[Psicologia] Silvia T. Maurer Lane - O que é Psicologia Social
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LEITURAS AFINS Silvia T. Maurer Lane
Dialética da família
~Iassjmo Canevacci (org.)
Freud, pensador da culturaRenato ;\1tzan
A função do orgasmo\X'ilhelm Rrich
o mínimo Eu
Christ opher L:lsch
Psicologia socialU lJO/IIem em mOl'imellto
Sil"i:! T.· !v!. Llile
\X". Codo (orgs)
Repressão sexualEssa I/IJSSfl (rles)collbecida
Marilcna Challi
A Vingança da EsfingeEnsaios de jJsiC(fJ/{ílise
Ren:lto Mrz:l/l
Coleç!O~i.~~ros Passos
o que é adolescenciaJ)Jniel Ikcker
o que é famíli:lD:ll1da í'r:ldo
o que é ideologia,\1:lrilen:1 Ch:1l1i
o que é psicanáliseFábio Herrmann
o que é psicanálisel~'risÔo
OSClr Ces:t[ol! o
,\!:írcio P. S. Leite
o que é psicologi:l;\!:lrÍ:l I.lIiza Sil\'eir:1 T elles
o que é sociologiaCarlos B. ,\1:Irrins
o queé violcnciai\'ilo Od:ilia
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PSICOLOGIA SOCIAL
editora brasiliense
Copyright © by Silvia T. Maurer LaneNenhuma parte desta publicação pode ser gravada,armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada,
reproduzida por meios mecânicos Oll outros quaisquersem autorização prévia da editora.
Primeira edição, 198/22' edição, 1994
4' reimpressão, 2002
Foto de capa: Cor/os AmaraCaricaturas: Emílio Damialli
Revisão: José E. Alldrade
Capa: 123 (antigo 27) Artistas Gráficos
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
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ÍNDICE
ISBN 85-11-01039-4
Lane, Silvia T. Maurer.
O que é psicologia social/Silvia T. Maurer Lane. - I' ed.São Paulo: Brasiliense, 1981. - (Coleção primeiros passos; 39)
editora brasilienseRua Airi, ]2 - Tall/apé- CEP 033/0-0/0 - São Paulo - SI>
Fone/Fax: (0.<.<11)6198-/488E-moi/: [email protected]
Wl\·1V.edi/orabras i liense. com.brlivraria brasiliense
Rua Emilia Marengo. ] 16 - TotuapéCEP 03336-000 - São Pal/lo- SP - Fone/Fax (Ox.<I/) 6675-0/88
oJ. Psicologia social I. Titulo. 11.Série.
94-4]29
Índices para catálogo sistemático:
1. Psico logia socia I 301.1
CDD-301.1
Introdução: Psicologia e Psicologia Social .. 7Como nos tornamos sociais 12
Os outros 12A identidade social 16Consciência de si 22
Como apreendemos o mundo que nos cerca. 25
- A linguagem 25A história via fam ília e escola 38- A família 38- A escola 46Trabalho e classe social 55O indivíduo na comunidade 67
A Psicologia Social no Brasil 75Indicações para leitura - - - 85
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INTRODUÇÃO: PSICOLOGIAE PSICOLOGIA SOCIAL
Sem entrarmos na análise das diferentes teorias
psicológicas, podemos dizer que a Psicologia é aciência que estuda o comportamento, principalmente, do ser humano. As divergências teóricas serefletem no que consideram "comportamento",porém para nós bastaria dizer que é toda e qualqueração, seja a reflexa (no limiar entre a psicologia ea fisiologia), sejam os comportamentos considerados conscientes que envolvem experiências, conhecimentos, pensamentos e ações intencionais, e,num plano não observável diretamente, o inconsciente.
Assim parece óbvio que a Psicólogia Socialdeve estudar o comportamento social, porém surgeuma qu.estão polêmica: quando o comportameritose torna social? Ou então, são possíveis compor-
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8 Silvia T Maurer l.ane
tamentos não sociais nos seres humanos?Cada organismo humano tem suas caracterís
ticas peculiares; assim como não existem duasárvores iguais, também não existem dois organismos iguais. Mesmo que geneticamente sejamidênticos, no caso de gêmeos, as primeiras interações dos organismos com o ambiente já provocamdiferenças entre eles, assim como: mais ou menosluz, som, enfim, diferentes estímulos que levama difbrentes reações já propiciam uma diferenciação nos dois organismos.
A Psicologia se preocupa fundamentalmente comos comportamentos que individualizam o ser humano, porém, ao mesmo tempo, procura leisgerais que, a partir das características da espécie,dentro de determinadas condições ambientais,prevêem os comportamentos decorrentes. Comoexemplo, sabemos que a aprendizagem é conseqüência de reforços e/ou punições, ou seja, sempreque um comportamento for reforçado (isto é,tenha como conseqüência algo bom para o indivíduo), em situações semelhantes é provável queele ocorra novamente. Dizemos então que o indivíduo aprendeu o comportamento adequado paraaquela situação.
O enfoque da Psicologia Social é estudar ocompoi'tamento de indivíduos no que ele é influenciado socialmente. E isto acontece desde omomento em que nascemos, ou mesmo antes donascimento, enquanto condições históricas que
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o que é Psicologia Social
deram origem a uma família, a qual convive comcertas pessoas, que sobrevivem trabal hando emdeterminadas atividades, as quais já influenciamna maneira de encarar e cuidar di'l gravidez e no
que significa ter um filho.Esta influência histórica-social se faz sentir,
primordialmente, pela aquisição da linguagem. Aspalavras, através dos significados atribuídos porum grupo social,. por uma cultura, determinamuma visão de mundo, um sistema de valores e,conseqüentemente, ações, sentimentos e emoçõesdecorrentes.
As leis gerais da Psicologia dizem que se apreendequando reforçado, mas é a história do grupo aoqual o indivíduo pertence que dirá o que é reforçador ou o que é punitivo. O doce ou o dinheiro,o sorriso ou a expressão de desagrado podem ounão contribuir para um processo de aprendizagem,dependendo do que eles significam em uma dadasociedade. Assim também aquilo que "deve ser
apreendido" é determinado socialmente.Da mesma forma, as emoções que são respostas
do organismo e, como tais, universais, se submetemàs influências sociais ao se relacionarem com o quenos alegra, nos entristece, nos amedronta. O sesentir alegre com a vitória do time, triste com ofilme ou com uma música, o ter medo do trovãoou do avião, são exemplos que mostram o quantonossas emoções decorrem desta visão de mundoque adquirimos através dos significados das pa-
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Num segundo momento, analisaremos como seforma a nossa concepção de mundo e das coisasque nos cercam, através da linguagem, e como eladetermina valores e explicações, de modo a manterconstantes as formas de relações entre os homens(a ideologia e representações sociais); veremosainda a relação entre falar e fazer, a mediação dopensamento e o desenvolvimento da consciênciasocial.
Em terceiro lugar, uma análise de instituiçõescomo família, escola, levando à reprodução dascondições sociais, e em que circunstâncias elaspodem propiciar o desenvolvimento da consciênciasocial.
Uma ênfase especial será dada para o trabalhohumano, na sua relação com as classes sociais, eem que condições ele pode gerar consciência declasse, fazendo dos indivíduos agentes da históriade sua sociedade; em seguida, veremos como aPsicologia Comunitária propõe uma ação educativae conscientizadora pelo desenvolvimento de relaçõescomunitárias.
Por último, veremos como a Psicologia Socialtem se desenvolvido como ciência, em outras partesdo mundo e, principalmente, no Brasil de hoje.
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lavras.Assim podemos perceber que é muito difícil
encontrarmos comportamentos humanos que nãoenvolvam componentes sociais, e são, justamente,estes aspectos que se tornaram o enfoque daPsicologia Social. Em outras palavras, a PsicologiaSocial estuda a relação essencial entre o indivíduoe a sociedade, esta entendida historicamente, desdecomo seus membros se organizam para garantirsua sobrevivência até seus' costumes, val.ores einstituições necessários para a continu idade dasociedade.
Porém a história não é estática nem imutável,ao contrário, ela está sempre acontecendo, cadaépoca gerando () seu contrário, levando a sociedade a transformações fundamentalmente qualitativas. E a grande preocupação atual da PsicologiaSocial é conhecer como o homem se insere nesteprocesso histórico, não apenas em como ele édeterminado, mas principalmente, como ele· setorna agente da história, ou seja, como ele podetransformar a sociedade em que vive.
~ o que procuraremos analisar nos próximoscapítulos. Inicialmente, veremos como somos determinados a agir de acordo com o que as pessoasque nos cercam julgam adequado, e para tantoiremos examinar dois aspectos intimamente relacionados: os outros, ou seja, o grupo ou grupos aque pertencemos, e como nós, nesta convivência,vamos definindo a nossa identidàçie ,social.
COMO NOS TORNAMOS SOCIAIS
Os outros
o ser humano ao nascer necessita de outraspessoas para a sua sobrevivência, no mínimo demais uma pessoa, o que já faz dele membro deum grupo (no caso, de uma díade - grupo dedoisl). E toda a sua vida será caracterizada porparticipações em grupos, necessários para a suasobrevivência, além de outros, circunstanciais ouesporádicos, como os de fazer ou aqueles que seformam em função de um objetivo imediato.
(1) Existem relatos de crianças que foram criadas por animais, como
lobos, macacos, etc .• adquirindo comportamentos da espécieque as criou, necessários para a sua sobrevivência. Quando
traz idas para o convívio humano, as suas adaptações, quandoocorreram, foram extremamente difíceis e sofridas.
o que é Psicologia Social
Assim, desde o primeiro momento de vida, oindivíduo está inserido num contexto histórico,pois as relações entre o adulto e a criança recémnascida seguem um modelo ou padrão que cadasociedade veio desenvolvendo e que consideracorreta. São práticas consideradas essenciais, e,portanto, valorizadas; se não forem seguidas dãodireito aos "outros" de intervirem direta ou indiretamente. E, quando se fala em "dar o direito",significa que a sociedade tem normas e/ou leis queinstitucionalizam aqueles comportamentos que historicamente vêm garantindo a manutenção dessegrupo social.
Em cada grupo social encontramos normas queregem as relações entre os indivrduos, algumas sãomais sutis, ou restritas a certos grupos, como asconsideradas de "bom-tom", outras são rrgidas,consideradas imperdoáveis se desobedecidas, atéaquelas que se cristalizam em leis e são pass(veis depunição por autoridades institucionalizadas. Estasnormas são o que, basicamente, caracteriza ospapéis sociais, e que determina as relações sociais:os papéis de pai e de mãe se caracterizam pornormas que dizem como um homem e uma mulherse relacionam quando eles têm um filho, e comoambos se relacionam com o filho e este, no desempenho de seu papel, com os pais.
Do mesmo modo, o chefe de uma empresa sóo será, em termos de papel, se houver chefiadosque, exercendo seus respectivos papéis, atribuam
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Parlamento, desempenha um papel totalmente definidQ; qualquer ação ou não ação que saia fora doprotocolo gera confusão. Por outro lado, quandoZé da Silva está em um país estranho, se aventurando por conta própria (sem ser um "turista" o que já é um pape!), se passando por um cidadãocomum, sem ter as determinações daquela sociedade e, sabendo que a qualquer momento ele poderá se explicar como sendo estrangeiro, ele se dáo direito de fazer como sente, como gosta, "elepode ser ele mesmo" I ou seja; fazer coisas quenão faria se as pessoas o conhecessem, o identificassem como filho de "fulano", casado com"sicrana", que trabalha na firma X ...
Agora podemos pensar em toda a variedade desituações que nós vivemos cotidianamente e reconhecermos situações em que somos mais determinados e outras em que somos menos determinados, ou seja, "livres".
