UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS CURSO DE G

68
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS CURSO DE GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO HORTAS E JARDINS MICROLOCAIS PARA UMA PRODUÇÃO AUTÔNOMA DOS ESPAÇOS COLETIVOS Núria Manresa Camargos Belo Horizonte, MG 2012

Transcript of UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS CURSO DE G

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

HORTAS E JARDINS MICROLOCAIS

PARA UMA PRODUÇÃO AUTÔNOMA DOS ESPAÇOS COLETIVOS

Núria Manresa Camargos

Belo Horizonte, MG

2012

Núria Manresa Camargos

HORTAS MICROLOCAIS

PARA UMA PRODUÇÃO AUTÔNOMA DOS ESPAÇOS COLETIVOS

Monografia de Graduação defendida perante a banca examinadora, requisito necessário à aprovação na disciplina Trabalho de Conclusão de curso – TCC do Curso de Graduação de Arquitetura e Urbanismo.

Orientadora: Silke Kapp

Belo Horizonte

Escola de Arquitetura da UFMG

2012

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

i

AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha orientadora, Silke Kapp, pelas críticas, paciência e atenção durante este trabalho e por ter me mostrado um outro caminho durante o curso de arquitetura.

À Mary Guimarães, pela persistência inspiradora e aos moradores da Vila das Antenas que compartilharam comigo suas vivências.

Aos colegas da disciplina Conexão Morro-Asfalto, por acreditarem no trabalho.

Aos funcionários do CEVAE e ao Márcio Gibran, pela atenção e disponibilidade.

À Ana Paula Baltazar, pelas críticas, contribuições e apoio.

Aos colegas do MOM, principalmente a Lígia Milagres pelos ensinamentos e conversas instigantes.

Às amigas da casa da Val, pela troca de ideias que prolongavam os minutinhos do café.

Aos amigos da arquitetura, pela troca de ideias e experiências compartilhadas, especialmente a Mariana Maia, Julia Garcia, Anna Lobato, Thiago Fontes e Flora Rajão.

Às amigas, Fabiana, Fernanda, Michelle, Raquel e Patrícia.

A Lourdes e Neusa, pelas risadas e momentos de descontração.

Aos meus pais, Josefa e Cláudio pelo carinho constante e inúmeras conversas e discussões à mesa.

Ao Matheus pela sinceridade, companheirismo e discussões sobre este trabalho.

Ao Iaio e a Iaia, pelas boas memórias da infância e por servirem de inspiração.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

ii

Hoje, mais do que nunca, não existe pensamento sem utopia. Ou então, se nos contentarmos em constatar, ratificar o que temos sob os olhos, não iremos longe,

permaneceremos com os olhos fixos no real. Como se diz: seremos realistas... Mas não pensaremos! Não existe pensamento que não explore uma possibilidade, que não tente

encontrar uma orientação. (Henri Lefebvre, Espaço e Política)

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

iii

RESUMO

Esse trabalho busca investigar hortas e jardins urbanos como uma das possíveis estratégias de fortalecimento da organização popular, da produção autônoma do espaço, da ação política no espaço a partir da articulação entre ações cotidianas e também como argumento e frente de resistência. Foram feitos cinco levantamentos de casos de hortas, pomares e jardins urbanos em Belo Horizonte, analisando-se, por um lado, o engajamento dos moradores e, por outro, o grau, o direcionamento e os efeitos da interferência de agentes externos (independentes ou ligados a órgãos públicos e outras organizações).

Palavras-chave: hortas, produção do espaço, autonomia.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

iv

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1-Processos de ocupação. .........................................................................................................2

FIGURA 2- Novas unidades habitacionais da Vila São José. ...................................................................3

FIGURA 3- Mapa com os casos investigados. ....................................................................................... 12

FIGURA 4- Localização dos CEVAE em Belo Horizonte. ....................................................................... 14

FIGURA 5 – Localização do CEVAE ...................................................................................................... 16

FIGURA 6 – Técnicas desenvolvidas pelos agricultores para construir canteiro alto. ............................ 17

FIGURA 7 – Jardim na Rua Principal, Vila das Antenas Palco, Aglomerado Morro das Pedras. ........... 22

FIGURA 8 – Horta no final do Beco D, Vila das Antenas, Aglomerado Morro das Pedras. .................... 22

FIGURA 9 – Dona Adelina e suas plantas. ............................................................................................. 23

FIGURA 10 – Casa da Dona Adelina e espaço vazio perto da quadra................................................... 23

FIGURA 11 –Os limites do Aglomerado Morro das Pedras e do CEVAE. .............................................. 24

FIGURA 12 – .Os espaços livres do Aglomerado. .................................................................................. 24

FIGURA 13 – Dona Adenina no espaço vazio ao lado de sua casa. ...................................................... 25

FIGURA 14 – Acesso ao parque da Terceira água feito pela equipe do viveiro escola. ......................... 26

FIGURA 15 – Rua da casa das agricultoras usada como extensão das casas. ..................................... 29

FIGURA 16 – Entorno horta.................................................................................................................... 29

FIGURA 17 –Horta Vila Santana do Cafezal. ......................................................................................... 32

FIGURA 18 – Condicionamento de esterco bovino e contenção utilizando pedaços de madeira na Horta Vila Santana do Cafezal. ....................................................................................................... 32

FIGURA 19 – Mutirão na Horta Terra Nossa – moradores da Vila, parceiros e Grupo Pólos. ................ 35

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

v

FIGURA 20 – Canteiro de alfaces na Av. Raja Gabaglia em frente a Vila das Antenas. ........................ 37

FIGURA 21 – Alguns dos agricultores da Vila das Antenas. .................................................................. 38

FIGURA 22 – Panfleto da primeira (21 de abril) e da segunda (2 de junho) Manhã das Plantas na Vila das Antenas. .................................................................................................................................... 39

FIGURA 23 – Primeira Manhã das Plantas (21 de abril) ....................................................................... 40

FIGURA 24 – Primeira Manhã das Plantas (21 de abril) ....................................................................... 40

FIGURA 25 – Primeira Manhã das Plantas (21 de abril) ........................................................................ 41

FIGURA 26 – Plataforma: faça o seu canteiro ........................................................................................ 42

FIGURA 27 – Cartões de dica da Santa e da Miúda .............................................................................. 45

FIGURA 28 – Cartões de dica da Fia e da Adelina ................................................................................ 46

FIGURA 29 – Cartões de dica da Miúda e da Geralda ........................................................................... 47

FIGURA 30 – Sra. Adelina conferindo as dicas na segunda Manhã das Plantas (2 de junho) ............... 48

FIGURA 31 – Carregando a muda de ameixa na segunda Manhã das Plantas (2 de junho) ................. 48

FIGURA 32 –Espaço de viver junto com o espaço de plantar na Vila das Antenas. Beco C à direita e Beco D à esquerda. ......................................................................................................................... 52

FIGURA 33 – Espaço de viver separado do espaço de plantar - ruas sem vida no Aglomerado da Serra. ........................................................................................................................................................ 52

FIGURA 34 – Espaço de plantar no Morro das Pedras separado do espaço de viver. .......................... 52

QUADRO 1. Categorias das hortas e jardins estudados ........................................................................ 13

QUADRO 2. Síntese das informações sobre o CEVAE Capitão Eduardo .............................................. 18

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

vi

QUADRO 3. Síntese das informações sobre o CEVAE Morro das Pedras ............................................ 21

QUADRO 4. Síntese das informações sobre o Projeto Jardim Cidadão................................................. 27

QUADRO 5. Síntese das informações sobre a Horta no Conjunto Paulo VI .......................................... 30

QUADRO 6. Síntese das informações sobre a Horta comunitária na Vila do Cafezal ............................ 32

QUADRO 7. Síntese das informações sobre a Horta comunitária Terra Nossa ..................................... 35

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

vii

LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS

AU – Agricultura Urbana

AMAU – Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana

CAUP - Centro de Referência em Agricultura Urbana e Periurbana

CCF - Cidades Cultivando para o Futuro

CEMIG - Companhia Energética de Minas Gerais

CSESC – Centro Socioeducativo Santa Clara

CEVAE – Centro de Vivência Agroecológica

COPASA – Companhia de Saneamento de Minas Gerais

IEF – Instituto Estadual de Florestas

IGC – Instituto de Geociências

MOM – Morar de Outras Maneiras

PAC – Programa de Aceleração do Crescimento

PBH – Prefeitura Municipal de Belo Horizonte

PDDI – Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte

RMBH – Região Metropolitana de Belo Horizonte

PRODECOM – Programa de Desenvolvimento de Comunidades

UMEI – Unidade Municipal de Educação Infantil

ZEIS – Zona Especial de Interesse Social

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

viii

SUMÁRIO

LISTA DE ILUSTRAÇÕES ....................................................................................................................................................... IV

LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS ............................................................................................................ VII

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................. 1

2 METODOLOGIA............................................................................................................................................................. 10

3 CASOS DE AUTOPRODUÇÃO DO ESPAÇO: HORTAS E JARDINS ......................................................................... 12

3.1 CEVAE ...................................................................................................................................................................... 13

3.2 PROJETO JARDIM CIDADÃO .......................................................................................................................................... 25

3.3 HORTA NO CONJUNTO PAULO VI .................................................................................................................................. 27

3.4 HORTA COMUNITÁRIA VILA SANTANA DO CAFEZAL – AGLOMERADO DA SERRA ................................................................ 30

3.5 HORTA COMUNITÁRIA TERRA NOSSA – VILA ACABA MUNDO .......................................................................................... 33

4 OS CASOS DA VILA DAS ANTENAS .......................................................................................................................... 36

4.1 CONTEXTO .................................................................................................................................................................. 36

4.2 OS AGRICULTORES DA VILA DAS ANTENAS .................................................................................................................... 36

5 INTERFACES PARA PRODUÇÃO E GESTÃO DE HORTAS NA VILA DAS ANTENAS ........................................... 42

5.1 PLATAFORMA COLABORATIVA: FAÇA O SEU CANTEIRO .................................................................................................... 42

5.2 CARTÕES COLECIONÁVEIS ............................................................................................................................................ 43

6 CONCLUSÕES .............................................................................................................................................................. 49

7 REFERÊNCIAS .............................................................................................................................................................. 54

8 ANEXOS ........................................................................................................................................................................ 56

8.1 ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA NO CEVAE ....................................................................... 56

8.2 ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA NA VILA DAS ANTENAS – FRENTE: JARDINS

MICROLOCAIS .................................................................................................................................................................... 56

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

ix

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

1

1 INTRODUÇÃO

Imagine que durante um percurso feito a pé na cidade você pudesse parar cinco minutos, sentar-se à sombra de uma amoreira e comer algumas frutas enquanto descansa. Imagine que em vez de terrenos baldios cheios de entulho houvesse pomares entre os prédios. Imagine trocar, entre vizinhos, alimentos autoproduzidos. Imagine ter uma horta coletiva (com seus vizinhos) em um espaço inutilizado do seu bairro. O que falta para termos uma cidade com mais espaços verdes nos quais a população se engaja de fato? Qual é o tipo de ação que poderia funcionar para difundir a prática da agricultura urbana como forma de autoprodução do espaço cotidiano e de formação de redes sociais de vizinhança?

As ruas estão cada vez mais inóspitas: de um lado carros desrespeitosos, do outro, muros ou grades “protegendo” edifícios altos cobertos de azulejos quadrados. Os espaços de todo mundo são de ninguém. A rua, cada vez menos, é lugar de parar, conversar, olhar quem passa, plantar árvores, colocar um banquinho. Os vizinhos não se conhecem e por isso não se juntam, não discutem questões da vida cotidiana, do bairro, da cidade. Para compensar, surgem redes formadas na internet que recriam as ideias de ajuda mútua e vizinhança num espaço virtual. Existem redes sociais na internet1 para caronas, para hospedagem, para troca de mudas, daqui a pouco surgirá um site para pedir xícaras de açúcar enquanto o espaço urbano está cada vez mais indiferente às relações cotidianas dos moradores.

A população de maior renda foge das áreas centrais da cidade, que perderam qualidade ambiental em razão do adensamento construtivo impulsionados por mecanismos de valorização privada, e migra para áreas mais distantes dos centros urbanos expulsando a população pobre que ali vive. Os pobres, então, começam um novo processo de ocupação, dessa vez na “periferia da periferia”. Assim acirram-se cada vez mais as expansões desnecessárias de tecido urbano, gerando dificuldades de disponibilização de infraestrutura e serviços, esvaziamento populacional dos centros, desigualdades sócio-espaciais e também prejuízos para as zonas rurais e de preservação (PDDI, Vol. 2, 2011).

1 www.caronas.com; www.couchsurfing.org; www.jardineiro.net/phpBB/viewforum.php?f=40.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

2

FIGURA 1-Processos de ocupação. Fonte:arquivo da autora, 2012.

