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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS FERNANDO GOMES DE ANDRADE RECIFE 2004

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS

FERNANDO GOMES DE ANDRADE

RECIFE 2004

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FERNANDO GOMES DE ANDRADE

ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito do Recife, da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre. Área de concentração: Direito Público Orientador: Dr. Raymundo Juliano do Rêgo Feitosa

RECIFE 2004

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO FDR-CCJ/UFPE ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: DIREITO PÚBLICO ORIENTADOR: PROF. DR. RAYMUNDO JULIANO DO RÊGO FEITOSA

A Deus nosso Senhor, força e refúgio donde repousa a

sapiência e verdade nunca contraditas associadas ao amor

incondicional.

Ana Paula, minha querida esposa, inspiração da minha

vida.

A meus queridos pais, Severino e Maria Andrade pelo

amor e confiança sempre presentes.

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AGRADECIMENTOS Primeiramente a Deus, nosso Senhor, pelo dom da vida e por todas as

bênçãos recebidas que, sem merecimento algum, Ele me presenteia.

A minha amada esposa, Ana Paula, pela tranqüilidade, amor e paciência

comigo nos momentos mais difíceis. Contigo compartilho tudo, inclusive minha vida.

Aos meus amados pais, Severino e Maria Andrade pela dedicação, amor,

companheirismo, incentivo e confiança. Vocês são diretamente responsáveis por

toda realização que obtenho.

Ao amigo e orientador Raymundo Juliano do Rêgo Feitosa pelas

indispensáveis orientações que propiciaram o término dessa dissertação.

Ao amigo Alexandre Freire Pimentel que instigou, ainda na graduação, o

desejo de cursar o mestrado e que nunca furtou o incentivo para conclui-lo.

Ao amigo Sérgio Torres, a quem tive a honra de ser estagiário-docente na

UFPE e com quem aprendi os primeiros passos da docência.

Ao Professor Fernando Facury Scaff pela inspiração na escolha do tema.

Ao corpo docente desse programa de Pós-Graduação, especialmente aos que

tive a honra de ser aluno: Eduardo Rabenhorst, Gustavo Ferreira, Ivo Dantas, João

Maurício Adeodato, Luciano Oliveira, Nelson Saldanha e Paulo Luiz Netto Lobo.

Por fim, agradeço a todo corpo de funcionários da UFPE representado por

Josy e Carminha, eternas amigas.

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“O Senhor é meu pastor,

nada me falta.

Em verdes prados me faz descansar,

e conduz-me às águas refrescantes.

Reconforta a minha alma,

guia-me pelos caminhos retos,

por amor de Seu Nome.

Mesmo que atravesse os vales sombrios,

nenhum mal temerei, porque estás comigo;

o Vosso bastão e o Vosso cajado dão-me conforto.

Preparais-me um banquete

frente aos meus adversários.

Ungis com óleo a minha cabeça

e a minha taça transborda.

A graça e a bondade hão de acompanhar-me

todos os dias da minha vida.

A minha morada será a casa do Senhor

ao longo dos dias”.

Salmo 23.

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RESUMO

ANDRADE, Fernando Gomes de. Atuação do Poder Judiciário na concretização dos

direitos fundamentais sociais prestacionais. 2004. 185 p. Dissertação Mestrado –

Centro de Ciências Jurídicas/ Faculdade de Direito do Recife. Universidade Federal

de Pernambuco, Recife.

A presente dissertação procura fazer um estudo sobre a atuação do Poder Judiciário

na concretização dos direitos fundamentais sociais prestacionais. Faz-se,

primeiramente, uma análise da historicidade dos direitos fundamentais e sua

diferenciação em relação aos direitos humanos, bem como a análise das três

dimensões de direitos fundamentais. O estudo defende a natureza fundamental dos

direitos sociais, bem como a existência de direitos originários a prestações, auto-

aplicáveis e retirados diretamente do texto constitucional sem intermediação

legislativa infraconstitucional conforme o artigo 5º, parágrafo 1º da CF/88. Criticamos

a reserva do possível pela falta de adaptação para o direito brasileiro e

contextualizamos os direitos em estudo com a problemática atual. Enfrenta-se cada

uma das dificuldades que a doutrina elenca como obstáculo à atuação judicial

concernente à concretização dos direitos fundamentais sociais prestacionais, quais

sejam a afronta ao princípio da separação de poderes, falta de legitimidade e

competência do Judiciário para equacionar questões de natureza política, não

sindicabilidade da discricionariedade administrativa, prejuízo ao princípio igualitário,

questão orçamentária e insuficiência de recursos, ausência de instrumentos

específicos de tutela, bem como ventila-se os princípios que auxiliam o Judiciário a

superar tais óbices, quais sejam a proporcionalidade, a dignidade de pessoa

humana e o conceito de mínimo existencial. Por fim, é examinada à luz da

jurisprudência, casos concretos onde se procura demonstrar a possibilidade de

concretização dos direitos em tela pela atuação judicial e seus limites.

Palavras-chave: Poder Judiciário, concretização, direitos fundamentais sociais.

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ABSTRACT

Andrade, Fernando Gomes de. The work of the Judiciary Power in the concretization of

the essencial social service rights. 2004. 185 p. Mastership dissertation – Centro de

Ciências Jurídicas/ Faculdade de Direito do Recife. Universidade Federal de

Pernambuco, Recife.

This Dissertation looks for a application over the works of the Judiciary Power the

ccretization of the essencial social service rights. By the first, it is necessary to work in a

historical analysis of the historical development of the essencial rights and the

distinguished upon the human rights, and theanalysis of the three dimensions of the

essencial rights. This ressearch defends the fundamental nature of the social rights, and

the existence of rights originating prestations, self-aplicable and directly taked from the

constitutional text, in conformity with the 5th Article, in the 1st Paragraph of the Federal

Constitution of 1988. We criticize the possible reserve, “justificated” by the absence of

an Brazilian Rights adaptation, and we work through the studies envolving rights with

the nowadays reality. All the difficulties about this matter, brought by the doutrine, are

treated in this research in what may concern over the concretization of the social

essencial rights, principaly the insult over the Division of The Public Power prnciple,

absence of legitimity and the competence of the Judiciary Power to treat questions of

politic nature, no sindicability of the administractive discricionarity, prejudicing the

equalitary principle, the orcamentary treatment and the financial insuficience, the

absence of the custody especifical instruments. Briefly, we work in the idea of the

principles give support to the Judicial System overcome trough this obstacles, even if

they are the proporcionality, the human being dignity, and the minimum existecial

concept. Finaly, by the “light” of the jurisprudence, we examine real cases, demonstratin

de possibility to concreticize Rights, and it´s limits, by the Judicial works.

Key Words: Judicial Power, concretization, social essencial rights.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO.........................................................................................................12 CAPÍTULO 1: DIREITOS FUNDAMENTAIS NUMA ANÁLISE HISTÓRICO-EVOLUTIVA ............................................................................................................18 1.1 REFERÊNCIAS HISTÓRICAS DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS..............................................................................................18

1.2 DISTINÇÃO EXISTENTE ENTRE DIREITOS HUMANOS E DIREITOS

FUNDAMENTAIS....................................................................................................29

1.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS E AS TRÊS DIMENSÕES DE DIREITOS: DO

ESTADO LIBERAL AO ESTADO SOCIAL E DEMOCRÁTICO DE

DIREITO...........................................................................................................35

CAPÍTULO 2: DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS....................................................................................................47 2.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E FALTA DE HOMOGENEIDADE NA

CONSTITUIÇÃO PÁTRIA.................................................................................47 2.2 DOS DIREITOS SOCIAIS DE CARÁTER PRESTACIONAL FACE AO ARTIGO

5º PARÁGRAFO 1º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: NORMAS PROGRAMÁTICAS OU AUTO-EXECUTÁVEIS?..............................................49

2.3 A “RESERVA DO POSSÍVEL” NO DIREITO BRASILEIRO: EQUIVOCIDADES NA APLICAÇÃO DE UM DIREITO MAL COMPARADO....................................62

2.4 PROBLEMÁTICA ATUAL ACERCA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS.............................................................................................66

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CAPÍTULO 3: DIFICULDADES ELENCADAS PELA DOUTRINA À CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS PELO JUDICIÁRIO E PRINCÍPIOS NORTEADORES DA DECISÃO JUDICIAL.................................................................................................................71

3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PROBLEMÁTICA PROPOSTA................................71

3.2 O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES COMO ÓBICE FUNCIONAL AO JUDICIÁRIO: FALTA DE LEGITIMIDADE DO ÓRGÃO JUDICANTE PARA EQUACIONAR QUESTÕES DE NATUREZA POLÍTICA............................................................................................................76

3.3 O ARGUMENTO DA INEXISTÊNCIA DO CONTROLE JUDICIAL SOBRE A

DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA.......................................................87

3.4 DO PREJUÍZO AO PRINCÍPIO IGUALITÁRIO E DEMOCRÁTICO...................100

3.5 O JUDICIÁRIO NÃO POSSUIR A FUNÇÃO DE ATUAR NA IMPOSIÇÀO DE

PRESTAÇÕES POSITIVAS PELO ÓBICE ORÇAMENTÁRIO E PELA

INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS PARA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS..............................................106

3.6 EXISTEM DIREITOS SUBJETIVOS ORIGINÁRIOS A PRESTAÇÕES?...........113

3.7AUSÊNCIA DE INSTRUMENTOS ESPECÍFICOS PARA A TUTELA DOS

DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS................................126

3.8 PRINCÍPIOS NECESSÁRIOS PARA SUPERAR AS DIFICULDADES NA

CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

PRESTACIONAIS PELA ATUAÇÃO JUDICIAL.................................................133

CAPÍTULO 4: DO CONTROLE JUDICIAL: ANÁLISE DA INTERPRETAÇÃO DO ÓRGÃO JUDICANTE ACERCA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS E SUA CONCRETIZAÇÃO.......................................................142

4.1 TRADIÇÃO DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO NA INTERPRETAÇÃO LÓGICO-

FORMAL EM DETRIMENTO DA MATERIAL-VALORATIVA...........................142

4.2 ANÁLISE DE JULGADOS ACERCA DA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS...............................................150 CONCLUSÕES......................................................................................................170 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................175

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AI - Agravo de Instrumento

AgReg – Agravo Regimental

CF/88 – Constituição Federal de 1988

Des. – Desembargador

DJ – Diário da Justiça

DJU – Diário da Justiça da União

EUA – Estados Unidos da América do Norte

HC – habeas corpus

MI – Mandado de Injunção

Min. – Ministro

MS – Mandado de Segurança

Org. - Organizador

PETMC – Petição em Medida Cautelar

RE – Recurso Extraordinário

Rel. – Relator

REsp – Recurso Especial

RMS – Recurso em Mandado de Segurança

ROMS – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

TJPE – Tribunal de Justiça de Pernambuco

TJRS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo

TJSC – Tribunal de Justiça de Santa Catarina

UFPE – Universidade Federal de Pernambuco

USP – Universidade de São Paulo

Vol. - Volume

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INTRODUÇÃO

Todo trabalho científico possui um viés investigativo que comumente é instigado

partindo de determinada inquietação acerca de algo relevante e atual vivenciado na

contemporaneidade. O tema dessa dissertação de mestrado versa sobre matéria

constitucional, qual seja acerca da efetividade dos direitos fundamentais sociais de

caráter prestacional contidos no art. 6º da CF/88 pela atuação judicial na decidibilidade

de casos concretos; logo, nosso olhar estará voltado para uma espécie de direitos

fundamentais, quais sejam os sociais, e em meio aos direitos sociais, aqueles de

caráter essencialmente prestacional, quais sejam os direitos que dependem de gastos

públicos para sua plena fruição pela sociedade e a atividade jurisdicional como

necessária à concretização dessa espécie de direitos fundamentais.

Não obstante os direitos sociais não se limitarem à dimensão prestacional, nos

prenderemos nesta definição como corte epistemológico e centrando-nos em nosso

objeto de pesquisa. Os direitos sociais prestacionais encontram-se ligados às tarefas do

Estado como Estado Social que deve implementar uma equânime distribuição dos bens

disponíveis. Os dispositivos da ordem social integram os direitos fundamentais sociais a

educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância e a assistência aos desamparados, todos eles permeados

pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

Tais direitos não raras vezes dependem da atuação judicial seja controlando as

normas e atos da administração pública maculadores de tais direitos, seja colmatando

as lacunas deixadas pela omissão em se realizar políticas públicas concretizadoras de

tais direitos sociais.

Vale ressaltar que as terminologias “eficácia social”, “efetividade” e

“concretização”, não obstante quaisquer diferenças apontadas entre elas pela doutrina

serão utilizadas nesse trabalho como expressões sinônimas em nome da clareza

terminológica e com o escopo de evitar equívocos desnecessários que apenas

serviriam para afastar do cerne discutido. Quando tais termos forem utilizados outra

coisa não expressarão senão a plena fruição do direito pela sociedade, ou seja, o

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direito saindo do papel e gerando seus efeitos de forma concreta, portanto, plenamente

desfrutável.

A pertinência do tema proposto, bem como a necessidade de discussão não se

exprime apenas com palavras manchadas em folhas de papel, antes é vivenciada na

sociedade, especialmente a mais pobre, sempre quando prestações básicas e

essenciais ao ser humano lhe são comumente negadas pela omissão estatal; embora

nossa Constituição seja pródiga em elencar os direitos fundamentais, a realidade é

inversamente proporcional, pois não é difícil perceber o constante vilipêndio aos direitos

sociais que dependem de gastos públicos para sua prestação e plena fruição pela

sociedade tornando a Constituição desacreditada e reduzida a programa a ser

cumprido, mas sem prazo estabelecido para tal, haja vista essa espécie de direitos ser

considerada de eficácia limitada que estabelece apenas metas a serem realizadas, o

que se convencionou chamar de normas programáticas, inclusive parte da doutrina

duvidando do caráter fundamental dos mesmos.

Nesse viés, urge a necessidade de controlar os atos do Poder Executivo para

que o mesmo não exorbite a discricionariedade que lhe é atribuída e não a transmude

em arbitrariedade, exatamente neste ponto surge o controle de tais atos ou omissões e

o meio mais eficaz e legítimo é o controle judicial sobre os atos ou omissões da

administração pública no que tange a realização dos direitos sociais prestacionais, pois

não basta a positivação de tais direitos, é preciso concretizá-los e seus efeitos serem

sentidos e desfrutados pela sociedade.

Pretende-se analisar as seguintes questões: a) As dimensões de direitos

fundamentais são excludentes ou harmonizadas? b) Os direitos fundamentais sociais

prestacionais são realmente fundamentais? c) Tais direitos podem ser invocados

diretamente do texto constitucional? d) Há óbices intransponíveis para o desiderato da

concretização pelo Poder Judiciário? e) Há competência e legitimidade do Judiciário

para esse mister ou afronta a separação de poderes? f) Quais são os limites e

possibilidades do Poder Judiciário no sentido da concretização de tais direitos? g) Há

decisões judiciais que lograram esse desiderato?

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As hipóteses que se pretende investigar repousam nas seguintes premissas: a)

As dimensões de direitos fundamentais são harmonizadas haja vista a correlação

existente entre elas; b) Os direitos fundamentais sociais prestacionais são fundamentais

e aproveitam o estabelecido no art. 5º, parágrafo 1º da Constituição Federal de 1988,

qual seja o que determina aplicabilidade imediata; c) Não há necessidade de

intermediação legislativa infraconstitucional dos direitos fundamentais sociais

prestacionais quando a omissão do Estado atinja suas condições mínimas de existência

com dignidade de pessoa humana; d) Existem falsos e reais problemas apontados pela

doutrina à plena atuação do Judiciário no mister da concretização dos direitos

fundamentais sociais prestacionais, entretanto, a exeqüibilidade de sua decisão apenas

estará comprometida quando não existir de modo algum recursos financeiros; e) Com o

advento do constitucionalismo social há uma nova leitura da teoria da separação de

poderes que dota o Judiciário de legitimidade e competência; f) O Judiciário encontra-

se preparado para equacionar os microconflitos de forma imediata executando suas

decisões sob pena de responsabilidade do Administrador Público, entretanto os

macroconflitos não possuem o mesmo viés; g) Há inúmeros julgados em diversos

Tribunais de Justiça, bem como no STJ e STF que concretizaram direitos fundamentais

sociais prestacionais.

O método utilizado para a presente pesquisa será o bibliográfico, bem como

investigação de textos oriundos de conceituadas revistas eletrônicas disponibilizadas na

internet e dados empíricos, quais sejam as decisões in concreto encontradas na

jurisprudência dos Tribunais de Justiça, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo

Tribunal Federal.

Para bem analisar as hipóteses supramencionadas, o presente trabalho será

dividido em 4 (quatro) capítulos.

O primeiro capítulo será subdividido em três subitens preocupados em enfrentar

a historicidade, problemática terminológica e os paradigmas que envolvem os direitos

fundamentais. Inicialmente faremos uma análise histórica dos direitos fundamentais,

desde suas primeiras manifestações na Antigüidade Oriental até o marco considerado

na era moderna para a consagração da terminologia “direitos fundamentais” com a

carga semântica que conhecemos na contemporaneidade; portanto verificaremos o

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porquê de somente após o surgimento do Estado Moderno é que podemos utilizar o

termo “direitos fundamentais”. No segundo subitem será verificada se há distinções

entre as expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais”, comumente utilizadas

como sinônimos, e para tanto nos apoiaremos na doutrina pátria e estrangeira; nosso

escopo é afastar as confusões terminológicas que certamente trariam prejuízos ao bom

entendimento daquilo que defendemos. O terceiro subitem tem por objetivo analisar o

constitucionalismo liberal e o social, apresentando suas diferenças e objetivos e as

dimensões de direitos fundamentais; tal incursão será indispensável na constatação da

viragem paradigmática ocorrida no início do séc. XX e que irradiam seus efeitos na

atualidade, especialmente no que tange a atuação judicial na busca pela concretização

dos direitos fundamentais sociais prestacionais.

No segundo capítulo adentra-se na questão específica dos direitos fundamentais

sociais prestacionais com o objetivo de delimitar o tema e demonstrar quais direitos

sociais estamos fazemos referência. Nesse diapasão, o primeiro subitem analisará a

falta de homogeneidade acerca dos direitos sociais na Constituição pátria, pois nem

todos os direitos sociais são prestacionais, assim como encontramos no rol dos direitos

individuais, direitos prestacionais. Diante da falta de homogeneidade existente na Carta

Magna, faremos a devida diferenciação entre eles, bem como demonstrando de quais

direitos iremos tratar. No segundo subitem verificaremos se os direitos fundamentais

sociais prestacionais são realmente fundamentais; enfrentaremos a questão dos

mesmos serem considerados por parte da doutrina apenas normas programáticas, bem

como da possibilidade de plena eficácia dos mesmos decorrente da exegese do art. 5º,

parágrafo 1º da CF/88. No terceiro subitem trataremos da “reserva do possível” e da

problemática surgida quando da importação de um modelo estrangeiro sem as devidas

adaptações. No subitem quatro contextualizaremos os direitos fundamentais sociais

prestacionais com o fenômeno da globalização e do neoliberalismo emergente.

O terceiro capítulo encontra-se subdividido em 8 (oito) subitens. Nesse momento

do trabalho iremos adentrar profundamente nas dificuldades impostas à atuação judicial

na concretização dos direitos fundamentais sociais prestacionais por parte da doutrina

ao Judiciário. No primeiro subitem contextualiza-se a problemática, mais uma vez com o

escopo de delimitar o objeto estudado. No segundo subitem analisaremos se a

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separação de poderes é óbice intransponínel à atuação judicial com decisões de

natureza política e como concretizar direitos cujos objetos são enunciados de forma tão

ampla pelo texto constitucional. No terceiro subitem verifica-se a discricionariedade

administrativa e a exegese do STF acerca do enfrentamento do mérito administrativo

em suas decisões, tanto com contribuições doutrinárias, quanto analisando a própria

jurisprudência do STF em dois momentos, antes e depois da promulgação da

Constituição atual. No quarto subitem ventila-se as decisões judiciais em caos

particularizados (microjustiça) plenamente exeqüíveis, que dificilmente teriam a mesma

força em situações erga omnes ferem o princípio democrático e igualitário. No quinto

subitem analisa-se a questão orçamentária e a insuficência de recursos são óbices

intransponíveis ao Poder Judiciário na concretização dos direitos fundamentais sociais

prestacionais; para tal mister utilizamos os ensinamentos da doutrina e de como o

Judiciário se posiciona nos casos concretos acerca dessa problemática. No sexto

subitem verificaremos se os direitos fundamentais sociais prestacionais são direitos

públicos subjetivos originários do texto constitucional e qual a possibilidade que

vislumbramos de concretização de cada um deles pelo Poder Judiciário. No sétimo

subitem enfrenta-se a ausência de instrumentos específicos para a tutela dos direitos

fundamentais sociais prestacionais e quais as soluções para superação dessa

problemática. Por fim, no subitem oito, analisa-se os princípios da proporcionalidade,

dignidade de pessoa humana e mínimo existencial como auxiliares do Judiciário no

mister da concretização dos direitos em discussão.

O capítulo quatro possui dois subitens; após todo o desenvolvimento teórico (e

em alguns momentos também empíricos) aborda-se a questão da concretização

analisando decisões judiciais acerca do tema. O primeiro subitem trata da tradição do

Judiciário brasileiro na interpretação lógico-formal em detrimento da material valorativa

ao longo do tempo. Verifica-se, entretanto, que em relação a alguns direitos esse

paradigma sofre alterações no sentido da concretização. É importante ventilar que

entendemos como interpretação lógico-formal aquela atrelada às idéias do antigo

constitucionalismo liberal, donde o juiz era simplesmente a “boca da lei” e suas

decisões eram tomadas com base na subsunção do fato à norma tornando-o um

autômato. A interpretação lógico-formal dessa forma engessa o Órgão Judicante que

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entende não ser legitimado, e nem ser sua função, haja vista ser mister do Executivo e

Legislativo, decisões de natureza política ou o adentramento na discricionariedade

administrativa; em suma, refuta-se, por impertinente o debate axiológico acerca das

normas, bem como o Judiciário se abstém de questionar o conteúdo material da lei, não

é um juiz criativo, mas meramente lógico-dedutivo. Tal concepção prevaleceu nas

Constituições liberais do final do séc. XVIII até o início do séc. XX, entretanto, inegável

verificar que a partir do surgimento dos novos direitos constitucionalmente

estabelecidos, quais sejam os direitos sociais, econômicos e culturais (2ª dimensão de

direitos fundamentais), necessário seria uma atuação mais direta do Judiciário, haja

vista, inclusive, com a superação da teoria da separação de poderes, cujo

entendimento atual repousa na concepção da unicidade do poder estatal, este dividido

em funções Executiva, Legislativa e Judiciária, donde encontramos funções típicas e

atípicas, pois comumente verificamos o Executivo desempenhando função judicante

(processos administrativos) ou legiferante (medidas provisórias), o Legislativo atuando

como julgador (julgamento de crime de responsabilidade do Presidente da República)

ou com função administrativa (quando organiza, seleciona e remunera seus servidores).

Nesse contexto, o constitucionalismo social necessita de uma interpretação superadora

daquela meramente subsuntiva, eis que surge a interpretação material-valorativa, esta

preocupada com a concretização dos direitos e não simplesmente com sua enunciação

formal. O Magistrado vê-se como agente de transformação social e suas decisões são

dotadas de caráter político, adentrando em áreas não dantes exploradas e não

olvidando da questão valorativa em suas decisões, não é mais um autômato, busca

interpretar não mais a norma pela norma, em apego excessivo às formas, mas busca

uma nova exegese em harmonia com os princípios constitucionais. Não é mais a “boca

da lei”, mas a “boca do direito”. No segundo subitem, o último dessa dissertação,

analisa-se julgados acerca da concretização dos direitos fundamentais sociais

prestacionais nos Tribunais de Justiça, no STJ e no STF.

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CAPÍTULO 1

DIREITOS FUNDAMENTAIS NUMA ANÁLISE HISTÓRICO-EVOLUTIVA

1.1 REFERÊNCIAS HISTÓRICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

“Na sociedade feudal, o status era a marca distintiva de classe e a medida da desigualdade”1.

Remontando a história dos direitos fundamentais é comum a referência entre

estes e o surgimento do Estado Moderno, notadamente o Estado de Direito de

inspiração liberal-burguesa decorrente das revoluções americana e francesa no

século XVIII2; urge, outrossim, analisar a existência de códigos ou leis

assecuratórias de direitos fundamentais anteriores ao século XVIII, bem como

ventilar os motivos pelos quais os mesmos não são considerados principiadores

desses direitos.

A gênese dos direitos fundamentais é antiga podendo ser apontada ainda no

terceiro milênio a.C no Antigo Egito e Mesopotâmia, haja vista a previsão de alguns

mecanismos para proteção individual em relação ao Estado.

Registros históricos apontam as leis de Eshnuna (há mais ou menos 4.000

anos), que limitavam os juros de dívidas, fixava o salário mínimo de certas

categorias de trabalhadores, regulamentava preços, dentre outros3. Não podemos

olvidar o Código de Hamurábi (há 3.800 anos), onde o texto consagrara direitos

como a vida, propriedade, honra, dignidade, família e a supremacia das leis em

1 MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar. 1967, p. 63. 2 Não podemos olvidar, entretanto, da inequívoca contribuição para a evolução dos direitos fundamentais da Revolução Gloriosa na Inglaterra ainda no século XVII, constituindo-se em forma embrionária do que denominaríamos de direitos fundamentais. 3 ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria geral dos direitos humanos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1996, p.49.

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relação aos governantes, além de regular as condutas humanas e limitar o poder

governamental. Entretanto, o Código de Hamurábi permitia práticas não condizentes

com os direitos fundamentais, como por exemplo, inúmeros casos onde poderiam

ser procedidas mutilações das mais variadas maneiras e como não conseguimos

vislumbrar direitos fundamentais dissociados do princípio da dignidade da pessoa

humana não defendemos que tal diploma legal contivesse em seu bojo tais direitos.

As Leis Mosaicas, pela forte influência religiosa, elenca no livro do

Deuteronômio a regra de que o descanso será também para os servos e servas e no

livro do êxodo a disposição de que os escravos poderiam se tornar homens livres,

ressaltando um caráter mais humanitário entre aqueles povos inseridos em seu

contexto histórico.

A observação pertinente é que não obstante serem contemplados tais direitos

na Idade Antiga não se pode utilizar a nomenclatura “direitos fundamentais”, pois se

encontra ausente pelo menos uma das características dos direitos fundamentais,

qual seja, a universalidade, pois não havia abrangência desses direitos a todos os

indivíduos indistintamente, mas apenas privilégio de alguns, quais sejam, aqueles

pertencentes a uma classe social superior e dominante4. Evidentemente incluímos a

Grécia Antiga (Antigüidade Clássica Ocidental), pois não obstante avanços acerca

da igualdade, liberdade e participação política, estas eram apenas para os cidadãos

e não para todos sem qualquer distinção. Não podemos deixar de incluir no mesmo

rol e tecer as mesmas críticas a Roma Antiga mesmo a lei das doze tábuas sendo

considerada a gênese dos textos escritos que consagram a liberdade, propriedade e

proteção dos direitos do cidadão.

Não é outro o entendimento de Bruno Galindo quando assevera: “É bem

verdade que o humanismo pensado em Atenas era voltado unicamente para os seus

cidadãos, sendo deixados à margem as mulheres, os estrangeiros e os escravos”5.

4 Quando nos referimos a classes sociais ventilamos o caso dos hebreus e babilônios, pois a organização social dos Egípcios era composta por um rígido sistema de castas. 5 GALINDO, Bruno. Direitos fundamentais. Curitiba: Juruá, 2003, p. 34.

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Canotilho preleciona que inexistiam direitos do homem na Antigüidade, havia

a idéia de igualdade6 dos homens apenas no plano filosófico e não jurídico7.

A Idade Média é marcada pela forte influência do cristianismo que defendia a

igualdade entre todos os homens. Neste período histórico encontramos importantes

contribuições para a evolução e desenvolvimento dos direitos fundamentais. Em

1215 a célebre Magna Charta Libertatum, declaração do rei João Sem Terra à

nobreza, ocorreu pelo fato da exigência da nobreza ao reconhecimento formal de

seus direitos como condição para o pagamento de impostos. Fábio Konder

Comparato assevera: “Em que pese a sua forma de promessa unilateral, feita pelo

rei, a Magna Carta constitui, na verdade, uma convenção passada entre o monarca

e os barões feudais, pela qual se lhes reconheciam certos foros, isto é, privilégios

especiais”8 e acrescenta:

“No caso, não se tratou de delegação de poderes reais, mas sim do reconhecimento de que a soberania do monarca passava a ser substancialmente limitada por franquias ou privilégios estamentais, que beneficiavam, portanto, de modo coletivo, todos os integrantes das ordens privilegiadas”9.

A Magna Charta não se tratava, portanto, de manifestação de direitos

fundamentais, mas da afirmação de direitos corporativos da aristocracia feudal face

ao suserano; sua finalidade, nas palavras de Canotilho era:

“o estabelecimento de um modus vivendi entre o rei e os barões, que consistia fundamentalmente no reconhecimento de certos direitos de supremacia ao rei em troca de certos direitos de liberdade estamentais consagrados nas cartas de franquia”10.

6 Na filosofia sofística de Antifon e Alcidamas (Grécia) e estóica de Cícero e Terêncio (Roma), embora Platão e Aristóteles defendessem a escravidão como algo natural. 7 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1997, p. 375. 8 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 77. 9 Ibidem. 10 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1997, p. 376.

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Sua principal contribuição foi a abertura precípua, de forma embrionária, como

se fora a pré-história dos direitos fundamentais ao limitar o poder estatal, pelo

menos privilegiando a nobreza, limitação esta que fora ampliada quando o conceito

de homem livre, antes pertencente apenas aos nobres, foi estendida também aos

vilões, ou seja, os demais ingleses.

José Afonso da Silva discorre que:

“não são, porém, declarações de direitos no sentido moderno, que só apareceram no século XVIII com as revoluções americana e francesa. Tais textos, limitados e às vezes estamentais, no entanto, condicionaram a formação de regras consuetudinárias de mais ampla proteção dos direitos humanos fundamentais”11.

É mister ventilar que a Magna Charta trazia em seu bojo o princípio da

legalidade nas cláusulas 16 e 23; bem como preceituando que não haveria cobrança

de tributos sem o consentimento da nobreza (No taxation without representation).

Estabelecia a proporcionalidade entre o delito e a sanção, o livre acesso à justiça,

bem como o devido processo legal e a liberdade de locomoção.

Reconhecendo a existência do princípio da legalidade12 na Magna Charta,

Comparato assevera:

“As cláusulas 16 e 23 representam o primeiro passo no sentido da superação do estado servil, preparando a substituição da vontade arbitrária do senhor, ou patrão, pela norma geral e objetiva da lei, nas relações de trabalho. O sentido primigênio da norma fundamental, inscrita em quase todas as Constituições modernas, segundo a qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, encontra-se nessa disposição da Magna Carta”13.

11 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 151. 12 Era inexistente, entretanto, o princípio da igualdade que seria importante face à flagrante desigualdade social. Nas palavras de MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar. 1967, p. 63: “Não havia nenhum princípio sobre a igualdade dos cidadãos para contrastar com o princípio da desigualdade de classes”. 13 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 79

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É mister ressaltar, nas palavras de Marshall, que “não havia nenhum código

uniforme de direitos e deveres com os quais todos os homens – nobres e plebeus,

livres e servos – eram investidos em virtude da sua participação na sociedade”14.

Em 1628, já na Idade Moderna, surgira a Petition of Right e preceituava que:

”ninguém seria obrigado a contribuir com qualquer dádiva, empréstimo ou benevolência e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem o consentimento de todos, manifestado por ato do parlamento; e que ninguém seria chamado a responder ou prestar juramento, ou a executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de qualquer forma, molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da recusa em pagá-los. Previa, ainda, que nenhum homem livre ficasse sob prisão ou detido ilegalmente”15.

Em 1679, a lei de habeas corpus na Inglaterra (habeas corpus act)

simplesmente regulamentou o instituto do habeas corpus que já existia na common

law16, nas palavras de Comparato:

“a importância histórica do habeas corpus, tal como regulado pela lei inglesa de 1679, consistiu no fato de que essa garantia judicial, criada para proteger a liberdade de locomoção, tornou-se a matriz de todas as que vieram a ser criadas posteriormente, para a proteção de outras liberdades fundamentais”17.

Também na Inglaterra, em 1689, surgiu a Declaração de Direitos (Bill of

Rights). O Bill of Rights termina a monarquia absoluta, entendida como aquela em

que todo o poder emana do rei e em seu nome é exercido; é mister frisar que tal

declaração de direitos pôs fim à monarquia absoluta, mas não à monarquia! Houve a

concentração dos poderes do Estado no parlamento e a conseqüente limitação dos

poderes do rei18.

14 MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar. 1967, p. 63. 15 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2003, p. 26. 16 Ibidem. 17 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 86. 18 GALINDO, Bruno. Direitos fundamentais. Curitiba: Juruá, 2003, p. 37.

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A idéia de separação dos poderes do Estado idealizada por John Locke

encontra ressonância nesta declaração de direitos que a institucionalizou

permanentemente.

Logo, pode-se apontar algumas contribuições tais como: limitação do poder

estatal; garantia das liberdades individuais pela separação de poderes; fim do

arbítrio do rei; direito de petição; proibição de penas cruéis19; fortaleceu o princípio

da legalidade, pois o rei apenas poderia suspender as leis ou sua execução com o

consentimento do parlamento; além deste possuir imunidade parlamentar, havia

liberdade de eleição dos membros do parlamento. O ponto negativo do Bill of Rights

foi a negação da liberdade e igualdade religiosa20 21. Não obstante esse fato,

consistiu importante contribuição na história dos direitos fundamentais, pois os

direitos individuais foram mais respeitados pelos poderes públicos na Inglaterra.

A relevante importância histórica da Magna Charta, Bill of Rights e Petition of

Rights britânicos no reconhecimento de direitos já fora devidamente ventilada,

entretanto, não verificamos os cidadãos recorrendo ao Poder Judiciário com o

escopo de salvaguarda de seus direitos. Realmente, tal sindicabilidade será

contundente após a gênese do constitucionalismo despontado nos EUA no final do

Século XVIII, inaugurando a fase do Direito Moderno. Mauro Cappelletti confirma

nossa afirmação acerca do início do controle jurisdicional nos EUA ao lecionar:

“(...) La tesi, cioè, Che il controllo giurisdizionale delle leggi rappresenta un´idea realizzata per la prima volta negli Stati Uniti nel XVIII secolo, e diffusasi poi, nel corso del XIX secolo, in altri paesi delle due americhe e successivamente in altre parti del mondo”22.

19 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2003, p.93 20 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2003, p. 26. 21 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 92 22 CAPPELLETTI, Mauro. Il controllo giudiziario di costituzionalità delle leggi nel diritto comparato. Milano: Dott. A Giuffrè Editore, 1968, p. 28.

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Realmente, o fenômeno do constitucionalismo principiado pelos EUA teve

uma importância histórica fundamental, pois o

“Estado de polícia, submetido a tênue controle jurídico, cedia espaço ao Estado Liberal, onde os direitos de liberdade, de participação política e de igualdade formal tornaram-se suscetíveis de tutela, mediante o emprego de garantias institucionais e processuais claramente positivadas”.23

Quando da passagem do Estado Absoluto para o Estado Moderno, surge uma

nova visão do princípio da separação de poderes desta vez proposta por

Montesquieu com o incremento do princípio da legalidade que encetara normas

vinculando tanto o Estado quanto o indivíduo; era o império da lei, obrigando seu fiel

cumprimento por parte de todos, por isso o exordial marco dos direitos fundamentais

encontra arrimo no surgimento do Estado Moderno e no princípio da separação de

poderes.

O Estado Moderno principia com o Estado Liberal e tal como o conceito de

Constituição, o conceito de direitos fundamentais surge indissociável da idéia de

direito liberal.24

Fortemente influenciado pelo iluminismo francês do século XVIII surgira a

Declaração de Direitos de Virgínia em 1776, no mesmo ano da independência das

treze colônias britânicas, que trazia em seu bojo o direito à vida, à liberdade e à

propriedade, bem como liberdade de imprensa e religiosa e alguns princípios como

da legalidade, do devido processo legal, juiz natural e imparcial e a busca da

felicidade. Tal declaração reuniu em confederação as ex-colônias britânicas.

Com a Constituição norte–americana de 1787 a confederação fora substituída

pela federação, modelo no qual os entes federados abdicam sua soberania para

criar um novo ente, qual seja o Estado Federal.

23 GOUVÊA, Marcos Maselli. O controle judicial das omissões administrativas. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 2. 24 MIRANDA, Jorge. Os direitos fundamentais – sua dimensão individual e social. In: Revista dos Tribunais, ano 1, out/dez. de 1992, p. 198.

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A Constituição norte-americana de 1787 e as 10 emendas encetadas dois

anos depois limitou o poder estatal com o estabelecimento da separação de poderes

e vários direitos fundamentais como a inviolabilidade de domicílio, devido processo

legal (due process of law), julgamento pelo Tribunal do Júri, ampla defesa, liberdade

religiosa, não aplicação de penas cruéis. Mauro Cappelletti confirma que o

nascedouro do constitucionalismo ocorre com o advento dessa Constituição quando

leciona: “(...) proprio con la costituzione nordamericana ha avuto veramente inizio l´epoca del ´costituzionalismo´, con la concezione della supremacy of the constitucion rispetto alle leggi ordinarie. La costituzione nordamericana ha rappresentato, insomma, l´archetipo delle cosiddette costituzioni ´rigide´, contraposte alle costituzioni ´flessibili´”25.

Segundo Comparato, a independência dos Estados Unidos do norte

“representou o ato inaugural da democracia moderna, combinando, sob o regime

constitucional, a representação popular com a limitação de poderes governamentais

e o respeito aos direitos humanos”26.

Concordamos com o mestre entendendo que o termo “direitos fundamentais” é

dotado de nova dimensão a partir deste momento, posto a expressão adquirir (ou

pelo menos almejar) caracteres essenciais como a universalidade,

imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, efetividade,

interdependência e complementariedade. Portanto, só podemos nos referir a direitos

fundamentais, pelo menos de forma um pouco mais fortalecida, a partir de 1776 (não

obstante a substancial contribuição existente na história já ventilada entre a Magna

Carta de 1215 e o Bill of Rights de 1689) haja vista encontrarmos ao menos a

pretensão de concretizar todos os caracteres necessários a essa nomenclatura,

principalmente o caráter de universalidade dos direitos fundamentais; ademais, a

correlação existente entre direitos fundamentais e democracia é essencial posto

serem termos indissociáveis e reciprocamente dependentes.

25 CAPPELLETTI, Mauro. Il controllo giudiziario di costituzionalità delle leggi nel diritto comparato. Milano: Dott. A Giuffrè Editore, 1968, p. 28-9. 26 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2003, p.95.

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Em nenhum outro momento da história anterior a 1776 vislumbramos a

existência da democracia associada aos direitos fundamentais e com pretensão de

universalidade; sempre percebemos a exclusão de indivíduos ou grupos pelos mais

diversos motivos o que corrobora essa tese.

Não se pode olvidar a substancial contribuição desse momento histórico, pois

não é outra a conclusão de Comparato quando assevera:

“a característica mais notável da declaração de independência dos Estados Unidos reside no fato de ser ela o primeiro documento a afirmar os princípios democráticos na história política moderna (...) juízes supremos dos atos políticos deixavam de ser os monarcas, ou os chefes religiosos, e passavam a ser todos os homens, indiscriminadamente. A importância histórica da declaração de independência está justamente aí: é o primeiro documento político que reconhece, a par da legitimidade da soberania popular, a existência de direitos inerentes a todo ser humano, independentemente das diferenças de sexo, raça, religião, cultura ou posição social”27.

É mister ventilar, entretanto, que ao longo da história encontramos muito mais

privilégios que verdadeiramente direitos fundamentais; mesmo com o surgimento do

Estado Moderno verificamos a manutenção de privilégios, haja vista que a pretensão

de universalidade na prática não ultrapassara esse estágio, pois tais direitos não

foram gozados por todos indistintamente, mas, concretamente, contemplavam

privilégios de determinada classe social, portanto, não concordamos com o

posicionamento do Professor Comparato nesse viés.

Ademais, tal declaração acentuava apenas o caráter individualista sem a

preocupação com as diferenças sociais e econômicas dos indivíduos; é o Estado

Liberal em plenitude onde não deve existir intervenção estatal nas relações entre os

indivíduos, os quais seriam conduzidos pela “mão invisível” do mercado, com o

escopo de acentuar a liberdade. Veremos adiante que tal liberdade não poderia

existir com a presença de uma igualdade meramente formal.

27 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2003, p.102.

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O liberalismo assegurava apenas a legalidade; foi preciso aguardar o século

XX e o conseqüente advento do Estado Social para que os problemas sociais

fossem assumidos pelo Estado, realmente a declaração norte-americana é

essencialmente uma declaração de direitos individuais28.

Na Europa, como conseqüência da Revolução Francesa de 1789, houve a

célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamando a

legitimidade democrática até então inexistente haja vista a soberania pertencer ao

monarca. Tal declaração consagrou a liberdade, igualdade (mais uma vez

meramente formal, ou seja, igualdade de todos perante a lei, mas sem a

preocupação em promover igualdade real entre os indivíduos), segurança,

resistência à opressão, propriedade, associação política, princípios como da

legalidade, reserva legal, anterioridade penal, presunção de inocência, liberdade

religiosa e a livre manifestação do pensamento29.

Acerca da forma embrionária dos direitos sociais na história, Luciano Oliveira

ventila a existência de uma nova Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

na França em 1793 que trazia em seu bojo dois dispositivos que poderiam ser

considerados os precussores dos direitos do ainda distante – à época – welfare

state, quais sejam o direito ao trabalho e à educação e dispunham, respectivamente

nos artigos 21 e 22 que:

“O socorro público é uma dívida sagrada. A sociedade é devedora da subsistência aos cidadãos miseráveis, seja lhes proporcionando trabalho, seja assegurando os meios de existência àqueles que não têm condições de trabalhar”, “A instrução é uma necessidade de todos. A sociedade deve favorecer com todo o seu poder os progressos da razão pública, e colocar a instrução ao alcance de todos os cidadãos”.30

28 Ibidem, p.107 29 CF.: GALINDO, Bruno. Direitos fundamentais. Curitiba: Juruá, 2003, p. 41; MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2003, p. 28 e COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2003, p.153-155. 30 OLIVEIRA, Luciano. Os direitos sociais e econômicos como direitos humanos: problemas de efetivação. In: LYRA, Rubens Pinto (org.). Direitos Humanos: os desafios do Século XXI – uma abordagem interdisciplinar, Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 157-158.