Esta liberdade de manifestarmos a nossa personalidade2 também tem a sua determinação histórica: naquelas atividades sociais que não sãoimportantes para a manutenção da sociedade, ou,às vezes, até o contrário, a contravenção é necessária para reforçar oconsíderado "correto", "normal"- os grupos considerados "marginais" reafirmam
o que é PsicoZogUI SOCUIZ
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Silvia T. Maurer Lane
um sentido ~ação do chefe. Ou seja, um co~~menta o outro: para agir como chefe tem que teroutros que ajam como chefiados. Esta análise poderia ser feita em todas as relações sociais existentesem qualquer sociedade - amigos, namorados,estranhos na rua, que interagem circunstancialmente, balconista e freguês -em relação a todos
!Éi~!~~_xp_~-º!atJ~a~_._~_~~rnP<:>rJ9 r:D_~_~!o~_f!!ª_is__Q[7menos definidos e quanto mais a relação socialfor fundamental para a manutenção do grupo e da
sociedade, mais precisas e rígidas são as normas r\; ql,lf:ade.Ui}~J:1:b._: --~_. E a pergunta que sempre ocorre é: e a individualidade? Aque1as-caractt:1 í~tiCàS peettl-iarecada indivíduo? Afinál, se nós apenas desempenhamos papéis, e tudo que se faz tem sua determinação social, onde ficam as características queindividualizam cada um de nós?
A resposta é, mais ou menos, como aquelaestória do pai dizendo à filha: "Você pode se casarcom quem quiser, desde que seja com oJoão ... ",Em outras palavras, podemos fazer todas as variaçõesque quisermos, desde que as relações sejammantidas, isto é, aquelas características do papelque são essenciaispara que a sociedade se mantenhatal e qual.
Existem teorias que definem os papéis sociaisem termos de graus máximos e mínimos, de variaçõespossíveis"e_,exerT"lpl)ficam com fatos. como:a rainha Elizabeth(lnglaterraJ, na abertura do
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16 Silvia T. Maurer Lane
os sérios e trabalhadores, desde que não ponhamem risco a ordem da sociedade; então a ordem é:façam como quiserem, sabendo que o "querer"é limitado; porém, naquelas situações, as quaispodem abalar todo o sistema de produção da sobrevivência social, a liberdade se restringe a um"estilo" (ser mais ou menos sorridente, mais oumenos sério, mais expansivo ou mais tímido, entreoutros). Assim como a rainha Elizabeth na abertura do Parlamento, o trabalhador se relacionacom suas ferramentas e máquinas, com seus chefes
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e mesmo com seus colegas de trabalho segundoum protocolo muito bem definido, pois, afinal,se ele não o fizer, o outro se sairá melhor, ou eleperderá o emprego.
O viver em grupos permite o confronto entreas pessoas e cada um vai construindo o seu "eu"neste processo de interação, através de constataçõesde diferenças e semelhanças entre nós e os outros.É neste processo que desenvolvemos a individualidade, a nossa identidade social e a consciênciade-si-mesmo.
A identidade social
É o que nos caracteriza como pessoa, é o querespondemos quando alguém nos pergunta "quem, "{"e voce ..
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o que é Psicologia Social
Procurem responder esta questão antes de continuar a leitura, e verifiquem como se define aidentidade social. de cada um na seqüência dotexto.
Uma jovem adolescente respondeu:"Quem sou eu
Bem, é um pouco difícil dizer quem sou e comosou. Mas posso tentar:
Fisicamente sou magra, estatura média, pelemuito clara, olhosesverdeados, cabelos castanhose compridos, rosto fino, nariz arrebitado, com carade moleca, mas corpo de mulher.
Psicologicamente sou tagarela, brincalhona, expansiva, briguenta, triste, agressiva e estúpida(minha mãe que o diga).
Estou fazendo pela 4~ vez o primeiro colegial,tenho 17 anos e completo 18, em outubro, dia 31,sou de 1963.
Meu signo é Escorpião, geniozinho difícil. Nãosou fanática por estudos, mas estou tentando.
Faço e adoro ballet assim como artes em geral,leio bastante, vou ao cinema mas são poucos osfilmes intelectualmente bons, gosto muito deWood Alen mas ainda não vi seu último filmeMemórias. Em literatura, gosto de romances antigose de autores brasileiros como Mario de Andrade,Cecília Meirelles, Graciliano Ramos e FernandoPessoa entre outros.
Gosto de estar sempre a par de tudo, comoartes, pol ítica, atualidade, economia e tudo que
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Sou bem complicada, não?Gosto também de música popular e tenho afei
ção especial por Chico Buarque, Milton Nascimentoe Rita Lee, gosto também de Mozart e Tchaikovsky(isto por causa do ballet).
Tenho como ídolo n9 1 Mikhail Baryshnikov,bailarino russo, atualmente residente nos EUA; édiretor do American Ballet Theatre de Nova lorque,mas também dança com o New York City Ballet;bem, eu estou falando de mim e não do MISHA(seu apelido), chega de ballet. O que mais possodizer ...
Ah! Não tenho namorado, nem sou apaixonada
por ninguém, mas gosto de ter amigos e estarsempre cercada de gente.
Bem, eu sou assim, uma pessoa que faz o quegosta e luta pelo que quer, sonhadora, mas realista,acho que sou alguém indecifrável, sou uma incógnita para mim mesma".
O relato acima nos permite caracterizar, em
primeiro lugar: o sexo, a aparência física e .traçosde personalidade que demonstram como ela serelaciona com os outros e dá "dicas"sobre comodeve ser o seu grupo de amigos: se estes não foremdescontra ídos, difici Imente a aceitarão no grupo.A menção da idade e do curso que faz a localizamnuma faixa etária, com determinado nível educacional, que se complica com a menção. do signoe de "não ser fanática por estudo" ,ou seja,
possivelmente seu grupo preferido de pares nãoestá na escola.
O fazer ballet e as coisas de que gosta dizemsobre quais os grupos que são importantes paraela e, sem dúvida, indicam toda uma estimulaçãointelectual que, não vindo da escola, deve estarpresente no contexto familiar, e no grupo de baBet.(Para constatar estas inferêncías precisaríamostambém da sua história de vida.)
É interessante' observar um certo tom de mistério, desde achar difícil dizer "quem é" até sesentir "indecifrável, uma incógnita" - uma formade não se comprometer definitivamente com umaidentidade - ela nos dá o seu potencial e guardapara si os aspectos idealizados para o futuro. Esteaspecto d~ representação de si mesmo parece seruma característica de adolescente do qual não éexigida uma definição precoce e cujo ambientesocial deve enfatizar a autodeterminação do jovemsem impor modelos "bons" a serem seguidos .
Vejam este outro texto como ilustra bem estaprocura de preservação:
"Eu sou um cara simplesEu .sou feioEu .sousimpáticoEu sou fácil de se encontrarEusol,J diflcilde seentender~
(.) G rifos nossoS.
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20 Silvia T. Maurer Lane o que é Psicologia Social 21
Eu ruía gosto de escrever o que sou e gosto de fazerxixi na rua.
Eu sou meio cristãoEu sou extrovertido (tímido em certas ocasiões)Eu sou implicanteEu sou um cara que não sabe o que é ... *Eu sou um cara que gosta de gostarEu sou um cara que detesta politicagemEu sou um cara que adora mexer com o desco
nhecidoEu sou um cara que odeia racismoEu sou um cara que não gosta de escrever o
que é"Eu sou um cara que gosta de fazer xixi na rua"E notem a última frase que parece dizer: "não
me amolem, afinal não gosto de escrever a meurespeito", ou "me deixem ser criança".
Estes dois relatos enfatizam características peculiares que dizem respeito à maneira de cada umse relacionar com os outros, sendo característicasque foram sendo apreendidas f)as relações grupais;sejam familiares e/ou de amigos, através do desempenho de papéis diversificados. E é nessa diversidade que eles vão se descobrindo um indivíduodiferente, distinto dos outros. Nossos amigos deixaram de ser um, entre muitos da espécie humanae passaram a ser pessoas com característicaspróprias no confronto com outras pessoas - elestêm suas identidades sociais que os diferenciam
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22 Sílvia T. Maurer Lane
dos outros.
Consciência de si
Para finalizar este capítulo é importante uma
reflexão sobre o que, de fato, representa a identidade social, definida pelo conjunto de papéisque desempenhamos. Como vimos, estes papéisatendem, basicamente, à manutenção das relaçõessociais representadas, no nível psicológico, pelasexpectativas e normas que os outros envolvidosesperam sejam cumpridas ("sou expansiva, brincalhona" ou, simplesmente, "simpático, extrover-tido").
É neste sentido que questionamos quanto a"identidade social" e "papéis" exercem uma me
diação ideológica, ou seja, criam uma "ilusão" deque os papéis são "naturais e necessários", e quea identidade é conseqüência de "opções livres"
que fazemos no nosso conviver social, quando, defato, são ,as condições sociais decorrentes da produção da vida material que determinam os papéise a nossa identidade social.
~, diante desta questão que julgamos necessáriolevantar o problema da consciência em si.
Se assumirmos que somos essencialmente a nossaidentidade social; que ela é conseqüência deopções que fazemos devido .a nossa constituição.
o que é Psicologia Social
biogenética, ou temperamento, ou mesmo atraçõesde personalidade, como aspectos herdados geneticamente, sem examinarmos as condições sociaisque, através da nossa história pessoal, foram determinando a aquisição dessas características que nosdefinem, só poderemos estar reproduzindo o esperado pelos grupos que nos cercam e julgados"bem ajustados".
Porém, se questionarmos o quanto a nossa história de vida é determinada pelas condições históricas do nosso grupo social, ou seja, como estespapéis que aprendemos a desempenhar foram sendodefinidos pela nossa sociedade, poderemos constatar que, em maior ou menor grau, eles foramsendo engendrados para garantir a manutenção dasrelações sociais necessárias para que as relaçõesde produção da vida se reproduzam sem grandesalterações na sociedade em que vivemos. Ou seja,constataremos que nossos papéis e a nossa identidade reproduzem, no nível ideológico (do que é"idealizado", valorizado) e no da ação, as relaçõesde dominação, como maneiras "naturais e universais"de ser sodal, relações de dominação necessárias para· a reprodução das condições materiaisde vida e a manutenção da sociedade de classes
onde uns poucos dominam e muitos são dominadosatravésdaexploraç~o da força de trabalho."Apenas quando formos capazes de, partindo de
·um ql1estionámentodeste tipo, encontrar as razõeshistóricas da nossa sociedade e do nosso grupo
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social que explicam por que agimos hoje da formacomo o fazemos é que estaremos desenvolvendo aconsciência de nós mesmos.
Deste modo entendemos que a consciência de
si poderá alterar a identidade social, na medidaem que, dentro dos grupos que nos .definem,questionamos os papéis quanto à sua determinaçãoe funções históricas - e, na medida em que osmembros do grupo se identifiquem entre si quantoa esta determinação e constatem as relações dedominação que reproduzem uns sobre os outros,é que o grupo poderá se tornar agente de mudançassociais. "A consciência individual do homem só
pode existir nas condições em que existe a consciência social" (A. Leontiev, O Desenvolvimentodo Psiquismo, p. 88).
Porém este processo não é simples, pois os
grupos e os papéis que os definem são cristalizadose mantidos por instituições que, pelo seu própriocaráter, estão bem aparelhadas para anular ouamenizar os questionamentos e ações de grupos,em nome da "preservação socia I".
Mas antes de analisar como as instituições determinam nossas ações sociais, é preciso _entêllderainda alguns aspectos básicos do nosso comportamento social: a linguagem, o pensamento, a representação que fazemos do mundo e a própriaconsciência, como processos psicológicos fundamentais para a nossa relação com os outros.
••••• ••
COMO APREENDEMOSO MUNDO QUE NOS CERCA
A linguagem
"A linguagem é aquilo através do que se generaliza a experiência da prática sócio-histórica dahumanidade" (Leontiev, op. cit., p. 172).
