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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ELENIR HONÓRIO DO AMARAL SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL: CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS E PRÁTICAS ESCOLARES DE PROFESSORES DO 2º E 3º ANO DO 1º CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL Cuiabá-MT 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ELENIR HONÓRIO DO AMARAL

SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL: CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS E

PRÁTICAS ESCOLARES DE PROFESSORES DO 2º E 3º ANO DO 1º CICLO DO

ENSINO FUNDAMENTAL

Cuiabá-MT

2015

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ELENIR HONÓRIO DO AMARAL

SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL: CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS E

PRÁTICAS ESCOLARES DE PROFESSORES DO 2º E 3º ANO DO 1º CICLO DO

ENSINO FUNDAMENTAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal de

Mato Grosso como requisito para a obtenção do

título de Mestre em Educação na Área de

Concentração Educação, Linha de Pesquisa

Educação em Ciências e Educação Matemática.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rute Cristina Domingos da

Palma.

Cuiabá- MT

2015

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DEDICO

Às minhas filhas, Janaina e Mariana, e às professoras participantes da pesquisa.

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AGRADECIMENTOS

Ao mais fiel companheiro nesta caminhada: Deus, com quem dividi todos os momentos.

Às professoras, às crianças e demais profissionais da escola pesquisada, sem os quais não seria possível a

realização deste trabalho. Obrigada pelo acolhimento, pela confiança em nos contar suas experiências, e pela

a oportunidade de compartilhar de seus cotidianos.

À SME de Cuiabá, pela licença remunerada, possibilitando a minha dedicação exclusiva ao mestrado, uma

experiência pessoal e profissional maravilhosa.

Às professoras Dra. Maria Auxiliadora Bueno Andrade Megid e Dra. Gladys Denise Wielewsski, por

aceitarem participar da banca de qualificação e de defesa, dando valiosas contribuições que nos ajudaram a

ampliar as reflexões.

Às colegas, do “Grupo de estudos e pesquisas em Educação Matemática na Educação Infantil e anos iniciais

do Ensino Fundamental”, Anne, Lysania, Marta, Vani, Suelene, Lezi e Micheli, pelos valiosos momentos

de aprendizagens mútuas e pelas amizades construídas.

Às minhas filhas, Janaina e Mariana, que durante suas vidas foram, em muitos momentos, privadas de

minha presença e atenção, para que eu pudesse me dedicar a uma das minhas maiores paixões: a educação

escolar. Desculpe filhas, foi necessário!

Ao meu paizinho Benedito, à minha querida “boadrasta” Noêmia, e aos meus irmãos Eny, Enio, Eleci,

Manoel, Núbia, Maria Lúcia, Edson e Eliane, por fazerem parte da minha vida ensinando-me o amor e o

respeito.

À Maurina, Leni, Dirce, Romilde, Nilza e Nete, pelo incentivo, apoio e amizades incondicionais a mim

dedicadas.

À Vani, minha colega de mestrado que durante esta caminhada se constituiu parceira e amiga-irmã, que

acredito, para o resto de nossas vidas.

Aos professores Cleomar, Marta, Lúcia Muller, Cândida, Rute e Tânia, e aos colegas da turma do Mestrado

em Educação UFMT – 2013, pelas importantes contribuições teóricas, pelos debates, pela motivação e

momentos de aprendizagens e convivência.

À todos aqueles que têm partilhado minhas vivências pessoais e profissionais, cujos nomes não cabem todos

aqui, mas que fazem parte da minha constituição como pessoa e profissional.

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AGRADECIMENTO ESPECIAL

À minha orientadora, Rute Cristina Domingos da Palma, que me emprestou seus livros, me

“pressionou” e “cobrou” prazos, me acolheu e orientou sempre que precisei; me fez acreditar que era possível

a realização deste trabalho nos meus momentos de insegurança e hesitação. Obrigada professora Rute, pela

forma como contribuiu com a ampliação dos meus conhecimentos durante a pesquisa, através de sua:

A M I Z A D E D E D I C A Ç Â O D I S C I P L I N A O R I E N T A Ç Â O S E N S I B I L I D A D E C O M U N I C A Ç Â O M O T I V A Ç Â O I N T E R V E N Ç Â O

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RESUMO

Esta pesquisa procura responder à questão: “que conhecimentos profissionais sobre o Sistema

de Numeração Decimal são manifestados por professores do 2º e 3º anos do Ensino

Fundamental e como desenvolvem práticas escolares relacionadas a este conteúdo numa

escola da rede municipal de Cuiabá?”. Os referenciais que norteiam a investigação e análise

dos dados se pautam na abordagem histórico-cultural. Para tratar acerca dos fundamentos da

teoria histórico-cultural, recorremos aos estudos de Vygotsky (1988); Leontiev (1972); Rigon,

Asbahr e Moretti (2010); Moura (2010) e outros, de Shulman (1986,1987); Mizukami (2004)

e outros, sobre os conhecimentos profissionais; e, de Migueis e Azevedo (2007); Megid

(2009); Nacarato et al. (2011) e outros, sobre as discussões da matemática nos anos iniciais.

Sobre os aspectos históricos, teórico-metodológicos e das práticas escolares do Sistema de

Numeração Decimal (SND), referendamo-nos em Ifrah (2005); Boyer (1974); Lerner e

Sadovsky (1996); Lanner de Moura (2007) e outros. A pesquisa se configura numa

abordagem qualitativa do tipo estudo de caso, referendada em Bogdan e Biklen (1994);

Gonzáles Rey (2012); Stake (2010) e André (1995). Participaram da investigação duas

professoras do 2º ano e uma do 3º ano do 1º ciclo do Ensino Fundamental. As fontes dos

dados foram os questionários de caracterização, observações com registro em diário de

campo, entrevistas e documentos escolares. Os dados apontam, de modo geral, experiências

escolares pouco relevantes no sentido do acesso e da apropriação dos conhecimentos

matemáticos e um processo de formação profissional, inicial e continuada, insuficientes. A

ausência de uma proposta consolidada de trabalho pedagógico coletivo e de formação

contínua na escola em que atuam, reflete na prática pedagógica e compromete a possibilidade

de as professoras participantes da pesquisa ampliarem seus conhecimentos profissionais e de

promoverem mudanças qualitativas no processo de ensino e aprendizagem do SND. Os dados

indicam que apesar do trabalho pedagógico das professoras se diferenciar em alguns

momentos, suas práticas se aproximam ao ensinar o SND sem considerar a sua gênese e

historicidade e ao proporem exercícios que não promovem reflexões sobre suas regras e

propriedades. Constatamos que as professoras apresentam fragilidades nos conhecimentos

específico, pedagógico e curricular relacionados ao SND, principalmente quanto à

compreensão da base dez e do valor posicional dos algarismos e conhecimento das propostas

de abordagens do SND, presente nos referenciais curriculares oficiais, os quais repercutem na

maneira como desenvolvem o ensino deste conteúdo. A análise dos dados também nos leva a

conceber que o ensino do SND deva considerar a historicidade da criação deste conceito a

partir de situações problemas que possibilitem aos professores e alunos vivenciá-lo como

protagonistas. Para isto, o professor precisa ter condições objetivas de trabalho, estar inserido

em um projeto coletivo de educação que possa oportunizar a socialização de ideias, práticas e

novas aprendizagens. Além disso, é fundamental repensar a formação inicial e continuada de

professores que ensinam matemática nos anos iniciais.

Palavras-chave: Sistema de Numeração, Conhecimentos Profissionais, Práticas Escolares, 1º

ciclo.

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ABSTRACT

This research aims to answer the question: “which are the professional knowledge about the

Decimal Numeration System are manifested by teachers of the 2nd

and 3rd

grades of

Elementary School and how they develop school practices related to this content in a city

school of Cuiabá?”. The references that guide the investigation and the data analysis

regularize themselves in the historic-cultural approach. To treat the foundations of historic-

cultural theory, we resort to the studies of Vygotsky (1988); Leontiev (1972); Rigon, Asbahr

& Moretti (2010); Moura (2010) and other, Shulman (1986, 1987); Mizukami (2004) and

other, about the professional knowledges; and Migueis & Azevedo (2007); Megid (2009);

Nacarato et al (2011) and other, about the discussions of the mathematics in the early years.

And, the historical aspects, theoretical-methodological and the school practices of SND we

refer to Ifrah (2005); Boyer (1974); Lerner & Sadovsky (1996); Lanner de Moura (2007) and

other. The research sets itself in a qualitative approach of case study, referred in Bogdan &

Biklen (1994); Gonzáles Rey (2012); Stake (2010); André (1995) and other. Two teachers of

the 2nd

year and one of the 1st year of the Elementary School participated of the investigation.

The sources of data are: characterization questionnaire, observation with record in a field

diary, interviews and school documents. The data showed, in general, schooling experiences

with little relevance in the access of construction/appropriation of mathematical knowledge

and the process of professional formation, initial and continuing, as insufficient. That the

absent of a proposal consolidated of collective pedagogical work and continuing formation in

the school where they act, reflect in the actual practice and compromises the possibility of the

teachers expanding their professional knowledge and promoting qualitative alterations in the

process of teaching and learning of SND. We ascertain that, even though the pedagogical

work of the teachers are different in some moments, their practices come close when teaching

the SND without considering their genesis and history and the knowledge already elaborated

by the students, they do not motivate the interaction between students and, also, the

pedagogical mediation characterize itself by the collective orientation about the procedures to

be adopted to the resolution of the proposed exercises. The teaching of SND is done,

generally, through the emphasis of the names of the units of order, when the realization of

numerical operations through conventional algorithms, without returning and promoting

reflections with the students about the rules and properties of SND, underlying operations.

We found that there are some blanks in the specific and curricular knowledge of the teachers,

specially, about the comprehension of the base ten and positional value of algorithms and

knowledge of the proposal approaches of SND presents in the official curricular references,

which reverberates in how they develop the teaching of this content. The analysis of data also

takes us to consider that the teaching of SND should consider the history and the creation of

the concept from problem situations that allow to the teachers and students to live them as

protagonists and not as mere transmitters and viewers. So the teacher needs to have objective

work conditions and the initial and continuing formation need to be rethought.

Keywords: System of numbers, Professional Knowledge, Schooling Practices, 1st year.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Algarismos da antiga numeração hindu para representar as unidades

simples...................................................................................................................... ........

54

Figura 2 - Representação oral em sânscrito dos nove primeiros números inteiros do

antigo sistema hindu.........................................................................................................

55

Figura 3 - Representação oral em sânscrito às diferentes potências de dez do antigo

sistema hindu................................................................................................................ ....

55

Figura 4 - Introdução sobre composição e decomposição de números no LD2-A......... 144

Figura 5 - Apresentação do número 100 no LD2-A....................................................... 147

Figura 6 - Exercício desenvolvido no dia 30/08/13, LD2-A........................................... 150

Figura 7 - Problemas de subtração realizado na turma do 2º ano no dia 16/09/13......... 158

Figura 8 - Apresentação da ideia de adição de parcelas iguais da multiplicação no

LD2-A..........................................................................................................................

161

Figura 9 - Operações de subtração para armar e efetuar, realizada na turma do 3º ano,

no dia 06/09/13.................................................................................................................

174

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Enturmação nas Escolas da Rede Municipal de Cuiabá/MT...................... 38

Quadro 2 - Caracterização da escola, local de realização da pesquisa....................... 87

Quadro 3 - Síntese da caracterização das professoras participantes da pesquisa........ 90

Quadro 4 - Questionários e suas finalidades................................................................ 91

Quadro 5 - Inventário dos dados da pesquisa.............................................................. 98

Quadro 6 - Síntese das atividades realizadas na prática pedagógica da professora

Leci......................................................................................................................... ......

139

Quadro 7 - Síntese das atividades realizadas na prática pedagógica da professora

Lúci......................................................................................................................... .......

153

Quadro 8 - Síntese das atividades realizadas na prática pedagógica da professora

Eliane.............................................................................................................................

165

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LISTA DE SIGLAS

BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEC Conselho Escolar Comunitário

DC

EM

Diário de Campo

Educação Matemática

EF Ensino Fundamental

HA Hora-atividade

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MCR Matriz Curricular de Referência

MEC Ministério da Educação

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PLND Programa Nacional do Livro Didático

PPP Projeto Político Pedagógico

QCE Questionário de Caracterização da Escola

QCS Questionário de Caracterização dos Professoras

RC Projeto Roda de Conversa

SME Secretaria Municipal de Educação

SND Sistema de Numeração Decimal

ZDP Zona de Desenvolvimento Proximal

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................... 14

CAPÍTULO I – O ENSINO DE MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS DO

ENSINO FUNDAMENTAL E OS CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS DOS

PROFESSORES..............................................................................................................

20

1.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A PERSPECTIVA HISTÓRICO-

CULTURAL.....................................................................................................................

21

1.2 O ENSINO DE MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO

FUNDAMENTAL............................................................................................................

29

1.3 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

EM MATEMÁTICA NO 1º CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL.....................

34

1.3.1 A proposta de organização do Ensino Fundamental em ciclos da Rede Pública

Municipal de Cuiabá.........................................................................................................

37

1.4 OS CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS DE PROFESSORES: A BASE DE

CONHECIMENTOS PARA ENSINAR..........................................................................

40

CAPÍTULO II – O SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL................................

46

2.1 SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL: PROCESSO HISTÓRICO DE

CRIAÇÃO.........................................................................................................................

46

2.1.1 A necessidade humana de contar e o número.......................................................... 47

2.1.2 A criação dos sistemas de numeração...................................................................... 51

2.1.3 Sistema de Numeração Hindu: o ancestral do nosso atual Sistema de Numeração

Decimal............................................................................................................................

53

2.2 CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL INDO-

ARÁBICO...................................................................................................................... ...

59

2.3 O ENSINO DO SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL NOS ANOS

INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL.....................................................................

60

2.4 O ENSINO E APRENDIZAGEM DO SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL

NOS ANOS INICIAIS: O QUE DIZEM AS PESQUISAS BRASILEIRAS NO

PERÍODO DE 1996 A 2012.............................................................................................

72

CAPÍTULO III – METODOLOGIA: OS CAMINHOS DA PESQUISA.................

80

3.1 A OPÇÃO METODOLÓGICA PELA ABORDAGEM QUALITATIVA................ 80

3.2 O TIPO DE PESQUISA............................................................................................. 82

3.3 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA............................................... 85

3.4 O CONTEXTO E AS PROFESSORAS PARTICIPANTES DA PESQUISA.......... 85

3.4.1 Os critérios e o processo de seleção da escola e professoras participantes da

pesquisa.............................................................................................................................

86

3.4.2 Caracterização da escola.......................................................................................... 87

3.4.3 Caracterização das professoras participantes da pesquisa....................................... 88

3.5 AS FONTES E OS PROCEDIMENTOS DE PRODUÇÃO DOS DADOS.............. 90

3.6 ORGANIZAÇÕES PARA A LEITURA DOS DADOS DA PESQUISA................. 98

CAPÍTULO IV – CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS E PRÁTICAS

PEDAGÓGICAS DE PROFESSORES AO ENSINAR O SISTEMA DE

NUMERAÇÃO DECIMAL: ALGUNS INDÍCIOS.....................................................

100

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4.1 CAMINHOS PARA A ANÁLISE DOS DADOS: AS CATEGORIAS DE

ANÁLISE.........................................................................................................................

100

4.1.1 O movimento de construção dos conhecimentos profissionais e das práticas

pedagógicas referentes ao conhecimento matemático – SND: os percursos pessoais

das professoras..................................................................................................................

103

4.1.1.1 Síntese dos percursos das professoras e dos conhecimentos profissionais

manifestados, referentes ao SND......................................................................................

121

4.1.2 A organização do trabalho pedagógico na escola: o contexto de atuação das

professoras.................................................................................................................. ......

123

4.1.2.1 Organização e utilização dos espaços e tempos escolares.................................... 124

4.1.2.2 Organização do ensino na escola: a relação entre o proposto e o observado na

prática escolar...................................................................................................................

127

4.1.2.3 Estudos, reflexões, planejamentos coletivos e avaliação..................................... 129

4.1.3 Práticas pedagógicas referentes ao SND: a ação das professoras na sala de aula... 137

4.1.3.1 Síntese das práticas pedagógicas desenvolvidas pelas professoras em sala de

aula e os conhecimentos profissionais manifestados........................................................

176

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES .................................................................................

178

REFERÊNCIAS..............................................................................................................

188

APÊNDICES...................................................................................................................

197

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14

INTRODUÇÃO

O ensino de Matemática no universo dos problemas educacionais tem ocupado, nos

últimos tempos, espaço de destaque nos debates não só do meio acadêmico, como de outros

setores da sociedade brasileira. As temáticas que permeiam tais discussões evidenciam as

dificuldades de ensino e de aprendizagem dos conhecimentos matemáticos, em todas as etapas

do processo de escolarização, preocupações que também se fizeram presentes, na minha

trajetória profissional1.

A minha formação profissional inicial se deu através da realização do curso Magistério

no Ensino Médio, graduação em Pedagogia e especialização em Avaliação Educacional.

Como professora efetiva das redes públicas de ensino do município de Cuiabá e do Estado de

Mato Grosso, exerci as funções de professora e de coordenadora pedagógica dos anos iniciais

do Ensino Fundamental por vinte e dois anos. Desse período, atuei dez anos como professora

polivalente em turmas do 2º ao 4º ano e de Matemática e Ciências Naturais em turmas de 5º e

6º ano. Nos últimos seis anos, compondo a equipe da Secretaria Municipal de Educação

(SME) de Cuiabá/MT, desempenhei as funções de assessora pedagógica, coordenadora de

avaliação e de formação continuada, e diretora de ensino.

Neste percurso, os desafios em relação ao ensino de Matemática nos anos iniciais do

Ensino Fundamental me instigaram, pessoal e profissionalmente, a buscar novos

conhecimentos acerca dessa problemática, por entender a importância dos conhecimentos

matemáticos e dos anos iniciais no processo de educação escolar.

Os anos iniciais do Ensino Fundamental são responsáveis pela introdução das primeiras

noções das diversas áreas do conhecimento e representam a base dos conhecimentos que as

crianças terão que consolidar ao longo de sua trajetória acadêmica. Assim, a forma como

esses conteúdos são trabalhados no início da escolarização pode concorrer para o sucesso ou

insucesso dos alunos na escola. No caso específico da Matemática, o problema nos parece

ainda mais sério e manifesto, sendo que quando o aluno não consegue uma fundamentação

dos conhecimentos matemáticos nesse início de escolarização, possivelmente, poderá

1 Neste momento escrevo na 1ª pessoa do singular por se tratar de uma experiência pessoal.

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apresentar dificuldades para avançar na aprendizagem de conteúdos mais complexos e

consequentemente, apresentar dificuldades e/ou reprovações nos anos subsequentes.

Vislumbrando a possibilidade de aprofundar conhecimentos referentes ao ensino de

Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental, em 2010, aceitei o duplo desafio em

atuar como orientadora de estudos da formação em Matemática e coordenar a execução do

Pró Letramento2 na rede municipal de Cuiabá.

O desenvolvimento deste programa, com duração de dois anos, oferecia formação

continuada em Língua Portuguesa e Matemática para todos os professores do 1º ciclo3. Os

professores poderiam optar por uma das áreas para iniciar a formação. A maioria dos

professores escolheu participar, no primeiro ano, da formação em Língua Portuguesa,

alegando “não gostar de Matemática”. Este fato me chamou a atenção, pois de acordo com

Thompson (1997, p. 12), pesquisas em Educação Matemática revelam que há uma forte razão

para acreditar que as concepções e crenças “sobre o conteúdo e seu ensino desempenham um

papel importante, no que se refere à sua eficiência como mediadores entre o conteúdo e os

alunos”.

No início das formações, as percepções, a partir dos primeiros relatos dos professores,

apontavam indícios de dois fatores relacionados ao insucesso do ensino de Matemática nos

anos iniciais, que já mobilizavam minha atenção e preocupação, durante o exercício da função

de coordenadora pedagógica. O primeiro é de que o ensino de Matemática não é priorizado no

período de alfabetização, motivado à primeira vista pela preocupação, legítima, com a

aquisição da leitura e escrita da língua materna. O segundo é que, em relação aos conteúdos

trabalhados nos anos iniciais, as preocupações dos professores se voltam para ensino dos

números e operações, em detrimento aos demais conteúdos curriculares de Matemática para o

Ensino Fundamental.

No decorrer dos encontros formativos essas percepções iniciais foram expandidas com

indicativos de que embora o ensino de Matemática, nos 1º, 2º e 3º anos, girasse em torno dos

2Pró Letramento: Programa de Formação Continuada de Professores dos Anos/ Séries Iniciais do Ensino

Fundamental, realizado pelo Ministério de Educação- MEC, em parceria com as Universidades que integram a

Rede Nacional de Formação Continuada, com a adesão de estados e municípios. Tem por objetivo geral a melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura/ escrita e Matemática nas séries iniciais do Ensino

Fundamental. É composto por oito fascículos que tratam dos seguintes temas, respectivamente: Números

Naturais, Operações com Números Naturais, Espaço e Forma, Frações, Grandezas e Medidas, Tratamento da

informação, Resolução de problemas e Avaliação. Na Rede Municipal de Cuiabá, o programa foi implantado em

2010, envolvendo todos os professores do I ciclo, cuja participação das formações em linguagem e Matemática

se dava através de revezamento anual.

3 Dentro da proposta da rede municipal de Cuiabá de organização do Ensino Fundamental de nove anos em ciclo

de formação humana o 1º ciclo (Infância) é constituído do 1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental.

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16

números e operações, os relatos dos professores sobre as práticas de ensino e, as dificuldades

apresentadas no desenvolvimento das atividades formativas, apontavam indícios de

conhecimentos incipientes dos professores e, consequentemente, de fragilidades no ensino

desses conteúdos.

Naquela ocasião, chamou-me à atenção, dentre outras, as dificuldades daqueles

professores em trabalhar os conteúdos, considerando os conhecimentos elaborados pelos

alunos, relacionar as dificuldades com a escrita numérica; as operações com a compreensão

do Sistema de Numeração Decimal (SND), e ainda, em propor atividades que possibilitassem

à criança avançar na apropriação da notação convencional e operações.

Nas atividades em que deveriam proceder à análise de trabalhos de alunos, os

professores manifestavam dificuldades para analisar as hipóteses de escrita numérica e de

resolução das operações utilizadas pelos educandos, no sentido de compreender quais os

conhecimentos implícitos e a quais dificuldades, acerca das regularidades do SND, tais

hipóteses estavam relacionadas.

As dificuldades de aprendizagem dos números e operações eram atribuídas à falta de

atenção e interesse dos alunos, raramente ao processo de ensino. Carvalho (2010) destaca que

uma das principais justificativas para as não aprendizagens das operações fundamentais está

vinculada à ausência de domínio de conhecimentos precedentes sobre os números e SND.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 1997) e as Diretrizes

Curriculares da rede municipal de Cuiabá (CUIABÁ, 2000/2010), para a disciplina de

Matemática no Ensino Fundamental, ressaltam a relevância dos conhecimentos matemáticos

para o exercício pleno da cidadania. Preconizam que o trabalho com o sistema de numeração

deve ocorrer ao longo desta etapa de escolarização. Tais premissas reforçam a importância de

um trabalho sistemático com SND nos anos iniciais, como garantia para o avanço conceitual

nos demais anos do Ensino Fundamental.

Diante das indagações suscitadas pelo cenário local e a convicção sobre a importância

do conteúdo do SND para o desenvolvimento dos conhecimentos matemáticos, despertamos o

olhar para a necessidade de se buscar no cotidiano escolar, uma maior compreensão acerca do

ensino do sistema de numeração. Partindo do interesse de investigar tal assunto, ao

ingressarmos no Mestrado em 2013, realizamos4 um mapeamento (apresentado em outro item

4 Dialogarei a partir desse momento com o leitor, utilizando a primeira pessoa do plural, em razão de ser este

trabalho o resultado de uma construção realizada por muitos outros atores, cujas vozes ressoam junto com a

minha própria: minha orientadora; os pesquisadores estudados e as professoras participantes de minha pesquisa.

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deste trabalho) das dissertações e teses produzidas no Brasil, referentes ao ensino e

aprendizagem do SND nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

A partir da análise das pesquisas foi possível perceber a preocupação dos investigadores

no que se refere aos conhecimentos dos professores quanto à compreensão e ao tratamento

metodológico e curricular do sistema de numeração. As pesquisas ressaltam, também, que o

domínio do SND é essencial para o pensamento aritmético e condição para operar em

diversos conteúdos matemáticos. Por outro lado, assim como Maia (2007, p. 15), percebemos

que “a literatura revisitada evidencia poucas pesquisas dentro da perspectiva de analisar o

trabalho dos professores com o SND”. Essa justificativa tornou pertinente a realização do

presente estudo.

Nesse contexto, foi delineada a questão norteadora da investigação: que conhecimentos

profissionais sobre o Sistema de Numeração Decimal são manifestados por professores do 2º

e 3º anos do Ensino Fundamental e como desenvolvem práticas escolares relacionadas a este

conteúdo numa escola da rede municipal de Cuiabá? Partindo desse questionamento,

estabelecemos como objetivo geral: investigar os conhecimentos profissionais e as práticas

pedagógicas de professores que atuam no 2º e 3º ano do 1º ciclo do Ensino Fundamental,

referentes ao Sistema de Numeração Decimal. E, por objetivos específicos:

Caracterizar e analisar as trajetórias formativas das professoras acerca

do conhecimento matemático – Sistema de Numeração Decimal;

Investigar e analisar as interfaces entre a organização do trabalho

pedagógico e da formação continuada na escola e os conhecimentos profissionais e

práticas pedagógicas das professoras participantes da pesquisa, referentes ao

conteúdo de Sistema de Numeração Decimal;

Investigar e analisar os conhecimentos profissionais e as práticas

escolares das professoras participantes da pesquisa, referentes ao Sistema de

Numeração Decimal;

Investigar e analisar como as professoras se articulam pedagogicamente

para desenvolver a proposta de Matemática no 1º ciclo, especificamente o conteúdo

de Sistema de Numeração Decimal.

A pesquisa teve como local de investigação uma Escola Municipal de Educação Básica,

situada na zona urbana, da rede pública de educação do município de Cuiabá, Estado de Mato

Grosso. E nessa, duas turmas (uma de 2º e outra de 3º ano) do 1º ciclo do Ensino

Fundamental.

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Nossa intenção inicial era investigar o trabalho com o SND nos três anos do 1º ciclo do

Ensino Fundamental. No entanto, como exposto no terceiro capítulo, devido ao cancelamento

da participação da professora do 1º ano na pesquisa, tivemos que reconfigurar a abrangência

da investigação para os dois últimos anos do 1º ciclo.

Em relação ao aspecto metodológico, dentro da abordagem metodológica qualitativa foi

desenvolvida uma pesquisa do tipo estudo de caso. Para a produção de informações

utilizamos o diário de campo contendo os registros das observações do contexto e das aulas de

Matemática das professoras participantes, entrevistas, análise de documentos escolares e

questionários de caracterização.

Para atender a seu propósito, essa pesquisa está organizada em quatro capítulos. O

primeiro capítulo, “O ensino de Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental e os

conhecimentos profissionais dos professores”, envolve a discussão de questões teóricas

relacionadas à educação escolar, ao ensino de Matemática nos anos iniciais do Ensino

Fundamental e aos conhecimentos profissionais de professores. O primeiro ponto tratado no

capítulo I é a natureza histórico-cultural do desenvolvimento humano, questão fundamental

para compreensão das implicações da perspectiva histórico-cultural na educação escolar.

Posteriormente, abordamos o ensino de Matemática nos anos iniciais.

Destacamos, ainda, que são discutidas as influências do ensino tradicional na prática

docente e as perspectivas de mudanças no ensino e aprendizagem dos conhecimentos

matemáticos, a partir da Educação Matemática. Apresentamos, de forma sucinta, as

orientações curriculares para as práticas pedagógicas em Matemática e a proposta de

organização do Ensino Fundamental (EF) em ciclos, da rede municipal de Cuiabá. Ao final,

abordamos o modelo teórico, proposto por Shulman (1986; 1987) sobre a base de

conhecimento para o ensino.

O segundo capítulo, “O Sistema de Numeração Decimal”, é destinado à discussão

acerca do nosso sistema de numeração, considerando três aspectos: o movimento histórico de

sua construção; as orientações teórico-metodológicas para o seu ensino; e o que dizem as

pesquisas sobre o ensino e a aprendizagem desse conteúdo nos anos iniciais do Ensino

Fundamental.

Já o terceiro capítulo, “Metodologia: os caminhos da pesquisa”, retrata a trajetória

percorrida na realização da investigação, situando a opção metodológica e o tipo de pesquisa,

o contexto da investigação, as professoras participantes da pesquisa, os instrumentos e

procedimentos utilizados na produção das informações, bem como, a organização para a

leitura dos dados da pesquisa.

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No capítulo quatro, “Conhecimentos profissionais e práticas pedagógicas de professores

ao ensinar o sistema de numeração decimal: alguns indícios,” são apresentadas as descrições e

análises dos dados, ancoradas no referencial teórico discutido nos capítulos anteriores, quando

tratamos sobre os percursos acadêmicos e profissionais das professoras, a organização do

trabalho pedagógico na escola, e a relação destes com os conhecimentos profissionais das

professoras participantes da pesquisa.

Procuramos, ainda, por meio das aulas observadas e dos planos de aula, atividades de

cadernos de alunos, analisar as práticas pedagógicas relativas ao SND nas turmas de 2º e 3º

anos e os conhecimentos específicos, pedagógicos e curriculares referentes a esse conteúdo,

manifestados pelas professoras.

Por último, tecemos algumas considerações nas quais é retomado o processo percorrido

para responder à questão central da nossa pesquisa, apresentando as possíveis conclusões.

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CAPÍTULO I - O ENSINO DE MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO

FUNDAMENTAL E OS CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS DOS PROFESSORES

Neste capítulo, expomos o aporte teórico no qual fundamento as discussões sobre o

processo de ensino e aprendizagem, em particular, dos conhecimentos matemáticos nos anos

iniciais e os conhecimentos profissionais necessários aos professores para o ensino de

Matemática nesta etapa de escolarização.

Segundo Araújo e Moura (2005), assumir um referencial teórico significa que, por

opção política, ideológica e ética, elegemos determinado posicionamento em detrimento de

outros, ou seja, escolhemos o lugar do qual defendemos nossos pensamentos.

Neste trabalho, fizemos opção por abordar nosso objeto de estudo à luz dos referenciais

teóricos da perspectiva histórico-cultural. Tal opção se pauta no entendimento do

conhecimento matemático como humanamente construído, por homens e mulheres de todos

os tempos, produzido para responder às necessidades instrumentais e integrativas do homem

na sua relação com os outros homens e com a natureza. Portanto, a produção de

conhecimentos dar-se-á numa dimensão histórico-cultural (MOURA, 2007).

Diante desse entendimento, antes de discutirmos sobre o ensino e aprendizagem de

Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental e sobre os conhecimentos profissionais

de professores, fomos impelidos a, primeiramente, tratar, à luz da perspectiva teórica

assumida, sobre a concepção de homem, de educação, de escola, e de como se dá a

apropriação do conhecimento, aos quais está subjacente a compreensão da relação entre

aprendizagem e desenvolvimento.

Com esse propósito, organizamos o presente capítulo em três partes. A primeira parte

envolve as discussões vinculadas à natureza histórico-cultural do desenvolvimento humano,

questão central da perspectiva histórico-cultural e suas implicações na educação escolar. Na

segunda parte, apresentaremos as discussões de alguns autores sobre o ensino de Matemática

nos anos iniciais do EF e as orientações curriculares para as práticas pedagógicas nesta etapa

de escolarização. E, também, o processo de implantação da organização do Ensino

Fundamental em ciclos na rede pública municipal de Cuiabá-MT, na qual a escola, onde

atuam as professoras colaboradoras desta investigação, se insere.

E, por último, abordaremos os conhecimentos profissionais necessários aos professores

nas suas interações com seu objeto de trabalho – o ensino.

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1.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

Entender o que é o ser humano, se as características humanas estão presentes desde o

nascimento, ou, como ocorre o processo de tornar-se humano, inquietam e inquietaram a

humanidade ao longo de sua existência (RIGON; ASBAHR e MORETTI, 2010).

Decorrente destas indagações, no campo educacional, a relação entre aprendizado e

desenvolvimento humano constitui questão primordial para os estudiosos dessa área. E a

forma de compreensão desta relação, têm influenciado, ao longo dos tempos, os processos

educacionais escolares. Para Vygotsky (1988), na análise psicológica do ensino, nenhum

estudo pode evitar essa questão teórica central,

[...] uma vez que pesquisas concretas sobre o problema dessa relação fundamental

incorporam postulados, premissas e soluções exóticas, teoricamente vagas, não

avaliadas criticamente e, algumas vezes contraditórias: disso resultou, obviamente,

uma série de erros (VYGOTSKY, 1988, p. 89).

Nesse contexto, Vygotsky, a partir de estudos para explicar o que caracteriza o ser

humano, isto é, o processo de humanização do homem, elabora a teoria psicológica histórico-

cultural do psiquismo humano, cuja origem epistemológica, está no materialismo histórico-

dialético, de origem marxista. Marx, segundo Rigon; Asbahr e Moretti (2010),

[...] considera que o humano é o resultado do entrelaçamento do aspecto individual,

no sentido biológico, com o social, no sentido cultural. Ou seja, ao se apropriar da

cultura e de tudo o que espécie humana desenvolveu – e que está fixado nas formas

de expressão cultural da sociedade – o homem se torna humano (RIGON; ASBAHR

e MORETTI, 2010, p. 15).

Corroborando com a afirmação anterior, Leontiev (1972) argumenta ser possível dizer

que cada indivíduo “aprende” a ser um homem. “O que a natureza lhe dá quando nasce não

lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso

do desenvolvimento histórico da sociedade humana” (LEONTIEV, 1972, p. 267).

Para esse autor, o homem se torna humano ao se apropriar, mediado pela comunicação,

da cultura e de tudo que a espécie humana desenvolveu, manifestos nas formas de expressão

cultural da sociedade. A esse processo de transmissão e aquisição da cultura historicamente

produzida, Leontiev (1972, p. 272), denominou de “educação” – a forma universal do

desenvolvimento humano.

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Rigon, Asbahr e Moretti (2010, p. 16) destacam que um dos pressupostos fundamentais

da teoria histórico-cultural, oriundo da teoria marxista, “é o papel central do trabalho,

atividade por excelência no desenvolvimento humano”. Nessa perspectiva, o trabalho é

entendido como uma atividade humana que fundamentalmente humaniza, e possibilita o

desenvolvimento da cultura. Na perspectiva marxista, é através do trabalho que o homem, ao

mesmo tempo em que transforma a natureza externa, objetivando satisfazer suas necessidades,

se transforma. E que essas transformações não são apenas de natureza biológicas, mas,

principalmente psicológicas.

No processo de transformação mútua com a natureza “o homem cria novas necessidades

que passam a ser tão fundamentais para ele quanto as chamadas necessidades básicas de

sobrevivência” (ANDERY apud MORETI, 2007, p. 35). O homem, assim como o animal,

possui necessidades que são orgânicas e vitais, como, por exemplo, de alimentação para

garantir sua existência biológica.

Porém, diferente do animal, o homem inventa necessidades, especificamente humanas,

as quais incluem o necessário e o supérfluo (diferente de dispensável), que tem por objetivo

garantir, não apenas sua vida biológica, mas, principalmente, sua existência cultural. O que

leva o homem a satisfazer tais necessidades, dominar e modificar a natureza e, nesse processo,

também se modificar.

Ao criar suas próprias necessidades e buscar satisfazê-las, o homem passa a agir sobre a

natureza de forma planejada e intencional. Esta ação intencional do homem em busca de

satisfazer às suas necessidades, configura-se, de acordo com Rigon, Asbahr e Moretti (2010),

como “atividade humana” que, ao mesmo tempo em que deixa marcas na natureza, passa a

controlar o comportamento do homem, modificando-o.

Segundo Moretti (2007, p. 80), “a atividade humana começa com um projeto ou com o

objeto ideal que se deseja produzir”. Ou seja, antes da ação (materialização), o homem realiza

mentalmente o que vai produzir. A atividade humana tem caráter consciente, atos

determinados pela consciência. Desse modo, então, para que uma atividade se configure como

atividade humana, é essencial que seja movida por uma “intencionalidade, sendo esta, por sua

vez, uma resposta à satisfação das necessidades, impostas ao homem na sua relação com o

meio natural ou cultural, no qual vive” (RIGON; ASBABR e MORETTI, 2010, p. 17).

O conceito de atividade, sistematizado por Aléxis Leontiev ao desenvolver a teoria

geral da atividade, constitui um dos princípios fundamentais da teoria histórico-cultural, na

compreensão da consciência humana em sua relação com as formas sociais de atividade.

Leontiev define por atividade, “os processos psicologicamente caracterizados por aquilo a que

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o processo, como um todo, se dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o objetivo que

estimula o sujeito a executar essa atividade, isto é, o motivo” (LEONTIEV, 1988, p.68).

Parafraseando o referido autor, a atividade é o processo psicológico que satisfaz a

necessidade do homem na sua relação com o mundo; origina-se de uma necessidade, que pode

ser de ordem espontânea ou criada, quando, por exemplo, suscitada em uma situação-

problema, comum no ambiente escolar; suscita motivos que o impulsiona às ações que são

direcionadas a objetivos concretizados através de operações, que são modos de realização da

ação dependente das condições concretas existentes.

Assim, motivo, ações, objetivos e operações são elementos que compõem a atividade;

na qual, diante de uma situação-problema, o sujeito atua ativamente a fim de conquistar seus

objetivos. Para Leontiev (1988), a constituição do sujeito, ocorre por meio de atividades

principais: o jogo, o estudo e o trabalho. Em cada momento de sua vida, a relação do

indivíduo com o mundo é marcada por uma destas atividades.

A docência, como trabalho, conforma-se para o professor como a sua atividade

principal, o ensino. O desenvolvimento da atividade do professor - o ensinar, é indissociável

da atividade principal do aluno- o estudo, que subjaz a aprendizagem. Embora indissociáveis,

em cada uma das atividades, há marcas dos atores em seus processos. Na atividade de ensino

é evidenciado o protagonismo do professor na organização do ensino. Na atividade de

aprendizagem, destaca-se a importância do aluno “como sujeito das suas ações no processo de

apropriação dos conhecimentos teóricos- conteúdo da atividade de ensino e de aprendizagem”

(MORAES e MOURA, 2009, p. 102).

Nesse sentido, a docência configura-se como uma profissão em movimento e de

interação. Em movimento, porque aos conhecimentos estabelecidos, de qualquer natureza,

somam-se outros, pela ação humana. Essa mesma ação humana, confere à docência a

dimensão interativa: “professor-aluno, aluno-aluno, professor-professor, professor-

conhecimento-aluno. Na docência, dar-se-á o encontro de gerações, de experiências, de

afetos, de valores, de saberes”. Assim, a docência, como trabalho, “é compreendida como

ação humana de natureza social e política, realizada coletivamente, e como tal, utiliza

instrumentos e signos que modificam não apenas o objeto, mas os seres humanos que o

realizam” (ARAÚJO e MOURA, 2005, p. 4).

Outro conceito fundamental da teoria histórico-cultural, advindo do materialismo

dialético marxista, é a “mediação”. Vygotsky (1988) estendeu o conceito de mediação na

interação homem-ambiente pelo uso de instrumento, ao uso de signos (a linguagem, a escrita,

o sistema de números), no campo do desenvolvimento intelectual. Para esse autor, “[...] o

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signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um

instrumento para o trabalho”. Ressalta que “a analogia básica entre signo e instrumento

repousa na sua função mediadora que o caracteriza” (VYGOTSKY, 1988, p. 59-61).

Conforme enfatizado por Moretti (2007, p. 15), a mediação é de fundamental

importância “na construção do humano, uma vez que permite a este se apropriar da produção

histórica e social da humanidade ao agir sobre a realidade de forma mediada por instrumentos

e signos produzidos culturalmente”. A mediação “é o processo de intervenção de um

elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta e passa a ser

mediada por esse elemento” (OLIVEIRA, 1995, p. 26, grifo da autora).

No processo ensino e aprendizagem, o professor tem função de mediador entre o aluno

e os conhecimentos historicamente produzidos. Porém, é importante ressaltar que, o

entendimento do papel da mediação do professor, na relação o professo-aluno-aluno-

conhecimento, “é a mediação integral de um sujeito que pensa e que se coloca ativamente

diante da experiência” (GONZÁLES REY, 2005b, p. 190 apud MORETTI, 2007).

A partir destas reflexões e, ainda com base nos estudos de Vygotsky (1988),

compreende-se que, diferentemente do desenvolvimento do psiquismo animal, que é

determinado pelas leis da evolução biológica, o do ser humano está submetido às leis do

desenvolvimento sócio-histórico. As “funções psicológicas superiores”5, diferente dos

processos psicológicos elementares (reflexos de origem biológica, presentes na criança

pequena e nos animais), não estão presentes desde o nascimento do indivíduo, nem são

adquiridos passivamente, graças à pressão do ambiente externo, como proposto pelas

perspectivas idealistas e racionalistas /inatistas e ambientalistas.

Para esse teórico, ao contrário, as funções psicológicas superiores “são construídas ao

longo da vida do indivíduo através de um processo de interação do homem e seu meio físico e

social, que possibilita a apropriação da cultura elaborada pelas gerações precedentes” (REGO,

2012, p. 48-49). É na relação com os objetos do mundo, mediada pela relação com outros

seres humanos, que a criança tem a possibilidade de se apropriar das obras humanas e

humanizar-se. Entende-se, que os conhecimentos profissionais do professor são também

construídos na sua interação com os pares, ao desenvolver a sua atividade prático social – o

ensinar.

5 De acordo com Vygotsky (1988), são consideradas funções psicológicas superiores os processos cognitivos de

percepção, memória, pensamento, emoções, imaginação, vontade, linguagem, atenção, entre outros, utilizados de

maneira consciente e são especificamente humanos.

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Assim, compartilhamos da opinião de Moura (2010), que a escola como espaço social,

constitui-se como lugar privilegiado para a apropriação dos conhecimentos produzidos

historicamente, pois

[...] embora o sujeito possa se apropriar dos mais diferentes elementos da cultura

humana de modo não intencional, não abrangente e não sistemático, de acordo com

suas próprias necessidades e interesses, é no processo de educação escolar que se dá a apropriação de conhecimentos, aliada à questão da intencionalidade social, o que

justifica a organização do ensino (MOURA, 2010, p. 89).

Nessa perspectiva, a educação escolar assume lugar de destaque no processo de

humanização do indivíduo, evidenciando-se, assim, o importante papel da escola e da ação

pedagógica do professor nesse processo. Portanto, a ação do professor deve ser intencional e

planejada, tendo em vista a garantia do direito da criança de apropriar-se dos conhecimentos

historicamente produzidos pela humanidade e a importância das relações sociais. Ao planejar

cada atividade deve ter claros os objetivos, os conteúdos, os conhecimentos que o aluno já

possui e seus interesses, propiciando momentos de interação como o meio e com o outro no

processo de ensino e aprendizagem.

O desenvolvimento do ensino escolar, numa perspectiva de “educação humanizadora”,

pressuposto da teoria histórico-cultural, subjaz a compreensão de que o processo educativo

que gera desenvolvimento psicológico é aquele que coloca o sujeito em atividade, no sentido

proposto por Leontiev (1972). O que envolve a ação do professor de colocar o aluno diante da

necessidade do conceito. Assim, conhecer a atividade principal ou dominante em cada

período contribui para a proposição de tarefas, situações problemas ou desafios, reais ou

inventados, que mobilizem as crianças a buscar soluções, construir hipóteses e sínteses.

A organização do trabalho docente por atividade possibilita colocar o aluno em contato

com o conhecimento, mediante uma postura ativa (não ativista) e prazerosa de

reconstrução/apropriação dos conhecimentos produzidos historicamente. Desse modo, a partir

de situações problemas em que aluno vivencie, por exemplo, a necessidade de controlar e

registrar quantidades, o significado do SND que é social, o aluno passa a atribuir sentido

pessoal à aquisição dos símbolos e regras do nosso sistema.

Nesse sentido, assumirmos os princípios da perspectiva histórico-cultural do

desenvolvimento humano, como norteadores do processo educativo da escola, significa

admitirmos uma nova possibilidade de organização das práticas didático-pedagógicas dos

professores. Implica romper com as práticas de ensino mecânicas e reprodutivistas

(infelizmente, ainda presente em muitas escolas), advindas das compreensões teóricas nas

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quais os fatores maturacionais e hereditários são vistos como definidores da constituição do

ser humano e do processo de conhecimento. Disso decorre o entendimento de que a educação

escolar pouco ou em nada pode contribuir com desenvolvimento intelectual dos alunos.

Dentro da perspectiva teórica proposta por Vygotsky, o processo de construção do

conhecimento, é um processo mediado em que o sujeito que aprende tem papel ativo. Numa

relação dialética, sujeito e objeto de conhecimento exercem influências recíprocas e se

constituem no processo histórico-cultural.

O sujeito na condição de produtor de conhecimento “não é um receptáculo que absorve

e contempla o real nem portador de verdades oriundas do plano ideal”. Como sujeito ativo na

sua relação com o mundo e como seu objeto de estudo, reconstrói (no seu pensamento) este

mundo. “O conhecimento envolve sempre um fazer, um atuar do homem” (REGO, 2012, p.

98).

Neste contexto, as interações sociais constituem elemento fundamental no processo de

construção do conhecimento. Vygotsky afirma que “o caminho do objeto até a criança e desta

até o objeto passa através de outra pessoa”. Para esse autor, “essa estrutura humana complexa

é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre

história individual e história social” (VYGOTSKY, 1988, p. 33). Ou seja, o homem não nasce

com capacidades inatas, mas adquire em processo inter e intrapsíquico, como bem explica

Vygotsky:

[...] um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. Todas as

funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível

social, e, depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica), e,

depois, no interior da criança (intrapsicológico). Isto se aplica igualmente para a

atenção voluntária, para memória lógica e para a formação de conceitos. Todas as

funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos

(VIGOTSKY, 1998, p. 57-58, grifos do autor).

Desse modo, podemos entender o processo de apropriação de conceitos, ou seja, o

processo de aprendizagem, como decorrente da relação do sujeito com o meio físico e social,

mediado por instrumentos e signos6 (entre eles a linguagem). Evidenciando que a

aprendizagem não ocorre por meio de um processo de maturação ou exclusivamente por

condições biológicas, nem tampouco de forma espontânea, mas sim pelas interações sociais e

6 Os instrumentos são meios externos utilizados pelos indivíduos para interferir e, necessariamente, provocar

mudanças nos objetos e em si mesmo. Os signos, por outro lado, são mediadores internos (como lembrar,

relatar), não modificam em nada o objeto da operação psicológica, apenas dirigem e controlam as ações do

próprio indivíduo (VYGOTSKY, 1988, p. 62).

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mediações acerca do acervo cultural constituído pela humanidade. A esse movimento do

social (relações interpsíquicas) ao individual (relações intrapsíquicas), Vygotsky chamou de

processo de internalização – a apropriação de conceitos e significados, a apropriação da

experiência social da humanidade (MOURA, 2010, p. 83). Significa que o aprendizado se

completa quando a criança internaliza o conceito e consegue abstrair o objeto, tornando-o

universal.

Vygotsky (1988, p. 102) compreende a relação entre aprendizagem e desenvolvimento

não como processos idênticos, mas como processos que constituem uma unidade, “pressupõe

que um seja convertido no outro”. Ao tratar sobre essa interação, na dimensão intrapessoal

quando a criança atinge a idade escolar, destaca a potencialidade de o aprendizado escolar

despertar os processos internos de desenvolvimento das funções intelectuais. Mediante

afirmação de que “aprendizado e desenvolvimento estão inter-relacionados desde o primeiro

dia de vida da criança” (VYGOTSKY, 1988, p. 95), o autor defende que o ensino-

aprendizagem deve incidir na “zona de desenvolvimento proximal” (ZDP), que é a

[...] distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar

através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento

potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um

adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1988, p.

97).

No contexto da educação escolar, entende-se que o nível de desenvolvimento real

refere-se a conhecimentos que a criança já domina, resultantes de processos já consolidados; e

a criança demonstra que pode cumprir a tarefa de forma independente sem nenhum tipo de

ajuda. O nível de desenvolvimento potencial refere-se, também, àquilo que a ela é capaz de

realizar, porém, somente com o auxílio do professor ou de colegas mais capazes. “Nesse caso,

a criança realiza tarefas e soluciona problemas através do diálogo, da colaboração, da

imitação, da experiência compartilhada e das pistas que lhes são fornecidas” (REGO, 2012, p.

73).

Vygotsky (1988) ressalta a importância de o trabalho educativo do professor incidir

sobre a zona de desenvolvimento proximal, pois esta define as “funções que ainda não

amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que

estão presentemente em estado embrionário” e que, portanto, se caracterizam no melhor

momento para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores (VYGOTSKY, 1988,

p. 97).

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O aprendizado cria a ZDP, pois, “desperta vários processos internos de

desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas

em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros” (VYGOTSKY, 1988, p.

101). Segundo Vygotsky, esses processos se internalizam e passam a fazer parte do

desenvolvimento individual da criança. Em suas palavras: “aquilo que é a zona de

desenvolvimento proximal hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã, ou seja, aquilo

que uma criança pode fazer com assistência hoje, será capaz de fazer sozinha amanhã”

(VYGOTSKY, 1988, p. 98).

Rigon et al. (2010) citando Duarte (2001), enfatiza a importância da ZDP para processo

educacional no contexto escolar, ao afirmar que:

Cabe ao ensino escolar, portanto, a importante tarefa de transmitir à criança os

conteúdos historicamente produzidos e socialmente necessários, selecionando o que

desses conteúdos se encontra, a cada momento do processo pedagógico, na zona de

desenvolvimento próximo. Se o conteúdo escola estiver além dela, o ensino

fracassará porque a criança é ainda incapaz de apropriar-se daquele conhecimento e

das faculdades cognitivas a ele correspondentes. Se, no outro extremo, o conteúdo

escolar se limitar a requerer da criança aquilo que já se formou em seu

desenvolvimento intelectual, então o ensino torna-se inútil, desnecessário, pois a

criança pode realizar sozinha a apropriação daquele conteúdo e tal apropriação não

produzirá nenhuma nova capacidade intelectual nessa criança, não produzirá nada

qualitativamente novo, mas apenas um aumento quantitativo das informações por ela dominadas (DUARTE, 2001 apud RIGON et al., 2010, p. 51).

Nesse sentido, o conhecimento do professor acerca da “zona de desenvolvimento

proximal”, é de fundamental importância, pois, o auxilia a compreender os processos de

maturação que já estão completos e os que estão em situação de formação nos alunos. E,

desse modo, planejar as melhores estratégias didático-pedagógicas, enfim, definir o melhor

caminho a ser trilhado. Acredita-se que é neste momento que a mediação do professor deve se

efetivar, a partir da proposição de atividades que promovam interações entre alunos, que

possibilitem a utilização dos conhecimentos já consolidados, potencializando sua

aprendizagem e desenvolvimento intelectual. Como sugere Vygotsky (1988, p.101): “o ‘bom

aprendizado’ é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento”.

O processo educativo no contexto escolar, na perspectiva da teoria histórico-cultural,

significa considerar o conhecimento em suas múltiplas dimensões, como produto da atividade

humana. No caso do conhecimento matemático, privilegiado neste estudo, envolve a

compreensão de que em cada conceito está gravado o processo sócio-histórico de sua

produção. Assim, o professor, ao organizar o ensino considerando a historicidade dos

conceitos, dá significação à aquilo que ensina, possibilitando ao aluno atribuir sentido pessoal

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aos conteúdos que lhes dizem ser importante aprender, enfim, atribuir significados na

apropriação dos conhecimentos matemáticos, elaborados historicamente pela humanidade.

No item a seguir, discutiremos o ensino de Matemática nos anos iniciais do Ensino

Fundamental.

1.2 O ENSINO DE MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

O ensino da disciplina de Matemática no contexto escolar assume representações

contraditórias. De um lado, o status de ciência milenar, cujas aplicações na vida cotidiana, no

mundo do trabalho e das ciências são reconhecidas por toda comunidade escolar (pais, alunos

e professores). Por outro lado, a imagem da Matemática escolar, revelada nos depoimentos da

maioria das pessoas, parece dissociada da importância que a ela é atribuída. As experiências

ruins e dificuldades superam os relatos de sucesso e prazer. A Matemática escolar é apontada

como disciplina difícil, cuja aprendizagem é para poucos.

No nosso entendimento, isto tem relação direta com a forma como a Matemática é

trabalhada na escola, na qual predomina a prática de resolver exercícios, na maior parte das

vezes, repetindo o modelo e técnicas indicados pelo professor, com pouca ou nenhuma

relação com outros conteúdos aprendidos socialmente.

Esse modelo de aula, baseado no que Alro e Skovsmose (2010) denominaram de “o

paradigma do exercício”, é dividido, geralmente, em duas partes: o professor explica o

conteúdo matemático com alguns exemplos e, na sequência, os alunos resolvem os exercícios

propostos pelos professores, geralmente, reproduzidos de livros didáticos. Na etapa seguinte,

o professor faz as correções, que se limita a verificar respostas certas ou erradas (ALRO e

SKOVSMOSE, 2010, p. 51-52).

Essa maneira de ensinar, de acordo com Nacarato, Mengali e Passos (2011), traz

subjacentes concepções que os professores têm quanto à natureza da Matemática e quanto às

perspectivas do ensino e da aprendizagem, a saber: Matemática como ferramenta (concepção

utilitarista), em que prevalece o modo prescritivo de ensinar, com ênfase em regras e

procedimentos; “Matemática como corpo estático e unificado de conhecimento” (platônica),

decorrendo desta “o ensino com ênfase nos conceitos e na lógica dos procedimentos

matemáticos” (NACARATO; MENGALI e PASSOS, 2011, p. 24-25).

Segundo as mesmas autoras, nos dois modelos o professor desempenha o papel de

instrutor, determina o que fazer e os alunos executam – o processo de ensino está centrado

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nele como sujeito ativo. O aluno é o sujeito passivo que aprende pela verbalização do

professor, pela mecanização e pela repetição de exercícios e de procedimentos.

Nesta abordagem, denominada de ensino tradicional, o ensino se configura na

transmissão e a aprendizagem do aluno pelo acúmulo de informações. A metodologia se

“baseia mais frequentemente em aula expositiva e nas demonstrações do professor à classe,

tomada quase como auditório” (MIZUKAMI, 1986, p. 15). O livro didático constitui, via de

regra, o único recurso utilizado pelo professor:

Utilizados em todas as fases do processo de ensino dos conteúdos, da introdução dos

conceitos a proposta de exercícios, o livro se tornou a base para o trabalho com a Matemática na sala, e tem determinado vários aspectos do ensino desta ciência,

como: ‘O que ensinar’ (seleção dos conteúdos); ‘Como ensinar” (metodologia de

ensino), e ‘Quando ensinar’ (intervenção no domínio cognitivo) (SOUZA, 2010, p.

9).

Percebemos que as descrições sobre como o ensino de Matemática tem sido realizado

não estão relacionadas a um passado distante, ao contrário, as discussões apresentadas pelos

autores referem-se ao contexto atual. Compartilhamos da opinião de Serrazina (2002, p. 10),

quanto ao entendimento de que para mudar essa realidade não basta mudar os currículos,

publicar materiais de apoio, etc. Quem faz a mediação de tudo isto é professor, “através das

suas concepções e crenças sobre como organizar a sala de aula de modo a promover a

aprendizagem da matemática, sobre a sua própria relação com a matemática ou sua natureza”.

E, ousamos acrescentar que o teor dessa mediação não se apoia apenas em suas concepções,

mas, também, nos seus conhecimentos profissionais.