Como observa Taschner (2000, p.274), no contexto das ocupações urbanas, além das desigualdades sócio-espaciais, deve-se necessariamente, incluir o conceito de desigualdade ambiental, evidenciando a indissociabilidade entre pobreza e degradação ambiental urbana. A população mais pobre ocupa as áreas ambientalmente mais frágeis constituindo as favelas. Os territórios que se oferecem a essa população são encostas de altas declividades ou propensas a erosão, fundos de vale sujeitos a enchentes ou áreas de preservação de mananciais. A expulsão dos pobres das chamadas áreas de risco, não implica na melhoria das condições ambientais da cidade e nem das condições de moradia, já que devido aos baixos valores de indenização essa população acaba por reocupar novas áreas ambientalmente frágeis e sem infraestrutura. As atuais intervenções públicas em áreas de vilas e favelas de Belo Horizonte também não contribuem para a melhoria da qualidade ambiental urbana. Praticas nocivas, como a pavimentação asfáltica ou o manejo da água baseado na canalização de córregos e na evacuação rápida continuam sendo empregadas indiscriminadamente (Cabral, 2005).

Como exemplo, abaixo, imagem das unidades habitacionais construídas com recursos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) na Vila São José. O projeto, divulgado na mídia como uma

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

3

das maiores obras sociais do Brasil, prevê além da construção de 1408 unidades habitacionais padronizadas que substituirão todas as casas e barracos, a canalização do córrego São José, a implantação da Avenida João XXIII numa extensão de 1 km e o prolongamento das Avenidas Pedro II e Tancredo Neves numa extensão de 1,8 km.

FIGURA 2- Novas unidades habitacionais da Vila São José. Fonte: http://portalpbh.pbh.gov.br, 2012.

“Eles não querem pobre morando perto do centro”, como disse a Sra. Letícia conhecida como Miúda em conversa sobre as obras viárias na Vila das Antenas2 que removeram muitos moradores. Se nas regiões conurbadas com a cidade os pobres são expulsos para dar lugar a condomínios com qualidade ambiental para a classe média e alta, na região central são expulsos primeiramente para dar lugar a vias que desafogarão o trânsito congestionado de veículos particulares. “A dinâmica de crescimento expansionista e excludente da cidade torna o acesso a espaços cotidianos bem inseridos na malha urbana um privilegio de poucos, ao mesmo tempo que gera um esvaziamento das áreas melhor providas de infraestrutura.” (PDDI, Vol. 2, 2011, p.362)

Miúda nasceu em Águas Formosas, norte de Minas Gerais, onde trabalhava na roça. Há mais de trinta anos se mudou para a Vila das Antenas em Belo Horizonte. Assim como ela, muitos moradores de zonas rurais migraram para cidades grandes entre as décadas de 1970 e 1980, em razão da mecanização da produção agrícola, das más condições para os agricultores de pequeno porte e da promessa de emprego nas cidades. Muitos desses migrantes se juntaram aos moradores das favelas existentes em Belo Horizonte ou ocuparam novas áreas vazias, construindo suas próprias casas, caracterizadas pela escassez de recursos técnicos e financeiros e pela precariedade de localizações urbanas (ora periféricas, ora centrais em terrenos de difícil ocupação).

2 Favela que faz parte do Aglomerado Morro das Pedras na região Oeste de Belo Horizonte.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

4

Sem parcelamento prévio, os limites dos lotes nas favelas foram e são definidos por negociação entre os vizinhos, as casas são construídas pelos moradores, os quintais preservam o conhecimento popular em forma de plantas medicinais e hortaliças desconhecidas pelos moradores da cidade formal. Essa combinação de fatores, com todas as suas desvantagens evidentes, também pode gerar espaços urbanos espontâneos, vivos e agradáveis. Jardins e quintais cuidados por moradores, mobiliários autoconstruídos no espaço público, ruas e becos dos quais pedestres e, particularmente, crianças se apropriariam, são algumas das imagens comuns nas favelas. No entanto, esses espaços urbanos vêm sendo descaracterizados por grandes obras públicas que transformam ruas e becos de trânsito local em largas avenidas de ligação, removem vizinhos para regiões afastadas e fragilizam os vínculos de vizinhança. Por que as pessoas afetadas não se mobilizam e reclamam seus direitos? Além de informação sobre esses direitos, falta legitimação – por parte dos urbanistas, governantes e dos próprios moradores – da qualidade urbana que caracteriza muitas favelas.

Existe uma revisão crítica do planejamento e gestão metropolitanos em Minas Gerais formalizado no Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte (PDDI) – elaborado entre 2009 e 2010 pela UFMG, contratado pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Regional e Política Urbana (SEDRU). Segundo o site da RMBH3, o trabalho foi dividido em dez áreas temáticas transversais voltadas para a promoção do desenvolvimento sustentável na RMBH, compatibilizando crescimento econômico, equidade social e sustentabilidade ambiental, com ênfase no reordenamento territorial capaz de reduzir as desigualdades sócio-espaciais.

A área temática Vida cotidiana, Habitação e Qualidade de Vida (HQV), coordenada por Silke Kapp, discute a diferenciação entre a escala micro local (a casa, o condomínio, a vizinhança, o bairro) e a escalas mais abrangente (o município, a região, a metrópole) como quesito principal para validar o poder de decisão do cidadão.

Autonomia nas decisões que afetam apenas determinado espaço micro local é um direito das pessoas que o habitam. O planejamento metropolitano tem o papel de remover os obstáculos a essa autonomia na produção do espaço cotidiano e garantir os limites nos quais ela possa se desenvolver, articulando-se com normas e diretrizes de escalas mais abrangentes sem ser dominada por elas. (http://www.rmbh.org.br, acessado em Julho de 2012)

3 http://www.rmbh.org.br

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

5

Segundo Grupo MOM, entende-se por “produção do espaço cotidiano” um processo social contínuo de construção, uso, transformação e melhoria da moradia e de seu ambiente urbano. Há autonomia nessa produção quando indivíduos e grupos primários podem engendrar iniciativas locais, estabelecendo, por si mesmos, as regras e estrutura do processo, em congruência com conhecimentos técnicos e diretrizes urbanísticas e ambientais de alcance mais amplo.

A habitação é uma função pública de interesse comum (Lei Complementar 89/2006) que sofre diretamente os impactos de escala metropolitana produzidos por fenômenos como dinâmica imobiliária, investimentos públicos, grandes empreendimentos produtivos, condições ambientais ou estrutura de transporte e mobilidade etc. Ao mesmo tempo, a habitação não constitui, em si mesma, um equipamento ou serviço metropolitano que possa ser determinado a partir de um planejamento nessa escala. Pelo contrário, o espaço da moradia e de seu ambiente urbano imediato se define, em grande parte, por características específicas de cada pequena porção do território. Sua qualidade é uma qualidade na escala microlocal. Assim, mais do que projetar esse ou aquele modo de vida na metrópole, cabe ao planejamento metropolitano oferecer condições favoráveis para que a menor escala urbana possa se desenvolver com autonomia, articulando-se com diretrizes mais abrangentes, sem ser dominada por elas. Da mesma maneira que o planejamento metropolitano é uma condição para a sustentabilidade socioambiental em grande escala, a autonomia da atuação coletiva na produção do espaço cotidiano é uma condição para a sustentabilidade socioambiental na escala microlocal. (PDDI, Vol. 2, 2011, p.362)

Uma das atividades de autoprodução do espaço na escala microlocal que sofre impactos da escala metropolitana é a prática da agricultura urbana. Em Belo Horizonte, no fundo dos quintais, em lotes vazios que eram subutilizados como depósito de lixo e em outros pedaços de terra em meio ao asfalto pessoas cultivam beneficiando o ambiente do entorno de onde vivem.

Ao longo das décadas, sobretudo nas periferias, os pequenos espaços de solo descoberto, ou “vazios urbanos” nos quais se poderia cultivar alguma variedade alimentar ou medicinal, perderam lugar para o cimento, garagens, novas casas e “puxadinhos” para os filhos e netos. Sabe-se que a contribuição efetiva da AU [agricultura urbana] para a alimentação das pessoas que a ela se dedicam é, na maioria das vezes, restrita. Ainda assim, homens e mulheres seguem plantando, o que demonstra que cultivar não é um ato apenas prático e produtivo, mas simbólico, político e afetivo. Relatos de agricultores urbanos coletados em entrevistas [...]

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

6

denotam o caráter sentimental conferido à relação com a terra e o plantar, além do valor das relações sociais que são construídas em torno dos processos produtivos. Há, ainda, a função de apropriação e reivindicação política da luta pelo território em ambiente urbano, seja para morar ou plantar, que encontra na AU um argumento e uma importante frente de resistência. (ALMADA; MORAIS; COUTINHO, 2012)

A prática de agricultura urbana é muito antiga, mas a partir da década de 1990 tem se observado, em Belo Horizonte, crescente interesse por parte da sociedade civil e do poder público expresso pelo número de projetos e programas. Em 1995, uma parceria entre a Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas (REDE) e a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) implantou o projeto Centros de Vivência Agroecologica (CEVAE). O programa Cidades Cultivando para o Futuro (CCF) atuou na cidade em 2007; a Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana (AMAU), atua desde 2003; e o Centro de Referência em Agricultura Urbana e Periurbana da Região Metropolitana de BH (CAUP-RMBH), desde 2008. Compostos de agricultoras e agricultores, representantes de grupos comunitários, movimentos sociais, redes e coletivos e associações comunitárias, todos esses grupos discutem questões ligadas à agricultura urbana e à agroecologia.

Em Belo Horizonte, entre os programas do poder público as atividades de agricultura urbana são desenvolvidas por três secretarias municipais, de forma desarticulada. Além dos CEVAE´s que são atualmente coordenados pelas Secretaria Municipal de Meio Ambiente e pela Fundação de Parques; a Secretaria Municipal de Abastecimento conduz os Programas PROHORTA e PROPOMAR, de assistência técnica a hortas e pomares urbanos comunitários. Mais recentemente, a Secretaria de Políticas Sociais desenvolve o programa de Incubadora de Empreendimentos Solidários, financiado pelo Ministério do Desenvolvimento Social, tendo a agricultura urbana (produção/beneficiamento/comercialização) como atividade geradora de renda; em Contagem (RMBH) a agricultura urbana é desenvolvida pela Coordenadoria de Segurança Alimentar Nutricional e Abastecimento, ligada à Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social. Também em Sabará (RMBH), a agricultura urbana está vinculada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social. (SANTANDREU; LOVO; 2007)

A desarticulação dos programas favorece a falta de autonomia dos grupos de agricultores que muitas vezes participam de um dos programas e não sabem das possibilidades dos outros. “Há mais autonomia quando o grupo está melhor informado sobre as opções que dispõem, sejam de ordem técnica, jurídica ou financeira. Essa informação depende de uma rede de conexões externas.” (KAPP; GRUPO MOM; 2009)

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

7

Não é difícil encontrar referências que explicitem as vantagens da agricultura urbana. No PDDI-RMBH encontra-se a assertiva de que a promoção da agroecologia em regiões metropolitanas é uma alternativa para estabelecer circuitos curtos de produção e consumo, ampliar a integração entre espaços naturais e sociais e trazer novas perspectivas para o debate sobre a qualidade de vida nas cidades, conectando o valor de uso do espaço urbano e a função social da propriedade. A publicação Agricultura Urbana: Belo Horizonte Cultivando para o Futuro (2008) relaciona mais detalhadamente as vantagens dessa prática, mencionando: o fortalecimento de referências culturais e vínculos entre moradores urbanos e zona rural; a melhoria da qualidade ambiental da cidade mediante a conservação e o aumento da biodiversidade urbana, a recuperação de áreas de risco e o cultivo em vazios urbanos e espaços verdes públicos e privados; a limpeza de áreas com acúmulo de lixo, garantindo uma melhoria considerável ao ambiente local e diminuindo a proliferação de doenças; a requalificação de espaços urbanos públicos com aumento da diversidade da paisagem urbana; a diminuição da impermeabilização do solo, o que aumenta a capacidade de recarga do lençol freático e diminui as possibilidades de ocorrência de enchentes, além do reaproveitamento da água utilizada nos domicílios e da possibilidade de uso da água de chuva; a utilização de resíduos orgânicos domésticos na produção de composto e a reutilização de resíduos inorgânicos (PET, entulho etc.) como recipientes para plantio ou para estruturar os espaços de produção; a geração de renda direta e indireta pela diminuição dos gastos com alimentação e saúde, através das redes de troca e, eventualmente, do beneficiamento e comercialização de excedentes da produção; a melhoria na relação entre os membros da família e a vizinhança, através da doação e troca de produtos da agricultura urbana e da consolidação dos espaços produtivos como locais de convivência; e, finalmente, a organização social e o desenvolvimento comunitário, ampliando as possibilidades de atuação nas comunidades e de participação popular na construção de políticas públicas.

Esse trabalho busca investigar a agricultura urbana como uma das possíveis estratégias de fortalecimento da organização popular, da produção autônoma do espaço, da ação política no espaço a partir da articulação entre ações cotidianas e também como argumento e frente de resistência. Foram feitos cinco levantamentos de casos de hortas, pomares e jardins urbanos em Belo Horizonte, analisando-se, por um lado, o engajamento dos moradores e, por outro, o grau, o direcionamento e os efeitos da interferência de agentes externos (independentes ou ligados a órgãos públicos e outras organizações).

