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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CARLOS APARECIDO PAULINO
ACESSO DIFERENCIADO DE ALUNOS BRANCOS E NEGROS EM
DUAS ESCOLAS PÚBLICAS DE UM BAIRRO PERIFÉRICO DE
CUIABÁ-MT
CUIABÁ-MT
2013
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CARLOS APARECIDO PAULINO
ACESSO DIFERENCIADO DE ALUNOS BRANCOS E NEGROS EM
DUAS ESCOLAS PÚBLICAS DE UM BAIRRO PERIFÉRICO DE
CUIABÁ-MT
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para obtenção do título
de Mestre em Educação na Área de Concentração Educação, Cultura e
Sociedade, Linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação
Popular.
ORIENTADORA: PROFESSORA DRA. MARIA LÚCIA RODRIGUES MÜLLER
CUIABÁ-MT
2013
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4
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Dedico a todos os estudantes negros
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Agradecimento Especial
Primeiramente agradeço a DEUS por ter me
concedido saúde, força, e principalmente coragem
para enfrentar os desafios e vencer os obstáculos
que muitas vezes se fez presente no meu dia a
dia. Agradeço de coração à professora Doutora
Maria Lúcia Rodrigues Müller, pela brilhante
orientação, pelo acolhimento no grupo de
pesquisa, e acima de tudo, pela atenção
dispensada. À minha esposa Aparecida, que com
seu carisma e atenção esteve sempre ao meu lado,
me incentivando, torcendo e orando por mim.
Agradeço também aos meus filhos “Verônica” e
“Vitor”, que foram pacientes e compreensíveis
em todos os momentos em que estive ausente.
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Agradecimentos
Ao finalizar este estudo, agradeço de coração a todas as pessoas que diretamente ou
indiretamente estiveram envolvidas nesse processo. As atenções, os conselhos, as sugestões,
as motivações e as críticas foram fundamentais para o meu crescimento pessoal e profissional
no decorrer deste curso. É com muita felicidade que agradeço:
À professora Doutora Moema, que prontamente aceitou o convite para participar da
banca, e não mediu esforços para contribuir com minha pesquisa.
À professora Doutora Candida, que também aceitou o convite para compor a banca, e
com o seu olhar atento, trouxe contribuições importantíssimas para o meu trabalho.
À professora Doutora Tânia, que simpaticamente sempre me atendeu quando houve
necessidade.
À professora Doutora Márcia Ferreira, que carismaticamente sempre me deu suas
contribuições.
Ao professor Doutor Marcos Caron, que tanto em sala de aula como nos corredores
da Universidade, sempre esteve disposto a dar sua contribuição.
Às professoras Doutoras: Elizabeth, Maria Anunciação e Ruth, pelas contribuições
na minha pesquisa.
Ao professor Doutor Delarim, que prontamente aceitou-me como estagiário na
graduação de Pedagogia contribuindo com minha formação.
À professora Mestre Lori, que foi minha professora e orientadora no curso de
graduação e especialização, e, com sua forma carismática nunca mediu esforços para me
ouvir, opinar e sugerir com o intuito de contribuir com meu crescimento pessoal e
profissional.
À equipe técnica do PPGE, que sempre me atendeu e me orientou nas questões
burocráticas.
Ao professor Mestre Michelangelo, amigo e companheiro de graduação, que muitas
vezes compartilhamos juntos, momentos difíceis, mas também muitos momentos de alegrias.
À Nilvaci, amiga do grupo de mestrado, que compartilhou comigo momentos de
alegrias e troca de conhecimento, fundamentais para minha formação.
À equipe do NEPRE, Vanda, Gleice, Cleonice, Rosana, Malsete, Zilma e Miqueas,
que foram as pessoas com as quais tive mais contato no grupo de pesquisa e também
contribuíram com minha pesquisa.
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Ao meu pai Joaquim Paulino (In Memorian) e à minha querida mãe, Manoela, que
foram os principais responsáveis por eu estar aqui finalizando este mestrado.
Enfim, a todos os amigos e amigas que de uma forma especial, diretamente ou
indiretamente, deram suas contribuições, seja através de conselhos, apoio moral, financeiro e
orações para que pudesse vencer os obstáculos que tantas vezes esteve à minha frente. Foi
com o apoio de todos e todas que consegui concluir este curso.
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RESUMO
PAULINO, Carlos Aparecido. Acesso diferenciado de alunos brancos e negros
em duas escolas públicas de um bairro periférico de Cuiabá, MT. 2013. 88 f.
Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal de Mato Grosso.
Esta dissertação teve como objetivo principal analisar se existem mecanismos seletivos de
alunos brancos e negros em duas escolas públicas de um bairro periférico de Cuiabá,
buscando detectar quais são esses mecanismos e que consequências são provocadas nos
alunos. Para levantamento dos dados, utilizaram-se as seguintes técnicas: entrevistas,
questionários, análise documental e caderno de campo. Utilizaram-se ainda abordagens
metodológicas qualitativas e fez também uso da quantitativa para a análise de alguns aspetos
da pesquisa. Para dar suporte teórico ao procedimento metodológico, recorreu-se aos autores
Minayo (2007); Lüdke & André (1986); Deslandes (2003). Sobre a reputação das escolas e os
mecanismos discriminatórios, buscou-se dialogar com os autores, Hasenbalg (1987);
Rosemberg (1987); Costa (2010); França (1991); Castro & Abramovay (2006); Nogueira
(1998). Sobre a relação família e escola, com Paixão (2006) e Chechia & Andrade (2005).
Sobre a raça e classificação racial, buscou-se respaldo em Teixeira (2006); Petruccelli (2007);
Muller (2006) e Guimarães (2003). Este estudo demonstrou que existem mecanismos
discriminatórios nas escolas. Suspeita-se que o agrupamento de alunos com nível
socioeconômico mais alto e a maior quantidade de alunos brancos frequentando a “Escola
menos precária” é um indício de que essa escola utiliza algum tipo de seleção de alunos, que
pode ter acontecido no momento da matrícula. Embora as duas unidades escolares apresentem
grande precariedade, a boa reputação da “Escola menos precária” parece fazer a diferença no
momento da escolha das famílias para matricular os filhos. Por ser a mais concorrida, pode ser
também a mais excludente. É muito provável que os alunos com defasagem idade/série não
encontrem vagas nessa escola e se dirijam para a mais precária. Há evidências, também, que,
nessa escola, há exclusão de alunos, principalmente daqueles que estão às margens da
sociedade. Portanto, conclui-se que, mesmo sendo escolas precárias localizadas em bairros de
periferia, existem, de forma sutil, mecanismos discriminatórios de alunos. O nível
socioeconômico e principalmente a cor da pele são fatores determinantes no acesso à melhor
ou à pior escola.
Palavras-chave: Escola pública. Alunos Brancos e Negros. Acesso escolar. Mecanismos
Discriminatórios.
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ABSTRACT
PAULINO, Carlos Aparecido. Differentiated access of white and black students at two public
schools located in the outskirts of Cuiabá, MT. 2013. 88 p. Dissertation (Master of Education)
Federal University of Mato Grosso.
This research aimed at examining whether selective mechanisms of white and black students
exist in two public schools located in the outskirts of Cuiabá. What mechanisms are these and
what consequences are caused on the students were the main issues that this study
investigated. The data collection counted on the following techniques: interviews,
questionnaires, documentary analysis and field notebook. Methodological approaches of
qualitative type were also used. The quantitative type approach was used for analyzing some
aspects of the research. The theoretical basis for supporting the methodological procedure,
counted on the thoughts of the authors Minayo (2007); Lüdke & André (1986); Deslandes
(2003). Concerning the reputation of schools and discriminatory mechanisms, a dialogue
with the authors, Hasenbalg (1987), Rosenberg (1987), Costa (2010), França (1991); Castro &
Abramovay (2006); Nogueira (1998) was done. Relating to the relation between family and
school, this study counted on Paixão (2006) and Chechia & Andrade (2005). Concerning race
and racial classifications, this research was supported by Teixeira (2006); Petruccelli (2007),
Muller (2006) and Guimarães (2003). This study demonstrated that exist mechanisms of
discrimination in schools. It is suspected that the group of students with higher socioeconomic
status and a large number of white students attending the " Less precarious school " is an
evidence that this school makes use of some sort of selection of students, which may have
happened at the period of enrolment. Although the two school units have great precariousness,
the good reputation of "Less precarious school" seems to make a difference for the families
choosing it to enroll their children. For being the most attended school, might also be the most
excluding. It is probably that students with discrepancies between age and grade will not find
vacancies in this school and keep on enrolling at the more precarious unit. The findings
revealed evidences that in this school exists exclusion of students, especially those who are on
the margins of society. Thus, it is concluded that, although schools located in poor
neighborhoods on the periphery of the capital city, there are so slight discriminatory
mechanisms of students. Socioeconomic status and especially the color of the skin are
determining factors for accessing to a better or a worse school.
Keywords: Public school. Black and White Students. School Access. Discriminatory
Mechanisms.
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LISTA DE QUADROS
Quadro I Distribuição da população dos bairros analisados segundo sua
composição racial..............................................................................
26
Quadro II Distribuição dos alunos do 6º ano das escolas pesquisadas segundo
a composição racial...........................................................................
29
Quadro III Distribuição dos familiares dos alunos da escola mais precária por
cor/raça segundo a renda mensal familiar.........................................
49
Quadro IV Distribuição dos familiares dos alunos da escola menos precária
por cor/raça segundo a renda mensal familiar...................................
49
Quadro V Distribuição dos familiares dos alunos das duas escolas analisadas
segundo o nível de escolaridade........................................................
51
Quadro VI Distribuição percentual da população pessoas de 10 ou mais anos
de idade, residente de acordo com a cor/raça – segundo o Censo
Demográfico 2010 – Estado de Mato Grosso e a capital Cuiabá......
54
Quadro VII Distribuição percentual dos alunos das duas escolas pesquisadas
de acordo com a cor/raça...................................................................
54
Quadro VIII Distribuição da média das escolas segundo os dados do Ideb no
ano de 2011.......................................................................................
68
Quadro IX Distribuição dos alunos das escolas analisadas de acordo com a
distorção idade/série e evasão escolar...............................................
69
12
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico I Distribuição das famílias, de acordo com os motivos de escolha da
escola para seus filhos.......................................................................
46
Gráfico II Distribuição das famílias de acordo com opção de escolha de outra
escola pública que gostaria que os filhos estudassem.......................
48
Gráfico III Distribuição percentual da população residente de acordo com a
cor/raça – segundo o Censo Demográfico de 200/2010 – Brasil......
53
Gráfico IV Distribuição da média das escolas analisadas segundo a evolução
do Ideb dos anos de 2005 a 2009......................................................
65
Gráfico V Distribuição das famílias, de acordo as respostas dos pais que
ajudam os filhos nas tarefas de casa..................................................
72
Gráfico VI Distribuição dos alunos da “Escola mais precária” segundo o
desempenho escolar...........................................................................
73
Gráfico VII Distribuição dos alunos da “Escola mais precária” de acordo com
desempenho escolar segundo a cor/raça............................................
73
Gráfico VIII Distribuição dos alunos da “Escola mais precária”, segundo o
desempenho escolar...........................................................................
74
Gráfico IX Distribuição dos alunos da “Escola menos precária”, de acordo
com desempenho escolar segundo a cor/raça....................................
75
13
LISTA DE TABELAS
Tabela I Distribuição da média das escolas segundo os dados do Ideb do ano
de 2011 – referente à disciplina de Língua
Portuguesa..............................................................................................
66
Tabela II Distribuição da média das escolas analisadas segundo os dados do
Ideb referente à disciplina de matemática do ano de
2009......................................................................................................
67
14
LISTA DE SIGLAS
EC Em Construção
GAP Gerenciamento Acadêmico Pedagógico
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
MEC Ministério da Educação
MT Mato Grosso
NC Não Construído
NEPRE Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação
PME Pesquisa Mensal de Emprego
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
PPAP Progressão com Apoio Pedagógico
PS Progressão Simples
UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso
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LISTA DE APÊNDICES
Apêndice I Questionário aplicado aos alunos... ..................................................
84
Apêndice II Questionário aplicado aos pais.......................................................... 85
Apêndice III Roteiro para entrevistas..................................................................... 87
16
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................... 18
CAP. I – O PERCURSO DA ESQUISA................................................................. 21
Abordagens metodológicas utilizadas na pesquisa..................................................... 21
Técnicas utilizadas na pesquisa.................................................................................. 22
Entrevista.................................................................................................................... 22
Questionário................................................................................................................ 23
Análise documental..................................................................................................... 24
Pesquisa exploratória: a escolha dos bairros............................................................... 25
A escolha das escolas e suas características............................................................... 26
Composição racial das escolas.................................................................................... 29
CAP. II – Parte I: FATORES CONDICIONANTES DO CLIMA ESCOLAR:
UM OLHAR SOBRE A ESCOLA..........................................................................
31
A reputação das escolas.............................................................................................. 31
O clima interno das escolas........................................................................................ 35
Otimismo e pessimismo pedagógico.......................................................................... 38
CAP. II – Parte II: ALGUNS ASPECTOS QUE INFLUENCIA NA
ESCOLHA DAS ESCOLAS PELAS FAMÍLIAS.................................................
43
A escolha das escolas pelas famílias........................................................................... 43
Influência da cor/raça no acesso às escolas................................................................ 49
Influência do nível de escolaridade dos pais na escolha da escola............................. 50
CAP. III – Parte I: CLASSIFICAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO RACIAL............ 52
Classificação de cor/raça............................................................................................ 52
Classificação racial dos alunos entrevistados............................................................. 54
CAP. III – Parte II: DESIGUALDADES RACIAIS NA EDUCAÇÃO............... 57
Analfabetismo, índice de aprovação e repetência....................................................... 57
17
Diferença de anos de estudos entre brancos e negros................................................. 59
Desigualdades no acesso às escolas entre brancos e negros....................................... 61
CAP. IV – MÉDIA DAS ESCOLAS E DESEMPENHO DOS ALUNOS........... 63
Média das escolas: avaliação do IDEB....................................................................... 63
Defasagem idade/série, transferência e evasão escolar.............................................. 68
Desempenho escolar dos alunos: indícios de mecanismos discriminatórios.............. 71
Considerações finais................................................................................................... 78
Referências bibliográficas........................................................................................... 80
Apêndice I – Questionário aplicado aos alunos.......................................................... 84
Apêndice II – Questionário aplicado aos pais............................................................ 85
Apêndice III – Roteiro para entrevistas com as professoras, coordenadoras e
diretoras...................................................................................................................
87
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INTRODUÇÃO
Pesquisadores que investigam relações raciais e os Institutos de Pesquisas têm
demonstrado que a população negra ainda vivencia uma grande desigualdade em todas as
esferas da vida social. Embora o acesso aos estabelecimentos de ensino esteja quase
universalizado, quando se trata da população negra ainda há um atraso educacional em
relação à população branca.
As pesquisas têm evidenciado que a grande causa dessa desigualdade decorre de
mecanismos discriminatórios que operam de forma silenciosa no interior dos
estabelecimentos de ensino, interrompendo ou dificultando a trajetória escolar de alunos
negros. Assim, como negro e como milhares de outras pessoas, percorri uma trajetória escolar
sinuosa, da qual farei um pequeno relato a fim de enriquecer o contexto inicial do trabalho.
Nasci no ano de 1969 do século passado, no seio de uma família negra, pobre,
constituída por onze pessoas, pai, mãe e nove irmãos. Sou natural de Assis Chateaubrind,
estado do Paraná. Meu pai era um pequeno agricultor, semianalfabeto. Para sustentar a família
trabalhava na lavoura como arrendatário, ou como diarista nos sítios vizinhos. Minha mãe,
analfabeta, era quem cuidava dos afazeres da casa, preparava o almoço para a família e a
merenda escolar (arroz com ovo frito) para os filhos.
A minha trajetória escolar teve início no ano de 1976, na cidade de Tupãssi, naquela
época, distrito de Assis Chateaubriand. Eu e meus irmãos e irmãs fazíamos um percurso de
quatro quilômetros, a pé, até a escola. Com roupas pobres, chinelos e caderno simples,
acondicionado em uma embalagem de açúcar, enfrentávamos frio, sol e chuva. Mas essas
adversidades não eram tão cruéis quanto o racismo explícito com o qual tínhamos de conviver
todos os dias, dentro e fora do espaço escolar. Apelidos pejorativos, como: negrinho do
saravá, negrinho de cera, cabelo de Bombril, Pelezinho, suco de fumo, negro fedorento, e
tantos outros, eram o que nós ouvíamos todos os dias.
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As manifestações racistas que aconteciam no espaço escolar eram presenciadas pelos
professores ou por algum profissional, mas ninguém jamais fez qualquer intervenção. O
silêncio da escola vitimou muitos alunos negros, e eu fui mais um deles, dentre tantos, que
sentiu o peso da reprovação.
No ano de 1977, meu pai vendeu a pequena chácara e comprou outra, um pouco
maior, aqui no estado de Mato Grosso. Incentivadas pelas grandes propagandas de fartura em
terras produtivas, milhares de famílias deixaram o sul do País na tentativa de melhoraria de
vida. Esse foi o destino da maioria delas. Minha família também seguiu esse mesmo percurso
e foi morar em um pequeno distrito que pertencia ao município de Porto dos Gaúchos, hoje
Novo Horizonte do Norte.
Foi nesse novo local de residência que retomei minha trajetória escolar. Enquanto
meu pai preparava a terra e construía a residência na chácara que havia comprado, ficamos
morando na pequena cidade, em um barraco de pau-a-pique coberto de lona plástica. Era um
local muito precário e havia muitos ratos e aranhas.
Minha trajetória escolar continuou emoldurada pelo racismo explícito. Os mesmos
apelidos pejorativos que ouvíamos no Paraná, também se repetiam aqui em Mato Grosso.
Para fugir das discriminações, muitos alunos negros interromperam os estudos.
Quando mudamos para a chácara, minha trajetória escolar sofreu um novo impacto.
Eram dois quilômetros de percurso todos os dias, a pé, juntamente com meus irmãos. Os
materiais escolares eram colocados numa sacola plástica, e ainda tínhamos que enfrentar o
sol, a chuva e o preconceito racial.
Quando eu estava cursando a sexta série, novamente fui reprovado por uma
professora loira que dava aula de Matemática. Naquela época, eu não tinha qualquer leitura
sobre as questões raciais, mas sempre me questionei por que a professora nunca me entregava
a prova escrita.
Fiquei dois anos sem estudar após finalizar a oitava série, porque não havia o ensino
médio no município. Os pais que tinham melhores condições financeiras enviavam seus filhos
para continuar os estudos em outras cidades. O ensino médio teve início, em Novo Horizonte
do Norte, somente após a reivindicação das autoridades locais junto ao governo do Estado.
Nesses três anos de estudos, mais uma vez, enfrentamos grandes dificuldades, pois, como
ainda morávamos no sítio, durante o dia, trabalhávamos na lavoura e, à noite, íamos para a
escola. O percurso era realizado a pé ou às vezes de bicicleta. Quando chovia, deixávamos o
material na secretaria da escola e o buscávamos no outro dia. O racismo já não era tão
explícito, mas ganhava um novo formato, visto que mais velado. Isso era perceptível nas
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atitudes de colegas e professores. Mesmo me esforçando e tirando notas boas, eu não recebia
incentivo.
