o orde- | nhador Américo Luís Barce- | los, de Sumidoro, pela primei- | ra vez, vão escolher seus can- | didatos em outubro usando | computador para votar. A | exemplo de outros morado- | res do interior, Américo, anal- | fabeto, demorou e errou em | simulação feita pelo Tribunal | Regional Eleitoral (TRE). A in- | formatização das zonas elei- | torais é uma tentativa de aca- |

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bar com as fraudes eleitorais, | mas ensinar a votar o eleito- | rado rural e de baixa escola- | ridade é o grande desafio do | TRE. Páginas 10 e 11. Notícia 28 (E-B-94-Jn-028) Índios protegem retirada ilegal de mogno O Ibama e a Polícia Federal, em operação que mobilizou 70 agentes e fiscais e um helicóptero, entraram na reserva dos índios caiapós, na Serra do Cachimbo (PA), e descobriram um sistema organizado de retirada ilegal de mogno, protegido por oito indígenas armados com carabinas calibre 22. Até então, sabia-se que os índios eram coniventes, mas não que participavam diretamente da exploração da mata. Doze homens brancos foram presos. Foram apreendidos 614 toras de mogno, avaliadas em R$ 1,5 milhão, quatro caminhões e uma empilhadeira. A Funai enviou cinco funcionários para convencer os caciques de que a fiscalização era necessária.Página 10. (E-B-94-Jn-028) Notícia 29 (E-B-94-Jn-029) Brasil é fiador da paz histórica entre Peru e Equador Documento assinado em Brasília encerra cinco décadas de conflito e cerimônia leva FH às lágrimas Sete presidentes e os reis | da Espanha assistiram ontem, | em Brasília, à assinatura do | acordo de paz entre Peru e | Equador, numa cerimônia | marcada pela emoção. O dis- | cuso do presidente equato- | riano, Jamil Mahuad, fez Fer - | nando Henrique Cardoso cho- | rar. Mahuad roubou a cena e | deu ao presidente do Peru, Al- | berto Fujimori, o cantil que | seu avô usara no confronto | com os peruanos em 1941. O | acordo foi proposto pelos go - | vernos de Braasil, Argentina, | Chile e Estados Unidos e põe | fim a mais de cinco décadas | de disputas de fronteira entre | peruanos e equatorianos. A | cerimônia foi cuidadosamen- | te preparada pelo Itamaraty, | que sai fortalecido pelo papel | de mediador de Fernando | Henrique. Página 32 Notícia 30 (E-B-94-Jn-030) Lula encontra FH e diz que PT está disposto a dialogar Reunião de uma hora e meia no Alvorada recebe críticas de Brizola e ACM Após quatro anos sem se encontrarem, o presi- | dente Fernando Henrique e o principal líder da | oposição, Luiz Inácio Lula da Silva, conversaram | por uma hora e meia na noite de quinta-feira, no | Palácio da Alvorada. Segundo Lula, Fernando Hen- | rique agradeceu o comportamento ético do PT | nas eleições, referindo-se ao suposto dossiê com | acusações ao Governo que o partido decidiu não divulgar. O presidente definiu o encontro como | uma conversa entre pessoas que se respeitam. "Eu | gosto do Lula, disse isso a ele e ele sabe qu3e é ver- | dade." Lula acha que pode ser o início de um diá- | logo com o presidente "Se o Governo estiver dis- | posto a ouvir a oposição sobre o que ela pensa do | Brasil, o PT e a oposição têm muito a dizer". O se- | nador Antônio Carlos Magalhães minimizou a con- | versa: "Foi só o encontro de um metalúrgico com | um professo." Para o presidente do PDT,

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Leonel | Brizola, a reunião "enfraquece a oposição". Segun- | do a colunista Tereza Cruvinel, Lula foi recebido | pelo presidente no Palácio com a seguinte frase: "É | bom que você veja tudo, pois ainda pode vir a mo- | rar aqui." A próxima conversa já está marcada se- | rá em janeiro. Páginas 3 a 9 e Panorama Político. Notícia 31 (E-B-94-Jn-031) Donos do Bateau Mouche estão foragidos na Espanha Dez anos depois da tragédia, O GLOBO localiza os empresários Passados dez anos do naufrágio do "Bateau Mouche IV", | que afundou na Baía de Guanabara no réveillon de 1988 | matando 55 pessoas , dois de seus donos, foragidos da Jus- | tiça brasileira, vivem e trabalham normalmente na Espa- | nha. Depois de dois meses de investigação, O GLOBO lo- | calizou os empresários Avelino Fernandez Rivera e Faus- | tino Puerlas Vidal na Galícia. Os dois fugiram do país após | terem a prisão preventiva decretada, em fevereiro de 1994, | sob a acusação de formação de quadrilha, falsificação de | documentos e sonegação. Rivera é sócio de duas conces- | sionárias da Mercedes-Benz e uma da Mitsubishi, em Vigo | e Pontevedra. Faustino tem uma pequena participação nos | negócios. Localizado em Vigo, chegou a marcar um encon- | tro com a equipe do GLOBO, mas não apareceu. Por tele- | fone, ficou surpreso ao ser descoberto: "Preciso telefonar | logo par o Rivera." Há quase 50 processos e ações tra- | mitando na Justiça sobre o caso. Ninguém está preso e ne- | nhuma vítima recebeu indenização. Páginas 16 e 19.

