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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE MARCUS VINICIUS PINHEIRO DA CONCEIÇÃO RUGOSIDADES ÉTNICAS E A ESPACIALIDADE DO PRECONCEITO RACIAL Presidente Prudente 2004

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA

CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE

MARCUS VINICIUS PINHEIRO DA CONCEIÇÃO

RUGOSIDADES ÉTNICAS E A ESPACIALIDADE DO

PRECONCEITO RACIAL

Presidente Prudente

2004

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MARCUS VINICIUS PINHEIRO DA CONCEIÇÃO

RUGOSIDADES ÉTNICAS E A ESPACIALIDADE DO PRECONCEITO RACIAL

ORIENTADOR: JAYRO GONÇALVES MELO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, Campus de Presidente Prudente, com vistas à obtenção do título de Mestre em Geografia (Área de Concentração: Desenvolvimento Regional e Planejamento Ambiental).

Presidente Prudente

2004

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José e Dilma,

dedico a vocês com carinho e admiração.

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AGRADECIMENTOS

“Ao Deus único e sábio seja dada glória por meio de Jesus Cristo,

pelos séculos dos séculos.

Amém.”

(Romanos 16.27).

Este trabalho é fruto do apoio, do incentivo, da compreensão e da generosidade de

várias pessoas, o que torna a tarefa de destacá-las algo tão laborioso quanto gratificante.

Agradeço a Gisele, que decidiu compartilhar comigo sua existência, dispensando-

me atenção, carinho e conselhos em todos os momentos. Eu te amo. Agradeço também a nosso

filho Leonardo Vinícius, que em meio à dureza das tarefas diárias veio tornar a vida muito mais

gostosa. Filho, eu também te amo.

Aos meus progenitores: Ancelmo Gomes da Conceição (in memorian) e Alayde

Gomes da Conceição; Leonardo da Costa Pinheiro (in memorian) e Maria Rita Pinheiro (in

memorian). Obrigado pelo legado de fé, esperança e amor.

À minha segunda mãe, dona Nair, pelo carinho e cuidado.

Às minhas queridas irmãs Márcia e Luíza, pela força que sempre me deram, de

todas as maneiras possíveis.

Aos meus tios: Ezequiel, Isabel, Manuel, Lídia, Elisa, Dinah, Samuel, Maria, Joel,

Lúcia, Sílvia, Bilo, Célia, Genésio, Antonia, Daniel, Vanda, Sebastião, Glória, Benedito, Idalina,

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Paulo, Suilene, Osvaldo, Zete, Antonio e Benedita, pelo incentivo que sempre me deram.

Agradeço em especial à tia Dalva, pelo apoio na aquisição do micro.

Aos meus primos: Eliezer, Elisabete, Jair, Elisete, Elenice, Luís Henrique, Tânia,

Sabrina, Betinha, Nívea, Viviane, Jonatan e Júnior, pela amizade e companheirismo.

Aos meus sogros Gildo e Lurdinha, pela confiança, orações e apoio dispensados

nos mais variados momentos.

Ao Professor e orientador Jayro Gonçalves Melo e à sua digníssima esposa, Èdna

Melo, pela paciência, atenção e cordialidade com que sempre me trataram. Serei eternamente

grato por este investimento que vem desde a graduação e culmina com este momento de

realização.

Agradeço também especialmente à Professora Gislaine Aparecida, por ter acreditado

em meu potencial, o que foi fundamental para lançar as bases deste trabalho.

De igual modo quero agradecer aos Professores da FCT/UNESP/Presidente Prudente:

Sérgio Magaldi, Maria Encarnação Beltrão Sposito, Eliseu Savério Sposito, Raul Borges

Guimarães, Neide Barroca Faccio, Fátima Aparecida, Everaldo Santos Melazzo e Arilda Inês

Miranda Ribeiro, pela prestimosa atenção e pelas preciosas contribuições a este trabalho.

Aos também Professores da FCT/UNESP/Presidente Prudente: César, Élcia, Ruth,

Tita, Marília, Barone, Wilson, Miguel, Bernardo, Gelson, Júlio, Nivaldo, Rosângela, Margarete,

Tadeu, Eda, Godoy, Thomaz, Castilho, Claudemira, Caetano, Márcio, Roberto e Chicão, entre

outros. Este trabalho tem a participação de todos.

Agradeço à professora Ana Lúcia Henriques, da Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, pela atenção, presteza e generosidade em indicar textos, demonstrados em um único

“encontro-aula”.

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Aos verdadeiros irmãos sem os quais este trabalho não teria logrado êxito: Adriano e

Robson, meus “cumpadis”, sem os quais o Pré-Projeto não teria saído da minha mente; ao amigo

e irmão Luciano Furini, que se desdobrou sem medir esforços para ajudar a concluir este

trabalho. Deus vos recompense em dobro pelo bem que me fizestes.

Aos meus amigos do Curso de Graduação e Pós-Graduação: Adriana, Agda,

Anderson, Angélica, Carolina, Catarina, César, Daniela, Daniele, Débora, Denis, Denise,

Edivaldo, Fabrício, Fernanda, Flávia Ikuta, Flávia Spineli, Flaviana, Francini, Gleison, Hipólito,

Ivan, Igon, Jean, João Osvaldo, Janaína, Jones, Jorge, José Alves, José Augusto, Júlia, Karina,

Kátia, Liz, Luciano Furini, Luciano Rocha, Luís, Madalena, Marcelino, Marcelo, Marcelo

Carvallal, Márcia, Maria, Maria José, Oscar, Patrícia, Patrícia Monteiro, Paulo, Regina, Régis,

Rosa, Sandra, Silvia, Sílvio, Valéria, entre tantos outros com os quais convivi ao longo destes

anos. Sou grato a todos vocês.

Aos colaboradores de todas as cores que tornaram possível a realização deste

trabalho.

Aos funcionários da FCT/UNESP: Fátima, Marilda, Nair, Lúcia, Leonídia, Luciano,

Moacir e Ademar, entre tantos outros, pelo apoio ao longo desta minnha caminhada como aluno.

Aos irmãos da Igreja Evangélica Assembléia de Deus de Presidente Prudente, em

especial aos Pastores Carlos Padilha de Siqueira e Antonio Farinelli, com suas respectivas

famílias. Também a Eurípedes Mafra, Zelina Mafra (in memorian), Rute, Marta, Héber, Xandão,

Wladimir, Diná, Marina, Zenício (in memorian), Ismênia, Noelda, Marcelo, Jorge, Wellington,

Edney, Mariano, Aparecida, Jassiel, Creuza, Antonio Olegário, Heloísa, José Justi, João, Marta

Reis, Éder, Mário, Suely, Elias, Sílvia, Moisés, Emerson, Elenice, Pr. Galindo, Maria, Isabel,

Sílvio, Aparecida, Claudemir e Silvinha, entre tantos outros. Aos irmãos das congregações Santa

Paula e Regente Feijó. Vocês são de Deus!

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Ao querido amigo e irmão, Presbítero Dílson Freitas Cunha, sua esposa Lucilene e

seus filhos, Eliezer e Sara. Deus vos recompense pelo carinho e amizade com que sempre

trataram este carioca.

Ao Pastor Damásio, pelas preciosas contribuições, juntamente com o querido irmão

Isaías e todos os alunos da EETAD.

Aos Pastores Isaías, Reginaldo, Renirto, Hélio, Plácido Divino (in memorian),

Manoel dos Passos, Manoel Romualdo, Antonio Jesus, Josias, Moabe e Hudson, por tantas

palavras de paz e verdade ao longo de minha existência.

Ao querido amigo e irmão, Evangelista Anderson Rufino, sua esposa Shirley e sua

filha Alice, pela amizade, companheirismo e sinceridade que permeiam nossas relações.

Aos caros colegas de serviço do Aeroporto Estadual de Presidente Prudente: Ana

Carla, Celma, Mônica, Cezareth, Marileide, Ney Fabiano, Brites, Paulo, Marcos (Maloca),

Anderson, Rodrigo, Daniel, Fernando, Cláudia, Antonio (Baiano), Bejarano, Douglas, Éwerton,

Natanael, Júnior, Henrique, Edílton, Orlando, Maria José (Mazé), Aparecida Pazzini (Cida), Luís

Cláudio, Renato, Ana Cristina, Serinoli, Valéria e Fernando, Vlademir, Ojeda, Damião, Patrícia,

Wilson, Fernando, Gilmar, Eduardo, Ednéia, Sílvia, Devanise, Ludmila, Roberto, Sandra,

Kimura, Álvaro, Antonia, Aparecida, Fernando, Márcia, Marli, Tinta, Auro, Luís, Luís Ferreira,

João, Olímpio, Marcelo, Beto, Fernando (restaurante), Aírton, Odair, Jorge, entre outros, pelo

companheirismo, estímulo, apreço e apoio, nos mais variados momentos ao longo destes oito

anos em que aqui trabalho. Ao Rafael, pelo apoio na confecção do gráfico.

Certamente falta alguém neste breve espaço, mas quero externar meu agradecimento

a quem não citei nominalmente. Perdoe-me o lapso de memória.

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Nós aprendemos a voar como os pássaros,

Nadar como os peixes,

Mas não aprendemos

A conviver como irmãos.

Martin Luther King,

Pastor negro norte-americano assassinado em 1968.

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RESUMO

Tem sido lugar comum nas ciências sociais, em sua vertente crítica, dar acentuada

ênfase aos aspectos históricos que contextualizam os fenômenos que se constituem em seu objeto

de discussão. O materialismo histórico-dialético tem sido de importância capital para esta

guinada fabulosa que, sem dúvida, veio a enriquecer as análises de todas as disciplinas sociais.

Não obstante este fato incontestável, tem havido omissão em relação à outra categoria

fundamental de análise da realidade: o espaço. É desnecessário dizer o quanto essa ênfase

historicista tem empobrecido as análises da Geografia, já que esta analisa as contradições sociais

do ponto de vista espacial, sendo este outra dimensão a engendrar as relações sociais.

É com tais considerações em mente que nos propusemos a abordar tema tão

contundente para a compreensão do que ocorre na sociedade brasileira, tornando-a tão desigual

em termos sócio-raciais. Nossas análises nos levam a afirmar que o profundo fosso econômico-

político que aparta os distintos atores sociais brasileiros passa, necessariamente, pela questão de

suas diferentes cores, imersas no universo simbólico criado ao longo de nossa formação como

nação, um processo forjado ao longo dos séculos e que sempre esteve marcado pela violência da

dominação de uma pequena parcela de indivíduos brancos, ditos cristãos e civilizados, que nunca

franquearam ao outro, ameríndio ou negro, o direito de enfocar os acontecimentos históricos fora

de uma ótica conservadora, elitista e, por isso mesmo, oficial.

É notório que nesta sociedade, marcada de modo perene por tais contradições, os

distintos atores sociais lidam uns com os outros de acordo com representações sociais que

atribuem valores diferenciados às diversas cores, baseados em critérios preconceituosos, racistas,

prescritos de cima para baixo na escala social, conforme atribuído pelo capital simbólico evocado

pela cor de cada indivíduo.

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Como apreender tais contradições marcantes e fundamentais para o vir a ser de nossa

sociedade, trazendo-as para o terreno próprio da Geografia, é o objetivo ao qual nos propusemos

neste trabalho, elegendo para tanto o fenômeno urbano, locus da explicitação das diferenças

sócio-raciais. Em nosso caso analisamos o espaço intra-urbano de Presidente Prudente (SP), por

ser este bastante eloqüente da perspectiva que considera que o negro enfrenta competição

altamente desvantajosa em relação às oportunidades de ascensão que a dinâmica social

potencializa, tendo em vista que o Oeste Paulista é um local de forte influência imigrante,

elemento que veio a substituir os ex-escravos.

Procuraremos fazer tal apreensão com o auxílio de um conceito que elaboramos ao

longo de nossas pesquisas, com o intuito de desvendar as implicações espaciais das relações

inter-raciais: as rugosidades étnicas, que têm a ver com prestígio e desprestígio social, implicando

em acessos diferenciados aos lugares e às possibilidades de ascensão social, atribuindo aos atores

sociais negros no máximo uma inserção intermediária e, portanto, incompleta no universo da

espacialidade das relações sociais brasileiras.

Este trabalho é uma crítica a essa omissão da disciplina geográfica, no mínimo

ausente de questão que tanto nos aflige e nos cinde como nação. Uma crítica e uma contribuição

a uma abordagem mais plural, menos etnocêntrica e que possa ver o espaço como outro

componente das relações sociais, não como mero receptáculo destas últimas.

Palavras-chave: negro; representações sociais; prestígio e desprestígio; relações inter-raciais;

preconceito racial; inserção intermediária; rugosidades étnicas; capital simbólico; dominação;

violência simbólica; espaço intra-urbano; espacialidade.

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ABSTRACT

It has been very often, in the Social Sciences, inside their critical view, to heavyly

enfazise the historical aspects that context the phenomenon which constitute their analysis object.

The historical-dialetical materialism has been of fundamental importance to this fabulous

changing that, no doubt, riched the researches of all social disciplines.

Although this uncontestable fact, there has been omission related to another

fundamental analysis cathegory: the space. It´s unnecessary to say how much this historical

enphasis has impoverished the Geography`s analyses, as this discipline focus the social

contradictions under a spacial point of view, being the space another dimension that engenders

the social relations.

With such considerations in the offing, we propose to board a theme so contusing for

the comprehension of what occurs inside the brasilian society, becoming it so unequal in social

and racial terms. Our analyses lead us to say that the deep ditch economical and political that

separate the distinct brasilian social actors passes, necessaryly, by the question of their different

colors, immersed in the symbolic universe created during our formation as a nation, a process

forged during the centuries and that has ever been marked by the violence of a small white

population parcel´s domination, self-called christians and civilized, that has never franked to the

other, indian or negro, the right of observing the historical happenings out of a conservative,

elitist and, so, official point of view.

It´s notorious that inside this society, marked in a durable way by such contradictions,

the distinct social actors struggle for the others according to social representations that attribute

different values to the many colors, based on prejudice criterions, racialists, prescribed from the

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top to the base of the social scale, according to what the symbolic capital, attributed by the skin

color of each person, prescribes.

How to apprehend such marking and fundamental contradictions to the future of our

society, bringing them to the inherent terrain of Geogrphy, this is the purpose of this research, in

what we elected the urban phenomena, locus of the explicitation of the social and racial

differences. In our case we analyse the intra-urban of Presidente Prudente (SP), because this is

very eloquent from the perspective that considers that the negro faces highly disadvantajous

competition related to the opportunities of rising that the social dynamics allows, in the offing

that the Oeste Paulista region is a place marked by a strong imigrant influence, the one who came

to substitute the no more slaves.

We´ll seek for this goal helped by a concept we created during our research´s

development, while we were intending to discover the spacial consquences of the inter-racial

realtions: the ethnic furrowties, that have to do with social prestige and contempt, meaning

different possibilities of access through places and social positions, attributing to negro social

actors on the maximum an intermediary insertion and, so far, uncomplete inside the universe of

the spacialty of the brasilian social relations.

This research is a critical to Geography´s omission, to say the minimum, absent of a

question that so much disturbs and separates us as a nation. A critical and also a contribution to a

more plural boarding, less selfish and able to understand space as another component of the

social relations, not as a simple receiver of the last ones.

Key-words: negro; social representations; prestige and contempt; inter-racial relations; racial

prejudice; intermediary insertion; ethnic furrowties; symbolic capital; domination; symbolic

violence; intra-urban space; spacialty.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

CARTOGRAMA 1 – Relação da localização dos bairros dos entrevistados (2003) com as áreas

de alta e média exclusão ...........................................................................................41

CARTOGRAMA 2 – Bairros visitados para entrevistas...............................................................42

GRÁFICO 1 - Distribuição percentual da renda de acordo com a raça/cor das pessoas de 10 anos

ou mais de idade sobre a população total naquela faixa de rendimento...................71

CARTOGRMA 3 – Condomínios horizontais visitados para entrevistas .....................................92

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Taxa de alfabetização da população de mais de 10 anos segundo raça/cor............43

TABELA 2 – População residente por cor ou raça, segundo as Regiões Metropolitanas e os

Municípios – Estado de São Paulo e município de Presidente Prudente..................91

TABELA 3 – Condomínios horizontais de Presidente Prudente e relação raça/cor dos

proprietários em 2003 .............................................................................................93

TABELA 4 – Relação entre a cor/raça de gerentes do Prudenshopping e a natureza das atividades

..................................................................................................................................94

TABELA 5 – Relação entre a cor/raça dos funcionários do Prudenshopping e a natureza das

atividades .................................................................................................................95

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SUMÁRIO

FOLHA DE APROVAÇÃO

DEDICATÓRIA

AGRADECIMENTOS

EPÍGRAFE

RESUMO

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

LISTA DE TABELAS

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 16

1. TEORIA E MÉTODO ................................................................................................. 21

1.1. Fundamentação Teórica ............................................................................................... 21

1.2. Uma Teorização das Contradições Raciais Brasileiras: As Rugosidades Étnicas........ 28

2. OS ATORES SOCIAIS NEGROS CONTEXTUALIZAM A DISCUSSÃO .......... 39

2.1. A visão dos Agentes Pastorais Negros (APN´s) .......................................................... 47

3. UM FENÔMENO SÓCIO-TEMPORAL ................................................................... 55

4. A MISCIGENAÇÃO: HEROÍNA E VILÃ................................................................. 66

5. UMA QUESTÃO SOCIOESPACIAL ......................................................................... 80

5.1. Uma Crítica à Geografia Brasileira e ao Brasil da Geografia ................................... 105

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 110

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 112

ANEXO A – 1a Etapa: Entrevistas ................................................................................ 116

ANEXO B – 2a Etapa: Questionários ........................................................................... 117

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INTRODUÇÃO

No princípio da década de 1990, na cidade do Rio de Janeiro, na Tijuca, bairro

tradicional da zona norte carioca, deu-se um evento marcante na vida de um rapaz. Filho de

funcionários públicos relativamente bem remunerados, morador de um edifício de classe média,

ele teve um choque de realidade. Mas não se tratou de nenhum episódio de violência física ou de

alguma fatalidade imprevisível. Não. O drama foi percebido apenas por ele mesmo e, talvez, num

lampejo de lucidez, pelo outro protagonista desta história.

Tratou-se de um equívoco. Uma carta incorretamente endereçada àquele rapaz por

coincidências como numeração parecida e nomes iguais, fê-lo percorrer sua rua em direção ao

que supunha ser o endereço correto. Ao chegar à portaria do prédio com um certo ar de missão

cumprida, foi saudado pelo porteiro com as seguintes palavras:

- Você trabalha aqui?

Sem entender a aparente confusão, o rapaz esclarece:

- Não. Esta carta chegou no endereço errado. Creio que é deste prédio.

Talvez o leitor não esteja entendendo o que houve de errado, além de um duplo

equívoco – o do carteiro e o do porteiro. Nada de tão fenomenal que se possa guardar para toda a

vida. Mas o rapaz nunca se esqueceria daquele momento. Perguntas fervilham em sua mente de

vinte e poucos anos. Ainda sem uma definição profissional àquela altura da vida, pôs-se a pensar

naquela figura nordestina do porteiro. Suas palavras foram poucas, porém, incisivas:

- Mas afinal, no que ele pensava quando me perguntou aquilo? Se tivesse me confundido com

algum morador ele teria dito: “Você mora aqui?”.

Suas palavras não tiveram esse tom cordial, de equívoco puro e simples. Daí surgiu

toda a angústia do jovem.

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A voz do porteiro indagava a procedência daquele jovem por ser ele negro, e por

parecer querer entrar em um lugar no qual negros eram, normalmente, serviçais, utilizavam os

supercomuns elevadores de serviço, não tinham espaço como condôminos e, nesse sentido, não

tinham voz nem vez – daí a indagação abrupta.

Eu era aquele rapaz e acho que devo agradecer àquele porteiro. Sua atitude ríspida,

pouco polida, porém franca, ajudou a fazer cair um véu, um mito que me cooptou por quase toda

a vida até então. “Orelhinha, você é um preto de alma branca”, dir-me-ia uma menina branca,

loura, colega de infância do colégio particular no qual eu estudara da 6a série ginasial até o 3o ano

do segundo grau. Por certo ela tentou me agradar e eu deveria me sentir feliz por ser tão bem-

quisto, não é mesmo? Mas não foi assim que me senti. Pelo contrário, parecia que havia algo de

errado comigo. Queria ela dizer que minha cor não combinava com minha personalidade? Que eu

era bom demais, o que suplantaria meu problema de cor? Que eu podia me considerar branco e

que ela tinha por mim essa mesma consideração?

Quero prefaciar este trabalho com este breve relato, que chama a atenção para três

vertentes principais de pensamento bastante básicas: o ser, o estar e o fazer.

Em primeiro lugar, o que é ser negro no Brasil? O que isso significa em termos de

prestígio/desprestígio social? Haveria de fato uma “democracia racial” em nosso país ou isso

permaneceria apenas no plano do discurso ou de uma utopia da qual todos participamos como

idealizadores de uma nação fenotipicamente uniformizada, pois que as diferenças nos são tão

incômodas?

Em segundo lugar, o que a espacialidade nos esconde? Que códigos secretos os

lugares ocultam e que conferem a um só tempo inclusão e exclusão, bênção e maldição, deleite e

confusão?

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Em terceiro lugar, qual deveria ser a postura, a práxis daqueles que descobrem que

têm sido roubados do espaço, do tempo e do ser? O que é preciso para fazer despertar com a

intensidade necessária, mudanças societárias urgentes e inadiáveis para que tenhamos uma nação

muito mais sadia socialmente?

Esse não é um projeto pequeno, por certo. Mesmo porque sua abrangência recobre

toda a sociedade brasileira em seus projetos e projeções fundamentais. Como diria Leonardo Boff

(2000) no instigante título de seu livro: “Depois de 500 anos, que Brasil queremos?”. Nada

conseguiremos alcançar fugindo de mazelas e contradições que nos caracterizam há tanto tempo.

Queremos com isso conclamar todos os que lêem este trabalho a não julgá-lo como sendo puro

revanchismo negro. Nosso sincero desejo é que esta dissertação possa alcançar objetivos muito

mais elevados, que venham a se manifestar num despertar individual, numa revisão crítica de

conceitos adquiridos, forjados dialeticamente ao longo da vida e cristalizados em representações

sociais, num avanço real em direção a uma cidadania verdadeira, pois que respeitadora das

diferenças.

Que o leitor tenha a coragem de rever seu posicionamento em relação aos temas

contundentes que serão aqui explorados, sem tomar as conclusões e assertivas como ofensas

pessoais. Leia este trabalho com a razão e com atenção ao que ocorre à sua volta. De fato, leitor,

esta dissertação tem a intenção de tocar (e mudar, se for o caso...) seu coração, não obstante ser

este um trabalho científico.

Eis aí nossa justa ambição, aliás, a ambição de todo o cientista social crítico:

contribuir com saberes para a instauração de práticas igualitárias, portadoras de mais justiça

social. Sem essa utopia instigadora este trabalho com certeza não faria sentido.

É com tais pressupostos em mente que nos propusemos a perscrutar o tema ora

apresentado, que tem por objetivo buscar elementos que possam caracterizar, minimamente, o

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universo das representações sociais dos negros residentes em Presidente Prudente a respeito de si

próprios em suas relações com a sociedade prudentina na qual se inserem, analisando-os como

um conjunto específico de atores sociais, distintos dos demais integrantes dessa sociedade (SÁ,

1993, p. 21-43). Nossa pesquisa tem por base o espaço intra-urbano do município de Presidente

Prudente, por meio do qual intentamos explicitar o caráter geográfico das contradições presentes

nas relações existentes entre negros (que neste trabalho pertencerão às categorias ibegeanas

pretos e pardos, analisados de modo conjunto) e brancos no seio da sociedade prudentina e, por

extensão, da sociedade brasileira, já que concordamos com o pensamento que compreende o

Estado Nacional como sendo uma totalidade em termos de formação econômica e social

(SANTOS, 1982, p. 28-35). Ainda que tenham que ser levadas em conta as especificidades do

recorte espaço-temporal que fizemos, além das marcantes diferenças econômicas que

caracterizam o Oeste Paulista e o diferenciam de outras áreas nas quais havia predomínio de mão-

de-obra escrava, caso do Vale do Paraíba, da Região Nordeste e de Minas Gerais (MATTOS,

1998, p. 17).