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Não obstante os diversos direitos previstos desde a Antigüidade Oriental e

Ocidental até o fim da Idade Média, não podemos nos referir a direitos

fundamentais, mas a privilégios usufruídos por poucos, haja vista os mesmos não

possuírem o caráter da universalidade, bem como não serem observados em bases

democráticas, além de não limitar o poder estatal perante todos31. Tais

características são encontradas precipuamente, pelo menos com a pretensão de

universalidade, apenas na Idade Moderna, mais precisamente com a Declaração de

Direitos de Virgínia e a independência norte-americana, seguida da Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, fruto da Revolução Francesa32. Com

nossa afirmação concorda Cármen Lúcia Antunes Rocha ao ventilar:

“Tais direitos ainda se concebiam como privilégios (...) nem tinham eles caráter universal em sua aplicação, nem a preocupação dominante das concepções burguesas colocava-os a salvo das investidas não apenas do poder estatal, mas dos poderes particularistas havidos na sociedade de uns contra outros homens”33.

Vale ressaltar que a evolução histórica dos direitos fundamentais não

aconteceu de forma linear e sem sofrer retrocessos, exatamente nesse sentido

aponta Luciano Oliveira que

“o tema dos direitos humanos não apresenta uma história linear que, partindo das gloriosas (e sangrentas) ‘jornadas’ de 1789, culminando com a famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de agosto daquele ano na França, seguiria impávida até uma segunda culminância, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948, daí chegando até nós sem grandes rupturas teóricas ou soluções de continuidade importantes”.34

31 Mesmo em 1215, nota-se direitos e liberdades apenas das elites, alto clero e a aristocracia face ao rei, constituindo-se em privilégios levando-nos a afirmar que onde estes aparecem não subsistem direitos fundamentais. 32 “El Estado de derecho – o Estado propiamente dicho – nace con la Revolución francesa. Sus notas definitorias son lás seguientes: gobierno constitucional, división de poderes, plena garantia de los derechos públicos subjetivos; en suma: frente al gobierno de los hombres, el gobierno de la ley”. FERRANDO BADÍA, Juan. Democracia frente a autocracia: los tres grandes sistemas políticos. El democratico, el social-marxista y el autoritario. Madrid: Tecnos, 1989, p.27. 33 ANTUNES ROCHA, Cármen Lúcia. O constitucionalismo contemporâneo e a instrumentalização para a eficácia dos direitos fundamentais. In: Revista Trimestral de Direito Público nº16, 1996, p. 44. 34 OLIVEIRA, Luciano. Os direitos sociais e econômicos como direitos humanos: problemas de efetivação. In: LYRA, Rubens Pinto (org.). Direitos Humanos: os desafios do Século XXI – uma abordagem interdisciplinar, Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 155.

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Entendemos que os privilégios sempre prevaleceram em relação aos direitos;

só poderemos discorrer acerca de direitos fundamentais quando esses estiverem ao

alcance de todos, concretamente, sem distinção, entretanto, vislumbramos que a

história dos direitos fundamentais poderia ser chamada de história da evolução – ou

transformação – dos privilégios e sua abrangência, haja vista os encontrarmos ainda

nas sociedades atuais, pois é impossível deixar de verificar a não concretização de

alguns direitos fundamentais, e portanto, na exclusão imposta a milhões de pessoas

às quais não recebem os auspícios da lei, tal constatação, entretanto, não deve ser

compreendida com ceticismo, pois remontando a história podemos perceber uma

substancial transformação qualitativa na busca pelo respeito e aplicabilidade dos

mesmos; é preciso refletir quais mecanismos poderíamos utilizar para a

concretização dos direitos fundamentais e quem mobilizar para tal desiderato.

1.2. DISTINÇÃO EXISTENTE ENTRE DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

“Es menester que los derechos fundamentales sean sentidos por los hombres encuanto ciudadanos, esto es, que sirvan de vínculo moral entre ellos y las instituciones. Através de la adhesión emocional de los ciudadanos, tales derechos se adhieren, asimismo, a las instituciones porque de ese modo realizan, prácticamente, la humanitas, es decir, la cualidad de ser humano”35.

Primeiramente analisemos as seguintes hipóteses: Podemos diferenciar

direitos humanos e direitos fundamentais? Na realidade brasileira, em nível

constitucional, notadamente o art. 5º parágrafo 2º da Carta Magna de 1988, tal

diferenciação enseja reflexos empíricos?

Autores de indiscutível competência não diferenciam rigidamente tais

expressões36 tratando-as como sinônimas, ao passo que outros – não menos

35 VERDÚ, Pablo Lucas. El sentimiento constitucional: aproximación al estudio del sentir constitucional como modo de integración política. Madrid: Reus, 1985, p. 198. 36 TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p.8 não diferencia de forma incisiva direitos humanos e direitos fundamentais,

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sapientes – traçam contornos capazes de verificar quando se trata de um ou de

outro.

Canotilho, observando tal problemática, faz a seguinte distinção:

“direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí seu carácter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta”37.

Desta forma os direitos fundamentais encontram consonância com o termo

“direitos do cidadão” que na acepção moderna abrange todos os indivíduos

indistintamente, desde que estejam sob a égide do Estado positivador ou mesmo da

comunidade internacional quando forem positivados no direito internacional.

Sapiente dicção é a que afirma serem os direitos humanos aqueles naturais e

inerentes a toda e qualquer pessoa humana posto serem relacionados às exigências

básicas do homem, notadamente a igualdade e liberdade, sem contudo estarem

positivados num estatuto jurídico, de modo que os direitos fundamentais seriam os

garantidos no âmbito de cada Estado em seu ordenamento jurídico-positivo; tal

afirmação leva-nos crer serem os direitos humanos construções do direito natural,

como exigência ética, dispensando reconhecimento pelo direito positivo dos

Estados, seria então função inspiradora do ordenamento jurídico, negar ou restringir

os direitos humanos seria ferir a ética política nas suas raízes38.

o autor assevera: “Os direitos naturais são sinônimos dos direitos humanos, ou direitos fundamentais, ou direitos individuais, ou direitos civis, ou liberdades públicas”. 37 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1997, p. 387. 38 ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria geral dos direitos humanos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1996, p. 49.

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31

Sobre a distinção, não poderíamos furtar a contribuição de Perez Luño ao

sintetizar: “A distinção germânica entre Menschenrechte y Grundrechte, a francesa entre droit de l’homme et libertes publiques ou a italiana entre diritti umani e diritti fundamentali atende à respectiva dualidade de planos (prescritivo e descritivo) e ao diferente nível de positividade entre ambas as categorias”39.

Nem todo direito humano é direito fundamental, enquanto num ordenamento

jurídico-positivo não for reconhecido, inversamente, não é possível admitir um direito

fundamental que não consista na positivação de um direito humano40. O próprio

Perez Luño verifica que a expressão “direitos humanos” não raramente aparece

relacionada a outras denominações que parecem fazer referência a realidades

próximas e até mesmo a uma mesma realidade; segundo as palavras do próprio

autor citado: “entre estas expresiones pueden citarse las de: derechos naturales,

derechos fundamentales, derechos individuales, derechos subjetivos, derechos

públicos subjetivos, libertades públicas...”41

Após ventilar a existência dessas expressões, Perez Luño diferencia as

mesmas destacando que parte considerável da doutrina entende que os direitos

fundamentais são os direitos humanos positivados nas constituições estatais e, por

fim, tece suas considerações afirmando: “en todo caso, se puede advertir una cierta tendência, no absoluta como lo prueba el enunciado de la mencionada Convención Europea, a reservar la denominación ‘derechos fundamentales’ para designar los derechos humanos positivados a nível interno, en tanto que la fórmula ‘derechos humanos’ es la más usual en el plano de las declaraciones y convenciones internacionales”.42

Peces-Barba Martinez expressa que

“desde que inicié, entonces casi en solitario, el estudio de estos temas, tengo preferencia por ‘derechos fundamentales’, como forma lingüística más precisa y procedente (...) es más precisa que la expresión derechos humanos y carece del lastre de la ambigüedad que ésta supone; puede abarcar las dos

39 PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, Estado de derecho y Constitución. Madrid: Tacnos, 1995, p.20. 40 Ibidem, p. 20. 41 Ibidem, p. 29-30. 42 Ibidem, p. 31.

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dimensiones en las que aparecen los derechos humanos, sin incurrir en los reduccionismos iusnaturalista o positivista; es más adecuado que los términos ‘derechos naturales’ o ‘derechos morales’ que mutilan a los derechos humanos de su faceta jurídico-positiva, o dicho de otra forma, que formulan su concepto sin tener en cuenta su dimensión jurídico-positiva. Las tradiciones lingüísticas de los juristas atribuyen al término ‘derechos fundamentales’ esa dimensión vinculándola a su reconocimiento constitucional o legal”.43

Há divergente posicionamento entre Perez Luño e Peces-Barba haja vista

este último afirmar categoricamente que

“en ese sentido puede integrar las dos dimensiones que llevan al profesor Pérez Luño a reservar el término ‘derechos humanos’ para la moralidad y ‘derechos fundamentales’ para la juridicidad. Por las razones críticas al uso por el pensamiento jurídico de la expresión ‘derechos humanos’ que hemos formulado, no parece aconsejable seguir esa propuesta”.44

Acerca da problemática discorre Ingo Sarlet45:

“Sustentamos ser correta a distinção traçada entre os direitos fundamentais (considerados como aqueles reconhecidos pelo direito constitucional positivo e, portanto delimitados espacial e temporalmente) e os assim denominados ‘direitos humanos’, que, por sua vez, constituem as posições jurídicas reconhecidas na esfera do direito internacional positivo ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem jurídico-positiva interna”.

Tenta este autor distinguir três expressões: direitos do homem; direitos

humanos e direitos fundamentais.

Tal distinção traçada por Sarlet é criticada por Bruno Galindo que diferencia

apenas os direitos fundamentais e os direitos humanos – o que corrobora nossa

posição doutrinária, pois para esse autor pernambucano, direitos do homem e

direitos humanos são expressões sinônimas46.

43 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Curso de derechos fundamentales. Madrid: Boletín oficial del Estado, 1999, p. 36-37. 44 Ibidem, p.37. 45 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO-SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002. p. 26. 46 GALINDO, Bruno. Direitos fundamentais. Curitiba: Juruá, 2003, p. 49.

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Há autores que, vislumbrando direitos cuja essencialidade é inerente a todos

os seres humanos, utilizam a expressão “direitos humanos fundamentais”.47

José Afonso da Silva, inspirando-se em Perez Luño, acredita ser mais

adequada a expressão “direitos fundamentais do homem”, e explica discorrendo

que: “além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas”48.

Por fim, recai na mesma terminologia utilizada por Alexandre de Moraes e

Manoel Gonçalves Ferreira Filho ao ventilar que: “direitos fundamentais do homem

significa direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos humanos

fundamentais”49.

Fioranelli Júnior contribui para a discussão quando discorrendo acerca dos

direitos sociais ventila que: “os direitos sociais seriam espécie de direitos humanos

(na tradição terminológica anglo-saxônica) ou direitos do homem (na consagrada

designação francesa), ou ainda direitos fundamentais (na vertente doutrinária

germânica)”.50

Vislumbramos direitos humanos e direitos fundamentais afastando as demais

nomenclaturas, pois a pluralidade de expressões dificulta o entendimento gerando

confusões terminológicas indesejadas. Os direitos humanos são aqueles naturais,

portanto, inerentes ao homem simplesmente pelo fato do mesmo ter nascido de

47 Nesse sentido: FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1995 e MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 1997. 48 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 176-177. 49 Ibidem. 50 FIORANELLI JÚNIOR. Adelmo. Desenvolvimento e efetividade dos direitos sociais. In: Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, nº 41, Jun. 1994, São Paulo, p. 19.

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mulher, independentemente de qualquer positivação. Ademais, concordamos com a

tese que não vislumbra distinção entre direitos humanos e direitos do homem, tais

expressões são sinônimas. Á medida em que estes direitos humanos são

positivados no âmbito de cada Estado ou no direito internacional, tornam-se direitos

fundamentais, estes direitos do cidadão.

Entretanto em que pese a distinção tecida, observamos que tendo em vista o

fato de que a interpretação constitucional impõe sejam considerados os princípios

norteadores que pairam sobre todos os artigos nela constantes vislumbramos a

inteligência do art. 5º parágrafo 2º da CF/88 onde dispõe: “Os direitos e garantias

expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos

princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República

Federativa do Brasil seja parte”, ora, se o relacionarmos com o princípio da

dignidade da pessoa humana – norteador de todos os direitos fundamentais -

chegamos a conclusão de que, embora a doutrina e a jurisprudência não tenham

criado linhas firmes de interpretação desse princípio51, todos os direitos positivados

relativos a direitos humanos em tratados internacionais de que o Brasil seja parte

são, no ordenamento jurídico brasileiro, direitos fundamentais, pois encontram-se

plenamente assegurados e positivados na Carta Magna (implicitamente).

Corrobora nossa afirmação Celso Albuquerque de Mello ao asseverar: “A

Constituição de 1988 no parágrafo 2º do art. 5º constitucionalizou as normas de

direitos humanos consagradas nos tratados. Significando isto que as referidas

normas são normas constitucionais”52.

Não podemos olvidar que tal parágrafo fora encetado na Constituição por

proposta de Cançado Trindade que discorrera:

51 DANTAS, Ivo. O valor da Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 52. 52 MELLO, Celso Albuquerque de. O parágrafo 2º do art. 5º da Constituição Federal. In: TORRES, Ricardo Lobo (Coord.) Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de janeiro: Renovar, 2001, p. 25.

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“o disposto no artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição Brasileira de 1988 se insere na nova tendência de Constituições Latino-americanas recentes de conceder um tratamento especial ou diferenciado no plano do direito interno aos direitos e garantias individuais internacionalmente consagrados53”.

Flávia Piovesan, ao se referir ao aludido parágrafo discorre que: “a Carta de

1988 confere aos tratados de direitos humanos o status de norma constitucional, por

força do art. 5º, parágrafo 2º”54.

Vale frisar que defendemos a incorporação à Constituição apenas dos

tratados que versarem sobre direitos humanos conforme interpretação ao artigo 5º,

parágrafo 2º; os demais tratados, entretanto, entendemos que são incorporados ao

direito interno no mesmo nível da legislação ordinária.

1.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS E AS TRÊS DIMENSÕES DE DIREITOS: DO

ESTADO LIBERAL AO ESTADO SOCIAL E DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

“Uma coisa é a Constituição do Estado Liberal, outra a Constituição do Estado Social. A primeira é uma Constituição antigoverno e anti-Estado; a segunda uma Constituição de valores refratários ao individualismo no direito e no absolutismo no poder”55.

Em sede constitucional, podemos identificar ao menos dois paradigmas

basilares, a saber: paradigma das Constituições liberais56 (séc. XVIII até início do

séc. XX) e o paradigma do constitucionalismo social (início do séc. XX).

53 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris editor, 1997, p. 407. 54 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 111. 55 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 371. 56 Segundo BÖCKENFÖRDE, Ernst Wolfgang. Escritos sobre derechos fundamentales. (trad.) Juan Luis Requejo Pagés. Baden-Baden: Nomos, 1993 p. 49-50: “para la teoria liberal (del Estado de derecho burgues) de los derechos fundamentales, los derechos fundamentales son derechos de libertad del individuo frente al Estado. Se establecen para asegurar, frente a la amenaza estatal, âmbitos importantes de la libertad individual y social que están especialmente expuestos, según la experiencia histórica, ala amenaza del poder del Estado. (...) toda normación legal, toda intervención de la autoridad, toda injerencia estatal debe ser por principio limitada, mensurable, calculable, cada control estatal debe ser a su vez controlable de nuevo”.

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Analisaremos cada uma delas e o contexto histórico na qual encontram-se

inseridas com o escopo de posterior adentramento na questão específica e nuclear a

que nos propusemos.

A doutrina classifica os direitos fundamentais em três dimensões de direitos57

concebidas a partir de seu reconhecimento ao longo da história58.

O Estado Moderno surgira em contraposição ao indesejado absolutismo e

como tal encetou substanciais mudanças; desejava-se um Estado não interventor na

vida privada do indivíduo e inarredável desejo de um aparelhamento jurídico capaz

de defender o indivíduo face aos (possíveis) arbítrios estatais.

Imprescindível era cambiar a vontade individual absolutista, a qual

fundamentava a sociedade política, bem retratada no “leviatã” hobbesiano, pela

norma geral e abstrata59.

Assim, no Estado Moderno liberal, não há interferência deste na economia,

pois o mercado seria regulado pela “mão invisível”, a ordem natural possibilitando o

desenvolvimento.

Na política há o advento do princípio da separação de poderes; princípio da

legalidade e o voto censitário60, ou seja, para votar e ser votado o indivíduo deveria

57 Que alguns autores denominam gerações de direitos fundamentais. Por opção metodológica nos referiremos a dimensões para que fique bem claro que uma não exclui a outra, como poderia induzir a erro a expressão “geração”, mas que são realidades que se complementam. 58 MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar. 1967, p. 63-64, referindo-se à cidadania divide-a em três partes que denominou de civil, política e social; direitos civis no século XVIII, políticos no século XIX e sociais no século XX. “O elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça”. O elemento político fora ventilado por Marshall como direito de participação do indivíduo no exercício do poder político ou como eleitor. Acerca do elemento social Marshall é categórico: “se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com ele são o sistema educacional e os serviços sociais”. 59 COMPARATO, Fabio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. In: Revista RT, vol. 737, mar. de 1997, São Paulo: RT, p. 12.

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possuir determinada renda, ocasionando alijamento da participação popular – em

sentido amplo – no poder legiferante, responsável em estabelecer os direitos

fundamentais; apenas os detentores do poder econômico logravam tais posições e

comumente controlavam a “mão invisível” reguladora do mercado, no fiel

cumprimento de seus próprios interesses pessoais.

Na economia havia a ampla propriedade privada e liberdade contratual, que

seria também combatida pelo Estado social como veremos mais adiante.

Nessa fase denominada liberalismo encontramos os direitos de 1ª dimensão,

são aqueles previstos nas declarações de direitos norte-americanas iniciadas pela

Declaração de Virgínia (1776) e francesa iniciadas pela Revolução Francesa no final

do séc. XVIII61, na qual eram assegurados direitos tais como liberdade, igualdade,

vida, segurança, propriedade privada; são direitos de defesa e negativos pois

exigem abstenção por parte do Estado, para que não haja atingimento e supressão

dos mesmos. São direitos do indivíduo singularmente considerado (individuais) que

os exerce face ao Estado limitando-o, foi a contemplação dos direitos civis e

políticos. Nas palavras de Perez Luño: “para la ideologia liberal el individuo es un fin

en sí mismo, y la sociedad y el derecho no son sino medios puestos a su servicio

para facilitarle el logro de sus intereses”62.

Pablo Lucas Verdú, citado por Perez Luño, não concorda com a expressão

“direitos individuais” por ser “poco correcta, no sólo porque la sociabilidad es una

dimensión intrínseca del hombre, como lo es la racionalidad, sino a mayor

abundamiento en la época actual, transida de exigencias sociales”63.

60 “El sufragio limitado – de tipo censitario – hizo no posible a las clases sociales más débiles la participación en esas libertades declaradas en los textos constitucionales”. FERRANDO BADÍA, Juan. Democracia frente a autocracia: los tres grandes sistemas políticos. El democrático, el social-marxista y el autoritario. Madrid: Tecnos, 1989. p. 94. 61 Vale ressaltar que Alexandre de Moraes entende que tais direitos de 1ª dimensão surgiram com a Magna Carta, afirmação que discordamos pelos argumentos utilizados no item 1.1. MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2003, p. 45. 62 PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, Estado de derecho y Constitución. Madrid: Tecnos, 1995, p. 35. 63 Ibidem.

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Tal igualdade prevista nas Constituições liberais ensejava o exercício das

liberdades de imprensa, reunião, manifestação do pensamento, associação,

expressão, bem como o direito de votar e ser votado.

Traçando um paralelo com os direitos fundamentais estabelecidos na

Constituição Federal brasileira de 1988, vemos que a idéia de defesa está

umbilicalmente ligada aos princípios da legalidade, tipicidade, anterioridade,

irretroatividade, isonomia (apenas para citar alguns); ademais, em terreno tributário

consagrando os princípios anteriormente ventilados com nuances específicas como

a vedação ao confisco, a capacidade contributiva, dentre outros.

Tais direitos, de 1ª dimensão, possuem sua gênese no Estado liberal cuja

defesa individual cingia-se imprescindível aos direitos fundamentais. O Estado era o

problema dos direitos fundamentais; eventualmente ele seria chamado para resolver

conflitos; prevalecia a idéia de que quanto menos intervisse o Estado, mais se

poderia exercer direitos fundamentais. Nesse sentido “los derechos individuales son

considerados en sentido eminentemente negativo como garantía de no ingerencia

estatal en su esfera”.64 Peces-Barba verifica que a sociedade da época vivenciava

intereses da classe burguesa e nesse viés

“un derecho que tiene una dimensión principalmente negativa, con sus funciones de garantía y de represión, de un poder basado en el contrato cuyo límite son los derechos del hombre y del ciudadano, la formulación liberal de los derechos los circunscribe a aquéllos, que suponen una no interferencia en la libre autonomía de la voluntad individual”65.

A história demonstra que o modelo liberal, cuja igualdade era meramente

formal66 (não havia igualdade material de jeito nenhum67), não promovia liberdade

64 Ibidem. 65 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Curso de derechos fundamentales. Madrid: Boletín oficial del Estado, 1999, p. 61. 66 Segundo BORDIN, Luigi. Democracia e direito, a questão da cidadania na época da globalização. In: Revista Perspectiva Filosófica, vol. VIII, nº15, jan./jun./2001, Recife: Editora universitária (UFPE), p.42: “a igualdade formal permite pôr a lei acima de tudo, definir o campo da política como o campo do governo e do Estado, e atribuir à esfera econômica a autonomia do seu

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real ao indivíduo, posto que com a regulação do mercado pelos fatores econômicos,

o proletariado, cuja única propriedade residia apenas em sua força laboral, era

submetido a esforços sobre-humanos com elevação progressiva no horário de

trabalho, sem nenhuma proteção trabalhista, onde não eram poupadas, da

insalubridade, periculosidade e desumanidade nem mesmo crianças com idade

inferior a oito anos. Segundo Marshall: “o núcleo da cidadania, nesta fase, se

compunha de direitos civis e os direitos civis eram indispensáveis a uma economia

de mercado competitivo”68.

Pressionados pelo advento do bloco comunista alavancado pela Revolução

Russa, e com o escopo precípuo de salvar o capitalismo – conseqüentemente

resguardando o poder burguês – houve uma mudança de paradigma e o

reconhecimento de direitos aos trabalhadores, limitando a simples regulação do

mercado pela economia. Há deslocamento dos direitos fundamentais sob o

paradigma individual para a ótica estatal (constitucionalismo social).69

No início do séc. XX a igualdade – como era concebida - começa a ser

questionada, ela é o ponto que diferencia o constitucionalismo liberal do social,

nesse contexto histórico há o advento do movimento comunista que ocorria na

Europa. A população torna-se cada vez mais urbana e tal desiderato gera grande

concentração de massas; a revolução industrial propiciara o surgimento de uma

classe que inexistia, qual seja, o proletariado. Szabo afirma que

cálculo. Mas isso, na verdade, dá-se só na forma e não na substância. É este o limite e o engodo do sistema capitalista”. 67 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 379, destaca que: “Pelo princípio da igualdade material entende-se, segundo Pernthaler, que o Estado se obriga mediante intervenções de retificação na ordem social a remover as mais profundas e perturbadoras injustiças sociais”. 68 MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar. 1967, p. 79. 69 Corrobora essa afirmação MELLO, Celso Antônio Bandeira de. A democracia e suas dificuldades contemporâneas. In: Revista diálogo jurídico, Salvador, CAJ – centro de atualização jurídica, V. I, nº 4, jul., 2001, p. 19, disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_4/DIALOGO-JURIDICO-04-JULHO-2001-CELSO-ANTONIO.pdf> acesso em 20 de abril de 2002. Assevera o autor: “Foi, desde o início, o temor de que se expandisse a concepção comunista – radicalmente antitética à sobrevivência do capitalismo – com sua capacidade de atrair massas insatisfeitas, ou quando menos de alimentar os ativistas que as mobilizavam, o que forneceu o necessário combustível para a implantação e disseminação do Estado social de direito”.

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“...el nuevo modelo de derechos y deberes del ciudadano en la sociedad socialista está determinado, en último análisis , por la terminación de la contradicción entre el carácter social de la producción y la propiedad privada de los medios de producción...”70

Bandeira de Mello discorre que:

“O Estado ultrapassa o papel anterior de simples árbitro da paz, da ordem, da segurança, para assumir o escopo mais amplo e compreensivo de buscar, ele próprio, o bem-estar coletivo”71.

Böckenförde não furta sua doutrina ao asseverar: “los derechos

fundamentales ya no tienen solo un carácter delimitador-negativo, sino que al mismo

tiempo facilitan pretensiones de prestación social ante el Estado”72.

Na visão de Luciano Oliveira acerca dos direitos civis e políticos (1ª geração)

o Estado figura como seu “emblemático violador”, ao passo que acerca dos direitos

sociais e econômicos, o Estado assume papel de “privilegiado promotor”, por isso

que os primeiros suscitam “menos Estado” e os segundos “mais Estado”73,

concordando com tal pensamento, Bonavides discorre que: “com o Estado social, o

estado-inimigo cedeu lugar ao estado-amigo, o estado-medo ao estado-confiança, o

estado-hostilidade ao estado-segurança”74.

Surgiu o Estado social assegurando direitos sociais, onde havia intervenção

estatal na atividade econômica, tendo como objetivo lograr igualdade material – em

detrimento da igualdade formal do liberalismo – e liberdade real na vida em

70 Apud MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Curso de derechos fundamentales. Madrid: Boletín oficial del Estado, 1999, p. 68. 71 MELLO, Celso Antônio Bradeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. In: Revista de Direito Público nº57-58, jan.-jun. de 1981, RT, p. 235. 72 BÖCKENFÖRDE, Ernst Wolfgang. Los derechos fundamentales sociales en la estructura de la constitución. In: Escritos sobre derechos fundamentales (trad.) Juan Luis Requejo Pagés. Baden-Baden: Nomos, 1993, p. 64. 73 OLIVEIRA, Luciano. Os direitos sociais e econômicos como direitos humanos: problemas de efetivação. In: LYRA, Rubens Pinto (org.). Direitos Humanos: os desafios do Século XXI – uma abordagem interdisciplinar, Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 155. 74 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003, p.380.

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sociedade, bem como a garantia de condições materiais básicas para uma

existência digna, um Estado voltado à consecução da justiça social75. Bonavides

ventila que “deixou a igualdade de ser a igualdade jurídica do liberalismo para se

converter na igualdade material da nova forma de Estado”76.

É um Estado dirigente, onde os poderes públicos não ficam limitados apenas

à produção de leis ou normas gerais, mas tem o escopo de efetivamente dirigir a

coletividade para o pleno alcance de metas predeterminadas. “Tem, pois, o Estado

uma missão positiva: garantir para todos o mínimo, em alimentação, saúde,

habitação, educação, vestuário, etc., compatível com a dignidade humana”.77 São

os direitos fundamentais de 2ª dimensão, quais sejam, econômicos, culturais e

sociais, donde foram consagrados precipuamente, em sede constitucional, na

Constituição mexicana de 1917 e posteriormente na Constituição alemã, de Weimar,

em 1919. Nesse viés segundo Bordin: “a lógica dos direitos sociais é, ao invés, uma

lógica oposta, que implica uma idéia de justiça. É uma lógica que propõe o tema

comunitário dos recursos que constituem a riqueza nacional”78.

Logo, os perfis políticos e econômicos do liberalismo são alterados em

resposta às crises comprometedoras do próprio capitalismo. Quando o Estado passa

a intervir na economia não é com perfil socialista, mas para manter vivo o

capitalismo dada a emergência do bloco comunista.

Vale registrar as palavras de Recasèns Siches quando se refere aos direitos

de segunda dimensão:

75 Importante frisar que no Estado Liberal a igualdade consistia na titularidade dos direitos e liberdade para todos; no Estado Social a igualdade é a concreta e efetiva igualdade de agir e a liberdade seria nada mais que a própria igualdade impulsionada para ação; nesse sentido conferir MIRANDA, Jorge. Os direitos fundamentais – sua dimensão individual e social. In: Revista dos Tribunais, ano 1, out.-dez. de 1992, p. 198. 76 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 376. 77 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia possível. São Paulo: Saraiva, 1976, p.32. 78 BORDIN, Luigi. Democracia e direito, a questão da cidadania na época da globalização. In: Revista Perspectiva Filosófica, vol. VIII, nº15, jan./jun./2001, Recife: Editora universitária (UFPE), p.39.

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“los llamados derechos sociales (y econômicos y culturales) tienen por objeto actividades positivas del Estado, Del prójimo y de la sociedad para suministrar al hombre ciertos bienes o condiciones. En contraste con los llamados derechos individuales, cuyo contenido es ‘un no hacer’, un ‘no violar’, un ‘no perjudicar’, por parte de las demás personas y sobre todo de las autoridades públicas, resulta que, por el contrario, el contenido de los derechos sociales consiste en ‘un hacer’, un ‘contribuir’, un ‘ayudar’, por parte de los órganos estatales”79.

Na seara política há a cooperação entre os poderes, capacidade normativa de

conjuntura e o voto censitário fora cambiado pelo voto universal, resultando em nova

conformação ao Poder Legislativo, onde são apresentadas novas reivindicações

sociais; surgem as normas que estabelecem situação de compromisso a ser

perseguido, como se fosse uma carta de intenções e que serviriam como anteparo

para reivindicações sociais, são as chamadas normas programáticas80. Interessante

observar que inexistia tal expressão no Estado Liberal, mas que surgira justamente

quando o Estado foi impelido a intervir na economia e promover a dignidade da

pessoa humana mediante prestações positivas81.

No âmbito econômico visualizamos a função social da propriedade e o

dirigismo contratual, pois os direitos sociais passaram a exigir prestação positiva do

Estado em prol do interesse social; o agir econômico passou a ser uma função do

Estado e proteção ao hipossuficiente (como exemplo apontamos toda a proteção

trabalhista), é o fim da ampla liberdade de contratar, modificando, outrossim, a idéia

de “mão invisível”, analisando as diferenças e tratando desigualmente os desiguais.

Vale ressaltar que cidadão no constitucionalismo liberal ocidental era o

proprietário branco e maior de vinte e um anos; no constitucionalismo social há

ampliação no conceito abrangendo os negros, mulheres, crianças e índios; enquanto

79 SICHES, Recasèns. Filosofia del Derecho. México: Editorial Porrua, 1959, p. 600. 80 Sobre as quais discorreremos de forma enfática ao longo desse trabalho ventilando a polêmica e discutida questão de incluir em seu rol os direitos fundamentais, especialmente os direitos fundamentais sociais, enfrentando acerca da imediata ou não executoriedade. 81 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 379, ventila que: “Na compreensão paralela de Guenther Winkler ‘os direitos fundamentais do estado social, deixando de ser unicamente limites, se convertem em valores diretivos para a administração e a legislação’”.

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no liberalismo havia “cidadãos”, no Estado social há “clientela” por causa dos

serviços prestados pelo Estado, são os direitos fundamentais como prestação

estatal.

Ademais, a sociedade civil recolhe tributos considerados de 2ª dimensão (as

contribuições) justamente para que os órgãos competentes implementem os direitos

fundamentais de 2ª dimensão, desse modo, urge a necessidade de controle judicial

para lograr efetivamente esse mister, sem o qual estaríamos à mercê da repudiada

concentração de poder na seara do executivo.

Atualmente, com a emergência dos direitos difusos os quais atingem grupo

indeterminado, essa sociedade de massas, pós-moderna, não identifica o indivíduo

nem o grupo que será atingido; está presente o conceito de futuras gerações – não

mais como a dimensão civilista de nascituro82 - mas todas aquelas pessoas que um

dia usufruirão do patrimônio terrestre. São os direitos fundamentais de 3ª dimensão,

direitos de solidariedade e fraternidade que ultrapassam os limites do individualismo

(tônica da 1ª dimensão) ou de grupos determinados (2ª dimensão), onde seus

titulares são indeterminados, abrangendo a todos os seres humanos inclusive os que

ainda nem existem, mas um dia existirão (futuras gerações).

Segundo Bolsan de Morais:

“São os direitos humanos de terceira geração aqueles que ultrapassam em seus limites subjetivos a figura de um indivíduo, de um grupo, ou de um determinado Estado. Aprofundam, como já salientado, o seu conteúdo genérico, tendo como destinatário direto e indireto o gênero humano. O seu asseguramento ou a sua violação atingem inarredavelmente este conjunto indeterminado de indivíduos”83.

82 SCAFF, Fernando Facury. Cidadania e imunidade tributária. In: FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa (Coord.). Presente e futuro das relações de trabalho: estudos em homenagem a Roberto Araújo de Oliveira Santos. São Paulo: LTR, 2000. 83 MORAIS, José Luís Bolsan de. Do direito social aos interesses transindividuais – O Estado e o direito na ordem contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 166.

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Podemos identificar como direitos de 3ª dimensão o direito à paz, ao meio

ambiente, à comunicação, ao patrimônio comum da humanidade dentre outros haja

vista o extenso rol desses direitos que não são taxativos.

Antunes Rocha acredita que:

“o surgimento destes direitos fundamentais de terceira geração põe-se em geral como o fruto de uma reivindicação social para a justiça social universal e não uma condição jurídica privilegiadora de alguns povos e de algumas poucas sociedades”84.

É importante frisar que as dimensões de direitos são harmonizadas e não

excludentes85, para ilustrar a afirmação imaginemos o direito fundamental à vida: o

Estado - em condições normais – não pode investir contra a vida de ninguém (direito de

defesa, negativo, 1ª dimensão), entretanto, para que exista vida é preciso também

garantir a saúde (direito prestacional, positivo, 2ª dimensão), pois não é inteligível

defender a tese que haja pleno respeito pela vida humana sem que exista o

oferecimento prestacional do serviço sanitário para assegurá-la e protegê-la; nesse viés

observamos a importância devida à construção de hospitais e conseqüente aumento no

número de leitos, aparelhamento moderno, médicos suficientes e bem remunerados,

distribuição gratuita de medicamentos para os indivíduos que não possuam recursos

financeiros para adquiri-los, tudo isso promovendo e respeitando a vida, ademais o

meio ambiente deve estar equilibrado (direitos difusos, 3ª dimensão), pois a poluição e

degradação do meio ambiente ameaça a saúde e a vida dos seres humanos. Corrobora

nossa afirmação Cármen Lúcia Antunes Rocha quando assevera que:

“Não há, assim, a superação de uma por outra ‘geração de direitos’; antes o que se tem é uma soma de liberdades conquistadas e que se amalgamam compondo um novo subsistema constitucional de direitos fundamentais e um

84 ANTUNES ROCHA, Cármen Lúcia. O constitucionalismo contemporâneo e a instrumentalização para a eficácia dos direitos fundamentais. In: Revista Trimestral de Direito Público nº16, 1996, p. 46. 85 “Na contramão da assertiva que defendemos, HAREK, citado por Peces-Barba afirma: “... los viejos derechos civiles y los nuevos derechos sociales y económicos no pueden simultáneamente prevalecer, por ser de hecho incompatibles. No cabe imponer legalmente los nuevos derechos sin conculcar al mismo tiempo ese orden liberal que los viejos derechos civiles propician...” MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Curso de derechos fundamentales. Madrid: Boletín oficial del Estado, 1999, p. 66.

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novo sistema jurídico informado por eles, que lhe são o embasamento essencial”.86

Willis Santiago Guerra Filho nos traz outro exemplo, qual seja o direito

fundamental individual à propriedade (1ª dimensão) que é exercido com observância

da função social (2ª dimensão), bem como sua função ambiental (3ª dimensão)87.

Como aponta Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “a primeira geração seria a dos

direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim,

complementaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade,

fraternidade”88.

Concluímos que não há respeito pelos direitos fundamentais de 1ª dimensão

sem que haja efetivação dos direitos fundamentais sociais prestacionais de 2ª

dimensão e os direitos difusos de 3ª dimensão, posto serem irmãos trigêmeos e

inseparáveis nessa fundamentalidade observados os conceitos atuais. No Estado

contemporâneo, aqueles clássicos direitos fundamentais relacionados à liberdade

(1ª dimensão) encontram-se cada vez mais dependentes da prestação estatal dos

serviços públicos, sem a qual o indivíduo sofreria graves ameaças.89 Podemos

afirmar que os direitos sociais prestacionais (2ª dimensão) e os direitos de defesa do

indivíduo face ao Estado (1ª dimensão) correspondem a um sistema unitário e

materialmente aberto dos direitos fundamentais na nossa Constituição90.

Do Estado Liberal ao Estado social de direito houve desenvolvimento dos

direitos fundamentais processado no interior das instituições representativas,

86 ANTUNES ROCHA, Cármen Lúcia. O constitucionalismo contemporâneo e a instrumentalização para a eficácia dos direitos fundamentais. In: Revista Trimestral de Direito Público nº16, 1996, p. 45. 87 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Direitos fundamentais processo e princípio da proporcionalidade. Dos Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 13. 88 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1995, p.57. 89 KRELL, Andreas. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da prestação dos serviços públicos básicos. In: Anuário dos cursos de pós-graduação em direito nº 10 – Recife: Universidade Federal de Pernambuco / CCJ/ João Maurício Adeodato (Coord.), editora universitária da UFPE, 2000. 90 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1998. p. 73.

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buscando harmonizar direitos de liberdade e direitos econômicos, sociais e culturais.

Podemos sintetizar este tópico com as palavras de Celso de Mello quando dispõe:

“enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade”91.

91 MS nº22164-SP – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, seção I, 17 de novembro de 1995, p. 39.206.

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CAPÍTULO 2 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS

2.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E FALTA DE HOMOGENEIDADE NA CONSTITUIÇÃO PÁTRIA.

A atual Constituição brasileira não traz em seu bojo homogeneidade quanto

aos direitos sociais, haja vista alguns possuírem caráter prestacional e outros se

apresentarem como verdadeiros direitos de defesa, portanto é preciso ventilar que

nem todos os direitos fundamentais prestacionais são sociais, como por exemplo,

aqueles reconhecidos no art. 5º, incisos XXXV e LXXIV da Carta Magna pátria os

quais dispõem sucessivamente acerca do acesso à justiça e da assistência jurídica

aos hipossuficientes, embora sejam direitos individuais são possuidores de caráter

prestacional, pois exigem do Estado postura comissiva no sentido de concretização

de tais direitos, haja vista ser impossível imaginar a plena efetividade dos mesmos

sem que sejam criadas as condições necessárias.

A primeira conclusão que chegamos, portanto, repousa na assertiva que

dentre o catálogo definidor dos direitos fundamentais individuais (status positivus

libertatis) encontramos alguns cuja efetividade (ou eficácia social) necessita de

atuação positiva, comissiva do Estado que deve realizar determinada ação que

favoreça a plena eficácia; logo, há direitos prestacionais dentre aqueles

denominados de direitos de defesa ou de 1ª dimensão.

Em relação aos direitos fundamentais sociais, estes também não se

apresentam no texto constitucional de forma homogênea, mas possuem diferenças

abismais entre si que cumpre por oportuno ressaltar. Os direitos sociais podem ser

vislumbrados ao menos em dois aspectos, o que nos autoriza afirmar, na esteira de

Ingo Sarlet, que tais direitos classificam-se em (a) direitos fundamentais sociais

negativos, haja vista encontrarmos na Carta Magna pátria direitos sociais

desprovidos do caráter prestacional, como por exemplo os artigos 7º ao 11, que

constituem-se nitidamente direitos de defesa pelo fato de sua concretização

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encontrar-se coadunada a uma postura omissiva do destinatário da norma; são

considerados “status negativus socialis” ou “status socialis libertatis”92; (b) Já os

direitos sociais de caráter prestacional (objeto de vergastação do presente estudo)

são positivos e “intimamente atrelados às tarefas do Estado como Estado Social, o

qual justamente deve zelar por uma adequada e justa distribuição e redistribuição de

bens existentes”.93 Exigem para sua concretização postura ativa, comissiva do

Estado no sentido de realizar as políticas públicas (e conseqüente gasto de

numerário público) indispensáveis.

A doutrina constitucional mais recente está atenta a esta problemática, pois

nas palavras de Marcos Maselli:

“De fato, o gênero dos direitos fundamentais sociais inclui direitos não prestacionais, como é o caso do direito de greve, e direitos prestacionais oponíveis não ao Estado, mas sim a particulares, como o direito ao salário mínimo. Por outro lado, certos direitos prestacionais correspondem a garantias dos direitos liberais e não à concretização de interesses sociais.”94

Logo, demonstramos a falta de homogeneidade dos direitos fundamentais,

especialmente tangente aos direitos sociais posto não podermos nos referir a eles

como se todos, de forma indistinta, possuíssem caráter prestacional; como corte

epistemológico, já devidamente ventilado na introdução da presente dissertação,

desenvolveremos a problemática concernente apenas à concretização dos direitos

fundamentais sociais prestacionais.95

92 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, p. 19. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO-SARLET.pdf>. Acesso em 21 de abr. de 2002. 93 ibidem. 94 GOUVÊA, Marcos Maselli. O controle judicial das omissões administrativas. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 10-11. 95 As expressões “concretização”, “efetividade” e “eficácia social” serão utilizadas neste trabalho como sinônimos.

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2.2 DOS DIREITOS SOCIAIS DE CARÁTER PRESTACIONAL FACE AO ARTIGO 5º PARÁGRAFO 1º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: NORMAS PROGRAMÁTICAS OU AUTO-EXECUTÁVEIS?

“Se considerarmos os direitos sociais básicos direitos absolutos, como foram reputados os direitos de liberdade durante o predomínio do velho Estado de direito, têm eles aplicabilidade imediata”96.

O modelo de “Constituição dirigente”, entendida como aquela que comanda a

ação do Estado impondo aos seus órgãos a realização das metas programáticas

nela estabelecidas97 fora adotada na lex mater de 1988 trazendo em seu bojo

preceitos que conduzem à efetivação dos direitos sociais.

