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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - MG Instituto de Ciências da Natureza Curso de Geografia Licenciatura RENAN FERNANDO DE CASTRO A MIGRAÇÃO HAITIANA PARA O BRASIL: PERSPECTIVAS DE UM FLUXO MIGRATÓRIO RECENTE. Alfenas - MG 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - MG

Instituto de Ciências da Natureza

Curso de Geografia – Licenciatura

RENAN FERNANDO DE CASTRO

A MIGRAÇÃO HAITIANA PARA O BRASIL:

PERSPECTIVAS DE UM FLUXO MIGRATÓRIO

RECENTE.

Alfenas - MG

2014

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RENAN FERNANDO DE CASTRO

A MIGRAÇÃO HAITIANA PARA O BRASIL:

PERSPECTIVAS DE UM FLUXO MIGRATÓRIO

RECENTE.

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado como parte dos

requisitos para obtenção do título

de Licenciado em Geografia pelo

Instituto de Ciências da Natureza

da Universidade Federal de

Alfenas- MG, sob orientação da

Profa. Dr. Flamarion Dutra Alves

Alfenas - MG

2014

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RENAN FERNANDO DE CASTRO

A MIGRAÇÃO HAITIANA PARA O BRASIL:

PERSPECTIVAS DE UM FLUXO MIGRATÓRIO

RECENTE.

A Banca examinadora abaixo-

assinada aprova o Trabalho de

Conclusão de Curso apresentado

como parte dos requisitos para

aprovação na disciplina de

Trabalho de Conclusão de Curso

II e obtenção do título de

Licenciado em Geografia pela

Universidade Federal de Alfenas

(UNIFAL – MG).

Aprovado em: Profº. Instituição: Assinatura: Profº. Instituição: Assinatura: Profº. Instituição: Assinatura:

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Aos imigrantes

haitianos presentes

no Brasil.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus familiares que durante esses quatro anos rezaram

e me apoiaram em todos os sentidos em minha jornada.

Aos meus professores da graduação que tiveram paciência ao ensinar

a complexa e fascinante ciência geográfica. Sobretudo ao professor Flamarion

que aceitou me orientar em todos os sentidos relacionados à vida acadêmica.

À banca, professor Gil e professor Alexandre, por terem aceitado o

convite para avaliar, criticar e trazer sugestões à minha pesquisa.

Aos amigos que fiz em Alfenas, que além de me apoiarem durante a

graduação, tornaram meus quatro anos de universidade mais felizes, e que

levarei para sempre.

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“A desvalorização do mundo humano

cresce em razão direta da

valorização do mundo das coisas”

Karl Marx

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RESUMO

Pensar a América Latina é visualizar um constante intercâmbio entre variadas nações. Quando caminhamos pela capital paulista, assim como em outros municípios do Brasil, observamos a presença de um grande número de imigrantes bolivianos, peruanos, argentinos, senegaleses e mais recentemente, um elevado contingente de haitianos chegam ao Brasil. Após o terremoto que abalou o Haiti em 2010, um porcentual crescente de haitianos deixou o país e encontraram no Brasil a esperança de uma vida melhor. Contudo, o Estado ainda pouco conhece a origem desses imigrantes, suas necessidades e anseios. Cabe, portanto, investigar como esses imigrantes estão sendo incorporados à sociedade brasileira, refletindo as problemáticas enfrentadas pelo imigrante haitiano.

Palavras-chave: Imigração internacional, migração de haitianos, incorporação ao Brasil.

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ABSTRACT

To think of the Latin America is to see a continuous interchange among many nations. When we walk by São Paulo, the capital of São Paulo state, and by many others cities throughout Brazil, we see the presence of a great number of bolivian, peruvian, argentinean and senegalese immigrants and lately a big number of haitians are arriving in Brazil. After the earthquake that shook down Haiti in 2010, na increasing percentage of haitians has left their country na hoped to find in Brasil a better life. However, the state does not know much about the origino f those immigrants, their needs and whishes. Therefore, it is Worth to investigate how those immigrants are being incorporated to the brazilian society, thinking about the many problems faced by the haitian immigrant.

Keywords: International immigration, migration of haitians, incorporation to

Brazil.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Mapa do Haiti e República Dominicana............................................20 Figura 2 - Densidade demográfica do Haiti......................................................22 Figura 3 - Limite entre as placas tectônicas.....................................................24 Figura 4 - Portaria da Zona Franca de Caracol...............................................30 Figura 5 - Primeiro Ministro Haitiano de capacete azul. “O norte é ABERTO aos negócios”.........................................................................................................30 Figura 6 - Mapa do local de origem no Haiti dos imigrantes residentes em São Paulo........................................................................................................34

Figura 7 - Mapa das principais rotas migratórias de haitianos para o Brasil....36

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Vistos concedidos a haitianos (2011-2012)......................................39

Gráfico 2 - Nível de escolaridade dos haitianos que solicitaram autorização de residência em 2012………………………………………………………………..…42 Gráfico 3 - Distribuição percentual por ramos de atividade dos que procuraram trabalhadores no período de 6/2/2012 e 24/4/2012..........................................44

Gráfico 4 - Setor de ocupação dos haitianos no momento da entrevista/2013.45

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ONU – Organização das nações Unidas

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

PIB – Produto Interno Bruto

ONG - Organizações não governamentais

CNIg – Conselho Nacional de Imigração

MTe – Ministério do Trabalho e Emprego

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO........................................................................................13

2. METODOLOGIA.....................................................................................15

3. UM BREVE HISTÓRICO DA FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO

HAITIANO...............................................................................................16

3.1 Passado marcado pela escravidão...................................................16

3.2 Caracterização socioespacial e ambiental do território

haitiano..............................................................................................20

3.3 Revolução de 1791...........................................................................25

3.4 A pilhagem do território Haitiano e a recolonização do

país...................................................................................................28

4. DISTRIBUIÇÃO E ORGANIZAÇÃO DOS IMIGRANTES HAITIANOS

NO BRASIL............................................................................................32

4.1 Rotas migratórios utilizados pelos haitianos até chegarem ao

Brasil.................................................................................................32

4.2 Perfil dos imigrantes haitianos que chegam ao Brasil, levando como

parâmetro a idade, sexo e escolaridade...........................................37

4.3 Incorporação dos imigrantes haitianos no mercado de

trabalho.............................................................................................42

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................49

6. REFERÊNCIAS......................................................................................51

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1 – INTRODUÇÂO

A história humana é marcada pelo deslocamento de indivíduos e grupos

na procura de melhores condições de vida. Esses deslocamentos se

intensificaram ou diminuíram em determinados períodos da história por

variadas questões, contudo é um fato que eles sempre ocorreram e

continuarão a ocorrer.

O processo migratório, seja ele no marco nacional ou internacional, trará

consigo uma série de transformações. O país que perde população a partir do

processo migratório sofre consequências, podendo ser considerados positivos

ou negativos. Durante o percurso realizado pelos migrantes outras múltiplas

relações acontecerão, culminando com a transformação do migrante e do

espaço a sua volta. Por fim, o destino final, onde de fato esse migrante irá se

estabelecer, sofrerá uma grande influência em todos os aspectos da esfera

social, seja ela cultural, política ou econômica.

Outra perspectiva importante na análise do fenômeno migratório e que

deve ser levado em consideração consiste na presença de um mundo

globalizado. Capital e mercadorias, estarão transitando livremente pelo globo a

partir de um fluxo contínuo, internacional e complexo. Já o deslocamento da

população, dos indivíduos, obedecerá a outras regras, contudo, sobre a

determinante influência das necessidades de reprodução do capital e

manutenção da sociedade capitalista.

A imigração haitiana ao Brasil se intensificou principalmente após o

terremoto que atingiu o Haiti em 2010, contudo muitas lacunas ainda persistem

sobre o tema. Quem são esses imigrantes que entram no Brasil? Qual a sua

origem e perspectivas? Como esses imigrantes estão sendo incorporados no

mercado de trabalho? Quais as políticas e esforços realizados pelo Estado

brasileiro a fim de atender esse público crescente? São muitas perguntas e

poucos trabalhos que tratam o assunto.

Portanto, a atualidade do fenômeno migratório entre Haiti e Brasil, a

pequena produção de estudos sobre o tema, o grande impacto político, cultural

e econômico dessa migração ao Brasil e a necessidade de políticas públicas

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que atendam a esse crescente público representam uma importante discussão

necessária que sustenta a investigação do tema.