Depois que finalizei o ensino médio, fiquei quatorze anos sem estudar. Não havia
ensino superior nem em Novo Horizonte do Norte, nem nas cidades vizinhas. As famílias que
possuíam condições financeiras enviavam os filhos para estudar na capital, Cuiabá, mas era
uma minoria. O primeiro curso superior oferecido na região se realizou na cidade de Juara;
era um curso de Pedagogia direcionado somente para quem estava atuando em sala de aula.
Somente no ano de 2004, a Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT
começou a ofertar o curso de Pedagogia presencial. Foi nessa época que eu tive a
oportunidade de prestar vestibular, ficando na décima segunda colocação, do total de
cinquenta vagas. Nesse período, vale registrar um fato que aconteceu comigo e que acontece
com frequência com muitas pessoas negras: o não reconhecimento de suas potencialidades.
Mesmo tendo conseguido uma boa colocação no vestibular, muitas pessoas, até mesmos
aquelas que já tinham sido meus professores, não deram qualquer importância para mim.
Outro fato que também tem muita correlação com a pesquisa, refere-se ao
pessimismo pedagógico que muitos professores têm sobre o alunado negro. Isso acontece em
todos os níveis de ensino. Quando eu estava fazendo a graduação, juntamente com outro
colega negro, éramos dois casos perdidos, na concepção de uma professora, ou seja, ela nos
avaliava antes mesmo de colocar à prova nossa potencialidade.
Faço esse recorte de minha trajetória escolar para justificar o interesse por essa
pesquisa, pois, embora tenham se realizado avanços na educação, as crianças e jovens negros
continuam sendo vítimas de preconceito e discriminação racial no espaço escolar. O acesso ao
ensino está praticamente universalizado, mas os negros ainda continuam segregados nas
escolas mais precárias.
O meu interesse por esse objeto de estudo ainda pode ser justificado por um fato
ocorrido quando eu fui visitar as escolas do bairro em que resido e os bairros vizinhos, para
matricular os filhos. Percebi que, na escola mais bem equipada, a dificuldade para matricular
os filhos era maior. Havia mais exigência para com as pessoas negras do que com as brancas,
daí a existência de maior número de alunos brancos do que em outras visitadas.
21
CAPÍTULO I
O PERCURSO DA PESQUISA
Esta pesquisa objetiva analisar a existência de mecanismos seletivos diferenciados
para alunos brancos e negros em duas escolas públicas de um bairro periférico de Cuiabá,
buscando detectar quais são eles e que consequências provocam nos discentes.
Inicialmente, será aclarada a trajetória metodológica utilizada para analisar o objeto.
Os autores Denzin e Lincoln (2006), Minayo, Deslandes (2003) e Lüdke e André (1986)
foram fundamentais, pois nos permitiram entender a importância da pesquisa
qualiquantitativa, usada na investigação.
Abordagens metodológicas utilizadas na pesquisa
Para este estudo, também lançamos mão de abordagens metodológicas qualitativas,
sem desprezar a quantitativa, porque sua utilização será relevante para a análise. Segundo
Denzin e Lincoln (2006, p. 24), “tanto os pesquisadores qualitativos quanto os quantitativos
preocupam-se com o ponto de vista do indivíduo”. E, de acordo com Minayo (2007), a
diferença entre essas duas abordagens na realidade social é de natureza, e não de escala
hierárquica. Quanto às duas abordagens, a mesma autora explica que a pesquisa qualitativa
ocupa nas Ciências Sociais um nível de realidade que não pode ser quantificado, visto que
trabalha com o universo dos significados, crenças, aspirações, valores e atitudes. Quanto à
pesquisa quantitativa, Minayo (2007, p. 22) contribui afirmando que “os cientistas sociais que
trabalham com estatística visam criar modelos abstratos ou descrever e explicar fenômenos
que produzem regularidades que são recorrentes e exteriores aos sujeitos”.
Embora haja diferença de enfoque, Minayo (2007, p. 22) ressalta ainda que:
Os dois tipos de abordagem e os dados delas advindos, porém, não são
incompatíveis. Entre eles há uma oposição complementar que, quando bem
22
trabalhada teórica e praticamente, produz riqueza de informações,
aprofundamento e maior fidedignidade interpretativa.
Desse modo, considera-se a importância da utilização qualitativa e quantitativa na
pesquisa social, levando-se em consideração que a segunda auxilia na comprovação dos dados
da primeira.
Técnicas utilizadas na pesquisa
Segundo Deslandes (2007), o pesquisador, ao escolher certa técnica, produzirá os
dados num determinado molde, valorizando esta ou aquela forma de linguagem. A autora
também ressalta que as técnicas utilizadas podem se voltar tanto para produção primária de
dados, que são produzidas pelo autor na ação direta com os sujeitos através de observações,
entrevistas e também na aplicação de questionários, ou ainda na busca dos levantados em
acervos, como documentos escolares, legislação, periódicos, bibliografia e mesmo banco de
dados.
Nesta investigação foram utilizadas as seguintes técnicas: entrevistas, questionários,
análise documental e caderno de campo.
Entrevista
De acordo com Minayo (2007, p. 64), “Entrevista é acima de tudo uma conversa a
dois, ou entre vários interlocutores, realizada por iniciativa do entrevistador”. Para a autora,
numa sociedade ou grupo marcado por muitos conflitos, cada entrevista expressa a luz e a
sombra da realidade, mas de forma diferenciada.
Já segundo Lüdke e André (1986, p. 34), “A grande vantagem da entrevista sobre
outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada,
praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos”. Para as
autoras, a entrevista é uma técnica que está se realizando cada vez mais de maneira exclusiva,
pois permite que sejam feitas correções, esclarecimentos e adaptações, o que as torna eficazes
na obtenção de informações.
Nesta obra, foram realizadas entrevistas individuais e em dias distintos com cada
indivíduo, para evitar possíveis interferências nas informações. Considerando que duas
escolas foram destacadas na investigação, foram entrevistadas duas diretoras, duas
coordenadoras e duas professoras, sendo uma de cada escola.
23
As entrevistas tiveram por base dois formatos de registro: gravação e anotação,
porque, entre os seis participantes, um não permitiu que a sua fala fosse gravada. Para Lüdke
e André (1986), a gravação tem vantagens e também desvantagens. A vantagem é que ela
permite registrar as expressões orais, ficando o entrevistador livre para prestar atenção no
entrevistado. Por outro lado, ela não registra as expressões faciais, os gestos e posturas do
sujeito, além do que, nem todos ficam inteiramente à vontade por ter sua fala gravada.
Quanto ao registro feito por meio de notas, Lüdke e André (1986) salientam que,
durante a entrevista, o entrevistador, certamente, deixará de cobrir muitas coisas ditas, além
de exigir mais tempo, uma vez que se faz anotar, por escrito, as falas. Mas, segundo os
autores, a vantagem é que as notas representam o trabalho inicial, tanto de seleção como de
interpretação das informações.
Tanto na realização da entrevista gravada, como também na por meio de anotação,
pode-se considerar que esse tipo de registro tem a vantagem da transcrição seletiva, uma vez
que só foram registradas as informações mais relevantes. Todos os relatos das entrevistas
foram anotados no caderno de campo. O trabalho foi conduzido por um roteiro pré-definido
que se encontra anexado, como apêndice.
Questionário
O questionário foi outra técnica utilizada para a coleta de dados. Para auxiliar na
compreensão dos dados qualitativos, buscamos alguns quantitativos. O questionário foi
aplicado aos pais e/ou responsáveis e aos alunos do 6º ano das duas unidades escolares.
Escolhemos essas duas turmas porque foram as que participaram da Prova Brasil
de 2011 e, por isso, poderiam fornecer dados importantes, como, por exemplo, a média do
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB de cada escola.
Na “Escola menos precária”1 foram entregues questionários para todos os alunos,
num total de vinte e nove. Destes, retornaram vinte e cinco. Na outra unidade escolar também
foram distribuídos questionários para todos os alunos, totalizando vinte, sendo que, destes
retornaram apenas dez. Para análise, optou-se pela utilização de 50% dos questionários de
cada escola, sendo dez de uma unidade e quatorze da outra.
Aplicamos, também, questionário com uma pergunta aberta e cinco fechadas,
respondidas pelos alunos do 6º ano de cada escola. A pergunta aberta teve como propósito
descobrir como é que os alunos se classificavam em relação à cor. Quanto às perguntas
1 Termo utilizado para denominar a escola que apresenta mais precariedade.
24
fechadas, o objetivo foi o de levantar dados sobre o nome, idade, bairro de residência,
classificação de cor, segundo critérios do IBGE, e meio de locomoção. Participaram da
pesquisa quarenta e nove estudantes, sendo vinte de uma escola e vinte e nove da outra.
Para aplicar o questionário, primeiramente, o pesquisador solicitou a permissão para
as diretoras de cada unidade escolar; depois, foi realizada uma visita nas salas de aula para
conhecer as professoras e seus alunos. Na “Escola mais precária”, a diretora nos acompanhou,
apresentou-nos e explicou aos alunos que aquela sala havia sido escolhida, solicitando a
colaboração de todos.
Foi entregue para cada aluno uma solicitação de autorização para os pais e/ou
responsáveis oferecerem o aceite da participação do filho. No dia seguinte, retornamos para
buscar as autorizações, mas apenas oito alunos devolveram-nas. Após dois dias, com a
intervenção da diretora, o restante das autorizações foi entregue.
Na “Escola menos precária”, o pesquisador se dirigiu à sala do 6º ano e explicou para
professora e alunos o motivo de sua presença naquele local. Imediatamente, a professora da
turma solicitou a colaboração dos alunos nas informações sugeridas.
Na primeira escola, os alunos responderam individualmente o questionário na sala da
diretoria e, à medida que finalizavam, eram liberados de dois em dois. Na segunda unidade
escolar, a pesquisa aconteceu do lado de fora da sala de aula, pois a professora disponibilizou
uma carteira no pátio da escola, colocada próxima à porta da sala de aula. Os alunos foram
liberados de dois em dois, mas cada qual respondeu o questionário individualmente.
A maior dificuldade encontrada para realização da pesquisa com estudantes foi a
demora no retorno da autorização dos pais, tendo sido necessária a intervenção da diretora
para que os alunos devolvessem as autorizações assinadas pelos pais. Na “Escola menos
precária”, não houve a necessidade da intervenção da direção, apesar de que apenas oito
alunos entregaram a autorização no dia combinado, porém, com a intervenção da professora,
o restante cumpriu com o combinado, na segunda visita do pesquisador.
Análise documental
Segundo Lüdke e André (1986), a análise documental se constitui numa técnica
importante para a abordagem de dados qualitativos, seja desvelando aspectos novos de um
tema ou problema, ou utilizada para complementar as informações obtidas através de outras
técnicas.
25
Nesse sentido, foi consultado um acervo documental escolar composto de relatórios
fornecidos pelas secretarias das escolas para identificação do desempenho escolar dos alunos.
Como as escolas não pertencem às mesmas redes de ensino, as siglas dos conceitos
foram diferenciados, sendo na rede estadual utilizada a sigla PS para os alunos com
Progressão Simples, e PPAP para os alunos com Progressão com Plano de Apoio Pedagógico.
Na rede municipal a sigla EC foi utilizada para os alunos que estão Em Construção de
Conhecimento, e NC para os que ainda Não Construíram o Conhecimento.
Para analisar com maior precisão o desempenho dos estudantes, solicitamos às
professoras que informassem quem eram os alunos considerados como maior e menor
rendimento, tendo sido essas informações comparadas com os conceitos lançados nos diários.
Também utilizamos, na pesquisa quantitativa, o microdados do Censo de 2010, do
IBGE para identificar a composição racial e socioeconômica dos bairros.
O Censo permitiu medir as desigualdades entre brancos e negros na sociedade e
também no âmbito educacional, cuja discussão será realizada no próximo capítulo.
Pesquisa exploratória: a escolha dos bairros
De acordo com Deslandes (2007), a fase exploratória é, sem dúvida, um dos
momentos mais importantes de qualquer pesquisa, pois poderá, se conduzida precariamente,
trazer grandes dificuldades à investigação.
A pesquisa exploratória aconteceu no mês de março do ano de 2012. A escolha do
bairro se deu a partir de algumas informações sobre as escolas ali localizadas, levantadas
previamente pelo pesquisador quando pretendia matricular os filhos. Na visita, observamos
que, dentre as três escolas, a mais recomentada por pessoas da comunidade era integrada por
mais alunos brancos do que de outras etnias. Nessa escola, a direção se mostrou mais
resistente em aceitar a matrícula, possivelmente por causa da cor pele. Por outro lado, aquela
que foi apontada como a pior escola era composta por maioria de estudantes negros. Foram
tais fatos que motivaram a escolha do bairro para realizar a pesquisa.
De acordo com Minayo (2007), todo pesquisador precisa ser curioso, perguntador.
Essas qualidades devem ser exercidas durante todo o trabalho de campo, pois, quanto mais o
ele for capaz de confrontar suas teorias e hipóteses com a realidade empírica, mais frutuosos
serão os resultados. Desse modo, o fato de encontrar mais alunos brancos concentrados numa
escola do que em outra motivou a elaboração de um levantamento da classificação racial dos
26
alunos e também do bairro. No momento da classificação dos alunos, foi constatado que a
grande maioria que frequenta as duas escolas é oriunda de dois bairros, o primeiro onde estão
localizadas as escolas, e vizinho, o outro. Assim, optamos por levantar a composição racial
dos dois bairros:
Quadro I – Distribuição da população dos bairros analisados segundo sua composição racial
Bairros Branca Preta Parda Amarela Indígena
Bairro onde estão localizadas as
escolas
50,9% 1,8% 44,5% 0,4% 2,4%
Bairro vizinho 74,7% 2,8% 19,8% 0,1% 2,5% Fonte: IBGE Censo 2010.
Os dados levantados sobre a caracterização racial dos bairros demonstram que, tanto
naquele onde estão localizadas as escolas quanto no vizinho, a população é majoritariamente
branca. No entanto, na correlação com a composição racial do Estado, da capital e das
escolas, o resultado revelou uma grande segregação entre os dois grupos de cor, ou seja,
mesmo estando localizadas em bairros de maioria branca, as escolas são frequentadas por
maioria negra. A pergunta que fica é: onde estão os alunos brancos?
A escolha das escolas e suas características
Após ter definido o bairro a ser investigado, passo seguinte foi a escolha das escolas,
com o fito de definir o objeto de estudo, processo que se deu por meio de uma pesquisa
realizada pela Internet, no site da Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá e no da
Secretaria de Estado de Educação, o que permitiu identificar quais eram as escolas públicas
localizadas no bairro escolhido.
Para a definição dos locais da pesquisa, foram adotados os seguintes critérios: a
composição racial das escolas, sua estrutura física, o atendimento ao 6º ano do ensino
fundamental e a localização geográfica, dando-se preferência para as unidades escolares
localizadas no mesmo bairro e próximas uma da outra.
Foi utilizado o critério da composição racial dos alunos para identificar se havia
grande diferença na quantidade de negros e brancos entre as escolas, e se ela era resultado da
influência de algum mecanismo seletivo no acesso às unidades escolares.
Quanto ao critério da estrutura física, a preferência era de que, pelo menos, uma
escola apresentasse estrutura precária, atentando para a correlação entre precariedade e a
cor/raça do alunado.
27
A opção pelo 6º ano do ensino fundamental se deu por a turma ter participado da
Prova Brasil no ano de 2011, facilitando, desse modo, a correlação da composição racial do
alunado entre as escolas.
Deu-se também preferência pela localização geográfica dos estabelecimentos
escolares, porque, em elas sendo localizadas no mesmo bairro e próximas uma da outra,
haveria maior possibilidade de atender clientela semelhante.
De acordo com Deslandes (2003), muitas vezes, para delinearmos os instrumentos de
investigação e o grupo de pesquisa, é necessária uma maior aproximação com o campo de
observação. Assim, ao iniciar a pesquisa exploratória, foi entregue um documento expedido
pela Secretaria do Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Mato Grosso, no
qual solicitava permissão para realizar a observação naquela unidade escolar, às suas
diretoras.
Foram visitadas quatro escolas, todas localizadas no mesmo bairro, tendo sido as
diretoras receptivas, colocando-se à disposição caso sua escola fosse escolhida para a
pesquisa. A primeira unidade escolar visitada oferecia somente a Educação Infantil. Desse
modo, foi descartada por não estar de acordo com os critérios utilizados. Entre as outras três,
todas atendiam ao 6º ano do ensino fundamental. Nesse caso, como a proposta era pesquisar
apenas duas escolas, optamos por escolher as duas que apresentavam maior precariedade em
infraestrutura e localizadas mais próximas uma da outra e que já haviam sido visitadas pelo
pesquisador no momento da matrícula dos filhos. O diferencial é que, uma, apresentava maior
número de alunos negros do que a outra, sendo que quanto à vinculação administrativa, a
primeira pertencia à rede estadual e a outra à municipal de ensino.
Para garantir o sigilo das unidades escolares, as mesmas foram identificadas como:
“Escola mais precária” e “Escola menos precária”. A justificativa para essa identificação se
deve ao fato da precariedade das duas escolas serem na infraestrutura, porém, foi verificada
uma pequena diferença entre elas.
A “Escola mais precária” pertence à rede municipal de ensino e atende do 3º ao 9º
ano do Ensino Fundamental. Sua fundação aconteceu em fevereiro de 1988 e o quadro de
profissionais é composto por dezoito professores, todos com formação superior, sendo doze
efetivos e seis prestadores de serviços. Dentre as professoras efetivas, uma é coordenadora e a
outra diretora. Quatorze funcionários compõem o quadro, todos ocupantes de cargos de
técnicos: manutenção, merendeiras, secretários e vigilantes. A escola conta com quatrocentos
e trinta e seis alunos.
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Sua estrutura física é bastante precária, todavia, de acordo com o depoimento da
diretora, já esteve em situação pior. Desde a data da fundação, ocorreu apenas uma reforma,
sendo o telhado original de construção. Quando chove, as aulas ficam suspensas, porque as
goteiras se espalham pelo forro e molha as salas, ficando toda a área alagada.
A estrutura física da escola abriga oito salas de aula, com piso de cimento queimado,
secretaria, sala de diretoria, sala dos professores e outra da coordenação. O almoxarifado é
abrigado em um cômodo pequeno onde são guardados os materiais de limpeza, esportivos e
pedagógicos.
O pátio da escola é extenso, bem arborizado, porém alguns lugares não são ocupados
devido à quantidade de capim e lixo espalhados pelo chão, evidenciando a carência de
limpeza. O lado de fora da escola também é bem arborizado; o muro, que antes era alto e
fechado, foi parcialmente demolido e, na parte da frente, colocada grade.