Pelo que tudo indica, a linguagem se desenvolveuhistoricamente quando os seres humanos tiveramque cooperar para a sua sobrevivência. Da mesmaforma como criaram instrumentos necessários parauma prática de sobrevivência, desenvolveram alinguagem como forma de generalizar e transmitiresta prática. O trabalho cooperativo, planejado,que submete a natureza ao homem, só foi possívelatravés do desenvolvimento da linguagem pelosgrupos sociais humanos .
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26 Silvia T Maurer Lane o que é Psicologia Social
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Nos tempos primitivos, quando os grupos sociaistrabalhavam para a sua sobrevivência com divisõessimples de trabalho, a relação palavra-objeto determinava significados facilmente objetivados paraaquele "som" ou conjunto de fonemas. Na medidaem que as relações entre os homens vão se tornandomais complexas, em decorrência de uma complexidade maior na divisão de trabalho, onde oproduto pode ser acumulado (pois a sobrevivênciaestá garantida), surgindo a propriedade privada, alinguagem também se torna mais complexa; eladeixa de atuar apenas num nível prático-sensorialpara ir se tornando também genérica, abstrata,atendendo às novas atividades engendradas sociale historicamente: artes, religião, modas, tecnologias,educação, formas de lazer, etc., e assim a linguagem, instrumento e produto social e histórico,se articula com significados objetivos, abstratos,metafóricos, além dos neologismos e g(rias de cadaépoca.
Até o momento nos referimos apenas à linguagem, à ação de falar, porém não podemosesquecer que ela não é o único código de comunicação, a ponto de Skinner definir o comportamento verbal como sendo "todo aquele comportamento reforçado através da mediação de outraspessoas", e assim incluindo, além do falar, oescrever, os sinais, gestos, código· Morse, e até osrituais. Esta definição é muito importante pararessalvar o caráter instrumental da linguagem, que
se, de início, tinha que ser objetiva (coisa == significado), hoje adquiriu uma autonomia tal que permitiu mais uma divisão de trabalho: a manualversus a intelectual.
Vocês dirão que tanto o trabalhador manualcomo o intelectual usam palavras, gestos, ritos.E, mais, o intelectual não é quem fala - é quem
pensa!Então eu pergunto: vocês já tentaram pensar
sem palavras? Não parece o dilema de "quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha? ",
A origem social da linguagem nos dá pistas parauma resposta: a linguagem surge para transmitirao outro o resultado, os detalhes de uma atividadeou da relação entre uma ação e uma conseqüência.Hoje, na sociedade, as crianças nascem em grupos"falantes" e que só as vão considerar "gentes"quando elas falarem. Mas se vocês observarem
nenês, antes deles aprenderem a falar (não apenasemitir sons ou vocalizaçães), poderão constatarque eles relacionam as coisas: eles pensam sobre ascoisas que estão aqui e agora. Experimentemesconder o chocalho debaixo do lençol. Ele vaidireto buscar o seu brinquedo debaixo do lençol·- isto já é pensar.
Sabemos que a complexidade da nossa sociedadeé histórica e que se iniciou com o homem transformando a natureza e se transformando. Dealguma maneira, o nosso nenê vai ter que percorrera história rapidamente. Ele nasceu em uma socie-
28 Si/via T. Maurer Lane o que é Psicologia Social 29
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inferno está cheio".
Retomando, vimos como a linguagem é produzida socialmente, pela atribuição de significadosàs palavras. Assim, o grosso dicionário objetiva aspalavras com as suas significações, porém elas nadamais têm a ver com os objetos materiais a que sereferem. Leontiev dá um exemplo perfeito: "0alimento é, sem dúvida, um objeto material; noentanto, o significado da palavra alimento não~ontém um grama de substancia alimentrcia".~ nesta distinção entre palavra e objeto, a que serefere, que podemos detectar como a linguagemmuitas vezes se torna uma arma de dominação.
A palavra se torna poderosa quando alguma"autoridade" social impõe um significado único einquestionável, que determina uma ação automática. Terwilliger analisa este aspecto da linguagem
. em situações como a hipnose, a lavagem cerebral,o comando militar .
No primeiro caso, o hipnotizador tem que obter
uma passividadel~1otal do hipnotizado ("relaxe,você vai dormir";, ou seja, uma total submissão àsua voz, às suas palavras, para em seguida sugerirsituações e as reações e/ou ações conseqüentes(lIhoje está muito frio, está até caindo neve e vocêsem agasalho", e o hipnotizado reage tremendode frio, esfregando as mãos, se agasalhando comos braços ... ). Por outro lado, se o hipnotizadorfalar sobre situações totalmente desconhecidas aohipnotizado, seja através de descrições ou expe-
dade que separa o fazer do falar, logo ele tem queser capaz de usar o seu pensar de modo a sercapaz de fazer o que os adultos fazem, e, paratanto, ele tem que falar.
Hoje, os estudos sobre o desenvolvimento intelectual mostram como a aquisição da linguagem(ou comportamento verbal, conforme definidoacima) é condição essencial para o chamado desenvolvimento intelectual, isto é, ser capaz de generalizações, abstrações, figuração, em outras palavras,superar o aqui e agora: planejando, prevendo,lembrando, simbolizando, idealizando ...
Mas acontece que nós não somos apenas pensadores-falantes; somos, antes de mais nada, fazedores
de coisas, de instrumentos que produzem fogo,comida, guerra, beleza e ... a nós mesmos fazedores de coisas. Porém, o objeto pensado,idealizado, ainda não existe, é preciso que se desenvolva uma série de ações físicas sobre as coisasQue nos cercam para concretizar o objeto pensado;a sua existência é produto da nossa atividade e,ao fazê-Ia, nossa atividade se objetiva no produtofinal, enquanto nós nos transformamos neste processo de fazer.
De fato, é impossível separarmos agir - pensar- falar, e sempre que isto é feito, seja teoricamente, seja em termos de valores, ocorre umaalienação da realidade; agir sem pensar é ser umautômato; falar sem pensar é ser como um papagaio; falar sem agir ... lide boas intenções o
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riências, provavelmente nada ocorrerá, seria comoalguém falando num idioma totalmente desconhecido; mas a referência a situações conhecidas astorna reais para o sujeito, mesmo que, para alguémobservando de fora, elas se apresentem comoimag iná rias.
Quanto ao comando militar, podemos observarque toda a disciplina e hierarquia militar se baseiamno princípio de que qualquer ordem é lei, e, sedesobedecida, acarreta necessariamente um danofísico - desde a punição até a morte. A insubordinação é negação da própria instituição: portantonenhuma ordem pode ser questionada e, nestesentido, as palavras têm só um significado possível,para que a ação ocorra automaticamente ao somdo comando, isto é, o soldado não pode, nem devepensar, pois seus superiores pensam por ele. Todoo seu treinamento foi feito visando assegurar a obediência cega de todos para que os objetivos finaispropostos pela ordem inicia! a, gíôduôlmente, üperacionalizada pela hierarquia de comando se concretizem pela ação conjunta do "corpo" militar.
No caso da lavagem cerebral, o processo queocorre é o de eliminar significados existentes,atribuindo-se às palavras novos significados, o queé conseguido, impedindo que o prisioneiro secomunique com pessoas que poderiam estar reforçando ou mantendo os seus significados originais.Ele só pode se relacionar com pessoas que nãoadmitam qualquer questionamento e que só emi-
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A hipnose em idioma desconhecido: um fracasso.
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É só ensinar o soldado a pensar, a questionar as ordensdadas ... Mas ...
tam os novos significados, como sendo os únicospossíveis, mas é preciso que estas pessoas sejamsignificativas para o prisioneiro e, para tanto,criam-se condições físicas e psicológicas de totalabandono, através de isolamento, cansaço, fome,etc., para que alguém se torne necessário e alavagem cerebral seja eficaz.
E é ainda Terwilliger que, jocosamente, comentaque as autoridades militares não sabem comotreinar seus soldados para que eles não se submetamtão facilmente a lavagens cerebrais, quando aprisionados. A solução no entanto, seria bem simples:é só ensinar o soldado a pensar, a questionar asordens dadas ... Mas tudo indica que esta seriauma solução jamais endossada pelos comandantesmilitares.
Podemos, então, concluir que a contra-arma dopoder da palavra se encontra na própria naturezado significado: é ampliá-Io, é questioná-Io, é pensarsobre ele e não, simplesmente, agir em respostaa uma palavra. Entre a palavra e a ação deverásempre existir o pensamento para não sermosdominados por aqueles que detêm o poder dapalavra.
Cabe ainda uma análise de como a linguagemexerce a mediação entre nós e o mundo, na medidaem que ela permite a elaboração de representaçõessociais. Ou seja, é através delas que descrevemos,explicamos e acreditamos na nossa realidade e ofazemos de acordo com o nosso grupo social.
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São representações onde a experiência, a vivênciasão imposs íveis, ou são apenas fragmentos, fazendocom que a mediação social de pessoas, consideradasautoridades, desempenhem uma função essencialna formação da representação e é aqui, como vimosem relação aos significados da palavra, que surgeo poder impondo representações consideradasnecessárias para a reprodução das reloções sociais.
~ nesse momento que se dá a transmissão ouimposição da ideologia dominante. Na análise dalinguagem, mencionamos o fato observado nanossa sociedade, da distinção entre aquele que"fala" e aquele que "faz", entre o intelectual e obraçal. O primeiro, próximo da classe dominante,e identificado com ela, é quem se apresenta aosoutros como autoridade para explicar, justificar,como "conhecedor do mundo", que se caracteriza,basicamente, por falar bem, falar corretamente,característica esta que se generaliza, tornando"autoridades respeitáveis" aqueles que dominam alinguagem bem articulada, correta, etc. São estaspessoas, que na sua identificação com a classedominante elaboram explicações sobre a realidadesocial que sejam coerentes, consistentes entre si,e que justificam a sociedade tal como ela é; e, namedida em que estas explicações encobrem asrelações de poder e as contradições decorrentes,vaiorizando as relações existentes, elas exercemuma função ideológica falseadora, elas idealizamuma realidade, diferente do que ela realmente é.
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São representações sociais afirmações como: "aTerra tem a forma de uma laranja", "o dia e anoite são decorrentes do movimento de rotaçãoda Terra", ou ainda, "a nossa vida já vem escritapelo destino", ou, como dizia uma empregadadoméstica, "rico é aquela pessoa que soubepoupar".
Vocês podem notar que as representações podemestar baseadas em fatos científicos, não observáveis diretamente, como em crenças, em sugestõespublicitárias, todas dependentes dos grupos sociaiscom os quais a pessoa convive.
Como já vimos, a linguagem existe como produto social, e é através das relações com os outrosque elaboramos nossas representações do que é omundo. Quando uma criança, que está começandoa usar a linguagem, brinca com uma bola, esta sóse constituirá em uma representação quando outraspessoas se referirem a ela como "bola", "bo!a vocêjoga, que chuta, que quebra a janela, que rola,que pula". Notem que a representaçao Implica naação, na experiência com um objeto ou situação
. e nos significados atribuídos a ela pelas pessoascom que nos relacionamos, ou seja, a representaçãoé o sentido pessoal que atribu ímos aos significadoselaborados socialmente.
Mas nem todas as nossas representações seformam tão simplesmente. Pensem, por exemplo,em termos como Deus, eternidade, morte, infinitoe mesmo sociedade, história, classe social, etc.
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Obviamente esta produção da ideologia não sedá conscientemente, mas sim em decorrência deuma visão da sociedade da posição de quem a domina e que precisa justificar e valorizar sua dominação.
Podemos compreender agora por que é tãodifícil chegarmos a ter consciência de nós mesmos,como vimos no capítulo anterior, e, mais ainda,como é difícil chegarmos a ter uma consciênciade classe. Quando o nosso pensamento não confronta as nossas ações e experiências com o nossofalar, quando apenas reproduzimos as representações sociais que nos foram transmitidas, e toda equalquer inconsistência ou incoerência é atribuídaa "exceções", a "aspectos circunstanciais", quandonão a particularidades individuais, estaremos apenasreproduzindo as relações sociais necessárias paraa manutenção das relações de produção da vidamaterial em nossa sociedade.