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2 – METODOLOGIA

A busca em compreender a mobilidade espacial, passa obrigatoriamente

em encontrar o método mais adequado para atingir determinados objetivos. Em

linhas gerais, podemos considerar o enfoque neoclássico e neomarxista como

os principais norteadores das pesquisas migratórias. Segundo Becker (2006) o

enfoque neoclássico possui as seguintes características: A decisão de migrar é

um ato de caráter individual, de livre escolha; a metodologia de análise é

descritiva e dualista; a industrialização e a modernização são as forças

positivas propulsora da migração. No enfoque neomarxista, a decisão de

migrar está relacionada à necessidade de valorização do capital e não o ato de

livre escolha do individuo; a metodologia consiste na análise histórico-

estrutural, tendo como base a perspectiva dialética.

O enfoque neomarxista nos estudos migratórios possibilita uma

compreensão mais ampla da realidade. A visão do movimento constante e

contraditório da sociedade, pautadas em bases materiais e concretas, traz as

bases necessárias para as pesquisas migratórias, inclusive para a presente

pesquisa. A análise histórico-geográfica do processo de formação do território

do Haiti é outra perspectiva extremamente importante e fundamental na

elaboração dos estudos migratórios.

Trata-se de uma pergunta que nos coloca o desafio de, entre fatalismo e ilusionismo, optar por apegarmo-nos ao concreto sentido de investigar o que está sendo e será feito do e no Haiti. A resposta a esta pergunta exige estudar a natureza da sociedade haitiana. Tal estudo é possível somente levando em conta os acúmulos do passado e suas estreitas ramificações no presente. (SEGUY, 2014, p.49)

De forma resumida, a metodologia utilizada para a elaboração deste

projeto se dividirá em dois grandes eixos. O primeiro consistirá no

levantamento bibliográfico e na coleta de dados secundários. Este passo visa

formar um arcabouço de referências e dados capaz de responder as

problemáticas levantadas por esse projeto. O segundo eixo diz respeito à

análise, sistematização e compilação de todos os textos utilizados na pesquisa,

tendo por fim a redação final da pesquisa.

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3 – UM BREVE HISTÓRICO DA FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO HAITIANO

Entender o processo de formação do território haitiano e sua

precariedade atual, precariedade exposta nos diversos setores que compõe a

vida dos Haitianos, consiste obrigatoriamente em realizar um resgate histórico,

apontando as origens e processos que levaram o Haiti a triste situação de estar

entre os países mais pobres da América Latina e do mundo.

Por isso nos parece imprescindível um mergulho ainda que rápido no passado, em vista que, se a incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado, a compreensão do caso haitiano é impossível sem o estudo de toda sua evolução histórica (CASTOR, 1987, p.9 apud SEGUY, 2014, p. 131)

Este capítulo, portanto, tratará da formação do território Haitiano, a partir

da perspectiva que os tramas e acúmulos do passado, configuram como uma

das principais ferramentas para se compreender as ramificações e complexos

fenômenos ocorridos no Haiti atual, inclusive o fenômeno migratório.

3.1 - Passado marcado pela escravidão

O autor Seguy (2014) define bem a chegada dos europeus na América

quando escreve que ocorreu uma verdadeira hecatombe. Sem exceções, os

europeus saquearam da forma que puderam as nações dominadas. Até

mesmo através das diversas doenças que dizimaram centenas de milhares de

nativos, doenças essas que vieram com os europeus e se espalharem

mortiferamente pelo continente “descoberto”. Quando não se fez possíveis

acordos desvantajosos, tendenciosos e muitas vezes acompanhados de falsas

promessas, os europeus se valeram da força e poderio bélico para subjugar os

povos conquistados.

Foi por volta de 1492 que Cristóvão Colombo, junto com sua tripulação,

chegou a América. Este foi um momento chave da história da humanidade,

onde o mundo europeu ocidental começou a impor seu modo de vida para os

nativos da região. A partir das armas ou do convencimento inescrupuloso, os

europeus, principalmente representados no momento pela Espanha,

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impuseram suas vontades. A acumulação sem barreiras e nem precedentes do

capital, possibilitou as bases para as revoluções burguesas posteriores.

As falas presunçosas que afirmam a descoberta de um novo mundo

desconsideram completamente que existiam nas Américas povos e culturas

distintas, com seus respectivos níveis de desenvolvimento. Autores da época,

inclusive geógrafos, consideravam positivo o contato entre os povos

desenvolvidos, como por exemplo, os Franceses e Espanhóis, e os povos

atrasados, como os recém “descobertos” povos das Américas. Esse contato

representaria uma possibilidade desses povos atrasados atingirem certo nível

de desenvolvimento.

Com o decorrer do tempo, formam-se domínios de civilização que absorvem os meios locais, meios de civilização que impõem uma norma geral que se imprime em muitos usos de vida. O Islão, o Hinduísmo, a China representam tipos de civilização superior cuja imitação se estende muito para além de seus limites das regiões naturais. O Europeu desempenha o mesmo papel; o Yankee tende a toma-lo na América. (VIDAL DE LA BLACHE, 1954, p.377)

Neste trecho, La Blache nos mostra, mesmo que de forma velada, que

existem civilizações superiores, e que essas absorvem os meios locais e impõe

uma norma geral. É exatamente o que ocorreu no Haiti, e em outros diversos

Estados do continente Americano, a imposição de uma nova norma geral.

Primeiramente, no momento de sua colonização, o atual território

Haitiano recebeu o nome de Hispaniola (Pequena Espanha), reafirmando o

controle espanhol. Com a chegada dos europeus houve uma redução drástica

da população nativa. Segundo James (2003) no período de quinze anos a

população indígena caiu de 1,3 milhões para 60.000 mil habitantes

aproximadamente. Os dados apresentados nos mostra o verdadeiro genocídio

da população local, e por consequência, o processo de resistência dos

Haitianos em defesa de seu território e seu modo de vida.

A partir da resistência dos nativos americanos e do gradual, porém

rápida dizimação houve a necessidade imediata e concreta de se trazer

trabalhadores escravizados de outras nações; os escolhidos foram os negros

africanos. Com o discurso que pregava a incapacidade dos indígenas na

realização de trabalhos manuais e pesados, os negros africanos foram

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gradativamente sendo trazidos para o território de São Domingos,

considerando que os africanos eram mais adequados para os trabalhos

pesados e também mais submissos. Segundo Fouchard (1988) apud Seguy

(2014, p. 134) desde 1499 já se observava a presença de africanos

escravizados no Ayiti. Esse fator nos mostra claramente que o comércio de

escravos foi um fator que se iniciou logo no início do processo de colonização.

A base, portanto, da economia da colônia espanhola, assim como em outras

colônias europeias, se baseou, entre outros aspectos, no trabalho escravo.

Após praticamente dois séculos de domínio espanhol e do saque de

todas as riquezas possíveis de serem suprimidas, a Espanha começou a entrar

em declínio. Em 1697, ocorreu a inevitável separação da Hispaniola, onde a

parte oriental continuou sobre poder dos espanhóis, e a parte ocidental ficou

sobre o domínio dos franceses.

Os franceses breve o seguiram, com uma colônia de êxito no oeste de São Domingos, que havia sido abandonada pelos espanhóis desde 1605. Assim, a Espanha ficou, no Caribe, apenas com Cuba, Porto Rico e a região oriental de São Domingos – todas elas ilhas ainda não desenvolvidas e com colonização precária. (KLEIN, 1987, p. 66)

Já sobre o domínio francês, o Haiti passou por um processo de

crescimento econômico e exploração de diversos produtos. Contudo esse

crescimento não levou, logicamente, a uma melhoria na condição de vida da

população. Já no século XVIII, o Haiti foi considerado a “pérola das Antilhas”,

pois produzia, entre outros produtos, o café, a cana-de-açúcar, algodão, cacau;

e contribuía de forma determinante para o desenvolvimento da França. “A

Pérola das Antilhas (como era chamada) produzia o que se tinha de mais rico

na época em que “ter uma colônia” era a moda na Europa: café, algodão e

açúcar” (O VIÉS, 2010).

O trabalho escravo, por fim, consistiu-se como um dos principais tripés

de sustentação do período colonial Haitiano; e não apenas do Haiti colônia,

como das demais colônias europeias da época. Não é de se espantar que

durante séculos, europeus impuseram o debate sobre a questão da raça,

considerando que os negros eram por essência, desprovidos de alma e de

certa forma, simples animais como outros, e, portanto, deveriam servir para os

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trabalhos que exigiam força física e resistência. Os escravos africanos serviram

como mão de obra fundamental no Haiti desde inicio da colonização, em

detrimento dos povos indígenas que ali estavam.