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ANEXO 2 – CLÁUSULAS ANALISADAS

(01) Regime do AI-5 acaba à meia - noite de hoje (E-B-94-Jn-006) (02) Passados dez anos do naufrágio do "Bateau Mouche IV", | que afundou na Baía de Guanabara no réveillon de 1988 | matando 55 pessoas , dois de seus donos, foragidos da Jus- | tiça brasileira, vivem e trabalham normalmente na Espa- | nha. (E-B-94-Jn-031) (03) Ao discursar ontem na Vila Mil- | litar, onde almoçou com 270 oficiais | das três Forças em comemoração ao | 13o aniversário da Revolução de 64 | o Presidente da República garantiu que | a reforma do Judiciário será feita. Ele | atribuiu a rejeição do projeto, pelo | Congresso, à situação "de uma minoria | que praticamente, dentro do Congres- | so, se transformou na ditadura." (E-B-94-Jn-003) (04) Sabe-se, po- | rém, que os dispositivos de vigilância dos | principais aeroportos nacionais já estão | efecientemente testados e prontos para a | identificação de cada um, na ocasião do | (3 linhas do jornal corroído) dente da República o decreto que anulou | a pena de banimento aplicada a 127 bra- | sileiros. (E-B-94-Jn-006) (05) O Papa, | com o rosto transtornado pela dor, aper- | tou o abdômen e, em seguida, caiu em | cima de seu secretário particular. (E-B-94-Jn-012) (06) Em segui- | da, o General desceu de seu gabi- | nete , bastão de comando em | punho, apreendeu cerca de 100 | automóveis e sete ônibus. (E-B-94-Jn-015) (07) A aviação apoiou o avanço | dos tanques em Khaldes e ainda bom- | bardeou a cidade desportiva, onde | há redutos da guerilha palestina. (E-B-94-Jn-014) (08) STM (Superior Tribunal Militar) arquiva Riocentro em definito por 10 a 4 (E-B-94-Jn-013) (09) As ba- | las o atingiram no braço, na mão esquer- | da e uma entrou pelo abdômen saindo | pelo reto. (E-B-94-Jn-012) (10) "Aumentou o número de latifundiá- | rios" frisou. (E-B-94-Jn-007) (11) Salário mínimo aumenta amanhã. (E-B-94-Jn-016) (12) A aviação apoiou o avanço | dos tanques em Khaldes e ainda bom- | bardeou a cidade desportiva, onde | há redutos da guerilha palestina. (E-B-94-Jn-014) (13) APOGEU E DECADÊNCIA: Fifa consagra Ronaldinho; polícia caça Reinaldo (E-B-94-Jn-025) (14) O Papa, | com o rosto transtornado pela dor, aper- | tou o abdômen e, em seguida, caiu em | cima de seu secretário particular. (E-B-94-Jn-012)