A biblioteca é constituída de uma sala pequena pouca arejada, com piso de cimento
queimado e adornada de uma mesa pequena e uma cadeira, utilizadas pela funcionária, e uma
mesa de leitura com oito cadeiras, destinada aos consulentes. Têm quatro ventiladores, boa
iluminação, duas prateleiras de madeiras encapadas com papel pardo e duas de aço. Alguns
livros ficam guardados em um armário de aço, reservados aos alunos maiores. A biblioteca
possui um acervo de 690 livros. Segundo a bibliotecária, existem três coleções novas com
cento e dez unidades que nunca foram consultadas, sendo o acervo tombado em três livros
distintos.
O laboratório de informática está localizado numa sala com um ar condicionado e
piso de azulejo. Possui doze computadores em bom estado de conservação, todos com
Internet. Também há uma sala de letramento, onde os professores trabalham produção de
textos e atividades de matemática com alunos do Projeto Educa Mais2.
Há também uma sala para prática de ginástica e capoeira. A quadra esportiva é
antiga, não possui cobertura, o que prejudica as aulas de Educação Física, seja em dias de
chuva, seja nos ensolarados. Muitas vezes, as aulas são ministradas debaixo das árvores que
existem no pátio da escola. Essa unidade escolar funciona nos períodos matutino e vespertino.
2 O Educa Mais é uma política pública de desenvolvimento e inclusão social, com ampliação da jornada escolar
e foco na qualificação dos tempos, espaços e oportunidades educativas para os alunos do Ensino Fundamental da
rede municipal de ensino. Fonte: http://www.cuiaba.mt.gov.br/noticias?id=3029. Acesso em 29/01/2013.
29
Já a “Escola menos precária” pertence à rede estadual de ensino e atende do 5º ano
do Ensino Fundamental, até o 3º ano do Ensino Médio. Cercada por um muro alto, o portão é
fechado assim que toca o sino para o início das aulas. Possui dez salas de aula de piso
queimado, todas com ar condicionado de precário funcionamento devido a problemas na rede
elétrica. Todas as salas têm pouca luminosidade. São dois pavilhões com salas de aula, salas
de professores, da diretora, que funciona junto com a secretaria, e uma outra, mais ampla,
destinada à coordenação pedagógica.
A biblioteca abriga um acervo de 2.223 livros, relacionados em um único livro de
tombamento. O mobiliário é composto por uma mesa com computador, cinco mesas para
estudo e vinte e cinco cadeiras, um ar condicionado, cinco ventiladores, sete prateleiras de aço
e duas de madeira. O piso da sala é de azulejo. Dois funcionários trabalham no local.
O laboratório de informática possui trinta e cinco computadores, todos em bom
estado de conservação. Destes, vinte e cinco estão interligados à Internet. A sala possui dois
equipamentos de ar condicionados em funcionamento, contando com uma funcionária que
atende aos alunos e professores que utilizam o espaço para realizar pesquisas. Essa sala tem
boa ventilação, porém pouca luminosidade. Há alguns bancos que ficam localizados ao lado
da parede do laboratório de informática e próximos à secretaria.
O pátio é menor do que o da “Escola mais precária”, porém é adornado de várias
árvores, do lado de dentro e de fora da escola, e também quadra desportiva descoberta.
Esse estabelecimento escolar funciona nos períodos matutino, vespertino e noturno,
com um total de 970 alunos. O quadro dos profissionais é composto de quarenta professores,
sendo vinte e seis efetivos e quatorze interinos. A equipe de apoio administrativo e técnicos,
perfaz vinte e oito pessoas. Desse total, cinco são efetivos.
Composição racial das escolas
Quanto à composição racial dos alunos que frequentam as duas escolas, os dados
comprovam o que havíamos percebido na visita realizada anteriormente, onde se detectou a
desigualdade entre brancos e negros. Chamou atenção também que, mesmo os bairros sendo
compostos por maioria de pessoas que se autodeclaram brancas, nas escolas pesquisadas elas
representam a minoria no total das duas turmas:
Quadro II – Distribuição dos alunos do 6º ano das escolas pesquisadas segundo a composição racial.
Cor/raça Alunos que frequentam a Alunos que frequentam a escola
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escola Mais precária Menos precária
Branca 10% 31%
Parda 30% 41%
Preta 60% 28%
Total 100% 100% Fonte: questionário aplicado aos alunos do 6º ano.
O que chama atenção nesses dados e que indicam evidências de mecanismos
discriminatórios é a desigualdade na composição racial das turmas. Como se pode perceber,
os estudantes pretos e pardos representam a maioria do total dos entrevistados, mas quando a
caracterização racial é feita por unidades escolares, os pretos representam mais da metade na
“Escola mais precária”, sendo minoria na “Escola menos precária”. Não pretendemos afirmar
que as desigualdades raciais constatadas nas escolas se repetem em todas as turmas, mas os
dados coletados, somados às observações, indicam que essa constatação pode-se confirmar no
resultado geral das escolas como um todo.
Como se explica essa diferença na composição racial entre unidades escolares que
estão localizadas no mesmo bairro, sendo a distância entre elas pouco mais de algumas
quadras? Hasenbalg (1987) explica que existem mecanismos discriminatórios de seleção entre
as escolas, pois, mesmo em partes da cidade de população homogênea ou em regiões de
população heterogênea, há um mecanismo de recrutamento de turmas que faz com que a
criança de classe média vá para um tipo de escola e a pobre estude em outro, distantes uma ou
duas quadras. Segundo Rosemberg (1987, p. 22), “[...] de um modo geral, a escola que o
alunado negro frequenta nem sempre é a mesma frequentada pelo branco”. Essa afirmação
parece se confirmar nas escolas pesquisadas, onde a grande maioria dos estudantes negros
está concentrada na pior escola.
31
CAPÍTULO II
PARTE I
FATORES CONDICIONANTES DO CLIMA ESCOLAR: UM OLHAR
SOBRE AS ESCOLAS
Este capítulo aborda como as escolas são vistas pela comunidade, interna e externa, e
como se realizam a relações sociais no interior de cada unidade. O resultado indicou que
ambas gozam de reputações opostas, sendo o clima interno permeado pelo pessimismo
pedagógico, elementos de distinção.
A reputação das escolas
Entre as duas escolas analisadas, uma parece gozar de melhor reputação do que a
outra. Durante as entrevistas, ficou evidente, por meio das falas das participantes, que a
escola, aqui denominada como “menos precária”, é considerada como a melhor escola do
bairro.
Recorrendo ao dicionário Priberam da Língua Portuguesa (In:
http://www.priberam.pt/dlpo/acesso em 23/11/2012), o termo reputação, significa: opinião
pública, favorável ou desfavorável; fama; renome; nomeada. Sua utilização na pesquisa terá
por base o conceito sociológico que, segundo Costa (2008, p. 457), “é algo construído ao
longo de um tempo não curto e sujeito a outros elementos constitutivos que não apenas o
score em avaliações de grande escala”.
Segundo os relatos das entrevistadas, a reputação das escolas é veiculada de boca em
boca, pela comunidade. “Quanto à reputação das escolas pela comunidade, eu acho que é
feita de boca em boca”. (COORDENADORA da “Escola mais precária”).
32
Segundo Costa (2008, p. 461):
A imagem externa de uma escola seria um elemento que proporciona
competição pelo acesso a ela, o que permite algum tipo de seleção por parte
de sua burocracia, no caso de imagens valorizadas. Na contramão, uma
imagem externa negativa relega o acesso a tais escolas àqueles providos de
menos recursos competitivos ou de menores aspirações (capital cultural?) no
campo educacional.
Ficou também evidente na pesquisa os relatos sobre as imagens externas, positivas e
negativas, das escolas. Na menos precária, a professora afirmou que a reputação da escola é
feita boca a boca pelos pais, que têm preferência pela unidade escolar: “Eu acho que é boca a
boca mesmo. Acho que é o pai que fala, que gostaria né, que tem a preferência, tudo”.
(PROFESSORA da “Escola menos precária”).
Na pesquisa com os pais, também foram registrados relatos que reforçam a boa
reputação da escola: “É uma boa escola, o bairro fala muito bem dela”. (MÃE de um aluno
da “Escola menos precária”).
Em relato, outra mãe fez a seguinte afirmação: “A escola se preocupa com os alunos
e qualquer coisa que der errada, aciona a família”. (MÃE de um aluno da “Escola menos
precária”).
Outra mãe também justificou a boa reputação da escola: “Porque esta é a melhor
atualmente”. (Mãe de uma aluna da “Escola menos precária”).
Por outro lado, diversos outros relatos refletem uma imagem negativa da “Escola
mais precária”. Quando foi perguntado para Janice3, aluna “Escola menos precária”, se ela
gostaria de estudar na “Escola mais precária”, ela respondeu: “Não, porque lá a escola é
muito suja e as meninas falam muita besteira”. (ALUNA da “Escola menos precária”)
Constatamos também relatos negativos sobre a imagem da “Escola mais precária”
entre as professoras:
A Escola mais precária, pelo que a gente sabe, assim, até os próprios
funcionários que trabalham lá falam assim, que lá é o “ó”. Problemas
sérios, são aqueles alunos mais de periferia, da pesada, das baixadas, dos
bairros por aí... Eles falam: baixada do bairro I, baixada do bairro II, eles
falam assim, né. (PROFESSORA da “Escola menos precária”).
Podemos perceber, pelos relatos, que a imagem negativa que os professores da outra
escola têm sobre a mais precária não estão relacionados à estrutura física, mas sim à
composição do alunado. Segundo França (1991, p. 127. grifos do autor ):
3 Nome fictício de uma aluna do 6º ano que estuda na “Escola menos precária”.
33
Essa forma contrastante de ver os alunos negros e brancos, pobres ou de
classe média, parece conter, em seu bojo, alguns preconceitos referentes à
ideologia racista no Brasil: o mito da não-integração social dos negros,
considerado como “prova” de sua incapacidade de participar do “processo
civilizatório”; o mito darwnista da seleção natural, que coloca o branco
como superior e capaz de sucesso, ao contrário do negro, que fracassa por
incapacidade e inferioridade; o mito da “indolência natural” dos negros, que
não se interessam pela atividade intelectual ou pelo trabalho; o mito da
inadaptação psicossocial e cultural do negro à sociedade competitiva e
eficiente exigida no sistema capitalista moderno.
A mesma professora também fez um comentário sobre outra escola, que não faz
parte desta pesquisa, e que também, supostamente, possui uma imagem negativa. Essa
professora, em momento algum, referiu-se de forma negativa à escola onde trabalha. Mas
sobre outra escola, aqui chamada de “C”, não objeto desta pesquisa, ela, mesmo não sendo
indagada, acrescentou:
Porque eu digo assim: falou da escola C4, os pais têm verdadeira ojeriza da
escola C. Deus me livre, falar de por o filho na escola C é a mesma coisa
que mostrar o capeta para eles. Nem me fala em escola C. E é uma escola
boa, é da rede municipal. Uma escola que tem uma estrutura bem melhor do
que a nossa, ar condicionado em salas, menor número de alunos, e eles não
admitem falar nessa escola. (PROFESSORA da “Escola menos precária”).
Segundo Costa (2008), a imagem externa de uma escola favorece que atitudes
positivas ou negativas sejam adotadas pelo diferentes atores. Assim, em uma escola com
imagem positiva parece haver muito mais coesão entre a equipe dos profissionais do que em
escolas cuja imagem é negativa.
Nesse relato também se confirma a boa reputação da “Escola menos precária”: “É
uma escola que tem um nome e garantida às duras penas pela Ana5, vamos dizer assim né,
que sempre lutou, mas ela se fez, se pauta no nome”. (COORDENADORA da “Escola menos
precária”).
È possível perceber, no relato que se segue, que a depoente enfatiza que a qualidade
da unidade escolar está relacionada ao quadro dos professores:
Mas eu acho que nós temos uma qualidade também boa de professores, nós
temos muitos bons professores, principalmente por serem praticamente os
mesmos, não tem aquele rodízio, o professor é comprometido com a escola,
na maior parte. (COORDENADORA da “Escola menos precária”)
O mesmo argumento também foi utilizado pela professora que trabalha na mesma
unidade escolar:
4 Escola municipal que fica localizada no mesmo bairro, mas não faz parte desta pesquisa.
5 Nome fictício de uma das coordenadoras das escolas pesquisadas.
34
Nossos professores aqui são professores, é..., o mínimo que tem aqui são
professores somente com licenciatura, muitos com especialização, com
mestrado. Temos professores com mestrado, fazendo mestrado. Eu acredito
assim, que sejam professores bem qualificados. (PROFESSORA da “Escola
Menos precária”).
Para tentar explicar a manutenção do poder de uma unidade escolar sobre outra,
recorremos à pesquisa de Elias e Scotson (2000), realizada em Winston Parva, um povoado
industrial da Inglaterra. Para os autores, a diferença que havia entre os dois grupos da
comunidade era que um deles residia no povoado há duas ou três gerações, eram moradores
antigos, enquanto o outro era composto por pessoas recém-chegadas. Segundo Elias e Scotson
(2000, p. 25), “Os recém-chegados eram desconhecidos não apenas dos antigos residentes,
mas também entre eles; não tinham coesão, e, por isso, não conseguem cerrar fileiras e
revidar”. Por outro lado, os autores afirmam haver coesão entre os estabelecidos, por terem
vividos juntos bastante tempo.
Entretanto, ressaltam que a superioridade dos estabelecidos era pautada na imagem
da minoria, dos melhores, enquanto a imagem dos outsiders era modelada na minoria, a dos
piores. Ou seja, “A reputação dos ‘estabelecidos’ era engrandecida por um pequeníssimo
número de famílias ‘socialmente superiores’, enquanto que a dos ‘outsiders’ era
decisivamente marcada pelas atividades de seu setor ‘mais baixo’” (ELIAS; SCOTSON,
2000, p. 56. grifo dos autores).
A maneira preconceituosa e generalizada com que a professora viu os alunos novos
que vêm da “Escola mais precária” tem forte correlação com a pesquisa realizada em Winston
Parva (2000, p. 66), pois, “Nos estereótipos pejorativos do grupo estabelecido, todos eram
jogados no mesmo saco”.
No relato a seguir, percebe-se que a má reputação da “Escola mais precária” parece
estar estritamente baseada na composição do alunado. O preconceito existente no senso
comum das pessoas, fazendo com que os moradores dos bairros mais carentes sejam todos
tratados como problemáticos e marginais. E isso se reflete na escola:
[...] todos os anos temos uma turma do sexto ano que vem da Escola mais
precária prá cá, né? Todo ano tem uma turma que vem, e eles chegam aqui
querendo comprar briga. A gente percebe direitinho assim, até eles
entrarem no ritmo da escola, eles são bem diferentes. (PROFESSORA da
“Escola menos precária”).
Embora a cor dos alunos não tenha sido especificada, tudo indica que a grande
maioria seja composta de crianças negras, conforme podemos perceber no relato: “O nosso
bairro é um bairro pobre de classe média baixa, 90% de negros, dá para perceber pelas
35
crianças...”. (DIRETORA da “Escola mais precária”). Aqui, há um equívoco por parte da
diretora, pois, a população do bairro onde a escola está localizada, assim como a do bairro
vizinho, é de maioria branca. O alunado das escolas é que é composto pela maioria negra.
Talvez a falta de informação é que tenha gerado tal imprecisão.
Uma das diferenças entre as duas redes públicas é que a “Escola menos precária” é
administrada pelo Estado. Barbosa (2005) também constatou nas escolas públicas de Belo
Horizonte que as unidades escolares que apresentam melhor qualidade são
predominantemente da rede estadual.
No entanto, embora a pesquisa não nos permita fazer este tipo de alusão, por não ter
sido objetivo de estudo, tudo indica que a reputação das duas unidades escolares também é
reforçada pelo sistema de pertencimento de cada uma, ou seja, vincular-se à rede estadual ou
municipal pode representar maior ou menor reputação. Porém, independentemente desse
fator, as evidências indicam que os alunos negros são os mais prejudicados, pois, Segundo
Müller (2006, p. 114): “A literatura produzida até esse momento sugere que existem
mecanismos intraescolares de discriminação que penalizam crianças e jovens negros”. Entre
esses, clima interno das escolas e o pessimismo pedagógico por parte dos professores em
relação às crianças negras, influenciam no aprendizado dos alunos.
O clima interno das escolas
Esse item tem como centralidade a discussão do “clima” estabelecido entre
professores e a gestão pedagógica nas escolas analisadas e a expectativa que esses professores
têm sobre o rendimento escolar dos alunos. Já vimos que alguns estabelecimentos utilizam
mecanismos de seletividade de estudantes. Segundo França (1991, p. 126):
Estes mecanismos de seleção permitem à instituição, sobretudo a de classe
média, defender o seu status e desempenho, recusando ou marginalizando a
criança negra e pobre. Esses alunos são, em sua maioria, encaminhados para
escolas carentes, sem equipamentos adequados, com instalações físicas
precárias e corpo docente também carente de valorização profissional.
Nesse sentido, a educação promovida nas escolas de classe média não é a mesma das
unidades escolares de classe baixa. Ou seja, de acordo com Hasenbalg (1987, p. 26):
[...] quando se trata de um professor que trabalha em escola para classe
média, existe o que Maria Tereza chama de um “otimismo educacional”, ou
seja, o relacionamento com os pais da criança é bom, a imagem da escola é
preservada, o professor se empenha para que os alunos tenham efetivamente
um bom rendimento, porque há que manter a imagem dessa escola como
36
uma escola boa. Todos se orientam para a produção do sucesso da escola.
Nas escolas de clientela pobre, onde obviamente a criança negra está sobre
representada, ocorre exatamente o oposto. Aí o que Maria Tereza chama de
“ideologia da impotência”. A percepção que os professores têm desse
alunado é que eles são filhos de pais bêbados, de pais desempregados, de
famílias incompletas, que os meninos vêm sujos para a escola, que não
prestam atenção etc. (grifos do autor).
A ideia preconcebida dos professores em relação ao alunado determina o sucesso ou
o fracasso da criança. Nas escolas onde se concentra maior número de clientela com menor
poder aquisitivo, as expectativas dos docentes sobre os alunos são negativas, o ambiente
escolar é carregado de estereótipos e parece que não há perspectiva de futuro. Por outro lado,
conforme ressalta Hasenbalg (1987), nas escolas de classe média os professores têm uma
opinião otimista dos alunos.
Entretanto, parece que os docentes não demonstram esse tipo de comportamento
isoladamente, pois a liderança da equipe gestora é fundamental dentro de uma escola. Muitas
vezes, dependendo do contexto social da unidade escolar, a gestão poderá incentivar ou
promover esse tipo de atitude.
Para a discussão dessa temática, Brito e Costa (2010, p. 501) contribuem
considerando que “não foram encontradas nas pesquisas nacionais estudos que abordem a
relação direta entre clima escolar e o professor”. Desse modo, a falta de reflexões teóricas
baseadas em aprofundada pesquisa poderá dificultar a compreensão sobre a dinâmica da
equipe gestora e professores, no ambiente das escolas.
A definição de clima escolar, de acordo com Brito e Costa (2010), embora exista
uma infinidade de definições, é conceituado como a percepção dos indivíduos sobre o
ambiente circundante. Os mesmos autores utilizam para essa definição a composição social
dos estudantes, a interação dos pais com a escola, o corpo docente, os recursos disponíveis e o
seu uso efetivo, a gestão e a organização do trabalho educacional, bem como os padrões de
relacionamento entre as diversas pessoas.