Frei Bartolomeu de Las Casas foi uma das peças centrais na defesa dos

grupos indígenas, e principalmente contra a escravidão dos índios, contudo de

forma contraditória apoiava a escravização dos negros africanos, que segundo

ele não possuíam almas. Durante anos, este debate pendurou na corte

espanhola, até que Las Casas, conjuntamente com outros missionários e

“ativistas” da questão aprovaram uma lei que proibia a escravidão dos índios.

Esta lei foi um importante marco para os grupos nativos da então São

Domingos, contudo essa lei chegou tarde, pois além de boa parte dos nativos

da região já terem sido dizimados, essa “ajuda” do clero europeu teve seu

preço: A catequização desses índios e a imposição de valores culturais

europeus.

Um fato que merece especial destaque no trabalho é o poder dos

aspectos econômicos em modelar as culturas e as formas de se enxergar as

relações sociais. Já no século XVIII São Domingos se colocava como um dos

principais polos econômicos do Caribe e também das Américas.

Era evidente, em meados do século XVIII, que são Domingos era a ilha dominante no Caribe. Era a maior colônia produtora de açúcar na América, tinha a maior população escrava das Índias Ocidentais e tornava-se rapidamente também a maior produtora mundial de café, cultivo que havia sido introduzido na ilha apenas em 1723. No final da década de 80, os plantadores de São Domingos eram reconhecidos como os produtores de açúcar mais eficientes e produtivos do mundo. A população escrava era de 600 mil pessoas. (KLEIN, 1987, p. 70)

Os povos do “novo mundo”, os africanos, entre outros, não foram

considerados inferiores, muito menos “não humanos” ou sem alma em um

primeiro momento, mas ocorreu a necessidade de se criar teorias e dogmas

que justificasse a escravidão, pois o modelo socioeconômico vigente no

período necessitava dessa mão de obra. As teorias que transformaram o

homem negro em uma coisa, em uma mera mercadoria descartável, o escravo

e suas ramificações e estereótipos, demoraram séculos para se enraizar nas

distintas sociedades do mundo, tendo seus reflexos e manifestações até os

dias atuais.

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3.2 – Caracterização socioespacial e ambiental do território haitiano

Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), mais

especificamente a divisão de populações e a divisão de estatísticas, sobre

estudos populacionais e econômicos, organizado pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE, 2014), o Haiti encontra-se em 2014 com uma

população de 10.461.409 pessoas e seu PIB (Produto Interno Bruto) em 2012

atingiu a modesta casa dos US$ 7.187 milhões. Possuindo uma área de terras

relativamente pequena, o Haiti já atingiu grandes proporções na produção de

café e açúcar.

Situa-se no Caribe, América Central, e ocupa 1/3 da parte ocidental da ilha Hispaniola, cuja parte oriental é a República Dominicana. Possui uma área total de 27.750 km², sendo que a área continental corresponde a 27.560 km² e a área marítima de 190 km² a noroeste. O país ainda é separado de Cuba pela passagem de Windward, com aproximadamente 80 km de largura. (FARIA, 2012, p. 64)

No mapa a seguir poderemos constatar a extensão territorial do Haiti e

também localizar o país frente ao restante do continente.

Figura 1 – Mapa do Haiti e República Dominicana Fonte: Faria (2012)

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Outro aspecto que nos chama a atenção é a grande concentração de

pessoas na capital Porto Príncipe e sua capacidade de polarizar e interligar o

restante do país, isso tudo, logicamente, dentro das capacidades do país. Não

foi por acaso que no terremoto devastador de 2010, a maior concentração de

mortos esteve presente na capital. Segundo dados da ONU a densidade

demográfica do Haiti é de 337 hab/km², enquanto no Brasil o número é de 24

hab/km². Esses dados nos mostra a disparidade da concentração de pessoas

entre o Brasil e Haiti, e também demonstra que Haiti deve usar da melhor

maneira possível seus recursos e espaços disponíveis, pois o país possui um

território limitado em sua área.

Na esfera departamental, há predominância no departamento Oeste, onde a presença da região metropolitana de Porto Príncipe constitui um elemento importante da distribuição espacial da população, com todas as suas consequências econômicas, politicas e sociais. Em 2003, este departamento absorvia 23% da população do país e 56% do total da população urbana. (IHSI, 2009 apud FARIA, 2012, p. 64)

O mapa a seguir nos mostra de maneira mais clara a alta concentração

de pessoas na capital Haitiana em detrimento de outras regiões

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Figura 2 – Densidade demográfica no Haiti - 2008 Fonte: Faria (2012)

O Haiti desde seu processo de colonização até os dias atuais sofre com

uma série de fenômenos naturais devastadores que foram agravados

sistematicamente pela ação humana e também pela alta densidade

demográfica do país. É fácil observar atualmente que o Haiti é um país

completamente devastado, não apenas economicamente, mas também

ambientalmente. Segundo dados da ONU, apenas 0,11% do território haitiano

são áreas protegidas. Este número é extremamente baixo, e ajuda a comprovar

a situação de descaso no país com a questão ambiental.

Mesmo com a situação atual, o Haiti já foi um dos maiores exportadores

de diversos produtos agrícolas, como o café e o açúcar. Isso mostra que o

país, nos primeiros séculos de sua colonização, conseguiu mantar um traço

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marcante, que é a fertilidade natural de grande parte do seu solo, incentivada

pelo clima e vegetação da região.

O terremoto de 2010, e sua respectiva devastação, foi sim

potencializado pelos impactos ambientais causados pelo homem, assim como

as construções precárias que são resultado das desigualdades no país.

Contudo a algo que merece destaque. O Haiti se encontra em uma região de

grande instabilidade tectônica, e que naturalmente produz terremotos e outros

fenômenos naturais.

A ilha Hispaniola situa-se em um ponto de contato das Placas Norte Americanas e do Caribe (Caraíbas). Enquanto a Placa Norte Americana move na direção leste-oeste, a Placa do Caribe se move em direção oposta, ou seja, este movimento transcorrente faz do Caribe, uma região de alta atividade sísmica. (FARIA, 2012, p. 74)

Como foi escrito anteriormente, a ação humana e suas escolhas e ações

contribuíram decisivamente para a intensidade dos fenômenos naturais

ocorridos nos Haiti, contudo é errado negar a força de certos acontecimentos

naturais. O mapa a seguir nos mostra a localização do Haiti frente aos limites

das placas tectônicas.

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Figura 3 – Limites das placas tectônicas Fonte: Faria (2012)

O Haiti, seja nos aspectos sociais ou físico-ambiental, se torna cada vez

mais insustentável, um barril de pólvora que explode de tempos em tempos, e

que traz instabilidade para o país. Foram poucos os presidentes que

conseguiram terminar seus mandatos. Muitos foram assassinados por

opositores e outros caíram por pressão popular. De certo, o modelo de

exploração do país, controlado por potencias estrangeiras, serviu apenas para

destruir o meio ambiente da frágil nação e trazer miséria para seu povo.

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3.3 - A revolução de 1791

Como se sabe, a colônia francesa de São Domingos caracterizava-se

como uma das mais rentáveis colônias da época. A França mantinha seus

domínios e controlava-o de forma rígida. Outras nações como Inglaterra e

Espanha, tramavam formas de dominar essa grande “mina de ouro”, contudo

sem êxito.

Em 1789, la colônia de São Domingo en las Indias Occidentales francesas representaba la dos terceras partes del comercio de Francia con el exterior y era la salida comercial más importante para el tráfico de esclavo europeo. Era parte integrante de la vida económica de la época: la mejor colônia del mundo, el orgullo de Francia y la envidia de todas las demás naciones imperialistas. Toda su estructura reposaba sobre el trabajo de médio millón de esclavos. (JAMES, 2003, p.17)

Em 1789, a colônia francesa das índias ocidentais de São Domingos representava dois terços do comercio exterior da França e era o maior mercado individual para o trafico negreiro europeu. Era parte integral da vida econômica da época, a maior colônia do mundo, o orgulho da França e a inveja de todas as outras nações imperialistas. A sua estrutura era sustentada pelo trabalho de meio milhão de escravos. (tradução do autor)

A vida dos escravos da Ilha de São domingos, assim como dos demais

escravos da América era extremamente penosa. Segundo James (2003) o

escravo era obrigado a começar a trabalhar antes do sol nascer e continuar até

altas horas da noite. Muitas vezes os escravos ficavam dias sem comida e

consequentemente sua força para o trabalho diminuía, ficando sujeito a

punições severas pela sua menor produtividade em decorrência da fome. Não

é de se espantar que em um país dominado por tais hábitos, revoltas

constantes assolassem o cotidiano.