É preciso ventilar, contudo, se os direitos sociais prestacionais estão incluídos

no rol das normas programáticas e, caso a resposta seja positiva, qual o grau de

eficácia jurídica que elas possuem no sentido de gerar efeitos concretos (eficácia

social); antes, porém, enfrentaremos as seguintes questões precedentes: tais

direitos sociais realmente são fundamentais? Seria o país ingovernável por causa

dos mesmos? A posteriori tentaremos solucionar se seus preceitos são meramente

programáticos ou podem ser auto-executados.

Ventilando sobre as indagações retro imbricadas constatamos que paralelo ao

surgimento dos direitos sociais emergiu o conceito de normas programáticas, até

então sem precedente histórico, onde foram estabelecidas no texto constitucional os

direitos sociais cuja contemplação se apresenta de maneira formal e a efetividade ou

eficácia social ficam adstritos à edição de leis infraconstitucionais que determinem

como serão concretizados tais direitos.

96 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 375. 97 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1997, p. 217.

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O caráter programático98 dos direitos sociais prestacionais é explicado pelo

fato de que seus preceitos necessitam de circunstâncias sócio-econômicas, além de

concretização legislativa onde há liberdade de conformação pelo legislador99.

Sustenta-se ainda a falta de legitimidade do Judiciário para definir questões

relacionadas com a conveniência e oportunidade da prestação.

Os adversários ao caráter de fundamentalidade dos direitos sociais defendem

a não inclusão dos mesmos no texto constitucional, argumentando que sua

efetivação ensejaria gastos públicos elevados tornando o país ingovernável; por

esse motivo há autores que consideram fundamentais apenas os direitos de

liberdade ou defesa (1ª dimensão) e não admitem no rol dos direitos fundamentais

os direitos sociais. Acerca da ingovernabilidade, Bonavides sustenta ser a mesma

uma “crise aguda de um só poder – o Executivo, o qual, pelos instrumentos ao seu

dispor, se reconhece desfalecido para governar, produzindo, assim, riscos de

comoção institucional”100.

Dentre os autores que defendem a não-inclusão no texto constitucional dos

direitos em debate encontramos J. J. Calmon de Passos ao afirmar:

“Parece óbvio, portanto, não ser aceitável, num Estado de Direito democrático, constitucionalizarem-se metas substantivas específicas, pois que isso importaria em desvirtuamento, ab origne, do livre debate de opiniões, por todos, e a formalização de decisões, pela maioria, jungida a poder decidir apenas sob a condição de o fazer em consonância com fins já predeterminados e tornados imutáveis. Definições rígidas, de caráter substantivo, só são aceitáveis se também forem constitucionalizadas regras flexibilizadoras das modificações e redefinições reclamadas pelo conjuntural e contingente da vida social101,

98 FARIA, José Eduardo. O Judiciário e os direitos humanos e sociais: notas para uma avaliação da justiça brasileira. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça, (org.) José Eduardo Faria. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 98, entende que: “Não é por acaso que, nas sociedades não tipicamente tradicionais e francamente integradas, sujeitas a fortes discriminações sócio-econômicas e político-culturais, como a brasileira, muitas declarações programáticas em favor dos direitos humanos e sociais, nos textos constitucionais, acabam tendo apenas uma função tópica, retórica e ideológica”. 99 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Vol IV, Coimbra: Coimbra, 1993, p. 105. 100 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 390. 101 PASSOS, J.J. Calmon de. A constitucionalização dos direitos sociais. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº6, setembro 2001, p. 12. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_6/DIALOGO-JURIDICO-06-SETEMBRO-2001-CALMON-DE-PASSOS.pdf> Acesso em 23 de maio de 2003.

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E continuando dispõe:

“Essa crença e essa contingência levaram à formulação prolixa e quase casuística dos direitos sociais merecedores de constitucionalização. A compulsão que todos temos de acreditar que o futuro é previsível e, mais que isso, aprisionável, fez-se aí, paroxismo. O nosso amanhã já estaria definido agora. A história estava sendo feita com antecedência, porque já predeterminados e constitucionalmente institucionalizados os ‘fins’ a serem alcançados”102.

Divergimos do posicionamento desse jurista, pois entendemos que os direitos

fundamentais constantes na Constituição irradiam seus efeitos sobre todo o

ordenamento jurídico além de possuírem arrimo nos princípios fundamentais, desse

modo, toda e qualquer norma que não se coadune com os preceitos fundamentais

são desde o momento inconstitucionais e estranhos ao direito pátrio, além dos

referidos direitos serem pauta ininterrupta de reivindicações no sentido de sua

implementação, estabelecendo uma espécie de mora administrativa e reclamando

efetividade dos demais poderes constituídos, inclusive – e especialmente - o

Judiciário que quando provocado tem o poder-dever de equacionar o problema no

caso concreto a ele apresentado. As criticadas “metas substantivas específicas” e as

“definições rígidas” assim se apresentam, pois decorrem do texto fundamental,

baseado nas aspirações da sociedade brasileira, posto que presente a busca da

dignidade da pessoa humana. Os fins “engessados” no texto constitucional não

correspondem àquilo que almejamos para nossa pátria? A experiência histórica nos

mostra que tais contingências não devem ficar ao arbítrio do vencedor nas eleições,

ou seja, a ninguém é dado o poder de determinar o que é ou não fundamental,

temos uma Carta Política pronta, expressando nossos anseios e exigindo

cumprimento, cabendo aos representantes eleitos a mera implementação.

102 Ibidem.

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Como bem salientado:

“não podemos admitir que os direitos fundamentais tornem-se, pela inércia do legislador, ou pela insuficiência momentânea ou crônica de fundos estatais, substrato de sonho, letra morta, pretensão perenemente irrealizada, ou o que lhe valha”103.

Lobo Torres critica os que defendem o caráter fundamental dos direitos

sociais ao discorrer: “(...) vamos encontrar, principalmente nos regimes e nos juristas

de índole autoritária e socializante, a tendência para assimilar os direitos sociais aos

fundamentais”104.

Como vislumbrar se os direitos sociais são incluídos dentre os direitos

fundamentais? Apenas com uma constatação positiva poderemos discorrer acerca

da autoridade dos direitos sociais e enfrentarmos a auto-executoriedade ou não de

seus preceitos.

Pelo menos em três acepções formais verificamos a fundamentalidade dos

direitos sociais, posto que, integrando o corpo textual da Constituição Federal

revestem-se como norma hierarquicamente superior em todo ordenamento jurídico;

possuem limites materiais em reforma constitucional, pois são cláusulas pétreas e

insuscetíveis de modificação ou supressão; além do mais, o próprio texto

constitucional determina no art. 5º parágrafo 1º que as normas definidoras de

direitos e garantias fundamentais são diretamente aplicáveis.

Há autores que defendem o argumento no qual as normas programáticas são

imediatamente aplicáveis e podem ensejar o gozo de direito subjetivo material,

mesmo sem concretização legislativa105; outros autores, mais conservadores, da

103 PEREZ, Marcos Augusto. O papel do Poder Judiciário na efetividade dos direitos fundamentais. In: Revista dos Tribunais – Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, ano 1, nº 3, abr/ jun. de 1993, p. 242. 104 TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. In: Revista de Direito administrativo nº 177, jul./set. de 1989, p. 34. 105 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 322.

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lavra de Manoel Gonçalves Ferreira Filho entendem que tal medida serviu para que

os direitos fundamentais não “permaneçam letra morta na Constituição”, há autores

que aceitam a existência de direitos subjetivos individuais acerca de direitos

fundamentais apenas no sentido negativo, ou seja, quando haja alguma medida

contrária aos mesmos, e outros que defendem a tese da criação, pelas normas

programáticas, de direito subjetivo negativo e positivo106.

O artigo 5º parágrafo 1º da CF/88 obriga os poderes públicos a promoverem

as condições para tornar reais e efetivos os direitos fundamentais107, o poder

Judiciário tem o poder-dever de aplicá-los ao caso concreto, imediatamente,

assegurando-lhes plena eficácia108, logo, esse dispositivo serve para salientar o

caráter preceptivo e não programático desses direitos, ventilando e clarificando que

eles podem ser imediatamente invocados, ainda que haja falta ou insuficiência da

lei.109

Segundo o artigo 5º, parágrafo 1º da CF/88: “As normas definidoras dos

direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”; tal disposição gera

controvérsias na doutrina porquanto alguns autores entendem que o referido texto

abrange apenas os direitos constantes no artigo comentado, portanto não

alcançando os direitos socais, ao passo que boa parte da doutrina defende com

veemência a abrangência também para os direitos sociais; a investigação dessa

abrangência é de vital importância para as teses aqui defendidas.

Precipuamente é mister diferenciar alguns termos para evitarmos equívocos

na interpretação de nossas palavras; nesse diapasão, eficácia subdivide-se em

eficácia jurídica e eficácia social, entendida também como efetividade. A primeira diz

106 SARAIVA, Paulo Lopo. Garantia constitucional dos direitos sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 63. 107 PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. Revista dos Tribunais: São Paulo: 1995, p. 92. 108 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1997. 109 KRELL, Andreas. Direitos Sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 37-38.

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respeito à possibilidade da norma jurídica gerar seus efeitos e a segunda está ligada

à noção de efetividade ou concretização. José Afonso da Silva assim conceitua

eficácia jurídica:

“designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos nela indicados; nesse sentido, a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica”110;

Luís Roberto Barroso conceitua eficácia social concordando com nossa

afirmação ao ventilar que:

“a efetividade significa, portanto, a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social”.111

A eficácia jurídica está no plano do dever ser e a eficácia social no plano do

ser112.

Embora a exegese do artigo 5º, parágrafo 1º da CF/88 não seja pacífica na

doutrina, entendemos que a não abstração do conteúdo que ele encerra de forma

clarividente seja muito mais uma opção política de não realização imediata dos

direitos sociais, e nesse viés busca-se toda e qualquer retórica para negar-lhes

plena eficácia (as quais desenvolveremos no capítulo seguinte) seguindo o modelo

neoliberal cuja filosofia conflita frontalmente com o Estado providência.

Juridicamente é insustentável uma exegese restrita aos direitos individuais

seja teleológica, sistemática ou meramente literal.

110 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 55-56. 111 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 85. 112 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, p. 26. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO-SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002.

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Sustentamos que tal preceito constitucional confere eficácia plena a todo o

catálogo de direitos e garantias fundamentais, sejam individuais ou sociais, bem

como todos aqueles expressos ao longo de toda a Constituição e nos tratados

internacionais que o Brasil seja signatário; não é outra a constatação de Ingo Sarlet

ao asseverar que:

“há como sustentar a aplicabilidade imediata (por força do artigo 5º, parágrafo 1º da CF/88) de todas as normas de direitos fundamentais constantes do catálogo (arts. 5º a 17), bem como dos localizados em outras partes do texto constitucional e nos tratados internacionais”.113

Com tal assertiva, entretanto, não concorda Celso Ribeiro Bastos para quem

não se deve dar aplicação imediata às normas que fazem remissão à legislação

integradora, bem como àquelas cujo “vazio semântico” a torne totalmente

dependente de integração normativa114, Gebran Neto, em obra resultante de

dissertação de mestrado, defende que o art. 5º, parágrafo 1º da CF/88 produz

efeitos exclusivamente para o caput e seus incisos não se estendendo, portanto,

para os demais direitos fundamentais.115

É mister ventilar que em nossa visão o artigo comentado pode ser

vislumbrado diferentemente para as três esferas do poder; em relação ao Poder

Legiferante tal preceito exige – em detrimento de qualquer outra medida - a edição

das normas infraconstitucionais necessárias para a concretização dos direitos

fundamentais; O Poder Executivo, na esteira do preceito em exame, deve

concretizar os direitos fundamentais mediante políticas públicas eficazes prevendo

dotação orçamentária privilegiada para efetividade de tais direitos116 e por fim o

113 Ibidem, p. 27. 114 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 393. 115 GEBRAN NETO, João Pedro. A aplicação imediata dos direitos e garantias individuais: a busca de uma exegese emancipatória. São Paulo: RT, 2002, p. 197. 116 Os Direitos Fundamentais Sociais Prestacionais apenas se concretizam quando o Estado despende recursos financeiros, fato que remete invariavelmente à existência de numerário nos cofres públicos com sacrifícios impostos à sociedade como a elevação da carga tributária para a consecução desse fim, logo, a relação entre esses direitos e a economia é estreita e perigosa, pois como veremos no capítulo 3, uma das inúmeras teses defendidas contra a plena eficácia dos referidos direitos encontra arrimo justamente na escassez de recursos do Estado, fato impeditivo de sua plena efetivação.

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Poder Judiciário que, exercendo seu mister constitucional, controlaria a atuação dos

demais poderes visando a plena efetividade dos direitos fundamentais (todos eles),

seja colmatando as lacunas deixadas pelo legislador, seja determinando ao

Executivo que realize as políticas públicas necessárias com determinação de prazo

suficiente para execução, inclusive com a oitiva de peritos, técnicos e da própria

administração pública; e na falta absoluta de tais ações, ou na precariedade das

mesmas em lograr o objetivo, qual seja, a concretização dos direitos fundamentais, o

próprio Judiciário, quando provocado, tem o poder-dever de reconhecer e fazer

cumprir os direitos fundamentais117 haja vista os mesmos serem normas jurídicas de

caráter principiológico (diferente do tudo ou nada das normas enquanto regras) o

Judiciário, no caso concreto, e realizando exegese calcada nos princípios

constitucionais, inclusive razoabilidade e proporcionalidade, deve determinar a

concretização dos direitos fundamentais haja vista serem de exigibilidade integral

em juízo.

Em suma, tal dispositivo, nas palavras de Flávia Piovesan: “investe os

poderes públicos na atribuição constitucional de promover as condições para que os

direitos e garantias fundamentais sejam reais e efetivos”.118

Cumpre ventilar, não obstante as abismais diferenças entre os direitos de 1ª e

2ª dimensões, que não se pode pretender a eficácia plena dos direitos de defesa

sem que haja respeito pelos direitos de 2ª dimensão – como dantes asseverado no

item 1.3 – vale o exemplo do direito fundamental por excelência, qual seja, a vida;

como pretender sua concretização simplesmente com a omissão do Estado? É

preciso uma política pública sanitária para respeitar e preservar a vida, logo, é

preciso verificar o pensamento de Vieira de Andrade quando, se referindo aos

direitos de defesa, defendeu que:

117 Não é outra a posição defendida em GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 312. 118 PIOVESAN, Flávia. Constituição e transformação social: a eficácia das normas constitucionais programáticas e a concretização dos direitos e garantias fundamentais. In: Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo nº 37, jun. 1992, p. 73.

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“O princípio da aplicabilidade directa vale como indicador de exeqüibilidade imediata das normas constitucionais, presumindo-se sua perfeição, isto é, a sua auto-suficiência baseada no caráter líquido e certo do seu conteúdo de sentido. Vão, pois, aqui, incluídos o dever dos juízes e dos demais operadores jurídicos de aplicarem os preceitos constitucionais e a autorização de para esse fim os concretizarem por via interpretativa”.119

Ingo Sarlet, parafraseando o supramencionado autor português, verifica:

“ainda que existam, na esfera dos direitos de defesa, normas vagas e abertas, estas podem ter seu conteúdo definido pelo recurso às regras hermenêuticas, não havendo, portanto, necessidade de remeter esta função para o legislador”120;

ora, havendo “normas vagas e abertas” de Direitos Fundamentais Sociais

Prestacionais não haveria também o mesmo dever dos juízes na exeqüibilidade

imediata? Este tema será aprofundado no capítulo 3 quando verificaremos os óbices

apontados para o controle judicial visando a efetividade dos direitos sociais

prestacionais.

Tais direitos têm aplicabilidade imediata como já asseverado e vincula os três

poderes do Estado, haja vista existirem verdadeiros direitos subjetivos a prestações

exercidos diretamente do texto constitucional e mesmo sem qualquer intervenção

legislativa, são direitos originários diretamente da Constituição. Ingo Sarlet assevera

que:

“mesmo estas normas (por mais programáticas que sejam) são dotadas de eficácia e, em certa medida, diretamente aplicáveis já ao nível da Constituição e independentemente de intermediação legislativa”.121

119 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. p. 256-7. Apud SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, p. 31. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO-SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002. 120 Ibidem. 121 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, p. 33. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO-SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002.

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Robert Alexy defende a tese do reconhecimento do direito subjetivo originário

a prestações concernente aos direitos sociais sempre quando se busca as

condições mínimas necessárias para a existência do ser humano; tal autor alemão

vislumbra tais direitos subjetivos sempre quando se apresentarem indispensáveis ao

princípio da liberdade fática e quando atingir o princípio da separação de poderes de

forma minimizada.122

Cumpre ventilar, na esteira da aplicabilidade imediata dos direitos

fundamentais sociais prestacionais – já devidamente fundamentada- que o

reconhecimento da existência de direitos subjetivos a prestações é condição

indispensável para uma existência digna de pessoa humana, portanto, plenamente

sindicável quando existirem óbices de natureza comissiva ou omissiva pelo poder

público à sua concretização.

A situação donde se vislumbra a recorribilidade ao Poder Judiciário para que

ele atue de maneira positiva ordenando a concretização do direito social ou

determinando de per si tal desiderato encontra consonância com o atingimento do

princípio da dignidade da pessoa humana, portanto, sempre que ao indivíduo for

negada uma existência com dignidade, poderá o mesmo ajuizar ação no sentido de

ter seus direitos fundamentais plenamente respeitados e efetivados.

Sarlet concorda com nossa assertiva quando assevera:

“não há como desconsiderar a natureza excepcional dos direitos fundamentais originários a prestações sob o aspecto de direitos subjetivos definitivos, isto é, dotados de plena vinculatividade e que implicam a possibilidade de impor ao Estado (e ao particular, quando for o destinatário), inclusive mediante recurso à via judicial, a realização de determinada prestação assegurada por norma de direito fundamental, sem que com isto se

122 Apud SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, p. 36. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO-SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002.

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esteja colocando em cheque a fundamentalidade formal e material dos direitos sociais de cunho prestacional”.123

Defendemos que na decidibilidade acerca dos direitos fundamentais sociais

prestacionais e sua conseqüente concretização pelo controle judicial, o órgão

judicante deverá utilizar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade,

realizando a ponderação de bens, haja vista o caráter principiológico de tais direitos,

portanto não sujeitos ao tudo ou nada.

A fundamentalidade material se verifica pela relevância do bem jurídico

tutelado pela ordem constitucional124 onde facilmente abstraímos o conteúdo

relevantíssimo dos direitos sociais; daí concluirmos que se trata de direitos

fundamentais e passível de toda proteção jurídica.

O supramencionado artigo seria um mandado de otimização cuja existência

exige e impõe aos órgãos estatais que confira aos direitos e garantias fundamentais

a maior eficácia e efetividade possível125.

Os direitos sociais, econômicos e culturais expressam os valores basilares do

Estado social e democrático de direito, logo, não podemos pôr em dúvida sua

qualidade de direitos fundamentais; inclusive segundo todas as regras

interpretativas, pois não se trata de lógica-jurídica, mas decorrente da consciência

social do sistema jurídico tomado em sua totalidade126.

123 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, p. 37-38. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO-SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002. 124 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição Federal de 1988. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_10/DIALOGO-JURIDICO-10-JANEIRO-2002-INGO-WOLFGANG-SARLET.pdf> Acesso em 12 de set. de 2003. 125 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1998, p. 245. 126 KRELL, Andreas. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da prestação dos serviços públicos básicos. In: Anuário dos cursos de pós-graduação em direito nº 10 – Recife: Universidade Federal de Pernambuco / CCJ/ João Maurício Adeodato (Coord.), Recife: editora universitária da UFPE, 2000, p. 39.

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Na lição de Fioranelli Júnior, combinando o princípio da aplicabilidade

imediata dos direitos fundamentais estabelecidos no artigo 5º, parágrafo 1º e o não

afastamento da tutela jurisdicional estatuído no mesmo artigo, inciso XXXV

poderíamos defender que a Constituição atual autoriza o Poder Judiciário criar a

norma faltante para efetividade dos direitos fundamentais sociais prestacionais, via a

garantia do mandado de injunção que deve ser utilizada sempre que a falta de

norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos constitucionalmente

estabelecidos, sobremaneira os direitos sociais.127 Acerca do tema Clève discorre

que: “o princípio da inafastabilidade da apreciação judicial obteve, com o novo pacto

fundamental, uma carga semântica reforçada”.128

Comungamos com as afirmações supramencionadas, pois mesmo que os

direitos fundamentais sociais se apresentem de modo programático, não podemos

negar-lhe eficácia e aplicabilidade podendo ser efetuada pelos órgãos jurisdicionais,

mesmo sem norma infraconstitucional (interpositio legislatoris) em situações

emergenciais como doravante aduziremos. As normas programáticas não

representam simples recomendações ou meros preceitos morais com eficácia ético-

política meramente diretiva, mas são direitos diretamente aplicáveis129.

Nesse sentido não entendemos os direitos sociais como integrantes de

promessas inócuas e expressões ilustrativas que adornam a lex mater, nem mesmo

como carta de boas intenções ou quimera intangível esposada no conceito aberto de

norma programática, mas se constitui de forma real em norma definidora de direito

fundamental e que possuem eficácia, pois poderão – e em alguns casos deverão

(Quando omissão executiva ou legislativa atingir o mínimo necessário à dignidade da

pessoa humana) serem concretizados pelo Poder Judiciário.

127 FIORANELLI JÚNIOR, Adelmo. Desenvolvimento e efetividade dos direitos sociais. In: Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo nº 41, jun. 1994, São Paulo, p. 127. 128 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Poder Judiciário: autonomia e justiça. In: Revista de Informação Legislativa nº117, Brasília, jan/mar. 1993, p. 294. 129 KRELL, Andreas. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da prestação dos serviços públicos básicos. In: Anuário dos cursos de pós-graduação em direito nº 10 – Recife: Universidade Federal de Pernambuco / CCJ/ João Maurício Adeodato (Coord.), editora universitária da UFPE, 2000, p. 28.

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Não admitir os direitos sociais como direitos fundamentais, bem como negar-

lhes auto-executoriedade seria suprimir do texto constitucional o que lhe é mais

caro, haja vista o Estado Social instituído, qual seja, o ideal de construir uma

sociedade livre, justa e solidária. Não se pode esvaziar o conteúdo dos direitos

fundamentais sob nenhum pretexto nem devem ser jogados ao sabor de decisões

políticas sem arrimo nos princípios constitucionais.

Defender a fundamentalidade dos direitos sociais prestacionais é esposar a

causa da transformação e justiça sociais, é empunhar a bandeira da igualdade

material e liberdade real, é buscar a plena satisfatividade dos anseios sociais e

formalmente insculpidos constitucionalmente para que possamos construir uma

democracia real e não meramente formal, esta atrelada aos tolhimentos perpetrados

pelo Estado Liberal. Paulo Lopo Saraiva entende que: “o direito social constitucional

é um direito fundamental, ínsito à pessoa humana, que, sem o exercício deste,

jamais poderá realizar seus mínimos objetivos”130.

Discutir direitos sociais prestacionais é verificar que o próprio Estado exige –

em seus concursos públicos – mesmo para as ocupações braçais, qualificação

profissional, certo grau de instrução escolar e conhecimentos de informática, embora

não crie as condições fáticas para o indivíduo lograr tais qualificações; diante de tal

desiderato é legítimo o povo exigir, via judiciário, o deferimento judicial que efetive

direito estabelecido na lex mater sem receber como resposta o chavão já superado

da impossibilidade de concretização pois tais direitos são contemplados em sede de

“normas programáticas” que serão paulatinamente concretizadas pelo legislador e

pelo executivo.

Ademais, vale lembrar que os direitos sociais foram estabelecidos no título II

da Carta Magna: dos direitos e garantias fundamentais e são compreendidos como

130 SARAIVA, Paulo Lopo. Garantia constitucional dos direitos sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 28.

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direito prestacional face ao Estado, podendo inclusive ser reclamadas tais

prestações, por possuírem auto-aplicabilidade; concordamos com J. J. Calmon de

Passos ao afirmar: “somente o direito aplicado é efetivamente direito”131.

2.3 A “RESERVA DO POSSÍVEL” NO DIREITO BRASILEIRO: EQUIVOCIDADES

NA APLICAÇÃO DE UM DIREITO MAL COMPARADO

“O status positivus socialis, ao contrário do status positivus libertatis, se afirma de acordo com a situação econômica conjuntural, isso é, sob a ‘reserva do possível’ ou na conformidade da autorização orçamentária”132.

A expressão “reserva do possível” figura como standard argumentativo

utilizado pelos doutrinadores que defendem a tese arrimada na seguinte

constatação: carecendo os direitos sociais de dispêndio financeiro por parte do

Estado, tal numerário encontra limite fático na própria existência de recursos

financeiros nos cofres do Estado; ora, nesse viés, os recursos são escassos e as

necessidades infinitas, levando em consideração tais variáveis, não seria possível

concretizar os direitos fundamentais sociais prestacionais de forma plena e imediata,

por isso a efetividade de tais direitos estariam sujeitos a uma “reserva do possível”,

nada podendo ser exigido a mais, pois adentraria no impossível.

Em obra multicitada, Canotilho assevera:

“os direitos sociais, pelo contrário, pressupõem grandes disponibilidades financeiras por parte do Estado. Por isso, rapidamente se aderiu à construção dogmática da reserva do possível para traduzir a idéia de que os direitos sociais só existem quando e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos”133;

131 PASSOS, J.J. Calmon de. A crise do Poder Judiciário e as reformas instrumentais: avanços e retrocessos. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº 4, julho 2001, p. 3. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_6/DIALOGO-JURIDICO-06-SETEMBRO-2001-CALMON-DE-PASSOS.pdf> Acesso em 05 de ago. de 2003. 132 TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. In: Revista de Direito administrativo nº 177, jul/set. de 1989, p. 41. 133 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, Coimbra: Almedina, 1997, p 471.

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É mister ventilarmos que qualquer teoria defendida necessita de adaptações

quando de sua aplicação em realidade diferente daquela donde fora originariamente

concebida; em outras palavras, devemos questionar a importação de teorias

jurídicas nascidas em países de primeiro mundo, cujas discrepâncias com nossa

realidade cultural, histórica, social e econômica não permite, a menos em trabalho

hermenêutico sério, aplicação nos mesmos moldes, sem observar as devidas

especificidades.

Tal teoria da “reserva do possível” fora importada de decisão do Tribunal

Constitucional Federal da Alemanha que decidiu sobre a não obrigatoriedade do

Estado oferecer vagas suficientes nas universidades públicas com o escopo de

contemplar todos aqueles que se propusessem a preenchê-las.134

Andreas Krell, discorre que tal teoria

“entende que a construção de direitos subjetivos à prestação material de serviços públicos pelo Estado está sujeita à condição da disponibilidade dos respectivos recursos. Ao mesmo tempo, a decisão sobre a disponibilidade dos mesmos estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e dos parlamentos, através da composição dos orçamentos públicos”.135

Ventilamos que esta tese ora em análise pode ser bem sucedida no direito

alemão, mas não no direito brasileiro. Devemos observar se a interpretação dessa

teoria deva ser idêntica e sem adaptações para o direito pátrio; realizando tal

trabalho, vislumbramos diferenças estratosféricas entre eles.

Parece concordar com nossa assertiva Ricardo Silveira Ribeiro ao defender:

“cumpre salientar que a aplicação dos limites da ´reserva do possível´ não deve ser sustentada, de todo, na realidade subdesenvolvida ou, ao menos, deve-se ter em conta que somente em casos excepcionais poder-se-ia alegar esta cláusula de exceção à concretização dos direitos fundamentais prestacionais”136.

134 BverfGE nº33, s. 333 Apud KRELL, Andreas. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 52. 135 Ibidem. 136 RIBEIRO, Ricardo Silveira. Omissões normativas. Rio de Janeiro: Impetus, 2003, p. 101.

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Tomemos por base as próprias palavras do Tribunal Constitucional Federal da

Alemanha ao afirmar que os direitos a prestações positivas “estão sujeitos à reserva

do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da

sociedade”137; será que a sociedade alemã possui as mesmas “esperanças” que a

sociedade brasileira? Importante notar que a discussão naquele país fora travada

sobre o objeto “vagas nas universidades públicas”, no Brasil discutimos – ainda –

direitos prestacionais básicos e indispensáveis à manutenção da própria vida

humana, enfrentamos problemas bem mais urgentes e basilares e com segurança

afirmamos que o indivíduo “de maneira racional” espera atitude positiva do Estado

no sentido de não deixá-los morrer de fome, ou pela falta de medicamentos, ou pela

carência de leitos hospitalares, exames urgentes que não podem ser realizados

tendo em vista equipamentos danificados, falta de uma política sanitária preventiva

de qualidade, pois no Brasil ainda constatamos milhares de vidas ceifadas por

doenças há muito tempo erradicadas nos países chamados de primeiro mundo como

a dengue, isso apenas para citar as dificuldades encontradas em um único direito

social prestacional, qual seja, a saúde, pois os limites físicos de uma dissertação

não seriam suficientes para elencarmos todas as carências primárias dos direitos

fundamentais sociais prestacionais no Brasil.

Nesse viés, como transferir a “reserva do possível” sem adaptações para o

direito brasileiro? Como equiparar na decidibilidade dos Tribunais a situação de um

indivíduo em busca da manutenção de sua vida e outro que deseja estudar

gratuitamente em universidade pública? Aliás, é preciso verificar o “possível”

ventilado pela administração pública como desculpa para não concretização dos

direitos fundamentais sociais prestacionais em um país com vultuosos recursos

dispendidos de modo equivocado, em situações não-urgentes e não-fundamentais

que deveriam ser transportados para a concretização dos direitos em análise.

137 BverfGE nº33, s. 333 Apud KRELL, Andreas. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 52.

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O luxo que reveste os três poderes com suntuosos prédios recobertos em

mármore e fino acabamento que em nada são inferiores às obras faraônicas do

Egito Antigo, bem como um sistema de regalias semelhantes à nobreza de outrora,

um sem número de assessores e mordomias, gastos inócuos e indevidos que

contrasta com o lixo imposto a mais ou menos 75 (setenta e cinco) milhões de

pessoas ou 47% (quarenta e sete por cento) de toda a população brasileira138 que

“não encontram um atendimento de mínima qualidade nos serviços públicos de

saúde, de assistência social, vivem em condições precárias de habitação, alimenta-

se mal ou passa fome”.139

E, finalmente, quando os direitos fundamentais sociais prestacionais não são

concretizados pelo limite imposto na “reserva do possível” defendida pelo poder

público, qual a instância de recorribilidade o indivíduo possui? Sem dúvida, o Poder

Judiciário; é interessante que, antevendo essa conclusão, haja vista decorrer da

própria leitura do texto constitucional, os defensores desta teoria do direito alemão

tentam afastar a competência do Judiciário da discussão acerca da implementação

de políticas sociais para cuja execução sejam necessários gastos públicos. Não

estariam legitimados – haja vista não terem sido votados pelo povo – para interferir

em questões de escolha que exijam dotação orçamentária; Krell discorre que países

periféricos na América Latina conseguiram que a saúde e a educação atendessem

as necessidades básicas da população e que o problema no Brasil reside no fato de

falta de vontade política e organização administrativa140, e defende a atuação dos

Tribunais para obrigar os entes federados (União, Estados, Municípios e Distrito

138 Patrick COLQUHOUN aceitava a pobreza que para ele era a situação de uma pessoa que por não ter nenhuma reserva econômica era impelido a trabalhar muito para viver, mas rechaçava a indigência que ele entendia como a falta do mínimo necessário para uma vida decente; nas palavras desse autor citado por BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 78: “Sem uma grande proporção de pobres não poderia haver ricos, já que os ricos são o produto do trabalho, ao passo que o trabalho pode resultar somente de um estado de pobreza... a pobreza, portanto, é um ingrediente indispensável e por demais necessário da sociedade, sem o qual nações e comunidades não poderiam existir num estado de civilização”. 139 KRELL, Andreas. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 17. 140 Ibidem, p. 56.

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Federal) a prestarem os serviços públicos necessários à efetividade de tais direitos.

Acerca do controle judicial aprofundaremos nos próximos capítulos.

2.4 PROBLEMÁTICA ATUAL ACERCA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

PRESTACIONAIS

“Der arme fühlt sich von allem ausgeschlossen und verhöhnt und es entsteht notwendig eine innere empörung”141.

Como dantes asseverado, os direitos fundamentais de 2ª dimensão surgem

com o advento do Estado Social ou Estado de bem-estar, havendo intervenção

deste na atividade econômica com o escopo de promover a igualdade material e

liberdade real aos indivíduos na vida social visando assegurar para os mesmos uma

vida com dignidade de pessoa humana, ou seja, um Estado comprometido com a

justiça social ao “colocar à disposição os meios materiais e implementar as

condições fáticas que possibilitem o efetivo exercício das liberdades

fundamentais”;142 entretanto, o contexto sócio-econômico atual enfrentado pelos

Estados sociais e democráticos de direito não se apresenta favorável para

efetividade dos direitos fundamentais sociais, notadamente àqueles prestacionais,

objeto do presente trabalho, haja vista o welfare state atravessar profunda crise que

atinge sobremaneira a efetividade ou eficácia social de tais direitos. Encontramos

alguns fenômenos que, invadindo a seara do Estado Social, desvirtua seu papel

constitucional afastando-o de seus objetivos e princípios estatuídos.

A “ameaça comunista” mantinha o bloco capitalista de sobreaviso e a

constante tensão entre ambos favorecia a classe trabalhadora que desde a

141 Georg Wilhelm Friedrich Hegel Apud KRELL, Andreas J. Controle judicial dos serviços públicos básicos na base dos direitos fundamentais sociais. In: A Constituição Concretizada: construindo pontes com o público e o privado (org.) Ingo Wolfgang Sarlet. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 25. 142 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, p. 15. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO-SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002.

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Revolução Russa de 1917 experimentara a evolução na proteção trabalhista e a

conquista de inúmeros direitos sociais prestacionais.143

Com a queda do regime comunista o capitalismo permanecera sem um

contraponto, sem adversário que possuísse ideologia capaz de lhe fazer frente. A

partir desse momento vivenciamos cada vez com mais freqüência termos como

globalização144, mundialização (são sinônimos, mas esse termo é mais utilizado

pelos europeus) e abertura de capitais, ensejando o fim das fronteiras entre os

Estados, e é importante frisar que tal abertura de fronteiras não se processa de

modo igualitário entre os Estados, pois os países mais desenvolvidos procuram a

todo custo resguardar seus mercados, consistindo em mais uma inverdade

internacional.

O fenômeno da globalização econômica trazida a reboque pelo neoliberalismo

fortalecido e revigorado após a derrocada do socialismo soviético possui filosofia

donde não existe nenhuma preocupação com a imensa gama de excluídos de uma

vida digna objetivando o enfraquecimento do Estado e seu conseqüente afastamento

do mister constitucional de assegurar e concretizar os direitos fundamentais

reconhecidos na Carta Magna gerando a não fruição desses direitos pelos

particulares145.

143 Confirma nossa afirmação MELLO, Celso Antônio Bandeira de. A democracia e suas dificuldades contemporâneas. In: Revista diálogo jurídico, Salvador, CAJ – centro de atualização jurídica, V. I, nº 4, julho, 2001, p. 19, disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_4/DIALOGO-JURIDICO-04-JULHO-2001-CELSO-ANTONIO.pdf>, p. 19 ao ventilar: “O Estado social de direito emerge, encerrando o ciclo do liberalismo, quando emerge o comunismo; tão logo fracassa o comunismo, renascem, de imediato, com vigor máximo as idéias liberais, agora ‘reautchutadas’ com o rótulo de ‘neo’, propondo liminarmente a eliminação ou sangramento das conquistas trabalhistas e direitos sociais, do mesmo passo em que revive o imperialismo pleno e incontestado, sob a designação aparentemente técnica de ‘globalização’. 144 NEVES, Marcelo. Justiça e diferença numa sociedade global complexa. In: Democracia hoje: novos desafios para a teoria democrática contemporânea, Brasília: Editora UnB, p. 359, destaca que no rótulo ‘globalização’ o mercado é festejado como critério último de justiça. 145 Segundo BORDIN, Luigi. Democracia e direito, a questão da cidadania na época da globalização. In: Revista Perspectiva Filosófica, vol. VIII, nº15, jan./jun. 2001, Recife: Editora universitária (UFPE), p.34: “Diante da homologação de todos à nova ordem mundial que nos integra num mercado em que a causa primeira e o fim último é só a produção de bens, quase todos os conceitos e categorias políticas estão esvaziando-se, perdendo substância: democracia, participação, representação, direitos sociais, etc.”

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A crise do Estado Social o transforma em um Estado reduzido cujas decisões

políticas não dependem apenas da vontade soberana no plano interno, mas da

análise conjuntural da macroeconomia em nível mundial, quando não há ordens

diretas de outros Estados soberanos determinando a política a ser realizada – e

quais as que devem ser preteridas – sob pena de não-ajuda financeira; concorda

com nossa assertiva Luigi Bordin quando compara o cenário político mundial com o

Monarca absoluto no antigo Império Romano ou do Antigo Regime no século

XVIII146, logo, a crise do Estado Social é sinônimo da crise do próprio Estado

nacional, da sociedade, da democracia e da cidadania.147 Como ventilado supra, o

Estado Social visa assegurar os direitos fundamentais na busca pela igualdade

material e liberdade real, mas se tal Estado encontra-se em crise, os efeitos de tal

situação afetam os direitos fundamentais, especialmente os de 2ª dimensão cuja

efetividade encontra-se intimamente vinculada aos objetivos do Estado-providência.

Fernando Scaff ventila que:

“No âmbito econômico a tônica é a intensificação do processo de globalização, fenômeno marcado pela quebra do paradigma socialista, fruto da falência (e da falácia) do socialismo real, que tornou o capitalismo um processo ideologicamente totalitário”.148

Atualmente vivenciamos a supressão de direitos escondida sob o manto de

termos como flexibilização149, este sempre que é empregado pretende explicar mais

uma diminuição nas conquistas concernentes aos direitos fundamentais,

especialmente os sociais (2ª dimensão), cujo caráter prestacional, e como tal sujeito

a gastos públicos para implementação, estão sempre na berlinda de explicações

transversas e confusas, denotando o novo perfil sócio-econômico mundial – o

146 Ibidem. 147 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, p. 6-7. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO-SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002. 148 SCAFF, Fernando Facury. O direito tributário das futuras gerações. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.) Tributação na Internet. São Paulo: RT, 2001, p. 402. 149 A “flexibilização” dos direitos sociais, pauta retórica sempre presente no pensamento e diálogo neoliberal o coloca em rota de colisão com o Estado Social, haja vista os objetivos serem bem diferentes.

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neoliberalismo, ressurgindo com avidez jamais vista e pronta para segregar ainda

mais os seres humanos em homens de 1ª, 2ª e 3ª classes, no que se convencionou

chamar de 1º e 3º mundo.

No fenômeno da globalização o Estado tem que ser competitivo para que seus

produtos possam circular em todo o mundo e com isso acarretar o fomento ao lucro

e o acúmulo de capitais; para tanto é preciso um Estado mínimo, que não interfira na

economia e que cumpra as diretrizes estabelecidas pelo mercado global. É o

mercado comandando os rumos dos Estados e subjugando corolários conquistados

ao longo do tempo, consistindo numa alopoiese em relação ao sistema jurídico e

político, ao lado do sistema capitalista buscando produção para o lucro e o re-

investimento, temos um Estado comprometido com uma justiça distributiva, que

privilegia as necessidades humanas. Mais uma vez recorremos ao magistério de

Luigi Bordin que assevera:

“com a globalização triunfalmente enfatizada depois da queda do muro de Berlim, não se realizou a difusão do bem-estar e dos direitos políticos e sociais, mas uma inédita concentração de poder sem controles democráticos, e uma marginalização de inteiras áreas geográficas, de países e de populações”150.

Eis então a seguinte aporia: constitucionalmente temos um Estado

preocupado em elevar sobremaneira os princípios dignificadores da pessoa humana;

assumindo caráter de prestador de serviços e assegurador dos direitos

fundamentais, se propôs a tornar a igualdade antes formal em real, para promover a

liberdade material do homem. Com isso estabelecemos vários direitos sociais a

serem paulatinamente realizados, tudo isso, pois tínhamos o escopo de com uma

“Constituição cidadã” pudéssemos enfim lograr um Estado onde prevalecesse a

justiça social; entretanto, constatamos que sua concretitude está comprometida, haja

vista a globalização, ensejando medidas diametralmente opostas ao Estado social e

em meio a essa aporia nos encontramos, pois a competição internacional restringe a

vocação para a justiça social desse modelo estatal. 150 BORDIN, Luigi. Democracia e direito, a questão da cidadania na época da globalização. In: Revista Perspectiva Filosófica, vol. VIII, nº15, jan./jun. 2001, Recife: Editora universitária (UFPE), p. 35.

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Os nefastos efeitos trazidos pela globalização econômica e do

neoliberalismo151, notadamente aqueles relacionados com o aumento da exclusão

social, opressão sócio-econômica somado ao enfraquecimento do Estado, têm

gerado a diminuição da capacidade do poder político de assegurar aos particulares a

efetiva fruição dos direitos fundamentais152.

Esse é o quadro que se descortina na atualidade e que enseja reflexão

quando tratamos dos direitos fundamentais sociais, pois assim entenderemos melhor

os motivos dos pífios e insuficientes investimentos na área social bem como a

morosidade com a qual são conduzidas implementações de políticas públicas

essenciais à realização material dos direitos sociais, propiciando subsídios para

desvendarmos o discurso sofista e anti-democrático dos neoliberais.

151 O neoliberalismo tolera o status negativus ou status libertatis dos direitos fundamentais, haja vista serem direitos de defesa frente ao Estado que os efetiva pela omissão, ou seja, não atentando contra a liberdade formal dos indivíduos, mas não admite o status positivus dos direitos sociais, haja vista a efetividade ou eficácia social de tais direitos estarem diretamente ligadas a uma atitude positiva do Estado no sentido de oferecer prestações para concretização dos direitos sociais mediante gastos públicos, planejamento e execução das políticas públicas necessárias. 152 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, p. 10. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO-SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002.