Segundo Costa (2010), são abordados os seguintes critérios como componentes do
clima escolar: as realizações pedagógicas e administrativas; atitudes dos alunos e da equipe
pedagógica em relação à escola; o conjunto das relações estabelecidas, bem como as
percepções dos integrantes acerca do trabalho pedagógico realizado pela escola e a
participação que possuem nesses processos.
Desse modo, partindo dessas definições e de seus componentes, procuramos neste
estudo fazer uma correlação com as duas escolas pesquisadas, objetivando relatar como é o
clima escolar de cada uma delas. Conforme Castro e Abramovay (2006, p. 86), “as relações
37
sociais representam uma parte significativa da caracterização do cenário que condiciona o
clima escolar, remetendo a uma esfera subjetiva e cultural que também é parte integrante do
universo escolar”.
Na “Escola mais precária”, constatamos que a relação entre a diretora e alguns
professores parecia conflituosa:
Vamos assim dizer que o atrito maior acontece entre a diretora e
professores. Com a coordenadora, não. Em relação aos outros profissionais
da educação, como o pessoal do administrativo, da limpeza, tem muito atrito
com ela, sim, a gente percebe, entendeu? Então é assim, eu percebo que há
até certa dificuldade de lidar com a questão administrativa, de saber
administrar mesmo a escola. Eu acho assim que é um autoritarismo, mas um
autoritarismo assim meio distorcido, uma coisa assim... (PROFESSORA da
“Escola mais precária”).
Segundo Brito e Costa (2010), “a literatura sobre clima escolar tem destacado a
figura do gestor como um agente crucial na promoção de um clima favorável nas escolas
[...]”, pois este pode ser importante no direcionamento da cultura interna da escola. Mas
parece que, no caso dessa unidade escolar, a equipe gestora não é vista com confiança pelos
profissionais:
Quanto à confiança na equipe gestora, não é muita confiança, não. O grupo
não vê a equipe gestora como uma equipe forte. Eu precisava estar à frente,
estou desestimulada em função do tempo. A diretora não é formada em
pedagogia. Na direção, ela tem um pouco de dificuldade, principalmente em
descentralizar a administração, e, isso influi no trabalho coletivo.
(COORDENADORA da “Escola mais precária”).
Essa coordenadora utiliza como forte argumento o fato de a diretora não ter formação
em pedagogia. Na verdade, para assumir a função de diretora de uma escola não é necessário
ser pedagogo. Tudo indica que essa questão vai além dessa justificativa, a cor da pele da
diretora pode ser um dos motivos da rejeição.
O trabalho realizado em conjunto, quando há sintonia no grupo, possibilita a
superação das dificuldades encontradas, abrindo um leque para o avanço na melhoria da
qualidade de uma unidade escolar. Quando há coesão na equipe, o clima da escola é mais
agradável do que naquela cujo relacionamento interpessoal entre os profissionais é
conflituoso. A pesquisa revelou esse diferencial entre as duas unidades escolares:
Olha, são seis anos que estou nesta escola, nunca me indispus com ninguém.
Procuro mesmo na coordenação, porque a gente fica mais sujeito né? Tem
professores, pela própria personalidade deles, que gostam de criar situações
assim, quer causar problemas. Mas ainda vejo assim no nosso grupo, eu
ainda vejo assim, um grupo não tão desequilibrado do que muitas escolas
que a gente tem conhecimento, né? Eu vejo assim, que são bons
38
profissionais, pessoas sérias, comprometidas, eu vejo assim né.
(PROFESSORA da “Escola menos precária”)
Constatamos que na “Escola menos precária” o clima também é demarcado por
alguns conflitos, mas estes não parecem influenciar no bom relacionamento entre professores
e a equipe gestora. Não identificamos qualquer relato de professores contra a diretora ou vice-
versa. De acordo com Brito e Costa (2010), em escolas nas quais as relações entre o membros
da comunidade educacional são positivas, impera um bom clima de trabalho e são obtidos
resultados favoráveis, não se limitando apenas ao rendimento acadêmico.
Parece existir uma correlação entre defasagem idade/série, transferência e evasão
escolar e clima escolar. Na “Escola mais precária”, que apresenta esses indicativos superiores
à outra unidade escolar, o clima interno é bem mais tenso.
Otimismo e Pessimismo Pedagógico
A discussão deste item está relacionada às atitudes que os professores têm sobre os
alunos, dependendo de sua classe social ou raça. Segundo Hasengalg (1987), em escolas que
são frequentadas por alunos de classe média, a expectativa dos professores é positiva e a
média da escola é alta. Por outro lado, em escolas frequentadas por maioria de alunos com
baixo poder aquisitivo, a média é baixa e há pessimismo pedagógico por parte dos
professores.
Constatamos, por meio dos relatos das participantes da pesquisa, expectativas
negativas da equipe gestora e dos professores em relação aos alunos. Segundo a diretora: “Eu
percebo nas reuniões que há um grupo de professores que consideram muitos alunos como
um caso perdido. Eles já rotulam o aluno, dizendo que ele vai ser bandido”. (DIRETORA da
escola da “Escola mais precária”).
O relato da administradora confirma o pessimismo que está incutido no imaginário
de muitos professores sobre alunos pobres e negros. Infelizmente, as teorias racistas ainda
estão presentes nos espaços escolares e vão sendo reproduzidas por aqueles que seriam os
responsáveis por uma educação igualitária para todos, independentemente da classe social ou
racial. Em muitos casos, os alunos são estigmatizados pelas condições sociais dos pais:
Uma parte é fruto de famílias desestruturadas, pessoas que moram com pais
problemáticos. Essas famílias já trazem certa dificuldade de relacionamento
entre si, existe violência doméstica, muita falta de amor entre eles. A mãe
silencia, como se os problemas fossem do filho. Isso reflete no aprendizado
de maneira negativa. O aluno não tem vontade de aprender, não tem como
39
refletir na escola. O comportamento dessa criança na escola é apreensivo,
não há um compromisso, sem desejo. (COORDENADORA da “Escola mais
precária”).
Quando se tem pessimismo sobre uma determinada turma, ou determinado aluno, é
comum os professores julgá-los como caso perdido, mesmo que esta ou este não apresente
qualquer dificuldade de aprendizado. Geralmente, culpam a família. Segundo Paixão (2006, p.
65): “É possível ouvir justificativas que apelam para argumentos como o da família ser
desestruturada, quando o assunto se refere às dificuldades escolares enfrentadas por alunos”.
De acordo com Chechia e Andrade (2005), a família exerce influência no
desenvolvimento escolar do aluno, porém esse é um processo que se apresenta na escola e não
depende exclusivamente da família. A unidade escolar possui funções específicas que devem
ser enfatizadas para que não se reproduza o discurso ideológico de que o desempenho escolar
depende da forma como a família age no contexto escolar do filho:
Nós temos aqui bons alunos, mas temos também aqueles alunos com muitos
problemas de famílias desestruturadas. São desmotivados, muitos deles,
muitos deles a gente encaminha para o psicólogo para fazer tratamento.
(DIRETORA da “Escola mais precária”)
Nesse relato, a diretora também aponta a família como causa do insucesso dos alunos
que, ao serem considerados problemáticos, são encaminhados para tratamento psicológicos.
Segundo Patto (1992, p. 113):
Entre as crianças apontadas pela escola como “problemáticas” certamente há
uma parcela que precisaria de um bom atendimento especializado fora da
escola, como acontece com tantas crianças mais ricas que recebem apoio
médico, psicológico, fonoaudiológico quando necessitam. Entretanto,
mesmos nesses casos, as atitudes tomadas dentro da escola podem
aprofundar e cronificar as dificuldades vividas por uma criança. (grifos da
autora)
A maioria dos argumentos utilizados sobre os problemas dos alunos está relacionada
com indisciplina e problemas familiares, como consigna o depoimento da aluna a seguir, que
parece demonstrar que a escola não se preocupa em combater as discriminações que ela
sofreu: “[...] mas ela era uma menina que veio com até o último fio de cabelo com
problemas, tanto que ela voltou para a casa da mãe”. (DIRETORA da “Escola mais precária”)
Para Castro e Abramovay (2006), quando se tem a tendência em culpar a vítima por
aquilo que lhe é imposto, retira-se a responsabilidade de todos aqueles que a subjugam pela
condição desfavorável que lhe é imputada na relação com a turma. Quando a vítima vê a
40
culpa recair sobre si, é muito provável que ela o aceite. E, nesse caso, a vítima procura se
distanciar do espaço que lhe foi negado. Para ela, ele não lhe pertence. Parece ter sido essa a
atitude da aluna que não conseguiu ficar sequer um ano na escola.
Esse, assim como muitos outros, é mais um caso de exclusão de alunos. É um
mecanismo sutil que a escola utiliza para selecionar os seus melhores estudantes. Patto (1992,
p. 118) corrobora afirmando que:
Em geral, as crianças são mantidas na escola durante muitos anos, até que
mecanismos escolares mais ou menos sutis de expulsão acabem por se
impor. Tirar da escola uma criança que ‘vai bem’ não é a regra, o que
contraria a versão do censo comum, segundo a qual a desvalorização da
escola pelos pobres seria a principal causa de evasão escolar (grifos da
autora).
Chama ainda a atenção que nos depoimentos, tanto da professora, quanto da
coordenadora da “Escola mais precária”, os casos que se configuraram na saída do aluno
daquela unidade escolar, uma vez que o desempenho e os problemas psicológicos mantêm
forte correlação.
O pessimismo pedagógico, muitas vezes, é demonstrado pelos professores quando há
alunos indisciplinados. Quando a professora fala da indisciplina de forma coletiva,
praticamente todos os alunos são englobados, mas, quando ela procura individualizar, o peso
recai somente sobre aqueles que são considerados problemáticos: “São meninos assim, um faz
uso de medicamentos controlados, então já tem problemas mesmo. O outro está mudando,
está melhorando. Mas assim, eles são bem danadinhos mesmos”. (PROFESSORA da “Escola
menos precária”).
O argumento da docente evidencia, mais uma vez, a forma como os professores
tratam alunos negros em sala de aula. O aluno que ela diz estar mudando, é um aluno pardo. O
outro, que faz uso de medicamentos, é um estudante de cor preta. Segundo França (1991, p.
127), “[...] o aluno negro tem sua imagem carregada de pessimismo na escola e, a não ser que
faça um grande esforço, tudo concorrerá contra o seu bom desempenho”.
A coordenadora da “Escola menos precária” também relata que existe bastante
indisciplina na unidade escolar, mas faz uma ressalva: “E aí também tem o que é indisciplina
para alguns, para outros não é. Tudo é muito relativo”. (COORDENADORA da “Escola
menos precária”).
A professora da “Escola mais precária” faz o seguinte relato sobre a indisciplina,
demonstrando em sua fala certo pessimismo em relação aos alunos:
Foi o que eu falei para você, é uma turma bem problemática, né, por conta
desses meninos, assim numa idade defasada. Mas só tem uma coisa, Carlos,
41
nós não podemos isolar isso. Não é só questão da idade, quando a gente
para pra ver, fazer uma investigação, a maioria dos alunos que tem
dificuldade, indisciplina, é porque tem uma vida, uma estrutura social muito
difícil. Geralmente é problema familiar em casa, terrível, às vezes é o pai
preso, mãe presa, pai traficante, mora em boca de fumo. (PROFESSORA da
“Escola mais precária”)
O tratamento das crianças negras nas escolas demonstra como o racismo se manifesta
no ambiente escolar. As ideias preconceituosas que estão incutidas na cabeça das pessoas são
refletidas por meio das palavras, dos gestos e tratamentos dispensados aos estudantes negros.
Nesse sentido, Müller (2009, p. 82) contribui afirmando que:
O racismo pode ser observado pelo fato de os alunos negros receberem
tratamento diferenciado desde sua entrada na escola, visto que esse processo
deduz-se, começa no início de sua carreira escolar: pelo descaso do
professor, pelo não reconhecimento do aluno e suas potencialidades, por
meio de castigos e punições variadas, como comentários negativos sobre
suas famílias, e, ainda, pela utilização de força física. Todos esses processos
podem dificultar e/ou comprometer o desempenho dos alunos.
Assim, constatamos nos relatos das participantes da presente pesquisa que há um
pessimismo pedagógico nas duas unidades escolares investigadas. Tanto as diretoras como as
coordenadoras e professoras revelaram indícios de que os problemas de indisciplina dos
estudantes estão correlacionados com questões de desajustes familiares. As evidências
indicam que esses problemas recaem, principalmente, sobre a maioria das crianças negras.
Mas nos foi possível também constatar certo otimismo pedagógico nas escolas
pesquisadas. Fatores, como elogios ao quadro de professores e de alguns alunos, bem como a
capacitação docente com a expectativa de que estes, após esse processo, possam desenvolver
aulas diferenciadas foram relatados:
Quanto ao pedagógico, eu acho que deveria ter uma grande mudança. Os
nossos professores, agora, eles estão se inscrevendo nessa capacitação do
Paulo Freire. Eles todos vão participar e a esperança, a expectativa é que
esse professor venha com aulas mais modernas, assim mais do dia-a-dia
com a linguagem do aluno, porque nossos alunos, por mais que eles são
crianças humildes, têm muitas ‘lan houses’ à sua disposição, eles têm acesso
a computadores. Então, poderia muito bem estar trabalhando multimídia
com essas crianças, que a aula seria muito mais interessante. (DIRETORA
da Escola mais precária).
Na “Escola mais precária”, embora haja um estigma e o pessimismo pedagógico
pareça ser mais latente, há também uma expectativa positiva, principalmente no investimento
em projetos. A diretora revela que tem a expectativa de que, com a capacitação dos
professores, as aulas se tornem melhores.
42
Há também, por parte da gestora, um otimismo em relação aos projetos que são
desenvolvidos na escola. Embora eles sejam destinados a crianças que a escola acredita terem
problemas de aprendizagem, esses projetos não deixam de ser importantes para os alunos,
pois, além de participar de aulas de reforço, têm também a possibilidade de praticar esportes,
como o futebol, karatê, dança e capoeira.
Além da possibilidade de os alunos ocuparem o tempo vago, praticando esportes ou
fazendo aula de reforço, há também o momento da interação entre a equipe gestora,
professores e alunos. Segundo Cavaliere (2009, p. 58), “O aumento de tempo pode significar
um aprofundamento de experiências cotidianas partilhadas, mas, para isso, o enriquecimento
da vida intra-escolar e a estabilidade de seus quadros profissionais são fundamentais”.
A “Escola mais precária” também desenvolve outro projeto denominado Segundo
Tempo. De acordo com a diretora, ele ajudou a recuperar alunos que tinham muitas
dificuldades, refletindo no resultado da Prova Brasil.
Na “Escola menos precária” funciona o programa Escola Aberta no qual, segundo a
diretora, o atendimento acontece aos finais de semana, estendido a toda a comunidade, com
aulas de violão, artesanato, atividades físicas, futsal. A escola também atende outros projetos:
Nós temos o Projeto Vivendo Sempre em Paz, que é uma tentativa de
diminuir o índice de violência e conflitos na escola e, agora, nós estamos
com o Projeto Desenvolvimento Sustentável que, em virtude da semana do
meio ambiente e de toda a propagação que está na mídia, disso tudo, nós
também estamos desenvolvendo um projeto. (DIRETORA da “Escola menos
precária”).
Os trabalhos desenvolvidos pelas duas escolas sinalizam que elas procuram integrar
os alunos que, de certa forma, são excluídos da sociedade. Além do mais, oportuniza-lhes
ocupar o tempo livre com atividades, sejam esportivas e/ou reforço escolar. Segundo Brandão
(2009, p. 106), “enfim, o tempo integral parece-me ser uma condição de cidadania escolar
para crianças e jovens que são, até hoje, penalizados pela baixa qualidade do ensino que o
sistema público lhes oferece, apesar das honrosas exceções”.
Desse modo, mesmo diante da fragilidade deste estudo, os dados revelam algumas
evidências de pessimismo e de otimismo pedagógico nas escolas pesquisadas.
43
PARTE II
ALGUNS ASPECTOS QUE INFLUENCIAM AS FAMÍLIAS NA
ESCOLHA DAS ESCOLAS
Esta parte aborda alguns aspectos que influenciam na escolha das escolas pelos pais e
mostra a visão de mundo das famílias e sua relação com o que pensam sobre educação. Por
outro lado, a pesquisa também demonstra alguns indícios de mecanismos discriminatórios,
utilizados pelas escolas, que dificultam o acesso e a permanência de alunos pertencentes às
classes mais pobres, levando as famílias a procurar escolas de pior qualidade.
A escolha das escolas pelas famílias
A escolha das escolas, pelas famílias, parece não acontecer de forma aleatória. Para
Ball, Gewirtz e Bowe (apud NOGUEIRA, 1998), a opção pelo estabelecimento de ensino é
pensada como uma luta de classe simbólica e invisível, em que os indivíduos utilizam suas
vantagens sociais como estratégias tanto de distinção como de classificação social.
Segundo Nogueira (1998), em uma pesquisa realizada em Londres por Ball, Gewirtz
e Bowe (1994, 1995), sobre a escolha de estabelecimento de ensino, foram identificados três
tipos de pais, de acordo com a classe social.
No primeiro grupo, formado por profissionais de classe média, Nogueira (1998)
afirma que os pesquisadores chegaram à conclusão de que a escolha do estabelecimento ocupa
um lugar central na vida de boa parte das famílias. Por ser um grupo que possui capital social
e econômico, está mais capacitado para avaliar as políticas educacionais, práticas pedagógicas
e também os professores, em diferentes tipos de estabelecimentos. De acordo com Portes
(2000, p. 138), “Para possuir capital social, um indivíduo precisa de se relacionar com outros,
e são estes – não o próprio – a verdadeira fonte dos seus benefícios”.
44
Segundo os autores Ball, Gewirtz e Bowe (apud Nogueira (1998), as pessoas que
compõem esse grupo estão habilitadas a lidar com várias fontes de informação e sempre
procuram estabelecimentos de mais prestígio e de elite. Segundo Nogueira (1998, p. 44, grifos
da autora), “Nesse aspecto, a rede de relacionamento das famílias (o capital social, nos termos
de Bourdieu) desempenha um importante papel”.
Segundo a mesma autora, há divergências entre as famílias quanto ao critério de
escolha das escolas. Enquanto para uma parte o critério principal de escolha é o resultado
acadêmico de cada unidade escolar, outro grupo dá mais ênfase ao clima interno de cada
estabelecimento e à capacidade de desenvolvimento da personalidade do educando. Todavia,
para ambas as partes, a composição social dos estudantes é decisiva no momento da escolha.
Para os pais, é importante saber quem serão os colegas dos filhos.
Nogueira (1998) esclarece que o segundo grupo é formado por comerciários,
motoristas, donas de casa, integrantes de famílias desprovidas de recursos culturais e de
relações sociais, por isso possuem pouca capacidade de distinguir e de escolher as escolas
para os filhos. Geralmente, atribuem valores aos rumores e à reputação dos estabelecimentos
de ensino.
