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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL FORMAÇÃO PROFISSIONAL E MERCADO DE TRABALHO DO SERVIÇO SOCIAL: UMA ANÁLISE DOS EGRESSOS DA EaD EM PAULO AFONSO-BA Járlita Valéria de Andrade Mestrado Acadêmico em Serviço Social São Cristóvão Sergipe Brasil 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SERVIO SOCIAL

FORMAO PROFISSIONAL E MERCADO DE TRABALHO DO SERVIO

SOCIAL: UMA ANLISE DOS EGRESSOS DA EaD EM PAULO AFONSO-BA

Jrlita Valria de Andrade

Mestrado Acadmico em Servio Social

So Cristvo

Sergipe Brasil

2014

JRLITA VALRIA DE ANDRADE

FORMAO PROFISSIONAL E MERCADO DE TRABALHO DO SERVIO

SOCIAL: UMA ANLISE DOS EGRESSOS DA EaD EM PAULO AFONSO-BA

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao

em Servio Social da Universidade Federal de Sergipe,

como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre

em Servio Social.

Orientadora: Prof Dra. Maria Lcia Machado Aranha

SO CRISTVO

SERGIPE BRASIL

2014

FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

A553f

Andrade, Jrlita Valria de Formao profissional e mercado de trabalho do servio social : uma anlise dos egressos da EaD em Paulo Afonso-BA / Jrlita Valria de Andrade ; orientadora Maria Lcia Machado Aranha. So Cristvo, 2014.

132 f. ; il.

Dissertao (Mestrado em Servio Social) - Universidade Federal de Sergipe, 2014.

1. Servio social formao profissional. 2. Assistentes sociais mercado de trabalho. 3. Paulo Afonso (BA). I. Aranha, Maria Lcia Machado, orient. II. Ttulo.

CDU 364.42:331.5(813.8)

JRLITA VALRIA DE ANDRADE

FORMAO PROFISSIONAL E MERCADO DE TRABALHO DO SERVIO

SOCIAL: UMA ANLISE DOS EGRESSOS DA EaD EM PAULO AFONSO-BA

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao

em Servio Social da Universidade Federal de Sergipe,

como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre

em Servio Social.

Orientadora: Prof Dra. Maria Lcia Machado Aranha

Aprovada em 31 de julho de 2014.

___________________________________

Prof Dra. Maria da Conceio Almeida Vasconcelos

Universidade Federal de Sergipe-UFS

___________________________________

Prof Dra. Jane Cludia Jardim Ped

Universidade Tiradentes-UNIT

___________________________________

Prof. Dra. Maria Lcia Machado Aranha

(Orientadora)

O momento que vivemos um momento de

plenos desafios. Mais do que nunca preciso

ter coragem, preciso ter esperanas para

enfrentar o presente. preciso resistir e

sonhar. necessrio alimentar os sonhos e

concretiz-los dia-a-dia no horizonte de novos

tempos mais humanos, mais justos, mais

solidrios.

Marilda V. Iamamoto.

AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida, perseverana e determinao para que eu

conquistasse mais essa vitria.

Aos meus pais, Jaime e Luciene; minha av Catarina; minha irm Geisa.

Minha base e fora. Por eles e para eles cheguei at aqui. Famlia humilde, honesta

e batalhadora, com quem aprendi a superar meus medos e lutar pelos meus

sonhos... Sonhos de ter um futuro melhor, de ser melhor e poder retribuir todo amor,

incentivo e colaborao que recebi, neste e em todos os momentos de minha vida.

Amo vocs!

Aos meus tios Maria Jos e Filomeno, pela acolhida durante todo o mestrado.

Sem esse carinho e apoio, a jornada seria ainda mais difcil.

Aos amigos Adailton Soares, Monique Santos, Raquel Barbosa e Flvia

Jorlane, principais responsveis por meu ingresso no mestrado. Pessoas que

dedicaram especial apoio desde a graduao e continuaram a contribuir com meu

desenvolvimento pessoal e profissional.

s amigas Cecilma Regina, Suzana Maia e Marineide Duque, pelos

ensinamentos e admirao.

minha orientadora, Prof Lcia Aranha pelo apoio e compreenso, e pelo

excelente trabalho na conduo dos estudos.

s demais professoras do PROSS e as novas amigas da jornada mestrado,

pessoas que de forma especial me acolheram e mostraram que juntas podemos

chegar mais longe.

Prof Jane Ped, pela ateno e gentileza em aceitar o convite para fazer

parte da banca de defesa.

SEDES, na pessoa de Ana Clara Moreira, pela liberao para que eu

pudesse cursar o mestrado sem deixar de lado minhas obrigaes enquanto

assistente social da instituio.

equipe da UNOPAR polo de Paulo Afonso-BA, pela oportunidade de

socializar os conhecimentos que outrora l aprendi, como acadmica do Curso de

Servio Social. Foi a partir de minha passagem por essa instituio que pude

ampliar meus horizontes profissionais e superar desafios. Agradeo ainda a amizade

poca em que fiz parte da equipe de tutores, apoio durante o curso de Mestrado e

valiosa colaborao pesquisa emprico.

Aos alunos e alunas de Servio Social da UNOPAR, turma 2011.2, com os

quais tive o privilgio de socializar conhecimentos e apontar caminhos para uma

formao profissional com qualidade, compromisso e sem distncias.

UNISA polo Paulo Afonso-BA, em especial Gorete Moreira, pelo carinho e

ateno com os quais fui recebida enquanto profissional e pesquisadora.

UNIASSELVI polo de Paulo Afonso-BA, na pessoa de Hugo Leonardo, pela

ateno e presteza durante a pesquisa emprica.

Universidade Aberta do Brasil (UAB) polo de Paulo Afonso-BA, na pessoa

de Edjane Queiroz, pelo apoio e compreenso nos momentos de estudos.

RESUMO

A presente dissertao tem como objeto de investigao a formao profissional e mercado de trabalho dos assistentes sociais egressos da educao a distncia (EaD). Para tanto, o objetivo deste estudo apresentar um panorama da formao profissional e mercado de trabalho dos assistentes sociais egressos da EaD no municpio de Paulo Afonso-BA, partindo da anlise de aspectos histricos e impactos da reforma do ensino superior para o Servio Social. Especificamente, buscaram-se elencar aspectos histricos da formao profissional e constituio do mercado de trabalho do Servio Social brasileiro; estudar a formao profissional do Servio Social na modalidade EaD luz da reforma do ensino superior; analisar o processo de formao profissional das instituies de ensino superior (IES) que ofertam o curso de Servio Social na modalidade de EaD, em Paulo Afonso-BA, reconhecidas ou em processo de reconhecimento pelo MEC; e, verificar o perfil dos profissionais egressos do Servio Social na EaD em Paulo Afonso-BA, concluintes entre 2010 e 2013, sua e insero no mercado de trabalho. Trata-se de uma pesquisa de natureza descritiva, caracterizada como estudo de caso, delineada pela pesquisa bibliogrfica e emprica, cuja anlise versa sobre aspectos quantitativos e qualitativos. O universo de pesquisa corresponde a 49 assistentes sociais egressos da EaD entre 2010 e 2013 de IES instaladas em Paulo Afonso-BA, com registro ativo no Conselho Regional de Servio Social (CRESS) 5 regio- Bahia. A amostra no-probabilstica por convenincia e totaliza 20% do universo, ou seja, 10 profissionais. Dentre os resultados, destacam-se a expanso exagerada da oferta do curso de Servio Social na EaD; a fragilizao no processo de formao profissional; e a insero e exerccio profissional precarizados. Palavras-chave: Servio Social. Formao Profissional. EaD. Mercado de Trabalho.

ABSTRACT

This dissertation is under investigation vocational training and labor market of graduates social workers of distance education (DE). Thus, the aim of this study is to present an overview of professional training and the labor market for graduates of distance education social workers in Paulo Afonso-BA, based on an analysis of historical aspects and impacts of the reform of higher education to social work. Specifically, it sought to list-historical aspects of vocational training and labor market constitution of the Brazilian Social Service; study the training of social work distance education mode in the light of the reform of higher education; analyze the process of training of higher education institutions (HEIs) that offer the course in Social Work in the form of distance education in Paulo Afonso-BA, or recognized in the recognition process by the MEC; and check the profile of the graduates of the Professional Social Work in EaD in Paulo Afonso-BA, graduating between 2010 and 2013, and their insertion in the labor market. This is a descriptive research, characterized as a case study, outlined by literature and empirical research, analysis of which deals with quantitative and qualitative aspects. The research base corresponds to 49 graduates of distance education social workers between 2010 and 2013 HEIs installed in Paulo Afonso-BA, with active registration with the Regional Council of Social Service (CRESS) 5th-Bahia region. The sample is intentional non-probabilistic and amounts to 20% of the universe, ie 10 professionals. Among the results, we highlight the overexpansion of the offer of the course of Social Service in DE; embrittlement in the educational process; and precarious insertion and professional practice. Keywords: Social work. Professional training. EaD. Labor market.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABAS Associao Brasileira de Assistentes Sociais

ABEPSS Associao Brasileira de Ensino e Pesquisa em Servio Social

ABESS Associao Brasileira de Escolas de Servio Social

ANL Aliana Nacional Libertadora

AVA Ambiente Virtual de Aprendizagem

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social

BM Banco Mundial

CEAS Centro de Estudos e Ao Social

CEPAL Comisso Econmica para a Amrica Latina e Caribe

CFESS Conselho Federal de Servio Social

CFPMESS Curso de Formao Poltica do Movimento Estudantil em Servio

Social

CHESF Companhia Hidreltrica do So Francisco

CNE Conselho Nacional de Educao

CONESS Conselho Nacional de Entidades Estudantis em Servio Social

COOPEX Cooperativa Educacional de Xing

CRESS Conselho Regional de Servio Social

DC Diretrizes Curriculares

DOU Dirio Oficial da Unio

EaD Educao a distncia

ENESSO Executiva Nacional de Estudantes de Servio Social

ERESS Encontro Regional de Estudantes de Servio Social

FASETE Faculdade Sete de Setembro

FHC Fernando Henrique Cardoso

FMI Fundo Monetrio Internacional

IES Instituio de Ensino Superior

IFBA Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia da Bahia

JK Juscelino Kubitschek

JOC Juventude Operria Catlica

LBA Legio Brasileira de Assistncia

MEC Ministrio da Educao e Cultura

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra

NOB-RH/SUAS Norma Operacional Bsica de Recursos Humanos do Sistema

nico de Assistncia Social

OEA Organizao dos Estados Americanos

OMC Organizao Mundial do Comrcio

PAC Programa de Acelerao do Crescimento

PDE Plano de Desenvolvimento da Educao

PNE Plano Nacional da Educao

PNAP Programa Nacional de Formao em Administrao Pblica

REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das

Universidades Federais

SEAD Secretaria de ensino a distncia

SENAI Servio Nacional de Aprendizagem Industrial

SESI Servio Social da Indstria

SUAS Sistema nico de Assistncia Social

TIC Tecnologia da Informao e Comunicao

UAB Universidade Aberta do Brasil

UNEB Universidade do Estado da Bahia

UNIASSELVI Centro Universitrio Leonardo Da Vinci

UNISA Universidade de Santo Amaro

UNIT Universidade Tiradentes

UNIVASF Universidade Federal do Vale do So Francisco

UNOPAR Universidade Norte do Paran

LISTA DE QUADROS

Quadro 01: Instituies de Ensino Superior em Paulo Afonso-BA e respectivos cursos

Quadro 02: Percentual de alunos evadidos/no concluintes em relao ao nmero de alunos

matriculados e concluintes entre 2010 e 2013.

