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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM SEBASTIANA ALMEIDA SOUZA A METODOLOGIA DA SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS PARA A EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA DOS SURDOS: UM ESTUDO BAKHTINIANO CUIABÁ-MT 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

SEBASTIANA ALMEIDA SOUZA

A METODOLOGIA DA SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS PARA A

EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA DOS SURDOS: UM ESTUDO BAKHTINIANO

CUIABÁ-MT 2014

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SEBASTIANA ALMEIDA SOUZA

A METODOLOGIA DA SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS PARA A

EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA DOS SURDOS: UM ESTUDO BAKHTINIANO

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Estudos de

Linguagem, Instituto de Linguagens da

Universidade Federal de Mato Grosso,

como parte dos requisitos para a

obtenção do título de Mestre em Estudos

de Linguagem.

Área de Concentração: Estudos

Linguísticos

Linha de pesquisa: Paradigmas do Ensino

de Línguas.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Simone de Jesus

Padilha

CUIABÁ-MT 2014

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Monte Castelo – Legião Urbana

Ainda que eu falasse A língua dos homens

E falasse a língua dos anjos Sem amor eu nada seria

É só o amor! É só o amor Que conhece o que é verdade O amor é bom, não quer o mal

Não sente inveja ou se envaidece

O amor é o fogo que arde sem se ver É ferida que dói e não se sente

É um contentamento descontente É dor que desatina sem doer

Ainda que eu falasse A língua dos homens

E falasse a língua dos anjos Sem amor eu nada seria

É um não querer mais que bem querer É solitário andar por entre a gente

É um não contentar-se de contente É cuidar que se ganha em se perder

É um estar-se preso por vontade É servir a quem vence, o vencedor

É um ter com quem nos mata a lealdade Tão contrário a si é o mesmo amor

Estou acordado e todos dormem Todos dormem, todos dormem

Agora vejo em parte Mas então veremos face a face

É só o amor! É só o amor Que conhece o que é verdade

Ainda que eu falasse A língua dos homens

E falasse a língua dos anjos Sem amor eu nada seria

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À minha mãe, que sempre me estimulou à leitura, e à busca do

conhecimento como fonte de amadurecimento, de

possibilidades de ascensão na vida.

Às ANAS (Cláudia e Caroline) da minha vida, fonte de

inspiração, meu bem maior. Por elas que consigo superar cada

obstáculo da vida, visto como superação para alcançar voos

mais altos.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, elevo os meus olhos aos céus de onde vem o meu socorro, pois tudo

que tenho e que sou devo unicamente ao meu pai. Nos momentos mais difíceis,

quando a tristeza tentava tomar conta do meu coração, o senhor me carregou em

seus braços sempre renovando minhas forças, mostrando-me o caminho das

possibilidades.

A minha mãe, pois sem a sua orientação, apoio e amor jamais chegaria onde

cheguei; seu exemplo de vida e sua força de vontade me fazem acreditar que tudo

posso na caminhada da vida.

As minhas filhas, pois é por elas que busco o crescimento enquanto pessoa e

profissional, minhas joias raras, razão da minha vida.

Ao meu esposo, Sebastião, meu amor, amante, mas, acima de tudo, meu

COMPANHEIRO de todas as horas e momentos, sempre me apoiando com seu

amor e sua tranquilidade, acreditando sempre nas minhas capacidades.

As minhas irmãs, Marinei, Pedrosa, Gonçalina Fátima, Benedita, pelo

incentivo e palavras de carinho; em especial à Silnea, pelo companheirismo sempre

presente em minha vida.

Aos meus irmãos, Gonçalo Jacó, Sebastião, Silnei, que sempre me diziam,

nos momentos difíceis: “se é para o ser humano, você consegue”. Ao meu amado

irmão/Pai Manoel, pelo sorriso, palavras de carinho e ombro amigo, sempre

presente em minha vida.

Ao meu irmão José Pedro (in memorian) pelo sorriso afetuoso, pela

simplicidade de viver, o qual me ensinou que é nas coisas mais simples que

encontramos a felicidade. Saudades eternas.

A minha cunhada Maria Ferreira, pelas palavras de incentivo, por entender as

minhas necessidades e, principalmente, por acreditar nas minhas capacidades,

sempre me dizendo: “calma, as coisas de Deus são simples, vai chegar a sua hora”.

A minha cunhada Célia Ferreira (in memorian) por ensinar-me que somos

capazes de voar cada vez mais alto, basta que busquemos trilhar o caminho das

possibilidades.

A minha querida orientadora, Professora Doutora Simone de Jesus Padilha.

Busquei na literatura palavra que descrevesse a sua dedicação e competência no

fazer pedagógico das orientações, mas não encontrei; só sei que és companheira,

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profissional única e competente naquilo que faz, ícone na teoria e prática

bakhtiniana, sempre nos ensinando a superar as nossas dificuldades. Obrigada por

me ajudar a vencer os meus medos e por ensinar-me a voar muito alto, a ter olhos

de águia. Se hoje me concretizo enquanto pesquisadora, se consegui produzir, devo

a você. Obrigada, até quando eu der o meu último suspiro, serei grata a ti, minha

eterna orientadora.

Ao meu co-orientador participativo doutorando Anderson Simão Duarte, ser

humano fantástico, pelo diálogo e orientações acerca da LIBRAS. Quando crescer

quero ser um profissional parecido com você.

Ao Professor Doutor Vinícius Pereira Carvalho, pela leitura atenta e pelas

excelentes contribuições que deram a este trabalho a qualidade de que precisava,

ocasionando melhorias em cada capítulo desta construção dialógica.

À Professora Nilce Maria da Silva, por aceitar o convite para compartilhar

conosco a leitura da nossa pesquisa e pelas valiosas contribuições que

enriqueceram ainda mais este trabalho.

Aos professores do Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem, pelas

orientações e transmissão dos conhecimentos que nos fizeram crescer no campo

científico, em especial Professor Luciano Ponzio e Professor Sergio Flores,

professores competentes e éticos.

Aos funcionários da Secretaria do PPGEL, Wynne, Julianny e Nelson, pela

atenção e colaboração diária com nossas pesquisas.

A minha amiga Bárbara, por me apresentar ao mundo da LIBRAS, pelo

carinho e apoio, e a minha amiga Maristela Santana, que me apoiou desde quando

comecei a participar do Rebak, me ajudando na liberação de uma tarde de trabalho.

Ao meu querido amigo José Simão, meu eterno orientador, por segurar na

minha mão e apresentar-me o conhecimento científico. Se cheguei aqui, comecei

com você na especialização já pesquisando sobre a surdez. Aprendi com você que

tudo é possível quando almejamos algo, basta que busquemos realizar nossos

sonhos.

À Direção e Coordenação da EMEB Maria Dimpina Lobo Duarte por aceitar-

me como pesquisadora nessa unidade escolar, dando suporte para que essa

pesquisa se concretizasse.

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À Professora Marinalva, da sala de aula, por receber-me com carinho e por

contribuir com sua experiência para que essa pesquisa tivesse mais informações

referentes ao tema abordado.

Às Professoras da Sala de Recursos Multifuncionais, Rosana, Fausta e

Francine, valiosas profissionais, merecedoras de toda admiração, obrigada pelo

apoio e pelo acolhimento, proporcionando-nos materiais teóricos e práticos para o

enriquecimento desta pesquisa.

Ao aluno Bruno, por ensinar-me a entender o ser humano e as capacidades

do surdo, bem como as suas necessidades. Autor dos seus discursos nos levou a

compreender alguns conceitos bakhtinianos, tais como exotopia, dialogismo,

interação, através das suas ações e da sua força de vontade, de fato, sendo um ser

humano.

À mãe do aluno, Priscila, por autorizar que pesquisássemos o seu filho, e por

nos fornecer informações sobre ele, sobre o seu conhecimento na inclusão e na

educação dos surdos.

Aos colegas do Grupo de Pesquisa Relendo Bakhtin - Rebak, Neiva, Eliete,

Jozanes, Jean, Cláudio, Josilene, Rute, Rosenil, Eliana Albergoni, Suammy, pelas

interações e diálogos que edificaram a nossa pesquisa e pelas divergências nas

discussões teóricas, as quais me fizeram crescer enquanto ser humano e

pesquisadora.

Aos meus eternos AMIGOS do mestrado, Sérgio e Rosemary, o que dizer?

Não tenho palavras, apenas que vocês fazem parte da minha história e da minha

vida: obrigada, obrigada e obrigada...

À amiga Dinaura, um ser humano com características próprias, sempre

carinhosa e parceira nos momentos difíceis, meus sinceros agradecimentos pela sua

valiosa amizade.

À amiga Leila Barros, por compartilhar comigo os seus conhecimentos num

domingo, tirando minhas dúvidas acerca da teoria bakhtiniana; jamais esquecerei o

quanto os seus esclarecimentos foram fundamentais em minha vida acadêmica.

A minha fada madrinha Elizângela Moreira, não só por me mostrar o caminho

do mestrado, mas por segurar na minha mão e dizer-me: “você consegue, você é

pesquisadora”. A cada derrota, ela estava na torcida e me dizia: “vá em frente, você

consegue”. A você todo o meu respeito, amor e admiração por esse ser humano

lindo que você é, jamais te esquecerei.

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A família PESTALOZZI; primeiramente agradeço aos alunos, sem os quais eu

seria um ser humano vazio, pois o cotidiano com vocês faz de mim uma pessoa

pequena no sentido da experiência da vida, mas grande enquanto aprendiz; amo

cada um de vocês, pois completam a minha vida. Aos profissionais, valentes, esse é

o adjetivo que denomino cada um de vocês; obrigada pela colaboração e pela

compreensão na minha ausência; vocês são pessoas mais que especiais em meu

coração.

A todos os Outros que constituem o Sujeito que eu sou, a cada dia, meus

sinceros agradecimentos. A Sebastiana que hoje me tornei é uma pesquisadora que

acredita nas possibilidades alicerçadas nas interações que transformam o ser

humano a cada dia em SER HUMANO.

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RESUMO

A presente pesquisa almeja demonstrar, sob a luz de teorias que serão explicitadas, como as metodologias aplicadas na Sala de Recurso Multifuncional da EMEB Maria Dimpina Lobo Duarte, em Cuiabá-MT, contribuíram para o processo de desenvolvimento linguístico do aluno surdo em sala de aula. Em face disso, traçamos os seguintes objetivos: 1) Compreender de que maneira as professoras da SRM desenvolvem e aplicam os 03 momentos didático-pedagógicos na educação do surdo, e quais as contribuições destes para a aprendizagem em sala de aula; 2) Entender, ainda, como se dá a interação entre o aluno e professores nesse processo de ensino- aprendizagem. Para tanto, elencamos duas questões de pesquisa: Quais são as metodologias desenvolvidas nos 03 momentos didático–pedagógicos aplicados pelas professoras da SRM no ensino para alunos surdos na EMEB Maria Dimpina? Como se dá o processo interacional entre professor-aluno, e como isso interfere no processo de ensino-aprendizagem no contexto da SRM? Desenvolvemos, em nosso trabalho, uma pesquisa qualitativa embasada nos estudos bakhtinianos sobre a linguagem (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929; BAKHTIN, 1952-1953). Para ancoragem da nossa metodologia, seguimos as considerações da Metodologia das Ciências Humanas com Bakhtin (2006) e Amorim (2001); para a análise das práticas pedagógicas das professoras da SRM, utilizamos, essencialmente, a teoria sócio histórica da aprendizagem de Vygotsky (1930), com ênfase no conceito Zona de Desenvolvimento Proximal. Para a geração dos dados, foram utilizadas informações provenientes de observação de 08 aulas; entrevista com os sujeitos envolvidos, bem como filmagem em áudio e vídeo. A análise dos dados foi realizada tendo em vista algumas categorias baseadas no arcabouço teórico descrito, com base na Análise Dialógica do Discurso, concebida por Brait (2006). Os resultados de nossa investigação, em termos de observação e análise, mostraram que a implantação desses 03 momentos didático-pedagógicos na SRM: Atendimento Educacional Especializado para o Ensino em LIBRAS; Atendimento Educacional Especializado para o Ensino de LIBRAS e o Ensino Educacional Especializado em Língua Portuguesa são importantes e necessários para o aluno surdo, uma vez que os conhecimentos ali desenvolvidos contribuem para a efetivação do seu aprendizado em sala de aula.

Palavras-chave: Ensino-aprendizagem. Surdo. Sala de Recursos Multifuncionais.

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ABSTRACT

This study aims to demonstrate, in the light of theories which will be made explicit, how the methodologies applied in the Multifunctional Resource Room of EMEB Maria Dimpina Lobo Duarte, in Cuiabá-MT, contributed to the linguistic development process of deaf students in the classroom. Given this, we draw the following objectives: 1) To understand how the teachers of the MRR develop and apply the 03 didactic and pedagogical moments in the education of the deaf, and which are the contributions of these to learning in the classroom; 2) To understand how is the interaction between students and teachers in this teaching-learning process. To this end, we selected two research questions: What are the methodologies developed in the 03 didactic-pedagogical moments applied by the teachers of the MRR in teaching of deaf students in EMEB Maria Dimpina? How does the interactional process between teacher and student happen, and how this affects the teaching-learning process in the context of the MRR? We developed in our work, a qualitative research grounded in the Bakhtinian studies on language (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1929; BAKHTIN, 1952-1953). So we could anchor our methodology, we followed the considerations of Methodology of Human Sciences with Bakhtin (2006) and Amorim (2001); for the analysis of the pedagogical practices of teachers of the MRR, we used, essentially, the socio-historical learning theory of Vygotsky (1930), with emphasis on the concept Zone of Proximal Development. Information from observation of 08 lessons were used to generate the data; interviews with the people involved, as well as audio and video footage. Data analysis was performed focusing on some categories based on the theoretical framework described, based on Dialogical Analysis of Discourse, designed by Brait (2006). The results of our research, in terms of observation and analysis, showed that the deployment of these 03 didactic-pedagogical moments in the MRR: Specialized Educational Support Services for the Education in LIBRAS; Specialized Educational Support Services for the Education of LIBRAS and Specialized Education in Portuguese are important and necessary for the deaf student, since the knowledge developed there contributes to the fulfillment of their learning in the classroom. Keywords: Teaching and learning. Deaf. Multifunctional Resources Room.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 15

Iniciando a viagem: Educação Especial / Educação Inclusiva .............................................. 15

Educação Inclusiva, proposta inovadora? ............................................................................ 17

Ancorando o barco da Educação Especial e Inclusiva em Cuiabá ....................................... 20

Um pouco de História... ....................................................................................................... 20

Atendimento Educacional Especializado, uma necessidade para a Inclusão? ..................... 24

Professor do Atendimento Educacional Especializado – AEE .............................................. 29

Um pouco da Educação do Surdo e a Língua de Sinais ...................................................... 30

Educação dos Surdos no Brasil ........................................................................................... 38

A Pesquisa .......................................................................................................................... 40

CAPÍTULO I ......................................................................................................................... 46

METODOLOGIA DE PESQUISA ......................................................................................... 46

1.1 Bakhtin e a Metodologia das Ciências Humanas ........................................................... 46

1.2 Objetivos e questões de pesquisa ................................................................................. 49

1.3 Metodologia de geração dos dados ............................................................................... 49

1.4 Contextos e

Sujeitos...................................................................................................................................53

1.4.1 A Escola, um pouco de sua história e

funcionamento........................................................................................................................53

1.4.2 Descrição da Sala de Recursos

Multifuncionais........................................................................................................................54

1.4.3 Atividade desenvolvida no atendimento especializado em LIBRAS - Prof

Márcia.....................................................................................................................................54

1.4.4 Atividade desenvolvida no Atendimento Especializado em Língua Portuguesa- Profª

Nilza .................................................................................................................................... 56

1.4.5 Atividade desenvolvida no Atendimento Especializado para o Ensino em LIBRAS –

Prof Vera ............................................................................................................................. 56

1.4.6 Identificação ................................................................................................................ 58

1.4.7 Objetivos e Princípios ................................................................................................. 58

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1.4.8 Filosofia da Escola ..................................................................................................... 59

1.4.9 Alunado...................................................................................................................... 59

1.5 Valorizando os Profissionais da nossa Escola ............................................................... 60

1.5.1 Sala de Apoio à Aprendizagem ................................................................................... 60

1.5.2 Programa Educa Mais ................................................................................................. 60

1.6 Sujeitos da Pesquisa ..................................................................................................... 60

1.6.1 Aluno surdo ................................................................................................................. 60

1.6.2 Professoras da Sala de Recursos Multifuncionais ....................................................... 61

1.6.3 Professora da Sala de Aula......................................................................................... 63

1.6.4 Pesquisador ................................................................................................................ 63

1.7 Metodologia de análise ................................................................................................. 64

1.8 Quadro síntese da metodologia da pesquisa ................................................................ 66

CAPÍTULO II ........................................................................................................................ 68

ANÁLISE DOS DADOS: PRÁTICAS DAS ATIVIDADES ..................................................... 68

2.1 Algumas informações sobre a professora da sala de aula ............................................. 68

2.2 Momento 01: Atendimento Educacional Especializado para o Ensino de LIBRAS: Análise

da aula da Professora Vera ................................................................................................. 70

2.3 Momento 02: Atendimento educacional especializado para o ensino em LIBRAS: Análise

da aula da Professora Márcia .............................................................................................. 83

2.4 Momento 03: Atendimento educacional especializado para o ensino de Língua

Portuguesa: Análise da aula da Professora Nilza ................................................................ 94

2.5 Articulação e Planejamento das Professoras ............................................................... 111

2.6 Voltando ao campo de pesquisa... Doce regresso... ................................................... 113

2.6.1 Análise da Entrevista ................................................................................................ 113

REFLEXÕES FINAIS ......................................................................................................... 119

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 133

ANEXOS ............................................................................................................................ 138

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INTRODUÇÃO

As escolas inclusivas propõem um modo de se constituir o sistema educacional que considera as necessidades de todos os alunos e que é estruturado em função dessas necessidades. A inclusão causa uma mudança na perspectiva educacional, pois não se limita a ajudar somente os alunos que apresentam dificuldades na escola, mas apoia a todos: professores, alunos, pessoal administrativo, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral (MANTOAN).

Iniciando a viagem: Educação Especial / Educação Inclusiva

Chegada a era da inclusão, inúmeros são os desafios com os quais os

professores se deparam em sua prática cotidiana. Para iniciar tal reflexão, em nosso

entendimento, os problemas derivam, sobretudo, da escassez de políticas públicas

que permitam que a inclusão ultrapasse o plano da normatização e que ocorra de

forma plena em todos os níveis educacionais.

Nas últimas décadas, a Educação vem passando por reformulações que

buscam superar a filosofia tradicional. Um dos fatores intervenientes importantes é o

fato de hoje vivermos num mundo da ultramodernidade, onde a tecnologia se faz

presente e com ela novas transformações aparecem na sociedade e,

consequentemente, na Educação. Ao lado de tal advento, surgem discussões

acerca do novo paradigma para o ensino, a Inclusão, que emerge com força para

contribuir para uma mudança significativa nas escolas. Essa nova demanda vem

rompendo com os modelos que sustentam o conservadorismo próprio das

instituições escolares, contestando os sistemas educacionais e seus fundamentos.

Ela questiona a fixação de modelos ideais, a normatização de perfis específicos de

alunos e a seleção para frequentar as escolas que produzem identidades e

diferenças, inserção e /ou exclusão.

Para situar o contexto atual da inclusão de alunos com deficiência na escola

comum, é importante percorrer a história. A Educação desses alunos, que antes se

pautava num modelo de atendimento segregado, tem se voltado, nas duas últimas

décadas, para a Educação Inclusiva. De fato, é na metade da década de 90 que

essa proposta ganhou mais força, a partir da difusão da Declaração de Salamanca

(1994), da qual trataremos adiante.

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Amaral (1997) analisa as representações sobre a deficiência a partir de

concepções bíblicas, filosóficas e científicas, que estão presentes nos diferentes

contextos históricos. Na Antiguidade, a segregação e o abandono das pessoas com

deficiência ocorria com o aval da sociedade. Na Grécia antiga, as pessoas que

nasciam com alguma deficiência eram mortas, abandonadas ou expostas

publicamente. Incrivelmente, na Roma antiga, havia uma lei que dava o direito à

família de eliminar filhos deficientes logo após serem paridos.

A visão cristã presente na Idade Média relacionava a deficiência à culpa, ao

pecado ou a qualquer transgressão moral e/ou social. Como algo que impedia o

contato com a divindade, a deficiência era a marca física, sensorial ou mental do

pecado.

No século XVI, ocorreu a primeira tentativa científica de estudo das pessoas

com deficiência. Naquela época, os médicos alquimistas, Celso e Cardano,

defendiam a possibilidade de tratamento de pessoas com deficiência. Conforme

Amaral (1997, p.24-25), foi somente no século XIX que houve a consolidação de

concepções científicas sobre a deficiência através dos estudos de Pinel, Itard

(considerado o pai da Educação Especial), Down, Froebel, entre outros, que

passaram a descrever cientificamente a etiologia de cada deficiência, numa

perspectiva clínica.

Na realidade brasileira, Mazzota (1993,1996) aponta que, em diferentes

períodos no início do século XIX, ocorreram movimentos para o atendimento de

pessoas com deficiência e o funcionamento de escolas especiais. Conforme Amaral

(1997), na década de 50, surgiram as primeiras escolas especializadas e as classes

especiais. A Educação Especial se consolidou como um subsistema da Educação

Comum. Predominava, nesse período, a concepção científica da deficiência,

acompanhada pela atitude social do assistencialismo, que era, conforme Amaral

(1997, p 27) "reproduzida pelas instituições filantrópicas de atendimento aos alunos

com deficiência".

Ainda segundo Amaral (1997), na década de 70, com o surgimento da

proposta de integração de alunos com deficiência, estes começaram a frequentar as

classes comuns. As áreas de Psicologia e Pedagogia passaram a demonstrar as

possibilidades educacionais desses alunos. O autor aponta que

predominava a atitude de educação/reabilitação como um novo paradigma educacional. Entretanto coexistia também uma atitude de

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marginalização por parte dos sistemas educacionais, que não ofereciam as condições necessárias para que os alunos alcançassem sucesso na escola regular (AMARAL,1997, p. 27).

As funções da Educação Especial estão ligadas à articulação com as

atividades desenvolvidas por professores, coordenadores pedagógicos e gestores

das escolas comuns, tendo em vista o benefício dos alunos e a melhoria da

qualidade do ensino.

De acordo com o documento do Ministério da Educação, “A Educação

Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar” (2010, p. 19), os eixos privilegiados de

articulação são:

Elaboração conjunta de planos de trabalho durante a construção do Projeto

Pedagógico, em que a Educação Especial não é um tópico à parte da programação

escolar;

Estudo e a identificação do problema pelo qual um aluno é encaminhado à

Educação Especial;

Discussão dos planos do AEE1 com todos os membros da equipe escolar;

Desenvolvimento em parceria de recursos e materiais didáticos para

atendimento do aluno em sala de aula e o acompanhamento conjunto da utilização

dos recursos e da progressão do aluno no processo de aprendizagem;

Formação continuada para os profissionais da educação, entremeando

tópicos do ensino comum e especial, como condição mais detalhada de alguns

alunos em especial, por meio do questionamento das diferenças e do que pode

promover a exclusão escolar.

De acordo com as Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o

Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, publicado pela

Secretaria de Educação Especial- SEESP/MEC, em abril de 2009, o Projeto Político

Pedagógico da escola deve contemplar o AEE como uma das dimensões da escola

inclusiva. Nesse sentido, é preciso planejar, organizar, executar e acompanhar os

objetivos, metas e ações traçadas, em articulação com as demais propostas da

escola comum.

Educação Inclusiva, proposta inovadora?

1 Atendimento Educacional Especializado, do qual trataremos mais adiante nesse trabalho.

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Nas décadas de 80 e 90, a proposta de inclusão dos alunos com deficiência

surgiu como uma perspectiva inovadora em relação à proposta de integração da

década de 70, citada anteriormente, cujos resultados não modificaram muito a

realidade educacional desses alunos. A nova proposta de inclusão indicava, naquele

momento, que os sistemas educacionais passariam a ser responsáveis por criar

condições para uma educação de qualidade para todos e fariam adequações que

atendessem às necessidades educacionais dos alunos.

A Declaração de Salamanca (1994), que fundamenta a perspectiva da

Educação Inclusiva, afirma "que as diferenças humanas são normais e que a

aprendizagem deve se adaptar às necessidades das crianças". No entanto, nas

classes escolares brasileiras, não está garantida a superação da exclusão e da

desvalorização do aluno com deficiência. Infelizmente, a exclusão ainda está

pautada na (in) capacidade, no desempenho cognitivo, na raça, no gênero, na

classe social, na estrutura familiar.

A Educação Inclusiva é vista como um movimento político, que busca a

concretização da Educação para todos. Acesso e Qualidade, uma conferência

realizada pela UNESCO em 1994, propôs aprofundar a discussão, problematizando

os aspectos acerca da escola não acessível a todos os alunos. Assim, a partir dessa

reflexão sobre as práticas educacionais que resultam na desigualdade social de

diversos grupos, o documento Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre

Necessidades Educativas Especiais proclama que as escolas comuns representam

o meio mais eficaz para combater as atitudes discriminatórias, ressaltando que

o princípio fundamental desta linha de ação é de que as escolas devem acolher todas as crianças independentemente de suas condições físicas ou intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Devem acolher crianças com deficiência e crianças bem dotadas; crianças que vivem nas ruas e que trabalham; crianças de populações distantes ou nômades; crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos e zonas desfavorecidos ou marginalizados (BRASIL, 1997, p. 17-18).

Sendo assim, a Declaração de Salamanca defende a concepção de que todos

os alunos, sempre que possível, devem aprender juntos, independente de suas

capacidades. Ao mesmo tempo, a Declaração assinala que a escola especial é a

melhor escolha no caso de o ensino regular não conseguir suprir as necessidades

educacionais ou sociais dos alunos com necessidades especiais.

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Destaca-se que a palavra Inclusão propagou-se de forma efetiva nos

discursos da esfera educacional, porém constituindo, muitas vezes, um feito vazio

de significação social. Embrenhada em ideias que edificam as diferenças e a

promoção do processo inclusivo, que tem como princípio básico a igualdade, ou

seja, o aluno deve ser incluído de forma igualitária no processo, a inclusão ainda se

revela um tema polêmico e inquietante para os profissionais da Educação.

A partir de toda essa discussão, vem à tona a questão das identidades e

diferenças. As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica

(MEC/SEESP, 2001) definem como normais e especiais não apenas os alunos,

como também as suas escolas. Os alunos das escolas comuns são normais e

positivamente valorados, enquanto os alunos das escolas especiais são

negativamente concebidos e diferenciados. Nessa perspectiva, a escola comum é

vista como escola das diferenças, porém, quando concebida na perspectiva da

educação inclusiva, sua pedagogia tem como mote questionar, colocar em dúvida,

contrapor-se, discutir e reconstruir as práticas que, até então, têm mantido a

exclusão.

A escola só se torna inclusiva quando reconhece as diferenças dos alunos

diante do processo educativo e busca a participação e o progresso de todos,

adotando novas práticas pedagógicas. Assim, para atender a todos e da melhor

forma possível, a escola, na atualidade, deve se adaptar às mudanças em todos os

aspectos, inclusive no atendimento aos alunos com deficiência. Entretanto, as

mudanças que são necessárias não devem acontecer por Decretos, mas devem

fazer parte da vontade política do coletivo da escola, explicitada no seu Projeto

Político Pedagógico (PPP) e vivenciada a partir de uma gestão escolar democrática.

No ano de 1960, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1967,

artigo 168, veio assegurar a educação para todos, seja no lar ou na escola, e

oportunizar igualdades sociais, incluindo também os surdos. Na década de 1980, a

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, artigo 205, preconiza que a

educação é “direito de todos, dever do Estado e da família, visando o pleno

desenvolvimento da pessoa, o seu preparo para a cidadania e a sua qualificação

para o trabalho, assegurando o direito e o respeito às diferenças”. E, no artigo 208,

vem sensibilizar comunidades escolares com vistas ao acesso e permanência do

surdo no ensino regular. O artigo 215 desta Constituição, a respeito da cultura,

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garante o exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional;

apoia e incentiva a valorização e difusão das manifestações culturais.

Em 1990, o decreto 3.298/1999, que regulamenta a Lei 7.853/1989, e também

a Lei nº 10.098, de 23 de março de 1994, estabelece as “normas gerais e critérios

básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência

ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas

vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na reforma na construção de edifícios

e nos meios de transporte e de comunicação”. No capítulo VII desta lei, implementa-

se a formação de profissionais intérpretes da língua de sinais e guias-intérpretes

para facilidade de comunicação com as pessoas surdas e surdo-cegas.

Em 1994, a Declaração de Salamanca surge através de resoluções das

Nações Unidas que tratam dos princípios, da política e prática em Educação

Especial. Este documento teve importância para a consolidação da Educação

Inclusiva, numa perspectiva social.

Com relação à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº

9394/96, de 20 de dezembro de 1996, estabelecem-se diretrizes e bases da

educação nacional para a Educação Especial, modalidade especial oferecida aos

alunos surdos, a partir do que os sistemas de ensino devem assegurar a esses

alunos currículos, métodos, técnicas, recursos educativos de acordo com suas

necessidades, bem como professores habilitados para atendimento às diferenças

linguísticas e culturais dos surdos. Garante, ainda, que seja ofertada às pessoas

surdas, em todas as etapas e modalidades da educação básica, nas redes públicas

e privadas de ensino, a formação na língua dos surdos.

Em 2001, tem-se o Plano Nacional de Educação, referente à modalidade de

ensino da Educação Especial, que promove a Educação Inclusiva para alunos com

necessidades educacionais especiais (NEE) no sistema regular de ensino; se isso

não for possível em função das necessidades do educando, deve-se realizar o

atendimento em classes e escolas especializadas. Preconiza-se, ainda, que se deve

melhorar a qualificação dos professores do ensino fundamental para atendimento a

esses alunos com NEE, e expandir a oferta de formação/especialização pelas

universidades e escolas normais. Esse Plano, ainda através da Lei nº 10.172,

destaca que o grande avanço que a década deveria produzir seria a construção de

uma escola inclusiva, que garantisse o atendimento à diversidade humana.

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Ancorando o barco da Educação Especial e Inclusiva em Cuiabá

Um pouco de História...

Buscamos descrever resumidamente a trajetória do desenvolvimento da

Educação Especial/ Inclusiva no município de Cuiabá, haja vista que a escola em

que realizamos nossa pesquisa é municipal. Desse modo, faremos um pequeno

retrospecto histórico abordando os pontos mais relevantes no processo educacional.

Conforme Diretrizes e Propostas Pedagógicas da Educação Especial da

Secretaria Municipal de Cuiabá (2010), na década de 1990, a Educação Especial

fundamentava seu trabalho no princípio da integração, que consistia em integrar os

alunos com deficiências leves nas salas de aula do ensino comum e, em outro

período, realizar o atendimento educacional especializado em salas de recursos. Os

alunos com deficiências mais severas eram enturmados em classes especiais, com

uma proposta de ensino substitutivo ao da escola regular, objetivando propor aos

alunos práticas de ensino condicionantes, de forma que pudessem melhorar seus

níveis de independência e autonomia.

As Diretrizes e Propostas Pedagógicas da Secretaria Municipal de Educação

de Cuiabá (2010), que tratam da Educação Especial no município, convergem-se na

preocupação com as crianças que apresentavam algum tipo de comportamento

inadequado ou dificuldades de aprendizagem. Em decorrência dessa preocupação,

os dirigentes contrataram uma psicóloga para intervir junto a esses alunos, com a

finalidade de encontrar solução imediata para os problemas diagnosticados.

Assim, criou-se, na época, uma equipe multidisciplinar para atender à

demanda apresentada. Nesse período, foram criados dois projetos pedagógicos: o

Projeto Psicopedagógico e o Centro Auditivo, ambos apresentados com o objetivo

de prestar atendimento educacional. O primeiro projeto foi implantado com o objetivo

de atender os alunos que apresentavam dificuldades psicológicas na aprendizagem,

enquanto o segundo destinava-se aos alunos com deficiência auditiva.

A Política Educacional do Município de Cuiabá, bem como o Plano de Ações

Articuladas e o Plano Municipal de Educação, estabelecem que o município deve

promover e manter a política municipal de Educação Especial na perspectiva

inclusiva, visando garantir o fortalecimento do princípio de educação para todos.

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Desse modo, a rede pública municipal continua atendendo à demanda dos

alunos, público alvo da Educação Especial/Inclusiva, quanto ao acesso, bem como

oferecendo condições para a permanência dos mesmos nas unidades educacionais,

garantindo os serviços através dos seguintes profissionais: Professores

Especialistas para atendimento nas Salas de Recursos Multifuncionais, Professores

Especialistas para Atendimento Educacional Especializado nas unidades de

creches, Intérpretes, Auxiliar de Desenvolvimento Infantil (ADI) e Instrutor de

LIBRAS.

Além dos profissionais, a Secretaria oferece o Projeto de Equoterapia2 e o

Transporte Escolar, sendo o último uma parceria com o Ministério da Educação.

A seguir, demonstraremos, através de gráficos, a evolução do atendimento

ofertado pela Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá. Acreditamos que tais

informações são importantes para melhor contextualizar o nosso espaço de

pesquisa em relação ao seu horizonte mais amplo, a rede municipal. Tais dados

encontram-se no Plano Municipal de Educação – Avaliação, período 2010 a 2014 (1º

Semestre).

Tabela 1 - Inclusão de alunos com deficiência na rede regular

Ano

Alunos

2009 535

2010 638*

2011 707*

2012 850*

2013 869*

2014 890 (previsão)

* Dados do Censo Escola

Padronizar

2 Equoterapia: Terapia desenvolvida com equinos, que visa o desenvolvimento psicomotor do aluno

com deficiência.

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Gráfico 1

Tabela 2 Alunos atendidos na Sala de Recursos Multifuncionais – SRM

Ano SEM Professores

Especialistas

Alunos

Atendidos 200

9

17 25 244

201

0

20 31 305

201

1

37 50 309

201

2

46 73 540

201

3

47 75 580

201

4

55 93 600

Gráfico 2

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Tabela 3 - ADIs – ESCOLAS

Ano ADIs Escolas Alunos

2010 122 64 108

2011 199 68 221

2012 313 74 322

2013 365 76 394

2014 445 85 454 (até junho)

Tabela 4 - ADIs – Creches

Ano ADIs Creches Alunos

2010 29 14 17

2011 49 21 31

2012 138 27 80

2013 112 27 62

2014 116 30 62 (até junho)

Tabela 5 - Intérpretes

Ano Intérpretes Escolas Alunos

2010 27 21 43

2011 31 23 47

2012 30 29 41

2013 26 21 28

2014 18 19 23 (até junho)

Tabela 6 - Equoterapia

Ano Alunos

2012 30

2013 50

2014 50

Tabela 7 - Atendimento Educacional Especializado – AEE em Creches

ANO CRECHES PROFESSORES ESPECIALISTAS

ALUNOS

2010 23 05 39

2011 27 05 40

2012 27 09 88

2013 29 09 70

2014 32 09 62

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Esses dados demonstram a evolução no atendimento, ponto positivo para o

processo de inclusão, demonstrando, assim, que a Secretaria Municipal de

Educação tem compromisso com a educação e com o público alvo da Educação

Especial, transformando-a em Educação Inclusiva, buscando efetivar a oferta de

acordo com o que determina a legislação. Em nossa pesquisa, tal característica

influencia diretamente o que encontramos na escola pesquisada.

Atendimento Educacional Especializado, uma necessidade para a Inclusão?

Depois de nossa breve viagem acerca do processo de inclusão e da

educação dos surdos, enveredaremos pela legislação e funcionamento do

Atendimento Educacional Especializado, tema este que faz parte da nossa pesquisa.

Conforme a Resolução nº 04, (BRASIL, 2009), está escrito em seu Art. 5º que

o AEE é realizado, prioritariamente, na sala de recursos multifuncionais da própria escola ou em outra escola de ensino regular, no turno inverso da escolarização, não sendo substitutivo às classes comuns, podendo ser realizado, também, em centro de Atendimento Educacional Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com a Secretaria de Educação ou órgão equivalente dos Estados, Distrito Federal ou dos Municípios.

Segundo a Política Nacional de Educação Especial, na perspectiva da

Educação Especial, o AEE “[...] identifica, elabora, e organiza recursos pedagógicos

e de acessibilidade, que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos,

considerando suas necessidades específicas” (SEESP/MEC, 2008).

O Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado,

se encontra amparado na Lei nº 10.845, de 05 de março de 2004. A partir daí,

surgiram diversas discussões questionando os problemas na aplicação do AEE nos

espaços escolares, devido à falta de prática dos professores, que ainda não têm

fluência na língua de sinais e não se encontram preparados para lidar com os alunos

surdos.

O Decreto 5.626/2005 institui o ensino aos surdos na língua de sinais em

escolas ou salas próprias de surdos. Além disso, implementa a disciplina de LIBRAS

como obrigatória em todos os projetos político-pedagógicos dos cursos de

licenciatura, pedagogia e fonoaudiologia; exige a presença de intérpretes em

espaços onde há alunos surdos; exige formação de professores de língua de sinais

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por meio da licenciatura ou graduação em Letras\LIBRAS e de intérpretes por meio

do bacharelado também nessa graduação.

O Ministério da Educação, com o objetivo de apoiar as redes públicas de

ensino na organização e na oferta do AEE e contribuir com o fortalecimento do

processo de inclusão educacional nas classes comuns de ensino, instituiu o

Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais, por meio da

Portaria Nº 13, de 24 de abril de 2007.

No que tange ao atendimento do AEE para alunos com surdez, na

perspectiva da educação inclusiva, estabelecem-se, como ponto de partida, a

compreensão e o reconhecimento do potencial e das capacidades dessas pessoas,

vislumbrando o seu pleno desenvolvimento e aprendizagem. O atendimento às

necessidades educacionais específicas desses alunos é reconhecido e assegurado

por dispositivos legais, que determinam o direito a uma educação bilíngue, em todo

o processo educativo.

O Atendimento Educacional Especializado promove o acesso dos alunos com

surdez ao conhecimento escolar em duas línguas (LIBRAS e Língua Portuguesa) a

participação ativa nas aulas e o desenvolvimento do seu potencial cognitivo, afetivo,

social e linguístico, com os colegas do ensino comum, tendo como prática

pedagógica a união do professor da Sala de Recursos Multifuncionais com o

professor da sala de aula para a construção da elaboração do plano e atividades

que visam ao desenvolvimento de atividades complementares para os alunos com

surdez.

Para que possamos entender como é elaborado o Plano de AEE, o professor

faz inicialmente uma entrevista com a mãe do aluno, através de um documento

chamado Relato de caso3. Neste, irão constar as informações desde a gestação até

a vida atual do aluno, relatando assim todas as fases por que este passou, suas

dificuldades, superação, tratamentos, habilidades e capacidades.

Diante disso, as professoras da Sala de Recurso Multifuncional, juntamente

com a professora da sala de aula regular, elaborarão o seu planejamento, que

consistirá em atividades que todas trabalharão, cada uma no seu momento, e de

3 Instrumento usado na entrevista com a mãe do aluno, objetivando conhecer o aluno desde a sua vida uterina e,

assim, elaborar o Plano de Atendimento, visando ao desenvolvimento das habilidades e necessidades específicas

dos alunos com surdez.

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acordo com sua metodologia. Convém ressaltar que é de suma importância o laudo

médico e a receita médica (no caso do aluno que toma medicamento controlado).

Conforme Damázio (2007), o AEE envolve três momentos didático-

pedagógicos:

a) Atendimento Educacional Especializado em Libras;

b) Atendimento Educacional Especializado de Libras;

c) Atendimento Educacional Especializado de Língua Portuguesa.

São atendidos, nas Salas de Recursos Multifuncionais, os seguintes alunos

público-alvo da educação especial, conforme estabelecido na Política Nacional de

Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva e no Decreto nº

6.571/2008:

a) Alunos com deficiência: aqueles [...] que têm impedimentos de longo prazo

de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, com interação

com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na

sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (ONU, 2006).

b) Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que

apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na

comunicação, um repertório de interesse e atividades restrito, estereotipado e

repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndrome de espectro

do autismo e psicose infantil (MEC/SEESP, 2008).

c) Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que demonstram

potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou

combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além

de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e

realização de tarefas em áreas de seu interesse (MEC/SEESP, 2008).

No que se refere à matrícula no AEE, esta é condicionada à matrícula no

ensino regular. Esse atendimento pode ser oferecido em Centros de Atendimento

Educacional Especializado da rede pública ou privada, sem fins lucrativos. Tais

centros, contudo, devem estar de acordo com as orientações da Política Nacional de

Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (2008) e com as Diretrizes

Operacionais da Educação Especial para o Atendimento Educacional Especializado

na Educação Básica (MEC/SEESP, 2009). Assim, o processo de reorientação de

escolas especiais e centros especializados requer a construção de uma proposta

pedagógica que institua nestes espaços, principalmente, serviços de apoio às

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escolas para a organização das Salas de Recursos Multifuncionais e para a

formação continuada dos professores do AEE.

Os conselhos de educação têm atuação primordial no credenciamento,

autorização de funcionamento e organização destes centros de AEE, zelando para

que atuem dentro do que a legislação, a Política Nacional de Educação Inclusiva e

as Diretrizes orientam. No entanto, a preferência pela escola comum como o local do

serviço do AEE, já definida no texto constitucional de 1988, foi reafirmada pela

Política, e existem razões para que esse atendimento ocorra na escola comum.

Faz-se necessário que os professores da escola comum e da educação

especial se envolvam para que seus objetivos sejam alcançados, compartilhando um

trabalho interdisciplinar e colaborativo. Ao professor da sala de aula é atribuído o

ensino das áreas do conhecimento, e ao professor do AEE cabe

complementar/suplementar a formação do aluno com conhecimentos e recursos

específicos que eliminam as barreiras, que impedem ou limitam sua participação

com autonomia e independência nas turmas comuns do ensino regular.

Em nossa compreensão, trata-se de um processo democrático, de modo

geral, que exercita e toma forma nas decisões conjuntas no coletivo da escola e

reflete as iniciativas da equipe escolar. Nessa perspectiva, o AEE integra a gestão

democrática da escola. No PPP4, devem ser previstos a organização e recursos para

o AEE: Sala de Recursos Multifuncionais; matrícula do aluno no AEE; aquisição de

equipamentos; indicação de professor para o AEE; articulação entre professores do

AEE e os do ensino comum e redes de apoio internas e externas à escola.

No caso da inexistência de uma Sala de Recursos Multifuncionais na escola,

os alunos não podem ficar sem esse serviço. Assim, o PPP deve prever o

atendimento dos alunos em outra escola mais próxima ou centro de atendimento

educacional especializado, no contraturno do horário escolar. O AEE, quando

realizado em outra instituição, deve ser acordado com a família do aluno, e o

transporte, se necessário, providenciado. Em tal situação, destaca-se a articulação

com os professores e especialistas de ambas as escolas, para assegurar uma

efetiva parceria no processo de desenvolvimento dos alunos. O PPP prevê ações de

acompanhamento e articulação entre o trabalho do professor do AEE e do ensino

4 Projeto Político Pedagógico da escola

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comum, e ações de monitoramento da produção de materiais didáticos

especializados.

No caso do AEE, por fazer parte desta organização, o PPP estipulará o

horário dos alunos, oposto ao que frequentam na escola comum e proporcional às

necessidades indicadas no plano do AEE; e o horário do professor, previsto para

que possa realizar o atendimento dos alunos, preparar material didático, receber as

famílias dos alunos, os professores da sala comum e os demais profissionais que

estejam envolvidos.

O Decreto Nº 6.571, de 17 de setembro de 2008, que dispõe sobre o

Atendimento Educacional Especializado, destina recursos do Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação Básica – FUNDEB ao AEE de alunos com

deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas

habilidades/superdotação, matriculados na rede pública de ensino regular, admitindo

o cômputo duplo da matrícula desses alunos em classes comuns de ensino regular

público e no AEE, concomitantemente, conforme registro no Censo Escolar.

Esse Decreto possibilita às redes de ensino o investimento na formação

continuada de professores, na acessibilidade do espaço físico e do mobiliário

escolar, na aquisição de novos recursos de tecnologia assistiva, entre outras ações

previstas na manutenção e desenvolvimento do ensino para a organização e oferta

do AEE, nas salas de recursos multifuncionais.

Conforme as Diretrizes (Brasil, 2009), para o financiamento do AEE é

exigida uma das seguintes condições:

a) Matrícula na classe comum e na sala de recursos multifuncionais da

mesma escola pública;

b) Matrícula na classe comum e na sala de recursos multifuncionais de

outra escola pública;

c) Matrícula na classe comum e em centro de atendimento educacional

especializado público;

d) Matrícula na classe comum e no centro de atendimento educacional

especializado privado sem fins lucrativos.

A organização do Atendimento Educacional Especializado considera as

peculiaridades de cada aluno. Alunos com a mesma deficiência podem necessitar de

atendimentos diferenciados. Para tanto, o primeiro passo para planejar o

atendimento não é saber as causas, diagnóstico e prognóstico da suposta

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deficiência do aluno. Temos que ver que, antes da deficiência do aluno, existe um

ser humano, com sua história de vida, sua individualidade, seus desejos e

diferenças.

No que se refere à organização do AEE, é possível atender ao aluno

individualmente, ou em pequenos grupos, dependendo das necessidades de cada

aluno. É possível, por exemplo, atender a um grupo de alunos com surdez para

ensinar-lhes LIBRAS ou para o ensino de Língua Portuguesa.

Para atuar no AEE, os professores devem ter formação específica na área

das diversas deficiências, síndromes e alunos com altas habilidades/superdotação,

que atenda aos objetivos da Educação Especial, na perspectiva da educação

inclusiva. Nos cursos de formação continuada, de aperfeiçoamento ou de

especialização em educação especial/inclusiva, indicados para essa formação, os

professores atualizarão e ampliarão seus conhecimentos em conteúdos específicos

e metodológicos do AEE, para melhor atender a seus alunos.

A formação de professores deve constar no PPP, sendo um dos seus

aspectos fundamentais a preocupação com a aprendizagem permanente de

professores e demais profissionais que atuam na escola e também pais e da

comunidade onde a escola se insere. Neste documento, apresentam-se ações de

formação, incluindo os aspectos ligados ao estudo das necessidades específicas

dos alunos com deficiência, abrangendo as diversas áreas.

Professor do Atendimento Educacional Especializado – AEE

Conforme Resolução CNE/CEB n.4/2009, art. 12, para atuar no atendimento

educacional especializado, o professor deve ter formação inicial que o habilite para

exercício da docência e formação continuada na educação especial nas diversas

áreas da deficiência.

As atribuições do professor de AEE contemplam:

• Elaboração, execução e avaliação do plano de AEE do estudante;

• Definição do cronograma e das atividades do atendimento do estudante;

• Organização de estratégias pedagógicas e identificação e produção de

recursos acessíveis;

• Ensino e desenvolvimento das atividades próprias do AEE – Sala de

Recursos Multifuncionais, tais como: LIBRAS; Braille; orientação e

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mobilidade; Língua Portuguesa para alunos surdos; informática acessível;

Comunicação Alternativa e Aumentativa–CAA; atividades de desenvolvimento

das habilidades mentais superiores e atividades de enriquecimento curricular;

• Acompanhamento da funcionalidade e usabilidade dos recursos de

tecnologia assistiva na sala de aula comum e demais ambientes escolares;

• Articulação com os professores das classes comuns, nas diferentes etapas e

modalidades de ensino;

• Orientação aos professores do ensino regular e às famílias sobre a

aplicabilidade e funcionalidade dos recursos utilizados pelo estudante;

• Interface com as áreas da saúde, assistência, trabalho e outras.

O Atendimento Educacional Especializado promove o acesso dos alunos com

surdez ao conhecimento escolar em duas línguas (em LIBRAS e em Língua

Portuguesa), a participação ativa nas aulas e o desenvolvimento do seu potencial

cognitivo, afetivo, social e linguístico, com os colegas do ensino comum.

A prática pedagógica do AEE parte dos contextos de aprendizagem definidos

pelo professor da sala comum que, realizando pesquisas sobre o assunto a ser

estudado, elabora um plano de trabalho envolvendo os conteúdos curriculares. O

professor do AEE entra em contato com esse plano de trabalho para desenvolver as

atividades complementares com os alunos com surdez.

Um pouco da Educação do Surdo e a Língua de Sinais

A Educação dos Surdos deve ser compreendida a partir de uma perspectiva

mais ampla, que abranja a sua história e que mostre quais as fundamentações

teóricas, filosóficas e ideológicas que a embasaram. Assim, abordaremos um pouco

a história dos surdos. Por estarmos pesquisando o ensino-aprendizagem do aluno

com surdez, achamos necessário abordar a trajetória histórica da Educação dos

surdos, bem como a evolução da língua de sinais, a partir das diferentes visões em

relação a essa língua e também aos surdos, em diversos lugares do mundo. Para

tanto, baseamo-nos nos seguintes autores: Lane; Hoffmeister, Bahan (1996), Friães

(1999), Freire (1999); Fernandes (1999), Fragoso (2000), Pereira, Karnopp (2003),

Gesueli (2004), Berberian, Angelis: Massi (2006) e outros.

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A língua de sinais é antiga e não surgiu de forma pacífica entre as

comunidades surdas e ouvintes; já existia antes de Cristo e está presente em muitas

histórias no mundo todo, desde tempos remotos até os dias de hoje. A história de

conflitos, dores, perseguições, decepções e torturas com mutilações e inúmeras

mortes durou um período intenso e longo.

Na antiguidade, 476 d.C., em Roma, as pessoas surdas eram castigadas ou

amaldiçoadas, e a questão da surdez era resolvida por abandono ou com a

eliminação física - os surdos eram jogados no rio Tevere. Apenas sobreviviam

aqueles que conseguiam sair do rio ou eram escondidos por seus próprios pais. A

partir daí, os surdos se tornavam escravos de senhores ouvintes, sendo obrigados a

passar toda a vida dentro de moinhos de trigo, realizando trabalhos braçais.

Nessa mesma época, no Egito e na Pérsia, os surdos eram considerados

criaturas privilegiadas, enviados dos deuses. Muitos surdos tinham uma vida inativa

e não eram educados devido à sua forma de comunicação diferente, que a

sociedade desconhecia e sobre a qual não tinha domínio.

Na Idade Média, na Grécia, os surdos eram proibidos de receber a

comunhão, pois eram incapazes de confessar seus pecados; havia também

decretos bíblicos que proibiam o casamento de duas pessoas surdas, exceto as que

recebiam favor do Papa. Ainda em 530 d.C., na Itália, encontram-se relatos de que

os monges beneditinos empregavam uma forma de sinais para comunicação entre

si, a fim de não violar o rígido voto de silêncio.

Na Idade Moderna, século XVI, o médico e filósofo italiano Girolamo Cardano,

interessado em estudar o caso de seu filho surdo, reconheceu as habilidades do

surdo e afirmou que a surdez e a mudez não impediam o desenvolvimento da

aprendizagem. Cardano ainda defendia que o melhor método para os surdos

aprenderem era por meio da escrita, pois, em sua concepção, era um crime não

instruir um surdo-mudo. Ele utilizava a língua de sinais e a escrita com os surdos.

O primeiro professor de surdos de que se tem registro foi o monge beneditino

de Onã, na Espanha, Pedro Ponce de Léon (1520 – 1584), que fundou a primeira

escola para surdos em um mosteiro de Valladolid, em 1584. Nunca publicou

absolutamente nada em decorrência dos votos de silêncio que a ordem beneditina

possuía como fundamentos imaculáveis. Toda e qualquer comunicação entre os

monges e os alunos surdos se dava através do alfabeto manual.

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Ao estudarmos a história da educação do surdo, observamos que existiram

alguns estudiosos que lutaram e defenderam o uso da língua de sinais pelos surdos,

inicialmente como forma de comunicação e, posteriormente, desenvolvendo

métodos educacionais, tendo Willian Stokoe (1919–2000) como um dos maiores

defensores do então chamado bilinguismo, utilizado atualmente como filosofia na

educação dos surdos. Há de se enfatizar que, nesse processo, houve outros que

optaram pela defesa da oralização, conforme veremos a seguir.

Na Espanha, Pedro Ponce Leon estabeleceu um método formal para

educação de surdos em um monastério de Valladolid. Inicialmente, ensinavam-se

latim, grego e italiano, conceitos de física e astronomia a dois irmãos surdos,

Francisco e Pedro Velasco, membros de uma importante família de aristocratas

espanhóis. Francisco conquistou o direito de receber a herança como marquês de

Berlanger, e Pedro se tornou padre, com a permissão do Papa. Ainda, Pedro Leon

criou um método para educar surdo por meio de datilologia, escrita e oralização,

criou também uma escola para professores surdos. Após sua morte, não houve

publicação e seu método caiu no esquecimento, pois a tradição na época era

guardar segredo sobre os métodos de educação de surdos.

Fray de Melchor Yebra (1613), em Madri, escreveu um livro chamado

Refugium Infirmorum, que descreve e ilustra o alfabeto manual. Na Espanha, Juan

Pablo Bonet (1579-1623) iniciou a educação de outro membro da família Velasco,

Dom Luís, por meio de sinais, treinamento de fala e uso do alfabeto datilológico. Seu

método teve tanto sucesso que ele foi nomeado pelo rei Henrique IV como Marquês

de Frenzo. Em 1620, em Madri, Juan Pablo Bonet publicou o primeiro livro sobre a

educação de surdos, Reducción de las letras e arte para ensenãr a hablar a los

mudos, em que expunha o seu método oral. Bonet defendia também o ensino

precoce de alfabeto manual aos surdos.

Em 1648, John Bulwer publicou Philocopus, no qual afirmava que a língua de

sinais era capaz de expressar os mesmos conceitos que a língua oral. Em 1755, na

Alemanha, Samuel Heinicke (1729-1790) foi o pioneiro do método do oralismo puro

e teve sucesso no ensino a um jovem que aprendeu a falar, ler os lábios e a

escrever. Ele publicou a obra Observações sobre os mudos e sobre a palavra e

fundou, em 1778, a primeira escola de oralismo puro para surdos em Leipzig, na

Alemanha, que se opunha fortemente à utilização da língua de sinais. Ficou

conhecido como “padre do método alemão”.

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Na França, o abade Charles Michel de L’Épée foi um educador filantrópico

francês do século XVIII, e ficou conhecido como “pai dos surdos”. Ele se aproximou

da comunidade surda que vagava ao redor de Paris e aprendeu a língua de sinais

usada pelos surdos franceses. A partir dessa língua, criou os “sinais metódicos”, que

eram a junção da língua de sinais usada pelos surdos com alguns sinais criados por

ele, para facilitar, em sua opinião, o ensino do francês escrito aos surdos. Assim, foi

o primeiro a respeitar, em alguma medida, a língua usada por uma comunidade

surda e tentar usá-la nas práticas educacionais.

Fundou, em 1760, a primeira escola pública para surdos, o Instituto para

Jovens Surdos e Mudos de Paris, e treinou inúmeros professores para surdos, e

publicou um livro sobre o ensino dos surdos e mudos por meio de sinais metódicos:

A verdadeira maneira de instruir os surdos-mudos. Colocou as regras sintáticas e

também o alfabeto manual inventado por Pablo Bonet; essa obra foi, mais tarde,

completada com a teoria pelo abade Roch-Ambroise Sicard. O abade Charles Michel

de L’Epée faleceu em 1789, tendo fundado um total de 21 escolas para surdos na

França e em outros países da Europa.

Em 1760, na Grã-Bretanha, Thomas Braidwood fundou a primeira escola

inglesa para surdos em Edimburgo, na Escócia, como academia privada, onde

ensinava aos surdos os significados das palavras e sua pronúncia, valorizando a

leitura orofacial.

No século XIX, o americano Thomas Hopkins Gallaudet parte para a Europa

para buscar métodos de ensino aos surdos. Na Inglaterra, Gallaudet foi conhecer o

trabalho realizado por Braidwood, na escola Watson’s Asylum (uma escola onde os

métodos eram secretos, caros e ciumentamente guardados), que usava a língua oral

na educação dos surdos; porém, foi impedido, recusaram-se a expor para ele a

metodologia. Não tendo outra opção, Gallaudet foi para a França, onde foi bem

acolhido e se impressionou com o método de Língua de Sinais usado pelo abade

Sicard. Levou um professor surdo francês para os Estados Unidos e começou,

assim, um trabalho educacional considerando a língua de sinais. Em 1864, Edward

Gallaudet fundou a primeira universidade nacional norte-americana para surdos, a

Gallaudet University em Washington, que era um sonho de seu pai, Thomas Hopkins

Gallaudet.

Por outro lado, forças contrárias ao uso da língua de sinais se fizeram

presentes defendendo a oralização, proibindo os surdos de usarem sua língua.

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Destacou-se, nesta abordagem, o médico suíço Johann Conrad Amman (1669–

1724), que condenava severamente a comunicação através das mãos, defendia de

forma categórica o oralismo e, em toda a Alemanha, difundia a obrigatoriedade da

oralização, afirmando que o uso das mãos para a comunicação fazia do surdo pouco

diferente de animais, “a comunicação através das mãos atrofia a mente” (Veloso,

2009, p. 44). Entretanto, o mesmo médico utilizava a língua de sinais para ensinar

os surdos a falar, seguindo, assim, ideias e métodos de Bonet e de Wallis.

Na contramão dos avanços, e seguindo as ideias de Wallis em “Fala: a chave

da razão”, Thomas Braidwood (1715-1806), em 1720, inaugurou a primeira escola

para alinhar de forma correta os surdos que foram ensinados a utilizar a língua de

sinais como forma de comunicação. Braidwood condenava severamente o uso das

mãos e corpo para a comunicação, defendia de forma viril a oralização, aboliu o

alfabeto manual, e os surdos eram tratados como incapazes por não conseguirem

se comunicar oralmente. Aqueles que tinham poucas posses, surdos, improdutivos e

indigentes eram colocados em salas separadas dos “normais”, ora conhecidos como

ouvintes.

Tommanso Silvestri (1744–1789), seguidor de L’Epée, utilizou-se dos

métodos do professor para fundar a primeira escola de surdos, em Roma, 1783.

Após tantos progressos no ensino de surdos, tendo como fundamento e norte a

Língua de Sinais, já na Idade Contemporânea, ocorreram fatos lastimáveis e

contraditórios aos progressos metodológicos no campo do ensino de surdos. Em

1802, Jean Marc Gaspard Itard (1774 -1838), médico cirurgião e psiquiatra francês,

resolveu cursar sua residência no Instituto de Surdos, em Paris, período conhecido

como “pesadelo”. O médico Itard proibiu seus pacientes de utilizar as mãos como

forma de comunicação, reconhecendo a surdez como uma moléstia curável e

iniciando métodos de torturas contestáveis em toda a Europa, tais como: induzir

surdos a descargas elétricas intensas aplicadas diretamente no cérebro e no ouvido

interno; furar as membranas timpânicas dos surdos; introduzir instrumentos no

cérebro através dos ossos cranianos; usar sanguessuga dentro dos pavilhões

auditivos; dissecar cadáveres de surdos sem a permissão de familiares, dentre

outros atos, com o objetivo de curar tal “aberração”. Inúmeros pacientes morreram.

Somente em 1821, o médico Itard percebeu que seus métodos não eram

eficazes, reconhecendo assim que a única forma de comunicação entre surdos e

ouvintes era o recurso da Língua de Sinais. Joseph Marie Baron de Gérando (1772–

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1842), francês, professor e diretor do Instituto Nacional de Surdos de Paris,

acreditava na superioridade dos europeus sobre os demais povos e, seguidor das

ideias de Itard, demitiu todos os professores surdos do instituto, contratando

somente ouvintes. A Língua de Sinais fora banida do instituto, entretanto, não

conseguindo alcançar seus objetivos de fazer os surdos falarem, retomou ao método

da língua de sinais, recontratando educadores surdos fluentes na Língua de Sinais

Francesa.

Em 1814, Thomas Hopkins Gallaudet (1787–1851), professor americano,

viaja rumo à Europa, mais especificamente a Paris, com o propósito de aprender a

Língua de Sinais Francesa (LFS), pois tinha o projeto de ensinar surdos nos EUA.

Thomas volta à América e traz consigo o professor surdo Laurent Cler, sendo este

um aluno destaque no “Instituto Nacional para Surdos, de Paris”. Thomas aprendeu

com Cler a LFS. A primeira escola para surdos nos Estados Unidos da América foi

fundada em 15 de abril de 1814, em Hartford, onde todos os professores, surdos ou

ouvintes, eram fluentes na LFS.

Alexander Granham Bell (1874–1922) condenava de forma intransigente o

uso da Língua de Sinais para a comunicação dos surdos, censurava os sinais,

justificando que os sinais eram infinitamente inferiores às palavras oralizadas.

Acreditava que todo e qualquer surdo precisava falar, caso contrário, seria banido da

sociedade sem direitos civis. Bell aconselhava e, ao mesmo tempo, impunha a

proibição de casamentos entre surdos, justificando que não podiam procriar

descendentes defeituosos – surdos; caso isso ocorresse, iria assim fortalecer o

isolamento dos surdos para com os ouvintes. Em 1873, Bell conheceu na

Universidade de Boston a surda Mabel Gardiner Hullbard, casaram-se e logo

começou a utilizar a língua de sinais, comunicação esta que sua então esposa

defendia incansavelmente.

Outro retrocesso dos estudos e pesquisas no campo da Língua de Sinais, em

nível global, ocorreu em 1880, no Congresso Mundial em Milão, onde participaram

inúmeros países, como Canadá, Suécia, Itália, França, EUA, dentre outros. Nesse

congresso, ficou “PROIBIDO” o uso das mãos para a comunicação na comunidade

surda com seus pares e ouvintes, em toda e qualquer escola/universidade do

mundo. Não se colocaram em pauta as questões linguísticas nem os avanços no

campo da Língua de Sinais e línguas nacionais orais concomitantemente. Discutiu-

se tão e somente a proibição do uso das línguas de sinais, justificando, por assim

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dizer, que “(...) a fala é o privilégio do homem, o único e correto veículo de

pensamento, a dádiva divina, da qual foi dito verdadeiramente: “a fala é a expressão

da alma, como a alma é a expressão do pensamento vivo” (STROBEL, 2009, p. 50).

Os surdos foram rotulados como “preguiçosos” linguisticamente, pois eram

inertes à língua oral, segundo conferencistas. Uma voz se levantou dentre a

multidão, entretanto, fora considerada inapropriada, a voz de Edward Gallaudet, em

defesa da Língua de Sinais. Dentre inúmeras resoluções e resultados desse

congresso, podemos relatar dois: a língua oral será incontestavelmente superior e

majoritária em todos os territórios nacionais; abolição total da língua de sinais; e

ainda, proibição às escolas/universidades de usarem o bilinguismo, pois a única

forma de comunicação é a Língua Oral, isto, é o oralismo puro.

Em consequência desses fatos, os professores surdos começaram a ser

perseguidos e demitidos das instituições de ensino, ocorreu uma verdadeira “caça

às bruxas”, os professores ouvintes não aceitavam as parcerias de educadores

surdos, pois, se tais educadores não conseguiam falar, seriam péssimos exemplos

aos alunos surdos. O personagem principal de tantas perseguições foi Alexander

Graham Bell, com suas ideias radicais, tendo sido, inclusive, um dos maiores

patrocinadores para o evento em Milão. Em 1889, aconteceu o 1º Congresso

Internacional dos Surdos, em Paris, retomando as ideias de ensino de Abbé L’Epée,

que reconhecia a Língua de Sinais como instrumento facilitador para a compreensão

da forma escrita e da fala. Outros congressos começaram a acontecer em todo o

mundo em defesa da Língua de Sinais, em 1893, em Chicago, em 1896, em

Gênova, e novamente em Paris no ano de 1900.

Após dez anos do Congresso de Milão, saem, então, os primeiros relatórios

dos malogros no ensino exclusivamente oralizado dos alunos surdos. Os relatos são

frustrantes, e descrevem, portanto, que os surdos não foram habilitados nem mesmo

em funções básicas, como costura, sapataria e consertos diversos; estavam sem

nenhuma estrutura linguística de comunicação, seja oralizada ou sinalizada. A

França tomou frente no combate da exclusividade oralista, difundindo com força e

legitimidade o uso da Língua de Sinais em seu território, tornando-se difusora

mundial do uso das mãos para a comunicação total.

Willian Stokoe (1919–2000) foi um dos maiores defensores do então chamado

bilinguismo, o uso da língua de sinais concomitantemente com língua oral. Este

professor americano na Universidade Gallaudet publicou inúmeros trabalhos

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voltados para os estudos linguísticos5 da Língua de Sinais Americana6. Afirmava que

a importância, o valor e a complexidade linguística da Língua de Sinais eram

extremamente semelhantes às línguas orais. Stokoe pronunciou em todo o mundo o

uso e a importância de se valorizar a Língua de Sinais como língua materna dos

surdos, dado os mesmos valores linguísticos, permitindo aos surdos se expressarem

sem perdas de pensamentos e ideias e, principalmente, fortalecendo a socialização

com os seus pares e ouvintes.

No ano de 1924, o jovem com apenas 29 anos, Lev Semenovich Vygotsky,

aborda o tema numa palestra no II Congresso de Psicologia em Leningrado –

Rússia. Pela primeira vez na história, um homem aborda a temática a respeito da

Língua de Sinais de forma interacional. No mesmo ano, em Moscou, fundou o

Instituto de Estudos das Deficiências, logo o mesmo dirigiu o Departamento de

Educação. No mesmo ano, Vygotsky escreve a respeito: Problemas da Educação de

Crianças cegas, surdo-mudas e retardadas. (REGO, 1994). Mas vale ressaltar que

Vygotsky, já no ano de 1917, desenvolvia pesquisas no campo da formação de

professores ao atendimento de crianças com “defeitos congênitos”, entre eles a

surdez. Pesquisava, entre outros assuntos, formas de reabilitação física e social em

torno de uma oportunidade de compreensão linguística, tema central em suas

futuras pesquisas.

Educação dos Surdos no Brasil

Após fazermos uma retrospectiva histórica acerca da educação do surdo,

reportemo-nos à questão em nível de Brasil.

Em 1855, o professor surdo francês Hernest Huet, com experiência de

mestrado e diversos cursos em Paris, chega ao Brasil sob o beneplácito do

imperador Dom Pedro II, com a intenção de fundar uma escola para pessoas surdas

e instruí-las por meio de LSF7. Contou com o apoio do imperador para fundar a

escola de surdos do Rio de Janeiro, em 1857, o INES8, criado pela Lei nº 939 de 26

de setembro de 1857.

5 Para maior conhecimento, fazer uma leitura mais detalhada sobre a estrutura linguística da LIBRAS, cf.

Ferreira Brito (1995), Quadros & Karnopp (2004), Vavier (2006), Leite (2008); e da ASL, cf. Stokoe (1960),

Friedman (1977), Klima & Bellugi(1979), Liddell (1984) e Liddell & Jonhson (1986). 6 De agora em diante ASL

7 Língua de Sinais Francesa

8 INES – Instituto Nacional de Educação para Surdos

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Convém lembrar que a LIBRAS e a ASL9 foram influenciadas pela LSF, mas,

com o tempo, cada língua foi se transformando de acordo com a cultura de seu país.

Desse modo, a organização da educação de surdos no Brasil está intimamente

ligada ao reconhecimento da língua de sinais como possibilidade de instrução para

pessoas surdas.

Enfatiza-se que a língua de sinais não é mímica, nem código, nem linguagem

de animais. É uma língua de modalidade espaço-visual (Ferreira-Brito, 1995),

apresentando fonologia, sintaxe, semântica e morfologia próprias, assim como

outras línguas de sinais (LS). Desse modo, a LIBRAS estava se constituindo, porém

com pouca influência portuguesa, já que não foram os portugueses que trouxeram a

língua de sinais ao Brasil. Ela tem sua origem com Hernest Huet que, inicialmente,

instruía as pessoas surdas utilizando a LSF e dava aulas com seus próprios

métodos de educação aprendidos no Instituto de surdos-mudos de Paris. Foi nessa

escola que houve a mistura da língua de sinais francesa com os sistemas já usados

pelos surdos de várias regiões do Brasil, e a LIBRAS foi então se configurando.

Compreendemos então, que a LIBRAS é uma língua com suas características

próprias e constitui sistema linguístico, estando sempre evolução. Atualmente, é

amparada pela Lei da LIBRAS (Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002), que

reconhece

como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS (...) forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

Essa reflexão sobre a Língua Brasileira de Sinais nos remete a Bakhtin

([1929]1992, p.127), que diz que “a língua constitui um processo de evolução

ininterrupto, que se realiza através da interação verbal social dos interlocutores”.

A Língua Brasileira de Sinais é uma língua com propriedades bem

particulares, tais como o uso de sinais simultâneos, o uso do espaço e a

organização e ordem, que resultam no uso de referentes locais e incorporação

usando o próprio corpo. Tais aspectos são característicos das línguas gestual-

visuais.

Assim, entendemos que a LIBRAS é uma língua da comunidade surda,

segundo a autora acima citada, e há pesquisas de descrição da mesma. “Entre os

9 American Sign Language.

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primeiros estudos linguísticos sobre a LIBRAS, destacam-se Britto, Felipe, Quadros

& Karnopp, Viotti, Viotti & McCleary, Xavier, Moreira e Leite10. Apesar dessas

pesquisas, ainda há muitas crenças e preconceitos em torno da Língua de Sinais e

da pessoa surda”.

O INES sofreu influência das decisões do Congresso de Milão, tendo o Brasil

adotado o método do oralismo para a educação dos surdos. Em 1957, Ana Rímola

de Faria Daoria assumiu a direção do INES, com a assessoria da professora Alpia

Couto, proibindo oficialmente o uso da língua de sinais nas salas de aula. Mesmo

assim, os alunos surdos utilizavam a língua de sinais nos corredores, nos pátios da

escola e alguns se comunicavam escondidos dos professores e funcionários.

Em 1982, o padre americano Eugênio Oates publicou no Brasil a obra

Linguagem das Mãos, que continha 1.258 sinais fotografados, configurando-se como

um primeiro dicionário ilustrado da língua de sinais usada no país. Em 1987, fundou-

se a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS), no Rio

de Janeiro, federação responsável, entre outras atribuições, pela luta pelo direito

linguístico dos surdos ao uso da língua de sinais. A FENEIS conquistou sua sede

própria no dia 8 de janeiro de 1993. Em 2002, formou agentes multiplicadores de

todo o Brasil para o ensino da LIBRAS, com o curso denominado LIBRAS em

Contexto, em parceria com o Ministério da Educação e Cultura (MEC).

A Língua de Sinais no Brasil foi reconhecida como meio de comunicação e

expressão dos surdos em 2002, pela Lei nº 10.436, de 24 de abril. Essa lei foi

posteriormente regulamentada pelo Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005,

que trata com maior profundidade da educação de surdos em todos os níveis de

ensino e da formação de professores bilíngues, instrutores surdos e intérpretes de

LIBRAS.

Analisando a história da Língua de Sinais, é perceptível que ela sofreu

mudanças durante esse longo tempo. Iniciou-se da descoberta da comunicação

natural de pessoas surdas, sucessivamente tentou-se a oralização, cujo objetivo era

de normatizar essas pessoas, até o reconhecimento da LIBRAS como língua de

comunicação. Houve a sua proibição, o que ocasionou prejuízo à evolução da

educação dos surdos e ao avanço nas pesquisas e produções científicas que viriam

a contribuir para os estudos linguísticos do surdo. Porém, com o seu

10

Britto (1988,1995), Felipe (1993), Faria (1995), Quadros & Karnopp (2004), Viotti & McCleary (2006),

Xavier (2006), Moreira (2007) e Leite (2008).

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reconhecimento, emergiram possibilidades para o uso da Língua de Sinais, bem

como a criação de cursos e de espaços diferentes para os estudos linguísticos

envolvendo a LIBRAS.

Em função do referido Decreto, em 2006, iniciou-se a primeira turma do curso

de graduação na modalidade de ensino a distância – Letras/LIBRAS, em nove polos

espalhados pelo Brasil, ministrados por instituições de ensino superior públicas

federais e estaduais, sob a coordenação da Universidade Federal de Santa

Catarina. Trata-se de um curso de graduação que oferta dois tipos de formação:

licenciatura e bacharelado. O primeiro é para a formação de professores de LIBRAS,

o segundo é para formação de intérpretes de Língua de Sinais.

Em 2009, foi criada a primeira turma do curso de graduação Letras/LIBRAS

de modalidade de ensino presencial na Universidade Federal de Santa Catarina. Em

2010, tem-se o reconhecimento da profissão de tradutor e intérprete da Língua

Brasileira de Sinais pela Lei nº 12.319 de 1º de setembro de 2010.

