UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE HISTÓRIA · INSTITUTO DE HISTÓRIA CAPELA DE...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE HISTÓRIA CAPELA DE NOSSA SENHORA DA PIEDADE DE CAMPO FORMOSO: A INVENÇÃO DE UMA CIDADE À MARGEM DA MODERNIDADE, 1889 1930 Jennydavison Ribeiro Santos Batista UBERLÂNDIA MINAS GERAIS BRASIL Março 2016

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA INSTITUTO DE HISTRIA

    CAPELA DE NOSSA SENHORA DA PIEDADE DE CAMPO FORMOSO: A INVENO DE UMA

    CIDADE MARGEM DA MODERNIDADE, 1889 1930

    Jennydavison Ribeiro Santos Batista

    UBERLNDIA MINAS GERAIS BRASIL

    Maro 2016

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA INSTITUTO DE HISTRIA

    CAPELA DE NOSSA SENHORA DA PIEDADE DE CAMPO FORMOSO: A INVENO DE UMA

    CIDADE MARGEM DA MODERNIDADE, 1889 - 1930

    Jennydavison Ribeiro Santos Batista

    Orientador: Prof. Dr. Jean Luiz Neves Abreu

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria, do Instituto de Histria, da Universidade Federal de Uberlndia, como parte das exigncias para obteno do ttulo de Mestre em Histria.

    rea de concentrao: Histria Social

    .

    Uberlndia MG Maro - 2016

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.

    B333c

    2016

    Batista, Jennydavison Ribeiro Santos, 1975-

    Capela de nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso : a

    inveno de uma cidade margem da modernidade, 1889-1930. /

    Jennydavison Ribeiro Santos Batista. - 2016.

    241 f. : il.

    Orientador: Jean Luiz Neves Abreu.

    Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de Uberlndia,

    Programa de Ps-Graduao em Histria.

    Inclui bibliografia.

    1. Histria - Teses. 2. Capela de Nossa senhora da Piedade de

    Campo Formoso (GO) - Histria - 1889-1930 - Teses. 3. Brasil - Histria

    - Repblica, 1889-1930 - Teses. 4. Cidades e vilas antigas - Histria -

    Teses. I. Abreu, Jean Luiz Neves. II. Universidade Federal de

    Uberlndia. Programa de Ps-Graduao em Histria. III. Ttulo.

    CDU: 930

  • BANCA EXAMINADORA

    _______________________________________________________

    Prof. Dr. Jean Luiz Neves Abreu ( UFU)

    ( Orientador)

    ________________________________________________________

    Profa. Dra. Maria Andra Angelotti Carmo ( UFU)

    _________________________________________________________

    Prof. Dr. Ismar da Silva Costa ( UFG Catalo)

  • In Memorian minha amada e saudosa me Maria Marluce Santos Batista, pois sem a sua existncia e generosidade seria impossvel eu estar aqui.

  • Agradecimentos

    Esse momento sempre difcil e delicado. A hora dos agradecimentos emociona, pois nos faz recordar muitos episdios da nossa longa jornada. Agradecer um gesto que significa lembrana e reconhecimento por algo bom que algumas pessoas nos fazem, ento neste momento irei falar um pouco sobre essas pessoas. A cincia diz que: o mundo um acaso! Se assim for eu no saberia explicar todas as coisas boas e ruins que me levaram a estar aqui. Eu diria que o mundo uma aprendizagem e que quando movemos a mente, msculos, vontade e determinao em busca de algo iremos ao encontro do sucesso. Pois, somos responsveis pelo nosso destino. E a nica coisa que no podemos controlar so, parafraseando Epicuro, os golpes da sorte que esto para alm da nossa vontade os quais no podemos prever, imaginemos o quanto isto revelador. E esses golpes esto na vida de todos ns, como disse o grande filsofo, e na minha ele retirou pessoas significantes para mim, as quais dariam tudo para estar aqui nesse momento compartilhando comigo de mais essa vitria a minha me e os meus avs. Mas, temos que prosseguir mesmo que seja por entre lgrimas como escutei outro dia. E aqui estou finalizando esse caminho. E para alm das minhas aes, algo me inspirou em buscar esse caminho para nele encontrar o meu prprio destino. Na existncia de inmeros percursos da nossa vida, nas batalhas que travamos em busca do conhecimento, nas dificuldades do dia a dia e por ultimo, mas no menos importante, nas dezenas de horas a fio buscando a compreenso mais perfeita, na solido das noites e das alvoradas que construmos um trabalho como este. Mas, no somente nisto ele tambm produto de experincias, oportunidades e de largas reflexes.

    No entanto, to ou mais, importante do que tudo isso que foi citado, ele composto de pessoas. Pessoas que esto na nossa vida por muito tempo, outras por alguns momentos, outras somente de uma rpida e breve passagem. E com elas deixamos um pouco de ns e levamos conosco tambm algo delas. Existem entre estas, aquelas especiais as quais temos a conscincia de que no esqueceremos, e entre essas pessoas eu gostaria de falar sobre uma em especial; o meu orientador. Falar sobre essa pessoa que tive o prazer de conhecer nos bancos acadmicos, que me ajudou e me orientou no que eu necessitava, mas que contribuiu comigo em uma coisa que considero o mais importante de tudo, a liberdade. A liberdade que precisamos para criar, para acertarmos e errarmos tambm. Porque aprendemos com os erros! E ele com sua vasta experincia, sabe disso. Ento, agradeo ao estimado e generoso professor Jean Luiz Neves Abreu e a ele ofereo meu

  • total reconhecimento e gratido por suas palavras de coragem e conforto e principalmente por sua pacincia. Que imenso prazer em compartilhar esse caminho da minha dissertao com o senhor, professor! Por isso o meu mais sincero, muito obrigada e espero que um dia possamos novamente, coincidentemente, nos encontrar em outros trabalhos para que com ele possamos edificar ainda mais o conhecimento histrico.

    Dentre tudo isso, quero agora fazer uma pequena escrita sobre essa outra pessoa que participa da minha vida em todos os momentos, estando ao meu lado em horas importantes da minha vida. Ao meu querido, amado e admirado pai, com quem apreendo todos os dias. Por ser amigo e companheiro dando os primeiros passos comigo aqui nesta terra, naquele tempo, desconhecida. Na busca de um sonho, uma meta que agora torna-se realidade. Que acreditou na minha capacidade e a quem eu dedico esse trabalho. Da mesma forma, minha irm Cinthya Ribeiro, minha companheira de todas as horas boas e ruins, minha amiga de f irm e camarada. minha pequena sobrinha pela alegria e companheirismo que trouxe a minha vida. Ao Mrcio Francisco pelo apoio e ajuda inestimvel que muito valeram na construo deste trabalho.

    Nossa vida cheia de surpresas e por muitas vezes no sabemos o que vamos encontrar na prxima curva, ento quando nos deparemos com pessoas amigas so sempre bem vinda. Assim, gostaria de lembrar uma pessoa conhecida de algum tempo, a qual dedico meu agradecimento com alegria, a professora Gercinair Silvrio Gandara como a qual desenvolvi vrios projetos e compartilhamos de inmeros trabalhos que sempre terei orgulho de ter participado. Que sempre colocou motivao nos meus empreendimentos acadmicos e sempre acreditou em mim e na minha capacidade.

    Tambm gostaria de agradecer aos professores da banca que com suas inmeras contribuies ajudaram a construir um trabalho ainda melhor, a professora Maria Andra Angelotti, e ao professor Florisvaldo Ribeiro, agradeo pela delicadeza e pacincia de colaborar comigo nessa jornada, obrigada!

    E para finalizar agradecer a todos que tambm ajudaram a construir este trabalho de alguma forma, aos meus amigos e amigas

  • SUMRIO

    RESUMO...........................................................................................................06

    ABSTRACT........................................................................................................07

    INTRODUO...................................................................................................08

    I. RELAES DE PODER NA CONSTRUO DE UMA CIDADE..................25

    1. 1. A Igreja e as relaes de poder ............................................................25

    1. 2. Conselho de Intendncia: a formao da elite poltica ..........................39

    1. 3. O sonho de governar uma cidade .........................................................51

    1. 4. As municipalidades na Repblica ..........................................................58

    1. 5. Campo Formoso: uma cidade de coronis ............................................63

    II. A INVENO DE UMA CIDADE: INTERVENES URBANAS E IDEIAS DE

    TRANSFORMAO..........................................................................................87

    2. 1. A urbanizao de Campo Formoso por meio do Cdigo de Posturas

    .........................................................................................................................105

    2. 1. 1. A Repblica impe com se morar ...............................................132

    2. 1. 2. gua, um smbolo de poder: as concesses ..............................138

    2. 1. 3. Sade pblica: no temos mdicos, temos curandeiros! ...........143

    III. PORTOS, PONTES E FERROVIAS: ADESO E RESISTNCIAS AO

    PROGRESSO EM CAMPO FORMOSO..........................................................156

    3.1. A Modernidade pelos trilhos das ferrovias: percepes e

    sensibilidades..................................................................................................165

    3.2. A Repblica em Campo Formoso: como vencer o isolamento ................180

    3.3. Campo Formoso uma cidade s margens dos trilhos..............................194

    CONSIDERAES FINAIS.............................................................................216

    FONTES.........................................................................................................223

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...............................................................231

    ANEXOS..........................................................................................................241

  • 6

    CAPELA DE NOSSA SENHORA DA PIEDADE DE CAMPO FORMOSO: A

    INVENO DE UMA CIDADE A MARGEM DA MODERNIDADE, 1889 1930

    RESUMO: a presente pesquisa tem por objetivo uma anlise de aspectos histricos da cidade de Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso, hoje Orizona, situada na micro regio de Pires do Rio, sudeste de Gois no perodo da Primeira Repblica, 1989-1930. Entender uma cidade buscar compreender os sujeitos que nela habitam, pois eles so os responsveis pelas estruturas formadoras desse espao. Assim, a presente dissertao traz para a historiografia um estudo da cidade de Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso por meio de diversos mecanismos, como fontes orais, documentos oficiais do municpio coletados nos rgos pblicos da cidade disponibilizados na Cmara Municipal, arquivo pblico municipal e arquivo da prefeitura. Essas fontes nos ajudaram a tecer o conhecimento do lugar abordado. A Repblica trouxe para diversos lugares do Brasil expectativas e/ou solues, de inovaes modernizadoras no intuito de apagar as marcas o antigo sistema colonial. As cidades a serem criadas fariam parte dos moldes republicanos e dessa forma, deveriam seguir modelos prontos vindos, basicamente, de pases europeus. No entanto, a cidade de Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso fica fora desse processo modernizador, tendo sido relegada por vrios anos dificuldades existentes de uma regio distante e sem recursos. A historiografia goiana resume o perodo da chegada da ferrovia na regio sul do Estado, como um tempo de avanos em todos os setores da vida dessa sociedade. Entretanto, Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso apresenta uma realidade diferente do que proposto por essas afirmaes. Ento, para compreender a especificidade de Campo Formoso, abordamos a partir das fontes documentais existentes diversos elementos constitudores da histria da cidade: a sua constituio poltica formada pelos mais abastados da cidade, a fora do coronelismo, o papel da Igreja como poder poltico. Essas relaes de poder na regio foram decisivas para o desvio da ferrovia. Dessa forma, tambm buscamos analisar como ocorreu o processo de urbanizao e o que representou para a histria da cidade de Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso a no passagem da Ferrovia Gois dentro dos seus limites. Assim, situaremos as particularidades polticas de uma cidade no interior de Gois, que fica margem de um projeto institudo como modernizador promovido pela Primeira Repblica. Palavras chaves: Cidade, Ferrovia, Modernidade, Poltica, Repblica

