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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PROF. POLYDORO ERNANI DE SÃO THIAGO RESIDÊNCIA INTEGRADA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE ADRIANA SILVA OS CUSTOS DO CUIDADO EM SAÚDE: AS REPERCUSSÕES DO TRATAMENTO HEMODIALÍTICO PARA OS PACIENTES RENAIS CRÔNICOS E SUAS FAMÍLIAS Florianópolis 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PROF. POLYDORO ERNANI DE SÃO THIAGO

RESIDÊNCIA INTEGRADA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE

ADRIANA SILVA

OS CUSTOS DO CUIDADO EM SAÚDE: AS REPERCUSSÕES DO TRATAMENTO

HEMODIALÍTICO PARA OS PACIENTES RENAIS CRÔNICOS E SUAS FAMÍLIAS

Florianópolis

2016

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PROF. POLYDORO ERNANI DE SÃO THIAGO

RESIDÊNCIA INTEGRADA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE

ADRIANA SILVA

OS CUSTOS DO CUIDADO EM SAÚDE: AS REPERCUSSÕES DO TRATAMENTO

HEMODIALÍTICO PARA OS PACIENTES RENAIS CRÔNICOS E SUAS FAMÍLIAS

Trabalho de Conclusão de Residência apresentado ao Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde do Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago da Universidade Federal de Santa Catarina - HU/UFSC, como requisito para conclusão do curso de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde – ênfase alta complexidade.

Orientadora: Prof. Dra. Keli Regina Dal Prá

Florianópolis

2016

SILVA, Adriana. Os custos do cuidado em saúde: as repercussões do tratamento hemodialítico para os pacientes renais crônicos e suas famílias Trabalho de Conclusão de Residência Multiprofissional em Saúde do Hospital Universitário prof. Polydoro Ernani de São Thiago – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de residência pretende trazer para o debate o quão custoso é o cuidado promovido pelas famílias que possuem doentes renais crônicos que realizam hemodiálise. A motivação pela escolha do tema de estudo teve como referência a experiência profissional como assistente social residente no setor de hemodiálise de um hospital de alta complexidade do sul do Brasil. O estudo tem como objetivo discutir quais as repercussões para os envolvidos no cuidado de pessoa que realiza tratamento hemodialítico, revelando os custos do cuidado prestado pela organização familiar. O aumento do número de doenças crônicas é uma realidade no Brasil e, diante do fato das duas doenças crônicas mais prevalentes no país (o diabetes e a hipertensão arterial) serem as principais causas da doença renal crônica e consequente tratamento de diálise, julga-se que este trabalho é fundamental para desvelar como está sendo realizado o cuidado dessas pessoas e se este cuidado tem custos – seja financeiro, de tempo, de trabalho ou emocional para os familiares e pacientes. Para tanto, realizou-se uma revisão de literatura sobre a situação atual das doenças crônicas na sociedade brasileira além de levantamento de dados sobre a diálise no país. A pesquisa de campo, com abordagem qualitativa, está alocada na segunda seção, foi realizada com dez participantes da pesquisa - entre pacientes e cuidadores – usuários da saúde pública de um setor de hemodiálise onde a pesquisadora cursa a residência multiprofissional. Os principais resultados demostram que o custo do cuidado despendido para os pacientes em tratamento hemodialítico pelos familiares e/ou cuidadores vai além do gasto monetário perpassando por aspectos da vida antes não imaginados. Estes acontecimentos interferem no cotidiano de todos os envolvidos no cuidado.

Palavras-chave: Custos; Cuidado; Saúde; Famílias; Hemodiálise.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BPC - Benefício de Prestação Continuada

CEPSH - Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos

DRC - Doença Renal Crônica

INSS - Instituto Nacional do Seguro Social

PRC - Paciente Renal Crônico

HU - Hospital Universitário

RIMS - Residência Integrada Multiprofissional em Saúde

TCR - Trabalho de Conclusão da Residência

UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPEA - Instituo de Pesquisas Econômicas Aplicadas

DCNT - Doenças Crônicas Não Transmissíveis

SUS - Sistema Único de Saúde

OMS - Organização Mundial da Saúde

PNS - Pesquisa Nacional de Saúde

FAV - Fístula Artério Venosa

UTD - Unidade de Tratamento Dialítico

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO....................................................................................................................72. TRANSIÇÃO EPIDEMIOLÓGICA NO BRASIL: RUMO ÀS DOENÇA CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS (DCNT).........................................................................................11

2.1.1 A hipertensão arterial ...................................................................................212.1.2 O diabetes.....................................................................................................25

2.2 A Doença Renal Crônica (DRC)...............................................................................283. OS CUSTOS DO CUIDADO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE A PARTIR DA REALIDADE DOS PACIENTES RENAIS CRÔNICOS E DE SUAS FAMÍLIAS.......................................35

3.1 Os custos do cuidado em saúde................................................................................353.2 Pesquisa de campo....................................................................................................37

3.2.1 Aspectos metodológicos...............................................................................373.2.2 Aspectos éticos.............................................................................................383.2.3 Cenário da pesquisa......................................................................................393.2.4 Sujeitos da pesquisa......................................................................................39

3.3 Apresentação e análise dos dados.............................................................................404. CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................625. REFERÊNCIAS...................................................................................................................666. APÊNDICE..........................................................................................................................71

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1. INTRODUÇÃO

Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2014) as doenças crônicas vêm crescendo de

forma alarmante no Brasil. Corrobora com esta afirmação o fato de que em 2007, 72% das mortes

ocorridas no país foram atribuídas às doenças crônicas não transmissíveis (diabetes, doenças

cardiovasculares, doenças respiratórias crônicas, câncer, etc), 10% às doenças infecciosas e

parasitárias e 5% aos distúrbios de saúde materno infantis; evidenciando a especificidade dessas

doenças como um “problema de saúde global e uma ameaça à saúde e ao desenvolvimento

humano” (SCHMIDT et al, 2011, p. 61).

As duas doenças crônicas mais prevalentes no Brasil são a hipertensão arterial e o diabetes,

que são doenças que, se não bem controladas “abrem portas” para outras comorbidades como a

Doença Renal Crônica (DRC) e a deficiência visual, por exemplo. Diante desta realidade, de

crescimento das doenças crônicas de modo geral e da doença renal de modo particular, este estudo

buscará problematizar as repercussões e os custos do cuidados da DRC e do tratamento

hemodialítico para os pacientes e para as suas famílias.

Este trabalho tem como intuito evidenciar os custos do cuidado para as famílias que

convivem com um paciente crônico, especificamente os renais, que realizam hemodiálise em uma

Unidade de Tratamento Dialítico (UTD) de um hospital universitário localizado no sul do Brasil.

Cabe salientar que quando utiliza-se a palavra custo, neste estudo, não está se referindo somente aos

gastos monetários com saúde, mas também em relação ao tempo utilizado para o cuidado, as

dificuldades encontradas e os esforços despendidos pela organização familiar para que o Paciente

Renal Crônico (PRC) possa realizar as sessões de hemodiálise e também como se dá seu cuidado

em outros momentos da vida: em casa e em outras atividades que realizem. Parte-se da hipótese que

o tratamento hemodialítico é custoso, no sentido amplo do termo, para todos os envolvidos com as

questões da hemodiálise, ou seja, familiares e pacientes.

O tema central deste estudo surgiu durante a observação cotidiana como assistente social

residente - da ênfase de alta complexidade em saúde - atuante na unidade de tratamento dialítico de

um Hospital Universitário (HU) de uma capital no sul do Brasil. A Residência Integrada

Multiprofissional em Saúde (RIMS) é uma modalidade de pós-graduação lato sensu caracterizada

pela formação em serviço. No programa são desenvolvidas atividades juntamente com os residentes

das outras profissões da saúde (enfermagem, nutrição, psicologia, farmácia, odontologia,

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fisioterapia e fonoaudiologia) além de encontros específicos da profissão com tutores professores da

universidade. A RIMS tem duração de dois anos, sendo sua carga horária divididas entre atividades

práticas e teóricas e, no segundo ano, o residente escolhe uma unidade (de sua ênfase) para

permanecer e também realizar o Trabalho de Conclusão da Residência (TCR).

Foi a partir das inquietações provenientes do exercício profissional que surgiu a necessidade

de buscar respostas para questões latentes na prática diária. Observava-se a relação desgastante e

estafante as quais viviam os acompanhantes/cuidadores dos pacientes da unidade em que se

escolheu permanecer. Além do visível cansaço físico e mental também chamava atenção as

transformações na vida do paciente e da família após o início do tratamento. Entre as dificuldades

observadas destaca-se: a locomoção para as sessões de hemodiálise; os gastos com a nova

alimentação (mais saudável e restrita a certos tipos de alimentos); os prejuízos monetários para os

acompanhantes/cuidadores que possuíam emprego e acabavam demitindo-se para poder cuidar de

seu familiar; o local da mulher como cuidadora, dentre outras questões que se pretendia levantar

com este estudo.

Diante destas observações a pesquisa tem como objetivo principal verificar quais as

repercussões do cuidado para as famílias que possuem pessoa com DRC em tratamento

hemodialítico, analisando quais os custos do cuidado para os participantes. Os seus objetivos

específicos são:

a) verificar quais as demandas de cuidados requeridas pelo PRC;

b) identificar a dinâmica de organização familiar para promover o cuidado ao PRC;

c) identificar as mudanças ocorridas no cotidiano da família após o início das sessões

de hemodiálise;

d) caracterizar os gastos realizados pela família após assumir o cuidado de pessoa com

doença renal crônica em tratamento hemodialítico.

Evidenciar as repercussões relacionadas aos cuidados com PRC para suas famílias é de

fundamental importância, pois uma vez iniciadas as sessões de hemodiálise, um PRC só

deixará de realizá-las mediante um transplante de rins, procedimento que necessita de uma

série de fatores para ocorrer e dependendo das condições clínicas do paciente não é indicado.

Portanto, depois do início do tratamento o PRC e os envolvidos com ele terão que lidar com

uma nova rotina de cuidados voltada para o tratamento e tudo que este exige, visto que,

dependendo da indicação médica o PRC poderá realizar as sessões de duas à três vezes por

semana, de três a quatro horas por dia e ainda precisará realizar exames periódicos para

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acompanhamento das funções do corpo. Ou seja, o tempo despendido para o tratamento e

tudo que ele acarreta afetará o PRC e seu grupo familiar por um período que não se pode

prever quanto durará.

Os participantes da pesquisa foram os pacientes que estavam dialisando na UTD de

um hospital de alta complexidade e suas famílias/acompanhantes/cuidadores no mês de julho

do ano de 2015. Cabe apontar que a pesquisa só foi iniciada após sua aprovação no Comitê de

Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSC) sob parecer n. 1.118.973, datado de 08 de junho de 2015.

Salienta-se que a unidade em que foi realizado o estudo trabalha somente com a

hemodiálise, não realizando nenhum outro tipo de diálise. A referida unidade possui sete

máquinas de hemodiálise, e seu funcionamento é dividido por dias e turnos. Nas segundas,

quartas e sextas-feiras dialisam um grupo de pacientes e nas terças e quintas-feiras outro

(conforme prescrição médica). Em relação aos turnos estes são três, o primeiro inicia-se às 7h

da manhã com término às 10:30h, o segundo das 11h com término 14:30h e o terceiro tem

início às 15h com término previsto para as 18:30h.

Em relação à organização do TCR, na primeira seção realizou-se o levantamento

bibliográfico sobre o expressivo aumento das doenças crônicas no mundo e principalmente no

Brasil. Verificou-se que a transição demográfica, apontada por órgãos governamentais – como

o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituo de Pesquisas Econômicas

Aplicadas (IPEA) - está diretamente ligada com a transição epidemiológica que vem

ocorrendo no país desde as décadas de 1970/1980. Estes órgãos afirmam que atualmente a

população não está mais padecendo de doenças infectocontagiosas mas de Doenças Crônicas

Não Transmissíveis (DCNT).

Dados sobre os hábitos de vida das pessoas também são apresentados e trazidos para o

debate com base numa pesquisa sobre saúde realizada pelo IBGE em 2013. Aponta-se que

pode haver uma relação entre os hábitos de vida considerados não-saudáveis com o aumento

de DCNT. Após, apresenta-se um panorama da situação epidemiológica das duas DCNT mais

prevalentes no Brasil: o diabetes e hipertensão arterial. Também é abordada brevemente a

história e a situação atual da DRC e do tratamento hemodialítico no país.

A segunda seção expõe os aspectos metodológicos, éticos e o cenário da pesquisa

realizada, bem como apresenta os dados coletados. Primeiramente exibe o perfil dos PRC, de

seus cuidadores/acompanhantes e, na sequência, são apresentadas as categorias advindas das

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entrevistas para posterior discussão. Aspira-se demonstrar qual as repercussões na

organização familiar e os custos ao se promover o cuidado ao PRC, a partir de suas próprias

falas e de seus acompanhantes/familiares, com base no referencial teórico utilizado na

pesquisa.

Por fim, nas considerações finais, sistematizam-se alguns aspectos debatidos e

problematizados ao longo do trabalho e as principais indicações acerca do tema proposto.

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2. TRANSIÇÃO EPIDEMIOLÓGICA NO BRASIL: RUMO ÀS DOENÇA CRÔNICAS

NÃO TRANSMISSÍVEIS (DCNT)

A Constituição Federal de 1988 reconheceu, no Estado brasileiro, a saúde como

“direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que

visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às

ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988, s/p). Após sua

promulgação houve a regulamentação da política de saúde com as leis n. 8.080 e n. 8.142 de

1990 e a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro. No entanto, passados 28

anos da instituição do SUS, o Brasil enfrenta o desafio de mudar paradigmas para construção

de uma política de saúde voltada não somente para a ausência de doenças. A partir daí passa a

vigorar o entendimento de que a saúde e a doença na coletividade não podem ser explicadas

exclusivamente nas suas dimensões biológica e ecológica, pois tais fenômenos são

determinados social e historicamente, enquanto componentes dos processos de reprodução

social (FLEURY, 1997).

Nos dias atuais, um grande desafio para a política de saúde é a transição

epidemiológica que o país está sofrendo. Segundo Schramm et al (2004, p. 897)

entende-se por transição epidemiológica as mudanças ocorridas nos padrões de morte, morbidade e invalidez que caracterizam uma população específica e que, em geral, ocorrem em conjunto com outras transformações demográficas, sociais e econômicas. O processo engloba três mudanças básicas: substituição das doenças transmissíveis por doenças não-transmissíveis e causas externas; deslocamento da carga de morbimortalidade dos grupos mais jovens aos grupos mais idosos; e transformação de uma situação em que predomina a mortalidade para outra na qual a morbidade é dominante.

A transição epidemiológica tem relação direta com o envelhecimento populacional,

pois a redução dos óbitos por doenças infectocontagiosas e aumento da participação daqueles

provocados por causas vinculadas às doenças crônico-degenerativas estão associados a

processos de envelhecimento, fenômeno que tornou-se realidade nas últimas décadas em

grande parte do mundo. Observa-se que o avanço tecnológico, o investimento em saúde

pública e a utilização de antibióticos importados no período pós-guerra na década de 1940

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corroboraram para que, com a queda da mortalidade no país, a expectativa de vida aumentasse

(IBGE 2011). Quanto menor o número de doenças infecciosas maior o número de idosos e

maiores as chances desses possuírem algum tipo de doença crônico-degenerativa.

Segundo Carneiro (2003, p. 10) “estimativas do Banco Mundial apontam que, nos

próximos 40 anos, a população idosa brasileira crescerá a uma taxa de 3,2% ao ano (sendo

que a população total crescerá a uma taxa de 0,3%) e atingirá 64 milhões de habitantes em

2050”. O crescimento da população idosa é um fenômeno mundial, é reflexo dos avanços da

sociedade. Entretanto, faz-se necessário apontar que o crescimento do número de pessoas

nessa faixa etária somado ao reduzido número de pessoas em atividade laborativa e

contributiva geram repercussões nos sistemas de garantias sociais.

A velocidade do processo de transição demográfica1 e, também, a epidemiológica vivido pelo Brasil nas últimas décadas traz uma série de questões cruciais para gestores e pesquisadores dos sistemas de saúde, com repercussões para a sociedade como um todo, especialmente num contexto de acentuada desigualdade social, pobreza e fragilidade das instituições. Um dos resultados dessa dinâmica é a maior procura dos idosos por serviços de saúde. As internações hospitalares são mais frequentes e o tempo de ocupação do leito é maior quando comparado a outras faixas etárias. Desta forma, o envelhecimento populacional se traduz em maior carga de doenças na população, mais incapacidades e aumento do uso dos serviços de saúde (VERAS, 2009, p. 550).

Diante desse panorama de rápido envelhecimento populacional e prolongamento da

vida, os desafios estão estabelecidos. As consequências no âmbito da saúde começam com a

alteração do perfil de morbimortalidade do país. Uma análise da mortalidade no Brasil indica

que, em 1930, as doenças infecciosas respondiam por 46% das mortes, mas que este valor

decresceu para um valor próximo a 5% em 2000 (MENDES, 2010). O elevado número dessas

doenças se deve ao envelhecimento populacional que está mudando a caracterização

demográfica do Brasil.

