UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO · 2020. 1. 31. · Resumo da tese de Doutorado submetida ao...

148
1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO A COMPETIÇÃO ENTRE [VERBO ADJETIVO ADVERBIAL] E [VERBO XMENTE] NA REDE CONSTRUCIONAL QUALITATIVA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO: UMA ANÁLISE CENTRADA NO USO Júlia Langer de Campos 2019

Transcript of UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO · 2020. 1. 31. · Resumo da tese de Doutorado submetida ao...

  • 1

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

    A COMPETIÇÃO ENTRE [VERBO ADJETIVO ADVERBIAL] E [VERBO XMENTE]

    NA REDE CONSTRUCIONAL QUALITATIVA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO:

    UMA ANÁLISE CENTRADA NO USO

    Júlia Langer de Campos

    2019

    https://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&ved=2ahUKEwjq9eLYjIfgAhWQE7kGHfBVBHgQjRx6BAgBEAU&url=https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Minerva_UFRJ_-_Clara.png&psig=AOvVaw24tZa6MTfiByzVwoXGAI0T&ust=1548442694996386

  • 2

    A COMPETIÇÃO ENTRE [VERBO ADJETIVO ADVERBIAL] E [VERBO XMENTE]

    NA REDE CONSTRUCIONAL QUALITATIVA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO:

    UMA ANÁLISE CENTRADA NO USO

    Júlia Langer de Campos

    Tese de Doutorado apresentada ao Programa de

    Pós-Graduação em Linguística da Universidade

    Federal do Rio de Janeiro como quesito para a

    obtenção do Título de Doutor em Linguística.

    Orientadora: Profa. Doutora Maria Maura da

    Conceição Cezario

    Coorientadora: Profa. Doutora Priscilla Mouta

    Marques

    Rio de Janeiro

    Fevereiro de 2019

  • 3

    A COMPETIÇÃO ENTRE [VERBO ADJETIVO ADVERBIAL] E [VERBO XMENTE]

    NA REDE CONSTRUCIONAL QUALITATIVA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO:

    UMA ANÁLISE CENTRADA NO USO

    Júlia Langer de Campos

    Orientadora: Professora Doutora Maria Maura da Conceição Cezario

    Coorientadora: Professora Doutora Priscilla Mouta Marques

    Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Linguística, Faculdade

    de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos

    necessários para a obtenção do título de Doutor em Linguística.

    Examinada por:

    ______________________________________________________________________

    Presidente, Profa. Doutora Maria Maura da Conceição Cezario

    ______________________________________________________________________

    Profa. Doutora Priscilla Mouta Marques

    ______________________________________________________________________

    Prof. Doutor Diogo Pinheiro – UFRJ

    ______________________________________________________________________

    Profa. Doutora Deise Cristina Moraes Pinto – UFRJ

    ______________________________________________________________________

    Profa. Doutora Marcia dos Santos Machado Vieira – PPG Vernáculas –UFRJ

    ______________________________________________________________________

    Profa. Doutora Mariangela Rios de Oliveira - UFF

    ______________________________________________________________________

    Profa. Doutora Christina Abreu Gomes– UFRJ, Suplente

    ______________________________________________________________________

    Prof. Doutor Roberto Freitas Junior– Departamento Letras Libras – UFRJ, Suplente

    Rio de Janeiro

    Fevereiro de 2019

  • 4

    Campos, Júlia Langer de.

    Competição entre [Verbo Adjetivo Adverbial] e [V Xmente] na rede

    construcional qualitativa do português brasileiro: uma análise centrada no uso/

    Júlia Langer de Campos. – Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras, 2019. xix,

    148 fl.: il.; 34 cm.

    Orientador(a): Maria Maura da Conceição Cezario/

    (co) orientador(a): Priscilla Mouta Marques

    Tese (doutorado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-

    Graduação em Linguística, 2019.

    Referências Bibliográficas: f. 139-144.

    1. Construções adverbiais qualitativas. 2. Rede Construcional. 3.

    Linguística Funcional Centrada no Uso. I. Cezario, Maria Maura da Conceição. II

    Marques, Priscilla Mouta. III. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade

    de Letras, Programa de Pós-graduação em Linguística. IV. Título.

  • 5

    Aos meus pais, por todo exemplo, amor e

    incentivo.

    Ao eterno e inesquecível professor Mário

    Martelotta (in memoriam), por, de alguma

    forma, acompanhar-me até aqui.

  • 6

    AGRADECIMENTOS

    Ao finalizar esta tese de doutorado, encho-me de gratidão, primeiramente, ao

    CNPq por ter financiado esta pesquisa, possibilitando realizá-la com toda dedicação e

    seriedade que a ciência no Brasil merece. Agradeço também a esta universidade da qual

    tanto me orgulho, a UFRJ, que, desde 2006, me recebeu na graduação e até hoje é para

    mim como uma “casa”. Casa grande, democrática e que devolve à sociedade a excelência

    em ciência e material humano. Minha gratidão também ao Programa de Pós-graduação

    em Linguística e a todos os professores componentes deste programa.

    Obrigada a todos os membros que compõem a minha banca por terem aceitado o

    convite prontamente e desde já contribuírem e colaborarem para o desenvolvimento e

    aperfeiçoamento deste trabalho.

    Em especial, agradeço a minha família por me ensinarem valores tão caros a estes

    tempos e à profissão de professor: a empatia, o amor e o respeito. Obrigada por serem

    mais que o sangue nos impõe, por serem também amigos, companheiros para bons e maus

    momentos. Só eu sei como foi difícil, ao longo destes quatro anos, não poder estar com

    vocês em algumas ocasiões, mas, quando presente, termos os melhores e mais valiosos

    momentos.

    Destaco ainda pessoas sem as quais jamais ousaria voos mais altos: meus pais,

    minhas irmãs e minha sobrinha. Carrego comigo um pouquinho de cada um. Obrigada

    por me apoiarem, por me incentivarem, por se orgulharem de mim. Pai, obrigada por

    todos os cafezinhos com bolo e as conversas que me faziam ter uma semana mais leve

    neste último ano. Foram verdadeiras terapias e de um valor que nem eu nem você

    saberíamos mensurar. Mãe, obrigada por secar minhas lágrimas, me acolher no seu abraço

    e me fazer ter a certeza de que tudo passa. Minhas irmãs, Luísa e Danielle, agradeço por

    me fazerem rir, por acreditarem em mim mais que eu mesma e por sempre cuidarem de

    mim. À Rafinha, nem sei especificamente a que agradecer... a TUDO! Obrigada por ser

    a melhor “sobrinha-amiga-irmã” e, acrescento, “aluna” por três anos! Vocês são a minha

    essência!

    Agradeço ao meu noivo, Osvaldo, por estar sempre ao meu lado, me acalmando,

    me ajudando em tudo o que pôde para que a finalização deste trabalho fosse possível. Que

    bom que você existe, meu amor! Que bom que pude contar com você para dividir as

    angústias e com a sua companhia para os momentos de lazer. A vida é muito mais feliz e

    completa ao seu lado.

  • 7

    Ao longo de muitos anos até o presente momento, acredito também ter construído

    uma outra família, a acadêmica. Pessoas tão importantes, influentes e essenciais quanto

    uma família de verdade é. Vou começar, então, agradecendo a minha querida orientadora,

    Maria Maura. Uma vez ouvi uma antiga orientanda sua dizer que se ela fosse 10% da

    orientadora que você é para os seus alunos, ela estaria realizada. Esta frase ficou na minha

    memória, pois também me identifico com ela. Aprendi a te admirar ainda mais ao longo

    desses quatro anos... Como você é incrível! Sua serenidade, experiência, compreensão,

    reconhecimento e entusiasmo fazem toda a diferença! São características de um

    verdadeiro líder, em quem eu me espelho e desejo ainda mais sucesso. A gratidão que

    carrego por você é inexplicável! Só obrigada!! Por tudo!

    A minha, hoje, coorientadora, Priscilla Mouta. Explico-me: muito antes de me

    alçar ao Doutorado, ela foi a pessoa com quem logo me identifiquei quando ingressei no

    grupo Discurso & Gramática, em 2009. Por diversas compatibilidades, nos tornamos

    amigas. Priscilla tem uma característica de ouvir, de compreender e de amar que são raras

    e talvez por isso ela também o seja! Dividimos turmas, cursos e com ela tive o prazer de

    aprender e me apaixonar pelos adjetivos adverbiais. Pessoa que me ensinou sobre

    funcionalismo clássico, com quem aprendi (e repito) os exemplos mais prototípicos para

    explicar certos conceitos, em quem espelho a postura profissional, o discurso bonito e a

    seriedade com que lida com a pesquisa e com a análise de dados. Meu muito obrigada a

    você!

    Agradeço também aos demais professores do D&G UFRJ, Deise, Karen e

    Roberto. Obrigada por contribuírem tanto com a minha formação, seja em relação à teoria

    discutida nas reuniões de terça, nos cafezinhos, nos corredores e almoços, mas também

    em relação ao exemplo de pessoas e profissionais que são! Cada um de vocês é muito

    importante para o resultado desta tese.

    Meu “muito obrigada” especial para dois alunos maravilhosos com quem tive o

    prazer de trabalhar mais proximamente: Rodrigo Tiradentes e Beatriz Lones! Meus

    queridos, faltam-me palavras para agradecer a vocês por tudo o que construímos ao longo

    desses últimos anos. Finalizo este trabalho com a mais absoluta certeza de que vocês, de

    alguma maneira, são coautores desta tese. Amo muito vocês e contem sempre comigo.