Os casos estudados são: os Centros de Vivência Agroecológica (CEVAE); o projeto “Jardim Cidadão” no Aglomerado da Serra; e três iniciativas da sociedade civil, uma horta informal no Conjunto João VI,

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

8

a Horta Comunitária Terra Nossa na Vila Acaba Mundo e a Horta Comunitária Vila Santana do Cafezal, no Aglomerado da Serra. Por meio de pesquisa documental, entrevistas e vistas a campo, foram levantados em cada caso os seguintes aspectos:

o Se a iniciativa partiu dos próprios moradores ou de alguma instância externa à vizinhança; o Se a continuidade da iniciativa depende da presença de alguma instância externa; o A influência da horta na vida cotidiana do entorno imediato; o Gestão e organização (acesso, horários, atividades, infraestrutura); o Propriedade da terra; o Economia (venda, troca); o Problemas; o Concordâncias e discrepâncias entre discursos sobre a iniciativa e observações em campo.

Além desses cinco casos foram levantados dois casos de horta e pomar comunitários que fizeram parte do Programa de Desenvolvimento de Comunidades (PRODECOM) na década de 1970. O PRODECOM foi criado pela Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral, na gestão do Governador Francelino Pereira dos Santos. O programa tinha como objetivo proporcionar uma política de desenvolvimento social através da participação comunitária. Partia do princípio de “substituir as ações paternalistas, fruto de limitações conhecidas do “doador” (Estado ou pessoa jurídica), por ações concretas das organizações comunitárias”. “O programa visava a induzir a mobilização do esforço e da capacidade criativa das comunidades, adormecidas por falta de estímulos, e simultaneamente prover necessidades básicas e propiciar a formação e consolidação de uma cultura e de uma prática comunitária.” O programa aplicava recursos técnicos e financeiros, recebendo em contrapartida recursos humanos e materiais da própria comunidade (MINAS GERAIS, 1979).

Para participar, os moradores de uma comunidade deveriam se juntar em uma associação com personalidade jurídica e preparar uma proposta de projeto que fosse de interesse coletivo. O projeto devia conter os recursos disponíveis da comunidade, tanto humanos quanto materiais (próprios ou doados). Depois de pronto, o projeto era encaminhado à Secretaria Executiva, que selecionava as propostas que se enquadravam nos objetivos do programa.

A publicação do programa (MINAS GERAIS, 1979) expõe algumas experiências dos trabalhos com as comunidades. Dentre as 18 experiências descritas, duas são projetos de hortas: “Quinhentos Pomares e Hortas Caseiras” e “ Horta Comunitária em Cássia”. A primeira aconteceu na região oeste de Belo Horizonte, no Bairro Alto dos Pinheiros. Segundo a publicação, a comunidade sob coordenação e liderança do Centro Educativo Cândida Cabral, mobilizou-se para a implantação de hortas e mini-

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

9

pomares nos quintais das casas do bairro. Contou-se com o envolvimento de 700 famílias. As pessoas seriam motivadas a participar através dos professores das escolas, peças teatrais, poesias e contos. O investimento para as hortas seria baixo já que seria utilizado o mesmo conjunto de ferramentas, num sistema de rodízio, para todos os participantes. Haveriam reuniões para debater, entre os participantes, questões comuns, dificuldades, produtos obtidos e para difundir técnicas e processos.

Paralelamente aos estudos de caso, este trabalho de conclusão de curso incluiu uma experiência prática. No contexto da disciplina optativa “Conexão Morro-Asfalto”, cursada na Escola de Arquitetura da UFMG no primeiro semestre de 2012, realizei, juntamente com alguns colegas4, um levantamento dos agricultores urbanos residentes na Vila das Antenas e uma tentativa de fortalecê-los na constituição de uma rede, incluindo a provocação para a atuação em espaços residuais gerados por uma obra viária do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A experiência visou a criação de alternativas de atuação do arquiteto na cidade, tirando-o do papel de projetista e colocando-o no papel de propositor de interfaces para incentivar pequenas ações que já acontecem e que fazem diferença na qualidade do espaço, mas que são pouco ou nada consideradas pelo planejamento urbano e pelas políticas públicas mais convencionais.

4 Estevam Gomes, Flora Rajão, Juliana Ramos, Rebekah Campos

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

10

2 METODOLOGIA

O primeiro contato entre a Vila das Antenas e a Escola de Arquitetura da UFMG, mais precisamente com o Grupo Morar de Outras Maneiras (MOM)5 aconteceu há cerca de quatro anos, quando um pequeno grupo de moradores da Vila estabeleceu resistência contra as intervenções do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Morro das Pedras. As intervenções desconsideraram os processos de decisão por parte dos próprios moradores, que foram os que determinaram a produção do espaço da favela ao longo do tempo. Juntos, alunos, professores e moradores da Vila das Antenas visando documentar a história da Vila e buscando um auto-empoderamento do discurso dos moradores da favela, formaram o grupo História em Construção.

Quando um grupo de pessoas conhece a história do lugar onde vive, passa a valorizar e entender melhor esse lugar. A Vila das Antenas está inserida na cidade informal, onde a maior parte dos espaços públicos e privados foram produzidos pelos próprios moradores. Assim, o entendimento da história da Vila valoriza essas práticas de autoprodução, ampliando a mobilização e fortalecendo a argumentação em favor de práticas autônomas. Consideramos relevante que os moradores mantenham a memória de processos de construção e adensamento, negociações, implantação de infra-estrutura e do seu cotidiano em diferentes fases de consolidação do espaço urbano que ocupam. (Site do grupo MOM. Disponível em: < http://www.arq.ufmg.br/mom > Acesso em: Junho de 2012)

Partindo dos materiais produzidos pelo grupo História em Construção, a disciplina optativa Conexão

Morro-asfalto, ministrada pelos professores Silke Kapp, Ana Paula Baltazar, Lígia Milagres, Adriano Mattos, Lorena Marques e Carolina Luísa, foi fundamental para vivenciar o dia a dia das intervenções do PAC na Vila das Antenas. Durante todo o semestre foram feitas entrevistas com os moradores da Vila sobre as obras do PAC, o processo de remoção e sobre as práticas de agricultura urbana.

Para investigar a agricultura urbana como uma das possíveis estratégias de fortalecimento da organização popular, além de conhecer os agricultores da Vila das Antenas, fiz um breve estudo sobre

5 MOM é um grupo sediado na escola de arquitetura , cujo o objetivo é investigar processos de produção de moradias, de seu ambiente urbano e de outros espaços cotidianos, tendo por horizonte a autonomia dos moradores, construtores diretos e grupos primários, a economia social e processos construtivos de impacto ambiental controlado.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

11

a autoprodução do espaço público cotidiano e sobre agricultura urbana em Belo Horizonte. Para isso foram cursadas no segundo semestre de 2011 duas disciplinas fundamentais para esse trabalho: Espaço Público Cotidiano e Espaço público e Agricultura Urbana. A primeira, disciplina de projeto no curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMG ministrada pela professora Lígia Milagres, tratou de possibilidades de autoprodução do espaço público cotidiano. A segunda, cursada como disciplina eletiva no Instituto de Geociências e ministrada pelas professoras Heloísa e Maria Luíza Grossi, apresentou o contexto geral da agricultura urbana em Belo Horizonte.

Além das disciplinas foram feitas visitas a dois Centro de Vivência Agroecologica (CEVAE), o CEVAE Capitão Eduardo e o CEVAE Morro das Pedras. Nesse último foram feitas entrevistas semi-estruturadas com a coordenadora, uma agricultora e o capineiro contratado. Também visitei uma horta informal no Conjunto Paulo VI, regional Nordeste de BH.

Em maio de 2011, através de um itinerário no Aglomerado da Serra oferecido na Mostra de Design6 guiado pelo paisagista Márcio Gibran e pelo jardineiro e morador do Aglomerado Marco Antônio Barbosa, estabeleci um primeiro contato com o projeto Jardim Cidadão. Um ano depois, em maio de 2012, fiz uma entrevista com Gibran sobre o andamento desse projeto.

A partir das entrevistas citadas acima e do estudo da Agricultura Urbana, foram realizadas algumas ações na Vila da Antenas visando ao fortalecimento da organização popular. A primeira ação foi a Manhã das Plantas que aconteceu no mês de abril na Vila. A Manhã das Plantas foi uma espécie de bazar de trocas, no qual se podia trocar mudas por outras mudas ou por “dicas”, isto é, conhecimentos acerca do cultivo e do uso das plantas. O panfleto de divulgação do evento, que foi distribuído durante a semana anterior, dizia: “traga mudas e dicas de como plantar, cozinhar, combater pragas...”. O Instituto Estadual de Florestas (IEF) doou 50 mudas (de mamão, manga, goiaba, lichia, ipê, marinheiro, flamboyant) que serviriam para iniciar a troca. O CEVAE Morro das Pedras doou sementes de tomate, alface, cenoura, coentro, mostarda e beterraba. No início de junho foi feita a segunda Manhã das

Plantas na Vila, dessa vez com a doação de 30 mudas (ameixa, cagaitera, jaca, jambo-amarelo, jamelão) pela Divisão de Áreas Verdes da UFMG. Na segunda troca, as dicas trocadas na primeira manhã se tornaram cartões exibidos em um varal.

6 Mostra de design organizada pelo Instituto Cidades Criativas em parceria com o Café com Letras anualmente desde 2005, mais informações em www.mostradedesign.com.br.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

12

3 CASOS DE AUTOPRODUÇÃO DO ESPAÇO: HORTAS E JARDINS

Considerando a importância de iniciativas que partem dos moradores na configuração da paisagem urbana foram estudadas ações de pessoas que transformaram espaços de Belo Horizonte cultivando hortas e jardins. Além dessas iniciativas, aqui chamadas de “independentes”, foram estudados três projetos da Prefeitura Municipal que deveriam potencializar a autoprodução do espaço: o PRODECOM, o CEVAE e o projeto Jardim Cidadão.

FIGURA 3- Mapa com os casos investigados. Fonte: mapa editado pela autora, 2012.

Os casos de hortas e jardins estudados, foram divididos em quatro categorias: individual e supervisionada, individual e autogestionada e comunitária e autogestionada.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

13

QUADRO 1. Categorias das hortas e jardins estudados

TIPOS DE GESTÃO HORTA DESCRIÇÃO

Individual e supervisionada CEVAE As atividades desenvolvidas pelos agricultores e os recursos econômicos e materiais são geridos por um órgão externo (que não são os agricultores). Os agricultores gerem o canteiro de forma individual e seguindo normas pré-estabelecidas (horários de funcionamento).

Individual e autogestionada Horta Conjunto Paulo VI O agricultor decide tudo.

Comunitária e autogestionada Terra Nossa, Vila Santana do Cafezal, PRODECOM

O trabalho é feito de forma coletiva e as atividades desenvolvidas são decididas em conjunto pelos membros (pode ser em assembleia ou de maneira mais informal).

Comunitária e supervisionada Projeto Jardim Cidadão A manutenção é feita de forma coletiva, mas o local de implantação e a mão de obra inicial é decidida por um órgão externo.

3.1 CEVAE

O CEVAE é um dos projetos administrados atualmente pela Fundação de Parques Municipais, que, em nome da Prefeitura de Belo Horizonte, também é responsável pela administração dos parques e cemitérios do município. O CEVAE foi criado em 1995 pela Prefeitura de Belo Horizonte em parceria com a ONG REDE. Segundo Daniela Almeida (2003), os CEVAE são equipamentos públicos comunitários que tinham como diretriz a construção participativa de um desenvolvimento sustentável no meio urbano em comunidades de baixa renda. O convênio da PBH com a ONG REDE foi encerrado em Março de 2001. Hoje, existem cinco CEVAE na cidade (ver FIGURA 4): o CEVAE Capitão Eduardo na região Nordeste, o CEVAE Serra Verde na regional Venda Nova, o CEVAE Coqueirinhos na regional Noroeste, o CEVAE Taquaril na regional Leste e o CEVAE Morro das Pedras na regional Oeste.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

14

FIGURA 4- Localização dos CEVAE em Belo Horizonte. Fonte: arquivo pessoal da autora, 2012.

Os CEVAE são áreas livres para plantio administradas pela Prefeitura, que possuem infraestrutura para dar suporte aos moradores da regional para o cultivo. O CEVAE disponibiliza água (que provém da COPASA), mudas, adubo, ajuda de um capineiro e de um coordenador que organiza reuniões. Cada agricultor é responsável por montar seu próprio canteiro, plantar, adubar, regar, colher e vender os alimentos cultivados. Para participar, o interessado deve se cadastrar na regional onde mora e esperar o surgimento de uma vaga.

Consta abaixo um trecho do site da PBH acerca do programa e suas missões e diretrizes. Elas indicam potencial para o desdobramento do CEVAE em vários outros projetos dentro de cada comunidade. A

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

15

proposta é que se constituam, assim, centros difusores de experiências e lugares para a formação de grupos ativos nas políticas públicas de sua comunidade.