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CAPÍTULO 3

DIFICULDADES ELENCADAS PELA DOUTRINA À CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS PELO JUDICIÁRIO E

PRINCÍPIOS NORTEADORES DA DECISÃO JUDICIAL153

3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PROBLEMÁTICA PROPOSTA

“?quién es el intérprete para decir si una ley es racional? Si lo fueran todos los hombres, tendríamos una anarquía; si lo fueran los jueces, tendríamos una iurisprudentia desordenada y discorde. Entonces, precisamente porque la razón es artificial, es necesario llegar a la conclusión de que no es la sabiduría, sino la autoridad, la que crea la ley, ya que la hace eficaz; y por lo tanto consideramos racional la voluntad del soberano, el único hombre artificial que sabe hacerse obedecer siempre, y justo su mandato”154.

Se remontarmos o pensamento medieval, em brevíssima alusão, veremos que

só o rei, enquanto representante de Deus na terra, poderia dizer a justiça, mas, para

que fosse facilitado seu trabalho, o rei delegava essa função aos magistrados

submetidos a ele. Tal visão ensejou caloroso debate entre Sir Edward Coke e

Bacon, pois

“según Bacon, los jueces debían ser leones bajo el trono, y por lo tanto no podían obstaculizar ninguna función del soberano; mientras que para Coke los jueces eran los leones que debían custodiar, frente al rey, los derechos de los ciudadanos: para defender los derechos de los ingleses, a menudo negó los derechos del rey”155.

153 Temos conhecimento acerca da teoria de Friedrich Muller que trata da concretização da Constituição no plano da eficácia, sendo esta reconhecida por nós como importante contribuição à concretização constitucional, bem como de sua preocupação, qual seja, o surgimento de um casuísmo interpretativo pela refutação do padrão racionalista lógico-formal. Muller pretende evitar esse casuísmo para afastar a arbitrariedade nas decisões judiciais, entretanto, entende que a atividade do juiz é criativa seguindo um padrão de racionalidade com margem maior à liberdade. Entretanto, preferimos nessa dissertação não aprofundar a teoria de Muller, mas enfrentaremos a problemática da atuação judicial superando as dificuldades apresentadas pela doutrina. 154 MATTEUCCI, Nicola. Organización del poder y libertad: historia del constitucionalismo moderno. Editorial Trotta, p. 95. 155 Ibidem.

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Na era moderna o juiz era simplesmente a “boca da lei” em seu trabalho de

subsunção do fato à norma156. Urge verificar que na contemporaneidade antigas

concepções são cada vez mais afastadas pelos novos reclamos sociais; ora,

“concretizar o texto, introduzi-lo na realidade nacional, eis em verdade o desafio das

Constituições brasileiras, desde os primórdios da República”157; ora, a Constituição é

dotada de supremacia em relação a todo o ordenamento jurídico e baliza o conteúdo

das leis e dos atos administrativos, como bem observa Mauro Cappelletti: “Un atto

legislativo contrario alla costituzione non è legge”158, e por conseqüência, “con il

conseguente potere dei giudici di disapplicare le leggi incostituzionali”159,

acrescentamos também os atos da Administração pública quando ferirem os direitos

fundamentais.

Mauro Cappelletti, demonstrando o novo papel dos juízes discorre que os

mesmos devem: “hacer observar normas y derechos constitucionales vagamente

formulados y que a menudo requieren la intervención activa del Estado”160.

Na concretização dos direitos fundamentais sociais prestacionais pela atuação

direta do Poder Judiciário, vozes dissonantes exprimem diversas dificuldades para

tal desiderato161. Nesse diapasão, e a título de prévio posicionamento, defendemos

a imediata necessidade em concretizar todos os direitos fundamentais sociais

prestacionais exceto haja impossibilidade material, como, por exemplo, seria

156 Interessante é a conclusão de Willis Santiago Guerra Filho quando ventila: “Do Judiciário hoje, não é de se esperar uma posição subalterna frente a esses outros poderes, a quem caberia a produção normativa. O juiz não é de se limitar a ser apenas, como disse Montesquieu, la bouche de la loi, mas sim la bouche du droit, isto é, a boca não só da lei, mas do próprio direito”. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria processual da Constituição. São Paulo: Celso Bastos Editor/IBDC, 2000, p. 89. 157 BONAVIDES, Paulo.Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 381. 158 CAPPELLETTI, Mauro. Il controllo giudiziario di costituzionalità delle leggi nel diritto comparato. Milano: Dott. A Giuffrè Editore, 1968, p. 30. 159 Ibidem. 160 CAPPELLETTI, Mauro. Apuntes para uma fenomenologia de la justicia en el siglo XX. In: Revista de Processo, São Paulo: RT. 161 Conferir as obras de AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001; LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado social de direito. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça, (org.) José Eduardo Faria. São Paulo: Malheiros, 2002.

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impossível garantir o direito à saúde mediante procedimento cirúrgico de transplante

se o órgão a ser transplantado não existisse, ou seja, pela carência de órgãos para

transplante; ausente este óbice de natureza material, é indefensável tolher os

cidadãos dos efeitos positivos advindos da plena fruição dos referidos direitos em

discussão.

Nesse capítulo será ventilado o papel do Judiciário que, exercendo controle

sobre a administração pública, contribui efetivamente para consecução dos efeitos

concretos das normas em tela, bem como das dificuldades impostas pela doutrina

mais conservadora e até mesmo a falta de instrumentos jurídicos específicos para

lograr o desiderato da concretização.

É preciso afirmar que dentre as dificuldades apresentadas pela doutrina – e

não raro encetadas nas próprias decisões do STF – algumas são reais e necessitam

de elementos argumentativos superadores dos mesmos – o que nem sempre é

possível – entretanto, há pseudo-problemas postos pela doutrina no sentido de

limitar a atuação jurisdicional na concretização dos direitos fundamentais sociais

prestacionais, bem como no controle desse poder sobre os atos da administração

que não favoreçam esse mister, seja por ação danosa, seja por omissão.

Inicialmente é mister aludir que o bem-estar social é aspiração e postulado

fundamental encontrado em diversas Constituições do séc. XX, mas a despeito dos

direitos de inspiração liberal, os direitos sociais – embora acolhidos nos

ordenamentos constitucionais - não gozam de plena efetividade na prática jurídica

com uma tímida atuação do Poder Judiciário no sentido de concretização de tais

direitos, logo, nas palavras de Marcos Maselli com quem concordamos: “A

efetividade destes direitos ainda depende, quase completamente, da caprichosa

vontade dos governantes”162. Defendemos o controle judicial na concretização dos

162 GOUVÊA, Marcos Maselli. O controle judicial das omissões administrativas. Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 5.

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direitos em discussão como contraposição e defesa da sociedade contra os

“caprichos de vontade” da administração pública.

Paulo Bonavides afirma que: “cumprida toda uma trajetória de avanços sociais

das Constituições já não se reclamam direitos, mas garantias”163. Acerca do tema

Luciano Oliveira observa:

“se os direitos civis e políticos podem ser assim considerados porque podemos recorrer ao Judiciário caso eles sejam desrespeitados, manda pelo menos a coerência que nos indaguemos a respeito da possibilidade de utilização do mesmo Judiciário para a defesa dos direitos sociais e econômicos”164,

Entretanto, Ralph Dahrendorf sustenta:

“não acredito que existam coisas como direitos sociais e econômicos, acho que é um abuso da palavra ‘direito’ aplicá-la, por exemplo, ao trabalho, ou à igualdade. Direitos são coisas que você pode pleitear numa corte. Não se pode ir a uma corte de justiça e exigir renda mais alta. É uma idéia totalmente equivocada”165.

Ora, em momento oportuno ventilamos acerca da fundamentalidade dos

direitos sociais, o que agora nos interessa é a questão da sindicabilidade de tais

direitos como forma de concretização e neste viés Dahrendorf encontra-se realmente

equivocado. Pode existir pleito de direito social no Judiciário? Evidente que sim!

Quando analisarmos a jurisprudência acerca do tema teremos contato mais estreito

com questões práticas. O erro (primário) de Dahrendorf é comum na doutrina haja

vista o referido autor generalizar os direitos sociais como se todos eles estivessem

em um mesmo patamar de concretização; vimos que o catálogo de direitos sociais

não é homogêneo, então como generalizá-los? Há, evidentemente, maior dificuldade

em se concretizar o direito social à moradia por via judiciária, mas o que dizer da

163 BONAVIDES, Paulo.Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 382. 164 OLIVEIRA, Luciano. Os direitos sociais e econômicos como direitos humanos: problemas de efetivação. In: LYRA, Rubens Pinto (org.) Direitos Humanos: os desafios do Século XXI – uma abordagem interdisciplinar, Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 161-162. 165 Apud OLIVEIRA, Luciano. Os direitos sociais e econômicos como direitos humanos: problemas de efetivação. In: LYRA, Rubens Pinto (org.) Direitos Humanos: os desafios do Século XXI – uma abordagem interdisciplinar, Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 161.

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concretização do direito social à saúde e à educação donde se extrai na

jurisprudência paradigmáticos casos concretos que inclusive a posteriori deram

ensejo ao surgimento de leis dispondo sobre a matéria?166 Recorremos mais uma

vez ao pensamento de Luciano Oliveira que analisando a problemática de modo

extremamente feliz discorreu que: “eles não seriam igualmente passíveis de ser

submetidos a uma apreciação judiciária com iguais chances de sucesso. O que

significa dizer, na mão inversa, que alguns deles teriam essa chance”167.

Tal divergência supramencionada apenas principia o caloroso debate

doutrinário que pretendemos analisar neste capítulo cujo deslinde procurar-se-á

levantar a hipótese seguinte: quem e por quais meios vai realizar a concretização

dos direitos fundamentais sociais prestacionais? Em que sentido e em que medida

eles o seriam, quais os canais pelos quais eles poderiam ser efetivados, bem como

discorrendo acerca das dificuldades e de como superá-las.

166 Acerca da concretização do direito à saúde, o Judiciário prolatou diversas decisões favoráveis ao fornecimento de medicamentos a hipossuficientes, como se extrai das decisões do STJ no Resp nº97.912/RS, Rel. Min. Garcia Vieira, publicado no DJ em 09 de março de 1998; RMS nº11.183/PR, Rel. Min. José Delgado, publicado no DJ em 04 de setembro de 2000; AgReg no AI nº246.642/RS, Rel. Min. Garcia Vieira, publicado no DJ em 16 de novembro de 1999; AgReg no AI nº 253938/RS, Rel. Min. José Delgado, publicado no DJ em 28 de fevereiro de 2000; Resp nº 57.613-0/RS, Rel. Min. Américo Luz, publicado no DJ em 14 de agosto de 1995; Resp nº 57.857/RS; Resp nº249.026/PR, Rel. Min. José Delgado, publicado no DJ em 26 de junho de 2000. No STF: AI nº238.328/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; AgReg no RE nº257.109-1/RS, Rel. Min. Maurício Corrêa, publicado no DJ em 07 de dezembro de 2000; RE nº242.859-3/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão, publicado no DJ em 17 de setembro de 1999; RE nº 273.834-4/RS, Rel. Min. Celso de Mello, publicado no DJ em 02.02.2001; RE nº 271.286-8, Rel. Min. Celso de Mello, publicado no DJ em 24.11.2000; RE nº 279.519-4, Rel. Min. Nelson Jobim, publicado no DJ em 23.02.2001; RE nº 195.192-3, Rel. Min. Marco Aurélio, publicado no DJ em 31.03.2000. No TJSP no AI nº22.239-5, 8ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Felipe Ferreira, publicado em 18 de dezembro de 1996. Em sentido contrário temos o Resp nº57.614-9/RS, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, publicado no DJ em 01 de julho de 1996; RE nº 83.800/RS, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, julgado em 21 de setembro de 1999, apenas para citar algumas. 167 OLIVEIRA, Luciano. Os direitos sociais e econômicos como direitos humanos: problemas de efetivação. In: LYRA, Rubens Pinto (org.) Direitos Humanos: os desafios do Século XXI – uma abordagem interdisciplinar, Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 162.

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3.2 O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES COMO ÓBICE FUNCIONAL AO JUDICIÁRIO: FALTA DE LEGITIMIDADE DO ÓRGÃO JUDICANTE PARA EQUACIONAR QUESTÕES DE NATUREZA POLÍTICA.

“Toute société dans laquelle la garantie des droits n’est pás assurée, ni la separation dês pouvoirs déterminée, n’a poit de constitution”168.

É importante inicialmente fazermos um pouco de história. A clássica teoria da

separação dos poderes do Estado169 encontra gênese na Grécia Antiga

especialmente na obra “Política” de Aristóteles donde o mesmo dividia o poder

político em três grandes categorias; na lição de Pinto Ferreira “fala coerentemente

da distinção entre o boulevòmenon perí ton koinon, ou conselho relativo aos

problemas gerais da polis, os arkai ou magistrados e a dikázon ou atividade

judicial”170. O mesmo mestre pernambucano discorre que na Roma Antiga a doutrina

é revivida por Políbio171.

Na Inglaterra do final da Idade Média, instituindo seu protetorado, Cromwell

admite a separação dos poderes Legislativo e Executivo172.

Na modernidade foi fruto do pensamento inicialmente tecido por John

Locke173, Bolingbroke e Monstesquieu174, este último o formulou como hoje o

conhecemos175 afirmando que: “em todo o Estado há três espécies de poderes: o

168 Artigo 16 da Constituição Francesa de 1848 Apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 555. 169 A qual apresenta-se de forma tripartite para realização dos objetivos da sociedade estatuídas na Constituição, vislumbra os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário donde cada qual possui uma função típica para qual fora concebido. 170 FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 87. 171 Ibidem. 172 Cf. QUEIROZ FILHO, Gilvan Correia de. O controle judicial de atos do Poder Legislativo: atos políticos e interna corporis. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. 173 Na obra intitulada ‘Segundo tratado do governo civil”. 174 Embora Montesquieu afirmasse ser o Juiz a “boca da lei” defendia seu afastamento do controle das políticas públicas da Administração a menos que ferisse direitos individuais; ora, não é outro o pensamento esposado pelo constitucionalismo liberal. 175 MONTESQUIEU. Do espírito das leis, v. 1. São Paulo: Nova Cultural (Os Pensadores), 1997, p.200. Afirmara que “Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes”.

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poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes

e o poder executivo daqueles que dependem do direito civil”176 e que fora

recepcionada sob os auspícios do constitucionalismo liberal como instrumento de

autolimitação do Estado177 (séc. XVIII); é passível de sérias críticas acerca de sua

aplicabilidade na realidade jurídica introduzida pelo constitucionalismo das

Constituições sociais (séc. XX), especialmente no que tange às funções do Poder

Judiciário nessa conjuntura na busca pela concretização dos direitos fundamentais

sociais prestacionais.

É preciso rever essa teoria com o escopo de adequá-la para a realidade atual,

pois, naturalmente por sua vetustez existiram desgastes; nas palavras de Luís

Roberto Barroso: “ao longo de seu ciclo evolutivo, que ora se encaminha, quando

não para a decadência, ao menos para uma ampla reformulação”178.

Vale ressaltar que os poderes do Estado não exercem apenas funções

típicas, mas também atípicas, logo, nunca houve separação absoluta dos poderes

estatais, nem mesmo na concepção da teoria por Montesquieu179, como bem

observa Canotilho na esteira do pensamento de Eisenmann180. O próprio

Montesquieu em frase de grande relevância histórica afirmara que os órgãos estatais

deveriam controlar-se reciprocamente (“Le pouvoir arrête le pouvoir”). Entre nós, Ivo

Dantas, analisando o constitucionalismo dos dias atuais (contemporâneo) vislumbra

a teoria em tela de forma “flexibilizada” ao se manifestar como uma “interpenetração

176 No original (“De L’esprit des lois”): “Il y a dans chaque état trois sortes dês pouvoirs: la puissance législative, la puissance exécutrice des chose qui dépendent du droit des gens, et la puissance judiciaire, de celles qui dependent du droit civil”. 177 Tal princípio fora incluído de forma destacada no art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 como princípio fundamental da organização política liberal. 178 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. São Paulo: Renovar, 2002, p. 124. 179 Não é outra a visão de MATTEUCCI, Nicola. Organización del poder y libertad. Editorial Trotta, p. 231 quando discorre que “en efecto, Montesquieu, siguiendo a Bolingbroke, no insiste tanto en una clara separación entre el legislativo, el ejecutivo y el judicial, sino en la distribución del poder legislativo, que representa la voluntad general del Estado, entre el rey y las dos cámaras, de manera que la distinción de poderes no coincide con la de los órganos”. 180 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina,1997, p. 115.

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de funções”181; Agra, concordando com o dantes ventilado leciona que não há

identificação da teoria como fora inicialmente concebida com a realidade atual e

expõe que o grande mérito do pensamento de Montesquieu foi ter sido o marco

precípuo para a evolução da repartição de poderes182. Celso Ribeiro Bastos afirma

que:

“o esquema inicial rígido, pelo qual uma dada função corresponderia a um único respectivo órgão, foi substituído por outro onde cada poder, de certa forma, exercita as três funções jurídicas do Estado: uma de caráter prevalente e as outras duas a título excepcional ou sem caráter subsidiário daquele”183. Machado filia-se à corrente doutrinária ora ventilada e em breve análise conclui que “enquanto no passado a palavra de ordem para conter o absolutismo era separação, buscam-se, hoje, a coordenação e a harmonização como garantia da estabilidade política”184.

Os doutrinadores contrários à efetiva atuação do Judiciário na concretização

dos referidos direitos invocam a teoria em discussão para justificar a falta de

competência do órgão judicante nas questões políticas, entretanto, as novas funções

do Judiciário introduzidas pela CF/88 minimizam a incidência rígida e inflexível que

poderia ser suscitada pela clássica teoria da separação dos poderes, haja vista a

introdução de diversas prerrogativas políticas atribuídas ao Judiciário; logo, tal

teoria, como fora concebida, não encontra sustentação teórica na atualidade; nesse

diapasão, o Judiciário assume novo papel no Estado contemporâneo, como

assevera José Carlos Vasconcelos dos Reis: “consolida-se, ainda, um sentimento

constitucional no Brasil, com a recepção, pelo povo em geral, de que o Judiciário é

um importante veículo para a efetivação dos direitos fundamentais”185, entretanto, na

análise de José Eduardo Faria chega-se a uma triste realidade:

181 DANTAS, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. Curitiba: Juruá, 2002, p. 501. 182 AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. São Paulo: RT, 2002, p. 129. 183 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 301. 184 MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Mandado de injunção: um instrumento de efetividade da constituição. São Paulo: Atlas, 1999, p. 121. 185 REIS, José Carlos Vasconcelos dos. As normas constitucionais programáticas e o controle do Estado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 242. Ainda nesse viés, é importante a contribuição teórica do autor supracitado visto que suas palavras que ora transcrevemos traduzem com fidelidade a tese que defendemos acerca do novo papel do Judiciário na concretização dos direitos fundamentais sociais prestacionais: “à primeira vista pode parecer que uma atuação mais intensa do judiciário no que diz respeito à realização e efetividade das normas constitucionais programáticas o levaria, fatalmente, a invadir atribuições típicas do Executivo e do Legislativo, ferindo um dos princípios essenciais do Estado Democrático de Direito: a separação de poderes. Essa idéia, no entanto, não corresponde à

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“O que se tem visto, porém, é que o Judiciário assumiu uma postura relativamente contemporizadora diante do advento dos direitos sociais. Invocando a independência dos poderes na melhor tradição da democracia liberal clássica e esquecendo-se de que também é parte fundamental do Estado”186.

Gisele Cittadino expõe que:

“não há dúvidas de que a função de guardião da Constituição remete necessariamente ao caráter político que assume o Supremo Tribunal Federal no novo texto constitucional. Afinal, a função de declarar o sentido e o alcance das regras jurídicas, especialmente na função jurisdicional de tutela da Constituição, traduz uma ação política ou, pelo menos, uma ação de inexorável repercussão política”187.

Realmente, o constitucionalismo liberal imputa uma função meramente

técnico-jurídica ao Judiciário e o afasta das questões políticas; nesse viés, tal órgão

seria limitado a mero aplicador da lei ao caso concreto apresentado de subsunção

do fato à norma seja equacionando conflitos entre os indivíduos entre si ou entre

esses e o Estado. Discorrendo acerca da nova função do Judiciário, Clève

questiona: “se o direito dependia, na sociedade liberal, basicamente do legislador,

hoje, na sociedade técnica, e de massas, não sobrevive, não se aperfeiçoa, não

evolui nem se realiza sem o juiz. Terá, todavia, o juiz consciência disso?”188.

O Estado Social no qual estamos inseridos por força da CF/88 exige,

entretanto, atuação positiva e política do Judiciário em várias situações concretas

devidamente previstas no texto constitucional, quais sejam os casos onde se faz

necessária decisão judicial para assegurar a supremacia da Constituição sobre a

realidade. O aprofundamento do controle de constitucionalidade material dos atos do Estado pelo Judiciário, quando realizado dentro dos limites que lhe são próprios, não afronta nenhum aspecto do princípio da separação de poderes; antes, pelo contrário, é perfeitamente condizente com o seu significado no Estado contemporâneo”, ibidem, p. 233. 186 FARIA, José Eduardo. O Judiciário e os direitos humanos e sociais: notas para uma avaliação da justiça brasileira. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça, (org.) José Eduardo Faria. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 109. 187 CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 62. 188 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Poder Judiciário: autonomia e justiça. In: Revista de Informação Legislativa nº117, Brasília, jan./mar. 1993, p. 304.

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legislação infraconstitucional quando ocorrerem incongruências entre elas; ademais

há possibilidade do controle pelo Judiciário da constitucionalidade das leis em tese,

independentemente de litígio em concreto donde a decisão gera efeitos erga

omnes189; não obstante, ventilamos inovações constitucionais na CF/88 dotando o

Judiciário de caráter político como a supramencionada declaração da

inconstitucionalidade da lei em tese, a inconstitucionalidade por omissão e o

mandado de injunção, os dois últimos com forte importância para a concretização

dos direitos fundamentais sociais prestacionais pelo controle e atuação judicial.

Nas palavras de Lênio Streck o mandado de injunção é “delegação expressa

do legislador constituinte ao órgão aplicador da lei, para que este, na falta de norma

regulamentadora de um direito, edite a referida norma, para o caso sub judice”190.

Ademais, a idéia de controle, fiscalização e coordenação entre os poderes do Estado

é topos principal do princípio da separação de poderes na contemporaneidade191.

Clèmerson Clève discorre que: “o juiz participa, ainda que procure negá-lo,

ativamente, do processo de formação e eterna reconstrução da ordem jurídica. Logo,

possui vontade; não constitui um autômato, escravo da técnica surrealista e

mentirosa do silogismo”.192 Ademais quando o magistrado decide exercita um poder

que é tão político quanto aquele exercido pelo legislador ou pelo administrador da

res pública193.

Como se verifica pela análise da teoria da separação dos poderes esta é

ultrapassada, pois

189 DOBROWOLSKI, Sílvio. Novas funções e estrutura do Poder Judiciário na Constituição de 1988: uma introdução. In: Revista de Informação Legislativa nº108, Brasília, out/dez. 1990, p. 68. 190 STRECK, Lênio Luiz. O mandado de injunção no direito brasileiro. Rio de janeiro: Edições trabalhistas, 1991, p.68. 191 REIS, José Carlos Vasconcelos dos. As normas constitucionais programáticas e o controle do Estado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 243. 192 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Poder Judiciário: autonomia e justiça. In: Revista de Informação Legislativa nº117, Brasília, jan/mar. 1993, p. 301. 193 PEREZ, Marcos Augusto. O papel do Poder Judiciário na efetividade dos direitos fundamentais. In: Revista dos Tribunais – Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, ano 1, nº 3, abr/jun. de 1993, p. 244.

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“No Estado contemporâneo, que não é mero garante da liberdade, mas tem por atribuição concretizar a justiça social, busca-se reorientar as tarefas dos poderes, em ordem a obter sua atuação concreta, para melhor aproximação das metas ligadas à consecução do maior bem-estar dos cidadãos. Como esses objetivos estatais vêm delineados na Constituição, a busca de sua efetiva realização é assunto de responsabilidade de cada um dos poderes, embora o específico caráter político”.194

Concordamos com a lição de Celso Antônio Bandeira de Melo ao ventilar que

haverá indevida intromissão judicial na discricionariedade administrativa quando o

juiz, ante um critério dotado de admissibilidade e razoabilidade eleito pelo

administrador, impuser critério pessoal; na dicção do eminente jurista, a intromissão

judicial será devida (e deveras indispensável) quando a opção do administrador

houver sido absurda, sem correspondência lógica, desarrazoada e imprópria que

prejudique a finalidade legal.195 Acrescentamos que a omissão do administrador

quando manifestamente violadora de direitos fundamentais deve ser sanada pela

tutela jurisdicional, seja anotando prazo para cumprimento, seja determinando de

per si a providência a ser adotada com o escopo precípuo de concretizar o direito

fundamental maculado pela inércia do Executivo.

Igualmente quando se fizer necessário o Judiciário colmatar o hiato legislativo

entre a norma constitucional e a plena fruição dos direitos fundamentais sociais

prestacionais este não deve se furtar em fazê-lo sob a alegação de respeito à

separação de poderes haja vista a inexistência de tal óbice como constatamos

algures. Andreas Krell discorre:

“Parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da separação dos poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais”196.

194 DOBROWOLSKI, Sílvio. Novas funções e estrutura do Poder Judiciário na Constituição de 1988: uma introdução. In: Revista de Informação Legislativa nº108, Brasília, out/dez. 1990, p. 69. 195 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Controle judicial dos atos administrativos. In: Revista de Direito Público nº 65, jan/mar. 1983, São Paulo, p. 37. 196 KRELL, Andreas. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 22.

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Nessa mesma linha de pensamento, Machado discorre que:

”Não vislumbramos nenhum óbice em, atipicamente, o Poder Constituinte Originário conceder atribuição ao Poder Judiciário para, supletivamente, no caso concreto, ‘criar’ a norma regulamentadora individual e possibilitar a fruição do direito por parte do interessado”197.

Não é demais ressaltar que agindo dessa forma o Judiciário não substitui o

legislador haja vista não se tratar de norma geral e abstrata (stricto sensu), logo,

suscitar tal teoria para afastar o Judiciário de seu mister é apresentar à comunidade

acadêmica e também à sociedade um falso problema.

É preciso ventilar ainda a crítica de parte da doutrina que defende a ineficácia

dos direitos fundamentais sociais prestacionais pela presença de conceitos

indeterminados e objetos enunciados de forma ampla que pela ausência de

parâmetros condutores para sua efetividade os afastariam da plena sindicabilidade

pela carência de auto-aplicabilidade, sendo considerados normas programáticas;

não é outra a lição de Jorge Miranda198. Sarlet expõe:

“Os direitos sociais prestacionais habitualmente necessitam – assim sustenta boa parte da doutrina – de uma concretização legislativa, dependendo, além disso, das circunstâncias de natureza social e econômica, razão pala qual tendem a ser positivadas de forma vaga e aberta, deixando para o legislador indispensável liberdade de conformação na sua atividade concretizadora”199.

Nesse viés, quando a Constituição estabelece, por exemplo, o direito à

moradia (art. 6º) não especifica os beneficiários, como ele será exercido, as

dimensões da casa, se o direito a moradia será em casa própria ou com subsídios

para locação (uma possível “bolsa-locação”), se todos independentemente de sua

condição social seriam atendidos, se a moradia se refere ao indivíduo (cada pessoa

197 MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Mandado de injunção: um instrumento de efetividade da Constituição. São Paulo: Atlas, 1999, p. 122. 198 Conferir: MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Vol IV, Coimbra: Coimbra, 1993. p. 105. 199 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO-SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002, p. 24.

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teria direito a uma) ou à família, se a variação do número de membros da família

influenciaria no tamanho da casa ou no valor do subsídio, quais os critérios para

uma provável lista de espera, etc; ainda exemplificando, o direito à saúde como seria

implementado? O mesmo não estabelece parâmetros precisos para sua

concretização, a Carta Magna não dispõe se tal direito confere ao indivíduo ações

preventivas ou curativas e qual a extensão dessa proteção, bem como se o Estado

deve assegurar o máximo ou o mínimo necessário em assistência sanitária200 e

ainda se tais medidas, pela sua gratuidade, alcançariam a todos ou apenas os

hipossuficientes201202; da mesma forma todos os outros direitos sociais constantes

no art. 6º da Carta Magna careceriam, portanto, de densidade normativa para serem

considerados auto-aplicáveis e plenos para serem exigidos judicialmente; ademais,

quando a norma constitucional carecer de integração tal tarefa afigura-se

eminentemente política e, portanto, de competência daqueles legitimados pelo voto

popular.

Nas palavras de Böckenförde seria primeiramente o legislador legitimado

democraticamente de modo direto e em segundo lugar à administração203. O

Judiciário estaria afastado de tal mister por não possuir legitimidade e não poder

fazer as vezes de legislador. Böckenförde nos adverte que a generalidade contida

nos direitos fundamentais sociais prestacionais é tão latente que não poderiam ser

deduzidas em pretensões jurídicas concretizadas por via interpretativa204.

200 Não é demais ventilar que a falta de determinação jurídica acerca da abrangência desse direito resulta em decisões discrepantes acerca do mesmo fato como se verifica no agravo de instrumento nº97.000511-3, Rel. Des. Sérgio Paladino, julgado no TJSC ao condenar o Estado, em sede de liminar inaudita altera parte, ao pagamento de tratamento nos EUA de vítima de distrofia muscular progressiva de Duchenne no importe de cento e sessenta e três mil dólares; em fato semelhante, entretanto julgado pelo TJSP o direito ao custeio do tratamento fora negado. 201 GOUVÊA, Marcos Maselli. O controle judicial das omissões administrativas. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 17. 202 Vale ressaltar que algumas decisões do STJ e STF obrigaram o Poder Público a fornecer medicamentos aos autores das ações pelo fato dos mesmos serem carentes. Vide no STJ o RMS nº 11.183/PR, Rel. Min. José Delgado e no STF o AI nº238.328/RS, Rel. Min. Marco Aurélio. 203 BÖCKENFÖRDE, Ernst Wolfgang. Los derechos fundamentales sociales en la estructura de la Constitución. In: Escritos sobre derechos fundamentales (trad.) Juan Luis Requejo Pagés. Baden-Baden: Nomos, 1993, p. 77. 204 Ibidem.

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Não comungamos com o pensamento de Böckenförde haja vista a

interpenetração entre as funções dos três poderes já devidamente ventiladas, e

segundo dispõe Germana Moraes: “o que se pretende, no Estado de direito, é evitar

que as condutas dos agentes públicos, sejam do Executivo, do Legislativo ou do

Judiciário, causem lesão ou ameaça a direito”205, acrescentaríamos nessa dicção ao

lado das “condutas”, ou seja denotando ato comissivo do Estado, também a “não

conduta” ou a omissão inconstitucional que avilta e não concretiza os direitos em

tela.

Marcos Maselli cita o argumento clássico de Hamilton “segundo o qual o

magistrado, ao controlar a atuação dos demais poderes, está fazendo com que

prevaleça não a sua vontade pessoal, mas sim a vontade do povo corporificada na

Constituição”206; logo, a alegação de ordem político-funcional no qual cada Poder

possui esfera específica de atuação que deve ser seguida rigidamente para um

melhor rendimento, afastando o Judiciário de prerrogativas políticas, aliada a

afirmativa de que o Judiciário não possui aparato técnico para equacionar questões

policêntricas que envolvem atuação macropolítica não deve subsistir haja vista

serem pseudoproblemas aventados apenas com o escopo de subjugar e “engessar”

o Judiciário; ventilamos algures acerca do problema da inexistência de função única

e rígida entre os poderes e no caso do aparato técnico não há da mesma forma

problema haja vista o Judiciário poder recorrer ao auxílio de experts (peritos), esses

velhos conhecidos da prática forense sempre que falta ao julgador conhecimento

técnico específico em determinada área para solucionar a controvérsia e concretizar

os direitos.

205MORAES, Germana. Controle jurisdicional da administração pública. São Paulo: Dialética, 1999, p. 104. 206 GOUVÊA, Marcos Maselli. O controle judicial das omissões administrativas. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 21-22.

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Marcos Maselli discorre que:

”A norma definidora de direito prestacional, a não ser que especifique minuciosamente a medida a ser adotada para atingimento daquele direito, faculta à Administração uma gama de procedimentos aptos a assegurá-los, um ‘campo de ação’ dentro do qual se move a discricionariedade do agente público. A extrema difusão deste campo de ação, para a corrente que se opõe aos direitos prestacionais, desaconselha a imposição judicial de prestações positivas, já que o magistrado teria de eleger, a partir de um juízo político que não lhe é próprio, a ação a ser implementada”207.

Entretanto, como observa Canotilho: “o legislador não tem absoluta liberdade de

conformação, antes tem de mover-se dentro do enquadramento constitucional”208.

Portanto, pelo supracitado, há argumentos defendendo que decisões políticas

devem ser prolatadas pelos órgãos eleitos diretamente pelo voto popular como os

poderes Legislativo e Executivo, pois seriam os representantes diretos do povo em

oposição ao Judiciário que, no caso brasileiro, são escolhidos por licitação na

espécie de concurso público, portanto, sem a mínima representação popular. Se

porventura fizéssemos uma leitura superficial daquilo que fora supracitado

poderíamos incorrer em erro, entretanto, os argumentos contrários a uma atuação

jurídico-política do Judiciário pela afirmativa da falta de legitimidade encontram-se

eivados de incongruências, imperfeições e equivocidades.

Não há dúvidas que quando existirem conceitos vagos e abertos cujas

interpretações sejam polissêmicas ou necessitem de juízo político apriorístico, tal

mister repousa na competência do Legislativo e Executivo, entretanto, a

problemática não pode ser resolvida de forma tão simplória, pois apresenta outros

desdobramentos.

O controle judicial é multifacetado, pois não obstante o incontestável mister

em verificar a legalidade do ato integrador da norma constitucional que apresenta

207 Ibidem, p. 18. 208 In: Canotilho e a Constituição dirigente. (org.) Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 15.

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objeto amplo, ainda pode dentro de suas atribuições verificar se tal ato atende ou

fere o direito posto na Carta Magna; existindo, por exemplo, política habitacional,

deve o judiciário verificar se há aviltamento ao direito à moradia ou sua fiel

promoção; quando da omissão do legislador ou administrador em promover tal

política, estará o Judiciário legitimado a exercer seu mister e colmatar a lacuna

faltante209.

Vale ressaltar que os representantes eleitos não exercem a função política de

forma direta, nem no Executivo, haja vista a extensa e complexa cadeia formada por

acessores de vários escalões, agências e toda sorte de aparato administrativo que,

estudando as questões, levam ao chefe do Executivo para que ele simplesmente

corrobore; nem no Legislativo donde não raramente as decisões são tomadas pelas

cúpulas dos partidos orientados igualmente por experts no assunto; logo, o problema

de falta de legitimidade do Judiciário pela carência de eleição pelo voto popular não

subsiste, sendo também um pseudoproblema.

Acerca do tema, Marcos Maselli corrobora com o supramencionado e de

forma emblemática ventila que

“A investidura popular não outorga ao Legislativo e ao Executivo uma legitimidade maior do que a do Judiciário. Instituições democráticas não se caracterizam necessariamente pelo provimento por eleição. Ao passo em que diversas ditaduras ao longo da história foram instauradas por sufrágio, muitos outros critérios vêm sendo propostos para qualificar um regime de democrático: o respeito pelos direitos individuais, o respeito à lei, a promoção de oportunidades de expressão e participação popular. A legitimidade por investidura é um mito que a história da civilização ocidental refutou diversas vezes. Hitler foi eleito, e nem por isso pode-se dizer que seu governo foi democrático”210;

No mesmo sentido Campilongo discorre que: “os grupos sociais têm percebido

o Judiciário como um ‘locus’ essencial da afirmação desses direitos e superação

desse déficit. Trata-se, evidentemente, de uma sinalização do cidadão no sentido da

209 O óbice posto pela doutrina acerca de uma “reserva do possível” fora devidamente afastada na fundamentação constante no capítulo 2, item 2.3 dessa dissertação. 210 GOUVÊA, Marcos Maselli. O controle judicial das omissões administrativas. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 194.

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legitimação da magistratura”211. O Judiciário, em suas decisões, não estará livre

para decidir sem nenhum parâmetro legal, mas deve ser orientado pelos princípios

fundamentais e pelos valores contidos na Constituição. Clève orienta que “Justiça e

racionalidade; aqui se encontram os fatores legitimadores da atuação jurisdicional do

Estado democrático de direito”212, mais adiante explicita que “a justiça da decisão

judicial é a justiça deduzida de um texto constitucional que procura privilegiar a

dignidade de pessoa humana”213.

Logo, o Judiciário não se encontra tolhido em concretizar os direitos

fundamentais sociais prestacionais sob o argumento de afronta a separação de

poderes, nem é possível afastar o Órgão Judicante de decisões de conteúdo político,

haja vista esse ser também de sua competência e por fim, existindo conceitos

indeterminados, fluidos ou enunciados de forma ampla, o Judiciário estará

igualmente legitimado, pois a interpretação e conseqüentemente materialização da

norma é mister precípuo desse Poder. 3.3 O ARGUMENTO DA INEXISTÊNCIA DO CONTROLE JUDICIAL SOBRE A

DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA.

“Los órganos llamados a ejercitar el control de constitucionalidad de una ley son siempre políticos y no judiciales; y por tanto se quita al ciudadano cualquier derecho de iniciativa a través de procedimientos legales, como sucedía en América. Esto corresponde a la lógica del pensamiento democrático francés, que no puede aceptar un poder judicial como freno del poder legislativo, y, temiendo un ‘gobierno de jueces’, lo quiere subordinado, aun a costa de dejar en letra muerta los derechos del hombre y el ciudadano, que están proclamados en todas las constituciones menos en la última”214.

211 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Os desafios do Judiciário: um enquadramento teórico. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça, (org.) José Eduardo Faria. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 32. 212 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Poder Judiciário: autonomia e justiça. In: Revista de Informação Legislativa nº117, Brasília, jan/mar. 1993, p. 300. 213 Ibidem, p. 301. 214 MATTEUCCI, Nicola. Organización del poder y libertad. Editorial Trotta, p. 247.

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Eis que surge a questão sobre o alcance do controle jurisdicional, ou seja,

possui o Judiciário legitimidade e competência para adentrar na análise do mérito

administrativo e fornecer solução para questões políticas?

Germana Moraes, citando João Caupers, sustenta que existe controle judicial

sobre a discricionariedade, mas não sobre o mérito da decisão administrativa215;

traçando diferenças entre os dois termos216, a supracitada autora leciona que:

“O mérito pressupõe o exercício da discricionariedade, sem, no entanto, com ela confundir-se, embora constitua seu núcleo, por ser a lídima expressão da autonomia administrativa, insuscetível, quer de pré-fixação pelos elaboradores da norma jurídica, quer de fiscalização pelo Poder Judiciário”217;

A autora em discussão ainda ventila que “o juiz não pode imiscuir-se no mérito

do ato administrativo”218.

Ora, não é outro o entendimento dos Tribunais Superiores, haja vista

reiteradas decisões nesse sentido. Observemos, por oportuno, como o STJ e o STF,

à luz de decisões prolatadas em casos concretos, interpretam a questão pertinente

ao controle do mérito administrativo. Tal enfoque é imprescindível haja vista a

omissão desses tribunais no que tange o controle da conveniência e oportunidade,

tantas vezes invocados para encobrir o vilipêndio aos direitos fundamentais, seja

pela omissão, seja por norma ou ato lesivo aos mesmos.

À guisa de informação, Germana Moraes afirma que: “O STF sempre se

orientou precisamente no sentido da insindicabilidade judicial do mérito

215 MORAES, Germana. Controle jurisdicional da administração pública. São Paulo: Dialética, 1999, p. 43. 216 Vale salientar que não adentraremos profundamente na distinção, controversa na doutrina, entre discricionariedade e mérito administrativo, utilizaremos o termo “mérito” para demonstrar o resultado pretendido pelo administrador quando do uso de seu poder discricionário; ademais, o que pretendemos é verificar a atuação judicial sobre esse poder discricionário como forma de defesa e concretização dos direitos fundamentais sociais prestacionais. 217 MORAES, Germana. Controle jurisdicional da administração pública. São Paulo: Dialética, 1999, p. 43. 218 Ibidem.

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administrativo”219, tal realidade é patente e verificável tanto antes quanto após o

advento da CF/88, e a título exemplificativo ventilamos as seguintes decisões220,

estas anteriores ao texto constitucional vigente: RMS nº 3.371/57, Rel. Min. Antonio

Villas Boas, cuja ementa dispõe: “Mandado de Segurança. Direito disciplinar. No

mérito da cominação não entra o Poder Judiciário”221; RE nº 70.278/70, Rel. Min.

Adaucto Cardoso:

“Harmonia dos poderes. Art. 6º da Emenda Constitucional nº 1. A decisão recorrida invadiu área restrita de competência da administração pública ao mandar reabrir e equipar uma enfermaria de hospital fechada por conveniência do serviço público. Inadmissibilidade da apreciação do mérito de tal providência pelo Poder Judiciário”222

E RMS nº 15.091/67, Rel. Min. Hermes Lima: “Sendo legal o ato, não há como

intervir o Judiciário no mérito do mesmo”223. A orientação jurisprudencial era tão

somente no sentido de verificar pura e simplesmente a legalidade do ato, sem

intervenção judicial no mérito dos mesmos.

Verifica-se que a situação manteve-se inalterada mesmo após a promulgação

da CF/88, pois nas palavras do próprio Ministro Celso de Mello no MS nº 20.999/90:

“O que os juízes e tribunais somente não podem examinar nesse tema, até mesmo como natural decorrência do princípio da separação de poderes224, são a conveniência, a utilidade, a oportunidade e a necessidade da punição disciplinar (...) o que se lhe veda, nesse âmbito, é, tão-somente, o exame do mérito da decisão administrativa, por tratar-se de elemento temático inerente ao poder discricionário da administração pública”225.

Essa visão é ratificada no HC nº 73.940/96, onde na ementa encontramos:

“Ao Judiciário compete tão-somente a apreciação formal e a constatação da

219 Ibidem, p. 53. 220 Constantes na obra de MORAES, Germana. Controle jurisdicional da administração pública. São Paulo: Dialética, 1999, de onde extraímos o conteúdo das ementas. 221 Julgado em 10.07.57 e Publicado no ementário vol. 308-01, p. 136. 222 Ementário Vol. 830-02, p. 394. RTJ vol. 56-03, p. 811. 223 Julgado em 01.09.67 e Publicado no DJ em 20.11.67. 224 Note como essa afirmação corrobora o ventilado no subitem anterior no qual constatamos a omissão do Judiciário sob o pálio desse princípio, numa leitura absurdamente equivocada. 225 DJ de 25.5.90, p. 4.605.