Quadro 03: Demonstrativo de carga horria do Curso de Servio Social da UNIASSELVI

Quadro 04: Matriz Curricular do Curso de Servio Social da UNIASSELVI

Quadro 05: Oferta de disciplinas optativas

Quadro 06: Demonstrativo de carga horria do Curso de Servio Social da UNISA

Quadro 07: Matriz Curricular do Curso de Servio Social da UNISA

Quadro 08: Demonstrativo de carga horria do Curso de Servio Social da UNOPAR

Quadro 09: Matriz Curricular do Curso de Servio Social da UNOPAR

LISTA DE GRFICOS

Grfico 01: Faixa etria dos assistentes sociais entrevistados

Grfico 02: Renda familiar dos assistentes sociais entrevistados

Grfico 03: Estado civil dos assistentes sociais entrevistados

Grfico 04: Ano de concluso do ensino mdio dos assistentes sociais entrevistados

Grfico 05: Motivos pela escolha do curso de Servio Social na EaD

Grfico 06: Ano da concluso da graduao dos assistentes sociais entrevistados

Grfico 07: Conhecimento dos assistentes sociais entrevistados acerca das Diretrizes

curriculares

Grfico 08: Atuao profissional dos assistentes sociais entrevistados

Grfico 09: Forma de insero dos assistentes sociais entrevistados no mercado de

trabalho

SUMRIO

INTRODUO .......................................................................................................... 15

CAPTULO I .............................................................................................................. 21

FORMAO PROFISSIONAL E CONSTITUIO DO MERCADO DE TRABALHO

DO SERVIO SOCIAL: ASPECTOS HISTRICOS ................................................ 21

1.1 O SERVIO SOCIAL NO BRASIL: DAS PRIMEIRAS ESCOLAS AO

CURRCULO MNIMO DE 1952 ................................................................................ 21

1.2 FORMAO PROFISSIONAL E MERCADO DE TRABALHO A PARTIR DA

DCADA DE 1960 .................................................................................................... 37

CAPTULO II ............................................................................................................. 51

REFORMA DO ENSINO SUPERIOR A PARTIR DOS ANOS DE 1990 E SERVIO

SOCIAL ..................................................................................................................... 51

2.1 IMPACTOS DA REFORMA DO ENSINO SUPERIOR DOS ANOS DE 1990

PARA A FORMAO PROFISSIONAL EM SERVIO SOCIAL ............................... 51

2.2. A EDUCAO A DISTNCIA NO SERVIO SOCIAL ....................................... 60

CAPTULO III ............................................................................................................ 69

ASSISTENTES SOCIAIS EGRESSOS DA EAD: ESTUDO DE CASO DE PAULO

AFONSO-BA ............................................................................................................. 69

3.1 CONTEXTUALIZAO DA EDUCAO SUPERIOR EM PAULO AFONSO-BA

.................................................................................................................................. 69

3.2 A INCIDNCIA DO CURSO DE SERVIO SOCIAL NA MODALIDADE EaD .... 74

3.2.1 Centro Universitrio Leonardo Da Vinci (UNIASSELVI) ...................................................79

3.2.2 Universidade de Santo Amaro (UNISA) .............................................................................84

3.2.3 Universidade Norte do Paran (UNOPAR) ........................................................................89

3.3 EGRESSOS DA EaD: FORMAO E ATUAO PROFISSIONAL EM

QUESTO ................................................................................................................. 95

CONSIDERAES FINAIS .................................................................................... 109

REFERNCIAS ....................................................................................................... 114

APNDICE .............................................................................................................. 127

APNDICE 1: ROTEIRO DE ENTREVISTA COM COORDENADOR (A) DE POLO

................................................................................................................................ 128

APNDICE 2: ROTEIRO DE ENTREVISTA COM EGRESSOS DA EaD ............... 130

15

INTRODUO

As transformaes societrias, dada a sua historicidade, refletem, na

contemporaneidade a dominao do capital no modo de produo e reproduo da

vida social. Desde a crise estrutural do capital, na dcada de 1970, assiste-se a um

processo de reafirmao da ofensiva do capital, em conformidade com uma nova

ordem mundial. Como marcas preponderantes desse estgio novo do capitalismo,

verificam-se, dentre outras, a reestruturao produtiva e o neoliberalismo,

engendradas em modificaes significativas tanto no mundo do trabalho quanto no

papel do Estado, que , de si, instncia delegada, criatura da sociedade a seu

servio (DEMO, 2010, p. 43).

A partir da dcada de 1990, quando o pas adere ao neoliberalismo, assiste-

se a um cenrio de

[...] supresso dos direitos sociais historicamente conquistados; abertura dos mercados nacionais ao capital especulativo; gerao do supervit primrio para a garantia de pagamento dos juros da dvida; privatizao do patrimnio pblico e de atividades de reconhecida atribuio do Estado, como as polticas sociais pblicas. Medidas que deterioram estes pases, sobretudo as condies de vida das classes subalternizadas. (KOIKE, 2009, p. 203).

Essa nova conjuntura implica na criao de outras estratgias do capital para

manter sua acumulao. Nesse contexto, os direitos sociais, enquanto produtos

histricos da luta de classes so transformados em mercadoria. Como explica Demo

(2010, p. 45),

[O capitalismo liberal] recupera posio tendencialmente perversa, quando defende liberdade para os que possuem condies econmicas para tanto, o que leva a mercantilizar direitos humanos fundamentais: resiste-se regulao pblica da iniciativa privada, que lhe permite usar o Estado vontade; nega-se a funo social da propriedade, dificultando ou inviabilizando reformas fundamentais tais como a agrria, a do solo urbano, a da explorao mineral etc.; impe-se o contexto da empresa lucrativa em reas de direitos bsicos, como da educao primria e da sade preventiva; deterioram-se certos campos de atuao pblica, como o da justia e o da segurana, cujo acesso fica entregue ao poder do dinheiro; e assim por diante.

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Diante do exposto, nesse trabalho so analisadas as ofensivas do capitalismo

neoliberal para a formao profissional e o mercado de trabalho do Servio Social,

bastante atingidos pela reforma do ensino superior e pela expanso do ensino

superior privado, o que merece especial ateno, j que o assistente social

partcipe de processos de trabalho que se organizam conforme as exigncias

econmicas e scio-polticas do processo de acumulao, e atuando no

enfrentamento das expresses da questo social, precisa refletir as demandas

emergentes com a explorao das classes subalternas. (IAMAMOTO, 1997, p. 95).

Nesse contexto, a educao superior torna-se mais um espao de

especulao do capital, tendo aporte no avano das tecnologias da comunicao e

informao (TICs), vem ampliando a oferta principalmente em Instituies de Ensino

Superior (IES) privadas e na modalidade de educao a distncia (EaD). A

parafernlia infraconstitucional empurra a universidade pblica, o corpo docente e

administrativo, o ensino de graduao, a pesquisa, a extenso e a ps-graduao

para o mbito mercantil. Logo, o ensino distncia, no nvel da graduao,

apresenta um discurso da democratizao do acesso, favorecendo a expanso

desordenada da educao superior de baixo custo. (KOIKE, 2009, p. 206).

Essa expanso da educao superior privada, em especial da EaD, tem

demonstrado uma fragilizao massiva na formao profissional em Servio Social,

e, o alargamento da oferta de vagas ocasiona a formao de um exrcito de reserva,

e a disputa por espaos scio-ocupacionais precarizados.

Nessa direo, o presente trabalho de dissertao toma como objeto de

estudo a formao profissional e o mercado de trabalho dos assistentes sociais

egressos da EaD, no municpio de Paulo Afonso-BA.

O interesse pela investigao do objeto desta pesquisa surge pela

experincia pessoal da pesquisadora, graduada em Servio Social na EaD,

atualmente inserida no mercado de trabalho pleno de desafios, cujo exerccio

profissional precisa estar conectado com a realidade social, de modo a dar

respostas s expresses da questo social identificadas no municpio onde reside e

atua, Paulo Afonso-BA. Municpio este, localizado no semi-rido baiano, que desde

os anos 2000 teve instalao de IES privadas e grande oferta de cursos de

graduao na modalidade EaD. Especialmente no Servio Social, verificou-se uma

ampliao exagerada na oferta de vagas, e grande aceitao dos estudantes,

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atrados pelo custo relativamente baixo, incentivos pelo Estado atravs das polticas

afirmativas, alm da metodologia flexvel, aparentemente mais acessvel.

Dessa forma, o estudo apoiou-se na hiptese de que os profissionais de

Servio Social, egressos da EaD, no tiveram acesso a uma formao profissional

em conformidade com as Diretrizes Curriculares, de forma a compreender e atuar

nas expresses da questo da social com criticidade, bem como a competir por

melhores postos no mercado de trabalho, levando-os, majoritariamente, insero

em espaos scio-profissionais precarizados.