Porém, apenas quando confrontamos as nossasrepresentações sociais com as nossas experiênciase ações, e com as de outros do nosso grupo social,é que seremos capazes de perceber o que é ideológico em nossas representações e ações conseqüentes. Ou seja, pensar a realidade e os significados atribuídos a ela, questionando-os de forma adesenvolver ações diferenciadas, isto é, novasformas de agir, que por sua vez serão objeto denosso. pensar, é que nos permitirá desenvolver aconsciência de nós mesmos, de nosso grupo social
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e de nossa classe como produtos históricos denossa sociedade, e também cabendo a nós agentes de nossa história pessoal e social - decidirse mantemos ou transformamos a nossa sociedade.
Concluindo, é importante ressaltar a diferençafundamental que existe entre fazer e falar. Só oprimeiro produz objetos e a nossa própria vida; ofalar é instrumento que pode não produzir nada,dando a impressão de que algo está sendo produzido.
Tomemos, como exemplo, este livro que vocêestá lendo; mesmo sendo um objeto, um produto,as palavras aqui contidas só terão um significadosocial se elas forem capazes de alterar comportamentos cotidianos de algumas pessoas. Se, atravésda compreensão de alguns processos, a qual só sedará se vocês se voltarem para a sua própria realidade e confrontarem (penSârem) aquilo que estáescrito com o que vocês observam em volta; se,em conseqüência, vocês passarem a agir, a serelacionar com os outros de formas novas, diferentes, poderemos dizer que o falar se tornoufazer.
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A HISTÓRIAVIA FAMÍLIA E ESCOLA
Agora estamos aptos para analisar a inserção doindivíduo na sociedade, através da sua vinculaçãoa grupos institucionalizados e que determinam,necessariamente, a vida social das pessoas em nossasociedade, caracterizando o conjunto de relaçõessociais que as definem. Inicialmente analisaremosa família e em seguida a escola, ambas fundamentais no processo de socialização e determinantes das especificidades próprias das classessociais, apesar destas instituições proporem normascomuns para todos os membros da sociedade.
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vência do indivíduo e por isto mesmo tende a servista como "natural" e "universal" na sua funçãode reprodução dos homens. Porém, a ela cabetambém tanto a reprodução da força de trabalhocomo a perpetuação da propriedade, tornando-aassim fundamental para a sociedade e,conseqüentemente, objeto de um controle social bastanterigoroso por aqueles que detêm o poder.
A instituição familiar é, em qualquer sociedademoderna, regida por leis, normas e costumes quedefinem direitos e deveres dos seus membros e,portanto, os papéis de marido e mulher, de pai,mãe e filhos deverão reproduzir as relações depoder da sociedade em que vivem.
Podemos observar na sociedade brasileira que,na fam ília nuclear, cabe ao marido e pai o máximode autoridade; nos casos em que ainda se mantéma família extensa (onde há convivência com tios,avós, ete.), em geral, o máximo de autoridade seconcentra nos avós. Da mulher sempre se esperasubmissão, cabendo a ela apenas um poder relativosobre os filhos em suas relações cotidianas, ficandoa responsabilidade das decisões fundamentais sobrea vida dos filhos, em geral, para o pai.
Também na relação entre os filhos podemosobservar toda uma hierarquia de poder: o maisvelho pode mais que o segundo; o filho homem,mais que a filha mulher.
Esta estrutura familiar decorre da necessidade
histórica da preservação de propriedades e bens
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o que é Psicologia Social
pela fam í1ia extensa, levando à instituição damonogamia e à valorização da virgindade damulher, como condições essenciais para garantir alegitimidade dos filhos, a ponto de, em algumassociedades, ser considerado herdeiro apenas ofilho mais velho - o único que o marido pode tercerteza da sua paternidade, pela constatação davirgindade da mulher.
Este aspecto foi tão marcante no desenvolvimento do capitarismo brasileiro que até hojeencontramos algumas famílias tradicionais - oschamados "quatrocentões" - nas quais, durantevárias gerações, só eram admitidos casamentosentre membros da própria família (entre primosde vários graus e mesmo entre tios e sobrinhos),e assim garantiam a manutenção e controle dosbens por um mesmo grupo familiar.
Com o fluxo imigratório e o desenvolvimentoindustrial, os donos de propriedades produtivas(dos meios de produção), que eram essencialmenteagrícolas, se vêem obrigados a acordos e concessõesdiante do crescente capital industrial, a fim demanter a sua hegemonia de poder, passando entãoa consol idar estes acordos através de casamentosfora do círculo familiar. Porém. o poder aindatem que ser mantido, e é através da estruturafamiliar que irá inculcar na criança a figura de"autoridade", de "chefe" - não dizémos o "chefeda família"? - como necessária para a manutençãoe reprodução das relações sociais.
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t dentro desta lógica que se atribuem tambémcaracterísticas peculiares ao homem e à mulher,consideradas necessárias para a reprodução dafamília e da sociedade. São atributos que vão desdeos físicos até os de interesses, e que podemosconstatar através de expressões que freqüentementeescutamos em volta de nós, tais como:
"Menino não chora.""Ela é tão sensível.""Homem tem que ser forte.""Menino não brinca com boneca." Mas, para a
menina, se comenta: "Veja só, o instinto maternal ... "
"Menino, vá brincar lá fora, o que você estáfazendo aqui dentro?" Mas, "menina não brincana rua".
"Menina, você não tem parada, parece um moleque."
O rapaz sai e volta de madrugada: "Se divertiu,meu filho?".
A mocinha sai e volta de madrugada: "0 que osvizinhos vão dizer de você, voltando a esta hora?".
E, em relação à autoridade:"Respeite o seu pai, menino.""Não discuta com os mais velhos!""Quando você crescer, você vai entender ... ""Seus pais só querem o seu bem." (Em geral
para justificar uma ordem incompreensível.)Vocês já pensaram por que a Mônica (do
Maurício de Souza) é tão engraçada, enquanto a
Magali é tão "sem graça"? O cômico é sempre o Iinusitado, o inesperado, e, no caso, a Mônica Isendo dominadora, briguenta, está fora dos padrões,é "caso único". Ela é um bom exemplo do"errado" que enfatiza o "certo"; se não, experimentem chamar uma garotinha de oito anos deidade de Mônica e vejam a sua reação ...
Voltando ao nosso indivíduo, que afinal é oenfoque da psicologia social, vamos analisar comoo grupo familiar atua sobre ele durante o processodenominado, geralmente, de socialização primária.
Uma criança recém-nascida depende, para a suasobrevivência, de outras pessoas e é através destarelação que ela vai apreendendo o mundo que acerca; a relação de dependência que existe entreela e aqueles que a cuidam faz com que estes sejamextremamente importantes para a criança duranteo seu processo de desenvolvimento, pois, no momento em que consegue se perceber distinta doseu meio e dos outros, estas pessoas se tornamos "outros significativos", ou seja, outros com osquais ela se identifica emocionalmente e atravésdos quais vai criando uma representação do mundoem que vive, e que para ela é o mundo, sem alternativas possíveis. Pela identificação emocional comos outros significativos, o mundo deles é o dacriança, existindo, portanto, apenas um mundoposs ível.
O processo aqui é semelhante ao da análise quefizemos da linguagem como arma de poder, acres-
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centando-se, nesta situação, um forte componenteemocional-afetivo, além de um processo de generalização que ocorre em função da coerênciaexistente entre as visões de mundo e de valoresdas pessoas que constituem o grupo familiar.
Vejamos um exemplo. Desde cedo a mãe ensinaa criança a não mexer nos enfeites da sala; o"não mexa aíl" da mãe é repetido, em outrasocasiões, pelo pai, pelas tias, pela avó e, assim, acriança vai generalizando que "todo mundo nãoa deixa mexer naqueles objetos", que "criançapão pode mexer neles", até concluir que "não sedeve mexer nos objetos que enfeitam uma sala",
t assim que se formam aqueles valores que sentimos tão arraigados em nós, que até parece termosnascido com eles. Esta visão única do mundo ede um sistema de valores só irá ser confrontada
no processo de socialização secundária, isto é,através daescolarização e profissionalização, principalmente na adolescência, época em que o jovemquestiona os "outros significativos", não por seruma fase natural, como muitos pretendem, masporque através de outros laços afetivos e atravésdo seu pensamento e experiências sociais e/ouintelectuais o jovem se depara com outras alternativas, com outras visões de mundo, que o levam aquestionar aquela que ele construiu como sendoa única possível.
Retomando à análise que fizemos do processogrupal e da consciência de si, poderemos entender
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o que é Psicologia Social
por que a família tende a ser sempre tão preservadora, ou, melhor dizendo, tão conservadora; poisas relações de poder que caracterizam os papéisfamiliares são sempre apresentadas como condiçõesnaturais e necessárias para a sobrevivência dosfilhos, como condições biológicas, não se distin·guindo o que é determinado histórica e socialmente do que é fisicamente necessário para apreservação da espécie. É este aspecto que, via deregra, impede, nos momentos críticos do grupofamiliar, o tomar consciência dos papéis e dasrelações de poder historicamente determinadas,pois estas são vistas como naturais, "o poder é umdever, é uma questão de sobrevivência" .
Tanto é assim que as "crises" de um casal sãojustificadas por diferenças de temperamento e por"incompatibilidade de gênios", quando não por"crueldade mental" de um dos parceiros, sem se
questionar como eles vêm desempenhando seuspapéis, de como se dá a relação de poder entreeles e o quanto estão vivendo e reproduzindo, noâmbito das relações afetivas, as determinaçõesinstitucionais.
A mesma anál ise pode ser feita para as "crises"entre pais e filhos: "a rebeldia do jovem e a quadratura dos velhos", são expressões que retratambem a existência de uma luta pelo poder, que,apesar das analogias feitas com diferentes espéciesde animais (ideologia da sobrevivência do melhor),mantém uma diferença fundamental - os animais
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lutam instintivamente para garantir a sobrevivênciada espécie, os homens, para a manutenção do poderde alguns, na sociedade em que vivem, o que éinterpretado por algumas teorias sociológicas como"preser/ação da sociedade"; eles assim agem nãoinstintivamente, mas inconscientemente3•
A escola
Da mesma forma que a fam ília, a educaçãotambém é institucionalizada, ou seja, princípios,objetivos, conteúdos, direitos e deveres são definidos pelo governo a fim de garantir que, em todosos seus níveis, ela reproduza conhecimentos e valores, necessários para a "transmissão harmoniosada cultura, produzida por gerações anteriores, paraas novas, garantindo o desenvolvimento de novosconheci mentos, necessários para o progresso dopa ís". Estamos reproduzindo livremente textosoficiais que definem o nosso sistema educacional,para entendermos como a escola, diferentementeda fam íIia, atua no processo de reprodução dasrelações sociais; pois agora não é tanto a autoridade
(3) No sentido de não ocorrer o pensar confrontando o significado
atribu{do socialmente, e a própria realidade vivida, ou seja, osignificado é assumido e reproduzido nas ações.
que tem de ser valorizada, pois esta já foi garantida através da família, mas sim o individualismoe a competição, mesmo quando se fala em educação obrigatória para todos até a oitava série.
Começando pela estrutura de disciplinas programadas para cada série, notamos uma fragmentaçãode conhecimentos que vai se tornando crescenteao longo das séries. De in ício existem atividadesque se intercalam, para, gradativamente, assumirema denominação de "matérias", até as disciplinasdos cursos profissionalizantes e suas respectivasespecializações. E tudo isto distribu ído ao longodos anos escolares, sendo que no fim de cadasérie ocorre um veredicto: o aluno foi ou nãoaprovado. Ainda dentro desta estrutura podemosobservar que as disciplinas mais abstratas, maisintelectualizantes, são mais valorizadas e maisdecisivas para a aprovação do aluno, já se caracterizando uma oposição entre trabalho intelectual etrabalho manual.