A missão do Programa CEVAE é promover o desenvolvimento das comunidades sob sua área de influência de modo sustentável, por meio de intervenções socioambientais participativas. Como política de meio ambiente, o CEVAE representa uma opção de ocupação sustentável e produtiva, aliada à geração alternativa de renda para áreas verdes e degradadas da Cidade. Como política de segurança alimentar, significa o fomento da agricultura urbana, baseada nos princípios da agroecologia, da economia solidária, da segurança alimentar e nutricional e da equidade de gênero. (Disponível em: http://portalpbh.pbh.gov.br. Acesso em abril de 2012)

O CEVAE Capitão Eduardo, em funcionamento desde 1995, é o maior dos Centros existentes, com uma área de 18.000m2 e uma produção de alimentos que supera a dos demais. O bairro que lhe dá o nome, Capitão Eduardo, faz parte da Regional Nordeste de Belo Horizonte, cuja população é de 290.947 habitantes (IBGE, 2010). Estando próximo da divisa da capital com os municípios de Sabará e Santa Luzia, o principal acesso ao bairro se dá pelo final do Anel Rodoviário e início da rodovia Federal BR-381, que liga Belo Horizonte a Vitória. Como evidenciam os dados do Censo de 2010 o bairro é relativamente precário: a maior parte da população é de baixa renda, e um número considerável de domicílios não dispõem de coleta de lixo, jogando seus resíduos em terrenos baldios ou logradouros públicos. A única praça do bairro é a Praça Nossa Senhora da Rosa Mística, onde se situam a igreja católica com o mesmo nome, a Escola Municipal Governador Ozanam Coelho e o ponto final da linha de ônibus 5502B, que faz a conexão com o resto da cidade.

O CEVAE Capitão Eduardo ocupa uma área pouco adensada do bairro, ao lado de um centro de reabilitação para menores infratores, o Centro Socioeducativo Santa Clara. Embora esteja muito próximo ao rio das Velhas, é abastecido pela água da Copasa e não parece ter qualquer relação direta com a utilização e a preservação do rio.

A área desse CEVAE é parcialmente cultivada por 13 agricultores, que trabalham de modo bastante individualizado, tendo por orientação comum uma apostila, desenvolvida pelo técnico em agropecuária João Carlos da Silveira, com informações básicas sobre solos, ciclo da água, cultivo de hortaliças, tratos culturais e agregação de valores. Cada agricultor é responsável por seus canteiros, cada um decide o que quer cultivar ali e cada um desenvolve suas próprias técnicas para isso. Há plantio de

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

16

hortaliças, plantas medicinas e temperos, em canteiros construídos com garrafas PET, corpos de prova de concreto ou chapas de madeira, por exemplo (FIGURA 6). A compostagem também é feita individualmente. A prefeitura apenas transporta até o CEVAE esterco de um matadouro.

FIGURA 5 – Localização do CEVAE Fonte: imagem do google earth editada pela autora.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

17

FIGURA 6 – Técnicas desenvolvidas pelos agricultores para construir canteiro alto. Fonte: arquivo da autora, 2011.

Também são os próprios agricultores que decidem se querem utilizar os alimentos produzidos para consumo próprio, doação ou venda. Nesse último caso, eles reúnem toda a produção, estabelecem preços comuns e depois dividem igualmente o dinheiro arrecadado. A distribuição dos produtos é feita por um voluntário que, circulando pelo bairro com um carrinho de mão, os vende aos moradores.

Segundo informações do coordenador André Mourão, que foram confirmadas na observação direta, o CEVAE Capitão Eduardo funciona apenas precariamente: faltam ferramentas e insumos; não há assessoria especializada para ensinar novas técnicas aos agricultores e melhorar sua produção; as reuniões entre agricultores e coordenação – que no início do projeto ocorriam mensalmente – passaram a ser esporádicas; cursos e feiras estão suspensos por falta de recursos financeiros e humanos. Nota-se também que, apesar do compartilhamento de alguns elementos de infra-estrutura e das vendas organizadas coletivamente, as atividades desse CEVAE se desenvolvem quase como se cada agricultor estives utilizando um lote particular. Não surgiu, a partir dele, uma articulação mais intensa na vizinhança ou mesmo entre os agricultores.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

18

QUADRO 2. Síntese das informações sobre o CEVAE Capitão Eduardo

Iniciativa e engajamento A iniciativa partiu da prefeitura. Poucos agricultores participam e eles não se envolvem em discussões sobre o bairro ou a cidade.

Dependência Os agricultores dependem da existência do projeto para terem as hortas.

Influência na vizinhança Os vizinhos compram alimentos.

Gestão e organização Os funiconários do CEVAE organizam os eventos, a infraestrutura, os horários de funcionamento. Mas as atividades estão paradas.

Propriedade da terra Prefeitura de Belo Horizonte.

Economia Os agricultores decidem o que fazer com os alimentos. Podem ser vendidos, trocados ou consumidos.

Problemas Faltam ferramentas, insumos e assistência técnica.

Pretensão x realização A intenção declarada era que fosse um local de multiplicação da agricultura urbana, com formação de grupos atuantes e de engajamento político. Na realidade, apenas13 agricultores usufruem do CEVAE.

Também foi visitado o CEVAE Morro das Pedras. Menor que o anterior, ele conta com uma área de 6.000m2. O aglomerado que lhe dá o nome, Morro das Pedras, faz parte da regional Oeste de Belo Horizonte, cuja população é de 285.005 habitantes (IBGE, 2010). O CEVAE não está localizado dentro dos limites do Morro das Pedras e sim numa área no Bairro Nova Granada perto do Conjunto Piteiras (ver FIGURA 11).

A área do CEVAE Morro das Pedras é cultivada por 30 agricultores, a maioria mulheres. A instituição disponibiliza sementes, a compostagem é coletiva e o viveiro de mudas também. Os agricultores usam a parte plana do terreno para diversas culturas. Na parte íngreme, os funcionários do CEVAE cultivam para consumo próprio mandioca, milho, amendoim e feijão.

Segundo a coordenadora, não só os moradores do Morro das Pedras, mas todas as pessoas que moram na regional Oeste podem se inscrever. Algumas vão ao CEVAE buscando uma fonte alternativa de renda, pois os alimentos são vendidos lá mesmo, havendo procura dos moradores do entorno pelo fato de não se usar nenhum tipo de produto químico em seu cultivo. Além de uma forma de renda, os agricultores também procuram a instituição como opção de lazer. A coordenadora contou o caso de uma agricultora que era desempregada e queria construir um barracão dentro do CEVAE, pois além de gostar muito do lugar estaria perto de seus canteiros e não teria que se deslocar. Ela teve que negar o pedido, já que o CEVAE é uma instituição pública e não prevê esse tipo de uso. Apesar desse aparente

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

19

sucesso, a coordenadora disse não conhecer nenhum agricultor que expande o que é praticado no CEVAE para outras áreas residuais da região.

A segunda pessoa entrevistada no CEVAE Morro das Pedras foi Dona Marilda, moradora da Vila São Jorge II, no Aglomerado Morro das Pedras. Há três anos ela cultiva um canteiro onde hoje planta couve, alface, beterraba, alecrim, orégano, cebolinha, almeirão e hortelã. Ela faz temperos para o próprio uso com as plantas que cultiva. Considera o CEVAE um espaço para divertimento. Em sua casa, Marilda não tem espaço para plantar, mas mesmo assim ainda cultiva cebolinha e pimentão em um pneu. Disse que uma vizinha da Vila São Jorge tem um terreno e planta flores. Quando lhe foi perguntado sobre espaços de lazer perto de sua casa ela disse que não existem. No seu tempo livre, ela se senta na rua embaixo da sobra de uma árvore que ela mesma plantou.

Lá na minha rua eu plantei uma árvore, tá até bonita, é lá que a gente tem uma sobra boa. [...] Então na minha rua, no quarteirão de cima, em frente a minha casa é que eu plantei essa árvore. Ela vai ficar lá até enquanto eu estiver lá, enquanto vida eu tiver. Se cortar um galho dela eu já vou procurar saber quem cortou. Porque é uma sombra boa. Ela está grande mesmo [...] não tinha nada na rua, no meu quarteirão é tudo quente, passeio... inclusive foi uma muda que a Marina [coordenadora do CEVAE] quem me deu. (Marilda, entrevista, 2012)

O terceiro entrevistado foi o senhor Antônio Balbino, o capineiro do CEVAE e morador da Vila Santa Sofia no Morro das Pedras. No início da conversa, foi muito receptivo, elogiou o CEVAE e enfatizou sua importância para as pessoas da região. Aos ser perguntado sobre hortas em espaços coletivos fora da instituição, citou um senhor que cultiva junto com amigos na Vila Santa Sofia mas não participa do CEVAE. Ele acha que as pessoas do aglomerado deveriam se conscientizar da existência de áreas livres no morro que estão largadas e que poderiam ser usadas para cultivo. Deu destaque, nesse sentido, à área do antigo lixão, na Vila Santa Sofia, de onde foram removidas várias famílias e que hoje está vazia. Além de atalho, ela tem servido, novamente, como depósito de lixo. Antônio culpa ora os políticos ora os moradores pelo abandono. Considera que as remoções foram inúteis, pois sem as casas o lugar ficou degradado.

Então eu acho que a prefeitura de BH tinha que tomar uma iniciativa de aproveitar as áreas que foram desocupadas e não deixar ficar daquele jeito lá. Tem mais de 10 anos que desocuparam e não fizeram nada e acho que nem vão fazer. [...] Eu acho que tá precisando de gente que incentiva, corre atrás e incentiva a população. É claro que um bocado de gente que tem horta aqui [no CEVAE] alguém ia querer fazer uma coisa lá. [...] Lá eles não vão gastar com adubo, é só limpar a primeira vez

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

20

e mandar cercar, se não a criação entra. Lá é esconderijo de coisa que não serve, gente desocupada. Há muita coisa boa pra fazer em BH. Um passa e não faz nada outro passa lá e nada faz. Alguém fazer uma coisa, horta ou floresta... Outro dia eu tava olhando lá, a gente sente vontade de fazer uma coisa tão bonita lá. Eu passo lá todo dia no caminho do meu almoço e do meu trabalho. Tem muita gente que usa lá, porque lá é asfaltado, asfaltado de um lado tem um campo do lado de baixo, a floresta do lado de baixo que nós plantamos e do lado de cima não tem nada. Do lado de cima só tem isso que eu to te falando com você, nada. Eu não tenho vontade de mudar daqui. E se aparecer alguém que queira fazer algo eu fico encarregado de fazer umas mudas e doar pra lá.

Quando sair do CEVAE, Antônio pretende plantar uma grande horta no local do antigo lixão. Há algum tempo, já plantou uma castanheira, junto com amigos, e afirma que a terra é muito boa:

Eu plantei uma castanha lá, menina. Até falei com o cara da máquina: ó essa castanheira fui eu que plantei aqui, eu comprei a muda e plantei e não aceito arrancar ela, entendeu? Vocês podem fazer o serviço aí mas sem mexer nessa castanheira. (Antônio, entrevista, 2012).

Em fevereiro de 2012, depois da demanda do grupo História em Construção7 de construir hortas nas áreas residuais geradas pelas obras do PAC na Vila das Antenas, fiz uma nova visita ao CEVAE Morro das Pedras para entender como essa instituição poderia ajudar os moradores da Vila na organização e produção de hortas coletivas, já que, de acordo com a descrição no já referido website da PBH, a missão do CEVAE seria promover o desenvolvimento das comunidades sob sua área de influência e difundir suas experiências, multiplicando ações de melhoria ambiental.

Apesar disso, nas entrevistas feitas no CEVAE Morro das Pedras, ficou evidente que os agricultores não são articulados nem formal nem informalmente para participar das políticas públicas e que não existem grupos organizados que atuam nas áreas coletivas da região. A coordenadora, que trabalha no CEVAE desde 1996, disse que antigamente eram oferecidas várias oficinas, inclusive oficinas de

7 O Grupo História em Construção é formado por moradores da Vila das Antenas, na favela Morro das Pedras em Belo Horizonte, e por professores e alunos do Grupo MOM. O objetivo é resgatar a história da Vila e promover atividades sócio-educativas e culturais na comunidade.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

21

construção, mas hoje somente acontecem aulas de capoeira, costura e dança em parceria com o programa Fica Vivo.8

Neste CEVAE cultivam 30 agricultores, ou seja o CEVAE atende diretamente apenas 0,01% da população do Aglomerado, onde moram 20.000 pessoas. Apesar do grande potencial, ele tem funcionado apenas como lugar de recreação. Os moradores vão até lá, cultivam e vendem ou trocam alimentos, mas são raros os que aplicam o conhecimento obtido nos espaços degradados de suas comunidades. Também não parece haver nenhum fortalecimento de grupos para o protagonismo em políticas públicas. O Morro das Pedras é um lugar que vem sofrendo grandes intervenções urbanas, com muitas remoções, mas os moradores estão desarticulados e desinformados. O CEVAE da regional Oeste, cujo nome parece ligá-lo enfaticamente a esse aglomerado, não tem participado no fortalecimento de grupos para um maior protagonismo nas políticas públicas e nem das obras do Vila Viva que estão em curso.