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    CAPELA DE NOSSA SENHORA DA PIEDADE DE CAMPO FORMOSO: THE INVENTION OF A CITY THE MARGIN OF MODERNITY, 1889 1930

    ABSTRACT: this research objective is to analyze the historical aspects of the city Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso, located in the micro region Pires do Rio, southeast of Gois in the period of the First Republic, 1989-1930. To understand a city is to try to understand the individuals who inhabit it, as they are the ones who are responsible for the structures that forms that space. Therefore this thesis brings to the historiography a study of the city of Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso through various mechanisms as oral sources, official documents of the municipality collected in public bodies of the city made available in town halls, municipal public and archive file of the prefecture. These sources have helped us to make the knowledge of the place approached. The Republic has brought to different places of Brazil expectations and/or solutions, of innovations that modernized in order to erase the marks the old colonial system. The cities to be created would be part of the molds republicans and this way, should follow models ready coming, basically, from European countries. However, the city of the Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso is outside of this process moderniser, having been relegated by several years to difficulties of a distant region and without resources. The historiography of Gois summarizes the period of the arrival of the railroad in the southern region of the State, such as a time of progress in all the sectors of the life of this society. Then, to understand the specificity of Campo Formoso, we approached from the documentary sources exist various elements constitutor city history: its political constitution formed by the most affluent of the city, the strength of the colonels, the role of the Church as a political power. These power relations in the region were decisive for the deviation of the railroad. In this way, also we sought to analyze how the process of urbanization has occurred and which represented for the history of the city Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso the passage of the Railroad Gois not within its limits. In the meantime we situate the special policies of a city in the interior of Gois, which is on the edge of a project set up as amodernizer moved by the First Republic. Key words: City, Modernity, Politics, Republic, Railoway

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    INTRODUO

    Duas cidades gmeas no so iguais.1

    talo Calvino tenta retratar por meio dessas palavras todas as infinitas

    particularidades que podero compor uma cidade. No perodo da Repblica,

    nas paragens de Gois nasceu cidade de Capela de Nossa Senhora da

    Piedade de Campo Formoso que a partir de 31 de dezembro 1943 pelo

    Decreto-Lei estadual n 8305 passa-se a chamar Orizona.2 Entretanto, o

    cenrio dessa investigao a cidade que primeiro nomeamos, Capela de

    Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso ou simplesmente Campo

    Formoso como ficou mais conhecida. Reivindicar sua presena estar ciente

    que o mundo ao qual vamos nos debruar um universo bem distinto do que

    hoje vivenciamos. Em diversos aspectos, diferente.

    Nesta dissertao pretendemos abordar aspectos da histria de Campo

    Formoso, no perodo que compreende a Primeira Repblica no Brasil ( 1889-

    1930). Nesse perodo o Pas vive uma difcil transio onde coleciona

    problemas de diversos aspectos. Em uma fase tambm marcada pelos

    compadrios e em busca de apoio para o regime que acaba ser proclamado

    nasce o coronelismo um fenmeno que perdurou por toda a primeira fase da

    Repblica. O coronelismo por sua vez foi uma das bases de sustentao dessa

    primeira fase republicana, onde os lderes locais apoiavam candidatos do

    governo em trocas de favores que seriam aproveitados nas regies onde se

    compreendiam seus potentados. Assim, nessa fase truculenta da histria que

    nasce a cidade de Capela de Nossa Senhora da Piedade de Campo Formoso,

    em Gois.

    Essa cidade agora se torna o nosso objeto de estudo, onde buscaremos

    compreender uma fatia da sua histria e as relaes que foram tecidas entre a

    1CALVINO, Itlo. As cidades invisveis. Trad. Diogo Mainard. So Paulo: Campainha das letras, 1999. p. 54. 2 Este gentlico Orizona um termo de origem Latina, ORIZA = Arroz + ZONA = Regio. Dados coletados do IBGE. Disponvel em: Acesso em: 20 de dez de 2016.

    http://cidades.ibge.gov.br/painel/historico.php?lang=&codmun=521530&search=||infogr%E1ficos:-hist%F3ricohttp://cidades.ibge.gov.br/painel/historico.php?lang=&codmun=521530&search=||infogr%E1ficos:-hist%F3rico

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    poltica local e a populao. Marcadamente constituda dentro do pensamento,

    onde o conservadorismo impera, Campo Formoso se diferencia das cidades

    que foram conhecidas como da regio dos trilhos porque, justamente, os

    trilhos nunca chegaram aos seus limites.

    Nesse Lcus a influncia da Igreja marca desde o incio, por volta e

    1850, as histrias desse local que, primeiramente, era um lugar de passagem

    aonde vinham rezar as missas domingueiras. Porm, mais tarde a fora dos

    Coronis como o Cel. Jos da Costa Pereira Sobrinho, comea outra fase do

    antigo arraial, sendo ele quem lidera no processo da sua emancipao, quando

    foi elevada a categoria de vila e logo aps torna-se uma cidade. Portanto, neste

    trabalho tentaremos compreender como foram erguidas as relaes de poder

    que deram incio a histria poltica do lugar com a instalao do Conselho de

    Intendncia e as foras polticas atuantes. Da mesma forma buscaremos como

    fora constituda a cidade nesse tempo observando o modo de vida de seus

    moradores. Optamos por analisarmos a sua urbanizao por meio do Cdigo

    de Posturas no intuito de identificar as ideias de como a cidade fora pensada

    pelo grupo abastado donos das decises polticas da regio. Tambm temos

    como objetivo identificar a fora poltica atuante manifestada pelos lderes

    locais que no permitiram a Estrada de Ferro Gois chegar at a cidade sendo

    esta portanto, desviada para o povoado Ubatan uma regio no meio do cerrado

    que fica a 12 quilmetros da urbes de Campo Formoso. Demonstrando quais

    as estratgias utilizadas para contentar o pensamento de domnio desses

    lderes locais.

    Ao observarmos esse stio verificamos que ele contempla vrias

    modificaes com o passar dos anos. A prpria paisagem natural hoje j fora

    intensamente modificada e continua sendo, construda pelos novos recursos

    modernizadores, que foram trazidos pelos homens e pelos trilhos nas cidades

    vizinhas, pois eles no chegaram at Campo Formoso. A cidade passou longos

    anos da sua histria em busca de melhorias, de progresso e modernidade que,

    viessem a transformar este mundo distante chamado, serto. Um lugar antes

    isolado, longnquo, sem notcias, afligido pelas doenas e esquecido pelo

    estado.

  • 10

    A modernidade, to falada na poca no chegou a Campo Formoso, no

    de forma automtica, como prope as abordagens sobre Gois, muito pelo

    contrrio, a cidade passa longos anos de estagnao mesmo depois da

    chegada dos trilhos de ferro na regio sudeste

    Os tempos do arraial de Nossa Senhora da Piedade de Capela dos

    Correia no seria em nada parecido com o que atualmente conhecemos sendo

    aquele um mundo quase esquecido, engolido, pelas modernidades que se

    espalharam por todos os rinces desse serto planltico. Formado por uma

    vegetao tortuosa, retorcida, constituda pelas adaptaes s grandes

    adversidades climticas de esparsas folhas e razes profundas, que no as

    deixam morrer. Os homens e mulheres que aqui chegaram tambm no de

    curvaram s grandes dificuldades, achando para elas uma sada para uma vida

    melhor. Chegaram procurando infinitos tesouros que nunca por estas bandas

    foram encontrados, tomando as picadas3 nas beiras dos rios procuravam

    chegar a lugares nunca antes vistos.

    Ao fincar suas moradias, eles se deparavam com as matas densas, e

    rios caudalosos, como nos conta os dirios de viagens daquele tempo, bem

    diferentes dos de hoje em dia. As lembranas dos mais antigos e os dirios de

    viagens, falam-nos em enfrentamento com onas vorazes e todos os tipos de

    animais e com o embate, desleal, com os nativos da terra. Conta-nos tambm,

    dos silncios profundos das noites escuras quebrados somente pelo som dos

    lobos, que a todo instante, ecoavam na imensido do cerrado, dando a

    impresso que estivessem a comunicar-se entre si, como se soubessem o

    futuro que os aguardavam. As lendas, dezenas delas, viviam lado a lado com

    os aqueles homens, influenciando no seu modo de viver e nos seus costumes.

    Era um tempo de perigos e devoo extrema, um tempo em que homens com

    nfimas condies, construam igrejas4, no meio do nada, comeando a partir

    desse momento, a transformao da paisagem antes somente pertencente ao

    mundo natural.

    3 Primeiros caminhos trilhados pelos desbravadores que no constam nos mapas.

    4 HILAIRE-SAINT, Auguste. Viagem a provncia de Gois. Traduo: Regina Regis Junqueira. Apresentao de: Mrio Guimares Ferri. So Paulo: Ed. da Universidade de So Paulo.

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    Ento, ser sobre esse mundo que iremos nos debruar e sobre ele

    buscaremos respostas e conhecimentos. Contudo, sabemos que construir uma

    escrita histrica sempre um desafio, principalmente, nos dias atuais. Porque

    hoje os sujeitos so to absorvidos pelas novidades que no param de chegar

    e pelos presentismos, que quase no encontram tempo para a reflexo sobre

    os nossos antepassados e os caminhos que nos fizeram chegar at aqui. Pois,

    a rapidez com que as coisas so vividas intensifica a forma de vermos o mundo

    a nossa volta e tambm nos paralisa. Mas, a complexidade de uma escrita

    histrica nos faz tecer reflexes, principalmente, sobre alguns pontos de

    tenses na constituio historiogrfica. Impelindo aos historiadores de ofcio a

    ter que enfrentarem para o bem da histria, alguns entendimentos e definies

    que da mesma forma que as fontes tambm nos ajudam a tecer o saber

    historiogrfico.

    O homem o pilar da histria, nos assegura o genial pensamento de

    Bloch, so os homens que [a histria] quer capturar. Quem no conseguir isso

    ser apenas, no mximo, um servial da erudio. [..] o bom historiador se

    parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali est sua

    caa.5 Ento, so eles que buscaremos; Padres, Coronis e moradores do

    locais, os seus costumes e as relao tecidas por eles que foram responsveis

    pela construo da cidade.