O terceiro grupo é composto pela classe operária detentora de baixo grau de
instrução. Para Nogueira (1998), essas famílias utilizam como critério de escolha a distância
da residência, facilidades de locomoção, meio de transporte, segurança, entre outros. Como as
fontes de informações são limitadas, as redes de relacionamento entre os vizinhos, parentes e
amigos são os meios de informações utilizadas pelo grupo.
Para a autora, nesse grupo, as pessoas são mais dependentes do contexto social,
exprimem a vontade de que as escolas escolhidas ofereçam uma boa educação para os filhos,
sem manifestar interesse em procurar boa educação em unidades escolares de outros bairros.
Nogueira (1998), Ball, Gewirtz e Bowe chegaram a duas conclusões na pesquisa;
primeira: a escolha do estabelecimento de ensino está correlacionada à situação sociocultural
das famílias e, apesar do processo de escolha ser complexo, não há como negar que a raça,
gênero e classe social constituem fatores em jogo nesse processo.
A segunda conclusão sinalizada pelos autores da pesquisa é de que a opção pelo
estabelecimento, além de se tornar um novo e maior fator de manutenção e de fortalecimento
da desigualdade de oportunidade de educação, tornou-se também um bem privado nos países
que foram afetados pelas políticas neoliberais.
Nogueira (1998) ainda enfatiza que, assim como na Inglaterra, na França também se
confirmou que os favorecidos, econômica e/ou culturalmente, são os que optam pela escolha
45
do estabelecimento, enquanto que os desfavorecidos, geralmente, aceitam o estabelecimento
imposto.
No caso brasileiro, embora os contextos divirjam dos países europeus, pesquisas,
como de Hasenbalg (1987); Rosemberg (1987); França (1991); Costa (2011), revelam que há
também indícios de mecanismos que, por meio da informalidade, provocam desigualdades
entre alunos de classe baixa e média, compostas por brancos e negros, no acesso às melhores
escolas.
Costa e Koslinski (2011), investigar escolas públicas no Rio de Janeiro, concluíram
que opera nos estabelecimentos de ensino um quase mercado oculto, porque tudo se processa
de forma oculta, não existindo, explicitamente, mecanismos formais de seleção de alunos.
Para esses autores, o quase mercado em países europeus, como a França, Inglaterra,
Hungria e outros, baseia-se na escolha escolar pelos pais com base na oferta de oportunidades
entre as várias escolas. Estas, por sua vez, se ajustariam à imposição da demanda, ofertando
serviços de qualidade que, segundo Costa e Koslinski (2011, p. 252), acontecem “mediante a
sinalização emitida por sistemas de avaliação educacional externa, a oferta tenderia a elevar
sua qualidade pelo efeito agregado da competição para ganhar clientes”.
Já na Hungria, Van Zanten (2005) sinaliza que existe um quase mercado escolar
aberto. Todos os estabelecimentos de Budapeste lutavam para atrair novos alunos, utilizando
de estratégias diferentes, de acordo com o contexto social:
Os estabelecimentos com mais capacidade de atração desenvolvem
estratégias elitistas voltadas para alunos de melhor nível acadêmico e social,
mas como o número de alunos que corresponde a esse perfil é reduzido no
distrito de Kobanya, muitos outros preferem manter uma política de
matrículas mais aberta para manter ou aumentar a clientela. (VAN
ZANTEN, 2005, p. 575).
No contexto europeu a escolha por escola é livre, como na Bélgica, onde os
estabelecimentos menos populares priorizam, mais que os resultados, a motivação, disciplina
dos alunos e a participação dos pais. Quanto às unidades escolares que possuem pouca
demanda, aceitam praticamente quase todos os alunos.
Quanto ao Brasil, Costa e Koslinski (2011) ressaltam que o quase mercado
educacional possui características originais, pois operam de forma quase invisível e, ao
contrário dos países europeus, que competem por alunos, parece que há concorrência dos
alunos por escolas, nas redes públicas comuns, diante de uma quantidade muito limitada de
46
unidades que gozam de prestígio escolar. Para o autor, o prestígio deve estar fortemente
associado ao desempenho em termos de aprendizado dos alunos.6
Toda a família tem o desejo de oferecer estudo da melhor qualidade possível para os
seus filhos. Segundo Thin (2006, p. 37), “[...] não existe desinteresse das famílias populares
no que tange à escolaridade dos filhos, mesmo se o interesse não se manifesta em
conformidade com os desejos dos professores”. Ocorre que, muitas vezes, o baixo nível de
escolaridade e renda familiar pode influenciar no momento da escolha da escola.
No caso desta pesquisa, parece que esse fato também se confirma, conforme
demonstrado no Gráfico I:
Gráfico I – Distribuição das famílias, de acordo com os motivos de escolha da escola para seus filhos.
Escola mais precária Escola menos precária
Fonte: questionário aplicado aos pais e/ou responsáveis dos alunos do 6º ano das duas escolas
pesquisadas
Os gráficos demonstram que a opção dos pais, no momento da escolha das escolas
para os filhos, é bastante variável, podendo sua explicação estar relacionada ao nível de
escolaridade dos pais. Na “Escola mais precária”, onde a grande proporção de pais afirmou
que escolheu a escola porque é mais próxima da sua residência, o nível de escolaridade é mais
baixo se comparado aos pais dos alunos da “Escola menos precária”, que optaram pela escola
por considerá-la melhor.
Pode ser, também, que os pais que escolheram a “Escola mais precária” suspeitaram
que os filhos não conseguiriam ingressar e permanecer na “Escola menos precária”, devido à
disciplina imposta aos alunos.
6 A expressão “prestígio” somente será utilizada quando se tratar de alguma citação ou fala de autor.
47
Thin (2006, p. 44), ao discutir sobre a relação das famílias das camadas populares
entre a escola, ressalta que existem riscos vinculados à escolarização das crianças das
camadas populares. Dentre esses, a estigmatização da família:
Os pais percebem que as diversas dificuldades dos filhos ou seus
comportamentos não-conformes às regras e às exigências escolares são, na
maioria das vezes, atribuídos às famílias. Eles sabem que suas maneiras de
ser, a começar pelas práticas linguageiras, não são conformes às normas da
escola.
Nesse sentido, tudo indica que muitas famílias preferem matricular os filhos em
escolas que, possivelmente, são menos exigentes em termos de disciplina. Estas, muitas
vezes, podem estar próximas ou não às suas residências.
Outra possível explicação é que, geralmente, pais e mães de famílias de classes
menos favorecidas saem para trabalhar cedo e só retornam à noite, ficando os filhos sozinhos,
muitas vezes. Essa também talvez seja uma das hipóteses que justificam a preferência de
muitos pais pela escola mais próxima de casa.
Chama atenção também o fato de que 20% dos pais somente matricularam os filhos
na “Escola mais precária” porque não conseguiram vaga em outras. Corroborando com esse
dado, durante a entrevista, a coordenadora revelou que os alunos que procuram a escola,
geralmente são os que não conseguiram vagas em outras. Segundo a coordenadora, “Primeiro
eles vão lá, se não tiver vagas eles vem para cá”. (COORDENADORA da “Escola mais
precária”)
Quando perguntamos se existiam muitas crianças que não encontravam vagas no
momento da matrícula, a mesma coordenadora respondeu:
Sim, muitas crianças ficam fora da escola. É de dormir na fila, tudo isso,
bastante, porque, mesmo porque aqui é a única escola bem aqui mesmo do
bairro, aqui, que atende o ensino médio e as séries finais né do ensino
fundamental. (COORDENADORA da “Escola mais precária”)
Essa afirmação parece confirmar um tipo de mecanismo seletivo relacionado com a
cor/raça, pois os alunos cujos pais afirmaram que não encontraram vagas em outras escolas,
são pretos.
Nas pesquisas realizadas em escolas públicas e privadas do Distrito Federal e em
outras quatro capitais brasileiras, Castro e Abramovay (2006) não constataram qualquer
utilização de critérios na escolha de estudantes. Somente nas escolas privadas foram
encontradas tais práticas, mas isso não é recorrente na maioria dos casos.
Assim, comprovamos, com a pesquisa, que essa não é uma prática legítima,
principalmente nos estabelecimentos públicos, cujo princípio é a garantia de vaga para todas
48
as crianças. Porém, segundo Alves e Soares (2007, p. 30), “na verdade, o sistema oficial de
ingresso na escola não consegue garantir uma distribuição neutra das crianças entre as
escolas, pois há mecanismos informais, que influenciam na seleção e na composição do
alunado”.
Costa (2011) divulgou relato de alunos sobre a dificuldade de encontrar vagas em
escolas de maior prestígio. Segundo o autor, elas adotaram um mecanismo de não
disponibilizar todas as vagas existentes durante o processo de remanejamento, prática usual.
Essas vagas ocultas seriam preenchidas por meio de indicações políticas ou, inclusive,
reservadas para candidatos de capital social mais elevado.
Analisando o gráfico a seguir, parece que há uma correlação entre os pais que não
encontraram vagas e os que desejavam que os filhos estudassem na “Escola menos precária”:
Gráfico II - Distribuição das famílias de acordo com opção de escolha de outra escola pública que
gostaria que os filhos estudassem.
Escola mais precária Escola menos precária
Fonte: questionário aplicado aos pais dos alunos do 6º ano.
Percebe-se que, na “Escola menos precária” há um grande percentual de pais que,
mesmo não cofirmando que estão satisfeitos, pelo menos não manifestaram desejo de que os
filhos mudassem de escola. Entre os 27% restantes, apenas 7% desejavam que os filhos
frequentassem outras unidades escolares públicas. Por outro lado, na “Escola mais precária”,
40% dos pais gostariam que os filhos estudassem na “Escola menos precária”, ou seja, pelo
menos a metade não estava satisfeita com a “Escola mais precária”.
É provável que boa parte desses pais seja composta por aqueles que não conseguiram
vaga para os filhos no momento da matrícula, fator que também reforça a ideia de que há
desigualdade de acesso entre as duas unidades escolares pesquisadas.
49
Influência da cor/raça no acesso às escolas
O sistema de ensino público brasileiro é desigual e, diante disso, os alunos das
camadas populares são os mais prejudicados. Quanto mais distante da região central da
cidade, mais as escolas são abandonadas pelo poder público, sendo que nessas regiões reside a
maioria da população negra.
Gonçalves (2006) evidenciou que a unidade escolar localizada na região central da
cidade oferecia melhores condições para um ensino de qualidade do que aquela que localizada
em bairro periférico, sendo que em ambas a composição do alunado era muito diversificada.
Ou seja, na escola melhor equipada, prevalecia a maioria de alunos brancos e de classe média;
na unidade escolar menos equipada, localizada no bairro periférico, os alunos eram
majoritariamente negros e de camada baixa.
Nesse sentido, o acesso às escolas de melhor qualidade fica mais restrito às pessoas
de condições financeiras mais favoráveis. Desse modo, as escolas utilizam alguns
mecanismos de exclusão dos alunos que não pertençam à mesma classe social, ou ao mesmo
grupo racial. É o que Hasenbalg (1987) e Rosemberg (1987) chamam de mecanismo de
discriminação ou recrutamento de alunos.
Costa (2010) constatou indícios de acirradas disputas entre as escolas públicas e
verificou que a diferenciação da composição entre elas também é produzida por meio de
mecanismos de seleção. Condicionantes, como família, meio social, condições
socioeconômicas e capital cultural, parecem exercer um papel relevante no acesso ao tipo de
agrupamento escolar.
Assim, pode-se fazer uma comparação entre a renda familiar dos alunos que
frequentam as duas escolas conforme apresentadas nos quadros a seguir:
Quadro III – Distribuição dos pais e/ou responsáveis dos alunos da escola mais precária por cor/raça
segundo a renda mensal familiar.
Cor/raça Até 1 sm + 1 até 2 sm + 2 até 3 sm + de 3 sm Total
Brancos 0% 0% 100% 0% 100%
Pardos 33% 33% 34% 0% 100%
Pretos 50% 0% 33% 17% 100% Fonte: questionário aplicado aos pais e/ou responsáveis dos alunos do 6º ano.
Quadro IV – Distribuição dos pais dos alunos da escola menos precária por cor/raça segundo a renda
mensal familiar.
Cor/raça Até 1 sm + 1 até 2 sm + 2 até 3 sm + de 3 sm Total
Brancos 0% 60% 0% 40% 100%
Pardos 33% 50% 0% 17% 100%
Pretos 25% 0% 25% 50% 100%
50
Fonte: questionário aplicado aos pais e/ou responsáveis dos alunos do 6º ano.
Esses resultados mostram que em todos os grupos raciais a renda familiar dos alunos
que frequentam a “Escola mais precária” é inferior aos da “Escola menos precária”. Entre os
brancos, tanto da primeira quanto da segunda escola, todos os pais ou responsáveis possuem
renda superior a um salário mínimo. Percebe-se que na Escola menos precária a maioria dos
brancos está na faixa de renda mensal acima de um até dois salários, sendo que 40% recebem
acima de três. Os pardos representam a minoria que recebem acima de três salários.
Os pretos são os que estão em maior proporção dentre os que ganham até um salário
mínimo na Escola mais precária. O que mais chama a atenção é que 17% possuem renda
mensal superior a três salários mínimos, mas frequentam a pior escola. Sobre isso, Hasenbalg
(1987, p. 26), explica que: “Mesmo considerando crianças da mesma classe social, as crianças
negras tendem a ser recrutadas para escolas de alunado mais pobre. Assim, frente a tal
mecanismo de seleção, a criança negra acaba se dirigindo às escolas que atendem a clientela
mais pobre.
Outro fator que chama atenção é que, na Escola menos precária, os pretos possuem
renda mensal superior aos brancos. Tudo indica que o nível social mais alto tenha colaborado
com o acesso desses alunos na escola mais equipada. Por outro lado, os pretos representam
50% dos estudantes mais pobres e que estudam na escola mais precária.
Corroborando com esses dados, França (1991) constatou em sua pesquisa a presença
de mecanismo de formação de turmas homogêneas entre as escolas, onde crianças de classe
média são recrutadas em um tipo de escola e as de classe baixa em outro; onde o corpo
docente é carente de valorização, os equipamentos são inadequados e as instalações físicas
precárias.
Influência do nível de escolaridade dos pais na escolha da escola para os filhos
Existem alguns estudos que comprovam que as famílias que possuem nível social e
escolaridade mais alto têm mais chance de conseguir vagas nas melhores escolas. Costa
(2010, p. 242) constatou que “a escolaridade da mãe e o nível socioeconômico domiciliar
jogam papel relevante na definição do prestígio da escola em que o aluno estava estudando no
momento da pesquisa”.
Fizemos a comparação entre o nível de escolaridade dos pais dos alunos para ver se
esse fato também se confirmava nesta pesquisa, conforme exposto no quadro que se segue:
51
Quadro V– Distribuição dos pais dos alunos das duas escolas analisadas segundo o nível de
escolaridade.
Nível de escolaridade Escola mais
precária
Escola menos
precária
Ensino fundamental incompleto 0% 13%
Ensino fundamental completo 30% 20%
Ensino médio incompleto 40% 7%
Ensino médio completo 20% 33%
Ensino superior 10% 27% Fonte: questionário aplicado aos pais ou responsáveis dos alunos do 6º ano.
O quadro demonstra que, ao compararmos os dois níveis de ensino, médio e superior,
as proporções de pais com esses graus de estudo estão na melhor escola. Por outro lado, entre
aqueles que possuem grau de escolaridade mais baixo, ensino fundamental completo e ensino
médio incompleto, a maior proporção são de pais cujos filhos estudam na escola mais
precária.
Esses dados confirmam que os pais dos estudantes da melhor escola possuem níveis
de escolaridades superiores que o dos pais da “Escola mais precária”. Isso sugere que a escola
“menos precária” utiliza algum tipo de mecanismo que dificulta o ingresso de alunos
pertencentes às camadas de níveis sociais mais baixos.
52
CAPÍTULO III
PARTE I
CLASSIFICAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO RACIAL
Neste capítulo, será discutida a utilização do termo raça e alguns dados sobre a
classificação racial da população brasileira, segundo o IBGE. Além disso, abordaremos a
classificação dos alunos entrevistados.
Classificação de cor/raça
Segundo Teixeira (2006, p. 264), “A idéia de raça ou cor é apreendida, arbitrária e
socialmente construída. A idéia em si mesma não teria nenhum problema se não resultasse em
determinados comportamentos, atitudes e práticas no nosso cotidiano”.
Na concepção de Guimarães (2003, p. 96), raças “[...] são cientificamente, uma
construção social e devem ser estudadas por um ramo próprio da sociologia ou das ciências
sociais, que trata das desigualdades sociais”. Müller (2006, p. 4) contribui afirmando que:
“As raças têm existência social, existem no imaginário da sociedade, e isso contribui para a
cotidiana construção das desigualdades raciais no Brasil”. É sob a perspectiva social que esse
termo será utilizado.
Segundo os Indicadores Sociais Municipais (2011), o Censo Demográfico realizado
em 2010 repetiu as mesmas categorias de classificação utilizadas em 1991: branca, preta,
parda, amarela e indígena, e demonstrou que houve uma modificação na estrutura da
população nos últimos dez anos. A proporção de pessoas brancas diminuiu, enquanto que
entre as aquelas que se declararam pardas ou pretas, o aumento foi significativo. De acordo
53
com a Síntese de Indicadores Sociais (2010), uma das hipóteses para o aumento da população
de negros pode estar relacionado com a valorização da identidade afrodescendente.
No gráfico a seguir constata-se que a população branca, no Censo Demográfico de
2000, era de 53,7 %. Os pretos representaram 6,2 % e os pardos, 38,5 %, totalizando 44,7%
de negros (somatória de pretos+pardos). Nesse mesmo período, os amarelos, indígenas e sem
declaração somaram 1,6%.
O Censo Demográfico de 2010 demonstrou uma queda na proporção entre a
população branca e um aumento na proporção de negros. Os brancos representaram 47,7%, os
pretos 7,6% e os pardos 43,1%. Somando a duas últimas categorias, o total de negros foi de
50,7%, três pontos a mais do que os brancos. Entre amarelos, indígenas e sem declaração, a
proporção foi de 1,5%.
Gráfico III – Distribuição percentual da população residente de acordo com a cor/raça –
segundo o Censo Demográfico de 200/2010 – Brasil.
Fonte: Indicadores Sociais Municipais – IBGE – 2011.
Chama atenção que o aumento da população negra não ficou restrito somente aos que
se declararam pardos, mas também entre os pretos. Foram 4,6% e 1.4%, respectivamente. Já
entre a população branca, a queda foi de 6 pontos percentuais.
Outro dado importante que o Censo Demográfico de 2010 disponibilizou e que
merece análise é a distribuição de cor ou raça por municípios, que possibilita identificar as
diferenças regionais. Na tabela a seguir apenas os três primeiros municípios apresentaram
maior proporção de pessoas de cor ou raça branca, preta e parda.