Quando perguntei à coordenadora se os agricultores do CEVAE também cultivam em algum espaço livre da cidade respondeu que não, que não há espaço no aglomerado e que, por isso, eles ensinam a cultivar em garrafas, canos e pneus. Analisando as fotos aéreas (FIGURA 11) e percorrendo o espaço do aglomerado, é visível que existem áreas que poderiam ser ocupadas por hortas e jardins comunitários. Alguns desses espaços livres já são usados pelos moradores para o ócio. Por exemplo, na Vila das Antenas, os moradores construíram um palco de madeira na rua, perto de um espaço vazio, que é utilizado para festas e shows da comunidade. Também na Vila das Antenas, um morador construiu uma horta no final do beco D.

QUADRO 3. Síntese das informações sobre o CEVAE Morro das Pedras

Iniciativa e engajamento A iniciativa partiu da prefeitura.

Dependência Os agricultores dependem da existência do projeto para terem as hortas.

Influência na vizinhança Os vizinhos compram alimentos.

8 Programa de controle de homicídios desenvolvido em 2002 pelo Centro de Estudos e Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (Crisp) e adotado como política pública de prevenção à criminalidade pelo governo de Minas, a partir de 2003. O programa foi implementado em favelas de Belo Horizonte, conciliando reforço policial com cursos para jovens.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

22

Gestão e organização Os funcionários do CEVAE organizam os eventos, a infraestrutura, os horários de funcionamento. O espaço do CEVAE é usado para cursos de costura, capoeira e dança do projeto Fica Vivo.

Propriedade da terra Prefeitura de Belo Horizonte.

Economia Os agricultores decidem o que fazer com os alimentos. Podem ser vendidos, trocados ou consumidos.

Problemas Os entrevistados não explicitaram nenhum problema.

Pretensão x realização

A intenção declarada era que fosse um local de multiplicação da agricultura urbana, com formação de grupos atuantes e de engajamento político. Na prática, se tornou um local para cultivo que proporciona prazer e uma segunda renda para o pequeno grupo de agricultores que participa (0,1 % dos moradores do Morro das Pedras).

Dona Adelina, por exemplo, moradora da Rua Nossa Sra. de Lourdes, na Vila das Antenas, varre a rua todos os dias, tem hortas e várias plantas em sua casa. Disse não plantar árvores frutíferas no seu quintal por falta de espaço. Quando lhe perguntei por que não planta nas áreas livres dos arredores, ela disse que nesse lugar a prefeitura tem um projeto de implantação de praça. Hoje essa área, perto de uma quadra, tem um mato alto e é usada como depósito de lixo. Percebe-se, algumas vezes, um constrangimento em usar o espaço coletivo. O espaço que não é o particular, em vez de ser considerado como de todos, é visto como de ninguém ou como da prefeitura.

FIGURA 7 – Jardim na Rua Principal, Vila das Antenas Palco, Aglomerado Morro das Pedras. Fonte: arquivo pessoal da autora, 2012.

FIGURA 8 – Horta no final do Beco D, Vila das Antenas, Aglomerado Morro das Pedras. Fonte: Flora Rajão, 2012.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

23

FIGURA 9 – Dona Adelina e suas plantas. Fonte: arquivo da autora, 2012.

FIGURA 10 – Casa da Dona Adelina e espaço vazio perto da quadra. Fonte: Google earth editado pela autora, 2012.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

24

FIGURA 11 –Os limites do Aglomerado Morro das Pedras e do CEVAE. Fonte: imagem do google earth editada pela autora.

FIGURA 12 – .Os espaços livres do Aglomerado. Fonte: imagem do google earth editada pela autora.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

25

FIGURA 13 – Dona Adenina no espaço vazio ao lado de sua casa. Fonte: arquivo da autora, 2012.

A questão não é ocupar de forma definitiva os espaços livres, mas sim despertar a consciência da potencialidade não explorada que esses espaços coletivos têm para que aconteçam atividades cotidianas ao gosto da vizinhança. O uso coletivo e decidido em conjunto pelos moradores é uma forma de fortalecer espacialmente as relações existentes e, sendo assim, também uma forma de defesa contra ações abusivas.

3.2 Projeto Jardim Cidadão

O Jardim Cidadão foi um projeto estruturado a partir do Programa de Educação Ambiental que faz parte do trabalho sócio-educativo do Vila Viva. Segundo website da prefeitura, o objetivo desse Programa de Educação Ambiental é “a conservação das intervenções e dos recursos naturais do Aglomerado”, de modo que os moradores se tornem “agentes importantes na manutenção das condições favoráveis criadas pela prefeitura”.9 Nesse contexto, o projeto Jardim Cidadão deveria

9 http://portalpbh.pbh.gov.br. Acesso em maio de 2012

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

26

implementar projetos paisagísticos em parques, praças e espaços residuais geradas pelas obras do Vila Viva no Aglomerado da Serra, recuperando áreas degradadas.10

Márcio Gibran, paisagista responsável pelo projeto e entrevistado em maio de 2012, explicou que, nos primeiro prédios construídos pela Prefeitura para o reassentamento de famílias removidas pelas obras, os jardins das áreas comuns foram projetados e executados por uma empresa contratada. Márcio Gibran, começou a perceber que os moradores não se apropriavam do espaço, nem cuidavam dos jardins. Para envolvê-los, a equipe decidiu inicialmente contratar dois jardineiros moradores da Vila, mas não foi suficiente. Para suprir a necessidade de mão de obra, o projeto então ofereceu um curso com duração de três meses, a chamada “Escola de Jardinagem”. Nesse curso, moradores da Vila aprendiam o ofício de jardineiro e implantavam os jardins nas áreas residuais do entorno das vias do projeto do Vila Viva.

FIGURA 14 – Acesso ao parque da Terceira água feito pela equipe do viveiro escola. Fonte: arquivo da autora, 2011.

Para envolver os moradores das redondezas das áreas onde os jardins foram plantados, utilizou-se como estratégia o “resgate de jardins”: quando uma casa estava prestes a ser demolida, a equipe de jardinagem ia resgatar as plantas existentes e as levava para o viveiro de mudas. Quando a pessoa removida era relocada para um prédio, a equipe da Escola de Jardinagem procurava levar também as plantas de sua antiga casa para o jardim do prédio.

10 http://www.jardimcidadao.blogspot.com.br

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

27

Durante os dois anos do projeto Jardim Cidadão funcionou um viveiro-escola na beira do córrego do parque da terceira água, que foi limpo durante o projeto. A estrutura desse viveiro também foi inteiramente construída pela equipe do projeto, além de uma escada com pneus que dá acesso ao parque (ver FIGURA 14) e um quiosque. No parque foram plantadas diversas espécies e o lugar, segundo Gibran, se transformou em espaço de lazer, sem cercas nem vandalismo. As pessoas tomavam banho no rio e frequentavam o parque. Quando o projeto acabou, o parque foi cercado e o acesso foi restringido. Uma semana depois, o quiosque apareceu queimado. No dia da visita guiada, em maio de 2011, o acesso ao parque foi feito através de um portão que estava trancado e não havia ninguém dentro.

QUADRO 4. Síntese das informações sobre o Projeto Jardim Cidadão

Iniciativa e engajamento A iniciativa foi externa e o engajamento dos moradores não foi suficiente para dar continuidade ao projeto.

Dependência A continuidade do projeto depende de um engajamento que os moradores não demonstraram ter, por enquanto.

Influência na vizinhança Vizinhos deveriam manter o jardim.

Gestão e organização Alguns jardins são cuidados pelos moradores que vivem ao redor.

Propriedade da terra Pública.

Economia Os jardins são de plantas ornamentais para embelezar a Vila.

Problemas Pouca comunicação com outros setores de serviços urbanos.

Pretensão x realização

O projeto pretendia formar mão de obra e aproveitar as lições práticas para plantar canteiros nas áreas degradadas, praças e áreas residuais das obras do Vila Viva. Na prática, o projeto teve efeito apenas enquanto foi fomentado diretamente. Depois, as áreas recuperadas e apropriadas pela população foram novamente abandonadas e tendem a se degradar.

3.3 Horta no Conjunto Paulo VI

O Conjunto Paulo VI, na região nordeste de Belo Horizonte, faz divisa com os Bairros Paulo VI, Ribeiro de Abreu, Capitão Eduardo e Montes Claros. Segundo o website da ONG Favela é isso ai11, os

11 www.favelaeissoai.com.br. Acesso em maio de 2012

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

28

moradores mais antigos do conjunto são oriundos do Movimento dos Sem Casa II, ocorrido na década de 1980, que conquistou através da organização coletiva diversos equipamentos públicos. “Antes de ocupar a área, um grupo de aproximadamente 1.400 famílias participou da luta pela terra na cidade de Santa Luzia. Era formado por pessoas dependentes de aluguel, vindas desse município e dos bairros Palmital, Jaqueline, São Benedito, Asteca e Londrina, em Belo Horizonte. Em agosto de 1987, os participantes do Movimento ocuparam um terreno baldio, pertencente à prefeitura de Santa Luzia, em Nova Esperança. Após nove dias de ocupação, lideranças e militantes receberam ordem de despejo, com presença da tropa de choque da polícia, representantes do governo e imprensa. Algumas famílias, sem terem onde morar, foram encaminhadas e abrigadas na Igreja Nossa Senhora do Rosário, na área Central, onde residiram por quatro meses e meio. Após negociações do Movimento com o Estado, um terreno no bairro Paulo VI, pertencente a Belo Horizonte, foi destinado ao assentamento das famílias. Neste mesmo ano foi fundada a Associação de Amigos do Conjunto Paulo VI, que, juntamente com a Associação Movimento Sem Casa II, organizou a distribuição dos lotes. Durante uma Assembleia Geral, foram decididos os coordenadores, os primeiros ocupantes e os números dos lotes. Em dezembro de 1987 ocorreu o primeiro assentamento. As famílias receberam subsídios para construírem suas habitações (dois cômodos e um banheiro), em terrenos de 150m2. Algumas casas chegaram a ser de lona, até a construção das moradias em alvenaria. Nesse período foram chamados de “Vaga-lumes”, devido à claridade das lamparinas ou velas, utilizadas como fonte de luz.”

No conjunto Paulo VI, em um terreno abandonado onde se despejava entulho e lixo, duas mulheres de uma mesma família que viviam perto, construíram uma horta. Além do mal cheiro, o terreno abandonado atraía ratos e era local de desova de corpos. As duas mulheres retiraram parte do entulho e o utilizaram como material para os canteiros. A água para irrigação é obtida por meio de um “gato” feito na rede de abastecimento da COPASA. Na horta elas cultivam temperos, frutas e verduras. Parte da produção é vendida para a escola onde trabalham, parte é vendida para os vizinhos e o resto é para consumo próprio. Além de servir como uma segunda fonte de renda, as agricultoras declararam que a horta trouxe bem estar e prazer em cuidar de algo, de transformar um espaço abandonado em um lugar produtivo.

A rua onde moram as agricultoras é usada como extensão das casas da vizinhança. Pela rua estão extendidos varais, em um canto existe um banco, em outro uma casa de cachorro. Essas pequenas estruturas sugerem usos que geram relações: estender roupa conversando com a vizinha e vendo as crianças que brincam na rua, descansar vendo quem passa, o cachoro que cuida da casa e também da

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

29

rua. A horta funciona com mais uma dessas estruturas que gera movimento cotidiano fornecendo alimentos e remédios para os moradores do entorno imediato.

FIGURA 15 – Rua da casa das agricultoras usada como extensão das casas. Fonte: arquivo da autora, 2011.

FIGURA 16 – Entorno horta. Fonte: arquivo da autora, 2011.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

30

QUADRO 5. Síntese das informações sobre a Horta no Conjunto Paulo VI

Iniciativa e engajamento A iniciativa partiu das moradoras

Dependência A continuidade da horta depende apenas do trabalho das próprias agricultoras.

Influência na vizinhança Os vizinhos compram alimentos e visitam a horta. Proporciona qualidade ambiental à rua.

Gestão e organização Organizado e gerido pelas agricultoras.

Propriedade da terra APA Secretaria de Abastecimento SMAAB.

Economia Os alimentos são vendidos para uma escola e para os vizinhos.

Problemas Problema com as vacas que pastam no entorno e as vezes comem a horta.

Pretensão x realização A intenção incial e a realização coincidem: acabar com os ratos e o mal cheiro, obter uma alimentação mais saudável e uma fonte adicional de renda.

3.4 Horta Comunitária Vila Santana do Cafezal – Aglomerado da Serra

A Vila Santana do Cafezal é uma das sete vilas que integram o Aglomerado da Serra, maior conjunto de favelas da RMBH. A horta Comunitária Vila Santana do Cafezal foi iniciada em 2005, logo após uma Assembleia geral convocada pela associação comunitária e pelas Brigadas Populares, na qual foram definidas várias ações na Vila, incluindo a criação da horta e de uma rádio comunitária (Coutinho, 2010).

A horta se situa atrás da sede da associação de moradores da Vila, em um terreno que era lugar de despejo de lixo. O trabalho é feito por quatro homens, que cultivam folhosas, legumes, plantas medicinais e algumas árvores frutíferas. Um deles, é o Sr. Timóteo, liderança local que participou das atividades do Plano Global Específico (PGE) e coordena atividades festivas na Vila.