    Todavia, entendemos que para se construir esse conhecimento procura-

    se problematizar cada cidade colocando alguns aspectos particulares que tero

    de ser desvendados, construdos e inventados. Dentro desse princpio, no

    optaremos por semelhanas, pois sentimos que no aconselhvel utilizarmos

    o mesmo olhar quando analisarmos uma cidade de poucos habitantes em um

    interior de Gois, na primeira Repblica, como Campo Formoso, e outra cidade

    com milhares de habitantes, no mesmo perodo proposto. Estas cidades

    grandes seriam pontos de formao de grandes projetos estruturais,

    remodelaes e construes de ambientes j lapidados por alguns avanos

    tecnolgicos disponveis naquele tempo, mas, antes disso, elas foram

    5BLOCH, Marc. Apologia da histria ou o ofcio do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 54.

  • 12

    principalmente idealizadas pelos pensamentos que aderiram ao progresso a

    todo custo6.

    Se as investigaes fossem traadas dentro dessa ideia de uma suposta

    semelhana no seria possvel a anlise, pois, ela teria que ser feita tomando

    como pontos referenciais os mesmo elementos e as mesmas formas de

    entendimento dos espaos abordados. Pois, apesar de percebermos que estes

    espaos se constituem como stios chamados cidades e que existem algumas

    regras gerais que no podemos perder de vista haver diferenas gritantes as

    quais no poderemos ignorar.

    Portanto, levando em conta essa ideia de distino, a constituio desse

    espao como nicos, fez com que grupos de pesquisadores se debruassem

    para o entendimento sobre o que so e como se configuram, as pequenas e

    mdias cidades. Assim, a partir desse ponto utilizaremos algumas

    compreenses pensadas pelo campo da geografia, por entendermos que no

    h nada errado em dialogarmos com ela, muito pelo contrrio, esta ideia est

    em total consonncia com entendimentos atuais de que dever haver tambm

    no campo da pesquisa, a interdiciplinaridade; habilidade que preza pela no

    compartimentao das disciplinas para que a construo de conhecimento no

    seja compreendida e desenvolvida de forma isolada. Historiadores pelo mundo

    dialogam com outras disciplinas, no intuito de trazer para a histria uma viso

    holstica de um determinado assunto ou sujeito inserido em um tempo e espao

    apontado, por eles. Obviamente, no momento que admitimos essa conexo

    entre reas, no estamos propondo que aqui pensemos como gegrafos ou

    como peritos de qualquer outra rea, estamos sim, alargando o campo de

    atuao do pensar histrico trabalhando com outras ferramentas para

    tentarmos entender da melhor maneira o objeto escolhido para a investigao.

    A nossa anlise ser feita como historiadores, sem deixarmos que nossa viso

    se confunda. Isso j foi proposto pelos historiadores da Escola dos Annales.

    Dentre todos tomaremos como exemplo, Fernand Braudel j fazia conexes

    6 Os principais trabalhos levam em conta, principalmente, as modificaes existentes no perodo da Repblica Velha em cidades j com grande nmero de habitantes como: Rio de Janeiro com 1. 447. 599, So Paulo com 579. 033, Salvador com 283.422 e Recife com 238. 843 de habitantes. Disponvel em: < http://www.skyscraperaty.com/showthril.php > Acesso em: 24 de maro de 2016.

    http://www.skyscraperaty.com/showthril.php

  • 13

    com a geografia, quando escreveu a famosa obra O Mediterrneo, marcando

    na prtica uma nova era para a construo histrica.7

    Assim, algumas compreenses foram levantadas sobre o assunto e

    segundo Diva Lopes e Wendel Henrique, por vrios motivos, mas,

    principalmente, pelo crescimento de trabalhos sobre o tema que vem tomando

    espao dentro das academias. Estas pesquisas buscam a conceituao e

    entendimento das pequenas cidades;

    as pesquisas sobre cidades mdias e pequenas vm ganhando repercusso na produo acadmica brasileira, fruto da interiorizao dos cursos de graduao e ps-graduao, bem como do prprio processo nacional de urbanizao, no qual tais cidades apresentam destaques significativos nas dinmicas econmicas, demogrficas e culturais.8

    Os pesquisadores procuram traar linhas de pensamentos, constituindo

    elucidaes cada vez mais aprofundadas e at certo ponto permeveis a

    outros conhecimentos a para que se possa desenvolver um conhecimento

    maior sobre essas cidades ainda ignoradas, pois h necessidade de,

    [..] compreender as cidades mdias e pequenas brasileiras no como um conhecimento parte do processo de urbanizao, ou da totalidade, mas sim como particularidades e singularidades. Para tanto necessitamos dissec-las, decomp-las e analis-las, sem perder de vista a forma e o contedo. Portanto, o que se pretende contribuir com o debate e com o conhecimento do Brasil urbano, partindo do que est na outra extremidade desse processo, ou seja, do que se configura como pequenas e mdias cidades, ou do que no se configura como grandes aglomeraes urbanas.9

    A construo de novos trabalhos corrobora para uma abertura de

    debates que visam observar pontos de convergncias e de divergncias, no

    intento de edificar aquilo que melhor poder traduzir e representar essas

    cidades. A dinmica das cidades pequenas vem mudando muito nos ltimos

    tempos ela foi modificando suas caractersticas. So atingidas pelos problemas

    7 Ver: LIRA, LARISSA Alves de. Geografia Braudeliana: a concepo de espao de Fernand

    Braudel e suas relaes co a geografia Vidaliana. Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, FFLCH SP. Departamento de geografia, Universidade de So Paulo, So Paulo. Disponvel em: < https://uspdigital.usp.br/siicusp/cdOnlineTrabalhoVisualizarResumo?numeroI > Acesso em: 27 de maro de 2016. 8 LOPES, Diva M. Ferlin e HENRIQUE, Wendel. (orgs.).Cidades mdias e pequenas: teorias, conceitos e estudos de caso. Salvador: SEI, 2010. 250 p. il. (Srie estudos e pesquisas, 87).p. 09. 9 BRESCIANI. Maria Stella. Cidades e histria. In: LIPPI, Lcia. (org.). Cidades histria e desafios. Rio de Janeiro: Ed. Fundao Getlio Vargas. 2002. p. 18.

    https://uspdigital.usp.br/siicusp/cdOnlineTrabalhoVisualizarResumo?numeroI

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    sociais das cidades maiores, cada dia mais. Foi-se o tempo que as cidades

    pequenas eram quase unanimemente consideradas seguras e pacatas. Hoje

    apesar de se diferenciar das metrpoles elas tambm so atingidas pelos

    desatinos e faltas de servios pblicos. Nenhuma cidade igual a outra, ento

    cada cidade constri bases onde crescero, entretanto mais frente assumem

    seus prprios caminhos. Nessas cidades observa-se que, sobre os aspectos

    econmicos e sociais as pequenas cidades oscilam entre sinais de

    luminosidade e de letargia.10

    A cidade pequena, hoje, se conforma dentro dos estudos das redes e

    hierarquia urbana. A partir desse conceito, inicialmente, a cidade pequena

    seria um contra ponto da cidade grande, e a cidade mdia seria ocupar um

    espao intermedirio entre as duas. Analisando de maneira superficial uma

    cidade pequena seria dentro de uma categoria numrica, aquela que possui at

    20 mil habitantes, acima desse nmero classificada como mdia at 500 mil,

    e a cidade grande acima dessa quantidade de habitantes.

    Mas, isto obviamente no suficiente para que possamos designar

    entendimentos sobre tais espaos, apesar de ser utilizado este critrio, ele

    somente abarcaria o aspecto da grandeza populacional. Portanto,

    concordamos que o entendimento sobre cidades dessa natureza ultrapassa e

    muito, este conceito. A conceituao e anlise das cidades pequenas e mdias

    necessitam ser (re) vista, levando em conta suas diversidades e capacidades

    de formao e no unicamente apontando para o valor numrico.

    A reflexo de Maria Encarnao Sposito nos muito pertinente na

    configurao desse entendimento, de acordo com seu pensamento ela

    determina que o primeiro passo a ser dado nesse sentido est concentrado em,

    empreender um esforo para superar a adoo desses adjetivos de cidades

    pequenas e cidades mdias, pois, so insuficientes para caracterizar as

    cidades no metropolitanas e ainda continua, a realidade das cidades

    10 LUGAN, J. C. Sociabilit et integration dans les petites villes: hypothses sur une volution. In: LABORIE, J.P; RENARD, J. Bourgs et petites villes. Toulouse:Presses Universitaires du Mirail, 1997, p. 406.

  • 15

    pequenas e mdias extremamente plural para que se continue adotando, no

    plano terico-conceitual, esses dois adjetivos.11

    Na conceituao construda por Milton Santos sobre cidades locais,

    esse autor afirma conclusivamente que, esse termo seria utilizado para

    designar cidades que possuem um mnimo de aglomerado populacional e

    ento, deixam de servir s necessidades da atividade primria para servir s

    necessidades inadiveis da populao com verdadeiras especializaes do

    espao e que apresentam um crescimento auto sustentado e um domnio

    territorial.12 Tomando como base ainda a anlise feita por Santos destacamos

    que devemos ser cuidadosos ao, aceitar um nmero mnimo, como o fizeram

    diversos pases e tambm as Naes Unidas, para caracterizar diferentes tipos

    de cidade no mundo inteiro, pois isso incorrer no perigo de uma

    generalizao perigosa.13

    Por conta disto, percebemos a nossa dificuldade, logo de incio, antes

    mesmo, dela se configurar totalmente. Pois, duas dificuldades nos chegaram

    rapidamente; uma pequena cidade de algumas dezenas de habitantes, surgida

    h um sculo. O tempo apesar de pilar importantssimo e fundamental da

    histria tambm causa muitas vezes de runa no constituir historiogrfico.

    Dessa forma, isso nos causou um incomodo perturbador que teramos que

    solucionar para o bem da pesquisa. A pergunta primordial veio com o seguinte

    questionamento: como poderamos investigar uma cidade pequena somente

    com os olhos e as explicaes que so dialogadas em uma anlise que

    buscam entendimentos de cidades grandes ou metrpoles? Assim, seria

    problemtico. Dessa forma, fomos busca de conceitos que hoje so utilizados

    nas investigaes sobre cidades pequenas ou locais para que possamos

    construir uma anlise sem cair em equvocos ou em generalizaes perigosas

    que no condizem com as experincias observadas. Autores como Milton

    Santos, Maria Sposito, nos apresentam alguns entendimentos sobre o assunto,

    onde expe algumas categorias por ele destacadas. A existncia de uma

    11 SPOSITO, Maria Encarnao Beltro. Para pensar as pequenas e mdias cidades brasileiras. Belm: FASE/ICSA/UFPA, 2009. v. 1. 12 SANTOS, Milton. Espao e sociedade. Petrpolis: Vozes, 1982. p. 69-70. 13 SANTOS, Milton. Op.cit. 1982, p. 69-70.

