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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
GLEICE LANE DE ARAUJO SILVA
MÃOS CHEIAS DE PALAVRAS NUM CORPO QUE FALA: O DISCURSO FIGURATIVO DO SUJEITO SURDO
VITÓRIA 2009
GLEICE LANE DE ARAUJO SILVA
MÃOS CHEIAS DE PALAVRAS NUM CORPO QUE FALA: O DISCURSO FIGURATIVO DO SUJEITO SURDO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação - Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação. Área de concentração: Educação e
Linguagem – Visual. Orientadora: Professora Doutora Moema L. Martins Rebouças
VITÓRIA 2009
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Silva, Gleice Lane de Araujo, 1961- S586m Mãos cheias de palavras num corpo que fala : o discurso
fIgurativo do sujeito surdo / Gleice Lane de Araujo Silva. – 2009. 175 f. : il. Orientadora: Moema Lúcia Martins Rebouças. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Educação. 1. Língua de sinais. 2. Língua brasileira de sinais. 3.
Semiótica. I. Rebouças, Moema Lúcia Martins. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.
CDU: 37
Ao Deus, Senhor e Amigo que efetuou em mim tanto o querer quanto o realizar, de acordo com sua boa vontade. À Edith e à Maria Célia, duas mulheres encantadoras: a primeira, mãe e conselheira que com sua força e determinação me ensina que nunca é tarde para abraçar uma grande causa; a segunda, saudosa sogra, que com sua ternura ensinou-me a valorizar a beleza e a simplicidade do dia a dia. Ao Marco Antonio, esteio na turbulência e aos filhos, Gabriel, Gustavo e Samira, meu incentivo a prosseguir em novas buscas.
AGRADECIMENTOS
Ao meu marido, Marco Antonio, que mais uma vez, em minha trajetória acadêmica,
assumiu seu papel de além-marido, ou seja, de parceiro, cúmplice, incentivador,
cozinheiro e amigo. Sem sua ajuda e compreensão jamais teria concluído esta
pesquisa.
Aos amados filhos, Gabriel, Gustavo e Samira, a quem dedico todos os meus
esforços de aperfeiçoamento como pessoa, mãe e profissional, agradeço pelo
respeito e tolerância ao tempo que não podia destiná-los e pela capacidade de
compreensão em reconhecer isso.
À Edith, minha mãe e intercessora, pelas orações, pelas palavras amorosas de
incentivo e que por ser, também, educadora acreditou na potencialidade desta
pesquisa para a área da Educação.
Às minhas irmãs, Marialzira (Zia), Vânia, Gláucia, Marineila (Neila) e ao meu irmão
Ewaldo pela força e, conseqüentemente, pela compreensão quanto às minhas
ausências em reuniões e encontros de família por estar envolvida com esta
dissertação.
Ao cunhado José Sátiro de Oliveira, professor doutor aposentado pela Unicamp,
pela disponibilidade em apreciar os primeiros capítulos desta dissertação,
contribuindo com um olhar acurado de quem já percorreu muitas trilhas em
percursos investigativos de pesquisas acadêmicas
À professora Dra. Moema Martins Rebouças pela flexibilidade, pois, ao reconhecer
meu real objeto de estudo, aceitou orientar-me numa temática tão pouco
pesquisada.
À Dra. Ivone Martins, querida professora do mestrado, que com seu jeito doce e
firme contribuiu com meus estudos acadêmicos, e em especial, pelo seu olhar
comprometido com a qualidade teórica e relevância de minha pesquisa, desde o
período de minha qualificação.
Ao professor Dr. César Cola, por participar de minha banca e por ter me dado a
oportunidade, em sua disciplina do mestrado, de revelar-me em contos e crônicas,
minhas singularidades e devaneios.
Um agradecimento carinhoso à professora Dra. Mirlene Ferreira Macedo Damázio,
que prontamente atendeu ao meu convite para participar da banca examinadora.
À Professora Dra. Denise Meyrelles de Jesus pela amizade, pela força e incentivo.
Agradeço por ter me aberto os olhos para ver além das dificuldades, as minhas
possibilidades e potencialidades.
Aos professores bilíngües da “Escola do Encontro”, que sempre estiveram
disponíveis em cooperar com minha pesquisa, incentivando seus alunos a fazerem o
mesmo.
Aos meus colaboradores, alunos surdos da “Escola do Encontro”, pela alegria em
participar de meu projeto de pesquisa. Agradeço, em especial, à aluna D, que se
prontificou em colaborar com as gravações e com as seções de fotos.
A todos os profissionais da Escola do Encontro: intérpretes, professores, pedagogos,
coordenadores, merendeiras, porteiros, além de outros alunos surdos e ouvintes que
cooperaram, com seus depoimentos, no desenvolvimento do processo investigativo.
Agradeço aos professores surdos, especialmente ao prof. Flávio Eduardo por
contribuir como sujeito desta pesquisa e como revisor da transcrição das narrativas.
À minha amiga Rejane Telles, por sua ajuda e apoio imensuráveis no período das
provas de seleção para o mestrado e durante todo o processo de produção desta
dissertação.
À Vasti Gonçalves de P. Correia, amiga, conselheira e incentivadora que sempre
esteve acessível para prestar socorro nos momentos angustiantes.
À Priscila M. Pio Maciel Lima por sua revisão cuidadosa do texto dissertativo e ao
professor Edson Maciel Júnior, por adequá-lo às normas exigidas pela ABNT.
Obrigada pelas pertinentes sugestões e valiosos conselhos!
Ao Grupo Shévah, de Dança e Coreografia pelo incentivo e por compreender minha
impossibilidade em cooperar ativamente na dinâmica dos ensaios e de não ter
podido apreciar algumas de suas apresentações.
À Dora Lúcia Frasson, que com sua sensibilidade e empatia, soube compreender a
necessidade de me ausentar por alguns dias de meu trabalho para efetivar a
conclusão desta dissertação.
A todos os amigos, por compreenderem a impossibilidade de ter-lhes dado a
merecida atenção no período de produção desta pesquisa.
Não poderia deixar de registrar a contribuição dos Estudos Independentes do
Programa de Pós-Graduação da UFES para o fortalecimento da proposta desta
pesquisa. Foi muito importante o intercâmbio de idéias e os debates com colegas
mestrandos e doutorandos que, de alguma maneira, deixaram suas marcas na
construção desta dissertação.
Quanto aos autores que, com suas contribuições e postulações se constituíram em
escopo teórico desta pesquisa, meu eterno agradecimento.
Se não tivéssemos voz nem língua e ainda assim quiséssemos
expressar as coisas uns aos outros, não deveríamos, como
aqueles que ora são [surdos] [...], esforçar-nos para transmitir o
que desejássemos dizer com as mãos, a cabeça e outras
partes do corpo?
Sócrates
SILVA, Gleice Lane de Araujo. Mãos cheias de palavras num corpo que fala: o discurso figurativo do sujeito surdo. 2009. 175 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2009.
RESUMO
A pesquisa busca identificar e analisar a presença da figuratividade nos discursos
produzidos por sujeitos surdos por meio da Libras (Língua Brasileira de Sinais). A
partir da figuratividade estabelecemos um recorte dos sinais considerados icônicos
manifestos nesses discursos e propomos, sem grandes pretensões, analisá-los com
base no aporte teórico oferecido pela semiótica greimasiana que se constituirá em
alicerce, tanto epistemológico quanto metodológico. Procuramos identificar como a
figuratividade nesses sinais se apresenta e produz sentido para o surdo. Para tanto,
formamos um grupo focal com alunos surdos do Programa de Educação de Jovens
e Adultos em uma das escolas referência para educação de surdos da rede
municipal de Vitória. Pretendemos por meio da roda de conversa e da contação de
história, levantar dados que revelem: a identificação da presença da iconicidade na
Libras e o reconhecimento da contribuição da figuratividade na produção de uma
língua semiotizada pelas figuras do mundo sensível e que dá sentido aos discursos
produzidos por sujeitos surdo. Portanto, a Língua Brasileira de Sinais será
considerada um objeto semiótico repleto de significações a serem reveladas.
Entendemos que, ao darmos a devida importância à iconicidade presente no
discurso figurativo da pessoa com surdez, ressaltamos a premente necessidade de
se pensar numa educação significativa para alunos surdos pautada,
fundamentalmente, na visualidade, valorizando o sujeito surdo como um ser de
linguagem que apreende e interage com o mundo significante pela mediação
semiótica, já que as figuras do mundo sensível engendram sua língua viso-gestual-
espacial.
Palavras-chave: Língua Brasileira de Sinais, iconicidade, figuratividade, discurso
visual, semiótica.
ABSTRACT
Research aimed at identifying and analyzing the presence of figuration on the speech
produced by individuals who are hearing impaired through the use of Brazilian Sign
Language (Libras). From the figuration we establish a snippet of the signs considered
iconic manifested in this speech and propose, without great ambitions, analyzing
them based on the theoretical contribution offered by Greimas‟ semiotics that will
constitute itself as a foundation, both theoretical and epistemological. We tried to
identify how figuration appears and produces meaning to the hearing impaired in
these signs. For so, we formed a group with hearing impaired students of an
educational program for young people and adults of one of the reference schools on
education of the hearing impaired in the city of Vitória. We intend, by means of
talking circles and story telling, to collect data that reveals: the identification of the
presence of iconicity in Libras and the recognition of the contribution of figuration in
the production of a language semiotics-like by the figures of the sensitivity world and
that gives meaning to the speeches produced by the hearing impaired. Therefore,
The Brazilian sign language (Libras), will be considered a semiotic object full of
significations to be revealed. We understand that, when giving the real importance to
the iconicity, to the figurative speech of a hearing impaired, we enlighten the
imperious requirement of thinking in a significant education for the hearing impaired
students focused, basically, in vision, enriching the hearing impaired as language
being that grasps and interacts with the significant world by the semiotic mediation,
as the images of the sensible world engender his visual-gestural-spatial language.
Keywords: Língua Brasileira de Sinais, iconicity, figuration, visual speech, semiotics
LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS
ILUSTRAÇÃO 01 – SINAL DE CASA ................................................................................ 69 ILUSTRAÇÃO 02 – SINAL DE HARPA ............................................................................. 69 ILUSTRAÇÃO 03 – SINAL DE CHORAR .......................................................................... 69 ILUSTRAÇÃO 04 – SINAL OLHAR .................................................................................. 77 ILUSTRAÇÃO 05 – SINAL DE PORTA ............................................................................. 81 ILUSTRAÇÃO 06 – SINAL DE ANGÚSTIA ....................................................................... 82 ILUSTRAÇÃO 07 – SINAL DE LEITE ................................................................................ 85 ILUSTRAÇÃO 08 – SINAL DE LADRÃO ........................................................................... 85 ILUSTRAÇÃO 09 – SINAL DE LADRÃO ........................................................................... 86 ILUSTRAÇÃO 10 – SINAL DE LIVRO ............................................................................... 87 ILUSTRAÇÃO 11 – SINAL DE TELEFONE ....................................................................... 87 ILUSTRAÇÃO 12 – SINAL DE PENSAR ........................................................................... 88 ILUSTRAÇÃO 13 – SINAL DE FÁCIL ............................................................................... 88 ILUSTRAÇÃO 14 – SINAL DE INTELIGENTE .................................................................. 89 ILUSTRAÇÃO 15 – SINAL DE ESQUECER ..................................................................... 89 ILUSTRAÇÃO 16 – SINAL DE AMIZADE; AMIGO ............................................................ 89 ILUSTRAÇÃO 17 – SINAL DE ANGÚSTIA ....................................................................... 90 ILUSTRAÇÃO 18 – SINAL DE CORAÇÃO ....................................................................... 90 ILUSTRAÇÃO 19 – SINAL DE VIDA ................................................................................. 91 ILUSTRAÇÃO 20 – SINAL DE COLHER ........................................................................... 95 ILUSTRAÇÃO 21 – SINAL DE CAMA E COPO ................................................................. 95 ILUSTRAÇÃO 22 – SINAL DE ESCOVA DE CABELO E DENTAL .................................... 95 ILUSTRAÇÃO 23 – SINAL DE MESA ............................................................................... 95 ILUSTRAÇÃO 24 – SINAL DE P-A-Z ................................................................................ 96 TABELA 01 ................................................................................................................ 127 TABELA 02 ................................................................................................................ 127 TABELA 03 ................................................................................................................ 130 TABELA 04 ................................................................................................................ 130 TABELA 05 ................................................................................................................ 131 TABELA 07 ................................................................................................................ 133 TABELA 08 ................................................................................................................ 137 TABELA 09 ................................................................................................................ 138
SUMÁRIO
SUMÁRIO.................................................................................................................. 12
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 14
DO OBJETO AO OBJETIVO .............................................................................................................17
DO PERCURSO INVESTIGATIVO ......................................................................................................18
1 METODOLOGIA..................................................................................................... 21
1.1 OS SUJEITOS .......................................................................................................................24
1.2 PROCEDIMENTOS PARA A COLETA DE DADOS......................................................25
1.3 A FORMAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO FOCAL .....................................25
1.3.1 O papel do pesquisador.................................................................................... 26 1.4 ENCONTROS E PROPOSTAS .........................................................................................27
1.5 OBSERVAÇÃO .....................................................................................................................27
1.6 ENTREVISTAS .....................................................................................................................28
1.7 PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS .............29
2 LINGUAGEM E SURDEZ....................................................................................... 32
2.1 LÍNGUA, LINGUAGEM E FALA .........................................................................................32
2.2 O SUJEITO SURDO .............................................................................................................36
2.2.1 Identidade do Surdo.......................................................................................... 43 2.3 LÍNGUA DE SINAIS: UMA LÍNGUA NATURAL E COMPLEXA ..................................48
2.3.1 Aspectos Fonológicos....................................................................................... 53 2.3.2 Aspectos Morfológicos...................................................................................... 57 2.3.3 Aspectos Sintáticos........................................................................................... 59 2.3.4 Aspectos Semântico-Pragmáticos.................................................................... 60
3 LINGUA DE SINAIS BRASILEIRA: uma língua viso-gestual-espacial.............. 62
3.1 LIBRAS: UMA LÍNGUA VISUAL ...................................................................................................63
3.1.1 A Visualidade do Surdo..................................................................................... 65 3.1.2 A Visualidade e a Figuratividade na semiótica discursiva................................ 66 3.2 LIBRAS: UMA LÍNGUA GESTUAL ...............................................................................................70
3.3 LIBRAS: UMA LÍNGUA ESPACIAL ..............................................................................................75
3.1.3 A Iconicidade na Libras como Produtora de Sentido....................................... 83
4 TEXTOS E CONTEXTOS NA ESCOLA DO ENCONTRO.................................... 99
4.1 O ALUNO SURDO NA ESCOLA: TEXTOS E CONTEXTOS ......................................99
4.2 ENCONTROS E DES-ENCONTROS NA ENTRADA .................................................104
4.3 ENCONTROS NO RECREIO ...........................................................................................107
4.4 ENCONTRO COM OUTROS SUJEITOS ......................................................................110
4.5 ENCONTROS NA SALA DE AULA COMUM ................................................................112
4.6 ENCONTROS NA SALA DO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO
(AEE) ............................................................................................................................................113
4.6.1 Atendimento Educacional Especializado........................................................ 114 4.6.2 Educação Bilíngue nas escolas municipais de Vitória.................................... 116 4.6.3 Experiências vivenciadas na sala do AEE...................................................... 117
5 DESCRIÇÃO DA FIGURATIVIDADE / ICONICIDADE DO DISCURSO DO SURDO PELO VIÉS SEMIÓTICO......................................................................................... 120
5.1 PERCURSO DA ANÁLISE DESCRITIVA DA FALA VISO-GESTUAL DOS SUJEITOS SURDOS ....121
13
5.2 DESCRIÇÃO DA FIGURATIVIDADE/ICONICIDADE PRESENTES NO DISCURSO DOS SUJEITOS
SURDOS PELO VIÉS DA SEMIÓTICA. .............................................................................................123
5.3 MÃOS CHEIAS DE PALAVRAS NUM CORPO QUE FALA ......................................138
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 141
7 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 148
ANEXOS.................................................................................................................. 153
ANEXO – A.............................................................................................................. 154
ANEXO – B.............................................................................................................. 155
ANEXO – C.............................................................................................................. 157
ANEXO – D.............................................................................................................. 158
ANEXO – E.............................................................................................................. 159
ANEXO – F.............................................................................................................. 161
ANEXO – G.............................................................................................................. 162
ANEXO – H.............................................................................................................. 174
ANEXO – I................................................................................................................ 175
14
INTRODUÇÃO
Pesquisar sobre o universo surdo, sobre a Língua de Sinais e suas características e
especificidades tornou-se um prazer e uma motivação. A expressividade da Língua
de Sinais sempre me encantou. A maneira empolgante de um surdo conversar
através de suas mãos cheias de palavras1 chamava minha atenção.
Meu primeiro contato com pessoas com surdez foi em meados da década de 80, na
Igreja Batista da Praia do Suá, Vitória, ES. Devido ao seu trabalho pioneiro nesta
área, é reconhecida como a primeira igreja no Estado do Espírito Santo a oferecer
aos surdos a oportunidade de participar dos cultos e demais atividades com
interpretação em Língua de Sinais.
Quando fui apresentada a essa língua, pude constatar que não se tratava apenas de
uma simples comunicação através de gestos, mas de uma língua poética e
esteticamente construída. Uma língua visual e espacial, pois utiliza a visão e o
espaço para produzir sentido. Possui gramática e características próprias, ou seja,
uma língua que apresenta todas as propriedades específicas das línguas humanas.
Fui intérprete da Língua de Sinais e convivi com a comunidade surda da Praia do
Suá por 12 anos. Minha experiência levou-me a querer conhecer mais sobre o grupo
de pessoas com quem estava interagindo. Propus-me, então, a buscar respostas ou
norteamentos que pudessem, de alguma forma, contribuir com meus estudos e
dirimir algumas inquietações acerca da surdez e do sujeito surdo. Além de leituras
de obras que abordavam o tema, procurei participar de simpósios e congressos que
tratavam das peculiaridades do surdo e de sua língua: a Língua de Sinais.
Minha experiência com a educação de surdos iniciou-se em 2001, numa Escola
Municipal de Ensino Fundamental de Vitória. Inicialmente atuei como professora de
Arte e posteriormente como professora Especialista da Educação Especial, na área
da Surdez, atendendo em Laboratório Pedagógico, que na época se constituía em
um espaço destinado ao atendimento de alunos com necessidades educacionais
1 Termo traduzido do título de um programa produzido pela Gallaudet Unversity (EUA): “Hands full of
words”, citado por Sacks (1998, p. 16).
15
especiais. O atendimento ao aluno surdo era no contraturno, individual ou em
pequenos grupos, tendo como enfoque a alfabetização, priorizando a leitura do
português escrito e o aprendizado da Língua de Sinais. As ilustrações dos sinais, as
fotografias de elementos do mundo natural retiradas de livros, revistas ou exploradas
por meio eletrônico, bem como reproduções de obras de arte eram largamente
disponibilizadas. Eram referenciais importantes para a compreensão de conceitos
variados, já que a linguagem visual ocupa, na educação dos surdos, um papel
importante de mediação e interação com toda a sistematização de informações.
Reconhecer a visualidade do surdo facilitou o aprimoramento das propostas
pedagógicas. Como professora de Arte, atraída essencialmente para o visual,
percebia que a interatividade das crianças surdas com as linguagens artísticas
também permeava a visualidade. Com que facilidade compreendiam os textos
visuais! Os livros de história sem texto verbal, só com ilustrações, atraíam muito as
crianças surdas.
Em projetos educacionais trabalhamos alguns livros de texto visual da autora Regina
Coeli Rennó2, em que as imagens falam por si, eloquentes e calorosas
possibilitando, a cada leitor, por meio de sua imaginação, construir a história e
compor seu próprio texto. Ao desenvolver o projeto de leitura desses livros, sugeri
aos alunos surdos que convidassem um colega de classe, ouvinte, para participar do
momento de leitura e interpretação das histórias. Ao “lerem” as imagens, em vez de
letras, como se faz num texto essencialmente verbal, e recontarem a história através
da Língua de Sinais, as crianças surdas mostravam uma riqueza de apreensão de
significados e apresentavam na narrativa muito mais detalhes do que as outras
ouvintes, principalmente em relação aos sentimentos e tensões vividas pelos
personagens. Para validar essa afirmação cito o caso de Rebeca3, uma aluna surda.
Rebeca encantou-se com a história narrada pelas imagens do livro “Amor de Ganso”
de Rennó (1995). A fim de situar o leitor a respeito do enredo dessa história,
apresento um pequeno resumo, considerando portanto, a narrativa um reflexo de
2 Títulos trabalhados com as crianças surdas: Amor de ganso (1995), Pê, o pato diferente (1993) e
História de amor (1997). 3 Nome fictício.
16
minha própria imaginação a partir da leitura das imagens. A história fala de um
ganso que se apaixona por uma galinha. Os familiares do ganso não aceitam seu
envolvimento com a ave, mas mesmo criticado por sua comunidade o ganso
apaixonado enfrenta as pressões para ficar com a galinha e seus três pintinhos. No
desenrolar da narrativa, os protagonistas enfrentam o descaso e o repúdio dos
outros gansos que não admitem a idéia de conviverem com a diferença. O ganso
apaixonado é pressionado a tomar uma decisão: esquecer seu relacionamento com
a galinha ou sair da comunidade, levando-a consigo. Com muita tristeza resolveu
deixar o lugar onde morava e partiu com a galinha e seus três pintinhos.
Ao interpretar o texto visual, a aluna surda utilizava a Língua de Sinais e todo o seu
corpo para enfatizar um determinado sentimento. Quando era de tristeza, se
encurvava e mostrava através da Língua de Sinais e das expressões faciais a
angústia vivida pelo ganso e pela galinha. Quando o momento era de tensão ou
raiva, os sinais eram produzidos com aspereza e de forma abrupta, associando
sempre as expressões corpóreo-faciais; nos momentos de ternura, as expressões e
a produção dos sinais tornavam-se lentas e mais suaves. Não só o falar com as
mãos contava a história, mas todo o corpo produzia sentido.
As experiências com alunos surdos estimularam-me a pesquisar ainda mais sobre a
especificidade dos sujeitos surdos como constituidores de uma narrativa própria e
com um modo específico de apreensão de significados.
Em 2003, no Curso de Especialização em Artes Visuais no Ensino Fundamental e
Médio, oferecido pelo Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo,
apresentei uma Monografia com o título: Ouvindo Imagens: a importância da
Imagem na construção do conhecimento do surdo, orientada pela professora Isabel
Helena Oliveira de Souza. Nesse trabalho, abordei como tema central a visualidade
do surdo e a capacidade que ele tem de perceber e compreender significados a
partir de sua interação com o mundo natural através do canal viso-gestual.
Timidamente, esbocei um ensaio sobre a importância da imagem na construção do
conhecimento e apreensão de conceitos pela criança surda.
17
O interesse pelas questões da surdez persistiu, em especial pelo sujeito surdo e seu
modo peculiar de linguagem, e levou-me a embarcar numa nova exploração:
compreender a figuratividade da Língua de Sinais, principalmente o sentido que ela
provoca na interatividade discursiva dos sujeitos que dela se utiliza.
DO OBJETO AO OBJETIVO
Consideraremos a Língua de Sinais como um objeto semiótico repleto de
significações a serem desveladas. Assim, o objeto deste estudo é a língua, em
nosso caso, a Língua Brasileira de Sinais (Libras)4 e os sentidos que ela provoca no
discurso do surdo.
O objetivo desta dissertação é analisar a presença da figuratividade nos discursos
produzidos por sujeitos surdos por meio da Libras. Ao estabelecer um recorte dos
sinais considerados figurativos manifestos nos discursos desses sujeitos, propomos,
sem grandes pretensões, analisá-los à luz da teoria semiótica greimasiana,
identificando como a figuratividade presente nesses sinais se apresenta e produz
sentido para o surdo.
Levaremos em consideração que o cerne da questão está em compreender a
linguagem/discurso como uma atividade constitutiva do sujeito. Aliás, como saber
onde se funda o sujeito, como ele toma forma, se não se considerar o seu percurso
em busca de sentido? São reflexões que convergem com nossas inquietações a
respeito da construção da significação da linguagem do surdo no mundo ouvinte.
Afinal, como esse sujeito surdo estabelece relações com o mundo à sua volta, senão
pela linguagem? Como se dá a interação do aluno surdo dentro do ambiente escolar
se possui uma língua diferente da maioria? São questões imbricadas e pertinentes à
discussão dessa pesquisa, já que nos propomos refletir sobre a constituição do
surdo como sujeito de linguagem.
4 Optamos por utilizar o termo Libras nesse estudo por ser comumente usado para referir-se à Língua Brasileira de Sinais. No entanto, vale ressaltar a existência do termo LSB, que é uma sigla utilizada, internacionalmente, seguindo os padrões de identificação para as línguas de sinais (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 46)
18
Para fins de análise, a partir de um corpus emprestado dos discursos de alunos
surdos, será feito um recorte de alguns sinais que possuem características
figurativas na forma de apresentação, considerando as proposições semióticas
acerca da visualidade.
Algumas hipóteses foram formuladas, tais como: i) o surdo apreende os
conhecimentos do mundo, essencialmente pelo canal visual; ii) traz para sua língua
aspectos figurativos do mundo natural na construção de muitos sinais sem, contudo,
lhe tirar o estatuto de língua natural5, pois a figuratividade presente em muitos sinais
da Libras reflete a relação do surdo com seu meio circundante; iii) esta
especificidade linguística influencia em sua formação como ser de linguagem.
Portanto, consideraremos a Língua de Sinais como um objeto semiótico, repleto de
significações a serem desveladas, constituindo em motivo de investigação as
seguintes questões: Como o surdo atribui significados e conceitos para sua inserção
como ser de linguagem? Qual a contribuição da figuratividade na produção de
sentido nos discursos produzidos por sujeitos surdos por meio da Língua de Sinais?
Ou ainda, em quais sinais6 identificamos a presença dessa figuratividade e como ela
se estabelece na constituição de sentido7? E considerando que a pesquisa ocorre
dentro do ambiente escolar, procuramos pontuar as relações contextuais que se
estabelecem na escola para a inserção (ou não) desses sujeitos por meio da
linguagem.
DO PERCURSO INVESTIGATIVO
Esta dissertação é constituída por seis capítulos, organizados de maneira a conduzir
o leitor ao percurso traçado por nós até o ponto de chegada, onde pudemos ancorar
nossas postulações.
5 Stokoe (apud QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 30) percebeu e comprovou que a Língua de Sinais atendia a todos os critérios linguísticos de uma língua genuína, no léxico, na sintaxe e na capacidade de gerar uma quantidade infinita de frases. 6 Por sinal entende-se o item lexical da Língua de Sinais. É equiparado à palavra, item lexical das
línguas orais auditivas. Dito de outra maneira: nas línguas de modalidade oral-auditiva temos as palavras; nas línguas de modalidade visogestual temos os sinais. 7 Os sinais que serão considerados figurativos e como tais analisados, serão aqueles identificados na
fala dos surdos participantes desta pesquisa, ou seja, dos surdos participantes do grupo focal, que foi o método utilizado para coleta de dados.
19
No capítulo 1 apresentamos os procedimentos metodológicos para a realização
desta pesquisa, além dos sujeitos e os instrumentos utilizados na coleta e na análise
dos dados. Optamos pela semiótica tanto quanto epistemologia como metodologia
para embasar a análise e a interpretação dos dados, ou seja, do corpus constituído
pelo discurso do aluno surdo produzido numa roda de conversa.
O capítulo 2 constituiu-se em referencial teórico dos princípios gerais sobre
linguagem e surdez, esclarecendo algumas diferenciações entre língua, linguagem e
fala. Para discussão de tais temas escolhemos como arcabouço teórico que
fundamentam e embasam a constituição do surdo como um ser de linguagem, capaz
de formulações e interpretações do mundo circundante, as considerações de
estudiosos da área da linguística, como: Saussure (1995), Bakhtin (1990), Greimas
(1975), Greimas; Kristeva e Bremond (1979) e Fiorin (1995). Tratamos, também, da
especificidade do surdo como ser de linguagem, pontuando alguns aspectos
intrínsecos à Língua Brasileira de Sinais. Desta feita, consideramos as proposições
de autores, como: Quadros; Karnopp (2004), Fernandes (2003), Brito (1995), dentre
outros.
No capítulo 3 discorremos sobre as características que permeiam a Língua de
Sinais, quais sejam: a visualidade, a gestualidade e a espacialidade, e como esses
elementos se constituem em significantes na fala viso-gestual do surdo.
Dedico o capítulo 4 aos textos e contextos da Escola do Encontro, nomenclatura
poeticamente criada para designar o locus da pesquisa. Compreendemos a escola
como um espaço, dentre outros da vida em sociedade, marcado por encontros e
desencontros entre sujeitos. Ao ir para a escola, o aluno surdo segue para múltiplos
des-encontros: com seus colegas surdos, com outros alunos surdos e ouvintes, com
a Língua Portuguesa, com a própria Língua de Sinais, com a expectativa de novos
conhecimentos, com os professores e com os demais profissionais da escola. Estes
encontros no ambiente escolar são permeados de idas e vindas, mas possuem, em
sua essência, o vislumbre de um novo percurso a ser traçado: do reconhecimento do
aluno surdo como ser de linguagem e, consequentemente, como um aprendiz, em
potencial.
20
É no capítulo 5 que nos aproximamos do tema desta dissertação. Apresentamos as
postulações acerca das hipóteses levantadas bem como as análises dos sinais
considerados icônicos ou figurativos, constituintes da fala do surdo. Analisamos a
fala-gesto dos colaboradores surdos, em especial, a iconicidade presente no léxico
dos discursos apresentado por eles. A semiótica Discursiva (ou greimasiana)
apresenta-se como uma ciência de investigação e interpretação da significação
presente nas mãos cheias de palavras num corpo que fala.
Concluo esta dissertação, no capítulo 6, das considerações finais, sintetizando os
resultados obtidos com a identificação da figuratividade nos discursos do aluno
surdo, apontando as contribuições desta pesquisa.
No Anexo, seguem os formulários utilizados na coleta de dados, os documentos e
legislações pertinentes às discussões deste trabalho, além de outras referências que
se fizeram necessárias.
21
1 METODOLOGIA
Esta pesquisa, de natureza qualitativa, envolveu a pesquisa de campo. Segundo
Lüdke e André (1996), a pesquisa qualitativa consiste no trabalho intensivo de busca
direta dos fenômenos em suas manifestações, sem qualquer manipulação
intencional do pesquisador.
Através da Semiótica, como pressuposto metodológico, pudemos explorar situações
da vida real, no contexto escolar dos sujeitos pesquisados; descrever a situação do
contexto em que foi feita a investigação além de formular hipóteses e desenvolver
teorias.
Estabelecemos como objeto de estudo a fala visual do surdo, em que o foco estará
nos sinais que apresentam características figurativas. Entretanto, como estes
sujeitos circulam e interagem no espaço escolar, analisaremos como se dá as
relações entre eles, os professores e demais trabalhadores.
Para a realização desta pesquisa, além dos participantes diretos - pessoas surdas
que se constituem nos sujeitos do presente estudo - também foram envolvidos
outros sujeitos, que antes de tudo, se constituíram em parceiros e colaboradores:
alunos e amigos surdos, professores e intérpretes que por estarem envolvidos
diretamente com a educação de alunos com surdez, trouxeram contribuições de
forma significativa na elaboração das concepções aqui apresentadas.
Como trataremos da língua visual e gestual do surdo, os termos “figurativo” e
“icônico” serão amplamente usados neste estudo, e faz-se necessário esclarecer
que as referências conceituais serão aquelas dadas pela teoria semiótica.
Apresentamos, a seguir, alguns destes conceitos à luz dos estudos semióticos.
Sobre o termo figurativo, lemos no Diccionario Razonado de la Teoria del Lenguaje:
Considerado em si mismo, lo figurativo no tiene sentido alguno: solo adquiere uno cuando es tematizado: las figuras del mundo puestas em discursos, son únicamente em pretexto para la afimacíon renovada de los sistemas de valores proviemente planteados (GREIMAS; COURTÉS, 1991, p. 114).
22
Sendo assim, o figurativo só adquire sentido quando tecido dentro do discurso.
Lemos, ainda, no mesmo dicionário que o discurso figurativo:
[...] es un discurso que, para producir el efecto de iconicidad, usa abundantemente la referencialización. [...] Puede hablarse, en ese plano, de um lenguaje figurativo de tipo metasemiótico, capaz de estructurar los esquemas conceptuales que soportan y organizan uma visión del mundo o una ideologia (GREIMAS; COURTÉS, 1991, p.114).
O discurso figurativo ao produzir efeito de iconicidade usa o referente como objeto
de significação. Em sua obra “Sobre o Sentido”, Greimas (1975) discute sobre o
conceito de referente e diz que “com o aparecimento da semiótica, teoria de todas
as linguagens e de todos os sistemas de significação o referente surge ao se
considerar o mundo extralingüístico”, ou seja, o contexto não como um referente
absoluto, mas como um lugar da manifestação do sensível, da manifestação do
sentido humano. É a presença do mundo visível constituindo-se em mundo sensível.
Greimas (1975, p. 49) reconhece que o mundo visível em vez de se projetar diante
de nós como uma tela homogênea de formas, aparece como se fosse constituído de
várias camadas de significantes superpostos ou mesmo justapostos.
Barros (2005, p. 87) define a figurativização como o procedimento semântico pelo
qual conteúdos mais concretos, ou seja, os que remetem ao mundo natural,
recobrem os percursos temáticos abstratos.
A iconicidade é apresentada no Diccionario de Greimas e Courtés (1991, p.135),
com a seguinte definição: “La iconicidad es uma forma, entre otras, de
aprovechamiento discursivo de La figuratividad que constiuiye su material”. A
iconicidade explora discursivamente, a figuratividade.
De acordo com Greimas e Courtés (1991), a iconicidade deve ser enxergada sob
dois pontos de vista: o semântico e o enunciativo. Do ponto de vista semântico, os
autores falam de uma iconicidade de “consistência”, afirmando que a iconicidade é
resultado de uma sobredeterminação de traços figurativos que, por meio de
procedimentos diversos de referencialização, enriquece progressivamente a
representação até fazer parecer real a imagem produzida do mundo natural. Do
ponto de vista enunciativo, os autores falam de “modos de integração” do
23
observador, que por contrato fiduciário entre os enunciadores, faz variar
consideravelmente seu modo de adesão.
Barros (2005, p. 87) entende que a iconização é o investimento figurativo exaustivo
da última fase do procedimento de figurativização, com o objetivo de produzir ilusão
referencial ou de realidade. Para a autora, a figura é um elemento da semântica
discursiva que se relaciona com um elemento do mundo natural, o que cria no
discurso, o efeito de sentido ou a ilusão de realidade. Sobre a iconização do
discurso, assim escreve Barros (2005, p.72):
Na iconização, mas também nas demais etapas da figurativização, o enunciador utiliza as figuras do discurso para levar o enunciatário a reconhecer “imagens do mundo” e, a partir daí, a acreditar na “verdade” do discurso (BARROS, 2005, p.72).
Enunciador, na visão semiótica, é o destinador do discurso, o sujeito da enunciação.
O enunciatário é o destinatário do discurso.
Fiorin (2008, p. 55) define enunciação como o ato de produção do discurso ou como
a instância que povoa o enunciado de pessoas, de tempos e de espaços, ou seja,
define-se como a instância do eu-aqui-agora (ego, hic et nunc). Sobre estas
instâncias, assim esclarece Fiorin:
O „eu‟ é instaurado no ato de dizer: „eu‟ é quem diz „eu‟. A pessoa a quem o „eu‟ se dirige é estabelecida como „tu‟. O „eu‟ e o „tu‟ são os actantes da enunciação, os participantes da ação enunciativa. [...] O „eu‟ realiza o ato de dizer num determinado tempo e num dado espaço. „Aqui‟ é o espaço do „eu‟, a partir do qual todos os espaços são ordenados; „agora‟ é o momento em que o „eu‟ toma a palavra e, a partir dele, toda a temporalidade linguística é organizada (FIORIN, 2008, p. 56).
A partir dessas concepções, cremos que todo o percurso dissertativo será facilmente
apreendido pelo leitor, lembrando que a discussão acerca desses conceitos será
recorrente.
Pelo seu teor, a pesquisa exigiu contato direto com os sujeitos, bem como condições
de observação nas quais o comportamento e as relações ocorreram naturalmente. A
preocupação foi a de captar um maior número possível de elementos presentes no
processo investigativo imbricado no discurso surdo, os significados que o surdo
24
atribui ao se constituir ser de linguagem, ou seja, aos fatos relacionados à sua
experiência e à própria existência como ser que apreende o mundo pelo canal
visual.
1.1 OS SUJEITOS
Os sujeitos desta pesquisa, na sua maioria, são surdos com surdez congênita e
surdos pré-linguísticos, ou seja, que perderam a audição antes da aquisição da fala.
As causas congênitas da surdez podem ser ou não de origem genética. Diferentes
enfermidades podem causar a surdez, como por exemplo: rubéola, toxoplasmose,
sífilis, anorexia do parto, icterícia neonatal, más formações genéticas, infecções do
ouvido médio, etc (CICCONE,1990).
Escolhemos pesquisar surdos adultos fluentes na Língua de Sinais e não crianças,
por entendermos que o domínio na língua facilitará a constatação da presença de
alguns sinais considerados figurativos, pois o discurso - pano de fundo da presença
da figuratividade - será mais amadurecido por refletir as experiências de vida e a
vivência com a Língua de Sinais.
Participaram desta pesquisa sujeitos surdos adultos, de ambos os sexos, alunos do
programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA) do curso noturno de uma escola
municipal em Vitória, ES.
A escola foi escolhida pelo fato de existir uma quantidade significativa de alunos
surdos adultos e um fortalecimento da comunidade surda dentro desse espaço. É
uma das Unidades de Ensino referência de atendimento a alunos com surdez da
Prefeitura Municipal de Vitória.
25
1.2 PROCEDIMENTOS PARA A COLETA DE DADOS
Como instrumentos de coleta de dados, além da observação em lócus, utilizamos a
entrevista aberta e a fechada com alunos e profissionais da escola, cujo modelo
encontra-se no anexo desta pesquisa.
Constituíram-se, também em coleta de dados, as informações e os relatos de
experiências de profissionais envolvidos com a educação dos alunos com surdez na
escola pesquisada.
1.3 A FORMAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO FOCAL
Considerando que os dados a serem colhidos estavam imbricados no discurso do
sujeito surdo, a coleta das informações foi feita a partir da constituição da técnica de
Grupo Focal (GF) formado por alunos surdos.
Morgan (apud VEIGA & GONDIM, 2001) define grupos focais como uma técnica de
pesquisa que coleta dados por meio das interações grupais ao se discutir um tópico
especial sugerido pelo pesquisador. Pode ser caracterizada como um recurso para
compreender o processo de construção das percepções, atitudes e representações
sociais de grupos humanos.
Para constituir o Grupo Focal, procuramos uma turma em que a maioria dos alunos
pudesse atender às características pré-estabelecidas, quais sejam: surdos que
apresentassem surdez congênita ou pré-lingual e que possuíssem a Língua de
Sinais como linguagem de comunicação.
O grupo foi formado por participantes de uma classe de treze alunos surdos de
ambos os sexos, do programa de Educação de Jovens e Adultos que apresentavam
surdez pré-lingual e congênita e que, na grande maioria, eram usuários da Língua
de Sinais8 como língua de comunicação e interação.
8 Como GF escolhemos uma turma já estabelecida na escola em que fazem parte alguns alunos que ainda estão aprendendo a Língua de Sinais, mas que em nada dificultou a proposta da pesquisa.
26
Foi importante para o bom andamento da pesquisa o interesse demonstrado por
esses alunos, professores e intérpretes em participarem e contribuírem com a
proposta de investigação.
Socializamos com a turma a proposta do grupo focal e da pesquisa em questão para
que os participantes soubessem o que esperar das discussões a fim de proporcionar
um ambiente que lhes deixassem bem à vontade. Foi dito que as atividades de
conversação em Libras teriam caráter informal e que seria importante a participação
de todos com o máximo de espontaneidade possível.