Assim, além de se sentir à vontade com a Matemática, o professor precisa, também,

entre outros, conhecer e compreender as designações curriculares, dominar os conceitos e,

saber como ensiná-los mediante conhecimentos teórico-epistemológicos sobre os processos

cognitivos das crianças. No bojo dessas discussões, as contribuições de Megid (2009), são

bastante elucidativas. Para essa autora, no contexto do ensino de Matemática nos anos

iniciais, por vezes, o tipo de prática, mencionado anteriormente, se dá em função de que,

[...] os professores dos anos iniciais, até por conta dos fracassos e das falhas que

muitas vezes fizeram parte da sua trajetória de estudante, não se permitem utilizar

caminhos que não sejam os dos algoritmos e das atividades guiadas, que

dificilmente proporcionarão questionamento vindo dos alunos que não possam ser

prontamente solucionados por eles, professores (MEGID, 2009, p. 14, grifos nosso).

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Desse modo, os reflexos de uma relação, geralmente não muito amistosa com a

Matemática nas suas trajetórias acadêmicas, aliada às tão propagadas fragilidades na

formação inicial e continuada destes professores acabam por interferir na construção de suas

práticas docentes. THOMAZ (2013, p. 26), complementa essa ideia ao afirmar que “o

professor pode sentir-se com poucas condições de utilizar ações diferentes daquelas

vivenciadas, quer por falta de conhecimento, quer por insegurança e falta de respaldo para

utilizar outros recursos”.

A partir dos pressupostos da teoria histórico-cultural, conceber a Matemática como

criação humana, significa compreendê-la como um conhecimento produzido por homens e

mulheres, ao longo do desenvolvimento da humanidade, em busca de responder às suas

necessidades instrumentais e integrativa sendo, assim, parte da cultura de um povo. Nesse

sentido, o conhecimento matemático é visto como condição necessária para que a criança se

aproprie da cultura na qual está inserida, ao apoderar-se da linguagem e signos matemáticos,

para com eles, atuar, criar e intervir em seu contexto social (MOURA, 2007).

A abordagem usual da Matemática, no contexto escolar, apresenta as noções

matemáticas como se estas existissem de forma natural no pensamento do homem,

originando-se não se sabe como. Um conhecimento pronto e acabado a ser transmitido pelo

professor, cujo aprendizado pelas crianças se reduz à assimilação de símbolos e regras

desprovidos de sentido pessoal. “Ensinar matemática sem considerar a sua origem, os

problemas da humanidade que a geram e a finalidade dos seus conceitos é continuar

contribuindo para o insucesso escolar” (MIGUEIS e AZEVEDO, 2007, p. 17).

Desta maneira, compreendemos que os conhecimentos matemáticos estão sempre em

processo de construção e transformação e que todos são capazes de construir conhecimentos

matemáticos. Entendemos que no processo de ensino e aprendizagem, professor e alunos são

ativos e construtores de conhecimento. Nesse processo, tanto o professor quanto o aluno,

constroem sentidos e significados para suas ações.

Deste modo, acreditamos que o ensino de Matemática deva considerar a historicidade

da criação do conceito a partir de situações problemas que possibilitem aos professores e

alunos vivenciá-las como protagonistas e não como meros transmissores e expectadores, mas

que os docentes construam significados para ensiná-la e, consequentemente, os alunos

atribuam sentido em aprendê-la.

O processo de ensino e aprendizagem da linguagem matemática “é mais que aprender

códigos e regras. É aprender um método de conhecer e transmitir o que aprendeu. É também

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saber aplicar o que conheceu na solução de problemas que lhes são próprios no convívio com

os outros. É fazer-se humano” (MOURA, 2006, p. 496).

Nesse contexto, consideramos que o professor na sua atividade de ensino, tem a função

de motivador e mediador no processo de aprendizagem, uma vez que pode atuar na ZDP,

contribuindo para a apropriação dos conhecimentos matemáticos pelo aluno. Isso nos remete à

reflexão sobre a importância da intervenção e da interação do professor com o aluno, para que

possa atuar como mediador entre o aluno e o saber matemático.

Nesse sentido, não é possível pensar em melhoria na aprendizagem dos conhecimentos

matemáticos pelos alunos dos anos iniciais, dissociada do tipo de ensino desenvolvido pelo

professor. De igual forma, não é possível pensar na melhoria do ensino de Matemática nessa

etapa de escolarização, sem considerar os conhecimentos profissionais dos professores que ali

atuam. Estes, por sua vez, estão diretamente relacionados ao processo de formação inicial e

continuada destes professores.

Compartilhamos da opinião de Nacarato, Mengali e Passos (2011) que, dentre outros

fatores, a melhoria no ensino da Matemática nos exige avanços no atual modelo de formação

de professor:

No que diz respeito à formação inicial, o desafio consiste em criar contextos em que

crenças que essas futuras professoras foram construindo ao longo da escolarização

possam ser problematizadas e colocadas em reflexão, mas, ao mesmo tempo, que

possam tomar contato com os fundamentos da matemática de forma integrada às questões pedagógicas, dentro das atuais tendências em educação matemática. [...] No

que diz respeito à formação continuada, cursos centrados em sugestões de novas

abordagens para a sala nada têm contribuído para a formação profissional docente; é

necessário que as práticas das professoras sejam objeto de discussão. As práticas

pedagógicas que forem questionadas, refletidas e investigadas poderão contribuir

para a mudança de crenças e saberes dessas professoras (NACARATO; MENGALI

e PASSOS, 2011, p. 37-38).

As autoras, embora apontem que a melhoria no ensino da Matemática envolve as

dimensões da formação do professor, inicial e continuada, ressaltam a importância de

investimentos na formação inicial. Acreditam que sem investimento nesta primeira etapa da

formação de professores, “dificilmente conseguiremos mudar a situação da escola básica, em

especial, da forma como a matemática ainda é ensinada” (NACARATO; MENGALI e

PASSOS, 2011. p. 38).

Para Moretti (2014) a partir das contribuições da teoria histórico-cultural, compreender

“a formação docente passa por entendê-la como um processo de aprendizagem docente.

Sendo aprendizagem, também implica apropriação”. Nesse caso, destaca-se, entre outras,

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“além da necessária aprendizagem do conceito a ser ensinado, a aprendizagem do professor

perpassa necessariamente, também, a organização didática do conteúdo” (MORETTI, 2014,

p.37).

E, nesse sentido, para que o processo formativo se constitua em necessidade

desencadeadora de aprendizagem da docência para o professor, o seu motivo (melhorar a

prática docente em Matemática), deve coincidir com o que é objetivado na formação. Ou seja,

os estudos de conceitos que os professores precisam aprofundar, articulados a “novas

propostas didático-metodológicas amparadas teoricamente e que consideram a realidade de

seus alunos” (MORETTI, 2014, p. 38).

De acordo com Araújo e Moura (2005), a partir dos aportes da teoria histórico-cultural,

[...] podemos compreender a formação do professor como um processo de

desenvolvimento profissional e pessoal, de natureza intencional, política e coletiva,

sustentada pelas interações do professor com seu objeto de trabalho- o ensino- no

qual está subjacente o conhecimento e que o possibilita ao professor lidar analítica e

sinteticamente com seu instrumento de trabalho – a atividade – na qual está

subjacente o ensinar (ARAÚJO e MOURA, 2005, p. 4).

Neste contexto, é ressaltada a relação de interdependência entre os conhecimentos

profissionais do professor e seu processo de formação docente, um processo de aprendizagem

permanente, abrangendo a dimensão individual e coletiva, que se inicia no processo de

escolarização, perpassando pela formação profissional inicial e contínua, durante sua atuação

profissional, quando no exercício de sua atividade de ensinar (ARAUJO e MOURA, 2008).

Antes de revisitarmos as discussões sobre os conhecimentos profissionais necessários

ao professor na sua atividade de ensinar, considerando o nosso problema de investigação,

julgamos importante trazer as indicações das orientações curriculares oficiais para as práticas

pedagógicas no ensino de Matemática nos anos iniciais. E, também, situar a implantação da

organização do Ensino Fundamental em ciclos na rede pública municipal de Cuiabá-MT, na

qual a escola, onde atuam as professoras colaboradoras desta investigação, se insere. É o que

expomos a seguir.

1.3 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS EM

MATEMÁTICA NO 1º CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Para discutir sobre as orientações curriculares para o ensino de Matemática no 1º ciclo

do Ensino Fundamental (EF), precisamos, mesmo que de forma breve, tratar sobre a

implantação da nova estrutura curricular do Ensino Fundamental obrigatório, ocorrida no

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Brasil – a ampliação do tempo de duração de oito para nove anos, aliada ao ingresso das

crianças aos seis anos de idade7 – uma vez que as mudanças foram relevantes e com ênfase na

fase inicial desta etapa.

Para além das questões administrativas, a ampliação para nove anos, aliada ao ingresso

das crianças com seis anos de idade no EF, implicou na necessidade de reorganização do

tempo e espaço educativo, do currículo, do planejamento e realização da prática pedagógica,

entre outras questões relacionadas para atender as crianças e assegurar-lhes condições de

aprendizagem nesta nova realidade. Nessa perspectiva, ao implantar o EF de nove anos, as

orientações do MEC para inclusão das crianças de seis anos nesta etapa de escolarização

sinalizavam que os sistemas deveriam “rever currículos, conteúdos, práticas não somente para

o primeiro ano, mas para todo o Ensino Fundamental” (BRASIL, 2006b, p. 8).

Nesse mesmo documento, no que concerne às implicações do EF de nove anos para a

melhoria do ensino, verificamos que: “A aprendizagem não depende apenas do aumento do

tempo de permanência na escola, mas também do emprego mais eficaz desse tempo: a

associação de ambos pode contribuir significativamente para que os estudantes aprendam

mais e de maneira mais prazerosa” (BRASIL, 2006b, p. 7). Também é ressaltada a

necessidade de práticas pedagógicas que visam a respeitar as crianças como protagonistas no

seu processo de aprendizagem.

Em todos os documentos do MEC que discutem a melhoria do ensino, a partir da

implantação do Ensino Fundamental de nove anos, há um direcionamento de atenção especial

no que se refere aos três primeiros anos da escolaridade:

Os três anos iniciais são importantes para a qualidade da Educação Básica: voltados

à alfabetização e ao letramento, é necessário que a ação pedagógica assegure, nesse

período, o desenvolvimento das diversas expressões e o aprendizado das áreas de

conhecimento estabelecidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino

Fundamental (BRASIL, 2008b, p. 2, grifos no original).

No entanto, apesar de todas as orientações e ações desenvolvidas pelo MEC, após a

implantação do EF de nove anos, os desafios e as dificuldades inerentes ao ensino nesta etapa

ainda estão longe de serem vencidos. Reconhecendo esta realidade, ao editar as “Diretrizes

Curriculares Nacionais da Educação Básica” em 2013, o MEC ressalta que:

Os sistemas de ensino e as escolas não poderão apenas adaptar seu currículo à nova

realidade, pois não se trata de incorporar, no primeiro ano de escolaridade, o

7 De acordo com a Lei nº 11.274/2006, os sistemas de ensino tinham, como data limite para implantação, o ano

de 2010 (BASIL, 2006a).

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currículo da Pré-Escola, nem de trabalhar com as crianças de 6 (seis) anos os

conteúdos que eram desenvolvidos com as crianças de 7 (sete) anos. Trata-se,

portanto, de criar um novo currículo e de um novo projeto político-pedagógico para o Ensino Fundamental que abranja os 9 anos de escolarização, incluindo as crianças

de 6 anos (BRASIL, 2013, p. 109).

As orientações, embora enfatizassem o atendimento à criança de seis anos,

considerando as características próprias dessa faixa etária, demonstravam a necessidade de

repensar todo o Ensino Fundamental. Portanto, percebe-se a importância de a ação

pedagógica assegurar o aprendizado das áreas de conhecimento nos três primeiros anos e, ao

mesmo tempo, considerar os aspectos pertinentes à infância, o que direciona a um repensar do

trabalho pedagógico desenvolvido nesta etapa.

Nesse contexto, é necessário compreender o significado abrangente do ensino de

Matemática no 1º ciclo do EF, tendo em vista as especificidades que o professor deve

considerar no trabalho pedagógico com as crianças.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino Fundamental no Brasil,

lançado pelo Ministério da Educação, em 1997, são resultantes das discussões iniciadas a

partir da década 80, no bojo do movimento mundial de reformas educacionais. Já na parte pré-

textual, há indicações do documento enquanto um instrumento de apoio ao trabalho

pedagógico (elaboração de projetos educativos, planejamento das aulas, análise de material

didático etc.) e também para a atualização profissional dos professores, no contexto escolar.

Na organização estrutural do documento, o Ensino Fundamental é divido em quatro

ciclos. Vale ressaltar que por ocasião da publicação dos PCNs, ainda não havia ocorrido a

implantação do Ensino Fundamental de Nove Anos. Desta forma, o primeiro ciclo (1º e 2º

anos) refere-se ao que hoje identificamos como 2º e 3º anos do 1º ciclo do Ensino

Fundamental. O conteúdo conceitual e procedimental indicado para esse ciclo contempla os

quatro blocos de conteúdos para o Ensino Fundamental: Números e Operações; Espaço e

Forma; Grandezas e Medidas; Tratamento da Informação.

Segundo orientações do documento, a indicação dos blocos de conteúdo deve ser

tomada pelos professores apenas como referência para seu trabalho. É colocado ao professor o

desafio de apresentá-los aos alunos da forma mais integrada possível, estabelecendo a relação

destes com os conhecimentos manifestados pelos alunos.

Outro desafio apresentado pelo próprio documento é o de definir a sequência em que

conteúdos matemáticos serão trabalhados e o nível de aprofundamento que lhes serão dados.

Ou seja, identificar em cada bloco de conteúdo, quais competências são socialmente

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relevantes e em que medida contribui para o desenvolvimento do aluno. Nesse processo é

importante considerar que:

As crianças que ingressam no primeiro ciclo, tendo passado ou não pela pré-escola,

trazem consigo uma bagagem de noções informais sobre numeração, medida, espaço

e forma, construídas em sua vivência cotidiana. Essas noções Matemáticas

funcionarão como elementos de referência para o professor na organização das

formas de aprendizagem (BRASIL, 1987, p. 45).

Percebe-se a importância de o professor ao planejar a organização do ensino dos

conteúdos matemáticos, tomar como referência os conhecimentos que os alunos já

construíram em vivências sociais extraescolares.

O trabalho com a Matemática no primeiro ciclo tem como característica geral, a

proposição de atividades que “aproximem o aluno das operações, dos números, das medidas,

das formas e espaço e da organização de informações, pelo estabelecimento de vínculos com

os conhecimentos com que ele chega à escola” (BRASIL, 1997, p. 50). É fundamental que no

trabalho com a Matemática, nesta etapa, o professor oportunize ao aluno a exploração de um

bom repertório de problemas que lhe permita avançar no processo de formação de conceitos.

E não menos importante, que sejam criadas condições para que a criança adquira confiança

em sua própria capacidade para aprender Matemática. As orientações do documento,

referentes à abordagem metodológica, partem do princípio de que não existe uma forma única

e melhor para o ensino de qualquer disciplina, em particular, da Matemática. Salienta, porém,

a necessidade de o professor conhecer diferentes possibilidades e nesse sentido, trata como

“caminhos para fazer matemática na sala de aula” (BRASIL, 1997, p.15), indicando como

alternativa de superação das tradicionais práticas pedagógicas reprodutivistas, os recursos à

resolução de problemas, à história da Matemática, às tecnologias da informação e aos jogos.

Numa clara ênfase à abordagem metodológica de resolução de problemas, preconizam

que no processo de ensino e aprendizagem, “conceitos, ideias e métodos matemáticos devem

ser abordados mediante a exploração de problemas, ou seja, de situações em que os alunos

precisem desenvolver algum tipo de estratégia para resolvê-las”. Invertendo a lógica do

ensino tradicional, é definido que “o ponto de partida da atividade Matemática não é a

definição, mas o problema” (BRASIL, 1997, p. 32). Destaca ainda que o aluno, num contexto

de resolução de problemas, tem papel ativo na construção do conhecimento.

De acordo com as orientações contidas nos PCNs de Matemática, os alunos do primeiro

ciclo necessitam, inicialmente, ao explorar situações-problemas, fazê-lo com apoio de

recursos como materiais de contagem (fichas, palitos, reprodução de cédulas e moedas),

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instrumentos de medida, calendários, embalagens, figuras tridimensionais e bidimensionais,

etc. Progressivamente, depois de algum tempo e com o incentivo do professor, “vão

realizando ações, mentalmente, e, após algum tempo, essas ações são absorvidas”, não sendo

mais necessário apoiar-se em materiais (Brasil, 1997, p.45). Apesar disso, as orientações são

gerais e pouco aprofundam a discussão.

De acordo com os PCNs, ao redefinir uma nova concepção sobre o papel do aluno

perante o saber – criança como protagonista da construção de sua aprendizagem – é preciso

redimensionar também o papel do professor que ensina Matemática no Ensino Fundamental.

O professor não pode mais ser aquele que fornece explicações e respostas. O papel do

professor ganha novas dimensões no processo de ensino e aprendizagem da Matemática nos

anos iniciais: organizador da aprendizagem; consultor e mediador das interações em sala de

aula.

A efetivação das proposições curriculares requer do professor, segundo Serrazina (2002.

p. 12), o desenvolvimento de competências profissionais: “O professor deve ser um

profissional que, perante uma proposta de currículo oficial, tem a capacidade de o interpretar,

adaptar e planificar para os alunos concretos que tem num determinado contexto e meio

social”.

No entanto, segundo Nacarato, Mengali e Passos (2011), as pesquisas em Educação

Matemática revelam que os princípios inovadores dos documentos curriculares, para o ensino

de Matemática nos anos iniciais, ainda são uma realidade distante na maioria das escolas. As

causas, segundo Curi (2005), para as dificuldades no ensino dos conhecimentos matemáticos

são diversas. Envolvem desde as fragilidades da formação inicial e continuada, até aos

reflexos na prática pedagógica, provenientes, da forma como os professores se relacionam

pessoal e profissionalmente com a Matemática.

Na sequência, apresentamos em linhas gerais, o processo de implantação dos ciclos na

rede municipal de Cuiabá, contexto de nossa pesquisa.

1.3.1 Organização do Ensino Fundamental em ciclos na Rede Pública Municipal de

Cuiabá

A partir da aprovação da LDBEN em 1996, através da Lei nº 9.394/96, a qual admitia,

ainda que não obrigatória, a matrícula no Ensino Fundamental a partir dos seis anos de idade,

sinalizando para o ensino obrigatório e gratuito passar de oito para nove, muitos estados e

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municípios brasileiros iniciam experiências pioneiras na ampliação do Ensino Fundamental

para nove, entre eles está o município de Cuiabá-MT.

Em 1999, a rede pública de educação do município de Cuiabá efetiva uma nova

organização do Ensino Fundamental com a proposta de ciclos de formação humana,

denominando Projeto Escola Sarã8. Tal iniciativa se pautava, entre outros, no propósito de

desenvolver “uma nova proposta que superasse a fragmentação e rupturas na construção do

conhecimento encontrado na escola seriada” e, ainda, “promover o respeito ao ritmo de

aprendizagem e ao processo de construção de conhecimento da criança” (CUIABÁ, 2000, p.

20 e 65).

Relacionando a organização do tempo escolar aos ciclos da vida, a enturmação no

Ensino Fundamental ficou estruturada em três ciclos que correspondem a infância, pré-

adolescência e adolescência, sendo que cada ciclo é dividido em três etapas de um ano

(CUIABÁ, 2000). Atualmente, nos documentos oficiais da Secretaria Municipal de Educação

(SME), o termo “Etapas”, foi substituído por Ano. Desse modo, o Ensino Fundamental de

nove anos está estruturado conforme quadro abaixo:

Quadro 1: Enturmação nas Escolas da Rede Municipal de Cuiabá/MT.

Ciclos Anos Agrupamentos Fases de

Desenvolvimento

1º Ciclo

1º Ano 6 a 7 anos

Infância 2º Ano 7 a 8 anos

3º Ano 8 a 9 anos

2º Ciclo

4º Ano 9 a 10 anos

Pré-Adolescência 5º Ano 10 a 11 anos

6º Ano 11 a 12 anos

3º Ciclo

7º Ano 12 a 13 anos

Adolescência 8º Ano 13 a 14 anos

9º Ano 14 a 15 anos

Fonte: Dados organizados pelas pesquisadoras

Em relação às bases teóricas que orientam o ensino, ao declarar assumir a concepção de

“Educação Crítica”, sinaliza a “superação constante da racionalidade instrumental e do

paradigma positivista, que não consegue mais dar respostas aos problemas contemporâneos”

(CUIABÁ, 2000 p. 31). Preconiza o “desenvolvimento curricular dialético”, através uma

metodologia globalizada e interdisciplinar, tendo com eixo condutor o Tema Gerador e a

8 Denominação da organização do Ensino Fundamental em Ciclos de Formação Humana da Rede Pública

Municipal de Cuiabá (CUIABÁ, 1999, 2000).

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metodologia de Projetos, entendidos como uma forma de “pensar e fazer currículo de modo

reflexivo, crítico, integrando a teoria e a prática, o fazer e o pensar” (Ibidem, p. 59).

Além dos aspectos pedagógicos e curriculares, nos documentos que tratam da

implantação dos ciclos de formação na rede pública municipal de Cuiabá – projeto “Escola

Sarã” (1999, 2000), são apresentadas, entre outras, as seguintes ações político-administrativas,

visando dar condições objetivas para a organização do ensino em ciclos: a) implementação do

processo de Gestão Democrática no Município, retomado em 1993, a partir da Lei nº 3.201 de

10/11/93, a qual definia a constituição de Conselhos Escolares Comunitários-CECs, eleição

de diretor escolar e transferência de recursos financeiros às unidades escolares; b) criação da

Sala de Apoio à Aprendizagem – compreende o atendimento, no contra turno, aos alunos que

apresentam dificuldades de aprendizagem; c) estabelecimento de 20% da carga horária do

professor, destinada à Hora Atividade9 e d) proposição de um programa de formação

continuada.

Trazendo para o contexto de nossa investigação, outro aspecto dos documentos que

tratam da implantação dos ciclos na rede municipal que julgamos ser interessante destacar, é o

pouco investimento em formação continuada dos professores dos anos iniciais, acerca das

implicações teórico-metodológicas do sistema de ciclos. Tendo por base depoimentos de

alguns professores, entre os quais se incluem as professoras participantes desta investigação,

logo após esse período, em virtude de mudanças no cenário político na prefeitura de Cuiabá,

há uma descontinuidade no processo de formação voltada para a implantação do ensino

organizado em ciclos na rede pública municipal.

Em se tratando de espaços de formação continuada na rede municipal, no momento

atual, a SME de Cuiabá no documento denominado “Plano Educação na Diversidade” propõe

o “Programa Revitalizando a Formação”, no qual explicita o objetivo de “desenvolver a

formação continuada para os profissionais da educação, por meio de processos coletivos de

reflexão [...] que garantam a melhoria da prática pedagógica e do ensino” (CUIABÁ/SME,

2007, p. 55). Entre os projetos de formação continuada que compõem o referido programa,

está o “Projeto Roda de Conversa”. Este projeto tem a escola como lócus da formação, sendo

previsto em calendário escolar os dias dos encontros mensais. De acordo com o documento, o

referido projeto tem, entre outros, os seguintes objetivos específicos:

9 Entende-se por hora-atividade aquela destinada ao planejamento e avaliação do trabalho pedagógico, às

reuniões pedagógicas, aos cursos de aperfeiçoamento profissional, à articulação com a comunidade escolar e à

colaboração com a gestão da escola, de acordo com a proposta da unidade de ensino e as políticas educacionais

da SME (Art. 33, Lei complementar nº 220 de 22/12/10).

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- Subsidiar o coordenador pedagógico com elementos teórico-práticos para que

possa apoiar os docentes no exercício de suas funções, tendo como referência o PPP

da escola; - Estabelecer uma política de acompanhamento ao professor em seu lócus

de trabalho, por meio de estratégias reflexivas e investigativas, a fim de que o

processo de aprendizagem em sala de aula possa ser efetivamente ressignificado; -

Apoiar a formação de conhecimentos específicos dos diferentes profissionais da educação, de acordo com as necessidades formativas identificadas, articulando teoria

e prática e tendo como eixo a análise crítica do contexto e a reflexão da prática

pedagógica (CUIABÁ/SME, 2007, p. 57).

Outro aspecto do contexto atual da política educacional da rede municipal que merece

destaque, também, diz respeito à proposição de uma matriz curricular de referência para o 1º

ao 9º ano do Ensino Fundamental. Em 2009, a partir de um documento base, formulado pela

equipe da Secretaria Municipal de Educação, é elaborado com a “participação” das unidades

de ensino, o documento “Matriz Curricular de Referência para o 1º ao 9º Ano do Ensino

Fundamental (MCR) da Rede Pública Municipal de Cuiabá”, cuja estrutura se apresenta em

um rol de capacidades a serem desenvolvidas em cada ciclo.

Conforme escritos deste documento, a implantação da MCR a partir de 2010 objetivou

dar maior unicidade às ações educativas desenvolvidas pelas escolas, criando assim,

mecanismos para que os docentes estabeleçam metas efetivas a serem alcançadas em cada ano

do Ensino Fundamental. Constituía-se ainda como uma das ações essenciais na busca por

uma educação de qualidade (CUIABÁ, 2010).

Diante das discussões aqui apresentadas compreendemos que a efetivação da prática

pedagógica em sala de aula, a partir de perspectivas teóricas anunciadas e orientações

curriculares oficiais, depende de uma organização do trabalho pedagógico no âmbito da

escola e da rede como um todo. Além disso, é necessário que o professor tenha

conhecimentos profissionais para o exercício da docência. Trataremos sobre essa questão no

próximo item.

1.4 OS CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS DE PROFESSORES: A BASE DE

CONHECIMENTOS PARA ENSINAR

O termo “professor” designa, na sociedade atual, o sujeito que tem como atividade

profissional, a docência, o ensinar, cujo espaço de realização do seu trabalho é a escola.

Assim, de acordo com Moura (2002, p. 144), a partir das contribuições da teoria histórico-

cultural, ser professor significa ter como “prática principal ensinar algo a alguém, isto é, para

ser professor é necessária uma ação que visa transformar-se ao transformar outra pessoa,

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mudar seu modo de ser e de agir”, a partir de situações intencionalmente planejadas,

implicando no desenvolvimento de atitudes de ensinadores:

As ações dos sujeitos, e em particular as do professor, são o que qualificam estes em

relação às suas atividades profissionais e que se revelam ao realizar o seu trabalho

no qual incluem: conteúdos, modos de ação educativa, uso das ferramentas didáticas

e organização dos espaços de aprendizagens (MOURA, 2004, p. 273).

Segundo Moura (2002), diferindo de outras práticas comuns de ensino, as práticas

inerentes à profissão de professor “acontecem como parte de um projeto coletivo que se

concretiza num determinado tempo e lugar”: a escola. E, acrescenta: “tem um objetivo social

de integração dos sujeitos na comunidade, dotando-os de conhecimentos que lhes permitirão

tomar parte no conjunto de saberes que constituem a cultura do seu povo” (p. 144).

Assim, a atividade docente como uma profissão, cujo principal objeto de trabalho é o

ensino, envolvem a organização de ações, objetivando veicular determinados conhecimentos

historicamente construídos, em resposta às necessidades instrumentais e integrativas do ser

humano. Isto significa que os professores como

[...] sujeitos que lidam com o conceito como ferramenta precisam ter acesso a meios

que os levem ao entendimento de seu objeto de modo muito preciso, pois necessitam

dar significado ao que ensinam para que seus educandos possam ver sentido naquilo

que lhes dizem ser importante de aprenderem (MOURA, 2004, p. 258).

Nesse sentido, é requerido ao professor, no exercício de sua atividade docente, possuir

conhecimentos inerentes à sua atuação profissional, ou seja, conhecimentos profissionais

específicos da docência. Assunto que, trazendo para o contexto de nossa investigação, ganhou

destaque nas pesquisas em educação, de modo geral e, em Educação Matemática (EM), ao

final da década de 1980. Até esse período, segundo Fiorentini e Lorenzato (2012), as

investigações em EM, tinham como foco principal a aprendizagem e a prática docente,

voltadas basicamente para o estudo da validade das técnicas ou materiais de ensino, focando

ainda a relação entre as concepções dos professores e suas práticas pedagógicas.

Em se tratando dos conhecimentos profissionais do professor que ensina Matemática

nos anos iniciais, Curi (2005) ressalta que, constitui tema de grande prioridade na área de

Educação Matemática, a formação específica do professor polivalente para o ensino desta

disciplina, visto que o mesmo é “responsável pela ‘iniciação’ das crianças nessa área de

conhecimento, pela abordagem de conceitos e procedimentos importantes para a construção

do pensamento matemático” (CURI, 2005, p. 21).

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No bojo das investigações sobre a base de conhecimento profissional para o ensino de

um modo geral, os estudos de Shulman (1986; 1987) e seus colaboradores, ganharam

repercussões internacionais e influenciaram tanto pesquisas, como políticas de formação e

desenvolvimento profissional de professores, em diversos países, inclusive no Brasil

(MIZUKAMI, 2004). São esses estudos que tomaremos como referência em nosso trabalho,

considerando o nosso objeto de investigação.

A partir de um amplo programa de pesquisa acerca das políticas educacionais, no

âmbito das reformas norte-americanas, Shulman (1986, p. 5) identificou a ausência de foco no

conteúdo a ser ensinado, ao qual passou, então, a denominar de o problema do “paradigma

perdido”. O autor constatou que os estudos sobre o conhecimento do professor privilegiavam

a identificação de padrões de comportamento do docente em relação ao desempenho

acadêmico dos educandos (pesquisa processo-produto), e a compreensão da capacidade em

ensinar do professor. Desconsideravam o que o professor sabia sobre o conteúdo específico de

uma dada área de conhecimento e como esse conhecimento era transformado em

conhecimento de ensino (SHULMAN, 1986).

A preocupação com os conteúdos de ensino é uma das distinções dos trabalhos de

Shulman (1986), no entanto, o próprio autor ressalta que apenas o conhecimento do conteúdo

específico

não garante, por si só, um ensino que se traduza em aprendizagem do aluno. Ele

defende que os professores precisam de um conjunto de conhecimentos para o exercício de

sua função. Nesse sentido, propõe um modelo de “base de conhecimento para o ensino”, a

qual se refere a um repertório profissional composto por categorias de conhecimento que

traduzem “o que os professores precisam saber para poder ensinar e para que seu ensino possa

conduzir as aprendizagens dos alunos” (MIZUKAMI, 2004, p. 1).

Segundo Shulman (1987, p.10), esta base de conhecimento inclui inúmeras categorias:

conhecimento do conteúdo específico; conhecimento pedagógico geral; conhecimento

curricular; conhecimento pedagógico do conteúdo; conhecimento sobre os alunos e suas

características e como aprendem; conhecimento dos contextos educacionais; conhecimentos

dos fins, propósitos e valores educacionais e de suas bases filosóficas e históricas. Tais

conhecimentos possuem, no mínimo, quatro fontes básicas para a sua constituição: os

conteúdos das áreas específicas de conhecimento, os materiais didáticos e as estruturas

organizacionais, as pesquisas educacionais, e sabedoria adquirida com a prática.

Todos esses conhecimentos são necessários ao professor para que possa implementar o

processo ensino-aprendizagem, frente à realidade complexa da sala de aula em diferentes

níveis, modalidades e contextos. Dentre as categorias que compõem a base de conhecimento

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para o ensino, Shulman (1986; 1987), utilizamos, neste trabalho, três categorias de

conhecimento do conteúdo necessárias para o professor ensinar, por julgarmos que estes nos

ajudam a responder o problema de investigação: o “conhecimento do conteúdo da disciplina”,

o “conhecimento pedagógico do conteúdo” e o “conhecimento curricular” (SHULMAN,

1986, p.10).

Para Shulman e seus colaboradores o “conhecimento do conteúdo da disciplina” refere-

se à compreensão do professor dos conteúdos da disciplina que leciona e, envolve, além da

compreensão de fatos e conceitos, o entendimento de suas estruturas substantivas (modo

específico de organização dos conceitos e princípios fundamentais de cada disciplina) e

sintáticas (regra de evidência e prova, adotada em cada disciplina, que orientam as pesquisas

na área, avaliando o novo conhecimento) (WILSON; SHULMAN e RICHERT, 1987).

Segundo estes autores, tal compreensão influencia nas escolhas do professor sobre o que e

como ensinar.

Shulman (1986) ressalta que o professor necessita, além de ter uma compreensão

mínima dos conceitos de um dado conteúdo, também saber justificar por que esse conteúdo é

ensinado e como ocorre o processo de construção dos conceitos que envolvem tal conteúdo. O

autor afirma que:

O professor precisa não só entender que algo funciona assim; o professor deve

entender porque é assim, em quais fundamentos isso é garantido e afirmado, e em

quais circunstâncias nossa crença nessa justificativa pode ser diminuída ou negada.

Além disso, nós esperamos que os professores entendam porque um dado tópico é

particularmente central para uma disciplina, ao mesmo tempo em que um outro pode

ser de alguma forma periférico. Isso será importante nos julgamentos pedagógicos

subsequentes em relação à ênfase curricular relativa (SHULMAN, 1986, p.11, tradução nossa).

Shulman e seus colaboradores (1987) sustentam que o conhecimento do conteúdo

específico é fundamental, mas não garante, por si só, o sucesso do processo de ensino e

aprendizagem. O professor necessita de “conhecimento pedagógico do conteúdo”, o que

envolve maneiras de ensinar, os procedimentos didáticos, explicações e exemplos, de modo a

tornar o conteúdo compreensível ao aluno. Ou seja, a forma de comunicar seus conhecimentos

para os alunos. Abrange o conhecimento do conteúdo específico e a dimensão do ensino

propriamente dita. “É o único conhecimento pelo qual o professor pode estabelecer uma

relação de protagonismo. É de sua autoria. É aprendido no exercício profissional [...]”

(MIZUKAMI, 2004, p. 7).

Shulman (1986) explica que o conhecimento pedagógico do conteúdo, inclui:

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Para os tópicos mais ensinados em uma área disciplinar, as formas mais úteis de

representação dessas ideias, as analogias mais poderosas, ilustrações, exemplos,

explicações, e demonstrações - enfim: as formas de representar e formular o tópico que o faz mais compreensivo para outros. Pelo fato de não haver eficientes formas

isoladas de representação, o professor deve ter em mãos um verdadeiro arsenal de

formas alternativas de representação, algumas das quais derivam de pesquisas

enquanto outras originam de experiências práticas (SHULMAN, 1986, p.11,

tradução nossa).

Esse conhecimento ainda inclui a percepção e concepções do professor sobre processo

de aprendizagem dos alunos (o que torna fácil ou difícil as aprendizagens dos alunos acerca

de um assunto específico, as concepções dos mesmos a partir dos seus conhecimentos

prévios) e sobre as intervenções didático-pedagógicas necessárias para superar e transformar

as concepções iniciais dos alunos sobre um dado assunto (SHULMAN, 1986).

Já o “conhecimento curricular” compreende, de acordo com Shulman (1986), o

conhecimento dos professores sobre a organização e estruturação dos conhecimentos

escolares via programas de ensino (no nosso caso, Parâmetros Curriculares Nacionais e

diretrizes municipais). E, sobre os materiais instrucionais que contribuem para o ensino de

uma disciplina específica (livros didáticos, materiais para manipulação, jogos pedagógicos

etc.), bem como a capacidade de estabelecer relação entre os conteúdos trabalhados nas

diversas disciplinas (interdisciplinaridade), e também a visão dos conteúdos de uma mesma

disciplina que foram trabalhados nos anos anteriores e os que serão trabalhados nos anos

subsequentes.

É importante ressaltar, com base nos estudos de Shulman, que esses três tipos de

conhecimentos do conteúdo (específico, pedagógico e curricular) são interdependes,

exercendo influência recíproca, portanto, não podem ser analisados separadamente. Todos

esses conhecimentos se entrecruzam na prática do professor.

Após essas reflexões, cabe mencionar que, na primeira parte deste capítulo, procuramos

apresentar os fundamentos que norteiam nossa investigação. Assim sendo, buscamos situar a

nossa opção pela teoria histórico-cultural, bem como alguns pressupostos desta perspectiva e

suas implicações na educação escolar. Discutimos, ainda, a configuração do ensino de

Matemática a partir do modelo de ensino tradicional, e as possibilidades de superação desta

realidade, tendo como base o processo de ensino e aprendizagem pautado nos princípios de

uma abordagem histórico-cultural.

Posteriormente, situamos as orientações curriculares oficiais sobre as práticas

pedagógicas para o ensino de Matemática e a implantação do ensino organizado em ciclos da

rede municipal de Cuiabá. E, por fim, discutimos, a partir das proposições teóricas de

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Shulman (1986; 1987) de base de conhecimentos para o ensino, sobre os conhecimentos

profissionais necessários aos professores, no exercício de sua atividade de ensinar, com vistas

ao estabelecimento da unidade dialética entre o ensino e aprendizagem dos alunos.

Tais discussões são importantes no sentido de contribuir na compreensão do movimento

do nosso objeto de estudo, os conhecimentos profissionais e as práticas pedagógicas das

professoras, referentes ao SND, no contexto da escola na qual suas práticas se efetivam.

No próximo capítulo, abordaremos o movimento lógico-histórico de construção do

conceito de SND, os aspectos teórico-metodológicos do seu ensino, bem como, o que já

apontam algumas pesquisas brasileiras acerca do ensino e aprendizagem deste conteúdo, no

contexto escolar.

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CAPÍTULO II - O SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL

Neste capítulo, discorremos sobre o Sistema de Numeração Decimal, considerando três

aspectos: o movimento histórico de sua construção; as orientações teórico-metodológicas para

o seu ensino; e o que dizem as produções acadêmicas sobre o ensino e aprendizagem deste

conteúdo nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

2.1 SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL: PROCESSO HISTÓRICO DE CRIAÇÃO

A origem do Sistema de Numeração Decimal (SND) na história da humanidade passa

pelas construções do conceito de número e suas representações (a distinção entre um e muitos,

a correspondência um a um, as técnicas corporais do número, as formas primitivas de

contagem e os registros dessas contagens [...], até a conquista do patamar de uma plena

abstração), e os vários sistemas numéricos forjados por distintas civilizações na busca de

registros mais precisos para o controle de quantidades elevadas (DANTZIG, 1970; EVES,

2004; IFRAH, 2005).

Numa perspectiva histórico-cultural, entendemos o SND como um conhecimento

construído historicamente, sendo, portanto, uma produção humana, cujo processo de criação

ocorreu de forma lenta e complexa, ao longo de milhares de anos, e envolveu povos de

diferentes épocas e culturas, até chegar à forma atual. Sem dúvida alguma, a humanidade

percorreu um longo caminho até chegar a esse sistema de numeração que hoje é utilizado em

diversas partes do mundo.

De acordo com os escritos de Ifrah (2005), a utilização, quase universal, do nosso atual

sistema de numeração, não aconteceu de uma só vez,

[...] tem uma origem e uma longa história, destacando-se pouco a pouco, após

vários milênios de uma extraordinária profusão de tentativas e ensaios, de regressões

e de revoluções. Tudo se passou como se, no curso dos tempos e através de

diferentes civilizações, a humanidade tivesse experimentado as diversas soluções

para o problema da representação e da manipulação dos números, antes de se deter

naquela que seria a mais perfeita e a mais eficaz possível [...] (IFRAH, 2005, p.131).

Embora não seja o nosso objetivo aprofundar nas discussões acerca do conceito de

número, do ponto de vista histórico ou filosófico, julgamos necessário apresentar uma breve

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contextualização da história deste conceito, antes de adentrar na discussão sobre sistemas de

numeração, foco principal deste estudo.

2.1.1 A necessidade humana de contar e o número

O desenvolvimento do processo de contar e do conceito de número antecede os

primeiros registros históricos, há evidências arqueológicas de que o homem já há uns 50.000

anos, era capaz de contar, o que torna a maneira como esse processo ocorreu largamente

conjectural (EVES, 2004).

No entanto, autores como Dantzig (1970), Eves (2004) e Ifrah (2005) acreditam que é

possível afirmar que em períodos anteriores o homem já teria alguma forma de “senso

numérico”, ou seja, a faculdade que lhe permitia reconhecer visualmente que algo muda numa

coleção de até quatro elementos, quando um objeto lhe é retirado ou acrescentado, sem que

tenha presenciado tal alteração. Ifrah (2005) considera essa faculdade, presente também em

algumas espécies animais, um tipo de aptidão natural “que chamamos comumente de

percepção direta dos números ou, mais simplesmente, de sensação numérica” (IFRAH, 2005,

p.16, grifo do autor).

Nesse sentido, o autor advoga que diante de possibilidades numéricas tão limitadas, a

criação numérica deve ter correspondido a preocupações de ordem prática e utilitária. Em

algum momento da civilização humana, o homem se deparou com a necessidade de controlar

as variações quantitativas do transcorrer de dias e noites, da sua produção, dos moradores de

sua tribo, e assim por diante. A capacidade de “percepção direta dos números” já não era

suficiente para responder às necessidades de controle de variações quantitativas nas

sociedades primitivas. O homem precisou buscar alternativas para realizar tal controle, o que

hoje chamamos de contagem.

Para Caraça (1998, p. 3), mesmo se o ser humano vivesse isolado, contar minimamente

lhe seria imperativo, porém, à medida que se intensifica a vida social, “a contagem impõe-se

como uma necessidade cada vez mais importante e urgente”. Nesse sentido o autor afirma

que,

A ideia do número natural não é um produto puro do pensamento, independente da

experiência; os homens não adquiriram primeiro os números naturais para depois

contarem; pelo contrário, os números naturais foram-se formando lentamente pela a

prática diária de contagens. A imagem do homem, criando duma maneira completa a

ideia do número, para depois a aplicar à prática da contagem, é cômoda mas falsa

(CARAÇA, 1998, p. 4).

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É provável, segundo Eves (2004, p. 26), que o modo mais antigo de contagem se

“baseasse em algum método de registro simples, empregando o princípio da correspondência

biunívoca”, ou em termo mais específico – “bijeção”. Esse procedimento ainda utilizado nas

culturas contemporâneas, não nos permite responder quantos objetos há numa dada coleção.

Apenas nos garante a comparação entre duas coleções de modo que possamos indicar, com

precisão, se ambas têm o mesmo número de elementos ou, qual das duas tem “mais” ou

“menos” elementos, no caso de conjuntos finitos, prescindindo da contagem abstrata.

Assim, para uma contagem de carneiros, por exemplo, o pastor primitivo podia dobrar

um dedo para cada animal. Podia “contar” também fazendo entalhes num pedaço de pau ou

osso (a prática do entalhe), nós numa corda e, ainda, utilizando outros elementos do seu

entorno como pedra, frutos secos, pérolas [...], ou mesmo uma sequência pré-definida de

partes do corpo humano. Desse modo, a contagem consistia na comparação entre os

elementos de dois conjuntos distintos: o conjunto no qual se desejava controlar a quantidade

(os carneiros) era comparado termo a termo, ou seja, um a um, com o segundo conjunto de

objetos (pedra, frutos secos, pérolas, etc.) usado como controle.

De acordo com Ifrah (2005), mesmo que o recurso de instrumentos materiais tenha sido

eficiente apenas para conjuntos reduzidos, a criação da “correspondência um a um” foi uma

etapa importante para o desenvolvimento da contagem e noção de número. Ao equiparar

termo a termo os elementos entre dois conjuntos, é evidenciado o caráter comum das duas

coleções, totalmente abstrato, que é justamente a quantidade de seus elementos. A natureza

dos elementos do conjunto que conta (pedras, nós em corda, etc.) não coincide,

necessariamente, com a natureza do conjunto contado (animais, pessoas, transcorrer dos dias,

etc.), ou seja, o que permite a comparação não é a natureza dos objetos e sim a sua

quantidade.

Ainda segundo o mesmo autor, embora o homem não tivesse consciência explícita

acerca da extensão dessa noção abstrata, em um primeiro momento, isto lhe possibilitou, com

o passar dos tempos, a criação de “conjuntos padrão”, aos quais pudesse sempre se referir

independente da natureza dos seus integrantes. Desse modo, com o tempo, o homem

conseguiu abstrair o caráter comum, por exemplo, de conjuntos como o dia e a noite, um casal

de animal, os braços, os seios ou as pernas de um ser humano, que é justamente o de ser

“dois”.

Pela facilidade e disponibilidade, o corpo humano se constituiu fonte ideal de conjuntos

padrão, como os dedos das mãos, ou mesmo uma sequência pré-definida de seus membros,

denominadas “técnicas corporais do número”. Conforme Dias e Moretti (2011, p. 18), “a

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tomada de partes do corpo como referência para a contagem foi uma prática recorrente em

diferentes civilizações. Em muitos casos, evidencia-se que o princípio da contagem deu-se

com o auxílio das mãos”. Indícios dessa origem da contagem são verificados em diferentes

línguas, nas quais o número “cinco” é representado pela palavra mão, o número “dez” por

duas mãos ou por homem. Do mesmo modo, indícios dessa contagem manual são observados,

também, em algumas línguas que utilizam as mesmas palavras indicativas dos quatro

primeiros dedos das mãos para os quatro primeiros números (DANTZIG, 1970).

As técnicas corporais abriram caminho para a generalização da noção de sucessão e

ordem, aspectos que, junto com a equiparação, possibilitaram a contagem abstrata e noção de

número. Isto porque, ao se considerar certo número de partes do corpo numa ordem

previamente estabelecida e invariável, “sua sucessão, pela força da memória e do hábito,

acaba mais cedo ou mais tarde por tornar-se numérica e abstrata” (IFRAH, 2005, p. 43).

Nessa transição da contagem concreta para a contagem abstrata, o desenvolvimento da

linguagem foi fundamental, pois, de acordo com Dias e Moretti (2011),

[...] o homem passou a dar nomes a diferentes partes do corpo utilizando-os na

enumeração. Gradualmente, num processo de abstração, não houve mais a

necessidade de toque a cada parte do corpo citada. Apenas e expressão oral das

palavras correspondentes a essas partes era suficiente para indicar o ponto de parada

(p. 18).

Ainda de acordo com a mesma autora, nesse processo de desvinculação com contagem

concreta, os nomes indicados nas sequências “constituem-se, na denominação dada por

diferentes historiadores, como palavra-número ou palavra numérica", e que nessa transição

elas passam a indicar “o aspecto cardinal do conjunto observado”, sendo que diferentes

agrupamentos humanos escolhiam, para tal representação, palavras “relacionadas com a

experiência cotidiana dos povos” (DIAS e MORETTI 2011, p. 19, grifos da autora).

Ifrah (2005) ilustra a ocorrência da contagem abstrata e da noção de número com a

história de certo pastor mulçumano que por temor místico dos números, enumerou as ovelhas

a seu encargo recitando “o conjunto dos sete versos da fatiha (‘a abertura’), que abrem o

Corão e que todo mulçumano tem que saber de cor e recitar rigorosamente na ordem de sua

sucessão” (IFRAH, 2005, p. 42). Ao pronunciar as palavras do recitativo numa ordem de

sucessão previamente estabelecida e invariável, esta se constituiu numa ordem numérica. O

homem acabava de aprender a contar de maneira totalmente abstrata, pois de acordo com o

autor,

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“Contar” os objetos de uma coleção é designar a cada um deles um símbolo (uma

palavra, um gesto, um sinal gráfico, por exemplo) correspondente a um número

tirado da “sequência natural de números inteiros”, começando pela a unidade e procedendo pela ordem até encerrar os elementos. Nesta coleção assim transformada

em sequência, cada um dos símbolos será, consequentemente, o número de ordem

do elemento ao qual foi atribuído. E “o número de integrantes deste conjunto” será o

número de ordem do último de seus elementos (IFRAH, 2005, p. 44. grifos do

autor).

Para que o homem desenvolvesse a capacidade de contar os objetos de uma dada

coleção e conceber os números, no sentido que hoje os entendemos, foram necessárias três

condições psicológicas, a saber: “ser capaz de atribuir um lugar” (um número de ordem: uma

palavra, um gesto, um sinal gráfico) a cada elemento da coleção; “ser capaz de intervir para

introduzir na unidade que passa a lembrança de todas as que a precederam” (acréscimo de

uma unidade ao número que o precede na sucessão natural dos números inteiros); e “saber

conceber esta sucessão simultaneamente” (o número de ordem do último objeto corresponde

ao número de elementos da coleção) (IFRAH, 2005, p. 45. grifos do autor). Independente da

ordem de enumeração dos elementos de uma dada coleção: mesmo que a enumeração se

inicie por um ou outro elemento, o resultado será sempre o mesmo.

Nesta atividade mental são manifestos os dois aspectos complementares e simultâneos

que constituem o número inteiro: “o chamado cardinal, baseado unicamente no princípio de

equiparação”, indica o total de elementos de um dado conjunto, “e o chamado ordinal, que

exige ao mesmo tempo o processo de agrupamento e o da sucessão”, especifica o lugar de

cada elemento em um dado conjunto (IFRAH, 2005, p. 49. grifos do autor).

Isto posto, tanto o aspecto ordinal, quanto o aspecto cardinal são fundamentais na

composição do conceito de número, apesar de que, na nossa experiência cotidiana com os

números, o aspecto cardinal seja mais evidente. Como declara Dantzig (1970),

Aprendemos a passar com tanta facilidade dos números cardinais para os ordinais

que os dois aspectos do número nos parecem apenas um. Para determinar a

pluralidade de uma coleção, isto é, seu número cardinal, não nos preocupamos mais

em encontrar uma coleção modelo com a qual possamos ‘compará-la’: nós a

contamos. E nosso progresso na Matemática deve-se ao fato de termos aprendido a identificar os dois aspectos do número. Pois, apesar de estarmos realmente

interessados no número cardinal, este último é incapaz de criar uma aritmética

(DANTZIG, 1970, p. 21).

Nesse sentido, podemos concluir que esses dois aspectos do número, cardinal e ordinal,

revestidos tanto da noção da correspondência, quanto da noção de ordenação, constituem a

essência do “conceito de número natural” e, assim sendo, permitiram a esse conceito

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responder à necessidade humana de controlar quantidades, bem como, mais tarde, o

desenvolvimento da aritmética.

2.1.2 A criação dos sistemas de numeração

Ao ter acesso à abstração dos números, o homem pôde, desde então, aprender a

conceber conjuntos cada vez mais extensos e, conforme afirma Eves (2004), o processo de

contar precisou ser sistematizado. Assim, no decorrer da história da humanidade diferentes

estratégias para o registro e a representação da variação de quantidades foram desenvolvidas.

Há indícios de que algumas dessas representações são, provavelmente, anteriores ao

desenvolvimento da linguagem (BOYER, 1974).

Quando o homem fez uso dos aspectos cardinal e ordinal para a representação dos

números, passando a conceber quantidades, cada vez maiores, o desafio passou a ser a criação

de maneiras mais precisas de representações: “como designar (concretamente, oralmente ou,

mais tarde, por escrito) números elevados com o mínimo de símbolos possível?” (IFRAH,

2005, p. 52 e 53. grifos do autor).

Para representar números cada vez maiores, não podia multiplicar infinitamente

pedrinhas, entalhes, nós em corda; nem o número dos dedos das mãos nem o das partes do

corpo era extensível de acordo com sua conveniência. Do mesmo modo, ao utilizar símbolos

abstratos, não podia repetir um mesmo símbolo ou criar novos (palavra ou sinal gráfico) de

forma ilimitada.

Novamente, a necessidade humana de contagens mais extensivas levou o homem a

buscar alternativas, desta vez, para resolver o problema da representação de números

elevados. A solução encontrada foi privilegiar um agrupamento particular, ou seja, “escolher

um certo número b como base” (EVES, 2004, p. 27). A sequência regular dos números foi

então organizada segundo uma distribuição hierarquizada, fundada nessa “base”.

Dito de outro modo, segundo Ifrah (1997) “convencionou-se uma “escala” a partir da

qual é possível repartir os números e seus diversos símbolos, segundo estágios sucessivos aos

quais se pode dar os respectivos nomes: “unidade de primeira ordem, unidade de segunda

ordem [...]” e assim sucessivamente. Essa simbolização estruturada dos números evita os

esforços de memória ou de inúmeras representações. “É o que se chama o princípio da base”.

Tal descoberta balizou “o nascimento dos sistemas de numeração- sistemas cuja “base” nada

mais é do que o número de unidades que é necessário agrupar no interior de uma ordem dada

para formar uma unidade de ordem imediatamente superior” (IFRAH, 1997, p. 48, grifos do

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autor). De acordo com Dias e Morreti (2011, p. 23), “o número de signos independentes

utilizados para a representação das quantidades define a base do sistema de numeração”.

Nesse contexto, cabe questionar: como se deu, então, a escolha da “base”, dos diversos

sistemas numéricos, criados por distintas civilizações? Lévy Bruhl citado por Ifrah (1997, p.

88) esclarece: “cada base adotada tem, na verdade, sua razão de ser nas representações do

grupo social em que a constatamos”.

Boyer (1974, p. 3) relaciona a incidência de sistemas quinário, decimal e quinário-

decimal, dentre os diversos sistemas propostos por diferentes culturas, à origem do processo

de aprendizado da contagem pela humanidade, utilizando os dedos das mãos. Segundo esse

autor, embora achados arqueológicos apontem o uso da base cinco, como uma das mais

antigas, “quando a linguagem se tornou formalizada, o dez já predominava”. Corroborando,

Ifrah (2005) afirma que a “base dez foi e permanece sendo, sem dúvida, a mais comum no

curso da história”. Assim, a mão do homem, considerada a máquina de contar mais simples e

natural que existe, exerceu papel considerável na gênese do nosso sistema de numeração

decimal.

Conforme afirma Dias e Moretti (2011, p.11), “o estudo da história da Matemática tem

nos mostrado soluções distintas para problemas comuns, teorias que não resistiram ao tempo e

testes sucessivos, obstáculos superados [...]”. Com o sistema de numeração decimal não foi

diferente. De forma análoga ao desenvolvimento da Matemática em geral, o nosso atual

sistema numérico resulta das distintas soluções propostas por diferentes civilizações a um

problema comum: a necessidade de registros mais precisos, para o controle de variações de

quantidades de um conjunto de objetos. Desse modo, entendemos que a construção do SND

não ocorreu de forma cumulativa e linear, ao contrário, foi um processo complexo, cheio de

impasses, superações e contou com contribuições de diferentes povos, em diferentes épocas.

Assim, quando pensamos no processo ensino aprendizagem do SND no âmbito da

escola, compartilhamos da opinião de Dias e Moretti (2011) ao afirmar que é importante,

Reconhecer esse movimento lógico-histórico de construção não linear do

conhecimento matemático, que se contrapõe ao que por vezes é apresentado no

ensino, e concebê-lo como parte de seu trabalho na organização do ensino,

entendemos ser o desafio do professor que ensina Matemática (DIAS e MORETTI,

2011, p. 11).

Partilhando da mesma opinião, Moura (1992, p.31) ressalta que “a história do conceito

matemático mostra o movimento deste, rumo à sua sistematização e abstração, o que pode

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tanto ilustrar um possível caminho a ser adotado pedagogicamente, quanto revelar o grau de

complexidade do conceito”.

2.1.3 Sistema de Numeração Hindu: o ancestral do nosso atual Sistema de Numeração

Decimal

Baseados numa vasta documentação, vários setores e especialidades, desde o início do

século XX, têm apresentado provas de que o nosso sistema de numeração atual é de origem

indiana. Rodrigues (2001, p. 27), salienta que “não foi feita, entretanto, demonstração de

síntese que levasse em conta tais provas em seu conjunto, segundo um raciocínio rigoroso e

uma metodologia satisfatória”. Talvez por isso, apesar dos fortes indícios, não é consenso

entre os estudiosos do assunto, de que o povo indiano criou e aperfeiçoou, sem qualquer

influência estrangeira, todas as características e propriedades do sistema numérico que hoje

utilizamos.