Segundo Mendes (2010) a situação de saúde dos brasileiros deve ser analisada nos

seus aspectos demográficos e epidemiológicos. Neste sentido, verificando-se os dados do

IBGE, conclui-se que a mudança epidemiológica e demográfica da população brasileira está

ocorrendo em ritmo acelerado pois, “o nosso perfil demográfico é caracterizado pelo aumento

constante do número de idosos, que, em 2030, já terá ultrapassado o número de jovens. A

1 Entende-se por transição demográfica a oscilação das taxas de crescimento e variações populacionais.

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expectativa de vida, que hoje é de 73 anos, passará para 81,9 anos” (BRASIL, 2014, p. 115).

Mendes 2010 (p. 298) afirma que

uma população em processo rápido de envelhecimento significa um crescente incremento relativo das condições crônicas por que essas condições de saúde afetam mais os segmentos de maior idade. Os dados da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar do IBGE de 2008 mostram que 79,1% dos brasileiros de mais de 65 anos de idade relataram ser portadores de, pelo menos, uma das doze doenças crônicas selecionadas.

Esse envelhecimento provoca um acréscimo importante na carga de doenças crônicas

da população brasileira. Segundo o Ministério da Saúde “as doenças crônicas constituem

problema de saúde de grande magnitude, correspondendo a 72% das causas de morte no

Brasil e são responsáveis por 60% das morte em todo o mundo” (BRASIL, 2014). Schmidt et

al (2011, p. 62) afirma que as DCNT em 2007 eram responsáveis por cerca de 72% das mortes

no país, entre estas destacam-se as doenças cardiovasculares, doenças respiratórias crônicas,

diabetes, câncer e outras, inclusive doenças renais. O Ministério da Saúde caracteriza doenças

crônicas como:

[…] problemas de saúde que estão relacionados a causas múltiplas, com início gradual, com prognóstico usualmente incerto e com longa ou indefinida duração; que apresentam um curso clínico que muda ao longo do tempo, com momentos de agudização, podendo gerar incapacidades. Requerem, ainda, intervenções com uso de diferentes densidades tecnológicas, associadas a estratégias que apoiem a mudança do estilo de vida (BRASIL, 2014, p. 115).

Muitos brasileiros já sofrem com as doenças crônicas e, infelizmente, este contingente

tende a aumentar ao longo dos próximos anos. Alguns fatores estão associados ao crescimento

desse número de doenças, destacamos que o modo de vida da população atual está ligado ao

crescente número dessas doenças no Brasil e no mundo.

Houve uma rápida transição demográfica no Brasil, que produziu uma pirâmide etária com maior peso relativo para adultos e idosos. Crescimento da renda, industrialização e mecanização da produção, urbanização, maior acesso a alimentos em geral, incluindo os processados, e a globalização de hábitos não saudáveis produziram rápida transição nutricional, expondo a população cada vez mais ao risco de doenças crônicas (SCHMIDT et al, 2011, p. 61).

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Schmidt et al (2011 p. 62) afirma que as DCNT são um problema de saúde global e

uma ameaça à saúde e ao desenvolvimento humano. Revela ainda que a carga dessas doenças

recai especialmente sobre países de baixa e média renda. O Ministério da Saúde reconhece

que esses tipos de doenças atingem em sua maioria a população mais pobre e vulnerável. Esta

é “uma parte” da população que não tem acesso à alimentação adequada e a prática de

exercícios físicos, dois fatores de risco para o desenvolvimento destas doenças, isto claro

somado às “diferenças no acesso aos bens e aos serviços, baixa escolaridade e desigualdades

no acesso à informação que determinam, de modo geral, maior prevalência das doenças

crônicas e dos agravos decorrentes da evolução dessas” (BRASIL,2014, p. 9). No Brasil, o

diabetes e a hipertensão arterial – que são as duas principais doenças que causam a DRC –

atingem, respectivamente, 6,3% e 23,3% dos adultos (BRASIL, 2011a).

O diabetes e a hipertensão arterial são doenças que representam a primeira causa de mortalidade e de hospitalizações, sendo apontadas como responsáveis por mais da metade dos diagnósticos primários em pessoas com insuficiência renal crônica submetidas à diálise no Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro (OPAS, 2010 apud BRASIL, 2014, p.9).

Outra questão que merece ser apontada são as prioridades adotadas pelos órgãos de

gestão da saúde no Brasil, que é voltado para a recuperação de doenças, em suas fases de

agudização. “Uma análise dos sistemas de atenção à saúde, feita numa perspectiva

internacional, mostra que eles são dominados pelos sistemas fragmentados, voltados para

atenção às condições agudas e às agudizações de condições crônicas” (MENDES, 2010, p.

229). O rápido e continuado aumento da obesidade, hipertensão e diabetes denuncia a

inadequação das estratégias atuais e coloca o desafio de tomar outras providências. Alguns

exemplos são:

O aumento do acesso da população a alimentos saudáveis, como frutas e vegetais, e o não incentivo ao consumo de alimentos altamente processados, assim como intervenções que orientem o design urbano com o objetivo de promover o hábito da atividade física regular. Outras ações para reduzir o teor de sódio dos alimentos são especialmente necessárias. (SCHMIDT, et al, 2011, p. 68).

As ações e serviços de saúde realizados, principalmente, na atenção básica no Brasil,

assumem o protagonismo em relação à prevenção e promoção da saúde.

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Contudo, lacunas relevantes permanecem na atenção básica, uma vez que somente agora aspectos importantes do modelo de cuidados crônicos estão começando a ser incorporados. Uma iniciativa recente, é o apoio às equipes da Estratégia Saúde da Família por outros profissionais da saúde, incluindo nutricionistas, professores de educação física, psicólogos e psiquiatras, que deveria ser especialmente direcionada à prevenção e ao controle das DCNT (SCHMIDT et al, 2011, p. 68).

A prevenção das doenças crônicas é o principal caminho para se alterar o crescente

número de casos desse tipo de doenças no mundo. Entretanto, com as péssimas condições de

vida na atualidade, a população em geral reproduz maus hábitos em relação a sua própria

saúde. “O aumento da carga de DCNT reflete os efeitos negativos da globalização, da

urbanização rápida, da vida sedentária e da alimentação com alto teor calórico e do marketing

que estimula o uso do tabaco e do álcool” (MALTA, 2014, p. 4).

Alguns fatores são chave para o desenvolvimento de DCNT. Segundo Duncan (2012)

a Organização Mundial da Saúde (OMS) destacou quatro principais hábitos que levam os

indivíduos a adquirirem esse tipo de doença. São eles: o fumo, o uso abusivo de álcool, a falta

de exercícios físicos e a má alimentação.

Os padrões de alimentação adotados nas últimas décadas podem ser prejudiciais de várias maneiras. Por exemplo, o consumo excessivo de sal aumenta o risco de hipertensão e eventos cardiovasculares, e o alto consumo de carne vermelha, de carne altamente processada e de ácidos graxos trans está relacionado às doenças cardiovasculares e ao diabetes. Por outro lado, o consumo regular de frutas e legumes diminui o risco de doenças cardiovasculares e de câncer gástrico e colorretal. Estima-se que, entre os óbitos causados por álcool, mais de 50% sejam devido às DCNT, incluindo diversos tipos de câncer e cirrose hepática (DUNCAN, 2012, p. 128).

Sabe-se que os determinantes sociais da saúde têm expressiva relação com fatores de

risco para a prevalência de doenças cônicas. Tomando como exemplo a alimentação, o nicho

populacional carente de recursos e informação geralmente não terá acesso à alimentos de

qualidade, o mesmo acontece em relação à prática de atividades físicas. Para Claro (2015, p.

258)

desde a segunda metade do Século XX, condições favoráveis à ocorrência de desnutrição e doenças infecciosas têm sido gradativamente substituídas por um cenário favorável à ocorrência de DCNT relacionadas ao consumo excessivo e/ou desbalanceado de alimentos e à prática insuficiente de atividade física. Tal cenário pode ser verificado tanto em países desenvolvidos como em grande parte daqueles em desenvolvimento,

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incluído o Brasil. Nesse contexto, a estratégia global da Organização Mundial da Saúde para Alimentação, Atividade Física e Saúde, de 2003, ressalta a necessidade de adequação dos padrões mundiais de alimentação, com ênfase na redução do consumo de alimentos com alto teor de energia, baixo teor de nutrientes e alto teor de sódio, gorduras saturadas, gorduras trans e carboidratos refinados.

Sobre as atividades físicas, qual trabalhador que precisa enfrentar o trânsito das

grandes cidades para se deslocar de casa para o trabalho tem tempo para realizar alguma

atividade visando seu bem-estar? Um agravante desta situação de deslocamento é a

infraestrutura de nossas cidades que privilegia o veículo motor ao invés do pedestre e ciclista.

Há ainda a questão cultural e comercial em relação a necessidade de possuir automóvel

próprio. Desta forma as pessoas ficam cada vez mais sedentárias.

No que se refere à alimentação, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada pelo

IBGE em 2013 investigou os hábitos alimentares dos brasileiros a partir de marcadores

saudáveis e não saudáveis recomendados pela OMS. Com os dados desta pesquisa pode-se

visualizar a discrepância dos hábitos dos brasileiros em relação à ingestão de alimentos

saudáveis. A OMS recomenda a ingestão diária de pelo menos 400 gramas de alimentos

saudáveis, equivalente ao consumo de cinco porções diárias de frutas e hortaliças (IBGE,

2014). Na Figura 1 verifica-se que as pessoas com 18 anos ou mais que consomem cinco

porções diárias desses alimentos correspondem a 37,3% no país.

Figura 1 - Proporção de pessoas de 18 anos ou mais de idade com consumo recomendado de

hortaliças e frutas, com indicação do intervalo de confiança de 95%, segundo as Grandes

Regiões - 2013

Fonte: IBGE (2014, p. 24).

Pode-se notar ainda, analisando a Figura 1, que este percentual variou de 28,2%, na

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Região Nordeste, a 42,8% na Sudeste, ou seja, é na região mais pobre do Brasil o menor

consumo desses alimentos. Na Figura 2 os dados em relação ao consumo destes alimentos

estão separados segundo o sexo, os grupos de idade, a cor ou raça e o nível de instrução.

Figura 2 - Proporção de pessoas de 18 anos ou mais de idade com consumo recomendado de

hortaliças e frutas, com indicação do intervalo de confiança, segundo o sexo, os grupos de

idade, a cor ou raça e o nível de instrução - Brasil – 2013

Fonte: IBGE (2014, p. 24).

A partir dos dados da Figura 2 percebe-se que o consumo de frutas e hortaliças entre as

mulheres é maior em relação ao consumo dos homens. Sabe-se que a questão da saúde do

homem não é tão problematizada quanto a da mulher, visto que esta desde o primeiro ciclo

menstrual já precisa realizar consultas periódicas a profissionais da saúde. Já o homem não

possui um “marco” no qual ele terá que procurar esse tipo de atendimento. Assim,

historicamente, a mulher possui o hábito de cuidar-se mais o que reflete na expectativa de

vida, a qual sabe-se ser maior para as mulheres. Sobre essa questão Salgado (2002, p. 11)

afirma que

as mulheres vivem, em média, sete anos mais do que os homens e estão vivendo mais do que nunca. Outra característica deste grupo populacional é que existe uma maior proporção de viúvas do que em qualquer outra faixa etária. Uma razão que poderia explicar essa situação é que, por tradição, a mulher tende a se casar com homens mais velhos do que ela, o que, associado a uma mortalidade masculina maior do que a feminina, aumenta a probabilidade de sobrevivência da mulher em relação ao seu cônjuge. Outra explicação do fenômeno de um maior número de mulheres viúvas nessa faixa etária é o fato de que as mulheres cuidam mais de sua própria saúde do que os homens.

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Com estes dados, nota-se ainda que a ingestão de alimentos considerados saudáveis

aumenta quando as pessoas possuem nível superior, ou seja, quanto mais escolarizado, mais

saudável é o indivíduo. Malta (2011, p. 435) conclui que “o diagnóstico das DCNT e de seus

fatores de risco aponta para a maior carga entre populações vulneráveis, o que precisa ser

enfrentado e monitorado com ações afirmativas, no sentido de produzir mais investimentos

junto a essas populações e reduzir a iniquidade em saúde”.

Claro (2015) afirma que há uma elevada prevalência de consumo de alimentos não

saudáveis tidos como fatores de risco para DCNT na população brasileira. Neste sentido, a

OMS considera o consumo regular de refrigerantes, leite integral, carnes com excesso de

gordura e o consumo de sal hábitos alimentares não saudáveis. A PNS de 2013 verificou que

“a proporção de pessoas que referiram consumo de carne ou frango com excesso de gordura

foi 37,2%, variou entre 29,7% na Região Nordeste e 45,7% na Centro-Oeste. O consumo foi

maior entre os homens (47,2%), entre os mais jovens e os menos escolarizados” (IBGE, 2014,

p.25). Na Figura 3 verifica-se a proporção destes dados separados novamente segundo o sexo,

os grupos de idade, a cor ou raça e o nível de instrução. O consumo de gordura em excesso

tem uma diferença de 19 pontos percentuais das mulheres para os homens, ou seja, mais uma

vez verifica-se uma discrepância entre homens e mulheres em relação aos hábitos saudáveis

de alimentação.

Figura 3 - Proporção de pessoas de 18 anos ou mais de idade que consomem carne ou frango

com excesso de gordura, com indicação do intervalo de confiança de 95%, segundo o sexo, os

grupos de idade, a cor ou raça e o nível de instrução Brasil – 2013

Fonte: IBGE (2014, p. 24).

19

De forma geral, esse consumo foi mais frequente entre indivíduos do sexo masculino,

e entre os indivíduos com menor nível de idade e instrução. Ações de prevenção de DCNT e

promoção da saúde devem considerar a distribuição desses fatores na população, para que se

possa estabelecer medidas de prevenção dessas doenças de forma mais efetivas.

Em relação às bebidas, é considerado hábito saudável ingerir água no intervalo das

refeições, no mínimo dois litros por dia. Na pesquisa, verificou-se que as bebidas não

saudáveis como leite integral e refrigerante têm percentual elevado de consumo entre os

brasileiros.

Foi considerado consumo regular de refrigerante quando o morador referiu beber refrigerante ou sucos artificiais em pelo menos cinco dias da semana. No Brasil, quase 1⁄4 (23,4%) das pessoas de 18 anos ou mais de idade consumiam regularmente refrigerantes, sendo o hábito mais frequente entre os homens (26,6%) do que entre as mulheres (20,5%). Na comparação por Grande Região, a menor proporção foi de 16,8%, na Região Nordeste, enquanto as maiores foram obtidas nas regiões Sudeste (26,8%) e Centro-Oeste (27,7%), onde o consumo entre os homens ultrapassou 30% (IBGE, 2014, p.27).

A proporção de pessoas que consomem leite integral regularmente é ainda maior que o

refrigerante, sendo que são os homens os maiores consumidores da bebida como pode-se

verificar na Figura 4.

Figura 4 - Proporção de pessoas de 18 anos ou mais de idade que consomem leite integral

e/ou refrigerante regularmente, com indicação do intervalo de confiança de 95%, segundo o

sexo - Brasil - 2013

Fonte: IBGE (2014, p. 27).

20

Em relação ao consumo excessivo de sal, que está relacionado ao aumento no risco de

DCNT, como hipertensão arterial, doenças cardiovasculares e doenças renais, entre outras,

a pesquisa perguntou se o morador achava que seu consumo de sal, ao considerar tanto a comida preparada na hora quanto a industrializada, era: muito alto; alto; adequado; baixo ou muito baixo. Na avaliação de 14,2% das pessoas, o próprio consumo de sal era alto ou muito alto. O percentual de mulheres, 12,5% que consideraram seu consumo alto ou muito alto foi menor do que entre os homens, 16,1% (IBGE, 2014, p. 27).

A partir destes dados, que confirmam hábitos de vida não saudáveis numa elevada

parcela da população, precisa-se analisar o que está sendo realizado pelos órgãos competentes

no sentido de mudar essa lógica alimentar e sedentária da população. Assim, observa-se que

com o intuito de preparar o Brasil para enfrentar e deter, nos próximos dez anos, o avanço das

DCNT, o Ministério da Saúde elaborou o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento

das DCNT no Brasil 2011-2022. Este prioriza a redução da exposição da população aos

fatores de risco e o incentivo aos fatores protetores, visando ampliar medidas de proteção da

saúde, seja na criação de espaços para a prática de atividade física, seja com medidas de

proibição à propaganda do cigarro e criação de ambientes livres de fumo, entre outras, além

do apoio a estilos de vidas saudáveis, pela melhoria da qualidade de vida e bem-estar da

população. Segundo Claro (2015) “ainda que a redução no consumo de gorduras e açúcares

livres não esteja explicitada entre as metas previstas, em diversas vezes está subentendida

entre as ações sugeridas pelo Plano, como a regulação da composição nutricional de alimentos

processados para redução de seu teor de açúcar”. Sobre a associação entre as questões

apontadas – os hábitos da população em relação à atividades físicas e alimentação - e as

DCNT o IBGE (2014, p. 20) afirma que

pesquisas têm mostrado a forte associação das principais doenças crônicas não transmissíveis a fatores de riscos altamente prevalentes, destacando-se o tabagismo, consumo abusivo de álcool, excesso de peso, níveis elevados de colesterol, baixo consumo de frutas e verduras e sedentarismo. O monitoramento destes fatores de risco e da prevalência das doenças a eles relacionados é primordial para definição de políticas de saúde voltadas para prevenção destes agravos.