1.3.1 O papel do pesquisador
Segundo Veiga e Gondim (2001), o moderador de um grupo focal assume uma
posição de facilitador do processo de discussão, e sua ênfase está nos processos
psicossociais que emergem, ou seja, no jogo de interinfluências da formação de
opiniões sobre um determinado tema.
O autor diz que o papel do moderador é promover a participação de todos, evitar a
dispersão dos objetivos da discussão e a monopolização de alguns participantes
sobre outros. Outra ação do moderador é registrar a discussão. No caso dessa
pesquisa, o registro deu-se por meio de filmagens e fotografias9, pois o objeto de
análise era a própria língua do aluno surdo, isto é, a possível presença da
iconicidade em sua fala, que se apresenta pelo canal viso-espacial. O discurso do
surdo foi analisado a partir de recortes dos sinais que efetivamente apresentaram
características icônicas ou figurativas.
Como parte do conjunto de significações, foi investigado no discurso produzido pelos
surdos não só como falavam, mas o que falavam, pois as mãos apresentaram
comportamentos, ações, pensamentos, idéias e sentimentos significativos para a
Pudemos constatar que mesmo sem a fluência na Língua de Sinais o sujeito surdo usa um corpo que fala. E, diferentemente do que pensava inicialmente, essa diversidade dentro da sala de aula trouxe uma riqueza maior às nossas reflexões. 9 Os registros de filmagens e fotografias foram devidamente autorizados por escrito por todos os
participantes.
27
produção dos discursos. Os sinais foram produzidos por mãos e corpo que estavam
situados num contexto sócio-econômico-cultural especificamente, num contexto da
cotidianidade escolar. Para Mary Douglas (apud OLIVEIRA, 1992, p.113), o corpo
físico e o corpo social relacionam-se reciprocamente, pois o corpo comunica
informação para e do sistema social do qual faz parte. Daí a importância de
considerarmos na investigação, o contexto escolar como elemento significativo na
constituição do discurso dos sujeitos surdos.
1.4 ENCONTROS E PROPOSTAS
Foram aproximadamente, cinco encontros de duas horas cada, num período de 30
dias. Foi um tempo suficiente para que todos pudessem ter a oportunidade de se
expressarem com tranquilidade e liberdade. Os encontros foram realizados dentro
do espaço escolar, num horário previamente combinado com a professora bilíngue e
autorizado pela equipe técnica-pedagógica da Escola.
Como proposta de discussão no grupo focal, apresentamos o livro de textos visuais
intitulado “O Gato de Papel”, de Rennó (1997). O livro narra a história de um gato
que “cansou” de viver como um simples desenho numa folha de papel. Desejando
abandonar sua vida estática, num salto se rasga da folha de papel e ganha “vida”.
Em contato com a realidade, o gato de papel passa por situações adversas até ser
recolhido por um pescador, que o trata como um ser especial10.
Escolhemos esse livro para fomentar a conversa no grupo com o objetivo de
trabalhar a subjetividade e os diferentes sentimentos que a história produziria em
cada participante. Eles puderam apreender significados a partir da leitura das
imagens.
1.5 OBSERVAÇÃO
Em se tratando de uma pesquisa de campo, um dos meios de coleta de dados
utilizado foi a observação. Como pesquisadora, constituo-me também em uma
observadora participante, por isso, foi possível testar hipóteses por intermédio da
10 Descreveremos essa narrativa com mais detalhes no Capítulo 4.
28
criação de situações que dificilmente ocorreriam em outras modalidades de
observação.
Para Wilkinson (apud VIANNA, 2003, p. 50) a observação participante apresenta as
seguintes vantagens: i) possibilita a entrada de determinados conhecimentos que
seriam privativos e aos qual um observador estranho não teria acesso; ii) permite a
observação não apenas de comportamentos, mas também de atitudes, opiniões e
sentimentos, além de superar a problemática do efeito do observador.
Algumas dimensões foram consideradas na observação: a) o espaço físico da
Escola; b) as pessoas envolvidas, que foram os surdo-sujeitos da pesquisa, outros
surdos da escola, alunos ouvintes, professores e demais profissionais da escola; c)
sequências ao longo do tempo: cinco encontros de duas horas cada, por um período
de trinta dias; d) conjunto de ações que apresentam relação, ou seja, conversas,
entrevistas, observação dos alunos no recreio quando se organizavam em pequenos
grupos para conversarem sobre amenidades e assuntos diversos, e) emoções
sentidas e expressas, que no nosso caso se referiram ao envolvimento pelos
participantes do grupo focal com o contexto das histórias lidas e recontadas.
A observação constituiu-se em uma ação contínua. Os dados observados e
coletados foram registrados através do diário de campo em forma de relatos,
salientando as informações que eram efetivamente significativas. Outros recursos
como a fotografia e a filmagem também se constituíram como meios de registros.
1.6 ENTREVISTAS
Neste estudo foram utilizados dois tipos de entrevistas: a entrevista aberta, para
extrair fatos, opiniões, e a entrevista estruturada, com perguntas pré-formuladas,
respostas mais fechadas ou sintéticas (ANEXOS E e F).
As entrevistas possibilitaram um contato com os demais sujeitos que circulam na
escola: alunos ouvintes, outros alunos surdos, professores e profissionais da Equipe
Técnica Pedagógica, merendeiras, porteiros, etc. O contato com essas pessoas
possibilitou compreender a relação estabelecida entre eles e os alunos surdos, e as
29
razões da formação da cultura surda na escola, partindo então do contexto, ou seja,
da escola que abriga o surdo para o texto, que é o surdo que se constitui como
sujeito. O que essa escola tem de específico para ter atraído os alunos surdos? Foi
uma das questões formuladas (ANEXO E).
1.7 PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Para proceder a análise do discurso do surdo foram observados alguns sinais
considerados figurativos da Língua de Sinais. Como dito, o corpus aqui explorado foi
emprestado dos discursos de alunos surdos, dentro da cotidianidade do contexto
escolar, no espaço sala de aula.
Foi proposto aos surdos, por meio da roda de conversa no grupo focal que, a partir
do contexto narrado pela história do livro selecionado, deveriam recontar a história
em Libras.11 E assim, o discurso produzido se constituiu em um corpus a ser
analisado.
Considerando a fala-gesto do surdo como um signo com uma especificidade a ser
desvelada, propomos discutir sobre a representação figurativa da Língua de Sinais,
fundamentando nossas proposições na semiótica greimasiana, que se estabelece
como uma teoria da significação. Portanto, torna-se importante o aprofundamento de
alguns pontos da teoria semiótica. O embasamento teórico-metodológico das
análises de alguns sinais da Libras que foram feitas nessa pesquisa tem como
referencial obras de Greimas (1975, 1979, 2004); Greimas; Kristeva e Bremond
(1979); Landowski (2002); Oliveira (1992; 2004) e Oliveira e Landowski (1995).
Sobre o sentido e considerações acerca da linguagem gestual me reporto à Greimas
et alli (1979) que traz uma rica referência sobre a presença da força dos gestos na
socialização da linguagem. E, em outra obra, Sobre o Sentido, (GREIMAS, 1975)
que trata, dentre outros temas, das condições para uma semiótica do mundo natural.
Sobre o mundo sensível assim escreve o autor:
11
No Capítulo 4, será apresentada a proposta de trabalho que desencadeou a motivação da discussão em grupo.
30
O mundo dito sensível torna-se assim, na sua totalidade, o objeto da busca da significação; no seu conjunto e nas suas articulações, o mundo se apresenta como uma virtualidade de sentido, por pouco que esteja submetido a uma forma. A significação pode se ocultar sob todas as aparências sensíveis, encontra-se atrás dos sons, das imagens, dos cheiros
e dos sabores [...] (GREIMAS, 1975, p. 46).
Pela singularidade do objeto de pesquisa, foi utilizada uma filmadora e uma câmera
fotográfica digital. O registro da fala dos participantes surdos através da máquina
digital e da filmagem foi analisado levando em consideração o recorte do corpus, ou
seja, a seleção dos sinais icônicos ou figurativos presentes nos discursos dos alunos
do GF. Os discursos foram analisados buscando responder às seguintes questões:
em quais sinais identificamos a presença da figuratividade e qual a sua contribuição
na produção de sentido nos discursos produzidos por sujeitos surdos?
Por meio do registro das imagens, pudemos selecionar no discurso apresentado,
vários sinais considerados figurativos. Após a seleção, nos detemos na análise de
toda a expressividade utilizada para a construção e produção desses sinais. Foram
consideradas as expressões corpóreo-faciais, os movimentos tomados pela mão e o
corpo quanto a espacialidade e o direcionamento, as configurações de mão na
formação dos sinais e outros dados que consideramos relevantes para validarmos a
hipótese de serem os sinais figurativos referentes do mundo natural e constituidores
de sentidos pelo surdo, dado seu aspecto ligado à visualidade.
A leitura e análise semiótica dos sinais é possível quando nos colocamos na posição
de leitores sensíveis e atentos pesquisadores, porém não esquecendo em momento
algum do que escreve Oliveira (1992, p. 70): “O produto de nosso ler não se postula
como verdade, mas está sujeito a novas leituras e a outras mais novas ainda,
sucessivamente, sem um ponto final”.
Ao propormos uma análise da figuratividade presente em alguns sinais da Língua
Brasileira de Sinais (Libras), tomamos emprestado de Greimas a expressão “erguer
o olhar”, que pode significar, segundo Brait (1995, p.196):
[...] mudar de nível para interrogar o texto, combinando o esperado com o inesperado, perseguindo uma ambição construtivista, racionalista, que não se perde de vista o cultural e o sensível (LANDOWSKI apud BRAIT, 2005, p.196).
31
A produção de alguns sinais da Libras pode estar associada ao modo de ser da
figuratividade. No dizer de Brait (2005, p. 198), o efeito criado pela figuratividade
aponta para uma ruptura com os cânones da discursivização literária, enfrentando,
enquanto instância profunda, o problema da possibilidade do conhecimento do
mundo através da tela do parecer que é a figuratividade.
Lemos no Dicionário da Semiótica (GREIMAS; COURTÊS, 1979) muitas concepções
acerca de Discurso, mas uma em particular, proporcionou-nos um desvelamento
acerca do termo:
[...] a teoria semiótica é levada a conceber o discurso como um dispositivo em forma de “massa folheada”, constituído de certo número de níveis de profundidade superpostos, dos quais somente o último, o mais superficial
12, poderá estabelecer uma representação
semântica comparável, grosso modo, às estruturas linguísticas profundas [...] (GREIMAS; COURTÊS, 1979, p.127).
A teoria semiótica, conforme o Dicionário de Semiótica (GREIMAS; COURTÉS,
1979, p. 127) é levada a conceber o discurso como um dispositivo de massa
folheada, constituído de certo número de níveis de profundidade superpostos, dos
quais somente o último, o mais superficial (no sentido de estar na superfície) poderá
estabelecer uma situação de significação, por esse motivo elegemos a semântica do
discurso, ou seja a figurativização e a tematização como referencial de nossas
análises.
12
Referente à superfície: significado lexical apresentado pelo Dicionário da Língua Portuguesa (FERREIRA, 2000).
32
2 LINGUAGEM E SURDEZ
A linguagem é o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual influencia e é influenciado, a base última e mais profunda da sociedade humana. Mas é também o recurso último e indispensável do homem, seu refúgio nas horas solitárias em que o espírito luta com a existência, e quando o conflito se resolve no monólogo do poeta e na meditação do pensador (HJELMSLEV, 1978, p.).
Uma pesquisa sobre a Língua de Sinais exige estudos sobre a linguagem e a
surdez. A linguagem como instituição social e mediadora entre o homem e o mundo
circundante e a surdez como constituidora de um sujeito que apreende o mundo
muito mais pela experiência visual do que por qualquer outro canal sensorial.
Considerando a linguagem como tudo que envolve significação para o sujeito,
cremos que é a partir dela que esse sujeito se constitui. E no dizer de Hjelmslev
(1978, p. 179) a linguagem não é um simples acompanhante, mas sim um fio
profundamente tecido na trama do pensamento. É por meio da linguagem que o
sujeito recorta e percebe o mundo e a si próprio (GOLDFELD, 2001).
Abordaremos neste capítulo, as teorias que fundamentam a pesquisa e que
embasam a constituição do surdo como um ser de linguagem, capaz de formulações
e interpretações do mundo circundante.
2.1 LÍNGUA, LINGUAGEM E FALA
Para melhor entendimento das questões sobre o assunto, apresentaremos uma
breve revisão conceitual acerca das concepções de língua, linguagem e fala,
considerando conceituações de alguns estudiosos da área da linguística e da
linguagem.
A linguística estruturalista saussuriana apresenta-se como uma ciência da
linguagem, que trata a língua como sua essência. Para Saussure (1991), língua não
se confunde com linguagem. A linguagem é formada pela língua e pela fala, e a
língua é tida como um sistema de regras abstratas, composto de elementos
significativos inter-relacionados. É o aspecto social da linguagem, já que é
33
compartilhada por todos os falantes de uma comunidade linguística, ou seja, a
língua é considerada um conjunto de signos abstratos presentes na mente como
resultado da história cultural e como consequência da prática social.
Chomsky (apud QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 30) traz a seguinte definição
formal de língua: “É um conjunto (finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita em
um comprimento e construída a partir de um conjunto finito de elementos”. As
referidas autoras acrescentam a essa definição que os elementos básicos ou
unidades mínimas das línguas orais são as palavras, e nas línguas de sinais são as
palavras sinalizadas e as frases da língua representáveis em termos de uma
sequência dessas unidades.
Já Bakhtin (1990) concebe a língua como um sistema semiótico criado e produzido
no contexto social e dialógico, servindo como elo entre psiquismo e ideologia. Para
Bakhtin, o ser social nasce com o exercício de sua linguagem e pela fala se constitui
sujeito, influenciando o meio em que vive. O autor afirma que o falante de uma
língua não a reconhece como um sistema de normas abstratas, mas como um
conjunto de significações:
A língua, como um sistema de formas que remetem a uma norma, não passa de uma abstração, que só pode ser demonstrada no plano teórico e prático do ponto de vista do deciframento de uma língua morta e de seu ensino (BAKHTIN, 1990, p. 108).
Para Bakhtin, a “verdadeira substância” da língua não está nem no sistema abstrato
das formas linguísticas, ou seja, no universo lexical, nos fonemas, morfemas, etc.
nem focada no psiquismo individual do sujeito, mas se revela no ato dialógico em
seu acontecimento concreto, por ser um produto coletivo e ininterrupto de sujeitos
socialmente organizados.
Greimas também concebe a “língua” como um fato social por se constituir uma das
formas de existência da sociedade. A “fala”, por sua vez é concebida como criadora
das zonas de comunicação particularizadas: “[...] a „fala‟ é individual pelo fato de ser
assumida pelo sujeito falante, que se torna assim o lugar em que se aceita a
responsabilidade pelo sistema linguístico e pela sua programação em discursos
comunicáveis” (GREIMAS, 1976, p. 40).
34
Considerando a linguagem imbricada aos fenômenos ideológicos, as concepções
tecidas na obra Linguagem e Ideologia de José Luiz Fiorin (1995) produzirão um
entretecimento com as outras desencadeadas neste estudo.
Fiorin (1995) apresenta nessa obra, uma reflexão sobre linguagem e sociedade.
Além de considerar a linguagem como uma instituição social e veículo das
ideologias, o autor a concebe como um instrumento de mediação entre os homens e
a natureza, e entre homens e outros homens, com especificidades próprias.
O autor entende ideologia como um conjunto de idéias ou representações que
servem para justificar e explicar a ordem social, as condições de vida do homem e
as relações que ele mantém com outros homens (FIORIN, 1995, p. 28). A ideologia
é formada a partir da visão de mundo de uma determinada classe social. Uma
formação ideológica é, portanto, um conjunto de representações, de idéias que
revelam a compreensão que uma dada classe tem do mundo (FIORIN, 1995, p. 33).
Fiorin (1995) aponta distinções entre língua, discurso e fala. Para o autor, a língua é
um sistema constituído por elementos lexicais e gramaticais organizados
estruturalmente:
O sistema (língua) é um todo em si e compreende o conjunto dos elementos lexicais e gramaticais que fazem parte de uma linguagem, a organização interna desses elementos e suas regras combinatórias (FIORIN, 1995, p.12).
Ainda segundo Fiorin (1995, p. 10), a língua constitui-se no mecanismo de
linguagem utilizado especificamente pelo ser humano, trazendo em sua constituição
uma cultura, ideologias e visão de mundo próprias da sociedade que a utiliza. Ela é
um sistema social, pois é comum a todos os falantes de uma determinada
comunidade linguística. A língua, sistema virtual, abstrato, concretiza-se através da
fala, que é individual e responsável pela exteriorização do discurso. A fala é a
atividade psico-físico-fisiológica individual de atualização do discurso (FIORIN, 1995,
p. 80). O discurso pode ser considerado um conjunto de frases que produzem
sentido, que exprimem não só os pensamentos de seus falantes, mas também o
35
modo de apreensão e de interação com o mundo. Assim, Fiorin conceitua o
discurso13:
O discurso é a atualização de uma competência discursiva do falante, isto é, de uma capacidade de estruturar discursos. A nosso ver, é no discurso que se manifestam, com toda a plenitude, as coerções ideológicas que incidem sobre a linguagem (FIORIN, 1995, p. 80).
Com o ato de produção do discurso, o sujeito toma posição em relação ao conjunto
de representações que dão forma ao quadro ideológico que o governa e de que ele
é suporte. Fiorin (1995, p. 42) complementa esta idéia dizendo que o enunciador (o
falante) é o suporte da ideologia que se constitui em matéria-prima para a
elaboração de seu discurso.
A linguagem, entendida em seu sentido amplo, como um instrumento da
comunicação verbal ou não verbal é constituída pela visão de mundo do sujeito que
a utiliza. Se há linguagem, há pensamento, ou seja, o pensamento não existe fora
da linguagem. Diderot (1949, p. 112) afirma que a comunicação do pensamento é o
objeto principal da linguagem. Então, a linguagem é o mecanismo utilizado para a
exposição de nossos pensamentos, emoções, crenças, medos, desejos,
conhecimentos e toda infinidade de coisas que passam em nossas mentes.
Para identificarmos melhor o uso de terminologias, vamos adotar, nesta pesquisa,
uma diferenciação entre língua e linguagem. Não adotaremos linguagem como
sinônimo de língua, como usualmente é difundido, mas consideraremos o conceito
de língua como um sistema de elementos lexicais e gramaticais seguindo, também,
a terminologia adotada por Bakhtin, concebendo a língua como um sistema
semiótico, criado e produzido no contexto social e dialógico. Assumir as concepções
bakhtinianas a respeito da linguagem é, portanto, pressupor a construção da
subjetividade como resultado de um processo no qual o outro possui papel
constitutivo e ativo.
13
De acordo com TEIXEIRA (1996, p. 37), o discurso é um processo semiótico, um todo de significação constituído pela enunciação. Em contrapartida, enunciação, para BENVENISTE (apud TEIXEIRA, 1996, p. 45) não é apenas o lugar de um sujeito, mas o lugar de um eu em relação com um outro, ambos localizados num contexto referencial.
36
Esse esclarecimento se faz necessário para que não haja confusão entre as
conceituações e as devidas aplicações dos termos no texto desta pesquisa.
Reiteramos essa necessidade citando Fernandes (2003), umas das autoras
brasileiras que estuda linguisticamente a Língua Brasileira de Sinais:
Os conceitos de linguagem e língua, bem-diferenciados, ajudam-nos a definir os campos de atuação de nossas investigações e a sabermos interpretar, com eficácia, os textos que nos chegam às mãos e que, com frequência, utilizam indiferentemente o termo linguagem no seu sentido mais amplo ou como sinônimo de língua (FERNANDES, 2003, p.16).
Para a referida autora, a língua é uma forma de linguagem, visto que é um tipo
dentre os diversos meios de comunicação. Mas a linguagem, no entanto, não pode
ser considerada um tipo de língua, pois contém um conceito muito mais amplo.
Fiorin (1985) considera o sujeito como ser de linguagem aquele inserido
socialmente, portanto, a mercê de todas as intervenções ideológicas,
sociologicamente construídas. Só será possível para o surdo compreender uma
língua e poder se constituir um ser de linguagem com possibilidades de interação,
num lugar que lhe confira a possibilidade discursiva. É sobre esse sujeito Surdo,
considerado um ser de linguagem, que falaremos a seguir.
2.2 O SUJEITO SURDO
[...] ser surdo não é melhor ou pior do que ser ouvinte, é apenas diferente. Se considerarmos que os surdos não são “ouvintes com defeito”, mas pessoas diferentes, estaremos aptos a entender que a diferença sensorial entre pessoas surdas e pessoas ouvintes gera uma visão não-limitada, não-determinística de uma pessoa ou de outra, mas uma visão diferente de mundo, um “jeito Ouvinte de ser” e um “jeito Surdo de ser”, que nos permite falar em uma cultura da visão e outra da audição (PIMENTA, 2001, p. 24).
14
Vimos nas discussões anteriores que o sujeito se constitui com o outro pela
linguagem. Esse processo de construção de identidade não é linear, mas como
14
Nelson Pimenta nasceu em Brasília, (06/09/1963). Foi o primeiro ator surdo a se profissionalizar no Brasil, estudou no National Theatre of the Deaf (NTD) de Nova Iorque, é pesquisador de Língua de Sinais e foi instrutor de teatro e de Língua Brasileira de Sinais em diversas instituições de ensino, entre elas o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e a Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (FENEIS). É graduado em Cinema pela Universidade Estácio de Sá. Em 1999 criou, com Luiz Carlos Freitas, a LSB Vídeo, empresa com a missão de contribuir para o aprimoramento da educação dos surdos (PIMENTA, 2001, p. 24).
37
defende Bakhtin, é essencialmente dialético, fluido e composto de idas e vindas, de
tomadas e retomadas de pontos de vistas do outro, imbuídos de valores e
ideologias. E como esse sujeito surdo, que vive num mundo oralizado, pode se
constituir um ser de linguagem que se constitui através do processo dialético?
O sujeito surdo é apresentado de forma científica e ao mesmo tempo poética por
Oliver Sacks, quando nos leva a viajar com ele ao mundo dos surdos. O autor
argumenta sobre a importância da aquisição da Língua de Sinais por crianças
surdas no período da aquisição da fala, ou seja, até os dois ou três anos de idade,
confirmando a necessidade de um diagnóstico sobre a surdez o mais precoce
possível para que se efetive a constituição de uma língua. Sua maneira clara e leve
de escrever não deixa rastros de incompreensão pelo leitor. São apresentadas as
características presentes nos surdos por ele estudados e aí, pudemos perceber que,
em linhas gerais, há semelhanças com casos de surdez estudados por
pesquisadores brasileiros e até analisados em minha prática com alunos surdos.
Sacks (1998, p. 65) cita vários casos de surdos que não possuíam uma linguagem
constituída, como é o caso de Kaspar Hauser, um jovem de aproximadamente
dezesseis anos, criado em cativeiro e isolado de toda comunicação com o mundo a
sua volta. Em 1928 foi encontrado em uma rua de Nuremberg, cidade alemã situada
ao norte do Estado da Baviera, com uma carta na mão que contava sua história;
outro caso é de uma criança selvagem, chamada Genie, encontrada em 1970, nos
Estados Unidos, na Califórnia, que não adquiriu fluência em nenhum tipo de língua,
nem a oralizada nem a de sinais. Sacks cita outros casos como o de Jean Massieu
que mesmo sem linguagem estruturada até os catorze anos, foi adotado pelo abade
Sicard, tornando-se mais tarde eloquente tanto em sinal (termo generativo para uma
comunicação em gestos e em Língua de Sinais) quanto no francês escrito. É um
caso em que se evidencia a possibilidade de um “sem-língua” se constituir em um
novo ser de linguagem. Pudemos constatar, através de nossa experiência e contato
com crianças e adolescentes surdos a recorrência de alguns casos apresentados
pelo referido autor.
38
Mas ao falarmos do sujeito surdo devemos apresentar, também, algumas questões
básicas sobre surdez, por considerarmos pertinente o entendimento desta como
constituidora daquele.
Desde o século XVIII, a surdez era vista como um problema de saúde, castigo ou
algo a ser corrigido. Para minimizar seus efeitos aparentes, os surdos eram
ensinados a falar como se fossem ouvintes. Por muito tempo a oralidade fez parte
da proposta de “normalização” do sujeito surdo. A fala era entendida como
modalidade única, comum e obrigatória para estabelecer a comunicação com os
surdos. De acordo com Lopes (2007, p. 44), essa situação perdurou do século XVII
até quase todo o século XX.15
Há quase três décadas, Godinho já escrevia sobre o estigma que repousava sobre o
sujeito surdo:
A noção corriqueira que se tem do surdo ainda data da Idade Média, quando ele era considerado débil mental, sem perspectiva, marginalizado por ser portador de um estigma. Em nossa sociedade atual continua sendo visto como um estigmatizado, embora com um pouco mais de oportunidades (GODINHO,1982, p. 44).
É comum a associação da surdez com a ausência de linguagem. Como a linguagem
é uma atividade essencialmente humana, até pouco tempo atrás o sujeito surdo era
estigmatizado por ser considerado um ser sem linguagem, portanto, diferente de
outros seres humanos. Dessa forma, o estigma torna-se inevitável. Goffman assim
define estigma:
[...] um atributo que lo vuelve (el extraño) diferente de los demais [...] y lo convierte em alguien menos apetecible, em casos extraños, em uma persona, casi enteramente malvada, peligrosa e débil. De esse modo dejamos de verlo como uma persona total e corriente para reducirlo a um ser inficionado y menos preciado. Um atributo de esa naturaleza es um estigma em especial cuando él produce em los demás [...] un descrédito amplio (GOFFMAN, apud GODINHO, 1982, p. 45).
Se temos a visão de que um ser surdo é como um “organismo” que interage com o
meio e se adapta a este, colocamos o foco predominantemente no ser deficiente, ou
seja, no deficiente auditivo. Ver o surdo pela sua deficiência é efetivar a visão
15 Para saber mais sobre a surdez e educação de surdos ao longo da história, o leitor encontrará muitas obras interessantes, dentre as quais cito: SACKS (1998); GOLDFELD (2001) e LOPES (2007).
39
estigmatizada desse ser, cuja singularidade está na forma de comunicação, ou seja,
em sua língua.
Falar da surdez para se chegar ao sujeito surdo não é, nem de longe, resquício do
paradigma clínico-patológico, muito pelo contrário. A esse respeito já fizemos
estudos e reflexões. Num texto produzido com outros colegas professores-
pesquisadores, intitulado Surdez, Família e Educação: concepções e
representações (SILVA, et all, 2004, p. 73), discutimos as representações
estereotipadas acerca da surdez e como elas refletem, diretamente, na metodologia
de trabalho pedagógico com os alunos surdos. Nesse texto foi apresentado um
estudo de caso envolvendo dois alunos de mesma faixa etária da Escola Municipal
de Vitória, e reconhecidos por sua família com diferentes concepções acerca da
surdez e do sujeito surdo. Foram discutidas as concepções tradicionais baseadas no
modelo clínico-terapêutico e no modelo sócio-antropológico da surdez e seus
respectivos reflexos no contexto pessoal, educacional, familiar e social.
Carlos Skliar (1997) - referenciado pelas idéias de Grahan Bell (defensor do
oralismo) e Clerc (defensor da ASL- Lingua de Sinais Americana), defende a
existência de algumas concepções acerca da surdez, que ao nosso ver contribuíram
para a constituição de representações sociais do sujeito surdo: i) visão da
concepção clínico-terapêutica, que por ser focada na patologia, no déficit biológico,
na surdez do ouvido, considera o surdo, essencialmente, como uma pessoa que não
ouve e portanto não consegue falar. Em linhas gerais, define a pessoa surda como
um ser incompleto em comparação ao sujeito ouvinte. ii) já a visão sócio-
antropológica percebe a surdez como diferença social e reconhece a singularidade
linguística da comunidade16. Para esse pesquisador e outros mais, os surdos
formam uma comunidade linguística minoritária, em que compartilham a Língua de
Sinais, valores culturais, hábitos e modos de socialização próprios. Os graus de
decibéis não são considerados prerrogativas para que os surdos participem de
comunidades surdas, mas o reconhecimento como tais e o de sua língua como
identidade e constituidora de sujeitos.
16
Neste sentido de comunidade, assim define o Dicionário Houiass (2007): “Conjunto de indivíduos com determinada característica comum, inserido em grupo ou sociedade maior que não partilha suas características fundamentais”.
40
Conforme estudos de pesquisadores como Ottmar Teske (1988, p. 139), a
comunidade surda pode ser representada por associações, igrejas, escolas, clubes
ou qualquer lugar onde um grupo de surdos se reúna. Quando estão juntos,
divulgam sua cultura, trocam idéias e experiências e todo o processo dialógico é
feito através da língua comum, a Língua de Sinais. Os surdos sentem-se atraídos a
participarem de uma comunidade surda, pois buscam todas as possibilidades
comunicativas com seus pares e consequentemente uma maior identificação de si
mesmo ao se relacionarem com os outros. Essa escolha é plausível e legítima e
não significa segregação ou exclusão. Em contato com outros surdos numa
comunidade surda, crianças, adolescentes e adultos surdos podem construir
positivamente sua auto-estima, apropriar-se de sua cultura, de sua história e formar
sua identidade por intermédio do convívio com o outro.
A temática da surdez, segundo Lopes (2007, p. 7) é construída culturalmente não só
nos campos clínicos e antropológicos, mas também em campos discursivos distintos
como linguísticos, religiosos, educacionais, jurídicos, filosóficos, etc. A autora
acredita que todas as interpretações possíveis sobre o que convencionamos chamar
de surdez são interpretações sempre culturais. A surdez narrada pelo sujeito ouvinte
é considerada uma grande invenção por essa autora, pois não passa da construção
de um olhar sobre aquele que não ouve.
A visão que se tem da surdez implica diretamente na maneira como identificamos o
sujeito surdo. Talvez por ignorância ou por descaso, o sujeito surdo tem sido narrado
como um indivíduo desacreditado, impossibilitado de exercer com autonomia seus
direitos e deveres inerentes aos que participam de qualquer sociedade. É
classificado, muitas vezes, a partir de sua capacidade ou não de ouvir, considerando
imprescindíveis os decibéis atingidos por sua faculdade de perceber os sons. O
termo surdo é carregado de estigma e estereótipo, de deficiência que requer a
urgência da necessidade de normalização. Assim escreve Perlin sobre essa visão
estereotipada do sujeito surdo:
O estereótipo sobre o surdo jamais acolhe o ser surdo, pois o imobiliza a uma representação contraditória, a uma representação que não conduz a uma política da identidade. O estereótipo faz com que as pessoas se oponham, às vezes, disfarçadamente, e evitem a construção da identidade
41
surda, cuja representação é o estereótipo da sua composição distorcida e inadequada (PERLIN, 1998, p. 54).
De acordo com Wrigley (apud THOMA, 1988, p. 129), são diversas as
nomenclaturas para designar uma pessoa surda: “mudos”, “surdos-mudos” ou
“deficiente auditivo”. O termo preferido pela maioria que se identifica como tal é
simplesmente “surdo”. Damázio (2007, p. 13) utiliza o termo “pessoa com surdez”
como uma forma de se reportar a pessoa com deficiência auditiva, independente do
grau da sua perda sensorial.
Pelo Decreto no. 5626/200517 há diferenciação entre pessoa surda e deficiente
auditivo. No artigo 2º lemos que pessoa surda é aquela que interage com o mundo
por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso
da Língua Brasileira de Sinais-Libras. Para caracterizar a deficiência auditiva, o texto
legal considera a perda da audição em decibéis: “Parágrafo único. Considera-se
deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB)
ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e
3.000Hz”.
Como a proposta desta pesquisa é falar de um sujeito surdo, culturalmente
constituído, abstemo-nos de concebê-lo a partir de sua deficiência. Não se constitui,
portanto, em primordialidade apresentarmos as possíveis causas da surdez, mesmo
considerando que cada surdo tem histórias de vida distintas e, muitas vezes, a
causa e o período em que ficou surdo pode proporcionar diferentes possibilidades
de aprendizagem da Língua de Sinais.
Alguns pesquisadores, incluindo Lopes, preferem olhar a surdez da seguinte
maneira:
[...] olhar a surdez de outro lugar que não o da deficiência, mas o da diferença cultural. Não nego a falta de audição do corpo surdo, porém desloco o meu olhar para o que os próprios surdos dizem de si quando articulados e engajados na luta por seus direitos de serem vistos como sujeitos surdos, e não como sujeitos com surdez. Tal diferença, embora pareça sutil, marca substancialmente a constituição de uma comunidade
17
O Decreto regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua
Brasileira de Sinais e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000 (ANEXO A).
42
específica e a constituição de estudos que foram produzindo e inventando a surdez como um marcador cultural primordial (LOPES, 2007, p. 9).
Escolhemos ver o surdo como um ser possuidor de uma singularidade linguística. O
enfoque desta pesquisa está ancorado no sujeito surdo como ser de linguagem e
essa constituição de sujeito de linguagem está inspirada na base antropológica da
surdez e não na falta da audição como definidora do surdo. Não é nosso interesse,
no entanto, polemizar sobre terminologias ou nomenclaturas, mesmo porque as
terminologias vão surgindo e se tornando termos peculiares de escritores de uma
determinada época e futuramente substituídas por outras, conforme formação
ideológica. Para designar o sujeito surdo sem, contudo, negar a existência da
surdez, usaremos com liberdade nesta pesquisa, ora o termo surdo, ora o termo
pessoa com surdez, considerando a singularidade desse sujeito que não apreende o
mundo significante através das ondas sonoras, mas pela visualidade emergente de
sentido.
Se escolhermos olhar o surdo pela sua singularidade linguística, automaticamente
rejeitaremos olhá-lo pela visão ouvintista, que percebe o surdo como um ser
incompleto exatamente por não poder usar e compreender a fala oral. Skliar (1998,
p. 15) define ouvintismo como um conjunto de representações dos ouvintes em que
o surdo é obrigado a se olhar como se fosse também ouvinte. E é por esse olhar, de
negação da surdez, que o próprio surdo se sente como deficiente por se constituir
em um sujeito não ouvinte e passa a se sentir inferiorizado por não conseguir se
comunicar pela via oral-auditiva.
A receptividade do sujeito surdo entre ouvintes e entre seus pares define-se pela
aceitação de sua surdez e pelo reconhecimento de sua língua. Autores como Perlin
(1998, p. 52) acreditam que essa receptividade está associada ao reconhecimento
de uma identidade surda. Achamos por bem considerarmos essa proposição sem,
contudo, entrar no mérito se é pertinente ou não a defesa de uma identidade surda,
mas apresentar resultados da reflexão da autora sobre o assunto.
43
2.2.1 Identidade do Surdo
Um dia descobri que nunca iria falar como os ouvintes. Seria mesmo impossível. Era preciso pegar o meu jeito de ser surda, de ter minha comunicação visual (Depoimento de uma mulher surda citado por PERLIN 1988, p. 54)
Sem a pretensão de esgotarmos o tema, apresentamos o conceito de Identidade
Surda considerando as postulações desenvolvidas por Perlin (1988). Em seu texto
Identidades Surdas, a autora baseia-se em um dos conceitos que Stuart Hall
estabelece para identidade: o da modernidade tardia em que as identidades são
consideradas fragmentadas (PERLIN, 1988, p. 52). Situa o sujeito surdo dentro do
conceito pós-moderno18 de Hall, entendendo a identidade como sendo identidade
plural, múltipla, que se transforma e que não é estática ou algo pronto e acabado. A
identidade é algo que está em construção, que está em movimento e que empurra o
sujeito em diferentes posições (PERLIN, 1988, p. 52).
Algumas das concepções de Hall (apud PERLIN, 1988, p. 53) definem as
identidades como contraditórias, que se cruzam, se deslocam continuamente, pois
de acordo com esse autor, a identidade cultural é formada por meio do
pertencimento a uma cultura e muda de acordo com a forma como o sujeito é
interpelado. No dizer de Perlin (1988), o sujeito surdo, nas suas múltiplas
identidades, sempre está em situação de necessidade diante da identidade surda.
No mundo regido pela oralidade, as identidades surdas assumem formas
multifacetadas e até mesmo fragmentadas, mas não se diluem, estão presentes
mesmo em meios socioculturais ouvintes.
Considerando as múltiplas identidades surdas, Perlin (1988, p. 63) estabelece
algumas categorias de identidades que são assim classificadas:
a) Identidade surda: é entendida como a identidade do surdo militante, que além de
nascer surdo, se percebe surdo e não se envergonha disso. É a identidade que
afirma a presença de uma consciência de ser definitivamente diferente e que
18 De acordo com Sá (1988, p. 170) os estudos na perspectiva teórica “pós-moderna” não buscam a demonstração mas a argumentação acerca dos fatos e considera os discursos como construídos das subjetividades, constituidores, portanto, da realidade.
44
reconhece a necessidade dos recursos visuais para sua interação com o mundo
circundante. São reconhecidos como sujeitos culturais.
b) Identidade surda híbrida: é a que pertence aos surdos que nasceram ouvintes e
com o tempo se tornaram surdos19, ou seja, que tiveram uma experiência com a
audição, com a estrutura do português verbalizado, sendo, portanto, oralizados.
Esse é o caso da própria autora, que conta que ao nascer ouvinte e posteriormente
se tornar surda passou a ter duas línguas, o português oralizado e a Língua de
Sinais. Como surda, portanto, sente a necessidade de se expressar em Língua de
Sinais mesmo quando pensa em português e afirma que, apesar de ter tido
experiência auditiva em algum momento de sua vida, a tendência da escolha quanto
à identidade caminhará sempre ao encontro da identidade surda;
c) Identidade surda de transição: refere-se àquele sujeito surdo que por muito tempo
conviveu com ouvintes - como é o caso de filhos surdos de pais ouvintes - sem
nenhum contato com surdos e que ao conhecerem um outro surdo ou uma
comunidade surda se identifica como tal. Esse sujeito surdo passa, então, por uma
transição de assimilação e aceitação de sua surdez e no dizer da autora, passa pela
experiência da des-ouvintização20 à identidade surda de experiência mais visual.
Não é um processo fácil, pois está em jogo a formação da alteridade do sujeito
surdo, trazendo sempre um conflito cultural. Perlin considera que a des-ouvintização
deixa sequelas na representação que são evidenciadas na identidade do surdo em
reconstrução nas diferentes etapas da vida (PERLIN, 1988, p. 64).
d) E finalmente apresentamos as duas últimas classificações num mesmo tópico, por
entendermos que se tratam basicamente das mesmas características: uma é
descrita como Identidade surda incompleta e a última como Identidade surda
flutuante. De acordo com a descrição da autora, tanto a Identidade surda incompleta
como a Identidade surda flutuante fazem parte do sujeito que nega a surdez e
valoriza a representação ouvintista. Normalmente pertence ao sujeito que mesmo
surdo ou com pouca audição residual opta pela prótese auditiva e se esforça em
19
A surdez pode ocorrer antes do aprendizado da fala oral, ou seja, até os dois anos de idade sendo considerada como surdez precoce ou pré-linguística e pós-linguística quando ocorre depois que o sujeito adquiriu a linguagem. 20
A “des-ouvintização” refere-se ao abandono da representação ouvintista pela identidade surda.
45
estar junto com os ouvintes, se abdicando de participar de encontros com pessoas
surdas. Na verdade, trata-se do sujeito que nega sua condição de surdo e que
procura, a todo custo, se integrar na comunidade dos ouvintes. Mas nem sempre
consegue lograr êxito efetivamente. Muitas vezes não consegue ser compreendido e
tem dificuldades em compreender a fala oral. Seu entendimento é fragmentado, mas
mesmo assim, em nome de uma falsa identidade, se esforça pra se sentir, pelo
menos, um pouco parecido com a maioria, ou seja, com os ouvintes. Os surdos que
negam a surdez acabam por não constituírem uma identidade própria, pois como
escreve Perlin, possuem uma identidade flutuante, já que não conseguem ser
inseridos efetivamente na comunidade dos ouvintes por falta de comunicação e nem
na dos surdos, pela falta de conhecimento e fluência na Língua de Sinais. No dizer
da autora, o sujeito surdo acaba construindo sua identidade com fragmentos das
múltiplas identidades, não centradas ou fragmentas (PERLIN, 1988, p. 66).