. É esta estrutura que irá determinar como sedarão as relações sociais na escola, entre professores e alunos e entre estes e seus colegas. O poderde aprovar ou reprovar já coloca o professor numaposição de dominação inquestionável - ele é aôutoridade absoluta, pelo menos na sala de aulae, investido deste papel, ele extrapola a sua autoridade de "conhecedor do assunto" para todo equalquer aspecto que entre em jogo na sua relaçãocom os alunos, desde o que é explicitamente ensi-
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(4) Por Lea C. Cruz, tese de MeS1rado.
bem sucedida. E é também esta tese do esforçoindividual que estimula a competição: quem podemais, consegue o melhor.
Diante das exceções realçadas, nos esquecemosdos inúmeros e freqüentes casos de crianças queabandonam a escola e, simplesmente, são justificadas pelos pais em termos de "ele não tem jeitopara o estudo", consagrando a separação ideológicaentre trabal ho manual e trabalho intelectual.
Se observarmos a relação que se estabeleceentre colegas, vamos notar que o mesmo ocorreentre eles. Há uma pesquisa realizada4 numa escolade 19 grau (5~ série), onde professores haviaminstituído como técnica de ensino trabalhos emgrupo para que "os mais fortes" pudessem ajudaros "mais fracos" O que rse observou foi que os"mais fortes" reproduziam todos os valores e comportamentos autoritários do professor, a ponto deafastarem "os mais fracos", atribuindo tarefas quenão pudessem comprometer a qualidade do trabalho do grupo, como "passar a limpo" ou transcrever trechos de livros - caso tfpico do "feitiçovirar contra o feiticeiro",
Também fora da situação de sala de aula, seobserva a tendência dos "melhores" alunos irem seagrupando de um lado e os "piores" de outro,consagrando assim uma diferenciação ti da como
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nado até os insinuados valores estéticos, morais,religiosos, reproduzindo assim a ideologia dominante como descrição "correta" do mundo.
Este padrão dominante tem como conseqüênciadireta o caráter seletivo da escola, pois desde ouso da linguagem até os exemplos do própriocotidiano do professor serão melhor apreendidospor aqueles alunos que vivem em condições semelhantes, ou seja, têm uma mesma concepção demundo, isto sem considerar os programas, propriamente ditos, que enfatizam padrões valorizadospela instituição educacional. ~ desta forma queaquelas crianças cujo ambiente famil iar poucacoisa tem em comum com aquele que é trabalhadona escola, se sentem estranhas e marginalizadaspois, sempre que alguns forem capazes de atenderàs expectativas do professor, isto é o bastantepara que se estabeleça um padrão de "bom" e"mau" aluno, que vai sendo reforçado ao longodas séries e assim selecionando, não os mais aptos,mas os que se aproximam mais da visão de mundoinerente aos padrões dominantes. '
Mas, vocês poderão questionar: como se explicam os casos de filhos de lavadeiras, de paisanalfabetos, que conseguem "estudar e subir navida", cursando até a Universidade? Sem dúvidaas exceções existem e até são necessárias para sejustificar a tese de que tudo reside apenas noesforço -individual, sem considerar as características
circunstanciais que tornaram essa "exceção" tão
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o que é Psicologia Social 51
Brasil o governo preparava um anteprojeto dereforma universitária, sem qualquer consulta àsbases, o que desencadeou uma série de movimentosentre estudantes e professores contra este anteprojeto. Em várias universidades foram criadas comissões paritárias para efetuarem uma análisecrítica, não apenas do projeto mas das própriascondições pedagógicas existentes: desde conteúdo,métodos de ensino, sistema de avaliação e aprovação, até as relações aluno-professor em sala deaula.
Deste questionamento surgiram várias propostas,sendo algumas realizadas, em caráter experimental,procurando-se transformar a situação de sala deaula numa nova relação onde professor e alunotrabalhavam lado a lado, sem imposições de poder,visando a criação de conhecimentos, através deteoria e prática intimamente ligadas (não haviamais aulas expositivas); o sistema de avaliaçãoproposto era conjunto e contínuo, ou seja, aavaliação conjunta se referia tanto ao aluno, aoprofessor, às atividades realizadas, como ao próprioprograma desenvolvido, enquanto que a avaliaçãocontínua se referia às tarefas, passos ou práticasdesenvolvidas, permitindo ao aluno enfrentar atividades cada vez mais complexas, de tal forma queo próprio aluno podia se auto-avaliar, tirando doprofessor o poder absoluto da nota - quem avaliava o aluno era o próprio produto realizadopor ele.
natural, quando, de fato, ela tem sua origem naprópria organização institucional da escola.
Tem-se, então, a impressão de um "beco semsaída". Se até o sistema educacional reproduz asrelações de dominação social, parece ser impossível
qualquer transformação da sociedade. Por outrolado, não podemos nos esquecer que as relaçõesde dominação implicam em contradições geradaspela contradição fundamental do sistema capitalista (a luta de classes), e portanto elas estão presentes também no processo educacional e podemser detectadas na medida em que o ensino se dêatravés de situações em que os conteúdos teóricosimpliquem numa prática e numa reflexão sobreambos, ou seja, os significados e/ou representações(conceitos, teorias) são confrontados pela interação dos sujeitos reais - aprendizes _ com omundo real que os cerca, permitindo assim aelaboração de novos significados e novas práticas.
"-, Em outras palavras, é a escola crítica, a escolaonde nenhuma verdade seja absoluta, onde asrelações sociais possam ser questionadas e reformuladas, o que propiciará a formação de indivíduosconscientes de suas determinações sociais e desua inserção histórica na sociedade; conseqüentemente, as suas práticas sociais poderão ser reformuladas.
Um bom exemplo desta escola foi parcialmentevivido em 1968/9. Quando em vários pa íses domundo o ensino universitário era questionado, nor----- - "~, . ---iIOIDllt ,ti", il' ir, 1-' '!!r t>\
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que as transformações sociais só ocorrem historicamente: 1968 foi um momento em que emergiramcontradições, mas não a fundamental, decorrentedas relações de produção; porém, a conscientizaçãode alguns permitiu tocar a história para frente, à
procura de novas práticas conscientizadoras demuitos - função possível de ser exercida pelaescola./ É de Leontiev a afirmação de que a "relação'entre o progresso histórico e o progresso da edu-cação é tão estreita que se pode, sem risco de
. erro, ju Igar o nível geral do desenvolvimento histó'rico de uma sociedade pelo nível de desenvolvi. mento do seu sistema educativo e vice-versa".
Caberia ainda uma análise de outros grupos deconvivência que são menos institucionalizados,como os de lazer, mas que também reproduzemas relações sociais na atribuição e cristalização depapéis. Basta um exame de quanto qualquer grupojulga ser essencial a existência de alguém que lidereos companheiros e o quanto "ter característicasde liderança" é valorizado por todos, e, se aprofundarmos a questão, veremos que o que está emjogo é a emergência de uma autoridade que mantenha os vínculos de dominação, mesmo em gruposonde, aparentemente, todos se propõem comoiguais; porém, fazendo concessões às diferençasindividuais, chegam a afirmar que uns são, necessariamente, melhores que outros e não apenas diferentes, e assim consagram a relação de dominação.
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Esta experiência durou um semestre. No anoseguinte o poder institucional exigiu um retornoàs normas vigentes, sob pena do não reconhecimento de diplomas e, portanto, o impedimento deum futuro exercício profissional - foi o suficientepara que todos se submetessem a elas.
Porém, pudemos observar que aquelas pessoasenvolvidas no processo, as quais, efetivamente,aceitaram o desafio e procuraram novas formas detrabalho educacional, não regrediram jamais àsformas tradicion3is. No que dependia do professor- elemento constante - sempre se procurou concretizar a nova relação aluno-professor, sem dominação, sem imposição de conhecimentos, masdesenvolvendo atividades conjuntas, avaliadas portodos, diante de um produto decorrente destasatividades.
Não tem sido um processo linear, mas sim umprocesso de acertos, erros, reavaliações, e, apesardas determinações institucionais, cujo peso é sentido cotidianamente, para estas pessoas a mudançafoi radical.
Também foi interessante observar que, duranteo movimento, aqueles professores e alunos quepermaneceram apenas reivindicando "novas con
dições de ensino", sem desenvolverem uma práticaconseqüente, voltaram, simplesmente, no ano seguinte, para as formas tradicionais de trabalho emsala de aula ...
O que demonstra que "falar não é fazer", e
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As diferenças individuais podem responder peladivisão de trabalho, por diferentes atribu ições aosmembros do grupo, mas não pela ascendência deuns sobre outros.
Devemos considerar também o reverso da moeda.Falamos em dominação, autoridade, liderançacomo se, conscientemente, uns quisessem dominaroutros; porém, o que de fato ocorre é que osdominados têm como necessário ter alguém quetome as decisões, que pense por eles, em outraspalavras, é mais fácil para eles acompanhar os quepensam, os que tomam a iniciativa, do que assumira responsabilidade das decisões e da própria participação.
É na "naturalidade" das relações que podemosconstatar a força da ideologia, que se concretizanos comportamentos e ações dos indivíduos, e,como já mencionamos anteriormente, a dominaçãosó se exerce se houver dominados que a entendamcomo necessária - o Iíder é sempre produto dosliderados.
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TRABALHO E CLASSE SOCIAL
E necessário retomarmos aqui a origem históricada sociedade humana, sem a qual não podemosentender como o trabalho que modifica a natureza,ao produzir a subexistência do Homem, tambémproduz o homem. Quando tratamos da linguagem,mencionamos a sua origem relacionada à necessidade de cooperação entre os homens para produzirem seus meios de sobrevivência, isto é, otrabalho. Sem dúvida, este princípio ainda é válido
para os dias de hoje, somente que, dada a complexidade crescente e as formas como cada sociedade,em cada época, enfrentou suas contradições, foramcriadas novas relações de produção da vida material, ou seja, formas de sobrevivência que geram Irelações sociais necessárias para manter estas \
relações de produção. ~Portanto, a análise do que significa o traba-
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da sua posição social, criar explicações a partirde uma visão fragmentada da sociedade. Nenhumpatrão concordaria em afirmar que ele explorao trabalhador, ao contrário, ele provavelmentedirá que os homens são naturalmente diferentes,apesar das condições serem iguais para todos, eque uns são mais aptos e capazes que outrospara certas funções, e que em qualquer sociedadeé necessário existir os que decidem e os queexecutam, etc., etc.
Resumindo, podemos ver como através dotrabalho produtivo da sociedade se constituemclasses sociais antagônicas, que, por sua vez, determinam as relações sociais entre os indivíduos.Conforme o lugar onde o indivíduo se inserir,dele será esperado o desempenho de determinadasatividades que garantam a manutenção das relaçõesde produção e, conseqüentemente, as classes sociaiscomo tais.
~ dentro deste contexto que iremos analisar,
no nível psicossocial, o significado de trabalho,como atividades realizadas por indivlduos; atividades estas produzidas pela sociedade à qual elespertencem.
No nível individual a atividade decorre de umanecessidade sentida e objetivada em coisas. Sente-sefome, sente-se a necessidade de comer algo. Se onosso sujeito estiver no mato, este algo será,provavelmente, uma fruta e sua atividade secaracterizará por uma seqüência de ações ou
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lho para o indivlduo deverá se basear nas cond içõesatuais da nossa sociedade capitalistaS, o que significa que a produção dos bens materiais, além deatender a subexistência social, visa o lucro e oaumento do capital e para tanto deve, necessariamente, explorar a força de trabalho de muitos.E no processo de acumulação de bens que ocapital se apodera dos meios de produção, fazendocom que a mercadoria não seja apenas o produtofabricado, mas também a força de trabalho, e aspróprias relações sociais decorrentes, no processo----; em outras palavras, os homens se tornammercadorias.