Considerando que as duas DCNT que levam à perda das funções dos rins ocasionado a

DRC são doenças que, em sua maioria são adquiridas devido a hábitos de vida não saudáveis -

o diabetes e a hipertensão arterial - verifica-se a importância de apresentar um panorama

21

sobre a situação epidemiológica dessas doenças no Brasil, onde o intuito é evidenciar como a

população, de um modo geral, está sendo acometida. Na sequencia se apresentará a situação

da DRC e do tratamento hemodialítico no país.

2.1 O diabetes e a hipertensão arterial: as duas DNCT mais prevalentes no Brasil

2.1.1 A hipertensão arterial

Dados nacionais sobre a hipertensão arterial podem ser encontrados no de Ações

Estratégicas para o Enfrentamento das DCNT no Brasil 2011-2022, confeccionado no ano de

2011 pelo Ministério da Saúde, este plano

visa preparar o Brasil para enfrentar e deter, nos próximos dez anos as DCNT entre as quais: acidente vascular cerebral, infarto, hipertensão arterial, câncer, diabetes e doenças respiratórias crônicas. No país, essas doenças constituem o problema de saúde de maior magnitude e correspondem a cerca de 70% das causas de mortes, atingindo fortemente camadas pobres da população e grupos mais vulneráveis, como a população de baixa escolaridade e renda. Como determinantes sociais das DCNT, são apontadas as desigualdades sociais, as diferenças no acesso aos bens e aos serviços, a baixa escolaridade, as desigualdades no acesso à informação, além dos fatores de risco modificáveis, como tabagismo, consumo de bebida alcoólica, inatividade física e alimentação inadequada, tornando possível sua prevenção (BRASIL, 2011c, p. 10).

Segundo estudos realizados pelo Ministério da Saúde a hipertensão arterial apresenta

alta prevalência no Brasil e no mundo, e o seu custo social é extremamente elevado.

A hipertensão arterial é importante fator de risco, sendo a causa mais frequente das demais doenças do aparelho circulatório. Além disso, a hipertensão está, ainda, associada às demais doenças e condições crônicas, tais como doença renal crônica, diabetes, entre outras. Essas evidências lhe conferem magnitude, em razão do agravamento das condições de saúde do indivíduo, concorrendo para a perda da qualidade de vida, para a letalidade precoce, para os altos custos sociais e do sistema de saúde. O manejo adequado da hipertensão arterial, de caráter prioritário, requer ações articuladas nos três eixos em que está desenhado o presente Plano: a vigilância da hipertensão, das comorbidades e de seus determinantes; a integralidade do cuidado; e a promoção da saúde. O investimento em educação e a mobilização social potencializam e qualificam o autocuidado e a construção de hábitos saudáveis (BRASIL, 2011c, p.60).

22

De acordo com Malta (2009, p. 75) “a hipertensão é a mais frequente das DCNT e o

principal fator de risco para complicações cardiovasculares como o acidente vascular cerebral

e o infarto agudo do miocárdio, além da doença renal crônica terminal”. A autora destaca a

facilidade que pode-se diagnosticar a doença, pois basta que o indivíduo meça sua pressão

arterial em qualquer farmácia ou unidade básica de saúde.

A hipertensão arterial por sua característica crônica e silenciosa dificulta a percepção

dos sujeitos portadores do problema. Torna-se assim “perversa” por sua invisibilidade, e acaba

por comprometer a qualidade de vida.

Segundo Toledo (2007, p. 234)

a evolução clínica da hipertensão arterial é lenta, possui uma multiplicidade de fatores e, quando não tratada adequadamente, traz graves complicações, temporárias ou permanentes. Representa elevado custo financeiro à sociedade, principalmente por sua ocorrência associada a agravos como doença cerebrovascular, doença arterial coronária, insuficiência cardíaca e renal crônicas, doença vascular de extremidades. Traz, ainda, como consequências, internações e procedimentos técnicos de alta complexidade, levando ao absenteísmo no trabalho, óbitos e aposentadorias precoces, comprometendo a qualidade de vida dos grupos sociais mais vulneráveis.

Na Figura 5, observa-se o quantitativo populacional que refere diagnóstico de

hipertensão arterial no Brasil e nas grandes regiões. Pode-se inferir que é nas regiões mais

industrializadas e desenvolvidas economicamente onde encontra-se o maior número de

indivíduos que possuem a doença. Acredita-se que este fator está fortemente ligado ao estilo

de vida das pessoas nas grandes cidades. A falta de tempo para preparar a própria comida e a

ingestão cada vez maior de comida industrializada somada a inatividade física está deixando a

população exposta à DCNT.

23

Figura 5 - Proporção de indivíduos de 18 anos ou mais que referem diagnóstico médico de

hipertensão arterial, com indicação do intervalo de confiança de 95%, segundo as Grandes

Regiões - 2013

Fonte: IBGE (2014, p. 28).

Contudo, sabe-se que é também nessas regiões mais desenvolvidas do país que

os indivíduos possuem mais oportunidades de acesso ao seu diagnóstico e, portanto é nos

grandes centros que estes dados irão aparecer de forma mais acentuada.

Na Figura 6 leva-se em conta o sexo, os grupos de idade, a cor ou raça e o nível de

instrução das pessoas que referem diagnóstico médico de hipertensão arterial.

Figura 6 - Proporção de indivíduos de 18 anos ou mais que referem diagnóstico médico de

hipertensão arterial, com indicação do intervalo de confiança de 95%, segundo o sexo, os

grupos de idade, a cor ou raça e o nível de instrução Brasil – 2013

Fonte: IBGE (2014, p. 32).

24

A partir dos dados da Figura 6 infere-se que as pessoas com nenhuma ou pouca

escolaridade são as que mais referiram o diagnóstico da doença. Há também uma proporção

maior de mulheres com diagnóstico médico de hipertensão arterial, 24,2% relativamente aos

homens que foi 18,3%. A proporção de pessoas que referiram este diagnóstico aumentava com

a idade: enquanto dentre as pessoas de 18 a 29 anos esta proporção era de apenas 2,8%, dentre

as pessoas de 30 a 59 anos ela era 17,8 pontos percentuais maior. Na Figura 6 ainda percebe-

se que quanto menor grau de escolaridade do indivíduo, maior é a prevalência dessa doença.

Desta forma, as doenças crônicas merecem mais atenção dos órgãos públicos, no sentido de

favorecer políticas que considerem a compreensão de que o processo saúde-doença é

socialmente determinado.

O nível de instrução intervem na prevalência de DCNT e em certos grupos

populacionais tem relação direta com os Determinantes Sociais da Saúde (DSS). Para Buss e

Pellegrini (2007, p. 77)

apesar da preponderância do enfoque médico biológico na conformação inicial da saúde pública como campo científico, em detrimento dos enfoques sociopolíticos e ambientais, observa-se, ao longo do século XX, uma permanente tensão entre essas diversas abordagens. A própria história da OMS oferece interessantes exemplos dessa tensão, observando-se períodos de forte preponderância de enfoques mais centrados em aspectos biológicos, individuais e tecnológicos, intercalados com outros em que se destacam fatores sociais e ambientais.

A discussão em torno dos DSS iniciou-se nos anos 1970/1980 a partir do

entendimento de que as intervenções curativas e orientadas para o risco de adoecer eram

insuficientes para a produção da saúde e da qualidade de vida de uma sociedade. Sobre esse

marco histórico Buss e Pellegrini (2007, p. 80) argumentam que

a Conferência de Alma-Ata, no final dos anos 70, e as atividades inspiradas no lema “Saúde para todos no ano 2000” recolocam em destaque o tema dos determinantes sociais. Na década de 80, o predomínio do enfoque da saúde como um bem privado desloca novamente o pêndulo para uma concepção centrada na assistência médica individual, a qual, na década seguinte, com o debate sobre as Metas do Milênio, novamente dá lugar a uma ênfase nos determinantes sociais que se afirma com a criação da Comissão sobre DSS da OMS, em 2005.

Tendo-se em vista que muitos fatores sociais também influenciam na saúde dos

indivíduos, como as condições em que as pessoas nascem, vivem, trabalham e envelhecem os

25

DSS precisam ocupar um lugar central nos estudos sobre o processo de saúde-doença. Além

da questão ambiental, a pobreza, entendida não apenas como falta de acesso a bens materiais,

mas também como falta de oportunidades, de opções e de voz perante o Estado e a sociedade,

é uma grande vulnerabilidade frente a imprevistos e fatores de risco para doenças crônicas.

O principal desafio dos estudos sobre as relações entre determinantes sociais e saúde consiste em estabelecer uma hierarquia de determinações entre os fatores mais gerais de natureza social, econômica, política e as mediações através das quais esses fatores incidem sobre a situação de saúde de grupos e pessoas, já que a relação de determinação não é uma simples relação direta de causa-efeito. É através do conhecimento deste complexo de mediações que se pode entender, por exemplo, por que não há uma correlação constante entre os macroindicadores de riqueza de uma sociedade, como o PIB, com os indicadores de saúde. Embora o volume de riqueza gerado por uma sociedade seja um elemento fundamental para viabilizar melhores condições de vida e de saúde, o estudo dessas mediações permite entender por que existem países com um PIB total ou PIB per capita muito superior a outros que, no entanto, possuem indicadores de saúde muito mais satisfatórios. O estudo dessa cadeia de mediações permite também identificar onde e como devem ser feitas as intervenções, com o objetivo de reduzir as iniqüidades de saúde, ou seja, os pontos mais sensíveis onde tais intervenções podem provocar maior impacto (BUSS E PELLEGRINI, 2007, p. 85).

Neste contexto, é necessário pensar ações sobre os DSS que “diminuam os diferenciais

de exposição a riscos, tendo como alvo, por exemplo, grupos que vivem e trabalham em

condições insalubres, em ambientes pouco seguros ou expostos a contaminantes ambientais e

com deficiências nutricionais, são de suma relevância para enfrentar as DCNT” (BRASIL,

2011c, p. 65).

2.1.2 O diabetes

Em relação ao diabetes

percebe-se que esta doença vem crescendo mundialmente, configurando-se atualmente como uma epidemia resultante, em grande parte, do envelhecimento da população. Contudo, o sedentarismo, a alimentação inadequada e o aumento da obesidade também são responsáveis pela expansão global do diabetes (MALTA, 2009, p. 76).

O diagnóstico do diabetes requer exame de sangue como a glicemia de jejum ou,

preferencialmente, teste de tolerância à glicose. Esse tipo de exame requer que a pessoa se

26

programe para ir ao local de coleta de amostra do sangue, ou seja, é necessário organização e,

por vezes, ausência no trabalho, motivo que dificulta a procura por exames de

acompanhamento da saúde, como os de sangue.

O controle da glicemia, da pressão arterial e os cuidados com os pés são intervenções plausíveis e custo efetivas para as pessoas com diabetes. De acordo com a OMS, ao menos três intervenções para a prevenção e gestão do diabetes demonstram reduzir custos e melhoram a saúde. O Plano Nacional de Reorganização da Atenção à Hipertensão e ao Diabetes, programa de rastreamento realizado em 2001 no Brasil, levou à detecção e à incorporação ao sistema de saúde de aproximadamente 320 mil pessoas com diabetes. Como resultado, o diagnóstico e o tratamento do diabetes foram aperfeiçoados na Atenção Básica, por meio da implantação de normas orientando o cuidado ao portador de diabetes. Além disso, os medicamentos básicos para controle de hipertensão e diabetes são disponibilizados gratuitamente por meio do programa Farmácia Popular (SCHMIDT et al., 2011).

Em 2013, a PNS estimou que no Brasil 6,2% da população o que equivale a um

contingente de 9,1 milhões de pessoas referem diagnóstico de diabetes. Podemos verificar na

Figura 7 que, assim como ocorre com a hipertensão arterial é nas regiões mais desenvolvidas

do país que se encontra o maior número de pessoas que referem possuir diabetes. Estudo

realizado por Sartorelli e Franco (2003, p. 30) se refere à prevalência do diabetes nas cidades

das regiões sul e sudeste, que são as consideradas de maior desenvolvimento econômico do

país

Essas cidades apresentam maiores prevalências de diabetes mellitus e de tolerância à glicose diminuída. Os principais fatores associados à maior prevalência do diabetes no Brasil foram a obesidade, o envelhecimento populacional e história familiar de diabetes tem-se observado um crescente número nas hospitalizações por diabetes, em proporções superiores às hospitalizações por todas as causas, o que de certa forma, traduz o aumento na sua prevalência.

Analisando estes dados deve-se levar em consideração também – como já apontado -

que, nas regiões norte e nordeste o acesso à saúde e especialmente aos diagnósticos de

doenças e tratamento pode ser considerado um tanto precário, diferentemente do sul do Brasil

e de Florianópolis em especial que, segundo o Ministério da Saúde é a cidade que possui o

melhor sistema de saúde em atenção básica do Brasil. Portanto, infere-se que pode haver

doenças que não são do conhecimento do indivíduo, visto que a pesquisa realizada pelo IBGE

se baseia no relato das pessoas.

27

Figura 7 - Proporção de pessoas de 18 anos ou mais de idade que referem diagnóstico médico

de diabetes, com indicação do intervalo de confiança de 95%, segundo as Grandes Regiões -

2013

Fonte: IBGE (2014, p. 34).

Com os dados da Figura 8 percebe-se que novamente a questão do nível de

escolaridade tem relação com a prevalência desta doença. Verifica-se que são as pessoas com

um nível menor de instituição que referem diagnóstico da diabetes, a prevalência de diabetes

entre os sem instrução e fundamental incompleto é o dobro dos que possuem ensino superior

completo.

Figura 8 - Proporção de pessoas de 18 anos ou mais de idade que referem diagnóstico médico

de diabetes, com indicação do intervalo de confiança de 95%, segundo o sexo, os grupos de

idade, a cor ou raça e o nível de instrução Brasil - 2013

Fonte: IBGE (2014, p. 36).

28

Analisando as figuras percebe-se que essas duas DCNT são doenças que acometem

principalmente as pessoas idosas. Ou seja, com o crescimento do número da população idosa,

haverá o crescimento desse tipo de comorbidade que são geradoras de outras doenças, o que

agrava o estado de saúde da população e os custos para o sistema de saúde.

2.2 A Doença Renal Crônica (DRC)

A perda das funções renais pode ser aguda ou crônica (SBN, 2015, s/p). A

insuficiência renal aguda é caracterizada pela redução rápida da função dos rins que se

mantém por períodos variáveis, resultando na inabilidade dos rins exercerem suas funções

básicas. Em muitas ocasiões o doente necessita ser mantido com tratamento por diálise até

que os rins voltem a funcionar. Em outros casos, os rins não têm sua função restabelecida e a

pessoa precisará ser mantida em diálise crônica.

A DRC é a perda lenta, progressiva e irreversível das funções renais. Por ser lenta e progressiva, esta perda resulta em processos adaptativos que retardam os sinais de falência renal aparecendo somente em estágios avançados da doença. Nessa fase já avançada os rins já não conseguem manter a normalidade do meio interno do paciente sendo necessário um tratamento contínuo para substituir a função renal (SBN, 2015, s/p).

Quando ocorre a falência da função renal o doente terá duas principais alternativas de

tratamento, que são a diálise ou o transplante, sendo a primeira o procedimento mais utilizado,

apesar de a segunda ser a mais recomendada, por oferecer melhor qualidade de vida ao

paciente, uma possível redução do risco de mortalidade, e por apresentar menor custo a longo

prazo (SBN, 2015). O transplante de rim é apropriado para pacientes com doenças em fase

terminal devido a diversas causas. Dentre as doenças que acarretam a DRC, as mais

frequentes são diabetes, hipertensão e glomerulonefrite2. O transplante com êxito está

associado à liberdade da diálise/hemodiálise. Os pacientes transplantados têm uma

expectativa de vida prolongada em comparação com pacientes em diálise e/ou hemodiálise.

Em relação à terapia renal substitutiva, segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia

(SBN) (2015, s/p), os procedimentos indicados para na modalidade diálise são:

2 A glomerulonefrite é uma inflamação do glomérulo, uma unidade funcional do rim formada por capilares, no qual ocorre a filtragem do sangue e, também, a formação da urina. Os glomérulos são responsáveis por remover o excesso de fluidos, eletrólitos e demais resíduos da corrente sanguínea e passá-los para a urina.

29

Hemodiálise - também conhecida como rim artificial, promove a retirada das substâncias

tóxicas, água e sais minerais do organismo através da passagem do sangue por um filtro, é,

geralmente, realizada três vezes por semana, em sessões com duração média de três a quatro

horas, com o auxílio de uma máquina, em unidades de saúde especializadas neste tratamento.