Os ideais da revolução francesa, que teve como marco o ano de 1789,

ecoaram de forma avassaladora em São Domingos. Entre os vários aspectos

da revolução, a que proclama a liberdade aos escravos, tomou força nas

camadas populares da colônia francesa.

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Mediante tal estrutura social, não era incomum o desencadeamento de rebeliões, merecendo destaque a rebelião de 1791, a rebelião dos escravos. A revolução francesa, em 1789, instituiu uma convenção na qual proclamava a libertação dos escravos nas suas colônias. A notícia chegou rapidamente a São Domingos e, incitados pelos mulatos, os escravos iniciaram a rebelião, destruíram plantações, engenhos e abandonaram seus postos. (FARIA, 2012, p. 54)

É importante ressaltar que o processo revolucionário ocorrido no atual

Haiti contou com os escravos negros como principais articuladores e

executores do processo, não apenas como simples coadjuvantes do ocorrido.

Portanto no ano de 1791, os escravos liderados no momento pela figura de

Boukman (líder espiritual e político), colocaram em prática o plano que há anos

vinha sendo elaborado. O plano inicial dos revoltosos consistia a principio em

um grande levante da massa escrava do país, que chegava ao meio milhão,

extermínio de todos os brancos e a tomada do poder no Haiti. Após avanços e

retrocessos, vitórias e derrotas, dois anos após o início da revolução, os

escravizados da colônia francesa receberam a alforria geral.

Na noite de 14 de agosto de 1791, os marrons e escravizados das plantations organizaram o primeiro congresso político emancipador no qual foi tomada a decisão do levante geral contra a escravização. Com o grito de “Liberté ou la mort!” (Liberdade ou morte), eles deram início, na noite do dia 21 de agosto, a uma serie de lutas que levou a metrópole francesa a reconhecer, por decreto, dois anos mais tarde, a alforria geral que os escravizados, de fato, já haviam conquistado por iniciativa própria. (SEGUY, 2014, p.144)

. Pouco tempo após o início da revolução dos escravos, um dos

personagens mais marcantes da história Haitiana entrou em cena, Toussaint

Louverture. A partir de seu conhecimento amplo em diversas áreas, fruto de

suas oportunidades diferenciadas enquanto escravo trouxe a ele certo prestígio

frente aos demais escravos da época e posteriormente se tornou o principal

líder da revolução Haitiana. Sua morte prematura ocorreu em 1803, após a

traição do governo francês.

La persona que tan metódicamente había decido unirse a la revolución era um hombre de 45 años, edad avanzada para aquellos tiempos, el pelo ya gris, al que todos conocían por Old Toussaint, el viejo Toussaint. Sobre el caos del Santo Domingo

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de aquel momento y de años posteriores sentaría las bases de un Estado Negro que perdura hoy en día. Desde el momento en que se únio a la revolución se convertió em líder, y progresó, sin encontrar gran rivalidade, hasta desempeñar un papel protagonista. Hemos enumerado claremente las fuerzas sumamente impersonales enfrentadas en la crises de Santo Domingo. Pero son las hombres quienes hacen la historia, y la historia protagonizada por Toussaint fue como fue por el tipo de persona que fue Toussaint. (JAMES, 2003, p.96) A pessoa que tão metodicamente havia decidido unir-se a revolução era um homem de 45 anos, idade avançada para aqueles tempos, cabelos brancos, e que todos conheciam por velho Toussaint, o velho Toussaint. Sobre o caos de São Domingos daquele momento e de anos posteriores estabeleceria as bases de um Estado Negro que perdura até os dias atuais. Desde o momento em que se uniu a revolução e se converteu em líder, e progrediu, sem encontrar grandes rivais, até desempenhar um papel protagonista. Temos enumerado claramente as forças impessoais em operação na crise de São Domingos. Mas são os homens que fazem a história, e a história protagonizada por Toussaint foi como foi pelo tipo de pessoa que foi. (Traduzido pelo autor)

A experiência revolucionária Haitiana, que teve como expressão

máxima o ano de 1791, trouxe uma série de esperanças e expectativas para o

mundo. Para os revolucionários, surgiu a expectativa do fim da escravidão e a

organização social de um país em bases mais justas e não pautadas nos

diversos preconceitos. Para a elite econômica e política dos países

imperialistas, o processo representou uma grande ameaça na manutenção da

ordem vigente e nos ganhos astronômicos das potências europeias do período,

que encontravam nas colônias sua principal fonte de recursos. Apesar das

imensas dificuldades encontradas após a revolução, os negros Haitianos

construíram o que ficou conhecido como a primeira república negra do mundo,

símbolo de luta, resistência e poder de organização dos negros.

Contra esse regime de colonização e de escravidão estabelecido em São Domingos (antigo nome da região ocupada pela França), os escravizados/as vão se rebelar e conseguir fazer o que é conhecida como a primeira e única revolução triunfante de um povo escravizado. Até porque o Haiti será chamado desde então de “Primeira República Negra” do Mundo. (SEGUY, 2014, p.230)

Após a vitória da revolução houve um momento de euforia dos dirigentes

e população do Haiti, contudo logo começaram a surgir os diversos problemas,

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falta de alimentos, destruição da infraestrutura do país, necessidade de um

corpo gestor experiente e capaz de dirigir o país, corrupção, entre outros,

obrigaram o Haiti a contrair uma série de empréstimos internacionais que

afundou o país em uma dívida interminável e que caiu sobre os ombros dos

antigos escravos para carregarem.

Mesmo com as dificuldades encontradas pós-revolução, a experiência

Haitiana é de extrema importância e valor, pois, entre outras coisas, mostrou

ao mundo a capacidade do povo escravizado e negra de se autogovernar e de

se impor frente às ditas potências e mais desenvolvidas nações do mundo

3.4 – A pilhagem do território Haitiano e a recolonização do país

Desde o início do processo de colonização do Haiti ocorreu os mais

diversos tipos de saque das riquezas do país. Recursos naturais, mão de obra,

cultura, entre outros, foram sistematicamente pilhados pelas potências

europeias e mais recentemente os EUA contribuíram para a continuidade da

situação degradante que vive a sociedade haitiana. Mesmo após a conquista

da independência, o Haiti ainda continuou sobre determinante influencia

estrangeira.

Apenas realizado o primeiro ato de descolonização, o Haiti se encontrou novamente num processo de recolonização, da forma mais brutal possível. Por ter combatido sua antiga metrópole, o Haiti teve que pagar pelo reconhecimento de sua independência. O preço muito forte – 150 milhões de francos de ouro – equivalia, em 1825, a quatro vezes o orçamento publico da França. Em 2003, esse valor estava calculado em mais de 21 bilhões de dólares. (SEGUY, 2009, p.117)

Atualmente, além do projeto imperialista de expropriação do Haiti, temos

também outro sujeito social que vem cumprindo um importante papel na

subjugação do país caribenho, as organizações não governamentais (ONGs).

Segundo Seguy (2009) as ONGs vêm ganhando mais espaço ano após ano.

Com um discurso bem elaborado e conciliado aos interesses das potências

imperialistas, principalmente a norte americano, as ONGs recebem

financiamentos milionários para as ditas “obras sociais e voltadas para o bem

estar da sociedade”. O Estado, nessas circunstâncias, perde sua função de

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organizar a sociedade sobre a perspectiva de atender as necessidades da

população. O Estado fraco, e as ONGs a cada dia conquistando mais forças,

resultam em desvios milionários de recursos que poderiam estar sendo

aplicados na melhoria do país

Outro fenômeno recente que ocorre no Haiti consiste na instalação de

indústrias ou parques industriais, com destaque para o setor têxtil. Zonas

francas são criadas em várias regiões do país e em nome da competitividade

com as demais nações, a super exploração da mão de obra ocorre

naturalmente e referendada pelo Estado. Com jornadas de trabalho

intermináveis e baixos salários, torna o trabalhador haitiano um dos mais

rentáveis do mundo, ou seja, com gigantesco potencial de geração de mais

valia.