  • 16

    categoria cidade no se encerra por si s, ela apresenta desdobramentos

    importantes para o seu estudo mais aprofundado.

    Diante de tantas afirmaes e reflexes complexas seria necessrio

    traarmos uma linha de pensamento na compreenso do que uma cidade

    pequena, pois, o

    processo de urbanizao brasileiro, as disparidades, as desigualdades e tambm as concentraes ganham maiores propores, o que ir despertar maior interesse pela anlise da rede e hierarquia urbana, bem como pelo processo de metropolizao. Urge a necessidade por desvendarem as contradies do espao urbano.14

    Estudar uma cidade de menor porte significa aderir a uma nova

    concepo em relao ao perceber do espao urbano, pois, mesmo com

    todos os esforos na busca pelo conhecimento de novos objetos, na grande

    maioria das vezes nos deparamos em maior nmero com pesquisas que

    evidenciam as grandes cidades. No entanto, por muito tempo, e ainda hoje, s

    cidades pequenas e mdias so esquecidas, fenmeno muito comum que

    acontece, principalmente, nos pases emergentes. A esse respeito, Milton

    Santos argumenta que, a maioria dos estudos urbanos em pases

    subdesenvolvidos se interessa de preferncia pelas grandes cidades,

    principalmente pelo fenmeno da macrocefalia. Assim, se isso no cria um

    problema pelo menos sublinha a necessidade de reflexo sobre o assunto das

    cidades pequenas.

    Entretanto, se nos voltarmos s estatsticas, mais atuais, como tambm,

    a realidade em que vivemos, diz o autor, vemos perfilar-se outro fenmeno

    urbano, o das cidades locais que, a nosso ver, merece tanto interesse quanto o

    precedente.15 Alis, o Brasil um Pas constitudo de cidades pequenas e

    mdias, so mais de 3.80016 cidades pequenas. Ento, estudar as pequenas

    cidades do Brasil desvendar o prprio Brasil com todas as suas

    particularidades e modos de viver. Por conta disto, o referido autor desfaz essa

    14MAIA, Doralice Styro. Cidades mdias e pequenas do Nordeste. Conferncia de Abertura. In. CIDADES MDAS E PEQUENAS: teoria conceitos e estudos de casos. (orgs). LOPES, Diva Maria Ferlin e HENRIQUE, Wendel. 2005, p. 15. 15 SANTOS, Milton.op. cit. Petrpolis: Vozes, 1982. p. 69. 16 Fonte: IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Disponvel em: Acesso: 25 de jan. de 2106.

    http://www.ibge.gov.br/home/pesquisa/pesquisa_google

  • 17

    nomenclatura de cidade pequena e a substitui por cidades locais, pois

    segundo ele, estes cenrios dispem de uma atividade polarizante e, dadas as

    funes que elas exercem em primeiro nvel, poderamos quase falar de

    cidades de subsistncia.17

    Campo Formoso, dentro do perodo estudado, entendida como uma

    cidade de subsistncia, que produzia quase exclusivamente durante o perodo

    da Repblica velha, para o seu prprio sustento. A cidade foi emancipada em

    1906, a partir desse momento ela comea a configurar as estruturas que sero

    abordadas neste trabalho, encontramos nesse espao uma mentalidade

    conservadora que no foi inserida na onda modernizadora.

    Assim, ser analisada enquanto uma cidade que no desfrutou dos

    progressos que autores regionais afirmam ter havido na histria de Gois

    depois da chegada da Ferrovia. Durante longos anos, acerca de trs dcadas,

    depois de a Ferrovia chegar ao estado a pequena cidade de Campo Formoso

    continua inserida em uma carncia predominante. Essa era uma poca

    compreendida, no Brasil, onde se teciam intensos pensamentos de progresso.

    Mas, sabemos que esse progresso no chegou em todos os recantos do pas

    de maneira equnime. Assim, observamos que a estrada de Ferro Goyaz no

    trouxe todas as mudanas que so marcadas por autores depois da sua

    chegada. Ela concluiu um projeto de poder, que inicialmente visou somente o

    aspecto econmico do estado de maneira generalista e depois tambm

    servindo para consolidar um balco de negcios onde se procurou tecer uma

    rede de aes que beneficiavam, principalmente, aqueles que comungavam

    das mesmas ideias polticas dos dirigentes da Ferrovia e ou do governo

    estadual a princpio, e posteriormente do governo Federal.

    A pesquisa foi desenvolvida adotando como delimitao temporal a

    Primeira Repblica no Brasil, 1889 a 1930. Pois, a data a mensageira de

    mentalidades voltadas para o progresso, mesmo que esse progresso no fora

    17 E em um aprofundamento prprios dos grandes pesquisadores, ainda destaca que poderia indicara a existncia de pseudocidades e verdadeiras cidades. Dentro desta linha de raciocnio destacamos que a avaliao das pseudocidades nos interessa haja vista a sua conceituao apropriada para o entendimento da diferenciao entre ela e as cidades locais no estudo do nosso caso sobres as pseudocidades temos, [...] pseudocidades inteiramente dependentes das atividades de produo primria, como as cidades mineiras ou as grandes aldeias, e mesmo de atividades no primrias, como algumas cidades industriais ou cidades religiosas, universitrias, balnerias, de montanha (serranas) etc. ver: SANTOS, 1982, p. 70.

  • 18

    feito para atender largamente as necessidades do povo brasileiro, pois j viera

    construdo de pases da Europa. Contudo, no que diz respeito ao temporal

    teremos por necessidade, em alguns momentos, nos estenderemos um pouco

    mais, com a finalidade de ratificar um dos nossos objetivos que sublinhar que

    a Ferrovia no estado no atingiu todas as regies de Gois e menos ainda

    todos os nveis da sociedade goiana, Campo Formoso ser o elemento de

    negao dessa viso simplista e determinista. Demonstrar a estagnao

    econmica de Campo Formoso dcadas depois de a Ferrovia ter chegado ao

    estado, contraria a historiografia escrita proposta por vrios autores sobre

    Gois. Tambm verificaremos a ligao com antigos modos herdados da

    colnia e do Imprio mesmo em tempos de Repblica. Passaremos a discutir

    as disputas pelo poder dentro da pequena cidade e a fora da Igreja e dos

    coronis na regio que muitas vezes eram os grandes latifundirios dos

    arredores.

    Buscamos demonstrar por meio de anlises comparadas, de registros

    oramentrios, recenseamento e dos testemunhos sobre o perodo abordados

    que Campo Formoso no se coloca como modernizada depois que Gois foi

    cortada pela ferrovia. Essa viso que nos colocada por alguns historiadores

    que; afirmam uma modernizao homognea em todo o estado sobre a era

    Ferroviria em Gois, no a compartilhamos. Pois, a nosso ver, se optssemos

    por essa ideia estaramos admitindo uma viso generalista e superficial. A

    nossa perspectiva parte de um certo estranhamento sobre essa ideia

    construda e proliferada dentro da historiografia de Gois que afirma o grande

    desenvolvimento de Gois, com a chegada da Ferrovia Goyaz, viso defendida

    por Barsanufo Borges18.

    Para o desenvolvimento dessa dissertao buscamos informaes de

    diversos locais: Livro do Tombo, Cmara de vereadores, Prefeitura da cidade,

    Atas do Conselho de Intendncia, Arquivo Pblico da cidade de Orizona, IHGG

    - Instituto Histrico e Geogrfico de Gois, IBGE e Recenseamento de 1920,

    Cmara de Deputados Federal, Prefeitura de Ipamer, alm de entrevistas

    concedidas por pessoas na maioria quase centenrias que viveram na cidade 18 BORGES, Barsanufo Gomide. O despertar dos dormentes: estudo sobre a estrada de ferro Gois e seu papel nas transformaes das estruturas regionais: 1909 1922. Goinia: cegraf- UFG, 1990.

  • 19

    de Campo Formoso. Nota-se- uma vasta lista de fontes utilizadas, mas isso

    feito pra que possamos captar os acontecimentos da melhor forma possvel.

    Mas, a partir disso entendemos que a existncia desse extenso leque

    documental teria que ser articulados entre si. Entre elas as fontes orais foram

    de grande valor na construo do nosso trabalho pelo seu valor genuno. Elas

    foram necessrias para conjuntamente com as fontes escritas, trazermos uma

    reflexo ainda mais ampla e profunda em determinados assuntos ouvindo

    vozes que nunca tinham se pronunciado. Os entrevistados nos mostram por

    meio das suas prprias experincias as formas de viver e sentir o espao

    habitado, com seus dramas e alegrias. As experincias desses sujeitos so

    ricas e demonstram as dificuldades e estratgias utilizadas para vencer a falta

    de recursos vividos no perodo por isso so importantes meios de

    conhecimento sobre os longos anos em busca das melhorias do espao

    citadino. No nos recusamos s palavras faladas porque temos a conscincia

    de que assim como Lucien Febvre, acreditamos que,

    A histria fez-se, sem dvida, com documentos escritos. Quando h. Mas, pode e deve fazer-se sem documentos escritos, se no existirem [...] Faz-se com tudo o que a engenhosidade do historiador permite utilizar para fabricar o seu mel, quando falta as flores habituais: com palavras, sinais, paisagens, e telha; com formas de campo e com ms ervas; com eclipses da lua e arreios; com peritagens de pedras, feitas por gelogos, e anlises de espadas de metal, feitas por qumicos. Em suma com tudo o que, sendo prprio do homem, dele depende, lhe serve, o exprime, trona significante a sua presena, atividades, gostos e maneiras de ser.19

    Por conta disso os caminhos da nossa pesquisa se formaram a partir do

    momento que comeamos a investigao e do desenrolar dos fatos. Durante o

    percurso do trabalho discutiremos vrias questes importantes para o refletir da

    constituio desse espao/cidade no perodo republicano. Buscaremos assim

    compreender e analisar a fora da Igreja catlica, como um dos elementos

    determinantes na edificao da cidade, assim como, as foras polticas locais,

    representadas na figuras dos coronis e sua influncia na urbanizao do

    espao citado. Procuraremos articular aspectos que corroboraram para a

    constituio deste espao urbano, de acordo com os elementos a sua volta os

    19

    FEBVRE, Lucien. Combats pour lhistoire. Paris: Colin, 1953. ( trad. port. Lisboa: Presena, 1977). p. 428.

  • 20

    inserindo no contexto da poca. Tendo como enfoque o perodo da Repblica

    no Brasil e as mudanas desejadas.