Atendendo à necessidade da UFMT de profissionais qualificados na área do

ensino de LIBRAS, que desde 2009 vem sofrendo diretamente com a escassez de

docentes qualificados para a atuação nos cursos de licenciatura, criou-se o Curso de

Graduação de Letras LIBRAS.

O processo de sua implantação teve sua fomentação gerada pela

necessidade do Estado de MT de formar profissionais na área do ensino de LIBRAS.

Quanto ao PACTO, a UFMT assinou em 2012, nas dependências do MEC, o Pacto

de implantação do Curso de Letras LIBRAS, licenciatura, nas Universidades

Federais.

Sendo assim, A UFMT assinou o Pacto em consonância com a Casa Civil,

Unesco e MEC. No referido documento, a Casa Civil firmou o financiamento da

carreira docência de 08 educadores e 07 profissionais Tradutores Intérpretes, sendo

deste 05 nível médio e 02 nível superior. Assim, no dia 14 de abril de 2014, iniciou-

se o tão esperado Curso de Graduação Letras/LIBRAS, licenciatura na UFMT, ou

seja o primeiro curso de LIBRAS no estado de MT, sendo este curso com duração

de 04 anos, sistema modular, período vespertino.

A Pesquisa

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A presente pesquisa é fruto de nossas inquietações perante a educação de

surdos. Desenvolvemos, há alguns anos, um trabalho com alunos com deficiência,

especificamente com alunos surdos, enfrentando, no dia a dia, as dificuldades

destes e também os desafios dos professores em desenvolver uma metodologia

diferenciada para o ensino desse alunado. Assim, acreditando nas possibilidades de

aprendizagem e superação dos alunos, é que surgiu o desejo de ingressarmos no

mestrado a fim de realizar um estudo focando tal temática.

A origem de nosso interesse por esta investigação nasce de uma

problemática com que nos deparamos num trabalho desenvolvido com uma aluna

surda, particularmente uma situação vivenciada em sala de aula. Realizamos um

exercício de leitura sobre um texto de Mário Quintana, “Família Descontrolada”, que

enfoca as estações do ano através de metáforas. Num parágrafo do texto, havia a

palavra passo, no sentido de passagem do tempo e uma aluna surda não conseguiu

fazer essa leitura; para ela, tratava-se de passo no sentido de andar. O enunciado

era o seguinte: O inverno dizia “Eu não passo desse agosto...”

Diante desse acontecimento, considerando esse contexto, compreendemos,

então, que, para esta aluna, havia um significado único para as palavras, pois ela

não dava conta da homonímia da palavra “passo”. Obviamente, se formos nos

reportar aos alunos ouvintes, veremos que muitos também apresentam problemas

na questão de significação das palavras. Entretanto, os ouvintes já possuem, desde

as primeiras etapas de aquisição da língua, um aprendizado de diferentes sentidos

presentes nas palavras da Língua Portuguesa, o que não ocorre com o surdo que

entra em contato com essa língua apenas quando adentra a escola.

Essa mera questão de leitura e seu ensino tornam-se mais relevantes ainda

quando se pretende construir uma escola inclusiva, que objetiva efetivar um

currículo que abrange a todos os alunos, sem discriminação. No caso do surdo, a

Lei 5.626/2005, que reconhece e institui a promoção da Língua Brasileira de Sinais;

afirma, que a mesma não poderá substituir a modalidade escrita da Língua

Portuguesa, ou seja, no ambiente escolar essas línguas deveriam ser ensinadas

concomitantemente.

O Decreto 5.626, de 05 de dezembro de 2005, determina o direito de uma

educação que garanta a formação da pessoa com surdez, em que a Língua

Brasileira de Sinais e a Língua Portuguesa, na sua modalidade escrita, constituam

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línguas de instrução, e que o acesso às duas línguas ocorra de forma simultânea no

ambiente escolar, colaborando para o desenvolvimento de todo o processo

educativo. O artigo 13º dispõe sobre o ensino de Língua Portuguesa, como segunda

língua para pessoas surdas, e deve ser incluída como disciplina curricular nos

cursos de formação de professores para a educação infantil.

Nessa perspectiva, a escola seria uma instituição educacional na qual todos

os recursos disponíveis seriam utilizados cooperativamente para satisfazer as

necessidades educacionais de todas as crianças que a frequentam. Segundo Barth

(1990, p.07),

Educar todos os alunos em sala de aula significa que todos os alunos recebem educação, que todo aluno recebe oportunidades educacionais adequadas, que são desafiadoras, porém ajustadas às suas habilidades e necessidades: recebem apoio de que ele ou seus professores passam, da mesma forma necessita para alcançar sucesso nas principais atividades (...).

Considerando a realidade do ensino nas escolas públicas e o processo de

inclusão do aluno com deficiência, vislumbramos as dificuldades dos professores no

que tange ao ensino da Língua Portuguesa para o aluno surdo, levando em

consideração que se trata de uma segunda língua para ele, uma língua oralizada

que vai ter que ser ensinada na sua modalidade escrita.

Desse modo, considerando todo o contexto da sala de aula e a necessidade

do aluno com deficiência ter um atendimento especializado, nasceu esta pesquisa,

intitulada: A metodologia da Sala de Recursos Multifuncionais para a educação

linguística dos surdos: um estudo bakhtiniano. Sua finalidade é compreender de que

maneira as professoras da SRM desenvolvem e aplicam os 03 momentos didático-

pedagógicos na educação do surdo, e quais as contribuições destes para a

aprendizagem em sala de aula. Para tanto, procuramos entender, também, como se

dá a interação entre o aluno e professores no processo de ensino- aprendizagem.

Para tanto, elegemos as seguintes questões de pesquisa:

a) Quais são as metodologias desenvolvidas nos 03 momentos didático–

pedagógicos aplicados pelas professoras da SRM no ensino para alunos

surdos na EMEB Maria Dimpina?

b) Como se dá o processo interacional entre professor-aluno, e como isso

interfere no processo de ensino-aprendizagem no contexto da SRM?

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Ao pesquisarmos os estudos já estabelecidos, encontramos algumas

dissertações e teses de doutorado que tratam do ensino da aprendizagem da Língua

Portuguesa para surdos, porém não há nenhuma pesquisa que trata da metodologia

utilizada nos três momentos didáticos implantados na Sala de Recursos

Multifuncionais (Damazio, 2007) atendimento essencial para a efetivação da

aprendizagem em sala de aula. Isso nos impulsionou a ir a campo e coletar dados

que mostrem a relevância da nossa investigação para a evolução do ensino

destinado ao aluno com surdez, contribuindo assim para o aprimoramento e

consolidação do processo de inclusão.

É neste contexto de ideias que esta pesquisa pretende ancorar suas

discussões. Para tanto, buscaremos nos fundamentar teoricamente nos conceitos de

Bakhtin e o Círculo11, e também nos embasaremos na teoria sócio histórica de

aprendizagem de Vygotsky (1930), baseando-se em fundamentos históricos,

políticos, linguísticos e pedagógicos que circunscrevam a educação dos surdos, com

a finalidade de situar o leitor e organizar as discussões necessárias à realização

deste trabalho. Para tanto, este estudo está dividido em três capítulos.

No Capítulo I, descrevemos a Metodologia, a partir dos postulados da

pesquisa qualitativa, em que justificamos as opções metodológicas que conduziram

nosso trabalho participativo como pesquisadora em relação aos procedimentos de

coleta de dados, por meio de entrevistas, com as professoras da Sala de Recursos

Multifuncionais, a professora da sala de aula, aluno e sua mãe. Ainda nesse

capítulo, destacamos o quadro de investigação da pesquisa, em que primeiramente

são apresentados os participantes envolvidos, a trajetória percorrida e os critérios

que justificam as escolhas do pesquisador para a realização da investigação. Em

segundo lugar, listamos os objetivos e questões de pesquisa, os sujeitos, os

instrumentos de coleta de dados e as categorias de análise.

11

O pensamento bakhtiniano é fruto das produções/discussões realizadas em conjunto por Bakhtin e um grupo

de intelectuais russos que se dedicavam às mais variadas áreas das Ciências Humanas, no período que

compreende os anos de 1920 a 1970 — na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), atual

Rússia — conhecido como o Círculo de Bakhtin, entre eles V. N. Volochinov (1895-1936) e P. Medvedev

(1892-1938) com os quais as autorias de algumas obras são disputadas. Por exemplo, no original russo e na

tradução inglesa, as obras Discurso na vida e discurso na arte (1926) e Marxismo e Filosofia da Linguagem

(1929) levam apenas a assinatura de Volochinov; já na tradução brasileira a partir da francesa, elas recebem

dupla assinatura — de Volochinov e de Bakhtin. Acerca da questão da autoria, nas obras em que incide essa

polêmica, citaremos o nome dos dois autores, separados por uma barra. Aquelas que receberam apenas a

assinatura de Bakhtin, serão citadas com seu nome somente. Não estenderemos maiores considerações sobre essa

questão neste trabalho, maiores informações, consultar os trabalhos de Brait (2005, 2006), Fiorin (2005) e Souza

(1999).

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45

No capítulo II, sob a ótica dos autores Bakhtin (1990,1992) e Vygotsky (1930),

descreveremos a Análise dos dados: Práticas das Atividades. Trata-se da análise

das aulas das professoras da SRM, apoiando-nos nas entrevistas, para buscar

compreender de que maneira as professoras da SRM desenvolvem e aplicam os 03

momentos didático-pedagógicos no processo aprendizagem do surdo, quais as

contribuições destes na sala de aula para o aluno surdo, buscando entender como

se dá o processo interacional entre o aluno e professores no processo de

aprendizagem do surdo.

Há de se esclarecer que, ainda nesse no capítulo, analisaremos a entrevista

com a professora da sala de aula realizada no II semestre, que tem a finalidade de

demonstrar, através de dados complementares, a contribuição do atendimento da

SRM para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem do aluno.

Ao final, são apresentadas as reflexões finais sobre a realização da pesquisa,

resultados obtidos e como estes contribuirão para a continuidade da investigação do

tema em outros estudos. Esta produção traz a referência bibliográfica consultada e

os anexos mais relevantes.

Toda a discussão que nossa pesquisa motiva traz à tona uma reflexão

referente ao cotidiano da sala de aula e, sobre esse aspecto, Certeau (1994) diz que

“é preciso ter a capacidade de ter criatividade para inovar, romper velhos acordos,

resistências e lugares eternizados na educação”. Assim, nosso estudo possui o

compromisso de analisar, discutir o ensino de língua que, acreditamos, contribuirá

para ampliar as reflexões sobre a educação inclusiva/educação de surdos.

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46

CAPÍTULO I

METODOLOGIA DE PESQUISA

Não há trabalho de campo que não vise a um encontro com um

outro, que não busque um interlocutor (AMORIM).

Neste capítulo, buscamos apresentar nossa trajetória nesta pesquisa, um

caminhar com dúvidas, certezas, incertezas, encontros e desencontros; porém, com

muitas experiências e aprendizado, o que nos permitiu iniciarmo-nos no fazer

científico, evidenciar expectativas e conhecer a análise de dados no procedimento

de pesquisa.

Para tanto, descrevemos a metodologia adotada para o desenvolvimento de

nossa pesquisa, uma vez que se inscreve na perspectiva qualitativa de cunho

discursivo-enunciativo, baseada nos estudos de Bakhtin (1970-1971) e seu Círculo.

Para compor o quadro de investigação da pesquisa, primeiramente, são

apresentados os participantes envolvidos, a trajetória percorrida e os critérios que

justificam as escolhas do pesquisador para a realização da investigação. Em

segundo lugar, descrevemos os objetivos e questões de pesquisa, os sujeitos, os

instrumentos, as categorias de análise.

1.1 Bakhtin e a Metodologia das Ciências Humanas

O objeto das ciências humanas é o ser expressivo e falante. Esse ser nunca coincide consigo mesmo e por isso é inesgotável em seu sentido e significado [...]. As ciências procuram o que permanece imutável em todas as mudanças (as coisas ou as funções). A formação do ser é uma formação livre (BAKHTIN).

Na epígrafe acima, Bakhtin aponta para o objeto das ciências humanas, um

ser expressivo e falante, o que nos faz entender que se trata de um objeto do saber

que pode ser concebido como o ser humano em suas práticas de linguagem.

Ressalta-se que se inscrever numa perspectiva enunciativo-discursiva

bakhtiniana de pesquisa é escolher enxergar o sujeito como realmente é, isto é,

como alguém que se desenvolve como tal. Portanto, um ser ativo, construindo seu

conhecimento dialogicamente em relação com outros seres, através de enunciados.

Nessa perspectiva, torna-se impossível a primazia de um só enunciador, uma só

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voz, ou seja, considera-se a linguagem como um conhecimento concebido,

produzido e recebido em contextos históricos e culturais determinados.

Nesse sentido, convém entender que a Metodologia das Ciências Humanas

pauta-se no encontro de sujeitos, na relação de indivíduos que possuem história de

vida, inseridos em um contexto, isto é, sujeitos reais. Conforme Bakhtin (2010

[1974/1979], p.401]), o “texto só tem vida constatando com outro texto (contexto)”,

logo, só existe sentido se constituído no diálogo; o encontro só pode se dar entre

sujeitos, como completa o autor, afirmando que “por trás desse contato está o

contato entre indivíduos e não entre coisas” (idem, ibidem).

Em conformidade com a perspectiva metodológica em que se encontra a

nossa pesquisa, busca-se compreender de que maneira as professoras da SRM

desenvolvem e aplicam os 03 momentos didático-pedagógicos na educação do

surdo, e quais as contribuições destes para a aprendizagem do aluno surdo em sala

de aula. Para tanto, procuramos entender, também, como se dá a interação entre o

aluno e professores no processo de ensino- aprendizagem.

Tal investigação leva em consideração a construção dialógica do

conhecimento, pautada na interação entre os sujeitos da pesquisa e a pesquisadora,

em que ambos assumem papéis de co-construtores e coautores, esta pesquisa deve

ser vista como um processo em contínua reformulação, e não como algo acabado

em si ou estagnado.

Para Amorim (2001, p.187), a história das ciências humanas seria, assim, a

história do pensamento voltado para o pensamento e para os sentidos produzidos

pelo outro e isto se dá ao pesquisador sob a forma de texto. A autora, com base em

Bakhtin, propõe a distinção entre ciências duras ou da natureza e ciências humanas.

Não há objeto científico que não seja discursivo, isto é, mediatizado pelo texto. Em

qualquer domínio, o objeto de pesquisa é objeto falado e, neste sentido, não pode

ser mudo. Nas ciências humanas, o objeto é não somente falado e atravessado pelo

texto, mas ele é texto. Texto a explicar e a interpretar, ele é objeto falante.

Sabemos que o texto, na concepção bakhtiniana, é um enunciado

encadeado na troca verbal. Amorim (2001, p.188) diz que o ato humano enquanto

texto não pode, então, ser compreendido fora do seu contexto dialógico, do contexto

em que figura a título de réplica de sentido. O objeto de estudo torna-se então

sujeito, sujeito falante, autor, do mesmo modo que aquele que o estuda.

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Dessa maneira, entendemos que as ciências humanas, tendo como objeto

um texto, estão sujeitas ao dialogismo. Entendemos, assim, que o sentido do

dialogismo só faz efeito no encontro com outros textos, o que buscaremos efetivar

na realização da nossa pesquisa. Assim, procuramos fazer entrelaçamento da teoria

com a prática para a compreensão do objeto de pesquisa, qual seja, A metodologia

da Sala de Recursos Multifuncionais para a educação linguística dos surdos. Sobre

a relação entre textos, Amorim (2001) acrescenta que:

[...] para compreender o texto, é preciso colocá-lo em relação com outros textos e pensá-lo num novo contexto [...] Acreditar que se pode compreender um texto tal qual o concebeu o autor é praticar o que Todorov chamou de hermenêutica positivista: acreditar na transparência do texto e no acesso total ao autor/locutor e ao sentido do que faz (AMORIM, 2001, p.191).

Dessa forma, compreendemos que na pesquisa faz-se necessária a

construção do texto de forma esclarecedora, de modo que o leitor possa entender o

que está sendo informado, ou seja, ter objetivos claros e escritos sobre o que fora

pesquisado, observando os resultados da investigação.

Assim, considerando a citação de Amorim (2001, p. 191), entendemos que se

pode compreender um texto tal qual o concebeu o autor é praticar o que Todorov

chamou de hermenêutica positivista: acreditar na transparência do texto e no acesso

total ao autor/locutor e ao sentido do que faz”. Compreendemos, a partir dessa

perspectiva, que qualquer palavra, qualquer texto não apresenta um sentido dado, é

preciso considerar sempre a situação de produção e recepção dos enunciados.

Quanto à revisão bibliográfica, esta esteve presente em todas as etapas da

pesquisa, subsidiando a definição das teorias, das estratégias de investigação, das

análises ao longo do trabalho de campo e posteriores a ele. Foram 03 estratégias de

investigação, além da revisão bibliográfica: 1) observação da prática das professoras

da SRM; 2) entrevistas com as professoras da SRM, com a professora da sala de

aula, com a mãe do aluno e com o aluno; 3) análise das entrevistas e das aulas, e

escrita do resultado da pesquisa.

As observações tiveram duração de 03 semanas na SRM da EMEB Maria

Dimpina, na cidade de Cuiabá-MT, onde pudemos observar a metodologia de cada

professora, bem como a interação presente no encontro das aulas, sendo estas

filmadas e registradas em notas de campo. Segundo Freitas (2003):

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a observação, numa pesquisa com abordagem sócio - histórica se constitui (...) em um encontro de muitas vozes: ao se observar um evento, depara-se com diferentes discursos verbais, gestuais e expressivos. São discursos que refletem e refratam a realidade da qual fazem parte, construindo uma verdadeira tessitura da vida social (FREITAS, 2003, p. 33).

Nessa perspectiva, segundo Bakhtin (2010, p.400) qualquer objeto do saber

(incluindo o homem) pode ser percebido e conhecido como coisa. Mas o sujeito

como tal não pode ser percebido e estudado como coisa porque, como sujeito e

permanecendo sujeito, não pode tornar-se mudo; consequentemente, o

conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico.

1.2 Objetivos e questões de pesquisa

Tendo em vista a perspectiva metodológica aqui adotada, esta pesquisa tem

como objetivos:

a) Compreender de que maneira as professoras da SRM desenvolvem e

aplicam os 03 momentos didático-pedagógicos na educação do surdo, e quais

as contribuições destes para sua aprendizagem em sala de aula.

b) Entender, também como se dá a interação entre o aluno e professores

no processo de ensino- aprendizagem no contexto da SRM.

Para contemplar tais objetivos, buscou-se responder às seguintes questões

de pesquisa:

a) Quais são as metodologias desenvolvidas nos 03 momentos didático–

pedagógicos aplicados pelas professoras da SRM, no ensino para alunos

surdos na EMEB Maria Dimpina, e como estas contribuem para sua

aprendizagem em sala de aula?

b) Como se dá o processo de interação professor-aluno, e como isso

interfere no processo de ensino-aprendizagem no contexto da SRM?

1.3 Metodologia de geração dos dados

A enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é

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função da pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social (BAKHTIN).

Uma vez dito que nossa pesquisa se inscreve na perspectiva metodológica

enunciativo-discursiva bakhtiniana, espera-se que nosso foco recaia nas relações

dialógicas, que considera os sujeitos em seu contexto sócio-histórico e a capacidade

da resposta dos indivíduos. É necessário que o pesquisador busque, com auxílio de

seu outro, conduzir e ressignificar sua pesquisa, pois, como mostra a epígrafe

acima, a palavra dirige-se a um interlocutor.

Outro conceito a ser desenvolvido na pesquisa é referente à alteridade, pois o

pesquisador, ao entrar em contato com o sujeito da sua pesquisa, deve se colocar

em seu lugar para poder compreender as situações, as dificuldades e superação no

processo de aprendizagem. Assim, alteridade para Bakhtin não é um destinatário

pacífico, cuja única função se resume em compreender o locutor; sua atitude em

relação à fala do locutor é sempre responsiva e ativa e materializa-se na sua

resposta (externa ou interna). É exatamente uma resposta e não uma compreensão

passiva que o locutor espera do (s) outro (s) a quem o seu discurso se dirige,

resposta que pode se materializar sob a forma de uma concordância, adesão,

objeção, execução etc. (CLARK, HOLQUIST, 1998).

Em face da atitude responsiva ativa do outro perante o enunciador, o

enunciado pressupõe sempre, conforme Bakhtin, uma apreciação valorativa. Tal

apreciação é norteada por avaliações que fazemos na vida, com base em critérios

éticos, cognitivos, políticos, religiosos ou outros, de enunciados concretos, e envolve

elementos extraverbais (situação de comunicação, apreciação valorativa entre os

participantes, espaço e tempo da interação), sem cujo conhecimento se torna

impossível compreender o discurso.

Desse modo, acreditamos que é na interação entre o sujeito pesquisado e a

pesquisadora que se encontra a pesquisa, é o encontro desses sujeitos que torna

possível pensar a construção dialógica do conhecimento.

Assim, a coleta de dados iniciou-se com os primeiros contatos com a escola

neste ano, através da coordenadora pedagógica, que nos recebeu com muito

carinho, nos autorizou e nos forneceu as informações inerentes ao funcionamento

da escola, do pedagógico e em específico da Sala de Recursos Multifuncionais, que

é desenvolvida na perspectiva inclusiva, em que se busca estabelecer como ponto

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de partida a compreensão e o reconhecimento do potencial e das capacidades da

clientela atendida, vislumbrando assim o pleno desenvolvimento.

No momento em que estivemos reunidas com as professoras da SRM,

apresentamos o projeto de pesquisa, que teria a seguinte organização: 1-

Entrevistas gravadas em áudio com as professoras da SRM, a professora da sala de

aula, o aluno e sua mãe; 2- Filmagens das aulas na SRM; 3- Transcrição das aulas;

4- Análise das entrevistas e das aulas, para que pudéssemos fazer a transcrição e

análise das entrevistas e das aulas.

Assim, em contato com a mãe do aluno, depois de explicar acerca do projeto

e seus objetivos, pedimos autorização para que pudéssemos ter o seu filho como

sujeito de pesquisa. Diante da sua aprovação, solicitamos a sua autorização para

gravar a sua entrevista e filmar as aulas do seu filho na SRM. Em seguida,

conversamos com o aluno sobre como seria, se ele aceitaria. Tendo a resposta

positiva, efetivamos a filmagem.

Relatamos aos entrevistados acerca de como seria a aplicação das

entrevistas, que as perguntas seriam de acordo com a função e desenvolvimento da

sala de aula, contemplando assim as perguntas relacionadas à metodologia,

interação, estratégias, e para o aluno, como ele vê e sente o processo de inclusão,

sobre a sua aprendizagem e interação com as professoras, e a mãe acerca de uma

avaliação do processo inclusivo e da aprendizagem do seu filho.

Os dados da pesquisa foram gerados, conforme já apontado, na EMEB Maria

Dimpina Lobo Duarte, na cidade de Cuiabá-MT, bairro Jardim das Palmeiras. Os

participantes da pesquisa foram: 0l aluno surdo, sua mãe, 03 professoras da SRM e

a professora da sala de aula onde se encontra o aluno surdo incluso, além da

pesquisadora. As aulas foram filmadas no período de março a abril de 2014, quando

buscamos observar o desenvolvimento do trabalho e qual sua contribuição na

efetivação da aprendizagem do aluno surdo na sala de aula.

Porém, como esta observação foi feita no início do ano letivo, e considerando

que as professoras estavam começando seus trabalhos, não encontraríamos

respostas para as perguntas da nossa pesquisa no sentido de verificar o resultado

do atendimento na sala de aula. Assim, voltamos a campo no mês de agosto para

verificarmos o resultado do trabalho da SRM no desenvolvimento do aluno surdo na

sala de aula.

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Amorim (2001, p.88) diz que “gostaríamos de mencionar que experiências de

retorno ao campo, após publicação, podem ser feitas sem visar a uma segunda

escrita”. Contudo, nosso retorno gerou uma segunda escrita, inserida no capítulo de

análise, com dados importantes para a conclusão de nossa investigação e para

respondermos as nossas questões de pesquisa.

Para selecionar nossos dados de pesquisa, inicialmente gravamos em áudio

as entrevistas com as professoras da Sala de Recursos Multifuncionais, com a mãe

e com o aluno. Porém, a entrevista com a professora da sala de aula foi transcrita no

caderno de campo, pois a mesma não autorizou a gravação.

Quanto às aulas, foi filmadas um total de oito aulas (aproximadamente de oito

horas de gravação). As aulas foram gravadas com uma câmera de mão, posicionada

sob vários ângulos, longe/perto. Ora encontrava-se numa distância longa, quando

queríamos focar atividades que envolviam diálogo, outras vezes numa distância de

perto, quando o aluno estava resolvendo atividades individuais, focalizando a

produção e interação dos alunos com a professora. Inicialmente, o aluno

demonstrou timidez diante da gravação, sinalizava e verbalizava pouco, depois ficou

mais íntimo com a câmera e até ensaiou algumas gravações.

Foram realizadas três gravações da aula da Professora Vera, duas aulas da

professora Márcia e três aulas da professora Nilza.

Em seguida, foi formalizada a documentação referente aos termos éticos de

realização da pesquisa à mãe do aluno.

Posteriormente, selecionamos as aulas que achamos mais relevantes aos

objetivos de nossa pesquisa, fazendo um recorte de episódios para transcrição.

Adotamos como critério de análise as aulas em que o aluno encontra-se em

interação com as professoras, no desenvolvimento das atividades envolvendo os 03

momentos didático-pedagógicos, adiante descrevemos os acontecimentos

minuciosamente e consecutivamente fizemos análise.

Buscamos identificar, no trabalho das professoras da Sala de Recursos

Multifuncionais, metodologias e estratégias que contribuem para o desenvolvimento

do aluno surdo na sala de aula, tendo sucesso nas suas experiências no ensino-

aprendizagem como um sujeito ativo. Este estudo busca também oportunizar

contribuições no sentido da promoção da inclusão, de forma igualitária,

considerando que se trata de um processo em que existem as dificuldades, mas

também há superação referente ao exercício da cidadania de alguém que não deve

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ser considerado como diferente, mas como um ser humano com habilidades e

capacidades.

As entrevistas foram semiestruturadas, contemplando questionários com

aproximadamente 07 perguntas (em anexo), aplicadas presencialmente pela

pesquisadora, tendo sido gravadas as respostas dos participantes.

Com base nas gravações das aulas, considerando que sou aprendiz de

LIBRAS, e que as aulas eram ministradas em LIBRAS, exceto a de Língua

Portuguesa, estas deveriam, ser traduzidas. Para tal, pudemos contar com a

colaboração de uma das professoras da SRM, que é intérprete, facilitando a

transcrição das mesmas, para efeito de análise e interpretação de dados.

As observações das aulas com as 03 professoras da SRM foram

selecionadas para que pudéssemos analisar os 03 momentos implantados nessa

sala, que são: - Atendimento Educacional Especializado em LIBRAS; - Atendimento

Educacional Especializado de LIBRAS - Atendimento Educacional Especializado de

Língua Portuguesa, pois cada um tem a função de desenvolver o seu trabalho de

forma específica e integrada, buscando assim o desenvolvimento da aprendizagem

do aluno.

Diante das informações, mantivemos contato com as professoras da sala de

Recursos Multifuncionais, que se colocaram à disposição, repassaram-nos

informações acerca do funcionamento da sala e a metodologia desenvolvida. Assim,

para que pudéssemos conhecer melhor o processo ensino-aprendizagem do aluno

referente a sua inclusão na sala de aula e na família, realizamos a entrevista com a

professora da sala de aula, com as professoras da SRM, com o aluno e com a mãe

que o acompanha no atendimento.

Em seguida, passamos às observações das aulas, porém tivemos alguns

atrasos no prazo estipulado das observações, devido a certas faltas do aluno,

(algumas justificadas, outras não). Na sequência, procedemos à análise das aulas,

que foram filmadas e registradas, focando principalmente no processo de interação

entre o aluno e professoras.

O contato da pesquisadora com as professoras da SRM através da entrevista

acerca dos 03 momentos desenvolvidos por elas foi muito importante, pois a

pesquisadora só tinha conhecimento desses três momentos teoricamente.

Acreditamos ser de grande relevância, haja vista que se trata de uma valiosa

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oportunidade para os alunos com surdez se beneficiarem de ambientes inclusivos de

aprendizagem.

O primeiro contato com o aluno surdo foi muito importante. Inicialmente, ele

ficou meio tímido, observador, depois perguntou verbalmente quem eu era e o que

eu queria, de forma bem questionadora. Após ter explicado ao aluno que se tratava

de uma pesquisa de mestrado da UFMT, cujo objetivo era pesquisar como se dá o

ensino de Língua Portuguesa na SRM para o aluno surdo que iria contribuir para a

educação dos surdos, o aluno entendeu, disse que iria colaborar com a pesquisa,

pois, em sua opinião, os surdos necessitam aprender, e os ouvintes têm que estudar

muito para poder ensiná-los e vice-versa, é uma troca, um aprende com o outro.

1.4 Contextos e sujeitos

1.4.1 A escola, um pouco da sua história e funcionamento

Assim, depois que definimos o Projeto de Pesquisa, seus objetivos e

perguntas, fizemos o primeiro contato com a Secretaria Municipal de Educação de

Cuiabá/Setor de Educação Especial. A líder de equipe nos repassou as informações

acerca das escolas que atendem o aluno surdo, dando-nos a opção pela Escola

Maria Dimpina e pela Escola Maria da Glória de Souza. Contudo, pelo pouco tempo

que o mestrado nos disponibiliza, e considerando o trabalho que vem sendo

desenvolvido na Escola Maria Dimpina com a inclusão, principalmente no que tange

à educação dos surdos, optamos por ela.

Ao chegarmos à Escola Prof. Maria Dimpina, fomos recebidas com bastante

carinho e respeito pela coordenadora, estabelecemos uma relação harmônica e

bastante profissional. Em seguida, a coordenadora acompanhou-nos até sua sala,

um ambiente bastante tranquilo e acolhedor, onde pudemos explicar que se tratava

de uma pesquisa de Mestrado, seus objetivos e a importância dos dados para

realização da pesquisa. Explicamos por que optamos por essa escola, que fora

recomendada pela Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá/Equipe de

Educação Especial, por ser uma referência no trabalho com os alunos com

deficiência, especificamente, com o aluno surdo. Desse modo, ela nos repassou as

informações, nos manteve em contato com a s professoras da SRM, bem como nos

viabilizou o Projeto Político da Escola- (Re)construção coletiva e participativa

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(Setembro/2012), o qual embasa as informações aqui descritas sobre a escola e seu

funcionamento.

1.4.2 Descrição da Sala de Recursos Multifuncionais

A Sala de Recursos Multifuncionais da EMEB Maria Dimpina Lobo Duarte

tem espaço climatizado e localiza-se no primeiro piso da escola (próximo à rampa).

Os mobiliários são: - dois computadores; uma impressora; uma mesa redonda e uma

comprida; um quadro branco; uma mesa bem pequena contendo em cima um jogo

de xadrez; um aparelho de som; um notebook; dois armários de aço. No que se

refere aos materiais pedagógicos, há cartazes do alfabeto manual do surdo;

calendário adaptado; cartaz das estações do ano, campainha adaptada para o

surdo; jogos pedagógicos, abrangendo dominó, memória, quebra-cabeça e outros

que subsidiam o trabalho pedagógico.

Para melhor clarificar as informações acerca do atendimento da SRM,

ilustraremos abaixo fotos das professoras desenvolvendo atividades, conforme o seu

atendimento.

1.4.3 Atividade desenvolvida no Atendimento Especializado para o Ensino em

LIBRAS – Prof Márcia

Objetivo: Somar e subtrair identificando os números positivos e negativos.

Resultado: O aluno no início teve dificuldade com os números negativos na hora de

somar no final do jogo, mas seu raciocínio quanto ao colocar as peças nos seus

lugares é muito rápido.

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56

Fonte: acervo do professor data 12/05/2014.

1.4.4 Atividade desenvolvida no Atendimento Especializado em Língua

Portuguesa- Prof Nilza

Objetivo: Diferenciar os pronomes possessivos e pessoais, identificar verbos e

substantivos

Resultado: O aluno conseguiu identificar os pronomes pessoais através das pessoas

e o possessivo através dos objetos pessoais de cada um.

1.4.5 Atividade desenvolvida no Atendimento Especializado para o Ensino em

LIBRAS – Prof Vera

Objetivo: Compreender as expressões faciais, classificadores e saber diferenciar.

Resultado: Bruno já tem um vocabulário muito bom em LIBRAS, porem o uso de

classificadores foi trabalhado de forma mais intensa e o resultado foi melhor, pois

percebeu a diferença quando utiliza os classificadores:

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Fonte: acervo do professor/data 24/04/2014

Considerando a importância do trabalho do AEE no processo de inclusão e o

que dispõe a Nota Técnica 11/20 – MEC/SEESP/GAB: Orientações para a

Institucionalização na escola da Oferta do AEE em Salas de Recursos

Multifuncionais, e ainda de acordo com a implementação do Decreto nº 6.571/2008,

a Resolução CNE/CEB nº 4/2009, no art.10º, determina-se que o projeto Político

Pedagógico da escola deve institucionalizar a oferta do AEE, prevendo na sua

organização; I – salas de recursos multifuncionais: espaço físico, mobiliário,

materiais didáticos, recursos pedagógicos e de acessibilidade e equipamentos

específicos (...).

Em consonância com a Nota Técnica acima citada, a sala de recursos

multifuncionais deve ter materiais adequados e específicos para a consecução do

trabalho, que visa assegurar ao aluno a complementação das suas necessidades.

Convém ressaltar que, em conformidade com o fascículo: A Educação

Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar (2010, p. 31), o Ministério da Educação

e Cultura, através do Programa de Implantação de Salas de Recursos

Multifuncionais, por meio da Portaria Nº 13, de 24 de abril de 2007, disponibiliza as

Salas de Recursos Multifuncionais, Tipo I e Tipo II. Para tanto, é necessário que o

gestor do município, do estado ou do Distrito Federal garanta professores para o

AEE, bem como o espaço para a sua implantação.

Faz-se necessário conhecermos os materiais que contemplam a SRM do Tipo

I12: são constituídos de microcomputadores, monitores, fones de ouvido e

microfones, scanner, impressora laser, teclado e colmeia, mouse e acionador de

12

SRM Tipo I para alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou superdotação/altas

habilidades, disponibilizando os materiais das SRM Tipo I e Tipo II.

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58

pressão, materiais e jogos pedagógicos acessíveis, software para comunicação

alternativa, lupas manuais e lupa eletrônica, plano inclinado, mesas cadeiras,

armário, quadro melanínico.

A SRM Tipo II são constituídas dos recursos da sala Tipo I acrescidos de

outros recursos específicos para o atendimento de alunos com cegueira, tais como

impressora Braille, máquina de datilografia Braille, reglete de mesa, punção soroban,

guia de assinatura, globo terrestre acessível, kit de desenho geométrico acessível,

calculadora sonora, software para produção de desenhos gráficos táteis.

Tendo em vista tal descrição, observamos que o espaço da SRM da EMEB

Maria Dimpina Lobo Duarte não atende totalmente o que determina tal documento,

uma vez que, de acordo com o fascículo e o que determina em relação aos materiais

para a SRM Tipo I e Tipo II, não há todos os materiais específicos para atender às

necessidades dos alunos surdos. Ela possui um espaço adequado, alguns materiais

pedagógicos adquiridos pelo Ministério da Educação e Cultura, outros

confeccionados pelas professoras, profissionais qualificados, competentes e

dedicados. Há um pormenor e a sala encontra-se situada ao lado da rampa que dá

acesso à parte superior da escola, e na sala há duas janelas que mostram esse

acesso, e devido ao trajeto de pessoas por ali, os alunos desviam sua atenção e

concentração das atividades desenvolvidas.

A seguir, descreveremos a escola de acordo com o que consta no Projeto

Político Pedagógico (PPP):

1.4.6 Identificação

A Escola de Educação Básica Profª. Maria Dimpina Lobo Duarte, fundada em

11 de setembro de 1969, está localizada à Avenida Fernando Correa da Costa n.º

4695, Bairro Jardim das Palmeiras nesta capital. Criada pelo Decreto nº. 418/75 –

26/06/1975, está autorizada a funcionar o Ensino Fundamental, atendendo o 2º e 3º

ciclos pelo Parecer nº.290/2005 CME/MT, sendo mantida pelo Município de Cuiabá

e administrada pela Secretaria Municipal de Educação.