Desta forma o capitalismo implica na existênciade duas classes sociais, uma que detém o capitale os meios de produção e outra que vende suaforça de trabalho, ou seja, é explorada e dominadapelos poucos proprietários de indústrias, fazendas,bancos, etc., que necessitam do lucro gerado pelotrabalho de muitos para a manutenção do seupoder, através da acumulação crescente de bens .
E esta contradição fundamental da sociedadecapitalista que a ideologia dominante procuraencobrir, não de forma consciente ou premeditada,mas decorrente da própria divisão de trabalho emintelectual e manual, cabendo à classe dominanteo pensar a própria sociedade, e assim, decorrente
(5) Veja Indicações para Leitura.
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comportamentos de procura, de se dirigir paraum local onde haja árvores frutíferas. Se o nossoindivíduo estiver em sua casa, suas ações olevarão até a geladeira, onde há uma fruta ououtro petisco imaginado. Se ele estiver no centroda cidade, irá até uma lanchonete onde compraráum sanduíche.
Este exemplo simples mostra como uma atividade é desencadeada por uma necessidade, o quese constitui numa seqüência de comportamentos,que, dependendo das condições objetivas, visamum fim específico. O que significa que qualqueratividade é objetivada, seja quando ela é desencadeada pelo pensamento de "quero, ou precisode um objeto real", seja quando ela se traduznuma seqüência de ações visando um fim, isto é,a obtenção do objeto real.
Voltemos ao nosso indivíduo inserido numaclasse social de uma sociedade capitalista, ondea produção, depois de atender às necessidadesde sobrevivência, cria novas necessidades de con·sumo e, conseqüentemente, objetos que satisfaçamestas necessidades; a sua atividade dependeráessencialmente das condições objetivas de vida,e agindo sobre elas as transforma, produzindocoisas que inicialmente foram pensadas ou imaginadas e que, quando concretizadas, trazem emsi a atividade objetivada, ou seja, o objeto estáimpregnado da atividade do homem, assim comona ação de fazer o objeto o homem se modifica.
Da mesma forma que se diz, genericamente,
que o homem ao transformar a natureza se transforma, podemos constatar que o indivíduo, aoproduzir um objeto, transforma uma matéria quese torna coisa através da sua atividade, e pela
própria atividade desenvolvida ele, indivíduo, setransforma.
Esta análise da atividade nos permite apontar
para a importância vital do trabalho humano,pois é através dele que nos objetiva mos socialmente, e é também 'através dele que nos modificamos continuamente, ou seja, nos produzimos,nos realizamos.
A principal característica do trabalho nas socie-dades atuais é que ele se realiza utilizando instrumentos, o que torna a atividade necessariamentesocial, pois o uso de instrumentos, como jávimos, pressupõe cooperação e comunicação entreos homens; assim, se o instrumento nos liga aomundo das coisas, ele também nos liga a outrosindivíduos, produzindo a linguagem e o pensamento, o qual, por sua vez, produzirá atividadese ações que se concretizam nas relações sociais.
Vejamos uma situação corriqueira, em quealguém sente frio e pensa em um agasalha. Paratanto ele precisará de lã, agulhas e saber tricotar_ observem o social na produção dos objetos ena técnica do tricô; a sua atividade irá se desenvolver numa seqüência de comportamentos queresultará num agasalho real, que de início só
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existia em seu pensamento. Porém, ele só poderiater sido pensado se, nas condições de vida denosso sujeito, este já houvesse se deparado comlãs, agulhas e pessoas tricotando. Pronto o agasalho, nosso amigo o veste e, ao mesmo tempoem que se sente protegido do frio, também seapresenta aos outros de uma forma diferente;podemos imaginar o diálogo:
- Blusa nova? É bonita.- Você gosta? Fui eu quem fiz.- Não diga! Você me dá a receita?E o nosso personagem se relaciona com outros,
sen'do alguém que fez o seu agasalho ...Podemos constatar que a separação entre tra
balho manual e trabalho intelectual se dá apenasno n1'vel ideológico, pois qualquer atividade implica no pensar sobre aspectos da realidade e emações concretas na realidade objetiva, a qual, porsua vez, será pensada, agora, sob uma novaperspectiva, resultante de transformações ocorridastanto no indivíduo como na própria realidade.
O provérbio de que "ninguém se banha duasvezes num mesmo rio" é válido tanto para aságuas d o rio quanto para aquele que se banha:nem o rio, nem o homem são os mesmos numsegundo banho ...
Se examinarmos as condições de trabalho existentes na nossa sociedade e as atividades exigidaspara a sua realização, poderemos entender melhorcomo se processa, ao nível individual, a alienação
ou a consciência social.Tomemos como ponto de partida um ope-
rário, numa fábrica, na linha de montagem.Ele tem diante de si uma máquina, que determina uma seqüência de ações que devem serrealizadas por diferentes indivíduos: um coloca uma peça, outro aperta o parafuso, umterceiro ajusta outra peça, e assim por diante.Nesta atividade produtiva temos um conjuntode ações dístribu Idas por várias pessoas: a quepensou, que planejou o produto, não é quemo fabrica; as ações de cada um são determinadas
pela máquina, desvinculando a ação do seu fim,objetivado no produto.
O que ocorre então com este operário? Elepensa sobre o produto que está fabricando, elepensa a respeito da máquina que o controla, masnas relações de trabalho este seu pensar é irrele·vante - "há gente paga para pensar"; na atividadeque resultará em produto, ele participa, atravésde uma e sempre mesma ação, de uma cadeiaromplexa de ações. A cooperação entre muitosé mediada pela máquina e não mais pela comunicação, e o produto final tem tão ínfima parcelade sua atividade que ele não se reconhece no
objeto fabricado.E. neste processo que o trabalhador se desper-
sonaliza, se torna parte da máquina; suas açõessão apenas força de trabalho que ele vende, sãomercadorias e como tal alienáveis-alienadas, na
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medida em que ele deixa de pensar suas própriasações em termos de cooperação existente entreele e seus colegas, pois esta é oculta pela máquina,instrumento que participa na realização de umaatividade que gera um produto.
Quanto ao operário, sua atividade cotidianase resume em ir para o trabalho, despender suasenergias físicas, voltar para casa, tendo como fimde uma longa série de ações o salário mensal ouquinzenal, presente num dinheiro impessoal, masque garante a sua sobrevivência.
Esta atividade produtiva implica também formasde relacionamento social, pois, estando a cooperação necessária para a produção encoberta pelapresença da máquina, o indiv{duo se sente só noseu trabalho, que representa o salário e que eleconseguiu concorrendo a uma vaga, com outroscandidatos; o seu colega de trabalho é, antes detudo, portanto, um rival, e um rival que semultiplica por todos aqueles que, potencialmente,o podem substituir - ele está sozinho na lutapela vida.
Esta situação é reforçada pela ideologia dominante que, se de um lado afirma a igualdade doshomens, de outro diz que é o esforço, a dedicaçãoe a tenacidade que fazem de uns mais bem sucedidos que outros; e o nosso trabalhaáor continua
na sua luta isolada à procura de uma vida melhor,ce"rto de que, competindo, demonstrará que éum indivíduo melhor que outros, sem perceber
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que o mesmo ocorre com seus companheiros.Em maior ou menor escala, a nossa sociedade,
capitalista, industrializada e complexa, promoveesta d issociação do homem do produto de suaatividade, gerando a moral de que o objeto, oinstrumento, não é bom nem mau: tudo dependedo que as pessoas farão com ele, como se estesnão trouxessem em si a atividade e o subjetivode' homens concretizados no produto. Hoje ohomem continua transformando o mundo queo cerca, mas não cabe a ele decidir sobre estatransformação ... I: a contradição fundamentalgerada pelo capitalismo, que, no nível individual,se manifesta através da alienação.
A mesma fragmentação que observamos notrabalho do operário, também pode ser observadano trabalho dito especializado, seja no níveltécnico, seja no nível intelectual. Quando acimaafirmamos que "não cabe a ele decidir ... " éporque haverá "especialistas" que irão analisar,cada um, certos aspectos da transformação, paradizer se ela é boa ou má. Como exemplo, poderíamos citar os especialistas sobre a poluição domeio ambiente, que a detectam como um fenômeno natural, e procuram corretivos, como seesta não fosse produzida socialmente.
O mesmo fato podemos constatar em relaçãoao trabalho intelectual especializado. Se ao operário é negado o pensar a sua atividade, ao intelectual é negado o fazer. A ele cabe apenas
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produzir idéias, desenvolver estudos, para algunspoucos, em geral detentores do poder na sociedade,e que entendem a linguagem abstrata, esotéricado intelectual, e que farão o uso desta produçãode acordo com perspectivas da classe socia I aque pertencem. E, observe-se que quanto maisespecializado for o estudo, mais ele se atém auma linguagem hermética, que poucos entendem.
Se retomarmos à análise da atividade humana,que pensada subjetivamente se objetiva em umproduto, transformando o próprio homem e, namedida em que esta atividade, numa sociedadecomplexa, só pode ocorrer pela comunicação ecooperação entre muitos, implicando necessariamente a transformação dos homens, e, emdecorrência, das suas relações sociais, fica claraa lógica da fragmentação necessária para a manutenção das relações de produção, ou seja, osdetentores do capital explorando a força dotrabalho de muitos e, assim, mantendo a hegemonia do poder.
Enquanto o homem não recuperar para si asua atividade que é, psicológica, social e historicamente, pensamento e ação, e que só ocorreatravés da sua relação com os outros homens,concretizando o pensamento na comunicação e aatividade em ações cooperativas, ele estará alienado de sua própria realidade objetiva, com umafalsa consciência social e, conseqüentemente, comuma falsa consciência de si.
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No capítulo anterior mostramos como a instituição cristaliza relações de poder, reproduzindoas relações sociais e as relações de produção. Nocaso do trabalho, a mesma linha de análise poderiadiluir o seu aspecto fundamental na produção daprópria existência humana. Partimos da atividadecomo característica essencial da vida humana,que, capaz de se pensar, é também capaz de açõestransformadoras da. sociedade em que vive, asquais só ocorrerão através da recuperação dopróprio trabalho, na participação da produçãomaterial da sobrevivência social.
Porém, se partíssemos da institucionalizaçãodo trabalho, e da definição de papéis, veríamosa atividade produtiva como uma entre outraspossíveis, escondendo o seu caráter fundamental,tanto para a realização de cada ser humano, comopara a existência da sociedade. O trabalho social,assim como a atividade do indivíduo, é a própriavida humana que se constrói continuamente. Aqualidade desta construção dependerá sempre dacomunicação e cooperação entre os homens, esomente através destes é possível recuperar ahistória e detectar~ a contradição fundamental narelação de dominação de uma classe social poroutra classe.
A seqüência da nossa análise permite constatarum fato crucial: a consciência de si, a consciênciasocial e a consciência de classe são apenas produtosde um único processo, decorrente da atividade
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o INDIVÍDUO NA COMUNIDADE
Se o capítulo anterior sobre o trabalho apresentou um quadro onde as saídas parecem serpoucas e' difíceis, neste analisaremos as propostasda Psicologia Comunitária, que vêm sendo sistematizadas, dentro da Psicologia Social, como atividades de intervenção que visam a educação e odesenvolvimento da consciência social de gruposde convivência os mais diversos. ~ necessáriolembrar que, apesar de central para a vida deum indivíduo, o trabalho remunerado não é a únicaatividade socialmente produtiva que ele desenvolve; há uma série de necessidades que não sãosatisfeitas exclusivamente através do salário, e quepodem ser motivos para o agrupamento de pessoasvisando a sua satisfação.
~ em torno destas atividades que a PsicologiaComunitária propõe uma sistemática de inter-
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venção, principalmente em sociedades capitalistas,onde a mediação da ideologia dominante se fazsentir nas relações sociais desempenhadas nafamilia, na escola e no trabalho, impedindo oudificultando a criação de novas formas de relacio,namento.