Existem outros trabalhos que falam sobre a identidade e cultura surda. Dentre os
lidos cito o texto: Cultura e Identidades Surdas: encruzilhada de lutas sociais e
teóricas, escrito por Santana e Bergamo (acesso em: 26 jul. 2009)21 para
fomentarmos a discussão sobre o tema. Nesse trabalho, os autores analisam a
legitimação das expressões cultura e identidade surdas, considerando haver uma
inversão teórica ao ser tomada a Língua de Sinais como definidora da Identidade
Surda:
A aquisição de uma língua, e de todos os mecanismos afeitos a ela, faz com que se credite à Língua de Sinais a capacidade de ser a única capaz de oferecer uma identidade ao surdo. [...] Ao tomar a língua como definidora de uma identidade social, ainda que se leve em conta as relações e os conflitos relativos às distintas posições ocupadas por grupos sociais, enfatiza-se o seu caráter instrumental (SANTANA; BERGAMO, acesso em: 26 jul. 2009, p. 4).
Os autores acreditam na idéia de não existir uma identidade exclusiva e única, como
a identidade surda. Eles defendem que a identidade é formada pelos diferentes
papéis sociais tomados pelo sujeito, como ser surdo, rico, heterossexual, branco,
21 Ana Paula Santana é doutora em linguística e professora do Curso de Fonoaudiologia e do Mestrado em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti, Paraná e Alexandre Bergamo é Doutorando em Sociologia e professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP), em Marília, SP.
46
gordo, professor, etc. bem como pela língua que constrói essa subjetividade. Um
dos questionamentos levantados no texto é:
Se a identidade está relacionada a práticas sociais de uma complexidade muito maior, por que a língua, e apenas ela, é tomada como o instrumento por excelência de sua constituição e definição? Qual é o significado desta inversão, desse jogo teórico que toma a língua, num primeiro momento, como definidora dessas mesmas práticas? (SANTANA; BERGAMO, acesso em: 26 jul. 2009, p. 5).
Será que a identidade surda se estabelece, principalmente pelo uso da Língua de
Sinais? O que na verdade esses autores defendem é que a Língua de Sinais não é o
único meio de se estabelecer a identidade, mas o passaporte para o universo social.
E que a inserção neste universo está apenas se iniciando.
Damázio também critica o fato de se relacionar a constituição de uma cultura
diferente, própria dos surdos, pautada apenas na expressão em sinais. Em seu texto
“Educação escolar Inclusiva para pessoas com surdez na escola comum – questões
polêmicas e avanços contemporâneos”, a autora apresenta uma reflexão sobre a
educação de pessoas com surdez e contesta a essência de uma cultura puramente
surda, embasada na Língua de Sinais. A autora, assim escreve: [...] não é possível
defender uma cultura, pautada apenas em formas de expressão em sinais, visto que
as pessoas com surdez usufruem todas as demais possibilidades de vida em
sociedade (SANTANA; BERGAMO, acesso em 26 jul. 2009, p. 9).
Damázio entende que não é defendendo uma cultura surda que garantiremos o
atendimento às diferenças das pessoas com surdez, mesmo porque a concepção de
uma cultura genuinamente surda contraria o próprio conceito de cultura, que
segundo a autora, reduz significativamente o universo cultural dos sujeitos surdos.
Conforme Moraes, a cultura de um povo está imbricada por diferentes dimensões:
[...] a cultura de um povo envolve dimensões éticas e estéticas, seus modos de viver, seus sistemas de valores e crenças, seus instrumentos de trabalho, seus tipos de organização social, seja ela familiar, econômica, educacional, trabalhista, institucional, política ou religiosa (MORAES, apud DAMÁZIO, 2007, p. 9).
47
Maher (apud SANTANA; BÉRGAMO, acesso em: 26 jul. 2009) também acredita que
a construção da identidade não é do domínio exclusivo de língua alguma, embora
ela seja sempre, da ordem do discurso.
No dizer de Sacks (1998), o sujeito surdo com “s” maiúsculo, é aquele que se
reconhece como membro de uma comunidade linguística diferente. Para este autor,
ser surdo é, antes de tudo, reconhecer-se surdo; é pertencer a um mundo de
experiência visual e não auditiva.
E o que dizer da cultura surda? Parte de pesquisadores da área da surdez aceita a
denominação do termo “cultura surda” (MOURA, 1993, 2000; QUADROS, 1997;
GOLDFELD, 1997; SKLIAR, 1998. 2000; PERLIN, 1998; SÁ, 1999; LOPES, 2007).
Esses autores defendem que o surdo estará mais próximo da cultura surda
dependendo da identidade assumida por ele dentro da sociedade.
A surdez como diferença não acontece simplesmente pelo fato do sujeito ser surdo,
mas pelo fato desse mesmo sujeito surdo viver em uma determinada comunidade22
e compartilhar com seus pares uma mesma língua, a viso-gestual, e uma forma de
viver e organizar o tempo e o espaço.
Conceber o surdo como um sujeito de cultura própria é, para outros pesquisadores,
uma questão complexa, principalmente quando a constituição desta cultura surda
está alicerçada apenas à Língua de Sinais, às estratégias sociais e aos mecanismos
compensatórios que os surdos realizam para agir no ou sobre o mundo, como o
despertador que vibra, a campainha que aciona a luz, etc. Para Santana e Bérgamo
(acesso em 26 jul. 2009, p. 9), a cultura surda parece ser o nome dado a um
conjunto de mecanismos alternativos que os surdos usam devido a sua limitação
auditiva. Segundo esses pesquisadores, boa parte dos estudos acadêmicos
negligencia a complexidade entre cultura, linguagem e identidade.
22
A comunidade aqui considerada é a surda, que no dizer de TESKE (1988, p. 148) é um complexo de relações e interligações sociais, que diferem de outras comunidades onde existe a possibilidade da comunicação oral, pois as pessoas surdas necessitam da Língua de Sinais e das experiências visuais para realizarem uma comunicação satisfatória com outras pessoas.
48
Concordamos que a cultura surda não se estabelece simplesmente com a fluência
na Língua de Sinais, mas, sobretudo, com a aceitação da surdez e na maneira como
essa aceitação perpassa pelo viés do reconhecimento de sua interação social por
meio da experiência visual. Entendemos que todo ser humano, ouvinte ou surdo,
possui sua singularidade, uma identidade própria que se constrói socialmente, na
sua relação com o outro.
2.3 LÍNGUA DE SINAIS: UMA LÍNGUA NATURAL E COMPLEXA
A Língua de Sinais nas mãos de seus mestres (referindo-se aos usuários desta língua) é uma língua extraordinariamente bela e expressiva, para a qual, na comunicação uns com os outros, nem a natureza nem a arte lhes concedeu um substituto à altura [...] (LONG, apud SACKS, 1998).
As línguas de sinais sempre despertaram interesse em uns e estranhamento em
outros. Sua origem e desenvolvimento são questões que dificilmente poderíamos
responder com exatidão, já que não houve registro.
Por muitos séculos a Língua de Sinais foi considerada uma espécie de pantomima
ou código gestual. Mas não se trata nem de uma coisa nem de outra. Seria muito
simplório considerá-la uma pantomima, pois todas as pantomimas são fáceis de
entender. Ao acompanharmos um surdo em sua comunicação por sinais, logo
perdemos a sensação do “já sei”, e envergonhados descobrimos nossa impotência
em compreender uma língua tão complexa e cheia de significados (SACKS, 1998, p.
88)
A língua de Sinais está voltada primordialmente para as funções visuais. É adquirida
naturalmente como língua materna, pois é própria da comunidade surda. Ela se
constitui no modo mais fácil e espontâneo do sujeito surdo se relacionar com o outro
e consigo mesmo e o meio mais eficaz de permitir seu desenvolvimento pleno como
um ser de linguagem.
Sacks (1998, p. 42), ao se interessar pelos estudos acerca do surdo, ou seja, pela
sua história, dificuldades e as especificidades de sua língua, maravilhou-se ao
constatar tamanha potencialidade que a Língua de Sinais pronunciava. Quanto mais
49
estudava e pesquisava sobre essa língua, mais convencido ficava de que se tratava
de uma língua complexa em si mesma, com sintaxe, gramática e semântica, mas
com características diferenciadas de qualquer língua falada ou escrita. Long retrata
o quanto os ouvintes desconhecem acerca da eficácia dessa língua e da sua
relevância para os surdos como constituinte de seres de linguagem:
Para aqueles que não a entendem, é impossível perceber suas possibilidades para os surdos, sua poderosa influência sobre o moral e a felicidade social dos que são privados da audição e seu admirável poder de levar o pensamento a intelectos que de outro modo estariam em perpétua escuridão. Tampouco são capazes de avaliar o poder que ela tem sobre os surdos. Enquanto houver duas pessoas surdas sobre a face da terra e elas se encontrarem, serão usados sinais (LONG, apud SACKS, 1998).
Quadros e Karnopp (2004, p. 31) afirmam em sua obra que a Língua de Sinais é
considerada pela linguística como língua natural ou como um sistema linguístico
legítimo. Essa concepção da Língua de Sinais como língua genuína e complexa não
surgiu aleatoriamente, mas foi se estabelecendo após estudos, análises e pesquisas
minuciosas. Um grande desbravador dos estigmas contra a Língua de Sinais foi o
linguista William Stokoe, que a partir de 1960 desenvolveu estudos acerca da
legitimidade da língua sinalizada como uma língua natural23. Aliás, foi a partir do
trabalho incansável de pesquisadores americanos sobre a língua de sinais
americana, a ASL (American Sign Language) que a Língua de Sinais pôde ser
legitimada como objeto de estudo da linguística. Stokoe afirma que a Língua de
Sinais atende a todos os critérios linguísticos de uma língua propriamente dita, quer
no sentido lexical, que no sentido sintático. Quadros e Karnopp assim escrevem a
respeito do trabalho de Stokoe:
Ele foi o primeiro a procurar uma estrutura, a analisar os sinais, dissecá-los e a pesquisar suas partes constituintes. Comprovou, inicialmente, que cada sinal apresentava pelos menos três partes independentes (em analogia com os fonemas da fala) – a localização, a configuração de mãos e o movimento – e que cada parte possuía um número limitado de combinações (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 30).
Stokoe, ao perceber a riqueza da expressividade da Língua de Sinais, a considerou
muito mais do que uma prosa ou narrativa, comparando-a a uma exibição
23 Fernandes (2003, p. 39) afirma que uma língua é considerada natural quando é própria de uma comunidade de falantes que a têm como meio de comunicação, podendo ser adquirida como língua materna e que as línguas de sinais são sistemas abstratos de regras gramaticais, naturais das comunidades de indivíduos surdos que as utilizam.
50
“cinemática”, em sua essência. Sua opinião recebe adeptos de artistas, dramaturgos
e atores que se expressam em LS:
Numa Língua de Sinais [...] a narrativa deixa de ser linear e prosaica. Em vez disso, a essência da Língua de Sinais é fazer cortes de uma visão normal para um close-up, para uma tomada distante e novamente um close-up e assim por diante, incluindo até mesmo cenas de flashback e flashforward, exatamente como se faz na montagem de um filme. [...] Não só a própria comunicação por sinais é mais organizada como um filme montado do que qualquer narrativa escrita, mas, além disso, cada usuário da Língua de Sinais situa-se de um modo muito parecido como de uma câmera: o campo e o ângulo de visão são dirigidos, mas variáveis. Não só quem faz sinais, mas também seu interlocutor têm consciência, o tempo todo, da orientação visual de quem está se comunicando com relação ao que ele esta comunicando (STOKOE, apud SACKS, 1998, p. 101).
De acordo com Sacks (1988), até a década de 50 nenhum linguista ou cientista
havia se dedicado aos estudos sobre a Língua de Sinais como Stokoe. Buscando
uma estrutura na ASL (American Sign Language), encontrou dezenove
configurações de mãos, doze diferentes localizações, além de vinte e quatro tipos de
movimentos ao realizar um sinal. Foi responsável pela invenção de um sistema de
notação para cada um desses elementos. Publicou, em 1965, a obra Dictionary of
American Sign Language. Ainda sobre a contribuição de Stokoe, Sacks escreve:
A Língua de Sinais, naquela época, não era considerada uma língua propriamente dita, mas uma espécie de pantomima ou código gestual, ou talvez uma espécie de inglês estropiado expresso com as mãos. A genialidade de Stokoe foi perceber, e provar, que não era nada daquilo: que ela satisfazia todos os critérios linguísticos de uma língua genuína, no léxico e na sintaxe, na capacidade de gerar um número infinito de proposições. (SACKS,1998, p. 88-89).
Conforme Quadros e Karnopp (2004), os elementos básicos ou unidades mínimas
formadoras dos sinais (Configuração de mão, Localização e Movimento) foram
descritos por Stokoe (apud SACKS, 1998, p.) por “quirema”24, ou seja, os quiremas
são considerados os elementos gestuais de base. Cada “morfema” (no sentido
linguístico, a unidade mínima portadora de significação) é composto de três
quiremas: pontos estruturais de posição, configuração e movimento denominados
respectivamente de tábula (tab), designação (dez) e significação (sig). De acordo
24 Quadros & Karnopp (2004) pontuam que o termo quirema tem sido substituído por vários autores por fonema e fonologia, já que as línguas de sinais são línguas reconhecidas como naturais, ou seja, não artificiais e que compartilham princípios linguísticos subjacentes aos das línguas orais, apesar das peculiaridades de cada uma.
51
com esse estudioso da Língua de Sinais, a linguagem gestual coloca-se, portanto a
três níveis: i) estudos dos quiremas, “cherology”; ii) estudo da combinação dos
quiremas, “morphocheremics” e iii) morfologia e sintaxe, “morphemics”. A quirologia
refere-se também, à dactilologia ou à arte de conversar por meio de sinais feitos
com os dedos, ou ainda, à ciência incumbida de estudar os movimentos das mãos e
do pulso.
Kristeva, em seu artigo “O gesto: prática ou comunicação?” esboça a possibilidade
da linguagem gestual ser autônoma de sentido e que não precisa ser escorada na
língua verbal para existir:
A analogia entre a palavra e o gesto, tomada como ponto de partida da quinésica, impõe à partida e necessidade de isolar diferentes níveis do código gestual: quer níveis correspondentes aos níveis das línguas, aceitas pela linguística, quer níveis que permitam o estudo da interdependência linguagem/gestualidade (KRISTEVA,1979, p. 86).
Por muitas décadas os linguistas se ocuparam em identificar o que havia em comum
entre as línguas de sinais e as línguas faladas. De acordo com Quadros (2006, p.
171), tal discussão foi pertinente num período em que era imprescindível a
comprovação do status linguístico da Língua de Sinais. Atualmente, é pacífica a
concepção da Língua de Sinais como uma língua legítima, com estruturas próprias.
As pesquisas atuais se ocupam em descobrir o que há de diferente entre as duas
modalidades de língua - as línguas sinalizadas e as línguas orais – e com o que esta
diferença pode contribuir para os estudos linguísticos.
O trabalho de Stokoe abriu caminhos para novas pesquisas e concedeu às línguas
de sinais maior credibilidade e notoriedade linguística. Suas postulações, conforme
Quadros (2006, p. 170), serviram de âncora para que novos pesquisadores
pudessem dar prosseguimento ao estudo das línguas de sinais, em especial aos
estudos da ASL. São eles: Battison (1974); Klima & Bellugi (1979); Baker (1976),
Liddell (1980); Liddell & Johnson (1989), Lillo-Martin (1991) e Neidle, Kegl,
MacLaughlin, Bahn & Lee (2000).
Na literatura brasileira contamos com vários pesquisadores da Língua de Sinais,
além de existirem obras importantes de análise e estudos sistemáticos da Libras e
52
do processo de aquisição de conhecimentos por alunos surdos. Citaremos alguns
pesquisadores e a temática de seus trabalhos: Brito (1995), cuja obra apresenta
uma descrição linguística da Língua de Sinais brasileira; Karnopp (1994, 199925)
apresenta um estudo mais voltado para a representação fonológica da Libras e suas
implicações na aquisição dessa língua; Quadros (1995, 1999) analisa a estrutura da
Libras, discorrendo sobre a classificação dos verbos que apresentam ou não
concordância; Bernardino (2000) aborda a produção linguística dos surdos,
apontando as diferenças entre a língua oral-auditiva e a Libras; Fernandes (2003)
trata da aquisição da linguagem em indivíduos com surdez e mais especificamente,
sobre a aquisição da escrita do Português por alunos surdos; e Quadros e Karnopp
(2004) apresentam uma descrição linguística da libras nos níveis fonológicos,
morfológicos e sintáticos.
Fernandes (2003, p. 17; p. 39.) escreve que a Língua de Sinais é um sistema
abstrato de regras gramaticais que, como todas as línguas orais-auditivas, não é
universal. Cada comunidade linguística produz sua própria língua. Existe a Língua
de Sinais americana, a francesa, a inglesa e assim por diante. A autora esclarece,
ainda, que as línguas podem ser de duas modalidades: orais-auditivas ou espaço-
visuais. A forma de recepção e reprodução é o que as diferenciam. As línguas orais-
auditivas têm como canal receptivo a audição, e a forma de reprodução é a
oralização das palavras. Já a Língua de Sinais possui como canal receptivo a visão
e é naturalmente reproduzida por sinais manuais. Por conta dessa diferenciação
ocorrem outras que as distinguem. Trata-se da diferença que há entre seus sistemas
fonológicos (de sons), morfológicos (de formas), sintáticos (de estruturação frasal) e
semântico-pragmático (de significação e uso).
Fica claro, então, que quando falamos em Língua de Sinais estamos falando
também da Libras, a língua do surdo brasileiro, e tratamos de uma língua composta
de elementos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semântico-pragmáticos. Para
situar o leitor acerca destas peculiaridades, vamos descrever, de maneira sucinta,
embasado nos estudos de Brito (1995), Fernandes (2003) e Quadros e Karnopp
25
Para estudos mais avançados referenciamos a tese de doutorado de Karnopp: “Aquisição Fonológica da Língua Brasileira de Sinais”, PUC/RS. Porto Alegre, 1999.
53
(2004) como cada um destes elementos se apresentam na Língua de Sinais
brasileira.
2.3.1 Aspectos Fonológicos26
De acordo com Quadros e Karnopp (2004), a fonética e a fonologia das línguas de
sinais são áreas da linguística que estudam as unidades mínimas dos sinais que não
apresentam significados isoladamente. Assim descrevem a fonologia dos sinais:
[...] é o ramo da linguística que objetiva identificar a estrutura e a organização dos constituintes fonológicos, propondo modelos descritivos e explanatórios. A primeira terfa da fonologia para Língua de Sinais é determinar quais são as unidades mínimas que formam os sinais. A segunda tarefa é estabelecer quais são os padrões possíveis de combinação entre essas unidades e as variações permitidas/possíveis no ambiente fonológico (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 82).
É interessante observarmos que tanto nas línguas orais quanto nas de sinais
existem, na estrutura interna, uma dupla articulação, que são as unidades
significativas chamadas de morfemas, e as arbitrárias, que são os fonemas. Ao
passo que nas línguas orais os fonemas são produzidos pela passagem do ar pela
laringe, nariz e boca, nas línguas de sinais, os fonemas são produzidos a partir dos
parâmetros visuais. Todas as informações linguísticas são recebidas pelos olhos e
produzidas pelas mãos. Por isso, são denominadas línguas de modalidade gestual-
visual (ou espaço visual). Portanto, o que distingue essas duas modalidades de
língua não é simplesmente a utilização do aparelho fonador nem o uso das mãos. A
diferença básica está na organização fonológica27 das duas modalidades. Com base
nos estudos de Klima e Bellugi, Brito (1995, p. 49) aponta a linearidade, explorada
nas línguas orais e a simultaneidade, característica da Língua de Sinais, como
traços diferenciadores e peculiares de cada modalidade.
Entendemos que a fonologia na Língua de Sinais é representada pela quirologia.
Fernandes (2003, p. 40) esclarece que assim como a fonologia é representada pelos
26
Um estudo sobre a fonologia da Língua de Sinais, e uma análise descritiva e representativa das propriedades articulatórias dos sinais pode ser encontrado na dissertação de mestrado de André Nogueira Xavier (2006): Descrição Fonético-Fonológica dos Sinais da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), defendida na Universidade de São Paulo. 27
Quadros & Karnopp (2004, p.47) esclarecem que o termo “fonologia” tem sido usado para se referir também ao estudo dos elementos básicos das línguas de sinais.
54
fonemas de uma língua oral - articulação dos sons da fala, a quirologia refere-se aos
quiremas28 – articulação das mãos na constituição dos sinais. Mas o que são os
quiremas apontados por Stokoe? São as Configurações de Mão (CM), a Localização
(L) e o Movimento das Mãos (M), ou seja, as unidades mínimas (fonemas) para a
constituição de um determinado sinal. Anos mais tarde, Battison et al. (1973)
acrescentaram outros parâmetros à descrição dos quiremas: a Orientação da Palma
da Mão (Or) e os Aspectos Não-Manuais dos Sinais (NM).
O sistema fonológico da Libras é composto, então, dos seguintes parâmetros
(elementos quirológicos):
a) Configuração de mãos (CM): são as formas ou posições que as
mãos tomam na realização dos sinais (BRITO, 1995). Conforme
observação de Fernandes (2003), há pelo menos quatro
combinações possíveis de apresentação para as diversas
configurações de mão: 1) apenas uma das mãos configurada; 2) as
duas mãos em configurações distintas; 3) as duas mãos com a
mesma configuração, como que espelhadas e 4) uma das mãos
com configuração apoiada na outra mão configurada ou não.
As Configurações de Mãos (CMs) da Libras, segundo Brito (1995), foram descritas a
partir de dados coletados nas principais capitais brasileiras29. A autora apresenta 46
CMs que estão organizadas no quadro, no plano vertical, conforme a semelhança
entre elas. Não são identificadas, porém, quais são as CMs básicas e quais são as
variantes.
28
Descritos inicialmente por Stokoe, em 1960. 29
A maioria dos dados utilizados por Brito (1995) foram coletados em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife.
55
Figura 01: Quadro de CMs (BRITO,1995)
Ao observarmos o quadro, percebemos similaridades e diferenças entre as CMs.
Notamos uma tênue diferença, por exemplo, na CM “Ff” e “Ft”, localizados na coluna
08: na primeira, o dedo polegar fica para fora e na segunda, o polegar fica para
dentro. Essas diferenciações se constituem em elementos distintivos de cada sinal.
Devido a Libras ser uma língua viva e dinâmica, pressupõem-se acréscimos de
novos sinais ao seu léxico, como por exemplo, a inserção de termos ligados à
informática. Por isso, a criação de novos sinais deve-se a regras gramaticais
específicas, como se espera de todo sistema linguístico. Os novos sinais, ao se
incorporarem ao léxico, utilizam os parâmetros da língua visogestual.
b) Ponto de Articulação ou Localização (L): refere-se ao espaço
utilizado na feitura de um sinal. Pode ser localizado no espaço
superior, na frente do corpo, acima do pescoço; com localização
56
média, quando os sinais são feitos na altura do tronco; e localização
inferior, quando realizados abaixo da cintura.30
c) Movimento das mãos (M): a característica cinésica dos sinais
oferece à língua sinalizada dinamismo e simultaneidade. Ocorre
quando as mãos se afastam, se unem, se entrelaçam, enfim, se
movimentam em diferentes direções sempre tendo o corpo do
enunciador como ponto de referência.
d) Orientação da palma da mão (Or): dependendo do sinal, as mãos
podem ficar com a palma para baixo, para cima ou para as laterais.
Ao se movimentarem combinam diferentes posições.
Apresentamos a seguir datilologia, ou seja, o alfabeto manual da Língua Brasileira
de Sinais. Cada letra possui uma configuração distinta e muitas são aplicadas na
feitura dos sinais. Brito (1995) salienta que o alfabeto manual foi construído por
algumas CMs e é somente um meio de empréstimo linguístico em Libras.
Figura 02: Alfabeto Manual extraído do site da (FENEIS, acessado em: 25 jul. 2009).31
30
Fernandes (2003) informa que estas três ocorrências espaciais são identificadas na Libras, ao passo que nas outras línguas de Sinais, a localização fica restrita às zonas espaciais superior e média.
57
A datilologia é muito utilizada para digitalizar nomes próprios e palavras cujo sinal é
desconhecido. A soletração manual serve também para digitalizar nomes de ruas e
avenidas, nomes de bairros ou cidades e sempre que faltar padronização nacional
dos sinais.
Quadros e Karnopp (2004, p. 88) lembram que usuários da língua utilizam a
datilologia em uma variedade de contextos, especialmente para introduzir uma
palavra técnica que ainda não possui um sinal equivalente. As autoras também
entendem que a soletração manual não é uma representação direta do Português.
Assim definem a datilologia: É uma representação manual da ortografia do
Português, envolvendo uma sequência de configurações de mão que tem
correspondência com a sequência de letras escritas do Português.
Seguindo esse raciocínio podemos compreender a existência de algumas palavras
tomadas por empréstimo pela Libras, à língua portuguesa. Um exemplo clássico é o
sinal N-U-N-C-A que com o passar do tempo tem se modificado, ajustando-se às
restrições de boa formação do sistema linguístico da Libras. Antes, esse sinal era
soletrado manualmente, letra por letra. Depois se passou a soletrar somente N-U-N
ou N-C-A. Houve uma redução tanto no número de configuração de mão quanto no
número de orientação de mão envolvidos na constituição do sinal. (QUADROS;
KARNOPP, 2004).
2.3.2 Aspectos Morfológicos
As línguas de sinais possuem um léxico e um sistema de estrutura de criação de
novos sinais em que as unidades mínimas significantes são combinadas. O item
lexical nas línguas orais-auditivas, ou seja, a palavra corresponde ao sinal na Língua
de Sinais. Os sinais são formados pela combinação dos parâmetros de construção
da língua, isto é, da forma e do movimento das mãos, e do ponto no corpo ou no
espaço onde são realizados.
31
Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos.
58
Assim como há palavras simples e compostas em português, há também em libras;
Fernandes (2003) exemplifica utilizando as palavras “frutas” e “guarda-chuva”. Em
Libras, o sinal para “frutas” é representado pela combinação dos sinais: ”MAÇÃ-
LARANJA-DIVERSOS”, ou seja, um vocábulo composto em Libras representando
um vocábulo simples do português. E o inverso ocorre em “guarda-chuva”, vocábulo
composto da língua portuguesa representado em Libras como uma palavra simples.
A propósito, convém lembrarmos de algumas convenções utilizadas para
representarmos os sinais da Libras em português escrito: a) Toda palavra a ser
sinalizada é grafada em português em letras maiúsculas; (MUNDO, AVIÃO, LIVRO,
etc.); b) Quando um único sinal em Libras é composto pela união de duas palavras
em português, essas são grafadas separadas por hífen: QUERER-NÃO; AINDA-
NÃO, etc.; c) Se o sinal é formado por dois ou mais sinais mas com um só
significado, ele é grafado em letras maiúsculas separados pelo símbolo “^”, como é o
caso de CAVALO^LISTRA – zebra; d) quando o nome de pessoas, cidade ou outra
palavra precisar ser soletrada pela datilologia, a separação letra a letra é feita por
hífen: S-A-M-I-R-A; F-E-L-I-C-I-D-A-D-E etc.; e) Há sinais em Libras que são
formados por empréstimo da palavra em português, como é o caso de N-U-N-C-A e
P-A-Z. Nesse caso, as palavras aparecem separadas por hífen e em itálico. Assim,
percebemos que não é simplesmente uma digitação da palavra, mas um sinal por
ela constituído; f) Como na Libras não há desinência para gêneros masculino e
feminino e nem para o plural, fica convencionado utilizar o símbolo @ para evitar
confusão, e o entendimento será feito pelo contexto: MUIT@ (muito, muita, muitos,
muitas), AMIG@, (amigo, amiga, amigos, amigas) FRI@ (frio, fria, frios, frias) etc.
Uma outra característica morfológica da Libras é a iconicidade de alguns sinais.
Como exemplo, citamos os classificadores que utilizam na sua constituição,
aspectos influenciados pela modalidade viso-espacial. Os classificadores são muito
utilizados para apresentar idéias que não são descritas por sinais. Assim Karnopp e
Quadros definem os classificadores:
Os classificadores têm distintas propriedades morfológicas, são formas complexas em que a configuração de mão, o movimento e a locação da mão podem especificar o movimento e aposição de objetos e pessoas ou para descrever o tamanho e a forma dos objetos (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 93).
59
Quadros e Karnopp (2004) destrincharam a morfologia das línguas de sinais,
especialmente da Libras, e Brito (1995) dedicou um capítulo de sua obra para expor
parte dos resultados de seus estudos sobre o tema, especialmente sobre os
classificadores em Libras. Ela também atribui a característica da modalidade da
Língua de Sinais (espaço-visuais) à presença frequente de diversos classificadores
que exploram morfologicamente o espaço de maneira multidimensional. Ferreira
Brito observa que, tanto na ASL como em Libras, os classificadores (CLs) funcionam
como partes dos verbos em uma sentença, chamados neste contexto de verbos de
movimento ou de localização. A relação entre o significado do verbo e o seu
classificador tem a característica de ser transparente ou icônica. Sendo assim, os
classificadores representam os seres envolvidos no evento narrado, preservando a
iconicidade nessa representação (BRITO, 1995, p. 103).
Como exemplo de classificadores, citaremos a CM , que pode significar o
gancho do telefone, quando colocado sobre os ouvidos; bomba de gasolina, em
movimento como se estivesse enchendo o tanque; um avião, elevando a mão para o
alto, em diagonal ascendente como que fazendo o movimento de decolagem da
aeronave, etc. A transparência dos classificadores refere-se à semelhança entre a
forma dos sinais e a forma ou tamanho de seus referentes.
2.3.3 Aspectos Sintáticos
Conforme Fernandes (2003), “a sintaxe é o estudo das inter-relações dos elementos
estruturais da frase e das regras que regem a combinação das sentenças”. A autora
descreve diferenciações entre as línguas de sinais e as línguas orais na estruturação
e formação dos sinais/palavras:
O que as diferencia de algumas línguas orais-auditivas é que, ao contrário da maioria dessas, as línguas de sinais são sintéticas. O sinteticismo é uma característica do grego e o latim, por exemplo. Por essa razão, as línguas de sinais não têm artigo, como ocorreu no latim clássico. Ademais, o seu sinteticismo permite que não haja uma lista tão ampla como a do português, no que se refere às classes das preposições e conjunções (FERNANDES, 2003, p. 42).
O sinteticismo é considerado uma das características principais da sintaxe das
línguas de sinais. Este sinteticismo pode ser observado na construção frasal, com
60
pouco uso de preposições e conjunções. A Libras é bastante flexível na ordenação
das palavras, mas apesar desta flexibilidade, parece haver uma ordenação mais
utilizada, qual seja: Sujeito-Verbo-Objeto (SVO). Exemplificando: MARIA VIAJAR
AVIÃO; MENINO BRINCA PIPA. Outra ordenação muito usada é SOV (Sujeito-
Objeto-Verbo): ELE FUTEBOL JOGA; MULHER CHÃO CAIU.
As expressões não-manuais (ENM), ou seja, o movimento do rosto, cabeça, olhos
ou tronco marcam as construções sintáticas. As expressões não-manuais são todos
os recursos associados para dar maior expressão aos sinais. Quando sinalizamos o
sinal “SORRISO”, a mão direita está configurada em “L” e colocada sobre o queijo,
balançando repetidas vezes, com a expressão de sorriso, no rosto. O elemento
“sorriso” é uma expressão não-manual imprescindível para demonstrar a alegria do
enunciador. Seria bem incoerente sinalizar este sinal com um ar sério no rosto.
Provavelmente um surdo não entenderia o significado de tal informação ou ficaria
confuso sobre de qual sentimento se está falando. Outro exemplo de expressão não-
manual é a expressão indicativa de interrogação e negação. A dissertação de
mestrado de Jéssica Arroteia, cujo título é “O Papel da Marcação Não- Manual nas
Sentenças Negativas em Línguas de Sinais Brasileiras”, defendida em 2005, na
UNICAMP, apresenta uma análise descritiva dos elementos que marcam ou
contribuem para a interpretação das sentenças negativas na LSB.
2.3.4 Aspectos Semântico-Pragmáticos
Fernandes afirma que os traços semânticos-pragmáticos são previamente
estipulados em seu uso, pelo contexto, em qualquer modalidade de língua.
No nível semântico há algumas diferenças quanto à correspondência entre sinais e
seus significados. Para exemplificarmos, utilizaremos os exemplos escolhidos por
Bernardino (2000): o verbo COMER. Esse verbo pode ser representado por
diferentes sinais, conforme sua conotação. Por exemplo: o sinal COMER-MAÇÃ é
realizado com a mão dominante configurada em “C”, frente à boca, representando
iconicamente uma maçã a ser mordida; outro sinal de COMER é realizado com a
mão dominante em “B”, com os dedos estendidos e virados para a boca,
61
movimentando os dedos para baixo e para cima. O vigor ou a leveza ao realizar um
sinal caracterizam também, essa especificidade da língua.
Os pontos de localização de alguns sinais são outro indicativo semântico-pragmático
presente na Libras. Os sinais correspondentes a sentimentos normalmente são
realizados junto ao peito, próximos ao coração; Os sinais relativos à cognição são
realizados, em sua maioria, na região da cabeça, mais especificamente, na testa.
Isso demonstra que os sinais não são criados aleatoriamente, mas seguem critérios
de utilização de campos semânticos. Exemplificaremos alguns desses sinais um
pouco mais à frente, no item 3.1.3.
62
3 LINGUA DE SINAIS BRASILEIRA: uma língua viso-gestual-espacial
Devido às especificidades da Língua de Sinais, várias são as terminologias
utilizadas por pesquisadores: língua viso-espacial, espaço-gestual, viso-gestual, etc.
Uma outra terminologia foi adotada por Correa (2007, p. 10.) em sua Dissertação de
Mestrado, para se referir às línguas de sinais: língua cinésico-visual. Para justificar a
utilização desse termo, Correa escreve:
[...] adotamos o termo cinésico-visual para nos referirmos à modalidade das línguas de sinais. Justificamos o emprego desse termo porque a abordagem cinésico-visual possibilita a descrição de todos os elementos de recepção, canal e produção, na simultaneidade de sua realização. Assim, para abranger o modo de produção dos elementos linguísticos das Línguas de Sinais ou dos elementos do sistema gestual, parece-nos coerente adotar a abordagem dos estudos cinésicos que, segundo Eco (1976), é entendido como o estudo dos gestos e dos movimentos corporais de valor significante convencional (CORREA, 2007, p. 32).
A essa terminologia poderíamos acrescentar a categoria espaço, resultando na
seguinte nomenclatura: língua cinésico-viso-espacial, por considerarmos que a
Língua de Sinais possui exatamente estas características: é estruturalmente uma
língua visual que se movimenta em um determinado espaço produzindo sentido.
Continuaremos, portanto, adotando neste estudo o termo viso-gestual, reiterando
que o interesse desta pesquisa é estudar como a fala-gesto (sinais) engendra o
discurso visual da pessoa com surdez. A espacialidade é intrínseca à modalidade
das línguas sinalizadas, pois os sinais são produzidos sincronicamente num
determinado espaço, no corpo do enunciador ou fora dele. A modalidade viso-
gestual permite representar simbólica e espacialmente, no espaço real utilizado pelo
enunciador, formas visíveis de objetos concretos segundo suas características
físicas valendo-se de movimentos e de expressões corpóreo-faciais para produzir
significado. As expressões faciais e corporais são consideradas elementos
linguísticos de produção de sentido.
63
3.1 LIBRAS: UMA LÍNGUA VISUAL
A língua [de sinais] que usamos entre nós, sendo uma imagem fiel do objeto expresso, é singularmente apropriada para tornar nossas idéias acuradas e para ampliar nossa compreensão, obrigando-nos a adquirir o hábito da observação e análise constantes. Essa língua é vívida; retrata sentimentos e desenvolve a imaginação. Nenhuma outra língua é mais adequada para transmitir emoções fortes e intensas (Pierre Desloges apud SACKS,1998, p. 33).
Por ser a apreensão do mundo para o surdo uma experiência visual, a palavra
falada dificilmente será o principal meio para ele se expressar. Em sua total
construção semântica, a palavra não é para o surdo a ferramenta de construção do
pensamento, pois seu pensamento depende das imagens, não só para se
expressar, mas para existir. Cada imagem possui relação com outra, formando elos
de uma grande corrente, dando sentido ao que se percebe e assimila. Trata-se da
elaboração do pensamento pelo canal da visualidade.
Encontramos uma pesquisa que dialoga como nossa proposta de discussão sobre o
tema “visualidade da Língua de Sinais”. Trata-se da tese de Ana Regina S. Campello
(2008). A pesquisadora aborda a visualidade como processo de ensino-
aprendizagem do sujeito surdo e a considera como propulsora de sentido uma vez
que supõe exercícios imagéticos mediados, semioticamente, por signos. As
proposições são pertinentes e formuladas com propriedade, não só do ponto de
vista epistemológico, mas do empírico, pois embasam a própria experiência visual
de uma pesquisadora com surdez profunda. Assim escreve sobre a experiência da
visualidade:
A experiência da visualidade produz subjetividades marcadas pela presença da imagem e pelos discursos viso-espaciais provocando novas formas de ação do nosso aparato sensorial, uma vez que a imagem não é mais somente uma forma de ilustrar um discurso oral. O que captamos sensorialmente pelos olhos é apenas uma pista que é enviada aos sistemas neuroniais e, posteriormente, esses dados, através de operações mais complexas informam nosso cérebro, produzindo sentido do que estamos vendo. Por isso, as formas de pensamento são complexas e necessitam a interpretação da imagem-discurso. Essa realidade implica ressignificar a relação sujeito-conhecimento principalmente na situação de ensinar e aprender (CAMPELLO, 2008, p. 22).
Experiências pessoais de pesquisadores surdos ratificam a notoriedade que deve
ser dada ao aspecto da visualidade como elemento constituidor de apreensão do
mundo significante. Ao discutir sobre a visualidade, Campello concorda que se torna
64
imprescindível uma reflexão sobre as produções e compreensões visuais dos
sujeitos surdos.
Para Laboritt (1994), a percepção do som para o surdo perpassa o viés da
visualidade. A autora surda conta, em sua obra, a sua experiência visual,
considerando que tudo que vê é percebido e apreendido imageticamente. Assim
como os sons são percebidos pelos ouvintes por meio do canal auditivo, para os
surdos a sensação sonora é revelada por imagens: “Tenho minha imaginação, e ela
tem seus barulhos em imagens. Imagino sons em cores. Meu silêncio tem, para
mim, cores, nunca é em preto e branco” (LABORITT, 1994, p.19).
Esse fenômeno semiótico de construção imagética de sentido, experiencial dos
sujeitos surdos, deve ser considerado e estudado com maior profundidade por
surdos e não-surdos, pois trata-se de um fértil canal de apreensão conceitual,
engendrado por mediações dialógicas por meio da visualidade.
Ao se comunicarem pela modalidade viso-gestual, os surdos usam a Língua de
Sinais envolvendo o corpo todo na produção do discurso, produzindo inúmeras
formas de apreensão, interpretação e narração do mundo a partir de uma cultura
visual.
É nessa perspectiva que quero abordar a visibilidade das coisas, que no sentido de
Landowski é abordar o visível na perspectiva de uma apreensão impressiva,
reintegrando o ver na globalidade do sentir (2004, p.108). Sobre essa visualidade,
escreve Landowski:
[...] consideramos a visualidade das coisas como uma das dimensões estésicas do real entre outras, as quais em conjunto, depende de uma só problemática do sentido, tal como ele se constitui a partir de nossa presença no mundo sensível (LANDOWSKI, 2004, p.107).
A partir de processos visuais e da apreensão do mundo sensível, o surdo pode
estruturar a comunicação, imagem e língua, ordenando a experiência figurativa de
linguagem pelo uso da forma. Portanto, podemos dizer que por meio de uma língua
visual, o surdo cria conceitos visuais, tratando a forma como resultado de um ato
específico de elaboração e invenção de esquemas de pensamento.
65
3.1.1 A Visualidade do Surdo
Os barulhos dos que escutam são também imagens para mim, sensações. A onda que rola sobre a praia, calma e doce, é uma sensação de serenidade, de tranquilidade (LABORITT, 1994, p. 19).