Um dos estudiosos que se empenhou em comprovar que a civilização indiana constitui o

berço da nossa atual numeração foi George Ifrah. Com esse objetivo, conforme analisa

Rodrigues (2001), George Ifrah subdividiu a questão em vários problemas subjacentes e,

apoiado em toda uma documentação válida que se impõe, procedeu em seu livro A História

Universal dos Algarismos, da seguinte maneira:

Demonstrou que a grafia dos algarismos hindus, desde alta época, prefigura todas

as variedades atualmente em uso na Índia, Ásia Central e Sudeste Asiático, e também

as formas dos algarismos dos árabes orientais e ocidentais, bem como a grafia dos

nossos algarismos atuais;

Situou que os indianos alcançaram algarismos de base, independentes de qualquer

intuição visual direta;

Demonstrou que os hindus descobriram verdadeiramente o princípio de posição,

aplicando-o de modo consciente, nas diversas potências de dez;

Provou que eles inventaram o conceito de zero, ao qual souberam atribuir não

somente o sentido de “lugar vazio”, mas também de “quantidade nula” ou “número

zero”;

Demonstrou que os sábios da civilização indiana estabeleceram os métodos de

cálculo que deram origem aos métodos utilizados atualmente;

Demonstrou, enfim, que todas essas descobertas foram realizadas pelos indianos e

somente pelos indianos, independente, portanto, de qualquer influência estrangeira.

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Desse modo, encontramos em Ifrah (1997, 2005) a confirmação da atribuição ao povo

indiano da invenção das bases de cálculo escrito e, consequentemente, do sistema numérico

que hoje utilizamos. Apesar de ter sido concebido e aperfeiçoado pelos hindus, a sua

propagação se deve ao povo árabe, por essa razão ficou conhecido como Sistema de

Numeração Indo-arábico.

Como toda produção humana, o sistema de numeração criado pelos hindus, não foi

inspiração individual de um inventor, mas de várias gerações de cientistas indianos, dedicados

à “reflexão contínua e aos estudos sobre os domínios mais diversos, em que o primordial era

as considerações místicas, simbólicas, metafísicas e religiosas”, conforme o contexto histórico

e cultural indiano (ROGRIGUES, 2001, p. 29).

O movimento histórico de criação do sistema de numeração hindu

Segundo Ifrah (2005), as primeiras inscrições comprobatórias da escrita numérica

hindu, remontam ao século III a.C. Tratava-se de uma numeração rudimentar que ainda não

continha o zero nem o princípio de posição, porém, já comportava uma das características do

nosso atual sistema de numeração; possuía “signos independentes de qualquer intuição visual”

para os nove primeiros algarismos representando as unidades simples, ou seja, já incluía a

ideia abstrata de número na sua representação sem evocar visualmente a quantidade

correspondente. Além do mais, seus grafismos, conforme Figura 1, já “constituíam a

prefiguração dos nove algarismos significativos atuais” (IFRAH, 2005, p. 265):

Figura 1 - Algarismos da antiga numeração hindu para representar as unidades simples

Fonte: Ifrah, 2005, p. 265.

Análoga a determinados sistemas da antiguidade, a numeração hindu, a princípio, não

era posicional. Tratava-se de uma numeração de base decimal, com princípio aditivo e

atribuía algarismos particulares não apenas paras as unidades simples, mas também, para cada

dezena, cada centena, cada milhar e cada dezena de milhar. Além das dificuldades de

representação dos números, cujo valor mais elevado correspondia 99.999, sendo preciso

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justapor os algarismos, ainda não possuía características operacionais como os nossos

algarismos.

Com o passar dos tempos, ainda de acordo com Ifrah (2005), para contornar o problema

da representação dos números grandes, os sábios hindus passaram a comunicar oralmente os

números, atribuindo um nome particular em “sânscrito” (língua culta hindu) a cada um dos

nove primeiros números inteiros e às diferentes potências de dez, conforme Figuras 2 e 3,

abaixo:

Figura 2 – Representação oral em sânscrito dos nove primeiros números inteiros do antigo sistema hindu.

Fonte: Ifrah, 2005, p. 267.

Figura 3 – Representação oral em sânscrito às diferentes potências de dez do antigo sistema hindu.

Fonte: Ifrah, 2005, p. 268.

Assim, para exprimir um determinado número, indicavam à frente de cada potência de

dez a quantidade de vezes que ela deveria ser considerada. Mas, contrário a nossa numeração,

os hindus se acostumaram, a partir do século IV antes da nossa era, aproximadamente, a

comunicar “os números na ordem das potências ascendentes de sua base, começando pelas

unidades simples correspondentes”. Assim, por exemplo, onde diríamos “três mil setecentos e

nove”, os hindus exprimindo-se em sânscrito, enunciavam: “nava sapta sata ca trisahasra”.

Literalmente, nove, sete centenas e três milhares (IFRAH, 2005, p. 267).

Segundo Boyer (1974), a primeira referência específica aos numerais hindus ocorreu em

662 nos escritos de Severus Sebokt, um bispo círio, o qual mencionava a existência de um

objeto indiano do ano 595, em que a data 346 está escrita em notação decimal posicional.

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Boyer ressalta que estes escritos faziam referência à apenas nove símbolos, ou seja, significa

que os hindus ainda não tinham um símbolo zero, como hoje o entendemos. Nesse contexto, o

autor pondera que:

A história da matemática contém muitas anomalias, e a não menor dessas é que “a

mais antiga ocorrência indubitável de um zero na Índia se acha numa inscrição de

876” isto é, mais de dois séculos depois da primeira referência aos nove outros numerais. Não se sabe sequer se o número zero (diferente do símbolo para posição

vazia) surgiu em conjunção com os outros nove numerais hindus (BOYER, 1974, p.

155).

A partir destes argumentos, diferentemente da opinião de Ifrah (1997; 2005) que atribui

a criação do conceito zero ao povo indiano, conforme detalharmos na sequência deste texto,

Boyer conjectura que “é bem possível que o zero seja originário do mundo grego, talvez da

Alexandria, e que tivesse sido transmitido à Índia depois que o sistema decimal posicional já

estava estabelecido lá” (BOYER, 1974, p. 155).

Em contraposição à opinião de Boyer, Ifrah (1997; 2005), em defesa da autoria do

nosso sistema de numeração pelo povo indiano, busca evidenciar em seus estudos o

movimento lógico-histórico realizado por esta civilização, na criação dos conceitos

constituintes do atual sistema de numeração, inclusive do zero. Neste momento, nos

referendamos em Ifrah para tratarmos sobre essa questão.

Esse autor nos relata que no século V de nossa era, os hindus dariam o grande passo

para se tornarem os primeiros povos a elaborar uma verdadeira numeração oral de posição,

com princípio multiplicativo no interior de cada ordem e na descoberta do zero, tal como o

hoje o concebemos:

Considerando as potências de 10 segundo esta nomenclatura regular e esta ordem de

sucessão invariável pela força do hábito, o processo acabou trazendo uma mutação

no século V de nossa era. Com a finalidade de abreviar, os matemáticos e

astrônomos hindus desta época venceram uma etapa importante: suprimiram, no

corpo dos números expressos deste modo, qualquer menção aos nomes indicadores da base e de suas diversas potências [...] E, do enunciado de um número, retiveram

apenas a sucessão dos nomes das unidades correspondentes, respeitando

evidentemente a ordem de sua sequência regular e se conformando no sentido da

leitura de acordo com as potências crescentes de 10 (IFRAH, 2005, p. 269).

Assim, ao operar tal simplificação, os valores dos nomes em sânscrito das nove

unidades simples passaram a variar, de acordo com a sua posição, na enunciação do número.

Um número como 7.629, por exemplo, passou a ser enunciado como:

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“NOVE. DOIS. SEIS. SETE”.

(= 9 + 2 x 10 + 6 x 100 + 7 x 1000)

Ao aplicar rigorosamente o princípio de posição aos nomes das unidades simples, houve

necessidade de um vocábulo que indicasse a ausência de unidades de uma determinada

ordem. Para resolver o problema, os hindus recorreram à palavra em sânscrito sunya, que

significa o “vazio”. “Depois dos babilônicos e certamente ao mesmo tempo que os maias, os

hindus acabavam também de inventar o zero” (IFRAH, 2005, p. 270).

Ifrah (2005) nos diz que com o passar dos tempos, para não repetir uma mesma palavra

num enunciado, os sábios hindus, que também eram poetas, recorreram a diversos sinônimos

de nomes dos números em sânscrito, escolhidos em função do efeito poético desejado. O

autor ainda nos relembra que a poesia desempenhou um papel importante em toda cultura

hindu. As tábuas numéricas e os tratados matemáticos ou astronômicos, bem como as obras

literárias legadas por esse povo, foram quase sempre redigidas em versos.

Embora essa numeração permitisse enunciar e ajudasse a conservar na memória

números, de qualquer magnitude, era totalmente inoperante no campo das operações

aritméticas. A necessidade de realizar cálculos complexos levou os matemáticos e sábios

hindus, num primeiro momento, a recorrer a instrumentos aritméticos como o ábaco ou a

tábua de contar. Utilizavam, segundo Ifrah (2005), uma espécie de ábaco de colunas, traçando

sobre areia fina, sendo a primeira coluna da direita associada às unidades simples, a seguinte

às dezenas, a terceira às centenas, e assim por diante.

Contrariando os colegas ocidentais, ao invés de operar com pedrinhas ou fichas, os

hindus utilizaram os nove primeiros algarismos de sua remota notação numérica, deixando

uma coluna vazia para o sunya (vazio). Os algarismos eram traçados sobre a areia fina, nas

colunas, e apagados de acordo com a necessidade do cálculo. Por ser um método longo, era

realizado apenas por especialistas, pois, exigia dos operadores muita atenção e treinamento

assíduo.

Essas dificuldades operatórias motivaram, possivelmente, a grande transformação que

ocorreria no início do século VI de nossa era: os sábios hindus excluíram as colunas do ábaco,

passaram, também, a representar os resultados dos cálculos (notação numérica), “por meio de

algarismos escritos no ábaco, aplicando-lhes esta regra de posição e juntando-lhes uma

notação gráfica particular que representasse o sunya ou zero”. O símbolo empregado para

representar o zero foi um ponto “(bindu, “o ponto”, era uma das palavras-símbolos sinônimo

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de vazio) ou também, por razões desconhecidas, por um pequeno círculo. Acabava de nascer

o zero dos tempos modernos” (IFRAH, 2005, p. 284, grifos do autor).

Tal criação resultou da percepção de que o vazio podia, e devia ser representado por um

símbolo tendo, precisamente, por significado “o vazio”, e posteriormente, pela força da

necessidade e da abstração, que vazio e nada (quantidade nula ou número zero), “concebidos

inicialmente como noções distintas, na realidade, eram duas expressões do mesmo conceito”

(RODRIGUES, 2001, p. 30).

Aliado ao princípio de posição, a concepção do conceito usual de zero, representava a

última abstração, para que o sistema de numeração hindu ganhasse os contornos de um

sistema de notação numérica e de cálculos, “muito simples”, superior aos demais sistemas

existentes, devido às suas limitações estruturais, conforme já relatadas, anteriormente. Todas

essas mudanças foram impondo modificações às técnicas operatórias, chegando alguns

séculos mais tarde, às próprias bases de nosso cálculo escrito atual.

Mesmo diante da praticidade de calcular e da notação numérica, o sistema de

numeração criado pelos hindus, levou mais um milênio para ser adotado pelo mundo

ocidental. Carvalho (2010) explica que, naquela época, o clero romano era o guardião de todo

conhecimento produzido pelas civilizações e, não lhes interessava que o sistema de

numeração romano fosse suplantado. “O sistema hindu foi considerado bruxaria e quem o

utilizasse para calcular corria o risco de morrer na fogueira” (CARVALHO, 2010, p. 18).

Como já mencionado anteriormente, a propagação do sistema de numeração hindu se

deve ao povo árabe. Em especial a um matemático árabe que viveu entre os anos 780 e 850 de

nossa era, chamado Mohammed Ibn Musa al-Khowarizmi, bibliotecário da corte do califa Al-

Mamun. Este “sábio é celebre por duas obras, que contribuíram para vulgarizar os métodos de

cálculo e os procedimentos algébricos de procedência hindu primeiro no mundo árabe e

depois no ocidente cristão” (IFRAH, 2005, p. 298). Inclusive as palavras algoritmos (técnica

operatória), algarismos e álgebra, são em homenagem a esse matemático.

A notação numérica hindu, ao ser reproduzida pelos escribas e copistas arábicos- persas,

foi, pouco a pouco, sofrendo modificações gráficas ao incorporar o estilo próprio de escrita

dos países árabes do oriente. Somente com o surgimento da impressa de Gutemberg, no

século XIV, a aparência que hoje conhecemos dos algarismos indo-arábicos, ganhou

estabilidade.

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2.2 CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL INDO-ARÁBICO

O atual SND possui, de acordo com Ifrah (2005) e Centurión (1994), as seguintes

características: utiliza apenas dez diferentes símbolos denominados algarismos indo-arábicos:

0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, e com eles é possível escrever número de qualquer magnitude. Tem

base dez, ou seja, os agrupamentos no interior de uma dada ordem para formar uma unidade

de ordem imediatamente superior são feitos de dez em dez. Sendo assim, qualquer número

pode ser escrito em termos de potência de 10: 10¹, 10², 10³, etc.

Além de decimal, o nosso sistema numérico é posicional. Isto significa que a posição

ocupada por cada algarismo em um número altera seu valor em uma potência de 10 (base 10)

a cada ordem. Por exemplo, no SND (base 10), no número 425, o algarismo 4 representa

quatro centenas (ou 4 x 10²), o 2 representa duas dezenas (ou 2 x 10¹) e o 5 representa cinco

unidades (ou 5 x 10º).

É multiplicativo porque um algarismo escrito à esquerda de outro vale dez vezes o valor

posicional que teria se estivesse ocupando a posição do outro. É aditivo, o valor do número é

alcançado pela adição dos valores posicionais que os símbolos adquirem nos respectivos

lugares que ocupam. Por exemplo: 333 = 3 x 100 + 3 x 10 + 3.

Outra característica de destaque é o duplo papel do zero: marcar ordem vazia e operador

multiplicativo, ou seja, representa ao mesmo tempo a ausência de elementos que

correspondam a uma dada potência da base e a presença de uma posição: colocado ao lado de

um algarismo, multiplica por 10 o valor do algarismo (ZUNINO, 1995).

Para Ifrah (2005, p. 235), a superioridade do Sistema de Numeração Indo-arábico, em

relação aos sistemas precedentes, “provém na realidade da reunião do princípio de posição e

do conceito denominado zero”, princípios que distinguem o atual sistema numérico. Ainda

segundo esse autor, o surgimento do SND possibilitou o encontro das histórias paralelas da

notação numérica e do cálculo, abrindo caminho para o desenvolvimento da Matemática, das

ciências e das técnicas atuais.

Nesta perspectiva, Barreto (2011, p. 01) afirma que o sistema de numeração decimal “é

um componente do currículo dos anos iniciais do Ensino Fundamental considerado de suma

importância. Em nossa cultura os números, as medidas e as operações fundamentais têm-no

como base”. Assim, podemos inferir que a compreensão do SND, é de fundamental

importância para que o aluno possa avançar na construção de outros conhecimentos

matemáticos.

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No entanto, entre os temas que tem sido discutido em Educação Matemática,

considerados problemáticos, está o SND. Como discutido por alguns pesquisadores

(BRANDT, CAMARGO e ROSSO, 2004; LERNER e SADOVSKY, 1996; NUNES, 2009;

ZUNINO, 1995; dentre outros), grande parte das dificuldades de aprendizagem do SND pelos

alunos, se deve, entre outros fatores, à maneira como esse conteúdo tem sido trabalhado no

contexto escolar. Discutiremos essa questão, a seguir.

2.3 O ENSINO DO SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL NOS ANOS INICIAIS DO

ENSINO FUNDAMENTAL

As discussões deste item foram subdivididas em quatro seções: na primeira,

apresentaremos as indicações curriculares oficiais para o ensino do SND nos anos iniciais. Na

segunda, discutiremos a abordagem usualmente utilizada pela escola no ensino deste

conteúdo. Na terceira e quarta seções, enfocaremos algumas perspectivas teórico-

metodológicas para o ensino escolar do SND, apresentadas por estudiosos da temática.

As proposições curriculares oficiais para o ensino do SND

Os PCN’s de Matemática (BRASIL, 1997), ao estabelecer os objetivos do ensino de

Matemática para o primeiro ciclo (o que corresponde às turmas de 2º e 3º anos) do Ensino

Fundamental de nove anos, propõem, em relação ao trabalho com números e SND (Conteúdos

Conceituais e Procedimentais) que se devam, entre outros, oportunizar ao aluno:

Utilização de diferentes estratégias para quantificar elementos de uma coleção:

contagem, pareamento, estimativa e correspondência de agrupamentos; Contagem

em escalas ascendentes e descendentes de um em um, de dois em dois, de cinco em

cinco, de dez em dez, etc., a partir de qualquer número dado; Formulação de hipóteses sobre a grandeza numérica, pela identificação da quantidade de algarismos

e da posição ocupada por eles na escrita numérica; Leitura, escrita, comparação e

ordenação de notações numéricas pela compreensão das características do sistema

de numeração decimal (base, valor posicional) (BRASIL, 1997, p. 50).

As orientações didáticas, relativas ao ensino de Números Naturais e SND, ao contrário

da prática, comumente utilizada pela escola, de explicitar, logo de início, as ordens que

compõem uma escrita numérica; unidade, dezena, etc., o documento ressalta que as atividades

de leitura, escrita, comparação e ordenação de notações numéricas devem tomar, como ponto

de partida, os números que a criança conhece. Assim,

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As escritas numéricas podem ser apresentadas, num primeiro momento, sem que

seja necessário compreendê-las e analisá-las pela explicitação de sua decomposição

em ordens e classes (unidades, dezenas e centenas). Ou seja, as características do sistema de numeração são observadas, principalmente por meio da análise das

representações numéricas e dos procedimentos de cálculo, em situações-problema

(BRASIL, 1997, p. 48).

No entender de Pires (2012, p. 38), “o documento destaca que é importante que o

professor dê a seus alunos a oportunidade de expor suas hipóteses sobre os números e escritas

numéricas, pois essas hipóteses constituem subsídios para a organização de atividades”. Outro

aspecto importante, tratado pelos PCNs, favorecido por esse tipo de trabalho, é a confiança do

aluno em sua própria capacidade para aprender Matemática. Fator este que, aliado à

oportunidade de exploração de um bom repertório de problemas, permite que o aluno avance

no processo de formação de conceitos.

Em se tratando, especificamente, dos conhecimentos matemáticos referentes ao bloco

Números Naturais, a ser desenvolvido no 1º ciclo (1º, 2º e 3º anos) do Ensino Fundamental, o

documento MCR – “Matriz Curricular de Referência para o 1º ao 9º Ano do Ensino

Fundamental da Rede Pública Municipal de Cuiabá” (CUIABÁ/SME/MCR, 2010) prevê as

seguintes capacidades:

Para o 1º Ano: a) Interpretar e produzir escritas numéricas, de acordo com as

regras e símbolos do Sistema de Numeração Decimal; b) Comparar quantidades por

processos numéricos e/ou geométricos, bem como por meio de seus registros no

Sistema de Numeração decimal.

Para o 2º Ano: a) Interpretar e produzir escritas numéricas, de acordo com as

regras e símbolos do Sistema de Numeração Decimal; b) Desenvolver procedimentos

de cálculo, utilizando a composição, a decomposição de números e as propriedades

das operações.

Para o 3º Ano: a) Interpretar e produzir escritas numéricas, de acordo com as

regras e símbolos do Sistema de Numeração Decimal; b) Resolver situações-

problema que envolva as quatro operações com números naturais.

Ao analisar o documento MCR, observa-se que nas discussões da área de Matemática,

assim como nas demais áreas, não são apresentadas orientações quanto às possíveis

abordagens didático-metodológicas para o desenvolvimento das capacidades previstas em

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cada ciclo do Ensino Fundamental. Somente no item que trata da contextualização do ensino

de Matemática é anunciada, de forma implícita, a perspectiva de “resolução de problema”.

Sobre as “capacidades” que deverão ser atingidas ao longo de todo o Ensino

Fundamental, nas áreas do conhecimento, o documento recomenda, apenas, que estas devam

ser “organizadas de acordo com a opção metodológica da unidade escolar, explicitada nos

Projetos Políticos Pedagógicos, a saber, Tema Gerador ou Projetos Educativos, etc.”

(CUIABÁ/SME/MCR, 2010, p. 10).

O ensino do SND no contexto escolar

Podemos considerar o SND como um conteúdo de uso cotidiano e dominado

implicitamente pela população. Também podemos afirmar, a partir de conhecimentos

empíricos e da literatura disponível, que muitos dos problemas relacionados à compreensão

dos conteúdos matemáticos estão imbricados com a compreensão e o uso do SND.

Apesar de ser um conteúdo de uso cotidiano, o trabalho escolar com o SND, não é fácil.

Tal dificuldade origina-se na própria gênese de sua criação, processo que a humanidade levou

milhares de anos. “Produto cultural, objeto de uso social cotidiano, o sistema de numeração se

oferece à indagação infantil desde as primeiras páginas dos livros, a listagem de preços, os

calendários [...]” (LERNER e SADOVSKY, 1996, p. 80). No entanto, esse aspecto do SND,

como prática sociocultural, é deixado de lado ou até esquecido, “com a consolidação da

representação sintática formalizadora do aprendizado da numeração, molde privilegiado

quando o sistema de numeração passa a ser explorado pela educação escolar” (GUIMARÃES,

2005, p. 53).

As investigações de Lerner e Sadovsky (1996), sobre o enfoque usualmente adotado

pela escola para ensinar o SND, apontam que, em geral, o ensino deste conteúdo assume as

seguintes características:

Estabelecem metas definidas por série: na primeira trabalha-se números menores

que cem, na segunda com números menores que 1000 e assim sucessivamente [...];

Uma vez ensinados os dígitos, se introduz a noção de dezena como conjunto

resultante do agrupamento de dez unidades, e só depois apresenta-se [...] a escrita do

número dez, que deve ser interpretada como a representação do agrupamento (uma

dezena, zero unidades). Utiliza-se o mesmo procedimento cada vez que se apresenta

uma nova ordem; A explicação do valor posicional de cada algarismo em termos de “unidades”, “dezenas”, etc., para os números de determinado intervalo da série

considera-se requisito prévio para a resolução de operações nesse intervalo; Tenta-se

“concretizar” a numeração escrita materializando o agrupamento em dezenas e

centenas (LERNER e SADOVSKY, 1996, p. 118).

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Para Lerner e Sadovsky (1996, p. 118), essa abordagem do SND em quotas anuais, “se

obstaculiza a comparação entre diferentes intervalos da sequência e dificulta-se a descoberta

das regularidades”, imprescindíveis para compreensão da organização do SND. Do mesmo

modo, argumentam que a interpretação dos algarismos em termos de “unidades” e “dezenas”,

só é necessária no momento de resolver operações, quando pensamos nos algoritmos

convencionais como único procedimento possível; deixa de sê-lo quando se considera os

procedimentos alternativos que as crianças elaboram.

Uma desvantagem evidente dos algarismos convencionais é que - por exigirem que

se some ou subtraia “em colunas”, isolando cada vez os algarismos que

correspondem a um mesmo valor posicional - pode-se perder de vista quais são os

números com os quais se está operando. Algo muito diferente acontece com as

propostas das crianças, já que [...] as formas de decomposição que elas colocam em

prática permitem conservar o valor dos termos na operação (LERNER e

SADOVSKY, 1996, p. 120).

Em suas investigações, as autoras observaram, também, que na resolução das operações

aritméticas, as crianças utilizam os famosos “vai um” e “peço emprestado”, sem nenhum

vínculo com as “unidades, dezenas e centenas”, anteriormente estudadas. Salientam que as

crianças investigadas, tanto as que cometiam erros ao resolverem as operações, como aquelas

que chegavam ao resultado correto, apresentavam esta ruptura. Ambas “pareciam não

entender que os algarismos convencionais estão baseados na organização de nosso sistema de

numeração” (LERNER, 1992 apud LERNER e SADOVSKY, 1996, p. 80).

Sobre o mesmo assunto, os estudos de Curi (2011) indicam que a ênfase na “separação

dos números em casinhas” (reforço na identificação das classes das unidades), para efetuar as

operações, não garante aos alunos a capacidade de generalizar e ler números de qualquer

ordem e grandeza. Se o aluno não compreender as regularidades do sistema, não fazem

generalizações, apenas, utilizam “o vai um” e “empresto um” mecanicamente. Para a autora, o

fato de os alunos decorarem as ordens não resulta na compreensão do princípio de

posicionalidade do SND, ou seja, a compreensão de que o valor de cada algarismo num

número é obtido, multiplicando esse algarismo por uma determinada potência de base 10.

Nesse contexto, ancorado numa perspectiva linear dos conhecimentos matemáticos, sob

a égide empirista, o ensino do sistema de numeração é realizado de forma mecânica, baseado

na transmissão de regras desprovidas da compreensão dos conceitos envolvidos, ou seja, o

tratamento dado ao ensino e aprendizagem, mostra-se reducionista (BECKER, 1993). Tais

práticas se apoiam no pressuposto do SND, como um conhecimento que está posto,

necessário à vida escolar e em sociedade, isto é, um objeto a ser ensinado e aprendido,

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desconsiderando que a criança tem contato com os códigos numéricos, desde que começa a

querer saber o que se passa a sua volta.

Ampliando as discussões sobre o ensino do SND no contexto escolar, Curi e

Nascimento (2012) apresentam os resultados do estudo das práticas docentes referentes ao

SND, realizado pelo Grupo de Pesquisa Conhecimentos, Crenças e Práticas de Professores

que ensinam Matemática (CCPPM). Segundo as autoras, o grupo realizou, com base em

Sacristán (2000), a análise dos currículos “prescritos” (nos referenciais curriculares oficiais –

PCNs e documento curricular da Prefeitura de São Paulo); “apresentados” (no livro didático –

utilizado nas escolas dos participantes); “moldados” (nos planos de ensino- planejado pelos

professores); “praticados e avaliados10

” (as ações praticadas no ensino – pelos integrantes do

Grupo) relativos ao SND (SACRISTÁN, 2000 apud CURI e NASCIMENTO, 2012).

Os resultados das análises apontam a coerência dos “currículos prescritos”, no que

refere às indicações de conteúdos referentes ao Sistema de Numeração Decimal, porém, os

documentos não exploram quais são as características do SND, seja nas prescrições de

conteúdos, ou nas orientações didáticas. Em relação aos currículos “apresentados” e

“moldados”, os resultados mostram que o livro didático do 5º ano, utilizado nas escolas

participantes, além de propor poucas atividades com o uso do SND, estas são com foco de

revisão, com números da ordem dos milhões, mas sem a preocupação de apresentar as

características do SND, nem de sistematizar as regras desse sistema. Os planos de ensino

eram semelhantes ao currículo prescrito, porém, não eram semelhantes às indicações dos

livros didáticos utilizados, apesar de que, este era mais utilizado que o primeiro.

Quanto às ações de ensino do SND, os resultados das análises dos depoimentos das

professoras participantes apresentam indícios de que, estas, “não se apoiavam nos currículos

prescritos por órgãos normativos, nem nos planejamentos realizados, ou no livro didático

adotado pela escola”. Suas práticas “manifestaram a influência do que estudaram no ensino

básico” (CURI e NASCIMENTO, 2012, p. 22).

Na busca pela superação do ensino e aprendizagem do SND, de forma mecanizada e

desprovida de significado para professores e alunos, estudiosos desta temática têm

apresentado diferentes alternativas teórico-metodológicas para o ensino e a aprendizagem

deste conceito fundamental, para o desenvolvimento dos conhecimentos matemáticos.

10 Denominação atribuída pelas autoras, ao que Sacristán (2000) chama de “currículo em ação”.

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Algumas possibilidades teórico-metodológicas para ensino do SND

Nesse contexto, apesar de fazermos a opção pelo desenvolvimento desta pesquisa numa

perspectiva histórico-cultural, julgamos importante apresentar as discussões realizadas por

alguns estudiosos da temática em outras perspectivas teóricas.

Nunes et. al.(2009), no contexto dos debates educacionais acerca da relação entre

Educação Matemática e o desenvolvimento da inteligência, defende com base em teóricos da

Psicologia do Desenvolvimento como Vygotsky e Luria, que

[...] as capacidades humanas não são limitadas por sua formação biológica. Ao longo

da história, a humanidade desenvolveu inúmeros instrumentos que ampliam nossa

capacidade de perceber, de agir, e resolver problemas [...] Nem todos os

instrumentos amplificadores de nossas capacidades são objetos concretos. Muitos

são objetos simbólicos, isto é, são sistemas de sinais com significados culturalmente determinados, como a linguagem e os sistemas de numeração. Os sistemas de

numeração amplificam nossa capacidade de registrar, lembrar, e manipular

quantidades (NUNES et al., 2009, p. 18-19).

Nesse sentido, de acordo com essa autora, ao entendermos que é através da educação

que aprendemos a utilizar os instrumentos culturalmente desenvolvidos que ampliam as

nossas capacidades, fica evidenciado o papel fundamental que a educação escolar

desempenha, ou deveria desempenhar, no desenvolvimento da inteligência. É evidenciada,

também, a importância do ensino do SND, enquanto um instrumento simbólico amplificador

de nossa capacidade de “raciocinar sobre quantidades”. Um sistema de numeração de base

dez, como o nosso, facilita sobremaneira a tarefa de contar, principalmente, quantidades

elevadas. Seria impossível, por exemplo, para contarmos uma coleção com 1000 elementos,

memorizarmos mil palavras numéricas numa ordem fixa.

Ao ensinar Matemática nos primeiros anos do Ensino Fundamental, a escola enfatiza o

“contar” acreditando que nesse tipo de atividade está desenvolvendo o raciocínio e dando

início ao trabalho com SND. Porém, de acordo com Nunes e Bryant (1997), a simples

contagem termo a termo, embora seja importante, não é suficiente para a compreensão das

ideias matemáticas subjacentes ao nosso sistema, ou seja, da compreensão dos invariantes do

sistema: o valor relativo das unidades e a composição aditiva.

De acordo com Nunes (2009), quando a criança começa aprender a contar, ela não

percebe de imediato a organização do sistema em unidades de diferentes valores. Somente a

partir do vinte, esta se torna mais clara, pois começa aparecer um padrão que se repete a cada

dezena: vinte e um, vinte e dois, vinte e três... trinta e um, trina e dois, trinta e três... e, assim

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sucessivamente. Porém, a percepção deste padrão e, consequentemente, a capacidade de

contar, não significa que a criança compreenda as ideias matemáticas implícitas na

organização do sistema:

[...] na sequência de números, cada número é igual ao anterior mais 1; 2 = 1 + 1; 4 =

3+ 1 etc. Além disso, qualquer número pode ser decomposto através da soma de dois

números que o precedem: 7 = 6 +1 ou 5 + 2 ou 4 + 3. Portanto, a sequência não é uma simples lista. A sequência numérica supõe uma organização, que chamamos

composição aditiva (NUNES et al., 2009, p. 21, grifos das autoras).

Além da composição aditiva, segundo a mesma autora, num sistema numérico de base

dez, como o nosso, por exemplo, existe também uma organização de natureza multiplicativa:

20 indica duas dezenas ou 2 x 10; 30= 3 x 10 etc. O SND usa os mesmos símbolos (0, 1, 2, 3)

porém com valores diferentes, pois depende de sua posição em relação aos outros símbolos na

representação do número, ou seja, as unidades possuem valores diferentes: unidades simples,

dezenas, centenas, unidades de milhar etc.

A autora destaca a composição aditiva do número como sendo uma propriedade

essencial do SND. E, que a não compreensão da ideia de composição aditiva por parte da

criança, representa um obstáculo para a sua compreensão de um sistema de numeração com

base, como é caso do sistema que utilizamos. Ela julga que a criança compreende o SND,

“quando compreende a ideia de que existem unidades de valores diferentes no sistema e que

as diferentes unidades podem ser somadas, formando uma quantia única” (NUNES et. al,

2009, p.20).

Diante destas considerações, Nunes (2009) e colaboradores, sugerem que nos primeiros

anos de escolarização, os professores promovam testes para avaliar a compreensão da criança

quanto à composição aditiva de números, a fim de planejar atividades que possibilitem o seu

desenvolvimento. Na opinião da autora, as atividades que envolvem contar unidades

diferentes utilizando, por exemplo, moedas, notas (dinheiro) ou fichas de diferentes valores,

blocos soltos e acoplados em pares, trabalhando sempre com totais numéricos, incluídos nos

conhecimentos de contagem que a criança já domina, e situações problemas que envolvam

parcelas “escondidas”, constituem importante estratégia didática.

Para a autora, esse tipo de atividade possibilita, além de o professor avaliar a

compreensão da criança acerca da composição aditiva do SND, que a mesma desenvolva esse

conceito. Entretanto, a mesma autora ressalta que as compreensões desses conceitos básicos

não constituem um pré-requisito para aprendizagem, esta ocorre quando a criança pensa e

resolve problemas.

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Agranionih (2008) argumenta que, na verdade, o SND por ser um sistema posicional,

oculta algumas relações que as crianças não descobrem fácil e espontaneamente, a partir,

apenas, da interação criança- escritas numéricas. É preciso que o processo da interação seja

acompanhado de um processo reflexivo sobre as regularidades envolvidas na estrutura do

SND. Em outras palavras, não é o tipo de conhecimento que pode ser transmitido por simples

informação de outro.

Na opinião de Carvalho (2010, p. 24), para a criança perceber as regularidades do SND,

precisa ser exposta à “situação de contagem, para que façam as trocas e compreendam as

ordens numéricas”. Maranhão apud Carvalho (2010) ratifica a afirmação, acrescentado que as

propostas de atividades de controle de quantidades, contagem, partam de situações que façam

sentido para as crianças. Sugere, ainda, associar a contagem ao trato oral e o registro escrito

dos signos numéricos.

Brandt, Camargo e Rosso (2004, p. 94), referendados na perspectiva teórica de Piaget,

consideram que a criança opera com SND quando compreende, por exemplo, que “o 2 do

número 23 tem valor de 2 dezenas e o 3, de 3 unidades somente; porém, com a inversão dos

dígitos, será 32: o 3 já não expressa 3 unidades, mas 3 dezenas, e o 2 passa a ser duas

unidades, deixando de ser dezena”. O conceito de unidade e dezena permanece inalterado, e é

generalizável para qualquer dígito que ocupá-lo. O que exige manter e conservar o valor

variável dos algarismos, a depender da posição ocupada pelo numeral.

Na mesma perspectiva teórica, Kamii (2001, p.102) defende que “para que a criança

seja capaz de pensar no número 32 como compreendendo 3 dezenas e 2 unidades, entretanto,

ela precisa construir um sistema – o de dezena – sobre o sistema de unidade”. Na verdade,

para esses autores, é impossível construir o nível das dezenas, quando o nível das unidades

ainda não está bem apreendido.

Lerner e Sadovsky (1996), ao realizarem uma análise crítica das propostas de ensino

vigentes, ressaltam que as rupturas entre a resolução das operações aritméticas e as “unidades,

dezenas e centenas”, anteriormente estudadas, apresentadas pelas crianças que elas

investigaram não se constituem em um caso isolado. Estas foram detectadas e analisadas no

âmbito de estudos realizados em diversos países, dando origem a diferentes alternativas

didáticas.

Para exemplificar, Lerner e Sadovsky (1996) citam as proposições didáticas de Kamii

(1980; 1988) e Bernarz e Javier (1982). Comentam que, a primeira, “sugere deixar para

depois o ensino das regras de sistema de numeração”, por sua vez, o segundo, defende o

aperfeiçoamento do “trabalho sobre agrupamentos a partir de situações nas quais agrupar seja

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significativo, lançando mão de distintas materializações”. No entanto, as autoras analisam que

as duas propostas, ignoram o fato de que as crianças têm oportunidade de elaborar

conhecimento acerca deste sistema de representação antes de iniciar a vida escolar (LERNER

e SADOVSKY, 1996, p. 80).

Com base nos resultados de investigações realizadas com crianças de 5 a 8 anos, Lerner

e Sadovsky (1996) afirmam que mesmo sem conhecer as regras do SND, as crianças elaboram

hipóteses sobre o princípio de posição e base dez, e aplicam na comparação entre números, e

que seus processos de construção da notação convencional não seguem a ordem da sequência

numérica. Para estas autoras,

[...] o conhecimento que as crianças têm a respeito da variação do valor dos

algarismos em função do lugar que ocupam não se faz acompanhar – e muito menos

preceder – pelo conhecimento das razões que originam esta variação. Estas crianças

não suspeitam ainda que “o primeiro é quem manda” porque representa

agrupamentos de 10, se o número tem dois algarismos, de 100, se tem três...

enquanto que as seguintes representam potências menores da base 10. Ainda não

descobriram as regras do sistema (usando o recurso da base 10), porém isto lhes

impede, em absoluto, de elaborar hipóteses referentes às consequências dessa regra – a vinculação entre quantidades de algarismos ou sua posição e o valor do número – e

utilizá-las como critérios válidos de comparação de números (LERNER e

SADOVSKY, 1996, p. 90).

As autoras acreditam que, embora tais critérios, a princípio não se generalizam de

maneira imediata a todas as situações, e enfrente conflitos, evidencia-se que já descobriram

que a posição dos algarismos cumpre uma função relevante em nosso sistema de numeração.

Assim, contrariando a lógica linear do ensino do SND em quotas anuais e em termos de

“unidades” e “dezenas”, as autoras propõem um trabalho didático que considere tanto a

natureza do SND como o processo de construção do conhecimento. O que envolve lidar com

a “complexidade e provisoriedade”, ou seja, significa, “optar pela reorganização progressiva

do conhecimento” (LERNER e SADOVSKY, 1996, p. 124). Nesse sentido, no trabalho

didático com o SND, as autoras defendem:

Trabalhar com a numeração escrita e só com ela; abordá-la em toda sua

complexidade; assumir que o sistema de numeração – enquanto objeto de ensino –

passará por sucessivas definições e redefinições antes de chegar a sua última versão

[...] Do uso à reflexão e da reflexão à busca de regularidades, esse é o percurso que

propomos reiteradamente. Usar a numeração escrita é produzir e interpretar escritas

numéricas, é estabelecer comparações entre tais escritas, é apoiar-se nelas para

resolver ou representar operações (LERNER e SADOVSKY, 1996, p. 122).

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Para Lerner e Sadvsky (1996), ao pensar o trabalho didático com a numeração escrita, é

preciso considerar que “trata-se de ensinar – e de aprender – um sistema de representação”,

portanto, as situações de ensino devem permitir mostrar, não só “a própria organização do

sistema”, como descobrir “as propriedades da estrutura numérica que ele representa”:

“significados numéricos – os números, a relação de ordem e as operações aritméticas

envolvidas em sua organização” (LERNER e SADVSKY, 1996 p. 124). Nesse sentido,

propõem situações didáticas que envolvam quatro atividades básicas: operar, ordenar,

produzir e interpretar escritas numéricas.

Consideramos as proposições didático-pedagógicas, anteriormente apresentadas,

importantes para a apropriação dos aspectos lógicos formal do SND. Porém, entendemos que

a organização do ensino em que se privilegie o movimento lógico-histórico do conceito, como

norteador do trabalho docente, amplia a possibilidade de oportunizar ao aluno apropriação do

SND. Para essa discussão, a seguir, referendamo-nos em Kopnin (1978) e seus interpretes

Lanner de Moura (2007), Moura (2010; 1996), Moretti (2014) e Migueis e Azevedo (2007).

O movimento lógico-histórico do conceito SND como norteador do trabalho docente

Com base nos pressupostos da teoria histórico-cultural, entendemos que a criança

constrói o conhecimento a partir de interações com as outras pessoas e com o meio em que

vive. Nesta perspectiva, a escola se constitui como local social privilegiado para a apropriação

dos conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade, condição para a

humanização do indivíduo. Esse entendimento significa, segundo Moura (2010, p. 89), que as

ações do professor devem ser organizadas de forma intencional para atingir essa finalidade.

Trazendo para o contexto de nossa investigação, numa perspectiva histórico-cultural o

SND é visto como um conhecimento construído historicamente por vários povos de diferentes

culturas, sendo aperfeiçoado ao longo de milênios até chegar à forma atual. Nesse sentido,

Migueis e Azevedo (2007) defendem que a abordagem metodológica no ensino desse

conteúdo deve considerar que,

Do mesmo que o homem, ao longo da história partiu do sentido do número para a construção abstracta deste, a criança também precisa de o fazer, sendo este um

processo de construção onde o factor tempo, no seu sentido evolutivo e histórico,

ocupa lugar relevante (MIGUEIS e AZEVEDO, 2007, p. 19)11.

11 Esta obra é uma publicação portuguesa e o idioma utilizado é o português de Portugal.

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Esta abordagem implica a compreensão do conceito de SND como produção viva em

relação direta com as necessidades dos sujeitos e tempos históricos que os produziram. Sendo

assim, a apropriação deste conceito como produção histórica e cultural, “implica apropria-se –

além de sua estrutura lógica formal – também dos mecanismos de sua produção histórica e,

portanto, da essência das necessidades que moveram a humanidade na construção social e

histórica dos conceitos” (MORETTI, 2014, p. 34-35).

Segundo Kopnin (1978, p. 86) a unidade entre o lógico e o histórico do conceito se faz

necessária, considerando que o “lógico reflete não só a história do próprio objeto como

também a história do seu conhecimento”, como esse conhecimento foi sendo apropriado pelo

ser humano. Sendo assim, compreender o processo de produção dos conceitos que constituem

SND é parte do movimento de apropriação dos próprios conceitos. Assim, segundo Moretti

(2014, p. 35). “O conhecimento do objeto, desta forma, apenas faz-se possível na unidade

dialética entre os aspectos históricos e lógicos do objeto de conhecimento”.

Kopnin ainda complementa que,

A história do desenvolvimento do objeto cria, por sua vez, as premissas

indispensáveis para uma compreensão mais profunda de sua essência, razão porque,

enriquecidos com o conhecimento da história do objeto, devemos retomar mais uma

vez a definição de sua essência, corrigir, completar e desenvolver os conceitos que o

expressam. Desse modo, a teoria do objeto fornece a chave de estudo de sua história,

ao passo que o estudo da história enriquece a teoria, corrigindo-a, completando-a e

devolvendo-a. É como se o pensamento se desenvolvesse conforme um círculo: da

teoria (ou lógica) à história e desta novamente à teoria (lógica) (KOPNIN, 1978, p.

186).

Nesse contexto, a autora refere-se não só à história do objeto, sua produção e

desenvolvimento, mas também à história de como a humanidade se apropriou desse objeto, ou

seja, à história do seu conhecimento pelo ser humano. Na interpretação de Moretti (2014, p.

35), “o aspecto histórico, assim entendido, revela elementos essenciais para o conhecimento

do objeto. Estes elementos, ao serem apropriados pelo pensamento humano, constituem o

aspecto lógico”.

O conceito de SND, assim como os demais conceitos matemáticos, compõe a atividade

humana e estão presentes no cotidiano das crianças. No entanto, Lanner de Moura (2007)

referendada em Lima (1992), afirma “que a simples existência objectiva dos conceitos

matemáticos não determina a sua existência no nosso subjectivo”. Ou seja, existe um vazio de

“compreensão entre a manipulação mecânica e quotidiana de um conceito e a sua apreensão

conceptual”. Na opinião da autora, “quanto mais se intensifica a prática mecânica, mais o

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conceito que a sustenta se torna invisível ao nosso pensamento” (LANNER DE MOURA,

2007, p. 67)12.

Tomemos, como exemplo, o experimento desenvolvido por Lanner de Moura (2007) de

uma atividade de movimento conceitual do número, a qual oportuniza a vivência da “tensão

criativa do conceito”, em dois momentos didático-pedagógicos interdependentes: a

problematização dos nexos conceituais (os conceitos de correspondência biunívoca, de

equivalência, de agrupamento, de grandezas discreta e contínua) e da dinâmica relacional

indivíduo-grupo-classe na resolução da (re) criação conceitual.

A atividade geradora se consistiu na proposição às crianças, a partir da história do

Negrinho do Pastoreio, pensar em como o personagem, ao recolher os cavalos do patrão, faria

o controle de quantidades- contagem (saber se nenhum havia se perdido), sem o recurso ao

número. A autora observou que, o desenvolvimento da atividade, a criação e comunicação de

hipóteses e a síntese coletiva, oportunizou as crianças integrar-se no movimento conceitual do

número, ao trazer “a história do conceito despida dos elementos ocasionais e centrada no acto

de criação [...] a dinâmica de saber-pensar o conceito” (LANNER DE MOURA, 2007, p. 73).

Baseada em Kopin (1978), Lanner de Moura (2007, p. 69) define “conceito como uma

forma de movimento do pensamento, que se torna conhecimento pela explicação da

actividade sobre a realidade em que o ser humano está inserido e se insere, ao construir-se

humano”. Deste modo, conclui-se que o conceito de número não está gravado no movimento

das quantidades na natureza, “mas no movimento do pensamento originado pela actividade de

controlar a variação dessas quantidades”. Segundo a autora, a atividade que possibilita uma

situação-problema geradora de conhecimento, para alunos e professor, constitui-se por

momentos distintos, que se interpenetram, no movimento do sujeito, e apresentam as

seguintes características:

1. Um instante que a necessidade é sentida, instante da sensação, quando a

necessidade toma forma de dilema, situação de embaraço; 2. Um momento de

percepção da sensação, cuja forma é o emblema, situação de simbolização; 3. O

momento do problema, isto é, o da elaboração da necessidade em forma de problema, cuja formulação traz em si, a percepção da solução que tornará a

necessidade um objecto conhecido (CARAÇA, 1998 apud LANNER DE MOURA,

2007, p. 70).

De acordo com esta autora, estes três momentos sintetizam-se sob a forma de conceito.

Ressalta, ainda, que “todo o movimento humano de criação de conceitos e,

12

Esta obra é uma publicação portuguesa e o idioma utilizado é o português de Portugal.

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consequentemente, de teorias, passa pelo processo de problematização das necessidades”.

Apoiada em Caraça (1998), distingue, o dilema, o emblema e o problema, como fases do

processo de transformar a necessidade em problema. Aliados a estes momentos, a sensação, a

percepção e a dedução, são formas de pensamento que antecipam o conceito (LANNER DE

MOURA, 2007). Em síntese, a autora considera que a dinâmica histórica de criação do

conceito, encerra o próprio método de sua aprendizagem.

Diante das discussões, aqui apresentadas, entendemos que o panorama tanto das

dificuldades e insucessos, quanto das possibilidades e alternativas de avanços e melhorias no

ensino do SND nos anos iniciais do EF, impõe a necessidade da presença em sala de aula, de

um professor com determinados conhecimentos profissionais. Para planejar e organizar

atividades que possibilitem ao aluno se apropriar dos conceitos que constituem o SND, o

professor precisa, além de dominar os conceitos envolvidos, possuir conhecimento

pedagógico – saber ensinar, de forma a garantir o aprendizado dos alunos. Ou seja, para

ensinar o SND, o professor precisa compreendê-lo para si e também para poder ensinar a seus

educandos.

No item, a seguir, apresentamos o que já evidenciam algumas pesquisas brasileiras

sobre o ensino e a aprendizagem do SND, nos anos iniciais do EF.

2.4 O ENSINO E APRENDIZAGEM DO SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL NOS

ANOS INICIAIS: O QUE DIZEM AS PESQUISAS BRASILEIRAS NO PERÍODO DE

1996 A 2012

Com o intuito de conhecer as discussões que emergem dos estudos que abordam a

temática de nossa investigação, a fim de nos auxiliar na construção de nossa pesquisa,

realizamos em 2013 um levantamento das dissertações e teses produzidas no Brasil, sobre o

sistema de numeração decimal. A coleta de informações se deu por meio de uma busca em

bancos virtuais de teses e dissertações, no portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior (Capes) e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

(BDTD). Nossa procura baseou-se nos termos “sistema de numeração decimal” e localizou 46

(quarenta e seis) pesquisas, distribuídas temporalmente entre 1996 e 2012.

Procurando melhorar a filtragem de nossa busca, passamos à leitura dos resumos e o

estudo exploratório das produções identificadas. Optamos por concentrar nossos estudos nas

teses e dissertações cujas investigações com foco no ensino e na aprendizagem do SND,

situavam-se nos anos iniciais do Ensino Fundamental, por julgarmos, apresentar maior

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significância ao nosso objeto de estudo. Identificamos quinze pesquisas. Essas foram

capturadas dos portais virtuais depositários e objetos de uma análise mais aprofundada.

A partir da leitura e análise dos quinze trabalhos na íntegra, foi possível identificar

quatro principais temáticas abordadas nas pesquisas sobre o SND: aprendizagem dos alunos;

conhecimentos profissionais; formação continuada e práticas pedagógicas.

Apresentamos, a seguir, por blocos de temáticas abordadas, um panorama de cada

pesquisa, destacando os objetivos, temática investigada e os resultados alcançados. Ao final

de cada bloco, faremos considerações relativas aos resultados alcançados e, para finalizar as

considerações gerais quanto à incidência da abordagem metodológica e da fundamentação

teórica que figura nas quinze investigações, bem como, sobre as contribuições para a nossa

pesquisa.

A aprendizagem dos alunos foi a temática privilegiada em cinco dos quinze trabalhos

analisados, sendo eles Losito (1996), Rodrigues (2001), Rodrigues (2006), Agranionih (2008)

e Barreto (2011), conforme detalhado, abaixo.

O estudo experimental de Losito (1996) objetivou analisar se a utilização de um método

diferenciado, baseado em princípios construtivistas, influenciava o desempenho de alunos na

solução de tarefas matemáticas envolvendo os conceitos de número e SND. Foram

investigados os procedimentos de alunos de uma escola com proposta de ensino

construtivista, e os procedimentos de alunos de outra escola com proposta distinta. Os

resultados de alunos de uma escola e de outra não apresentaram diferença em relação às

regularidades do sistema de numeração decimal, bem como em relação ao aspecto operatório

aditivo. Foram constatados melhores resultados em relação à construção do senso numérico,

do princípio multiplicativo do sistema de numeração decimal e da tomada de consciência do

erro, nos alunos da escola de orientação construtivista.

Em pesquisa histórica, Rodrigues (2001) estudou a trajetória de construção das escritas

numéricas aos conhecimentos do sistema de numeração decimal de alunos de diferentes séries

do Ensino Fundamental. Seu objetivo foi verificar como as crianças e jovens, desta etapa de

ensino, se apropriam do processo de agrupamentos e trocas na base dez. Os resultados

indicam que o processo de construção das ideias e procedimentos envolvidos nos

agrupamentos e trocas em base dez não acontecem em curto prazo. Destaca a necessidade de

um trabalho consistente em relação à produção de escritas numéricas para o desenvolvimento

do cálculo escrito e mental e para resolução de problemas que envolvem números naturais e

números racionais representados na forma de decimais.

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74

O estudo experimental de Rodrigues (2006) objetivou verificar se a utilização do

software de ensino de Matemática – “Estação do Saber”13

potencializava a aprendizagem do

sistema de numeração decimal. Os resultados das duas turmas não apresentaram diferenças

significativas. Concluiu-se que o software “Estação do Saber” possui limitações. Seu uso

reforçou a compreensão do valor posicional, composição e decomposição e consciência do

zero.

Agranionih (2008) investigou as concepções iniciais e como se processa cognitivamente

a compreensão do valor posicional característico do sistema de numeração decimal, buscando

identificar as contribuições das notações de números multidígitos a esse processo de

conceituação do valor posicional do número. Evidenciou-se um processo construtivo não

linear, no qual as crianças construíram concepções próximas ao valor posicional, à medida

que as situações didáticas provocavam reflexões e sucessivas tomadas de consciência sobre as

notações em si e sobre as relações entre escritas e agrupamentos. A interação criança-escritas

numéricas, por si só, não garante o aprendizado do valor posicional característico do SND. É

preciso que o processo de interação seja acompanhado de um processo reflexivo sobre as

regularidades.

Por sua vez, Barreto (2011) investigou a compreensão da escrita numérica e do SND

apresentada por 92 alunos da 3.ª série do Ensino Fundamental (de duas escolas municipais de

uma cidade do norte paranaense: uma com o mais alto índice na Prova Brasil e outra com o

mais baixo índice da prova realizada em 2007). Os resultados confirmaram a hipótese de que

na 3.ª série os alunos ainda estão em fase de elaboração do SND, e que o domínio progressivo

das notações desempenha um papel importante na compreensão do nosso sistema de

numeração.

As cinco pesquisas apresentam diferentes enfoques sobre a aprendizagem do SND por

alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, no entanto, os resultados coadunam na

indicação de que a aprendizagem dos conceitos inerentes ao SND demanda tempo, e trabalho

pedagógico sistemático ao longo desta etapa de escolarização. Evidenciam um processo

construtivo não linear e, que a interação criança-escritas numéricas, por si só, não garante o

aprendizado das regularidades do SND. É necessário que o professor oportunize situações

didáticas que provoquem reflexões e sucessivas tomadas de consciência sobre os princípios

que regem o SND.

13

Software de ensino de Matemática com atividades específicas de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental,

disponível para a rede municipal de Campo Grande/ MS.

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75

A temática conhecimentos profissionais foi contemplada nas investigações realizadas

por Dambros (2006), Maia (2007) e Batista (2012) e buscam investigar os conhecimentos dos

professores quanto ao desenvolvimento histórico do SND, domínio dos conceitos que o

constituem e, sua relação com o ensino que realizam sobre este conteúdo.

A investigação de Dambros (2006) teve como questão central as relações que podem ser

estabelecidas entre o conhecimento do desenvolvimento histórico de um conceito matemático,

pelo professor, e o ensino do mesmo. Os resultados mostram que a professora, após estudos

da história do SND, mudou a sua forma de compreendê-lo e ensiná-lo, evidenciado,

principalmente, na consideração que ela passou a demonstrar pelas formas de pensar dos seus

alunos.

Maia (2007) investigou o nível de elaboração conceitual de sete professores dos anos

iniciais do Ensino Fundamental sobre sistema de numeração decimal. Verificou-se, por parte

dos professores, a presença de diferentes erros na solução dos exercícios, dificuldades em

justificar a forma como resolveram, e fragilidades na percepção da relação existente entre os

diferentes conteúdos matemáticos e os princípios que regem o atual sistema de numeração. As

dificuldades de relacionar os conceitos com o SND mostraram-se muito próximas daquelas

vividas pelas crianças no processo de aprendizagem Matemática. Constatou que as

professoras apresentam diferentes estágios de elaboração conceitual e que o SND ainda não se

configura, para estas, como conceito científico.

Batista (2012) investigou os conhecimentos sobre os números e operações de um grupo

de professores do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano) manifestos durante estudos e discussões

coletivas. Os resultados apontam a existência de lacunas no conhecimento específico sobre o

SND e no conhecimento curricular, destacando as dificuldades na utilização dos materiais

didáticos. A autora ressalta que a “não compreensão, pelo professor, do funcionamento do

nosso sistema de numeração decimal vai, inevitavelmente, refletir-se na formação Matemática

dos alunos” (BATISTA, 2012, p.126). Destaca a necessidade de rever os conteúdos

trabalhados na formação inicial e continuada, referente aos conhecimentos matemáticos e a

importância da formação contínua dos professores que atuam nos anos iniciais do Ensino

Fundamental para a viabilidade desse ensino.