Desenvolver relações sociais que se efetivematravés da comunicação e cooperação entrepessoas, relações onde não haja dominação de unssobre outros, por meio de procedimentos edu·cativos e, basicamente, preventivos, se -tornou oobjetivo central de atividades comunitárias, asquais podem ocorrer em uma casa, com pessoascriando novas relações "familiares", em escolas,hospitais e mesmo entre um grupo de vizinhançaou de bairro, desde que estes se identifiquem pornecessidades comuns a serem satisfeitas, atravésde atividades planejadas em conjunto e queimpliquem em ações de vários indivíduos, encadeadas para atingir o objetivo proposto.
O caráter educativo decorre da reflexão que éfeita sobre o porquê das necessidades, de como asatividades vêm sendo realizadas, ou seja, comoas ações se encadeiam e que resultados são obtidos,tornando possível a todas as pessoas envolvidasrecuperarem, através do pensamento e ação, dacomunicação e cooperação entre elas, as suashistórias individuais e social, e conseqüentemente,desenvolverem a consciência de si mesmas e desuas relações historicamente determinadas .
Quando um grupo de pessoas se reúne paradiscutir seus problemas, mu itas vezes sentidoscomo exclusivos de cada um dos individuos,descobrem existirem aspectos comuns, decorrentesdas próprias condições sociais de vida; o grupopoderá se organizar para uma ação conjuntavisando a solução de seus problemas. E aquelasnecessidades, que sozinhos eles não podiam satisfazer, passam a ser resolvidas pela cooperaçãoentre eles.
O nosso cotidiano tem apresentado inúmeros
exemplos deste processo: desde grupo de mães,organizando e mantendo creches para seus filhos,mutirões entre moradores de um ba irro paraconstrução de locais para lazer, ou mesmo demoradias, até organizações de grupos para reivindicar água, luz, esgoto, etc.
~ preciso salientar que a atividade comunitária,por si só, não supera a contradição fundamentaldo capitalismo, pois esta decorre das relaçõesde produção, que definem as classes sociais; porémé através da participação comunitária que osindivíduos desenvolvem consciência de classe sociale do seu papel de produtores de riquezas, que nãousufruem, e, em conseqüência, podem, gradativamente, irem se organizando em grupos maiorese mais estruturados visando uma ação transformadora da história de sua sociedade.
O desenvolvimento de uma comunidade se dáde forma lenta, com avanços e recuos, pois o ./
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sistema social mais amplo a todo momento exercepressões, diretas ou indiretas, para a manutenção
de soluções individu/~istas, promovendo a competição, valorizando d;}tus e prestígio de posse dapropriedade. Basta assistirmos algumas novelas epropagandas na televisão para percebermos algumaspressões neste sentido,
Além destas influências sociais mais amplas,há todo um processo de aprendizagem das pessoasenvolvidas numa experiência comunitária. O sedefrontar com os outros, o se descobrir diferente, único e, ao mesmo tempo, assumir aigua Idade de direitos e deveres, a responsabi Iidadede pensar, de decidir e de agir, é um processo quese desenvolve através de práticas e reflexõessucessivas. Não há receitas, nem técnicas pré-definidas, cada grupo desenvolve um processo próprio,em função das suas condições reais de vida e dascaracterísticas peculiares dos indivíduos envolvidos.
Transformar as relações sociais apreendidas nafam{lja, na escola, não é fácil, pois elas se apresentam como espontâneas no cotidiano, e, quandomenos se percebe, relações de dominação entreas pessoas estão ocorrendo. Se não houver umareflexão conjunta, um pensamento crítico, eatividades que permitam o "treino" destas novasrelações, o grupo comunitário se separará, cadaum cuidando de seus problemas individuais, esperando que Deus cuide de todos.
Podemos ver que a presença e a força da
ideologia dominante é uma constante que nãose revela de um momento para o outro, mas quevai sendo superada lentamente, em função de cadaatividade realizada que, repensada, leva a novasatividades. A força da ideologia se dá não apenasna representação de mundo, mas nas ações decorrentes destas representações.
E o que explica por que tantas experiênciascomunitárias falharam, principalmente aquelasonde as relações são mais intimas, como asimplícitas em morar juntos para a manutençãodo cotidiano. Comer, limpar, arrumar a casa,cuidar de roupa, exigem uma divisão de trabalhoe de despesas, de uma forma equitativa entretodos, mas também exigem manter vínculos coma sociedade onde este grupo de pessoas vivem,tornando extremamente difícil para elas desem
penhar papéis esperados no seu trabalho, nasatividades com outros grupos de pessoas e, entreas quatro paredes da moradia, viverem novasformas de relações sociais, como se o mundo nãoexistisse lá fora.
O trabalho remunerado e todas as suas impli-cações, como prestíg'io, ascensão, e, principalmente, o consumir - necessidades criadas pelocapitalismo - constantemente estão minando einfluindo nas relações sociais que. se propõemcomunitárias. Aceitar diferenças individuais, mantendo relações de igualdade, ou melhor, de nãodominação, em uma sociedade onde as diferenças
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tratos - todos mu ito elaborados.Continuando por avenidas, chega-se a prédios
de construção mais recente; são as oficinas ondese fabricam sapatos, bolsas, cintos e uma infinidade de objetos, todos produzidos pelos pacientes,cada um escolhendo uma atividade e executando-ano seu ritmo. Alguns nos mostravam, orgulhosos,O conjunto de seus trabalhos, respondendo anossas perguntas" entremeando risos e silêncios.
Em um outro prédio havia cabeleireiros, manicures, pedicures, atendendo e sendo atendidospor homens e mulheres - todos pacientes. Maisadiante, na ala das mulheres, chamaram a atençãoos dormitórios enfeitados com gravuras nas paredese bonecas nas camas, tudo sempre limpo e arrumado; as salas de estar confortáveis, com asportas-janelas abertas para terraços que dão paragramados verdes e bem cuidados.
No final da visita assistimos a um show musical,apresentado pelos pacientes, que tocavam - emconjuntos, cantavam em corais ou solos - músicaslatino-americanas.
Durante todo o tempo da visita sentia-se umambiente descontraído, de respeito mútuo e, seé possível ocorrer em um hospital psiquiátrico,uma atmosfera alegre. E tudo isto como decorrência de uma prática comunitária, onde médicos,enfermeiras, psicólogos, pacientes se relacionamem base de igualdade; os pacientes, estimuladosa participarem em trabalhos pelos quais são remu-
são valorizadas em termos de competição, torna-sealgo extremamente difícil.
A atividade comunitária numa sociedade declasses antagônicas pode ser comparada com umasituação em que estivéssemos com um pé em cadabarco, descendo um rio - só chegaremos a umlugar seguro se cada movimento for pensadoe revisto para se decidir sobre o próximo, e aindaassim haverá desvios, impasses, para, lentamente,avançarmos até o ponto desejado.
ISe o conviver de algumas pessoas, igualitariamente, em uma casa, é tão difícil, pode-seimaginar as dificuldades existentes para que instituições se tornem comunidades, tais como escolas,hospitais e outras.
Porém, convido-os para uma visita a um hospitalpsiquiátrico.
Há alguns quilômetros de um centro urbano,chega-se a um grande portão, aberto para umaavenida, cercado por gramados, que leva a edifíciosantigos, com grades nas janelas, mas com as portasabertas. ~ a ala dos homens: ao entrarmos emum deles vemos, no terraço, alguns pacientes emcadeiras de balanço, lado a lado. Eles nos olham,sorriem, falam coisas que não entendemos bem.Entramos nos dormitórios onde há várias camas,arrumadas, limpas, mas vatias. No prédio vizinhohá uma exposição de pinturas, todas feitas porpacientes; chamando a atenção os motivos freqüentes sobre astronautas, castelos de fadas, abs-
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74 Sílvia T. Maurer Lane
nerados, mantêm vínculos com a realidade, sentindo-se úteis e respeitados. Esta proposta estendese além do hospital, envolvendo as famílias dospacientes, preparando-os para as visitas ou paraas altas.
Uma instituição deste tipo, porém, só é possívelem uma sociedade que se propõe a ser toda elaestruturada em relações comunitárias e onde ocidadão respeitável é aquele que participa degrupos que decidem sobre o comum e que trabalhaprodutivamente para o bem de todos. Onde oanti-social é aquele cujas ações visam apenas bene·fícios próprios, considerando-se melhor que osoutros. Esta sociedade é Cuba que, em apenasvinte anos de História, conseguiu garantir paratodos os seus membros saúde e educação.
ela•.» ••
A PSICOLOGIA SOCIALNO BRASIL
Augusto Comte, considerado por muitos ofundador da Psicologia Social, escreveu longasobras sobre a natureza das ciências (1830-1834),nas quais o psíquico seria o objeto de estudo daBiologia, da Sociologia e da Moral, todas ciênciasabstratas, que forneceriam os subsídios para asciências concretas, e entre elas estaria a PsicologiaSocial, como subproduto da Sociologia e da Moral;para ele, seria a ciência que poderia responder auma questão fundamental: "Como pode o indi·víduo ser, ao mesmo tempo, causa e conseqüênciada sociedade?".
A Psicologia Social só iria se desenvolver comoestudo científico, sistemático, após a PrimeiraGuerra Mundial, juntamente com outras ciênciassociais, procurando compreender as crises e con-
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iidade, atitudes, motivos, quando não por inStintos. (; uma Psicologia Social que isola oindivíduo, criando uma dicotomia entre ele e asociedade - um poderia influenciar o outro, masse tratavam de dois fenômenos distintos.
Durante a década de 1950, parecia que aPsicologia Social daria respostas a todos os problemas sociais, e este clima de otimismo persistiudurante os prim'eiros anos após 1960, sem quese observasse grandes mudanças; o preconceitocontinuava gerando violências; nas fábricas, asgreves se sucediam; no campo, a miséria aumentavae, nos centros urbanos, o homem se desumanizava .O acúmulo de dados de pesquisas vai permitiruma análise crítica dos conhecimentos até entãoobtidos, constatando-se que, se um estudo afirmavaa relação positiva entre duas variáveis, um outroestabelecia uma relação negativa entre elas, eum terceiro demonstrava não haver qualquer
relação entre as duas.A proposta inicial de se acumular dados de
pesquisas para depois se chegar à formulação deteorias globalizadoras, se mostrou inviável ecomeçam a surgir críticas e questionamentos queirão caracterizar a "crise da Psicologia Social" título de vários artigos publicados nos EstadosUnidos e em países da Europa.
I: na Europa, principalmente ml França e naInglaterra, onde surgem, no final da década de60, as críticas mais incisivas à Psicologia Social
(61W. Allport, "The Historical Background of Modern Social
Psychology", ín Lindzey, G e Aronson, E, The Handbook ofSocial Psychology, Addison-Wesley Pub. ec" USA, 1968.
vulsões que abalavam o mundo. Um desafio eraformulado aos cientistas sociais: "Como é possívelpreservar os valores de liberdade e os direitoshumanos em condições de crescente tensão sociale de arregimentação? Poderá a ciência dar umaresposta?"6. E os psicólogos sociais se puseram acampo para estudar fenômenos de liderança,opinião pública, propaganda, preconceito, mudançade atitudes, comunicação, relações raciais, conflitosde valores, relações grupais, etc.
'(; nos EstaeJos Unidos, com sua tradição pragmática, que a Psicologia Social atinge o seu auge,a partir da Segunda Guerra Mundial, através depesquisas e experimentos que procuravam procedimentos e técnicas de intervenção nas relaçõessociais para garantir uma vida melhor para oshomens. Os temas de estudo continuavam sendoos mesmos; partindo ou não de sistemas teóricosda psicologia, todos se voltavam para a procurade fórmulas de ajustamento e adequação decomportamentos individuais ao contexto social.