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existência ou não de vícios de nulidade do ato expulsório, não o mérito da decisão

presidencial”226.

No HHCC nº 58.926/96, o STF se pronunciara no sentido que:

“Cuida o Judiciário apenas do exame da conformidade do ato com a legislação vigente. Não examina a conveniência e a oportunidade da medida, circunscrevendo-se na matéria de direito: observância dos preceitos constitucionais legais”227.

Também o STJ no ROMS nº 1288/91, nas palavras do Ministro César Asfor

Rocha, afirma:

“É defeso ao Poder Judiciário apreciar o mérito do ato administrativo, cabendo-lhe unicamente examiná-lo sob o aspecto de sua legalidade, isto é, se foi praticado conforme ou contrariamente à lei. Esta solução se funda no princípio da separação de poderes, de sorte que a verificação das razões de conveniência ou de oportunidade dos atos administrativos escapa do controle jurisdicional do Estado”228.

Ainda no âmbito do STJ, no julgamento do Resp nº 169.876-SP, foi

asseverado que:

“Ao Poder Executivo cabe a conveniência e a oportunidade de realizar atos físicos de administração (construção de conjuntos habitacionais, etc). O Judiciário não pode, sob o argumento de que está protegendo direitos coletivos, ordenar que tais realizações sejam consumadas”229.

No Resp nº 1994-RS, o STJ afirma: “Em se tratando de autorização, sujeita ao

poder discricionário da administração e subordinada, nos limites da lei, aos critérios

de conveniência e oportunidade, vedado o controle jurisdicional”230.

Citamos apenas algumas decisões do STF e do STJ dentre as inúmeras que

se orientam pelos mesmos paradigmas, algo extremamente lamentável e pernicioso,

226 Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 29.11.96, p. 47.157. 227 DJ de 01.03.96. 228 DJ de 02.05.94, p. 9.964. 229 Rel. Min. José Delgado, DJU de 21.09.98. 230 Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 09.04.90.

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pois essa auto-restrição do Judiciário em matéria de tamanha importância direta na

vida e no dia-a-dia do cidadão, causa prejuízos inestimáveis pelo vilipêndio aos

direitos fundamentais, especialmente os sociais de cunho prestacional, perpetuando-

se no tempo e na história.

Remontando o viés onde se inserem os direitos fundamentais sociais

prestacionais, encontramos afirmações no sentido de que para serem efetivados

necessário seria a existência de norma infraconstitucional que expusesse, inclusive,

sobre os recursos financeiros a serem despendidos para tal fim, qual seja, a fruição

desses direitos garantidos constitucionalmente pelos cidadãos.

Imaginemos, portanto, que nada foi realizado, nem o legislativo editou a

norma infraconstitucional, nem o executivo propôs projeto de lei nesse sentido e

muito menos exista prevalência prática dos princípios constitucionais no agir dos

poderes públicos, pelo total esquecimento das normas fundamentais, o que fazer?231

Na história, verificamos que a Constituição brasileira de 1934 estabelecia em

seu art. 68: “É vedado ao Poder Judiciário conhecer de questões exclusivamente

políticas”, a discussão contemporânea envolve nuances que torna essa redação

digna da Era Paleozóica, completamente ultrapassada, portanto.

Como vemos, se porventura seguíssemos cegamente o ensinamento desse

texto, estaríamos tolhendo o Judiciário de seu próprio mister e originária função,

especialmente no que tange os direitos fundamentais sociais prestacionais, pois sua

efetivação depende sobremaneira do posicionamento econômico-financeiro do

Estado, e é justamente para frear essa discricionariedade – neste ponto

inconstitucional – no sentido de investir ou não em tais direitos encontra-se o

Judiciário, assumindo seu papel de guarda legal e constitucional, para conter os

231 Não pretendemos analisar os meios processuais provocadores do controle judicial. O escopo desse trabalho está adstrito à evocação da proteção judicial no controle da eficácia social dos direitos fundamentais sociais prestacionais pela implementação de políticas públicas numa abordagem crítica sobre o Poder Judiciário.

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abusos decorrentes da livre margem de arbitrariedade travestida sob as roupagens

denominadas conveniência e oportunidade. O que é realmente conveniente e

oportuno? E mais ainda, oportuno e conveniente para quem? Temos que fazer essas

perguntas na atual conjuntura neoliberal e furtar o órgão judicante dessa verificação

seria o mesmo que regressar à época do absolutismo com uma única diferença, ao

invés de rei, teríamos o presidente, concentrando em suas mãos todo o poder com o

nome de Executivo.

Entretanto, como já verificamos, o Judiciário brasileiro em seus Tribunais

Superiores, especificamente o STJ e o STF, olvidam seu lugar na teoria de

Montesquieu e se auto-limitam232 - inconstitucionalmente – na questão determinante

e prática na vida do cidadão, ou seja, que influencia direta e mediatamente no

cotidiano popular, exatamente no controle dos atos do poder público relacionados ao

mérito administrativo maculador dos princípios constitucionais. Fernando Scaff

assevera:

“Levando-se em conta que a maior parte dos atos de política econômica partem de uma compreensão de oportunidade e conveniência, e que o controle destes atos implicará na análise deste tipo de ato jurídico, a autolimitação estabelecida pelo Poder Judiciário cria uma limitação perniciosa ao efetivo controle público e social da atividade econômica”.233

Essa afirmação corrobora a crítica que aponta como antigos e insubsistentes

os argumentos interpretativos utilizados pelo STF e o STJ quando a questão envolve

direitos fundamentais sociais prestacionais e aplicação mediata dos princípios

constitucionais, especialmente a dignidade da pessoa humana.

232 KRELL, Andreas. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da prestação dos serviços públicos básicos. In: Anuário dos cursos de pós-graduação em direito nº 10 – Recife: Universidade Federal de Pernambuco / CCJ/ João Maurício Adeodato (Coord.), editora universitária da UFPE, 2000, p. 44, expõe que: “são justamente os tribunais superiores que mostraram fortes objeções e ressalvas contra a sua própria legitimidade a formular ordens concretas contra governos referentes à prestação adequada dos serviços públicos sociais. 233 SCAFF, Fernando Facury. Controle público e social da atividade econômica. In: FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa (Coord.). Presente e futuro das relações de trabalho: estudos em homenagem a Roberto Araújo de Oliveira Santos. São Paulo, LTR, 2000, p. 428.

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Fábio Konder Comparato nos adverte que: “afastemos, antes de mais nada, a

clássica objeção de que o Judiciário não tem competência, pelo princípio da divisão

de poderes, para julgar questões políticas”.234 Certo que o Poder Judiciário é

igualmente um poder político, seus membros são representantes do povo mediante

seleção por meios técnicos, “político sim, partidário ou dependente, jamais”.235

Boaventura Santos observa que nos países periféricos como o Brasil236, a

atuação dos juízes se caracteriza pela resistência em assumir a sua co-

responsabilidade na ação providencial do Estado. Nesse sentido, o Judiciário deve

ser provocado – não esqueçamos o princípio da inércia – sempre que norma ou ato,

vinculado ou discricionário, infringir os princípios constitucionais, e tal órgão deve

declará-lo inconstitucional. Nesse viés Comparato ventila que: “a ação deveria,

segundo parece mais prudente, ser exclusivamente direta e não incidental” e

complementa: “por via de lógica conseqüência, esse juízo de constitucionalidade, ao

contrário do que tem por objeto leis outros atos normativos, deveria ser concentrado

e não difuso”,237 já Fernando Scaff entende que o controle pode ser difuso ou

concentrado, ou seja, por magistrado de qualquer instância238.

Legitimidade é um termo deveras indefinido, (até porque se trata de

expressão eminentemente de cunho sociológico, por este motivo deve-se utilizá-lo

com parcimônia na seara jurídica) cuja interpretação enseja inúmeros

desdobramentos. Cremos que talvez o primeiro passo para vislumbrá-lo seja pelo

exercício do voto, entretanto este se constitui apenas em um dos pontos de partida,

ademais, um dado representante do povo pode ter legitimidade no início do mandato

234 COMPARATO, Fabio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. In: Revista RT, vol. 737, mar. de 1997, São Paulo: RT, p. 19. 235 SCAFF, Fernando Facury. Controle público e social da atividade econômica. In: FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa (Coord.). Presente e futuro das relações de trabalho: estudos em homenagem a Roberto Araújo de Oliveira Santos. São Paulo, LTR, 2000, p. 431. 236 É largamente utilizado o termo “periférico” para designar os países subdesenvolvidos em contraposição ao termo “centrais” que designa os países desenvolvidos economicamente. 237 COMPARATO, Fabio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. In: Revista RT, vol. 737, mar. de 1997, São Paulo: RT, p. 21. 238 SCAFF, Fernando Facury. Controle público e social da atividade econômica. In: FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa (Coord.). Presente e futuro das relações de trabalho: estudos em homenagem a Roberto Araújo de Oliveira Santos. São Paulo, LTR, 2000, p. 430.

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e, com seus atos, perdê-la pelo fato de adotar medidas em desconformidade com os

anseios populares e com os princípios constitucionais. Logo, sustentamos a tese que

o Judiciário, mesmo sem seus membros serem eleitos pelo povo, pode ter seus atos

plenos de legitimidade, sempre que traduzir e efetivar os princípios constitucionais,

notadamente no que pertine a concretização dos direitos fundamentais sociais

prestacionais, quando o mínimo necessário à dignidade da pessoa humana estiver

sendo vilipendiado, olvidado ou preterido; Clève destaca:

“A legitimidade da atuação jurisdicional não repousa necessariamente sobre o problema da forma de investidura dos membros da magistratura (...) a legitimidade da ação jurisdicional repousa, basicamente, sobre a racionalidade e a justiça da decisão. A decisão judicial deve ser racional e, portanto, controlável racionalmente”239.

Não é outra a tese que defendemos nesse trabalho.

Baracho contribui com nossa explanação ao afirmar que a legitimidade dos

juízes embora não encontre guarida em origem popular pelo caráter representativo,

pode ser expressa nas decisões por ele prolatadas sempre que forem amparadas

nas aspirações do povo em consonância com o ordenamento jurídico, bem como

encontra sua legitimidade “em conformidade com as espécies de recrutamento de

seus componentes, isto é, na maneira como são chamados a exercer a própria

função”240.

Em consonância com o dantes asseverado, a democratização enseja o

desenvolvimento dos sistemas de controle dos atos do poder público. Em sede

constitucional o STF fora designado como “guardião da Constituição” e, desse modo,

protetor dos princípios garantidores de direitos fundamentais de maneira erga

omnes, sobretudo em face do legislador e do órgão executor, seja controlando a

239 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Poder Judiciário: autonomia e justiça. In: Revista de Informação Legislativa nº117, Brasília, janeiro-março 1993, p. 299. 240 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. A plenitude da cidadania (teoria geral da cidadania) e as garantias constitucionais e processuais. In: TRINDADE, Antônio Augusto Cançado (ed.). A incorporação das normas internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro. Costa Rica, 1996, p. 435.

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elaboração de leis maculadoras da ordem constitucional, seja na implementação

equivocada, ímproba ou inócua de políticas públicas; logo, a competência e

legitimidade do STF advém do próprio texto constitucional. Concorda com essa

assertiva Germana Moraes ao afirmar: “A legitimidade do Poder Judiciário, no direito brasileiro, deriva da Constituição, em que se fundamenta sua competência para exercer a fiscalização difusa da constitucionalidade dos atos normativos, a qual abrange, por via reflexa, a verificação da compatibilidade dos atos administrativos com as normas constitucionais, dentre as quais os princípios”241.

A efetividade do preceituado nos princípios constitucionais é dever de toda a

sociedade e de todos os poderes constituídos, logo, quando o legislador não edita

norma infraconstitucional, defendemos a tese de que houve lesão (ou ameaça de

lesão) a direito, e mais, a direito fundamental social prestacional, que se encontra

sob a proteção judicial com arrimo no artigo 5º, inciso XXXV da CF/88242, uma vez

que é bradada doutrinariamente a exigência de tal norma infraconstitucional para

fruição desses direitos pelo cidadão.

Defendemos a tese que o cidadão poderá usufruir desses direitos em

decorrência dos próprios princípios constitucionais e ordenados pelo Judiciário

sempre que essa omissão ou ato comissivo atinja ou cause prejuízo ao mínimo

necessário à dignidade da pessoa humana, sob pena de esvaziar o conteúdo dos

direitos fundamentais em tela, pois não há norma desprovida de eficácia, imagine

então a norma constitucional.

Nesse caso esposamos a tese da existência de um direito subjetivo originário

a prestações, na esteira do pensamento de Robert Alexy, pois a sociedade espera

ao menos a concretização do padrão mínimo defendido por este autor alemão,

concernente às condições de sobrevivência elementares; esposamos, outrossim, a

241 MORAES, Germana. Controle jurisdicional da administração pública. São Paulo: Dialética, 1999, p. 156 242 A Constituição assim estabelece: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

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imediata execução do texto constitucional pelo Judiciário no caso concreto a ele

apresentado. Os direitos fundamentais sociais prestacionais serem efetivados

independentemente da existência de norma infraconstitucional a cargo do legislativo,

pois não se admite que o legislador ao se omitir atinja frontalmente direito

fundamental, que o resultado de sua inércia – inconstitucional – acarrete prejuízos

aos reais detentores do poder e, mais grave, aos direitos mais caros e protegidos de

toda a coletividade.

Carlos Maximiliano assevera:

“A bem da harmonia e do mútuo respeito que devem reinar entre os poderes federais (ou estaduais), o Judiciário só faz uso de sua prerrogativa quando o congresso viola claramente ou deixa de aplicar o estatuto básico, e não quando opta apenas por determinada interpretação não de todo desarrazoada”.243

Já Calmon de Passos rebate:

“Qualquer acréscimo de poder aos magistrados, como protagonistas do processo jurisdicional de produção do direito, é acréscimo de arbítrio e fonte geradora de insegurança e de instabilidade dos direitos. O Judiciário se disfuncionaliza, produzindo justamente os resultados para cuja inocorrência foi institucionalizado”244.

Ora, entendemos que não há “acréscimo de poder” ao Judiciário, e se houver,

foi fruto do próprio poder constituinte que na Constituição Federal textualmente

conferiu legitimidade a esse poder como já ventilado alhures, portanto, não é fruto

de arbítrio e muito menos de instabilidade de direitos, pois o que se objetiva é

exatamente a efetividade de direitos consagrados na lex mater.

243 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p.308. 244 PASSOS, J.J. Calmon de. A constitucionalização dos direitos sociais. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, ano I, v.1, nº 6, setembro de 2001, p. 3. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_6/DIALOGO-JURIDICO-06-SETEMBRO-2001-CALMON-DE-PASSOS.pdf> Acesso em 05 de mar. de 2002.

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Verificamos que não obstante a realidade empírica na negativa pelo STJ e

STF na interpretação direta e mediata dos princípios constitucionais no sentido de

favorecer plena fruição pelo cidadão através da eficácia social de seus preceitos, tal

desiderato é plenamente possível seja pela autoexecutoriedade dos direitos

fundamentais, seja pelo artigo 5º, inciso XXXV da CF/88, ou mesmo pela

hermenêutica que consagra a interpretação material-valorativa. O cerne, o substrato

da norma numa análise conjunta e coordenada com todos os demais artigos

constitucionais, considerando os aspectos axiológicos e não olvidando que direito é

fato, é norma, mas também é valor.

É preciso verificar, entretanto, que pelo menos em duas situações torna-se

visível como o controle judicial pode ser realizado e quais as conseqüências dele

advindas. Reportaremo-nos em primeiro e segundo momentos apenas para efeito

didático.

No primeiro momento, imaginemos que existe norma ou ato administrativo que

afronta, visa preterir direito fundamental social prestacional, ou é absolutamente

inócuo para o fim pretendido, nesse caso, cabe o controle exercido pelo Poder

Judiciário em todas as instâncias e de forma difusa ou concentrada. Aqui há atuação

do juiz como legislador negativo e, especificamente nesse viés, não poderá

determinar qual medida ou ato outro poder deve adotar, não se investindo, portanto,

como legislador positivo. É dizer que nesse momento haverá apenas a invalidação

do ato ou inconstitucionalidade da norma porque fere princípios fundamentais com

os quais devem ser interpretadas de maneira conjunta todas as demais normas

infraconstitucionais. Concorda com nosso pensamento Andrade Filho quando aduz:

“O órgão encarregado de dar a última palavra sobre controle de constitucionalidade

não pode agir como legislador positivo, mas, ao declarar a invalidade de

determinada lei ou ato normativo, atua como legislador negativo”.245

245 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Controle de constitucionalidade de leis e atos normativos. São Paulo: Dialética, 1997, p. 40.

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Em apenas duas hipóteses o Judiciário deverá, além de invalidar a norma ou

o ato administrativo, também determinar o substitutivo dos mesmos, quais sejam: a)

Existir apenas uma solução possível; b) Se a tutela jurisdicional substituindo a norma

ou ato impugnado for de extrema urgência sob pena de perecimento do direito.

No segundo momento, suponhamos que não exista norma alguma, nem

qualquer ato acerca dos direitos fundamentais sociais prestacionais e tal omissão

cause prejuízos e danos ao mínimo existencial necessário à dignidade da pessoa

humana. Nesse caso, o Judiciário deve colmatar a lacuna faltante e, diretamente,

determinar o fim da patente inconstitucionalidade, garantindo a efetividade dos

referidos direitos.

Admitimos que inobstante o controle judicial possa ser realizado em plenitude

e sem restrições nos moldes elencados no primeiro momento, espalhando seus

efeitos inclusive erga omnes246, não podemos atribuir o mesmo efeito nas situações

onde se caracteriza a omissão do poder público, pois entendemos que de modo

casuístico e pontual pode o Poder Judiciário determinar que se cumpra o preceito

constitucional, inclusive com base nos princípios da lex mater, mas em âmbito geral

não há essa contingência do sim ou não, do tudo ou nada, mas a constante

fiscalização para paulatina materialização dos direitos em debate. É dizer, em outras

palavras, que o juiz pode determinar que o Estado disponibilize um leito para

resolver o problema sanitário de José da Silva no hospital X, resolvendo questão

pontual, mas haveria dificuldade em determinar que todos, impreterivelmente e

imediatamente, fossem internados em leitos hospitalares; tal decisão não seria tão

simples, mas sua atuação doravante será no sentido de verificar os recursos

disponíveis e como estão sendo aplicados, para neste caso efetuar o controle de

forma a concretizar o direito para todos. 246 Nesse ponto defendemos que mesmo no controle difuso, quando houvesse a declaração de inconstitucionalidade de determinada norma ou ato e, transitada em julgado pelo STF, deveria a mesma ser extirpada do ordenamento jurídico, ou pelo menos tivesse sua eficácia suspensa pelo próprio Pretório Excelso, mas esse Tribunal Superior já decidiu, com base no art. 52, X da CF/88, que ao presidente do senado cabe decidir, atendendo a razões de conveniência e oportunidade, portanto discricionariamente, se deve ou não suspender a norma declarada inconstitucional. RTJ nº38/28, Mandado de Injunção nº 460-9 RJ, publicado no DJU em 16 de junho de 1994, pp. 15.509/15.510.

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Diante do que fora exposto, pode surgir a seguinte pergunta: Está o Judiciário

preparado para isto ou estamos apenas imersos em divagações e contribuindo

apenas para violentar o papel com idéias estapafúrdias, intangíveis e inalcançáveis?

Cremos que não obstante a visão retrógrada do STF, “por causa de sua cultura

normativista e positivista envolvendo a obsessão pelo apego aos ritos e

procedimentos formais”247, acerca do controle ventilado ao longo desse texto, os

juízes de primeiro grau apresentam-se na vanguarda dessas novas transformações

sociais, seja porque têm liberdade maior para decidir com mais imparcialidade – uma

vez que são concursados e não indicados politicamente – seja porque têm contato

direto com a parte que está sendo prejudicada, não analisando tão somente as

laudas processuais amontoadas em suas mesas, seja porque nenhuma de suas

decisões tem efeito erga omnes. Concordando com nossa assertiva, José Eduardo

Faria preleciona, se referindo à atuação dos juízes de primeira instância: “Foram

eles os que mais cedo compreenderam como o formalismo normativista, permitindo

o uso acrítico de jargões muitas vezes imprecisos e de um extenso repertório de

citações latinas, torna certos segmentos da sociedade perplexos diante das

atividades judiciais”248.

Exemplo clássico de aplicação do direito fundamental social prestacional à

saúde foi o caso da conquista dos portadores do vírus HIV em ter todo o tratamento

custeado pelo Estado; isso só foi possível graças a uma decisão de primeira

instância que contemplou tal direito de forma direta sem precisar de norma

infraconstitucional, essa lacuna foi preenchida pelo próprio juiz e, de maneira

pontual, ele resolveu a questão concreta249.

Igualmente, o Judiciário deve assumir seu papel e controlar a destinação dos

recursos públicos para evitar que as forças armadas, por exemplo, recebam mais 247 FARIA, José Eduardo. O Judiciário e os direitos humanos e sociais: notas para uma avaliação da justiça brasileira. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça, (org.) José Eduardo Faria. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 96. 248 Ibidem, p. 94. 249 Temos que destacar, evidentemente, a manutenção dessas decisões pelas demais instâncias denotando com isso que quando se trata de caso de vida ou morte os Tribunais têm avançado em sua vetusta interpretação o que já aponta um bom sinal.

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verba que todo o sistema sanitário ou educacional. É plenamente possível tal

controle, pois legitimidade já demonstramos que existe, competência advém da

própria Constituição Federal, falta apenas interesse e vontade para essa empreitada

que pode ser difícil e complicada no princípio, mas com o tempo lograríamos

fantásticos resultados que culminaria em melhor qualidade e dignidade de vida

humana para todos os brasileiros.

Concluindo, entendemos que a discricionariedade não se confunde com a

arbitrariedade do ato, desse modo também carecem de motivação, e exatamente

nesse ponto que mesmo os atos políticos ou de governo não se eximem do controle

judicial posto que sujeitos estão aos princípios de ponderação e proporcionalidade,

quando será verificado o binômio necessidade/utilidade do ato e se o mesmo

cumpre o estabelecido como fundamental a ser perseguido em toda plenitude pelo

poder público, qual seja a concretização e efetividade dos direitos fundamentais

sociais, ou se o mesmo lesiona ou ameaça lesionar tais direitos.

Cremos ser o Judiciário competente para controlar a legalidade e juridicidade

de todo e qualquer ato emanado pelo poder público, seja vinculado ou discricionário,

e ademais, o controle político condizente com a conveniência e oportunidade –

típicos do administrador – deve de igual modo ter sua contingência também

controlada pelo Judiciário numa interpretação não mais lógico-formal de suas

atribuições, mas em sentido material-valorativo, ao verificar se a medida coaduna-se

com os princípios consagrados na Constituição.

3.4 DO PREJUÍZO AO PRINCÍPIO IGUALITÁRIO E DEMOCRÁTICO

“É verdade que, ao lidar com reivindicações individuais, as autoridades adotam tanto quanto possível, uma escala prioritária de necessidades”250.

250 MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar. 1967, p. 97.

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O princípio da isonomia estaria sendo ferido todas as vezes que uma decisão

judicial determinasse a concretização de um direito fundamental social prestacional

de modo casuístico (caso concreto, microjustiça) e esta decisão não pudesse ser

estendida a todos por falta de recursos; ademais, os recursos financeiros

dispendidos para apenas um indivíduo desfalcaria os cofres públicos não permitindo

a realização de uma política pública de caráter geral e universal. Nesses casos o

Judiciário estaria ferindo de morte o princípio igualitário, conferindo não um direito

no caso concreto, mas sim privilégios que não podem ser estendidos a todos. Logo,

uma crítica recorrente na doutrina repousa no argumento que o controle judicial

resultaria, na decisão de casos concretos, prejuízo ao princípio igualitário e

democrático. É interessante ventilar conceitos como microjustiça e macrojustiça,

esta entendemos como a decisão judicial que concretiza os direitos fundamentais

sociais prestacionais de todos aqueles que encontram-se em situação semelhante e

aquela seria utilizada apenas concretizando o direito para o caso individual,

particularizado. Alhures ventilamos que o Judiciário está pronto e legitimado para

concretizar os direitos em tela no caso concreto particularizado (microjustiça),

concorda com esse pensamento Gustavo Amaral quando ventila que “o Judiciário

está aparelhado para decidir casos concretos, lides específicas que lhe são postas.

Trata ele, portanto, da microjustiça do caso concreto”251; mas embora haja

dificuldades em concretizar os direitos sociais de todos (macrojustiça)252, não se

deve retirar do Judiciário essa prerrogativa, haja vista paradigmáticos casos

concretos encontrados na Jurisprudência253.

Gustavo Amaral leciona que: “a justiça do caso concreto deve ser sempre

aquela que possa ser assegurada a todos que estão ou possam vir a estar em

251 AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 38. 252 “Apenas a disseminação da tutela coletiva proporciona o adequado tratamento do quantum a ser reconhecido a cada credor de direito prestacional, já que o magistrado passa a ter a responsabilidade de apreciar a questão sob uma ótica macroscópica ao mesmo tempo em que se garante, na máxima extensão possível, o acesso à justiça”. GOUVÊA, Marcos Maselli. O controle judicial das omissões administrativas. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 386-7. 253 Especialmente os que envolvem o direito fundamental social prestacional à saúde cujas decisões são (quase) sempre favoráveis aos autores das ações e sobre elas discorreremos no capítulo 4 dessa dissertação.

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situação similar, sob pena de quebrar-se a isonomia”254 e por esse autor defender a

afastabilidade do Judiciário nas questões que envolvam “escolhas trágicas”, ventila

que os critérios adotados no âmbito da micro e macrojustiça resulta em “escolhas

individuais racionais que produzem um resultado coletivo irracional”255.

Lopes concorda com as assertivas de Amaral quando ventila que para que

exista a prestação do serviço é preciso ter os meios suficientes para tal e não fazer

preferências entre os indivíduos, em sua dicção expõe:

“Prestá-lo a quem tiver tido a oportunidade e a sorte de obter uma decisão judicial e abandonar a imensa fila de espera? Seria isto viável de fato e de direito, se o serviço público deve pautar-se pela sua universalidade, impessoalidade e pelo atendimento a quem dele mais precisar e cronologicamente anteceder os outros?”256.

Esse argumento utilizado pelo professor de história do direito da USP

certamente se refere, haja vista a falta de especificação, ao caso de transplantes

donde alguém no final da fila pode ser atendido antes, pelo seu grave estado de

saúde e pela impossibilidade da espera, por determinação judicial.

A decisão judicial que concretiza um direito fundamental social prestacional a

determinado indivíduo nos estritos limites da lide em análise (microjustiça) não

lesiona o princípio da igualdade pelo argumento de não ser possível estender esse

direito concretizado a todos os outros que estejam em situação semelhante; se

acolhêssemos essa crítica estaríamos afastando a tutela jurisdicional daquele que

recorreu ao Judiciário em nome de todos aqueles que não recorreram, é como se

disséssemos não à concretização de um direito ao indivíduo pelo fato dessa decisão

abrir um precedente difícil (ou impossível) de concretização erga omnes.

254 AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 39. 255 Ibidem, p. 175. 256 LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado social de direito. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça, (org.) José Eduardo Faria. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 131.

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Tal discussão já fora apreciada pelo STJ no RMS (recurso em mandado de

segurança) nº 11.183/PR257, Rel. Min. José Delgado, donde litigavam o Estado do

Paraná e uma cidadã portadora de doença degenerativa, qual seja, esclerose lateral

amiotrófica (ELA) e que necessitava de medicamento indispensável à manutenção

de sua vida, entretanto, o remédio seria importado da Irlanda e custava, em

setembro de 1999, R$1.188,47 (mil, cento e oitenta e oito reais e quarenta e sete

centavos) a caixeta com 56 cápsulas e, dada a falta de condições financeiras em

adquiri-lo, provocou o Judiciário, por mandado de segurança, suscitando direito

público subjetivo diretamente do texto constitucional, quais sejam os preceituados

nos arts. 6º e 196 da CF/88, com o intuito de compelir o Estado do Paraná a custear

a tratamento. Os procuradores do Estado (na insólita missão de defender o Estado a

todo custo) argumentaram que caso fosse concedida a segurança, a autora

receberia um privilégio em detrimento do conjunto da sociedade. Entendemos

completamente desprovido de amparo legal esse argumento, haja vista que esse

pretenso “privilégio” na verdade é direito constitucionalmente assegurado e pela

omissão dos demais poderes, ou por ações equivocadas, não é concretizado; se

porventura o Judiciário, analisando caso concreto, confere eficácia social ao direito,

seria o mesmo transmudado em mero “privilégio”? Neste caso paradigmático em

análise (RMS nº 11.183/PR) haveria o “privilégio” de não morrer? Note-se que tal

argumento é insubsistente e não resiste sequer a uma análise superficial. Trazemos

as ponderações de Ronaldo Simão citado pelo Rel.Min.José Delgado que assim se

pronunciou no processo:

“Trata-se do tanto que pertine ao microuniverso dos solicitantes – apenas uns poucos em um universo tão numeroso. Pode-se, sem dúvida, de um lado, cogitar da carência de recursos a resultar a estes um pretenso privilégio assistencial, em detrimento de milhares de outros, igualmente carentes e portadores de mesma infestação (...) por outro lado, não se pode olvidar que o Judiciário constitui o poder cuja ação se faz estritamente mediante provocação, descabendo, assim, inteiramente, invocar os não-exercentes como justificação, aparentemente tíbia, para a negativa do direito dos pleiteantes”;

257 Rel. Min. José Delgado, publicado no DJ em 04 de setembro de 2000.

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logo, entendemos que não existem privilégios quando a questão é

inequivocamente concretização de direitos.

A simples conjectura ou projeção de inexeqüibilidade não deve permear as

decisões judiciais sob pena de esvaziamento de seu mister precípuo. A crítica em

discussão não fere a tese de que a concretização do direito fundamental social

prestacional pode ser realizada diretamente pelo Poder Judiciário, haja vista outra

paradigmática decisão que no caso concreto obrigou o Estado a custear todo o

tratamento para portador do vírus HIV – mesmo sendo de custo elevado – pois não

existia política pública nesse sentido (omissão administrativa), nem lei que

garantisse esse direito (omissão legislativa infraconstitucional), entretanto, o

Judiciário de forma acertada, fundamentou diretamente do texto constitucional sua

decisão para garantir o tratamento ao autor da ação e que foi confirmado nas

instâncias superiores. Houve, após essa decisão, uma verdadeira “enxurrada” de

ações e, pela reiterada procedência das mesmas, nos dias atuais todo e qualquer

indivíduo portador de HIV tem o tratamento custeado pelo Estado. Fique claro que

nem sempre o final será feliz como nesse caso ventilado, mas se tivéssemos

afastado o Judiciário a priori de enfrentar a questão, o índice de óbitos pelo HIV

seria bem mais acentuado e o direito à saúde (e conseqüentemente vida) seria letra

morta e a Constituição transformar-se-ia em um grande cemitério jurídico, ou melhor,

no inferno, sempre repleto de “boas intenções”.

No suso citado RMS nº 11.183/PR258, em contra-razões, o Estado do Paraná

argumenta:

“Se é certo que a saúde pública brasileira mais beira às portas dos cemitérios do que a dos hospitais, por descaso, negligência e imperícia dos comandantes governamentais, não menos correto é afirmar da impossibilidade de se transpor as regras constitucionais, sob pena de se decretar a falência institucional e anarquia dos poderes”.

258 Rel. Min. José Delgado, publicado no DJ em 04 de setembro de 2000.

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Interessante perceber que o anunciado caos financeiro nos orçamentos de

saúde e conseqüente “quebra” do Estado pelo fato do Judiciário conceder a tutela

pleiteada nessas inúmeras demandas não aconteceu! É preciso nos indagarmos até

quando haverá reconhecimento de omissão sem previsibilidade de eficácia social?

Se o Executivo não concretizou o direito o Judiciário deve fazê-lo, caso contrário

haveria anarquia pelo total descumprimento da Constituição Federal. O Judiciário, em seu labor diário e casuístico na concretização de tais direitos

de 2ª dimensão exerce invariavelmente pressão nos demais poderes no sentido dos

mesmos procurarem implementar as políticas públicas necessárias. O Judiciário é,

portanto, o último recurso que a sociedade dispõe contra os atos danosos ou as

omissões perniciosas dos poderes Executivo e Legislativo. A invocação do ferimento

ao princípio igualitário pela atuação judicial é sofística e desarrazoada, pois a

atuação judicial concretizadora deve surgir quando da ausência de política pública

causadora de vilipêndio a direito fundamental social prestacional a quem a ele

recorrer. E se todos recorrerem ao Judiciário? Então todos devem ser atendidos! E

os recursos? Responde essa questão Andreas Krell: “e se os recursos não são

suficientes, deve-se retirá-los de outras áreas (transporte, fomento econômico,

serviço de dívida) onde sua aplicação não está tão intimamente ligada aos direitos

mais essenciais do homem: sua vida, integridade física e saúde”259; a conseqüência

disso encontramos nas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello: “acredito que

não sobrariam recursos para muitas mordomias se as decisões judiciais impusessem

o cumprimento do que está no texto constitucional”260.

Em conclusão, tolher o Judiciário de decidir casuisticamente acerca da

concretização dos direitos fundamentais sociais prestacionais a determinado

indivíduo sob o argumento de afronta ao princípio igualitário e democrático haja vista

não ser possível atender a todos da mesma forma por causa da escassez de

recursos financeiros é afastar da sociedade seu último front de resistência e de

259 KRELL, Andreas. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 53. 260 Apud Ibidem, p. 53.

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eficácia social do texto constitucional, qual seja o Poder Judiciário, e defendemos

que há o fortalecimento do princípio da isonomia com as decisões judiciais

concretizadoras, difícil verificar a priori, entretanto sinaliza para a plena

concretização no futuro seja pela mora declarada, seja pela pressão popular e

reivindicação social.

3.5 O JUDICIÁRIO NÃO POSSUIR A FUNÇÃO DE ATUAR NA IMPOSIÇÀO DE

PRESTAÇÕES POSITIVAS PELO ÓBICE ORÇAMENTÁRIO E PELA INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS PARA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS.

“(...) em virtude de sua relevância econômico-financeira e de sua colocação sob uma ‘reserva do possível’, a decisão em favor da definição do objeto da prestação e de sua realização, ainda mais no âmbito da aplicação de recursos públicos, incumbe aos órgãos políticos legitimados para tanto, cuidando-se, portanto, de um problema de natureza competencial, razão pela qual há quem sustente que ao Poder Judiciário falta a capacidade funcional necessária para resolver o problema no âmbito estrito da argumentação jurídica”261.

Nas coloquiais expressões da filosofia popular representada por provérbios e

adágios há uma que pensamos se coadunar com a atitude (ou falta dela) da

Administração Pública, qual seja: “devo não nego, pago quando puder”; ora, a

questão orçamentária é bem representada pelo citado dito popular e figura-se óbice

a atuação judicial na busca pela concretização dos direitos fundamentais sociais

prestacionais. “Falta de previsão orçamentária” é, pois, topos argumentativo no

sentido de afastar a sindicabilidade de tais direitos, haja vista a impossibilidade

financeira de se cumprir a decisão favorável que condena o Estado e o obriga a

concretizar o direito prestacional.

261 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO-SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002, p. 24.

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Nesse sentido, seja pela insuficiência de recursos, seja pela falta de previsão

na lei do orçamento, estaria fora da competência do Judiciário atuar na imposição de

prestações positivas haja vista a impossibilidade de determinação judicial

provocadora de reformulação orçamentária; então, como aplicar recursos não

previstos em lei orçamentária? O Administrador Público seria punido por manusear

verbas sem autorização legal? Ao Judiciário seria lícito desestabilizar o orçamento

em suas decisões casuísticas? Essa é a problemática a ser enfrentada inicialmente

nesse tópico.

A questão orçamentária está presente em todos os processos que têm por

objeto concretização de direitos fundamentais sociais prestacionais. Não há como

afastar a concretização desses direitos sem ferir de morte o fundamento

constitucional da dignidade de pessoa humana. No várias vezes citado RMS nº

11.183/PR262 o Estado do Paraná em contra-razões sustentou a seguinte defesa:

“Acaso a decisão impugnada tivesse sido tomada em sentido contrário, tentando amenizar a situação individual da recorrente, acabaria de desestabilizar a previsão orçamentária e o estado de direito, que requer a independência dos poderes, em completa afronta ao art 2º da CF/88, proceder ao inverso abriria espaço à punibilidade do administrador no manuseio das verbas públicas sem a competente autorização”.

No processo em referência o Min. José Delgado afastou tais argumentos ao

asseverar:

“Penso que os argumentos articulados pelo Estado do Paraná, além de serem juridicamente inconsistentes, revelam o total desprezo por parte das autoridades públicas encarregadas da saúde no país. O Estado/recorrido preocupa-se, nitidamente, em contrapor-se à situação delineada nos autos com teses jurídicas de custosa credibilidade (desestabilização do estado de direito, quebra orçamentária, anarquia dos poderes, falência institucional) para negar à ora recorrente o sagrado direito de sobrevivência”.

Na República todos são responsáveis, então quais dos poderes do Estado

têm competência para concretizar os direitos fundamentais sociais prestacionais?

Entendemos que todos eles! A alegada “anarquia dos poderes” estaria evidenciada

262 Rel. Min. José Delgado, publicado no DJ em 04 de setembro de 2000.

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se o texto constitucional não fosse concretizado por nenhum dos poderes

constituídos. Note-se que no AI nº 238.328/RS263 o STF decidiu que a saúde é

direito de concretização solidária entre os entes federados (União, Estados,

Municípios e Distrito Federal) e, acrescentamos, não apenas no Executivo, mas

também no Legislativo e Judiciário. Percebemos que pertinente ao direito à saúde, o

STJ e o STF, refletem entendimento quase generalizado na jurisprudência do país,

qual seja o afastamento, como irrelevante, a questão orçamentária.

Na contramão das decisões supramencionadas temos no âmbito do STJ o

Resp nº 57.614-8/RS264 e o Resp nº 83.800/RS265 da lavra do mesmo relator, qual

seja, o Min. Demócrito Reinaldo que decidiu:

“No sistema jurídico-constitucional vigente, a nenhum órgão público ou autoridade é conferido o poder de realizar despesas sem a devida previsão orçamentária. A dotação consignada no orçamento, para o fim de a efetivação de despesa seja de qual natureza for, obriga os órgãos da administração, sob pena de incorrer no desvio de verbas. A realização de despesa está adstrita às regras de previsão da lei orçamentária. Ao administrador não é dado realizar despesas sem previsão na lei de meios, a não ser com prévia autorização legislativa, em que se indique, desde logo, a disponibilidade financeira específica”.

As “despesas” nesses casos concretos seriam para custear o medicamento

“lofenalac”, importado dos Estados Unidos, pois os autores eram portadores de

doença rara, qual seja, fenilcetonúria.

Podemos perceber que a questão orçamentária é abordada de diversas

formas nos acórdãos dos Tribunais e nas decisões monocráticas; juízes mais

conservadores vislumbram a questão como óbice inquebrantável de impossível

desconsideração; outros fazem o caminho inverso alegando que se o custeio para

concretização dos direitos fundamentais sociais prestacionais é oneroso para o

Estado imagine então para o indivíduo hipossuficiente. Com tal argumento há

aviltamento da legalidade orçamentária como mera burocracia estatal, nas palavras

263 Rel. Min. Marco Auréilio, publicado no DJ em 18.02.2000. 264 Rel. Min. Demócrito Reinaldo, publicado no DJ em 01 de julho de 1996. 265 Rel. Min. Demócrito Reinaldo, julgado em 21 de setembro de 1999.

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do Min.do STF Marco Aurélio Mello, Relator do RE nº 195.192-3/RS266: “Problemas

orçamentários não podem obstaculizar o implemento do que previsto

constitucionalmente”.

Entendemos que o radicalismo nos posicionamentos concernentes a essa

matéria conduz a equivocidades em ambos os extremos; nem se pode entronizar o

orçamento e colocá-lo acima do bem e do mal, nem tampouco aviltar esse relevante

instrumento de administração e previsão de gastos públicos.

Eros Grau, discorrendo acerca da questão orçamentária diferenciou

“capacidade orçamentária” e “exaustão da capacidade orçamentária”; a primeira

ocorre quando: “embora pudesse a Administração adquirir recursos suficientes para

efetuar os pagamentos a que foi judicialmente condenada, não obtém do Poder

Legislativo autorização para isso”267, e a segunda ocorre quando: “inexistirem

recursos suficientes para que a Administração possa cumprir determinada ou

determinadas decisões judiciais. Não há, no caso, disponibilidade de caixa que lhe

permita cumpri-las”268

Passaremos a analisar os dois conceitos. O Judiciário, em sua decisão,

poderá compelir a Administração pública a concretizar direitos fundamentais sociais

prestacionais mediante gastos financeiros; utilizando o conceito fornecido por Eros

Grau de “capacidade orçamentária”, onde há dinheiro para a concretização, mas,

ponderemos a possibilidade do Legislativo não autorizar essa despesa. A CF/88 é

clara ao opor a qualquer ato comissivo da Administração os preceitos estabelecidos

no art. 167, incisos II, V e VI os quais dispõem:

“Art. 167. São vedados:

266 Rel. Min. Marco Aurélio, publicado no DJ em 31.03.2000. 267 GRAU, Eros Roberto. Despesa pública – conflito entre princípios e eficácia das regras jurídicas – o princípio da sujeição da Administração às decisões do Poder Judiciário e o princípio da legalidade da despesa pública. In: Revista Trimestral de Direito Público nº2, Malheiros, 1993, p. 133. 268 Ibidem, p. 144.

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II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;

V - a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes;

VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa”.

Não obstante o art. 85 que determina: “São crimes de responsabilidade os atos

do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e,

especialmente, contra: (...) VI - a lei orçamentária”.

Dessa forma, Eros Grau vislumbra o conflito entre o princípio da legalidade da

despesa pública e o princípio da sujeição da Administração às decisões do Poder

Judiciário269. No caso concreto, deverá ser aplicado apenas um deles em detrimento do

outro.

A solução encontrada por Grau é a o afastamento dessas regras, pois: “Não

tenho dúvida quanto ao prevalecimento do princípio da sujeição da Administração às

decisões do Poder Judiciário em relação ao princípio da legalidade da despesa

pública”270. Discorre ainda que tal prevalência sempre ocorrerá, pois o contrário

“resultaria inteiramente insustentável”271.