O esterco utilizado é doado pela Faculdade de Veterinária da UFMG, mas o próprio Sr. Timóteo, que trabalha nessa faculdade, tem que arcar com o custo do transporte. A água provém da COPASA, sendo o pagamento das taxas dividido entre as pessoas que utilizam o espaço da Associação.

Desde 2008, a horta conta com apoio do Grupo Aroeira – Ambiente, Sociedade e Cultura que executa o projeto “Promoção de práticas e agricultura urbana como ferramenta de desenvolvimento local na Vila Cafezal, Belo Horizonte – MG”, com apoio da PROEX/UFMG. Segundo Coutinho (2010), o objetivo do

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

31

projeto é valorizar e fomentar as práticas de agricultura urbana que ocorrem na Vila e na Horta Comunitária. As pessoas já vinculadas à horta identificaram como uma das dificuldades a ausência de mobilização da comunidade. Na primeira etapa do projeto foram feitas 86 entrevistas com o objetivo de despertar o interesse dos moradores pela horta comunitária e levantar informações para embasar o planejamento das atividades do Grupo Aroeira na Vila. O Grupo identificou, em várias casas, atividades de agricultura urbana. A maioria que não planta relatou que não o faz por falta de espaço. Muitos dos entrevistados disseram conhecer a horta comunitária, mas foi significativo o número de pessoas que disseram desconhecer a horta e a localização da associação comunitária, evidenciando a necessidade de divulgação dos trabalhos comunitários. Na segunda etapa, foi realizado o Ciclo de Encontros Cultivando Saúde (2008) que constituiu um espaço de encontro e de troca de saberes entre conhecedores de plantas medicinais, praticantes de agricultura urbana, universitários e participantes das oficinas (Coutinho, 2010). No início de 2009, como consequência do projeto, foi criado o Grupo de

Plantas Medicinais Santana. “O Grupo de Plantas Medicinais Santana se encontra todo sábado, e recebe, a cada 15 dias, o acompanhamento do Aroeira. O Grupo está, hoje, produzindo pomadas, xampus, sabonetes medicinais, xaropes e plantas secas para chá.” (Disponível em: <http://quintalvivo.wordpress.com>. Acesso em: Junho de 2012)

A visibilização e a valorização das práticas da agricultura urbana — a partir da participação dos produtores e da comunidade na pesquisa e eventos mencionados — mostraram-se relevantes para fazer emergir saberes latentes, como componente de mobilização social e de re-significação dos conhecimentos acadêmicos e populares. A valorização do saber popular releva-o como um elemento potencial para a promoção de desenvolvimento local. Isso porque o uso dos saberes sobre cultivo e plantas medicinais nas práticas cotidianas favorece a autonomia alimentar e o aproveitamento das plantas para o tratamento de saúde através da produção de medicamentos de boa qualidade, baixo custo e baixa toxidade (COUTINHO; ALMADA; SOUTO, 2009 apud COUTINHO, Maura Neves, 2010).

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

32

FIGURA 17 –Horta Vila Santana do Cafezal. Fonte:Aroeira, 2008 apud COUTINHO, Maura Neves, 2010 .

FIGURA 18 – Condicionamento de esterco bovino e contenção utilizando pedaços de madeira na Horta Vila Santana do Cafezal. Fonte:Aroeira, 2008 apud COUTINHO, Maura Neves, 2010 .

QUADRO 6. Síntese das informações sobre a Horta comunitária na Vila do Cafezal

Iniciativa e engajamento A iniciativa partiu da associação de moradores local e das Brigadas Populares

Dependência Depende do trabalho dos voluntários e do dinheiro de alguns agricultores para arcar com os custos.

Influência na vizinhança Os vizinhos compram alimentos e visitam a horta. Proporciona melhor qualidade ambiental.

Gestão e organização Organizado e gerido por quatro moradores, sendo que apenas um arca com a maior parte dos custos. A água é dividida entre todos que fazem uso do espaço

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

33

físico da associação.

Propriedade da terra Pública.

Economia Comercialização no mesmo local da horta.

Problemas Poucos moradores participam. Faltam recursos, sobretudo para o transporte do esterco e para a manutenção da cerca. Falta mais desenvolvimento de técnicas produtivas.

Pretensão x realização A intenção incial era transformar o espaço degradado em espaço produtivo, envolvendo os vizinhos mas são poucos os viznhos que se envolvem.

3.5 Horta Comunitária Terra Nossa – Vila Acaba Mundo

A Horta Comunitária Terra Nossa localiza-se na Vila Acaba Mundo, favela na valorizada regional Centro-Sul12 de Belo Horizonte. A horta teve início em 2008 por uma união entre moradores e o movimento das Brigadas Populares. A ideia da horta veio com a descoberta de um mandato de demolição da casa onde mora há 26 anos, sem o título de propriedade, a família do Sr. Antônio Eustáquio. Segundo Coutinho (2010), tal sentença foi definida sem que o morador tivesse ciência do processo em tramitação, trazendo-lhe desvantagens quanto ao reconhecimento judiciário do seu direito sobre o terreno. Houve a expedição de mandato com o intuito de cumprir a sentença. Contudo, ela não se concretizou em decorrência da intervenção de advogadas do Programa Pólos de Cidadania.

A Vila Acaba Mundo é legalmente classificada como Zona de Especial de Interesse Social (ZEIS). Explicitando esse fato, foi encaminhado um ofício ao prefeito Márcio Lacerda em que se questiona a omissão do poder público municipal quanto à preservação e destinação dessa ZEIS para cumprimento de sua função.

12 “É a região mais rica e densamente povoada da Grande BH. Seu IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é bastante elevado (0,914), superando vários países europeus. Contudo, esse índice expõe uma realidade de extrema desigualdade social na cidade. A principal disparidade pode ser verificada entre dois bairros da região Sul, Carmo e Sion, que tiveram o melhor IDH (0,973) da Grande BH, um resultado maior que o da Noruega (0,942), o país com o melhor IDH do mundo, e a Vila Nossa Senhora do Rosário e no Morro do Papagaio (0,685), comparáveis ao índice da Bolívia, o país menos desenvolvido da América do Sul.” (Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Centro-Sul_(regi%C3%A3o_de_Belo_Horizonte)>).

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

34

A Vila é definida pela Lei nº 7.166/96 (Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo) como Zona de Especial Interesse Social (ZEIS), ou seja, como região na qual há interesse público em ordenar a ocupação, por meio de urbanização e regularização fundiária. O que se tem percebido, no entanto, é que a categoria ZEIS não tem cumprido, na prática, a função a ela conferida pelo Direito. O Programa Pólos trabalha na Vila Acaba Mundo há 4 (quatro) anos e tem constatado que o fato de a Vila ter sido considerada por lei como área destinada à regularização fundiária não tem tido eficácia em proteger seus moradores da expulsão. Qualquer observador percebe que a área da Vila tem sido drasticamente reduzida e que a categoria ZEIS, tão valorizada pelo Direito, na prática não passa de uma mancha, sem demarcações exatas, que cede a cada dia à especulação imobiliária. O Poder Municipal tem o dever de preservar as áreas de ZEIS, garantindo a sua destinação e a eficácia da ordem jurídica. Muitos moradores têm perdido ações judiciais e estão enfrentando mandados de demolição, fato aberrante em uma zona destinada à regularização fundiária e a moradia da população de baixa renda (Ofício n. 003/2009, encaminhado ao prefeito Márcio Lacerda em 16 de janeiro de 2009 – Belo Horizonte, p. 2, citado por COUTINHO, Maura Neves; 2010).

Maura Coutinho relata que ações jurídicas de reivindicação da propriedade da terra e ameaças extrajurídicas são frequentes na Vila, com ganho de causa sistemático aos proprietários, provocando as expulsões dos moradores da Vila e insegurança quanto à posse da terra — embora muitos deles residam na comunidade há mais de 60 anos.

A horta funcionou como uma estratégia para unir pessoas para o uso coletivo de um terreno vazio nos fundos da casa do Sr. Antônio Eustáquio. Esta ação buscava dar visibilidade e politizar o caso através da função social da propriedade. Oito pessoas iniciaram o trabalho na horta, sendo que muitos não tinham conhecimento sobre agricultura. Inicialmente, o Grupo Semear, através de iniciativa e apoio financeiro do grupo Pólos de Cidadania, deu apoio técnico e cursos de capacitação.

Eram realizados encontros todos os domingos. As pessoas discutiam questões relacionadas a horta comunitária, davam ideias e assim foi se criando um grupo responsável pela horta. Havia preocupações, por exemplo, quanto à manutenção da segurança da horta. Foram feitas duas sugestões. A primeira era a de cercar a horta com uma tela e a segunda era de construir uma cerca viva feita com árvores — como o feijão guandu — que seria eficaz se houvesse uma postura aberta junto às pessoas da comunidade caso houvesse pedidos de doações de alimento. Nenhuma destas ideias foi concretizada, pois havia uma sobrecarga de trabalho e, em alguns momentos, criou-se a

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

35

expectativa de que pessoas pertencentes aos grupos externos — como as Brigadas Populares, o Pólos e o Grupo Aroeira — iriam iniciar e assumir a responsabilidade de efetivá-las (Coutinho, 2010).

[...] na cidade, há uma diversidade de problemas, mas, também, de estratégias locais que buscam a permanência e sobrevivência na cidade. A agricultura é uma dessas estratégias que, no caso em questão, não é consequência da necessidade de produzir alimentos, mas garantir a permanência de um morador em um lugar específico da cidade. (COUTINHO, 2010, p. 148).

FIGURA 19 – Mutirão na Horta Terra Nossa – moradores da Vila, parceiros e Grupo Pólos. Fonte:Pólos, 2008 .

QUADRO 7. Síntese das informações sobre a Horta comunitária Terra Nossa

Iniciativa e engajamento A iniciativa foi dos moradores com o apoio de agentes externos. No início houve participação de vizinhos, mas o número de participantes foi diminuindo. Hoje em dia, com o apoio do Programa Pólos são organizados mutirões com voluntários que não são necessariamente vizinhos a horta.

Dependência Trabalho dos agricultores e voluntários.

Influência na vizinhança Melhoria das condições ambientais do entorno.

Gestão e organização Organizado e gerido pelos moradores com apoio externo técnico e financeiro.

Propriedade da terra Privada sem utilização pelo proprietário.

Economia Comercialização no mesmo local da horta.

Problemas Ações para a expulsão dos moradores da terra.

Pretensão x realização A intenção incial era de unir pessoas para o uso de um terreno vazio e criar um grupo de resistência para que o Sr. Antônio não fosse removido. Esses objetivos foram alcançados. Sr. Antônio continua lá e criou-se um grupo de agricultores.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

36

4 OS CASOS DA VILA DAS ANTENAS

4.1 Contexto

A Vila das Antenas, como já dito, faz parte do Aglomerado Morro das Pedras, na regional Oeste de Belo Horizonte. O Aglomerado situa-se em uma região entre avenidas de grande fluxo da cidade que ligam bairros muito adensados. Em 2009, começaram intervenções do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Morro das Pedras e, desde então, estabeleceu-se uma resistência organizada de um pequeno grupo contra essas intervenções, pois desconsideraram os processos de decisão por parte dos próprios moradores, que determinaram a produção do espaço na favela ao longo do tempo. Moradores da Vila procuraram o Grupo Morar de Outras Maneiras (MOM) e juntos – moradores, alunos e professores - formaram o grupo História em Construção. O objetivo do grupo é resgatar a história da Vila e promover atividades sócio-educativas e culturais na comunidade.13

A obra do PAC consiste na demolição de várias casas para a construção de uma avenida de duas pistas que ligará a Av. Raja Gabaglia a Av. Barão Homem de Melo. Essa avenida não servirá para a melhoria das condições de locomoção dos moradores da Vila, mas para desafogar o trânsito da cidade. A Vila é definida pela Lei nº 7.166/96 (Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo) como Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), ou seja, como região na qual há interesse público em ordenar a ocupação, por meio de urbanização e regularização fundiária, no entanto, a lei não tem tido eficácia em proteger seus moradores da expulsão. Segundo os moradores, as casas que já foram removidas não receberam a indenização correspondente a posse do terreno.

4.2 Os agricultores da Vila das Antenas

Vários moradores da Vila vieram do norte de Minas Gerais, muitos trabalhavam na roça e têm costume de cultivar plantas ornamentais, medicinais e também alimentos. O costume de plantar ainda se mantém, principalmente entre os mais velhos. Mães buscam na casa de vizinhas plantas medicinais para curar seus filhos. D. Geralda, D. Conceição, D. Miúda, Nilza, D. Dolores, D. Adelina e D. Fia são

13 O grupo História em Construção existe desde 2009. A autora entrou no Grupo MOM em Setembro de 2011, quando começou a participar das reuniões do História em Construção. Para mais informações acesse: http://www.mom.arq.ufmg.br/mom/index.html.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

37

algumas das mulheres que vivem há pelo menos 30 anos na Vila e conservam nos quintais conhecimentos antigos de plantas que curam. Pelas entrevistas feitas evidenciou-se que a maioria dos agricultores são mulheres e plantam mais frequentemente temperos e plantas medicinais. Existem algumas pequenas hortas nos quintais e muitas pessoas plantam em latas e recipientes. Percebeu-se também, que as moradoras antigas detém conhecimentos diversos sobre plantas medicinais e que muitos moradores da Vila buscam ajuda das plantas para se curar.