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(15) O projeto chega ao Con- | gresso em inícios de junho, seu | substitutivo (de autoria do ex- | Deputado Djalma Marinho) é | aprovado no fim do mês e final- | mente, em Io de julho do ano | passado, o Presidente G e i s e l | sanciona o texto da lei comple- | mentar que determina a fusão. (E-B-94-Jn-001) (16) Depois do almoço, às 15 h, Lu- | la chegou a sua casa, no Jardim | Assunção, bairro operário de | São Bernardo do Campo, acom- | nhado pelo Deputado esta - | dual Geraldo Siqueira, do PT, e | do seu hóspede, Frei Beto. (E-B-94-Jn-008) (17) Mohamed Ali Agca, 23 anos, entrou | na Itália há duas semanas, vindo da Espa- | nha, desembarcando em Milão. Chegou a Roma há dois dias e se identificou no | hotel, com passaporte falso, como Farouk | Osgum, estudante turco matriculado na | Universidade de Línguas de Perúgia. (E-B-94-Jn-012) (18) Tanques de Israel chegam ao Palácio do Governo libanês (E-B-94-Jn-014) (19) Nas capitais | dos dois estados, o percentual da | votação de Lula foi mais amplo ain- | da. Chegou a 76,01% em Porto Ale- | gre e 73,01% no Rio. (E-B-94-Jn-021) (20) Urna eletrônica chega a interior do estado (E-B-94-Jn-027) (21) O Presidente Ernesto Geisel, que go- | vernou com o Ato e comandou a política | de distensão que o revogou, passa a últi- | ma noite do ano – e do regime – na | Granja do Riacho Fundo. (E-B-94-Jn-006) (22) Para justificar seu voto pela | abertura de novo inquérito, o | Ministro Júlio Bierrembach | disse que "por muito menos o | Tribunal já condenou muitos | mais." (E-B-94-Jn-013) (23) APOGEU E DECADÊNCIA: Fifa consagra Ronaldinho; polícia caça Reinaldo (E-B-94-Jn-025) (24) A um dia da proclamação da in- | dependência, o Movimento Popular de | de Libertação de Angola (MPLA) con- | trola a capital Luanda e mais sete | capitais provinciais das 16 que com- | põem o país, ... (E-B-94-Jn-002) (25) A Presidência da República | cresceu, com a criação das secre- | tarias de Administração Federal, | Assuntos Estratégicos, Ciência e | Tecnologia, Cultura, Meio Am- | biente, Desenvolvimento Regio- | nal e Desportos. (E-B-94-Jn-022) (26) Operários da Ford seguem os da Mercedes Benz e criam comissão de salários (E-B-94-Jn-005) (27) Tão ampla e radical quanto | plano econômico, a reforma ad- | ministrativa do governo Collor | determinou a extinção de 11 mi- | nistérios, 5 autarquias, 8 funda- | ções, 3 empresas públicas e 8 | sociedades de economia mista, | além de dezenas de comissões, | secretarias e outros órgãos; colo- | cou à venda virtualmente a tota- | lidade dos imóveis funcionais do | Executivo e mansões, dos auto- | móveis (calcula-se que mais de | três mil) e aviões (algo em torno | de uma centena) do governo; | criou novos e fundiu vários ór- | gãos públicos; proibiu a contra- | tação e o acúmulo de cargos, | regulou a dispensa de

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funcionár- | rios e criou um banco de recur- | sos humanos para cuidar da si- | t u a ç ã o d o s f u n c i o n á r i o s | excedentes. (E-B-94-Jn-022) (28) Tão ampla e radical quanto | plano econômico, a reforma ad- | ministrativa do governo Collor | determinou a extinção de 11 mi- | nistérios, 5 autarquias, 8 funda- | ções, 3 empresas públicas e 8 | sociedades de economia mista, | além de dezenas de comissões, | secretarias e outros órgãos; colo- | cou à venda virtualmente a tota- | lidade dos imóveis funcionais do | Executivo e mansões, dos auto- | móveis (calcula-se que mais de | três mil) e aviões (algo em torno | de uma centena) do governo; | criou novos e fundiu vários ór- | gãos públicos; proibiu a contra- | tação e o acúmulo de cargos, | regulou a dispensa de funcionár- | rios e criou um banco de recur- | sos humanos para cuidar da si- | t u a ç ã o d o s f u n c i o n á r i o s | excedentes. (E-B-94-Jn-022) (29) Pouco depois de | o governo a Alemanha Oriental | anunciar que decidira abrir todas as | suas fronteiras com a Alemanha | Ocidental, multidões excitadas já se | aglomeravam, em Berlim, nos postos | de passagem entre os dois setores da | cidade e cruzavam para o outro lado | - nem que fosse apenas para fazer um | passeio. (E-B-94-Jn-020) (30) Dez anos e 18 dias depois de sua | edição, o Ato Institucional no 5 que sus- | pendeu liberdades individuais, eliminou o equilíbrio entre os Poderes e deu atribui- | ções excepcionais ao Presidente da República, encerra sua existência. (E-B-94-Jn-006) (31) Caderneta dá 14,93% este mês. (E-B-94-Jn-016) (32) Mahuad roubou a cena e | deu ao presidente do Peru, Al- | berto Fujimori, o cantil que | seu avô usara no confronto | com os peruanos em 1941. (E-B-94-Jn-029) (33) A totalização dos 96,79% dos vo- | tos de todo o país, divulgada às 22h13de ontem pelo Triibunal Supe- | rior Eleitoral (TSE), dava ao presi- | dente eleito Fernando Collor de | Mello uma vantagem de 3,4 milhões de votos sobre seu adversário do PT,| Luís Inácio Lula da Silva, Collor | tinha 52,6% dos votos válidos - | em números absolutos 33.933.407 | votos – e Lula, 47,38% - ou | 30.555.765 votos. (E-B-94-Jn-021) (34) Mudança dá novo perfil ao governo (E-B-94-Jn-022) (35) Aprovação da reeleição derrota ao mesmo tempo Maluf, Quércia e Paes de Andrade (E-B-94-Jn-026) (36) Com a fusão, além de toda | polêmica sobre suas vantagens e desvanta- | gens, há pelo menos uma boa consequência | imediata: desaparece o adjetivo guanabarino, | definitivamente não pegou. (E-B-94-Jn-001) (37) Desapareceram da legislação nacional as siglas AI (Ato Institucional) e AC (Ato complementar). (E-B-94-Jn-006) (38) O cruzeiro vai desaparecer e será | substituído por uma nova moeda, o | cruzado, com um corte de três zeros. (E-B-94-Jn-016) (39) "Não entende este governo que | 20 anos de equívocos desautorizam | a aplicação de medidas odientas ?(E-B-94-Jn-015)