A sociedade era um dado, um pano de fundode um cenário, onde o indivíduo atuava, e destaforma procurava-se explicar o seu comportamentopor "causas" internas, tais como traços de persona-
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No Congresso seguinte, em 1979, ocorrido emLima, Peru, a situação se apresentou outra - ascríticas eram mais precisas e novas propostassurgiram, visando uma redefinição da Psicolo]iaSocial. Para este encontro, organizamos um Sim
pósio sobre a Pesquisa em Psicologia Social naAmérica Latina, e através de referências de colegascontactamos com cientistas do México, do Perue do Brasil para que participassem, relatando osproblemas sentidos e as perspectivas existentespara o pesquisador, em cada um dos seus países.Cada um de nós preparou a sua apresentação,sem maiores informações ou contactos.
Em Lima, noS encontramos na apresentaçãodo Simpósio, e desde as primeiras palavras formuladas fomos percebendo uma estranha coincidência: eram três visões, mas através de uma só
perspectiva, entre representantes de três países compouco intercâmbio científico, mas com condiçõesde trabalho semelhantes, que geraram posturassemelhantes.
No final do Simpósío ressaltamos esta coincidência, chamando a atenção do seu significado,para o que deveria ser uma Psicologia Socialvoltada para as condições próprias de cada pa (slatino-americano, e descobrimos que muitos outrospsicólogos sociais se identificavam conosco.
Ainda neste Congresso foi discutido na Assembléia da Associação Latino-Americana de PsicologiaSocial - Alapso - a necessidade de maiores inter-. i
norte-americana, de nu nciando o seu caráter ideológico e, portanto, mantenedor das relaçõessociais. Obviamente, nada poderia ser alteradonas condições sociais de vida de qualquer s9ciedade, se a base fossem os conhecimentos desenvolvidos até aquele momento.
Nos países da América Latina, a PsicologiaSocial, em maior. ou menor grau, reproduzia osconhecimentos desenvolvidos nos Estados Unidos,aplicando-se os conceitos e adaptando-se técnicasde estudo e de j ntervenção às condições própriasde cada pa(s, enquanto as pesquisas ditas "puras"continuavam à procura de "leis universais", quedevem reger o comportamento social de indiv(duos.
Há um livro publicado no México, intituladoPsicologia Social en Ameríca Latina, compilandopesquisas realizadas em vários países do continente; salvo raras exceções, a maioria dos relatosse referem ao uso de questionários, testes, outrosprocedimentos utilizados em pesquisas realizadasnos Estados Unidos e cujos resultados são analisados em comparação com estes, sem acrescentarnada de espec(fico de cada um dos países.
A crise da Psicolog ia Social é denu nciada' noCongresso de Psicologia Interamericana, real izadoem 1976 em Miami, com a participação de psicólogos sociais de vários pa (ses da América Latina, osquais esboçam algumas críticas metodológicas eteóricas, porém sem contribuírem com qualquerproposta concreta para a superação dos impasses .
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mática, como forma de questionamento teóricoe, também, de um melhor conhecimento do queocorria em nosso meio.
Durante este período havia uma questão, freqüentemente feita por alunos e por nós mesmos,que se colocava como um desafio: "Compreendemos como o indivíduo é influenciado pelasociedade, mas como ele poderá se tornar autordesta sociedade, como ele poderá ser responsávelpelo curso da história 7".
Pelo jeito, estávamos na "estaca zero", iguala Comte no séc. XIX ...
Após o Congresso de Psicologia Interamericana,no Peru, um grupo de psicólogos sociais brasileiros,vinculados à Alapso, resolveu promover umEncontro de Psicologia Social, com semináriossobre problemas urbanos e grupos de traba lhosobre temas pesquisados. Neste encontro surgiu aproposta de criação de uma Associação Brasileirade Psicologia Social (Abrapso), visando um maiorintercâmbio entre cientistas de diferentes regiões,e baseada em preocupações comuns aos presentes,que foram expressas em um documento, do qualtranscrevemos:
"As oportunidades de ação para o psicólogosocial brasileiro restringem-se geralmente a trêscampos específicos: a universidade, onde poucoscientistas de renome nesta área trabalham emrelativo isolamento, buscando no exterior ecopara suas preocupações acadêmicas; a indústria,
câmbios, em primeiro lugar, entre cientistas decada país para, em um segundo momento, fortalecer a entidade mais ampla.
No Brasil, se reproduz o quadro descrito paraa América Latina. A influência maior, na psicologia, foi sempre a norte-americana, através deseus centros de estudos, para onde iam se aperfeiçoar cientistas e professores, ou de onde vinhamprofessores universitários, convidados para cu rsosem nossas Faculdades, como foi o caso doProfessor Qtto Klineberg, que introduziu a Psico-
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logia Social na Universidade de São Paulo, aindana década de 50.
E, por sinal, o primeiro livro de PsicologiaSocial publicado no Brasil foi a tradução da obrade Klineberg, em 1959, contendo tópicos comoCultura e Personalidade, Diferenças Individuais eGrupais, Atitudes e Opiniões, Interação Social eDinâmica de Grupo, Patologia Social e PolíticaInterna e Internaciona I.
ESld Psicologia Social continuou sendo ensinada,com pequenas reformulações devido a novaspesquisas, nos cursos de Psicologia, criados apartir de 1962, sem grandes alterações. A insatisfação existia, mas sem conteúdos alternativos. Qque se procurava fazer era confrontar teorias,conceitos, resultados de pesquisa, com fatos donosso cotidiano, visando criticar, esses modelosnaquilo em que não explicavam a nossa realidade.Por outro lado, se estimulava a pesquisa siste-
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vigora o culto aos debates que, nem semprerelevantes, cumprem a função de autolegitimar ogrupo e permitir-lhe eleger, periodicamente, novoslíderes. Diante deste quadro alguns cientistassociais brasileiros manifestam intensa perplexidadee desconforto.
"Entre os psicólogos sociais, esta perplexidadesoma-se a outra, de caráter mais amplo, decorrentedo impasse em que se encontra atualmente aárea de psicologia social. Na Europa e nos EstadosUnidos psicólogos sociais renomados questionamhoje os objetos tradicionais de estudo destamatéria, tentando definir seu campo de ação edescobrir novos caminhos metodológicos parapesquisas. f a chamada 'crise da psicologia social',que tem sido amplamente debatida nos meiosacadêmicos.
"No Brasil esta 'crise' tem sentido enquantobusca de novas idéias teóricas que fundamenta
a ação social concreta do psicólogo em nossomeio. Infelizmente não produzimos até hojeconhecimento científico radicalizado na reflexãosobre nossa própria realidade social e, em decorrência, continuamos a importar teorias psicológicasnem sempre aplicáveis. A dependência culturaltem se refletido até mesmo nos temas mais
freqüentes da investigação da Psicologia Social,geralmente escolhidos sem qualquer preocupaçãocom aspectos de relevância ou aplicabilidade aocontexto brasileiro. Assim, contrariamente ao
onde o psicólogo dedica-se à seleção de pessoale ao ajustamento dos empregados às condiçõesque Ihes são oferecidas ou, por último, o mercadode manipulação de opinião pública, onde seusconhecimentos e técnicas ficam a serviço dosinteresses econômicos e pol íticos dominantes.
"Ao psicólogo social que não se dispõe adefender tais interesses, resta o confinamento àsuniversidades ou instituições afins, diante daausência de oportunidades para uma ação concretatransformadora junto à comunidade.
tIOs próprios profissionais de psicologia, especialistas em outras áreas, ignoram o papel possíveldo psicólogo social, defínindo-o como um acadêmico, interessado em pesqu isa s soci'!Js. Não obstante, dadas as condições em que vive a maioriada população brasileira, sem oportunidade deacesso ao atendimento psicológico oferecido àpequena elite, cabe justamente ao psicólogo sociala implantação de uma assistência psicológica emlarga escala, através da aplicação de seus conhecimentos junto a grupos e organizações populares.
"Evidentemente, o confinamento do psicólogosocial, assim como do sociólogo e do antropólogo,às instituições acadêmicas, tem um sentido político. Impedida de concretizar seus ideais, tendoa voz e a ação sistematicamente abafadas, amaioria desses cientistas tem se dedicado ainúteis jogos de palavras que ressoam em umespaço mu ito restrito. Neste pequeno círculo
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INDICAÇÕES PARA LEITURA
Para aprofundar a questão das teorias psicológicas é uma leitura interessante A Definição dePsicologia, de Fred Keller (Ed. Pedagógica eUniversitária Ltda., São Paulo, 1975), onde oautor expõe as principais correntes teóricas daPsicologia e suas concepções a respeito do objetode estudo, fazendo um confronto entre os aspectoscomuns e as especificidades de cada abordagem.t uma leitura agradável, numa linguagem simples,mas consistente.
Uma complementação necessária para a questãoda ideologia é a leitura de O que é Ideologia, deMarilena de Souza Chau( (Ed. Brasiliense, SãoPaulo, 1980), principalmente o capítulo referentea liA Concepção Marxista de Ideologia", ondea autora expõe, partindo de Hegel, o pensamento
Lde Marx e Engels, chegando até a contribuição
de Gramsci ao tema.€iafi JI) Er.'
que ocorre em países desenvolvidos, não temosutilizado esta ciência para responder às questõessociais específicas do momento histórico que vivemos.
"Em certa medida, a tendência do psicólogoa importar modelos explicativos de contextossociais alien ígenas decorre de sua própria formação,carente de visão mais ampla da realidade sóciocultural brasileira. Por esta razão, torna-se imprescindível seu contacto com outros cientistas sociais,tradicionalmente comprometidos com o estudodessa realidade?"
17l Transcrito de Anais do I Encontro Nacional de Psicologia Social.Apreséntação de Marllia de Andrade.
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linguagem e atividade. São textos mais pesados,mais técnicos, porém depois que se enfrentamas primeiras páginas e que se familiariza com alinguagem do autor, eles se tornam leitura fasci·nante. f interessante notar que são obras depsicologia onde a questão de se toda a psicologiaé ou não social nem sequer é cogitada - o homemé um ser biológico, social e histórico.
Para uma leitura sobre a Psicologia Social tradicional existem vários textos organizados porPeter Herriot, da City University de Londres, queapresentam os principais conceitos e pesquisasdesenvolvidas, com uma visão crítica do que vemsendo produzido pela Psicologia Social. t o casode Comportamento Social, de Kevin Wheldall(Zahar Eds., Rio de Janeiro, 1976), de Valores,Atitudes e Comportamento, de Ben Reich (ZaharEds., Rio de Ja neiro, 1976), e de Psicologiae Estrutura Social, de Barrie Stacey (Zahar Eds., Rio deJaneiro, 1975).
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Para se compreender o capitalismo, mais especificamente, o brasileiro, a obra de Afrânio MendesCatani, O que é Capitalismo (Ed. Brasiliense,São Paulo, 1980) é uma leitura importante parase situar historicamente na realidade brasileira,principalmente a Parte 2: "O Capitalismo noBrasil".
Para aprofundar a questão da linguagem, olivro de Robert F. Terwilliger, Psicologia daLinguagem (Ed. Cultrix/Edusp, São Paulo, 1974),apresenta a questão a partir de um enfoque sociale analisa as principais teorias sobre a linguagem,seja do ponto de vista da aprendizagem, (Cap(·tulo 3), seja quanto ao significado (Cap(tulo 4),seja quanto a contribuições de outras áreas.Quem quiser apenas se ater à problemática socialda linguagem basta a leitura dos Cap ítulos I e X,respectivamente, "O Estudo Psicológico daLinguagem" e "A Linguagem Como Arma".
Também o livro de Judith Greene, Pensamentoe Linguagem (Zahar Eds., Rio, 1976), analisa ascontribuições de diferentes perspectivas teóricassobre a relação entre pensamento e linguagem,concluindo sobre a inseparabilidade de ambos.
As obras de Alexis N. Leontiev: O Desenvolvimento do Psiquismo (Livros Horizonte, Lisboa,1978), e Actividad, Conciencia y Personalidad(Ed. Ciencias dei Hombre, Buenos Aires, 1978)foram fundamentais para a nossa análise daconsciência, da sua relação com pensamento,
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