O objetivo geral do estudo apresentar um panorama da formao

profissional e do mercado de trabalho dos assistentes sociais egressos da EaD no

municpio de Paulo Afonso-BA, partindo da anlise de aspectos histricos e dos

impactos da reforma do ensino superior a partir dos anos de 1990 para o Servio

Social. Como objetivos especficos delinearam-se: elencar aspectos histricos da

formao profissional e constituio do mercado de trabalho do Servio Social

brasileiro; estudar a formao profissional do Servio Social na modalidade EaD,

luz da reforma do ensino superior; analisar o processo de formao profissional das

instituies de ensino superior (IES) que ofertam o curso de Servio Social na

modalidade de EaD, em Paulo Afonso-BA, reconhecidas ou em processo de

reconhecimento pelo MEC; e, verificar o perfil dos profissionais egressos do Servio

Social na EaD em Paulo Afonso-BA, concluintes entre 2010 e 2013, e sua insero

no mercado de trabalho.

A pesquisa tem por base o mtodo dialtico, que conforme explica Andrade

(2001, p. 132-3), no envolve apenas questes ideolgicas, geradoras de

polmicas. Trata-se de um mtodo de investigao da realidade pelo estudo de sua

ao recproca. E, segundo os princpios comuns abordagem dialtica, definidos

por Gil (2009, p. 14), esta fornece as bases para uma interpretao dinmica e

totalizante da realidade, uma vez que se considera o princpio da transformao e

mudanas quantitativas e qualitativas, no qual quantidade e qualidade so

caractersticas inerentes a todos os processos e fenmenos e esto inter-

relacionados; sendo que em seu processo de desenvolvimento, as mudanas

quantitativas graduais geram mudanas qualitativas. Tal mtodo faz referncia ao

materialismo histrico, que fundamenta-se no mtodo dialtico de Marx e Engels

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no qual o pesquisador passa a enfatizar a dimenso histrica dos processos

sociais. (GIL, 2009, p. 22)

A investigao do objeto teve carter descritivo, na qual se observam,

registram, analisam, classificam e interpretam os fatos [...] (PRESTES, 2003, p. 26).

Nesse instante, a pesquisadora buscou abordar o objeto em suas particularidades,

respaldadas pelas pesquisas terica e emprica. Nesse sentido, tambm ser

observado o carter qualitativo e quantitativo, que vem a verificar uma relao

dinmica entre o mundo real e o sujeito. (MINAYO, 2007, p. 79).

Foi realizado estudo de caso, fundamentado em pesquisa bibliogrfica, que

segundo Gil (2009, p. 50) desenvolvida a partir de material j elaborado,

fundamentando-se na consulta de fontes secundrias, ou seja, livros, artigos

cientficos, sites especializados, revistas, jornais, dentre outras publicaes

relacionadas ao objeto de estudo. Utilizou-se ainda da pesquisa documental, para

anlise de fontes tais como: Diretrizes Curriculares, Lei de Diretrizes e Bases da

Educao (LDB), dentre outras que tratem da EaD e sua regulamentao. Ocorreu

tambm a pesquisa emprica, baseada na observao dos fatos tal como ocorrem

na realidade (ANDRADE, 2001, p. 125). Esta modalidade de pesquisa, conforme

completa Marconi (1990, p. 75), tem por objetivo conseguir informaes e/ou

conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta, ou de

uma hiptese, que se queira comprovar ou, ainda, descobrir novos fenmenos ou a

relao entre eles. Esta parte da pesquisa aconteceu, inicialmente, com o

levantamento de IES que oferecem o curso de Servio Social na modalidade EaD

em Paulo Afonso-BA: UNIASSELVI, UNISA, UNOPAR, momento em que procedeu-

se com entrevista aos coordenadores de polo ou curso de cada instituio. Em

seguida, foi realizada pesquisa junto ao Conselho Regional de Servio Social

(CRESS) 5 Regio Bahia , a partir do qual foi possvel o levantamento do

quantitativo de 49 egressos das instituies de ensino superior (IES) na modalidade

EaD localizadas em Paulo Afonso-BA, que efetivaram o registro entre 2010 e 2013

(PESQUISA, 2013). Com essa informao foi possvel proceder s entrevistas com

20% dos profissionais egressos da EaD, ou seja, 10 egressos, que atuam em Paulo

Afonso-BA. Vale ressaltar que os egressos entrevistados esto diplomados e

inseridos no mercado de trabalho.

19

A tcnica de amostragem utilizada foi a no-probabilstica, que conforme

define Garcia (2010, p. 101), so as amostragens feitas segundo algum critrio

especfico que no permita a ao do acaso e a manuteno da aleatoriedade.

Utilizou-se tambm a amostragem por convenincia, que, de acordo com Marconi

(1990, p. 79), aquela em que os elementos da amostra so selecionados de

acordo com a convenincia do pesquisador e as caractersticas estabelecidas.

Assim, a coleta dos dados ocorreu por meio de levantamento de informaes

quantitativas junto ao CRESS/BA, entrevistas aos coordenadores de polo e/ou curso

e assistentes sociais egressos da EaD com a utilizao de roteiro semi-estruturado

(ver apndice). Aps a coleta, os dados foram trabalhados a partir dos

procedimentos para anlise do contedo enquanto tcnica de investigao. O

princpio desta anlise consistiu em desmontar a estrutura e os elementos para

esclarecer suas diferentes caractersticas e extrair sua significao, avaliao

quantitativa e qualitativa dos resultados e reconhecimento do essencial em torno das

ideias principais.

O trabalho foi estruturado em trs captulos, que respondem aos objetivos

propostos, desvelando os resultados encontrados no processo de investigao e

anlise do objeto. Assim, no Captulo I, intitulado Formao profissional e

constituio do mercado de trabalho do Servio Social: aspectos histricos,

discutiu-se em duas sesses a constituio do Servio Social e do mercado de

trabalho do assistente social no Brasil, com a descrio da conjuntura poltica,

econmica e social da dcada de 1930, perpassando pela criao das primeiras

escolas de Servio Social e dos primeiros campos de atuao dos assistentes

sociais, at a dcada de 1990, com a aprovao das Diretrizes Curriculares, cuja

discusso articula a formao profissional e o mercado de trabalho do Servio Social

em diferentes momentos scio-histricos.

O Captulo II, Reforma do Ensino Superior a partir dos anos de 1990 e

Servio Social trouxe a discusso sobre a formao profissional a partir da

reforma do ensino superior, perpassando pela abordagem do processo de

reestruturao e ampliao do ensino superior privado, com nfase na EaD, que

apresenta expanso exagerada na oferta da graduao em Servio Social. Com a

descrio dos acontecimentos a partir da dcada de 1990, tal discusso abordou os

impactos da reforma do ensino superior no bojo do neoliberalismo para a formao e

20

o exerccio profissional dos assistentes sociais, frente s determinaes da dinmica

societria dominada pela ofensiva do capital.

Subsidiado pelo pano de fundo delineado nos captulos anteriores, o Captulo

III, Assistentes Sociais egressos da EaD: estudo de caso de Paulo Afonso-

BA, traz a anlise dos dados coletados na pesquisa emprica, articulando toda a

historicidade da formao profissional e do mercado de trabalho do Servio Social,

com a realidade especfica de Paulo Afonso-BA, constatando os rebatimentos da

ofensiva neoliberal na formao e no mercado de trabalho local, que se encontram

em expanso, a partir da implementao da graduao em Servio Social na

modalidade EaD, no perodo compreendido entre 2010 e 2013.

21

CAPTULO I

FORMAO PROFISSIONAL E CONSTITUIO DO MERCADO DE TRABALHO

DO SERVIO SOCIAL: ASPECTOS HISTRICOS

Neste captulo, sero apresentados aspectos histricos da formao

profissional e da constituio do mercado de trabalho do Servio Social no Brasil. O

ponto de partida ser a anlise dos elementos que clarificam o surgimento da

profisso e dos aspectos scio-histricos de sua trajetria em diferentes momentos

poltico, econmico e sociais do pas, bem como a abordagem dos fundamentos

histrico-metodolgicos da profisso, desde o surgimento das primeiras escolas de

Servio Social, at as diretrizes curriculares da dcada de 1990.

1.1 O SERVIO SOCIAL NO BRASIL: DAS PRIMEIRAS ESCOLAS AO

CURRCULO MNIMO DE 1952

Para a abordagem e compreenso da formao profissional em Servio

Social, importante recuperar aspectos histricos, fundamentados nas obras de

Iamamoto e Carvalho (2005), Manrique Castro (2003), Martinelli (2006) e Netto

(2007), que explicam o surgimento e desenvolvimento da profisso no Brasil, bem

como na Amrica Latina. Aqui, trataremos do caso brasileiro por meio de uma

aproximao terica de aspectos preponderantes formao profissional. A anlise

vislumbra os determinantes para o surgimento da profisso1, as primeiras Escolas

de Servio Social sob a influncia doutrinria da Igreja Catlica, na tentativa de

enfrentamento questo social2 e seu desenvolvimento como profisso inscrita na

diviso social e tcnica do trabalho.

1 somente na intercorrncia do conjunto de processos econmicos, scio-polticos e terico-

culturais que tangenciamos nas sees precedentes que se instaura o espao histrico-social que possibilita a emergncia do Servio Social como profisso. Sem a considerao deste marco especfico, a anlise da histria do Servio Social perde concreo e acaba por transformar-se numa crnica essencialmente historiogrfica e linear. (NETTO, 2007, p. 69). 2 Conforme Iamamoto e Carvalho (2005, p. 77, grifos originais), a questo social no seno as

expresses do processo de formao e desenvolvimento da classe operria e de seu ingresso no cenrio poltico da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. a manifestao, no cotidiano da vida social, da contradio entre proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de interveno, mais alm da caridade e represso.

22

As bases para a implantao do Servio Social brasileiro datam das dcadas

de 1920 e 1930, como fruto da iniciativa particular de vrios setores da burguesia,

fortemente respaldados pela Igreja Catlica com enfoque individualista e

moralizante e tendo como referencial o Servio Social europeu. Isso ocorreu em

um momento em que o pas teve como reflexo da crise do comrcio internacional

uma intensa atividade industrial, processo importante, resultando na reorganizao

das esferas estatal e econmica e apresentando um deslocamento do centro motor

da acumulao capitalista das atividades de agro-exportao. (IAMAMOTO;

CARVALHO, 2005; MARTINELLI, 2006).

Para Netto (2007, p. 17),

[...] no h dvidas em relacionar o aparecimento do Servio Social com as mazelas prprias ordem burguesa, com as sequelas necessrias dos processos que comparecem na constituio e no envolver do capitalismo, em especial aqueles concernentes ao binmio industrializao/urbanizao, tal como este se revelou no curso do sculo XIX.