De acordo com Marques (1999, p. 38), a visualidade representa para o surdo o
principal canal de organização do pensamento e expressão do conhecimento. Com
o uso de imagens como instrumentos mediadores do conhecimento podemos
observar resultados significativos na formação e na relação social da pessoa surda.
A visualidade é, portanto, o meio pelo qual é permitido ao surdo expressar o
pensamento32.
O canal visual permite ao surdo a leitura do mundo como um referencial para a
formulação de todo o processo mental de apreensão de significados. Sobre a
visualidade da pessoa com surdez, assim escreve Marques:
A visualidade parece representar, para a pessoa surda, o principal canal de processamento de esquemas de pensamento, por ser capaz de propiciar naturalmente a aquisição, construção e a expressão de conhecimento, valores e vivências, que de outra maneira seriam incomunicáveis (MARQUES, 1999, p. 39).
Skliar também considera a visualidade como um aspecto importante na mediação
entre o surdo e seu contexto de vida.
A surdez é uma experiência visual, ou seja, todos os mecanismos de processamento da informação, e todas as formas de compreender o universo em seu entorno, se constroem como experiência visual (SKLIAR 1998, p. 28).
Ratificando a importância da visualidade para o sujeito surdo, Campello escreve:
Os aspectos da visualidade, nada mais são que uma característica peculiar elaborada e voltada para a comunidade Surda, baseada com os próprios entendimentos e experiências visuais. Também tem uma forma estratégica cultural e linguística de como transmitir a própria representação de objeto, de imagem e de língua cuja natureza e aspecto são precisamente de aparato visual (CAMPELLO, 2008, p. 27).
Tal experiência visual, citada por Marques, Skliar e Campello, nos remete ao “fazer
sentido, fazer imagem” abordado por Landowski (2004, p. 104). Nesse texto, o autor
32 Discuto sobre a visualidade do sujeito surdo em outro trabalho acadêmico (SILVA, 2003, p. 40-41) enfatizando a importância da imagem como propulsora dos processos cognitivos da criança surda.
66
se apóia não só nas proposições de Greimas, mas nos estudos de Jean Marie
Floch, para justificar a tessitura de uma semiótica “que integra explicitamente a
dimensão do sensível”.
A apreensão do mundo-objeto de maneira inteligível e ao mesmo tempo sensível
torna-se um desafio, pois significa rasgar o véu que encobre as imagens-figuras
reconhecíveis e nomináveis para buscar apreender o “fazer sentido”, por meio do
regime de sentido, que segundo Landowski se refere à visão do mundo particular.
3.1.2 A Visualidade e a Figuratividade na semiótica discursiva
A figuratividade não é simples ornamento das coisas, ela é essa tela do parecer cuja verdade consiste em entreabrir, em deixar entrever, graças a ou por causa de sua imperfeição, como de uma possibilidade do além-sentido. Os humores do sujeito encontram assim a imanência do sensível (GREIMAS apud BRAIT, 1995, p.1830).
A semiótica greimasiana detém-se no debate sobre o discurso, por isso chamada de
Semiótica Discursiva. Em seus estudos, Greimas amplia o debate da semiótica, para
questões e temas referentes também à visualidade e o gosto. Falarei apenas da
visualidade para chegar à figuração ou iconicidade.
A visualidade apontada por Greimas (2004, p. 75-96) discorre sobre a “semiótica
figurativa e semiótica plástica”. Tais abordagens dialogam com o texto “Modos de
presença do visível” de Landowski (2004, p. 97-111).
No texto de Greimas, a questão da figuratividade nos interessa quando discute
visualidade, crivo de leitura e sistema de representação. Em Greimas (2004, p. 76-
77) está claro que a visualidade se constitui, sob a forma de imagens, num
componente essencial da “linguagem poeticamente construída”. E em Landowski,
(2004, p. 106) quando discute sobre os “modos de presença do visível” e sobre o
estabelecimento do “regime de presença” no mundo em que vivemos que passa ser
o responsável por comandar o regime de sentido segundo o qual o mundo pode
significar para um sujeito.
67
Se o “crivo de leitura” é uma espécie de “significado do mundo representado”, que
torna o mundo significante e que nos permite “identificar as figuras como objetos”
qual seria o crivo de leitura para o surdo? Concordamos com Greimas (2004, p. 80)
que “mal se coloca o conceito de crivo de leitura, e ele já faz surgir uma
problemática nova”, principalmente se considerarmos que esse crivo de leitura
possui natureza social, ou seja, que sofre variações no tempo e no espaço, no que
tange ao reconhecimento dos objetos do mundo sensível. Sobre esta questão,
escreve Greimas:
[...] sendo cada cultura dotada de uma “visão de mundo” que lhe é própria, ela impõe, por isso mesmo condições variáveis ao reconhecimento dos objetos e, consequentemente, à identificação das figuras visuais, como algo que “representa” os objetos do mundo, contentando-se, frequentemente com esquematismos vagos, mas exigindo, por vezes, reprodução minuciosa dos detalhes verídicos (GREIMAS, 2004, p. 80).
Landowski (2004, p. 106) apresenta o “regime de sentido” como visão do mundo
particular e o “regime de presença” como uma análise das formas da vida adotadas
pelo sujeito no mundo-objeto. Os modos de presença do visível estão presentes na
maneira como as coisas fazem sentido. Como se o mundo começasse a fazer
sentido enquanto “presença efetiva, envolvente, imediatamente acessível” (PROUST
apud LANDOWSKI, 2004, p. 98). Esse “modo de presença” pode estar presente na
língua do surdo que se apresenta como linguagem contextualizada, tendo sempre
como referência para sua expressividade e até mesmo, existência, o mundo-objeto.
A aproximação sensível das coisas do mundo faz com que o surdo elabore sentido
em sua fala-gesto, constituindo, então, “regime de sentido” e “regime de presença”,
fazendo do universo inteiro uma espécie de “texto” que se pode ler continuamente,
não apenas com os olhos, mas com todos os sentidos, concebendo-o tanto como
um mundo inteligível quanto como um mundo sensível.
Por ser um sujeito que apreende significados muito mais pelo sentido da visão, sem
ignorar, porém os outros sentidos latentes, o que o surdo fala por meio de sua língua
viso-gestual é tudo que ele vê, e a visualidade está presente nas figuras tecidas pela
ação de mãos criadoras de sentido. Henri Focillon tece uma descrição poética sobre
a representação rupestre das mãos, que transcrevo, fazendo uma associação às
mãos da pessoa com surdez:
68
As mãos são quase seres vivos... dotadas de um espírito livre e vigoroso, de uma fisionomia. Rostos sem olhos e sem voz que, não obstante, vêem e falam... As mãos significam ações: fazer, criar, às vezes, parecem até pensar (FOCILLON apud OLIVEIRA,1992, p. 23).
As mãos dos sinalizadores33 são criadoras de sentido, que na produção dos sinais
se apresentam vigorosas e expressivas, construindo significados.
A construção de significação feita pelo surdo, produzindo imagens com significações
discretas e articuladas a partir de uma leitura sensível de mundo pode se constituir
no que Landowski chama de “uma poética da imagem voltada para a significação”.
Pois, não seriam as articulações de um sinal “conjuntos significantes” e as coleções
desses conjuntos “sistemas significantes”?
Consideramos que grande parte do léxico da Libras é prenhe de iconicidade, já que
estabelecem uma relação de figuratividade no momento em que as mãos se
articulam, criando sinais e produzindo significado. De acordo com o dicionário
Houaiss (2007), iconicidade é “a propriedade que tem o signo icônico de representar
por semelhança o mundo real (quanto maior o grau de iconicidade de um signo,
menor o seu grau de abstração ou esquematização)”.
Para exemplificarmos a presença dessa iconicidade, apresentamos alguns sinais da
Libras:
a) para representar a palavra CASA – significando moradia, lar – as mãos se
apresentam com a seguinte configuração: as duas mãos abertas, palma a palma,
tocam-se somente pelas pontas dos dedos indicadores, médios e anelares, criando,
à frente do corpo, a forma triangular de um telhado.
33 Escolhemos a terminologia sinalizador para referenciarmos, nesta pesquisa, a pessoa que se comunica em LS, tal como o fez Moreira (2007), em sua dissertação, apesar do referido termo não ser reconhecido pelo dicionário Houaiss Eletrônico da língua portuguesa.
69
Ilustração 01 – Sinal de CASA
b) para sinalizar a palavra HARPA, utilizam-se as duas mãos, deslocadas para o
lado esquerdo do corpo do sinalizador, movimentando-se os dedos como se
estivesse dedilhando as cordas do instrumento.
Ilustração 02 – Sinal de HARPA
c) a sinalização da palavra CHORAR é feita com a mão direita (MD) configurada em
“D”, do alfabeto manual. O sinalizador passa os dedos indicadores sobre a face,
abaixo dos olhos, representando, iconicamente, as lágrimas descendo.
Ilustração 03 – Sinal de CHORAR
70
Ao colocarmos a questão da iconicidade de um objeto postulamos um crivo de
leitura iconizante à interpretação desses objetos. Greimas (2004, p. 80) diz que essa
leitura iconizante “é, contudo, uma semiose, vale dizer, uma operação que,
conjungindo um significante e um significado, resulta na produção de signos”.
De acordo com Greimas (2004, p. 75) o conceito de representação é o ponto de
partida para a reflexão da visualidade. Aqui sou instigada a criar uma relação com a
linguagem dos surdos, tomando a liberdade de parafrasear Greimas (2004, p. 76),
quando o autor aponta questionamentos que nos levam a, pelo menos, uma
reflexão: as articulações das mãos, “configurações visuais”, construídas sobre o
corpo ou fora dele são “representações”? E essas “configurações” no momento em
que são produzidas, convergem para um mesmo objetivo? São regidas por um
“código” graças ao qual elas podem ser lidas? Considerando sim, para todas essas
perguntas, Greimas nos aponta que todos esses conjuntos são “sistemas de
comunicação”, de “formulação” ou de “concepção”. Então, a Língua de Sinais,
construída a partir de configurações visuais poderia falar de outra coisa que não de
si mesma?
Diante do exposto, apresentaremos a proposição do estabelecimento da Língua de
Sinais utilizadas pelo surdo, como formadora de pensamento, possibilitando-lhe
representar visualmente sentimentos, conceitos e impressões de um mundo vivido e
experimentado que no dizer de Landowski (2004, p.108) significa abordar o visível
na perspectiva de uma impressão voltada para a experiência do sentido
experimentado, reintegrando o ver na globalidade do sentir.
3.2 LIBRAS: UMA LÍNGUA GESTUAL
[...] há gestos sublimes que toda a eloquência oratória nunca haverá de transmitir (DIDEROT, 2006, p. 96).
A questão da expressividade do gesto é abordada de diferentes maneiras em
estudos como o de Diderot ([1949])34, Greimas; Kristeva; Bremond et al. (1979) e de
Oliveira (1992).
34 Texto original escrito em 1751.
71
Oliveira (1992) discute a fala dos gestos, tecendo uma análise da representação
corporal na arte, discutindo a importância das mãos e de todo o corpo na
experiência da criação e expressão. São algumas das instigantes perguntas da
autora: Qual a importância das mãos na experiência da criação e expressão desde
os primórdios da humanidade? O que e como fala a Fala Gestual?
As mãos criam e expressam o sentir humano. Passado e presente pelas mãos,
transtemporizam-se. As mãos, ontem e hoje, falam do ser/estar do homem no
mundo. São uma parte do homem que re-acorda o próprio homem para sua
dinamicidade num outro tempo/espaço de ação (OLIVEIRA,1992, p. 27).
Parafraseando Oliveira (1992), formulamos as seguintes questões: se as mãos,
parte do homem, falam de seu ser/estar no mundo, o que não falaria todo o corpo do
surdo na expressão em Língua de Sinais? Como o corpo e suas partes repropõem
em suas articulações e na dinamicidade de seu movimento, um discurso gestual
fecundo de sentido?
A importância da fala pelos gestos tornou-se também, objeto de pesquisa de Denis
Diderot ([1949]). O autor questiona, em sua obra Carta sobre os Surdos e Mudos
endereçada àqueles que ouvem e falam, os métodos até então utilizados com
surdos, ressalva a complexidade das Línguas de Sinais e analisa linguisticamente, a
produção de sentido por meio dos gestos. Ele conta na sua “Carta” que quando se
propôs a estudar os movimentos e os gestos dos atores de peças teatrais, buscava
os lugares mais afastados, o camarote do 3º patamar, pois acreditava que quanto
mais afastado estava dos atores, melhor estava colocado. Apesar do fato de que
para conhecer algo precisamos nos aproximar e não buscar o distanciamento,
Diderot sabia o porquê dessa necessidade: ele não estava preocupado em ouvir a
voz de seus atores, mas compreender a fala do corpo. Assim que a peça começava,
ele tapava os ouvidos, causando estranheza aos espectadores à sua volta. Como
era frequentador assíduo de espetáculos teatrais, sabia de cor o texto da maioria
das peças. Quanto mais o texto era conhecido por Diderot, mais ele mantinha os
ouvidos obstinadamente tapados. Essa experiência foi tão marcante para o autor
quanto para as pessoas que o observavam. Alguns jovens, em sua simplicidade, o
imitavam, tapando também os ouvidos e ficavam surpresos, pois, para eles nada
72
significavam tal atitude. Outros se arriscavam em questioná-lo e sua resposta era de
que cada um tinha a sua maneira de escutar, e a dele era a de tapando os ouvidos
para ouvir melhor. Sem o som das palavras, a voz do corpo lhe contava, de maneira
contundente, a emoção de cada cena.
Diderot estava propondo um estudo da linguagem por gestos, e para aprofundar seu
conhecimento e conhecer a especificidade da linguagem gestual, buscou a
companhia de um surdo-mudo de nascença. Ao conviver com um surdo pôde
compreender que os gestos e todo o movimento corporal se traduzia em uma
linguagem repleta de sentidos.
Com essa reflexão, Diderot cristaliza sua concepção sobre a origem da linguagem,
ou seja, que ela só é constituída por meio de uma relação sensível do homem com
os objetos à sua volta, trazendo-lhe significação.
Objetivando ancorar epistemologicamente nossa temática, procuramos estudos que
corroborassem nossas hipóteses investigativas. Encontramos trabalhos dissertativos
que muito contribuíram na fomentação do desenvolvimento deste estudo. Um deles
é o trabalho de Correa (2007), citado no início desse capítulo, que traz no bojo de
sua dissertação a proposição de analisar os recursos gestuais complementares às
produções linguísticas do surdo, organizando e descrevendo a tipologia da
linguagem gestual além de identificar as estratégias empregadas pelos sujeitos para
efetivar a comunicação. O trabalho de Correia dialoga com nossa pesquisa quando
aborda a importância da gestualidade como produtora de sentido, quando considera
os estudos semióticos como base para o reconhecimento de algumas funções
sígnicas que envolvem o sistema gestual. O que difere é a base semiótica: a
pesquisadora fundamenta suas proposições na semiótica peirciana, enquanto nós
optamos pela semiótica greimasiana. Correa entende que as questões linguísticas
se aplicam ao estudo das línguas e que as questões sobre a linguagem são
tratadas, em geral, pela semiótica. Suas postulações estão baseadas nas
contribuições dos estudos realizados por Saussure, Pierce e Umberto Eco.
Segundo Correa (2007), quando é impossível o uso dos canais sensoriais
responsáveis pela recepção de uma língua oral, sonora, os gestos revelam-se
73
mediadores de um processo cognitivo humano que possibilita a transmissão de
idéias. Complementamos essa informação com uma frase de Diderot (apud SILVA,
2003, p. 12): “Um homem que impedido de usar os sons articulados, procura
exprimir-se por meio de gestos”. Essa concepção nos remete ao que Oliveira
escreve sobre a fala gestual: “[...] o homem, miríade de sinais, é uma ação sígnica
que significa” (OLIVEIRA, 1992, p. 182).
Cresswell (1979, p. 169) sustenta que um dos traços característicos da linguagem
humana é o movimento corporal contínuo, referindo-se especialmente à
comunicação verbal. Quando se propôs a pesquisar o gesto manual associado à
linguagem concluiu que o campo de estudo sobre a gestualidade do ser humano, tão
fecunda de significação, tem sido pouco visitado e explorado. Provavelmente, a
razão desse possível desinteresse seja devido à visão unidirecional centrada nos
estudos das linguais orais e auditivas, que por muito tempo deixaram suspensos os
estudos mais aprofundados sobre a gestualidade.
Correa (2007) acredita que o estudo dos gestos recebe atualmente um status mais
prestigiado nas investigações linguísticas e comunicativas pelo fato de que o gesto
se realiza na mesma modalidade que as línguas sinalizadas, o que revela a
necessidade de separar essas duas ocorrências numa situação comunicativa.
Greimas considerou uma problemática a questão da atribuição da gesticulação
como linguagem:
[...] tentaremos organizar um pouco o domínio da gesticulação como linguagem, que é um domínio aparentemente confuso, onde elementos diferentes, signos e sintagmas gestuais, seus programas e seus códigos sejam naturais ou artificiais, se misturam e se confundem na manifestação (GREIMAS, 1975, p. 66).
A práxis gestual é definida por Greimas (1979, p. 27) como a utilização de seu
próprio corpo pelo homem, tendo em vista a produção de movimentos organizados
em programas, com um sentido comum. Essa gestualidade programada, no dizer de
Greimas, refere-se à gestualidade prática e não mítica.
74
Em estudos sobre a comunicação gestual, Greimas (1975, p. 76) reconheceu,
primeiramente dois tipos de gestualidade: a) gestualidade de comunicação, portanto
discursiva, que abrange as categorias significante/significado e b) gestualidade de
transposição, referindo-se, então, à gestualidade mimética, que pode ser
exemplificada com a mão representando uma arma, na seguinte configuração: os
dedos indicador e polegar estirados enquanto os demais estão dobrados junto à
palma e que de forma vigorosa é apontada para o outro; e à gestualidade lúdica,
como os gestos da dança folclórica, que a seu ver não pode ser examinada do ponto
de vista da comunicação discursiva.
Sobre tipologia gestual, as considerações de Kendon (apud CORREIA, 2007, p. 38)
apresentam nuances conceituais semelhantes ao pensamento greimasiano. O autor
em questão elaborou um rol de tipologia dos gestos:
a) a gesticulação, referindo-se aos gestos produzidos no ato da fala oral;
b) a pantomima, que se baseia em movimentos miméticos de ações humanas ou
não-humanas, como a representação do pulo de um gato, ou a ação de escovar os
dentes. Mesmo que alguns autores, como Greimas e Kendon, defendam a idéia de
que a pantomima não ocorre em discursos, nos parece, salvo engano, que em
alguns sinais da Libras ocorra sua presença, como constituidora de significado na
produção de alguns sinais como acontece nos recursos utilizados pelos chamados
“Classificadores” (CL). Os classificadores são recursos enfáticos utilizados para
representar, por exemplo, o deslocamento de animais ou pessoas num determinado
espaço, a queda de objetos ou pessoas, etc. O sinal, em Libras, “ESCOVAR OS
DENTES”, ilustrado um pouco mais a frente é essencialmente mimético, no sentido
apontado por Kendon.
c) os emblemas, referindo-se aos gestos utilizados culturalmente. Greimas (1975, p.
56) atribui como fenômeno cultural a gesticulação aprendida e transmitida, conforme
os sistemas semióticos, como é o caso do sinal “Positivo”, com o dedo polegar em
riste e os demais dobrados junto à palma. Na Libras, esse “gesto” representa mais
que isso, representa um signo linguístico. É a configuração de mão (CM), utilizada
para indicar, por exemplo, o número um. Como último tipo de gestualidade, Kendon
75
apresenta a Língua de Sinais, (apud CORREIA, 2007, p. 38) que segundo ele é o
próprio discurso realizado na mesma modalidade em que os gestos se realizam,
porém com uma diferença: trata-se de uma língua autônoma, constituída de itens
lexicais convencionados.
Correia menciona a importância dos estudos acerca dos gestos e afirma que,
segundo Kendon, o estudo do gesto levanta questões sobre a relação entre
linguagem verbal, linguagem imagística e pensamento (2007, p. 39). Consideramos
a Língua de Sinais como fala-gesto, prenhe de gestualidade, uma vez que é
articulada pela mobilidade corporal, ou seja, o movimento de mãos e corpo.
Landowski (1996, p. 25-26) ao discorrer sobre o corpo e o sentido, fala sobre a
mobilidade corporal. Mesmo reconhecendo que é demasiadamente difícil modelizar
a mobilidade, apresenta quatro níveis da modalidade corporal: as expressões
faciais; a gestualidade (braços e mãos); as atitudes reveladoras dos humores e
emoções e, por último, o movimento do corpo no espaço englobante, quando trata
da proxêmica. É nessa perspectiva de modalidade viso-gestual de língua que os
gestos, com seus diferentes tipos e seus respectivos componentes linguísticos estão
intrínsecos, imbricados para estabelecer direcionalidade no espaço sinalizado e para
inserir referentes ausentes no discurso sinalizado (CORREA, 2007, p. 57).
3.3 LIBRAS: UMA LÍNGUA ESPACIAL
Encontramos na Língua de Sinais, em todos os níveis – léxico, gramatical, sintático – um uso linguístico do espaço: um uso que é espantosamente complexo, pois boa parte do que se fala ocorre de modo linear, sequencial, temporal, na Língua de Sinais torna-se simultâneo, coincidente, com múltiplos níveis (SACKS, 1998, p. 99).
Ao discorrer sobre o uso linguístico do espaço, Sacks está falando de uma
gramática espacial. Outros estudiosos da Língua Americana de Sinais (ASL), como
Liddell e Johnson (apud SACKS, 1998, p. 100) consideraram a comunicação por
sinais não uma sucessão de configurações instantâneas “congeladas” no espaço, e
sim, contínua e ricamente moduladas no tempo, com dinamismo de movimentos e
“pausas” análogo ao da música ou da fala. Analisando a ASL, esses pesquisadores
76
identificaram diferentes movimentos sequenciais: a) sequências de configurações de
mãos; b) localizações; c) sinais não manuais; d) movimentos locais; e) movimentos e
pausas. Além de uma segmentação interna, considerada fonológica, na construção
de cada sinal.
Comparando o dinamismo e as diferentes dimensões espaciais exploradas pelo
corpo da pessoa que faz os sinais, Stokoe identificou a presença de um elemento
singular: o canal de expressão tetradimensional da Língua de Sinais:
Quando três ou quatro usuários da Língua de Sinais encontram-se num posicionamento natural para uma conversa em sinais [...] as transformações do espaço não são absolutamente rotações de 180º do mundo visual tridimensional, mas envolvem orientações que os não-usuários dessa língua raramente ou nunca entendem. Quando todas as transformações desse e de outros tipos são efetuadas entre o campo visual tridimensional de quem faz os sinais e o de cada observador, o que está comunicando transmitiu o conteúdo de seu mundo de pensamentos para o observador. Se todas as trajetórias de todas as ações sinalizadas – direção e mudança de direção de todos os movimentos de braço, antebraço, pulso, mãos e dedos, todas as nuances de toda a ação dos olhos, rosto e cabeça – pudessem ser descritas, teríamos uma descrição dos fenômenos nos quais o pensamento é transformado por uma Língua de Sinais (STOKOE, apud SACKS, 1998, p. 101).
Para Stokoe, portanto, a Língua de Sinais apresenta mais que três dimensões, ou
seja, além das dimensões largura, altura e profundidade representada na feitura dos
sinais, surge outra: a dimensão temporal. O autor conjectura a possibilidade da
Língua de Sinais explorar todas as possibilidades sintáticas de seu canal de
expressão tetradimensional (SACKS, 1988, p. 100).
Essa possível descrição dos movimentos tetradimensionais citadas por Stokoe é
exemplificada por Sacks, que apresenta um diagrama em que ilustra as dimensões
espaciais presentes nas articulações do sinal OLHAR, em ASL. Apresentamos a
ilustração tal como aparece em sua obra, com os devidos créditos (SACKS,1988, p.
103):
77
Ilustração 04 – Sinal OLHAR Imagens geradas por computador mostrando três inflexões gramaticais diferentes do sinal OLHAR.
SACKS (1988) comenta que desvendar essa estrutura tetradimensional
extremamente complexa, exige uma percepção quase ao nível da genialidade, mas
que, antagonicamente, pode ser facilmente desvendada por uma criança surda de
três anos de idade, usuária da Língua de Sinais.
Brito (1995, p. 215) utiliza a expressão inglesa setting para se referir ao espaço de
realização dos sinais. O esquema apresentado pela pesquisadora para representar
os eixos de deslocamentos possíveis na discursivização, considera também a
multidimensionalidade espacial. A liberdade de movimento na Língua de Sinais pode
ser entendida como a utilização do espaço na frente e atrás do corpo do enunciador,
à direita (superior/inferior), à esquerda (superior/inferior), em cima e embaixo. Os
pontos de articulação tomam todos os referentes espaciais disponíveis para a
realização dos sinais; desde os pontos no próprio corpo, como a ponta do nariz, até
os pontos menos precisos, como o espaço à frente do tórax. Em sinais em que o
ponto de articulação não é relevante é considerado espaço neutro.
Segundo Friedman (apud BRITO,1995, p. 216-217) os pontos de articulação são
realizados em quatro regiões principais do corpo: CABEÇA; TRONCO, BRAÇOS E
MÃO, e cada uma dessas regiões são exploradas como microrregiões. Por exemplo,
78
na região da CABEÇA, surgem outros pontos de articulação de sinais: topo da
cabeça, testa, têmpora, orelha, olhos, nariz, boca, queixo, zona abaixo do queixo,
etc. Da mesma forma acontece nas outras regiões principais apontadas. Há sinais
que compreendem mais de um ponto de articulação e na produção dele são
marcados o ponto inicial e o ponto final, ou seja, onde começa e termina a
gestualidade. Um exemplo é o sinal do vocábulo PRÓPRIO, em Libras: As duas
mãos configuradas em “P”, do alfabeto manual; os dedos médios tocam nas
têmporas e, em seguida, em movimento circular, tocam no peito.
Os pontos articulatórios que informam direcionamento como, à esquerda, à direita,
em frente, atrás, etc., toma o próprio corpo do enunciador como referente principal.
Exemplos: sinais FUTURO/PASSADO.
O sinal FUTURO como marcação de tempo, apresenta uma visão prospectiva na
sua realização: a MD com CM em “F” do alfabeto manual é impulsionada para frente
informando visualmente que o futuro encontra-se à frente do enunciador, enquanto o
passado fica para trás, daí, a representação do sinal em Libras ser com a MD,
aberta com a palma virada para trás, na altura do ombro direito. Faz, por duas
vezes, o movimento impulsionando-a para trás.
As diversas dimensões que a língua sinalizada toma na discursivização, podem ser
observadas mais claramente numa narrativa produzida em sinais. Ao narrar uma
história por meio da Língua de Sinais, as pessoas com surdez exploram seus
movimentos corporais e o espaço de sinalização ao seu redor para construir as
cenas e para dar vida aos personagens. Nesta interpretação dos personagens, o
narrador surdo assume o papel de qualquer participante da cena narrada e a sinaliza
como se fossem eles. Lemos no trabalho dissertativo de Moreira (2007) algumas
considerações sobre essa característica própria da pessoa com surdez, de
incorporar personagens numa narrativa descritiva. A pesquisadora apresenta uma
proposta de descrição da dêixis de pessoa na Língua de Sinais Brasileira. Nas
línguas de sinais, a dêixis de pessoa é realizada substancialmente por meio de dois
tipos de sinais de apontamento: os pronomes pessoais e os verbos indicadores.
Moreira apresenta algumas características da língua viso-espacial do surdo que se
apropria de todo o espaço englobante para produzir sentido. Assim escreve:
79
Quando o sinalizador35 quer narrar, por exemplo, um diálogo ocorrido entre um pai e uma mãe, ele pode representar e incorporar a mãe e sinalizar olhando para a esquerda, que é o lugar em que ele pode imaginar que está o pai. O sinalizador tem de fazer a expressão facial da mãe que ele está interpretando e agir como ela. Para interpretar o pai, o sinalizador tem, então, de sinalizar olhando para a direita dele, onde está representada a mãe, fazer a expressão facial do pai. Sinalizar e agir como ele, e interagir como entidade subrogada criada para a mãe. Se o pai for mais alto que a mãe, por exemplo, o sinalizador, quando assumir o seu papel, terá de sinalizar olhando para baixo, e quando assumir o papel da mãe, ele terá que olhar para cima (MOREIRA, 2007, p. 51).
Esse jogo de distâncias, proximidades ou afastamentos, direção do olhar, ou seja,
os modos pelos quais o surdo se coloca e se movimenta em relação aos
personagens, a maneira como gerem e ocupam o espaço envolvente, considerando
a presença do personagem narrado, refere-se à proxêmica.
No dicionário de semiótica de Greimas e Courtés lemos a seguinte definição de
proxêmica:
A proxêmica é uma disciplina – ou melhor, um projeto de disciplina – semiótica que visa a analisar a disposição dos sujeitos e dos objetos no espaço e, mais particularmente, o uso que os sujeitos fazem do espaço para fins de significação. Assim definida, ela aparece como um domínio problemático da teoria semiótica, que cobre em parte a semiótica do espaço, mas também a semiótica natural, a semiótica teatral, a semiótica discursiva, etc. [...]. Numa primeira aproximação, a proxêmica parece interessar-se pelas relações espaciais (de proximidade, de distanciamento, etc.) que os sujeitos mantém entre si, e pelas significações não –verbalizadas que eles daí tiram (GREIMAS E COURTÉS, 1979, p. 359).
As relações de proximidade e de distanciamento são observadas por Rebouças
(2003), ao analisar semioticamente obras como Floresta36, de Tarsila do Amaral,
(REBOUÇAS, 2003, p. 32). Para a autora, os jogos de proxêmica são os recursos
expressivos responsáveis pelas significações das posições e atitudes dos corpos em
um espaço englobante. Ao salientar as relações inter-actoriais contidas na obra O
Jantar de De Fiori37 (2003, p. 63), Rebouças trabalha com algumas categorias
proxêmicas, como: central x periférico; de frente x de costas; sentado x em pé e em
movimento x sem movimento.
35 Referindo-se à pessoa que utiliza a LS para se comunicar. 36 Tarsila, Floresta, 1929, óleo s/ tela. 63,9x76,2 cm. Col. MAC-USP. 37 E. de Fiori. O Jantar, 1942, óleo s/ tela. 90x109,5 cm. Acervo do Museu de Arte Brasileira da Fund. Armando Alvares Penteado.
80
Segundo Fabbri (1979, p. 93), a proxêmica é o ramo da semiótica que estuda a
estruturação significante do espaço humano. Com base nos estudos do antropólogo
Edward T. Hall, responsável pela difusão do termo “proxêmica”, o autor considera a
estrutura inconsciente do microespaço, ou seja, a maneira como o homem avalia a
distância entre si e os outros nas relações cotidianas como um resultado da
proxêmica. Fabbri escreve que o discurso da proxêmica se baseia como semiótica
da comunicação, tanto na cultura como na comunicação estabelecida entre os
sujeitos, axioma fundamental das ciências behavioristas nos Estados Unidos.
Nessa mesma linha de pensamento, Kristeva (1979, p. 83) considera a proxêmica
como uma nova extensão do estudo behaviorista da gestualidade, pois se ocupa do
modo como o sujeito gesticulante organiza o seu espaço como um sistema
codificado no processo da comunicação.
Greimas e Courtés (1979, p. 360) amplia a atuação da proxêmica, que ao nosso ver
pode ser relacionada com a espacialidade explorada na sinalização em Libras:
A proxêmica não poderia satisfazer-se apenas com a descrição dos dispositivos espaciais formulados em termos de enunciados de estado; ela deve ter em mira igualmente os movimentos dos sujeitos e os „deslocamentos‟ de objeto, que não são menos significativos, porque são representações espácio-temporais das transformações (entre os estados). Sendo assim, a proxêmica vai além dos limites que se propôs e se vê obrigada a integrar em seu campo de análise também as linguagens gestuais tanto quanto as linguagens espaciais (GREIMAS; COURTÉS, 1979, p. 360).
Para cristalizar a proposição de que a Língua de Sinais possui além dos níveis
lexical, gramatical e sintático, o uso linguístico do espaço, citamos Sacks, que de
maneira apaixonante descreve mais esta característica da língua viso-gestual:
A característica isolada mais notável da Língua de Sinais – que a distingue de todas as demais línguas e atividades mentais – é seu inigualável uso linguístico do espaço. A complexidade desse espaço linguístico é esmagadora para o olho “normal”, que não consegue ver, e muito menos entender, o tremendo emaranhado de seus padrões espaciais (SACKS, 1998, p. 99).
Quando consideramos o aspecto físico e a trajetória de articulação das línguas,
percebemos que a língua oral ocorre de maneira linear, sequencial e temporal. Nas
línguas de sinais, em sua tetradimensionalidade, conforme observada por Stokoe e
81
ratificada por Sacks, os sinais são produzidos simultaneamente, coincidente e em
múltiplos níveis. Daí a complexidade da LS, que não se configura simplesmente
como um aglomerado de gestos ou ações miméticas, mas em uma língua produzida
por um corpo-volume que produz significativamente, na dimensão espacial, um
discurso gramaticalmente visual.
A Língua de Sinais explora sintaticamente seu canal de expressão multidimensional
com as manipulações espaciais e a pertinência do espaço de realização das
mensagens gestuais.
Essa capacidade natural de explorar semioticamente o espaço, faz com que o
discurso do surdo se apresente com característica cinemática. Conforme Brito (1995,
p. 213), para haver movimento, é preciso haver um objeto e um espaço, e nas
línguas de sinais o objeto é representado pelas mãos do enunciador/sinalizador e o
espaço da enunciação é a área em torno de seu corpo. Exemplificamos esse
fenômeno com o sinal PORTA. As mãos articulam-se à frente do corpo do
enunciador, num movimento de abrir a porta. Esse é um exemplo, dentre outros, de
manifestação mimética, no sentido poético do termo, imbuída de significação
discursiva, na Língua de Sinais. Ao referir-se à gestualidade mimética, Greimas
(1975, p. 73) considerou a presença da complexidade na produção de um texto
gestual, de manifestação figurativa, fortalecendo a premissa de que a pantomima se
aproxima da linguagem poética.
Ilustração 05 – Sinal de PORTA
Acrescentamos que o próprio corpo do enunciador surdo, também se constitui em
espaço de enunciação. Exemplo: sinal ANGÚSTIA, em Libras:
82
Ilustração 06 – Sinal de ANGÚSTIA
A Língua de Sinais, em nosso caso, a Libras, se apropria dos elementos sígnicos -
visualidade, gestualidade e espacialidade – para se apresentar como uma língua
que se expressa num nível surpreendente de semiotização. Por meio da visualidade,
a LS representa visualmente sentimentos, conceitos e impressões de um mundo
vivido e experimentado, reintegrando o ver na globalidade do sentir.
Por sua gestualidade, articulada pela mobilidade viso-gestual, a Língua de Sinais faz
do movimento de mãos e corpo, componentes linguísticos, estabelecendo um
discurso visual fecundo de significação, que na acepção semiótica do termo, é assim
definido por Landowski:
Produto que resulta da efetiva presença do mundo para o sujeito, assim como da recíproca presença do sujeito para o mundo. [...] um mundo indissociavelmente inteligível e sensível, no qual o cognitivo não se opõe ao sensitivo, mas nasce (e cresce e morre) nele: um mundo, enfim, onde não há sentido fora dos sentidos, nem almas além dos corpos (LANDOWSKI, 1996, p. 32).
Como língua espacial, estabelecida por um corpo-volume que produz enunciados
multidimensionais, a Língua de Sinais explora sintática e gramaticalmente o espaço,
semiotizando-o.
Todas as características abordadas fazem do discurso do surdo uma língua
essencialmente semiótica e cinemática.
83
3.1.3 A Iconicidade na Libras como Produtora de Sentido
Uma característica das línguas de sinais é que, diferentemente das línguas orais, muito sinais têm forte motivação icônica. Não é difícil supor que esse contraste se explique pela natureza do canal perceptual: na modalidade vísuo-espacial, a articulação das unidades da substância gestual (significante) permite a representação icônica de traços semânticos do referente (significado), o que explica que muitos sinais reproduzam imagens do referente (SALLES, et alli, 2002, p. 83-84).
As observações tecidas nos incentivam a prosseguir em nossa visão epistemológica
acerca da presença contundente e essencial da figuratividade ou iconicidade
inerente à Língua de Sinais.
Campelo, pesquisadora surda, também defende que tanto a iconicidade quanto a
arbitrariedade sempre existiram na Língua de Sinais e se torna impossível a
separação ou exclusão dessas características próprias geradas a partir da
percepção cognitiva do surdo e que a iconicidade é produto dessa ação perceptiva:
A percepção visual cria novo signo de acordo com o mundo que se vê (CAMPELLO,
2008, p. 157).
A experiência humana é fundamentalmente visoespacial e temporal e as línguas de
sinais, por sua característica modal acabam tendo mais recursos para mapear e
representar essas propriedades visoespaciais e temporais. A iconicidade é uma
característica marcante da comunicação na modalidade visoespacial.
No entanto, é interessante reconhecermos que os processos visuais estão presentes
tanto nas línguas de sinais como nas orais. Nas línguas faladas encontramos as
chamadas figuras de linguagens, dentre as quais se destacam as metáforas, que por
sua vez são carregadas de iconicidade. As metáforas se servem da iconicidade para
expressar um tipo de experiência numa relação do tipo como se fosse.
Exemplificando, temos as frases: Com você, minha vida é um mar de rosas ou com
os meus olhos te filmei. Ou ainda: André pisou na bola com a namorada. O que dizer
dos provérbios, que se valem da iconicidade para revelar significados? São
inúmeros os exemplos, mas citaremos alguns bem conhecidos: água mole em pedra
dura, tanto bate até que fura; nem tudo que reluz é ouro; cavalo dado não se olha os
dentes, etc. A iconicidade nas línguas orais está representada, também, pelas
onomatopéias, que ao apresentar semelhança entre a forma e a coisa representada,
84
como o atchim, o tique-taque ou o coachar ou o zumbir assume o caráter icônico da
língua.
A respeito da estrutura morfêmica dos sinais, ou seja, da participação de morfemas
metafóricos na iconicidade dos sinais da Libras, Capovilla e Raphael escrevem:
A iconicidade de um sinal ou símbolo diz respeito à sua transparência, translucência ou opacidade denotativa, ou seja, ao grau em que seu significado é imediatamente aparente a um observador ingênuo e não familiarizado com esse sinal ou símbolo (CAPOVILLA; RAPHAEL 2005, p. 737).
O autor chama de transparente o sinal altamente icônico, que pode ser interpretado
até por pessoas que desconhecem a língua, devido à figuratividade que leva ao
significado. Ainda sobre esta transparência icônica de alguns sinais, Quadros e
Karnopp (2004) citam a autora González, que estabelece uma classificação dos
sinais a partir das relações semânticas básicas entre o referente e o item lexical.
Assim escrevem:
Segundo a autora (Gonzáles) os sinais podem ser motivados (sinais icônicos e dêiticos), intermediários e/ ou arbitrários. A iconicidade reproduz a forma, o movimento e/ ou a relação espacial do referente, tornando o sinal transparente e permitindo que a compreensão do significado seja mais facilmente apreendida. Assim, mesmo não se conhecendo bem uma língua, há uma motivação do signo com relação ao referente. Entretanto, cabe salientar que apenas uma parte do léxico possui esta característica. Ao lado desta iconicidade, há também a arbitrariedade, já que alguns sinais não representam associações ou semelhanças visuais com o referente (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 32-33).
É importante deixar claro que essa transparência é relativa. Como prova disso há o
caso de Hoemann (apud QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 33) que realizou um
experimento a fim de testar a decodificação imediata de sinais considerados
icônicos. Ele selecionou 100 sinais do dicionário da ASL para mostrar a 52 pessoas
que não conheciam a Língua de Sinais. Somente 30% dos sinais apresentavam
significados identificáveis com a forma do sinal produzido. Portanto, essa é uma
discussão que merece reflexões aprofundadas.
85
Muitos sinais da Libras considerados atualmente como icônicos, podem, com o
passar do tempo, tornarem-se arbitrários. Como exemplo, citamos o sinal para
LEITE, que é realizado com a MD, com movimento de abrir e fechar a mão, como se
estivesse tirando manualmente o leite da vaca.