Portanto, é nossa intenção ampliar o debate levantado pioneiramente por outras

disciplinas das Ciências Sociais quanto à questão racial, partindo desse ponto de vista, que tem

sido majoritariamente historiográfico, antropológico e sociológico, para analisá-la sob uma

perspectiva onde a ênfase seja espacial. Em seguida daremos nossa interpretação do fenômeno

analisado, deixando claro que nos incluímos como parte do objeto de pesquisa e que

procuraremos traçar alguns conceitos explicativos de sua reprodução espaço-temporal.

Para a audaciosa tarefa a que nos propusemos, julgamos necessário levar em conta as

diferentes escalas geográficas nas quais se manifesta a questão do racismo, sob pena de

perdermos de vista as nuances de um processo que no caso brasileiro teve origem nos primórdios

da expansão marítima européia e que alteraram as relações globais sob os auspícios do

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desenvolvimento do sistema capitalista (SMITH, 1988, p. 196-211). Para tanto, nosso trabalho se

dividirá em cinco partes: na primeira etapa trataremos da fundamentação teórica que norteou

nossas análises; na segunda etapa, da metodologia por nós utilizada para a obtenção dos dados;

na terceira etapa, de como o racismo se inscreveu desde a gênese da sociedade brasileira e

continua a se reproduzir em sua história; na quarta parte, nossa visão a respeito da propalada

miscigenação que nos caracteriza; na quinta parte, trataremos de trazer a discussão do racismo

para o campo próprio da Geografia, tendo como exemplo prático o intra-urbano de Presidente

Prudente, procurando desvendar os meandros de relações raciais que se misturam intimamente

com o espaço socialmente criado no interior dessa cidade.

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1. Teoria e Método

1.1. Fundamentação Teórica

Antes de iniciar nosso trabalho, queremos fazer uma ressalva necessária. Faremos uso

do termo raça como uma construção sociológica, já que, quando falamos de raça em sentido

amplo, referimo-nos, na verdade, à raça humana. Raça no Brasil se refere popularmente às

diferentes cores dos indivíduos. Tendo em vista que o vocabulário racista já tem ampla utilização

popular, faremos uso do termo raça em alguns momentos ao longo deste trabalho, querendo

sempre nos referir às diferentes cores dos indivíduos.

Propusemo-nos a fazer um levantamento de quais seriam as impressões, na verdade

as representações sociais dos negros a respeito da sua presente condição socioespacial, levando-

se em conta como se configura esse processo na cidade de Presidente Prudente (SÁ, 1993, p. 26-

7). Tentaremos analisar os debates, as contradições, as glórias e os dramas de quem tem que

conviver com o preconceito à flor da pele, no âmbito de uma cultura eminentemente racista

(SILVA, 2001, p. 59-71). Eminentemente porque histórica, social, cultural e também

espacialmente moldada num padrão eurocêntrico hegemônico de pensamento, de estética e de

valores, em conflito permanente com os que não se enquadram em seus critérios fenotípicos e

sociológicos de excelência e nobreza: em nosso caso específico, os atores sociais negros1

(SCHWARCZ, 2001, p. 20-2; BERND, 1992, p. 21-45).

Nossa intenção é, a par destes pressupostos históricos e subjetivos, desvendar sua

espacialidade, ou seja, de que maneira o espaço socialmente criado é condição sine qua non para

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o encaminhamento, o embasamento e a realização das relações de preconceito racial que

caracterizam a sociedade brasileira no microcosmo do espaço intra-urbano prudentino (SANTOS,

1982, p. 16-9; SOJA, 1993, p. 117-27).

Para tanto, valemo-nos dos trabalhos de campo, de alguns pressupostos teóricos e de

critérios subjetivos. Explicamo-nos: baseamo-nos tanto nos critérios de identificação com os

quais lidamos ao nos relacionarmos com outros indivíduos, tais como a cor da pele, a espessura

labial e os tipos de cabelos que observamos, como também perguntamos aos entrevistados que

cor eles teriam, levando em conta que nosso racismo é questão de marca (SCHWARCZ, 2001, p.

68). Quanto a estes critérios, será necessário fazermos mais algumas ressalvas.

Poder-se-á afirmar que nossos critérios são falhos, pois utilizamos as nossas

representações sociais a respeito do tema para definir quais pessoas seriam negras e quais delas

não seriam, para fins de realização das entrevistas. Em segundo lugar, pelo fato de o entrevistador

ser negro, alguns dos entrevistados, que fogem da identidade negra e do conseqüente

enfrentamento da questão, podem ter se sentido de alguma forma constrangidos a se

considerarem negros, quando na verdade não se declarariam dessa cor em outras circunstâncias.

Outra parte dos entrevistados, ao contrário, pode ter-se sentido à vontade para manifestar seu

posicionamento sem medo de represálias. Lilia Moritz Schwarcz (2001, p. 67-74) nos revela

como a cor declarada pode variar em função de critérios subjetivos, introjetados por séculos de

preconceito racial.

Quanto ao primeiro problema nós gostaríamos de citar Frantz Fanon (1983, apud

SILVA, 2001, p. 21), que disse que “[...] onde quer que vá, um negro permanece um negro”. O

que queremos dizer é que os critérios discriminatórios existentes na sociedade brasileira são

1A classificação oficial difundida pelo IBGE trata de pretos, pardos, brancos, amarelos, indígenas e sem declaração. Referimo-nos a negros como classificação que abarca os dois primeiros (pretos e pardos), ou seja, os negros e os

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aqueles que foram adotados de modo consuetudinário, partindo-se, é claro, do padrão euro e

etnocêntrico, historicamente dominante, para se definir os diferentes indivíduos, frutos ou não de

miscigenação. Partimos, portanto, do pressuposto de que é o fenótipo (a aparência) em conjunto

com as relações de classes sociais e de gênero, e não o genótipo, o critério que nortearia as

relações raciais no Brasil, diferentemente do critério sangüíneo adotado nos Estados Unidos, por

exemplo, assumindo o risco de sermos desmentido pelo que a pesquisa nos apresentaria no final

(MUNANGA, 1999, p. 9-18; SCHWARCZ, 2001, p. 46).

Alguém poderia alegar que este não é um critério muito científico... Mas o que

buscamos é apreender como opera o sutil e complexo universo das representações sociais,

especificamente aquele que diz respeito aos critérios que classificam (prestigiam ou desmerecem)

os brasileiros por suas diferentes cores. Além de negro, pertencemos à sociedade brasileira, na

qual construímos nosso padrão de pensamento, uma vez que o criamos numa relação dialética

com o mundo que nos cerca (JOVCHELOVITCH, 2000, p. 69-70; BERND, 1992, p. 13-9).

Quanto ao segundo problema - a pergunta aos entrevistados - gostaríamos de dizer

que vivemos num país que pode ser considerado como um caldeirão de misturas raciais de todos

os tipos (CARNEIRO, 1998, p. 17; FREYRE, 1975, p. 9; SCHWARCZ, 2001, p. 22-6). Isso deu

origem a pessoas com os mais variados tons de pele, o que é um argumento largamente utilizado

pelos adeptos da suposta democracia racial (FREYRE, 1975, p. 53-4, 442-3; CARNEIRO, 1998,

p. 15, p. 35-6). Tal situação leva-nos, como pesquisador da questão racial, a adotar critérios

puramente subjetivos, mas não do mesmo modo como acontece no dia-a-dia das relações inter-

raciais, quando se faz um pré-julgamento dos comportamentos individuais a partir das cores

(preconceito de cor ou racial).

negro-mestiços.

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Para ser mais científico, no sentido de agir com mais isenção, é necessário que cada

indivíduo faça sua própria classificação, sob pena de não estarmos usando critérios válidos, muito

embora o atual debate sobre a política de cotas raciais esteja mostrando o quanto o tema é

polêmico. Ou seja, procuramos utilizar critérios subjetivos numa relação dialética - a nossa

subjetividade somada à subjetividade dos entrevistados – para, dessa síntese, formar o universo

da pesquisa. Coincidência ou não, nenhum dos entrevistados se declarou branco, amarelo ou

índio (três das outras identificações utilizadas pelo IBGE; a outra é a de pardo, que também se

enquadra em nossa pesquisa).

Utilizamo-nos do instrumental teórico elaborado por Serge Moscovici por

considerarmos que o mesmo é adequado para enfrentarmos a difícil tarefa à qual nos propusemos,

qual seja, a de analisar as relações raciais onde elas realmente se situam, no limbo entre o

indivíduo e a coletividade (1984a, apud SÁ, 1993, p. 23-4). Segundo Sandra Jovchelovitch “[...]

o outro generalizado é que dá ao sujeito sua possível unidade enquanto Eu, e não há possibilidade

de um desenvolvimento do Eu sem a internalização de Outros” (2000, p. 69-70). Sendo a Teoria

das Representações Sociais aquela que se atreveu a se situar entre a Psicologia e a Sociologia, sua

abrangência nos incentivou a semear nos campos de suas férteis discussões, com a expectativa de

colhermos frutos que alimentarão ainda mais os debates a respeito do flagelo social representado

pelo preconceito racial.

Mas não seria possível alcançar o objetivo proposto neste trabalho sem examinar de

perto o que Marx (1973, apud SOJA, 1993, p.43) tratou como “[...]uma complicação

desnecessária[...]”: o espaço criado que, ao mesmo tempo, possibilita, perpetua, encobre, amplia

as relações sociais desiguais do modo capitalista de produção. Nosso trabalho não faria sentido

sem essa complicação que ajuda a explicar como o capitalismo tem perdurado por tanto tempo, a

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despeito de todas as suas relações contraditórias, alienantes e exploratórias, no mesmo tempo em

que atraentes, sedutoras e ilusionistas.

Portanto, as relações sócio-raciais estão também imbricadas no processo histórico-

geográfico de expansão capitalista, de efetivação de uma ideologia pretensamente coletiva de um

projeto de nações-estado exercendo sua superioridade ariana, branca, inata. As práticas racistas

foram fomentadas no mundo moderno em grande parte por meio dessa visão exótica, etnocêntrica

e perfeitamente útil para o projeto de exploração de outras terras e povos, os quais serviram como

fonte permanente de recursos para a manutenção da acumulação primitiva de capital

(LAMBERT, 2001, p. 25-33).

Quando Pierre Bourdieu (1996, p. 15-31; 176-187) tratou da questão da posição

social ocupada pelos indivíduos em sociedade, deixou-nos entrever uma certa correlação com o

lugar. Há uma ativa disputa pelo lugar do status quo, espaço que atuaria como um campo de força

no qual se enfrentam os indivíduos. É no lugar que os indivíduos afirmam sua posição social,

disputando com os demais pela conquista e manutenção de elementos de prestígio social: o

habitus que representaria certos gostos comuns a uma classe social, o percipi por meio do qual os

indivíduos atribuiriam méritos ou deméritos aos demais de acordo com suas marcas

características (cor da pele, tipos de vestuário etc.). As referidas “Razões práticas”, que intitulam

o trabalho de Bourdieu, seriam os principais motivos para as pessoas agirem da maneira como o

fazem em meio ao universo das intrincadas relações sociais. Portanto é nosso objetivo descobrir

como isso ocorreria com relação aos negros nesse recorte da sociedade brasileira que é

delimitado pelo espaço intra-urbano prudentino.

Flávio Villaça (1998, p. 311-26) constatou que as classes sociais disputam ativamente

o espaço intra-urbano, pois neste, o que contaria seria o tempo de deslocamento dos indivíduos,

diferentemente do que vem ocorrendo no mundo das empresas capitalistas, para as quais o custo

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dos transportes tem tido uma influência cada vez menor na definição de suas estratégias de

localização ano após ano. Neste trabalho consideramos os negros como um conjunto específico

de atores sociais, que merecem um tratamento igualmente específico em relação ao espaço que

ocupam no intra-urbano brasileiro. Insistimos na generalização do que ocorre em relação ao

negro no intra-urbano prudentino com o que ocorre em outros espaços urbanos em nível nacional,

pelo fato de que um dos principais motivos para a degradação social dos negros, a escravidão,

tenha sido um fenômeno de abrangência nacional, moldando o posterior relacionamento entre

negros e brancos nessa escala geográfica (NOVAIS, 1986, p. 107-11; SMITH, 1988, p. 204-11)2.

Essa constatação fundamental de Villaça nos leva a um dos principais teóricos

marxistas do espaço social, Henri Lefebvre, que nos disse em sua brilhante obra, “A Produção do

Espaço”:

Resta uma pergunta que ainda não foi formulada: qual é, exatamente, o modo de existência das relações sociais? A substancialidade? A neutralidade? A abstração formal? O estudo do espaço agora nos permite responder: as relações sociais de produção só têm existência social na medida em que existam espacialmente; elas se projetam num espaço, inscrevem-se num espaço enquanto o produzem. Caso contrário, permanecem na abstração “pura”, ou seja, nas representações e, conseqüentemente, na ideologia, ou, dito de outra maneira, na verborragia, nas palavras. (LEFEBVRE, 1974, p. 152-3).

Se o espaço necessariamente dá materialidade às relações sociais compete aos

geógrafos, mais que a outros cientistas sociais, desvendar a função político-ideológica da

ordenação espacial, o que pressupõe dominação, desigualdade e opressão. Não podemos nos

furtar à função privilegiada de realizar a análise dos fatos sociais à luz de uma ótica espacial,

campo fartamente desprezado pelas ciências sociais ao longo de seu desenvolvimento.

2 Mesmo os espaços criados após o período escravocrata (caso de Presidente Prudente, cujo ano de fundação foi 1917), nasceram no contexto de uma sociedade criada para brancos, dada a desleal competição com os de fenótipo europeu, os quais acabavam obtendo as melhores oportunidades de ascensão social (FERNANDES, 1964, p. 61-71). Note-se também a forte presença de imigrantes italianos na cidade, já que o Oeste Paulista atraiu grande contingente dessa mão-de-obra por ser um dos fulcros da expansão cafeeira, fato que, sem dúvida revela-nos que aqui se conflagrou um quadro comparativamente diferente, porque ainda mais desvantajoso para o negro, do que nas antigas áreas de plantação de café (MATTOS, 1998, p. 17).

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Este é, portanto, o tripé no qual apoiaremos nosso trabalho: 1. as representações

sociais interpretando 2. o prestígio (diferenciado), que é tanto social quanto racial, e a relação

dialética dessas representações com 3. os diferentes lugares sociais criados no intra-urbano

prudentino - a espacialidade dessas relações. Sem esse último aspecto, fundamental, teria todo o

sentido dizer que o racismo se encontra apenas na cabeça das pessoas, argumento, aliás,

fartamente utilizado pelo senso comum para lidar com aquele que se sente discriminado,

transformando a vítima em réu, o que ficou bem claro em algumas entrevistas por nós realizadas.

Em vista de todos os argumentos expostos acima, permitam-nos dizer que os critérios

representacionais com que lidamos com o outro são nossos, mas não os formulamos sozinhos, à

parte, fora do contexto de um padrão de pensamento consuetudinário que em todo momento

aponta-nos as diferenças, as distinções raciais entre os indivíduos que compõem nossa sociedade

(SÁ, 1993, p. 27; BERND, 1992, p. 15).

Quanto ao problema da escolha dos entrevistados, tratar-se-á de uma questão mais

difícil de mensurar, uma vez que eu mesmo me lancei ao campo para a realização deste trabalho e

também tive a prestativa colaboração da entrevistadora Márcia Jordão Nascimento, que se

declarou mulata (negra, na minha concepção...), a qual realizou dez entrevistas no bairro

Humberto Salvador, bairro de grande presença de negros. Além disso, a julgar pelo que ocorreu

no Censo de 2000, no qual aumentou a porcentagem dos que se declararam pretos, está havendo

uma maior politização e engajamento na luta contra o preconceito. Pode ter havido, portanto, uma

confluência destes dois fatores (maior politização somada às circunstâncias e ao caráter da

pesquisa) para se chegar à elevadíssima porcentagem dos que se declararam negros no universo

das pessoas entrevistadas (quase 70% dos entrevistados na 1a etapa; 35% na segunda etapa, o que

perfaz um total de mais de 50% de todos os entrevistados).

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É notório que na segunda etapa tenha caído consideravelmente o número de

entrevistados que se declararam negros, o que, a nosso ver, foi reflexo de uma postura mais

formal de nossa parte: um questionário parecido com o que os entrevistadores do IBGE utilizam

para fins censitários. Na primeira etapa, ao contrário, nossa metodologia foi realizar entrevistas

que tinham um cunho mais jornalístico, de gravador em punho, puxando assunto para a temática

por meio de perguntas instigantes, o que, a meu ver, deixava os entrevistados mais à vontade para

expor seus pontos de vista.

Contudo, a despeito desta questão, a maior parte dos entrevistados se posicionou

como vítima do preconceito, o que nos traz a um dos objetivos de nosso trabalho: abordar o

preconceito racial partindo do ponto de vista daqueles que são discriminados em meio a práticas

consuetudinárias, as quais se reproduzem no bojo das relações sócio-raciais, gerando atitudes

excludentes nos distintos lugares criados no interior da cidade de Presidente Prudente, uma vez

que engendrados no seio de uma sociedade eminentemente racista. O que pretendemos é buscar

elementos que nos indiquem de que maneira o preconceito presente nessa sociedade teria relação

direta e dialética com os diferentes espaços geográficos, sendo parte intrínseca, indissociável

dessa perversa relação de dominação e desigualdade.

1.2. Uma Teorização das Contradições Raciais Brasileiras: As Rugosidades Étnicas

Faremos uso da adaptação de um conceito elaborado por Milton Santos (1978, p. 184;

1994, p. 26-7) para tentar elucidar o que temos tratado até aqui. O autor definiu como

rugosidades as enormes quantidades de capital empregado em construções, obras de infra-

estrutura pertencentes a um dado período histórico, vindo a transformar-se em capital

imobilizado, incrustado na paisagem. Tais obras, embora pertencendo a períodos pretéritos,

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permanecem na paisagem a despeito da descaracterização do fim que a elas se atribuía a

princípio, sendo necessário que a dinâmica capitalista supere este obstáculo ao seu

desenvolvimento.

É também plenamente possível que o capital se aproprie de tais obras, dando nova

função a objetos aparentemente inúteis do ponto de vista da acumulação (caso dos museus de

agora que foram galpões outrora, dos antigos armazéns agrícolas que se tornaram atrações

turísticas, das antigas sedes de fazendas que são agora luxuosos hotéis-fazenda etc.). Esta

ressignificação é de extrema importância para o capital dado o papel que exerce o espaço no

engendramento das relações sociais, sendo destas uma parte indissociável, um fato que tem sido

negligenciado por muitos pesquisadores sociais (GOTTDIENER, 1993, p. 159-71; SOJA, 1993,

p. 7-16). Voltaremos a este assunto no último capítulo.

Baseados também na interpretação de Pierre Boudieu (1996, p. 176-8), adaptaremos o

conceito de capital simbólico para expressar valores sociais igualmente imobilizados em

representações sociais procedentes de nosso passado, o que o torna muito mais presente do que

se possa supor à primeira vista (SÁ, 1993, p.27). O que queremos dizer é que as diferentes cores

dos que viriam a se tornar brasileiros, foram igualmente construídas sobre o princípio injusto da

desigualdade, com uma clara função econômica que perpassava o político e o social: prover o

invasor branco e posteriormente seus descendentes de braços para todas as atividades de

exploração que este aqui se propôs. Houve, portanto, um intencional investimento de capital

simbólico, o que significou violência simbólica que operou, tanto na desqualificação do outro

representado por negros e índios, quanto na valorização do branco de matriz européia, num

processo que durou mais de três séculos nos quais a escravidão era o pilar de uma economia

colonial agro-exportadora (BERND, 1992, p. 13-9).

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Este investimento simbólico, esta violência simbólica, é preciso ressaltar, gerou

frutos peremptórios no que diz respeito a noções como a de prestígio, de capacidade intelectual,

de heroísmo, de moral, de estética, de religião, de poder, numa palavra, do ser em todos os seus

aspectos fundamentais. Isto significa que o fim da escravidão não significou o fim de um estigma

cruel, excludente e humilhante que permaneceria até nossos dias. Não fez estancar o desprezo

nutrido por quem se sentia superior por “obra divina” contra o outro, o diferente, o exótico

(BERND, 1992, p. 30). O que se verificou foi a reapropriação do discurso etnocêntrico, racista,

para, desse modo, manter a mobilidade social bastante difícil para os ex-escravos no final do

século XIX, não sem antes ressaltar a ingratidão e a indolência proveniente de sua raça inferior,

sendo esta apontada como o motivo de nosso atraso em relação às nações européias

(CARNEIRO, 1998, p. 19-54). O cientismo que caracterizou o século XIX cristalizou em

cânones modernos o antigo discurso exclusivista, dando-lhe ares novos e uma aura protetora: o

progresso provinha da incontestável “sciência” que provava que nossa inferioridade baseava-se

na impureza da raça ariana, já que esta se encontraria manchada pela miscigenação com negros e

índios. Eis “o problema” a ser resolvido por uma elite intelectual herdeira da tradição do mando,

do exclusivismo e do racismo que deram origem a uma das sociedades mais desiguais do mundo.

Problema que seria resolvido pelo branqueamento eugênico da população (BERND, 1992, p. 21-

45; OLIVEIRA et al., 1998, p. 37-60).

Com base nos construtos simbólicos listados acima, elaboramos o conceito de

rugosidades étnicas para definir a peculiaridade das relações inter-raciais no Brasil. Estas se

manifestariam numa série de preconceitos, juízos de valor, prescrições e ações, baseados em

consensos sociais forjados ao longo de nossa formação como nação e, portanto, igualmente

imobilizados dentro de representações sociais consuetudinárias. Com relação aos não-brancos

houve um flagrante desrespeito não somente aos aspectos raciais dos indivíduos como também

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aos aspectos étnicos dos distintos grupos inferiorizados, classificando-se a todos por suas cores.

Isso significou juntar diferentes grupos indígenas num primeiro momento e, num segundo, negros

de distintos povos, desconsiderando-se suas respectivas culturas. Depois, reuni-los em dois

grandes grupos de discriminados na base do açoite, por conta de suas diferenças étnico-raciais em

relação ao branco. Portanto, desprezou-se tanto a cor quanto a cultura dos dominados, dando

origem ao binômio étnico-racial que caracteriza o preconceito no Brasil.

Por outro lado, exalta-se não somente a cor dos dominantes como também sua cultura

(região européia de origem, religião, hábitos alimentares, vestimentas etc.). Note-se que não se

sabe quase nada dos distintos reinos dos povos africanos que foram trazidos ao Brasil,

classificando-se a todos de pretos, crioulos etc. Em relação aos indígenas também não houve tal

preocupação, pelo menos no período em que os mesmos iam sendo escravizados. Bastava ser

nativo. Ao contrário disso, em relação aos brancos há uma tendência à valorização de seus

distintos povos de origem, cujo maior exemplo é a colônia de ítalo-descendentes, com sua vasta

influência cultural no Brasil.

Este desprezo duplo se manifesta nas presunções de comportamento social esperado

de cada indivíduo a partir de sua origem étnico-racial. Do indígena, por exemplo, espera-se a

preguiça e a indolência por sua incapacidade de se adaptar à ordem instaurada pelos portugueses

adventícios (CARNEIRO, 1998, p. 9). Do negro, a malandragem e a incompetência para tarefas

de alto nível intelectual por seu passado como escravo e pela rebeldia do liberto (SCHWARCZ,

1987, p. 22-3). Do branco, a intrepidez, a capacidade inata para o comando, fruto de sua natural

superioridade (CARNEIRO, 1998, p. 9-15). Esses preconceitos implicam em acessos

diferenciados a posições que são tanto sociais quanto espaciais, de acordo com o critério

consensual de atribuição de valor simbólico aos distintos atores sócio-raciais. Trata-se de

verdadeiras rugosidades étnicas, pois as cores corresponderiam a diferentes capitais simbólicos

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que se encontram imobilizados, não só em sua história oficial particular na formação de nossa

sociedade (o critério explicativo hegemônico de nossa formação como nação), como também na

geografia (vista como espacialidade) que confere a essa atribuição de prestígio, um caráter de

legitimidade (BERND, 1992, p. 9-19; CARNEIRO, 1998, p. 9-15).