A abundncia de trabalho nas indstrias, principalmente nos anos 1930 e

1940, atraiu um grande contingente de trabalhadores livres resultado do perodo

de escravido e imigrantes. Com o crescente nmero do proletariado nos centros

urbano-industriais e a formao de um mercado de trabalho em moldes capitalistas,

era possvel observar a explorao a qual era submetida classe proletria, que

possua a fora de trabalho como uma importante mercadoria que sucumbe

inexoravelmente explorao desmedida do capital, ocasionando o afloramento

das expresses da questo social, com a expanso massiva da pobreza e

generalizao da misria. Essa dinmica de desigualdades e injustia, como marca

preponderante do capital, d sustentao a uma estrutura de classes antagnicas e

a alienao do trabalho. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 126).

Segundo Netto (2011, p. 18),

[...] a apreenso da particularidade da gnese histrico-social da profisso nem de longe se esgota na referncia questo social tomada abstratamente; est hipotecada ao concreto tratamento desta num momento muito especfico do processo da sociedade burguesa constituda, aquele do trnsito idade do monoplio, isto , as conexes genticas do Servio Social profissional no se entretecem com a questo social, mas com suas peculiaridades no mbito da

23

sociedade burguesa fundada na organizao monoplica. (grifos

originais).

A afirmao da hegemonia do capital industrial e financeiro, explcita nas

pssimas condies de trabalho e sobrevivncia da classe proletria industrial,

desencadeou o adensamento do movimento operrio e seu amadurecimento

poltico, o que levava a classe trabalhadora a trilhar um processo organizativo,

temido pela burguesia, que permanecia unida Igreja e ao Estado, procurando

conceber estratgias com fora disciplinadora e desmobilizadora do movimento do

proletariado. No entanto, a luta de classe impunha como uma realidade

irreversvel, determinando um quadro social marcado pela tenso (IAMAMOTO;

CARVALHO, 2005, p. 122).

A desvalorizao dos trabalhadores, visivelmente impressa em condies

exaustivas e insalubres de trabalho, salrios insuficientes subsistncia e com

constante presso reduo, aumento do contingente de mulheres e crianas nos

postos de trabalho, criao do exrcito industrial de reserva, no podiam ser

desconsideradas pelo Estado, que passa a intervir nas relaes entre empresariado

e classe proletria, estabelecendo regulamentao jurdica para o mercado de

trabalho e gerindo a prestao de servios sociais formulao e implementao de

polticas sociais , tendo em vista a manuteno do poder da classe dominante.

Destacam-se nesse perodo agremiaes com apoio incipiente da Igreja

Catlica tais como os sindicatos e partidos polticos, dentre outros espaos

organizados de resistncia operria, que reuniram uma parcela avanada do

movimento operrio com enfoque na luta pela defesa de interesses comuns, bem

como sua atuao nas relaes de produo.

Para Iamamoto (2005, p. 136-8),

A presso exercida pelo proletariado [...] permanece constantemente como pano de fundo a partir do qual diferentes atores sociais mobilizam polticas diferenciadas. Essas polticas demarcaro os limites dentro dos quais ir surgir e atuar o Servio Social a caridade e a represso limites em relao aos quais deve se constituir numa alternativa.

a partir dos movimentos sociais do primeiro ps-guerra, protagonizados

pelo proletariado, que se identificam dois elementos importantes para a gnese do

Servio Social. O primeiro elemento remete a crtica do empresariado inexistncia

24

de mecanismos de socializao do proletariado, isto , de instituies que tenham

por objetivo produzir trabalhadores integrados fsica e psicologicamente ao trabalho

fabril. Outro elemento refere-se ao contedo substancialmente diverso da poltica

assistencialista desenvolvida pelo empresariado no mbito da empresa.

(IAMAMOTO, 2005, p. 136-8).

Conforme Iamamoto e Carvalho (2005, p. 135-139),

[...] nos dilogos entre industriais e Estado eram frequentes as reclamaes acerca da criao de legislaes social, somente decretadas entres os anos 1925-1927 (Lei de Frias, Cdigo de Menores). As necessidades das indstrias chocariam com a pura animalidade da fora de trabalho disponvel, do homem comum do povo recrutado para o trabalho industrial. [...] Essa animalidade do homem operrio s encontra como barreira a disciplina do trabalho, e ao desligar-se deste fica perigosamente exposto aos vcios e aos baixos instintos porque no foi refinada pela educao, pelo meio social. [...] apesar de as obras de benemerncia ou donativos e legados importantes a obras de caridade serem uma atividade pouco comum entre os empresrios, a maioria das empresas de maior porte propiciava a seus empregados de forma mais ou menos ampla uma srie de servios assistenciais, tais como assistncia mdica, caixas de auxlio e assistncia mtua, vilas operrias, ambulatrios, creches. No entanto, concesso desses benefcios estavam condicionados ao bom comportamento diante das greves e a uma vida social regrada. (grifos originais).

Essa movimentao da classe trabalhadora forou a participao do Estado

no que tange implementao de polticas pblicas para atender aos menores,

desvalidos e grupos pauperizados , e outras situaes de regulamentao do

trabalho, com a aprovao de leis voltadas para a proteo do trabalhador, com

nfase nos setores de grande interveno estatal vitais a agro-exportao, tais como

o martimo, porturio e ferrovirio. Houve tambm um posicionamento do Estado em

relao ao enfrentamento da questo social, que tratada como um caso de polcia

ou de poltica, e mobiliza a chamada reao catlica3, provocando a Igreja a

repensar em sua atuao, no momento inadequada realidade social posta.

Para Iamamoto (2005, p. 132),

Aos movimentos desencadeados pelo proletariado a resposta principal e mais evidente do Estado [...] diante de sua incapacidade

3 Fase do Servio Social caracterizada como de influncia europia, compreendida entre 1930-1945.

(IAMAMOTO; CARVALHO, 1998, p. 233, grifos originais).

25

de implementar polticas sociais eficazes, ser a represso policial [...]. Seu posicionamento natural variar entre a hostilidade e o apoio explcito represso policial e aes caridosas e assistencialistas, especialmente aps o sufocamento dos movimentos reivindicatrios e das classes econmicas que lanam grandes massas em situao de extremo pauperismo.

Nesse contexto, a Igreja desenvolve uma atuao intensa na perspectiva de

enfrentamento aos problemas sociais que no paravam de emergir. Por meio do

Movimento Catlico Leigo, impulsionando no perodo ps Segunda Guerra, sero

fundadas instituies, como: Associao das Senhoras Brasileiras (1920) no Rio de

Janeiro; Confederao Catlica (1922) e Liga das Senhoras Catlicas (1923) em

So Paulo, que so aqui compreendidas como forma embrionria de assistncia

preventiva, de apostolado social, de atender e atenuar determinadas sequelas do

desenvolvimento capitalista, principalmente no que se refere a menores e mulheres

(IAMAMOTO, 2005, p. 166, grifos originais).

Assim, Manrique Castro (2003, p. 101), destaca que:

[...] esta opo organizativa da Igreja foi estimulada pela magnitude alcanada pelas lutas operrias entre 1919 e 1920, dirigidas pelos anarquistas, e que expressavam o protesto proletrio numa situao de queda da expanso industrial em relao aos anos da guerra. Em 1917, uma grande greve geral sacudiu a cidade de So Paulo e outras reas interioranas. A prpria capital do pas foi abalada pelo movimento, que reivindicava a jornada de oito horas e aumento de salrios. [...] em 1922, foi fundado o Partido Comunista Brasileiro e, no bojo de toda esta movimentao, promulgaram-se as primeiras leis trabalhistas: uma legislao sobre habitao popular (1921), a criao da Caixa de Aposentadorias e Penso dos Ferrovirios (1923) e a regulamentao dos feriados (1925).

Nos anos 1930, a movimentao da classe trabalhadora mais expressiva4

por meio da oficializao dos sindicatos, pois o governo Vargas estimulou o

desenvolvimento industrial, proporcionando a substituio das importaes e

instaurando uma poltica protecionista que beneficiou a indstria nacional, mais tarde

favorecida ainda pela crise mundial do perodo. (MANRIQUE CASTRO, 2003, p.

102). Conforme analisa tambm Iamamoto e Carvalho (1998, p. 243),

4 O sindicalismo autnomo fortalecido liderar movimentos reivindicatrios de envergadura, enquanto

no plano poltico surgir a Aliana Nacional Libertadora (ANL) como organizao poltica no plano nacional das foras populares. [...] O governo responder mobilizao popular com a decretao da Lei de Segurana Nacional e o aumento da represso (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 161).

26

A estrutura corporativa do Estado Novo para validar essa fonte de legitimao deve necessariamente incorporar de alguma forma a reivindicaes dos setores populares. O reconhecimento legal da cidadania social do proletariado, o reconhecimento do estado de uma forma social da explorao da fora de trabalho e, portanto, de direitos inerentes condio de explorado [...] a represso da ditadura varguista no se abate indiscriminadamente sobre os movimentos reivindicatrios do proletariado, mas essencialmente sobre seu componente autnomo e potencialmente revolucionrio, sobre tudo aquilo que ameace fugir aos canais institucionais criados para absorver e dissolver esses movimentos dentro da estrutura corporativa, cuja pretenso de atendimento a todos os setores da sociedade confunde a clivagem de classe que orienta sua ao.

Essa conjuntura foi marcada tambm pela recesso econmica com o

acelerado processo de industrializao, como centro motor da acumulao

capitalista; e radicalizao poltica, com a integrao do proletariado urbano no

quadro poltico.

Nesse quadro, a presena da classe trabalhadora e suas formas de expresso exigem um tratamento diferenciado do Estado para seu enfrentamento. [...] implicando no reconhecimento das reivindicaes da classe trabalhadora e de sua importncia como base de legitimao do Estado. (ARANHA; SANTOS, 2001, p.11).

A atuao da Igreja Catlica foi bastante beneficiada pelo governo Vargas. O

Movimento Catlico Laico e a Ao Social Catlica organizaram diversas instituies

para atuao junto ao proletariado, das quais destacaram-se: Juventude Operria

Catlica (JOC), Juventude Estudantil Catlica, Juventude Independente Catlica,

Juventude Universitria Catlica, Juventude Feminina Catlica, alm de jornais

catlicos, Centro Dom Vital e Confederao Catlica5. Os aportes doutrinrios,

individualistas e moralizantes da Igreja Catlica eram claramente visveis nessas

organizaes, que influenciaram, inclusive, a Constituio Federal de 1934.