Ilustração 07 – Sinal de LEITE
Provavelmente no futuro, quando a tiragem de leite no Brasil for somente por
equipamentos eletrônicos, o movimento utilizado na realização do sinal LEITE, ou
seja, que ilustra a tiragem de forma manual, já não representará iconicidade para os
pequenos aprendizes da Libras, mas uma arbitrariedade.
Alguns sinais em Libras passam de uma motivação icônica para uma relação
arbitrária, devido ao aspecto diacrônico da língua. Como exemplo citamos duas
maneiras de apresentar o sinal para LADRÃO. Um, de aspecto icônico,
representando alguém roubando algo: mão esquerda aberta (ME), palma virada para
baixo. Mão direita (MD) aberta, dedo polegar levemente encostado na palma da ME,
faz movimento para trás, fechando a mão, indicando que alguém está furtando algo.
Ilustração 08 – Sinal de LADRÃO
86
Frequentemente tem-se utilizado outro sinal para LADRÃO, produzido de maneira
mais sutil, se constituindo numa metáfora. O sinal é realizado com a língua fazendo
um movimento interno e rápido na bochecha, ou seja, a língua passa rapidamente
na lateral interna de uma das bochechas, produzindo um volume, que quase não é
perceptível a alguém desatento.
Ilustração 09 – Sinal de LADRÃO
Essas mudanças foram percebidas também em outras línguas de sinais. Muitos
pesquisadores como Frishberg (1976), Woodward (1975) e Klima e Bellugi (1975)
(apud QUADROS E KARNOPP, 2004, p. 33), ao analisarem a ASL concluíram que a
iconicidade pode passar por transformações na forma da constituição do sinal que
como qualquer língua natural, historicamente passam por transformações
linguísticas. Essas mudanças que uma língua sofre com o passar dos tempos pode
favorecer o desaparecimento da motivação icônica de alguns sinais como os
exemplificados acima.
A Iconicidade proporciona a conexão entre forma e significado. Por meio do canal
perceptivo, a pessoa com surdez pode apreender as formas do mundo-objeto,
apresentados por gestos que se originam diretamente da percepção para o
processamento linguístico. A iconicidade é a representação parcial dessa apreensão
perceptiva. Como exemplos citamos ainda os sinais de LIVRO e TELEFONE:
87
Ilustração 10 – Sinal de LIVRO
Para sinalizar LIVRO, são utilizadas as duas mãos, representando um livro aberto e
em seguida, a MD passa sobre a palma da ME, como se estivesse folheando suas
páginas.
O sinal TELEFONE é produzido com a MD configurada em “Y”, do alfabeto manual
(CM nº. 31) com localização próximo ao ouvido.
Ilustração 11 – Sinal de TELEFONE
Como citado no item 2.3.4 desta pesquisa, os aspectos modais e locativos dos
sinais em Libras também indicam o conteúdo semântico, ou seja, conforme a
localização e o modo de realização aponta para uma significação que lhe é
intrínseco. São, por exemplo, os casos de sinais que se referem ao cognitivo ou aos
sentimentos. Os sinais produzidos na área da cabeça e nas sub-regiões, como na
têmpora ou na fronte, relacionam-se com as funções cerebrais ou cognitivas. Os
sinais referentes a sentimentos são em sua maioria produzidos na área do peito.
88
Exemplificamos alguns de sinais realizados na região da cabeça:
a) PENSAR: MD na CM nº. 21, encosta o dedo indicador na têmpora.
Ilustração 12 – Sinal de PENSAR
b) FÁCIL: MD na CM nº. 34, encosta o dedo médio na testa num movimento
deslizante, afastando, em seguida a mão para frente.
Ilustração 13 – Sinal de FÁCIL
c) INTELIGENTE: com a MD configurada na CM nº. 46, o dedo indicador e médio
tocam a têmpora direita, rapidamente e se afastam para a lateral.
89
Ilustração 14 – Sinal de INTELIGENTE
d) ESQUECER: nas CMs 48 e 61, a MD passa de um lado a outro, sobre a fronte,
como se estivesse apagando algo da mente.
Ilustração 15 – Sinal de ESQUECER
Apresentamos exemplos de sinais realizados na área do peito, que normalmente se
relacionam a sentimentos e sensações diversas:
a) AMIZADE: MD em CM nº. 52. Dá duas batidinhas com a lateral da mão, no
peito, próximo á área do coração.
Ilustração 16 – Sinal de AMIZADE; AMIGO
90
b) ANGÚSTIA: MD na CM nº. 34, passa o dedo médio no peito, demonstrando o
sentimento por meio da expressão facial.
Ilustração 17 – Sinal de ANGÚSTIA
c) CORAÇÃO: MD configurada em CM nº. 54, encosta no peito para cima e para
baixo, duas vezes, simulando o movimento do batimento cardíaco.
Ilustração 18 – Sinal de CORAÇÃO
d) VIDA: MD com CM nº. 61, passa duas vezes sobre o peito, na área do
coração, em movimentos ascendentes.
91
Ilustração 19 – Sinal de VIDA
A partir desses exemplos podemos perceber que a iconicidade não está somente
vinculada a conceitos concretos, mas também a conceitos abstratos.
Apesar da arbitrariedade se contrapor à iconicidade, existe entre essas duas
categorias um elemento comum: a convencionalidade, que é compatível tanto com
signos motivados como com signos arbitrários.
Capovilla e Raphael (2005, p. 737) apresentam um estudo em que procuram
pormenorizar a categoria Iconicidade, dando pistas da imanência do grau de
figuratividade que um determinado sinal possa ter. Como dito anteriormente, o sinal
com iconicidade profunda, chama-se iconicidade transparente. Já o sinal com
iconicidade mediana, denomina translúcido e ao sinal com pouca iconicidade dá-lhe
o nome de opaco.38
Eastman (apud CAPOVILLA; RAPHAEL, 2005) considera os sinais icônicos muito
próximo das características da pantomima e da mímica. Essa relação já foi feita por
outros estudiosos como Klima e Bellugi. Eles acreditam que com a evolução da
Língua de Sinais (especialmente a ASL), a iconicidade cederá lugar
progressivamente à arbitrariedade, diminuindo assim, da transparência à
translucência até chegar à opacidade.
38 Conforme citam Capovilla; Raphael (2005, p. 737), vários estudos experimentais analisaram a iconicidade dos sinais da ASL, como os de Bellugi & Klima (1976); Lloyd, Loeding & Doherty (1985). Orlansky & Benvillian, 1984). E na Libras (CAPOVILLA; SAZONOV, et al., 1997).
92
A esse respeito, Capovilla e Raphael comentam:
Embora, aparentemente a evidência desse fenômeno ainda não tenha sido documentada em outras línguas, além da ASL, tudo indica que ele deva ser esperado uma vez que, a medida que uma Língua de Sinais se desenvolve, a formalização linguística crescente é compatível com o aumento no grau de arbitrariedade, convencionalidade e recombinatividade das unidades mínimas componentes da morfologia dos sinais (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2005, p. 737).
Quadros e Karnopp (2004, p. 31) apresentam como um dos mitos acerca da Língua
de Sinais, a idéia de que a Língua de Sinais é uma mistura de pantomima e
gesticulação concreta, incapaz de expressar conceitos abstratos. As autoras
pontuam que sendo os sinais assim considerados, ou seja, concebidos como uma
mistura de gestos e pantomima, não teriam como característica a arbitrariedade do
signo como as palavras possuem, mas carregariam uma relação icônica ou
representacional de seus referentes, o que impediria de possuir o status linguístico.
Isso porque se entende que quanto maior o grau de iconicidade de um signo, menor
o seu grau de abstração ou esquematização.
Consideramos que essa visão se trata da concepção saussuriana de signo
linguístico, que defendia a arbitrariedade do signo para estatuir a língua oral como
língua natural. Por muito tempo a linguística ignorou a Língua de Sinais como língua
natural. Saussure defendia que a relação entre significante e significado nas línguas
orais era necessariamente arbitrária. Para este linguista, não existia nenhuma
relação de motivação entre os signos.
É compreensível esse entendimento quando se trata de um postulado em uma
época que nem se cogitava a eloquência da Língua de Sinais, muito menos sua
natureza linguística. Mas com o avançar das pesquisas, chegamos a conclusão que
a idéia saussuriana não abrange as línguas sinalizadas.
Sacks (1998, p. 87) observa que até por volta da década de 60, a Língua de Sinais
era reconhecida como uma pantomima ou como língua pictórica, ou seja, como uma
escrita de figuras no ar. As línguas de sinais então, eram vistas como uma
linguagem ideográfica, essencialmente pictórica e muito pouco simbólica que em
93
comparação com as línguas verbais era considerada mais um código gestual do que
uma língua propriamente dita. Sacks cita o seguinte comentário de Miklebust (1960):
Os sistemas de linguagem ideográfica, em comparação com sistemas simbólicos verbais têm pouca precisão, sutileza e flexibilidade. Provavelmente o homem não pode atingir seu potencial pleno por meio de uma linguagem ideográfica, porquanto ela se limita aos aspectos mais concretos de sua experiência (MIKLEBUST apud SACKS, 1998, p. 88).
Vários estudos como o de Stokoe refutaram essa idéia e concluíram que a LS é
genuína no léxico e na sintaxe e com capacidade de gerar infinitas proposições e de
expressar conceitos abstratos.
Percebemos no entanto, uma dificuldade muito grande por parte de alguns
pesquisadores da Libras em aceitar a presença de sua figuratividade. Não
valorizamos somente o aspecto icônico/figurativo em detrimento da arbitrariedade da
língua. A arbitrariedade está presente, pois os sinais bem como as palavras da
Língua Portuguesa são produtos de uma convenção, incluindo os sinais icônicos,
que também se servem de convencionalidade, mesmo tendo uma relação entre o
referente e o modo de apresentá-lo. A língua continua sendo arbitrária, porque se
escolheu representar convencionalmente um e não outro protótipo icônico de certo
objeto.
Tanto as palavras da Língua Portuguesa como os sinais da Língua de Sinais
Brasileira são socialmente construídos, pois pertencem a uma comunidade
linguística. Toda modificação será oriunda da qualidade diacrônica da língua e não
caberá a nenhum indivíduo modificá-los nem na sua estrutura de significante
(vocábulo ou sinal) nem no seu significado.
A respeito do caráter icônico da LS, Xavier (2006) apresenta em sua dissertação a
contribuição de Klima e Bellugi (1979) que também reconhecem a iconicidade nas
línguas sinalizadas. De acordo com esses autores, os sinais icônicos tiveram
influência das representações miméticas ou pantomímicas, mas com uma ressalva:
as línguas de sinais não são articuladas como uma pantomima, produzidas
aparentemente sem nenhuma restrição quanto a ocupação espacial ou quanto ao
uso do corpo e das mãos. Portanto, não encontramos nenhuma dificuldade em
94
considerarmos a iconicidade de alguns sinais em relação aos referentes do mundo
natural como uma característica inerente às línguas viso-gestuais-espaciais.
Os sinais de uma língua sinalizada são realizados, conforme Xavier (2006, p.13), em
um espaço mais delimitado e são produzidos essencialmente pelas mãos,
articulados com configurações de mãos, localizações e movimentos permitidos pela
língua. Não se tratam, portanto, de gestos e pantomimas desarticulados e
inventados à medida que são produzidos. Xavier cita que tal fato reforçou os estudos
de outros pesquisadores como Battison, que mostrou que a iconicidade presente
nas línguas de sinais não podia ser usada como evidência contra seu estatuto de
língua natural.
Consideramos, portanto, a figuratividade presente em alguns sinais como uma
característica única dessa língua que é dinâmica e complexa. Com essa posição não
deixamos de dar à Língua de Sinais o respeitável lugar de língua natural e que,
mesmo tendo a figuratividade presente, possui também a característica de ser
arbitrária. Abrimos espaço para um novo olhar para a Língua de Sinais: o de língua
figurativa. Esclarecemos que o termo figuratividade deriva do figurativo, apresentado
no dicionário de semiótica. Assim lemos:
O termo figurativo é empregado somente com relação a um conteúdo dado (de uma língua natural, por exemplo), quando este tem um correspondente no nível da expressão da semiótica natural (ou do mundo natural). (GREIMAS; COURTÉS 1997, p.186).
Alguns sinais em Libras são constituídos pela forma do objeto tal como eles se
apresentam no mundo natural, engendrando figuratividade. Para exemplificarmos,
apresentamos os sinais a seguir:
95
Ilustração 20 – Sinal de COLHER
Ilustração 21 – Sinal de CAMA e COPO
Ilustração 22 – Sinal de ESCOVA DE CABELO E DENTAL
Outro exemplo é o sinal de MESA: as duas mãos com configuração em “B” (do
alfabeto manual), se afastam simultaneamente para as laterais e em seguida para
baixo. Criam, no espaço a frente do corpo do sinalizador, o desenho de uma mesa
retangular, começando o traçado pelo tampo e terminando com o movimento
representativo para os pés.
Ilustração 23 – Sinal de MESA
96
A diacronia presente na LS provoca mudanças linguísticas que ocorrem por
questões temporais e históricas e não simplesmente por modismo. O uso através do
tempo pode proporcionar uma modificação na estrutura de algumas palavras. O que
pode ocorrer também na LS, proporcionando a variação em alguns sinais. Cito um
exemplo clássico: o sinal para a palavra PAZ. Anteriormente a sinalização era feita,
escrevendo, com a datilologia a palavra P-A-Z, no espaço a frente do corpo. Por
conta da dinamicidade da língua, esse sinal sofreu redução, sendo sinalizado
apenas a letra “P” e a letra “Z”, sem, portanto, prejudicar seu significado.
Ilustração 24 – Sinal de P-A-Z
Ainda sobre a presença da iconicidade na LS, faz-se necessário pontuarmos uma
característica imanente a todas as línguas: a não universalidade. Por isso, um sinal
considerado icônico (ou arbitrário) para a Libras, não o será em outra língua, que
terá igual sentido, mesmo que tenham aparências semelhantes. Sobre esta
questão, escrevem Quadros e Karnopp:
[...] pode-se dizer que a aparência exterior de um sinal é enganosa, já que cada língua pode abordar um aspecto visual diferente em relação, por exemplo, ao mesmo objeto, diferenciando a representação lexical de língua para língua (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 32).
As autoras discorrem sobre a aparência enganosa de um sinal quando se referem
às línguas de vários países. Elas citam como exemplo o sinal manual para NÃO,
considerando o mesmo icônico, mas com significado diferente na Língua de Sinais
Americana. Em Libras significa advérbio de negação e na ASL significa o advérbio
de lugar “onde”.
É importante deixar claro, que neste estudo, quando falamos da iconicidade, nos
reportamos especificamente à Língua Brasileira de Sinais. Concordamos com as
97
autoras citadas que, em se tratando das línguas de sinais de outros países, um traço
dado para um sinal pode corresponder a significados totalmente diferentes ou
desconhecidos por outra comunidade linguística. O que ocorre igualmente nas
línguas oralizadas, como no caso de vocábulos do Português do Brasil e do
Português de Portugal.
Outra questão importante que queremos salientar é que a iconicidade de alguns
sinais nem sempre é reconhecida automaticamente. Como citado no item 3.1.3, p.
85 desta dissertação, Hoemann (apud QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 33) ao
selecionar cem sinais do léxico da ASL (Língua de Sinais Americana) considerados
icônicos ou transparentes, para serem identificados por ouvintes que não conheciam
a LS, apenas 30% desses sinais foram reconhecidos conforme seus significados.
Esse resultado foi importante para clarear que um sinal constituído iconicamente não
é garantia de ser claramente decifrado por qualquer pessoa, como alguém que
desconhece a Língua de Sinais. Defendemos, porém, que o valor da iconicidade de
alguns sinais não está na facilidade, em sua decodificação imediata, mas na relação
semiótica intrínseca.
Alguns autores pesquisados pontuam que forças linguísticas e sociolinguísticas
tendem a inibir a natureza icônica dos sinais, tornando-os mais arbitrários através
dos tempos (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 33). Se considerarmos que a
característica do surdo de apreensão de significados do mundo circundante se faz
principalmente por meio do canal visual, a iconicidade da língua será sempre o
reflexo dessa peculiar maneira de ver e apreender as coisas do mundo. Portanto a
iconicidade parece ser um elemento constituidor genuíno de uma língua viso-
gestual-espacial.
Diante do exposto, consideramos a forma dos objetos, o movimento ao utilizá-los,
como um conjunto de significantes, que servem como construtos da representação
lexical de alguns sinais da Libras. A relação com o objeto, com as formas em geral
do mundo natural, constitui a Língua de Sinais como uma língua contextualizada
com o macrotexto que a engloba.
98
O surdo observa visualmente o mundo e o apresenta por meio de uma língua
dinâmica e rica em arbitrariedade e iconicidade. É arbitrária, pois é produto de uma
convenção social. Sendo assim, a Língua de Sinais não pode ser modificada nem
aleatória, nem iconicamente, pois apresenta parcialmente em sua constituição
algumas características dos referentes do mundo natural de maneira figurativa.
Acreditamos que enquanto os surdos se manifestarem linguisticamente pela
modalidade viso-gestual-espacial, a figuratividade/iconicidade será um elemento
inerente à produção de sinais.
99
4 TEXTOS E CONTEXTOS NA ESCOLA DO ENCONTRO
4.1 O ALUNO SURDO NA ESCOLA: TEXTOS E CONTEXTOS
Como locus da nossa pesquisa, escolhemos uma escola municipal da cidade de
Vitória, que se constituiu ao longo dos anos em um referencial para alunos surdos.
Antes mesmo da proposta da Secretaria de Educação de eleger algumas escolas
como referência39 para surdos, essa já se constituía como tal, devido ao grande
número de alunos com surdez matriculados, principalmente no período noturno.
Vamos nomeá-la, nesta pesquisa, de Escola do Encontro.
O prédio onde funciona a escola foi construído em 1977, como Centro Interescolar.
Passou a funcionar, a partir de 1980, como escola de 1º. Grau.
A Escola do Encontro atende alunos do 1º. ao 9º. ano do Ensino Fundamental nos
turnos: matutino e vespertino. No noturno é oferecido o programa de Educação de
Jovens e Adultos, 1º. e 2º. Segmentos (EJA). Em 2008, frequentavam no turno
matutino cinco alunos surdos, no vespertino dois e no noturno trinta alunos,
perfazendo um total de trinta e sete alunos surdos. Até o final desse mesmo ano, a
Escola do Encontro possuía mil e duzentos alunos matriculados, incluindo surdos e
ouvintes. Em 2009, o número de surdos matriculados sofreu uma pequena redução:
quatro alunos no matutino, um aluno no vespertino e vinte e quatro no noturno,
totalizando vinte e nove alunos surdos. Conforme relato de uma das pedagogas, a
redução da matrícula de alunos surdos nesse ano se justifica pelo fato de outras
escolas municipais terem se tornado referência para surdos. Houve uma época em
que a escola possuía quarenta e seis surdos matriculados só no noturno, quando
ainda era uma das poucas escolas que oferecia ao aluno com surdez um
atendimento especializado em Libras.
39 Desde 2008, a Prefeitura Municipal de Vitória busca concentrar a matrícula de alunos com surdez nas nove escolas referência. Tal ação visa possibilitar a interação entre alunos com surdez e com outros alunos e profissionais adultos com surdez, além da otimização das ações técnico-pedagógicas e administrativas necessárias à materialização do uso da Libras no universo escolar. Com essas ações, garantir o Atendimento Educacional Especializado (AEE) no contraturno, instituindo um projeto socioeducacional em tempo integral voltado para atender às necessidades educacionais especiais dos alunos com surdez (CORREIA, 2008).
100
Por se localizar numa área de fácil acesso, a Escola atende uma gama diversificada
de alunos oriundos de vários bairros de Vitória. O corpo discente, em sua maioria, é
de baixo poder aquisitivo. Muitos moram em morros da cidade de Vitória, em
habitações precárias e de difícil acesso.
Procuramos dados ou anotações oficiais sobre o início do envolvimento de alunos
surdos na Escola do Encontro, mas nada constava nos arquivos da Escola e nem
nos da Secretaria de Educação. Conseguimos informações por funcionários mais
antigos e por relatos pessoais que fortaleceram nossas hipóteses de que a Escola
do Encontro se configurava efetivamente no espaço da gênese da história do surdo
na escola comum, em Vitória.
Um dos relatos, cujos trechos transcreveremos a seguir, é de Marcela40, que por
muitos anos trabalhou como professora de surdos. Era aluna recém-chegada do
curso de Pedagogia da UFES e como tinha formação no Magistério foi acolhida pela
Escola para ser uma professora-intérprete voluntária de seus amigos surdos. Ela foi
a grande incentivadora de seus quatro amigos surdos a se matricularem na Escola
do Encontro.
[...] Então, em 1999, quatro surdos resolveram se matricular. Já nesta época lidava com as reclamações deles com relação à necessidade que o mercado de trabalho estava impondo à sua escolarização. Então, fiz uma reunião com eles na igreja
41 e fiz uma palestra dizendo que precisavam
voltar a estudar e que seria legal eles estudarem à noite. Procurei a escola e conversei com a pedagoga me colocando a disposição para ajudar os professores. Ela gostou e permitiu que eu fosse para a sala de aula. Fui e participava das aulas com os meus amigos surdos, interpretando e até mesmo planejando com os professores. Na época me lembro bem dos professores de história, de geografia e ciências
A partir do início do século XXI, a Escola do Encontro tornou-se, segundo Marcela,
símbolo da resistência surda. A resistência surda é abordada por Lopes (2007, p.
50-56) como um movimento de luta e repulsão aos modelos dos saberes e à própria
ordem dos discursos oficiais a respeito da surdez e da educação de surdos. Essa
visão está estreitamente ligada à defesa da escola para surdos.
40
Todos os nomes citados nesta dissertação são pseudônimos para preservar a identidade dos sujeitos participantes. Esclareço ainda, que as proposições concernentes ao referido relato foram extraídas do depoimento escrito, cedido pela professora. 41
Referindo-se à Igreja Batista da Praia do Suá, pioneira na interpretação de cultos em Libras, cuja iniciativa de trabalho com surdos data-se de 1989.
101
Marcela prontificou-se, inicialmente, a atuar como professora voluntária dos surdos e
mais tarde como professora contratada por tempo determinado, pela Prefeitura
Municipal de Vitória:
Porém, na época, não havia professores de surdos que soubessem Libras e por isso, tentei naquele ano, o contrato e comecei no ano seguinte a trabalhar como contratada. O número de surdos nesta escola de quatro alunos passou a dezessete.
Marcela diz que mesmo com muita dificuldade o trabalho com surdos foi se
estabelecendo lenta e gradativamente, ganhando força diante da comunidade surda.
Afirma que todos os projetos desenvolvidos com o aval dos professores, dos
pedagogos, eram voltados para a valorização da cultura surda, e inserção da Língua
de Sinais na escola. A professora relembra que “mesmo quando a idéia era
desmantelar o espaço para os surdos, eles iam para lá porque tinham duas coisas:
intérprete e outros surdos”.
Mas com o tempo, com a própria política burocrática do sistema, tentou-se de várias
formas, desestruturar o movimento “uma vez que haviam quarenta surdos lá e
achavam que isso não seria inclusão, pois não havia a devida „estrutura‟ para
recepcioná-los”. Por um tempo o movimento resistiu, mas sucumbiu, segundo
Marcela, ao próprio sistema quando esse mesmo desestruturou todo o trabalho,
colocando para gerir as ações dos profissionais, pessoas que não compreendiam o
trabalho com surdos, muito menos o movimento surdo. De qualquer forma, a Escola
do Encontro produziu muito nesse período, quando os surdos eram ouvidos e faziam
parte do processo de educação.
O relato de Marcela reflete o contexto histórico-político da época. Para defender a
escola para surdos, o movimento de resistência ganhou força e muitos adeptos,
tanto na área acadêmica, quanto na prática educacional, por parte de professores e
alunos com surdez. Lopes (2007) faz parte dos pesquisadores da área da surdez
que defende a escola para surdos e repudia a proposta de inclusão dos alunos
surdos em escolas comuns. Assim escreve:
Diante dos movimentos de inclusão de surdos em escolas de ouvintes, aqueles estão resistindo a serem separados de seu grupo surdo. É bem sabido o quanto os surdos mantêm-se unidos em associações de surdos, em grupos e reuniões de igreja e em escolas específicas. Dentre todos
102
esses espaços, a escola parece se constituir como o locus principal e mais produtivo de articulação e resistência cultural. [...] É no espaço escolar que estão em jogo os poderosos mecanismos de atribuição e imposição de sentidos, de definição e normalização de determinadas identidades, de hegemonização de determinadas práticas culturais, de circulação dessas ou daquelas políticas de identidade (LOPES, 2007, p. 54-55).
A defesa de uma identidade própria dos surdos, de uma cultura surda e
consequentemente da não inserção do aluno surdo em escolas onde a maioria é
ouvinte se tornou, na década de 90, o cerne das discussões e debates travados na
área da educação de surdos, vertentes que ainda perduram em muitas práticas e
discursos na atualidade. Trata-se do discurso da surdez como diferença. O conceito
“diferença” traz contornos variáveis e, nessa visão, surge na tentativa de substituir
os pesados rótulos excludentes, quando se destaca o principio de normalidade. A
intenção é louvável, mas pode se tornar um gueto dentro da esfera social.
Ser surdo é não ouvir, e não ouvir torna o sujeito capaz de formular outra
perspectiva de interação com o contexto vivido por meio de outros canais, que não o
da audição. Aí surge a peculiaridade do sujeito surdo. Essa concepção, quando
aliada ao valor subjetivo de ser surdo, sem a negação da própria surdez, revela um
ser completo que interage por meio de uma língua expressiva, autêntica e complexa,
diferente “não-surdo”42 que se utiliza da audição para apreender significados do
mundo circundante. A diferença está por toda parte, em todos os espaços e se torna
emergente aprendermos a valorizá-la como traço distintivo entre as pessoas e não
como produtora de guetos sociais.
Em seu texto: “Na escola tem lugar para quem é diferente?”, Padilha (1999) propõe
uma reflexão acerca de conceitos e escolhas que os envolvidos com a educação
precisam abarcar. Seu texto apresenta-se como um reservatório de
questionamentos que leva o professor à reflexão não só de sua prática pedagógica,
mas de sua efetiva compreensão acerca do que vem a ser um contexto educacional
inclusivo. A partir do próprio título, a autora sugere outros questionamentos: quem é
o diferente? Como o aluno aprende? Como o professor ensina? Há espaço para o
aprendizado de alunos com e sem deficiência? A escola tem ciência de como
planejar e pôr em prática um ensino sistematizado, mas significante para todos os
42
Termo utilizado por Ana Regina S. Campello em sua tese (2008) para referir-se ao ouvinte.
103
alunos? Assim, Padilha sintetiza a importância de indagações que fomentam a
reflexão:
Tantas perguntas...Quantas respostas? Serão tantas respostas, quantas foram as reflexões que fizermos, as observações que registrarmos, as „coragens‟ que tivermos para transformar o que parece tão bom, certo e adequado... Respostas do tamanho do nosso compromisso. Soluções do tamanho de nossa coragem. Caminhos do tamanho do nosso envolvimento com as leituras e discussões. Saídas do tamanho da nossa interação com a comunidade e os problemas dela (PADILHA, 1999, p.14).
Atualmente, com a nova política de Educação Especial da Secretaria de Educação
do Município de Vitória, a Escola do Encontro passou a ser um pólo da educação de
surdos, ou melhor, uma escola referência que os surdos podem escolher como um
dos espaços educacionais onde terão a oportunidade de aprendizagem sistemática
dos conteúdos escolares com profissionais especialistas, além de intérpretes na sala
de aula. Mesmo convivendo com alunos ouvintes numa mesma sala de aula, a
Escola do Encontro oferece atendimentos especializados em Libras, bem como
aulas de Português para surdos. Essas iniciativas incentivam a presença do surdo
na escola.
É, portanto, na Escola do Encontro, atualmente com 29 alunos surdos, que
escolhemos estudar a fala do surdo, mas especificamente, o discurso figurativo em
Libras. E não poderíamos escolher outra escola, já que na Escola do Encontro os
surdos jovens e adultos se dirigem, a cada dia, para mais um encontro entre pares.
Se esse encontro é destinado a novas aprendizagens, não questionaremos. Mas,
com certeza, é um espaço constituidor de encontros ou, quem sabe, de
desencontros.
Inicialmente, propusemo-nos a trilhar cinco caminhos investigativos de observação e
análise do cotidiano escolar: 1) a observação da entrada dos alunos surdos na
Escola do Encontro; 2) a observação do convívio entre ouvintes e outros alunos
surdos no recreio; 3) o encontro dos alunos surdos com outros sujeitos; 4) a
observação do surdo na sala de aula comum e 5) a observação do aluno surdo na
sala de atendimento especializado. E foi nesse último espaço que se constituiu o
104
grupo focal, participante das propostas desta pesquisa, juntamente com o instrutor e
os professores bilíngues43.
4.2 ENCONTROS E DES-ENCONTROS NA ENTRADA
Como primeira investigação empírica, optamos por chegarmos à escola para
observarmos o cotidiano, mesmo sabendo que o discurso surdo estaria latente e,
portanto, passível de ser analisado. Por ser no período noturno, a grande maioria
dos alunos é adulta, com alguns poucos adolescentes. Passamos três dias somente
observando a entrada dos alunos no espaço da Escola do Encontro. Muitos eram
trabalhadores e frequentemente chegavam atrasados. Mas todos que chegavam,
dirigiam-se imediatamente para as suas respectivas salas, principalmente os
ouvintes. Quando isso não acontecia, lá estava o coordenador para “lembrá-los” da
sala de aula.
Num dos dias de observação, ocorreu um fato curioso, senão intrigante, que
narraremos a seguir:
Chegamos à Escola do Encontro e procuramos acomodação em um dos bancos de
alvenaria, para podermos observar e anotarmos em nossa agenda fatos
interessantes e corriqueiros envolvendo alunos surdos. Deparamo-nos com a
seguinte cena:
No pátio interno da escola, que na verdade se configura num grande corredor de
circulação, um grupo de alunos surdos conversa animadamente. Chegam um pouco
atrasados como alguns alunos ouvintes, mas em vez de irem logo para a sala de
aula, se juntam com outros surdos. Os alunos surdos parecem não ter pressa para
se dirigirem à sala. Enquanto o coordenador de turno chama a atenção dos ouvintes
perambulando pelo pátio, mandando-os para a sala de aula, os alunos surdos
conversam sem serem repreendidos. Qualquer aluno ouvinte que atravessava o
pátio era chamado à atenção para retornar imediatamente para a sala de aula.
43 Neste ano, 2009, a Escola do Encontro conta com três professores bilíngues, cinco intérpretes e dois instrutores surdos, para atender aos três turnos.
105
Pudemos perceber a rotina da escola e o rigor quanto a utilização do corredor em
horário de aula, em especial, pelos alunos ouvintes. Porém, o grupo de surdos, com
sua fala silenciosa, mas não menos eloquente, parecia invisível aos olhos da
coordenação.
Já havia se passado vinte minutos quando uma professora passou por eles e fala
qualquer coisa mandando-os para a sala de aula. Eles, em Língua de Sinais, falam
que estão esperando uma pessoa. A professora, sem muito argumento, sai
deixando-os ali, conversando.
Outros surdos vão chegando à escola, e como imã vão se ligando à roda de
conversa, sem irem para sala de aula. A professora passa novamente por eles e,
talvez incomodada com a nossa presença e com o número de alunos surdos fora da
sala de aula, mostra-se indignada com a situação e faz o seguinte comentário,
olhando para os lados: Cadê a professora de surdos? Ela devia estar com eles. Eles
ficam aí, largados, coitados! E logo em seguida pergunta aos alunos, com gestos
largos e confusos, por que ainda não foram pra sala de aula. Então ela entende que
eles estão aguardando um determinado professor e aí explica, que o tal professor
não veio à escola por estar doente. Pela leitura labial, eles compreendem o recado e
aos poucos o grupo vai se dissolvendo, ficando apenas dois surdos que teimam
mais um pouco em ir pra sala de aula e tempos depois seguem o mesmo rumo dos
colegas.
Consideramos que o ocorrido talvez não seja uma questão corriqueira, mas
queremos ressaltá-la, não com o intuito de aviltar a imagem da escola e muito
menos dos profissionais envolvidos, mas para nos levar à reflexão sobre o evento.
Algumas questões nos inquietaram quanto ao episódio narrado: A primeira é em
relação ao fato da “permissão” velada concedida aos surdos de não só ficarem fora
da sala de aula, mas também de ficarem no pátio conversando, batendo papo. A
outra se refere à falta de comunicação e interação entre alunos surdos e professores
ouvintes. Como não houve entendimento entre os alunos e a professora logo no
primeiro contato, a situação se prolongou e por falta de informação, os surdos
continuaram aguardando o professor de Educação Física que não iria à Escola
naquele dia, por motivo de doença.
106
O sujeito surdo culturalmente constituído, que se expressa por meio de sua própria
língua, a Língua de Sinais, num espaço social marcado pela oralidade, é visto pela
maioria de nós ouvintes, como estrangeiro. Um estrangeiro, por não ser falante da
língua do nosso país, ou seja, por trazer consigo marcas culturais que se
apresentam de forma singular na maneira de ver o mundo à sua volta e na
modalidade de se comunicar por uma língua viso-gestual. Ora, o modo de ser-viver
do sujeito surdo torna-se objeto de observação e avaliação do grupo Assimilador,
que no entender de Landowski (2002), é o grupo dominante e nesse caso, o grupo
dos ouvintes, ora esse sujeito repleto de estrangeirices se torna invisível e
negligenciado. Quando mencionamos esta questão, não nos referimos aqui à
ideologia da resistência surda, mas à evidência de situações oriundas do
relacionamento que envolve um grupo que se constitui minoria dentro de um
contexto em que outro grupo, por ter maior número de participantes, torna-se a
maioria.
O tratamento desigual entre alunos ouvintes e surdos no episódio narrado reforça
conceitos teorizados por Landowski em relação ao sentido da presença do Outro,
que resulta sempre de uma negociação entre sujeitos. Ao reconhecer o outro como
um des-semelhante não articulamos positivamente a relação entre identidade e
diferença, mas negamos a alteridade e a possibilidade do Outro fazer-se um no meio
de nós. O surdo como dessemelhante é assim considerado quando temos
dificuldades em admiti-lo como um de nós. Como se o nosso discurso proclamasse:
“tal como se apresenta, você não tem lugar entre nós” (LANDOWSKI, 2002, p. 10).
O seu modo peculiar de falar, o jeito específico de interpretar o mundo à sua volta
são para o grupo dominante/assimilador, nesse caso os ouvintes e falantes da
língua oral, estrangeirices, às vezes pitorescas outras vezes encantadoras. Mas, por
força da imperiosidade da inclusão de todos em todos os espaços nos forçamos a
elaborar pressupostos que muitas vezes estão na área da idealização e não da
racionalização. Reescrevo como exemplo, as palavras de Landowski a respeito das
boas-vindas do povo francês aos estrangeiros:
Sejam bem-vindos todos, de onde quer que tenham vindo desde que todos, por mais longínquo que seja o lugar de onde vieram, façam o mais rápido possível um esforço para tornarem-se como nós! (LANDOWSKI, 2002, p. 5).
107
Ao receber o Outro em nosso “território”, nos propomos ajudá-lo a se livrar daquilo
que faz com que ele continue sendo o Outro. Enquanto ele for o Outro ele será
estrangeiro e, por isso, não participante de uma mesma cultura e das mesmas
ideologias. Mas na verdade, trata-se de um discurso de exclusão que determina a
sorte reservada ao Outro, ao estrangeiro, que para ser aceito/assimilado precisa se
desprender de sua cultura, de seu estrangeirismo, ou seja, o Outro passa a ser
reduzido ao Mesmo, para que um dia ele possa se integrar plenamente no ambiente
que o acolheu. É o caso de ingestão do Mesmo e excreção do Outro. Seria, então, a
escola um destes territórios visitados pelo sujeito surdo? Seria a sala de aula um
país estrangeiro que fomenta em seu discurso de exclusão a negação do
Outro/Surdo enquanto tal?
A aceitação do Outro como diferente abrem-lhe opções, antes negadas, de se fazer
presente num território, supostamente “nosso”. Landowski deixa claro essa
concepção no trecho abaixo:
Ora, começar a admitir que o fato de o Outro ser “diferente” não significa, necessariamente, que o seja no absoluto, mas que sua diferença é função do ponto de vista que se adota, é já criar a possibilidade de outros modos de relação com as figuras singulares que o encarnarão (LANDOWSKI, 2002, p.14).
Entendemos com isso que o Outro não é mais simples representante de um lugar
qualquer, mas no dizer de Landowski (2002, p.15), um possível “integrante e
elemento constitutivo do Nós, sem ter com isso que perder sua própria identidade”.
O sujeito, segundo Landowski (2002), para se constituir como tal, constrói-se pela
diferença que há entre ele e o outro. Exemplificando: eu me defino não só pela
maneira reflexiva de pensar sobre mim, mas também pela da imagem que o outro
me envia de mim mesma. Há, portanto, uma diferença que me separa do outro. A
identidade passa pela intermediação de uma alteridade a ser construída.
4.3 ENCONTROS NO RECREIO
Minha segunda observação aconteceu nos momentos de intervalos. A grande
maioria dos alunos surdos se dirigia para o refeitório para saborear o prato do dia,
108
enquanto outros, iam comprar lanche na cantina. Eles utilizavam gestos de
apontamento para indicar o item que desejavam comprar. Mesmo desconhecendo a
Língua de Sinais, a vendedora esforçava-se para compreender o que os alunos
surdos queriam comprar. No relato, a vendedora disse que já havia se acostumado
com a maneira dos surdos falarem e até entendia o desejo de compra deles.
Percebi que a hora do Recreio é o momento de mais um importante encontro: os
surdos sentam-se juntos, ao redor de uma grande mesa que tacitamente parece
reservada a eles. E pouco a pouco as cadeiras em volta da mesa vão sendo
tomadas por alunos surdos que, após saírem da fila da merenda, não param de
conversar um com o outro em sua língua. Os assuntos são variados: desde um jogo
de futebol até uma fofoca sobre o início da aula. Temas triviais tornam-se
estimuladores de uma eloquente discussão.
Conversando com um dos professores bilíngues, foi esclarecido que os surdos tem
necessidade de estabelecer uma rotina e uma “demarcação de território” para que
outros se cheguem e se sintam à vontade. É comum todos se sentarem para
colocarem a conversa em dia. Surdos fluentes na Língua de Sinais ensinam outros,
que por motivos alheios à sua vontade, não se apropriaram dela como língua de
comunicação e interação. Não aprenderam a Língua de Sinais numa fase anterior
nem conviveram com outros surdos no período da infância. Mas na espontaneidade
do momento aperfeiçoam seus conhecimentos na própria língua.
Depois, ao saírem do refeitório, formam grandes rodas de conversas, no pátio.
Devido o grande número de alunos surdos, é formada mais de uma roda. Todos
participam da conversa. Brincam, riem e fazem gozações com os colegas. Apesar
dos surdos se agruparem no recreio, percebemos amizades entre surdos e ouvintes.
Observamos que, em alguns momentos, alguns alunos ouvintes buscavam interagir
com os surdos, mas não ao ponto de conversarem em LS. Na roda de conversa,
porém, a presença maciça de surdos é constante, e os ouvintes – por não serem
fluentes em Língua de Sinais - não chegam a participar dessas rodas.
A inclusão de alunos surdos em escolas de ouvintes gera polêmica e ainda são
travados grandes debates sobre a questão. De um lado, a defesa da escola própria
109
para surdos, alicerçada no discurso das diferenças que, em nome da especificidade
da Língua de Sinais, legitima as idéias excludentes e segregacionistas; de outro, a
defesa da escola comum como a melhor escola para o surdo, pois parte do princípio
que ele também tem direito de estar lá, mas com perspectiva de aprendizagem
tendo a LS como língua de instrução. E será neste espaço, numa escola inclusiva,
que terá a oportunidade de conviver com outras tantas diferenças.
