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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ FERNANDA MOREIRA CAMPOS PEREIRA A EFETIVAÇÃO DO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL SOCIAL DO TRABALHO: a possibilidade de uma jurisdição internacional complementar e subsidiária diante do empregador. Rio de Janeiro 2017

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

FERNANDA MOREIRA CAMPOS PEREIRA

A EFETIVAÇÃO DO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL SOCIAL D O

TRABALHO: a possibilidade de uma jurisdição internacional complementar e

subsidiária diante do empregador.

Rio de Janeiro

2017

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FERNANDA MOREIRA CAMPOS PEREIRA

A EFETIVAÇÃO DO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL SOCIAL D O

TRABALHO: a possibilidade de uma jurisdição internacional complementar e

subsidiária diante do empregador.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

da Universidade Estácio de Sá como requisito para a

obtenção do título de Mestre em Direito.

Área de concentração: Direito Público e Evolução Social

Linha de pesquisa: Direitos Fundamentais e Novos

Direitos. Orientador: Prof. Dr. Rogério José Bento

Soares do Nascimento

Rio de Janeiro

2017

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P436e Pereira, Fernanda Moreira Campos A efetivação do direito humano fundamental social do trabalho: a possibilidade de uma jurisdição internacional complementar e subsidiária diante do empregador. / Fernanda Moreira Campos Pereira. – Rio de Janeiro, 2017. 135 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Estácio de Sá, 2017. 1. Direito do trabalho. 2. Globalização. 3. Transconstitucionalização. 3.Tribunal internacional do trabalho. I. Título. CDD 340.1

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Deus, por ter me capacitado no decorrer desses dois

anos de desenvolvimento do presente trabalho e por ter me guiado em toda a minha

trajetória. Agradeço ainda a meus familiares, que sempre estiveram ao meu lado, mesmo

nos momentos mais difíceis, o que me fortaleceu inúmeras vezes, meus pais Fátima e Jose

Pereira, meus irmãos Jacki e Junior, meu amor Paulo e minha filha Manuela. Aos ilustres

professores, que acreditaram em meu potencial e que me fizeram crescer na vida

acadêmica, cada um de um modo peculiar. Por fim, e com muita relevância e apreço, aos

meus queridos colegas, acadêmicos e não acadêmicos, e amigos que me fortaleceram com

mensagens e gestos de carinho, o que me ajudou a superar momentos de angústias e a

desfrutar alegrias nesses dois anos de estudos intensivos.

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Sumário

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10

1-OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS E A INTERDEPENDÊNCIA

MUNDIAL. ......................................................................................................................... 15

1.1-Direitos Humanos Fundamentais............................................................................... 15

1.2- Soberania: conceito .................................................................................................. 22

1.3-Soberania e a economia. ............................................................................................ 31

2- PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO .................................................... 37

2.1- Organismos Internacionais (ONU e OEA) e os Respectivos Tribunais Internacionais37

2.1.1- Corte Internacional de Justiça ............................................................................ 43

2.1.2- Corte Interamericana de Direitos Humanos ....................................................... 45

2.2- Tratados Internacionais de Direitos Humanos e o Ordenamento Jurídico Brasileiro47

2.3.- Controle de Convencionalidade Internacional e Nacional ...................................... 51

2.4-O Direito Humano Fundamental Social do Trabalho e a proteção internacional ...... 53

2.4.1- Organização internacional do trabalho .............................................................. 58

3-DIREITO HUMANO SOCIAL DO TRABALHO, A GLOBALIZAÇÃO E O CASO DA

FAZENDA BRASIL ........................................................................................................... 69

3.1- Globalização do direito social do trabalho e a economia ......................................... 69

3.2- A escravidão e a perspectiva capitalista ................................................................... 71

3.3- Caso emblemático de empregador violador do direito social do trabalho no Brasil 86

3.3.1- Trabalho forçado e os programas de erradicação brasileiro .............................. 86

3.3.2- Caso nº. 12.066 Fazenda Brasil Verde ............................................................... 90

3.3.3- Sentença do caso Fazenda Brasil Verde x Brasil ............................................... 96

3.4- A efetividade dos direitos humanos do trabalho, especialmente erradicação do

trabalho escravo sob a perspectiva da legislação brasileira ............................................. 98

4- TRIBUNAL INTERNACIONAL DO TRABALHO A PARTIR DA

CONSTTIUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL ................................ 101

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4.1- O Direito internacional e as relações jurídicas do trabalho .................................... 101

4.1.1- Subsidiariedade dos mecanismos internacionais frente aos mecanismos dos

Estados Nacionais. ..................................................................................................... 104

4.1.2- Responsabilidade individual do violador dos direitos humanos ...................... 105

4.2- O princípio da efetividade e o sistema internacional .............................................. 111

4.3- Transconstitucionalização e o direito internacional ............................................... 114

4.4- Transconstitucionalismo e o Tribunal internacional do trabalho ........................... 115

CONCLUSÃO ................................................................................................................... 126

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 130

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PEREIRA Fernanda Moreira Campos. A efetivação do direito humano fundamental social

do trabalho: a possibilidade de uma jurisdição internacional subsidiária e complementar

diante do empregador. [Dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade Estácio de Sá, 2017.

RESUMO A presente dissertação tem por objetivo analisar a conveniência e a possibilidade da criação de um tribunal internacional especializado em direito social do trabalho, cujo fim seja julgar o empregador. Partindo da relativização da soberania, decorrente da economia, direitos humanos e globalização, busca justificação no transconstitucionalismo, que permite o entrelaçamento dos ordenamentos jurídicos, já que os Estados territoriais e os organismos internacionais debatem temas comuns, como a prevalência dos direitos humanos e dignificação do homem. A existência da jurisdição internacional possibilita, de forma subsidiária e complementar, a atuação de tribunal para julgar casos, a exemplo, a erradicação do trabalho escravo no Brasil, na fazenda Brasil Verde, que vislumbrou a falta de efetividade do Estado brasileiro. O trabalho não critica as práticas estatais brasileiras, nem é o objetivo do estudo, mas sim lança indagações sobre a importância da transconstitucionalização e a criação do tribunal internacional do trabalho. O tema ultrapassa o limite da possibilidade sancionatória local em conter as violações ao direito social do trabalho. O avanço tecnológico em direção à globalização privilegia as relações comerciais em detrimento do trabalhador, privilegiando o alcance mundial das relações ao invés das relações nacionais. Conclui pela conveniência da criação de um tribunal internacional do trabalho, pois o problema não será contido até a margem estatal, já que a cadeia dos mercados mundiais exige relações internacionais interdependentes e de cooperação, sendo mínima a relação singular ou individual na sociedade mundial. Palavras-Chave: direito do trabalho, globalização, transconstitucionalização, tribunal internacional do trabalho

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PEREIRA Fernanda Moreira Campos.A efetivação do direito humano fundamental social

do trabalho: a possibilidade de uma jurisdição internacional subsidiária e complementar

diante do empregador. [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade Estacio de Sa, 2017.

ABSTRACT The purpose of this dissertation is to analyze the convenience and possibility of creating an international court specialized in social labor law, whose purpose is to judge the employer. Based on the relativization of sovereignty, resulting from the economy, human rights and globalization, it seeks justification in the transconstitutionalism, which allows the interlocking of legal systems, since territorial states and international bodies debate common themes, such as the prevalence of human rights and dignity of the man. The existence of international jurisdiction makes it possible, in a subsidiary and complementary way, to act as a court to try cases, such as the eradication of slave labor in Brazil, at the Fazenda Verde Verde, which saw the lack of effectiveness of the Brazilian State. The work does not criticize Brazilian state practices, nor is it the purpose of the study, but rather casts inquiries on the importance of transconstitutionalization and the creation of the international labor court. The issue goes beyond the limit of the local sanctioning possibility of containing violations of the social law of work. The technological advance towards globalization privileges the commercial relations to the detriment of the worker, privileging the global reach of the relations instead of the national relations. It concludes from the convenience of establishing an international labor tribunal, for the problem will not be restrained to the state edge, since the chain of world markets requires interdependent and cooperative international relations, with a minimal or individual or individual relationship in world society. Keywords: Labor law, globalization, transconstitutionalization, international labor court

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho não tem por objetivo trazer resposta para todas as

polêmicas e discussões geradas em relação à efetivação do direito humano fundamental

social ao trabalho. A dissertação, desenvolvida junto ao programa de pós-graduação em

direito da Universidade Estácio de Sá, investigará a possibilidade e a conveniência de

estabelecer uma jurisdição internacional como meio de contribuir para essa efetivação.

A abordagem não privilegiará a estrutura, o funcionamento, o devido

processo legal, nem a democracia do tribunal internacional, o foco é o

transconstitucionalismo diante ausência de efetividade aos direitos humanos fundamentais,

especialmente o direito social do trabalho e o meio de suprir esta falta com a jurisdição

internacional.

Os defensores da fundamentalidade dos direitos sociais questionam com a

seguinte inquietação: não haverá algum apelo moral, político, filosófico ou de outros

domínios, para que haja uma igualdade mínima entre as pessoas, mínima além da forma

geral da lei, mínima que transcenda à imparcialidade das instituições e da aplicação da lei?

O direito humano fundamental social do trabalho deve subtrair do mercado, do

serviço e da globalização o primado ético da dignidade do homem. As influências

econômicas, mundiais, culturais, dentre outras, não podem ser capazes de permitir a

prevalência de práticas indignas, atentatórias ao trabalho para privilegiar somente o lucro e

o crescimento de empresas. O trabalho que superou os Estados territoriais é tema

pertinente para o mundo e está em pauta nos organismos internacionais, regionais,

supranacionais e nacionais.

Diante dessa globalização, o direito social do trabalho é tema observado

pelos Estados soberanos e demonstra, por meio da tecnologia, comunicação e ausência de

barreiras locais, que o indivíduo não é somente um cidadão nacional, mas também um

cidadão universal, tendo os direitos humanos resguardados internamente e

internacionalmente.

As empresas transnacionais operam, sem considerar limitações de fronteiras,

rumo ao mercado mundial, utilizam da mão de obra artífice para gerar o lucro, exportam a

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produção, permitindo que a marca seja mundialmente conhecida, consequentemente,

exigindo do estado nacional a abertura das fronteiras para entrada daquele produto.

Os Estados territoriais, por sua vez, se tornam reféns da economia, que gira

de acordo com os investimentos dessas empresas transnacionais, permitindo o comércio da

marca e produto dessa empresa e consumindo tecnologia e serviços ofertados por empresas

sediadas fora do limite do seu território. Os Estados soberanos começam a sofrer

interferências externas, que refletem o dilema do privilégio ao interno, estendendo o campo

de atuação para âmbitos internacionais.

Nesse sentido, estaria o conceito clássico de soberania ultrapassado?

Estariam a economia e os direitos humanos flexibilizando o conceito de poder absoluto do

estado nacional? O episódio da saída do Reino Unido da União Europeia poderia

determinar, inequivocamente, o fim das relações internacionais e o estado nacional

absoluto? Seria possível dizer que o local e o mundial se aproximaram e, por esse motivo,

o mercado substituiu a nação, sendo o mercado o motor da globalização?

O primeiro capítulo responderá às indagações apresentadas, analisando o

conceito de soberania clássica, a relativização diante dos direitos humanos firmados pelo

Brasil e a economia.

Os direitos humanos são firmados em documentos internacionais, que

vinculam os estados nacionais ao respeito e ao cumprimento. Os organismos internacionais

de maior relevância para o debate são a ONU, que estabelece um sistema de proteção

mundial integrada pela corte internacional de justiça, um órgão de jurisdição internacional,

a OEA, um organismo internacional regionalizado, que contém uma atividade jurisdicional

por meio da Corte Interamericana de Direitos Humanos e a OIT, organismo internacional

que estabelece normas para relações sociais do trabalho.

O Brasil, signatário de tratados internacionais desses organismos

internacionais, respeita as normas internacionais que integram o ordenamento jurídico

interno, tendo inclusive garantido na CRFB/88, como princípio internacional, a prevalência

desses direitos.

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A OIT estabelece a dignidade do trabalhador como base para as convenções,

estabelecendo normas internacionais, que devem ser cumpridas e efetivadas pelo estado

nacional, para erradicar o trabalho escravo.

A CIDH julga casos jurídicos que não foram efetivamente julgados ou

investigados pelo Estado soberano, e permite a punição desses estados nacionais, como

exemplo o caso 12066, da fazenda Brasil Verde vs Brasil, que é o estudo de caso da

presente dissertação.

O segundo capítulo analisará os organismos internacionais, estrutura,

origem e jurisdição internacional, estendendo a hierarquia das normas internacionais no

ordenamento jurídico brasileiro, bem como as cortes internacionais que apreciam, de

maneira complementar, os casos jurídicos de forma ineficaz.

O terceiro capítulo apontará os órgãos nacionais brasileiros criados para

erradicar o trabalho escravo, diante da exigência internacional na efetivação das

convenções internacionais do trabalho, mas também apresentará o estudo do caso que

mostra que o Brasil é réu na corte interamericana de direitos humanos por não erradicar o

trabalho escravo.

Observa-se que o segundo capítulo possui uma característica mais

demonstrativa e descritiva para sustentar o objetivo do estudo, que é a criação do tribunal

internacional do trabalho, diferente do primeiro, terceiro e quarto capítulos que trazem

maiores indagações e reflexões.

Seria possível ser criado, em âmbito internacional, um órgão investido de

jurisdição internacional, de natureza especificamente trabalhista, para julgar e punir os

empregadores que utilizam o trabalho escravo?

O Brasil, a exemplo, ao ser julgado pela CIDH, é capaz de conter a mão de

obra escrava, diante de uma grande empresa responsável por grande parte da exportação de

carne brasileira? Faz-se necessário reforçar a pergunta: o estado nacional sobrepõe à

economia?

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Nesse sentido, é o quarto capítulo que apontará, com viés

transconstitucional, a relação existente entre o direito internacional, transnacional, regional

e nacional, a globalização, a economia e o direito humano social do trabalho, permitindo

que o empregador violador do direito trabalhista possa ser julgado por uma jurisdição

internacional.

O estudo está apoiado em análise doutrinária, artigos científicos da rede de

computadores mundiais, caso jurídico internacional, atualidades, pesquisas quantitativas e

história mundial. Almeja-se iniciar o estudo sobre a criação do tribunal internacional do

trabalho, julgador do empregador violador do direito do trabalho, especificamente trabalho

escravo.

A pesquisa em Direito não satisfaz quando fica limitada a um exame empírico.

A academia tem a tarefa de exercer crítica e de apontar caminhos. (NASCIMENTO, R.,

2011, p.2). O presente estudo utilizou do método hipotético dedutivo, pois, inicialmente,

foi estabelecido o problema do direito humano fundamental social do trabalho não ser

efetivo, motivado pela globalização, mercado mundial, inviabilidade de limitação de

barreiras estatais e, em seguida, foi construído um modelo teórico, pelo estudo do conceito

de soberania, de globalização, dos direitos humanos, dos organismos internacionais e do

transconstitucionalismo.

Numa terceira etapa, fez uso da dedução de consequências particulares, por

meio do suporte racional, como, no caso, um tribunal internacional já existente que

julgasse o indivíduo e não o Estado. Em seguida, já buscando as hipóteses, prova, por meio

do caso nº. 12.066, julgado pela CIDH, que condenou o Brasil, por conta dos mecanismos

internos que não foram capazes de erradicar a prática de trabalho forçado, que o direito

humano fundamental social do trabalho não é efetivo. Por fim, numa quarta etapa, propõe

uma solução para o problema: a criação do tribunal de jurisdição internacional do trabalho

com base no transconsitucionalismo.

A autora fará uso do método autor/data, para situar o leitor dos acontecimentos,

bem como notas de rodapé explicativas, para contextualizar alguns dados importantes e

relevantes para melhor elucidar o estudo.

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Por difícil que seja a tarefa de trilhar novos caminhos, com a sistematização de

um tribunal internacional do trabalho julgador do empregador, não se pode renunciar ao

esforço e à responsabilidade de tentar. Não é sensato nem é honesto, seja da parte da

sociedade seja da academia, somente criticar o Estado nacional, sem apresentar novos

contornos, já que o mínimo ético universal fundamental do direito humano social do

trabalho é reconhecido internacionalmente, como se depreende das normas oriundas da

Organização Internacional do Trabalho.

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1-OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS E A

INTERDEPENDÊNCIA MUNDIAL.

1.1-Direitos Humanos Fundamentais

Os Estados soberanos, para compreenderem o espaço jurídico político,

precisam considerar as transformações na medida da construção da interdependência entre

os Estados.

A interdependência para C. Wilfred Jenks,

“não pode mais ser encarada como um conceito político, econômico ou sociológico demasiado geral e impreciso para ter algum valor substancial para o jurista; está em processo de cristalização num conceito jurídico que se coloca no cerne do direito internacional contemporâneo; em verdade, não seria exagero classifica-lo como conceito central do direito internacional contemporâneo.(...) Não mais temos ‘comunidades independentes que coexistem’, mas comunidades cuja coexistência depende do pleno reconhecimento de sua mutua interdependência” (JENKS, 1964, p. 75-76).

O processo de globalização em curso conduz a humanidade à estruturação de

um sistema mundo nas diversas dimensões da vida social. O fenômeno da globalização

reconhece acontecimentos sociais como a expansão demográfica da humanidade, a

alteração na estrutura do trabalho e o desenvolvimento cientifico e tecnológico. Nesse

sentido as relações que ocorrem em âmbito internacional impactam no interior dos Estados

nacionais.

Na sociedade nacional, o domínio do direito pressupõe uma obrigação de

respeitar a paz e restringir as rupturas. No entanto, a paz, tida como uma obrigação

nacional, e o domínio do direito para estabelecer limites e garantias, não serão suficientes

para domesticar o anseio do espírito humano pela liberdade. A liberdade do ser humano

ultrapassa o limite de espaço do estado nacional.

A pauta de compromissos internacionais dos Estados soberanos passa pelo que

foi proclamado na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, a Convenção

Europeia para proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais de 1950, o

pacto internacional dos Direitos Civis Políticos de 1966, o Pacto Internacional dos Direitos

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Econômicos e Sociais de 1966, tendo entrado em vigor somente em 1976, Convenção

Americana de Direitos Humanos de 1969, a Carta Africana de Direitos Humanos de 1981,

nos tratados relacionados a abolição do trabalho escravo forçado, a liberdade de

associação, a eliminação da discriminação e outros desenvolvidos pela Organização

Internacional do Trabalho. Tem-se privilegiado no campo dos organismos internacionais

multilaterais a liberdade e a dignidade da pessoa humana, do que resulta a convicção de

que trabalho não é mercadoria, preveem todos, direitos não são somente de alçada do

Estado nacional, mas direito que transcende o Estado Nacional.

Nesse sentido, Gustavo Oliveira Vieira diz que, “mesmo o direito sendo

considerado sob o ponto de vista nacional, recebe influências determinantes e substanciais

e procedimentais sobre diversos fluxos da mundialização” (VIEIRA, 2015, p. 37)

A tecnologia facilitadora de novos níveis de integração e interação,

aprimorando os meios de comunicação e colaborando para um novo modo de vida dos

indivíduos e da sociedade, influencia não somente nos conhecimentos domésticos,

profissionais, mas também na maneira que exercem a própria democracia. Passa a trazer

até mesmo a exclusão do indivíduo que não se considera adepto. Há que se esclarecer que,

tecnologia essa, informativa, que com a internet encurtou a distância, redefinindo a

revolução tecnológica e virtual e a vida dos indivíduos. A revolução tecnológica também

mudou a maneira de se produzir e consumir oferecendo rapidez, instantaneidade e

implicações na economia, política e direito. A revolução também impôs uma nova

dinâmica no trabalho e na produção.

A globalização econômica é o reflexo da internacionalização e a

transnacionalização do capitalismo, havendo, a partir disso, um deslocamento dos

trabalhadores, dos produtos e serviços.

Para Anthony Giddens

“A globalização se refere essencialmente a este processo de alongamento, na medida em que as modalidades de conexão entre diferentes regiões ou contextos sociais se enredaram através da superfície da Terra como um todo. A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais e escala mundial, que ligam localidade distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a

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muitas milhas de distância e vice-versa. Este é um processo dialético porque tais acontecimentos locais podem se deslocar numa direção anversa às relações muitas distanciadas que os modelam. ” (GILDENS, 1991, 60)

Eric Hobsbawm considera três aspectos que determinam a rapidez da

globalização econômica: as empresas multinacionais e transnacionais, divisão

internacional do trabalho e aumento do financiamento externo (HOBSBAWM, 1995,

p.272)

Os principais atores da globalização econômica são as empresas transnacionais,

que visam atingir todo o mercado do globo, por exemplo a empresa McDonalds dos EUA:

“Existem mais de 31.800 restaurantes MCDONALD’S espalhados em 121 países que empregam 1.600.000 pessoas, atendendo 54 milhões de clientes por dia e gerando vendas perto de US$ 23 bilhões. A rede vende cerca de 190 hambúrgueres por segundo e um novo restaurante é inaugurado a cada dez horas. Cerca de 75% dos restaurantes são comandados por franqueados independentes que seguem os conceitos de trabalho estabelecidos pelo Sistema McDonalds, o que assegura o alto padrão de qualidade de produtos e serviços da rede. ”1

A empresa Walmart, “mais de 11.000 lojas ou conversa com um de nossos 2,2

milhões de funcionários em 27 países”2. A Nissan, de origem Japonesa:

“Desde que foi fundada no Japão, no ano de 1933, a Nissan se mantém firme na busca por entregar produtos com tecnologia inovadora e serviços que enriqueçam a vida das pessoas. O que no início simbolizava a premissa de uma fábrica local na cidade de Yokohama, hoje traduz a cultura organizacional que inspira os cerca de 160 mil funcionários da Nissan distribuídos nos 200 países onde a companhia atua. As 45 fábricas espalhadas ao redor do globo produzem dezenas de modelos globais e regionais que brilham nas vitrines das mais de seis mil concessionárias da marca. ” 3

Os direitos humanos também possuem grande e relevante importância na

globalização, fruto dos reclames democráticos de um conjunto de movimentos de 1A marca no mundo, disponível em: http://www.suafranquia.com/historias/mcdonald-s.html. Acesso em 30 de abril de 2016. 2Walmart no mundo <http://www.walmartbrasil.com.br/sobre/walmart-no-mundo/> Acesso em 30 de abril de 2016. 3 Nissan no mundo: www.nissan.com.br/experiencia-nissan/mundo-nissan.html Acesso em 30 de abril de 2016

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“construção histórica” (COMPARATO, 2003)em favor do total desenvolvimento do ser

humano, promovendo e instituindo um mínimo ético universal, para garantir alguns

direitos básicos, sejam civis, políticos, sociais, culturais e econômicos, e que sejam

respeitados e realizados de maneira integrada e indivisível a todos os seres humanos do

planeta Terra, absolutamente, ou seja, preservando o caráter universal.

Nas palavras de André de Carvalho Ramos, sobre direitos humanos:

“não há um ponto exato que delimite o nascimento de uma disciplina jurídica. Pelo contrário, há um processo que desemboca na consagração de diplomas normativos, com princípios e regras que dimensionam o novo ramo do Direito. No caso dos direitos humanos, o seu cerne é a luta contra a opressão e busca do bem-estar do indivíduo; consequentemente, suas ‘ideias-âncoras’ são referentes à justiça, igualdade e liberdade, cujo conteúdo impregna a vida social desde o surgimento das primeiras comunidades humanas. Nesse sentido amplo, de impregnação de valores, podemos dizer que a evolução histórica dos direitos humanos passou por fases que, ao longo dos séculos, auxiliaram a sedimentar o conceito e o regime jurídico desses direitos essenciais. A contar dos primeiros escritos das comunidades humanas ainda no século VIII a. C até o século XX d.C, são mais de vinte e oito séculos rumo à afirmação universal dos direitos humanos, que tem como marco a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948”. (RAMOS, 2014, p.31)

Até meados do século XX, havia apenas normas esparsas que traziam

referências de direitos essenciais, como na abordagem da questão sobre a escravidão no

século XIX e ainda a criação da Organização Internacional do Trabalho, que será analisada

em tópico do segundo capítulo, que auxilia desde a criação em 1919 até os dias atuais na

proteção dos direitos trabalhistas.

Contudo a globalização dos direitos humanos está associada à nova

organização da sociedade internacional no pós segunda Guerra Mundial, a fim determinar

indivisibilidade e universalidade dos direitos humanos, sendo importante esclarecer que o

reconhecimento dessa determinação não é pacífico, havendo controvérsias sobre a

vinculação dos direitos humanos estabelecidos na Declaração Universal do Direitos

Humanos. Porém, convém ressalvar que os Estados aderiram como normas internas, na

grande maioria dos indivíduos mundiais.

Valter Shuenquener considera:

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“A sociedade internacional deixa de oscilar, nas palavras de Tulio Vigevani, entre unicamente a guerra e a paz e possa a buscar incessantemente o consenso de uma realidade de perene instabilidade. Uma espécie de paz vigiada, obtida através de concessões recíprocas, tem sido comum da sociedade internacional” (ARAUJO, 2016)

Ainda com base nos ensinamentos de André Ramos:

“A universalidade dos direitos humanos consiste na atribuição desses direitos a todos os seres humanos, não importando nenhuma outra qualidade adicional, como nacionalidade, opção política, orientação sexual, credo, entre outras. A universalidade possui vinculo indissociável com o processo de internacionalização dos direitos humanos. Até a consolidação da internacionalização em sentido estrito dos direitos humanos, com a formação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, os direitos dependiam da positivação e proteção do Estado Nacional” (RAMOS, 2014, p. 89)

Nesse sentido, recorrendo às palavras de Jorge Luis Bolzan de Morais:

“a vida digna jurídico-político-psíquico-econômico-física e afetiva dos seres e de seu habitat, tanto daqueles do presente quando daqueles do porvir, surgem sempre como condição fundante de vida, impondo aos agentes político-jurídico-sociais a tarefa de agirem no sentido de permitir que a todos seja consignada a possibilidade de usufruí-los em benefício próprio em comum ao mesmo tempo” (BOLZAN MORAIS, 2011, p. 88)

Para Gustavo Oliveira Vieira:

“A universalização dos direitos humanos está para a mundialização como uma plataforma jurídica que veicula reivindicações e obrigações de ordem ética e moral que se impõe em relação aos detentores do poder político e econômico (nacional, internacional ou transnacional)- que de forma vinculante ou não-, em favor de todas as pessoas e em todos os lugares, mas principalmente, em favor dos hipossuficientes, seja econômica (invisíveis para o capitalismo transnacional anômico), política, culturalmente ou outro aspecto que iniba de algum modo o pleno desenvolvimento do ser humano, individual ou coletivamente.” (VIEIRA, 2015, p. 103)

Para Bruna Pinotti Garcia e Rafael de Lazari “(...) a universalidade não apenas

defende a proteção equivalente a todos, como também importa dizer que determinados

grupos são mais necessitados e, portanto, devem receber maiores doses de proteção por

parte do Estado. ” ( 2014, p.43)

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Para Jonh Rawls “a promoção dos direitos humanos deve ser uma preocupação

fixa da política exterior de todos os regimes justos e decentes” (RAWLS, 2001, p. 62).

Ainda que haja diversidade quanto ao capitalismo nacional, a cultura nacional e

até mesmo a economia nacional, é possível considerar o papel da dignidade da pessoa

humana de maneira expansiva, não sendo possível a limitação ao território, já que, como

analisado acima, milhares de países se compadecem com a globalização e,

consequentemente, por meio da tecnologia informativa e da economia transnacional ainda

necessitam manter, para uma harmoniosa convivência internacional, mínimas regras de

proteção aos direitos humanos.

Apesar de o Estado, na ordem de responsáveis, ser o primeiro compromissado,

admite-se uma subsidiária e complementar responsabilidade de toda comunidade

internacional e de seus organismos e indivíduos internacionais em promover a proteção dos

direitos humanos.

A carta das nações unidas no artigo 1º, item 34, prevê a cooperação

internacional para resolver os problemas internacionais de qualquer caráter, promovendo e

estimulando o respeito aos direitos humanos.

Para fins de exemplificação, a própria República Federativa do Brasil é

signatária da Carta das Nações Unidas pelo decreto nº. 19.841, de 22 de outubro de 1945,

os Estados Unidos da América em 24 de outubro de 1945, Japão em 18 de dezembro de

1956, China em 24 de outubro de 1945, dentre outros 193 países5.

Os estados soberanos, igualmente livres e independentes, estão sujeitos aos

tratados internacionais. O direito internacional interfere nos estados internamente

apontando para a prevalência e observância dos direitos humanos. A soberania traz um

conceito ao mesmo tempo jurídico e político, podendo observar os problemas do direito e

do Estado. As relações entre os Estados devem ser regidas por regras de direito,

estabelecendo uma ampla cooperação. 4Capítulo I- OBJETIVOS E PRINCÍPIOS. Artigo 1º-Os objetivos das Nações Unidas são: 3- Realizar a cooperação internacional, resolvendo os problemas internacionais de carácter económico, social, cultural ou humanitário, promovendo e estimulando o respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; 5 Países membros da ONU -<https://nacoesunidas.org/conheca/paises-membros/#paisesMembros3>, acesso em 30 de abril de 2016

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No entanto, os Estados, submetidos ao direito das gentes, detinham, pode-se

dizer que até hoje alguns detém, a guerra como a maneira de impor os argumentos,

possibilitando a chamada guerra lícita, sendo a guerra um critério de identificação do

Estado, possibilitando que a força se sobreponha ao direito, porém sem permitir massacres

e enaltecer a violência.

Considerando a igualdade entre os Estados como sujeitos igualmente

soberanos, há uma discrepância, já que existem potências mundiais, e harmonizar esses

sujeitos ao direito e à guerra justa, torna-se matéria do direito internacional, que se

encontra na base da soberania externa.

Segundo Ferrajoli:

“a ideia da igualdade dos Estados como sujeitos igualmente soberanos está em contraste com aquela de sujeição ao direito e, ao mesmo tempo, é desmentida pelas suas desigualdades concretas e pelo papel dominante das grandes potências; os direitos naturais do Estados, desde o iuscommunicationis ao iuscommercci, embora sendo abstratamente iguais, revelam-se concretamente assimétricos e desiguais, a ponto de se converterem no direito de colonização e conquista dos países do Segundo e depois do Terceiro Mundo, por obra daqueles do Primeiro; finalmente a doutrina da guerra justa como sanção e atuação do direito não se sustenta ante a lógica da guerra enquanto violência ilimitada e incontrolável, por sua natureza em contraste com o mesmo direito.” (FERRAJOLI, 2002 p.17)

Nas palavras de Simone Goyard- Fabre:

“Se é verdade que, a partir de Grotius, a ampliação do direito político, submetendo a guerra ao direito, até mesmo colocando-a fora da lei, tem a finalidade essencial de tender para a paz e para a segurança do mundo, não se poderia deduzir disso que ele se apresenta num horizonte de uma utopia pacifista ou de uma filantropia universal. ” (FABRE, 2002, p. 450)

A paz mundial exige o fim dos conflitos armados, não sendo possível um

estatuto que ponha fim a toda e qualquer prática de conflito, mas uma organização jurídica

da coexistência dos Estados, que exija a paz entre os povos.

O tema ultrapassa as fronteiras da soberania de Estado e evoca a tomada de

decisões por parte de toda a comunidade internacional. No tópico seguinte do presente

trabalho, será analisada a soberania sob a perspectiva interna e externa, reforçando a

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influência dos direitos humanos, fundamentais não somente no ordenamento interno, mas

também sob uma análise mundial, internacional e transnacional.

1.2- Soberania: conceito

Não se almeja aqui apresentar um contexto histórico sobre a valiosa e

respeitada origem do termo soberania, nem abordar as diversas facetas históricas para

defender o detentor da soberania, mas apenas permitir a problematização do conceito, cujo

uso ainda é recorrente.

O vocábulo soberania tem etimologia do latim, superanus6. O conceito de

soberania é tradicionalmente associado ao pensamento de Jean Bodin, que formulou a ideia

de “potência absoluta e perpétua de uma república” (BODIN, apud KRITSCH, 2002,

p.13). Jean Bodin ao lado de Maquiavel e Hobbes propõem o fortalecimento do Estado,

porém, para Bodin, o estado fortalecido necessita passar pelo direito.

O caráter absoluto dos principados apoiado em raízes seculares não apresentou

uma definição satisfatória, já que a sujeição dos príncipes aos diversos limites da soberania

não pode ser negada, como, por exemplo, as leis naturais e leis divinas. O “reto governo”

(BODIN, apud OLIVEIRA, 2010, p.89) é aquele que observa e reverência aos limites dos

direitos naturais.

O conceito jurídico-histórico de soberania surge, pouco a pouco, com dois

elementos determinantes: de um lado a fragmentação da Europa em estados nacionais, que

desmembram a República Christiana7, se opondo ao imperador e, de outro lado, novos

Estados com o poder acima do Senado e do parlamento. (FABRE, 2002, p.120).

6 O termo nos oferece a ideia de um grau supremo de hierarquia política, de um poder supremo que não reconhece outro acima (suprema postestassuperiorem non recognoscens) ARAUJO, Valter Shuenquener de, 2016, p. 1-2. 7 Face aos conflitos entre o Império e o Papado e já depois da divisioregnorum, surgiram teorias visando o restabelecimento da unidade dessa respublicafidelium, conforme a expressão de Roger Bacon. Começa então a visualizar-se uma entidade integradora supra regna, onde, de um lado, estão aqueles que podemos qualificar como os projectistas da paz universal, herdeiros dos defensores da monarquia papal universal e antecessores dos chamados mundialistas, e, do outro, os defensores do Império, da instauração de uma monarquia universal pelo imperador. Se os primeiros apenas advogam o recurso a meras instituições do antigo direito das gentes, utilizando o método clássico da arbitragem ou o recurso a associações de unidades políticas autónomas, destinadas a proibir o recurso à força, já os segundos apostam na criação de uma autoridade temporal superior às unidades políticas particulares.

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O discurso de Bodin à La republique a Mons Du Faur, vale lembrar, pela sua

atualidade, a bela metáfora da Nave – República:

“Enquanto a nave de nossa República tinha na popa o vento agradável, só se pensava em fruir um repouso firme e garantido, com todas as farsas, pantomimas e disfarces que podem ser imaginados pelos homens inebriados por todas as espécies de prazeres. Mas desde que a tempestade impetuosa passou a atormentar a nave de nossa República com tal violência que o próprio capitão de pilotos estão como que cansados e extenuados por um trabalho contínuo, é preciso que os passageiros lhes deem uma ajuda, quer nas velas, quer nos cordames, quer na âncora e, àqueles a quem faltar a força, que deem algum conselho”8

Para Bodin a soberania revela três características: potência de comando,

perpetua e absoluta. (BODIN apud FABRE, 2002, p. 130). Enfatizando a terceira

característica, quanto à soberania ser absoluta, significa “dar leis a todos em geral e a cada

um em particular. ” (ibid., p. 133), logo, todos os outros direitos encontram-se abrangidos

por essa característica primordial. Assim, retomando a metáfora na nave república, para

Bodin a independência da potência soberana exclui consultas e dispensas, não há qualquer

participação do Senado ou qualquer outra assembleia nas decisões do poder soberano,

esclarece Bodin, ainda, que haja situações excepcionais, será por meio da liberdade que o

soberano decidirá.

Carl Schimidt acrescenta que “É soberano aquele que decide até mesmo

numa situação excepcional” (ibid. p. 135). Para Bodin, ainda preso à visão de soberania

como atributo do governante, na nave república, “o soberano é realmente o único senhor a

Os projectistas da paz são assim herdeiros da unificação promovida pela Igreja na res publica christiana, geradora de um direito das gentes cristão que, segundo Truyol Serra, introduziu três importantes novidades: primeiro, quando veio adoçar e limitar o direito de guerra, tanto pela difusão do ideal da cavalaria, como pelo estabelecimento de instituições como a paz de Deus e a trégua de Deus que, ou impediam atos de guerra em certos dias, ou punham ao abrigo da guerra certos grupos da população; segundo, quando instituiu a arbitragem, uma instituição diversa da simples mediação, dado que o árbitro já tinha de cingir-se ao direito, enquanto o mediador podia atuar conforme a equidade, e fez do papado uma instância arbitral permanente; terceiro, quando, promoveu a reunião de concílios, participados por eclesiásticos e leigos, que não se limitavam apenas à discussão de questões teológicas e que também promoviam arbitragens .Utilizando uma linguagem atual, diremos que os primeiros apenas defendem um fenómeno de organização internacional, apenas susceptível de atuar inter-estadualmente, enquanto os segundos já advogam a integração internacional, de carácter transnacional. (http://www.iscsp.ulisboa.pt/~cepp/teoria_das_relacoes_internacionais/a_respublica_christiana.htm, consulta em 19/07/2016) 8Lessix livres de laRépublique (ed. Du Puys, 1583; reed. ScientiaAalen, 1961), prefácio, p. aij.