Para que o sangue passe pela máquina, é necessário a colocação de um cateter ou a confecção

da Fístula Artério Venosa (FAV). A FAV é feita por um cirurgião vascular, no centro cirúrgico,

unindo uma veia e uma artéria superficial do braço.

Diálise Peritonial Ambulatorial Contínua (DPAC) baseia-se na infusão e drenagem do banho

de diálise na cavidade abdominal através da chamada membrana peritonial. “O banho vem

armazenado em bolsas de material plástico flexível, que têm um sistema para conexão ao

cateter abdominal. Após ser infundido, o líquido permanece por algumas horas dentro do

abdômen do paciente, para então ser drenado. Depois da drenagem, é feita nova infusão, e

assim sucessivamente” (SBN, 2015 s/p). Após um período de treinamento e adaptação na

unidade de saúde, esse procedimento é realizado no domicílio do paciente com trocas feitas

pelo próprio paciente ou cuidador. Geralmente são feitas de 3 a 6 trocas de líquido ao longo

do dia, sendo que no intervalo entre as trocas, o paciente pode realizar as suas atividades

diárias normalmente.

Diálise Peritonial Automática (DPA) funciona de forma semelhante à DPAC, porém as trocas

são realizadas durante a noite, enquanto o paciente está dormindo. As trocas são feitas de

forma automática, com o auxílio de uma máquina conhecida como cicladora (SBN, 2015 s/p).

Aqui no Estado a máquina é fornecida por uma empresa conveniada à Secretaria Estadual de

Saúde de Santa Catarina e fica consignada ao paciente, sendo o valor do procedimento pago

pelo SUS.

Diálise Peritonial Intermitente (DPI) Realizada em serviços de saúde com trocas controladas

manualmente ou por máquina cicladora automática.

Para compreendermos melhor a atenção em saúde despendida ao paciente renal, cabe

analisar alguns dados referentes ao transplante renal e a diálise. Segundo Coelho (2003) o

Brasil, até 1980 a maioria dos portadores de insuficiência renal crônica falecia antes do início

da diálise ou no seu curso e

poucos tinham oportunidade de se submeter a um transplante, não tendo os órgãos governamentais elaborado um programa adequado de atendimento ao

30

paciente renal crônico. Esta situação foi se alterando a partir de então e, em 1999 dos 75.000 doentes renais crônicos 43.000 estavam em programas de diálise 2.381 foram transplantados. Cerca de 90% destes tratamentos foram financiados com recursos públicos. Até hoje, no entanto, por deficiência do sistema de saúde uma parcela dos doentes renais crônicos nem sequer chega a ser diagnosticada (COELHO, 2003, p. 3).

Coelho (2003) compreende que o número de transplantes no Brasil não é suficiente

para dar conta da demanda porque há problemas sérios relativos a integração dos recursos

destinados ao tratamento do paciente com insuficiência renal crônica. Além disso, existe, uma

insuficiência sistemática de recursos para a saúde que faz com que a Constituição Brasileira

não seja cumprida. Para Lugon (2009, p. 4) o sistema brasileiro de saúde “começou a dar

atenção à prevenção e ao diagnóstico precoce na doença crônica renal, mas as iniciativas

públicas neste meio ainda são incipientes. Deve-se ressaltar a iniciativa recente de incluir a

DRC como um tema dos cadernos de atenção básica do Ministério da Saúde”.

Menezes (2015, p. 368) afirma que

a instituição do tratamento dialítico para pacientes com DRC em estágio terminal é realizada em cerca de 90% dessa população e determina a sobrevivência destes pacientes, sendo estimado que em 5 anos a sobrevida desta população seja em torno de 65%. Apesar de fundamental para estes pacientes, a utilização da hemodiálise como terapia renal substitutiva implica em elevado custo econômico e social.

Dados do “Portal Brasil” demonstram que a DRC atinge 10% da população mundial e

afeta pessoas de todas as idades e raças. “A estimativa é que a enfermidade afete um em cada

cinco homens e uma em cada quatro mulheres com idade entre 65 e 74 anos, sendo que

metade da população com 75 anos ou mais sofre algum grau da doença” (BRASIL, 2015, s/p).

Laboissière (2012) afirma que avanço de doenças crônicas, sobretudo do diabetes e da

hipertensão, tem provocado um aumento no número de pacientes com problemas nos rins.

“Dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) indicam que o número de doentes renais

no Brasil dobrou na última década. Estima-se que 10 milhões de brasileiros sofram de alguma

disfunção renal. Atualmente, entre 90 mil e 100 mil pessoas passam por diálise no país”

(LABOISSIÈRE,2012, s/p).

A SBN realiza desde 1999 o Censo Brasileiro de Diálise no qual centros cadastrados

respondem a um inquérito abordando questões tais como: características da unidade,

prevalência e incidência de pacientes, modalidades de tratamento dialítico, entre outras. A

31

partir destas informações é possível verificar o quantitativo de pessoas que realizam a Terapia

Renal Substitutiva (TRS) e em qual espaço esta é realizada, no SUS ou no sistema privado.

Na Figura 9 retirada do censo da SBN de 2013, é possível verificar que o setor privado

domina a oferta de unidades de diálise no país.

Figura 9 -Distribuição das unidades conforme o tipo

Fonte: SBN (2013).

Nardino (2007, p. 30) indica que o crescimento acentuado do tratamento dialítico,

quando comparado com o transplante, é decorrente tanto da atuação dos interesses do setor

privado, quanto da falta de recursos – financeiros, hospitalares e de órgãos – para viabilizar o

transplante. Segundo Coelho (1998) a explicação para a prevalência de tratamento dialítico

ser maior que o número de transplantes renais tem haver com a história da saúde no Brasil. A

autora afirma que esse tipo de tratamento começou a ganhar corpo a partir de 1976, quando os

centros de diálise passaram a receber reembolso da previdência social pelos serviços

prestados aos pacientes. Nesse período, a diálise cresceu em centros privados, que podiam

facilmente se credenciar junto ao Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência

Social (Inamps), integrando-se ao padrão de prestação de serviços à população previdenciária

(COELHO, 1998, s/p).

Retomando fatos daquela época, Coelho (1998) refere que a SBN alertou o referido

órgão de saúde e previdência para a necessidade de ser instalado um Programa Nacional de

Assistência ao Doente Renal Crônico Terminal, entretanto, diante da falta de interesse do

32

Inamps, prevaleceu a opção pelos projetos individuais dos prestadores de serviços, que em

muitos casos se caracterizavam como empreitadas empresariais pouco comprometidas com a

qualidade dos serviços prestados. Coelho (1998, s/p) argumenta que

quando se pensa na força dos interesses ligados à diálise, deve-se entender que ela decorre em grande parte da política seguida pelo Inamps, que, ao assegurar à diálise uma remuneração atraente, permitiu, já na década de 70, que este tratamento crescesse mais do que o transplante. Com isso, o Inamps acabou comprometendo decisivamente as possibilidades futuras de organização de um sistema integrado de tratamento da doença renal, uma vez que todas as propostas que surgiram na década de 80 encontraram um "sistema" de tratamento já constituído, no qual o transplante se enraizara nos hospitais universitários, a diálise se expandira por todo o país como um empreendimento médico de médio porte, e a autonomia tanto das equipes transplantadoras quanto das de diálise era enorme, enquanto a integração entre elas era muito pequena.

Com os dados da Figura 9 verifica-se que as unidades de diálise são em sua grande

maioria privadas com fins lucrativos, o que corrobora com a ideia apresentada de que este tipo

de procedimento é lucrativo para os proprietários destes serviços. Em um contexto de

aumento de prevalência e incidência da doença no Brasil, a relevância do conhecimento de

aspectos ligados ao seu tratamento e prevenção é importante do ponto de vista de políticas

públicas fornecidas às populações de risco para o desenvolvimento da doença. Desta forma,

somente um sistema sem interesses financeiros - de obter lucro com essa doença - poderá

alterar a prevalência da DRC no país, daí a importância de reafirmar o protagonismo do SUS

para que ações no âmbito da saúde sejam executadas visando o bem-estar da população.

Na Figura 10 observa-se a distribuição das unidade de diálise por regiões. De acordo

com dados da SBN oriundos do censo realizado em 2013 sobre diálise, há 658 unidades

cadastradas que realizam procedimentos de diálise no Brasil.

33

Figura 10 – Número de unidades renais e pacientes por região

Fonte: SBN (2013).

Percebe-se que as regiões sul e sudeste destacam-se em relação ao número de

pacientes que realizam as diálises e também são as duas regiões que possuem maior

quantitativo de unidades renais. Conforme revelou a PNS realizada pelo IBGE (2013)

revelou, é também no sul e sudeste que está a predominância de pessoas com diabetes e

hipertensão arterial. É claro que em termos de população, são regiões mais populosas, mas são

também as mais urbanizadas e industrializadas, fatores que, sabe-se, está relacionado a piores

condições de vida e saúde da população.

Conforme já debatido, as DCNT estão tendo uma elevação em sua taxa no país.

Observando a Figura 11 constata-se que o aumento de pacientes que realizam diálise no Brasil

também vem aumentando.

Figura 11 – Total estimado de pacientes em tratamento dialítico por ano

Fonte: SBN (2013).

34

Com dados da Figura 11 verifica-se que o número de pessoas que necessitam fazer

procedimentos de diálise aumentou quase 150% em 13 anos. Essas pessoas terão de conviver

com um tratamento que tomará muito tempo e exigirá que os doentes fiquem “ligados” a uma

máquina de três a quatro horas por dia em dois ou três dias da semana (no caso da

hemodiálise) conforme a prescrição médica. Certamente esses pacientes terão sofrimento

emocional envolvido. Neste sentido, observa-se ainda que

as implicações econômicas da DRC também são importantes, pois ela irá influenciar, de modo marcante e decisivo, o comportamento dos agentes econômicos no mercado de trabalho, estando associada à redução nas horas trabalhadas, a menores taxas de salário, à aposentadoria precoce, à saída antecipada do mercado de trabalho e a programas de transferência de renda. Além disso, o efeito da DRC afeta não somente o indivíduo, mas também à sua família (GODOY, 2006, p. 3).

Este elevado número de doentes renais realizando este tipo de tratamento que é longo,

paliativo e necessita, por vezes, de acompanhamento de um familiar, leva-nos a refletir sobre

as repercussões desse tratamento para as famílias e para os doentes, visto que o início da

terapia alterará toda rotina do paciente e o grupo familiar precisará se “organizar” para prestar

o cuidado necessário ao paciente renal em tratamento hemodialítico.

35

3. OS CUSTOS DO CUIDADO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE A PARTIR DA

REALIDADE DOS PACIENTES RENAIS CRÔNICOS E DE SUAS FAMÍLIAS

Esta seção discute as repercussões do tratamento hemodialítico para as famílias e para

os PRC. Almeja-se investigar o impacto na organização familiar e os custos ao se promover o

cuidado ao PRC. Ressalta-se que a palavra custo aqui não é entendida somente em seu sentido

financeiro - de gastos monetários - mas também em relação ao tempo utilizado para o

cuidado, as dificuldades encontradas e os esforços despendidos pela organização familiar para

a manutenção do tratamento hemodialítico. Para tanto, realizou-se pesquisa qualitativa com

base em entrevistas semiestruturadas aplicadas junto aos PRC em tratamento hemodialítico e

seus familiares em um hospital universitário do sul do Brasil.

3.1 Os custos do cuidado em saúde

As transições demográfica e epidemiológica que estão ocorrendo no Brasil - abordadas

anteriormente - atingem as famílias brasileiras também em suas relações de cuidado. Esse

processo ocorre tanto em relação ao gasto financeiro ao se ofertar o cuidado, quanto em

relação ao tempo de vida e trabalho despendido para este fim pelos grupos familiares, ou seja,

o cuidado que os PRC necessitam envolvem custos para eles e para suas famílias.

Para Caetano e Mioto (2011, p.5)

Falar de família significa falar de um espaço complexo. A família não se reduz a um grupo natural e sua concepção pode variar dependendo da vertente teórica que se recorre para abordá-la. É um espaço que se configura e reconfigura através de constantes modificações influenciadas pelas transformações da sua própria organização familiar e transformações originadas na sociedade contemporânea. Com o avanço da industrialização, da urbanização e da modernização das sociedades, e os efeitos que as transformações relacionadas à questão econômica e a organização do trabalho ocasionaram mudanças na configuração das famílias.

Sobre o debate família e cuidado Pereira (2004, p. 32) afirma que “a família vem

sendo redescoberta como um importante agente privado de proteção social. Em vista disso,

quase todas as agendas governamentais preveem, de uma forma ou de outra, medidas de apoio

36

familiar”. A família é chamada para o interior das políticas sociais através de orientações que

rebatem na organização dessas famílias e nas possibilidades que esta tem na provisão de

recursos, sendo estes financeiros ou emocionais (MIOTO, 2012).

De acordo com Pereira (2004, p. 29)

[...] todos os Estados de bem-estar estiveram baseados em um modelo familiar, no qual as formas de proteção eram asseguradas por duas vias: uma, mediante a participação (principalmente masculina) do chefe da família no mercado de trabalho e a sua inserção no sistema previdenciário; outra, pela participação (em sua maioria feminina) dos membros da unidade familiar nas tarefas de apoio aos dependentes e na reprodução de atividades domésticas não remuneradas.

A centralidade das políticas sociais na família também perpassa pela questão de

gênero, pois “é das mulheres que se espera a renúncia das conquistas no campo do trabalho e

da cidadania social, se presume que o foco central de suas preocupações continua sendo a

casa, enquanto o do homem ainda é o local de trabalho” (PEREIRA, 2004, p. 39). São as

mulheres que, no interior das famílias, tornam-se as responsáveis pelos cuidados prestados

aos membros dependentes para o autocuidado, e este é um trabalho invisibilizado. Além dos

serviços ofertados não abarcarem as necessidades familiares, deixando este dever para o

âmbito privado das relações sociais, afetam ainda as mulheres que, como agentes de

promoção do cuidado informal não possuem nenhum direito trabalhista.

Segundo Camarano (2014) projeções da OMS apontam para um incremento de

aproximadamente 400% na demanda por cuidados de longa duração para a população idosa

residente nos países em desenvolvimento. Camarano e Kanso (2009) projetaram que o

número de idosos brasileiros que deverá necessitar de cuidados prolongados poderá crescer de

30% a 50% entre 2010 e 2020, dependendo de melhorias (ou não) nas condições de saúde e

autonomia.

Para Pereira (2005, p.7)

Face aos novos riscos sociais, todos os países do mundo, desde os tradicionalmente mais generosos, como os Escandinavos, até os mais relutantes na prática extensiva da proteção social, como os Estados Unidos, têm concluído que não podem aumentar os gastos sociais frente a demandas cada vez maiores, que tendem a se concentrar em duas áreas: 1) na velhice, requerendo aumento de pensões e aposentadorias, além de despesas com saúde; e 2) no desemprego, exigindo uma variada gama de medidas de combate à pobreza e à ameaça de esgarçamento da coesão social. O

37

problema é que essas demandas tendem a crescer continuamente porque o envelhecimento apenas começou e a estabilidade do desemprego e da precarização do trabalho é uma realidade de difícil reversão.

Apesar da constatação do crescimento da população idosa e decorrentes demandas por

cuidados em saúde a esta faixa etária, ressalta-se que os idosos, bem como as crianças e

adolescentes e pessoas com deficiência possuem legislações específicas de proteção – o que

não garante que terão suas necessidades de cuidado atendidas ou mesmo ajuda nos custos - já

os adultos não. Pessoas adultas que, por algum motivo, necessitarem ao longo da vida de

cuidados em saúde, não possuem legislações/estatutos para receberem proteção social.

Precisa-se refletir na situação deste adulto? Como ele poderá realizar a manutenção de suas

necessidades básicas de vida? Se ele não possuía qualidade de segurado junto ao Instituto

Nacional do Seguro Social (INSS) anteriormente à doença não conseguirá acessar benefícios

previdenciários, bem como dependerá da renda e da composição familiar para conseguir o

Benefício de Prestação Continuada (BPC). Desta forma, diferentemente dos idosos,

deficientes e das crianças e adolescentes, os adultos ficam ainda mais a mercê de cuidados

familiares.

Resta-nos saber quem será responsável pelo cuidado aos idosos e aos adultos que

ficam dependentes por motivo de doença. A rotina do PRC e de toda sua família precisará ser

alterada para a realização das sessões de hemodiálise. Neste sentido, a pesquisa de campo

pretende evidenciar o quão custoso é para a família e para os próprios PRC realizar o

tratamento hemodialítico. O tratamento, por vezes, exige muito sacrifício dos PRC e família

seja no cuidado com as doenças prévias, com a FAV, no acompanhamento das sessões de

hemodiálise e nas atividades da vida diária (para os pacientes dependentes).