Para ilustrar a importância da convivência com a diversidade, segue o depoimento
de Campello, pesquisadora surda, sobre o impacto que lhe causou ao tomar ciência
da diversidade humana, em especial das diferenças pela deficiência, ao participar
em 1981, do Congresso Brasileiro de Deficientes, em Recife:
Até aquele momento, eu tinha apenas breve contato com as pessoas portadoras de deficiência nos movimentos políticos da cidade do Rio de Janeiro, mas em Recife, com os meus próprios olhos, vi milhares de pessoas portadoras de deficiência, um grande número delas. Elas estavam reunidas numa mesa redonda, em grupos pequenos, ou em grupos grandes, elaborando suas propostas e reivindicações e discutindo sobre os itens propostos e suas alterações. No mundo dos Surdos, onde eu convivia, nunca tinha visto ou pensado que existissem milhares de pessoas portadoras de deficiência. Só via sujeitos Surdos e convivia com os sujeitos Surdos nas escolas, nas festas, nos jogos esportivos das associações de Surdos onde sou militante há 30 anos, mas o encontro me fez refletir que a diferença se encontra em muitas outras esferas (CAMPELLO, 2008, p. 47).
Conforme relato da pesquisadora, ter participado de um congresso com pessoas
com outras deficiências lhe possibilitou refletir sobre a diversidade humana e sobre a
amplitude da diferença. O papel da escola inclusiva abrange, igualmente, a
perspectiva de ampliar a interação entre pessoas com e sem deficiência.
Entendemos que a escola se torna um lócus de eloquentes discussões e um celeiro
de oportunidades para uma efetiva proposta inclusiva que tenha significado para
aqueles que dela participam. Só pelo fato de frequentarem um mesmo espaço, a
experiência com a diversidade se torna enriquecedora para todos os alunos, sejam
eles deficientes físicos, cegos, surdos ou ouvintes.
110
4.4 ENCONTRO COM OUTROS SUJEITOS
O encontro com outros sujeitos foi observado em alguns momentos específicos
como na aula de Educação Física, na compra de lanche na cantina e mediante os
dados das entrevistas. Na aula de Educação Física, alunos surdos e ouvintes
participavam intensamente das atividades. Na quadra, a professora especialista
ministrava sua aula com independência, apesar da presença do intérprete. Com
tranquilidade ela explicava as atividades físicas e a utilização dos materiais de apoio
para a realização das atividades. Apesar de não se expressar em Libras, a
professora se fazia entender, utilizando a expressão corporal e a demonstração.
Cada exercício ou jogo ela exemplificava o procedimento. Frequentemente o aluno
surdo se espelhava nos colegas ouvintes para a realização das atividades. Havia
também, a preocupação dos alunos ouvintes em alertar os colegas surdos, quando
faziam algum movimento errado, na hora dos exercícios físicos ou simplesmente
chamavam a atenção dos colegas para que eles observassem como a professora
estava fazendo a atividade.
Os jogos de competição estimulavam a participação de todos, surdos e ouvintes. Era
visível o entusiasmo dos alunos. Numa dessas atividades competitivas, foi solicitado
a formação de duas equipes com a tarefa de realizar, num menor tempo, o percurso
sugerido pela professora. A formação das equipes era feita pelos próprios alunos
que de maneira espontânea, iam se juntando, uns mudando de fila para ficarem
mais próximos aos seus pares. Observamos que os alunos surdos ficavam todos
numa mesma fila. A professora não interferia na formação das equipes. O espírito
competitivo tomava conta e animadamente procuravam corresponder ao desafio
proposto.
Os dados coletados nas entrevistas (fechadas e abertas) serviram como um “raio X”
da interação dos envolvidos com a educação e os sujeitos surdos. Quando foi feita a
pergunta: “o que a Escola do Encontro tem de específico que atraiu os alunos
surdos?”, dos doze entrevistados, sete atribuíram à amizade entre os surdos como
elemento de atração à escola, ou seja, quase sessenta por cento dos entrevistados
escolheram essa resposta. Os restantes atribuíram à metodologia e à localização da
escola. A amizade entre os surdos, segundo a maioria dos pesquisados, fortalecia o
111
empenho de continuarem a estudar e refletia o desejo em frequentarem uma escola
comum com outros surdos e não-surdos. Quando questionado sobre a possibilidade
de estudar numa escola só pra surdos, um aluno surdo mostrou repúdio à idéia,
relembrando uma fase de experiências não muito agradável, em que estudou numa
dessas escolas, que mesmo sendo só pra surdos, não possuía uma metodologia
que valorizasse a especificidade da Língua de Sinais, pois ainda se embasava na
visão oralista de ensino, com a valorização da leitura labial, do Português sinalizado,
em detrimento da fluência em Libras.
Percebemos nas entrevistas, que os profissionais da escola, ou seja, professores,
pedagogos, coordenadores, bibliotecária e demais empregados, não sabiam se
comunicar em Libras. Muitos desconheciam os sinais básicos, dificultando uma
interação com os alunos surdos.
Para minimizar o distanciamento entre surdos e ouvintes, uma das pedagogas nos
informou sobre um projeto implantado na escola de oferecer cursos de Libras para
os interessados da comunidade escolar, abrangendo família e funcionários da
escola. Ela disse que por causa da demora da contratação dos instrutores e
professores bilíngues, no ano de 2009, a efetivação do projeto ficou prejudicada.
Pretende-se retomá-lo no segundo semestre. O curso básico para alunos ouvintes é
oferecido uma vez por semana, em aulas de 30 minutos, para cada turma, nos três
turnos. O objetivo do projeto é promover o uso e a difusão da Língua de Sinais no
contexto escolar.
Os únicos profissionais fluentes na Língua de Sinais na Escola do Encontro eram os
professores bilíngues e os intérpretes. Dentre os demais entrevistados, somente o
coordenador afirmou que sua comunicação com os alunos surdos era difícil, por não
entender a Libras. Um fato interessante é que mesmo não sabendo se comunicar
em Libras, a maioria das pessoas envolvidas com a educação e alguns alunos
ouvintes, afirmaram ter afinidades com os alunos surdos e apontaram como
vantajosa, tanto para alunos surdos e não-surdos, a questão de estudarem numa
mesma escola regular comum.
112
A escola pesquisada traz no bojo de sua proposta político-pedagógica o desejo de
arraigar-se como uma verdadeira Escola do Encontro. Os des-encontros sempre
ocorrerão, são quase inevitáveis. Mas vemos, no desejo de acertar dos profissionais
envolvidos, uma perspectiva de uma escola em que a diversidade será
simplesmente um elemento propulsor de uma prática educacional de qualidade para
todos. Se isso ainda não é fato, revela-se, certamente, uma grande aspiração.
4.5 ENCONTROS NA SALA DE AULA COMUM
Partimos para a quarta trilha de observação: a sala de aula comum. Foram poucos
encontros na sala de aula comum, pois, nem sempre conseguíamos agendar nossa
participação. Dependíamos do aval de alguns professores que, a nosso ver, se
sentiam inibidos e, às vezes, constrangidos com a nossa presença. Percebemos
inicialmente que a presença da pesquisadora causava, igualmente, nos alunos,
estranheza e inibição. Mas aos poucos, todos foram se acostumando com a nossa
presença.
Nesta sala, os surdos sentavam-se próximos a outros surdos, preferencialmente nos
primeiros lugares, proporcionando o encontro com seus pares. Anotavam tudo que
era escrito no quadro. A presença do intérprete favorecia a explicação e o
entendimento de conceitos. Alguns professores, por não conhecerem a Libras,
tinham dificuldades em se relacionarem com os alunos surdos. Outros, como o caso
de uma professora alfabetizadora, mesmo sem a fluência em Língua de Sinais,
procurava se fazer entender e averiguar se o que foi dito foi compreendido por
todos. Os alunos surdos tinham liberdade em levantar a mão para dissolverem suas
dúvidas. Os alunos ouvintes frequentemente complementavam alguma informação
ou procuravam ajudar num entendimento de alguma questão: era o momento da
empatia e do encontro com a diversidade.
Temos consciência de que uma proposta inclusiva para surdos dentro de uma sala
de aula com alunos não-surdos requer metodologias diferenciadas, e estamos longe
do ideal almejado. Mas é gratificante perceber profissionais que desconhecem a
Libras, buscarem preencher de alguma forma as pequenas lacunas do
113
conhecimento acadêmico do surdo. O fato de estarem juntos, surdos e não-surdos,
num mesmo espaço, provoca situações que podem fomentar uma ação-reflexão dos
profissionais envolvidos com a educação, tendo a diversidade como propulsora
dessa reflexão.
Conversando com a professora regente, pudemos notar a sua angústia diante da
dificuldade em aprender Libras. Ela nos conta que o interesse pela convivência com
os alunos surdos a estimula às práticas comunicativas diversas, até mesmo pela
linguagem corporal, do olhar e da leitura labial.
Percebemos, na sala de aula, a falta de materiais didáticos visuais como recursos de
ensino-aprendizagem. Sem os recursos visuais, o intérprete se valia, em alguns
momentos, de traçar esquemas explicativos no quadro, paralelamente ao que o
professor ensinava. A importância da imagem, da visualidade para o surdo,
explanada no capítulo anterior, é muitas vezes negligenciada, principalmente, como
um fértil recurso de apreensão de significados.
Como a finalidade era essencialmente observarmos o aluno surdo em seu processo
discursivo para verificarmos a presença da figuratividade em sua língua,
percebemos que na sala de aula comum o discurso em Libras não era tão eloquente
e, portanto, não seria o melhor espaço de concretização da análise desse discurso.
Seguimos, então, para a sala do Atendimento Educacional Especializado.
4.6 ENCONTROS NA SALA DO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO (AEE)
Na sala do AEE, o aluno surdo participa de projetos educacionais que estimulam sua
aprendizagem, levando em consideração a especificidade da Língua de Sinais e a
peculiaridade do sujeito surdo. É o momento de grandes encontros! Antes de
relatarmos, porém, as experiências vivenciadas no AEE, achamos pertinente
situarmos o leitor a respeito do que vem a ser o Atendimento Educacional
Especializado conforme entendimento do Ministério da Educação. Apresentamos, no
114
tópico seguinte, resumidamente, a proposta bilíngue das escolas referências da
Prefeitura Municipal de Vitória.
4.6.1 Atendimento Educacional Especializado
O Atendimento Educacional Especializado, o AEE, é um serviço educacional que faz
parte da política de educação inclusiva desenvolvida pelo Ministério de Educação. É
oferecido em salas multifuncionais, normalmente em turno oposto44 ao do ensino
regular em classe comum, aos alunos que precisam de suplementação ou
complementação no decorrer do processo de aprendizagem. O Documento45
“Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva”,
assim define as atividades do AEE:
O atendimento educacional especializado identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela. O atendimento educacional especializado disponibiliza programas de enriquecimento curricular, o ensino de linguagens e códigos específicos de comunicação e sinalização, ajudas técnicas e tecnologia assistiva, dentre outros. Ao longo de todo processo de escolarização, esse atendimento deve estar articulado com a proposta pedagógica do ensino comum (BRASIL, 2008, p.16).
A proposta do AEE para alunos com surdez, elaborado por Mirlene F. M. Damázio,
(2007) integra o Projeto de formação continuada de professores das salas
multifuncionais dos municípios-pólo do Programa Educação Inclusiva: Direito à
Diversidade da Secretaria de Educação Especial e de Educação à Distancia do
MEC. O projeto traz, em seu bojo, uma nova perspectiva de trabalho educativo com
alunos com surdez: a possibilidade de aprendizagem efetiva nas turmas comuns do
ensino regular, tendo a retaguarda do Atendimento Educacional Especializado –
AEE.
44
De acordo com o Projeto Bilíngue da SEME (CORREIA, 2008), o “Atendimento Educacional” especializado é realizado, preferencialmente no contraturno. No noturno o AEE pode ser oferecido no mesmo turno. 45
Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria nº 555/2007, prorrogada pela Portaria nº 948/2007, entregue ao Ministro da Educação em 07 de janeiro de 2008.
115
Para favorecer a efetivação de um ensino e aprendizagem significativos para o aluno
surdo, são necessárias ações educacionais que estimulem o desenvolvimento
cognitivo das pessoas com surdez. Por muito tempo se atribuiu unicamente aos
surdos, a incapacidade de ler e escrever fluentemente ou de apreender conceitos
mais complexos. Mas Damázio nos alerta sobre a falácia da dificuldade do surdo em
aprender. Na verdade, precisamos compreender a maneira como o surdo aprende,
em vez de nos preocuparmos tanto em como ensiná-lo. Refletindo sobre essas
questões, Damázio escreve:
As práticas pedagógicas constituem o maior problema na escolarização das pessoas com surdez. Torna-se urgente, repensar essas práticas para que os alunos com surdez, não acreditem que suas dificuldades para o domínio da leitura e da escrita são advindas dos limites que a surdez lhes impõe, mas principalmente, pelas metodologias adotadas para ensiná-los (DAMÁZIO, 2008, p. 21)
A proposta do AEE, segundo Damázio, contempla três momentos distintos e
importantes na aprendizagem do aluno com surdez: o ensino em Libras, o ensino de
Libras e o ensino em Língua Portuguesa.
O ensino em Libras é oferecido preferencialmente por um instrutor ou professor
surdo. Neste momento são explanados e explicados os diferentes conteúdos
curriculares utilizando a Língua de Sinais.
O ensino de Libras é oferecido preferencialmente por professor surdo. É o momento
de se oferecer ao aluno com surdez, o conhecimento e a aquisição da língua. A
preferência pelo professor surdo é devido à vantagem que há em aprender uma
língua com um nativo. Mas nada impede que haja a presença de professores
ouvintes fluentes na língua, mesmo porque, atualmente, não há grande quantitativo
de professores surdos para atender à demanda das escolas. No momento do ensino
da Libras é oportunizado ao aluno com surdez aprender termos técnicos ou
científicos, proporcionando o enriquecimento do léxico em Libras.
Outro momento do AEE destina-se ao ensino da Língua Portuguesa, ministrado por
um profissional da área. Nessa aula, a ênfase é no ensino do Português escrito e
suas regras gramaticais. É o ensino do Português como segunda língua, já que a
116
Libras é reconhecida como a primeira língua do surdo brasileiro. É, portanto a
prerrogativa de uma escola bilíngue, conforme o § 1º, Art. 22, do Decreto 5.626, de
22 de dezembro de 2005, oferecer a LIBRAS e a modalidade escrita da Língua
Portuguesa como línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo
processo da escolarização dos alunos com surdez.
4.6.2 Educação Bilíngue nas escolas municipais de Vitória
A Prefeitura Municipal de Vitória mobilizou-se para reestruturar a política pública
para a educação dos alunos com surdez matriculados em suas unidades de ensino,
da Educação Infantil ao Ensino Fundamental. Em 2008 apresentou o documento
“Educação Bilíngue: ressignificando o processo socioeducacional dos alunos com
surdez, no Sistema Municipal de Ensino de Vitória, por meio do ensino, uso e
difusão da LIBRAS” (CORREIA, 2008). O documento instituiu a implantação do
projeto bilíngue em nove escolas referência, sendo sete do Ensino Fundamental e
duas escolas de Educação Infantil, visando atender aos pressupostos inclusivos e às
necessidades educacionais dos alunos surdos. O documento salienta que essas
escolas referências são escolas de ensino comum, mas que apresentam uma
proposta diferenciada para a escolaridade dos alunos com surdez. Estão localizadas
estrategicamente para atender a demanda dos alunos surdos. Para justificar tal
ação, assim prediz o documento:
A proposta se justifica visto a necessidade de providências técnico/administrativas e organizacionais das escolas, que possibilitem a interação entre alunos com surdez e entre os referidos alunos e adultos com surdez (CORREIA, 2008, p. 6).
Para atender à nova proposta de ação com alunos com surdez, fez-se necessária a
criação de espaços-tempo escolares e a atuação de outros profissionais como:
Professor ou Instrutor de Libras; Tradutor e intérprete de LIBRAS-Língua-
Portuguesa-LIBRAS; Professor para o ensino da Língua Portuguesa e Professor
regente de classe com conhecimento acerca da singularidade linguística dos alunos
com surdez.
117
A proposta educacional para alunos com surdez nas escolas referências, da Rede
Municipal de Vitória, está embasada nas proposições do MEC, especificamente do
AEE, conforme descrito no material do Programa de Formação Continuada a
Distância de professoras de salas multifuncionais, relatado no tópico anterior, qual
seja: do Ensino de LIBRAS, do Ensino em LIBRAS e do Ensino da Língua
Portuguesa escrita, resguardando a opção da família ou do próprio aluno pela
modalidade oral da Língua Portuguesa.
O documento, assim, sistematiza sua proposta de Educação Bilíngue:
A proposta de Educação Bilíngue do Sistema Municipal de Ensino de Vitória, fundamentada na filosofia da inclusão, incorpora a LIBRAS e a modalidade escrita da Língua Portuguesa como línguas de instrução do aluno com surdez, no universo de sete Unidades de Ensino Fundamental e em duas Unidades de Educação Infantil [...] para atuarem como escolas referências no processo de escolarização dos referidos alunos, respeitando a identidade surda que se manifesta mediante a coletividade que se constitui a partir da convivência entre as pessoas com surdez (CORREIA, 2008, p. 7).
Reiteramos que a Escola do Encontro é uma dessas escolas referência.
4.6.3 Experiências vivenciadas na sala do AEE
Escolhemos a sala de aula do AEE como o último caminho de investigação e
observação do cotidiano escolar. Neste espaço as conversas “rolavam soltas”, sem
nenhum acanhamento. Os alunos participavam e questionavam junto aos
professores quando não compreendiam um determinado assunto. A Libras era
usada como língua de instrução e comunicação. Observamos que as aulas eram
ministradas por professores bilíngues (Português-Libras) e por instrutor ou professor
surdo46. Mesmo nas aulas ministradas pelo professor surdo não percebemos o uso
de materiais visuais. Tudo era explicado na lousa.
No primeiro dia de observação da turma, a professora bilíngue propôs a discussão
sobre o tema “diversidade humana”. Para incentivar a narrativa dos alunos e a
46
Os intérpretes só atuavam na sala de aula comum e em outros momentos que necessitavam de interpretações.
118
compreensão de novos conceitos, a temática escolhida teve como embasamento o
texto intitulado: “Quem somos nós?”47, que foi impresso e distribuído para cada
aluno. O texto falava da diversidade humana, quanto à habitação, modos de viver e
quanto à fisionomia. Em um dos parágrafos, discorrendo sobre a cor de olhos e
cabelos, assim dizia o texto:
Nossos olhos e cabelo também são de cores diferentes. Podemos ter olhos azuis, castanhos, cinzentos ou verdes. Nosso cabelo pode ser louro ou castanho, ruivo ou preto. Pode ser liso ou encaracolado [...] (CAVANAH; MOORE; WEIB, 1995, p. 6-7).
Quando a professora começou a explicar o significado das palavras desconhecidas,
uma aluna levantou a mão e perguntou em Libras o que significava cabelo horrível?
Inicialmente a professora não entendeu o motivo da pergunta, até que percebeu que
se tratava da expressão “ruivo” que pela leitura labial a aluna surda havia entendido
“horrível”. Essa é uma questão muito importante quando pensamos na educação de
surdos. Quantas palavras “soltas no ar” são entendidas erroneamente pelos alunos
surdos treinados em leitura labial E como é importante o estabelecimento da sala de
aula como espaço de aprendizagem onde eles podem ser ouvidos em suas dúvidas
e inquietações!
Mantoan, em suas reflexões sobre o direito de cada um ser, sendo diferente na
escola, escreve:
As diferenças culturais, sociais, étnicas, religiosas, de gênero, enfim, a diversidade humana está sendo cada vez mais desvelada e destacada, e é condição imprescindível para entender como aprendemos e como entendemos o mundo e a nós mesmos (MANTOAN, 2004.p. 37).
Sendo assim, a escola não pode continuar ignorando, anulando ou marginalizando
os modos diferentes de aprendizado de seus alunos. E no dizer de Mantoan, a
escola deve compreender que aprender implica em saber expressar de diferentes
maneiras o que sabemos e em representar o mundo a partir de nossas origens,
valores e sentimentos.
47
Extraído da enciclopédia “O mundo da criança” – Gente de todo o mundo. (CAVANAH; MOORE; WEIB, 1995, p. 6-7). Vol. 1.
119
Essa sala, de 10 alunos surdos, constituiu-se então, em nosso Grupo Focal. Os
sujeitos desta pesquisa são, na sua maioria, surdos que perderam a audição antes
da aquisição da fala (pré-linguísticos) ou com surdez congênita.
Os professores bilíngues aceitaram participar da nossa pesquisa sendo o elo entre a
pesquisadora e os alunos. Quando foi socializado o motivo da nossa presença na
escola, e o objetivo da pesquisa, todos os alunos compreenderam e se envolveram
com a proposta. Houve receptividade por parte de todos em participar ativamente
das atividades.
Uma das propostas de trabalho do professores bilíngues para o aprendizado da
Língua Portuguesa e da Libras era oferecer momentos de imersão nessas línguas.
Um deles nos falou dos encontros de imersão na Libras. Tratava-se de momentos
em que os alunos surdos aprendiam Libras em Libras. Era o tempo destinado ao
exercício e aprendizagem da Libras, pois havia muitos alunos surdos com pouca
fluência na Língua de Sinais, com a linguagem permeada de sinais domésticos.
O espaço escolar proporciona, dentre outras possibilidades, o encontro entre
sujeitos surdos e sua própria língua, e essa convergência instiga novas propostas de
conhecimento e interação. Foi numa dessas aulas que propusemos ao professor
bilíngue a roda de conversa em torno de uma temática. Sugerimos um trabalho em
conjunto, tendo como objeto de discussão o livro com texto imagético (ou visual)
intitulado “Gato de Papel” (RENNÓ, 1997).
O livro narra a história de um gato que, cansado de ficar preso a uma folha de papel,
se rasga e num salto sai em busca de novas experiências. Seu primeiro contato no
mundo real foi com outro gato, mas que curiosamente causa estranhamento tanto
para ele como para o gato real. Apesar de serem ambos da mesma espécie,
possuíam características diferentes que causaram, à primeira vista, uma ação de
distanciamento. Cada um foge em direções opostas. Na rua, o gato de papel
vivencia momentos perigosos, em que é pisoteado pelos transeuntes e quase
atropelado pelo intenso tráfego. Depois de ser pisoteado, amassado, tratado com
indiferença, abandonado e varrido para dentro de um bueiro que deságua no mar, é
salvo por um pescador, que o recebe em seu barco com as regalias de um gato de
120
verdade. Assim, encontra aconchego ao lado do solitário pescador, e por causa do
tratamento recebido, comporta-se como um gato de verdade, sentindo fome, sono e
frio, ou seja, sensível, mesmo não sendo de carne e osso como os demais. O gato
passa a morar com o pescador e recebe uma aconchegante caminha para dormir.
O envolvimento dos alunos surdos com a proposta de leitura da imagem visual do
livro citado e o entendimento do contexto da história produziram um rico discurso
que proporcionou a análise descritiva da figuratividade do discurso visual da pessoa
com surdez pela teoria semiótica.
5 DESCRIÇÃO DA FIGURATIVIDADE / ICONICIDADE DO DISCURSO DO SURDO
PELO VIÉS SEMIÓTICO
A teoria semiótica, concebida como um percurso ou disposição hierárquica de modelos que se implicam, deve ser praticada por um sujeito suficientemente competente para passar de um nível ao outro. Esse sujeito encarnado em mim neste instante, não sei se possui força e capacidade para percorrer, com um mínimo de segurança, essa tessitura de articulações em que o sentido assume as formas da significação que lhe conferem existência semiótica (CAÑIZAL, 2004, p.199).
Cientes de nossa insipiência e consequentes limitações em percorrer
semioticamente com a devida competência o percurso de significação do objeto de
análise – a fala viso-gestual-espacial do surdo – nos apoiamos nas postulações de
Cañizal e lembramos que a leitura, descrição e análise das narrativas e dos sinais
serão feitas por alguém que não pertence ao mundo do surdo, mas que reconhece a
complexidade da língua em questão. É com precaução, portanto, que aceitamos o
desafio de buscar as significações no encenar dos discursos da Língua de Sinais.
Encenar, pois, é uma linguagem que envolve todo o corpo em gestualidades e
expressões que articuladas significam, se apresentando essencialmente cinemática.
Reiteramos que na investigação empírica procuramos alcançar o objetivo,
inicialmente proposto, de analisarmos descritivamente pela semiótica, a presença da
figuratividade nos discursos produzidos por sujeitos surdos por meio da Libras,
estabelecendo um recorte dos sinais considerados icônicos, e identificarmos como a
figuratividade presente nestes sinais se apresentou constitutiva de sentido para o
surdo.
121
Escolhemos estear em Greimas nossa idéia de discurso, que é considerado como
manifestação da linguagem e a única fonte de informações sobre as significações
imanentes a essa linguagem (GREIMAS apud FIORIN, 1995, p. 24). Nessa
concepção, o discurso em Libras constituiu-se em manancial de manifestação das
significações da fala visual do sujeito surdo, reveladas pelo fazer semiótico.
5.1 PERCURSO DA ANÁLISE DESCRITIVA DA FALA VISO-GESTUAL DOS SUJEITOS SURDOS
A fim de estabelecermos nossas proposições sobre a presença significativa da
iconicidade na Libras e como são figurativos os discursos, buscamos extrair da
narrativa da história “Gato de Papel” (RENNÓ, 1997) feita pelos sujeitos surdos, os
sinais icônicos, considerados assim pela percepção da pesquisadora. Escolhemos o
livro “Gato de Papel” para fomentarmos a discussão que devido ao texto imagético e
a leitura de seus códigos visuais a criatividade foi estimulada na construção das
narrativas.48
A sala de aula do Atendimento Educacional Especializado constituiu-se no lócus da
narrativa dos alunos surdos. Contamos com a participação direta dos professores
bilíngues e do professor surdo como colaboradores na aplicação metodológica.
Inicialmente, o livro foi apresentado cena após cena, proporcionando uma leitura
coletiva e sequenciada. Depois, foi disponibilizado um livro para cada aluno a fim de
que fizessem uma leitura e interpretação mais individualizada.
Num segundo momento, retomamos o contexto da história, afixando na lousa cópias
coloridas das páginas do livro, em cenas sequenciadas. Depois de relembrarem o
enredo, foi sugerido aos alunos que cada um fizesse a leitura do texto imagético dos
eventos percebidos visualmente, recontando a história para seus colegas. Enquanto
um recontava a história, os demais colegas portaram-se como uma animada platéia.
48 A escolha de um livro com texto imagético não foi casual, pois consideramos a dificuldade que a maioria dos alunos que não são fluentes na leitura escrita do Português, teriam para decifrar tais códigos de leitura, além, claro, de que a visualidade é uma categoria imanente de apreensão de significados por parte do surdo.
122
Os alunos foram orientados pelo professor bilíngue que procurassem recontar a
história evitando “copiar” o que os outros colegas diziam, ou seja, que eles fossem
autênticos e livres na apresentação da narrativa. As cenas foram apresentadas de
forma sequencial conforme exposição das imagens afixadas na lousa.
É importante esclarecer que, apesar de quase todos os dez alunos do grupo focal
terem participado da atividade de leitura e interpretação da história, tornou-se
inviável, para fins de análise, a apresentação de todas as narrativas e suas
respectivas análises descritivas. Sendo assim, optamos por fazer escolhas que mais
nos atenderiam em função da proposta desta pesquisa. Para demarcar o corpus de
análise, escolhemos apenas duas narrativas: uma feita por D., uma das alunas do
grupo focal,49 e outra feita por F., um professor surdo convidado. Maiores
esclarecimentos serão descritos a seguir.
Solicitamos a um professor surdo da Escola do Encontro que também recontasse a
história. Quando o professor recontou a história para a turma, percebemos a riqueza
de detalhes e como a figuratividade se apresentava numa língua rica em
iconicidade. Contudo, tal evento não pôde ser registrado, pois, por motivos alheios à
nossa vontade, não conseguimos filmar a participação desse professor e nem
estabelecer um novo horário para a sessão de fotos e filmagem. Convidamos então
outro instrutor surdo, também professor da Prefeitura Municipal de Vitória, para
participar de nossa pesquisa como colaborador. Os registros em vídeo,
disponibilizado em anexo, e em fotos apresentados nesta pesquisa são do professor
F., que gentilmente aceitou nosso convite, prontificando-se a realizar o trabalho.
Apresentamos ao professor F., a proposta de nossa pesquisa e o motivo do uso da
história do “Gato de Papel”. Ao ler as imagens, disponibilizou-se imediatamente a
recontar a história.50 Tivemos que fazer um trabalho à parte da sala do Atendimento
Educacional Especializado, na sala de aula de um prédio próximo à Escola do
Encontro. O registro que fizemos de sua narrativa apresentou num rico corpus para
análise, pois, comparativamente à narrativa do professor surdo da Escola do
49 Aluna do Programa EJA, 2º. Segmento. 50 Vale dizer, que nenhum dos sujeitos “ensaiaram” a recontação da história, configurando-se em atividade de improviso.
123
Encontro, o discurso do professor F. também se constituiu numa “fala” que
contemplava a figuratividade da história a partir da iconicidade de suas figuras, tais
como: gato, carro, casa, entre outras.
Tanto a aluna D., da Escola do Encontro como o professor surdo F. se prontificaram
em recontar a história se posicionando em pé, frente à lousa, a fim de serem vistos
por todos e facilitar o registro de fotos e filmagens.
Fotografamos e filmamos os sinais realizados pelo professor e pela aluna que se
constituíram em novos colaboradores desta pesquisa. A partir da imagem fotográfica
dos sinais, desenvolvemos a descrição semiótica proposta. Ressaltamos que a
filmagem e as fotos foram produzidas pela pesquisadora em nossa experiência em
campo e, por isso, deixaram a desejar no que tange ao aspecto técnico de captura,
denotando características de um trabalho amador que, a nosso ver, em nada limitou
a investigação.
Objetivando otimizar nossa descrição e análise, apresentamos primeiramente a
narrativa dos colaboradores surdos. Após, apresentaremos a descrição semiótica de
alguns sinais considerados icônicos e, finalmente, a conclusão dos dados
levantados e analisados. As imagens do livro “Gato de Papel” e o registro por fotos e
vídeos do discurso dos sujeitos surdos tornaram-se estratégias imprescindíveis para
o alcance do objetivo de análise a que nos propomos. Vale ressaltar que nem todos
os movimentos corporais e as expressões faciais puderam ser capturados pela
objetiva da máquina digital, devido à rapidez e dinamicidade dos acontecimentos na
fala do sujeito surdo.
5.2 DESCRIÇÃO DA FIGURATIVIDADE/ICONICIDADE PRESENTES NO DISCURSO DOS SUJEITOS SURDOS PELO VIÉS DA SEMIÓTICA.
Primeiramente, passamos à transcrição da narrativa da aluna e do professor,
considerando a maneira e a sequência tal como foi narrada em Libras. As narrativas
foram transcritas na sequência apresentada no vídeo. A tradução e transcrição dos
sinais revelaram-se procedimentos complexos, mas procuramos nos orientar nas
124
proposições de Quadros; Karnopp (2004, p. 37) e Brito (1995, p. 207). No ato da
tradução, escolhemos as palavras que mais se aproximaram do sentido expresso
pelos sinais. As glosas com palavras do Português foram escritas com todas as
letras maiúsculas e sempre na forma infinitiva, por não haver flexão de modo e
tempo verbal em Libras. Não apresentaremos a versão em Língua Portuguesa, visto
que já se encontra narrada no capítulo 4, subitem 4.6.3.
Pautados, ainda, nas pesquisadoras Quadros e Karnopp (2004) e Brito (1995),
adotamos as seguintes convenções na transcrição dos sinais: quando foram usadas
mais de uma palavra do Português para traduzir um sinal em Libras, utilizamos os
vocábulos separados por hífens, como foi o caso da palavra CAIR-PROFUNDO; as
palavras digitalizadas pelo alfabeto manual foram transcritas por letras maiúsculas,
separadas por hífens, como foi o caso de L-I-X-O; para identificação dos
Classificadores (CLs) usaremos a seguinte informação gráfica: < > Exemplo:
<BARCO-A-REMO>; para expressar as interrogações utilizamos <?> e para as
exclamações <!>.
Organizamos a narrativa no quadro abaixo, identificando na primeira coluna o
número da cena com sua respectiva ilustração; na segunda coluna a narrativa da
aluna; na terceira, a narrativa do professor, na quarta, a identificação dos sinais
icônicos presentes na fala dos dois sujeitos e na última coluna destacamos somente
os sinais icônicos, recorrentes nas duas narrativas, ou seja, os sinais icônicos
presentes tanto no discurso do professor quanto no da aluna. Para pontuar a
ausência da recorrência dos sinais icônicos na última coluna, escolhemos a seguinte
notação: <X>.
Como pode ser observado, o destaque das figuras sinalizadas iconicamente foi feito
cena a cena. Por isso, o vocábulo GATO aparece repetidamente em diferentes
colunas.
Para socializarmos o contexto do enredo imagético do Livro “Gato de Papel” (Rennó,
1997), escolhemos utilizar as ilustrações criadas pela própria autora, no quadro na
páginas seguintes.
125
Orientamos ao leitor que faça a leitura de cada narrativa tal como ela se apresenta,
ou seja, quadro a quadro, em sentido vertical, descendente.
DIVISÃO EM CENAS
NARRATIVA DA ALUNA
NARRATIVA DO PROFESSOR
SINAIS ICÔNICOS
SINAIS ICÔNICOS
RECORRENTES
1ª. Cena (Capa)
A aluna não cita o
título da história.
Começa sua
narração a partir da
cena 02
<?>
TUDO BOM
DESENHO
HISTÓRIA GATO
PAPEL
GATO PAPEL
GATO <X>
2ª. Cena (p.5)
DESENHO
GATO PAPEL
DESENHO
FOLHA-PAPEL
<!> BONITO
GATO <X>
3ª. Cena (p.6)
SUMIR
GATO FOLHA
FICAR-NÃO;
DESGRUDAR
SAIR FOLHA
GATO
DESGRUDA
R
<X>
4ª. Cena (p.8)
GATO VIGIAR
GATO PAPEL
SOBRESSALTAR
SAIR
TER OUTRO
GATO VERDADE
GATO GATO
5ª. Cena (p.9)
PULAR PULAR JANELA
PULAR
GATO
PULAR
JANELA
PULAR
6ª. Cena (p.10)
CARRO
RÁPIDO PASSAR
RÁPIDO
GATO ASSUSTAR
CARRO
PERIGOSO
GATO
CARRO CARRO
7ª. Cena (p.11)
GATO
PREOCUPADO
CARRO
RÁPIDO- PASSAR GATO <X>
126
DIVISÃO EM CENAS
NARRATIVA DA ALUNA
NARRATIVA DO PROFESSOR
SINAIS ICÔNICOS
SINAIS ICÔNICOS
RECORRENTES
8ª. Cena (p.12)
ESMAGAR QUASE
ESMAGAR
GATO FLUTUAR
VENTO CAIR
PESSOAS ANDAR RÁPIDO
PISAR ESMAGAR GATO SOFRER
GATO
ESMAGAR ESMAGAR
9ª. Cena (p.14)
LIXO
TAMBÉM GATO
CAIR JOGADO
<?>PARECER O
QUE
L-I-X-O51
MISTURADO
GATO <X>
10ª. Cena (p.15)
VASSOURA-
VARRER
FICAR JUNTO
L-I-X-O
TER VASSOURA-
VARRER
JUNTO
VASSOURA-
VARRER
GATO
VASSOURA-
VARRER
11ª. Cena (p.16)
<CAIR-
PROFUNDO>
GATO
CAIR
FLUTUAR VENTO
<CAIR BURACO
PROFUNDO>
FLUTUAR
BUEIRO
CAIR-
PROFUNDO
CAIR-
PROFUNDO
12ª. Cena (p.17)
RÁPIDO
AFOGAR
GATO
CAIR
GATO
CAIR
AFOGAR
<X>
13ª. Cena (p. 18)
ÁGUA
<AFUNDAR-
PROFUNDO>
GATO DESAGUAR
MAR
SUGAR
GATO
AFUNDAR-
PROFUNDO
<X>
51
O professor utilizou a datilologia: L-I-X-O; a aluna usou o sinal para lixo: Com a MD configurada na
CM nº. 12, faz um movimento de pinçar a ponta do nariz e logo depois joga a MD para o lado direito, abrindo todos os dedos, de uma só vez.
127
DIVISÃO EM CENAS
NARRATIVA DA ALUNA
NARRATIVA DO PROFESSOR
SINAIS ICÔNICOS
SINAIS ICÔNICOS
RECORRENTES
14ª. Cena (p. 19)
PESCAR
GATO SOFRER
PESCADOR
PESCAR GATO
PESCADOR
PESCAR
GATO
PESCAR
15ª. Cena (p. 20)
DEPOIS
PESCAR
Tabela 01
PESCADOR
PESCAR GATO
PESCADOR
PESCAR
GATO
PESCAR
16ª. Cena (p. 22)
DEPOIS RIR
ÁGUA PEIXE
COMER FOME
PESCADOR
PEGAR GATO
PAPEL MOLHAR
<!> COITADO
DAR COMIDA
PEIXE52
DAR PEIXE
COMER PRONTO
PESCADOR
GATO
COMER
RIR
GATO
COMER
17ª. Cena (p.23)
BARCO-REMAR
DEPOIS
SATISFEITO
IR CASA
RECEBER GATO
PAPEL
<!> PERTENCER
JUNTO CASA
MINHA
CASA
GATO
JUNTO
BARCO-
REMAR
<X>
18ª. Cena (p.24)
COBERTOR
CALMO
SATISFEITO
DORMIR
<!> FIM
CASA
DORMIR
COBERTOR
DORMIR
Tabela 02
52
O professor utiliza o sinal para peixe: MD com CM no. 53, que num movimento sinuoso simula o nado do peixe; a aluna faz outro sinal: MD com CF n. 12, encosta o dedo indicador na lateral do queixo.
128
Consideramos um desafio estabelecer qualquer postulação sobre uma língua tão
rica, vívida, dinâmica, cinemática e repleta de figuratividade. Toda ação investigativa
proposta nesta pesquisa configura-se num singelo passo para a constatação de que
a iconicidade, tão rebatida por alguns teóricos da língua sinalizada – apesar de sua
presença contundente em muitos sinais e, especificamente, nos classificadores – faz
da Língua de Sinais uma língua, essencialmente, viso-gestual-espacial. Portanto,
assistir ao vídeo que acompanha esta dissertação, resultará em ganhos para o leitor,
quanto a apreensão da riqueza de detalhes das narrativas apresentadas pelos
sujeitos surdos, que não pode ser abarcada pela transcrição linear dos
acontecimentos.
Retomando o pensamento de Diderot (2006:96), de que “há gestos sublimes que
toda a eloquência oratória nunca haverá de transmitir”, entendemos, também, que a
descrição escrita em Português não daria conta de tamanha complexidade da fala
gestual do surdo, da gama de movimentos, locomoções em diferentes
direcionamentos e articulações de braços e mãos, além das expressões não-
manuais, ou seja, das expressões corpóreo-faciais que são utilizadas na construção
dos sinais. Por isso, todas as expressões faciais e os movimentos não puderam ser
devidamente capturados, dada à especificidade das ações cinemáticas do discurso
surdo.
Fiorin (2008, p. 55) nos esclarece que a enunciação é o ato de produção do discurso
e também a instância que origina o enunciado de pessoas, de tempos e de espaços.
As instâncias da enunciação, segundo Fiorin (2008, p. 56-57), são: o eu-aqui-agora.
A enunciação visual dos sujeitos surdos, também estabelece essas instâncias: o eu,
são os próprios sujeitos surdos, enunciadores da narrativa; o aqui, refere-se ao
espaço do eu (do narrador), que para aluna é a sala de aula do A.E.E. e para o
professor é a sala de aula de um prédio próximo à Escola do Encontro e, o agora,
refere-se ao momento em que o eu toma a palavra e direciona os acontecimentos.
Apresentamos nas tabelas abaixo, a análise da discursivização dos sujeitos, a partir
do registro em vídeo, considerando apenas quatro categorias: a proxêmica,
referindo-se ao espaço tomado pelo corpo no ato da enunciação, ou seja, o jogo de
distâncias, proximidades ou afastamentos, direção do olhar e os modos pelos quais
o surdo se coloca e se movimenta em relação aos personagens, gerindo o espaço
129
envolvente, considerando a presença do personagem narrado; a sonoridade da fala
dos sinalizadores, que mesmo sendo surdos, não são necessariamente mudos; o
percurso passional da narrativa, envolvendo a emoção e a dramaticidade na
apresentação do discurso e da mudança de estado dos personagens e por fim, o
grau de iconicidade presente na totalidade do discurso, sendo considerado a
quantidade de palavras sinalizadas e dentre estas, a quantidade das que se
apresentaram icônicas.