    A pesquisa ser dividida em trs captulos. Em que tentaremos tecer a

    histria de uma cidade fundada em 1850, que chegou ao sculo XX, ainda

    como arraial. Como um dos eixos nos fundamentaremos na ideia que Campo

    Formoso no absorveu os principais sonhos de progresso da recente

    Repblica. No tendo sido inserida no aspecto moderno atribudo a Gois

    depois dos ventos ferrovirios. Sofrendo uma urbanizao desigual, tmida que

    no demonstra nenhum aspecto dos que so falados sobre regio de Gois

    pelas obras que tentaram retratar o perodo. Verificamos que Campo Formoso

    perante as mudanas e os processos de urbanizao vigentes no perodo,

    esbarrou em uma encruzilhada entre a tradio que, ser colocada como os

    antigos hbitos e costumes vindos dos meios rurais e ainda do perodo

    colonial, com seu modo de vida rude e fundamentado profundamente em

    dogmas religiosos, e a prpria significao da modernidade que representa o

    anseio de uma pequena elite local que aspirava por ideias de progresso. Essas

    ideias progressistas seriam desenvolvidas ao modo dessa elite, que foi

    concretizada na construo de uma cidade para eles e que pudesse ser

    governada por eles prprios.

    Esse pensamento de modernidade vindo dessa elite local passou grande

    parte da sua existncia, mergulhado numa constituio social moldada, na

    influncia catlica e em uma mentalidade ruralista, configurada pelos grandes

    latifndios. Tambm discutiremos os problemas que envolvem uma cidade

    construda no serto do Brasil, a questo do isolamento e da falta de recursos,

    dentro de uma conjuntura marcada pelos graves entraves em relao a outros

    lugares do pas, principalmente, da regio litornea onde se localizava a

    maioria das cidades mais importantes da poca. Durante a pesquisa,

    tentaremos entender o que a chegada da Repblica significou, para uma

    populao que vivia em uma regio distante dos centros mais adiantados.

    No primeiro captulo intitulado, As relaes de poder na construo de

    uma cidade descobriremos quem eram os sujeitos que constituram a elite

    poltica da cidade de Campo Formoso. Abordaremos de onde vieram, como

  • 21

    viviam e o que os levaram a querer construir uma cidade. Desde o tempo do

    arraial a elite poltica se organizava para construir uma cidade dos sonhos.

    Onde tudo fosse coordenado por esse grupo. Assim, nasceu a cidade de

    Campo Formoso, do sonho de um grupo rico local que desejava governar uma

    cidade. Diremos que foi uma cidade para poucos, para os que poderiam pagar

    as altas taxas de impostos que eram cobradas dentro do permetro urbano e

    que poderiam fazer as exigncias colocadas no Cdigo de Posturas. As

    medidas tomadas para a constituio do espao mostram os desnivelamentos

    econmicos na regio.

    A criao do Conselho de Intendncia marca um novo perodo para a

    populao, a partir dele ser vista, claramente, aqueles que poderiam morar ou

    no no espao urbano criado para ser, principalmente, belo. Nesse stio no se

    poderiam cortar rvores que embelezavam as ruas e passeios, pois isso levaria

    aos infratores a paragem altas multas. Ento, a construo da cidade foi feita

    com recursos prprios, aliceradas em uma enorme quantidade de impostos.

    Assim, discutiremos o abandono do governo estadual e federal que no

    cumpria com as responsabilidades com os municpios brasileiros fato este que

    vem ainda se perpetuar at os dias atuais. Desde a colnia as cidades foram

    relegadas, ao total descaso sobrevivendo na mais profunda decadncia. No

    imprio, ainda mais centralizado, a autonomia municipal diminuiu ainda mais. A

    repblica fora continuadora deste amesquinhamento municipal, nada mudando

    apesar dos discursos fervorosos que eram tecidos sobre o assunto.

    Outro assunto problematizado ser a questo do coronelismo que

    aponta Campo Formoso como uma cidade de coronis. Discutiremos como era

    a influncia das principais figuras; o coronel Jos da Costa Pereira Sobrinho e

    o coronel Zacarias Gonalves Caixeta e como se faziam a diviso de poder

    entre os dois. Se havia conflito entre os dois potentados, quais os limites das

    suas terras e consequentemente do seu poder. Apresentando uma discusso

    sobre o fenmeno coronelismo na cidade, dialogando com a historiografia

    brasileira, com autores como Victor Nunes Leal e Jos Murilo de Carvalho

    entre outros. Confrontaremos vises e discusses de autores que teceram

    variados entendimento sobre o fenmeno. Outro ponto trazido o

  • 22

    entendimento que a Igreja por meio de seus representantes fora influenciadora

    dos modos de vida dos moradores da regio de Campo Formoso e

    concomitantemente com os coronis manobraram por muitos anos a vida

    scio-poltica do local.

    No segundo captulo, A inveno de uma cidade: intervenes urbanas

    e ideias de transformao abordaremos a ideia de pequena cidade, espao

    diferenciado das cidades grandes em diversos aspectos. Que sero

    confrontados e levados a ser entendido com essas diferenciaes. As

    pequenas cidades tm suas particularidades que as fazem constituir como

    lugares estruturados que visam, na maioria das vezes, o bem estar dos sujeitos

    que nela habitam.

    Discutiremos as formas como o ambiente fora edificado tomando para

    isso o modo como se administrava a cidade. Assim, observamos que esse

    espao-cidade fora levantado por meio de impostos, que funcionavam tambm

    como o agente responsvel pela excluso de uma classe carente para fora dos

    limites da cidade. Uma cidade que foi criada por uma elite e para ser

    governada por essa mesma elite assim que, Campo Formoso aparece no

    cenrio nacional. Os impulsos de urbanizao da cidade no foram construdos

    aos moldes da Repblica, so precrios em diversos pontos demonstrando as

    dificuldades do dia a dia, vividas pelos moradores do local. Na percepo do

    espao visualizaremos as suas casas, percebendo, principalmente, como eram

    feitas de acordo com o Cdigo de Posturas. Essas novas moradias eram irreais

    para a maioria da populao local que vivia em uma extrema carncia. Da

    mesma forma, tambm discutiremos a distribuio da gua no espao-cidade,

    sendo um elemento que mostrava poder e era somente adquirida pela

    populao mais rica. Os servios da gua demonstram a desigualdade social

    em uma populao que utilizava as guas dos rios e ribeires. O Conselho de

    Intendncia, no visava uma distribuio pblica, os servios eram concesses

    feitas por uma fatia muito seleta da sociedade.

    Na sade pblica ser demonstrado o caos instalado nesse setor; das

    doenas que ficavam sem tratamento, as expulses dos enfermos, e da falta

    de conhecimento de uma populao analfabeta que contribua para o

  • 23

    agravamento da situao, mas no somente isso, o abandono desses sujeitos

    pelos poderes constitudos reflete um estado de calamidade na sade da

    regio. Nesses locais no se tinham remdios, hospitais, assistncia pblica,

    dentistas nem mdicos, as pessoas eram tratadas pelas razes do cerrado, por

    benzeo, onde quem administrava os tratamentos eram os conhecidos

    curandeiros.

    No terceiro captulo, Portos, pontes e ferrovias: adeses e resistncias

    ao progresso em Campo Formoso trataremos da Ferrovia Goyaz e os motivos

    que barraram a sua chegada no espao cidade. Da mesma foram debateremos

    as percepes que foram construdas pelos moradores de Campo Formoso em

    relao ao desvio da Estrada como tambm o que significava para aqueles

    sujeitos esse perodo tido como modernizador. A questo ser problematizada

    a partir de eixos de pensamentos que, colocam em discusso a forma que foi

    abordada e percebida a Ferrovia Goyaz dentro do estado pela viso de alguns

    autores como; Barsanufo Borges e Nars Chaul por exemplo. Apresentaremos

    um vis diferenciado da historiografia, no que diz respeito ideia de marcar a

    Ferrovia como inauguradora de uma poca de modernidade e progresso para

    todo o Gois e em todos os nveis da sociedade20. Entendimento o qual no

    concordamos, por averiguar que em diversos aspectos Campo Formoso

    continua sem desfrutar dessas modernidades por dcadas frente. Assim,

    buscamos nos distanciar desses aspectos da historiografia goiana que retrata o

    perodo, como inaugurado por uma automtica situao modernizadora. A

    Ferrovia no parece ter proporcionado isso para todo o Gois como, por

    exemplo, para a regio de Campo Formoso que vive por largo tempo em uma

    situao de extrema carncia. Demonstraremos as ideias e articulaes da

    elite poltica local no que diz respeito ao obstculo imposto por ela, para a

    construo ferroviria dentro dos limites da urbe.

    Logo aps apresentaremos uma discusso sobre a categoria

    modernidade, procurando construir vrias vises sensveis que busquem

    compreender o que significava esta palavra que fora to anunciada no perodo

    da Primeira Repblica. Tomaremos como entendimento que essa categoria 20 Ver: BORGES, Barsanufo G. O despertar dos dormentes: estudo sobre a Estrada de Ferro Gois e seu papel nas transformaes das estruturas regionais: 1909-1922. Goinia: Cegraf, 1990.

  • 24

    poder apresentar diversas percepes. Sero observados os testemunhos de

    moradores e de trabalhadores da Estrada frrea os quais falaram sobre as

    dificuldades e o significado da modernidade dentro das suas experincias.

    Ao discorrer sobre o assunto ferrovia observamos que a mesma

    construiu uma lgica prpria dispensando os que no se aliavam aos

    pensamentos dos seus dirigentes assim como tambm dispensava os destinos

    que no dariam bons lucros. Discutiremos o sentido desse isolamento

    proposital para cidade de Campo Formoso, incorporando o testemunho de

    alguns moradores da regio e seu entendimento sobre o fato ainda

    incompreendido pela maioria. Abrindo diversas especulaes muitas delas

    distantes do acontecido. Em um primeiro momento verificamos que poltica

    criada dentro dos caminhos ferrovirios tece a malha agraciando umas cidades

    e desprezando outras, dependendo da viso poltica predominante em cada

    local, fazendo com que os trilhos de ferro em muitos momentos sejam

    construdos utilizando a lgica das alianas polticas que por muitas vezes, o

    bem geral no o objetivo. Mas, sim a viso que no foge s ideias

    particularistas que sempre estiveram to presentes na histria do Brasil. Ao

    longo dessa dissertao, buscamos discutir, portanto, as vrias especificidades

    de uma cidade, sua trajetria e os principais elementos que iluminam as

    relaes polticas tecidas nas primeiras dcadas do sculo XX, focando a

    cidade de Campo Formoso. Nesse capitulo tambm dispensaremos ateno ao

    quadro econmico que se instalou na cidade mesmo depois da chegada da

    Ferrovia Goyaz na regio sudeste corroborando para o entendimento da

    estagnao econmica. Por meio de vrios documentos visualizamos ainda a

    carncia na cidade e a estagnao em termos de comrcio.