3.2 Pesquisa de campo

3.2.1 Aspectos metodológicos

Para a realização da investigação optou-se pelo método de pesquisa qualitativa que,

segundo Minayo (1998, p.10) é entendido como aquele capaz “[...] de incorporar a questão do

significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações, e às estruturas sociais,

sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como

construções humanas significativas”. Neste sentido, entende-se que a pesquisa qualitativa, no

38

âmbito das ciências sociais, oferece subsídios para a busca de respostas para questões muito

particulares, preocupando-se com um nível de realidade que não pode ser quantificado.

Interessa-se pelos espaços mais profundos das relações, ultrapassando o aparente e a

quantificação de fenômenos e processos que não podem ser reduzidos à operacionalização de

variáveis (MINAYO, 2002).

Ao se tratar das posições qualitativas no âmbito da pesquisa social, destaca-se a opção

pela matriz histórico-estrutural oriunda do marxismo, que oferece ferramentas que

possibilitam “assinalar as causas e as consequências dos problemas, suas contradições, suas

relações, suas qualidades, suas dimensões quantitativas, se existem, e realizar através da ação

um processo de transformação da realidade que interessa” (TRIVIÑOS, 2006, p. 125). Para

atingir o objetivo da pesquisa, todos os PRC da UTD foram convidados a participar. Do total

de pacientes que estavam dialisando no mês de julho, 10 aceitaram o convite (entre familiares

acompanhantes e os próprios pacientes). Os familiares foram incluídos na pesquisa visto que

alguns pacientes possuem dificuldades de comunicação e outros preferem que seus

acompanhantes mantenham maior contato com a equipe.

Após a realização das entrevistas, procedeu-se com a análise dos dados obtidos. As

entrevistas semiestruturadas foram analisadas com base na análise de conteúdo, proposta por

Bardin (1977), que abarca três fases: a pré-análise, que envolve a leitura flutuante de todas as

transcrições das entrevistas; a exploração do material, na qual se formam unidades de registro

que formarão categorias; e o tratamento dos resultados, onde os dados foram interpretados. A

análise de conteúdo se torna uma ferramenta importante para a análise de dados qualitativos

na medida em que permite a descoberta do que não está aparente, daquilo que se apresenta por

trás dos conteúdos manifestos (MINAYO, 2002).

3.2.2 Aspectos éticos

Como referido na introdução deste trabalho, o presente estudo foi submetido ao

CEPSH da UFSC, e somente foi iniciada após a sua aprovação. Indica-se também que não se

previu riscos aos participantes envolvidos, no entanto, priorizou-se o não prosseguimento dos

questionamentos caso fosse identificado algum constrangimento porventura suscitado.

Comprometeu-se também a manter o sigilo das informações coletadas, uma vez que os

registros escritos e gravados permanecerão arquivados na sala da orientadora da pesquisa, no

39

Departamento de Serviço Social da UFSC, não tendo sido feitas quaisquer referências à

identidade dos participantes no trabalho.

3.2.3 Cenário da pesquisa

Este estudo foi realizado os PRC que estavam realizando hemodiálise e seus familiares

na UTD do HU no mês de julho do ano de 2015. Cabe apontar que o hospital de ensino onde

foi realizado o estudo em questão não é a referência regional para as pessoas que necessitam

realizar este tipo de tratamento, o hospital referência está localizado no centro da mesma

cidade.

No mês da coleta de dados, excepcionalmente, a unidade contava com dezoito

pacientes ao total pois estava prestes a fechar para reforma. Desde o início do ano de 2015 os

pacientes que se encontravam com FAV e tinham um nível menor de dependência foram

transferidos para clínicas particulares conveniadas com o SUS e para o hospital de referência

em diálise para poderem realizar o tratamento. A exigência do paciente possuir FAV, por parte

dessas clínicas particulares, é um fator que atrasa, e por vezes, inviabiliza as transferências3.

Prova disso é que a unidade estava com estimativa de fechar em março do ano de 2015 e até a

finalização deste trabalho (fevereiro de 2016) não há previsão do encerramento das atividades

para o início da reforma, que foi requisitada pela vigilância sanitária à direção do HU.

Visto que nem todos os pacientes possuem a requisitada FAV (pelas clínicas do setor

privado) e, somado a isso, há ainda a questão da falta de vagas nessas clínicas particulares, os

funcionários e a direção não sabem informar quando será possível o fechamento da unidade

para a realização da reforma. Dentro deste cenário de incertezas, a pesquisa foi realizada o

mais breve possível logo após a autorização do CEPSH da UFSC.

3.2.4 Sujeitos da pesquisa

Com o intuito de abarcar situações bastante diversificadas optou-se por realizar

entrevistas semiestruturadas com todos os PRC e, quando impossibilitados, com os familiares

e/ou cuidadores destes que estavam frequentando a unidade no período de coleta de dados.

Desta forma, entrevistou-se os PRC da UTD que aceitaram participar da pesquisa e estavam

3O fato do paciente possuir FAV é facilitador para essas clínicas particulares.

40

em condições de responder as questões, para os que não podiam falar por algum motivo –

indisponibilidade física ou psicológica para os questionamentos - entrevistou-se seus

respectivos acompanhantes. Ao final, obteve-se o número total de dez sujeitos entrevistados.

Participaram do estudo três PRC e sete acompanhantes/cuidadores. Cabe salientar o número

elevado de acompanhantes participantes da pesquisa em comparação com o número de

pacientes se deve ao fato do cuidador estar mais disponível para responder questões, visto que

os PRC chegam na unidade e já precisam se apresentar à equipe para serem preparados para o

início da sessão e na saída precisam “correr” para não serem “deixados” pelo transporte.

Ainda é preciso considerar o fato de ser inadequado entrevistá-los sobre questões tão íntimas

num ambiente em que ficam tão próximos aos funcionários do setor e dos outros pacientes.

Assim, entrevistou-se um número maior de acompanhantes, pois estes pudem se deslocar com

a entrevistadora para um local mais adequado e reservado enquanto esperavam o término da

sessão. Entretanto, destaca-se que os PRC eram procurados com prioridade para participar do

estudo.

3.3 Apresentação e análise dos dados

Primeiramente verificou-se a necessidade de apresentar o perfil dos PRC em

tratamento hemodialítico na UTD. Para tanto, os pacientes foram agrupados por categorias

comuns para que se possa fazer uma primeira aproximação com estes sujeitos. No Quadro 1

percebe-se que dentre o universo dos entrevistados, nove possuíam uma das duas doenças

crônicas que são as principais causas de DRC – o diabetes e/ou a hipertensão arterial – e sete

possuíam essas duas DCNT simultaneamente, somente um paciente não dialisa por possuir

uma dessas doenças prévias e sim devido a um câncer que atingiu todo seu aparelho urinário,

o que fez com que seus rins deixassem de realizar suas funções.

Percebe-se ainda, verificando os dados obtidos, que somente três participantes

possuíam um nível de instrução maior que a educação fundamental (entre completo e

incompleto), o que corrobora com os dados da PNS realizada pelo IBGE em 2013 que

evidenciou o baixo nível de instrução dos indivíduos que possuem comorbidades crônicas. A

referida pesquisa revelou ainda que há relação entre os hábitos não saudáveis e os níveis de

instrução dos praticantes destes hábitos.

41

Quadro 1: Perfil dos PRC por sexo, doença causadora da DRC, escolaridade, fonte de renda e

presença de cuidador para as atividades da vida diária

Sujeito Sexo DM HA Outradoença

Cuidador Escolaridade Fonte de renda do paciente

P1 M X X Sim Ensino fundamental incompleto

Aposentadoria por invalidez

P2 M X* Sim Ensino fundamentalincompleto

Aposentadoria por invalidez

P3 F X Não Ensino fundamental

_____________

P4 M X X Sim Superior Completo

BPC

P5 F X X Sim Curso técnico Aposentadoria por invalidez

P6 F X X Sim Ensino fundamental

Aposentadoria por invalidez

P7 M X Sim Ensino fundamental

Aposentadoria por invalidez

P8 F X X Sim Superior Completo

BPC

P9 M X X Sim Ensino fundamental

Aposentadoria por invalidez

P10 F X X Sim Ensino fundamentalincompleto

Aposentadoria por tempo de

contribuição

Fonte: Elaboração da autora.

* A doença que levou o sujeito 2 a realizar hemodiálise se refere a neoplasia renal.

* DM: Diabetes Mellitus.

* HA: Hipertensão Arterial.

No quadro 1 é possível ainda ter a dimensão de como os PRC encerram sua

participação no mundo do trabalho, pois a maioria se aposenta por motivo de invalidez. Em

alguns relatos verificou-se o quanto a rotina diária exercida anteriormente ao início do

tratamento é remetida às relações trabalhistas e quanto o vínculo empregatício e as atividades

realizadas pelos pacientes são recordados com nostalgia por eles próprios e por suas famílias.

Como grande parte dos PRC possuíam vínculos formais de trabalho com carteira de trabalho e

42

previdência social assinada e recolhimento da previdência social acabaram se aposentando por

motivo de invalidez. O INSS considera a DRC e o tratamento hemodialítico uma

incapacidade permanente para o trabalho, o que é requisito para o segurado conseguir se

aposentar por invalidez. Três PRC participantes da pesquisa recebem ainda o acréscimo de

25% na aposentadoria concedido pela previdência social ao aposentado por invalidez que é

dependente de terceiros para as atividades da vida diária. Para comprovar a dependência, o

requerente precisa iniciar um processo no INSS, no qual é necessário possuir uma declaração

de solicitação de acréscimo, a comprovação de aposentadoria por motivo de invalidez

(mediante apresentação da carteira de trabalho) e a realização de perícia médica no INSS, na

qual o perito irá ou não confirmar a dependência.

Os dois PRC que referiam receber o BPC foram orientados e encaminhados pelo

Assistente Social que atua na UTD à requisitar este benefício assim que iniciaram seus

tratamentos. O único paciente que referiu não possuir renda própria, era trabalhador autônoma

(faxineira) e nunca contribuiu para a previdência social, desta forma, se orientou a requisitar o

BPC mas teve seu pedido indeferido pelo INSS devido ao não cumprimento do critério de

renda (um dos critérios do benefício é que a família possua renda per capita de ¼ do salário

mínimo). A Assistente Social da unidade também orientou a referida paciente a solicitar este

benefício assistencial via judicial, com o auxílio da Defensoria Pública Da União, porém a

paciente juntamente com sua família, optaram por não realizá-lo.

A partir da realidade exposta, verificamos que grande parte dos pacientes acessam os

benefícios previdenciários e assistenciais por possuírem os requisitos exigidos. Entretanto,

importa salientar que os critérios para receber estes benefícios são rigorosos e por vezes

demorados. Há uma série de documentos que precisam ser apresentados para a previdência

social e outros órgãos. Portanto, o paciente e a família precisarão despender tempo para

locomoção aos locais necessários, gastar com passagens e, em alguns casos, fazer uma

procuração (que também implica em custo) para um familiar ou cuidador representar o PRC

em agências bancárias, por exemplo.

Para Caetano e Mioto (2011, p. 2) este cenário de encargos demandados para a família

é explicitado, ao analisarmos os serviços, no campo da saúde, que vêm se caracterizando como espaços que requerem trabalho familiar tanto sob forma de prática administrativa, envolvendo questões burocráticas que implicam atividades necessárias para o acesso ao direito e para sua fruição, como de

43

participação, por meio de práticas formais ou informais geralmente relacionadas às limitações dos serviço.

Toda burocracia somada à adaptação dos envolvidos às sessões de hemodiálise é

custoso para o grupo familiar e para os próprios PRC. Se o paciente não possui uma rede de

apoio ou se esta não pode se mobilizar para auxiliar o paciente sua condição se complexifica

pois a busca por uma renda e/ou alguns insumos/cuidados necessários para a continuidade do

tratamento ficam comprometidos, como ocorreu com a P3 que não possuía renda própria, não

cumpria os critérios do benefício assistencial ao idoso e pessoa com deficiência e os parentes

não tinham disponibilidade para ajudá-la a requisitar este benefício via judicial. Diante deste

quadro Caetano e Mioto (2011, p. 2) afirmam que

Às famílias sempre foi delegada a função de proteção e bem-estar dos seus membros, independente de suas condições de exercê-la, juntamente com a igreja e com a comunidade, através de um movimento de naturalização da solidariedade familiar.

Porém,

indicadores sociais, econômicos e demográficos têm destacado o ônus do processo de responsabilização da família na provisão do bem-estar, sinalizando a sobrecarga das famílias ao assumirem responsabilidades que lhe são delegadas. Atualmente, a família se encontra muito mais na posição de um sujeito ameaçado do que exercendo a função de provedora, como lhe é exigida (Caetano e Mioto, 2011, p. 5)

Assim, verificando a importância do cuidador no tratamento em saúde, especialmente

no tratamento hemodialítico, optou-se também por expor quem são os cuidadores dos PRC,

visto que este é, em muitas ocasiões, pessoa fundamental para a continuidade do tratamento e

pela qualidade do cuidado prestado. Muitos dos PRC são dependentes para as atividades da

vida diária, por vezes estes ficam dependentes pelas próprias complicações de suas doenças

anteriores à DRC como o diabetes que pode levar à cegueira ou mesmo à amputações, o que

torna a existência de cuidador ainda mais necessária para sobrevivência digna do paciente.

44

Quadro 2: Perfil dos cuidadores dos PRC

PRC Sexo cuidador

Vínculo com PRC

Possui trabalho formal?

É remunerado pelo ato de

cuidar?

Escolaridade Idade Fonte de renda

cuidador

P1 F Esposa Não Não Fundamental incompleto

Vendas esporádicas

P2 M Filho Não Não Ensino médio 16 ________

P3 Não possui cuidador

P4 F Esposa Não Não Ensino médio 34 ________

P5 F Cuidadora Não Sim Fundamental 38 Salário

P6 F Filha Sim Não Superior completo

39 Escritórioadvocacia

P7 F Esposa Não Não Fundamental incompleto

60 _________

P8 F Filha Não Não Superior incompleto

36 Atendente de padaria

P9 F Esposa Não Não Fundamental 47 _________

P10 F Filha Não Não Fundamental 42 _________

Fonte: Elaboração da autora.

Com os dados do Quadro 2 pode-se constatar o fenômeno chamado de feminização do

cuidado. A maioria absoluta dos PRC que possuem cuidador é cuidado por uma mulher, seja

essa mulher sua filha, esposa ou cuidadora remunerada. O único paciente que conta com

auxílio de um homem referiu que este é seu filho, menor de idade que por não trabalhar e

estar em casa o ajuda nos afazeres necessários. Entretanto, mesmo não sendo cuidado

diretamente por uma mulher este paciente referiu que sua irmã o ajuda nas questões

burocráticas e de maiores responsabilidades. Um exemplo desta ajuda relatado pelo PRC

desta ajuda é a solicitação de acréscimo de 25% em sua aposentadoria (por motivo de

invalidez) que foi sua irmã que realizou junto ao INSS.

Infere-se ainda, pelos dados obtidos, que as cuidadoras possuem um baixo nível de

escolaridade, sendo que somente uma possui ensino superior. A cuidadora da P8 que também

possuía emprego e uma renda acima de dois salários mínimos referiu, no decorrer do ano, que

teve que pedir demissão para poder prestar os cuidados requisitados por sua mãe. Portanto, de

dez cuidadoras somente uma continua laborando e obtendo renda própria de maneira formal,

45

entretanto, possui horários flexíveis - é advogada em um escritório particular.

No Quadro 3 é possível verificar o quantitativo de PRC que são dependentes para as

atividades da vida diária, bem como quem é o principal provedor da família e o total da renda

familiar. Os dados do Quadro 3 auxiliam a compreender a relação da “escolha” do

acompanhante com a renda que a família possui, visto que, quem geralmente assume o

cuidado nas famílias são, em sua maioria, as mulheres (esposas e filhas) desempregadas ou

com baixa renda.

Quadro 3: Capacidade para as atividades da vida diária dos PRC, provedor e renda

PRC Dependente? Principal provedor da família

Renda PRC Total da renda familiar

1 Sim PRC R$ 1200,00 R$ 2000,00

2 Não Cônjuge do PRC R$ 700,00 R$ 1700,00

3 Não Cônjuge do PRC _______ R$ 3000,00

4 Sim PRC R$ 788,00 R$ 788,00

5 Sim PRC R$ 3600,00 R$ 6600,00

6 Sim Filha do PRC R$ 2500,00 R$ 5500,00

7 Sim PRC R$ 1060,00 R$ 1060,00

8 Sim Cônjuge e filha do PRC _______ R$ 2000,00

9 Sim PRC R$ 1800,00 R$ 1800,00

10 Sim PRC R$ 1250,00 R$ 2000,00

Fonte: Elaboração da autora.

A partir dos dados apresentados, verifica-se que de dez pacientes entrevistados, oito

são dependentes para as atividades da vida diária. Seis dos dependentes são os principais

provedores da casa, ou seja, os que contribuem com o maior valor das despesas. Observou-se

ainda que a família é a instituição acionada para prestar os cuidados necessários aos PRC.