Em nossa sociedade, não somente a história oficial como também a geografia dos

grupos raciais, tendem a apoiar um sentimento racista, que procura operar de maneira tácita,

dissimulada e, por isso mesmo, eficaz. O que queremos destacar é a importantíssima e

indissociável componente espacial presente em tais relações, pois que é no espaço socialmente

produzido que as relações de poder acontecem (SANTOS, 1982, p. 17-9).

Esse conceito desdobra-se no dia-a-dia da sociedade que o forjou, por meio de uma

série de atitudes e frases que fazem parte do senso comum. Por exemplo: no estado de São Paulo

é muito comum ouvir-se a expressão baianada para caracterizar atitudes erradas ou tolas; no Rio

de Janeiro costuma-se taxar de paraíba, com cunho pejorativo, os migrantes advindos da Região

Nordeste; é comum ouvirmos, Brasil afora, a expressão “fulano de tal fez negrice” ou “serviço de

preto” para sugerir que alguém praticou algo tolo, imprestável ou moralmente condenável. O que

une todas estas expressões (e vamos citar apenas estes poucos exemplos) é o fato de elas se

referirem a grupos considerados inferiores socialmente, o que, embora em geral sejam idéias que

partem do grupo dominante para perpetuar sua posição social, acabam sendo assimiladas e

admitidas pelos dominados, os quais passam a tomar tais afirmativas como verdadeiras e a

reproduzi-las em seus discursos e práticas sociais.

As rugosidades étnicas não têm apenas essa faceta mais diluída em frases

aparentemente inocentes. Ela também pressupõe uma componente espacial que alimenta

constantemente o repertório da argumentação racista. É desse modo que, por exemplo, não é de

se esperar que um negro more num bairro considerado de alto luxo, nem que freqüente os locais

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badalados da alta sociedade, a não ser em condições muito especiais - majoritariamente como

atleta ou músico. Estranha-se o fato de que um negro possua um carro de luxo ou que exiba

condição financeira folgada. Ele passa a ser visto com desconfiança, como uma anomalia, pois

foge do padrão consuetudinário estabelecido pelo grupo hegemônico brasileiro, formado por

brancos em sua esmagadora maioria.

É difícil fugir de tais tendências no padrão de comportamento social, pois estas são

um pressuposto importante de aceitação e de inserção social. Os integrantes da sociedade

brasileira, de quaisquer matizes raciais que sejam, tendem a se espelhar na classe dominante para

ascenderem ou para serem ao menos aceitos socialmente. Desse modo, sujeitam-se a suas regras

implícitas ou explícitas para se inserirem nas camadas sociais mais altas, reforçando os

estereótipos que nelas residem. Exemplos disso seriam os casamentos dos negros que ascendem

socialmente com pessoas da cor/raça “privilegiada” branca.

Ao que indicaram nossas pesquisas, a componente espacial das rugosidades étnicas é

muito mais resistente a mudanças do que suas componentes econômico-sociais, corroborando

com o que disse Milton Santos:

O espaço é a matéria trabalhada por excelência. Nenhum dos objetos sociais tem uma tamanha imposição sobre o homem, nenhum está tão presente no cotidiano dos indivíduos. [...] A práxis, ingrediente fundamental da transformação da natureza humana, é um dado sócio-econômico, mas é também tributária dos imperativos espaciais. (SANTOS, 1982, p. 18).

Daí percebermos casos de negros que ascenderam socialmente, mas que ainda são

tratados como inferiores e indignos de certos locais onde se tem em muita conta a questão do

berço, algo que a grande maioria da população negra emergente, definitivamente não possui. Foi

o caso do pai do autor, sr. José Lino da Conceição, negro, funcionário aposentado do Banco do

Brasil, o qual nos relatou como, mesmo tendo nitidamente ascendido a uma posição de destaque

social em plenos anos 60 (é bom ressaltar, por meio de concurso público), sentia na pele a

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discriminação a ele aplicada em meio às relações com os colegas de serviço. Há casos recentes

como o do jogador Ronaldo Nazário de Lima, o Ronaldinho, que teve sua própria família

discriminada por uma vizinha do prédio onde ele possui uma cobertura milionária. O autor já foi

diversas vezes revistado por policiais, já que os mesmos demonstravam nítida preferência por

pessoas com maior quantidade de melanina na pele. Os exemplos se multiplicam, revelando a

dureza e a resistência a mudanças que caracterizam essa componente dos espaços valorizados

socialmente (RONALDO..., 2002, p. D3).

Ilustrativa do que estamos dizendo foi uma pesquisa realizada pela Universidade

Federal Fluminense patrocinada pela Fundação Ford, publicada no jornal Folha de São Paulo

(BRASILEIRO..., 2002, p. C4). A matéria mostrava como o professor de ciências políticas da

Universidade Federal Fluminense, Alberto Carlos Almeida, dimensionou parte do drama

enfrentado pelos negros diuturnamente em nossa sociedade. Ao exibir fotos em preto e branco de

sete homens classificados conforme as cores clássicas adotadas pelo IBGE – brancos, pardos e

pretos – duzentas pessoas emitiram juízos de valor sobre cada uma das fotografias, associando

aparência física a capacidades e até ao caráter dos indivíduos, revelando que o legado da

dominação racial branca foi peremptório. Dos adjetivos positivos presumíveis de cada indivíduo

(professor, advogado, honesto e inteligente), os homens de fenótipo branco foram os grandes

vencedores, chegando a obter mais de 50% das atribuições em alguns quesitos. De modo inverso,

com relação aos adjetivos negativos ou de pouco prestígio (motorista de táxi, preguiçoso,

criminoso e pobre), o grupo pardo-preto obteve a maioria das atribuições em todos eles, não

obstante o fato de um dos homens brancos ter obtido, individualmente, a maior atribuição para

preguiçoso. Portanto, as diferentes cores dos indivíduos evocam significados distintos, o que nos

marca e separa profundamente, muito embora todos se abriguem sob a identidade de brasileiros.

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O que essa pesquisa revela é um retrato do brasileiro em sua face mais cruel: a

normalidade com que o preconceito é encarado no Brasil é fruto dessa ciência do senso comum

que não hesita em classificar alguém como mal encarado, vagabundo, burro ou desonesto, o que

se reflete fatalmente nas oportunidades que cada indivíduo tem ao longo de sua vida e nas

estatísticas que provam que os negros (pretos e pardos) ocupam as camadas sociais mais baixas

de nossa sociedade desigual.

Assim como o coronelismo e o clientelismo, as rugosidades étnicas deixam suas

conseqüências nefastas na sociedade brasileira, pois impedem ou atrapalham mudanças sociais

efetivas na organização societária, o que tem levado o Brasil a exibir um dos piores índices de

desigualdade do mundo. Sua durabilidade deve-se principalmente ao fato de serem nutridas pelas

elites brasileiras, com efeitos sobre as demais camadas sociais, manifestando-se em todos os

campos – do político ao econômico; do educacional ao religioso.

Exemplificando o que temos dito, em matéria da revista semanal Istoé (FOSSO...,

2003, p. 46-9) o articulista Aziz Filho mostrava que em 1960 a renda dos 10% mais ricos era 34

vezes maior do que a dos 10% mais pobres, chegando ao extremo de 60 vezes em 1990 e

recuando para “apenas” 47 vezes ao final desta década por meio do combate à inflação. Com

relação ao índice de gini, que mede a concentração de renda por meio de uma escala que varia de

zero (mesma renda para todos) a um (concentração de tudo com uma só pessoa), em 23 estados

brasileiros o gini de 2000 foi pior que o de 1991, sendo o mais desigual o de Alagoas, com 0,69

(o que coincide com a altíssima concentração de terras naquele estado), e o menos desigual o de

Santa Catarina, com 0,56. Com relação à desigualdade racial, dados de 1999 mostravam que a

taxa de analfabetismo é de 21% entre negros, 19,6% entre pardos e 8,3% entre brancos. Em

termos de renda tivemos 2,54 salários mínimos em média para pardos, 2,43 para negros e 5,25 ou

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mais que o dobro para brancos. Além de o fosso ser realmente abissal, passa necessariamente

pela questão racial.

Mas de que maneira se pode fazer essa afirmação que incrimina as elites brasileiras?

Trata-se de puro blefe? De uma implicância infundada? Por certo que não é por outro motivo que

não aquele que se nos permite visualizar no espaço social, na espacialidade. O negro sempre foi

barrado do espaço de poder da elite brasileira, pois esta assentava sua distinção precisamente

neste antípoda que era o escravo. As relações que aqui se estabeleceram não foram cordiais,

como algumas vozes insistem em afirmar baseadas no legado freyriano (FREYRE, 1975, p. 442-

3). A distinção entre a casa-grande e a senzala serviu para marcar posições de modo peremptório,

um legado perene que realimenta, ao mesmo tempo em que é alimentado pelas perversas relações

racistas.

Essa dupla herança, histórico-espacial, não apenas histórica, tem modelado atitudes

que se perpetuam nas práticas sociais hodiernas sob a forma de evitação, irritação, anedotismos,

exclusão, falta de oportunidades. Enfim, diz-se do lugar privilegiado em que se situa a elite

branca nacional: Negro, aqui não é teu lugar! Vê se te enxerga! Você não pode possuir esse

espaço! Ocorre, dessa maneira, a atribuição de uma suposta inaptidão inata do negro, que o

excluiria naturalmente dos círculos mais elevados (OLIVEIRA et al., 1998, p. 51-7).

É desse modo que podemos entender melhor a grande deficiência educacional dos

negros que, em geral, têm maiores dificuldades nas escolas pelo fato de o preconceito aí se

manifestar de modo inclemente sobre indivíduos ainda em formação e também pelo fato de os

negros, que compõem a maior parte da população mais pobre, terem de trabalhar mais cedo em

virtude das dificuldades econômicas de suas famílias. Esse resultado educacional tomado

isoladamente reforça o consenso de que os negros têm menor capacidade intelectual. Por sua vez,

tal pressuposto terá efeitos na área política e na área econômica, dada a maior dificuldade

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enfrentada pelo negro para uma formação adequada. Normalmente não se procura um negro para

exercer uma posição de comando ou de prestígio social, pois se supõe que ele não tenha a

capacidade exigida para tal, além do racismo irracional por si só. No campo religioso, parte-se da

premissa de que o negro pratica um tipo de religiosidade primitiva, tribal, o que acaba reforçando

ainda mais o estereótipo de sua suposta inferioridade étnico-racial. Muitas pessoas das altas

camadas freqüentam terreiros de umbanda ou quimbanda de negros, mas consideram-se católicas

ou kardecistas (curiosamente alcunhadas de espíritas de linha branca...).

Através de todas estas práticas, ainda facilmente verificáveis na sociedade brasileira,

é que podemos perceber como o negro no Brasil ainda está longe do final da via crucis por ele

iniciada há quase 500 anos, quando de seu apresamento e embarque em navios negreiros para um

tenebroso futuro expatriado e escravizado. A opressão ganhou novas formas, ficou mais sutil e

ainda mais difícil de ser combatida, já que o vergonhoso passado escravista faz com que se adote

um discurso defensivo, exaltando a igualdade étnico-racial em nossos dias. Porém, há um grande

hiato entre o discurso e as práticas consuetudinárias, forjadas ao longo de séculos. O negro se vê

preso a uma série de estereótipos que o ligam muito mais ao passado. Exemplos disso são os

papéis por ele representados na teledramaturgia (majoritariamente como subalterno ou como

escravo, quando se retrata o período escravista), a baixíssima representatividade de técnicos de

futebol negros nos clubes de elite, de políticos negros, enfim, de cidadãos no sentido pleno da

palavra (CARNEIRO, 1998, p. 5-6).

Mas alguém argumentará que moramos num país tropical, miscigenado e moreno.

Não seria, portanto, de se supor que com a miscigenação o preconceito tenda a chegar ao fim? Na

verdade percebemos em nossas entrevistas quanto muitos dos negros consideram a miscigenação

como um importante fator de equalização sócio-racial, capaz de banir o preconceito de nosso

país. Trataremos desse tema no 4o capítulo.

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2. Os Atores Sociais Negros Contextualizam a Discussão

Foram realizadas 80 entrevistas divididas em duas etapas por meio de trabalhos de

campo em locais de grande centralidade. Num terceiro momento investigamos parte

representativa dos espaços valorizados de Presidente Prudente, que foi no que se converteram os

condomínios horizontais e os shopping centers. Além dessas etapas entrevistamos os agentes

pastorais negros e seu ponto de vista, como negros que se encontram engajados no combate ao

preconceito.

Na 1a etapa foram abordados o centro de Presidente Prudente (Av. Manoel Goulart,

rua Tenente Nicolau Maffei e ruas no seu entorno), o bairro Ana Jacinta e os campi da FCT-

UNESP, focalizando os negros universitários. Já na 2a etapa, novamente o centro da cidade (ruas

Tenente Nicolau Maffei e Barão do Rio Branco) e os bairros Humberto Salvador, Jardim Cobral,

COHAB e proximidades da UNESP.

Consideramos que, para os fins a que nos propusemos, tais locais são ilustrativos da

condição social dos negros tanto no contexto do dia-a-dia dos homens e mulheres comuns (os

bairros) bem como no contexto teoricamente mais politizado da universidade que, ao que

indicaram nossas entrevistas, realmente o é. Buscamos também encontrar diversidade em tais

locais, uma vez que a centralidade tem como característica marcante reunir pessoas de vários

pontos da cidade.

Desse modo foi possível, na 1a etapa, contatar pessoas de vários outros bairros, tais

como COHAB, CECAP, Parque dos Pinheiros (oficialmente parte da cidade de Álvares

Machado), bairro Ana Jacinta (com entrevistas in loco) e arrabaldes da cidade de Prudente, já

próximos da cidade de Presidente Bernardes (estes bairros foram considerados como parte da

Zona Oeste da cidade). Como representantes da Zona Leste, os bairros Vila Líder, Vila Iti, Vila

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Itatiaia, Conjunto Brasil Novo e Vila Castelo Branco. Como representante da Zona Sul da cidade,

com apenas um morador, o bairro Jardim Bongiovani. Foi entrevistada ainda uma pessoa

moradora da cidade de Iepê, que trabalha em Presidente Prudente.

Além desses bairros, na 2a etapa foram ouvidos moradores do Jardim Ouro Verde, do

Jardim Everest, do Jardim Vale do Sol, do Jardim Jequitibás, do Jardim Santa Eliza e do Parque

dos Pinheiros, que, embora pertença ao município de Álvares Machado, tem muitos de seus

moradores trabalhando em Presidente Prudente. Classificamos tais bairros como sendo

representantes da Zona Oeste da cidade. Da Zona Leste, os bairros Vila Mendes, Jardim Itapura,

Jardim Cambuci, Jardim Planalto, Vila Líder e Vila Furquim. Da Zona Norte, com entrevistas in

loco, os bairros Jardim Cobral e Humberto Salvador, mais a Vila Operária e o Jardim Aviação

(cada qual com um entrevistado no centro da cidade). Da Zona Central, os bairros Bosque, Vila

Comercial e Centro. Não foi entrevistado nenhum morador da Zona Sul. Buscamos desse modo

cobrir a maior área possível dentro da cidade, dando especial atenção a bairros distantes do

centro, com a acessibilidade dificultada, casos do Conjunto Habitacional Ana Jacinta, do Jardim

Cobral e do bairro Humberto Salvador, ou com certa centralidade, caso da COHAB, da CECAP

e, novamente, do Conjunto Habitacional Ana Jacinta, o que está ilustrado nos cartogramas 1 e 2.

Verificamos posteriormente que tais bairros coincidiam com uma maior proporção de pessoas

negras conforme os depoimentos dos agentes pastorais negros.

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Na 1a etapa, as faixas etárias dos entrevistados concentraram-se majoritariamente na

população economicamente ativa (92,5% dos entrevistados tinham entre 19 e 65 anos). Nenhum

dos entrevistados nos bairros possuía curso superior, situando-se a grande parte da população –

37,5% dos entrevistados – entre os que não possuem sequer formação básica completa. Somando-

se a estes os que se declararam analfabetos, chegamos ao elevado percentual de 42,5%. Mesmo

assim tivemos uma alta porcentagem de alfabetizados (95%) se compararmos os dados obtidos

com as médias sudestinas e mesmo com as nacionais:

Tabela 1 - Taxa de alfabetização da população maior de 10 anos segundo raça/cor

Brancos Negros (*)

Brasil 91,6 79,2 Região Norte Urbana 91,9 85,5

Região Nordeste 79,7 69,3

Região Sudeste 94,1 87,5 Região Sul 93,2 85,1

Região Centro-Oeste 92,3 85,9

(*) População negra = preta + parda Fonte: PNAD/IBGE 1998. Grifos acrescentados.

Do total de entrevistados nesta 1a etapa, havia 24 homens e 16 mulheres. Foram

realizadas entrevistas que trouxeram à tona questões que consideramos relevantes para uma

segunda verificação, esta sim, realizada por meio de um questionário com 10 perguntas a 40

novos entrevistados. O que procurei fazer na 1a etapa foi o levantamento de questões relevantes

do ponto de vista da comunidade negra prudentina. As pessoas foram induzidas a expressarem

sua opinião sobre: a) o atual estado das relações raciais no Brasil; b) se já teriam sido vítimas de

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preconceito racial em sua experiência pessoal; e c) como tais pessoas definiam ser negro no

Brasil.

Dessa primeira série de entrevistas, surgiram temas que consideramos importantes,

tanto pela freqüência com que foram citados, como pela relevância para uma abordagem que

enfoque a questão sob uma perspectiva espacial.

Outra questão polêmica que levantamos foi quanto ao caráter da miscigenação

ocorrida no Brasil, havendo muitos entrevistados que a consideraram como um fator que estaria

contribuindo para diminuir o racismo. De muitos dos entrevistados ouvimos que as condições

estão muito melhores de uns 20 anos para cá, o que também coincide com o período da abertura

democrática. Também foi notória a questão de um suposto grau de intensidade com o qual o

racismo se manifestaria, dependendo do meio social focado.

Na 2a etapa foram questionados 18 homens e 22 mulheres. Preliminarmente, foram

feitas as seguintes perguntas aos entrevistados: qual o nome, a cor, a idade, a escolaridade, a

profissão, a renda e o bairro no qual residiam. Mais uma vez as idades se concentraram na

população economicamente ativa, com idades que variaram entre 19 e 63 anos (95% dos

entrevistados). Fizemos dez perguntas aos entrevistados, baseadas nas questões levantadas nas

entrevistas, que foram as seguintes:

1. Qual seria o grau de conscientização da população negra prudentina (no

questionário, correspondiam às perguntas de número 1 e 10)?

2. Qual o critério adotado pela população para identificar quem é negro (pergunta

de número 6 do questionário)?

3. Como o racismo é sentido pelos entrevistados em relação aos grupos sociais

(pergunta de número 2 do questionário), às relações de trabalho (perguntas de número 4 e 5), à

cor da pele (pergunta de número 8), às relações do dia-a-dia (pergunta de número 9), à dinâmica

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da miscigenação (pergunta de número 7) e, finalmente, à questão espacial (pergunta de número 3

d o questionário).

Dividimos o grupo entre homens e mulheres e chegamos a algumas conclusões

interessantes. A começar pela porcentagem dos que se declararam pretos ou negros, que foi

menor do que na 1a etapa (35% do total de entrevistados), talvez pelos motivos que já

apresentamos acima. As pessoas abordadas teriam procurado dar uma resposta, em sua

simplicidade, mais “científica”, algumas delas informando a cor que se encontrava inscrita em

suas certidões de nascimento. Mas o que mais nos chamou a atenção neste aspecto, foi o fato de

que uma porcentagem muito maior de homens do que de mulheres, tenha se declarado como

negra (55,5% para 18,16%, respectivamente), o que vem corroborar com a tese de que o

preconceito racial se soma ao de gênero, fazendo com que as mulheres negras tendam a fugir do

duplo estigma (PINHEIRO, 1997, p. 47; SUÁREZ, 1998, p. 99-111).

Com relação à 1a questão (grau de conscientização) constatamos que para as mulheres

é muito mais condenável a questão das brincadeiras e piadas, já que 50% das entrevistadas

consideram que isto é racismo, enquanto uma porcentagem menor de homens pensa assim

(38,95%). Mas já na pergunta quanto ao conhecimento de movimentos de consciência negra,

obtivemos resultados próximos: apenas 11,1% dos homens e 8,9% das mulheres se declararam

participantes de movimentos de consciência negra, o que confirma o ainda baixo grau de

mobilização da população negra.

Quanto ao critério pelo qual os entrevistados identificam outros negros, subdividimos

as possíveis respostas em três quesitos não-excludentes: o quesito “aparência”, o quesito

“sangue” e o quesito “outros”. O quesito “aparência” teve a maioria absoluta das respostas de

pessoas de ambos os sexos (62,3% das mulheres e 61,05% dos homens). Algumas dessas pessoas

consideraram este quesito em conjunto com o quesito “sangue”. Mas, para os fins a que nos

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propusemos, tal representação social majoritária foi uma demonstração clara de contra quem o

racismo se manifesta no Brasil.

Com relação a todos os demais itens, relacionados à percepção do negro quanto ao

preconceito nas diversas áreas do cotidiano, a maioria absoluta dos entrevistados, tanto isolando

homens e mulheres quanto os tratando em conjunto, afirmou que o racismo é tanto maior quanto

mais alto seja o nível social do grupo (para 88,8% dos homens e 75,65% das mulheres), o que

também seria verdadeiro para os bairros da cidade (para 88,8% dos homens e 84,55% das

mulheres); que os negros têm maiores empecilhos para conseguir emprego (para 88,8% dos

homens e 89% das mulheres) e que haveria profissões as quais nunca se viu um negro exercendo

na cidade (para 88,8% dos homens e 57,85% das mulheres); que o racismo tem relação direta

com o grau de melanina (para 66,6% dos homens e 89% das mulheres) e que, portanto, a

miscigenação está contribuindo para diminuir o racismo (para 61,05% dos homens e 71,2% das

mulheres). Finalmente, para 94,35% dos homens e 89% das mulheres, o negro é mais vigiado do

que o branco no dia-a-dia.

Merecem atenção mais pormenorizada os dados nos quais obtivemos diferenças

superiores a 10% na comparação entre homens e mulheres. O primeiro deles, referente a

prováveis variações do preconceito em decorrência do nível social, revela que para as mulheres o

racismo é mais presente do que para os homens, dependendo menos do meio social em que se

encontrem, o que consideramos como mais uma prova da justaposição de preconceitos de raça e

de gênero. O mesmo raciocínio pode ser utilizado para interpretar a questão da variação do

racismo em função da presença maior ou menor de melanina na pele, o que tem um peso muito

maior para as mulheres do que para os homens.

Também merece atenção especial a pergunta com relação ao negro e às profissões. As

respostas mais freqüentes quanto às profissões vazias de representatividade negra na cidade

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foram: médico, dentista, prefeito, gerente, juiz, advogado e delegado de polícia. Note-se que se

tratam de profissionais liberais e de posições de comando, o que vem a corroborar com a questão

do desprestígio racial.

Vimos como a miscigenação tem uma influência maior para mulheres do que para os

homens, partindo-se do ponto de vista dos que acreditam que a miscigenação é um instrumento

de diminuição do preconceito racial. Acompanhando a tendência da resposta anterior, as

mulheres, em maior porcentagem que os homens, acreditam que a miscigenação tenderia a

atenuar a discriminação, o que é coerente com o raciocínio da questão do tom da pele.