A escolha de município de Caracol para estabelecer a zona franca mais recente do Haiti se encaixa perfeitamente no modelo colonial descrito pelo economista da Oxford University, de acordo com o que pudemos pessoalmente observar em julho de 2013. E desde já, podemos afirmar que Caracol oferece mais do que “o essencial” requisitado por Collier, pois são 250 hectares de terras cultivadas por famílias campesinas que o governo expropriou para a construção do parque industrial de Caracol (PIC). . (SEGUY, 2014, p.91)

O modelo de desenvolvimento adotado pelo governo haitiano demonstra

claramente as suas prioridades, e que definitivamente não está associado ao

bem estar da classe trabalhadora. Esses e outros motivos levam a população a

levantes populares rotineiros que frequentemente se chocam com as forças

militares estrangeiras presente no país.

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P

As duas fotos proporcionam a dimensão de dois aspectos da política de

desenvolvimento adotado pelo governo haitiano. A primeira consiste na

infraestrutura fornecida pelo governo haitiano para as empresas estrangeiras, e

também permite se ter uma ideia da gigantesca área ocupada por essas

indústrias. O segundo aspecto demonstra o apoio incondicional do governo

haitiano para a instalação e produção desse complexo, deixando claro que o

“norte está aberto aos negócios”.

A recolonização do território haitiano passa obrigatoriamente, além da

atuação do poder econômico manifestado nas indústrias estrangeiras, pela

presença militar de determinados países na condução do país. O Brasil, neste

sentido, cumpre um papel de organizar e enviar forças militares a fim de

supostamente estabilizar o país, desarmar os grupos rebeldes e contrários ao

governo, promover eleições livres, entre outros; mas o que ocorre na prática é

bem diferente.

Figura 4 – Portaria da Zona Franca de Caracol

Fonte: Seguy (2014)

Figura 5 – Primeiro ministro haitiano de capacete azul. “O norte é aberto aos negócios”

Fonte: Seguy (2014)

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Na entrevista que nos concedeu, Franck ressalta os interesses do Brasil na missão militar, destacando a busca por uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU e o aprofundamento de laços comerciais. Em sua visão, o Brasil desempenha um papel subimperialista no país e colabora com os Estados Unidos – que passaram a terceirizar a invasão militar no Haiti por interesses comerciais próprios. (NASSIF, 2014)

O exercito brasileiro e de outras nações cumprem o papel de manter a

ordem para que continue ocorrendo o saque do país, os militares servem como

“cães de guarda” da burguesia, reprimem manifestações populares com tiros

de fuzil, e fazem verdadeiros cercos nos parques industriais haitianos para

garantir a produção. A frase do senador haitiano Jean Moise, em visita ao

Brasil em 2014 é bem esclarecedora e retrata bem a questão, “O Brasil ao

invés de mandar tanques de guerra ao Haiti, deveria enviar tratores agrícolas”.

Em síntese, considerando as múltiplas dimensões do poder, e os limites impostos pelo crescente endividamento externo, pode-se definir o Brasil como uma potência regional, restrita em termos estratégicos à América do Sul, com influência na América Latina e África portuguesa, e com atuação econômica que se estende ao Oriente Médio. (BECKER, EGLER, 2006, p.167)

A recolonização do país caribenho continua ocorrendo na atualidade, e

tristemente tendo o Brasil como um dos principais colaboradores nesse

processo, contudo, existem outros fatores que integram essa relação

imperialista.

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4 – DISTRIBUIÇÃO E ORGANIZAÇÃO DOS IMIGRANTES HAITIANOS NO

BRASIL

Este capítulo pretende analisar e interpretar determinados dados sobre a

imigração haitiana para o Brasil. O foco da análise estará voltado em torno de

alguns eixos. O primeiro corresponde as rotas migratórios utilizadas pelos

haitianos até chegarem ao Brasil, e mais especificamente ao Estado de São

Paulo. O segundo pretende identificar o perfil dos imigrantes haitianos que

chegam ao Brasil, levando como parâmetro a idade, sexo e escolaridade

desses imigrantes. Por fim, analisaremos como esses imigrantes estão sendo

incorporados ao mercado de trabalho brasileiro, ou seja, quais funções e

contrato os haitianos residentes no Brasil estão sujeitos.

4.1 - Rotas migratórios utilizados pelos haitianos até chegarem ao Brasil.

Durante a viagem realizada até chegarem ao Brasil, e durante o trajeto

no interior do país até chegarem ao destino final, em que de fato esses

imigrantes irão se estabelecer, múltiplas transformações culturais, espaciais,

sociais e econômicas ocorrerão no percurso, mostrando a rica dimensão de

análise do fenômeno migratório.

O percurso realizado pelos haitianos até chegarem ao Brasil está

marcado por uma série de dificuldades e contratempos. Fugindo de uma

situação degradante encontrada em seu país, o haitiano muitas vezes se

sujeita a “atravessadores” que cobram valores altíssimos para trazê-los até o

Brasil, e o que é pior, em uma situação completamente degradante.

Os imigrantes haitianos chegam a Manaus com uma história de viagem de três meses, nunca inferior a um mês. Um verdadeiro caminho do calvário. Uma história marcada pela angústia, e sofrimento, pela privação e fome, de noites mal dormidas em minúsculos e lotados “alojamentos”. Chegam em Manaus extenuados e, a maioria, sem um centavo no bolso. (COSTA, 2011, p.84)

Segundo os estudos coordenados por Fernandes e Castro (2014) a

maioria dos haitianos entrevistados pela pesquisa gastam em média USD

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2.000 a 3000 para chegar ao Brasil. Esse valor, em dólares, é extremamente

alto para os padrões haitianos e a soma é conseguida a partir de empréstimos

com familiares ou endividamento com agiotas, logo o caminho percorrido pelos

imigrantes já se dificulta logo no início do trajeto.

As cidades haitianas onde ocorrem à saída da maioria dos migrantes

rumo ao Brasil podem ser consideradas as mais dinâmicas e economicamente

ativas do país. Segundo Fernandes, Castro (2014), cidades de Porto Príncipe,

Gonaìve e Cap Haitien são os principais pontos de embarque dos haitianos

para o Brasil.

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Figura 6 – Mapa do local de origem no Haiti dos imigrantes residentes em São Paulo. Fonte: Fernandes, Castro (2014)

O mapa nos deixa claro a diversidade de cidades que abriga

migrantes rumo ao Brasil, demonstrando que o fluxo de emigração haitiana é

algo generalizado no país, mas Porto Príncipe e Gonaìve ainda continuam

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sendo as principais cidades de origem dos imigrantes haitianos presentes em

São Paulo.

Essencialmente a rota percorrida pelos haitianos segundo diversos

autores como Fernandes; Castro (2014); Costa (2012), Fernandes; Milesi;

Pimenta; Carmo (2013), entre outros, até chegarem ao Brasil consiste na

passagem pelos países Panamá (quando a viagem é feita por barco), Equador

e Peru. As cidades Tabatinga na Amazônia e Brasiléia no Acre são geralmente

as portas de entrada para o Brasil, para os imigrantes que fazem o percurso

descrito acima. Logicamente outros caminhos podem ser feitos, como a

passagem pela Bolívia e Paraguai, ou mesmo a vinda de avião até São Paulo,

contudo essa não é a forma mais usual. O Equador a princípio, após o

terremoto ocorrido em 2010, mostrou-se como um país que atraiu muitos

imigrantes haitianos, contudo a falta de dinamismo e capacidade de absorção

da crescente mão de obra que chegava ao país, fez com que esses imigrantes

seguissem caminho até encontrarem um país com condições de recebê-los,

além da questão da facilidade de entrada no país, no qual o Brasil, comparado

a outros países, se mostra acessível.

Uma questão importante que se insere na análise das rotas migratórias

dos haitianos até chegarem ao Brasil consiste em entender o porquê da

escolha do Brasil como principal destino, considerando que anteriormente ao

ano de 2010 a imigração de haitianos ao Brasil era ínfima, e após 2010 se

tornou sistemática e crescente.