Concordamos com as assertivas de Grau, pois entendemos que no

constitucionalismo social a sujeição da Administração às decisões judiciais encontra-se

em escala axiológica mais elevada que a legalidade da despesa pública.

O segundo conceito, qual seja “exaustão da capacidade orçamentária”, merece

também destaque; ele ocorre quando não há recursos financeiros de forma alguma. É

mister ventilar que tal situação não poderá ser apenas alegada, mas comprovada ao

Poder Judiciário. Nesse caso, Eros Grau entende que a Administração pública não

deve cumprir as decisões do Poder Judiciário; em suas palavras seria um “estado de 269 Ibidem, p. 134. 270 Ibidem, p. 143. 271 Ibidem, p. 143.

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necessidade” e uma “frustração material da finalidade do princípio da sujeição da

Administração às decisões judiciais”272.

Não é outra a posição de Gouvêa ao afirmar: “se os recursos realmente

inexistem, o direito prestacional, por mais importante que seja, não poderá ser

implementado”273.

Defendemos posição intermediária que consiste na análise pelo Judiciário das

possibilidades do Estado em aplicar tal numerário pela análise do orçamento atual e

tomando como base o previsto em lei para aquele determinado direito prestacional,

bem distante da vontade política da Administração e mais próximo da eficácia social

do texto constitucional; quando se tratar de decisão que necessite de grande

dotação financeira existindo dinheiro deve-se logo concretizá-lo ou, então, se na

verificação do orçamento for constatada a ausência do numerário a ser aplicado o

Judiciário – frise-se que nos referimos às tutelas que demandariam um grande gasto

público e falta de recursos financeiros – determinaria que no orçamento do exercício

financeiro subseqüente houvesse dotação suficiente para atender e concretizar o

direito prestacional. Na hipótese de nem mesmo existir previsão orçamentária

atinente a determinado direito prestacional, estaria o Judiciário legitimado para

determinar a imediata concretização do direito cujo numerário necessário seria

retirado de outras áreas não fundamentais; parece-nos que o multicitado Andreas

Krell concorda com nossa assertiva ao lecionar que: “e se os recursos não são

suficientes, deve-se retirá-los de outras áreas (transporte, fomento econômico,

serviço de dívida) onde sua aplicação não está tão intimamente ligada aos direitos

mais essenciais do homem: sua vida, integridade física e saúde”274.

Verdadeira batalha argumentativa foi travada no leading case de menor

impúbere catarinense que, possuidor de doença degenerativa, necessitava de

272 Ibidem, p. 146. 273 GOUVÊA, Marcos Maselli. O controle judicial das omissões administrativas. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 249. 274 KRELL, Andreas. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 53.

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dinheiro para se submeter a transplante (única possibilidade real de cura) em

hospital localizado em Memphis nos Estados Unidos, cujas despesas somariam a

fabulosa quantia de US$ 163.000,00 (cento e sessenta e três mil dólares). O AI nº

97.000511-3275, no TJSC, cujo Relator foi o Des. Sérgio Paladino interpretou a

eficácia plena e imediata diretamente do texto constitucional ao direito à saúde e

condenou o Estado de Santa Catarina a custear o tratamento asseverando que: “ao

julgador não é lícito, com efeito, negar tutela a esses direitos naturais de

primeiríssima grandeza sob o argumento de proteger o erário”. Tal discussão foi

parar no STF na PETMC nº 1.246/SC276 e o Min. Celso de Mello manteve a decisão

do TJSC em condenar o Estado argumentando que a saúde é direito subjetivo

assegurado na CF/88 e que deve prevalecer contra um “interesse financeiro e

secundário do Estado” privilegiando o “respeito indeclinável à vida e à saúde

humana”.

É mister elucidarmos nosso entendimento quanto ao respeito pelo

cumprimento da lei orçamentária, entretanto não adotando posição maniqueísta.

Deve-se analisar as possibilidades de exeqüibilidade da decisão judicial no que

tange concretizar direitos fundamentais sociais prestacionais e não o Judiciário se

investir da armadura do heroísmo passando o problema para o Administrador como

se isso não fosse problema do órgão judicante.

No STF, o Min. Celso de Mello adota postura de desprezo em relação ao

orçamento quando decide, no RE nº 273.834/RS277, que:

“A falta de previsão orçamentária não deve preocupar ao juiz que lhe incumbe a administração da justiça, mas, apenas, ao administrador que deve atender equilibradamente as necessidades dos súditos, principalmente os mais necessitados e doentes”.

Tal decisão, louvável no sentido do STF se libertar do marasmo e da não

concretização dos direitos fundamentais sociais prestacionais (excluindo-se o direito 275 Julgado em 04/10/2001. 276 Publicada no DOU em 13.2.97. 277 Rel. Min. Celso de Mello, publicado no DJ em 02.02.2001.

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à saúde) é também temerária pelo aviltamento da questão orçamentária, essa

também constitucional.

Logo, pelas próprias decisões ventiladas, defendemos que o Judiciário poderá

diretamente determinar a concretização dos direitos fundamentais sociais

prestacionais quando provocado, entretanto, levando em consideração a

insuficiência de recursos, deve utilizar o orçamento não como óbice à concretização,

mas pelo contrário, como mais um meio de concretização de direitos, seja

determinando o remanejamento de valores de outras áreas menos prioritárias278 ou

a compulsória previsão no orçamento do exercício seguinte ou marcando prazo para

cumprimento. 3.6 EXISTEM DIREITOS SUBJETIVOS ORIGINÁRIOS A PRESTAÇÕES?

“Não acredito que existam coisas como direitos sociais e econômicos, acho que é um abuso da palavra ‘direito’ aplicá-la, por exemplo, ao trabalho, ou à igualdade. Direitos são coisas que você pode pleitear numa corte. Não se pode ir a uma corte de justiça e exigir renda mais alta. É uma idéia totalmente equivocada”279.

Já enfrentamos a problemática da disponibilidade de recursos, separação dos

poderes, legitimidade do Judiciário, dentre outros. Devemos no momento dissertar

acerca da existência (ou não) de direitos subjetivos originários a prestações

estatais280 como mais um óbice doutrinário à plena efetivação dos direitos

fundamentais sociais prestacionais pelo Judiciário.

278 Na esteira do pensamento de KRELL, Andreas. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 53. 279 DARENDORF Apud OLIVEIRA, Luciano. Os direitos sociais e econômicos como direitos humanos: problemas de efetivação. In: LYRA, Rubens Pinto (org.) Direitos Humanos: os desafios do Século XXI – uma abordagem interdisciplinar, Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 161. 280 “A preparação de uma teoria moderna dos direitos públicos subjetivos só ocorreria, realmente, no final do século XIX e início do século XX, com as obras de Otto Von Sarwey, Georg Jellinek e Ottmar Bühler”. REIS, José Carlos Vasconcelos dos. As normas constitucionais programáticas e o controle do Estado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 16. Esse mesmo autor destaca a crítica de Giorgio Del Vecchio que afirmava que as normas programáticas não teriam caráter jurídico, mas sim moral e político.

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Há controvérsia e resistência doutrinárias no reconhecimento de verdadeiro

direito subjetivo conferido ao titular em relação aos direitos fundamentais sociais

prestacionais e até mesmo sua limitação em buscar por via judicial tal fruição. Como

nos orienta Ingo Sarlet: “o problema a ser enfrentado, portanto, diz com

reconhecimento, diretamente com base na norma constitucional e

independentemente de qualquer ato de intermediação legislativo, um direito

subjetivo de natureza prestacional”281. Também de importante contribuição temos o

pensamento de Ricardo Silveira Ribeiro ao lecionar que: “as dificuldades para

efetivação dos direitos prestacionais não querem dizer que não se possa extrair

juízos de dever-ser capazes de engendrar direitos subjetivos sociais”282, em outra

passagem, o autor citado conclui sua lição asseverando que: “portanto, em tese, os

direitos prestacionais são justicializáveis”283. André Ramos Tavares entende “direitos subjetivos” como expressão imprecisa

e que não se identifica com os direitos humanos, haja vista a possibilidade do

primeiro desaparecer (pela prescrição, por exemplo) e esta característica ser

diametralmente oposta aos direitos humanos dotados que são de inalienabilidade e

imprescritibilidade; ademais, o citado autor critica a expressão “direitos públicos

subjetivos” por ela conduzir a um conceito construído na base do Estado Liberal,

portanto, presa a uma concepção eminentemente individualista284.

Realmente, em seu nascedouro, os direitos públicos subjetivos surgem como

categoria erigida pelo positivismo para contrapor os direitos naturais, vale dizer,

substituir a natureza declaratória pela constitutiva, criativa dos direitos. Bem observa

Pérez Luño ao vislumbrar que os direitos públicos subjetivos são “como una

281 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, p. 35. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO-SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002. 282 RIBEIRO, Ricardo Silveira. Omissões normativas. Rio de Janeiro: Impetus, 2003, p. 100-101. 283 Ibidem. 284 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 355-6.

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alternativa pretendidamente técnica y aséptica a la noción de los derechos

naturales”285.

Vale destacar a preocupação de Biscaretti di Ruffia acerca dos direitos

públicos subjetivos quando discorre que:

“De todos modos, esta claro que la concepción moderna de los derechos públicos subjetivos de los ciudadanos, como derechos que derivan exclusivamente de normas puestas por el ordenamiento del Estado, impide la configuración de un verdadero derecho positivo de resistencia (individual o colectiva, meramente pasiva o activa) de los ciudadanos, si ulteriores y distintas normas jurídicas estatales, plenamente válidas y de la misma eficacia que las preexistentes, vienen, luego, a restringirlo o aborirlo”286.

Entretanto, estamos dissertando acerca de direitos públicos subjetivos

decorrentes e fruíveis diretamente do texto constitucional, fundamentais e cláusula

pétrea, portanto, gravados e protegidos pela garantia de não supressão, logo, não

há possibilidade alguma de abolir tais direitos, a menos que sobrevenha uma nova

Constituição.

Defendemos a existência de direitos públicos subjetivos decorrentes

originariamente do texto constitucional consagrador dos direitos fundamentais

sociais prestacionais e, portanto, plenamente sindicáveis e possíveis de serem

concretizados pelo Poder Judiciário.

Não é outra a posição de Bandeira de Mello quando assevera: “todas as

normas constitucionais concernentes à justiça social geram direitos que são

verdadeiros direitos subjetivos na acepção mais comum da palavra”287.

285 PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, Estado de derecho y Constitución. Madrid: Tecnos, 1995, p. 58. 286 Apud TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 356. 287 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. Revista de Direito público 57/58, nº255, 1981.

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Robert Alexy classifica em sua “teoria dos direitos fundamentais” os direitos

subjetivos em direitos de defesa e direitos prestacionais288; os primeiros são aqueles

negativos, onde são reconhecidas ao indivíduo situações nas quais não haveria

interferência do Estado. Ainda remontando a classificação de Alexy, os direitos a

prestações se subdividem em direitos à proteção, ou seja, o Estado protegendo o

titular de direito fundamental contra intervenções de terceiros289, direitos à

organização e ao procedimento constituindo-se como efetivação das garantias

processuais e institucionais, bem como materiais e normativas, e por fim, os direitos

prestacionais em sentido estrito que são aqueles exercidos frente ao Estado, mas

que se o indivíduo dispusesse de meios financeiros e houvesse boa oferta dos

mesmos no mercado também poderiam ser obtidos de particulares; Alexy elenca

alguns tais como: previdência, trabalho, moradia e educação como integrante desse

rol de direitos290.

Na doutrina de Fioranelli Júnior o autor destaca as liberdades públicas como

direitos individuais, civis e políticos, portanto de primeira dimensão, os direitos

subjetivos públicos como direitos sociais ou coletivos de segunda dimensão e os

interesses difusos, transindividuais ou transnacionais como de terceira dimensão;

enquanto o liberalismo seria a ideologia que pauta as liberdades públicas em meio

ao Estado liberal, o Estado social e intervencionista seria a ideologia dos direitos

subjetivos públicos291; Fioranelli discorre que os direitos sociais são direitos

subjetivos públicos e como tais exigem certas prestações que devem ser

concretizadas pelo sujeito passivo, haja vista essa imposição decorrer do próprio

texto constitucional, e exemplifica tais direitos, quais sejam, o salário mínimo, a

educação, a saúde, o trabalho, a lazer e a previdência social292 aos quais

acrescentaríamos todo o elenco constante no art. 6º da Constituição Federal de

1988. 288 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estudios constitucionales, 1997, p. 186. 289 Ibidem, p. 435. 290 Ibidem, p. 482. 291 FIORANELLI JÚNIOR. Adelmo. Desenvolvimento e efetividade dos direitos sociais. In: Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, nº 41, Jun. 1994, São Paulo, p. 20. 292 Ibidem, p. 21.

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Fioranelli Júnior classifica os direitos subjetivos públicos em individuais e

coletivos; aqueles seriam caracterizados pela determinação dos sujeitos ativo e

passivo e pela divisibilidade do objeto e exemplifica com a relação trabalhista; a

legislação seria o meio de intervenção estatal (por exemplo estabelecendo direitos

trabalhistas). Os direitos subjetivos públicos coletivos por seu turno teriam caráter

dúplice, pois necessitariam da execução de políticas públicas (objeto mediato) bem

como a fruição de bens materiais (objeto imediato), por exemplo: saúde, trabalho,

previdência social; ou imateriais como educação e lazer293.

Andreas Krell analisando os “novos” meios processuais, quais sejam o

mandado de injunção e a ação de inconstitucionalidade por omissão exercidos face

à omissão do legislador, discorre que: “os direitos sociais podem funcionar como

verdadeiros direitos subjetivos e ser invocados judicialmente através de ações de

inconstitucionalidade por omissão e ação”294. Quando Ferreira Filho se refere acerca

da natureza dos direitos sociais ventila que “como as liberdades públicas, os direitos

sociais são direitos subjetivos. Entretanto, não são meros poderes de agir – como é

típico das liberdades públicas de modo geral – mas sim poderes de exigir”295.

Entretanto, o referido autor não se mostra simpático a tais direitos, pois discorre que

para atendê-los houve uma expansão dos serviços públicos custeados diretamente

pelo Estado e indiretamente pelos contribuintes e propõe que os direitos sociais

sejam repensados296; além disso, Ferreira Filho afasta com veemência a

concretização desses direitos pela atuação judicial quando afirma: “a efetivação de

direitos sociais, quando reclama a instituição de serviço público, dificilmente pode

resultar de uma determinação judicial. Tal instituição depende de inúmeros fatores

que não se coadunam com o imperativo judicial”297.

293 Ibidem, p. 22. 294 KRELL, Andreas. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 86. 295 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49. 296 Ibidem, p. 51. 297 Ibidem, p. 52.

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Alexy reconhece um direito subjetivo a prestações sempre quando for

imprescindível ao princípio da liberdade fática; quando se puder atingir da menor

forma possível o princípio da separação de poderes e outros princípios materiais,

segundo ele, haverá direito subjetivo a prestações quando a reivindicação

corresponder a um padrão mínimo referente às condições existenciais mínimas na

esfera dos direitos sociais, ademais vale ressaltar que Ingo Sarlet põe o princípio da

dignidade da pessoa humana como parâmetro para avaliar esse padrão mínimo a

ser reconhecido. Orientação semelhante leciona Reis, referindo-se às normas

programáticas, defende a existência de direitos subjetivos quando se tratar do

mínimo existencial e, nesse caso, plenamente sindicável; em suas palavras:

“Quando decorrem das normas programáticas autênticos direitos públicos subjetivos

– o caso do mínimo existencial – é possível conceber a propositura de uma ação

judicial para impor ao poder público o cumprimento de uma obrigação de fazer”298;

interessante perceber que o referido autor explica sua tese de existência de direitos

subjetivos originários das normas constitucionais programáticas arrimando na

dignidade da pessoa humana, esta sempre presente nas discussões acerca dos

direitos fundamentais, segundo ele:

“Nesses casos extremos, o direito subjetivo decorre diretamente da norma programática, como desdobramento do princípio da dignidade da pessoa humana e em virtude do conceito materialmente aberto dos direitos fundamentais em nossa ordem constitucional”299.

Entretanto, mais uma vez fazemos alusão ao STJ no Resp nº 83.800/RS300 e

Resp nº 57.614-8/RS301, pois o Min. Demócrito Reinaldo defende que:

“Inexiste direito certo se não emanado da lei ou da Constituição. Normas meramente programáticas protegem um interesse geral, mas não conferem aos respectivos beneficiários o poder de exigir a sua satisfação antes que o legislador cumpra o dever de complementá-las com a legislação integrativa”.

298 REIS, José Carlos Vasconcelos dos. As normas constitucionais programáticas e o controle do Estado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 248. 299 Ibidem, p. 248. 300 Rel. Min. Demócrito Reinaldo, julgado em 21 de setembro de 1999. 301 Rel. Min. Demócrito Reinaldo, publicado no DJ em 01 de julho de 1996.

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Vale ressaltar que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) prolatou

decisão procedente ao autor da demanda condenando o Estado mencionado ao

pagamento de medicação sob esses argumentos:

“a) As Constituições Federal e Estadual impõem ao Estado o dever de proteger a criança e velar por seu desenvolvimento; b) Tais normas têm eficácia plena; c) não fosse assim, incidiria, na hipótese, o art. 5º da CF/88, garantindo o direito à vida”302.

Passaremos a verificar o rol de direitos sociais elencados no art. 6º da

CF/88303 e se todos eles podem ser considerados direitos públicos subjetivos; desde

logo esclarecemos que tal análise não possui o escopo de esgotar o tema, mas

apenas de iniciar o debate que será desenvolvido na análise de casos concretos,

especialmente acerca do direito à saúde, como corte epistemológico, no capítulo

quatro da dissertação.

Acerca do direito à educação cremos não existir nenhuma dúvida sobre a

natureza de direito público subjetivo, haja vista o próprio texto constitucional

pormenorizar os beneficiários, os obrigados à plena concretização do direito, o

percentual dos recursos públicos que os entes federados devem destinar para tal

mister, como o Estado efetivamente deverá atuar, os níveis de ensino obrigatório,

previsão de responsabilização da autoridade competente se o ensino obrigatório não

for oferecido ou for oferecido de forma irregular, inúmeras outras garantias e

diversas leis versando sobre o tema304.

302 Decisão citada no voto-vista do Min. Humberto Gomes de Barros no Resp nº 57.614-8/RS. 303 “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. 304 Apenas de forma exemplificativa elencaremos algumas delas, quais sejam: Lei nº 8.436/92 (programa de crédito educativo para estudantes carentes); lei nº 9.394/96 (Diretrizes e bases da educação nacional); Lei nº 9.424/96 (Fundo de manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental e de valorização do magistério); lei nº 10.172/01 (Plano nacional de educação); lei nº 10.197/01 (financiamento a projetos de implantação e recuperação de infra-estrutura de pesquisa nas instituições públicas de ensino superior e de pesquisa); lei nº 10.216/01 (dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo de assistência em saúde mental; lei nº10.219/01 (cria o Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à educação – Bolsa Escola; lei nº 10.260/01 (fundo de financiamento ao estudante do Ensino Superior).

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É mister transcrever o art. 208, parágrafo 1º da CF/88 que dispõe: “O acesso

ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”; de mesma dicção a lei nº

9.394/96 que estabelece no art. 5º:

“O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo”.

Ora, entendemos que não paira mais nenhuma dúvida acerca da plena fruição

desse direito diretamente do texto constitucional pela decisão judicial quando tal direito

não estiver sendo concretizado pelos demais poderes.

Vale ressaltar mais uma vez que em casos concretos que envolvam número

reduzido de pleiteantes a atuação concretizadora do Judiciário deve ser imediata,

entretanto, caso seja ação coletiva com efeitos erga omnes e de grande despesa há

que ser levado em consideração as possibilidades de exeqüibilidade da decisão

concretizadora, inclusive com análise orçamentária, anotação de prazo para

cumprimento e, na hipótese de impossibilidade material absoluta, haja vista não existir

recursos previstos em outras áreas menos essenciais que possam ser remanejados

para a concretização desse direito, o Judiciário deverá determinar que no próximo

exercício orçamentário haja previsão suficiente para a plena fruição do direito

prestacional a todos os cidadãos.

Note-se que mesmo existindo reconhecimento do direito à educação como

direito subjetivo público, sua concretização erga omnes por decisão judicial é de difícil

exeqüibilidade se não coadunar com os demais poderes e possibilidades do Estado.

Ademais, discute-se no Brasil não apenas o acesso ao ensino fundamental, mas

a qualidade desse ensino, as condições precárias de grande parte das escolas

públicas, o exíguo salário dos professores, a falta de material didático na perspectiva

das novas tecnologias, isso para elencar apenas alguns dos inúmeros problemas.

A saúde, embora não esteja escrito na Constituição que se trata de direito

público subjetivo, encontra na jurisprudência dos Tribunais Superiores essa conotação

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em diversos julgados na interpretação do artigo 6º combinado com o artigo 196 da

Constituição Federal de 1988, não obstante tais artigos serem considerados “normas

programáticas” por parte da doutrina, o Judiciário, em reiteradas decisões305 afasta a

programaticidade de tal direito e concretizam o direito à saúde como se o mesmo

estivesse em um nível hierárquico superior aos demais por relacionar-se intimamente

com o direito à vida306.

Tal direito prestacional é pormenorizado nos artigos 196 a 200 da Constituição

Federal que dispõe inclusive como será financiado, quem são os responsáveis pela

concretização, o percentual que cada ente federado deverá despender para tal fim e

um sistema único de saúde responsável pela concretização da saúde da população.

A atuação judicial na concretização de tal direito prestacional, embora

plenamente possível, deve observar as mesmas hipóteses supramencionadas.

Dos direitos prestacionais carentes de concretização este é sem dúvida o que

mais gera desconforto entre a sociedade pelo constante vilipêndio ao mesmo. É

comum existir no Brasil doenças há muito tempo erradicadas nos países centrais,

tais como malária, febre amarela, dengue. Ademais, o sucateamento dos hospitais

públicos aliado à constante falta de medicamentos, falta de leitos hospitalares e

atendimento precário sinalizam que as políticas públicas sanitárias indispensáveis à

concretização desse direito estão equivocadas; portanto, urge invocar a tutela

jurisdicional sempre que o cidadão seja tolhido do acesso à saúde, que é direito

subjetivo público.

305 Apenas em caráter exemplificativo temos no STF: Agravo no Recurso extraordinário nº 271.286-8 /RS, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 24.11.2000, Ementário nº 2013-7; Agravo no Recurso extraordinário nº 273.834-4 /RS, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 02.02.2001, Ementário nº 2017-19; Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 238.328-0/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 18.02.2000, Ementário nº 1979-5. 306 Não adentraremos na questão da hierarquia dos princípios constitucionais, entretanto vale registrar que entendemos não existir hierarquia entre os mesmos, pois nem sempre um princípio prevalecerá, na análise do caso concreto, em detrimento de outro, mas deve ser verificado caso a caso para se aplicar um ou outro princípio, quando os dois não puderem ser aplicados concomitantemente, como no caso de colisão entre direitos fundamentais.

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O direito ao trabalho figura-se um direito fundamental social prestacional de

difícil concretização pela via judiciária, haja vista a impossibilidade do Poder

Judicante determinar a criação de novos empregos. A problemática do desemprego

atinge países centrais e periféricos; desse modo, tal direito precisa da atuação dos

poderes Executivo e Legislativo na criação de políticas públicas que incentivem a

iniciativa privada para o fomento de novas frentes de trabalho. Portanto, não se pode

recorrer ao Judiciário para que ele determine em seu decisório a criação de um

emprego para determinada pessoa e muito menos para toda a imensa gama de

desempregados.

Entretanto, mesmo na impossibilidade de aplicação do direito em sua máxima

amplitude, há de se reconhecer um conteúdo mínimo e indispensável de

concretização.

O direito à moradia fora incluído no rol dos direitos sociais pela emenda

constitucional nº 26 de 14 de fevereiro de 2000, portanto, é o direito social mais

recente na Carta Magna, entretanto, a novidade veio desprovida de detalhamento

para sua concretização; não se indica quem são os responsáveis, como será

realizado tal direito, os recursos a serem despendidos, qual a política a ser

adotada...

Não obstante a situação acima exposta há algumas situações onde o

Judiciário poderá concretizar tal direito. A Constituição prevê a função social da

propriedade e a desapropriação, tais elementos poderão ser utilizados em decisão

judicial no sentido de concretizar o direito à moradia. Ora, imaginemos um terreno

abandonado ou sem utilização alguma que é ocupado por um grupo de sem-teto; o

Judiciário poderá determinar que em nome da função social da propriedade que

nesse caso é topos argumentativo para dar eficácia social ao direito à moradia, o

Executivo desaproprie a área e estabeleça aquelas famílias naquele local.

Evidentemente esse fato não poderia sofrer a crítica de incentivo às invasões, haja

vista que o direito de propriedade está ligado à sua função social e, em última

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análise, à necessidade de se concretizar o direito à moradia. Entendemos que o

direito social à moradia seja direito subjetivo público, entretanto, com possibilidades

de concretização judicial reduzida a alguns casos específicos como o apontado

acima.

Ainda acerca da moradia, na lição de Marshall:

“O direito básico de ter o cidadão uma moradia, seja lá qual for, é mínimo. Ele não pode reivindicar mais do que um teto sobre sua cabeça, e sua reivindicação pode ser atendida por um cômodo num cinema abandonado transformado num centro de recuperação”307.

O direito ao lazer consta no rol dos direitos sociais, mas não há nenhuma

garantia efetiva de concretização, nem mesmo responsabilização pelo não

implemento das políticas públicas necessárias, difícil, portanto, classificá-lo como

direito subjetivo público capaz de ser concretizado pela atuação judicial. Esse direito

encontra óbice inclusive na falta de paradigmas preestabelecidos, ou seja, como

esse direito seria efetivamente concretizado.

O direito a segurança encontra-se igualmente previsto no rol dos direitos

sociais e constitui-se um dos pilares de uma sociedade organizada e harmônica. O

Estado é devedor da concretização desse direito cujo titular é toda a sociedade. Tal

direito é concretizado com gastos na contratação e treinamento de pessoal, bem

como todo um aparato de armamentos, veículos, apenas para citar algumas

necessidades; entretanto, na atualidade verifica-se o aviltamento desse direito

exatamente pela ineficiência da Administração Pública no trato dessas questões o

que ocasiona recordes em assassinatos, assaltos e toda a sorte de crimes

tipificados no código penal, além do problema da superlotação de presídios e dos

constantes vilipêndios aos direitos fundamentais ainda de primeira dimensão.

Se a Administração pública mostra-se incapaz de vencer a “guerra” na qual

estamos imersos, o que poderia fazer o Judiciário? Ações judiciais requerendo

307 MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar. 1967, p. 97.

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efetivos da polícia em determinados bairros não atendidos poderiam surgir, e nesse

caso, o Poder judicante não poderia se furtar em determinar tal tutela; mais uma vez

verificamos que na tutela da microjustiça há plenas possibilidades de êxito, o mesmo

não se aplicando de forma tal tranqüila quando da tutela da macrojustiça. A

segurança é direito subjetivo público e caberá ao Estado destinar os recursos

necessários à sua concretização.

O direito a previdência social encontra-se delineado nos artigos 6º, 201 e

202 da Constituição Federal e, cumpridas as formalidades constitucionalmente

estabelecidas, é direito subjetivo público e gravado como cláusula pétrea.

O direito à maternidade e à infância está estabelecido nos artigos 6º, 226 a

231 e 7º, XVIII, XXV, XXXIII da Constituição Federal de 1988 e elenca que os

sujeitos passivos são a Estado, a família e a sociedade. Ora, acerca desse direito,

inclusive com as determinações do artigo 7º, verificamos que se trata de direito

subjetivo público, portanto, plenamente sindicável.

É mister ventilarmos que a atuação judicial encontra limites na análise

concretizadora de quaisquer dos direitos em estudo, pois não poderá substituir a seu

talante o Administrador público em seu mister típico. Tal argumento fora corroborado

pelo STJ quando da decisão exarada no RE nº 63.128-9/GO308, Rel. Min. Adhemar

Maciel que inclusive relembrou as características “dirigente” e “programática” da

Constituição Federal para se eximir em conceder a tutela pretendida, no caso em

análise, pelo Ministério Público do Estado de Goiás. O referido parquet, em ação

civil pública, objetivava que o Judiciário compelisse o Estado de Goiás a construir

um centro de recuperação e triagem para os adolescentes que estivessem

cumprindo medida sócio-educativa, tal pleito fora invocado pela total omissão do

Estado em realizar tal obra prevista inclusive em lei; entretanto, não conseguiu tal

provimento conforme as próprias palavras do Ministro relator, supramencionado:

308 Publicado no DJ em 20 de maio de 1996.

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“A nossa Constituição de 1988 mais do que todas as Cartas e Constituições brasileiras anteriores é “dirigente” (dirigierende verfassung) e “programática” (programmatische verfassung). (...) Essas normas programáticas se destinam especialmente aos podres públicos. Ao Legislativo, para que ele procure elaborar as normas infraconstitucionais consoante os “programas” e “ tarefas” gizados pela Constituição. Ao Judiciário, para que ele igualmente exerça a denominada “atualização constitucional” (verfassungsaktualisierung), ou seja, interprete as leis tal qual preceituado na Constituição. Acontece que no caso dos autos as normas maiores não estabeleceram, de modo concreto, a escalada de prioridade. Assim, não se tem como obrigar o Executivo a construir o Centro de recuperação e Triagem para a recepção de adolescentes submetidos ao regime compulsório de internamento. Haveria uma verdadeira intrusão do Judiciário no Executivo”.

Ora, na mencionada decisão vê-se claramente a ideologia do Estado Liberal,

ou seja, de fidelidade irrestrita à fria letra da lei. Nas palavras de Campilongo:

“A rígida delimitação da competência do sistema judicial – marcadamente distinta da competência administrativa e legislativa – reforça a imagem doutrinária do juiz técnico, esterilizado politicamente e que faz da adjudicação um silogismo capaz de garantir, dogmaticamente, a certeza do direito. Essa tipificação já foi chamada ‘folclore judicial’”309.

A atuação judicial fora aviltada no caso concreto apresentado pelo Ministro do

STJ; entendemos que o Judiciário realmente não poderia determinar a imediata

construção do Centro de Recuperação e Triagem, entretanto, não poderia,

igualmente, deixar ao livre arbítrio do administrador obra imprescindível para

concretização de direito fundamental social prestacional.

Em suma, todos os direitos sociais elencados no artigo 6º da Constituição são

direitos subjetivos públicos, entretanto alguns deles estão em níveis diferentes de

concretização pela atuação judicial; alguns como o direito à saúde e à educação já

encontram nas decisões do STJ e STF o reconhecimento necessário para plena

fruição, seja porque estabelecem, pormenorizam como devem ser concretizados,

seja porque na “escala hierárquica” dos princípios constitucionais estabelecidos pelo

STF, tais direitos se encontram no topo da pirâmide.

309 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Os desafios do Judiciário: um enquadramento teórico. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça, (org.) José Eduardo Faria. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 45.

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3.7 AUSÊNCIA DE INSTRUMENTOS ESPECÍFICOS PARA A TUTELA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS.

“Exigências constitucionais não podem ficar submetidas à previsão (ou não) de vias processuais adrede concebidas para a defesa dos direitos em causa. Não se interpreta a Constituição processualmente. Pelo contrário, interpretam-se as contingências processuais à luz das exigências da Constituição. Por isso, os caminhos processuais têm que se alargar, com base da interpretação e na analogia (se insuficientes as previsões normativas vigorantes), para abrir espaço à passagem e cômoda instalação de direitos que emergem das imposições constitucionais”310.

Confirmada a hipótese que os direitos fundamentais sociais prestacionais são

direitos públicos subjetivos, mister se faz adentrar nos instrumentos processuais

capazes de garantir a concretização de tais direitos.

Lima Lopes leciona que direito subjetivo é sinônimo de direito de ação e se há

ausência de ação, há igualmente a inexistência ou inexigibilidade do direito

subjetivo; e questiona: “ora, desde algumas décadas vem surgindo uma classe de

‘direitos’ cuja tutela não parece existir. Trata-se dos direitos sociais. (...) quais as

ações que asseguram e viabilizam os tais ‘direitos sociais’”?311

Dificuldade aventada ao controle judicial é a ausência de instrumentos

específicos para a tutela dos direitos fundamentais sociais prestacionais; o contrário

acontece com os direitos de 1ª dimensão onde encontramos arcabouço arraigado de

garantias dos direitos de cunho liberal, pois se o direito violado for a liberdade de

locomoção temos o habeas corpus; caso queiramos retificar informações ou termos

ciência das mesmas constantes em registros governamentais ou que lhe façam as

vezes temos o remédio do habeas data; contra ilegalidade ou abuso de poder no

vilipêndio de direito líquido e certo temos a garantia do mandado de segurança

individual e coletivo, mas, e os direitos fundamentais de 2ª dimensão quais 310 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Controle judicial dos atos administrativos. In: Revista de direito público, nº65, jan/mar. 1983, São Paulo, pp. 30-31. 311 LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado social de direito. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça, (org.) José Eduardo Faria. São Paulo: Malheiros, 2002, p.113.

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instrumentos jurídicos podem ser utilizados para sua plena concretização? Gustavo

Amaral discorre que “o Judiciário vem tentando resolver as questões que lhe são

postas com as fórmulas, com o instrumental próprio para resolver os

microconflitos”312. Jayme Benvenuto ventila que parte da doutrina classifica apenas

como direitos fundamentais por excelência os direitos civis e políticos (1ª dimensão)

e por esse fato possuem instrumentos para sua plena realização, enquanto os

direitos econômicos, sociais e culturais (2ª dimensão) não seriam merecedores de

realização imediata, pois sua realização seria progressiva; este autor destaca a

falácia dessa assertiva e ventila que “devemos afirmar os mecanismos já existentes

para a sua exigibilidade, assim como criar outros que venham a ser necessários”313.

Acerca dessa “progressividade”, Norberto Bobbio já destacara “um direito cujo

reconhecimento e cuja efetiva proteção são adiados sine die, além de confiados à

vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o ‘programa’ é apenas uma

obrigação moral ou, no máximo, política, pode ainda ser chamado corretamente de

‘direito’”?314

Pela falta de instrumentos jurídicos específicos para dar plena concretização

aos direitos fundamentais sociais prestacionais algumas soluções já começam a ser

esboçadas na doutrina, como verificamos na esteira do pensamento (ainda

embrionário nesse viés) de Jayme Benvenuto ao propor a criação de uma “Ação de

Cumprimento de Compromisso Social” remédio constitucional que garantiria a

“execução, pelos poderes públicos, de compromissos sociais assumidos em

programas ou diretrizes de governo ou de estado”315.

Não obstante a contribuição ainda em construção de Jayme Benvenuto,

importante frisar que ao lado dos remédios constitucionais garantidores da plena

312 AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 173. 313 LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. O caráter expansivo dos direitos humanos na afirmação de sua indivisibilidade e exigibilidade. In: Direitos humanos: os desafios do século XXI – uma abordagem interdisciplinar (org.) Rubens pinto Lyra. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 87. 314 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 79. 315 LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. O caráter expansivo dos direitos humanos na afirmação de sua indivisibilidade e exigibilidade. In: Direitos humanos: os desafios do século XXI – uma abordagem interdisciplinar (org.) Rubens pinto Lyra. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p.95.

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fruição dos direitos de primeira dimensão encontramos outros que, criados na

Constituição de 1988, foram sumariamente reduzidos em sua abrangência pela

jurisprudência dos Tribunais Superiores, quais sejam o mandado de injunção e a

ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

Antes de analisarmos esses dois instrumentos de concretização

constitucional, é preciso deixarmos claro que defendemos a tese de direitos

originários a prestação, ou seja, a decisão judicial concretizadora fundada

diretamente do catálogo de direitos fundamentais sociais prestacionais sem

necessidade de intermediação legislativa infraconstitucional; se não existem

remédios constitucionais específicos para a tutela desses direitos, os mesmos

devem ser concretizados com as ações erigidas para a defesa dos direitos de

primeira dimensão316. Dessa forma, discorreremos acerca do mandado de injunção e

da ação direta de inconstitucionalidade por omissão apenas como mais dois

instrumentos de concretização constitucional.

Em geral, a falta de concretização dos direitos fundamentais sociais

prestacionais repousa na omissão estatal e para suprir a inércia dos demais

poderes, o Constituinte originário criou o mandado de injunção que será utilizado:

“sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos

e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à

soberania e à cidadania”317; Nas palavras de Machado: “Com o mandado de

injunção, o Poder Judiciário implementa o direito, prolatando decisão de caráter

constitutivo, pois cria uma situação jurídica efetiva, inexistente antes da decisão”318.

No entendimento dos Ministros do STF, nesses 16 anos de existência do

mandado de injunção, encontramos três correntes, quais sejam: a) reconhecer a 316 Vale ressaltar que as decisões judiciais quando da concretização do direito à saúde foram fruto de mandado de segurança, instrumento processual utilizado sempre que houver, por ilegalidade ou abuso de poder, vilipêndio a direito líquido e certo perpetrado por autoridade pública ou alguém que lhe faça as vezes. 317 Artigo 5º, inciso LXXI da CF/88. 318 MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Mandado de injunção: um instrumento de efetividade da Constituição. São Paulo: Atlas, 1999, p. 141.

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mora do Legislativo e decidir acerca do provimento do direito previsto na

Constituição; b) comunicar ao Legislativo a omissão normativa marcando prazo para

supressão da lacuna e, caso prossiga a omissão, o Judiciário supriria tal lacuna; c)

reconhecer a mora do Legislativo e comunicar a esse Poder que falta a norma

regulamentadora. Este último argumento é encontrado na quase totalidade das

decisões em sede de mandado de injunção no STF319, que longe de uma mudança

no entendimento desse Pretório Excelso, aparecem como decisões isoladas e não

seqüenciadas.

O mandado de injunção é instrumento constitucional para concretização dos

direitos fundamentais sociais prestacionais dada sua natureza constitutiva; gera,

entretanto, efeitos inter partes. Não concorda com essa assertiva Elcias Ferreira, pois

entende que o mandado de injunção não abrangeria os direitos sociais por causa da

legalidade orçamentária e tributária. Sustentando esse posicionamento defende esse

autor que o objeto do mandado de injunção seria apenas o art. 5º e seus setenta e sete

incisos320. Entretanto, Barroso confirma nossa posição ao lecionar: “como não há

cláusula restritiva, estão abrangidos todos os direitos constitucionais, sejam individuais,

coletivos, difusos, políticos ou sociais”321; e é acompanhado por Magalhães que no

mesmo sentido se pronuncia: “(...) o mandado de injunção vem proteger também os

outros direitos constitucionais, como os direitos sociais e políticos”322.

Pelo mandado de injunção o Judiciário pode adotar, no viés da concretização,

duas posições: a) Julgado procedente o mandado de injunção, o Judiciário

imediatamente implementa a eficácia da norma, com efeito inter partes; b) Julgado

procedente o mandado de injunção, o Judiciário fixa prazo para elaboração da

319 Excetuando-se os MI nº232 e 283. 320 COSTA, Elcias Ferreira da. O objeto e a competência no mandado de injunção. In: Revista de Informação Legislativa nº104, ano 26, out/dez. de 1989, p. 62-63. 321 BARROSO, Luís Roberto. Mandado de Injunção: perfil doutrinário e jurisprudencial. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: FGV, nº191, jan/mar. 1993, p. 3. 322 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. As garantias dos direitos fundamentais. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, nº 115, jun/set. 1992, p. 63.

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norma e, ultrapassado o prazo, fixará as condições necessárias ao pleno exercício

do direito (concretização)323.

Entretanto, a posição do STF é pela não concretização dos direitos

fundamentais pela via do mandado de injunção324 (e vale ressaltar, por nenhuma

outra) e adota efeitos idênticos ao da ação direta de inconstitucionalidade por

omissão, não obstante as abismais diferenças entre essas duas ações325.

A orientação de boa parte da doutrina pátria acerca da aplicabilidade do

mandado de injunção discrepa da visão majoritária do STF, senão vejamos. Na

doutrina de Barroso: “(...) O Órgão Jurisdicional substitui o Órgão Legislativo ou

Administrativo competentes para criar a regra, criando ele próprio, para os fins

estritos e específicos do litígio que lhe cabe julgar, a norma necessária”326;

entretanto, o Ministro do STF Celso de Mello entende diferente ao se pronunciar:

“O STF não se substitui ao legislador ou ao administrador que se hajam abstido de exercer a sua competência normatizadora. A própria excepcionalidade desse novo instrumento jurídico impõe ao Judiciário o dever de estrita observância do princípio constitucional da visão funcional do poder”327.

Igualmente a lição do Ministro do STF Sepúlveda Pertence: “O mandado de

injunção nem autoriza o Judiciário a suprir a omissão legislativa ou regulamentar,

323 MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Mandado de injunção: um instrumento de efetividade da Constituição. São Paulo: Atlas, 1999, p. 107. 324 O Ministro Marco Aurélio no MI nº 284-DF (RTJ 139/717) foi voto vencido ao adotar a posição concretista, afirmou na ocasião que: “O mandado de injunção foi inserido no rol das garantias fundamentais como meio viabilizador dos direitos constantes da Carta e que dependem de regulamentação”. 325 Não é outro o entendimento do Ministro Moreira Alves no MI nº 107-DF: “ação outorgada ao titular do direito, garantia ou prerrogativa a que alude o art. 5º, LXXI, dos quais o exercício está inviabilizado pela falta de norma regulamentadora, e é ação que visa a obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade de que ele dependa, com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração, para que se adotem as providências necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação de inconstitucionalidade por omissão”. 326 BARROSO, Luís Roberto. Mandado de Injunção: perfil doutrinário e jurisprudencial. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: FGV, nº191, jan/mar. 1993, p.5. 327 MI nº 191-0 RJ, DJ 1.02.90, p. 280.

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editando o ato normativo omitido, nem menos ainda, lhe permite ordenar, de

imediato, ato concreto de satisfação do direito reclamado”328.