54
Em relação ao estado de Mato Grosso, a população está distribuída nas seguintes
proporções:
Quadro VI – Distribuição percentual da população pessoas de 10 ou mais anos de idade,
residente de acordo com a cor/raça – segundo o Censo Demográfico 2010 – Estado de Mato
Grosso e a capital Cuiabá.
Estado/capital Branca Preta Parda Amarela Indígena Total
Estado/ MT 37,46% 8,16% 52,09% 1,17% 1,11% 100%
Cuiabá 33% 11% 54% 2% 0,0% 100% Fonte: Censo Demográfico – IBGE/2010
Os dados apresentados no quadro de classificação racial da população de Mato
Grosso e da capital revelam uma grande diferença entre as categorias de cor branca, parda e
preta. Parece que a população não está distribuída de forma heterogênea. Essa segregação é
evidente se compara à composição racial da capital com a dos bairros pesquisados. Os
brancos, que representaram 37,46% do Estado e 33% da capital, somam 50,9% no bairro I e
74,7% no bairro II, ou seja, são dois bairros de população majoritária branca, numa capital
com uma população de mais de 60% de negros.
O que mais chama atenção é a categoria de cor preta, que representa 8,16% no
Estado e 11% da capital, está sub-representada nos bairros, com 1.8% no bairro I e menos de
3% no bairro II. No entanto, a classificação dos alunos nos revela que os pretos estão em
maior proporção nas escolas dos bairros, indício de outro tipo de segregação.
Classificação racial dos alunos entrevistados
Ao realizar a entrevista, foram constatadas variações de cor entre as classificações
dos alunos nas perguntas abertas, fechadas, e a realizada pelo pesquisador, conforme o
quadro:
Quadro VII – Distribuição percentual dos alunos das duas escolas pesquisadas de acordo com
a cor/raça
Cor/raça Classificação dos
alunos (pergunta
aberta)
Classificação dos
alunos (pergunta
fechada)
Classificação dos alunos
feita pelo pesquisador
Branca 17% 17% 21%
Preta - 8%% 44%
Parda 31% 75% 35%
Morena 42% - -
Negra 10% - -
Total 100% 100% 100% Fonte: questionário aplicado aos alunos do 6º ano das duas escolas.
55
Os dados revelam que os alunos brancos não tiveram dificuldade de se
autoclassificar. Entre a pergunta aberta e a fechada, o percentual de brancos permaneceu
intato, sofrendo uma pequena variação na classificação feita pelo pesquisador. Carvalho
(2004) constatou, em pesquisa realizada em uma escola pública em São Paulo, que a
classificação dos alunos brancos ocorreu de forma mais rápida e silenciosa. É possível notar
que as pessoas de pele branca encontram pouca dificuldade em se autoclassificar.
A cor parda foi a que mais sofreu alteração nas classificações aberta, fechada e a
realizada pelo pesquisador. Segundo Petruccelli (2007, p. 33), ao analisar os dados da
Pesquisa Mensal de Emprego – PME, de 1998, “O caso da categoria de cor parda é que
proporciona as variações mais interessantes de serem estudadas, ao lado do conjunto de
categorias que dão conta de matizes intermediários da classificação de cor”. É nessa categoria
que se agrupa a maioria das pessoas que se identifica, em perguntas abertas, com cores
intermediárias entre a branca e a preta. Na pesquisa realizada, percebemos que praticamente
100% dos estudantes, que se autoclassificaram como morenos, identificando-se como pardos
na pergunta fechada.
Teixeira e Beltrão (2008, p. 17), ao analisar os dados da PME de julho de 1998,
ressaltam que “entre os que se declaram de cor ‘Parda’, no quesito fechado, as opções para o
item aberto ficam concentradas principalmente em duas categorias: ‘Morena’, entre 56 e 57%,
e ‘Parda’ em torno de 30% e declaração semelhante nas declarações para si mesma e para o
outro”. Nessa mesma pesquisa da PME de 1998, Petruccelli (2007) também analisa esse
dinamismo, concluindo que 77% das pessoas que se declararam morena, na pergunta aberta,
classificaram-se como pardos, na pergunta fechada.
Segundo o mesmo autor, “A questão da cor no âmbito brasileiro, encontra-se no
entrecruzamento dos mitos fundadores da identidade nacional com as práticas sociais de
discriminação e preconceito racial”. (PETRUCCELLI, 2007, p. 47). Quanto mais escura for a
cor da pele, mais sujeita está à discriminação. Carvalho (2004) constatou em sua pesquisa que
os alunos que se classificaram como pretos e pardos foram objeto de comentários, dúvidas e
até mesmo mudança de opinião. No caso da presente pesquisa, também se evidenciou esse
comportamento por parte de alguns alunos, ao responder o questionário.
De acordo com Teixeira e Beltrão (2008, p. 17), a PME de 1998 demonstrou que
“entre aqueles que declaram ‘Preta’ no quesito fechado, se distribuem, principalmente, em
três diferentes categorias abertas – 40% como ‘Preta’, 30% como ‘Negra’ e 18% como
‘Morena’, em proporção semelhante nas declarações para si e para o outro”. Entre os alunos
pesquisados, apenas 8% se classificaram nesta categoria na pergunta fechada.
56
Mas, embora ainda haja pessoas que demonstram dificuldades em declarar sua cor, o
IBGE (2010), por meio dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD,
acusou que houve um crescimento da proporção da população que se declarou preta e parda
nos últimos dez anos: em 1999, a proporção foi de 5,4% para pretos e 40,0% para pardos. Em
2009, a proporção foi de 6,9% e 44,2%, respectivamente. De acordo com a Síntese dos
Indicadores Sociais (2010) é provável que um dos fatores desse crescimento seja a
recuperação da identidade racial. Assim, tudo indica que os 10% de estudantes que se
autodeclararam negros, na pergunta aberta, se identificaram positivamente suas próprias
identidades dentro da família.
O termo negro não é usado pelos institutos de pesquisas como uma categoria de cor,
mas sim de raça. De acordo com Rosemberg (2006), o termo “preto” às vezes é substituído
por muitas instâncias pelo termo “negro”, o que pode gerar confusão, pois esse termo é
reservado para o conjunto de pretos e pardos. Para Oliveira et al. (1985), os indivíduos que se
autoclassificam nessas categorias compartilham situações socioeconômicas semelhantes com
base nos indicadores relativos à educação, rendimento, inserção na força de trabalho,
mobilidade social e outros, por isso, justifica-se a designação do termo negro.
57
PARTE II
DESIGUALDADES RACIAIS NA EDUCAÇÃO
Nesta parte será discutida a situação dos alunos negros enquanto os mais penalizados
quanto ao acesso às unidades escolares, pois é nesse grupo de cor que ocorre mais
analfabetismo, repetência e apresenta menos anos de estudos do que os brancos. A influência
no estoque de benefícios auferidos pelos cidadãos depende da cor/raça, isto é, quanto maior a
quantidade de melanina, menores são os benefícios auferidos.
Analfabetismo, índice de aprovação e repetência
De acordo com o documento Os Comunicados do IPEA (2010), um dos grandes
problemas sociais que o Brasil ainda enfrenta para a construção de uma cidadania plena é o
analfabetismo, cujo grau é medido pela taxa de habitantes com 15 anos ou mais que não
sabem ler e escrever um bilhete simples.
O documento sinaliza que o analfabetismo é bem mais acentuado na população
negra, especialmente nas regiões menos desenvolvidas e em municípios de pequeno porte,
assim como muito recorrente na zona rural. Sua incidência maior recai sobre a população de
baixa renda e na faixa etária mais alta. Essas mesmas características observadas no ano de
2008, também se repetem em 2009.
Para se ter uma ideia da discrepância educacional que há entre os grupos raciais da
população brasileira, Hasenbalg e Silva (1990), valendo-se dos dados do Censo de 1980,
constataram que a taxa de analfabetismo entre pessoas de 15 a 64 anos era de 14,5% entre os
brancos e 36,5% entre pretos e pardos.
Dados mais recentes da PNAD 2008 são apresentados no Relatório Anual das
Desigualdades Anuais, organizados por Paixão et al. (2010), sinalizando que a situação pouco
58
mudou. Segundo os autores, em 2008, 10% da população brasileira, com mais de 15 anos de
idade, era analfabeta.
Ao comparar os dados de 1988 e 2008, os autores explicam que, entre os brancos, a
taxa reduziu, de 12,1%, para 6,2%. Entre pretos e pardos houve um declínio, de 28,6%, para
13,6% no mesmo período. Todavia, mesmo se pretos e pardos apresentassem uma redução
superior aos brancos no índice de analfabetismo de 2008, a taxa ainda seria superior a dos
brancos no intervalo de vinte anos. De acordo com os Indicadores Sociais Municipais (2011),
em 2010 os pretos representavam 14,4% de analfabetos, os pardos 13,0%, enquanto os
brancos representavam 5,9%. Ou seja, pretos e pardos apresentam um percentual de
analfabetos quase três vezes maior do que os brancos.
De acordo com o documento contendo os comunicados do IPEA (2010), um fator de
grande relevância e que explica a queda lenta do analfabetismo no Brasil está correlacionado
com a falta de melhoria no sistema educacional. O declínio do analfabetismo dentro de uma
mesma geração se mostra muito sensível com o passar dos anos, permanecendo alheio à
melhora na qualidade do ensino. Ou seja, os dados revelam que a redução do analfabetismo
está mais correlacionada com o efeito demográfico do que com as próprias iniciativas do
governo, sinalizando também que a queda do analfabetismo está ocorrendo devido à
escolarização da população mais nova e pela própria dinâmica populacional.
Em relação ao analfabetismo funcional, que, segundo Paixão et al. (2010, p. 211),
“mede o peso relativo do número de pessoas com menos de quatro anos de estudos completos
na população”, apresentou mudança nas taxas, no período que compreende os anos de 1988 a
2008. Para os autores, em 2008 a taxa de analfabetismo funcional entre os brancos foi de
16,1% e entre pretos e pardos de 26,6%. No intervalo de vinte anos, a redução da taxa foi
maior entre pretos e pardos, respectivamente, foi de 24,8 e 26,2 pontos percentuais. Entre os
brancos, a taxa foi de 14,3 e 16,1, respectivamente.
Outro complicador que também afeta a população negra é o índice de repetência.
Rosemberg (1987), investigando a situação educacional do negro no estado de São Paulo,
constatou, por meio dos dados da PNAD 1982, que, em todas as séries do 1º grau, os índices
de exclusão e repetência entre os alunos negros eram superiores aos mesmos índices entre
alunos brancos, enquanto entre as crianças negras que frequentavam a primeira série do 1º
grau, apenas 59,4% conseguiram aprovação no final do ano; já entre crianças brancas, o
índice foi de 71,4% de aprovação. Barcelos (1993) considera a fase de transição da 1ª para a
2ª série do primeiro grau, um poderoso entrave à trajetória escolar das crianças.
De acordo com o mesmo autor, embora tenha ocorrido uma redução de repetência na
59
2ª série, em relação à 1ª, e decrescendo até a 4ª série, nessa fase houve um aumento na evasão
escolar, principalmente entre os alunos negros. Tal constatação corrobora com a afirmação de
Rosemberg (1987) ao afirmar que, além de as crianças negras repetirem com mais frequência,
também eram excluídas mais cedo das escolas. Segundo a autora, a fase que determinava o
destino das crianças negras era a passagem da 3ª para a 4ª série. Em cada dez crianças negras
que frequentavam a 3ª série, em 1981, uma deixou de estudar no ano seguinte. Segundo
Rosemberg (1987, p. 19), “entre as crianças brancas a proporção era de uma para vinte”.
Para essa mesma autora, a criança negra tem uma trajetória escolar mais acidentada
do que a da branca, visto um maior número de saída e de retorno à escola. Esse problema está
relacionado com o da interação entre o alunado negro e o sistema educacional, bem como a
persistência deste em se manter na escola.
Consequentemente, a trajetória escolar do aluno negro, marcada pelas interrupções,
provoca um atraso escolar superior ao alunado branco. Dados coletados pelo Censo de 1980,
apresentados por Rosemberg (1987), constatam que a porcentagem de negros sem atraso
escolar é menor do que a de brancos em todas as faixas etárias. Constata-se também que, à
medida que aumenta a idade do aluno, aumenta também a diferença de anos de estudos entre
os dois grupos raciais, mesmo quando equiparada a famílias com rendimentos equivalentes.
Diferença de anos de estudos entre brancos e negros
As constatações de Rosemberg (1987) sobre o aumento da diferença de anos de
estudos, ligadas ao aumento da idade do aluno, foram também reafirmadas por Hasenbalg e
Siva (1990), quando utilizaram os dados da PNAD de 1982 em suas pesquisas. Os autores
constataram que, entre as pessoas que estavam na faixa etária entre 7 e 14 anos, que não
obtiveram qualquer instrução ou que não haviam conseguido passar da 1ª série do 1º grau, os
brancos representaram uma proporção de 32%, já entre pretos e pardos a proporção se elevava
à metade.
No grupo de faixa etária de 15 a 19 anos, que não conseguiu nenhuma instrução ou
que não passou da 1ª série, esses mesmos autores afirmaram que os brancos representaram
5,5% e os pretos e pardos mais de 17%. Ressaltam ainda que essa é uma faixa etária em que
todos deveriam ter completado a 8ª série. Porém, apenas 31,6% dos brancos, 10,6% de pretos
e 12,7% de pardos conseguiram ultrapassar esse nível de ensino.
Em 2010, a diferença de anos de estudos entre a população branca e negra continuou.
Pretos e pardos ainda não conseguiam atingir a mesma quantidade de anos de estudos dos
60
brancos. Para Paixão et al. (2010), em 2008, a média de anos de estudos dos homens com
mais de quinze anos foi de 8,2 entre os brancos e 6,3 entre os homens pretos e pardos. Entre
as mulheres, as brancas atingiram a média de 8,3 anos e entre as pretas e pardas ela foi de 6,7
anos de estudos.
Analisando sob o ponto de vista dos dados por sexo, percebe-se que tanto as
mulheres brancas atingiram média superior aos homens brancos, como as pretas e pardas
também apresentaram a mesma média com relação aos homens do mesmo grupo racial.
Paixão (2010) revela que o aumento de anos de estudo, no período compreendido entre 1988 e
2008, foi bastante modesto. Entre os homens brancos, o aumento foi de três anos, entre os
pretos e pardos, foi de 2,8; entre as mulheres brancas, foi de 3,2, e entre as pretas e pardas o
aumento foi de 3,1 anos de estudo.
Quanto à taxa de adequação, Paixão & Carvano (2008, p. 77) ressaltam que é “o
percentual de crianças e jovens que frequentam a escola dentro da série esperada, conforme
sua idade”. Os dados da PNAD apontam que, no primeiro ciclo do nível fundamental -
compreende a idade de sete a dez anos, em 1995 era de 52,5% para os brancos, representando
os pretos e pardos 30,7%. Em 2006, os dados apresentaram uma redução nas diferenças, uma
vez que a taxa entre os brancos aumentou para 62,2% e entre os pretos e pardos para 52,3%.
Todavia, nota-se que esse percentual é o mesmo alcançado pelas crianças brancas em 1995,
ou seja, pretos e pardos continuam em desvantagem em relação aos brancos.
No segundo ciclo do ensino fundamental - compreendendo de 11 a 14 anos – ,
Paixão & Carvano (2008) alertam que a taxa entre as crianças brancas, em 1995, era de 31%,
e para as crianças pretas e pardas, de 12,1%. Em 2006, houve uma redução entre os dois
grupos, porém os brancos ainda continuaram em vantagem, 49,8%, contra 33,1% entre pretos
e pardos. Em 2008, a taxa de adequação entre alunos na faixa etária indicada foi na ordem de
54,3%, entre os brancos, e de 37,5%, ente pretos e pardos.
O ensino médio é o nível de ensino que apresenta a maior defasagem entre os alunos
pertencentes aos dois grupos raciais. Para Paixão & Carvano (2008), enquanto entre os jovens
de 15 a 17 anos a taxa passou, no ano de 1995, de 17,7% para 37,4%, no ano de 2006. Entre
os pretos e pardos, a diferença foi ainda muito maior, ou seja, de 4,9%, em 1995, passou para
19,3%, no ano de 2006.
Quando analisado o percentual da taxa de cobertura do sistema escolar entre a
população brasileira, Paixão et al. (2010, p. 220) mostram que, entre as crianças brancas de
faixa etária entre 7 a 14 anos e que frequentavam a escola, houve um aumento de 10,3 pontos
percentuais, ou seja, de 88,1%, passou para 98,4%. Entre pardos e pretos, o percentual foi
61
bem superior, 17,8 pontos percentuais, subindo, de 79,9%, para 97,7%. Apesar do notório
avanço observado no ano de 2008, ainda havia 1,6% de crianças brancas e 2,3% de pretas e
pardas que ainda estavam fora da escola em quaisquer séries.
Segundo Paixão et al. (2010), na faixa etária de 15 a 17 anos, o percentual de jovens
brancos que frequentava a escola, no período de 1988 a 2008, elevou-se, de 57,5%, para
86,6%. Entre os pretos e pardos, essa mesma taxa sofreu uma elevação, de 51,8%, para
82,3%.
Desigualdades no acesso às escolas entre brancos e negros
Os dados apresentados a seguir revelam que, mesmo com a aprovação da Lei nº
11.114, de 16 de maio de 2005, que tornou obrigatória a matrícula de todas as crianças com
seis anos de idade no ensino fundamental, a população negra continuou em desvantagem no
acesso às unidades escolares. Paixão et al. (2010), valendo-se dos dados da PNAD 2008,
revelam que três anos após a aprovação da citada Lei, entre as crianças de seis anos, 45%
estavam matriculadas no ensino fundamental, 6,4% não estavam frequentando a escola e
22,9% se encontravam no maternal ou no jardim de infância, sendo que 25,7% frequentavam
a classe de alfabetização.
De um modo geral, os dados levantados por Paixão et al. (2010) demonstram que
houve, no período compreendido entre 1988 a 2008, uma redução no percentual de crianças,
com seis anos de idade, que não frequentavam qualquer unidade escolar, caiu, de 20,7%, para
6,4%. Desagregando esse percentual por grupos de sexo e raça, a queda entre as crianças
brancas do sexo masculino foi de 12,9 pontos percentuais, sendo que entre os meninos pretos
e pardos a queda foi de 18,6 pontos. Entre as crianças do sexo feminino, a redução foi de 10,7
pontos percentuais entre as brancas, e 16,1 pontos entre pretas e pardas.
Para Paixão et al. (2010), nessa faixa de idade ocorreu uma diminuição das
desigualdades de cor ou raça, todavia, o percentual de meninos e meninas pretas e pardas, que
não frequentava qualquer estabelecimento de ensino, era superior ao percentual de meninos e
meninas brancas. Ou seja, entre o meninos brancos, 5,1% estavam fora da escola; os pretos e
pardos representavam 7,9%. Entre as meninas, o percentual era de 4,5% entre as brancas e
7,2% entre as pretas e pardas.