(IAMAMOTO; CARVALHO, 2005).

A forma como a Igreja catlica organizava suas aes de caridade, canalizou

as demandas sociais, a partir do Estado, ampliando o contingente de assistentes

sociais para atuarem nas mazelas da questo social e no controle da movimentao

5 A confederao Catlica promoveu a formao da Ao Universitria Catlica, do Instituto de

Estudos Superiores, da Associao de Bibliotecas Catlicas, de crculos operrios, da Confederao Nacional de Operrios, da Liga Eleitoral Catlica e da Ao Catlica. (MANRIQUE CASTRO, 2003, p. 103). Em comemorao aos cinco anos de atividades, a Confederao Catlica realizou a Primeira Semana Social (1928), reunindo representantes das obras e entidades de diversos Estados. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 167).

27

do proletariado. Logo, a origem do Servio Social brasileiro est intimamente ligada

ao da Igreja Catlica e sua estratgia de adequao conjuntura poltica e

econmica desse perodo. A institucionalizao do Servio Social datada dos anos

30 do sculo XX, dada a conjuntura poltica, econmica e social que contriburam

para sua consolidao como especializao do trabalho coletivo.

Para Iamamoto, (2005, p. 167-8),

A importncia dessas instituies e obras, e de sua centralizao, a partir da cpula da hierarquia, no pode ser subestimada na anlise gnese do Servio Social no Brasil. Se sua ao concreta extremamente limitada, se seu contedo assistencial e paternalista, ser a partir de seu lento desenvolvimento que se criaro as bases materiais e organizacionais, e principalmente humanas, que a partir da dcada seguinte permitiro a expanso da Ao Social e o surgimento das primeiras escolas de Servio Social. [...] O elemento humano e organizacional que viabilizaro o surgimento do Servio Social se constituiro atravs da mescla entre as antigas Obras Sociais que se diferenciavam criticamente da caridade tradicional

e os novos movimentos de apostolado social, especialmente destinados a intervir junto ao proletariado, ambos englobados dentro da estrutura do Movimento Laico, impulsionado e controlado pela hierarquia. (grifos originais).

Assim, com a influncia da Igreja atravs das instituies de assistncia e

obras sociais, incentivo e controle burgus, surge, em 1932, o Centro de Estudos e

Ao Social (CEAS)6, considerado um importante canal de profissionalizao do

Servio Social brasileiro. Em verdade, o CEAS nasceu na perspectiva de

potencializar as obras sociais da Igreja, dinamizando a participao do laicato e

imprimindo seu carter estratgico na manuteno de sua influncia poltica. Sua

finalidade era difundir o estudo da doutrina social da Igreja com base no

conhecimento aprofundado dos problemas sociais, visando especializar a atuao

dos trabalhadores sociais em diversas aes de carter social voltadas para a

classe trabalhadora, com atuao importante em instituies estatais e privadas.

Logo, cumprindo seu objetivo primordial, o CEAS promove o Curso Intensivo

de Formao Social para Moas, ministrado pela belga Mlle. Adle Loneaux, da

Escola de Servio Social de Bruxelas. Segundo Ferreira apud Iamamoto e Carvalho

(2005, p. 189), os Crculos de Formao para Moas e Centros Operrios fundados

6 No mesmo ano, duas das fundadoras do CEAS vo Europa estudar a organizao e ensino do

Servio Social. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 173).

28

pelo CEAS, em 1932, foram as primeiras reas de atuao de assistentes sociais no

pas. As jovens moas participantes do curso grande maioria solteiras vinham

de escolas religiosas e compunham famlias da classe dominante. Dessa forma, as

atividades do CEAS eram intensificadas com sua participao na Liga Eleitoral

Catlica, a realizao da primeira Semana de Ao Catlica e a formao da

Juventude Feminina Catlica (MANRIQUE CASTRO, 2003; IAMAMOTO;

CARVALHO, 2005; MARTINELLI, 2006).

Em 1936 fundada a primeira Escola de Servio Social de So Paulo, que no

mesmo ano formalizou convnio com o Departamento de Servio Social para a

formao de Centros Familiares e a incluso no currculo do Curso Intensivo de

Formao Familiar: pedagogia do ensino familiar e trabalhos domsticos.

Posteriormente (1936), o Juzo de Menores com apoio do Ministrio da Justia

realizou o Curso Intensivo em Servio Social, com trs meses de durao e

composto de palestras temticas, para os especialistas, catlicos e leigos vinculados

instituio supracitada, que desenvolviam um trabalho de assistncia ao menor.

Em paralelo foi realizado o Curso Prtico de Servio Social, e, em 1938, comeou a

funcionar o Curso Regular da Escola Tcnica de Servio Social. Em 1940, surgiu o

Instituto de Servio Social, destinado formao de trabalhadores sociais

especializados para o Servio Social no trabalho e, finalmente, introduzido o Curso

de Preparao em Trabalho Social na Escola de Enfermagem Ana Nery.

(MANRIQUE CASTRO, 2003; IAMAMOTO; CARVALHO, 2005).

Esse pleito foi uma iniciativa do CEAS, influenciado pela Ao Catlica e pela

Ao Social, mas no exclusivo das referidas instituies. Foi um marco para a

prtica especializada da assistncia social, considerando que havia uma demanda

real ou potencial existente a partir do Estado, emergindo a necessidade de

profissionais com qualificao acadmica, tcnica e religiosa, para atuar

principalmente em aparelhos estatais. Desde a dcada de 1930 j existiam

assistentes sociais atuando no Departamento de Assistncia Social do Estado de

So Paulo (1935); Juzo de Menores e Prefeitura de So Paulo (1937) e Servio de

Proteo aos Imigrantes (1938).

No Estado de So Paulo criado o Departamento de Assistncia Social (Lei n 2.497, de 24/12/1935). A ele competia: a) superintender todo o servio de assistncia e proteo social; b) celebrar, para realizar seu programa, acordos com instituies

29

particulares de caridade, assistncia e ensino profissional; c) harmonizar e distribuir subvenes e matricular as instituies particulares realizando seu cadastramento. A esse departamento subordinado Secretaria de Justia e Negcios Interiores caberia, alm dos relacionados acima, a estruturao dos Servios Sociais de Menores, Desvalidos, Trabalhadores e Egressos de reformatrios, penitencirias e hospitais e da Consultoria Jurdica do Servio Social. [...] em 1938, ser organizada a Seo de Assistncia Social, que tendo por finalidade realizar o conjunto de trabalhos necessrios ao reajustamento de certos indivduos ou grupos s condies normais da vida, organiza para tal: o Servio Social de Casos Individuais, a Orientao tcnica das Obras Sociais, o Setor de investigao e estatstica e o Fichrio Central de Obras e Necessitados. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2008, 174-5).

poca, a prtica profissional dos assistentes sociais era fundamentada pelo

mtodo do Servio Social de Casos Individuais, voltado para o enquadramento

social do indivduo. Seu aporte terico eram as encclicas Rerum Novarum7 e

Quadragesimo Anno8. De acordo com Aranha e Santos (2001, p. 10), no plano da

formao profissional, indiscutvel a influncia da Igreja, a quem cabe a

responsabilidade do iderio, dos contedos e da formao dos primeiros assistentes

sociais brasileiros.

Em 1937, criada a Escola de Servio Social do Rio de Janeiro, tambm de

grande importncia para o desenvolvimento da profisso. A cidade poca capital

do pas concentrava o mais antigo polo industrial da regio sudeste, aglomerao

de trabalhadores que detinha grande centro de infra-estrutura de servios bsicos

como transportes e portos, alm da administrao federal, grandes bancos e

aparatos da Igreja. No Rio de Janeiro estavam concentrados os centros nervosos

da direo poltica e econmica, e por isso, havia uma abundante oferta de servios

assistenciais e participao marcante do Estado.

A partir das Escolas de Servio Social de So Paulo e Rio de Janeiro, as

pioneiras no pas, Iamamoto e Carvalho (2005, p. 181) descrevem que:

7 Rerum Novarum: sobre a condio dos operrios (em portugus, "Das Coisas Novas")

uma encclica escrita pelo Papa Leo XIII em 15 de maio de 1891. Era uma carta aberta a todos os bispos, sobre as condies das classes trabalhadoras.[...] A encclica trata de questes levantadas durante a revoluo industrial e as sociedades democrticas no final do sculo XIX. Leo XIII apoiava o direito dos trabalhadores formarem a sindicatos, mas rejeitava o socialismo ou social democracia e defendia os direitos propriedade privada. Discutia as relaes entre o governo, os negcios, o trabalho e a Igreja. (WIKIPDIA, 2014). 8 Quadragesimo Anno uma carta encclica do Papa Pio XI, de 15 de maio de 1931, sobre a

restaurao e aperfeioamento da ordem social, em conformidade com a Lei Evanglica, no 40 aniversrio da encclica de Leo XIII, Rerum Novarum. Foi escrita como uma resposta Grande Depresso de 1929. (WIKIPDIA, 2014).

http://pt.wikipedia.org/wiki/Portugu%C3%AAshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Enc%C3%ADclicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_Le%C3%A3o_XIIIhttp://pt.wikipedia.org/wiki/15_de_maiohttp://pt.wikipedia.org/wiki/1891http://pt.wikipedia.org/wiki/Bispohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Classes_trabalhadorashttp://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_industrialhttp://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_XIXhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Trabalhadoreshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Sindicatohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Socialismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Social_democraciahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Propriedade_privadahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Governohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Trabalhohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Igrejahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Carta_enc%C3%ADclicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_Pio_XIhttp://pt.wikipedia.org/wiki/15_de_maiohttp://pt.wikipedia.org/wiki/1931http://pt.wikipedia.org/wiki/Le%C3%A3o_XIIIhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Rerum_Novarumhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Depress%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Depress%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/1929

30

Surgem, cronologicamente, em 1937 o Instituto de Educao Familiar e Social composto das Escolas de Servio Social (Instituto Social) e Educao Familiar por iniciativa do Grupo de Ao Social (GAS), em 1938 a Escola Tcnica de Servio Social, por iniciativa do Juzo de Menores e, em 1940, introduzido o curso de Preparao em Trabalho Social na Escola de Enfermagem Ana Nery (escola federal). Em 1944, a Escola de Servio Social, como desdobramento masculino do Instituto Social. Em 1950 surgir o Instituto de Servio Social da Prefeitura do Distrito Federal.