Não obstante a equiparação que o STF realiza entre o mandado de injunção e

a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, cumpre destacar que o único

ponto semelhante entre eles repousa na qualidade de terem incidência quando não

houver norma regulamentadora infraconstitucional indispensável a dar plena eficácia

a uma norma constitucional consagradora de direitos fundamentais. Entre as

diferenças: a) Legitimidade para a causa; que na ação direta de

inconstitucionalidade por omissão são os dispostos no artigo 103 da Constituição

Federal de 1988, numerus clausus, ou seja, rol taxativo sem inclusão de nenhum

outro; no mandado de injunção, qualquer pessoa em sede individual ou associações,

sindicatos, Ministério Público se se tratar de direito coletivo; b) Órgão competente

para julgamento: na ação direta de inconstitucionalidade por omissão apenas o STF,

pois se trata de controle abstrato (concentrado) de constitucionalidade. No mandado

de injunção o controle é difuso; c) Objetivo. Segundo Volney Zamenhof:

“No mandado de injunção busca-se a concretização de direito abstrato por falta de norma regulamentadora, enquanto que, na inconstitucionalidade por omissão, o que se pretende é a elaboração da norma inexistente, não sendo necessário, para tanto, que o direito de alguém seja impedido ou violado”329.

Entendemos o mandado de injunção como instrumento processual capaz de

implementar direitos fundamentais de conteúdo aberto ou fluido que por falta de

norma regulamentadora apresentam-se inviabilizados de pleno exercício pelo

cidadão. O mandado de injunção, portanto, é mais um instrumento de concretização

constitucional.

Barroso, desiludido com o tratamento jurisprudencial do mandado de injunção

(que em sua dicção o denomina “o que foi sem nunca ter sido”), leciona que tal

328 MI nº 168-5 RS DJ 20.04.90, p. 3.047. 329Apud MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Mandado de injunção: um instrumento de efetividade da Constituição. São Paulo: Atlas, 1999, p. 128.

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instrumento tornara-se uma “complexidade desnecessária” e propõe a extinção do writ

em sede de emenda constitucional que segundo ele seria nesses termos:

“Dá nova redação ao parágrafo 1º, do art. 5º, da Constituição, e extingue o mandado de injunção. Art. 1º. O parágrafo 1º, do art. 5º, da Constituição Federal, passa a vigorar com a seguinte redação: As normas definidoras de direitos subjetivos constitucionais têm aplicação direta e imediata. Na falta de norma regulamentadora necessária ao seu pleno exercício, formulará o juiz competente a regra que regerá o caso concreto submetido à sua apreciação, com base na analogia, nos costumes e nos princípios gerais do direito. Art. 2º. Fica revogado o inciso LXXI, do art. 5º, da Constituição Federal, bem como suprimida a referência a mandado de injunção nos seguintes dispositivos: art. 102, I, q, e II, a; art. 105, I, h; art. 121, parágrafo 4º, V”330.

Logo, embora realmente os “novos direitos sociais” não contenham garantias

específicas para plena concretização pelo controle judicial, isso não quer dizer que

eles não possam, seja utilizando-se das garantias dos direitos de defesa, seja pelo

mandado de injunção, serem plenamente concretizados.

Vale ressaltar que o cabimento da ação direta de inconstitucionalidade por

omissão em relação à omissão administrativa inconstitucional. É certo que não raras

vezes a Constituição não é executada apenas por falta de leis, mas pela inexecução

das leis existentes. Dessa forma, o STF julgando procedente tal ação por omissão

do Executivo marcará prazo de 30 dias para a tomada das providências necessárias

sob pena de responsabilidade. Carrazza leciona que: “convém termos presente que

a omissão do executivo pode caracterizar-se, não só pela não-edição de normas,

como também pela não-tomada de medidas de efeitos concretos, aptas a dar

efetividade a normas constitucionais”331.

330 BARROSO, Luís Roberto. Mandado de injunção: o que foi sem nunca ter sido – uma proposta de reformulação. In: Revista Trimestral de Direito Público nº17, São Paulo: Malheiros, 1997, p. 38. 331 CARRAZZA, Roque Antonio. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção. In: Revista dos Tribunais – Cadernos de direito Constitucional e Ciência política. Ano 1, nº 3, abr/jun. de 1993, p. 123.

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3.8 PRINCÍPIOS NECESSÁRIOS PARA SUPERAR AS DIFICULDADES NA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS PELA ATUAÇÃO JUDICIAL

Após a verificação das dificuldades impostas por parte da doutrina, e não raro

esposado pelo próprio órgão judicante e termos tecido críticas a alguns óbices

apontados por traduzirem pseudoproblemas, bem como evidenciado a veracidade

preocupante de questões que de fato podem impedir a atuação judicial na

decidibilidade de casos concretos concernente à concretização dos direitos

fundamentais sociais prestacionais, é preciso nesse momento, analisarmos como

certos princípios podem ser utilizados – e geralmente o são – como topos

argumentativo utilizado pelo Poder Judiciário para fundamentar suas decisões e

conferir eficácia social ao direito pleiteado.

Serão analisados os princípios da proporcionalidade, da dignidade da pessoa

humana e do mínimo existencial. Desde o momento ventilamos que não adentraremos

profundamente em cada princípio enfocado, mas apenas como cada um deles pode

favorecer o desiderato da concretização dos direitos em análise pela atuação do Poder

Judiciário.

Iniciemos com o princípio da proporcionalidade332. Na dicção de Gustavo

Ferreira: “(...) o princípio da proporcionalidade funciona como ‘um princípio de

interpretação’, auxiliando o intérprete/aplicador na tomada de decisões”333.

332 Não adentraremos na distinção existente entre o princípio da proporcionalidade e o princípio da razoabilidade; aliás acerca do tema há autores que defendem a existência de diferenças entre os dois, como verificamos em SANTOS, Gustavo Ferreira. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Limites e possibilidades. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2004, p. 128: “(...) a razoabilidade trata da legitimidade da escolha dos fins em nome dos quais agirá o Estado, enquanto a proporcionalidade averigua se os meios são necessários, adequados e proporcionais aos fins já escolhidos”; outros autores não vislumbram tal diferenciação como verificamos na obra de BARROS, Suzana Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 1996. Preferimos não aprofundar essa questão. 333 SANTOS, Gustavo Ferreira. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Limites e possibilidades. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2004. p. 144.

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Tal princípio é de extrema importância nas decisões judiciais acerca dos

direitos em discussão, pois comumente há o argumento estatal de escassez de

recursos financeiros como álibi do Estado para se eximir da concretização dos

direitos, gerando, não raras vezes, a necessidade de se verificar qual posição

jurídica deve prevalecer; evidentemente isso só poderá ser resolvido na análise do

caso concreto com o auxílio do princípio da proporcionalidade.

A proporcionalidade é auxílio interpretativo ao Judiciário inclusive quando

estiverem presentes “normas programáticas”, como se verifica nas palavras de

Perez:

“(...) deverá o magistrado, à luz do bom senso, de sua experiência de vida, de sua responsabilidade política, considerados, no mais das vezes, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, decidir a causa concreta, afastando, se for o caso, a inexeqüibilidade em tese da norma fundamental programática, definindo, se motivo houver, obrigações positivas para o Estado ou para um particular que venha a afrontar direito fundamental”334.

Böckenförde ventila que:

“La utilización del contenido jurídico-objetivo de los derechos fundamentales, que actúan en todos los ámbitos del derecho, implica necesariamente la utilización del principio de proporcionalidad como fundamento de ponderación”335.

Uma análise superficial conduziria a crítica de que a proporcionalidade dotaria

as decisões judiciais de exacerbado subjetivismo; com tal crítica não concordamos,

pois tal princípio permite, ao contrário, ventilar o caminho percorrido pelo julgador ao

serem verificados os elementos constitutivos do mesmo, quais sejam os princípios

da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

334 PEREZ, Marcos Augusto. O papel do Poder Judiciário na efetividade dos direitos fundamentais. In: Revista dos Tribunais – Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, ano 1, nº 3, abr/jun. de 1993, p. 242. 335 BÖCKENFÖRDE, Ernst Wolfgang. Los derechos fundamentales sociales en la estructura de la Constitución. In: Escritos sobre derechos fundamentales (trad.) Juan Luis Requejo Pagés. Baden-Baden: Nomos, 1993, p. 124.

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Não é outra a lição de Gustavo Ferreira quando destaca:

“Esses elementos permitem a demonstração do caminho trilhado ao ser editada a decisão, disponibilizando àqueles que são atingidos pelo resultado da aplicação da norma o conhecimento mais profundo dos fundamentos da solução adotada”336.

A proporcionalidade auxilia o magistrado na decisão do caso concreto quando,

contrapondo-se os direitos em conflito (comumente um direito fundamental versus a

alegação estatal de prejuízos aos demais pelo desfalque do erário), decide

casuisticamente qual deverá prevalecer. No sentido de superar as dificuldades ventiladas à plena concretização dos

direitos fundamentais sociais prestacionais pelo Poder Judiciário encontramos

algumas expressões paradigmáticas que remetem a verdadeiros princípios

norteadores da atividade jurisdicional. Certamente, merece destaque o princípio da dignidade da pessoa humana haja vista permear todo o catálogo de direitos

fundamentais constituindo-se na base e aspiração de todos eles; não é outro o

entendimento de Jorge Miranda:

“A Constituição confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais. E ela repousa na dignidade da pessoa humana, ou seja, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado”337.

Entretanto, vale salientar que a conteúdo semântico desse princípio não

encontra base firme na doutrina sendo fluido e difícil de ser determinado. Canotilho

concorda com nossa afirmação ao discorrer que: “a densificação do sentido

constitucional dos direitos, liberdades e garantias é mais fácil do que a determinação

do sentido específico do enunciado ‘dignidade da pessoa humana’”338, embora

Pérez Luño vislumbre um caráter dúplice, quais sejam, a garantia negativa que o

336 SANTOS, Gustavo Ferreira. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Limites e possibilidades. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2004. p. 150. 337 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra editora, 1993, p. 166-7. 338 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1997, p. 318.

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indivíduo não poderá sofrer ofensas ou ser humilhado, bem como na garantia

positiva do desenvolvimento de forma plena da personalidade de cada homem339.

Cada autor que navega nesses mares o conceitua de forma diversa,

contextualizando-o em determinado enfoque; tais construções servem para alargar

seu conteúdo, entretanto, sempre cada vez mais o mesmo é dotado de fluidez. Não

obstante tal dificuldade há inúmeras situações concretas levadas ao Judiciário em

sede de direitos fundamentais sociais prestacionais nas quais se verifica afronta e

desrespeito ao aludido princípio e, portanto, carecedoras da tutela jurisdicional.

É preciso não olvidar que a dignidade da pessoa humana é um dos

fundamentos da República Federativa do Brasil elencado no art. 1º, inciso III como

um de seus fundamentos. Segundo Rizzatto Nunes: “é a dignidade que dá a direção,

o comando a ser considerado primeiramente pelo intérprete”340. Também Canotilho

discorre acerca do princípio em destaque relacionando-o com a República quando

ventila:

“Perante as experiências históricas da aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumeron, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República. Neste sentido, a República é uma organização política que serve o homem, não é o homem que serve os aparelhos político-organizatórios”341.

Chäim Perelman, referindo-se aos direitos humanos e ao princípio da

dignidade da pessoa humana discorre que: “Com efeito, se é o respeito pela dignidade humana a condição para uma concepção jurídica dos direitos humanos, se se trata de garantir esse respeito de modo que se ultrapasse o campo do que é efetivamente protegido, cumpre

339 PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, Estado de derecho y Constitución. Madrid: Tecnos,1995, p. 318. 340 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 45. 341 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1997, p. 225.

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admitir, como corolário, a existência de um sistema de direito com um poder de coação”342.

José Eduardo Faria, leciona, em contundente síntese:

“Com a expansão dos direitos humanos, que nas últimas décadas perderam seu sentido ´liberal´ originário e ganharam uma dimensão ´social´, ficou evidente que pertencer a uma dada ordem político-jurídica é, também, desfrutar do reconhecimento da ‘condição humana’“343.

Pela incontestável relevância e estreita relação com os direitos fundamentais,

seria tal princípio absoluto? Haveria alguma hipótese de relativização desse

princípio? Qual a contribuição real do princípio em análise como topos

argumentativo (e interpretativo) ao Poder judiciário na busca pela concretização dos

direitos fundamentais sociais prestacionais?

Rizzatto Nunes vislumbra o princípio em discussão como absoluto

asseverando: “a dignidade é garantida por um princípio. Logo, é absoluta, plena, não

pode sofrer arranhões nem ser vítima de argumentos que a coloquem num

relativismo”344, dessa forma dialoga com Fernando Ferreira dos Santos que defende

a mesma tese de caráter absoluto quando dispõe que: “neste sentido, ou seja, que a

pessoa é um minimum invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar,

dissemos que a dignidade da pessoa humana é um princípio absoluto”345.

Não concorda com o caráter absoluto do princípio da dignidade da pessoa

humana Ingo Sarlet que defende justamente o caráter relativo de tal princípio ao

asseverar: “Já está sujeita a uma relativização no sentido de que alguém sempre irá

decidir qual o conteúdo da dignidade e se houve, ou não, uma violação no caso

342 PERELMAN, Chäim. Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 400. 343 FARIA, José Eduardo. O Judiciário e os direitos humanos e sociais: notas para uma avaliação da justiça brasileira. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça, (org.) José Eduardo Faria. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 95. 344 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 46. 345 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: IBDC/ Celso Bastos editor, 1999, p. 94.

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concreto”346; André Ramos Tavares também defende o caráter relativo do princípio

da dignidade da pessoa humana: “não se pode, equivocadamente, inferir do

conteúdo da dignidade da pessoa humana que se trataria de um direito ou princípio

absoluto. Não o é, assim como não é o direito à vida, que em diversas situações

hipotéticas poderia ser afastado”347

Nossa visão acerca do tema conflita com os mestres Sarlet e Tavares, haja

vista a dignidade da pessoa humana ter sido uma conquista histórica e não apenas

algo confundido com mero valor atribuído na contemporaneidade. Todo ser humano

é dotado de dignidade em intensidade idêntica a todos os demais; quando houver

vilipêndio a tal princípio pela relativização do mesmo, por exemplo, pena de morte,

mutilações, torturas, humilhações, estaremos diante não de exceções à regra, mas

de infrações que devem ser sumariamente afastadas. Não é outro o entendimento

de Rizzatto Nunes: “A dignidade nasce com a pessoa. É-lhe inata. Inerente à sua

essência”348.

Dessa forma, diante do caso concreto proposto, o Judiciário deverá balizar

sua decisão – sempre que se tratar de concretizar direitos fundamentais sociais

prestacionais – no princípio da dignidade da pessoa humana como base de toda a

construção de direitos fundamentais reconhecidos e com ele se realiza. As

expressões fluidas e abertas encontram nesse princípio norte indispensável para o

reconhecimento de sua carga semântica na análise do caso concreto. O Judiciário,

utilizando-se da expressão “dignidade da pessoa humana” estará arrimado em

princípio absoluto determinado pela Constituição atual e, portanto, suas decisões em

sede de direitos prestacionais estarão dotadas de embasamento constitucional difícil

346 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 126. 347 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 397. 348 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49.

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de ser contestadas; assim o referido princípio figura como importante topos no

auxílio às decisões do Judiciário e concretização dos discutidos direitos349.

Acerca do mínimo existencial, Ricardo Lobo Torres entende que: “Há um

direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto

de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas”350.

Não seria exagero intitular o Brasil como o país do mínimo existencial, não

porque esse seja garantido, mas pelo fato da miséria que assola de norte a sul

(especialmente no nordeste) donde mais ou menos 75 milhões de pessoas ou 47%

da população brasileira: “não encontram um atendimento de mínima qualidade nos

serviços públicos de saúde, de assistência social, vivem em condições precárias de

habitação, alimenta-se mal ou passa fome”.351 Logo, é bem oportuno defender a

sindicabilidade dos direitos fundamentais sociais prestacionais na busca pela

concretização dos mesmos utilizando como parâmetro inicial a noção de mínimo

existencial.

Ricardo Lobo Torres entende que a noção de mínimo existencial é apartada

dos direitos econômicos e sociais; na visão desse autor:

“Estremam-se da problemática do mínimo existencial os direitos econômicos (arts. 174 a 179 da CF de 1988) e sociais (arts. 6º e 7º), que se distinguem dos fundamentais porque dependem da concessão do legislador, estão despojados do status negativus, não geram por si sós a pretensão às prestações positivas do Estado, carecem de eficácia erga omnes e se subordinam à idéia de justiça social”352.

349 No capítulo 4 (quatro) desse trabalho serão analisadas decisões judiciais que coadunam a concretização de direitos e o princípio da dignidade da pessoa humana. 350 TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. In: Revista de Direito administrativo nº 177, jul/set. de 1989, p. 29. 351 KRELL, Andreas. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 17. 352 TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. In: Revista de Direito administrativo nº 177, jul/set. de 1989, p. 33.

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Ora, em momento oportuno já ventilamos acerca do caráter fundamental dos

direitos sociais e que os mesmos geram de per si direitos a prestações positivas do

estado diretamente do texto constitucional.

É curioso perceber que mesmo o tradicionalismo de vertente liberal contido

nas palavras de Lobo Torres, cede espaço àquele mínimo sem o qual o indivíduo

morreria ou teria aviltado sua condição de pessoa humana; logo, cedendo a essa

realidade, mesmo não considerando os direitos sociais como fundamentais, Lobo

Torres, na mesma obra supracitada discorre que: “os direitos à alimentação, saúde e

educação, embora não sejam originariamente fundamentais, adquirem o status

daqueles no que concerne à parcela mínima sem a qual o homem não sobrevive”353;

concluímos que o mínimo existencial aplica-se não apenas para os direitos de

primeira dimensão, mas aproveita sobremaneira os de segunda dimensão, haja vista

a possibilidade de se reivindicar tais direitos judicialmente. Ainda utilizando conceito

de Lobo Torres: “o mínimo existencial é direito protegido negativamente contra a

intervenção do Estado e, ao mesmo tempo, garantido positivamente pelas

prestações estatais”354.

Vale frisar que o autor em referência defende que o mínimo existencial é

fundamental em si mesmo e que garantem a fruição de direitos liberais; logo, não o

relaciona com os direitos sociais.

Andréas Krell afirma, se referindo aos autores alemães, que: “quase todos os

autores – até os mais conservadores – aceitam e defendem que o Estado Social

deve intervir para garantir a existência física da pessoa, o ‘mínimo existencial’”355.

353 Ibidem. 354 Ibidem, p. 35. 355 KRELL, Andreas. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 60. Tal assertiva contradiz as palavras de Lobo Torres quando afirma: “(...) principalmente na doutrina alemã, sob a denominação de direitos fundamentais sociais, em virtude de sua constitucionalização; mas segundo a maior parte dos autores germânicos que a adotam, subordina-se à justiça social, pelo que não se confundem com os direitos da liberdade nem com o mínimo existencial”. TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. In: Revista de Direito administrativo nº 177, jul/set. de 1989, p. 34.

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Entendemos que o mínimo existencial é plenamente relacionado com os

direitos sociais prestacionais e embora ainda não haja linha jurisprudencial segura

na aplicação de tal preceito, é auxílio ao Judiciário em seu mister concretizador ao

fornecer ao magistrado o parâmetro mínimo a ser concretizado em sua decisão.

Ademais, o mínimo existencial é inseparável do princípio da dignidade da pessoa

humana.

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CAPÍTULO 4 DO CONTROLE JUDICIAL: ANÁLISE DA INTERPRETAÇÃO DO ÓRGÃO

JUDICANTE ACERCA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS E SUA CONCRETIZAÇÃO

4.1 TRADIÇÃO DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO NA INTERPRETAÇÃO LÓGICO-

FORMAL EM DETRIMENTO DA MATERIAL-VALORATIVA356

“A magistratura brasileira tem desprezado o desafio de preencher o fosso entre o sistema jurídico vigente e as condições reais da sociedade, em nome da ´segurança jurídica´ e de uma visão por vezes ingênua do equilíbrio entre os poderes autônomos. Apenas a base da magistratura brasileira, por meio de alguns poucos – porém expressivos – juízes de primeira instância, é que tem tentado promover certas mudanças. Se toda a corporação judicial não renovar sua cultura técnico-profissional, permanecendo atrelada a uma visão-de-mundo liberal-clássica, sem compreender que quanto mais programáticas forem as normas dos direitos sociais, maior é o espaço deixado à discricionariedade nas decisões judiciais, o Judiciário corre o sério risco de ver a ordem jurídico-positiva fragmentada e despedaçada por uma sociedade dividida, contraditória e explosiva”357.

356 É importante ventilar que entendemos como interpretação lógico-formal aquela atrelada às idéias do antigo constitucionalismo liberal, donde o juiz era simplesmente a “boca da lei” e suas decisões eram tomadas com base na subsunção do fato à norma tornando-o um autômato. A interpretação lógico-formal dessa forma engessa o Órgão Judicante que entende não ser legitimado, e nem ser sua função, haja vista ser mister do Executivo e Legislativo, decisões de natureza política ou o adentramento na discricionariedade administrativa; em suma, refuta-se, por impertinente o debate axiológico acerca das normas, bem como o Judiciário se abstém de questionar o conteúdo material da lei, não é um juiz criativo, mas meramente lógico-dedutivo. Tal concepção prevaleceu nas Constituições liberais do final do séc. XVIII até o início do séc. XX, entretanto, inegável verificar que a partir do surgimento dos novos direitos constitucionalmente estabelecidos, quais sejam os direitos sociais, econômicos e culturais (2ª dimensão de direitos fundamentais), necessário seria uma atuação mais direta do Judiciário, haja vista, inclusive, com a superação da teoria da separação de poderes, cujo entendimento atual repousa na concepção da unicidade do poder estatal, este dividido em funções Executiva, Legislativa e Judiciária, donde encontramos funções típicas e atípicas, pois comumente verificamos o Executivo desempenhando função judicante (processos administrativos) ou legiferante (medidas provisórias), o Legislativo atuando como julgador (julgamento de crime de responsabilidade do Presidente da República) ou com função administrativa (quando organiza, seleciona e remunera seus servidores). Nesse contexto, o constitucionalismo social necessita de uma interpretação superadora daquela meramente subsuntiva, eis que surge a interpretação material-valorativa, esta preocupada com a concretização dos direitos e não simplesmente com sua enunciação formal. O Magistrado vê-se como agente de transformação social e suas decisões são dotadas de caráter político, adentrando em áreas não dantes exploradas e não olvidando da questão valorativa em suas decisões, não é mais um autômato, busca interpretar não mais a norma pela norma, em apego excessivo às formas, mas busca uma nova exegese em harmonia com os princípios constitucionais. Não é mais a “boca da lei”, mas a “boca do direito”. 357 FARIA, José Eduardo. O Judiciário e os direitos humanos e sociais: notas para uma avaliação da justiça brasileira. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça, (org.) José Eduardo Faria. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 111.

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Recasèns Siches ao acentuar a necessidade da interpretação jurídica discorre

que: “sem interpretação não há possibilidade alguma nem de observância nem de

funcionamento de nenhuma ordem jurídica”358.

Há no texto constitucional brasileiro conteúdo imodificável, pétreo, donde toda

interpretação acerca da Constituição deve estar cingida; são os denominados

direitos fundamentais; tais direitos revestem-se de status principiológico, haja vista

serem verdadeiros princípios fundamentais. Concorda com essa afirmação Ivo

Dantas quando assevera: “A interpretação constitucional há de ser feita levando-se

em conta o sentido exposto nos princípios fundamentais consagrados na lei

maior”359. Deste modo, o texto constitucional pode contemplar os mais caros direitos

e afigurar-se materialmente perfeito, mas estará fadado ao insucesso inevitável caso

haja interpretação não concernente com seus preceitos.

Igualmente, Luís Roberto Barroso ventila que “o ponto de partida do intérprete

há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que

espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins”360.

Evidentemente a interpretação constitucional há de iniciar identificando o princípio

maior, partindo do geral para o específico, chegando em última análise “à

formulação da regra concreta que vai reger a espécie”361.

É importante ventilar que a interpretação constitucional mesmo possuindo

nuances bem particulares que a diferencia da interpretação das demais normas

jurídicas, qual seja o forte caráter político-ideológico que possui, não abandona as

considerações pertinentes contidas na hermenêutica clássica e contemporânea;

358 SICHES, Luís Recasèns. Introducción al estudio del derecho. México: Editorial Porrua, 1974, p. 210. 359 DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1995, p.79. 360 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2002, p.149. 361 Ibidem.

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antes, enriquece-a com a visão interpretativa peculiar e específica requerida pelo

direito constitucional. Concordando com nosso pensamento encontramos Baracho

destacando que a hermenêutica constitucional, embora seguindo princípios próprios

do direito constitucional não abandona os fundamentos da interpretação da norma

jurídica em geral utilizados pela teoria geral do direito, pelos magistrados ou pela

administração362. No mesmo sentido Böckenförde ventila que:

“La particularidad – en modo alguno negada – de la Constitución frente a otras leyes puede ser considerada como un elemento adicional de interpretación, pero esto no permite llegar a una supresión del resto de las reglas de interpretación y a la renuncia a la estricta sujeción de la interpretación a las normas”363.

Logo, uma vez ventilada a importância da hermenêutica jurídica geral (ou

clássica) para a interpretação constitucional, recorremos a Savigny que sustentava,

ainda no século XIX, a ocorrência dos elementos clássicos da hermenêutica jurídica,

quais sejam: gramatical, lógico, histórico e sistemático para interpretação jurídica364.

O elemento gramatical preocupa-se com as questões léxicas partindo do

pensamento de que a ordem das palavras e a forma pela qual são conectadas são

importantes para se obter o adequado significado normativo365; refere-se também ao

significado dos signos normativos e o enfrentamento da problematização estudada

pela semiótica, quais sejam a sintaxe, semântica e pragmática.

362 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Hermenêutica constitucional. Revista de Direito Público, nº 14, São Paulo, 1981, p.49. 363 BÖCKENFÖRDE, Ernst Wolfgang. Los derechos fundamentales sociales en la estructura de la Constitución. In: Escritos sobre derechos fundamentales (trad.) Juan Luis Requejo Pagés. Baden-Baden: Nomos, 1993, p. 16. 364 Corrobora nossa assertiva BÖCKENFÖRDE, Ernst Wolfgang. Escritos sobre derechos fundamentales. (trad.) Juan Luis Requejo Pagés. Baden-Baden: Nomos, 1993, p. 16 ao asseverar: “la interpretación de la ley esta vinculada a las reglas de interpretación de normas de la hermenéutica jurídica-clásica, como ha sido desarrollada ejemplarmente por SAVIGNY. A estas reglas pertenecen (sólo) la interpretación sistemática, la histórica, la lógica y la gramatical”. 365 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito – técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2001, p.260.

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O elemento lógico preocupa-se com a conexão dos signos normativos, ou

como assevera Carlos Maximiliano, parte do estudo das normas de per si

consideradas, ou mesmo em conjunto, utilizando-se do raciocínio dedutivo e

alcançando uma adequada interpretação366.

O elemento histórico leva em consideração o conteúdo do enunciado da

norma mediante o exame de suas raízes históricas e de sua evolução interpretativa;

e por fim, o elemento sistemático referindo-se à unidade do sistema normativo,

entendendo que não se pode interpretar a norma jurídica isoladamente, buscando a

unidade no ordenamento jurídico, pois as normas devem ser compatíveis

sistemicamente.

Vistos os elementos da hermenêutica jurídica clássica, passaremos a

discorrer acerca da hermenêutica jurídica contemporânea, quais sejam os elementos

axiológico e teleológico; este último encontra assento em não reduzir o ato de

interpretação em simples operação matemática. Rudolf Von Jhering quando encetou

esse elemento na hermenêutica jurídica objetivava o equilíbrio entre os interesses

sociais, individuais, públicos e coletivos, pautados pelo critério da isonomia367.

O elemento axiológico é aquele relacionado aos valores que a norma

consagra para que seja vislumbrado com clareza o fim pretendido.

Em tempo, vale ressaltar que existe simetria entre os elementos da

hermenêutica clássica e contemporânea, todos relevantes para prática do ato

interpretativo.

366 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.123. 367 GUERRA FILHO, Wlllis Santiago. Direitos subjetivos, direitos humanos e jurisprudência dos interesses. Jhering e o direito no Brasil. Recife: Universitária, 1996, p. 256.

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Com esta breve explicação introdutória, destacando que a interpretação

constitucional recorre aos elementos da hermenêutica clássica e contemporânea,

ventilamos que por sua peculiaridade vai mais além, haja vista as nuances

específicas trazidas na Constituição e que inexistem na interpretação das normas

jurídicas inferiores ao texto constitucional. Como exemplo do asseverado, Paulo

Bonavides nos adverte da natureza política da norma constitucional368, pelo próprio

mister de estruturação do Estado, divisão de competências, estabelecimento (ou

resguardo) dos direitos fundamentais que sempre devem ser observados e

respeitados nas ações governamentais369.

Deduzimos que o modelo interpretativo liberal (lógico-formal) não resolve a

problematização da interpretação constitucional, haja vista este ter caráter político-

ideológico muito acentuado pelo seu próprio desiderato; tal situação se apresentou

com o surgimento do Estado Social e os direitos fundamentais sociais (2ª dimensão);

nas palavras de Chäim Perelman:

“Assim também o Estado, incumbido de proteger esses direitos e fazer que se respeitem as ações correlativas, não só é por sua vez obrigado a abster-se de ofender esses direitos, mas tem também a obrigação positiva da manutenção da ordem. Ele tem também a obrigação de criar as condições favoráveis ao respeito à pessoa por parte de todos os que dependem de sua soberania”370.

Entretanto, a prática em nossos Tribunais Superiores ainda repousa na

vetusta visão lógico-formal em detrimento da interpretação material-valorativa, esta

plenamente aplicável quando se trata principalmente do ato interpretativo do texto

constitucional, “por causa de sua visão-de-mundo rigidamente normativista e

368 Fruto do poder político denominado Poder Constituinte. 369 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997, p.420. 370 PERELMAN, Chäim. Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 400.

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formalista, o Judiciário não exige do executivo o cumprimento de suas funções, nem

tenta evitar a degradação de seus serviços essenciais”371.

Existe, pois, uma perniciosa tradição do Judiciário brasileiro na interpretação

lógico-formal em detrimento da material-valorativa. Encontraremos nos casos

concretos de modo irrefutável o formalismo com o qual o STF interpreta a CF/88,

fato observado também em relação à Constituição anterior, e esse dado empírico

permeia, com nefastas conseqüências, toda a problemática acerca da interpretação

constitucional e do controle judicial372.

Essa realidade é um legado do juspositivismo, cuja interpretação confere

prevalência absoluta às formas e às deduções puramente lógicas com prejuízo da

realidade social existente por trás de tais formas, bem como dos conflitos de

interesse regulados pelo direito e que deveriam orientar o jurista no mister

interpretativo.373

Há visivelmente o esposamento da interpretação lógico-formal, sendo

refutados por impertinentes, a influência axiológica cujo escopo não é outro senão

alcançar o máximo de justiça material. O magistrado – em caráter geral – não

costuma questionar o conteúdo material das leis, limitando-se apenas em verificar a

“subsunção do fato à norma”, com exegéticas e vetustas posições interpretativas.

Bem observa Andreas Krell quando afirma:

“Enquanto o positivismo jurídico formalista exigia a neutralização política do Judiciário, com juízes racionais, imparciais e neutros, que aplicam o direito legislado de maneira lógico-dedutiva e não criativa, fortalecendo deste modo

371 FARIA, José Eduardo. O Judiciário e os direitos humanos e sociais: notas para uma avaliação da justiça brasileira. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça, (org.) José Eduardo Faria. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 109. 372 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 372 destaca que: “O direito constitucional clássico, tão valioso durante o século passado por cimentar o valor político da liberdade, seria hoje em sua dimensão exclusivista e unilateral uma espécie de artefato pré-histórico, inútil, sem préstimo para os combates sociais da atualidade”. 373 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1999, p. 221.

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o valor da segurança jurídica o moderno Estado Social requer uma magistratura preparada para realizar as exigências de um direito material, ancorado em normas éticas e políticas, expressão de idéias para além das decorrentes do valor econômico”.374

Entendemos que a CF/88 introduziu no ordenamento jurídico pátrio rol

significativo de direitos fundamentais sociais prestacionais nunca antes

experimentado em tempos pretéritos, e com essa mudança, há a necessidade do

Judiciário rever seus critérios interpretativos, evoluindo para análise conjunta da

norma e os princípios constitucionais, sempre vislumbrando alcançar o cerne

fundamental contido na mesma e encontrando o valor tutelado por ela, não se

esquivando em prolatar decisão que efetivamente contribua para a concretização do

direito protegido.

Obstáculo a isso é que o STF, e nos reportamos a esse Tribunal Superior pelo

fato de ser sua competência a palavra derradeira em matéria constitucional, decide

com posicionamentos vetustos normas novas, contempladoras de direitos cuja

amplitude, como já ventilado alhures, não encontra precedentes na história do Brasil,

contudo, necessitam que o Judiciário abandone a posição tímida e vacilante que

adotara, especialmente no que tange à questão do controle dos atos do poder

público pertinentes à implementação de políticas públicas assecuratórias de eficácia

social aos direitos fundamentais sociais prestacionais e não continuem utilizando

métodos meramente lógico-formais, sistemáticos e dedutivos, pois a experiência

advinda nesses 16 anos da CF/88 já demonstrara que dessa maneira não se

aplicam tais direitos.

Nesse diapasão, Carvalho leciona:

“Sem descurar do enfoque político-institucional que o intérprete deve fazer valer em seu mister, a exegese constitucional deve mirar, sobremodo, a

374 KRELL, Andreas. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da prestação dos serviços públicos básicos. In: Anuário dos cursos de pós-graduação em direito nº 10 – Recife: Universidade Federal de Pernambuco / CCJ/ João Maurício Adeodato (Coord.), editora universitária da UFPE, 2000, p. 48.

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eficácia social encartada na norma. Afinal, a Constituição é meio e fim, em concomitância, do Estado e da cidadania”375.

A importância do controle judicial ao adotar uma interpretação constitucional

material-valorativa é vital num Estado democrático e social de direito, pois nele

vislumbramos basilarmente a separação das funções que compõe o poder – este

tendo como único titular o povo – bem como o efetivo controle judicial dos atos do

poder público como verdadeiro sistema de freios e contrapesos (checks and

balances) onde deve existir constante e mútua fiscalização no controle da atuação

nas funções estatais. Gisele Cittadino ventila:

“(...) a Corte Suprema deve recorrer a procedimentos interpretativos de legitimação de aspirações sociais à luz da constituição e não a procedimentos interpretativos de bloqueio, pretensamente neutros, vinculados a uma concepção de Estado mínimo e adequados a uma legalidade estritamente positivista”376.

Bem observa Mauro Cappelletti quando afirma: “a justiça constitucional,

especialmente na forma do controle judiciário da legitimidade constitucional das leis,

constitui um aspecto dessa nova responsabilidade dos juízes”.377

Esse mesmo jurista italiano, analisando as “novas responsabilidades” do

Judiciário ventila que a ele resta duas alternativas: ou mantém aquela clássica e

típica concepção oriunda do séc. XIX ou assume seu novo papel e “eleva-se ao nível

dos outros poderes, tornar-se enfim o terceiro gigante, capaz de controlar o

legislador mastodonte e o leviatanesco administrador”.378

Logo, uma separação de poderes meramente formal profanaria o princípio

idealizado por Montesquieu, pois seu escopo é tão somente a insubsistência do

poder absoluto, dessa forma resguardando-se os direitos fundamentais, uma vez 375 CARVALHO, Ivan Lira de. A interpretação da norma jurídica. In: Revista dos Tribunais, vol. 633, jul. de 1993, p. 56. 376 CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 63. 377 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1993, p. 46. 378 Ibidem, p. 46.

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que cada um dos “poderes” teria seu escopo definido, mas sujeito ao controle dos

demais. Ademais, se na atualidade essa garantia dos direitos fundamentais sociais

prestacionais encontra óbices em sua concretização justamente em respeito a esse

princípio, então é preciso verificar qual argumento está sendo utilizado para

desvirtuá-lo na realidade contemporânea, pois não se admite que, escudados sob o

pálio do mesmo, o Judiciário declare sua incompetência.

4.2 ANÁLISE DE JULGADOS ACERCA DA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS.

“El juez no puede contentarse con aplicar la ley conforme a la volunta del legislador: debe, es cierto, servirse de la ley para motivar sus decisiones, pero estas deben ser ante todo conforme a la eqüidad. El juez no está al servicio del poder que le ha nombrado, sino que está al servicio de la justicia”379.

Após todo o caminho que percorremos até este ponto é preciso verificar a

efetiva atuação do Judiciário concernente ao desiderato da eficácia social

(concretização) dos direitos fundamentais sociais prestacionais. Analisaremos, nos

casos concretos, decisões de Tribunais de Justiça, bem como os julgados do

Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Pretendemos

demonstrar que o Judiciário figura como importante e imprescindível ator na

interpretação e concretização de tais direitos, bem como corroborar as assertivas

defendidas ao longo de toda essa dissertação. Respeitando os limites desse texto

dissertativo e a necessidade de delimitação do objeto a ser analisado, passaremos a

expor e comentar decisões concernentes ao direito à saúde, educação e moradia, o

que não obstará algumas alusões aos outros direitos de mesma natureza, entretanto

com menos profundidade.

É no direito fundamental social prestacional à saúde que encontramos as

mais profícuas decisões no sentido da concretização. O Judiciário mostra-se árduo

379 PERELMAN, Chaïm. La idea de justicia em sus relaciones con la moral, el derecho y la filosofia. Crítica del derecho natural. Madrid: Taurur ediciones, 1966, p. 171-2.

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defensor desse direito e o correlaciona com a dignidade de pessoa humana (topos

argumentativo que se apresenta como fórmula a serviço dos intérpretes para

justificar e motivar as suas decisões), além de coaduná-lo com o direito à vida.

Ademais, óbices históricos utilizados pelo próprio órgão judicante explicativos de sua

constante omissão não se fazem presentes quando se trata desse direito; não se

cogita o malfadado princípio da separação dos poderes, nem a impossibilidade de

adentrar na discricionariedade da Administração Pública, nem se há legitimidade ou

não do Judiciário, nem se a questão é política, nem se a norma do artigo 196 da

CF/88 é meramente programática, nem mesmo a questão orçamentária é elevada ao

patamar da intangibilidade. Interessante registrar que se o Judiciário adotasse para

os demais direitos sociais prestacionais o mesmo critério que utiliza quando do

julgamento do direito à saúde certamente teríamos um Judiciário mais atuante e

decisivo nas questões que envolvessem o mister da concretização.

Inúmeros são os julgados que corroboram o dantes asseverado tanto nos

Tribunais de Justiça, quanto nos Tribunais Superiores, seja condenando o Estado ao

fornecimento de medicamentos (os mais variados e independentemente do valor dos

mesmos), seja determinando o custeio pelo Estado de tratamento no exterior quando

tal procedimento não exista no país ou adotando outras medidas atinentes ao direito

à saúde. Note-se que muitos dos direitos previstos em lei apenas tornaram-se

concretos, fruíveis, exercidos na prática, dotados de eficácia social, quando houve a

atuação judicial no reconhecimento e ordem para concretização.

Esse é o caso dos portadores do vírus HIV. Do extenso rol de enfermidades

que assolam o ser humano, talvez essa seja a mais cruel e perniciosa, pois não

obstante o perecimento do corpo há também outras “mortes” correlacionadas. O

portador do HIV é execrado da sociedade, estigmatizado e sofre preconceitos dos

mais variados, é visto não mais como ser humano, mas como alguém que já faleceu

e que põe em risco a vida de outras pessoas; isso desencadeia problemas

psicossomáticos, baixa auto-estima e inegável afronta à sua dignidade como pessoa

humana.

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O que salta aos olhos é que desde 13. 11. 1996 existe uma lei federal que

dispõe sobre o fornecimento gratuito de medicamentos, qual seja a Lei nº

9.313/96380, e que, não obstante a plena possibilidade de concretização do direito à

saúde diretamente do artigo 196 da CF/88 – defendida por nós nessa dissertação e

acompanhada pelo entendimento dos Tribunais Superiores381 -, ainda foi preciso que

o Judiciário se pronunciasse acerca do fato e determinasse a concretização do

mesmo. Logo, quem não deseja que os direitos sociais saiam do papel e sejam

concretizados defende o conceito de norma programática e transfere para a

legislação infraconstitucional a regulamentação para plena fruição dos direitos.

Entretanto, constatamos, ao menos no que tange o direito à saúde, que mesmo com

a edição de norma infraconstitucional se não houver vontade estatal, nunca haverá

plena concretização de nenhum direito social.

Ante á inércia do Estado Administrador ou Legislador, o Estado-Juiz deverá

atuar para que o texto constitucional não seja mais uma quimera a alimentar o nosso

faz-de-conta jurídico. A Constituição não é programa de governo! É lei, e lei

fundamental, devemos concretizá-la de forma racional, respeitando os limites fáticos,

mas sempre avançando qualitativamente.

Interessante é que anterior à Lei Federal nº 9.313/96, o Estado do Rio Grande

do Sul, na Lei Estadual nº 9.908/93, já dispunha sobre a gratuidade no fornecimento

de medicamentos, entretanto, mesmo com uma lei regulamentando o artigo 196 da

380 Que no artigo 1º determina: “Os portadores do HIV (vírus da imunodeficiência humana) e doentes de AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) receberão, gratuitamente, do Sistema Único de Saúde, toda a medicação necessária a seu tratamento”.

381 Segundo disposto no Agravo regimental em agravo de instrumento nº 238.328-0 RS, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 18.02.2000, ementário nº 1979-5: “(...) SAÚDE – PROMOÇÃO – MEDICAMENTOS. O preceito do artigo 196 da Constituição Federal assegura aos necessitados o fornecimento pelo Estado, dos medicamentos indispensáveis ao restabelecimento da saúde, especialmente quando em jogo doença contagiosa como é a síndrome da imunodeficiência adquirida”.

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CF/88 ainda se recusava em concretizar o direito dos pleiteantes, como se verifica

no RE nº242.859-3 RS382:

“Ementa: Administrativo. Estado do Rio Grande do Sul. Doente portadora do vírus HIV, carente de recursos indispensáveis à aquisição dos medicamentos de que necessita para seu tratamento. Obrigação imposta pelo acórdão ao Estado. Alegada ofensa aos arts. 5º, I, e 196 da Constituição Federal. Decisão que teve por fundamento central dispositivo de lei (art. 1º da lei 9.908/93) por meio da qual o próprio estado do rio grande do sul, regulamentando a norma do art. 196 da constituição federal, vinculou-se a um programa de distribuição de medicamentos a pessoas carentes, não havendo, por isso, que se falar em ofensa aos dispositivos constitucionais apontados”.