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bordo, porém só o é abaixo de Deus”. (ibid. p. 138). Fica claro, contudo, que para Bodin a

República é toda ordem dos desígnios de Deus.

Nas palavras de Fabre, sobre a teoria de Bodin, considera que:

“Sua obra inteira tende a mostrar que o direito de soberania, em razão do lugar que ocupa no vastotheatrumnaturae, é o índice das exigências metajurídicas, ao mesmo tempo éticas e ontológicas, de toda a ordem jurídica das repúblicas. (...) Ninguém, e sobretudo não o soberano, pode derrogar “sem crime” esse requisito que, para todos os povos, tem um caráter “santo e inviolável”. Tal como declara a epístola dedicatória do Universo naturaetheatrum, a vontade de Deus é, no todo do mundo, a norma sagrada de qualquer ação” (ipid, p. 140-141).

Ainda na tentativa de apresentar um conceito satisfatório, tem, em sentido

amplo, o conceito político- jurídico de soberania que:

“indica o poder de mando de última instância, numa sociedade política e consequentemente, a diferença entre esta e as demais associações humanas em cuja organização não se encontra este poder supremo, exclusivo e não derivado. Este conceito está, pois, intimamente ligado ao de poder político: de fato a Soberania pretende ser a racionalização jurídica do poder, no sentido da transformação da força em poder legítimo, do poder de fato em poder de direito. Obviamente, são diferentes as formas de caracterização da Soberania, de acordo com as diferentes formas de organização do poder que ocorreram na história humana: em todas ela é possível sempre identificar uma autoridade suprema, mesmo que, na prática, esta autoridade se explicite ou venha a ser exercida de modos bastante diferentes. (BOBBIO,1998, p. 1179)

A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789,

dedica o artigo 3º à soberania, ditando que “o princípio de toda soberania reside

essencialmente na nação. Nenhum órgão, nenhum indivíduo pode exercer uma autoridade

que não emane dela expressamente”. A constituição francesa, aprovada em 3 de setembro

de 1791, considera a soberania una, indivisível, inalienável e imprescritível, onde nenhuma

seção do povo, nenhum indivíduo pode atribuir-lhe o exercício.

Para Rousseau a soberania é “povo como corpo”9e segundo Sieyés é a

“soberania nacional” (FABRE, 2002, p. 183). A soberania do povo exclui a

9 A ideia que Rousseau tem da soberania esta evidentemente ligada à sua concepção do contrato social, isto é, ao “ato pelo qual um povo é um povo”. O pacto social faz nascer à vontade geral própria desse “corpo moral e coletivo” que é o “eu comum” da República, chamado Estado quando é passivo, soberano quando é ativo e

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representatividade, enquanto pelo entendimento de Sieyes existe a representatividade, uma

espécie de democracia, considerando ainda esse último que “O povo não pode ter outra voz

senão a de seus representantes, ele só pode falar, só pode agir por meio deles”. Apesar de

divergirem sobre a ideia de representação, convergem para ideia de que a soberania

pertence ao povo. Segundo Rousseau “os homens não podem colocar a lei acima dos

homens” (FABRE, 2002, p. 186).

Outro autor importante na construção do conceito de soberania foi Francisco de

Vitoria, espanhol, que viveu na época da conquista de novas terras, como na colonização

americana, trazendo em sua teorização sobre soberania do estado a soberania universal do

império e da igreja para fundar as conquistas das terras dos índios infiéis e pecadores.

(FERRAJOLI, 2002, p.6).

A integração na ordem internacional é tão notória que as gestões em um estado

refletem nos demais. Os Estados soberanos, individualmente, não mais podem satisfazer as

exigências dos dias atuais na solução dos problemas. Eles se aproximam nas áreas de

interesses comuns, delegando cada vez mais poderes às organizações financeiras, o que

acelera suas integrações, em detrimento de parcela de suas soberanias (JAPIASSÚ, 2004,

p. 132)

Para Augusto Zimmermann, a correta referência de soberania seria “autonomia

estatais” (ZIMMERMANN, 1999, p. 19), decorrentes dos poderes interdependentes entre

os integrantes da sociedade internacional e complementares às organizações internacionais.

O conceito de soberania sofreu atenuações com o advento da globalização e o

reconhecimento como inegável da existência de uma ética e valores globais. O comércio e

inovações tecnológicas aproximaram os países longínquos. “O progresso da mundialização

tem feito da interdependência um princípio ativo de jogo internacional que contradiz

diretamente a própria ideia de soberania” (BAIDE BERTRAND apud ARAUJO, 2016, p.

30)

A Constituição da República Federativa do Brasil, por exemplo, tem como um

dos fundamentos a soberania, caracterizando o poder político supremo do Estado

potência quando é comparado com seus semelhantes. FABRE, Simone Goyade -Os princípios filosóficos do direito político moderno, p. 180.

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brasileiro. Miguel Reale conceitua soberania no aspecto político apontando pela

superioridade, compreendendo os conceitos sociais, jurídicos e políticos do poder,

conceituando da seguinte forma “o poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer

dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites e fins éticos de

convivência” (REALE apud DALLARI, 2000, p.80).

Traçado, com a superficialidade que bastava, para melhor aclarar a evolução do

conceito de soberania, é necessário, ainda, destacar a conexão entre a teoria do direito e a

teoria do poder. A despeito da força piramidal para representar a ordem jurídica e política

estatal, não há uma unanimidade que aponte o topo da pirâmide como sendo o poder, nem

uma unanimidade como sendo a norma.

Outra problematização relevante é quanto às facetas da soberania, que pode ser

analisada sobre a perspectiva interna e a externa. A interna determina a autonomia local,

com organismos intermediários com o intuito de mediador político entre os indivíduos e o

Estado, eliminando os conflitos internos, a fim de manter a paz para enfrentar a arena

internacional. A externa, após as duas guerras mundiais, alcançou o ápice, cabendo ao

soberano decidir acerca da guerra e da paz, disciplinando e racionalizando através da

elaboração dos tratados internacional e do direito internacional.

O tema aqui não se resume somente à questão poder e norma no plano do

direito interno, mas também no plano do direito internacional, que por meio da Carta da

Organização das Nações Unidas, de 1945, e pela Declaração Universal dos Direitos do

Homem, de 1948, trouxeram maiores indagações.

O soberano, a nível interno, possuía uma posição de absoluta supremacia, uma

vez que tinha abaixo de si os súditos, obrigados à obediência, porém, com o nascimento do

Estado Liberal e com as sucessivas cartas constitucionais, tal situação desencadeou a

relação entre Estado e cidadão, de modo que ambos possuíssem as soberanias limitadas,

reforçasse-se a soberania popular e a soberania nacional que, paralelamente, sustentam a

soberania estatal.

E a nível externo, os outros soberanos são seus pares, encontrando-se todos

numa posição de absoluta igualdade. A soberania externa funda-se em duas normas

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fundamentais: a paz e a tutela dos direitos humanos, podendo ser vista como um “contrato

social internacional” (FERRAJOLI, 2002, p. 40).

Apesar do conceito de soberania ser algo clássico e aparecer para alguns

autores desde a idade média, há que se rever o conceito empregado, como sustenta Hans

Kelsen, “conceito de soberania deve ser radicalmente mudado. É esta a revolução da

consciência cultural da qual necessitamos em primeiro lugar” (KELSEN, 1920 apud

FERRAJOLI, 2002, P.4).

Não há mais como deixar de lado a globalização econômica, o sistema social

com a pluralização dos âmbitos sociais, a fragmentação dos interesses, o pluralismo das

fontes do direito, a multiplicidade das formas de poder, entre outros diversos pretensos a

ocupar a posição de soberano.

O conceito de soberania, no presente século, está em crise, quer seja na prática

quer seja na teoria, devendo ser revisto. Na teoria, com as concepções constitucionalistas, e

na prática, como já acima exposto, com o fenômeno da globalização, a colaboração

internacional é mais cobrada e as comunidades supranacionais também.

A internacionalização do direito político foi uma das preocupações do século

XIX, sobretudo, após a primeira e a segunda guerra mundial, em que os esforços da

comunidade internacional ganharam maior força. Há a criação de diversas instituições,

Fundo Monetário internacional, Organização Internacional do Trabalho, Organização

Mundial da saúde entre outras.

Nesse sentido, não há como esquivar da relativização do conceito clássico de

soberania como poder absoluto e de última instância, especialmente com relação aos

limites impostos pelos tratados internacionais de direitos humanos, especificamente as

convenções internacionais do trabalho e a globalização econômica.

A convivência da soberania dos Estados com instâncias de poder mundiais ou

regionais ainda é delicada. Destaque-se que a relativização do conceito de soberania entrou

no debate que culminou no dia 23 de junho de 2016, com a decisão do Reino Unido de sair

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da União Europeia, episódio que tem sido chamando de Brexit10, derivado das palavras

Britain (Bretanha) e Exit (saída).

Antes de adentrar a polêmica sobre o conceito de soberania entre o clássico

significado e relativização do poder, é importante questionar se a entrada do Reino Unido

na União Europeia foi mera formalidade.

Em 2009, implementa o Tratado de Lisboa, o bloco ganha personalidade

jurídica própria e a União passa a substituir a comunidade. Rogério Nascimento considera

que:

“A integração europeia forjou uma ordem jurídica própria, autônoma, distinta e hierarquicamente superior às ordens internas. O direito comum europeu exige interpretação e aplicação uniforme, assegurada pelos poderes comunitários, constituídos de modo democrático” (NASCIMENTO, R. 2011, p. 203)

O Reino Unido assegura garantias na Carta dos Direito Humanos e

flexibilidade jurídica, afastando-se da cúpula. Em 2011, no auge da crise econômica,

reascende a relação entre Londres e Bruxelas. Uma revolta interna bloqueia propostas

europeias de regulação fiscal e o Reino Unido fica de lado, apontando para o BREXIT. Em

2016, o Reino Unido consegue limites à concessão de imigrantes e garantias de parceiros

de fora da zona euro; inicia o referendo e, em votação apertada, ganha a saída do Reino

Unido da União Europeia. Esse casamento nunca foi fácil, marcado com hostilidade, fruto

de um passado resistente.

No entanto, há uma grande divergência mundial, que ainda não aponta para o

retorno do conceito clássico de poder absoluto, mas nem para relativização definitiva de

soberania.

10 A adesão do Reino Unido à inicialmente chamada CEE-Comunidade Econômica Europeia, após anos e anos de negociações, ocorreu em 1973, porém, em 1975, o primeiro referendo10 foi realizado, agora, em 2016, conhecido por ‘brexit’. Em 1984, o povo do Reino Unido exige uma revisão, no governo de Margaret Thatcher, do contrato celebrado em 1973 com a CEE, já que considerou haver injustiças políticas agrícolas10 que beneficiava a França. Em novembro de 1993, foi assinado o tratado de Maastricht, que vem dar origem à União Europeia, apresentando a moeda única, o que não foi aceito pelos britânicos, negociando outras matérias, tais como salários, saúde e segurança. O Tesouro britânico conclui em 2003 não ser prudente a adesão ao euro. Com a crise de 2008 e a liberdade que uma moeda própria lhe garantia, o Reino Unido pôde reagir mais rápido ao rolar da bola de neve do que os parceiros europeus, “presos” a uma moeda comum e obrigados a negociar estratégias económicas em vários idiomas.

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“Em vários lugares há uma resistência à centralização do poder em Bruxelas [capital da Bélgica e da União Europeia] e às decisões da UE em um momento de crise econômica, que tirariam poder dos parlamentos regionais”, afirmou o cientista político Joviniano Neto, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Para Joviniano Neto, há uma tendência conservadora dos países diante da crise mundial de seguir a ideia nacionalista do fechamento de fronteira, de valorizar as fronteiras nacionais e defender maior autonomia. (...) ‘São vários tipos de reação. Há a tendência que pode ser progressista de esquerda, que é o caso da Espanha, de repensar os termos em que o Estado está funcionando. Todos procurando dar resposta à crise atual’. Ele explicou ainda que, no caso da China, também há uma reorganização para o desenvolvimento da economia interna, mas sem levar à ideia de fechamento de fronteiras, já que há muito a expandir com uma população de um bilhão de pessoas” (AGENCIA BRASIL. ebc 2016)

Nesse sentido, diante do acontecimento europeu, não se pode negar um

possível recuo dos estados, com garantias nacionalistas, no entanto o fechamento de

fronteiras seria inviável diante da necessidade econômica e a interdependência entre os

estados, até porque não seria crível, a partir da secessão do Reino Unido da União

Europeia, retroceder ao processo de relativização da soberania, prevalecendo unicamente a

relação nacionalista.

Ives Gandra da Silva Martins, no ano de 1996, publicou o livro “Uma Visão do

Mundo Contemporâneo", prognosticando as dificuldades na formulação de políticas

econômicas conjuntas, tendo em vista administradores tão diferentes “Há muito que fazer

para tornar tais espaços multirregionais um instrumento de real desenvolvimento e não de

atritos e descompassos econômicos. ” (MARTINS, 1996, p. 30)

Acrescenta ainda, Ives Gandra Martins, os limites entre os direitos do Estado e

os direitos do cidadão num Estado de Direito, já que um quinto da população mundial vive

em um único país, em que não há liberdade, nem direitos individuais, a China:

“A globalização da Economia começa a alterar o perfil dos Estados, ditatoriais ou democráticos, com riscos maiores para os Estados ditatoriais, mesmo aqueles que têm mercado de tal envergadura que o mundo inteiro por ele se interessa. O justo equilíbrio entre o Direito do Estado e o Estado de Direito vincula-se, todavia, a outra faceta que impõe reflexão crescente sobre a forma do Estado, qual seja, a do Estado Federativo ou do Estado Unitário e, mais do que isto, sobre o papel das comunidades ou dos municípios como elemento de estabilização nas relações entre o

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Estado mantenedor da ordem e garantidor da liberdade e a sociedade. ” (ibi idem, p. 115)

Ives Gandra Martins, em 2016, considera que a visão e contradição das

políticas econômicas precisam ser avaliadas. Há um problema bastante complexo: de um

lado, a insatisfação de uma grande quantidade de pessoas com a atual estrutura da União

Europeia e, do outro, a redução da soberania dos países membros, que é essencial para a

estrutura do direito comunitário.

“Verifica-se, em verdade, como muito complicada a atual estrutura da União Europeia, em que ideais políticos, econômicos e culturais são tão diferentes. Há uma grande distinção da forma de pensar dos britânicos, mais adeptos à liberdade e menos afeitos às intervenções estatais, e os franceses, os mais vinculados às ideias socialistas, bem como os alemães, um tanto idealistas. A expectativa que se tem é uma insegurança em todos os níveis, especialmente política e economicamente. A conclusão do BREXIT ainda não foi definida totalmente. Trata-se de um “processo", e não um ato", pois envolve: i) negociações entre a União Europeia e o Reino Unido; ii) no primeiro trimestre de 2017, o Reino Unido deverá notificar formalmente a União Europeia, acatando o referendo de 2016; iii) possibilidade de formalização de tratados bilaterais e regimes especiais de tributação e de regulação; iv) as negociações podem permanecer por 2 (dois) anos, as quais podem incluir a permanência do Reino Unido na “EuropeanEconomicArea", baseada nas 4 (quatro) liberdades fundamentais da União (capital, trabalho, mercadorias e serviços).Uma coisa parece certa: o Reino Unido terá consequências econômicas evidentes. Por isso já anunciou o corte de tributos sobre as empresas ("CorporateTax") que foi amplamente criticado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e pela França e Alemanha, que afirmam que a prática britânica se revela como uma medida de "guerra fiscal internacional". Enquanto as empresas no Reino Unido passarão a pagar 17% ou 15% de “Corporate Tax", o mesmo tributo na França chega a 33% e 30% na Alemanha. Ou seja, o tema da concorrência fiscal" ganha contornos atuais com a concessão de incentivos fiscais como moeda de troca na atração de investimentos e capital e na negociação da saída do Reino Unido da União Europeia”. (MARTINS, 2016)

O Brexit traz reflexões sobre o gasto público e sobre o conceito de soberania,

que perdeu espaço em face da liberalização do comércio internacional, a “integração"(ibi

idem) passa por mudanças.

A soberania, a partir do Brexit, carece de muito debate, estando ainda a traçar

novos estudos diante dos acontecimentos, porém, não prejudica a criação do tribunal

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internacional do trabalho, objetivo do presente trabalho, pois os fundamentos que

permitem a criação levam em consideração outras questões: economia, globalização, OIT e

o transconstitucionalismo.

1.3-Soberania e a economia.

Convém ainda, antes de prosseguir, correlacionar o tema da soberania com os

desafios do estado frente à economia e à globalização. A globalização e a necessidade da

inserção e manutenção das relações internacionais rumo ao desenvolvimento estatal

privilegiam adoção de medidas de mercado baseadas em manobras internacionais.

A globalização é entendida como a “difusão espacial em escala global”, mas,

sob a ótica da economia, a difusão é unilateral, uniformizadora e não pluralista, exprimindo

a lei do mais forte (MARTY, 2003, p. 9), diferentemente, a uma primeira vista, dos direitos

humanos, por desempenharem um efeito universal.

No passado, não era tão visível, hoje, encontra-se em passos largos o caminho

da globalização, por meio da comunicação e tecnologias de comunicação, ultrapassando os

limites nacionais.

A internacionalização de atividades econômicas com alastramento das

empresas multinacionais teve maior importância na década de 50 e início de 60. Na década

de 70, a difusão global das multinacionais provocou a adoção de condutas pelo sistema das

Nações Unidas e outros organismos internacionais. Na década de 80, surgiu nova

tecnologia de informação, possibilitando às empresas funcionarem mundialmente e em

tempo real.

Um bom exemplo do ocorrido é o slogan da empresa ABB-“A arte de ser local

em âmbito mundial” (TAPIOLA, 1999, p.6) - aproximando o local do mundial e trazendo

mais complexidade aos vínculos nacionais.

Assim, o modelo estrangeiro referente a uma nacionalidade, difundiu-se ao

ponto de analisar uma economia universal de mercado, provocando a exportação de um

modelo nacional, possibilitando um modelo jurídico único, onde o mais potente se

sobrepõe ao menos potente.

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“O mercado substitui a nação, impõe-se ao Estado, torna-se direito”

(MAZÉRES apud MARTY, 2003, p. 17)

O papel desempenhado pelo mercado depende do que eles podem fazer, mas

também do que lhes são permitidos fazer. Para Amartya Sem:

“Existem muitas pessoas cujos interesses são bem atendidos por um funcionamento desimpedido do mercado, porém também há grupos cujos interesses estabelecidos podem ser prejudicados por esse funcionamento. Se estes últimos forem politicamente mais poderosos e influentes, podem então tentar fazer com que os mercados não recebam um espaço adequado na economia. Esse pode ser um problema particularmente sério quando prosperam- apesar de ineficiência e vários tipos de inépcia- unidades de produção monopolistas, graças a estarem isoladas da concorrência interna ou externa. ” (SEN, 2007, p.145)

Adam Smith escreveu, manifestando-se de maneira acusatória e desmascarou a

defesa da tese dos benefícios sociais advindos da proibição à concorrência:

“O interesse dos negociantes, contudo, em qualquer ramo específico do comércio ou manufatura, é sempre, em alguns aspectos, diferente do interesse público, e até mesmo oposto. Ampliar o mercado e reduzir a competição é sempre o interesse dos negociantes. A ampliação do mercado pode com frequência ser suficientemente condizente com o interesse do público; mas a redução da competência há de ser sempre contrária a esse interesse, e somente pode servir para permitir aos negociantes, elevando seus lucros acima do que seria o natural, extorquir em benefício próprio um ônus absurdo do resto de seus concidadãos. A proposta para qualquer nova lei ou regulamentação de comércio proveniente dessa categoria deve ser sempre ouvida com grande cautela, e jamais se deve adotá-la antes de um longo e minucioso exame, com uma atenção não só extremamente escrupulosa, mas imensamente desconfiada” (SMITH apud SEN, 2007, p.147-148)

Apesar do progresso, do desenvolvimento e do crescimento econômico não foi

possível resolver os problemas históricos da humanidade, tais como miséria, desemprego,

ignorância e falta de solidariedade, visto que os anseios sociais não são meramente de

cunho econômico.

A globalização não é um mero fenômeno econômico, devendo ser analisada

também pelo ponto de vista político, já que aproxima a grande maioria dos Estados

soberanos em torno de objetivos e interesses comuns.

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O processo econômico da globalização fortalece as relações econômicas a nível

mundial, restando tímida a polarização econômica. Todos os agentes, estado, governo e

sociedade despertam para participar do fenômeno econômico. Ainda que haja

fragmentação interna por diversos motivos, o mercado se torna um centralizador.

O pluralismo de justaposição leva ao relativismo dos direitos humanos, criando

a lei do mais forte para a economia, possibilitando que efeitos internos, de estados

potencialmente reconhecidos, interfiram no mercado mundial, como ocorreu com a crise

econômica nos EUA, em 2008. Assim, todo o mundo se torna refém de potências

consagradas e desaparece a igualdade dos estados soberanos no âmbito internacional,

desponta uma sociedade generalizada.

E de outro lado, todos os Estados soberanos buscam os próprios direitos

humanos, com ideologia plural, porém, não podendo esquecer a universalidade dos direitos

humanos, como apontados no item anterior deste trabalho.

Tem-se um novo processo na atualidade, a economia passa a ser o foco,

sobrepondo a sociologia, política, como se pode ver na síntese das explicações de

Boaventura Santos:

a) economia subordinada pelo sistema financeiro e pelo investimento; b) produção flexibilizada e multilocal; c) redução a baixo custo os gastos com transporte; d) processos de produção flexíveis e multilocais; e) influência das tecnologias de informação e de comunicação; f) desregulação das economias nacionais; g) hegemonia das agências financeiras multilaterais como o FMI - Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial; h) emergência do capitalismo norte americano com privilégios nas relações comerciais com o Canadá, México e América Latina; i) a emergência do capitalismo japonês com iguais relações de privilégio comercial com Cingapura, Coreia do Sul, Taiwan e Hong Kong e os restante da Ásia; j) a emergência do capitalismo europeu fundado na União Europeia e relações privilegiadas desta com a Europa de Leste e com o Norte de África. (SANTOS, apud PETERMANN, 2015 p. 1273)

A economia atual permite ao estado observar o poder do processo econômico

exercido sobre o Estado nação. O Estado não pode afastar a soberania a ele inerente, no

entanto, o clássico conceito merece ser revisto, já que a quebra dos limites e a

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subordinação ao mercado mundial é notória e necessária para a sociedade política, civil e

jurídica.

Com efeito, como adverte Norberto BOBBIO

Se a globalização de mercados está acabando com a ideia tradicional de Estado-nação, deve-se fazer uma recomposição da ideia de Estado e de seus objetivos. Tal há de se dar assim, em tomo dos direitos humanos, voltando-se para uma soberania de um Estado garantidor do ser humano, garantidor das heterogeneidades e das possibilidades econômico-sociais de que cada um e todos possam desenvolver as suas singularidades. (BOBBIO, apud PETERMANN, 2015 p. 1281)

É importante resguardar a universalização dos direitos humanos e sociais,

porém há que se ressaltar a indivisibilidade desses direitos e esclarecer que a hierarquia de

valores não se distancia da indivisibilidade, não podendo colocar o direito econômico

como um vilão e afasta-lo dos direitos humanos.

A Declaração da Organização Internacional do Trabalho Sobre os Princípios e

Direitos Fundamentais no Trabalho lutam com intuito de aproximar economia e direito,

como se pode ver trecho da declaração:

Considerando que o crescimento econômico é essencial, mas insuficiente, para assegurar a equidade, o progresso social e a erradicação da pobreza, o que configura a necessidade de que a OIT promova políticas sociais sólidas, a justiça e instituições democráticas; Considerando que numa situação de crescente interdependência econômica urge reafirmar a permanência dos princípios e direitos fundamentais inscritos na Constituição da Organização, assim como promover sua aplicação universal; (MARTINS, 2013, p. 610)

Se os direitos humanos aparecem como nossa bússola, a economia é o

verdadeiro motor da mundialização (MARTY, 2003, p. 3), logo, não há que se falar

somente em direitos sociais, culturais, políticos ou civis e deixar de lado o direito

econômico, como integrante do rol dos direitos interdependentes e dotados de unidade.

A sociedade local idealiza e busca a fragmentação, fortalecendo direitos

individuais, consagrando identidades complexas e heterogêneas, que se desvinculam de

uma possível sociedade mundial.

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Ocorre que, os direitos do homem, especialmente social, trabalhista e

econômico, ressaltados neste trabalho, estão apresentando dinâmica inversa, pois a ideia é

a universalização.

Se o mercado consegue sobrepor as margens locais, ter acesso em todo e

qualquer local, sem preocupar com as barreiras nacionais, não é utópica a ideologia dos

demais direitos possuírem tal irradiação, deixando de lado o empecilho da fragmentação e

heterogenia das comunidades locais.

A soberania deve ser revista no tocante à semântica original, de poder supremo,

pois os tempos são outros e o Estado, detentor de igual poder dos demais estados

soberanos, não pode retroceder para dissociarem e criar núcleos singulares, abrindo mão do

global, até porque esse é um caminho sem volta.

O mercado mundial está aberto, os reflexos são constantes e não mais graduais.

O processo econômico se impõe em toda e qualquer comunidade, ditando regras para

comercialização, desenvolvimento, comunicação e informação. Os organismos

internacionais promovem a busca do desenvolvimento dos estados membros, ditando

regras que devem ser atacadas sem reservas, reduzindo a soberania do estado.

O Estado brasileiro, por exemplo, ainda que constitucionalmente independente

como o é, que possua a ordem econômica com fundamento na valorização do trabalho

humano e na livre iniciativa, e calcada no princípio da soberania nacional, como

regulamentado pelo artigo 170, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil,

deve caminhar para o ideal de um cidadão universal, possibilitando a convivência sob os

ditames da justiça social e uma existência digna.

A economia dita o mercado, por consequência, o desenvolvimento, a

comunicação e o direito, por esse motivo há que se analisar a possibilidade de uma

integração mundial, baseada em direitos comuns, já que há relações assimétricas, em que

de um lado países ricos dominam países pobres.

A crise da soberania afeta o alicerce dos estados, deslegitimando a soberania

interna, pois a economia reflete na fragmentação da sociedade, cada vez mais carecedora

de direitos e impulsiona processos desagregadores, engatilhando movimentos violentos,

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mas essa crise também deslegitima a soberania externa, que trata da igualdade entre os

estados no âmbito internacional; a prevalência de alguns países sobre outros é nítida.

Descreve Luigi Ferrajoli observações sobre o estado:

O Estado já demasiadamente grande para as coisas pequenas e demasiado pequeno para as coisas grandes. É grande demais para a maioria das suas atuais funções administrativas, as quais exigem, até mesmo onde os impulsos desagregadores ou separatistas não atuam, formas de autonomia e de organização federal que contrastam com os velhos moldes centralizadores. (FERRAJOLI, 2003, p. 51).

Diante desse quadro, é importante repensar a identidade dos integrantes da

comunidade mundial, já que a diversidade e heterogeneidade são notórias, não sendo

razoável nem desejável esquecê-las ou desconsiderá-las, mas lembrando-se de que a

diversidade e heterogeneidade não se opõe a unidade.

E a unidade pode vir a relativizar a soberania, e que assim seja feito, se for para

alcançar um espaço mundial com uma economia capaz de integrar a comunidade mundial,

pois é mais satisfatória uma soberania moderada, do que legitimar um estado soberano

dotado de poder e cheio de si próprio, que não respeita a racionalidade e a identidade com

diversidade.

Esse ponto também é de grande importância para embasar o presente trabalho,

permitir que as empresas que ignoram a soberania, buscando o lucro e o mercado

transnacional, possam ser limitadas, respeitando os direitos humanos sociais do trabalho, já

que para garantir a produção necessita da mão de obra obreira, porém devendo esta ser

digna.

Os organismos internacionais são respostas às atrocidades aos direitos dos

indivíduos, buscando, por meio do direito internacional, ampliação do alcance e respeito a

esses direitos, e o Estado, apesar do detentor do poder político, necessita, de maneira

complementar, do auxílio de tribunais internacionais, especialmente para o presente

estudo, um tribunal do trabalho que julgue a figura do empregador, pois a jurisdição

internacional poderá limitar mercados, no caso de grave violação dos direitos humanos

previstos nas convenções internacionais do Trabalho.

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Para demonstrar alguns organismos internacionais, além da OIT e

outros, no próximo item, serão apresentados a ONU e a OEA, que possuem tribunais

internacionais, porém punem somente os Estados nacionais.

2- PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

2.1- Organismos Internacionais (ONU e OEA) e os Respectivos Tribunais Internacionais

O Estado Constitucional democrático, ainda com toda a complexidade e

dificuldade, atua como limitador jurídico do poder político e busca pacificar as relações

jurídicas. No entanto, o cenário contemporâneo, o sistema de Estados independentes sofreu

uma mudança estrutural e a sociedade mundial tornou-se mais interdependente.

A sociedade internacional é importante para as reflexões contemporâneas, mas

não está por fim no Estado Constitucional. Rogerio Nascimento enfatiza:

“Evidente que a criação da ONU, a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos Pactos regionais de direitos, o surgimento de outros organismos internacionais temáticos ou regionais, a criação de tribunais internacionais ad hoc e do Tribunal Penal Internacional, as ameaças de sanções para guerras de agressão e para crimes contra humanidade, muito, enfim, do que na prática representa limite ao princípio da não-intervenção, foi, em grande medida, uma resposta às experiências moralmente significativas do século, especialmente ao holocausto e aos totalitarismos. Todavia, o Estado segue essencial, pois, não há um procedimento institucionalizado e democrático de solução de conflitos fora da sua órbita. Há uma sub institucionalização do direito dos novos cidadãos do mundo na sociedade internacional. ” (NASCIMENTO, R. 2011, p. 34, grifo nosso)

A Segunda Guerra Mundial chegou ao fim em 1945, com os graves eventos

que ocorreram durante a guerra, baseados do ideário positivista, notadamente o extermínio

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de milhões de civis, passou a ser necessário resgatar o conteúdo moral do direito, deixando

claro que existem direitos inerentes ao homem, que não podem ser violados.

A preocupação com a garantia de igualdade entre todos os seres humanos parte

em direção a resguardar um mínimo ético para o Direito, e tal resgate se mostra necessário,

de maneira a atingir a esfera internacional, demonstrando a preocupação com a sociedade

global.

O movimento de internacionalização dos direitos humanos remete-se ao pós-

guerra, como resposta às atrocidades e aos terrores cometidos durante o nazismo diante da

descartabilidade da pessoa humana. A origem do direito internacional é reflexo de uma

sociedade descentralizada e da globalização que impulsiona a sociedade a repensar os

limites estatais.

O princípio do direito internacional se dá pela sociedade descentralizada e o

fenômeno da globalização apresenta novos contornos para o direito interno e o direito

internacional. Não sendo o direito interno absoluto, mas permitindo, por meio do direito

internacional, a coexistência e a complementação.

Nas palavras de Maria Beatriz Galli e Ariel Dulitzky:

“O direito internacional dos Direitos Humanos concede a titularidade de direitos derivados diretamente do ordenamento jurídico internacional, gerando obrigações positivas para os Estados. Neste sentido, o reconhecimento dos direitos dos indivíduos frente ao Estado, assim como a criação de mecanismos internacionais de supervisão são inovações em relação ao Direito Internacional clássico”. (GALLI e DULITIZKY, 2000, p 57).

O sistema global para proteção dos direitos humanos não elimina a necessidade

do direito interno determinado pelo sistema regionalizado, nem os sistemas regionalizados,

mas relacionam-se, respeitando a coexistência de todos os sistemas.

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A ONU – Organização das Nações Unida-, na carta das nações unidas que

estabelece o sistema de proteção global, não impede a existência de acordos ou de

entidades regionais.11

Há necessidade da regionalização, embora o sistema de proteção dos direitos

humanos seja global, para respeitar as culturas regionais de diversas localidades.

Os sistemas internacionais possuem procedimentos globais e regionais,

podendo os sujeitos de direito internacional, ou seja, os Estados, escolherem pelo ingresso

ou não em uma organização internacional. Essas organizações são criadas via tratados e

convenções internacionais. Tais organizações geralmente possuem órgãos próprios, um

conselho, que possui um órgão executivo onde representa alguns Estados, uma assembleia,

que tem representação de todos os membros e um secretário, que exerce a parte

administrativa das funções.

Para toda a organização internacional possui os próprios poderes deliberando

juntamente com os membros, que são os Estados, que ingressaram e determinam a criação

de normas internacionais e especificam as que possuem valor obrigatório e as que não. As

organizações internacionais são dotadas de personalidade internacional independente e os

integrantes são os Estados que possuem ordenamento interno e órgãos próprios que

movimentam a estrutura e determinam o poder. Para exemplificar organizações

internacionais, temos a ONU e a OEA- Organização dos Estados Americanos.

A ONU possui a seguinte estrutura: Assembleia Geral, Conselho de Segurança,

Conselho Econômico e Social, Conselho de Tutela, Corte Internacional de Justiça e

Secretariado.12 Observa-se que a ONU possui um órgão com participação de todos os

Estados, no entanto, com restrita possibilidade de intervenção de um só país ou um

11 Artigo 52, 1, carta ONU- “Nada na presente Carta impede a existência de acordos ou de organizações regionais destinados a tratar dos assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais que forem susceptíveis de uma ação regional, desde que tais acordos ou organizações regionais e suas atividades sejam compatíveis com os objetivos e princípios das Nações Unidas. ”.

12 Artigo 7º- 1-Ficam estabelecidos como órgãos principais das Nações Unidas: uma Assembleia Geral, um Conselho de Segurança, um Conselho Económico e Social, um Conselho de Tutela, um Tribunal Internacional de Justiça e um Secretariado.

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pequeno grupo de países em outro; possui também outro órgão composto pelos Estados

tidos como os mais poderosos, ou seja, o Conselho de Segurança.

O órgão em que todos os Estados fazem parte é a Assembleia Geral e cada um

pode designar até cinco representantes13, porém, cada Estado tem direito somente a um

voto14.O quórum de votação para assuntos importantes (paz e segurança) é de 2/3 dos

membros presentes e votantes e as demais questões (eleições de membros) são decididas

pela maioria dos presentes e votantes15.