Na dcada de 1940, o Estado Populista articula um mecanismo de

integrao/manipulao da classe trabalhadora, absorvendo demandas particulares

com o objetivo de reproduzir a fora de trabalho, ao tempo em que procurava

garantir sua legitimidade tendo como base os trabalhadores. A estratgia utilizada foi

a criao de Legislao Social9, que na anlise de Iamamoto e Carvalho (1998), teve

como funo readaptar os mecanismos de explorao da classe trabalhada em

termos econmicos e polticos, reafirmando a dominao do capital. Esse fator

acarretou na desmobilizao da luta sindical por interesses comuns, se configurando

favorecimento de benefcios individuais junto burocracia do Estado, com

consequente esvaziamento de tais entidades.

Com vistas a reduzir a evaso sindical, o Estado os transforma em centros

assistenciais complementares Previdncia Social, com a utilizao dos recursos

oriundos das contribuies da classe trabalhadora, por meio do Imposto Sindical. O

imposto era destinado para o custeio das cpulas sindicais e programas

assistenciais em prol da classe proletria, como: agncia de colocao, assistncia

maternidade, assistncia mdico-dentria, assistncia jurdica, cooperativa de

crdito e consumo, colnias de frias e finalidades esportivas diversas. Logo, com o

cenrio de desmobilizao da poltica sindical, a ao do Estado se voltar, ento,

para o preenchimento desse espao atravs de uma ao normativa e assistencial,

visando canalizar o potencial de mobilizao dos trabalhadores urbanos, mantendo

rebaixados seus nveis salariais. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1998, p. 246). Tal

situao ocorrera por meio da promulgao de leis sociais que sero aplicadas na

9 A legislao social se constitui de dispositivos legais que cobem os maiores excessos e formas

primitivas de extrao de trabalho excedente, mas, em ltima instncia, representa a reafirmao da dominao do capital e nunca o seu contrrio. Incorpora objetivamente reivindicaes histricas do proletariado para torn-las um acelerador da acumulao atravs da regulamentao e disciplinamento do mercado de trabalho, o que traz o avano da subordinao do trabalho ao capital. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1998, p. 244).

31

perspectiva de dominao e explorao da classe trabalhadora, imprimindo uma

noo fetichizada dos direitos e benefcios sociais. Essas leis se configuram como

instrumentos de controle social e poltico do proletariado, que sero convertidas em

polticas pblicas, com o intuito de enquadrar da massa urbana.

Ainda sobre a Legislao Social, Iamamoto e Carvalho (1998, p. 246),

descrevem que:

Em 1940 so decretados o Imposto Sindical10, o Salrio Mnimo Legal11, criado o SAPS (Servio de Alimentao de Previdncia Social) destinado a fornecer alimentao adequada e barata aos operrios e so ainda desenvolvidas diversas campanhas de sindicalizao sob o patrocnio do Ministrio do Trabalho.

Dada conjuntura impulsionou a criao de diversas Escolas de Servio

Social12, inclusive com apoio do Governo Federal, a fundao da Escola de Servio

Social da Universidade do Brasil, com a finalidade formar mo de obra especializada

para atuar nas aes implementadas pelo Estado. At o final da dcada de 1940,

cerca de 300 assistentes sociais estavam formados e inseridos no mercado de

trabalho, predominantemente instituies estatais, para-estatais e autrquicas, com

incidncia discreta em empresas. Ferreira apud Iamamoto e Carvalho (2005, p. 189)

aborda que eram as principais reas de atuao de assistentes sociais: em 1940

Centros Familiares (CEAS-Departamento de Servio Social). Indstrias e

estabelecimentos comerciais. Obras Particulares. Em 1942 Hospital das Clnicas

da Faculdade de medicina da Universidade de So Paulo e Servio Nacional de

Aprendizagem Industrial (SENAI)13.

O perfil profissional da poca era predominantemente feminino, com

concentrao dessas profissionais em maior proporo na regio centro-oeste

(regio com maior atividade industrial no perodo), principalmente no Distrito Federal

10

Contribuio compulsria anual-equivalente ao valor de um dia de trabalho exigida de todos os assalariados do setor privado, independente de filiao a qualquer sindicato, e recolhida pelas empresas e entidades previdencirias. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1998, p. 246). 11

A fixao de um Salrio Mnimo j consta na constituio de 1934. Ser institudo por lei (Lei n 185) em 1936 e regulamentado pelo Decreto-Lei n 399, de 1938. Sua aplicao s se iniciar, no entanto, em 1940 (Decreto-Lei n 2.162), quando da publicao de sua primeira tabela. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1998, p. 246). 12

Conforme Iamamoto; Carvalho (2005, p. 186-7), Em 1959 o nmero de escolas ser de 28, quatro localizadas no Distrito Federal, duas em So Paulo, uma na capital de cada Estado (salvo Mato Grosso e Piau) e ainda uma nas cidades de Campinas (SP), Lins (SP), Campina Grande (PB) e Juiz de Fora (MG). 13

O SENAI foi a primeira grande instituio social gerida diretamente pela burguesia industrial.

32

e em So Paulo14 (cidade de So Paulo) demanda centralizada no Departamento

de Servio Social do Estado, que absorvia 17 das 27 assistentes sociais em

exerccio. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p.187-8).

A cada dia aumentava a demanda por profissionais com formao tcnica

especializada de trabalhadores sociais (assistentes sociais), pois percebia-se a

pouca eficincia social da Igreja e o surgimento de instituies e obras oficiais, semi-

oficiais e patronais, que precisavam de um quadro de pessoal permanente para

atender as demandas sociais que no paravam de aumentar. Por sua vez, o Estado

e instituies estatais e para-estatais aceleraram a formao desses profissionais,

atravs do financiamento de bolsas15, que concordando com Iamamoto; Carvalho

(2005, p. 187), no se entende um processo de democratizao da profisso, mas

torna-se um alargamento da base de recrutamento, que deixa de ser um privilgio

das classes dominantes e classe mdia alta, para abarcar crescentemente

parcelas da pequena burguesia urbana. Vale destacar que o processo de

mercantilizao da mo de obra dos assistentes sociais diplomados, face oferta de

trabalho no servio pblico e outras instituies, em contraponto ao pouco

reconhecimento da profisso.

[...] J nesse momento, para os Assistentes Sociais no se coloca um problema de mercado de trabalho estando inclusive diversas das pioneiras em cargos de direo e organizao, ou de docncia mas de luta pelo reconhecimento da profisso e pela exclusividade, para diplomados, das inmeras vagas que se foram abrindo no servio pblico ou nas instituies para-estatais e autarquias, no campo dos servios sociais. (IAMAMOTO; CARVALHO 1998, p. 191).

14

Em nota de rodap, Iamamoto e Carvalho (2005, p. 188) descrevem legislaes promulgadas no Estado de So Paulo que conferem reconhecimento explicito de assistentes sociais diplomados em seu quadro de funcionrios, a saber:

Decreto Estadual n 9.744/38, que reorganiza o Servio Social de Menores;

Decreto-lei Estadual n 9.970/39, que dispe sobre o ensino especializado de servio social no Estado: a matrcula e freqncia aos cursos ou escolas de Servio Social devero ser, nos casos devidos, facilitadas a quem tiver cargo ou funo no Departamento de Servio Social do Estado;

Ato n 57/40, do diretor Geral do Departamento de Servio Social: os cargos de Assistentes Tcnicos e Auxiliares, elaborador de estatstica e pesquisador do departamento de Servio Social sero preenchidos preferencialmente por Assistentes Sociais;

15 Os principais patrocinadores das bolsas eram: prefeituras municipais, o Departamento Nacional da

Previdncia (e os diversos Institutos e Caixas), a Legio Brasileira de Assistncia (LBA), o Servio Social da Indstria (SESI), o Servio Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), etc.

33

Mesmo com a abertura de campos de trabalho e a ampliao do nmero de

escolas de Servio Social, o processo de formao profissional continuava

permeado por princpios doutrinrios da Igreja da Catlica. As disciplinas reforavam

os valores cristos e estavam nitidamente direcionados para a fora de trabalho e

para o ajustamento social do indivduo aos problemas sociais, com resultados

favorveis aos interesses do Estado e do empresariado. Tal perspectiva agradava

ao Estado e as empresas, uma vez que essa formao especializada era funcional

s suas necessidades, por atender a lgica de reproduo do capital.

Iamamoto e Carvalho (1998, p. 207) discorrem sobre as primeiras

experincias dos assistentes sociais entre o final da dcada de 30 e dcada de 40

do sculo XX. Verifica-se a atuao profissional de carter moralizante,

caracterstica da fase embrionria em que o Servio Social se encontra(va) um

prolongamento da Ao Social que constitui-se no essencial em veculo de

doutrinao e propaganda do pensamento social da Igreja.

A atuao prtica desenvolvida pelos primeiros Assistentes Sociais estar, assim, voltada essencialmente para a organizao da assistncia, para a educao popular, e para a pesquisa social. Seu

pblico preferencial e quase exclusivo se constituir de famlias operrias, especialmente as mulheres e crianas. As visitas domiciliares, os encaminhamentos de muito pequeno efeito prtico, devido carncia de obras que sustentassem semelhante tcnica16 a distribuio de auxlios materiais e a formao moral e domstica

atravs de crculos e cursos, sero as atividades mais frequentemente desenvolvidas. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1998, p. 201, grifos originais).

O adensamento das sequelas sociais ocasionado pelo aprofundamento do

capitalismo, leva os assistentes sociais a uma atuao de carter assistencial e de

formao moral e social da classe proletria, o que levou, em momento posterior a

repensar o processo de formao e atuao profissional. Nos congressos e

seminrios ocorridos a partir da segunda metade da dcada de 1930 j se discutia a

formao em Servio Social, bem como a sistematizao da prtica profissional. O

Brasil marcou presena na V Conferncia Internacional de Servio Social (1935),

16

A Assistente Social penetra nos meios populares e encontra dificuldades de dar-lhes satisfao. (PEREIRA apud IAMAMOTO; CARVALHO, 1998, p 201).