FIGURA 20 – Canteiro de alfaces na Av. Raja Gabaglia em frente a Vila das Antenas. Fonte: Jornal de junho de 1991. Arquivo Público, 2012.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

38

FIGURA 21 – Alguns dos agricultores da Vila das Antenas. Fonte:Flora Rajão, 2012.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

39

Durante o primeiro semestre deste ano foram feitas algumas visitas na Vila das Antenas. O trabalho começou percorrendo a Vila e fotografando os jardins das ruas cuidados pelos moradores. No percurso conhecemos pessoas que foram nos indicando quem são os agricultores; cada agricultor indicava outro que conhecia. No início parecia interessante pesquisar e esquematizar manuais de tecnologias de cultivo para serem distribuídos, mas à medida que as hortas eram visitadas, percebemos que o conhecimento estava dentro da Vila. Muitas senhoras mais velhas cultivam plantas medicinais que servem como alternativa aos remédios. Pessoas sem quintal desenvolvem diversas maneiras para cultivar nas lajes. Para reunir os agricultores, o grupo da disciplina Conexão Morro – Asfalto propôs uma manhã de troca de mudas e dicas – conhecimentos diversos como receitas, modos de cultivo - que aconteceu em um sábado. A troca foi anunciada em uma faixa colocada na vila e por panfletagem (FIGURA 22). A manhã das plantas contou com um cenário interativo, constituído de um grande tecido 2,5m x 3m com um traçado simples das vias da Vila. A ideia era que os moradores preenchessem o espaço de suas casas com as dicas, desenhos, frases ou o que bem entendessem para representá-los.

FIGURA 22 – Panfleto da primeira (21 de abril) e da segunda (2 de junho) Manhã das Plantas na Vila das Antenas. Fonte: Grupo MOM, 2012.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

40

FIGURA 23 – Primeira Manhã das Plantas (21 de abril) Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2012.

FIGURA 24 – Primeira Manhã das Plantas (21 de abril) Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2012.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

41

FIGURA 25 – Primeira Manhã das Plantas (21 de abril) Fonte:arquivo pessoal da autora, 2012.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

42

5 INTERFACES PARA PRODUÇÃO E GESTÃO DE HORTAS NA VILA DAS ANTENAS

5.1 Plataforma colaborativa: Faça o seu canteiro

A partir das reuniões do grupo História em Construção, buscando uma forma de ampliar a rede de troca de informações sobre agricultura urbana e ocupação de espaços na Vila das Antenas, foi elaborado um estudo de como funcionaria uma plataforma online. Esse estudo foi feito em forma de vídeo que pode ser visto no youtube (www.youtube.com) com o título Plataforma: faça o seu canteiro e também está no CD anexo a este trabalho.

FIGURA 26 – Plataforma: faça o seu canteiro Fonte: imagem extraída do youtube

O vídeo usou a técnica stop motion para simular o funcionamento da plataforma. 248 fotografias de desenhos feitos pela autora foram colocadas em sequencia. O texto narrado é o seguinte: “A Vila das Antenas é uma das vilas do Morro das Pedras que está situada em uma área de elevado valor imobiliário entre duas avenidas de Belo Horizonte: a Av. Raja Gabáglia e a Av. Barão Homem de Melo. A atual gestão da prefeitura, com recursos obtidos junto ao PAC, tem o objetivo de ligar essas duas avenidas. O projeto prevê uma avenida de quatro pistas que passará pela Vila das Antenas, removendo famílias e gerando várias áreas residuais sem uso e sem acesso que acabam virando depósito de lixo. Os moradores, contrapondo-se ao projeto impositivo da Prefeitura, tiveram a ideia de utilizar os espaços livres, já gerados pelas demolições pra cultivar hortas coletivas. Estas hortas seriam um espaço de lazer, encontro e aprendizado produzido pelos próprios moradores, além de serem fonte

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

43

de alimento e até mesmo de renda. Para ajudar a ampliar o raio de abrangência da ideia, na provocação e troca de informações entre os moradores, propomos a plataforma colaborativa Faça o

seu canteiro. A ferramenta servirá para mapear os espaços livres da vila e fornecer manuais e dicas de tecnologias que possam ser aplicadas em cada área. Cada morador poderá marcar áreas livres existentes na vila. Por exemplo, João mora perto de um barranco sem uso que vive cheio de lixo e quer reformá-lo. Ele poderá marcar essa área no mapa, dar um nome a ação e se cadastrar como responsável. Em seguida, de acordo com as propriedades físicas do terreno, poderá selecionar algumas das tecnologias do item Informações para por a mão na massa. Funciona assim: quando clicar em contenção, aparecerão opções de contenção que podem ser feitas sem máquinas. Selecione a que mais se adéqua ao seu terreno. Você também pode selecionar uma nova tecnologia. No nosso exemplo, João pode selecionar a contenção com pneus, aprender como fazer e checar o material necessário. Faça o mesmo com os outros itens. Se você quiser participar de algumas das ações já cadastradas, clique na ação, escreva seu nome no item voluntário e preencha o item como ajudará. Essa plataforma servirá para dar informações técnicas que possibilitem a ação coletiva do espaço comum. Além disso é um lugar de debate e troca de conhecimento entre moradores.”

Pela falta de conhecimentos da autora em programação, o site não pode ser concretizado no período deste trabalho. Para não deixar de lado o objetivo de fortalecer a rede de agricultores da Vila, que é interessante, pois relaciona-se tanto com as relações sociais e conhecimentos existentes quanto com os espaços da Vila, desenvolveu-se uma forma analógica da plataforma que será descrita no item 5.2.

5.2 Cartões colecionáveis

A partir do trabalho desenvolvido pela frente jardins microlocais, que era a frente de que a autora fazia parte na disciplina Conexão Morro-Asfalto, informações sobre tecnologias para agricultura urbana, receitas medicinais, propriedades de plantas foram coletadas. O objetivo da disciplina era produzir interfaces para informação e ação no espaço da Vila.

O problema então não é a falta de informação, mas sua baixa circulação. O conhecimento das possibilidades está concentrado em alguns pontos da Vila e, por circular pouco, acaba em ações isoladas que não aglutinam pessoas. A inexistência da aglutinação e de troca de informações gera apatia dos moradores, uma sensação de que nada pode ser feito, de que se está sozinho e existe uma força maior que poderá impedir qualquer ação. Apatia e falta de acesso a informação são problemas observados também nas áreas passíveis de remoção. São poucos os moradores que entendem o

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

44

zoneamento da área onde moram (no caso, ZEIS) e que sabem dos seus direitos. Muitos dos entrevistados se demonstraram insatisfeitos com as obras e soluções apresentadas pela prefeitura, mas a insatisfação vem acompanhada do discurso resignado de que “não tem outro jeito”. Observou-se também que há moradores que ridicularizam a luta do pequeno grupo que está melhor articulado. Pensou-se então, através da troca de mudas a identificação de um grupo na vila com interesse na agricultura urbana. O objetivo envolver pessoas que anteriormente não compareciam nas reuniões do grupo História em Construção.

A partir da primeira troca de mudas, organizada em abril, foram organizadas as dicas coletadas em forma de cartões A5. Nos cartões, além da informação, está escrito quem a forneceu e o seu endereço. Assim, quem quiser saber mais detalhes, seja sobre uma receita ou sobre o que é ZEIS, saberá a quem procurar dentro da própria Vila das Antenas. A importância de poder buscar a informação dentro da própria Vila é, além do acesso rápido (sem precisar de um computador com internet, ou pegar um ônibus e enfrentar filas em órgãos públicos), a facilidade de comunicação (sem constrangimentos ou abuso de poder).

Uma das principais desvantagens dos cartões em relação ao site é a dificuldade em acrescentar novas dicas ao acervo. Para isso utilizou-se uma linguagem que pudesse ser reproduzida sem computador e fosse possível com desenhos a mão e colagens. A coleção inicial não é fechada, os itens podem ser reproduzidos por xerox ou cópia e pode-se acrescentar quantos forem necessários. A ideia é que os cartões, além de reproduzidos, possam também ser produzidos pelos moradores.

No dia 2 de julho, aconteceu uma segunda troca de mudas. Dessa vez, além de estender o mapa interativo de tecido, foi estendido um varal com alguns dos cartões de dicas e também foi levada uma maquete da Vila – para que os moradores pudessem identificar os espaços livres existentes. Os moradores reconheceram as suas dicas e viram as de outros moradores. Um problema nessa interface de comunicação foi detectado: algumas das pessoas idosas que participaram das trocas de mudas não sabem ler nem escrever. A maquete despertou curiosidade e aglutinou pessoas, principalmente crianças, que identificaram suas casas e espaços da Vila.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

45

FIGURA 27 – Cartões de dica da Santa e da Miúda Fonte:arquivo da autora, 2012.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

46

FIGURA 28 – Cartões de dica da Fia e da Adelina Fonte:arquivo da autora, 2012.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

47

FIGURA 29 – Cartões de dica da Miúda e da Geralda Fonte:arquivo da autora, 2012.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

48

FIGURA 30 – Sra. Adelina conferindo as dicas na segunda Manhã das Plantas (2 de junho) Fonte: Mateus Lira, 2012.

FIGURA 31 – Carregando a muda de ameixa na segunda Manhã das Plantas (2 de junho) Fonte: Mateus Lira, 2012.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

49

6 CONCLUSÕES

Dentre as quatro categorias em que foram divididos os casos estudados (individual e supervisionada, individual e autogestionada, comunitária e autogestionada, e comunitária e supervisionada) ficaram claros alguns problemas em relação à continuidade desses projetos.

Entre as iniciativas autogestionárias, o principal problema é a falta de apoio financeiro. Para esses projetos sem verba continuarem é necessário que os agricultores concentrem muitos esforços (de mão de obra e de gastos financeiros). Os principais conflitos e motivos de desistência de agricultores, relatados no trabalho de Coutinho (2010) sobre as hortas comunitárias do Cafezal e do Acaba Mundo, dizem respeito a decisões sobre as próprias hortas e para as quais os agricultores não conseguem encontrar um consenso.

Observou-se que as hortas comunitárias e autogestionárias, apesar de não serem, a princípio, idealizadas por um agente externo, também não partem somente da iniciativa dos moradores. Nesses casos foram necessários agentes catalisadores para mobilizar e informar um grupo sobre os seus direitos e suas possibilidades.

O Catalisador é um agente que sabe das coisas e sabe como dizê-las em linguagem inteligível para os dois lados. O seu papel é este: ser “de dentro”, “de confiança” para o grupo, a ponto de ser capaz de comovê-lo e de mobilizá-lo; a se “de fora” o suficiente para saber como delinear a pressão, como descrevê-la e como manipulá-la. O Catalisador tem que ser “passe livre”, ser conhecido como interlocutor pelo sistema político oficial (aparato do Estado) para que seja possível alguma ação, pelo menos no início de um movimento. (SANTOS, 1981, p. 223)

O que chama a atenção no programa PRODECOM, citado na Introdução, é que os recursos técnicos e financeiros aplicados foram destinados ao desenvolvimento de projetos de interesse das comunidades. O programa proporcionava formação, ao mesmo tempo que supria as necessidades que a própria comunidade demandava. Assim, pelo que parece, as decisões sobre o espaço comum não eram tomadas por um agente externo, mas na discussão e por meio de acordos entre os moradores, estimulando a prática de organização comunitária. Infelizmente, neste trabalho não foi possível investigar empiricamente as práticas e resultados do PRODECOM.

Enquanto nas hortas autogestionárias existe a falta de apoio financeiro do Estado e um maior engajamento na produção do espaço, nas hortas supervisionadas, como o projeto Jardim Cidadão que

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

50

deriva do Vila Viva, acontece o oposto. Trata-se de um projeto comandado pelo Estado e que é consequência de intervenções na favela segundo planos urbanos dos quais os moradores não se consideram participantes e que, além de desconsiderarem a ordem espacial produzida pela população, não a beneficiam como um todo.

Assim, persistem ações de caráter assistencialista, focadas na ampliação do acesso a bens e serviços definidos de antemão. Quando há participação popular, ela assume um papel acessório em processos de decisão cujos aspectos mais substanciais são previamente fixados por parâmetros técnicos ou administrativos. Quando, por outro lado, há iniciativas da própria população, elas costumam ocorrer de modo desarticulado da administração pública, sem o seu apoio técnico e financeiro e em contraposição à suas diretrizes. Há um enorme dispêndio de energia, mas os resultados tendem a se anular mutuamente: o poder público desmancha a ordem espacial produzida pela população e a população desmancha a ordem espacial que o poder público procura implantar (a percepção 361 de muitos agentes públicos é de que estariam “enxugando gelo”). Em contrapartida, o direito à cidade inclui o direito de discutir, determinar e produzir a cidade em função de interesses e desejos negociados coletivamente. Esse direito depende da possibilidade de construção dos processos de decisão e de seus parâmetros pela própria população. Trata-se então de sair do registro mais convencional de uma política assistencialista ou mesmo participacionista – nos moldes da participação informativa ou cooptativa – e facilitar o engajamento da população na produção do espaço microlocal. Os esforços de cada prefeitura devem confluir com esse engajamento, respeitando o contexto específico do município e suas potencialidades e aumentando o grau de articulação entre os municípios e entre as diversas instâncias administrativas. Sem essa confluência, fundada no acesso amplo a informações, dificilmente haverá sustentabilidade socioambiental. (PDDI, Vol. 2., 2011.)