Esta realidade está diretamente ligada ao que Esping Andersen (1991, p. 5) denominou de

familismo, que está presente nos sistemas de proteção social “em que a política pública

considera – na verdade insiste – em que as unidades familiares devem assumir a principal

responsabilidade pelo bem-estar de seus membros”. Estermann Meyer et al (2011, p. 506)

afirmam ainda que “em alguns estudos já se constatou que: é a família – e dentro dela as

46

mulheres – que habitualmente assume, em maior proporção, a responsabilidade pelos

cuidados domiciliares que as pessoas dependentes necessitam”.

Somente a partir de uma mudança de paradigmas esse papel de principal responsável

pelo cuidado das gerações poderá fazer com que a mulher seja desresponsabilizada do

cuidado dos membros da família que precisam de cuidados. As mulheres conquistaram

alguns direitos, entretanto, ainda precisam lutar para ter seu lugar fora da casa e do cuidado.

Para Camarano (2014, p.607) com a maior escolarização e a introdução da mulher de maneira

cada vez mais acentuada no mercado de trabalho, nos últimos anos, há uma redução na oferta

de cuidadoras informais. “Essas mudanças na constituição dos arranjos, na nupcialidade e no

papel social da mulher levam a se pensar que, dificilmente, a família poderá continuar

desempenhando o seu papel tradicional de cuidadora”. Ou seja, quanto maior a independência

da mulher, maior será a necessidade do poder público ofertar creches para as crianças e

centros dia para os idosos, por exemplo. Somente com estas medidas a família e

principalmente as mulheres seriam desoneradas da tarefa do cuidado.

3.3.1 Apresentação e análise das principais categorias da pesquisa

Após apresentação do perfil dos PRC e de seus cuidadores, os resultados foram

agrupados nas seguintes categorias: a) a acesso do PRC à saúde antes do diagnóstico de DRC;

b) a rotina familiar antes e após o início do tratamento hemodialítico; c) as demandas de

cuidados dos PRC e; d) os custos do cuidado com saúde para as famílias. As categorias

apresentadas e discutidas representam os principais temas abordados pelos entrevistados.

a) O acesso à saúde antes do diagnóstico de DRC

Em relação ao cuidado com a sua própria saúde, foi relatado que os PRC não

realizavam acompanhamento de saúde e nem possuíam hábitos de vida considerados

saudáveis pela OMS (apontados no primeiro capítulo). A fala do P2, quando questionado se

acessava os serviços de saúde, demonstra que alguns pacientes só procuram o atendimento em

saúde em situações extremas, não realizando um acompanhamento prévio fator que aumenta

as chances de possuírem doenças e não terem ideia de sua condição:

47

Ah não, eu não ia... Dificilmente eu ia consultar um médico. A minha consulta era em caso de emergência. Só quando não aguentava mais. (P2)

Para Dyniewicz (2006, s/p)

a descoberta do diagnóstico da doença renal está relacionada à presença de sintomas que levaram a procura de atendimento de saúde. No entanto, devido à pouca conscientização de uma parcela significativa da população quanto às ações de prevenção que promoveriam a detecção precoce das doenças, os doentes descobrem seu problema na fase em que as complicações já estão presentes. Esta situação faz com que sejam necessários procedimentos invasivos com maior rapidez, os pacientes se vêm diante de materiais e equipamentos que as assombram, desencadeando medos e receios compreensíveis.

Alguns PRC já sabiam do diagnóstico de suas doenças de base (diabetes e/ou

hipertensão arterial) e, mesmo nessas condições, verbalizam um certo descaso com a própria

saúde, por vezes, negligenciada pela importância do trabalho na vida destes indivíduos. A fala

a seguir, da esposa de um PRC, exemplifica esta observação:

Sempre foi muito complicado ele fazer qualquer coisa de saúde, [um dia] o telefone tocou, minha filha que atendeu (ela ainda morava em casa) daí era ele dizendo: ó já tô indo pra casa. Ele disse que tava no hospital, daí quando cheguei no hospital, ele tinha feito exame e deu [no resultado] que ele tinha diabetes. Eu peguei e quando ele chegou em casa falei assim: Ah faz um tira-teima, aí ele falou assim: Não vou perder um dia de serviço pra ir no médico. Aí falei pra ele: não precisa tu perder, eu vou tiro a ficha e marco o dia, tu só vai no dia lá. E ele: não, não vou perder, não vou parar de trabalhar por causa disso. Aí logo deu o AVC e depois deu essa zebraiada toda [hemodiálise]. (P1)

Sobre as medidas de cuidados em saúde, todos os participantes da pesquisa relatam alguma

negligência ao longo da vida que pode ter levado ao não acompanhamento de saúde e o

consequente diagnóstico de doença crônica. Eles referem que após o início do tratamento

hemodialítico passaram a cuidar-se melhor. Meireles (2008, p.169) afirma que

o indivíduo com DRC em tratamento hemodialítico sofre várias mudanças em seu cotidiano. Em algumas situações, esse paciente desconhece a existência da doença até o seu quadro clínico apresentar-se bastante grave. Além dos problemas clínicos, eles podem ser acometidos de problemas psicológicos, devido às limitações impostas pelo tratamento. O paciente, muitas vezes, tem que abandonar o emprego, deixa de ser o responsável pelo sustento da família e reduz também suas atividades sociais.

48

Ao relatarem sobre os empregos que possuíam anteriormente a descoberta da DRC e

início do tratamento, alguns PRC descrevem seus locais de trabalho como espaços onde

sentiam-se úteis, seguros e exercendo uma função. O trabalho ocupava um espaço tão

significativo para estas pessoas que não podiam deixar de trabalhar por um dia sequer para

cuidar de sua própria saúde.

Para Levy (1990 apud Dyniewicz 2006) os pacientes renais submetidos à diálise

vivem uma vida social bastante alterada. Encontram-se dependentes de uma máquina,

forçados a um ritual diário e repetitivo, expostos a contínuo estresse emocional, submetidos a

um regime de múltiplas perdas: emprego, liberdade e expectativa de vida. Por este motivo, a

lembrança de sua vida ativa é tão importante para eles. Entretanto, se pudessem exercer

algumas tarefas, se seus dias não se resumissem a ir realizar as sessões de hemodiálise

provavelmente ficariam em melhores condições emocionais. Conforme explicita Dyniewicz

(2006, s/p)

o fato de poder continuar suas tarefas rotineiras como o trabalho em casa, cuidados com filhos e familiares e alguma forma de ajuda financeira são tentativas de adaptações cotidianas cujas restrições manifestadas pela paciente demonstram a dimensão de seu sofrimento pelas limitações impostas pela doença renal. Eles se veem obrigados a submeter-se a um tratamento extremamente agressivo, tendo que se adaptar às restrições tanto de atividades quanto de relacionamento.

Quando questionados sobre a frequência de sua procura por atendimento em Unidade

Básicas de Saúde (UBS) e não somente à emergências, os participantes fazem referência à

retirada de medicamentos necessários para controle de suas doenças de base (diabetes e/ou

hipertensão arterial) entretanto, não mencionam nenhum outro cuidado com saúde que não

seja a retirada de medicamento. Para alguns, tomar a medicação é ter pleno acesso e

acompanhamento de sua condição de saúde, outros referem que não, que “só pegávamos os

remédios e nada mais.” (P4)

Não frequentava o posto não, eu ia lá só pra pegar o remédio de pressão. (P3)Sim, pegava remédios para diabetes e hipertensão. (P9)Não, eu não frequentava a UBS, ia na UPA. (P6)Nós levava na UPA, era de noite e ele: “Ah eu tô mal” e a gente já levava ele lá. (P7)

49

A partir destes relatos, pode-se perceber a relevância que o acompanhamento de saúde

ocupa na vida dessas pessoas que se tornaram doentes crônicos e atualmente dependentes de

uma máquina para sobreviver à DRC. Muitos já sabiam de seus diagnósticos de diabetes e/ou

hipertensão arterial e não realizaram o tratamento correto. Há alguns relatos de insistência em

consumir alimentos não saudáveis e de falta de interesse em procurar uma atividade física, ou

seja, mesmo que alguns tiveram acesso ao atendimento em saúde, as condições para cuidar-se

não foram suficientes para evitar a piora do estado das doenças, o que consequentemente

gerou novas comorbidades como a própria DRC, cegueira e até amputações de membros

inferiores. Neste sentido, verifica-se que é um desafio para os profissionais da saúde e para os

gestores pensar em medidas preventivas ao adoecimento da população. É preciso realizar o

acompanhamento das condições de saúde das pessoas, incentivando as empresas a realizarem

campanhas para promoção do cuidado prévio, a prática de atividades físicas, pois como

observado, o trabalho e principalmente a função que exercem na sociedade é carregado de

significados na vida dessas pessoas.

b) A rotina familiar antes e após o início do tratamento hemodialítico

A rotina atual dos PRC e de suas famílias, de maneira geral, têm aspectos em comum.

É um cotidiano carregado de cuidados em relação à doença do PRC e sua ida para o hospital

realizar o tratamento hemodialítico, além de exames necessários para controle sistemático da

saúde. Anteriormente ao início das sessões de hemodiálise muitos PRC relatam que

trabalhavam normalmente e seus respectivos cônjuges também. A partir da convivência com

uma doença crônica, que exige um longo tratamento e que ocupa muitas horas da semana

consumindo o tempo dos envolvidos, o cenário muda:

Antes eu trabalhava, meu serviço era serviço braçal. Era operador de máquina de bate-estaca. Ah depois tudo mudou! Desde a alimentação até os afazeres [...] agora eu tenho que fazer uns serviços mais leves que tiver, né? Não posso trabalhar mais fora... Ainda posso cortar uma graminha [...] mas o trabalho mais pesado foi excluído, daí [eu me] sinto mal porque tudo que precisa fazer tem que estar dependendo, né? Depende pra tudo, até a fritura que precisa fazer eu tenho preocupação de não ter aquele respingo do óleo pra não me prejudicar né, aí eu tenho que tá pedindo pra alguém fazer, né?(P2)

50

O sentimento de dependência (depender para tudo) é referido nos depoimentos de

alguns PRC. Eles se mostram bastante incomodados com a situação. Por outro lado, em

alguns relatos de cuidadoras - principalmente esposas - aparece certa exigência de forma de

cuidado que seus esposos pedem a elas, geralmente parecido com o dispensado às crianças, já

as mulheres com DRC tendem a cuidar-se sozinhas. Para Meireles (2008, p. 171)

a dependência dos familiares e do serviço médico e as limitações físicas fazem com que seu convívio social seja restrito, prejudicando sua afetividade e sexualidade. Ao necessitar de hemodiálise, o paciente se defronta com situações reais que estarão presentes ao longo do tratamento. Essas situações talvez durem o resto da vida, caso não seja submetido a um transplante renal. O paciente começa a se sentir inútil, devido à dependência dos familiares, da equipe de saúde e dos medicamentos. Ocorre diminuição da libido e impotência, intensificando a perda da autoestima.

O relato de uma paciente mulher refere-se a falta que ela faz na realização da rotina de

limpeza da casa, o que lhe causa grande sofrimento e sentimento de inutilidade por não poder

fazer o que estava acostumada.

Antes eu fazia tudo né, esses dias tive que pagar uma faxineira, R$ 100 pra limpar os vidro e tudo. Porque os vidros eles [filhos e marido] não sabem limpar, nem os banheiros, né? Aí eu pago uma moça lá pra fazer, pra limpar casa, tudo assim, porque eles não sabem... Mas também ela faz mal feito, mais tapeia do que faz, às vezes não limpa os armários, que eu gosto de limpar. Mas também seu eu for exigir muita coisa ela não vez mais e tá tão difícil faxineira. Se eu tivesse saúde, eu queria trabalhar de faxineira, ganha 150 [reais] né? Lá nas praias, quando eu tinha saúde, só chamavam eu. Tinha uma senhora de uma casa de dois andar que sempre me queria. Mas agora não dá mais... (P3)

O passado – anteriormente ao início do tratamento – aparece várias vezes em

diferentes momentos como um período agradável para a família e para o PRC:

Ah era uma rotina bem boa a nossa, o N [PRC] trabalhava fora das 6h às 8h. Sempre com muita saúde, nunca sentiu nada. Ele era motorista de caminhão. Na época que trabalhava ele recebia R$ 1300. Ganhava mais e vivíamos melhor. Hoje [atualmente] eu tenho que acordar às 4h da manhã pra botar ele pro banheiro, arrumar um cafezinho, botar a fralda, arrumar ele, né?! Aí dou a medicação... Aí depois é a minha vez de me arrumar pra 6h já esperar o moço do carro pegar nós, da prefeitura. (P1)

O discurso dos participantes e de familiares revela nostalgia dos tempos em que o PRC

51

realizava algumas atividades que agora, com a nova condição imposta pelo tratamento

contínuo, não realiza mais. Neste relato, de uma filha cuidadora, observa-se os planos

interrompidos devido ao início da hemodiálise na rotina de sua mãe:

Ela viajava direto, ia direto pra Aparecida [Santuário de Nossa Senhora Aparecida, em São Paulo], ó, se ela não tivesse doente, nessa quarta-feira ela ia viajar. Em fevereiro, março ela foi viajar e agora em agosto ela ia de novo. Ela fazia tudo, tudo [...] ela varria o terreno tudo. Eu ia lá pra visitar, minha vida era normal, trabalhava... Sempre trabalhei fora. A gente dividia as conta tudo, agora mudou né. (P10)

Grande parte dos entrevistados demonstram em seus discursos certa saudade da rotina

de vida anterior ao início do tratamento hemodialítico e referem que a vida mudou. Repetem

várias vezes frases como: “tudo está diferente”, “nada mais é como antes”, agora tudo

mudou”. Na fala a seguir, de uma esposa cuidadora, pode-se perceber o quanto a doença afeta

a capacidade de se manter ativo por parte do doente, a questão do trabalho também vem à

tona:

Antes dele ficar doente ele trabalhava, ele trabalhava como representante comercial, saía cedo, voltava à noite. Ele tava fazendo curso de direito no Cesusc [faculdade privada em Florianópolis], parou... Sabe? Era uma outra vida, ele era mais dinâmico, agora tá mais parado. Eu também trabalhava, agora não mais […] era babá, faxineira... agora só cuido dele. (P4)

Infere-se, analisando os relatos dessas esposas que suas colocações no mercado de

trabalho foram interrompidas com a nova dinâmica de cuidadoras em tempo integral. Alguns

sujeitos demonstram ambivalência entre querer ou não exercer este papel. No trecho a seguir é

possível observar que a esposa de um PRC teve que se conformar com o fato de não poder

mais praticar atividade laboral formal e ser, agora, em tempo integral cuidadora:

Ah, parei de trabalhar, né. Só o filho que tá na batalha agora. Pra mim é estressante, né? Porque eu gostava de ganhar meu dinheirinho, não gosto de ficar parada eu, agora que eu tô um pouquinho mais calma […] até porque eu entendi que tem que cuidar dele, né? O mais importante, né? Ele precisa de bastante cuidado. (P7)

No processo de cuidar em geral, as cuidadoras relatam limitações na vida profissional,

desde a redução da jornada de trabalho até o seu abandono. Em termos de queixa, elas

52

expressam falta de tempo para cuidarem de si mesmas e convivência conjugal com conflitos -

em um relato aparece até a infantilização de um PRC por sua esposa que afirma dizer para ele:

“vou bater na tua bunda se continuares com essas frescuras” (P1) – um extremo cansaço, que

se torna permanente e percepção de sua saúde piorada.

c) As demandas de cuidados dos PRC

Nessa categoria foram incluídas as falas dos participantes que remetem a situações em

que o paciente precisava ou pedia para ser cuidado. Porém observa-se uma diferença grande

entre os homens e as mulheres e entre os PRC que possuem cuidador e os que não possuem.

Podemos verificar a diferença na fala da P3, paciente mulher que não possui cuidador quando

questionada se recebe ajuda nos cuidados diários necessários:

É mais o transporte pra vir ao HU, entrar no carro, porque em casa eu tenho que me virar, né? (P3)

Esta outra participante, também mulher, relata sua rotina de cuidados remetendo-se à

sua cuidadora, que é remunerada para realizar as atividades requisitada pela PRC:

Sim, preciso de ajuda... A moça que eu pago vem comigo pra cá [setor de hemodiálise do HU]. Sobe junto, empurra a cadeira e em casa também... Ah preciso no banho [de ajuda], pra comer, sair da cadeira pra cama, pra tudo... (P5)

Já em outras falas de entrevistados, a maioria de esposas e filhas cuidadoras, referem

uma dependência muito grande de seus cônjuges/pais e mães:

Ele precisa de mim pra tudo, né? Sempre acompanho ele, é totalmente dependente. O meu filho também ajuda ele. Por exemplo: no banho, no banheiro, pra comer (precisa que coloque a comida na boca); E fora andar dentro de casa, tudo, tudo [...] pra se movimentar de um lado para o outro é só com ajuda. (P1)

No caso deste PRC, ele possui sequelas de um acidente vascular cerebral que sofreu na

mesma internação em que foi descoberta a DRC e iniciado o tratamento hemodialítico. Em

outro relato o paciente também possui outra comorbidade, pois ele é deficiente visual

entretanto, segundo sua esposa o que o faz ficar mais dependente é o cateter que utiliza para

53

realizar as sessões de hemodiálise visto que ainda não foi confeccionado FAV.