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(40) Em segui- | da, o General desceu de seu gabi- | nete , bastão de comando em | punho, apreendeu cerca de 100 | automóveis e sete ônibus. (E-B-94-Jn-015) (41) O Ibama e a Polícia Federal, em operação que mobilizou 70 agentes e fiscais e um helicóptero, entraram na reserva dos índios caiapós, na Serra do Cachimbo (PA), e descobriram um sistema organizado de retirada ilegal de mogno, protegido por oito indígenas armados com carabinas calibre 22. (E-B-94-Jn-028) (42) Uma risada dissol- | veu as últimas dúvidas a respeito | da entrada em vigor da Carta - | única reação do presidente do | Supremo Tribunal Federal quan- | do lhe perguntaram se não seria | preciso esperar a publicação pelo | Diário Oficial. (E-B-94-Jn-019) (43) O presidente divulgou nota oficial afirmando | que se lançará com entusiasmo para completar | a votação das reformas econômicas e na luta pa- | ra superar as desigualdades sociais. (E-B-94-Jn-026) (44) Dez anos e 18 dias depois de sua | edição, o Ato Institucional no 5 que suspendeu liberdades individuais, eliminou o equilíbrio entre os Poderes e deu atribui- | ções excepcionais ao Presidente da República, encerra sua existência. (E-B-94-Jn-006) (45) Por volta de 23h, Dalla | encaminhou a votação, durante a | qual os acessos ao Congresso foram | bloqueados por tropas da Polícia | Militar. (E-B-94-Jn-015) (46) Documento assinado em Brasília encerra cinco décadas de conflito e cerimônia leva FH às lágrimas (E-B-94-Jn-029) (47) Lula encontra FH e diz que PT está disposto a dialogar (E-B-94-Jn-030) (48) Eleitores analfabetos demoram a votar e erram [a votação] em simulação feita pelo TER (E-B-94-Jn-027) (49) As ba- | las o [Papa João Paulo II] atingiram no braço, na mão esquer- | da e uma entrou pelo abdômen saindo | pelo reto. (E-B-94-Jn-012) (50) Mohamed Ali Agca, 23 anos, entrou | na Itália há duas semanas, vindo da Espa- | nha, desembarcando em Milão. (E-B-94-Jn-012) (51) O Ibama e a Polícia Federal, em operação que mobilizou 70 agentes e fiscais e um helicóptero, entraram na reserva dos índios caiapós, na Serra do Cachimbo (PA), e descobriram um sistema organizado de retirada ilegal de mogno, protegido por oito indígenas armados com carabinas calibre 22. (E-B-94-Jn-028) (52) Logo esquecida, a idéia renasce em janeiro de | 1970, quando a Federação das | Industrias do Estado da Guana- | bara (FIEGA) entrega ao Gover- | no federal um estudo e antepro- | jeto de lei complementar, suge- | rindo a medida como um remé- | dio para a estagnação industrial do Estado-município. (E-B-94-Jn-001) (53) Em novembro de 1979, Mohamed en- | viou uma carta, assinada com seu próprio | nome, ao jornal Millyet, de Istambul, | anunciando disposição de matar o Papa | João Paulo II durante sua visita à Tur- | quia. (E-B-94-Jn-012)