Outro agravante que também penaliza a população negra é o tipo de escola que a
grande maioria frequenta. Paixão et al. (2010) revelam que em todo o País, no ano de 2008, a
62
maioria das crianças que estava na faixa etária de seis anos frequentava escolas públicas. Do
total, pretas e pardas estavam em maior proporção. Enquanto os meninos brancos
representavam 73,8%, os pretos e pardos correspondiam a 87,% dos matriculados. Entre as
meninas brancas, o percentual era de 70,7%, contra 88,2% de pretas e pardas.
Ser negro significa, na maioria das vezes, frequentar as piores escolas públicas. E
isso representa ter menos acesso ao ensino de qualidade, pois, segundo Hasenbalg (1987, p.
25), mecanismos intraescolares se encarregam de recrutá-los em escolas mais carentes, onde
“desenvolve um padrão de desempenho”. E alunos negros são condenados ao fracasso pelos
professores, que não levam em consideração suas habilidades de aprendizagem.
63
CAPÍTULO IV
MÉDIA DAS ESCOLAS E DESEMPENHO DOS ALUNOS
Neste capítulo será trabalhada a média do Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica – IDEB de cada escola e o desempenho por aluno. Os dados demonstram que, até o ano
de 2009, a média do IDEB da “Escola menos precária” era inferior à média da “Escola mais
precária”. Em 2011, os números se inverteram. Quanto às desigualdades no desempenho
escolar entre alunos pretos, pardos e brancos, os dados revelam que os pretos e pardos foram
os que mais apresentam defasagem idade/série, repetência e evasão escolar. Os resultados
indicam a existência de mecanismo discriminatório de alunos negros nos espaços escolares.
Média das escolas: avaliação do IDEB
Segundo o Ministério da Educação7, o IDEB é a combinação dos indicadores
educacionais: aprovação e desempenho dos estudantes, obtidos a partir do Censo Escolar e da
Prova Brasil. O Plano de Desenvolvimento da Educação estabeleceu que até 2022 as metas do
IDEB para os anos inicias sejam de 6,0 e, para os anos finais, de 5,5. Tais índices
correspondem a um sistema de educação de qualidade, comparáveis aos países desenvolvidos.
A média do IDEB das escolas pesquisadas era baixa. Por meio do relato da diretora
da “Escola mais precária” constata-se que não havia empenho por parte dos professores e da
equipe pedagógica para melhorar o aprendizado dos alunos. Os dados deixam entrever que a
escola simplesmente cumpria com as obrigações formais, e não com o aprendizado:
A Prova Brasil foi uma luta. Foi uma guerra logo no começo, nós também
não entendíamos o que era a Provinha Brasil. Nós entendíamos assim, que a
7 Informações extraídas do site: www.provabrasil.inep.gov.br.
64
Provinha Brasil era só para da nota pro 8MEC, lá na Secretaria. Nós não
importávamos e as nossas notas eram terríveis. A última vez que a
professora 9Luzia, em 2004 ou 2003, eu acho que a nossa nota era 1,75. Era
uma nota assim, vergonhosa. Aí depois a Secretaria sentou com a gente e
disse assim: com isso aqui nós estamos querendo tentar entender quem é o
professor que está trabalhando com esse aluno; quem é que está com essa
criança... Porque essa criança, ela apenas está respondendo o que você
trabalha. [...] aí então nós começamos a prestar muito mais atenção do que
antes. (DIRETORA da “Escola mais precária”).
A diretora ressaltou ainda que, a partir do entendimento de que, por meio da Prova
Brasil, era possível cobrar mais dos professores, em especial daqueles que não estavam
desenvolvendo uma boa prática pedagógica, passou a exigir mais. Na verdade, a Prova Brasil
veio para essa escola como uma cobrança sobre as obrigações que não estavam sendo
cumpridas, que era o aprendizado dos alunos. Como resultado, houve uma melhora expressiva
na média do IDEB, que era muito baixa. Em 2005, a unidade escolar já havia alcançado 3,1
pontos.
A coordenadora da mesma escola também viu a Prova Brasil como um instrumento
para melhorar o desempenho dos alunos:
Nós temos um documento da Secretaria que mostra as habilidades que
devem ser trabalhadas na Prova Brasil. É feito um planejamento de
português e matemática sem perder de vista o eixo temático da escola, as
habilidades do MEC, do GAP. A Prova Brasil seria um estimulador. (COORDENADORA da “Escola mais precária”).
A diretora dessa unidade escolar assumiu a direção em 2004. Nessa época, segundo o
seu relato, a média da escola era baixíssima. Parece que, para a escola melhorar esse índice,
foi lançado mão de alguns mecanismos de exclusão de alunos pertencentes a famílias menos
favorecidas da sociedade, pois parece que há correlação entre a saída desses alunos com a
melhora do índice do IDEB:
Realmente, nós já tivemos muitos elementos ruins na nossa escola, mas esses
eu procurava encaminhar para o Conselho Tutelar e o Conselho Tutelar,
com a Assistente Social, acompanhava essa família quando eram aqueles
que vinham com sentimento de drogas e outras coisas, com 15 ou 20 dias
eles iam embora. Era uma forma de dizer que aqui não é o seu lugar, o que
você está querendo? Nós não estamos juntos pra trabalhar isso! Então ai
eles iam embora. Então ai a gente poderia... foi selecionando assim, eles
iam entendendo, essa seleção foi feita assim para melhor. (DIRETORA da
“Escola mais precária”).
8 Ministério da Educação e Cultura.
9 Nome fictício de uma funcionária.
65
Esse relato confirma que a escola, mesmo sendo a mais precária, fazia a seleção de
alunos. Em relação à “Escola menos precária”, a média só apareceu a partir de 2007. Isso
sugere que, provavelmente, as médias dos anos anteriores também tenham sido baixíssimas.
Ao falar sobre a média de 2009, a diretora explicou que: “Nós já alcançamos a meta prevista
para 2015. Em 2009, nós já alcançamos a meta. Se deu uma melhorada nos nossos índices,
nós já continuamos alcançando a meta”. (DIRETORA da “Escola menos precária”).
No ano de 2009, o estado de Mato Grosso e o Município de Cuiabá estavam com a
pontuação acima da média nacional. Quanto às escolas que fizeram parte desta pesquisa, a
unidade “Escolar mais precária” obteve o mesmo êxito nesse período, conforme demonstra o
gráfico a seguir:
Gráfico IV – Distribuição da média das escolas analisadas segundo a evolução do Ideb dos
anos de 2005 a 2009
“Escola mais precária” “Escola menos precária”
Fonte: provabrasil.inep.gov.br.
Pelo exposto, nas duas escolas ocorreu avanço positivo na evolução do IDEB, tanto
no ano de 2007 quanto em 2009, uma vez que as unidades escolares obtiveram médias acima
da meta programada. Outro dado positivo é que todas as escolas já haviam superado, em
2009, a meta projetada para 2011.
No ano de 2009, a “Escola mais precária” alcançou uma pontuação, nos anos iniciais
do ensino fundamental, acima da média nacional, que era 4,4, igualando-se à média estadual,
66
que era de 4,8, e superando a média municipal, cuja pontuação era de 4,5. Já a “Escola menos
precária”, obteve a mesma pontuação que a nacional, ficando abaixo das médias estadual e do
município.
Em relação ao desempenho das escolas na Prova Brasil, as duas escolas estão no
nível 2, em língua portuguesa, e no nível 3, em matemática, com uma significativa vantagem
da “Escola mais precária”. Segundo o Ministério da Educação, a Prova Brasil é uma avaliação
nacional10
cujo objetivo é a produção de informações sobre os níveis de aprendizagem em
língua portuguesa, com ênfase em leitura, e, na matemática, em resolução de problemas. Os
resultados do desempenho são demonstrados em uma escala de proficiência por disciplina.
As tabelas que se seguem demonstram o desempenho em língua portuguesa das duas
unidades escolares:
Tabela I
Distribuição da média das escolas segundo os dados do IDEB do ano de 2009 – referente à
disciplina de Língua Portuguesa
“Escola mais precária” “Escola menos precária”
Fonte: provabrasil.inep.gov.br
Os dados da tabela demonstram que a “Escola mais precária” atingiu 175,76 pontos,
enquanto a unidade menos precária conseguiu a pontuação de 161,85 em língua portuguesa. A
diferença entre as duas unidades escolares é de 13,91 pontos, o que significa uma vantagem
10
Informações extraídas do site: www.provabrasil.inep.gov.br. Acesso em: 03 abril 2012
67
considerável. Na disciplina de matemática, a “Escola mais precária” também apresentou um
melhor desempenho do que a outra escola, no ano de 2009. Ambas apresentaram evolução no
desempenho nas duas disciplinas.
Tabela II
Distribuição da média das escolas analisadas segundo os dados do Ideb referente à disciplina
de Matemática do ano de 2009
“Escola mais precária” “Escola menos precária”
Fonte: provabrasil.inep.gov.br
Constata-se que a diferença entre as duas escolas nessa disciplina foi de 14,19
pontos, um pouco mais em relação à pontuação alcançada em língua portuguesa. Esses dados
chamam atenção devido à reputação diferenciada que há entre as duas escolas no interior do
bairro. Aquela que apresenta melhor desempenho não é considerada, pela comunidade, como
a melhor escola. Por outro lado, a unidade de melhor reputação apresentou, até o ano de 2009,
desempenho inferior. Desse modo, essa qualificação parece não se justificar pelo
desempenho, pois há entre as duas uma diferença considerável na média no IDEB.
Com a realização da Prova Brasil, em 2011, os dados entre as duas escolas se
inverteram. A “Escola mais precária”, que obteve a melhor pontuação até o ano de 2009,
apresentou pior desempenho, tanto em língua portuguesa como também em matemática,
conforme o quadro:
68
Quadro VIII – Distribuição da média das escolas segundo os dados do Ideb no ano de 2011
Disciplina “Escola mais precária” “Escola menos precária”
Língua Portuguesa 171,0 187,5
Matemática 187,8 195,2
Fonte: provabrasil.inep.gov.br.
Os dados do quadro VIII demonstram que a “Escola mais precária” teve uma queda
no desempenho em língua portuguesa de quase cinco pontos em relação ao ano de 2009. Em
relação a matemática, a queda foi de quase nove pontos. Já a “Escola menos precária”
apresentou uma evolução de quase 26 pontos nos últimos dois anos, passando, de 161,85, para
187,5 pontos, em 2011. Na disciplina de matemática, o aumento no desempenho também foi
expressivo em relação ao ano de 2009, visto que passou, de 182,77, para 195,2 pontos.
A queda de desempenho da “Escola mais precária” e o aumento da outra escola
fizeram com que a diferença entre as duas unidades sofresse mudança na posição. A diferença
em língua portuguesa em favor da primeira escola, que era de 13,91 pontos, em 2009, passou
a ser de 16.5 pontos em favor da segunda, em 2011. Em matemática, a unidade escolar mais
precária tinha uma vantagem de 14.19 pontos em relação à escola B, no ano de 2009. Dois
anos depois, a situação se inverteu: foram 7,4 pontos que a “Escola menos precária” manteve
de diferença sobre a “Escola mais precária”.
Os dados não nos permite afirmar qual a causa da queda no desempenho da “Escola
mais precária”, evidenciando, porém, que houve uma redução bastante brusca, o que sugere
que uma possível explicação com base no clima interno e pessimismo pedagógico,
mecanismos que influenciaram na queda de desempenho.
Mas vale ressaltar que a boa reputação da “Escola menos precária” é mantida há
muitos anos e o melhor desempenho apresentado no ano de 2011 não teve influência em sua
reputação, uma vez que este é mantido mesmo quando apresentava desempenho inferior.
Defasagem idade/série, transferência e evasão escolar
A defasagem idade/série ainda continua sendo um dos problemas na educação
brasileira e incide mais sobre a população negra. Paixão et al. (2010), ao analisar os dados da
PNAD de 2008, ressaltam que a taxa de adequação das crianças de 11 a 14 anos foi de 54,3%,
69
entre os brancos e, de 37,7%, entre os pretos e pardos. Ou seja, havia uma discrepância entre
os dois grupos raciais.
A defasagem idade/série decorre, segundo Alves e Soares (2007), da repetência ou
por evasão escolar e posterior reingresso na escola. Crianças e jovens negros são os que mais
padecem com esse tipo de problema, pois encontram dificuldade em suas trajetórias escolares.
Esse problema também foi constatado na “Escola mais precária”, conforme demonstra o
quadro que se segue:
Quadro IX – Distribuição dos alunos das escolas analisadas de acordo com a distorção
idade/série e evasão escolar
Cor/raça “Escola mais precária” “Escola menos precária”
Defasagem
idade/série
Transferência Evasão Defasagem
idade/série
Transferência Evasão
De
turma
De
escola
De
turma
De
escola
Branca 0 0 1 1 0 0 0 0
Preta 4 0 2 3 0 0 2 0
Parda 1 3 0 2 0 0 0 0 Fonte: relatórios disponibilizados pelas secretarias das escolas
Além da defasagem série/idade, os alunos pretos e pardos estão entre os que mais são
transferidos e evadem. Mesmo na escola “Menos precária”, que teve apenas duas
transferências, elas aconteceram com estudantes pretos.
Talvez um dos motivos seja a falta de emprego fixo dos pais, principalmente entre
familiares negros, que são obrigados a se mudar de bairro por várias vezes no decorrer do ano,
provocando interrupções na trajetória escolar dos filhos e acarretando a defasagem
idade/série. Mas não descartamos a hipótese de que o preconceito racial pode ter sido um dos
motivos que provocaram as interrupções e o atraso escolar dos estudantes negros.
A professora da “Escola Menos precária” relata um fato que aconteceu com uma
aluna negra que estudava na turma de sexto ano, reforçando a hipótese mencionada acima e
demonstrando que o preconceito racial continua vitimando alunos negros no espaço escolar.
Diz ela:
Aqui teve uma menina que ficou do início do ano até agora na semana
passada. Ela apresentava um comportamento assim..., acho que desvio de
comportamento. Eu acredito que tem algum problema, desvio de
comportamento. Então o pessoal estava excluindo ela. Teve um dia que ela
faltou, ai eu tive uma conversa séria com os alunos, mas mesmo assim eles
estavam excluindo ela. [...] mas ela era uma menina que veio com até o
último fio de cabelo com problema, tanto que ela voltou para a casa da mãe.
(PROFESSORA da “Escola menos precária”).
Como se pode perceber, a professora procurou conversar com os colegas na ausência
70
da aluna. Esse tipo de atitude parece demonstrar que não seria bom para a escola chamar a
atenção da turma na presença de uma aluna, negra, estigmatizada, que parece ser indesejada
por todos, inclusive, pela própria professora. Müller (2006, p. 119) corrobora afirmando:
“Parece-me que criança e jovens negros, na escola, frequentemente estão em situação de
desamparo quando se encontram com situações de preconceito ou discriminação”. A escola
continua reproduzindo a exclusão de alunos negros. Foi o que aconteceu com a estudante, que
pediu transferência para outra unidade escolar.
Atitudes de preconceito e discriminação contra alunos e professores negros estão
sendo denunciados há décadas por pesquisadores sobre relações raciais. O Núcleo de Estudos
e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação – (NEPRE), da Universidade Federal de Mato
Grosso tem aclarado essas atitudes racistas por meio de suas pesquisas, trazendo à tona,
manifestações criminosas de racismo que continuam se reproduzindo nos espaços escolares,
vitimando os estudantes negros que, muitas vezes, são obrigados a se transferir de escola ou
mesmo interromper os estudos.
Outra prática, que parece ser também um mecanismo discriminatório e que pode ter
ocorrido na “Escola mais precária”, é a transferência entre turmas. Segundo sua diretora, um
dos motivos da transferência de turma é a não adaptação do aluno com o professor. Mas
parece ser mais coerente afirmar que é o professor que não se adapta ao aluno. Tal prática
teve ocorrência maior entre os pardos. Quanto à “Escola menos precária”, não foi possível
identificar essa rotatividade, porque existia apenas uma turma do sexto ano, quando essa
pesquisa foi realizada.
Mas a ausência de defasagem idade/série, evasão escolar e o baixo número de
transferência na “Escola menos precária” são, no mínimo, questionáveis. Que mecanismos
são utilizados para que esse tipo de problema seja quase inexistente naquela escola, enquanto
que na outra, que fica apenas algumas quadras de distância, é um problema recorrente? A
compreensão é a de que, supostamente, esse tipo de mecanismo pode acontecer no momento
da matrícula, que faz com que alunos mais pobres e que já apresentam interrupções na
trajetória escolar, sejam excluídos da escola. França (1991) identificou essa prática em Belo
Horizonte, ao observar que várias escolas utilizavam sistema de constituição de turmas logo
no momento da matrícula.
Talvez a escola utilize desses procedimentos para melhorar o índice do IDEB. O
relato da coordenadora deixa explícita essa hipótese: “Eu não sou muito de seguir o IDEB,
para mim isso é tudo palhaçada, bobagem total, pouco reflete, nada reflete, mas a diretora, ela
tem mais ou menos isso de se basear sim no IDEB”. (COORDENADORA da Escola Menos
71
precária).
Na “Escola mais precária”, a equipe gestora, preocupada com o baixo índice do
IDEB, buscou alternativas para melhorar a média. Para isso, uma das formas utilizadas foi
expulsar os alunos considerados maus elementos:
Realmente, nós já tivemos muitos elementos ruins na escola. Mas esses eu
procurava encaminhar para o Conselho Tutelar e juntamente com a
Assistência Social acompanhava essas famílias. Quando eram aqueles que
vinham com sentimento de drogas e outras coisas, com quinze ou vinte dias
eles iam embora. Era uma forma de dizer que aqui não é o seu lugar.
Então... Foi selecionando assim. Eles entendiam essa seleção e foi feita
assim para melhor (DIRETORA da “Escola mais precária”).
O relato da diretora deixa explícito como a escola se utiliza de alguns mecanismos
para excluir alunos, principalmente aqueles alunos que estão às margens da sociedade. Com
isso, a escola priva o estudante de dar continuidade aos estudos, o que lhe é garantido por lei.
Desempenho escolar dos alunos: indícios de mecanismos discriminatórios
Não foi possível analisar o desempenho individual dos alunos por meio da Prova
Brasil, pois, segundo as diretoras, elas são realizadas pelos alunos e recolhidas após a
aplicação do teste e não mais devolvidas para o estabelecimento escolar. Desse modo, a
análise do desempenho da cada aluno foi realizada por meio dos relatórios disponibilizados
pelas secretarias das unidades escolares.
O desempenho escolar dos alunos das duas escolas pesquisadas é identificado por
meio de conceito, porém, as siglas utilizadas entre as unidades escolares são diferentes. Na
rede municipal são utilizadas as siglas NC (não construído); EC (em construção); C
(construído). Na rede estadual, as escolas utilizam as siglas PS (progressão simples) e PPAP
(progressão com plano de apoio pedagógico).
Na entrevista realizada com a diretora da “Escola menos precária” sobre o
desempenho dos alunos, constata-se que há uma compreensão de que existem alunos bons e
também os com dificuldades, tanto os que já frequentam a unidade escolar, quanto os que vêm
de outra escola. A crítica é que, com o sistema avaliação dos ciclos, os alunos que não
recebem acompanhamento dos pais têm mais dificuldades de aprender:
Tem aluno que tem dificuldade, como o nosso tem, como o que vem de fora
tem. Como vem bom, como a gente tem bons alunos. Então, tudo isso é uma
variação de aluno. A gente percebe assim, com essa situação que se criou de
que tanto faz como tanto fez os que não têm muito estímulo da família, não
têm acompanhamento, eles acabam ficando mais perdidos, mas é normal.