  • 25

    CAPTULO I

    AS RELAES DE PODER NA CONSTRUO DE UMA CIDADE

    1. 1. A Igreja e as relaes de poder

    A igreja Catlica est presente desde o incio da formao desta cidade

    pois a cidade foi instituda atravs de uma doao Igreja pelos meados do

    sculo XIX, transformando este espao citadino em patrimnio Eclesistico. O

    poder tem vrias faces, a Igreja desde o incio da sua criao dispensa devida

    ateno para o poder simblico,

    poder de constituir o dado, de fazer e fazer crer, de confirmar e de confirmar a viso do mundo e, desse modo, a aco sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mgico que permite obter o equivalente daquilo que obtido pela fora ( fsica e econmica) graas ao efeito especfico de mobilizao, s se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrrio. Isso quer dizer que o poder simblico no reside nos sistemas simblicos [...] mas que se define numa relao determinada - por meio desta entre os que exercem o poder e os que esto sujeitos, quer dizer, isto , na prpria estrutura do campo que se produz e se reproduz a crena.1

    No Brasil a Igreja influenciou profundamente os governos locais. Assim,

    mesmo depois da separao e embates acirrados que aconteceram durante a

    Repblica ela no desistiu do seu projeto e de seu poder j constitudo, pois

    as figuras-chave na conduo da poltica eclesistica destinada ao pblico

    interno (a saber, os grupos dirigentes) passaram a ser aqueles bispos

    empresrios que se mostraram bem-sucedidos na montagem de alianas

    como detentores locais do poder oligrquico2. Assim, frente a diversos embates

    Arajo Jnior nos esclarece,

    suas aes conservadoras e pautadas nos princpios ultramontanos e tridentinos abalizados pela Cria romana encontraram uma dura resistncia por parte da poltica liberal e laicizante postulada pelo referido cl oligrquico. Os desdobramentos desse conflito resultaram numa grave crise da Igreja Catlica em

    1 BORDIEUR, Pierre. Sobre poder simblico. Trad. de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: DIFEL, 1989. p. 14. 2 MICELLI, Srgio. A elite eclesistica brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988. p. 21.

  • 26

    Gois e que teve como conseqncia principal a transferncia da sede episcopal da Cidade de Gois para Uberaba, em 1896. 3

    Mas, em Campo Formoso, essa interferncia atua de maneira constante

    e profunda. Fundada a partir de doaes Igreja, que desde os seus primeiros

    tempos determinava as aes de seus fiis, e apesar dos embates entre foras

    laicizantes e religiosas que rondavam o estado de Gois desde 1870, demorou

    muitos anos at romper com os laos mais fortes que os uniam ao poder da

    Igreja Catlica.

    A Igreja sempre teve um papel relevante desde o aparecimento do

    arraial de Capela de Nossa Senhora da Piedade dos Correia. Ao nos

    debruarmos sobre essa cidade-objeto observaremos variados aspectos na

    sua composio, como foi pensada e construda. Nos finais do sculo XIX, a

    cidade comea a caminhar para algumas mudanas no intuito de tecer

    melhorias, muitas delas vieram em ateno aos desejos que a recm criada

    Repblica impelia a todo o pas, no af de trazer um novo conceito o qual

    desejava que o Brasil fosse inserido, a modernidade e o progresso. Diante de

    tal proposta, no incio do sculo XX, a cidade tenta remodelar-se e libertar-se

    de algmas das antigas estruturas coloniais.

    Destacamos que nos fins do sculo XIX, poucos acontecimentos se

    deram no pequeno arraial de Capela dos Correia. Os nicos que encontramos

    se encontram descritos no Livro do Tombo de 1912, que dizem respeito s

    primeiras atividades e remodelaes da Capela de Nossa Senhora da Piedade

    dos Correias e as festas religiosas que aglutinavam as pessoas da regio.

    Compreendermos que a capela desde que foi idealizada pela primeira vez pelo

    senhor Fulgncio Caetano de Souza, que no chegou a v-la finalizada,

    sempre convergiu pra a existncia do arraial e sua construo se deu por meio

    de esforos hercleos na sua concretizao. A capela fora o marco inicial para

    a construo do arraial. A partir dela a cidade, ou melhor, dizendo o pequeno

    3 ARAJO JNIOR. Edson Domingues. A restaurao catlica em Gois no advento da nova capital (1932- 1942). Sociabilidades religiosas mitos, ritos e identidades: XI SIMPSIO NACIONAL DA ASSOCIAO BRASILEIRA DA HISTRIA DAS RELIGIES. Goinia UFG, ISBN. 978-85-7103. 564-5.

  • 27

    arraial, deu seus primeiros passos na solidificao de um posterior espao

    urbano e da constituio da cidade.

    Antes da construo da tal capela, o espao pertencia a Fazenda Santa

    Brbara, de propriedade do senhor Joo Correia Pres e depois passou as

    mos do patrimnio catlico por meio de uma doao feita pelo senhor Correia.

    Se olharmos mais atentamente, entenderemos que a cidade de

    Campoformosense nasceu de um ato de f. De acordo com os documentos do

    Tombo o primeiro prdio construdo, a capela, viera de uma doao ao

    patrimnio eclesistico em devoo a Nossa Senhora da Piedade construda

    em um terreno doado estas oferendas contriburam para enriquecer ainda mais

    os cofres da Igreja. A planta original consta de um nico salo.4 Apesar de

    parecer de tamanha simplicidade, foram esforos gigantes onde se demorou

    quase vinte e seis anos para ficar pronta que nos indica as grandes

    dificuldades do tempo, falta de mo de obra, e de materiais para sua

    construo alm dos raros recursos econmicos.

    A primeira atividade oficial na capela Nossa Senhora da Piedade dos

    Correia aconteceu no ano de 1876 e foram descritas pelo Pe. Luiz Brs Prego

    no livro do Tombo, o primeiro documento escrito que atesta a realidade da

    Capela trs a data de primeiro de novembro de 1876, trata-se de um assento

    de batismo de uma certa creana.5 A beno da capela da mesma forma foi

    realizada pelo Pe. Luiz Brs Prego, pertencente a parquia Nossa Senhora da

    Conceio de Santa Cruz de Gois, que veio a falecer em 1914. Ainda nesse

    momento a freguesia de Capela dos Correia ainda se encontrava subjugada

    Parquia de Santa Cruz de Gois. Nesse evento aconteceu o primeiro batismo,

    cujos nomes das crianas constam nas escrituras, um menino de nome

    Manoel Filho de Albino Claro de Oliveira e uma menina Maria da conceio6

    alm dessas, vrias outras crianas tambm foram batizadas, mas seus nomes

    no constam nos arquivos paroquiais.

    A importncia da Capela Nossa Senhora dos Correia aparece em vrios

    momentos da constituio da cidade. Diante disto, entendemos que no

    4 Livro do Tombo Campo Formoso 1912, Arquivo da parquia de Orizona-GO, p. 05. 5 Livro do Tombo Campo Formoso 1912, Arquivo da parquia de Orizona-GO, p. 04. 6 Livro do tombo Campo Formoso 1912, Arquivo da Parquia de Orizona-GO, p. 04.

  • 28

    poderemos ignorar este aspecto religioso na formao da cidade, haja vista

    que a sua formao e consolidao est tambm condicionada a este poder.

    Presenciamos inmeras vezes na sua histria a influncia da instituio

    Catlica seja nos costumes, hbitos, na poltica, e na configurao do espao

    urbano, pois sem ela a cidade no teria se formado nesse tempo. Todavia, foi

    ao passar categoria de vila que esta regio afirmava-se de vez na histria de

    Gois. Muitas disputas e controvrsias entre as famlias abastadas da regio

    marcaram o incio da formao desta cidade, mas isso um fato normal j que,

    a histria est sempre no centro das controvrsias.7

    Nessa cidade, mesmo com todos os discursos desejosos de progresso

    feitos em solo goiano, esses pensamentos no reverberaram completamente.

    Assim, Campo Formoso fica em uma encruzilhada entre modernidade e

    tradio, tendo a maioria da vezes optado pela segunda opo. Dessa forma,

    faz-se significativo ilustrarmos, um fato que se deu dentro de uma reunio no

    Conselho de Intendncia, j na Repblica, onde fizeram uma meno

    memria de sua alteza D. Carlos: Foi pelo conselheiro Euclides Brettas

    requerido que fosse inserido na presente acta um voto de profundo pesar e um

    minuto de silncio pela morte trgica de sua alteza Dom Carlos rei de Portugal

    o que foi unanimemente aprovado.8 No se tratava de uma simples

    homenagem, aleatria, isso demonstra os valores tradicionais e conservadores

    enraizados nesta sociedade ruralista.

    Os laos que uniam a monarquia estavam presentes at o perodo. Para

    os intendentes a famlia real ainda representava o verdadeiro smbolo da

    autoridade do Brasil, a quem deveria se prestar reverncia. O fato dessa

    reverncia nos ajuda a entender esta sociedade no interior de Gois, ainda

    muito apegada aos valores da Monarquia. Outro fato que merece ateno

    que mesmo com a separao entre estado e Igreja durante a proclamao da

    Repblica, a elite poltica em Campo Formoso ainda continuava fiel seguidora

    da Igreja, por meio dos seus representantes a Igreja era intimamente ligada s

    7 LE GOFF, Jacques. Histria e memria. Trad. Bernardo Leito...[ et al.]. 5 ed. Campinas, SP: Editora Unicamp. 2003, p. 17. 8 Ata do Conselho do Municpio da Villa De Campo Formoso de 1907. Arquivo da Cmara de Vereadores de Orizona-GO.

  • 29

    decises polticas. Durante muitos anos a instituio norteou a vida dos

    moradores do local por meio das missas e das festas religiosas. As

    interferncias vinham de vrios lados. Podemos tomar como exemplo o

    cemitrio paroquial que somente fora desativado na dcada de 1935, isto , por

    autorizao e vontade do Pe. Trindade. O cemitrio comeou a ser construdo

    antes de 1918, por volta de 1920 ele fica pronto e mesmo assim no foi

    inaugurado. O antigo cemitrio continua a ser utilizado. Quando na ocasio, no

    ano de 1935, o Conselho fora advertido pela grande epidemia de febre

    amarela, no decreto n107,

    Eu Aguinaldo Frana, Prefeito Municipal de Campo Formoso usado os direitos que a lei lhe confere, e depois de ouvido o Conselho Consultivo, resolve de acordo com o virtuoso vigrio desta parquia, Rev. Pe. Jos Trindade, considerando com o crescente desenvolvimento desta cidade cuja as ruas j se estendem para depois do cemitrio Paroquial ( cemitrio velho) considerando no haver mais espao para o seu prolongamento, considerando no haver mais lugar para nenhuma inhumao sequer, sem que o coveiro encontre cadveres em franca decomposio.9

    A necessidade da aprovao do Pe. Trindade importante. No

    podemos deixar de perceber a ingerncia do tal cnego em assuntos polticos,

    de sade pblica, mas que era tido como assunto de cunho religioso.