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(54) O primeiro-secretário do PC polonês enviou | telegrama desejando "rápida recupera- | ção do Papa." (E-B-94-Jn-012) (55) O Presidente Figueiredo, que recebeu a notícia quando almoçava no Regimento de Cavalaria de guarda, enviou mensa- | gem na qual faz os seus "desejos e as | preçes de toda a nação brasileira pela | pronta recuperação de Vossa Santidade." (E-B-94-Jn-012) (56) Nos pró- | ximos três meses o Executi- | vo enviará ao Congresso o | projeto de reformulação da | Lei do Inquilinato, que está | sendo elaborado pelo con- | sultor- geral da República, | Saulo Ramos (E-B-94-Jn-018) (57) A | Funai enviou cinco funcionári- | rios para convencer os caci - | ques de que a fiscalização | era necessária. (E-B-94-Jn-028) (58) O ataque, que se seguiu a uma | quebra mútua di cessar-fogo iniciado | às 21h (locais) de sábado, envolveu o | desembarque de tropas próximos à al- | deia de Baabda, a 8km do centro de Beirute. (E-B-94-Jn-014) (59) Em Brasília, universitários e | secundaristas, ao estilo dos atletas | olímpicos, escreveram com seus | corpos a frase DIRETAS JÁ, nos | gramados do Congresso. (E-B-94-Jn-015) (60) Os tanques israelenses estaciona- | ram ontem a 200metros do Palácio do | Governo do Líbano, anunciou a rádio | oficial libanesa. (E-B-94-Jn-014) (61) A Prefeitura já recuperou os viadutos de Ana Néri e | três pontes nas Avenidas Francisco Bicalho e Rodri | gues Alves. Agora está terminando as obras dos viadu- | tos de Realengo, Bento Ribeiro, Magalhães Bastos, | Engenheiro Leal, Del Castilho e Deodoro. Até o final do | ano vai recuperar a antiga Ponte dos Marinheiros, o | Trevo dos Estudantes e uma ponte na rua Francisco | Eugênio, e executar laudos técnicos de oito viadutos. (E-B-94-Jn-010) (62) a bomba explodiu no co- | lo do sargento. (E-B-94-Jn-013) (63) REFORMA DE COLLOR FAZ TERREMOTO NA ECONOMIA (E-B-94-Jn-022) (64) O Banco Central vai fixar | uma nova taxa de câmbio, que se | manterá fixa até o governo en - | tenda ser conveniente outro rea- | juste. (E-B-94-Jn-016) (65) A exemplo do que ocorreu na Mercedes Benz do | Brasil no mês passado, trabalhadores da Ford do | Brasil formaram comissões para discutir | salário. | com a gerência industrial da empresa. (E-B-94-Jn-005) (66) Em novembro de 1979, Mohamed en- | viou uma carta, assinada com seu próprio | nome, ao jornal Millyet, de Istambul, | anunciando disposição de matar o Papa | João Paulo II durante sua visita à Tur- | quia. Pouco antes fugira de uma prisão de | Istambul, onde cumpria pena por partici- | par do atentado que causou a morte do redator-chefe do jornal, Abdi Ipecki. (E-B-94-Jn-012)

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(67) Desde o início do do ano, 225 mil | alemães-orientais já fugiram para a | Alemanha Ocidental. (E-B-94-Jn-020) (68) Os dois fugiram do país após | terem a prisão preventiva decretada, em fevereiro de 1994, | sob a acusação de formação de quadrilha, falsificação de | documentos e sonegação. (E-B-94-Jn-031) (69) Tão ampla e radical quanto | plano econômico, a reforma ad- | ministrativa do governo Collor | determinou a extinção de 11 mi- | nistérios, 5 autarquias, 8 funda- | ções, 3 empresas públicas e 8 | sociedades de economia mista, | além de dezenas de comissões, | secretarias e outros órgãos; colo- | cou à venda virtualmente a tota- | lidade dos imóveis funcionais do | Executivo e mansões, dos auto- | móveis (calcula-se que mais de | três mil) e aviões (algo em torno | de uma centena) do governo; | criou novos e fundiu vários ór- | gãos públicos; proibiu a contra- | tação e o acúmulo de cargos, | regulou a dispensa de funcionár- | rios e criou um banco de recur- | sos humanos para cuidar da si- | t u a ç ã o d o s f u n c i o n á r i o s | excedentes. (E-B-94-Jn-022) (70) Angola ganha | amanhã sua | independência (E-B-94-Jn-002) (71) Collor ganha com 52,6% dos votos (E-B-94-Jn-021) (72) O Presidente Ernesto Geisel, que go- | vernou com o Ato e comandou a política | de distensão que o revogou, passa a últi- | ma noite do ano – e do regime – na | Granja do Riacho Fundo. (E-B-94-Jn-006) (73) Depois de exatos 8.955 dias | de incertezas institucionais a | contar do dia 31 de março de | 1964, | o Brasil inaugura hoje | uma nova era. (E-B-94-Jn-019) (74) Emenda que inclui divórcio vai ser votada às 9h30m (E-B-94-Jn-004) (75) A emenda do Senador Nélson | Carneiro (MDB-RJ) que inclui o di- | vórcio na Constituição para benefi- | ciar desquitados e casais separados | começa a ser votada hoje às 9h30m, | em segundo e último turno pelo Con - | gresso Nacional. (E-B-94-Jn-004) (76) Em despacho de oito linhas, o | Juiz da 1a Vara Federal do DE, | Jacy Garcia Vieira, indeferiu a li- | minar do mandado de segurança | impetrado pela Rádio JORNAL | DO BRASIL contra o ato do Den- | tel que exigia a submissão de seus | textos de informação à censura. (E-B-94-Jn-015) (77) Lula foi logo para o quarto do | casal com a Sra. Marisa Letícia | da Silva. Os dois filhos mais | velhos, Marcos, de 10 anos, e Fábio, de cinco, foram para a | casa de um parente. (E-B-94-Jn-008) (78) Lula foi logo para o quarto do | casal com a Sra. Marisa Letícia | da Silva. Os dois filhos mais | velhos, Marcos, de 10 anos, e Fábio, de cinco, foram para a | casa de um parente. (E-B-94-Jn-008) (79) Frei | Beto atendeu a todos os telefo- | nemas e recebeu a secretária de | Lula, D. Ivonete, que foi lá á | procura de instruções. (E-B-94-Jn-008)