    Sou grata também por ter alguns amigos ao meu lado neste meio acadêmico que,

    por vezes, é tão cruel. Dennis Castanheiras, você é O cara! Sempre sabe de tudo, um

    pouco e está disponível a ajudar, a acrescentar. Você só soma na minha vida! Que nossa

    amizade seja “ao infinito e além”! Agradeço também à Bruna Soares por todos esses anos,

  • 8

    de Mestrado e Doutorado, com quem pude compartilhar momentos de conquistas e de

    dificuldade. Apesar da distância física de hoje, guardo sua amizade no meu coração. Ao

    Matheus Silva e Érika Ilogti por toda identificação e liberdade de desabafarmos sobre os

    mais diversos assuntos.

    Agradeço à Carol Fummaux, Carol Martins, Monique e Thiago pelas trocas e

    auxílio mútuos na pós-graduação. Agradeço também aos demais colegas contemporâneos

    da pós que, hoje, também defendem suas teses, por toda troca durante as aulas e a empatia.

    Agradeço aos colegas do grupo dos adjetivos adverbiais pelas discussões e toda

    contribuição, em especial, à Raíssa pela revisão do abstract.

    Em suma, agradeço ao Deus do Universo que, na sua infinita generosidade,

    permitiu que eu chegasse até aqui e por ter colocado tantas pessoas maravilhosas no meu

    caminho, essenciais nesta trajetória.

    Gratidão!

  • 9

    SINOPSE

    Análise acerca dos usos de duas construções

    adverbiais qualitativas no PB, [V AAdj] e [V

    Xmente], buscando descrever características

    formais, semânticas e discursivo-pragmáticas

    que expliquem o contexto de uso de cada um

    desses padrões construcionais em situações

    reais de comunicação no PB.

  • 10

    RESUMO

    A COMPETIÇÃO ENTRE [VERBO ADJETIVO ADVERBIAL] E [VERBO XMENTE]

    NA REDE CONSTRUCIONAL QUALITATIVA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO:

    UMA ANÁLISE CENTRADA NO USO

    Júlia Langer de Campos

    Orientadora: Professora Doutora Maria Maura da Conceição Cezario

    Co-Orientadora: Professora Doutora Priscilla Mouta Marques

    Resumo da tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Linguística,

    Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos

    requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Linguística.

    Esta tese tem como objetivo central descrever as propriedades de cunho formal e

    funcional que caracterizam uma construção adverbial qualitativa não-prototípica, os

    chamados adjetivos adverbiais, em que um adjetivo forma com o verbo um par de forma

    e sentido no português (Ex.: Maria falou claro), e compará-la com o padrão de

    modificação canônico, cuja base lexical seja a mesma daqueles (Ex: Maria fala

    claramente). Pautamo-nos no arcabouço teórico-metodológico da Linguística Funcional

    Centrada no Uso, segundo o qual a língua é conceptualizada como uma rede simbólica de

    construções, apresentando níveis hierárquicos relacionados aos diferentes graus de

    esquematicidade. Assim sendo, a construção [V Adjetivo Adverbial]Qualit é um

    pareamento de forma e função instanciado por um esquema maior [V Adverbial]Qualit, o

    qual também licencia as construções com advérbios em -mente, representada por [V

    Xmente]Qualit..

    Para isso, coletamos dados no Corpus do Português web para a análise dos

    seguintes fatores: (i) frequência type e token do verbo e do adjetivo; (ii) tipo semântico

    do verbo e do adjetivo; (iii) transitividade verbal; (iv) presença e natureza do elemento

    interveniente entre o verbo e o item adverbial; (v) estrutura informacional e (vi)

    composicionalidade. A hipótese geral é a de que essas duas construções, de configurações

    formais distintas, são semanticamente semelhantes, no que tange a semântica de

    qualidade (modo), mas são pragmaticamente distintas, sobretudo quanto ao foco

    discursivo. Além disso, haveria restrições colocacionais vinculadas aos itens verbo e

    adverbial em cada um dos padrões.

    PALAVRAS-CHAVE: 1. Construções adverbiais qualitativas 2. Rede construcional 3.

    Linguística Funcional Centrada no Uso.

    Rio de Janeiro

    Fevereiro 2019

  • 11

    ABSTRACT

    THE COMPETITION BETWEEN [VERB ADJETIVE ADVERBIAL] AND [VERB

    XMENTE] IN THE QUALITATIVE CONSTRUCTION NETWORK OF BRAZILIAN

    PORTUGUESE:

    AN USAGE-BASED APPROACH

    Júlia Langer de Campos

    Orientadora: Professora Doutora Maria Maura da Conceição Cezario

    Co-Orientadora: Professora Doutora Priscilla Mouta Marques

    Abstract da tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Linguística,

    Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos

    requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Linguística.

    This thesis aims to describe the formal and functional properties that characterize

    a non-prototypical qualitative adverbial construction, in which an adjective modifies the

    scope of the verb, forming an integrated and productive unit in Portuguese (eg, Mary

    speaks clear), the so-called adverbial adjectives, and to compare it with the canonical

    modification patterns, whose lexical basis is the same as those (eg, Mary speaks clearly).

    We focus on the theoretical-methodological framework of Usage-based and

    constructional approaches, according to which language is conceptualized as a symbolic

    network of constructions, presenting hierarchical levels related to different degrees of

    schematicity. Thus, the construction [V Adjective Adverbial]Qualit is a pairing of form and

    function instantiated by a higher scheme [V Adverbial]Quali, which licences constructs

    with adverbs in -mente, (-ly) represented by [V Xmente]Quali.

    In order to do this, we collected data in the Corpus of Portuguese web for the

    analysis of the following factors: (i)verb and adjective type and token frequency; (ii) verb

    and adjective semantic type; (iii) verbal transitivity; (iv) the presence and nature of the

    intervening element; (v) information structure and (vi) compositionality. The general

    hypothesis is that both constructions, of distinct formal configurations, are semantically

    similar because of the quality semantics, but are pragmatically distinct, especially in

    discursive focus. In addition, there would be collocational restrictions linked to the verb

    and adverbial items in each of the patterns.

    KEYWORDS: Qualitative adverbial constructions; Network; Usage-based Approach.

    Rio de Janeiro

    Fevereiro 2019

  • 12

    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 17

    1. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS .................................................................................. 27

    1.1 A Linguística Funcional Centrada no Uso ............................................................ 27

    1.2 Alguns pressupostos funcionalistas clássicos ....................................................... 31

    1.2.1 Princípio da Iconicidade ................................................................................. 31

    1.2.2 Informatividade ............................................................................................. 33

    1.2.3 Foco Discursivo.............................................................................................. 35

    1.3 Construções Gramaticais ...................................................................................... 37

    1.4 Rede Construcional (Taxonômica) ....................................................................... 42

    2. REVISÃO DA LITERATURA .................................................................................. 46

    2.1 A categoria adverbial e a semântica qualitativa .................................................... 46

    2.2 Sobre a fluidez categorial entre adjetivos e advérbios .......................................... 48

    2.2.1 Hummel (2002, 2003, 2013): A categoria dos atributos dos adjetivos e

    advérbios na sincronia e diacronia das línguas românicas ...................................... 49

    2.2.2 Barbosa (2006): Gramaticalização de advérbios a partir de adjetivos: um

    estudo sobre os adjetivos adverbializados. .............................................................. 53

    2.2.3 Virgínio (2016, 2018): Investigando a Semiprodutividadade da Construção

    Circunstancial de Adjetivo Adverbializado do PB em comparação com os

    Advérbios em -mente. ............................................................................................. 56

    2.2.4 Tiradentes (2018): A configuração da construção com adjetivo adverbial no

    português brasileiro do século XX .......................................................................... 60

    3. METODOLOGIA ....................................................................................................... 63

    3.1 O Corpus e a Coleta de Dados .............................................................................. 68

    4. ANÁLISE DE DADOS .............................................................................................. 72

    4.1 Frequência Type e Token do Verbo ...................................................................... 74

    4.2 Frequência Type e Token do Adjetivo Adverbial e de Xmente ............................. 84

    4.3 Tipo Semântico do Verbo (Scheibman, 2001) ...................................................... 92

    4.4 Tipo Semântico do adjetivo (Castilho, 2010) ..................................................... 101

    4.5 Transitividade Verbal ......................................................................................... 107

  • 13

    4.6 Estrutura informacional ...................................................................................... 111

    4.7 Tipo de elemento interveniente ........................................................................... 122

    4.8 Grau de Composicionalidade .............................................................................. 128

    4.9 Síntese: tendências gerais de usos das duas construções .................................... 133

    5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 135

    6. BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 139

    ANEXO 1 ..................................................................................................................... 145

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Distribuição da frequência dos itens adjetivais em função prototípica vs.

    função adverbial ............................................................................................................. 69

    Tabela 2: Distribuição da construção [V AAdj] qualitativa ............................................. 72

    Tabela 3: Distribuição da construção [V Xmente]qualitativa. ....................................... 72

    Tabela 4: Frequência de tipo e frequência de ocorrência de verbos: análise do slot V por

    subesquema [V AAdj] ..................................................................................................... 76

    Tabela 5: Frequência de types verbais e tokens por cada subsesquema [V AAdj] .......... 76

    Tabela 6: Frequência tipo e frequência de ocorrência de verbos: análise do slot V por

    subesquema [V Xmente] ................................................................................................ 79

    Tabela 7: Frequência de itens verbais por cada subsesquema [V Xmente] .................... 79

    Tabela 8: Comparação da aceitabilidade de itens verbais por subesquema ................... 83

    Tabela 9: Distribuição da frequência token por item AAdj.............................................. 84

    Tabela 10: Distribuição da frequência token por subesquema [V Xmente]. .................. 85

    Tabela 11: Distribuição da Semântica Verbal por subesquema ..................................... 95

    Tabela 12: Distribuição de semântica verbal por [V AAdj]. ............................................ 99

    Tabela 13: Distribuição da semântica verbal por [V Xmente] ....................................... 99

    Tabela 14: Distribuição da semântica do Adjetivo por [V AAdj] .................................. 103

    Tabela 15: Distribuição da transitividade verbal por subesquema. .............................. 107

    Tabela 16: Distribuição do foco por subesquema. ....................................................... 112

    Tabela 17: Tipo de compartilhamento de foco em [V AAdj]......................................... 114

    Tabela 18: Tipo de compartilhamento de foco em [V Xmente] ................................... 114

  • 14

    Tabela 19: Relação entre cada subesquema [V AAdj] e Foco informacional ................ 119

    Tabela 20: Relação entre cada subesquema [V Xmente] e Foco informacional .......... 120

    Tabela 21: Distribuição do tipo de elemento interveniente por construção ................. 122

    Tabela 22: Relação entre cada subesquema [V AAdj] e presença/ausência de material

    interveniente. ................................................................................................................ 125

    Tabela 23: Relação entre cada subesquema [V Xmente] e presença/ausência de material

    interveniente. ................................................................................................................ 126

    Tabela 24: Tendências gerais das construções qualitativas [V AAdj] e [V Xmente] .... 133

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Propriedades da Construção (Croft, 2001) ...................................................... 39

    Figura 2: Exemplo de não linguística (Traugott e Trousdale, 2013) .............................. 44

    Figura 3: Rede Construcional Adverbial qualitativa ...................................................... 45

    Figura 4: Disposição da função "atributo" de adjetivos e advérbios (Hummel, 2003:02).