Ele precisa que eu faça tudo, desde a comida, higiene […] no banho eu [ajudo] por causa daquele negócio [cateter4] ali que não pode molhar, entendeu? Antes daquilo ali [cateter] ele tomava banho sozinho. Mas hoje sou obrigada a ir, né. (P9)

Outros participantes que são cuidadores relatam formas de cuidado parecidas, apesar

de seu familiar em tratamento hemodialítico não possuir mais nenhuma comorbidade além da

DRC, diabetes e hipertensão:

O tempo todo tenho que estar perto, ele é muito dependente. Um pouco é manha, mas é que realmente agora na situação que ele se encontra ele tá mais vulnerável, ele não consegue ficar muito tempo em pé... Está mal também emocionalmente. Ajudo ele no banheiro, higiene, tudo tudo. (P4)

Este outro relato mostra um aspecto comum entre os homens que realizam o

tratamento hemodialítico: a maioria são acompanhados de suas esposas nas sessões. As

esposas dos PRC acabam deixando seus afazeres (de trabalho formal, informal ou doméstico)

para se dedicar integralmente ao cuidado demandado pelo esposo:

Na hemodiálise eu sempre acompanho ele. Em casa, com remédios, comidinha tudo, né? Eu que cuido. Não saio muito de casa, quando saio, saio correndo”. Ele precisa de mim pra tomar banho, dar remédio, comer na hora certa, né? Porque tem que ter a comidinha dele na hora certa, né? Não pode passar, tem a hora dele comer, se não ele passa mal... É bem certinho. Quando ele vai pro sol, a gente vai junto. A menina [neta] me ajuda muito também. (P7)

Outros cuidadores demonstram preocupação com o aspecto psicológico de seu

familiar. A seguir pode-se verificar que a cuidadora refere momentos de forte abalo emocional

por parte da PRC em relação à sua condição, inclusive pelo fato de passar a ter uma

alimentação controlada:

Ela toma café e fica pedindo mais [...] então eu digo não aqui acabou agora tal hora... vai ser uma fruta que vai comer. Tem que ser um pouco rigorosa,

4O cateter de hemodiálise é um tubo colocado em uma veia no pescoço, tórax ou virilha, com anestesia local. O cateter é uma opção geralmente temporária para os pacientes que não têm uma fístula e precisam fazer diálise.

54

mesmo eu não querendo... mas tem que se! E também tem a parte emocional, ela tá muito emotiva, o sistema emocional dela tá muito abalado, entendeu? E [a partir disso] tem que tá treinando o pensamento do negativo pro positivo. Ela não aceita de uma certa forma esse tratamento que ela tá fazendo porque ela nunca imaginou que iria fazer esse tratamento, entendeu? (P8)

De acordo com Quintana e Muller (2006) a DRC é vivenciada como um momento de

ruptura na vida dos indivíduos, onde a noção de tempo é delimitada pelo antes e depois do

diagnóstico. Além das alterações orgânicas, essa doença também pode causar dificuldades

psíquicas e sociais, que acometem o cotidiano dos pacientes. Para Dyniewicz (2006, s/p)

o enfrentamento da cronicidade da doença renal envolve a compreensão pelo paciente sobre o seu significado, e dos reflexos no seu cotidiano: nas relações, na concepção de vida, devido às alterações físicas e emocionais que representam obstáculos ao seguimento do tratamento. Tratamento este que engloba a hemodiálise, a dieta, incluindo o acesso ao serviço e outras questões que o deixam exposto a uma vastidão de eventos que promovem medo, angústia e insegurança.

A partir das declarações da P8 fica claro a necessidade de a paciente e a família

passarem por atendimento psicológico, o que já foi admitido e até requisitado pela filha da

paciente à equipe. Entretanto, o tratamento da saúde mental do paciente não se resume ao

profissional psicólogo mas a todos os envolvidos no atendimento diário É neste sentido que,

Cattai el al (2007, p. 400) afirma que

a promoção da saúde não pode estar na responsabilidade de um único setor. Por isso, é importante ressaltar a necessidade de um atendimento com diversos profissionais da saúde, no qual todas as áreas do conhecimento estejam inseridas para a concretização do processo de promoção da saúde, dentro e fora do ambiente hospitalar.

Ou seja, os diversos profissionais da saúde precisam trabalhar juntos para que as

sessões de hemodiálise tenham menor impacto negativo para estes pacientes.

d) Os custos do cuidado em saúde para as famílias

Conforme explicitado anteriormente, neste estudo utiliza-se a expressão custo de

maneira ampla, não se referindo apenas a gastos monetários. Partindo-se desta premissa, é

55

fundamental apontar que nos discursos dos participantes da pesquisa aparece o quão difícil é a

questão do tempo e da energia gastos na locomoção até o HU para realizar as sessões

hemodiálise. Veio à tona ainda, nos depoimentos, a demora para conseguirem o transporte

(quando conseguem). O transporte para as sessões deve ser ofertado pela secretaria municipal

de saúde, é um direito do paciente renal que realiza diálise, previsto na legislação. Porém as

prefeituras afirmam que precisam se organizar, e esta organização demora algum tempo, ou

seja, até a prefeitura começar a transportar o paciente, este terá que ir para as sessões por

conta própria.

Nas entrevistas, os pacientes verbalizaram que os turnos de hemodiálise interferem em

seus afazeres diários e ainda na agilidade ou não de conseguir esse transporte da prefeitura.

Verifica-se, tanto no exercício profissional cotidiano quanto nos depoimentos colhidos que os

PRC que estão alocados no primeiro turno conseguem o transporte mais facilmente e possuem

até um discurso de agradecimento por voltar pra casa cedo. No caso dos pacientes do primeiro

turno as sessões que estão marcadas para iniciar às 7h da manhã costumam iniciar mais cedo,

assim que o PRC chega na unidade , pois a enfermeira de plantão já está no local (geralmente

inicia-se as sessões do primeiro turno às 6:30h da manhã). Na fala dos P1 e P2, que residem

em Florianópolis, relativamente próximo ao HU (cerca de 10 km de distância) confirmamos

estes fatos:

Nós não conseguimos rápido do transporte da prefeitura, três meses quando tudo começou [quando o paciente dialisava em outro turno] mas quando foi pra manhã levou só dois dias [...] Ah depois que passou pra de manhã cedo melhorou, eu acordo cedo pra arrumar tudo, tá certo... Mas também chego 10h em casas e tenho o resto do dia livre, né (P1)

Não tenho problema com o transporte, o motorista é bem legal e até me liga pra dizer que já chegou. Demorei cinco meses pra conseguir e agora está tudo certo, chego bem rápido e logo estou de vota em casa. (P2)

A questão do transporte é em muitos casos um agente estressor para pacientes e

familiares, muitos demoram meses para conseguir a locomoção para realizar o tratamento,

principalmente os pacientes de cidades vizinhas de Florianópolis e os que realizam seus

tratamento no segundo e terceiro turno.

Verifica-se ainda que, conforme exposto pelo P2, a cordialidade (ou não) do motorista

e das pessoas que trabalham nas secretarias de saúde das prefeituras fazem diferença para os

56

pacientes. Muitos PRC precisam de ajuda para chegar ao andar da UTD (que está localizada

no quarto e último andar do HU) alguns motoristas ajudam, outros dizem que não é seu

trabalho. Entretanto, quando os pacientes pedem vaga para acompanhante no carro dispensado

pelas prefeituras para realizar o transporte, as prefeituras alegam que não há mais lugares.

Desta forma, os pacientes que precisam de acompanhante, por vezes, precisarão ir por conta

própria com seu familiar, como no caso da P3:

Antes eu usava o transporte da prefeitura […] agora os filhos e meu marido tão tendo que me trazer porque eu não tô conseguindo subir no carro da prefeitura sem ajuda e nem vir até aqui em cima. E dá uns R$ 40,00 de gasolina por dia que tem hemodiálise. (P3)

Os participantes que residem em outros municípios da região ou mesmo os que

residem em Florianópolis mas estão nos segundos e terceiros turnos referem uma dificuldade

maior em acessar o transporte, o que acabou gerando gastos de tempo e de dinheiro no início

do tratamento:

No início, quando a gente não tinha a ajuda da prefeitura ainda, meu filho trazia ele de carro. No final deu uns R$ 600,00 por cada mês que tinha que trazer ele (ficaram três meses sem o transporte). […] O horário aqui era ruim, saia de casa às 9h da manhã, começava aqui às 11h depois só chegava em casa mais de 18h da tarde porque tem muito trânsito, né? (P7)

Neste outro depoimento verifica-se que a PRC e a acompanhante utilizam transporte

da prefeitura, porém perdem tempo na espera pelo carro na volta pra casa. Isto se deve ao fato

de elas terem que se adequar aos horários estabelecidos pela secretaria de saúde:

Quando não tínhamos o transporte dava um total de R$ 300,00 de gasolina, demorou pouco até pra conseguir. Hoje acordamos às 4h da manhã, e às 5:20h o carro passa lá. Aqui acaba cedo, sabe? Umas 10h ela já tá pronta. Daí começa a espera pelo carro. Se ele viesse assim que acabasse às 11h eu já estaria em casa e poderia descansar antes de ir trabalhar, mas como demora tanto, só tenho tempo de chegar em casa e sair pro trabalho. (P8)

A batalha para conseguir transporte não é novidade para os profissionais que atuam na

unidade. Há muita reclamação referente à falta de comprometimento das prefeituras para

viabilizar o acesso dos pacientes à hemodiálise. No trabalho de Braz (2008, p.44) confirma-se

as consequências da falta de transporte.

A Política Nacional de Atenção ao Portador de Doença Renal também estabelece que os gestores de saúde pública devem garantir a universalidade,

57

a equidade, a integralidade, o controle social e o acesso às diferentes modalidades de Terapia Renal Substitutiva. Porém, muitas vezes a realidade não condiz com os preceitos estabelecidos nas legislações. Como exemplo, podemos nos reportar a um episódio ocorrido no segundo semestre do ano de 2007, onde foi averiguada a falta de transportes da Secretaria de Saúde do município de Florianópolis (SC) para deslocar os pacientes até um determinado hospital para a realização do tratamento dialítico. Com isso, muitos pacientes renais foram impedidos de realizarem a terapia renal substitutiva, pois o acesso destes pacientes à realização deste tratamento é na maioria dos casos efetivado através do transporte municipal. Ressalta-se que devido a alguns efeitos colaterais, como cefaléia e náuseas, causados pelo tratamento dialítico se faz necessária a disponibilização do transporte em questão, pois os pacientes apresentam dificuldades, após a hemodiálise, de utilizar transporte coletivo.

Diversas medidas já foram tomadas nos últimos meses e em anos anteriores pelo

Serviço Social que atua na unidade juntamente com a enfermeira chefe. A principal indicação

tem sido o acionamento do poder judiciário na tentativa de viabilizar acesso ao transporte a

estes pacientes via determinação judicial. Essa orientação se dá no sentido de tentar viabilizar

de alguma forma o direito do paciente ao transporte pois, quando não resolvido, esse fato se

torna um agente onerante para a família., que já possuem diversos agentes estressores. Como

no caso da P8, que é filha de uma PRC. Ela teve que pedir demissão de seu emprego para

poder cuidar da mãe. Relatou que não estava mais possuindo condições físicas e mentais para

poder prestar os cuidados necessários à paciente. Percebe-se o quão custoso é para a família

prestar o cuidado. A atenção que esses PRC precisam, tanto para acompanhá-los nas sessões

de hemodiálise, exames e em casa é muito grande. Ao escolher cuidar da mãe como achava

que deveria (em tempo integral) a P8 saiu de seu emprego. Relatou que estava sozinha e não

tinha onde pedir ajuda, ou cuidava da mãe ou trabalhava não havia outra maneira, nenhuma

forma de afastar-se de seu emprego até a mãe estar melhor, ou mesmo contar com uma

cuidadora (que não precisasse pagar, pois a família não tem condições) ou uma instituição dia

para idosos, estes serviços no âmbito público, não existem.

A P10, também filha que presta os cuidados necessários à sua mãe que possui DRC

relata porque teve que pedir demissão de seu emprego de costureira que possuía a anos:

Não pagamos cuidador. Foi por isso que eu fui morar com ela, porque se nós fosse pagar uma enfermeira pra cuidar dela, ninguém ia ajudar [os outros filhos da paciente] Então, se nós fosse pagar alguém, todo mundo ia sair fora. Por isso pedi demissão e fui morar na casa dela. (P10)

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Diferentemente da P8, a P10 morava numa cidade distante de sua mãe. Entretanto,

afirma que se viu sozinha, sem auxílio dos irmãos, que são homens, para prestar os cuidados

necessários à PRC. Esta filha traz a mãe no carro próprio visto que não quer perder todo o

tempo que seria necessário para serem levadas ao HU com o transporte da prefeitura (residem

numa cidade que fica há 40km de Florianópolis).

Se nós fosse vir com o transporte da prefeitura ia ficar o dia todo fora de casa, e são três dias, né? A médica pediu pra ela fazer [as sessões de hemodiálise] três vezes agora. (P10)

A partir dos depoimentos expostos, verifica-se que o custo do cuidado perpassa muito

mais do que os gastos financeiros. Refere-se também ao tempo de vida perdido pelos

cuidadores, ao afastamento de sua atividade laboral, sua desvinculação com direitos

previdenciários, visto que não possuem mais emprego formal.

Para Moragas (1994) apud Veras et al (2006, p 11)

as necessidades de assistência permanente ao enfermo originam um elevado custo dos serviços para os familiares. Os custos econômicos da doença se devem a dois fatores: de um lado, à crescente necessidade de cuidados e à continuidade de atenção; por outro, ao cuidador que, com frequência, precisa abandonar seu trabalho para cuidar do enfermo, com perda de sua renda, quando justamente aumentam os gastos.

As alterações na vida do paciente e da família ultrapassam aspectos que muitos não

imaginam no início do tratamento. O Serviço Social da unidade precisa identificar as

necessidades de cada usuário assim que ele inicia o tratamento para verificar os direitos que

poderão ser indicado a paciente. Para Braz (2008, p. 60)

E é a partir do conhecimento do contexto social que envolve os portadores de doença renal crônica que o assistente social pode estar identificando novas formas de atuar, tendo em vista a qualidade dos serviços prestados a esses usuários. Deve estar atento a determinadas falhas que ainda persistem nos serviços públicos de saúde, como a falta de acesso às terapias renais substitutivas, tendo como desafio a identificação dos problemas que podem estar sustentando esta situação e o desenvolvimento de estratégias de ação para minimizá-los.

A atuação do Assistente Social não se resolve com uma prescrição, pois se trata de

realizar mudanças sociais na vida das pessoas, com base nas políticas existentes. Entretanto,

59

verifica-se que os pacientes e familiares que possuem maiores rendas conseguem ter acesso

não só a uma qualidade de cuidados em saúde melhor, com mais recursos e insumos, como

também ocorria o que podemos chamar de desoneração dos familiares da “carga do cuidar”

pois os que possuem maior renda, remuneram cuidadores/auxiliares, como podemos verificar

no Quadro 5 que expõe os gastos das duas maiores rendas familiares entre os dez

participantes:

Quadro 5: Gastos com saúde dos dois PRC com maior renda entre os entrevistados

Renda familiar PRC Gastos com saúde Valor mensal (R$)(mês da entrevista)

R$ 5500,00

Técnico de enfermagem (para ajudar no transporte

para as sessões de hemodiálise)

800,00

Alimentação 1200,00

Luvas e lenço umedecido 100,00

Medicação 400,00

Fraldas 1000,00

Suplementação alimentar 1200,00

Fisioterapeuta 600,00

Total de gastos 5300,00

R$ 6600,00Cuidadora 1150,00

Insulina Lantis (não é fornecida pelo SUS) 150,00

Alimentação 1200,00

Total de gastos 2500,00

Fonte: Elaboração da autora.

Percebe-se, na atuação cotidiana e com os dados do Quadro 5 confirma-se, que o

cuidado prestado para estes PRC, que possuem uma renda maior que a dos outros oito

participantes da pesquisa, tem sua qualidade de cuidado aumentada devido ao fato de

poderem investir em insumos e alimentos indicados pelos profissionais de saúde. Ou seja, a

expectativa de vida do paciente pode ser elevada consideravelmente dependendo de sua

condição de acesso aos meios necessários para subsistência e cuidado. Como pode-se verificar

no relato da filha cuidadora, o que gastam com saúde é diferente da maioria dos participantes:

60

A alimentação dela toda mudou, né? Ela tá comendo comida líquida e aí vai espessante em todas as refeições. A própria alimentação que também mudou bastante [...] Agora ela tem que comer bastante carne, então a gente tá comprando frango e tem que ser o peito. Até a nutricionista falou que não é pra dar miúdos, não é pra dar carne com gordura. Tem que ser carne magra, verdura, fruta, “mucilon” [marca de complemento alimentar] que ela tem que tomar […] aveia... é bem caro, e ainda tem medicação e fralda. Mas assim, se for pensar bem deve até ter mais despesa na verdade, mas muita coisa a gente nem lembra que é devido à doença. (P6)

Já as famílias com menores renda não relatam um gasto significativo com outros

insumos para o cuidado que o PRC necessita. Esses participantes referem que o maior gasto

após o início do tratamento hemodialítico é com alimentação, como verificamos no Quadro 6:

Quadro 6: gastos com saúde das famílias que possuem as menores rendas

PRC Renda familiar Gastos com saúde Valor mensal (R$)(mês da entrevista)

P1 R$ 2000,00 Alimentação* 1000,00

P3

R$ 3.000,00 Procedimento de fístula particular 4000,00

Faxina 100,00

Alimentação 600,00

Medicação 115,00

Aparelho 200,00

Total de gastos P3 5015,00

P4 R$ 788,00 Alimentação* 300,00

P7 R$ 1060,00 Alimentação* 500,00

P8 R$ 2.000,00 Alimentação 1000,00

Limpeza 500,00

Total de gastos P8 1500,00

P9 R$ 1800,00 Alimentação* 1000,00

Fonte: Elaboração da autora.