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(80) Sarney lança plano da Inflação Zero. Todos os preços estão congelados. Salário mínimo aumenta amanhã. (E-B-94-Jn-016) (81) Dez anos depois da tragédia, O GLOBO localiza os empresários (E-B-94-Jn-031) (82) Depois de dois meses de investigação, O GLOBO lo- | calizou os empresários Avelino Fernandez Rivera e Faus- | tino Puerlas Vidal na Galícia. (E-B-94-Jn-031) (83) Sou | comunista e luto pela aplicação da ciência socialis- | ta à realidade concreta do país. (E-B-94-Jn-007) (84) No | Rio, Lula massacrou Collor com | 72,92% contra 27,08%. (E-B-94-Jn-021) (85) O plano de ajuste anuncia- | do por Collor mexe com vir- | tualmente tudo na vida dos | brasileiros. (E-B-94-Jn-022) (86) Considerado em seu todo, o | plano de Collor não tem comparações, em seu alcance e profundidade, no Brasil ou em qualquer país senão com mudanças produzidas por guerras ou revoluções - e mexeu | muito mais, de uma vez só, | nas relações dos empresários | com seu dinheiro, do que toda | a Constituinte em 20 meses. (E-B-94-Jn-022) (87) O hábito de urinar nas pilastra é uma das causas | da deterioração dos viadutos da cidade, porque a urina | provoca a oxidação dos ferros, segundo explicou o | diretor da Divisão de Conservação da Secretaria Muni- | cipal de Obras, Joberto Pimentel. (E-B-94-Jn-010) (88) Reafirmou | que a distensão política parou e | frisou: "Fazer abertura sem Consti- | tuinte é fazer da abertura uma bale- | la, um engodo. (E-B-94-Jn-011) (89) Um milhão de brasileiros | perderam o emprego entre já- | neiro e maio deste ano, de acor- | do com a pesquisa mensal do | IBGE sobre o nível de ocupação | da mão –de-obra no país. (E-B-94-Jn-018) (90) Em Lisboa, Ronaldinho foi escolhido pela Fifa como o | melhor jogador do mundo em 1996 e posou com o troféu | (foto) ao lado do inglês Alan Shearer, terceiro colocado | na votação de 120 técnicos de todo o mundo.( E-B-94-Jn-025) (91) Mas o Sena- | do prosseguiu [com o julgamento] e, às 4h20 da... (E-B-94-Jn-024) (92) Índios protegem retirada ilegal de mogno (E-B-94-Jn-028) (93) A taxa | de desemprego, que era 2,2 % | em dezembro, pulou para 4% | em maio – no total, são 2 | milhões 204 mil desempregados. Só em maio, 330 mil pessoas | ficaram sem emprego. (E-B-94-Jn-018) (94) O General Figueiredo, que receberá o Governo sem poderes arbitrários, começará i abi ba Granja do Torto, também em Brasília. (E-B-94-Jn-006) (95) Frei | Beto atendeu a todos os telefo- | nemas e recebeu a secretária de | Lula, D. Ivonete, que foi lá á | procura de instruções. (E-B-94-Jn-008)