Mas ir para onde? O sonho era a América do Norte e a Europa, mas as portas estavam fechadas. Os vistos não eram liberados. Teriam, então, procurar países que não exigissem o visto e, ao invés de olhar para o norte, olhar para o sul. Os primeiros buscaram o equador, sem, porém, definir o seu destino. Alguns que haviam deixado o Haiti antes do terremoto chegaram a ficar diversos meses no Equador, mas as condições de trabalho e os salários não encoravam a permanência. O Brasil foi visto como uma alternativa, primeiro, por ser o país com a economia mais dinâmica da América do Sul e, em segundo lugar, pela existência, entre os haitianos, de uma simpatia em relação ao Brasil, fomentada pelas declarações do governo brasileiro que prometera acolher bem os que aqui chegassem. (COSTA, 2011, p.84)

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O destino pretendido pelos migrantes haitianos, a princípio, não era o

Brasil, mas sim a América do Norte e Europa, sobretudo a França, pela

proximidade do idioma, pois uma parte da população haitiana utiliza além do

crioulo (língua oficial) o idioma francês. Segundo Cotinguiba e Pimentel (2012)

dos haitianos presentes em Porto Velho, cerca de 95% mantêm como língua de

comunicação o crioulo e os outros 5% usam o francês, sendo que este idioma

está associado as elites do Haiti e que essa porcentagem citada se aplica não

apenas aos presentes em Porto Velho, mas também no Haiti.

Percebendo as dificuldades, e na maioria das vezes a impossibilidade,

em entrar na América do Norte e Europa, pois as leis migratórias nesses

países tendem ano após ano a se tornarem mais rígidas e intransponíveis, os

haitianos perceberam na economia dinâmica e na legislação que trata à

questão migratória que é parcialmente “aberta” a migração no Brasil uma

possibilidade de inserção e melhora de vida.

Figura 7 – Mapa das principais rotas migratórias de haitianos para o Brasil Fonte: Fernandes, Castro (2014)

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Percebe-se a partir do mapa o longo caminho percorrido até chegarem

ao território brasileiro, contudo entre pisar em solo brasileiro e chegar em seu

destino em um país com dimensões continentais como o Brasil consiste em

uma extenuante jornada, assim como na viagem do Haiti até a fronteira

brasileira. Das cidades de Tabatinga na Amazônia (grande porta de entrada

dos haitianos no Brasil) até o Estado de São Paulo são aproximadamente três

dias e meio de viagem de ônibus, isso sem considerar os inúmeros imprevistos

nesse trajeto. Há relatos diversos das dificuldades enfrentadas pelos haitianos

até chegarem ao Estado de São Paulo, que trata desde fome, falta das

condições mínimas de higiene e conforto até situações envolvendo violência

em função do longo percurso.

Mesmo observando que o fluxo da migração haitiana vem levando

diversos desses imigrantes para cidades do sul do país e essa tendência vem

aumentando, como Londrina, Maringá, Bento Gonçalves conforme cita Costa

(2012); São Paulo ainda continua sendo o principal polo de concentração,

organização e encaminhamento dos haitianos para outras regiões do país.

4.2 - Perfil dos imigrantes haitianos que chegam ao Brasil, levando como

parâmetro a idade, sexo e escolaridade

Entendendo que a utilização de dados quantificados e elaborado por

variadas fontes consiste em um importante instrumento de análise do

fenômeno migratório, a pesquisa buscou compreender e sistematizar esse

conjunto de informações a fim de responder as perguntas levantadas por esse

trabalho. É importante ressaltar as limitações do método quantitativo na

compreensão da realidade dinâmica e em constante movimento, e que o ideal

seria trabalhar conjuntamente com a abordagem qualitativa, mas infelizmente

não foi possível, deixando essa análise para uma investigação futura.

Os três parâmetros que serão analisados, idade, sexo e escolaridade

compõem uma importante base para o capitulo seguinte. A compreensão

desses parâmetros, mesmo partindo de dados conflitantes, nos mostrará os

traços gerais da migração haitiana para o Brasil, o que nos possibilita uma

maior capacidade de intervenção nessa realidade específica.

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Segundo John Wilmoth (2013), diretor da divisão de população da

Organização das Nações Unidas, departamento de economia e bem estar

social (ONU-DESA), aproximadamente 232 milhões de pessoas vivem no

exterior atualmente, em comparação com 175 milhões de pessoas em 2000 e

154 milhões em 1990. Outra informação importante que Wilmoth (2013) traz

consiste no fato de 74% dos migrantes internacionais estarem em idade de

trabalho, ou seja, entre 20 e 64 anos de idade, além de 48% dos migrantes

serem mulheres. Esses dados gerais fornecidos pela ONU-DESA, nos mostra a

tendência de intensificação do fenômeno migratório nas últimas décadas,

sobretudo a migração de trabalhadores, e que essa tendência também se

aplica ao caso haitiano, mesmo com todas as especificidades que envolvem

esse fluxo migratório.

Os dados apresentados por Fernandes; Milesi; Pimenta; Carmo (2013)

nos mostra que em 2013 tínhamos no Brasil entre 15.000 e 18.000 haitianos,

mesmo considerando que esse número deva ser muito maior, pois o governo

brasileiro não possui a capacidade de controle das fronteiras áreas e terrestres,

muito menos o número exato de imigrantes que chegam ao Brasil, seja de qual

for à nacionalidade. Do total de imigrantes haitianos que residem no país

podemos considerar, conforme várias fontes e relatos das pastorais do

migrante que tratam a questão e que já foram citadas no presente trabalho, que

estão em idade entre 18 e 34 anos. O intervalo entre as idade é extenso, pois

varia de acordo com as amostras feitas por cada pesquisa sobre o assunto. Um

exemplo são as informações fornecidas pelo ministro da justiça José Eduardo

Cardoso em 18 de abril de 2013, quando esteve na cidade Brasiléia, no Estado

do Acre, e indicou a presença de 1300 imigrantes na cidade (entre eles 815

haitianos), e que a maioria estão na faixa etária entre 18 e 25 anos. Os

números nos mostra a dificuldade e imprecisão dos dados referentes a

migração no país, e se coloca na ordem do dia uma maior integração e controle

dos dados, a fim de se criar as condições para se pensar politicas para esses

imigrantes.

A delimitação da faixa etária dos haitianos que chegam ao Brasil,

principalmente a partir de 2011, nos evidencia o caráter da mobilidade espacial

da mão de obra, pois a grande a maioria desses imigrantes estão em plenas

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condições físicas e intelectuais para exercer alguma função em nosso país, e

principalmente trabalhos relacionados à força física.

O sexo dos imigrantes haitianos presentes no Brasil é outro ponto que

merece ser analisado. Segundo dados do Conselho nacional de imigração

(CNIg) e do Ministério do trabalho e emprego (MTe), dos vistos concedidos à

haitianos em 2011 e 2012, que somam 5580 pessoas, 87,1% são homens.

Gráfico 1 – Vistos concedidos a haitianos (2011-2012) Fonte: Ministério do trabalho e emprego, conselho nacional de imigração. Fernandes, Castro (2014)

O gráfico nos permite perceber a grande disparidade entre imigrantes

homens e mulheres. Mesmo sendo pequena ainda a proporção de mulheres

haitianas no Brasil, algo que chama a atenção e dever ser discutido.

Vivemos em uma sociedade essencialmente machista, homofóbica e

racista, característica do sistema capitalista de produção que utiliza de todos os

meios para aumentar a sua produtividade e lucros. No Haiti essa questão não é

diferente, e as mulheres de lá também estão sujeitas a esse tipo de situação.

Observamos também que, por uma questão cultural, a mulher haitiana está circunscrita a um conjunto de regras em relação ao homem, como aquela que é responsável pelos cuidados do lar e dos filhos, enquanto ao homem cabe a responsabilidade de ser o provedor. Existem exceções, mas percebemos que

Homens ; 87,10%

Mulheres; 12,90%

Vistos concedidos a haitianos (2011-2012)

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esta característica está presente na maioria dos casais que conhecemos. Verificamos, ainda, que as mulheres haitianas residentes em Porto Velho, em sua maioria, têm menor grau de escolaridade que os homens. (COTINGUIBA; PIMENTEL, 2012, p.104)

A tendência, certamente, é o aumento sistemático de haitianos no Brasil

e consequentemente o aumento de mulheres também será percebido, e além

desse aumento deve haver uma maior equiparação entre a presença de

homens e mulheres haitianos no Brasil, pois após alguns anos de presença em

nosso país, as bases estarão lançadas para os que aqui estão possam ter a

estrutura suficiente para trazer seus familiares e amigos que ficaram no Haiti. A

configuração de uma identidade entre os Haitianos e o território brasileiro fará a

rede migratória entre esses dois países ganhar “corpo” e volume, como já

ocorreu com imigrantes de outras nacionalidades no Brasil.

