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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
FACULDADE DE LETRAS
MESTRADO EM LETRAS: ESTUDOS LITERRIOS
SOFIA HELENA DE VASCONCELOS HORTA GRANJA
AS TEIAS DA PALAVRA:
Anlise das estratgias de desconstruo do discurso de nacionalidade
na obra de Jos Eduardo Agualusa
Juiz de Fora
2009
SOFIA HELENA DE VASCONCELOS HORTA GRANJA
AS TEIAS DA PALAVRA:
Anlise das estratgias de desconstruo do discurso de
nacionalidade na obra de Jos Eduardo Agualusa
Dissertao apresentada ao Programa de
Ps-Graduao em Letras: Estudos
Literrios da Faculdade de Letras da
Universidade Federal de Juiz de Fora, para
obteno do Grau de Mestre em Letras
Estudos Literrios.
Orientador: Prof. Dr. Edimilson de Almeida Pereira
Juiz de Fora
2009
Granja, Sofia Helena de Vasconcelos Horta.
As teias da palavra: anlise das estratgias de desconstruo do
discurso de nacionalidade na obra de Jos Eduardo Agualusa / Sofia
Helena de Vasconcelos Horta Granja. 2009.
82 f.
Dissertao (Mestrado em Letras)Universidade Federal de Juiz de
Fora, Juiz de Fora, 2009.
1. Literatura africana. 2. Nao. 3. Memria. 4. Identidade. I. Ttulo.
CDU 896
A meu marido e meus filhos, razo de tudo.
AGRADECIMENTOS
Agradeo queles que precisaram esperar pela minha ateno, especialmente meu caulinha
Rodolfo;
Ao meu marido por ter assumido muitas vezes o papel de me e pelo habitual estmulo s
minhas conquistas.
Aos meus pais que j no esto entre ns, mas cuja memria ampara e incentiva.
Ao meu orientador Prof. Edimilson de Almeida Pereira pela referncia que se tornou e
principalmente pela compreenso e apoio.
O destino das grandes verdades este:
comeam como heresias e acabam como supersties.
Thomas Huxley
RESUMO
O presente trabalho pretende oferecer uma contribuio aos estudos da obra de Jos Eduardo
Agualusa, em particular, bem como do mapa de diversidades em estado de tenso que
caracterizam a cena social de Angola, na contemporaneidade. Para atingir o objetivo proposto,
levaremos em conta as relaes entre literatura e sociedade, tratando o autor como um
articulador desse dilogo que, entre outros aspectos, relativiza a hierarquizao dessa relao.
Sero abordados os temas que atravessam com destaque a sua obra, como memria,
identidade cultural e nacionalismo, elegendo o romance O vendedor de passados para uma
anlise mais detalhada, mas passando pelos demais romances produzidos pelo autor at o
momento, evidenciando a correlao entre temas e idias. A histria de Angola, na medida do
possvel, servir de suporte para a compreenso da sociedade que Agualusa nos apresenta,
mas a anlise priorizar suportes decorrentes dos estudos culturais, tendo como referncia
autores como Anderson, Halbwachs, Hall, Hobsbawn, Le Goff, Pollack, e dos estudos
literrios como Eliana L. de Lima Reis, Fernando Mouro, Inocncia da Mata, Laura
Cavalcante Padilha, Manuel Ferreira. Com esse tecido crtico, por certo aberto e relativo,
pretende-se, mais do que afirmar noes de valor na obra de Jos Eduardo Agualusa,
evidenciar as oscilaes que constituem o aspecto relevante e perturbador desta obra,
caracterizada, entre outros aspectos, pelo questionamento das fronteiras estabelecidas e dos
valores afirmados como universais. A anlise no pretende esgotar um tema proposto a partir
da obra de Agualusa, mas pretende, sobretudo, fornecer subsdios para uma recepo mais
abrangente da obra do autor.
Palavras-chave: Literatura angolana. Nao. Memria. Identidade.