As cinco investigações sobre os conhecimentos profissionais, indicam a existência de

lacunas nos conhecimentos dos professores acerca do SND, envolvendo desde fragilidades

quanto ao conhecimento de sua história, o que é um sistema de numeração, sua estrutura e

funcionamento até, a percepção da relação existente entre os diferentes conteúdos

matemáticos e os princípios que regem o SND. Apontam ainda que as fragilidades no

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domínio conceitual do SND por parte do professor interferem no ensino e aprendizagem deste

conteúdo.

A formação continuada dos professores sobre o SND constitui-se a temática das

investigações desenvolvidas por Guimarães (2005), Silva (2011) e Barreto (2011).

A pesquisa-ação realizada por Guimarães (2005), em mestrado profissional, objetivou

contribuir com um grupo de professores do ciclo básico de alfabetização na construção de

conhecimentos específicos e metodológicos, para o trabalho com o Sistema de Numeração

Decimal em sala de aula. Verificou-se durante a realização das atividades formativas que a

falta de domínio do conteúdo faz com que o sistema de numeração, seja ensinado, na maioria

das vezes, de forma mecânica. As análises das discussões e os comportamentos dos

professores durante a realização das atividades revelaram que estas provocaram reflexões

sobre as práticas de sala de aula.

A Pesquisa-ação realizada por Silva (2011) objetivou investigar como o professor, após

formação continuada sobre o ábaco manipulativo e informático, ressignifica a sua prática

pedagógica ao ensinar o SND e as operações convencionais de adição e subtração com (re)

agrupamento. Durante a realização das atividades formativas foram evidenciadas dificuldades

dos professores na representação numérica com zero, na resolução das operações de adição e

subtração utilizando o ábaco manipulativo e/ou informático e na realização do (re)

agrupamento na subtração. Os resultados apontam que, após a discussão com os professores

sobre tais dificuldades, foram realizados encaminhamentos didático-metodológicos das

operações de adição e subtração com (re) agrupamento que contribuem com o processo de

ensino e aprendizagem. Os resultados também mostram que, apesar de a formação contribuir

para ampliar as estratégias de ensino do SND, em alguns momentos, prevalecia a forma

convencional e mecânica de ensino, reproduzindo o ensino vivenciado nos tempos de

estudante.

A pesquisa interventiva de Barreto (2011) objetivou analisar os aspectos da formação

continuada de Matemática de forma a compreender as relações dessa formação com os

processos de mudança das práticas dos professores. Os resultados apontam que, durante a

formação, as professoras evidenciavam indícios de mudança no discurso e na prática,

ampliando a compreensão de como se aprende e como se ensina Matemática, e

especificamente, o sistema de numeração decimal. A autora ressalta que para a formação

continuada provocar mudanças, é preciso considerar os saberes e os não saberes dos

professores, valorizar a reflexão nas práticas e sobre as práticas ocorridas em ambientes reais

de entrelaçamento entre o ensino e a aprendizagem.

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As três pesquisas sobre formação continuada evidenciam fragilidades na formação

inicial dos professores sobre conhecimentos matemáticos do SND e, a influência do ensino

vivenciado nos tempos de estudante, nas práticas docentes. Para que a formação continuada

produza alterações nas práticas pedagógicas, sinalizam a necessidade de se considerar os

saberes e os não saberes dos professores, valorizar a reflexão sobre o ensino e a aprendizagem

vivenciados na sala de aulas pelos professores envolvidos na formação.

A prática pedagógica referente ao SND foi abordada por Signorini (2007), Rosas

(2008) e Almeida (2012).

Signorini (2007) investigou se o ensino da aritmética (estruturas aditivas – operação de

adição e/ou subtração), com ênfase nos algoritmos convencionais, contribui para a construção

do sistema de numeração decimal. Os resultados indicam que tanto as crianças de terceira

como as de quinta série utilizaram o algoritmo convencional de adição e subtração com

reserva de forma automática, sem perceber a relação existente entre as técnicas operatórias

dessas operações e os princípios e as propriedades do nosso sistema de numeração. As

atuações das crianças indicavam que o SND não estava consolidado, e assim, pôde constatar

que o ensino da aritmética centrado nos algoritmos não possibilitou avanços significativos no

que se refere à efetiva construção do sistema de numeração decimal.

Já a pesquisa de Rosas (2008) apresenta uma análise qualitativa do uso de livro didático

de Matemática no ensino do sistema de numeração decimal por uma professora de 2º ano do

1º ciclo do Ensino Fundamental. Os resultados da análise do livro didático mostram que,

apesar de aprovado pelo PNLD, os princípios do atual sistema de numeração são pouco

explorados, priorizando as atividades repetitivas e de aplicação de regras e modelos. A prática

pedagógica da professora se caracteriza por uma abordagem do SND com ênfase nos aspectos

formais e nos procedimentos de resolução de algoritmo, tendo o livro didático como principal

orientador, possivelmente, em virtude de lacunas na formação Matemática da professora.

Por sua vez, Almeida (2012) em mestrado profissional, teve como questão central o uso

da história da Matemática como estratégia didática para o ensino do SND. Realizou a

construção e a validação de um caderno de atividades constituído de uma sequência didática

para o ensino do nosso sistema de numeração, através da comparação com o sistema de

numeração hieroglífico egípcio, o sistema de numeração grego alfabético e o sistema de

numeração romano.

Das três pesquisas que abordam a prática pedagógica referente ao SND, os estudos

Signorini (2007) e Rosas (2008) evidenciam a prevalência do ensino do SND baseado nos

aspectos formais e nos procedimentos de resolução de algoritmo e, que estas não possibilitam

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a compreensão dos conceitos inerentes ao sistema numérico que utilizamos. Sendo que

Almeida (2012), tendo em perspectiva a história da Matemática, aponta como alternativa de

superação do ensino baseado na memorização de regras sem compreensão, o estudo do SND a

partir da comparação outros sistemas não posicionais, como, por exemplo, o sistema de

numeração hieroglífico egípcio.

Ao realizar esse levantamento, percebeu-se que ainda são poucos os estudos que

abordam o ensino e a aprendizagem do SND no 1º ciclo (1º, 2º e 3º anos) do Ensino

Fundamental. Cabe destacar que, embora os primeiros anos de escolarização sejam

considerados balizares para a melhoria da Educação Brasileira, as investigações sobre os

conhecimentos e as práticas dos professores e outros aspectos importantes, relativos,

especialmente, à Educação Matemática de um modo geral, são bastante reduzidas.

Outro dado relevante que notamos foi em relação à quantidade ínfima de teses

produzidas (apenas duas) quando comparada ao número de dissertações, o que se constitui em

um problema para a produção nessa área de investigação, pois tais estudos longitudinais são

muito importantes para a melhor compreensão acerca dos diferentes aspectos que envolvem a

Educação Matemática nos anos iniciais do EF.

Quanto à metodologia, a abordagem qualitativa constituiu-se a opção de todos os

estudos analisados. Outro aspecto observado, concernente à metodologia, refere-se ao uso

inexpressivo da observação da prática do professor em sala de aula, como procedimento para

a produção dos dados nas pesquisas em questão. O que evidencia a necessidade de outros

estudos sobre a real prática pedagógica do professor relativa ao ensino do SND,

especialmente, nos primeiros anos do EF.

A maioria dos pesquisadores (seis dentre os quinze) escolheu os estudos de Piaget como

o principal referencial teórico. Destacam-se, também, teóricos da didática francesa como Guy

Brousseau com a teoria das situações didáticas, Gerard Vergnaud com a teoria dos campos

conceituais e Shulman sobre a base de conhecimentos para o ensino, duas pesquisas

fundamentam suas investigações na perspectiva teórica dos estudos de Vygotsky.

Em relação ao enfoque, dez dos quinze estudos analisados, abordaram seus objetos do

ponto de vista do ensino, ou seja, os professores foram os participantes das investigações. E,

nestes é evidenciado a preocupação dos pesquisadores no que se refere aos conhecimentos dos

professores. Tal temática permeou, de forma explícita ou implícita, quatorze dos quinze

trabalhos em questão.

De um modo geral, as pesquisas analisadas, apontam indícios de que as características e

propriedades do SND, como a base dez, o valor posicional, a composição aditiva e

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multiplicativa de um número, não são adequadamente compreendidas por alunos e

professores do Ensino Fundamental. No entanto, ao findarmos essa revisão, constatamos que

a literatura revisitada evidencia poucas pesquisas dentro da perspectiva de analisar o trabalho

dos professores com o SND e sua relação com os seus conhecimentos profissionais, o que

evidencia a importância do presente estudo.

No presente capítulo, buscamos evidenciar a historicidade do conceito de SND, os

aspectos curriculares e metodológicos inerentes ao processo de ensino e aprendizagem e, as

conclusões das pesquisas já realizadas, sobre o ensino escolar deste conteúdo. Estas

discussões nos ajudarão a interpretar e analisar os dados da pesquisa em busca de

compreender os conhecimentos específicos, metodológicos e curriculares e as práticas

pedagógicas das professoras participantes, referentes ao SND.

O próximo capítulo se destina à apresentação dos aspectos metodológicos da pesquisa.

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CAPÍTULO III - METODOLOGIA: OS CAMINHOS DA PESQUISA

Neste capítulo, expomos o caminho metodológico percorrido em busca de responder ao

nosso problema de investigação – que conhecimentos profissionais sobre o Sistema de

Numeração Decimal são manifestados por professores do 2º e 3º anos do Ensino

Fundamental e como desenvolvem práticas escolares relacionadas a este conteúdo numa

escola da rede municipal de Cuiabá? Para melhor explicitar esse percurso, destacamos a

opção metodológica, o tipo de pesquisa realizada, a seleção do contexto e das professoras

participantes da pesquisa, além dos instrumentos e procedimentos utilizados para a produção

dos dados.

3.1 A OPÇÃO METODOLÓGICA PELA ABORDAGEM QUALITATIVA

Para responder às nossas inquietações acerca dos conhecimentos profissionais e as

práticas escolares de nossas professoras colaboradoras referentes ao SND, entendíamos que

todas as ações para a produção dos dados da pesquisa, deveriam ser realizadas no local em

que o objeto pesquisado se manifesta, ou seja, no ambiente escolar.

Compreendemos a realidade como uma construção humana, historicamente constituída.

Assim, os fenômenos educacionais manifestos no ambiente escolar, não podem ser

observados de forma estanque, desprovidos dos aspectos humanos subjacentes. Por isso,

mesmo construindo um planejamento que nos guiou, não ficamos submetidos a uma

sequência invariável de etapas, ao contrário, fomos construindo a pesquisa na medida em que

começamos a conhecer melhor o contexto escolar e as professoras participantes, no decorrer

do trabalho em campo.

Desse modo, buscando definir a metodologia deste trabalho, os estudos de Bogdan e

Biklen (1994), Minayo (1994), Chizzotti (2003; 2005), Lüdke e André (1986) e Gonzáles Rey

(2012), referendaram a nossa opção pela abordagem metodológica qualitativa. Baseadas

nestes autores, tivemos a convicção da perfeita adequação dessa perspectiva aos nossos

propósitos, no desenvolvimento deste trabalho. Acreditamos que a abordagem metodológica

qualitativa, por suas características particulares, nos possibilitou uma melhor e maior

aproximação com o nosso objeto de estudo.

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Nesse contexto, outra contribuição relevante ao nosso estudo, em relação aos aspectos

metodológicos, foram as discussões de Gonzáles Rey (2012), referentes à concepção de

“produção” de dados, na pesquisa qualitativa, em contraposição ao termo “coleta de dados”,

usualmente utilizado pelas diferentes tradições de pesquisa no campo das ciências sociais.

Para esse autor, o pesquisador a partir de seus marcos referenciais prévios, produz os

dados da pesquisa, uma vez que “não está nas aparências do material empírico o objeto do

pesquisador, mas nas diversas formas de organização subjetiva presente em todo tipo de

comportamento ou expressão humana” (GONZÁLES REY, 2012, p. 117). Os dados não

existem por si mesmos, e não se mostram de forma direta na expressão intencional do sujeito,

é necessário que o pesquisador, além de lançar mão de instrumentos e procedimentos que

instigue e favoreça a livre expressão dos participantes, seja capaz de, na relação dialética entre

dados empíricos e teoria, interpretar o sentido subjetivo das informações das professoras

participantes, produzidas na pesquisa.

Nesse sentido, compartilhamos da opinião de Gonzáles Rey (2012, p. 100) ao afirmar

que não existe mais sentido em continuar definindo a coleta de dados como uma etapa da

pesquisa: “em primeiro lugar, porque realmente os dados não se coletam, mas se produzem e,

em segundo lugar, porque dado é inseparável do processo de construção teórica no qual

adquire legitimidade”.

A investigação qualitativa surgiu como alternativa de resposta aos desafios da

investigação em Ciências Humanas e Educação, uma vez que, conforme Bogdan e Biklen

(1994), essa abordagem não objetiva testar hipóteses e, as questões investigadas não se

colocam mediante operacionalização de variáveis, o que permite a investigação dos

“fenômenos em toda a sua complexidade e em contexto natural”. Os autores salientam que,

tendo o investigador como principal instrumento num contato aprofundado com os

participantes da pesquisa, a produção de dados qualitativos, “privilegiam, essencialmente, a

compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos investigados”

(BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 16).

Partindo do entendimento de que os conhecimentos e as práticas escolares das

professoras acerca do SND estão inseridos num contexto social, fez-se necessário que a

pesquisadora se inserisse no universo das professoras participantes da pesquisa, tendo em vista

melhor compreender as relações existentes no contexto escolar que envolve o objeto

pesquisado. Esse aspecto da pesquisa coaduna com a proposição de Lüdke e André (1986),

quanto à necessidade, em pesquisa de cunho qualitativo, de relação direta e prolongada do

pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, por meio do trabalho

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82

intensivo de campo, visando à obtenção de dados descritivos que privilegiem mais o processo

do que o produto, preocupando-se em retratar a perspectiva dos participantes.

A esse respeito, Bogdan e Biklen (1994, p. 67) são enfáticos ao afirmar que o trabalho

do pesquisador qualitativo tem como objetivo fundamental “construir conhecimento e não o

de dar opiniões sobre determinado contexto”. Ressaltam, ainda, que ao desenvolver a pesquisa

numa abordagem qualitativa, o pesquisador deve buscar “compreender o comportamento e

experiência humanos” (BOGDAN e BIKLEN, p.70). Isto significa direcionar seus esforços na

tentativa de captar o processo mediante o qual as pessoas constroem significados e descrever e

interpretar em que consistem tais significados.

O nosso problema de investigação como já explicitado, anteriormente, se insere numa

escola, e não buscamos generalizar os resultados da pesquisa. Nossa intenção é o estudo em

profundidade sobre que conhecimentos profissionais e práticas escolares, em relação ao SND,

são manifestados pelas professoras participantes da pesquisa, no contexto da escola em que

estes atuam. Nesta perspectiva, dentro da abordagem metodológica qualitativa, o estudo de

caso, mais do que outras estratégias de pesquisa, se mostrou ideal para o desenvolvimento

desta investigação. Devido às suas características particulares, entendemos que o estudo de

caso possibilitou-nos a compreensão do nosso objeto de estudo, “levando em conta seu

contexto e complexidade” (ANDRÉ, 2008, p. 29).

A perspectiva de estudo de caso, tomada nesse trabalho, é o que exporemos a seguir.

3.2 O TIPO DE PESQUISA

Desenvolvemos este estudo a partir da sistematização e da análise da diversidade de

fontes de dados (diário de campo contendo os registros das observações de eventos coletivos e

das aulas de Matemática das professoras, entrevista, análise de documentos escolares e

questionários de caracterização), onde buscamos “retratar a realidade de forma profunda e

mais completa possível enfatizando [...] a análise do objeto, no contexto em que ele se

encontra [...]”, o que caracteriza nossa pesquisa como um estudo de caso (FIORENTINI;

LORENZATO, 2012, p. 110, grifo nosso).

Como afirma Stake (2010, p. XI, tradução nossa), o “estudo de caso é o estudo da

particularidade e da complexidade de um caso singular, levando a entender sua atividade

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83

dentro de importante circunstância14

”. Para André (1995) esse tipo de estudo deve ser

utilizado:

(1) quando se está interessado numa instância em particular, isto é, numa

determinada instituição, numa pessoa ou num específico programa ou currículo; (2)

quando se deseja conhecer profundamente essa instância particular em sua

complexidade e em sua totalidade; (3) quando se estiver mais interessado naquilo

que está ocorrendo e no como está ocorrendo do que nos seus resultados; (4)

quando se busca descobrir novas hipóteses teóricas, novas relações, novos

conceitos sobre um determinado fenômeno; e (5) quando se quer retratar o

dinamismo de uma situação numa forma muito próxima do seu acontecer natural

(ANDRÉ, 1995, p. 26).

Ludke e André (1986) identificam características ou princípios fundamentais do estudo

de caso, tais como: os estudos “visam à descoberta” – partem de um quadro teórico, com

função de estrutura básica. Porém, novos elementos podem emergir durante o estudo.

“Enfatizam a interpretação em contexto”, ao considerar, em se tratando da Educação, os

fatores condicionantes que ajudam a explicar a ação pedagógica em foco. “Buscam retratar a

realidade de forma completa e profunda”, lançando mão de uma variedade de fontes. As

autoras ainda ressaltam o uso da observação participante, da entrevista e análise de

documentos, da existência de interação entre pesquisador e objeto pesquisado, a importância

no processo e não nos resultados da pesquisa, a não intervenção do pesquisador no ambiente

investigado e coleta de dados descritivos (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 18-20).

Coadunando com as autoras, Angrosino (2009) ao ressaltar o diferencial do estudo de

caso, afirma que:

Ele é baseado na pesquisa de campo (conduzido no local onde as pessoas vivem e

não em laboratórios [...]). É personalizado (conduzido por pesquisadores que no dia

a dia, estão face a face com as pessoas que estão estudando e que, assim, são tanto

participantes quanto observadores das vidas em estudo). É multifatorial (conduzido

pelo uso de duas ou mais técnicas de coleta de dados – os quais podem ser de

natureza qualitativa ou quantitativa – para triangular uma conclusão [...]). Ele requer

um compromisso de longo prazo, ou seja, é conduzido por pesquisadores que pretendem interagir com as pessoas que eles estão estudando durante um longo

período de tempo (embora o tempo exato possa variar, digamos, de algumas

semanas a um ano ou mais). É indutivo (conduzido de modo a usar um acúmulo

descritivo de detalhe para construir modelos gerais ou teorias explicativas, e não

para testar hipóteses derivadas de teorias ou modelos existentes). É dialógico

(conduzidos por pesquisadores cujas conclusões e interpretações podem ser

discutidas pelos informantes na medida em que elas vão se formando). É holístico

(conduzido para revelar o retrato mais completo possível do grupo em estudo)

(ANGROSINO, 2009, p. 31, grifos do autor).

14 El estúdio de casos es el estúdio de la particularidad y de la complejidad e um caso singular, para llegar a

comprender su actividad em circunstancias importantes.

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O estudo de caso por ser um tipo de pesquisa que tem como característica principal “o

contato direto do pesquisador com situação pesquisada, permite reconstruir os processos e as

relações que configuram a experiência escolar diária” (ANDRÉ, 1995, 41). Na medida em

que o observador acompanha in loco as experiências diárias dos participantes da pesquisa,

pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade

que os cerca e às próprias ações.

Esse “mergulho” do pesquisador no cotidiano da escola, por um lado, oferece condições

de compreender o processo de ensino e aprendizagem no contexto da cultura escolar. Por

outro lado, o desafio, segundo André (1995, p. 48), de saber articular “o envolvimento e a

subjetividade, mantendo o distanciamento que requer um trabalho científico”. No entanto, a

autora esclarece:

Distanciamento que não é sinônimo de neutralidade, mas que preserve o rigor. Uma

das formas de lidar com essa questão tem sido o estranhamento – um esforço

sistemático de análise de uma situação familiar como se fosse estranha. Trata-se de

saber lidar com percepções e opiniões já formadas, reconstruindo-os em novas

bases, levando em conta, sim, experiências pessoais, mas filtrando-as com apoio do

referencial teórico e de procedimentos metodológicos específicos, como por

exemplo, a triangulação (ANDRÉ, 1995, p.48, grifo da autora).

Com base nos pressupostos teóricos que orientam o presente estudo, buscamos

investigar o nosso objeto de estudo em seus processos de transformação e mudança, ou seja,

tendo em perspectiva a sua historicidade e movimento (VYGOTSKY, 1988). Isto, segundo

Palma (2010, p. 72), “significa considerar as contradições, a continuidade e a

descontinuidade, os saltos qualitativos e a superação”.

Nesse sentido, para compreender os conhecimentos profissionais e as práticas escolares

das professoras participantes da pesquisa referentes ao SND, foi preciso considerar o processo

histórico de formação (inicial e continuada) destas professoras. E, as suas práticas no contexto

das inter-relações entre situações e os atores do processo educativo, ou seja, das condições

objetivas de trabalho (a organização coletiva do trabalho pedagógico e de formação contínua,

as condições materiais, e outros), dentro do espaço escolar onde atuam, ou seja, da

organização do projeto educativo da escola onde as professoras atuam a qual estabelece a

organização do Ensino Fundamental em Ciclos de Formação Humana.

Exporemos, a seguir, o processo de construção desta pesquisa.

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3.3 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA

Segundo Nisbett e Watts apud André (2008, p.47), o desenvolvimento da pesquisa

qualitativa do tipo estudo de caso, pode ser caracterizado em três fases não lineares: a fase

“exploratória ou de definição dos focos de estudo; fase de coleta dos dados ou de delimitação

do estudo; e fase de análise sistemática dos dados”. Entendemos que tal caracterização se

mostra coerente com as etapas de realização de nossa pesquisa, conforme descreveremos a

seguir:

A primeira fase da pesquisa constituiu-se da revisão da literatura sobre a temática

investigada e da preparação para a entrada no campo. Para André (2008), essa fase

“exploratória”, é imprescindível para a delineação do problema e para a construção do olhar

teórico que orienta os questionamentos que guiarão o trabalho em campo, pois a partir daí, são

definidas “unidade (s) de análise – o caso –, confirma-se – ou não – as questões iniciais, [...]

estabelece mais precisamente os procedimentos e instrumentos de coleta de dados” (ANDRÉ,

2008, p. 48). Esta fase culminou com a elaboração do projeto de pesquisa.

A segunda fase da pesquisa compreende o trabalho de campo com a produção dos dados

da investigação. Neste percurso, além da observação do contexto e das aulas das professoras

investigadas registradas em diário de campo, recolhemos documentos escolares e realizamos

entrevistas semiestruturadas com as professoras. Todos os dados e informações foram

organizados para nos subsidiar na análise, interpretação e triangulação das informações.

Concomitantemente, prosseguimos com a revisão da literatura e a sistematização do

referencial teórico da pesquisa.

Na terceira e última etapa da pesquisa, passamos à “análise sistemática dos dados”

produzidos através dos distintos instrumentos e procedimentos utilizados durante a

investigação. Esta fase culminou com encaminhamentos finais que envolveram a organização

de todo o material da pesquisa, a redação da versão para a qualificação e defesa, e

posteriormente a versão final da dissertação.

3.4 O CONTEXTO E AS PROFESSORAS PARTICIPANTES DA PESQUISA

Esta pesquisa foi realizada em uma Escola Municipal de Educação Básica, denominada

por nós, Escola Tesouro15

, situada na zona urbana, da rede pública de educação do município

de Cuiabá, Estado de Mato Grosso. Participam da pesquisa três (03) professoras que lecionam

15 O pseudônimo dado à escola participante da investigação visa preservar a identidade da unidade escolar.

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no 1º ciclo do Ensino Fundamental, sendo duas professoras do 2º ano (que atuaram na mesma

turma em períodos consecutivos durante o ano letivo 2013) e uma do 3º ano, do referido

ciclo.

Na sequência, detalhamos o processo de seleção da escola e das professoras e, a

caracterização da escola e a caracterização das professoras.

3.4.1 Os critérios e o processo de seleção da escola e professoras participantes da

pesquisa

Como pretendíamos realizar a pesquisa em escola urbana da rede municipal de ensino

de Cuiabá, iniciamos o processo de definição da escola investigada realizando um

levantamento junto à Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá (SME), referente às

unidades escolares que ofertavam o 1º ciclo do Ensino Fundamental. De acordo com as

informações da SME, das oitenta escolas localizadas na região urbana, sete escolas ofertam

apenas Educação Infantil, seis unidades atendem o 2º e 3º ciclos do Ensino Fundamental. O 1º

ciclo do Ensino Fundamental é ofertado num total de sessenta e sete escolas, das quais,

dezenove, limitam o atendimento à Educação Infantil e ao 1º ciclo.

Considerando as especificidades do nosso problema de investigação, optamos por

restringir a nossa escolha dentre as dezenove escolas que ofertam apenas a Educação Infantil

e o 1º ciclo do Ensino Fundamental. A escolha da escola e das professoras ocorreu de forma

simultânea, através dos seguintes critérios de seleção:

Escola localizada entre as regionais16 leste e sul;

Possuir em seu quadro docente, três professores efetivos (um de cada ano do 1º

ciclo), com mais de cinco anos de experiência na docência e atuação no 1º ciclo e

que aceitassem participar na pesquisa.

A preferência por uma escola situada nas regionais escolhidas se justifica pela

proximidade com a residência da pesquisadora, facilitando a locomoção até o campo de

investigação. Selecionamos professores com mais de cinco anos na docência e atuação no 1º

ciclo, por acreditarmos que esse período de experiência possibilita ao professor, construir

elementos que caracterizam a sua prática docente, nesta etapa de ensino.

16 Divisão geopolítica do perímetro urbano do município de Cuiabá, definida através da Lei nº 3.262/94, a qual

regulamenta o Art. 74 da Lei Orgânica do Município de Cuiabá, em quatro regionais administrativas: Regional

Sul abrangendo 34 bairros; Regional Norte, 10 bairros; Regional Leste, 41 bairros; Regional Oeste, 14 bairros

(CUIABÁ. Prefeitura Municipal de Cuiabá / Organização Geopolítica de Cuiabá. /IPDU - Instituto de

Planejamento e Desenvolvimento Urbano. Cuiabá: 2007).

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Após levantamento junto às escolas, identificamos quatro unidades que atendiam os

critérios estabelecidos. No primeiro semestre de 2013, visitamos as quatro escolas. Em

conversa com as equipes gestoras (diretor e coordenador pedagógico) e professores que

atendiam aos critérios estabelecidos, expusemos em linhas gerais a proposta de pesquisa. As

equipes gestoras destas escolas se mostraram favoráveis à realização da nossa pesquisa.

Porém, em três escolas, percebemos que embora alguns professores não se declarassem

contrários, demonstravam certo desconforto com a realização da pesquisa, especialmente,

quanto à perspectiva de nossa observação às suas aulas.

Entendemos que para o alcance de possibilidades objetivas de investigação no trabalho

de campo, faz-se necessário que o investigador tenha a confiança dos participantes, e que

estes se sintam à vontade com a presença do investigador (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p.

113). Desse modo, naquele momento, selecionamos para realização da pesquisa a escola em

que tanto a equipe gestora (diretor e coordenador) como as professoras participantes da

pesquisa se mostraram receptivas à nossa proposta de investigação.

3.4.2 Caracterização da escola

No Quadro 2, a seguir, expomos a caracterização da Escola Tesouro, lócus da pesquisa.

Tal caracterização foi realizada conforme informações obtidas através do Questionário de

Caracterização da Escola (QCE), respondido pela diretora da unidade escolar, dos registros da

observação do contexto e da análise do documento Projeto Político Pedagógico (PPP).

Quadro 2 – Caracterização da escola, local de realização da pesquisa.

Caracterização da “Escola Tesouro”

Localização Região leste do município de Cuiabá

Ano de fundação 1986

Início do regime de ciclos 2001

Quantidade de professores Efetivos: 9 Contratados: 6

Quantidade de alunos Educação Infantil: 135

1º ciclo do Ensino Fundamental: 249

Quantidade de turmas Educação Infantil: 6

1º ciclo do Ensino Fundamental: 10

Quantidade de salas de aula 8

Fonte: Diário de Campo da Pesquisadora e PPP da escola.

A escola conta com sala de professores, secretaria, uma sala de leitura e um laboratório

de informática com 08 (oito) computadores e acesso a internet. Todas as dependências são

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climatizadas e equipadas. A escola disponibiliza aos professores recursos midiáticos como

data show, aparelhos de televisor e DVD, aparelhos de som etc.; materiais pedagógicos de

linguagem (alfabeto móvel, quebra-cabeça silábico etc.) e de Matemática (dominó dos

numerais, material dourado, escala cuisenaire etc.), e um acervo de cerca de 700 títulos de

literatura infantil.

A equipe gestora é constituída de uma diretora, uma coordenadora pedagógica e uma

secretária escolar. O quadro docente é composto por quinze professores, dos quais, nove são

efetivos e seis prestadores de serviço por contrato temporário. Atende a população de sete

bairros periféricos, na zona urbana de Cuiabá-MT. A partir do seu quadro de funcionamento,

em 2001, a escola aderiu à proposta da SME, apresentada em outro item deste trabalho, de

organização do Ensino Fundamental em Ciclos de Formação Humana, denominando Projeto

Escola Sarã17.

3.4.3 Caracterização das professoras participantes da pesquisa

Conforme mencionamos anteriormente, nossa intenção inicial era investigar três

professores que atuam no 1º ciclo, sendo uma de cada ano que compõe o referido ciclo. No

entanto, durante o trabalho de campo ocorreram dois fatos que nos levaram a reconfigurar a

pesquisa. O primeiro refere-se à exclusão da professora do 1º ano devido à mesma não ser

graduada em Pedagogia. Outro fato é que a professora do 2º ano afastou-se de seus trabalhos

para o gozo de Licença Prêmio, não prevista no momento de seleção da escola e das

professoras participantes da pesquisa. Considerando que já tínhamos dados substanciais da

professora do 2º ano que entrou de licença e, mediante a disposição da professora que a

substituiu em participar da investigação, optamos por incluir na investigação mais uma

professora do 2º ano.

Deste modo, participaram da pesquisa três professoras que atuam no 1º Ciclo do Ensino

Fundamental, sendo duas no 2º ano (que atuaram na mesma turma) e uma do 3º ano,

identificadas pelos nomes fictícios de Leci (2º ano), Lúcia (2º ano) e Eliane (3º ano), para

garantir o sigilo dos seus nomes e o anonimato das informações produzidas.

A seguir, apresentamos as respectivas professoras, conforme informações obtidas

através do Questionário de Caracterização das Professoras (QCP – Anexo V):

17 Denominação da organização do Ensino Fundamental em Ciclos de Formação Humana da Rede Pública

Municipal de Cuiabá.

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Leci (leciona no 2º ano do 1º ciclo – atuou de 04/02/2013 a 06/09/2013) tem 49 anos

de idade, concluiu o curso de Pedagogia em 1999 e a especialização em alfabetização em

2011, ambos em instituições particulares. É professora efetiva da rede pública de educação do

município de Cuiabá- MT e não exerce outra profissão. Possui 27 anos de experiência na

docência, dos quais, doze anos atuando no 1º ciclo, com jornada de 40 horas semanais na

escola investigada. Em relação à formação continuada sobre o ensino organizado em ciclos,

participou de seminários promovidos pela SME em 1999, ocasião das discussões para a

implantação dos Ciclos de Formação Humana (CUIABÁ, 2000) na rede municipal de ensino

de Cuiabá. Quanto à formação continuada em Educação Matemática nos últimos cinco anos,

participou do Pró Letramento Matemática.

Lúcia (leciona no 2º ano do 1º ciclo – atuou de 09/09/2013 a 12/12/2013) tem 42

anos, frequentou escolas públicas até o Ensino Médio. Já a graduação em Pedagogia,

concluída em 2003, foi cursada em uma instituição privada. Possui sete anos de experiência

na docência, sendo três anos no 1º ciclo do Ensino Fundamental na escola investigada, através

de prestação de serviços por contrato temporário junto a SME de Cuiabá- MT. À época,

possuía contrato de 40 horas semanais, trabalhados em duas escolas e não exercia outra

profissão. Questionada sobre a participação em formação continuada acerca do ensino

organizado em ciclos e Educação Matemática, afirmou não ter participando de nenhuma

formação continuada sobre as temáticas mencionadas.

Eliane (leciona no 3º ano do 1º ciclo) tinha à época, 48 anos de idade, teve a sua

formação acadêmica integralmente na rede pública de ensino, concluindo a graduação em

pedagogia em 2003. Exerce a função docente há 30 anos, sendo, os primeiros dez anos na

Educação Infantil e os últimos 20 anos nos anos iniciais/1º ciclo do Ensino Fundamental, dos

quais, três anos, na escola investigada. Efetiva na rede pública de educação do município de

Cuiabá-MT, não exerce outra profissão. Sobre a sua formação continuada referente ao ensino

organizado em ciclos, declarou ter participado de seminários promovidos pela SME no ano de

1999, ocasião das discussões para a implantação dos ciclos de formação humana (CUIABÁ,

2000) na rede municipal de ensino de Cuiabá. Quanto à formação continuada, específica, em

Educação Matemática, afirma que nos últimos cinco participou apenas do Pró Letramento

Matemática.

Apresentamos a seguir os dados de caracterização das professoras participantes da

pesquisa, resumidos no Quadro 3:

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Quadro 3 – Síntese da caracterização das professoras participantes da pesquisa

Professora

Leci

Professora

Lúcia Professora Eliane

Idade 49 anos 42 anos 48 anos

Ano que leciona 2º ano 2º ano 3º ano

Formação inicial Pedagogia Pedagogia Pedagogia

Especialização Em Alfabetização Não Não

Formação continuada

Educação Matemática

Pró Letramento Não Pró Letramento

Atuação como docente 27 anos 7 anos 30 anos

Atuação no 1º ciclo 12 anos 3 anos 20 anos

Situação trabalhista Efetiva Prestação de serviço

contrato temporário

Efetiva

Jornada de trabalho

semanal

40h/aula 40h/aula 40h/aula

Turno que trabalha Matutino

Vespertino

Matutino

Vespertino

Matutino

Vespertino

Trabalha em outra

instituição escolar

Não Sim Não

Exerce outra profissão Não Não Não

Fonte: Questionário de Caracterização das Professoras (QCP).

Exporemos, a seguir, as fontes e os procedimentos de produção dos dados da pesquisa.

3.5 AS FONTES E OS PROCEDIMENTOS DE PRODUÇÃO DOS DADOS

Concluídos os processos de seleção e formalização da autorização da pesquisa,

iniciamos os trabalhos de campo. Em pesquisa com abordagem qualitativa do tipo estudo de

caso, que ora empreendemos, o trabalho do investigador no processo de produção dos dados

da pesquisa no ambiente natural onde o fenômeno estudado se manifesta, neste caso o espaço

escolar, constitui-se no momento mais importante da pesquisa (BOGDAN e BIKLEN, 1994;

LUDKE e ANDRÉ, 1986; GONZÁLES REY, 2012; STAKE, 2010 e outros).

Fiorentini e Lorenzato (2012, p. 101) ao destacar a importância do trabalho de campo

para a produção das informações, nos advertem, que estas “não nos fornecem gratuitamente as

explicações que buscamos”. O pesquisador, orientado pelas questões que se pretende

investigar, é quem produz os dados “mediante um processo interativo de diálogo e

questionamento da realidade”. Para os autores, “há várias formas de interrogar a realidade e

coletar informações [...]. O pesquisador, visando obter maior fidedignidade, pode lançar mão

de mais de uma técnica, procurando, assim, triangular informações” (FIORENTINI e

LORENZATO, 2012, p. 102).

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Corroborando com a ideia da necessidade de diversidades de fontes de informação,

Triviños (1987, p. 137) afirma que a pesquisa com abordagem qualitativa, “não admite visões

isoladas, parceladas, estanques. Ela se desenvolve em interação dinâmica retroalimentando-se,

reformulando-se constantemente”. Nesse sentido, o investigador, num constante diálogo entre

teoria e realidade, deve lançar mão de diferentes instrumentos e procedimentos a fim de

produzir dados que lhe possibilite a interpretação dos sentidos e significados que os

participantes da pesquisa atribuem ao objeto investigado (GONZÁLES REY, 2012).

Nesta perspectiva, em nossa investigação, buscando as informações necessárias para

uma triangulação pela recorrência e singularidade dos dados, a observação com registro em

diário de campo, a entrevista semiestruturada, a análise documental e o questionário, foram

modos de produzir as informações sobre o nosso objeto de estudo, conforme descrevemos na

sequência.

Questionários

Em nossa investigação utilizamos dois questionários com a finalidade de levantar

informações que nos possibilitasse elaborar a caracterização da escola em que a pesquisa foi

realizada, e a caracterização das professoras participantes da investigação. Sua aplicação

ocorreu na ocasião em que se oficializou a realização da pesquisa na escola investigada,

marcando o início da nossa aproximação com o contexto e as professoras envolvidas na

pesquisa. O quadro 4, abaixo, relaciona os questionários utilizados e as informações que se

pretendeu alcançar com a aplicação de cada um deles.

Quadro 4 - Questionários e suas finalidades

Questionários Estrutura e finalidades

Questionário de Caracterização

da Escola (QCE)

Composto de questões mistas, teve como objetivo obter informações sobre

a estrutura e o funcionamento da escola, bem como dados referentes ao

acervo de materiais pedagógicos, de multimídia e livros de literatura da

escola lócus da pesquisa.

Questionário Caracterização

das Professoras (QCP)

Constituído de questões mistas, teve como objetivo obter informações das

professoras participantes sobre a formação acadêmica, as experiências

profissionais, bem como, sobre a formação continuada em Educação

Matemática e o ensino organizado em ciclos de formação humana.

Fonte: A autora

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Diário de campo

Para registrar as observações realizadas pela pesquisadora durante o trabalho de campo,

utilizamos o registro escrito em “diário de campo”. A escolha deste instrumento se deu em

corroboração à opinião de Fiorentini e Lorenzato (2012) de que o “diário de campo” constitui

um dos mais ricos instrumentos de produção de dados durante as observações em campo, uma

vez que estes podem conter, simultaneamente, aspectos descritivos e interpretativos do

fenômeno investigado.

Ludke e André (1986, p. 26) ressaltam a importância da observação, como

procedimento de produção de dados nas investigações de cunho qualitativo, porque esta

possibilita o “contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado”, o que

permite uma verificação mais acurada do objeto estudado. Corroborando com a ideia das

autoras, Stake (2010, p. 60, tradução nossa), afirma que as observações “conduzem o

investigador para uma melhor compreensão do caso18

”. Isto porque, segundo o autor, o plano

de observação se forma mediante os objetivos, o que conduz o olhar do pesquisador para as

sutilezas dos aspectos relevantes do caso em seu contexto. “Durante a observação, o

pesquisador qualitativo em estudos de caso registra bem os eventos para oferecer uma

descrição relativamente inquestionável para posterior análise e relatório final19

” (STAKE,

2010, p. 61, tradução nossa, grifo do original).

Nessa investigação, a observação participante foi realizada durante o segundo semestre

de 2013. O termo “participante” é aqui empregado na acepção de Fiorentini e Lorenzato

(2012, p. 107), em que significa, “principalmente, participação com registro das observações,

procurando produzir pouca ou nenhuma interferência no ambiente de estudo”.

Stake (2010) ressalta a atenção especial que deve ser dada ao contexto nas observações

em campo. Nesse sentido, durante o trabalho em campo, além da observação das aulas das

professoras participantes, foram observadas e registradas, conversas informais, aspectos de

momentos coletivos e de eventos do cotidiano, concernentes ao trabalho pedagógico escolar,

relacionados direta ou indiretamente ao nosso problema de investigação, tais como: os

encontros do projeto Roda de Conversa20

(RC), a organização e funcionamento da Hora

18 Las observaciones conducen al investigador hacia uma mejor comprensión del caso. 19 Durante la observación, el investigador cualitativo en estudio de casos registra bien los acontecimientos para

ofrecer una descripción relativamente incuestionable para posteriores análisis y el informe final. 20

Projeto institucional de formação continuada da equipe gestora e professores da rede municipal de Cuiabá,

com os dias dos encontros previstos em calendário escolar, cujo objetivo, entre outros, é “apoiar a formação de

conhecimentos específicos dos diferentes profissionais da educação, de acordo com as necessidades formativas

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Atividade21

(HA) das professoras investigadas e do planejamento anual de Matemática para o

1º ciclo durante a Semana Pedagógica22

(SP) de 2014.

As informações produzidas nos eventos coletivos nos auxiliaram na contextualização

dos conhecimentos e das práticas manifestadas pelas professoras participantes em sala de

aulas e nas entrevistas.

As conversas informais ocorreram ao longo de todo o trabalho de campo e serviram

para aproximar mais a pesquisadora do contexto e das professoras investigadas, propiciando o

conhecimento mútuo e o levantamento de informações que serviram para complementar os

dados obtidos com outros instrumentos.

As observações em sala de aula restringiram-se às aulas de Matemática das professoras

investigadas. Nestas observações, constituíram-se objeto de nossa atenção os conhecimentos

profissionais e as práticas das professoras referentes aos conceitos do SND, manifestos

através das falas, comportamentos e atitudes, a saber: a forma de abordagem do conteúdo, as

explicações e exemplos.

E, também, a utilização, ou não, de material pedagógico e manipulativo, a articulação

entre o conteúdo e as experiências culturais dos alunos; a valorização, ou não, das estratégias

individuais dos alunos na resolução das atividades propostas; a gestão da sala de aula e a

relação professor-aluno, entre outros. Tais aspectos nos parecem, à luz de nosso referencial

teórico, essenciais para desvelar os conhecimentos profissionais e situar as práticas escolares

das professoras particioantes da pesquisa, referentes ao ensino do SND.

Ao registrar as observações da prática pedagógica das professoras, procuramos realizar

o maior número de anotações no momento das observações das aulas, onde buscamos, dentro

do possível, reproduzir os diálogos, descrever atividades, procedimentos didáticos e a

dinâmica das aulas, bem como, as nossas reflexões teóricas frente aos aspectos observados e,

o nosso próprio comportamento enquanto observadora.

Essas anotações, posteriormente, foram digitadas e sistematizadas em relatos de

observação das aulas (OA), subdivididos em três partes: o cabeçalho de identificação, uma

parte descritiva, e outra interpretativa. No cabeçalho eram registrados data, nome da

identificadas, articulando teoria e prática e tendo como eixo a análise do contexto e a reflexão da prática

pedagógica” (CUIABÁ, 2007, p.57). 21 De acordo com a Lei Complementar Nº 220 de 20/12/2010, Art. 33, Parágrafo único – “Entende-se por hora-

atividade aquela destinada ao planejamento e avaliação do trabalho pedagógico, às reuniões pedagógicas, aos

cursos de aperfeiçoamento profissional, à articulação com a comunidade escolar e à colaboração com a gestão da

escola, de acordo com a proposta da unidade de ensino e as políticas educacionais da SME”. 22

Na rede municipal de ensino de Cuiabá, é denominado “Semana Pedagógica”, o período que antecede o início

do ano letivo, previsto em calendário escolar, destinado ao planejamento coletivo dos aspectos pedagógico e

administrativo do ano letivo escolar e, constitui-se a primeira etapa do projeto Roda de Conversa.

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professora, número de alunos presentes e ausentes, duração das observações, conteúdo

trabalhado, o tipo de atividade e os procedimentos didáticos. A segunda parte compreendia a

descrição do desenvolvimento da aula, contemplando as situações de interação envolvendo a

tríade professora-aluno-conhecimento. Na terceira parte, registramos as nossas percepções e

opiniões, enfim, nossas reflexões a partir das situações observadas e nosso referencial teórico

– indicativos para futuras análises dos dados. Quanto às observações do contexto, buscando

maior acuidade das informações produzidas, os registros, quando não era pertinente a sua

realização em tempo real, foram realizados no mesmo dia das observações.

Conforme organização da escola investigada era previsto o trabalho com a Matemática

no 1º ciclo do Ensino Fundamental, duas vezes por semana em dias pré-determinados, sendo

duas horas aulas num dia e quatro horas no outro dia. Nesse sentido, as definições dos dias e

horários para a nossa observação das aulas das professoras, obedeceram a este planejamento

preexistente.

As observações das aulas de Matemática da professora Leci e da professora Lúcia que a

substituiu na turma do 2º ano eram realizadas nas terças-feiras, das 7h às 11h, e nas sextas-

feiras, das 9h30min às 11h. Foram observadas, no período de 06/08 a 06/9/13, em 07 (sete)

dias, 22 (vinte e duas) horas aulas da professora Leci. As observações das aulas da professora

Lúcia, ocorreram no período de 16/09 a 02/12/13, compreendendo 12 (doze) dias, nos quais

computamos 29 (vinte e nove) horas aulas.

Já o acompanhamento das aulas de Matemática da professora Eliane no 3º ano do 1º

ciclo, foi realizado nas quintas-feiras, das 13h às 16h, e nas sextas-feiras, das 13h às

15h15min, no período de 08/08 a 05/12/13, 14 (quatorze) dias, resultando na observação de

40 (quarenta) horas aulas.

O total de horas-aula mencionado refere-se apenas à carga horária de efetivo trabalho,

de cada professora, com a Matemática. Não foram computados os dias/horas aulas, em que

estivemos na escola e/ou permanecemos nas salas de aulas, mas as professoras, por motivos

diversos, não deram aulas, ou desenvolveram outras atividades nos dias/horários previstos

para o ensino de Matemática.

Entrevista semiestruturada

Para a produção de dados de nossa pesquisa, dentre os instrumentos utilizados, a

entrevista semiestruturada associada à observação, se constituiu estratégia fundamental da

investigação. Concebemos como entrevistas semiestruturadas, aquelas que o pesquisador

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tendo como foco os objetivos da investigação, “organiza um roteiro de pontos a serem

contemplados durante a entrevista, podendo, de acordo com o desenvolvimento da entrevista,

alterar a ordem dos mesmos e, inclusive, formular questões não previstas inicialmente”

(FIORENTINI e LORENZATO, 2012, p.121).

Nesse sentido, Bogdan e Bikle (1994) ressaltam que as entrevistas semiestruturadas,

configuram-se em um instrumento de produção de dados descritivos na linguagem do próprio

entrevistado, permitindo, ao investigador, desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a

maneira como os participantes da pesquisa interpretam aspectos do mundo. Ou seja, essa

modalidade de entrevista valoriza a presença do pesquisador e oferece aos colabores da

pesquisa a possibilidade de se expressarem de maneira espontânea seus pensamentos e

experiências a respeito do objeto em questão.

Com esse entendimento, fizemos uso da entrevista semiestruturada objetivando elucidar

informações obtidas através de outros instrumentos e procedimentos. Assim, buscamos

aprofundar percepções acerca das trajetórias/experiências das professoras com a Matemática e

dos seus conhecimentos profissionais referentes ao SND. As entrevistas aconteceram após um

mês de observação em campo. Tal fato oportunizou o conhecimento mútuo e o ganho da

confiança das professoras pela pesquisadora, o que contribuiu para o clima amistoso em que

ocorreram as entrevistas. Estas se constituíram em forma de diálogo, no qual, mediante

informações apresentadas nas respostas, buscamos ampliar o campo investigativo acerca da

temática em pauta, o que colaborou para que as informações produzidas fossem mais

representativas.

Realizamos uma entrevista com cada professora, em ocasiões individuais, durante o

momento de “hora-atividade”, de acordo com as conveniências de cada professora e da equipe

gestora da escola. Estas aconteceram no espaço da sala de leitura, com duração de no máximo

uma hora e vinte minutos, variando de acordo com a entrevistada. Esse material foi gravado e,

posteriormente, transcrito

As entrevistas (E) foram conduzidas a partir de um roteiro (Apêndice VI), constituído

de perguntas subjetivas, divididas em dois blocos. O primeiro bloco teve como objetivo

compreender a relação das professoras com a Matemática durante vivências acadêmicas, tanto

na escola básica quanto na graduação, e a influência destas na sua prática docente. O segundo

bloco versou sobre o ensino e aprendizagem do Sistema de Numeração Decimal e objetivou

investigar os conhecimentos específicos, pedagógicos e curriculares das professoras

referentes ao SND.

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Documentos escolares

Conforme destaca Stake (2010), quase todos os estudos requerem, de uma forma ou de

outra, a análise de documentos. Em nossa pesquisa o procedimento de “análise documental”

se mostrou necessário, uma vez que os “documentos são muitos úteis nos estudos de caso

porque complementam informações obtidas por outras fontes e fornecem base para a

triangulação dos dados” (ANDRÉ, 1995, p. 53).

Que documentos recolher e analisar? Stake (2010) nos indica o caminho ao esclarecer

que a decisão do pesquisador sobre quais documentos devem ser recolhidos e analisados, deve

levar em conta a utilidade potencial de cada documento, tendo em vista os objetivos da

investigação.

Como anunciado, anteriormente, investigar e analisar as práticas das professoras

participantes, referentes ao ensino do SND, faz parte de nossos objetivos. Entendemos que

apenas a observação das aulas não fornece todos os elementos para situarmos as práticas

docentes destas professoras, pois estas não se limitam à dimensão das interações no espaço da

sala de aula. Uma das atividades que compõe a prática docente é o planejamento da ação

educativa, em seus diferentes níveis: o planejamento da escola, representado no plano integral

da instituição, ou seja, no Projeto Político Pedagógico (PPP), o planejamento de ensino –

aprendizagem que se configura nos planos de curso e planos de aulas (VASCONCELLOS,

2012).

Com o propósito de complementar e contextualizar as informações produzidas nas

observações e entrevistas, fornecendo elementos para o cruzamento de dados, e

consequentemente aumentar as possibilidades de interpretação das práticas e dos

conhecimentos específicos, pedagógicos e curriculares das professoras investigadas referentes

ao SND, no processo de produção dos dados da pesquisa, recolhemos e analisamos os

documentos escolares (caracterizados com base em VASCONCELLOS, 2012), abaixo

relacionados:

1. Projeto Político Pedagógico da escola – sua elaboração envolve, ou deveria envolver

todos os segmentos da escola. Constitui no plano maior da escola abrangendo tanto a

dimensão pedagógica, quanto a comunitária e administrativa. Elemento de organização e

integração da atividade prática da escola define o tipo de ação educativa que quer realizar

enquanto instituição. O Projeto Político Pedagógico da escola contexto de nossa pesquisa foi

reelaborado em 2009. O documento contém a identificação da escola, a missão, os valores, a

visão de futuro, marco situacional e referencial (histórico do funcionamento da escola e

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diagnóstico dos anseios e proposições da comunidade escolar e indicativos das bases legais e

teóricas para o projeto educativo da escola), a organização administrativa e pedagógica (opção

pela “Metodologia de Projetos de Trabalho”), os projetos desenvolvidos na escola (Sala de

Apoio, Projeto de Leitura, Projeto de informática, de Formação Continuada), a proposta

pedagógica para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental. Este documento foi cedido

para nossa pesquisa em agosto de 2013.

2. Planos de curso anual e bimestrais – articulado, ou deveria ser, ao PPP da unidade, é

elaborado, enquanto explicação da proposta geral de trabalho do professor para uma

disciplina/ano/ciclo possibilita a comunicação entre os professores, facilitando a integração

curricular e, evitando repetições e vazios curriculares. Em nossa pesquisa, os dois “Planos

Anual de Ensino” recolhidos – um para o 2º ano e outro para o 3º ano do 1º ciclo – foram

elaborados pelas professoras participantes da investigação durante a Semana Pedagógica 2013

(primeira semana, após o recesso, em que a escola se reúne para discutir o ano letivo que se

iniciará). Tais planos contem justificativa, o objetivo geral e os objetivos específicos e

conteúdos a serem desenvolvidos durante o ano letivo em cada área. Os planejamentos

bimestrais compreendem um recorte do plano anual para cada bimestre.

3. Caderno de plano do professor – é a proposta de trabalho de cada professora para

uma aula ou conjunto de aulas, com maior detalhamento e objetividade dos aspectos

didáticos-pedagógicos. Representa a orientação do que fazer em cada aula. Os cadernos foram

cedidos pelas professoras após o término do ano letivo na escola e devolvidos na data

combinada.

4. Cadernos de alunos – além dos planos produzidos pelas professoras, ao fim do ano

letivo, decidimos solicitar-lhes que nos disponibilizassem dois cadernos de seus respectivos

alunos, nos quais deveriam conter todo o conteúdo matemático trabalhado no decorrer do ano

letivo. Com isso, poderíamos ter uma noção do trabalho didático com o SND no universo dos

conteúdos matemáticos trabalhados em momentos não observados. Cada participante

selecionou e nos entregou dois cadernos para análise, porém, nem todos os cadernos traziam

as atividades do ano todo, apenas do segundo semestre. Assim limitamos nossa análise nos

cadernos dos alunos, aos aspectos relativos ao tipo de atividade e de correção, fazendo uma

interlocução com os planos de aulas das respectivas professoras.

Expomos, no próximo item, diretrizes sobre a organização para orientar a leitura dos

dados.

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3.6 ORGANIZAÇÃO PARA A LEITURA DOS DADOS DA PESQUISA

Neste item, exibimos um inventário dos dados da pesquisa, conforme descrição no

Quadro 5. Na sequência, para facilitar a leitura e entendimentos das informações resultantes

da investigação, apresentamos os arranjos que adotamos para identificar os dados oriundos de

cada instrumento e procedimentos, nas análises feitas no corpo deste trabalho.

Quadro 5 - Inventário dos dados da pesquisa.

Fonte/Instrumentos e procedimentos Identificação/Sigla Quantidade

Questionário Caracterização da Escola QCE 1

Questionário de Caracterização das

Professoras

QCP 3

Diário de Campo DC 1

Entrevista E 3

Projeto Político Pedagógico da escola PPP 1

Planos de curso anual e bimestrais PA/PB 2º ano – 5 planos

3º ano – 3 planos

Caderno de planejamento do professor CP Leci e Lúcia

1 caderno (compartilhado)

Eliane - 1 caderno

Cadernos de alunos CA 04 cadernos (2 de alunos do 2º

ano e 2 do 3º ano)

Fonte: A autora

As informações produzidas por meio de questionários, ao serem citadas, são

identificadas pela sigla, precedida pelo nome da professora respondente. Exemplo: (Leci,

QCS), que corresponde à informação dada pela professora Leci no questionário de

caracterização.

De igual modo procedemos para as entrevistas, que serão identificadas pela letra “E”

(da palavra entrevista), antecedida pelo pseudônimo da professora entrevistada. Exemplo:

(Lúcia, E), indicando fala da professora Lúcia, durante a entrevista.

As anotações que foram feitas no Diário de Campo são apresentadas de duas maneiras:

através de Episódios, os quais compreendem relatos de parte das aulas de Matemática

realizadas pela professora que melhor ilustram a sua prática pedagógica. Segundo Lanner de

Moura (1995), os Episódios de Ensino são ações relativas ao ensino que ajudam responder

nosso problema de investigação. E, através de trechos dos diferentes registros durante o

trabalho de campo.

As anotações que correspondem às falas das professoras são identificadas com seus

respectivos nomes, a sigla DC (das iniciais de Diário de Campo) e a data da ocorrência. Desse

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modo, (Eliane, DC, 06/08/13), significa algo pronunciado pela professora Eliane em 06/08/13

durante algum momento da observação de sua aula ou em alguma conversa informal conosco.

As falas de outros membros da escola serão identificadas pela função, a sigla DC e a

data de ocorrência. Assim, (Diretora escolar, DC, 10/11/13), significa uma fala da diretora da

escola. De igual modo procedemos com os relatos realizados pela pesquisadora durante o

trabalho de campo. Estes são diferenciados pela sigla do evento, identificação dos

participantes e data de ocorrência. Exemplos: (DC/RC, Equipe escolar, 29/07/2013), que

representa o nosso relato em Diário de Campo, referentes às observações do encontro coletivo

do projeto Roda de Conversa, realizado no dia 29/07/2013.