1.4.7 Objetivos e Princípios

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59

A Escola objetiva sua ação educativa, fundamentada na universalização de

igualdade de acesso e inclusão escolar, permanência, obrigatoriedade da Educação

Básica e da gratuidade escolar.

A proposta está pautada nos princípios da Gestão Democrática, primando por

uma Escola de qualidade, participativa e comunitária, como espaço cultural de

socialização e desenvolvimento do educando, preparando-o para o exercício e

direitos e o cumprimento dos deveres, sinônimos de cidadania, tem como princípio,

de acordo com os artigos 205 e 206 da Constituição Federal que: “A educação,

direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a

colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu

preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”.

1.4.8 Filosofia da Escola

Oferecer educação de qualidade, garantindo o acesso e a permanência do

estudante, respeitando os valores, princípios e códigos de ética universais,

assegurando a formação indispensável para o exercício da cidadania.

1.4.9 Alunado

A escola funciona nos períodos matutino e vespertino, com o total de 15

turmas, que compreendem do 1º ao 9º ano. Com o redimensionamento do

atendimento na rede pública de ensino em Cuiabá e com base na demanda local,

foi definida a oferta do Ensino Fundamental para crianças de 09 a 14 anos, no II e III

Ciclos de Formação. O fluxo da oferta em função da capacidade física ambiental

prevê turmas de cada faixa etária e etapas de cada ciclo nos turnos matutino e

vespertino. A carga horária para todas as modalidades de ensino oferecido é de

(quatros) horas diárias, totalizando 880 horas, em regime de funcionamento anual de

200 dias letivos. O critério para formação das turmas é a faixa etária, conforme prevê

os Ciclos de Formação e/ou escolaridade anterior, devendo cada turma ser

constituída de acordo com a Instrução Normativa vigente.

Para a melhoria do trabalho, a escola desenvolve projetos que envolvem

tanto o aluno quanto os profissionais, visando a integração em todas as áreas, são

eles:

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60

1.5 Valorizando os Profissionais da nossa Escola

Discute a formação dos profissionais da educação escolar no cotidiano da

Escola fundamental, significa colocar realidade no contexto mais amplo da

democratização do ensino e da própria sociedade brasileira. Isto significa assumir a

formação do educador em serviço, como um meio e não como um fim em si. Nesta

perspectiva, prioriza-se a contribuição dos profissionais da escola como parceiros

para a efetivação da proposta pedagógica. Durante a realização das rodas de

conversas, os profissionais são convidados a socializar os trabalhos que

desenvolvem cotidianamente durante o bimestre.

1.5.1 Sala de Apoio à Aprendizagem

O apoio à aprendizagem será oferecido aos alunos do 6º ano do 2º ciclo que

apresentam dificuldades no processo de ensino e aprendizagem. O objetivo da sala

de apoio é superar as necessidades de aprendizagem acerca das capacidades não

consolidadas referentes à aquisição da escrita e do processo de leitura e

compreensão, bem como promovendo condições de acesso e permanência das

crianças na escola com qualidade.

1.5.2 Programa Educa Mais

Programa Educa Mais aumenta a oferta educativa nas escolas públicas por

meio de atividades optativas como acompanhamento pedagógico, meio ambiente,

esporte e lazer, direitos humanos, cultura e artes, cultura digital, prevenção e

promoção da saúde.

Contribui de forma significativa para a ampliação da jornada escolar e

organização curricular, na perspectiva da Educação Integral, contribuindo para

minimizar as desigualdades educacionais, valorizando a diversidade cultural

brasileira.

1.6 Sujeitos da Pesquisa

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61

A pesquisa contou com o apoio de várias pessoas e órgãos, tais como:

Secretaria de Estado de Educação de MT-SEDUC, no fornecimento das informações

referentes à inclusão no Estado de MT - Secretaria Municipal de Educação de

Cuiabá\Setor de Educação Especial; Coordenação da Escola; professoras da sala

de Recursos Multifuncionais; Professora da Sala de Aula; mãe do aluno surdo, que

permitiu a participação do seu filho.

Assim, serão descritos, a seguir, somente os participantes focais da

investigação: professoras da Sala de Recursos Multifuncionais, professora da sala

de aula, aluno, sua mãe e a pesquisadora.

1.6.1 Aluno surdo

O aluno surdo Davi, com 10 anos, cursa o 5 ° Ano do 3° ciclo no período

Matutino, conforme ficha de identificação preenchida na escola, descrita no Relato

de Caso, e frequenta duas vezes por semana no período vespertino a SRM.

De acordo com a descrição da mãe no documento Relato de Caso, a

gravidez não foi planejada. Ocorreu tudo natural e tranquilo e ele nasceu de parto

normal com 8 meses e ½ . Depois de um mês, a mãe começou a observar que, ao

se comunicar com seu filho, ele não correspondia. Conversou com seu esposo e

familiares e começaram a fazer vários testes para estimular sua comunicação.

Após vários meses e diversas tentativas sem êxito, seus pais resolveram

fazer uma consulta junto ao centro de reabilitação. O médico examinou, fez o teste,

e diagnosticou a surdez. Seus pais são surdos e seu irmão mais velho também.

Aos 02 anos e ½ viajou para a cidade de campinas SP, para fazer tratamento

e implante coclear e ocorreu tudo bem durante a cirurgia. Após 02 anos da cirurgia,

tudo estava normal, até que um dia o menino caiu na piscina, bateu a cabeça e

machucou-se, mas foi socorrido imediatamente e levado ao hospital. Seu médico

diagnosticou uma inflamação na cabeça, no mesmo local do implante coclear, que

precisava ser operado imediatamente. Voltou para Campinas, operou pela segunda

vez, ficando 01mês internado, sendo medicado.

Davi não faz uso de nenhum medicamento controlado, fez acompanhamento

médico e fonológico na Univag13, desde seu primeiro um ano de vida e depois

13

- Centro Universitário Varzeagrandense

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62

transferiu para Unimed, até os dias atuais. Possui vida social ativa, gosta de ouvir

música e cantar.

O aluno domina a sua L1/ LIBRAS, devido seus pais serem surdos (pai, mãe

e irmão). Em casa a comunicação entre eles é somente em LIBRAS, a qual

dominam profundamente, isso facilita o seu aprendizado da L2, tem o apoio de sua

avó materna que é ouvinte, e que ensina suas tarefas escolares, oralizando e

trabalhando a escrita com vários tipos de gêneros textuais. É um aluno bilíngue:

quando está com seus amigos ouvintes, fala português (oraliza); é um menino que

tem uma visão crítica de mundo, é curioso, sempre pergunta o que não sabe,

conhece seus direitos. O mesmo almeja muito chegar a fazer doutorado e ter um

bom emprego, ser um profissional.

Através desse pequeno relato, pudemos conhecer um pouco da história de

vida de Davi e compreender toda a contextualização do ambiente da família e os

estímulos que proporcionam ao filho, gerando, assim, segurança e credibilidade.

Isso é claro na fala da mãe, conforme um excerto da entrevista (na íntegra, em

anexo):

Por conhecer meu filho, sei das suas necessidades, pois ele é um menino ativo, curioso está sempre perguntando. Desse modo, acredito que meu filho será aquilo que ele almeja, ser professor de uma universidade com título de mestrado e doutorado, e o que depender de mim e do pai dele vai conseguir, pois oportunizamos sempre situações de aprendizagem.

Todo o acompanhamento que Davi tem da família faz com que ele tenha

autoestima. Isso é um aspecto muito importante para que ele possa superar suas

dificuldades e conseguir seus objetivos.

1.6.2 Professoras da Sala de Recursos Multifuncionais

Foram observadas aulas das 03 professoras que trabalham com o aluno Davi

na Sala de Recursos Multifuncionais. Descreveremos sucintamente cada uma delas

abaixo:

A professora Márcia, é formada em Pedagogia, encontra-se fazendo

Especialização em AEE, possui experiência como intérprete, pois sempre trabalhou

nessa função. Há 03 anos passou no concurso da Secretaria Municipal de Educação

de Cuiabá para professora e tomou posse nessa escola na SRM, possui

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conhecimento e domínio da LIBRAS devido ao fato de sua mãe ser surda. Trabalha

com o atendimento especializado em LIBRAS e com a questão conceitual dos

conteúdos curriculares desenvolvidos em sala de aula.

Vera14, formada em Pedagogia, encontra-se fazendo especialização em AEE

e é professora surda. Há 03 anos foi aprovada no concurso para professora das

séries iniciais, tomando posse nessa escola na função de professora de SRM e

trabalhando com alunos surdos com o atendimento especializado de LIBRAS, que

foca a questão da estrutura da língua.

Nilza15, formada em Letras, com habilitação em Espanhol, possui 04

especializações em: Educação Especial; - Políticas Sociais; - LIBRAS em Contexto; -

Produção de Texto. Possui experiência no trabalho com o surdo em escola

especializada, tendo iniciado nessa escola no ano de 2014. Trabalha com a Língua

Portuguesa, ensinando português escrito para os alunos com surdez, numa

perspectiva bilíngue.

1.6.3 Professora da Sala de Aula

No tocante à Professora da sala de aula, Cristina16, trata-se de uma

pedagoga, com especialização em Educação Infantil, que possui experiência no

processo de alfabetização. Na escola, é o segundo ano que leciona, sendo a

primeira vez que tem um aluno surdo, o que tem sido um grande desafio no sentido

de oportunizar o conhecimento significativo na construção da aprendizagem.

Desse modo, baseado na política da Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá, o

ensino das séries iniciais tem a figura do professor alfabetizador regente da sala de

aula, do professor de Educação Física e de Artes, que trabalham com a

especificidade das suas disciplinas, desenvolvendo assim o estímulo à arte, bem

como o desenvolvimento da psicomotricidade e habilidade para o esporte.

1.6.4 Pesquisador

14

Nome fictício 15

Nome fictício. 16

Nome fictício.

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64

Neste trabalho, assumo o papel de pesquisador responsável pela

investigação, em que buscarei usar da ética no relato dos dados. Assim, para

Amorim (2012, p.100) “a pesquisa deve ter o caráter de diálogo”, revelando as

diferenças entre o pesquisador e seu outro. Ela complementa que “o pesquisador

deve fazer intervir sua posição exterior: sua problemática, suas teorias, seus valores,

seu contexto sócio-histórico, para revelar do sujeito algo que ele mesmo não pode

ver”.

No âmbito da cultura, a exotopia é o motor mais potente da compreensão. Uma cultura estrangeira não se revela em sua completude e em sua profundidade que através do olhar de uma outra cultura [e ela não se revela nunca em toda sua plenitude, pois outras culturas virão e poderão ver e compreender mais ainda]. [...] Face a uma cultura estrangeira, colocamos perguntas novas que ela mesma não se colocava. Procuramos nelas uma resposta a essas questões que são nossas, e a cultura estrangeira nos responde, nos desvelando seus aspectos novos, suas profundidades novas de sentido. Se não colocamos nossas próprias questões, nos desligamos de uma compreensão ativa de tudo que é outro e estrangeiro [trata-se, bem entendido, de questões sérias, verdadeiras] (BAKHTIN, apud AMORIM in BRAIT, 2012, p. 100).

Desse modo, entendemos que o ato de pesquisar se dá através do

movimento exotópico, ou seja, de analisar os dados da pesquisa no lugar dos

pesquisados, e ao mesmo tempo ficar de fora, tentando mostrar o que vejo sob o

olhar do outro, fazendo esse movimento duplo: o de tentar ver com os olhos do outro

e retornar a sua exterioridade para entender o processo, a situação, o cronotopo,

contexto onde se desenvolveu a pesquisa, tendo uma posição única, valorizando os

valores culturais que ali se encontram.

1.7 Metodologia de análise

A compreensão dos enunciados integrais e das relações dialógicas entre eles é de índole inevitavelmente dialógica (inclusive a compreensão do pesquisador de ciências humanas); o entendedor (inclusive o pesquisador se torna participante do diálogo ainda que seja em um nível especial (...). Um observador não tem posição fora do mundo observado, e sua observação integra como componente o objeto observado (BAKHTIN).

A metodologia de análise buscou levar em consideração todo o processo da

pesquisa, os dados coletados e analisados. Dessa forma, iremos compreendê-los

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65

como um todo, considerando não só os sujeitos, ou somente os fenômenos, mas os

sujeitos e os fenômenos em um contexto, situadamente. Neste caso, as interações

que ocorreram nas aulas, pois, de acordo com Bakhtin/Volochinov (2009 [1929]), a

enunciação adotada isoladamente, apenas como um fenômeno linguístico, não pode

ser tomada como objeto para se estudar a linguagem, pois resultaria em uma

abstração infértil. Assim, buscamos nos tornar participantes do diálogo ainda que

seja em um nível especial, para que pudéssemos nos inscrever na perspectiva

bakhtiniana de análise metodológica, e assim enxergarmos suas relações dialógicas.

Brait (2012, p.13) acrescenta que:

as relações dialógicas são irredutíveis às relações lógicas ou às concreto-semântica, que por si mesmas carecem de momento dialógico. Devem-se personificar-se na linguagem, tornar-se enunciados, converter-se em posições de diferentes sujeitos expressas na linguagem para que entre eles possam surgir relações dialógicas. [...] as relações dialógicas são absolutamente impossíveis sem relações dialógicas e concreto-semânticas, mas são irredutíveis a estas e têm especificidade própria. Para se tornarem dialógicas, as relações lógicas e concreto-semânticas devem, como já dissemos, materializar-se, ou seja, devem passar a outro campo da existência, devem tornar-se discurso, ou seja, enunciado, e ganhar autor, criador de dado enunciado cuja posição ela expressa.

Nesse sentido, Brait (2006, p.13) discorrendo acerca do excerto afirma, que

“trata-se de um enfrentamento bakhtiniano da linguagem, que leva em conta,

portanto, as particularidades discursivas que apontam para contextos mais amplos e

para um extralinguístico aí incluído”. Ou seja, nesse caso, propomos tal

enfrentamento ao fazermos uma análise do contexto das aulas das professoras da

SRM, bem como o desenvolvimento da aprendizagem do aluno surdo e quais as

contribuições na sala de aula.

Conforme já explicitamos, os dados de nossa investigação foram gerados a

partir de observação das aulas das professoras da sala de recursos multifuncionais,

entrevista semi estruturada com a professora da sala de aula, professoras da SRM,

aluno e sua mãe, onde constam aproximadamente sete perguntas relacionadas as

questões de: metodologia adotada dos 03 momentos didáticos da SRM; processo de

inclusão, importância da SRM, etc, em conjunto com as gravações das aulas, notas

de campo da pesquisadora, observação das atividades desenvolvidas pelo aluno na

SRM.

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66

Dentre todo o material coletado, traremos aqueles mais significativos para

responder as nossas questões de pesquisa, na forma de episódios, tendo em vista

também que o foco escolhido para a análise perpassa conceitos vygotskyanos

ligados ao ensino-aprendizagem, como a interação com o outro para a construção

de sentido, sendo que, em nossa concepção, consideramos este outro as

professoras. Também levaremos em consideração as concepções de Bakhtin e o

Círculo. Assim, selecionamos as seguintes categorias de análise que ajudarão a

compreender melhor os nossos dados.

1 Interação;

2 Entonação;

3 Compreensão ativa e atitude responsiva;

4 ZDP;

5 Alteridade e Exotopia;

6 Signo e Enunciado Concreto;

7 Tema e significação;

8 Relações dialógicas.

Não explicitaremos, neste capítulo metodológico o que compreendemos por

cada uma dessas categorias, pois elas constituem as bases da nossa

fundamentação teórica. Conforme já assinalamos, discorreremos sobre os conceitos

ao longo de nosso processo analítico, no capítulo a seguir.

Efetuamos, ainda, a transcrição das entrevistas e das aulas gravadas e

filmadas, em que foram utilizados os seguintes marcadores:

a. Comentários sobre a realização dos enunciados: (entre parênteses)

b. Diálogos entre os alunos: letras em itálico

Organizamos nossa análise reunindo os dados das entrevistas e das aulas

de acordo com os 03 momentos didático-pedagógicos, que são: Atendimento

Educacional Especializado para o Ensino em LIBRAS; Atendimento Educacional

Especializado para o Ensino de LIBRAS; Atendimento Educacional Especializado

em Língua Portuguesa.

1.8 Quadro síntese da metodologia da pesquisa

Objetivos Compreender de que maneira as professoras da SRM desenvolvem e aplicam os 03 momentos didático-pedagógicos na educação

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67

do surdo, e quais as contribuições destes para a aprendizagem em sala de aula.

Entender, também, como se dá a interação entre o aluno e professores no processo de ensino- aprendizagem no contexto da SRM.

Perguntas de Pesquisa a) Quais são as metodologias

desenvolvidas nos 03 momentos didático–pedagógicos aplicados pelas professoras da SRM, no ensino para alunos surdos na EMEB Maria Dimpina, e como estas contribuem para a aprendizagem em sala de aula?

b) Como se dá o processo de interação professor-aluno, e como isso interfere no processo de ensino-aprendizagem no contexto da SRM?

Contexto e Sujeitos de Pesquisa EMEB Maria Dimpina Lobo Duarte;

01 Aluno surdo;

03 Professoras da SRM, 01 professora da Sala de Aula;

Mãe do aluno e o aluno;

Pesquisadora.

Instrumentos de Geração de Dados Filmagem das aulas;

Entrevista semiestruturada gravada em áudio;

Notas de campo

Categorias de Análise

Interação; Entonação; Compreensão Ativa e atitude responsiva; ZDP; Alteridade e Exotopia; Signo e Enunciado Concreto;. Tema e significação; Relações dialógicas. (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929]/2010; BAKHTIN, [1979]/2010); VYGOTSKY (1930)

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CAPÍTULO II

ANÁLISE DOS DADOS: PRÁTICAS DAS ATIVIDADES

Desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas atividades adquirem um significado próprio um sistema de comportamento social, sendo dirigidas a objetivos definidos, são refratadas através do prisma do ambiente da criança. O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre

história individual e história social (VYGOTSKY).

Neste capítulo, descreveremos e analisaremos os dados das aulas das

professoras da SRM, objetivando compreender de que maneira essas profissionais

desenvolvem e aplicam os 03 momentos didático-pedagógicos na educação do

surdo, e quais as contribuições destes para a aprendizagem em sala de aula. Para

tanto, procuramos entender, também, como se dá a interação entre o aluno e

professores no processo de ensino-aprendizagem, através das análises das aulas e

da entrevista com a professora da sala de aula.

Ressaltamos que traremos quando necessário excertos relevantes das

entrevistas das professoras da SRM, bem como da professora da sala de aula que

está sendo analisada no momento, pois acreditamos que é necessário contextualizá-

las para enriquecimento e embasamento das situações elencadas.

2.1 Algumas informações sobre a professora da sala de aula

Desse modo, achamos pertinente registrarmos algumas partes essenciais da

entrevista com a professora da sala de aula, pois tais excertos nos embasarão para

o conhecimento do perfil do aluno Davi em sala, bem como da professora Cristina.

Trata-se de uma professora com experiência em alfabetização, porém nunca

havia trabalhado com aluno com surdez. Como não sabe LIBRAS, buscou

primeiramente efetivar a comunicação com o aluno, haja vista que ele verbalizava,

escutava um pouco e fazia leitura labial. Assim, optou por falar perto e com ele.

Por não ter conhecimento na área da surdez e da LIBRAS, e por saber da sua

importância, a professora reclama que a Secretaria de Educação proporciona cursos

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na área apenas para os professores que se encontram na SRM e aos intérpretes. A

Secretaria deveria ofertar cursos de LIBRAS aos professores da sala de aula que

têm alunos surdos inclusos, pois sabemos que é importante ter conhecimento

acerca da língua de sinais e da educação do surdo.

Desse modo, faz-se necessário que compreendamos que a LIBRAS é uma

língua, com suas regras e estruturas. Stokoe17 afirma que, do ponto de vista

linguístico, as línguas de sinais são consideradas línguas verdadeiras desde o seu

estudo pioneiro sobre a língua americana de sinais. Esse estudo, que foi seguido por

muitos outros em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil, provou que as

línguas de sinais são organizadas linguisticamente seguindo regras, as quais foram

descritas.

No que se refere ao ensino da Língua Portuguesa para o surdo, a professora

afirma a sua relevância na questão de ser a língua majoritária do nosso país.

É importante para o surdo aprender essa língua para a sua comunicação e

para o seu desenvolvimento cognitivo e social. Quanto às dificuldades apresentadas,

estas se dão principalmente no acompanhamento da sequência didática dos

conteúdos

De acordo com Cristina, o processo de aprendizagem do aluno surdo se

torna mais lento, daí o professor precisa seguir adiante com os outros alunos, mas

tem que estar sempre voltando, devido à necessidade do aluno surdo.

Quanto ao processo de inclusão, a professora argumenta que, primeiramente,

no Brasil, é um projeto que se encontra em desenvolvimento. “É o que a gente lê e

ouve nos noticiários. Aqui na escola está em desenvolvimento no que se refere à

questão da socialização. Na esfera educacional, estamos caminhando, o professor

precisa ainda compreender, ter sensibilidade das necessidades dos alunos com

deficiência, seus direitos enquanto cidadãos e, dessa forma, oportunizar o

conhecimento para os mesmos. Buscar não os excluir, mas vê-los como um ser

humano com capacidade”, defende a professora.

Esse pensamento encontra-se ancorado numa visão vygotskyana, que afirma

que “uma criança com deficiência mental não é simplesmente menos desenvolvida

que outra da sua idade, mas é uma criança que se desenvolve de outro modo”

(VYGOTSKY, 1997, p.12).

17

Stokoe, W. Sign language structure. Silver Spring: Listok Press, 1978(edição revisada).

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70

Quanto à importância do atendimento na SRM, a professora ressalta que

devido a estar no início do ano letivo, ainda não teve o encontro das professoras que

atendem o aluno para trocas de informações e experiências, mas acredita que logo

será feito esse encontro. Acha necessário para que pudessem seguir o

planejamento traçado para o aluno na sala de aula.

Ao final da entrevista, a professora externa sua preocupação quanto à

aprendizagem dos alunos e a efetivação dos conteúdos no que se refere aos

gêneros textuais, produção textual e a leitura com os alunos e, em específico, com o

aluno surdo.

Tenho muita preocupação com a aprendizagem dos alunos, principalmente

porque eles são avaliados em diversas formas, destacando-se assim a provinha

Brasil. Mas está sendo uma experiência nova alfabetizar o aluno surdo, está sendo

desafiador, tenho certeza de que a aprendizagem está sendo construída na relação

professor/aluno.

2.2 Momento 01: Atendimento Educacional Especializado para o Ensino de

LIBRAS: Análise da aula da Professora Vera

Analisaremos a aula da Professora Vera, atendimento educacional

especializado para o Ensino de LIBRAS. Nessa organização, o professor deve

planejar esse ensino a partir dos diversos aspectos que envolvem sua

aprendizagem, como: referências visuais, anotação em língua portuguesa,

datilologia (alfabeto manual), parâmetros primários, secundários e classificadores.

A aula selecionada foi realizada no dia 31 de março, com duração de uma

hora, teve como critério de escolha o fato de ter sido mais dinâmica, por ter maior

participação e envolvimento do aluno, e por se tratar de um conteúdo de extrema

relevância para o aprendizado do surdo, contribuindo assim para a compreensão

dos parâmetros.

A Professora inicia sua aula explicando o que são os classificadores, sua

função. Ela diz que se utiliza de mãos e corpo como articuladores para indicar o

nome do referente, ou o agente da ação, que se trata de verbos de movimento (VM)

e localização (VL), que são importantes os movimentos e a expressão corporal e

facial.

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71

Em seguida, a professora continua sua aula introduzindo os classificadores de

locomoção. Mostra, ao aluno Davi, o exemplo do verbo andar. Ela mostra o sinal de

uma pessoa andando (explica que esse jeito de andar só serve para as pessoas),

tendo em sua produção articulatória a expressão de dois dedos para baixo,

representando as pernas de quem anda. No entanto, ela explica que o jeito de andar

de um animal é diferente: no caso do cachorro, anda com as patas no chão;

enquanto a cobra rasteja. A instrutora contextualiza com vivências e movimentos.

No caso de uma pessoa andando, a professora mostra apenas o dedo

indicador da mão direita andando em pé. Quando são duas pessoas, utilizam-se o

dedo indicador da mão esquerda em pé andando, encontrando com o outro dedo da

mão direita.

A professora ainda explica que, no caso de várias pessoas, faz-se o sinal de

quantidade (1,2,3) para que o aluno entenda quantidade, mas enfatiza a importância

da expressão facial.

Outro aspecto que foi trabalhado é em relação à questão das pessoas

estarem numa fila de espera. A professora explica que se mostra o dedo indicador

de fila, demonstrando que são várias pessoas na fila. Ela enfatiza para o aluno que é

o mesmo sinal para uma fila longa; o que vai determinar a compreensão é a

expressão facial.

Exemplo dado por ela:

você está na fila esperando para pagar uma conta, utiliza-se o mesmo sinal de fila mais a expressão de cansaço, ansiedade, conforme a demora para chegar sua vez.

Nesse momento, o aluno Davi, pergunta:

Se a fila virar um círculo, daí utiliza-se o mesmo sinal de dois dedos indicadores em pé na fila?

Professora:

Faz-se o sinal com o dedo indicador em círculo.

Em seguida, a professora mostra um cartaz com a gravura do objeto tesoura

e seu sinal. No cartaz também há escrito as palavras: cabelo, tecido, papel, etc. A

professora faz o sinal de tesoura explicando que, dependendo do contexto, o sinal é

o mesmo, porém diversas são as posições no sentido de cortar cabelo, papel e

tecido.

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Quando a professora refere-se ao sinal de cortar tecido, ela contextualiza

também com o sinal de consertar a roupa, ou seja, ela aproveita o momento para

oportunizar ao aluno o conhecimento de consertar também a roupa.

O aluno Davi pergunta:

Tesoura também corta unha?

Professora:

Sim, mas para tirar cutícula não é com a tesoura, é com alicate e faz-se o sinal.

Aproveitando o contexto, a professora apresenta a palavra “Faca” e diz que

também corta. Ela diz que a faca pode ser fina, grande, pequena, grossa e que o

sinal é igual, porém deve ser acompanhado o sinal de espessura. Ela aproveita o

momento e diz que há um tipo de faca que se utiliza para fazer cirurgia de: coração,

cesariana (parto) e redução de estômago, que se chama bisturi (faz o sinal).

No que se refere à questão de estampa de roupas, a professora mostra ao

aluno Davi que existem variedades: listradas, estampadas, com listras finas, grossas

e xadrez. A professora nesse momento atenta-se apenas para o detalhe das roupas.

Em nenhum momento ela explora a questão da polissemia da palavra, por exemplo,

no caso da palavra xadrez, poderia ser explorada no sentido de que o xadrez pode

tratar-se de um jogo, também pode ser entendido como xadrez\prisão. Porém, a

professora encontra-se trabalhando apenas com os classificadores. Acredita-se que,

por ser surda, foca apenas no objetivo da sua aula, nesse caso, os classificadores.

A professora apresenta ao aluno o sinal do movimento de varrer. Ex: limpar

casa rápido, devagar, depois sinaliza: tenho que varrer a casa rápido, pois nossas

amigas vão chegar. Ela ressalta que é necessário que haja movimento ao fazer o

sinal de varrer, tem que ser acompanhado de vários movimentos, da expressão

facial e corporal.

O aluno dá um exemplo:

Mulher escovando os cabelos.

Ao analisar o exemplo do aluno, notamos que houve compreensão dos

classificadores de verbo de movimento, pois o sinal de uma mulher escovando os

cabelos demonstra a produção articulatória na condição de segurar a escova e o

movimento de cima para baixo, representando a ação de escovar.

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73

Em seguida, a professora explica para Davi que agora ele deveria prestar

bastante atenção, pois a entonação e a expressão são muito importantes para que a

pessoa entenda o sentido da palavra, que se trata de classificador de intensidade.

Exemplo:

Quando queremos dizer que amamos alguém, fazer o sinal de amar com bastante intensidade para a pessoa, ela entenderá.

Nesse momento, Davi pergunta:

Quando queremos dizer que uma pessoa é muito bonita, faz-se o sinal de bonita muito? (Davi faz os sinais de bonito e de muito).

Professora:

Não, basta fazer o sinal bem compassado de bonito e fazer a expressão facial de muito, que se entende que é muito bonito.

Davi exemplifica:

No sinal de caro. Exemplo: Uma BMW custa 200.000,00, é caro.

Nesse momento, Davi faz o sinal de caro e a expressão de muito.

Professora:

Muito bem, é assim mesmo, a expressão facial é determinante.

A professora aproveitou o momento e exemplificou também o verbo vender:

quando se quer vender algo, basta fazer o sinal de vender algo e complementar com a expressão. Assim também é com o verbo trabalhar.

Nesse momento, o aluno Davi dá um exemplo:

Meu pai trabalha muito. Tenho que fazer o sinal do meu pai e sinal de trabalhar acompanhado de uma expressão de muito.

Professora:

Sim, nunca se esqueça de que a intensidade deve aparecer na expressão facial.

No que se refere a classificador para objetos é mais simples, há a iconicidade,

ou seja, a reprodução em alguns casos do objeto.

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Exemplo: Sinal de mesa: pequena, grande, comprida, redonda, em seguida,

faz o sinal de copo (tomando líquido).

Vale destacar que a professora faz o sinal dos objetos como se estivesse

pegando-os normalmente.

Exemplo dado pela professora: Pegar a TV, bolsa e Notebook do jeito que se

pega normalmente.

Demonstra para o aluno a importância da iconicidade, principalmente para a

efetivação da comunicação.

Buscaremos analisar a aula da professora sob vários aspectos. Inicialmente,

iremos conhecer um pouco da sua história de vida, haja vista que se trata de uma

profissional surda, e como tal, acreditamos ser muito importante percorrermos seu

processo histórico como aluna (vivência num processo histórico de inclusão), como

profissional e também como pessoa com surdez (vivendo preconceitos e

conquistando seu espaço), o que contribuirá para o enriquecimento desta análise e

para compreendermos a posição do surdo frente ao processo de aprendizagem.

Acreditamos que se faz mister abordarmos de forma sucinta a trajetória,

opinião e posição da professora mesclada à teoria, para que possamos

compreender o processo de inclusão e de aprendizagem do surdo.

Primeiro, gostaríamos de afirmar que esse momento de trabalho do

atendimento educacional especializado para o ensino de LIBRAS é riquíssimo, é

onde o aluno vai ter mais contato com sua língua de maneira formal, realmente

conhecê-la como língua, sua sintaxe, semântica, etc. Outra questão que vem a

complementar é que a aula é ministrada por uma surda, que conhece melhor que

ninguém sua língua, metodologia, compreendendo assim as dificuldades dos alunos

e intervindo quando necessário.

A professora traz um conteúdo bastante relevante, os classificadores,

demonstrando para o aluno sua função para a compreensão da língua, que são

utilizados em verbos de movimento (VM) e localização (VL), sendo que cada um dos

parâmetros básicos usados nesses verbos é um morfema. Para Supalla (1986), nos

classificadores, mãos e corpo são usados como articuladores para indicar o

referente ou o agente da ação.

A professora, em sua entrevista, relata que o conteúdo sobre classificadores

fora planejado devido ser uma necessidade na aprendizagem do surdo. Para

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elaborar seu planejamento, busca conhecer a realidade do aluno e suas

necessidades, conforme excerto abaixo:

Eu começo o meu trabalho buscando conhecer as necessidades dos alunos, procurando saber e conhecer os níveis de escolaridade dos alunos, pois há alguns que apresentam a surdez e também outro tipo de deficiência. Diante dessas informações, faço um diagnóstico do aluno, o seu conhecimento de mundo etc., e a partir disso faço meu planejamento e início o meu trabalho, buscando sempre trabalhar todas as questões que envolvem o ser humano: social, comportamento, profissão e outros.

Quando a professora introduz os classificadores de locomoção, que

exemplifica com o verbo andar e sinaliza uma pessoa andando e a diferença no

andar de um animal que anda e o que rasteja, nos remeta ao que Supalla (1986)

afirma sobre a forma básica do verbo: (1) um movimento dentre uma série restrita de

movimentos possíveis, que se refere a um tipo de predicativo de existência,

localização ou movimento; (2) uma configuração de mão (CM) particular ou outra

parte do corpo, o que seria tipicamente o morfema classificador do VM ou VL; e (3)

um caminho ou um traçado para esse movimento.

A professora também trabalha a questão da quantidade, quando explica a

questão de pessoas na fila e mostra como é demonstrada em LIBRAS, com o dedo

indicador em fila, demonstrando ser várias, que é o mesmo sinal para fila longa,

diferenciando-se assim na expressão facial.

Para que possamos entender que o aluno surdo compreendeu, faz-se

necessário que a expressão se faz presente. Assim, é importante que o aluno

conheça as unidades da LIBRAS. Segundo Santiago (2013, p.116), na LIBRAS, as

unidades mínimas que compõem os sinais são: configuração de mão; ponto de

articulação; orientação da mão; movimento; e expressões não manuais. É a

“expressão manual” aqui que se desprende da forma linguística estática e a

transforma, mudando sua significação (p.121). Assim, o sinal só dá sentido

acompanhado da expressão, quando alterada alguma unidade, assume um sentido

diferente a depender do contexto e da intenção comunicativa do sujeito discursivo.

Bakhtin/Volochinov (2009 [1929], p.93) explica que, ao se lançar um olhar objetivo

para a língua, não se encontra nela um sistema de normas imutáveis, mas, ao

contrário, uma “evolução ininterrupta das normas da língua”.

Ainda em se tratando dos sinais, Santiago (2013, p. 125) diz que a forma

linguística é importante e deve ser estudada para possibilitar a sua descodificação

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(compreensão). Para Bakhtin, o receptor pertencente à mesma comunidade

linguística, ou seja, que reconhece e descodifica a forma utilizada, também a

considera como um signo variável e flexível, não como um sinal imutável e sempre

idêntico a si mesmo. Numa perspectiva enunciativo-discursiva, é assim que a língua

funciona e possibilita a interação entre sujeitos discursivos ideologicamente em um

determinado contexto. “A língua não existe por si mesma, mas somente em

conjunção com a estrutura individual de uma enunciação concreta” (BAKHTIN, 2009

[1929], p. 160).

A professora, ao explicar a gravura do objeto tesoura e seu sinal, demonstra,

assim, que o sinal da tesoura ao cortar cabelo, papel, tecido, dependendo do

contexto, é o mesmo, apenas muda a posição. Essa situação nos faz refletir sobre o

sentido da palavra. Para Vygotsky (apud GOES, 2013), “o sentido de uma palavra é

a soma de todos os fatos psicológicos que ela desperta em nossa consciência.

Assim sendo, o sentido é sempre uma formação dinâmica, fluida, complexa e tem

várias zonas de estabilidade variada”.

Vale ressaltar que a professora aproveita o momento e apresenta a palavra

Faca, diz que também corta, demonstrando as suas espessuras: fina, grande,

pequena, grossa, ela explica então que o sinal é o mesmo para todos os tipos de

faca, diferenciando assim a sua espessura e tamanho, o que vem a nos afirmar a

importância do ensino acerca dos classificadores para o entendimento da língua.

Outra situação interessante nessa aula é quando a professora aborda a

questão da estampa das roupas e suas variedades, porém, ela não atenta para o

significado da palavra Xadrez que há na estampa das roupas, no sentido da

polissemia da palavra, não há exploração nos contextos de jogo ou de prisão.

Essa questão nos remete a um trecho da entrevista da professora, quando ela

se refere a sua experiência na escola e o aprendizado da Língua Portuguesa:

Isso me faz lembrar quando estava em sala de aula, ficava olhando letra por letra, enquanto o ouvinte ouvia a frase inteira e copiava. Ex. o ouvinte lê a frase e copia, o surdo copia letra por letra, palavra por palavra e muitas vezes não sabe o significado, o surdo para aprender tem que ter força de vontade, necessita de muitos anos para desenvolver o processo de descodificação, mas consegue, deve ir além, pesquisar na internet. Busco esclarecer as dúvidas que são muitas sobre preposição, conjunção, verbo e sua função na frase e texto, eu também explico valores monetários, profissões, pois no futuro o surdo vai ter que ter uma profissão, trabalhar, fazer graduação, mestrado, doutorado.

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Ao analisarmos as palavras da professora Vera acima, na perspectiva da

teoria bakhtiniana, trata-se apenas de sinais e não signos, pois estas não eram

descodificadas. Assim, Bakhtin/Volochinov (1992 [1929]) chama a atenção para a

diferença existente entre processo de descodificação e identificação; enquanto o

sinal é identificado, o signo é descodificado. Imutável, o sinal está distante do

domínio da ideologia, reinando no universo dos objetos técnicos, não pode substituir,

refletir ou refratar, reforçam que a “sinalidade”18 pura é inexistente até mesmo nas

primeiras fases da aquisição da linguagem.