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(96) Ninguém está preso e ne- | nhuma vítima recebeu indenização. (E-B-94-Jn-008) (97) O Poder Judiciário recupera suas prerrogativas. (E-B-94-Jn-006) (98) Os funcionários públicos re- | cuperam o direito de só sofrerem pu- | nição de acordo com as leis. O Executi- | vo não pode mais demiti-los ou apo- | sentá-los. (E-B-94-Jn-006) (99) Os Estados recuperam parte de | sua autonomia. (E-B-94-Jn-006) (100) A Prefeitura já recuperou os viadutos de Ana Néri e | três pontes nas Avenidas Francisco Bicalho e Rodri | gues Alves. (E-B-94-Jn-010) (101) A Prefeitura já recuperou os viadutos de Ana Néri e | três pontes nas Avenidas Francisco Bicalho e Rodri | gues Alves. Agora está terminando as obras dos viadu- | tos de Realengo, Bento Ribeiro, Magalhães Bastos, | Engenheiro Leal, Del Castilho e Deodoro. Até o final do | ano vai recuperar a antiga Ponte dos Marinheiros, o | Trevo dos Estudantes e uma ponte na rua Francisco | Eugênio, e executar laudos técnicos de oito viadutos. (E-B-94-Jn-010) (102) Tão ampla e radical quanto | plano econômico, a reforma ad- | ministrativa do governo Collor | determinou a extinção de 11 mi- | nistérios, 5 autarquias, 8 funda- | ções, 3 empresas públicas e 8 | sociedades de economia mista, | além de dezenas de comissões, | secretarias e outros órgãos; colo- | cou à venda virtualmente a tota- | lidade dos imóveis funcionais do | Executivo e mansões, dos auto- | móveis (calcula-se que mais de | três mil) e aviões (algo em torno | de uma centena) do governo; | criou novos e fundiu vários ór- | gãos públicos; proibiu a contra- | tação e o acúmulo de cargos, | regulou a dispensa de funcionár- | rios e criou um banco de recur- | sos humanos para cuidar da si- | t u a ç ã o d o s f u n c i o n á r i o s | excedentes. (E-B-94-Jn-022) (103) CONGRESSO REJEITA DIRETAS (E-B-94-Jn-015) (104) Ao final de mais de 60 discur - | sos, numa das mais longas (16 ho- | ras) e tensas sessões de sua histó- | ria, o Congresso Nacional rejeitou | as primeiras horas de hoje, por não | ter alcançado quorum constitucio- | nal, a emenda Dante de Oliveira | que previa eleições diretas já para a | Presidência da República. (E-B-94-Jn-015) (105) Ao | longo do dia, o STF rejeitou cinco | habeas corpus e mandados de segu- | ça requeridos contra as medidas | de emergência. (E-B-94-Jn-015) (106) Logo esquecida, a idéia renasce em janeiro de | 1970, quando... (E-B-94-Jn-001) (107) Poupança renderá por trimestre. (E-B-94-Jn-016) (108) Em bilhete manuscrito, | lido às 9h35 por seu advogado | quando sua primeira testemu- | nha de defesa começava a depor | na sessão em que o Senado jul- | garia seu impeachment, Collor | renunciou, solicitando a suspen- | são do julgamento. (E-B-94-Jn-024)

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(109) Quando Ulysses Guima- | rães declarar promulgada a | Constituição, a oitava na história | do Brasil, e a quarta emanada de | um legítimo poder constituinte, | os sinos repicarão em todo o | país. (E-B-94-Jn-019) (110) Novas normas | restringem grandemente as via- | gens ao exterior. (E-B-94-Jn-022) (111) Exilados retornam (E-B-94-Jn-006) (112) O presidente Ernesto Geisel reú- | ne hoje, ,às 8h, o Conselho de Seguran- | ça Nacional para examinar a situação | política do país e, 12 horas depois | (20h), anunciará à Nação o recesso | do Congresso, por um a cadeia de rádio | e televisão. (E-B-94-Jn-003) (113) O Presidente Ernesto Geisel, que go- | vernou com o Ato e comandou a política | de distensão que o revogou, passa a últi- | ma noite do ano – e do regime – na | Granja do Riacho Fundo. (E-B-94-Jn-006) (114) A meia – noite de hoje o Brasil sai do | mais longo período ditatorial de sua His- | tória. (E-B-94-Jn-006) - ver metáfora cogintiva: período ditatorial é um lugar... (115) O projeto chega ao Con- | gresso em inícios de junho, seu | substitutivo (de autoria do ex- | Deputado Djalma Marinho) é | aprovado no fim do mês e final- | mente, em Io de julho do ano | passado, o Presidente G e i s e l | sanciona o texto da lei comple- | mentar que determina a fusão. | A cidade do Rio e o Estado do | Rio de Janeiro estão de novo in- | tegrado na mesma unidade polí- | tica, cuja Constituição começará | a ser elaborada em 31 de março | próximo, com a instalação da | Assembléia Constituinte. (E-B-94-Jn-001) (116) Operários da Ford seguem os da Mercedes Benz e criam comissão de salários (E-B-94-Jn-005) (117) Passagem de ônibus sobe 50% no Rio (E-B-94-Jn-017) (118) Cruzado substitui o cruzeiro. (E-B-94-Jn-016) (119) Dez anos e 18 dias depois de sua | edição, o Ato Institucional no 5 que sus- | pendeu liberdades individuais, eliminou o equilíbrio entre os Poderes e deu atribui- | ções excepcionais ao Presidente da República, encerra sua existência. (E-B-94-Jn-006) (120) O presidente da | Argentina Carlos Menem telefonou para dar os | parabéns a FH. (E-B-94-Jn-026) (121) Passados dez anos do naufrágio do "Bateau Mouche IV", | que afundou na Baía de Guanabara no réveillon de 1988 | matando 55 pessoas , dois de seus donos, foragidos da Jus- | tiça brasileira, vivem e trabalham normalmente na Espa- | nha. (E-B-94-Jn-031) (122) A cidade do Rio de Janeiro | e a província fluminense viviam | natural e politicamente integra- | dos até o Ato Adicional de 1834 | à Constituição de 1824 que trans - | forma o Rio em município neu- | tro. (E-B-94-Jn-001) elaboração papel produto? (123) O Estado | utilizará a Lei Delegada n o4, que | permite o fechamento de estabeleci- | mentos industriais e comerciais que | não cumprirem as determinações. (E-B-94-Jn-016)