Em relação aos documentos, identificamos a sigla do documento, a professora em

questão e o ano que leciona. Assim, (CP, Leci- 2A) corresponde ao caderno de planos da

professora Leci do 2º ano; (CA, 3A, Eliane) indica caderno de aluno do 3º ano da professora

Eliane. Quando mencionamos os livros didáticos utilizados pelos alunos adotamos a sigla

LD2-A para indicar o livro usado pelos alunos do 2º ano e LD3-A para indicar o livro

utilizado pelos alunos do 3º ano.

Optamos por expor o movimento de construção das categorias de análise no próximo

capítulo, no qual apresentamos e discutimos os dados da pesquisa.

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100

CAPÍTULO IV - CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS E PRÁTICAS

PEDAGÓGICAS DE PROFESSORES AO ENSINAR O SISTEMA DE NUMERAÇÃO

DECIMAL: ALGUNS INDÍCIOS

Neste capítulo, intentamos responder nosso questionamento acerca dos conhecimentos

profissionais e das práticas pedagógicas das professoras participantes deste estudo, referente

ao SND. Assim, apresentamos e discutimos as informações produzidas a partir de entrevistas,

observação do contexto e das aulas de Matemática das professoras e da análise de documentos

escolares, durante o trabalho de campo da pesquisa.

Desse modo, fundamentadas nos pressupostos teóricos que orientam o presente estudo,

entendemos que para compreender os conhecimentos profissionais e as práticas escolares das

professoras colaboradoras da pesquisa referentes ao SND, precisamos analisá-las tendo em

perspectiva a sua historicidade e movimento e constituição (VYGOTSKY, 1988). Isto

significou considerar o processo histórico de formação destas professoras, as suas práticas no

contexto das condições objetivas e subjetivas de organização do trabalho pedagógico e de

formação contínua, dentro do espaço escolar onde atuam.

4.1 CAMINHOS PARA A ANÁLISE DOS DADOS: AS CATEGORIAS DE ANÁLISE

Como podemos notar a questão central de nossa investigação – Que conhecimentos

profissionais sobre o Sistema de Numeração Decimal são manifestados por professores do 2º

e 3º anos do Ensino Fundamental e como desenvolvem práticas escolares relacionadas a este

conteúdo numa escola da rede municipal de Cuiabá? – envolve aspectos bastante complexos

no âmbito do ensino de Matemática nos anos iniciais. Tal complexidade nos encaminhou,

como já explicitado anteriormente, para o desenvolvimento de uma pesquisa do tipo estudo de

caso, requerendo a adoção de uma diversidade de instrumentos e procedimentos na produção

de dados na tentativa de buscarmos, dentro do possível, um estudo em profundidade do objeto

investigado.

Esse cenário da pesquisa nos impôs um grande desafio: como considerar os aspectos

multifacetados dos conhecimentos profissionais e das práticas pedagógicas de professores dos

anos iniciais referentes a um conceito fundamental para a construção dos conhecimentos

matemáticos, o SND, de maneira significativa? Ou, como diz Caraça (1998), ao tratar sobre

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101

essa dificuldade de se estudar qualquer fato natural: “se tudo depende de tudo, como fixar a

nossa atenção num objeto particular do estudo? Temos que estudar tudo ao mesmo tempo?” O

próprio Caraça nos aponta como alternativa para superar essa dificuldade um recorte dessa

totalidade, que ele denominou de isolado: “um conjunto de seres e fatos abstraídos de todos os

outros que com eles estão relacionados”, ou seja, “uma seção da realidade, nela recortada

arbitrariamente” (CARAÇA, 1998, p. 105).

Na busca por um caminho para a análise dos dados da pesquisa, a ideia de “isolado” nos

ajudou diante da impossibilidade de compreender todas as dimensões dos conhecimentos

profissionais e das práticas pedagógicas das professoras relativas ao SND. Foi necessário

fazer um recorte desta realidade, para que compreenda nela “todos os fatores dominantes, ou

seja, todos aqueles cuja ação de interdependência influi sensivelmente no fenômeno a

estudar” (CARAÇA, 1998, p. 105).

A leitura dos dados foi nos revelando que os conhecimentos profissionais se apresentam

entrecruzados e em movimento, tanto no processo histórico dos percursos formativo e

profissional e nas práticas individuais efetivadas em sala de aula, quanto no contexto maior

onde as práticas das professoras se efetivam.

Por outras palavras, fomos percebendo a impossibilidade de análise dos conhecimentos

profissionais de forma estanque, baseado apenas nas declarações ou manifestações nas

práticas de sala de aula, no momento presente, sem considerar o movimento de construção e

transformação destes no entrelaçamento dos percursos individual e coletivo vivenciados pelas

professoras. Ou seja, percebemos que o movimento de construção e transformação dos

conhecimentos profissionais das professoras está inter-relacionado aos percursos formativos e

profissionais; à organização coletiva do processo educativo no contexto escolar e às práticas

pedagógicas efetivadas em sala de aula.

Esse processo de diálogo entre os dados empíricos e nosso referencial teórico nos levou

a eleger, a posteriori, as seguintes categorias de análise: 1) o movimento de construção dos

conhecimentos profissionais e das práticas pedagógicas referentes ao conhecimento

matemático SND: os percursos pessoais das professoras; 2) a organização do trabalho

pedagógico na escola: o contexto de atuação das professoras e 3) prática pedagógica referente

ao SND: a ação das professoras na sala de aula.

Nesse sentido, o “conhecimento do conteúdo específico”, o “conhecimento pedagógico

do conteúdo” e o “conhecimento curricular” das professoras participantes relativo ao SND,

serão discutidos de forma transversal nas três categorias.

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102

A apresentação de cada categoria será feita no início do item em que faremos a

apresentação, interpretação e análise dos dados correlatos ao recorte privilegiado na categoria

em questão. Nesse momento, então, apenas anunciamos as características gerais de cada

categoria e a dinâmica utilizada na apresentação e análise dos dados nas três categorias.

O movimento de construção dos conhecimentos profissionais e das práticas

pedagógicas referentes ao conhecimento matemático SND: os percursos pessoais das

professoras - nesta categoria, tendo como ponto de partida as experiências escolares,

acadêmicas e profissionais das professoras referente à Matemática, buscamos compreender as

relações e concepções que cada professora foi estabelecendo com essa ciência e a forma como

foram constituindo os conhecimentos profissionais e as práticas pedagógicas, especialmente

relativas ao SND, ao longo de suas trajetórias como estudantes e como professoras.

A organização do trabalho pedagógico na escola: o contexto de atuação das

professoras - nesta categoria objetivamos discutir como a organização e distribuição dos

tempos e espaços do trabalho educativo na escola e as condições de organização do trabalho

pedagógico (espaços coletivos e individuais de formação continuada, de planejamentos,

disponibilidade de materiais e recursos didático-pedagógicos) podem influenciar na

constituição dos conhecimentos profissionais e nas práticas pedagógicas das professoras em

sala de aulas.

Prática pedagógica referente ao SND: a ação das professoras na sala de aula - esta

categoria busca apresentar e discutir a ação pedagógica desenvolvida em sala de aulas pelas

professoras participantes ao trabalhar o SND, evidenciando os tipos de atividades que são

propostas, as formas de correção, os recursos utilizados, as interações e mediações na relação

professor-aluno-aluno-conhecimento, bem como, os conhecimentos específicos, pedagógicos

e curriculares manifestados.

Essas três categorias visam possibilitar a compreensão do movimento, individual e

coletivo, da constituição dos conhecimentos profissionais e das práticas das professoras

referentes à Matemática. Ainda, como a organização do trabalho pedagógico na escola pode

influenciar no processo de construção destes conhecimentos e consequentemente, nas práticas

pedagógicas das professoras. E, buscando responder ao nosso problema de investigação,

apresentar e analisar os conhecimentos profissionais e as práticas pedagógicas das professoras

participantes, sobre o SND.

Nesta perspectiva, adotamos duas formas de abordagem na apresentação e análise dos

dados. Na primeira e na terceira categoria realizamos, num primeiro momento, a apresentação

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103

e a análise individual dos dados de cada professora. Posteriormente, apresentamos ao final de

cada uma das referidas categorias uma síntese das análises.

Já na segunda categoria, para melhor mostrar as interfaces entre os conhecimentos e

práticas das nossas colaboradoras e o contexto da escola onde atuam, procedemos à

apresentação e análise dos dados de maneira simultânea, ou seja, analisamos os dados

relacionados à organização do trabalho pedagógico e de formação continua na escola e das

três professoras concomitantemente.

4.1.1 O movimento de construção dos conhecimentos profissionais e das práticas

pedagógicas referentes ao conhecimento matemático SND: os percursos pessoais

das professoras

Nesta seção, apresentamos os percursos escolares e profissionais de Leci, Lúcia e

Eliane, relativos aos conhecimentos matemáticos. Nosso objetivo é apresentar e discutir,

individualmente, as experiências escolares e profissionais das professoras com a Matemática e

a relação destas com os conhecimentos profissionais manifestados e as práticas pedagógicas

referentes ao SND. As informações expostas nesta seção, em grande parte, são recortes das

entrevistas (E), nas quais dialogamos sobre suas experiências e os conhecimentos

matemáticos, primeiro na condição de aluna e depois na condição de professora que ensina

Matemática.

O Percurso de Leci

No período em que realizamos a pesquisa Leci tinha 49 anos de idade. A professora é

natural de uma pequena cidade do interior do Estado de São Paulo. Neste mesmo Estado

concluiu o Ensino Fundamental, o curso de Magistério e a graduação em Pedagogia, sendo o

último curso realizado em instituição privada. Exerce a profissão docente há 27anos, dos

quais 13 anos na atual escola e destes, 12 anos atuando em turmas do 1º ciclo/anos iniciais do

Ensino Fundamental.

A relação de Leci com a Matemática no período de estudante foi amistosa. Ela nos

conta que não teve dificuldades com essa área de conhecimento em nenhuma etapa de sua

escolarização. Afirma que desenvolveu o gosto por esta ciência influenciada pela sua

professora da 4ª série, em suas palavras:

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Ela gostava tanto de Matemática que ela transmitiu isso para mim. Ela tinha tanta

facilidade que ela passou isso pra mim, eu simplesmente adoro Matemática23 [...].

Na quarta série tive essa professora que marcou, mas eu nunca tive dificuldades

com a Matemática. Eu acho que tive uma base boa no Ensino Fundamental [...].

Eu tenho facilidade com a Matemática, com o raciocínio lógico. Então eu acho que

é por isso que eu gosto da Matemática. Eu não sinto dificuldade com ela (Leci, E).

Estas declarações de Leci explicitam, felizmente, que a mesma vivenciou experiências

prazerosas com a Matemática, nos anos iniciais no Ensino Fundamental; que as referências

constituídas em relação à Matemática, nesta etapa de escolarização, foram positivas. No

entanto, seus relatos nos indicam, também, que o ensino de Matemática priorizou o seu

aspecto numérico com ênfase na lógica formal, e que a aprendizagem desta compreendia a

aquisição de técnicas operatórias. Suas referências a essa disciplina, neste período, enfatizam

o processo de ensino e aprendizagem das quatro operações e da tabuada. É o que

encontramos em algumas declarações da professora, quando comenta sobre o ensino e a

aprendizagem da Matemática no período escolar:

Eu lembro que tinham uns jogos, mas eu não lembro que jogos eram. É muito vago,

mas eu lembro que usava muitos jogos, principalmente com tabuada e as quatro

operações. [...]. Os livros de agora são muito diferentes dos livros de antigamente.

A gente não estudava probabilidade, estatística... As crianças de hoje veem mapas,

localização em Matemática, a gente não via essas coisas! (Leci, E).

Prosseguindo a narrativa sobre a trajetória de formação, Leci nos conta que cursou o

Magistério e a graduação em Pedagogia. A opção pelos referidos cursos, segundo a

professora, resultou da fusão de um desejo pessoal pela carreira docente e em decorrência das

particularidades do contexto. À época em que professora concluiu o Ensino Fundamental, na

maioria das cidades do interior do nosso país, o curso técnico de Magistério era, na maioria

destas, a única opção para prosseguir os estudos, em nível de Ensino Médio. Do mesmo

modo, a escolha pelo curso de Pedagogia foi circunstancial, já que existia um desejo pessoal

vinculado a um campo específico de conhecimento, a Matemática:

Meu sonho era fazer a faculdade de Matemática. Só que na época que eu fiz a

faculdade, não tinha o curso na cidade. Então eu fiquei na Pedagogia. Não tenho

nenhuma frustração por causa disso, mas o meu xodó de todas as matérias é a

Matemática (Leci, E).

23

Os destaques em negrito nesta e nas demais declarações das professoras participantes, correspondem a

aspectos, fragmentos de falas, que queremos chamar atenção dentro do recorte considerado na citação, por

sintetizarem as ideias comunicadas. São aspectos que queremos destacar nas afirmações.

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105

Leci afirma não existir frustração por ter cursado Pedagogia enquanto formação acadêmica,

porém transparece sutilmente nas suas declarações que esta formação não atendeu suas

expectativas, quanto ao aprofundamento dos conhecimentos específicos da Matemática:

Eu tive (referindo-se à disciplina de Matemática), mas assim, para trabalhar com

crianças, na época da Pedagogia e no Magistério também [...]. Era didática, como

trabalhar com as crianças, por exemplo, o sistema de numeração decimal. A gente montava jogos que eram aplicados nas aulas do estágio (Leci, E).

Parece que nos cursos de Magistério e de Pedagogia, não houve nas disciplinas que

tratavam de Matemática, a abordagem ou estudo dos fundamentos da Matemática de forma

integrada às questões pedagógicas. A ênfase recaía sobre o aspecto da instrumentalização para

o ensino, isto é, a construção de jogos para trabalhar os conteúdos matemáticos. A professora

cita o SND como um dos conteúdos para qual montava jogos a serem utilizados no estágio.

Neste contexto, podemos inferir que na formação acadêmica de Leci, as disciplinas

voltadas para Matemática não priorizaram o aprofundamento de fatos e conceitos

concernentes a esta área de conhecimento. Parece-nos que a professora não considera a sua

formação profissional inicial, como fator relevante para a ampliação dos conhecimentos

matemáticos adquiridos no EF e formação necessária sobre como ensinar, ou seja, sobre a

organização didática do ensino.

As lacunas na formação profissional inicial do seu curso de Pedagogia, sinalizadas pela

professora Leci, não se configuram um caso isolado. Essa mesma realidade é apontada em

pesquisas realizadas por Barreto e Gatti (2009), Curi (2005), Nacarato, Mengali e Passos

(2011) entre outros, indicando que os futuros professores não vivenciam, de maneira

consistente, no curso de Pedagogia, estudos sobre os fundamentos da Matemática e as práticas

de ensino e de pesquisa em Educação Matemática.

Ao comentar seu processo de “formação docente”, aqui entendida no sentido atribuído

por Araujo e Moura (2008, p. 77-78), o qual inicia no período de escolarização perpassando a

formação profissional inicial e continuada, Leci nos revela que a sua trajetória profissional

também não oportunizou uma formação contínua em Matemática, que contemplasse os

conhecimentos específicos, pedagógicos, curriculares, dentre outros (SHULMAN, 1986;

1987), requeridos na “atividade docente”. O único curso de Matemática que a professora se

lembra de ter participado, o “Pró Letramento Matemática”, ao que parece, também enfat izou

os aspectos metodológicos: “Aprendi novas metodologias, onde aplico em sala de aula”

(Leci, QCP), diz Leci ao comentar sobre o referido curso.

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106

Neste contexto, fazendo uma reflexão sobre a sua formação e atuação docente, Leci nos

diz:

Continuei estudando! Principalmente na época que aqui na escola tinha até o 6º

ano e trabalhávamos por áreas. Eu só pegava Matemática e Ciências Naturais.

Então, eu estudava para recordar, para eu transmitir paras crianças. Eu cheguei

até a olhar no espelho para ver como eu ia falar, para ver como as crianças iam

entender [...]. Até hoje eu não me esqueço de fazer uma revisão antes de dar a

matéria de Matemática. Quando faço o planejamento eu até imagino a maneira que

eu vou... a maneira mais fácil de aplicar, de transmitir para as crianças. [...] a

gente tem de estudar antes, não é pegar o livro, abra na página tal vamos lá, e

depois pensar como é que eu vou passar isso? Eu sempre dou uma olhada antes,

para saber como vou passar e para sanar se eu tiver alguma dúvida (Leci, E).

De um modo geral, estas declarações da professora elencam aspectos importantes da

docência. Percebemos que Leci tem a preocupação em planejar e tornar o conteúdo acessível

ao aluno. Demonstra a necessidade pessoal de aprendizagem contínua, motivada pela

necessidade de sua “atividade” de ensinar. Por outro lado, também percebemos nas suas

afirmações que para ensinar a Matemática nos anos iniciais, ela precisa estudar os conteúdos

do livro didático, desta etapa escolar. Tal situação aponta indícios de conhecimentos

matemáticos incipientes. Suas declarações revelam ainda, aspectos característicos da

perspectiva empirista de conhecimento. Nesta, o conhecimento advém de fonte externa: o

professor, o qual teria condições de transferir ao aluno que receberia passivamente (BECKER,

1994).

Aparentemente, para Leci a significação e a percepção do seu papel é o de responsável

por transmitir o conteúdo a ser ensinado. E, consequentemente, da aprendizagem dos alunos

apenas como assimilação de conhecimentos através da observação, memorização e repetição.

Neste contexto, a relação professor-aluno-aluno-conhecimento é pouco ativa e interativa.

Estas características remetem claramente a uma perspectiva tradicional de ensino e

aprendizagem da Matemática. Assim, podemos inferir que Leci, ao ensinar os conteúdos de

Matemática, provavelmente, tem como referência principal a forma como lhe foi ensinado no

período escolar.

Nos relatos de Leci sobre a trajetória escolar e profissional transparece a insuficiência

ou mesmo a ausência de um processo formativo contínuo, de natureza intencional, coletiva e

individual, que lhe possibilitasse um desenvolvimento satisfatório da “aprendizagem da

docência” (MORETTI, 2014). Esta envolve, entre outras, a apropriação dos conceitos a serem

ensinados, bem como, a aprendizagem específica do saber ensinar: a organização didática do

conteúdo. Os reflexos deste processo histórico de formação incidem diretamente nos

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conhecimentos profissionais referentes ao SND, manifestados pela professora Leci, como

veremos a seguir.

Ao ser questionada sobre seus conhecimentos específicos relativos ao SND (nome,

processo histórico de criação, características e propriedades) Leci, inicialmente, prefere

comentar sobre como ensina e envereda por outros assuntos: “Eu introduzo, vamos falar

como eu introduzo para as crianças que é mais fácil para mim [...]. Eu entendo que a

Matemática está em todos os lugares: forma geométrica, gráficos, tudo que você olha lembra

a Matemática [...]”.

Somente num segundo momento, quando retomamos o assunto, reformulando nossos

questionamentos no decorrer da entrevista, foi que Leci expôs sua compreensão acerca do

SND e a forma como trabalhou este conteúdo com os alunos, no início do ano. Trazemos a

seguir, trechos das declarações de Leci que dão indicativos sobre seus conhecimentos

específicos, relativo ao sistema que utilizamos:

O sistema de numeração decimal tem esse nome porque tem a base dez. Porque de-

ci-mal? Quais são os números? [...] zero, um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete,

oito, nove [...], tem dez [...], e é a partir desses dez números que a gente vai criar ou

escrever qualquer quantidade [...]. Vamos pegar as unidades, conforme o local, a

ordem que ele está, ele tem um valor. Por exemplo, o número 22, são dois números

iguais, entre aspas, mas na hora de você falar, decomposição, ou colocar no quadro

valor de lugar, ele vale uma determinada unidade, uma determinada quantidade, é

isso que eu explico para minhas crianças, é isso que eu entendo de quadro valor de lugar, é a ordem que o número se encontra [...]. Tem gente que fala que o zero não

vale nada, mas ele vale. Por exemplo, como eu vou te explicar, tenho dificuldades

pra falar. Eu falo muito para eles (alunos): mesmo quando o papai está com a

conta do banco negativa, tem o zerinho, a gente nunca deve falar que o número

começa, vamos dizer aqui na linha reta, do zero, tem o negativo. Eu não me

aprofundo nesse assunto, mas eu tento mostrar para eles, que conforme o local, a

ordem desse zero, ele tem o seu valor. Eu só consigo na prática, falando assim não

sai, não sai [...] (Leci, E).

Com estas declarações percebe-se que Leci demonstra conhecimento sobre as

características do SND. Porém há indícios de fragilidades quanto à compreensão de dois

princípios fundamentais do SND: a base dez e valor posicional dos algarismos no número.

Isto é evidenciado quando não consegue fazer a relação do termo “decimal” à questão dos

agrupamentos de dez em dez no interior de uma dada ordem (a base dez) e as trocas entre as

ordens formando uma unidade de ordem imediatamente superior (posicionalidade), que

constituem e caracterizam o atual sistema de numeração (IFRAH, 2005). Em suas afirmações

há indicações, também, de confusão entre a compreensão de número, enquanto total de

elementos de um grupo ou coleção, e de algarismo, representação simbólica deste número.

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Em relação ao zero, Leci demonstra algum entendimento sobre a função e a importância

deste no SND: “tem gente que fala que o zero não vale nada, mas ele vale [...], conforme o

local, a ordem desse zero, ele tem o seu valor”. Percebemos que a mesma manifesta uma

compreensão elementar acerca do duplo papel do zero, pois, não expressa claramente a

significação de ausência de quantidade de elementos de uma dada potência da base e, a

presença de uma posição (operador multiplicativo), ou seja, colocado ao lado de um

algarismo, multiplica em dez o valor deste algarismo (ZUNINO, 1995).

Buscando compreender o “conhecimento pedagógico do conteúdo”, questionamos a

professora acerca de como ensina o SND (por onde começa e que tipo de atividades propõe),

se utiliza algum recurso didático, como ela entende que a criança aprende o SND, e que

dificuldades apresentam, em relação ao SND. Respondendo aos nossos questionamentos

sobre como ensina o SND, Leci nos diz:

Eu começo pela história do pastor, contando a história dos números que quem

criou o sistema de numeração decimal e divulgou foram os árabes. Eu sempre conto

que os pastores não conheciam os números e sim a quantidade. Aquela historinha

que eles colocavam as pedrinhas para contar a ovelha, então uma pedrinha para

contar uma ovelha e uso o social depois, para eles verem que tudo gira em torno da Matemática e não só da linguagem. [...] desde o comecinho: quantidade, as

unidades primeiro, depois as dezenas, que dez unidades são uma dezena [...]. Eu

sempre tento fazer junto e depois dar o mesmo tipo, mudando alguma coisa, para

ver se eles entenderam as atividades [...]. Então eu peguei desde o comecinho, e

sempre com o material dourado. Eu acho que no concreto eles pegam mais rápido

[...]. Tenho 26 alunos, eu fiz pra cada aluna um quadro valor lugar. Fiz 26 unidades

de cada unidade, 26 dezenas de cada uma até noventa, das dezenas exatas, as

centenas, todas as quantidades, então eu trabalhava com Quadro Valor Lugar, as

cartelas com os algarismos e mais o material dourado (Leci, E).

Percebe-se que a professora tem a preocupação de situar o aspecto histórico do número

e do SND. No entanto, o faz de forma ilustrativa e atribui a sua criação ao povo árabe e não

aos indianos, conforme nos mostra os escritos de Ifrah (2005). Ao explicar a continuidade do

ensino do SND, enfatizando apenas os agrupamentos em termos de dezenas e centenas, não

fica claro como aborda as implicações dos agrupamentos na base dez para formar uma ordem

superior, o princípio de posicionalidade do SND.

Quando a professora declara utilizar os recursos didáticos, Quadro Valor de Lugar-QVL

e Material Dourado sinaliza um movimento de busca em superar o ensino mecânico do SND.

No entanto, as fragilidades na compreensão dos princípios da “base de dez” e valor

posicional, já observado anteriormente, podem interferir no “conhecimento pedagógico do

conteúdo”, de modo a não alcançar a efetividade no uso destes recursos, na compreensão dos

conceitos que o constituem. É o que se pode inferir das declarações da professora quando não

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consegue explicitar claramente que características do SND, tais recursos possibilitam

explorar: “O valor dos números, a quantidade, por exemplo, chegou a dez unidades, eu posso

trocar por uma dezena, e aí chega a dez dezenas que eu vou trocar por uma centena, e para

eles ficam mais fácil [...]”.

Quanto ao “conhecimento curricular”, a professora declara utilizar os referenciais

curriculares oficiais (no caso específico, PCN de Matemática, Matriz Curricular e Avaliativa

para rede municipal de Cuiabá) para planejar e organizar as atividades de ensino. No entanto,

a mesma parece desconhecer as propostas de abordagens do SND presentes nos documentos

que citou: “O primeiro item lá é: conhecer, codificar, é isso [...]? Se os alunos identificam,

codificam, comparam os sistemas, é a base do sistema. Vêm três questões, eu não lembro com

detalhes, mas tem três questões nua e crua do sistema de numeração decimal [...]”.

As manifestações de desconhecimento do tratamento curricular, presentes nos

documentos oficiais, concernente ao SND, aliados aos indícios de lacunas nos conhecimentos

específicos e pedagógicos, podem explicar a aparente dificuldade de Leci em justificar a

importância do ensino do SND, argumentando apenas: “por que eu acho muito importante,

não pode ser isso?” Segundo Shulman (1986, p. 12), um professor precisa conhecer as

designações curriculares existentes para o ensino de “matérias e tópicos particulares” para

cada nível de escolarização, pois elas interferem nas escolhas sobre o que e como ensinar.

Apoiando-nos na compreensão de interdependência entre as três vertentes do modelo

teórico de base de conhecimento para o ensino, proposto por Shulman (1986), podemos inferir

que o não conhecimento das indicações curriculares, aliados a possíveis fragilidades nos

conhecimentos específicos e pedagógicos sobre o SND, pode comprometer o ensino deste

importante conhecimento matemático.

Ao analisar os percursos acadêmico e profissional de Leci, podemos depreender que

apesar da boa relação que estabeleceu com a Matemática, a mesma teve poucas oportunidades

de significação dos conhecimentos matemáticos, de refletir sobre seu processo formativo e

sua prática pedagógica no ensino de Matemática. Enfim, que a professora não teve acesso a

um processo de formação profissional, inicial e continuada, que lhe possibilitasse a superação

de crenças e a ampliação de saberes construído no período de escolarização, e, a construção

de conhecimentos profissionais e práticas pedagógicas em conformidade com as perspectivas

apontadas por Fiorentini e Lorenzato (2012); D’ Ambrosio (1986) de concepção da Educação

Matemática.

Entendemos que, como defendido por Shulman (1986), os diferentes tipos de

conhecimentos que constituem os conhecimentos profissionais do professor são

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interdependentes e se influenciam mutuamente. Assim, o indicativo de lacunas no

“conhecimento do conteúdo específico” referente ao SND, manifestado por Leci, no que

concerne aos princípios da base e posicionalidade deste sistema, pode repercutir no

“conhecimento pedagógico do conteúdo” e no “conhecimento curricular” e, se influenciarem

mutuamente, com reflexos na prática pedagógica da professora no ensino deste conteúdo.

O Percurso de Lúcia

A professora Lúcia, à época da pesquisa com 42 anos, é natural de Cuiabá tendo

realizado o ensino médio em Créditos e Finanças e a graduação em Pedagogia. Atua como

professora, através de contrato temporário, há sete anos, dos quais, três lecionando para

turmas 1º ciclo do EF.

Em entrevista, a narrativa da professora sobre os primeiros anos de escolarização

demonstra que a mesma não teve dificuldades no processo de alfabetização. Aprendeu a ler no

primeiro ano, chegando a ajudar sua prima e colega: “eu propunha para ela: hoje, quando a

gente for brincar de casinha, traz seu material de escola que vou ajudá-la nas tarefas e te

ensinar a ler. Eu já brincava de professora!” Lúcia fala com entusiasmo e afeto das

experiências vivenciadas no início de sua escolarização na aprendizagem da leitura e escrita

da língua materna. Não menciona o ensino e a aprendizagem, nesse período, de outras áreas

do conhecimento.

No entanto, ao questionarmos sobre as suas memórias referentes à Matemática, já não

observamos o mesmo posicionamento. Lúcia inicia seu relato explicitando que a sua

experiência com a Matemática escolar, a partir de quando consegue lembrar-se, foi marcada

por medo e insegurança quanto à aprendizagem dos conhecimentos nesta área. E, atribui isso

ao tipo de relação professor-aluno-conhecimento pautado na perspectiva tradicional de ensino,

ao qual vivenciou: “Eu tinha muito medo da professora e procurava me esquivar da

Matemática [...] quando falavam de Matemática, era aquela coisa pra mim, cálculo, aff! [...].

Para mim tudo era difícil, não sei se era por causa do tipo de ensino na nossa época [...]”.

Ela conta que suas professoras ensinavam Matemática com muita rigidez e ênfase na

memorização de regras e procedimentos matemáticos, dentre os quais, destaca a tabuada, que

era verificada através de chamada oral. Lúcia relata que caso não respondessem corretamente

os resultados, os alunos recebiam como castigo a elaboração da tabuada, por escrito, inúmeras

vezes. “Quando a gente chegava à sala o professor já tomava a tabuada. Ah, não sabe?

Então vai fazer a tabuada de 2 até 10. Isso acontecia todos os dias. Se errasse um resultado,

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já recebia o castigo”. A professora confidencia que mesmo fazendo a tabuada inúmeras

vezes, nunca conseguiu memorizá-la. Percebendo que “saber” a tabuada era uma condição

para prosseguir nos estudos sem reprovar, a alternativa que encontrou foi aprender o processo

de elaboração da tabuada com apoio da contagem nos dedos das mãos:

Eu me bloqueei [...]. Sei até alguns números, mas não procurei decorar [...] porque

eu não queria ficar com ela na minha cabeça [...]. Procurei aprender como se fazia

a tabuada. Se eu tenho alguma dificuldade, eu faço toda a tabuada de vezes.

Demora, é mais cansativo, mas pelo menos eu aprendi como se faz. [...] eu procurei

outra forma [...], para poder ir em frente, porque como é que eu ia? (Lúcia, E).

Prosseguindo com as memórias, Lúcia nos conta que a sua experiência na sétima série

foi marcante e reforçou o medo que já tinha da Matemática e da possibilidade de reprovação,

mesmo não tendo reprovado nenhuma vez. Ao relatar essa experiência, ainda hoje demonstra

certo ressentimento diante da não valorização e reconhecimento por parte da sua professora,

dos seus esforços para conseguir tirar boas notas, acusando-a de ter colado numa prova em

que, pela primeira e única vez, tirou dez em Matemática.

Então chegou uma série que eu me lembro bem, era a sétima série. A professora de

Matemática era muito ‘caxias’! Eu procurava de todas as formas, tirar boas

notas: sentava na frente, não colava. No entanto, ela estava sempre me acusando

de cola: ‘mas como você tira 10 de Matemática?’ Mas foi a única série (risos), que

eu tirei 10 em Matemática. Neste mesmo ano, a minha irmã reprovou por meio

ponto. Ela reprovou o ano todo da minha irmã por meio ponto na recuperação [...].

Fiquei traumatizada. Eu pensava: poxa vida, vou reprovar com essa professora se

eu não estudar [...]. Devido ao medo que tinha dessa professora, eu estudava a

matéria dela mais do que a de todos os demais professores [...]. Ela cobrava

mesmo, mas não era aquela cobrança de mandar fazer. Não! Ela cobrava na

prova. Na prova e pronto, entendeu? (Lúcia, E).

Ao fazer um balanço sobre o seu percurso no Ensino Fundamental, Lúcia avalia:

“consegui assim, dar conta do recado, mas não ainda de me apaixonar pela Matemática”.

Podemos perceber que as experiências escolares da professora com a Matemática, nesta etapa

de ensino, não foram agradáveis e deixaram marcas que, como veremos mais adiante, ainda

hoje influencia a forma como lida pessoal e profissionalmente com esta ciência. Este exemplo

evidencia o papel excludente do ensino de Matemática orientado no modelo tradicional de

ensino (MIZUKAMI, 1986), traduzidos na dinâmica de exposição oral dos conteúdos e

repasse de técnicas operatórias pelos professores para serem memorizados pelos alunos

através da repetição de exercícios.

Parece que as experiências afetivas negativas e as vivências do ensino da Matemática

desprovido de significados, não possibilitaram à Lúcia condições de atribuir sentido pessoal à

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aprendizagem dos conhecimentos matemáticos, durante o Ensino Fundamental. É evidenciada

em seus relatos a indicação da relação entre tirar boas notas e o ensino, suplantando ao que

talvez seja o fundamental: a aprendizagem do aluno, desta forma, o que importava era tirar

boas notas.

Lúcia relata que concluído o EF, por influência da família, fez curso técnico em

Créditos e Finanças no ensino médio, e chegou a iniciar a graduação em Contabilidade,

porém, não conseguiu prosseguir: “chegando ao final do primeiro semestre foi me dando

quase uma depressão, porque não era aquilo que eu queria [...]. Chegou a um ponto que eu

disse basta, chega, deixa eu ir para o meu lado!” Retomando seus estudos, após algum

tempo, decide fazer o curso de Pedagogia que, segundo ela, proporcionava a realização de um

sonho de infância: ser professora.

Adentrando ao assunto da sua formação acadêmica, perguntamos à Lúcia se no curso de

Pedagogia ela teve alguma disciplina relacionada com a Matemática. Ela diz: “no último ano

nós tivemos Matemática, mas muuuita teoria [...] Fundamentos da Matemática. Foi só isso

que nós estudamos. [...] era muita teoria e a prática mesmo, nós não fizemos nada,

praticamente nada mesmo.” O estágio, que na opinião da professora deveria ser o momento

de vivenciar a prática de ensino, também foi insuficiente:

No final do semestre, o professor propôs o desenvolvimento de uma atividade que

contemplasse o ensino de Matemática através de uma brincadeira. Realizamos a

atividade, brincamos e pronto. Foi só isso e terminou o semestre. Não tivemos nada

como vocês tiveram (fazendo referência a quem cursou o Magistério) prática e

teoria, teoria e prática (Lúcia, E).

Lúcia não esconde a insatisfação com a sua formação acadêmica. Considera que a

mesma não lhe proporcionou a preparação necessária para ensinar Matemática, tanto em

relação ao domínio dos conhecimentos específicos, quanto aos aspectos metodológicos

relacionados a como ensiná-la. Ela se recente por não ter feito o Magistério no Ensino Médio.

Acredita que o antigo curso oferecia uma melhor base para o trabalho docente: “[...] eu creio

que a Matemática era bem melhor ensinada no magistério, à forma como se faz, as aulas

práticas eram mais detalhadas. [...] nós pedagogos não aprendemos como passar a

Matemática [...] como relacionar a prática e a teoria, é muito difícil”.

Nas afirmações da professora é evidenciada uma compreensão de que o antigo curso de

Magistério respondia às necessidades formativas para o exercício da docência. Devemos

considerar, no entanto, que o curso de magistério teve uma conotação importante, em termos

de instrumentalização, no processo de formação dos professores, porém, numa ênfase

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tecnicista, própria dos cursos técnicos. Os aspectos políticos e sociais, envolvidos no ato da

docência, a visão do todo da educação, eram pouco discutidos.

Em relação às fragilidades, na abordagem dos conhecimentos específicos e pedagógicos

do curso de Pedagogia, essa não é uma crítica isolada. Curi (2005), ao analisar 36 cursos de

Pedagogia, destaca que:

Uma das críticas mais frequentes aos cursos de formação de professores é a

desarticulação quase total entre os conhecimentos específicos e conhecimentos

pedagógicos. Nos cursos de formação de professores polivalentes, a crítica que pode

ser feita é a da ausência de conhecimentos específicos relativos às diferentes áreas

do conhecimento com as quais o futuro professor irá trabalhar (CURI, 2005, p. 160).

Em estudo análogo ao desenvolvido por esta autora, Gatti e Barreto (2009, p. 151),

evidenciam que nesses cursos de formação de docentes, os conteúdos a serem ensinados na

educação básica, dentre os quais estão os conteúdos matemáticos, “comparecem apenas

esporadicamente; na maioria dos cursos analisados, eles são abordados de forma genérica ou

superficial no interior das disciplinas de metodologia e práticas de ensino, sugerindo frágil

associação com as práticas docentes”.

Os reflexos das experiências negativas com a Matemática na trajetória escolar, aliada a

uma formação deficitária (inicial e continuada) refletem diretamente nas concepções, nos

conhecimentos profissionais e nas práticas pedagógicas do futuro professor (MEGID, 2009;

NACARATO, MENGALI e PASSOS, 2011; SERRAZINA, 2002; THOMPSON, 1997; entre

outros). É o que se pode encontrar nas afirmações de Lúcia ao refletir criticamente sobre os

seus conhecimentos matemáticos e a sua atuação profissional:

Eu me acho bem precária nessa questão, do ensino da Matemática. Eu gostaria

até de fazer cursos e algumas oficinas. É difícil aparecer essas oficinas pra gente, mas eu tenho vontade de fazer para tirar essa coisa da Matemática, esse trauma da

Matemática para eu poder ensinar melhor. Mas para isso você precisa dominar e

ser instruída naquilo que está fazendo [...] o trauma da Matemática não é porque

não gosto da Matemática, é porque eu não tenho realmente o domínio total dela

ou alguma coisa que possa me motivar (Lúcia, E).

A relação que Lúcia foi estabelecendo com a Matemática e a não construção dos

conhecimentos específicos relativos aos conteúdos desta área, durante a formação escolar e

acadêmica, influencia no modo como lida e o sentido que a professora atribui ao ensino dos

conhecimentos matemáticos na sua ação docente. Isto é evidenciado, por exemplo, quando a

mesma declara: “aquilo que você passa com amor é aquilo que você tem domínio, e como eu

não tenho tanto domínio da Matemática, às vezes você passa por necessidade porque tem que

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passar para a criança”. Percebe-se que a ação da professora no ensino dos conteúdos

matemáticos é motivada pela obrigação de cumprir o programa de ensino que é atribuído à

Matemática: tem que passar para a criança, porém, desprovido de significado social e

sentido pessoal para esta professora.

Como pudemos observar, a professora Lúcia explicita por diversas vezes uma

autopercepção quanto ao não domínio dos conhecimentos matemáticos. No caso do

conhecimento matemático referente ao SND, privilegiado neste estudo, questionamos as

professoras sobre o que sabia a respeito do sistema de numeração que utilizamos (nome,

processo histórico de criação, características e propriedades). Lúcia expressa sua compreensão

acerca do SND, dizendo:

Assim, em termos de teoria? (Silêncio). Ah... Seriam todas as questões dos números,

como você conta, se ele é trazido para (como é que fala?), da moeda também, traz

para moeda, traz para a divisão, multiplicação [...]. Tem a questão da fração que

você pode trabalhar o SND, você pode trabalhar com vírgula [...] (Lúcia, E).

As hesitações e os silêncios de Lúcia, diante dos nossos questionamentos, davam a

entender que a mesma desconhecia o teor de nossas indagações, ou seja, os conceitos

inerentes ao SND. Na tentativa de explicar o sistema, nomeia diversos conteúdos: sistema

monetário, multiplicação, divisão e frações. Porém, demonstra insegurança e não consegue

explicitar a relação do SND com esses conteúdos, por exemplo, com as operações. Fica

implícito que Lúcia relaciona o nome “decimal” à representação fracionária dos números,

relativas ao conjunto dos racionais, sem fazer a relação com a base dez do SND. São indícios

de conhecimento incipiente sobre as regularidades do nosso sistema e também em relação aos

tipos de conjuntos numéricos.

Ao comentar sua atuação docente, Lúcia demonstra a preocupação importantíssima com

a aprendizagem de todos os alunos. Porém, nas afirmações que se seguem transparecem

concepções arraigadas em bases epistemológicas apriorista e empirista que indicam a

dependência de capacidades inatas para a aprendizagem Matemática via assimilação:

[...] parece que eu sou meio perfeccionista, porque eu quero que todos aprendam, e

claro que não é assim. [...] eu procurava me esquivar da Matemática e tem

crianças que são desse jeito também. E já tem outras que têm mais facilidades. Você vê o C., ele tem muita facilidade com a Matemática [...] Falta leitura para

interpretar, mas o pouco que ele consegue ler, ele consegue fazer. Eu não entendo,

como que pode? Penso como consegue? Mas já é (dele), a pessoa já vai para

aquele lado, cada um tem seu jeitinho (Lúcia, E).

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Também podemos perceber que a professora discorda do modelo tradicional de ensino,

o qual vivenciou enquanto aluna. No entanto, por não saber ensinar de forma diferente, acaba

reproduzindo-o em sua atuação como professora. Em suas palavras:

Hoje em dia você já não pode usar aquele método tradicional, que você tinha que decorar, tinha que, querendo ou não, decorar a Matemática, a tabuada, tinha que

decorar as regrinhas, tudinho. Hoje parece que fica muito light. Mas eu também

não sei fazer esses outros métodos de hoje em dia (Lúcia, E).

No decorrer da entrevista, a professora demonstra o início de um movimento de reflexão

sobre a importância da formação continuada para a melhoria da prática docente: “quando eu

participava desses cursos, eu me sentia mais leve naquilo que ia ensinar. Se você tem

conhecimento, tem domínio daquilo que vai ensinar, acho que é mais fácil. Acho não, com

certeza é mais fácil. Mas se você não tem [...]” E, sobre a necessidade pessoal de buscar os

conhecimentos indispensáveis para ensinar Matemática e que não foram oportunizados na

graduação, assim indica: “se o que eu aprendi não foi o suficiente, eu também não busquei”.

Demonstra, também, a vontade de superar a prática de ensino baseada apenas em aulas

expositivas, ou seja, numa perspectiva tradicional do ensino:

Por exemplo, eu vou ensinar a multiplicação, vou usar muita fala, fala [...]. Aí tento

fazer no quadro: é bolinha, é objeto que desenho, mais eu acho assim mais difícil [...]. Queria ter como fazer aquele exemplo na prática. Ter como manusear o

material, um material pedagógico [...] (Lúcia, E).

No entanto, apesar da consciência de que o professor deve constantemente buscar a

ampliação dos conhecimentos específicos e de como ensiná-los, Lúcia declara que devido à

falta de tempo diante das demandas pessoais e as atribuições profissionais na escola, ela não

consegue realizar tais estudos. Em suas palavras: “por mais que a gente se desdobre, tenta

fazer, muitas vezes você acaba ficando só mesmo para preparar aquela aula, para dominar

aquela aula que você está fazendo [...] você vai dando o que pode”.

As afirmações da professora traduzem a contradição manifestada na busca de superar

uma prática, sem adquirir outros conhecimentos. Acreditamos que apenas ter vontade de

mudar a prática, não mobiliza o professor para um processo de formação contínua.

Entendemos que o professor busca novos conhecimentos para melhorar a sua prática quando é

impulsionado pela necessidade que tem de, no exercício de sua atividade docente, possibilitar

a aprendizagem dos alunos.

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Ao analisarmos a trajetória escolar de Lúcia, podemos perceber que o modelo de ensino

de Matemática que ela vivenciou no período escolar ocasionou sentimentos de medo e de

insegurança quanto à aprendizagem dos conhecimentos matemáticos. E, que a graduação não

oportunizou uma formação profissional suficiente do ponto de vista da construção dos

conhecimentos profissionais necessários para ensinar Matemática. Parece que sua trajetória

profissional também pouco contribuiu para que pudesse avançar na construção dos

conhecimentos profissionais e das práticas pedagógicas, no caso particular, referente ao SND,

de modo a lhe possibilitar atribuir sentido para o seu ensino.

O percurso de Eliane

A professora Eliane, à época da pesquisa com 48 anos de idade, nasceu no Estado do

Paraná. Em sua formação profissional inicial cursou o Magistério no ensino médio e a

graduação em Pedagogia, ambos em instituições públicas. Exerce a profissão docente há trinta

anos, dez dos quais atuando na Educação Infantil, e nos últimos vinte anos em turmas de pré-

escola e de 1º ciclo/anos iniciais do Ensino Fundamental. No período em que realizamos a

pesquisa a professora atuava, pelo terceiro ano consecutivo, no 3º ano do 1º ciclo, na escola

em que a pesquisa foi realizada.

Eliane iniciou o relato (E) sobre a sua relação com a Matemática, declarando: “Eu

gosto, mas eu tenho trauma”. A sequência de sua narrativa chama atenção, pois, diferente dos

depoimentos da maioria dos professores que alegam sentimentos de medos e traumas da

Matemática em virtude de suas experiências escolares, o depoimento de Eliane, mesmo

evidenciando dificuldades em sua trajetória escolar, relaciona o trauma ao tratamento

depreciativo que seu pai, professor de Matemática e diretor da escola em que cursou 1ª série,

lhe dispensava.

Eu lembro até hoje quando tirei dez na prova de Matemática, na primeira série.

Meu pai foi professor de Matemática e era o diretor da escola, a professora disse:

nossa puxou ao pai, dez na prova de Matemática! Isso eu não esqueço. Eu adorava

aquele caderno de quadradinho, fazia os números, achava lindo. E quando eu entendi que 12, era o 1 e o 2, era só pegar a sequência, aí não errava mais. Eu fui

crescendo e as dificuldades foram aumentando [...]. Meu pai era muito rígido, em

todos os sentidos. Quando nos ensinava Matemática, ele xingava muito a gente. Ele

chamava de burra, e eu era a mais burra de casa. Naquela época era conceito: O

(Ótimo), MB (Muito Bom), e B(Bom). E para eu tirar um O, era só na religião,

porque o resto era só MB e B. Minhas irmãs só tiravam O (ótimo). Então, meu pai

quando lia meu boletim falava: MB- muito burra; B- burra. Essa era a leitura que

meu pai fazia do meu boletim [...]. Eu pedia para ele me explicar Matemática,

porque eu tenho uma grande dificuldade principalmente se tiver três raciocínios no

problema. Quando eu pedia para explicar reta e semirreta, ele falava: semirreta é

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fácil, é só você lembrar que é uma semiburra, você não é totalmente burra, é

quase burra (risos). Meu pai era uma beleza! (Eliane, E).

Nos relatos que se seguem, a professora deixa transparecer que a vivência destas

situações depreciativas na infância, ocasionou sentimentos de insegurança, aparentemente

ainda não superados, que interferem na sua relação com a Matemática:

Eu fui pegando raiva da Matemática, pela dificuldade que eu encontrava [...] A minha dificuldade é por causa do meu nervosismo que me dá um bloqueio. E

quando eu consigo fico tão feliz, igual às crianças nas aulas de Matemática. Meu

Deus estava tão na cara, como eu não vi. Mas eu não sei se o meu nervoso foi

gerado pela cobrança de meu pai ou, se é um problema que eu tenho mesmo, do

sistema nervoso [...]. Eu acho que é uma resistência de medo. Quando fala

Matemática, eu já penso: ai meu Deus, eu não vou conseguir! (Eliane, E).

Solicitamos a Eliane que nos contasse como foi o seu processo de formação profissional

inicial, em Matemática. A narrativa da professora evidencia que os cursos de Magistério e

Pedagogia, que poderiam ser uma oportunidade de superar os sentimentos negativos e

possíveis dificuldades em relação aos conteúdos matemáticos (conhecimento específico), e de

aprender a trabalhar com estes em sala de aulas (conhecimento pedagógico ), não atenderam a

tais necessidades: “no magistério tive só Estatística, e aula de Matemática que faz parte do

currículo. A Matemática básica do segundo grau [...]. Eu me lembro até hoje, que o professor

mandou fazer um plano de aula de Matemática e eu senti muita dificuldade para fazer”. A

esperança de que a graduação em Pedagogia lhe daria “base” para ensinar Matemática,

também foi frustrada:

Eu pensei: como eu já dou aula, a Pedagogia vai me dar base para continuar o que

eu já faço. Então, veio uma professora dar aula de Metodologia da Matemática de

primeira a quarta série, mas ela nunca tinha entrado em uma sala de primeira serie

a quarta série. Ela só dava aula para cursinho e na universidade. O conteúdo em si

eu não me recordo, mas eu me lembro de que na sala todo mundo já era professor. O que tinha menos tempo de docência, tinha 10 anos. Começamos a falar para ela

que coisas que ela dizia, os textos que ela trazia não tinha nada a ver com a nossa

realidade, era totalmente fora. Não adiantava a gente falar (Eliane, E).

A partir deste e dos relatos de Eliane que se seguem, percebemos que a sua formação

profissional inicial (Magistério e Pedagogia), não lhe proporcionou os conhecimentos

necessários para ensinar Matemática. Restou para ela buscar a superação de suas dificuldades,

em sua própria prática. Em suas palavras: “[...] não para dar aula de Matemática. Diante

das minhas dificuldades, não! [...] eu fui aprender muita coisa dando aula. Não foi na

faculdade, não foi no magistério, foi dando aula”. De igual modo, a professora evidencia a

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ausência de um processo de formação contínua individual e coletiva, oferecida pela instituição

empregadora, durante sua trajetória profissional. O único curso de formação em Educação

Matemática que a professora diz ter participado, nos últimos cinco anos, foi o “Pro

Letramento Matemática” (Eliane, QCP).

A relação negativa que a professora foi estabelecendo com a Matemática durante a sua

escolarização, aliada a uma formação profissional inicial e continuada insuficientes,

interferiram em sua trajetória profissional. Eliane indica em seus relatos que, apesar de ser

apaixonada por criança, a sua opção por atuar mais de 20 anos com a Educação Infantil/pré-

escola, 1º e 2º anos, só deixando de atuar quando começou ter problemas na voz, foi

motivada, em parte, pela as suas dificuldades com a Matemática: “Por que eu não dava aula

para o terceiro ano? Porque eu tinha medo da Matemática. Justamente por causa da

Matemática, eu nunca tinha lecionado para o terceiro ano”.

Ao ser indagada sobre como lidou e como lida, atualmente, com a Matemática, já que

precisa ensinar essa disciplina, Eliane nos diz:

Era na base da decoreba mesmo, como eu aprendi, eu passava mesmo. E eu

mesma fui me ensinando. Foi dando aula para aprender [...]. Tenho até dó dos

meus primeiros alunos, só que eu não me sinto tão culpada. Eu sinto por ser uma

profissão tão importante e eu fiz uma coisa mal feita. Mas eu não me culpo tanto,

por que eu também não sabia. Eu não fui preparada para isso [...]. Hoje, eu tenho

mais segurança para fazer, mas ainda tenho bastante dificuldade [...] eu dou uns

tropeços [...]. Às vezes, eu tenho que estudar dar uma boa lida mesmo, para

entender o que eu vou ensinar para o terceiro ano. (Eliane, E)

As declarações de Eliane exemplifica o paradoxo vivenciado pelos professores em ter

que ensinar conteúdos que não dominam e, “do desafio de ensinar conteúdos específicos de

uma forma diferente da que aprenderam, além de precisarem romper com crenças

cristalizadas sobre práticas de ensino de Matemática pouco eficazes para a aprendizagem dos

alunos” (NACARATO, MENGALI e PASSOS 2011, p. 10).

Ainda sobre a influência das experiências escolares na atuação docente do professor,

D’Ambrosio (2010) acrescenta que, as memórias de experiências, são carregadas de emoção e

noção intuitiva, mas também é racional. O que o professor aprende durante o período de

estudante, incorpora à prática docente. E conforme vão desenvolvendo a reflexão crítica sobre

ela, juntamente com as observações teóricas que acumulam, constroem elementos para

aprimorá-la. O autor acrescenta que, “todo professor, ao iniciar sua carreira, vai fazer na sala

de aula, basicamente, o que ele viu alguém, que o impressionou, fazendo. E vai deixar de

fazer algo que viu e não aprovou” (D’AMBROSIO, 2010, p. 91).

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Adentrando na questão dos conhecimentos profissionais referente ao SND, objeto deste

estudo, indagamos Eliane sobre o que ela sabia acerca do sistema, como ensina, e em que

referenciais se baseia para organizar o ensino deste conteúdo. A seguir, apresentamos trechos

das declarações de Eliane que nos dão indicativos acerca dos conhecimentos específicos,

pedagógicos e curriculares da professora, referente ao sistema de numeração que utilizamos.

[...] eu demorei a entender que o nosso sistema é decimal porque é dez, de um ao

dez. E depois, que uma dezena com mais um, eu tenho onze unidades. [...] quando

eu dou aula fico lembrando que quando eu era criança, entendia que se eu empresto

o um para o três, ia ficar quatro e não treze. E as crianças também entendem assim

[...]. Então, depois que eu fui entender isso aí, que o nosso sistema de numeração é

de dez em dez. Por exemplo, o 23 são duas dezenas e três unidades [...]. O zero é

difícil de explicar. Tem aquela historinha: eu tenho uma régua, tiro uma fica zero, o

zero não representa nada. Mas se eu tiver 1 e colocar ele depois do 1, eu vou ter 10. Então, o zero, dependendo da ordem dele, ele vai representar uma quantidade.

Agora para explicar melhor eu não sei não me preparei para isso (Eliane, E).

Com estas declarações, percebe-se que Eliane demonstra conhecimento sobre as

características do SND. No entanto, apesar de anunciar evolução quanto ao seu entendimento

das regularidades do nosso sistema de numeração, ainda demonstra um nível elementar de

compreensão. Isto é manifesto quando relaciona o termo “decimal” aos algarismos distintos,

sem conseguir explicar os consequentes agrupamentos de dez em dez (a base dez) e as trocas

entre as ordens que resultam no valor posicional dos algarismos no número.

Como já dito, para o professor ensinar é necessário (não suficiente) conhecimento

específico do conteúdo. Além do domínio do conteúdo que se pretende ensinar, é necessário

que o professor possua, entre outros, conhecimentos pedagógicos e curriculares, daquilo que

pretende ensinar. Esses conhecimentos são interdependes e se entrecruzam na prática do

professor.

Confirmando tais ideias, podemos observar que as fragilidades evidenciadas por Eliane

em relação ao conhecimento específico do SND, trazem implicações quanto ao seu

conhecimento pedagógico e curricular. É o que se apresenta nos relatos da professora ao

responder nossos questionamentos sobre como ensina o SND (por onde começa e que tipo de

atividades propõe), se utiliza algum recurso didático, como ela entende que a criança aprende

o SND e, que dificuldades apresentam, em relação ao SND.

Eliane inicia seu relato sobre como ensinou o SND, declarando: “Eu acho que da

maneira mecânica. [...] a princípio, seguindo o roteiro do livro”. Na sequência ela descreve

as estratégias que utilizou e as dificuldades que os alunos apresentaram:

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[...] coloquei um monte de tampinhas em cada mesa e pedia, por exemplo, que

separassem três dezenas. Não, primeiro eu pedia para separar de 10 em 10.

Depois, fulano, quantas dezenas você formou? E ele contava trinta e três, três dezenas. Sobrou algum? Quantas unidades sobraram? Três. Então você formou o

que aí? Três dezenas e três unidades. Eu registrava no quadro. Quanto que são três

dezenas e duas unidades? Respondiam: trinta e dois [...]. Eu pedi explicação, sobre

como eles tinham entendido o reagrupamento da dezena e da unidade [...]. A

maior dificuldade que eu percebi foi a questão do empresta um. E, para

entenderem, por exemplo, que 22, são duas dezenas para formar o vinte e mais duas

unidades, para formar o 22[...]. Solicitei ajuda da coordenadora, pedi um jeito,

uma linguagem para eu explicar isso com eles. [...] peguei o material dourado,

sentei com eles no chão, peguei o papel, fiz a conta com eles usando o material

dourado, e aí eles foram percebendo no concreto o que acontecia naquela relação

(Eliane, E).

Apesar de Eliane declarar que ensina o SND de “maneira mecânica [...], seguindo o

roteiro do livro”, ao mesmo tempo, transparece na sequência do seu relato que a professora

busca superar essa prática de ensino “mecânica” do SND. Isto pode ser percebido quando

descreve o uso de material manipulativo; demonstra a preocupação em entender a

compreensão dos alunos acerca dos agrupamentos; busca ajuda junto à coordenada, e recorre

à utilização de recurso didático (material dourado), para explicar “o empresta um”, ritual

usualmente utilizado na escola na realização da operação de subtração.