O signo é descodificado; só o sinal é identificado. O sinal é uma entidade de

conteúdo imutável; ele não pode substituir, nem refletir, nem refratar nada; constitui

apenas um instrumento técnico para designar este ou aquele objeto (preciso e

imutável) ou este ou aquele acontecimento (igualmente preciso e imutável).

Desse modo, a forma linguística não tem qualquer valor para o receptor

enquanto sinal. Dessa forma, é a mobilidade específica que confere à forma

linguística o status do signo. Ou seja:

Aquilo que constitui a descodificação da forma linguística não é o reconhecimento do sinal, mas compreensão da palavra no seu sentido particular, isto é, a apreensão da orientação que é conferida à palavra por um contexto e uma situação precisa, uma orientação no sentido da evolução e não do imobilismo (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1992 [1929], p. 94).

Segundo Duarte (2011, p. 54), todo sinal em LIBRAS é um signo, sofre

alterações e mudanças conforme a necessidade do enunciado, no momento em que

os interlocutores estão interagindo. Essas codificações e acordos são constituídos

na interação dialógica dos usuários da língua. Conforme BAKHTIN (1926, p.43),

“todas as manifestações verbais estão, por certo, ligadas aos demais tipos de

manifestações e de interação de natureza semiótica, à mímica, à linguagem gestual,

aos gestos condicionados, etc.” Entendemos que o termo “verbal” em LIBRAS deve

ser lido como referência ao sinal “manual”, pois os sinais são as palavras para o

surdo. Estes sinais manuais estão em constante processo de fusão com os sinais

“não manuais”, ou seja, como a semiótica e a mímica, com os recursos corporais da

18

Ressalta-se que Bakhtin/Volochinov não se refere a sinal referente a LIBRAS, mas sabemos que o

sinal em LIBRAS só passa ter sentido num contexto, num processo de interação, tornando-se assim Signo, com

seu valor ideológico, refletindo e refratando as situações.

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face, tronco e postura corporal, dentre outros, como o olhar, e até mesmo o silêncio,

favorecendo assim a linguagem gestual da Língua de Sinais.

Desse modo, entendemos que, quando a professora Vera, na sua vida

escolar, apenas copiava as letras e palavras, fazia uso apenas de sinal, visto na

concepção bakhtiniana. Para o surdo o sinal é muito mais que puramente um

simples sinal, é construído através das mãos, está ligado ao usuário da língua,

ligado ao pensamento, à interação, a um contexto, a relação com o outro.

Duarte(2011) cita uma metáfora que nos faz entender muito bem esse processo

quando afirma que,

o sinal funciona como um caule que liga as raízes às folhas, portanto, imprescindível à comunicação com o outro. O sinal é o ato concreto da interação, da formação de ideias e pensamento, de contentamento e descontentamento, de articulações e questionamento. O próprio sinal busca outro sinal, no momento em que esse sinal de LIBRAS é difundido ao outro, este necessita de uma resposta ativa, seja manual ou não (DUARTE, 2011 p. 55).

Pensando na necessidade do surdo em relação à compreensão dos

significados, acreditamos que o momento em que surge a palavra xadrez deveria ser

aproveitado para ser trabalhada a questão dos sentidos da palavra. Assim, Bakhtin

afirma que “o sentido da palavra é totalmente determinado pelo contexto. De fato há

tantas significações possíveis quantos contextos possíveis”.

Pensando na língua e sua estrutura, faz-se necessário fundamentarmos em

Bakhtin, que afirma que a língua, enquanto prática viva, está ligada à consciência

linguística do locutor e do receptor como linguagem existente num conjunto de

contextos possíveis. Em decorrência disso, a “palavra” nunca será empregada como

um item dicionarizado, nas mais diferentes enunciações dos locutores, nas mais

diversas enunciações de sua prática linguística.

Desse modo, o ouvinte utiliza-se da palavra num diálogo, e o surdo dos

sinais, que podem ser manuais (constituídos pelas mãos) e não manuais (apenas

expressão), inscritos em ambientes em que acontece a interação.

A professora, ao abordar o classificador de alternância de movimento, faz a

exemplificação do sinal de varrer sob várias formas, ressaltando que é necessário o

sinal ser acompanhado de movimento e da expressão facial/corporal. Tal explicação

se torna tão clara que o aluno compreende e dá um exemplo: Mulher escovando os

cabelos.

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Nesse sentido, Albres (2013, p. 86) diz que verbos de instrumento ou

manuseio (handling\instrument classifiers verbs)19 são usados em verbos que

denotam um agente animado usando a(s) mão(s) para segurar uma entidade ou

manusear um instrumento que não seja a mão (por exemplo, faca, arma). Verbos de

manuseio representam iconicamente uma entidade como um todo, mas implicam

semanticamente em agente que manuseia o instrumento.

A professora, ao abordar esse conteúdo, dá muitos exemplos claros para que

o aluno entenda, pois se trata de um assunto que necessita de movimento manual e

corporal. Nesse sentido, a fala da professora na entrevista fica explicito, no que

concerne à aplicabilidade de sua metodologia: buscar sempre a pesquisa para poder

oportunizar ao aluno o conhecimento.

No que concerne à metodologia que desenvolvo na SRM, primeiro faço o planejamento, pesquisando na internet, depois faço as atividades com muitas figuras e sinais, simples e profundo, incluindo a história dos surdos no Brasil, valores monetários, profissões, mostro as coisas do dia-a-dia, imprimo atividades, mas uso muitas figuras, vídeos e diálogos em LIBRAS, busco trabalhar com materiais concretos e com a vivência dos alunos. No que se refere à metodologia da SRM, que engloba os três momentos, é muito interessante, há troca de conhecimento, integração dos conteúdos, por exemplo, se a professora da sala de aula está trabalhando o conteúdo sobre a Aids, então os professores da SRM irão trabalhar esse conteúdo de forma mais específica, qual o sinal, significado, o que é, dai a outra professora ajuda ensinar os conceitos, e a professora de LP ensina tudo isso em produção de texto, é muito importante essa interação, um ajuda o outro, complementando de forma dialógica.

A professora ainda externa sua preocupação com o surdo, pois ela relembra o

quanto foi difícil para ela primeiramente estar inclusa no ensino regular no sentido da

palavra, depois conseguir aprender os conteúdos com a metodologia desenvolvida

pela professora. O excerto abaixo da entrevista da professora nos deixa isso claro:

Comecei estudando numa escola municipal em Londrina, era tudo em LIBRAS, eu gostava, porém, quando cheguei em MT já estava iniciando o processo de inclusão, ou seja, na sala de aula tinha ouvintes e alunos com deficiência. No meu caso, na sala que fui inclusa só havia eu de surda. A metodologia era da seguinte forma, o professor entregava livros para ler e estudar, eu não sabia ler, e quando chegava em casa mostrava para os meus pais. Eles não

19

Segundo Albres,“Temos um grande problema no processo de tradução. Autores brasileiros, para o termo

instrument classifier verbs, traduziram como verbos manuais. Consideramos que essa opção fica muito estranha,

porque para todos os verbos usamos as mãos e são manuais. Por isso, assumimos a tradução verbos de manuseio,

que indica de forma melhor o sentido de manusear um instrumento”.

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conseguiam me ensinar, pois estudaram até o 4º ano no sítio. Pedia pra minha cunhada, ela me explicava um pouco, mas eu não entendia. No dia da prova, eu ficava muito nervosa, pois era muito difícil, fazia do meu jeito, horrível, tudo trocado, daí a minha professora falou para a minha cunhada que eu não sabia nada. Ela brigou comigo porque eu não sabia escrever, era burra, e afirmava, você quer ser empregada doméstica, escrevendo o português errado desse jeito? Eu chorava muito, todo mundo me chamava de burra. Minha cunhada não entendia essa questão do aprendizado do surdo.

Diante de tal situação, estudei e me esforcei muito, lia, lia muito verbo no presente, passado e futuro, daí fui melhorando, errando menos, hoje ainda erro, porque a gente tem sempre que estar estudando. No segundo grau, estudei muito e passei, passou-se um tempo e quando a minha cunhada voltou do Japão e viu o quanto eu havia progredido, me parabenizou e eu fiquei muito feliz. Tenho como prática a pesquisa no cotidiano, pesquiso muito, faço concurso. Quando não consigo, continuo tentando. No banco, eu me viro sozinha e resolvo, passo mensagem e quando vem uma palavra difícil peço ajuda para o intérprete. Ele me explica, às vezes me sinto inferior, penso que sei menos, fico imaginando, mas ando superando meus medos e dificuldades. Hoje trabalho na UFMT e fico pensando que todos os profissionais de lá sabem LP muito bem e eu não, mas sigo estudando.

No que se refere ao conteúdo sobre o classificador de intensidade, é

importante enfatizar que a professora, inicialmente, esclareceu ao aluno Davi que,

para entender esse conteúdo, é importante prestar muita atenção, pois a entonação

e a expressão são a base para a compreensão daquilo que se quer abordar. Os

exemplos da aula são bem claros, o que faz com que compreendamos que o

classificador de intensidade dá valor na frase, utilizando-se a expressão.

Retomaremos um exemplo para elucidar a compreensão do aluno, que é

interessante conhecermos.

Davi pergunta:

Quando queremos dizer que uma pessoa é muito bonita, faz-se o sinal de bonita e muito? (Davi faz os sinais de bonito e muito).

A professora explica para Davi que não é necessário fazer os dois sinais,

deve-se fazer o sinal bem compassado de bonito, que fica claro que é muito bonito

(enfatizando a expressão facial).

Nesse exemplo, fica visível a importância de uma aula interativa, na

perspectiva de trocas, torna-se importante para que haja uma compreensão

ativamente responsiva, pois para Bakhtin (2003 [1952-53], p. 271):

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Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo, é de natureza ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bem diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante. A compreensão passiva do significado do discurso ouvido é apenas um momento abstrato da compreensão ativamente responsiva real e plena, que se atualiza na subsequente resposta em voz real alta.

Quando a professora dá outro exemplo do verbo vender, reafirmando que

numa frase deve estar acompanhado da expressão facial, imediatamente o aluno dá

mais um exemplo:

Meu pai trabalha muito. Tenho que fazer o sinal do meu pai e de trabalhar, acompanhado da expressão facial.

Fica perceptível que, quando efetivamos uma aula, baseada numa relação de

trocas, o aprendizado acontece. Isso fica claro quando o aluno, ao compreender a

explicação da professora, imediatamente dá uma resposta positiva. Nesse sentido,

Bakhtin afirma que, quando há compreensão, há uma resposta, mesmo que esta

seja silenciosa.

Ao final da aula, a professora aborda o conteúdo do classificador de objetos.

Nessa aula, ela apresenta o sinal de Mesa: pequena, grande, comprida, redonda.

Em seguida, faz o sinal de copo (tomando líquido) e dá outros exemplos de objetos,

TV, Notebook faz o sinal de forma natural.

Esses exemplos nos fazem perceber que, na língua de sinais, há a

iconicidade. Nesse aspecto, compreende-se que, nessa língua, em sua estrutura, há

duas formas de sinalização, através dos sinais icônicos e dos sinais arbitrários.

Quadros (2007, p. 33) explica claramente a distinção entre as duas formas:

A iconicidade reproduz a forma, o movimento e/ou a relação espacial do referente, tornando o sinal transparente e permitindo que a compreensão do significado seja mais facilmente apreendida. Assim, mesmo não conhecendo bem uma língua, há uma motivação do signo com relação ao referente. Entretanto, cabe salientar que apenas uma parte do léxico possui esta característica. Ao lado desta iconicidade, há também a arbitrariedade, já que alguns sinais não representam associações ou semelhanças visuais com o referente.

Klima & Bellugi (1979) desenvolveram as primeiras descrições sobre a

propriedade das línguas de sinais e Comparando com outras, afirmam que todas

elas fazem uso da iconicidade para a produção dos seus sinais. Embora o sinal de

línguas de diferentes nacionalidades seja distinto para um mesmo referente, como

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exemplo: “ÁRVORE”, todos eles possuem alguma iconicidade. Esses estudiosos

afirmam existir um laço de universalidade na concretude da língua de sinais.

Analisando a aula da professora Vera, percebemos a sua importância para o

ensino do surdo. Fica perceptível a sua contribuição no que se refere ao

entendimento das palavras e seu significado, pois sabemos que a Língua de Sinais

é constituída a partir de parâmetros que se combinam. Nesse sentido, esse

momento didático explora não só a questão da expressão corporal e facial, como

também a entonação, que contribui para a compreensão do significado da palavra,

pois há sinal que dependendo do contexto e da entonação tem outro significado.

Essa questão é muito relevante na medida em que determina as situações e os

significados.

É evidente que a aula da professora é bem dinâmica e motivadora, faz uso da

tecnologia, é pesquisadora, propicia atividades diferenciadas e práticas que

prendem atenção do aluno, explora bem os conteúdos, necessitando explorar mais a

questão da polissemia no trabalho com a palavra. Isso ficou claro quando a

professora não conseguiu aproveitar o momento para contextualizar a palavra

xadrez no sentido de citar exemplos em diversos contextos e situações, seria um

momento único para que ela pudesse contribuir para que o aluno aumentasse seu

vocabulário.

Uma questão que necessita ser mencionada é em relação ao relato de

experiência da professora, que se coloca enquanto profissional, aluna, o que

observamos que tem contribuído para que possa fazer o exercício de se colocar no

lugar do outro, um olhar exotópico, um olhar além. Bakhtin explica de que forma se

dá essa atitude exotópica

Eu devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele como o excedente de visão que desse meu lugar se descortina fora dele, convertê-lo, criar para ele um ambiente concludente a partir desse excedente da minha visão, do meu conhecimento, da minha vontade e do meu sentimento (BAKHTIN, 1922-1924, p.23) [grifos nossos].

Fica perceptível, na entrevista, e observando o perfil da professora, sua

estratégia pedagógica, as atividades diferenciadas que proporciona ao aluno surdo,

percebe-se que ela oportuniza possibilidades para que o aprendizado aconteça.

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Demonstra, ser uma pessoa humana, dedicada e comprometida com a função que

exerce, pois se trata de uma profissional que tem como elemento norteador do seu

trabalho a pesquisa, o planejamento, em que as atividades são pesquisadas,

visando à inovação, pois o surdo tem muitas dificuldades no processo de

aprendizagem, assim como ela teve. Isso fica claro no excerto da entrevista abaixo

[...] para o surdo se torna um grande desafio e a forma de superar isso é fazer o exercício de pesquisa, sempre que vir uma palavra ou frase que não entender, é preciso buscar ajuda e pesquisar, isso nos dá a entender que o processo é de consciência para o aluno e para o professor, este deve ter conhecimento de como funciona o cognitivo do surdo, de que forma ele aprende, qual o seu objetivo em estar na sala de aula, o que é importante para ele, e assim desenvolver atividades que de fato tenham significado para o aluno, para seus objetivos e desejos.

2.3 Momento 02: Atendimento educacional especializado para o ensino em

LIBRAS: Análise da aula da Professora Márcia

Em seguida, descreveremos e analisaremos a aula da Professora Márcia,

cujo objetivo é o atendimento educacional especializado em LIBRAS, que fornece a

base conceitual dos conteúdos curriculares desenvolvidos na sala de aula. Tal

atendimento contribui para que o aluno participe das aulas, compreendendo o que é

explicado pelo professor e interagindo com os colegas.

A aula selecionada foi realizada no dia 07 de abril, com duração de uma hora,

e teve como critério de escolha o fato de ser uma aula lúdica, dinâmica, tendo

interação entre professora e aluno, em que ambos compartilham o conhecimento de

forma construtiva, resolvendo atividades na troca de aprendizagem.

A professora inicia sua aula com o jogo “A Forca”, cujo objetivo é descobrir

uma palavra adivinhando as letras que ela possui. A cada rodada, os jogadores

escolhem uma letra que suspeitem fazer parte da palavra. Caso a palavra contenha

esta letra, será mostrada em que posição ela está. Entretanto, caso esta letra não

exista na palavra, será desenhada uma parte do corpo do boneco do jogador.

Professora:

Você conhece esse jogo?

Davi verbaliza: Sim

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A professora então explica como seria o jogo, que iria fazer pontilhados no

papel para que o aluno começasse a ditar as letras e acertar a palavra, porém cada

letra que ele errasse iria ser colocada uma parte do corpo no desenho do corpo

humano que se encontrava ao lado. Conforme o aluno fosse errando e completasse

as partes do corpo, ele se enforcaria. Então, a professora pede para que o aluno

inicie o jogo.

Convém ressaltar que a professora, o tempo todo, ministra a aula utilizando a

LIBRAS, já o aluno há momentos em que oraliza e em outros momentos sinaliza,

conforme descrito nos diálogos da aula.

Davi fala a palavra Sapo

Professora:

Não é para falar a palavra, é apenas uma letra.

Davi responde:

não entendi, falar letra?

A professora diz:

Vamos começar agora, ok.

Davi verbaliza:

Escrever qualquer coisa que eu quiser

Professora:

Você pensa na palavra, não fala, guarda na cabeça e faz a quantidade dos pontilhados que é a composição da palavra, entende?

Nesse momento, o aluno faz dois pontilhados e diz para a professora falar

letras.

Professora:

letra A

O aluno conta os pontilhados passa para verificar onde coloca a letra A.

Davi verbaliza:

Não tem, outra letra

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85

Professora:

Letra C

Davi diz:

a palavra só tem duas letras, é fácil, pensa.

Professora:

É a palavra PÉ.

Davi diz:

Não é, fala letra.

Professora:

letra T.

Davi diz:

Não tem.

Professora:

Então é a letra B.

Davi diz:

Errado, você sabe.

Professora:

Letra C.

Davi diz:

Não

Em seguida, o aluno escreveu a palavra FÉ, e completou as partes do corpo

humano, ou seja, a professora se enforcou.

A professora diz:

Parabéns, palavra pequena, com apenas duas letras. Nesse

momento, a professora pergunta o significado da palavra.

Davi sinaliza:

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é quando a gente acredita naquilo que não vê. Exemplo: Deus.

Professora:

Parabéns, é isso mesmo.

Em seguida, a professora faz oito pontilhados.

Davi:

Letra A

Professora:

Tem

Davi diz:

Letra J

Professora:

Errou

Davi diz:

C, U

Professora:

Não tem (em sinais)

Davi sinaliza:

palavra Anjo

Davi diz:

Letra J

Professora:

Você já falou a letra J

Davi sinaliza:

T

Professora sinaliza:

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87

Errou, faz como te falei, primeiro as vogais, depois as consoantes.

Davi:

E

Professora sinaliza:

Não tem, e diz: enforcado.

De novo, Davi faz seis pontilhados, pensou em uma palavra, apagou, pensou

em outra palavra e fez outro pontilhado. Ele diz:

começa pelas vogais.

Professora:

Letra A

Letra E, I, O, U

Professora:

B

Davi sinaliza:

Errou

Professora:

N

Davi:

Errou, se enforcou.

Buscaremos analisar a aula da professora Márcia sob vários aspectos, quanto

a sua metodologia, interação professora/aluno. Convém ressaltar que, conforme a

análise vai se fundamentando teoricamente, elencaremos alguns excertos de

situações da trajetória profissional da professora, haja vista que há dados na

entrevista que contribuem para a compreensão da aula e enriquecimento desta

análise.

Inicialmente, observamos que a professora utiliza-se da brincadeira, trazendo

para a sala de aula um momento lúdico através do jogo, o que motiva o aluno,

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trabalhando também aspectos de memorização, raciocínio, diferença entre vogais e

consoantes, regras. Este momento é muito relevante, pois ficaram perceptíveis na

expressão e envolvimento do aluno surdo laços de afetividade, que muitas vezes

são desconhecidas para alguns surdos, uma vez que a falta de comunicação com a

família dificulta a compreensão desse sentimento, justificando assim, não saber a

língua de sinais.

Desse modo, salientamos que o desenvolvimento da metodologia da

professora encontra-se alicerçado em ludicidade, de cunho pedagógico, tornando

assim a aprendizagem mais prazerosa e natural.

Vygotsky discorre que toda situação imaginária envolve jogo, descrevendo-a,

em seu livro, como brinquedo. É nesse “brinquedo que a criança aprende a agir

numa esfera cognitiva, em vez de uma esfera visual externa, dependendo das

motivações e tendências e não dos incentivos fornecidos pelos objetos externos”

(VYGOTSKY, 2007, p.113). Ele complementa que é, “através do brinquedo, que a

criança atinge uma definição funcional de conceitos ou de objetos, e as palavras

passam a se tornar parte de algo concreto” (idem p.117).

Na atividade desenvolvida, percebe-se que além da professora ter

desenvolvido a atividade com cunho pedagógico, o tempo todo há interação e trocas

dialógicas entre ela e o aluno. Nesse aspecto, Bakhtin (1992[1929]) diz que, nas

trocas dialógicas, a palavra do outro gera em nós contrapalavras, uma forma de

compreensão ativa que possibilita ao sujeito, no papel de interlocutor, a elaboração

mental consciente e reflexiva. O sentido da enunciação do outro é definido pelo

momento histórico em que acontece e pelos sujeitos envolvidos na interação, ou

seja, está sempre por vir.

No que se refere ao processo de interação, a professora externa sua opinião

através deste trecho da entrevista:

A primeira coisa a se fazer para que haja a interação entre professor e aluno é manter o contato com o aluno surdo da mesma maneira como se faz com o aluno ouvinte, pois quando o aluno tem intérprete a pergunta geralmente é direcionada ao intérprete e não ao surdo, quem tem que ter contato com o aluno é o professor, e quando isso acontece há a interação e aprendizagem, a dificuldade está aí, pois se tivesse o contato o professor iria aprender a língua e assim conseguiria saber quais são as verdadeiras dificuldades do aluno. Desse modo, o professor iria entender o processo cognitivo do aluno e como deveria ser ensinado a LP e como o aluno a compreende.

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Em pesquisa de Almeida (em prep.), observa-se, em seus dados, uma situação semelhante em que a professora da sala nunca se comunica com os alunos surdos, apenas com a intérprete.

Davi, ao iniciar o jogo, demonstra esperteza quando pensa e faz dois

pontilhados, tornando o jogo mais difícil para a professora acertar. Outra questão

interessante é que o aluno pensa na palavra FÉ e sabe o significado, demonstrando

assim que se trata de um aluno bem orientado.

Para a professora, o acompanhamento da família é fundamental para que o

aluno consiga acompanhar a explicação e os conteúdos, conforme excerto da

entrevista, a seguir:

Por conhecer a realidade da Educação Especial/Inclusiva, e especificamente

no que se refere ao conhecimento prévio do aluno, o acompanhamento da família é

de sua importância para a efetivação da sua aprendizagem. No caso do surdo é

bastante difícil essa situação, principalmente porque na maioria das vezes esse

aluno é filho de pais ouvintes. Estes desconhecem a importância do uso da LIBRAS

para o seu filho desde criança. O nosso aluno é diferente, é filho de pais surdos, que

possuem conhecimento e domínio da LIBRAS e do conhecimento científico, o que

tem contribuído para a efetivação da sua aprendizagem. Isso é confirmado através

do estudo de caso, instrumento que fornece informações para que o professor possa

conhecer sua história desde a vida uterina, primeira infância, bem como o

desenvolvimento cognitivo, físico, psicológico e social do aluno, e a partir daí

elaborar o seu planejamento e intervenções quando necessárias.

Se pensarmos no significado da palavra Fé, que seria uma palavra um tanto

abstrata para o surdo, mas, neste caso, o aluno consegue externar o que significa,

isso vem demonstrar que, quando o surdo é bem orientado, consegue apreender os

sentidos existentes na palavra.

Nesse sentido, Botelho (2005, p. 53-54) diz que as dificuldades de abstração,

quando existem, relacionam-se com experiências linguísticas e escolares

satisfatórias. Não há nenhuma limitação cognitiva inerente à surdez, mas muitas

conclusões distorcidas vêm sendo feitas há muito tempo.

A autora ainda complementa que o que falta aos surdos, é o acesso a uma

língua que dominem e que lhes permita pensar em todas as complexidades

necessárias, disponíveis como são para qualquer um. Frequentemente, quando

adquirem essa língua – a língua de sinais – raramente compartilham com seus

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professores. E, à exceção de poucos que a utilizam na educação de surdos, a

maioria dos professores utiliza a comunicação verbal e o bimodalismo (uso da fala e

de sinais).

É interessante observar que o aluno, com sua percepção, conseguiu

sobressair-se diante da professora. Desse modo é que entendemos como funciona o

discurso, ela explica a regra do jogo e o aluno exterioriza tão bem que consegue

pensar numa palavra não casual, com significado profundo e ainda consegue

superar a professora.

Todo o conhecimento e a evolução desse aluno no processo de ensino,

conforme a entrevista da professora, se dá devido ao fato de ele ter conhecimento

de mundo mesclado com a orientação e acompanhamento da família, conforme

descrito abaixo.

O que vejo são alunos que não possuem estímulos em casa, não há livros e nem diálogos. A questão do acompanhamento da família é muito importante. Na questão dos surdos, a maioria dos pais não sabem LIBRAS, daí o processo torna-se mais complicado, não há busca por parte dos mesmos. É muito importante que o surdo tenha contato com a LIBRAS desde os seus primeiros meses de vida, o que irá facilitar para ele a comunicação, a leitura e escrita junto com seu significado. Nesse caso, faz-se necessário promover em casa o conhecimento para o aluno. Uma das estratégias seria etiquetar os objetos, para que o mesmo possa ter contato com a escrita e o significado das palavras.

Nesse aspecto, é muito importante o estímulo num ambiente enriquecedor

através da percepção visual. Nesse sentido, Albres (2013, p. 127) diz que a

percepção visual atua recebendo informações sob a forma de sinais, imagens, cores e os transforma em “imagens mentais”, buscando os significados imediatos que dependem dos aspectos psicolinguísticos e sociais desse sujeito. Desse modo, o sinal é o elo central da compreensão, em que mental e rapidamente formamos uma rede de conexões a outros conceitos ligados a ele.

Toda essa questão da aprendizagem só vem reafirmar que o surdo é um

indivíduo que tem capacidades cognitivas, porém muitas vezes é visto sob um

prisma negativo, que acentua a deficiência, e não como uma pessoa com

capacidades prontas para serem colocadas em ação e se desenvolverem. Ressalta-

se que, para que se efetive a aprendizagem, faz-se necessário oportunizar

condições para que o aluno possa superar suas dificuldades.

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No que se refere à questão da aprendizagem do aluno surdo, primeiramente

analisaremos sobre a importância do ambiente familiar. Veremos que é a primeira

instituição com a qual a criança tem contato, sendo esta responsável pelo

conhecimento prévio do mundo sígnico por parte da criança. Por meio da linguagem

gestual e da oralidade daqueles que estão ao seu redor, é que a criança vai se

apropriando do conhecimento. Isso se manifesta sob a forma da linguagem, e

ocasionalmente ela é mediadora da criança com o meio cultural.

Essa questão se torna um tanto complicada no que se refere à criança surda,

por ser privada da audição, na maioria das vezes não tem ninguém na sua família

que sabe a LIBRAS; só há oralidade, o que irá ocasionar um atraso na

aprendizagem desse aluno. Assim, muitas vezes é visto pela escola como um aluno

que tem uma deficiência intelectual, porque não traz um conhecimento prévio das

coisas, por não ter tido contato com a LIBRAS de forma estruturada. Desse modo, a

escola deve buscar conhecer a história de vida desse aluno e promover atividades

que o ajudem a ter o conhecimento de coisas e situações mais simples do cotidiano,

desenvolvendo assim a sua autoestima, o que irá contribuir para a efetivação da sua

aprendizagem.

Fica nítido que uma das dificuldades do aluno surdo na compreensão da

Língua Portuguesa refere-se ao significado da palavra. Mesmo com o apoio do

intérprete, muitas vezes, as palavras são vistas apenas sob o prisma de apenas um

sentido, e sabemos que, dependendo dos contextos, elas terão outros significados,

o que se torna muito difícil para o surdo, principalmente na produção de texto. Outra

questão é referente à gramática da Língua Portuguesa. Sua estrutura é muito

abstrata e complexa, o que faz com que o aluno se perca no seu entendimento, pois

ele representa e processa o mundo em sua mente através de imagens.

Na perspectiva filogenética, o homem constrói palavras, que são a codificação

de nossas experiências através dos signos, que designam ações. Segundo

Bakhtin/Volochinov (2012 [1929]), o signo é um elemento da língua, marcado pela

história e cultura de seus falantes, o qual possui inúmeras possibilidades de

sentidos, sendo estes criados no momento da interação, dependendo do contexto e

dos falantes que o utilizam. Não é apenas uma palavra que possui relação direta e

estável entre significado e significante. “Todo fenômeno que funciona como signo

ideológico tem uma encarnação material, seja como som, massa física, cor,

movimento do corpo ou outra coisa qualquer” (BAKHTIN, 2012 [1929], p.33).

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Portanto, uma das características das línguas orais de que o surdo está

privado é justamente a questão da polissemia presente nas palavras, que

compreende que a significação de uma palavra é diferente de acordo com a situação

de comunicação. Ao traçar uma distinção entre tema e significado,

Bakhtin/Volochínov (2012 [1929], p.135) assinala que: “a multiplicidade das

significações é o índice que faz de uma palavra uma palavra.”

Segundo Larrossa & Skliar (2001), a experiência da língua deve nos permitir a

possibilidade de nos sentirmos estrangeiros em nossa própria língua, de modo que,

mesmo dominando sua gramática e seu vocabulário, ela nos escapa. Se nos

sentirmos cômodos nela, não teremos apreendido a sua condição babélica, de

multiplicidade, pois:

a experiência da língua não é o uso da língua, a relação instrumental com a língua, o sentir-se em casa na língua, mas a experiência de que nossa língua não nos pertence, que não se submete à nossa vontade, a experiência da impropriedade e, portanto, da impersonalidade da língua, a experiência de que não estamos em casa na língua (LAROSSA & SKLIAR, 2001, p. 20).

Fernandes (2003, p.119-120) faz uma complementação em relação ao

atendimento do aluno:

Enquanto não estabelecermos critérios precisos e rígidos em relação ao perfil exigido dos professores contratados para atuar nas escolas, seguiremos discutindo as consequências e não as causas do fracasso escolar dos alunos surdos. Obviamente que, resolvido o problema linguístico, permanecerão outros desafios de ordem teórico-metodológica e político-ideológica a serem superados. Não queremos reduzir a complexa problemática da educação de surdos na atualidade à mera situação linguística da comunidade escolar. Afinal, nas escolas das crianças não-surdas se fala o português e ainda assim há evasão, repetência, fracasso.

Considerando a atual conjuntura no que se refere à efetivação do processo de

inclusão e, especificamente da educação do surdo, faz-se necessário que os

profissionais da educação busquem o conhecimento das particularidades do surdo

referentes à sua língua, cultura, ambiente e seus aspectos cognitivos, e

principalmente aprendam e conheçam a estrutura gramatical da LIBRAS, pois só

assim o professor conseguirá proporcionar um conhecimento adequado e

necessário às necessidades do aluno surdo.

Destacamos, ainda nesta aula, o princípio dialógico que observamos na

interação entre a professora e o aluno na resolução da atividade. Com base nos

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estudos de Bakhtin (1997), o princípio dialógico institui a alteridade como constituinte

do ser humano e de seus discursos. Para esse autor, a palavra do outro é que nos

traz ao mundo exterior pois

a experiência verbal individual do homem toma forma e evolui sob o efeito da interação contínua e permanente com os enunciados individuais do outro. É uma experiência que se pode, em certa medida, definir como um processo de assimilação, mais ou menos criativo das palavras do outro, e não (e não das palavras da língua). Nossa fala, isto é, nossos enunciados (que incluem as obras literárias), estão repletos de palavras dos outros, caracterizadas, em graus variáveis, pela alteridade ou pela assimilação, caracterizadas, também, em graus variáveis, por um emprego consciente e decalcado (BAKHTIN, 1997, p. 314).

Assim, é a partir dessa constatação que Bakhtin afirma que

nossa fala, isto é, nossos enunciados (...), estão repletos de palavras dos outros caracterizadas, em graus variáveis, pela alteridade ou pela assimilação, caracterizadas, também em graus variáveis, por um emprego consciente e decalcado. As palavras dos outros introduzem sua própria expressividade, seu tom valorativo, que assimilamos, reestruturamos e modificamos (BAKHTIN, 1997 [1959-61/79], p. 314).

Dessa forma, o professor deve ter clara a sua função, colocar-se no lugar do

outro deve ser uma característica cotidiana e precisa no exercício do magistério. No

caso do surdo, que tem um intérprete em sala, o professor deve, no momento da

sua explicação, promover a interação com o aluno através do seu diálogo,

oportunizando situações em que o aluno se coloca, questiona, pergunta diretamente

ao professor que, nesse momento, é o seu interlocutor, e assim, ambos irão

construir confiança e segurança na transmissão e construção do conhecimento.

Considerando o cenário da aprendizagem, constatamos que isso só está se

concretizando devido ao planejamento das professoras da SRM, que no coletivo

elaboraram o planejamento com atividades, metodologias e estratégias

diferenciadas para as reais necessidades dos alunos.

Desse modo, Vasconcelos (2000, p.79) conceitua o ato de forma bastante

clara ao relatar que “planejar é antecipar mentalmente uma ação ou conjunto de

ações a serem realizadas e agir de acordo com o previsto. Planejar não é, pois,

apenas algo que se faz antes de agir, mas é também agir em função daquilo que se

pensa”. Ainda, segundo o autor, o planejamento é uma construção necessária para

a mediação teórica, deve ser pensado com a finalidade de fazer algo acontecer, de

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concretizar ideias e, para tal, é importante que haja uma previsão do

desenvolvimento da ação, considerando-se fundamentalmente as condições

objetivas e subjetivas envolvidas no processo.

Portanto, ficou perceptível que a professora possui conhecimento acerca da

aprendizagem do surdo, e busca proporcionar ao aluno as condições metodológicas

e lúdicas para a efetivação do aprendizado do aluno.

2.4 Momento 03: Atendimento educacional especializado para o ensino de

Língua Portuguesa: Análise da aula da Professora Nilza

Para elucidar ainda mais nossa pesquisa, descreveremos e analisaremos a

aula da Professora Nilza, que trabalha com o Atendimento em Língua Portuguesa,

tendo como proposta didático-pedagógico ensinar o português escrito, como língua

de instrução para o aluno surdo.

A aula selecionada fora realizada no dia 03 de abril, com duração de uma

hora e teve como critério de escolha ter sido uma aula que envolveu inicialmente um

diálogo com a professora, visto aparentemente sob o prisma negativo. Porém, trata-

se de uma aula riquíssima, pois, o tempo todo, esse diálogo oportunizou a

construção de conhecimento.

A professora vai iniciar sua aula, quando se depara com a frase escrita no

quadro pelo aluno Davi: VC MUITO CHTO (referindo-se à professora). A professora

então inicia sua aula a partir dessa frase. Pede ao aluno para que leia. O aluno faz a

leitura verbalizando as palavras. A professora então pergunta:

Está certa a frase?

O aluno responde:

Sim.

A professora então pede ao aluno que soletre a palavra CHTO. Nesse

momento, o aluno lê a frase e percebe que não escreveu a letra A no meio da

palavra CHTO e diz:

Fiz errado, em seguida insere a letra A na palavra CHATO e verbaliza: - Agora está certo.

O aluno então apaga a frase e escreve:

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VC MUITA LEGAL?

A professora pede para o aluno ler de novo a frase.

O aluno lê verbalmente.

VC MUITA LEGAL?

A professora então pergunta:

O que falta na frase?

O aluno apaga a palavra LEGAL e escreve CHATA.

A professora então lê a frase VC MUITO CHATA. Pergunta ao aluno:

O que falta na frase para dar ligação e sentido?

Nesse momento, o aluno lê a frase e diz:

Está faltando o e.

A professora pergunta:

E ou é?

Davi responde:

é, é, é

A professora responde:

Certo.

A professora pede para o Davi escrever e ler a frase.

Ele escreve e coloca o ponto de interrogação.

A professora explica novamente quando se usa o ponto de interrogação e

pergunta:

Você está perguntando, se sou chata?

Davi:

Não, estou dizendo.

Nesse momento, a professora pede para o aluno que reescreva a palavra.

Davi:

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VC é chata.

A professora corrige o aluno para a escrita da palavra que o aluno escrevera:

VC. Essa escrita é usada para bate papo nas redes sociais, na Língua Portuguesa é

Você.