Como se pôde constatar nas linhas acima, a maioria absoluta dos entrevistados admite

que o racismo é uma prática (praga...) que prejudica os negros de modo geral, nas diversas áreas

do seu dia-a-dia na cidade. Ser negro é diferente de ser branco em virtude de uma série de

dificuldades impostas aos primeiros por critérios raciais, o que, no Brasil, é sinônimo de

diferentes cores de peles (SCHWARCZ, 2001, p. 35-6).

Quanto à terceira etapa de nossa pesquisa, abordando os condomínios horizontais e o

Prudenshopping, preferimos examiná-la no último capítulo de nosso trabalho, justamente aquele

no qual ficará mais explícita a questão espacial.

2.1 A Visão dos Agentes Pastorais Negros (APNs)

Corroborando com o que foi dito pelos entrevistados nas ruas, os agentes da Pastoral

do Negro, entidade inicialmente criada pela Igreja Católica, mas hoje independente, deram uma

valiosa contribuição a este trabalho. Reunimo-nos nas dependências da Biblioteca da UNESP de

Presidente Prudente em setembro de 2003, com os seguintes integrantes: Edis Moreira de Araújo,

ex-presidente e fundador dos APNs em Presidente Prudente (em 1988), fundador da Delegacia

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Estadual do Conselho da Comunidade Negra de Presidente Prudente, fundador do Movimento de

União e Consciência Negra de Presidente Prudente, membro estadual da Secretaria de Combate

ao Racismo do Partido dos Trabalhadores (PT), membro do Coletivo Anti-Racismo da Central

Única dos Trabalhadores (CUT) e ex-seminarista; Idalmo Aparecido Osório, atual presidente da

Pastoral do Negro; Isabel Cristina Falconi, vice-presidente da entidade; Guilherme, secretário;

Marcelo Rodrigues, membro; e Cliciê Ismérie, convidada.

A entrevista foi bastante extensa e proveitosa para as considerações que estamos

tecendo neste trabalho, dada a experiência pessoal dos entrevistados no trato com questão tão

susceptível a controvérsias. Transcreveremos parte do que foi dito neste momento.

O sr. Edis iniciou as interlocuções por uma questão figadal para o entendimento de

como se dá o racismo à brasileira: “... sempre foi colocado pra gente que nós não podemos ser

doutor, profissionais liberais, donos das terras, não podemos ser industriais, quer dizer, nós temos

que ser a força de trabalho, nós temos que ser o alicerce que carrega o peso, sempre carregamos a

sociedade brasileira. Então o racismo está na cabeça das pessoas...”.

O secretário Guilherme falou da questão do programa “Turma do Gueto” da Rede

Record, que apesar de ter maioria de atores negros em atuação tornou-se, ao longo dos últimos

meses de disputa por audiência, mais um produtor de estereótipos negros condenados à pobreza e

à violência, características diferentes das que havia em seus primórdios. O sr. Idalmo contra-

argumentou que também era importante esse tipo de trabalho por ele mostrar a realidade de

negros pobres, o que normalmente não é retratado pela televisão brasileira. A senhorita Cliciê

Ismérie deu mais uma contribuição a essa questão ao afirmar que “... os brancos, a classe mais

aburguesada, que a maioria são brancos, eles querem esconder o que eles fazem pra mostrar o

que nós fazemos. Então é assim, meio camuflado, assim, meio escondido”.

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O sr. Guilherme iniciou outra interlocução citando o caso de uma prima sua, negra e

professora: “... ela tem uma casa de tijolos assim, é uma professora... tem pessoa que passa e fala

assim: sua patroa está? Sem saber, né?”. Nesse ínterim eu contei a experiência por mim

vivenciada no prefácio deste trabalho. O sr. Guilherme continuou: “... se eu tenho uma casa

bonita ou tenho um escritório e eu estou lá e uma pessoa chegar querendo falar com o sr.

Guilherme, na cabeça dele o seu Guilherme é uma pessoa de aparência branca, é descendente de

europeu ou de outras etnias, jamais vai pensar que... é o caso que aconteceu com você (referindo-

se a mim). Então se nós estivermos no, na jardinagem, nos serviços domésticos ou em outros

serviços mais inferiores, na cabeça deles nós estamos no lugar certo”.

O sr. Idalmo, em referência a uma observação nossa de que a baixa representatividade

dos negros se dá até mesmo entre os técnicos de futebol da 1a divisão, disse-nos o seguinte: “...

nós éramos vistos assim, como gente que sabia sambar, batucar e jogar futebol. Aí, nessa jornada,

nessa caminhada, a gente se conscientizou também que a gente é capaz de sentar e resolver

nossos problemas. Porque a sociedade não vê assim...”. E acrescentou: “... eu assimilei bem isso,

que a gente, nós somos capazes sim, parece que a formação que a gente traz é essa, que a nossa

relação é mais ou menos o que a gente vê lá na frente, nessa questão que você colocou do

racismo, do espaço...”.

O sr. Edis fez outra observação pertinente com relação a quão castrador tem sido o

racismo no Brasil: “Porque na face da Terra só a escravidão do Egito que foi devastadora como

essa, a escravidão do povo do Egito e a nossa têm uma semelhança muito grande. Porque o

racismo era tão forte sobre nossos antepassados, que nós não éramos gente. Nós éramos

colocados como seres sem alma; ali já começava a castração do ser humano, que a Igreja Católica

tem uma parcela de culpa, né? Porque cada negro que entrava, que era pesado, escolhido pelas

mudas dos dentes, a Igreja Católica recebia 5% por cada escravo que entrava e, a partir daí,

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recebia seu batismo, porque não tinha alma. Ora, se nossos antepassados não tinham alma, se era

colocado que não tinha alma, então pra que se batizar, não é verdade? Então nós éramos um

objeto, não poderia pensar, sem voz, sem voto, sem direito a nada. Então você era um

instrumento, você era uma mercadoria que poderia ser trocado, dado, vendido, leiloado ou morto,

né? Então é por isso que eu digo, foi uma escravidão igual à escravidão do Egito. Era pra matar

mesmo. No entanto nós estamos aqui. Então, já pensou se não existisse o racismo, que a

ideologia do Zumbi dos Palmares fosse contemplada pelos governos da época? Eu acredito que

nós seríamos uns negros mais fortes do que os negros dos Estados Unidos. Não fortes em força

braçal, mas fortes em economia, que aí sim, nós poderíamos falar assim, que o nosso povo teve

uma verdadeira abolição. Então esse racismo foi o que fez cortar todas as oportunidades, apesar

da dificuldade do nosso povo de não ter casa pra morar, vejamos porque que a população negra

vive nos mocambos, nas periferias, nas favelas, nas margens da sociedade, na pobreza. Aqui em

Presidente Prudente a população negra na sua maioria está onde? Ta no famoso bairro, que pega

desde o Humberto Salvador até o Jardim Pedro Rota. Se você passar por aquele bairro, esses

bairros todinhos, que eu ando muito em Prudente, você vai ver que a característica do povo dessa

região de Presidente Prudente ela é afro-descendente. Então, esse povo, eles vieram de onde?

Eles vieram da Bahia, de Minas, do Rio de Janeiro, do Nordeste. São pessoas que vieram

perambulando de pau-de-arara, (sr. Guilherme acrescenta: na leva do café, do algodão...)

exatamente”.

O sr. Guilherme perguntou ao sr. Edis: “Edis, você que anda aí na SABESP, na sua

opinião qual bairro aqui da cidade que tem mais negro, assim, do negro sudanês, bem preto,

assim, tipo nosso companheiro Will, assim? Dos bairros qual o mais assim?”. Ao que o sr. Edis

respondeu: “Olha, Vila Operária, Jardim São Francisco, Bairro das Parreiras e Jardim Guanabara,

são os quatro bairros um do lado do outro. Ali tem muitos. Brasil Novo e Humberto Salvador já

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são moradores que vieram de outra região que moram ali. São pessoas que pagavam aluguel e

foram lá pegar o seu lote de terra ganho da prefeitura pra poder fazer a sua casinha. Agora, a Vila

Operária, aquela região ali, nós podemos dizer, classificar aquela região ali como quilombo.

Porque ali tem negros que têm história, no pedaço ali”.

O sr. Guilherme acrescentou: “Aqui em Presidente Prudente, agora não sei como é

que ta, mas há tempos atrás, falava-se que a Vila Operária, que como o Edis diz, que

praticamente é o bairro com mais concentração de negros, chamava Vila Cachaça”. O sr. Idalmo

completou: “E esse preconceito persiste até hoje, porque as pessoas que moram lá, que vão fazer

compras na cidade, elas ficam com receio de dizer que moram lá. Preferem dizer que moram

perto do Ginásio de Esportes. Porque na cidade existe (preconceito), é discriminado. Fala que é

de lá então já é visto diferente. As próprias pessoas que moram lá”. O sr. Marcelo lembrou que

“Até hoje não pode falar Vila Cachaça não; se falar, sai morte”. Ao que o sr. Guilherme

arrematou: “É uma ideologia´, porque é lógico, né? Lá moram negros que não são submissos.

Então, o que ocorria nesses anos de Prudente, às vezes, por engano o cara falava Vila Cachaça, o

outro encrespava...”.

Notando a pouca participação feminina, citei os resultados das pesquisas em relação

às mulheres negras e chamei-as ao debate. A senhorita Isabel Cristina disse: “... eu sou muito

apegada na televisão. Você não vê ali numa novela um negro rico. Você vê ali trabalhando ou

então roubando. È uma propaganda que passa de criança e você não vê uma criança negra... passa

aquela criança (negra) sofrendo, pedindo pão na rua, pedindo qualquer coisa na rua. Você vai

procurar um emprego, você não acha. Você vê só branco trabalhando, só. O tanto que eu já andei

nesse Prudente aqui procurando emprego... ta difícil, ta difícil mesmo. Aonde você vai só vê

branco trabalhando, não vê um negro, você não vê. Então, sei lá, eu acho que tem que mudar,

mudar e mudar bastante mesmo, né? Então por isso é que a gente trabalha pra ajudar crianças,

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ajudar os negros, né?”. O sr. Edis perguntou-lhe como ela via a questão da mulher negra diante

do desemprego, tendo a seguinte resposta: “Ah, eu vejo assim, sofrendo, porque vai num canto,

num serviço, nada. Se a gente não pegar de doméstica... o que aparece é mais de doméstica,

porque você não vê numa firma, numa loja, num Prudenshopping, é difícil. No mais mesmo é

doméstica, doméstica e faxina”.

A senhorita Cliciê Ismérie se referiu ao fato de ainda não estar na faculdade, instigada

pelo sr. Edis: “Bom, é um relaxo meu não estar fazendo faculdade. Mas isso é à parte (risos). Ah,

isso é difícil para mim porque eu não tive uma educação que eu pudesse valorizar minha raça,

minha cor, meus cabelos. Então para mim foi muito difícil a minha infância, eu não tinha um

diálogo muito aberto na família, estudava numa escola onde a maioria eram brancos. Na época

que eu fiz o primário o Arruda Melo era uma escola muito boa, uma das melhores escolas de

Prudente. Então, na minha sala, no prezinho tinha um negro no começo do ano e eu. Depois ele

desistiu e ficou eu. Primário todo foi assim, no ginásio, no colegial e eu sofri muito. Primeiro por

causa da cor, segundo por causa do cabelo, terceiro por causa do nome e eu ficava assim,

supermal porque eu não tinha como responder, não sabia como responder. E eu me sentia inferior

aos outros. Daí depois a questão do cabelo, porque não tinha como arrumar, era trancinha, senão

era curto. Daí eu já me sentia meio que masculina, meu cabelo é curto igual ao de homem, e

aquela coisa... Só que eu nunca, assim, falei pra ninguém, eu guardava mais pra mim. E foi indo

até eu crescer. E eu comecei a me relacionar melhor comigo mesma quando eu fiquei um

pouquinho mais mocinha. Mesmo assim foi difícil, foi pela Pastoral da Juventude, por causa da

igreja, e eu me aceitei mais. Se não fosse a Pastoral eu acho que estaria depressiva hoje. Hoje eu

me aceito muito bem, graças a Deus. Não me dou muito bem com meu cabelo que dá muito

trabalho, mas eu gosto; eu aprendi a lidar com ele, aprendi a lidar comigo, amo a minha cor. Eu

acho que não me daria muito bem se eu fosse branca, porque tem muitas vantagens nossa cor. Eu

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posso ficar o dia inteiro no sol, fazer o que quiser que não acontece nada. Mas assim, é difícil a

questão do serviço. Eu trabalho hoje porque tive algumas influências, porque o serviço que eu

tenho hoje não é grande coisa, mas eu to trabalhando. Questão de escola, de oportunidade é

superdifícil, porque eles dão preferência aos brancos, não aos negros. E a questão da piadinha

também que machuca e assim, tem uma vantagem, que eu não fico ligando muito pras coisas, na

hora eu fico meio abalada, meio chateada, mas depois eu esqueço com muita facilidade... eu

deixo pra lá porque não adianta, é questão de consciência mesmo; não adianta eu falar que ta

errado porque as pessoas não vão entender, é trabalho de conscientização, é trabalho de um a um.

Enquanto nós mesmos, negros, não nos conscientizarmos do nosso potencial, da nossa cor, que é

uma cor bela, fica difícil querer controlar os outros ”. Ela arrematou dizendo: “É engraçado, a

maioria dos nossos amigos, nossos conhecidos que são brancos, eles falam que não tem racismo.

Porque são brancos! Branco não sabe o que é racismo. Só sabe o que é racismo quem é negro, ou

quem é de alguma raça diferente na sociedade. Quem não tem consciência não sabe o que é

racismo. Você chegou e escureceu tudo, meu pai diz. Na minha família mesmo eu tenho alguns

tios que são brancos e chegam na minha casa e contam piada de negro, na minha casa...”.

A questão espacial, como se pôde perceber nestas breves linhas, permeia as falas de

todos os entrevistados que se apercebem da questão racial. Não há como não associar o racismo

ao espaço no qual ele se reproduz e do qual sua materialidade depende. Em outras palavras, não

há como sustentar o racismo retirando-lhe sua dimensão espacial, motivo pelo qual há

necessidade de se reproduzir a crença, a cada nova geração, de que existem lugares de brancos e

lugares de negros em nosso mundo. Tal raciocínio é válido tanto nos Estados Unidos, com seus

bairros separados por uma rígida barreira racial, quanto no Brasil com sua quase exclusividade

branca nas posições de destaque econômico, político e social.

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Há uma nítida noção, portanto, de que a cidade de Presidente Prudente, como parte

integrante dessa escala nacional maior, é locus da reprodução de estereótipos, de um modelo de

desenvolvimento excludente, seletivo e perverso. Sua relevância regional como maior e mais

importante cidade da Alta Sorocabana merece destaque para que possamos compreender a

abrangência do racismo, que opera no espaço-tempo das relações do dia-a-dia, permeando todos

os meandros de uma sociedade ainda apoiada sobre mitos.

Faremos neste momento um resgate histórico que procurará mostrar de que maneira o

racismo se reproduziu de maneira ininterrupta, atravessando incólume todas as fases pelas quais o

país passou ao longo destes mais de 110 anos Pós-Abolição.

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3. Um Fenômeno Sócio-Temporal

Nosso racismo se assenta na história. Mais ainda, nosso racismo é nutrido pela

história. É como uma doença infecto-contagiosa, que se alastra facilmente em meio à população e

que se recusa a deixar os doentes, mesmo fortemente medicados (com leis anti-racistas e a maior

visibilidade da questão em termos mundiais). Tais leis têm tido um efeito inócuo na intimidade

das famílias (SCHWARCZ, 2001, p. 52-63). O problema é reproduzido por nós, que herdamos

um passado de desigualdade que é ponto de referência para práticas no presente. Nossa

organização social já nasceu com este germe a infectá-la, procedendo de terras d’além-mar. Se

isso é verdadeiro, também é fato que nós demos ao preconceito racial um caráter totalmente

particular: nós o reinventamos.

De fato, ao desembarcar na costa desta porção de terra que mais tarde viria a se

chamar Brasil, os portugueses tinham como primeiro objetivo encontrar tesouros naquela fase

marcante do mercantilismo denominada de metalismo, conhecida pela procura incessante de

acumulação de metais preciosos, já que, na Europa, passava-se de um modo de produção que

valorizava a posse de terras para outro, que tinha como objetivo principal, a acumulação de

capital (LEFEBVRE, 1974, p. 41-4).

Os portugueses saíram na frente nessa corrida, mas não foram os mais bem sucedidos

na busca dos metais preciosos, perdendo para seus oponentes iberos, contra os quais sempre

lutaram na busca por sua identidade nacional (FREYRE, 1975, p. 192). Aliás, desde seus

primórdios o povo português (ou a Coroa portuguesa) sempre lutou para forjar uma identidade

por meio de quatro fatores que julgo como principais, já que contribuíram para o nascimento do

Estado Moderno: uma língua comum, uma religião comum, uma história comum e um espaço

comum.

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Os dois primeiros fatores são aqueles que o marxismo chama de superestrutura,

caracterizados pela exigência primária de uma base material comum (qual seja, um mesmo modo

de produção, característico do estágio alcançado nas relações de produção) (HARVEY, 1980, p.

251-2). O terceiro fator, a história comum, foi fundamental para a formação de uma identidade

que pudesse ser atribuída a uma nação, atuando juntamente com os dois primeiros para o passo

seguinte: o surgimento do Estado Nacional.

Quanto ao quarto fator, um espaço comum, houve uma abordagem muito tênue por

parte da corrente marxista, o que levou os geógrafos marxistas até hoje a especular em que grau

Marx teria tratado da dialética do espaço (SOJA, 1993, p. 57-95). Procuraremos tratar desta

lacuna no capítulo 5.

Em paralelo com o que ocorria na Europa ao fim do período medieval, em algumas

partes da África, a população era formada por uma série de etnias nômades que tinham cada qual

sua identidade particular, baseada em sua língua comum, sua religião distinta e suas práticas

consuetudinárias. Mais ainda, tais etnias (assim como no continente europeu...) eram

caracterizadas pela luta pelo espaço. Este fenômeno foi preconceituosamente chamado de

tribalismo, prática que, segundo Jean-Marie Lambert, foi um fator primordial para a enorme

divisão e conseqüente enfraquecimento do povo africano, não sem uma grande contribuição dos

brancos movidos pela acumulação primitiva de capital e obviamente interessados em dividir para

governar (LAMBERT, 2001, p. 25-33).

Muito embora concordemos com o fato de que os europeus tenham se aproveitado de

rivalidades pré-existentes entre os africanos para implementarem sua dominação opressiva, e que

tenhamos nos utilizado do autor supra citado para enriquecer nosso pensamento com subsídios

históricos, é preciso reconhecer que o mesmo historiador cai muitas vezes na tentação de lançar a

culpa pelo flagelo do continente africano na conta de seu próprio povo, legitimando por meio

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desse sutil discurso, a “ajuda” policial dos Estados europeus às pueris nações africanas.

Kabengele Munanga ajuda-nos a desvendar tais armadilhas em seu excelente artigo intitulado

“Etnicidade, Violência e Direitos Humanos em África”. Mostra-nos como o discurso dos

dominadores é hábil em criar armadilhas que acabam por atribuir à própria natureza da

população africana a culpa pelas mazelas que a assolam (MUNANGA, 2001, p. 31-45).

Porém, o fato é que, atentando para as necessárias ressalvas feitas acima, parte dos

reinos africanos via os europeus como parceiros desejáveis, por conta da inegável superioridade

bélica com que dotavam seus aliados. Não havia um pensamento consensual a respeito de uma

união africana contra um elemento alienígena, pois os ódios eram nutridos por outras etnias

negras. Os negros viam os brancos de maneira mais ou menos uniforme, não importando se se

tratavam de alemães, franceses ou ingleses. Para o europeu, igualmente, pouco importava se

seriam aprisionados achantis, mandingas ou ibos. Por conta disso, muitas foram as trapaças, as

escaramuças que reviravam a história, invertendo posições entre os reinos africanos (LAMBERT,

2001, p. 29).

Houve uma participação ativa do elemento africano na condução de sua própria

história, mas não é isso que contam os livros de história do mundo ocidental em geral. A versão

dos vencedores procura desmerecer, desqualificar os vencidos por meio da negação de seu ativo

papel na construção das Eras Moderna e Contemporânea. O negro foi tido como selvagem,

desprovido de uma história própria, passando a existir após o glorioso contato com o branco

(LAMBERT, 2001, p. 21-2). Aliás, essa é a versão apoiada por Gilberto Freyre (1975, p. 241-3)

e, ao nosso ver, essa tese ainda tem largo assentimento popular. No Brasil continua em vigor a

tese de que o branco é o bom, o superior, o civilizado. Ser branco no Brasil é, historicamente, um

sinônimo de status, e isso, nós importamos da etnocêntrica mentalidade lusitana.

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Os distintos povos africanos tinham por hábito, escravizarem os perdedores dos

conflitos que se sucediam e que faziam a história particular de cada grupo, distinguindo-o dos

demais. Isso mostra que os europeus não instituíram essa prática entre os africanos, mas dela se

aproveitaram com racionalidade capitalista e frieza comercial, aumentando exponencialmente o

número de indivíduos apresados (LAMBERT, 2001, p. 25-33).

Para tanto, os europeus se beneficiaram das tais rivalidades seculares, históricas,

existentes entre as etnias, delas participando indiretamente ao fornecerem armas de fogo

(mosquetões) às tribos mais fortes para fins de apresamento e escravização de indivíduos

(MUNANGA, 2001, p. 34-35). Digo históricas, para rebater o falso argumento de que a África

tenha passado a ter história a partir do contato com os povos europeus brancos, sendo um dos

apologistas dessa idéia etnocêntrica o filósofo alemão Hegel, que afirmou:

[...] a África não é uma parte histórica do mundo. Não tem movimentos, progressos a mostrar, movimentos próprios dela. Quer isso dizer que a sua parte setentrional pertence ao mundo europeu ou asiático. Aquilo que entendemos precisamente por África é o espírito a-histórico, espírito não desenvolvido, ainda envolto em condições de natural e que deve ser aqui apresentado como no limiar da história do mundo. (HEGEL apud LAMBERT, 2001, P. 7).

Estima-se que por meio da prática ordinária e sórdida da escravização, legitimada, de

um lado, pela ideologia exposta acima e, de outro, pelo catolicismo que considerava os povos

negros como pagãos, hereges e sem alma, cerca de 50 milhões de africanos tenham sido

deportados em navios negreiros para as Américas durante os mais de três séculos do lucrativo

tráfico negreiro (LAMBERT, 2001, p. 28). Trata-se, portanto, de um cataclismo com proporções

inimagináveis, incomparáveis com o período anterior à chegada dos brancos.

No Brasil, além da inominável violência da escravização em si, ao negro foi

igualmente vedado o direito de ter história. Um exemplo bastante eloqüente desse fato foi o fato

de após a abolição da escravatura, para apagar a terrível mancha, o então ministro da fazenda Rui

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Barbosa assinar o decreto de número 29, de 13 de maio de 1899, que ordenava a queima de todos

os arquivos referentes à escravidão no Brasil (HALEY, 1976, p. 3). O aclamado Águia de Haia

tentou dar o que ele considerava ser um tiro de misericórdia numa questão que incomodava as

consciências mais sensíveis dos políticos do Partido Republicano, que buscava construir uma

nação moderna, pautada nos ideais liberais, livre das mazelas do passado.

Gostaríamos de fazer uma ressalva que julgamos necessária neste momento. Estamos

partindo de um ponto de vista que normalmente não é aquele adotado pelos Intérpretes do Brasil

(REIS, 1999, p. 7-20). O africano foi o terceiro dos principais elementos étnico-raciais a

amalgamar a nação brasileira e, desde então, tem sido esse o papel a ele atribuído: o último.

Parte-se normalmente do português, o componente europeu, a cultura vetusta, o

conquistador bravo, heróico, que veio trazer aos primitivos ameríndios e aos bárbaros africanos

as luzes da civilização, enfim, o mais importante elemento étnico-racial para a formação de nossa

cultura (FREYRE, 1975, p. 159; CARNEIRO, 1998, p. 9-14).