Reconhecemos os esforços da professora, no entanto ao analisarmos seu relato sobre

como utilizou o material dourado (MD), não fica claro como a mesma realiza as reflexões

com os alunos sobre os agrupamentos na base dez. Por outras palavras, a professora não

explora, por exemplo, as potencialidades do MD enquanto ferramenta didática para explicar

os agrupamentos e trocas de dez em dez (a base dez) inerente ao SND.

Ao que parece, as dificuldades apontadas pela professora a seguir, ainda não foram

inteiramente superadas repercutindo no conhecimento pedagógico do conteúdo:

Então, até eu entender esse empresta um, eu usava o empresta um. Eu falo com

vergonha. Eu não entendia isso. Então como é que eu ia ensinar, se eu não

entendia? Eu sabia as regras, mas não conseguia explicar. Eu não sabia como

passar isso para eles. Era muito difícil eles entenderem isso, mas era eu quem não

entendia (Eliane, E).

Ao ser questionada sobre quais referenciais utiliza para planejar o ensino do SND,

Eliane declara que “a referência maior é o livro didático [...] porque para mim o livro

didático é elaborado a partir das normas estabelecidas”. Diz não se lembrar de ter lido, ou

não, os referenciais curriculares oficiais (PCN de Matemática, matriz de avaliação em larga

escala – Prova Brasil): “Se eu ler, falo se eu conheço, mas se você me perguntar agora eu não

lembro”. Perguntamos a Eliane se consulta a matriz curricular e avaliativa da rede municipal

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de Cuiabá, para planejar suas aulas. Obtivemos como resposta: “A matriz? É o que vem para

a gente e nós temos que fazer o nosso plano daquilo ali? Às vezes sim [...]”.

O desconhecimento das propostas curriculares oficiais, e a não utilização de outros

referenciais, se limitando apenas ao livro didático, pode explicar a dificuldade de Eliane em

justificar a importância de ensinar o SND. Apesar de afirmar que o SND “é a base de tudo”,

ela não consegue justificar tal afirmação, acrescentando vagamente: “tudo o que você vai

ensinar, medida [...]”.

Ao analisar os percursos acadêmico e profissional de Eliane podemos depreender que o

seu processo de escolarização e de formação profissional, inicial e continuada, não

favoreceram a aquisição dos conhecimentos profissionais (específicos, pedagógicos e

curriculares) necessários para ensinar Matemática, e no caso particular, para ensinar o SND,

com segurança.

4.1.1.1 Síntese dos percursos das professoras e dos conhecimentos profissionais

manifestados, referentes ao SND

Averiguamos que as três professoras participantes de nossa investigação, de modo geral,

vivenciaram experiências pouco relevantes no sentido do acesso e da elaboração dos

conhecimentos matemáticos no processo de escolarização. No entanto, Leci denota que suas

experiências escolares lhe possibilitou desenvolver uma boa relação e o gosto pela

Matemática. O mesmo não ocorreu com as professoras Lúcia e Eliane.

É muito comum, conforme ressaltam Nacarato, Mengali e Passos (2011), professores

dos anos iniciais trazerem marcas profundas carregadas de sentimentos negativos em relação

à Matemática, que muitas vezes implicam em bloqueios para aprender e ensinar essa

disciplina.

Outro ponto em comum nos relatos das professoras é a indicação, e a consciência por

parte das mesmas, de um processo de formação profissional inicial insuficiente. E, também,

que as suas trajetórias profissionais não oportunizaram uma formação contínua em

Matemática, que contemplasse os conhecimentos específicos, pedagógicos, curriculares,

dentre outros (SHULMAN, 1986; 1987), necessários para as professoras ensinar os conteúdos

matemáticos, de modo a possibilitar aos alunos atribuir significado à aprendizagem destes.

Neste contexto, compartilhamos do pensamento de Lorte citado por Imbernón (2010):

por vezes, as experiências como alunos na educação básica, permanecem como referências

mais importantes que as adquiridas nos cursos de formação profissional. Nesta mesma

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perspectiva, Lima e Carvalho (2012, p. 105), entendem que “as concepções apropriadas pelos

professores ao longo da sua formação influenciam profundamente seu trabalho educativo e, de

certo modo determinam a forma de pensar e praticar a ação educativa”.

Em relação aos conhecimentos profissionais das professoras referentes ao SND, nossa

percepção é de que embora apresentem diferentes níveis de compreensão dos conceitos

inerentes ao nosso sistema de numeração, as declarações das três professoras apontam

indícios de lacunas no “conhecimento específico do conteúdo” (SHULMAN, 1986).

A professora Lúcia, ao que parece, possui apenas um conhecimento de uso cotidiano do

SND. Isto é evidenciado pelos silêncios e hesitações da professora, diante dos nossos

questionamentos, dando a entender que a mesma desconhecia o teor das nossas indagações,

ou seja, os conceitos inerentes ao SND.

Leci e Eliane, apesar de demonstrarem conhecimento sobre as regularidades SND, suas

afirmações evidenciam fragilidades quanto à compreensão dos consequentes agrupamentos de

dez em dez no interior de cada ordem (a base dez) e as transformações entre as ordens

formando uma unidade de ordem superior (valor posicional dos algarismos), dois princípios

fundamentais do SND.

Em se tratando do “conhecimento curricular”, Eliane, ao declarar que “a referência

maior é o livro didático”, traduz o que implicitamente Leci e Lúcia deixam transparecer,

quanto à utilização do mesmo enquanto referência principal para o ensino do nosso sistema

numérico. Ambas, apesar de considerarem importante o ensino deste conteúdo, não

conseguem apresentar argumentos consistentes para fundamentar suas crenças.

Em relação ao “conhecimento pedagógico do conteúdo”, os relatos das três professoras

sobre como ensinam o SND deixam transparecer a preocupação e o desejo de promover um

ensino que possibilite aos alunos atribuir sentido e significado à aprendizagem deste conteúdo

matemático.

No entanto, o conjunto de suas declarações sobre como desenvolvem o ensino do SND

apontam que as fragilidades nos conhecimentos específicos e curriculares, refletem no

“conhecimento pedagógico do conteúdo”, manifestado pelas professoras. Apreendemos que,

de modo geral, seus relatos evidenciam práticas pedagógicas que oscilam entre valorizar o

movimento histórico do conceito e da criança e um ensino pautado na aplicação das regras do

SND, sem compreensão.

Entendemos que os conhecimentos profissionais e as práticas pedagógicas das

professoras participantes, referentes ao SND, resultam dos seus processos históricos de

formação e trajetória docente. De igual modo, entendemos que as condições subjetivas e

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objetivas de organização do trabalho educativo no contexto escolar onde atuam, podem

influenciar nas práticas pedagógicas efetivadas pelas mesmas na sala de aula. Sobre esse

aspecto, trataremos no item a seguir.

4.1.2 A organização do trabalho pedagógico na escola: o contexto de atuação das

professoras

A partir dos pressupostos da teoria histórico-cultural a importância do meio e das

relações entre os indivíduos assumem lugar de destaque na compreensão dos fenômenos da

realidade. Esta perspectiva tem como premissa que todo o ser humano aprende e o faz pela

vida toda. Assim, o conhecimento é visto como uma construção permanente. Ainda, que as

interações sociais constituem elemento fundamental no processo de construção do

conhecimento (VYGOTSKY, 1988).

Tendo por referência tais fundamentos, compreendemos que os conhecimentos

profissionais e as práticas docentes de sala de aula das professoras participantes, referentes ao

sistema de numeração decimal, estão inseridos num contexto social, portanto, não se dão de

forma isolada. Além do conjunto de fatores oriundos do processo histórico de formação e de

trajetórias profissionais das professoras, já discutidos anteriormente, faz-se necessário

considerar o contexto de atuação destas professoras para o entendimento do objeto

pesquisado.

Nesse sentido, no presente item, buscamos compreender as condições objetivas de

trabalho e de organização do trabalho pedagógico na escola. E, como estes repercutem nos

conhecimentos profissionais e na prática pedagógica das professoras referente ao ensino do

SND.

Como já mencionado anteriormente, a rede municipal de ensino de Cuiabá e a escola

onde a pesquisa foi desenvolvida adotam a organização do Ensino Fundamental de nove anos

em ciclos. De acordo com Azevedo (2007, p. 15), a organização do ensino em ciclos,

enquanto possibilidade de superação da escola tradicional requer “outras concepções de

organização da escola, de currículo, de organização do ensino e de avaliação”, entre outras

questões relacionadas, direcionadas para atender as crianças e assegurar-lhes condições de

aprendizagem nesta nova realidade.

Nesta perspectiva, a efetivação da organização do ensino em ciclos envolve a criação de

espaços coletivos para a efetiva participação dos atores educativos, aspecto essencial dos

ciclos, nas discussões e decisões conjuntas das intervenções a serem feitas na rede como um

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todo, nas escolas e nas salas de aula, acompanhadas de um processo de formação permanente

dos professores (AZEVEDO, 2007; FREITAS, 2004).

Todas essas questões devem estar relacionadas a um processo coletivo de reflexão mais

ampla sobre as finalidades da educação. Nas discussões da escola com vistas à construção de

um projeto educacional consistente, na direção da organização em ciclos, o “processo de

aprendizagem e a discussão sobre as intervenções pedagógicas que sejam adequadas às

características dos alunos” deve ser considerados aspectos centrais deste processo

(MAINARDES, 2008, p. 121).

Neste contexto, compreendemos que a realização da prática pedagógica em sala de aula,

por parte das professoras participantes da pesquisa, está inserida num contexto de inter-

relações, portanto, dependem e refletem a organização do trabalho pedagógico no âmbito da

escola e da rede como um todo, sendo necessário que estas professoras possuam determinados

conhecimentos profissionais.

Para compreendermos as influências do contexto nos conhecimentos profissionais e nas

práticas pedagógicas das professoras participantes, utilizamos informações oriundas do diário

de campo da pesquisadora, das entrevistas e da análise de documentos. Dividimos as

discussões nas seguintes subunidades: “Organização e utilização dos espaços e tempos

escolares”; “Organização do ensino na escola: a relação entre o planejado e o observado na

prática escolar” e “Estudos, reflexões, planejamentos coletivos e avaliação”.

4.1.2.1 Organização e utilização dos espaços e tempos escolares

Ao levar em consideração que a organização diária dos tempos e espaços escolares

reflete diretamente no trabalho pedagógico do professor em sala de aula, compreende-se que

muitas ações realizadas pelas professoras com os seus alunos seguem algumas determinações

que são gerais na rede pública municipal de ensino de Cuiabá, que por sua vez seguem

diretrizes nacionais para o Ensino Fundamental.

Na escola onde realizamos a pesquisa, observamos que há uma rotina na organização do

espaço e do tempo escolar. Quanto ao espaço físico, como já apresentado na caracterização da

escola no item 3.4.2, a escola apesar de possuir o espaço de circulação da área externa

reduzido, dispõe de uma estrutura física adequada, em boas condições e sempre muito limpa.

As salas de aulas são climatizadas e com as dimensões que atendem a legislação em vigor.

Todas as salas de aula das professoras participantes possuem um “cantinho da leitura”

com significativo número de livros em boas condições. Não observamos em nenhuma das

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salas destas professoras, no entanto, materiais didáticos e/ou jogos pedagógicos voltados para

a Matemática.

Tão importante quanto as condições físicas e espaciais de um ambiente propício à

aprendizagem, outros elementos merecem atenção, para que as crianças tenham reais

condições de aprendizagem. Entre outros, destacamos a importância de um ambiente

acolhedor e aconchegante, e a existência de materiais manipulativos, jogos pedagógicos etc., à

disposição das crianças.

Na organização e utilização do espaço, de modo geral, foi possível perceber a relação

entre o espaço e as pessoas que dele se utilizam, pois, é perceptível que além do espaço físico,

material, este se constitui também, num espaço de interação, de vivências entre os alunos e

entre estes e demais componentes da equipe escolar. Constituindo-se assim, num espaço de

aprendizagens, para todos.

Em relação ao tempo escolar diário, a escola tem horário para iniciar suas atividades,

servir o lanche, intervalo e para terminar as aulas, que é seguido, rigorosamente, por todos na

escola. Assim, a rotina organizacional da escola possibilita que seja cumprido o tempo

mínimo que determina a LDB nº 9394/96 no artigo 34, que estabelece a jornada escolar no

Ensino Fundamental de, pelo menos, quatro horas de efetivo trabalho educativo.

Na organização e distribuição do tempo escolar, nesta unidade de ensino, as turmas do

2º e 3º anos do 1º ciclo incluem rotinas como a “acolhida aos alunos”, com a formação de

filas no pátio da escola, antes de entrarem para as salas de aulas, com duração, de no máximo,

dez minutos. Também ocorre a distribuição das aulas (horários) de Língua Portuguesa,

Matemática, ciências, história, geografia (ministradas pelas professoras referência24), das

aulas de áreas específicas, a saber, arte, educação física e das aulas do “Projeto Sala de

Leitura”, em dias da semana predeterminados.

As aulas de Arte, Educação Física e as aulas do “Projeto Sala de Leitura”, de cada

turma, são concentradas num único dia da semana. Com isso, cada professora referência tem

um dia por semana sem aula com a sua turma, no qual realizam a sua hora-atividade destinada

a planejamentos e estudos, entre outras atividades, conforme explicitado anteriormente. O

horário é organizado de modo que dois professores do mesmo ano realizem a hora-atividade

juntos.

Em relação à utilização do tempo da hora-atividade pelos professores e o suporte

oferecido pela escola para sua realização, a professora Leci comenta:

24 Denominação do professor pedagogo, titular da turma.

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Faço a hora-atividade na escola. Faço meu plano de aula semanal e os registros no

GAP (Gestação Acadêmica Pedagógica- refere-se ao diário de classe eletrônico,

utilizado na rede). Pesquiso atividades diferenciadas para os alunos que apresentam

dificuldades. Quando preciso a coordenadora me auxilia. Ela sempre me dá dicas de atividades, para serem trabalhadas com os alunos que apresentam dificuldades.

No final entrego o plano para que ela (coordenadora) olhe e coloque visto no

caderno (Leci, E).

Sobre o mesmo assunto a professora Eliane nos diz:

Faço minha hora atividade uma vez por semana, na sala dos professores, com

minha colega do mesmo ano [...]. Confecciono atividades para xerocopiar, o

planejamento semanal, lanço conteúdos no GAP. Sigo as recomendações de manter

o GAP em dia, trabalhar conteúdos que abrangem a provinha Brasil, trabalhar

leitura [...]. Sempre que senti necessidade fui atendida, mas, não é muito frequente, pois coordenador é psicólogo de professor, enfermeira, assistente social, ai falta

tempo pra ser coordenadora, fora as reuniões na SME. O que julgo importante é o

coordenador ter tempo para os professores [...]. Existem auxilio, mas, não como

deveria ser pelos motivos que mencionei acima (Eliane, E).

Ao observar a rotina na organização do tempo, mencionada no início deste item e, as

afirmações anteriores, percebemos que há, por parte da escola, uma organização do tempo

para que as professoras desenvolvam sua hora-atividade, em que as mesmas realizam ações

relacionadas à função docente. Ao mesmo tempo é evidenciado, também, que não há, por

parte da escola, um suporte e acompanhamento sistemático ao professor no planejamento das

aulas. Não observamos também, uma mobilização para trabalhos coletivos sobre a prática

docente entre os professores do 1º ciclo, nesse tempo.

A organização do horário, de modo que apenas dois professores do mesmo ano realizem

a hora-atividade ao mesmo tempo, revela a ênfase no ano escolar. Esta organização não

favorece a interação e articulação entre os professores de todo o ciclo, possibilitando a

constituição de uma unidade didático-pedagógica, enfim, a continuidade no ciclo. Por outro

lado, o fato de dividir o mesmo tempo e espaço, não significa trabalhar em parceria:

As professoras participantes da pesquisa Leci e Lúcia (2º ano, mesma turma) e Eliane (2º ano matutino e 3º ano vespertino) realizam a hora-atividade conjunta nas

quintas-feiras, período matutino, nos espaços da sala dos professores ou da sala

leitura. Durante o trabalho de campo, no período de 29/07 a 12 12/13, embora não

tenha permanecido junto com as professoras o tempo todo da hora-atividade,

observei que as mesmas realizam diferentes atividades: selecionar atividades,

preparar o plano de aulas, preencher o diário eletrônico [...] No entanto, durante esse

período, não presenciei a realização de planejamento ou troca de ideias sobre o

trabalho pedagógico no 1º ciclo, entre as professoras participantes ou destas com

outras professoras da escola, que atuam no referido ciclo. Em relação ao

acompanhamento da coordenação pedagógica, apenas uma única vez, presenciei

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conversa da coordenadora com a professora Lúcia, referente ao plano de aulas,

durante sua hora-atividade (Pesquisadora, DC, 2013).

Os dados nos apontam que a escola possui uma disposição dos tempos e espaços

escolares que possibilita o desenvolvimento do trabalho educativo de forma organizada,

garantido o cumprimento do tempo escolar. No entanto, podemos perceber que não há ainda

uma proposta materializada de trabalho pedagógico coletivo na escola, que oportunize e

estimule a interação pedagógica entre todos os professores do 1º ciclo, na prática cotidiana.

4.1.2.2 Organização do ensino na escola: a relação entre o proposto e o observado na

prática escolar

Observando a rotina de organização e distribuição do tempo escolar, é possível inferir

que os conteúdos curriculares são trabalhados de forma compartimentada nas disciplinas

escolares. Ao analisarmos os documentos escolares, podemos perceber um distanciamento

entre a proposta pedagógica oficial da escola e o trabalho pedagógico da escola, efetivado em

sala de aula. Coerente com a perspectiva de organização do ensino em ciclos, na grade

curricular definida pela escola para o 1º ciclo do EF, as áreas de conhecimentos, Base

Nacional Comum (Lei nº 9394/96), compreende a dimensão do “Ensino por atividade”. No

Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola é estabelecida para o 1º ciclo do EF, a

metodologia de projetos de trabalho:

Os temas a serem desenvolvidos podem ser gerados ou pelo interesse espontâneo

dos grupos de crianças, mediante suas narrativas e necessidades desenvolvimentais

e/ou pela iniciativa dos educadores seguindo uma intencionalidade pedagógica bem

definida. Em geral na metodologia de Projetos de Trabalho as atividades giram em

torno de uma situação de resolução ou de um produto final [...] (“ESCOLA TESOURO”, 2010, p. 27-28).

No entanto, a partir da observação das aulas de Matemática, percebemos que não há um

efetivo trabalho com projetos. A Matemática em geral e, o conteúdo SND, como evidenciado

posteriormente a partir da análise dos episódios de ensino, é abordado de forma

descontextualizada, centrado nas atividades do livro didático. Percepção que é corroborada

pelas declarações da coordenadora da escola e das professoras Lúcia e Leci ao comentarem

sobre a organização do ensino e o planejamento das aulas de Matemática:

Sobre as aulas de Matemática, varia de professor. Devido à utilização do livro, as

professoras do 2º e 3º anos definiram um horário que é repassado para os pais. As

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professoras do 1º ano ficam com o livro na sala de aulas, trabalha intercalado

(Coordenadora pedagógica, DC, 29/07/13).

Eu peguei substituição [...] o professor titular que planeja tudo [...] então não

mudou, porque aqui sempre seguiu o livro, então eu procuro, vejo, mas eles que já

deixam o conteúdo programado pra gente. Então a gente cumpre aquilo que eles

pedem (Lúcia, E).

Olha esse ano eu senti que eles (alunos) tinham um pouquinho mais de dificuldades,

por exemplo, trabalhar com unidades e dezenas. Então eu parti lá do começo, da

base. [...] falava muito com a coordenadora: o conteúdo do livro didático está

atrasado, eu precisei pegar lá da base (Leci, E).

Estas afirmações apontam indícios de uma organização do ensino, nesta escola,

orientado pelo livro didático, não se constituindo num trabalho pedagógico organizado

coletivamente, em que se considerem a dimensão sociocultural dos professores e alunos no

processo de ensino e aprendizagem.

Compreendemos que a maneira como é organizado o trabalho pedagógico na escola

reflete o sentido que os atores envolvidos no processo educativo atribuem à escola, à atividade

docente, aos significados dados à fase de desenvolvimento dos alunos, ao entendimento

(concepções) de ensino e aprendizagem, no caso específico, às implicações teóricas dos

Ciclos de Formação para as práticas escolares, enfim, à compreensão do papel social da

escola.

A partir das contribuições da teoria histórico-cultural, podemos perceber uma ruptura

entre a significação do Projeto Político Pedagógico como um importante instrumento de

organização da escola, da atividade pedagógica (ASBAHR, 2005) e o sentido atribuído a este,

pelos atores do processo educativo da escola pesquisada.

O projeto pedagógico, para ser entendido como atividade (no sentido proposto por

Leontiev, 1978), deve ser um projeto do coletivo da escola a partir da necessidade de

melhorar a prática docente, de garantir que os alunos se apropriem do saber historicamente

produzido, sistematizado, especificidade da atividade docente do professor.

Para Asbahr (2005), “ao convergirem seus motivos pessoais em motivos coletivos, os

professores articulam-se em torno de objetivos definidos em comum e passam a desencadear

ações planejadas”. A mesma autora conclui: “a cisão significado e sentido pessoal no trabalho

docente compromete o produto do trabalho educativo e interfere diretamente na qualidade do

ensino ministrado” (ASBAHR, 2005, p. 115-116).

Um dos pressupostos do sistema de ciclos, segundo Freitas (2004), é que os professores

e toda comunidade escolar pensem, discutam e definam metas coletivas para a aprendizagem

das crianças, ou seja, o que se quer ao final do ciclo. Mas, à medida que a escola não possui

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um projeto pedagógico definido, entendido e assumido por todos, cada professor tende a

organizar, planejar e conduzir suas aulas com estratégias, métodos, conteúdos, enfim, com as

práticas pedagógicas baseadas em suas próprias experiências como estudante e docente.

Na ausência de um trabalho pedagógico coeso e colaborativo, em outras palavras, cada

professor tende a adotar as práticas que lhe proporcionam mais segurança, suplantando ao

que seria essencial: a opção por práticas pedagógicas que melhor oportunizem o

desenvolvimento e aprendizagem de todos os alunos. Tal aspecto, além de não possibilitar a

unidade pedagógica imprescindível à continuidade do ensino e aprendizagem no ciclo, não

favorece o processo de formação contínua do professor, oportunizado pela interação com seus

pares e seu objeto de trabalho – o ensino.

A consolidação de um projeto pedagógico, favorável ao desenvolvimento e à

aprendizagem de aluno e professores, depende de algumas condições. Além da organização

dos tempos e espaços de modo a oportunizar a interação dos atores envolvidos na realização

da atividade educativa cotidiana, são necessários a criação e efetivação dos espaços coletivos

de estudos e planejamentos, aspectos estes que trataremos no próximo item.

4.1.2.3 Estudos, reflexões, planejamentos coletivos e avaliação

Como já anunciado anteriormente, o “Projeto Roda de Conversa”, compreende o espaço

institucional garantido em calendário escolar, destinado à formação dos professores,

planejamentos, reuniões pedagógicas, enfim, às discussões e reflexões coletivas acerca do

processo de ensino e aprendizagem desenvolvido em cada escola. As questões de ordem

gerencial e administrativas, em tese, deverão ocorrer em momentos distintos do tempo

previsto para o referido projeto.

Assim, no presente item discutimos a organização na escola dos espaços coletivos de

estudos, reflexões e planejamentos do seu processo educativo, tendo como indicador o

desenvolvimento do projeto em questão. Buscamos evidenciar a relação entre a forma como

esse processo ocorre na escola como um todo, e os conhecimentos profissionais e as práticas

pedagógicas das nossas colaboradoras.

Por outras palavras, buscamos compreender os reflexos e as contribuições (para

ampliação) da organização da escola, dos espaços-tempo coletivos, nos conhecimentos

profissionais e, consequentemente nas práticas pedagógicas das professoras. Também

buscamos compreender os significados e sentidos atribuídos, pelas professoras participantes

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da pesquisa ao planejamento e formação continuada, focando o ensino de Matemática no 1º

ciclo.

Para o ano letivo de 2013 eram previstos em calendário escolar, além da “semana

pedagógica” que constitui a primeira etapa do Projeto Roda de Conversa, mais sete encontros

no decorrer do ano letivo. Solicitamos a coordenadora uma cópia do planejamento destes

encontros, ela disse que ainda não havia terminado a elaboração e que assim que terminasse

nos disponibilizaria, o que não aconteceu.

Dos quatro encontros do Projeto Roda de Conversa, realizados no segundo semestre

letivo/13, em dois encontros: 31/08/2013 e 27/09/2013 foram desenvolvidos, respectivamente,

avaliação de desempenho dos membros da equipe gestora (diretora, coordenadora pedagógica

e secretária escolar) e definição das ações do PDE interativo, nos quais julgamos não ser

pertinente a nossa presença. Acompanhamos dois encontros realizados nos dias 29/07/2013 e

12/12/2013. A seguir, uma síntese dos registros da pesquisadora, relativos ao encontro do

projeto “Roda de conversa” realizado nas dependências da escola, no dia 29/07/2013, das 7 às

11h e das 13 às 17h:

A primeira parte do encontro foi conduzida pela diretora da escola, onde foram

abordadas questões gerenciais/ administrativas. Depois do intervalo, a partir das

09h10min, apenas professores e monitores do “Programa Mais Educação”

participaram da reunião, que passou a ser conduzida pela coordenadora, a qual tratou

sobre os seguintes assuntos: 1) Informes gerais (avaliações de aprendizagem

previstas para 2013: 1º Ano: Provinha Cuiabá, 2º Ano: Provinha Brasil e 3º Ano:

Avaliação Nacional do PNAIC – Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa;

Programa de Avaliação institucional da SME: previsão de capacitação com a

Fundação Carlos Chagas; PNAIC: comunicado que chegou o kit de materiais para

organizar os cantinhos de leitura nas salas de aulas; Projeto Trilhas: orientação aos

professores para realizarem o cadastro no portal do MEC; Projeto piloto “Amigos do ZIP”: segundo a coordenadora, este “trabalha a parte emocional, a criança

identifica os sentimentos de raiva e suas ações. Analisa as reações e suas

consequências”; 2) Avaliação do desenvolvimento dos Projetos da Sala de Leitura

(apontado falta de manutenção e cuidados com os livros e equipamentos;

manutenção de um cronograma de utilização do espaço pelo ensino regular e o

“Programa Mais Educação”. Não foram abordados os aspectos relativos ao

desenvolvimento das atividades pedagógicas da sala de leitura, a avaliação se

limitou aos aspectos organizacionais), e da Sala de apoio à Aprendizagem (os

participantes avaliaram positivamente, ressaltando a comunicação da professora de

apoio com professores referência. Na avaliação dos professores e coordenadora os

alunos encaminhados para o apoio estão apresentando desenvolvimento na aprendizagem. Não foram tratadas sobre quais áreas dos conhecimentos e/ou

dificuldades aprendizagem apresentam os alunos encaminhados para o apoio

pedagógico); 3) Repasse do encontro do “Roda de Conversa” de coordenadores,

realizado pela SME, sobre as ações do PNAIC, em que a coordenadora participou

(A coordenadora fez a leitura dos slides, disponibilizado no referido encontro, sobre

gêneros textuais e os Direitos de Aprendizagem em Língua Portuguesa para o 1º

ciclo, definido no PNAIC. Teceu alguns comentários sem abrir para

questionamentos e/ou discussões). No final da tarde (a partir das 15h. 30 min.) os

professores foram liberados para arrumação das salas de aulas e elaboração

individual do plano de aulas para o 1º dia do segundo semestre letivo/2013. As

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professoras participantes da pesquisa utilizaram o restante do tempo na organização

das salas, não realizando o planejamento (Pesquisadora, DC, RC- 29/07/2013).

Observando o relato anterior percebemos que no encontro em questão, não são

contempladas situações de momentos de estudos, nem de planejamentos pedagógicos

coletivos ou individuais. Do mesmo modo, as questões específicas do desenvolvimento do

ensino e da aprendizagem dos conteúdos curriculares, não foram objeto de discussão.

Também chama a atenção o fato de que o ensino e a aprendizagem de Matemática não foram

mencionados em nenhum momento.

Durante todo o encontro, os assuntos tratados tiveram como foco principal o repasse de

informações sobre programas e projetos oriundos da SME e as discussões de cunho

administrativo do dia-a-dia da escola. As declarações apresentadas na sequência demonstram,

ao que parece, que esse pode não ser um episódio isolado:

O “Roda de Conversa” é um ganho muito importante, é um tempo precioso que

conquistamos, mas nem sempre é usado como deveria. Algumas vezes os encontros

contemplam seu objetivo, mas na maioria das vezes acaba perdendo o foco. Não

sei se por falta de um bom planejamento ou por interesse dos professores, mas

muitas vezes acaba sendo uma lavação de roupa suja das insatisfações de cada

professor (Eliane, E).

Os indicativos de ausência de uma organização coletiva do trabalho pedagógico

desenvolvido na escola dentro do espaço-tempo destinado para tal finalidade, como o projeto

Roda de conversa, explicitados nas afirmações anteriores, são corroborados pelos relatos de

nossas colaboradoras e da coordenadora pedagógica, sobre o processo de elaboração dos

planos anual, bimestrais e planos de aulas, a seguir:

O plano anual é feito na semana pedagógica, por nós. Cada professor faz junto com

o seu colega, por exemplo, dois do segundo ano, dois do terceiro ano, as professoras do primeiro, as da Educação Infantil (Leci, E).

Não há exatamente uma interação, o que acontece são trocas de informações de

professores do mesmo ano, mas depende do professor, do coleguismo. O que fica

definido entre os professores do mesmo ano são os conteúdos, é trabalhar os

mesmos conteúdos (referindo-se ao trabalho desenvolvido no início do ano) (Eliane,

E).

Não tive auxílio! Ela (coordenadora pedagógica) me deu o plano da “Leci” do

terceiro bimestre e as capacidades, e pediu o planejamento dentro daquele

projetinho que eles estão desenvolvendo sobre a África. Eu dei o tema e o subtema do projeto, fiz as justificativas, procurei colocar não todos os conteúdos que a

“Leci” deixou, mas os conteúdos que eu vi que realmente estavam fora [...] (Lúcia,

E).

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No início do ano fazemos o repasse de informações sobre os alunos [...] Não temos

trabalho pedagógico coletivo. Às vezes as professoras que têm mais afinidade,

trabalham juntas (referindo-se ao planejamento das aulas) (Eliane, DC, 25/10/13).

Nas declarações anteriores é evidenciado um aspecto importante das atividades

escolares para a execução de seu projeto educativo: a existência da prática de elaboração dos

diferentes planos escolares. No entanto, as narrativas das professoras sobre a forma como

acontece essa ação na escola, e a análise dos documentos escolares recolhidos (ver quadro 5),

apontam um distanciamento entre as proposições para o trabalho pedagógico, através da

metodologia de projetos, constantes no PPP da unidade escolar e o que foi apresentado nos

demais planos escolares, que as professoras nos disponibilizaram.

De acordo com Vasconcellos (2012, 41), “O planejamento é político, é hora de tomada

de decisões, de resgate dos princípios que embasam a prática pedagógica. Mas para chegar a

isto, é preciso atribuir-lhe valor, acreditar nele, sentir que planejar faz sentido, que é preciso,”.

Desse modo, o planejamento realizado pelo professor, explicitado nos planos de curso e

planos de aulas, são reveladores não só da concepção do processo de planejamento, como dos

diferentes conhecimentos que embasam a prática do professor: conhecimentos específicos,

conhecimento pedagógico e conhecimento curricular (SHULMAN, 1986).

Na análise dos planos de ensino da Matemática, realizados pelas professoras, percebe-se

uma cisão entre a significação para a elaboração e o papel dos planos escolares, conforme

descrito por Vasconcellos (2012), e a forma como esse processo se dá, nesta escola. Ao que

parece, o sentido e significado atribuído pelas professoras participantes na elaboração dos

planos anual e bimestrais, é o de cumprimento de uma atribuição inerente à função do

professor, sem, no entanto, possuir um sentido pessoal para tal ação, enquanto uma

necessidade para a sua ação docente.

Outro aspecto que chama a atenção, sem querer aprofundar nesta discussão, é a forma

de interação entre a coordenação pedagógica da escola e os professores nesse processo. Há

indicativos de que esta interação, de modo geral, ocorre no sentido de acompanhar o

cumprimento das atribuições das professoras, não se constituído numa relação de apoiamento

e colaboração com as professoras para a realização de sua prática pedagógica. Esta percepção

é corroborada pelas as seguintes declarações da coordenadora:

Os professores fazem os planejamentos e depois me entregam. Elas (as

professoras) planejam junto com a colega que tem afinidade. Começaram a planejar

juntas: terceiro com terceiro, primeiro com primeiro [...] Mas, não persistem

(Coordenadora pedagógica, DC, 06/08/13).

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Olho os cadernos semanalmente, às vezes converso com as professoras para

entender o plano, ver onde estão as capacidades trabalhadas [...] (Coordenadora

pedagógica, DC, 03/10/13).

A indicação de elaboração conjunta dos planejamentos pelas professoras que atuam no

mesmo ano escolar, com base no coleguismo e afinidade entre as professoras, manifestadas

nas declarações anteriores, evidencia que a elaboração coletiva dos planos escolares não se

constitui uma premissa no encaminhamento da escola no desenvolvimento do seu projeto

educativo.

No transcorrer de todo o período de trabalho de campo, foi possível perceber que a

realização do novo modelo da avaliação de desempenho profissional, a partir da implantação

do programa de avaliação institucional da rede municipal de ensino de Cuiabá, mobilizou toda

a equipe escolar e ganhou destaque tanto nas conversas informais como nas discussões da

escola no âmbito do projeto “Roda de conversa”.

Esta nossa percepção é confirmada nas afirmações da coordenadora ao fazer um balanço

sobre desenvolvimento do referido projeto no ano de 2013, por ocasião da realização do

último encontro: “A avaliação foi o tema central esse ano: a avaliação de desempenho da

equipe gestora e de todos os profissionais a partir de evidências e avaliação da

aprendizagem” (Coordenadora, DC, RC-12/12/2013).

O processo das avaliações de desempenho individuais apontou aspectos importantes, já

evidenciados pelos dados da pesquisa apresentados anteriormente, tais como: ausência de um

acompanhamento sistemático e consequente da aprendizagem dos alunos, de discussões

pedagógicas coletivas, de orientação, apoio e acompanhamento aos professores por parte da

coordenação pedagógica, na realização do processo ensino e aprendizagem em sala de aula.

Isto é manifestado, entre outras, nas declarações da diretora escolar e da professora Eliane ao

comentarem o processo de avaliação de desempenho profissional:

O processo foi muito desgastante, mas positivo. Foi um momento de reflexão [...] o

item de maior incidência negativa na avaliação dos professores, foi em relação ao

registro sobre a aprendizagem dos alunos (Diretora escolar, DC, 21/10/13).

Zeramos em dois itens da avaliação de desempenho: aplicar as discussões coletivas

do projeto “Roda de Conversa” e as orientações da coordenadora. Como aplicar

algo que não aconteceu? Nos encontros do “Roda de conversa” não têm

acontecido discussões coletivas sobre o ensino, só discussão e avaliação da equipe

gestora, PDE, repasse de reuniões na SME. Tiramos zero por um trabalho que dependia do trabalho da coordenadora e ela não fez! (Eliane, DC, 25/10/13).

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Foi possível perceber nesse processo que, apesar de não ter havido discussões teórico-

pedagógicas sobre a avaliação, os resultados das avaliações suscitaram reflexões. E,

principalmente provocaram mudanças na forma de condução e nas ações realizadas no último

encontro do “Roda de conversa”, se comparado ao encontro do início do semestre, conforme

relato anteriormente exposto. A seguir trechos dos registros da pesquisadora sobre encontro

realizado em 12/12/2013:

Com a declaração “para a avaliação precisamos de teoria”, a coordenadora propôs

a próxima atividade: leitura e discussão coletiva do texto: “Desafios à prática

reflexiva na escola” (LINO DE MACEDO, REVISTA PÁTIO, ano VI, n. 23,

set./out. 2002). Durante as discussões registramos algumas falas dos participantes:

P1- Tenho dúvidas, dificuldades para teorizar a prática. No dia-a-dia é tanta coisa,

que não paramos para questionar: por que faço tal coisa?

P2 - Precisamos superar o individualismo...

P3 – Precisa haver troca entre os professores para ter uma linha única no trabalho

pedagógico da escola.

C: Cada um tem uma concepção de mundo, de ensino, de escola. Transformação,

mudança de concepção e de prática, implica abertura e querer. A coordenadora concluiu a atividade declarando: “vejo a necessidade de mais

encontros coletivos para tratar do pedagógico”. Afirmação que teve a concordância

dos professores, avaliando positivamente a dinâmica do encontro, ao contemplar

momentos de estudos e reflexões coletivas (Pesquisadora, DC/RC, Equipe escolar,

12/12/2013).

Ao analisarmos o relato da pesquisadora, percebemos uma mudança nas atividades e na

forma de mediação da coordenadora na condução do referido encontro. Podemos inferir que,

provavelmente, os resultados das avaliações provocaram esse avanço qualitativo. Percebemos

nas afirmações dos participantes indicativos de tomada de consciência da necessidade de

reflexões, tanto individual como coletivas, sobre a prática pedagógica realizada na escola.

Acreditamos que este episódio pode representar um possível início do processo de

mudança em direção à concretização de momentos coletivos de estudos, de planejamento,

enfim, de organização coletiva do trabalho pedagógico da escola.

Diante do aqui exposto é possível fazermos algumas inferências sobre a organização do

trabalho pedagógico na escola onde realizamos pesquisa e os possíveis reflexos deste contexto

nos conhecimentos profissionais e nas práticas pedagógicas das professoras participantes,

referente ao SND.

Todos os dados descritos indicam que não há ainda uma proposta materializada de um

trabalho coletivo na escola, pensando num projeto educativo para a escola no qual a

ocupação principal, na sua essência, seja com o pedagógico e com as mudanças qualitativas

no processo de ensino e aprendizagem.

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Os espaços-tempo institucionais existentes através do projeto “Roda de conversa”, ao

que parece, não são utilizados pela escola exclusivamente para estudos, reflexões e

planejamentos coletivos dos professores, como preconiza o referido projeto.

Embora a escola possua uma organização dos tempos e espaços escolares eficientes, a

forma como está estruturada pouco favorece a integração curricular e as interações entre as

professoras do 1º ciclo, na prática cotidiana.

Em se tratando do ensino dos conteúdos curriculares de Matemática no 1º ciclo, os

dados apresentados evidenciam ausência de discussões e estudos coletivos sobre o tema, ou

seja, de foco no ensino e na aprendizagem dos conhecimentos matemáticos, nesta etapa de

escolarização. Pelo menos, não durante o período de realização da pesquisa.

Podemos verificar, também, indícios de encaminhamentos da escola na organização do

ensino de Matemática, orientado pelo livro didático. A gênese e historicidade dos conceitos

matemáticos, bem como, a dimensão sócio-histórico-cultural dos professores e alunos no

processo de ensino e aprendizagem, não são considerados.

O contexto de organização e utilização da escola dos espaços-tempo para organização

coletiva do trabalho pedagógico pouco favorece o processo de formação contínua do grupo de

professores que a compõe. E, consequentemente, pouco estimula as mudanças na prática

pedagógica em direção à superação do modelo tradicional de ensino.

No caso particular das professoras participantes da pesquisa, isto significa ausência de

oportunidade de superar as fragilidades nos seus conhecimentos profissionais, apontados

anteriormente, e melhorias na prática pedagógica, referentes ao ensino de Matemática e,

particularmente o ensino do SND.

A maneira como é organizado o trabalho pedagógico na escola (por ocasião da

realização da pesquisa), parece não traduzir as perspectivas do ensino organizado em ciclos de

formação, assumido oficialmente pela escola. A possibilidade da organização em ciclos, de

que os coletivos de professores dos ciclos possam discutir e decidir juntos (tendo por

referência a proposta pedagógica contida no PPP da escola) o desenvolvimento do ensino e as

metas coletivas para a aprendizagem das crianças, ainda não se constitui uma realidade nesta

escola.

Nas experiências brasileiras com a implantação dos ciclos figuram dois tipos de

proposições, que definem a efetivação ou não, do processo educativo dentro das perspectivas

teóricas da escola ciclada: aquelas que têm uma “proposta pedagógica com referências

teóricas progressistas, e operaram mudanças qualitativas no processo educacional; e aquelas

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que apenas operam no plano burocrático administrativo, juntando séries artificialmente

denominadas de ciclos” (AZEVEDO, 2007, 13).

Neste contexto, Freitas (2004) chama a atenção para a necessária diferenciação entre as

experiências consideradas de progressão continuada e de ciclos, as quais estão relacionadas

com as finalidades educacionais que são atribuídas às possíveis mudanças nos tempos e

espaços escolares:

A progressão continuada, do ponto de vista curricular, apesar das junções de séries,

continua tratando cada ano escolar de forma seriada e vê os conteúdos escolares

como conjuntos de competências e habilidades a serem dominados pelos alunos. A

progressão continuada não se contrapõe à seriação, como alguns creem. Ela

simplesmente limitou o poder de reprovar que a avaliação formal tinha ao final de

cada série [...] a questão, portanto, não é optar entre progressão continuada ou série

mas entre avaliar com poder de reprovar ou não (FREITAS, 2004, p. 10, grifos do

autor).

Desse modo, então, as experiências com a progressão continuada, preserva os atributos

da seriação incorporando a não reprovação no processo de avaliação. “Diferentemente da

progressão continuada, os ciclos propõem alterar os tempos e espaços da escola de maneira

mais global, procurando ter uma visão crítica das finalidades educacionais da escola”

(FREITAS, 2004, p. 11).

Lembramos, no entanto, da necessidade de considerarmos as práticas pedagógicas das

professoras no contexto de organização do trabalho pedagógico na escola, e desta, no

contexto da política educacional da rede municipal de Cuiabá. Assim, entendemos que a

realidade da escola em relação à perspectiva dos ciclos, reflete, provavelmente, a forma como

a política de organização do Ensino Fundamental de nove anos – os ciclos de formação se

materializa na rede pública municipal de ensino de Cuiabá, como um todo.

Para Mainardes (2008, p. 119) em termos gerais, o caráter conservador ou progressista

de uma política de ciclos, além de “estar relacionado à concepção de Estado e de política

educacional que fundamenta cada gestão”, depende, entre outros, de aspectos, tais como:

- dos objetivos e propósitos atribuídos à política de ciclos; - das estratégias usadas na

formulação e na implantação da política (espaços de participação, discussão e decisão conjunta das intervenções a serem feitas na rede como um todo, nas escolas

e nas salas de aulas); - do papel atribuído à apropriação do conhecimento

sistematizado; - da infraestrutura garantida às escolas; - do tipo de formação

permanente dos professores (MAINARDES, 2008, p. 120-121).

Neste contexto, não querendo aprofundar esta discussão em virtude da necessidade de

delimitação do trabalho, identificamos a necessidade de futuros estudos sobre a política de

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ciclos da rede de ensino de Cuiabá, para que possamos melhor compreender a prática

pedagógica do professor em sala de aula e as ações da escola como um todo.

O próximo item se destina à apresentação e discussão das práticas pedagógicas

desenvolvidas pelas professoras em sala de aula, ao ensinar o SND.

4.1.3 Prática pedagógica referente ao SND: a ação das professoras na sala de aula

Na presente seção nosso olhar recai sobre a ação pedagógica desenvolvida em sala de

aula e os conhecimentos profissionais manifestados pelas professoras participantes, ao

trabalhar o conhecimento matemático relacionado ao SND. Como já assinalamos

anteriormente, para a produção de informações a respeito das práticas pedagógicas

desenvolvidas pelas professoras colaboradoras da pesquisa em duas turmas (uma de 2º ano e

outra de 3º) do 1º ciclo do EF, referentes ao SND, realizamos as observações das aulas de

Matemática nas referidas turmas, durante o segundo semestre de 2013.

Durante as observações e, no momento, ao nos debruçarmos sobre as descrições das

aulas com intuito de compreender as práticas pedagógicas das professoras e os conhecimentos

profissionais subjacentes a estas, voltamos o nosso olhar para os tipos de atividades propostas

para trabalhar com o SND (as formas de abordagem do conteúdo, a articulação entre os

conteúdos e as experiências culturais dos alunos, valorização, ou não, das estratégias

individuais dos alunos na resolução das atividades e as correções) e os recursos utilizados, as

interações e mediações pedagógicas (gestão da sala de aula, relação professor-aluno-

conhecimento, aluno-aluno).

Estes aspectos são essenciais para situar as práticas pedagógicas e desvelar os

conhecimentos profissionais das professoras, referentes ao ensino do SND. O motivo para

afirmação está no entendimento, à luz de nosso referencial teórico, que o ensino de

Matemática numa perspectiva de educação humanizadora, pressuposto da teoria histórico-

cultural, subjaz a compreensão de que o processo educativo que gera desenvolvimento

intelectual é aquele que coloca o aluno em “atividade”, no sentido proposto por Leontiev

(1972), de aprendizagem.

Isto envolve a ação do professor de colocar o aluno diante da necessidade do conceito, a

partir da proposição de tarefas, situações problemas ou desafios, reais ou elaborados, que

mobilizem as crianças, individual e coletivamente, a buscar soluções, elaborar hipóteses e

sínteses (LANNER DE MOURA, 2007). Aspectos imprescindíveis para possibilitar aos

alunos a produção dos conhecimentos matemáticos referentes ao SND.

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Desse modo, podemos inferir que no processo de ensino e aprendizagem, a criança tem

papel ativo no seu aprendizado. O papel do professor é o de mediador entre a criança, o objeto

a ser conhecido e o meio que o circunda. Assim, a ação do professor em sala de aula deve ser

intencional e planejada. Ao planejar cada atividade deve ter claros os objetivos, os conteúdos,

os conhecimentos que o aluno já possui e seus interesses.

Neste sentido, as interações e mediações pedagógicas em sala de aulas são

imprescindíveis no processo de ensino e aprendizagem. No entanto, a constituição de

interações e mediações pedagógicas em sala de aula “exige um conjunto de habilidades

interpessoais do professor para conceber e participar das interações e mediações com e entre

os alunos, com o objetivo de proporcionar a aprendizagem e o desenvolvimento dos mesmos”

(FURGHESTTI, 2013, p. 120).

Além destas habilidades, para o professor ensinar é necessário que o mesmo possua,

entre outros, conhecimentos específico, pedagógico e curricular do conteúdo da disciplina que

vai lecionar. No caso deste estudo, para ensinar o SND, é necessário que as professoras

participantes da pesquisa possuam os conhecimentos profissionais mencionados

anteriormente, acerca do SND.

Práticas pedagógicas sobre o SND, turma do 2º ano, professora Leci

A professora Leci trabalhava os conteúdos matemáticos em dois dias da semana

previamente definidos: às terças-feiras (período integral) e às sextas-feiras (das 7h. às 9h.).

Realizamos as observações em 07 (sete) dias, totalizando 22 (vinte e duas) horas aulas, no

período de 06/8/2013 a 06/09/2013. Após essa data a professora se licenciou, sendo

substituída pela professora Lúcia.

Com a análise dos registros das aulas observadas, percebemos que o trabalho com os

conteúdos matemáticos se restringia em completar os exercícios do livro didático. A

professora pouco oportuniza a interação entre os alunos e a sua mediação compreende em

repetir as explicações coletivas sobre como se faz um determinado exercício. As de Leci

apresentam um padrão invariável.

No quadro 625

, a seguir, apresentamos sínteses das aulas de Matemática observadas

identificando, como exposto no início deste item, os conteúdos e atividades propostas, os

recursos utilizados, as estratégias de ensino e correção das atividades, as formas de interações

25 Quadro análogo ao elaborado por Furghestti (2013).

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139

entre professor-aluno e aluno-aluno, de modo a oferecer um panorama da prática pedagógica

desenvolvida na sala de aula pela professora Leci ao ensinar os conteúdos matemáticos.

Quadro 6 - Síntese das atividades realizadas na prática pedagógica da professora Leci, ao ensinar Matemática,

na turma do 2º ano do 1º ciclo do EF, no período de 06/08 a 06/09/2013.

Conteúdo/

Atividade/Recurso

Estratégia de ensino e

correção das atividades.

Relação/

Atendimento aos alunos

Como os alunos

realizam atividades

1ºd

ia 06/0

8/1

3

Composição e

decomposição de

números (dezenas

inteiras e unidades)

Números pares e

impares.

Recortar fichas de

números do encarte

do livro didático. Completar

atividades do livro

p. 130-134.

Inicia as aulas fazendo a

localização no tempo e espaço

(dia da semana, mês, ano,

cidade estado, país), através de

questionamentos orais e

localização no calendário e

mapa mundi afixados na

parede da sala (atividade de

rotina).

Geralmente a professora

posiciona-se frente à turma ao

lado do quadro. Relembra o

assunto estudado na última

aula, anuncia e registra no

quadro assunto do dia e as

páginas do livro didático em

que vão trabalhar.

Faz a introdução do assunto

através de explicações e exemplos, seguindo,

geralmente, o mesmo roteiro e

exemplos do livro didático ou,

explicações e exemplos

similares aos do livro.

Para completar as atividades

do livro, normalmente, a

professora lê ou pede para um

aluno ler o enunciado da

questão, vai fazendo questionamentos e, na maioria

das vezes, ela mesma os

responde ou reforça a resposta

do(s) aluno(s), registrando as

A professora mantém uma

disciplina rígida, os alunos

não conversam nem

levantam da carteira.

Durante as explicações e a

realização dos exercícios,

tenta manter todos os

alunos atentos, repetindo o

alerta: “presta atenção”! Se tem algum aluno distraído,

estala os dedos ao dizer

“fulano acorda”!

Elogia os alunos que

respondem aos

questionamentos durante a

realização das atividades.

Caminha entre as carteiras

e orienta os alunos na

realização dos exercícios e/ou para a refazer de

acordo com a resolução ou

correção feita no quadro,

dá mais atenção aos alunos

que não acertam as

respostas ou não copiam

corretamente as respostas

do quadro. Ao final vista

todos os livros.

A correção (verificação) da tarefa de casa,

geralmente, leitura e cópia

de textos do livro didático

de português, é feita

Individualmente e

em silêncio, sem

apresentar dúvidas

ou perguntar alguma

coisa.

Quando é dado um

tempo, alguns alunos

resolvem as atividades sozinhos,

a maioria espera a

professora resolver

no quadro e copiam

as respostas.

dia

0

9/0

8/1

3

Dúzia.

Unidade e dezena.

Algoritmo da

subtração.

Completar

atividades do livro,

p. 135-138.

3ºd

ia

20/0

8/1

3

Números com três

algarismos: 3º

ordem- centena.

Ideias da adição:

juntar e

acrescentar. Algoritmo da

adição.

Copia o cabeçalho.

Escrever numerais

de 0 a 100.

Completar

atividades do livro,

p. 139, 140, 174-

176.

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140

dia

30/0

8/1

3

Operação de adição

com

reagrupamento/

algoritmo

convencional.

“Probleminhas” de adição do tipo

padrão.

Escrever numerais

de 100 a 199.

Cópia do

cabeçalho.

Completar

atividades do livro,

p. 184.

respostas no quadro. Algumas

vezes, ela resolve o primeiro

item da atividade no quadro, e

pede que os alunos completem

o restante da atividade, porém,

não é dado um tempo para que todos resolvam. E, adota o

mesmo procedimento anterior.

Ao terminar de completar e/ou

corrigir as atividades no

quadro (um exercício por vez),

a professora circula pela sala

conferindo se os alunos

“acertaram” (copiaram

corretamente as respostas) e

dando visto nas atividades/livros dos alunos.

- Não incentiva a colaboração

entre os alunos para ajuda

mútua, troca de ideias e

trabalhos coletivos.

São desenvolvidas apenas as

atividades propostas no livro

didático adotado. A professora

não planeja/ propõe atividades

diferenciadas e com outras metodologias ou recursos

didáticos para os alunos que

apresentam dificuldades ou

não resolvem as atividades

sozinhos, limitando a copiar as

respostas do quadro.

individualmente no

caderno do aluno. Nesse

momento a professora,

sentada à sua mesa chama

um aluno por vez para dar

visto nos cadernos.

dia

03/0

9/1

3

Operação de

Subtração/

algoritmo

convencional.

Ideias da subtração: retirar uma

quantidade de outra

e comparar

quantidades.

Cópia do

cabeçalho.

Escrever numerais

de 200 a 299.

Completar

atividades do livro,

p. 220 – 227.

6ºd

ia 0

6/0

9/1

3

Revisão das

operações de

adição e subtração

com reagrupamento/

algoritmo

convencional e

probleminhas do

tipo padrão.

Cópia do

cabeçalho.

Completar

atividades do livro,

p. 228 – 230. Fonte: Diário de Campo da pesquisadora.

Conforme demonstrado no quadro 6, a professora Leci segue uma rotina de início das

aulas na turma do 2º ano, a qual denomina de “construção coletiva do cabeçalho”. A partir de

questionamentos orais (Que dia é hoje? Hoje é terça, ontem foi? Amanhã é? Qual o primeiro

dia da semana? Em que mês e ano estamos? Qual cidade, Estado, país que moramos? etc.),

seguidos de conferência no calendário e localização no mapa mundi afixados na parede, das

respostas dos alunos, a professora realiza uma localização no tempo e espaço.

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141

Podemos verificar, sem querer aprofundar em tais discussões, que nessa atividade de

rotina são abarcados diversos conteúdos matemáticos como, por exemplo, medidas de tempo,

antecessor, sucessor, sequência, ordem etc. Nos demais momentos das aulas observadas, os

conteúdos trabalhados compreendem, segundo a classificação de conteúdos dos PCN de

Matemática (BRASIL, 1997), o bloco de conteúdos “Números e Operações”, no qual se

insere o conteúdo sistema de numeração decimal.

Entendemos que a referida atividade de rotina, se intencionalmente planejada, favorece

a exploração do SND. No entanto, parece que a professora realiza esse momento de

“construção do cabeçalho” sem ter a consciência que já está trabalhando, e de maneira

significativa, alguns conhecimentos matemáticos. A professora deixa transparecer o

entendimento de que compreende como efetivo trabalho com a Matemática, a ação de

completar exercícios que envolvam os procedimentos matemáticos convencionais.

Apresentamos a seguir análises mais detalhadas sobre as práticas pedagógicas e os

conhecimentos profissionais manifestados pela professora Leci sobre o SND durante as aulas

observadas. Com esse intuito reportamo-nos aos nossos relatos em diário de campo e

selecionamos dois episódios de ensino que exemplificam a prática pedagógica da professora

ao ensinar o SND e, consequentemente, os conhecimentos profissionais subjacentes.

Como já mencionado anteriormente, a professora no início da aula registra, no quadro,

as páginas do livro didático que vão ser trabalhadas e anuncia o conteúdo que será abordado

na aula. Posteriormente, relembra os assuntos estudados nas aulas anteriores. Faz a introdução

do assunto através de explicações e exemplos seguindo, geralmente, o mesmo roteiro e

exemplos do livro didático do aluno.

Em nossas observações, em uma das aulas, a professora desenvolve o tema “compor e

decompor números”, episódio que descrevemos abaixo, e que ilustra bem a sua prática

pedagógica em sala de aula.

Episódio 1 (Parte da aula da professora Leci do dia 06/08/13)

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142

Após escrever no quadro “Livro26: p. 130-138: Compor e Decompor Números”, a professora

inicia a aula:

P- Estamos estudando a numeração decimal, estamos agrupando de [...] (alguns alunos

responderam de dois, de cinco, outros de dez). A professora prossegue: No material dourado

a barrinha tem? Dez unidades é uma dezena. Presta atenção! Registra no quadro o número

130, conforme indicado abaixo e, ao mesmo tempo, vai perguntando e respondendo às

próprias perguntas e escrevendo no quadro o número 130 decomposto.