Na dinâmica do procedimento da descrição recorreremos, sempre que necessário,
às cenas, associando ao número correspondente.
CATEGORIA SUJEITO ALUNA SUJEITO PROFESSOR
PROXÊMICA* * Para compreendermos
a relação dos sujeitos
desta pesquisa com o
espaço da enunciação,
torna-se necessário
informar onde e como
foram posicionadas as
ilustrações da história.
Observamos que,
conforme o
posicionamento do
recurso visual, emergiram
diferentes relações com o
espaço circundante,
como, por exemplo, a
contenção e a não-
contenção do
deslocamento do corpo
no espaço narrativo.
D. relutou um pouco para ir à frente. Procuramos não forçar ninguém para participar desta atividade, mas, estimulada pelo professor bilíngue, a aluna se sentiu à vontade e aceitou o desafio de recontar para toda a turma, sua versão a respeito da história em questão.
Após socializarmos com F. sobre nossa proposta de investigação, ele aceitou, prontamente colaborar com o que fosse necessário, no tempo disponibilizado, ou seja, nos intervalos de suas atividades.
O aqui, ou seja, o espaço da enunciação da aluna foi a sala do A.E.E., no prédio da Escola do Encontro.
O aqui do enunciador professor foi uma das salas de aula de um prédio próximo à Escola do Encontro.
As ilustrações foram coladas em tiras de papel-cenário, de maneira sequencial. Essas tiras foram afixadas na lousa numa altura, em que se levou em conta a altura média dos alunos. As tiras ficaram posicionadas um pouco acima da linha do olhar da aluna.
As tiras de papel com as ilustrações coladas de maneira sequencial foram organizadas sobre a mesa que estava em frente ao quadro negro. Foi uma opção do próprio professor, justificando que, com apenas um olhar de soslaio, poderia se orientar quanto aos acontecimentos na história.
Para narrar a história, a aluna
posicionou-se em pé, em frente à lousa. Não havia o objeto mesa próximo ao espaço da
narrativa, deixando-a, mais livre. Ela manteve uma distância mínima entre o espaço de locomoção e a lousa, onde
estavam afixadas as gravuras. O corpo da aluna movimentou-
se seguindo uma linha imaginária prospectiva, pois, se
O professor se posicionou em pé, em frente à lousa para produzir sua narrativa. Bem próximo à lousa havia dois bancos de madeira, encostados à parede. Um pouco mais à frente desses bancos havia uma mesa. F. posicionou-se no espaço entre os bancos de madeira e a mesa. Procurou ficar bem próximo à mesa e ali
130
CATEGORIA SUJEITO ALUNA SUJEITO PROFESSOR
locomoveu sempre para frente, em consonância com a trajetória das cenas narradas. Seu corpo
não ficou contido no espaço.
Tabela 03
estabelecer seu percurso narrativo. As ilustrações o “prenderam” junto à mesa. Portanto, tal posicionamento inibiu a exploração do espaço, que ficou limitado entre os bancos e a mesa, conferindo ao corpo a contenção dos movimentos.
CATEGORIA SUJEITO ALUNA SUJEITO PROFESSOR
Os alunos do Grupo Focal constituíram-se numa animada platéia. Sentados em semi-círculo, assistiram às apresentações das narrativas de seus colegas. Apesar de se portar a uma distância razoável da roda de conversa, (aproximadamente 2,5m do círculo de colegas) sua interação comunicativa com o grupo foi notória. Utilizou o sinal dêitico de apontamento para situar sua narrativa e ao mesmo tempo informar à turma sobre qual cena estava falando. Seu olhar era, sempre, dirigido à turma, ignorando, portanto, a objetiva da máquina digital. Por conta disso, notamos a manifestação da platéia em três momentos: na 13ª.cena, quando narra a parte em que o gato foi despejado no mar; na 16ª. cena, que ao se esbarrar na borda da folha, quase rasgando o papel, causou uma breve comoção na turma, ao que ela pediu desculpas, e finalmente quando ela encerra sua narrativa, sendo aplaudida pelos colegas.
Não houve platéia e sua interação comunicativa foi, somente, com a própria câmera que gravava sua eloquente fala. A presença da pesquisadora não inibiu seu desempenho narrativo, mesmo nos colocando à distância de 0,80 cm para gravarmos as imagens. O enunciador demonstrou, ao longo da história, tranquilidade e segurança frente à objetiva da máquina digital. Dialogava com o enunciatário virtual, olhando sempre para a câmera. Como não foi interpelado por nenhuma comoção externa, sua narrativa seguiu com dinamismo e fluidez.
Considerando as pontuações feitas, percebemos que a aluna teve mais liberdade de se movimentar dentro do espaço estabelecido pelas regras veladas - porém, não menos contundente - da proxêmica, ou seja, da indicação de aproximação e distanciamento que um corpo dentro de um determinado espaço, requer.
Tabela 04
131
CATEGORIA SUJEITO ALUNA SUJEITO PROFESSOR
SONORIDADE DA
FALA
Notamos a presença da sonoridade em sua fala. Ela oraliza as palavras juntamente com a sinalização. Para cada sinal produzido emite um som.
Tabela 05
Percebemos a ausência da sonoridade da fala. Os sons percebidos foram os associados aos movimentos enfáticos apresentados por classificadores. Como exemplo, podemos citar o momento em que narrou a cena do gato sendo pisoteado pelos pedestres: as duas mãos batem uma na outra com veemência.
CATEGORIA SUJEITO ALUNA SUJEITO PROFESSOR
PERCURSO PASSIONAL
DA NARRATIVA
Os indícios indicativos de envolvimento passional com a história se apresentaram principalmente na utilização das expressões não-manuais. Propomo-nos a ressaltar qual dos sujeitos surdos se apropriaram mais do corpo e das expressões faciais para falarem de sofrimento, dor, sustos, satisfação e alegria dos personagens da narrativa.
Sua expressão facial permaneceu alegre por quase toda a narrativa, ou seja, não demonstrou a mudança de estado dos personagens, em especial, do gato.
Mesmo sem se locomover dentro do espaço da narrativa, o professor explorou seus movimentos de braços e mãos para construir as cenas e para dar vida aos personagens, ou seja, ao gato e ao pescador. Suas expressões faciais demonstraram, em todo tempo, os estado passional dos sujeitos da história.
Na 8ª. cena, por exemplo, em que o gato foi pisoteado pelos pedestres, ela ignorou seu sofrimento e sua dor, tão bem caracterizados pela ilustradora, através dos recursos gráficos como as “estrelinhas” indicativas de dor e as “elipses” em volta da cabeça, indicando tontura. Narrava cada episódio como se estivesse se divertindo com as cenas.
Nessa interpretação, o narrador surdo assumiu o papel de participante da cena narrada e a sinalizou como se fossem os próprios personagens. Observamos isso em várias cenas: logo nas primeiras, quando o gato não gostou de ficar grudado na folha, e então, após esforço, num salto se descolou de seu suporte; na 8ª. cena, quando foi pisoteado pelos pedestres, o narrador surdo apresentou o sofrimento do gato, enfatizando que as pisadas das pessoas da rua estavam machucando-o.
132
Mesmo utilizando a movimentação das mãos, braços e tronco sem restrições, alargando o espaço das gesticulações, preocupou-se, simplesmente, em narrar cada episódio, conforme a temporalidade dos eventos, abdicando de se envolver com o contexto passional da história.
Tabela 06
Outro momento em que frisa o sofrimento do gato foi na cena 14, quando foi içado pelo pescador. O personagem pescador também ganha vida na narrativa: ao puxar o anzol e notar que se tratava de um gato e não de um peixe, o pescador olha para o gato consternado e diz: coitado do gatinho! Comovido, percebe o cansaço e a fome de seu novo amigo e oferece peixe para o gato comer. Podemos concluir que a fala do narrador professor foi plena de demonstrar a mudança de estado dos personagens, devido ao tratamento particular de expressar toda dramaticidade das cenas.
CATEGORIA SUJEITO ALUNA SUJEITO PROFESSOR
GRAU DE ICONICIDADE DOS
SINAIS UTILIZADOS Para apurarmos o grau de iconicidade dos sinais apresentados por cada sinalizador, tomamos como referência os dados levantados na transcrição da narrativa em Libras. A quantidade total de sinais produzidos pela aluna foi de aproximadamente trinta sinais e dentre esses, treze se apresentaram iconicamente, perfazendo um total de 45% de iconicidade no léxico utilizado pela aluna. O professor produziu em sua narrativa, aproximadamente cem sinais, sendo vinte considerados com maior grau de iconicidade, além de inúmeros classificadores, que são, em sua essência, figurativos. A porcentagem referente ao total de iconicidade, levando em conta somente os sinais, e não os classificadores, foi de 20% de utilização de sinais icônicos. Mas, pela sua complexidade e a demanda de um tempo maior para a análise, não ressaltaremos os
D. utilizou uma quantidade mais reduzida de Classificadores. O uso de Classificadores demanda maior fluência na Libras e são recursos, que aliados às expressões não-manuais, descrevem, imageticamente, uma ação. A iconicidade de sua fala se apresentou mais no léxico da narrativa. Dentre os 30 sinais, quase a metade apresentou-se, figurativamente. Listamos alguns sinais icônicos e Classificadores que emergiram na fala do sujeito aluna: GATO-VIGIAR; PULAR; CARRO; ESMAGAR; VASSOURA-VARRER; <CAIR-PROFUNDO> (CL); <AFOGAR> (CL); PESCAR; RIR; COMER; BARCO-REMAR; COBERTOR.
F. utilizou diferentes classificadores como recursos para enfatizar uma ação. Com um discurso com vinte por cento de iconicidade, apresentou uma linguagem mais rebuscada, plena de expressões não-manuais. Listamos os sinais icônicos e alguns Classificadores que emergiram na fala do professor: GATO; <DESGRUDAR> (CL); <SOBRESSALTAR> (CL); PULAR; JANELA; CARRO; <GATO FLUTUAR> (CL); <GATO ESMAGAR> (CL); VASSOURA-VARRER; JUNTO; CAIR- BURACO (CL); <GATO-AFUNDAR> (CL); PESCADOR; PESCAR; COMER, CASA; DORMIR.
133
classificadores utilizados, amplamente pelo professor surdo. Mas, a olhos vistos, sua fala se configurou em uma língua mais rica de iconicidade.
Tabela 07
Apesar de recontarem a mesma história, alguns elementos constituíram diferentes
narrativas, como a ocupação do corpo no espaço durante a apresentação. D.
precisou locomover-se mais no espaço, para acompanhar as cenas ilustradas e
afixadas ao longo do quadro, e F. manteve-se, sempre no mesmo lugar, do início ao
fim de sua narrativa, já que as ilustrações foram expostas em cima da mesa.
A aluna surda descreveu, de maneira sintética, cada cena da história e gastou o
tempo de um minuto e dois segundos na produção de sua narrativa. Na sua
narrativa concisa, não fez a introdução da história e se absteve de apresentar o
título, iniciando sua narrativa a partir da segunda cena.
O professor apresentou uma narrativa mais rebuscada, com maior riqueza de
detalhes. Sua apresentação ocorreu em um minuto e vinte e quatro segundos. F.
apresentou didaticamente, o texto narrativo nas três fases, ou seja, introdução,
desenvolvimento e conclusão. Iniciou sua apresentação, cumprimentando o
espectador virtual, exclamando: “tudo bom?”. Enfatizou a introdução, apresentando
o título do livro e a conclusão, com o sinal FIM. O uso do referido sinal é comum
numa palestra ou numa leitura, para indicar seu encerramento.
O jogo proxêmico de aproximação e distanciamento do corpo no espaço narrativo foi
logo apreendido pela aluna ao ser convidada para narrar a história e a se posicionar
frente aos colegas, pois foi a primeira a realizar tal atividade. Ela incorporou as
possibilidades da posição que deveria tomar e a dinâmica corporal que deveria
adotar para efetivar seu percurso narrativo num aqui estabelecido pelo agora. A
platéia, composta pelos alunos da sala do AEE, interagiu em alguns momentos com
a narradora, estreitando o processo dialógico da discursivização.
Por não contar, literalmente, com uma platéia tal como a aluna surda, o enunciatário
do discurso do professor surdo será o leitor que assistir ao vídeo disponibilizado em
134
anexo. Ao discursar, olhando sempre para a câmera, o professor propõe uma
interação dialógica com o espectador, que ao assistir a apresentação, sentir-se-á,
também, participante da narrativa.
No discurso da aluna e do professor surdos foi levado em conta, não só o que
falavam, mas como falavam e de onde falavam, considerando que a fala produzida
nos referidos espaços e tempos específicos refletiram o contexto da narrativa. E
retomando o que Mary Douglas (apud OLIVEIRA, 1992, p.113) escreveu, tanto o
corpo físico como o corpo social, ou seja, aquele inserido em um determinado
contexto comunica informação para e do sistema social do qual faz parte.
Salientamos, também, que a relação do corpo com o espaço da enunciação esteve
diretamente ligada à exposição do recurso visual que referenciou a toda a
proxêmica.
Identificamos nas narrativas apresentadas, sinais que possuem diferentes graus de
iconicidade, que segundo Capovilla (2005, p. 737), podem se apresentar de maneira
transparente, translúcida ou opaca, referindo-se à facilidade ou não de percepção e
apreensão da respectiva iconicidade. Portanto, o sentido de figuratividade nem
sempre estará explícito à primeira vista. Precisamos interagir com os sinais, com sua
construção simbólica plena de sentido para, então, nomeá-lo como sinal icônico.
Consideramos icônicos todos os sinais do contexto lexical da Libras, que possuem
traços figurativos e que utiliza referentes do mundo natural ou do mundo-objeto para
sua construção. Elencamos, das narrativas dos sujeitos surdos, conforme apreensão
perceptiva da pesquisadora, vinte e dois sinais possuidores de iconicidade e
figuratividade: GATO; DEGRUDAR; PULAR; JANELA; ESMAGAR; JUNTO;
FLUTUAR; VASSOURA-VARRER; CAIR-PROFUNDO; BUEIRO; PESCAR;
PESCADOR; PEIXE; AFUNDAR-PROFUNDO; COMER; DORMIR; BARCO-REMAR;
CAIR; AFOGAR; RIR; CASA e COBERTOR.
Dentre os mencionados acima, delimitamos os sinais icônicos recorrentes nas
narrativas dos dois sujeitos surdos. Identificamos onze sinais que emergiram, tanto
na fala da aluna quanto na fala do professor. São eles: 1) GATO; 2) PULAR; 3)
135
CARRO; 4) ESMAGAR; 5) VASSOURA-VARRER; 6) CAIR-PROFUNDO; 7)
PESCAR / PESCADOR; 8) PEIXE; 9) COMER; 10) BARCO-REMAR e 11) DORMIR.
Restringindo ainda mais nosso percurso de análise, propomos, neste trabalho
descrever os formantes de alguns sinais retirados da lista dos recorrentes
elencados. Optamos por selecionar e descrever os seguintes sinais: CARRO;
VASSOURA-VARRER, PESCAR E COMER. A justificativa refere-se ao fato de
considerá-los próximo à noção de iconicidade transparente apontado por Capovilla.
Entendemos que estes sinais apresentam alto grau de iconicidade que, dentro do
contexto a que se referem, podem ser identificados pelos enunciatários com muito
mais clareza, dado seu caráter figurativo de se apresentar.
No intuito de continuar a análise da figuratividade/iconicidade entremeada no
discurso dos sujeitos surdos, achamos pertinente descrevermos as características
dos formantes dos sinais elencados, mesmo ciente da dificuldade em descrever uma
língua cinemática por meio da imagem fixa, ou seja, da fotografia. Procuramos
identificar e descrever as características significantes mais importantes.
Utilizamos tabelas que apresentam, além da foto dos sinalizadores produzindo os
sinais, os elementos formacionais, constituidores de sua iconicidade. Adotamos
algumas convenções de descrição dos sinais, que se mesclaram a outras, tendo
como referências básicas autores como Brito (1995); Quadros; Karnopp (2004),
Xavier (2006) e a pesquisadora Correa (2007).
Foram adotadas as seguintes convenções:
MD – mão direita (que será considerada, nesta pesquisa, a mão de ação, ou seja, a
mão dominante)
ME – mão esquerda
MD + ME – as duas mãos
136
CM – configuração de mão: são as formas ou posições que as mãos tomam na
realização dos sinais. A nossa referência é o quadro de CM adotado pela Feneis
(Federação Nacional de Educação e Interação de Surdos), disponibilizado em
anexo.
OR – orientação da palma da mão: dependendo do sinal, as mãos podem ficar com
a palma para baixo, para cima ou para as laterais que ao se movimentarem
combinam diferentes posições.
LO – localização espacial: refere-se ao espaço utilizado na feitura de um sinal. Pode
ser localizado no espaço superior, a frente do corpo, na altura acima do pescoço;
com localização média, quando os sinais são feitos na altura do tronco e localização
inferior, quando realizados abaixo da cintura. É conhecido também como ponto de
contato ou ponto de articulação.
MO – movimento: a característica cinésica dos sinais oferece à língua sinalizada
dinamismo e simultaneidade. Ocorre quando as mãos se afastam, se unem, se
entrelaçam, enfim, se movimentam em diferentes direções sempre tendo o corpo do
enunciador como ponto de referência.
ENM – expressões não-manuais
RI – referente icônico: elemento do mundo natural ou do mundo-objeto que
referenciou a construção do sinal
Tais descrições seguem nas tabelas abaixo:
SINAL
Glosa CARRO VASSOURA-
VARRER PESCAR COMER
137
SINAL
Qual mão MD + ME MD + ME MD + ME MD
CM
Nº. 03
Nº. 03
Nº. 11
Nº. 50
OR Palmas para
dentro
MD, com a
palma virada
para a esquerda
e a ME, palma
virada para a
direita
MD, palma para a
esquerda; ME,
palma para baixo
Palma para
dentro.
LO
No espaço neutro
à frente do corpo
do enunciador
No espaço
neutro à frente
do corpo do
enunciador
No espaço neutro
à frente do corpo
do enunciador
No espaço
neutro à frente
do corpo do
enunciador
MO
Movimentos
alternados para
cima e para
baixo.
As mãos são
posicionadas,
inicialmente, em
frente ao corpo
do sinalizador.
Em movimento
sequenciado, as
duas mãos, se
afastam em
diagonal, para a
esquerda do
sinalizador.
Tabela 08
A MD, como mão
dominante, traça
no ar uma linha
curva ascendente
em direção ao
corpo do
sinalizador. Nessa
ação, ocorre uma
pequena torção
do corpo, que é
levemente
flexionado para
trás,
acompanhando o
movimento
anterior.
Os dedos unidos
da MD
flexionam-se em
direção à boca
do sinalizador.
138
SINAL
ENM
Os olhos fixos,
direcionados para
frente, indicam
concentração no
ato de dirigir.
Com os lábios é
feito um
movimento de
aspiração do ar.
As sobrancelhas
são levemente
arqueadas,
expressando
envolvimento
com a ação de
varrer. O olhar é
direcionado para
o lixo varrido.
A
ENM é contextual.
A utilizada pela
aluna é de alegria,
pois foi retirada da
cena em que o
gato foi içado pelo
pescador.
Sobrancelhas
arqueadas, boca
aberta e olhos
bem abertos.
RI
Volante:
as mãos simulam
segurar no
volante
Vassoura:
as mãos simulam
segurar o cabo
da vassoura
Vara de pescar
com molinete:
a MD simula a
ação de puxar a
vara enquanto a
ME “segura” o
molinete
Neste caso, a
referência
icônica não é um
objeto, mas uma
ação, ou seja, a
ação de colocar
o alimento para
dentro da boca
Tabela 09
5.3 MÃOS CHEIAS DE PALAVRAS NUM CORPO QUE FALA
O que se vê na narrativa, da contação de estórias, do sistema conversacional, de piadas, é bastante parecido com a sucessão cinematográfica, onde as atividades específicas e gerais das estruturas icônicas se entrelaçam uma a outra [...] (CAMPELLO, 2008, p. 21).
Quando os surdos colaboradores desta pesquisa conversaram e narraram histórias,
percebemos que todo o corpo se movimentou para estabelecer significação, por
meio de uma fala essencialmente visual e cinemática. Como o espaço em frente ao
corpo do sinalizador foi frequentemente utilizado, as cenas da narrativa pareceram
139
acontecer sempre num primeiro plano, como se fizesse um corte da visão normal
para um close-up. Para exemplificarmos ressaltamos a utilização da descrição
imagética do bueiro, feita por F., que em vez de ser sinalizado no chão foi traçado no
ar uma elipse para representar o buraco do bueiro.
Na contação de história pudemos perceber nitidamente aquilo que Stokoe (apud
SACKS 1998, p. 100), havia observado, há quatro décadas: a Língua de Sinais
apresenta-se com características cinemáticas. As narrativas dos surdos revelaram
uma língua que explorou plenamente as possibilidades sintáticas de seu canal de
expressão multidimensional.
As figuras do mundo sentido e experimentado parecem desfilar diante da pessoa
com surdez. E, parando esse desfile, o sujeito surdo recorta os contornos de alguns
objetos, percebendo-os e desprendendo-os do mundo perceptivamente apreendido.
Desse modo, dá-se a construção de um ser de linguagem sensibilizado e
apaixonado pelas figuras que, por experiência estésica com o mundo circundante,
engendra uma língua mergulhada em formas, contornos, enfim, plenamente
figurativizada. Sendo assim, o mundo sensível participa da edificação de uma língua
icônica por um sujeito que, como corpo, está integrado neste mundo ornado de
figuras, que segundo o entendimento de Fiorin (2008, p. 91) remete a algo existente
no mundo natural e que todo conteúdo de qualquer língua natural, no nosso caso a
Língua de Sinais, tem um correspondente perceptível no mundo apreendido.
Concluímos este capítulo considerando como verdadeiras as seguintes hipóteses
levantadas: i) o surdo apreende os conhecimentos do mundo, essencialmente pelo
canal visual. Quando fala iconicamente, com sinais plenos de figuratividade, o surdo
ratifica que sua apreensão de mundo sentido revela-se em uma língua que emerge
extraindo do mundo-objeto ou mundo-natural, as figuras semiotizadas; ii) que
mesmo trazendo para sua língua esses aspectos figurativos do mundo natural na
construção lexical, tal especificidade, contudo, não lhe tira o estatuto de língua
natural, pois a figuratividade presente em muitos sinais da Libras reflete a relação do
sujeito surdo com seu meio circundante de maneira inerente de constituição de
linguagem. Refutar a presença da iconicidade como constituidora de uma língua
natural, arbitrária e significativa para as pessoas com surdez é uma postura
140
equivocada concebida, frequentemente, por sujeitos não-surdos que negam tal
especificidade sígnica dos sujeitos surdos em se relacionar com o mundo, por meio
de sua língua visual; iii) o reconhecimento dessa especificidade linguística norteia
toda a concepção do sujeito surdo como ser de linguagem viso-gestual-espacial.
Constatamos, então, que os sujeitos surdos são possuidores de mãos cheias de
palavras num corpo que fala.
141
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que nos motivou a trilhar todo o percurso epistemológico e investigativo até aqui
registrado, foi nosso obstinado interesse pela área da surdez, em especial, pela
língua sinalizada, que se apresenta entretecida de figuratividade. E, quando
tomamos conhecimento da complexidade dessa língua que se apresenta de
maneira, quase poética na produção de sentido, reconhecemos em sua estrutura,
terreno fértil de exploração semiótica.
Esta pesquisa constituiu-se numa trajetória que a cada vez em que for percorrida
pelo olhar do leitor, resgatará sua plena significação. Aliás, de nada servirão as
reflexões teóricas, os diálogos com outras pesquisas acadêmicas e o registro dos
dados levantados e investigativos acerca da figuratividade da LS, em especial, da
Libras, se não se apresentarem significativos ou pelo menos provocadores de
opiniões diversas.
Estabelecemos como objetivo precípuo desta dissertação analisar a presença da
figuratividade nos discursos produzidos por alunos e professores surdos por meio da
Língua de sinais. Escolhemos como lócus uma escola referência para educação de
surdos, da rede municipal de Vitória e a denominamos, neste estudo, de “Escola do
Encontro”. Tal nomenclatura já prenunciava nosso outro desejo de pesquisa:
investigar, num ambiente escolar, a inserção deste sujeito de fala diferente, porém,
não menos eloqüente, como um sujeito de linguagem.
Constituímos na Escola do Encontro um grupo focal formado por alunos surdos do
1º. e 2º. Segmentos, da Educação de Jovens e Adultos, que nos concedeu a
oportunidade de socializarmos nossa proposta de trabalho e iniciarmos a
investigação acadêmica. Foi com este grupo que efetivamos a proposta
metodológica de pesquisa, ou seja, apresentamos um livro com texto imagético,
intitulado “Gato de Papel” (RENNÓ, 1997) para ser lido, compreendido e depois
socializado através de narrativas em Libras. Do grupo focal, delimitamos como
sujeito de participação direta, uma aluna, do 2º. Segmento. O segundo sujeito dessa
pesquisa foi um professor surdo de outra escola referência da Prefeitura Municipal
142
de Vitória. Estes sujeitos com surdez construíram narrativas que serviram como
corpus para a análise que engendrou as postulações conclusivas deste trabalho.
Nossa pesquisa tratou a língua viso-gestual como objeto semiótico que se revelou
num texto repleto de significações para os falantes desta língua.
A semiótica discursiva ou greimasiana se apresentou tanto como epistemologia
como metodologia. Como base epistemológica, a semiótica embasou nossa
trajetória investigativa e como metodologia, se apresentou como o percurso utilizado
na busca da significação do discurso do sujeito surdo.
Todo aparato conceitual e metodológico que emergiu neste trabalho foi para
respaldar uma concepção que, salvo engano, é refutada por uma parte de
pesquisadores da língua em questão: que o reconhecimento da iconicidade inibe o
estatuto da língua sinalizada como língua natural. Estabeleceu-se a idéia de que, ao
considerar a figuratividade da língua, estará, também, negando sua arbitrariedade,
característica imanente das línguas orais. Trata-se do postulado da arbitrariedade do
signo lingüístico, imanente da língua oral defendido por Saussure que tanto
influenciou lingüistas por diferentes épocas.
À partir da visualidade, temática amplamente discutida nesta pesquisa, retomamos a
polêmica discussão da relevância da iconicidade da Língua de Sinais como
característica importante na construção de uma língua viso, gestual-espacial, sem
contudo negarmos a arbitrariedade estabelecida na estrutural lexical da Libras.
Sacks (1998, p. 87) nos lembra do episódio, ocorrido no séc. XIX “Conferência de
Milão, de 1880” que disseminou a desvalorização oficial e formal da língua de sinais.
Tal evento irradiou conseqüências, percebidas ainda hoje, indeléveis, como a
negação de uma língua rica de sentido que se difere da oral, unicamente por sua
modalidade viso-gestual-espacial. O autor acima mencionado nos lembra, ainda,
que uma construção conceitual equivocada pode ser, largamente divulgada e trazer
danos por décadas. Ele cita um conceito dado às línguas de sinais pela Enciclopédia
Britânica, na década de sessenta:
143
A língua de sinais manuais usada pelos surdos é uma linguagem ideográfica. Essencialmente, ela é mais pictórica, menos simbólica e como sistema, enquadra-se, principalmente no nível da representação por imagens. Os sistemas de linguagem ideográfica, em comparação com sistemas simbólicos verbais tem pouca precisão, sutileza e flexibilidade. Provavelmente o homem não pode atingir seu potencial pleno por meio de uma linguagem ideográfica, porquanto ela se limita aos aspetos mais concretos de sua experiência (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, apud SACKS, 1998, p. 87)
Este parece ter sido, por tantas outras décadas, o conceito acolhido por não-surdos
sobre a língua de sinais quando o foco era a sua visualidade. Se negamos esta
característica intrínseca da LS, conseqüentemente negamos a importância da
iconicidade, fecunda de figuras do mundo visual, como produtora de parte do léxico
da Libras.
Quadros; Karnopp (2004, p. 32) ao refutarem o mito que aponta a LS como uma
mistura de pantomima misturada com gesticulação concreta, ou seja, icônica,
incapaz, portanto, de expressar conceitos abstratos, defendem os sinais como
símbolos arbitrários, que podem expressar sim, conceitos abstratos. Mas, para
afirmar tal fato, as autoras desvalorizam a iconicidade das línguas sinalizadas
pontuando que “investigações lingüísticas indicam que aspectos icônicos ou
pictóricos de sinais individuais não são o aspecto mais importante da estrutura e do
uso da língua de sinais”.
A não-admissão da iconicidade que engendra a figuratividade da língua de sinais faz
com que as autoras acima, ao refutarem o mito citado, apresentem três
pesquisadores que abordam a iconicidade na LS sendo que, apenas um destes, a
reconhece como característica imanente. Pudemos perceber, então, que o
posicionamento ideológico acerca da iconicidade escolhido pelas autoras -
largamente conhecidas e lidas no campo dos estudos da Língua Brasileira de Sinais
- é de não dar a merecida relevância na extensão a que propomos, nesta pesquisa.
Tomamos as palavras de uma pesquisadora surda, Campello (2007) cuja pesquisa
entremeou-se dialogicamente com a nossa, para corroborarmos a concepção da
iconicidade e seu devido reconhecimento como formantes de uma língua
figurativizada, que em nada impede de ser, também considerada arbitrária. Já
144
afirmamos, anteriormente, que o fato de escolher este ou aquele referente como
constituidor de alguns sinais icônicos já aponta uma qualidade arbitrária.
Defendemos que a iconicidade e a arbitrariedade sempre existiram na língua de sinais da comunidade surda e é impossível separar ou excluir as características próprias e geradas dentro da percepção cognitiva dos sujeitos Surdos. A percepção visual cria novo signo de acordo com o mundo que se vê (CAMPELLO, p. 210-211)
Não foi inocente o destaque dado ao trecho recortado do texto dissertativo da
referida pesquisadora. Antes, para fortalecer nossas proposições, amplamente
discutidas até a exaustão, de considerarmos a libras, uma língua visualmente
produzida por um sujeito que percebe o mundo e a ele atribui sentido pela
semiotização das figuras e que ao produzirem sentido, incorporam-se ao seu léxico,
quer como sinais, quer como transcrições imagéticas de eventos percebidos.
A análise das narrativas da aluna D. e do professor F. ratificaram as seguintes
postulações: i) que o surdo apreende os sentidos do mundo, essencialmente pelo
canal visual e por conta dessa visualidade traz para sua língua, um léxico que, em
que boa parte, reflete seu modo de perceber esse mundo; ii) enquanto a fala oral se
apresenta seqüencial e temporal, a Libras mostrada nas narrativas evidenciou a
tridimensionalidade de uma fala que usa lingüisticamente o espaço contido no
próprio corpo e nos diferentes pontos ao redor deste corpo, que ao se movimentar
produz um expressivo e inigualável discurso. O corpo é ora o corpo que fala, ora o
corpo que vira contexto de sua própria fala. Para citarmos um exemplo, ao expressar
a palavra CHORO, o sinal é representado pelo tocar do dedo indicador da MD sobre
a face direita, simulando o deslizar da lágrima pelo rosto. O espaço explorado está
contido no próprio corpo.
Assim, a comunicação em Libras surge imbricada de nuances de figuratividade que,
dialeticamente confluem em uma língua plena de significação constituindo o surdo
como ser de linguagem. Validamos com nossa pesquisa de campo que o aluno com
surdez só se constituirá um ser de linguagem dentro do espaço escolar se inserido
socialmente, e se lhe for oferecido meios de possibilidade discursiva.
145
Estamos convencidos de que a divulgação da libras através de um ensino
sistemático, com espaço e constância no currículo escolar, é o canal que abre novas
oportunidades para a efetivação de verdadeiros encontros entre surdos e não-
surdos. A Escola do Encontro apresentou nuances para que tal projeto aconteça, ao
se propor em consolidar projetos de ensino e divulgação da Libras para todos os
alunos e profissionais da Escola. Só assim, a língua de sinais será considerada,
verdadeiramente um fato social que para se constituir como tal, conforme defende o
pensamento bakhtiniano, precisa se processar dialogicamente.
Defendemos, portanto, a escola inclusiva, ou seja, a presença do aluno surdo em
escola regulares de ensino, mas, refutamos os guetos existentes nestes espaços,
que separados pela língua, não experimentam a prática bilíngüe.
Em nossa pesquisa, observamos, também, lacunas no procedimento metodológico
que podem originar outros guetos: a não aprendizagem. Referimo-nos a constatação
da não utilização de recursos visuais para explanação das aulas em Libras.
Professores bilíngües e até mesmo instrutores surdos tem negligenciado o canal da
visualidade, abstendo-se de apresentarem propostas de aulas em que a imagens
fixas ou em movimentos dialoguem com conteúdos acadêmicos, expandindo a
significação dos mesmos, que de outra forma, seria impossível de ser abarcado.
Por muito tempo a preocupação na educação de surdo foi aprender como ensinar o
aluno com surdez, mas urge o tempo em que precisamos compreender como este
aluno, efetivamente, aprende. Para esta pesquisadora, tal assertiva já está bem
delineada. Consideramos, desde a nossa primeira produção acadêmica em que
discutimos sobre a importância da imagem na construção do conhecimento do aluno
surdo (SILVA, 2003) que a imagem e as figuras deste mundo proporcionam
aprendizagens que, entremeadas ao contexto vivido e experimentado pelos alunos,
engendram, de forma empírica e reflexiva, significações relevantes do conteúdo
acadêmico.
Consideramos, então, a visualidade para a pessoa com surdez, elemento
constituidor de um ser de linguagem, que apreende o mundo, essencialmente, pelo
146
sentido da visão sem, portanto, negligenciar a importância dos demais sentidos que
lhe são potencializados como o tato, paladar e o olfato.
Assim, reiteramos a importância da imagem na educação dos alunos com surdez
como propulsora da construção do conhecimento pelo sujeito surdo, a partir de sua
efetiva inserção num mundo de linguagem que se apresenta social e ideológico. Se
a visualidade é uma característica imanente da Língua sinalizada, porque resistirmos
ao uso da imagem como recurso primordial da educação de surdos? Assumimos e
reconhecemos que todo pensamento do sujeito com surdez é imagético e é esse
pensamento que estrutura sua linguagem. Logo, a figurativização das formas do
mundo torna-se elemento inerente de uma língua imbricada por iconicidade e esta
língua deve se constituir num meio de comunicação e interação com os demais
sujeitos.
A Escola do Encontro é a escola onde alunos surdos e não-surdos dividem o mesmo
espaço de aprendizagem. Mas poderá, efetivamente, se constituir em uma Escola
do Encontro, quando prover satisfatórios encontros de surdos com surdos e surdos
com não-surdos, num ambiente bilíngüe, em que a língua se apresentará não como
diferença que traz rupturas, mas que promove interação comunicativa.
O nosso olhar prospectivo para a Escola do Encontro acolhe a seguinte visão: o
surdo tendo como língua de instrução a Libras aprende com autonomia a decifrar os
códigos do português escrito, e os alunos não-surdos assimilam a Libras como sua
segunda língua, como instrumento de comunicação e interação com seus colegas
surdos. Só nesta perspectiva, a escola pesquisada poderá ser legitimada, em
sentido estrito, como a Escola do Encontro.
Consideramos, portanto, que um incontestável encontro entre alunos surdos com
outros sujeitos, principalmente, com os não-surdos, está se delineando,
paulatinamente, na Escola do Encontro, lócus de nossa pesquisa, na medida em
que a instituição providencia meios de efetiva interação. Acreditamos que o projeto
do ensino da Libras para todos os alunos e profissionais da Escola aponta para uma
nova perspectiva na educação de surdos, que deve ser encarada, não como utopia
mas, como uma realidade em potencial.
147
A receptividade do aluno com surdez numa escola regular de ensino define-se, não
só pela aceitação dessa surdez como particularidade, mas, precipuamente, pelo
reconhecimento de sua língua. Contudo, não basta apenas reconhecê-la, mas
aprendê-la e praticá-la num processo dialógico contínuo e crescente.
Esperamos que esta pesquisa tenha contribuído, pelo menos, provisoriamente, com
os futuros estudos acerca da temática discutida neste trabalho, ou seja, do discurso
figurativo do surdo, esse ser de linguagem possuidor de mãos cheias de palavras
num corpo que fala.
148
7 REFERÊNCIAS
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negativas em Línguas de Sinais Brasileira (LSB). 2005. 119 f. Dissertação (Mestrado em Lingüística) – Instituto de Educação e Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 2005.
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1990. 4 BERNARDINO, Elidéa Lúcia. Absurdo ou lógica? A produção lingüística do
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7 BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no
10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm>. Acesso em: 10 abr. 2008.
8 BRITO, Lucinda Ferreira. Por uma gramática da língua de sinais. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995. 9 CAMPELLO, Ana Regina e S. Aspectos da visualidade na educação de
surdos. 2008. 245 f. Tese (Doutorado de Educação) – Pós-Graduação de
Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2008.
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11 CAVANAH, Frances; MOORE, Nelle E.; WEIB, Ruth C. (Org). O mundo da
criança. Childcraft, The Childs Treasury. Rio de Janeiro: Editora Delta, 1995.
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12 CAPOVILLA, Fernando C.; RAPHAEL, Walkiria D. Enciclopédia da Língua de Sinais Brasileira: o mundo do surdo em Libras: Comunicação, religião e eventos. EDUSP, São Paulo, 2005. Vol. 4.
13 CICCONE, Maria Marta Costa, et al. Comunicação total. Rio de Janeiro:
Cultura Médica, 1990.
14 CORREIA, Vasti Gonçalves de Paula (Coord). Educação Bilíngue: ressignificando o processo sócio educacional dos alunos com surdez, no sistema municipal de ensino de Vitória, por meio do ensino, uso e difusão da LIBRAS. Secretaria Municipal de Educação (SEME) e Coordenação de Formação e Acompanhamento à Educação Especial (CFAEE): Vitória, 2008.
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tempo. São Paulo: Editora Ática, 1996. 22 ______. Elementos da análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2001.
23 GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos e pesquisa. São Paulo: Atlas,
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1982. 25 GREIMAS, Algirdas Julien; COURTÉS, Joseph. Dicionário de Semiótica. São
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Românica Hispânica Editorial Gredos, 1991. Tomo II.
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27 ______. Semiótica e ciências sociais. São Paulo: Editora Cultrix, 1976.
28 ______.Sobre o Sentido: ensaios semióticos. Trad. A. C. César e outros.
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30 GREIMAS, Algirdas Julien; KRISTEVA, J., BREMOND, Claude, et alli. Práticas e linguagens gestuais. Lisboa: Editorial Veja, 1979.
31 HJELMSLEV, Louis Trolle. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. In:
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34 LANDOWSKI, Eric. Presenças do outro. São Paulo: Editora Perspectiva,
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36 LOPES, Maura Corcini. Surdez & educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
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pensamento plástico. In: Espaço, INES / MEC: Rio de Janeiro, n. 12,
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40 MOREIRA, Renata Lúcia. Uma descrição da dêixis de pessoa na língua brasileira de sinais (LSB): pronomes pessoais e verbos indicadores. 2007, 150 f. Dissertação (Mestrado em Semiótica e Linguística Geral) – Programa de Pós-Graduação em Lingüística, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, USP, 2007.
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43 OLIVEIRA, Ana Cláudia de; LANDOWSKI, Eric (Eds). Do inteligível ao
sensível: em torno da obra de A. J. Greimas. São Paulo: EDUC, 1995.
151
44 PADILHA, Anna M. Lunardi. Na escola tem lugar para quem é diferente? In: Re-criação: Revista do CREIA, Corumbá, 4, p.7-18, jan/jun. 1999.
45 PERLIM, Gladis T. T. Identidades Surdas. In: SKLIAR, Carlos (Org): A surdez:
um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1988.
46 PIMENTA, Nelson. Oficina-palestra de cultura e diversidade. In: Instituto Nacional de Educação de Surdos, Brasil, INES, 6., 19 a 21 de setembro de 2001. Anais do VI Seminário Nacional do INES: Surdez - Diversidade Social. Rio de Janeiro, RJ: INES, 2001. p. 24.