Ou então, numa visão mais idílica, alencariana, parte-se do primeiro elemento a

habitar estas terras: o indígena, considerado pelos missionários jesuítas como parte do futuro

rebanho católico, conhecedor dos segredos das matas, sábio curandeiro, valente guerreiro,

importantíssimo para que a colônia permanecesse em mãos lusitanas em várias ocasiões, cantado

em prosa e verso por aclamados romancistas (FREYRE, 1975, p. 89-161; BERND, 1992, p. 36-

41).

Acontece que há poucos povos na história humana que tenham sofrido o que o povo

africano sofreu de forma tão insidiosa, tão inominável, tão brutal e por tempo tão prolongado.

Não se tratava de apenas subjugar, capturar e escravizar. Tratava-se de bestializar, de retirar-lhes

a humanidade e de deportar. Tirava-se o indivíduo, no momento do exílio, do contato com sua

língua materna, do contato com seu povo original e retirava-se seu espaço, que daquele momento

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em diante resumir-se-ia à minúscula porção ocupada pelo escravo no porão de um navio fétido e

imundo, onde se desenrolava uma torturante viagem que levava meses (HALEY, 1976, p. 128-

63). Queremos partir deste que foi por certo o elemento mais desprezado de nossa cultura para

procurar compreender as razões que motivaram (e ainda motivam) o racismo.

Em nossa terra o racismo se camuflou da alegria das festas sem fim; da miscigenação

que deu origem a todos os tons de pele; da exaltação de personalidades nem sempre brancas na

aparência; do discurso açucarado da democracia racial (FREYRE, 1975, p. 442-3); enfim, da

negação quase absoluta de sua existência. Mas ei-lo aqui a manchar e a embrutecer nossa

estrutura social, cooperando para mantê-la com o triste título de sociedade das mais desiguais do

mundo, fornecendo número incontável de dados para pesquisas como esta, semeando injustiças e

fomentando a violência (ALBERTO, 1998, p. 65-6).

Mas de onde vem esse sentimento mesquinho? Por que razão ele ainda não foi

totalmente banido de nossa organização político-social democrática em pleno século XXI? O que

o tornaria tão forte e tão presente ao longo dos séculos? Procuraremos apontar alguns motivos

para estas e outras perguntas ao longo deste capítulo, por meio de alguns subsídios históricos. Em

primeiro lugar, nós nos reportaremos ao passado pré-colonial para buscar algumas respostas que

clarifiquem nosso raciocínio.

Após a queda do Império Romano do Ocidente, a Europa esteve fechada em seu

universo intracontinental de relações por centenas de anos, fragmentada por feudos e

caracterizada por uma rígida estrutura estamental. Os bárbaros de matriz branca (visigodos,

normandos, vândalos etc.) que se misturaram aos remanescentes do Império, deram origem aos

povos europeus modernos.

Estes povos são chamados de caucasóides em função de seu fenótipo. Não obstante o

fato de ter havido sucessivas invasões árabes que deram origem a tons de pele mais morenos em

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relação aos nórdicos, havia certa homogeneidade tanto na coloração da pele quanto no que

Gilberto Freyre (1975, p. 29; 192-6) destacou como sendo um dos fatores de nossa unidade: a fé

católica. A partir da singularidade de cada povo em torno de uma fé comum, de um inimigo

comum (o mouro), de línguas comuns e também de uma cor comum, os europeus se organizaram

em reinos que deram origem aos estados nacionais modernos, compatíveis com o novo modo de

produção dominante a partir da ascensão da classe burguesa.

Esta classe soube canalizar o potencial revolucionário da plebe marginalizada do

poder no período dos déspotas esclarecidos, por meio da formulação de ideologias tanto

alienantes (principalmente com relação à liberdade que os trabalhadores encontrariam no

capitalismo), quanto ilusórias (o romantismo sedutor de um projeto supostamente nacional).

Eis o ponto que queremos chegar: os europeus viam-se a si mesmos como os

salvadores da humanidade, incumbidos da missão civilizadora de evangelizar o mundo. Todos os

povos que não comungavam de suas crenças eram tidos como incultos, bárbaros, pagãos. Cabia,

portanto, aos cristãos europeus civilizá-los, pois em sua visão se tratariam de povos exóticos (fora

da ótica européia) e hereges. Nessa categoria se encontrariam os negros, que em muitos casos

possuíam uma estrutura social completamente distinta da do europeu.

Claro que estas foram justificativas ideológicas para a expansão capitalista em sua

frenética busca por acumulação. Juntou-se a elas o desenvolvimento tecnológico que pôs os

europeus em vantagem bélica sobre os demais povos do mundo. Estes foram os subsídios para a

ideologia da superioridade racial dos brancos, substrato do preconceito racial hodierno

(CARNEIRO, 1998, p. 13; SCHWARCZ, 1987, p. 23-30). O Brasil colheria os frutos dessa visão

etnocêntrica que dividiria o mundo entre brancos e não-brancos, com todas as mediações que daí

adviriam, tais como uma certa “[...] inserção intermediária [...]” do pardo, da qual trataremos

mais amiúde no próximo capítulo (MATTOS, 1998, p. 30-1).

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Gostaríamos de subdividir esse ponto de vista etnocêntrico em três etapas: a Europa

que via os povos negros como exóticos, num segundo momento passou a vê-los como

mercadorias e, num terceiro momento (apenas mais de três séculos depois), como mercados

consumidores. Ou seja, a expansão européia foi motivada por um novo modo de produção, que

exigia tanto matérias-primas como braços para produzi-las.

No intento de produzir matérias-primas os europeus saíram a estabelecer colônias

mundo afora, subjugando, para tanto, povos considerados inferiores (CARNEIRO, 1998, p.10).

Com a necessidade de braços para o trabalho nas colônias, os europeus viram no negro o

elemento perfeito para a chamada acumulação primitiva de capital, por meio da exploração mais

aviltante a que se pode submeter o ser humano: a escravidão.

O negro, portanto, era considerado como uma coisa nesse segundo momento da ótica

européia, vindo a ser considerado como mercado consumidor apenas num terceiro e

relativamente recente momento, no qual a oferta de mercadorias já ultrapassava a demanda

européia. Compreendemos, portanto, que a reificação do negro foi um processo que seguiu uma

lógica perversa de dominação por parte do branco europeu. Esta inferiorização do negro à

categoria de bem semovente, mesmo grau de importância dos animais, serviu a três propósitos

fundamentais: justificar o tratamento extremamente perverso reservado ao negro, assegurar a

concentração da propriedade privada e dos privilégios da cidadania nas mãos dos brancos e,

ainda, ser um instrumento eficaz para a acumulação primitiva de capital (OLIVEIRA et al., 1998,

p. 37-60; SCHWARCZ, 2001, p. 38-41).

Podemos afirmar que o negro, após um longo contato de mais de três séculos com o

europeu, foi promovido à condição de mercado potencial. Já não interessava à vanguarda

capitalista, capitaneada pela Inglaterra do século XIX, a bestialização e a escravidão do negro. No

entanto, esse fato tardio não impediu que se mantivesse a crença numa suposta superioridade

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branca, posteriormente apoiada por estudos científicos, dado o papel de destaque que a ciência

alcançou nesse período histórico (SCHWARCZ, 1987, p. 23-6). A ciência em muitos aspectos

tomou o lugar da religião e dos anciãos do passado, conferindo legitimidade a posições

ideológicas definidas e às vezes antagônicas (WAGNER, 2000, p. 3-16).

Se no passado foi a religião católica a grande legitimadora dos atos de selvageria dos

brancos em seus contatos com outras civilizações, num período de maior sofisticação cultural era

importante revestir os fatos sociais das inquestionáveis explicações científicas, de preferência

oriundas da biologia. O naturalismo científico revestiu o racismo de um caráter asséptico, neutro.

A socialização desse conhecimento pode ser vista nas obras de autores como Nina Rodrigues,

Artur Ramos, Capistrano de Abreu, Caio Prado, Jr., Gilberto Freyre dentre outros. As teorias

vieram tão somente ratificar posicionamentos previamente adotados por quem já via o negro

como inferior por natureza. O menosprezo ganhou novo alicerce e tornou seus defensores quase

intocáveis pela aura protetora da sciência (SCHWARCZ, 1987, p. 19-30).

Estas idéias que agitavam os intelectuais da época tiveram eco nas medidas eugênicas

adotadas na República Velha, proibindo a entrada de negros num Brasil já por demais mestiço.

Uma tentativa, em parte frustrada, de branqueamento populacional. Digo em parte, pelo fato de

seus efeitos terem tido influência notória e duradoura sobre a identidade que o brasileiro quer ter,

já que suas aspirações como povo passaram a ter esse caráter contraditório de mestiçagem

(inferioridade) versus a suposta pureza ariana (superioridade). O que acabou ocorrendo, foi um

branqueamento psicossociológico (lembra-se de nossa colega loura do prefácio?) (CARNEIRO,

1998, p. 11-3).

Esse nosso (e muito nosso...) aspecto contraditório encontra eco em nossos padrões

de estética e em nossa atribuição de papéis aos atores sociais conforme o que suas cores evocam

historicamente, ou seja, nas rugosidades étnicas. Isto significa dizer que as cores no Brasil são

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dotadas de grande eloqüência quanto ao que se espera dos indivíduos, residindo aí seu caráter

perverso. Esta presunção vem, ao longo de séculos, tolhendo indivíduos negros de serem

considerados, de se considerarem e de, em muitos casos, considerarem seus consortes como

cidadãos em sentido pleno, delimitando os espaços sociais e geográficos que se aceita que

ocupem no seio da sociedade brasileira. Basta observarmos os comerciais brasileiros para

percebermos que os personagens não refletem e não representam o que se esperaria de uma

verdadeira democracia racial. Fazem parte da ideologia imagética estudada por Nelson Fernando

Silva (2001, p. 43-58).

Podemos enquadrar a questão do negro na sociedade brasileira nos três estágios de

que falou Wolfgang Wagner em referência às formas de abordagem da Teoria das

Representações Sociais: a) num primeiro momento, como ciência popularizada, as idéias racistas

se apoiaram no discurso da sciência do final do século XIX; b) num segundo momento até o

surgimento de um movimento de contestação, tivemos representações culturais racistas derivadas

dos pressupostos populares e “científicos” anteriores, que permanecem até hoje em oposição a; c)

representações polêmicas dos que lutam contra a postura preconceituosa hegemônica na

sociedade brasileira, bandeira levantada pelos movimentos negros que procuram desmascarar a

realidade contraditória das relações raciais brasileiras (OLIVEIRA et al., 1998, p. 37-60;

WAGNER, 2000, p. 3-9; SILVA, 2001, p. 34-41).

Mas, alguém poderá objetar: e quanto à miscigenação, tão presente desde os

primórdios de nossa formação social? Com relação a essa questão é necessário desmistificar seu

caráter democrático. Na verdade a miscigenação foi uma prática social apoiada nos costumes

indígenas, na volúpia dos europeus reprimidos sexualmente pelo catolicismo e, principalmente,

na necessidade de braços para o trabalho escravo. Não se tratava de uma prática de cunho

altruísta, que elevasse os indivíduos dela procedentes, mas sim do estabelecimento de novas

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clivagens socais entre os próprios dominados, muitos dos quais se sentiam superiores a seus

ancestrais negros ou indígenas, mas mesmo assim continuavam como elementos marginalizados

nos círculos brancos (RIBEIRO, 1998, p. 133-40). Aprofundar-nos-emos nessa questão neste

momento.

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4. A Miscigenação: Heroína e Vilã

Na cultura indígena, a mulher era apenas o saco no qual o homem jogava sua

semente. Seguia-se uma linha patriarcal (FREYRE, 1975, p. 101; RIBEIRO, 1998, p. 126-33).

Com o advento do europeu, possuidor de uma cultura mais complexa, os índios passaram a

admirá-lo e a trocar serviços por presentes. As mulheres indígenas, desejosas de terem filhos com

o novo e culturalmente valorizado elemento, coabitavam com indivíduos historicamente

reprimidos sexualmente pelo catolicismo romano (FREYRE, 1975, p. 92-4). Teve origem assim o

cunhadismo, prática por meio da qual o europeu se saciava sexualmente e multiplicava braços

para o trabalho na colônia, o que se perpetuou com a escravidão negra (CARNEIRO, 1998, p. 10;

RIBEIRO, 1998, p. 81-6).

Esses novos indivíduos não eram valorizados por seus pais brancos, sendo

considerados como elementos de segunda categoria, sem identidade definida, que passaram a se

destacar no apresamento de seus ancestrais indígenas. Note-se aí o desejo de se parecer com o

branco dominador (RIBEIRO, 1998, p. 106-40). Essa relação alimentava sonhos lascivos no

Velho Mundo, multiplicava braços para o serviço escravo e fazia nascer uma classe de pessoas

sem identidade definida: o mameluco ou caboclo (RIBEIRO, 1998, p. 143). A miscigenação,

portanto, tinha um caráter triplamente sórdido. Não se tratava de uma elevação do nível de

tratamento dos que dela procediam, mas sim o contrário. Baseadas no cunhadismo estabeleciam-

se relações de servilismo.

Da mesma forma, com os negros houve uma miscigenação de cunho perverso,

satisfazendo a volúpia de senhores de terra ociosos e soberbos, trazendo todo tipo de represália às

mulheres escravas por parte de senhoras brancas imbuídas de ciúme doentio (FREYRE, 1975, p.

51). De igual modo, os indivíduos procedentes dessa prática sentiam-se superiores ao chamado

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negro retinto. Não é à toa que a história registra a presença de inúmeros capitães-do-mato

mulatos, incumbidos da perseguição aos negros fugidos das senzalas (RIBEIRO, 1998, p. 143).

Somou-se a isso o caráter degenerativo da escravidão, que reunia indivíduos de etnias

distintas. Muitas vezes, elementos originalmente inimigos tinham que trabalhar nas mesmas

fazendas, sem que nem sequer conseguissem se comunicar entre si a não ser pelo aprendizado da

língua do branco. Dessa necessidade podemos ver a extrema habilidade e competência do negro,

não apenas ao aprender uma língua nova como também ao fornecer elementos para

enriquecimento do vernáculo (FERNANDES, 1964, p. 38).

Talvez dessa constatação, que consideramos como sendo fundamental, possamos

compreender um pouco melhor por que motivo o racismo não tenha sido combatido pelos

dominados de modo coletivo e sistemático ao longo dos anos. A miscigenação e o pistolão

apareciam como paliativos sedutores, que serviam para assimilar ainda mais os negros,

distanciando-os de uma luta coletiva. Era o caminho das soluções individuais, diferentemente de

outros países onde houve maior mobilização social em virtude da declarada rivalidade étnico-

racial (caso dos Estados Unidos e da África do Sul) (FERNANDES, 1964, p. 61-71).

Acabou acontecendo aqui uma inserção intermediária, por meio da qual os

indivíduos negros alforriados se diferenciavam do cativo africano por uma série de mediações

sociais caracterizadas, inclusive, pela posse de escravos! (MATTOS, 1998, p. 31). Tais

indivíduos alforriados, ainda que negros e pobres, recebiam invariavelmente a designação de

pardos, sendo que, as significantes de crioulo e preto eram reservadas aos escravos e aos forros

recentes, o que, segundo Hebe Maria Mattos era uma forma de controle social até a primeira

metade do século XIX, dada a abundância da mão-de-obra escrava no país até então (MATTOS,

1998, p. 30). A autora dá continuidade ao seu raciocínio nos seguintes termos:

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A representação social, que separava homens bons e escravos dos “outros”, tendia, assim, a se superpor, pelo menos em termos ideais, a uma hierarquia racial que reservava aos pardos livres, fossem ou não efetivamente mestiços, esta inserção intermediária. Desta forma, o qualificativo “pardo” sintetizava, como nenhum outro, a conjunção entre classificação racial e social no mundo escravista. Para tornarem-se simplesmente “pardos”, os homens livres descendentes de africanos dependiam de um reconhecimento social de sua condição de livres, construído com base nas relações pessoais e comunitárias que estabeleciam. Mesmo que a prática, por diversas vezes, não correspondesse à representação, a cor da pele tendia a ser por si só um primeiro signo de status e condição social para qualquer forasteiro. Limitava assim, não só as possibilidades de mobilidade social, mas também de mobilidade espacial dos forros e de seus descendentes, que permaneciam ameaçados pela possibilidade de reescravização. Durante a maior parte do período colonial, portanto, a mais elementar decorrência de liberdade – a capacidade de mover-se – esteve violentamente restringida a grande parte dos libertos e de seus descendentes. (MATTOS, 1998, p. 30-1).

Notem-se nas palavras da autora as implicações espaciais das hierarquizações sócio-

raciais, o que produziu uma sociedade profundamente cindida, perpassada por estigmas em todos

os estratos sociais, não se restringindo tais clivagens exclusivamente às classes mais abastadas. O

uso da cor como forma de acesso, de controle e de interlocução primária entre os indivíduos tal

como se dá no Brasil, teve nessa estrutura societária desigual sua gênese. Tal controle era

altamente necessário para se manter a ordem, pois os negros passavam a representar uma séria

ameaça aos brancos quando fugidos, uma vez que se organizavam em quilombos no interior do

país, sendo Palmares o exemplo mais eloqüente. Os quilombos desafiavam a autoridade

portuguesa e o próprio sistema colonial, uma vez que se baseavam na agricultura de subsistência,

ao contrário da tradicional monocultura. Daí os ataques furiosos a essas comunidades que

ameaçaram a continuidade dos lucros advindos da dominação portuguesa no Brasil. Fora desses

exemplos magníficos, os negros foram assimilados pela cultura ocidental e por seus padrões

eurocêntricos de estética e comportamento, sendo cooptados a se considerarem inferiores

(FERNANDES, 1964, 68-71).

Porém é importante ressaltar que essa inserção se deu muito mais no plano

psicossociológico do que nas efetivas relações de poder socioeconômico. Ser pardo era ser livre

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apesar de negro, o que jamais era esquecido, até mesmo porque essa classificação evocava e

evoca cor da pele. No Brasil, a morenização (aqui vista com o sentido de branqueamento) de

negros que ascendem socialmente segue essa mesma lógica perversa.

O discurso hegemônico atualizou-se e ganhou novas nomenclaturas. A fuga da

negritude caracteriza de modo dramático a representação social do brasileiro, o que ficou bem

explícito na pesquisa de auto-classificação do IBGE que deu origem a mais de 176 diferentes

cores, com inúmeras variações de branco e moreno (OLIVEIRA et al., 1998, p. 38-47).

Esse complexo de inferioridade trouxe conseqüências nefastas para o negro e deu ao

racismo no Brasil um caráter completamente peculiar. Não se trata de um racismo aberto (na

maior parte do tempo...), mas de algo fluido, eivado de conveniências e de acordos tácitos de

parte a parte. Manifesta-se em gostos, piadas, preferências, referências, padrões estéticos,

diferenças salariais, ocupações consideradas naturais para uma ou outra raça, como se isso

tivesse alguma coisa de natural. Freyre teria ainda a audácia de tentar relativizar tais abusos como

se se tratassem de relações dóceis! A miscigenação sempre teve, portanto, esse caráter

preconceituoso, de subjugação, de conquista por parte do branco. Mas também de orgulho, de

desejo de se parecer com a classe/raça dominante, de exibir sensualidade ou virilidade (FREYRE,

1975, p. 429).

É com todo esse cenário de fundo que devemos nos debruçar sobre a questão da

formação do capital simbólico baseado na cor da pele dos indivíduos integrantes da nossa

sociedade (BOURDIEU, 1996, p. 176-8). Nossas concepções sócio-raciais (e geográficas...)

foram sendo forjadas por uma série de pressupostos de inferioridade e superioridade, e não de

igualdade, a não ser no plano do discurso, e isso apenas em momentos recentes de nossa história

– a abolição da escravatura, que sequer elevou os negros à condição de cidadãos em sentido

pleno, tem menos de 120 anos. Isso significa dizer que nossa sociedade construiu um consenso

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em torno da questão que variou conforme as contingências, as circunstâncias, as conjunturas, sem

que, no entanto, se modificasse o que consideramos ser seu aspecto fundamental: a crença na

superioridade de uns indivíduos sobre outros, baseada em critérios raciais que correspondem às

suas cores (SCHWARCZ, 2001, p. 76-8).

Desse modo podemos verificar o racismo largamente em nossa literatura do período

escravocrata e, a partir do momento em que a Inglaterra se posiciona contra a escravidão no

início do século XIX, uma tomada de posição cada vez maior dos intelectuais e das pessoas mais

esclarecidas a favor de semelhante postura (CARNEIRO, 1998, p. 26-8; REIS, 1999, p. 7-20).

Tratou-se mais uma vez de uma idéia importada, à qual também aplicamos nosso tratamento

original... (Lei do Ventre Livre, Lei do Sexagenário etc.). Desse modo, o Brasil foi o último país

da América a adotar uma postura da vanguarda capitalista, abolindo a escravatura (SCHWARCZ,

2001, p. 38-49).

Mas, voltamos a insistir, como se poderia manter o racismo numa sociedade que se

formou a partir de tão elevado grau de miscigenação? Não seria este um fator de democratização

racial, como alguns ainda acreditam que seja? Afinal de contas, no Brasil nunca se ouviu falar de

uma organização tal como a Ku Klux Klan ou Os Panteras Negras americanos. Não obstante

estes fatos, brandidos a todo instante com um certo ar de orgulho por aqueles que acreditam que

aqui se formou um verdadeiro paraíso racial, vemos a concentração de bens e recursos

econômicos nas mãos dos de fenótipo branco, conforme mostra o gráfico abaixo:

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Gráfico 1 – Distribuição percentual da renda de acordo com a raça/cor das pessoas de 10 anos ou mais de idade sobre a população total naquela faixa de rendimento

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

80,00%

Semrenda

Até ½ De ½a 1

De +de 1 a

2

De +de 2 a

5

De +de 5 a

7

De +de 7 a

10

De +de 10a 15

Maisde 15

Total

Homem branco

Mulher branca

Homem negro (**)

Mulher negra (**)

Renda em número de salários mínimos / (**) Negro = preto + pardo. Fonte: PNAD/IBGE 1998

Note-se que a proporção de homens negros é decrescente em relação a faixas salariais

mais altas, a partir de meio a um salário mínimo. Para a mulher negra a situação é ainda mais

dramática, pois sua inserção é decrescente desde o critério de até meio salário mínimo em diante,

o que corrobora com a tese de que o preconceito de cor se somaria ao de gênero na produção das

desigualdades sociais.

Mas um outro dado ainda mais contundente é encontrado quando comparamos os

níveis salariais de mulheres brancas e homens negros. Observe-se que as porcentagens quase se

equiparam nas faixas salariais entre mais de cinco até sete salários mínimos para, a partir daí,

haver contínua vantagem na representatividade das mulheres brancas, numa proporção que é de

quase o dobro da dos homens negros nas faixas salariais acima de quinze salários mínimos.

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Uma explicação plausível para essa contínua ascensão das mulheres brancas se

encontra na expansão do movimento feminista que, partindo dos países ricos nos anos 60 e 70,

encontrou eco em nossa cultura que historicamente valoriza modelos europeus. Mas é notório que

em nosso país a cor da pele é muito mais eloqüente do que o gênero, pelo menos a partir de uma

certa faixa de renda. Já para as mulheres negras a situação é duplamente aviltante, pois a elas é

reservado o que há de pior em termos de prestígio social. Tais constatações vêm a corroborar com

a tese de que, no Brasil, a pobreza se confunde com a cor da pele das pessoas numa proporção

elevadíssima, pois apenas pouco mais de doze por cento dos que ganham acima de quinze

salários mínimos, somando-se homens e mulheres, são negros. O antigo hiato da relação

senhor/escravo se transmudou numa disparidade socioeconômica bastante eloqüente do ponto de

vista da permanência das desigualdades raciais.

Pelo que se pôde constatar, há pouca representação dos negros entre a classe patronal,

nos cargos de comando do serviço público e nas profissões mais valorizadas do mercado de

trabalho, tais como profissionais liberais etc. Trata-se, portanto, de uma distorção que alimenta

tanto uma postura de subserviência por parte dos negros quanto um sentimento de superioridade

dos brancos, formando-se um consenso tácito.