P- Uma centena é? Cem. Quanto são três dezenas? “Trinta” (alguns alunos respondem

juntos):

100 + 30 + 0

A professora interrompe a explicação e solicita aos alunos que recortem os numerais do

encarte do livro. Indica então que numerais com dois algarismos, são as dezenas, e com um

algarismo, são as unidades. Dá um tempo para que os alunos realizem a tarefa, enquanto

circula pela sala acompanhando o trabalho. Quando percebe que todos concluíram diz:

P- Vamos separar as dezenas e unidades. Presta atenção! Vai até a carteira de um aluno e

mostra como faz. Seguindo a orientação os alunos separam-nos em duas colunas: os números

formados por dezenas exatas de um lado e números menores que dez de outro lado.

Referindo-se aos numerais que os alunos recortaram, assim indica:

P- Vocês receberam dezenas fechadas, a gente também chama de dezena exata, termina com

0. Foi falando e registrando no quadro: 10, 20, até 90. Prosseguiu do mesmo modo:

P- Temos também 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, são as unidades e, com esses números,

escrevemos qualquer número. Prossegue falando e registrando no quadro: Veja o exemplo 85

= 80+5, isso é decompor. 50 + 3 = 53 compor. O que é compor?

A: É juntar o cinquenta mais o três (respondeu um aluno). A professora pegou um

dicionário e leu as definições de compor e decompor. Os alunos ouviram a leitura em

silêncio. Prosseguiu lendo e resolvendo no quadro as atividades do livro inseridas nas

páginas 130 e 131. Alguns alunos já haviam resolvido os exercícios durante as explicações, a

maioria copiou a resposta do quadro.

C

1

D

3

U

0

26

Refere-se ao Livro Didático do aluno adotado pela escola para os três anos do 1º ciclo do Ensino Fundamental:

DANTE, Luiz Roberto. Ápis: Alfabetização Matemática. São Paulo: Ática, 2011. Obra em 3 v. para alunos do

1º ao 3º ano.

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143

O episódio nos mostra que a professora anuncia algumas características do SND ao

tratar sobre a composição e decomposição dos números. No entanto, não problematiza de

modo a possibilitar que os alunos expressem as compreensões já existentes, ou levá-los a

perceberem e construírem as regularidades do nosso sistema de numeração.

Quando a professora relembra aos alunos que estão estudando sobre o SND e questiona-

os sobre os agrupamentos neste sistema, não considera as respostas dos alunos indicando

diferentes agrupamentos e prossegue mencionando o Material Dourado, reforçando apenas a

noção de dezena como conjunto resultante do agrupamento de dez unidades.

Da mesma forma, a característica do SND de utilizar apenas dez diferentes algarismos

para escrever número de qualquer magnitude, é anunciada pela professora, também, como

uma manchete: “temos também 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, são as unidades, com esses números

escrevemos qualquer número”. E não promove discussões, limita-se apenas à exposição

indireta de uma das características do SND, que é possuir dez algarismos distintos. Também

podemos observar que a professora não faz distinção entre algarismo e número. O termo

número é empregado tanto para designar a expressão de quantidade, quanto para indicar os

símbolos abstratos que utilizamos para representar os números.

Embora não tenhamos questionado a professora sobre um possível trabalho anterior

com a base dez e outras bases, acreditamos, mediante a análise do caderno de planos de aulas

da professora e caderno dos alunos, que as respostas dos alunos, dizendo que estão agrupando,

de dois, de cinco, de dez, não têm relação com o conceito de base de um sistema de

numeração. Provavelmente os alunos tomam como referência os exercícios envolvendo

contagens com diferentes intervalos, observados em outras aulas, daí suas respostas.

Esse tipo de atividade por si só, não possibilita estabelecer relação ou compreender o

que significa os agrupamentos de dez em dez (a base dez) do SND. Da mesma forma, a

simples memorização das ordens em termos de unidade, dezenas, não resulta na compreensão

do princípio de posicionalidade (CURI, 2011), sendo esta uma das características que

distingue o nosso SND dos demais sistemas de numeração.

A proposta de recortar os numerais do encarte do livro, de acordo com o enunciado do

livro didático, tinha por objetivo auxiliar os alunos (mediar) na resolução dos exercícios sobre

a composição e decomposição de números, porém, isso não ocorreu. Como mostra o episódio,

foi realizada apenas a separação, seguindo o modelo mostrado pela professora, dos numerais

representando dezenas exatas e unidades simples. Esta foi uma atividade mecânica que pode

ter contribuído pouco para a compreensão do assunto estudado, já que as atividades foram

resolvidas no quadro pela professora e copiadas pelos alunos.

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144

Apesar de a professora começar anunciando as características do SND, quando aborda o

assunto “composição e decomposição de números” não estabelece essa relação, apenas

reproduz o exemplo do livro: Veja o exemplo 85 = 80+5 – isso é decompor. 50 + 3 = 53

compor. A seguir a figura do livro didático anteriormente mencionado.

Figura 4 - Introdução sobre composição e decomposição de números no LD2-A

Fonte: LD2- A, p. 130.

Para explicar o conteúdo “compor” e “decompor” números ao invés de explorar os

agrupamentos e trocas no interior das ordens, faz a leitura do significado de termos

composição e decomposição no dicionário, que o livro sugeria que os alunos fizessem. Essa

ação pouco auxilia na compreensão das ideias Matemáticas envolvidas na ação de compor e

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145

decompor as unidades, apenas o significado linguístico dos termos, como revela a

compreensão do aluno ao que significa “compor”: “É juntar o cinquenta mais o três!”

No desenvolvimento das atividades do livro sobre compor e decompor os números não

são explorados os princípios multiplicativos e aditivos subjacentes ao valor posicional dos

algarismos na escrita numérica. Acaba se reduzindo à mecanização de procedimentos, através

da reprodução do modelo apresentado no livro.

As explicações da professora e a forma diretiva como encaminha o desenvolvimento das

atividades do livro, além de não possibilitar reflexões sobre as características do nosso

sistema, não oportuniza que os alunos manifestem que conhecimentos acerca do SND já estão

consolidados e quais ainda requerem um trabalho sistemático para que possam ser

construídos.

Consideramos o SND um instrumento simbólico desenvolvido pela humanidade para

lidar com o registro de grandes quantidades utilizando o mínimo de símbolos possível.

Portanto, uma obra viva e em relação direta com as necessidades dos sujeitos e dos tempos

históricos de sua produção.

Reportando-nos a Kopnim (1978), entendemos que na compreensão do conceito de

SND, a unidade entre o lógico e o histórico do conceito é uma necessidade. Apoiando-nos em

Moretti (2014), entendemos que oportunizar a criança compreender o processo histórico de

produção dos conceitos (os nexos conceituais) que constituem o SND é parte importante no

movimento de apropriação deste conceito. “O conhecimento do objeto, desta forma, apenas

faz-se possível na unidade dialética entre os aspectos históricos e lógicos do objeto de

conhecimento” (MORETTI, 2014, p. 35).

Tendo por referência o episódio anterior e mediante a declaração de Leci, “começo pela

história do pastor, contando a história dos números [...]”, ao explicar como ensina o SND, é

possível conjeturar que a professora já tenha trabalhado o aspecto histórico do conceito de

SND. Nesse contexto, podemos inferir que a professora poderia ter explorado, se

intencionalmente planejada uma “revisão” sobre as regularidades do sistema decimal, os

agrupamentos de dez em dez (a base dez), durante a aula referida no episódio. Poderia ainda,

entre outras possibilidades, ter utilizado recursos didáticos como o Material Dourado e o

ábaco, para que as crianças pudessem vivenciar a ação de agrupar e reagrupar de dez em dez,

imprescindíveis para compreender a posicionalidade do SND.

A seguir, apresentamos o segundo episódio utilizado pela professora para introduzir a

ordem da centena, o qual ilustra a abordagem que a mesma utiliza no ensino do SND.

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146

Episódio 2 (Parte da aula da professora Leci do dia 20/08/13)

Entrei na sala depois de 10 minutos do início da aula. No quadro estava escrito: páginas

139, 140, 174, 175 e 176. Os alunos com os livros já abertos na página 139, em silêncio

copiavam do quadro o “cabeçalho”. A professora sentada à sua mesa chamava um a um

pra apresentarem os cadernos de “dever de casa”. Terminada a conferência das tarefas, a

professora se posiciona a frente do quadro:

P: Nós trabalhamos até 99, mas muita gente aqui já faz até 200. Registra no quadro:

P: Cada dezena vale quantas unidades? Se eu falar tenho cinco dezenas, tenho que contar

de dez em dez. Dez, vinte, trinta, quarenta, cinquenta (indicando com os dedos). Cem, tem

quantas unidades? Alguns alunos respondiam: dez, cem. Se eu falar que tenho duas

centenas, tenho que contar de [...] (ela mesma respondeu) de cem em cem. Prossegue com

exemplos registrando no quadro: 2 centenas = 200 unidades - 6 centenas = 600

unidades. A professora prossegue a explicação:

P: Depois do 99 vem o 100. Veja a coleção de moedas do Celso (referindo-se à ilustração

da página 139 do livro do aluno). Lembram como decompõe? E registra no quadro:

99 = 90+9 (decomposição) 90+9 = 99 (composição). O aluno tinha noventa e nove

moedas e ganhou mais uma. Registra no quadro o algoritmo da operação 99 + 1, e

pergunta para a turma:

P: O que eu faço?

A: Pede emprestado!

P: Não é de menos, presta atenção! Realizando a contagem de risquinhos e “vai um”

resolve a operação, conforme abaixo:

P: Não é de menos, presta atenção! Realizando a contagem de risquinhos e “vai um”

resolve a operação, conforme abaixo:

C D U

(1) (1)9 9 ////////

1 /

1 0 0

P- Como eu decomponho e componho o número cem? Vai falando e registrando no

quadro: 100 = 99+1 e 99+1= 100.

Prossegue fazendo a leitura dos enunciados dos exercícios do livro e respondendo no

quadro. A cada exercício, circula entre as carteiras para verificar se “acertaram”.

D U

9 9

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147

Na sequência, a figura da página do livro didático do aluno, ao qual fazemos referência

no episódio.

Figura 5 – Apresentação do número 100 no LD2-A

Fonte: LD2- A, p. 139.

Observando o episódio em questão, podemos inferir que o objetivo da professora ao

introduzir a “centena”, era trabalhar a noção de centena como conjunto resultante do

agrupamento de dez dezenas e a interpretação da escrita do número cem como a representação

do reagrupamento (uma centena, zero dezena, zero unidade). No entanto, podemos perceber

que a professora não explica os agrupamentos de dez em dez e as trocas (base dez, princípio

de posicionalidade) para formar a terceira ordem-centena.

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148

A professora ao expressar, “se eu falar tenho cinco dezenas, tenho que contar de dez em

dez [...] se eu falar que tenho duas centenas, tenho que contar de cem em cem”, e ao

apresentar o “exemplo: 2 centenas= 200 unidades, 6 centenas = 600 unidades”, se limita à

contagem, e não consegue estabelecer relação com os agrupamentos em base dez, com o valor

posicional, enfim, com as regularidades do SND.

Podemos observar, também, que aparecem, na exposição da professora, registros da

decomposição e composição do número cem, como sendo respectivamente 100 = 99+1 e

99+1= 100. A professora não faz decomposição decimal dos termos. Segue, provavelmente,

o modelo da apresentação do número cem (100) do livro didático (figura 5): 100= 99 +1.

Ocorre que a abordagem do livro didático na apresentação do número cem (100) não

explora a noção de centena como conjunto resultante do reagrupamento de dez dezenas (base

dez) etc. A ênfase recai sobre a ideia de “composição aditiva” (NUNES et al., 2009) presente

na organização da sequência numérica em que cada número é igual ao anterior mais 1. Assim,

100 = 99 + 1. De igual modo, entendemos que o objetivo do exercício do livro, é possibilitar

à criança perceber o padrão que se repete na escrita numérica ao adicionar outros números ao

cem (100).

As mudanças que se produzem nos números, quando se soma (ou subtrai) um, não são

exploradas pela professora. A mesma enfatiza o algoritmo ‘encaixando’ os algarismos nas

‘casinhas’ para reforçar os agrupamentos em termos de “unidade”, “dezena” e “centena”, sem

refletir com as crianças sobre o processo de agrupar e desfazer os agrupamentos e trocas

envolvidos na operação.

Este procedimento, de acordo com os dados da pesquisa, traduz a forma usual do

trabalho que a professora desenvolve no ensino do SND e operações. É enfatizado o

procedimento, a técnica operatória: “Toda operação eu quero que faça armada, o número

maior fica em cima [...]. Toda operação ou problema tem que armar. Armar é colocar os

números em pé, ou seja, na vertical” (Leci, DC, 03/09/13).

Esta afirmação da professora aponta para uma compreensão do conhecimento

matemático como algo pronto e acabado. E, que apenas uma resposta de resolução é aceita,

cabendo ao aluno aplicar os procedimentos de cálculo, previamente memorizados. Este fato

nos remete às narrativas anteriores de Leci sobre o modelo tradicional de ensino da

Matemática, que a mesma vivenciou em sua trajetória escolar. Podemos inferir que a

professora ao trabalhar Matemática com seus alunos, transpõe para a sua prática o modelo de

ensino que foi vivenciado por ela no período escolar.

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149

As pesquisas acerca desta problemática corroboram com tal percepção. Entre outros

pesquisadores, Nacarato, Mengali e Passos (2011, p. 23), ressaltam que as “futuras

professoras trazem crenças arraigadas sobre o que seja Matemática, seu ensino e sua

aprendizagem. Tais crenças, na maioria das vezes, acabam por contribuir para a constituição

da prática profissional”.

Acreditamos que uma formação inicial e uma formação continuada que oportunizem

aprendizagem dos conceitos matemáticos, a apropriação de referências teórico-metodológicos

sobre aprender e aprender a ensinar Matemática, bem como, a vivência de experiências de

aprendizagem mais significavas, podem contribuir para que os professores reavaliem as suas

concepções acerca da Matemática, da aprendizagem e do ensino da Matemática e,

consequentemente a construir práticas de ensino mais propícias ao processo de aprendizagem

de seus alunos. No entanto, as narrativas anteriores de Leci evidenciam que a mesma não teve

acesso a uma formação profissional, inicial e continuada, com essas características. Neste

contexto, como a professora pode superar o ensino de Matemática baseado em algoritmos e

cálculos mecanizados se esse foi modelo que aprendeu?

Acreditamos que sem um processo de formação com as características anteriormente

apresentadas, a superação do modelo tradicional de ensino de Matemática, pode ser para as

professoras um desafio praticamente insuperável, pois, de acordo com Palma (2010, p. 23),

“os estudos revelam, ainda, que parte das concepções e das crenças permanecerá inalterada se,

durante o processo de formação, os futuros professores não tiverem oportunidade de

reconstituir a sua relação com a Matemática”.

Esta situação fica muito evidenciada no episódio em tela. Mesmo em situações onde nas

atividades do livro didático é proposta a utilização de estratégias próprias ou de modelos

diferenciados de resolução, a professora “cobra” a técnica operatória usual, como podemos

observar, por exemplo, na figura 6, a seguir:

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150

Figura 6- Exercício desenvolvido no dia 30/08/13.

Fonte: LD2-A, p. 181.

Percebemos que os procedimentos empregados nas técnicas operatórias, por vezes são

utilizados pelos alunos mecânica e aleatoriamente. Isto é revelado no episódio anterior,

quando respondem ao questionamento da professora sobre o que fazer para realizar a

operação 99 + 1, dizendo: “pede emprestado!” Este seria, no nosso entendimento, o momento

da professora problematizar confrontando as diferentes compreensões dos alunos em buscar

detectar e estabelecer as regularidades do sistema envolvidas nas operações aritméticas. No

entanto, a mesma ao expressar “não é de menos, presta atenção”, considera o “erro” do aluno

como falta de atenção.

Como podemos observar no episódio em questão, desde a fala inicial da professora,

“nós já trabalhamos até 99”, ao introduzir uma nova ordem, a centena, é evidenciado que o

ensino do SND é realizado passo a passo a partir do trabalho com os números e operações

desprovidas de referência a seu uso social, restringindo-se a um determinado intervalo da

série numérica. Essa constatação é corroborada pela professora ao relatar como tem

desenvolvido o trabalho com este conteúdo:

Eu peguei desde o comecinho: quantidades, as unidades primeiro, depois as

dezenas, que dez unidades são uma dezena [...] Se entregasse para mim (referindo-se ao trabalho do professor com aos alunos do 1º ano) até as duas dezenas o 20, mas

bem trabalhado [...], já era meio caminho andado [...]. Eu não vou dar para a

criança, ou forçar até 1000[...]. Mas eu acho assim, se eu trabalhar a centena, é

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lógico que com a criança que sabe eu vou pra frente, mas se eu trabalhar até a

centena 999, quem pegar daqui para frente, vai ter uma facilidade enorme (Leci, E).

Essa abordagem gradual do SND utilizada pela professora constituiu, de acordo com

Lerner e Sadovsky (1996), o enfoque usualmente adotado pela escola para ensinar este

conteúdo. Neste contexto, para cada ano escolar são definidos previamente os intervalos da

sequência numérica que serão trabalhados. No primeiro ano, geralmente, trabalha-se com

números menores que cem, no segundo com números menores que mil e assim por diante.

Geralmente, após ensinar os algarismos, introduz-se a noção de dezena como o

agrupamento de dez unidades e a escrita do número dez como a representação do

agrupamento (uma dezena, zero unidade), e assim sucessivamente a cada nova ordem. O valor

posicional de cada algarismo é explicado em termos de “unidades”, “dezenas” etc.,

consideradas requisito para resolver as operações aritméticas envolvendo números do

intervalo priorizado no ano escolar. Como já demonstram algumas investigações, os

processos de construção das crianças sobre a notação convencional não seguem a ordem da

sequência numérica.

Concebemos o conhecimento matemático relacionado ao SND, como resultante da

atividade humana produzido historicamente para responder às suas necessidades instrumentais

e integrativas. Assim, compreendemos que as crianças constroem e se apropriam do SND

quando têm oportunidade de pensar e resolver problemas formulados pelo uso da numeração,

que lhes possibilite vivenciar a essência das necessidades que motivou a humanidade a

construir este conceito (LANNER DE MOURA, 2007; MIGUEIS e AZEVEDO, 2007).

Para tanto as crianças precisam, através da mediação do professor, serem estimuladas e

desafiadas a utilizarem estratégias próprias, a confrontar suas estratégias com as dos colegas,

a organizar e reorganizar o conhecimento na resolução de problemas. Além disso, de acordo

com Lerner e Sadovsky (1996, p. 124), a criança precisa vivenciar “quatro atividades básicas

– operar, ordenar, produzir e interpretar” escritas numéricas, em situações que tais ações

tenham sentido.

A partir dos dados, podemos dizer que a prática pedagógica da professora segue um

padrão invariável de aulas expositivas, com explicações baseadas, geralmente, no roteiro do

livro didático e a proposição de completar exercícios do livro didático com o intuito de fixar

os conteúdos. O SND não é ensinado considerando sua gênese e historicidade. O aspecto do

SND como prática sociocultural é desconsiderado, ignorando o fato de que as crianças

utilizam e presenciam a utilização da numeração de forma irrestrita nas suas interações

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sociais, ou seja, ouvem e visualizam números de toda magnitude, portanto, têm oportunidade

de elaborar conhecimentos acerca do sistema numérico antes do período de escolarização.

A abordagem do SND se restringe à ênfase do nome das unidades de ordem, unidade

simples, dezena e centena, a partir de exercícios descontextualizados de composição e

decomposição de números. Ainda, da memorização dos procedimentos envolvidos nos

algoritmos convencionais das operações aritméticas. Nestas, os agrupamentos e

reagrupamentos no interior das ordens (base dez, posicionalidade, princípio multiplicativo e

aditivo) subjacentes às operações, não são refletidos e problematizados.

Através do procedimento de “encaixar” os algarismos da operação nas “casas” da

unidade (U), dezena (D) e centena (C), adota-se o ritual, usualmente utilizado pela escola, de

“tomar emprestado” e “subir” o algarismo para a ordem imediatamente superior. Nesse

contexto, a mediação pedagógica da professora se limita a apenas explicar o procedimento,

verificar erros e acertos e, mediante incidência de erros, repetir a explicação.

Estas práticas pedagógicas da professora Leci, no nosso entender, refletem diretamente

tanto o seu percurso formativo e profissional, quanto à forma de organização do trabalho

pedagógico da escola, discutidos anteriormente. Traduzem a concepção de conhecimento

matemático visto como pronto e acabado e, portanto, precisa ser transmitido – características

do modelo tradicional de ensino. Evidencia as lacunas nos conhecimentos específicos,

pedagógicos e curriculares acerca do SND, resultante do processo insuficiente de formação

docente inicial e continuada, vivenciada em suas trajetórias escolar e profissional.

Práticas pedagógicas sobre o SND, turma do 2º ano, matutino: professora Lúcia

As observações das aulas de Lúcia, na turma do 2º ano do 1º ciclo do Ensino

Fundamental, ocorreram no período de 16/09/2013 a 02/12/2013, compreendendo 12 (doze)

dias, nos quais computamos 29 (vinte e nove) horas aulas de Matemática.

Durante as observações e ao analisarmos as descrições das aulas de Lúcia percebemos

que a mesma utiliza, de modo geral, uma abordagem didático-pedagógica ao ensinar os

conteúdos matemáticos, análoga às manifestadas nas práticas pedagógicas da professora Leci,

que a antecedeu nesta turma.

Este fato, que a primeira vista seria positivo, no aspecto da sequência no processo de

ensino, acabou por mostrar a continuidade de um ensino centrado em aulas expositivas

baseadas, geralmente, no roteiro do livro didático e a proposição de completar exercícios, com

o intuito de fixar os conteúdos. Características que nos remetem ao modelo tradicional do

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ensino de Matemática que, como já evidenciado em diversos estudos, apresentando limitações

quanto às contribuições para a aprendizagem e desenvolvimento das crianças.

No quadro 7, a seguir, são apresentadas sínteses das aulas observadas, dando

visibilidade às impressões anteriores ao retratar um panorama geral da prática pedagógica da

professora Lúcia, materializada na sala de aula. Para tanto, no referido quadro destacamos os

conteúdos trabalhados e, nestes, o enfoque dado ao SND, às estratégias de ensino, os tipos de

atividades propostas, os recursos utilizados, as interações e as mediações pedagógicas (gestão

da sala de aula, relação professor-aluno-conhecimento, aluno-aluno).

Quadro 7 - Síntese das atividades realizadas na prática pedagógica da professora Lúcia, ao ensinar Matemática,

na turma do 2º ano do 1º ciclo do EF, no período de 16/09 a 02/12/13.

Data

Conteúdo/Atividades

propostas

Estratégias de

ensino e correção

Relação/Atendimento aos

alunos

Como os alunos

realizam as

atividades

16

/09/1

3

Operações de adição e

subtração. Cópia de atividades do

quadro: probleminhas (tipo

padrão - classificar e empregar

técnica de resolução), armar e

efetuar a operação através do

algoritmo convencional.

Em sua organização

diária, geralmente, primeiro arruma

corretamente as filas

de cadeira dos

alunos.

Posiciona-se frente à

turma, fala sobre o

que vão estudar

naquele dia e faz

explicações gerais

sobre o assunto,

seguindo o roteiro e exemplos do livro

didático.

Depois de

apresentar as

atividades (do livro

do aluno,

xerocopiadas ou

passar no quadro),

algumas vezes

resolve um item da questão para mostrar

como se faz, outras

vezes deixa que o

aluno leia e resolva

autonomamente.

Destina o tempo

necessário para que

todos os alunos

completem os

exercícios.

Apesar de manter uma

fisionomia fechada e coibir qualquer burburinho, a

professora estimula os

alunos a solicitam a sua

ajuda, porém, os alunos

não o fazem

deliberadamente.

Por acompanhar todos os

alunos individualmente,

durante a realização das

atividades faz as

intervenções (algumas vezes de forma ríspida) no

momento em que o aluno

demonstra dúvida ou

incompreensão na

resolução da atividade.

Geralmente, os

alunos realizam as atividades

individualmente e

em silêncio,

porém, são

estimulados pela a

professora a

chamá-la caso não

entendam ou não

consigam resolver

sozinhos os

exercícios.

Algumas vezes, os

alunos que

apresentam

dificuldades em

algumas atividades

são ajudados pelos

colegas que já

realizam a

atividades sem

maiores

problemas.

24

/09/1

3 Aplicação de prova de

Matemática (3º bimestre) -

xerocopiada.

27

/09/1

3

Introdução da multiplicação e

tabuada do 2, 3, e 4.

Cópia do quadro da tabuada do 2 (modelo).

Elaborar as tabuadas do 3, 4,

e 5.

01/1

0/1

3

Multiplicação/ tabuada do 2 e

3.

Verificação individual de

quem fez a tarefa de casa-

livro de Matemática.

Correção coletiva da tarefa no

quadro.

Completar atividades do livro

didático do aluno, p. 194.

08

/10/1

3

Tabuada do 2.

Cópia de atividades do

quadro.

(Aula conduzida por uma

estagiária de Pedagogia. A professora permaneceu em

silêncio, sentada ao fundo da

sala).

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154

22/1

0/1

3

Dobro, triplo, algoritmo

convencional da

multiplicação/probleminhas

(do tipo padrão).

Verificação individual de

quem fez a tarefa de casa de português (não corrige).

Completar atividades do livro

didático do aluno, p. 197, 198

e199.

Nesse período

circula pela sala

acompanhando o

desenvolvimento dos

alunos na realização das atividades.

Auxilia

individualmente os

alunos que não estão

conseguindo ou que

não estão

completando

corretamente.

Dedica maior

atenção aos alunos que apresentam

dificuldades. Às

vezes, incentiva os

alunos que terminam

primeiro a ajudar o

colega com

dificuldade,

ressaltando que não é

para fazer para o

colega, mas, ensiná-

lo a fazer.

Não deixa nenhum

aluno sem realizar as

atividades.

25/1

0/1

3

Verificação individual de

quem fez a tarefa de casa.

Correção no quadro da tarefa;

atividades xerocopiadas:

dobro (livro distinto do usado

pelos alunos).

Completar atividades do livro

didático, p. 201 (Revisão dos

conteúdos estudados).

05

/11/1

3

Verificação individual de

quem fez a tarefa de casa (não

corrige).

- Completar atividades do livro didático, p. 203 e 204,

envolvendo a tabuada do 3.

12

/11/1

3 Completar atividades do livro

didático, p. 205, envolvendo a

tabuada do 4.

26

/11/1

3

Multiplicação e introdução da

operação de divisão usando

algoritmo convencional.

Completar atividades

xerocopiadas de livro distinto

do utilizado pelos alunos.

29

/11/1

3 Divisão.

Completar atividades

xerocopiadas de livro distinto

do utilizado pelos alunos.

Fonte: Diário de Campo da pesquisadora.

Ao analisarmos o quadro 7 é possível observar que a professora Lúcia deu sequência ao

trabalho, iniciado pela professora Leci, com as operações aritméticas, abarcando as operações

de multiplicação e divisão. Também é possível perceber um acentuado enfoque na “tabuada”

de multiplicar e nas técnicas convencionais ao ensinar operações de multiplicação e divisão.

A alusão às regularidades do SND ocorre por meio da ênfase aos nomes das unidades de

ordem: unidade simples, dezena e centena, quando da realização de operações aritméticas

através dos algoritmos convencionais.

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155

Em relação aos tipos de atividades propostas, podemos verificar o predomínio da ação

de completar exercícios de livros didáticos, sejam os contidos no livro dos alunos ou

transcritos de livros distintos no quadro para os alunos copiarem. O livro didático do aluno,

cópias de outros livros e quadro negro, foram recursos didáticos utilizados pela professora.

Também podemos perceber que a professora ao propor geralmente a realização dos

exercícios individualmente e não permitir a movimentação e conversa durante as aulas, as

interações e trocas entre os alunos são pouco significativas ou praticamente inexistentes.

Um aspecto que chama a atenção positivamente é a atitude da professora em

disponibilizar tempo para que todos os alunos resolvam os exercícios. Também, a sua

iniciativa de intervenção seja nas explicações do quadro, ou ao ajudar individualmente os

alunos com dificuldades. No entanto, devido ao tipo de atividades propostas e a forma como

realiza esta ação, pouco contribui para que criança reflita e utilize estratégias próprias, pois,

fala de imediato a resposta e indica o procedimento a ser adotado, como evidenciado nos

episódios que se seguem.

As crianças precisam de tempo e desafios para avançar na construção dos

conhecimentos matemáticos. É justamente a reflexão, o questionamento e a busca de soluções

diante de situações problemas reais ou criadas pelo professor, que possibilitam o avanço da

criança na produção e apropriação dos conhecimentos matemáticos.

De acordo com Vygotsky (1988), as relações entre sujeito e objeto do conhecimento não

ocorre de forma direta, e sim mediada. Assim, o professor atua de forma a oportunizar a

construção de conhecimentos, quando estimula o diálogo, a cooperação mútua, a troca de

informações e o confronto de ideias entre os alunos. Neste sentido Furghestti (2013, p. 130)

reportando à Barbato (2008), ressalta que “as interações sociais no contexto escolar passam a

ser entendidas como condição necessária para a apropriação e produção dos conhecimentos

por parte dos alunos”.

Um maior detalhamento sobre a prática pedagógica e os conhecimentos profissionais da

professora Lúcia, referentes ao ensino dos conteúdos matemáticos, especialmente o SND,

pode ser percebido nos dois episódios de ensinos apresentados a seguir. Estes foram

selecionamos dentre as descrições das aulas observadas, por retratarem a forma usual da ação

pedagógica da professora.

Como já apresentado anteriormente, as quatro operações aritméticas foram os conteúdos

desenvolvidos pela professora Lúcia. Destas, as operações de adição e subtração foram

abordadas enquanto revisão. A professora iniciou o trabalho com a multiplicação e a divisão.

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156

Em nossas observações, em uma das aulas a professora propõe exercícios (de revisão)

envolvendo as operações de adição e subtração, episódio abaixo:

Episódio 3 (Parte da aula da professora Lúcia do dia 16/09/13)

Depois de arrumar as carteiras que não estavam enfileiradas corretamente, a professora

Lúcia posiciona-se à frente da sala, cumprimenta a turma com um “bom dia”, e anuncia:

P: Hoje não vamos usar o livro de Matemática porque já terminou o conteúdo do livro

para o 3º bimestre. Vou continuar com adição e subtração na questão dos probleminhas,

para exercitar, para fixar... Semana que vem começaremos com a multiplicação: dois

vezes um, dois vezes dois (recita com voz cantada), agora vocês ainda estão no dois mais

dois, dois menos um. É igual andar de bicicleta, no começo cai machuca o joelho é

treinar, treinar... Vamos pra os probleminhas, é só não esquecer o padrão, dezena,

unidade, dezena, unidade.

Em seguida transcreve no quadro seis “problemas” (do tipo padrão, copiados de outro

livro didático distinto do utilizado pelos alunos) e seis operações de adição e subtração

para armar e efetuar. Enquanto os alunos copiam a professora fica sentada olhando o

caderno de plano. Após alguns minutos levanta e circula pela sala verificando os cadernos,

reclama da letra pequena, de parte dos alunos, alegando que não consegue enxergar,

manda apagar e escrever com letra maior. Depois de confirmar que todos haviam copiado

e, alguns, respondido as atividades a professora inicia a correção no quadro. Narramos à

correção feita pela professora de dois probleminhas:

P: Na fazenda de José há 54 porcos. Ele vai dar 25 porcos a Lucas. Com quantos porcos

José vai ficar? A turma permanece em silêncio. A professora lê o problema mais uma vez

e pergunta: Qual é a operação? Os alunos respondem em coro: subtração! Diante da

resposta dos alunos, registra o algoritmo da operação 54 - 25. Apontando com o dedo o

algarismo quatro na operação questiona:

P: Quatro dá pra tirar cinco? Vamos emprestar o um do cinco.

Escreve o numeral 14 acima do “U” (unidade). Um aluno diz que tem que riscar o

algarismo 4. Vai até o quadro e mostra como se faz. A professora diz (com uma calma

resignada):

P: Estou indo por etapas com vocês.

Outro aluno argumenta: É que a professora “Leci” risca o quatro.

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157

P: Já está riscado, satisfeito?! (responde já aparentando irritação) Continua:

P: Agora não vamos mais operar com cinco e quatro (diz apontando os algarismos 4 e 5

que formam o número 54).

P: Agora é catorze e quatro. Catorze para tirar cinco, cinco pra catorze? Começa a

contar, indicando nos dedos, seis, sete... Os alunos acompanham. Conclui a operação,

explica como deve ser dada a resposta.

Correção do problema: Em uma escola rural há 42 alunos, sendo 18 meninos. Quantas

meninas? Depois de ler o problema questiona: o que é uma escola rural? Descreve uma

escola rural fazendo comparações com a “Escola Tesouro”, fala do lanche, da dedicação

dos alunos da escola rural e, complementa:

P: Vamos valorizar mais o que vocês têm aqui. Olha o sapato bonito da L, a mochila da

V, na escola rural, os alunos vão descalço, não tem caderno capa dura, borracha que o

governo dá. A mochila é uma sacola de arroz. Comenta que ela também usou sacola de

arroz como mochila e hoje está dando aula. Ressalta a importância de valorizar os estudos

para ter um bom emprego. Retoma o problema em questão. Lê mais uma vez o problema e

questiona:

P: Quantas meninas? Como você vai achar a quantidade de meninas?

Uma aluna comenta: Somando quarenta e dois mais dezoito, deu cinquenta.

P: Cinquenta dá mais que o total de alunos. É interessante no probleminha, trabalhar com

todos os números. Temos primeiro que descobrir a conta.

Registra no quadro: Meninos: 18. Meninas?? Total: 42.

P: Qual é a continha? Diante do silêncio dos alunos escreve o algoritmo da operação 42-

18=

D U

4

- 1

2

8

P: Vamos pegar o um do quatro. O quatro agora ai ser quatro? Sem esperar as respostas

dos alunos continua. Risca o numeral dois e escreve acima da “U” (unidades) 12, risca o

numeral quatro e escreve acima da “D’” (dezena) 3. Indicando com o dedo o numeral oito:

P: Tenho oito bolinhas, pra chegar ao doze... Começa contar indicando quatro dedos:

nove, dez, onze, doze, treze, catorze. Conclui a operação e comenta escrevendo a resposta

no quadro.

P: Eu quero a resposta assim: Estudam 24 meninas. Eu quero ver se dezoito está dentro

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de quarenta e dois. Agora a continha é de mais. (entendi que seria a verificação se a

operação estava correta pela operação inversa). Registra no quadro: 24 + 18 = 42. A

correção dos exercícios se prolongou até ao final da aula.

A seguir imagem de caderno de aluno ilustrando os problemas apresentados pela

professora no episódio anteriormente narrado.

Figura 7 - Problemas de subtração realizado na turma do 2º ano no dia 16/09/13

Fonte: CA, 2ª, Lúcia.

O primeiro aspecto que chama atenção no episódio anterior se refere aos indícios de

organização do currículo de Matemática e de concepção de aprendizagem/ conhecimento,

manifestados nas primeiras declarações de Lúcia aos alunos: “Hoje não vamos usar o livro de

Matemática porque já terminou o conteúdo do livro para o 3º bimestre. Vou continuar com

adição e subtração na questão dos probleminhas, para exercitar, para fixar[...]” Como

evidenciado anteriormente, é possível perceber indicativos de uma organização do ensino de

Matemática norteado pelo livro didático, com definição prévia de blocos de conteúdos para

cada ano escolar e para cada bimestre deste. E, de que o conhecimento se dá por memorização

através de repetições. Entendimento que traduz uma concepção do conhecimento fundada em

bases empiristas (BECKER, 1993).

Esta forma de organização do currículo manifestada nas afirmações da professora

contrapõe às perspectivas das implicações teóricas dos ciclos de formação, para as práticas

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escolares. Ao contrário, ela nos remete à organização de currículo do sistema seriado, pois, de

acordo com Krug (2004, p. 4), “A série organiza-se com base em blocos de conteúdos

previamente definidos para cada ano escolar a ser cursado, compartimentando o

conhecimento, com base na ideia de linearidade”.

As atividades propostas no episódio de “arme e efetue” e “problema-padrão” (DANTE

apud DARSIE e PALMA, 2013, p. 14) se mostram coerentes com a ideia de que

aprendizagem ocorre através de sucessivas repetições, explicitada nas afirmações “[...] é

treinar, treinar [...] é só não esquecer o padrão, dezena, unidade, dezena, unidade”.

De acordo com Darsie e Palma (2013), a proposição de “problema-padrão” com intuito

de fixar a técnica operatória, previamente apresentada, tem sido a prática usual no trabalho

com resolução de problemas matemáticos. Para as autoras, esse tipo de atividade “não

constituem um problema, e, sim, um exercício” (p. 14). E, acrescentam: “Dessa forma, o

aluno, depois de resolver alguns ‘problemas’, percebe que não precisa mais analisar os outros

enunciados, basta retirar os números do texto e fazer a conta que foi trabalhada

anteriormente” (p. 13, grifos das autoras).

Corroborando com essa ideia, Davidov apud Moura (2010, p. 137), avalia que nesse

trabalho com problemas do tipo padrão, “cujo objetivo é identificar o método resolutivo, já

assimilado, o aluno não interpreta a situação problema buscando resolução, apenas classifica

o problema e aplica a técnica de resolução”.

Confirmando o que apontam esses autores, podemos observar na correção dos

problemas que a ênfase recai em identificar qual é a operação? E, na memorização dos

procedimentos envolvidos nos algoritmos convencionais das operações aritméticas. No

segundo problema, percebemos que a professora tenta contextualizar o exercício, porém, os

exemplos e as ilustrações que utiliza, estigmatizam tanto os alunos da escola rural, como os da

escola urbana.

Partilhamos do pensamento de Darsie e Palma (2013, p. 15) no sentido de que este tipo

de situação-problema descrito no episódio anterior, geralmente “não apresenta significado

para o aluno”. Ainda ao a firmarem que:

Assumir a concepção de resolução de problemas como mero exercício não

possibilita ao aluno aprender Matemática resolvendo problemas ou usar ideias

Matemáticas já anteriormente aprendidas na resolução de problemas. A proposição da situação problema com enfoque no produto corrobora o fracasso escolar e

desapropria o aluno daquilo que se configura necessário para resolver um problema:

o ato de pensar (DARSIE e PALMA, 2013, p. 16, grifo das autoras).

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160

É evidenciado, também, que os agrupamentos e reagrupamentos no interior das ordens,

enfim, as características e propriedades do SND (base dez, posicionalidade, princípio

multiplicativo e aditivo) ocultas na resolução das operações, não são refletidas e

problematizadas. A abordagem a estas, se restringe à ênfase do nome das unidades de ordem,

unidade simples, dezena e centena.

O episódio de ensino que se segue, apresenta a descrição de parte da aula em que a

professora Lúcia faz a apresentação da multiplicação.

Episódio 4 (Parte da aula da professora Lúcia do dia 27/09/13)

A professora Lúcia, depois de escrever no quadro “multiplicação”, pede para os alunos

abrirem o livro de Matemática na página 192. Não faz referência ao livro, porém, ao fazer a

introdução da multiplicação, iniciando pela a ideia de adição de parcelas iguais, reproduz o

exemplo apresentado no livro didático do aluno. Lúcia inicia a explicação desenhando dois

conjuntos sete elementos cada e, ao mesmo tempo, vai explicando e registrando no quadro,

conforme indicado abaixo.

P: Tenho dois grupinhos de sete. Eu posso dizer que tenho sete mais sete que é igual a

catorze, ou que eu tenho duas vezes o grupo de sete, que também é igual a catorze.

7 + 7 = 14

2 x 7 = 14

P: Vamos relembrar: o sinal da adição é o mais (+); o da subtração é o menos (-); e, o da

multiplicação é o vezes (x). Diz a professora Lúcia ao mesmo tempo em que faz o registro no

quadro, dos nomes das operações, precedidos de seus respectivos “sinais”. Prossegue:

P- Vamos aprender como se monta a tabuada do 2.

Explicando e, ao mesmo tempo, registrando no quadro, a professora ensina como se “monta”

a tabuada do 2, através do esquema de somar ao resultado anterior o número 2, conforme

indicado, a seguir:

2x1 = 2

2x2 = 2 + 2 = 4

0000

000

0000

000

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161

2x3 = 4 + 2 =6

2x4 = 6 +2 = 8

Depois de concluir a tabuada do 2, a professora solicita aos alunos que copiem e, façam as

tabuadas do 3, 4 e 5, seguindo o modelo. Durante a realização desta tarefa a professora

circulou pela sala ensinando, individualmente, os alunos que não entenderam o modelo.

Percebemos que ao elaborar a tabuada, alguns alunos, ao invés de multiplicar, por exemplo, 2

x 8= 16, eles somavam 2 x 8= 10. A professora mandava apagar e, explicava como “montar”

a tabuada. Registramos as falas da professora ao orientar o trabalho de um aluno em sua

carteira:

P: Tabuada não se monta desse jeito. Foi essa estrutura que montei no quadro? Apaga e faz

do jeito que fiz no quadro. Se errar um número aqui em cima, o resultado todo vai ficar

errado. Todo número multiplicado por um dá ele mesmo. Não pode desconcentrar, se você

esquece o número, não sabe pra onde vai. Três vezes um é três, o três você já tem na cabeça

(diz tocando a cabeça do aluno), fica com a mãozinha em cima da mesa, três mais três mais

três (indicando e separando os dedinhos do aluno), agora conta.

Essa atividade se prolongou até ao final da aula.

A seguir a figura do livro didático do aluno sobre as ideias da multiplicação, utilizada

pela professora como referência para apresentar este conteúdo.

Figura 8 – Apresentação da ideia de adição de parcelas iguais da multiplicação no LD2 – A

Fonte: LD2- A, p. 192.

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162

As descrições das explicações de Lúcia para apresentar o conteúdo multiplicação,

apontam que a professora usou como referência a abordagem contemplada no livro didático

(figura 8) referente ao assunto. No entanto, podemos observar que a ideia de adição sucessiva

que o livro apresenta, não é explorada pela professora. Isto é evidenciado quando a professora

ensina o esquema de “montar a tabuada do 2” através da adição do número 2 ao resultado

anterior, não usando a ideia de adição sucessiva.

O modelo da tabuada apresentado pela professora, além de desprovido de significado,

não traduz corretamente a ideia de multiplicação enquanto adição de parcelas iguais mostrada

no livro, ao qual a professora tomou por referência. É possível inferir que as orientações da

professora desestimula o raciocínio “certo” das crianças sobre as ideias envolvidas na

multiplicação.

A sequência do trabalho com a multiplicação, como evidenciado no episódio anterior e

nas descrições da pesquisadora das aulas subsequentes, recai sobre o ensino da tabuada, pois,

em suas palavras: “acho difícil já iniciar trabalhando as atividades do livro” sobre as ideias

da multiplicação (adição de parcelas iguais, disposição retangular e combinatória). E justifica:

“os alunos não entendem “o vezes”, sem a tabuada” (DC, Lúcia, 27/09/13).

Estas declarações da professora são bastante reveladoras, pois, apontam indícios de

concepção de ensino e aprendizagem dos conhecimentos matemáticos numa perspectiva do

modelo de ensino tradicional. Ao mesmo tempo apontam desconhecimento das discussões

atuais acerca da tabuada no âmbito escolar, as quais indicam que se as atividades de

construção e consulta da tabuada forem significativas, é grande a probabilidade de a maioria

dos alunos as memorizarem naturalmente, ou seja, os fatos aritméticos da multiplicação

tendem a ser apreendidos e internalizados pelos alunos, sem grandes esforços e traumas.

Podemos observar que o ensino da multiplicação realizado pela Lúcia compreende a

memorização da tabuada e do algoritmo convencional, como indicado no episódio a seguir:

Episódio 5 (Parte da aula da professora Lúcia do dia 22/10/13)

P: Já vimos como forma os conjuntos da multiplicação, agora vamos para os probleminhas.

A professora Lúcia faz a leitura do enunciado de uma questão do livro didático que traz a

ilustração de um álbum de figurinhas onde são apresentadas 3 linhas, com 3 figuras cada.

Explicação, seguida de registro no quadro, da professora depois de desenhar no quadro a

ilustração do livro:

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163

P: Tem um jeito mais reduzido de fazer 3 + 3+3 = 9, posso fazer 3x3= 9. Tem um jeito mais

fácil ainda, posso armar:

x

3

3

9

Nos dois episódios, é possível perceber indícios de dificuldades por parte da professora

tanto relação ao domínio do conteúdo (conhecimento específico), quanto no que diz respeito a

como ensinar (conhecimento pedagógico). Aspectos que confirmam as indicações da

professora, ao comentar que a sua formação não lhe deu base para ensinar esse conhecimento

matemático, acha que faltou prática, para saber usar recursos didáticos e exemplos, que

facilite o acesso do aluno a esse conhecimento:

[...] eu vou ensinar a multiplicação, queria trazer um objeto para poder mostrar na

prática com a criança para ver se ele aprende, se ele assimila, se ele faz essa

relação[...]. Queria ter como fazer aquele exemplo na prática. Ter como manusear

um material pedagógico, para eles conseguirem fazer, assimilando e fazendo a

multiplicação [...]. Eu tento fazer no quadro. É bolinhas, é objeto que desenho. Mas

eu acho assim mais difícil [...] (Lúcia, E).

Relembrando as narrativas anteriores de Lúcia sobre a sua escolarização, podemos

verificar ali explicitado, o desacordo da professora com o modelo de ensino centrado na

memorização da tabuada ao qual vivenciou. De igual modo, podemos ali verificar também,

que a sua trajetória de formação inicial e continuada não lhe possibilitou a ampliação dos

conhecimentos específicos, pedagógicos e curriculares (SHULMAN, 1986), para que pudesse

ensinar a multiplicação, o SND e, a Matemática de um modo geral, de forma diferente da que

aprendeu no período escolar. Bem como, não contemplou possibilidade de atribuir

significação e sentido pessoal para aprender e ensinar esta disciplina. Assim, a professora

acaba reproduzindo o tipo de ensino que vivenciou como aluna, apesar de não aprová-lo.

A análise dos dados sobre a prática pedagógica da professora Lúcia nos aponta que,

apesar dos seus esforços em dar um atendimento individualizado aos alunos, buscar outra

forma de ensinar a tabuada distinta da memorização, ou seja, para não repetir na sua prática

docente “algo que viu e não aprovou” (D’AMBRÓSIO, 2010, p.10) na sua vivência como

aluna, não foram exitosas. Embora não exija a memorização dos cálculos da tabuada, a

professora “cobra” a repetição exaustiva da elaboração da mesma.

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164

As fragilidades, reconhecidas pela professora, em relação aos seus conhecimentos

profissionais, como evidenciadas anteriormente, resultam num ensino dos conhecimentos

matemáticos, especialmente do SND, embasados na concepção tradicional de ensino.

Ao trabalhar com as operações a professora não aborda o SND. O ensino do atual

sistema de numeração se restringe aos nomes das unidades de ordem, quando da resolução das

operações, sem possibilitar reflexões com alunos acerca de suas características e propriedades.

É enfatizado o estudo da tabuada e a reprodução de procedimentos e regras inerentes aos

algoritmos das operações aritméticas. As atividades propostas, geralmente, compreendem

copiar e completar exercícios extraídos de livros didáticos, com intuito de fixar os conteúdos.

Práticas pedagógicas sobre o SND, turma do 3º ano, vespertino: professora Eliane.

O acompanhamento das aulas de Matemática da professora Eliane no 3º ano do 1º ciclo

foi realizado no período de 08/08/2013 à 05/12/2013, 14 (quatorze) dias, resultando na

observação de 40 (quarenta) horas aulas.

No quadro 8, apresentado abaixo, são exibidas sínteses das observações das aulas da

professora Eliane. Sua leitura nos permite uma visão geral de sua prática pedagógica.

Podemos perceber que as aulas de Matemática da professora não seguem um padrão fixo. Ela

usa diferentes estratégias, atividades e recursos didáticos ao desenvolver os conteúdos, no

intuito de proporcionar a apropriação dos conhecimentos.

Normalmente a professora procura fazer explicações gerais e coletivas, mas também

quando alguma criança pede ajuda, ou percebe alguma dificuldade, ela intervém

individualmente. Outro aspecto positivo é a atenção que a professora dispensa para entender

como o aluno pensou e as estratégias utilizadas para chegar aos resultados das atividades.

Todos os alunos fazem as atividades propostas.

Apesar de em alguns momentos a professora elevar a voz ao dizer um, dois, três, uma

espécie código para fazer silêncio, e chamar a atenção com veemência diante de conversas

paralelas, as relações interpessoais na sala de aula são amistosas. Ela é carinhosa com os

alunos e vice versa. Professora e alunos brincam e riem juntos de forma espontânea. O clima é

leve na relação professor-aluno-aluno, favorecendo as interações e mediações pedagógicas.

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165

Quadro 8 - Síntese das atividades realizadas na prática pedagógica da professora Eliane, ao ensinar Matemática,

na turma do 3º ano do 1º ciclo do EF.

D

ata

Conteúdos /Atividades

propostas

Estratégia de ensino e

correção

Relação/

Atendimento

aos alunos

Como os alunos

realizam as

atividades

08/0

8/1

3

Sistema monetário,

operações de adição com

reagrupamento.

Vivência de situações problemas envolvendo

compra e venda

(utilização de

dinheirinho: cálculo,

troco, possibilidades de

composição de valores a

partir das diferentes

cédulas).

Resolução de

probleminhas do livro

didático.

Começa, geralmente, a

abordagem do conteúdo

através de questionamentos

aos alunos sobre o que entendem ou já sabem

sobre o assunto, relaciona o

saber matemático às

situações da realidade.

Enquanto os alunos

resolvem as atividades,

pouco caminha entre as

carteiras para acompanhar

o desenvolvimento dos

alunos, porém, a maioria destes vão

espontaneamente até sua

mesa.

Dirige-se a determinados

alunos questionando se

estão conseguindo realizar

as atividades, em caso de

negativa, os chama até sua

mesa.

A correção das atividades é feita, geralmente em três

momentos: correção

individual no livro ou

caderno, conforme vão

terminando as atividades;

um e/ou grupo de alunos

vão ao quadro resolver as

atividades; a professora faz

a correção com a

participação da turma ou

corrige junto com o aluno, pedindo que mesmo

explique como pensou e

resolveu, e o ajuda refazer,

caso não esteja correta a

resolução.

Modifica o tipo de

atividade ou sequência dos

conteúdos conforme o

desenvolvimento dos

alunos, por exemplo,

quando percebeu a dificuldades dos alunos

com operações de adição

Existe diálogo entre

professora e alunos.

A professora escuta com interesse suas

histórias, discutem

assuntos veiculados na

mídia, na comunidade,

sorriem juntos e

brincam

espontaneamente.

Durante o

desenvolvimento das

atividades, controla a movimentação e

conversas contando 1,

2, 3! Uma espécie de

acordo que todos

respeitam.

Percebe-se uma leveza

na relação

professora/aluno/

aluno.

Todos os alunos

realizam as atividades propostas.

A professora,

geralmente, elogia o

que fazem e os

motivam a fazer sempre

mais, incentiva a ajuda

mútua e a troca entre os

alunos.

Apesar de mesas e cadeiras individuais,

estas são organizadas

em filas dupla ou

triplas.

Atendimento e

intervenção individual

constante, a cada

atividade e a cada

correção, seja no

caderno ou no quadro,

sempre pede para o aluno explicar para ela

e, ás vezes, socializar

Não existe um

padrão de comporta-

mento.

Às vezes sozinhos e

em silêncio, outras

vezes apesar de

resolverem

individualmente

levantam vão até a

professora ou até a

mesa do colega, pedir

ajuda, conferir se o

do colega esta igual

ao seu, tirar alguma dúvida.

Algumas vezes, em

duplas ou trios.

09

/08/1

3

Verificação individual de quem fez a tarefa de

casa de Matemática

(operações de adição

com reagrupamento) com

visto nos cadernos dos

alunos.

Correção da tarefa em

dois momentos: cada

aluno resolve uma

atividade no quadro;

depois a professora faz a

correção com a participação da turma.

Copiar e resolver (arme

e efetue) operações de

adição com

reagrupamento utilizando

algoritmo convencional.

29/0

8/1

3

Resolver atividades do

livro didático, p. 90 e 91:

problemas de subtração

envolvendo sistema

monetário, com apoio de

material didático: “dinheirinho”.

30/0

8/1

3

Revisão: números

ordinais, pares, ímpares;

ordem crescente e

decrescente.

Copiar e completar

atividades do quadro.

06

/09/1

3 Resolução de operações

de subtração com

reagrupamento utilizando

o Material Dourado.

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166

12/0

9/1

3

Copiar do quadro e

resolver operações de

adição e subtração com

reagrupamento, fazendo a verificação pela

operação inversa.

com reagrupamento,

retomou o trabalho com

material dourado.

com a turma, como

pensou ou como

chegou no resultado.

Percebi que três alunos

que ainda não resolvem

sozinhos ou só com a

ajuda do colega do

lado, ocupam as três

primeiras cadeiras da

fila em frente sua mesa,

possibilitando uma

constante intervenção.

13/0

9/1

3

Correção das operações

aritméticas da aula

anterior: primeiro é

distribuído uma operação

para cada aluno resolver

no quadro, em seguida a

professora faz a correção

com a participação da

turma.

Confecção de “Material Dourado” em papel

cartão (cada aluno fez o

seu).

19

/09/1

3

SND: agrupamento e

reagrupamentos de dez

em dez, com o uso do

material dourado.

Copiar e completar

atividades do quadro

envolvendo a

representação com

material dourado da

escrita numérica e vice-versa.

26

/09/1

3

Aplicação de prova

escrita de história e

geografia- 3º bimestre.

Resolver atividades do

livro didático

(operações de adição e

subtração com

reagrupamento

empregando algoritmo).

03/1

0/1

3

Ideias da multiplicação:

adição de parcelas iguais,

disposição retangular e combinatória.

Completar atividades do

livro didático e

atividades do quadro

envolvendo as ideias da

multiplicação.

24/1

0/1

3

Verificação individual e

visto nos livros e

cadernos dos alunos das

atividades da última aula.

Socialização dos alunos

dos resultados e do processo de resolução de

cada atividade- correção

coletiva.

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167

25/1

0/1

3

Verificação individual

de quem fez a tarefa de

casa de Matemáticas:

atividades do livro didático e xerocopiadas,

envolvendo as tabuadas

de 2 ao 7.

Correção das tarefas

usando o mesmo

procedimento da aula

anterior.

31/1

0/1

3

Completar atividades do

livro didático

envolvendo cálculo

mental, em multiplicação

por zero, multiplicação com números

decompostos (principio

aditivo e

multiplicação/SND) e

com algoritmo, termos

da operação.

08

/11/1

3

Correção coletiva do

simulado de Matemática-

“Prova ANINHA”

(simulado enviado pela

SME, preparatório para a

ANA - Avaliação

Nacional da Alfabetização).

21

/11/1

3

Correção coletiva da

tarefa de casa de

Matemática, através de

questionamentos e

socialização dos

procedimentos:

atividades xerocopiadas

envolvendo situações

problemas.

28/1

1/1

3

Copiar do quadro e

resolver operações de

divisão. Correção das atividades

em dois momentos:

primeiro é distribuído

uma operação para cada

aluno resolver no quadro,

em seguida a professora

faz a correção com a

participação da turma.

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168

29/1

1/1

3

Resolver atividades do

livro didático

envolvendo operações de

divisão. Correção no quadro:

cada aluno resolve uma

operação no quadro,

quando erra a professora

chama o aluno, pergunta

como ele pensou, e refaz

junto com aluno.