ABSTRACT
The purpose of this research is to contribute to the studies about the literary work of Jos
Eduardo Agualusa, in particular, as well as about the wide range of conflicting realities that
characterize the social fabric of Angola at present. To achieve the proposed objective, we will
take into account the relationship between literature and society, considering the author as a
spokesman of that dialogue, which, among other aspects, questions whether it is society that
influences literature or literature that influences society. We will touch on the themes that
stand out throughout his work, such as memory, cultural identity and nationalism, selecting
his novel O Vendedor de passados (The Salesman of Times Past) for a more detailed analysis,
but taking a look at the authors other novels, emphasizing the correlation between themes
and ideas. As much as possible, the history of Angola will be used as support for the
understanding of the society that Agualusa depicts, but the analysis will favor support from
cultural studies, using as reference such authors as Anderson, Halbwachs, Hall, Hobsbawn, Le
Goff, Pollack, and from literary studies by such critics as Eliana L. de Lima Reis, Fernando
Mouro, Inocncia da Mata, Laura Cavalcante Padillha, Manuel Ferreira. Against this
background, obviously open and relative, we intend to - more than affirm notions of value in
the work of Jos Eduardo Agualusa - highlight the contrasts that make up the relevant and
disturbing facet of his work, characterized, among other aspects, by the calling in question of
well-established boundaries and universally accepted values. The analysis is not designed to
exhaust the proposed theme by examining the work of Agualusa, but intends, above all, to
provide the elements towards a broader acceptance of the authors work.
Keywords: Angolan literature. Nation. Memory. Identity.
SUMRIO
1 INTRODUO ..................................................................................................................... 9
2 ABRINDO CAMINHOS ..................................................................................................... 19
2.1 Parmetros metodolgicos ............................................................................................... 19
2.2 Um autor com muitos retratos ........................................................................................ 21
2.3 O Vendedor de Passados, um romance de provocaes................................................ 27
3 CAMINHOS CRUZADOS ................................................................................................. 36
3.1 A inveno da memria .................................................................................................... 36
3.2 A inveno das identidades .............................................................................................. 46
3.3 O discurso da nao e a construo da identidade nacional ........................................ 55
4 CAMINHOS PARALELOS ............................................................................................... 64
4.1 Processos de fragmentao e de disperso do sujeito na Angola contempornea ...... 64
4.2 A ironia como fora motriz da narrativa ....................................................................... 70
5 CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................. 76
REFERNCIAS .................................................................................................................. 80
9
1 INTRODUO
A obra de Jos Eduardo Agualusa estabelece um permanente dilogo com a histria de
Angola, fato que justifica retom-la, ao menos em linhas gerais, de forma a desenhar as
paisagens histrico-sociais que servem de moldura ao estudo proposto nesta dissertao.
A grande maioria dos cerca de 14 milhes de habitantes1 de Angola descendente dos
Bantu2, povos que habitavam a selva equatorial h cerca de trs ou quatro mil anos atrs. Uma
forte exploso demogrfica, favorecida pela cultura da banana e do inhame, alimentos
altamente nutritivos e de cultura rpida, apoiada pelo domnio do ferro, abundante em todo o
solo africano, que possibilitou a manufatura de instrumentos teis defesa e ao cultivo, fez
com que este grupo iniciasse um enorme movimento migratrio que, no dizer de Alberto da
Costa e Silva, deve ter se processado, como indica o pequeno grau de diferenciaes
lingsticas, de maneira rpida (SILVA, 1992, p. 187) que perdurou at o sculo XIX.
Em direo ao sul e ao leste da frica, os bantu, organizados, armados e bem
alimentados, venceram e escravizaram os pigmeus e os boschimanes3. Os cerca de 500 povos
a que deram origem as migraes bantu possuem diferenas que os distinguem, mas tambm
muitas semelhanas e afinidades culturais, resultantes da origem comum. Na palavra bantu, o
seu radical ntu significa homem, ser humano. Ba indicativo de plural. Assim, bantu significa
homens, seres humanos. O conhecimento tcnico dos bantu em metalurgia, agricultura e
cermica possibilitou sua fixao em comunidades agrcolas e, a partir do sculo XII,
podemos falar em uma estruturao dos grupos tnicos e em formao de reinos autnomos.
Estes reinos surgem da efetivao de um poder centralizado num chefe de linhagem, um
Mani, que ganhou o respeito da comunidade com seu prestgio e poder econmico. O reino do
Congo, formado por volta de 1400, tinha autoridade sobre a maior parte do norte do territrio
que hoje ocupado por Angola. Mais ao sul, o reino do Ndondo era habitado pelos
Kimbundos e seu rei tinha o ttulo de Ngola, de onde vem o nome Angola.
Os portugueses chegaram