    ........................................................................................................................................ 50

    Figura 5: A construção [V AAdj]Qualit e as construções lexicalizadas bater forte e falar

    alto. ............................................................................................................................... 131

  • 16

    LISTA DE ABREVIAÇÕES

    1- [V AAdj]Qualit: construção [Verbo Adjetivo Adverbial]Qualitativa

    2- [V Xmente]Qualit: construção [Verbo Xmente]Qualitativa

    3- [V Adverbial]: construção [Verbo Adverbial]

    4- AAdj: Adjetivo Adverbial

    5- PB: Português do Brasil

    6- LFCU: Linguística Funcional Centrada no Uso

    7- SPSS: Statistical package for the social sciences

    8- SVO: Sujeito- Verbo- Objeto

    9- SV: Sujeito- Verbo

    10- VS: Verbo- Sujeito

    11- SNs: Sintagmas nominais

    12- Sprep: Sintagma preposicional

    13- D&G: Discurso e Gramática

    14- GC: Gramática de Construções

    15- N1: Nome 1

    16- N2: Nome 2

    17- GTs: Gramáticas tradicionais

    18- TCC: Trabalho de conclusão de curso

    19- CCAA: Construção circunstancial com adjetivo adverbial

    20- GCBU: Gramática de Construções baseada no Uso

    21- CAA: Construção de adjetivo adverbial

    22- CAS: Construção de advérbio sufixal

    23- RFE: Restrição de foco exclusivo

    24- AS: advérbio sufixal

    25- BI: (frequência) baixa do item

    26- BS: (frequência) baixa da sequência

    27- AI: (frequência) alta do item

    28- AS: (frequência) alta da sequência

  • 17

    INTRODUÇÃO

    Ao longo de décadas, muitos estudos linguísticos foram desenvolvidos acerca da

    controversa categoria dos advérbios. A heterogeneidade desta classe advém da

    multiplicidade de propriedades sintáticas e semânticas que a envolvem fazendo com que

    esses elementos, os advérbios, ora apresentem comportamentos ligados ao léxico da

    língua (como hoje, ontem, agora, que se referem ao mundo biossocial, nos termos de

    Câmara Jr, 1970), ora desempenhem funções ligadas ao nível organizacional e funcional

    do discurso (como assim, este, aquele, que podem ter papéis anafóricos ou catafóricos).

    Tradicionalmente, o advérbio é uma classe invariável, que funciona no sistema das

    línguas como modificador de outras classes, tais como do verbo, do adjetivo, de outro

    advérbio, podendo, inclusive, ser um atributo de toda uma cláusula. A presente tese se

    restringe à modificação verbal por meio desses elementos, os quais chamamos aqui de

    advérbios qualitativos (Ilari et alii, 1990), convencionalmente chamados de advérbios de

    modo. Porém, alguns gramáticos, como Castilho (2010, 2014), apontam para o fato de a

    modificação verbal não se restringir unicamente à categoria dos advérbios, podendo ser

    feita também por adjetivos (ex: Ele fala rápido), por sintagmas preposicionais (ex: Ele

    fala com rapidez) e por particípios verbais (ex: Ele fala correndo).

    Dessa forma, a tese defendida aqui trata da existência, no domínio da modificação

    verbal do português do Brasil (PB), de um esquema maior, distribuído em dois

    subesquemas, responsável pela instauração de adverbialização qualitativa. Esses

    subesquemas, em uma comparação horizontal entre si, teriam suas instanciações

    motivadas por fatores de ordem pragmático-discursivo e também estrutural. Partindo

    deste ponto, este trabalho tem como objetivo descrever a construção de modificação

    verbal por adjetivos não-prototípicos, uma vez que, em contextos sintático-semânticos

    semelhantes ao de predicativos, esses elementos permanecem invariáveis, modificando o

    verbo e não um nome, como seria o esperado por esta classe, aproximando-se, assim, dos

    advérbios. Por esta razão, assume-se aqui que não se trata de um adjetivo que passa a

    figurar como advérbio, como um processo, mas sim de uma categoria híbrida de adjetivos

    que podem não só modificar núcleos nominais, como também do núcleo verbal, formando

    com esta unidade um todo significativo, o qual chamamos de [Verbo Adjetivo

    Adverbial]Qualit (doravante [V AAdj]Qualit). Este trabalho, portanto, busca demonstrar as

    propriedades estruturais e semântico-pragmáticas que caracterizam esta construção no

    sistema linguístico do português brasileiro.

  • 18

    Ao analisarmos essas propriedades, procuramos atender o principal objetivo desta

    tese que é comparar esta construção com o subesquema de modificação canônico por

    meio de advérbios terminados em -mente de valor qualitativo, chamados aqui de Xmente

    (Campos, 2013), os quais também formam com o verbo uma construção maior denotada

    por [Verbo Xmente]Qualit (doravante [V Xmente]Qualit). Por vezes, certas situações

    discursivas fazem parecer que estas duas construções são livremente intercambiáveis no

    sistema do PB, uma vez que sintaticamente são modificadores do núcleo verbal e

    semanticamente expressam valor de modo, como seria o caso de Ela bateu forte a perna

    e Ela bateu fortemente a perna. Porém, segundo o princípio da não sinonímia, não há

    estruturas formais distintas que desempenhem a mesma função discursiva. Da mesma

    forma, a sociolinguística também atenta para o fato de que cada prática social aponta para

    padrões linguísticos distintos (Eckert, 2012).

    Sendo assim, o ponto desta tese é defender que [V AAdj]Qualit e [V Xmente]Qualit são

    construções distintas no sistema do PB por apresentarem certas peculiaridades formais e

    funcionais. Portanto, não atuam no mesmo contexto discursivo e são pragmaticamente

    distintas. Por essa razão, destacamos que o termo competição aqui utilizado trata-se da

    atuação de ambas construções em diferentes situações de uso e não de um intercâmbio

    livre entre uma e outra. O falante busca em sua memória um dos elementos de um

    paradigma linguístico para melhor dar conta de seus objetivos comunicativos ou que

    melhor se adeque ao contexto discursivo ou situacional. Dessa forma, a competição de

    construções estaria vinculada às nossas diversas habilidades cognitivas, tais como leitura

    de intenção, categorização, analogia, dentre outras (cf. Bybee, 2010; Tomasello, 2003).

    Traugott & Trousdale (2013; 175) preferem o termo “escolha” ao invés de competição,

    pois não são as construções que têm vida própria, independentemente da vontade do

    falante, mas se trata de uma escolha do falante entre as opções dadas pelo paradigma de

    construções similares.

    Buscamos, então, através da análise qualitativa e quantitativa de sete

    subsesquemas de ambos os padrões construcionais, descrever a construção com adjetivo

    adverbial com semântica qualitativa (modo), definir quais itens adjetivais são licenciados

    pelos verbos para figurarem no slot AAdj, bem como quais destes itens adjetivais podem

    ocupar a base X da construção com advérbio em -mente. Nossa hipótese central é a de

    que estas construções são semanticamente semelhantes, visto que são qualitativas (modo),

    porém pragmaticamente distintas, pois desempenham funções comunicativas diferentes.

    Outra hipótese importante relaciona-se à frequência de uso. Padrões microconstrucionais

  • 19

    altamente frequentes, sobretudo da construção [V AAdj]Qualit, tendem a perder

    composicionalidade apresentando maior integração entre as unidades verbo – adjetivo

    adverbial, fato que não ocorreria entre as unidades que compõem a construção canônica

    em -mente.

    Para atingir os objetivos deste trabalho, pautamo-nos no aporte teórico-

    metodológico da Linguística Funcional Centrada no Uso (doravante LFCU), linha que

    amalgamou os pressupostos do Funcionalismo norte-americano e alguns advindos da

    Linguística Cognitiva. Um dos conceitos caros a essa corrente é o de construções

    gramaticais, as quais são unidades básicas da língua, podendo ser definidas como

    unidades simbólicas de forma e função organizadas hierarquicamente na cognição

    humana, a qual subsidia a experiência linguística em situações reais de comunicação, do

    mesmo modo que instâncias de uso também alimentam esta rede, reconfigurando-a de

    tempos em tempos. As construções gramaticais se interconectam por links de diferentes

    naturezas, isto é, por associações de propriedades da forma ou do conteúdo a diferentes

    padrões, formando um todo organizado e holístico. Nessa perspectiva teórica, então,

    habilidades cognitivas gerais (Bybee, 2010) cooperam nessa organização dos dados

    obtidos na experiência, tais como processos analógicos, categorização, armazenamento

    na memória, mecanismos de ativação e acesso, dentre outros.