Davi então escreve: VOCÊ.

Em seguida, Davi escreve a frase corretamente: VOCÊ E MUITO CHATA.

Novamente, a professora chama atenção para o verbo de ligação, pois o

aluno havia escrito na frase E e não É.

O aluno verbaliza e depois escreve: É.

Em seguida, a professora entrega ao aluno um jogo de figuras, onde em um

lado está a figura e atrás o nome. A professora entrega para o aluno a figura de

telefone e pede para o mesmo escrever a palavra TELEFONE.

O aluno verbaliza a palavra, faz o sinal e escreve: TELEFONE

Em seguida, a professora entrega uma outra figura de livros para o aluno.

Davi lê, fala e faz sinal, depois escreve LIVROS.

Depois a professora pede para fazer uma frase com a palavra Telefone.

O aluno verbaliza:

Eu não sei escrever.

A professora responde:

Sabe, você sabe.

Em seguida, o aluno diz que irá escrever a frase com a palavra Livros.

O aluno então escreve a seguinte frase:

O Livros vai ler é prova.

A professora então pede para o aluno ler e pergunta:

Por que o artigo O está no singular, se a palavra Livros está no plural? Deve-se utilizar o artigo no plural, OS.

A professora então lê junto com o aluno e diz:

Os livros vamos ler, tem prova.

De novo, a professora lê e diz:

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Os livros vamos ler (diz que “aí tem vírgula”) para fazer prova.

Nesse momento, o aluno escuta e escreve a frase: OS LIVROS, VAMOS LER

TEM PROVA, em seguida, lê a frase.

A professora responde:

Certo.

Em seguida, a professora pede para o aluno Davi que escreva uma frase com

a palavra telefone.

O aluno responde:

Não, vou escrever com sofá.

Ele pega a figura do sofá e escreve a seguinte frase: O SOFÁ EU JÁ

COMPRAR NOVO MUITO BONITO.

A professora lê para o aluno e diz:

Vamos melhorar a frase, isto é LIBRAS, vamos escrever em Português, certo?

O aluno então começa a reescrever a frase.

Davi:

Eu já comprar novo Muito bonito

Nesse momento, a professora pergunta por que a palavra eu no início está

com letra minúscula e no meio da frase tem muito escrito com letra maiúscula. Ao

que o aluno responde:

Certo, você está certa.

Então o aluno começa a escrever a frase: Eu (o aluno escreve, em seguida a

professora dita) já comprei novo sofá muito bonito.

Nesse momento, a professora lê e pergunta para o aluno:

Eu já comprei o que? Novo e bonito?

O aluno responde:

Sofá

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A professora continua lendo e indagando (sempre reforçando a ortografia,

exemplo: “coloca pingo no i”). Nesse momento, a professora se refere ao verbo

comprei, no passado, e pergunta:

O que comprou?

O aluno novamente responde:

Sofá, e escreve: Eu já comprei sofá novo muito bonita.

Então a professora pergunta ao aluno:

Por que está escrevendo bonita e não bonito?

O aluno fica quieto e pensativo, depois repete falando:

bonita ou bonito.

O aluno então escreve: EU já comprei sofá novo muito bonito. (diz em

LIBRAS, ponto final, e sorri)

A aula da professora Nilza nos traz algumas questões pertinentes de serem

analisadas para compreendermos como se encontra o processo aprendizagem do

aluno Davi. Assim, faremos uma análise gradativamente da aula e do diálogo

existente. Ela inicia sua aula a partir de uma frase que o aluno escreve, sendo muito

importante esse passo, pois demonstra que valoriza o conhecimento do aluno.

Porém, a professora, ao invés de aproveitar o momento e trabalhar a reflexão

do por que do aluno ter escrito a frase, ela ficou presa apenas às questões da

materialidade da escrita, focando na palavra CHTO, e mais adiante, nas frases,

correção da ortografia, pingo no i, não demonstrando ao aluno como escrever um

enunciado. Fica claro que a professora quer seguir regras da estrutura da língua,

enquanto o aluno quer falar sobre coisas significativas para ele, que é o que

sustenta a concepção bakhtiniana, uma relação dialógica na construção do

conhecimento.

Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1995, p.95).

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A professora, ao se deparar com a escrita do aluno “ VC MTO CHTO”,

inicialmente pede para o aluno ler a frase, depois que soletre, na intenção de que ele

consiga perceber que falta concordância e que a grafia, conforme a Língua

Portuguesa, encontra-se incorreta. Ao ler e soletrar a frase, o aluno percebe que

falta a letra A no meio da palavra CHTO, mas a professora ainda afirma que ele

escrevera errado. Em seguida, corrige a palavra para CHATO e ela afirma que agora

então estava correta.

Nesse sentido, Davi, através do excerto abaixo de sua entrevista, faz um

breve comentário acerca do aprendizado em Língua Portuguesa, que nos faz

entender o quanto para ele estudar a palavra solta se torna mais difícil e

insignificante, e tem consciência disso.

Davi relata que, na maioria das vezes,

o surdo não entende o significado, daí ele vai buscando associação da palavra, de que está sendo tratada a palavra, mas estou aprendendo que quando a palavra está só é apenas um amontoado de letras, ela tem que estar num texto e daí procurar entender de que se trata, é um exercício de leitura.

O problema da compreensão do significado da palavra se torna uma

problemática no ensino do surdo. Isso ficou claro na fala de Davi e também na fala

da professora Vera (professora surda da SRM) no excerto abaixo da sua entrevista:

[...] estudei e me esforcei muito, lia, lia muito verbo no presente, passado e futuro, daí fui melhorando, errando menos, hoje ainda erro, porque a gente tem sempre que estar estudando. No segundo grau, estudei muito e passei, passou-se um tempo e quando a minha cunhada voltou do Japão e viu o quanto eu havia progredido, me parabenizou e eu fiquei muito feliz. Tenho como prática a pesquisa no cotidiano, pesquiso muito, faço concurso, quando não consigo, continuo tentando, no banco, eu me viro sozinha e resolvo, passo mensagem e quando vem uma palavra difícil peço ajuda para o intérprete, ele me explica, às vezes me sinto inferior, penso que sei menos, fico imaginando, mas ando superando meus medos e dificuldades, hoje trabalho na UFMT, e fico pensando que todos os profissionais de lá sabem LP muito bem e eu não, mas sigo estudando [...].

Assim, em seguida, a professora afirma ao aluno que se trata de uma aula de

Língua Portuguesa e não de LIBRAS, e que a frase VC MUITO CHATO está escrita

em LIBRAS. Fica perceptível na afirmação da professora que a professora quis dizer

é que a estrutura da frase VC MUITO CHTO que é da LIBRAS e não da Língua

Portuguesa, pois na LP o verbo teria que concordar com a palavra chata.

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O aluno então fica entusiasmado, apaga a frase e escreve para a professora:

VC MUITA LEGAL?. Nesse momento, a professora chama atenção de Davi, dizendo

que o ponto de interrogação não cabe nessa frase, pois esse sinal utiliza-se para

pergunta.

Convém ressaltar que a professora deveria primeiramente indagar ao aluno o

que ele queria realmente dizer com aquela frase, se ele sabe o que significa aquele

ponto de interrogação, ao invés disso, ela chama atenção de Davi, dizendo que o

ponto de interrogação não cabe nessa frase, pois se utiliza para fazer pergunta.

Nesse momento, a professora deveria explicar para o aluno a função do ponto

de interrogação na Língua Portuguesa e como é utilizado na LIBRAS. Para Quadros

& Karnopp (2004, p.42-43), são as interrogativas que indagam sobre alguma coisa

normalmente associadas às palavras O QUE, COMO, ONDE, PORQUE, QUEM,

expressam dúvidas, desconfiança, que normalmente aparecem em orações

subordinadas com expressão facial diferenciada, que objetivam uma resposta sim ou

não.

Há de considerar que devemos observar como o ponto de interrogação

aparece na frase produzida por alunos surdos, por exemplo:

1- Pedro gostar quem?

2- De quem o Pedro gosta?

Na frase 01, há uma palavra interrogativa na posição de sujeito no começo

da sentença, ou seja, se essa situação for entre amigos que se conhecem, podemos

utilizar o sinal de Pedro, em seguida, os sinais de gosta e quem (este acompanhado

de entonação). No caso de uma explicação em sala de aula, e o sujeito Pedro não

for ninguém daquele contexto, soletraremos em datilologia o nome Pedro e, em

seguida, os sinais de gosta e quem (com entonação).

Entendemos então, que se faz necessário conhecer a contextualização para

poder orientar de que forma está a produção do aluno surdo, para poder utilizar os

sinais adequados, não esquecendo sempre dos movimentos de esquerda e de

direita20, expressão e principalmente da entonação, que se torna determinante para

a compreensão.

Para compreendermos melhor o conceito de entonação, nos remeteremos a

Bakhtin (2006) ao dizer que a entonação constitui o limite entre o verbal e o não

20

O movimento para a esquerda ou para a direita se refere às regras que determinam mudança na estrutura da

frase. Quadros & Karnopp (2004 p. 190)

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verbal. Ela é tão revestida de sentidos que, até fora do enunciado, tem existência, e,

mesmo que uma palavra seja isolada do contexto, deixa de ser uma palavra,

passando a ser um enunciado completo, se proferida com uma entonação

expressiva. Para Bakhtin/Volochinov (1926, pp. 8- 9):

A entoação só pode ser compreendida profundamente quando estamos em contato com os julgamentos de valor presumidos por um dado grupo social, qualquer que seja a extensão deste grupo. A entoação sempre está na fronteira do verbal com o não-verbal, do dito com o não-dito. Na entoação, o discurso entra diretamente em contato com a vida. E é na entoação sobretudo que o falante entra em contato com o interlocutor ou interlocutores – a entoação é social por excelência. Ela é especialmente sensível a todas as vibrações da atmosfera social que envolve o falante [...] Um forte parentesco une a metáfora entoacional com a metáfora gesticulatória (na verdade, as palavras foram elas próprias originalmente gestos linguais constituindo um componente de um gesto omnicorporal complexo) – o termo gesto sendo entendido aqui num sentido mais amplo, incluindo a mímica como gesticulação facial. O gesto, tanto quanto a entoação, requer o apoio coral das pessoas circundantes; apenas numa atmosfera de simpatia um gesto livre e seguro é possível.

Podemos constatar que, através da entonação, a unidade real da

comunicação verbal é o enunciado, porque pode estar contido em uma frase, em

uma palavra, em uma pergunta. O discurso vem sempre repleto de ecos e

lembranças de outros enunciados, alocando-se numa afinidade direta com os

enunciados alheios e com a realidade – além da fala englobando o contexto

transverbal. A percepção do outro no fluxo da comunicação verbal é determinada

para Bakhtin (1992, p. 321): “Pela área da atividade humana e da vida cotidiana a

que se reporta um dado enunciado”.

Segundo Duarte (2011, p.68-69), a entonação é única e insubstituível no

enunciado concreto, principalmente na Língua de Sinais. Ela remeterá a novos e

novos significados, e não aos sinais abstratos presos aos dicionários e às regras

gramaticais. Cada sinal gestual terá um novo sentido, uma nova roupagem a cada

momento em que se estrutura, pois este sinal nunca será erguido sem propósito de

comunicação, sem função de diálogo ou sem intenção de um contrassinal dos

interlocutores. Assim, as entonações também acontecem na língua visual, como

novos sentidos são criados a cada acontecimento.

Para ilustrar sua afirmação, o autor dá um exemplo bastante pertinente que

deixa bem claro o quanto as expressões faciais e corporais se constituem com as

entonações na língua visual. Exemplifica a palavra “como”. Convém entender que

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Duarte faz o mesmo sinal da palavra através de quatro ilustrações com diferentes

expressões, demonstrando assim que se trata do mesmo sinal, porém, cada sinal,

associado a uma expressão, terá um novo sentido. Assim, a palavra “como”

sinalizada teve vários sentidos. Porém, essa palavra, na interação com outra, não

mais corresponde apenas à classe de um pronome interrogativo, mas a uma

interação real, portanto, concreta, com novos significados em conformidade com a

interação dos enunciadores.

Duarte (2011, p. 68-69):

(1) (2)

(2) (4)

Duarte (2011, p. 69) explica que na imagem (1), o sinal está acorrentado à

significação gramatical, indicando um questionamento ao outro; no caso (2) a

interação indica dúvida; no sinal (3) nos implicam a um questionamento de

indiferença e/ou desconfiança frente a situação em que se encontram os

enunciadores; e no sinal (4) nos denota um questionamento relacionado a um

espanto, admiração ou surpresa. Devemos ressaltar que as entonações são

infinitas, pois, a cada enunciado, temos novas representações de intenção marcadas

pelas entonações concretas do diálogo entre os pares. Por conseguinte, da mesma

forma, os sentidos que se constroem nas interações também são infinitos, ou seja,

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novos temas. Nas línguas de sinais, as entonações são produzidas pelas

expressões faciais e corporais, e sua compreensão, seus sentidos, são construídos

de acordo com o horizonte cultural e social comum aos interlocutores.

A professora volta a insistir para que o aluno leia de novo a frase. O aluno

então lê verbalmente a frase, VC MUITA LEGAL? A professora então lhe pergunta o

que falta na frase e o aluno com sua esperteza e inteligência apaga a palavra

LEGAL e escreve CHATA.

Nesse momento, ficou perceptível que o aluno faz da brincadeira a priori uma

questão de discurso. Assim, para Bakhtin ([1929]1997, p.181), o discurso é

concebido como a “língua em sua integridade concreta e viva” que, ao se

materializar nas enunciações, se constitui como o verdadeiro campo vivo da língua.

Um enunciado é entendido, assim, como a unidade da comunicação verbal. Ele

nunca está isolado, existindo, apenas, se compreendido na cadeia discursiva;

portanto, é delimitado e constituído por outros enunciados que o antecederam e que

o sucederão como enunciado resposta do outro.

Assim, compreender e/ou produzir um enunciado (em LIBRAS, na linguagem

oral e na linguagem escrita) significa orientar-se em relação à enunciação de

outrem, encontrando seu lugar adequado no contexto correspondente. Nosso

exemplo mostra uma situação de comunicação em que os participantes (professora

e aluno) possuem apreciações valorativas diferentes sobre o objeto da enunciação,

ou seja, a frase, VC MUITA LEGAL. A professora pretende que o aluno perceba um

problema estrutural, como a falta do verbo ser. Já o aluno Davi pretende expressar a

sua opinião, portando substitui a palavra legal pela palavra chata. Em suma, a

professora está olhando para uma oração, enquanto Davi está olhando para um

enunciado, através do qual está querendo expressar-se através de um enunciado.

A respeito desse assunto, faz-se necessário entendermos a diferença entre

oração e enunciado. Para Bakhtin, “a oração enquanto unidade da língua é

desprovida da capacidade de determinar imediata e ativamente a posição

responsiva do falante. Só depois de tornar-se um enunciado pleno, uma oração

particular adquire essa capacidade”. (BAKHTIN, 2010, p.287). Segundo Bakhtin

([1970-1971] 2010, p.298),

o enunciado é pleno de tonalidades dialógicas, e sem levá-las em conta é impossível entender até o fim o estilo de um enunciado. Porque a nossa própria ideia – seja filosófica, científica, artística, -

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nasce e se forma no processo de interação e luta com os pensamentos dos outros, e isso não pode deixar de encontrar o seu reflexo também nas formas de expressão verbalizada do nosso pensamento.

Então, a professora lê a frase: VC MUITO CHATA e pergunta ao aluno o que

falta para dar ligação à frase.

O aluno lê e percebe que está faltando a letra E. Ao ser questionado se é a

letra E ou É, o aluno responde com entonação que é a letra É.

Nesse momento que a professora está explicando para o aluno sobre o verbo

de ligação, deveria esclarecer que em LIBRAS não se usa tal verbo, pois se trata de

duas línguas distintas, mas que na Língua Portuguesa é necessário, haja vista que

se trata de regras gramaticais que são necessárias para dar sentido e ligação à

frase.

É importante observar que só neste momento a professora explica quando se

usa o ponto de interrogação e então pergunta ao aluno se ela é chata. Assim,

mediante a resposta positiva do aluno, a professora pede a ele que reescreva a

frase, chamando atenção apenas para palavra VC, que esse tipo de escrita é usada

para bate papo nas redes sociais, na Língua Portuguesa, o correto é VOCÊ.

Novamente, o aluno escreve a frase como a professora orientou, VOCÊ E

MUITO CHATA. A professora volta a chamar atenção para o verbo de ligação na

frase, e o aluno então corrige o verbo para É.

Ao analisarmos esse início de aula da professora, vale ressaltar que ela ainda

trabalha o processo de escrita centrada na formação de frases. Ela deveria ter

conhecimento de que se trata de duas línguas em jogo, com estruturas e modo de

funcionamento diferentes. Quanto à efetivação da escrita, exige-se uma abstração

da criança, entendida como linguagem do pensamento, o que estabelece uma

relação com a linguagem interior construída no processo de apropriação da primeira

língua. Assim, para Vygotsky ([1934] 1982, p. 231), “se o desenvolvimento da

linguagem exterior precede a interior, a linguagem escrita aparece depois da interior

e pressupõe sua existência”, embora seu desenvolvimento dependa de um diálogo

contínuo com discurso interior.

Desse modo, no caso das crianças surdas, que na escola tem seu

aprendizado numa segunda língua, deve ser oportunizado a elas o contínuo diálogo

com sua primeira língua. Essa questão deve ser tratada com muito cuidado pelo

professor, pois, para o surdo, a Língua Portuguesa é uma língua adicional. Portanto,

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necessita de metodologia diferenciada, além disso, é preciso pensar que o aluno é

surdo, que tem como primeira língua a LIBRAS e que devem ser propiciadas,

inicialmente, atividades de alfabetização que desenvolvam a parte cognitiva no

sentido de interpretação e apreensão dos significados da palavra.

Na educação do surdo, a questão da linguagem escrita deve ter como eixo

norteador o que dá sentido às crianças e a relação com a linguagem, e assim

efetivar a relação com o outro por meio da construção do conhecimento. Desse

modo, apropriar-se da linguagem escrita passa a ser, conforme Vygotsky (1983

[1931], p.183), um processo natural de desenvolvimento da linguagem e não como

algo “que lhe chega externamente, das mãos do professor e lembra a aprendizagem

de um hábito técnico”.

Assim, devemos considerar, conforme discutiu Bakhtin ([1979] 2000, p.301),

que todo o desenvolvimento da linguagem ocorre por meio de enunciados concretos

que ouvimos e reproduzimos durante a comunicação viva, que se efetua com

indivíduos que nos rodeiam, modulados por gêneros do discurso.

Na atividade seguinte, a professora entrega um jogo de figuras, a gravura de

um telefone, depois pede para que escreva uma frase sobre esse objeto, o aluno se

recusa dizendo que não, depois este pega a figura do sofá e resolve escrever sobre

esse objeto.

Nesse caso, a professora deveria, primeiramente, explicar o objetivo da

atividade para o aluno, depois disponibilizar várias figuras para que pudesse

escolher, estimulando assim a escrita, também oportunizando situações de

dificuldade, na medida em que ele fosse acertando as atividades e posteriormente

surgindo outras com mais profundidade, contribuindo assim para a melhoria do seu

aprendizado.

Todo esse processo de sequência de conteúdos e de certa forma de

dificuldade é importante para o aluno, a professora Vera nos deixa claro no trecho

abaixo da sua entrevista:

Fazendo uma reflexão da minha história de vida e do cenário brasileiro, ainda há muito que avançar no processo de aprendizagem do surdo. Exemplo, quando o professor da sala de aula explica, o aluno fica olhando e não entendendo nada. Nesse momento faz-se necessário o contato entre ambos. O professor deve deixar claro o seu objetivo e como o aluno vai utilizá-lo em sua vida. Desse modo, o professor deve fazer a cobrança para o aluno surdo. Não é porque ele é privado da audição que não deve ser igualado ao aluno ouvinte,

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não deve ser visto como coitado. Tem que exigir, só assim ele irá desenvolver melhor a sua compreensão. Eu me lembro que os professores cobravam de mim e isso me ajudou muito.

Na frase escrita por Davi, O SOFÁ EU JÁ COMPRAR NOVO MUITO NOVO,

há compreensão enquanto frase, ou seja, o aluno consegue transmitir que o sofá foi

comprado novo. Porém, a professora mais uma vez insiste em dizer que ela está

escrita em LIBRAS, que deve ser escrita em Língua Portuguesa, atentando-se para

letra maiúscula no início de frase, reforçando a ortografia, colocando pingo no i. Ou

seja, trata-se de um ensino descontextualizado, tendo como critérios a questão

gramatical, não dando importância para o ensino da língua de forma reflexiva.

Ressalta-se que a professora faz uma intervenção interessante, quando se

refere ao verbo da frase que o aluno escreveu no passado. Porém, ela poderia

aproveitar o momento e explicar acerca do tempo verbal. Outro aspecto que é

positivo, em nosso ver, é quando o aluno escreve a frase: EU JÁ COMPREI SOFÁ

NOVO MUITO BONITA, a professora chama atenção do aluno para a escrita de

bonita ou bonito, que cabe a palavra bonito em função de estar acompanhando o

objeto sofá, que se trata de substantivo masculino, portanto, cabe a palavra bonito.

Em seguida, o aluno reorganiza a frase: EU já comprei sofá novo muito

bonito, depois sinaliza em LIBRAS, “ponto final” e sorri.

Acreditamos que essa reescrita do aluno se dá devido ao entendimento a

partir da explicação da professora, o que nos faz pensar acerca do que Vygotsky

discorre sobre o aprendizado junto ao par mais avançado. Essa questão nos remete

ao autor, quando se refere á Zona de Desenvolvimento Proximal:

É a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 2007 [1930], p.97)

Isso nos faz entender que, na realidade, a ZDP define aquelas funções que

ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, que se

encontram em desenvolvimento, comparadas ao broto de uma árvore: já o nível de

desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, e

nível de desenvolvimento potencial, que é aquilo que a criança ainda não tem, mas

que está próximo de acontecer, com influência de um par mais avançado. Esse

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intervalo entre o que já está apreendido e o que está para apreender é o que

Vygotsky chama de zona de desenvolvimento proximal.

Analisando ainda a aula, vale ressaltar a imagem do aluno quando finaliza e

sinaliza em LIBRAS ponto final. A nosso ver, fica a impressão de que o aluno quer

uma aula mais envolvente, já que, para ele, a Língua Portuguesa é difícil, mas sua

aprendizagem é importante e necessária para que se possa evoluir nos estudos. Tal

afirmação fica clara no fragmento da entrevista com esse aluno:

Minhas dificuldades no aprendizado da Língua Portuguesa são bastantes, daí vou buscando associação da palavra, de que está sendo tratada a palavra. Mas estou aprendendo que, quando a palavra está no texto, daí o surdo tem que estudar, buscar no dicionário, na internet para saber o que é, de que se trata. A leitura de um texto e sua interpretação são muito difíceis.

No que se refere ao que analisamos quanto ao aluno demonstrar que a

Língua Portuguesa é difícil, mas que ele sabe da sua importância, vejamos mais um

excerto abaixo da entrevista de Davi:

Aprendi a respeitar a LP, ela é importante, tem que ter respeito, é a língua do Brasil, o surdo tem que aprender a respeitá-la e ver a sua importância para que possamos melhorar na profissão, ter mais conhecimento e fazer o mestrado e doutorado e ser um professor que tenha um bom salário na universidade. Assim, as aulas de LP devem ser animadas, com vídeos e dinâmicas para que o aprendizado dos significados das palavras não se torne um fardo, mas algo bom.

Analisando a fala de Davi, fica perceptível a maturidade construída na sua

consciência em relação à importância do estudo e do aprendizado da Língua

Portuguesa. Esse é um fator positivo no processo de aprendizagem desse aluno,

pois a maioria dos surdos não possuem essa clareza, pois não têm

acompanhamento e nem orientação da família, o que faz muita diferença na vida

dos mesmos. No caso do Davi, é diferente, os pais são surdos, possuem

conhecimento, acompanham o filho nas tarefas escolares, como consta no pequeno

fragmento da entrevista com sua mãe:

Ensinar o surdo não é tarefa fácil, pois, assim como ele, eu também tenho as minhas dificuldades, mas buscamos em casa verificar o que Davi está estudando, o que ele sabe e quais suas dificuldades. Diante disso, quando me deparo com uma palavra ou um texto que meu filho não está compreendendo, pesquisamos e perguntamos ao meu marido que possui mais instrução do que eu. Se não

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conseguimos resolver a atividade, buscamos ajuda de intérpretes que conhecemos.

A fala da mãe de Davi é fundamental quando ela afirma a dificuldade que o

surdo tem para aprender a escrita da LP. Isso é muito interessante na medida em

que ela diz baseada na sua experiência pessoal e com os seus filhos (dois filhos

surdos). Tal situação deve ser levada muito a sério pela escola inclusiva e pelos

professores, pois o processo de leitura e escrita é um momento de construção e

reconstrução, principalmente no que tange à aprendizagem de outra língua, que é o

caso do surdo, principalmente quando este não tem acompanhamento do intérprete.

O excerto abaixo da entrevista do aluno confirma tal situação:

Quando comecei a estudar, não tinha o acompanhamento da intérprete, me sentia muito sozinho e isso me causava um vazio, pois via os alunos ouvintes interagindo, brincando e aprendendo. Eu só ficava olhando as situações e as bocas abrindo e fechando, tentava compartilhar daquele momento, mas ao mesmo tempo me sentia excluído, mesmo quando alguns alunos me chamavam para participar. Isso o professor tem que entender e buscar formas para que isso não aconteça, perguntando ao surdo como ele se sente e tendo contato com ele. A presença do intérprete modifica o cenário, se ele é bastante motivador e quer que o surdo aprenda, participe, faz as coisas acontecerem, e coloca o surdo em contato com os colegas e com a professora. Mas tem que ter cuidado, pois tem intérprete que se fecha e deixa o surdo só em comunicação com ele. Isso não pode acontecer.

Faz-se necessário refletirmos acerca desse fragmento da fala do aluno que

diz: tem que ter cuidado, pois tem intérprete que se fecha e deixa o surdo só em

comunicação com ele, isso não pode acontecer. Tal observação nos remete à fala

da professora Márcia na sua entrevista, quando relata uma experiência que teve

enquanto intérprete que nos faz pensar acerca dessa função, como está descrito

abaixo:

[...] Relato isso devido a minha experiência enquanto intérprete. Houve uma vez que estava em sala de aula interpretando para o aluno. De repente o aluno surdo levanta a mão para fazer uma pergunta para o professor que se encontrava explicando o conteúdo. Nesse momento chamei atenção dele para que me perguntasse primeiro para depois fazer a pergunta para o professor, pois no meu entendimento, ele tinha que perguntar primeiro pra mim.

Eu pensei que o aluno viria com uma pergunta que não tivesse nada a ver com o conteúdo, mas o professor percebeu e deu a vez para o aluno, e este fez uma pergunta dentro do contexto, tratava-se de uma pergunta pertinente e bastante crítica. A partir desse momento

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percebi que deveria deixar meu aluno expressar suas dúvidas e certezas, isso demonstra que eu ainda não conhecia o meu aluno, pois se tratava de um aluno bastante inteligente, curioso e pesquisador, e tinha orientação dos seus pais, que são surdos. Através dessa experiência pude aprender muita coisa com ele e mudei minha concepção, pois o intérprete tem que oportunizar a interação professor e aluno, tem que lembrar para o aluno que não é a professora, tem que fazer a ponte entre o professor e o aluno, estabelecendo assim o contato entre ambos.

Para compreendermos a fala da professora, faz-se necessário nos

reportarmos à legislação, referindo-se ao Decreto 5.626/05, que trata da inclusão da

LIBRAS como disciplina curricular nos cursos de magistério, ampliando-se assim

para todas as licenciaturas e também garante a formação de futuros profissionais a

trabalharem com os surdos, respeitando-se assim sua condição linguística

diferenciada. Ainda, esse decreto dispõe sobre a formação do professor surdo e

instrutor surdo de LIBRAS; a formação do tradutor e intérprete de Libras-Língua

Portuguesa. Sobre a atuação do intérprete educacional (IE), Lacerda (2009) diz que

ele, muitas vezes, acaba colaborando com o professor na sugestão de atividades,

indicando os momentos de sala de aula que foram mais complicados para trabalhar,

além de levar informações e observações para o professor, auxiliando a uma visão

ampla sobre a surdez e o modo de abordar diversos temas. Assim, o trabalho

colaborativo entre o intérprete educacional e o professor contribui de maneira

significativa para o desenvolvimento do aluno surdo.

Dessa forma, entendemos a relevância do intérprete no processo ensino-

aprendizagem do surdo, interpretando não só os conteúdos, mas proporcionando a

interação entre professor/aluno para que haja uma ligação de confiança, por meio do

qual o aluno possa ter a liberdade de dialogar, discutir e refletir as situações

vivenciadas em sala de aula, externar suas dúvidas, certezas e opiniões acerca do

que está sendo discutido. Cabe ao professor a função de promover e mediar o

conhecimento construído no diálogo e a compreensão dos conteúdos, e ao

intérprete a função de interpretar e fazer a voz do surdo, de forma ética, sendo fiel

aos enunciados dito pelo aluno e professor.

Ao analisarmos a aula da professora Nilza, percebemos que, inicialmente, o

aluno surpreende a professora na medida em que escreve uma frase que,

aparentemente, trata-se de uma pequena brincadeira que ele faz. Isso nos remete à

discussão de que o homem representa e processa o mundo em sua mente, fazendo

uso do instrumento simbólico, que é a língua. Na perspectiva filogenética, o homem

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constrói a palavra, que é a codificação de nossas experiências, como o signo que

designa ações, relações, reúne objetos em categorias, mas que, para ele, tem algum

significado.

Desse modo, a professora poderia explorar mais essa frase VC MUITO

CHTA, deixar o aluno exteriorizar seus sentimentos e pretensões acerca do seu

pensamento, refletir sobre o ensino dos surdos, só assim irá perceber o seu

interesse.

É necessário buscar adquirir uma relação com o surdo para que ele possa

construir e compartilhar conhecimentos, pois, quando adquire a Língua de Sinais,

dificilmente ele compartilha com seu professor, e como este não sabe essa língua,

utiliza a comunicação verbal e o bimodalismo.

Desse modo, nunca devemos subestimar a capacidade do aluno. Aqui, no

caso do surdo, desenvolver sua reflexão através da interação na comunicação. No

caso da atividade desenvolvida, a professora pede para o aluno escrever uma frase

com a palavra TELEFONE. Ele resiste e acaba não escrevendo, o que nos faz

entender duas situações: ou o aluno não consegue escrever uma frase com essa

palavra, ou não se sente motivado a escrever, não quer falar sobre isso. Nesse

sentido, Nilza teria que atentar para isso, e dialogar com o aluno sobre esse

acontecimento. Assim, ela deveria compreender o que se passa naquele momento

em termos de significado, de querer dizer do aluno, e não ignorá-lo.

Nesse sentido, Geertz (1978, p. 57, apud BOTELHO, 2005, p. 54), esclarece:

Pensar não é um acontecimento cerebral (embora estruturas cerebrais sejam necessárias ao ato de pensar) e, sim, o ato de recorrer a um monte de símbolos, que estão disponíveis em uma espécie de tráfego: imagens visuais, auditivas, olfativas, táteis, gustativas, cinestésicas, e proprioceptivas, em trânsito, e também palavras faladas, escritas, sinais e outros símbolos constituem esse conjunto de “objetos em experiência, sobre os quais os homens imprimiram significado”.

No que se refere ao ensino-aprendizagem do surdo, quanto à efetivação da

escrita, exige-se muita abstração, entendida como linguagem do pensamento, o que

estabelece uma relação com a linguagem interior construída no processo de

apropriação da primeira língua. Assim, para Vygotsky ([1934] 1982, p.231), “se o

desenvolvimento da linguagem exterior precede a interior, a linguagem escrita

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aparece depois da interior e pressupõe sua existência”, embora seu

desenvolvimento dependa de um diálogo contínuo com discurso interior.

Desse modo, no caso das crianças surdas, cujo aprendizado pressupõe

aprender uma segunda língua, deve ser oportunizado a elas o contínuo diálogo com

sua primeira língua. Essa questão deve ser tratada com muito cuidado pelo

professor, pois, para o surdo, a Língua Portuguesa é uma língua estrangeira, a

língua do outro, com sua estrutura, portanto, necessita de metodologia diferenciada,

além disso, é preciso pensar que o aluno é surdo, que tem como primeira língua a

LIBRAS e que devem ser propiciadas, inicialmente, atividades de alfabetização que

desenvolvam a parte cognitiva no sentido de interpretação e apreensão dos

significados da palavra.

Na educação dos surdos, a questão da linguagem escrita deve ter como eixo

norteador o que dá sentido às crianças e a relação com a linguagem, e assim

efetivar a ligação com o outro por meio de discursos. Dessa maneira, apropriar-se

da linguagem escrita passa a ser, conforme Vygotsky ([1931] 1983, p.183), um

processo natural de desenvolvimento da linguagem e não como algo “que lhe chega

externamente, das mãos do professor e lembra a aprendizagem de um hábito

técnico”. Dessa forma, devemos considerar, conforme discutiu Bakhtin ([1979] 2000,

p. 31), que todo o desenvolvimento da linguagem ocorre por meio de enunciados

concretos que ouvimos e reproduzimos durante a comunicação viva que se efetua

com indivíduos que nos rodeiam, modulados por gêneros do discurso.

2.5 Articulação e Planejamento das Professoras

Depois da análise das aulas, baseado na fala da professora Márcia,

acreditamos ser necessário relatar como se dá a articulação e planejamento das

professoras da SRM, bem como se dá o encontro com a professora da sala de aula.

As professoras da SRM fazem o seu planejamento na hora atividade, uma

vez por semana, e o encontro com a professora da sala de aula no primeiro

semestre não havia ainda acontecido. No segundo semestre, mais precisamente no

mês de agosto, quando voltamos a campo, segundo relato da professora de sala de

aula, já havido acontecido um encontro, em que houve trocas de informações,

elaboração de atividades e construção do relatório do aluno.

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Vale enfatizar que o planejamento de cada professor se dá em sua hora

atividade, sendo esta amparada pelo estatuto do magistério dos professores da

Secretaria Municipal de Educação. Infelizmente, a questão do planejamento das

professoras da SRM com a professora da sala de aula não é realizado

conjuntamente, devido ser o turno delas em horários diferentes, o que dificulta a

questão de um contato mais presente nas ações da sala de aula.

Porém, o Projeto Político Pedagógico da EMEB Maria Dimpina, em nenhum

momento, trata do planejamento coletivo das professoras da SRM junto com a

professora da sala de aula. Não há nenhum amparo legal para que haja esse

momento, que é tão importante para o crescimento pedagógico do aluno.

Há porém o momento da Roda da Conversa, trata-se de um projeto da

Secretaria de Educação, de um momento em que se discute formação dos

profissionais por área de acordo com o diagnóstico das necessidades da escola, do

processo ensino-aprendizagem, da relação interpessoal, área administrativa e da

gestão, também temas relacionados à educação inclusiva, práticas pedagógicas a

serem efetivadas na sala de aula com o aluno com deficiência.

Referente à concretização dos três momentos didático-pedagógicos na SRM,

as professoras têm a mesma opinião quanto ao funcionamento dessa metodologia,

que inicialmente elas não conheciam, é um momento muito interessante e rico, há

os momentos do aluno com cada professor e assim o ensino flui, pois são

informações relevantes para que o mesmo tenha um desenvolvimento em todas as

áreas do conhecimento, isso mesclado com a prática, o que é mais importante. Elas

discorrem sobre o funcionamento da SRM, que é uma conquista pensar o aluno com

deficiência em sua especificidade e trabalhar isso é realmente compensador.

Ainda convém mencionar que no Projeto Político Pedagógico da EMEB Maria

Dimpina não há nada descrito a respeito do planejamento no coletivo com as

professoras da SRM com a professora da sala de aula. Essa questão nos faz refletir

acerca da organização da escola. Conforme a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional 9394\96, Título IV – Da organização da Educação Nacional, art.

12º - Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu

sistema de ensino terão a incumbência de

I - elaborar e executar sua proposta pedagógica;

II - Informar os pais e responsáveis sobre a frequência e rendimento dos

alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica.

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Assim, a lei citada estabelece que, respeitadas as normas comuns e as do

seu sistema de ensino, os estabelecimentos educacionais terão a incumbência de

elaborar e executar sua proposta pedagógica, o Projeto Político Pedagógico (PPP),

que constitui em um documento produzido como resultado do diálogo entre os

segmentos escolares, objetivando a organização e planejamento do trabalho

administrativo-pedagógico, buscando a resolução dos problemas diagnosticados.