    Entendemos que essa atitude era fruto de uma mentalidade formada dentro

    dos preceitos religiosos catlicos que no fora ainda continuava vigente. A

    figura do padre representava a prpria Igreja, devemos perceber que a palavra

    dele era o aval da prpria Igreja e de tudo que ela representa de divino. A

    Igreja era quem deveria direcionar seus fieis para que eles no se desviassem

    do caminho da salvao. Assim, dentro dessa orientao a urbe construiu

    muito sua histria, pois os moradores da cidade e do campo obedeciam aos

    ensinamentos da instituio.

    As transformaes chegaram lentamente e mesmo com a Repblica, a

    cidade, no que diz respeito s mudanas estava longe do ideal que os

    pensamentos republicanos da poca representavam. Cabe observar que tal

    aspecto foi prprio das relaes polticas no Brasil do perodo, em que as 9 Prefeitura Municipal de Campo Formoso Registros de Leis e Decretos de 1930 a 1939. Arquivo da prefeitura da Cidade de Orizona-GO.

  • 30

    ideias modernizadoras no eram compartilhadas entre vrias camadas da

    populao. De acordo com Emilia Viott, a ideia de Repblica consubstanciava

    o sonho poltico de algumas camadas intelectualizadas da pequena burguesia

    urbana e de alguns setores positivistas [..] que viam na Repblica a soluo de

    todos os males.10

    Portanto, Campo Formoso no incio da Primeira Repblica ainda nutre

    fortes laos com os tempos Imperiais. Confirmando que o pensamento

    republicano fora tecido, principalmente, nos meios urbanos, os Republicanos

    eram principalmente gente das cidades, e no gente do campo11, isto foi

    notado fortemente nesta cidade, recm formada. Assim, a maioria da

    populao estava alheia a ela, os brasileiros ocupantes das regies rurais no

    participavam, na sua grande maioria dessa ideia como verificamos nesse

    espao. No que diz respeito indiferena da maioria da populao o viajante

    Max Leclerc12 tece uma ideia quando escreve no seu livro intitulado Cartas do

    Brasil,

    A revoluo est terminada e ningum parece discuti-la, mas aconteceu que os que fizeram a revoluo no tinham de modo algum a inteno de faz-la, e h atualmente na Amrica um presidente da repblica fora. Deodoro desejava apenas derrubar um ministrio hostil. Era contra Ouro Preto e no contra a monarquia. A monarquia cara. Colheram-na, sem esforo como um fruto maduro.13

    Em Campo Formoso isso verificado pela atuao de uma mentalidade

    ainda conectada com uma supremacia catlica e ruralista, nesse caso,

    cultivada tambm pelas elites locais atuantes na poltica. Ento, quando

    buscamos entender os vrios aspectos, caractersticas e modos de viver nesse

    espao-cidade, refletimos na construo de um olhar que desvende as foras

    atuantes na formao desse espao e impreterivelmente, a prpria sociedade

    nela inserida. De fato, muitos aspectos foram discutidos no desvendar desse

    cenrio urbano e sabemos que eles no se esgotam. As dificuldades

    10 VIOTTI, Emlia. Da Monarquia repblica. 9. ed .- So Paulo: EDITORA: UNESP, 2010. p. 441. 11 VIOTTI, Emlia. op. cit. 2010. p. 412. 12 Viajante francs que visitava o Brasil justamente pelo acontecido de quinze de novembro, a proclamao da repblica. 13 Leclerc, Max. Cartas do Brasil. Trad., prefcio e nota de Srgio Milliet. So Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1942. p. 17.

  • 31

    encontradas para a anlise se passa principalmente pelo refletir de um tempo

    distante de ns. Mas, a nosso ver nenhum acontecimento poderia ser mais

    revelador do que influncia catlica e a fora dos coronis na regio. Isso

    nos indica os moldes em que foi construda essa sociedade at o ano de 1930.

    Se refletirmos as tenses que influenciaram a constituio desse espao

    e dentro de sua configurao social entenderemos o espao investigado de

    Campo Formoso como constitudo dentro de uma mentalidade nos moldes

    catlicos e coronelistas da poca, ou seja, de estrutura conservadora e

    ruralista. No seria, portanto, a chegada da Repblica que iria de maneira

    rpida modificar o panorama de uma pequena cidade de subsistncia atada

    aos antigos preceitos construdos dentro de uma realidade agrria, onde

    prevalecia a grande propriedade e assim sendo seus donos. Essa imobilidade

    tambm justificada pelas profundas razes constitudas dentro dos antigos

    moldes coloniais. A igreja sempre estava interferindo nos assuntos do estado.

    No ano de 1907 foi lido pelo presidente da Intendncia um ofcio sobre a

    construo de uma linha telefnica na cidade de Campo Formoso, que seria

    financiada pela igreja,

    Em seguida foi pelo presidente entregue a mesa um officio do reverendssimo Pe. Francisco Vaz da Costa a este conselho no qual prope a garantia de juros a seis por cento sobre o capital de doze contos, com privilgio de vinte anos, para o traado da linha telephonica neste municpio.

    A Igreja estava disposta a financiar esse benefcio para a cidade, e em

    conjunto com a poltica ela tambm era responsvel pelas transformaes

    nessa regio. Apesar da linha no ter sido construda por falta de condies

    econmicas, indica que apesar de se pensar que os juros estavam baixos ele

    no seria comportado pelo oramento do municpio.

    Nesse tempo os giros eram feitos em diversas regies do interior,

    desde h muito tempo por conta da falta de Igrejas nas localidades mais

    distantes, sendo o arraial tambm visitado nos primeiros tempos, pelo menos

    trs vezes ao ano. Nas anotaes referentes ao sculo XIX fala-se, so dignos

    de registros os Pe. Jos Olinto e Pe. Antnio Ferreira de Lima os quais

    percorreram a regio pregando a palavra de Deus e os sacramentos as almas,

  • 32

    at trs vezes por ano.14 Os padres os faziam a p, de carro de boi, ou a

    cavalo, pregando a palavra, visitando os doentes, fazendo batismos, e dando a

    extrema- uno. A extrema uno era realizada caso os doentes terminais

    tivessem a sorte dos vigrios chegarem na hora do seu descanso eterno.

    Estas obrigaes religiosas foram por sua vez uma enorme motivao para

    construo de uma capela no antigo arraial que, pudesse atender aos fiis,

    pois, eles pretendiam cumprir com as suas obrigaes religiosas. Os padres no

    incio do arraial vinham para rezar as missas domingueiras e cumprirem as

    obrigaes eclesisticas como, batismos e casamentos nas fazendas.

    Em 1836 aparecem os nomes do stio do Bah, onde se batizam muitos inocentes, Cocal, Santa Barbara, Cuiabanos, Taquaral, Cachoeira, Posses, Piracanjuba, Engenho Velho, Boa Vista, Campo Alegre, como se depreende no Livro de registro do Pe. Calado e o Pe. Joaquim Ferreira. 15

    Ento, mesmo que ainda no estivesse construda a capela, os fiis no

    ficavam sem o apoio dos ministros de cristo. De Santa Cruz de Gois tambm

    vieram inmeros vigrios para servirem o arraial de Capela dos Correia

    fazendo parte da vida religiosa dos habitantes do distrito como mencionado

    no livro do tombo, Pe. Colado, Pe. Antnio Joaquim Teixeira, Pe. Antnio

    Francisco do Nascimento, Pe. Antnio Joaquim de Azevedo.16 Fbio Gumieiro

    aponta um caminho para entendermos a dedicao s instituies religiosas;

    A presena de instituies religiosas entre a sociedade colonial brasileira era de certa forma um consolo aos fiis, que muitas vezes, devido falta de padres diocesanos, ficavam devendo em suas obrigaes religiosas, estes casos eram geralmente resolvidos pelos religiosos que auxiliavam atendendo confisses e pregando nos mais longnquos lugarejos da colnia tanto no tempo quaresmal como em outras pocas do ano, quando organizavam incurses ao interior para pregar misses e catequizar os moradores.17

    Ainda percebe-se a preservao de uma viso poltica dominada pelos

    chefes regionais os coronis. Mas, alm desses muitos padres assumiam a

    representao desse tipo de autoridade, pois se transformam em verdadeiros

    lderes de uma determinada comunidade local como aponta Victor Nunes Leal,

    14 Livro do Tombo Campo Formoso ano de 1912. Arquivo da parquia de Orizona, p.07. 15 Livro do Tombo Campo Formoso de 1912. Arquivo da parquia de Orizona-GO. p. 02. 16 Livro Tombo Campo Formoso ano de 1912. Arquivo da parquia de Orizona, p. 07. 17 GUMIEIRO, Fbio. As ordens religiosas e a construo scio-poltica na Brasil: Colnia e Imprio. Tuiuti: Cincia e Cultura, n. 46, Curitiba, 2013, p. 68.

  • 33

    destacando que o padre funciona como um aliado dos coronis e dessa

    forma, atinge um prestgio poltico. O Padre Trindade refletia algumas

    caractersticas desse conceito, contudo ele no tinha aliados coronis, mas

    fazia de tudo para deter muita influncia na cidade e durante o tempo que

    esteve frente da sua parquia ele reformou a capela da cidade passando a

    ser a Igreja Matriz, reformou as outras igrejas do municpio, transferiu o

    cemitrio paroquial para o novo cemitrio. Em cima dos lombos de cavalos o

    Padre fazia seu habitual giro, no difcil conhecer pessoas na localidade

    que recordam da figura do Padre montado em seu cavalo pelas ruas de terra

    empoeiradas.18

    Uma de suas ltimas contendas com a parte poltica da cidade foi em

    torno da mudana da nomenclatura, para Orizona, onde teceu crticas

    ardentes. Afirmava que a nomenclatura no estava correta em relao a escrita

    e tambm no concordava com a mudana entrando em divergncia com o Dr.

    Raphael Lemes Franco, mdico, o autor da nova nomenclatura19. O Cnego se

    acha em uma verdadeira luta por vrios valores na frente das quais se coloca

    como o seu maior feitor,

    A corda da justia ser-me reservada na Glria de Deus, por Quem tudo nos propusemos a fazer de joelhos agradecemos a nossa Senhora da Piedade, essa Me extremosa que sempre nos orientou e confortou em todas as horas em que as testemunhas do mal investiram-se contra ns fomos alvos das maiores campanhas, Mas, sabemos resistir a tudo. Se fizemos algum bem, foi o nosso sacerdcio; e se fizemos ou fomos culpados de algum mal, foi a nossa humanidade.20

    As palavras do Cnego retratam que as animosidades eram elementos

    constantes e o vereador Joel Andrade do P.S.D. era um dos seus opositores.