A competência para fazer recomendações é ampla, ressalvada a possibilidade

de fazer recomendação quando o Conselho de Segurança estiver apreciando a mesma

matéria.16

13Artigo 9º- 1- A Assembleia Geral será constituída por todos os membros das Nações Unidas 14Artigo 18º-1 - Cada membro da Assembleia Geral terá um voto. 15 Artigo 18º- 2- As decisões da Assembleia Geral sobre questões importantes serão tomadas por maioria de dois terços dos membros presentes e votantes. Essas questões compreenderão: as recomendações relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais, a eleição dos membros não permanentes do Conselho de Segurança, a eleição dos membros do Conselho Económico e Social, a eleição dos membros do Conselho de Tutela de acordo com o nº 1, alínea c), do artigo 86º, a admissão de novos membros das Nações Unidas, a suspensão dos direitos e privilégios de membros, a expulsão de membros, as questões referentes ao funcionamento do regime de tutela e questões orçamentais . 3- As decisões sobre outras questões, inclusive a determinação de categorias adicionais de assuntos a serem debatidos por maioria de dois terços, serão tomadas por maioria dos membros presentes e votantes. 16 - Artigo 10º-A Assembleia Geral poderá discutir quaisquer questões ou assuntos que estiverem dentro das finalidades da presente Carta ou que se relacionarem com os poderes e funções de qualquer dos órgãos nela previstos, e, com exceção do estipulado no artigo 12, poderá fazer recomendações aos membros das Nações Unidas ou ao Conselho de Segurança, ou a este e àqueles, conjuntamente, com a referência a quaisquer daquelas questões ou assuntos. Artigo 11º- 1- A Assembleia Geral poderá considerar os princípios gerais de cooperação na manutenção da paz e da segurança internacionais, inclusive os princípios que disponham sobre o desarmamento e a regulamentação dos armamentos, e poderá fazer recomendações relativas a tais princípios aos membros ou ao Conselho de Segurança, ou a este e àqueles conjuntamente. -2-A Assembleia Geral poderá discutir quaisquer questões relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais, que lhe forem submetidas por qualquer Nesse membro das Nações Unidas, ou pelo Conselho de Segurança, ou por um Estado que não seja membro das Nações Unidas, de acordo com o artigo 35º, nº 2, e, com exceção do que fica estipulado no artigo 12º, poderá fazer recomendações relativas a quaisquer destas questões ao Estado ou Estados interessados ou ao Conselho de Segurança ou a este e àqueles. Qualquer destas questões, para cuja solução seja necessária uma ação, será submetida ao Conselho de Segurança pela Assembleia Geral, antes ou depois da discussão. -3-A Assembleia Geral poderá chamar a atenção do Conselho de Segurança para situações que possam constituir ameaça à paz e à segurança internacional. -4-Os poderes da Assembleia Geral enumerados neste artigo não limitarão o alcance geral do artigo 10º. Artigo 12º- 1- Enquanto o Conselho de Segurança estiver a exercer, em relação a qualquer controvérsia ou situação, as funções que lhe são atribuídas na presente Carta, a Assembleia Geral não fará nenhuma recomendação a respeito dessa controvérsia ou situação, a menos que o Conselho de Segurança o solicite. 2-O Secretário-Geral, com o consentimento do Conselho de Segurança, comunicará à Assembleia Geral, em cada sessão, quaisquer assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais que estiverem a ser tratados pelo Conselho de Segurança, e da mesma maneira dará conhecimento de tais assuntos à

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Outro órgão que integra a estrutura da ONU é o Conselho de Segurança, que é

composto por 15 membros, sendo cinco permanentes (China, Rússia, França, Reino Unido

e Estados Unidos) e os outros 10 são eleitos em assembleia geral para um mandato de 2

anos, contando com um representante. O conselho age em nome dos demais membros da

ONU em prol da segurança e da paz, pode convidar partes para resolver controvérsias de

forma pacífica,17 investigar sobre qualquer controvérsia ou situação suscetível de provocar

atritos entre os Estados, decidir sobre emprego de força. Nesse sentido, Celso de Mello

aponta as atribuições exclusivas: “a) ação nos casos de ameaça à paz; b) aprova e controla

a tutela estratégica; c) execução forçada das decisões da CIJ” (MELLO, 2000 p. 630).

Possuem ainda o Conselho Econômico e Social, composto por 54 membros,

que dentre as funções está a elaboração de estudos e relatórios sobre assuntos

internacionais de caráter econômico, social, cultural, educacional, sanitários e conexos, no

que tange o respeito e observância dos direitos humanos. O artigo 6818 da Carta da ONU

estabelece a possibilidade de criação de comissões para proteção dos direitos humanos e

demais assuntos econômicos e sociais; o conselho de tutela, pelo qual os territórios

respeitam e adotam os ditames das nações unidas, são as situações específicas, como no

caso dos estados africanos que foram submetidos ao regime até conquistarem a

independência. Esse conselho encontra-se com a situação suspensa desde 1º de novembro

de 1994, visto que não ocorreram novas situações para exigi-lo; e, por fim, a corte

Assembleia Geral, ou aos membros das Nações Unidas se a Assembleia Geral não estiver em sessão, logo que o Conselho de Segurança terminar o exame dos referidos assuntos. Artigo 13º - 1-A Assembleia Geral promoverá estudos e fará recomendações, tendo em vista: a) fomentar a cooperação internacional no plano político e incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação; b) fomentar a cooperação internacional no domínio económico, social, cultural, educacional e da saúde e favorecer o pleno gozo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. -2 As demais responsabilidades, funções e poderes da Assembleia Geral, em relação aos assuntos acima mencionados no nº 1, alínea b), estão enumerados nos capítulos IX e X. Artigo 14º- A Assembleia Geral, com ressalva das disposições do artigo 12º, poderá recomendar medidas para a solução pacífica de qualquer situação, qualquer que seja a sua origem, que julgue prejudicial ao bem-estar geral ou às relações amistosas entre nações, inclusive as situações que resultem da violação das disposições da presente Carta que estabelecem os objetivos e princípios das Nações Unidas. 17 Artigo 33- 1-As partes numa controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, via judicial, recurso a organizações ou acordos regionais, ou qualquer outro meio pacífico à sua escolha. -2-O Conselho de Segurança convidará, se o julgar necessário, as referidas partes a resolver por tais meios as suas controvérsias. 18O Conselho Econômico e Social criará comissões para os assuntos econômicos e sociais e a proteção dos direitos humanos, assim como outras comissões que forem necessárias para o desempenho de suas funções.

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internacional de justiça, que se trata do órgão do poder judiciário das Nações Unidas, que

será melhor abordado a seguir.

A OEA- Organização dos Estados Americanos- também possui um sistema. A

OEA foi celebrada na IX Conferência Internacional Americana, de 30 de abril de 1948 em

Bogotá, e entrou em vigência em 13 de dezembro de 1951, reformada pelos protocolos em

1967, 1985, 1992 e 1993.

A organização da OEA está disposta em sua própria carta, realizando seus fins

pela assembleia geral, reunião de consulta dos ministros das relações exteriores, dos

conselhos, comissão jurídica interamericana, comissão interamericana de direitos

humanos, secretaria geral das conferências especializadas e dos organismos especializados.

A comissão interamericana de direitos humanos é anterior à corte em mais de

20 anos, tendo como competência fomentar a consciência do dever de respeito aos direitos

humanos e atender às consultas, redigindo relatórios e estudos. O processo é realizado por

uma comunicação por petição, no artigo 4719, da CADH.A convenção não traz critérios

rígidos de valoração, podendo ser utilizado qualquer meio capaz de averiguar a verdade

dos fatos.

“A reparação da violação aos direitos consagrados na Convenção Americana inclui o dever de garantir os recursos legais efetivos para o processamento do responsável e o pagamento de um montante indenizatório para a vítima ou seus familiares pelos danos sofridos decorrentes da violação, visando prevenir futuras violações em circunstância semelhantes. ” (GALLI, 2000, p. 60)

Em se tratando de um mecanismo de processamento individual, seu uso:

“(...) dever ser encarado como parte de um processo de lutas políticas e sociais históricas, pela efetiva melhora das condições de vida dos grupos mais vulneráveis da sociedade brasileira. Nessa perspectiva, as organizações não-governamentais brasileiras devem acionar o sistema interamericanos de forma estratégica e paralela às suas ações no âmbito interno” (GALLI, 2000, p. 54)

19Artigo 47- A Comissão declarará inadmissível toda petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 quando: a. não preencher algum dos requisitos estabelecidos no artigo 46; b. não expuser fatos que caracterizem violação dos direitos garantidos por esta Convenção; c. pela exposição do próprio peticionário ou do Estado, for manifestamente infundada a petição ou comunicação ou for evidente sua total improcedência; ou for substancialmente reprodução de petição ou comunicação anterior, já examinada pela Comissão ou por outro organismo internacional.

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Um caso que ficou conhecido foi o de José Pereira, em 16 de dezembro de

1994.Uma organização não governamental apresentou petição, em nome da vítima, sobre

fatos de trabalho escravo, a petição reforçou que o estado brasileiro não vinha respondendo

adequadamente, sem atentar para a ineficácia nas investigações e nos processos referentes

aos responsáveis pela exploração.

O Brasil assinou solução amistosa, em 18 de setembro de 2003, reconhecendo

a responsabilidade internacional: 4-O Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidade

internacional em relação ao caso 11.289, embora a autoria das violações não seja atribuída

a agentes estatais, visto que os órgãos estatais não foram capazes de prevenir a ocorrência

da grave prática de trabalho escravo, nem punir os atores individuais das violações

denunciadas.

2.1.1- Corte Internacional de Justiça

A corte permanente de justiça internacional funcionava como organismo

autônomo da liga das nações, tendo sido dissolvida em 1946, dando lugar à Corte

Internacional de Justiça.

A corte internacional de justiça possui um estatuto, que é parte integrante da

Carta das Nações Unidas20 (a qual disciplina de maneira geral este órgão jurisdicionado).

Nos termos do artigo 34 do estatuto da Corte Internacional de Justiça é determinado que só

os Estados podem ser partes em questões perante a Corte. “As organizações internacionais,

20Artigo 92. A Corte Internacional de Justiça será o principal órgão judiciário das Nações Unidas. Funcionará de acordo com o Estatuto anexo, que é baseado no Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional e faz parte integrante da presente Carta. Artigo 93. 1. Todos os Membros das Nações Unidas são ipso facto partes do Estatuto da Corte Internacional de Justiça.2. Um Estado que não for Membro das Nações Unidas poderá tornar-se parte no Estatuto da Corte Internacional de Justiça, em condições que serão determinadas, em cada caso, pela Assembleia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança. Artigo 94. 1. Cada Membro das Nações Unidas se compromete a conformar se com a decisão da Corte Internacional de Justiça em qualquer caso em que for parte.2. Se uma das partes num caso deixar de cumprir as obrigações que lhe incumbem em virtude de sentença proferida pela Corte, a outra terá direito de recorrer ao Conselho de Segurança que poderá, se julgar necessário, fazer recomendações ou decidir sobre medidas a serem tomadas para o cumprimento da sentença. Artigo 95. Nada na presente Carta impedirá os Membros das Nações Unidas de confiarem a solução de suas divergências a outros tribunais, em virtude de acordos já vigentes ou que possam ser concluídos no futuro. Artigo 96. 1. A Assembleia Geral ou o Conselho de Segurança poderá solicitar parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça, sobre qualquer questão de ordem jurídica.2. Outros órgãos das Nações Unidas e entidades especializadas, que forem em qualquer época devidamente autorizados pela Assembleia Geral, poderão também solicitar pareceres consultivos da Corte sobre questões jurídicas surgidas dentro da esfera de suas atividades.

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inclusive a ONU, não podem ser parte em um litígio perante CIJ. Elas podem apenas

prestar informações à Corte, bem como solicitar pareceres” (MELLO, 2000, p.661).

A corte é composta por 15 juízes independentes, dentre pessoas com alta

consideração moral e condições para exercer as mais elevadas funções judiciais. Os

membros são eleitos pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança, os eleitos

gozam de imunidade diplomática e devem exercer as funções com imparcialidade e de

forma contenciosa21.

A Corte internacional de Justiça é competente para abranger todas as questões

que as partes lhe submetam, assim como os demais assuntos previstos na Carta das Nações

Unidas ou em tratados ou convenções em vigor. Será analisada pela corte, na forma do

artigo 36 do referido estatuto, a interpretação de um tratado, uma questão de direito

internacional, fato que viole o compromisso internacional, natureza ou extensão de

reparação por rompimento de compromisso internacional.

Observe-se que os Estados, ao aceitarem a jurisdição da corte, podem fazê-lo

de maneira limitada ou ilimitada, a corte decidirá de acordo com o direito internacional,

aplicando convenções internacionais, costumes internacionais, princípios gerais do Direito,

decisões judiciárias e doutrina. No artigo 38 do referido estatuto, considera que “A

presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo

etbono, se as partes com isto concordarem”. A expressão jurídica significa conforme o

correto e válido, podendo as decisões serem tomadas com base no senso de justiça.

Além da função jurisdicional, a corte também desempenha uma função

consultiva, “os pareceres não são obrigatórios, entretanto, de um modo geral, têm sido

21Artigo 1- A Corte será composta de um corpo de juízes independentes, eleitos sem atenção à sua nacionalidade, dentre pessoas que gozem de alta consideração moral e possuam as condições exigidas em seus respectivos países para o desempenho das mais altas funções judiciárias ou que sejam jurisconsultos de reconhecida competência em direito internacional. Artigo 3-A Corte será composta de quinze membros, não podendo figurar entre eles dois nacionais do mesmo Estado. A pessoa que possa ser considerada nacional de mais de um Estado será, para efeito de sua inclusão como membro da Corte, considerada nacional do Estado em que exercer ordinariamente seus direitos civis e políticos. Artigo 19- Os membros da Corte, quando no exercício de suas funções, gozarão dos privilégios e imunidades diplomáticas.

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cumpridos. Existem alguns casos em que se convenciona previamente a obrigatoriedade do

parecer” (MELLO, 2000, p. 664)

O processo da Corte terá fase escrita, composta de memórias, contra memórias,

réplicas e documentos, uma fase oral que consiste na oitiva de testemunhas, peritos,

agentes consultores e advogados.22

A sentença é definitiva e inapelável, podendo a corte, no caso de controvérsia,

interpretá-la a pedido de qualquer das partes. A sentença descumprida poderá ocasionar

requerimento ao Conselho de Segurança que apresente recomendações ou decida sobre

medidas que deverão ser tomadas para o cumprimento, artigo 94, da Carta da ONU.

O Brasil, a exemplo, reconheceu a competência da Corte Internacional de

Justiça por prazo determinado, tendo sido expirado em 12 de março de 1953, mas não

significa que a Corte Internacional de Justiça não tenha competência para julgar caso

brasileiro, no entanto, os casos mais relevantes do Brasil se dão pela OEA e não diante da

ONU. Exemplo de casos brasileiros, sob a análise da ONU, está o caso do Tratado de

Conciliação e Solução Judiciária entre Brasil e Itália, de 1954, com base no qual a Itália

tem tentado levar o caso de Césare Batisti à Corte Internacional de Justiça.

2.1.2- Corte Interamericana de Direitos Humanos

A Corte Interamericana é um dos três tribunais regionais de proteção dos

direitos humanos, conjuntamente com a corte Europeia de Direitos Humanos e a corte

Africana de direitos humanos e dos povos. A corte interamericana é localizada em San

José da Costa Rica, devido a recomendação da Assembleia Geral da OEA, ocorrida em

julho de 1978.

A corte é integrada por sete juízes nacionais, realizando uma eleição secreta

para e pela maioria absoluta dos votos durante assembleia geral; o mandato de cada juiz é

22 Artigo 43- O processo constará de duas fases: uma escrita e outra oral. O processo escrito compreenderá a comunicação à Corte e às partes de memórias, contra memórias e, se necessário, réplicas assim como quaisquer peças e documentos em apoio das mesmas. Essas comunicações serão feitas por intermédio do Escrivão na ordem e dentro do prazo fixados pela Corte. Uma cópia autenticada de cada documento apresentado por uma das partes será comunicada à outra parte. O processo oral consistirá na audiência, pela Corte, de testemunhas, peritos, agentes, consultores e advogados.

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de seis anos, podendo ser reeleito mais uma vez por igual período. Os juízes não poderão

conhecer os casos de respectiva nacionalidade.

Possui função contenciosa e função consultiva. A contenciosa verifica se um

Estado integrante incorreu em responsabilidade internacional por violação dos direitos

reconhecidos na Convenção Americana. É realizada uma supervisão dos cumprimentos das

sentenças, solicitado informações ao Estado sobre as atividades desenvolvidas para efeitos

do dito cumprimento, recolhidas observações da Comissão e das vítimas ou representantes.

A consultiva responde consultas formuladas pelos Estados integrantes da OEA

É efetuada uma supervisão do cumprimento das sentenças, para que haja uma

efetivação das decisões da Corte e essa é uma das situações de grande importância da

Corte para estabelecer a verdadeira vigência e eficácia, consequentemente permitindo o

exercício efetivo do direito de acesso à justiça.

Os Estados partes e a Comissão Interamericana têm direito de submeter um

caso a decisão da Corte, não sendo aceito indivíduos ou organizações realizarem a

apresentação do caso diretamente à Corte, tendo que apresentar primeiramente à Comissão

Interamericana, e essa é competente para reconhecer a petição que contenham as denúncias

ou as queixas.

As sentenças proferidas não permitem recurso e são utilizadas de maneira

vinculante. Os casos acabam se tornando emblemáticos e tornam inspiração para o

Tribunal Nacional, para doutrina e para jurisprudência. O Sistema supõe que uma

interpretação coerente da Convenção Americana é uma condição indispensável para a

efetiva vigência dos direitos humanos em todo hemisfério americano.

Assim constou do parágrafo 124 da decisão, no caso Almonacid versus Chile,

de 26 de setembro de 2006, ao condenar o Chile por violar direitos consagrados na

Convenção:

“124. A Corte está ciente de que os juízes e os tribunais estão sujeitos ao império da lei e, portanto, são obrigados a aplicar as disposições vigentes no ordenamento jurídico. Mas quando um Estado ratifica um tratado internacional, como a Convenção Americana, seus juízes, como parte do aparelho do Estado, também estão sujeitos a ela, o que os obriga a garantir que os efeitos das

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disposições da Convenção não sejam prejudicados pela aplicação de leis contrárias a seu objeto e finalidade, que desde o início carecem de efeito jurídico. Em outras palavras, o Poder Judiciário deve exercer uma espécie de "controle de convencionalidade" entre as normas jurídicas nacionais aplicáveis aos casos concretos e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Nesta tarefa, o Poder Judiciário deve levar em conta não só o tratado, mas também a interpretação dada pela Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana”23

O Brasil aderiu aos tratados internacionais e reconhece as implicações

reguladas pelas normas internacionais no caso de não cumprimento dos dispositivos

internacionais. As normas internacionais refletem significativamente no ordenamento

jurídico brasileiro, o que será a seguir estudado, com intuito de demonstrar a importância

interna das normas internacionais no ordenamento jurídico brasileiro.

2.2- Tratados Internacionais de Direitos Humanos e o Ordenamento Jurídico Brasileiro

O Brasil estabelece os princípios fundamentais da constituição, compreendidos

entre os artigos 1º e 4º da CRFB/1988, como fundamento à soberania, mas também como

princípio das relações internacionais à prevalência dos direitos humanos.

Além disso, o artigo 5º, §2º, CRFB/1988, prevê a não exaustividade dos

direitos fundamentais, abrindo a constituição de direitos baseada também em tratados

internacionais celebrados pelo Brasil, sendo assim possíveis também novos direitos sociais,

decorrentes desses tratados internacionais celebrados. Há também, no artigo 5º §4º da

CRFB/88, a submissão do Brasil ao Tribunal Penal Internacional. O Tribunal Penal

Internacional realça o vínculo entre o direito penal e os direitos humanos, evitando a

impunidade do agente e novas violações, possuindo característica complementar e

subsidiária.

Essa abertura, ao exemplo brasileiro, remete ao funcionamento do sistema de

justiça e às novas demandas sobre a implementação dos direitos humanos. É o sentido de

que toda nação e todos os povos têm o dever de respeitar os direitos humanos de seus

cidadãos e a comunidade internacional pode pugnar pelo respeito aos direitos humanos.

23Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf consulta realizada em 23 agosto de 2016.

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Esse novo perfil constitucional, favorável ao direito internacional, levou o

Brasil, após a constituição de 1988, a ratificar pactos internacionais. Nesse sentido, Flávia

Piovesan:

Os tratados internacionais de direitos humanos têm como fonte um campo do Direito extremamente recente, denominado direito internacional dos direitos humanos, que é o Direito do pós-guerra, nascido como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos pelo nazismo. Em face do regime do terror, no qual imperava a lógica da destruição e no qual as pessoas eram consideradas descartáveis, ou seja, em face do flagelo s Segunda Guerra Mundial, emerge a necessidade da reconstrução do valor dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional. (PIOVESAN apud JUNIOR & OLIVEIRA, 2010, p. 174)

Permitindo então a aceitação do universalismo dos direitos humanos, retirando

o caráter nacionalista, resguardando e respeitando uma ordem internacional de direitos

humanos, que pressupões certa unidade, o gênero humano ultrapassa as margens internas

do nosso estado nação.

O Brasil ratificou diversos tratados internacionais de direitos humanos e,

especificamente, incorporou com quórum qualificado de emenda constitucional, em 2009,

pelo rito do artigo 5º§3º da CRFB/1988, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com

Deficiência e o seu Protocolo Facultativo.

A aplicação dos dispositivos internacionais de direitos humanos foi submetida

à análise do Supremo Tribunal Federal estimulou a menção de normas de hierarquia, no

mínimo, superior à das leis.

O direito internacional possui as próprias fontes normativas e o Estado, sujeito

do direito internacional, capacidade legislativa, possui discussão interna sobre a recepção

interna dos tratados de direitos humanos, discussão essa, estranha ao direito internacional.

Conforme ensina Guido Soares,

“os tribunais internacionais e os árbitros somente aplicarão normas dos sistemas jurídicos nacionais à medida que elas sejam integrantes do sistema normativo internacional, em virtude da operação das fontes do direito internacional”. (SOARES apud RAMOS, 2012 p. 134)

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No entanto, no ordenamento interno, a discussão ocorreu em momentos

diferentes. Antes da Emenda Constitucional 45 de 2004 e após a referida emenda

constitucional. Anteriormente à EC45/2004, os tratados eram aprovados obedecendo ao

artigo 84, inciso VIII, que estabelece que, compete ao Presidente da República celebrar

tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional e, o

artigo 49, I, que dispõe que é da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver

definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou

compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

Observando que para celebração de um tratado internacional necessita da

manifestação dos dois poderes- poder executivo e poder legislativo- tramite para

ratificação do tratado ocorre assim:

“O trâmite da aprovação congressual é o seguinte: o Presidente encaminha mensagem presidencial ao Congresso Nacional, fundamentada (a exposição de motivos é feita pelo Ministro das Relações Exteriores), solicitando a aprovação congressual ao texto do futuro tratado, que vai anexado na versão oficial em português. Inicia-se o trâmite de um projeto de decreto legislativo, que deve ser aprovado nas duas Casas do Congresso, sendo promulgado e publicado pelo Presidente do Senado. Caso aprovado, o texto do tratado internacional é publicado no anexo ao Decreto Legislativo no Diário do Congresso Nacional. A fórmula usual de redação do Decreto Legislativo é concisa, com dois artigos e um parágrafo: no primeiro, fica expressa a vontade congressual em aprovar o texto do tratado (“Fica aprovado”), contendo as ressalvas eventual-mente impostas de artigos; em seu parágrafo único, repete-se, em clara redundância, a fórmula do art. 49, I, dispondo que ficam sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que impliquem revisão do tratado, bem como quaisquer atos que, nos termos do inciso I do caput do art. 49 da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; o segundo artigo dispõe que o Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação. Com isso, fica o Presidente da República autorizado a celebrar em definitivo o tratado por meio da ratificação ou ato similar. Aprovado o Decreto Legislativo, o Presidente da República, querendo, pode, em nome do Estado, celebrar em definitivo o tratado. Para a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, a celebração definitiva de um tratado pode manifestar-se pela assinatura, troca dos instrumentos constitutivos do tratado, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, ou por quaisquer outros meios, se assim acordado (art. 11). Com a exceção da assinatura (caso dos acordos-executivo), todas essas formas de manifestações expressam o consentimento definitivo exarado pelo Chefe de Estado após a aprovação congressual. Em geral, a ratificação em tratados bilaterais ocorre pela via da troca de

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notas; já os tratados multilaterais ou plurilaterais são ratificados pelo depósito do instrumento de ratificação perante um dos Estados parte ou organização internacional, designados para tal mister pelo próprio tratado. Temos, após a ratificação, o fim do ciclo de formação de um tratado para o Brasil. Porém, a norma, válida internacionalmente, não será válida internamente até que seja editado o Decreto de Promulgação (também chamado de Decreto Executivo ou Decreto Presidencial) pelo Presidente da República e referendado pelo Ministro das Relações Exteriores (art. 87, I, da Constituição). Há a necessidade de incorporação do tratado já válido internacionalmente (foi ratificado) no plano doméstico. Essa fase de incorporação só tem uma etapa: a edição do decreto de promulgação. ” (RAMOS, 2012, p.136-137).

O STF, após a promulgação na CERF/88, não alterou a hierarquia dos tratados

internacionais de direitos humanos no ordenamento nacional. A orientação, consagrada no

Recurso Extraordinário n. 80.004, de 1977, determinava que os tratados internacionais

(inclusive os de direitos humanos), incorporados internamente, eram equivalentes à lei

ordinária federal. Não havendo prevalência automática dos tratados sobre a lei, sendo

resolvidos os conflitos de normas sobre os critérios cronológicos e especialidade. O STF,

ao apreciar o leading case do depositário infiel, observou divergência nos votos e o debate

tornou-se cada vez mais intenso.

Diversas posições doutrinárias surgiram para debater a posição hierárquica dos

tratados internacionais de direitos humanos, especialmente em virtude do disposto no

artigo 5o, § 2o, da Constituição:

“Tal caos sobre a hierarquia normativa dos tratados de direitos humanos pode ser resumido em quatro posições de maior repercussão: natureza supraconstitucional, em face de sua origem internacional (MELLO), natureza constitucional (TRINDADE, PIOVESAN), natureza equiparada à lei ordinária federal (REZEK e maioria dos Ministros do STF da época), natureza supralegal (acima da lei e inferior à Constituição, voto do Min. SEPÚLVEDA PERTENCE) (RAMOS, 2012, p.141)

Aprovada a EC/45 de 2004, foi inserido o artigo 5º, §3º no texto constitucional-

“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em

cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos

respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”- motivou a revisão

do posicionamento majoritário no STF. No julgamento do RE 466.343[498],

simbolicamente também referente à prisão civil do depositário infiel, a maioria de votos

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sustentou novo patamar normativo para os tratados internacionais de direitos humanos.

Min Gilmar Mendes retomou a visão pioneira de Sepúlveda Pertence (em seu voto no HC

79.785-RJ]), considerando que os tratados internacionais de direitos humanos – anteriores

ou posteriores à EC n. 45/2004 –, que não forem aprovados por rito especial, têm natureza

supralegal: abaixo da Constituição, mas acima de toda e qualquer lei.

A valorização dos direitos humanos internacionais cumpre a vontade da

Constituição, mais de vinte anos depois de sua edição. De fato, sempre é bom lembrar que

a Constituição acolhe os direitos humanos internacionais nas suas duas vertentes: a

material e a processual (mecanismos de interpretação internacionalista).

2.3.- Controle de Convencionalidade Internacional e Nacional

Os órgãos criados pelos tratados internacionais atuam fiscalizando os atos e

condutas dos Estados em confronto com os compromissos internacionais, como a corte

Interamericana e a Corte Internacional de Justiça, já mencionadas acima. Esse é o chamado

controle de convencionalidade internacional.

O controle de convencionalidade internacional é o resultado da interpretação

dos órgãos internacionais, por exemplo, o STF analisar a compatibilidade da Lei da Anistia

brasileira (Lei n. 6.683/79) com a Convenção Americana de Direitos Humanos (ADPF n.

153, Rel. Min. Eros Grau, 2010); tal decisão não vincula a Corte Interamericana de

Direitos Humanos. A Corte internacional interpreta de maneira autêntica, podendo a

interpretação nacional coincidir com a interpretação internacional.

Há também o controle de convencionalidade nacional, que analisa a

compatibilidade do ordenamento interno e as normas internacionais, e é realizado pelos

tribunais internos.

Esse controle nacional foi:

“consagrado na França em 1975 (decisão sobre a lei de interrupção voluntária da gravidez), quando o Conselho Constitucional, tendo em vista o artigo 55 da Constituição francesa sobre o estatuto supralegal dos tratados, decidiu que não lhe cabia a análise da compatibilidade de lei com tratado internacional. Essa missão deve ser efetuada pelos juízos ordinários, sob o controle da Corte de Cassação e do Conselho de Estado. ” (RAMOS, 2012, p.152)

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Há diferenças entre o controle de convencionalidade internacional e o controle

de convencionalidade nacional. No controle internacional, a norma paradigma é a norma

internacional, via de regra, fruto de um tratado e o fiscal é o tribunal internacional; no

controle nacional, a hierarquia do tratado depende do direito nacional, no Brasil, podendo

ser legal, supralegal ou constitucional. As interpretações dadas pelo tribunal internacional e

as interpretações dadas pelo tribunal nacional não são as mesmas, podendo haver

conclusões divergentes. O controle de convencionalidade nacional é um controle nacional

de legalidade, supralegalidade ou constitucionalidade, dependendo da teoria adotada

quanto à hierarquia dos tratados incorporados. O controle de convencionalidade genuíno é

de tratado internacional e realizado no plano internacional.

Para Valério Mazzuoli24, a produção normativa brasileira possui limite na

Constituição da República Federativa de 1988 e nos tratados internacionais de direitos

humanos e também nos tratados internacionais de direitos comuns, vigentes no país.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu recente sentença contra

o Brasil no Caso Gomes Lund (caso da “Guerrilha do Araguaia); o juiz ad hoc indicado

pelo Brasil, Roberto Caldas, em seu voto concordante em separado, assinalou que:

“se aos tribunais supremos ou aos constitucionais nacionais incumbe o controle de constitucionalidade e a última palavra judicial no âmbito interno dos Estados, à Corte Interamericana de Direitos Humanos cabe o controle de convencionalidade e a última palavra quando o tema encerre debate sobre direitos humanos. É o

24 Todos os tratados internacionais de direitos humanos (reitere-se: todos) ratificados pelo Estado brasileiro e em vigor entre nós têm nível de normas constitucionais, quer seja uma hierarquia somente material (o que chamamos de "status de norma constitucional") quer seja tal hierarquia material e formal (que nominamos de "equivalência de emenda constitucional"). Não importa o quórum de aprovação do tratado. Cuidando-se de documento relacionado com os direitos humanos, todos possuem status constitucional. Tese de doutoramento de Valerio Mazzuoli: no Brasil quem defendeu, pela primeira vez, a teoria do controle de convencionalidade foi Valério Mazzuoli, em sua tese de doutoramento (sustentada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul-Faculdade de Direito, em Porto Alegre, em 2008). O autor diz que pela primeira vez quem fez referência a esse controle foi o Conselho Constitucional francês, em 1975. A diferença fundamental, em síntese, entre a tese de Valerio Mazzuoli e a vencedora (por ora) no STF está no seguinte: a primeira está um tom acima. Para o STF (tese majoritária, conduzida pelo Min. Gilmar Mendes) os tratados de direitos humanos não aprovados por quórum qualificado seriam supralegais (Valerio discorda e os eleva ao patamar constitucional); para o STF os tratados não relacionados com os direitos humanos possuem valor legal (para Valerio eles são supralegais). Valerio Mazzuoli e Celso de Mello estão no tom maior. Gilmar Mendes (e a maioria votante do STF) está no tom menor. A diferença é de tom. De qualquer modo, todos fazem parte de uma orquestra jurídica espetacular: porque finalmente tornou-se realidade no Brasil a terceira onda (internacionalista) do Direito, do Estado e da Justiçahttp://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI87878,91041-Controle+de+Convencionalidade+Valerio+Mazzuoli+versus+STF consulta realizada em 19 de agosto de 2016

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que decorre do reconhecimento formal da competência jurisdicional da Corte por um Estado, como o fez o Brasil”. (RAMOS, 2012, p.154)

Ambos os controles são importantes no âmbito internacional, que é o típico

controle de convencionalidade, mas também no âmbito nacional, se considerar os tratados

internacionais de direitos humanos equivalentes à norma constitucional. Para André

Ramos, melhor seria se houvesse a interação entre os dois controles de convencionalidade,

permitindo um diálogo e a fertilização cruzada.

Num próximo tópico, realizar-se-á o estudo da OIT para corroborar a

necessidade da criação do Tribunal Internacional do Trabalho e outros pontos que reforcem

a importância da jurisdição internacional do trabalho.

2.4-O Direito Humano Fundamental Social do Trabalho e a proteção internacional

Existe uma diversidade para o consenso da terminologia que designam os

direitos básicos dos seres humanos. Os direitos fundamentais não surgiram ao mesmo

tempo e foi baseado em três grandes matrizes a religião, processo e propriedade, e

assumem três modelos que são interpretados por três nações, Inglaterra, Estados Unidos da

América e França. Há alguns autores que acenam para o quarto modelo correspondendo a

legislação indigenista. (SAMPAIO, 2010, p. 133-141)

Em 1979 o tcheco francês Karel Vasak apresentou a classificação baseada nas

fases dos direitos humanos, organizados em gerações, a primeira surgida com as

revoluções burguesas no século XVII e XVIII estimando a liberdade, a segunda oriunda

dos movimentos sociais democratas e da Revolução Russa enfatiza a igualdade e a terceira

resguardando valores de fraternidade refletida das experiências da segunda guerra mundial

e da descolonização.

Os de primeira dimensão são os direitos civis e políticos. Os de segunda

dimensão caracterizam-se como direitos econômicos, sociais e culturais. Entre os de

terceira dimensão compreendem-se aqueles voltados para a proteção de toda a humanidade

e não exclusivamente de determinado indivíduo ou grupo, podendo ser citados como

exemplos o direito ao desenvolvimento, o direito à paz e o direito ao meio ambiente

equilibrado, chamados direitos difusos.

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Após o término da Primeira Guerra Mundial e a derrota do império alemão,

novos direitos fundamentais foram reconhecidos, especificamente o direito econômico e

social, consagrando-se a constituição Alemã de 1919, conhecida como a Constituição

Weimar25.

A democracia social foi representada com a melhor defesa da dignidade

humana, os grandes pactos, constituídos pela Assembleia Geral das nações Unidas, em

1966, foram o desenlace para institucionalizar a democracia social. A constituição de

Weimar organiza o Estado e apresenta a declaração dos direitos e deveres fundamentais,

incluindo os sociais.

Os direitos sociais, ao contrário, têm por objeto não uma abstenção, mas uma atividade positiva do Estado, pois o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à previdência social e outros do mesmo gênero só se realizam por meio de políticas públicas, isto é, programas de ação governamental. Aqui, são grupos sociais inteiros, e não apenas indivíduos, que passam a exigir dos Poderes Públicos uma orientação determinada na política de investimentos e de distribuição de bens; o que implica uma intervenção estatal no livre jogo do mercado uma redistribuirão de renda pela via tributária. Essa orientação marcadamente social e não individualista aparece até mesmo nas disposições que o constituinte classificou como se referindo a pessoas individuais. (...). Marcou-se, desta forma, a necessária distinção entre diferenças e desigualdades. As diferenças são biológicas ou culturais, e não implicam a superioridade de alguns em relação a outros. As desigualdades, ao contrário, são criações arbitrárias, que estabelecem uma relação de inferioridade de pessoas ou grupos em relação a outros. Assim, enquanto as desigualdades devem ser rigorosamente prescritas, em razão do princípio da isonomia, as diferenças devem ser respeitadas ou protegidas, conforme signifiquem uma deficiência natural ou uma riqueza cultural. No campo da vida familiar, a Constituição alemã de 1919 contém mais duas inovações de importância. (...). Mas foi, sem dúvida, pelo conjunto das disposições sobre a educação pública e o direito

25Constituição dita de Weimar, cidade da Saxônia, onde foi elaborada e votada, surgiu como um produto da grande guerra de 1914-1918, que encerrou o “longo século XIX”. Promulgada imediatamente após o colapso de uma civilização, ela ressentiu-se desde o início, em sua aplicação, dos tumultos e incertezas inerentes ao momento histórico em que foi concebida. (..)O projeto para a Constituição foi redigido por Hugo Preuss, discípulo do historiador do direito e teórico do antigo comunitarismo germânico, Otto v. Gierke. Desde a sua concepção, portanto, a Constituição de Weimar se estruturava contraditoriamente, procurando conciliar ideias pré-medievais com exigências socialistas ou liberais-capitalistas da civilização industrial. (...) em 9 de julho, a assembleia havia ratificado o tratado de Versalhes, que impôs à Alemanha indenizações de guerra em montante desproporcional e insuportável. Apesar das fraquezas e ambiguidades assinaladas, e malgrado sua breve vigência (...). .http://www.dhnet.org.br/educar/redeedh/anthist/alema1919.htm , consultado em 22de julho de 2016.