Dessa forma, baseando-nos nessa orientação, entendemos que a escola

possui autonomia para elaborar o Projeto Político Pedagógico, contemplando todos

os aspectos, e no que se refere ao processo de inclusão dos alunos com deficiência,

garantindo o atendimento de forma igualitária, o atendimento do AEE e o processo

de avaliação que valorize o conhecimento prévio do aluno e sua construção, no caso

do aluno surdo, que visa valorizar sua escrita, compreendendo que a sua

aprendizagem em Língua Portuguesa se dá em segunda língua, já que a priori sua

escrita é de acordo com a LIBRAS.

Convém ainda ressaltar que no Projeto Político Pedagógico da EMEB Maria

Dimpina Lobo Duarte há o item de avaliação/ instrumentos e progressão avaliativa

contemplando o aluno de uma forma geral, não trata de nenhuma especificidade

quanto ao aluno com deficiência/surdez. Assim, acreditamos que por se tratar de

uma escola vista como referência municipal no trabalho com o aluno com surdez,

deveria refletir e garantir uma avaliação diferenciada no sentido de valorização da

produção desse aluno, pois, de acordo com Vasconcelos (1998, p. 44), a avaliação é

um processo que “implica uma reflexão crítica sobre a prática, no sentido de captar

seus avanços, suas resistências, suas dificuldades e possibilitar uma tomada de

decisão sobre o que fazer para superar os obstáculos”.

Isso nos faz refletir que no processo de avaliação, encontram-se o professor

e o aluno. No caso do professor, este deve refletir e rever constantemente sua

prática pedagógica, e proporcionar ao aluno a percepção de seus avanços e a

superação dos seus obstáculos.

2.6 Voltando ao campo de pesquisa... Doce regresso...

2.6.1 Análise da Entrevista

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Conforme descrito na metodologia, voltamos ao campo de pesquisa para

buscar informações acerca de como se dá o processo interacional entre professor-

aluno, como isso interfere no processo de ensino e aprendizagem no contexto da

SRM, haja vista que as informações obtidas no primeiro semestre foram insuficientes

para afirmar a contribuição das professoras da SRM no atendimento ao aluno citado.

Desse modo, realizamos a entrevista com a professora Cristina, a qual nos recebeu

com muito entusiasmo e satisfação referente ao trabalho que vem realizando com o

aluno.

A entrevista com a Professora Cristina fora realizada no dia da sua hora

atividade, na sala dos professores. A entrevista não foi gravada, apenas descrita no

caderno de campo.

A professora iniciou a sua entrevista relembrando o início do ano quando se

deparou com o aluno surdo na sala de aula. Inicialmente, dava aula apenas para

este aluno, tentando fazer com que ele fizesse a leitura labial. O aluno compreendia

um pouco, mas não era o suficiente e não havia só ele na sala de aula. Hoje,

segundo ela, ainda há muitas dificuldades, mas houve melhoras. A professora nos

relatou que fez um questionário de avaliação referente a sua prática para que este

aluno respondesse. Ela sorri e diz que essa estratégia fora muito importante para

que ela se visse no lugar do outro e melhorar sua metodologia, pois o aluno afirmou

que ela fala rápido, não olha muito pra ele, repete muito as coisas.

Nesse aspecto, é bastante relevante a estratégia da professora. É muito

importante que o ser humano se coloque no lugar do outro, e principalmente no caso

da professora permitir-se ser avaliada. Isso demonstra a preocupação da

profissional no que se refere á transmissão do conhecimento. A professora ainda

afirmou que esse ato, acompanhado do diálogo,está facilitando a interação e

promovendo a construção do conhecimento através das trocas e da relação

dialógica.

No que se refere a capacidade do aluno surdo no aprendizado da Língua

Portuguesa, a professora relatou que a dificuldade deste ainda está na interpretação

de texto. Não há uma compreensão rápida, apresentando lentidão nessa atividade.

Complementou ainda que, no processo de avaliação, há uma problemática: ainda há

a interferência do intérprete no processo de leitura, ou seja, ás vezes ele lê para o

aluno e chega a dar reposta na atividade de interpretação de texto. Na sua

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concepção, o intérprete deveria interpretar para o aluno, mas a resposta deveria vir

do mesmo.

A professora afirma que, apesar de ter melhorado a sua metodologia no que

concerne à compreensão de como o aluno surdo aprende, ela tem a necessidade de

fazer um curso de LIBRAS. Daí, faz uma crítica à Secretaria de Educação quanto à

formação na área de LIBRAS para os professores e, especificamente, para quem

tem esse aluno em sala de aula. Diante disso, ela tem se esforçado, mas tem

consciência de que se fazem necessários o conhecimento e o domínio da LIBRAS.

A professora relata que, considerando a experiência no primeiro semestre e o

avanço do aluno em sua aprendizagem, tem consciência da importância do

aprendizado da Língua Portuguesa para a vida do aluno, sua interação com as

pessoas, enfim, mas acrescenta que a escrita do aluno ainda se torna um tanto

confusa, pois não apresenta os conectivos, mas mesmo assim é importante ele estar

no mundo dos ouvintes.

A afirmação da professora no que se refere à escrita do aluno só vem

reafirmar o quanto é necessário ter conhecimento da Educação dos surdos, suas

capacidades e de que forma eles aprendem. Ou seja, para ela, é importante

conhecer a Língua de Sinais e sua estrutura, pois só assim se toma conhecimento

de que a LIBRAS possui uma estrutura gramatical própria, com todos os elementos

constituídos da estrutura gramatical presente nas demais línguas.

Em relação às dificuldades do aluno, a professora Cristina reafirma que as

dificuldades estão na produção e interpretação de texto: O aluno não escreve uma

linha sem o apoio do intérprete. Porém, ressalta que nas atividades da disciplina de

Matemática, ele se dá muito bem, só na leitura do enunciado que necessita do apoio

da intérprete. A professora acrescentou:

No que se refere ao encontro com as professoras da SRM, houve um encontro, onde puderam dialogar acerca da aprendizagem do aluno, principalmente com a professora da Língua Portuguesa, porém nesse segundo semestre os encontros têm sido frequentes, trocaram relatórios, sequências de atividades, há mais comunicação e assim o trabalho está fluindo melhor, há uns dez dias que tem estado mais próxima da professora Marcia, pois o aluno tem apresentado muitas dificuldades na compreensão e resolução das atividades da operação de divisão, e assim a professora da SRM tem dado um apoio específico.

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A professora relatou que as professoras da SRM têm dado apoio, há trocas

de atividades, há comunicação no desenvolvimento dos conteúdos trabalhados em

sala para que as professoras trabalhem mais detalhadamente com o aluno. Com

isso, ele tem se desenvolvido melhor na sua aprendizagem. Nesse sentido, a nosso

ver está sendo efetivado o processo de interação entre os participantes da situação

de ensino-aprendizagem.

Ao final da entrevista, a professora disse que se sente feliz e de certa forma

realizada, pois no início do ano, ao se deparar com o aluno surdo, sentiu-se incapaz,

sentia-se despreparada para aquele desafio, mas, aos poucos, através da pequena

comunicação com o aluno e com a chegada da intérprete, as coisas foram

melhorando. Ela reafirmou a necessidade do apoio da Secretaria de Educação

referente ao curso de LIBRAS e de outras áreas que envolvem a educação inclusiva.

Outra questão é a função do intérprete que, para ela, não é bem definida, mas que

está sendo uma experiência maravilhosa, pois despertou nela a necessidade de

buscar novas metodologias e acima de tudo compreender o outro.

Retornar ao campo de pesquisa e ter contato com a professora da sala de aula

reafirma os dados que a nossa pesquisa vem demonstrando: ela relatou que neste

segundo semestre a sua relação com o aluno surdo se tornou mais comunicativa, e

percebeu que ele está aprendendo melhor. No que se refere ao encontro com as

professoras da SRM, há envolvimento entre ambas, trocas de atividades e materiais

pedagógicos, bem como a construção do planejamento, o que tem contribuído para

aprendizagem do aluno, efetivando assim o que diz o documento do Ministério da

Educação A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar (2010, p. 19).

Todo esse envolvimento tem contribuído para que haja de fato a interação,

importante no processo de ensino.

Pelo exposto, ressaltamos que as análises das aulas foram determinantes

para que pudéssemos conseguir informações e coletar dados que contribuissem

para conhecer o universo da SRM, a aplicabilidade da metodologia, o

desenvolvimento das atividades e os momentos de interação entre professoras e

aluno.

Desse modo, compreendemos que os dados coletados para análise das aulas

foram relevantes para que pudéssemos primeiramente conhecer o sujeito de

pesquisa, suas habilidades, capacidades, no sentido de perceber que se trata de um

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aluno observador, inteligente e amadurecido no que se refere aos seus objetivos

enquanto estudante.

Cada professora desenvolve sua aula de maneira especial, tendo como foco a

aprendizagem do aluno surdo na sua particularidade. Nesse sentido, a Professora

Vera, enquanto surda, consegue atingir o ápice em suas aulas, na medida em que

consegue compreender as dificuldades do surdo e como resolvê-las, fazendo um

exercício de exotopia. Porém, acreditamos que, devido à surdez, deixa alguns

pontos em sua aula a serem desenvolvidos, como, por exemplo, a polissemia,

momento importante para o enriquecimento de vocabulário.

A Professora Márcia desenvolve seu conteúdo com leveza e ludicidade,

conseguindo assim atingir o seu objetivo, a aprendizagem significativa.

Referentemente à Professora Nilza de Língua Portuguesa, acreditamos que sua aula

poderia ser mais motivadora, haja vista que se trata de aprendizagem de uma outra

língua para o surdo, portanto, necessita de estratégias lúdicas que facilitem a

compreensão. Em nosso ver ela ficou muito focada em sua explicação das regras

convencionais da língua, não há nenhum momento de reflexão e de construção do

aluno, mas sim demonstração de falta de interesse do mesmo.

Retornar a campo foi necessário e produtivo, e o objetivo foi alcançado;

pudemos constatar que está acontecendo a interação nas trocas de comunicação,

metodologias, materiais e atividades para o desenvolvimento do aluno surdo entre a

professora da sala de aula e as professoras da SRM, que esse contato tem sido

muito bom para as profissionais, pois ocasiona assim a melhoria do trabalho de

ambas e, consequentemente, a aprendizagem do aluno. Outro ponto positivo é que

a professora da sala relatou que tem se comunicado melhor com o aluno, tem

buscado conhecimento sobre a educação dos surdos, e que para que pudesse

melhorar suas aulas, pediu ao aluno que fizesse uma avaliação dela enquanto

profissional, e as respostas têm sido base para a sua melhoria.

Assim, salientamos que em conformidade com a análise das aulas, elas

foram base para compreendermos o papel de cada professora da SRM, seu perfil,

metodologia. Reafirmar, nesta pesquisa, as inúmeras possibilidades de acertos de

um trabalho coletivo, de credibilidade quando os profissionais buscam o

conhecimento, tendo como norteador o aluno, vendo-o como um ser humano, com

capacidades de superação, é de extrema importância para nós, profissionais da

educação especial. A SEM, na lei, é apenas mais um documento escrito,

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englobando assim o “fazer político”, mas, a partir do momento que ela vem para o

chão da escola, ganha vida, corpo, voz e vez, pois está sustentada pelo fazer

humano.

Entendemos que a SRM não é apenas um espaço onde deve ser

desenvolvido o AEE, mas acima de tudo um espaço onde o aluno possa se

desenvolver como pessoa, ser pensante e capaz. Que a SRM seja um espaço de

oportunidades e superação, onde o professor possa fazer par constante nessa

transição do saber e possa contribuir parar o voo da liberdade com direitos iguais na

construção do conhecimento.

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REFLEXÕES FINAIS

No meio do caminho... Tinha uma pedra no meio do caminho

Tinha uma pedra No meio do caminho tinha uma pedra

Nunca me esquecerei desse acontecimento Na vida de nossas retinas tão fatigadas

Nunca me esquecerei que no meio do caminho Tinha uma pedra

Tinha uma pedra no meio do caminho No meio do caminho tinha uma pedra

(Carlos Drummond de Andrade)

Iniciaremos nossas considerações refletindo acerca do poema de Carlos

Drummond de Andrade que, metaforicamente, discorre sobre uma pedra no meio do

caminho, o que nos faz compreender que pode se tratar das dificuldades da vida.

Então, nos perguntemos: O que isso tem a ver com a nossa pesquisa? Pois bem,

essa citação não está ai aleatoriamente, há um propósito. Refletiremos, aqui,

primeiramente, sobre o processo de inclusão do aluno com deficiência no ensino

regular, que é uma realidade, amparada por lei, porém, o que as pesquisas têm

mostrado é que o processo está se tornando uma PEDRA no caminho dos

professores, gestores das escolas, no sentido da deficiência na formação dos

profissionais da educação, ocasionando assim em despreparo em lidar com o aluno

com deficiência incluso na escola.

O processo de inclusão vem sendo discutido em âmbito mundial no que se

refere ao atendimento especializado para esse aluno, uma vez que não dá mais

para as escolas recusarem ou fingirem que proporcionam a este um atendimento

digno, valorizando as suas capacidades, quando, na verdade, estão contribuindo

para um processo de exclusão. Os profissionais têm que ter consciência que não dá

mais para justificar sua incapacidade perante a situação, mas buscar escrever essa

história com responsabilidade e atitude, de forma que contribuam para que esse

movimento cresça e faça uma nova história, em que a igualdade dos direitos das

pessoas impera sobre tudo e sobre todos.

Discutir a Educação na atualidade torna-se necessário, pois inúmeras são as

possibilidades de melhorias existentes nas diversas estratégias que podemos

desenvolver no processo de ensino. Um dos grandes desafios está na inclusão

escolar, que assume significados dentro de contextos históricos, nos quais irá

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efetivar-se. Atualmente, essa política educacional vincula-se ao combate da

exclusão social, demarcada no Brasil por expressiva desigualdade de distribuição de

renda. A inclusão é um processo previsto em leis, discutido em políticas públicas

nacionais e internacionais, mas ainda não se efetivam ações políticas capazes de

sustentá-la.

Há de se refletir e fazer referência a alguns professores que, no

desenvolvimento do processo de inclusão, externam seus medos em lidar com o

aluno com deficiência e, especificamente, com o surdo, que traz para o aprendizado

a LIBRAS, vista pelos professores como algo estranho e difícil de aprender. Tais

medos, consideramos, até certo ponto, como responsabilidade, na medida em que

esses profissionais buscam superá-los através da busca do conhecimento específico

paras as reais necessidades dos alunos. Contudo, conforme afirma Gesser (2009),

esses são medos que não possuem fundamentos, pois surdos são capazes de

expressar variados sentimentos, dialogar e discutir conceitos abstratos e temas

complexos e difíceis até mesmo para ouvintes.

Todo o processo de inclusão nos traz a reflexão sobre a “escola possível”, “e

a escola que queremos, na perspectiva de uma educação inclusiva”, onde todos os

alunos possam ter acesso ao conhecimento de maneira igualitária, criativa,

prazerosa e motivadora, tendo como prática a construção do conhecimento. No caso

do aluno surdo, significa proporcionar uma educação bilíngue, em que o mesmo

possa ter a oportunidade de aprender uma outra língua, tendo como base a LIBRAS,

com a liberdade de poder utilizá-la com competência e fluidez, pois só assim

efetivará uma aprendizagem significativa para sua vida.

Portanto, um fator a ser abordado é a questão do conhecimento e domínio da

LIBRAS. De fato, o “ideal” seria que alunos e professores fizessem uso dessa

língua, pois é nítido nas escolas, e em nossa pesquisa isso ficou evidente, através

da entrevista com a Professora Cristina, da sala de aula, que não sabia a LIBRAS, a

necessidade de tal conhecimento. Ela relata a dificuldade que teve e tem para poder

comunicar-se com o seu aluno surdo, bem como para explicar os conteúdos para

ele, mesmo tendo o apoio da intérprete.

Podemos relatar também que muitos profissionais que trabalham com alunos

surdos ficam preocupados apenas com o processo de inclusão, isso é importante,

mas deveriam preocupar-se também com o processo de aprendizagem dos

mesmos, pois se trata de falantes da Língua de Sinais, com marcas históricas,

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ideológicas e culturais, além de atravessados por discursos alheios, constrangidos

pela sistematização gramatical e semântica da língua. Dessa maneira,

compreendemos que o uso da LIBRAS constitui atividade intelectual e linguística,

encaminhando o surdo para ser capaz de escolher e decidir.

No intuito de compreender as nossas inquietações acerca do ensino do surdo

no que se refere ao seu aprendizado, inicialmente, buscamos uma escola de

referência do município de Cuiabá, onde conseguimos realizar tranquilamente a

nossa pesquisa. Diante disso, buscamos resolver as perguntas de pesquisa, as

quais levamos a campo para que pudéssemos respondê-las de acordo com o que

observamos na SRM, e nas análises das entrevistas com as professoras da mesma,

com a professora da sala de aula, com o aluno e sua mãe.

Ressaltamos a importância do instrumento de coleta de dados, a entrevista, a

qual serviu como pilar para encontrarmos respostas que nos levassem às

possibilidades de aprendizado e de superação do aluno surdo, e assim buscar retirar

a pedra do meio do caminho. Para tanto, nos embasamos nos teóricos Bakhtin e

Vygotsky, defensores e construtores de um conceito próprio de interação e,

consequentemente, de linguagem e de aprendizagem, utilizando assim a teoria

aplicada à prática.

Ao iniciarmos esse trabalho de pesquisa, trazíamos como bagagem uma

pequena experiência do trabalho com o aluno surdo no processo de alfabetização e,

ainda, duas questões que me inquietavam e me impulsionavam à pesquisa do tema.

A primeira dizia respeito às dificuldades de aprendizagem da Língua Portuguesa

pelo surdo, e quais as metodologias que eram aplicadas pelo professor da sala de

aula. A segunda apontava para o atendimento educacional especializado na SRM,

como isso contribuiria para aprendizagem do aluno surdo em sala de aula.

Para responder a essas questões, foi necessário buscar um referencial

teórico que dessa consistência às nossas hipóteses, no sentido de ratificá-las,

transformá-las ou negá-las, bem como foi necessário também ampliar nossos

conhecimentos, principalmente no que diz respeito às práticas pedagógicas dos

professores da SRM que trabalhavam com o aluno surdo, as suas concepções

sobre o ensino da leitura e da escrita que estruturam essas práticas e as que

poderiam ser suporte para estratégias de ensino mais produtivas.

Uma questão que ficou evidente referente à primeira entrevista que fora feita

com a professora da sala de aula é que, ao se deparar com o aluno surdo, ela teve

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inicialmente um sentimento de insegurança e incompetência em relação ao desafio

de trabalhar com este aluno, que não se encontrava dentro de sua referência de

normalidade. Fato que evidencia o seu despreparo, consequência de uma formação

deficitária, no sentido de não ter provido conhecimentos sobre as pessoas com

deficiência, já que, até então, estes antes eram atendidos em classes especiais.

Certamente, a professora também não trabalhou com a heterogeneidade, que

representa a realidade de qualquer sala de aula.

Durante o desenvolvimento deste trabalho, também foi possível identificar

avanço da professora da sala de aula no segundo semestre. Após nosso retorno à

escola, a mesma relatou em sua entrevista que ainda não sabia LIBRAS, mas que

está estava conseguindo realizar a comunicação com seu aluno no que se refere à

explicação dos conteúdos e, juntamente com a intérprete, o seu trabalho tem fluído.

Uma estratégia utilizada pela professora nos chamou a atenção, quando ela

faz um questionário para o aluno responder que se tratava da avaliação da sua aula:

o aluno a avalia com pontos positivos em algumas situações, mas ressalta que ela

fala muito rápido, que se dirige apenas para a intérprete, esquecendo quem é o

aluno, e que a professora deve estudar a LIBRAS.

A professora nos relatou que isso contribuiu muito para que ela entendesse e

se colocasse no lugar do aluno, e assim pode compreendê-lo melhor e, diante disso,

buscou se aproximar dele e direcionar-lhe perguntas diversas. Entrevemos nessa

atitude da professora um movimento exotópico que, segundo Bakhtin (BAKHTIN,

1992) significa colocar-se no lugar do outro, perceber o mundo como o outro vê para

depois retornar ao seu próprio lugar modificado.

A questão que o aluno assinala na avaliação da professora, no que se refere

à mesma dirigir-se ao intérprete quando se quer falar para o surdo, trata-se de uma

problemática na sala de aula onde existe o intérprete. Essa afirmação ficou clara no

excerto abaixo da entrevista da professora Márcia, quando mencionou sua

experiência enquanto intérprete e qual o papel deste:

O intérprete deve facilitar a comunicação, fazer a ponte, ele é quase invisível, devendo sempre propiciar o contato do professor com o aluno surdo, às vezes o intérprete quer ensinar, pois sabe que o surdo não está aprendendo, mas este deve fazer apenas sua função, ser a voz do surdo[...]

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Considerando o momento da professora da sala de aula, nos certificamos de

que quando o professor conhece melhor o seu aluno surdo, como sujeito social,

histórico e cultural, passa a reconhecer a importância e necessidade de um trabalho

docente que considere esse aluno como uma pessoa com capacidades. Conhecer o

aluno surdo nos aspectos referidos acima significa compreender a sua situação de

imersão em duas culturas, ouvinte e surda, e igualmente nas duas línguas que as

representam, a língua de uso majoritário e a Língua de Sinais, bem como a sua

situação social no que diz respeito à intensidade de suas relações interpessoais e as

consequentes possibilidades de desenvolvimento nelas oferecidas, considerando

também sua subjetividade.

Nesse sentido, os estudos de Vygotsky e Bakhtin são um importante

referencial teórico que fundamentou este trabalho e que aponta caminhos para uma

prática de leitura e escrita inclusiva na escola. Embora a maioria de seus trabalhos

tenham sido realizados na primeira metade do século XX, eles ainda se fazem muito

atuais, levantando questões preciosas para o ensino da língua(gem), o qual possui

uma importância vital para ambos.

Tecendo as teorizações de Bakhtin e Vygotsky com os fios do materialismo

dialético, que compreende o homem como ser social, histórico e cultural, eles

conferem à linguagem um lugar central na constituição da consciência humana.

Ambos enfatizam a linguagem como atividade, como espaço de produção de

discursos e de constituição de sujeitos, opondo-se à concepção de algo que já está

pronto e do qual o sujeito deve primeiro se apropriar para depois usar, quando, na

verdade, é construída ou reconstruída nas interações humanas cotidianas.

Assim, a partir das análises de Vygotsky e Bakhtin sobre a linguagem e dos

princípios firmados por eles, concluímos que o ensino de língua não deve se

restringir ao ensino da metalinguagem, principalmente no ensino para o aluno surdo

(conforme observamos nos dados analisados na aula da professora Nilza), utilizando

palavras, frases ou enunciados isolados, fora de seu contexto significativo, mas

deve, no entanto, ser pensado como lugar de práticas de linguagem, por meio das

quais o aluno possa compreender a funcionalidade da linguagem escrita,

aumentando suas possibilidades de uso, tornando-se assim um leitor crítico, autor

de suas próprias produções.

Acreditamos que o processo de inclusão vem se desenvolvendo

gradativamente, na medida em que todos os profissionais da escola cooperam para

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construção e reflexão acerca do que é, de fato, uma escola inclusiva e o papel de

cada um nela, com seus direitos deveres conforme a legislação e os princípios

humanísticos.

Na escola pesquisada, apesar de ter uma visão inclusiva, acreditamos que o

processo de INCLUSÃO vem se encaminhando. A Educação Inclusiva ainda se

encontra um pouco tímida, tendo maior reflexão e credibilidade por parte das

professoras da SRM, que na medida do possível, levam à baila a discussão em

momentos de formação na escola, às vezes tendo que fazer uma explicação

incessante e repetitiva sobre como lidar com os alunos com deficiência, o que na

verdade deveria surgir naturalmente, pois vivemos num mundo da diversidade, e a

escola deve ter como objetivo também esse trabalho.

Assim, revisitando nossas questões de pesquisa, buscaremos através da

análise dos dados coletados afirmar que é possível efetivar a aprendizagem do

surdo na SRM através dos 03 momentos didático–pedagógicos, que isso contribui

para o seu desenvolvimento na sala de aula. Portanto, cremos já haver dados

suficientes para respondermos as nossas questões de pesquisa, as quais

retomamos.

1- Quais são as metodologias desenvolvidas nos 03 momentos didático–

pedagógicos aplicados pelas professoras da SRM no ensino para alunos

surdos na EMEB Maria Dimpina?

2- Como se dá o processo interacional entre professor-aluno, e como isso

interfere no processo de ensino-aprendizagem no contexto da SRM?

Conforme já explicitamos na sala de Recursos Multifuncionais da EMEB Maria

Dimpina, as professoras utilizam-se dos 03 momentos didático-pedagógicos, que

são:-Atendimento Educacional Especializado para o Ensino em LIBRAS; -

Atendimento Educacional Especializado para o ensino de LIBRAS; - Atendimento

para o ensino da Língua Portuguesa. A pesquisa demonstrou que tais momentos

vêm dando resultados quanto ao processo de ensino–aprendizagem do aluno

surdo, pois esses momentos contemplam as necessidades do mesmo no que se

refere à aprendizagem da LIBRAS e da Língua Portuguesa.

Reafirmamos, ainda, que conforme informação da Equipe da Educação

Especial da Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá, esta metodologia foi

implantada apenas nessa escola, pois se trata de uma escola de referência.

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Ainda na tentativa de responder as perguntas, buscaremos nos atentar aos

detalhes do todo na escola, focando no atendimento na SRM. Em nossa

observação, ficou perceptível que a implantação dos três momentos didático-

pedagógicos é essencial para o desenvolvimento do trabalho na SRM. Nessa

metodologia, cada profissional desenvolve seu atendimento de acordo com a sua

especificidade, ou seja, o professor irá elaborar atividades referentes às reais

necessidades do aluno, abrangendo principalmente suas dificuldades e visando a

superação delas.

Sobre o momento do atendimento para o ensino da Língua Portuguesa, é

bastante interessante ressaltar que a professora que atende o aluno é formada na

área, o que contribui para que este desenvolva de fato um trabalho linguístico;

também há o trabalho com a professora surda, que visa o desenvolvimento da

LIBRAS e sua complexidade, e, por fim, há uma professora que trabalha a questão

do atendimento especializado para o ensino de LIBRAS, focando a estrutura da

Língua de Sinais. Esses momentos didáticos nos demonstraram ser imprescindíveis

para que o trabalho da SRM com o surdo de fato venha a desenvolver todas as

questões: cognitiva, psicológica e social do aluno.

Faz-se mister ressaltar que, de acordo com o Fascículo do Ministério da

Educação - A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar/ Abordagem

Bilíngue na Escolarização de Pessoas com Surdez (2010, p.20), no momento do

AEE para o ensino da Língua Portuguesa escrita o professor não utiliza LIBRAS, a

qual não é indicada como intermediária nesse aprendizado. Entretanto, é previsível

que o aluno utilize a interlíngua na reflexão sobre as duas línguas, cabendo ao

professor mediar o processo de modo á conduzi-lo gradativamente a diminuição

desse uso.

Nesse sentido, salientamos que com o aluno pesquisado é possível o

professor não utilizar LIBRAS na aula, pois, conforme já assinalamos, trata-se de um

aluno que oraliza bem, possui implante coclear, tem acompanhamento e orientação

da família no seu aprendizado, é bastante ativo e observador, o que contribui para a

sua compreensão e para a interação em sala de aula, no entanto, para os alunos

com surdez profunda ou severa não será possível, pois eles não compreenderão o

que está sendo oralizado, já que na maioria dos casos, estes nem dominam a

LIBRAS, não possuem conhecimento da sua língua, portanto, não conseguirão

efetivar o seu aprendizado.

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No que concerne à relevância da construção desse novo paradigma na SRM,

trata-se de um momento histórico, pois, na maioria das vezes o atendimento na

SRM se dá apenas com um professor, no caso, um pedagogo, e na sala há vários

alunos com diversas deficiências, o que acaba dificultando o atendimento na sua

especificidade, pois o professor deverá elaborar atividades diferenciadas de acordo

com as necessidades de cada um, e o tempo é muito pouco para que possa dar

atenção e atendimento a todos.

Convém destacar que todo esse processo na escola pesquisada vem

caminhando para a melhoria e efetivação de um atendimento adequado às

necessidades do aluno surdo devido a vários aspectos, por isso acreditamos que se

trata de um trabalho necessário ao atendimento especializado ao aluno surdo,

destacando-se:

Implantação de uma metodologia que contemple 03 momentos didático-

pedagógicos na SRM;

Professoras da SRM qualificadas na área da Educação Especial/Educação

Inclusiva-Auditiva, com experiência na área;

Perfil de alfabetizadora da professora da sala de aula do aluno Davi;

Professora surda trabalhando com as especificidades da LIBRAS com o aluno

surdo;

Interação entre professoras da SRM com a professora da sala de aula no que

se refere a trocas de informações do desenvolvimento do aluno, elaboração

de atividades específicas às necessidades do mesmo;

Equipe gestora com o processo de inclusão;

Família comprometida e envolvida com o aprendizado do filho;

Pais que conhecem e dominam a LIBRAS, e possuem também o

conhecimento da Língua Portuguesa;

Ambiente em casa estimulador no que se refere ao aprendizado da

LIBRAS/Língua Portuguesa;

Aluno que oraliza, possui implante coclear, boa comunicação, tem

conhecimento de mundo.

Esses pontos positivos contribuem para que se efetive de fato a

aprendizagem do aluno, porém há de se destacar que, conforme relato das

professoras em entrevistas, no primeiro semestre só houve um encontro com a

professora da sala de aula com a professora da SRM da Língua Portuguesa. Porém,

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no início do segundo semestre, realizou-se um encontro entre as professoras, o que

culminou em trocas de informações referentes ao desenvolvimento do aluno e às

possíveis intervenções.

Acreditamos que tal contato é muito importante para que a professora da sala

de aula possa dialogar acerca das necessidades do aluno, e, assim, elaborarem um

planejamento de atividades que visem à superação do aluno, pois conforme o PPP

da escola, há a hora atividade, mas de acordo com a informação das professoras,

ela acontece em cada uma em seu horário, o que dificulta essa integração, haja

vista que as professoras da SRM trabalham em turno diferente da professora da sala

de aula.

No que se refere à segunda questão de pesquisa, que trata do processo

interacional entre professor-aluno e como isso interfere no processo de ensino-

aprendizagem no contexto da SRM, verificamos, a partir das entrevistas, que há um

trabalho articulado entre as professoras da SRM e da sala de aula, na medida em

que as profissionais trocam informações, atividades e orientações acerca da

aprendizagem do aluno Davi. É importante enfatizar que também há interação entre

as professoras e o aluno, como pudemos observar nas aulas ministradas na SRM,

nas resoluções das atividades, na troca e construção do conhecimento. No

fragmento da entrevista (abaixo) da professora Márcia, pudemos constatar

momentos de interação em sala de aula.

A primeira coisa a se fazer para que haja a interação entre professor e aluno é manter o contato com o aluno surdo da mesma maneira como se faz com o aluno ouvinte, pois quando o aluno tem intérprete a pergunta geralmente é direcionada ao intérprete e não ao surdo. Quem tem que ter contato com o aluno é o professor e quando isso acontece há a interação e aprendizagem. A dificuldade está aí, pois se tivesse o contato o professor iria aprender a língua e assim conseguiria saber quais são as verdadeiras dificuldades do aluno. Desse modo, o professor iria entender o processo cognitivo do aluno e como deveria ser ensinado a LP e como o aluno a compreende.

Isso nos faz refletir que realmente faz-se necessário o diálogo para que haja,

de fato, comunicação e entendimento da real situação do aluno, suas dificuldades,

superações e aprendizagem e, dessa forma, o professor poderá intervir de maneira

realista e condizente às reais necessidades do mesmo.

Desse modo, busquemos sustentação em Bakhtin, que discorre sobre:

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O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode- se compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja (BAKHTIN, 1988, p. 109).

Entendemos assim que Bakhtin nos apresenta uma forma diferente de

pensar sobre o ser dialógico, pois na sua concepção o sujeito interage socialmente

por meio da linguagem e o diálogo por si é a figura clássica da comunicação verbal,

sendo que esta ação sempre acarretará numa ação responsiva, ou seja, uma

resposta, pois toda ação provoca uma atitude responsiva. Com base nos estudos

de Bakhtin (1997), o princípio dialógico institui a alteridade como constituinte do ser

humano e de seus discursos.

Para esse autor, a palavra do outro é que nos traz ao mundo exterior. Esse

autor menciona que

“a experiência verbal individual do homem toma forma e evolui sob o efeito da interação contínua e permanente com os enunciados individuais do outro. É uma experiência que se pode, em certa medida, definir como um processo de assimilação, mais ou menos criativo das palavras do outro, e não as palavras da língua” (BAKHTIN, 1997, p.314).

É a partir dessa constatação que Bakhtin afirma:

Nossa fala, isto é, nossos enunciados (...), estão repletos de palavras dos outros, caracterizadas, em graus variáveis, pela alteridade ou pela assimilação, caracterizadas, também em graus variáveis, por um emprego consciente e decalcado. As palavras dos outros introduzem sua própria expressividade, seu tom valorativo, que assimilamos, reestruturamos e modificamos (BAKHTIN, 1997, p. 314).

No entanto, Bakhtin aposta no diálogo como, fundamentalmente, um ato

social. “O dialógico está na base de todas as relações do homem com o homem,

com o mundo, com as coisas, com o conhecimento, evidentemente o social vai

permear todas essas relações. Não é possível a produção do conhecimento sem

que se tenha como referência o outro” (FREITAS, 1994, p.8).

Como não é nosso objetivo transcrever os depoimentos de todas as

professoras entrevistadas, restrinjo-me a comentar a respeito sobre dois pontos

importantes das falas das professoras da SRM, da professora da sala de aula, mãe

e do aluno. Parece-me que a visão que norteia as professoras da SRM sobre o

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atendimento educacional especializado é de extrema relevância para o processo

inclusivo, na medida em que busca trabalhar o aluno na sua singularidade,

desenvolvendo assim suas capacidades, muitas vezes invisíveis aos olhos do

professor da sala de aula.

Acreditamos ser relevante mencionar novamente aqui sucintamente um

excerto da entrevista da professora da sala de aula em sua segunda entrevista, que

deixa claro o avanço do aluno no início do II semestre.

A professora relata que,

considerando a experiência no primeiro semestre e o avanço do aluno em sua aprendizagem, tem consciência da importância do aprendizado da Língua Portuguesa para a vida do aluno, sua interação com as pessoas, enfim, mas acrescenta que a escrita do aluno ainda se torna um tanto confusa, pois não apresenta os conectivos, mas mesmo assim é importante ele estar no mundo dos ouvintes.

Assim, nossas teorizações e reflexões desenvolvidas neste trabalho sobre o

atendimento educacional especializado na SRM para o aluno surdo, sua

contribuição na sala de aula para a aprendizagem do aluno, nos dão a certeza para

afirmar que esse atendimento se faz necessário para apoiar e complementar o

conteúdo que está sendo desenvolvido na sala de aula. No caso do aluno surdo, a

implantação dos três momentos didático-pedagógicos é muito relevante e tem

contribuído para a efetivação da aprendizagem da educação bilíngue.

Nesse sentido, sugerimos à Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá que

implante em outras salas de recursos multifuncionais para surdos essa metodologia,

pois assim contribuirá para que os alunos surdos cheguem à universidade e se

tornem cidadãos de fato e de direito. Quanto à realização do planejamento coletivo

entre as professoras da SRM e da sala de aula, sugerimos que a Secretaria faça um

cronograma anual, onde tenha pelo menos um encontro uma vez por mês entre as

professoras para que possam trocar informações, ideias acerca do desenvolvimento

da aprendizagem do aluno e as possíveis intervenções.

Outro fator que contribuiu para a efetivação e sucesso desse trabalho é em

relação à progressão do aluno Davi, trata-se de um aluno bem orientado, tem

acompanhamento dos pais na escola e em casa, pois eles têm conhecimento tanto

da LIBRAS quanto da Língua Portuguesa. Desse modo, o aluno domina a LIBRAS,

tendo esta como sua primeira língua, interage bem com as pessoas, possui boa

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comunicação, e tem consciência da importância de aprender português para

alcançar os seus objetivos.