O projeto Jardim Cidadão procurou levar jardins para os espaços remanescentes, gerados pelas obras do Vila Viva, com a intenção de melhorar a qualidade ambiental e de evitar que essas áreas se tornassem lugar de depósito de lixo ou fossem novamente ocupadas. Estruturou-se a escola jardim, que ensinou a 30 alunos o ofício de jardineiro, mas esse conhecimento vindo de fora não se reflete necessariamente na produção do espaço da Vila.

Algumas mulheres hoje estão empregadas em empresas de manutenção de condomínios na cidade formal e outras, além de se apropriarem dos jardins das

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

51

unidades habitacionais que residem, realizam manutenção profissional em jardins particulares da cidade. (Blog do projeto Jardim Cidadão. Disponível em <http://jardimcidadao.blogspot.com.br/>)

O CEVAE, classificado como individual e supervisionado, apesar de ter potencial para ser um centro de referência e ponto aglutinador de pessoas com interesse em atuar na sua vizinhança, acaba sendo, atualmente, uma mera institucionalização dos quintais. Os agricultores ficam envolvidos somente com os canteiros que cultivam na instituição e com as pessoas que a frequentam. Assim, o programa atinge uma porcentagem insignificante da população e não se reflete na produção do espaço cotidiano mais amplo. Os cursos oferecidos atualmente no espaço do CEVAE Morro das Pedras, por exemplo, em parceria com o Fica Vivo, se limitam a cursos de dança e capoeira que também não se relacionam com a melhoria do espaço urbano e doméstico.

Nas intervenções propostas por muitos planos urbanos, o espaço de viver é separado do espaço de plantar, distanciando a prática do cotidiano. A FIGURA 33 mostra a via em função da qual se removeram casas, bem como os prédios onde as famílias passaram a morar. O lugar do pedestre se transformou em um estreito passeio árido, sem sombra e que muito contrasta com os becos da FIGURA 32. Nas ocupações espontâneas, o espaço de viver e de plantar é o mesmo, o que acaba proporcionando ambientes urbanos agradáveis, seja pela sombra das árvores, pela beleza das flores ou pela ocupação produtiva de espaços antes degradados. O caso da moradora do Morro das Pedras, que queria construir seu barracão no terreno do CEVAE ilustra a importância dessas qualidades. Por que, em vez de levar a habitação para dentro do local institucionalizado, não levar as hortas – considerando os saberes locais e a lógica espacial produzida pela população – para os pequenos espaços remanescentes perto das casas, fazendo da instituição um ponto de referência e informação para os moradores?

A FIGURA 32 mostra duas fotografias de becos da Vila das Antenas, o beco C e o beco D. Eles são exemplos de lugares onde o espaço de plantar e viver é o mesmo. No beco C, a lamparina chinesa, plantada pelo Sr. João na porta de sua casa, enfeita a entrada da casa e gera sombra e graça ao beco. No beco D, um canteiro à esquerda da foto enfeita. Embora não tenha sido possível obter informações concretas a esse respeito, os becos parecem ter sofrido intervenções pelo poder público, ou seja, não estão com sua conformação original definida pelos moradores. No entanto, a intervenção que pode ter removido um pequeno trecho da casa para alinhá-la, por exemplo, manteve a estrutura e as relações de vizinhança. No fundo do beco C, a foto mostra as crianças se reunindo. No beco D, os vizinhos

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

52

disseram que se conhecem desde criança e que o beco é um extensão de suas casas. A maioria disse se sentir em lugar seguro e não ter vontade de sair. Não lhes agrada a ideia de morar nos prédios oferecidos pela prefeitura.

A predominância de pedestres na cidade compacta tornaria os espaços públicos mais seguros e estimularia maior convívio entre os moradores” (ROGERS e GUMUCHDJIAN, 1998).

FIGURA 32 –Espaço de viver junto com o espaço de plantar na Vila das Antenas. Beco C à direita e Beco D à esquerda. Fonte: arquivo da autora, 2012.

FIGURA 33 – Espaço de viver separado do espaço de plantar - ruas sem vida no Aglomerado da Serra. Fonte: site da construtora responsável pela obra do Aglomerado da Serra. http://santabarbarasa.com.br/Cmi/pagina.aspx?146&codigo=146,

FIGURA 34 – Espaço de plantar no Morro das Pedras separado do espaço de viver. Fonte: http://portalpbh.pbh.gov.br, acessado em Maio de 2012.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

53

acessado em Maio de 2012.

Quando a iniciativa de cultivar uma horta ou um jardim na cidade parte de um indivíduo ou grupo, isto é, não parte de uma instância externa, surge uma relação de vigilância e responsabilidade que dispensa qualquer regulamentação. A agricultora do CEVAE Morro das Pedras, Marilda, quando contou sobre a árvore que plantou perto da sua casa disse: “Ela vai ficar lá até enquanto eu estiver lá, enquanto vida eu tiver. Se cortar um galho dela eu já vou procurar saber quem cortou”. O capineiro, Sr. Geraldo, também morador do Morro das Pedras, expressou o mesmo sentimento de vigilância com a castanheira que ele plantou na Vila. “Eu plantei uma castanha lá, menina. Até falei com o cara da máquina [responsável da prefeitura pela poda das árvores]: ó essa castanheira fui eu que plantei aqui, eu comprei a muda e plantei e não aceito arrancar ela, entendeu? Vocês podem fazer o serviço aí mas sem mexer nessa castanheira.”

Já nos espaços do projeto Jardim Cidadão, os moradores fizeram um abaixo assinado cobrando do projeto manutenção de um dos jardins implantados. Isso demonstra que os moradores não se sentiam responsáveis pelo jardim, não havia relação entre o jardim e os moradores. Dependência em relação a agentes externos pode ser visita também nas hortas autogestionárias, como no caso da horta da Vila Acaba Mundo, em que os agricultores ficaram esperando a ação das Brigadas, do Grupo Pólos e do Grupo Aroeira para a construção da cerca na horta.

Para estimular a autoprodução de espaços coletivos nas favelas e em outros locais mais ou menos informais da cidade seria preciso compreender a dinâmica do dia-a-dia de seus moradores e de seus mecanismos de intervenção no espaço. Para não haver dependência de agentes externos é preciso que os moradores sejam capazes de buscar e trocar informação por conta própria.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

54

7 REFERÊNCIAS

Agricultura Urbana: Belo Horizonte Cultivando o Futuro. Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas (REDE)./ organizado por Angela Christina Ferreira Lara e Daniela Almeida. Belo Horizonte: Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas, 2008. 36p.

ALMADA, Emmanuel Duarte; MORAIS, Lídia Maria de O.; COUTINHO, Maura Neves. O Concreto Arado. Revista Parahyba, Belo Horizonte, n. 02, p. 27-31, março 2012.

ALMEIDA, Daniela. Agricultura Urbana e Segurança Alimentar.Belo Horizonte, Nov. 2003. Disponível em: < http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2003/11/01/528195/agricultura-urbana-e-segurana-alimentar.html>. Acesso em maio de 2012.

CABRAL, J. R. Impactos ambientais da urbanização no meio físico e no meio biótico. Apostila do Curso de Especialização em Planejamento Ambiental Urbano, IEC PUC Minas, 2005.

CALVINO, Italo. Marcovaldo ou As estações na cidade; tradução Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.143 p.

COUTINHO, Maura Neves. Agricultura urbana: práticas populares e sua inserção em políticas públicas. Dissertação (mestrado). Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.

FAVELA É ISSO AÍ. Site da ONG Favela é isso aí. Disponível em: <http://www.favelaeissoai.com.br>. Acesso em maio de 2012.

JARDIM CIDADÃO Blog do projeto Jardim cidadão. Desenvolvido por Márcio Gibran, 2010. Disponível em: <http://jardimcidadao.blogspot.com.br/>. Acessado em Março de 2012.

LEFEBVRE, Henri. Espaço e política. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

MILAGRES, Lígia Maria Xavier. Entre o Quintal e o Parque: Possibilidades de produção do espaço público

cotidiano. 2011. Dissertação de Mestrado. Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG (NPGAU). Orientadora: Silke Kapp. Escola de Arquitetura, UFMG, 2011.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

55

MINAS GERAIS. SECRETARIA DE ESTADO E COORDENAÇÃO GERAL. PRODECOM - Programa de Desenvolvimento de Comunidades. Belo Horizonte, Secretaria Executiva do PRODECOM, 1979. 49p. (manuscrito)

PREFEITURA DE BELO HORIZONTE. Site da prefeitura de Belo Horizonte. Disponível em: <www.pbh.gov.br>. Acesso em: fevereiro de 2012.

QUINTAL VIVO. Blog do grupo Quintal Vivo. Desenvolvido por Quintal Vivo, 2009. Apresenta atividades do grupo. Disponível em: <http://quintalvivo.wordpress.com/2010/03/02/vivencia-cafezal/>. Acesso em: junho de 2012.

SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos. Movimentos urbanos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.

SANTANDREU, Alain; LOVO, Ivana Cristina. Identificação e Caracterização de Iniciativas de Agricultura Urbana e Periurbana em Regiões Metropolitanas Brasileiras. 2007.47p. Documento referencial geral. REDE – IPES /RUAF, Belo Horizonte, 2007.

SILVA, Márcio Gibram. Favela Cidade Jardim. Urbel. Belo Horizonte. Disponível em: < http://issuu.com/bachogibram/docs/favelacidadejardim>. Acesso em: maio de 2012.

PDDI. Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Volume 2. Belo Horizonte, 2011.

TASCHNER, S.P. Degradação ambiental em favelas de São Paulo. In: Torres, H. & Costa, H. (orgs.) População e Meio Ambiente: Debates e Desafios (pp. 271-297). São Paulo, SP: Editora Senac. 2ª ed.

WIKIPEDIA. Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Centro-

Sul_(regi%C3%A3o_de_Belo_Horizonte) >. Acesso em junho de 2012.

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

56

8 ANEXOS

8.1 ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA NO CEVAE

1.Identificação Entrevistado: Função no CEVAE: Onde mora: A quanto tempo trabalha no CEVAE: 2. Informações CEVAE MP Quantos agricultores: Área total do CEVAE: De onde vem a água? Quais são os serviços oferecidos? 3.Agricultores Média de idade dos agricultores: Ocupação dos agricultores: Onde moram os agricultores: Os agricultores aplicam o conehcimento que tem acesso no CEVAE em suas casas ou na vizinhança? Os agricultores autoproduziram (ou autoconstruiram) suas casas? Fazem alguma conexão entre o que praticam no CEVAE e a autoconstrução/autoprodução do espaço habitacional e dos espaços coletivos microlocais? Algum dos agricultores do CEVAE cultiva fora do CEVAE?

8.2 ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA NA VILA DAS ANTENAS – FRENTE: JARDINS MICROLOCAIS

1. Identificação local: data da entrevista: entrevistadores: entrevistados: 2. Obtenção de dados Descrever as circunstâncias da entrevista, como os pesquisadores estabeleceram o contato, onde mora o entrevistado, onde a entrevista foi feita e se fizeram a entrevista com a pessoa em separado ou conversaram sempre com um grupo, como foi a receptividade das pessoas, se já as conheciam antes etc. 3. Hortas e Jardins de casa

Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG

57

Saber se o entrevistado cultiva em casa. Onde cultiva (se é em vaso ou na terra). O que cultiva? cultiva alimentos? para consumo? E quanto tempo se dedica aos jardins e/ou horta por semana. Os vizinhos também cultivam? 4. Tecnologias Visitar a horta. Registrar engenhocas para irrigação, jardim vertical. Coisas que o morador montou. Tirar fotos. Entender como foi construído. 4. Água De onde vem a água para regar, é gato? 5. Antecedentes Se o entrevistado planta em casa, saber desde quando planta, como aprendeu. 6. Lazer Onde o entrevistado encontra com os vizinhos? existe algum espaço para o ócio perto de casa? 7. Casas demolidas e que o entulho não foi retirado O entrevistado sente algum incômodo com o entulho? Pensa em fazer algo? Sabe o motivo da casa ter sido removida? Tem alguma ideia para solucionar o problema do entulho e do lixo que se acumula no lugar onde era a casa? 8. Economia Existe algum tipo de troca formal ou informal do que é produzido, na vila ou fora da vila? Conversar com as pessoas que vendem banana e verduras na árvore. 9. História Perguntar ao entrevistado se ele se lembra dos alfaces que ficavam plantados no canteiro central da Av. Raja Gabaglia (mais ou menos em 1991). 10. Ofício

Perguntar sobre o ofício dos moradores da casa.