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trabalhista que a Constituição de Weimar organizou as bases da democracia social. ” (DHNET, apud COMPARATO)

A Constituição de Weimar, relativas à educação pública e aos direitos

trabalhistas, serviram de base à democracia social que se implantaria em muitos dos países

europeus após a Segunda Guerra Mundial.

A Constituição de Weimar exerceu influência sobre a evolução das instituições

políticas em todo o Ocidente. Confirmando este entendimento:

O Estado da democracia social, cujas linhas-mestras já haviam sido traçadas pela Constituição mexicana de 1917, adquiriu na Alemanha de 1919 uma estrutura mais elaborada, que veio a ser retomada em vários países após o trágico interregno nazifascista e a Segunda Guerra Mundial. A democracia social representou efetivamente, até o final do século XX, a melhor defesa da dignidade humana, ao complementar os direitos civis e políticos – que o sistema comunista negava – com os direitos econômicos e sociais, ignorados pelo liberal-capitalismo. De certa forma, os dois grandes pactos internacionais de direitos humanos, votados pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966, foram o desfecho do processo de institucionalização da democracia social, iniciado por aquelas duas Constituições do início do século. (COMPARATO, 2007, p. 192-193)

Assim, temos que a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de

Weimar (1919) caracterizam-se como os marcos iniciais da positivação dos direitos

fundamentais de segunda dimensão, que somente muitos anos depois seriam alvo de

documentos adotados pela Assembleia Geral das Nações Unidas, quais sejam, a

Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e o Pacto Internacional sobre Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais (1966).

Com o fim da primeira guerra mundial, foi assinado um tratado de paz pelas

potências europeias. O principal ponto do tratado determinava à Alemanha a aceitação de

responsabilidades por ter sido a causadora da guerra; esse tratado foi o Tratado de

Versalhes e, como parte do referido tratado, foi criada a Organização Internacional do

Trabalho, que será a seguir analisada, com finalidade de resguardar a paz social.

O direito humano fundamental social do trabalho também é reconhecido em

outros organismos internacionais, como a OEA, já analisada previamente. A OEA criou

normas internacionais que objetivam a proteção da dignidade da pessoa humana, por meio

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de documentos internacionais, como os relatórios sobre específicos direitos, a Declaração

Americana dos Direitos do Homem (Aprovada na Nona Conferência Internacional

Americana, Bogotá, 1948) e a convenção americana sobre direitos humanos (assinada na

conferência Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de

novembro de 1969).

A Declaração Americana dos Direitos do Homem determina, no artigo XIV26, a

proteção do direito do trabalho e a justa contraprestação. A Convenção Americana sobre os

Direitos do Homem, no artigo 627, proíbe a escravidão e a servidão, normas internacionais que

visam à dignidade do trabalhador. Os Estados soberanos signatários devem cumprir os

preceitos estabelecidos, sob pena de sofrerem sanções, como é o caso 12.066 em que a CIDH

julgou o Brasil, que será analisado em capítulo seguinte. O direito humano fundamental social

do trabalho é protegido pela jurisdição internacional, no caso citado, tendo como réu o Estado

soberano, que não desempenhou com eficácia a proteção ao trabalhador.

Especificamente, neste ponto, será objeto de estudo, o direito de segunda

dimensão que são derivados de alterações “econômicas e sociais ocorridas no final do século

XIX e início do século XX, especialmente pela crise das relações sociais decorrentes dos modos

liberais de produção, acelerada pelas novas formas trazidas pela Revolução Industrial”

(SAMPAIO, 2010, p. 242-243), no direito de igualdade, compreendendo os direitos sociais e

pontualmente o direito social do trabalho, mas também dois organismos internacionais que

atuam na proteção e preservação da dignidade do trabalhador, a OIT por ser especializada

26 Artigo XIV. Toda pessoa tem direito ao trabalho em condições dignas e o de seguir livremente sua vocação, na medida em que for permitido pelas oportunidades de emprego existentes. Toda pessoa que trabalha tem o direito de receber uma remuneração que, em relação à sua capacidade de trabalho e habilidade, lhe garanta um nível de vida conveniente para si mesma e para sua família http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.Declaracao_Americana. 27Artigo 6. Proibição da escravidão e da servidão. 1. Ninguém pode ser submetido a escravidão ou a servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas.2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa da liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que proíbe o cumprimento da dita pena, imposta por juiz ou tribunal competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade nem a capacidade física e intelectual do recluso. 3. Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste artigo: a. os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviços devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado; b. o serviço militar e, nos países onde se admite a isenção por motivos de consciência, o serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele; c) o serviço imposto em casos de perigo ou calamidade que ameace a existência ou o bem-estar da comunidade; e d) o trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais.

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na proteção do direito do trabalho e a OEA que julgou o Brasil na CIDH por trabalho

escravo na Fazenda Brasil Verde.

Importante apresentar a polêmica sobre o caráter jurídico dos direitos sociais,

econômicos e culturais. Considera-se que os direitos de natureza econômica não podem ser

considerados direitos, pois diante de uma “objeção institucional” (Michelman 2003) não

seria possível a postulação perante o judiciário, ainda que admitida a natureza jurídica, não

se pode ser dito como direito fundamental por serem de natureza negocial ou de transações

“objeção particularista” (Michelman 2003).

Tais objeções e todas aquelas que lhe podem ser equiparadas esbarram,

contudo, nos seguintes argumentos, tratando-se da constituição brasileira:

“a) a Constituição brasileira, diferentemente de outras ordens constitucionais, como é o caso da já referida Constituição da República Portuguesa, não traça uma genérica e expressa diferença entre os direitos de liberdade (defesa) e os direitos sociais, inclusive no que diz com eventual primazia dos primeiros sobre os segundos; b) os partidários de uma exegese conservadora e restritiva em regra partem da premissa de que todos os direitos sociais podem ser conceituados como direitos a prestações materiais estatais, quando, em verdade, já se demonstrou que boa parte dos direitos sociais são equiparáveis, no que diz com sua função precípua e estrutura jurídica, aos direitos de defesa; c) para além disso, relembramos que uma interpretação que limita o alcance das “cláusulas pétreas” aos direitos fundamentais previstos no artigo 5º da CF acaba por excluir também os direitos de nacionalidade e os direitos políticos, que igualmente não foram expressamente previstos no artigo 60, § 4º, inc. IV, de nossa lei Fundamental.” (SARLET, 2008, p 16).

No entanto, os direitos sociais são considerados como dignos de tutela contra

intervenção ilegítima do poder público e do particular, pois são básicos e ligados ao

mínimo existencial do ser humano, reconhecendo em si a condição de verdadeiros direitos

fundamentais.

Segundo Canotilho

“Se o capitalismo mercantil e a luta pela emancipação da sociedade burguesa são inseparáveis da consciencialização dos direitos do homem, de feição individualista, a luta das classes trabalhadoras e as teorias socialistas (sobretudo Marx, em A Questão Judaica) põem em relevo a unidimensionalização dos direitos do homem

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egoísta e a necessidade de completar (ou substituir) os tradicionais direitos do cidadão burguês pelos direitos do homem total, o que só seria possível numa nova sociedade, independentemente da adesão aos postulados marxistas, a radicação da ideia da necessidade de garantir o homem no plano econômico, social e cultural, de forma a alcançar um fundamento existencial-material, humanamente digno, passou a fazer parte do patrimônio da humanidade.” (CANOTILHO, 2002, p. 383)

No sentido material, os direitos sociais são essenciais a estrutura básica do

Estado e da sociedade, não estão exclusivamente atrelados a atuação positiva do Estado,

como mecanismo compensatório de desigualdades fáticas, mas devem assegurar o mínimo

para vida digna e o bem comum para garantir a continuidade da sociedade humana.

No sentido objetivo é que os direitos fundamentais como um todo devem ter

sua eficácia valorada não sob um ângulo individualista, mas também do ponto de vista da

comunidade em sua completude, posto se tratar de valores e fins que esta deve respeitar e

concretizar.

Os direitos sociais, normas que buscam a afirmação da igualdade material,

representam uma garantia do equilíbrio social com o respeito à prestação de condições

materiais necessárias para o perfeito cumprimento e concretização da dignidade da pessoa

humana, logo, o direito social é uma espécie do direito humano fundamental.

2.4.1- Organização internacional do trabalho

A OIT não possui poder de sanção, mas atua para que os Estados signatários

das convenções respeitem as normas. Segundo Lélio Bentes, a comissão de peritos

fiscaliza o cumprimento das normas.

“A comissão recebe relatórios dos países que ratificaram as convenções. Os relatórios são apresentados pelos governos, mas são previamente comunicados a trabalhadores e empregadores, que também podem mandar seus comentários. Os peritos examinam esse material e preparam observações quanto à adequação da legislação e da prática nacional em face da norma internacional ratificada. Pode-se chegar à conclusão de que a norma está sendo adequadamente implementada ou pode-se concluir que há deficiência na implementação. Nesse caso, os peritos chamam a atenção do país para a necessidade de adotar as medidas necessárias à correta aplicação da norma internacional. ” (BENTES, 2009).

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A OIT utiliza do diálogo para demonstrar ao Estado a desconformidade com a

norma internacional e alertá-lo ou convencê-lo a buscar meios eficazes para a solução do

problema.

Lélio Bentes informa ainda que:

“a OIT coloca à disposição dos países o serviço de assistência técnica. Muitas vezes, os países não cumprem as normas por absoluta falta de capacidade técnica. Alguns países recebem treinamento para implementar as normas. O Brasil mesmo já recebeu treinamento, por exemplo, para formar servidores públicos com capacidade de preencher os relatórios a serem enviados à OIT, que são muito detalhados. Muitos países carecem de recursos mínimos. Outros encontram-se em situação de conflito interno, guerras civis ou se recuperando de tais situações. ” (BENTES, 2009)

A OIT preconiza a boa-fé dos Estados signatários das convenções, partindo do

princípio que cumprirão as normas ratificadas e o não cumprimento somente viabiliza a

comoção moral do Estado, para que digne em cumprir as normas internacionais de

proteção ao trabalho. O tópico a seguir aborda a importância do organismo diante do

direito do trabalho.

2.4.1.1- Internacionalização do direito do trabalho

A Organização Internacional do Trabalho surgiu em 1919, na conferência da

Paz28, em Paris. Antes de iniciar a abordagem histórica do organismo, a partir de sua

criação, e para melhor apresentar o histórico do organismo internacional, voltar-se-á à

história do direito do trabalho internacional, justificando a criação do organismo

internacional do trabalho.

Robert Owen criou várias comunidades industriais, possuía uma fábrica de fios

em New Lanark, Lanarkshire, Escócia, onde percebeu que os trabalhadores exerciam as

funções e viviam em péssimas condições de higiene e moradia. Ao tornar-se sócio da

28A Conferência de Paz de Paris foi a reunião realizada a partir do dia 18 de janeiro, em 1919. O objetivo central deste encontro era acordar as condições de paz com os países do eixo, entre eles Grã-Bretanha, França e Estados Unidos. A proposta do então presidente norte-americano, Woodrow Wilson, era a de consolidar princípios que equilibrariam as relações entre os 32 países envolvidos. Um dos argumentos de Wilson defendia a transparência dos acordos diplomáticos, ou seja, “uma paz sem anexações nem indenizações”http://www.oieduca.com.br/biblioteca/que-dia-e-hoje/comeca-a-conferencia-de-paz-de-paris.html?sniveleduca=efafconsultado em 25 de julho de 2016

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empresa, em 1800, instalou uma comunidade inspirada nos ideais utópicos, melhorando as

casas, criando armazém para aquisição de produtos com melhores preços, promoveu o

estrito controle das bebidas alcoólicas, reduzindo o vício e o crime, e fundou a primeira

escola maternal britânica, em 1816. Robert Ownen montou um centro de comunidade

operária29, ganhou repercussão e ultrapassou as fronteiras.

O empresário francês Daniel le Grand também defendeu organizações a favor

dos direitos do trabalhador:

“no período de 1831 – 1834, observaram-se algumas revoltas, especialmente dos operários das fábricas de seda de Lyon, conhecidos como “canuts”30, requerendo melhores condições de trabalho. Acontece que esses levantes vieram a ser sufocados de forma violenta por parte do governo. Ainda na França, entre os anos de 1838 – 1859, o industrial Daniel le Grand retomou as ideias de Robert Owen, vindo a apoiar uma legislação progressista no domínio social e laboral, propondo melhores condições de trabalho aos operários das fábricas. ” (ANJOS, 2014, p. 232-233)

Argumenta Süssekind:

“Mas foi o industrial alsaciano Daniel le Grand quem desenvolveu, desde 1841, ação meritória e contínua, com indiscutível sucesso, visando à internacionalização das normas social – trabalhistas. Ele advogou a instituição de “um direito internacional para proteger as classes operárias contra o trabalho prematuro e excessivo, causa principal e fundamental do seu enfraquecimento físico, de sua degradação moral e da privação em que se vive”. (SUSSEKIND apud ANJOS, 2014, p. 233)

29Montou uma fiação no centro de uma comunidade operária (1817), com Jeremy Bentham e o quacre William Allen, e promoveu a organização de serviços comunitários de educação, saúde e assistência social. A comunidade passou, então, a se autogerir com todos os integrantes pertencendo à mesma classe. No lugar de dinheiro, circulavam vales correspondentes ao número de horas trabalhadas. Rico e influente, empenhou-se junto aos poderes públicos para melhorar as condições de trabalho, reduzir a jornada e regulamentar o trabalho de menores, pregou a formação de cidades-cooperativas, ou comunidades autônomas de trabalhadores, como solução para a questão social. A repercussão de sua obra ultrapassou as fronteiras do país, e chamaram a atenção, sobretudo, suas inovações pedagógicas: jardim de infância, escola ativa e cursos noturnos. Fundou outras comunidades como as de Orbiston, perto de Glasgow e transferiu-se para os Estados Unidos (1824) a fim de pôr à prova suas ideias, fundando a efêmera comunidade de New Harmony, Indiana, na qual não obteve sucesso e ainda praticamente perdeu toda sua fortuna. Voltou ao Reino Unido (1829) onde organizou uma rede de cooperativas e um sistema de bolsas de trabalho e promoveu uma vasta união sindical (1834). Tornou-se espiritualista (1852) e morreu em sua cidade natal. Seu livro mais importante foi The New Moral World (1834-1845) e foi o primeiro a usar a palavra socialismo, para denominar sua doutrina.http://brasilescola.uol.com.br/biografia/robert-owen.htm consultado em 26 de julho de 2016. 30 Trabalhador, trabalhando fábricas de seda de Lyon:1. Após a revolução de julho de miséria chegou neste ponto que os trabalhadores de seda ter içado a bandeira: Pão ou morte Balzac, NucingenHouse, 1838 p !. 637.https://translate.google.com.br/translate?hl=pt-BR&sl=fr&u=http://www.cnrtl.fr/lexicographie/canut&prev=search- consultado em 26 de julho de 2016

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Ainda sobre Owen, que pugnava por uma política intervencionista do Estado

nas relações trabalhistas. O ideal de Robert Owen foi justificado pela Revolução Industrial,

onde a máquina a vapor e, posteriormente, outras máquinas, permitiam a mão de obra

sobrepujada, trabalhos prestados de sol a sol, pela contraprestação de migalhas de pão ou

um prato de comida, mulheres e crianças no mercado de trabalho. Essas situações

motivaram a “questão social”31.

O Parlamento Britânico, em 1824, proibiu a associação de trabalhadores e, por

meio da fundamental atuação de Owen, motivou o sindicalismo a travar uma luta com a

classe dominante no sentido de conquistar direitos para a classe operária. Owen deu

conhecimento ao Estado da necessidade de se estabelecer um limite máximo de jornada de

trabalho.

Como bem aborda Zoraide, elencando outros fatores históricos que também

foram determinantes para internacionalização do Direito do Trabalho:

“1. A incapacidade do liberalismo político de oferecer uma solução para as crescentes injustiças sociais, agravadas pelo advento da Revolução Industrial e pela competição sem limites, fez com que houvesse uma regulamentação interna do trabalho; 2. Em razão da regulamentação acima, surgiu a evidência de que o comércio exigia a repartição dos ônus sociais entre os produtores; 3. Com base em tais fatores decorreram as propostas de internacionalização de Owen até a Internacional Comunista, seguidos dos primeiros esforços de regulamentação internacional, entre os quais se incluem Guilherme II, na Alemanha, do Papa Leão XIII (Encíclica RerumNovarum de 1891), do governo da Suíça para a criação de uma organização internacional e de uma regulamentação internacional do trabalho, do que resultou a criação da Associação Internacional para a proteção legal dos trabalhadores, em 1890, com sede em Basiléia, na Suíça. Importante salientar que desta associação surgiu o primeiro tratado bilateral entre a França e a Itália, de 1909, e as primeiras convenções internacionais em 1906, resultando na realização das Conferências de Berna, a partir de 1905;

31A questão social, assim nomeada pela primeira vez em 1830, foi suscitada quando da constatação do distanciamento existente entre o crescimento econômico e o aumento da pobreza por um lado e uma ordem jurídico-política que reconhecia o direito dos cidadãos e uma ordem econômica que os negava, por outro lado. A questão foi levantada após a Revolução Industrial que provocou grandes transformações econômicas, políticas e sociais na Europa do Século XVIII, afetando seriamente a vida das populações. Castel caracteriza a questão social por “uma inquietação quanto à capacidade de manter a coesão de uma sociedade. A ameaça de ruptura é apresentada por grupos cuja existência abala a coesão do conjunto” (Castell, 1998, pg. 41). http://www.eumed.net/rev/cccss/03/fpod.htm consultado em 26 de julho de 2016

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4. A Associação Internacional de Trabalhadores foi criada na reunião de 28 de setembro de 1864, em Londres. Nesta reunião estiveram presentes vários grupos, dentre eles, franceses, ingleses e alemães, valendo ressaltar que Karl Marx era um dos representantes deste último. Com o projeto de Marx que teve pequenas alterações, foi aprovado o projeto de criação da referida associação. (SOUZA, 2006, p. 428-429)

A associação internacional operaria em Londres, foi dominada pela classe

operária, a partir de então desencadeou uma grande luta na Inglaterra, ultrapassando as

fronteiras inglesas e repercutindo em toda Europa, em busca de uma legislação mais

progressista e incentivando a organização sindical. Em 1866, há o I congresso

Internacional Operário, por conta da grave crise econômica32.

No ano de 1886, veio a ocorrer a Revolta de Haymarket33, em Chicago. Em

1888, a Organização para o congresso de comemoração do centenário da Queda da

Bastilha. Em 1889, o Congresso de Paris, o primeiro da Internacional Socialista. A

Alemanha, nos anos de 1890, adota a primeira legislação34 social na Europa. Em 1º de

maio de 1890, a manifestação em favor da jornada de oito horas. Em 1891, o Congresso de

Bruxelas. Em 1893, o Congresso de Zurique. Em 1896, o Congresso de Londres e a

expulsão definitiva dos anarquistas. Em 1900, o Congresso de Paris, a criação do BSI-

32A quebra de um importante banco de Londres, em 1866, levou a uma mudança chave no papel dos bancos centrais na administração de crises financeiras. OverendandGuerney era um banco de descontos que oferecia empréstimos a bancos comerciais e bancos de correntistas em Londres, na época, o centro financeiro mundial. Quando a instituição teve a falência decretada, em maio de 1866, muitos bancos menores não conseguiram obter recursos e acabaram quebrando, apesar de continuarem honrando seus compromissos. Como resultado, reformadores como Walter Bagehot defenderam um novo papel para o Banco da Inglaterra como "emprestador de último recurso" para garantir a liquidez (dinheiro disponível) ao sistema financeiro durante crises, em uma tentativa de evitar que a quebra de um banco afetasse outros. A nova doutrina foi implementada em 1890, quando um dos principais bancos britânicos - o Barings - teve os grandes prejuízos realizados em investimentos na Argentina cobertos pelo Banco da Inglaterra para evitar um colapso sistemático do sistema bancário britânico. Em novembro de 1890, negociações secretas entre o Banco da Inglaterra e financistas de Londres levaram à criação de um fundo de resgate de 18 milhões de libras esterlinas, antes que a extensão do prejuízo do Barings fosse conhecida publicamente. Os banqueiros ainda organizaram um comitê para renegociar os grandes débitos da Argentina, mas a crise bancária se alastrou e os empréstimos para o país secaram por uma década.http://www.bbc.com/portuguese/reporterbbc/story/2008/01/080122_economiacriseslicoes_ba.shtmlconsultado em 26 de julho de 2016. 33 Onde durante uma manifestação pacífica buscando uma jornada laboral de 8 horas, há o estouro de uma bomba, morrendo policiais, desencadeando imediatamente artilharia de fogo em face dos manifestantes, essa revolta é uma das origens das comemorações internacionais do 1° de maio. 34Bismarck, o “chanceler de ferro alemão”, a partir de 1881, impulsiona uma legislação social, por influência de Ferdinand Lassalle, convencido de que apenas a ação do Estado pode fazer oposição e neutralizar as ideias revolucionárias. As leis que propugna são a lei de acidentes de trabalho, o reconhecimento dos sindicatos, o seguro doença, acidente ou invalidez, ente outras. (Revista Jurídica Uniandrade – nº 20 – vol. 01 - 2014 Página 233)

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Bureau Socialista Internacional. Em 1904, o Congresso de Amsterdã e a criação da CSI.

Em 1907, o Congresso de Stuttgart. Em 1914, o Congresso de Viena.

Guilherme II, da Alemanha, que convocou em 1889 a 1ª Conferência

Internacional para questões operárias verificadas em Berlim em 1890, integrada por 14

países, formulou ideias sobre as questões trabalhistas que influenciaram nas legislações

nacionais.

Acerca da Conferência de Berlim de 1890, Segadas Viana aduz o seguinte:

Pode marcar-se essa conferência como o final da primeira fase pela internacionalização, iniciando-se a Segunda em 1901, com a fundação, na Basiléia, da Associação Internacional para a Proteção Legal dos Trabalhadores. Em 1905 e 1906 houve duas conferências de caráter técnico sobre problemas do trabalho, em Berna, de iniciativa do governo Suíço. Nova conferência realizou-se na mesma cidade, em 1913, e nela foram preparados dois projetos de convenções internacionais proibindo o trabalho noturno aos menores e limitando em 10 horas a duração do trabalho das mulheres e dos adolescentes. Tais deveriam ser assinadas no ano seguinte, uma conferência que não se realizou por ter rebentado a I Guerra Mundial do século. (VIANNA apud SOUZA, 2006, p. 432)

“No final deste século, então, em 1900, a Conferência de Paris cria a Associação Internacional para a Proteção dos Trabalhadores, sendo um organismo percussor da própria OIT. Esta teve a missão de traduzir e publicar a legislação social de diferentes países, nascendo a “Série Legislativa”, publicada, inclusive hoje, pela OIT. Adentrando ao século XX então, após a Primeira Guerra Mundial – e com a consequente Conferência da Paz -, o texto do Tratado de Versalhes incluiu a constituição da Organização Internacional do Trabalho, que tinha sob sua égide a defesa dos direitos humanos e a garantia da harmonia entre os povos. ” (ANJOS, 2014, p. 234)

Com o final da 1ª Guerra Mundial, houve a conferência da Paz em Paris, com a

criação da OIT e a transferência para o Tratado de Versalhes, que foi o marco histórico em

1919, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial.

2.4.1.2- Histórico da Organização Internacional do Trabalho (OIT) a partir

do Tratado de Versalhes

A Organização Internacional do Trabalho foi criada em 1919, ao término da

Primeira Guerra Mundial, quando se reuniu a Conferência da Paz, primeiro em Paris e

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depois em Versalhes. Tudo isso decorrente dos ideais e posicionamentos a favor da

proteção as condições do trabalhador, preconizado por Robert Owen (1771-1853) e Daniel

Legrand (1783-1859).

A fundação do referido organismo era a resposta à preocupação humanitária, já

que deixava de ser aceitável a exploração à saúde, vida e progresso profissional dos

trabalhadores. O Preâmbulo da Constituição da OIT prevê que “existem condições de

trabalho que misturam... injustiça, miséria e privações para grande número de seres

humanos”, ratificando a preocupação com os ideais humanistas sociais.

As motivações também foram de caráter político, caso não melhorasse a

condição dos trabalhadores, que crescia com a industrialização, poderia ser deflagrado

conflitos sociais, por isso o preâmbulo ressalta o descontentamento causado pela injustiça.

Também houve motivação econômica, pois, o organismo considerou que

qualquer país ou indústria que praticasse medidas de reforma social de desvantagem,

prevalecendo a produção, constituiria obstáculo para outras nações. O motivo adicional

para criação da OIT foi a paz universal baseada na justiça social, já que os trabalhadores

contribuíram no campo de batalha e nas indústrias.

A Comissão de Legislação Internacional do Trabalho, criada pela

Conferência da Paz, lavrou a Constituição da OIT entre os meses de janeiro e abril de

1919. Integraram esta Comissão os representantes de nove países (Bélgica, Cuba,

Tchecoslováquia, Estados Unidos, França, Itália, Japão Polônia e Reino Unido), sob a

presidência de Samuel Gompers, presidente da Federação Americana do Trabalho (AFL).

Como resultado, criava-se uma organização tripartite, única no gênero, que

reúne, em seus órgãos executivos, os representantes dos governos, dos empregadores e dos

trabalhadores.

A primeira reunião da Conferência Internacional do Trabalho ocorreu a partir

de 29 de outubro de 1919, em Washington, e cada um dos Estados Membros enviou dois

representantes governamentais: um representante das organizações de empregadores e

outro das organizações de trabalhadores. Restaram aprovados os seis primeiros convênios

ajustes internacionais do trabalho, que se referiam às horas de trabalho na indústria, ao

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desemprego, à proteção à maternidade, ao trabalho noturno das mulheres e à idade

mínima e ao trabalho noturno dos menores na indústria.

O Conselho de Administração, órgão executivo da OIT, eleito pela Conferência

– a metade de seus membros são representantes governamentais, uma quarta parte

representa os trabalhadores e a quarta parte restante é formada por representantes dos

empregadores – elegeu Albert Thomas (um político francês que demonstrava interesse nos

problemas sociais) como primeiro Diretor da Oficina Internacional do Trabalho, que é a

secretaria da Organização.

Em 1998, a Conferência Internacional do Trabalho adota a Declaração dos

Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho35. Em junho de 2008, a97ª Sessão da

Conferência Internacional do Trabalho, realizada anualmente em Genebra, reúne

representantes de governos, empregadores e trabalhadores, surgindo documento que

demonstra preocupação com o mundo globalizado e a crise financeira internacional de

2008- a Declaração sobre Justiça Social para uma Globalização Equitativa.

A OIT tem um diálogo social, permitindo às três classes de interlocutores uma

interação, um método específico do organismo internacional do trabalho, aprimorando a

discussão e métodos para as soluções de problemas sociais e desafios do mundo na

atividade laborativa. Permite a OIT o diálogo entre os empregadores, trabalhadores e o

governo.

O Brasil está entre os membros fundadores da Organização Internacional do

Trabalho e vem participando das Conferências Internacionais do Trabalho desde sua

primeira reunião.

35Definidos como o respeito à liberdade sindical e de associação e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, a efetiva abolição do trabalho infantil e a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação. A Declaração associa a esses 4 direitos e princípios 8 convenções, que passam a ser definidas como fundamentais. Estabelece que todos os Estados Membros da OIT, pelo simples fato de sê-lo e de terem aderido à sua Constituição, são obrigados a respeitar esses direitos e princípios, havendo ou não ratificado as convenções a eles correspondentes. A Conferência define também a ratificação universal dessas convenções como um objetivo, senta as bases para um amplo programa de cooperação técnica da OIT com os seus Estados Membros com o objetivo de contribuir à sua efetiva aplicação e define um mecanismo de monitoramento dos avanços realizados. http://www.ilo.org/brasilia/conheca-a-oit/hist%C3%B3ria/lang--pt/index.htm consultado em 03 de agosto de 2016

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A Constituição da Organização Internacional do Trabalho preceitua em seu

preâmbulo que a paz, para ser universal e duradoura, deve assentar sobre a justiça social,

que será mais detalhado no segundo capítulo.

As nações que não observam e protegem um regime de trabalho humano criam

dificuldades para outras nações aperfeiçoarem as condições dos trabalhadores em seus

próprios territórios, por isso, em busca da estabilização e perpetuação da paz mundial no

tocante a justiça social, a Organização Internacional do Trabalho promove a realização de

programas para inibir a miséria e privações.

Segundo John Rawls, “a promoção dos direitos humanos deve ser uma

preocupação fixa da política exterior de todos os regimes justos e decentes” (RAWLS,

2001, p. 62)

O respeito aos direitos do homem implica numa sociedade democrática, porém,

a princípio, uma sociedade mundial poderia deslegitimar uma democracia representativa, a

seleção dos governantes remete à exigência de instituições democráticas, e essas são quase

ausentes na escala mundial.

No entanto, os direitos humanos sociais, regulados pelas convenções

internacionais do trabalho, dada como exemplo, servem para edificar princípios

organizacionais de estabilidade interna, protegendo desde as sociedades mais heterogêneas

até as menos complexas, atribuindo o mínimo de cada homem, salvaguardando o interesse

comum de toda a comunidade mundial.

Para DalmasMarty, há dois tipos de instituições interestatais: as centrífugas,

que traduzem a soberania dos estados e as instituições centrípetas. Não há necessidade da

paralisação do sistema pelo choque dessas instituições, mas tão somente a condução da

mundialização à redução das competências exclusivas internas em prol das competências

compartilhadas comuns externamente. (MARTY, 2003, p.171).

Como exemplo, o artigo 19, item 5, alínea e, da constituição da organização

internacional do trabalho:

Artigo 19

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(...)

5. Tratando-se de uma convenção:

(...)

e) quando a autoridade competente não der seu assentimento a uma convenção, nenhuma obrigação terá o Estado-membro a não ser a de informar o Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho- nas épocas que o Conselho de administração julgar convenientes- sobre a sua legislação e prática observada relativamente ao assunto de que trata a convenção. Deverá, também, precisar nestas informações até que ponto aplicou, ou pretende aplicar, dispositivos da convenção, por intermédio de leis, por meios administrativos, por força de contratos coletivos, ou, ainda, por qualquer outro processo, expondo, outrossim, as dificuldades que impedem ou retardam a ratificação da convenção. (MARTINS, 2013, p.13).

Diante do dispositivo acima transcrito, parece implicar num estatuto de

subordinação, havendo uma organização hierarquizada, que aquele estado deverá prestar

explicações, porém, se analisar atentamente, o estado teve a possibilidade de manifestar o

aceite previamente, não havendo uma forçosa pactuação mundial.

O artigo 1, organização, item 3, prevê que:

Todo Estado-Membro das Nações Unidas, desde a criação desta instituição e todo Estado que for a ela admitido, na qualidade de Membro, de acordo com as disposições da Carta, por decisão da Assembleia Geral, podem tornar-se Membros da Organização Internacional do Trabalho, comunicando ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho que aceitou, integralmente as obrigações decorrentes da Constituição da Organização Internacional do Trabalho. (ibid., p.5)

Na prática, a globalização dos direitos do homem, especialmente aqui abordado

o direito social do trabalho, almeja o reequilíbrio dos controles dos direitos econômicos,

sociais e culturais, utilizando do princípio da indivisibilidade e a universalidade.

Para André Ramos, a indivisibilidade consiste:

“no reconhecimento de que todos os direitos humanos possuem a mesma proteção jurídica, uma vez que são essenciais para uma vida digna. A indivisibilidade possui duas facetas. A primeira implica reconhecer que o direito protegido apresenta uma unidade incindível em si. A segunda faceta, mais conhecida, assegura que não é

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possível proteger apenas alguns dos direitos humanos reconhecidos. ” (RAMOS, 2014, p. 91)

E a universalidade, ainda por André Ramos, consiste na atribuição dos direitos

a todos os seres humanos, não importando nenhuma outra qualidade adicional, possuindo

“um vínculo indissociável com o processo de internacionalização”. (ibid. p.89)

A Organização Internacional do Trabalho deve, mais do que nunca, mobilizar o

conjunto de meios de ação normativa, de cooperação e investigação para apresentar um

desenvolvimento sustentável de base ampla e, assim, manter o progresso social e o

crescimento econômico, não podendo afastar da promoção dos direitos fundamentais do

trabalho a expressão de princípios constitucionais, mesmo que todo esse processo tenha

mitigado o conceito de soberania, pois o bem maior nesse momento é o cidadão universal

digno e protegido.

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3-DIREITO HUMANO SOCIAL DO TRABALHO, A GLOBALIZAÇÃO E O

CASO DA FAZENDA BRASIL

3.1- Globalização do direito social do trabalho e a economia

A produção e a distribuição de bens e serviços foram facilitadas com a queda

das fronteiras geopolíticas e as unidades de produção, buscando lucro, substituíram as

bandeiras e hinos nacionais passando a adotar as bandeiras e hinos de todo o mundo, a

chamada globalização.

Algumas instituições são importantes para planejar e implementar o

desenvolvimento econômico sustentado e uma justa distribuição entre os povos de uma

política econômica mundial. A conceituação de Leopoldino da Fonseca:

“Direito Econômico Internacional surge com a finalidade precípua de estabelecer o enquadramento para a adoção, por todos os sujeitos internacionais, de políticas econômicas destinadas a um aprimoramento constante no nível de desenvolvimento. ” (LEOPOLDINO, 2003, p. 112)

Ensina Marcelo Dias Varella:

“O direito internacional econômico é construído a partir de dois princípios básicos: o da nação mais favorecida e o do tratamento nacional. O primeiro implica que qualquer tratamento mais benéfico dado a um país deve ser estendido a todos os outros países. O segundo indica que a partir do momento em que um produto entrou no país ele deve ser tratado como qualquer outro produto nacional, sendo proibidas as discriminações negativas contra aquele produto. ” (VARELLA apud ALMEIDA, 2012, p.88)

Ressalta Grieco que a evolução:

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“[...] do Direito Internacional Econômico, buscou a criação de um conjunto normativo, nem sempre com êxito, para abolir a discriminação entre os Estados, assegurando igualdade de tratamento e abolição erigidas no decorrer da afirmação de supremacias políticas, principalmente nos séculos XIX e XX. A persistência de desigualdades, advindas da Revolução Industrial, acentuou-se com as transformações tecnológicas e da informática, que atualmente ditam o processo inexorável da globalização, da produção e da redireção de capitais internacionais. ” (GRIECO, 2001, p.20)

O Direito Internacional Econômico objetiva as Relações Econômicas

Internacionais, facilitando a distribuição dos bens e serviços, gerando riqueza. As relações

econômicas internacionais compreendem as operações econômicas e apresentam uma

conexão com duas ou mais ordens jurídicas ou, diretamente, por se encontrar regidas pelo

direito internacional.

Existem três grandes correntes de pensamento, sendo que a primeira:

“[...] é mais ambiciosa, procura enquadrar as regras aplicáveis às relações econômicas internacionais de forma unitária num Direito Econômico Transnacional, que agruparia as regras relevantes das diversas ordens jurídicas em causa (direito nacional, com particular destaque para as normas de Direito Internacional Privado), as regras de Direito Internacional Público que regem essas relações, e ainda uma “terceira ordem”, a lexmercatoria. Vítima da summadivisio, [...] o Direito Internacional Econômico tenderia a sofrer com a dicotomia Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado. ” (SILVA, 2006, p. 4)

A segunda corrente de pensamento procura:

[...] integrar o Direito Internacional Econômico no âmbito do Direito Internacional público, constituindo aquele um simples ramo substantivo deste último. Assim, para PROSPER WEIL, “no plano científico, o direito internacional econômico não constitui senão um capítulo entre outros do direito internacional geral”. (SILVA, 2006, p. 5)

Já a terceira das correntes, defende “[...] a autonomia do Direito Internacional

Econômico face ao Direito Internacional Público, invocando um conjunto de

características que o tornariam distinto deste” (SILVA, 2006, p.7).