34

corrido na Blgica; Congresso Interamericano de Servio Social17 (1941) em Atlantic

City (USA); 1o Congresso Pan-americano de Servio Social (1945) no Chile;

promoveu o 1 Congresso Brasileiro de Servio Social (organizado pelo CEAS em

1947) e sediou o 2o Congresso Pan-americano de Servio Social (1949), o Rio de

Janeiro18. Nesse ltimo congresso, o Servio Social de Casos Individuais criticado,

mesmo sendo base de diagnstico e tratamento. No obstante, o Servio Social

de Grupo e Comunidade ganha relevncia.

importante destacar que a partir da criao das Escolas de Servio Social

h um salto qualitativo na formao profissional, no que diz respeito ao

distanciamento da doutrina da Igreja, alm do fomento discusso das

metodologias utilizadas. Ademais, verifica-se, ainda que de forma discreta, que h

uma preocupao desses profissionais em afirmar o valor do uso da profisso, bem

como sua significao na dinmica social em que se inseria. Assim, concordando

com Iamamoto e Carvalho (2005, p. 333),

H sem dvida, um discurso mais secularizado (menos apostolar), com maior nfase na psicologia e na tcnica. Definem-se novas qualidades para o Assistente Social. [...] Nesse processo, o Servio Social apresentado com funes bem mais amplas: o Servio Social , portanto e ao mesmo tempo, um movimento de ordem econmica, de ordem moral e estrutural. Visa extirpar o pauperismo, visa trabalhar pela purificao dos costumes e visa dar sociedade uma estrutura que melhor corresponde s exigncias da natureza humana. (grifos originais).

O contexto poltico da dcada de 1940 (e se estende at meados dos anos de

1960) marcado pelo desenvolvimentismo populista, no qual se observa um

aprofundamento do capital externo no Brasil em termos econmicos. Verifica-se

ainda uma expanso da educao, principalmente em nvel mdio, criao de

universidades federais e fortalecimento da mobilizao de estudantes atravs da

Unio Nacional dos Estudantes (UNE), criada em 1938. Nesse mesmo perodo, o

pas apresenta um mercado de trabalho estruturado em torno do emprego

17

Conforme Iamamoto e Carvalho (1998, p. 234), A partir desse evento se amarram os laos que iro relacionar estreitamente as principais escolas de Servio Social brasileiras com as grandes instituies e escolas norte americanas, e os programas continentais de bem-estar social. 18

Nesse congresso fala-se acerca da reformulao do currculo do assistente social, situando como matrias bsicas para o curso de Servio Social a economia, sociologia urbana e rural, planejamento e psicologia social, e o desenvolvimento, nas escolas, de estudos sobre pesquisa social, cooperativismo, planejamento, etc. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 334).

35

assalariado e do trabalho formal, havendo posteriormente um uma queda expressiva

no salrio mnimo, que ficou congelado at 1951. Em torno de tal conjuntura, os

assistentes sociais constatavam no seu cotidiano profissional a necessidade de uma

formao que possibilitasse a interveno frente realidade posta.

Nos congressos da dcada de 1940, a formao profissional tomava posio

de destaque, haja vista a ampliao do quantitativo de escolas de Servio Social,

necessidade de regulamentao do ensino e a luta pelo reconhecimento da

profisso. Entretanto, havia uma indefinio a respeito da formao profissional, se

esta se caracterizava como nvel mdio ou superior, ausncia de normas para o

funcionamento das escolas, currculo bsico, plano de trabalho prtico. Outro ponto

de discusso versava a posio do Servio Social nas instituies, haja vista a

ampliao do mercado de trabalho, da a necessidade de fixar suas funes; a

discusso sobre cincia, mtodos e tcnicas; sobre o objeto e objetivo; sobre a

quem deve servir o Assistente Social etc. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 336).

Tais questes influenciaram o surgimento da Associao Brasileira de

Escolas de Servio Social (ABESS) e da Associao Brasileira de Assistentes

Sociais (ABAS). Nesse contexto, a ABESS aparece como principal agncia de

difuso das modificaes curriculares e de homogeneizao do ensino em nvel

nacional.

Essas duas entidades, organizadas em 1946, especialmente a primeira, desempenharo um papel extremamente importante no desenvolvimento do Servio Social no Brasil. A ABESS ser montada a partir das trs escolas pioneiras no ensino do Servio Social (Instituto Social RJ; Escola de Servio Social So Paulo; e Instituto Social SP) e ter em vista promover intercmbio e colaborao entre as escolas filiadas e promover a adeso a um padro mnimo de ensino. Desenvolver uma campanha constante para o desenvolvimento e institucionalizao do ensino e da profisso, representando o interesse coletivo das escolas. A ABAS, que se prope a promover o aperfeioamento e a garantia do nvel da profisso de Assistente Social, tem por fim imediato o reconhecimento da profisso e a defesa dos seus interesses corporativos. A Seo Regional de So Paulo, ainda em 1947, estabelecer o primeiro Cdigo de tica Profissional dos Assistentes Sociais brasileiros, elegendo o competente conselho. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 330).

A criao das referidas entidades instaurou um patamar importante de

desenvolvimento no Servio Social brasileiro, materizalizadado dentre outras

36

questes, com o primeiro cdigo de tica profissional. Esse desenvolvimento foi

visvel tambm no que se refere organizao/padronizao da formao

profissional com a implementao de um currculo mnimo, bem como no

aperfeioamento e reconhecimento da profisso.

Assim, Faleiros (2000, p. 165) destaca o papel da ABAS e principalmente da

ABESS na implementao do currculo mnimo, que combina os aspectos

moralizantes de outrora e a integrao social do indivduo.

Com a criao da ABESS em 1946, tem-se a elaborao de um currculo o de 1952 , que, apesar de manter traos da concepo anterior, volta-se para a integrao social com nfase famlia, a partir do vis funcionalista. A formao estruturada enfocando as disciplinas direcionadas para a metodologia de caso, grupo e comunidade, alm de pesquisa, administrao e campos de atuao. Em termos da prtica profissional, a viso clnica e moral.

Em face da necessidade de regulamentao do ensino do Servio Social,

anteriormente identificada, em 1952 foi fixado um currculo mnimo, cuja aprovao

ocorreu em 1953, com a aprovao da Lei n 1.889, que regulamentou o ensino em

Servio Social, em nvel superior, com durao mnima de trs anos, contendo

disciplinas ligadas Teoria Social e Poltica, Metodologia do Servio Social e

Pesquisa. Nesse momento h uma definio dos objetivos e atuao profissional

mais claras, com uma matriz de disciplinas que dimensionaram a formao de

assistentes sociais na conjuntura em questo.

Oliveira (2008, p. 50), descreve que:

[...] As disciplinas tinham a seguinte distribuio: I Sociologia e Economia Social, Direito e Legislao Social, Higiene e Medicina Social, tica Geral e Profissional, Introduo ao Servio Social; II Mtodos e Fundamentos do Servio Social, Servio Social de Casos, Grupos, Organizao Social de Comunidade, Servio Social em suas especializaes: Famlia, Menores, Trabalho, Mdico; III Pesquisa Social.

Concordando com a anlise de Aranha e Santos (2011, p.12), verificou-se

que ao final dos anos 1950 a luta pelas reformas de base e por um projeto

societrio de carter progressista [so] a tnica do perodo, haja vista a grande

mobilizao do proletariado urbano e rural. O pas passava por um perodo

37

desenvolvimentista protagonizado por Juscelino Kubitschek e seu Plano de Metas19,

que imbricou importantes mudanas na sociedade brasileira, e influncia para o

Servio Social. Os espaos scio-ocupacionais dos assistentes sociais desse

perodo continuavam sendo as instituies estatais, para-estatais e religiosas,

semelhantes aos da poca em que se deu a institucionalizao da profisso.

Entretanto, as expresses da questo social tornavam-se cada vez mais adensadas,

e precisavam de respostas eficazes.

1.2 FORMAO PROFISSIONAL E MERCADO DE TRABALHO A PARTIR DA

DCADA DE 1960

A ideologia desenvolvimentista20, instaurada no Brasil na segunda metade

dos anos de 1950 e incio da dcada de 1960, gera uma intensa mobilizao de

movimentos urbanos e rurais. A tnica que ditava a cena poltica do perodo

principalmente sob o governo de Juscelino Kubitschek ligava-se s reformas de

base e aprofundamento da aproximao entre Estado e as massas em geral

(OLIVEIRA, 2008, p. 51). O populismo de JK era apoiado pelo setor empresarial,

sendo que a viso desenvolvimentista do processo social, ancorada na ideia de

crescimento econmico, pressupunha a integrao participativa de grupos ao

projeto hegemnico, articulado pelo Estado e concretizado em uma grande

19

O Plano de Metas de JK foi um conjunto de 31 objetivos pautados em um ideal desenvolvimentista, que visava canalizao de recursos pblicos e privados, alm de recursos de capital estrangeiro em detrimento de uma poltica de estabilidade monetria, com a finalidade desenvolver setores bsicos da economia, bem como a construo de Braslia e mudana da capital federal. O referido plano foi elaborado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico (BNDES), com base em estudos e diagnsticos realizados desde a dcada de 1940, com participao de comisses e misses econmicas diversas, como: Comisso Mista Brasil - Estados Unidos e Comisso Econmica para a Amrica Latina e Caribe (CEPAL). Com o Plano de Metas, foi possvel eliminar os pontos de estrangulamento da economia e entraves econmicos ao desenvolvimento do pas. Os setores com maior investimento foram: transportes, energia, indstria de base, com um total de 93% dos recursos alocados. O crescimento das indstrias de base, fundamentais ao processo de industrializao, foi de praticamente 100% no quinqunio 1956-1961. Os setores de sade e educao tiveram um investimento bem menor. As metas eram audaciosas e, em sua maioria, alcanaram resultados considerados positivos. A construo de Braslia no integrava nenhum dos setores supracitados. (FGV, 2012). 20

A ideologia desenvolvimentista se define, assim atravs da busca da expanso econmica, no sentido de prosperidade, riqueza, grandeza material, soberania, em ambiente de paz poltica e social, e de segurana quando todo o esforo de elaborao de poltica (poltica econmica) e trabalho so requeridos para eliminar o pauperismo, a misria, elevando-se o nvel de vida do povo como consequncia do crescimento econmico atingido. [...] Nesse sentido, o desenvolvimentismo visa uma integrao mais dinmica no sistema capitalista. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1998, p. 346).

38

variedade de projetos locais, [...] em que o Servio Social se engaja de uma maneira

bastante intensa. (FALEIROS, 1997, p. 16).

A conjuntura poltica, econmica e social dos anos 60 do sculo XX repercutiu

de forma intensa para o Servio Social. Nesse perodo, so elaborados programas

sociais, que Porto (2011) caracterizou como uma verdadeira anticidadania

patrocinada pelo Estado Ditatorial, cuja marca foi a excluso mordaz da classe

trabalhadora da cena sociopoltica centralizada pelos interesses absolutos do

grande capital equidistando-se, portanto, do padro preponderantemente

emancipador prevalecente nos modelos do Welfare State21.

Nesse momento, a profisso vivenciava uma ampliao de sua rea de

atuao, tendo seu desenvolvimento relacionado execuo de polticas sociais

emanadas pelo Estado, e o reconhecimento de seu carter sociopoltico, o que

indica a necessidade/utilidade da prtica profissional manuteno ou

transformao de certa lgica, caracterizando, desta forma, a funo social da

profisso (SERRA, 1998, p. 15).

Em termos educacionais, verifica-se um alargamento no sistema educacional,

com a aprovao da Lei n 4.024/6122, e um momento de vitalidade para a

universidade. Para o Servio Social, amplia-se a formao profissional23, com

respaldo no currculo de 1952, que segundo Faleiros (2000, p. 166), tinha

centralidade:

[...] na soluo (tratamento) de problemas individuais, no desenvolvimento e no planejamento social, com nfase na comunidade e nos valores cristos por parte das escolas catlicas;

21

So caractersticas comuns das definies de Welfare State as seguintes: a tendncia do Estado de modificar o livre funcionamento do mercado; A princpio de substituio do rendimento em caso de perda temporria ou definitiva da capacidade de obt-lo, para a preveno dos riscos prprios inerentes economia de mercado (velhice, doenas, maternidade, desemprego); a garantia, mesmo para os excludos do mercado de trabalho, de uma renda mnima a um nvel considerado suficiente para a satisfao das necessidades sociais e culturais essenciais. (DRAIBE, 1989, p. 18). 22

Considerada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da educao Nacional, cujas caractersticas representaram a manuteno das faculdades isoladas, universidades formadas de cursos justapostos de escolas pr existentes, alm de conservar ilesas as ctedras vitalcias. (OLIVEIRA, 2008, p. 32). 23

Formao Profissional do assistente social como um amplo processo determinado socialmente no conjunto mais geral de uma dada formao social e, particularmente, no contexto contraditrio da universidade-espao institucional onde se concretiza a formao bsica do profissional. um projeto que abrange em sua estrutura a formao acadmica (graduao e ps-graduao), a capacitao continuada, a prtica interventiva e organizativa do assistente social e a pesquisa, traduzindo uma determinada direo social expressa pelo vnculo a uma perspectiva de sociedade (CARDOSO; ABREU, apud ARANHA, 2007, p. 11).

39

h o contraponto crtico da viso social, da influncia dos setores progressistas cristos socialmente engajados.

A instaurao do golpe militar em 1964 significou o redirecionamento de um

projeto de desenvolvimento nacional, impulsionando um movimento repressivo aos

opositores da ordem vigente. Para Aranha e Santos (2001, p. 12), a afirmao do

projeto econmico-poltico, baseado no capitalismo associado e dependente, de

acordo com uma lgica excludente e concentracionista, nos marcos da

internacionalizao da economia, imprime uma nova feio formao profissional.

Seguindo essa lgica, e concordando com a reflexo de Netto (2011, p. 22),

h um entendimento de que:

A emerso de amplas camadas trabalhadoras, urbanas e rurais, no cenrio poltico, galvanizando segmentos pequeno-burgueses (com especial destaque para camadas intelectuais) e sensibilizando parcelas da Igreja Catlica e das Foras Armadas, era um fato novo na vida do pas. [...] esta emerso no colocava em xeque imediatamente, a ordem capitalista: colocava em questo a modalidade especfica que, em termos econmico-sociais e polticos, o desenvolvimento capitalista tomara no pas. Vale dizer: a ampla mobilizao de setores democrticos e populares, que encontrava ressonncia em vrias instncias do aparelho estatal, no caracterizava um quadro pr-revolucionrio. No fora o golpe, bastante provvel que seus desdobramentos originassem um reordenamento poltico-social capaz de engendrar uma situao pr-revolucionria; no entanto o contexto de precipitao social ocorrente entre 1961 e 1964 no a tipificava.

Parafraseando Netto (2011), o golpe possua objetivos articulados, com trs

caractersticas centrais, que versavam: 1) adequao do pas aos padres de

desenvolvimento; 2) golpeamento e mobilizao dos protagonistas scio-polticos

mais resistentes ao capital; 3) dinamizao de tendncias contra a revoluo e o

socialismo.

Conforme abordagem de Oliveira (2008, p. 52-3), em meio ao processo de

ascenso da autocracia burguesa que emergir na categoria profissional o que

Netto (2011) denominou de eroso do Servio Social tradicional, culminando com o

processo de renovao do Servio Social.

O Servio Social tradicional define-se como a prtica empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada, orientada por uma tica liberal-burguesa, que, de um ponto de vista claramente funcionalista, visava

40

enfrentar as incidncias psicossociais da questo social sobre indivduos e grupos, sempre pressuposta a ordenao capitalista da vida social como um dado factual ineliminvel. Expressa, portanto, a presena do conservadorismo do Servio Social assentado nas diversificadas influncias da doutrina social da Igreja, e nos referenciais terico-metodolgicos de natureza igualmente conservadora. As consequncias para a formao profissional so inequvocas. (NETTO, 2005, p. 6).

O contexto da ditadura traz para o assistente social a abertura de espaos

scio-profissionais nas instituies e organizaes estatais e para-estatais

submetidas racionalidade burocrtica das reformas produzidas pelo Estado

ditatorial. E, segundo explicao de Carvalho (1993, p.20)

[...] o Estado, como grande articulador do desenvolvimento capitalista, dinamiza polticas sociais que tomam feies diferentes e especficas nas distintas conjunturas, ou seja, na conjuntura do final da dcada de 60 primeira metade da dcada de 70 [sculo XX] no contexto de uma economia em ascenso e de uma ditadura marcada por violenta represso poltica; e, na conjuntura atual (final da dcada de 70 aos anos 80), no contexto de uma crise econmica e de um processo de redemocratizao do pas em que os trabalhadores, os setores populares colocam-se como fora social no cenrio poltico. Esse processo de desenvolvimento capitalista brasileiro [...] vem delimitando demandas especficas em termos de formao profissional do assistente social.

O contexto de emerso da crise estrutural do capital representou uma nova

ordem verificada nas novas roupagens e dimenses das expresses da questo

social e seu enfrentamento. Desse processo, decorreram mudanas na conjuntura

poltica, econmica e social do pas, com rebatimento na formao profissional e

mercado de trabalho do Servio Social. Alm disso, a crise do capital, iniciada na

dcada de 1970, representou diversas mudanas no contexto social. Ela decorreu

do processo de desenvolvimento do capital no perodo ps Guerra, e entra em uma

crise estrutural tendo como precedente o esgotamento dos setores que alavancaram

a expanso. Essa crise foi determinada pela queda da taxa de lucros do capital nos

pases centrais, que, como efeito, provocou ndices baixos de crescimento da

produo e da produtividade, em decorrncia disso, crescente desemprego.

(SERRA, 2001, p.151).

41

O cenrio econmico, poltico e social no contexto de crise do capital

ocasionou na mobilizao da categoria profissional em repensar suas bases terico-

metodolgicas e sua atuao frente s mltiplas faces da questo social. Em dada

conjuntura, o Servio Social est incumbido de responder s demandas decorrentes

do antagonismo das classes sociais adensados pelo capital, atravs

operacionalizao das polticas sociais emanadas pela estrutura burocrtica do

Estado, permeado pelos interesses da burguesia. Dessa forma, a atuao do

Servio Social ocorrer em meio s reivindicaes da classe proletria, em

contraponto aos interesses de dominao hegemnica do capital.

Para Harvey (2005, p. 80),

[...] a condio preferida para a atividade capitalista um Estado burgus em que instituies de mercado e regras contratuais (incluindo as do contrato de trabalho) sejam legalmente garantidas e em que se criem estruturas de regulao para conter conflitos de classes e arbitrar entre as reivindicaes de diferentes faces do capital (por exemplo, entre interesses mercantis, financeiros, manufatureiros, agrrios e rentistas). Polticas relativas segurana da oferta de dinheiro e aos negcios e relaes comerciais externos tambm tm de ser estruturadas para beneficiar a atividade de negcios.

Ainda no perodo ps-64 com intensidade na dcada de 70 do sculo XX,

ocorre processo de renovao do Servio Social, desencadeado em diversos pases

da Amrica Latina, com grande fora no Brasil. Tal processo tinha a pretenso de

trazer respostas alternativas ao Servio Social tradicional, cuja crise era flagrante

pela incapacidade de dar respostas eficazes aos problemas postos pela

modernizao conservadora, fundada no projeto da autocracia burguesa para o

continente. Tal movimento no se apresentava como um bloco monoltico, no

obstante possuir certos componentes comuns, perfeitamente identificveis. Seus

componentes bsicos giravam em torno da crtica ao Servio Social tradicional e o

esforo de construo da prxis profissional renovada, luz do posicionamento

ideolgico como resposta realidade brasileira. tambm nesse perodo que o

nvel de maturidade da categoria profissional por meio das universidades e

entidades representativas consolida uma perspectiva terica distinta, a partir da

aproximao com a tradio marxista, sendo possvel o desenvolvimento uma

prtica diferenciada, com aspectos renovados. (BRAVO, 1996; NETTO, 2011).

42

O Movimento de Reconceituao aparece como fruto das manifestaes de

profissionais do Servio Social e pequenos grupos de estudiosos. No Brasil, o

Encontro Regional de Escolas de Servio Social do Nordeste, realizado em Janeiro

de 1964, pode ser considerado como a primeira manifestao grupal de crtica ao

Servio Social tradicional e ensaio de reconceituao. Em seguida, o Encontro de

Arax (1967) e Encontro de Terespolis (1970). Em novembro de 1978, passados

oito anos, foi realizado o Encontro do Sumar (Rio de Janeiro-RJ), cuja temtica foi

a teoria bsica do Servio Social. Netto (2011, p. 59) explica que:

Enquanto fenmeno scio-cultural, o processo de reconceptualizao articulou-se como consequncia da crise estrutural que, gestada desde meados dos anos cinqenta, afetou os padres de dominao scio-poltica vigentes na Amrica Latina. Enquanto fenmeno profissional, ele instaurou-se como uma resposta possvel elaborada por setores