    Entendendo, portanto, que a gramática das línguas é vista como uma rede de

    construções, postulamos que as construções adverbiais qualitativas com adjetivos

    adverbiais e com advérbios canônicos estariam conectadas a um esquema mais alto nesta

    rede, que reúne propriedades mais gerais, instanciando não só os subesquemas por nós

    analisados, mas também outros subesquemas de qualificação do verbo (sintagmas

    preposicionais, particípios, etc.). Propomos a notação [V Adverbial]Qualit como o esquema

    geral, mais abstrato, que instancia a [V AAdj]Qualit e a [V Xmente]Qualit. Esses subesquemas,

    por sua vez, licenciam outras construções ainda mais específicas, em que um dos slots

    esteja preenchido – neste caso, assumimos a postura metodológica de ter como ponto de

    partida o elemento adverbial. Assim, o subesquema [V AAdj] licencia construções como

    [V forte], [V claro], etc., ao passo que as construções de qualificação canônica, a

    construção Xmente, instancia construções de mesma base lexical dos adjetivos adverbiais,

    como [V fortemente] e [V claramente], por exemplo. São esses níveis mais específicos,

    porém, também abstratos, por se tratar de unidades simbólicas, que licenciam instâncias

    de uso em situações reais de comunicação, também chamados de constructos (ou tokens).

  • 20

    Para a observação do fenômeno, coletamos dados em uma base de dados online,

    o Corpus do Português. Esta plataforma reúne textos das variedades do PB e do PE desde

    o século XIII até o século XX, envolvendo registro formal e informal, modalidade oral e

    escrita, em diferentes gêneros e domínios discursivos. Em sua versão mais atualizada, o

    corpus também reúne textos do domínio discursivo da internet, sobretudo, sites e blogs

    vigentes nas variedades do português do Brasil, Portugal, Angola e Moçambique nos

    séculos XX e XXI. É desta aba mais recente, aba web, que foram retirados apenas dados

    do PB1 para constituirmos nosso banco. Segue um exemplo ilustrativo da construção com

    adjetivo adverbial

    (1) Em uma família, por exemplo, onde todos falam baixo, o insuportável é aquele

    primo que fala alto como um italiano. Já em um família de italianos, o

    insuportável pode ser aquele que não participa da bagunça (...)

    (http://apenas1.wordpress.com)

    No exemplo (1) verifica-se um constructo da microconstrução de [V AAdj]Qualit.

    Neste exemplo, o item alto, que também figura em construções de adjetivos prototípicos

    (Ele é alto), atribui uma qualidade ao verbo, denotando o modo (em tom alto) como a

    ação de falar é feita. Além disso, percebe-se o alto grau de integração entre essas duas

    unidades, passando toda a construção fala alto como uma característica do primo

    insuportável. Nesse sentido, percebemos que a construção com adjetivos adverbiais

    perfila um escopo além do verbal, envolvendo, neste caso, parte do atributo do sujeito do

    verbo falar.

    Feita a coleta da construção [V AAdj]Qualit, partimos para a observação de trechos

    em que o item Xmente de mesma base lexical daqueles elementos que figuraram na

    construção [V AAdj] esteja figurando no padrão de modificação verbal de semântica

    qualitativa. Vejamos um exemplo da construção [V Xmente]

    (2) A primeira coisa que você precisa colocar na cabeça é que, não existe nada que

    faça seu cabelo crescer naturalmente em pouco tempo. (007blog.net)

    1 O próprio corpus faz a separação entre as variedades do português.

    http://apenas1.wordpress.com/http://007blog.net/coisas-que-nao-se-deve-fazer-no-comeco-do-namoro/

  • 21

    Em (2), verifica-se o verbo crescer recebendo o atributo qualitativo canônico

    naturalmente. Neste caso, percebe-se que este item perfila apenas o escopo verbal,

    demonstrando o modo como a ação de crescer acontece (de modo natural), não

    estabelecendo, pois, nenhuma relação semântica com o sujeito da oração (cabelo).

    Após a coleta e análise dos fatores, submetemos os resultados ao programa

    estatístico SPSS (versão 17), afim de obter resultados quantitativos mais precisos acerca

    dos resultados em geral e de seus cruzamentos. Para tanto, analisamos os seguintes

    fatores: (i) frequência type e token dos itens verbais; (ii) frequência type e token dos itens

    adverbiais; (iii) o tipo semântico do verbo; (iv) o tipo semântico do elemento adverbial;

    (v) a transitividade dos verbos que figuram na construção; (vi) a presença e a natureza de

    elementos intervenientes; (vii) a estrutura informacional e, qualitativamente, também

    analisamos (viii) o grau de composicionalidade.

    Sendo assim, postulamos alguns objetivos específicos e algumas hipóteses

    vinculadas a cada um deles às quais procuramos comprovar neste trabalho.

    Objetivos e Hipóteses específicos

    A fim de comprovar o objetivo central desta tese, de que as construções [V AAdj]

    e [V Xmente] de semântica qualitativa apresentam características formais distintas,

    semânticas semelhantes, distinguindo-se, sobretudo, pragmaticamente, postulamos

    alguns objetivos específicos vinculados aos fatores de análise que buscam atender este

    grande objetivo. A cada um deles, relacionam-se algumas hipóteses.

    a) Verificar como a frequência de uso impacta a representação de cada um dos

    padrões adverbiais na memória rica do falante. Para tanto, medimos a frequência type

    (frequência de tipo) dos elementos que ocupam os dois slots das construções, isto é, a

    frequência type do item verbal e a frequência type dos elementos adverbiais, o adjetivo

    adverbial e de Xmente. Controlamos também a frequência token (frequência de

    ocorrência) de cada microconstrução. Com isso, pretendemos responder três perguntas:

    (1) que itens verbais aparecem em cada construção com maior frequência; (2) que itens

    adverbiais aparecem em cada construção com maior frequência; (3) Quais combinações

    entre verbo e item adverbial são muito frequentes e quais não são. Com isso procuramos

    dar conta da produtividade das construções.

  • 22

    Segundo Bybee (2010; 2015), a frequência de uso exerce um papel fundamental

    na estruturação do sistema linguístico. Assim, nossa hipótese baseia-se nos trabalhos de

    Bybee ao postular que o membro mais frequente é o elemento central de uma categoria2

    e, então, novos elementos que compartilhem de alguma semelhança quanto a face formal

    ou funcional são recrutados para figurarem naquela categoria por analogia às

    características do membro mais frequente. Dentro do que é possível observar em dados

    da sincronia atual em construções já formadas no sistema do português, essa hipótese nos

    leva a outra de que quanto maior o número de itens verbais aceitos neste slot, maior é a

    produtividade do subesquesma em questão. O mesmo também se aplica à frequência type

    do elemento adverbial, pois, quanto mais frequente é um adjetivo na construção [V AAdj]

    ou um advérbio em -mente na construção [V Xmente], mais produtivo este item será para

    expressar qualidade à ação verbal3.

    Quanto à frequência token, ela colabora com a análise da frequência type, pois é a

    partir de instâncias de uso reais que partimos para generalizações mais abstratas acerca

    da estruturação das construções na rede linguística. Quanto a esse fator, também

    aventamos a hipótese de que, quanto maior são ocorrências de algumas microconstruções

    em cada um dos subesquemas, mais produtivas elas serão e apresentarão fortes tendências

    à perda de composicionalidade e à formação de chunks. Falar alto, por exemplo, é uma

    microconstrução muito frequente do subesquema [V alto]Qualit. Essa microconstrução

    qualitativa teria dado origem ao chunk com sentido de prevalecer, sobrepor-se (Ex.:

    Nessas horas, minha consciência fala alto), mas que mantêm com a construção qualitativa

    um link de herança.

    b) Controlar o tipo semântico do verbo (com base na proposta de Scheibman,

    2001, modificada por Martelotta, 2004), afim de depreendermos propriedades semânticas

    mais específicas deste elemento componente das construções adverbiais qualitativas.

    2 A autora explica que o elemento central de uma categoria também pode ser aquele mais representativo,

    isto é, o mais prototípico de uma categoria (linguística ou não linguística) e não necessariamente este seja

    o mais frequente. 3 Ressaltamos o fato de este estudo se debruçar sobre a análise de sete subesquemas específicos, dos quais

    o slot AAdj foi preenchido por adjetivos mais frequentes em todo o corpus, ou seja, em sua maioria,

    adjetivos modificadores de núcleos nominais e não verbais. Do mesmo modo, a busca pelos advérbios em

    -mente foi guiada pela ocorrência de um determinado item adjetival em função adverbial, assim, este item

    lexical serviu como base dos advérbios canônicos. Devido a isso, a análise da produtividade de tais

    construções limita-se apenas à observação da variedade de elementos licenciados para o preenchimento do

    slot V.

  • 23

    Espera-se que ocorra, em geral, maior incidência de verbos do tipo material, com

    base na hipótese de Martelotta (2004), segundo o qual advérbios qualitativos tendem a se

    relacionar a verbos materiais, pois estes dão conta do mundo sócio-cognitivo dos falantes.

    Porém, dependendo do item que esteja preenchendo o slot adverbial, são esperados outros

    tipos semânticos também. O item claro, por exemplo, relaciona-se frequentemente com

    verbos de percepção (ver, perceber); o item grande com verbos de cognição (pensar,

    sonhar); o item alto a verbos de atividade verbal (falar, gritar, chamar). Assim,

    estabelece-se uma relação semântica intrínseca entre o verbo e o elemento adverbial.

    c) Depreender a semântica expressa pelo item adjetival no contexto discursivo de

    cada ocorrência pautados na proposta de Castilho (2010) para a classificação semântica

    dos adjetivos4, a fim de descrever mais detalhadamente o papel semântico desse elemento

    construcional.