Fonte: Diário de Campo da pesquisadora

As sínteses do quadro anterior indicam que nas aulas observadas, a professora Eliane

trabalhou os seguintes conteúdos: sistema monetário, as operações de adição e subtração com

reagrupamentos, multiplicação, divisão e o SND.

Para desenvolver os referidos tópicos, a professora utilizou várias estratégias

metodológicas: a vivência de situações envolvendo compra e venda / relação consumidor e

comerciante, explicações orais coletivas, completar exercícios do livro didático, do quadro e

em folhas xerocopiadas, confecção pelos alunos em papel cartão de uma representação do

material dourado (MD), chamar o aluno ao quadro para resolver operações aritméticas,

fazendo intervenções individuais, e com a participação da turma. Observamos também o uso

de recursos didáticos, tais como: material dourado, cédulas e moedas (imitações) de diferentes

valores, quadro e giz, livro didático do aluno, atividades xerocopiadas.

As intervenções e correções das atividades, comumente acontecem em três momentos.

Primeiro individualmente durante a realização da atividade; depois mediante solicitação de

ajuda ou quando percebe que algum aluno não está conseguindo resolver sozinho; corrige

individualmente os cadernos, conforme os alunos vão terminando as atividades.

Num segundo momento, chama grupos de alunos para resolver no quadro e, geralmente,

faz intervenções e mediações individuais através de questionamentos, dicas ou explicações.

Por último corrige no quadro, com a participação da turma.

Em todas estas etapas a professora questiona o aluno sobre como resolveu, o que ele

não entendeu e, por vezes, pede que o aluno socialize com os colegas, o modo como

desenvolveu seu pensamento e chegou ao resultado. Geralmente, os alunos resolvem as

atividades individualmente, mas, como sentam em duplas, conversam com o colega. A

professora incentiva os alunos que terminam primeiro a ajudar outros colegas.

Observamos que, na maioria das vezes, as atividades propostas pela professora são

atividades tradicionais como “arme e efetue” e as do livro didático do aluno ou reproduzidas

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169

de livros didáticos distintos. No entanto, a forma como a professora faz a mediação

pedagógica, através de questionamentos e diálogo com os alunos ou ao promover a interação

entre os alunos, tornam tais atividades interessantes e mobiliza a participação e o entusiasmo

dos alunos na realização dos trabalhos em sala.

Apresentamos a seguir, três episódios de ensino que ilustram as descrições anteriores

sobre a forma como a professora realiza a mediação da aprendizagem a partir de situações

problemas e atividades simples, estimula as estratégias individuais, promovendo a interação

entre os alunos.

Episódio 6 (Parte da aula da professora Eliane do dia 08/08/13)

A professora solicita aos alunos que peguem os envelopes com “os dinheirinhos”, para

fazerem uma atividade. Escolhe quatro alunos para irem à frente. Explica que vão simular

uma situação de compra e venda de materiais escolares. Os quatro alunos seriam os

compradores/consumidores e o restante da turma seriam os comerciantes de materiais

escolares. Orienta que os “comerciantes” deveriam selecionar o que iriam colocar à venda e

definir o preço de cada objeto. Comenta que antes de comprar precisamos fazer pesquisa de

preço, pedir desconto, analisar a qualidade da mercadoria, entre outros aspectos da relação

entre consumidor e comerciante.

Os dois grupos participaram com entusiasmo da atividade. Os “consumidores” circularam de

mesa em mesa fazendo as “compras”, discutem o valor dos objetos, do troco [...]

Incorporaram os respectivos papeis. Após algum tempo, a professora avisa que havia

terminado o período de “compra”. Pediu que os compradores relatassem quanto haviam

gasto, registrando no quadro os valores relatados pelos quatro alunos. Passa a discutir com os

alunos os valores dos objetos, analisando se correspondia ao preço real.

Na sequência formula, oralmente, situações problemas para que os alunos, em duplas,

resolvessem utilizando as cédulas. Todos os alunos participam ativamente. Quando chamou

para iniciar as atividades do livro, uma aluna disse: profa não vendi nada! A professora,

sorrindo, disse que teriam mais cinco minutos. Os quatro compradores foram negociar com a

colega. Nesse ínterim, um aluno anuncia: estou fazendo promoção! Outros o imitam. A

atividade se estendeu por mais alguns minutos.

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170

Selecionamos o episódio anterior pela singularidade desta aula da professora Eliane.

Mesmo utilizando uma forma diferenciada de encaminhamentos das resoluções das atividades

pelos alunos, como destacado anteriormente, a maioria das atividades propostas

compreendem exercícios matemáticos comuns aos livros didáticos. Nesta aula, porém, a

estratégia metodológica de simular uma situação comum do dia-a-dia, oportuniza a

aprendizagem do conteúdo sistema monetário, de forma contextualizada e interdisciplinar.

Possibilita aos alunos, ampliar e aplicar os conhecimentos já existentes sobre o sistema

monetário e operações aritméticas, também contempla aspectos da relação consumidor e

comerciante importantes, para o no exercício da cidadania.

Podemos inferir que, ao propor esse tipo de atividade, Eliane deixa transparecer uma

compreensão de que o processo de ensino e aprendizagem da Matemática “é mais que

aprender códigos e regras. É aprender um método de conhecer e transmitir o que aprendeu. É

também saber aplicar o que conheceu na solução de problemas que lhes são próprios no

convívio com os outros. É fazer-se humano” (MOURA, 2006, p. 496).

Episódio 7 (Parte da aula da professora Eliane do dia 24/10/13)

Depois de dar visto nos cadernos, conferindo quem fez a tarefa, a professora inicia a correção

coletiva da tarefa, no quadro. A cada questão, pede para um aluno fazer a leitura do

enunciado. Em seguida questiona o que compreenderam, e qual o resultado. A cada resposta

a professora pergunta como chegaram ao resultado. Uma determinada questão apresentava

ilustrações com figuras, seguidas de questionamentos, como por exemplo: uma figura de 6

animais quadrúpedes, seguida do questionamento: quantas pernas; 7 estrelas de 6 pontas:

quantas pontas etc. Alguns alunos relatam ter utilizado a multiplicação, outros a adição, e

alguns dizem ter se valido da contagem. A professora elogia as alternativas utilizadas.

Na sequência passa alguns exercícios no quadro. Exemplo:

Pinte da mesma cor a operação e resultado:

5x4 7x3 8x9 7x4 6x8

48 72 20 21 28

Correção no quadro. A professora pergunta ao aluno J como ele descobriu o resultado (ele

ainda não sebe ler). Com as suas palavras, o aluno explica que foi deduzindo a operação e o

resultado, comparando a magnitude dos números. A professora ficou radiante, foi até a

carteira do aluno e o abraçou, elogiando a sua esperteza.

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Episódio 8 (Parte da aula da professora Eliane do dia 08/11/13)

Correção no quadro da prova “ANINHA” (simulado enviado pela SME para a Avaliação

Nacional da Alfabetização - ANA). Para a correção da prova, a professora pede que cada

aluno faça a leitura de uma questão, pergunta quem errou e qual foi a compreensão, porque

achou que seria a resposta que assinalou, e como os que acertaram, conseguiram encontrar o

resultado etc. Exemplo e explicação dos alunos sobre como chegou ao resultado correto:

A aluna M explicou e registro no quadro como resolveu a operação 12x3:

10 2

+10 2

10 2

30 + 6=36

Estratégia de resolução do aluno L, sem utilizar o algoritmo convencional, para o

probleminha: Paula tem R$ 32,00 quer comparar uma boneca no valor de R$ 58,00. Quanto

vai faltar?

LF: “Pode contar também nos dedos, começando no 33 até o 58!” Apontando nos dedos

mostra como fez: LP: 33...42, deu dez. 43... 52, deu dez. 53....58, deu seis. Dez mais dez

mais seis, deu vinte e seis. A professora vibra, acha graça das explicações dos alunos,

parabeniza a esperteza dos que acertaram. Não censurava os que erraram. Percebemos, por

vezes, que ao questionar como o aluno havia entendido, o próprio aluno identificava onde e

porque errou.

As descrições nos dois episódios anteriores nos permitem inferir que as estratégias

utilizadas pela professora no encaminhamento das atividades com os alunos oportunizam que

estes resolvam as atividades com bastante autonomia. Como podemos observar, nas duas

situações, os alunos utilizam alternativas de resolução distintas, de acordo com os seus

conhecimentos prévios.

A professora ao considerar as diferentes alternativas que os alunos utilizarem nas

resoluções das atividades descritas nos dois episódios e, promover a socialização das ideias,

sinaliza uma prática pedagógica, mais voltada a uma proposta interacionista do que embasada

na concepção tradicional.

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172

No entanto, devido, provavelmente, às fragilidades nos conhecimentos específicos

anteriormente mencionados, não promove reflexões com os alunos sobre os conceitos

matemáticos, a partir das estratégias que apresentam (a resolução da multiplicação através

adições sucessivas, a operação de adição decomposta, comparação...), apenas dá liberdade do

aluno se expressar e elogia a iniciativa.

Entendemos que nas situações descritas nos dois episódios, a professora deixa passar a

oportunidade de problematizar e refletir sobre as regularidades do SND, como, por exemplo,

o princípio multiplicativo e aditivo, os agrupamentos e reagrupamentos nas ordens e classes, e

o valor posicional dos algarismos no número.

De acordo com Nadal citado por Furghestti (2013, p. 130), a mediação da aprendizagem

se efetiva “quando o professor faz perguntas, dá devoluções sobre suas colocações e

produções, problematiza o conteúdo com a finalidade de colocar o pensamento do aluno em

movimento e também quando possibilita os alunos a dialogarem entre si sobre suas

atividades”.

Antes de discutirmos sobre o trabalho realizado pela professora Eliane com o SND, faz-

se necessário uma breve contextualização do trabalho que a professora desenvolvia, quando

iniciamos a observação de suas aulas. Naquela ocasião, Eliane estava começando ensinar as

operações de adição e subtração com reagrupamento, através dos algoritmos convencionais.

Percebemos que os alunos demonstravam dificuldades em compreender as explicações

da professora sobre o “subir o um” e tomar “tomar emprestado”, para resolver as operações.

Ao mesmo tempo parecia que Eliane, também, tinha dificuldades em explicar de forma

diferente, como revela uma cena da aula da professora Eliane do dia 29/08/13, a seguir:

Alunos resolvendo exercícios do livro. A professora Eliane em sua mesa, e os alunos com

dificuldades vão até ela. Uma aluna se aproxima e mostra a operação 45 – 19, já armada, e

diz:

A: Não sei como é que faz essa conta!”

P: Ué, não sabe mais fazer subtração!

A professora observa a operação por instantes e ao invés de explicar, orienta a aluna a ler do

começo (explicação da operação de subtração com reagrupamento do livro didático da

aluna). A aula é interrompida para a uma apresentação de alunos do projeto Mais Educação.

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173

Na aula seguinte, a professora anuncia que não vão continuar com as atividades da aula

anterior. Passa exercícios no quadro sobre números ordinais, pares ímpares para os alunos

copiar e completar. Nesse ínterim, Eliane se aproxima de mim e comenta: “percebi que não

estão entendendo como tomar emprestado. Vou aproveitar minha hora-atividade para

estudar um pouquinho antes, e trabalhar com material dourado”.

Demonstrando reconhecer a relação entre as dificuldades nas operações com a

compreensão do SND, nas aulas subsequentes a professora desenvolve atividades envolvendo

as operações e o SND, utilizando o material dourado.

A seguir apresentamos um episódio de ensino que ilustra este trabalho.

Episódio 9 (Parte da aula da professora Eliane do dia 06/09/13)

Após fazer a chamada e conferir individualmente quem fez a tarefa, a professora Eliane

anuncia:

P: Vou inventar uma conta. Escreve no quadro:

3 5

- 2 9

P: Essa conta tem que emprestar. Vou explicar com o material dourado.

Reúne os alunos ao fundo da sala, sentados em círculo no chão. Transcreve a conta do

quadro para o papel flicharp e questiona:

P: Quem sabe como fazer essa conta?

Nenhum aluno responde. Ela dispõe três “barrinhas” acima do numeral 3, e cinco

“cubinhos” acima do numeral 5. Comenta:

P: Tem que emprestar!

Sem mencionar que faria a decomposição de uma dezena em dez unidades, pega uma

“barrinha’ e troca por dez “cubinhos”, colocando-os juntos com outros cinco. Conta nove

cubinhos e retira para o lado, questionando quantos ficaram. Os alunos acompanham atentos

e respondem aos questionamentos. Ela registra com giz o resultado no papel. Escreve mais

duas operações: 57 – 28; 93 – 56 e resolve com a participação dos alunos.

Durante a explicação verificamos que, às vezes, a professora em alguns momentos disfarçava

e olhava numa folha com anotações da aula, que segundo ela havia planejado com a

coordenadora, ou em tom de brincadeira comentava: deixa eu olhar a minha cola.

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Na sequência a professora solicita que os alunos retornem para as carteiras e formem duplas.

Desenha no quadro nove “barrinhas” e nove “cubinhos’. Indicando o desenho comenta: se

colocar mais uma unidade fica cem (100). Depois de distribuir certa quantidade de

“barrinhas” e “cubinhos”, para duplas de alunos, registra no quadro alguns números para que

os alunos representem com o MD. Se dirigindo a mim diz: se você quiser pode ajudar os

alunos! Aceito.

Durante a representação dos números com MD, percebi que um aluno representou o número

127, utilizando doze “barrinhas” e sete “cubinhos”, ou seja, não fez o reagrupamento, apenas

contou de dez em dez, e a professora disse estar certo.

Depois de aproximar de mim enquanto eu ajudava um aluno a representar o número 132,

explicando o agrupamento de dez em dez e as trocas nas ordens, a professora voltou à

carteira do aluno que havia dito estar certa a representação de 127, e comentou brincando que

se confundiu por que já está muito velhinha, e disse que para representar o “cem” ele teria

que trocar dez “barrinhas’ por uma “placa”.

Na sequência registra no quadro dez operações de subtração para armar e efetuar com o

apoio do MD.

A seguir imagem de caderno de aluno onde retrata as operações propostas pela

professora no episódio 9.

Figura 9 – Operações de subtração para armar e efetuar, realizado na turma do 3º ano, no dia 06/09/13

Fonte: CA, 3A, Eliane.

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A proposição da professora, diante das dificuldades dos alunos em realizar operações

com reagrupamento, de retomar o estudo do SND ao trabalhar com material dourado, foi

assertiva. De acordo com Carvalho (2010), uma das principais explicações para as

dificuldades na aprendizagem das operações aritméticas está associada à ausência de

conhecimentos precedentes sobre números e o SND.

No entanto, podemos observar que a forma como Eliane utilizou o referido material

pouco possibilitou a exploração das regras e propriedade do SND, ocultas nas operações. Ao

que parece, o intuito foi de apenas, reforçar (materializando) o “um emprestado” e os

procedimentos do algoritmo. A professora não explora o potencial do material dourado, para

fazer com que os alunos percebam a lógica dos agrupamentos de dez em dez, os princípios

aditivo e multiplicativo, a base dez, do SND, que o referido material possibilita.

Estas situações descritas no episódio anterior apontam, de acordo com Shulman (1986),

fragilidades no “conhecimento do conteúdo específico” de Eliane. Segundo esse autor, este

conhecimento envolve, entre outros, a compreensão de fatos e conceitos inerentes ao

conteúdo da disciplina que o professor leciona. E, no “conhecimento curricular”, o qual

abarca entre outros, o conhecimento e a compreensão dos materiais instrucionais sobre o

ensino de uma disciplina específica, e como utilizar os jogos pedagógicos, de modo a facilitar

a aquisição do conteúdo pelo aluno.

Confirmando o que aponta Shulman (1986), sobre a interpendência entre os diferentes

tipos de conhecimentos profissionais mobilizados pelo professor na sua prática pedagógica,

podemos observar que a insuficiência nos conhecimentos específico e curricular acaba

interferindo no conhecimento pedagógico que Eliane demonstra possuir, conforme

manifestado no modo como a professora realiza a mediação pedagógica em sala de aula,

anteriormente explicitado.

Em síntese, os dados sobre a prática pedagógica da professora Eliane, ao ensinar

Matemática, evidencia que a professora busca diversificar as estratégias didático-

metodológicas ao desenvolver os conteúdos, no intuito de proporcionar a apropriação dos

conhecimentos. As aulas de Matemática da professora não seguem um padrão determinado.

A professora considera as diferentes alternativas que os alunos utilizam nas resoluções

das atividades, estimula os alunos a socializarem como entendeu e o modo como desenvolveu

o pensamento para chegar ao resultado do exercício ou situação problema, promovendo a

interação entre os alunos. Porém, não explora, pedagogicamente, as estratégias de resolução

que os alunos apresentam, motivado, provavelmente, pelas fragilidades demonstradas em

relação ao conhecimento específico.

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Quanto às práticas pedagógicas referentes ao SND, os dados revelam que a professora

denota compreensão da relação entre o nosso sistema de numeração e as operações. Recorre

ao uso de material pedagógico. No entanto, a forma como desenvolve o ensino, as

características e propriedades do SND subjacentes às operações não são problematizadas e

refletidas. Apenas enfatiza o nome das unidades de ordem, ao realizar as operações. Através

do procedimento de “encaixar” os algarismos da operação nas “casas” da unidade (U), dezena

(D) e centena (C), a abordagem das regras e propriedades do SND, subjacentes às operações,

se restringem ao ritual de “tomar emprestado” e “subir” o algarismo. O SND não é ensinado

considerando sua gênese e historicidade.

A prática pedagógica da professora Eliane no ensino deste conteúdo corrobora as

indicações, anteriormente apresentadas, de fragilidades no conhecimento específico no que se

refere à compreensão dos agrupamentos de dez em dez e trocas nas ordens (a base dez) e o

princípio de posicionalidade do SND, repercutindo no modo como ensina este conteúdo.

4.1.3.1 Síntese das práticas pedagógicas desenvolvidas pelas professoras em sala de aula

e os conhecimentos profissionais manifestados

As práticas pedagógicas observadas evidenciam, de modo geral, que o modelo

tradicional de ensino da Matemática, embora em níveis diferentes, ainda predomina no fazer

pedagógico das professoras participantes da pesquisa. Traduzem a concepção de

conhecimento matemático visto como pronto e acabado e, portanto, precisa ser transmitido.

O SND não é ensinado considerando sua gênese e historicidade. O aspecto do nosso

sistema de numeração como prática sociocultural não é considerado, ignorando o fato de que

as crianças em suas vivências sociais, têm oportunidade de elaborar conhecimentos acerca do

sistema numérico antes do período de escolarização.

A abordagem do SND se restringe à ênfase do nome das unidades de ordem, unidade,

dezena e centena, na realização das operações numéricas. Nestas, as regras e propriedades do

SND (os agrupamentos na base dez, valor posicional dos algarismos, conceito de zero e o

princípio multiplicativo e aditivo) subjacentes, não são refletidos e problematizados. Através

da memorização dos algoritmos, a abordagem às regularidades do SND se restringe ao ritual,

usualmente utilizado pela escola, de “tomar emprestado” e “subir” o algarismo para a “casa”

das dezenas e centenas.

Dentro deste contexto geral, no entanto, existem variantes nas práticas pedagógicas

individuais que merecem ser destacadas. Das três professoras participantes, as práticas

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pedagógicas das professoras Leci e Lúcia apresentam maior grau de similaridade. O ensino

dos conhecimentos matemáticos desenvolvido pelas professoras na turma do 2º ano,

concernente ao SND, geralmente, é baseado em aulas expositivas, seguido da proposição de

completar exercícios de livros didáticos com o intuito de fixar os conteúdos. Operam com o

sistema numérico sem refletir e problematizar de modo a possibilitar ao aluno a compreensão

de suas regularidades. Nesse contexto, a mediação pedagógica das professoras se caracteriza

pela ação de explicar coletivamente o procedimento, verificar erros e acertos e, mediante

incidência de erros, repetir a explicação individual, ou coletivamente.

Já a professora Eliane apesar de, na maioria das vezes, também propor atividades

tradicionais como arme e efetue, e as do livro didático, incorrendo no mesmo tipo de ensino

do SND de suas colegas, sua prática pedagógica possuiu um diferencial. A professora faz a

mediação pedagógica, através de questionamentos e diálogo com os alunos. Considera as

diferentes alternativas que os alunos utilizam nas resoluções das atividades. Estimula os

alunos a socializarem como entendeu e o modo como desenvolveu o pensamento para chegar

ao resultado do exercício ou situação problema, promovendo a interação entre os alunos. A

atuação da professora aponta para uma prática pedagógica mais voltada a uma proposta

interacionista, do que embasada na concepção tradicional.

Em síntese, podemos inferir que as práticas pedagógicas das professoras, referentes aos

SND e os conhecimentos profissionais manifestados, refletem diretamente os processos

insuficientes de formação profissional inicial e continuada em Matemática, vivenciados por

nossas colaboradoras em suas trajetórias, como exposto anteriormente.

De igual modo, entendemos que a ausência de uma proposta materializada de trabalho

pedagógico coletivo e formação contínua, na escola em que atuam, compromete a

possibilidade de as professoras refletirem sobre suas práticas e ampliar seus conhecimentos

profissionais, podendo promover alterações qualitativas no processo de ensino e

aprendizagem que realizam em sala de aula.

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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Retomamos aqui, brevemente, o percurso que possibilitou-nos chegar a este momento

do trabalho. O interesse por essa investigação foi se constituindo ao longo de nossa trajetória

profissional, e se consolidou durante nossa atuação na formação em Educação Matemática de

professores do 1º ciclo do Ensino Fundamental, da rede pública de educação do município de

Cuiabá, referente ao conteúdo sistema de numeração decimal.

As percepções, a partir dos relatos daqueles professores sobre as práticas de ensino e, as

dificuldades apresentadas no desenvolvimento das atividades formativas, apontam indícios de

conhecimentos incipientes e, consequentemente, indícios de fragilidades no ensino desse

conteúdo.

Diante deste contexto, delineamos a questão norteadora da pesquisa e cuja possibilidade

de resposta justificou a realização desta investigação: que conhecimentos profissionais sobre o

Sistema de Numeração Decimal são manifestados por professores do 2º e 3º anos do Ensino

Fundamental e como desenvolvem práticas escolares relacionadas a este conteúdo numa

escola da rede municipal de Cuiabá?

Antes de apresentarmos os resultados da pesquisa, sentimos necessidade de expor

algumas ponderações da pesquisadora.

Em primeiro lugar, investigar a presença ou a ausência de conhecimentos e as práticas

pedagógicas relativas ao SND, de nossos pares, para nós foi algo que gerou muitas dúvidas e

auto questionamentos. Em alguns momentos nos identificamos com as professoras quanto às

suas trajetórias de formação, dificuldades e conflitos, diante da complexidade e desafios do

trabalho docente.

Porém, prevaleceu à convicção da necessidade de novas pesquisas sobre tais

problemáticas, as quais possam apontar novos caminhos para a formação e práticas de

professores que atuam nos anos iniciais do EF. Ao pensar assim, sentimo-nos motivadas e

mais à vontade para prosseguir com a investigação.

Ao buscarmos compreender as conexões que se estabelecem entre os conhecimentos das

professoras sobre o SND, e a maneira como ensinam, ficou evidente o quão complexo é o

trabalho docente. Em nosso estudo analisamos apenas, algumas facetas desse trabalho

relativas aos conhecimentos e às práticas pedagógicas em Matemática. Isso, porém, não

significa que entendamos que o trabalho docente do professor envolva somente o domínio dos

objetos de ensino. Como bem defendido por Esteves (2009, p. 126), respaldada em Sacristán

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(1995), “a prática educativa, que é histórica e social, não pode ser tratada como simples

aplicação de conhecimentos científicos”.

De igual modo, entendemos que a presença ou ausência de conhecimentos e, de

determinadas práticas pedagógicas das professoras participantes, não se constituem verdades

imutáveis. Devemos considerar a essência subjetiva, histórica e social das professoras e de

seus conhecimentos. Assim, ressaltamos que os conhecimentos e as práticas das professoras

participantes, apresentadas na pesquisa, poderão sofrer transformações e mudanças contínuas.

Contudo, com base nos estudos de Shulman (1986), queremos chamar atenção para

importância de o professor dos anos iniciais, possuir conhecimentos sobre os objetos de

ensino (conhecimento do conteúdo específico, conhecimento pedagógico do conteúdo e

conhecimento curricular), neste caso, os conteúdos relativos ao SND, pois estes interferem no

modo como ensinam e, consequentemente, na aprendizagem dos alunos.

Por último, queremos salientar que apesar de as análises aqui apresentadas terem sido

respaldadas teoricamente, não representam um resultado final e absoluto. Dado a

subjetividade inerente às investigações qualitativas, tais reflexões e considerações aqui

expostas, apenas revelam o olhar das pesquisadoras sobre o fenômeno investigado e, este,

limitado a um determinado contexto. Portanto, sujeito e aberto a outros olhares e

interpretações.

Em busca de produzir informações que nos possibilitassem responder nossa questão de

pesquisa, utilizamos os seguintes procedimentos e instrumentos: observação com registros em

diário de campo, entrevistas, questionários de caracterização e análise de documentos

escolares.

Uma vez que não buscamos generalizar os resultados da investigação e, coerente com o

aporte teórico privilegiado neste estudo, acreditamos que foi adequada a nossa opção pela

abordagem metodológica qualitativa, tendo o estudo de caso (ANDRÉ, 2008; FIORENTINI e

LORENZATO, 2012; STAKE, 2010) como estratégia de pesquisa. Com efeito, as

construções teóricas realizadas durante a pesquisa e o percurso metodológico, possibilitou-nos

compreender nosso objeto de estudo, levando em conta o seu contexto e complexidade.

Nesta perspectiva, organizamos, apresentamos e discutimos os dados sobre os

conhecimentos profissionais e as práticas pedagógicas das professoras participantes,

referentes ao SND, considerando sua historicidade e contexto no seu movimento de

constituição. E, sua materialização no desenvolvimento do ensino deste conteúdo, na sala de

aula. Para tanto, utilizamos três categorias de análise. Os conhecimentos específico,

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pedagógico e curricular das professoras, referente ao SND, são discutidos de forma

transversal nas três categorias.

Na primeira categoria, “percursos pessoais das professoras”, pelos relatos de nossas

colaboradoras averiguamos que ambas, de modo geral, vivenciaram um processo de

escolarização insuficiente quanto ao acesso e apropriação dos conhecimentos matemáticos.

Seus depoimentos revelam também a vivência de um ensino de Matemática pautado no

modelo tradicional. E, o conhecimento matemático visto pronto e acabado, portanto, precisa

ser transmitido e, cuja aprendizagem se reduz a assimilação de símbolos e regras.

Apesar disso, Leci conseguiu desenvolver uma boa relação e o gosto pela Matemática.

O mesmo não ocorreu com suas colegas. Os relatos de Lúcia e Eliane evidenciam

experiências afetivas negativas, resultando em sentimentos de medo e insegurança em relação

à Matemática. Estes, aparentemente ainda não superados, interferem na forma como lidam

pessoal e profissionalmente com esta disciplina, e, podem implicar em bloqueios para

aprender e ensinar essa área do conhecimento.

Outro ponto em comum nos depoimentos das professoras é a indicação e a consciência

por parte das mesmas, de processos de formação profissional, inicial e continuada,

insuficientes. Em síntese, as análises dos percursos acadêmicos e profissionais das

professoras, corroboram que ambas vivenciaram poucas oportunidades de significação dos

conhecimentos matemáticos.

E, também, parece que as professoras não tiveram acesso a um processo de formação

profissional satisfatório, inicial e continuada, que lhes possibilitassem a superação de crenças

e a ampliação de saberes construídos no período de escolarização, e, a construção de

conhecimentos específicos, pedagógicos, curriculares, dentre outros, relativos aos conteúdos

matemáticos, neste caso, ao SND, requeridos na “atividade docente”.

Assim, podemos inferir que as professoras, ao ensinarem este conteúdo têm como

referência, provavelmente, a forma como a elas foi ensinado no período escolar. Sob esse

prisma, é possível que o modelo tradicional de ensino da Matemática vivenciado por estas

professoras permeie suas concepções, conhecimentos e práticas pedagógicas no ensino desta

disciplina.

Sem um processo de formação profissional contínuo que possibilite às professoras a

construção dos conceitos matemáticos e, de referências teórico- metodológicas sobre aprender

e ensinar Matemática e ainda, que oportunize a cada uma reconstruir sua relação com a

Matemática, mediante a vivência de experiências de aprendizagem mais significava, a

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superação do modelo tradicional de ensino de Matemática, pode ser para as professoras um

desafio, praticamente, insuperável.

Neste sentido, entendemos que os conhecimentos e as práticas das professoras possuem

uma historicidade e se inserem num contexto social, portanto, não se dão de forma isolada.

Desse modo, além dos percursos formativos individuais, fez-se necessário considerar o

contexto de atuação destas professoras, ou seja, as condições objetivas de trabalho, de

organização trabalho pedagógico e formação contínua, na escola onde atuam, e como estes

repercutem nos conhecimentos profissionais e na prática pedagógica das professoras referente

ao ensino do SND.

A análise dos dados na segunda categoria, “o contexto de atuação das professoras”,

aponta que a escola possui uma disposição dos tempos e espaços escolares que possibilita o

desenvolvimento do trabalho educativo de forma organizada, garantindo o cumprimento do

tempo escolar.

No entanto, apesar dessa organização dos tempos e espaços escolares, ser bastante

funcional, a forma como está estruturada pouco favorece à integração curricular e às

interações entre as professoras do 1º ciclo, na prática cotidiana. Observando a rotina de

organização e distribuição do tempo escolar, é possível inferir que os conteúdos curriculares

são trabalhados de forma compartimentada nas disciplinas escolares, aspectos que apontam

para uma organização típica de sistemas seriados.

Em se tratando do ensino dos conteúdos curriculares de Matemática no 1º ciclo, os

dados apresentados evidenciam ausência de discussões e estudos coletivos sobre o tema, ou

seja, de foco no ensino e na aprendizagem dos conhecimentos matemáticos, nesta etapa de

escolarização, pelo menos não durante o período de realização da pesquisa.

Podemos verificar também, indícios de uma organização do ensino, nesta escola,

orientado pelo livro didático, não se constituindo num trabalho pedagógico organizado

coletivamente, em que se considerem a dimensão sociocultural dos professores e alunos no

processo de ensino e aprendizagem. A gênese e historicidade dos conceitos matemáticos, bem

como, a dimensão sócio-histórico-cultural dos professores e alunos no processo de ensino e

aprendizagem, não são considerados.

Na análise das aulas observadas e dos planos de ensino da Matemática, realizados pelas

professoras participantes, percebe-se uma cisão entre a significação para a elaboração e o

papel dos planos escolares, e a forma como esse processo se dá nesta escola. Ao que parece, o

significado atribuído pelas professoras participantes na elaboração dos planos anual e

bimestrais é o de cumprimento de uma atribuição inerente à função do professor, sem, no

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entanto, possuir um sentido pessoal para tal ação, enquanto uma necessidade para a sua ação

docente.

A maneira como a escola realiza seu projeto educativo (por ocasião da realização da

pesquisa), parece não traduzir as perspectivas do ensino organizado em ciclos de formação,

assumido oficialmente pela escola, no seu Projeto Político Pedagógico (PPP). Foi possível

perceber um distanciamento entre a proposta pedagógica oficial da escola e o trabalho

pedagógico efetivado na mesma em sala de aula.

A possibilidade da organização em ciclos, onde os coletivos de professores dos ciclos

possam discutir e decidir juntos o desenvolvimento do ensino e as metas coletivas para a

aprendizagem das crianças, ainda não se constitui uma realidade nesta escola. Os espaços-

tempo institucional existentes através do projeto “Roda de Conversa”, ao que parece, não são

utilizados pela escola exclusivamente para estudos, reflexões e planejamentos coletivos dos

professores, como preconiza o referido projeto. Por outras palavras, percebemos que não há

ainda uma proposta materializada de trabalho pedagógico coletivo na escola, que oportunize e

estimule a interação pedagógica entre todos os professores do 1º ciclo, na prática cotidiana.

Essa ruptura, observada, entre a significação do Projeto Político Pedagógico e o sentido

atribuído a este, pelos participantes do processo educativo da escola pesquisada, pode

interferir na qualidade do ensino que ali é realizado. Este documento como um importante

instrumento de organização da escola, da atividade pedagógica, deve ser um projeto do

coletivo da escola, criado a partir da necessidade de melhorar a prática docente, de garantir

que os alunos se apropriem do saber historicamente produzido. “Ao convergirem seus

motivos pessoais em motivos coletivos, os professores articulam-se em torno de objetivos

definidos em comum e passam a desencadear ações planejadas” (ASBAHR, 2005, p. 116).

Na ausência de um trabalho pedagógico coeso e colaborativo, cada professor tende a

adotar práticas que sente mais segurança, suplantando ao que seria essencial: a opção por

práticas pedagógicas coletivas que melhor oportunizem o desenvolvimento e aprendizagem de

todos os alunos. Tal aspecto, além de não possibilitar a unidade pedagógica imprescindível à

continuidade do ensino e aprendizagem no ciclo, não favorece o processo de formação

contínua do professor, oportunizado pela interação com seus pares e seu objeto de trabalho –

o ensino.

Concluindo, entendemos que a ausência de uma proposta materializada de trabalho

pedagógico coletivo e formação contínua, na escola em que atuam, compromete a

possibilidade de as professoras participantes da pesquisa refletirem sobre suas práticas e

ampliarem seus conhecimentos profissionais. E, assim, promover alterações qualitativas no

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processo de ensino e aprendizagem de Matemática, de um modo geral, e especificamente do

SND, que realizam em sala de aula.

Por fim, acreditamos que a realidade da escola em relação à perspectiva dos ciclos

reflete, provavelmente, a forma como a política de organização do Ensino Fundamental em

ciclos de formação se materializa na rede pública municipal de ensino de Cuiabá, como um

todo. Assim, chamamos a atenção para a necessidade de futuros estudos sobre a política de

ciclos da rede de ensino de Cuiabá, para que possamos melhor compreender a prática

pedagógica do professor em sala de aula e as ações da escola como um todo.

A seguir, primeiro tecemos considerações sobre os conhecimentos específicos,

pedagógicos e curriculares, manifestos nos relatos das professoras. Posteriormente, sobre as

práticas pedagógicas referentes ao SND. Estas serão retomadas nesse momento apenas

resumidamente para não incorrermos em repetições.

Salientamos que essa organização objetiva uma maior explicitação das respostas a nossa

pergunta de investigação. No entanto, ressaltamos que esses conhecimentos (específico,

pedagógico e curricular) se entrecruzam na prática do professor exercendo influências

recíprocas, portanto, precisam ser considerados no seu conjunto.

Os resultados obtidos em nosso estudo evidenciam, de modo geral, a existência de

lacunas nos conhecimentos profissionais das professoras, relativos ao SND. Apontam, então,

que os reflexos das trajetórias acadêmicas e profissionais (“formação docente”) e das

condições objetivas e subjetivas de organização do trabalho educativo no contexto escolar

onde atuam, incidem diretamente sobre o que sabem as professoras e a forma como ensinam o

referido conteúdo.

Em se tratando do “conhecimento específico do conteúdo” (SHULMAN, 1986), a

professora Lúcia, ao que parece, possui apenas um conhecimento de uso cotidiano do SND.

Isto é evidenciado pelos silêncios e hesitações da professora, diante dos nossos

questionamentos, dando a entender que a mesma desconhecia o teor das nossas indagações,

ou seja, os conceitos inerentes ao SND.

Leci e Eliane, apesar de demonstrarem conhecimento sobre as regularidades do SND,

suas afirmações evidenciam fragilidades quanto à compreensão das propriedades

multiplicativas e aditivas inerentes aos consequentes agrupamentos de dez em dez no interior

de cada ordem (a base dez) e as transformações entre as ordens formando uma unidade de

ordem superior (valor posicional dos algarismos), dois princípios fundamentais do SND.

Em se tratando do “conhecimento curricular”, Eliane ao declarar que “a referência

maior é o livro didático”, traduz o que implicitamente Leci e Lúcia deixam transparecer,

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quanto à utilização do mesmo enquanto referência principal para o ensino do nosso sistema

numérico. Ambas, apesar de considerarem importante o ensino deste conteúdo, não

conseguem apresentar argumentos consistentes para fundamentar suas crenças.

Em relação ao “conhecimento pedagógico do conteúdo”, os relatos das três professoras

sobre como ensinam o SND deixam transparecer a preocupação e o desejo de promover um

ensino que possibilite aos alunos atribuir sentido e significado à aprendizagem deste conteúdo

matemático. No entanto, o conjunto de suas declarações sobre como desenvolvem o ensino do

SND apontam que as fragilidades nos conhecimentos específicos e curriculares, refletem no

“conhecimento pedagógico do conteúdo”, manifestado pelas professoras.

As práticas pedagógicas observadas evidenciam, de modo geral, que o modelo

tradicional de ensino da Matemática, embora em níveis diferentes, ainda predomina no fazer

pedagógico das professoras participantes da pesquisa. Traduzem a concepção de

conhecimento matemático visto como pronto e acabado e, portanto, precisa ser transmitido.

O SND não é ensinado considerando sua gênese e historicidade. O aspecto do sistema

de numeração como prática sociocultural não é considerado, ignorando o fato de que as

crianças em suas vivências sociais têm oportunidade de elaborar conhecimentos acerca do

sistema de numeração que utilizamos, antes do período de escolarização.

A abordagem do SND, geralmente, se restringe à ênfase do nome das unidades de

ordem, na realização das operações numéricas. Através do procedimento de “encaixar” os

algarismos da operação nas “casas” da unidade (U), dezena (D) e centena (C), através dos

algoritmos convencionais, a abordagem das regras e propriedades do SND, subjacentes às

operações, se traduz ao ritual de “tomar emprestado” e “subir” o algarismo, na maioria das

vezes, sem refletir com as crianças sobre o processo de agrupar e desfazer os agrupamentos e

trocas envolvidos na operação.

Esse tipo de atividade por si só, não possibilita estabelecer relação ou compreender o

que significa os agrupamentos de dez em dez (a base dez) do SND. Da mesma forma, a

simples memorização das ordens em termos de unidade, dezenas, não resulta na compreensão

do princípio de posicionalidade, sendo esta uma das características que distingue o nosso

SND dos demais sistemas de numeração.

Dentro deste contexto geral, no entanto, existem nuances nas práticas pedagógicas

individuais que merecem ser destacadas. Das três professoras participantes, as práticas

pedagógicas das professoras Leci e Lúcia apresentam maior grau de similaridade. O ensino

dos conhecimentos matemáticos desenvolvido pelas professoras na turma do 2º ano,

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concernente ao SND, geralmente, é baseado em aulas expositivas, seguido da proposição de

completar exercícios de livros didáticos com o intuito de fixar os conteúdos das operações.

Operam com o sistema numérico sem refletir e problematizar de modo a possibilitar ao

aluno a compreensão de suas regularidades. Nesse contexto, a mediação pedagógica das

professoras se caracteriza pela ação de explicar coletivamente o procedimento, verificar erros

e acertos e, mediante incidência de erros repetirem, individual ou coletivamente, a mesma

explicação sobre como resolver um determinado exercício.

Já a professora Eliane apesar de, na maioria das vezes, também propor atividades

tradicionais como “arme e efetue”, e as do livro didático, incorrendo no mesmo tipo de ensino

do SND de suas colegas, sua prática pedagógica possuiu um diferencial. A professora faz a

mediação pedagógica, através de questionamentos e diálogo com os alunos. Considera as

diferentes alternativas que os alunos utilizam nas resoluções das atividades. Estimula os

alunos a socializarem como entenderam e o modo como desenvolveram o pensamento para

chegar ao resultado do exercício ou situação problema, promovendo a interação entre os

alunos. A atuação da professora aponta para uma prática pedagógica mais voltada a uma

proposta interacionista, do que embasada na concepção tradicional.

Apreendemos que, de modo geral, as práticas pedagógicas observadas, oscilam entre

valorizar o movimento histórico da criança e um ensino pautado na aplicação das regras do

SND, desprovido de significação.

O ensino de Matemática numa perspectiva de educação humanizadora, pressuposto da

teoria histórico-cultural, subjaz a compreensão de que o processo educativo que gera

desenvolvimento intelectual é aquele que coloca o aluno em “atividade” de aprendizagem, o

que envolve a ação do professor de colocar o aluno diante da necessidade do “conceito”.

Isto é possível a partir da proposição de tarefas, situações problemas ou desafios, reais

ou inventados, que mobilizem as crianças, individual e coletivamente, a buscar soluções,

elaborar hipóteses e sínteses. Estes são aspectos imprescindíveis para possibilitar aos alunos a

produção dos conhecimentos matemáticos.

Consideramos o SND um instrumento simbólico desenvolvido pela humanidade para

lidar com o registro de grandes quantidades utilizando o mínimo de símbolos possível.

Portanto, constitui-se em uma obra viva e em relação direta com as necessidades dos sujeitos

e dos tempos históricos de sua produção.

Sendo assim, entendemos que oportunizar à criança compreender o processo histórico

de produção dos conceitos que constituem o SND é parte importante no movimento de

apropriação deste conceito. Desta maneira, compreendemos que as crianças constroem e se

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apropriam do SND quando têm oportunidade de pensar e resolver problemas formulados pelo

uso da numeração, que lhes possibilitem vivenciar a essência das necessidades que motivou a

humanidade a construir este conceito.

Para tanto as crianças precisam, através da mediação do professor, serem estimuladas e

desafiadas a utilizarem estratégias próprias, a confrontar suas estratégias com as dos colegas,

a organizar e reorganizar o conhecimento na resolução de problemas. O professor atua de

forma a oportunizar a construção de conhecimentos, quando estimula o diálogo, a cooperação

mútua, a troca de informações e o confronto de ideias entre os alunos.

As crianças precisam de tempo e desafios para avançar na construção dos

conhecimentos matemáticos. É justamente a reflexão, o questionamento e a busca de soluções

diante de situações problemas reais ou criadas pelo professor, que possibilitam o avanço da

criança na produção e apropriação dos conhecimentos matemáticos.

Deste modo, compreendemos que o ensino do SND deva considerar a historicidade da

criação deste conceito (sua origem, os problemas da humanidade que motivaram sua criação e

a finalidade do mesmo) a partir de situações problema que possibilitem aos professores e

alunos vivenciá-lo como protagonistas e não como meros transmissores e expectadores.

Assim, os professores podem construir significados para ensiná-la e, consequentemente, os

alunos atribuirem sentido em aprendê-lo.

Concluindo, outro resultado importante advindo deste estudo foi em relação ao nosso

próprio crescimento enquanto pesquisadora e, acima de tudo, enquanto professora dos anos

iniciais, que ensina Matemática, e enquanto componente da equipe da SME de Cuiabá-MT.

Pudemos ampliar os nossos conhecimentos profissionais relativos à Matemática em

geral, e ao SND em particular. E, principalmente, refletir sobre a necessidade de prosseguir

estudando, pois este foi apenas um pequeno passo no necessário processo contínuo de

aprendizagem docente. Não sei se conseguirei ser uma professora melhor, mas com certeza,

não sou mais a mesma professora de quando ingressei no mestrado.

Enquanto membro da equipe da SME suscitou em mim a preocupação com a

necessidade de refletir com os meus pares daquela instituição, acerca da condução das

políticas educacionais, pois, estas podem impactar positiva, ou negativamente, no trabalho

pedagógico do professor em sala de aula, e da escola como um todo.

E ainda, salientamos que no desenvolvimento desta pesquisa emergiu, entre outras

questões que possam inspirar novas investigações, a necessidade de se construir no chão da

escola um processo de formação contínua sobre os conteúdos matemáticos dos anos iniciais.

Um processo formativo capaz de possibilitar que as crenças construídas pelos professores ao

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longo de seus percursos acadêmicos e profissionais possam ser problematizadas e colocadas

em reflexão. Ao mesmo tempo, possam se apropriar dos fundamentos da Matemática de

forma integrada às questões didático-pedagógicas.

Por fim, esperamos que este estudo, juntamente com pesquisas já realizadas, e que

tiveram como foco os conhecimentos profissionais e práticas de professores dos anos iniciais,

referentes ao SND, possa ser referência para pesquisadores e professores, no sentido de

contribuir para o avanço no ensino e aprendizagem deste importante conteúdo, para a

construção dos conhecimentos matemáticos.

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TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa

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VASCONCELOS, Celso dos Santos. Planejamento: projeto de ensino-aprendizagem e

projeto político-pedagógico. 22. ed. São Paulo: Libertad Editora, 2012.

VYGOTSKY, Lev Semenovich, 1896-1934. A formação social da mente: o

desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Editora Martins Fontes,

1988.

_____. Pensamento e linguagem. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1998.

ZUNINO, D. L. A Matemática na escola: aqui e agora. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

WILSON, Suzane; SHULMAN, Lee; RICHERT, Anna. 150 different ways of knowing:

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APÊNDICES

APÊNDICE I – Carta à diretora escolar solicitando autorização para a realização da pesquisa

na escola

Senhor (a) Diretor (a),

Solicitamos de Vossa Senhoria que a aluna Elenir Honório do Amaral, mestranda do

Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, cuja

orientação encontra-se sob responsabilidade da Prof.ª Dr.ª Rute Cristina Domingos da

Palma, possa realizar nesta escola, a coleta de dados para a sua pesquisa, que tem como

objeto “os conhecimentos profissionais e as práticas escolares em relação ao Sistema de

Numeração Decimal de professores que atuam no 1º, 2º e 3º anos do 1º ciclo do Ensino

Fundamental”.

As informações prestadas, observações realizadas, documentos analisados e demais dados

coletados com o professore de cada ano, não serão repassados a terceiros. Os dados utilizados

na dissertação, os nomes da escola, do professor e alunos serão mantidos em absoluto

anonimato.

Agradecemos, desde já, o apoio à pesquisa e a atenção dispensada.

______________________________________

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rute Cristina Domingos da Palma

____________________________________

Mestranda: Elenir Honório do Amaral

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------

APÊNDICE II – Termo de autorização da diretora da escola para a realização da pesquisa

Eu, ________________________________________________________

Diretor (a) da Escola ________________________________________

Autorizo a realização das atividades de pesquisa pela aluna do Programa de Pós-Graduação

em Educação (Mestrado) da Universidade Federal de Mato Grosso: Elenir Honório do

Amaral.

Para tanto, autorizo o acesso da referida aluna na sala de aula do 1º, 2º e 3º anos do 1º ciclo do

Ensino Fundamental para a realização da observação participante, análise de documentos da

escola, do professor e dos alunos produzidos no ano letivo de 2013, nesta instituição escolar,

bem como a utilização das informações concedidas em questionários e entrevistas, como fonte

de pesquisa para sua dissertação.

Cuiabá – MT, __/_____/2013.

_____________________________

Carimbo e assinatura do (a) Diretor (a)

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APÊNDICE III – Carta às professoras solicitando autorização para pesquisa em suas turmas.

Senhora Professora,

Solicitamos a autorização para que a aluna, Elenir Honório do Amaral, mestranda do

Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, cuja

orientação encontra-se sob responsabilidade da Prof.ª Dr.ª Rute Cristina Domingos da

Palma, realize a pesquisa, que tem como objeto “os conhecimentos profissionais e as

práticas escolares em relação ao Sistema de Numeração Decimal de professores que atuam

no 1º, 2º e 3º anos do 1º ciclo do Ensino Fundamental”.

Para o desenvolvimento da pesquisa solicitamos a autorização para realizar a observação

participante em sua sala de aula no período de agosto a dezembro de 2013. Além disso,

pedimos a colaboração da professora para conceder-nos entrevista gravada, responder aos

questionários, permitir o acesso aos cadernos, atividades e avaliações dos alunos e aos

planejamentos de ensino produzidos no período letivo de 2013, que se constituem em fonte de

dados para a nossa dissertação.

Os dados disponibilizados não serão repassados a terceiros. Caso estes dados sejam utilizados

na dissertação, os nomes da escola, da professora e alunos serão mantidos em absoluto

anonimato.

Certas, de sua especial atenção, antecipadamente agradecemos.

____________________________________

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rute Cristina Domingos da Palma

__________________________________

Mestranda: Elenir Honório do Amaral

Cuiabá, ___/___/2013.

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

APÊNDICE IV – Termo de autorização do professor (a)

Eu, __________________________________________, professor (a) da Escola

___________________________________________________, autorizo a realização das

atividades de pesquisa pela aluna do Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado) da

Universidade Federal de Mato Grosso: Elenir Honório do Amaral.

Para tanto, autorizo o acesso da referida aluna a sala de aula do _____ ano do 1º ciclo para a

realização da observação participante, disponibilizo para consulta os cadernos, atividades e

avaliações dos alunos e planejamentos de ensino produzidos por mim durante o ano letivo de

2013, nesta instituição escolar, bem como a utilização das informações concedidas em

questionários e entrevistas, como fonte de pesquisa para sua dissertação.

________________________________________________

Assinatura do (a) professor (a)

Cuiabá, ___/____/ 2013.

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APÊNDICE V – Questionário de Caracterização da Escola (QCE).

Nome da escola: __________________________________________________

Endereço: _______________________________________________________

Tel.: ______________________ E-mail da escola: _______________________

Nome do (a) diretor (a) da escola: ____________________________________

Data do início de funcionamento da escola: _____________________________

Etapas/Ciclos que atendem: _________________________________________

Ano que iniciou o regime de ciclos: ___________________________________

Turnos de funcionamento: ( ) Matutino ( ) Vespertino ( ) Noturno

N°. total de salas de aula: _____________ N°. total de alunos: ______________

N°. total de professores: Efetivos ______________ Contratados ____________

Biblioteca: ( ) Sim ( ) Não. Outros:_______________________________

Laboratório de informática: ( ) Sim ( ) Não

Sala de vídeo: ( ) Sim ( ) Não

Materiais pedagógicos:

Materiais de multimídia:

Livros de literatura

_______________________________

Carimbo e assinatura do (a) Diretor (a)

Data: ______/______/ 2013.

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

APÊNDICE VI – Questionário Caracterização das Professoras (QCP)

Professora: _________________________________

1. Dados Pessoais

Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino

Data de Nascimento: ______/______/______ Natural de: _________________

E-mail: ________________________________ _________________________

Telefone: ( ) __________ - __________ Cel.: ( ) __________ - __________

2. Formação Acadêmica

Graduação

Curso/Habilitação: ________________________________________________

Instituição: ______________________________________________________

Cidade/Estado: ___________________________________________________

Modalidade do curso: ( ) Presencial ( ) Distância ( ) Semipresencial

Ano de Início: _____________________ Ano de término: _________________

Pós-graduação

( ) Especialização

( ) Mestrado

( ) Não cursei ou não completei curso de Pós-Graduação

Ano de início: _____________________ Ano de término: _________________

Área: ___________________________________________________________

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3. Situação e Experiência Profissional

a) Qual sua situação trabalhista:

( ) Efetivo

( ) Concursado em estágio probatório

( ) Prestador de serviço por contrato

b) Turno que trabalha nesta escola:

( ) Matutino

( ) Vespertino

c) Você trabalha em outra escola? ____________________________________

d) Qual sua jornada de trabalho semanal? ______________________________

e) Exerce outra profissão além de professor?

( ) Sim

( ) Não

Qual? _______________________________ Onde? _____________________

f) Há quantos anos você leciona? _____________________________________

g) Já atuou em quais etapas da Educação Básica?

Creche ( )

Educação Infantil: ( ) 4 anos ( ) 5 anos

Ensino Fundamental: ( ) Anos Iniciais ( ) Anos Finais

Ensino Médio ( )

h) Há quantos anos você trabalha nesta escola?__________________________

i) Há quantos anos você leciona no 1º Ciclo?___________________________________

j) Em quais anos do 1º Ciclo do Ensino Fundamental você já atuou? Registre o período

(anos).

( ) 1º ano_____anos. ( ) 2º ano_____anos. ( ) 3º ano_____anos.

l) Neste ano, em qual turma do 1º Ciclo você atua? Quantos anos consecutivos?

( ) 1º ano_____anos. ( ) 2º ano_____anos. ( ) 3º ano_____anos.

m) Neste ano, quantos alunos você possui em sala de aula?

( ) 1º ano Matutino: ______________ Vespertino _______________

( ) 2º ano Matutino: ______________ Vespertino _______________

( ) 3º ano Matutino: ______________ Vespertino _______________

4. Formação continuada:

a) Você participou de alguma atividade de formação em que se discutiu o ensino organizado

em Ciclos de Formação? Caso a resposta seja positiva, qual foi a natureza das atividades

(projetos de pesquisa, grupo de estudo, seminários, oficinas, congressos, cursos, palestras...) e

a carga horária?

b) Você participou de alguma atividade de formação continuada em Educação Matemática

nos últimos cinco anos? Caso a resposta seja positiva, qual foi a natureza das atividades

(projetos de pesquisa, grupo de estudo, seminários, oficinas, congressos, cursos, palestras...) e

a carga horária?

c) A formação continuada em Matemática contribuiu para a melhoria de sua prática em sala

de aula? Se não, justifique. Se sim, em que aspectos?

Cuiabá, ______/______/ 2013.

Obrigada pela sua atenção!

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APÊNDICE VII - Roteiro da entrevista semiestruturada

BLOCO 1 – Sobre a construção dos conhecimentos matemáticos e do ensino de Matemática

(trajetória escolar e profissional):

a) Você gosta de Matemática? Por quê?/ Justifique.

b) Como foi a sua relação/experiência com a Matemática durante sua formação escolar?

c) Na graduação, você teve alguma disciplina específica sobre Matemática? Esta

formação inicial foi suficiente pra você ensinar Matemática? Por quê? Em que

sentido?

d) Você sente dificuldades pra ensinar Matemática? Quais?/Justifique.

e) Em sua opinião, o que o professor precisa saber pra ensinar Matemática?

BLOCO 2 – Conhecimentos específicos, pedagógicos e curriculares sobre o sistema de

numeração decimal:

f) O que você sabe sobre o Sistema de Numeração Decimal- SND?

(se mencionar: Base dez, Valor posicional, princípios multiplicativo e aditivo, 10

algarismos distintos – perguntar o que significa cada característica).

g) Que características do sistema de numeração decimal determinaram a sua prevalência

sobre os demais sistemas numéricos precedentes?

h) Qual é a função/importância do ZERO no SND?

i) Como você ensina o SND? Neste ano, foi assim que ensinou?

j) Esse é um conceito fácil de ensinar? Por quê?

k) O SND tem que ser ensinado em que ano/série? (se mencionar nos três anos – Como

nos três anos?). O que deve ser ensinado em cada ano?

l) Você utiliza algum recurso didático pra ensinar o SND? (se sim, com qual objetivo? O

que esse material possibilita/contribui?).

m) Como a criança aprende o SND? Como você percebe a aprendizagem do aluno sobre

SND?

n) Os teus alunos (desse ano) tem apresentado dificuldades para aprender/ compreender o

SND? Como você os ajuda superar essas dificuldades apontadas?

o) Que tipo de atividades sobre o SND, você mais trabalhou com os alunos esse ano/ Por

quê?

p) Você tem dificuldade para ensinar o SND? (Se afirmativo) Quais?

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q) O SND é um componente curricular, em sua opinião, porque é importante ensinar

esse conceito / no 1º ciclo?

r) A compreensão do SND possibilita que a criança compreenda outros conteúdos

matemáticos? Quais?

s) Como são realizados os planejamentos: plano anual, bimestral, plano de aula?

(No que se apoia: troca com alguma das professoras do 1º ciclo?). Tem auxílio da

coordenadora? A escola adota alguma estratégia de integração curricular? Qual?

t) Onde busca referências para organizar a sequência dos conteúdos a serem

trabalhados?

u) Você já leu os PCN para Matemática? Que dizem sobre SND? E as orientações

curriculares da rede municipal de Cuiabá (Escola Sarã, MCR de Matemática)?

BLOCO 3 – Sobre o desenvolvimento da hora-atividade e planejamento.

Como e onde faz? Com quem faz? Etc.