    Em contrapartida o Pe. Trindade tinha o apoio dos mais conservadores

    pertencentes do partido U.D.N,21 destacadamente pela figura do Arthur Silva,

    filho de Pio Jos da Silva Antigo Intendente municipal. Como destaca o Livro

    18 Entrevista concedida por Maria Pereira, 82 anos moradoras da cidade de Orizona, nascida no povoado da Cachoeira. Av: EgerineuTexeira, centro, Orizona. Entrevista feita em udio digital 30 minutos. 19 Livro do Tombo de 1945. Parquia da cidade de Orizona-GO. 20 Livro do Tombo da cidade de Orizona de 1945. Pe. Jos Trindade. Parquia de Orizona-GO. 21 UDN, Partido da Unio Democrtica Nacional, Criado em 7 de Abril de 1945 e extinto em 27 de outubro de 1965. Partido criado, principalmente, para fazer oposio a Getlio Vargas e ao Ento partido PSD, ( Partido Social Democrata.

  • 34

    do Tombo agradecimentos ao senhor Arthur Silva, tambm catlico e dedicado

    operrio em todas as atividades da parquia.22

    Observa-se que o Pe. Trindade fora citado em ata relatando com

    indignao alguns desses desentendimentos descritos de maneira clara nas

    atas da Cmara de vereadores na dcada de 1940, pois, o vereador Joel

    Andrade, mdico da cidade de Campo Formoso, no cansava de reclamar das

    investidas do Cnego Jos Trindade da Fonseca e Silva23 em assuntos

    polticos. O cnego tornou-se uma figura poltica eminente no estado de Gois.

    Se na regio j tinha uma forte corrente religiosa em sua poltica, com a

    chegada do Pe. Trindade, isso foi ainda mais evidente. Por fim suas aes lhe

    renderam uma vaga na cmara dos deputados federais pelo estado de Gois

    nesse perodo. As reclamaes do vereador Joel Andrade denunciam os

    intrometimentos do padre nos assuntos polticos locais achando o vereador que

    ele deveria se restringir ao contexto da parquia, como cabia a um verdadeiro

    ministro de Jesus.24

    Uma disputa de poder evidenciada de forma clara e inflamada, entre

    as partes. No perodo da dcada de 1940, quando Campo Formoso j era

    Orizona, ainda lutava-se pelo fim da influncia religiosa nos assuntos polticos

    do estado. As discusses eram conflagradas de maneira aberta, tanto que

    constou em ata, e cabe citar sobre uma dessas passagens escrita pelo ento

    vereador Joel de Andrade, o escrito um pouco amplo, mas necessrio para

    compreenso do espao abordado,

    [...] estando eu em Goinia, fui surpreendido com uma pesarosa notcia do ocorrido em nosso municpio. To logo tive a notcia fui procurar o que havia de anormal, verificado o ocorrido

    22 Livro do Tombo da cidade de Orizona de 1945. Pe. Jos Trindade. Arquivo da Parquia de Orizona-GO. 23 Jos Trindade da Fonseca e Silva nasceu na histrica cidade de Jaragu, Estado de Gois, em 07 de junho de 1904, filho de Ernesto Camargo da Fonseca e Ernestina Luiza da Fonseca. Cedo transferiu residncia para a cidade de Corumb de Gois, onde iniciou os seus estudos com o destacado professor AgnelloArllngton Fleury Curado (1891-1966), na poca, iniciante na escola primria local. Estudou no Seminrio Santa Cruz da Cidade de Gois e, mais tarde, no Seminrio Anchieta, da cidade de Bonfim, hoje Silvnia. Ativo e intelectual dedicou-se aos estudos histricos, notadamente da educao. Foi nomeado Secretrio de Estado da Educao de Gois e mais tarde Deputado Federal. Tambm, foi secretrio da Arquidiocese de Goinia. Dirigiu, ainda, o Banco do Estado de Gois e o Conselho Regional dos Servios Sociais e Rurais de Gois, cargos que exerceu com sabedoria e justia. 24 Atas da Cmara de vereadores da cidade de Orizona , ( nessa data a cidade de Campo Formoso j tinha outra nomenclatura, 1948). p. 54.

  • 35

    cheguei a concluso que tudo fora obra satnica do pe. Jos Trindade [..] deixou de ser surpresa para mim, pois tais fatos s poderiam partir do maquiavelismo do Pe. que em nossa terra s tem trazido desarmonia. Em todo o estado ele conhecido como intranquilizador das massas. Em sua terra natal todos dele querem distncia, em Pires do Rio, sempre foi o agitador, em Gois Velho nunca fez outra coisa, em Anpolis assim procedeu e aqui em nossa Orizona tem sido ele o maior perturbador da ordem pblica. [...] quer ser chefe da igreja e muito mais ainda chefe poltico. Esquece o Padre que o povo no o quer de forma alguma. Ele foi o fantasma que levou dr. Francisco do Nascimento a derrota. Ele colocado em um partido seja ele qual for sombra negrade seus correligionrios pertenceu aos partidos P.S.D., U.D.N., E.D., P.S.P., P.R. s no pertenceu ao comunismo porque esta abertamente contra a religio catlica. Ele quer mandar, entretanto o partido em que consegue penetrar a derrota certa, pois desde 1930 que luta para ser qualquer coisa nesta terra.25

    Figura polmica, que no aceitava as solues polticas feitas na poca

    sem que participasse das mesmas, o cnego Trindade, tambm tentou deixar

    por meio dos seus registro no Livro do Tombo um resumo de vrias pginas, a

    histria do incio da formao da cidade Capela dos Correias. So ( re)

    inscries das anotaes feitas pelo Pe. Ramiro Meireles. O Cnego realizava

    trabalhos no campo da cultura do estado de Gois, e na cidade na sua

    parquia ele reformou a matriz central, antiga capela, e as igrejas dos

    municpios reivindicando para elas a autonomia pelos seus patrimnios. Eles

    trabalham em nome da Igreja e pela Igreja,

    A capela de Santa Luzia de Ubatan, hoje Egerineu Teixeira, encontram-la no mais completo desprezo [...] hoje est reconstruda com todo o necessrio para amplo exerccio do culto divino ao lado de um povo bom; a referida capela que at o presente momento no possui patrimnio a no ser a praa onde est edificada.26

    Observamos que seu interesse era deixar registros seus, satisfazendo

    as suas vaidades, que ficassem na histria de cidade e assim na histria de

    Gois. Mas, no devemos entender a intromisso do Pe. Trindade como um

    assunto isolado, e nico, pois j no tempo da criao do Conselho de

    Intendncia em 1907, houve um acordo entre a administrao do Conselho e a

    Igreja de fazer uma sociedade onde construiriam um espao que chamaram de

    25 Pronunciamento feito pelo vereador Joel Andrade. Ata da cmara de vereadores da cidade de Orizona em 03 de fevereiro 1948, p. 54-55. 26 Livro do Tombo da cidade de Orizona ano de 1945. Pe. Jos Trindade. Arquivo da parquia de Orizona-GO. p. 20.

  • 36

    Pasto das Almas. Esse referido lugar era uma espcie de casa de orao onde

    o lucro obtido seria dividido entre a Igreja e a administrao da cidade.

    [...] pedindo a palavra o conselheiro Pio Jos da Silva, e concedida pelo presidente, foi por aquelle appresentado o projeto para que o denominado Pasto das Almas, sobre o consentimento da competente autoridade eclesistica, fique sobre administrao deste conselho servindo de fonte de renda que ser dividida em partes iguaes, entre o municpio e a Igreja.27

    Construindo uma ligao econmica para a arrecadao de errio, a

    Igreja Catlica no se restringe simplesmente levar os fiis para a salvao ela

    tambm deseja dinheiro. E em ata todos os conselheiros aprovam

    unanimemente. Devemos lembrar que nesse perodo ainda no existia a

    freguesia, pois ela estava subordinada a cidade Santa Crus de Gois. O

    prprio nome de Capela de Nossa Senhora de Campo Formoso um

    desdobramento da ao catlica. Assim, Nossa Senhora da Piedade proveio

    da devoo de um dos membros da comisso que construiu a capelinha.28

    Atualmente os terrenos da cidade ainda fazem parte do patrimnio da

    Igreja Catlica, e muitos continuam pertencendo legalmente instituio

    Catlica, fazendo com que muitos moradores ainda no possuam as escrituras

    das suas casas e as outras propriedades ainda so alugadas aos moradores

    do local, segundo o relato do atual padre da cidade, o Pe. Roberto. O mesmo

    ocorre com os povoados ao redor da urbe, que tambm

    pertenceram/pertencem ao patrimnio eclesistico e foram responsveis por

    litgios entre moradores e igreja. O povoado da Cachoeira, por exemplo,

    existiram litgios no faz muito tempo, a Igreja queria recuperar as suas terras o

    que no ocorreu.

    A intensidade da vida religiosa na cidade sempre foi/ notada. Em

    qualquer uma das duas situaes a influncia do apostolado era significativa.

    Dentre os vrios dogmas e preceitos que deveriam ser seguidos, as doaes

    nos chamam ateno, pois, so mencionadas nos sermes, sendo tambm

    responsveis pela origem do arraial e as cartas pastorais sempre lembram aos

    fiis da importncia impar das contribuies ofertadas pelos mesmos. Eram 27 Ata do Conselho de Intendncia de Campo Formoso 4 sesso de 23 de novembro de 1906. Arquivo da Cmara de vereadores da Cidade de Orizona-GO. 28 Livro do Tombo da cidade de Campo Formoso ano de 1912. Arquivo da parquia de Orizona, p. 10.

  • 37

    eles que contribuam de boa vontade, para a construo do grande patrimnio

    Catlico.

    Observamos isso na carta pastoral, que veremos mais adiante, escrita

    por D. Prudncio Gomes da Silva, Bispo de Gois em 19 de maio de 1913

    endereado a recm inaugurada parquia Campo Formoso vemos o interesse

    nas esmolas dadas pelos fiis. A parquia teve como primeiro vigrio

    encarregado o Pe. Julio Calsada vigrio da parquia de Santa Cruz de Gois,

    que era o responsvel no momento da instalao da freguesia, na data de 31

    de agosto de 1912 antes mesmo da prpria criao oficial da Parquia. Por

    meio dela temos por objetivo no somente uma descrio, mas para, alm

    disso, a sua escrita nos traz pensamentos, determinaes e dogmas que eram

    priorizados, na poca.

    Vrios Bispos da diocese de Gois, antes de D. Prudncio, faziam parte

    do Ultramontanismo, como o Bispo D. Joaquim Gonalves de Azavedo (1865-

    1876) e D. Cladio Jos Gonalves Ponce de Leo ( 1880-1890). E mesmo D.

    Prudncio Gomes no ter a fora dos seus antecessores mesmo assim, eles