Por se tratar de um aluno comunicativo, inteligente, tem boa interação com as

professoras da SRM, isso ficou perceptível no desenvolvimento das atividades, pois

aluno e professoras construíram conhecimento numa troca dialógica, surdo

ensinando sua língua\LIBRAS (L1), enquanto ouvintes (professoras) ensinando os

múltiplos significados das palavras da Língua Portuguesa (L2), isso é de fato um

processo inclusivo.

Outra questão que é pertinente registrar aqui é o perfil alfabetizador da

professora da sala de aula, sua preocupação e busca por atividades diferenciadas e

aplicabilidade das mesmas, desenvolvendo, assim, uma aprendizagem significativa

para o aluno. Quanto às professoras da SRM, são profissionais qualificadas em nível

de escolaridade, possui experiência na área, o que contribuiu para que o processo

avance.

Portanto, vimos que o processo de inclusão envolve todos os profissionais da

escola, tendo cada um sua importância nessa construção. A realidade do aluno

pesquisado é de privilégio, na medida em que possui pontos positivos em todos os

aspectos que envolvem as esferas: educacional, psicológica, social, como já

descrevemos anteriormente, pois a maioria dos alunos surdos inclusos encontram-

se em situações desprivilegiadas em todos esses sentidos, são “inclusos” em

escolas com defasagem idade/série, não dominam a LIBRAS e sua estrutura, não

possuem apoio familiar, e ocasionalmente acabam sendo incluídos nas estatísticas

como alunos evadidos ou “analfabetos”.

Apesar de sabermos que a educação inclusiva vive um processo, que está

havendo melhorias, ainda é vista como um grande desafio para o ensino

aprendizagem do surdo. Nossa pesquisa demonstra, através de uma visão dialógica,

que é possível mudar paradigmas e avançar no processo de ensino, porém, há

algumas situações a serem trabalhadas e melhor compreendidas, principalmente

aquelas que dependem basicamente da capacidade do ser humano, do seu olhar,

do seu falar, da capacidade de conhecer e amar o outro, pois quando fazemos uso

de todos esses verbos, eles nos complementam e nos tornam mais humanos.

Assim, é sob esse olhar que afirmamos que a SRM da EMEB Maria Dimpina

Lobo Duarte, através do desenvolvimento do trabalho das suas professoras, está

cumprindo com o que determina a Lei, os princípios da Educação Inclusiva, as

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concepções pedagógicas nas suas especificidades e, principalmente, o

desenvolvimento de um aprendizado baseado na interação, no respeito e na

igualdade, resultando assim num menino DAVI, competente, autor dos seus

discursos, menino com a energia de um gigante, tendo como força maior a

perspectiva de um futuro, alicerçada numa visão realística e de cidadania, como

afirma o aluno Davi no trecho abaixo de sua entrevista .

Estou muito feliz com essa pesquisa, pois se trata do ensino da LP para surdos, é um avanço na educação, os ouvintes precisam pesquisar e estudar sobre a educação dos surdos, mas os surdos também têm que estudar, buscar estudar e não brincar, entender a LP e procurar estudá-la para que façam um mestrado e doutorado, e assim conseguir um emprego bom, passar em concurso e ter um bom salário, meus pais sempre me diz que é importante estudar e aprender a LP, que as pesquisas é que estão ajudando as pessoas a entender a LIBRAS e os surdos, assim acontece o avanço na educação inclusiva, pois estamos vivendo um outro momento na sociedade, onde o surdo é visto como inteligente e sua escrita como algo inteligível, estou feliz...”

Isso é de fato um processo de INCLUSÃO, não só acreditar nas suas

capacidades, mas contribuir para que as vozes do menino Davi ecoem sempre em

pé de igualdade. Acreditamos, assim, que Davi já está rolando a pedra do meio do

caminho com o sopro das suas capacidades e com o olhar de otimismo de que o

futuro virá e com ele novas perspectivas de dias melhores.

Enfim, CONCLUIR não é tarefa fácil, pois a noção de acabamento está

relacionada ao fim, à conclusão, e sabemos que os apontamentos e as reflexões

elencadas aqui são apenas um pingo no oceano, mas esperamos que contribuam

para a pesquisa na educação dos surdos. As vozes que constituíram nossa

enunciação foram suporte para que pudéssemos afirmar ser possível ter uma escola

inclusiva, onde os alunos surdos possam ser autores da sua própria produção, que

possam escolher uma profissão, que possam fazer valer a sua voz gritando por

liberdade, de igualdade social, para serem donos das suas próprias ideias e

decisões, e assim, os professores e gestores da escola poderão começar a rolar a

pedra que se encontra ainda no meio do caminho.

Portanto, nosso compromisso, neste trabalho, não foi com o dizer de uma

única verdade, mas com a possibilidade da realização ética da provisoriedade que

nossa verdade veicula, pois, conforme Bakhtin, admitimos que "a verdade não se

encontra no interior de uma única pessoa, mas está na interação dialógica entre

pessoas que a procuram coletivamente" (FREITAS et al, 2003, p.90).

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Estamos finalizando, por ora, a nossa viagem no barco da inclusão, onde as

informações foram o remo para se chegar ao porto, que é nosso objetivo. Mas vale

ainda perguntar:

A pedra no meio do caminho, de Carlos Drummond de Andrade, encontra-se

ainda no meio do caminho, ou ela já está de um lado do caminho, sendo removida

de forma coletiva pelo todo, que é a escola e a sociedade?

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ANEXOS

Escola Maria Dimpina Lobo Duarte

Instrumento de Entrevista com a Professora da Sala de Aula- 1º Semestre

Professor(a): Cristina

Formação: Pedagogia, especialização em Educação Infantil

Como está sendo sua experiência com o aluno surdo em sala?

Você possui cursos na área da Educação Especial?

Qual foi sua reação ao saber que teria um aluno surdo em sala?

Qual sua maior dificuldade na relação de mediação dos conteúdos com o

aluno surdo?

Você tem domínio da LIBRAS? Para você, qual a importância dessa língua

no processo de aprendizagem do aluno surdo?

Na sua opinião, qual a importância de se ensinar a Língua Portuguesa para o

surdo?

No seu ponto de vista, quais são as maiores dificuldades do aluno surdo no

processo de aprendizagem da Língua Portuguesa em sala de aula?

Dê sua opinião sobre o processo de inclusão na escola, dificuldades e

avanços.

Na sua opinião, qual está sendo a contribuição da SRM para a aprendizagem

do aluno em sala de aula?

Você mantém contato com os professores da SRM para trocar ideias e

informações acerca do aluno atendido?

A professora inicia a sua entrevista, relatando que assim que se deparou com o

aluno surdo na sala de aula, levou um susto, pois já trabalhou com alunos com

deficiência física e intelectual, mas não com surdez. Assim, várias coisas se

passaram na sua cabeça, pois se tratava de uma experiência nova, porém, o aluno

encontrava-se ali, portanto, necessitava ser ensinado. Procurou inicialmente

conhecê-lo chegando perto, comunicou-se com ele verbalmente, e então percebeu

que ele verbalizava, que escutava um pouco e fazia leitura labial, então se optou por

falar perto e com ele.

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Ao final da entrevista, a professora externa sua preocupação quanto à

aprendizagem dos alunos e a efetivação dos conteúdos no que se refere aos

gêneros textuais, produção textual e a leitura com os alunos e, em específico com o

aluno surdo, principalmente porque eles são avaliados em diversas formas,

destacando-se assim a provinha Brasil. Ressalta que está sendo uma experiência

nova alfabetizar esse aluno, que está sendo desafiador, tem a certeza de que a

aprendizagem está sendo construída na relação professor \ aluno.

A professora fez questão de afirmar que gosta de trabalhar nessa escola, que

tem orientação e acompanhamento da coordenadora e com isso tem conseguido

melhorias em seu trabalho, que a equipe gestora é bem articulada e trabalha em

consonância com o Projeto Político Pedagógico.

Instrumento de Entrevista/ Professora do Ensino Regular – 2º Semestre

Professora: Cristina

Como está sendo sua visão da capacidade do aluno surdo no segundo

semestre?

Qual o seu conceito hoje em relação a capacidade do surdo na aprendizagem

da LP?

Qual a sua maior dificuldade na relação de mediação dos conteúdos com o

aluno surdo?

Considerando a sua experiência no primeiro semestre:

* Qual a importância do ensino de LP para o surdo?

* Quais são as maiores dificuldades do aluno surdo no processo de

aprendizagem da LP em sala de aula?

* Durante o primeiro semestre houve algum encontro com as professoras

da SRM referente ao trabalho desenvolvido pelas mesmas?

* Qual está sendo a contribuição da SRM para a aprendizagem da LP do

aluno surdo em sala de aula?

* Há algum planejamento de encontro entre você e as Professoras da SRM

para troca ideias e informações e orientações acerca do trabalho desenvolvido?

* Qual a sua relação com o surdo no processo de trocas de conhecimentos?

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Instrumento de Entrevista com a Professora da SRM – Atendimento

Educacional Especializado para o Ensino em LIBRAS.

Professora: Márcia

Formação: Pedagoga (cursando especialização em AEE)

Há quanto tempo trabalha com alunos surdos na SRM?

Como é trabalhar com um aluno que tem orientação e acompanhamento da

família?

Na sua opinião, quais são as dificuldades do surdo no processo da Língua

Portuguesa no sentido da compreensão dos significados das palavras? Qual

é a dificuldade do aluno na sala de aula comum no processo de produção da

Língua Portuguesa?

Qual é a maior dificuldade do surdo no aprendizado da Língua Portuguesa,

você acha que é a falta de uma metodologia que atenda suas necessidades. Porque

o surdo tem tanta dificuldade em acompanhar os conteúdos de Língua Portuguesa

em sala de aula?

Qual a maior dificuldade do professor de sala de aula para oportunizar o

aprendizado de Língua Portuguesa para o surdo?

Para você, é importante no aprendizado do surdo na SRM os 03 momentos

que estão sendo desenvolvidos nesta escola?

Como você avalia o processo de inclusão, e principalmente a educação dos

surdos? Quais são as dificuldades e avanços no desenvolvimento da SRM e

a contribuição para a aprendizagem do surdo?

O que ainda precisa acontecer para que se efetive de fato o processo de

inclusão e a aprendizagem do surdo em Língua Portuguesa?

A entrevista com a professora Márcia fora realizada na SRM, no horário da

sua aula, período vespertino.

Quanto ao processo de alfabetização, a professora faz uma comparação

entre os ouvintes e os alunos surdos no que se refere ao ambiente familiar, e assim

verificar se as dificuldades encontram-se só no processo de alfabetização ou

abrangem outras questões: o que vejo são alunos que não possuem estímulos em

casa, não há livros e nem diálogos, a questão do acompanhamento da família é

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muito importante. Na questão dos surdos, a maioria dos pais não sabem LIBRAS,

daí o processo torna-se mais complicado, e não há busca por parte dos mesmos. È

muito importante que o surdo tenha contato com a LIBRAS desde os seus primeiros

meses de vida, o que irá facilitar para ele a comunicação, a leitura e escrita junto

com seu significado. Nesse caso, faz-se necessário promover em casa o

conhecimento para o aluno, uma das estratégias seria etiquetar os objetos. Para que

o mesmo possa ter contato com a escrita e o significado das palavras.

Ainda sobre a aprendizagem do surdo, a professora dá um exemplo de uma

experiência sua, sou filha de surda, meu pai ouvia, mas não ficava em casa, tinha

palavras que eu com 15 anos não sabia. Por exemplo, fui a um almoço, e uma

mulher me disse: - Pega a espumadeira, eu não sabia o que era, fiquei preocupada,

eu não sabia e a mulher ficou indignada por eu não saber com aquela idade, mas

minha mãe não falava as palavras, apenas os sinais, por ser surda ela não sabia a

palavra, mas o sinal e assim é para o surdo que tem pais ouvintes, as mensagens

quando chegam é de maneira distorcida .

ele não pode completar-se. (BAKHTIN, 2010[1922-1924], p.22-23). Três momentos didáticos na SRM e sua relevância no ensino do surdo

A professora relata que no tocante a concretização dos 03 momentos na

SRM, inicialmente quando começou a trabalhar naquela sala não conhecia essa

metodologia, achei muito interessante e rico, há os momentos do aluno com cada

professor e assim o ensino flui, pois são informações relevantes para que o mesmo

tenha um desenvolvimento em todas as áreas do conhecimento, isso mesclado com

a prática o que é mais importante.

No que concerne ao processo de inclusão, professora diz que “por conhecer e

respeitar a LIBRAS, tenho minha opinião acerca da inclusão, mas para não ter um

pensamento errôneo, perguntei a minha colega, que é uma surda sobre o processo

de inclusão, fiquei bastante feliz quando constatei que tinha a mesma visão que eu

quanto ao processo inclusivo, que há falhas, mas há avanços, e uma delas é este

momento histórico, estarmos discutindo, refletindo e realizando pesquisas sobre

isso. Para elucidar essa opinião, a minha colega relata que gostou mais de ter

estudado nas escolas inclusivas do que nas escolas especiais, mesmo com o

despreparo ainda dos profissionais, vale a pena, só de o aluno estar em contato com

os colegas, ter sua escrita avaliada através de provas, observar o ambiente, já está

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aprendendo. Discorre que o funcionamento da SRM é uma conquista, pensar o

aluno com deficiência em sua especificidade e trabalhar isso é realmente

compensador.

Aprendizado em LP, a reclamação dos surdos é que a LP é muito difícil, que

gostaria que os ouvintes entendessem isso, que não somos burros, apenas

escrevemos de acordo com a nossa língua, que escrever em LP é difícil para nós”.

Essa questão nos faz perceber que se trata de sofrimento para o surdo o

aprendizado da LP. Nesse sentido, se todos os professores tivessem o

conhecimento de como funciona o processo cognitivo do surdo, as coisas iriam

acontecer e melhoraria o atendimento do aluno no processo de aprendizagem de

modo geral, pois se fala em inclusão, vai lá e incluem-se os alunos, passando a

responsabilidade para a escola em promover de fato a inclusão. No caso do surdo

deve-se discutir a questão da sua da escrita, vejo que alguns professores hoje

conseguem avaliar o aluno levando em consideração sua produção, mas ainda falta

muito para chegarmos a concretização da inclusão de fato.

A professora mencionou que é importante termos conhecimento e clareza da

função entre o intérprete e o professor da sala de aula, o intérprete deve facilitar a

comunicação, fazer a ponte, ele é quase invisível, devendo sempre propiciar o

contato do professor com o aluno surdo, as vezes o intérprete quer ensinar, pois

sabe que o surdo não está aprendendo, mas este deve fazer apenas sua função, ser

a voz do surdo. Relato isso devido a minha experiência enquanto intérprete. Houve

uma vez que estava em sala de aula interpretando para o aluno, de repente o aluno

surdo levanta a mão para fazer uma pergunta para o professor que se encontrava

explicando o conteúdo, nesse momento chamei atenção dele para que me

perguntasse primeiro para depois fazer a pergunta para o professor, pois no meu

entendimento, ele tinha que perguntar primeiro pra mim.

Eu pensei que o aluno viria com uma pergunta que não tivesse nada a ver

com o conteúdo, mas o professor percebeu e deu a vez para o aluno, e este fez uma

pergunta dentro do contexto, tratava-se de uma pergunta pertinente e bastante

crítica. A partir desse momento percebi que deveria deixar meu aluno expressar

suas dúvidas e certezas, isso demonstra que eu ainda não conhecia o meu aluno,

pois tratava-se de um aluno bastante inteligente, curioso e pesquisador, e tinha

orientação dos seus pais, que são surdos. Através dessa experiência pude aprender

muita coisa com ele e mudei minha concepção, pois o intérprete tem que oportunizar

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143

a interação professor e aluno, tem que lembrar para o aluno que não é a professora,

tem que fazer a ponte entre o professor e o aluno, estabelecendo assim o contato

entre ambos.

Instrumento de Entrevista com a Professora da SRM-Atendimento Educacional

Especializado para o Ensino de LIBRAS.

Professora: Vera

Formação: Pedagogia, cursando especialização em AEE

Na sua opinião, qual a contribuição do seu trabalho para a aprendizagem do

aluno surdo em sala de aula?

Qual a metodologia adotada para a efetivação da compreensão dos

significados atribuídos as palavras e situações ?

O que você acha dessa metodologia de ensino que engloba os 03 momentos

na SRM?

Como se deu o seu aprendizado em Língua Portuguesa, quais foram suas

dificuldades? Você acha que são as mesmas dificuldades dos seus alunos?

Você tem contato com a professora da sala de aula?

Para você, o que precisa ser melhorado no processo de aprendizagem do

aluno surdo na sala de aula?

A entrevista deu-se na SRM, no horário da aula, período vespertinoEla

começa a entrevista relatando que aprendeu LIBRAS com 18 anos, filha de pais

ouvintes, só tinha convivência com ouvintes, que aprendeu a língua com os surdos,

e a partir disso, começou a pesquisar para que pudesse ampliar seu vocabulário. Eu

começo o meu trabalho buscando conhecer as necessidades dos alunos,

procurando saber e conhecer os seus níveis de escolaridade, pois há alguns que

apresentam a surdez e também outro tipo de deficiência. Diante dessas informações

faço um diagnóstico do aluno, o seu conhecimento de mundo, suas dúvidas etc., e a

partir disso faço meu planejamento e início o meu trabalho, buscando sempre

trabalhar todas as questões que envolvem a vida do ser humano: Social, higiene,

comportamento, profissão e outros.

manual ou não”.

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144

Estudei na escola pública até o ensino médio. Para entrar na faculdade,

primeiro fiz uma prova de redação, fiz pedagogia à distância pela ULBRA21 por

03 anos e meio, não havia intérprete, a faculdade não contratava intérprete, mas

havia uma tutora que acompanhava a turma e sabia LIBRAS, era ela que me

ajudava a entender os conteúdos, quando tinha dúvidas ia a casa da tutora e

esta me ajudava a fazer as atividades e compreender os conteúdos. Na

resolução dos trabalhos, primeiro eu fazia do meu jeito em libras e depois a

tutora escrevia em português, porque a faculdade não aceitava do jeito que eu

escrevia, isso foi no primeiro ano. No segundo ano, o estudo começou a ficar

mais complicado, era sobre leis, educação especial, ética, sobre deficiências,

várias coisas, braille, a gente estudou de tudo. No 3º ano, mais difícil ainda, tinha

que ler mais, na disciplina de matemática, eu tinha muitas dificuldades e

perguntava se os ouvintes sabiam, eles não sabiam também, ai eles me

ajudavam um pouco, na prova eu via que errava, mas entregava assim mesmo.

No 3º ano reprovei de algumas disciplinas, daí eu passei e ao final fiz um artigo

sobre a educação inclusiva, daí eu me formei, não foi fácil.

Atualmente faço pós junto com a professora Marcia, eu espero ela ler, ela

entende e passa pra mim em LIBRAS, pois tem muitas palavras que eu não

conheço e o ouvinte conhece, muito português profundo, é difícil, eu ajudo a

professora e ela a mim, eu digito e envio. Antes de fazer essa pós iniciei uma em

LIBRAS, mas era só o básico, isso eu já sabia, desisti.

No que concerne à metodologia que desenvolvo na SRM, primeiro faço o

planejamento, pesquisando na internet, depois faço as atividades com muitas

figuras e sinais, simples e profundo, incluindo a história dos surdos no Brasil,

valores monetários, profissões, mostro as coisas do dia-a-dia, imprimo

atividades, mas uso muitas figuras, vídeos e diálogos em LIBRAS, busco

trabalhar com materiais concretos e com a vivência dos alunos. No que se refere

a metodologia da SRM, que engloba os três momentos, é muito interessante, há

troca de conhecimento, integração dos conteúdos, por exemplo se a professora

da sala de aula está trabalhando o conteúdo sobre a Aids, então os professores

da SRM irão trabalhar esse conteúdo de forma mais específica, qual o sinal,

significado, o que é, dai a outra professora ajuda ensinar os conceitos, e a

21

Universidade Luterana do Brasil

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145

professora de LP ensina tudo isso em produção de texto, é muito importante

essa interação, um ajuda o outro, complementando de forma dialógica..

Para falar das dificuldades do surdo no aprendizado da LP, a professora

começa relatando a sua experiência. Comecei estudando numa escola municipal

em Londrina, era tudo em libras, eu gostava, porém, quando cheguei em MT já

estava iniciando o processo de inclusão, ou seja, na sala de aula tinha ouvintes e

alunos com deficiência, no meu caso, na sala que fui inclusa só havia eu de

surda. A metodologia era da seguinte forma, o professor entregava livros para ler

e estudar, eu não sabia ler, e quando chegava em casa mostrava para os meus

pais, eles não conseguiam me ensinar, pois estudaram até o 4º ano no sítio,

pedia pra minha cunhada, ela me explicava um pouco, mas eu não entendia. No

dia da prova, eu ficava muito nervosa, pois era muito difícil, fazia do meu jeito,

horrível, tudo trocado, daí a minha professora falou para a minha cunhada que eu

não sabia nada, ela brigou comigo porque eu não sabia escrever, era burra, e

afirmava, você quer ser empregada doméstica, escrevendo o português errado

desse jeito? Eu chorava muito, todo mundo me chamava de burra, minha

cunhada não entendia essa questão do aprendizado do surdo.

Diante de tal situação, estudei e me esforcei muito, lia, lia muito verbo no

presente, passado e futuro, daí fui melhorando, errando menos, hoje ainda erro,

porque a gente tem sempre que estar estudando. No segundo grau, estudei

muito e passei, passou-se um tempo e quando a minha cunhada voltou do Japão

e viu o quanto eu havia progredido, me parabenizou e eu fiquei muito feliz. Tenho

como prática a pesquisa no cotidiano, pesquiso muito, faço concurso, quando

não consigo, continuo tentando, no banco, eu me viro sozinha e resolvo, passo

mensagem e quando vem uma palavra difícil peço ajuda para o intérprete, ele me

explica, às vezes me sinto inferior, penso que sei menos, fico imaginando, mas

ando superando meus medos e dificuldades, hoje trabalho na UFMT, e fico

pensando que todos os profissionais de lá sabem LP muito bem e eu não, mas

sigo estudando.

Quanto ao contato com a professora da sala de aula, Vera afirma que

ainda não foi possível, mas iremos conversar, pois em outros anos tivemos

contato com as professoras da SRM e o resultado foi a evolução do aluno e dos

professores.

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146

Fazendo uma reflexão da minha história de vida e do cenário brasileiro,

ainda há muito que avançar no processo de aprendizagem do surdo, exemplo,

quando o professor da sala de aula explica, o aluno fica olhando e não

entendendo nada, nesse momento faz-se necessário o contato entre ambos, o

professor deve deixar claro o seu objetivo e como o aluno vai utilizá-lo em sua

vida. Desse modo, o professor deve fazer a cobrança para o aluno surdo, não é

porque ele é privado da audição que não deve ser igualado ao aluno ouvinte, não

deve ser visto como coitado, tem que exigir, só assim ele irá desenvolver melhor

a sua compreensão, eu me lembro que os professores cobravam de mim e isso

me ajudou muito.

Ao final, a professora quis fazer as suas considerações:

Os alunos surdos sempre me perguntam, como são os concursos

públicos, querem fazer e eu os aconselho a tentarem, eles indagam sobre as

profissões, se eles podem ser médicos, então, eu sempre mostro o que eles

podem fazer, quando tenho dúvidas pesquiso no computador para poder orientá-

los, por exemplo:

Para ilustrar a necessidade de promover a compreensão dos significados

das palavras, frases e textos para o surdo, darei um exemplo: Um aluno me

perguntou: - O que é fazer amor com você?

Vale ressaltar que o surdo pensa que fazer amor significa só o que está

escrito, o que é amor, às vezes ele não sabe que é fazer sexo, não entende o

significado da palavra, ele sempre tem que perguntar o significado das coisas,

eles olham ao pé da letra, para ele é amor de uma forma geral. Nesse aspecto e

considerando que toda palavra tem significado dependendo do contexto, tenho a

preocupação de que os surdos consigam compreender que tem que saberem os

significados das palavras.

Outro exemplo é em relação a compreensão do ditado popular, o ouvinte

entende logo, mas o surdo não consegue entender as entrelinhas contidas nas

piadas, então eu tento explicar para eles o implícito, que ler é profundo, isso é a

Língua Portuguesa.

Quanto ao aprendizado da Língua Portuguesa, ela enfatiza que é difícil sua

compreensão no que se refere ao significado da palavra e sua estrutura, pois para o

surdo isso se torna um grande desafio e a forma de superar isso é fazer o exercício

de pesquisa, sempre que vir uma palavra ou frase que não entender, é preciso

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buscar ajuda e pesquisar, isso nos dá a entender que o processo é de consciência

para o aluno e para o professor, este deve ter conhecimento de como funciona o

cognitivo do surdo, de que forma ele aprende, qual o seu objetivo em estar na sala

de aula, o que é importante para ele, e assim desenvolver atividades que de fato

tenham significado para o aluno, para seus objetivos e desejos.

Instrumento de Entrevista com a Professora da SRM- Atendimento

Especializado em Língua Portuguesa

Professora: Nilza

Formação: Letras/Espanhol, com respectivas Literaturas - Especialista

Quais são as dificuldades para o surdo em aprender a Língua Portuguesa?

Na sua opinião, é importante ter um professor formado na área para ensinar a

Língua Portuguesa para o aluno surdo? Por quê?

Você tem contato com a professora de sala de aula para trocas de

informações e orientações acerca do ensino de Língua Portuguesa ?

Qual a metodologia utilizada para a compreensão dos significados das

palavras?

Como você percebe e afirma que o aluno surdo está lendo?

Qual a contribuição do atendimento da SRM para o aprendizado da Língua

Portuguesa em sala de aula?

Baseado na sua experiência, está tendo evolução no processo de inclusão?

A entrevista com a professora Nilza fora realizada na SRM, no horário da sua

aula, período vespertino.

Quanto ao ensino da Língua Portuguesa, relata que se trata de uma das

línguas mais difíceis de aprender no que tange a sua gramática. Neste caso, a

criança ouvinte leva vantagem, pois desde o ventre de sua mãe tem contato com a

língua, e mesmo assim ainda apresenta dificuldades no aprendizado. Com o surdo é

diferente, não há contato desde pequeno a sua língua materna, a dificuldade

encontra-se principalmente por ele não ouvir e não falar, isso se torna mais

agravante no que se refere ao desconhecimento da família, as vezes até rejeita o

filho por não acreditar nas suas habilidades, e dessa forma não oportunizam o

conhecimento, porém há aquele aluno que tem contato com a libras em casa,

ocasionando assim no êxito na aprendizagem da LP.

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Nilza relata que acredita no processo de aprendizagem do surdo, deve-se

buscar as condições necessárias para que isso aconteça, pois o processo de leitura

e interpretação da língua depende das atividades diferenciadas, ou seja, o professor

deve dominar o conteúdo. Para o desenvolvimento do meu trabalho desenvolvo na

metodologia os recursos visuais, recortes de revistas, colagens, gravuras

dependendo da necessidade do aluno. EX: Quando trabalhei antônimos e

sinônimos, procurei trabalhar o vocabulário\atualidades, a cultura, trabalho com

estratégias que chamam atenção do aluno.

Quanto ao contato com a professora da sala de aula, foi possível apenas em

um momento, estive com todos os professores do aluno e a intérprete,

principalmente com a professora da alfabetização para saber como está o

desenvolvimento do aluno, e assim fazer o diagnóstico do que o aluno domina ou

não, a queixa foi feita pela professora de inglês, que o aluno encontra-se bastante

disperso nas suas aulas.

Para que eu possa verificar a leitura do aluno, primeiro faço o diagnóstico,

pergunto o porquê das coisas, o que ele entende, então ele deve explicar o que leu

dentro do contexto, essa compreensão muitas vezes é percebida através da

expressão do aluno, daí percebe-se se ele conseguiu entender, se é uma pergunta

interrogativa ou uma frase afirmativa, a questão da entonação é visível nesse

processo.

Nilza relata que quanto à contribuição do seu trabalho na SRM, está em

manter o contato com a professora da sala de aula, busca saber das dificuldades do

aluno e assim traçar estratégias para a superação dessas dificuldades. Trabalho

com a educação especial há 10 anos, com surdos no ensino da LP há 08 anos, já

trabalhei como intérprete em sala de aula durante 04 anos e na SRM há 03 anos,

mas sei que todo dia a gente está no processo de aprendizagem.

Por ter acompanhado o processo de inclusão desde que fora propagado,

acredito no seu avanço, principalmente na questão de ter um intérprete em sala de

aula, o aluno na escola hoje participa de todas as situações que acontecem, há

ajuda de recursos financeiros pelo governo federal, porém ainda faltam profissionais

capacitados.

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149

Instrumento de Entrevista com o aluno surdo Davi

Você gosta de estudar Língua Portuguesa?

Você gosta da escola, o que lhe atrai?

Como você se sente em sala de aula quando a professora está explicando a

Língua Portuguesa?

Qual a sua maior dificuldade no ensino da Língua Portuguesa?

Como você compreende os significados das palavras na leitura de um texto?

Para você, qual é o melhor momento na SRM?

Você gostaria que os professores da sala de aula soubessem LIBRAS?

Você acha importante aprender Língua Portuguesa? Para que serve na sua

vida?

Como você gostaria que fossem as aulas de Língua Portuguesa?

Qual é o seu comportamento e sentimento quando está em sala de aula sem

o intérprete?

A entrevista aconteceu na SRM e Davi, durante a mesma, mostrou-se muito

interessado, respondendo as questões com muita segurança e envolvimento.

Diante disso, as minhas dificuldades no aprendizado da LP são bastante, a

palavra as vezes é pequena, mas tem muitos significados, principalmente quando

está no texto, daí o surdo tem que estudar, buscar no dicionário, na internet para

saber o que é, de que se trata, a leitura de um texto e sua interpretação é muito

difícil.

Davi relata que, na maioria das vezes, o surdo não entende o significado, daí

ele vai buscando associação da palavra, de que está sendo tratada a palavra, mas

estou aprendendo que quando a palavra está só é apenas um amontoado de letras,

ela tem que estar num texto (refere-se ao contexto) e daí procurar entender de que

se trata, é um exercício de leitura.

Tenho aprendido a entender a importância da SRM, é nela que eu posso

esclarecer as minhas dúvidas e perguntar sem medo de errar, pois aqui tenho o

acompanhamento só para mim, as professoras têm conhecimento de tudo, aqui é

muito bom, aprender o português é importante, não importa se a professora sabe ou

não, mas é importante, estamos aprendendo, mas estudar a minha língua é muito

bom (faz uma expressão maravilhosa), é lindo, a instrutora nos ensina a norma culta

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dessa língua, o que vai nos ajudar lá no futuro quando eu for fazer mestrado,

doutorado e ser um professor na UFMT.

Acredito que para que haja sucesso no ensino é necessário que os surdos

aprendam melhor e o professor consiga dar sua aula de forma compensatória,

devem entender e saber a libras, assim ambos conseguirão interagir melhor.

Aprendi a respeitar a LP, ela é importante, tem que ter respeito, é a língua do

Brasil, o surdo tem que aprender a respeitá-la e ver a sua importância para que

possamos melhorar na profissão, ter mais conhecimento e fazer o mestrado e

doutorado e ser um professor que tenha um bom salário na universidade. Assim, as

aulas de LP devem ser animadas, com vídeos e dinâmicas para que o aprendizado

dos significados das palavras não se tornem um fardo, mas algo bom.

Quando comecei a estudar, não tinha o acompanhamento da intérprete, me

sentia muito sozinho e isso me causava um vazio, pois via os alunos ouvintes se

interagindo, brincando e aprendendo, eu só ficava olhando as situações e as bocas

abrindo e fechando, tentava compartilhar daquele momento, mas ao mesmo tempo

me sentia excluído mesmo quando alguns alunos me chamavam para participar,

isso o professor tem que entender e buscar formas para que isso não aconteça,

perguntando ao surdo como ele se sente e tendo contato com ele. A presença do

intérprete modifica o cenário, se ele é bastante motivador e quer que o surdo

aprenda, ele participe, faz as coisas acontecerem, e coloca o surdo em contato com

os colegas e com a professora, mas tem que ter cuidado, pois tem intérprete que se

fecha e deixa o surdo só em comunicação com ele, isso não pode acontecer.

Estou muito feliz com essa pesquisa, pois se trata do ensino da LP para

surdos, é um avanço na educação, os ouvintes precisam pesquisar e estudar sobre

a educação dos surdos, mas os surdos também têm que estudar, buscar estudar e

não brincar, entender a LP e procurar estudá-la para que façam um mestrado e

doutorado, e assim conseguir um emprego bom, passar em concurso e ter um bom

salário, meus pais sempre me diz que é importante estudar e aprender a LP, que as

pesquisas é que estão ajudando as pessoas a entender a LIBRAS e os surdos,

assim acontece o avanço na educação inclusiva, pois estamos vivendo um outro

momento na sociedade, onde o surdo é visto como inteligente e sua escrita como

algo inteligível, estou feliz...”

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151

Instrumento de Entrevista com a mãe do aluno Davi

Para você como está sendo o aprendizado do seu filho em todos os níveis?

Qual a sua contribuição para a efetivação do processo de aprendizagem do

seu filho?

Como você ensina seu filho na compreensão da Língua Portuguesa?

Você acredita no potencial do seu filho, como você vê a aprendizagem dele?

Na sua opinião, esta escola tem perfil de inclusão?

Qual o seu conceito referente ao trabalho desenvolvido nesta escola com o

surdo?

Pra você, qual é a importante para o seu filho aprender a Língua Portuguesa?

Na sua opinião, o que falta para que se efetive de fato a aprendizagem do aluno

surdo?

Qual a sua contribuição para a evolução no processo de aprendizagem do surdo.

A entrevista aconteceu na SRM com a senhora Maria22, mãe do aluno Davi.

Ensinar o surdo não é uma tarefa fácil, pois assim como ele eu também tenho

as minhas dificuldades, mas buscamos em casa verificar o que o Davi está

estudando, o que ele sabe e quais as suas dificuldades, diante disso, quando me

deparo com uma palavra ou um texto que meu filho não está compreendendo,

pesquisamos e perguntamos ao meu marido que possui mais instrução do que eu,

se não conseguimos resolver a atividade, buscamos ajuda de intérpretes que

conhecemos.

Por conhecer o meu filho, sei das suas capacidades e necessidades, pois ele

é um menino ativo, curioso e está sempre perguntando e lendo. Desse modo,

acredito que meu filho será aquilo que ele almeja, ser professor de uma universidade

com título de mestrado e doutorado, e o que depender de mim e do pai dele vai

conseguir, pois oportunizamos sempre situações de aprendizagem.

Quanto ao processo de inclusão, sou a favor, é um processo, hoje

conquistamos nossos direitos como cidadãos, somos vistos como pessoas capazes.

Quanto a escola Maria Dimpina encontra-se caminhando para uma escola inclusiva,

aqui existem profissionais capacitados, percebo que estão se qualificando e

22

Nome fictício

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buscando a melhoria. No que se refere ao trabalho com o surdo há

comprometimento da equipe, o que tem contribuído para o crescimento da clientela.

Quando comecei a estudar não compreendia porque tinha que aprender a

Língua Portuguesa devido ser muito difícil, mas tive que estudar e aprender, hoje

vejo o quanto foi necessário, pois todas as informações está escrito em LP,

precisamos ler para entender, como foi bom para mim, tenho certeza de que para o

meu filho será como óculos para os seus olhos, e isso eu converso com ele todos os

dias, mostro a realidade.

Sempre acompanhei o processo de inclusão e a educação dos surdos, lendo

e vendo as coisas acontecerem, sei que o processo está tendo avanço, hoje os

alunos com deficiência já estudam nas escolas regulares e tem um atendimento

especializado, são vistas como ser humano, os surdos já têm intérprete, a LIBRAS

está se ampliando, tudo isso é conquista, os surdos têm que entender que

necessitam lutar pelos seus direitos, mas cumprir com seus deveres e um deles é o

estudo, pois só assim poderá se tornar um profissional qualificado e respeitado, e

essa orientação repasso aos meus filhos, tenho a certeza de que eles irão

conseguir.

Fico eternamente feliz em poder contribuir para a pesquisa, que busca

conhecer e descrever as necessidades dos surdos e o que é mais importante como

ensinar o surdo a Língua Portuguesa, uma segunda língua no caso do meu filho,

que tem como língua materna a LIBRAS, haja vista que é filho de pais surdos e a

nossa língua é a Libras. Desse modo, tenho que agradecer as pessoas que estão

envolvidas com a educação inclusiva e a educação dos surdos, tenho a certeza que

é mais um passo para a melhoria e evolução no processo de inclusão.