    Espera-se encontrar maior ocorrência de adjetivos denominados qualificadores

    devido ao caráter atributivo deste elemento dentro das construções aqui estudadas. Alguns

    adjetivos adverbiais apresentam um caráter polissêmico, atribuindo não só qualidade à

    ação verbal, mas também intensidade a ela. O item alto, por exemplo, na construção [V

    AAdj]Qualit expressa, ao mesmo tempo, o modo e a intensidade da ação verbal, fato que não

    ocorre com o item altamente da construção Xmente, o qual se restringe à semântica de

    intensidade no sistema do português e não funciona como atributo do verbo, mas sim de

    um adjetivo (Ele é altamente capacitado).

    d) Analisar a transitividade dos verbos que ocorrem em cada token das

    microconstruções em questão, objetivando verificar se são verbos intransitivos ou se há

    complementos internos selecionados pelo verbo. Para tanto, assumimos a postura teórica

    de que a transitividade é uma propriedade discursiva, ou seja, a depender do contexto

    enunciativo, um mesmo verbo pode apresentar estruturas argumentais distintas.

    A hipótese vinculada a este fator é a de que a intransitividade seja uma propriedade

    formal da construção [V AAdj]Qualit e, desta forma, os verbos que figurem nela assumiriam

    coercitivamente o padrão intransitivo. Fato este que não ocorreria com o subesquema [V

    4 Ressaltamos que este objetivo se restringe apenas à construção [V AAdj]Qualit, visto que é o nosso ponto

    de partida para a coleta e análise dos advérbios. A construção com o advérbio canônico apresenta sempre a

    mesma base adjetiva, portanto.

  • 24

    Xmente]Qualit, em que se espera que haja um equilíbrio maior entre verbos transitivos e

    intransitivos.

    e) Avaliar a estrutura informacional das construções em questão com o objetivo

    de captarmos a informação focalizada por cada um dos padrões adverbiais. Em outras

    palavras, observamos se cada uma das construções evidencia exclusivamente a novidade

    da informação ou se compartilha o foco informacional com algum outro elemento, seja

    ele algum argumento verbal ou termos adjuntos, como advérbios simples, locuções

    adverbiais ou orações.

    A este objetivo atrela-se a hipótese consoante a outros trabalhos (Virgínio, 2016,

    2018; Tiradentes, 2018) de que a construção [V AAdj] carregue exclusivamente o foco

    informacional ao passo que a construção [V Xmente] tende a compartilhar o foco com

    outros elementos. Além disso, hipotetizamos que este fator seja uma estratégia

    pragmático-discursiva fundamental que diferencia os dois subesquemas adverbiais aqui

    analisados. Nesse sentido, quando o falante pretende dar foco na sequência verbo +

    adverbial, recorreria à construção com adjetivo e não com o advérbio canônico, como em

    (3), em que os constructos pense simples e faça simples apresentam exclusivamente a

    novidade de toda a sentença, uma vez que os locutores são conhecidos, o assunto é

    conhecido (os posts) e a novidade vem sendo apresentada exatamente pelas

    microconstruções pense simples e faça simples. Já em (4), o constructo ver simplesmente

    compartilha o foco informacional com o complemento interno oracional do verbo ver, o

    que elas enceram. Parece ser esta uma tendência do padrão com advérbios em -mente

    qualitativos.

    (3) “teve um dos seus posts, não me lebro qual, em que voce disse "« pense

    simples, faça simples "» nunca vou me esquecer disso” (http://tableless.com.br/offtopic-

    pra-que-simplificar-se-pode-complicar)

    (4) “O entendimento de as parábolas, espiritualmente falando, significa mais do

    que ver simplesmente o que elas enceram (http://24.229.2.221/parabolas/parb11.html)

    f) Verificar a natureza de possíveis elementos intervenientes entre as unidades-

    chave da construção, isto é, entre o verbo e o item adverbial, em ambos os subesquemas.

    Este objetivo justifica-se pelo fato de estarmos lidando com estruturas que admitem a

    http://tableless.com.br/offtopic-pra-que-simplificar-se-pode-complicarhttp://tableless.com.br/offtopic-pra-que-simplificar-se-pode-complicarhttp://24.229.2.221/parabolas/parb11.html

  • 25

    presença de outros elementos gramaticais como, por exemplo, os próprios argumentos do

    verbo, internos e externos; intensificadores como muito, pouco, super etc.; partícula “se”

    vinculada ao verbo ou outros. Em suma, elementos previstos pelos próprios itens que

    integram as construções adverbiais qualitativas [V AAdj] e [V Xmente].

    Por hipótese, esperamos que as duas construções admitam poucos elementos

    intervenientes uma vez que a semântica qualitativa prevê uma integração mais forte entre

    as unidades verbo e adjetivo, a qual é verificada na decodificação linguística (cf. Givón

    1990, 1995).

    g) Comparar a composicionalidade de microconstruções altamente frequentes do

    esquema [V AAdj]Qualit com microconstruções menos frequentes deste mesmo padrão, bem

    como microconstruções de alta frequência do esquema [V Xmente]Qualit com outras de

    baixa frequência Observamos a composicionalidade semântica em cada constructo

    buscando depreender maior ou menor grau de previsibilidade entre os elementos que

    integram a construção, ou seja, em que medida a soma do significado das partes

    componentes resultam na atribuição do modo como a ação verbal é praticada.

    A composicionalidade é tratada aqui com base em alguns autores, como Traugott

    e Trousdale (2013), que dizem que um constructo será avaliado como mais composicional

    quando houver compatibilidade semântica e sintática entre os itens que compõem a

    construção e será, portanto, um constructo menos composicional quando ocorrer um

    desacordo (mismatcht) entre a forma original e o significado final. Lambrecht (1994)

    também apresenta uma hipótese que se vincula ao nosso objetivo, quando diz que quanto

    menos substituições a construção permitir em suas posições estruturais, mais serão

    percebidas como idiomáticas. Em outras palavras, quando apresentarem restrições

    colocacionais.

    Falando de forma mais específica acerca das construções [V AAdj] e [V Xmente],

    postulamos a hipótese de que um item adjetival muito frequente nas construções [V AAdj]

    vai perdendo a função semântica qualitativa, perdendo analisabilidade entre as unidades

    verbo e adjetivo adverbial, perdendo também a liberdade sintática entre essas unidades

    de modo a formarem uma unidade ainda mais integrada. Desta forma, verbo e adjetivo

    adverbial formam um bloco cognitivo único (chunk) e posteriormente, formam um novo

    pareamento de forma e função na rede linguística. Por hipótese, esse fenômeno de

    mudança não ocorreria com as construções adverbiais qualitativas canônicas, mesmo

  • 26

    dentre as mais frequentes5. Em suma, o subesquema [V AAdj] de valor semântico

    qualitativo teria fortes tendências à perda de composicionalidade, dando origem a novas

    construções (mais lexicalizadas) na rede linguística do falante, enquanto o mesmo não

    ocorreria com o padrão [V Xmente]Qualit, tende a manter canonicamente sua função

    adverbial qualitativa.

    Tendo em vista os principais pontos que envolvem o objeto de estudo desta tese e

    seus principais objetivos e hipóteses, no capítulo 1 apresentamos o arcabouço teórico no

    qual se insere esta pesquisa, desde características gerais da Linguística Funcional

    Centrada no Uso, pressupostos funcionalistas clássicos, à noção de construções e de rede

    construcional. O capítulo 2 traz uma revisão dos principais trabalhos em que nos

    pautamos para o desenvolvimento de nossa pesquisa. Nele tratamos da classe dos

    advérbios, da semântica qualitativa bem como da fluidez categorial entre adjetivos e

    advérbios. Em seguida, o capítulo 3 aborda a metodologia utilizada para a coleta e

    observação dos dados. Já no capítulo 4, desenvolvemos toda a análise qualitativa e

    quantitativa dos fatores postulados como relevantes para atingir nossos objetivos. Por fim,

    o capítulo 5 diz respeito às conclusões as quais chegamos após toda a análise e, em 6,

    apresentamos a bibliografia utilizada.

    Em suma, esta tese objetiva-se a descrever as construções qualitativas com

    adjetivos adverbiais e compará-las à rede dos advérbios qualitativos em -mente no PB

    atual, com o intuito de contribuir com os estudos sincrônicos da linguagem, sob a ótica

    construcionista, no que diz respeito a padrões de modificação verbal. Nossa intenção é

    incorporar o que vem sendo defendido acerca dessas construções e aprofundar análises

    qualitativas e quantitativas com base em dados do PB contemporâneo.

    5 Porém, ainda assim, apresentam um grau de idiomaticidade maior que aquelas construções menos

    frequentes.

  • 27

    1. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

    A Linguística (Funcional) Centrada no Uso6 (doravante LFCU) é uma tradução

    do termo Usage-based Model, utilizado por Langacker, em 1987, para designar modelos

    de análise linguística que partem de instâncias de uso reais para se chegar a generalizações

    teóricas, diferenciando-se, em sua própria natureza, de abordagens de cunho formalista,

    segundo as quais a mente humana possui uma organização interna e inata para a

    gramática, refletida nos usos da língua. Para abordagens baseadas no uso, o pensamento

    linguístico é organizado por diversas habilidades cognitivas gerais, muitas delas não

    sendo restritas à nossa espécie (Bybee, 2010), tais como o pensamento analógico,

    capacidade de categorizar, compreensão de metáforas e metonímias, associação de

    formas a funções, armazenamento de informações na memória, acesso etc.

    Autores como Traugott e Trousdale (2013), Bybee (2010, 2015), Tomasello

    (2003), Barlow e Kemmer (2000), dentre outros utilizam este termo para designar análises

    que, de um modo geral, reúnem pressupostos da corrente funcionalista norte-americana e

    pressupostos da linha cognitivista. Dentro desta nova roupagem da linha funcionalista, a

    gramática é entendida como uma rede de construções, isto é, nós que são pareamentos de

    forma e função e estão organizados em rede através de links, constituindo um todo

    interconectado. A gramática, como uma rede de construções, está susceptível a mudanças

    e a reorganizações mediante às necessidades advindas do contexto pragmático-discursivo.