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(124) Collor venceu a eleição em 17 dos | 20 estados que concluíram a apura- | ção. (E-B-94-Jn-021) (125) Collor venceu [a eleição] inclusive | na capital paulista, governada pelo | PT 56,67% contra 43,33%. (E-B-94-Jn-021) (126) Desses, 50 | mil viajaram desde sexta-feira, via | Tchecoslováquia, e calcula-se que | mais de 1,4 milhão de Alemães-o- | rientais ainda queiram emigrar. (E-B-94-Jn-020) (127) E com esse objetivo em mente que | retorna ao Brasil, afirmou: "Volto para lutar pela | legalização do Partido Comunista Brasileiro. (E-B-94-Jn-007) (128) Volto para participar da | luta popular pela livre organização de todas as | correntes e movimentos de opinião políticos. (E-B-94-Jn-007) (129) O substitutivo votado pelo Con- | gresso, embora tenha recebido 241 | votos favoráveis dos arenistas (apenas | a Deputado Lígia Lessa Bastos votou | contra) e 156 contrários, por se tratar | de emenda constitucional, precisava | de dois terços do total (282 votos) | para ser aprovado. (E-B-94-Jn-003) (130) Sem policiamento nem inci- | dentes, a assembléia dos meta- | lúrgicos de Santo André foi rea- | lizada às 16h, no Estádio Jaça- | tuba, com cerca de 6 mil traba- | lhadores que votaram pela ma- | nutenção e, pela primeira vez, | aclamaram o presidente depos- | to, Deputado Benedito Mar- | cílio. (E-B-94-Jn-008) (131) A vitória foi obtida de - | pois que o Governo consegui rachar o PMDB e | o PPB: 67 dos 98 deputados do PMDB e 44 dos | 87 do PPB votaram a favor – resultados que | representam derrotas do ex-governador Orestes | Quércia, do presidente peemedebista Paes de | Andrade e do ex-prefeito Paulo Maluf, contrários | à reeleição. (E-B-94-Jn-026)

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ANEXO 3 - CLÁUSULAS POSICIONADAS DENTRO DOS NEURÔNIOS NO GRID MAP

Número do neurônio

Número das cláusulas (conforme Anexo 2)

1 (90), (111), (120)

3 (121)

4 (71), (108), (124), (125)

5 (98), (116)

7 (114)

9 (36), (38), (88)

10 (10)

11 (18), (60), (49)

16 (70)

17 (97), (99)

22 (02), (20), (37), (62), (109)

23 (03), (16), (17), (40), (50), (66), (68), (77), (78), (79), (127), (128)

24 (29), (67), (126)

25 (51)

30 (11), (19), (25), (107)

31 (01), (15), (93), (106), (117)

37 (14)

38 (89)

39 (96)

42 (63)

44 (87)

46 (05), (06), (48), (59), (112)

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Continuação...

Número do neurônio

Número das cláusulas (conforme Anexo 2)

53 (101)

54 (09)

55 (58)

56 (53)

61 (73)

62 (07), (08), (22), (24), (61), (81), (82), (104), (105)

67 (32), (54), (55)

70 (45), (72), (84), (94), (115)

73 (56)

75 (75), (31)

80 (76), (95)

86 (35)

88 (27), (28), (102), (122)

89 (43), (47)

95 (13), (23), (41), (64), (91), (103), (123)

108 (30), (33), (34)

110 (42), (69), (74), (85), (86), (110), (118)

111 (21), (80), (83), (129)

113 (26), (65), (92), (130), (131)

116 (12), (57), (100)

118 (52)

121 (04), (39), (44), (46), (113), (119)

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ANEXO 4 – FIGURAS DE DISPERSÃO DAS CLASSES DOS PARÂMETROS

Legenda: TRI – Fazeres transitivos e intransitivos; NUP – Número de Participantes; NAF – Natureza dos Processos; TIF – Tipos de fazeres; PTS – Papel temático do sujeito; FES – Formas de expressão do significado; OPD – Objetivos pragmático-discursivos; EXP – Expansão dos Processos Materiais.