72
Eu considero uma clientela normal. (DIRETORA da “Escola menos
precária”).
A diretora, assim como a maioria dos professores, espera que os pais continuem, em
casa, o trabalho que é de responsabilidade da escola. Segundo Paixão (2006, p. 59):
A família representa para a escola, a possibilidade de estender sua atuação.
A escola supõe que os alunos continuem, em casa, o trabalho pedagógico
que ela vem desenvolvendo. Espera que tal aconteça sob a coordenação de
um outro adulto na família, que se constitui, na verdade, em um ‘professor
oculto’. (grifos do autor)
Dados de uma pesquisa realizada por Chechia e Andrade (2005), com crianças de
classe média e baixa de uma escola pública do interior de São Paulo, mostram que todos os
pais de alunos com sucesso escolar mencionaram que ajudavam os filhos nas tarefas de casa.
Embora não seja esse o foco da pesquisa, apresentaremos, no gráfico que se segue, os
dados sobre os pais que ajudam e os que não auxiliam os alunos nas tarefas de casa:
Gráfico V - Distribuição das famílias, de acordo as respostas dos pais que ajudam os filhos
nas tarefas de casa.
“Escola mais precária” “Escola menos precária”
Fonte: questionário da pesquisa aplicado aos pais dos alunos do 6º ano.
Constata-se que a diferença no percentual entre as duas escolas analisadas é de
apenas 10%. Segundo Chechia e Andrade, (2005, p. 434), “os alunos que recebem apoio
apresentam mais habilidades nas tarefas, desenvolvem uma autoestima positiva em relação à
escola e ajustam-se melhor psicologicamente”.
Percebe-se, no gráfico a seguir, que a proporção de alunos que estão com o conceito
NC (em construção) e os que estão com NC (não construído) coincidem com a mesma
proporção de pais que afirmaram ajudar os filhos e os que não os auxiliavam nas tarefas. Tais
73
dados parecem confirmar que a ajuda dos pais tem um peso significativo no desempenho dos
filhos:
Gráfico VI – Distribuição dos alunos da “Escola mais precária” segundo o desempenho
escolar.
Fonte: relatórios disponibiliados pela escola.
Os conceitos utilizados pelas escolas são bastante subjetivos e questionáveis. Afirmar
que o aluno está com o conhecimento em construção, de certa forma, possui bastante
coerência, uma vez que este se dá por meio de um processo que se adquire no dia-a-dia. No
entanto, atribuir ao aluno o conceito NC, como se o aluno não tivesse construído qualquer
conhecimento é, no mínimo, jogar por terra toda a proposta da escola ciclada. Para Souza
(2007, p. 35):
Parece, no entanto, estar a escola resistindo a uma transformação. Mesmo
nos sistemas de ensino que organizaram seus currículos em ciclos, rompendo
com a organização seriada anual, usualmente adotando novas
regulamentações acerca da avaliação dos alunos, contemplando, sob
diferentes denominações, a ideia de progressão na trajetória escolar, parece
ainda ser dominante, embora incoerente com a própria noção de ciclos e
progressão, a prática da avaliação com finalidade seletiva classificatória.
Quando o desempenho é analisado tendo por base o critério cor/raça, constata-se que
40% dos pretos da “Escola mais precária” estão com o conceito EC (em construção) e 20%
estão com o conceito NC (não construído). Os brancos, que representam apenas 10% da
turma, estão com o conceito NC (não construído). Já os pardos com 30% e com conceito EC
(em construção). De acordo com o gráfico que se segue, a realidade das escolas pesquisadas
forneceu o seguinte resultado:
Gráfico VII – Distribuição dos alunos da “Escola mais precária” de acordo com desempenho
escolar segundo a cor/raça
74
Fonte: relatórios disponibiliados pela escola.
Os índices revelam que os pardos apresentam melhor desempenho, pois eles
representam 30% do total da turma nesta escola e, desse percentual, todos estão com o
conceito EC. Entre os pretos, o percentual de alunos que está com conceito NC é considerado
elevado em relação aos pardos, ou seja, 20%. Chama atenção que os brancos estavam, até o
momento da pesquisa, com conceito NC.
Sobre o desempenho dos alunos, a professora fez o seguinte comentário:
Então, eu não quero ser pessimista, eu acho que eles estão dentro da média.
Não vou dizer para você que estamos tendo aquele desempenho ou o
desenvolvimento que eu gostaria e que eu acho que eles deveriam ter. Mas
eu também não creio que eles estejam abaixo da média do nível nacional,
tanto é que o IDEB mostrou isso, né? (PROFESSORA da “Escola mais
precária”).
Ao falar sobre o desempenho dos alunos, a professora demonstra certo pessimismo,
embora procure não deixar isso explícito. Essa parece ser também a mesma convicção da
coordenadora ao afirmar que acha que o desempenho não está bom, mas que existem outras
escolas piores: “O desempenho dos alunos de uma forma geral a equipe gestora e os
professores acham que não é satisfatório, mas quando chegam alunos de fora, vemos que
estamos acima”. (COORDENADORA da “Escola mais precária”). É bem provável que os
alunos que chegam com baixo desempenho tenham passado por outras escolas.
Quanto à “Escola menos precária”, cujos conceitos são representados pelas siglas PS
(Progressão Simples) e PPAP (Progressão com Apoio Pedagógico), constata-se que mais da
metade está em Progressão com Apoio Pedagógico:
Gráfico VIII – Distribuição dos alunos da “Escola mais precária”, segundo o desempenho
escolar.
75
Fonte: relatório disponibilizado pela escola.
Quando o desempenho é analisado por cor/raça, verifica-se que, entre os alunos da
“Escola menos precária” e que estão em Progressão com Apoio Pedagógico, os pretos, que
são minora dos estudantes daquela unidade escolar, representam 20%, os brancos 20% e os
pardos a mesma proporção. Assim, entre os alunos que necessitam de apoio pedagógico, os
pretos, pardos e brancos estão em proporções iguais. No entanto, entre aqueles que
apresentam progressão simples e estão com melhor desempenho, os pretos são minoria,
apenas 7%, os pardos 13% e os brancos 20%, conforme demonstra o gráfico:
Gráfico IX – Distribuição dos alunos da “Escola menos precária”, de acordo com desempenho
escolar segundo a cor/raça
“Escola menos precária”
Fonte: relatório disponibilizado pela escola
Os dados apresentados sugerem que, na “Escola menos precária”, os negros
apresentam pior desempenho, o que corrobora com o depoimento da professora:
O Paulo11
e o Francisco. O Paulo ele é um menino que faz uso de
medicamentos, ele tem uma dificuldade muito grande de concentração.
Então por conta disso ele apresenta muita dificuldade e quando ele fica
alguns dias sem tomar medicação porque depende do SUS, então quando ele
11
Nome fictício de um aluno do 6º ano da “Escola menos precária”.
76
fica sem medicação ele fica muito agitado aí ele perturba bastante na sala.
[...] o desempenho dele é baixo. (PROFESSORA da “Escola menos
precária”).
Quando o pesquisador pergunta quem são os alunos que possuem baixo desempenho,
a professora menciona esses dois nomes. Levando em consideração a proporção de alunos que
estão com o conceito PPAP (Progressão por Apoio Pedagógico), percebe-se que apenas dois
nomes são citados. Paulo, que é um menino negro, e Francisco12
, pardo.
Além do baixo desempenho, a professora afirma que são alunos indisciplinados e que
o aluno preto usava medicamentos controlados. Segundo Castro e Abramovay (2006, p. 277),
“diante de um quadro perverso em que as crianças e jovens negros são objetos da expectativa
negativa de professores e de seus colegas, nota-se que se a tendência é que os alunos se
sintam desestimulados, condiciona mais baixo desempenho”.
O relato, a seguir, correlaciona-se com a afirmação das autoras:
Então, esse menino mesmo ficou traumatizado, ele tirou nota baixa, mas a
mãe e a outra escola queria colocar a culpa na gente, na escola, e na
verdade é uma criança que já estava com problemas, nós já tínhamos
identificado o problema dele fazia tempo já, e ele foi para outra escola e ele
não está conseguindo desenvolver da mesma forma. Ele não está
conseguindo desenvolver, então o problema realmente está na criança, de
como ela está enfrentando esta situação difícil. (COORDENADORA da
“Escola menos precária”).
Constata-se que a escola se exime diretamente de um problema de avaliação,
culpando a criança pelo resultado e obrigando-a a procurar outra unidade escolar. E, assim,
mediante a esses mecanismos discriminatórios, a escola vai selecionando os alunos.
Nesse outro relato, a coordenadora confirma, mais uma vez, que a escola nunca
assume que é a responsável pelo fracasso do aluno em relação às provas: Ela precisa disso
porque ela vai enfrentar isso mais para frente. Então a gente faz questão ainda de continuar
isso. Agora que tem algumas reclamações são relacionadas à criança não ter aprendido. Não
o fato de se ter uma prova. (COORDENADORA da “Escola menos precária”).
Os pais têm razão em cobrar, pois ela é o órgão que deveria ter competência para
ensinar, pressupondo que a criança aprenda. Se ela não aprendeu é porque a escola não
ensinou, ou não teve a capacidade de ensinar direito. E isso acontece com frequência, a
criança se sente excluída, desestimulada e vai para outra escola.
É comum os professores e a equipe gestora reclamarem que os pais quase não
comparecem às reuniões. Muitas escolas, cientes dessa pouca participação, utilizam outras
12
Nome fictício de um aluno do 6º ano da “Escola menos precária”.
77
estratégias para manter contato com os pais quando necessário. É bem verdade que de tanto os
pais ouvir reclamação dos filhos, principalmente sobre indisciplina, preferem não ir às
reuniões. Só comparecem quando são chamados individualmente:
Na reunião não. Eles são assim, quando a gente chama individualmente
para tratar de uma caso, vem e procura saber o que está acontecendo. Aí
muitos pais já perderam esse poder sobre os filhos, né? Muitos casos de
crianças de treze, quatorze anos que já mandam o pai calar a boca e o pai
cala a boca. (COORDENADORA da “Escola menos precária”).
Segundo Paixão (2006), os pais pertencentes às camadas populares frequentemente
são acusados pelos professores de não controlar seus filhos e deixá-los sempre sem
supervisão, sem autoridades, entregues a si mesmos.
O relato a seguir demonstra, mais uma vez, que a escola não assume a
responsabilidade sobre o mau desempenho o aluno. Para essa professora, a culpa recai sobre
os pais:
Eu acho que a escola não. Nós estamos aqui para fazer a nossa parte e nós
fazemos. Eu acho que falta comprometimento dos pais. Os pais se
preocuparem em acompanharem seus filhos. Isso é difícil, mas não é
impossível. (PROFESSORA da “Escola menos precária”).
Ao falar sobre os alunos que possuem bom desempenho, a professora cita sete
nomes. Destes, apenas dois são pretos, um é pardo e quatro são brancos. “Tenho José13
, que é
o filho de uma das coordenadoras, tem o Antônio, tem Elizeu. De meninas, eu tenho Maria,
tenho Cláudia, tenho Tereza, Lúcia, são meninas assim que são disciplinadas, responsáveis e
têm um bom desempenho”. (PROFESSORA da “Escola menos precária”).
De acordo com Paixão (2006, p. 60), “é possível afirmar que a escola tende a
considerar como bom aquele aluno que, na leitura dos professores, é orientado em casa e
realiza de forma pertinente e sistemática os deveres”. Além disso, percebe-se que, a
professora associa o desempenho muito mais à disciplina e à responsabilidade.
13
Todos os nomes que aparecem neste parágrafo são fictícios.
78
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao finalizar a obra, ciente que representa uma investigação muito limitada diante da
complexidade de fatores internos e externos que envolvem a realidade escolar, apontamos
algumas proposições que sinalizam uma possibilidade de resposta à problemática enfocada
nesse estudo.
Um dos pontos a ser destacado é a diferença que há entre a composição racial da
população dos bairros pesquisados e a composição racial dos estudantes de duas escolas
públicas de um bairro de periferia da capital mato-grossense. O alto percentual de alunos
negros que frequenta as escolas localizadas em um bairro de população majoritariamente
branca, é um indício da existência de segregação, ou seja, a grande maioria dos alunos
brancos residentes nos bairros, possivelmente, estuda em escolas privadas, restando aos
negros as públicas e precárias.
Destacamos que os alunos pretos, mesmo representando a maioria no total das
turmas, estão em menor proporção do que os brancos, mesmo na “Escola menos precária” e
em maior proporção na “Escola mais precária”. Outro fator que merece maior reflexão é que,
quando se compara a renda familiar, uma vez que a renda mensal dos familiares dos
estudantes da “Escola menos precária” é um pouco superior do que ao dos familiares da outra
escola. Quando se faz o recorte racial, percebe-se que os estudantes pretos da “Escola menos
precária” também possuem rendimento um pouco mais elevado que os alunos pretos, pardos e
brancos que estudam na “Escola menos precária”. Isso indica que o nível social mais alto
pode ter favorecido o acesso dos alunos de cor preta na melhor escola. Mas isso não quer
dizer que possa se repetir em outras unidades escolares mais equipadas, localizadas em
bairros de classe média a alta, pois, estamos falando de escolas de bairros periféricos.
A pesquisa também refletiu que, mesmo que a expulsão de alunos seja proibida, há
evidência que esse fato acontece nas escolas, porém, por meio de mecanismos menos
explícitos, pois, quando se analisa a defasagem idade/série, a evasão e a transferência nos
índices das duas escolas, constata-se que ocorrem em um número maior na “Escola mais
precária”, pois, na escola mais bem equipada a defasagem idade/série e a evasão são
praticamente inexistentes. Parece-nos que o clima escolar e o pessimismo pedagógico
79
exercem forte influência para a maior ocorrência desses fatores na escola mais precária onde
está a grande proporção de alunos pretos.
Não foi possível descobrir se existe algum mecanismo discriminatório no momento
da matrícula, mas a composição racial, o nível socioeconômico e a ausência de defasagem
idade/série dos alunos que frequentam a “Escola menos precária“, levam a crer que houve
uma seletividade que pode ter acontecido no momento do acesso, pois, no decorrer do ano
letivo, não foi constatada qualquer evasão. A pergunta que fica e reforça essa hipótese é: que
estratégia foi utilizada pela escola para conseguir agrupar, numa única turma, alunos sem
defasagem idade/série, maior número de estudantes brancos e maior quantidade de alunos
cuja renda mensal das famílias é superior aos familiares dos estudantes da outra escola,
localizada a apenas algumas quadras de distância? Talvez esse possa vir a ser um novo objeto
de estudo.
Chama atenção também que o maior número de transferências ocorreu entre os
alunos pretos e pardos da “Escola menos precária”. Uma das hipóteses é que sejam filhos de
trabalhadores autônomos, que não possuem emprego fixo e que necessitam se mudar várias
vezes de bairro em busca de serviço. Mas há evidências de que as transferências podem ter
sido em decorrência do preconceito racial que força o aluno a pedir transferência para outra
escola ou, até mesmo, interromper os estudos.
Desse modo, pelo recorte feito dentro das peculiaridades e diante das limitações
impostas pela pesquisa, constatamos alguns mecanismos que as escolas utilizam para
selecionar alunos. Porém, as evidências constatadas ainda são muito limitadas e merecem uma
investigação mais profunda, com procedimentos metodológicos mais rigorosos que permitam
desvendar, com mais precisão, os mecanismos utilizados pelas unidades escolares, tornando-
as mais excludentes, principalmente de alunos pertencentes às classes menos favorecidas,
onde está a grande maioria da população negra.
80
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83
APÊNDICES
84
APÊNDICE I
QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ALUNOS
1-Qual é o seu nome?____________________________________________________
2-Quantos anos você tem?________________________________________________
3- Qual é a sua cor?_______________________________________________________
4-Em qual bairro você mora?________________________________________________
5- A cor que você se identifica é:___________________________________________
Branca ( ) preta ( ) amarela ( ) parda( ) indígena( )
6-Classificação do pesquisador
Branca ( ) preta ( ) amarela ( ) parda( ) indígena( )
85
APÊNDICE II
QUESTIONÁRIO APLICADO AOS PAIS
Nome do filho ou da filha que estuda na escola:________________________________
Profissão dos pais ou responsáveis:__________________________________________
Quanto a família recebe mensalmente:
( ) Até 1 salário mínimo ( ) de 1 até 2 salários e mínimos
( ) de 2 até 3 salários mínimos ( ) acima de 3 salários mínimos
Até que ano você estudou? (faça um X na opção abaixo)
( ) nunca estudou ( ) ensino fundamental incompleto
( ) ensino fundamental completo ( ) ensino médio incompleto
( ) ensino médio completo ( ) curso superior
Como se deu a escolha da escola para os filhos?
( ) porque é a melhor escola ( ) porque não encontrou vaga em outra escola
( ) porque a escola é mais próxima da casa
Seu filho ou sua filha gosta da escola?
( ) sim ( ) não
Você gostaria que o seu filho ou a sua filha mudassem de escola?______________por
quê?___________________________________________________________________
86
Quantas vezes você visita a escola?__________________________________________
O que você acha da escola que o seu filho estuda?
______________________________________________________________________
O que você acha da professora do seu filho ou da sua filha?
______________________________________________________________________
O que você acha da coordenadora da escola?
O que você acha da diretora da escola?
______________________________________________________________________
O que você espera do futuro do seu filho ou sua filha?
______________________________________________________________________
Vocês ajudam o filho nas tarefas de casa?
______________________________________________________________________
O que os seus vizinhos falam da escola que o seu filho ou sua filha estuda?
______________________________________________________________________
Qual outra escola pública do bairro que você gostaria que o seu filho ou filha estudasse?
87
APÊNDICE III
ROTEIRO PARA ENTREVISTAS COM AS PROFESSORAS,
COORDENADORAS E DIRETORAS
Infra-estrutura e os fatores externos à organização escolar;
Administração da escola;
A formação (experiência)
O clima interno das escolas;
A relação com as famílias;
O que acha do desempenho escolar dos alunos.
Confiança na direção;
Satisfação com a profissão;
Satisfação com o salário;
A escola está hoje melhor ou pior que anos anteriores?
Porque escolheu trabalhar nesta escola?
A escola atrai bons professores?
Os seus filhos estudam ou estudariam nesta escola?
Como avalia os seus alunos?
Que aspectos dos alunos são avaliados?
Quem decide como deve ser a avaliação do aluno? (grupo, diretor)
Como que os alunos reagem às avaliações?
Como que os pais reagem à avaliação dos filhos?
88
O que você acha que é o mais responsável pelas dificuldades do aluno? (o aluno, a família, a
escola)
O número de alunos na sala prejudica o ensino?
A turma heterogênea (diversidade racial, socioeconômica) influencia no ensino?
Trabalha as questões raciais na escola?
Falar um pouco sobre cada aluno analisando o seu desempenho.