Mais adiante, trataremos como esses imigrantes estão sendo

incorporados ao mercado de trabalho, contudo cabe nesse momento uma

breve exposição das atividades exercidas pelas haitianas para elucidar esse

caráter desigual em relação aos homens. Segundo Costa (2012); Cotinguiba,

Pimentel (2012), as principais funções exercidas e oferecidas as haitianas são:

empregadas domésticas, diaristas, auxiliares gerais em restaurantes e

lanchonetes, em fim, tarefas que são consideradas femininas na sociedade

atual.

A escolaridade é o último parâmetro que será brevemente abordado

nesta pesquisa, pois constitui um importante fator, conjuntamente com o

idioma, para a inserção desses imigrantes no mercado de trabalho brasileiro.

As empresas brasileiras que contratam essa mão de obra exigem, em sua

maioria, segundo as pastorais do migrante ligadas a igreja católica, o ensino

fundamental completo.

As formas de acesso e organização escolar no Haiti são bem diferentes

das encontradas no Brasil, portanto, quando utilizamos esses dados em uma

determinada pesquisa, temos que ter claro que eles apenas servirão como um

indicativo sobre o assunto.

Em relação aos sobre o nível de instrução, é importante lembrar que o sistema escolar do Haiti é diferente daquele em

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utilização no Brasil, principalmente no tocante às séries e graus de ensino. Assim, os dados relativos à educação constantes nas bases do CNIg devem ser considerados como indicativos de nível de instrução e, possivelmente, não correspondem à real escolaridades dos imigrantes. (FERNANDES, CASTRO, 2014, p.29)

Temos então um grande problema, a exigência feita pelas empresas

durante a contração de imigrantes por uma escolaridade mínima e as

diferenças de organização escolar entre o Haiti e Brasil. Essa situação vem se

resolvendo por uma lógica perversa, as empresas perceberam que mesmo

sem um nível de escolaridade mínima (sem considerar as diferenças na

estrutura escolar entre os dois países) e conhecimento do idioma, ainda assim

é um bom negócio contratar essa mão de obra, que por muitas vezes realiza o

mesmo trabalho que um operário brasileiro recebendo um salário inferior, além

de não receber os mesmos benefícios.

Outro desdobramento desta história e que pode surpreender a muitas

pessoas, é que uma quantia significativa dos imigrantes haitianos presentes no

Brasil possuem ensino superior completo ou cursaram o ensino superior, mas

não concluíram, em profissões como engenheiros, médicos e jornalistas.

O perfil dos imigrantes que busca vagas na igreja é muito diverso. Há haitianos sem qualquer escolaridade e nigerianos que chegaram ao país clandestinos, escondidos em porões de navio, apenas com a roupa do corpo. Mas há também jornalistas, médicos e engenheiros entre os vindos do Haiti. (SANCHES, 2014)

Os dados fornecidos pelo MTe, conjuntamente com o CNIg, nos

proporciona uma noção do nível de escolaridade apresentado pelos haitianos

que chegam ao Brasil.

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Gráfico 2 – Nível de escolaridade dos haitianos que solicitaram autorização de

residência em 2012

Fonte: Ministério do trabalho e emprego, conselho nacional de imigração. Fernandes, Castro (2014)

Podemos perceber a partir da análise do gráfico que a maioria dos

haitianos que migraram para o Brasil em 2012 possuem o segundo grau

incompleto, ou seja, não terminaram o ensino médio. Outro dado que chama a

atenção é que 25% dos haitianos não quiseram ou não souberam informar a

sua escolaridade. Vale ressaltar o cuidado ao se trabalhar esses números, pois

o sistema escolar e visão de educação no Haiti são diferentes das encontradas

no Brasil e também o fato da maioria dos imigrantes presentes no Brasil não

estarem cadastrados em um sistema nacional e integrado.

4.3 – Incorporação dos imigrantes haitianos no mercado de trabalho

brasileiro

A busca por trabalho no território brasileiro é sem dúvida o maior objetivo

dos imigrantes aqui presentes, nesse sentido uma complexa rede de relações

Analfabeto 1%

Primeiro grau incompleto

22%

Primeiro grau completo

4%

Segundo grau incompleto

31% Segundo grau

completo 9%

Superior incompleto

5%

Superior completo 1%

Outros 2%

Não informado 25%

Nível de escolaridade dos haitianos que solicitaram autorização de residência em

2012

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permeia a situação. Trabalhadores buscando os maiores salários para

melhorarem sua condição de vida e enviarem dinheiro aos familiares que

ficaram no Haiti; no outro extremo está às empresas que enxergam nos

trabalhadores imigrantes uma possibilidade de aumento dos seus lucros

através de uma maior exploração do trabalhador e extração de mais valia; e no

meio dessa relação entre empregador e empregado, operário e patrão,

encontra-se o Estado, que se move de acordo com as pressões dos setores da

sociedade, mas que tende sempre a ceder aos anseios e necessidades do

capital.

Três fontes de dados são importantes nessa análise, as realizadas pela

igreja católica através das pastorais do migrante, que normalmente consiste no

primeiro contato entre o imigrante haitiano e uma instituição capaz de ajuda-lo

no Brasil, nos dados fornecidos pelas instituições governamentais e por fim em

pesquisas acadêmicas e suas respectivas amostras.

Na cidade de São Paulo, a igreja católica, através de um projeto que

acolhe imigrantes, chamado missão de paz, desenvolve um dos principais

trabalhos na área atualmente, recebendo os imigrantes haitianos que chegam

ao Brasil, possibilitando uma inserção no mercado de trabalho. A partir de

informações da missão de paz entre os meses de fevereiro e abril de 2012 é

possível ter uma primeira impressão de como os haitianos estão sendo

incorporados ao mercado de trabalho.

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Gráfico 3 – Distribuição porcentual por ramos de atividade dos que procuram

trabalhadores no period de 6/2/2012 a 24/4/2012

Fonte: Programa mediação Missão de Paz, Caffeu, Cutti (2012)

Os dados apresentados pela missão de paz, mesmo sendo difícil

identificar a abrangência de alguns ramos de atividade, mostra-se uma

importante ferramenta para analisar a ocupação dos trabalhadores haitianos no

Brasil. A pesquisa foi feita durante os três meses citados acima e contou com a

participação 274 haitianos. A porcentagem que aparece em primeiro lugar, com

41% corresponde ao setor de serviços gerais domésticos. Podemos considerar

que esse setor abrange uma série de funções tidas como domésticas, inclusive

a contratação é feita, em alguns casos, por pessoas físicas, e não empresas.

Mas a pesquisa realizada pela missão de paz nos deixa claro que mesmo

sendo o setor de serviços gerais domésticos o que mais oferece vagas, muitas

delas não são preenchidas por falta de qualificação, domínio do idioma, entre

outros motivos. Ainda segundo a pesquisa, as vagas que representaram o

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maior número de preenchimento efetivo correspondem ao trabalho de auxiliar

de produção.

Em contraponto a pesquisa realizada pela missão de paz, temos o

trabalho coordenado por Fernandes e Castro (2014) que nos traz uma série de

informações relevantes.

Gráfico 4 – Setor de ocupação dos haitianos em 2013

Fonte:. Fernandes, Castro (2014)

A partir das entrevistas realizadas por Fernandes e Castro (2014) com

340 haitianos chegamos ao que nos parece ser o mais próximo da realidade

que observamos e que está presente na mídia impressa e televisiva a respeito

das atividades exercidas pelos haitianos.

A maioria dos entrevistados trabalha na construção civil, fato que em

São Paulo é amplamente conhecido, configurando a principal fonte de trabalho

dos haitianos na capital paulista, regiões metropolitanas e interior do Estado. A

indústria de alimentos que aparece em segundo lugar está relacionado

predominantemente as empresas vindas do sul país, que na falta de mão de

103

43

19

7

27

8 2 4

89

38

Setor de ocupação dos haitinos em 2013

N° Absoluto

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obra em suas regiões, encontram no trabalhador imigrante uma grande

possiblidade de completar o seu quadro de pessoal.

Dameus faz parte da primeira leva de 50 haitianos contratados em setembro de 2012 pela Dália alimentos, com sede em encantado. Atualmente, são mais de 120 haitianos vivendo no município de 20,5 mil habitantes. A empresa fez um segundo recrutamento no início desse ano. O salário equivale ao piso da categoria, de R$ 830,50. A Dália ainda oferece seis meses de estada em um hotel da cidade, três refeições diárias no refeitório da empresa e transporte de ida e volta. (KANNENBERG, 2013)

Uma outra citação do jornal folha de São Paulo mostra bem essa

espacialização do trabalhador haitiano, onde as empresas alimentícias do sul

do país monopolizam a contração dos haitianos, enquanto em São Paulo a

construção civil é a que mais contrata esses imigrantes.