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48 QUADROS, Ronice Muller de; KARNOPP, Lodenir Becker: Língua de sinais brasileira: estudos lingüísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.
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mágicas. 52 ______. Gato de papel. Belo Horizonte: Ed. Lê, 1997. Coleção imagens
mágicas. 53 TESKE, Ottmar. A Relação dialógica como pressuposto na aceitação das
diferenças: o processo de formação das comunidades surdas. In: SKLIAR, Carlos (Org): A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação.1988. p. 139-156.
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Carlos (Org): A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação. 1988. p.123-138.
55 REBOUÇAS, Moema Martins. O discurso modernista da pintura. Lorena:
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58 SACKS, Oliver. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo:
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152
59 SANTANA, Ana Paula e BERGAMO, Alexandre: Cultura e identidades surdas: encruzilhada de lutas sociais e teóricas: Educ. Soc., Campinas, vol. 26, n. 91, p. 565-582, Maio/Ago. 2005. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acessado em: 25 jul. 2009.
60 SALLES, Heloísa M. M. Lima; FAULSTICH, Enilde, et alli. Ensino de língua
portuguesa para surdos: caminhos para a prática pedagógica, Brasília:
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61 SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 1995.
62 SKLIAR, Carlos (Org): Educação & exclusão: abordagens sócio-
antropológicas em educação especial. Porto Alegre: Mediação, 1997. 63 ______. A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação,
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64 SILVA, Gleice Lane Araujo (et.al.). Surdez, família e educação: concepções e representações. In: Inclusão e Debate: Ressignificando a prática pedagógica a partir da pesquisa e da formação docente. Revista Inclusão em Debate. v.1.
n. 1 (dez, 2004). Vitória: SEME/PMV, 2004. p.73-80. 65 TEIXEIRA, Lúcia. A Semiótica no Espelho. In: Cadernos de Letras da UFF,
Niterói, n. 12, Instituto das Letras da UFF, 2º. Semestre/1997. p. 33-49.
66 TESKE, Ottmar. A Relação dialógica como pressuposto na aceitação das diferenças: o processo de formação das comunidades surdas. In: SKLIAR, Carlos (Org): A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre:
Mediação,1988. 67 VEIGA, L. & GONDIM, S.M.G. A utilização de métodos qualitativos na
ciência política e no marketing político. Opinião Pública, 2001
68 VIANNA, Heraldo Marelim. Pesquisa em Educação: a observação. Brasília:
Plano Editora, 2003. 69 XAVIER, André Nogueira. Descrição fonético-fonológica dos sinais da
Língua de Sinais Brasileira (LIBRAS). 2006, 145 f. Dissertação (Mestrado
em Semiótica e Linguística Geral) – Programa de Pós-Graduação em Lingüística, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, USP, 2006.
153
ANEXOS
154
ANEXO – A
Presidência da República
Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos
DECRETO Nº 5.626, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005.
Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de
2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei n
o 10.098, de 19
de dezembro de 2000.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei n
o 10.436, de 24 de abril de 2002, e no art. 18 da
Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000,
DECRETA:
CAPÍTULO I - DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1o Este Decreto regulamenta a Lei n
o 10.436, de 24 de abril de 2002, e o art. 18 da Lei n
o 10.098,
de 19 de dezembro de 2000.
Art. 2o Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva,
compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras.
Parágrafo único. Considera-se deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz.
CAPÍTULO II - DA INCLUSÃO DA LIBRAS COMO DISCIPLINA CURRICULAR
Art. 3o A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de
professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 1o Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível
médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério.
§ 2o A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos de educação superior
e na educação profissional, a partir de um ano da publicação deste Decreto.
[...]
Art. 31. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 22 de dezembro de 2005; 184o da Independência e 117
o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Fernando Haddad
155
ANEXO – B
CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA
1. Nome da escola: ______________________________________.
2. Fundação: ___________________________________________.
3. Endereço: ____________________________________________
4. Dados da Comunidade: a) Procedência da maioria dos matriculados (Bairros de origem dos alunos): _____________________________________________________________ b) Outras situações: _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ 5. Aspecto físico: a) Número de salas de aula:_________________________________ b) Condições das salas de aula: ______________________________ c) Possui biblioteca?_______________________________________
d) Possui salas-ambiente? __________Quais? __________________
e) Possui refeitório? _________________________
f) Possui área livre? Como estes espaços são utilizados pelos alunos (surdos e
ouvintes?)
g) Há algum espaço que não é utilizado pelos alunos surdos? Porque?
6. Organização das turmas
a) Número de alunos ouvintes e surdos por turno:
Matutino: (ouvintes): _________ (surdos): ___________ Vespertino: (ouvintes): _______ (surdos): ___________ Noturno: (ouvintes): _________ (surdos): ___________ Totais: _________ __________ b) Quantos alunos surdos por sala?
______________________________________________________
156
_________________________________________________________ c) Número de turmas: Noturno: _____________________ 7. Recursos humanos: Quantos professores bilíngües? ________
Quantos intérpretes? _________________ Quantos professores surdos? __________ 8. Rotina escolar:
a) Início e término das aulas: Matutino: __________ Vespertino:____________ Noturno: __________ b) Início e término do recreio: Matutino: __________ Vespertino:____________ Noturno: __________ d) Em passeios escolares a participação de alunos surdos é: ( ) Significante. Todos ou a maioria participam. ( ) insignificante. A maioria não participa Motivos prováveis: ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
157
ANEXO – C
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO I Eu, Gleice Lane de Araujo Silva, em cumprimento ao protocolo de pesquisa, apresento aos profissionais da Escola de Ensino Fundamental “Aristóbolo Barbosa Leão”, unidade da Rede Municipal de Ensino de Vitória – ES, o projeto de pesquisa “Mãos Cheias de Palavras”, como recomendação para a realização do Mestrado em Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Espírito Santo. O objetivo da pesquisa é analisar a fala-gesto do surdo em interação com seus pares, dentro do ambiente escolar. Como instrumento de pesquisa, serão utilizados formulários para análise de documentos, para a realização de entrevistas e observação participante em sala de aula e outros espaços escolares, com registros através de vídeos, fotografias e diário de campo. O trabalho será realizado a partir de negociações com os sujeitos, no decorrer do estudo. Os dados/resultados da pesquisa serão apresentados no texto da dissertação e poderão ser utilizados para publicação. Por isso, solicito sua autorização por meio de assinatura deste Termo de Consentimento:
Nome do Profissional: ____________________________________________________________ Função: [ ] Professor (a) [ ] Instrutor (a) de Libras [ ] Intérprete de Libras [ ] Professor(a) Bilíngüe [ ] Coordenador de Turno [ ] Pedagogo (a) Vitória, ____/____/_______ ___________________________________________
158
ANEXO – D
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO II
Em cumprimento ao protocolo de pesquisa, apresento aos profissionais da Escola de Ensino Fundamental “Aristóbolo Barbosa Leão”, unidade da Rede Municipal de Ensino de Vitória – ES, o projeto de pesquisa “Mãos Cheias de Palavras”, de autoria da mestranda Gleice Lane de Araujo Silva, como recomendação para a realização do Mestrado em educação, do Programa de Pós-Graduação em educação, da Universidade Federal do Espírito Santo. O objetivo da pesquisa é analisar a fala-gesto do surdo em interação com seus pares e com outros sujeitos, dentro do ambiente escolar. Desse modo, a pesquisa será desenvolvida na sala de aula com observação participante, gravações em vídeo, entrevistas, fotografias e registros em diário de campo. Para garantir o tratamento ético dos dados, o nome da escola será mantido em sigilo e no texto da dissertação receberá um nome fictício. O nome dos alunos será apresentado através das iniciais. As filmagens e registros fotográficos serão realizados sem comprometimento da ação educativa, preservando, sobretudo, a integridade do grupo. Os dados/resultados da pesquisa serão apresentados no texto da dissertação e poderão ser utilizados para publicação. Por isso, solicitamos sua autorização por meio de assinatura deste Termo de Consentimento: Eu, ________________________________________________________, aluno(a)
da Escola Municipal “Aristóbolo Barbosa Leão”, Vitória-ES, autorizo publicação
concernente a minha participação nesta pesquisa, quer como entrevistado (a) quer
como aluno (a) participante deste projeto na sala de aula e em outros espaços da
escola. Portanto, autorizo a utilização da minha imagem resultante de filmagens e
fotografias na produção e publicação desta pesquisa.
Assinatura: _________________________________________ RG: __________________________ Vitória, ____/____/_______
159
ANEXO – E
ENTREVISTA COM ALUNOS NÃO-SURDOS
1. Nome: _______________________________________________________
2. Série e Turma: _________________________________________________
3. Você tem amigos/colegas surdos? _________________________________
4. Você entende a LS? Como você se comunica com eles?
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
5. Em sua opinião, o que esta escola tem de específico que atraiu tanto os alunos
surdos?
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
6. Se você fosse surdo (a) o que esperaria desta escola?
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
7. Você acha que o aluno surdo se sente incluído na escola? Em que baseia sua
resposta?
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
8. Quais os espaços da escola mais freqüentados pelos surdos? Por quê?
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
9. Quais os menos freqüentados? Por quê?
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
10. Você acha que seu colega surdo gosta de participar das aulas e das atividades
extra-curriculares? Como isso acontece?
160
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
11. Como você define a pessoa com surdez?
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
Quais são os pontos positivos e negativos de um aluno surdo freqüentar uma
escola/sala de aula com alunos ouvintes?
Pontos Positivos:
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
Pontos negativos:
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
12. O que é Libras? O que ela significa pra você?
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
161
ANEXO – F
ENTREVISTA FECHADA – PROFISSIONAIS DA ESCOLA
01. Que atividade você exerce nesta Escola:
[ ] Professor (a) [ ]Pedagogo (a) [ ] Coordenador [ ] Porteiro
[ ] Merendeira [ ] Serviços Gerais [ ] Outra: _________________ 02. A que você atribui o quantitativo de alunos surdos matriculados nesta
escola? [ ] Espaço da Escola [ ] Localização da Escola [ ] Metodologia de Ensino
[ ] amizade entre os surdos [ ] _______________________________
03. Qual o seu grau de conhecimento da Libras?
[ ] não conheço nada de libras
[ ] conheço alguns sinais básicos
[ ] tenho fluência na LS
04. Como é sua comunicação com os alunos surdos?
[ ] difícil, pois não entendo LS
[ ] Indiferente. Não lido muito com alunos surdos
[ ] boa, apesar de não entender a LS
[ ] ótima, pois sei me comunicar em LS
05. O que é Libras pra você?
[ ] um método de comunicação
[ ] uma linguagem com gestos
[ ] uma língua como outra qualquer
06. Como você vê a questão de alunos surdos estudarem numa escola com
professores e outros alunos ouvintes?
[ ] inadequada para os surdos
[ ] inadequada para os ouvintes
[ ] Vantajosa para ambos. Os surdos e os ouvintes juntos aprendem melhor
[ ] Utópica. Não há possibilidade do surdo aprender, efetivamente, numa escola com alunos e professores ouvintes.
162
ANEXO – G
Prefeitura de Vitória Secretaria Municipal de Educação Subsecretaria Político-Pedagógica
Coordenação de Formação
e Acompanhamento à Educação Especial
EDUCAÇÃO BILÍNGÜE:
Ressignificando o processo socioeducacional dos alunos com surdez, no Sistema Municipal de Ensino de Vitória,
por meio do ensino, uso e difusão da LIBRAS.
Vitória/ES 2008
163
Prefeito Municipal de Vitória
João Carlos Coser
Secretária Municipal de Educação
Marlene de Fátima Cararo Pires
Subsecretaria Político Pedagógica Terezinha Baldassini Cravo
Subsecretaria de Gestão Democrática
Sônia Maria Machado Fraga
Coordenação de Formação e Acompanhamento à Educação Especial- CFAEE
Vasti Gonçalves de Paula Correia
EQUIPE - CFAEE
Carmem Lúcia Silva Laranja Gonçalves Débora Almeida de Souza
Edna Maria Marques Bonomo José Francisco Souza
Marília dos Santos Franklin e Rodrigues Nilds de Souza Bandeira Frota
Priscila Pavan Regina de Fátima Martins D'Oliveira
Vitória/ES 2008
164
SUMÁRIO
1. ARESENTAÇÃO...............................................................................................................................04 2. JUSTIFICATIVA................................................................................................................................04 3.OBJETIVO GERAL..........................................................................................................................06 4.OBJETIVOS ESPECÍFICOS.............................................................................................................07 5. CARACTERÍSTICAS DO PROJETO DE EDUCAÇÃO BILÍNGÜE..................................................07 6. OPERACIONALIZAÇÃO..................................................................................................................08 6.1. Recursos humanos.................................................................................................................... 08 6.2. Formação em serviço..................................................................................................................09 6.3 Atendimento educacional especializado................................................................................... 09 6.4. Processo de ressignificação da práxis pedagógica.................................................................09 7. UNIDADES DE ENSINO REFERÊNCIA PARA A EDUCAÇÃO BILÍNGÜE....................................10 7.1. Educação Infantil..........................................................................................................................10 7.2. Educação de Jovens e Adultos.................................................................................................10 7.3. Ensino Fundamental...............................................................................................................,...10
8. DESCRIÇÃO DAS FUNÇÕES REFERENTES AOS CARGOS DE PROFESSOR BILÍNGÜE/DEFICIÊNCIA AUDITIVA, INSTRUTOR DE LIBRAS E TRADUTOR INTÉRPRETE LIBRAS-LÍNGUA PORTUGUESA-LIBRAS.........................................................................................11 8.1. Professor Bilíngüe/Deficiência Auditiva....................................................................................11 8.2. Instrutor de LIBRAS.....................................................................................................................11 8.3. Tradutor Intérprete LIBRAS-Língua Portuguesa-LIBRAS.........................................................12
9. ORIENTAÇÕES PARA A ORGANIZAÇÃO PEDAGÓGICA............................................................12 9.1. Professor Bilíngüe e Deficiência Auditiva ................................................................................12 9.2.. Instrutor de LIBRAS ...................................................................................................................13 9.3. Tradutor e Intérprete de LIBRAS-Língua Portuguesa- LIBRAS ..............................................14
10. CONSIDERAÇÕES.........................................................................................................................16
11. REFERÊNCIAS..............................................................................................................................16
165
1. APRESENTAÇÃO Nos últimos dezessete anos a Secretaria Municipal de Educação de Vitória vem enfrentando o desafio de implementar ações visando garantir aos alunos com surdez o direito de acesso e permanência no Sistema Público Municipal de Ensino. No desdobramento dessas ações, verifica-se que a forma como se estruturam as propostas pedagógicas desenvolvidas para atender às necessidades educacionais especiais dos referidos alunos, sem o devido enfrentamento de sua diversidade lingüística, são prejudiciais à sua escolarização, com perdas consideráveis no desenvolvimento da aprendizagem. Buscando atender às Diretrizes Nacionais para a Educação Especial (resolução CNE/CEB n. 2, de 11 de setembro de 2001, a lei 10.098/94, de 23 de março de 1994, especificamente o capítulo VII, que legisla sobre a acessibilidade à língua de sinais, a Lei 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais e o Decreto 5626 de 2005 que assinala que a educação de pessoas com surdez no Brasil deve ser bilíngüe, garantido o acesso à educação por meio da utilização da Língua de Sinais e o ensino da Língua Portuguesa escrita como segunda língua, a Secretaria Municipal de Educação de Vitória/Coordenação de Formação e Acompanhamento à Educação Especial/Gerência de Ensino Fundamental/Gerência de Educação Infantil, apresentam as proposições para a reestruturação da política pública para a educação dos alunos com surdez matriculados nas Unidades de Ensino de Educação Infantil e Ensino Fundamental do Sistema Municipal de Ensino de Vitória/ES. O presente documento institui a implantação de um projeto educacional bilíngüe, em nove escolas referência, sendo sete escolas de Ensino Fundamental e duas escolas de Educação Infantil, visando atender aos pressupostos inclusivos e às necessidades educacionais especiais dos alunos com surdez. As referidas escolas são escolas de ensino comum, que compõem o Sistema Público Municipal de Educação de Vitória. Salientamos que o § 1º, Art. 22, do Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, define como escolas e classes bilíngües aquelas em que a LIBRAS e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo das pessoas com surdez. 2. JUSTIFICATIVA A educação escolar do aluno com surdez, fundamentada na filosofia da inclusão, entendida para além da integração física, se configura em um enorme desafio para a grande maioria dos sistemas de ensino que se propõem a garantir a educação para todos. Essa garantia não se restringe apenas ao acesso, mas também à permanência com qualidade na educação proposta. Ressalta-se, ainda, no processo de inclusão das alunos com surdez, vários problemas de diferentes instâncias e ordens, entre os quais destacamos a barreira da comunicação que ocasiona evasão e fracasso escolar desses alunos. Considerando que, em uma escola inclusiva, a comunidade tem a responsabilidade de educar todos os alunos e assegurar que todos sejam valorizados, possibilitando que compartilhem saberes necessários para a vida social, há que se compreender que é a escola que deverá adaptar-se ao aluno com surdez, incorporando nos seus processos socioeducacionais, sua singularidade lingüística e especificidade de ensino-aprendizagem. Nesta perspectiva, é descabível negar aos alunos com surdez o direito de acesso à sua língua natural e à língua oficial do país. Isso pressupõe a garantia da educação bilíngüe que envolve a transformação da situação monolíngüe da escola, fundada na Língua Portuguesa. Segundo Fernandes (2006, p. 03), constata-se que:
[...] o contexto educacional está organizado de forma que todas as interações são realizadas pela oralidade, o que coloca os alunos com surdez em extrema desvantagem nas relações de poderes e saberes instaurados em sala de aula, relegando-os a ocupar o eterno „lugar‟ do desconhecimento, do erro, da ignorância, da ineficiência, do eternizado não-saber nas práticas lingüísticas.
166
Diante desse quadro situacional é imprescindível buscar novos caminhos para viabilizar a escolarização das pessoas com surdez na escola comum, contemplando o Ensino de LIBRAS, o Ensino em LIBRAS e o Ensino da Língua Portuguesa escrita, resguardado o direito de opção da família ou do próprio aluno pela modalidade oral da Língua Portuguesa. Diversos estudos realizados nas últimas décadas apontam que é por meio da língua de sinais que a criança com surdez vai adquirir a linguagem que lhe é própria, com possibilidade de adentrar ao mundo representativo com todas as suas nuances e estabelecer trocas simbólicas com o meio físico e social, consequentemente, ampliando as possibilidades de desenvolvimento do pensamento. Segundo Quadros (2006), a recomendação do SEESP/MEC para o ensino da Língua Portuguesa escrita, como segunda língua das pessoas com surdez, ocorre em função da Língua Portuguesa ser, pela Constituição Federal, a língua oficial do Brasil, ou seja: “[...] é a língua cartorial em que se registram os compromissos, os bens, a identificação das pessoas e o próprio ensino”. Portanto, seu uso é obrigatório nas relações sociais, culturais, econômicas (mercado nacional), jurídicas e nas instituições de ensino e seu uso é fundamental para que as pessoas com surdez exerçam plenamente sua cidadania. Vale destacar, ainda, que mais do que a utilização de uma língua, os alunos com surdez precisam de ambientes educacionais estimuladores, que desafiem o pensamento, explorem suas capacidades, em todos os sentidos. Isso implica uma política educacional que respeite a singularidade lingüística desses alunos e as características específicas em relação as suas experiências que traduzem-se de forma visual e se manifestam mediante a coletividade que se constitui a partir da convivência entre pessoas com surdez. Ao ter contato com seus pares que usam a língua de sinais, o aluno com surdez poderá mergulhar no fluxo da comunicação e ter, então, o despertar da consciência de sua identidade surda. Diante do exposto, no ano de 2008, damos início à implantação de um projeto educacional bilíngüe, visando atender aos pressupostos inclusivos e às necessidades educacionais especiais dos alunos com surdez em Unidades de Ensino referência. Essas Unidades de Ensino estão, estrategicamente, localizadas para atender a demanda dos referidos alunos, que no ano de 2007 encontravam-se matriculados em diversas Unidades de Ensino municipais sem a garantia do atendimento educacional comum e especializado, necessário para atender às especificidades de seu processo de ensino-aprendizagem. A proposta se justifica visto a necessidade de providências técnico/administrativas e organizacionais das escolas, que possibilitem a interação entre alunos com surdez e entre os referidos alunos e adultos com surdez. Nesse sentido, a reestruturação pedagógica desenvolvida tanto na sala de aula comum quanto no atendimento educacional especializado, envolve a criação de espaços/tempos escolares e novos cargos conforme encaminhamentos dados em nível federal, a saber: Professor ou Instrutor de LIBRAS; Tradutor e Intérprete de LIBRAS-Língua Portuguesa-LIBRAS; Professor para o Ensino da Língua Portuguesa como segunda língua e Professor regente de classe com conhecimento acerca da singularidade lingüística manifestada pelos alunos com surdez. Tais encaminhamentos considera, também, a necessidade de formação continuada para toda equipe escolar focalizando a surdez, a LIBRAS e a Língua Portuguesa como segunda Língua, assim como o uso de metodologias e estratégias de ensino para atender alunos com surdez em interação com ouvintes. De acordo com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, para resguardar o direito de opção da família ou do próprio aluno com surdez pela modalidade oral da Língua Portuguesa, é necessário que essa modalidade deva ser ofertada, preferencialmente, em turno distinto ao da escolarização, por meio de ações integradas entre as áreas da saúde e da educação, ficando a definição dos profissionais de fonoaudiologia, assim como os espaços de atendimento para o desenvolvimento da modalidade oral, sob a responsabilidade de órgãos que possuam estas atribuições nas unidades federadas.
167
3. OBJETIVO GERAL
Implementar uma “Política de Educação para Alunos com Surdez” no Sistema Municipal de Ensino de Vitória, atendendo as Diretrizes da atual Política Nacional de Educação Inclusiva, garantindo a implantação de um projeto educacional bilíngüe, respeitando a experiência visual e lingüística do aluno com surdez no seu processo de ensino-aprendizagem, utilizando a LIBRAS e a Língua Portuguesa escrita como segunda língua, resguardado o direito de opção da família ou do próprio aluno pela modalidade oral da Língua Portuguesa.
4. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Atender aos princípios da educação inclusiva, garantindo a reorganização/reestruturação de unidades de ensino para que incorporem a LIBRAS no universo escolar, instituindo a educação bilíngüe;
Garantir que o processo de ensino-aprendizagem de alunos com surdez, seja realizado utilizando a LIBRAS e o Português escrito como segunda língua;
Desenvolver metodologias de ensino-aprendizagem com didáticas próprias para garantir a educação bilíngüe;
Promover a reorganização da sala de aula comum e o desenvolvimento de ações pedagógicas para atender às necessidades de ensino-aprendizagem das pessoas com surdez em interação com ouvintes;
Reestruturar a ação pedagógica desenvolvida pelo Atendimento Educacional Especializado - AEE para atender às necessidades educacionais especiais dos alunos com surdez (Ensino de LIBRAS, em LIBRAS e modalidade escrita da Língua Portuguesa);
Promover ações integradas com instituições especializadas na área da surdez, para definições de locais e profissionais especializados no desenvolvimento de ações pedagógicas complementares e suplementares, visando atender às necessidades educacionais especiais dos alunos com surdez quando eles próprios ou seus familiares optarem pela modalidade oral da Língua Portuguesa.
5. CARACTERÍSTICAS DO PROJETO DE EDUCAÇÃO BILÍNGÜE: A proposta de Educação Bilíngüe do Sistema Municipal de Ensino de Vitória, fundamentada na filosofia da inclusão, incorpora a LIBRAS e a modalidade escrita da Língua Portuguesa como línguas de instrução do aluno com surdez no universo de sete Unidades de Ensino Fundamental (AA, ABL-diurno e noturno, ASFA, IMS, JKO, MJCM, SVP) e em duas Unidades de Educação Infantil (JFSS, DS), totalizando nove escolas localizadas em regiões estratégicas, para atuarem como escolas referência no processo de escolarização dos referidos alunos, respeitando a identidade surda que se manifesta mediante a coletividade que se constitui a partir da convivência entre as pessoas com surdez. Nessa perspectiva, a partir de 2008, a Secretaria Municipal de Educação de Vitória busca concentrar a matrícula de alunos com surdez nas nove escolas referência, visando possibilitar a interação entre alunos com surdez e entre os referidos alunos e profissionais adultos com surdez e a otimização das ações técnico-pedagógicas e administrativas necessárias à materialização do uso da LIBRAS no universo escolar. Com essas ações, vem garantir o garantir o Atendimento Educacional Especializado no contra-turno, instituindo um projeto socioeducacional em tempo integral voltado para atender às necessidades educacionais especiais dos alunos com surdez.
a) OPERACIONALIZAÇÃO
Sensibilizar familiares, alunos com surdez e a comunidade escolar para a adesão ao projeto de Educação Bilíngüe.
Concentrar, gradativamente, a matrícula de alunos com surdez nas nove escolas referência.
168
Disponibilizar transporte ou Vale Social, se for o caso, para deslocamento de alunos de suas residências às Unidades de Ensino referência, e retorno às suas residências.
Criar tempos/espaços escolares para o ensino, uso e difusão da LIBRAS no universo escolar (alunos com surdez, demais alunos, profissionais da escola e a comunidade escolar).
Localizar nas escolas referência os recursos humanos necessários à implementação da Educação Bilíngüe.
Criar espaços/tempos de formação em serviço para atuação profissional na perspectiva da Educação Bilíngüe.
Ressignificar o atendimento educacional especializado voltado para os alunos com surdez.
Ressignificar a práxis pedagógica no contexto geral da escola para atender à especificidade dos processos de ensino aprendizagem do aluno com surdez.
b) Quanto aos recursos humanos
Localizar professores e/ou Instrutores de LIBRAS e em LIBRAS (surdo), nas escolas referência.
Localizar professores ouvintes bilíngües para o ensino de Língua Portuguesa como segunda língua e/ou professor de Deficiência Auditiva, caso o quantitativo de professores bilíngües não atenda a demanda existente.
Localizar Tradutores e Intérpretes de LIBRAS-Língua Portuguesa-LIBRAS redimensionando o papel/função do Tradutor e Intérprete no universo escolar. 2.Quanto aos processos de formação em serviço
2. Criar espaços/tempos para formação continuada dos profissionais especializados na área da surdez, para atuarem na perspectiva da Educação Bilíngüe inclusiva.
3. Criar espaços/tempos para formação em serviço contemplando todos os profissionais das escolas referência por meio de encontros periódicos coletivos e no próprio lócus da escola, incluindo em alguns momentos toda a comunidade escolar.
6.3. Quanto ao Atendimento Educacional Especializado - AEE
Criar espaços escolares para o ensino de LIBRAS e em LIBRAS e da modalidade escrita da Língua Portuguesa para os alunos com surdez (legalmente contra-turno numa proposta de horário integral).
Reestruturar a ação pedagógica desenvolvida no Atendimento Educacional Especializado para o ensino de LIBRAS, em LIBRAS e da modalidade escrita da Língua Portuguesa;
Implementar metodologias de ensino-aprendizagem e desenvolvimento de didáticas próprias para alunos com surdez no Atendimento Educacional Especializado.
6.4. Processo de ressignificação da práxis pedagógica
Subsidiar o professor regente de classe com conhecimentos acerca da singularidade lingüística e especificidade educacional manifestada pelos alunos com surdez.
Adquirir e confeccionar material didático para a criação de ambientes educacionais estimuladores que desafiem o pensamento, explorem capacidades, em todos os sentidos, levando em consideração que as experiências de pessoas com surdez traduzem-se de forma visual, sendo que esses materiais e ambientes beneficiam também o processo de ensino-aprendizagem dos demais alunos;
Implementar metodologias de ensino-aprendizagem e desenvolvimento de didáticas próprias desenvolvidas em salas de aula comuns compostas por alunos com surdez em interação com ouvintes;
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Adotar mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de segunda língua, na correção das provas escritas, valorizando os aspectos semânticos e reconhecendo a singularidade lingüística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa pelos alunos com surdez.
Redimensionar o quantitativo de alunos em salas de aula compostas por alunos ouvintes e alunos com surdez, respeitando o fluxo.
7. UNIDADES DE ENSINO REFERÊNCIA PARA A EDUCAÇÃO BILÍNGÜE
7.1 Educação Infantil
CMEI LOCALIZAÇÃO TURNO RECURSOS HUMANOS PREVISTOS
JFSS DS
Goiabeiras Centro
Opção Horário Integral
Professor Bilíngüe
Linguagem/Letramento/Alfabetização / Língua Portuguesa
escrita Instrutor de LIBRAS Linguagem / LIBRAS
7.2 Educação de Jovens e Adultos
EMEF LOCALIZAÇÃO TURNO RECURSOS HUMANOS PREVISTOS
ABL Bento Ferreira
Noturno Contra-turno
Matutino Vespertino
Tradutor Intérprete
Professor Bilíngüe Português escrito
Instrutor de LIBRAS
Ensino de Libras e/ou em Libras
7.3. Ensino Fundamental
EMEF LOCALIZAÇÃO TURNO RECURSOS HUMANOS PREVISTOS
AA ABL ASFA IMS JKO MJCM SVP
Santo Antônio Bento Ferreira
Jardim Camburi Andorinhas Maria Ortiz São Pedro
Centro
Integral
OU
Contra-Turno:
Matutino Vespertino
Tradutor Intérprete
Professor Bilíngüe
Português escrito
Instrutor de Libras Ensino de Libras e/ou em Libras
8. DESCRIÇÃO DAS FUNÇÕES REFERENTES AOS CARGOS DE PROFESSOR BILÍNGÜE/DEFICIÊNCIA AUDITIVA, INSTRUTOR DE LIBRAS E TRADUTOR INTÉRPRETE LIBRAS-LÍNGUA PORTUGUESA-LIBRAS 8.1. Professor Bilíngüe/Deficiência Auditiva Garantir o ensino de Língua Portuguesa aos alunos com Surdez da Educação Infantil às séries finais do Ensino Fundamental, incluindo EJA; ministrar aulas como forma de complementação e suplementação curricular utilizando a LIBRAS como língua de instrução para o aprendizado da Língua Portuguesa como segunda língua; desenvolver e adotar mecanismos de avaliação coerentes com o aprendizado de segunda língua, na correção das provas escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade lingüística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa; confeccionar, solicitar, disponibilizar e orientar a utilização de recursos didáticos que apóiem o processo de escolarização do aluno com surdez; planejar e acompanhar as atividades pedagógicas desenvolvidas em parceria com os demais profissionais da unidade de ensino e comunidade escolar, quando necessário, em consonância com o Projeto Político Pedagógico; exercer a função de Tradutor e Intérprete de LIBRAS-Língua Portuguesa-LIBRAS quando necessário.
170
8.2. Instrutor de LIBRAS Apoiar o uso e a difusão da LIBRAS; ministrar aulas de LIBRAS na Educação Infantil e Ensino Fundamental, incluindo EJA, no atendimento educacional especializado e para toda a comunidade escolar; utilizar a Libras como língua de instrução, como forma de complementação e suplementação curricular; desenvolver e adotar mecanismos de avaliação alternativos ou não, referentes ao aprendizado dos conteúdos curriculares expressos em LIBRAS, desde que devidamente registrados em vídeo ou em outros meios eletrônicos; orientar alunos com surdez no uso de equipamentos e/ou novas tecnologias de informação e comunicação; confeccionar, solicitar, disponibilizar e orientar a utilização de recursos didáticos que apóiem o processo de escolarização; planejar e acompanhar as atividades pedagógicas desenvolvidas em parceria com os demais profissionais da unidade de ensino e comunidade escolar, quando necessário, em consonância com o Projeto Político Pedagógico da escola. 8.3. Tradutor e Intérprete de LIBRAS-Língua Portuguesa-LIBRAS Realizar a interpretação das duas línguas (Libras-Língua Portuguesa) de maneira simultânea e consecutiva; viabilizar o acesso aos conhecimentos e conteúdos curriculares em todas as atividades didático-pedagógicas colocando-se como mediador da comunicação e não como facilitador da aprendizagem; viabilizar a comunicação entre usuários e não usuários de LIBRAS em toda a comunidade escolar; apoiar a acessibilidade aos serviços e as atividades fim da instituição de ensino: secretaria, informática, fotocopiadora, biblioteca, seminários, palestras, fóruns, debates, reuniões e demais eventos de caráter educacional; participar do planejamento, acompanhamento e avaliação das atividades pedagógicas desenvolvidas com alunos com surdez, em parceria com os demais profissionais da Unidade de Ensino e comunidade escolar, quando necessário, em consonância com o projeto político pedagógico; observar preceitos éticos no desempenho de suas funções, entendendo que não poderá interferir na relação estabelecida entre a pessoa com surdez e a outra parte, a menos que seja solicitado.
9. ORIENTAÇÃO PARA A ORGANIZAÇÃO PEDAGÓGICA Para desenvolver as ações necessárias à efetivação da prática da Educação Bilíngüe, seguem as orientações acerca dos espaços/tempos para o exercício das atribuições/funções dos Professores bilíngües/deficiência auditiva, Instrutores de LIBRAS,Tradutores e intérpretes. 9.1. Professor Bilíngüe e Deficiência Auditiva – 25 horas
ATRIBUIÇÕES 2ª FEIRA 3ª FEIRA 4ª FEIRA 5ª FEIRA 6ª FEIRA
AEE – Atendimento Educacional Especializado para o ensino da Língua Portuguesa (contra-turno). (No noturno/AEE poderá ser no mesmo turno)
Confeccionar, solicitar, disponibilizar e orientar a utilização de recursos didático-tecnológicos.
Planejar as atividades de Língua Portuguesa desenvolvida no Atendimento Educacional Especializado.
Planejar e acompanhar as atividades desenvolvidas na sala comum, em parceria com os pedagogos e professores regentes do turno, na perspectiva do trabalho colaborativo.
IN - TER - VA - LO
171
ATRIBUIÇÕES 2ª FEIRA 3ª FEIRA 4ª FEIRA 5ª FEIRA 6ª FEIRA
Desenvolver junto aos pedagogos e professores regentes mecanismos de avaliação coerentes com o aprendizado de segunda língua na correção das provas escritas.
Exercer a função de tradutor e intérprete quando a CFAEE, junto com a escola, considerar necessário.
9.2. Instrutor de LIBRAS – 40 horas (20 horas matutino / 20 horas vespertino)
ATRIBUIÇÕES HORA 2ª FEIRA 3ª FEIRA 4ª FEIRA 5ª FEIRA 6ª FEIRA
Ensino de LIBRAS na sala de aula comum de 1ª à 4ª séries (alunos e professor regente juntos) (no turno).
Ensino de LIBRAS na sala de aula comum de 5ª à 8ª séries (no turno - preferencialmente alunos e um professor regente juntos).
Ensino de LIBRAS para os professores de 5ª à 8ª séries, demais profissionais da escola e familiares de alunos (dentro ou fora horário de trabalho).
IN - TER - VA - LO
Ensino de LIBRAS aos alunos com surdez no AEE (contra-turno).
Planejar as atividades para o ensino de LIBRAS (ambos os turnos).
Planejar e acompanhar as atividades desenvolvidas na sala comum, em parceria com os pedagogos e professores regentes (ação colaborativa/ambos os turnos).
ALMOÇO HORÁRIO INTEGRAL OU SEMI-INTEGRAL
Ensino do conteúdo curricular em LIBRAS no AEE (conceitos novos dos conteúdos curriculares trabalhados em sala de aula comum (no contra-turno).
Planejar as atividades para o ensino em LIBRAS (conceitos novos dos conteúdos curriculares trabalhados em sala de aula comum) (ambos os turnos).
Orientar os alunos com surdez no uso de materiais didáticos/equipamentos; uso de tecnologias e comunicação (ambos os turnos).
IN - TER - VA - LO
172
ATRIBUIÇÕES HORA 2ª FEIRA 3ª FEIRA 4ª FEIRA 5ª FEIRA 6ª FEIRA
Confeccionar, solicitar e disponibilizar recursos didático-pedagógicos (ambos os turnos).
Desenvolver e adotar mecanismos de avaliação alternativos ou não, referentes ao aprendizado dos conteúdos curriculares expressos em LIBRAS, desde que devidamente registrados em vídeo ou em outros meios eletrônicos e, em parceria, com pedagogos e professores regentes (ambos os turnos)
9.3. Tradutor e Intérprete de LIBRAS-Língua Portuguesa- LIBRAS – 40 horas (20 horas matutino / 20 horas vespertino)
ATRIBUIÇÕES HORA 2ª FEIRA 3ª FEIRA 4ª FEIRA 5ª FEIRA 6ª FEIRA
Viabilizar a comunicação entre usuários e não usuários de LIBRAS em todo o contexto escolar.
Realizar a tradução e interpretação LIBRAS-Língua Portuguesa-LIBRAS na sala de aula comum.
Planejar e/ou participar dos planejamentos com os pedagogos e professores regentes, para conhecer antecipadamente o conteúdo curricular das aulas a serem traduzidas/interpretadas.
IN - TER - VA - LO
Colocar-se como mediador da comunicação nas atividades desenvolvidas na biblioteca que envolvam alunos com surdez .
Colocar-se como mediador da comunicação nas atividades desenvolvidas no Laboratório de Informática que envolvam alunos com surdez.
Colocar-se como mediador da comunicação nas demais atividades didático-pedagógicas que envolvam alunos com surdez.
ALMOÇO HORÁRIO INTEGRAL OU SEMI-INTEGRAL
Orientar os alunos com surdez no uso de materiais didáticos/equipamentos; uso de tecnologias e comunicação com a comunidade escolar.
Apoiar a acessibilidade comunicativa dos alunos com surdez: secretaria, fotocopiadora, reuniões, eventos educacionais etc.
173
ATRIBUIÇÕES HORA 2ª FEIRA 3ª FEIRA 4ª FEIRA 5ª FEIRA 6ª FEIRA
Participar do planejamento, acompanhamento e avaliação das atividades desenvolvidas com alunos com surdez, na perspectiva do trabalho colaborativo.
IN - TER - VA - LO
Apoiar a acessibilidade comunicativa dos alunos com surdez em seminários, palestras, fóruns e debates.
10. CONSIDERAÇÕES Sabemos que a inclusão do aluno com surdez deve acontecer desde a educação infantil até a educação superior. Assim sendo, cumpre-nos garantir, desde cedo, as condições para que este aluno utilize os recursos que necessita para superar as barreiras em seu processo educacional, podendo assim usufruir seus direitos escolares, exercendo sua cidadania, de acordo com os princípios constitucionais do nosso país (BRASIL, 2007, p. 14). Esta proposta de educação bilíngüe, vem assim assinalar um ponto de partida de um trabalho que se volta para as necessidades dos alunos com surdez, considerando, sobretudo, que sua inclusão na escola comum requer a busca de meios para beneficiar sua participação e aprendizagem, tanto na sala de aula comum, como no Atendimento Educacional Especializado. Estas ações, em harmonia, podem a nosso ver ser consideradas, conforme escreve Doziart (1998) como o “(...) aperfeiçoamento da escola comum em favor de todos os alunos”. 11. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVARENGA, E. G. de, BATISTA, E. R. & FLORES, A.C.. A surdez e seus desafios. In: Cadernos de ensino de ciências-ensino e saúde, Rio de Janeiro, vol. 1, p. 51-57, 2004. BRASIL. Ensino de Língua Portuguesa para surdos: caminhos para a prática pedagógica. Vol. 1 e 2. Brasília:MEC-SEESP, 2002. _______. Decreto-lei nº 5.626 de 22 de dezembro. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília: 2005. _______. Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília: 2002. _______. Atendimento educacional especializado: pessoa com surdez. (organizado por Mirlene F. M. Damázio). SEESP-MEC, Brasília: 2007. FERNANDES, Eulália (org.). Surdez e bilingüismo. Porto Alegre: Mediação, 2005. GOLDFELD, Márcia. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sócio-interacionista. São Paulo, Plexus, 2001. REILY, Lúcia. Escola inclusiva: linguagens e mediações. Campinas, SP: Papirus, 2004.
174
ANEXO – H
ALFABETO MANUAL – DATILOLOGIA
175
ANEXO – I
QUADRO DE CONFIGURAÇÕES DE MÃOS
Fonte: www.feneis.com.br