O Direito Internacional Público impõe limites na aplicação das leis nacionais,

na medida em que o seu exercício colida com a esfera soberana de outros Estados ou com

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os direitos destes e, no Direito Internacional Privado, é necessário determinar qual a lei

aplicável aos diversos elementos da relação em causas, no entanto, vários ramos de direito

interno das ordens jurídicas, com as quais existe uma conexão, são igualmente pertinentes:

o Direito Fiscal, o Direito da Economia, o Direito do Trabalho e outros.

O direito internacional econômico e o direito internacional do trabalho,

possuindo aplicação conjunta, pode representar uma saída viável e adequada para

instrumentalização e efetivação dos direitos humanos. Desde a crise de 2007, os

trabalhadores foram os mais prejudicados e menos beneficiados por programas e medidas

para resguardar os direitos dignos do trabalho.

Preleciona Flávia Piovesan:

“... a comunidade internacional continua a tolerar frequentes violações a direitos sociais, econômicos e culturais que, se perpetradas em relação aos direitos civis e políticos, provocariam imediato repúdio internacional. Em outras palavras, ‘independentemente da retórica, as violações de direitos civis e políticos continuam a ser consideradas como mais sérias e mais patentemente intoleráveis, que a maciça e direta negação de direitos econômicos, sociais e culturais’”. “Em geral, a violação aos direitos sociais, econômicos e culturais é resultado tanto da ausência de forte suporte e intervenção governamental como da ausência de pressão internacional em favor dessa intervenção”. (PIOVESAN, 2006, p.).

O principal organismo internacional do âmbito do Direito Econômico

Internacional, a OMC, não possui qualquer dispositivo regrando relações de trabalho e sua

precarização, ainda que para fins de vantagem comercial indevida.

Mais produtivo seria, estabelecer mecanismos que conferissem maior

efetividade às normas e decisões da OIT, como a fixação de multas ou, até mesmo, a

aplicação de sanções comerciais em conjunto com a OMC, em uma atuação

multidisciplinar.

3.2- A escravidão e a perspectiva capitalista

A Lei Áurea trouxe, em tese, o fim da vida humana como propriedade

pertencente a terceiros que legitimava a condição de escravo de milhões de pessoas mundo

afora.

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A dignidade da pessoa humana sempre esteve no cerne da discussão sobre a

escravidão. Afinal, a condição de análogo a escravo aniquila qualquer pretensão a uma

vida digna, ao respeito ao ser humano remontando a situação de “coisificação do ser” tão

duramente combatida por séculos a fio.

Porém, apesar do arcabouço legislativo que visa coibir a escravidão no mundo,

percebe-se que falta uma definição clara e coesa do que seja, de fato, trabalho escravo.

Nem mesmo a Suprema Corte de nosso país chegou a um consenso sobre um conceito do

que seja escravidão.

Essa falta de conceituação acarreta em brechas na lei que acabam por

beneficiar aqueles que se utilizam da mão de obra escrava em busca de um lucro cada vez

maior. Inquestionavelmente o capitalismo se revela como o maior propulsor para a

manutenção, ainda que de forma disfarçada, da escravidão no mundo. A busca incessante

pelo lucro se revela incompatível com o respeito à legislação que visa garantir o exercício

do trabalho em condições dignas e adequadas.

A palavra escravidão remete à ideia de privação total da liberdade no qual o

escravo é considerado, juridicamente, um objeto, propriedade de seu dominus,36

meramente uma coisa, submetendo-se à vontade de seu senhor, jamais visto como ser,

portanto, desprovido de qualquer direito.

A escravidão tem abrangência social, cultural e religiosa. A sua magnitude é tal

que fez parte do cotidiano de vários povos nos últimos 5 mil anos, remetendo-se aos

primórdios das civilizações. O ato de escravizar o ser humano é verificado na maioria das

sociedades. Nesse sentido Guilherme Hervieux afirma que “Nem a Bíblia nem o Corão

condenam a escravidão. Pelo contrário: por séculos, trechos dos textos sagrados foram

usados para legitimar a pratica, que foi um dos pilares econômicos das sociedades judaica,

cristã e muçulmana”. (HERVIEUX, 2011, p.28)

36 A palavra dominus designava propriamente o poder dos senhores sobre os escravos. Os Annaes de

Cornelio Tacito. Tradução por José Liberato Freire de Carvalho.

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Durante séculos, o mercado de escravos movimentou verdadeiras fortunas.

Contudo, ao contrário do que se possa pensar, os escravos mais procurados eram os

brancos. Os mercadores mulçumanos, além de escravizarem os brancos tiveram interesse

pela África negra. No século X, na Arábia, um autor chegou a afirmar que “o mais belo

artigo importado da Espanha são os escravos, meninas e meninos provenientes do país dos

francos e da Galícia”. (VISSIÈRE, 2011, p.32).

A base econômica das sociedades antigas era alicerçada na mão de obra

escrava. Na forma da Lei, o escravo era propriedade do senhorio e esse tinha o poder de

decidir o destino da vida ou morte de seu escravo conforme a sua conveniência. Os cativos

viviam em situações degradantes. (HERVIEUX apud SALLES ,2011, p.30)

A organização do tráfico negreiro na costa sul do Mediterrâneo e da

península Arábica ocorreu de forma pacifica. As rotas comerciais africanas eram

comandadas e monopolizadas praticamente pelos mulçumanos.

Embora o escravo tenha sido uma mercadoria comercializada em todos os

continentes com o passar dos séculos verificou-se uma queda expressiva no valor do

escravo, ao passo que outras mercadorias tiveram seus preços elevados. No final da idade

Média, o rei de Mali, a exemplo de outros soberanos africanos, iniciou um ciclo econômico

dominador no qual trocava-se escravos por cavalos e armas que lhes permitiam equipar

suas tropas para invadir e dominar novos vilarejos, no quais faziam novos escravos. Nessa

época já era possível constatar a desvalorização do escravo. Um cavalo, por exemplo,

chegava a valer de 15 a 20 escravos. (VISSIÈRE, 2011, p.33).

No século XV, os comerciantes portugueses começaram a exploração da

costa africana com suas famosas caravelas ameaçando a hegemonia mulçumana. Sendo os

pioneiros a se engajar no tráfico, através de contratos e concessões reais. No litoral da

África ocidental, o comércio era realizado pelas feitorias que eram entrepostos comerciais.

No início do século XVII, no Sudão, havia paz e prosperidade, mas quando

o exército marroquino adentrou essas terras, miséria, insegurança, calamidades e violência

foram instaladas, passando a existir duas ameaças: uma relacionada ao tráfico destinado ao

mundo árabe cujas caravanas vinham pelo continente e o escravismo atlântico no qual

navios negreiros europeus eram abastecidos no litoral da Guiné.

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Enquanto mercenários e soldados marchavam pelo interior, comerciantes estrangeiros chegavam por mar, atraídos pelas riquezas do continente. Os pioneiros foram os portugueses, que em 1444 visitaram pela primeira vez o litoral próximo ao Saara ocidental e de lá levaram ouro e escravos para Europa. O cronista oficial dessa expedição, Gomes Eanes de Zurara, conta que em agosto daquele ano foi montado o primeiro mercado de escravos em Portugal, na cidade de Lagos, no atual Algarve. (NANTET (2011, p.38)

Nesse comércio, a moeda de troca era o escravo, trocado por armas,

munições, fumo, aguardente. Somente no século XIX, começaram a ser vendidos em

dinheiro, permanecendo base de troca em grande parte do litoral africano.

O Brasil, tendo sua colonização feita por portugueses, que tinham uma vasta

experiência no tráfico negreiro, teve a cultura da escravidão embutida em seu bojo

econômico. Os comerciantes de escravos portugueses vendiam os africanos como se

fossem mercadorias em terras brasileiras. Essa comercialização, além de ser legalizada

fazia parte dos costumes desde o início da civilização.

Nesse diapasão, o Brasil não necessitou de muitos esforços para se tornar o

grande líder nas importações de escravos. Os interesses originavam-se dos mais

importantes segmentos da sociedade. Senhores de engenho, comerciantes, a Coroa

portuguesa e até o clero apoiaram o Brasil nesse negócio como relata Eliane Pedroso

(2011, p.44).

O comércio negreiro era deveras próspero. Os traficantes eram vistos como

grandes empresários com elevado status social, além de figurarem entre os homens mais

ricos do país. A mercadoria que comercializavam era os “seres humanos”. Naquela época

esse tipo de negócio era visto como outro qualquer, como se pode constatar na fala do

historiador Jaime Rodrigues (2011, p.42) ”No Brasil da década de 1820, o prestigio desses

negociantes era tão grande que eles contavam com defensores na Câmara dos Deputados”.

A Inglaterra que até século XVIII era a maior beneficiária e incentivadora

do tráfico negreiro, além de ser uma das maiores praticantes desse negócio, a partir do

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século XIX, modifica drasticamente seu perfil, abandonando a atividade de tráfico de

escravos.

Destarte, a Grã-Bretanha tenha parado com o tráfico negreiro, o qual havia

perdurado por séculos, tal fato não se deu foi por questões morais ou sociais, mas sim para

promover a reestruturação do capitalismo na virada do século XVIII, visando a

consolidação da sua supremacia através do controle da circulação de mercadorias. Neste

período houve sucessivas crises políticas ao redor do mundo, geradas principalmente, pelo

explicito envolvimento britânico para extinguir com a escravidão.

O domínio britânico sobre Portugal e posteriormente sobre o Brasil foi

notório. Com o interesse de se tornar independente, o Brasil, em 1826, contou com o apoio

diplomático da Grã-Bretanha para o reconhecimento de sua independência. Em

contrapartida, o Brasil assumiu o compromisso de abolir o tráfico negreiro em três anos

após a ratificação do tratado pelas duas monarquias. Por esse tratado o tráfico de escravo se

tornara ilegal a partir de março de 1830. A Lei Feijó foi promulgada no dia 7 de novembro

de 1831 pelo Parlamento brasileiro ratificando tal ilegalidade. A lei estava sendo

descumprida, faltavam medidas concretas para efetiva-las, as próprias autoridades não

coibiam.

De forma cristalina visualizou que seu intuito era meramente formal e não

tinha na verdade a intenção de suspender definitiva do tráfico, mas somente criar uma ideia

de dever cumprido pelos legisladores. O sentimento geral era de que a lei não

seria cumprida, teria começado a circular na Câmara dos Deputados, nas casas e nas ruas, o

comentário de que o ministro Feijó fizera uma lei “ só para inglês ver”, essa expressão

surgiu dessa lei contra o tráfico, tendo o significado meramente formal sem intenção de ser

cumprida. A lei brasileira permaneceu como letra morta por mais de 20 anos.

Como pode ser confirmado pelo historiador Jaime Rodrigues quando Cunha

de Matos em seu discurso reconheceu atributos negativos dos africanos, mas continuou a o

tráfico como provedor da mão-de-obra e pilar da soberania brasileira. “(...) o comercio de

escravo de acabar, mas deve acabar quando assim o quiser a nação brasileira, livre,

soberana e independente dos caprichos e da vontade do governo de Inglaterra” ADC, 2 jul.

1827, III, p.13. (Rodrigues ,2000, p.104)

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O tráfico negreiro no Brasil sofreu um decréscimo temporário, na primeira

metade da década de 1830. Entretanto, nos anos posteriores alcançou seu apogeu. Embora

existisse uma lei proibitiva observa-se, também, nessa mesma época o auge da expansão da

cultura cafeeira, que se tornaria o maior símbolo de prosperidade, riqueza e poder no

período imperial do Segundo Reinado. O cultivo do café dependia, exclusivamente, da

importação de trabalhadores africanos que eram escravizados nas palavras de Sidney

Chalhoub:

“Em todo o período de tráfico negreiro para o Brasil, desde meados do século XVI até os anos 1850, chegaram ao país mais de 4,8 milhões africanos escravizados.(..) Mais de dois milhões, aproximadamente 42% do total, vieram na primeira metade do século XIX.(...) Revela observar que a maioria esmagadora das entradas de escravizados no último período, 1826-50, mais o número residual da década de 1850 destinaram-se à região do atual Sudeste e ocorreu quando tratados internacionais e legislação nacional haviam tornado ilegal o tráfico negreiro.” (CHALHOUB 2012, p 35)

O postergar da abolição no Brasil, por completo, se deu devido às

artimanhas da elite dominante que se preocupava com a possibilidade da libertação desses

escravos acarretar na escassez de mão de obra. Entretanto, nesse período de ilegalidade da

escravidão, houve uma alta expressiva no preço do escravo, conforme demostra (...) de

1835 a 1875 o preço médio do escravo subiu 221,8%, enquanto o custo de vida cresceu, no

mesmo período, 70,2%. (SCHWARTCZ ,2001, p.37)

Frise-se que no momento da história em que o Brasil alcançava o auge do

tráfico negreiro, no continente Europeu, mais especificamente na Grã-Bretanha, mudanças

estruturais causadas pelo advento da Revolução Industrial do século XVIII, impingiram

uma ruptura na forma de pensar, agir e no contexto social, econômico e tecnológico. O

capitalismo competitivo da Grã-Bretanha pode ser considerado um dos fenômenos mais

relevantes do cenário mundial, um verdadeiro marco para humanidade.

A ineficácia das leis era perceptível, assim como o era o esplendor comercial

com o poder econômico advindo de forma clandestina, devido a não existência de

unicidade concernente à extinção ao tráfico. Esse período foi marcado por acirradas

divergências, ameaças e as pressões que se tornavam cada vez mais presentes por parte da

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Grã-Bretanha para que o Brasil assinasse um novo tratado nos moldes britânicos. Porem as

recusas por parte do governo brasileiro culminou com à promulgação de forma unilateral

do “bill” Aberdeen no dia 8 de agosto de 1845.

Com a decretação do Bill Aberdeen, concretizou uma ruptura entre os dois

países, que tiveram alguns efeitos, como repressão britânica através do uso da força;

suspensão das negociações com o governo inglês; inviabilidade de cooperação bilateral;

dificuldade de ação decisiva brasileira. Com imposição desta lei que considerava o tráfico

negreiro um ato de pirataria, o governo inglês autorizava que a marinha inglesa fizesse a

captura dos navios brasileiros independente dos locais em que fossem feitos esses

aprisionamentos e o julgamento seria feito pelos tribunais ingleses.

A repressão inglesa estava em seu auge, havendo a urgência da atitude

decisória de extinguir o tráfico em 1850 que se explica por razões internas e por cálculo de

políticas externas:

“O Ministro de Estrangeiro enfatizou que convinha extinguir o tráfico, por razões sociais e humanitárias, mas igualmente por razões estratégicas: dissipar o contencioso com a Inglaterra que parecia evoluir para o confronto armado (...) e eliminar o principal obstáculo ao incremento da imigração livre. Uma decisão que se tornou possível graças à mudança da opinião pública e ao fortalecimento do Estado. ” (CERVO E BUENO 2002, p.82):

O protesto brasileiro foi unanime, devido à mudança de postura para poder

evitar o agravamento da situação e na tentativa de sensibilização de outros governos, que

se estendia na questão de ordem jurídica, política, econômica e diplomática.

Anteriormente, como aduz o historiador Jaime Rodrigues (2011, p.43) os traficantes que

eram vistos como cidadãos respeitáveis, passaram a ser considerados verdadeiros “piratas”

como afirmou o deputado Moraes Sarmento “Os africanistas são piratas”. O comercio

negreiro passa a ser considerado ato de pirataria e mal visto pela da sociedade.

A Lei Eusébio de Queiros foi promulgada em 4 de setembro de 1850, havendo

consenso de torna-la eficaz, mormente através da repressão policial e das punições

judiciais. A observa a Lei Eusébio de Queiroz como original e fundamental foi o fato de

não haver insistido na revogação da Lei Feijó pura e simplesmente, mas aplicado um

recurso que demonstrou grande habilidade política como expõe Gurgel (2008, p.12):

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Suprimir os pontos que porventura representassem ameaça ao direito de propriedade dos senhores rurais, em especial o relativo à situação irregular dos milhares de africanos que entraram ilegalmente no país após 7 de novembro de 1831. “Para reprimir o tráfico de africanos, sem excitar uma revolução no país, faz-se necessário: 1º atacar com vigor as novas introduções, esquecendo e anistiando as anteriores à lei [...]”.37

O ano de 1850 foi marcado pela singularidade de ter duas Leis

extremamente significativas em um curto espaço de tempo, de apenas duas semanas: A Lei

Eusébio de Queiros que decretou definitivamente o fim do tráfico negreiro promulgada em

4 de setembro de 1850; em 18 de setembro de 1850 essa Lei conhecida como Lei de Terras

que representou a primeira iniciativa no sentido de organizar a propriedade privada no

Brasil. Houve uma manobra política ímpar, as duas leis estavam intrinsicamente ligadas de

forma bem oportuna, a primeira pois o fim ao tráfico negreiro em terras brasileiras que

simbolizava enorme fonte de riqueza, fora substituída pela formação do mercado de

trabalho, na sua forma capitalista, por implementar a efetivação da utilização da mão de

obra assalariada dos imigrantes europeus e a segunda ditando enormes restrições à ex-

escravos e estrangeiros que por ventura tivessem condição de se tornarem proprietário de

terras.

Ao que tange as Leis anteriores, Lei Feijó em 1831 e a Lei Eusébio de

Queiros em 1850 seu foco era coibir o tráfico negreiro, contudo não abordavam a temática

de extinguir a escravidão.

Com a efetividade da lei antiescravagista no Brasil, em 1852 o governo fez

um financiamento a empresa Vergueiro & Cia de propriedade do Senador Vergueiro para

custear o transporte de famílias europeias, inaugurando, assim, a imigração de

trabalhadores para as lavouras paulistas.

Nessa fase de transição foi bem conturbado, o contexto era o debate acirrado

entre os discursos abolicionistas versus emancipacionistas, o primeiro defendia a extinção

imediata e não de forma gradual, em contra sensu o segundo defendia veementemente a

extinção de forma lenta e gradual para não acarretar em problemas sociais e econômicos

37 Memorando confidencial de Eusébio de Queiroz para os seus colegas de ministério em 1849, lido para a Câmara dos Deputados em discurso de 16 de julho de 1852 (ACD, II, p. 251).

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graves. “Seria necessário o envolvimento de todos, da sociedade senhorial, de cada

indivíduo escravo a ser libertado e a própria economia do país.

É nesse contexto político-social que o Brasil passa a editar leis voltadas para

a abolição, mesmo não tendo intenção de cumpri-las. O verdadeiro intuito era ganhar

tempo, auferir lucros e tentar reverter às forças abolicionistas para garantir a manutenção

da escravidão.

A partir de 1870, os fazendeiros, mormente os do Oeste paulista que eram

mais prósperos, passam a desejar a abolição. A razão para esse desejo pode ser atribuída à

desproporcional alta no preço dos escravos e pelo retorno aquém do esperado ocasionado

pela falta de qualificação necessária. A contração de mão de obra de imigrantes torna-se

mais econômica e, conseguinte mais vantajosa. Percebe-se que o ato de contratar garante a

estabilidade da mão de obra e o prosseguimento da produção. A realização de contratos de

trabalho com imigrantes ou não passa a ser mais lucrativo e evidentemente mais

econômico.

O projeto de Lei nº 2040 foi proposto pelo gabinete conservador do

Visconde do Rio Branco, promulgada em 28 de setembro de 1871 e popularmente

conhecida com a Lei do Ventre Livre, tornando-se um evento relevante na legislação

brasileira, a primeira a tratar realmente sobre, alforria, abolição e emancipação. A lei em

seu “Art. 1o – Os filhos da mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei,

serão considerados de condição livre. ” Por conseguinte, rompendo com o Princípio da

“sorte do ventre” – partus sequitur ventrem do Direito Romano adotado pelo Brasil, ou

seja, o filho de escrava nasce escravo.

Insta salientar que o tráfico legalmente era proibido e a única forma possível

seria através do Princípio da “sorte do ventre”, entretanto lei determinava que os

ingênuos38estariam livres após a promulgação dessa Lei. Dentro dessa linha de

pensamento, a escravidão iria gradativamente extinguir-se em questão aproximadamente

de duas gerações, pelo fato de que ninguém mais nasceria sob condição escravo.

38 A utilização do termo “ingênuo” para denominar os filhos das escravas nascidos a partir de 28 de setembro de 1871 foi incorporada à legislação brasileira por influência da legislação romana que denominava “ingênuos” os cidadãos considerados livres, sem restrições Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-graduação da Universidade Federal Fluminense. Patrícia Ramos Geremias

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Essa lei é marcada por e ambiguidades, como preconiza o caput do artigo 1º,

os nascidos de escravas eram livres após o seu nascimento, em contrapartida, no § 1º deste

mesmo artigo 1º, relativização essa liberdade, sendo contraditória como expõe Viana

(2011, p. 44):

§1o – Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá a opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos (Lei 2040/1871, Art.1º. in MOURA, 2004, p. 238).

Essa lei tinha conteúdo dúplice para poder agradar “gregos e troianos”.

Como demonstra no artigo 1º dá liberdade ao nascituro atendendo aos anseios dos que

queriam a abolição e no mesmo artigo em seu §1º esse voltado à elite dominante senhoril

que relativizava a liberdade desse nascituro com o direito de propriedade de seu senhor.

Insta observar que existiam duas possibilidades: Indenização pecuniária ou

em forma de serviços fadado mais uma vez a vontade de seu senhor. Nas duas hipóteses o

final seria o mesmo para o ingênuo, que teria que ser um statuliber39 – um liberto sob

condições – por um período de 21 anos. Como demonstra Viana (2011, p.45):

Noutras palavras: com o texto dos artigos 1º. e 2º. a lei criava, a rigor, o seguinte fato: ou o menor legalmente dito “de condição livre” trabalhava cativo até os 21 anos (para o senhor de sua mãe), ou trabalhava cativo até os 21 anos (para as associações autorizadas). Não havia opção, o tempo e o cativeiro eram os mesmos40: mudava apenas o senhor, coletivo num caso, individual noutro. A Lei dos Nascituros, em última análise, criou (no arquivo de leis) o statuliber brasileiro: um filho de escrava, mas “de condição livre” – entenda-se, com liberdade condicionada – do nascimento até 21 anos. Libertou e deixou cativo: deu a liberdade e o cativeiro.

39 “Por Direito Romano, o statu liber era aquele que tinha a liberdade determinada para um certo tempo, ou dependente de condição” (MALHEIRO, 1866, p. 115). Não obstante, Pena (2001, p. 96-107), comenta como, no Brasil escravocrata, certos jurisconsultos polemizavam quanto à interpretação do conceito de statu liber. 40 Para completar a incoerência da lei de 1871, acresce que ela, como a de 1831, foi flagrantemente

desobedecida, inclusive com conhecimento de órgãos oficiais, como relata Moura (2004, p. 240). Para

Moraes (1924, p. 23), “[...] a marcha da libertação gradual, que a lei confiara ao fundo de emancipação e a

generosidade dos particulares, onze anos depois se revelava lenta e ineficaz; a situação dos que a lei fizera

nascer livres incerta e cercada de perigos; o desleixo e o desrespeito no cumprimento da lei eram manifestos

e iniludíveis”.

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A Lei Sinimbu ou Lei de Locação de Serviços, foi publicado no dia

15 de março de 1879, regulamentava com pormenorizadamente os contratos na agricultura

na parceria agrícola e pecuária, aplicava aos trabalhadores libertos nacionais e estrangeiros,

sobre tudo incentivando o fluxo de imigração. Uma forma mascarada que surge para

poderem atingir seus objetivos, que eram ao mesmo tempo adequar a transição mundial do

novo sistema econômico, continuidade de produção, manter um equilíbrio da mão de obra

especializada e maior quantidade de serviço braçal com o custo barato. A formação de um

mercado de trabalho regular é condição indispensável para a existência do modo capitalista

de produção. Por esse motivo que a força de trabalho começa a ser feita majoritariamente

por trabalhadores imigrantes estrangeiros.

Os imigrantes assinavam contratos com o importador e adiantavam as

despesas de transporte da Europa ao seu destino e também o necessário à subsistência

inicial. As dívidas contraídas na imigração eram pagas com juros de 6% ao ano, não

podendo o colono deixar de cumprir o contrato antes de saldá-las integralmente. À vista

disso, quem pagava por tudo era o próprio trabalhador.

O escravismo entra em declínio de maneira irreversível, no Brasil, em 28 de

setembro de 1885 a Lei nº 3.270 foi promulgada a Lei dos Sexagenários para outorgar a

liberdade aos maiores de 60 anos, não havendo uma ruptura abrupta e sim gradual. Nesse

diapasão em relação à execução da Lei no quesito da alforria o que preconiza no art. 3º §

10 após libertos os escravos de 60 anos de idade, ficavam obrigados a título de indenização

pela sua alforria, a prestar serviços a seus ex-senhores pelo espaço de três anos.

Outra discrepância está no art.3º §14 o domicilio do liberto era o município

onde tivesse sido alforriado estava obrigado a permanecer pelo período de cinco anos

contado da data da sua libertação, exceto os das capitais. E esse artigo é uma afronta a

Liberdade art.3º §15 “o que se ausentar de seu domicilio será considerado vagabundo e

aprendido pela polícia para ser empregado em trabalhos públicos ou colônias agrícolas”

Uma liberdade condicionada ao trabalho posterior a sua liberdade ou

impedimento de sua locomoção, não condiz com a verdadeira liberdade, de poder ter

vontade própria, sem se submeter a imposições alheias, desta forma podemos aduzir que

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essas leis não tiveram liberdade de fato, mas sim uma liberdade de Direito, liberdade

mitigada não é liberdade.

Com todas as artimanhas políticas de editar leis, para manutenção da

escravidão conforme a conveniência dos senhoris. Finalmente, após várias manobras ao

longo das décadas, quando o Brasil já possuía mão de obra estrangeira barata e mais

interessante que as dos escravos, é editada a Lei Áurea de nº. 3.353, em 13 de maio de

1888 que extinguiu formalmente a escravidão. É a Lei que finda o período escravocrata e

inaugura a transição do mercado livre no Brasil com a determinação de apenas dois artigos:

“art.1º É declarada extinta desde a data desta Lei, a escravidão no Brasil” e o “art.2º

Revogam-se as disposições em contrário”. Dentro dessa seara legal não foi mais permitido

no Brasil, no que tange a questão de propriedade, um ser humano ser legalmente

pertencente a outro, a condição de objeto ou coisa, transpassando para à condição de

pessoa.

A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a inaugurar e assegura, nos

termos da lei, em seu artigo 4º, inciso II, a prevalência dos direitos humanos consagrando

como princípio orientador do Estado Brasileiro em suas relações internacionais.

Fundamentais para consolidação dos valores a ser orientar nas questões internacionais do

Brasil.

Ainda analisando a Carta de 1988 certifica que no art. 5º, III “ninguém será

submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”; art. 5º, XLVII ao não

admitir de pena de trabalhos forçados. Constando a existência do princípio da dignidade da

pessoa humana, conexo ao princípio da liberdade.

Destarte, o trabalho escravo ou análogo à condição de escravo revela-se como

gênero, do qual o trabalho forçado e o trabalho em condições degradantes são espécies. E

ambos atentam contra o princípio da dignidade da pessoa humana, abarcando a própria

natureza dos direitos humanos fundamentais.

Na legislação trabalhista não existe nenhuma disposição de forma direta sobre

trabalho escravo. Existindo essa lacuna no diploma protetivo brasileiro e sendo abordado a

condição análoga à de escravo de forma superficial.

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A CLT em seu art. 47- proíbe o trabalho em condições degradantes ao

estabelecer multa ao empregador que não registar o empregado; art.55-Incorrerá na multa

caso não seja identificado assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS;

art. 120 - Além de estabelecer a pena de multa ao empregador que infringir qualquer

dispositivo referente ao salário mínimo; art. 75- à jornada de trabalho e art. 153- às férias

anuais remuneradas, dentre outros.

A concepção mais abrangente do trabalho escravo abarca o trabalho forçado

restringindo a liberdade de locomoção do trabalhador, como o trabalho degradante. A

redação da Lei nº 10.803/03 trata do delito que em seu art. 14941 do Código Penal tipifica o

crime de redução à condição análoga à de escravo conforme abaixo transcrito.

Os crimes contra a organização do trabalho são abordados no capítulo IV do

Código Penal, os quais se destacam os artigos 20342, 20643 e 20744. As portarias do

Ministério do Trabalho e Emprego Instrução Normativa nº. 91, de 05 de outubro de 2011,

da Secretária de Inspeção do Trabalho. Dispõe sobre a fiscalização para a erradicação do

trabalho em condição análoga à de escravo, como preconiza em seu Art. 3º considera-se

trabalho realizado em condição análoga à de escravo a que resulte das seguintes situações, 41 "Art.149 - Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhados forçados ou a jornada excessiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º - Nas mesmas penas incorre quem: I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 2º - A pena é aumentada de metade, se o crime for cometido: I - contra criança ou adolescente; II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem." 42 Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho: Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998) 43 Art. 206 - Recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los para território estrangeiro. (Redação dada pela Lei nº 8.683, de 1993) Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.683, de 1993) 44 Art. 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional: Pena - detenção de um a três anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998) § 1º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998) § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)

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quer em conjunto, quer isoladamente. A Portaria Interministerial N.º 2, de 12 de maio de

2011 - “Lista Suja”. A Portaria n. 1.234, de 17/11/2003, revogada pela Portaria n. 540, de

15/10/2004, ambas do MTE, passou a ter a seguinte redação: “Art. 1º Criar, no âmbito do

Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, o Cadastro de Empregadores que tenham

mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo”.

Em 13 de maio de 2011 foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria

Interministerial n.2. Enuncia regras sobre o Cadastro de Empregadores que tenham

submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo e revoga a Portaria MTE nº

540, de 19 de outubro de 2004, no entanto, permaneceram, essencialmente, as mesmas

disposições. Houve a mudança na terminologia no artigo 1º da nova portaria estabelece

"manter" no âmbito do MTE o referido cadastro, mais conhecido como “Lista Suja”.

O cadastro é uma lista pública de pessoas físicas e jurídicas flagradas mantendo

trabalhadores em condições análogas à de escravo. A resolução nº 3.876, de junho de 2010,

do Conselho Monetário Nacional, veda a concessão de crédito rural e ficam

impossibilitados de receber financiamento público, punição severa para empreendimentos

que dependem de tais financiamentos.

No dia 5 de junho de 2014 foi promulgada a Emenda Constitucional 81 no

Senado Federal, depois que houve a aprovação, deputados e senadores ligados à frente

Parlamentar de Agropecuária, a denominada Bancada Ruralista, que alteram o artigo 24345

da CRFB/88.

Em Genebra foi firmado o primeiro tratado que proibiu a escravidão, no ano de

1926, pela Liga das Nações Unidas. O texto vigora no Brasil desde 6 de janeiro de 1966,

decreto nº. 58.563. A Convenção sobre a Escravatura, define a escravidão como “o estado

45 Art. 1º O art. 243 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:"art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei." (NR)

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ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem total ou parcialmente os atributos do

direito de propriedade”. Em 1956, foi realizada mais uma Convenção em Genebra com o

objetivo de reafirmar e ampliar os conceitos sobre escravidão firmados em 1926, incluindo

as expressões “servidão por dívida”, “servidão” e “práticas análogas à de escravo”.

A Organização Internacional do Trabalho - OIT, através da Convenção n. 29,

que vigora desde 1º de maio de 1932 e teve aprovação no Brasil pelo Decreto Legislativo

n. 24, de 29 de maio de 1956, ratificada em 25 de abril de 1957 e promulgada em 25 de

junho de 1947 através do Decreto n. 41.721, estabelecendo em seu artigo 1º que todos os

países que ratificarem a referida Convenção, se comprometem a abolir a utilização do

trabalho forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, no mais breve espaço de tempo

possível.

Em 1948, a ONU adotou a Declaração Universal dos Direitos do Homem com

intuito de obter cooperação internacional após as atrocidades ocasionadas durante a II

Grande Guerra Mundial. Com o escopo de promover e estimular o respeito aos direitos

humanos contra a opressão e a discriminação, defendendo a igualdade e a dignidade das

pessoas sendo esses inalienáveis de todos os seres humanos como pilares para a liberdade,

a justiça e para a paz. A respeito do trabalho escravo, especialmente, é previsto em seu

artigo 4º que: “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico

de escravos serão proibidos em todas as suas formas”.

A OIT celebrou em 25 de junho de 1957 a Convenção n.105 que tutelava o

trabalhador submetido à escravidão. O Brasil ratificou em 18 de junho de 1965 e

promulgada em 14 julho de 1966, pelo Decreto n. 58.822. Desta vez ampliando o conceito

de trabalho forçado ou obrigatório, abordando a novas formas de repressão da liberdade do

trabalhador, e impondo aos Estados Partes adotar medidas para assegurar à imediata e

completa abolição dessas formas de privação de liberdade. Não abolindo apenas o trabalho

forçado proveniente de relações particulares, igualmente as que são feitas pelo Estado sob

alegação de punição por divergência política, ideológica, como medida de disciplinadora

de trabalho, como punição por participação em greves, mobilização social para fins de

desenvolvimento econômico, ou ainda, por discriminação.

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A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, aprovada em 22 de

novembro de 1969 na Costa Rica, começou a vigorar no Brasil em 25 de setembro de

1992, e promulgada pelo Decreto n. 678 de 6 de novembro de 1992, versa,

preponderantemente, sobre direitos civis e políticos. Em seu artigo 6º, discorre sobre,

proibição da escravidão e da servidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as

suas formas, todavia, estabelece ressalvas sobre o trabalho forçado discernindo alguns

aspectos.

A par da breve análise histórica legislativa sobre a escravidão

observa-se que apesar das diversas legislações contra a escravidão, a injustiça se fez

presente em todos os momentos históricos. Seria uma ingenuidade acreditar que a

erradicação da escravidão se deu por questões sociais ou humanísticas, mas tão somente

fundou-se e alicerçou-se em questões de poder, de aferição de lucros, ou seja, questões

puramente capitalistas.