Dos 2.162 imigrantes recepcionados pela pastoral neste ano, 1.363 (52%) já foram empregados, segundo o padre. Uma parte foi contratada por empresas do sul, principalmente frigoríficos. Outros foram empregados no interior de SP, principalmente em construtoras e oficinas mecânicas. (PALHARES, 2014)

Mais do que compreender e pontuar as atividades profissionais que os

haitianos estão praticando no Brasil é importante destacar as condições de

trabalho que esses imigrantes estão sujeitos em nosso país, e não apenas os

haitianos, mas todo o imigrante, sobretudo os latino-americanos.

Uma das principais bases de sustentação e manutenção do sistema

capitalista consiste na capacidade de extração de mais-valia do trabalhador, ou

seja, as empresas procuram aumentar os seus lucros com base no aumento da

jornada de trabalho, diminuição do salário e direitos trabalhistas, além do

incremento de tecnologia para o aumento da produtividade. Mesmo esse

processo de expropriação dos trabalhadores ocorrerem sem distinção de

nacionalidade, o trabalhador imigrante é visto pelos empresários como um

potencial a mais na geração de lucro.

Os empresários têm enxergado neles, sobretudo nos haitianos, uma oportunidade para reduzir seu custo de produção. Uma pesquisa feita pelo economista britânico Paul Collier, para a

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Organização das Nações Unidas (ONU), mostrou que, em 2009, o Haiti tinha um grande excedente de mão de obra qualificada. Segundo o estudo, o trabalhador haitiano custava mais barato que o chinês. (SANCHES, 2014)

Não podemos nos enganar com as intenções das empresas em buscar

trabalhadores imigrantes, como por exemplo, no Acre; eles não buscam

colaborar com a inserção da mão de obra imigrante em uma perspectiva

humanitária ou pela urgência da demanda, no caso dos haitianos, mas sim por

enxergarem a possibilidade de maiores lucros a partir da super exploração

desses trabalhadores.

Temos vários exemplos vinculados à mídia brasileira relatando as

condições de trabalho no qual os imigrantes estão sujeitos, e em alguns casos

comparando-se ao trabalho escravo.

O suor que escorre pelo rosto se junta à poeira negra do carvão e tinge a face e os braços de Ivon Belisarie. A fuligem avermelha seus olhos. Desde que chegou ao Brasil, a dois anos e meio, de segunda a sábado, das 8h às 17h, o imigrante haitiano corta madeira, abastece fornos que produzem carvão vegetal e ensaca o produto que será enviado a centros urbanos do país, numa carvoaria em Maringá (PR). Ele não se senta um minuto. Emagreceu tanto que está abaixo do peso. (SANCHES, 2014)

Outra empresa no Paraná também demonstra a dureza do trabalho

exercido pelos haitianos, e que a grande a maioria dos brasileiros não aceitam

trabalhar nessas empresas, apenas como último recurso.

A 230 quilômetros da carvoaria, num frigorifico em Cascavel (PR), 380 migrantes haitianos fazem, cada um, cerca de 90 movimentos por minuto para desossar frangos e pendurar galinhas. Por um salário mensal de cerca de R$ 1 mil, suportam a rotina de oito horas e 48 minutos diários sob um frio de nove graus, temperatura abaixo do limite de 12 graus estabelecido pelo Ministério do Trabalho. (SANCHES, 2014)

Poderíamos citar outros inúmeros casos envolvendo imigrantes e

condições de trabalho precárias, contudo, acredito que essa realidade já e vista

pela grande maioria da população, pesquisadores e poder público.

O Brasil, portanto, através de suas empresas e poder público, vem

incorporando a mão de obra haitiana da forma típica como manda a “cartilha “

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capitalista. O desespero e a falta de condições mínimas para a sobrevivência

da grande maioria dos imigrantes haitianos que chegam ao Brasil possibilitam

que empresas de variados ramos de atividade, sobretudo, os da construção

civil e indústrias de alimentos, possam explorar como bem entendem essa mão

de obra. Jornadas de trabalho acima de 44 horas semanais, o não pagamento

de horas extras, ambiente de trabalho insalubre e sem a devida segurança no

trabalho, pagamentos de salários abaixo do piso da categoria, entre outros

pontos, nos mostra a urgente necessidade de refletir sobre políticas públicas

que realmente atendam a esse crescente público.

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5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

O fluxo migratório entre o Haiti e o Brasil, que se iniciou, sobretudo, após

o terremoto que devastou o país em 2010. Anteriormente a esse período, o

principal destino dos migrantes haitianos eram países da Europa, Estados

Unidos da América e Canadá, contudo, com o endurecimento das leis

migratórias desses países, o Brasil mostrou-se como uma importante

alternativa para os haitianos que fugiam da situação trágica que se encontrava

o país, confirmando também, que o Brasil assume definitivamente o papel

potência econômica e política na América Latina.

Quando iniciamos o entendimento do processo de formação histórico-

geográfica do Haiti, percebemos como o país tornou-se um dos países mais

pobres do mundo, e consequentemente compreendemos as principais

motivações que levam o haitiano a sair de seu país a procura de um lugar

digno para se viver, em que haja trabalho e que esse imigrante possa se

sustentar e enviar dinheiro para sua família que continua no Haiti. A presença

estrangeira é marca registrada no país, tanto no plano econômico, político,

cultural e militar. Desde o processo de colonização, até os dias atuais, o Haiti

foi e continua sendo “saqueado” por potências estrangeiras, e que tristemente,

desde 2004, o Brasil participa efetivamente da “missão de paz” enviando tropas

ao Haiti. Portanto, é tarefa central no estudo do fluxo migratório haitiano para o

Brasil, compreender o processo histórico-geográfico de formação do país.

As pesquisas e dados sobre a imigração haitiana para o Brasil ainda são

incipientes e pouco numerosas, contudo certas constatações e considerações

foram possíveis de serem feitas a partir da realização do trabalho.

O percurso realizado pelos haitianos até chegarem ao Brasil seguem a

seguinte a ordem: Panamá, Equador, Peru; a entrada no Brasil se dá pelas

cidades de Tabatinga na Amazônia e Brasiléia no Acre. Normalmente a longa

viagem não termina por aí, continuando por mais alguns dias até chegarem ao

Estado de São Paulo, ou a cidades da região sul do país. Outros trajetos

também podem ser feitos, contudo, se observou predominantemente a rota

descrita acima.

Os dados analisados de variadas pesquisas nos mostra que a idade

média dos haitianos que estão presentes no Brasil variam entre 18 e 34 anos,

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logo se observa que essa faixa de idade corresponde exatamente ao perfil que

as empresas procuram em um trabalhador. A maioria esmagadora dos

imigrantes são homens, contudo se observa a crescente presença de

mulheres, fruto da consolidação da migração que possibilita a vinda de um

maior número de mulheres haitianas para o Brasil. Já a escolaridade é uma

questão emblemática, se observou que maioria dos imigrantes haitianos possui

o segundo grau incompleto, contudo é importante destacar que o sistema de

ensino haitiano é diferente do brasileiro, além de perceber, através de

conversas informais com membros das pastorais do migrante em São Paulo e

relatos vindos de jornais, uma elevada presença de imigrantes haitianos com o

ensino superior.

A incorporação no mercado de trabalho dos trabalhos haitianos está

ocorrendo principalmente por intermédio das indústrias de alimentação com

origem no sul do país e da construção civil no Estado de São Paulo. Outro

aspecto relacionado ao mundo do trabalho está relacionado aos crescentes

casos de exploração da mão de obra haitiana, além dos limites permitidos por

lei.

A presente pesquisa nos deixa claro a necessidade de se aprofundar na

análise do fenômeno migratório entre o Haiti e o Brasil, para se tornar possível

a construção de políticas efetivas e humanas no trato dos imigrantes haitianos.

O que percebemos atualmente é a ausência do Estado na vanguarda da

resolução dos problemas relacionados a imigração, e o surgimento da igreja

católica e ONGs como principais sujeitos na intermediação entre o haitiano e a

incorporação na sociedade brasileira, o que se configura um grave problema.

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VIDAL DE LA BLACHE, Paul. Princípios da Geografia Humana. Lisboa: Editora Cosmos, 1954. .