* Único gasto que consideram ser com saúde

A partir dos dados expostos no Quadro 6 pode-se verificar que os pacientes que

possuem a menor renda entre todos os participantes são também os que menos gastam com

sua saúde, ou seja, quanto menor a renda menor é o quantitativo despendido pela rede familiar

61

para os insumos necessários ao cuidado do PRC.

O relato dos participantes também revela um gasto maior, após o início do tratamento

hemodialítico, com alguns itens que, anteriormente, não tinham peso no orçamento. A P8,

filha cuidadora inclui outros tipos de gastos que acredita ser devido à nova condição de doente

renal que realiza as sessões de hemodiálise:

Agora a alimentação, higiene é o que gastamos mais... porque a higiene da casa tem que estar sempre ok, né? Não é só a higiene dela, pessoal mas também da casa. A alimentação dela, pelo que a doutora [nutricionista da unidade] passou a gente sempre tem que tá mudando pra não ficar só num tipo de pão, só num tipo de fruta. Então é isso […] O mercado também tá caro, né? Ela tem que comer carne, então tem que ir mudando. Por exemplo: o peixe, comprar direto do pescador é em torno de 25 a 30 reais a unidade. Temos que olhar pra qualidade também, né? Carne de gado também é cara [...] mais vale ir num açougue e comprar uma carne boa, porque se é pra comprar carne de segunda pelo preço de carne boa, então já compra uma carne nobre, que vai ser bom pra ela mastigar e tudo. (P8)

Assim, verificou-se que é a alimentação o principal item que os participantes

acreditam gastar mais após o início do tratamento hemodialítico. Depreende-se que estas

famílias possuem gastos monetários sim, mas o custo do cuidado que perpassa a rotina

familiar após o início das sessões contínuas de hemodiálise são bastante estafante para todos

os envolvidos no cuidado ao PRC.

62

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As DCNT maneira geral, e a obesidade, o diabetes e a hipertensão arterial de maneira

particular, são consideradas a nova ameaça à saúde da população (BRASIL, 2011c). Estas são

doenças ligadas principalmente ao estilo de vida das pessoas na atualidade, além do fator

hereditário. Analisando os dados coletados por institutos como IPEA e IBGE é possível

vislumbrar a transição epidemiológica e demográfica que o Brasil está passando, por este

motivo estudar e prevenir essas doenças é tarefa fundamental dos serviços de saúde.

A partir das exposições realizadas neste estudo, pode-se inferir que a população

brasileira não está tendo bons hábitos em relação à alimentação, à prática de atividades físicas

e, como verificado não priorizam um acompanhamento preventivo em saúde. Diante desta

realidade, faz-se primordial que os profissionais da saúde se atentem a esta nova realidade e

procurem agir e estudar as transições que o país está vivendo para interferir nesta realidade.

Neste sentido, o estudo foi proposto com o intuito de investigar como as famílias estão

realizando a tarefa do cuidar e quais os custos para essas famílias que realizam o cuidado de

pessoa em tratamento hemodialítico.

Para alcançar seu objetivo, este estudo abarcou além do quesito gasto monetário com

saúde, os custos sociais, emocionais, de vida e trabalho para os PRC e suas famílias.

Evidenciou-se o quanto estes sujeitos são onerados após o início do tratamento hemodialítico,

seja em relação à renda, à saúde física e psicológica ou a falta de apoio para promoção do

cuidado. Apesar da existência de um sistema único de saúde no qual não é preciso realizar um

desembolso direto para ter acesso à saúde, manter-se num tratamento como este exige não só

maiores gastos financeiros com saúde, mas toda uma organização dos envolvidos.

A explanação dos depoimentos demonstrou as dificuldades encontradas pelos sujeitos

e suas famílias, tanto no que diz respeito à possibilidade de fornecimento dos cuidados em

saúde, como no acesso ao transporte de casa à UTD, nos gastos com alimentos recomendados

e na saída das cuidadoras do mercado de trabalho.

A partir da necessidade de mostrar a realidade vivida por essas pessoas que são

diagnosticadas com uma doença grave e que terão que passar por sessões de hemodiálise

durante horas de seus dias da semana, verificou-se as mudanças ocorridas em alguns aspectos

muito particulares, que estes sujeitos precisaram lidar a partir do início das sessões. As

63

transformações compreendem do simples fato de ter que comparecer à unidade (sendo que,

como exposto, até o fato de comparecer às sessões pode ser complicado dependendo do

endereço do paciente e de seu turno na unidade), até terem que se aposentar, depender de

alguém nos cuidados necessários com o cateter ou FAV, não poderem viajar (só se

conseguirem dialisar no local escolhido), e realizar atividades que exigem esforço, bem como

diversas outras limitações.

Neste sentido, para alcançar seu objetivo, o estudo demostrou a situação de vida,

econômica e de saúde destes usuários. Um importante fator que chama a atenção nos

depoimentos dos participantes refere-se ao cuidado com a alimentação que passaram a

realizar após o início do tratamento. Todos os entrevistados citam a alimentação como um

gasto que passou a ter maior significância nos seus orçamentos após a descoberta da DRC e

das recomendações dos profissionais de saúde quanto aos cuidados gerais e os alimentos que

devem ser ingeridos. Nos depoimentos fica evidente que, anteriormente ao início das sessões,

essa questão da alimentação não era considerada como fator importante para os participantes.

Diante desta constatação, faz-se importante refletir sobre a atenção em saúde dada para as

pessoas que possuem doenças crônicas como diabetes e hipertensão arterial no sentido de

evitar-se chegar à DRC e a outras complicações. Os participantes da pesquisa referem que,

quando o PRC já possuía essas doenças, este não realizava o acompanhamento contínuo de

saúde, o que pode ter provocado o agravamento de sua situação.

Outro fator se refere à dependência dos PRC para as atividades da vida diária. Por

vezes o PRC possui outras doenças e até agravamento de sua condição devido às doenças de

base (diabetes e/ou hipertensão arterial) que os fazem ficar dependentes para o autocuidado.

Essa dependência somada à necessidade de realizar sessões de hemodiálise faz com que o

paciente necessite de acompanhante. Essa necessidade, de possuir alguém para lhe ajudar faz

com que, muitas vezes, as mulheres dentro das famílias assumam este cuidado, visto que “é

das mulheres que se espera a renúncia das conquistas no campo do trabalho e da cidadania

social, pois se presume que o foco central de suas preocupações continua sendo a casa,

enquanto o do homem ainda é o local de trabalho” (PEREIRA, 2004, p. 39). As mulheres são

aquelas que, no interior das famílias, tornam-se as responsáveis pelos cuidados prestados aos

idosos, às crianças e a todos que necessitem de atenção e este é um trabalho invisibilizado. Ou

seja, o lugar que a mulher ocupa no cuidado também afeta toda sua condição de vida, em

relação à questão dos cuidados com os membros dependentes do grupo familiar não é

64

diferente, estas relações oneram as mulheres principalmente nas questões de trabalho formal,

pois elas não tem nenhum direito trabalhista e social por não estarem empregadas e nem

contribuírem para a previdência social. É importante salientar ainda que os resultados

apontam para diferentes cuidadoras a depender de quem é o paciente. Quando o PRC é do

sexo masculino geralmente será cuidado por sua esposa e quando é uma paciente mulher será

cuidada por uma filha ou admitirá que ninguém lhe ajuda muito, “que se vira” como no

depoimento da P3.

Portanto, verifica-se que os custos do cuidado para os PRC e seus familiares

perpassam por vários âmbitos de suas vida: trabalho, renda, perspectiva de futuro e os

próprios gastos com saúde tem uma elevação nos orçamentos num momento em que

provavelmente o PRC irá se aposentar ou requerer o BPC e seu principal cuidador terá, por

vezes, que sair do emprego para promover o cuidado necessário.

Diante desta realidade os desafios estão estabelecidos para os gestores das políticas

sociais e para as famílias. Os gestores precisarão dar soluções, oferecer alternativas à

população no sentido de responder quem poderá fornecer o cuidado requisitado pelos

membros envelhecidos, as crianças e os dependentes dentro das famílias.

Uma possível indicação seria a criação de centros dia para os idosos e para as pessoas

que possuem dependência para o cuidado no sentido de seus familiares pudessem continuar

suas rotinas de vida normalmente, pois muitas famílias poderiam continuar cuidando,

mantendo seu local no mercado de trabalho se existissem mecanismos como estes para

auxiliá-los. A própria questão do transporte dos PRC para as sessões já é um agente

complicador dependendo do grau de independência do paciente. Se este possui alguma

dependência, utiliza cadeira de rodas ou é deficiente visual, precisará de um acompanhante

para levá-lo até o setor de hemodiálise. Constatando esta situação, as prefeituras teriam que

disponibilizar um técnico de enfermagem para acompanhá-los no transporte e auxiliar os PRC

quando necessário. Porém, como observado, o próprio fato de conseguir ser transportado para

as sessões pela prefeitura já é um desafio para quem inicia este tratamento. Dependendo do

município o paciente precisará realizar uma verdadeira peregrinação até conseguir (e se

conseguir) uma vaga para ser transportado de sua casa até o HU.

No que diz respeito aos objetivos iniciais propostos para o trabalho, conclui-se que foi

possível analisar as repercussões para as famílias e para os PRC e os custos do cuidado

quando o sujeito precisa realizar o tratamento hemodialítico para manter-se vivo. Por meio

65

dos discursos dos participantes pode-se ter uma ideia do quanto suas vidas são afetadas em

todos os setores quando passam a conviver com uma rotina como a que exige o tratamento

hemodialítico. Cabe salientar no depoimento da P4, uma esposa cuidadora que abriu mão

praticamente de sua vida para realizar o cuidado de seu esposo, um acerta justificativa das

exigências que ele faz: “O tempo todo tenho que estar perto, ele é muito dependente [...] mas

é que realmente agora na situação que ele se encontra ele tá mais vulnerável, ele não consegue

ficar muito tempo em pé... Está mal também emocionalmente. Ajudo ele no banheiro, higiene,

tudo tudo” (P4). Algumas cuidadoras possuem diversas justificativa em suas explanações.

Muitas se sentem com a obrigação de realizarem o cuidado, o que acaba sobrecarregando-as e

as tirando de outros setores da vida social.

Por fim, a partir do trabalho realizado, observa-se a ausência de estruturas estatais que

absorvam as demandas de usuários dependentes para o cuidado o que sobrecarrega a família e

onera principalmente as mulheres dentro dos grupos familiares. Faz-se urgente políticas

sociais que abarquem as necessidades da população e tirem a responsabilidade do cuidado das

famílias, porém, conforme afirma Pereira (2010) nem as próprias leis existentes são

cumpridas no Brasil, que é marcado por relações clientelistas e heteronômicas o que só atrasa

o bem-estar da população.

66

5. REFERÊNCIAS

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6. APÊNDICE

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

Pesquisa: A reconfiguração familiar após a descoberta de doença crônica: uma análise a partir das experiências dos pacientes renais crônicos em tratamento hemodialítico

Entrevista Nº:

Data de aplicação:

Local de realização da entrevista: unidade de tratamento hemodialítico. Entrevistado: ( ) próprio paciente ( ) acompanhante

IDENTIFICAÇÃO DO PACIENTE

Nome:

Endereço:

Município:

Estado:

Sexo Idade Possui Filhos? Estado Civil

( ) F

( ) M

( ) Sim. Quantos?_________________

( ) Não.

( ) Solteiro( ) Casado( ) Divorciado( ) Viúvo( ) União Estável

1.1 Escolaridade

( ) Nenhum

( ) Ensino fundamental (1ª a 4ª) incompleto

( ) Ensino fundamental (1ª a 4ª) completo

( ) Ensino fundamental (5ª a 8ª) incompleto

( ) Ensino fundamental (5ª a 8ª) completo

( ) Ensino fundamental (duração 9 anos)

( ) Ensino médio (Cientifico, Clássico, Técnico, Normal) incompleto

( ) Ensino médio (Cientifico, Clássico, Técnico, Normal) completo

( ) Superior incompleto

( ) Superior completo. Formação:

__________________________________________________________

1.2 Possui/possuía comorbidades prévias à DRC? ( ) NÃO ( ) SIM

( ) Diabetes

( ) Hipertensão

( ) outro. Quais?

1.3 Possui/depende de cuidador? ( ) NÃO ( ) SIM.

IDENTIFICAÇÃO DO CUIDADOR (quando for o caso)

Nome:

Vínculo de trabalho: ( ) cuidador formal (contratado/pago) ( ) cuidador informal (não remunerado)( ) outro tipo de vínculo

Parentesco com o paciente (se existir):

Precisou parar de trabalhar formalmente para cuidar do paciente (no caso de familiar)?

Sexo Idade Possui Filhos? Estado Civil

( ) F( ) M

( ) Sim. Quantos?________________( ) Não.

( ) Solteiro( ) Casado( ) Divorciado( ) Viúvo( ) União Estável

2.1 Escolaridade

( ) Nenhum

( ) Ensino fundamental (1ª a 4ª) incompleto

( ) Ensino fundamental (1ª a 4ª) completo

( ) Ensino fundamental (5ª a 8ª) incompleto

( ) Ensino fundamental (5ª a 8ª) completo

( ) Ensino fundamental (duração 9 anos)

( ) Ensino médio (Cientifico, Clássico, Técnico, Normal) incompleto

( ) Ensino médio (Cientifico, Clássico, Técnico, Normal) completo

( ) Superior incompleto

( ) Superior completo. Formação:

__________________________________________________________

2.2 Em que situações acompanha/cuida o paciente (nas sessões de hemodiálise, nas

atividades da vida diária (AVD) do paciente, nos cuidados da casa)?

2.3 Que tipo de cuidados o paciente necessita?

2.4 Outras pessoas exercem a função de cuidador? ( ) NÃO ( ) SIM. Quem? Em que

situações?

IDENTIFICAÇÃO DO GRUPO FAMILIAR

Nome(s) IdadeParentesco com o

pacienteEscolaridade

Profissão/ ocupação

Tipo de vínculo de trabalho (formal/

informal)

Renda Mensal

3.1 Quem é o principal provedor da família?

( ) Paciente

( ) Companheiro/a do paciente

( ) Filho(s)

( ) Pais

( ) Avós

( ) Amigos

( ) Vizinhos

( ) Outros.Quem?

3.2 Acessam benefícios assistenciais ou previdenciários?

( ) Aposentadoria

( ) BPC

( ) Acréscimo de 25% para aposentados por invalidez que precisam de cuidador

( ) PBF

( ) Outro. Qual?

Pode descrever como era sua rotina de vida antes da doença renal?

Pode relatar como descobriu a doença renal?

Há quanto tempo realiza sessões de hemodiálise?

Pode descrever como é sua rotina com as sessões de hemodiálise?

Houve alterações na rotina da família devido ao início do tratamento hemodialítico?Se sim quais?

Atualmente quais são as suas demandas/rotinas de cuidado geradas pelo adoecimento renal?

Acessava o SUS (UBS, medicamentos) anteriormente ao diagnóstico da DRC?

A que tratamentos e ou procedimentos já se submeteu em função da doença renal?

A família remunera algum tipo de serviço (ex: faxina, cuidador)?

Após a descoberta da doença renal crônica e início do tratamento hemodialítico a família passou a gastar mais? Em quê? Quanto?

Descrição do gasto familiar (com o que gastou) Quanto gastou

Identifica que estes gastos constituem-se em gastos com saúde? ( ) NÃO. Porque? ( ) SIM. Porque?

Como o paciente se desloca de casa para o hospital para realizar as sessões de hemodiálise?

Transporte próprio ( )companheiro/a ( )cuidador ( )amigo ( ) próprio paciente ( ) outro

Transporte da saúde de seu município ( ) Quanto tempo demorou para vir com este meio? _____

Qual o tempo gasto para o deslocamento de casa ao hospital (identificar o tempo em horas e distância de deslocamento)?

Qual a distância percorrida para o deslocamento de casa ao hospital?

Quais as dificuldades enfrentadas para chegar ao local de tratamento?