A total falta de vontade política do Estado do Rio Grande do Sul em

concretizar o direito à saúde no fornecimento de medicamentos figura-se tão visível

que mesmo com a decisão prolatada quando do julgamento do RE nº242.859-3 RS

supramencionado, ainda interpôs agravo regimental daquela decisão, entretanto,

mais uma vez por unanimidade de votos, os ministros do STF julgaram pela

improcedência dos pedidos do Estado e pela concretização do direito prestacional

nesses termos:

“Ementa: Agravo regimental em recurso extraordinário. Distribuição de medicamentos especiais ou excepcionais a pessoas carentes. Lei nº 9.908/93, do estado do rio grande do sul, e acordo firmado na comissão intergestores bipartite – cib. reexame de cláusulas. Impossibilidade. 1. Programa de distribuição de medicamentos especiais ou excepcionais a pessoas carentes. Lei nº 9.908/93, do Estado do Rio Grande do Sul. Ofensa ao artigo 196 da Carta Federal. Alegação improcedente. Precedentes. Acordo firmado na Comissão intergestores Bipartite – CIB. Reexame das cláusulas firmadas entre as partes no que concerne à reserva de atribuições para operacionalização dos recursos financeiros. Impossibilidade. Ofensa ao princípio federativo da separação dos poderes. Inexistência. Hipótese que trata de divisão de funções com vistas à execução dos encargos cometidos por lei ao Estado. Agravo regimental não provido”383.

Como se depreende dos textos supramencionados, não basta existir norma

infraconstitucional que regulamente os direitos insculpidos na Constituição e

denominados “programáticos”, é preciso vontade política para concretizá-los e,

382 1ª Turma do STF, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 17.09.99, ementário nº 1963-8. 383 Agravo regimental em recurso extraordinário nº257.109-1 RS, 2ª Turma do STF, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 07.12.2000, ementário nº 2015-6.

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quando da inércia dos demais poderes, o Judiciário é o último front para plena

concretização dos direitos prestacionais.

Ademais, tal discussão encontra-se pacificada na jurisprudência dos Tribunais

de Justiça, a obrigatoriedade do Estado custear tratamento ou fornecimento de

medicamentos desde que seja comprovada a necessidade do mesmo para

manutenção da vida do indivíduo. Também esses Tribunais associam o direito à

saúde com o direito à vida.

Não é outro o entendimento do Tribunal de Justiça de Pernambuco384 no

julgamento da Quinta Câmara Cível no Agravo de Instrumento nº 77516-2, Rel. Des.

Márcio Xavier, publicado no DJ em 04/04/02, cuja ementa fora a seguinte:

“Saúde Pública - Proteção - Medicamento indispensável - Dever do Estado. É dever do Poder Público, em qualquer uma de suas esferas (federal, estadual ou municipal) velar pela proteção da saúde dos seus cidadãos. E a necessidade de proteger-se a saúde e a vida, como exigência que emerge dos princípios fundamentais em que repousa o próprio Direito Natural, se sobrepõe a qualquer outro interesse, ainda que se ache este tutelado pela lei ou pelo contrato. Precedentes jurisprudenciais. Agravo improvido. Votação indiscrepante. À unanimidade, negou-se provimento ao Agravo de Instrumento”.

Igualmente na Quarta Câmara Cível no Agravo de Instrumento nº 59625-8, Rel.

Des. Napoleão Tavares, publicado no DJ em 12/09/02 o entendimento fora mantido na

ementa:

“Acão Civil Pública - Fornecimento de remédios pelo estado à população carente - competência da justica estadual em face do que dispõe o art. 198 da Carta Magna. 1- A assistência à saúde é direito constitucional, sendo dever de todos os entes do sistema federativo. 2- Não pode o Estado interromper o fornecimento de

384 Também no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul encontramos inúmeras decisões acerca da concretização do direito à saúde pelo fornecimento de medicamentos, como se depreende da análise dos reexames necessários nº 70004748745, julgado em 25/09/2002; nº70004732913, julgado em 25/09/2002; nº70004698189, julgado em 25/09/2002; nº70004679940, julgado em 25/09/2002; nº70003828563, julgado em 28/05/2002, todos com o mesmo Relator, qual seja o Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro; bem como dos agravos de instrumento nº70004674370, nº70004674412, nº70004828828, nº70004829545, todos com data de julgamento em 15/08/2002, e o mesmo Relator Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro. No mesmo Tribunal, da lavra do Des. Augusto Otávio Stern, o mesmo entendimento fora esposado no julgamento do agravo de instrumento nº70004141503, com data de julgamento em 20/06/2002.

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medicamento considerado essencial à população sob o argumento de que a União não repassou a parcela devida para custear os medicamentos, posto que conforme estabelece o art. 198 da Carta Magna, cada ente federativo é responsável pela prestação de serviços à saúde em seu âmbito de competência. 3 - Competência da Justiça Estadual para dirimir a presente lide, ex vi do art. 198 da Constituição Federal. Por unanimidade, negou-se provimento ao recurso”.

As decisões vêm se mantendo ao longo do tempo, haja vista recente decisão

no mesmo sentido denotando que a concretização do direito à saúde pelo

fornecimento de medicamentos encontra jurisprudência fortalecida. Não é outra a

decisão do Agravo Regimental nº 107716-3/01 no 2º Grupo de Câmaras Cíveis, Rel.

Des. Jones Figueiredo publicado no DJ em 15/06/04, cuja ementa:

“Embargos declaratórios. Liminar. Concessão. Portador de doença crônica incapacitante. Necessidade urgente de medicamento. Fornecimento gratuito. SUS. lei nº 9.313/96. Dispensa de licitação. periculum in mora inverso. Decisão mantida. Agravo improvido indiscrepantemente. Mérito: 1- O Sistema de Saúde pressupõe uma assistência integral, no plano singular ou coletivo, na conformidade das necessidades de cada paciente, independente da espécie e nível de enfermidade, razão pela qual, comprovada a necessidade do medicamento para a garantia da vida, deverá ele ser fornecido. 2- A impetrante, ora agravada, padece de artrite reumatóide soropositiva, doença crônica, progressiva e incapacitante, não responsiva às terapias convencionais, conforme restou comprovado em laudo médico circunstanciado. 3- A concessão da segurança, no sentido de compelir o Estado ao fornecimento gratuito do medicamento, indispensável à paciente, não viola a lei e se harmoniza com a jurisprudência sobre o tema, sendo irrelevante a alegação de entraves burocráticos a impedir o cumprimento da medida liminar, devendo-se dispensar, inclusive, malgrado a invocação, o próprio procedimento licitatório. (STJ - REsp nº 194678-SP). 4- Há que se afastar a delimitação no fornecimento de medicamentos constante da Lei nº 9313/96, ressaltando-se de logo, não ser ilegal a decisão que ordena o fornecimento de remédios pela Administração Pública ao combate de doenças que sejam indicados por prescrição médica. 5- A saúde é um direito constitucionalmente tutelado cabendo ao Poder Judiciário coibir enfaticamente qualquer usurpação desse preceito. Em outras palavras, o direito constitucional à saúde significa direito à uma saúde integral, o que implica no uso de medicamentos adequados à presteza da cura e não direito à uma saúde precária por medicamentos insuficientes ao resultado útil. Nesse fim, a decisão judicial objetiva tornar efetiva a ordem constitucional, cânone que a gestão pública, em todos os casos, haverá de observar como prática usual e não eletiva. 6- À unanimidade, negou-se provimento ao Agravo Regimental”.

Alguns preceitos são abstraídos dessa decisão supramencionada no tocante à

concretização, quais sejam: a) Qualquer pessoa com qualquer doença, desde que

seja comprovada a necessidade do medicamento, é de obrigação do Estado o

fornecimento do mesmo; b) Questões “burocráticas” não obstam a concretização do

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direito; c) Não há impedimento legal em prolatar decisão que ordena o fornecimento

de remédios pela Administração Pública ao combate de doenças que sejam indicados

por prescrição médica385; d) O Poder Judiciário deve tutelar o direito à saúde integral do

indivíduo por ser previsto constitucionalmente, portanto fundamental; e) Por fim, agindo

dessa forma, o Judiciário atua com a pretensão de concretizar a Constituição.

Interessante perceber que as ações utilizadas para provocar o Judiciário são

as mais variadas, ora é utilizado o mandado de segurança, a ação civil pública, a

ação ordinária de obrigação de fazer, logo, não há exclusão de nenhum tipo.

È mister ventilar que o Judiciário preocupa-se com o direito à saúde do

indivíduo no tocante às providências essenciais para manutenção da vida, por esse

fato é que não se exime em determinar ao Executivo que forneça o medicamento

essencial; todos os demais “acessórios” que não dizem respeito diretamente à

manutenção da vida, embora necessários á saúde, mas não essenciais, são

afastados pela tutela jurisdicional. Seguindo esse entendimento o Tribunal de Justiça

do Rio Grande do Sul, em sua Quarta Câmara Cível apreciando Agravo de

Instrumento nº 70003945730, Rel. Des. Vasco Della Giustina, julgado em 24/04/2002,

assim decidiu:

“Ementa: Agravo de instrumento. Rio Grande. Deficiência neurológica. Impossibilidade financeira de arcar com a medicação e tratamento prescritos. Fornecimento pelo Município. Direito à vida. Ao Município compete a proteção da saúde dos cidadãos, incluindo-se na obrigação o fornecimento de remédios necessários para o tratamento dos menos favorecidos. Ausência de fumus boni iuris relativamente ao custeamento, pelo Município, das aulas de natação, fisioterapia, sessões com fonoaudióloga, pedagoga e transporte. Necessidade de dilação probatória. agravo parcialmente provido”.

385 Vale ressaltar que alguns Tribunais de Justiça aceitam apenas o laudo lavrado por médico pertencente ao quadro da rede pública e não o médico particular o que entendemos ser completamente absurdo, pois apenas a demora em ser atendido por um médico da rede pública pode ocasionar a morte do paciente, haja vista a imensa fila de espera daqueles que acordam ainda de madrugada para conseguir uma ficha de atendimento.

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Logo, foi procedente o pedido relativo aos medicamentos, mas as aulas de

natação, fisioterapia e demais acompanhamentos não foram deferidos pelo fato de

não serem dotados do caráter da essencialidade.

Igualmente da lavra desse Tribunal de Justiça, foi firmado entendimento que a

saúde é direito público subjetivo no julgamento do agravo de instrumento

nº70003969532, julgado em 17/04/2002, Rel. Des. Vasco Della Giustina:

“Ementa: agravo de instrumento. medicamentos. vida e saúde são direitos subjetivos inalienáveis. ao estado compete a proteção da saúde dos cidadãos, incluindo-se na obrigação o fornecimento de remédios necessários para o tratamento dos menos favorecidos, enquanto devedor solidário da obrigação. agravo desprovido”.

Ainda no TJ/RS, o Des. Tupinambá Miguel Castro Do Nascimento foi relator da

apelação cível nº 598043289, julgada em 26/08/1998 que considerou o artigo 196 da

Constituição Federal norma auto-aplicável:

“Ementa: direito constitucional. direito a saúde. legitimação passiva ad causam. a obrigação de fornecimento de remédios, com base no artigo 196 da CF, e de qualquer dos entes federativos, cabendo ao titular do direito subjetivo constitucional a escolha do demandado. norma auto-aplicável. o artigo 196 da CF, por conter todos os elementos necessários a sua aplicação, e norma de eficácia plena. apelações improvidas”.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ) das inúmeras decisões acerca da

concretização do direito à saúde pela condenação do Estado a custar medicamentos

a hipossuficientes, elencamos algumas, haja vista as demais serem meras

repetições sob os mesmos argumentos, quais sejam, na 2ª Turma do STJ, Resp nº

57.613-0 RS, Rel. Min. Américo Luz, DJ 14.08.95:

“Mandado de segurança. menor portador de doença raríssima. importação de medicamento pelo estado. concessão da ordem. art. 196 da CF. alegação, no recurso especial, de violação no art. 1º da lei 1533/51. matéria que não pode ser revista na via eleita, por se referir a elementos de feitos cuja análise se encerra nas vias ordinárias (súmula 07 stj). honorários advocatícios. descabimento nas ações do tipo”.

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Semelhante entendimento, julgado pela 1ª Turma do STJ, Resp nº 97.912 RS,

Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 09.03.98 aponta nessa mesma direção, quando acordam:

“Medicamento – Aquisição – Liminar satisfativa – Direito à vida. É vedada a concessão de liminar contra atos do Poder Público no procedimento cautelar, que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação. Entretanto, tratando-se de aquisição de medicamento (ceridase) indispensável à sobrevivência da parte, o que estaria sendo negado pelo Poder Público seria o direito à vida. Recurso improvido”.

Nas decisões supramencionadas notamos que as duas Turmas do STJ detém

o mesmo entendimento nas ações que envolvem a concretização do direito social à

saúde pela atuação direta do Judiciário, ao condenar o Estado obrigando-o a tomar

medida comissiva favorável à eficácia social do direito constitucional. Vale ressaltar

que nem mesmo óbices de natureza processual (liminar satisfativa) foram obstáculo

intransponível, mas ao contrário, os ministros desconsideraram essa hipótese em

nome do direito pleiteado.

Ainda na 1ª Turma do STJ, no agravo regimental no agravo de instrumento nº

253938/RS, Rel. Min. José Delgado, DJ 28.02.2000, caso semelhante foi assim

decidido: “Processual civil. Agravo regimental contra decisão que negou provimento a agravo de instrumento para fazer subir recurso especial. fornecimento gratuito de medicamentos. Aids. Responsabilidade solidária do Estado e Município. Decisão uma de relator. art. 557, do CPC, e art. 38, da lei nº 8.038/90. Precedentes”.

Ora, o texto do artigo 196 da Constituição dispõe ser a saúde “direito de todos

e dever do Estado”, essa decisão do STJ corrobora a tese que o “Estado”

corresponde tanto a União, quanto os Estados, Municípios e o Distrito Federal, numa

obrigação solidária e inescusável entre todos os entes federados.

A concretização do direito à saúde pela atuação do STJ é obtida de diversas

formas, seja deferindo o custeio pelo estado de medicamento a portador do vírus

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HIV386, bem como atrofia cerebral387, tratamento de retardo mental, hemiatropia,

epilepsia, tricotilomania e transtorno orgânico da personalidade388, internação de menor

para tratamento contra o uso de drogas389, fenilcetonúria390, hepatite C391, esclerose

múltipla392, mielomeningocele infantil (doença congênita grave) cujo tratamento

necessita de aparelho terapêutico não fabricado no país393, dentre outras.

Entretanto, a concretização do direito à saúde demonstrada pelas decisões

supramencionadas pode levar a uma conclusão errônea e apressada de que esse

poder esteja julgando fora dos limites que lhe são impostos constitucionalmente; tal

crítica é equivocada, pois nem o Judiciário está julgando fora dos limites que lhe são

impostos pela Constituição, nem é seduzido em prolatar decisão desprovida de aparato

técnico e oitiva dos atores envolvidos. Analisando o caso concreto, os Ministros do STJ

nem sempre deferem o pleito dos autores, portanto descartando críticas infundadas.

Exemplo de não deferimento foi o MS nº 8895 / DF, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ

07/06/2004, pág. 00151:

“Administrativo – Serviço de saúde – Tratamento no exterior –Retinose pigmentar. 1. Parecer técnico do Conselho Brasileiro de Oftalmologia desaconselha o tratamento da "retinose pigmentar" no Centro Internacional de Retinoses Pigmentária em Cuba, o que levou o Ministro da Saúde a baixar a Portaria 763, proibindo o financiamento do tratamento no exterior pelo SUS. 2. Legalidade da proibição, pautada em critérios técnicos e científicos. 3. A Medicina social não pode desperdiçar recursos com tratamentos alternativos, sem constatação quanto ao sucesso nos resultados. 4. Mandado de segurança denegado”.

386 STJ, 1ª Turma, Resp 325337 / RJ, Rel. Min. José Delgado, DJ 03/09/2001, pág. 00159; STJ, 1ª Turma, Resp 235281, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 24/06/2002, pág. 00235; STJ, 1ª Turma, Resp 195159, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 11/03/2002, pág. 00083; STJ, 1ª Turma, AGA 253938, Rel. Min. José Delgado, DJ 28/02/2000, pág. 00071. 387 STJ, 1ª Turma, Resp 507205 / PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 17/11/2003, pág. 00213. 388 STJ, 1ª Turma, ROMS 13452/MG, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 07/10/2002, pág. 00172. 389 STJ, 1ª Turma, MC 6515, Rel. Min. José Delgado, DJ 20/10/2003, pág. 00174. 390 STJ, Resp 57608, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 07/10/1996, pág. 376026. 391 STJ, Resp 430526/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 28/10/2002, pág. 00245. 392 STJ, ROMS 11129/PR, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 18/02/2002, pág. 00279. 393 STJ, MS 8740/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 09/02/2004, pág. 127.

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Ora, tratamento de doença no exterior custeado pelo Estado é freqüentemente

determinado pelo Judiciário, entretanto, tal decisão apenas é deferida quando há pelo

menos a mínima possibilidade de êxito394.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), sendo este o “guardião da

Constituição”, houve igualmente diversas decisões acerca do tema em destaque,

vale ressaltar na 2ª Turma, o RE nº 195.192-3 RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ

31.03.2000:

“(...) Saúde – aquisição e fornecimento de medicamentos – doença rara. Incumbe ao estado (gênero) proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente. O Sistema Único de Saúde torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”.

Passaremos a analisar, na 2ª Turma do STF, os agravos de instrumento no

recurso extraordinário nº 273.834-4 RS e nº 271.286-8 RS, publicados no DJ

respectivamente em 02.02.2001 e 24.11.2000, ambos com Rel. Min. Celso de Mello,

trouxeram a mesma ementa que, em nosso entendimento, é paradigmática e

corrobora todas as hipóteses que sustentamos nessa dissertação em relação à

concretização dos direitos fundamentais sociais prestacionais pela atuação judicial

seja controlando os atos do Executivo, seja determinando de per si a concretização

do direito pleiteado. Assim encontra-se ementado:

“Paciente com HIV/AIDS – Pessoa destituída de recursos financeiros – Direito à vida e à saúde - Fornecimento gratuito de medicamentos – Dever constitucional do Poder Público (CF, arts. 5º, caput, e 196) – precedentes (STF) – Recurso de agravo improvido”.

Nas decisões em análise, há ainda o reconhecimento do direito à saúde (2ª

dimensão de direitos fundamentais) como indissociável ao direito à vida (1ª

dimensão dos direitos fundamentais), o que confirma a hipótese, também no âmbito

394 Em sentido contrário e em decisão mais antiga, a 2ª Turma do STJ no Resp 353147/DF, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 18.08.2003, p. 187: “Recurso Especial. Tratamento de doença no exterior. Retinose pigmentar. Cegueira. Cuba. Recomendação dos médicos brasileiros. Direito fundamental à saúde. Dever do Estado”.

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desse Pretório Excelso, de que as dimensões de direitos são harmonizadas e não

excludentes.

“O direito à saúde representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. (...) O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional”.

Em seqüência, a ementa dessas duas decisões ora comentadas, confirmam a

hipótese da existência de direito público subjetivo plenamente fruível diretamente do

texto constitucional sem necessidade de nenhuma intermediação infraconstitucional.

Parece não ser outro o entendimento do STF, ao menos no que pertine o direito à

saúde quando dispõe:

“(...) O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da república (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar”.

Em se tratando do direito à saúde até mesmo o caráter programático da

norma constitucional, topos argumentativo comumente utilizado como óbice à

atuação judicial é afastado nessas decisões comentadas, e a omissão dos demais

poderes recebe alguns adjetivos nada lisonjeiros como “irresponsável” e

“inconseqüente”:

“A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconseqüente. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de

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infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado”.

Por fim, o STF justifica sua decisão acerca da distribuição gratuita de

medicamentos por se tratar de pessoas hipossuficientes, portadoras do vírus HIV,

em nome da humanidade e da dignidade de pessoa humana. O que confirma a

hipótese de que este princípio é importante aliado do Órgão Judicante na

fundamentação de suas decisões concretizadoras dos direitos fundamentais sociais

de caráter prestacional. Entretanto, o mais relevante é que reconhece sua

competência para equacionar questões de natureza política:

“(...) Distribuição gratuita de medicamentos a apessoas carentes. O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF”.

Até o momento analisamos decisões que confirmam a hipótese da

concretização dos direitos fundamentais sociais prestacionais diretamente do texto

constitucional pelo Poder Judiciário (ao menos no que tange o direito à saúde),

entretanto, entre todas as decisões há uma que merece relevo, qual seja o acórdão

prolatado pela 1ª Turma do STJ no recurso em mandado de segurança nº

11.183/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 04.09.2000, que embora tenha sido citado no

capítulo anterior, procuraremos esmiuçar seus pontos principais. O referido acórdão

encontra-se assim ementado:

“Constitucional. Recurso ordinário. Mandado de segurança objetivando o fornecimento de medicamento (riluzol/rilutek) por ente público à pessoa portadora de doença grave: esclerose lateral amiotrófica – ELA. Proteção de direitos fundamentais. Direito à vida (art. 5º, caput, CF/88) e direito à saúde (arts. 6º e 196, cf/88), ilegalidade da autoridade coatora na exigência de cumprimento de formalidade burocrática”.

A referida decisão encontra-se ancorada em inúmeros princípios

constitucionais aptos a fundamentar a concretização do direito prestacional. Dessa

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forma o STJ afastou óbices que denominou de natureza “burocrática” para que fosse

atendido o pleito do demandante e arrimou no princípio democrático e de

responsabilidade do Estado ao asseverar:

“(...) A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da Democracia está na prática dos atos administrativos do estado voltados para o homem. A eventual ausência de cumprimento de uma formalidade burocrática exigida não pode ser óbice suficiente para impedir a concessão da medida porque não retira, de forma alguma, a gravidade e a urgência da situação da recorrente: a busca para garantia do maior de todos os bens, que é a própria vida”.

Vale ressaltar que o STJ nessa decisão cita jurisprudência no mesmo sentido

e inclui como beneficiários, de modo preferencial, a população carente:

“(...) É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito á saúde, que é fundamental e está consagrado na Constituição da República nos artigos 6º e 196. Diante da negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à população carente, que não possui meios para a compra de medicamentos necessários à sua sobrevivência, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos pelos quais os necessitados podem alcançar o benefício almejado (STF, AG nº 238.328/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 11/05/99; STJ, Resp nº 249.026/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 26/06/2000”.

Ademais, o STJ, nessa decisão em comentário, afasta o caráter programático

dos artigos 6º e 196 da Constituição e eleva a saúde como “princípio” maior:

“(...) Despicienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser ou não a regra dos arts. 6º e 196, da CF/88, normas programáticas ou de eficácia imediata. Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao princípio maior estabelecido, em 1988, na Constituição Brasileira, de que ‘a saúde é direito de todos e dever do Estado’ (art. 196)”.

Entretanto, o mais curioso nessa decisão do STJ, não foi o fato do Judiciário

ter olvidado o vetusto princípio da separação de poderes, sempre invocado para

eximir o Órgão Judicante do mister da concretização, mas a forma como esse Órgão

interpretou os artigos da Constituição supramencionados:

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“(...) Tendo em vista as particularidades do caso concreto, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam ao único desfecho justo: decidir pela preservação da vida. Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim, considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador, mormente perante preceitos maiores insculpidos na Carta Magna garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade humana, devendo-se ressaltar o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos”.

Relembremos que no item 4.1 criticamos a atuação judicial justamente por estar

presa a conceitos antigos e insubsistentes, cultuando uma interpretação lógico-

formal, subsuntiva, ou nas palavras de Montesquieu, o juiz como “le bouche de la loi”

sem nenhuma atividade criativa. Mantemos nossa crítica, pois infelizmente não

podemos afirmar que os outros direitos fundamentais sociais prestacionais gozam do

mesmo critério hermenêutico utilizado sui generis para o caso específico do direito à

saúde.

No final da ementa encontramos finalmente a ordem judicial que ordena a

concretização do direito:

“Recurso ordinário provido para o fim de compelir o ente público (Estado do Paraná) a fornecer o medicamento Riluzol (Rilutek) indicado para o tratamento da enfermidade da recorrente”.

Acreditamos não pairar mais quaisquer dúvidas acerca da possibilidade da

atuação judicial no sentido de concretizar o direito fundamental social prestacional à

saúde.

Concernente ao direito à educação merece destaque algumas decisões do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. No julgamento do agravo de instrumento nº

70000695064, Primeira Câmara Especial Cível, Rel. Des. Adão Sérgio do Nascimento

Cassiano, julgado em 30/08/2000 a ementa fora assim confeccionada:

“Agravo de instrumento. ação civil pública. Ensino fundamental. Escolas estaduais. Acesso para crianças menores de sete anos. Competência do juizado da infância e da juventude. Liminar para garantia de vaga. possibilidade. (...) A antecipação e tanto mais possível quanto mais se verificar que a obrigação não seriamente contestável. Direito subjetivo publico das crianças menores de sete anos a vaga e a matricula (CF, art-208, I, IV, e par-1; ECA, artigos 4 e 53, IV).

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Negando o tato, nas próprias razões de recurso, o direito das crianças, eventual defesa prévia seria protelatória, ficando evidenciado que a falta de audiência antes da liminar não violou o contraditório e a ampla defesa. Agravo improvido”.

Da decisão supramencionada verificamos que: a) A concretização do direito à

educação fora obtida por meio de ação civil pública, confirmando que tal procedimento

está apto para defesa da concretização dos direitos prestacionais; b) O ensino

fundamental é direito público subjetivo sendo obrigatória a existência de vagas e a

conseqüente matrícula.

Atento à concretização do direito, mas consciente da fronteira entre o essencial e

o cômodo, donde o que se deve assegurar é o primeiro e não o segundo, o TJ/RS, na

Apelação Cível nº 598549764, Terceira Câmara Cível, Rel. Des. Perciano de Castilhos

Bertoluci, julgado em 11/03/1999, julgou improcedente pleito que objetivava transporte

público e gratuito para menor de 12 (doze) anos chegar à escola; seu pedido fora

negado haja vista a pequena distância entre sua residência e a instituição de ensino; a

ementa fora assim instruída:

“Administrativo. Direito à educação. Transporte escolar. Sendo razoável a distância entre a casa e a escola, considerando que com 12 (doze) anos a criança já está suficientemente desenvolvida para uma caminhada que não é penosa, não há como se exigir transporte do Estado. Recurso desprovido”.

Já ventilamos alhures que a própria Constituição estabelece a educação como

direito público subjetivo, entretanto, pelo constante vilipêndio desse direito

fundamental, o Judiciário é provocado para determinar seu pleno cumprimento.

Interessante é que o mesmo TJ/RS, não obstante considerar o ensino

fundamental direito público subjetivo, também estendeu recentemente esse

entendimento para o ensino médio e profissionalizante ao julgar o agravo de

instrumento nº 70001009018, Terceira Câmara Cível, Rel. Des. Perciano de Castilhos

Bertoluci, julgado em 03/08/2000:

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“Constitucional. Administrativo. Ensino público. Panambi. ação civil pública. Garantia de vagas para alunos interessados em cursar o ensino médio e profissionalizante. Liminar concedida para garantir, por ora, a disponibilidade de vagas aos alunos matriculados no ano de 1999. Direito à educação, constitucionalmente assegurado. preliminares afastadas. agravo desprovido”.

Mas, de todas as decisões supramencionadas, o agravo de instrumento nº

597195569, Sétima Câmara Cível do TJ/RS, Rel. Des. Maria Berenice Dias, julgado em

19/11/1997, é paradigmático, pois além de reconhecer o direito à educação como

direito público subjetivo, ainda dispõe textualmente acerca da atuação judicial para dar

plena efetividade ao direito, senão vejamos:

“ECA. Ensino fundamental. Obrigatório e gratuito. Tratando-se de direito público subjetivo, a sua oferta irregular impõe a intervenção do Judiciário, a fim de assegurar a efetividade do direito constitucionalmente assegurado. Agravo improvido”.

Logo, sempre que houver omissão dos demais poderes, o Judiciário quando

provocado deverá atuar na concretização dos direitos fundamentais sociais

prestacionais.

Utilizando o princípio da proporcionalidade395, o Judiciário em alguns julgados,

vem dando prevalência ao direito à moradia em detrimento de direitos patrimoniais.

Interessante é que o fundamento para tais decisões repousa no conceito de

dignidade da pessoa humana. Não é outro o argumento utilizado na decisão do

recente agravo de instrumento nº 70008103871, Nona Câmara Cível do TJ/RS, Rel.

Des. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, julgado em 12/05/2004:

“Agravo de instrumento. Processual civil. Pedido de antecipação de tutela. SFH. Contrato de financiamento. Discussão de critérios de reajuste. Execução extrajudicial. Impossibilidade. Prevalência do direito à moradia sobre direitos patrimoniais. O direito à moradia induvidosamente prevalece sobre interesses meramente patrimoniais. (...) na pendência de litígio acerca do débito de mútuo hipotecário, deve prevalecer o direito à moradia sobre direitos patrimoniais, em homenagem ao princípio fundamental constitucional que garante o direito à dignidade humana. Agravo de instrumento provido”.

395 Defendido nessa dissertação como critério superador das dificuldades do Judiciário em concretizar direitos fundamentais sociais prestacionais.

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No mesmo sentido o agravo de instrumento nº 70008365553, Nona Câmara

Cível do TJ/RS, Rel. Des. Nereu José Giacomolli, julgado em 30/03/2004:

“(...) Isso porque a garantia da moradia se insere na preservação de um direito prevalente, ou seja, o da dignidade da pessoa humana (...)”.

Bem como no agravo de instrumento nº 70007723224, Nona Câmara Cível do

TJ/RS, Rel. Des. Nereu José Giacomolli, julgado em 02/12/2003:

“Agravo de instrumento. SFH. Revisional. Direito à moradia. 1. O trâmite de demanda revisional não autoriza a execução administrativa e/ou judicial. isso porque a garantia da moradia se insere na preservação de um direito prevalente, ou seja, o da dignidade da pessoa humana. agravo provido de plano”.

Mais uma vez utilizando o princípio da proporcionalidade, o Judiciário decidiu

que o direito fundamental à moradia prevalece inclusive contra o poder de polícia do

Município, no julgamento da apelação e reexame necessário nº 70007123417, Décima

Nona Câmara Cível do TJ/RS, Rel. Des. José Francisco Pellegrini, julgado em

16/12/2003:

“Ação demolitória. Direito de moradia. Poder de polícia do Município. Quando em conflito direito do ente público com princípio constitucional que assegura o direito de moradia, prevalece o segundo. Negaram provimento ao apelo e confirmaram a sentença em reexame necessário”.

A conclusão que chegamos acerca da concretização ao direito à moradia é

que diversas vezes esse direito prestacional é interpretado em sua dimensão

negativa, como direito de defesa, como nos casos supramencionados, logo,

garantindo o direito para aqueles que – mesmo fruto de invasões ou inadimplemento

– já possui moradia, entretanto não encontramos decisões no sentido do Judiciário

determinar a concretização do direito à moradia digna àqueles que ainda não a

possuem; esperamos que esse deva ser o próximo passo.

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Outros direitos fundamentais sociais prestacionais são verificados, no sentido

de concretização nas decisões judiciais como a assistência social aos desamparados na apelação cível nº 70000609875, Vigésima Primeira Câmara Cível

do TJ/RS, Rel. Des. Genaro José Baroni Borges, julgado em 15/03/2000, que associa

esse direito ao direito à saúde, à vida e à dignidade da pessoa humana, além de

ventilar acerca de sua aplicação imediata e incondicionada diretamente do texto

constitucional e a possibilidade do individuo exigir compulsoriamente as prestações

asseguradas nas normas constitucionais definidoras dos direitos fundamentais sociais

pelo fato de se tratar de direito público subjetivo.

Tal decisão está assim ementada:

“(...) A disposição contida no artigo 241 da constituição estadual e de aplicação imediata, sem depender de "interpositio legislatoris". assegura por si só a quem, comprovadamente carente, o direito subjetivo ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde para sua proteção e recuperação. o direito a saúde e a assistência aos desamparados (artigo 6 da CF), intimamente vinculado ao direito à vida e ao princípio da dignidade da pessoa humana, e direito fundamental no sentido formal e material, de aplicação imediata e incondicionada, nos termos do parágrafo 1º do artigo 5º da Constituição Federal, sendo dada ao indivíduo a possibilidade de exigir compulsoriamente as prestações asseguradas nas normas constitucionais definidoras dos direitos fundamentais sociais. Provimento negado. Sentença confirmada em reexame necessário”.

Por fim, é preciso verificar algumas decisões acerca do direito fundamental

social prestacional ao trabalho. Em crítica apressada poderíamos questionar como

seria a atuação judicial no mister da concretização desse direito. Ora, é evidente que

o Judiciário não poderá determinar aos demais poderes que criem empregos! A crise

do desemprego é mundial e atinge indistintamente países centrais e periféricos.

Dessa forma, como efetivar tal direito no âmbito judicial?

O direito ao trabalho é utilizado como direito negativo, de proteção, nos

julgados que foram analisados.

Em algumas decisões, mais uma vez, se utiliza o princípio da

proporcionalidade, como no julgamento agravo de instrumento nº 70007923121,

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Vigésima Câmara Cível do TJ/RS, Rel. Des. Rubem Duarte, julgado em 05/05/2004,

onde conflitavam a liberdade de gestão administrativa e o direito ao trabalho, este

prevaleceu.

“Mandado de segurança. Liminar deferida. Médico que não integra o corpo clínico impedido de internar seus pacientes. Único hospital do Município. Liberdade de gestão administrativa não se sobrepõe ao direito do paciente de acesso à saúde e ao direito ao trabalho. Disposição do artigo 25 do código de ética médica e artigo 196 da Constituição Federal. Agravo desprovido. Unânime”.

Logo, como vimos na análise de diversos julgados tanto nos Tribunais de

Justiça quanto nos Tribunais Superiores, os direitos fundamentais sociais

prestacionais devem ser concretizados pelo Judiciário sempre que haja omissão dos

demais poderes para esse mister.

Dada a pluralidade desses direitos, ocorre que alguns são mais fáceis de

concretizar e outros extremamente difíceis, entretanto, avanços na atuação judicial

acerca do direito à saúde e à educação demonstram auspicioso futuro na

decidibilidade dos demais direitos elencados no artigo 6º da Constituição Federal de

1988.

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CONCLUSÕES

Após todo o caminho percorrido e verificando as hipóteses levantadas no

início desse trabalho, é preciso tecer considerações se as mesmas se confirmaram

ou não.

Realmente, as dimensões de direitos fundamentais são harmonizadas e não

excludentes, portanto concluímos que não há respeito pelos direitos fundamentais

de 1ª dimensão sem que haja efetivação dos direitos fundamentais sociais

prestacionais de 2ª dimensão e os direitos difusos de 3ª dimensão, posto serem

irmãos trigêmeos e inseparáveis nessa fundamentalidade observados os conceitos

atuais; como exemplo ilustrativo imaginemos o direito fundamental à vida (direito de

defesa, negativo, 1ª dimensão), entretanto, para que exista vida é preciso também

garantir a saúde (direito prestacional, positivo, 2ª dimensão), pois não é inteligível

defender a tese que haja pleno respeito pela vida humana sem que exista o

oferecimento prestacional do serviço sanitário para assegurá-la e protegê-la; ademais o

meio ambiente deve estar equilibrado (direito difuso, 3ª dimensão) pois a poluição e

degradação do meio ambiente ameaça a saúde e a vida dos seres humanos. logo,

confirma-se a primeira hipótese.

A segunda hipótese também fora confirmada, pois pelo menos em três

acepções formais verificamos a fundamentalidade dos direitos sociais, posto que,

integrando o corpo textual da Constituição Federal revestem-se como norma

hierarquicamente superior em todo ordenamento jurídico; possuem limites materiais em

reforma constitucional, pois são cláusulas pétreas e insuscetíveis de modificação ou

supressão; além do mais, o próprio texto constitucional determina no art. 5º parágrafo

1º que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais são diretamente

aplicáveis. Sustentamos que tal preceito constitucional confere eficácia plena a todo

o catálogo de direitos e garantias fundamentais, sejam individuais ou sociais, bem

como todos aqueles expressos ao longo de toda a Constituição e nos tratados

internacionais que o Brasil seja signatário.

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A terceira hipótese repousa no reconhecimento da existência de direitos

subjetivos a prestações diretamente do texto constitucional e sem intermediação

legislativa infraconstitucional sempre que for condição indispensável para uma

existência digna de pessoa humana, portanto, plenamente sindicável quando existirem

óbices de natureza comissiva ou omissiva pelo poder público à sua concretização. A

situação donde se vislumbra a recorribilidade ao Poder Judiciário para que ele atue de

maneira positiva ordenando a concretização do direito social ou determinando de per si

tal desiderato encontra consonância com o atingimento do princípio da dignidade da

pessoa humana, portanto, sempre que ao indivíduo for negada uma existência com

dignidade, poderá o mesmo ajuizar ação no sentido de ter seus direitos fundamentais

plenamente respeitados e efetivados. Nunca é demais ventilar as palavras de Gisele

Cittadino quando discorre que: “mesmo nos casos de ausência, no ordenamento

jurídico, de norma aplicável a um caso, cabe ao juiz solucioná-lo, concretizando o

direito dos impetrantes, independentemente da existência de regulação”396.

Acerca da quarta hipótese suscitada destacamos que os óbices apontados pela

doutrina à plena atuação do Poder Judiciário na concretização dos direitos

fundamentais sociais prestacionais apresentam-se como falsos problemas, como é o

caso de afronta ao princípio da separação de poderes, haja vista o novo paradigma

encetado pelo constitucionalismo social e o entendimento que existe apenas um poder,

qual seja, o poder estatal com tripartição de suas funções, sendo estas subdivididas em

típicas e atípicas. Igualmente é falso problema a questão da falta de legitimidade do

Judiciário em equacionar questões políticas, ora, sendo a Constituição Carta política e o

STF seu guardião, não se pode afastar da tutela jurisdicional questões políticas, o juiz

não é autômato, participa da construção jurídico-política, segundo Eros Grau: “todas as

decisões jurídicas, porque jurídicas, são políticas”397.

396 CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 69. 397 GRAU, Eros Roberto. Despesa pública – conflito entre princípios e eficácia das regras jurídicas – o princípio da sujeição da Administração às decisões do Poder Judiciário e o princípio da legalidade da despesa pública. In: Revista Trimestral de Direito Público nº2, Malheiros, 1993, p. 133.

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Se os objetos dos direitos fundamentais sociais prestacionais são abertos e

amplos demais, a atuação judicial é indispensável para interpretar e decidir no caso

concreto a abrangência desse direito casuisticamente. A discricionariedade

administrativa deve ser controlada pelo Judiciário sempre que a conveniência e

oportunidade ferir o disposto nas normas constitucionais, posto que deve se controlar a

arbitrariedade. O Judiciário deve enfrentar tais questões, entretanto, ainda insiste em

não adentrar na questão do mérito administrativo, pois o considera insindicável. As

decisões judiciais pesquisadas confirmam essa hipótese cuja análise fora realizada em

dois momentos, antes e após a CF/88.

Não há prejuízo ao princípio igualitário e democrático, ao contrário, ao decidir o

caso concreto, o Judiciário abre precedente aos demais indivíduos, põe em mora os

demais poderes gerando reivindicação social e impulsiona a adoção de políticas

públicas pela pressão popular.

Existem direitos públicos subjetivos originários a prestações, entretanto, cada

direito fundamental social prestacional será concretizado em graus diferentes, não

havendo homogeneidade entre eles; vimos que o Judiciário reconhece o direito público

subjetivo à obtenção de medicamentos (qualquer que seja e para qualquer

enfermidade), entretanto, não se pode provocar o Judiciário para obter renda mais alta

ou um emprego! Embora seja direito fundamental, encontra-se em outro grau de

concretização.

Problema real é a ausência de instrumentos específicos para a tutela dos direitos

fundamentais sociais prestacionais, entretanto, verificamos que não obsta a atuação

judicial, haja vista a utilização de remédios constitucionais como o mandado de

segurança, bem como ações cautelares, obrigação de fazer com pedido liminar, ação

civil pública. Ressaltamos ainda a possibilidade de ser utilizado o mandado de injunção

para plena concretização dos direitos via Judiciário e da ação direta de

inconstitucionalidade por omissão para determinar a mora legislativa ou o cumprimento

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da decisão em trinta dias quando se tratar da Administração; ademais, existe a ação

direta de constitucionalidade contra leis em tese que desrespeitem tais direitos.

A questão que envolve o orçamento é mais complicada e pode ser óbice real à

atuação judicial, especialmente na exeqüibilidade de suas decisões. Vislumbramos

apenas uma hipótese donde a decisão judicial não deverá ser acatada pela

Administração, qual seja, quando não existir de forma alguma dinheiro para tal, nem

mesmo retirando (flexibilizando) recursos de outras áreas não essenciais, o que Eros

Grau denomina de “exaustão da capacidade tributária”398. Note-se que a simples falta

de autorização legislativa não obsta o cumprimento da decisão concretizadora, pois

como vimos, quando conflita o princípio da legalidade da despesa pública e o princípio

da sujeição da Administração Pública às decisões do Poder Judiciário, deve prevalecer

esta última.

O princípio da proporcionalidade auxilia o Judiciário na superação dos óbices

apontados posto que sempre apontará para concretização do direito mais fundamental

para o caso concreto. A dignidade da pessoa humana permeia todo o debate acerca de

direitos fundamentais e juntamente com a noção de mínimo existencial apresenta-se

como paradigma e topos argumentativo na motivação das decisões concretizadoras.

A quinta hipótese se confirmou pelo estudo realizado, pois o advento do

constitucionalismo social exige outra leitura do vetusto princípio da separação de

poderes, bem como dota o Judiciário de legitimidade e competência, entretanto,

verificamos que quando se trata de equacionar microconflitos ou de dotação financeira

de pequeno porte, existe plena exeqüibilidade da decisão judical, o que não ocorre com

os macroconflitos donde não extraímos nenhuma decisão na jurisprudência, tal

assertiva confirma a sexta hipótese.

398 GRAU, Eros Roberto. Despesa pública – conflito entre princípios e eficácia das regras jurídicas – o princípio da sujeição da Administração às decisões do Poder Judiciário e o princípio da legalidade da despesa pública. In: Revista Trimestral de Direito Público nº2, Malheiros, 1993, p. 146.

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A farta jurisprudência que encontramos confirma a sétima e última hipótese,

quais sejam os inúmeros julgados em diversos Tribunais de Justiça, bem como no STJ

e STF que concretizaram direitos fundamentais sociais prestacionais.

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