Pelo que expusemos acima foi possível chegarmos a algumas respostas que

consideramos contraditórias em nossa primeira etapa de pesquisas como, por exemplo, o fato de a

maior parte dos entrevistados acreditar que existe racismo na sociedade brasileira, mas apenas

uma minoria admitir que já tenha sofrido discriminação. Nossa interpretação desse fato leva em

conta esse desejo de pertencimento ao que nossa cultura prestigia: ser branco. Admitir que já se

tenha sofrido preconceito é admitir a condição de negro, elemento tradicionalmente desprezado.

Para muitas pessoas é complicado verem-se a si mesmas como negras. Prefere-se dizer e crer que

a miscigenação está acabando com o preconceito.

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O preconceito racial assenta-se assim sobre uma estrutura social desigual, que reserva

o que há de melhor na sociedade para indivíduos de fenótipo branco, já que em termos de

genótipo isso é quase impossível. Entre os negros ocorreria assim um desejo, velado ou aberto, de

ser branco, de pensar como o branco, de julgar, de agir, de sentir como branco, mas,

principalmente, de ser tratado como branco. Podemos entrever nos casamentos entre negros que

ascenderam socialmente com pessoas de fenótipo branco, um exemplo clássico dessa

contradição, muito embora não se possa afirmar que, apenas o racismo, traduzido nesse desejo,

motive esse tipo de união. A esse respeito nós mesmos incluímo-nos como objeto de discussão

(MUNANGA, 1999, p. 9-20).

Outra interpretação desses números é a de que eles também seriam uma tentativa de

minimizar o problema: o problema nunca foi real para o indivíduo, ou, o que é mais verdadeiro,

ele nunca o encarou. O indivíduo interpreta como racismo apenas uma atitude extrema de

desrespeito ou de agressão verbal, relevando outras situações. Procura-se sempre absolver quem

o tenha ofendido, tirando-se a querela do campo racial para o pessoal, como se não se tratasse de

uma questão a ser levada aos foros judiciais por não se considerar essa conotação como relevante.

Esse resultado corrobora com a pesquisa realizada em nível nacional pelo Instituto DataFolha no

ano de 1995 (1995, apud OLIVEIRA et al., 1998, p. 43-6).

É com tais contradições que o racismo no Brasil torna-se plenamente palpável, real,

presente. Trata-se de uma característica marcante na estrutura social brasileira, tendo adeptos em

todos os seus segmentos, de todas as matizes étnico-raciais. Eis o porquê da tão baixa

mobilização dos negros em torno da questão. É mais fácil fugir do problema fingindo-se imune a

ele. O problema existe, mas isso não é problema meu. Acontece com os outros, não comigo

(SCHWARCZ, 2001, p. 76-8).

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Essa característica de permanência de pressupostos do passado para lidar com o

presente, torna o preconceito racial bastante ilustrativo do ponto de vista das representações

sociais. Conceito criado por Serge Moscovici (1984a, 1984, 1989, apud SÁ, 1993, p. 23) na

década de 60, definido como “[...] uma modalidade de conhecimento particular que tem por

função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos”. Trata-se de um

processo contínuo de familiarização utilizado pelo indivíduo, que parte dos pressupostos comuns

ao grupo social a que pertence, o que significa tratar-se de uma relação de interação constante

entre o indivíduo e a sociedade (psicossocial).

Esse caráter plural e dialético no qual se dão as representações sociais foi o que nos

motivou a procurar abordar o racismo a partir dessa teoria. Pois o que seria o racismo senão uma

prática que se perpetua por ser caracterizada por uma prevalência de pressupostos do passado, aos

quais o indivíduo se apega para, a partir deles, agir em relação a seu presente e futuro? As

representações sociais se baseiam no consenso estabelecido no grupo social ao qual pertence o

indivíduo, servindo para familiarizar, tornar próxima a realidade. Mas isso não acontece de

maneira unilateral, havendo uma apropriação por parte do indivíduo, uma mediação que faz com

que cada um adote uma postura particular frente às questões que se apresentam. É este o

momento da gênese das rugosidades étnicas, pois o preconceito herdado pelo indivíduo terá a

contribuição deste na sua ampliação ou diminuição, aceitação ou oposição, manutenção ou

superação. No entanto, a tendência do indivíduo é partir dessa herança social, consensual e

hegemônica, que variará conforme as especificidades de cada sociedade. As representações

sociais têm aí seu caráter perverso, até mesmo irracional, uma vez que os consensos podem estar

errados e, segundo Mireya Suárez (1998, p. 106): “[...] os estereótipos chegam a ser

compartilhados.”

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Desse modo, podemos compreender melhor o caráter altamente resistente do

preconceito racial, ainda que combatido por correntes mais progressistas e por um conjunto de

leis que transformaram sua prática em crime. A história mundial é repleta de casos de

etnocentrismos e de racismos responsáveis por mazelas sociais e genocídios sem conta. Um dos

maiores exemplos de seu poder de destruição foi a perseguição empreendida pelos nazistas aos

judeus, o que resultou no assassinato de cerca de seis milhões de indivíduos. Desde o fim da

Segunda Guerra Mundial, da criação da Organização das Nações Unidas e da elaboração dos

Direitos Universais do Homem, tem havido um esforço para se combater os falsos subsídios

científicos criados para justificar a discriminação (COMMAS et al., 1970, p. 16-8). No entanto,

tais esforços têm sido mantidos em grande medida apenas no plano das idéias, pois os conflitos

étnicos, raciais e religiosos têm persistido em todos os países e sociedades contemporâneos,

sejam eles democráticos ou não. O fracasso da conferência contra o racismo realizada em

setembro de 2001 na cidade de Durban, África do Sul, atesta este fato.

Desde a lei Afonso Arinos de 1951, as iniciativas tomadas pelo Estado Brasileiro para

tratar dessa questão têm sido as de considerar tal prática como crime. O problema é que não se

trata de algo que possa ser vencido por um simples conjunto de leis, uma vez que se apóia em

uma estrutura sócio-racial desigual estabelecida há séculos. Não obstante o esforço empreendido

por Getúlio Vargas para criar uma identidade nacional em torno de um Estado centralizador, o

que levou muitos negros a ingressarem no serviço público, dando-nos a sensação de uma

equalização no que diz respeito à inserção econômica, os negros continuaram sendo vistos como

indesejáveis para o futuro da nação (CARNEIRO, 1998, p. 19-39).

O fato é que as leis têm alcance limitadíssimo no que tange à mudança de caráter e de

atitudes por parte dos indivíduos. Tais atitudes estão arraigadas no seio das famílias, tratando-se

de questões de foro íntimo, aonde as leis não chegam (CARNEIRO, 1998, p. 50-1; SCHWARCZ,

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2001, p. 78). Cada indivíduo porta essa intimidade e saca-a em momentos oportunos: nas piadas

de fundo racial, na preservação de seu prestígio conferido por sua cor mais clara que a do outro,

na vigilância maior sobre indivíduos negro-mestiços.

As rugosidades étnicas derivadas de séculos de desigualdade tornaram-se não

somente nosso modus operandi com relação às dinâmicas sociais, mas também nosso modus

vivendi, sendo parte de nossa cosmovisão. Portanto, não conseguiremos vencê-las transferindo a

culpa para o outro generalizado.

É nossa opinião, baseada na experiência pessoal, que os indivíduos negros vivem um

drama muitas vezes não revelado: uma herança socioespacial (e não apenas social) que atribui

valores diferenciados aos distintos atores sociais de acordo com sua coloração epidérmica.

Consoante o grau de melanina de que são dotados os indivíduos em nossa sociedade multirracial,

haveria mecanismos classificatórios que atuariam decisivamente para a constante atribuição de

capital simbólico com que lidamos ao nos relacionarmos com o outro (BOURDIEU, 1996, p.

173-87). No caso específico dos negros, portanto, esse capital seria em geral depreciado, se

comparado com aquele atribuído aos indivíduos de coloração mais clara, mais próxima do

fenótipo branco europeu.

Outra argumentação contrária à miscigenação como fator de dissipação do racismo,

reside no fato de que ela se manifesta, majoritariamente, entre pessoas que se equiparam

socialmente, tendendo por isso a se manifestar com maior freqüência entre as classes mais baixas,

não sem algum tipo de resistência por parte das famílias brancas. Num caso recente, em um

programa exibido pela Rede Globo de televisão em 2001 (No Limite III), uma dona de casa

classe média afirmou que não gostaria que sua filha se casasse com um negro, para que depois ela

não tivesse o desgosto de ter uma neta em quem ela teria de passar henê! Como se pode observar,

noções tais como cabelo bom ou ruim e expressões tais como fulano escapou de ser negro,

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devido à miscigenação ainda são muito comuns. Fazem parte da cultura racista que ainda

privilegia traços europeus em detrimento dos demais.

Por outro lado, ao contrário do que se pensaria num país onde a miscigenação é traço

marcante, os casamentos no Brasil são endogâmicos em sua maioria. Isso significa que a maior

parte das pessoas se casa com alguém da mesma raça/cor, o que expõe ainda mais a fragilidade

dessa democracia racial (SCHWARCZ, 2001, p. 62-63).

Enfim, dizer que a miscigenação é um fator de equiparação sócio-racial é falso, pelos

diversos aspectos aqui apontados, não obstante haver exceções. Portanto, a maior difusão da

miscigenação no caso brasileiro em comparação com outras ex-sociedades escravocratas como a

norte-americana e a sul-africana, não deve, a nosso ver, ser considerada prova de que o racismo

esteja desaparecendo, mesmo porque muitos dos miscigenados aproveitam-se de sua condição

para reproduzir o padrão racista da classe/raça hegemônica. As classes dominantes em geral

reprovam a miscigenação por sua dupla implicação sócio-racial. Em outras palavras ela significa

perda de prestígio social sem que necessariamente haja uma contrapartida que beneficie o negro.

Mesmo que o negro ascenda econômica e socialmente, ele continua sendo visto com reservas

pela sociedade. Trata-se de uma exceção...

Mas afinal de contas o que é ser negro no Brasil? Ou quem é o negro brasileiro? Em

primeiro lugar trata-se de um ator social que traz em seu corpo (sua pele) as marcas da

desigualdade racial, o que o atrela constantemente a uma condição de desvantagem comparativa

em termos sociais (FERNANDES, 1964, p. 65-6). Porém, essa condição demeritória a ele

atribuída nem sempre implicará em indivíduos politizados e engajados em transformações

sociais. O que vem tolhendo esse posicionamento mais engajado pode ser assim enumerado: a) a

falsa crença de que vivemos numa democracia racial em vista da miscigenação que aqui ocorreu

e ainda ocorre; b) o baixo nível educacional da população negra em geral, reflexo de sua

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condição socioeconômica degradada e; c) o caráter mais sutil e, portanto, mais sórdido do

preconceito que aqui se enraizou, o que faz com que o grupo branco hegemônico negue

insistentemente sua existência, o que ficou comprovado na pesquisa do Instituto DataFolha

(1995, apud OLIVEIRA et al., 1998, p. 43-6).

Negar que haja racismo é não assumir uma postura coletiva, apregoada pela

militância negra, e partir para soluções individuais a fim de solucionar problemas de ascensão

social (mobilidade). Isto significa dizer que os negros no Brasil vêm avançando socialmente,

porém, isso não tem significado uma visão de conjunto, pois muitos nem mesmo se admitem

como pertencentes ao grupo racial negro. Entre assumir sua negritude ou ascender socialmente,

muitos têm optado pela segunda alternativa, o que tem tornado mais lenta a expansão do

movimento negro, fato que se reflete no baixo percentual de negros que se filiam às diferentes

expressões desse movimento.

A adesão ou não a movimentos de consciência negra pode fazer parte do par

inclusão/exclusão, na medida em que se assumir politicamente como negro implica estar fora do

padrão hegemônico brasileiro, que tradicionalmente considera o negro como um elemento de

ornamentação cultural de nossa sociedade, a partir da visão freyriana (FREYRE, 1975, p. 288-9,

309; REIS, 1999, p. 51-82). Em parte, daí advém a oposição a qualquer indivíduo que faça uso

consciente de sua condição de desprestígio racial, com o fito de ter assegurados os direitos e

garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. Soa como garantir privilégios, o que é

contradito pelos números e estatísticas oficiais.

Exemplo do que acabamos de dizer é a recente discussão sobre cotas raciais, que

expôs uma série de contradições, com um sem número de vozes que se levantaram

contrariamente a esta política afirmativa. Quando se trata de procurar igualar a proporção de

negros nas universidades à sua representatividade populacional, ou de diminuir as gritantes

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disparidades existentes, evocam-se dados científicos que não foram capazes de alterar os fatos

sócio-raciais que conhecemos. Em que pesem os erros cometidos pelos formuladores de tal

política, a ausência de análises mais aprofundadas explicita o caráter renitente do preconceito na

sociedade brasileira, afinando o discurso dos críticos em torno do que preceitua o discurso

hegemônico: não há racismo, há incompetência. Seria o caso de se perguntar em que proporções

pesariam as experiências humilhantes de discriminação racial (das quais já fomos vítima) no

desempenho educacional dos indivíduos negros, o que não foi levado em consideração em

nenhuma das matérias que observamos que tratavam do assunto.

Entendemos a partir da exposição acima, que o Estado brasileiro nunca atacou o

problema racial pela raiz, ou seja, nunca houve uma política que minasse a fonte do preconceito

racial: as representações sociais apreendidas por meio das rugosidades étnicas. Embora já

tenhamos passado do clima de oba-oba inaugurado por Gilberto Freyre em termos de postura do

Estado a partir da confissão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1997, apud

OLIVEIRA et al., 1998, p. 39-41), há muito que se fazer em termos de conscientização da

população. Há que haver, portanto, políticas preventivas, não somente paliativas, como as que

temos observado na tentativa de estabelecimento de cotas para negros. É preciso que o Estado

combata o racismo em todas as instâncias, em todos os poderes, em todos os níveis, sob pena de

ser esta uma luta estéril. O combate ao racismo tem que ser prioridade de qualquer governo e não

uma política inconseqüente e espasmódica com fins eleitoreiros.

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5. Uma Questão Socioespacial

Como vimos anteriormente, com relação à cronologia européia, levando-se em conta

o período Moderno, desde muito cedo o negro foi alijado de seu espaço vivido, referencial,

cultural, tradicional, original. O escravo muitas vezes se tornava alguém desarraigado do

convívio familiar, do convívio com outros membros de sua etnia, das bases nas quais se apoiava

sua identidade. Como penúltimo golpe, era desterrado para milhares de quilômetros além de sua

terra, o que lhe tirava, na maior parte dos casos, a última perspectiva concreta de escapar, de

voltar (quando havia para o que ou para quem voltar...) (HALEY, 1978, p. 162-8).

Mas o pior ainda estaria por vir. Após as tenebrosas viagens em meio às quais

milhares acabavam morrendo de fome, de febre, de frio ou de maus-tratos, os remanescentes que

chegavam à colônia tinham que conviver com o duro antagonismo de ser alguém que ninguém

queria ser: marginalizados pelo que seria sua identificação primária, sua cor, sentenciados

sumariamente a submeterem-se ao desejo alheio, sob pena de sofrerem os castigos mais atrozes

se não o fizessem, excluídos do direito à posse dos espaços socialmente valorizados que iam

sendo construídos pela sociedade que nascia na colônia. Sociedade que se organizava de fora para

dentro, dependendo do mercado externo e atrelada à metrópole, nos moldes do que foi o pacto

colonial (NOVAIS, 1986, p. 100-2). Era uma sociedade em formação, que importava padrões de

estética, de cultura e de gostos adotados na Europa (CARNEIRO, 1998, p. 15). Sempre houve,

portanto, uma acentuada valorização do que era estrangeiro, especialmente do que era europeu,

em detrimento do local – representado pelo indígena, crioulo ou miscigenado - e dos selvagens

africanos3.

3 Vide, por exemplo, Machado de Assis na obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.

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Dessa maneira, inferiorizado, massacrado física e mentalmente, expropriado da

liberdade de ditar seu próprio destino, o negro se viu também alijado do espaço, do espaço

geográfico, da espacialidade que era construída no bojo das relações existentes entre os que se

consideravam como pertencentes a um universo de valores e aspirações comuns, de direitos

comuns. Tratava-se de berço (história, tradição, poder econômico), cor (distinção étnico-racial) e

espaço (concretização, manifestação visível das prerrogativas anteriores). A condição social dos

colonos era determinada por seus sobrenomes que requeriam deferência, por sua cor (distinta da

dos povos dominados) e pelo espaço que ocupavam, pois sem este último aspecto, os demais

elementos não teriam tanta importância. Não é de admirar, portanto, que o problema agrário no

Brasil seja tão agudo, não obstante a abundância de terras. O que eram as extensíssimas

capitanias hereditárias senão territórios estabelecidos pela Coroa nos quais alguns nobres

portugueses tinham poder de vida e morte sobre tudo e sobre todos? Sem esse poder de

ingerência sobre o espaço, a fidalguia em si seria apenas uma quimera.

É também por esse motivo que depois de chegar à colônia o negro era confinado nas

senzalas, cativeiros coletivos nos quais era permitido que dormissem, que se alimentassem e que,

em certa medida, interagissem com os que compartilhavam da mesma sorte. Portanto, as

senzalas, além de cativeiros, foram sendo constituídas como lugar de negro, um lugar à parte.

Mesmo que levemos em consideração o fato de que muitos negros faziam serviços domésticos

dentro da casa-grande, esta não seria seu lugar (FREYRE, 1975, p. 352). Havia negros nesses

espaços primordialmente na condição de subalternos.

Voltamos a afirmar que sem tal distinção espacial, o próprio status, o sentimento de

superioridade que inflamava o peito dos senhores, estaria seriamente abalado, uma vez que o

racismo se concretiza na produção do espaço, ou na diferenciação que confere distinção a alguns

dos atores sociais. Sem essa componente espacial, ganharia força uma contestação e uma

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resistência que acabariam por minar o mecanismo de manutenção da desigualdade e dos

privilégios que favoreciam a classe dos senhores, o que em nossos dias pode ser constatado em

ambientes religiosos multirraciais que pregam a igualdade entre seus membros ou em lugares que

propiciam interação entre pessoas de diferentes origens étnico-raciais. Em tais ambientes (e falo

por experiência própria) há uma saudável tendência à equalização.

Portanto, o que aos negros era negado, aos brancos nunca faltou desde que a nação

iniciou seu lento caminho para chegar aonde chegou. Ser branco era não estar inferiorizado à

condição horripilante de um escravo, mesmo que se tratasse de alguém pobre. Fernando A.

Novais (1986, p. 109-11) relata que havia todo um setor da economia colonial voltado para a

subsistência, dando suporte ao setor principal, voltado para a exportação agrícola. Embora

houvesse clara distinção entre os senhores de terra e o povo em geral, as pessoas livres tiravam

sua dignidade de sua cor, comum à dos senhores. As exceções a esse modelo geral eram os

negros alforriados, que procuravam se identificar ao máximo com o padrão branco dominante

(CARNEIRO, 1998, p. 10-5). Para tanto não foram poucos os casos de capitães-do-mato negros

que perseguiam furiosamente pessoas de sua própria cor e origem africana, como já dissemos

anteriormente (RIBEIRO, 1998, p. 143).

Aqui reside um problema fundamental, de certa forma determinante para o desenrolar

posterior do racismo na sociedade nascente: era uma sociedade para brancos. Mesmo aqueles

que não eram brancos lutavam desesperadamente para ao menos se parecerem com os brancos,

ainda que fosse na desumanidade do trato com outros negros. Agir dessa maneira era uma forma

de conquistar a confiança dos senhores, o que conferia um certo prestígio, algo que para aqueles

que eram considerados a escória da sociedade e que tinham tido sua própria humanidade

dilacerada por séculos de escravidão e de desprezo, tinha uma importância muito grande. Isso

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significava também ter acesso a outros lugares, não àqueles do confinamento ou do labutar nas

tarefas diárias de um escravo.

Já vimos como o espaço, ou como essa distinção espacial funcionava para beneficiar

o branco livre e o senhor de terras. Ao negro, a distinção espacial funcionava para assegurar-lhe

que ele era inferior, que não era digno de ser tratado como gente, que seu lugar era aquele do

desprestígio. Portanto o espaço ou, pior que isso, a negação do espaço foi crucial para concluir a

tarefa de alienação do negro, que foi iniciada na tentativa de sua desvinculação da História

(LAMBERT, 2001, p. 7-8). Desgarrado de sua história, que ele mantinha apenas através de uma

memória fragmentada e de suas práticas religiosas reprimidas, o negro era então pela segunda vez

desterrado, expropriado do direito ao espaço. Ser negro significava não pertencer ao espaço

valorizado, a não ser como um alienígena, tal como um serviçal boçal ou ladino, um objeto

sexual, uma ama de leite etc. Completava-se aí o processo de desumanização do negro, levado a

efeito por sua reificação (NOVAIS, 1986, p. 107-8).

Qual seria o papel do espaço na construção da auto-representação do negro? Esta

pergunta nos leva a outra: o negro teria o mesmo papel em nossa sociedade se o espaço que ele

encontrasse tivesse sido outro, se tivesse havido igualdade no que tange a possuir e ocupar os

espaços socialmente valorizados, tal como o branco o fazia? Se visse o branco como semelhante

na ocupação de um espaço comum? Estas perguntas parecem ser ingênuas e suas respostas mais

do que óbvias em vista da exposição acima. Todavia, em função da manutenção da desigualdade

ainda em nossos dias, tais questionamentos são altamente necessários, tornando-se a grande

problemática a ser enfrentada por aqueles que reivindicam igualdade de tratamento e de

condições em meio a uma sociedade que ainda acena com o discurso da democracia racial, por

meio de perguntas igualmente ingênuas na aparência, tais como as que se levantaram no

polêmico debate sobre a eficácia das cotas raciais nas universidades e na reserva de papéis na TV

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a negros. Reagindo ao projeto de lei 4.370/98 do deputado Paulo Paim (PT-RS), que define a cota

de 25% de presença obrigatória de negros e afro-descendentes em atrações de TV, filmes e peças,

e de 40% em peças publicitárias, o autor da novela Porto dos Milagres, Aguinaldo Silva

(POLÊMICA..., 2001, p. T6), disse em tom de irritação: “Essa história de que quase não há

negros na TV é besteira porque todo mundo tem sangue negro. Acho que eles só consideram

negro os que são retintos”. A ideologia imagética estudada por Nelson Fernando Inocêncio da

Silva (2001, p. 43-58) mostra que a questão da representatividade do negro na TV é permeada

pela questão do poder.

Cabe aqui uma breve menção a outro mecanismo também fundamental para a

manutenção da distinção espacial, mesmo depois da abolição da escravatura: a Lei de Terras de

1850. Essa lei foi de uma importância capital para que, mesmo depois de liberto, o negro

continuasse desprestigiado e marginalizado no contexto da República Velha. A lei veio a

perpetuar de modo peremptório a manutenção das propriedades em mãos brancas, as que já

possuíam dinheiro e condições de comprar terras do Estado, personificado pelo imperador D.

Pedro II, uma medida preventiva (MARTINS, 1979, p. 28-9, 59-75). O histórico de grilagens do

Pontal do Paranapanema e, a atual disputa pela ocupação e posse de terras por parte de

movimentos sociais como o MST, são testemunhas de como essa lei manteve a elitização do

campo, o que se manifesta nos latifúndios que recortam essa porção do território, não se tratando,

no entanto, de caso isolado (LEITE, 1972, p. 42-6).

O negro, após a abolição da escravatura, foi alijado de uma situação aviltante para

outra ultrajante: não ter para onde ir. Sua presença incomodava senhores de terra que não

hesitavam em utilizar o aparelho do Estado, em sua atribuição de poder de polícia para, desse

modo, manterem os negros nos seus devidos lugares (CARNEIRO, 1998, p. 14-8).