    Neste sentido, a LFCU estabelece uma relação íntima entre forma e função, isto é, o

    pesquisador busca explicações no contexto de uso real da língua, bem como em fatores

    de ordem estrutural, semântica, pragmática e cognitiva para dar conta das construções

    linguísticas e das mudanças que ocorrem na rede construcional.

    Este capítulo destina-se aos pressupostos teóricos da LFCU, os quais estão em

    consonância aos objetivos desta tese.

    1.1 A Linguística Funcional Centrada no Uso

    Em linhas gerais, a Linguística Funcional Centrada no Uso (LFCU) postula que,

    para compreender o funcionamento da linguagem humana, devem-se considerar, além de

    aspectos estruturais e comunicativos, aspectos de cunho cognitivo. A gramática de uma

    6 Como dito anteriormente, o termo funcional fora inserido a fim de preservar a origem desta vertente

    linguística.

  • 28

    língua é dependente do seu uso concreto, pois é no momento da interação que o falante

    faz adaptações entre estrutura e contexto a fim de atingir seus propósitos comunicativos.

    De acordo com Martelotta, a gramática seria “o resultado de um conjunto de princípios

    dinâmicos que se associam a rotinas cognitivas e interativas moldadas, mantidas e

    modificadas pelo uso” (2009: 63).

    Desta forma, Hopper (1998) utiliza o termo gramática emergente para dar conta

    de explicar o fato de que a estrutura linguística se reestrutura constantemente, ou seja, ela

    é passível de mudanças; os falantes (re)criam padrões gramaticais a todo o momento

    devido à força informativa do discurso. Tal fato permite-nos entender que há uma

    simbiose entre discurso e gramática, em que um se favorece do outro, renovando-se nas

    diferentes situações discursivas. Essa retroalimentação entre discurso e gramática é de

    suma importância para continuidade do sistema linguístico, já que desempenha um papel

    duplo: construções linguísticas são resultantes da atuação do sistema linguístico e ao

    mesmo tempo, moldam-no, num movimento de interdependência, como um ciclo.

    Lidamos não só com a estabilidade de padrões gramaticais, como também com a

    instabilidade advinda do uso, do ato comunicativo, pautados em processos cognitivos que

    categorizam e organizam o pensamento. Portanto, o uso e a cognição estão na base da

    capacidade humana para a linguagem.

    Barlow e Kemmer (2000) assinalam as principais propriedades que permeiam esta

    teoria da linguagem:

    (a) Há uma relação íntima entre estrutura linguística e instâncias de uso

    Instâncias de uso são a base da formação do sistema linguístico. Ao passar por

    experiências concretas, determinadas, é que o sistema em si mesmo se abstratiza. Esta

    premissa nos evidencia que a gramática de uma língua se forma e se enrijece por meio de

    instâncias de uso lexicalmente específicas; é a partir delas que o geral (construções mais

    abstratas) emerge. Desta forma, como já dito anteriormente, instâncias de uso específicas

    e concretas alimentam padrões gerais e mais abstratos da mesma forma que estes

    licenciam tais realizações, isto é, instâncias são bottom-up, mas depois também se tornam

    instanciadoras (top-down).

    (b) A importância da frequência

    Os autores chamam a atenção para a atuação da frequência na estruturação,

    manutenção e funcionamento do sistema linguístico. Os trabalhos de Bybee (2003, 2010

    e 2015) também salientam bastante este fator. Segundo eles, como o nosso sistema é

    amplamente guiado pela experiência (concreta), a frequência com que passamos por

  • 29

    diversas experiências e as instâncias de uso utilizadas para nos referirmos a elas são de

    suma importância para moldarmos tanto estruturas linguísticas mais gerais, quanto outras

    mais específicas. A rotinização de padrões linguísticos permite que, cognitivamente,

    determinada estrutura se torne mais acessível na mente do falante, fazendo o sistema mais

    susceptível à criação de novas estruturas, bem como à obsolescência de outras7.

    (c) Compreensão e produção integradas ao sistema linguístico

    Nessa perspectiva, a forma como o falante utiliza o sistema linguístico é também

    parte que integra o conhecimento dele sobre a sua própria língua. As diversas realizações

    são marcadas pragmaticamente e não ocorrem de forma aleatória ou acidental, o que

    demonstra sistematicidade e conhecimento intrínseco, corroborando o fato de que o

    sistema é orientado pela experiência.

    (d) O foco no papel da aprendizagem e da experiência na aquisição da linguagem

    Sobre essa propriedade, os autores defendem que é a partir da produção e

    compreensão da linguagem advinda da interação entre os participantes de uma cena

    comunicativa, e tudo o que ela envolve, que o sistema do ouvinte vai se estruturando.

    (e) As representações linguísticas são tomadas como emergentes e não como

    entidades fixas armazenadas

    Este ponto evidencia o fato de que a língua está susceptível à mudança, não se

    tratando de estruturas fixas e categorias fechadas. A fala humana é baseada em padrões

    que podem (ou não) se repetir em um discurso. Nesse sentido, um determinado padrão

    vai percorrendo caminhos neurológicos que podem ser cada vez mais reforçados à medida

    que os falantes os utilizam. Estas construções permanecerão ativas na mente do falante,

    da mesma forma que o oposto também se fará verdadeiro, caso a frequência seja cada vez

    mais baixa, assim, renovando e reorganizando o sistema linguístico. Um referente,

    quando utilizado pela primeira vez em um discurso, requer do ouvinte maior esforço

    cognitivo, por exemplo, do que um referente já conhecido.

    (f) Importância de dados reais na descrição e construção da teoria

    A LFCU baseia-se na análise de contextos reais de produção linguística por partir

    do princípio de que a linguagem se constrói na interação, de forma que há uma simbiose

    entre discurso e gramática. Portanto, devido a esta relação intrínseca, a análise e a

    descrição de dados são feitas com a coleta e a observação de ocorrências reais, não por

    meio de dados criados a partir da intuição do próprio falante, sujeita a falhas.

    7 Defende-se a hipótese de que nenhuma construção deixa de existir na rede linguística do falante, mas sim

    que, devido à baixa (ou nenhuma) ocorrência de algumas estruturas, elas estariam desativadas.

  • 30

    (g) Relação íntima entre uso, variação sincrônica e mudança diacrônica

    A mudança e a variação são vistas nesse modelo como reflexos do uso dinâmico

    da linguagem. Entende-se o uso da língua como o locus da mudança, sendo o ouvinte o

    principal agente deste processo, pois, ao interpretar um discurso, ocorrem adaptações

    mínimas que afetam tanto o sistema interno do próprio ouvinte, quanto o de seus próximos

    interlocutores, o que motiva o surgimento de variantes em competição. E, com a

    frequência incidindo, pode surgir, de fato, uma nova construção na língua (mudança). A

    ativação das variantes em competição pelo uso é motivada tanto por fatores internos,

    quanto por fatores contextuais e estas são entendidas como alternativas licenciadas pela

    rede em que as construções linguísticas estão organizadas. Fenômenos linguísticos são

    mais bem analisados quando observados dentro do sistema e na sua evolução histórica.

    Por isso, a temática da variação e mudança linguística é o principal interesse dos

    estudiosos dessa área. Esses fenômenos são reflexos do caráter dinâmico das línguas.

    (h) A interconectividade entre o sistema linguístico e os sistemas cognitivos não

    linguísticos

    Nesse modelo entende-se que padrões cognitivos e culturais estão integrados em

    prol da compreensão da habilidade verbal humana. Assim, as diferentes áreas da cognição

    humana interagem para que se chegue a um resultado final que envolva a compreensão e

    produção de enunciados. Para isso, as diversas habilidades cognitivas humanas, como

    memória, atenção, capacidade de reconhecer padrões, experiência, organização, acesso,

    conexão e outras se unem para a produção e compreensão de enunciados linguísticos.

    Essas habilidades formam um sistema cognitivo coerente, com conhecimentos de

    diferentes níveis de complexidade, envolvendo desde esquemas mais simples, como

    esquemas imagéticos, por exemplo, até os mais complexos. Entendemos a linguagem em

    termos de gestalt, isto é, a mente humana é holística.

    (i) O papel crucial do contexto no funcionamento do sistema linguístico

    Toda construção gramatical é dependente do contexto de uso. Assim, os autores

    defendem que o sentido não é circunscrito pela forma; esta sugere, fornece pistas a

    respeito do significado dentro de um contexto específico, mas não o determina. O sentido,

    portanto, não está diretamente ligado à forma, ele está em potencial, permitindo que

    inferências sejam feitas e que o falante faça uso da sua criatividade no ato comunicativo.

    Em suma, esta abordagem lida com a riqueza do significado8.

    8 Vincula-se ao princípio da escassez de significante.

  • 31

    Diante do exposto, verificaram-se as características gerais e principais que

    norteiam o modelo da LFCU. Porém, conforme exposto no início do capítulo, esse

    modelo é a versão mais recente da vertente funcionalista norte-americana e muitos dos

    seus pressupostos clássicos, desde seu advento em 1970, continuam presentes em estudos

    e análises linguísticas sob esta ótica. Vejamos, então, a seguir alguns desses pressupostos

    clássicos que se fazem importantes para a observação e interpretação dos dados desta tese,

    que são eles: o princípio da iconicidade e noções de estrutura da informação.

    1.2 Alguns pressupostos funcionalistas clássicos

    1.2.1 Princípio da Iconicidade

    Em linhas gerais, iconicidade pode ser definida como a correlação natural entre

    forma e função, isto é, na visão funcionalista, há uma motivação entre o código linguístico

    e seu designatum. À essa noção vincula-se a ideia de que a estrutura linguística reflete,

    de alguma forma, a experiência humana: “a suposição geral é a de que a estrutura

    linguística revele o funcionamento da mente, bem como as propriedades de

    conceptualização humana do mundo” (Martelotta, 2009, p. 167). Sendo assim, os

    funcionalistas advogam que há laços de motivação entre padrões linguísticos e o que eles

    designam no mundo biossocial dos falantes. Porém, há casos em que essa motivação não

    é nítida, sendo aparentemente arbitrária. Isso ocorre devido à força corrosiva do tempo,

    fazendo com que um falante, em um estado sincrônico da língua, não recupere a

    correlação entre o plano da expressão e do conteúdo.

    A relação motivada entre o que é estruturalmente expresso e aquilo que está

    cognitivamente armazenado pode ser destrinchada em três subprincípios icônicos: (i) da

    quantidade; (ii) da ordenação linear e (iii) da integração (Givón, 1994).

    O subprincípo da quantidade prevê que, quanto maior a quantidade de

    informação a ser passada ao interlocutor, maior será a quantidade de forma usada para

    tal. Isso significa que a complexidade do pensamento se reflete na complexidade

    estrutural. Sendo assim, informações que são conhecidas e esperadas pelo interlocutor

    tendem a ser expressas por porções menores de texto e são também menos complexas

    sintática e morfologicamente; enquanto informações novas e não esperadas requerem

    maior quantidade de forma para serem expressas. Croft (1990) corrobora tal assertiva ao

    dizer que “conceitos que são sempre, ou frequentemente, expressos por estruturas

  • 32

    gramaticais simples são cognitivamente primitivas e aqueles expressos por estruturas

    complexas são cognitivamente complexos” (1990, p. 173).

    Este subprincípio também atua na expressão do aspecto iterativo da linguagem,

    como mostra o exemplo:

    I. Vou ali rápido.

    II. Vou ali rapidinho.

    No exemplo I, o adjetivo rápido qualifica o verbo ir, atribuindo a ele a noção de

    modo. Porém, em II, verifica-se o mesmo adjetivo em uma forma derivada, na qual foi

    acrescido à base o sufixo de diminutivo -inho conferindo ênfase ao aspecto iterativo do

    adjetivo rápido. Em II, então, foi necessária uma quantidade maior de forma para

    expressar a função de ênfase, ou seja, intensificar o quão “rápido” o evento ocorrerá.

    Pensamos, inclusive, que este subprincípio pode contribuir de alguma maneira na

    interpretação de instâncias de uso dos padrões [V AAdj] e [V Xmente] em casos como:

    vou rápido e vou rapidamente, por exemplo, em que a forma em -mente, por se tratar de

    um processo de sufixação, em que se acrescenta à base lexical o sufixo -mente, poderia

    ser mais custosa, uma vez que o falante despenderia de mais quantidade de forma no

    momento da produção se comparado ao adjetivo adverbial rápido. Assim, em contextos

    como esses, o falante recorreria à estrutura menor e menos custosa.

    O subprincípio da ordenação linear aponta que a estrutura sintática revela a

    ordem como os fatos estão armazenados e organizados na mente do falante. Isto se

    relaciona a dois aspectos importantes: (a) a ordem das orações no discurso tende a seguir

    a sequência temporal em que os eventos foram conceptualizados e que (b) a informação

    mais tópica tende a vir na primeira posição da oração, seguida da informação mais focal,

    fato que se observa na ordem canônica SVO no português, por exemplo. Em outras

    palavras, o tipo de informação vinculada pelo interlocutor está diretamente associado à

    posição que ela ocupa na cadeia sintática.

    Desta forma, o grau de importância das informações é refletido na ordenação dos

    elementos no enunciado. Este subprincípio tem um papel importante no que se refere à

    noção de contraste, uma vez que há uma tendência de colocar no início da cláusula o

    elemento que se deseja evidenciar, fugindo muitas vezes do padrão de ordenação mais

    frequente e menos marcado, como se vê em:

  • 33

    III. Meu coração bateu forte.

    IV. Bateu forte o meu coração.

    Pode-se perceber que, nos exemplos III e IV, o foco contrastivo é diferente. Em

    III, evidencia-se como informação mais relevante o predicado bateu forte. Já em IV,

    toda oração recebe foco informacional provocado pela mudança na posição do sujeito,

    que saiu da posição mais frequente e menos marcada, pré-verbal, para uma posição pós-

    verbal, menos esperada e menos frequente.

    Por fim, o subprincípio da proximidade (ou integração) postula que o que está

    cognitivamente próximo estará sintaticamente próximo. Em outras palavras, conteúdos

    armazenados juntos estarão mais integrados também no nível da decodificação. Este

    subprincípio contribui para verificarmos o impacto da frequência sobre as construções

    linguísticas, em que construções muito frequentes tendem a se aproximar no nível da

    cognição e, consequentemente, tal proximidade será refletida no nível da forma.

    Este subprincípio, em especial, contribui na interpretação dos dados desta tese,

    mais especificamente quanto ao fator composicionalidade, em que instâncias mais

    específicas da construção com adjetivo adverbial se tornam mais integradas devido à alta

    frequência de uso de tais padrões, levando à perda de composicionalidade e à formação

    de novas construções na língua. Também podemos ilustrar este subprincípio com a

    análise do fator elemento interveniente, em que os elementos adverbiais de ambas as

    construções qualitativas sob análise estabelecem com o verbo unidades mais integradas,

    admitindo raras vezes a presença de elementos intervenientes entre Verbo e Adverbial,

    sobretudo SNs plenos com função de argumentos verbais.

    1.2.2 Informatividade

    Informatividade diz respeito ao conjunto de informações compartilhadas entre

    locutor e interlocutor no ato comunicativo. “O modo como o falante organiza seu texto é

    determinado, em parte, pelos seus objetivos comunicativos e, em parte, pela sua

    percepção das necessidades do seu interlocutor” (Martelotta, 2003, p.39). Nesse sentido,

    o falante tende a embalar sua fala de acordo com a pressuposição que faz a respeito do

    conhecimento do seu interlocutor, isto é, aquilo que o locutor supõe que seu ouvinte saiba/

    conheça e aquilo que será apresentado como novidade.

  • 34

    A informatividade pode ser observada na forma de organização das informações

    na cláusula através da oposição de tema e rema. Desde o Círculo Linguístico de Praga,

    em que os linguistas trabalhavam com a noção de “Perspectiva Funcional da Sentença”,

    essas informações são relevantes para estudos funcionalistas, os quais relacionaram a

    posição dos termos componentes da cláusula ao tipo de informação por eles veiculados.

    Classificou-se dicotomicamente, então, informações conhecidas (velhas), como tema, o

    qual tende a ocupar as primeiras posições da cláusula (estando mais frequentemente

    atrelado ao sujeito), enquanto o papel de rema destinava-se às informações novas que

    tendem a ocupar posições mais ao final da cláusula (frequentemente vinculadas ao

    predicado).

    Prince (1981, 1992) apresenta uma proposta mais abrangente do conceito de

    informatividade a partir da análise do status informacional de referentes nominais. A

    autora organiza as informações em três categorias: novas, subdivididas em nova-em-folha

    e nova disponível; evocadas, subdivididas em evocadas textualmente ou situacionalmente

    e, por fim, inferíveis. Abaixo está reproduzido um trecho retirado do corpus D&G/ Rio

    de Janeiro para ilustrar tais categorias:

    “foi uma situação difícil... né? eu não sei... eu não sei onde que engloba

    isso......mas eu fui a Petrópolis com uma amiga que nunca tinha subido a

    serra... ϕ estava dirigindo há pouco tempo (...) quando a gente está

    voltando... começa a chover assim... torrencialmente...” (corpus D&G/ Rio

    de Janeiro)

    Um referente textualmente velho é aquele que já foi mencionado no discurso

    anteriormente e, por isso, pode ser recuperado com pouco material linguístico - ou

    nenhum, no caso de uma anáfora zero - como ocorreu no trecho acima para recuperar o

    pronome sujeito “eu”, altamente pressuposto. Um referente evocado situacionalmente é

    aquele disponível na situação de fala, como as pessoas do discurso, por exemplo. No

    trecho, o pronome “eu” representa essa categoria. São classificados como novo-em-folha

    referentes que são introduzidos pela primeira vez no discurso, como foi o caso de “uma

    amiga”. São novos disponíveis quando se tratam de referentes únicos, como, por exemplo,

    “Petrópolis”, que foi mencionado pela primeira vez, porém está disponível no

    conhecimento de mundo do falante. Por último, um referente inferível é identificado pelo

    processo de inferência, isto é, a partir de outras informações fornecidas no discurso, o

  • 35

    interlocutor consegue inferir sobre ele. Exemplo: “O ônibus parou e o motorista desceu”9.

    Neste exemplo, infere-se o termo, uma vez que todo ônibus possui um motorista.

    1.2.3 Foco Discursivo

    Antes de discutirmos a noção de foco discursivo propriamente dita, faz-se

    necessário comentar a respeito do conceito de estrutura informacional, a qual trata da

    decodificação da informação por meio da estrutura linguística. Conforme visto neste

    capítulo, há uma motivação entre aquilo que o falante deseja enunciar, em termos de suas

    intenções e necessidades, e a estrutura por ele utilizada para decodificar tais informações

    para o seu interlocutor, considerado seu estado mental. Nesse sentido, ao julgar, por

    exemplo, que uma dada informação é nova para o seu interlocutor, o locutor utilizará

    estratégias estruturais a fim de evidenciá-la, como, por exemplo, utilizar-se de mais

    quantidade de forma (subprincípio icônico da quantidade) ou organizar tal informação

    na sentença a fim de conferir-lhe algum destaque (subprincípio da ordenação linear). Em

    outras palavras, o discurso, sob a responsabilidade de um locutor, evidencia indícios de

    quais informações são assumidas por ele como sendo evocadas/ conhecidas pelo seu

    ouvinte, bem como quais evidenciam graus de novidade.

    Ao longo das décadas de estudos linguísticos, muitos foram os que se debruçaram

    acerca da estrutura da informação, dentre eles, Lambrecht (1994), que apresenta suas

    propostas acerca das noções de tópico e foco discursivo. Nessa perspectiva, considera-se,

    então, ser possível dividir o enunciado em dois grandes blocos informacionais em que,

    em linhas gerais, o tópico evidenciaria a porção mais conhecida, esperada ou pressuposta,

    enquanto o foco veicularia a parte mais informativa do enunciado, com um grau mais alto

    de novidade.

    Com base, então, em Lambrecht (1994), tem-se por estrutura informacional: “O

    componente da sentença gramatical no qual proposições, como representações de estados

    de sentimentos, são pareados com estruturas léxico-gramaticais em acordo com estados

    mentais de interlocutores, os quais usam e interpretam essas estruturas como unidades

    informacionais em contextos discursivos dados” (1994, p. 5)10. O autor entende que essas

    9 Martelotta (2003, p. 47). 10 Tradução livre de: “That componente of sentence gramar in wich propositions as conceptual

    representations of states of affairs are paired with lexicogrammatical structures in accordance with the

    mental states of interlocutors who use and interpret these structures as units of information in given discouse

    contexts” (p. 5)

  • 36

    duas categorias estão muito mais ligadas ao status informacional dos referentes no

    discurso que à estrutura temática, sendo proposicional, portanto, a natureza da

    informação. Isso significa dizer que um constituinte estrutural (formal) não expressa

    informação em si mesmo, uma vez que ele é parte integrante de toda uma proposição, o

    que configura tópico e foco como sendo categorias pragmáticas. Para corroborar tal

    afirmação, o autor apresenta o exemplo (2.7; 5.1) replicado a seguir (Lambrecht 1994, p.

    209):

    Q: Where did you go last night?

    A: I went to the movies.

    De acordo com o autor, a informação veiculada pela resposta à pergunta seria a

    proposição abstrata The place I went to last night was the movies e não to the movies nem

    the movies. O SN the movies é considerado por ele como foco da informação, não por

    veicular a novidade em si mesmo, mas sim pelo fato de esse sintagma apresentar uma

    relação pragmaticamente construída com a proposição, de maneira que o seu acréscimo

    transforma parte do enunciado em informação nova.

    Considerando que, para Lambrecht (1994), a natureza da informação é

    proposicional, cabe definirmos dois tipos de proposições pragmaticamente distintos: a

    pressuposição e a asserção. A primeira trata-se de uma proposição léxico-

    gramaticalmente evocada por uma sentença, em que o locutor assume que o ouvinte

    conheça no momento da enunciação. A segunda refere-se a uma proposição que passa a

    ser conhecida pelo ouvinte após a enunciação. Parafraseando o autor, asserção é

    proposição que se espera que o ouvinte conheça em decorrência de ter ouvido a sentença

    anunciada (1994, p. 52). Dessa forma, os conceitos vinculados às porções da proposição

    só podem ser compreendidos se considerarmos que o conhecimento e o significado são

    construídos pragmaticamente, isto é, na interação entre falante e ouvinte, em situações

    reais de comunicação.

    Dito isso, Lambrecht (1994, p. 213) define foco discursivo como “o componente

    semântico de uma proposição pragmaticamente estruturada, na qual a asserção se difere

    da pressuposição”11. Em suma, o autor explica que o foco constitui o elemento central da

    asserção, enquanto a porção tradicionalmente chamada de tópico é o elemento central da

    11 Segundo Lambrecht (1994), uma proposição pode ser constituída por pressuposição e por asserção.

  • 37

    pressuposição. Será esta, então, a definição de foco adotada para a observação e análise

    dos dados desta tese, uma vez que entendemos esta categoria por um viés pragmático e

    discursivo e não como uma categoria formal e/ou dicotômica, no sentindo de que foco

    veicularia a informação nova e o tópico a informação velha ou pressuposta. Desta forma,

    o foco discursivo também é interpretado de maneira escalar, a depender do contexto

    discursivo.

    As subseções apresentadas acima foram, então, dedicadas a alguns pressupostos

    da abordagem funcionalista clássica pertinentes para a interpretação e diferenciação das

    duas construções adverbiais qualitativas estudadas neste trabalho. Porém, as

    características a respeito de como a gramática das línguas é delineada na mente humana

    e como ela se realiza em contextos reais de comunicação não se restringem ao que foi

    dito até aqui. Falaremos a seguir de conceitos basilares à configuração gramatical e aos

    objetivos aos quais este trabalho se propõe atingir, que são as noções de construções

    gramaticais e de rede construcional.

    1.3 Construções Gramaticais

    Aproveitando a noção de que o sentido não está encapsulado às formas, a LFCU

    lida com a fluidez e o continuum entre as categorias linguísticas, permitindo, por exemplo,

    que um adjetivo figure em uma construção de modificação verbal. A correlação entre as

    formas e os significados linguísticos é simbólica, construída socialmente e

    convencionalizada entre os falantes de uma língua. A essa associação simbólica entre

    forma e função (semântica e/ou pragmática) dá-se o nome construção gramatical. Na

    LFCU, as construções são tidas como as unidades básicas de uma língua.

    Goldberg (1995) apresenta um modelo de gramática baseado em construções12, as

    quais a autora define como:

    C é uma construção se e somente se C é um pareamento de forma e significado tal

    que nenhum aspecto de Fi ou de Si não é estritamente predizível das partes componentes de C ou de

    outras construções previamente estabelecidas.” (Goldberg 1995:04)13

    12Fillmore (1985; 1987; 1988; 1990), Fillmore e Kay (1993), Filip (1993), Jurafsky (1992), Koenig (1993),

    Michaelis (1993), Goldberg (1995) dentre outros autores são conhecidos por serem os proponentes da

    chamada Gramática de Construções (GC). 13Tradução livre de: “C is a construction iffdef C is a form-meaning pair such that some aspect of Fi or some aspect of Si is not predictable from C’s component parts or from other previously established

    constructions.”

  • 38

    A partir dessa definição dada pela autora em 1995, evidencia-se o caráter

    idiossincrático das construções, pois o significado resultante delas não se trata da soma

    das unidades lexicais que as compõem. A ligação entre forma e conteúdo é convencional

    e socialmente construída em termos semântico-pragmáticos pelos membros de uma

    língua e essa associação passa a ser interna à construção, por isso são consideradas

    unidades simbólicas. É sob esta perspectiva de construção que a presente tese segue.

    Em um modelo construcionista de gramática, não há uma separação rígida entre

    léxico e gramática; o que, de fato, existe são pares de forma-função de valor referencial

    e outros pares que desempenham valor procedural, operando em todos os níveis da

    gramática. É um modelo que abarca o que era considerado como apêndice por modelos

    formalistas de “dicionário-gramática”, ou seja, um conjunto de idiossincrasias, como as

    expressões Maria vai com as outras, chutar o balde, enfiar o pé na jaca, etc., que

    deveriam ser armazenadas no léxico como itens. Conceber a língua como uma rede de

    construções significa dar conta de construções que são mais lexicais e idiossincráticas e

    de construções que são mais gerais e mais funcionais, numa perspectiva escalar e gradual.

    Devido ao fato de as construções serem unidades basilares das línguas, elas devem ser

    reconhecidas como entidades teóricas, não podendo mais ser marginalizadas. Como já

    dito anteriormente, o sentido da construção é rico em termos pragmáticos, discursivos,

    funcionais e sociais. Sendo assim, falar uma língua é saber usá-la nos diferentes contextos

    de uso, de modo a atingir os propósitos comunicativos. O conceito de construção, em si,

    também reflete a capacidade humana de associação transmodal por congregar forma e

    função, e a de memória rica, por armazenar uma gama de informações vinculadas às

    construções e a seus contextos de uso.

    Em linhas gerais, o conceito de construção, em diversos modelos construcionistas

    da gramática, compartilha das seguintes características: (i) o nível da forma e da função

    são igualmente relevantes, não havendo um nível superior ou mais central que outro; (ii)

    a mente humana é holística, isto é, habilidades cognitivas gerais atuam no processamento

    de dados linguísticos, refutando a hipótese da modularidade da mente14; (iii) construções

    são unidades independentes, porém, relacionam-se entre si em um sistema hierárquico;

    (iv) este sistema apresenta níveis de abstração que vão desde construções idiossincráticas,

    como pé de moleque, cabeça dura, até esquemas mais gerais, como SVO, N1 de N2, , por

    exemplo, altamente abstratos.

    14Chomsky, N. The Modularity of Mind. Cambridge (Mass): The MIT Press, 1983b.

  • 39

    O modelo construcionista de Croft (2001) propõe um esquema no qual são

    pontuadas as propriedades formais das construções e quais propriedades são próprias da

    face da função. Segue abaixo a figura (1), que ilustra o quadro apresentado pelo autor

    (2001:18):

    Figura 1: Propriedades da Construção (Croft, 2001)

    A figura 1 evidencia de maneira organizada e sistemática as propriedades que

    envolvem o spectrum formal das construções, são elas: propriedades fonológicas,

    morfológicas e sintáticas; ao passo que são propriedades atribuídas ao spectrum do

    significado: propriedades semânticas, pragmáticas e discursivo-funcionais. Tal

    detalhamento contribui para um maior rigor metodológico às análises construcionistas.

    Este quadro também elucida o fato de as duas faces estarem unidas por um link, um elo

    de ligação, fazendo com que entendamos essas propriedades como uma unidade

    significativa, a qual chamamos de construção.

    Outras p