3.3- Caso emblemático de empregador violador do direito social do trabalho no Brasil

3.3.1- Trabalho forçado e os programas de erradicação

brasileiro

Em 27 de junho de 1995, foi editado o decreto número 1538, criando estruturas

para o combate ao trabalho forçado. O Brasil adotou vários mecanismos de ação para

combater o trabalho forçado, os Grupos Especiais Móveis de Fiscalização

(GEFM)46, Planos Nacionais para a Erradicação do Trabalho Escravo47, Comissão

46O Grupo Especial de Fiscalização Móvel constitui um dos principais instrumentos do Governo para reprimir o trabalho escravo. No âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, conseguiu-se um melhor apoio logístico às equipes da Fiscalização Móvel, apoio que se reflete na aquisição de veículos, computadores, rádios comunicadores, entre outros. De 3 (três) equipes atuando em 2003, o MTE passou a contar com 7 (sete) equipes em 2005. http://www.sdh.gov.br/assuntos/conatrae/programas/grupo-especial-de-fiscalizacao-movel consultado em 03 de agosto de 2016 47 O Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, que apresenta medidas a serem cumpridas pelos diversos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Ministério Público e entidades da sociedade civil brasileira. Atualização de propostas que já vinham sendo articuladas em anos anteriores, o documento considera as ações e conquistas realizadas pelos diferentes atores que têm enfrentado esse desafio ao longo dos últimos anos. Nesse sentido, vale destacar o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, do Ministério do Trabalho e Emprego, cuja atuação tem sido fundamental para o combate das formas contemporâneas de escravidão. O presente documento foi elaborado pela Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), constituída pela Resolução 05/2002 do CDDPH e que reúne entidades e autoridades nacionais ligadas ao tema. O Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo atende às determinações do Plano Nacional de Direitos Humanos e expressa uma política pública

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Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo – CONATRAE48 , Comissões Estaduais

para Erradicação do Trabalho Escravo – COETRAEs49 , Cadastro de Empregadores que

tenham submetidos trabalhadores a condições análogas à escravidão50 , Resolução n.

permanente que deverá ser fiscalizada por um órgão ou fórum nacional dedicado à repressão do trabalho escravo. A integração será a marca do nosso trabalho. Com o Plano e o empenho dos órgãos governamentais e da sociedade civil será possível fazer desse novo Governo um marco para a erradicação definitiva de todas as formas de trabalho escravo e degradante no país. P l a n o N a c i o n a l P a r a a E r r a d i c a ç ã o d o T r a b a l h o E s c r a v o, governo federal, p. VIII-IX, consultado em 03 de agosto de 2016 48Comissão foi criada pelo Decreto sem número, de 31 de julho de 2003. É vinculada à Secretaria de Direitos da Presidência da República e presidida pela Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário Nunes. Tem como objetivo coordenar e avaliar a implementação das ações previstas no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Também compete à Comissão acompanhar a tramitação de projetos de lei no Congresso Nacional e avaliar a proposição de estudos e pesquisas sobre o trabalho escravo no país.http://www.sdh.gov.br/assuntos/conatrae/programas/comissao-nacional-para-a-erradicacao-do-trabalho-escravo. Consultado em 26 de setembro de 2016. 49Comissão criada pelos Estados para erradicar o trabalho escravo, a título de exemplo: ‘Em 27 de Abril de 2011, nas dependências da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos, ocorreu a primeira reunião ordinária da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo no Rio de Janeiro (COETRAE-RJ),marcando, desde modo, a instituição dessa comissão.”http://www.gptec.cfch.ufrj.br/backup/agenda/ata_reuniao_coetrae-rj.pdf consultado em 26 de setembro de 2016. 50Em 17 de novembro de 2003, o Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da Portaria nº 1.234, estabeleceu procedimentos para encaminhamento de informações sobre inspeções do trabalho a outros órgãos, criando assim a relação de empregadores que submetem trabalhadores a formas degradantes de trabalho ou os mantêm em condições análogas à de escravo. - A Portaria nº 540, de 15 de outubro de 2004, do Ministério do Trabalho e Emprego criou o “Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo”. O Cadastro, mais conhecido como “lista suja do trabalho escravo”, reúne empregadores flagrados cometendo esse crime, após decisão definitiva administrativa dos autos de infração lavrados, prezando, assim, pela imperativa observância à ampla defesa e ao devido processo legal. Além de informar à sociedade, de forma transparente, sobre os empregadores que recorrem a essas práticas, as informações do cadastro subsidiam àquelas empresas que respeitam a legislação trabalhista e foram signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, pelo qual se comprometem a estabelecer restrições quanto à realização de negócios com quem está na “lista suja”. - A Portaria Interministerial nº 2, de 12 de maio de 2011, do Ministério do Trabalho e Emprego e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, revogou a anterior e atualizou seus termos, mantendo, obviamente, o apreço pelo devido processo legal na tramitação dos autos de infração e pela publicidade da informação, de caráter social extremamente relevante e reconhecida mundialmente. Esta portaria está suspensa pela decisão liminar do STF nos autos da ADI 5209, desde 23/12/2014. - Foi editada a Portaria Interministerial MTE e SDH nº 02, de 31 de março de 2015 (publicada em Diário Oficial da União em 01/04/2015), que revogou a portaria anterior. Esta portaria aprimora, atualiza e aperfeiçoa os critérios de inclusão no Cadastro, além de delimitar temporalmente seu alcance. Reafirma a observância ao devido processo legal dos autos de infração lavrados nas ações fiscais – condição inarredável para constar na publicação, e simplifica os critérios para exclusão do Cadastro. Em que pese sua vigência, em observância ao mérito da decisão liminar do STF nos autos da ADI 5209, de 23/12/2014, este instrumento não produziu qualquer efeito, e consequentemente não houve publicação de um novo cadastro sob a égide desse normativo, aguardando, assim, a conclusão daquela ação. Esta portaria foi revogada pela Portaria Interministerial MTPS e SDH nº04, de 11 de maio de 2016. - A Portaria Interministerial MTPS e SDH nº04, de 11 de maio de 2016, publicada no DOU de 13 de maio de 2016, busca oferecer, através de relevantes inovações, o aperfeiçoamento e a clareza quanto à inclusão de empregadores no Cadastro, disponibilizando lhes a alternativa de firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial com a União, onde figurem a Advocacia-Geral da União como representante, e o MTPS como área técnica, e cujo compromisso evita sua inclusão na relação padrão do Cadastro, sem prejuízo, em contrapartida, da divulgação e transparência concomitante de relação onde conste quais empregadores firmaram TAC ou acordo judicial nos termos da nova

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212/201551, o Fórum Nacional do Poder Judiciário para Monitoramento e Efetividade das

Demandas Relacionadas à Exploração do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e

ao Tráfico de Pessoas (Fontet)52, outras iniciativas importantes: Instituto Pacto Nacional

Pela Erradicação do Trabalho Escravo53, Programa Ação Integrada54.

portaria.http://trabalho.gov.br/fiscalizacao-combate-trabalho-escravo/cadastro-de-empregadores. Consultado em 26 de setembro de 2016. 51 “CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA PRESIDÊNCIA RESOLUÇÃO 212, DE 15 DE DEZEMBRO DE 2015 Institui o Fórum Nacional do Poder Judiciário para Monitoramento e Efetividade das Demandas Relacionadas à Exploração do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (FONTET), com o objetivo de elaborar estudos e propor medidas para o aperfeiçoamento do sistema judicial quanto ao tema. (...)CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 1º Fica instituído o Fórum Nacional Para o Monitoramento e Solução das Demandas Atinentes à Exploração do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (FONTET), em caráter nacional e permanente, e com atribuição de promover intercâmbios, elaborar estudos e propor medidas concretas de aperfeiçoamento do sistema de justiça quanto ao enfrentamento à exploração do trabalho em condição análoga à de escravo e ao tráfico de pessoas. http://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/1939/75735/2015_res0212_cnj.pdf?sequence=1&isAllowed=y consultado em 26 de setembro de 2016 52Art. 2º Caberá ao FONTET: I - promover o levantamento de dados estatísticos (sempre que possível desagregados por gênero, idade, etnia, cor da pele, ocupação e nível social e cultural), relativos ao número, à tramitação, às sanções impostas e outros dados relevantes sobre inquéritos e ações judiciais que tratem da exploração de pessoas em condições análogas à de trabalho escravo e do tráfico de pessoas; II - monitorar o andamento e a solução das ações judiciais por Juízes ou Tribunais; III - propor medidas concretas e normativas para o aperfeiçoamento de procedimentos e o reforço à efetividade dos processos judiciais, incluindo a implantação e modernização de rotinas, a organização, especialização e estruturação dos órgãos competentes de atuação do Poder Judiciário; IV - organizar encontros nacionais, regionais e seminários de membros do Poder Judiciário, com a participação de outros segmentos do poder público, da sociedade civil, das comunidades e outros interessados, para a discussão de temas relacionados com as atividades do Fórum; Fonte: Diário da Justiça [do] Conselho Nacional de Justiça, Brasília, DF, n. 227, 16 dez. 2015, p. 14-17. V - coordenar e realizar o estudo e a proposição de outras medidas consideradas pertinentes ao cumprimento do objetivo do Fórum Nacional; VI - manter intercâmbio, dentro dos limites de sua finalidade, com entes de natureza judicial, acadêmica e social do país e do exterior, que atuem na referida temática; VII - elaborar e fazer cumprir o regimento interno e o(s) programa(s) de trabalho do Fórum; VIII - estimular a criação e apoiar o funcionamento dos Comitês Estaduais de Enfrentamento à Exploração do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas; IX - realizar reuniões periódicas ordinárias, ou extraordinárias, sempre que necessário, para a condução dos trabalhos do Fórum; X - promover a cooperação judicial com Tribunais e outras instituições, nacionais ou internacionais; XI - recomendar ações aos Comitês Nacional e Estaduais, propondo ações concretas de interesse nacional, interestadual, estadual ou local; XII - participar de eventos promovidos por entes públicos ou entidades privadas sobre temas relacionados aos objetivos do Fórum. http://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/1939/75735/2015_res0212_cnj.pdf?sequence=1&isAllowed=y consultado em 26 de setembro de 2016 53 INPACTO- Fornecedores e compradores de cadeias produtivas globais estão expostos a riscos de envolvimento com trabalho escravo. Para contornar esse problema, diversos esforços precisam ser feitos para aumentar a conscientização do setor empresarial e aprimorar práticas de mitigação de riscos. O Brasil desenvolveu importantes instrumentos voltados para o enfrentamento ao trabalho escravo. Um deles é a chamada “Lista Suja”, que se constitui em uma base pública de dados – criada em 2003 e mantida pelo Ministério do Trabalho e Emprego e Secretaria de Direitos Humanos – para publicar nomes de empregadores que foram flagrados, pela inspeção do trabalho, utilizando mão de obra análoga a de escravo. Esses nomes somente aparecem na Lista após o fim de um processo administrativo que dá ao autuado condições de exercer sua defesa. Uma vez incluído o nome do empregador, lá ele fica listado por 2 anos. A cada atualização da Lista Suja, que ocorre todo semestre, novos nomes surgem. Em 2004, a Secretaria de Direitos Humanos solicitou à OIT Brasil que financiasse um estudo de cadeias produtivas para identificar setores econômicos afetados pelo trabalho escravo. Tendo como base a Lista Suja, pesquisadores da ONG Repórter

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Brasil mapearam as relações comerciais de 100 empregadores. O resultado da pesquisa revelou uma rede de 200 empresas nacionais e internacionais que comercializavam produtos e serviços oriundos de empregadores mencionados na Lista Suja.Com essa informação em mãos, a OIT apoiou o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social na condução de reuniões com as empresas identificadas no estudo. O diálogo com essas elas levou ao lançamento do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, no dia 19 maio de 2005. O Pacto tornou público o compromisso do setor empresarial em combater o problema, através da adoção de medidas envolvendo a restrição comercial de fornecedores que utilizaram mão de obra escrava. O Pacto se tornou então uma experiência inovadora em sua visão de compartilhar responsabilidades quanto à necessidade de prevenção e combate ao trabalho escravo, envolvendo pela primeira vez o setor empresarial nesta luta. Foi reconhecido pela ONU como uma referência internacional e um importante mecanismo de enfrentamento a essa grave violação de direitos humanos. O uso da Lista Suja como base de dados para a produção de estudos de cadeias produtivas funciona porque as empresas são confrontadas com evidências concretas de seu envolvimento – direto ou indireto – com trabalho escravo. A elas então é dada a oportunidade de agir para enfrentar a situação, seja cortando relações comerciais com fornecedores envolvidos, seja transformando sua cadeia para vê-la livre de trabalho escravo. A punição econômica tem sido um aliado efetivo na luta contra o trabalho escravo e decisiva para que o Brasil alcançasse resultados positivos no enfrentamento a esse problema. Desde 2008, o Banco Nacional para o Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES tem imposto em seus contratos cláusulas que proíbem o financiamento para empregadores ou empresas que apareçam na Lista Suja. Outros bancos públicos e privados também aderiram a essa iniciativa, tornando o trabalho escravo um mau negócio para empregadores. Empresas de grande peso econômico também se tornaram signatárias do Pacto, impondo restrições comerciais a fornecedores envolvidos com este crime. Um dos grandes diferenciais do Pacto é que seus signatários se comprometem a cumprir seus chamados 10 compromissos, que são linhas de ação que as empresas devem desenvolver para enfrentar o trabalho escravo em suas cadeias produtivas. O cumprimento desses compromissos é monitorado anualmente, e a depender do nível de comprometimento de um signatário ele é mantido, suspenso ou excluído do Pacto. Ao tempo em que o acordo ganhava mais e mais signatários, foi necessário formar um Comitê Gestor do Pacto, composto pela OIT, Instituto Ethos, ONG Repórter Brasil e Instituto Observatório Social. Essas instituições foram, por um bom tempo, responsáveis pela gestão do Pacto e seus compromissos, além de responderem às diversas demandas de seus signatários. No início de 2014, o Pacto já contava com mais de 400 signatários que, juntos, representavam mais de 35% do PIB brasileiro. A fim de dar conta de seu funcionamento e possibilitar seu fortalecimento e expansão, o Comitê Gestor decidiu então criar um Instituto para gerir e dar sustentabilidade ao Pacto. A partir daí nasceu, em maio de 2014, o InPACTO – Instituto do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo 54 O Movimento Ação Integrada é um fortalecimento do Ação Integrada. O seu objetivo é conjugar esforços para promover a modificação social, educacional e econômica dos resgatados do trabalho escravo e vulneráveis por meio do exemplo vindo de Mato Grosso e pela replicação e adequação dessa iniciativa em estados e municípios que queiram aderir ao Movimento. Para alcançar o objetivo, uma Coordenação Nacional, foi criada com representantes das entidades partícipes do Termo de Cooperação Técnica, assinado em maio de 2014 pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), OIT-Brasil e SRTE-MT. Dessa forma, foi possível iniciar a implementação de um Plano de Trabalho Conjunto, que abrange cinco componentes: Fortalecimento e consolidação da experiência em Mato Grosso; Mobilização, sensibilização e capacitação de parceiros em estados e municípios; Articulação interinstitucional entre entidades públicas, privadas e da sociedade civil nos diferentes contextos; Sustentabilidade do Movimento; Divulgação de boas práticas. No dia 8 de agosto de 2015, diversas entidades e instituições assinaram, no Supremo Tribunal Federal, um Termo de Cooperação Técnica que prevê a ampliação e fortalecimento da iniciativa em todo o país. Representantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Organização Internacional do Trabalho (OIT), Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Tribunal Superior do Trabalho (TST), Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) e do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT) assinaram o documento na presença do Ministro do STF, Ricardo Lewandowski. Atualmente, o Movimento Ação Integrada está presente nos estados de Mato Grosso, Bahia, Rio de Janeiro. http://www.acaointegrada.org/movimento-acao-integrada/ consultado em 26 de setembro de 2016.

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Os programas almejam dar efetividade à erradicação do trabalho escravo,

atuando o poder executivo, a sociedade, por meio de empregadores que aderem aos

programas, o Ministério Público do Trabalho, o poder judiciário, entre outros.

No entanto, ainda com tamanhos esforços e objetivos traçados, a prática de

trabalho escravo ainda não foi erradicada no Brasil e nem está próxima de findar. Para

demonstrar a falta de efetividade, será analisado a seguir o caso da fazenda verde, que foi

julgado pela corte Interamericana de Direitos Humanos.

3.3.2- Caso nº. 12.066 Fazenda Brasil Verde

Com base no relatório liberado pela Corte Interamericana dos Direitos

Humanos e na decisão de Conflito de Competência nº 47.455, julgada pelo Superior

Tribunal de Justiça, serão apresentados os fatos ocorridos no caso da fazenda Brasil Verde.

A Fazenda Brasil Verde, localizada no estado do Pará/BA, foi fiscalizada por

indícios de trabalho escravo. Desde 1988, as autoridades estatais realizaram visitas e

inspeções para verificar as condições do trabalho realizado.

De acordo com o relatório emitido pela Comissão Interamericana de Direitos

Humanos, a denúncia foi realizada perante a Polícia Federal, tendo sido alegado trabalho

escravo e desaparecimento de menores (crianças). Em 1989, foi a fazenda Brasil Verde

submetida a uma visita da Polícia Federal. Em 1992, houve outra denúncia no mesmo

sentido, tendo resultado em um processo administrativo, que foi iniciado em 1996 e

arquivado, tendo em vista a prescrição e ausência de provas, já que a visita fora realizada

de forma superficial, sem elementos contundentes para corroborar o processo.

Desde a primeira denúncia, somente em 1997 foi aberto o processo penal, mas

também resultou em arquivamento, pela alegação de prescrição em 2008.O Ministério

Público do Trabalho, em 2000, distribui ação civil pública perante a Justiça do Trabalho,

que resultou em conciliação entre a própria MPT e o proprietário da fazenda Brasil Verde.

O Brasil, segundo a Organização Internacional do Trabalho, em 2010, possuía

25 mil pessoas submetidas ao trabalho forçado. As informações recebidas pela CIDH

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durante a visita ao país, em 1995, foram que existiam, em 1993, aproximadamente 60 mil

pessoas submetidas a tais condições.

A fazenda localiza-se no sul do estado do Pará, no município de Sapucaia, na

localidade de Santa Maria, distrito da floresta do Araguaia, Pará. Segundo a fiscalização,

em 1997, o proprietário formava parte do Grupo Irmãos Quagliato, possuindo diversas

fazendas e formando o número de 130 mil cabeças de gado.

No final do ano de 1988 e início do ano de 1989, a Polícia Federal recebeu

denúncia de trabalho escravo. Em 22 de dezembro de 1988, a Comissão Pastoral da Terra

junto com José Teodoro da Silva e Miguel Ferreira da Cruz, pai e irmão de Iron Canuto da

Silva e Luís Ferreira da Cruz, fizeram uma denúncia à Polícia Federal, por telefax da

fazenda Brasil Verde, pelo desaparecimento dos dois adolescentes. Segundo a denúncia,

esses adolescentes foram levados com mais 40 pessoas, desde Apoema, Tocantins, até a

fazenda no Pará, por um “gato”, pelo período de 60 dias. Foi informado ainda que os

meninos, ao tentarem fugir, foram levados à força pelas orelhas e não mais apareceram; e

em 21 de dezembro de 1988, o trabalhador Adailton Martins do Reis, da respectiva fazenda

Brasil Verde, prestou testemunho, nos seguintes termos:

“Trabalhei na fazenda 30 dias, aqui ele me garantiu muita coisa e eu levei todos os mantimentos para o trabalho e chegando lá ele me jogou numa lama danada roçando juquira, morando num barraco cheio de água, minha esposa operada, minhas crianças adoeceram, era o maior sofrimento. Precisei comprar dois vidros de remédios e me compraram (sic) Cr$ 3.000,00. Quando fui sair da fazenda, fui acertar a conta ainda fiquei devendo Cr$ 21500 e aí precisei vender 1 rede, 1 colcha, 2 machados, 2 panelas, pratos, 2 colheres para ele nesse ainda fiquei devendo Cr$ 16.800 e saí devendo. Quando eu queria ir embora, ele não me ofereceu condição para sair, eu fiquei a manhã inteira levando chuva, pois o gerente Nelson nos deixou na beira na beira da estrada na chuva, com mulher e dois filhos doentes. Na fazenda a gente passa muita fome, e os peões vivem muito humilhados (sic) tantas vezes eu o vi prometendo tiros para os peões. E a situação continua, os peões de querem sair em paz, precisam fugir, estes dias saíram 7 fugidos sem dinheiro. ”55

Em 25 de janeiro de 1989, a CPT- Comissão da Pastoral da Terra- também

encaminhou uma carta à Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH),

55 Relatório caso 12066.

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em Brasília. Em 24 de fevereiro de 1989, a Polícia Federal elaborou relatório sobre as

visitas, informando que os trabalhadores recebiam quantias irrisórias, que se viam

obrigados a aceitar aquele valor por falta de trabalho melhor. O relatório da Polícia Federal

concluiu, após ouvir 39 trabalhadores, que não era caso de trabalho escravo, apesar de

haver violação da legislação trabalhista e baixos salários. O desaparecimento dos menores

não foi investigado, tendo inclusive, sendo satisfatória à Polícia, a informação de que os

menores haviam fugido por não pagamento de dívidas.

Em 18 de março de 1992, a CPT apresentou denúncia ao Procurador Geral da

República, em 04 de junho de 1992, a PGR abriu um processo administrativo para apurar.

Em 26 outubro de 1992, foi solicitado informações pela Subprocuradora Geral da

República ao João Luiz Quagliato Neto, proprietário da fazenda. Em 29 de novembro de

1993, o proprietário responde à subprocuradora, informando que não possui conhecimento

das identidades dos trabalhadores da fazenda, pois são temporários, alguns não possuem

documento de identidade e outros não desejam ser identificados, recebem pelo trabalho de

forma adiantada e muitos, de má fé, fogem deixando o proprietário no prejuízo.

No ano de 1993, em agosto, a Delegacia Regional do Trabalho do estado do

Pará informou ao Procurador Geral da República que realizou uma visita à Fazenda entre

23 de junho e 3 de julho de 1993, e constatou 92 trabalhadores sem carteira de trabalho e

49 sequer possuíam contrato de trabalho e manifestaram a vontade de deixar a propriedade.

A Polícia Federal deixou a desejar, quando da visita em 1988, que não anotou o

nome dos trabalhadores, nem verificou contratos de trabalho, não colheu as declarações

dos trabalhadores, não verificou a existência de armas de fogo, ou seja, uma visita policial

incompleta; acrescentou que, quanto às fiscalizações, não identificaram trabalho escravo e

que não houve formalização da denúncia apresentada pela CPT, o que levou o

arquivamento do caso pela procuradoria.

Em 29 de novembro de 1996, o grupo móvel do Ministério do Trabalho,

GEFM, realizou fiscalização na fazenda Verde, verificando irregularidades, sendo emitidas

34 carteiras de trabalho dos 78 trabalhadores presentes no momento da fiscalização.

Em 10 de março de 1997, foram prestadas informações pelo trabalhador José

da Costa Oliveira ao departamento do Polícia Federal do Pará. Relatou que, ao chegar à

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fazenda, já estava devendo todos os gastos de hospedagem e utensílios gastos pelo “gato”,

indivíduo que transportava os trabalhadores até a fazenda, obrigava assinar notas

promissórias; no dia de fiscalização, é comum e de praxe esconder os trabalhadores dos

auditores fiscais do trabalho, eram proibidos de sair da fazenda enquanto tivessem dívidas

com o proprietário e eram ameaçados de morte. Assim, com base nessa denúncia, o GEFM

retornou à fiscalização no período de 21 a 30 de abril de 1997, sendo inclusive comprovada

a prática de esconder trabalhadores.

Com base no relatório do Ministério do Trabalho, de 30 de junho de 1997, o

Ministério Público Federal apresentou denúncia contra o “gato”, o gerente da fazenda e o

proprietário da fazenda Brasil Verde, tendo sido tipificados nos crimes previstos nos

artigos 149, 197, inciso I, o “gato” e gerente, no artigo 207 do Código Penal, e o

proprietário nos artigos 203 c/com artigo 71 do Código Penal. Em setembro de 1999, foi

realizada a primeira audiência contra o proprietário da fazenda, foi concedida suspensão

condicional do processo e, em 28 de maio de 2002, foi declarada a extinção da ação penal

contra o proprietário.

Em junho de 1997 e junho de 1999, foram intimados e, em 22 de junho de

1999, realizou-se a audiência de qualificação e interrogatório; em 2 de março de 2000, os

agentes que fiscalizaram a fazenda Brasil Verde foram ouvidos.

Em 16 de março de 2001, o juiz substituto do processo decidiu, pela

incompetência da justiça federal, determinando o envio do processo para justiça estadual

de Xinguara, Pará. Em 11 de novembro de 2002, os outros dois réus apresentaram a defesa

prévia, em 11 de novembro de 2003, realizada audiência e, em 21 de novembro de 2003, o

Ministério Público Estadual do Pará apresenta alegações finais, concluindo pela

improcedência da ação e absolvição do “gato” e gerente da fazenda, por falta de indícios de

autoria. Em novembro de 2004, a justiça estadual do Pará suscita conflito de competência,

em 27 de setembro de 2007, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decide que a

competência é da Justiça Federal, sendo enviado, em novembro de 2007, para justiça

Federal de Marabá no Pará.

Em julho de 2008, o MPF solicita a decretação da extinção da punibilidade dos

referidos réus, considerando o seguinte:

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“(...) o relatório de fiscalização do Ministério do Trabalho narra condições inóspitas vivenciadas pelos trabalhadores da Fazenda Brasil Verde, sem agua potável para beber, dormindo em barracões cobertas de plástico e palha, chão batido e sem instalações sanitárias e desprovidos de quaisquer equipamentos de segurança individual e sem qualquer proteção contra intempéries. (...) há provas suficientes da autoria da prática de dos delitos de redução a condição análoga a escravo (art. 149, caput), atentado contra a liberdade de trabalho (art. 197, I) e aliciamento de trabalhadores de um local para outro no território nacional (art. 207), mediante a apreensão por dívidas. ” (RELATÓRIO CASO 12.066, p. 24)

Ainda no mesmo dia e ano,10 de julho de 2008, o juiz federal da seção

judiciária do Pará considerou que o processo tinha nascido já condenado ao fracasso,

considerando ainda o inútil diante das provas juntadas no processo. Acrescentou ainda, “na

falta de ação por parte do Estado, na política criminal e na economia processual”56 decidiu

pela extinção da ação em face do “gato” e gerente da fazenda Brasil Verde.

O Ministério do Trabalho em Emprego oficiou a 22ª Procuradoria Regional do

Trabalho e essa informou a 8ª Procuradoria Regional do Trabalho, tendo sido instaurado

processo administrativo para apurar o tráfico de trabalhadores que ocorria do Estado de

Piauí para o Pará e outros estados membros. Em 1997, também foi realizada fiscalização

junto à Fazenda Verde, porém, o fiscal não autuou a fazenda, tendo somente orientado

sobre o cumprimento nas normas trabalhistas. No ano seguinte, em 1998, foi solicitada

nova fiscalização pela procuradoria regional do trabalho; em fevereiro de 1999, foi

informada pelo Ministério do Trabalho que não foi realizada a fiscalização por falta de

recurso; no mesmo ano, em 1999, novembro, a procuradoria regional do trabalho do Pará

renovou o pedido.

No ano de 2000, dois adolescentes fugiram da fazenda e foram até o Ministério

do Trabalho de Marabá, porém foram aconselhados a procurar a Polícia Federal. Os

menores procuraram a Polícia Federal e foram encaminhados à Comissão Pastoral da Terra

de Marabá.

Os menores, na Comissão Pastoral da Terra de Marabá, declararam57 que havia

pessoas armadas na barraca dos peões, que trabalhavam sem receber salário e que o “gato”

e o gerente da fazenda os ameaçaram de morte. Em seguida, o Ministério do Trabalho do

56 Sentença nº. 348-08, tipo E, processo 1997.831-3 57 A declaração de 8 de março de 2000, anexo 51, do relatório do caso 12.066.

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Emprego realizou nova fiscalização, em 15 de março de 2000, e verificou as péssimas

condições dos empregados, aliciamento ilegal com promessa de pagamento. A DRT

verificou a vigilância armada denunciada pelos menores, a fiscalização foi conclusiva para

trabalho escravo, tendo aproximadamente 82 trabalhadores submetidos à condição análoga

a escravo.

O Ministério Público do Trabalho, tendo recebido o relatório da DRTP,

distribuiu Ação Civil Pública em 30 de maio de 2000, tendo sido destacado que os

trabalhadores eram submetidos a cárcere privado, caracterizando o trabalho escravo. A

situação agravava por serem os trabalhadores rurais e analfabetos, sem qualquer

conhecimento, sendo submetidos a situações vexatórias e degradantes. O MPT concluiu

que o proprietário, réu da ação civil pública, deveria “cessar o trabalho escravo,

interrompendo o trabalho forçado e o regime de cárcere privado e jamais praticar

novamente o trabalho escravo, por se configurar crime e atentado contra a liberdade de

trabalho”58

Citado, o proprietário foi intimado a comparecer à audiência de conciliação e

comprometeu-se a:

“não admitir nem permitir o trabalho de empregados em regime e escravidão, sob pena de multa de 10.000 UFIR por trabalhador encontrado nessa situação, branco ou negro, fornecimento de moradia, instalação sanitária, agua potável, alojamentos condignos ao ser humanos (...) sob pena de multa de 500 UFIR pelo descumprimento dessa cláusula; não colher assinatura em branco em empregados, em qualquer tipo de documento em branco dos empregados, em qualquer tipo de documento, sob pena de multa de 100 UFIR por documento encontrado nessas condições” (RELATÓRIO CIDH, caso 12.066, p. 28)

Em 21 de junho de 2001, o MPT encaminhou informações detalhadas sobre as

empresas do Grupo Quagliato, especificamente da fazenda Brasil Verde. Outra fiscalização

foi realizada de 12 a 18 de maio e concluiu, pela observância das cláusulas pactuadas na

conciliação, tendo sido finalizada a subordinação econômica dos trabalhadores pelo “gato”.

O caso 12.066 da CIDH, apresentado nesse item, demonstra que houve muitas

falhas no exercício do dever legal, não erradicando o trabalho escravo no caso da Fazenda

58 Anexo 53 do relatório do caso 12.066 da CIDH.

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Brasil Verde, agindo o proprietário e os administradores como se os trabalhadores rurais

fossem de sua propriedade, aliciando com promessas mentirosas, escondendo

trabalhadores das autoridades, estando presente dois pressupostos, como bem identificado

no relatório da CIDH, “a exigência do trabalho com base na ameaça de uma sanção, e sua

realização de maneira involuntária pelo sujeito”59.

3.3.3- Sentença do caso Fazenda Brasil Verde contra Brasil

O caso julgado pelo CIDH apresenta pontos relevantes que devem ser

destacados para corroborar a criação de um tribunal internacional do trabalho. Como já

anteriormente informado, não almeja a autora realizar críticas a jurisdição interna

brasileira, mas especialmente neste tópico serão destacados pontos que demonstram a falta

de efetividade do Brasil na erradicação do trabalho escravo.

O Brasil alegou a falta de esgotamento prévio dos recursos internos, afirmando que

deve ser concedida a oportunidade para promoção dos recursos internos voltados a

reconhecer e reparar os danos causados às vítimas, de modo que a suposta vítima ou seu

representante não podem buscar diretamente a tutela jurisdicional internacional sem antes

acudir ao direito interno. Considerou ainda a existência de recursos internos adequados

para a proteção de todos os direitos supostamente violados e para obtenção de todas as

reparações derivadas destas violações; e afirmou que os representantes puderam, e ainda

podem promover estes recursos internos.

A corte ao analisar a exceção promovida pelo Brasil considera que a etapa de

admissibilidade do caso perante a Comissão, o Estado deve precisar claramente os recursos

que, a seu critério, ainda não foram esgotados diante da necessidade de salvaguardar o

princípio de igualdade processual. Não sendo tarefa da Corte nem da Comissão identificar

ex officio quais são os recursos internos pendentes de esgotamento, em razão de não ser

competência de órgãos internacionais sanar a falta de precisão das alegações do Estado,

sendo tal ato exclusivo do Estado.

59 Relatório CIDH p. 37

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O Brasil quando instado a realizar a manifestação sobre o esgotamento dos

recursos internos somente considerou que “a demora da ação penal se justificava pela

complexidade e modificação da jurisprudência para conhecer dos processos vinculados à

submissão [de pessoas] a condições análogas à escravidão”60

Ainda para corroborar a criação do Tribunal Internacional do Trabalho, não

seria mais vantajoso para o grupo Quagliato pagar a penalidade multa? Na parte da

sentença que foram colacionadas as provas, o Brasil informa que em 9 de junho de 2000,

na Junta de Conciliação e Julgamento de Conceição do Araguaia convocou o Ministério

Público do Trabalho e o senhor João Luiz Quagliato para uma audiência relativa à

acusação apresentada pelo Ministério Público. Em 20 de julho de 2000, foi realizada esta

audiência, na qual o senhor João Luiz Quagliato se comprometeu:

“a não admitir e nem permitir o trabalho de empregados em regime de escravidão, sob pena de multa de 10.000 UFIR por trabalhador encontrado nessa situação, branco ou negro; fornecimento de moradia, instalação sanitária, água potável, alojamentos condignos ao ser humano [...] sob pena de multa de 500 UFIR pelo descumprimento [...] não colher assinaturas em branco dos empregados, em qualquer tipo de documento, sob pena de multa de 100 UFIR por documento encontrado nessas condições”61

No mérito a comissão considerou que o Brasil é internacionalmente

responsável pela violação do artigo 6 da Convenção Americana, em relação aos artigos 5,

7, 22 e 1.1 da mesma, em relação aos trabalhadores da Fazenda Brasil Verde identificados

na fiscalização de 2000. Em conclusão pontuou que

“O Estado não ofereceu às vítimas um recurso efetivo através das autoridades competentes, que protegesse os seus direitos humanos contra atos que os violaram. Em conclusão, apesar da extrema gravidade dos fatos denunciados, os procedimentos levados a cabo i) não analisaram o mérito da questão apresentada, ii) não determinaram responsabilidades nem puniram adequadamente os responsáveis pelos fatos, iii) não ofereceram um mecanismo de reparação para as vítimas e iv) não tiveram impacto em prevenir que as violações aos direitos das vítimas continuassem. ”62

60 Corte interamericana de direitos humanos caso trabalhadores da fazenda brasil verde vs. Brasil sentença de 20 de outubro de 2016, p. 24. 61 Ibi it, p. 45. 62 Ibi it, p.102

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E por fim a sentença na parte dispositiva, dentro outras imposições, determinou

que o Brasil deve pagar os montantes fixados no parágrafo 48763 da presente Sentença, a

título de indenizações por dano imaterial e de reembolso de custas e gastos, nos termos do

parágrafo 495 da presente Sentença.

Da analise da sentença proferida pela CIDH é possível concluir que por mais

políticas públicas, legislações e órgãos fiscalizadores não foi possível erradicar a pratica

ilícita do grupo Quagliato, que manteve o trabalho escravo. Como mencionado

previamente, não é o objetivo do presente estudo criticar os mecanismos inibidores de

trabalho escravo utilizados pelo Brasil, mas demonstrar a necessidade de punir esse

particular que viola humano o direito humano fundamental social do trabalho.

Impõe-se, a seguir, uma análise sobre a efetividade das decisões judiciais,

especificamente brasileira.

3.4- A efetividade dos direitos humanos do trabalho, especialmente erradicação do trabalho escravo sob a perspectiva da legislação brasileira

Como exemplos de inserção da noção de dignidade humana no mundo jurídico

temos o Tratado de Versalhes, de 1919, e a Declaração Universal dos Direitos dos

Homens, datada de 1948. O Tratado de Versalhes confirmou o fim da Primeira Guerra

Mundial e criou a Liga das Nações que, com o passar do tempo, transformou-se na

Organização das Nações Unidas (ONU), tendo ao seu lado a Organização Internacional do

Trabalho (OIT). (GOLDSCHMIDT, 2009, p. 63)

A dignidade da pessoa humana é um fundamento constitucional, previsto no

artigo 1º, inciso III, da constituição da República Federativa do Brasil, baseando os direitos

63 487. Nos capítulos VIII-1 e VIII-2, foi declarada a responsabilidade internacional do Estado pelas violações aos direitos estabelecidos no artigo 6 da Convenção Americana, em relação aos artigos 1.1, 3, 5, 7, 11 e 22 da Convenção (par. 343 supra), bem como dos direitos estabelecidos nos artigos 8 e 25 do mesmo instrumento (pars. 368, 382 e 420 supra), em relação aos artigos 1.1 e 2 da Convenção. Considerando o exposto e as diferentes violações determinadas na presente Sentença em relação a grupos diferentes de trabalhadores com base em fatos e violações de caráter diferente, este Tribunal fixa em equidade a soma de US$ 30.000,00 (trinta mil dólares dos Estados Unidos da América) para cada um dos 43 trabalhadores da Fazenda Brasil Verde que foram encontrados durante a fiscalização de 23 de abril de 1997 e que foram identificados pela Corte no presente litígio (par. 199 supra) e a soma de US$ 40.000,00 (quarenta mil dólares dos Estados Unidos da América) para cada um dos 85 trabalhadores da Fazenda Brasil Verde que foram encontrados durante a fiscalização de 15 de março de 2000 e que foram identificados pela Corte no presente litígio (par. 206 supra). Ibi it p. 120.

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fundamentais individuais e sociais. O acesso à ordem jurídica justa é uma prerrogativa

constitucional que deve ser assegurada.

A Constituição também prevê, no artigo 4º, inciso II da CRFB/88, a

prevalência dos direitos humanos, utilizando de outros mecanismos e normas

constitucionais para dar proteção aos direitos humanos. Utilizando do Incidente de

Deslocamento de Competência, previsto no artigo 109, §5º, CRFB/88, a possibilidade de

os direitos humanos integrarem o ordenamento jurídico, como abordado no primeiro

capítulo, demonstrando o respeito e a proteção que deve ser desempenhado pelo estado

para evitar a violação dos direitos humanos.

Os direitos fundamentais sociais estão previstos, dentre outros, no artigo 6º da

CRFB/88.

Para AsbjornEide:

“O termo ‘direitos sociais’, por vezes chamado ‘direitos econômicos-sociais’, refere-se a direitos cujo objetivo é proteger e avançar no exercício das necessidades humanas básicas e assegurar condições materiais para uma vida com dignidade. O fundamento deste direito no Direito dos Direitos Humanos encontra-se na Declaração Universal de Direitos Humanos, que, no art. 22, enuncia: “Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade. (EIDE apud PIOVESAN, 2012, p. 125).

Direitos econômicos, sociais e culturais constituem três componentes inter-relacionados de uma concepção mais ampla. Os diferentes componentes têm também relação com os direitos civis e políticos. O núcleo dos direitos sociais corresponde ao direito a um adequado padrão de vida. O exercício destes direitos requer, no mínimo, que cada pessoa desfrute dos direitos necessários à sua subsistência — direitos à alimentação e à nutrição adequadas, à vestimenta, à moradia e às necessárias condições de saúde. Relacionado a estes direitos está o direito de famílias à assistência (...). A fim de exercer estes direitos, é necessário o exercício de certos direitos econômicos, como o direito de propriedade, o direito ao trabalho e o direito à seguridade social. (...) A noção de direitos culturais é mais complexa (...). Direitos culturais contemplam os seguintes elementos: o direito de participar da vida cultural, o direito de desfrutar dos benefícios científicos e de seus progressos, o direito de beneficiar-se da proteção de interesses morais e materiais resultantes de produção científica, literária ou

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artística do qual o beneficiário é o autor e a liberdade indispensável à pesquisa científica e à atividade criativa” (EIDE apud PIOVESAN 2012, p. 148)

A Justiça brasileira, para proteger os direitos humanos fundamentais sociais,

regulamenta como fundamento constitucional, também, os valores sociais do trabalho e da

livre iniciativa (inc. IV do art. 1º.). Constitui como objetivo fundamental, construir uma

sociedade livre, justa e solidária (inc. I do art. 3º.), garantir o desenvolvimento nacional

(inc. II do art. 3º.), erradicar a pobreza e promover o bem de todos, sem preconceitos de

origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inc. IV do art.

3º.), ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante (artigo

5º, III), é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas às

qualificações profissionais que a lei estabelecer (artigo 5º XIII), proíbe a adoção de pena de

trabalhos forçados(artigo 5º, XLVII, c), proteção ao salário (artigo 7º), valoriza o trabalho

humano, de forma a assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça

social (art. 170), expropriação e destinação à reforma agrária e à programas de habilitação

popular as propriedades rurais e urbanas, se forem localizados exploração de trabalho

escravo (art. 243); todos previsto na CRFB/88.

Quanto às normas infraconstitucionais, a Consolidação das Leis do Trabalho

tem o fim de preservar os direitos dos empregados e punir os empregadores que, por

ventura, venham violar as condições dignas de trabalho e que mantêm condições precárias

(artigos47. E 55) ; Multa ao empregador que mantiver empregado não registrado (art. 120)

; Multa ao empregador que infringir qualquer dispositivo concernente ao salário mínimo

(art. 75) ; Multa ao empregador que violar as condições estabelecidas no tocante à jornada

de trabalho (art. 153) ; Penalidade para as infrações pertinentes às férias anuais

remuneradas.

O Código Penal brasileiro, em seu artigo 149, tipifica o crime de redução de

alguém à condição análoga a de escravo. O artigo 197 do código em epígrafe está

tipificando o crime de atentado contra a liberdade de trabalho: "Constranger alguém,

mediante violência ou Grave ameaça". Em seguida, o Código Penal tipifica o artigo 203, o

crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista. Finaliza este diploma

normativo com o artigo 207, tipificando o crime de aliciamento de trabalhadores de um

local para outro do território nacional.

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O Ministério Público do Trabalho, que possui atribuição de atuar judicialmente

e extrajudicialmente na defesa dos direitos coletivos e individuais cuja competência seja da

Justiça do Trabalho (arts.127 e 128). Judicialmente, por meio de ação anulatória baseado

na lei Complementar n° 75 de 20 de maio de 1993, o Ministério Público do Trabalho é

legitimado para, no âmbito da Justiça do Trabalho, propor as ações cabíveis para a

declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que

viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos

trabalhadores.

A Ação Civil Pública, no artigo 129 da CRFB/88, estabelece serem funções

institucionais do Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública, para

a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos

e coletivos. O Termo de Ajustamento de Conduta, um meio extrajudicial que gera o título

executivo extrajudicial, surge em situações em que ocorram violações aos direitos

trabalhistas como um eficaz instrumento do Ministério Público do Trabalho, pois traz a

lume a possibilidade do auto composição das partes.

A justiça do trabalho, que a partir da EC45/2004, ampliou a competência,

excluindo, no entanto, o julgamento de matéria penal.

Dentre as organizações não governamentais, que dedicam esforços à

preservação do trabalho digno, sendo este um dos direitos fundamentais garantidos

constitucionalmente, as de maior relevância nacional foram a Comissão da Pastoral da

Terra e a ONG do Repórter Brasil.

Para a máxima efetividade, as normas permitem a garantia de proteção ao

emprego e, em especial, ao combate ao trabalho análogo à condição de escravo. É

importante compreender que as atividades ocorrem e implementar a complexa conjugação

de políticas públicas, que concretize a repressão, deve ser concretizado, a fim de alterar a

situação social em que vivem.

4- TRIBUNAL INTERNACIONAL DO TRABALHO A PARTIR DA

CONSTTIUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL

4.1- O Direito internacional e as relações jurídicas do trabalho

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Com a insuficiência da legislação nacional frente aos problemas que surgem

das modificações das relações de produção e a participação dos trabalhadores, o

internacionalismo proletariado foi se desenvolvendo lentamente no século XIX.

Para Amauri Mascaro do Nascimento:

“Os tratados internacionais são instrumentos para dois fins principais: criar comunidades e uniões internacionais, como por exemplo os tratados do direito comunitário europeu e da União Europeia, e a instituição de um sistema de reciprocidade de tratamento em determinadas questões, como o dispensado aos estrangeiros e à situação previdenciária. ” (NASCIMENTO, 2011, p 81)

O Tratado de Versalhes, que criou a OIT, o Tratado de Maastricht, que regula

diversos aspectos jurídicos, econômicos e sociais do continente europeu, alterado e

acrescido por dois outros tratados, o de Amsterdam e o de Nice, e o Tratado de Assunção,

que é o Tratado do Mercosul, que propõe a unificação aduaneira, econômica e política nos

polos sul americanos; todos tiveram a função de ordenamentos internacionais, podendo ser

para comunidades ou uniões internacionais.

As relações de trabalho internacional aumentaram com a ideia de globalização.

O artífice proletário pode ser submetido a três ordenamentos: o do Estado, que está

prestando o serviço, o do país, que é nacional e ao ordenamento supranacional

internacional, alguns casos comunitários.

A Organização Internacional do Trabalho controla o cumprimento das

convenções, os Estados devem apresentar um relatório demonstrando a execução das

disposições da convenção adotada. Os mecanismos internacionais também permitem a

revisão, possibilidade de o Estado alterar as regras e adaptar à realidade econômica e

social.

A União Europeia e as comunidades europeias são os dois ordenamentos e não

foram citados na mesma ocasião.

“As Comunidades Europeias precedem à União Europeia. Segundo, pelas fontes formais, porque os instrumentos que criaram as Comunidades não são os mesmos que criaram a União Europeia. Terceiro, pela relação entre ambos, do mesmo modo que a parte

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(Comunidades) se relaciona ao todo (União) ou o alicerce (Comunidades) se relaciona à edificação (União). Maior facilidade em compreender a autonomia do Direito Comunitário perante o Direito da União é mostrar que aquele tem as suas bases institucionais, que são três, nos Tratados que as criaram: a) o Tratado da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) (1951); b) o Tratado da Comunidade Econômica Europeia (CEE) (1957); e c) o Tratado da Comunidade Europeia da Energia Atômica (CEEA) (1957). A União Europeia foi criada depois, em 1992, pelo Tratado de Maastricht, conhecido também como Tratado da União Europeia (TUE), revisado pelo Tratado de Amsterdam (1997), pelo Tratado de Nice (2001) e, mais recentemente, pelo Tratado de Lisboa (2007) assinado por 27 Estados-Membros, e os Tratados posteriores alteraram os anteriores. Assim, a União Europeia tem a pretensão de representar uma outra organização acima das Comunidades, embora nestas tenha encontrado as suas bases constitutivas históricas. As Diretivas das Comunidades continuam a ser aplicadas pela União Europeia. As três comunidades, cada qual com uma organização própria, alcançaram, não obstante, sua integração. O Convênio sobre Instituições Comuns anexo ao Tratado de Roma configura o Parlamento Europeu, mais precisamente a Assembleia, o Tribunal de Justiça e o Comitê Econômico e Social, como órgãos únicos das Comunidades. Concluindo, Direito da União Europeia é o ordenamento jurídico da União Europeia englobando tudo que a compõe, o seu Direito Constitucional no sentido material e o seu Direito Administrativo. Direito comunitário é o sistema institucional e normativo das Comunidades. ” (NASCIMENTO. 2011, p. 92-93).

As modalidades de apuração de violação dos direitos humanos são três: a

supervisão, o controle estrito senso e a tutela. Para André Ramos, as modalidades se dão da

seguinte maneira:

“A primeira modalidade é a da supervisão, pela qual o órgão internacional visa induzir os Estados a introduzir a garantia de determinado direito no ordenamento interno e a efetivar tal garantia. Assim, o procedimento de supervisão constitui uma forma de pressão sobre os Estados para a adoção ou modificação voluntária de comportamentos. Seu término consiste na constatação de ilicitude e na elaboração de uma recomendação não vinculante, formando um direito de observação da conduta estatal em face dos direitos humanos protegidos. A segunda modalidade é o chamado controle estrito senso, que averigua possíveis violações e cobra dos Estados a reparação às vítimas de reparação. Cite-se, como exemplo, a atividade de processamento de petições individuais do Comitê de Direitos Humanos, órgão de controle estrito senso do cumprimento pelos Estados dos comandos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Como veremos, discute-se atualmente a força vinculante dessas deliberações, já que

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os tratados institutivos dessa forma de controle são em geral omissos. Defenderemos, porém, que há costume internacional de obediência a tais decisões. A última modalidade é a de tutela, que consiste na existência de uma jurisdição internacional subsidiária e complementar, apta a atuar como verdadeiro juiz internacional imparcial a zelar pelo respeito aos direitos humanos. Neste caso, em face da clareza dos tratados institutivos (v.g., a Convenção Americana de Direitos Humanos e a Convenção Europeia de Direitos Humanos) as deliberações têm força vinculante, sendo tal controle verdadeira forma de restauração compulsória da legalidade internacional. ” (RAMOS, 2012, p. 420)

4.1.1- Subsidiariedade dos mecanismos internacionais frente aos

mecanismos dos Estados Nacionais.

A subsidiariedade dos mecanismos internacionais estabelece que o primeiro a

proteger ou buscar a proteção é o Estado Nacional, somente no caso de esgotamento das

instâncias, meios, recursos internos, previstos em cada Estado, poderão ser invocados o

plano internacional, ou seja, devido ao fracasso.

De acordo ainda com André Ramos:

“No Direito Internacional dos Direitos Humanos, a subsidiariedade da jurisdição internacional – fruto da exigência do esgotamento dos recursos internos – é uma constante. Os mais variados sistemas de apuração de violação de direitos humanos que estudaremos aqui (no plano universal ou regional) exigem que as vítimas busquem esgotar os meios ou recursos internos disponíveis como condição de admissibilidade da análise do pleito da vítima, sem a qual a demanda internacional será extinta sem apreciação do mérito. ” (RAMOS, 2012, p. 51).

A regra da subsidiariedade traz impactos, pois fixa a responsabilidade

originária aos Estados Nacionais, permite a aceitação da jurisdição internacional com

menor resistência, já que todas as instâncias internas deverão ser primeiramente invocadas,

preservando inclusive a soberania interna, já debatida no primeiro capítulo, exige dos

Estados um tratamento mais eficaz, para proteção dos direitos humanos, que possa reparar

os danos causados aos indivíduos, permitindo, assim, à jurisdição internacional o

julgamento e a condenação do Estado ou do indivíduo e, por fim, gera o conflito entre a

jurisdição nacional e a jurisdição internacional.

Mauricio Rodrigues, em seguimento ao pensamento de Francisco Rezek,

considera que as normas constitucionais não devem ser afastadas.

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“Na conclusão de Mauricio Andreiuolo Rodrigues, ocasião em que faz alusão ao trabalho de Michael Walzer (ThickandThin- Moral Argumenta at Home and Abroad), o afastamento da norma constitucional somente deveria ocorrer se ela violasse o mínimo ético, se ofendesse a moral mínima a ser observada universalmente e os valores e ideais incutidos na mente de todos os seres humanos. Segundo Walzer, há duas modalidades de moralidade. Uma seria a moralidade mínima, isto é, aquela que diz respeito ao caráter universal do indivíduo. Todo indivíduo em qualquer lugar do planeta teria de observar tal moralidade. A outra moralidade seria a moralidade máxima que é aquela observada em dada cultura, aquela verificada em uma certa localidade. Seria possível mexer e alterar abrangência da moralidade máxima que é thick espessa e admite compressão, mas não suprimir ou reduzir a moralidade mínimo thin delgada, fina, que retrata um agrupamento de direitos mínimos do ser humano” (RODRIGUES 2000, apud ARAUJO 2016 p. 150)

As normas internacionais sobre direitos humanos devem prevalecer, porém, o

Estado soberano, ao ratificá-las, deve protegê-las e, somente nesta falha, ou na violação do

valor mínimo universal consagrado, haveria a atuação de uma jurisdição internacional.

4.1.2- Responsabilidade individual do violador dos direitos humanos

O clássico Direito Internacional considera o Estado como o centro das relações

internacionais. Em 1648, após a Paz de Vestfália, um conjunto de tratados que colocou fim

à guerra dos trinta anos, trouxe um marco histórico para o Estado soberano, que passou a

ter a análise dos conflitos tendo como base o próprio Estado e não mais a questão religiosa

como ponto central. A partir desse marco, as condutas dos indivíduos geravam apenas a

responsabilidade do Estado.

No entanto, após a 1ª Guerra Mundial, com a fracassada tentativa dos

vencedores de julgar o Kaiser Guilherme II, último imperador alemão e Rei da Prússia, por

crimes cometidos enquanto Chefe de Estado, ficou asilado na Holanda, que jamais

extraditou o Kaiser Guilherme II, frustrando o disposto no artigo 22764 do Tratado de

Versalles, de 1919.

64LasPontenciasaliaas o asociadas acusam publicamente a Guilhermo II de Hohenzollern, ex- Emperador de Alemania, por ofensa suprema contra la moral internacional y la autoridade sagrada de los Tratados. Um Tribunal especial se constituirá para juzgaral acusado, asegurándolelas garantias esencialesdelderecho de defensa. El Tribunal se compondrá de 5jueces, nombrados por cada uma de las 5 Potencias siguientes a saber: Los Estados Unidos de América, laGranBretana, Francia, Italia y elJapón. El Tribunal juzgarálascausales inspirado em los princípios más elevados de lapoilitica entre lasNaciones, com elfin de

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Até então, a pena dos indivíduos era de responsabilidade exclusiva do estado

nacional, a partir deste episódio, desponta a responsabilidade do indivíduo. Outras

tentativas também ocorreram para responsabilização do indivíduo, como a Sociedade das

Nações, que tenta prevenir e reprimir o terrorismo com a criação de Tribunal Penal

Internacional, porém, tal tratado nunca entrou em vigor por falta de ratificação pelos

estados nacionais.

Os membros da Organização das Nações Unidas, devido os casos bárbaros dos

regimes totalitários na Segunda Guerra Mundial, com intuito de proteger os direitos

humanos, criaram o Tribunal de Nuremberg, com a finalidade de combater a impunidade

dos autores das conduta s odiosas, que resultou no chamado direito de Nuremberg, que

permitiu a criação de várias resoluções na Assembleia Geral da ONU e de tratados

internacionais, voltados contra os autores de crimes contra a humanidade, estabelecendo

em uma das resoluções a possibilidade de afastar a imunidade de um agente público e

permitir a punição severa pelos crimes bárbaros.

A Resolução n. 3.074 (XXVIII), de 3 de dezembro de 1973, da Assembleia

Geral da ONU, previu regras internacionais de cooperação na detenção, extradição e

punição dos acusados de crimes de guerra e crimes contra a humanidade e permitiu a

persecução criminal no país.

O direito internacional previu também a proibição da concessão de asilo a

acusados de cometimentos de crimes contra a humanidade65. A Convenção, no “art. 29:

Imprescritibilidade. Os crimes da competência do Tribunal não prescrevem”, deixando de

aplicar as regras técnicas de extinção de punibilidade.

assegurar elrespeto de lasobligacionessolemnes y los compromissos internacionalesasi como la moral internacional, y le corresponderá determinar la pena que estime que debeaplicársele. Las potencias aliadas y associadas dirigiránalgobierno de los Países Bajos uma solicitude rogándolela entrega dele x –emperadorefecto de que seajuzgado. (TRATADO DE VERSALLES- consultado em 4 de setembro de 2016) 65 Ver o § 7o da Resolução 3.074 (XXVIII) e também o art. 1o, § 2o da Declaração sobre Asilo Territorial da Assembleia Geral da ONU, adotada em 14-12-1967 (Resolução 2.312 (XXII))

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A Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial de Viena criou o

dever dos Estados de punir criminalmente os autores de graves violações de direitos

humanos, para que seja consolidado o Estado de Direito.66

Outro tribunal também utiliza do mecanismo individual para apurar a violação

aos direitos humanos, após negociação, em 1998, 50 anos após a Declaração Universal de

Direitos Humanos, foi adotado o texto do Estatuto do Tribunal Penal Internacional; o

Estatuto só começou a ter vigência após as 60 assinaturas, conforme estabelece o artigo

12667, em julho de 2002 o número de ratificações foi alcançado, e iniciou a vigência do

TPI. O Brasil somente ratificou em setembro de 2002. Outros países, tais como Rússia, Ira,

Israel e outros, não aderiram ao TPI,

O TPI somente possibilita o julgamento de alguns crimes específicos com

previsão no Estatuto, como o crime de genocídio, previsto no artigo 6º68, o crime contra a

humanidade, previsto no artigo 7º69, o crime de guerra, previsto no artigo 8º70 e o crime de

66 “Estados devem ab-rogar leis conducentes à impunidade de pessoas responsáveis por graves violações de direitos humanos, como a tortura, e punir criminalmente essas violações, proporcionando, assim, uma base sólida para o Estado de Direito” Ver o texto completo da Declaração e Programa de Ação de Viena em VILHENA, Oscar V. Direitos humanos – normativa internacional, São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 177-215 67 Artigo 126- 1. O presente Estatuto entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao termo de um período de 60 dias após a data do depósito do sexagésimo instrumento de ratificação, de aceitação, de aprovação ou de adesão junto do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas. 2. Em relação ao Estado que ratifique, aceite ou aprove o Estatuto, ou a ele adira após o depósito do sexagésimo instrumento de ratificação, de aceitação, de aprovação ou de adesão, o Estatuto entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao termo de um período de 60 dias após a data do depósito do respectivo instrumento de ratificação, de aceitação, de aprovação ou de adesão. 68 Artigo 6o - Crime de Genocídio: Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "genocídio", qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal: a) Homicídio de membros do grupo; b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo; c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial; d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo. 69 Artigo 7o - Crimes contra a Humanidade:1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: a) Homicídio; b) Extermínio; c) Escravidão; d) Deportação ou transferência forçada de uma população; e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; i) Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de apartheid; k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.2. Para efeitos do parágrafo 1o:a) Por "ataque contra uma população civil" entende-se qualquer conduta que

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envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1o contra uma população civil, de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política; b) O "extermínio" compreende a sujeição intencional a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destruição de uma parte da população; c) Por "escravidão" entende-se o exercício, relativamente a uma pessoa, de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa, incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças; d) Por "deportação ou transferência à força de uma população" entende-se o deslocamento forçado de pessoas, através da expulsão ou outro ato coercivo, da zona em que se encontram legalmente, sem qualquer motivo reconhecido no direito internacional; e) Por "tortura" entende-se o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado; este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais, inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas; f) Por "gravidez à força" entende-se a privação ilegal de liberdade de uma mulher que foi engravidada à força, com o propósito de alterar a composição étnica de uma população ou de cometer outras violações graves do direito internacional. Esta definição não pode, de modo algum, ser interpretada como afetando as disposições de direito interno relativas à gravidez; g) Por "perseguição'' entende-se a privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa; h) Por "crime de apartheid" entende-se qualquer ato desumano análogo aos referidos no parágrafo 1°, praticado no contexto de um regime institucionalizado de opressão e domínio sistemático de um grupo racial sobre um ou outros grupos nacionais e com a intenção de manter esse regime; i) Por "desaparecimento forçado de pessoas" entende-se a detenção, a prisão ou o sequestro de pessoas por um Estado ou uma organização política ou com a autorização, o apoio ou a concordância destes, seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou localização dessas pessoas, com o propósito de lhes negar a proteção da lei por um prolongado período de tempo.3. Para efeitos do presente Estatuto, entende-se que o termo "gênero" abrange os sexos masculino e feminino, dentro do contexto da sociedade, não lhe devendo ser atribuído qualquer outro significado. 70 . O Tribunal terá competência para julgar os crimes de guerra, em particular quando cometidos como parte integrante de um plano ou de uma política ou como parte de uma prática em larga escala desse tipo de crimes. 2. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crimes de guerra”: a) As violações graves às Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um dos seguintes atos, dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos da Convenção de Genebra que for pertinente) Homicídio doloso; ii) Tortura ou outros tratamentos desumanos, incluindo as experiências biológicas; iii) O ato de causar intencionalmente grande sofrimento ou ofensas graves à integridade física ou à saúde; iv) Destruição ou a apropriação de bens em larga escala, quando não justificadas por quaisquer necessidades militares e executadas de forma ilegal e arbitrária; v) O ato de compelir um prisioneiro de guerra ou outra pessoa sob proteção a servir nas forças armadas de uma potência inimiga;vi) Privação intencional de um prisioneiro de guerra ou de outra pessoa sob proteção do seu direito a um julgamento justo e imparcial;vii) Deportação ou transferência ilegais, ou a privação ilegal de liberdade;viii) Tomada de reféns;b) Outras violações graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais no âmbito do direito internacional, a saber, qualquer um dos seguintes atos:i) Dirigir intencionalmente ataques à população civil em geral ou civis que não participem diretamente nas hostilidades;ii) Dirigir intencionalmente ataques a bens civis, ou seja bens que não sejam objetivos militares;iii) Dirigir intencionalmente ataques ao pessoal, instalações, material, unidades ou veículos que participem numa missão de manutenção da paz ou de assistência humanitária, de acordo com a Carta das Nações Unidas, sempre que estes tenham direito à proteção conferida aos civis ou aos bens civis pelo direito internacional aplicável aos conflitos armados;iv) Lançar intencionalmente um ataque, sabendo que o mesmo causará perdas acidentais de vidas humanas ou ferimentos na população civil, danos em bens de caráter civil ou prejuízos extensos, duradouros e graves no meio ambiente que se revelem claramente excessivos em relação à vantagem militar global concreta e direta que se previa;v) Atacar ou bombardear, por qualquer meio, cidades, vilarejos, habitações ou edifícios que não estejam defendidos e que não sejam objetivos militares;vi) Matar ou ferir um combatente que tenha deposto armas ou que, não tendo mais meios para se defender, se tenha incondicionalmente rendido;vii) Utilizar indevidamente uma bandeira de trégua, a bandeira nacional, as insígnias militares ou o uniforme do inimigo ou das Nações Unidas, assim como os emblemas distintivos das Convenções de Genebra, causando deste modo a morte ou ferimentos graves;viii) A transferência, direta ou indireta, por uma potência ocupante de parte da sua população civil para o território que ocupa ou a deportação ou transferência da totalidade ou de parte da população do território ocupado, dentro ou para fora desse território;ix) Dirigir intencionalmente ataques a edifícios consagrados ao culto religioso, à educação, às artes, às ciências ou à beneficência, monumentos históricos,

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hospitais e lugares onde se agrupem doentes e feridos, sempre que não se trate de objetivos militares;x) Submeter pessoas que se encontrem sob o domínio de uma parte beligerante a mutilações físicas ou a qualquer tipo de experiências médicas ou científicas que não sejam motivadas por um tratamento médico, dentário ou hospitalar, nem sejam efetuadas no interesse dessas pessoas, e que causem a morte ou coloquem seriamente em perigo a sua saúde;xi) Matar ou ferir à traição pessoas pertencentes à nação ou ao exército inimigo;xii) Declarar que não será dado quartel;xiii) Destruir ou apreender bens do inimigo, a menos que tais destruições ou apreensões sejam imperativamente determinadas pelas necessidades da guerra;xiv) Declarar abolidos, suspensos ou não admissíveis em tribunal os direitos e ações dos nacionais da parte inimiga;xv) Obrigar os nacionais da parte inimiga a participar em operações bélicas dirigidas contra o seu próprio país, ainda que eles tenham estado ao serviço daquela parte beligerante antes do início da guerra;xvi) Saquear uma cidade ou uma localidade, mesmo quando tomada de assalto;xvii) Utilizar veneno ou armas envenenadas;xviii) Utilizar gases asfixiantes, tóxicos ou outros gases ou qualquer líquido, material ou dispositivo análogo;xix) Utilizar balas que se expandem ou achatam facilmente no interior do corpo humano, tais como balas de revestimento duro que não cobre totalmente o interior ou possui incisões;xx) Utilizar armas, projéteis; materiais e métodos de combate que, pela sua própria natureza, causem ferimentos supérfluos ou sofrimentos desnecessários ou que surtam efeitos indiscriminados, em violação do direito internacional aplicável aos conflitos armados, na medida em que tais armas, projéteis, materiais e métodos de combate sejam objeto de uma proibição geral e estejam incluídos em um anexo ao presente Estatuto, em virtude de uma alteração aprovada em conformidade com o disposto nos artigos 121 e 123;xxi) Ultrajar a dignidade da pessoa, em particular por meio de tratamentos humilhantes e degradantes;xxii) Cometer atos de violação, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez à força, tal como definida na alínea f) do parágrafo 2o do artigo 7o, esterilização à força e qualquer outra forma de violência sexual que constitua também um desrespeito grave às Convenções de Genebra; xxiii) Utilizar a presença de civis ou de outras pessoas protegidas para evitar que determinados pontos, zonas ou forças militares sejam alvo de operações militares;xxiv) Dirigir intencionalmente ataques a edifícios, material, unidades e veículos sanitários, assim como o pessoal que esteja usando os emblemas distintivos das Convenções de Genebra, em conformidade com o direito internacional;xxv) Provocar deliberadamente a inanição da população civil como método de guerra, privando-a dos bens indispensáveis à sua sobrevivência, impedindo, inclusive, o envio de socorros, tal como previsto nas Convenções de Genebra;xxvi) Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou utilizá-los para participar ativamente nas hostilidades;c) Em caso de conflito armado que não seja de índole internacional, as violações graves do artigo 3o comum às quatro Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um dos atos que a seguir se indicam, cometidos contra pessoas que não participem diretamente nas hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que tenham deposto armas e os que tenham ficado impedidos de continuar a combater devido a doença, lesões, prisão ou qualquer outro motivo:i) Atos de violência contra a vida e contra a pessoa, em particular o homicídio sob todas as suas formas, as mutilações, os tratamentos cruéis e a tortura;ii) Ultrajes à dignidade da pessoa, em particular por meio de tratamentos humilhantes e degradantes;iii) A tomada de reféns;iv) As condenações proferidas e as execuções efetuadas sem julgamento prévio por um tribunal regularmente constituído e que ofereça todas as garantias judiciais geralmente reconhecidas como indispensáveis.d) A alínea c) do parágrafo 2o do presente artigo aplica-se aos conflitos armados que não tenham caráter internacional e, por conseguinte, não se aplica a situações de distúrbio e de tensão internas, tais como motins, atos de violência esporádicos ou isolados ou outros de caráter semelhante;e) As outras violações graves das leis e costumes aplicáveis aos conflitos armados que não têm caráter internacional, no quadro do direito internacional, a saber qualquer um dos seguintes atos:i) Dirigir intencionalmente ataques à população civil em geral ou civis que não participem diretamente nas hostilidades;ii) Dirigir intencionalmente ataques a edifícios, material, unidades e veículos sanitários, bem como ao pessoal que esteja usando os emblemas distintivos das Convenções de Genebra, em conformidade com o direito internacional;iii) Dirigir intencionalmente ataques ao pessoal, instalações, material, unidades ou veículos que participem numa missão de manutenção da paz ou de assistência humanitária, de acordo com a Carta das Nações Unidas, sempre que estes tenham direito à proteção conferida pelo direito internacional dos conflitos armados aos civis e aos bens civis;iv) Atacar intencionalmente edifícios consagrados ao culto religioso, à educação, às artes, às ciências ou à beneficência, monumentos históricos, hospitais e lugares onde se agrupem doentes e feridos, sempre que não se trate de objetivos militares;v) Saquear um aglomerado populacional ou um local, mesmo quando tomado de assalto;vi) Cometer atos de agressão sexual, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez à força, tal como definida na alínea f do parágrafo 2o do artigo 7o; esterilização à força ou qualquer outra forma de violência sexual que constitua uma violação grave do artigo 3o comum às quatro Convenções de Genebra;vii) Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou em grupos, ou utilizá-los para participar ativamente nas hostilidades;viii) Ordenar a deslocação da população civil por razões

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agressão, aprovado pela Resolução n. 6, de 11 de junho de 2010. Esse Tribunal é

independente da ONU, é composto por quatro órgãos: Presidência, divisão judicial,

procuradoria e secretaria. Os juízes que compõe o TPI cumprem mandato de 9 anos; esse

tribunal possui a característica da universalidade que aborda os direitos humanos, somente

podendo ser invocado se um dos crimes previstos ocorrer no território ou por um nacional

de um Estado-parte, ou por declaração específica do Estado não contratante. Esses

julgamentos serão realizados de maneira subsidiária, como acima já exposto, mas também

complementar, evitando a impunidade; a análise da complementariedade será exercida pelo

próprio TPI, que verificará a presença de impunidade. “Significa que somente estará

legitimado o órgão jurisdicional internacional, em tendo havido inércia dos

correspondentes nacionais”. (JAPIASSU, 2004, p. 160-161)

Para o princípio da complementariedade tem-se como consequência uma breve

análise do princípio observado pelo Estatuto de Roma: o ne bis in idem:

“ Ninguém será julgado pelo TPI por condutas criminosas pelas quais já tenha respondido frente ao Tribunal. O julgamento realizado pelo TPI também impede um novo julgamento a ser realizado por um Tribunal Nacional, em razão do mesmo fato criminoso, assim como, os julgamentos nacionais impedem um novo julgamento pelo TPI. Contudo, quanto a esta última hipótese, o Estatuto estabelece uma exceção. O Tribunal Penal Internacional poderá julgar pessoa que já tenha sido julgada por outro Tribunal caso o primeiro processo tenha objetivado subtrair o acusado à sua responsabilidade criminal por crimes de competência do TPI ou caso o processo não tenha sido conduzido de forma independente e imparcial. ” (JAPIASSU&ADRIANO. 2005, p. 22)

O TPI prevê a possibilidade de julgamento de crime contra a humanidade no

caso de escravidão, privilegiando a repressão na esfera penal do direito, mas também é relacionadas com o conflito, salvo se assim o exigirem a segurança dos civis em questão ou razões militares imperiosas;ix) Matar ou ferir à traição um combatente de uma parte beligerante;x) Declarar que não será dado quartel;xi) Submeter pessoas que se encontrem sob o domínio de outra parte beligerante a mutilações físicas ou a qualquer tipo de experiências médicas ou científicas que não sejam motivadas por um tratamento médico, dentário ou hospitalar nem sejam efetuadas no interesse dessa pessoa, e que causem a morte ou ponham seriamente a sua saúde em perigo; xii) Destruir ou apreender bens do inimigo, a menos que as necessidades da guerra assim o exijam;f) A alínea e) do parágrafo 2o do presente artigo aplicar-se-á aos conflitos armados que não tenham caráter internacional e, por conseguinte, não se aplicará a situações de distúrbio e de tensão internas, tais como motins, atos de violência esporádicos ou isolados ou outros de caráter semelhante; aplicar-se-á, ainda, a conflitos armados que tenham lugar no território de um Estado, quando exista um conflito armado prolongado entre as autoridades governamentais e grupos armados organizados ou entre estes grupos. 3. O disposto nas alíneas c) e e) do parágrafo 2o, em nada afetará a responsabilidade que incumbe a todo o Governo de manter e de restabelecer a ordem pública no Estado, e de defender a unidade e a integridade territorial do Estado por qualquer meio legítimo.

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importante reprimir na esfera trabalhista, já que os empregadores, proprietários de grandes

empresas, ainda se beneficiam da mão de obra escrava para promover e manter o lucro,

ainda com as políticas repressivas nos estados nacionais, sendo certo que atualmente,

devido à globalização, a prática do trabalho escravo em uma específica empresa tem

repercussão mundial.

A punição internacional, por meio de uma jurisdição internacional, como o

TPI, na esfera penal é reconhecida, sendo assim importante, de igual modo, resguardar a

repressão trabalhista, o que é o centro do presente trabalho, permitir por meio da jurisdição

internacional trabalhista a criação de um tribunal internacional do trabalho que permita

julgar o indivíduo, empresário, empregador violador do direito do trabalho,

especificamente sendo enfatizado nesta dissertação o trabalho escravo, não tendo a

intenção desta subscritora de limitação única e exclusiva do trabalho escravo, mas trazer

para fins de trabalhos futuros outros importantes casos para julgamento.

4.2- O princípio da efetividade e o sistema internacional

O princípio da efetividade da jurisdição não se limita à aplicação da norma ao

caso concreto, mas também ao cumprimento da decisão. Para José Inácio Botelho de

Mesquita:

“Surge assim o chamado ‘princípio da efetividade’, por força do qual excluem-se da competência internacional do Estado três espécies de causas, a saber: a) as que demandem aplicação de Direito estrangeiro e não sejam suscetíveis de execução no território nacional; b) as que demandem aplicação do Direito nacional mas a sentença dada seja suscetível de homologação no país onde deva ser executada (...); e c) as execuções sobre bens situados fora do território nacional ou referentes a obrigações de cujo título não conste o Brasil como lugar do cumprimento da obrigação.” (MESQUITA apud PERES, 2009, p. 51)

Celso Agrícola Barbi, também citado na obra de Antônio Peres, considera que

“a jurisdição sofre uma limitação a partir do momento em que ela deve produzir efeitos

numa outra jurisdição: é o princípio da efetividade”.

Ainda que haja a limitação jurisdicional, partindo do conceito de soberania, já

abordado no primeiro capítulo, há que se ressalvar a cooperação entre os Estados,

permitindo mais competência internacional, tendo em vista os conflitos internacionais.

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A evolução demonstra que o Estado não é mais o centro, passando para o

particular, indivíduo receptor da prestação jurisdicional, tendo como interesse principal a

garantia da justiça e da equidade.

ToshioYamaguchi considera que:

“O mundo atual da globalização – mundo cada vez mais integrado, mais interdependente – necessita funcionar conforme regras comumente aceitas e respeitadas. Mas, ainda que se pressuponha a universalidade das regras governantes, o mundo em que vivemos e no qual viveremos se caracteriza pela pluralidade de fontes de inovação no domínio econômico e social. Não mais existe um Estado ou um mundo desenvolvido e avançado que imponha suas regras em face de um Estado ou de um mundo em desenvolvimento e atrasado. Não se trata de promover a difusão universal de um único modelo, mas de extrair, da diversidade solidamente constatada de situações, o que, em uma concepção logica e razoável, se prende universal”. (YAMAGUCHI apud PERES, 2009, p. 58-59)

O direito humanitário evoluiu e demonstra que a humanidade deve ser

respeitada e resguardada, o homem, especificamente, não sendo mais somente

responsabilidade do estado nacional a proteção do ser humano e de sua dignidade. O plano

internacional não deve mais tratar somente de questões entre estados ou entre estes e os

organismos internacionais, mas também, e hoje principalmente, a relação entre os estados e

os indivíduos que deixam de ser apenas cidadãos nacionais e sim cidadãos universais.

Os estados nacionais possuem o próprio voluntarismo, não havendo um

sistema legislativo com procedimentos obrigatórios e nem a adjudicação compulsória

enfraquece o caráter moralista do direito internacional.

Habermas sintetiza o problema:

“a interpenetração do poder e do Direito falta à esfera internacional, porque as regulações do Direito Internacional refletem as respectivas constelações subjacentes entre os Estados, ao invés de infundi-las normativamente: o direito informa as relações dos poderes soberanos uns com os outros, mas não as doma” (HABERMAS, 2006, p.122)

É importante consignar que o Direito Internacional não é significativamente o

Direito Humanitário, nem um Direito Mundial da Humanidade. Considerado o direito

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internacional como elitista, já que a história remonta ao domínio e à exploração dos mais

fortes sobre outros. Esses outros, estados do terceiro mundo tidos como subalternos.

O direito internacional sofre críticas sobre a democracia e a legitimidade.

A ilegitimidade, por exemplo, da ONU, organismo bastante criticado que não

conseguiu conter massacres como o genocídio de Ruanda e em Kosovo nos anos 90, bem

como a guerra do Iraque, claro que o direito internacional não se resume à ONU e nem às

suas legislações, no entanto, a ONU aplica projetos para promoção da ruleoflaw, para

observar a obrigatoriedade de um processo justo e legalmente justo e proeminência da lei e

costumes perante a discricionariedade do poder real, tanto do direito nacional e

internacional.

A democracia, como exemplo dado e muito criticado, é o conselho de

segurança que é composto por 15 membros, mas 5 são permanentes (China, França,

Rússia, Reino Unido e Estados Unidos) e os outros 10, eleitos, observando que a América

Latina, África e Oceania estão fora deste poder mundial, ainda que todos os países tenham

o mesmo peso, independentemente do número de habitantes de cada país.

Apesar das críticas, o Direito Internacional é capaz de estabilizar também

algumas relações entre os estados, por meio dos tratados internacionais e a positivação dos

costumes do âmbito internacional e dar solidez a mecanismos que possibilitem interações

jurídicas entre os estados.

O direito internacional, ampliação de sua legitimidade, não somente para

aumentar a regulamentação, mas também o enfrentamento de desafios para promover a paz

em escala universal. Precisando passar a ser um “direito universal da humanidade”

(CANÇADO TRINDADE, 2002, p. 15) e criando mecanismos para atender a legitimação.

A diversidade é grande culpada pela ausência de efetividade das relações

jurídicas internacionais, no entanto, o caminho para criação de uma unidade parece ser um

percurso natural e espontâneo, pois os estados nacionais discutem, buscam cooperação,

recebem interferência de estados estrangeiros, reconhecem organismos internacionais,

interpretam pelo direito comparado, buscando um algo comum.

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4.3- Transconstitucionalização e o direito internacional

Ante a globalização, a transcendência da economia e dos direitos humanos,

muitas são as afinidades entre o direito nacional e o direito internacional, pode pensar no

redimensionamento do direito constitucional, percebendo que as soluções das questões

jurídicas saem dos foros nacionais e dos internacionais tradicionais, carecendo de outros

contornos para solução dos conflitos e enfrentamento de problemas contemporâneos que

são comuns a maioria dos estados.

Alguns autores já se dedicavam à análise do tema, o jurista ucraniano

BórisMirkine-Guetzévitch considerou que:

“nas novas constituições, a tendência para a racionalização do poder manifesta-se também pela penetração do Direito Internacional nos textos constitucionais, pelo reconhecimento da força obrigatória das normas de Direito Constitucional” (MIRKINE-GUETZÉTVICH apud, VIEIRA 2015, p. 169)

Peter Harbele, com o “Estado Constitucional Cooperativo”, definiu como

“livre e democrático à mudança do Direito Internacional e ao seu desafio que levou a

formas de cooperação” (HABERLE apud, VIEIRA 2015, 171).

A tese de transconstitucionalismo de Marcelo Neves tem um aspecto

importante: a cooperação e conflitos que exigem aprendizados simultâneos. Permite que

haja solução de questões jurídico-constitucionais que entrelace em outras ordens, como,

por exemplo, os direitos fundamentais, especificamente neste trabalho o direito social do

trabalho.

Para Bulos:

“Transconstitucionalismo é o fenômeno pelo qual diversas ordens jurídicas de um mesmo Estado, ou de Estados diferentes, se entrelaçam para resolver problemas constitucionais. (...) o componente novo do transconstitucionalismo, portanto não é o entrelaçamento entre uma pluralidade de ordenamentos de países distintos. A novidade está no modo como são travadas as formas de conversações entre os atores do cenário estatal. (...) os detentores do poder de ordenamentos diferentes abrem mão do tom de disputa de suas conversações, a fim de solucionarem problemas constitucionais algo que não equivale a uma cooperação permanente entre Estados diversos. ” (BULOS, 2015, p. 90).

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A partir do transconstitucionalismo de Marcelo Neves, tentará justificar a

criação do Tribunal Internacional do Trabalho, visto que o debate sobre o tema se encontra

na idealização filosófica em fundar a ordem jurídica unitária. Apesar da imensa

dificuldade, pois a sociedade mundial é extremamente assimétrica e fragmentada

politicamente, culturalmente e em diversos ramos.

4.4- Transconstitucionalismo e o Tribunal internacional do trabalho

Habermas defende o projeto de uma política interna mundial sem um governo

mundial, utilizando as organizações e instituições já existentes, como a ONU, como é o

caso do presente trabalho, que defende, por meio da Organização Internacional do

Trabalho, a criação de um tribunal internacional do trabalho que julgue, dotado de

legitimidade mundial, casos que contrariem convenções da OIT, especialmente contra o

trabalho escravo, as pessoas jurídicas que violarem os direitos do trabalhador.

Marcelo Neves apresenta os argumentos de Habermas sobre o tema:

“Habermas, ao contrário de Hoffe e Lutz- Bachman argumenta com base nas instituições e organizações internacionais já existentes, propondo que sejam amplamente reformadas, especialmente no âmbito da ONU, para que se construa uma ‘política interna mundial’ capaz de explorar procedimentos e instituições que promovam uma ‘cidadania mundial’ fundada em uma ‘consciência da solidariedade cosmopolita compulsória’. Isso implicaria a representação dos movimentos de cidadania em uma espécie de câmara baixa da Assembleia Geral da ONU, assim como um modelo de divisão de poderes fundados na reforma do Conselho de Segurança e na fortificação dos tribunais internacionais e da Assembleia Geral. Esse projeto poderia levar a um ‘regime global de bem-estar’, decorrente da transferência para esferas supranacionais de funções que até agora foram realizadas pelo Estado social no âmbito de regiões limitadas do globo terrestre, assim como conduzir a uma regulação normativa da chamada ‘intervenção humanitária’”. (NEVES, 2009, p.86-87).

Para Neves, é importante certa simetria entre os Estados para a construção da

supranacionalidade no plano regional,

“implica norma e decisão abrangentes nas dimensões social, material e temporal, vinculando diretamente os cidadãos e órgãos estatais. Nos casos de condições orçamentárias, níveis educacionais, sistemas de saúde, situação de trabalho e emprego etc. muito dispares, fica obstaculizada ou no mínimo, dificultada a

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incorporação normativa imediata (sem ratificação) que caracteriza uma ordem supranacional” (NEVES, 2009, p. 99).

O Tribunal Internacional do Trabalho, objetivo do presente trabalho, poderia

utilizar dos organismos internacionais regionais como meio de conter as empresas

multinacionais, já que as semelhanças facilitariam a formalização dos tratados

internacionais, permitindo uma vinculação ao Tribunal do Trabalho originário da OIT.

Ainda que seja ressalvada, por Marcelo Neves, as dificuldades de

estabelecimento de “direito interno sul americano” (ibi, p. 101), por exemplo, dos países

integrantes do Mercosul, já que possuem problemas internos e deficientes no Estado de

Direito e no estado democrático, vale concluir que as empresas multinacionais utilizam da

fragilidade institucional e organizacional desses estados-nacionais para auferir lucro, sendo

de grande valia a unificação, nesse sentido, garantir o respeito à dignidade, ao direito do

trabalho.

Alguns critérios devem ser observados para resguardar a história, porém, é

possível imaginar uma identidade com diversidade, diálogo, racionalidade e harmonização

da sociedade, utilizando mecanismos menos tradicionais.

Neves pondera que:

“além dos pressupostos no nível dos Estados, a formação de uma constituição supranacional transversal depende da construção de um povo constitucional determinante de procedimentos no plano supra estatal. Não se trata, porém de um povo caracterizado por uma identidade cultural coletiva ou por uma comunidade de valores que também não existe no Estado Constitucional” (ibi, p.102)

A cultura é um determinante, um patrimônio que não pode ser dilapidado,

nesse sentido, a constituição, enquanto patrimônio cultural, traz raízes históricas,

sociológicas, políticas e jurídicas, porém se vê permeada pelas influências externas, pelo

processo de comunicação global, permitindo não somente a análise do estado com base nos

limites geográficos, mas também a análise com viés internacional. Peter Haberle pontua

que “teoria da constituição como Ciência da Cultura” (HABERLE apud VIEIRA, 2012, p.

228).

Nesse sentido:

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“A profunda transformação das coordenadas espaciais e temporais além de implicações econômicas de mundialização, produz consequências sociais, políticas e culturais redefinidoras dos pressupostos da organização político-social que ressignificam os liames e os limites da própria autocompreensão da sociedade. O problema encetado aqui acerca das implicações culturas da mundialização está em saber se há caminhos cerceados à reconstrução dos pressupostos globalizantes que permitam um resgate das promessas da modernidade” (VIEIRA, 2015, p. 228).

“a mundialização da cultura age tanto como alavanca para a globalização da economia quanto potencialmente para o direito e política. Ao aplainar as condições de possibilidade para um mercado de consumo mais homogêneo, com necessidades similares, publicidade e sensos estéticos mais parecidos, abrindo mercados e doutrinando consumidores, também se facilita uma aproximação de formas de vida para avanços no modo de convivência e de autocompreensão mediada pelo Direito, e demanda e interesses comuns, ou pelo menos mais convergentes, para a política. (...) o atropelamento supressivo de referências culturais é evidenciado ao se nivelar a mundialização com a ‘coca-colonização’, ‘macdonalização’, americanalização/europeização” (VIEIRA, 2015, p. 231).

Ainda que haja diversidade entre os diversos estados soberanos, é possível

olhar para o outro e enxergar um mínimo comum. O diálogo é um dos mecanismos para

compartilhar a ideia do outro, estabelecer um entendimento com o outro. Trazendo tal

meio para o objetivo deste trabalho, permite que a OIT- Organização Internacional do

Trabalho-, que se estabelece de maneira tripartite, viabilize a comunicação entre os

estados, os trabalhadores e empregadores, estabelecendo relações mínimas de convivência,

a fim de respeitar as normas de trabalho, especialmente a erradicação de trabalho escravo.

Habermas considera que:

“os atores, na qualidade de falantes e ouvintes, tentam negociar interpretações comuns da situação e harmonizar entre si os seus respectivos planos através de processos de entendimento, portanto pelo caminho de uma busca incondicionada de fins ilocucionários.” (HABERMAS, 2012, p. 36)

Ainda para Habermas:

“sempre que a orientação pelo sucesso e a orientação pelo entendimento chegam a formar uma alternativa completa aos olhos dos sujeitos agentes, a regulamentação intersubjetivamente obrigatória de interações precisa fazer jus a duas condições contraditórias, as quais não podem ser preenchidas simultaneamente na ótica dos atores. (...) a coerção fática e a

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validade legitima deveriam assegurar ao tipo procurado de normas a disposição em segui-las. ” (HABERMAS, 2012, p. 47).

O cenário que transcende o interno é visível e, para harmonização da sociedade

mundial, será necessário ultrapassar as barreiras construídas pela cultura e criar outros

meios que estabeleçam a discussão, já que é claro e evidente a existência da violação do

direito humano social do trabalho e a economia mundial irradia os estados nacionais

permitindo a escravidão dos empregados.

Claro que a cultura e o diálogo, por meio de comunicação entre os agentes,

sugerem indagações, tais como a seria possível a prevalência de uma cultura diante das

potências dominadoras ou como o que determina os preceitos culturais da globalização?

Todas essas são críticas, por meio de ponderações que são apresentadas

comumente, porém, nenhuma delas é capaz de retirar a realidade fática existente desta

sociedade internacional, interligada às culturas nacionais.

Esse movimento ocorre de uma maneira generalizada, permitindo que a

discussão sobre o assunto seja o mesmo para o direito social do trabalho: qual seria a mão

de obra mais barata a suportar o trabalho trazido pelas empresas americanas e europeias? O

Estado nacional seria capaz de conter legalmente uma empresa que viola a legislação

interna? As fronteiras de mercado e economia abertas possibilitariam um poder

empresarial de grandes potências europeia e americana interferirem no modo de

contratação e dignificação do trabalho? Seria possível um organismo internacional, tal

como a OIT, criar mecanismos de punição internacional para as empresas violadoras de

direito social do trabalho que tivesse reflexo global, não meramente local, regional ou

nacional?

Esses apontamentos são comuns aos países que receberam a interferência

global cultural, não sendo possível pôr fim à tal influência, mas tentar harmonizar a

convivência mundial por meio de diálogos e um núcleo de direitos e deveres também

mundiais.

Neves, nas reflexões de sua tese, considera que o transconstitucionalismo é

entrelaçar ordens jurídicas diversas, dentro de uma sociedade mundial “(...) proliferam

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ordens jurídicas diferenciadas, subordinadas ao mesmo código binário, isto é, licito/ilícito,

mas com diversos programas e critérios” (NEVES, 2009, p.115)

Os ordenamentos jurídicos nacionais, estrangeiros e internacionais caminham

para um diálogo, que permite a análise de casos que violem os mesmos direitos,

possibilitando uma troca de fundamentos e um aprimoramento dos julgamentos,

possibilitando, inclusive, meios mais efetivos de cumprimentos das decisões, já que a

sociedade mundial possui mínimos comuns.

O trabalho escravo, caso utilizado para exemplificar a necessidade de

julgamento por uma corte internacional, em capítulo anterior, é um assunto amplamente

discutido e debatido pela OIT, ainda que haja diversas origens e justificativas históricas

para narrar a escravidão nos estados integrantes da sociedade mundial, esse é um tema

comum a praticamente toda a sociedade.

“O transconstitucionalismo faz emergir, por um lado, uma fertilização constitucional cruzada. As cortes constitucionais citam-se reciprocamente não como precedentes, mas como autoridade persuasiva. Em termos de racionalidade transversal, as cortes dispõem-se a um aprendizado construtivo com outras cortes e vinculam-se às decisões dessas. Por outro lado, há uma combinação de cooperação ativa e conflito vigoroso entre cortes nacionais envolvidas em litígios transnacionais entre as partes privadas além das fronteiras” (NEVES, 2009, p.119)

Nesse sentido, o transconstitucionalismo já reconhece essa relação de

persuasão, não menos importante seria trazer para o âmbito desse debate a possibilidade da

cooperação entre as cortes constitucionais, o tribunal internacional do trabalho, que

possibilitaria conter o que o ordenamento nacional ou até mesmo internacional não

consegue, a manipulação de empresas transnacionais diante da globalização, que

determinam as regras a serem seguidas.

Com a punição internacional, seria possível alcançar a efetividade aos direitos

fundamentais do trabalho, pois haveria regras básicas que permitiriam a comunicação entre

os Estados e os organismos internacionais.

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Neves aborda tal temática, claro que sobre uma análise mais geral, não sendo

específico quanto à criação do tribunal mencionado, mas esclarecedor quanto à

necessidade:

“O constitucionalismo, vinculado originariamente ao Estado como organização territorial, surgiu para responder a duas questões: 1) como determinar coercitivamente os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos? 2) como limitar e controlar o poder estatal expansivo e, ao mesmo tempo, garantir a sua eficiência organizacional? A resposta veio com as constituições estatais, pois esses problemas normativos ainda tinham uma dimensão territorialmente delimitada. Com o tempo, o incremento das relações transterritoriais com implicações normativas fundamentais levou à necessidade de abertura do constitucionalismo para além do Estado. Os problemas dos direitos fundamentais ou dos direitos humanos ultrapassaram fronteiras, de tal maneira que o direito constitucional estatal passou a ser uma instituição limitada para enfrentar esses problemas. O mesmo ocorreu com a organização do poder, com a questão de como combinar a limitação e o controle do poder com sua eficiência organizacional. O tratamento desses problemas deixou de ser um privilégio do direito constitucional do Estado, passando a ser enfrentado legitimamente por outras ordens jurídicas, pois eles passaram a apresentar-se como relevantes para essas” (ibi idem p. 120).

Os ordenamentos jurídicos internos possuem um diálogo constitucional,

possibilitando que os fundamentos de casos estrangeiros sejam utilizados para persuasão

de casos estatais, vislumbrando o transconstitucionalismo das ordens jurídicas estatais,

mais um elemento a corroborar o tribunal internacional do trabalho.

A globalização, como já mencionado no primeiro capítulo, possibilita que as

empresas alcancem mercados transnacionais, nesse sentido, cada estado tem a legislação

trabalhista, tributária e empresarial para recebimento dessas empresas. No entanto, os

ditadores de mercado, empresas multinacionais, influenciam na contratação dos

trabalhadores, privilegiando o lucro em detrimento da dignidade do trabalhador.

Essa prática permite a concorrência de investidores dos estados nacionais e a

subordinação econômica a essas empresas tornam menos efetivas as práticas de punição

dos empregadores, pois o pagamento de multas administrativas e o pagamento de multas

firmadas em Termos de Ajustamento de Condutas, não inibem a continuidade da produção

de tais empresas.

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Essa situação se torna comum entre os países, tornando-se menos efetiva ou

quase nada efetiva as sanções legais impostas pelos estados nacionais. Como no estudo de

caso apresentando neste trabalho, desde o ano de 1989 o estado brasileiro tenta erradicar o

trabalho escravo ou análogo a escravo da Fazenda Brasil.

Todavia, o Brasil é grande exportador de carne bovina e chegará nos próximos

5 anos como maior produtor de carne bovina, superando os Estados Unidos. Fernando

Sampaio diretor executivo da associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne

(ABIEC)71. Os donos da Fazenda Brasil, Família Quagliato possui o maior rebanho do

Brasil, Miguel Rocha Cavalcanti72. Em 2015, uma reportagem é publicada sobre as cinco

curiosidades da raça nelore, colocando a família Quagliato entre os maiores produtores do

rebanho brasileiro.73

Com base nessas informações, o grupo Quagliato não foi contido com o

processo da Fazenda Brasil e, hoje, somente quem poderá sofrer as penalidades do

julgamento da corte da OEA é o Brasil e a empresa será mantida no mercado mundial,

podendo futuramente alcançar a melhor posição no ranking com a exportação do produto.

Esse caso deveria ultrapassar as barreiras nacionais e soberanas,

prevalecendo o direito social do trabalho, baseado nas políticas da OIT em erradicar o

trabalho escravo com o transconstitucionalismo das normas estatais brasileiras.

71 Nos próximos cinco anos, o Brasil será o maior produtor de carne bovina do mundo, superando os Estados Unidos, que atualmente ocupam o primeiro lugar no ranking. A previsão é de Fernando Sampaio, diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec). Segundo a entidade, o mercado nacional é responsável por 17% da produção total da carne bovina no planeta, e o norte-americano 19%. “Hoje, já somos os maiores exportadores do produto, mas podemos superar os EUA até 2020, no que diz respeito à atividade produtiva”. (ABIEC) 72 Muita gente veio me dizer que não faltavam lugares melhores em Goiás e Minas Gerais”, diz ele. “Mas o preço da terra no Pará era menos da metade do que em outros estados.” Hoje Roque Quagliato é conhecido entre seus pares como um desbravador e seu negócio é tido por eles como um exemplo. Ao longo de 30 anos, transformou aquelas terras no meio do nada no maior complexo de pecuária de corte do Brasil. Roque e seus irmãos Fernando, Francisco e Luiz controlam o grupo Quagliato, cujo plantel soma mais de 200 000 cabeças. Cerca de 150 000 delas estão em oito fazendas no sul do Pará. “O rebanho do grupo é o maior do Brasil”, diz Miguel da Rocha Cavalcanti, da consultoria BeefPoint, especializada em agronegócio. 73 A raça nelore é uma das predominantes no rebanho brasileiro (85% do total). Conheça um pouco mais: 1- Roque Quagliato é conhecido como o Rei do Gado – Roque Quagliato junto com seus irmãos é o maior criador de gado de corte do país. O negócio utiliza alta tecnologia de manejo e produção. Roque, quando tinha 33 anos deixou para trás a vida de usineiro em Ourinhos, no interior de São Paulo, para tentar a sorte como pecuarista no meio da Amazônia, em Sapucaia, na região de Xinguara, a 600 km da capital do Pará, Belém. Na época, em 1973, o governo militar incentivava a migração para a Amazônia.

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“Entre cortes de diversos Estados vem-se desenvolvendo, de maneira cada vez mais frequente, uma ‘conversação’ constitucional mediante referências recíprocas a decisões de tribunais de outros Estados. Além do fato de que as ideias constitucionais migram mediante legislação e doutrina de uma ordem jurídica para outra, há um entrecruzamento de problemas que exigem um diálogo constitucional no nível jurisdicional, sobretudo através do desenvolvimento de tribunais constitucionais ou cortes supremas. Não se trata simplesmente de constatar que as decisões tomadas no âmbito de uma ordem estatal influenciam outras ordens estatais e têm efeitos sobre os cidadãos de outros Estados. (NEVES, 2009, 166-167).

Assim, ultrapassaria a margem nacional e abriria espaço para a ‘conversação

constitucional’ de outras empresas nacionais e transnacionais, que suportam as sanções

internas e continuam crescendo no mercado mundial, fortalecidas com o trabalho escravo

ou análogo a escravo, que permitem a mão de obra barata e aumento do lucro.

As ordens transnacionais também merecem uma reflexão, como, por exemplo,

o OMC. Recentemente, o Brasil questiona barreiras à exportação de carnes, cobrou a

Organização Mundial do Comércio a eliminação de barreiras às exportações de carne suína

do Estado de Santa Catarina, durante o Comitê SPS74.

Neves, sobre o tema, considera que:

“Uma das dimensões mais instigantes do transconstitucionalismo refere-se ao relacionamento das ordens jurídicas transnacionais em sentido estrito, ou seja, com ordens normativas que são construídas primariamente não por Estados ou a partir de Estados, mas sim por atores ou organizações privados ou quase públicos. Negar-lhes o caráter de ordens jurídicas com pretensão de autonomia não parece ser mais sustentável. Nesse particular, não é preciso estar associado a uma modelo pós-moderno ou de desconstrução, como proposto

74 “O Brasil cobrou junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) a eliminação de barreiras às exportações de carne suína do estado de Santa Catarina impostas pela União Europeia. Durante a 65ª Reunião do Comitê sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Comitê SPS), os representantes brasileiros também questionaram as restrições impostas pela Nigéria às carnes bovina e de aves nacionais. Os questionamentos foram apresentados à organização em forma de “preocupações comerciais específicas (PCEs)”, instrumento utilizado para tornar multilaterais eventuais negociações de temas de difícil resolução. Com a apresentação da matéria na plenária da OMC, o governo espera a movimentação, nos próximos meses, para a solução dos problemas. A reunião do Comitê sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias ocorreu em 16 e 17 deste mês. Pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), participaram o fiscal federal agropecuário Guilherme Antônio da Costa Júnior, do Departamento de Negociações Não-Tarifárias da Secretaria de Relações Internacionais do Agronegócio (SRI), e o adido agrícola junto à OMC, Luís Henrique Barbosa da Silva. “A OMC continua sendo um dos organismos internacionais mais importantes para os temas de comércio agropecuário. Em especial, o comitê é um dos órgãos subsidiários de maior interesse para a agropecuária nacional, pois nele se pode monitorar os requisitos sanitários e fitossanitários dos parceiros comerciais e eventuais dificuldades comerciais relacionadas aos temas sanitários e fitossanitários”

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enfaticamente por GuntherTeubner e Andréas Fischer-Lescano, que vêm sublinhando o significado crescente do transnacionalismo jurídico em sentido estrito. Também um destacado jurista vinculado à tradição do constitucionalismo estatal, Dieter Grimm, não deixou de perceber esse desenvolvimento no âmbito da sociedade mundial hodierna: ‘A essas instituições criadas por Estados (OMC, Banco Mundial e FMI) somam-se, entrementes, atores que atuam globalmente, como empresas multinacionais e organizações não governamentais, que, em virtude do seu raio de ação podem seguir sua própria lógica sistêmica, sem ter de observar os standards e os deveres válidos intraestatalmente. Não obstante, elas também não podem sobreviver sem regulações jurídicas. O setor globalizado da economia depende de um direito transnacional, que, por conseguinte, nenhum legislador estatal pode preparar. ” (NEVES, 2009, p. 187-188)

Nesse sentido, as barreiras apresentadas pela OMC podem ser mais rigorosas,

trazendo ao debate matérias que centralizem o cidadão universal, já que o ordenamento

interno não pôde conter as práticas viciosas das empresas, como no estudo de caso da

Fazenda Brasil. A cooperação mundial permite o fortalecimento dos ideais da Organização

Interacional do Trabalho e a criação do Tribunal Internacional do Trabalho sendo auxiliado

por estas instituições, dariam maior efetividade ao direito social do trabalho, que caminha

atrelado aos direitos humanos, economia, globalização e comércio.

As convenções 29 e 105 da OIT determinam a erradicação do trabalho escravo.

O Brasil e outros países são signatários de ambas, possuem normas internas com a

finalidade de erradicar o trabalho forçado. Corroboram o entrelaçamento das ordens

jurídicas, como, por exemplo, na aquisição de carne exportada pelo Brasil, todos direta ou

indiretamente estão fortalecendo o comércio de produto advindo de trabalho escravo.

“Assim sendo, entrelaçamento transconstitucionais podem apresentar-se, simultaneamente, entre ordens estatais, supranacionais, internacionais e locais, sempre que um problema jurídico constitucional lhes seja relevante em um determinado caso. Em regra, todos os tipos de ordem não estão envolvidos concomitantemente em face de um mesmo problema constitucional, mas é usual que mais de duas ordens jurídicas, de tipos diversos ou não, entrem em conexão transconstitucional prante casos jurídicos que lhes são simultaneamente relevantes. ” (ibi idem, p.238)

O cumprimento mais efetivo das normas poderia ser visualizado com o

Tribunal Internacional do Trabalho. A análise do caso jurídico pela OIT, por meio do

referido tribunal a ser criado, individualizando a empresa violadora de normas

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internacionais e nacionais, juntamente com os demais organismos internacionais, a

exemplo Organização Mundial do Comércio, poderá, de forma mais satisfatória, coibir a

continuidade do trabalho forçado.

Essa conexão se mostra necessária, pois a relação ultrapassou as barreiras

estatais de soberania, a discussão é mundial e a economia e o comércio, juntamente com a

relação de trabalho, estão intimamente ligados. Apesar de existir mecanismos estatais,

como a lista suja, que visam proteger o trabalhador de empresas que se beneficiaram de

trabalho forçado, não é o suficiente para solução do problema jurídico.

O presente trabalho demonstra que os direitos humanos devem ser respeitados

e resguardados, apesar das inúmeras culturas e histórias, que os tratam de diversas

maneiras diante dos casos jurídicos julgados.

A criação do Tribunal Internacional do Trabalho, capaz de julgar a empresa ou

empregador violador dos direitos humanos fundamentais social do trabalho merece um

destaque. Como dispõe Marcelo Neves, o direito constitucional do Estado não se limita

mais às margens dos Estados nacionais.

“Os exemplos apresentados a respeito do transconstitucionalismo pluridimensional dos direitos humanos parecem-me corroborar a ideia de que, embora não se possa afastar o direito constitucional clássico do Estado, vinculado geralmente a um texto constitucional, o constitucionalismo abre-se para esferas além do Estado, não propriamente porque surjam outras Constituições (não estatais), mas sim porque os problemas eminentemente constitucionais, especialmente os referentes aos direitos humanos, perpassem simultaneamente ordens jurídicas diversas, que atuam entrelaçadamente na busca de soluções. O transconstitucionalismo afigura-se, dessa maneira, como direito constitucional do futuro, exigindo um maior grau de interdisciplinariedade. Nesse sentido, é fundamental a construção de uma metodologia específica para o transconstitucionalismo. ” (Ibi idem, p.269)

O tribunal internacional do trabalho não tem a finalidade de criar um outro

ordenamento jurídico, mas tão somente apresentar efetividade à aplicação das medidas

impostas, sabendo que o Estado nacional, diante da atualidade, não é capaz de restringir as

empresas transnacionais, que auferem lucro nos países de origem e em outros países.

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Nesse sentido, utilizando do transconstitucionalismo para possibilitar a criação

do Tribunal, é necessário ressalvar que o método de partida deste entrelaçamento não é

basear unicamente em uma ordem jurídica ou utilizar de uma ordem economicamente mais

poderosa, mas sim observar que o problema social existe, tal como foi provado pelo caso

apresentado da Fazenda Brasil em território nacional.

O caso da Fazenda Brasil Verde vs Brasil, julgado pela Corte Interamericana

em 15 de dezembro de 2016, é o primeiro sobre escravidão, possibilitando desenvolver e

atualizar o conceito para o direito internacional, e demonstrar que a prática ainda continua

e possibilita, assim segundo Neves, “a construção de uma racionalidade transversal na

relação entre princípios e regras de ordens jurídicas diversas” (ibi idem, p.275).

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CONCLUSÃO

O trabalho analisou a soberania do estado, desde o conceito clássico, a

relativização por meio dos direitos humanos, a economia diante da globalização e a saída

do Reino Unido da União Europeia. Esse último acontecimento ainda não teve o exato

resultado sobre os demais estados soberanos, mas permitiu o retorno da discussão de

estado soberano nacional, o conceito clássico de poder absoluto do Estado.

A partir das explicações, bem como as citações, acredita-se não haver grandes

mudanças sobre a relativização da soberania, que foi permitida com a prevalência dos

direitos humanos e com a economia mundial. A cooperação mundial é necessária e a

interdependência, vital para os estados.

A globalização permitiu não somente acesso a todas as informações, mas

também que o ordenamento jurídico seja influenciado por casos de cortes internacionais,

estrangeiras e regionais. A globalização também permitiu que a economia influenciasse os

estados no desenvolvimento, investimento, lucro e capacitação de trabalho.

As empresas transnacionais não possuem limitações ou barreiras para comércio

dos produtos, marcas e serviços prestados, ultrapassando o estado nacional. Nesse sentido,

o estado não é capaz de controlar a empresa transnacional internamente, já que o lucro

auferido prevalece sobre as formas de controle nacional.

Para exemplificar e na tentativa de demonstrar a dificuldade de efetivação do

direito humano, especificamente o direito social do trabalho, o caso analisado foi o

brasileiro, julgado pela corte interamericana de direitos humanos, que condenou o Brasil

por não ter erradicado o trabalho escravo no país.

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O Brasil possui muitos programas para erradicação do trabalho escravo, sendo

um país de grande influência mundial por haver programas estatais que fiscalizam e punem

internamente as empresas que utilizam da mão de obra escrava para lucrar, violando a

dignidade do trabalhador.

É um país com grande número de ratificações das convenções internacionais

do trabalho, reconhecendo o valor do direito humano social do trabalho, possuindo no

texto constitucional grande proteção ao trabalhador, porém, participou de julgamento junto

à jurisdição internacional.

O Brasil foi denunciado pela CPT (Comissão Pastoral da Terra) à CIDH, por,

desde 1989, possuir indícios de trabalho escravo, tendo sido investigado pela Polícia

Federal, pelo Ministério Público do Trabalho e submetido os proprietários da fazenda à

outras investigações, porém, nenhum foi efetivo e conteve o trabalho forçado.

O trabalho não almejou argumentar o porquê da ausência de efetividade das

políticas e direito brasileiro, mas demonstrar que existem elementos externos que facilitam

a continuidade de tal prática.

A empresa em questão, a fazenda Brasil, é de grande porte e responsável pela

exportação de carne. A comercialização mundial da carne brasileira permite que todos os

países que adquirem o produto participem da cadeia para gerar o lucro ao empregador da

mão de obra escrava.

Apesar dos estados serem signatários das convenções da OIT e reconhecerem

os direitos humanos dos trabalhadores, assim como o Brasil é, o caso julgado pela CIDH,

no dia 15 de dezembro de 2016, que condenou o estado brasileiro por trabalho escravo,

confirmou que as empresas são capazes de praticarem manobras, pagarem multas por

autuação, firmarem acordos trabalhistas e permanecerem na prática violadora do direito

humano fundamental social do trabalho.

Não foi objetivo do trabalho eliminar as punições, o ordenamento jurídico

nacional e nem desprestigiar a forma utilizada pelo Brasil, mas, com base no julgamento

do caso 12066 da CIDH, verificar que é necessário uma punição complementar e

subsidiária.

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Essa punição complementar e subsidiária foi proposta por meio de uma

jurisdição internacional, mas que julgue o agente violador do direito humano fundamental,

não somente o Estado.

O direito internacional é de grande importância, pois permitiu a proteção do

cidadão universal. O direito tem irradiado e comunicado com estados nacionais, entre os

organismos internacionais e regionais, ou seja, o direito tratado em alguns estados passou

também a ser discutido em diversos outros.

Esse foi o objetivo do trabalho: que é possível a criação de um tribunal

internacional do trabalho que garanta efetivamente, por meio de punições mais severas às

empresas que violaram direitos humano fundamental do trabalho, a erradicação do trabalho

escravo.

O organismo internacional do trabalho é específico, atua fortemente, afim de

conter as práticas violadoras da dignidade do trabalhador, porém, essa atuação é direta com

os estados nacionais, e a proposta foi, também, atuar junto às empresas que comercializam

o produto mundialmente e se mantém ilesa diante das infrações dos ordenamentos

nacionais.

A OIT é um organismo que possui a participação tripartite na elaboração das

recomendações, convenções e demais ideais: a figura dos empregadores, empregados e os

estados, sendo democráticas as decisões, já que não têm a tendência de privilegiar ou

prejudicar qualquer parte, mas tão somente estabelecer um equilíbrio na relação contratual.

A análise, para a criação do tribunal internacional do trabalho julgador dos

empregadores, foi sobre um viés constitucional, demonstrando por meio do

transconstitucionalismo o entrelaçamento entre ordenamentos jurídicos e a existência de

uma persuasão internacional, que possibilitou a constitucionalização do direito

internacional.

O entrelaçamento existe, como no caso estudado, o Brasil, diante de um caso

de trabalho escravo utilizado pela fazenda Brasil, família Quagliato, não teve efetivação do

direito social do trabalho, pois não conteve o trabalho escravo em território nacional. O

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Brasil, signatário de tratados internacionais, violou direitos que se encontram estabelecidos

junto a OEA.

A denúncia provocou a análise do caso pela jurisdição internacional, CIDH. O

Brasil é um dos maiores exportadores mundiais de carne bovina, podendo chegar ao maior

do mundo, a Fazenda Brasil, propriedade de um dos grandes pecuaristas brasileiros,

responsável por parte desta exportação que chegará a ser a maior do mundo.

Os estados estrangeiros compram a carne brasileira e pactuam para o lucro

desse empregador, e esse empregador não sofreu qualquer punição ou restrição de

mercado, nem sequer uma possível pena de morte da pessoa jurídica, matéria que poderá

continuar o presente estudo. E o estado nacional não erradicou o trabalho escravo, foi

julgado e condenado pela jurisdição internacional, possuindo uma péssima repercussão

internacional.

O presente trabalho superou a soberania clássica, utilizando a favor a

globalização da economia, os direitos humanos, os organismos internacionais e tribunais já

existentes, o caso jurídico brasileiro julgado, que comprova a falta de efetivação nacional

dos direitos humanos fundamentais do trabalho e a constitucionalização do direito

internacional, que viabilizou a possibilidade da criação do tribunal internacional do

trabalho.

A criação do tribunal internacional do trabalho, como questão do estudo, não é

o único objetivo desta subscritora, acreditando ser possível a estruturação do tribunal, o

que poderá, numa outra oportunidade, abordar a questão democrática, institucional e

funcional da jurisdição internacional do empregador.

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