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Como bem nos informa Darcy Ribeiro (1998, p. 231-41), o negro foi usado como

carvão, só que nesse caso as cinzas que restaram foram seres humanos desfigurados, que

ingressavam nos novos tempos de um Brasil republicano sem a menor perspectiva de inserção da

coletividade negra nos espaços socialmente valorizados, o que foi previsto pelo olhar atento de

Ina Von Binzer (1982, p. 99-103), pouco antes do fim da escravidão, no princípio da década de

1880, quando esteve no Brasil. E, na falta de uma perspectiva coletiva, sobraram tentativas

individuais (FERNANDES, 1964, p. 61-71).

Os brancos conseguiram, de modo bastante eficiente, minar um sentimento de união

entre os negros, o que certamente teria mudado o panorama que encontramos em nossos dias, de

duas maneiras, principalmente: em primeiro lugar reprimindo ferozmente qualquer ajuntamento

de libertos; em segundo lugar, abrigando parco número de ex-escravos sob as benesses do

pistolão (FERNANDES, 1964, p. 63-8). Tentando romper as limitações que lhe foram impostas

com reações em sua maioria individuais, os negros foram facilmente mantidos à margem do

sistema econômico, político e social da nova nação. Prova dessa anomia social coletiva, foi a

ausência de uma luta consistente que unisse os negros brasileiros em torno do tema. Muitos até

hoje não têm consciência da questão e boa parte não sabe como reagir ao preconceito. Este tema

não está na roda de conversas dos negros brasileiros, seduzidos pela ideologia do

embranquecimento racial levada a efeito pelas elites branco-burguesas desde o final do século

XIX (MUNANGA, 1999, p. 9-19). Daí nossa constatação que na pesquisa se manifestou num

baixíssimo índice de participação dos entrevistados em movimentos de consciência negra.

Mas a exclusão do espaço na perspectiva apresentada, do espaço geográfico, não

serviu apenas para o enfraquecimento de uma temida ação revanchista por parte do negro. Serviu

para perpetuar nas representações sociais de gerações a fio, mesmo muitos anos depois da

abolição da escravidão, a noção aparentemente correta (pois que segura na familiaridade com o

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passado) de que o negro, naturalmente, não podia ocupar o mesmo lugar social que o branco na

sociedade brasileira (SÁ, 1993, p. 32).

É dessa forma que podemos entender como na década de 1960, no centro de

Presidente Prudente, onde hoje se encontra o calçadão, dava-se o footing dos brancos; na rua

Barão do Rio Branco se dava o footing dos negros. Ou, como nos informou outro entrevistado,

havia bailes de brancos e bailes de negros na cidade de Prudente no mesmo período. Um terceiro

entrevistado nos informou que negros não entravam na Associação Prudentina de Esportes

Atléticos (APEA), lugar socialmente valorizado, freqüentado pela alta sociedade prudentina de

então.

O preconceito racial se realizou e se realiza no espaço, em suas diferentes escalas

geográficas (SMITH, 1988, p. 196-211). Começou no choque entre o continente europeu e o

africano, servindo ao primeiro na acumulação primitiva de capital; manteve-se por meio da

estratégia de desenvolvimento capitalista que levava em conta colônias tributárias de matérias-

primas com mão-de-obra escrava, no que ficou conhecido como pacto colonial; e perpetuou-se

nessas colônias através da estigmatização dos corpos, de fenótipos não-brancos, tendo como

principal critério a cor da pele (percipi) na estrutura social deformada decorrente de tais relações

(BOURDIEU, 1996, p. 178).

O que se encontra arraigado nas representações sociais, teve e tem sua materialização

nas práticas espaciais, havendo entre estes fatores uma relação dialética. Se em países nos quais o

racismo é aberto, havia e ainda há claros espaços demarcados para brancos e negros, do que

foram casos típicos a África do Sul e os Estados Unidos (fato que ainda se perpetua nesse país

através de igrejas de negros e de igrejas de brancos, além da sobrevivência da famigerada Ku

Klux Klã), em nosso país a distinção se deu de forma mais sutil, mas não menos real e perversa.

O que se viu, após a abolição, foi que o negro permaneceu ocupando um espaço marginal, o

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espaço da ralé, dos desclassificados socialmente, superpondo-se racismo e classismo numa

proporção elevadíssima. A abolição da escravatura não aliviou o negro desse estigma, antes, pelo

contrário, reforçou nas mentes daqueles que advogavam a tese da superioridade das raças arianas,

o falso sentimento de que o negro era inferior por natureza (SHWARCZ, 1987, p. 24). Que outra

maneira explicaria tão facilmente o fato de o negro não ter conseguido se mover rapidamente em

direção a um melhor patamar social nas inéditas condições de liberdade, senão pelo motivo

incontestável de sua própria incompetência, indolência e falta de caráter?

Sem a possibilidade de competir em igualdade de condições com os de fenótipo

branco, o negro permaneceu excluído dos círculos sociais mais valorizados, o que influiu de

modo decisivo para a manutenção das distâncias sociais características do período escravocrata,

mesmo nos tempos em que raiara a liberdade (FERNANDES, 1964, p. 61-80). Ainda que essa

distância tenha diminuído formalmente, no nível da informalidade, das relações consuetudinárias,

parafraseando Frantz Fanon (1983, apud SILVA, 2001, p. 21), um negro permaneceu um negro.

De igual modo em nossos dias, a espacialidade continua sendo uma interlocutora

eloqüente a depor contra os negros. Trata-se de uma poderosa ilusão que faz com que os negros

acreditem que não têm condições de ocupar espaços socialmente valorizados, a não ser

sucumbindo à falácia da ideologia do embranquecimento (MUNANGA, 1999, p. 9-19). Essa

ilusão é tripla e não apenas dupla (histórica e social): está arraigada no ser, no tempo e no espaço

social. Neste trabalho, portanto, advogamos a idéia absolutamente fundamental de que o espaço é

outra dimensão determinante para o desenrolar das relações sociais, principalmente para aquelas

que pressupõem dominação. O espaço não é apenas o palco no qual tais relações se dão, antes as

influencia de maneira acentuada. A luta pelo espaço é causa e conseqüência de uma série de

questões que atormentam a sociedade brasileira atualmente.

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Um fato que exemplificou o que estamos dizendo e que citamos superficialmente em

páginas anteriores, foi a atitude insana de uma vizinha do prédio onde o jogador Ronaldo Nazário

de Lima, o “Ronaldinho”, tem um apartamento e uma cobertura avaliada em mais de um milhão

de dólares. A tal moradora tentou barrar a entrada da família do jogador no prédio, conforme

matéria publicada no jornal Folha de São Paulo em dezembro de 2002, o que ilustra o fato de que

a presença de tais pessoas, pardas e suburbanas, num espaço tão valorizado, ofuscaria todo o

prestígio assentado numa clara distinção espacial (RONALDO..., 2002, p. D3). Da mesma forma

os elevadores de serviço servem para distinguir, para segregar e para marcar posições, não tendo

apenas uma simples função operacional. O caráter fragmentado das cidades é prova clara dessa

distinção que confere, a um só tempo, status e desprestígio, o que tem sido estudado no par

segregação/exclusão (VILLAÇA, 1998, p. 311-26).

Trazendo outro exemplo prático e mais próximo, falemos de espaços socialmente

valorizados em Presidente Prudente. Cidade relativamente nova, com 86 anos de fundação e

contando com cerca de 189 mil habitantes segundo o último censo do IBGE (CENSO, 2000),

concentrou em seu setor urbano um importante centro de decisões intermunicipais, tendo

inclusive dado origem a vários outros municípios (casos de Regente Feijó, de Martinópolis etc.).

Seu setor urbano constituiu-se num locus privilegiado de acumulação, o que pode ser verificado

em rugosidades geográficas que nos remetem a vários períodos econômicos, tais como o do café,

do amendoim, do algodão e da atualmente dominante pecuária extensiva, concentradora de terras

por excelência (SANTOS, 1979, p. 42). Isto pode ser observado pelas construções que remontam

a estes variados períodos, tais como o imponente galpão Matarazzo, na rua Quintino Bocaiúva,

zona leste, os armazéns do período de pujança agrícola, na avenida Brasil, os casarões que ainda

são vistos no centro da cidade, a verticalização tão bem verificada por Maria Encarnação Beltrão

Sposito (1991, p. 158-226), fruto da aplicação do capital agrícola no setor imobiliário, na mistura

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de velho e novo, de modernidade e obsolescência, em suma, na fragmentação que caracteriza o

fenômeno urbano (LEFEBVRE, 1999, p. 109-24).

A extraordinária explosão imobiliária que foi eficientemente efetuada pelas elites

prudentinas e por capitais externos ao município, atuou como um grande mantenedor das

distinções espaciais que conferem status aos atores sociais conforme suas possessões

econômicas. A relativa desvalorização das áreas centrais e a busca por novas áreas valorizadas (o

que fica bem explícito nos condomínios horizontais de alto luxo que aqui proliferaram) nos

mostram como o espaço, ou melhor, como a apropriação e ocupação do espaço, continua sendo

uma importante fonte de atribuição de capitais simbólicos, materializando o status quo dos

distintos atores sociais que moram no intra-urbano prudentino. Quais seriam os moradores desses

novos espaços de valorização social incrustados nesse intra-urbano? Qual sua origem sócio-

racial? Explicitando a questão e analisando-a de acordo com raciocínio que temos proposto até

aqui, qual a cor, o fenótipo desses indivíduos?

Não é de admirar, pelo que foi dito nas linhas acima, como a situação do negro na

cidade de Presidente Prudente é aquela do atraso, da exclusão das áreas de maior dinâmica

econômica e, portanto, de maior valorização socioespacial. Não é por acaso que os maiores

contingentes populacionais de negros se encontrem nas zonas norte e leste, locais mais antigos e

deixados para trás nessa corrida de valorização.

Mas não se trata de apartheid, no sentido claramente separatista clássico da palavra.

Diferentemente do que ocorre em países de discriminação étnico-racial aberta, no Brasil o

racismo é perpetuado por uma periferização preferencial, o que significa dizer que não existe

nenhum lugar oficialmente vedado ao negro, no qual seu acesso seja documentalmente proibido,

mesmo porque tal atitude se constituiria em crime inafiançável. Porém, nas práticas diárias das

relações sócio-raciais isso fica bastante visível, já que como bem ressaltaram os agentes pastorais

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negros, é visto com naturalidade o fato de os negros ocuparem os cargos e funções de menor

prestígio em nossa sociedade. Por outro lado, negros em posições mais elevadas são vistos com

estranheza, desconfiança, vigilância e desconforto, a não ser em condições especiais,

tradicionalmente aceitas em nossa sociedade, como atletas ou músicos, não sem muitas ressalvas.

Se o negro não se encontra inserido de maneira representativa nas elites prudentinas,

é de se esperar que sua posição geográfica, em termos espaciais, dialogue dialética e

incessantemente com esse fato, trazendo sempre à memória essas reminiscências de períodos

outros, quando se tinha como natural um desprezo e uma acentuada desvalorização da cor negra.

O intra-urbano prudentino é, portanto, um espaço geográfico, uma espacialidade na

qual se trava uma batalha diária de valorização versus desvalorização, segregação versus

exclusão, prestígio versus desprezo. Isto se manifestará de maneira ainda mais eloqüente nos

microcosmos materializados pelos espaços privilegiados do consumo (que foi no que se

converteram os shopping centers) e pelos que são caracterizados pelo consumo do espaço

(novamente os shopping centers e os condomínios horizontais)

Para exemplificar o que estamos dizendo, tomemos os dados colhidos por nossa

pesquisa de campo nos espaços altamente valorizados da cidade de Presidente Prudente, que são

os condomínios horizontais construídos a partir de 1978. Levamos em consideração a questão das

representações sociais dos zeladores destes locais e chegamos a alguns números bastante

eloqüentes da condição de exclusão dos negros em termos de inserção representativa nas camadas

mais abastadas da população de Presidente Prudente, partindo-se dos dados fornecidos pelo IBGE

no Censo 2000:

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Tabela 2 - População residente, por cor ou raça, segundo as Regiões Metropolitanas e os Municípios – Estado de São Paulo e Município de Presidente Prudente

Total Branca Preta Amarela Parda Indígena Sem declaração

Estado de São Paulo

37.035.456

26.185.687

1.627.267

456.420

8.456.718

63.789

245.576

Município de

Presidente Prudente

189.186

135.104

7.045

5.777

39.965

198

1.100

Fonte: Censo IBGE 2000. Grifos acrescentados.

Nota-se nestes dados que há em torno de 25% de pessoas negras (pretos e pardos),

tanto no estado de São Paulo como no município de Presidente Prudente. Mas como se dará essa

representação numérica nos espaços valorizados dos condomínios horizontais de Presidente

Prudente? Analisamos cinco dos seis condomínios horizontais existentes na cidade que se

encontram indicados no cartograma anexo:

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Realizamos entrevistas com os porteiros, estas testemunhas oculares (e muito

atentas, como se pôde ver na introdução deste trabalho...) do cotidiano de desigualdade racial, e

constatamos os seguintes dados:

Tabela 3 - Condomínios Horizontais de Presidente Prudente e Relação Raça/Cor dos Proprietários em 2003

CONDOMÍNIO ANO DE FUNDAÇÃO

VALOR DO LOTE

NÚMERO DE PROPRIETÁRIOS

PROPRIETÁRIOS NEGROS

JARDIM MORUMBI

1978

R$ 200.000,00

54

NÃO HÁ

JARDIM JOÃO PAULO II

1982

R$ 110.000,00

150

NÃO HÁ

JARDIM CENTRAL PARK

I E II

1992

R$ 100.000,00

200

3 (1,5%)

PARQUE RESIDENCIAL

DHAMA I

1996

R$ 55.000,00

335

3 (0,89%)

PARQUE RESIDENCIAL

DHAMA II

2000

R$ 55.000,00

30

1 (0,33%)

Organizado por Marcus Vinicius Pinheiro da Conceição, 2003.

Com relação ao Jardim Morumbi tivemos a cordial recepção e colaboração do sr.

Jayme, que trabalha no condomínio desde sua fundação, o qual nos afirmou que nunca houve

sequer um proprietário negro naquele local ao longo destes 25 anos.

Analisando ainda 45 lojas do Prudenshopping, cuja campanha publicitária de 2003

tinha como slogan a frase “Ele tem a nossa cara”, entrevistamos 30 gerentes e 165 funcionários

constatando o que está expresso na tabela a seguir:

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Tabela 4 – Relação entre a raça/cor de gerentes presentes do Prudenshopping e a natureza das atividades

Produtos comercializados

(número de lojas pesquisadas)

Brancos Pretos Pardos Amarelos Indígenas

Alimentação (16) 06 01 02 04 -

Vestuário (11) 04 - 01 - -

Calçados (5) 03 - - - -

Bolsas e acessórios (1) - - 01 - -

Papelaria/livraria (1) 01 - - - -

Banca de jornal (1) - - - 01 -

Bijuterias (3) 02 - - - -

Brinquedos (1) 01 - - - -

Artigos de decoração (2) 01 - - - -

Telefones celulares (1) - - - - -

Perfumaria e cosméticos (1) - - - - -

Colchões (1) 01 - - - -

Casa lotérica (1) 01 - - - -

Total geral: 45 20 (66%) 01 (3,3%) 04 (13,2%) 05 (16,5%) -

Organizado por Marcus Vinicius Pinheiro da Conceição, 2003.

Note-se a desproporção entre a classe patronal e a dos empregados das lojas, numa

nítida constatação de que entre os que mandam, a cor/raça branca tem predominância

esmagadora, já que 66% dos gerentes assim se declararam. Os negros, que representam cerca de

25% da população prudentina estão, no mínimo, sub-representados.

Vejamos agora a relação das cores dos funcionários do Prudenshopping e sua

distribuição pelas diferentes naturezas das lojas:

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Tabela 5 – Relação entre a raça/cor dos funcionários do Prudenshopping e a natureza das atividades

Natureza da atividade

(número de lojas pesquisadas)

Brancos Pretos Pardos Amarelos Indígenas

Alimentação (16) 43 11 47 12 -

Vestuário (11) 06 02 04 01

Calçados (5) 10 - 01 01 -

Bolsas e acessórios (1) - - 02 01 -

Papelaria/livraria (1) 02 - 01 - -

Banca de jornal (1) - - - - -

Bijuterias (3) 03 - - 04 -

Brinquedos (1) 05 - 03 - -

Artigos de decoração (2) 01 - 01 - -

Telefones celulares (1) 01 - 01 - -

Perfumaria e cosméticos (1) 01 - - - -

Colchões (1) - - - - -

Casa lotérica (1) 01 - - - -

Total de funcionários: 165 73 13 60 19 -

Organizado por Marcus Vinicius Pinheiro da Conceição, 2003.

Já entre os funcionários houve uma distribuição mais equilibrada, com quase o

mesmo número de negros (pretos somados aos pardos) e brancos. Notemos, no entanto, que dos

73 funcionários negros, 58 (79,5%) trabalhavam em lojas de alimentação restando 15 (20,5%) em

lojas de naturezas diversas. Entre os brancos, dos 73 ouvidos, 42 (57,5%) trabalhavam em lojas

de alimentos e 31 (42,5%) em lojas diversas, além dos 20 gerentes brancos. Isto quer dizer que,

além da melhor distribuição dessa cor/raça nos diversos segmentos, muitos dos funcionários

negros não são vistos pelo público, pois trabalham nas cozinhas dos restaurantes pesquisados.

Note-se que esta constatação corresponde a um papel tradicional do negro em nossa cultura,

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havendo inclusive a expressão preconceituosa: fulano de tal tem um pé na cozinha (CARDOSO,

1997, apud OLIVEIRA et al., 1998, p. 39-41).

Se levarmos em conta que em 4 lojas encontramos apenas o gerente de cor branca,

podemos depreender que a nossa cara é branca, ou que é essa a cara que desejamos ter. Temos

ainda que considerar que, sendo o entrevistador um negro, há um grau de subjetividade que pode

influenciar as respostas dos entrevistados.

Aqui reside o fetiche das relações de raça no Brasil. Um olhar mais descuidado ou

mal intencionado e diríamos que não haveria significativa distinção racial no local pesquisado,

dada a quase paridade numérica entre os atores sociais pesquisados. Obviamente não interessa às

elites, que sempre desfrutaram de elevado prestígio e renovada manutenção do status quo nos

diversos períodos históricos pelos quais a nação passou, a constatação de que políticas precisam

ser implementadas para que o país se torne efetivamente uma democracia racial no sentido de

igualdade de oportunidades em todos os segmentos sociais. Desse modo, mantém-se um discurso

que não corresponde à realidade das relações socioeconômicas, aquela que mostra que é ínfimo o

número dos atores sociais que efetivamente exercem o poder político e econômico em nossa

sociedade, que eles são brancos em sua maioria absoluta e que os mesmos têm todo o interesse na

manutenção da ideologia do embranquecimento.

Trata-se de uma relação perversa, que é alimentada e que realimenta as diferenças.

Diferenças estéticas, diferenças de habitus, de bens, de classes, de espaços (BOURDIEU, 1996,

p. 176-187). Diferenças de cores impregnadas de rugosidades étnicas. As diferentes cores dos

brasileiros são um atributo primário, lido pelos demais atores sociais antes de qualquer outro

contato ou conhecimento adquirido a posteriori, o que tem sido altamente prejudicial para a

inserção dos negros nos espaços socialmente mais elevados, tradicionalmente ocupados pelos

brancos. Como se não bastasse sua maior dificuldade de ascensão social, mesmo para aquele que

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consegue romper essa barreira não cessam as cobranças e a indiferença dos que se consideram

superiores por sua cor branca conjugada com sua condição social, caso da discriminação à família

do atleta Ronaldo (RONALDO..., 2002, p. D3).

Levantamos essa questão em frases do tipo: “sempre entro em lugar que eu vejo que

eu posso...”; ou então: “certos lugares, assim, eu vejo que as pessoas me olham meio virado...”

(entrevistados do bairro Ana Jacinta); mais: “há questão de 40 anos atrás esta rua (rua Tenente

Nicolau Maffei) era o footing dos brancos e aquela rua ali (apontando para a rua Barão do Rio

Branco) era o dos negros...”; ainda: “há um medo de que o negro ocupe seu espaço, que ele

ultrapasse a linha...” (entrevistado morador da COHAB).

Salta aos olhos, nestas respostas, uma clara questão de espaço, de um espaço

compartimentado, fragmentado, disputado, negado ao outro, ao diferente. Estilhaçado pelo

racismo e ao mesmo tempo alimentando-o, este espaço atua como um catalisador, sem o qual o

próprio racismo não se materializa. Trata-se do núcleo duro do racismo, pois seu fim precípuo é o

de estabelecer uma relação de poder marcante sobre aqueles que se encontram inferiorizados

socialmente. Nossa conclusão é a de que o racismo se realiza na produção do espaço urbano, na

espacialidade, da mesma maneira que a mais-valia se realiza na produção da mercadoria. Esse

espaço é permeado pelas nuances étnico-raciais históricas que são usadas para distinguir,

discriminar alguns grupos de indivíduos, principalmente os negros, os seus descendentes e os

negro-mestiços em privilégio dos brancos, pois sem o componente espacial característico do

preconceito, este perde sua força e se descaracteriza.

Nesta distinção espacial residiria, para os brancos, um grau de status: ser branco é ter

direito a ou, às vezes, pré-condição para freqüentar certos espaços tidos como mais valorizados

socialmente, muito embora nessa conta entrem várias mediações de ordem econômica, de sexo e

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outras mais que podem mudar posições. Não obstante, prevalece o desprezo pela cor negra na

maioria absoluta dos casos (SCHWARCZ, 2001, p. 66-74).

O branco acaba tendo o direito de se apropriar de certos espaços que o negro pode

até usar, mas como um transeunte, um alienígena, não-possuidor desse espaço, já que isso choca,

levantando insinuações e descrédito.

Henri Lefebvre nos disse que:

A cidade é uma mediação entre as mediações. Contudo a ordem próxima, ela a mantém; sustenta relações de produção e de propriedade; é o local de sua reprodução. Contida na ordem distante, ela a sustenta; encarna-a; projeta-a sobre um terreno (o lugar) e sobre um plano, o plano da vida imediata; a cidade inscreve essa ordem, prescreve-a, escreve-a. Texto num contexto mais amplo e inapreensível como tal a não ser para a meditação. (LEFEBVRE, 1969, p. 48)

O trecho acima é bastante elucidativo daquilo que vimos tratando neste trabalho. A

ordem distante é o contexto histórico, social e principalmente espacial no qual a sociedade

brasileira foi forjada, o que é apoiado pelas instituições políticas que nos regem. Desvendar a

cidade é, portanto, tarefa impossível se o pesquisador não atentar para o caráter de ordenação dos

arranjos espaciais que caracterizam o espaço intra-urbano, que, como bem demonstrou Villaça

(1998, p. 327-43), é o espaço por excelência da luta de classes.

Exemplificando o que este autor nos disse e levantando mais um episódio de

Presidente Prudente, tivemos a curiosidade de saber se a novíssima av. Miguel Dhama, que

margeia os condomínios Dhama I e Dhama II e dá acesso ao Aeroporto Estadual de Presidente

Prudente, tinha sido construída com recursos da empresa ENCALSO, dona dos dois

empreendimentos imobiliários. Descobrimos que houve um acordo entre essa empresa e o poder

público municipal: este último se comprometeu a construir a ponte sobre o Córrego do Cedro

enquanto a ENCALSO se responsabilizou por fazer a pavimentação da avenida. Segundo um dos

funcionários, cada uma dessas obras foi orçada em cerca de três milhões de reais! Em que pese o

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caráter público da obra (que, aliás, é belíssima), chama-nos a atenção o fato de outros bairros de

Presidente Prudente ainda estarem sem pavimentação enquanto este trabalho está sendo escrito

(Parque Cervantes, muitas ruas da Vila Geni etc.). Este fato ilustra a seletividade do poder

público municipal ao priorizar uma obra relativamente recente em detrimento de inúmeros outros

bairros antigos, mas pobres, corroborando com o que disse David Harvey no clássico “A justiça

social e a cidade” (HARVEY, 1980, p. 62-4).

Outro fato demonstrativo desse caráter seletivo foi a relativamente rápida

pavimentação do prolongamento da av. Cel José Soares Marcondes, margeada pelo requintado

Parque Higienópolis e, posteriormente, pelo condomínio horizontal Golden Village, cujos

terrenos custam em média R$ 50.000,00. Tudo parece muito racional e lógico, o que esconde a

questão de haver deixado os bairros pobres em segundo plano (o Jardim Humberto Salvador, um

bairro popular, só foi asfaltado muito recentemente, anos depois da referida obra).

Com a associação quase imediata que se faz em nossa sociedade, entre a cor negra e a

pobreza, ou seja, entre racismo e classismo, é de se supor que encontraremos um componente

poderosíssimo no espaço ocupado por essa classe/raça majoritariamente empobrecida da

população. Isto significa que existe um lugar de negro tanto nas cabeças dos brancos quanto nas

dos negros que sucumbiram à teoria do embranquecimento. Empiricamente constatamos, por

meio de entrevistas, que os bairros nos quais podemos encontrar grande representatividade de

negros são justamente aqueles em pior posição no mapeamento da exclusão social de Presidente

Prudente (Vila Operária, Jardim Guanabara, Jardim Cobral, Jardim Humberto Salvador, Vila

Líder, Parque Furquim etc.) (SPOSITO, 2000).

Não é nosso objetivo esgotar todas as possibilidades que o estudo do espaço

prudentino oferece, mas antes demonstrar como se inscrevem as relações sócio-raciais no dia-a-

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dia dessa sociedade urbana, contribuindo o espaço socialmente criado para a manutenção de

desigualdades provenientes de tempos pretéritos.

Como já citamos anteriormente, há relatos de pessoas idosas que se lembram da

distinção que certos lugares conferiam e exigiam de seus freqüentadores (caso da APEA e dos

footings divididos pela cor dos freqüentadores, que aconteciam no centro de Presidente Prudente

pelos idos anos 60, que já citamos). Vejamos como isso tem sido perpetuado ao longo dos anos

no disputado espaço prudentino, por meio de outro exemplo eloqüente: o Tênis Clube de

Presidente Prudente.

Lendo sobre a trajetória do Tênis Clube de Presidente Prudente e de suas origens,

percebemos que se trata de lugar altamente valorizado, prestigiado socialmente por uma elite

local que disputa ativamente com outros agentes sociais sua inserção no espaço. Por vezes essa

elite utilizou recursos de marketing para atrair investimentos e forças políticas em favor da

modernização do clube, o que é constatado por Melo e expresso da seguinte maneira:

A simbiose entre o público e o privado, entre parte da elite econômico-intelectual e a condução política da cidade tinha na imprensa a caixa de ressonância que disseminava ufanismo. Eram comuns expressões bombásticas para qualificar ações voltadas para o Novo Tênis no seio da sociedade: pujança de nosso povo; idealismo e vontade férrea de um pugilo de homens; orgulho da capital da Alta Sorocabana; baluarte de nosso top set; para gáudio da sociedade prudentina; progresso prudentino. Sua imagem idealizada e potencializada nas novas obras cresceu de tal forma nos meios políticos que, em junho de 1969, foi considerado de utilidade pública pela Câmara Municipal. (MELO, 1999, p. 62)

O trecho acima nos remete novamente à questão das escalas e de sua

operacionalidade para a consecução de objetivos político-econômicos. Em escala municipal e

regional o Tênis Clube, um empreendimento privado, foi guindado a uma posição de destaque

muito superior ao seu real caráter aristocrático, portanto elitista e excludente. Aliás, quanto a

estes fatores Melo denuncia:

No entanto, em decorrência de sua própria natureza, o Clube também era valorizado pelo seu caráter seletivo. Dizia um dos jornais da cidade: pretende-se um corpo de sócios que

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represente o melhor gabarito da sociedade regional. Outro, em plena campanha pelo prosseguimento da obra, em 1970, considerava o Novo Tênis um dos mais aristocráticos do Brasil. (MELO, 1999, p. 62)

Esse caráter seletivo de que fala Melo é justamente o que percebemos no espaço

intra-urbano prudentino. As elites prudentinas, antes agrupadas no centro tradicional da cidade,

do que são sombras os casarões imponentes que ainda podem ser vistos em algumas ruas centrais,

erguidos em períodos de pujança agrícola, têm um passado de distinção geográfica que hoje

assumiu novas formas de apresentação, nova roupagem, porém mantendo sua essência: uma

natural distinção entre possuidores e despossuídos.

Após um vertiginoso processo de verticalização das áreas centrais e de expulsão dos

pobres para áreas anteriormente pouco valorizadas, pois que distantes do centro (como é o caso

dos bairros da COHAB e da CECAP nos anos 80 e do Conjunto Habitacional Ana Jacinta nos

anos 90), a nova onda de valorização está agora atrelada ao consumo de espaços artificialmente

criados para atrair as elites político-econômicas locais e regionais: os shopping centers e os

condomínios horizontais. Tais espaços (privados) não mais precisam de uma proximidade tão

grande do centro principal, senão de uma infra-estrutura (montada em grande parte com dinheiro

público) que permita a fácil circulação de veículos automotivos, cuja difusão acentuada é outra

marca registrada de nossos dias.

Note-se o elevado número de condomínios horizontais numa cidade de menos de 200

mil habitantes e sua relação impositiva, restritiva com relação ao espaço circundante e se

perceberá que há estreita relação entre os investimentos públicos e a distinção que tais lugares

conferem aos seus moradores. De modo gritante, o lugar de moradia fala muito de uma pessoa e,

no caso de espaço socialmente valorizado ou desvalorizado, nos remeterá às suas origens sociais.

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Note-se que há aí um hiato, um espaço que é habilmente utilizado como margem de

manobra pelas elites. Trata-se do espaço ocupado pela classe média, desejosa de ser incluída no

top set. A maior variação das cores que caracterizam essa classe em especial (se compararmos

com as classes mais ricas, de esmagadora maioria branca e com as mais pobres, de maioria

negra), serve para mascarar o racismo que continua a imperar, principalmente entre as elites. No

entanto, essa classe média é altamente devedora aos de baixo, os quais muitas vezes atuam como

pioneiros em regiões desvalorizadas tanto pela distância do centro como pela carência de infra-

estrutura adequada. Levando-se em consideração que, segundo o IPEA, 68% da população mais

pobre do país é constituída de negros (BRANCO..., 2001, p. 32), pode-se perceber quão

exploradora e opressiva a sociedade brasileira continua a ser com relação ao negro pobre, tirando

desse elemento uma forma de prestígio: eu não sou negro, tenho o direito natural de possuir esse

espaço!

Essa ordem de precedência que evidencia prioridades invertidas tem uma razão de

ser: o caráter elitista de uma sociedade que, longe de ser igualitária, destaca-se pela segregação

dos abastados simbólica e financeiramente e pela marginalização preferencial dos que não podem

(ou não poderiam, na acepção de muitos...) ser possuidores de espaços valorizados socialmente.

Os negros, por todo o histórico e geográfico que apresentamos, pertencem ao segundo grupo em

sua maioria absoluta. Não nos admirou, portanto, o fato de que apenas um morador dentre oitenta

dos entrevistados na primeira e na segunda etapa da pesquisa de campo, tendo se declarado

negro, fosse morador do bairro Jardim Bongiovani, área de inclusão social (SPOSITO, 2000).

Tampouco admirou-nos a rápida radiografia que tiramos dos condomínios horizontais de

Presidente Prudente, mostrando a ínfima representatividade dos negros no universo dos mais

abastados. Os núcleos de poder político e econômico são majoritariamente brancos, o que se

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manifesta no espaço por eles ocupado. Não se tem conhecimento de sequer um prefeito de

Presidente Prudente que tenha sido negro.

Os descendentes de japoneses, mesmo tendo uma representatividade muito menor em

termos numéricos, encontram-se numa posição de muito maior inclusão em termos

socioeconômicos e geográficos do que a população negra prudentina. Isso pode ser verificado nos

nomes de ourivesarias, clínicas médicas e no grande número de nipônicos nos cursos

universitários valorizados socialmente, como medicina e fisioterapia. Isso se deve em grande

parte à sua maior coesão como grupo, valorizando suas origens culturais, suas tradições e,

principalmente, sua estrutura familiar bastante coesa, que torna sua atuação marcante na vida do

município, tendo havido, inclusive, um prefeito de origem nipônica, Watal Ishibashi, fato que

nunca se deu entre os negros. No aspecto socioeconômico há uma quase fusão entre o grupo

nipônico e o branco dominante (KITAHARA, 1998, p. 127-35).

Outro fator importante a ser desvendado é a tentativa de alienação do mestiço,

geralmente mais claro que o negro sudanês, de pele mais escura. Pudemos constatar isso no

programa jornalístico SPTV 1a edição, no qual a rede de televisão afiliada da Rede Globo em

Presidente Prudente, a TV Fronteira, levantava a questão do preconceito em referência ao Dia

Nacional da Consciência Negra, em 20 de novembro de 2003. Na referida matéria apresentava-se

a questão do preconceito citando-se apenas o contingente de 7.045 pretos residentes em

Presidente Prudente, conforme o último censo do IBGE (2000), não sendo citados os pardos, que

representariam 39.965 pessoas. Essa desvinculação aparentemente inocente tem forte conteúdo

ideológico e político. A categoria dos pardos apresenta índices muito semelhantes aos da

categoria preto, como ficou exemplificado nos vários dados estatísticos que apresentamos. No

entanto, essa desvinculação por parte do canal de maior audiência não só na cidade de Presidente

Prudente, mas em toda a região da Alta Sorocabana, traz uma linha divisória imaginária,

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inexistente, que estaria embranquecendo a população e tornando-a livre do preconceito. O pardo

teria assim sofrido uma espécie de up grade que o teria tornado, num passe de mágica, livre do

preconceito? Ledo engano! O legado racista atinge os negro-mestiços de maneira diferenciada

apenas em termos de intensidade, já que contra os de tom de pele com mais melanina, o racismo

é mais manifesto, mais aberto, menos camuflado. Não obstante esta constatação torna-se no

mínimo ilusório pensar que, clareando parcialmente (sem chegar ao fenótipo tradicionalmente

visto como branco em nossa sociedade), fica-se livre do racismo.

Sucumbindo à falácia da democracia racial por meio dos sutis mecanismos do

marketing, da propaganda e de matérias jornalísticas aparentemente preocupadas em reverter a

situação, a comunidade negra vem avançando a passos de formiga na disputada escalada

socioespacial. Temos ficado para trás por falta de conscientização, de mobilização, fatores que

não virão sem um esforço bastante efetivo por melhoras nos nossos índices de educação. A baixa

condição educacional dos negros tem sido uma barreira que poucos têm conseguido transpor.

Segundo dados do sociólogo Edward Telles (POSIÇÃO..., 2003, p. A7), a possibilidade de

chegar à classe média nos anos 60, era três vezes maior para um branco do que para um negro

tanto no Brasil como nos Estados Unidos. Nestes começou a vigorar então a política afirmativa, o

que baixou a desigualdade para 1,6 em 1996. No Brasil, no mesmo período, a desigualdade

aumentou de 3 para 4 em relação aos homens, e para 4,8 em relação às mulheres. Esse mesmo

cientista social também concorda que nos núcleos de poder a miscigenação (abordada no capítulo

IV) quase não existe. Eis aí mais uma prova do que é o racismo à brasileira: vamos deixar como

está pra ver como é que fica...

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5.1 Uma Crítica à Geografia Brasileira e ao Brasil da Geografia

É espantosa a ausência da Geografia Brasileira em tema tão contundente. Em 1999,

em meio às comemorações dos 40 anos do curso de geografia da UNESP de Presidente Prudente

(SEMANA..., 1999, p. iv-viii), deparamo-nos com um caderno de resumos que continha

inúmeros trabalhos voltados para temáticas diversas tais como climatologia, etnografia indígena,

a questão da mulher, a questão urbana, a questão agrária e outros mais. Era o dia do encerramento

do evento, precisamente 14 de maio de 1999. Levantamo-nos quando foi dada oportunidade aos

presentes e, aproveitando a proximidade das datas, criticamos a nítida ausência de discussões de

cunho geográfico a respeito de um tema acintosamente geográfico, como é o caso do negro no

Brasil.

Talvez ali tenha sido concebido este trabalho, que é parte de uma série de descobertas

que temos feito ao longo dessa caminhada como brasileiro. Mas afinal de contas, o que é ser

brasileiro? Será que é eleger o belo território em que habitamos como ator principal e

orgulharmo-nos por morarmos numa terra sem grandes desastres naturais e por possuirmos a

maior floresta do mundo, o que foi fartamente explorado pelas vertentes Tradicional e Teorética

da Geografia? Certamente falta-nos alguma coisa. Será que importando paradigmas europeus ad

hoc, sem considerarmos o perigo de uma análise que desconsidere o que as cores e o tempero

local de uma sociedade multirracial têm a influir na dinâmica de uma sociedade de classes,

contribuiremos como geógrafos para a consecução dessa realização suprema que é ser brasileiro?

Certamente tem faltado alguma coisa (CONCEIÇÃO, 2003, p. 127-30).

Nossa brasilidade toma fôlego a cada dois anos, quando somos instados a um

sentimento de confraternização por meio das Copas do Mundo de futebol e dos Jogos Olímpicos.

Note-se que a afirmação da seleção brasileira no cenário internacional já se fez em meio à

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instauração de um Estado centralizador e forte, quando Getúlio Vargas tomou o poder em 1930,

ano da primeira Copa do Mundo.

O brasileiro, moldado numa cultura de assimilação, de desculturação e de

aculturação, tem-se vangloriado de não ser: não ser negro nem índio (BERND, 1992, p. 13-45).

Mesmo os que poderiam sê-los por conta de seu fenótipo, procuram dele fugir por meio de

ausências, de silêncios, de omissões as mais diversas. Mais do que o machismo é o racismo

associado ao classismo que nos caracterizam, ou pior, descaracterizam como povo. Algo tácito,

escuso, mal-cheiroso, esgueirando-se por olhares e comentários maldosos, por piadas e

julgamentos de cunho moral, por considerações de ordem teológica e científica, por evitações e

preferências profissionais que requerem boa aparência...

É importante frisar que, neste trabalho, não estamos defendendo o determinismo

geográfico ou o fetichismo espacial que tanto prejuízo trouxeram a uma contribuição mais eficaz

da Geografia no quadro das Ciências Sociais. Muito pelo contrário, trata-se de uma tentativa

empírica de desmistificar o caráter de simples receptáculo que o espaço vem recebendo nas

ciências sociais, o que serviu para a manutenção de geografias anêmicas, baseadas unicamente na

temporalidade de um materialismo histórico ou de um positivismo linear (ambas as vertentes

teóricas, à sua maneira, privilegiando o tempo). Movendo-se qual pêndulo ao longo da história

moderna, a Geografia serviu muitas vezes para encobrir toda a eficácia de dominação embutida

na aparentemente ingênua distribuição espacial, que seria dada a priori e, posteriormente,

moldada pelas relações de produção – na visão marxista majoritária (SOJA, 1993, p. 57-95;

GOTTDIENER, 1993, p. 159-94).

Obviamente que também é preciso destacar que nossa produção acadêmica é

acentuadamente branca, masculina e ocidental, o que tem influído no peso e no foco das análises

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geográficas. Essa tendência está presente em todos os quadrantes do país e é ainda hegemônica,

não obstante a acentuada tomada de posição das mulheres. Mas das mulheres brancas...

A culpa por essa ausência não é exclusiva dos geógrafos brasileiros que, até bem

pouco tempo, não tinham liberdade política para sequer fazer levantamentos censitários (veja-se,

por exemplo, a ausência do critério cor no auge do regime militar, em 1970, somada à divulgação

tardia da classificação racial de 1960, fato que se deu apenas em 1978! (OLIVEIRA et al., 1998,

p. 38-47)). Acontece que vivemos num permanente regime de exceção. Em que pesem os curtos

períodos democráticos de nossa história como nação independente, a estrutura social brasileira foi

fundada sobre a desumanidade, a violência e a covardia das relações escravistas, que atribuíam ao

outro um vácuo, um não-ser, uma “ninguendade”, utilizando expressão de Darcy Ribeiro

(RIBEIRO, 1998, p. 453). Essa é a contradição fundante dessa sociedade híbrida, moralmente

decaída e baseada num pseudocristianismo representado pelo catolicismo romano, que se

locupletou o quanto pôde na exploração vexatória da escravidão, o que tornou possível que

sejamos uma nação que exalta mais a terra que nos coube do que o povo que nos tornamos.

Somos uma nação cindida, moralmente ambivalente, baseada no legado da natural dominação

que alguns indivíduos devem exercer sobre os outros, mais especificamente, o outro (negro). Mas

ao mesmo tempo em que nos separa, esse sentimento nos injeta um tremendo sentimento de

inferioridade, o de uma nação que está eternamente por se realizar. Inferioridade perante as

nações européias ou as nações centrais do sistema capitalista, que nos deu um ar patético,

melancólico e esnobe: somos uma sociedade que dá mais valor ao que vem de fora (desde que

seja branco ou nipônico, a partir do momento em que o Japão assumiu papel central na economia

mundo) do que ao nosso próprio povo, à nossa cultura, fruto da confluência das várias tradições

que herdamos de maneira tríplice.

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A valorização do negro e do índio será a exaltação de nós mesmos, fazendo-nos olhar

sem medo ou reticências para outras nações sequiosas de explorar-nos em todos os sentidos.

Tornar-nos-á melhores porque mais justos, mais conscientes porque cientes de nosso potencial

humano e minará as deficiências sociais que nos fazem constatar que existem dois “Brasis”: o

branco, cujo Índice de Desenvolvimento Humano utilizado pela ONU para medir a qualidade de

vida chega à 63a posição; e o negro, cujo IDH se situa na 120a posição, próximo a Lesoto (120a )

e Zimbábue (121a ) (ALBERTO, 1998, p. 66).

Racista, eu? É o que ouvimos ressoar Brasil afora. Trata-se de uma ocultação

sistemática que impede que um sem-número de brasileiros tenham acesso às condições mínimas

de cidadania, vista aqui como direito à identidade. O povo é visto pelas elites branco-burguesas

como uma massa de negros, mestiços e brancos pobres, da qual, na melhor das hipóteses,

emergirá, segundo a ideologia do embranquecimento, uma nação europeizada, com traços mais

próximos do caucasóide europeu do que do negróide ou do ameríndio. Na pior das hipóteses, não

há o menor interesse, por parte dessas elites, em saber os destinos de um povo entregue à própria

sorte, a não ser naquilo em que este influirá no que diz respeito à manutenção do status quo por

parte dos primeiros, que não hesitam em invocar a ordem que precede o progresso: é preciso

deixar crescer o bolo para depois reparti-lo...

Quem é o grande favorecido neste quadro de desigualdade? Certamente que não o

povo pobre relegado a terceiro plano e entregue à própria sorte por uma suposta questão de

destino. Nem tampouco a classe média, revoltada e acuada por um quadro de violência e

empobrecimento crescentes. Certamente que este quadro só tem beneficiado a uma elite branco-

burguesa mesquinha e ociosa, que não se envergonha de tirar do povo o quanto pode em termos

de prestígio simbólico traduzido em ostentação, desperdício e desprezo pela ralé; em recursos

públicos traduzidos em financiamentos e obras de infra-estrutura, ambos altamente seletivos; em

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acordos com grupos estrangeiros que nelas têm um parceiro sempre pronto a dilapidar as riquezas

do país em benefício próprio, atuando de modo individualista, etnocentrista e perverso.

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Considerações Finais

A luta por igualdade, num Brasil que tem 68% da população mais pobre negra

(BRANCO..., 2001, p.32), passa necessariamente pela questão étnico-racial. A desigualdade

étnico-racial é estrutural e mantida por uma rígida diferenciação socioespacial, que sustenta

relações excludentes do ponto de vista da inserção coletiva da comunidade negra brasileira em

melhores quadros sociais. É necessário, portanto, que se tirem as vendas dos olhos (ou dos

corações...) dos pesquisadores das ciências sociais, mais especificamente dos geógrafos

brasileiros, tão apáticos quanto a essa questão fundamental, uma vez que o espaço é questão de

primeira grandeza em termos de relações sociais, por se tratar de outra dimensão na qual as estas

ocorrem, dando-lhes materialidade, existência real.

A manifestação mais evidente de que avançamos em direção a uma sociedade mais

justa, se fará sentir quando do desmascaramento e do enfrentamento de nossos problemas mais

agudos, uma vez que em nossa ex-sociedade escravocrata, a simbiose entre negritude, pobreza e

desprestígio, remete-nos a um de nossos problemas mais centrais e mais antigos.

Portanto, entendemos que nosso esforço só será plenamente recompensado se a

população negra se tornar consciente da relação de nosso histórico-geográfico com nosso

presente socioespacial e racial. Este trabalho quer ser uma contribuição a essa busca por justiça

social, que tanto aflige o povo brasileiro, ainda que tais sensibilidades variem conforme o lugar

em que vivem, a classe à qual pertencem e a cor dos distintos atores sociais.

O negro brasileiro precisa reescrever sua história e sua geografia no interior da nação

brasileira. Fazendo isto, reescreverá o próprio futuro da nação dada sua potencialidade manifesta

em sua importância moral, histórica, cultural, numérica, econômica e geográfica para a re-

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fundação de nossa sociedade, ainda baseada em mitos de desigualdade. Isto está sendo feito,

mesmo que de modo ainda tímido, do que é prova o trabalho ora apresentado.

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ANEXO A

1a ETAPA -ENTREVISTAS

NOME:_________________________________ IDADE:_______ COR:______________

ESCOLARIDADE:_____________________________________________(PUB. / PRIV.)

1a) O QUE VOCÊ ACHA DAS RELAÇÕES DE RAÇA NO BRASIL?

2a) VOCÊ JÁ PASSOU POR ALGUMA EXPERIÊNCIA RUIM DEVIDO AO PRECONCEITO

RACIAL?

3a) COMO VOCÊ DEFINE SER NEGRO NO BRASIL?

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ANEXO B

2a ETAPA - QUESTIONÁRIOS

NOME: _______________________ COR:___________________________

IDADE:_______ESCOLARIDADE:_________________________(PB / PV)

PROFISSÃO:____________________ RENDA: _______________________

BAIRRO:_______________________________________________________

1. BRINCADEIRAS E PIADAS COM RELAÇÃO A NEGROS DEVEM SER

CONSIDERADOS RACISMO?

SIM ( ) NÃO ( ) OBS.:

2. O RACISMO VARIA CONFORME O NÍVEL SOCIAL DENTRO DA CIDADE? SIM ( )

NÃO ( ) OBS.:

3. O RACISMO É MAIS FORTE EM ALGUNS BAIRROS QUE EM OUTROS? SIM( ) NÃO (

) OBS.:

4. EXISTE ALGUMA BARREIRA AOS NEGROS COM RELAÇÃO AO MERCADO DE

TRABALHO? SIM( ) NÃO ( ) OBS.:

5. EXISTE ALGUMA PROFISSÃO QUE VOCÊ NUNCA VIU UM NEGRO EXERCER NA

CIDADE? SIM( ) NÃO ( ) OBS.:

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6. O QUE É SER NEGRO PARA VOCÊ?

A.QUESTÃO DE APARÊNCIA ( ) B. QUESTÃO DE SANGUE ( ) C. OUTRA ( ) OBS.:

7. O RACISMO ESTARIA DIMINUINDO POR CAUSA DA MISCIGENAÇÃO? SIM( ) NÃO

( ) OBS.:

8. O RACISMO É PROPORCIONAL À COR DA PELE DA PESSOA?

SIM( ) NÃO ( ) OBS.:

9. O NEGRO É MAIS COBRADO DO QUE O BRANCO EM SEU DIA-A-DIA NA CIDADE?

SIM( ) NÃO ( ) OBS.:

10. VOCÊ PARTICIPA DE ALGUM MOVIMENTO DE CONSCIÊNCIA NEGRA?

SIM( ) NÃO ( ) OBS.: