UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE … · Dr. Alonso Bezerra de Carvalho – UNESP/Assis...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS CÂMPUS DE MARÍLIA RENATA PERES BARBOSA DESDOBRAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA MODERNIDADE: SIMILARIDADES E DIVERGÊNCIAS DA CRÍTICA FRANKFURTIANA À OPOSIÇÃO POSITIVISMO E DIALÉTICA NO DEBATE EDUCACIONAL Marília-SP 2011

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS

CÂMPUS DE MARÍLIA

RENATA PERES BARBOSA

DESDOBRAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA MODERNIDADE:

SIMILARIDADES E DIVERGÊNCIAS DA CRÍTICA FRANKFURTIANA À

OPOSIÇÃO POSITIVISMO E DIALÉTICA NO DEBATE EDUCACIONAL

Marília-SP

2011

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS

CÂMPUS DE MARÍLIA

RENATA PERES BARBOSA

DESDOBRAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA MODERNIDADE:

SIMILARIDADES E DIVERGÊNCIAS DA CRÍTICA FRANKFURTIANA À

OPOSIÇÃO POSITIVISMO E DIALÉTICA NO DEBATE EDUCACIONAL

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Educação Faculdade de Filosofia e

Ciências de Marília como requisito

parcial para obtenção de título de Mestre

em Educação.

Área de Concentração: Políticas

Públicas e Administração da Educação

Brasileira

Linha de Pesquisa 2: Filosofia e

História da Educação no Brasil

Orientador: Prof. Dr. Sinésio Ferraz

Bueno

Marília-SP

2011

Ficha catalográfica elaborada pelo Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação – UNESP – Campus de Marília

Barbosa, Renata Peres.

B238d Desdobramentos epistemológicos da modernidade :

similaridades e divergências da crítica frankfurtiana à

oposição positivismo e dialética no debate educacional /

Renata Peres Barbosa. - Marília, 2011

146 f. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista,

Faculdade de Filosofia e Ciências 2011

Bibliografia: f. 140-146

Orientador: Sinésio Ferraz Bueno

1..Positivismo. 2. Dialética. 3. Razão instrumental.

I. Autor. II. Título.

CDD 370.1

RENATA PERES BARBOSA

DESDOBRAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA MODERNIDADE:

SIMILARIDADES E DIVERGÊNCIAS DA CRÍTICA FRANKFURTIANA À

OPOSIÇÃO POSITIVISMO E DIALÉTICA NO DEBATE EDUCACIONAL

BANCA EXAMINADORA

Dr. Sinésio Ferraz Bueno – UNESP/Marília

(Orientador)

Dr. Alonso Bezerra de Carvalho – UNESP/Assis

(Examinador)

Dr. Divino José da Silva – UNESP/Presidente

Prudente (Examinador)

Dr. Rodrigo Pelloso Gelamo – UNESP/ Marília

(Suplente)

Dra. Rosângela Aparecida Volpato – UEL

Universidade Estadual de Londrina

(Suplente)

Marília, 14 de setembro de 2011.

Aos meus pais, Antônio Barbosa e Maria Eliane

Meus maiores exemplos, minhas maiores riquezas! Reconheço profundamente a importância de vocês na minha Formação, nos meus

valores, na minha vida. Obrigada por todo o apoio, todo o amor, que mesmo nas horas mais difíceis estiveram ali, prontos para me acolher, para me incentivar e me apoiar em

minhas escolhas! Tenho muita admiração por vocês... Sou imensamente grata por tudo que fizeram e fazem por mim.

Mãe, Pai... Com muito amor e de todo o meu coração...

A vocês dedico este trabalho

Meus mais sinceros agradecimentos:

Ao meu estimado orientador professor Sinésio Ferraz Bueno

Pelo voto de confiança, pela orientação, pela amizade, e por ter compartilhado

comigo seus conhecimentos. Sempre pronto para me ajudar! Foi um prazer ter você

como orientador, que com muito respeito e cuidado, compreendeu meus tempos e

momentos de amadurecimento intelectual. Obrigada por ter acreditado no meu

trabalho.

Aos professores e professoras da UNESP câmpus de Marília

Aos professores e às professoras que tive o prazer de participar das aulas:

Alonso, Sinésio, Pedro, Carlos Brandão, Ana Clara e Sônia; Aos professores que me

acolheram no Grupo de Estudos - GEPEF: Pedro, Alonso, Divino, Cláudio, Rodrigo e

Sinésio. Em especial aos professores Divino e Alonso, por suas valiosas contribuições na

banca de qualificação e de defesa, tratadas com muita seriedade e respeito.

À minha irmã Claudia,

Mais que irmã, minha amiga, companheira! Não tenho palavras pra dizer o

quão especial é a sua presença, seu carinho, seus conselhos, sua atenção. Amo muito você

minha Única, obrigada por tudo!

À minha avó Nair

Exemplo de Ser Humano,

Sempre me nutrindo com seu amor e com sua sabedoria.

Aos meus sobrinhos Gabriel e Luiz Henrique

Meus tesouros, por deixarem minha vida mais colorida.

Ao meu namorado Gustavo

Pela paciência e pelo amor, que de maneira especial e carinhosa sempre esteve

ao meu lado. Seu conforto, suas palavras, seus gestos e sua compreensão foram essenciais

para que eu desenvolvesse este trabalho. Obrigada meu Amor!

À todos os meus amigos e amigas

Em especial à Lu, à Pri e à Mari, e às petites Gi, Carol e Francis.

Pela amizade e pelo espaço de compartilhamento de sonhos!

Aos alunos, professores e funcionários da Universidade

Tecnológica Federal do Paraná câmpus de Cornélio Procópio

Em especial, à equipe do Departamento de Educação - Luzia, Lígia, Léozita,

Tati, Bassetto e Sadao – pelo carinho e amizade, e por proporcionarem condições

para que eu continuasse a desenvolver este trabalho de Mestrado.

Aos colegas do GEPEF – Grupo de Estudos e Pesquisa em

Educação e Filosofia

Pela amizade e pelos momentos de reflexão sobre as possibilidades de uma

Formação mais humana.

À professora Rosângela Volpato

Minha querida orientadora da Graduação, não poderia deixar de agradecê-la,

pois foi quem me incentivou e me encorajou para iniciar este estudo.

Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP câmpus de Marília

Especialmente ao Paulo e à Cintia, que sempre me ajudaram no que precisei.

À vida, com direito a tudo que ela pode oferecer: seus encantos e

desencantos!

Muito Obrigada!

RESUMO

A presente pesquisa pretende discutir as consequências do projeto da Modernidade e

suas implicações para a Educação. Tendo como principal alicerce teórico a Teoria

Crítica, mais especificamente Theodor W. Adorno, Max Horkheimer e Herbert

Marcuse, verifica-se o desenvolvimento de uma concepção instrumental de razão,

alicerçada pelos fundamentos mecânicos da Modernidade, expressos pelo primado do

resultado eficaz, do cálculo, da matematização, do princípio da causalidade, da visão

fragmentada e utilitária acerca das relações humanas, dos esquemas probabilísticos,

entre outros. O indivíduo, conduzido por esses determinismos, rompe com os laços que

poderiam viabilizar a experiência formativa e a emancipação humana, desembocando

numa educação miserável, voltada para autopreservação e para a materialidade da

produção. O papel da Educação se esvazia e cai em descrédito em face da alienação do

universo cultural. A saída apontada pelos teóricos críticos é a crítica imanente,

movimento permitido pela dialética. Com isso, almeja-se no presente trabalho, analisar

quais as divergências e as similaridades da crítica frankfurtiana à insuficiência dos

moldes racionais, ou melhor, à oposição positivismo e dialética com o debate

educacional brasileiro. Nossa hipótese, é que o confronto entre positivismo e dialética,

permanece sendo um tema atual, uma vez que tal confronto, proposto pelos filósofos

frankfurtianos, é constantemente retomado por pesquisadores educacionais brasileiros,

ainda que de maneira implícita, vale dizer, sem que se nomeie explicitamente esse par

conceitual. Esta pesquisa nos permitiu constatar que a crítica epistemológica, no âmbito

da Educação, tem sido retomada pelos pesquisadores brasileiros, apontando para a

insuficiência dos pressupostos positivistas, sinalizada pela crise da ciência. Em muitas

das discussões, apresentou-se como antídoto a própria desistência dos parâmetros

racionais, inviabilizando o pensamento dialético – o que diverge da crítica postulada por

Adorno, Horkheimer e Marcuse.

Palavras-chave: Razão instrumental. Positivismo. Dialética.

ABSTRACT

This research aims to discuss the consequences of the project of Modernity and its

implications for Education. Adopting Critical Theory as the main theoretical

framework, more specifically Theodor W. Adorno, Max Horkheimer and Herbert

Marcuse, it considers the development of an instrumental conception of reason,

grounded on mechanical foundations of modernity, reflectede on the priority of

effective result, calculation, mathematization, the principle of causality, the fragmented

and utilitarian view of human relations, probabilistic schemes, among others. The

individual, driven by such determinism, interrupts the bonds that could make feasible

the formation experience and human emancipation, leading to a miserable education,

committed to self-preservation and the materiality of production. The role of education

is wasted and falls into disrepute in the face of alienation from the cultural universe. The

critical theorists present the immanent critique as a possible solution by means of

Dialectics. Thereby, this work aims to analyze the differences and similarities of the

Frankfurtian critique to the inefficiency of rationalist manners, by observing the

opposing movement of Positivism and Dialectics in the Brazilian educational debate.

Our hypothesis is that the confrontation between Positivism and Dialectics remains as

an important issue, once such debate, proposed by Frankfurtian philosophers, is

constantly resumed by Brazilian educational researchers, though implicitly, that is,

without nominating this conceptual framework. This work made it possible to verify

that the epistemological critique, in the educational arena, has been arouse by Brazilian

researchers, pointing to the inadequacy of the positivist assumptions, signalized by the

crisis of science. A great deal of the ideas analyzed proposed the abandonment of

rationalist parameters as an antidote, making dialectical thinking impossible, which is

different from the critique postulated by Adorno, Horkheimer and Marcuse.

Keywords: Instrumental reason. Positivism. Dialectics.

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Lista dos periódicos de Educação e Filosofia disponibilizados na biblioteca

eletrônica científica online – Scielo.................................................................................70

Tabela 2 – Artigos selecionados para a revisão bibliográfica, instituições acadêmicas de

origem dos autores e palavras-chave...............................................................................71

Tabela 3 – Instituições acadêmicas de origem dos autores............................................73

Tabela 4 – Grupos de análise..........................................................................................75

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11

CAPÍTULO I PRESSUPOSTOS POSITIVISTAS: ALGUMAS

CONSIDERAÇÕES ..................................................................................................... 17 1.1.O PENSAMENTO CARTESIANO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ............. 18 1.2 OS PRESSUPOSTOS POSITIVISTAS A PARTIR DE AUGUSTE COMTE ... 23

1.3 CONSEQUÊNCIAS DO PROJETO MODERNO ............................................... 29

CAPÍTULO II A CRÍTICA FRANKFURTIANA AO POSITIVISMO ................. 32 2.1 A CRISE DA RAZÃO ......................................................................................... 33

2.2 PERDA DAS FINALIDADES HUMANAS: OS MEIOS SE SOBREPUSERAM

AOS FINS .................................................................................................................. 38 2.3 CONSEQUÊNCIAS DA INSTRUMENTALIZAÇÃO DA RAZÃO: VIDA

DANIFICADA E EMPOBRECIDA .......................................................................... 43

2.4 ALGUMAS IMPLICAÇÕES EDUCATIVAS .................................................... 47

CAPÍTULO III NA BUSCA DO CONTRAPONTO: CONSIDERAÇÕES

ACERCA DA CONCEPÇÃO DIALÉTICA DA REALIDADE .............................. 55 3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO: HEGEL E O IDEALISMO ALEMÃO .................... 56 3.2 PRESSUPOSTOS DA CONCEPÇÃO DIALÉTICA DA REALIDADE ............ 59

CAPÍTULO IV SIMILARIDADES E DIVERGÊNCIAS DA CRÍTICA

FRANKFURTIANA À OPOSIÇÃO POSITIVISMO E DIALÉTICA NO DEBATE

EDUCACIONAL .......................................................................................................... 68 4.1 MATERIAIS E MÉTODOS ................................................................................. 68

4.2 GRUPOS DE DISCUSSÕES ............................................................................... 77 4.2.1 GRUPO I – PÓS-MODERNIDADE ............................................................. 77

4.2.1.1 Valorização da dimensão prática da Educação....................................... 81

4.2.1.2 Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade ......................................... 88 4.2.1.3 Visão Relativista ..................................................................................... 96

4.2.2 GRUPO II – FILOSOFIA DA CIÊNCIA ..................................................... 98 4.2.3 GRUPO III - METODOLOGIAS DE PESQUISA – A DIALÉTICA EM

QUESTÃO ........................................................................................................... 106

4.2.4 GRUPO IV - TEORIA CRÍTICA ............................................................... 119 4.3 RESULTADOS PRELIMINARES .................................................................... 131

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 137

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 140

INTRODUÇÃO

Na aposta de uma razão utópica fundamentada pelos pensadores

modernos, uma razão que poderia garantir o fim do período das trevas, pautada no

cogito das ideias claras e distintas, a dimensão instrumental da razão tem primazia. Em

meio à efervescência dos novos tempos, assiste-se ao desenvolvimento de uma

concepção instrumental de razão, alicerçada pelos fundamentos mecânicos da

modernidade, expressos pelo primado do resultado eficaz, do cálculo, da

matematização, do princípio da causalidade, da visão fragmentada e utilitária acerca das

relações humanas, dos esquemas probabilísticos, entre outros. O indivíduo, conduzido

por esses determinismos, rompe com os laços que poderiam viabilizar a emancipação

humana. O sentido da vida é reduzido a uma funcionalidade burocrática racionalizadora,

a qual impede a condição de liberdade.

São limitações mascaradas nos aparatos tecnológicos, em que a

autodestruição e o progresso caminham lado a lado. Frente à grande evolução da ciência

e da tecnologia, o valor da vida se resume ao valor da troca, prevalece a frieza, a

rigidez, o anulamento das experiências, o esvaziamento do próprio sentir. A contradição

é estridente: no ápice do desenvolvimento técnico-científico, não se sabe o que é o

humano, não se sabe mais definir as finalidades humanas. A massificação e a

tecnificação rompem com a experiência, tornam-se esquemas, formas de ver o mundo,

utilitarista e imediatista.

A tecnologia passa a mediar a ideia de conhecimento a partir da lógica

da ciência experimental, submetida aos interesses do capital. As bases positivistas de

“ordem e progresso” do esclarecimento comteano tiveram como consequência uma vida

danificada. O trágico, como já diagnosticado por Adorno, é que o positivismo se tornou

o espírito do tempo na burocratização do próprio espírito, e a exigência filosófica

clássica de se pensar o próprio pensamento foi abandonada.

O mundo da instrumentalidade técnica e científica, disseminada no

interior das relações humanas, adverso à formação, tem grande poder de degradação e,

como consequência, o papel da Educação se esvazia e cai em descrédito em face da

alienação do universo cultural. A busca por resultados palpáveis, concretos, por um

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alicerce seguro e por meios que proporcionam a ilusória segurança da ação desembocou

numa educação miserável, voltada para autopreservação e para a materialidade da

produção.

Com efeito, a trajetória histórica da Educação pautou-se por uma dada

concepção de racionalidade fortemente ancorada na busca de normas e de regras

invariáveis, transformando-a numa verdadeira máquina, em que haveria a necessidade

de dominar seus mecanismos. Verifica-se que, desde Comenius, em Didática magna, já

estiveram presentes as ideias de universalidade do método – no discurso de que a partir

do método correto poderia se ensinar a tudo e a todos – ideia utilizada

convencionalmente no ensino. Da mesma forma, observa-se que as Ciências da

Educação já nascem, no século XIX, sob o viés positivista, como encontramos no

discurso de Émile Durkheim (NÓVOA, 1996).

Antônio Nóvoa (1996) realça que a busca de cientificidade do

conhecimento em Educação vai desde o período designado como a pedagogia

experimental, em meados do século XIX, em que se descobriam os estudos sobre a

natureza da criança – a pedologia –, passando pela tendência da Escola Nova, retomada

nos anos 70 do século XX pelo tecnicismo, entre outros. Charbonnel (apud NÓVOA,

1996) faz igualmente referência ao percurso histórico da Ciência da Educação,

explicitando que essa busca teve respaldo nos métodos da Ciência Moderna:

Toda a investigação em educação, de Comenius à Pedagogia por objetivos,

está impregnada pela ilusão de encontrar o bom método racional, da certeza

de que a modernidade é a aplicação ao conjunto da Natureza (e também à

Natureza Humana) de processos racionais de controlo [...] Ora, o que melhor

define esta imensa esperança é a decepção permanente. A razão

racionalizadora em Pedagogia anda sempre aos tropeções. (1996, p. 79).

Binet (apud NÓVOA, 1996) ilustra o exemplo da pedologia, tomada

sob esta perspectiva: “[...] a pedologia parece uma máquina de precisão, uma

locomotiva misteriosa, brilhante, complicada e que, num primeiro momento, provoca a

admiração; mas as peças parecem não se articular umas com as outras e a máquina tem

um defeito, não funciona” (1996, p. 77). Pimenta (1996) tece suas considerações nessa

direção, assumindo a importância de se adentrar na discussão epistemológica em

Educação. Assim, ressalta que as dificuldades de uma investigação dessa espécie

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também derivam de uma postura pautada na crença de cientificidade, ou seja, na “[...]

anterioridade dos fatos à ciência, a urgência de soluções aos problemas que a realidade

coloca e a crença de que a especificidade de uma área emerge da acumulação de

conhecimentos que se consiga sobre ela” (1996, p. 41). Severino (2006), do mesmo

modo que Nóvoa (1996) e Pimenta (1996), enfatiza que, partindo dos moldes calcados

na Modernidade, não é possível se abstrair a discussão em Educação e ter clareza de seu

universo, pois “[...] o sujeito ao ser objetivado, perde toda sua especificidade de sujeito!

Para manter sua especificidade, não pode sustentar aquela cientificidade, tal como

inscrita no paradigma newtoniano” (SEVERINO, 2006, p. 187).

Para Severino (2006), o processo investigativo em Educação, pautado

no modelo científico moderno, tornou-se reducionista, ou seja, as “[...] práticas

intencionalizadas das quais a mera descrição objetivada, obtida mediante os métodos

positivos de pesquisa, não consegue dar conta da integralidade de sua significação”

(2006, p. 189). Ou, ainda: “[...] A educação é uma prática histórico-social, cujo

norteamento não se fará de maneira técnica, mecânica, o que impede que ela seja

considerada uma ciência aplicada, como a engenharia e a medicina, por exemplo” (p.

191).

Como ponto comum dessas abordagens, a compreensão do fenômeno

educacional é balizada pelo pressuposto de que a Educação não se situa somente no

previsível, na precisão, mas no improvável, no subjetivo, no inconstante, no paradoxal.

Partimos da ideia de que “[...] a ciência é um fenômeno social como

outro qualquer, sofrendo de todas as fraquezas que atingem os fenômenos sociais. Não

há como sustentar a ilusão do porto seguro, da falácia das evidências e das teorias

certas” (SEVERINO, 2002, p. 90). Contudo, “[...] a ciência não é isenta de erros; não

existe [...] uma verdade científica, mas afirmações formalmente definidas por uma não-

contradição; a ciência não conduz necessariamente ao progresso e nem é uma atividade

neutra” (SEVERINO, 2002, p. 90).

Entendemos que a Educação tem papel fundamental de mediadora, de

prática interventiva com esforços pela busca de sentidos e valores, adequados aos

interesses mais universalizados da humanidade, o investimento formativo do humano.

Desse modo, a formação é mais que a instrução – é o modo de ser marcado pela

emancipação, uma situação de maior humanidade possível, é a consciência verdadeira

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que conduz à liberdade. O método científico anda na contramão, é ineficaz, é analítico,

destrói com o que é próprio das relações humanas, não dá conta de pensar o homem.

Diante desse quadro, postulamos ser de suma importância pesquisar a

crítica à razão instrumental e suas consequências na contemporaneidade, em especial no

âmbito da Educação. Nos últimos anos, a pesquisa em Filosofia da Educação tem

contado com a realização de diversos trabalhos dedicados à análise do potencial da

Teoria Crítica, no campo educativo. Livros e coletâneas importantes, assim como

congressos realizados periodicamente, têm contribuído com grande relevância para a

repercussão desse tema. Até o presente momento, a maioria dos trabalhos é mais

comumente dedicada à análise da semiformação na educação contemporânea e à

reflexão sobre as conferências e debates realizadas por Adorno, nos anos 1960, em

torno do tema “educação e emancipação”. No âmbito da presente Dissertação,

pretendemos igualmente resgatar a relevância dos trabalhos frankfurtianos no campo

educacional, de acordo com uma perspectiva ainda pouco apreciada, a saber, sob o

ponto de vista da cientificidade no campo educativo. Em nosso estudo, almejamos

avaliar o quanto o confronto entre teoria tradicional e teoria crítica, ou, mais

precisamente, entre positivismo e dialética, permanece sendo um tema atual, uma vez

que tal confronto, proposto pelos filósofos frankfurtianos, é constantemente retomado

por pesquisadores educacionais brasileiros, ainda que de maneira implícita, vale dizer,

sem que se nomeie explicitamente esse par conceitual.

Diante das incisivas críticas dos teóricos de Frankfurt às concepções

regressivas contidas nos pressupostos positivistas, a saída apontada é a crítica imanente,

movimento permitido pela dialética. Assim, como contraponto, os teóricos críticos

anunciam a dialética hegeliana, visto que possibilita pensar a realidade enquanto

movimento, pensar a experiência com o mundo de maneira complexa, não reduzido ao

imediato e ao simples, pensar o processo histórico e seus desdobramentos na

contemporaneidade, eivados de contradições.

No seio dessas considerações, surge nosso objeto de estudo: verificar

a aproximação da crítica frankfurtiana à oposição positivismo e dialética com o debate

educacional brasileiro, a partir de artigos publicados em qualificados periódicos. Sendo

assim, respaldados na Teoria Crítica, efetivamos um estudo bibliográfico, que apresenta

como objetivos gerais:

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1) problematizar o confronto entre positivismo e dialética,

elaborando a discussão a partir da perspectiva crítica dos teóricos

da Escola de Frankfurt, em especial, Herbert Marcuse, Max

Horkheimer e Theodor W. Adorno;

2) avaliar o quanto o confronto entre positivismo e dialética

permanece sendo um tema atual, por ter seus fundamentos

constantemente retomados por estudiosos da educação, ainda que

isso nem sempre ocorra de maneira explícita e claramente

nomeada.

Para tanto, a Dissertação se divide em quatro capítulos. No primeiro

capítulo, intentamos evidenciar os pressupostos positivistas, elucidando alguns de seus

principais embasamentos teóricos. Retomamos o pensamento de Descartes, frisando a

noção de sujeito moderno, potencializador do sujeito que conhece, favorecendo o eu na

valorização da via epistemológica – a ilusão de uma estrutura de um sujeito legitimado

pelo método analítico. Ao instigar o desejo de dominar a natureza, esquece-se da

relação com a vida e com o próprio pensamento. Ainda apresentamos, nesse capítulo,

em linhas gerais, as principais ideias de Auguste Comte, pensador que sistematiza os

princípios sedimentados pelos epistemólogos modernos e propõe a física social –

transferindo o método das ciências da natureza para as ciências humanas.

No segundo capítulo, a proposta é refletir sobre a crítica frankfurtiana

ao positivismo, que esteve presente em diversos textos, ao longo da história do Instituto

de Pesquisas Sociais, sobretudo nas obras de Marcuse, Adorno e Horkheimer. A

discussão busca debater o momento de crise da razão e a recaída em sua dimensão

instrumental, que passa a se constituir por elementos regressivos que impediram a

emancipação e a liberdade, fazendo com que a atividade científica se desviasse das

finalidades humanas e rompesse com a experiência formativa.

No terceiro capítulo, em face da primazia da racionalidade

instrumental, propomo-nos apresentar a saída apontada pelos frankfurtianos, esboçando

os principais pressupostos que embasaram a concepção dialética da realidade –

concepção anunciada como contraponto direto da vertente positivismo – que permite

perceber o negativo enquanto condição ontológica da realidade, através da crítica

imanente e da autorreflexão.

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No quarto capítulo, pretendemos verificar como os pesquisadores

brasileiros têm abordado a temática de crítica à razão instrumental e às suas

consequências na contemporaneidade. Assim, analisamos artigos contemporâneos em

importantes periódicos educacionais e avaliamos a pertinência da oposição entre

positivismo e dialética, tal como foi proposta por Marcuse, Adorno e Horkheimer, para

a filosofia da educação contemporânea.

CAPÍTULO I

PRESSUPOSTOS POSITIVISTAS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Neste capítulo, cumpriu-se como objetivo apresentar os principais

pressupostos filosóficos que sustentaram a visão positivista moderna, a partir de René

Descartes e Auguste Comte.

Para tanto, primeiramente, realizamos uma breve exposição acerca do

pensamento de René Descartes, importante filósofo que fundamentou as bases

filosóficas do pensamento moderno, com base em uma nova concepção de sujeito – o

sujeito passa a entender-se como pensante, como aquele que pode determinar as coisas.

Destacamos que essa forma de compreender o sujeito moderno, o sujeito pensante,

consiste no termo central da revolução epistemológica da modernidade. Descartes inicia

sua trajetória propondo um sistema de pensamento que se constituiu como a

inauguração da nova autoconfiança da razão e do progresso da ciência, por meio do

sujeito pensante. É possível encontrar, no Discurso do método e em Meditações

metafísicas, a anunciação da nova perspectiva investigativa de René Descartes, obras

que inauguraram suas proposições sobre as formas de conhecer. Neste primeiro tópico,

propusemo-nos postular alguns de seus principais conceitos, entrelaçando os conceitos

presentes nessas duas obras de Descartes, ainda que brevemente.

Em seguida, no segundo momento, nossa exposição se voltou para o

pensamento de Auguste Comte, considerado um dos principais ícones da corrente

positivista de ciência. Ensejamos dissertar a respeito das principais categorias que

sustentaram o pensamente comteano, à luz dos escritos da obra Curso da filosofia

positiva, de Auguste Comte (1983). Auguste Comte utilizou como referencial inspirador

as ideias dos epistemólogos da modernidade, e apropriou-se da nova concepção

investigativa das ciências naturais para formular a física social – proposta de análise dos

problemas sociais com base em um método científico, claro e seguro.

A problemática de Comte é que, em nível social, o conhecimento

ainda se pautara em explicações de ordem metafísica e, portanto, enganosas, na esfera

do senso comum. Assim, enfatizou a necessidade de inserção da atividade científica no

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âmbito social. Dessa forma, a sociedade se torna objeto do conhecimento positivo,

submetida às análises científicas, pelas mesmas premissas adotadas nas ciências

naturais. Destarte, os fenômenos sociais deveriam se guiar por uma teoria sólida,

consistente, homogênea, em que o caos do sistema social fosse submetido a leis fixas,

com fins claros e precisos. Nesses termos, as ciências sociais deveriam passar pelo

mesmo crivo racional metodológico das demais ciências: “[...] o estudo social devia ser

uma ciência à procura de leis sociais cuja validez devia ser análoga à das leis físicas”

(MARCUSE, 1989, p.312). Como realçado por Marcuse (1989), o positivismo “[...] fez

da sociedade objeto de uma ciência independente, a sociologia” (p.309), que “[...]

estudava as realidades sociais segundo os modelos da natureza” (p.298).

1.1.O PENSAMENTO CARTESIANO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Até o século XV, pode-se considerar o pensamento escolástico como

predominante na sociedade ocidental, sob a vigilância do clero e da nobreza. Porém,

esse conhecimento não estava suprindo mais as necessidades da sociedade daquele

período, em decorrência de mudanças na própria concepção de homem, que vinha se

sedimentando.

Por diversos âmbitos, inicia-se um movimento em que esses princípios

passaram a ser questionados, marcados por inúmeras mudanças nas concepções de

mundo dos homens no Ocidente. As grandes navegações abriram novos horizontes,

permitiram olhar outros povos, outras culturas, redefinir as dimensões geográficas. Da

mesma maneira, no clima do Renascimento cultural, as obras greco-romanas são

retomadas, enaltecidas, descortinando a limitação das concepções medievais. O

desenvolvimento do comércio, a ascensão da burguesia, o incremento dos meios de

troca, o aprimoramento técnico, a Reforma Protestante são, também, exemplos de

movimentos que tiveram um importante papel nesse curso da história, na medida em

que colocaram em questão os princípios defendidos pela Igreja e pela nobreza. Nesse

impulso, a sociedade percebe que algo precisaria mudar, que os princípios escolásticos

não estavam mais sendo compatíveis com os novos rumos.

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Frente a esses movimentos, inicia-se uma contundente revolução

epistemológica. As mudanças ocorreram, em especial, no campo da física e da

astronomia, de maneira a afetar por completo a imagem sobre a natureza. Passou-se, do

interesse de compreender a natureza, para a intenção de modificá-la e controlá-la. Aos

poucos, foi-se elucidando uma profunda ruptura com o passado, fato que gerou a

possibilidade da descoberta de novas dimensões das ciências naturais.

É nesse momento que René Descartes começou a sua trajetória rumo à

transformação nas formas de conhecer. Descartes é um pensador que merece destaque

devido à grande repercussão de seu pensamento, que se ajustou perfeitamente ao clima

de mudança que estava brotando no período. Descartes fundou um novo edifício para o

conhecimento, tendo como alicerce o próprio sujeito, por uma nova estratégia de se

fazer e se pensar a ciência e a filosofia.

As ideias cartesianas vão fortalecendo as bases da ciência moderna,

em que o sujeito pensante passa a ser o fundamento do novo quadro teórico, o novo

ponto alternativo para a construção e justificativa do conhecimento, agora constituído

sobre a figura do “cogito”. Segundo Marcuse, “[...] a significação prática da filosofia

assumira, com Descartes, uma nova forma, que se ajustava ao imenso progresso das

técnicas modernas. Ele anunciara uma filosofia prática” (MARCUSE, 1989, p.28).

Descartes iniciou seus estudos ainda jovem, por volta dos dez anos de

idade, num colégio nobre jesuíta, em que o ensino das humanidades era predominante.

Na primeira parte de sua obra Discurso do Método, Descartes se dedicou a descrever

todo seu percurso intelectual, o colégio jesuíta, o caminho das letras e, diante disso, sua

insatisfação com a abordagem do conhecimento, que, segundo ele, se baseava em “[...]

opiniões inseguras e sem nenhuma utilidade prática: as humanidades não serviam

verdadeiramente ao homem” (DESCARTES, 1999, p.12).

No decorrer de seus escritos, acentuou enfaticamente como o

conhecimento valorizado no período não se sustentava mais, não transmitia nenhuma

verdade pautada no real, constituindo-se apenas de questões guiadas pelo hábito e pela

tradição. Nesse sentido, anunciou que “[...] de todas as coisas que no passado considerei

verdadeiras, não existe nenhuma da qual hoje não possa duvidar” (DESCARTES, 1983,

p.254).

20

Ao reconhecer as limitações do conhecimento, empenhou-se em

buscar um novo método de investigação, uma nova forma de conhecer para se chegar à

verdade e à certeza, um método que tivesse clareza e distinção, um método para “[...]

unificar todos os conhecimentos humanos a partir de bases seguras, construindo um

edifício plenamente iluminado pela verdade e, por isso mesmo, todo feito de certezas

racionais” (DESCARTES, 1999, p.05). Assumiu como tarefa “[...] inaugurar, desde os

fundamentos, o luminoso reino da certeza” (ibid., p.07).

Um ponto central de suas proposições é, portanto, a questão da

dúvida. Para ele, era preciso duvidar de tudo o que se aprendeu, que, através da dúvida

diante das coisas, se incorporaria uma postura que o levaria para um conhecimento mais

preciso:

E acreditei com firmeza em que, por este meio, conseguiria conduzir minha

vida muito melhor do que se a construísse apenas sobre velhos alicerces e me

apoiasse tão-somente sobre princípios a respeito dos quais me deixara

convencer em minha juventude, sem ter nunca analisado se eram verdadeiros.

(DESCARTES, 1999, p.45).

Para Hannah Arendt (1991), a dúvida cartesiana colocou a realidade e

a própria condição humana em questão, de modo que “[...] nada, nenhum pensamento

ou experiência, dela escapa” (p.287). A autora ainda salienta que “Descartes foi o

primeiro a conceitualizar esta forma moderna de duvidar, que depois dele, passou a ser

o motor [...] que vem movendo todo pensamento” (ibid., p.286). Trata-se da

radicalização da dúvida cética, de caráter universal.

Descartes não ficou apenas na dúvida cética, mas buscou encontrar

um ponto fixo e seguro, “[...] uma coisa que seja segura e incontestável”

(DESCARTES, 1983, p.257). Em sua segunda meditação, chega à conclusão de que só

não poderia duvidar da existência de si próprio, pois tem a certeza de que existe, de que

pode duvidar, de que pode pensar, no qual “[...] eu sou, eu existo” (ibid., p.258), e “[...]

nada é a não ser pensar” (ibid., p.263). É o limite do pensamento em relação à existência

e à objetividade do conhecimento:

21

[...] pelo fato mesmo de eu pensar em duvidar da verdade das outras coisas,

resultava com bastante evidência e certeza que eu existia; ao passo que, se

somente tivesse parado de pensar, apesar de que tudo o mais que alguma vez

imaginara fosse verdadeiro, já não teria razão alguma de acreditar que eu

tivesse existido. (DESCARTES, 1999, p.62).

Outro ponto que enfatizamos, no pensamento cartesiano, é que corpo e

mente são tidos como entidades separadas e diferentes, em que há a res cogitans – coisa

pensante, mente; e a res extensa – coisa extensa, matéria. Para o pensador francês, a

essência da natureza humana era o pensamento, o “cogito”, privilegiando-o em

detrimento da matéria. Assim, a razão passou a ser retomada com todas as forças,

tornando-se o guia para o encontro da verdade de maneira exata, clara. O cuidado que

Descartes anunciou, por conseguinte, concerne à instância que desvia o conhecimento

do real, que são as paixões, as emoções, o campo da subjetividade. Segundo ele, essa é a

instância que conduz ao engano, em que não se pode confiar, a que se deve renunciar. A

ideia de razão, pois, é desvinculada dos sentidos e da emoção:

Nenhuma das coisas que a imaginação me capacita a entender tem qualquer

relevância para o “verdadeiro” conhecimento que possuo de mim mesmo, e,

portanto, deve-se, com todo o cuidado, desviar a mente desse modo de

conceber as coisas, para que se possa perceber sua própria natureza o mais

distintamente possível. (DESCARTES apud COTTINGHAM, 1995, p.83).

Como consequência, realçou que “[...] a luz, as cores, os sons, os

odores, os sabores, o calor, o frio e as demais qualidades apreendidas pelo tato,

encontram-se em meu pensamento com tanta falta de clareza e confusão que ignoro

mesmo se são verdadeiras ou falsas e apenas aparentes” (DESCARTES, 1983, p. 279).

Para Descartes, as únicas ciências confiáveis eram as ciências exatas,

as únicas que evidenciavam a exatidão e a certeza, em especial a matemática. Assim,

para o pensador francês, a linguagem da natureza era sinônimo de matemática: somente

as matemáticas apresentariam certeza e evidência com as coisas da razão. Em suas

palavras: “[...] entre todos os que anteriormente procuraram à verdade nas ciências,

apenas os matemáticos puderam encontrar algumas demonstrações, ou seja, algumas

razões certas e evidentes” (1999, p.50). Arendt fez esse destaque e assinalou que “[...] a

matemática passou a ser a principal ciência da era moderna” (1991, p. 278).

22

A par disso, por meio da lógica matemática, se estabeleceu um novo

método para melhor compreensão do Universo, que não haveria mais a possibilidade de

se enganar, que serviria para se chegar a um conhecimento completo e exato, o método

analítico. Como parte de seu método, postulou também que, para se chegar com mais

certeza e segurança ao verdadeiro conhecimento, deveria se dedicar à decomposição e

hierarquização das substâncias, sempre das mais simples para as mais complexas, das

ideias mais perfeitas para as menos perfeitas, e deixa anunciada a necessidade de

[...] conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais

simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-me, pouco a pouco, como

galgando degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e presumindo até

mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos

outros. (DESCARTES, 1999, p.49-50).

Com efeito, para que tudo seja compartimentalizado, seria necessário

ter-se uma ordenação, “[...] repartir cada uma das dificuldades que eu analisasse em

tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor solucioná-las”

(DESCARTES, 1999, p.49). Como reforça Koyré (1992), “[...] o pensamento, para

Descartes, deve ser progressivo e não regressivo [...] vai do simples ao complexo;

avança, ao concretizar-se da unidade dos princípios para a multiplicidade das

diversificações” (p.55).

O sujeito passa a ser o termo central, em que “[...] o homem vê-se

diante de nada e de ninguém a não ser de si mesmo” (ARENDT, 1991, p.293), pois sua

razão é capaz de guiá-lo para o caminho das verdades, pode determinar o caminho a se

seguir, considerado detentor das ferramentas para superar a condição de infelicidade, de

miséria, entre outros, uma vez que “[...] os processos que se passam na mente do

homem são dotados de certeza própria” (p. 292). Destarte, a ênfase é no sujeito do

conhecimento, pensante, o sujeito da razão agora pode determinar as coisas, de tal modo

que, “[...] mesmo que não exista a verdade, o homem pode ser veraz e mesmo que não

exista certeza confiável, o homem pode ser confiável [...] se alguma salvação existia,

devia estar no próprio homem” (ARENDT, 1991, p.291).

Arendt (1991) nos auxilia, completando que “[...] os homens

modernos não foram arremessados de volta a este mundo, mas para dentro de si mesmos

23

[...] com preocupação exclusiva com o ego, em oposição à alma ou a pessoa ou ao

homem em geral” (p.266). É certo que “[...] a filosofia moderna procurara garantir,

através da introspecção, que o homem não se preocupasse a não ser consigo mesmo”

(p.293). Quer dizer que o sujeito se preocupa com seu próprio ser, quer se emancipar,

emancipar seu corpo, sua alma, pois se descobre dono de si. Analogamente, Severino

(2006) salienta que “[...] a transformação do mundo, a construção da sociedade, o

aprimoramento da existência objetiva decorrem agora diretamente da transformação, do

aprimoramento íntimo do sujeito”.

Para dar continuidade a nossas análises, no próximo tópico,

almejamos levantar os principais princípios formulados por Auguste Comte, pensador

que fundamentou a física social, partindo dos princípios adotados nas ciências naturais

inicialmente postulados por Descartes.

1.2 OS PRESSUPOSTOS POSITIVISTAS A PARTIR DE AUGUSTE COMTE

Auguste Comte buscou forjar um sistema de ideias gerais,

entrelaçando os interesses sociais, científicos e morais. Sua meta foi estabelecer um

método universal, que assegurasse a formulação de um conhecimento realmente sólido,

palpável, concreto, inquestionável, que possibilitasse reorganizar o todo social e

enfrentar os problemas dele advindos: “[...] a única unidade indispensável é a unidade

do método, que pode e deve evidentemente existir e já se encontra, na maior parte,

estabelecida” (COMTE, 1983).

Para Comte, a razão humana atingira seu ápice, um grau de

desenvolvimento que conduzira a humanidade para o progresso. Reconheceu, assim, a

importância da atividade científica, pois esta garantira a superação de explicações

pautadas em opiniões fantasiosas, enganosas, sem nenhuma verdade. Para ele, o sucesso

da atividade científica se deu devido ao desmembramento das leis gerais da Natureza,

que universalizou um método científico claro e seguro.

Com efeito, a sociedade necessitava de uma nova maneira de pensar,

que acompanhasse o desenvolvimento das ciências naturais, uma completa reforma

24

intelectual. De acordo com suas considerações, o momento histórico convergia para a

reorganização do espírito, devendo ser guiado pela racionalidade positiva. O que

estabeleceria a instauração de uma racionalidade positiva seria de alçada intelectual por

meio da atividade científica, uma vez que “[...] a razão humana está agora

suficientemente madura para que empreendamos laboriosas investigações científicas”

(COMTE, 1983, p.06).

De maneira enfática, prosseguiu que somente pelo alcance do espírito

positivo seria possível seguir um percurso seguro no âmbito social, pois “[...] só a

filosofia positiva pode ser considerada a única base sólida da reorganização social, que

deve terminar o estado de crise no qual se encontram, há tanto tempo, as nações mais

civilizadas” (COMTE, 1983, p.17).

O sistema de Comte se dividiu em alguns principais temas, a saber: a

filosofia da história; a fundamentação e a classificação das ciências; e a instauração da

física social, que significa o ápice do estado positivo.

A filosofia da história ilustra o desenvolvimento do espírito na

história, representando a “[...] marcha progressiva do espírito humano” (COMTE, 1983,

p.03). Refere-se à lei dos três estados, pressupondo que as ciências e o espírito humano

seguem uma evolução natural, passam por estágios diferentes, indo do conhecimento

mais simples para o mais complexo. A evolução intelectual transitaria, assim, por três

etapas distintas: a teológica, a metafísica e a positiva.

O primeiro estágio diz respeito ao espírito teológico, um estado ainda

provisório, espontâneo, preso à esfera da imaginação. O estado metafísico se contrapõe

ao estágio anterior, no entanto, ainda não é o estado da razão, é apenas o caminho

intermediário. É o estágio de transição do teológico para o positivo e, ao invés de se

fixar nas explicações advindas da imaginação, esse estágio dá lugar à argumentação.

Até que se chega ao último estágio, do espírito positivo, que se refere ao estágio pleno

da razão. O estado positivo deixa de lado a imaginação e a argumentação presentes nos

estágios anteriores e dá ênfase à observação dos fatos. Comte ressaltou que se deveria

respeitar cada etapa desses estágios, ao passo que, para alcançar o estado positivo, seria

inevitável que se transitasse pelo estágio metafísico e pelo teológico.

A evolução se daria tanto nas formas de conhecer, quanto na

organização societária. Para comprovar sua teoria social, Comte dividiu as épocas

25

históricas ordenadamente, evidenciando a evolução progressiva da civilização com a lei

de sucessão das sociedades, demonstrada pela linha evolutiva de distintos períodos

históricos. Assim, a sociedade também se originara no estágio teológico, passara para o

estado metafísico, até atingir a idade positiva. Com isso, diante de uma antiga ordem

social caótica, de cunho teológico-metafísico, viu-se o brotar da nascente ordem social

positiva. A noção de temporalidade se alterou profundamente, fundou-se uma nova

perspectiva de tempo histórico, que vai ao encontro do universo da precisão, do tempo

matemático, linear, da exatidão, que concebe a história como um processo contínuo, que

está sempre avançando, respeitando uma linearidade.

O desafio da filosofia positiva seria, portanto, superar as filosofias

teológicas e metafísicas, os estados primitivos que predominaram nos séculos anteriores

em todo o sistema intelectual e social. Nesse sentido, inferiu que,

[...] homogeneizando-se todas as nossas concepções fundamentais, a filosofia

constituir-se-á definitivamente no estado positivo. Sem nunca mais poder

mudar de caráter, só lhe resta desenvolver-se indefinidamente, graças a

aquisições sempre crescentes, resultantes inevitáveis de novas observações

ou de meditações mais profundas. Tendo adquirido com isso o caráter de

universalidade que lhe falta ainda, a filosofia positiva se tornará capaz de

substituir inteiramente, com toda superioridade natural, a filosofia teológica e

a metafísica. (COMTE, 1983, p.10).

O positivismo correspondeu, dessa forma, à luta contra o apriorismo

metafísico, representou a abolição da concepção transcendental e metafísica: “[...] a

sociologia se tornou uma ciência por renunciar ao ponto de vista transcendente de

crítica filosófica” (MARCUSE, 1989, p.309), em que “[...] todos os elementos que

transcendessem [...] para além dos fatos comuns dados, deviam [...] ser excluídos”

(ibid., p.319).

Ressalta-se daí o destaque para a observação dos fatos, que se

encaixou como premissa essencial de sua teoria. Conferiu, portanto, que a explicação

dos fenômenos se daria de acordo com a observação dos fatos, baseado na experiência,

de modo a rejeitar toda a filosofia especulativa e todo conhecimento metafísico. Desse

modo, torna-se saliente que, nada deveria escapar da esfera do imediato, daquilo que é

observável. Ainda nas palavras de Comte: “[...] todos os bons espíritos repetem, desde

Bacon, que somente são reais os conhecimentos que repousam sobre fatos observados”

26

(COMTE, 1983, p.05). Também explicitado por Marcuse (1989), o “que é positivo para

Comte são os fatos comuns da observação” (p.294).

O método submeteria os fenômenos a leis naturais e invariáveis,

garantindo a unidade do conhecimento. Só assim se garantiria a neutralidade no

processo investigativo, possibilitaria a certeza, o conhecimento livre de especulação, o

conhecimento científico.

Fica explícito que,

[...] no estado positivo, o espírito humano [...] preocupa-se unicamente em

descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da observação, suas

leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de similitude. A

explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais, se resume de agora

em diante na ligação estabelecida entre os diversos fenômenos particulares e

alguns fatos gerais. (COMTE, 1983, p.04).

Corrobora-se, de acordo com suas observações, a tese da neutralidade

da ciência; que a ciência, uma atividade isenta de valores, neutra, apenas investiga,

observa, analisa os fatos dados da realidade. Ou seja, a sociologia “[...] nem admira nem

condena os fatos políticos... mas considera-os... como simples objetos de observação”

(COMTE apud MARCUSE, 1989, p.320-321). Destarte, a preocupação voltou-se

unicamente ao fato, ao que é útil: “[...] a sociologia positiva deve se ocupar com a

investigação dos fatos, em vez de se ocupar com ilusões transcendentais; com o

conhecimento utilizável, em vez da dúvida e da indecisão; com a organização em lugar

da negação e da destruição” (p.310). Consequentemente, os cientistas passaram a ser

vistos como homens de ação. Através do manuseio dos dados empíricos, passíveis de

comprovação, prezou-se a neutralidade na experimentação, a rigorosidade na

observação e na disposição das informações obtidas: “[...] o cientista tem que conceber

e classificar os fatos [...] e dispô-los de tal forma que ele mesmo e todos os que devem

utilizá-los possam dominar os fatos o mais amplamente possível [...] o experimento tem

o sentido de constatar os fatos” (HORKHEIMER, 1989, p.37).

Análogo ao método analítico cartesiano, Comte propôs a classificação

e a hierarquização dos conhecimentos, salientando que “[...] a necessidade de dispor os

fatos numa ordem que podemos conceber com facilidade (o que é objeto próprio de

todas as teorias científicas) é de tal maneira inerente a nossa organização” (COMTE,

27

1983, p.23). Como no método analítico: “[...] é, portanto, do estudo de fenômenos mais

gerais ou mais simples que é preciso começar, precedendo em seguida sucessivamente

até atingir os fenômenos mais particulares ou mais complicados” (p.30). Dessa forma,

seria possível chegar com mais certeza e segurança ao verdadeiro conhecimento.

Para o positivismo, são seis as ciências fundamentais, que se

classificam de acordo com o grau de complexidade de seus objetos, a saber: a

matemática, a astronomia, a física, a química, a biologia e a física social. A física social

consiste no último campo do conhecimento a ser atingido, e encerra o percurso da

filosofia positiva, a totalização do saber:

[...] a matemática, a astronomia, a física, a química, a fisiologia e a física

social; tal é a fórmula enciclopédica que, dentre o grande número de

classificações que comportam as seis ciências fundamentais, é a única

logicamente conforme à hierarquia natural e invariável dos fenômenos.

(COMTE, 1983, p.39).

A ciência matemática é considerada a ciência máxima, completa,

suprema, é o “[...] instrumento mais poderoso que o espírito humano pode empregar na

investigação das leis dos fenômenos naturais” (HORKHEIMER, 1989, p.38). Os

números demonstram a exatidão, aquilo que é calculável, as ditas verdades absolutas,

livres das contaminações externas, livres das contradições. Assim, “[...] a ciência

matemática deve, pois, constituir o verdadeiro ponto de partida de toda educação

científica racional, seja geral, seja especial, o que explica o uso racional” (ibid., p.39).

Como nas palavras de Adorno & Horkheimer (1985): “[...] o número se tornou o cânon

do esclarecimento” (p.22).

Comte utilizou-se de dois conceitos centrais: estática e dinâmica

social. A estática social se relaciona à lei da ordem, isto é, à ordenação harmoniosa e

natural da sociedade. Segundo a teoria da ordem, a tentativa de revolução, de

transformação social é inútil, uma vez que o que rege o social são suas leis naturais, que

garantem uma ordem harmoniosa. Nessa perspectiva, posicionou-se contra qualquer

ideia de revolução, de sorte que qualquer ideia de conflito é extinta da sua teoria social.

Em suma, o caminho é de cunho intelectual e não revolucionário.

28

Já o conceito de dinâmica social diz respeito às leis do progresso, que

pressupõem a dinâmica da evolução e do progresso social, no entanto, uma dinâmica

mecânica: “[...] progresso histórico é um processo natural [...] governado por leis

naturais” (MARCUSE, 1989, p.319). Vale lembrar, também, que o progresso se refere

ao progresso intelectual, destituído do contexto material.

À luz desses conceitos, Comte buscou representar que a realidade

social conserva em si o mecanismo da estática e da dinâmica, da ordem e do progresso,

sendo que não há ordem sem o progresso, um é pré-requisito do outro. Estática e

dinâmica: “[...] são [...] as únicas vias gerais, uma complementar à outra, pelas quais se

pode chegar a algumas noções racionais verdadeiras sobre os fenômenos intelectuais”

(COMTE, 1983, p.13). Nessa perspectiva, sustentou seus princípios a partir da

conciliação harmoniosa entre ordem e progresso, revestidos pelos conceitos de estática e

dinâmica social, em que a sociologia representaria uma “[...] ciência exata que trata das

leis invariáveis da estática e da dinâmica social” (MARCUSE, 1989, p.320).

Um dos grandes problemas sociais do período eram os conflitos entre

as classes sociais, proletariado e burguesia. Comte localizou essa questão e, ao ressaltar

que a anarquia social advém da anarquia intelectual, desqualificou a intervenção política

da Revolução Francesa. A necessidade, segundo ele, era de uma formação moral, e não

de cunho revolucionário, como interpretado na Revolução Francesa: “[...] as

dificuldades sociais principais são hoje, essencialmente morais e não políticas”

(COMTE apud MARCUSE, 1989, p. 314). Os esforços revolucionários eram

considerados completamente inválidos e, além disso, repudiados. Em outras palavras,

para Comte, o que daria conta da tarefa de abolir os conflitos sociais entre as classes

bem como toda a anarquia social seria a reforma intelectual, a “renovação moral”

(COMTE apud MARCUSE, 1989, p.314), pois “[...] a grande crise política e moral das

sociedades atuais, provém [...] da anarquia intelectual” (COMTE, 1983, p.17). Nesse

sentido, a mudança social se daria pelo alcance da harmonia natural própria da

sociedade, pela instauração de sua ordem, por meio da atividade intelectual.

Outro fator de destaque das considerações de Comte é que, para que

se mantivesse a ordem e a harmonia social, deveria haver uma autoridade, uma

referência para garantir o equilíbrio: “[...] na ordem intelectual, não menos que na

ordem material, tem os homens acima de tudo a necessidade indispensável de alguma

29

mão diretora superior, capaz de sustentar-lhes a contínua atividade, pela coordenação e

delimitação dos seus esforços” (COMTE apud MARCUSE, 1989, p.317). Ideia

explícita também nas seguintes palavras: “[...] quão doce é obedecer quando podemos

desfrutar da felicidade de estarmos desobrigados, por dirigentes sábios e ilustres, da

responsabilidade premente da direção geral da nossa conduta” (p.317-318).

O respeito e a manutenção da ordem estabelecida são tidos como

primordiais, visto que, para atingir o progresso, nada mais que seguir as leis naturais, o

que garantiria a ordem social harmoniosa rumo ao progresso, e consequentemente, a

felicidade, seria a obediência à autoridade. Comte teve dois grandes aliados para a

efetivação do espírito positivo: a ciência, enquanto representante intelectual que

permitiria a transformação da natureza; e a indústria, que é o meio que efetivaria essa

transformação. Diante da necessidade de uma nova elite intelectual, Comte não teve

dúvidas de que esta seria formada pelos cientistas e pelos industriais, os condutores

mais adequados da ordem positiva, os representantes aptos para a manutenção da ordem

positiva, preocupados e comprometidos com o bem comum, os quais formariam uma

nova elite científico-industrial. Assim, é necessário compreender que “[...] a sociedade é

uma ‘hierarquia positiva’, e a submissão à estratificação social é indispensável à vida do

todo” (COMTE apud MARCUSE, 1989, p.324).

Em linhas gerais, sintetizamos: a doutrina positivista se pauta na ideia

de uma ordem social harmoniosa, cujo estabelecimento seria possível, a partir de um

único método científico, da classificação e da ordenação das informações. Uma ordem

para garantir o progresso, o conhecimento verdadeiro, livre de contradições, livre das

contaminações externas, neutra. Tem-se a ciência como forma de compreensão objetiva

dos fatos, que se solidifica como a única forma garantida de explicar o mundo, de modo

que “[...] só a ciência é via de conhecimento sólido e verdadeiro, capaz de construir o

saber e de dotar o homem dos instrumentos para o fazer” (SEVERINO, 2006). A ciência

configurou-se, desde então, como a grande vitória da humanidade, sinônimo de

exatidão, de controle, com aquilo que se pode observar, comprovar, no que é fato, no

aqui e agora, extinguindo qualquer conhecimento pautado em relações obscuras, na

incerteza. A ciência é tida como verdadeiro triunfo da humanidade.

1.3 CONSEQUÊNCIAS DO PROJETO MODERNO

30

O que defendemos aqui é que o uso do pensamento científico

moderno e de seus princípios sistematizados pela filosofia cartesiana e positivista – tais

como a decomposição, a fragmentação, a racionalização, a matematização – são

predominantes na modernidade. Seus princípios sustentaram uma visão mecânica e

estática acerca do mundo, com o funcionamento semelhante a uma máquina,

constituindo-se numa visão ideológica sobre a ciência.

Com efeito, a crença no cientificismo, apoiada na figura do sujeito e

sobre o sujeito, induziu à visão restrita e reducionista de homem e de mundo,

[...] o mundo da experimentação científica sempre parece capaz de tornar-se

uma realidade criada pelo homem [...] torna, infelizmente, a aprisionar o

homem [...] na prisão de sua própria mente, nas limitações das configurações

que ele mesmo criou. (ARENDT, 1991, p.301).

Esse sujeito detentor da razão se consolidou como uma verdadeira

concepção ideológica, de maneira que

[...] tal confiança impediu que se percebesse que uma série de concepções

dogmáticas a respeito da ciência também foram se consolidando. Formaram-

se assim dogmas que envolvem o espírito de muitos cientistas, constituindo,

nesta expressão extremada, estados – limite de certas tendências.

(SEVERINO, 2002, p.90).

É possível verificar inúmeros reflexos na sociedade contemporânea. O

uso da razão, da lógica matemática, da intuição e da dedução, no qual tendemos a

buscar as regras invariáveis das situações, a excessiva utilização dos números, a

fragmentação dos conhecimentos, entre outros, são alguns dos desdobramentos desses

princípios, em nossa vida cotidiana.

A objetivação faz com que percamos a dimensão humana das

relações, na medida em que é preciso tornar tudo mais prático e mais simples. De

acordo com as análises de Severino (2002), o cientificismo,

[...] visão ideológica da ciência, assume todas as características de uma

religião. O ensino e o saber da ciência são dogmáticos, só podendo ser

praticados por experts. E assim sendo, suas verdades são apresentadas como

absolutas e indiscutíveis, não podendo ser questionadas. (SEVERINO, 2002,

p.90).

31

Cumpre lembrar que isso se dá, pois “[...] estamos tão habituados à

ciência matemática, à física matemática, que não sentimos mais a estranheza de um

ponto de vista matemático sobre o Ser” (KOYRÉ apud JAPIASSÚ, 2001, p.80).

Em síntese, evidenciou-se, no positivismo, uma visão de mundo

restrita à esfera do imediato, à ordem, à exatidão, àquilo que é mensurável, que é

palpável. Podemos dizer que esses princípios surtiram efeitos graves nos sujeitos, na

maneira de olhar o mundo e a si próprios. O sujeito se ausentou da atividade de pensar,

porque o método é claro e seguro para guiar a humanidade, para se alcançar o

conhecimento verdadeiro. Os homens bem como o mundo são transformados em

máquinas, e a atividade científica busca incessantemente compreender seus

mecanismos, o funcionamento de suas engrenagens. As finalidades humanas se perdem,

os fins se submetem aos meios. Diante do exposto, permite-se aduzir que “[...] a

atividade do pensamento reificou-se, transformando-se em mero instrumento adequado

à criação dos demais instrumentos” (LASTÓRIA, 2001, p.04). Como destacado, o

pensamento cedeu lugar ao método, se atrofiou. Em outras palavras, o sentido da vida se

desvaneceu, “[...] o pensamento foi tragado pelos procedimentos da matemática” (ibid.,

p.04), à tecnologia, ao acúmulo de capital, à produtividade. Os potenciais que poderiam

gerar uma experiência humana mais efetiva foram desapropriados na modernidade.

No próximo capítulo, nós nos dedicaremos a trabalhar com a crítica

frankfurtiana ao positivismo, emanada de pensadores que apontaram para a crise nas

formas de conhecer que ofuscou o modo de ser e estar no mundo.

CAPÍTULO II

A CRÍTICA FRANKFURTIANA AO POSITIVISMO

Refletir sobre a crítica frankfurtiana ao positivismo equivale a pensar

a própria história da Escola de Frankfurt, porque tal crítica já estava presente em

diversos textos publicados na Revista do Instituto de Pesquisas Sociais1. Essa ênfase

explica-se pelo papel central dedicado pela Teoria Crítica ao positivismo. Seus teóricos

explicitaram que nos métodos, concepções teóricas e procedimentos positivistas

transparecem os elementos regressivos da razão. A razão iluminista teve sua dimensão

emancipatória ofuscada pela lógica da burguesia – com o uso da ciência e da técnica – e

sua dimensão instrumental tem primazia, o que fez com que perdesse seu potencial de

liberdade. A ciência e a técnica, nesse contexto, imbricam-se e se aliam às relações

capitalistas. As consequências do formalismo do pensamento e seus desdobramentos em

princípios positivistas resultaram no empobrecimento da experiência e do pensamento,

com reflexos no âmbito da educação.

Cumpre, como objetivo do presente capítulo, tensionar as principais

críticas levantadas por esses pensadores aos pressupostos positivistas. Sendo assim,

propusemo-nos refletir acerca das consequências do projeto da modernidade e discutir

suas implicações para a educação.

Para isso, no primeiro tópico, a discussão aborda o momento de crise

da razão e sua dimensão instrumental, constituída por elementos regressivos que

impediram a emancipação e a liberdade. Em seguida, intentamos debater o quanto a

atividade científica se desviou das finalidades humanas, tendo como resultado o

rompimento com a experiência formativa, ao considerar que, ao ajustar-se ao

conhecimento científico e à tecnologia, a experiência ficou reduzida ao empírico,

resultando no esvaziamento da existência humana, o qual abordamos no terceiro tópico.

Para finalizar, trouxemos à tona algumas implicações educativas.

1 Destacamos em especial os textos: Teoria Tradicional e Teoria Crítica, de Max Horkheimer, redigido

em 1932; Razão e Revolução, de Herbert Marcuse, redigido na década de 1940; Dialética do

Esclarecimento, de Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, redigido em 1944, entre outros títulos que

também nos possibilitaram pensar a problemática.

33

2.1 A CRISE DA RAZÃO

Na análise realizada por Adorno e Horkheimer (1985), na obra

Dialética do esclarecimento, no capítulo sobre o Conceito de Esclarecimento, os

autores vêm elucidar o movimento de desconfiança da razão, devido ao fracasso frente à

promessa de emancipação. Os autores revelaram o processo histórico de constituição da

razão em sua dialética, predominando uma racionalidade desviada da emancipação,

portanto, regressiva. Dessa forma, é possível compreender as justificativas do retorno a

uma razão limitada, mítica, restrita à esfera do imediato, com as finalidades de cunho

instrumental.

O texto tratou do entrelaçamento entre o mito e o esclarecimento na

história da civilização ocidental. Na explicação mítica, tida como uma forma arcaica de

esclarecimento, o homem obedecia e servia à natureza, considerada sagrada, natureza

mãe, havendo a subjugação do homem à natureza – a natureza imperava sobre o

homem. Os homens projetavam a própria subjetividade nos objetos naturais. É a forma

pela qual os homens primitivos buscaram aplacar as forças da natureza.

Já na explicação científica, essa condição se inverte. Os homens

passaram a utilizar outros meios para conhecer a natureza, sentindo-se senhores do

mundo. Os homens vão se livrando do mito, desvendam os segredos da natureza,

amparados por uma mentalidade prática e por ferramentas tecnológicas. Assim, no

universo científico, defende-se a tese de que o homem, agora o ser racional, pensante, é

que impera na natureza, desencanta-a e a domina, elucidando a fragilidade dos mitos.

Vê-se que “[...] o que os homens querem aprender da natureza é como

empregá-la para dominar completamente a ela e aos homens” (ADORNO;

HORKHEIMER, 1985, p.20). Em outras palavras:

[...] o mito converte-se em esclarecimento, e a natureza em mera

objetividade. O preço que os homens pagam pelo aumento de seu poder é a

alienação daquilo sobre o que exercem o poder. O esclarecimento comporta-

se com as coisas como o ditador se comporta com os homens. Este conhece-

os na medida em que pode manipulá-los. O homem de ciência conhece as

coisas na medida em que pode fazê-las. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985,

p.24).

34

A defesa predominante é de que o sujeito possuiria uma estrutura

racional e que, apoiando-se em métodos adequados, faria melhor uso de sua razão,

estabelecendo verdades absolutas, inquestionáveis, seguras.

Lastória (2001) sintetizou o movimento dialético da razão:

Através da identificação antecipatória, o pensamento esclarecido moderno

acredita estar a salvo do retorno ao mito. O que esse pensamento não se dá

conta [...] seria exatamente o fato de que, a cada novo passo, se enreda cada

vez mais na ordem mítica [...] é assim que o princípio mítico do destino

aparece transmutado no princípio da imanência por meio do qual se reenvia à

explicação de todo acontecimento pela mera repetição. É assim que na

imparcialidade do jargão científico, o substrato concreto da dominação social

pode repousar tranquilamente sobre um conjunto de signos neutros.

(LASTÓRIA, 2001, p.04).

A problemática diz respeito à dialética do esclarecimento: o trajeto

emancipatório do homem em face da natureza, que consiste em dominá-la, buscando

superar o estado original de impotência em relação a ela, acarretou num certo tipo de

progresso que é, ao mesmo tempo, recaída na barbárie e, portanto, regressão. A razão

que conduziria ao progresso se perde e se esquece dos homens, reduzindo as estruturas

universais do pensamento à lógica formal e ao esquema do cálculo matemático,

considerando apenas o existente, o factual, a esfera do imediato, o empírico e o

palpável. Esse saber científico culminou na constituição da ciência moderna e posterior

pensamento positivista. Vê-se o resplandecer da técnica formalizada, voltada para a

eficiência, para o cálculo matemático, reduzindo a experiência com o conhecimento a

esquemas já pré-concebidos. Prezou-se pelo já provável, pelo conhecido, pelo

verificável. O pensar reduziu-se a esquemas probabilísticos, coisificou-se e tornou-se

mero instrumento.

Com efeito, o conhecimento tornou-se totalitário, absoluto, em que o

processo já estaria decidido previamente, “[...] os homens renunciaram ao sentido e

substituíram o conceito pela fórmula, a causa pela regra e pela probabilidade”

(ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.21), o que fez com que se mantivessem na ordem

mítica e não se superasse o problema da dominação.

Frente ao desenvolvimento tecnológico e aos meios que facilitariam a

relação do homem com a natureza, o sentido da vida se esvaziou e a razão assume cada

35

vez mais uma roupagem desfigurada e irracional – a humanidade se mantém numa

ordem regressiva, sendo palco de atrocidades em meio à barbárie. Se, por um lado, o

desenvolvimento técnico produziu riquezas, conhecimento, por outro, produziu miséria,

alienação e exploração: “[...] o horizonte sombrio do mito é aclarado pelo sol da razão

calculadora, sob raios gelados amadurece a sementeira da nova barbárie” (ADORNO;

HORKHEIMER, 1985, p.43).

Este é o grande nó da razão evidenciado pela modernidade, expresso

pelos pensadores da Escola de Frankfurt: de promessa de emancipação plena, a razão

passa a conduzir a barbárie, converteu-se em seu oposto, transformando-se em

instrumento de opressão: “[...] toda tentativa de romper as imposições da natureza

rompendo a natureza, resulta numa submissão ainda mais profunda às imposições da

natureza” (ADORNO E HORKHEIMER, 1985, p.27). Adorno e Horkheimer (1985)

concluíram, portanto, que a própria razão é dialética, contraditória, possui potenciais de

encantamento e de desencantamento, pode levar tanto ao progresso quanto à regressão,

de modo que “[...] a maldição do progresso irrefreável é a irrefreável regressão” (ibid.,

p.46).

Dessa forma,

[...] o aumento da produtividade econômica, que por um lado produz as

condições para um mundo mais justo, confere por outro lado ao aparelho

técnico [...] uma superioridade imensa sobre o resto da população. O

indivíduo se vê completamente anulado em face dos poderes econômicos.

(ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.14).

Contudo, a ilação que se segue é que o mito que a ciência se propunha

aniquilar falha, o esclarecimento moderno fracassa e abandona seu maior objetivo,

esclarecer-se – a exigência filosófica clássica de se pensar o próprio pensamento foi

abandonada. Ao se colocar a ciência como promotora do progresso, o pensamento foi

submetido à técnica; em nome do conhecimento científico, o pensar foi metodizado e,

com isso, abandonado: “[...] o pensar reifica-se num processo automático e autônomo,

emulando a máquina que ele próprio produz para que ela possa finalmente substituí-lo”

(ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.37). É enfaticamente declarado que “[...] o

esclarecimento pôs de lado a exigência clássica de pensar o pensamento” (p.37).

36

O mundo capitalista, no qual impera a razão desencantada, é um

mundo em que, principalmente sob a forma da tecnologia, novos fetiches substituem os

antigos deuses adorados pelos homens primitivos. O esclarecimento recalca a

autorreflexão que poderia produzir a consciência de que a técnica deveria ser um meio

submetido a fins decididos com autonomia pelos homens. Fetichizados, os meios

expressam a vitória da razão instrumental sobre a liberdade: “[...] o esclarecimento fica

cada vez mais enredado, a cada passo que dá, na mitologia” (ADORNO;

HORKHEIMER, 1985, p. 26).

Adorno, em seu texto intitulado Progresso, destacou a contradição

contida no conceito de razão, enfatizando que a ideia de progresso disseminada pela

ideologia burguesa corresponderia ao progresso de habilidades e de conhecimentos, no

âmbito particular. Nessa perspectiva, indagou: “Progresso do que, para que, em relação

a que” (1995a, p.37), pois, “[...] tendo-se em conta o nível alcançado pelas forças

produtivas técnicas, ninguém mais deveria padecer de fome sobre a face da terra”

(p.38). Isto é, o que se entende como progresso, não diz respeito ao progresso

humanitário. O progresso, portanto, é a negação do próprio progresso, em que “o

progresso acontece ali onde ele termina” (p.47).

No texto Razão e revelação, Adorno (1995) fez o diagnóstico da

liquidação da razão enquanto instância universal, que passa a ser orientada pelo

interesse particular. A racionalização passa a exigir o rigor, o excesso do método, à

necessidade de mecanismos de controle e de manipulação dos fatos, tendo, portanto,

seus objetivos voltados para um contexto pré-concebido, estático, de cunho

instrumental. Os objetivos de ordem transcendental são rechaçados, havendo apenas a

busca por princípios de ordem empírica, com finalidades coladas no fato, passíveis de

comprovação empírica:

Forçadamente, de propósito, desconhece-se que o excesso de racionalidade –

do qual se queixa sobretudo a classe culta, registrando-o em conceitos, tais

como mecanização, atomização e massificação – é um déficit de

racionalidade, isto é, a intensificação de todos os instrumentos e meios e

dominação suscetíveis de cálculo em detrimento do fim, do ordenamento

racional da humanidade, que fica assim abandonado à irracionalidade [...] ao

qual a consciência [...] nem ousa mais elevar-se. (ADORNO, 1995, p.30).

37

Desse modo, ao considerar que o conhecimento deriva apenas das

sensações e das percepções, a razão ficou refém dos fatos, a realidade limitada às

percepções, extinguindo qualquer ideia que fugisse da esfera do imediato. Nesse

sentido, ao questionar os princípios da metafísica, o conhecimento científico pôs em

questão os próprios alicerces da razão: “[...] fez mais do que minar a metafísica: ela

confinou o homem aos limites do dado, à ordem existente das coisas e dos

acontecimentos” (MARCUSE, 1989, p.31). A razão passou a ser guiada pelos dados e

fatos imediatos, o que implica a não realização das potencialidades humanas, uma vida

danificada, com o sentido restrito a autopreservação. Como destacado por Marcuse

(1989), “[...] se o conhecimento por meio da razão [...] significa metafísica, então o

ataque à metafísica é, ao mesmo tempo, um ataque às condições da liberdade humana”

(p. 32).

A liquidação da razão enquanto instância universal também é frisada

por Adorno e Horkheimer (1985):

[...] na imparcialidade da linguagem científica, o impotente perdeu

inteiramente a força para se exprimir, e só o existente encontra aí seu signo

neutro. Tal neutralidade é mais metafísica do que a metafísica. O

esclarecimento acabou por consumir não apenas os símbolos mas também

seus sucessores, os conceitos universais, e da metafísica não deixou nada

senão o medo abstrato frente à coletividade da qual surgira. (ADORNO;

HORKHEIMER, 1985,p.35).

Observou ainda que

[...] os filósofos do iluminismo atacaram a religião em nome da razão; e

afinal o que eles mataram não foi a igreja mas a metafísica e o próprio

conceito de razão objetiva [...] A razão como órgão destinado a perceber a

verdadeira natureza da realidade e determinar os princípios que guiam a vida

começou a ser considerada obsoleta. (HORKHEIMER, 2002, p.26).

Uma crítica contundente às proposições positivistas está presente no

aforismo “a três passos de distância”, da obra Minima Moralia, de Theodor W. Adorno.

O autor vem denunciar a limitação do positivismo, salientando a necessidade de

distância diante do objeto, de estar “a três passos de distância”. Isto é, é preciso ir além

daquilo que está posto no imediato, considerar não só a identidade do objeto, mas

38

também a sua não-identidade, conceber a realidade enquanto dialética, realizada na

história social: “[...] é apenas na distância em relação à vida que se desenvolve a vida do

pensamento que realmente atinge a vida empírica” (1993, p.110). A crítica se consolida,

porque “[...] o positivismo reduz ainda mais a distância do pensamento com relação à

realidade, distância esta que já não é mais tolerada pela própria realidade” (1993,

p.110).

Na pretensão do conhecimento absoluto, de um sistema que

conduzisse seguramente à verdade, Adorno enfatizou que o positivismo se torna um

dogma, aponta para algo já pré-determinado ideologicamente. Aquilo que o positivismo

exprime com exatidão, baseado no fato, não exprime as potencialidades virtuais,

portanto, não é real. A distância realçada pelo autor consiste em pensar o movimento

dialético da realidade no decorrer da história. Nesse sentido, a distância é a elucidação

das contradições, é a possibilidade de contraposição aos condicionantes ideológicos, é a

desestabilização do que está posto e que evidencia o seu vir-a-ser: “[...] a distância não é

nenhuma zona de segurança, e sim um campo de tensões” (ADORNO, 1993, p.111).

2.2 PERDA DAS FINALIDADES HUMANAS: OS MEIOS SE SOBREPUSERAM

AOS FINS

O formalismo da razão teve sua representação na teoria tradicional,

caracterizada pelo levantamento e classificação de dados, por determinações rígidas, e

pela exigência por instrumentos e métodos eficazes, a partir da visão empiricista.

Destarte, a teoria tem o papel de classificar, verificar, validar, prever, calcular e

organizar fatos. Em seu texto Teoria tradicional e Teoria crítica, redigido em 1932,

Horkheimer (1989) trouxe à tona a inadequação dos princípios pautados na teoria

tradicional e a sua carga ideológica, de acordo com os interesses econômicos da

sociedade burguesa. Enfatizou a relação mercantil que a ciência carrega, ao se tornar

meio que possibilita a atividade industrial. Para o autor, a ciência se voltou para a

dinâmica do mercado, atendeu às suas necessidades e, assim, produziu valores sociais

pautados nos interesses da lógica mercantil.

39

Nesse sentido, a crítica de Horkheimer é que, por seguirem o modelo

das ciências naturais, as ciências sociais assumiram os pressupostos da Teoria

Tradicional, o que acarreta, principalmente, a exclusão da possibilidade da contradição,

a matematização das operações lógicas e a consagração da autoridade dos dados e fatos

sociais, produzidos por meio de procedimentos empíricos de pesquisa. Sendo assim, ao

assumir tais pressupostos, as ciências sociais arrogaram-se uma condição suprassocial,

que atribui, a suas concepções teóricas e procedimentos, uma condição meramente

intracientífica, independente dos processos sociais e materiais da existência. Abstraída

da práxis, a teoria tradicional converte-se em ideologia, pois sua “[...] aparente

autonomia dos processos de trabalho, cujo decorrer se pensa provir de uma essência

interior ao seu objeto, corresponde à ilusão de liberdade dos sujeitos econômicos na

sociedade burguesa” (HORKHEIMER, 1989, p. 37).

Para Horkheimer (1989), não há como pretender o alcance da

neutralidade da ciência, o que contraria um dos postulados fundamentais do

conhecimento científico, na vertente positivista. Desse modo, destacou que a percepção

do sujeito sobre os fatos determina previamente certas escolhas, baseadas nas condições

históricas e concretas da existência, em nome de interesses de uma classe dominante.

Assim, “[...] a maneira pela qual as partes são separadas ou reunidas na observação

registradora, o modo pelo qual algumas passam despercebidas e outras são destacadas, é

igualmente resultado do moderno modo de produção” (p.40). Na concepção de

Horkheimer (1989), fica evidente que, “[...] na medida em que o conceito da teoria é

independentizado, como que saindo da essência interna da gnose, ou possuindo uma

fundamentação a-histórica, ele se transforma em uma categoria coisificada e, por isso,

ideológica” (p.35).

Em seu texto intitulado Meios e fins, Horkheimer (2002) fez uma

análise crítica ao positivismo, ao abordar a discussão da distinção entre razão objetiva e

razão subjetiva, sendo esta última expressada pelo modelo positivista de ciência. O que

ocorre, segundo o autor, é que estamos sob a vigência de uma racionalidade subjetiva,

que se pauta no imediato, a partir de uma perspectiva funcional, utilitária e ativista,

imersa na dimensão pragmática, traduzindo-se pela adaptação. É a “[...] expressão

parcial e limitada de uma racionalidade universal, da qual se derivavam os critérios de

medida de todos os seres e coisas” (HORKHEIMER, 2002, p.14).

40

De acordo com a razão subjetiva, a discussão sobre as finalidades não

se coloca. Trata-se de uma racionalidade que submete os fins aos meios, isto é, os fins

são esquecidos, se perdem no decorrer do processo. Destarte, a razão subjetiva “[...]

concede pouca importância à indagação de se os propósitos como tais são racionais. Se

essa razão se relaciona de qualquer modo com os fins, ela tem como certo que estes [...]

servem ao interesse do sujeito quanto à autopreservação” (HORKHEIMER, 2002,

p.13).

O pensamento se submete à técnica, deve-se pensar apenas para

executar, para produzir, havendo a perda dos potenciais emancipadores, dos parâmetros

humanos, da capacidade de reflexão. Diante da suposta neutralidade científica, não cabe

a interferência do sujeito, não cabe ao sujeito pensante julgar as consequências de seus

atos, de seus experimentos, de suas decisões. A razão se torna apenas o meio, um

instrumento para possibilitar as solicitações postas pelo “suposto movimento natural” da

sociedade, não cabe a ela julgar se tais ações são certas ou não. Frente a tais

constatações, Horkheimer reclamou enfaticamente que “[...] a razão [...] renunciou, por

fim, até mesmo à tarefa de julgar as ações e o modo e vida do homem”

(HORKHEIMER, 2002, p.18), uma vez que o “[...] pensamento em nada pode

contribuir para determinar se qualquer objetivo em si mesmo é ou não desejável” (ibid.,

p.17). Nesse quadro, “[...] a atividade é simplesmente um instrumento, pois retira o seu

significado apenas através de sua ligação com outros fins” (ibid., p.44).

A par disso, as finalidades humanas são deixadas de lado, passam a

ganhar caráter imediatista e instrumental, limitadas ao contexto no qual se está inserido,

à visão técnica, sob condução do aparato tecnológico: “[...] a neutralização da razão [...]

a reduz ao papel de uma agência executiva mais preocupada com o como do que com o

porquê, transforma-a cada vez mais num simples mecanismo enfadonho de registrar os

fatos” (HORKHEIMER, 2002, p.62).

Marcuse, em seu texto A noção de progresso à luz da psicanálise,

realçou que é preciso uma relação de justa medida do aparato técnico, um apelo ao calor

humano nas relações. A crítica não deve se voltar para a técnica, mas para seu uso

desmedido, inconsequente e irracional. Não se trata de cair no polo oposto, de negar a

ciência, a tecnologia, porém, de reconhecer suas limitações, de problematizar suas

41

contradições. Ressalta-se daí a indagação: o desenvolvimento tecnológico e a

produtividade estão a serviço de quê, quais as reais finalidades?

A produtividade serve para satisfazer as necessidades melhor e numa escala

mais ampla, já que o fim último da produtividade consiste na produção de

valores de uso que devem reverter em favor dos seres humanos. Mas quando

o conceito de necessidades engloba tanto alimentação, roupa, moradia quanto

bombas, máquinas de caça-níqueis e a destruição de produtos invendáveis,

então podemos afirmar como certo que o conceito é tão desonesto quanto

inútil para determinar o que seria uma produtividade legítima. (MARCUSE,

2001, p.116).

Encontramos contribuições dessa ótica no aforismo “sem medo”, de

Adorno (1993). Nesse texto, Adorno elucidou como atualmente não mais

experienciamos, especulamos a fundo, conhecemos efetivamente uma realidade.

Ressaltou que somos guiados pela lógica do mercado, do lucro, que estipula de antemão

as categorias específicas em que devemos guiar nossos pensamentos e experiências,

restringindo, assim, nossa percepção diante do mundo. Transparece, portanto, que a

[...] objetividade é calculada pelos sujeitos organizadores. Diante dela, a

razão fechou-se por inteiro, refugiando-se em idiossincrasias, que são

reprovadas como arbitrárias pela arbitrariedade dos detentores do poder, pois

estes querem impotentes os sujeitos, por medo da objetividade, que está

conservada apenas nestes sujeitos. (ADORNO, 1993, p. 60).

Apontou que os conceitos de “objetivo e subjetivo” foram

completamente invertidos. O que se entende por objetivo é o subjetivo, trata-se de dados

classificados, categorizados, ordenados e calculados, a esquemas de probabilidade. E o

que se chama por subjetivo é o objetivo, que consiste da verdadeira experiência com o

conhecimento, a experiência a partir de outras dimensões como a estética.

Sugestivas contribuições de Horkheimer também estão presentes em

seu texto Observações sobre Ciência e Crise, redigido em 1932, em que o autor

problematizou que, tendo a ciência como meio de produção, a questão da verdade é

definida pelos interesses sociais de uma determinada classe – a atividade científica se

volta para o desenvolvimento das forças produtivas, do progresso tecnológico, em nome

de interesses sociais dominantes, com suas finalidades humanas à solta, promovendo

42

um progresso não humanitário. Como estabelecido na teoria marxista, a ciência se

coloca como força produtiva e também como meio de produção. Com efeito, a ciência

foi tomada por uma mentalidade produtivista, industrial e pragmática, e assim, contrária

às suas finalidades: “[...] atualmente, o laboratório de ciência apresenta um retrato da

economia contraditória. Esta é altamente monopolística e mundialmente desorganizada

e caótica, mais rica do que nunca e, ainda assim, incapaz de remediar a miséria”

(HORKHEIMER, 1990, p.11).

O destaque do autor é que a ciência não pode ser concebida pelo viés

pragmático, não pode se pautar na imediaticidade da realidade histórico-social. A

questão é que, “[...] se os resultados científicos tiveram aplicação útil na indústria, ao

menos parcialmente, por outro lado ela fracassava exatamente diante do problema do

processo social global” (HORKHEIMER, 1990, p.09). A reflexão, portanto, conduz à

retomada das potencialidades humanas, uma vez que a ciência não tem cumprido seu

papel de desenvolvimento humano. Como sublinhado por Horkheimer:

[...] há sobre a terra mais matérias-primas, mais máquinas, maior força de

trabalho adestrada e melhores métodos de produção do que antes, mas não

beneficia correspondentemente aos homens [...] como demonstram crises

anteriores, o equilíbrio econômico só se restabelecerá após a destruição, em

escala considerável, de valores humanos e materiais. (HORKHEIMER, 1990,

p.08).

O autor identificou que não apenas o uso da ciência, mas também seus

próprios métodos mecanicistas são limitados e se desviam das finalidades humanas.

Dessa maneira, no que concerne à inadequação metodológica, Horkheimer (1990)

salientou que, na ambição de se alcançar a objetividade, os princípios da atividade

científica se tornaram dogmas, mecânicos. Horkheimer reconheceu que as condições

sociais contribuíram efetivamente para que a atividade científica assumisse uma

roupagem instrumental. A ciência, assim sendo, no seu uso instrumental, não comportou

aquilo que é próprio da natureza humana, a transformação, o movimento, e se desvia

das finalidades humanas, recai no irracionalismo: há o “[...] estrangulamento da sua

racionalidade, condicionado pelo crescente endurecimento das condições humanas”

(p.08). Dessa ótica, a ciência e a razão devem ser resgatadas no seu sentido histórico

como condutoras da liberdade humana.

43

2.3 CONSEQUÊNCIAS DA INSTRUMENTALIZAÇÃO DA RAZÃO: VIDA

DANIFICADA E EMPOBRECIDA

Assiste-se à vida acelerada, em que tudo se torna mais prático, mais

rápido, em que o tempo passa a ser mediado pelo lucro, sinônimo de dinheiro. Na vida

privada, intelectual e profissional, essa onda da velocidade se insere sem pedir licença.

Adorno (1993b), no aforismo intitulado Vândalos, fez o diagnóstico dessa corrida

contra o tempo, identificando que essa aceleração nada mais é do que reflexo da vida

danificada. Não há mais tempo nem espaço para se refletir, para se pensar, para

experienciar, para amar, para se comunicar, entre outros. Com efeito, “[...] a pressa, o

nervosismo, a instabilidade, observados desde o surgimento das grandes cidades,

alastram-se nos dias de hoje de uma forma tão epidêmica quanto outrora a peste e a

cólera” (p.121). A vida tem seguido os “[...] ares de uma agitação febril, de um grande

afã, de uma empresa operando a todo vapor devido à urgência do tempo e para a qual

toda a reflexão [...] é um estorvo” (p.121).

A vida danificada comprime o indivíduo numa “massa amorfa e

dócil”, na “coletivização do mundo” (p.122). O sujeito é estilhaçado na modernidade, é

esvaziado, liquidado:

Pois com a esmagadora objetividade, na presente fase do movimento

histórico, consiste unicamente na dissolução do sujeito, sem que dela um

novo sujeito já tenha emergido, a experiência individual apoia-se

necessariamente no antigo sujeito, historicamente condenado, que ainda é

para si, mas não é mais em si. (ADORNO, 1993, p.08).

Na sociedade então administrada, observam-se sujeitos guiados pela

racionalidade instrumental. A atividade deve expressar um valor utilitário, deve ser

funcional e eficiente.

[...] todo pensamento deve ter um álibi, deve apresentar um registro da sua

utilidade. Mesmo que o seu uso direto seja “teórico”, deve ser finalmente

verificado pela aplicação prática da doutrina em que funciona. O pensamento

deve ser aferido por algo que não é pensamento, por seu efeito na produção

ou seu impacto na conduta social, como a arte hoje é avaliada por algo que

44

não é arte, seja na bilheteria, seja o valor de propaganda. (HORKHEIMER,

2002, p.57-58).

Walter Benjamin (1985), em Experiência e Pobreza, sublinhou

enfaticamente que a perda da capacidade de realizar experiências correspondia à atual

configuração social, pautada na organização do processo de trabalho no capitalismo

contemporâneo sob os moldes da tecnificação.

Com a inserção da tecnificação e da consequente massificação social,

a aplicação das ciências e da técnica à vida, assistia-se à redução da experiência ao

empírico, à racionalização da existência. Como resultado, Benjamin (1985) reconheceu

que “[...] uma nova forma de miséria surgiu com esses monstruoso desenvolvimento da

técnica, sobrepondo-se ao homem” (p.115). Com o advento dos meios de comunicação

de massa, a emoção e os sentimentos são confeccionados para não pensar: cria-se o

conceito, uma pré-configuração, ditando como se deve agir, o que se deve sentir, o que

se deve se vestir, sobre o que se falar, isto é, esquemas para ver o mundo, voltados para

o consumo. Nesse sentido, corroborou-se que, assim como na obra de arte, a aura das

experiências também é destituída.

Para expor o rompimento com a noção de experiência da sociedade

então administrada e mediada pelo lucro, Benjamin (1985) aludiu à experiência com a

guerra, e ao seu esvaziamento de sentido. A racionalização da existência e o vazio de

sentido da experiência da guerra justificaram o retorno calado dos soldados do campo

de batalha da Primeira Guerra Mundial, pois não tinham nenhuma experiência para

narrar. Assim, enfatizou que “[...] nunca houve experiências mais radicalmente

desmoralizadas que a experiência estratégica pela guerra de trincheiras, a experiência

econômica pela inflação, a experiência do corpo pela fome, a experiência moral pelos

governantes” (p.115). O diagnóstico de Benjamin é que “[...] ficamos pobres.

Abandonamos uma depois da outra todas as peças do patrimônio humano, tivemos que

empenhá-las muitas vezes a um centésimo do seu valor para recebermos em troca a

moeda miúda do ‘atual” (p.119).

Em síntese, diante das considerações aqui tecidas, salientamos, nas

palavras de Adorno e Horkheimer, a trágica situação com que nos deparamos: “[...] o

preço da dominação não é meramente a alienação dos homens com relação aos objetos

45

dominados; com a coisificação do espírito, as próprias relações dos homens foram

enfeitiçadas, inclusive as relações de cada indivíduo consigo mesmo” (ADORNO;

HORKHEIMER, 1985, p.40).

A busca por verdades e modelos absolutos, pelo método que

assegurasse o verdadeiro conhecimento, levou à dogmatização do pensamento e reduziu

o sentido da vida a uma vida danificada. Conforme Adorno (1993):

Se falarmos de modo imediato sobre o que é imediato, vamos nos comportar

quase como aqueles romancistas que cobrem suas marionetes de ornamentos

baratos, revestindo-as de imitações dos sentimentos de antigamente, e fazem

agir as pessoas que nada mais são do que engrenagens da maquinaria, como

se estas ainda conseguissem agir como sujeitos e como se algo dependesse de

sua ação. O olhar lançado à vida transformou-se em ideologia, que tenta nos

iludir escondendo o fato de que não há mais vida. (ADORNO, 1993, p.07).

É lamentável observar o quanto estamos submersos nesse contexto de

reificação, resultando em drásticas limitações concernentes ao entendimento do que é o

homem, do que é a natureza, do que é a vida. Voltamo-nos apenas àquilo que é técnico,

mensurável, que tenha valor de troca, no que podemos levar algum tipo de vantagem.

Um diagnóstico difícil de ser percebido, sutil, que se mascara nos

aparatos tecnológicos, em que a autodestruição e o progresso caminham lado a lado.

Frente à evolução da ciência e da tecnologia, o valor da vida se resume ao valor de

troca, prevalecendo a frieza, a rigidez, o anulamento das experiências e o esvaziamento

do próprio sentir.

As questões da ética, da estética, dentre outras, não abrangem o

universo desse sujeito moderno. Uma vez esquecidas, reduzidas a fórmulas

matemáticas, voltadas apenas para o campo epistemológico, os próprios sujeitos se

esquecem – e o trágico é que não se dão conta disso. O que se verifica é que essa

redução à dimensão epistemológica não satisfaz, pois não considera as outras dimensões

do humano. Portanto, vê-se que os sujeitos andam sempre aos tropeções, com uma

decepção permanente, incessante, descontando, ou melhor, tentando supri-la em

fetiches, em mais tecnologia, em mais aparato técnico, sem reflexão. Resultado disso é a

autodestruição, o sujeito estilhaçado: “[...] com o abandono do pensamento – que, em

46

sua figura coisificada como matemática, máquina, organização, se vinga dos homens

dele esquecidos – o esclarecimento abdicou de sua própria realização” (ADORNO;

HORKHEIMER, 1985, p. 51). Passamos a entender a vida restrita à autopreservação,

preocupados com a sobrevivência. A tarefa que se coloca aos homens é reconhecer essa

contradição na razão.

Em face de tal diagnóstico, Horkheimer sintetizou a situação dos

indivíduos: frágeis, impotentes, “[...] meros espectadores, participantes passivos” (p.61).

O indivíduo é esvaziado de seus potenciais emancipatórios, pois “a lógica utilitária [...]

se esquece do sujeito” (HORKHEIMER, 2002, p.45). Uma vez presos à esfera do

funcional, restringem-se ao aqui e agora. A ilação que se segue é que as reflexões

perdem a primazia, o esclarecimento se reifica, recai no irracionalismo, “[...] só se

determina como coisa, como elemento estatístico, como success or failure” (ADORNO;

HORKHEIMER, 1985, p.40).

No texto Introdução à controvérsia sobre o positivismo na sociologia

alemã, Adorno exprimiu como o positivismo condicionou as relações sociais, ofuscando

o movimento da sociedade. Reclamou enfaticamente que o positivismo burocratizou o

espírito, tornou-se, por assim dizer, o espírito do tempo: “o positivismo é espírito do

tempo [...] tem a introduzi-lo a segurança absoluta que promete após a derrocada da

metafísica tradicional” (ADORNO, 1999, p.178), e “[...] presta-se especialmente à

manipulação ideológica em virtude de sua indeterminação de conteúdo, seu

procedimento ordenador, e [...] a preferência pela certeza em face da verdade” (p.145).

Adorno ressaltou a vigência de uma racionalidade instrumental, que desembocou numa

vida danificada: “[...] porque a racionalidade, o espírito, se dissociou como momento

parcial dos sujeitos vivos, se limitou à racionalização, ela continua a se movimentar em

direção oposta ao sujeito” (p.127). Ainda acentuou que,

[...] através da redução dos homens a agentes e portadores da troca de

mercadorias, realiza-se a dominação dos homens pelos homens. A conexão

total configura-se concretamente na medida em que todos são obrigados a se

submeter à lei abstrata da troca, sob pena de sucumbirem, independente de

serem ou não subjetivamente conduzidos por um “afã de lucro”. (ADORNO,

1999, p.125).

Em acréscimo,

47

[...] o conceito aparentemente neutro de “vínculo convencional” tem

implicações fatais. Pela porta dos fundos da teoria da convenção é

contrabandeado o conformismo social como critério de sentido das ciências

sociais; valeria a pena analisar detalhadamente o emaranhamento de

conformismo e auto-exaltação da ciência. (ADORNO, 1999, p.129).

O positivismo se fechou num enquadramento seguro, passível de

validação, no entanto, “[...] a segurança torna-se algo inteiramente abstrato e se anula: o

anseio de viver num mundo sem medo se satisfaz com a pura igualdade do pensamento

consigo mesmo” (p.178) que “reflete na coisificação da consciência cognoscente”

(p.127). Na busca pelo absoluto e pelo controle, o positivismo se fixou ainda mais no

subjetivo:

[...] o positivismo, para o qual contradições são anátemas, possui a sua mais

profunda e inconsciente de si mesma [contradição], ao perseguir,

intencionalmente, a mais extrema objetividade, purificada de todas as

projeções subjetivas, contudo apenas enredando-se sempre mais na

particularidade de uma razão instrumental simplesmente subjetiva.

(ADORNO, 1999, p.114).

À luz dessas reflexões, Adorno declara a insuficiência teórica e

conceitual inerentes aos pressupostos positivistas – trata-se de uma regressão, que deve

ser superada pela crítica.

2.4 ALGUMAS IMPLICAÇÕES EDUCATIVAS

Assim como a razão, a educação também se instrumentalizou. No

campo epistêmico, a racionalidade é reduzida à instrumentalização e, no campo

educativo, a educação é reduzida à semiformação. Sendo assim, a educação, que deveria

voltar-se para desenvolvimento do espírito crítico, da resistência ao existente, capaz de

conduzir à emancipação, reifica e rompe com as possibilidades da experiência

formativa.

48

No debate Educação para quê?, Adorno (2006c) discutiu quais os

objetivos da educação, “para onde a educação deve conduzir?” (p.139). Para o autor, o

processo educacional consiste na “produção de uma consciência verdadeira” (p.141),

uma educação política, uma educação para autonomia, e não a modelagem de pessoas,

nem mesmo a mera transmissão de conhecimentos.

Adorno (2006c) chamou a atenção para o caráter ambíguo da

educação. De acordo com o autor, na sociedade administrada e massificada, há o culto

ao sempre idêntico, uniformizado, com o predomínio do momento de adaptação. A

realidade é tida como algo exterior, imposta, com o intuito dos sujeitos operarem de

forma heterônoma e autoritária. A educação se volta para a reprodução dos mecanismos

ideológicos, em que o que interessa é que os indivíduos se adaptem ao previamente

estabelecido, sem instigar sua possibilidade de autonomia e liberdade. Inserida na

racionalização do mundo, a educação não tem contribuído para a crítica ao

instrumentalismo da razão, acabando por legitimar e incorporar seus mecanismos e se

tornando cúmplice da expansão das tendências regressivas na contemporaneidade. A

práxis educativa é convertida em tecnologia, limitada à aplicação de técnicas, deixando

de lado a relação com a existência e com a formação humana.

Adorno (2006c) também reconheceu a incapacidade das pessoas de

realizarem efetivas experiências. Conforme o autor, a indústria cultural e o império da

semiformação fizeram com que o predomínio da razão instrumental se acentuasse,

inclusive na vida privada. Dessa forma, o pensamento pautado na razão reduzida ao

instrumental e ao subjetivo não reflete sobre as atrocidades que a própria razão e o

próprio conhecimento científico desencadearam. As pessoas não são capazes de

elaborar as atrocidades ocorridas no passado, são moldadas num ambiente rígido,

disciplinar e autoritário, em contradição com uma educação para a experiência. O

processo educacional, restrito à aplicação de técnicas, é destituído de sentido, a

atividade do pensar é minimizada e segue sem a necessidade de interpelações sobre os

sentidos da existência. O que Adorno propôs, é a reflexão acerca dessas limitações, da

reificação da experiência: “[...] a constituição da aptidão à experiência consistiria

essencialmente na conscientização e, desta forma, na dissolução dos mecanismos de

repressão” (p.150). Sintetizou que “[...] a educação para a experiência é idêntica à

educação para a emancipação” (p.151).

49

Bruno Pucci (2010), em Theodor Adorno, Educação e Inconformismo:

ontem e hoje, também destacou a ambiguidade da educação, ressaltando que esta tem-se

voltado para a adaptação e o conformismo, ao invés da problematização dos limites dos

determinismos impostos:

[...] os indivíduos, tanto cognitiva quanto afetivamente, são educados para

subordinarem-se ao processo da semiformação que impinge a exaltação da

adaptação e do conformismo, ou seja, das consciências felizes, em vez do

discernimento e do inconformismo. (p.05).

No debate Educação contra a barbárie, Adorno (2006a) enfatizou a

discussão sobre as possibilidades de uma educação para a emancipação, defendendo que

o objetivo que se impõe à educação é impedir o percurso da barbárie. Adorno

caracterizou barbárie por dois aspectos: o atraso e a falta de acesso ao desenvolvimento

tecnológico e aos bens de formação cultural; e a tendência de agressividade, própria dos

seres humanos, o impulso de destruição imanente que contribui para a degradação das

relações sociais. A desbarbarização seguiria no sentido de ir contra os mecanismos

subjetivos e objetivos de dominação, que envolve o reconhecimento dos fatores

psicológicos, políticos e sociais.

No que concerne aos mecanismos psicológicos, Adorno (2006a) se

baseou na teoria freudiana, recorrendo à tese do mal-estar provocado pelo processo

civilizatório. De acordo com essa formulação, para que o processo civilizatório se

desenvolva, as pessoas devem renunciar às pulsões libidinais e destrutivas, o que gera

uma série de insatisfações e, consequentemente, o retorno regressivo e opressivo dessa

renúncia, de forma a retornar à barbárie. Frente às sensações de fracasso e de

insatisfação geradas pelo próprio desenrolar do processo civilizatório, as pessoas

desenvolvem sentimentos de culpa que se revertem em agressão, já que “[...] subtraiu

aos homens a confiança em si e na própria cultura” (p.164).

A hostilidade diante da cultura, devido à não realização da liberdade, é

explicitada por Adorno (2006a) como a falência da cultura. Os homens se revoltaram

com a própria promessa de realização da liberdade, de emancipação, em lugar de se

rebelarem contra o seu não cumprimento. Esse ressentimento se reverteu em formas de

heteronomia e dominação. Acarretou-se, portanto, uma personalidade que se volta

50

contra a própria cultura, hostil à formação e “[...] contra aqueles que são vistos como

mais frágeis na hierarquia social: os diferentes, impotentes, inadaptados ou individuados

de toda ordem” (BUENO, 2009, p.41), como na personalidade fascista. A canalização

irrefletida das pulsões agressivas resultou na barbárie e na vida danificada, o que faz

com que o imperativo categórico posto por Adorno se mantenha atual – que Auschwitz

não se repita.

Além do já exposto, cabe ressaltar a observação de Sinésio Ferraz

Bueno (2009), para quem o processo de instrumentalização da razão acarretou “[...]

sérios danos à estrutura psicológica do homem contemporâneo” (p.39), e que “essa

adesão é simultaneamente histérica e forçada” (p.39). Em outras palavras, instaurou-se

uma dimensão patológica na relação dos homens com o conhecimento e com a cultura.

Na medida em que a potencialidade funcional passa a ser critério do ato cognoscente, a

relação do sujeito do conhecimento com o ato cognoscente se torna patológica,

paranoica. Assim, as operações cognitivas de conhecimento que seguem o critério da

funcionalidade, em que é estabelecida a identidade entre o objeto e sua utilidade

imediata na realidade, além de não transcender conceitualmente, perdem a capacidade

de vincular o conhecimento com as finalidades humanas, emancipatórias. Isto é, a

paranoia epistêmica “[...] reprime as possibilidades de autorreflexão” (BUENO, 2010,

p.238) e a educação é submetida à semiformação. Nessa perspectiva, a desbarbarização

significaria explicitar as tendências regressivas imanentes à civilização, com vista à

sublimação dos instintos agressivos e à denúncia dos comportamentos autoritários não

esclarecidos.

A título de ilustração, Adorno (2006a) identificou a competição

promovida na escola como elemento de educação para a barbárie, contrário a uma

educação humana, considerando que as finalidades humanas são deixadas de lado: “[...]

aprende-se latim tão bem assim por causa da vontade de saber latim melhor do que o

colega na carteira à nossa direita” (p.161). A estereotipia, que significa o emprego de

rótulos, a visão de mundo generalista, dissemina práticas preconceituosas e visíveis

deformações no processo formativo, o que reforça o espírito competitivo, a dicotomia

entre os bons e os maus, os fortes e os fracos, entre outros. A educação contra a barbárie

refere-se, portanto, a “[...] desacostumar as pessoas de se darem cotoveladas.

Cotoveladas constituem sem dúvida uma expressão da barbárie” (p.162).

51

Adorno (2006a) sublinhou a importância de uma educação política,

que abrangesse os aspectos psicológicos referentes à tendência à barbárie, bem como os

aspectos sociais e materiais. Pode-se observar, portanto, que as teorias pedagógicas que

se pautam no processo formativo, segundo o projeto da modernidade, não tratam a

questão da desbarbarização com a devida importância, não refletem sobre esses limites

do esclarecimento, dispensando a reflexão sobre seu germe regressivo.

No debate Educação e Emancipação, a proposta de Adorno (2006b) é

que a educação exponha as limitações do esclarecimento, leve ao reconhecimento das

limitações sociais, culturais e psicológicas, das limitações da rígida racionalização, da

racionalidade absoluta, intentando identificar a barbárie que impede a emancipação e a

liberdade. Adorno (2006b) enfatizou a importância de se reconhecer os limites da

experiência formativa pelo exercício da autorreflexão, uma educação para a resistência

ao existente, para a emancipação, para a experiência. A educação para a emancipação

seria, portanto, a elucidação e crítica contra os mecanismos de dominação da indústria

cultural, contra a tecnificação e o anulamento dos sujeitos, a explicitação das tendências

imanentes do processo civilizatório, a conscientização acerca dos mecanismos da

estereotipia.

Dessa maneira, para o autor, a exigência de emancipação ainda se

mantivera atual – como pontuado em Kant –, a saída do homem de sua menoridade, a

autorreflexão sobre o estado de menoridade atual, tendo em vista o resgate do sentido

político da educação, de resistência contra os mecanismos de dominação e contra a

barbárie.

Para Adorno (2006b), a literatura pedagógica não estaria tratando do

problema da emancipação com a devida importância. A par disso, a prática educativa

estaria seguindo em sentido contrário aos seus anseios, de forma a favorecer a

regulamentação dos campos de resistência, dando ênfase ao disciplinamento, ao

formalismo rígido,à regulamentação de normas de conduta, ao ajustamento e anulação

dos sujeitos.

No aforismo intitulado Instituição para surdos-mudos, Adorno (1993)

segue em direção ao diagnóstico do empobrecimento da capacidade de realizar

experiências, na medida em que as pessoas não são mais capazes de se relacionar, sendo

enfático ao assinalar como a escola tem-se tornado um ambiente propício para esse

52

esvaziamento do sentir, presa a objetivos instrumentais. Sendo assim, ressalta que a

educação escolar tem-se voltado para o adestramento de habilidades, dentre as quais a

de se comunicar, tendo a retórica enquanto instrumento.

Refere-se a uma comunicação repleta de conceitos e fórmulas

previamente estipuladas, as quais esvaziam a possibilidade da liberdade de expressão:

“[...] de um modo geral, as palavras começam a parecer aquelas fórmulas habitualmente

reservadas para a saudação ou para a despedida” (ADORNO, 1993, p.120), a frieza do

Oi, tudo bem? É a transformação da comunicação em comunicados e “[...] os alunos

emudecem cada vez mais [...] são capazes de fazer conferências, suas frases qualificam-

nos para microfone [...] mas a capacidade de falarem uns com os outros se atrofia”

(p.120).

Trata-se de uma comunicação artificial, em que a verdadeira

comunicação é rompida e esvaziada, a conversação que não mais exprime a

comunicação, “[...] as vozes dos falantes [...] são substituídas [...] por um mecanismo

socialmente preparado” (p.120). Corrobora-se que “[...] a espontaneidade e a

objetividade no tratamento dos assuntos desaparecem mesmo no círculo mais íntimo”

(p.120), de modo que “[...] a rigidez cadavérica da sociedade estende-se até a célula da

intimidade, que se julgava protegida contra ela” (p.121).

***

Diante do exposto, podemos constatar que a experiência subordinou-

se ao discurso da verdade instituído pelo conhecimento científico, restando limitada a

regras discursivas e a sua enunciação lógica. Nos artigos reunidos na obra Experiência,

Educação e Contemporaneidade (2010), os autores tiveram como objetivo debater os

limites e as possibilidades da experiência, para então refletir sobre a própria educação,

uma vez que a educação é concebida como “sinônimo de experiência”, como

experiência formativa, como possibilidade de realização das potencialidades humanas.

Os artigos elucidaram pesquisas no campo da educação que têm buscado resgatar as

possibilidades da experiência enquanto elemento essencial à formação humana, à práxis

educativa. O ponto em comum é que, a fim de que o sentido de experiência seja

resgatado, é necessária a ampliação das linguagens e da comunicação, visando ao

53

florescer das dimensões estéticas, éticas e políticas. Em um dos artigos, Pedro Pagni

(2010), destacou que a educação,

[...] enredada nessa racionalização [...] parece não oferecer possibilidades de

escape à racionalidade totalizadora que a compreende, ampliando as formas

de naturalização da cultura e de destruição da vida, com o objetivo de

regulamentar as resistências emergentes nos espaços e tempos escolares, de

prescrever normas de conduta e de disciplinar os corpos dos destinatários do

discurso postos em circulação, facilitando a sua recepção e incorporação aos

modos de pensar correntes na práxis educativa. (p.24-25).

Pagni (2010) sublinhou que a limitação das práticas escolares à

racionalidade instrumental, voltada para a eficiência da aprendizagem por meio do

ajuste de técnicas, exclui as qualidades artísticas da esfera escolar, isto é, a prática

escolar não se relaciona com a dimensão estética e sua implicação com a vida. A

dimensão estética não pressupõe “[...] regulamentação, estabilidade e determinação”

(p.25), e, portanto, não alcançaria a objetividade e a eficiência almejada pela arte-

técnica e pela prática escolar. Ao regulamentar a atividade do pensamento, a experiência

se reduz a simples transmissão de informações, sem relação com a vida. Nesse contexto,

a racionalidade técnica instrumental não admite a experiência, pois esta não se traduz

por discursos previamente elaborados e regulamentados por uma linguagem. A

experiência “[...] dá o que pensar aos sujeitos, ao pensamento e às relações com o

existente, irrompendo no discurso e o implodindo [...] a força viva, criadora e política”

(p.26). Cumpre ressaltar, portanto, que o aprender por experiência

[...] interpelaria o habitualmente pensado e os significados instaurados pela

linguagem corrente, perturbando o discurso de verdade e o sujeito idêntico a

si mesmo no qual a arte-técnica se assenta, fazendo os seus sujeitos

pensarem, se distendendo e problematizando a sua pretensão de abarcamento

da realidade e de totalidade. (PAGNI, 2010, p.25).

Pucci (2010) também sustentou uma educação para a constituição da

aptidão à experiência: “[...] o trabalho de educação/formação consistiria em

conscientizar e em dissolver esses mecanismos de repressão e essas formas reativas que

deformam nas pessoas sua aptidão a constituir experiências” (p.46). Para o autor, “[...]

emancipar-se, falar com a própria boca, cultivar o inconformismo e a individualidade,

54

desenvolver a arte de fazer experiência e de pensar, são mais do que nunca objetivos

fundamentais de uma educação que quer ser crítica, formativa” (p.54).

CAPÍTULO III

NA BUSCA DO CONTRAPONTO: CONSIDERAÇÕES ACERCA

DA CONCEPÇÃO DIALÉTICA DA REALIDADE

Diante das incisivas críticas dos teóricos de Frankfurt às concepções

regressivas contidas nos pressupostos positivistas, a saída apontada é a crítica imanente

e a autorreflexão, possibilitadas pelo pensamento dialético. Segundo eles, a ciência

positivista abandonara por completo qualquer instância de cunho transcendental, e a

atividade humana ficou presa à esfera do dado, a uma série de “[...] conceitos não-

esclarecidos, fixos e fetichistas, ao passo que estes poderiam ser esclarecidos mediante

sua inclusão na dinâmica dos fatos” (HORKHEIMER, 1990, p.09). A dialética segue

em desacordo com o positivismo, “[...] constitui a oposição rigorosa de qualquer forma

de positivismo” (MARCUSE, 1989, p.37).

O pensamento dialético de Hegel nos permite perceber o negativo

enquanto condição ontológica da realidade, pois “[...] a contradição dialética exprime os

antagonismos reais que não ficam visíveis no interior do sistema lógico-cientificista de

pensamento” (ADORNO, 1999, p.140), e que, portanto, a crise se constitui na própria

essência dos sistemas sociais. Desse pressuposto deriva, necessariamente, uma

constatação preciosa para toda práxis que se pretenda emancipadora: as possibilidades

de um mundo mais livre e justo enraízam-se no interior de sociedades nas quais

imperam a injustiça e a desumanidade, porque

[...] os fatos só o são se relacionados àquilo que ainda não é fato, e, não

obstante, se manifesta nos fatos dados como uma possibilidade real. Ora, os

fatos são o que são somente como momentos de um processo que os

ultrapassa em direção àquilo que de fato ainda não se efetuou. (MARCUSE,

1989, p.147).

Neste capítulo, temos como escopo discorrer sobre a concepção

dialética da realidade, anunciada como contraponto direto da vertente positivismo, à luz

da obra Razão e Revolução (1989) de Herbert Marcuse. No primeiro momento,

realizamos uma breve contextualização acerca do pensamento de Hegel e do idealismo

56

alemão. Em seguida, buscamos esboçar os principais pressupostos que embasaram a

concepção dialética da realidade.

3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO: HEGEL E O IDEALISMO ALEMÃO

Para introduzir a concepção dialética da realidade, retomaremos

brevemente o pensamento hegeliano e um pouco do contexto em que este se configurou.

Hegel, como alguns outros idealistas alemães, dentre os quais Kant, Fichte e Schelling,

compôs suas proposições com o intuito de contribuir com o desafio posto no momento:

reorganizar a sociedade e o Estado, a partir de bases racionais, visando à liberdade.

Seus princípios foram diretamente ao encontro da Revolução

Francesa, priorizando o sujeito autônomo, emancipado, livre das dominações e das

amarras econômicas, sociais e materiais impostas, do absolutismo feudal então vigente.

O homem, agora livre, poderia guiar-se pela razão, pelo progresso do conhecimento,

fundando uma nova realidade estruturalmente racional.

Analogamente, o capitalismo industrial ganhava espaço e entrava em

cena. Os ideais da Revolução Francesa serviam como fundamentação da expansão da

indústria, uma vez que esta também anunciara o sujeito livre e detentor da razão.

Cumpre ressaltar que a realidade alemã ficara aquém do desenvolvimento econômico da

França e da Inglaterra, o que fazia com que a Alemanha não alcançasse os almejados

ideais de liberdade da Revolução Francesa, ainda sob a vigência de uma realidade

miserável, de uma população escravizada e explorada (MARCUSE, 1989).

Isso não impediu que a ideia de liberdade fosse elaborada pelos

filósofos alemães, ainda que apenas como ideia. Assim, os esforços para uma sociedade

racional se transferiram para o plano filosófico, em especial na elaboração do conceito

de razão, ponto central da filosofia de Hegel.

Assim, a ideia de razão elaborada por Hegel está entrelaçada aos

princípios da Revolução Francesa, relação que o próprio Hegel reconheceu. Hegel

defendeu a tese de que tudo o que está dado no imediato deve ser pensado, deve passar

57

pelo crivo da razão, deve ser levado ao julgamento crítico. De acordo com a visão de

Hegel “[...] o homem veio a confiar no seu espírito e ousou submeter a realidade dada

aos critérios da razão” (p.19), que “[...] não está, pois à mercê dos fatos que o cercam,

mas é capaz de sujeitá-los a um critério mais alto, ao critério da razão” (MARCUSE,

1989, p.20). Ou seja, o pensamento é que deveria governar a realidade. Vê-se, em geral,

que as filosofias que sustentavam o iluminismo se pautavam por essa mesma ideia de

razão. Com base no conceito de razão, outros conceitos vão ganhando ênfase na

filosofia de Hegel, como liberdade, sujeito, espírito, conceito.

Hegel lutava pela realização da razão e da liberdade na história e na

vida social; “[...] fez da filosofia um fator histórico concreto, e trouxe a história à

filosofia” (MARCUSE, 1989, p.27), que é o que sustenta toda estrutura conceitual

hegeliana.

Concernente aos ideais filosóficos, o idealismo alemão se contrapunha

aos princípios do empirismo. A ênfase no individual, no particular, se deu, em especial,

na era moderna, em que se proclamara a ascensão de sujeitos livres, agindo de acordo

com os seus interesses, livres para escolher, para concorrer e para conhecer. No entanto,

como salientado por Marcuse (1989), esses princípios ofuscaram as necessidades e

interesses universais dos homens:

A vida dos homens fora sacrificada aos mecanismos econômicos de um

sistema social que relacionara os indivíduos uns aos outros como

compradores e vendedores isolados de mercadorias. Esta ausência de fato de

uma comunidade racional era responsável pela busca filosófica de unidade e

universalidade na razão. (p.29).

Foi nesse sentido que se travara o embate entre os empiristas e os

racionalistas, a partir dos problemas históricos concretos que estavam se delineando.

Os idealistas lutavam pela universalidade dos conceitos e da razão,

uma universalidade histórica que corresponderia à verdade. Buscaram viabilizar a

realização da razão na sociedade.

Os empiristas, por sua vez, negavam qualquer tipo de conceito

universal, qualquer ideia geral, pois, segundo eles, a esfera do particular, do imediato, é

que corresponderia à verdade. Para os empiristas, as ditas “ideias gerais”, os conceitos

58

universais inexistiam, não passavam de força do hábito ou costume. O homem só

poderia conhecer por meio das sensações e das percepções. De maneira enfática, os

empiristas negavam a existência de qualquer substrato universal. Por sua vez,

desconsideravam por completo a metafísica, a noção de substância, as ideias inatas – o

que sustentava o conhecimento até então. Nesse sentido, “[...] os empiristas ingleses

haviam demonstrado que nem sequer um único conceito ou lei da razão poderia aspirar

à universalidade, e que a unidade da razão era apenas uma unidade conferida pelo

hábito ou pelo costume” (MARCUSE, 1989, p.30). Com efeito, “o único fundamento

sólido [...] deve estar na experiência e na observação” (HUME, 2001, p.22). Os

empiristas ingleses, John Locke e David Hume, são os precursores dessa corrente.

John Locke investigou a respeito dos limites do conhecimento.

Considerou a mente humana como uma tabula rasa, que as ideias vão se formando a

partir da experiência sensível. Qualquer ideia que não derivasse dos sentidos não teria

validade. Para Locke, as ideias gerais “[...] são invenções e criaturas do entendimento,

por ele forjadas para uso próprio, tendo a ver apenas com símbolos” (LOCKE apud

MARCUSE, 1989, p.31).

Contudo, ninguém chegou tão longe na contestação da metafísica

como David Hume. Como acentuado por Marcuse (1989), de acordo com Hume, “[...]

as ideias gerais são abstraídas do particular, e apenas o particular. Jamais poderão

fornecer regras ou princípios universais” (p.31). Para Hume, não existiria uma realidade

objetiva fora de nós, fora do dado no imediato, toda metafísica seria fruto da

imaginação.

Hume defendia que só se poderia pensar depois de sentir: “[...] nossas

impressões são as causas de nossas ideias, e não nossas ideias as causas de nossas

impressões” (HUME, 2001, p.29). Como resultado, ainda sublinhava que “[...] não

somos capazes de formar uma ideia correta do sabor de um abacaxi sem tê-lo realmente

provado” (HUME, 2001, p.29). Portanto, os universais seriam apenas representações,

“[...] as ideias gerais não passam de ideias particulares” (MARCUSE, 1989, p.41).

Sob essa perspectiva é que os idealistas lutavam com veemência a

favor dos princípios universais, contra o conformismo da aparência imediata. Pela

proposição empirista, os homens ficaram reféns do que está dado, do fato, sem o direito

de transformação, de transcendência. Para os idealistas alemães, “[...] atribuir a

59

existência das ideias gerais à força do hábito, ou derivar de mecanismos psicológicos os

princípios pelos quais se apreende a realidade, era o mesmo que negar a verdade e a

razão” (p. 32).

Marcuse (1989) expôs a angústia em permanecer refém daquilo que

está posto, que está dado:

Se a experiência e o hábito fossem as únicas fontes do conhecimento e da fé,

como poderia o homem agir contra o hábito, como poderia agir de acordo

com idéias e princípios ainda não aceitos e estabelecidos? A verdade não

poderia diferir da ordem estabelecida, nem a razão a poderia contrariar. Daí

resultava não só o cepticismo como também o conformismo. O empirismo,

por limitar a natureza humana ao conhecimento do ‘dado’, liquidava com o

desejo de o transcender. (MARCUSE, 1989, p.31).

Isto é, assumir tal postura, de acordo com os idealistas, seria o mesmo

que negar e renunciar à própria verdade. Com efeito, Marcuse exprimiu que essa

posição conduziu a uma postura de conformismo, porque eliminou os parâmetros

racionais de sustentação, um norte para se alcançar o bem comum.

Segundo Marcuse (1989), as conclusões dos empiristas “[...] fez mais

do que minar a metafísica: ela confinou o homem aos limites do dado, à ordem existente

das coisas e dos acontecimentos” (p.31).

3.2 PRESSUPOSTOS DA CONCEPÇÃO DIALÉTICA DA REALIDADE

De acordo com o pensamento hegeliano, há conceitos e princípios

objetivos universalmente válidos, e só através deles é que os homens teriam condições

para se guiar. A partir do movimento dialético, a razão enquanto substrato universal é

que permitiria estabelecer os conceitos e princípios necessários para o governo de si e

da realidade, tendo como resultado a liberdade. A meta colocada pela Lógica de Hegel

foi ilustrar a fragilidade da aparência das coisas e a possibilidade efetiva de sua

superação, por meio do próprio pensamento.

60

Para iniciar nossa exposição, comecemos pelo conceito de conceito.

Ao abordarmos a ideia de conceito, com base na filosofia hegeliana, é possível ilustrar o

sentido do movimento dialético e seu contraste com a rigidez da proposta positivista. O

conceito, no sentido positivista, tem seu significado operacional e utilitário. Considera-

se aquilo que está posto, a sua identidade imediata, de modo que a observação do dado

no imediato é sinônimo de verdade. Sendo assim, considera-se que os objetos somente

podem ser idênticos a si mesmos, incapazes de conter potenciais virtuais de uma outra

realidade, o que “[...] leva os homens a só se sentirem em segurança quando conhecem e

manipulam fatos objetivos” (p.113). Dessa forma, “[...] o pensamento era induzido a

contentar-se com os fatos, a renunciar a transgredi-los e a submeter-se à situação

vigente” (MARCUSE, 1989, p.38).

Já a ideia de conceito, no sentido dialético, traz à tona aquilo que o

fenômeno não é, aquilo que não está explícito, mas que, no entanto, pode vir a ser. Cabe

ao movimento dialético evidenciar as potencialidades do objeto, ao destacar a sua

incompletude, pela via da negatividade: “[...] a estrutura previamente dada [...] é algo

essencialmente negativo, inconciliável com seu próprio fim, a conservação e satisfação

da humanidade” (ADORNO, 1999, p.140). Considera-se o significado operacional, da

identidade imediata, porém, também se levam em conta as potencialidades não

realizadas do objeto, a sua não identidade. Com efeito, o pensar filosófico, no sentido

dialético, caracteriza-se pela “negação” da realidade dada, ao acreditar que “[...] as

coisas só atingem sua própria verdade quando negam suas condições determinadas”

(MARCUSE, 1989, p.71). A ideia de conceito no sentido hegeliano é, portanto,

ambígua, tem uma duplicidade, representa a tensão entre os opostos, de maneira a

conduzir aos potenciais ainda não efetivados.

Nessa perspectiva, a verdade requer a superação do que é

simplesmente dado. Aquilo que se apresenta no fato dado, para a dialética, não

corresponde às reais potencialidades, não corresponde à realidade, é falso e deve ser

negado. Esse é o fio condutor do método dialético, uma vez que assume a “[...] ideia de

que todas as formas do ser são perpassadas por uma negatividade essencial, e que esta

negatividade determina seu conteúdo e movimento” (MARCUSE, 1989, p.37).

É importante ressaltar que a negação e a contradição não dizem

respeito à incoerência, como posto no senso comum. Trata-se de uma desconfiança

61

frente a qualquer realidade imediata. Indicam que existe um potencial no objeto que é

mais efetivo que o que está posto, que sua configuração imediata, “[...] a crítica não faz

desaparecer a identidade, ela a transforma qualitativamente, conservando elementos da

afinidade do objeto com seu pensamento” (ADORNO, 1992). Assim, a contradição não

anula a identidade imediata, mas se opõe a ela para alcançar as reais potencialidades.

Nessa ótica, “[...] dizer, então, que cada coisa se contradiz é dizer que sua essência

contradiz um determinado estado de sua existência” (MARCUSE, 1989, p.124). A

estrutura negativa é própria da realidade, os próprios objetos são negativos a si mesmos,

é o movimento infinito do ser: “[...] os aspectos negativos da realidade não são pois

distúrbios ou pontos fracos dentro de um todo harmonioso, mas as condições mesmas

que revelam a estrutura e as tendências da realidade” (MARCUSE, 1989, p.153).

Portanto, a negatividade é o que conduz à constituição plena da

existência dos sujeitos, é o que inquieta, desequilibra o estado dado e conduz à busca

das reais potencialidades. Como metaforicamente tratado por Marcuse, a negatividade

“[...] é um estado de privação que força o sujeito a procurar remédio” (MARCUSE,

1989, p.73).

Devido a essa dinâmica necessária à efetivação do conceito, as formas

fixas são consideradas abstrações, de modo que “[...] cada forma particular só pode ser

determinada pela totalidade das relações contraditórias em que existe” (MARCUSE,

1989, p.37). Desse modo, “[...] não é o abstrato ou o que está privado de realidade que

constitui o elemento e o conteúdo de filosofia, mas o real, o que se autoestabelece, o que

vive em si mesmo, o que existe no seu próprio conceito” (HEGEL apud MARCUSE,

1989, p.103). Diante das possibilidades realizadas, o conceito se realiza e revela a

verdade: “[...] representa a forma real do objeto, pois o conceito nos revela a verdade

sobre o processo que, no mundo objetivo, é cego e contingente” (MARCUSE, 1989,

p.71).

Em outras palavras, a dialética aponta aquilo que o objeto é e, ao

mesmo tempo, o seu vir-a-ser, se é idêntico e não idêntico ao mesmo tempo. A

identidade é conservada e ao mesmo tempo negada. É a copertinência do ser e do nada,

pois a coisa só é quando passa a não ser. Vale lembrar que “[...] o conceito dialético,

contudo, é mediação, e não ser-em-si; o que lhe impõe a obrigação de não pretender

nenhuma verdade dos [...] fatos” (ADORNO, 1999, p.184). A verdade, por conseguinte,

62

é algo em estado de formação, já que, para algo ser considerado verdadeiro, todas as

possibilidades, todos os potenciais devem ter sido alcançados.

Não obstante, contrapondo a lógica científica tradicional, citamos a

passagem de Hegel: “[...] a proposição, tal como aparece de modo imediato, é apenas

uma forma vazia” (HEGEL apud MARCUSE, 1989, p.103). Nesse sentido, o

conhecimento se inicia, quando a experiência cotidiana e a certeza sensível são

destituídas. A certeza sensível é, se não percepção, o reino da aparência, por isso deve

ser negada.

A pretensão positivista, ao colocar a verdade nos fatos, não permite a

realização das reais potencialidades humanas: “[...] como Hegel demonstra, num mundo

em que os fatos não revelam o que a realidade pode e deve ser, o positivismo equivale a

renunciar as reais potencialidades da humanidade, em favor de um mundo falso e

alienado” (MARCUSE, 1989, p.114). Trata-se da liquidação da esfera suprassensível.

Na crítica à forma estática de se conceber a realidade, através da

dialética, Hegel desestabilizou o método matemático. Sustentou que o processo da

realidade não poderia ser reduzido a fórmulas e símbolos estáticos, visto que estes são

externos ao Ser: “[...] a redução da ciência às matemáticas significa a renúncia final à

verdade” (MARCUSE, 1989, p.141), na medida em que “[...] o formalismo matemático

deixa de lado e impede qualquer compreensão e aproveitamento crítico dos fatos”

(MARCUSE, 1989, p.141). Apontou que o método matemático não é capaz de alcançar

a realidade, por tentar isolar e fixar pontos determinados. Como salientado,

[...] nosso conhecimento estaria em situação bastante embaraçosa se objetos

tais como a liberdade, a lei, a moral, ou mesmo o próprio Deus, por não

poderem ser medidos ou calculados, ou expressos em uma fórmula

matemática, tivessem de ser considerados fora do alcance do conhecimento

exato, a nós cabendo uma vaga imagem geral deles. (HEGEL apud

MARCUSE, 1989, p.141).

Para exemplificar o movimento dialético, ilustraremos com o exemplo

da semente. A semente, ao mesmo tempo em que é semente, possui potenciais ainda não

realizados, que são de ser broto. O mesmo ocorre com o broto, que ainda possui

potenciais adormecidos de ser flor. O que irá revelar a natureza do objeto ao sujeito, a

sua verdadeira essência, é o conceito, o qual é a essência das coisas. Logo, como

63

ilustrado nas considerações tecidas acima, o conceito se constitui sendo sua identidade

imediata junto à sua não-identidade. Podemos ainda exemplificar com outro enunciado:

a afirmativa “homem é escravo” indica a condição imediata, que é de ser escravo. No

entanto, se ele compartilha de uma substância universal, essa realidade imediata deve

ser negada e transformada. Significa dizer que há potenciais que ainda não foram

realizados, neste caso, o homem ser livre. Vê-se, dessa forma, que há movimento no

próprio conceito, pois não é estático.

Só assim, com a insatisfação contínua com aquilo que está

determinado no imediato, é possível realizar o conceito e atingir a plena existência dos

sujeitos: “[...] a verdadeira existência só começa quando o estado imediato passa a ser

compreendido como negativo, quando os entes tornam-se sujeitos e lutam por adaptar

seu estado aparente às suas potencialidades” (MARCUSE, 1989, p.72).

De acordo com Marcuse (1989), o movimento dialético é necessário

para qualquer ser e se aplica a qualquer relação em que se busque a verdade das coisas.

Por mais que não se perceba, a não plenitude no dado imediato, a aparente estabilidade,

são enganosas, devem ser negadas. Isto é, a dialética pressupõe o movimento inerente à

emancipação humana. Ademais, “[...] a dialética é o método filosófico autêntico. Ele

revela que o objeto existe em um estado de negatividade, estado que o objeto rejeita,

pressionado por sua própria existência, no processo de reconquista de sua verdade”

(MARCUSE, 1989, p.103).

Em Razão e Revolução (1989), Marcuse retomou o percurso de

constituição da dialética hegeliana, elucidando seus principais pressupostos. Marcuse

assinalou que a filosofia hegeliana é um instrumento fundamental de combate ao

positivismo, de maneira a resgatar os potenciais emancipadores do esclarecimento. Para

ele, a dialética possibilita compreender que irreal não é o conhecimento que se abstrai

da realidade, mas, o contrário, aquele que se limita ao empírico. Nesse sentido, os fatos

devem ser compreendidos conceitualmente, o que implica serem transcendidos: “[...] o

mundo dos fatos não é racional, mas tem que ser trazido à razão, isto é, a uma forma na

qual a realidade corresponda efetivamente à verdade” (MARCUSE, 1989, p.151).

Assim, ressaltou a contradição do objeto em relação ao seu vir a ser, as contradições

entre o espírito e as coisas, em que a identidade é oposta a si mesma, é contraditória, é

processo, e solicita a transformação da realidade. Para o autor, “[...] a dialética começa

64

quando o entendimento humano reconhece ser incapaz de apreender alguma coisa de

modo adequado por meio das formas qualitativas ou quantitativas pelas quais a coisa é

dada” (MARCUSE, 1989, p.73).

No aforismo intitulado Autorreflexão do pensamento, da obra

Dialética Negativa (1992), Adorno também problematizou a temática do movimento

dialético e o seu confronto com a concepção tradicional. Adorno (1992) salientou que o

pressuposto positivista se paralisa no que o objeto é, não tem a identidade confrontada

com a não-identidade, não transcende o significado imediato: “[...] a falha do

pensamento tradicional consiste em tomar a identidade por seu próprio objetivo”. Dessa

forma, reduz a complexidade do objeto a uma forma pré-concebida, e o entendimento

fica reduzido a estereótipos. Nesse sentido, “[...] a degeneração da consciência é

produto de sua carência de reflexão crítica sobre si. Esta é capaz de calar ao princípio da

identidade”. Adorno destacou que o movimento dialético pressupõe a estranheza frente

ao objeto, é o confronto entre o que o homem é e o que deveria ser – a identificação das

potencialidades não realizáveis, porque “[...] o potencial de liberdade exige crítica frente

àquilo em que lhe converteu sua inevitável formalização” (ADORNO, 1992). Em

decorrência, pressupôs a superação do princípio de identidade, e sintetizou que “[...] a

falsidade de toda identidade adquirida é a forma pervertida da verdade. As ideias vivem

nos interstícios entre o que as coisas pretendem ser e o que são” (ADORNO, 1992).

Essa distância entre o que o objeto é e o seu vir a ser, entre o

particular e o universal, conforme aludimos até o momento, é o tema do aforismo A três

passos de distância (1993) de Adorno. Nesse fragmento, o autor faz uma crítica ao

pensamento positivista, pois este não transcende o objeto. Com efeito, somente na

distância, no distanciamento do que está no imediato, do aqui e agora, isto é, somente a

três passos de distância é possível pensar concretamente a realidade – uma dimensão

não-verificável. A condição da existência, por conseguinte, reforça o estado de não-

liberdade, e a ideologia omite essa condição.

Passemos para a discussão sobre a noção de sujeito – ponto

importante da Lógica de Hegel, que merece ser frisado. De acordo com Marcuse (1989),

para Hegel, os sujeitos são dotados da capacidade de realizar seu conceito, de realizar

todas as suas potencialidades na sua existência. Quer dizer, o sujeito é quem constitui a

essência das coisas, é quem compreende a verdade dos objetos, nesse movimento

65

dialético de negação determinada: “[...] ser é, na sua substância, um sujeito”, um sujeito

que se realiza na realidade histórica. Cumpre sublinhar, no entanto, que o ser só é

sujeito quando compreende suas potencialidades, quando realiza seu próprio

desenvolvimento. Logo, o homem é considerado um ser que pode fazer uso da razão e

que pensa a caminho da liberdade, de modo que “[...] o pensamento filosófico nada

pressupõe além da razão, que a história trata da razão, e somente da razão”

(MARCUSE, 1989, p.18). O sujeito é dotado de razão, é quem possibilita a verdadeira

realização dos potenciais, o que exige a consciência de tal processo: “[...] a

autoconsciência tem de demonstrar que ela é a autêntica realidade; ela deve

efetivamente fazer com que o mundo se torne sua livre realização” (MARCUSE, 1989,

p.98). Para isso, pressupôs a liberdade, o agir com vistas à transformação, à realização

de suas potencialidades.

É importante destacar, ainda, a relação entre sujeito e objeto. Sujeito e

objeto dependem um do outro, estão imbricados, não subsistem isoladamente. A

autoconsciência só se realiza na relação com o outro, em outra autoconsciência: “[...] o

indivíduo só pode tornar-se o que ele é, através de outro indivíduo; sua existência

consiste nesse ser-por-outro” (MARCUSE, 1989, p.115). O sujeito “[...] descobre que é

ele mesmo quem está por trás dos objetos, e que o mundo se torna real em virtude do

poder compreensivo da consciência” (ibid., p.98).

Para o conhecimento científico tradicional, a verdade está no objeto,

independente do sujeito, é neutra, isenta de valores. Em seu texto Sobre sujeito e objeto

(1995c), Adorno ponderou essa pretensão de neutralidade ideológica, explicitando que

sujeito e objeto se encontram mediados um pelo outro, e sua separação pressupõe

ideologia: “[...] uma vez radicalmente separado do objeto, o sujeito já reduz este a si; o

sujeito devora o objeto ao esquecer o quanto ele mesmo é objeto” (p.183).

Nesse mesmo sentido, na Fenomenologia do Espírito, Hegel (apud

MARCUSE, 1989) faz a relação entre a epistemologia e a história, em que o sujeito se

descobre e enxerga a realidade por meio da prática autoconsciente, que é “a essência das

coisas” (MARCUSE, 1989, p.113). Para Hegel, o processo epistemológico – da

experiência sensível à razão – está ligado ao processo histórico, da condição de servidão

para a condição de liberdade. Enfaticamente, liberdade e razão são consideradas como

atividades do espírito. A liberdade, por sua vez, é o conhecimento da verdade, é o

66

termômetro do agir racional. Sabemos que estamos agindo racionalmente, se atingirmos

a liberdade. Isto é, há o imbricamento entre razão e liberdade: ambas devem coexistir,

para plena emancipação dos sujeitos, é pela inter-relação entre a razão, a liberdade e a

história, que a liberdade e a razão só se realizam no processo histórico. A título de

ilustração, Hegel (apud MARCUSE, 1989) acentuou que a liberdade de seu momento

histórico não correspondia a uma liberdade real, devido a ser uma época de servidão, de

maneira que a Revolução Francesa ainda não atingira a condição plena de liberdade dos

sujeitos.

Por isso, a razão é uma “[...] força histórica objetiva que, uma vez

libertada dos grilhões do despotismo, faria do mundo um lugar de progresso e

felicidade” (MARCUSE, 1989, p.20); “[...] em virtude de seu próprio poder, a razão

triunfaria sobre a irracionalidade social e destruiria os opressores da humanidade” (ibid.,

p.21). A realidade somente é real, quando atingidos seus potenciais, o real é a realização

da razão, a realização dos potenciais racionais. A realidade, portanto, só atinge a razão

após um longo processo histórico, a partir da realização dos sujeitos livres e racionais

em constante busca e transformação, em constante realização de suas potencialidades.

Nesse sentido, Hegel chama a atenção para a força histórica da razão,

que vai se desenvolvendo no decorrer da história, por meio da razão e da realização da

liberdade. Uma razão contra qualquer tipo de opressão, dominação e desigualdade, uma

razão histórica condutora do progresso e da felicidade. O sistema de Hegel “[...] fez da

filosofia um fator histórico concreto, e trouxe a história à filosofia” (MARCUSE, 1989,

p.27).

Para encerrar, vejamos a estrutura da Lógica de Hegel (apud

MARCUSE, 1989): primeiro, trata das categorias da experiência imediata, aquelas que

permitem apreender apenas as formas abstratas das coisas, sendo a quantidade, a

qualidade e a medida; em seguida, trata das categorias que possibilitam mais

objetividade, entretanto, ainda incompletas, sem a liberdade para autorrealização, que

correspondem às categorias da substancialidade, causalidade e reciprocidade. Por fim,

seguem-se as categorias de liberdade, as quais são efetivamente guiadas pelo

pensamento, sob o domínio do pensamento.

Conclui-se, por conseguinte, que, no sistema hegeliano, a realidade é

dialética e que a dialética conduz a razão a caminho da liberdade. Com efeito, “[...] a

67

essência surge de um movimento no seio da existência e, inversamente, o vir-a-ser da

existência é um retorno à essência” (MARCUSE, 1989, p.102). Essas considerações

fazem-nos postular que o objeto da filosofia é o próprio mundo em seu vir-a-ser, em sua

realização plena, e que os conceitos filosóficos têm um caráter histórico. Encerramos

com as palavras de Marcuse (1989): “[...] o mundo será hostil e falso enquanto o

homem não destruir a objetividade morta e se reencontrar, bem como à sua própria vida,

por trás das formas rígidas das coisas e leis” (p.114). Por fim, enquanto não

considerarmos o movimento, o processo, a negatividade, não poderemos efetivamente

compreender a realidade.

No próximo capítulo, buscamos amarrar as questões debatidas até o

momento com nosso objetivo geral. Sendo assim, no próximo e último capítulo,

almejamos analisar se as pesquisas no âmbito nacional têm abordado a temática da

oposição positivismo e dialética, tal qual apontam os teóricos críticos, frente à

insuficiência dos moldes racionais no trato com as questões humanas, mais

especificamente, com as questões educacionais.

68

CAPÍTULO IV

SIMILARIDADES E DIVERGÊNCIAS DA CRÍTICA

FRANKFURTIANA À OPOSIÇÃO POSITIVISMO E DIALÉTICA

NO DEBATE EDUCACIONAL

Trabalhos acadêmicos recentes na área da Educação têm insistido na

necessidade de autorreflexão, por parte dos educadores, acerca do estatuto de

cientificidade na Educação, muitas vezes caminhando em direção análoga àquela

proposta pelos teóricos críticos de Frankfurt ao oporem o positivismo à dialética.

Neste quarto capítulo, nosso objetivo consiste em mapear, analisar e

avaliar as produções que trabalham com a temática proposta pelos frankfurtianos,

descrita até o momento na presente Dissertação, a saber, a crítica à racionalidade

instrumental e a oposição entre positivismo e dialética, uma vez que, se trabalhássemos

apenas com o referencial da teoria crítica, a pesquisa seria autovalidativa.

No primeiro momento, discorremos sobre os materiais e métodos

utilizados para fins de nossa pesquisa. Já no segundo momento, realizamos a análise das

produções acadêmicas elencadas. Por fim, encerrando o capítulo, dispomos da discussão

de alguns resultados preliminares de nossa análise.

4.1 MATERIAIS E MÉTODOS

A partir da crítica frankfurtiana aos pressupostos positivistas e seus

esforços por uma concepção que considerasse o movimento e desfizesse a visão rígida e

determinista da teoria tradicional, surgiu nosso problema de pesquisa, com os seguintes

questionamentos: a crítica à teoria tradicional (pressupostos positivistas) tem sido

abordada no debate acadêmico da Educação brasileira? Se sim, a discussão está sendo

feita com base em quais referenciais? Em sua maioria, são referenciais respaldados na

69

Teoria Crítica? A saída apontada pelos pesquisadores segue de maneira análoga à

proposta da concepção dialética? Quais as divergências e as quais as similaridades?

Por esses questionamentos é que definimos nosso objeto de estudo: a

crítica aos pressupostos da teoria tradicional a partir do debate acadêmico da Educação

no Brasil. Nossa metodologia consistiu na análise da presença da problemática da

oposição entre positivismo e dialética presente em artigos acadêmicos de Educação e

Filosofia, que tratem da problemática da cientificidade do conhecimento em Educação.

Nossa hipótese de trabalho, é que a oposição entre positivismo e

dialética, tal como caracterizada pelos teóricos frankfurtianos, permanece atual, sendo

resgatada sob diferentes perfis teóricos pelos pesquisadores brasileiros, nos últimos

anos.

Nosso recorte temporal foi de 1998 a 2008, em periódicos publicados

em revistas qualificadas, disponíveis na Biblioteca Eletrônica Científica Online –

SCIELO. A SCIELO é uma biblioteca eletrônica, considerada um importante veículo

de publicação e divulgação de pesquisas científicas, no Brasil. A SCIELO é o resultado

de um projeto da FAPESP/BIREME/CNPq2, e tem por objetivo o armazenamento,

disseminação e avaliação da produção científica em formato eletrônico3.

Sendo assim, efetivamos um estudo bibliográfico, cumprindo os

seguintes objetivos:

1) mapear as pesquisas publicadas nos principais periódicos de Educação e Filosofia

disponibilizados pela biblioteca eletrônica científica online – SCIELO –, publicados

entre os anos de 1998 e 2008, que abordem a problemática da oposição entre

positivismo e dialética;

2) analisar os artigos e avaliar a pertinência da oposição entre positivismo e dialética, tal

como foi proposta por Adorno, Horkheimer e Marcuse, para a Filosofia da Educação

contemporânea.

Dos periódicos publicados no SCIELO, dezesseis são destinados para

a área de Educação e Filosofia, ilustrados na tabela 1:

2 FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo; BIREME - Centro Latino-

Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde; CNPq - Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico. 3 Informações disponíveis em: www.scielo.org.br

70

Tabela 1 - Lista dos periódicos de Educação e Filosofia disponibilizados na biblioteca

eletrônica científica online – Scielo

1. TÍTULO DOS PERIÓDICOS

1 Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior (Campinas)

2 Cadernos CEDES

3 Cadernos de Pesquisa

4 Ciência & Educação (Bauru)

5 Dados - Revista de Ciências Sociais

6 Educar em Revista

7 Educação & Sociedade

8 Educação e Pesquisa

9 Educação em Revista

10 Kriterion: Revista de Filosofia

11 Paidéia (Ribeirão Preto)

12 Pro-Posições

13 Revista Brasileira de Ciências Sociais

14 Revista Brasileira de Educação

15 Sociologias

16 Trans/Form/Ação - Revista de Filosofia

FONTE: Biblioteca Eletrônica Científica Online - SCIELO, disponível em: www.scielo.org.br

Organização: Renata Peres Barbosa

Para a busca dos artigos nos periódicos, foram selecionadas cinco

palavras-chave pertinentes ao tema principal desta dissertação, a saber: Ciência,

Epistemologia, Conhecimento, Dialética, Positivismo4. A partir desse primeiro

levantamento, realizamos a leitura dos resumos dos artigos, para uma segunda seleção.

Pela leitura dos resumos, foram selecionados 26 artigos publicados em 8 periódicos, dos

quais, 4 qualificados pela Capes no estrato A1, 2 qualificados no estrato A2 e 2

periódicos com o qualis B1. Dentre os periódicos, encontramos: Educação &

Sociedade, qualis A1, com 8 artigos publicados; Cadernos de Pesquisa, qualis A1, com

4 artigos publicados; Educação e Pesquisa, qualis A1, com 4 artigos publicados;

Educar em Revista, qualis A2, com 4 publicações; Ciência e Educação, qualis A1, com

3 publicações; e 1 artigo do periódico Educação em Revista, qualis A2,

4 Não colocamos como palavra-chave “Teoria Crítica” porque a intenção foi trazer a discussão, a partir

ou não dos referenciais críticos, para ampliarmos nossa visão acerca da problemática estudada. Também

julgamos não ser necessário o emprego da palavra-chave “Educação”, devido os periódicos já serem

oriundos dessa área.

71

Trans/form/ação, qualis B1 e Paidéia qualis B1. A Tabela 2 ilustra os artigos

selecionados pela busca realizada:

Tabela 2 - Artigos selecionados para a revisão bibliográfica, instituições acadêmicas

de origem dos autores e palavras-chave.

PERIÓDICO/

QUALIS

ANO TÍTULO DO ARTIGO AUTORES INSTITUIÇÃO

DE ORIGEM

PALAVRAS-CHAVE

EDUCAÇÃO E

SOCIEDADE

1998 A Crise e o Ensino de

Ciências

OLIVEIRA,

Marcos Barbosa

de

USP Ciência; tecnologia;

valores; conhecimento

puro; conhecimento

instrumental.

(Qualis A1) 2000 Teoria Crítica e teorias

educacionais: uma

análise do discurso sobre

Educação

BATISTA,

Sueli Soares dos

Santos

USP Teoria Crítica;

Educação; Sociologia

da Educação;

democratização do

ensino; crítica ao

positivismo.

2000 Procurando outros

paradigmas para a

Educação.

BARROS,

Maria Elizabeth

Barros de

UFES –

Universidade

Federal do

Espírito Santo

Subjetividade;

micropolítica; práticas

educacionais.

2001 Saberes docentes:

diferentes tipologias e

classificações de um

campo de pesquisa

BORGES,

Cecília

UFPel –

Universidade

Federal de Pelotas

Saberes docentes;

conhecimento; ensino;

formação de

professores.

2003 Conhecimento tácito e

conhecimento escolar na

formação do professor

(por que Donald Schön

não entendeu Luria)

DUARTE,

Newton

UNESP –

Campus

Araraquara

Formação de

professores;

Epistemologia da

prática; Professor

reflexivo;

Conhecimento tácito;

Conhecimento escolar.

2003 Adorno, arte e Educação:

negócio da arte como

negação

FABIANO,

Luiz

Hermenegildo

UEM –

Universidade

Estadual de

Maringá

Arte; Estética;

Mediação; Negação;

Razão instrumental.

2006 Produção de

conhecimento

BERGAMO,

Geraldo

Antonio;

BERNARDES,

Marisa Rezende

UNESP - Campus

Bauru

Método marxista;

Conhecimento;

Produção de

conhecimento;

Produção de

conhecimento escolar.

2006 O cuidado como conceito

articulador de uma nova

relação entre Filosofia e

Pedagogia

DALBOSCO,

Cláudio Almir

UPF/RS –

Universidade de

Passo Fundo

Pedagogia; Filosofia;

Ciência; Ação

pedagógica; Ser-aí e

cuidado.

CADERNOS

DE PESQUISA

2001 Pesquisa em Educação:

buscando rigor e

qualidade

ANDRE, Marli USP e PUC/SP Métodos de pesquisa;

pesquisador; Educação.

(Qualis A1) 2002 A abordagem sócio-

histórica como

orientadora da pesquisa

qualitativa

FREITAS,

Maria Teresa de

Assunção

Universidade

Federal de Juiz de

Fora

Pesquisa qualitativa;

ciências humanas.

2005 Pesquisa, Educação e GATTI, FGV e PUC/SP Pesquisa educacional;

72

pós-modernidade:

confrontos e dilemas.

Bernardete pós-modernidade;

valores; currículo.

2008 Desafios metodológicos

na perspectiva da rede de

significações

ROSSETTI-

FERREIRA,

Maria Clotilde

et al.

USP Métodos de pesquisa;

paradigmas de

pesquisa;

desenvolvimento

humano.

EDUCAÇÃO E

PESQUISA

2004 Metodologia qualitativa

de pesquisa

MARTINS,

Heloisa Helena

T. de Souza.

USP Sociologia;

Metodologia

qualitativa; Pesquisa

sociológica.

(Qualis A1) 2005 Crise da consciência

contemporânea e

expansão do saber não

cumulativo

HAROCHE,

Claudine.

Centre d’Études

Transdisciplinaire

s - Sociologie,

Anthropologie,

Histoire - Paris

Universidade;

Contemporaneidade;

Conhecimento;

Consciência

2008 Por uma pedagogia do

equilíbrio

GASQUE,

Kelley Cristine

Gonçalves Dias;

TESCAROLO,

Ricardo.

Universidade de

Brasília e

PUC/PR

Pedagogia;

Experiência; Ética;

Equilíbrio.

2008 A pedagogia científica de

Bachelard: uma reflexão

a favor da qualidade da

prática e da pesquisa

docente.

FONSECA,

Dirce Mendes

da.

Centro

Universitário de

Brasília

Epistemologia;

Metodologia;

Pedagogia científica;

Pesquisa, ensino e

prática científica.

EDUCAR EM

REVISTA

2006 O vôo da águia:

reflexões sobre método,

interdisciplinaridade e

meio ambiente.

BRUGGER,

Paula.

UFSC Meio Ambiente;

interdisciplinaridade;

método; epistemologia;

cientificidade;

linguagem.

(Qualis A2) 2006 Crítica ao fetichismo da

individualidade e aos

dualismos na educação

ambiental.

LOUREIRO,

Carlos Frederico

B.

UFRJ Educação Ambiental;

fetichismo; dualismo;

crítica; dialética

emancipatória.

2008 A Educação e o

conhecimento: uma

abordagem complexa.

RAMOS,

Roberto.

PUC/RS Educação;

conhecimento;

complexidade.

2008 Paradigma da ciência, do

saber e do conhecimento

e a educação para a

complexidade:

pressupostos e

possibilidades para a

formação docente.

RODRIGUES,

Zita Ana Lago.

FPA-PR/

UNICENP-EaD

Paradigmas; ciência e

conhecimento;

Educação;

complexidade;

formação docente.

CIÊNCIA E

EDUCAÇÃO

2004 Da educação em ciência

às orientações para o

ensino das ciências: um

repensar epistemológico.

CACHAPUZ,

António;

PRAIA, João;

JORGE,

Manuela.

Universidade de

Aveiro;

Universidade do

Porto;

Universidade de

Trás-os-Montes e

Alto Douro

Educação em Ciência;

Ensino das Ciências;

Epistemologia

(Qualis A1) 2004 A "crítica forte" da

ciência e implicações

para a Educação em

ciências.

GRECA, Ileana

María; FREIRE

JÚNIOR,

Olival.

UFRGS- Porto

Alegre

UFBA – Salvador

Pós-modernismo;

crítica à ciência;

Sociologia da ciência;

Educação em ciências.

2004 A epistemologia de

Maturana

MOREIRA,

Marco Antonio.

UFRGS- Porto

Alegre

Ciência; explicações

científicas; Biologia do

conhecer;

73

epistemologia.

EDUCAÇÃO

EM REVISTA

2007 Críticas e possibilidades

da Educação e da escola

na contemporaneidade:

lições de Theodor

Adorno para o currículo.

VILELA, Rita

Amelia

Teixeira.

PUC/Minas Theodor Adorno;

Educação na

Contemporaneidade;

Currículo.

TRANS/

FORM/AÇÃO

(Qualis B1)

2003 Considerações sobre a

neutralidade da ciência.

OLIVEIRA,

Marcos Barbosa

de.

USP Ciência; tecnologia;

neutralidade;

relativismo;

imparcialidade; Lacey.

PAIDÉIA

(Qualis B1)

2002 Uma revisão/discussão

sobre a Filosofia da

ciência.

FURLAN,

Reinaldo.

USP Filosofia da ciência;

metodologia científica.

FONTE: Biblioteca Eletrônica Científica Online - SCIELO, disponível em: www.scielo.org.br

Organização: Renata Peres Barbosa

Dentre as origens acadêmicas dos autores, deparamo-nos com uma

grande diversidade de instituições: no total, são 23 Universidades distintas, federais,

estaduais e privadas, de diferentes regiões do Brasil. Esses dados estão dispostos na

Tabela 3:

Tabela 3 - Instituições acadêmicas de origem dos autores

INSTITUIÇÕES ACADÊMICAS DE ORIGEM DOS AUTORES NÚMERO DE AUTORES

1 USP 7

2 UNESP 2

3 PUC/SP 2

4 UFRGS- Porto Alegre 2

5 UEM 1

6 UPF/RS – Universidade de Passo Fundo 1

7 UFES – Universidade Federal do Espírito Santo 1

8 Universidade Federal de Juiz de Fora 1

9 FGV 1

10 Centre d’Études Transdisciplinaires - Sociologie, Anthropologie,

Histoire - Paris

1

11 Universidade de Brasília 1

12 PUC/PR 1

13 Centro Universitário de Brasília 1

14 UFSC 1

15 UFRJ 1

16 PUC/RS 1

74

17 FPA-PR/UNICENP 1

18 Universidade de Aveiro 1

19 Universidade do Porto 1

20 Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro 1

21 UFPel – Universidade Federal de Pelotas 1

22 UFBA – Salvador 1

23 PUC/Minas 1

FONTE: Biblioteca Eletrônica Científica Online - SCIELO, disponível em: www.scielo.org.br

Organização: Renata Peres Barbosa

Frente à diversidade de referências com a qual nos deparamos e o

anseio de cumprir com o objetivo aqui proposto, após a realização da leitura e

fichamento dos artigos, optamos por classificá-los por temáticas, e sublocá-los em

grupos, para aproximar suas discussões e, assim, possibilitar nossa análise.

Reconhecemos a insuficiência metodológica e a artificialidade da

classificação. Aproveitamos o momento para destacarmos a importância de se

reconhecer a insuficiência do rigor científico, que na intenção de estabelecer uma

classificação rígida, invariável, o objeto de estudo acaba se tornando refém do método –

crítica que vai ao encontro de nossas discussões apresentadas nessa Dissertação à visão

positivista de ciência. Cumpre lembrar, portanto, que utilizamos da classificação dos

artigos como recurso didático, provisório, e não como critério absoluto, cientes de suas

limitações, sabendo dos perigos de dispor diversas perspectivas num diálogo comum,

correndo o risco de simplificá-los ou até mesmo de distorcê-los, pois cada um possui

suas peculiaridades. Buscamos, dessa forma, escapar do fetiche do método, na não

redução ao sempre igual e à fórmula. Por sua vez, entendemos que a validade de um

texto se dá pelo seu teor crítico, o que nos deu liberdade extrapolar nossa própria

classificação.

Dando continuidade a nossa proposta, classificamos quatro principais

grupos de temáticas, a saber: grupo I - Pós-Modernidade; grupo II – Filosofia da

Ciência; grupo III – Metodologias de Pesquisa – a dialética em questão; grupo IV –

Teoria Crítica, conforme ilustrados na Tabela 4. Além disso, houve três artigos que

entendemos que não dialogavam com nenhuma das temáticas dos grupos, devido à

limitação de nosso próprio instrumento metodológico. Sendo assim, analisamos esses

75

artigos no próprio corpo do texto, utilizando-os como referenciais críticos. São eles: o

artigo de Newton Duarte, o de Cláudio Almir Dalbosco e o de Claudine Haroche.

Tabela 4 – Grupos de análise

GRUPO DE

ANÁLISE

TÍTULO AUTOR ANO PERIÓDICO

Procurando outros paradigmas para

a educação.

BARROS, Maria Elizabeth

Barros de

2000 Educação e

Pesquisa

GRUPO I

Por uma pedagogia do equilíbrio

GASQUE, Kelley Cristine

Gonçalves Dias;

TESCAROLO, Ricardo.

2008 Educação e

Sociedade

PÓS-

MODERNI

DADE

Paradigma da ciência, do saber e do

conhecimento e a educação para a

complexidade: pressupostos e

possibilidades para a formação

docente.

RODRIGUES, Zita Ana Lago. 2008 Educar em

Revista

O vôo da águia: reflexões sobre

método, interdisciplinaridade e

meio ambiente.

BRUGGER, Paula. 2006 Educar em

Revista

A educação e o conhecimento: uma

abordagem complexa.

RAMOS, Roberto. 2008 Educar em

Revista

Da educação em ciência às

orientações para o ensino das

ciências: um repensar

epistemológico.

CACHAPUZ, António;

PRAIA, João; JORGE,

Manuela.

2004 Ciência e

Educação

Desafios metodológicos na

perspectiva da rede de significações

ROSSETTI-FERREIRA,

Maria Clotilde et al .

2008 Cadernos de

Pesquisa

A epistemologia de Maturana MOREIRA, Marco Antonio. 2004 Ciência e

Educação

A Crise e o Ensino de Ciências OLIVEIRA, Marcos Barbosa

de

1998 Educação e

Sociedade

GRUPO II

Considerações sobre a neutralidade

da ciência.

OLIVEIRA, Marcos Barbosa

de.

2003 Transformação

FILOSOFIA

DA CIÊNCIA

A "crítica forte" da ciência e

implicações para a educação em

ciências.

GRECA, Ileana María;

FREIRE JR., Olival.

2004 Ciência e

Educação

Uma revisão/discussão sobre a

filosofia da ciência.

FURLAN, Reinaldo. 2002 Paideia

Produção de conhecimento BERGAMO, Geraldo

Antonio; BERNARDES,

Marisa Rezende

2006 Educação e

Sociedade

A abordagem sócio-histórica como

orientadora da pesquisa qualitativa

FREITAS, Maria Teresa de

Assunção

2002 Cadernos de

Pesquisa

GRUPO III

Metodologia qualitativa de

pesquisa

MARTINS, Heloisa Helena T.

de Souza.

2004 Educação e

Pesquisa

METODO-

LOGIAS

DE

PESQUISA -

A pedagogia científica de

Bachelard: uma reflexão a favor da

qualidade da prática e da pesquisa

docente.

FONSECA, Dirce Mendes da. 2008 Educação e

Pesquisa

A

DIALÉTICA

Pesquisa, educação e pós-

modernidade: confrontos e dilemas.

GATTI, Bernardete 2005 Cadernos de

Pesquisa

EM

QUESTÃO

Crítica ao fetichismo da

individualidade e aos dualismos na

LOUREIRO, Carlos Frederico

B.

2006 Educar em

Revista

76

educação ambiental.

Pesquisa em educação: buscando

rigor e qualidade

ANDRE, Marli 2001 Cadernos de

Pesquisa

GRUPO IV

Adorno, arte e educação: negócio

da arte como negação

FABIANO, Luiz

Hermenegildo

2003 Educação e

Sociedade

TEORIA

CRÍTICA

Teoria Crítica e teorias

educacionais: uma análise do

discurso sobre educação

BATISTA, Sueli Soares dos

Santos

2000 Educação e

Sociedade

Críticas e possibilidades da

educação e da escola na

contemporaneidade: lições de

Theodor Adorno para o currículo.

VILELA, Rita Amelia

Teixeira.

2007 Educação em

Revista

FONTE: Biblioteca Eletrônica Científica Online - SCIELO, disponível em: www.scielo.org.br

Organização: Renata Peres Barbosa

O material foi analisado sob a perspectiva da confluência entre os

referenciais teóricos mobilizados para a análise da cientificidade no campo educativo e

a oposição entre positivismo e dialética, tal como proposta pelos teóricos críticos.

Algumas questões nortearam nossa análise:

1- O artigo trabalha com a crítica aos pressupostos da teoria tradicional, no âmbito da

Educação? De que forma critica? Como a discussão é colocada?

2- Como aparecem as questões colocadas pelos frankfurtianos, no que se refere à oposição

positivismo e dialética?

3- Quais os caminhos sugeridos?

4- Em que a discussão contribui para a nossa pesquisa?

No grupo I – Pós-Modernidade –, foram selecionados oito artigos.

Nesse grupo identificamos, claramente, a crítica aos pressupostos do positivismo e de

sua limitação no campo da Educação. No entanto, os caminhos sugeridos pelos autores

seguem por trajetos distintos do que os apresentados pela Teoria Crítica. No grupo II –

Filosofia da Ciência –, foram selecionados quatro artigos. Nesse grupo, a partir da

discussão epistemológica, foram elucidados os paradoxos que contornam a atividade

científica, salientando a importância de se refletir acerca do papel da ciência. No grupo

III – Metodologias de Pesquisa – a dialética em questão –, foram reunidos sete artigos,

e, com a crítica metodológica, os artigos abordaram a oposição teoria tradicional e

teoria crítica, em sua maioria, apresentando como contraponto o método dialético. No

grupo IV – Teoria Crítica –, foram selecionados três artigos, que trabalham

77

explicitamente com a temática da oposição positivismo e dialética à luz dos referenciais

críticos. Dos artigos que não classificamos em grupos, o artigo de Newton Duarte serviu

como base teórica para análise do grupo I. Já os artigos de Dalbosco (2006) e Haroche

(2005) foram debatidos ao final deste capítulo, e trouxeram um olhar crítico no que

concerne a crise da cultura e da Educação e problematizações acerca da natureza e da

especificidade da Pedagogia.

4.2 GRUPOS DE DISCUSSÕES

Neste tópico, temos o intuito de apresentar nossas apreciações acerca

dos artigos analisados e, a partir de então, responder que aspectos e dimensões vêm

sendo destacados e privilegiados a respeito da problemática da cientificidade do

conhecimento em Educação e da oposição positivismo e dialética, bem como suas

similaridades e divergências com os referenciais críticos.

Os artigos, em sua maioria, vão ao encontro de nossas discussões, no

sentido de clamarem por uma discussão epistemológica quanto às concepções de

ciência, além de apontarem para a insuficiência da epistemologia moderna, não só nas

ciências humanas, mas também nas ciências naturais. Apesar de o caminho sugerido nos

artigos diferir do adotado pela Teoria Crítica, encontramos pontos de convergência, de

que trataremos no decorrer da redação deste tópico.

4.2.1 GRUPO I – PÓS-MODERNIDADE

Nesse grupo, propusemo-nos analisar oito artigos. Em todos os

artigos, percebemos a forte presença da crítica à concepção positivista de ciência, em

especial à sua presença no âmbito da Educação. A crítica à hipertrofia da razão e à

tentativa de neutralidade do conhecimento esteve presente de forma contundente nesses

artigos. Apesar de os autores não se apropriarem dos referenciais críticos, o sentido da

modernidade adotado nos textos segue de maneira análoga à que trabalhamos nos

78

capítulos anteriores desta dissertação, à luz dos referenciais críticos, ao elucidar o

desembocar da racionalidade numa via instrumental e limitada. É diagnosticada a crise

da ciência, e, como saída, esse grupo de autores apostou no rompimento com esses

pressupostos, cada um à sua maneira. Frente à crise da ciência, disseminaram-se

posturas anticientíficas, que, ao criticar os princípios positivistas, recaíram em discursos

irracionalistas, subjetivistas, e no relativismo. Assim, as alternativas de superação dessa

concepção transitaram por caminhos distintos, e é o que nos chamou à atenção e o que

constituiu nosso foco de análise para esse grupo. Outro dado instigante é que, em sua

maioria, os artigos trabalham com abordagens da complexidade e sistêmicas.

Frente a isso, optamos pela seguinte organização: primeiramente,

apresentamos o artigo de Newton Duarte, para ilustrar a crítica da crítica ao positivismo,

o que cumpriu como nosso objetivo na análise do grupo I.

Em seguida, subdividimos esse grupo conforme a saída sugerida como

superação dos pressupostos modernos, apesar de muitos estarem interligados. Dessa

forma, os tópicos são: 1. Valorização da dimensão prática da Educação; 2.

Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade; 3. Visão relativista.

Utilizando nosso objeto de estudo como referencial crítico – a crítica da crítica aos

pressupostos positivistas

No artigo de Newton Duarte, intitulado Conhecimento tácito e

conhecimento escolar na formação do professor – por que Donald Schön não entendeu

Luria (2003), o autor apontou justamente para a irracionalidade da crítica ao

conhecimento científico, isto é, a crítica da crítica aos pressupostos positivistas, que

desembocaram numa perspectiva anticientífica de recusa da teoria.

Dessa forma, utilizamo-nos desse artigo como pano de fundo para

ilustrar nossa intenção na análise do grupo I, pois realizamos a crítica à

supervalorização da prática, à interdisciplinaridade e ao relativismo. Nesse sentido, o

autor sugeriu que se faça uma análise crítica acerca das próprias críticas ao

conhecimento científico.

79

A questão que se coloca não é o retorno e a valorização a uma forma

de conhecimento tácito. A crítica deve ser à predominância dos meios em detrimento

dos fins, à ausência de finalidades humanas no conhecimento científico, como

acentuado pelos frankfurtianos.

Enfim, voltemos ao artigo de Newton Duarte. Em seu artigo, Duarte

(2003) teve como objetivo problematizar os pressupostos epistemológicos e

pedagógicos contidos na oposição que Donald Schön estabeleceu entre conhecimento

tácito e conhecimento escolar. Duarte argumentou que Schön defende uma pedagogia

que desvaloriza o conhecimento escolar e uma epistemologia que desvaloriza o

conhecimento teórico/científico/acadêmico. Na defesa do conhecimento tácito, o

conhecimento científico fica relegado a segundo plano, ou seja, faz-se a crítica, mas ao

mesmo tempo se descarta o que o conhecimento científico pode oferecer à formação

profissional.

Para o autor, essa tendência de desvalorização do conhecimento

científico/teórico/acadêmico e de desvalorização do conhecimento escolar é

predominante no campo da didática e da formação de professores, e, portanto, as

proposições de Donald Schön não estão isoladas. No cenário brasileiro, Duarte salientou

ser uma tendência adotada a partir da década de 90, apontada como uma “positiva”

mudança de perspectiva, um distanciamento de uma pedagogia conteudista para uma

epistemologia da prática. Entre os principais autores que se aproximam dos

pressupostos pedagógicos e epistemológicos de Schön estão: Maurice Tardif, Philippe

Perrenoud, Antônio Nóvoa, entre outros, que seguem em direção à linha das pedagogias

ativas, do construtivismo, e da pedagogia das competências. O lema é aprender

fazendo.

A proposta de Schön e dos autores que trabalham nessa linha parte da

ideia de que a formação de professores encontra-se numa situação de crise. Há uma

crise na confiança do conhecimento profissional, por isso seria preciso buscar uma nova

epistemologia da prática profissional. Há conflitos entre o saber escolar e a reflexão-na-

ação dos professores e alunos, no que concerne à formação de professores e à maneira

como a escola trabalha com os conhecimentos cotidianos dos alunos. Dessa crise, se

sobressai a questão da epistemologia da prática, que se constitui na valorização dos

próprios saberes utilizados pelos professores, no seu espaço de trabalho cotidiano.

80

Para esses autores, o foco da formação universitária é de cunho

acadêmico/teórico/científico, uma estrutura inadequada para a formação de

profissionais. A proposta é que a formação profissional se volte para os saberes

docentes utilizados em seu cotidiano, através de uma completa reforma universitária,

que incluiria a mudança curricular, entre outros.

Por essa via, há uma desvalorização da formação universitária de

cunho científico/teórico/acadêmico, na defesa de que, para a universidade se tornar um

ambiente adequado de formação docente, ela deveria abandonar a predominância dos

conhecimentos teóricos.

Perspectiva-se, com isso, que os pesquisadores deveriam ir a campo e

entrar em contato direto com os saberes dos professores, sendo esta a base da formação

profissional, o que ocuparia o papel central. Por isso, a formação de professores deveria

se voltar para o saber experimental do professor. Os professores, nessa linha, se

tornariam também formadores.

Em síntese, na perspectiva de Schön, o saber escolar trata de “fatos e

teorias aceites”, é [...] tido como certo [...] é molecular, feito de peças isoladas”

(SCHÖN apud DUARTE, p.616), por isso deveria haver algumas mudanças: da

valorização do conhecimento escolar para a valorização do conhecimento tácito; a

pedagogia: de transmissora dos saberes para a valorização da construção dos saberes; a

formação de professores: ao invés de centrar-se no saber teórico o foco deveria ser a

prática reflexiva.

Em face dessas considerações, Duarte sublinhou o caráter negativo

que Schön designou para o saber escolar, como um distanciamento com a verdadeira

formação. Para o autor, a forma como Schön apontou ser o conhecimento escolar não

deixa escolha para seus leitores, devido ao tom extremamente negativo que o pontua:

“[...] quem defenderia uma pedagogia na qual o professor é visto como alguém que

transmite aos seus alunos peças isoladas?” (p.616). Duarte destacou que a defesa da

irrelevância do saber científico na formação de professores e na pesquisa educacional,

consiste num recuo da teoria na pesquisa em Educação, a ênfase no saber fazer, em que

a teoria é tida como perda de tempo, trata-se do “relativismo e do subjetivismo típicos

do espírito anticientífico pós-moderno” (p.616).

81

O autor considerou essa mudança de perspectiva um retrocesso, e não

um avanço. Ainda relacionou essa tendência com o contexto político-ideológico da

década de 90, com o ideário neoliberal e pós-moderno, fazendo a aproximação entre o

pragmatismo neoliberal e o ceticismo epistemológico pós-moderno: “[...] estão unidos

na veneração da subjetividade imersa no cotidiano alienado da sociedade capitalista

contemporânea” (p.612). Acrescenta, ainda:

De pouco ou nada servirá mantermos a formação de professores nas

universidades se o conteúdo dessa formação for maciçamente reduzido ao

exercício de uma reflexão sobre os saberes profissionais, de caráter tácito,

pessoal, particularizado, subjetivo etc. De pouco ou nada adiantará

defendermos a necessidade de os formadores de professores serem

pesquisadores em educação, se as pesquisas em educação se renderem ao

“recuo da teoria”. (p.620).

4.2.1.1 Valorização da dimensão prática da Educação

Neste tópico, examinamos três artigos: o artigo de Maria Elizabeth

Barros de Barros – Procurando outros paradigmas para a educação (2000), o artigo de

Kelley Cristine G. D. Gasque e Ricardo Tescarolo, intitulado Por uma pedagogia do

equilíbrio (2008), e o artigo Paradigma da ciência, do saber e do conhecimento e a

educação para a complexidade: pressupostos e possibilidades para a formação docente

(2008), de Zita Ana Lagos Rodrigues.

O que percebemos, nesses artigos, é que, na busca de superação dos

pressupostos positivistas, os caminhos adotados pelos autores seguem em direção à

valorização da dimensão prática na Educação, na aposta de construção do conhecimento

a partir dos próprios saberes e práticas docentes. Isso implica alguns riscos que não são

abordados nos artigos, a saber: a recusa da teoria e recaída numa dimensão irracional,

isto é, abrir mão dos próprios alicerces da cultura.

***

82

No artigo de Maria Elizabeth Barros de Barros (2000) – Procurando

outros paradigmas para a educação (2000), a autora partiu, em sua análise, do

diagnóstico das práticas pedagógicas, respaldada por Deleuze e Gattari. Segundo a

autora, a formação escolar é disciplinadora, com o intuito de preparar de acordo com a

lógica produtiva social, marcada por “mecanismos de poder”, constituindo-se “[...]

fábricas de subjetividade, máquinas de fazer falar, pensar e sentir” (p.33). Nesse

sentido, apontou para a problemática do cientificismo advindo da ciência moderna, e

destacou que seus pressupostos “[...] pertencem à lógica cartesiana [...] com uma

metodologia baseada na neutralidade científica” (p.34). Assim sendo, esses princípios

[...] objetivam leis universais e têm como princípios básicos a cientificidade e

a objetividade. A prioridade é dada à organização racional e ao conhecimento

especializado. A ideia de evolução, progresso, linearidade finalista,

representação e verdade estão na base da produção de conhecimentos neste

paradigma. (p.34).

A autora acentuou a presença desses princípios no contexto da

produção do conhecimento, no âmbito da educação e da escola: “[...] as práticas

educacionais e sua legitimação estão ancoradas no paradigma da ciência moderna, o que

significa trazer para a educação um determinismo” (p.34). A autora reconhece que, com

os avanços científicos houve uma inversão das finalidades, resultando na degradação do

homem. Frente a isso, enfatizou a importância da busca de alternativas para a superação

do paradigma científico. Nessa perspectiva, observamos a postura cética da autora, e a

adoção de uma atitude relativista, ao pontuar a importância de

[...] recusar os lugares fixos e as verdades a serem descobertas, ocupando a

posição de intelectual nômade, que desmonta verdades e faz toda afirmação

ser provisória [...] Não há verdades a serem descobertas ou transmitidas, só

existem máscaras e, se tudo é máscara, a possibilidade de mudança nos

pertence (p.34-35).

A intenção, na perspectiva da autora, é de “[...] superarmos os

discursos sistemáticos e universalistas [...] procurando a pluralidade e a singularidade

das práticas, inventando formas específicas de experimentação que são transformadas

continuamente” (p.35).

83

Barros (2000) se posicionou contra maneiras pré-concebidas de

educação, pré-formatadas, defendendo a necessidade de que sejam construídos saberes

na própria prática educativa, e apontou para a “[...] urgência de se construírem outros

planos para o processo educacional, apoiados numa ética em que os saberes são

construídos nas práticas”, que “[...] permitirá desligar e desorganizar essa rede

discursiva moral, em que se encontram hegemonicamente imersas as práticas

pedagógicas” (p.36).

Dentre as alternativas para se contrapor ao cientificismo e ao ensino

tradicional, destacou como proposta viável as “Árvores do conhecimento”, de Pierre

Levy e Michel Authier. Segundo Barros (2000), as árvores do conhecimento

constituem-se como comunidades de conhecimento e têm como objetivo “[...] inventar

outras formas de produção de conhecimento, que procurem construir uma civilidade

fundada em comunidades de aprendizagem e conhecimento” (p.36). Trata-se de uma

“[...] alternativa para se lidar com a velocidade do mundo contemporâneo [...] evitando

os especialismos [...] garantindo [...] a vitalidade da invenção” (p.37).

Conforme a autora, é um método que se baseia em conexões, uma

“rede de diálogos, como um rizoma”, descrito por Deleuze. A finalidade é de

“cartografar os saberes dos diferentes grupos” (p.37), podendo ser realizado somente

numa perspectiva coletiva: “[...] é preciso aprender uns com os outros, sem excluir, a

priori, nenhuma competência” (p.37). Para tanto, as árvores do conhecimento são “[...]

fundadas em princípios de auto-organização, de democracia e de troca nas relações de

saber” (p.39); desse modo, nas comunidades,

[...] os saberes dos indivíduos são definidos por eles mesmos com base em

suas experiências e seus conhecimentos [...] os indivíduos trazem os saberes

até então adquiridos e seus desejos de aprendizagem, que podem ultrapassar

as disponibilidades da comunidade. Assim sendo, uma comunidade de saber

está atravessada pela diversidade social. (p.39).

A autora estende sua análise à escola, ressaltando a exclusão dos

saberes da vida nesse ambiente, em nome da certeza e da validação científica. A

proposta é dar abertura a novas aprendizagens, e também à criação de novos espaços,

84

constituídos coletivamente, de forma democrática, “[...] redefinindo os grupos humanos

como comunidades de conhecimento e aprendizagem mútua” (p.39).

Salientou, contudo, que não se trata de uma proposta inconstitucional,

mas, ao mesmo tempo, apontou que “[...] cada comunidade tem uma vida cognitiva

singular e, portanto, cabe a ela decidir a forma da árvore que corresponde à sua

realidade” (p.39).

É possível observar um discurso sedutor e romântico acerca da

construção dos saberes na própria prática, como nas afirmações: “[...] é preciso aprender

uns com os outros, sem excluir, a priori, nenhuma competência. Esse é o princípio das

árvores do conhecimento: a abertura essencial e a dimensão coletiva do saber” (p.37).

No entanto, ao se valorizar a dimensão prática, corre-se o risco de liquidar a razão

enquanto instância orientadora dos saberes; uma razão que permitiria o confronto entre

aquilo que a realidade é e aquilo que ela deveria ser; uma razão que permitiria o

movimento de busca das potencialidades ainda adormecidas da realidade, isto é, corre-

se o risco de liquidar os parâmetros que poderiam servir como problematizadores das

práticas trazidas pelo próprio grupo, parâmetros estes que possibilitariam a reflexão e a

superação dessas práticas. Assim, na crítica aos saberes teóricos fragmentados e

limitados em decorrência da validação científica, a autora se volta para uma perspectiva

de valorização da prática – que também recai num discurso irracional e subjetivista, pois

não discorre sobre as limitações de um discurso construído somente pela prática.

O segundo artigo analisado nesse grupo é o texto de Kelley Cristine

G. D. Gasque e Ricardo Tescarolo, intitulado Por uma pedagogia do equilíbrio (2008).

Nele, os autores apontaram para o desvencilhamento entre razão, experiência e ética,

como resultado da adoção dos pressupostos da ciência moderna: “[...] a redução

cartesiana compromete as distinções qualitativas como experiência e razão, que

igualmente participam da essência da realidade vital” (p.143). Diante disso, seus

prejuízos se tornaram visíveis para a Educação, e a Pedagogia se reduziu a “[...] um

programa mais ou menos sistemático de treinamento de técnicas de instrução com

prescrição de tarefas e adestramento de habilidades sem conteúdo científico próprio”,

que reproduz uma “[...] visão preconceituosa e reducionista, que considera como teoria

científica apenas a que apresenta ‘um modelo matemático que descreve e codifica as

observações que fazemos’” (p.141). Lançaram como desafio “[...] tornar o ser humano

85

responsável eticamente pelo ciclo de produção científica em prol da sustentabilidade da

vida no planeta e da própria emancipação, visto que as modificações propiciadas pela

ciência ocorrem em um mundo inseparável do ser” (p.148).

Os autores propuseram como saída a Pedagogia do Equilíbrio,

proposta esta que pressupõe o restabelecimento do equilíbrio entre razão, experiência e

ética. Esse equilíbrio seria viabilizado pela construção dos saberes por meio da prática e

da experiência do professor, considerando pressuposto que “[...] o que eles sabem da

existência [...] sabem-no a partir de sua própria experiência cotidiana” (p.143). Em

síntese, a Pedagogia “[...] deve propor o equilíbrio complexo e dialético entre a reflexão

e experiência e entre técnica e ética” (p.141), que “[...] visa a um mundo ‘inédito, mas

viável’, inspirado na utopia freiriana” (p.149).

Em nossa análise, verificamos certa fragilidade em termos de

consistência teórica em seu discurso, por ser composto por referenciais diversos, tais

como, John Dewey, Edgar Morin, Paulo Freire, entre outros, sem se aprofundar em

nenhum deles, apenas como clichês filosóficos.

Outro ponto que merece ser mencionado, é quanto à contradição dos

conceitos utilizados, pois aproximam termos como: dialética, equilíbrio e harmonia.

Sabemos que a dialética pressupõe o confronto, o incômodo perante a aparência estável,

implica o movimento crítico e negativo da razão, o desacomodar-se diante dos fatos,

sendo impossível aproximá-lo com uma perspectiva harmônica, que vise o equilíbrio.

Os autores fazem o uso do estilo dialético, no entanto, ao proporem o equilíbrio, a

própria razão está sendo liquidada. Em algumas expressões encontramos essas ideias,

tais como: o primado por uma “[...] experiência docente integrada e subsidiada pela

razão científica da Pedagogia, [que] permite uma análise reflexiva que elabora ‘a síntese

universal’, isto é, o equilíbrio” (p.143); da mesma forma, ao pontuarem que o equilíbrio

diz respeito à “[...] totalidade em movimento em busca de transcendência, do que está

além, antes e acima de nós” (p.147); e ao destacarem a Pedagogia do Equilíbrio “[...]

como harmonia da diversidade na unidade, um possível que ainda não é, mas pode vir a

ser, porque é a associação de razão, experiência e ética, paixão e competência, docência

e discência” (GASQUE; TESCAROLO, 2008, p.147).

Outro artigo que elencamos para essa análise trata o texto de Zita Ana

Lagos Rodrigues, com o título Paradigma da ciência, do saber e do conhecimento e a

86

educação para a complexidade: pressupostos e possibilidades para a formação docente

(2008). Em seu artigo, a autora discorreu acerca dos fundamentos “racionalistas-

cientificistas” determinantes na ciência, no saber e nos conhecimentos trabalhados na

escola. Ela ressaltou que o paradigma da modernidade é limitado, não dá conta das

relações complexas tecidas na contemporaneidade. Assim, apontou para a inadequação

do “paradigma cientificista racionalista da modernidade”, de como seus princípios estão

em crise, e a urgência de sua superação: “[...] são hoje muito fortes os sinais de que o

paradigma científico dominante, centrado no modelo de racionalidade técnico-científica

da modernidade ocidental, apresenta traços de profunda crise” (p.96). Ressaltou,

portanto, que “[...] a patologia da razão é a racionalização que encerra o real num

sistema de ideias coerente, mas parcial e unilateral” (MORIN apud RODRIGUES,

2008, p. 91). Resulta daí, que o paradigma educacional vigente está atrelado aos

princípios do paradigma científico predominante – priorizando características, tais

como: especialização, fragmentação e racionalização, o que salienta ainda mais as

desigualdades sociais.

O paradigma educacional vigente (unidimensional, monocultural e

compartimentado disciplinarmente) está articulado com o paradigma

científico dominante (fundado na especialização, na atomização, na

compartimentação dos conhecimentos e na racionalidade instrumental).

Ambos são responsáveis pelo modelo civilizacional contemporâneo

(globalização neoliberal) que tem ampliado as desigualdades e as exclusões

sociais, agravado os desequilíbrios entre culturas e os problemas ecológicos

(que envolvem os seres biótipos e abiótipos). (VEIGA FERNANDES apud

RODRIGUES, p. 90).

Em que pese a importância de tais constatações, a autora é incisiva ao

“[...] considerar a urgência da superação das visões fragmentárias, dualistas e

separativas, características do modelo científico dominante” (p.91). À luz desse

contexto, apostou na emergência de novos parâmetros de sustentação frente à

complexidade das relações contemporâneas, propôs pensar em novas formas, a

emergência de novos parâmetros, a partir de “[...] valores outros do que aqueles que nos

trouxeram até aqui, com suas certezas, verdades prontas e nomenclaturas

paradigmáticas de poder, dominação e estabilidade securizante” (p.89), e como

alternativa apresentou paradigmas voltados para a complexidade, para além da “lógica

87

clássica racionalista” (p.90). Demonstrou a mesma preocupação para o contexto da

escola, a salientar

[...] a importância de buscar, com urgência, posições teórico-práticas

sistêmicas e englobantes, para uma melhor compreensão dos fenômenos em

suas múltiplas naturezas e, de modo especial, dos fenômenos socioculturais,

nos quais se inserem a educação e a formação docente. (RODRIGUES, 2008,

p.91).

Dentre os referenciais que respaldaram as ideias da autora, destacam-

se as proposições de Boaventura de Sousa Santos, Edgar Morin e Tomás R. Vilasante.

Segundo a proposta da estudiosa, o olhar complexo representaria “[...] a busca

interconectada, a pertença à condição humana, incompleta, portanto, e acolher os

diferentes, as vozes dissonantes, os olhares desafiadores, o entrelaçamento entre o senso

comum e a ciência” (SANTOS apud RODRIGUES, 2008, p.99), pois “[...] estamos

ainda cegos perante o alcance do problema da complexidade. […] e esta cegueira faz

parte da nossa barbárie e o pensamento complexo nos permitirá civilizar o nosso

conhecimento” (MORIN apud RODRIGUES, 2008, p. 91).

A educação para a complexidade seria, portanto, “[...] a superação das

patologias [...] a emergência de ciências polimetadisciplinares” (p.91). Para

potencializar as possibilidades dos sistemas escolares, dever-se-ia partir da própria

prática profissional.

A autora propôs o modelo “[...] centrado em diálogos e saberes

práticos, cuja evolução deveria ocorrer pela investigação, inter-relação e pelo inter-

diálogo entre saberes, conheceres e fazeres” (p.97), transcorrer por “[...] caminhos que,

abandonando a lógica clássica racionalista, incluam conceitos inovadores, convivendo

com a transgressão, o inusitado e a criação de possibilidades diferenciadas para o

conhecer, o saber e o fazer em suas aplicabilidades práticas” (p.90-91). Dentre os

principais referenciais do campo da formação docente que priorizam a construção do

saberes docentes por essa via, a autora destacou os estudos de Isabel Alarcão, Charlot,

Donald Schön, Maurice Tardif, Estrela, Antônio Nóvoa, José Carlos Libâneo e Selma

G. Pimenta.

88

O que observamos, no discurso da autora, é que sob pretexto da

complexidade do mundo, ela se refugia em uma semântica prolixa que torna a realidade

ainda mais complexa e inexplicada, como ao se referir à educação para a complexidade

enquanto “[...] a superação das patologias [...] a emergência de ciências

polimetadisciplinares” (p.91), sem demonstrar o que seria isso, uma retórica vazia. A

solução, no fundo, é simplista: valorização e a romantização da prática profissional.

Destarte, destacamos a aversão à teoria presente em seu discurso, discurso este pouco

fundamentado, sem consistência teórica, porém de fácil adesão devido seu caráter

extremamente sedutor, como ao anunciar um modelo “[...] centrado em diálogos e

saberes práticos, cuja evolução deveria ocorrer pela investigação, inter-relação e pelo

inter-diálogo entre saberes, conheceres e fazeres” (p.97) – quem iria se recusar a seguir

um modelo como este?

4.2.1.2 Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade

Neste tópico, analisamos quatro artigos: o texto de Paula Brugger,

com o título de O vôo da águia: reflexões sobre método, interdisciplinaridade e meio

ambiente (2006); o texto A educação e o conhecimento: uma abordagem complexa

(2008), de Roberto Ramos; o artigo Da educação em ciência às orientações para o

ensino das ciências: um repensar epistemológico (2004), dos pesquisadores portugueses

Antonio Cachapuz, João Praia e Manuela Jorge; e o artigo intitulado Desafios

Metodológicos na Perspectiva da Rede de Significações (2008), de autoria de Maria

Clotilde Rossetti-Ferreira et al. O caminho sugerido por esses autores, como forma de

crítica ao caminho rígido e fragmentado, é o da inter/transdisciplinaridade.

Reconhecemos a importância da discussão, no entanto, destacamos os

perigos imbuídos nesse discurso, pois, ao criticar a maneira fragmentada da organização

disciplinar sustentada pelo discurso moderno, observamos que a

inter/transdisciplinaridade, da mesma forma que a valorização da prática, tem grandes

chances de abrir mão de seus parâmetros de sustentação, assumindo um caráter idealista

e sedutor.

89

***

No artigo de Paula Brugger, esta partiu da discussão epistemológica,

ressaltando suas implicações para a educação ambiental. Para a autora, o paradigma da

modernidade se restringiu ao uso da racionalidade de forma instrumental, aliada à

técnica e à ciência: “[...] a marca indelével na cultura da sociedade industrial: sua

racionalidade essencialmente instrumental [...] intrínseca à ciência e à técnica que se

tornaram hegemônicas” (p.78). Dessa forma, Brugger denunciou as limitações da

racionalidade instrumental sustentada pela vertente positivista de ciência, de maneira

análoga à que trabalhamos nesta dissertação.

Para essa discussão, utilizou brevemente como referencial Herbert

Marcuse, a respeito da “ideologia da sociedade industrial” (p.77), em que, a partir do

ideal de produtividade máxima, se estabeleceu uma nova relação com a natureza, em

que os recursos naturais são cada vez mais deplorados. Essa relação com a natureza,

além de descartar as possibilidades de outras racionalidades nessa intervenção, levou a

“[...] uma completa insustentabilidade ecológica, social, política, cultural e mesmo

econômica” (p.78).

Sendo assim, para a autora, a crise ambiental corresponde a uma crise

anterior, uma crise de paradigma, epistemológica, caracterizada pela revolução

científica prolongada no decorrer da modernidade. Em outras palavras, o paradigma

epistemológico moderno e a sua consequente dicotomia homem-natureza é identificado

como o cerne da problemática ambiental, uma vez que o conceito de meio ambiente foi

reduzido à “perspectiva natural e técnica” (p.78).

O paradigma clássico − com as suas relações lineares de causa e efeito − tem,

entretanto, mostrado suas limitações no que tange ao esclarecimento de

diversos processos complexos, notadamente os que caracterizam as relações

sociedade-natureza. Isso acontece porque esse paradigma compartimentaliza

os problemas a fim de solucioná-los, o que acaba por reificá-los. Isso foi

exatamente o que aconteceu com o conceito de meio ambiente, que acabou

reduzido às suas dimensões naturais e técnicas. De fato, processos complexos

não podem ser tratados nem linearmente, nem de forma compartimentalizada,

sob pena de que a problemática em questão perca a sua dinamicidade, sua

complexidade, e acabe reificada. (p.80).

90

A autora sustentou, portanto, a necessidade de mudança de paradigma:

Não será possível, portanto, tornar mais “ambiental” uma educação na qual

se cultiva uma crença na descrição objetiva da natureza; que privilegie a

aquisição de habilidades meramente técnicas, em detrimento de conteúdos

que versem sobre as relações sociedade-natureza; ou na qual os limites

físicos da biosfera e o sofrimento da parte senciente da natureza − animais e

gente! −, sejam preteridos em função da eficiência e de meros índices de

crescimento, entre muitas outras questões. (p. 79).

No que se refere às implicações para a Educação, a construção do

conhecimento alicerçado pelo paradigma mecanicista “[...] foi erigido de forma

predominantemente disciplinar”, o que implica “especialização e fragmentação” (p.81),

isto é, o método científico foi reduzido “[...] a algo cada vez mais compartimentalizado,

unidimensional e semelhante a uma receita. Esse fato parece bem incorporado à

comunidade científica” (p. 83).

A autora destacou que é preciso eleger pressupostos filosóficos que

alicercem uma visão em direção a uma “cultura sustentável”, de forma a perceber o

mundo de “forma mais sistêmica ou ecológica” (p.79). Como alternativa, propôs a

busca de novos alicerces para o conhecimento com vistas à interdisciplinaridade. O

método interdisciplinar deve se pautar em um estatuto epistemológico que contemple

diversas racionalidades, “[...] deverá incluir as subjetividades e as dimensões

incomensuráveis que a ciência hegemônica tratou de eliminar” (CERTEAU apud

BRUGGER, 2006, p.81). Deve ser uma transformação epistemológica, o “[...] estágio

ideal de comunicação entre as disciplinas porque significa o reconhecimento da

interdependência de todos os aspectos da realidade” (p.88). Ou seja, “[...] o que mais

caracteriza uma jornada inter ou transdisciplinar não é tanto o tamanho do recorte e sim

o paradigma que norteia a investigação” (p. 84). Consequentemente, as finalidades

também estão no cerne da problemática:

[...] é preciso que a investigação interdisciplinar não se reduza ao resgate de

uns poucos aspectos que o pensamento cientificista deixou de lado. Não basta

buscar uma visão mais sintética, menos mecanicista do conhecimento. Afinal,

se a tradição científica hegemônica mostra sérios limites no plano ético, é

preciso incorporar justamente essas subjetividades, ou seja, as dimensões

ética, política, estética, assim como diversas outras dimensões da realidade

que foram preteridas pela sua incomensurabilidade. Com isso, recuperamos o

sentido lato que a ciência deveria ter. Portanto o saber- fazer interdisciplinar

91

deveria [...] se comprometer sobretudo com os “para quês” e “para quens”

das pesquisas realizadas. (p. 85).

Dentre outras perspectivas que vão ao encontro da investigação

interdisciplinar, a autora destacou a Física Quântica e as teorias auto-organizativas, a

partir de autores como Neuser, Maturana e Capra. O “voo da águia” simboliza esse

desejo de se obter uma visão sistêmica acerca do conhecimento buscando superar as

limitações da separação cartesiana entre sujeito e objeto. O desafio é “[...] fazer um

esforço no sentido de construir racionalidades alternativas” (p.89), a fim de “[...]

construir uma nova percepção sobre o próprio mundo e sobre a própria vida” (p. 90).

Observamos neste artigo que, apesar da importância da

problematização em torno da questão da insuficiência epistemológica sedimentada na

modernidade, a autora adota um discurso vago, e em nome de um novo estatuto

epistemológico – “mais sistêmico e ecológico” – tudo o que não é moderno se encaixa,

uma espécie de “vale tudo”, que vai de Marcuse à Maturana. Essa análise, ainda que

empregue um estilo dialético, recusa a dialética, devido à desistência dos parâmetros

racionais, mesmo sem mencionar, se desprende do discurso racional.

Passemos para o próximo artigo. Com o título A educação e o

conhecimento: uma abordagem complexa (2008), Roberto Ramos trouxe à tona as

limitações do método cartesiano e sua hegemonia no contexto da Educação, no Brasil, e

apresentou como contraponto o Paradigma da Complexidade, de Edgar Morin, com

vistas a uma abordagem interdisciplinar.

O autor aludiu às fortes marcas do discurso cartesiano da sociedade

brasileira, e ao quanto a Educação no Brasil tem seguido essa tendência, de forma que,

segundo ele salienta, “[...] o método Cartesiano [...] parece ser hegemônico nas

configurações conceituais da Educação [...] afirma uma concepção de Conhecimento e

especifica as práticas a respeito de como produzi-lo” (p. 79).

Destacou, dentre os principais pressupostos do cartesianismo, com o

intuito de “assegurar a comodidade do saber seguro” (p.80): 1) duvidar de tudo o que se

conhece, 2) dividir os problemas em partes para compreendê-lo, 3) ir do simples para o

composto, 4) buscar as certezas pela lógica matemática, para produzir um conhecimento

seguro.

92

Demonstrou o caráter persuasivo do cartesianismo, ao transportar a

lógica das ciências exatas como única, como verdade absoluta, como “lógica do

Conhecimento científico”, priorizando seu método de análise, de forma ordenada,

através da Matemática como “[...] parâmetro que alicerça a perspectiva de entendimento

do Conhecimento, movido pelos recursos, restritos ao uso da Razão” (p. 80). Nesse

sentido, salientou o quanto “[...] a Matemática possui um recurso sedutor. Parece

traduzir, através dos seus cálculos e do imperialismo dos números, uma forma de pensar

o saber. É uma abordagem determinada e determinista, por intermédio da

absolutização” (p.80).

Problematizou que “[...] o Método Cartesiano [...] é válido, para

estudar objetos de estudo previsíveis, que mantêm uma certa constância. Não é o caso

da Educação” (p.84). Destarte, a simplificação, a ordem, o sentido absoluto e ahistórico

das formulações “[...] torna a Educação esquizofrenizada em partes, sendo disciplinas

que se isolam, nas quais o Conhecimento, de características racionais e objetivas, dá

conta da ordem, mas não dá conta da desordem” (p.80). Ou seja, “[...] olhar a Educação

através das lentes cartesianas é buscar a normalidade e a esquizofrenização do

Conhecimento, separando o objeto do sujeito. Tem importância para procurar legitimá-

la cega e obtusamente” (p.85).

Para tanto, o autor propõe o paradigma da complexidade, de Edgar

Morin, como possibilidade de transitar via transdisciplinaridade, a fim de reavaliar os

diálogos entre conceitos teóricos e disciplinas, perspectiva que “[...] articula, [...]

experimenta as suas performances, que unem a razão e a emoção, em um diálogo

complexo” (p.84). Para ele, “[...] é a transdisciplinaridade, que elimina distâncias,

barreiras e separações entre teóricos, disciplinas e conceitos. Formata e configura uma

outra concepção de Conhecimento” (p.83). Sendo assim, prossegue:

Morin contrapõe a Complexidade ao Paradigma Simplificador, que pode

abranger diferentes versões epistemológicas. Uma delas é o Cartesianismo,

em seu projeto racional, sob a régua e o compasso das Ciências Exatas,

sobretudo, a Matemática, com as suas interpelações racionais e objetivas.

(p.84).

93

Corrobora-se neste artigo, que a crítica ao cartesianismo é bem

fundamentada, destacamos como próximo de nossas reflexões, ainda que por

perspectivas distintas. A oposição positivismo e dialética aparece, ao pontuar que a

lógica cartesiana “possui uma incapacidade de trabalhar o movimento, o contraditório e

os conflitos. O seu apego à precisão matemática faz-lhe escapar o qualitativo, o cultural,

o sociológico e o psicológico” (p. 84).

O terceiro artigo que inserimos nesse grupo é o texto Da educação em

ciência às orientações para o ensino das ciências: um repensar epistemológico, dos

pesquisadores portugueses Antonio Cachapuz, João Praia e Manuela Jorge. Os autores

buscaram trazer contribuições para o ensino de ciências. Partiram da premissa de que o

ensino de ciências está diretamente relacionado à concepção que se tem de ciência, por

isso “[...] torna-se pertinente aprofundar aspectos tendo em vista a formação

epistemológica dos professores” (p.378). Propuseram como alternativa a orientação

construtivista, entendendo a aprendizagem enquanto construção social em constante

transformação. Ressaltaram a necessidade de alteração de alguns pontos que estão

arraigados no ensino de ciências, e entre os pontos de destaque, limitações de cunho

epistemológico “[...] fortemente marcado por uma visão positivista de Ciência” (p. 379),

em que as interações e articulações entre Ciência, Tecnologia, Ética e Sociedade ficam

relegadas a um segundo plano; além disso, também se assiste limitações no contexto

escolar, marcado pela burocratização do trabalho docente, que se reduz ao cumprimento

do programa e impossibilita as articulações e relações necessárias para uma efetiva

aprendizagem. Frente a isso, os autores entendem o quanto tem sido desestimulador o

ensino de ciências no contexto escolar, se estendendo para fora dele, e a urgência de se

repensar a Educação em Ciências.

Os autores alertaram que a visão tradicional que sustenta o

conhecimento enquanto instância segura e estável necessita ser desconstruída, pois o

conhecimento é complexo, sua “natureza é incerta” (p.364). De acordo com eles, a visão

tradicional de ciência, que corresponde ao conhecimento absoluto da natureza, tem [...]

“sentido autoritário, reducionista e determinista” (p.370). Vê-se explicitamente a

designação negativa ao conceito positivista-tradicional de ciência.

O objetivo da Educação em Ciências é a formação de cidadãos

cientificamente cultos, e, para que esse objetivo se cumpra, são necessárias

94

transformações no âmbito da Educação em Ciências – em especial, a educação escolar.

Os autores defenderam, assim, um posicionamento “pós-positivista”, que significa a

“[...] confrontação com o mundo, dinâmico, probabilístico, replicável e humano”

(p.370). Eles esboçam a construção epistemológica da Educação em Ciência “[...] no

quadro de um novo diálogo inovador e coerente entre diferentes áreas do conhecimento”

(p.364), para, então, adentrar o campo do ensino de Ciência.

Por sua vez, a Educação em Ciências parte da apropriação de saberes

de outras áreas do conhecimento, e o resultante dessas apropriações é a sua elaboração

própria, portanto, tem um caráter interdisciplinar. O resultado dessas apropriações,

acrescido das contribuições da prática docente, são os saberes de referência, que

servirão de base para que a Educação em Ciências ganhe “sentido, unidade e coerência”

(p.365). A inserção da prática docente na pesquisa é essencial, de modo que esta deve

ser realizada com os professores e não sobre os professores.

A metodologia e as estratégias de ensino devem ser diferenciadas e

inovadoras, devem promover um novo diálogo entre a educação formal e a não formal,

partindo de interesses e de contextos mais próximos do aluno, de modo a despertar a

curiosidade acerca dos acontecimentos do mundo. Em outras palavras, os

conhecimentos devem ser “[...] aprendidos através do estudo de temáticas

inter/transdisciplinares, eventualmente situações problema [...] e não através do estudo

de conceitos e princípios isolados centrados na estrutura lógica das disciplinas” (p. 368).

Isso “[...] exige elevada competência científica e didática aos professores” (p. 368).

Com efeito, os autores enfatizaram que “[...] o caráter acadêmico e

não experimental que marca [...] os currículos de Ciências e o seu ensino é [...] o maior

responsável pelo desinteresse dos alunos por estudos de Ciências [...] que nos currículos

está desligada do mundo” (p.368), isto é, o currículo desvinculado do contexto do aluno,

não despertará o gosto pelas Ciências. Assim, o currículo necessita urgentemente ser

mudado e repensado, perder o caráter prescritivo, de controle, e passar a ser tido como

referência, dinâmico, flexível, sujeito a alterações.

Em síntese, o que percebemos da discussão é que os autores

problematizam os pressupostos epistemológicos, propondo que se considere e articule

outras dimensões além da científica. Os autores não anunciam uma perspectiva

95

dialética, e sim a discussão de um conhecimento complexo, de “natureza é incerta”

(p.364).

O próximo e último artigo desta seção se refere ao texto intitulado

Desafios Metodológicos na Perspectiva da Rede de Significações, de autoria de Maria

Clotilde Rossetti-Ferreira, Kátia de Souza Amorim, Ana Paula Soares-Silva e Zilma de

Moraes Ramos de Oliveira. As autoras relataram a trajetória de busca de uma nova

perspectiva investigativa que respondesse ao desafio de analisar situações, temáticas e

contextos diversos, abarcando sua complexidade, a “[...] busca por paradigmas mais

adequados à análise do complexo” (p. 149).

A proposta do artigo é o rompimento com os pressupostos

tradicionais, almejando “[...] um saber não fragmentado, não fechado, não redutor”, uma

vez que “[...] se admite que todo conhecimento é inacabado” (p. 153) – rompimento este

possibilitado pela adoção da perspectiva da Rede de Significações (RedSig), que dialoga

com os referenciais da perspectiva da complexidade.

A perspectiva da Rede de Significações, “[...] trabalha com a

possibilidade de uma dialética” (p. 154), “[...] implica capturar o movimento” (p. 159),

“[...] mistura de ordem e desordem” (p. 152), uma nova constituição lógica de “[...]

processos de produção, experiência, poder e cultura” (p. 152).

Sendo assim, salientaram a exigência de uma mudança na postura do

pesquisador. Se, no paradigma tradicional, o pesquisador buscava “[...] eliminar a

imprecisão, a ambiguidade, a contradição, agora ele precisa aceitar certa imprecisão,

não apenas dos fenômenos, mas também dos conceitos, e trabalhar com o insuficiente,

com o vago, com a ambigüidade” (p. 152). O pesquisador trabalha nesse limiar de

tensões, com vasto número de elementos e inter-relações distintas, e o desafio é traçar

caminhos para não se perder, nem reduzir os fenômenos a simples explicações.

Resulta daí que o pesquisador é um “participante ativo da situação”,

de modo que, no seu fazer, “[...] emergem as significações que estruturam e canalizam

seus recortes e as interpretações que ele faz do fluxo de eventos observados” (p. 161).

Nesse sentido, as marcas da pesquisa também se constituem marcas do pesquisador,

seus enunciados, seu fazer, suas leituras, entre outros. Cabe, portanto, ao pesquisador,

“[...] compreender e explicitar o próprio papel, seus limites, possibilidades e

implicações, contextualizando o seu fazer” (p. 162). Concebe-se, assim, uma nova

96

relação entre sujeito e objeto de estudo, em que não há neutralidade nos processos de

investigação.

As autoras ressaltaram ainda que, “[...] o mesmo evento pode ser

compreendido inclusive de maneira divergente” (p. 163), o que faz com que, por meio

da pesquisa, “[...] compreendamos e aceitamos a existência de outras perspectivas sobre

os fatos observados” (p. 163). Contudo, por mais que as escolhas sejam determinadas

pelas relações, os autores enfatizam que não se trata de relativismo, pois têm-se como

parâmetro o próprio tempo histórico e os elementos da cultura.

4.2.1.3 Visão Relativista

Neste tópico analisamos apenas o artigo de Marco Antonio Moreira,

com o título A epistemologia de Maturana (2004). Nesse artigo, para superação dos

pressupostos positivistas latentes em nossa visão apregoada na modernidade, a saída

apontada segue pela via do relativismo. Observamos que o autor criticou incisivamente

a tese da neutralidade da ciência, dispensando por completo os critérios universais, e

qualquer parâmetro de sustentação com o qual queiram se respaldar. O artigo trabalha

com o relativismo de maneira explícita.

***

O texto de Marco Antonio Moreira, intitulado A epistemologia de

Maturana (2004), parte da crítica ao “[...] modo tradicional de abordar o ato cognitivo”,

à luz da epistemologia de Humberto Maturana – biólogo chileno, que parte do princípio

de que o conhecimento nada mais é do que reformulações das experiências de um

observador, e aceitas por uma comunidade. Ao elucidar as limitações do conhecimento

científico, o texto vai ao encontro de nossa pesquisa; no entanto, segue por outro

caminho: pela via do relativismo.

De acordo com Marco Antonio Moreira (2004), o que caracteriza a

ciência e o cientista é a aceitação dos critérios de validação de suas explicações, uma

97

vez que, existem várias realidades e várias proposições explicativas. O conhecimento

científico é apenas um “modo particular de explicar”, por pessoas que têm paixão por

explicar, no caso, os cientistas. A problemática salientada pelo autor é que os cientistas

estão “[...] usando um só critério de validação de suas explicações” (p.600), em um

sentido determinista, técnico e absoluto. A crítica do autor é, portanto, à postura de se

considerar um determinado conhecimento, no caso, o conhecimento científico, como a

única forma válida de explicação dos fenômenos. Significa dizer, que o conhecimento

científico não diz respeito à verdade e, sim, a um domínio de verdade, “[...] válido para

todos aqueles que aceitam o critério de validação” (p.603).

A epistemologia de Maturana considera que, para explicar o conhecer,

é preciso considerar a experiência do observador – cabe a este, portanto, gerar

explicações de suas experiências, que nada mais são do que reformulações de sua

experiência.

Ainda sobre a injunção da ciência, no que se refere às emoções, como

salientado por Moreira (2004), Maturana aponta que os cientistas afirmam que, nas

explicações científicas, o critério de validação exige objetividade, fora do domínio dos

desejos e emoções. O discurso prioriza que os cientistas devem ser racionais e objetivos,

sem interferência das emoções. Contudo, o destaque é que a “[...] ciência, como um

domínio cognitivo, existe e se desenvolve [...] sempre expressando os interesses,

desejos, ambições, aspirações e fantasias dos cientistas, apesar de suas alegações de

objetividade e independência emocional” (MATURANA apud MOREIRA, 2004, p.

602). Ou seja, é impossível a não interferência das emoções. Moreira acrescenta, ainda,

que

[...] as emoções especificam a todo momento o domínio de ações no qual os

cientistas operam ao gerarem suas perguntas. Quer dizer, as emoções não

entram na validação das explicações científicas, mas o que é explicado surge

através do seu emocionar explicando o que querem explicar, e o explicam

cientificamente porque gostam de explicar dessa maneira. (p.602).

Sendo assim, salientou que a pretensão pelos parâmetros de

objetividade e de universalidade da ciência, não passa de afirmações morais dos

cientistas.

98

Uma explicação é válida na comunidade de cientistas enquanto observadores-

padrão aceitam que o critério de validação das explicações científicas foi

satisfeito. Na vida cotidiana, o ser humano também explica, através de

reformulações da experiência, que a maneira pela qual nós validamos nossas

ações na vida cotidiana, dentro de qualquer domínio operacional, envolve as

mesmas coerências operacionais envolvidas no critério de validação das

explicações científicas. A diferença entre nossa operação na vida cotidiana

como cientistas e como não-cientistas depende de nossas diferentes emoções,

de nossos diferentes desejos de consistência e impecabilidade em nossas

ações e de nossos diferentes desejos de reflexão sobre o que fazemos. Como

cientistas estamos sob a paixão do explicar, e toda dúvida, toda pergunta, é

sempre bem-vinda para nossa realização enquanto tal. Como não-cientistas,

não somos cuidadosos, usamos sucessivamente muitos critérios diferentes de

validação de nossas explicações, mudamos frequentemente de domínios

fenomênicos em nosso discurso. (p.604).

À vista disso, o autor concluiu que há muitas realidades, visto que a

realidade corresponde a uma proposição explicativa, já que

[...] o outro pode estar em um domínio de realidade diferente daquele do

explicador que é igualmente válido, ainda que não lhe agrade. O outro pode,

então, ser negado não porque esteja equivocado mas porque está em um

domínio de realidade que não agrada ao primeiro. Pode também haver

aceitação e respeito ao domínio de realidade do outro.

Conferimos, por fim, que o relativismo dilui inteiramente a existência

de critérios universais de julgamento ou de comparação. É importante observar a

inconsistência lógica do relativismo, pois, sob pretexto de contestar parâmetros

absolutos ou universais, ele próprio se torna absoluto. O relativismo não é relativizável.

4.2.2 GRUPO II – FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Neste tópico, dedicamo-nos a analisar quatro artigos: os artigos de

Marcos Barbosa de Oliveira, intitulados A Crise e o Ensino de Ciências (1998) e

Considerações sobre a neutralidade da ciência (2003), o artigo de Ileana María Greca e

Olival Freire Júnior., intitulado A "crítica forte" da ciência e implicações para a

educação em ciências (2004), e o artigo de Reinaldo Furlan, Uma revisão/discussão

sobre a filosofia da ciência (2003).

99

Nesse grupo, a partir da discussão epistemológica, foram elucidados

os paradoxos que contornam a atividade científica, salientando a importância de se

refletir acerca do papel da ciência.

***

O artigo intitulado A Crise e o Ensino de Ciências (1998), de Marcos

Barbosa de Oliveira, apresentou uma discussão no âmbito da Filosofia da Ciência, e,

nesse contexto, assinalou a situação de crise pela qual a ciência passa, suas concepções

predominantes e seus irracionalismos. O autor realçou que, por trás do discurso

científico que estabelece as certezas e verdades absolutas, há interesses particulares que

têm desviado os avanços tecnológicos das finalidades humanas. O positivismo, por

priorizar a segurança advinda da ciência, supervaloriza a confiança no sujeito, o que

dificulta o reconhecimento das limitações e das contradições contidas em suas

atividades. Sendo assim, destacou a importância de uma atitude crítica na ciência e

sobre a ciência, sugerindo que se faça uma análise das concepções que têm contornado a

atividade científica, reconhecendo suas influências, suas falhas e suas limitações. A

discussão contribuiu no sentido de elucidar o paradoxo contido nos avanços

tecnológicos, contornando as implicações no âmbito do ensino.

O autor, por abordar a discussão de maneira ampla, não trabalhou com

a crítica frankfurtiana, mas se aproximou em vários momentos de sua discussão, ao

explanar enfaticamente sobre a importância de uma atitude crítica na ciência e sobre a

ciência. Não se trata, porém, de banir a atividade científica, mas de reconhecer suas

limitações: “[...] deve-se procurar corrigir os rumos de seu desenvolvimento, deve-se

reorientá-la tendo em vista os problemas fundamentais da humanidade”. Com efeito, o

autor destacou:

O que está em pauta, em outras palavras, é a responsabilidade social da

ciência - a ideia de que os cientistas são no mínimo corresponsáveis pelas

consequências sociais de suas práticas. Nessa posição, cabe a eles estudar tais

consequências, avaliar em que medida cada especialidade contribui para

tornar a sociedade mais ou menos justa, mais ou menos eficiente. (p.14).

100

Com efeito, os avanços tecnológicos não têm se voltado para

interesses e finalidades humanas, não têm cumprido suas promessas de libertação e

emancipação da humanidade, visto que boa parte dos seres humanos são privados das

condições básicas de sobrevivência: “[...] apesar de todo esse progresso, a maioria dos

seres humanos continua sendo vítima de toda a sorte de privações, da fome, da miséria

material e espiritual, de doenças, da falta de habitações decentes etc.”. (p.11). Dessa

forma, o autor sustentou que “[...] apesar de em princípio aumentar o domínio do

homem sobre a natureza, a ciência, no fim das contas, deixa muito a desejar quando

avaliada sob o prisma da satisfação das necessidades básicas dos seres humanos” (p.11)

– o homem dominou a natureza, mas não conseguiu suprir nem mesmo as necessidades

básicas dos seres humanos. Para que fazer ciência, se não se aplica à humanidade como

um todo?

No âmbito do ensino de ciências, o autor destacou que é

imprescindível ao professor refletir sobre a ciência e sobre as suas concepções, pois seus

desdobramentos refletem no todo social. Os sinais de crise da ciência vêm

desencadeando a adoção de algumas posturas reativas ou irracionalistas, na

contemporaneidade. Dentre essas posturas, o autor salientou o anticientificismo, que se

trata de vertentes que recusam o conhecimento científico, a atração pelas formas “[...]

orientais de misticismo e medicina [...] auras, duendes, florais, I Ching, Nostradamus,

Paulo Coelho; é vasto o cardápio do alternativismo, e as prateleiras das livrarias, bem

como as listas de best-sellers dão uma boa ideia das dimensões do fenômeno” (p.02).

Podemos aproximar a crítica ao anticientificismo à crítica que

realizamos no grupo de análise I, em que identificamos que, ao se criticar os

determinismos da atividade científica, se desprezou a atividade racional, recaindo num

discurso irracional. Isto é, é a crítica da própria crítica ao positivismo.

Além disso, o autor chamou a atenção para a aproximação da

concepção de ciência com o discurso oficial do neoliberalismo, em que a concepção de

ciência acaba por reforçar uma situação de dominação, enfatizando o discurso moldado

por interesses particulares, que

[...] determina as decisões sobre a ciência que são efetivamente tomadas,

continua fixado em umas tantas pressuposições, como se fossem dogmas: que

a ciência é sempre benéfica para a humanidade, que sem ciência não há

101

desenvolvimento, de que hoje, com a globalização, mais do que nunca a

ciência é imprescindível para qualquer país que pretenda ter sucesso na arena

da competição internacional. (p.02).

O segundo artigo examinado também é de autoria de Marcos Barbosa

de Oliveira, intitulado Considerações sobre a neutralidade da ciência (2003), em que a

discussão foi em torno da tese da não neutralidade da ciência. O objetivo do autor foi

buscar uma definição para a tese da não neutralidade da ciência, e um dos pontos

cruciais de sua discussão refere-se ao relativismo. O autor enfatizou que, muitas vezes, a

reflexão crítica acerca das limitações da ciência junto à defesa da tese da não

neutralidade acaba recaindo em discursos relativistas – tendência geralmente presente

em discursos pós-modernos. Destarte, chamou a atenção aos irracionalismos e

incoerências do discurso relativista que, segundo ele, acabam, por si só, sendo

autodestrutivos. Dessa forma, propõe como desafio, discorrer sobre a tese da não

neutralidade da ciência, preservando seu aspecto crítico, sem cair no relativismo.

O autor retomou os escritos de Hugh Lacey, filósofo da ciência que

tem se dedicado a esse objetivo, e se apoia em algumas de suas considerações. Em

síntese, enunciou os princípios que aposta dar conta do tema de neutralidade da ciência:

a imparcialidade, a neutralidade aplicada e a neutralidade cognitiva.

Concernente ao princípio da imparcialidade, este se restringe ao “uso

exclusivo de valores cognitivos na seleção de teorias”, valores pautados na adequação

empírica das formulações, sua consistência lógica, poder explicativo, entre outros

(p.166). Isto é, para ser imparcial, não pode haver interferência de valores considerados

não cognitivos (valores sociais e morais). De acordo com o autor, as posturas mais

radicais de crítica à ciência não consideram de modo algum a imparcialidade, nem

mesmo como um ideal, “[...] sustentando ser impossível excluir os valores não

cognitivos” (p.167). Logo, o autor reforça: “[...] se quisermos evitar o relativismo,

devemos, portanto preservar a imparcialidade como um ideal, ou seja, como um valor”

(p.167). Não se pode abrir mão do ideal da imparcialidade; por mais que não seja

atingida, ela deve ser mantida.

Quanto ao princípio da não neutralidade, em síntese, o autor explicitou

a inviabilidade da formulação de que a ciência é neutra e de que suas aplicações

(tecnologia) não o são. O autor sustentou a impossibilidade de separação entre ciência e

102

tecnologia. Assinalou que há situações em que os efeitos da ciência são explicitamente

intencionais, no entanto há outras situações em que a ciência traz sérios danos, porém

não intencionadamente – mas nem por isso deixa de ser maléfica. Isso torna a tese da

neutralidade insustentável.

Para isso, salientou alguns pontos que devem ser observados diante

dos malefícios não intencionais da ciência: os vários efeitos das inovações tecnológicas

– dentre eles, a destruição e a degradação do meio ambiente, além dos problemas éticos,

como a clonagem humana e o anticoncepcional; os interesses comerciais e produtivos,

entre outros, e exemplificou as contradições com algumas interrogações, como a que

segue:

[...] será que, do ponto de vista das condições de saúde da totalidade dos seres

humanos, os recursos destinados às pesquisas de alta tecnologia, que na

maioria dos casos são acessíveis apenas às camadas mais ricas, não teriam

um retorno muito maior se aplicados na eliminação das causas dos problemas

de saúde da imensa maioria pobre da população do mundo? (p.170).

Por fim, é enfático ao afirmar a importância de se levar em conta esses

aspectos ao se pensar em projetos científicos e tecnológicos. A tese da não neutralidade

permite uma visão crítica sobre o papel da ciência e da tecnologia na sociedade, permite

que “[...] se examine criticamente o papel social da ciência e da tecnologia no mundo

em que vivemos”, e “[...] não ameaça a tese da imparcialidade, necessária para evitar o

relativismo” (p.172). Enquanto não se considerar esses aspectos, os papéis da ciência e

da tecnologia não cumprirão com sua finalidade social e humana.

Outro artigo que incluímos nesse grupo é o texto de Ileana Maria

Greca e Olival Freire Júnior. Intitulado A "crítica forte" da ciência e implicações para a

educação em ciências (2004), abordou a importância do trabalho com a História e

Filosofia da Ciência na formação de professores para o ensino de ciências. Ressaltaram,

portanto, as contribuições da perspectiva pós-moderna para o ensino de ciências, apesar

de todas as suas limitações, pois instiga a investigação no âmbito epistemológico. Os

autores defenderam o quanto as discussões no campo da história social da ciência e da

sociologia da ciência, independentemente de seus vieses epistemológicos, têm ajudado a

tornar mais inteligível o fenômeno da ciência. Greca e Freire Júnior apontaram que essa

103

discussão contribui para a aproximação da temática epistemológica, oportunizando uma

reconsideração no papel da ciência, desmistificando seu papel de neutralidade e de

poder absoluto. Dessa forma, ao destacar a ciência, enquanto construção humana,

fortalece a “[...] formação de cidadãos críticos que possam questionar os produtos

culturais de seu tempo” (p.353), contribuindo para “[...] tornar mais inteligível o

fenômeno da ciência, de sua produção e de sua difusão nas sociedades contemporâneas”

(p.353).

Os autores observam que o trabalho com a História e Filosofia da

Ciência na formação de professores para o ensino de ciências tem ganhado espaço,

considerado importante para o aprimoramento dessa área. Em síntese, no âmbito do

ensino de ciência, extraem e salientam três posicionamentos: 1) pós-modernista, que

ataca e nega a ciência, tendência irracionalista; 2) a defesa cega da ciência; 3) a busca

por “[...] uma imagem mais realista do fenômeno multifacetado que é a ciência

contemporânea” (p.348).

No que tange ao ataque e negação da ciência, representado pelos pós-

modernistas, a superioridade do conhecimento científico é colocada em questão, em

detrimento das demais formas de conhecimento. Essa corrente é fortemente criticada

devido ao relativismo nela implícito, pois qualquer alicerce é negado.

O segundo posicionamento, contraponto da postura pós-moderna, se

refere à defesa cega da ciência, sustentada pela visão empirista e indutivista. Essa

tendência acusa o pós-modernismo de relativismo e de anticientificismo, que pode levar

a uma sociedade sem “alicerce de uma cultura civilizada” (p.346). Para seus adeptos,

“[...] o sociólogo deveria aceitar que o pesquisador científico procura a verdade e que,

embora se tenha que admitir que a organização social condiciona a pesquisa, a mesma

não determina [...] o valor de verdade dos mesmos” (CUDMANI apud GRECA;

FREIRE JÚNIOR, 2004, p. 345). Isto é, implica numa concepção de ciência neutra,

enfatizando o “[...] apelo à verdade, independente de desejos humanos ou de questões

de poder” (MATTHEWS apud GRECA; FREIRE JÚNIOR, 2004, p. 345). Com efeito,

acusam os relativistas de desvalorizarem a ciência, e, com isso, invalidarem o próprio

ensino de ciências. Assim, de acordo com essa postura, deve-se defender e considerar

que

104

[...] os objetos teóricos de que trata a ciência são acerca do mundo real, e

podem ser deduzidas proposições verdadeiras sobre eles, então existe um

conhecimento, o conhecimento científico, que é melhor que as concepções

alternativas que os estudantes eventualmente possuem. (CUDMANI apud

GRECA; FREIRE JÚNIOR, 2004, p. 345).

Como alternativa, que decorre do terceiro posicionamento, os autores

buscam uma postura crítica capaz de trazer à tona a discussão a propósito de “[...] uma

imagem mais realista do fenômeno multifacetado que é a ciência contemporânea, em

vez de simplesmente negá-las ou atacá-las” (p.348), de modo a “[...] evitar uma visão

rígida [...] deformada e descontextualizada, socialmente neutra da ciência” (p.347-348).

Como referencial de base, aludiram ao pensamento de Boaventura de

Sousa Santos, no que se refere à crise do conhecimento científico, e à possível mudança

de paradigma na própria ciência. Santos discute a crise do paradigma da racionalidade

científica moderna e acentua suas limitações, defendendo a tese de que estamos em um

período de transição de paradigma.

Essa discussão tem elucidado as insuficiências sociais e teóricas desse

paradigma, rompendo com a noção de espaço e tempo absolutos e a distinção entre

sujeito e objeto, mostrando que “[...] não é possível observar ou medir um objeto, no

mundo microscópico, sem interferir com ele” (p.350). Sendo assim, põe-se em questão

a completude dos sistemas matemáticos, suas certezas e evidências absolutas. Não

obstante, os conteúdos também são questionados, uma vez que a tendência de

especialização é estimulada, impedindo o conhecimento da totalidade. A ciência entra

em crise.

Os pressupostos metafísicos, os sistemas de crenças, os juízos de valor, não

estão antes nem depois da explicação científica da natureza e da sociedade.

São parte integrante dessa mesma explicação. A ciência moderna não é a

única explicação possível da realidade. Nada há de científico na razão que

hoje nos leva a privilegiar uma forma de conhecimento baseada na previsão e

controle dos fenômenos. No fundo, trata-se de um juízo de valor. (SANTOS

apus GRECA; FREIRE JÚNIOR, 2004, p. 352).

Chamam a atenção para os paradoxos contidos na proposição

moderna, em que as promessas de progresso da sociedade moderna vinculadas à ciência

não aconteceram. Destarte, no lugar do progresso, vê-se uma “[...] exploração excessiva

105

e despreocupada dos recursos naturais e o desenvolvimento do poder destrutivo da

tecnologia” (p. 350).

As críticas e considerações de Boaventura Sousa Santos sobre a

ciência também são alvos de críticas, como realçado pelos autores. Dentre as críticas,

destacam ser esta uma proposição perigosa, por poder levar a uma postura anticientífica

de negação da ciência (DEUS apud GRECA; FREIRE JÚNIOR, 2004, p.352).

Outro texto deste tópico, o artigo de Reinaldo Furlan, intitulado Uma

revisão/discussão sobre a filosofia da ciência (2003), que apresenta uma discussão no

âmbito da História e Filosofia da Ciência. O autor buscou evidenciar a natureza do

conhecimento científico, com o intuito de desconstruir a visão de ciência disseminada

pelo senso comum, apresentando discussões epistemológicas a partir do tensionamento

das teorias de Kuhn e Popper, seus pontos de convergência e de divergência. Para isso,

o autor explorou alguns pontos do decorrer do texto, a saber: 1- a relação entre história

da ciência interna e externa; 2- a crítica à noção de indução; 3- o papel da teoria na

observação; 4- o princípio de verificação. Sua discussão se focou no modelo de ciência

advindo das ciências naturais, em especial da física, não adentrando o âmbito das

ciências sociais.

Popper voltou-se para os fundamentos lógicos da teoria científica,

realizando a crítica ao princípio de indução, posto por Francis Bacon, que frisa o papel

desempenhado pela observação. O pensamento de Popper, para o autor, representou a

passagem da física newtoniana para a de Einstein: as certezas cartesianas são

substituídas “[...] por uma noção de conhecimento mais dinâmico e provisório, sendo o

conhecimento humano também limitado” (p.129).

Já Thomas Kuhn, teórico do século XX que enfatizou as rupturas da

história da ciência, voltou-se para a análise das práticas das comunidades científicas, e

realiza um relato histórico do desenvolvimento da ciência, que pode ser vista como

crítica à visão de Popper. Kuhn aponta que a adoção dos paradigmas foi necessária para

o desenvolvimento das ciências, no entanto, restringiu a visão do cientista devido à

confiança no paradigma, uma espécie de mapa a ser seguido.

Avaliamos importante realçar o caráter extremamente tecnicista do

texto, pois apesar de propor desconstruir visões sedimentadas que foram propagadas na

106

modernidade, seu discurso técnico não realiza reflexões problematizadoras acerca das

questões propostas.

4.2.3 GRUPO III - METODOLOGIAS DE PESQUISA – A DIALÉTICA EM

QUESTÃO

Nesse grupo, analisamos sete artigos: o artigo Produção de

Conhecimento (2006), de Geraldo Antonio Bergamo e Marisa Rezende Bernardes; o

artigo de Maria Teresa A. Freitas, intitulado A abordagem sócio-histórica como

orientadora da pesquisa qualitativa (2002); o artigo de Heloisa Helena T. de Souza

Martins, cujo título é Metodologia qualitativa de pesquisa (2004); o texto de Dirce

Mendes da Fonseca, intitulado A pedagogia científica de Bachelard: uma reflexão a

favor da qualidade da prática e da pesquisa docente (2008); o texto Pesquisa,

Educação e Pós-Modernidade: confrontos e dilemas (2005), de autoria de Bernadete A.

Gatti; o artigo intitulado Crítica ao fetichismo da individualidade e aos dualismos na

educação ambiental (2006), de Carlos Frederico B. Loureiro; e, por fim, o artigo de

Marli André, com o título de Pesquisa em Educação: buscando rigor e qualidade

(2001).

Nos artigos examinados nesse grupo, averiguamos a presença da

oposição teoria tradicional e teoria crítica. A crítica aos pressupostos do positivismo

serviu como pano de fundo para a crítica desses autores. Em sua maioria, os textos

partem da crítica metodológica, explicitando as limitações dos métodos positivistas de

ciência, e apresentando como contraponto o método dialético, o que implica na

mudança da postura do pesquisador e na inviabilidade da tese da neutralidade da

ciência.

***

No artigo intitulado Produção de Conhecimento (2006), de Geraldo

Antonio Bergamo e Marisa Rezende Bernardes, os autores tiveram como objetivo

107

explicitar o método marxista, com vistas a aplicá-lo no âmbito da pesquisa em

Educação. Reafirmam, desse modo, a tese da não neutralidade da ciência, as limitações

da pesquisa científica, bem como suas contradições. Ainda apresentaram o método

dialético como possibilidade de superação das amarras sociais. A principal fonte teórica

foi a leitura de Althusser.

Em síntese, o método dialético marxista pressupõe o movimento de

categorias, que sofrem uma mediação, que se diferenciam e se articulam, e, assim, se

contradizem, num movimento que desemboca numa síntese contraditória que melhor

representa o fenômeno estudado. Em face de todo o movimento possibilitado pelo

método, a totalidade passa a ter estatuto de conhecimento sistematizado, que representa

o movimento do real.

A investigação deve partir do confronto entre o movimento do

pensamento e o movimento do real. A questão é que as exigências das situações reais

nem sempre coincidem com as exigências acadêmicas, de modo que as instituições vão

dando o contorno e os limites da organização dos cientistas. Assim, sua validade fica à

mercê de seu valor de uso – caso a investigação proporcione condições de reprodução

do capital. Portanto, não há neutralidade, nem no ato de pesquisar, nem no conteúdo a

ser pesquisado, a pesquisa é um ato político (p.196).

A tendência dominante é de uma tecnologização da ciência, que permeia a

lógica das instituições que organizam os produtores de conhecimento

científico, os quais, portanto, não são autônomos para estabelecer uma

disjunção entre a sua produção específica e as determinações, socialmente

destrutivas, do capital. (p.197).

O que ressaltamos do artigo, é que os autores partem da crítica

metodológica da vertente tradicional, e apresentam como contraponto o método

dialético. No entanto, o que gostaríamos de frisar, é que apesar de propagarem essa

mudança na postura metodológica, os autores priorizam uma linguagem técnica,

dispondo de termos e conceito técnicos, em desacordo com a própria problemática.

Ainda é importante lembrar, que trabalhar com conceitos e termos técnicos não implica

que o trabalho não possa ser dialético – muitas vezes essa retomada de conceitos é

extremamente necessária.

108

O artigo de Maria Teresa A. Freitas, intitulado A abordagem sócio-

histórica como orientadora da pesquisa qualitativa (2002), centrou-se no objetivo de

explicitar a perspectiva sócio-histórica, com intuito de embasar a pesquisa qualitativa no

âmbito das Ciências Humanas, à luz das obras de Vygotsky, Luria e Bakhtin. Freitas

trabalhou com a perspectiva dialética, enfatizando o movimento da pesquisa, seu caráter

dinâmico e transformador, em que, no processo, o pesquisador e o objeto pesquisado

transformam e são transformados, se opondo completamente a uma relação estática,

presa ao fato e ao dado imediato. Com isso, a autora realçou a produção de

conhecimento enquanto processo de aprendizagem, em que o foco não são os resultados

obtidos, e, sim, o processo, a transformação dinâmica dos sujeitos envolvidos.

No artigo de Freitas, identificamos a oposição positivismo e dialética,

pois a autora parte da tentativa de superar os reducionismos da concepção científica

tradicional considerada “limitada com respeito à vida” (p.23). Ressaltou, desse modo,

que, para se compreender os fenômenos humanos, o processo investigativo não pode ser

tratado de maneira artificial e controlável, “[...] não se cria artificialmente uma situação

para ser pesquisada, mas se vai ao encontro da situação no seu acontecer, no seu

processo de desenvolvimento” (p.27). Assim, “[...] ao estudar o homem é necessário

compreendê-lo a partir da interação dialética dessas duas linhas de desenvolvimento: a

natural e a cultural” (p.27). Quer dizer que a proposição positivista de “dissecar” o

objeto de estudo perde sua validade, pois, ao fixar e determinar o objeto, elimina-se

automaticamente o movimento, com outras dimensões necessárias, para que suas

potencialidades sejam realizadas.

Portanto, tendo o próprio homem como objeto de estudo, as ciências

humanas devem partir dessa relação dialógica e histórica, estabelecendo diálogos no

decorrer de toda a investigação – trata-se de uma relação entre sujeitos, dinâmica.

Assim, apontou que os objetivos da pesquisa devem ser ressignificados, com vistas a

conservar a “riqueza do objeto” (p.23), com base em uma relação dialógica, não

podendo se reduzir a explicação dos fenômenos pela causalidade.

O método utilizado para compreender os fenômenos humanos deve,

dessa forma, contemplar o aspecto histórico e social e, portanto, seu caráter

transformador. Destarte, o pesquisador é envolvido e faz parte da própria pesquisa, afeta

o sujeito a ser pesquisado por meio de desafios e questionamentos, deixando suas

109

marcas e também sendo marcado. O pesquisador faz parte da investigação e, portanto,

deve ser contextualizado, registrando de onde fala, o lugar sócio-histórico, tornando-se

ele próprio um instrumento de pesquisa. Disso decorre a impossibilidade de qualquer

perspectiva que pressuponha a neutralidade na pesquisa.

À vista disso, como enfatizado pela autora, a pesquisa não se resume

a mera descrição dos fatos observados, mas sim em “[...] focalizar um acontecimento

nas suas mais essenciais e prováveis relações” (p.28). Com efeito, a pesquisa será

marcada por diversas vozes e interlocutores, representando “discursos verbais, gestuais

e expressivos” (p.28), que correspondem à relação do singular com a totalidade, “do

individual com o social” (p.29), à relação de “textos com o contexto” (p.30). O caráter

de dialogicidade é a marca mais expressiva desse contexto, pois representa a relação

estabelecida entre os interlocutores, repleta de sentidos, evidenciando os pontos de

encontro e de diferenças.

Para encerrar, a autora apresentou um relato descritivo do processo

metodológico desenvolvido em uma pesquisa qualitativa de cunho sócio-histórico, que

teve como objetivo analisar a produção da escrita de adolescentes, na internet. Nesse

relato, a autora ilustrou o quanto o processo foi mais relevante e rico que o produto

final, constituindo-se num momento de intensa aprendizagem para os pesquisadores.

Sendo assim, o relato de pesquisa finalizou reforçando como a pesquisa qualitativa, a

partir da abordagem sócio-histórica, constitui-se uma [...] instância de aprendizagem e

de produção de conhecimento” (p.38).

O artigo de Heloisa Helena T. de Souza Martins apresentou reflexões

sobre o que significa fazer ciência no âmbito dos métodos e técnicas qualitativos da

sociologia. Intitulado Metodologia qualitativa de pesquisa (2004), o texto de Martins

concebe a crítica ao positivismo como o fio condutor de toda a discussão, trabalhada de

maneira explícita no decorrer do texto. Os pressupostos positivistas são apresentados

como limitados no trato com as questões das ciências sociais, devido à rigidez e

uniformização do método, à busca pela neutralidade e objetividade, entre outros. Como

saída a essa vertente, a autora apontou para a metodologia qualitativa, por considerar

mais abrangente nas questões humanas, possibilitando a interpretação, a interação e o

diálogo. A autora segue o texto abordando os limites e possibilidades dessa perspectiva.

110

A questão inicial abordada pela autora e que percorre toda sua

exposição, trata-se da oposição entre o método positivista e o método qualitativo no

âmbito das ciências sociais. A autora sublinhou que a sociologia foi fortemente

influenciada pela tendência positivista, e discorreu sobre seus pressupostos, “marcados

pela necessidade de definir seu objeto com clareza e precisão” (p.291), pela ênfase no

método, uma vez que “[...] o método é o mesmo em todos os ramos do saber”

(FERNANDES apud MARTINS, 2004, p. 291). Nesse sentido, a tarefa dos sociólogos

corresponderia à “[...] transferência desse método para a investigação dos fenômenos

sociais” (p.291), para alcançar a eficiência obtida nas investigações no âmbito das

ciências naturais. Assim, a preocupação voltou-se para quais as técnicas a serem

utilizadas e não sobre os problemas a serem investigados, a “primazia do mito do

método”, estabelecendo “[...] um conjunto de técnicas empíricas que se firmou como

único válido e aceitável” (p.297). Martins (2004) considerou ser o momento de

“profissionalização da sociologia”, pautado no formalismo metodológico, em que se

esqueceu de questões éticas, tais como: “[...] a quem interessa o seu trabalho? Para

quem trabalha? Por que está desenvolvendo determinado projeto de pesquisa? Quais as

implicações de seu trabalho?” (p.297).

Para essa discussão, a autora pautou-se em Florestan Fernandes e

Roberto da Matta, além de aproximar a discussão com a perspectiva weberiana, autores

que reconheceram a limitação do conhecimento pautado nos pressupostos positivistas.

Florestan Fernandes (apud MARTINS, 2004, p.291) distinguiu o método técnico do

método lógico. O método técnico, representado pelo saber positivo, trata-se das “[...]

manipulações analíticas através das quais o investigador procura assegurar para si

condições vantajosas de observação dos fenômenos”. Já o método lógico, diz respeito às

possibilidades de “inferência e explicação da realidade [...] métodos de interpretação”

(p.291). Roberto da Matta (apud MARTINS, 2004, p.291) trouxe a discussão acerca da

relação sujeito/objeto, distinguindo o objeto de estudo das ciências humanas e o das

ciências naturais. Assim, realçou a importância da interação do pesquisador com o

pesquisado e das possibilidades de diálogo que só é possível nas ciências humanas.

Dessa forma, a autora afinou sua crítica ao positivismo, destacando a

impossibilidade de fazer ciência pautando-se em princípios de neutralidade e

111

objetividade, devido à impossibilidade de conceber os sujeitos de maneira estática,

passíveis de observações e de controle.

À vista disso, enfatizou o significado de metodologia, defendido no

texto, tido como um instrumento, um meio a serviço da busca de sentido da pesquisa, de

sentido humano, comprometido com as questões sociais.

Do conhecimento crítico dos caminhos do processo científico, indagando e

questionando acerca de seus limites e possibilidades. Não se trata, portanto,

de uma discussão sobre técnicas qualitativas de pesquisa, mas sobre maneiras

de se fazer ciência. A metodologia é, pois, uma disciplina instrumental a

serviço da pesquisa; nela, toda questão técnica implica uma discussão teórica.

(p.291).

Nesse contexto, os métodos e técnicas qualitativas se voltam para

aproximação do cientista aos dados, ressaltando a análise de “[...] microprocessos,

através do estudo das ações sociais individuais e grupais” (p.292). Tem como forte

característica a flexibilidade em relação às técnicas, com o intuito de incorporar as mais

adequadas àquele tipo de pesquisa.

A autora ressaltou que, no caso da pesquisa qualitativa, a preocupação

não se deve voltar para a possibilidade de generalização dos resultados, mas, sim, para

as relações estabelecidas entre a interpretação teórica e os dados empíricos. Vê-se uma

diversidade de métodos e técnicas; por exemplo, o método da história oral, o que

demonstra ser necessário uma proximidade entre o pesquisador e o pesquisado.

Declarações e questionamentos – do tipo “[...] como é possível garantir a objetividade e

a neutralidade, partindo-se de um relacionamento marcado, por exemplo, pela

amizade?” (p.294) – estão passíveis de serem realizados, pois ainda se mantém como

predominante a noção de que a ciência é neutra e de que não sofre interferências dos

meios.

No texto de Dirce Mendes da Fonseca, intitulado A pedagogia

científica de Bachelard: uma reflexão a favor da qualidade da prática e da pesquisa

docente (2008), também identificamos a oposição positivismo e dialética. O texto teve

como propósito apresentar as considerações de Gaston Bachelard, no que concerne à

pedagogia científica e seus fundamentos epistemológicos, com o intuito de discutir a

prática científico-docente. Para esse teórico, o papel do professor é refletir acerca da

112

concepção que fundamenta sua prática científica, pois a prática pedagógica e a prática

científica estão interligadas, e uma deve refletir sobre a outra: ambas “[...] constituem

processos interligados e interativos” (p.368). Como destacado, o professor tem

compromisso com o crescimento intelectual, ético e científico de seus alunos, e, não

obstante, devido à racionalidade predominante, à “[...] burocracia acadêmica, ao

controle pelo controle de um saber instrumental prático” (p. 366), esses objetivos

docentes têm se afastado de sua efetivação.

A epistemologia de Bachelard se contrapõe aos pressupostos

positivistas, em sua “radical oposição ao pensamento positivista e cartesiano” (p.369).

Parte do pressuposto que “[...] a epistemologia cartesiana é uma epistemologia em

crise” (p.363). Propõe a reflexão sobre “[...] práticas pedagógicas conservadoras e

acríticas da realidade social, bem como sobre a forma de produzir conhecimentos

centrados nos pressupostos e na visão positivista de ciência” (p.363).

Desse modo, propõe a ruptura com o determinismo científico e

“rompe com as evidências cartesianas” (p.364), que reduzem o conhecimento àquilo

que é fato, a ruptura “[...] com a tradição empirista das impressões primeiras [...] para

tomar os fatos como ideias, inserindo-os no sistema de pensamento”. A epistemologia

racionalista-positivista, segundo os preceitos de Bachelard, ofusca a vitalidade dos

processos, reduzindo as relações complexas a simples proposições que não ultrapassam

as “primeiras impressões”.

O papel da ciência é despertar o espírito científico de busca, e não de

estabelecer conhecimentos absolutos. Os pressupostos positivistas que concebem os

fatos dados no imediato enquanto verdades absolutas constituem-se, portanto,

obstáculos a serem ultrapassados. A ênfase é numa concepção de conhecimento aberta e

dialética, que estabeleça uma “[...] dinâmica pedagógica que coloque o conhecimento

em permanente estado de crise, criando sempre a necessidade de retificar-se” (p.366).

Observamos claramente a busca pela compreensão das questões que

envolvem a atividade científica dialeticamente, como por exemplo, ao pontuar que esta

deve partir de “[...] um pensamento aberto que se renova”, da “[...] abertura a uma

dialética da descontinuidade, de olhares múltiplos para um mesmo objeto” (p.365);

assim, a ciência segue o “processo de negação dos conhecimentos” (p.363). Em outras

palavras, também destaca que “[...] o verdadeiro espírito científico se forma na dialética

113

estabelecida por tensões e na abertura integral” (p.366). Com efeito, sintetiza que “[...]

pensar corretamente o real é aproveitar as suas ambigüidades para modificar e alertar o

pensamento ‘a criar condições para a dialetização” (p.366). É preciso compreender,

portanto, que o conhecimento habita na “fronteira do desconhecido” (p.369).

O professor dever preservar a integridade intelectual (WEBER apud

FONSECA, 2008) que implica estimular um ambiente de “dúvida e inquietação”

(p.367), de inconformismo, de desconstrução, contra o dogmatismo que paralisa os

conceitos e induz às certezas e verdades absolutas, estáticas. Nesses termos, o professor

é “[...] mais alguém que desperta, estimula, provoca, questiona e se deixa questionar”

que, assim, ”estimulará, com certeza, o aluno a criar, criticar, produzir, inovar, pesquisar

etc.” (p.367).

No texto intitulado Pesquisa, Educação e Pós-Modernidade:

confrontos e dilemas (2005), de Bernadete A. Gatti, a autora objetivou discutir os

desafios da pesquisa em Educação na contemporaneidade, apoiando seu debate na

temática da Pós-Modernidade, para evidenciar o momento de crise em que o discurso

científico e racional se encontra. O desafio lançado pela autora é que é preciso um novo

modo de se questionar a realidade que se estende para o campo da Educação,

postulando a necessidade de se re-pensar a prática científica, não a reduzindo às análises

simplistas e imediatistas. No texto, é salientada todo o tempo a insuficiência dos

princípios da teoria tradicional, e a autora movimenta sua crítica num sentido dialético

(ainda que não explicite isso), trazendo questionamentos e inquietações que

desestabilizam o que está posto previamente.

A autora arrolou acerca dos princípios norteadores da ciência

moderna, e de como estes adentraram os diversos âmbitos da vida social, de modo que

seus pressupostos “[...] fundamentam não só o conhecimento científico, como as

relações sociais, as relações de trabalho, a vida social, a própria arte, a ética, a moral”

(p.597). Além disso, “[...] as técnicas e a tecnologia assumem papel de destaque. Busca-

se o que funciona bem, sendo a ciência positivada a sua base” (p.597). Com isso, as

diferenças foram ocultadas, priorizando o sempre igual, o conhecido, o verificável, o

homogêneo, o passível de comprovação: “[...] a homogeneidade é o ideal de referência,

e com isso se aplainam as diferenças, em favor de um geral e um universal abstratos” (p.

597).

114

Sublinhou que, devido ao não alcance universal de salvação e

progresso da humanidade, tão almejado pelo iluminismo, desencadeou-se, como

reflexo, um momento de profunda crise, desestabilizando os referenciais que davam

sustentação até o momento. Disso decorreu o questionamento da legitimidade de

discursos e instituições construídos na modernidade, entre eles, o da Educação. Com

efeito, instalou-se a crise no conceito de razão, em sua relação com a natureza, com os

homens e com a cultura.

Com isso, no que concerne ao discurso educacional, a autora ilustrou

que o currículo se torna alvo de críticas, acusado de se sustentar pela visão propagada na

modernidade do discurso científico, representado pelo “saber objetivo e indiscutível”

(p.602). A busca por alternativas formativas já se tornou evidente, pois se assiste à “[...]

corrida mundial em busca de novos currículos educacionais e de uma formação ao

mesmo tempo polivalente e diversificada de professores, as propostas de

transversalidade de conhecimento em temas polêmicos” (p.603).

A perspectiva da Pós-Modernidade surgiu no sentido de se contrapor

aos princípios modernos. A autora salientou que essa discussão teve repercussão a partir

da segunda metade do século XX, alguns defendendo os princípios pós-modernos e

dizendo que já estamos na Pós-Modernidade, outros, defendendo que ainda estamos na

Modernidade. Gatti (2005) acentuou que a discussão acerca do conflito entre

Modernidade e Pós-Modernidade se insere como essencial na compreensão dos

processos educacionais, ainda que “[...] o termo pós-modernidade tem-se mostrado

polissêmico”, não seja consensual e possua inúmeras vertentes e compreensões; mas, de

qualquer forma, “denota o que vem depois da modernidade” (p.598). Posto o problema,

a autora assumiu a posição de que estamos em transição, de modo que ainda se tem

fortes marcas da Modernidade, e, ao mesmo tempo, já estamos nos integralizando com

outra fase – a pós-moderna.

Frente a isso, Gatti (2005) ressaltou a importância de se tangenciar os

estudos em Educação para o questionamento de determinadas posturas disseminadas

nas pesquisas como únicas e deterministas, questionar os próprios questionamentos e as

próprias críticas (a Modernidade é tão estática como descrita? as pesquisas progressistas

têm oferecido à Educação contribuições renovadoras?), apontamentos já realizados em

estudos em Educação mais recentes. Na busca de um novo sentido à pesquisa, salientou

115

as seguintes questões: “[...] o que conservar na educação, que modismos evitar, quais

valores, práticas e identidades são, em princípio, dignos de respeito e por quê?”

(MORAES apud GATTI, p. 602).

A autora, ainda que não explicite seu estilo, trabalha dialeticamente

seus questionamentos, como ao apontar que é preciso um novo modo de se questionar a

realidade, que se estende para o campo da Educação, uma nova postura do pesquisador,

com novos questionamentos, novos olhares, se deixar surpreender e refletir sobre essas

surpresas, para além do “[...] esgotamento das análises que não acrescentam

conhecimento e patinam numa repetição de jargões e padrões já exauridos” (p.606), que

“[...] requerem interrogações que transcendem sua modelagem por teorias ou filosofias

que narram um real cada vez menos real” (p.607).

Assim demonstra que a própria pesquisa deve ser “[...] reconectada

[...] pondo-se em questão o valor dos indicadores tradicionais” (p.605). Quer dizer que

os espaços educacionais, vão além da relação binária, muitas vezes imposta pelos

pesquisadores, pois “[...] há muito mais vida nas escolas e nas salas de aula para além

dessa relação binária, como outros interesses, preocupações, necessidades, demandas,

pressões, objetivos e desejos” (p.606), que muitas vezes se tornam reféns do próprio

método.

O artigo intitulado Crítica ao fetichismo da individualidade e aos

dualismos na educação ambiental (2006), de Carlos Frederico B. Loureiro, teve por

escopo refletir acerca das possibilidades de superação do paradigma moderno, pela

práxis dialética e seus desdobramentos na educação ambiental. Para isso, o autor

utilizou como recorte a crítica às categorias: “fetiche da individualidade” – terminologia

de Newton Duarte – entendimento do indivíduo deslocado das relações sociais,

“verdade em si [...] idealizado e reificado” (p.39); e o dualismo escola-

sociedade/linguagem-trabalho – que trata de “[...] um problema de método e de efeito

no pensamento da própria fragmentação da organização social capitalista” (p.39).

Observamos que, no decorrer de seus escritos, é tensionada a oposição positivismo e

dialética, tal qual proposto pelos teóricos críticos. O autor utilizou referenciais

marxistas, tendo como pano de fundo o conceito de práxis, entendida enquanto

atividade teórico-prática para transformação da natureza.

116

O autor apontou para a reificação do presente, composta pela

racionalidade que reforça a fragmentação e a perda de unidade entre os indivíduos e a

coisificação da natureza. Assim, inferiu que, a subjetivação na atualidade tem enfoque

atomístico, “[...] numa perspectiva de imediaticidade, na qual o efêmero e o

fragmentário, a produção de curto prazo e a insensibilidade perante o outro são

componentes fundantes” (SILVEIRA apud LOUREIRO, 2006, p.46). O fetichismo da

individualidade é posto em nome da liberdade individual, no entanto corresponde à

negação da liberdade, pois isola os indivíduos, rompe com os laços humanos,

fragmentando-os e inserindo-os na imediaticidade das novas relações e insensíveis,

incapazes de perceber essa condição.

O conceito de práxis é abordado como contraponto do paradigma

analítico-linear, como forma de resistência às dicotomias subjetividade-objetividade na

constituição dos indivíduos, enquanto “movimento repleto de possibilidades, escolhas e

condicionantes” (p.43). Com efeito, ao transformar a natureza, nos transformamos, em

um “[...] movimento dialético de permanência-superação” (p.43). O movimento

dialético fica explicitado no decorrer do texto, como vemos na declaração a seguir:

Todo processo de objetivação cria, necessariamente, uma nova situação

sócio-histórica, de tal modo que os indivíduos são forçados a novas respostas

que devem dar conta da satisfação das novas necessidades a partir das novas

possibilidades. Por isso, a história humana jamais se repete: a reprodução

social é sempre e necessariamente a produção do novo. (LESSA apud

LOUREIRO, 2006, p.43).

O autor salientou a importância de não reduzir as análises a

determinações econômicas, e nem o seu inverso, de reduzir a realidade ao “subjetivismo

relativista ou exclusivamente simbólico” (p.45) – e, sim, no movimento de objetividade-

subjetividade, considerando os processos de mútua constituição na existência,

envolvendo a formação econômica, artística, política, educativa, entre outros, visto que

“cada indivíduo é a síntese singular das relações sociais” (p.45).

A noção de dominação da natureza atrelada à racionalidade

instrumental também deve ser superada, pois respalda as relações de dominação do

capitalismo, “[...] tem por base a expropriação e a apropriação desigual do patrimônio

117

natural, a racionalidade instrumental e a coisificação da natureza” (p.47), diferindo do

sentido de intervir e transformar.

A Educação, nesse sentido, é entendida enquanto “[...] prática social

cujo fim é o aprimoramento humano” (p.48), e contribui na produção social e na

reprodução dos valores culturais. O autor salientou que o trabalho educativo visa a

produzir nos indivíduos a humanidade presente na história, isto é, tem uma função

humanizadora (SAVIANI apud LOUREIRO, 2006). A escola tem papel essencial, mas

não é absoluta.

O desafio que se coloca para uma perspectiva emancipatória da

educação ambiental é que, além da superação do paradigma analítico-linear, deve-se

refletir a respeito das alternativas relacionais construídas no seu bojo. É lutar por uma

práxis, que reflita na forma de pensar bem, como nas relações estabelecidas na realidade

objetiva e em sua organização social.

Marli André, em seu artigo Pesquisa em Educação: buscando rigor e

qualidade (2001), situou as mudanças ocorridas na pesquisa das áreas humanas e sociais

e as fragilidades advindas dessas mudanças. Inferimos que a autora não abordou a

problemática da instrumentalidade da razão explicitamente, mas, ao questionar quanto

aos critérios de julgamento das pesquisas, das temáticas e das abordagens

metodológicas, observamos nas entrelinhas, a preocupação quanto à recaída da pesquisa

em determinada instrumentalização. A autora sugeriu que para promover a qualidade da

pesquisa em Educação, é preciso intenso debate em instâncias que trabalhem com a

Educação, para criação de parâmetros de validação de qualidade da pesquisa, e para

lutar pela melhoria das condições de produção científica de forma coletiva. Nesse

sentido, o objetivo do texto seguiu nessa direção, de trazer questões que possam

compor-se num debate mais amplo, intentando a busca de rigor e aprimoramento das

pesquisas em Educação.

As principais mudanças no âmbito da pesquisa em Educação

concernem às temáticas e problemas, ao referencial teórico, às abordagens

metodológicas e ao contexto de produção dos trabalhos científicos. Isto é, a autora não

colocou em pauta a discussão epistemológica, no entanto suas reflexões trazem

importantes considerações acerca da atividade científica. Nesse sentido, a autora lançou

118

três questionamentos advindos dessas mudanças, e discorre sobre cada questão, o que

julgamos importante destacar em nossa análise.

No que concerne à primeira questão – “Fazer ciência ou política de

intervenção?” (p.55) – ao indagar sobre o que caracteriza o trabalho científico, a autora

identificou a tendência a um pragmatismo imediatista e adoção acrítica de

determinadas abordagens, uma “[...] supervalorização da prática e um certo desprezo

pela teoria” (p.57), o que entendemos como a predominância de uma racionalidade

instrumental, que se pauta nos fatos, na prática, dispensando a teoria e a própria

atividade racional.

O segundo questionamento é: “Como julgar a pesquisa?” (p.58). A

autora adentrou a discussão dos critérios de julgamento adotados, com o intuito de

ilustrar a importância de rigor, com vistas a evitar a apropriação instrumental das

temáticas e das abordagens metodológicas.

A terceira questão diz respeito à “[...] falta de domínio dos

pressupostos dos métodos e técnicas” (p.61). Nessa questão, a partir de revisões de

pesquisas, a autora destacou a fragilidade metodológica das pesquisas em Educação,

devido à utilização de instrumentos precários, às análises pouco fundamentadas, sem

respaldo teórico, às porções limitadas de observações, entre outros. A autora salientou a

importância dos pressupostos metodológicos serem bem trabalhados, e assinalou que os

orientadores devem dar a devida consideração a essa questão.

Para encerrar, a autora ainda discutiu sobre as condições de produção

de conhecimento, em quais condições os pesquisadores têm trabalhado. No caso dos

mestrandos, o tempo é muito curto, havendo a necessidade de se re-pensar as exigências

de uma dissertação, sem abrir mão da qualidade. No caso dos doutorandos, a autora

destacou a questão da falta de condições concretas, já que muitos já têm uma atividade

profissional, viajam e não têm bolsa. Uma medida sugerida pela autora é o

envolvimento em grupos de estudos, que contribui para a formação e permite a

consolidação das linhas de pesquisas, evitando temáticas fragmentadas. Sobre os

docentes, a autora sublinhou dois aspectos: a redução dos financiamentos, nos últimos

dez anos, e a redução do tempo para a produção, devido à sobrecarga de atividades,

como aulas, comissões, reuniões, entre outros.

119

Assim, a autora encerrou o texto realçando a importância da luta pela

melhoria das condições de produção dos trabalhos científicos e do estabelecimento de

critérios de avaliação das pesquisas, construídos coletivamente, visando ao rigor e à

qualidade nos trabalhos científicos.

4.2.4 GRUPO IV - TEORIA CRÍTICA

Nos artigos desse grupo, encontramos explicitamente a temática da

oposição positivismo e dialética, conforme trabalhamos nos capítulos iniciais desta

Dissertação, à luz dos referenciais da Teoria Crítica. São três artigos que estão nesse

grupo, a saber: o artigo de Luiz Hermenegildo Fabiano, intitulado Adorno, arte e

educação: negócio da arte como negação (2003); o artigo de Sueli Soares dos Santos

Batista, com o título Teoria Crítica e teorias educacionais: uma análise do discurso

sobre educação (2000), e o artigo de Rita Amelia Teixeira Vilela, intitulado Críticas e

possibilidades da educação e da escola na contemporaneidade: lições de Theodor

Adorno para o currículo (2007).

***

No artigo Adorno, arte e educação: negócio da arte como negação

(2003), de Luiz Hermenegildo Fabiano, o autor seguiu na direção de dissertar a

propósito das potencialidades que podem ser realizadas a partir da dimensão estética.

Essa parte da perspectiva da crítica dialética, do princípio da negação determinada,

sendo possível ir além da imediaticidade, resistir e refletir acerca da realidade empírica.

Com efeito, configura-se como saída das amarras travadas pela razão instrumental, que

fixa o olhar ao fato imediato e não permite a transcendência nem a negação. À luz

dessas reflexões, foi-nos possível perceber os princípios dos referenciais críticos

potencializados pela abordagem estética, que se contrapõem ao princípio da identidade

posto pela tradição positivista.

120

O autor parte da crítica à indústria cultural e à massificação da cultura,

uma vez que estas possuem elementos da própria cultura, contudo estão marcadas por

seu caráter mercantil – sua finalidade é o consumo –, seguem as leis do mercado. Sendo

assim, a indústria cultural não corresponde à socialização da arte e, sim, a sua

degradação, tornando-se um fetiche, apenas pelo seu valor de troca. Corrobora-se, dessa

forma, que toda a manipulação e esquemas pré-formulados pela indústria cultural

“levam a consciência a um estado regressivo” (p.496), a resignação do pensamento.

Como saída, Adorno busca na dimensão estética o resgate dos

sentidos, por seu caráter da não-identidade e da não-imediaticidade. O princípio da não-

identidade é que permite o exercício da liberdade e da autonomia. Assim, têm-se a obra

de arte não como uma identificação imediata com a realidade e, sim, como uma

mediação. Parte da negação determinada, o que permite a reflexão crítica, de modo que

[...] a estética, num sentido mais verdadeiro e conseqüente, tomado como

uma categoria do conhecimento crítico da sociedade, não é apenas um

conjunto axiomático de explicação do real. Em tais circunstâncias, ela se

torna uma espécie de ultrapassagem dessa imposição histórica que, embora

engendre sua forma interna deixando-lhe por herança as suas contradições, é

por isso mesmo sua possibilidade de transformação. (p.500).

Ou seja, tem o real como representação e não como decodificação do

objeto:

A obra de arte torna conotativa a relação do objeto que, tensionado na sua

prepotência de expressar a realidade reduzida a si mesmo, busca, no

intercâmbio da subjetividade que o expressa a transgressão da unilateralidade

com que pretendia manifestar-se. (p.501).

A dimensão estética corresponde ao ocultamento que eleva a

apreciação ao nível da reflexão. Uma reflexão que vai além de qualquer clichê e

permite, assim, impressões do real esteticamente apreendidas. O conteúdo da verdade é

tensionado a todo o momento, no movimento dialético de negação daquilo que

aparentemente aparece como verdade. Essa relação com a arte vai de encontro aos

princípios predominantes na atual sociedade, presos à imediaticidade.

121

No artigo de Sueli Soares dos Santos Batista, Teoria Crítica e teorias

educacionais: uma análise do discurso sobre educação (2000), a autora se propõe

pensar o problema da Educação a partir das contribuições de Theodor Adorno, no que

tange à sociedade e à Educação, considerando que os problemas da esfera da Educação

são expressões das questões culturais e sociais, uma das faces da antinomia entre cultura

e administração. O artigo dialogou diretamente com nossa pesquisa, pois sua discussão

caminha no sentido de elucidar os preceitos positivistas presentes nos discursos da

Educação e, seus desdobramentos, realçando como contraponto a dialética. A autora

evidenciou o quanto a teoria do conhecimento está aprisionada nos moldes positivistas,

e enfatizou a importância de se romper com essa tradição, que reforça o conformismo e

a adaptação, “tão cara aos manuais escolares” (p.189).

Em sua discussão, a autora destacou o diagnóstico da Educação no

interior da sociedade administrada. Discorreu, dessa forma, sobre o papel da escola, da

Pedagogia, e das reformas pedagógicas, que, frente à atual situação, estão a serviço da

limitação do pensamento. A autora se propôs pensar quais seriam as possibilidades de

uma educação emancipatória, pensada com base na Pedagogia e da crítica dialética.

Tendo em vista que a educação escolar é uma das esferas das questões

culturais e sociais, a ação do professor sem consideração à amplitude dos problemas da

sociedade, sem inseri-la num âmbito mais amplo, irá recair em explicações simplistas,

enganosas, reforçando a dominação. Assim, a autora questiona: qual poderia ser

efetivamente a ação do professor frente ao fracasso escolar, uma vez que este

corresponde ao fracasso cultural e social? (p.186).

Dessa forma, sustenta que, ao se desviar da raiz dos problemas, têm-se

visto inúmeras iniciativas paliativas, que mantêm a expansão do ensino colado na

expansão da sociedade do consumo, presos à esfera da dominação. Em razão dessa

análise isolada, as reformas pedagógicas têm sido limitadas, ofuscando as contradições

e as tensões das práticas sociais. Em nome da democratização, o que se tem visto é a

banalização do ensino, o “conformismo e a aniquilação das suas potencialidades”

(p.187), reduzindo seu papel a medidas paliativas e assistencialistas.

A autora reclama, enfaticamente, que o positivismo está implícito em

discursos pedagógicos de cunho progressista, o que justifica que “[...] o nosso olhar

deve se deter na matriz positivista, que permanece inclusive em certas leituras do

122

marxismo” (p. 189). Nesse sentido, a autora faz a crítica ao construtivismo, por ser uma

vertente que, apesar de progressista, reproduz as determinações sociais vigentes,

privilegiando o momento da Psicologia em detrimento das questões políticas,

econômicas e sociais. Para ela, a psicologização advinda das análises construtivistas,

não passa de análises fragmentadas, que não permitem a compreensão do fenômeno, e

mascaram a raiz dos problemas. A autora não nega que a análise psicológica seja

essencial à crítica à dominação; pelo contrário, não deve ser feita isoladamente, deve

estar atrelada a outras discussões. Corrobora-se um campo repleto de contradições e

análises superficiais, que desencadeiam em classificações, em práticas e técnicas

adotadas sem reflexão: “[...] a ‘paixão de conhecer o mundo’, que os construtivistas

dizem estimular na criança, por exemplo, quando ao dissecarem um animal se pode ver

como é ‘interessante’ lá dentro do bichinho, sem se dar conta do problemático domínio

da natureza” (p.197).

É possível que a escola resista aos preceitos de utilidade e eficiência,

que se distancie das leis de mercado, se contrapondo à reificação do pensamento,

produzindo um conhecimento que reflita sobre o mundo administrado. Para isso, é

preciso uma autorreflexão crítica sobre seu espaço e sua especificidade. A autora

apontou como saída a crítica dialética, por meio da negação determinada, conforme

postulado por Adorno, uma vez que questiona a autoridade científica instalada e

disseminada pelo positivismo. A crítica dialética vai por outro caminho que o da

comprovação e validação da verdade, na “[...] busca da expressão dos antagonismos

imperceptíveis ao sistema lógico cientificista do pensamento. A ideia de sistema que os

positivistas buscam estabelecer é o cerne a ser criticado pelos dialéticos” (ADORNO

apud BATISTA, p. 125).

Pensar a partir das contradições, do conflito, resistindo à

imediaticidade da vida cotidiana, trata-se de uma Educação que incentiva o

desacomodar-se diante do mundo, de uma educação para a autonomia e para a

liberdade. Isso implica “pensar perigosamente”, não retroceder perante a experiência,

nem ceder perante o consenso do “previamente pensado” (p.190-191).

A autora ainda retoma alguns conceitos da dialética, dentre os quais o

conceito de especulativo, que trata de uma noção essencial à dialética e distorcida pelo

positivismo. A dialética pressupõe que o conceito de especulativo remete à

123

autorreflexão crítica do entendimento, já, para o positivismo, significa o pensar sem

compromisso:

O caráter especulativo da dialética, para Adorno, é a proposta de um

pensamento que possa despojar-se de si mesmo e de sua limitação, almejando

assim a objetividade nos termos de um distanciamento crítico do sujeito em

relação ao objeto. Os positivistas, ao pressuporem a especulação em sentido

vulgar e negativo para analisar a dialética, acusam-na de arbitrariedade

subjetiva porque carece de controles universalmente válidos e objetivos.

(p.191).

Pensar sem limitar-se ao comprovável, à observação, quer dizer o

pensar imbuído de tensões e conflitos, o pensar para a experiência, para a autonomia e

para a emancipação. Um ponto interessante desse artigo é que a autora explicita que não

se trata de ampliar o campo da escola e de seus saberes, mas a questão principal é

modificar suas finalidades. O desafio que se coloca é o rompimento com o pensar “[...]

que se apropria da existência e a perpetua como um esquema” (p.201), é voltar-se para o

humano.

O artigo de Rita Amélia Teixeira Vilela, intitulado Críticas e

possibilidades da educação e da escola na contemporaneidade: lições de Theodor

Adorno para o currículo (2007), resgatou o “[...] potencial da epistemologia de Adorno

no debate acerca de questões da relação entre a escola e a sociedade no mundo

contemporâneo” (p.245), sustentando possibilidades da educação escolar.

A autora observou o pioneirismo de Adorno em relação às analises da

relação de poder presentes na escola, sua organização e suas práticas, questões que se

tornaram, posteriormente, centrais nas teorias da Nova Sociologia da Educação. Vilela

também aproximou a análise adorniana a outros autores que não são da Teoria Crítica,

assim como almejamos, nesta Dissertação.

A autora salientou os paradoxos da sociedade atual, na qual, em meio

aos avanços científicos e tecnológicos, vê-se “[...] miséria social, fome, conflitos bélicos

[...] esgotamento dos recursos naturais e degradação do meio ambiente” (p.224). Assim,

sublinhou que são inúmeros os desafios da escola frente às novas relações traçadas na

sociedade, e questiona: como responder as tensões entre escola e sociedade em suas

atuais configurações? Recorreu às obras de Theodor Adorno, e explicita que, por mais

124

que esse teórico não seja especificamente da Educação, suas considerações vão ao

encontro de uma reflexão crítica da decadência da cultura e da Educação.

Com efeito, propôs-se explorar a análise sociológica de Adorno à

escola, destacando a abordagem dialética, que assume o papel de desvendar o campo de

tensões entre a aparência e a realidade, entre o geral e o particular. Na busca de

possibilidades de críticas à Educação e à escola, recorreu à obra da Dialética do

esclarecimento, que “[...] pretende desenvolver uma reflexão sobre as condições

civilizatórias, segundo a interpretação hermenêutica e a recusa do positivismo” (p.229).

Ao se debruçar sobre o conceito de esclarecimento, a autora salientou – como defendido

na dialética do esclarecimento – a contradição dos resultados da dominação da natureza

pela razão e seus reflexos no âmbito da realidade social. A Educação tem se voltado

para “[...] adestrar para a competência e para a competição no lugar de desenvolver a

reflexão, o entendimento, a subjetividade e a autonomia” (p. 241).

A partir disso, discutiu os desafios de uma educação para a

emancipação, com vista a um projeto de Educação voltado para a formação do homem,

em que “[...] é preciso educar para a resistência ao estabelecido, para negar e superar a

seletividade e a exclusão” (p.241). O papel da Educação é libertar os sujeitos do

processo de dominação da consciência, e o papel da escola é o desenvolver a

humanização dos sujeitos, capacitar para a autorreflexão, no reconhecimento das formas

de dominação. Sendo assim, a Educação e a escola assumem papéis importantes para a

construção de outra sociedade:

[...] demanda-se uma perspectiva ampliada de formação escolar,

incorporando-se perspectivas de Educação para a humanização do homem,

que foram relegadas pela hegemonia de aspectos de formação intelectual e

cientificista nas propostas educacionais, desenvolvidas nos séculos XIX e

XX. (p.239).

[...] a escola pode fazer outra Educação, e criticar a escola acarreta o

compromisso de transformá-la. Assumir que reconhecia a possibilidade de

outra Educação estava, para Adorno, dialeticamente associado à crítica da

Educação vigente, à sua incapacidade formativa. Criticar e ver a

possibilidade de um outro modo era, de fato, o projeto pessoal de Adorno, ou

seu compromisso político para com a Educação. E essa é a essência da sua

contribuição. (p. 243).

125

***

Crise da cultura e da Educação e problematizações acerca da natureza e da

especificidade da Pedagogia.

Nesse momento reunimos o artigo de Cláudio Almir Dalbosco,

intitulado O cuidado como conceito articulador de uma nova relação entre filosofia e

pedagogia (2006), e o texto Crise da consciência contemporânea e expansão do saber

não cumulativo (2005), de Claudine Haroche, artigos que não classificamos em

agrupamentos devido suas peculiaridades, no entanto de um relevante teor crítico em

suas discussões. Neste tópico especial, discorremos acerca das principais ideias contidas

nesses artigos. O artigo de Dalbosco, trabalha com questões que concernem à natureza e

a especificidade da Pedagogia, defendendo uma situação de dependência histórica desta

área que urge ser superada. Já o artigo de Haroche, parte do pressuposto de crise da

cultura e da Educação, e consequentemente, a perda da capacidade de realizar

experiências – situação que intensificou-se devido à instantaneidade contemporânea,

pela instabilidade e pela incerteza, que alastraram seus efeitos para o campo dos

saberes.

***

No artigo de Cláudio Almir Dalbosco, intitulado O cuidado como

conceito articulador de uma nova relação entre filosofia e pedagogia (2006), o autor

caminhou rumo à elucidação crítica dos pressupostos da ciência moderna, reforçando

nossa problemática acerca da necessidade de se re-pensar suas limitações e suas

implicações educativas.

Dalbosco apontou para a positivação das ciências humanas e da

Educação na ciência moderna, pautado numa racionalidade calculista, limitada, com

anseios de domínio e controle da natureza, em que o saber pedagógico é reduzido aos

princípios positivistas. Essa questão é colocada da mesma forma na análise realizada

126

por Adorno e Horkheimer, na Dialética do Esclarecimento, uma vez que a razão assume

uma esfera irracional.

O autor apresentou a situação de dependência histórica da Pedagogia,

em que, no seu percurso histórico, houve a predominância de seu enfoque ora em

aspectos éticos (Filosofia), ora epistemológicos (Ciência), o que travou a situação de

dependência histórica dessa área. A questão é que, dessa forma, a Pedagogia se

ausentou da compreensão dos processos de formação e de educação, acarretando na

“[...] ausência de uma tematização questionadora das compreensões de ser humano”

(p.1115), prevalecendo uma forte pretensão de objetivação no estudo da ação humana.

Para essa discussão, Dalbosco frisou a necessidade de uma

Antropologia filosófica que sustente os enfoques éticos e epistemológicos no trato da

questão dos processos formativo-educacionais. Propôs a análise com fundamento na

Antropologia existencial de Heidegger, uma vez que, possibilita a crítica aos

pressupostos éticos e epistemológicos arraigados na Pedagogia e assume a tarefa de

“[...] desconstrução de conceitos que, historicamente, moldaram as concepções de

pedagogia e de processos formativo-educacionais da cultura ocidental” (p.1115).

De acordo com a crítica do autor, na abordagem ética, registrou-se a

primazia da metafísica tradicional clássica. A questão que se coloca, é que, tem-se a

Filosofia como fundamento da Educação, a partir de uma relação vertical, o que

acarretou na incorporação de discursos filosóficos pela Pedagogia de maneira acrítica.

Com a epistemologia moderna, reduziu-se o conceito de Filosofia à

investigação científica – a racionalidade filosófica é diluída pela racionalidade

científica, havendo o predomínio da vertente positivista. A epistemologia científica

ganhou a primazia nas áreas humanas e na Educação.

A Pedagogia, por sua vez, incorporou seus preceitos, e adotou uma

racionalidade de objetificação do homem e da realidade – objetificação da dimensão

formativo-educacional do ser humano. Com efeito, o autor criticou a primazia dos

princípios da ciência moderna e dos pressupostos positivistas, pautado numa

racionalidade calculista, com o anseio de domínio e controle da natureza. Desse modo,

127

[...] esconde-se uma concepção de ser humano como objeto reduzido ao

mecanismo causal e, portanto, passível de ser descrito de forma mensurada e

objetificável. Com isso, tem-se, escancaradamente, o ingresso da positivação

físico-matemática do processo de teorização no âmbito das teorias

pedagógicas e em suas formulações do conceito de ser humano. (1119).

Para o autor, "[...] ao assumir o debate sobre a cientificidade de seu

saber, a Pedagogia torna-se prisioneira de armadilhas teóricas provindas do

reducionismo epistemológico próprio ao ambiente intelectual moderno” (p.1116).

O destaque é que, mesmo as teorias que esperam superar as limitações

advindas da ciência moderna, como “[...] as de origem dialética, interacionista,

histórico-cultural e intersubjetivista”, acabam caindo na mesma armadilha, e

reproduzindo discursos imbuídos pelos princípios reducionistas, mantendo a dualidade

entre corpo e alma, entre sujeito e objeto.

A apropriação instrumental de determinadas tradições epistemológicas

e sua transposição mecânica para o campo pedagógico, em especial, em procedimentos

didáticos, têm como consequência a simplificação do sentido humano. Assiste-se à crise

da Pedagogia, que se mantém sem identidade. O diagnóstico de Heidegger é a perda da

autonomia do pensamento, esquecimento e objetivação do ser humano.

Frente a isso, o autor apontou algumas questões emergentes para a

Pedagogia: pensar sobre a natureza e especificidade de seu conteúdo, e qual o caminho

mais adequado para sua independência.

Como saída, Dalbosco buscou extrair desdobramentos pedagógicos da

estrutura argumentativa de Ser e Tempo (Sein und Zeit) – para restabelecer o diálogo

entre a Filosofia e a Pedagogia, em especial o conceito de cuidado (Sorge). Além disso,

conta com a contribuição da Fenomenologia hermenêutica heideggeriana, a partir dos

conceitos de ser-aí, decadência, falatório, angústia e cuidado – inaugurando uma nova

Antropologia.

De acordo com Dalbosco, a Fenomenologia hermenêutica

heideggeriana permite que o caminho da autocrítica do discurso pedagógico e de sua

positivação, no século XX, se abra, possibilitando a autocrítica do próprio saber

pedagógico. Destarte, pode oferecer contribuições de cunho metodológico e de

128

conteúdo. Possibilita um outro modo de pensar a relação Pedagogia e Filosofia, um

novo paradigma que rompa com a dependência histórica da Pedagogia.

No texto Crise da consciência contemporânea e expansão do saber

não cumulativo (2005), de Claudine Haroche, a autora trabalhou com a constatação da

crise da consciência contemporânea, e assinalou as possibilidades do pensamento crítico

e do resgate de sentido, retomando os fins da universidade. Para tanto, analisou as

condições de apropriação e de transmissão dos saberes, marcada pela incerteza.

Sustentou o fortalecimento da contingência em meio à crise da cultura e da Educação.

Com isso, o pensamento perde espaço e se encolhe, com a fragmentação e

compartimentalização dos saberes. O pensamento individual se submete ao coletivo, ao

número, “homogêneo e conformista”.

A crise da cultura e da Educação é discutida no texto, em especial,

pela perspectiva de Walter Benjamin e de Hannah Arendt, com o diagnóstico de perda

da capacidade de realizar experiências e de se comunicar, explicitado por uma crise

geral da cultura e da Educação, na sociedade moderna. Segundo a autora, esse

diagnóstico intensificou-se devido à instantaneidade contemporânea, pela instabilidade

e pela incerteza, que alastram seus efeitos para o campo dos saberes.

A autora frisa que os pressupostos de estabilidade e permanência

aspirados até o século XVII entram em crise, respaldados nos ideais da Revolução

Francesa, e adota-se o espírito da mudança, do movimento, da ênfase no indivíduo

(HAZARD apud HAROCHE, 2005).

A questão que a autora quer ressaltar, e conforme trabalhamos nesta

Dissertação, é que, com o conhecimento científico norteado pelos princípios empiristas,

ocorre “[...] a supressão da concomitância entre fatos e consciência, o descartar da

consciência, da subjetividade nos fatos” (p.352). Quer dizer que, ao buscar um

conhecimento livre das tradições, o que os processos científicos fizeram foi descartar a

Metafísica, e, com isso, a própria condição de conhecimento e de liberdade. No

abandono da tradição para uma almejada perspectiva crítica do conhecimento,

descartou-se a subjetividade, a Metafísica, tornando-se a “[...] uma simples ciência dos

fatos” (p.352).

Essas características são notórias nas ciências do século XIX, em que

se reduz o conhecimento às proposições positivistas, o que “[...] permitiu a queda de

129

todas as questões [...] metafísicas em sentido amplo, ou seja, as questões

especificamente filosóficas”. Houve, por conseguinte, no âmbito da ciência, a “[...]

perda de sua importância para a vida, para as mais importantes questões do sentido da

existência”, o “[...] descomprometimento do sujeito para com o conhecimento tornado

então objeto” (p.352). Como assinalado por Husserl, “[...] a ciência perdeu o papel

condutor, por que chegamos a uma alteração essencial da ideia de ciência, com a

limitação positivista” (apud HAROCHE, 2005, p. 352).

Corrobora-se que a origem da crise da consciência está nos

pressupostos da ciência moderna, que despreza a Metafísica e se prende ao fato,

traduzida pela “[...] acumulação irrefletida dos fatos que implica uma ausência de

aprofundamento, de problematização psicológica e antropológica” (p.353). A sociedade

do movimento, da fluidez e da instabilidade, portanto, causa efeitos psíquicos inéditos,

questionando-se o próprio pensar em meio a esse movimento. Segue a questão: “[...]

que tipos de efeitos esses movimentos contínuos produzem sobre a consciência, sobre a

capacidade de pensar e refletir?” (p. 350).

Dentre as consequências, a autora alerta que esse conhecimento “[...]

tende por razões intrínsecas à superficialidade, à pressa, um conhecimento difícil talvez

mesmo impossível de aprofundar por falta de tempo”, isto é, o conhecimento se

compartimentaliza e se especializa cada vez mais, encolhendo-se os momentos de

reflexão, e, portanto, resultando na perda da possibilidade do pensar a partir de

finalidades humanas, no encolhimento do pensamento. Instala-se, assim, uma

“insegurança psíquica profunda” (p. 350).

Marcel Gauchet, outro autor citado por Haroche, identifica essa

questão e salienta o quanto as finalidades se perderam frente à tendência à

especialização dos saberes. Com a exigência de modernização, induz-se ao saber não

cumulativo, “[...] estreitamente especializado, rapidamente superado e ultrapassado.

Produz-se no pensamento uma perda da inteligibilidade, uma perda de sentido, uma

especialização sem fim nem razão, uma ilegibilidade” (p.356).

Voegelin (apud HAROCHE) problematiza a universidade alemã, e

enfatiza ser este um “espaço público de alienação” que cumpre com uma “função

ideológica” (p.354). As atividades da universidade voltaram-se para problemas

desvinculados da vida social, perdendo seu potencial de crítica e de resistência, “[...]

130

não permite compreender os acontecimentos sociais e históricos, não equivale à

consciência crítica, à atividade crítica” (p. 355). A universidade, dessa forma, estaria

estimulando uma espécie de “[...] teoria narcisista da cultura: a ausência de

conhecimento, de espírito, de consciência crítica (que) acarreta a conivência, a simpatia,

algo de intangível, da ordem do clima, da atmosfera tanto psicológica quanto política”

(p.355).

Lindsay Waters (apud HAROCHE) acentua os efeitos dessa crise da

consciência, com a submissão do pensamento à lógica do mercado. Assim, segundo

Waters, a produção científica volta-se inteiramente às exigências da produtividade do

mercado, desprovida de reflexão, “[...] estimulando, privilegiando o automático, o

repetitivo, o mercado desenvolve um saber instável, efêmero, não cumulativo” (apud

HAROCHE, 2005, p. 357). Com efeito, o pensamento individual é submetido ao

coletivo, “fundamenta-se e se vê agora legitimado pelo número, a quantidade, e tende, a

partir daí, a se tornar cada vez mais homogêneo e conformista” (p.357). Nessas

circunstâncias, cabe ressaltar, conforme Waters, o quanto o espírito da técnica tem

estimulado esse saber instrumental, priorizando o utilitário, o lucro, o moderno,

descartando o que há de essencial: a reflexão.

Assim, os interesses pela instrução não ultrapassam a esfera do

imediatismo, em que a preocupação se limita à obtenção de qualificação aligeirada e

pontual, exigida pelo mercado, à atualização das informações, deixando de lado a

questão da formação desinteressada a longo prazo, com fins desligados das exigências

do mercado. A lógica da produtividade segue contrária à reflexão, ao pensamento e à

liberdade, “põe em questão a possibilidade mesma do pensamento” (p.358).

Em face do diagnóstico da formação (semiformação?), a autora

questiona: “[...] que forma de sensibilidade é estimulada por essa educação?” (p.356). É

nesse ponto que se coloca o papel da universidade e a necessidade de superar essa

condição de alienação e privação espiritual, com a urgência de retomar as finalidades, o

sentido do saber, pensar a serviço de que e de quem tem se voltado, para, então,

potencializar o pensamento crítico.

131

4.3 RESULTADOS PRELIMINARES

Chegamos ao final deste capítulo. Temos como finalidade, neste

momento, apresentar possíveis considerações finais suscitadas a partir de nossa

pesquisa. Os artigos, em sua maioria, vão ao encontro de nossas reflexões, no sentido de

clamarem por uma discussão epistemológica, além de apontarem para a insuficiência da

epistemologia moderna, não só nas ciências humanas, mas também nas ciências

naturais. Tentaremos discorrer acerca dos principais elementos que embasaram cada

grupo de análise.

Um ponto que merece ser mencionado, em nossa análise, ainda

enquanto aspectos gerais, é que averiguamos uma considerável diversidade dos

referenciais utilizados nos artigos, como Marx, Lukács, Althusser, Deleuze e Gattari,

Heidegger, Bachelard, Vygotsky, Morin, Maturana, Paulo Freire, Adorno e outros.

Iniciando nossas constatações concernentes ao grupo I – Pós-

Modernidade –, verificamos que a crítica à hipertrofia da razão e à tentativa de

neutralidade do conhecimento esteve presente de forma contundente, com o comum

diagnóstico de crise da ciência. Como saída, esse grupo de autores apostou no

rompimento com esses pressupostos, cada um à sua maneira. Em face da insuficiência

dos moldes racionais, apresentaram como antídoto a própria desistência dos parâmetros

racionais. Quer dizer que, mediante a crítica à hipertrofia da razão e a valorização do

discurso científico e técnico, a tendência tem sido a de distanciar-se da esfera racional,

quase uma aversão à racionalidade e à teoria. Desse modo, ao criticar a razão

racionalizadora, limitada por descartar outras dimensões humanas, gera-se outro

problema – uma relação problemática e ressentida com a cultura, desfazendo-se de seus

próprios alicerces, ora pela via da valorização da prática, ora pela via da

interdisciplinaridade ou, ainda, pelo discurso relativista, respaldados por posturas

anticientíficas, discursos irracionalistas, subjetivistas, em geral, em nome de uma

abordagem complexa e sistêmica. Esse tipo de análise recusa a dialética, ainda que

possa empregar seu estilo, e isso transparece em alguns artigos. Da mesma forma,

observamos ainda que, diante da desistência da razão, muitos pesquisadores fazem uso

de clichês filosóficos, como vagas receitas para a crise da razão, sem grande

consistência teórica. Assim, perante o problema da inadequação dos padrões cartesianos

132

e positivistas, muitos autores vêm percorrendo caminhos enredados por uma espécie de

"vale tudo", que inclui referenciais desde Capra e Morin a Lukács, Althusser e Adorno.

A aproximação dos conceitos também é disposta sem o cuidado necessário, como na

proposta da Pedagogia do Equilíbrio (GASQUE; TESCAROLO, 2008), que pressupõe a

dialética, o equilíbrio e a harmonia, sem se dar conta da impossibilidade da união desses

termos – a dialética pressupõe o confronto, o incômodo diante da aparência estável,

implica o movimento crítico e negativo da razão, sendo impossível aproximá-la de uma

perspectiva harmônica, que vise ao equilíbrio.

Nos artigos de Barros (2000), Gasque e Tescarolo (2008) e Rodrigues

(2008), os autores constroem um discurso sedutor e romântico a propósito da construção

dos saberes na própria prática, liquidando a razão enquanto instância orientadora dos

saberes, com os parâmetros que poderiam servir como problematizadores das práticas e

possibilitariam a reflexão e a superação dessas práticas. Dessa maneira, na crítica aos

saberes teóricos fragmentados e limitados em decorrência da validação científica, se

voltam para uma perspectiva de valorização da prática – sem discorrer sobre as

limitações de um discurso construído somente pela prática.

Os artigos de Brugger (2006), Ramos (2008), Cachapuz et al. (2004) e

Rossetti-Ferreira et al. (2008) criticam a maneira fragmentada da organização

disciplinar sustentada pelo discurso moderno – crítica esta que reconhecemos como

extremamente importante. No entanto, propõem a inter/transdisciplinaridade, discurso

fragilizado, que facilmente se desliza e assume um caráter idealista e sedutor, o qual,

sob pretexto da complexidade do mundo, se refugia em uma semântica prolixa que torna

a realidade ainda mais complexa e inexplicada. Brugger (2006), por exemplo, adota um

discurso vago, em nome de um novo estatuto epistemológico – “mais sistêmico e

ecológico” – em que tudo o que não é moderno se encaixa, de Marcuse a Maturana.

Ainda no rol dos artigos do primeiro grupo, realçamos as considerações de Moreira

(2004), autor que segue a linha do relativismo, diluindo inteiramente a existência de

critérios universais de julgamento ou de comparação, caminho este que, da mesma

forma que os outros artigos, estabelece uma relação problemática e ressentida com a

cultura.

A saída apontada pelos frankfurtianos não é o abandono da esfera da

razão e, sim, a reflexão e a crítica imanente permitida pela dialética, identificando, a

133

partir do movimento de negação, as contradições contidas na própria racionalidade, as

limitações dos preceitos da racionalidade instrumental, imediata e subjetiva, que norteou

o conhecimento científico na modernidade, tendo como critério a realização da

liberdade.

Como alicerce teórico para essa discussão realizada no grupo I,

destacamos o aforismo A criança com a água do banho (1993), de Adorno, que destaca

que “[...] o fato de que a cultura tenha fracassado até os dias de hoje não é uma

justificativa para que se fomente seu fracasso”. Adorno sustenta que a relação ressentida

com a cultura propaga certa aversão à teoria: “[...] o medo da impotência da teoria

fornece o pretexto para se entregar ao todo-poderoso processo de produção, com o que

então se admite plenamente a impotência da teoria” (p.37). Identificar os elementos

regressivos da razão se coloca como essencial, contudo, sem recusar a teoria, aos

parâmetros racionais e culturais.

As ideias dispostas no grupo II – Filosofia da Ciência –, seguiram, de

maneira análoga a discussão frankfurtiana, ao elucidar os paradoxos que envolvem a

atividade científica, salientando a importância de se refletir acerca do papel da ciência.

Oliveira (1998) destaca os interesses particulares que estão por trás do discurso

científico e que têm desviado os avanços tecnológicos das finalidades humanas. Dessa

forma, elucida os paradoxos contidos nos avanços tecnológicos, contornando as

implicações no âmbito do ensino. Nesse sentido, frisa a importância de uma atitude

crítica na ciência e sobre a ciência, sugerindo que se faça uma análise das concepções

que têm contornado a atividade científica, reconhecendo suas influências, suas falhas e

suas limitações. Já em outro artigo, Oliveira (2003) enfatiza que, muitas vezes, a

reflexão crítica sobre as limitações da ciência junto à defesa da tese da não neutralidade

acaba recaindo em discursos relativistas – tendência geralmente presente em discursos

pós-modernos, chamando a atenção aos irracionalismos e incoerências do discurso

relativista que, segundo ele, acabam, por si só, sendo autodestrutivos. Greca e Freire

Junior (2004) sublinham a importância de se conceber a ciência enquanto construção

humana, discurso que fortalece a “[...] formação de cidadãos críticos que possam

questionar os produtos culturais de seu tempo” (p.353), contribuindo para “[...] tornar

mais inteligível o fenômeno da ciência, de sua produção e de sua difusão nas sociedades

contemporâneas” (p.353). Apesar de a discussão seguir pelo caminho da reflexão

134

crítica, ressaltamos que o artigo de Furlan (2002) assume um caráter extremamente

tecnicista, ficando limitado no trato com as problematizações necessárias a propósito

das questões propostas.

No grupo III – Metodologias de Pesquisa – a Dialética em questão –,

dos sete artigos examinados, averiguamos a presença da oposição teoria tradicional e

teoria crítica, de sorte que a dialética aparece como caminho metodológico

problematizador e potencializador das limitações da atividade científica. Consideramos

importante comentar, ainda, certos pormenores de alguns dos artigos desse grupo. Por

exemplo, o artigo de Bergamo e Bernardes (2006), apesar de propagar a necessidade de

uma mudança na postura metodológica, prioriza uma linguagem técnica, dispondo de

termos e conceitos técnicos, em desacordo com a própria problemática. Já os demais

artigos trazem uma discussão dialética e merecem ser destacados e diferenciados.

Freitas (2002) parte da tentativa de superar os reducionismos da concepção científica

tradicional, considerada “[...] limitada com respeito à vida” (p.23), e entende que, ao

fixar e determinar o objeto de estudo, elimina-se automaticamente o movimento, com

outras dimensões necessárias, para que suas potencialidades sejam realizadas. Martins

(2004) enfatiza o significado de metodologia, enquanto “[...] o conhecimento crítico dos

caminhos do processo científico, indagando e questionando acerca de seus limites e

possibilidades”. Frisa, ainda, que “[...] a metodologia é, pois, uma disciplina

instrumental a serviço da pesquisa; nela, toda questão técnica implica uma discussão

teórica. (p.291). Fonseca (2008), por sua vez, pontua dialeticamente suas questões,

sintetizando que “[...] pensar corretamente o real é aproveitar as suas ambigüidades para

modificar e alertar o pensamento ‘a criar condições para a dialetização’” (p.366) e que é

preciso compreender, portanto, que o conhecimento habita na “[...] fronteira do

desconhecido” (p.369). Gatti (2005) também movimenta sua crítica num sentido

dialético (ainda que não explicite isso), expondo questionamentos e inquietações que

desestabilizam o que está posto previamente, realçando que os espaços educacionais vão

além da relação binária, muitas vezes imposta pelos pesquisadores, pois “[...] há muito

mais vida nas escolas e nas salas de aula para além dessa relação binária, como outros

interesses, preocupações, necessidades, demandas, pressões, objetivos e desejos”

(p.606), que muitas vezes se tornam reféns do próprio método. Loureiro (2006) lança

como escopo refletir acerca das possibilidades de superação do paradigma moderno,

pela práxis dialética e seus desdobramentos na educação ambiental, de modo que, no

135

decorrer de seus escritos, é tensionada a oposição positivismo e dialética, tal qual

proposta pelos teóricos críticos. Encerrando o grupo II, André (2001) não aborda a

problemática da instrumentalidade da razão explicitamente, mas, ao questionar os

critérios de julgamento das pesquisas, das temáticas e das abordagens metodológicas,

observamos, nas entrelinhas, a preocupação quanto à recaída da pesquisa em

determinada instrumentalização. A pesquisadora também identifica a tendência a um

pragmatismo imediatista e adoção acrítica de determinadas abordagens, uma “[...]

supervalorização da prática e um certo desprezo pela teoria” (p.57).

No grupo IV – Teoria Crítica –, encontramos explicitamente a

temática da oposição positivismo e dialética, conforme trabalhamos nos capítulos

iniciais desta Dissertação, à luz dos referenciais da Teoria Crítica. Os artigos ressaltam a

importância de se resgatar as finalidades da atividade científica, bem como da

Educação. O artigo de Fabiano (2003) nos possibilita perceber os princípios dos

referenciais críticos potencializados pela abordagem estética, que se contrapõem ao

princípio da identidade posto pela tradição positivista. Já o artigo de Batista (2000) se

propõe discutir o problema da Educação a partir das contribuições de Theodor Adorno,

no que tange à sociedade e à Educação, considerando que os problemas da esfera da

Educação são expressões das questões culturais e sociais, uma das faces da antinomia

entre cultura e administração, dialogando diretamente com nossa pesquisa. A autora

evidencia o quanto a teoria do conhecimento está aprisionada nos moldes positivistas,

enfatizando a importância de se romper com essa tradição, que reforça o conformismo e

a adaptação, “[...] tão cara aos manuais escolares” (p.189). O artigo de Vilela (2007)

também segue suas considerações a respeito da Educação, sublinhando que “[...] a

escola pode fazer outra Educação, e criticar a escola acarreta o compromisso de

transformá-la”, de modo que “[...] criticar e ver a possibilidade de um outro modo era,

de fato, o projeto pessoal de Adorno, ou seu compromisso político para com a

Educação” (p. 243).

Encerrando a análise dos artigos, ainda apresentamos os artigos de

Haroche (2005) e Dalbosco (2006), que trabalharam com a crise da cultura e da

Educação e problematizações sobre a natureza e a especificidade da Pedagogia,

respectivamente. Os artigos possuem um relevante teor crítico, dispondo suas análises

dialeticamente, problematizando questões e despertando novas potencialidades.

136

Dalbosco (2006) aponta para a positivação das ciências humanas e da Educação na

ciência moderna, diagnosticando que o saber pedagógico foi reduzido aos princípios

positivistas – questão colocada na análise realizada por Adorno e Horkheimer, na obra

Dialética do Esclarecimento. Para o pesquisador, “[...] esconde-se uma concepção de

ser humano como objeto reduzido ao mecanismo causal e, portanto, passível de ser

descrito de forma mensurada e objetificável” (1119). Em face disso, o autor alude a

algumas questões emergentes para a Pedagogia: pensar sobre a natureza e

especificidade de seu conteúdo, e qual o caminho mais adequado para sua

independência. Já o artigo de Haroche (2005) parte do pressuposto de crise da cultura e

da Educação e, consequentemente, da perda da capacidade de realizar experiências –

situação que se intensificou devido à instantaneidade contemporânea, pela instabilidade

e pela incerteza, as quais alastraram seus efeitos para o campo dos saberes. Destaca que,

com o conhecimento científico norteado pelos princípios empiristas, pelo anseio de um

conhecimento livre das tradições, o que os processos científicos fizeram foi descartar a

Metafísica, e, com isso, a própria condição de conhecimento e de liberdade, uma vez

que ocorre “[...] a supressão da concomitância entre fatos e consciência, o descartar da

consciência, da subjetividade nos fatos” (p.352). No abandono da tradição para uma

almejada perspectiva crítica do conhecimento, descartou-se a subjetividade e a

Metafísica, transformando-a em “[...] uma simples ciência dos fatos” (p.352).

Encerramos este capítulo, reconhecendo a importância dos artigos

analisados e, juntamente a isso, a importância da investigação, uma vez que abre novas

dimensões a respeito de um mesmo problema, imprescindível ao movimento dialético.

Acreditamos que a verdadeira experiência com o conhecimento se dá no

reconhecimento das tensões e dos paradoxos, com o intuito de possibilitar uma

experiência com o próprio pensamento e não a uma solução mágica – e é o que

buscamos ensaiar, nesta pesquisa.

137

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo permitiu que reconhecêssemos os elementos regressivos

da razão, a sua dimensão instrumental arraigada com o projeto da Modernidade e seus

reflexos no contexto da Educação. Frente ao anseio de controle e domínio da Natureza,

assiste-se à busca por resultados palpáveis, concretos, por um alicerce seguro. O

caminho trilhado pela racionalidade instrumental proliferou em aspectos baseados na

eficiência do método, ancorado na busca de normas, de regras invariáveis e de

objetivação, que garantissem o “dissecar” dos fenômenos naturais. O sujeito detentor da

razão ganha ênfase e, em meio a aparatos funcionais, a atividade do pensamento se

restringe ao desejo de se atingir a verdade absoluta. A dimensão instrumental do cálculo

e dos esquemas probabilísticos tem primazia, levando à burocratização do próprio

espírito, sustentado pelo discurso de progresso propagado e mascarado nos aparatos

tecnológicos. Esses determinismos inviabilizam e rompem com as possibilidades de

emancipação, e os potenciais que poderiam gerar uma experiência humana mais efetiva

são desapropriados. O sentido da vida se desvanece, e o pensamento cede lugar ao

método, à tecnologia e à produtividade. Assim, a experiência subordina-se ao discurso

da verdade instituído pelo conhecimento científico, ficando limitada a regras discursivas

e a sua enunciação lógica. Como resultado, rompe-se com a experiência formativa, no

desembocar numa educação miserável, voltada para autopreservação e para a

materialidade da produção.

O que se vê, no âmbito da escola, é o predomínio do caráter

administrativo e burocrático, travando as possibilidades de uma formação mais humana.

Isso ocorre, pois a administração, que seria apenas um meio para viabilizar os fins da

educação humana no interior da escola, se desprende de suas finalidades, tornando-se a

questão principal, um fim em si mesma, marcada por regras e em padrões impostos. Isso

nada mais é do que a expressão do mundo administrado, imiscuído nas práticas

escolares.

Com efeito, o espírito positivista adentra os muros da escola,

explicitado em suas práticas, em seus currículos e, até mesmo, nos discursos

138

pedagógicos de cunho mais progressista. As questões pedagógicas são tratadas apenas

como questão de adequação ao método. Por essa via, a formação é reduzida a técnicas

de ensino/aprendizagem, à modelagem de determinadas habilidades, a um ensaio sobre

o discurso empreendedor, preparando os indivíduos para a lógica do mercado e para a

competição acirrada que o mundo do trabalho carrega. Emerge daí a semiformação, uma

formação tolhida, em que a prioridade está na educação para a adaptação ao contexto

atual, para a domesticação e não para a emancipação.

O professor, que deveria ser o agente de formação cultural, tem sido

privado de uma formação digna, reproduzindo a noção de conhecimento absoluto e do

discurso da verdade, sem sentido com a vida, sem a possibilidade de efetivas

experiências com o conhecimento. Torna-se um reprodutor e revendedor de

conhecimentos, reduzido ao cumprimento do programa e impossibilitando as

articulações e relações necessárias para uma efetiva aprendizagem.

Cumpre ressaltar, valendo-se das considerações de Adorno (1996),

que a simplificação da linguagem para facilitar a comunicação significa render-se aos

pressupostos do mercado. Em outras palavras, a pedagogia, ao pedagogizar-se, isto é,

ao se voltar para tornar seus conteúdos mais acessíveis, mais didáticos, prontos para

serem ingeridos sem a exigência de uma reflexão mais profunda, formatando-os através

de métodos e técnicas conforme os gostos dos clientes, iguala-se à Indústria Cultural.

De fato, a Indústria Cultural pré-formata o que seus consumidores devem sentir,

trabalha com mensagens simples, de fácil decodificação, para que sejam aceitas sem

resistência. Frente a isso, uma educação que prioriza o método, intentando facilitar e

simplificar a comunicação, ofusca as contradições sociais, os problemas dela advindos,

e reforça a semiformação a serviço da limitação do pensamento e das leis do mercado.

Em face do diagnóstico da semiformação, deparamo-nos com a

necessidade de superar essa condição de alienação e privação espiritual, com a urgência

de retomar as finalidades, o sentido do saber e potencializar o pensamento crítico.

Diante do exposto, impõe-se como tarefa primordial da Filosofia da Educação refletir a

respeito das consequências do projeto da Modernidade – a crise da formação cultural, o

empobrecimento da experiência, o esvaziamento da existência humana, entre outros – e

discutir as implicações para a Educação, objetivos sobre os quais propomos nos

debruçar, ao longo desta Dissertação.

139

Esta pesquisa nos permitiu constatar que a crítica epistemológica, no

âmbito da Educação, tem sido constantemente retomada pelos pesquisadores brasileiros,

apontando para a insuficiência dos pressupostos positivistas, sinalizada pela crise da

ciência. Em muitas das discussões, apresentou-se como antídoto a própria desistência

dos parâmetros racionais, inviabilizando o pensamento dialético – o que diverge da

crítica postulada por Adorno, Horkheimer e Marcuse. Cumpre ressaltar que a saída

indicada pelos teóricos críticos é a crítica imanente e a autorreflexão, movimento

propiciado pela dialética. O pensamento dialético concebe a realidade enquanto

movimento e a experiência com o mundo de maneira complexa, não reduzida ao

imediato e ao simples – considerando o processo histórico e seus desdobramentos, na

contemporaneidade, eivados de contradições. A aposta na autorreflexão corresponde a ir

além do proposto pelas formas rígidas e pelo formalismo do pensamento científico,

significa resistir à reificação da experiência, ao anulamento do sujeito, à praticidade

imediatista e instrumental.

A ilação que se segue é que o processo educacional deve consistir na

produção da consciência verdadeira, uma educação política, para autonomia, no qual

“[...] as reflexões precisam, portanto ser transparentes em sua finalidade humana”

(ADORNO, 2006, p.161). Pensar a partir das contradições, do conflito, resistindo à

imediaticidade da vida cotidiana – uma Educação que incentive o desacomodar-se

diante do mundo, uma Educação para a autonomia e para a liberdade. Pensar sem

limitar-se ao comprovável, à observação, quer dizer o pensar imbuído de tensões e

conflitos, o pensar para a experiência, para a autonomia e para a emancipação. A

Educação crítica, nesse sentido, tem o intuito de potencializar a experiência formativa –

trata-se da dialética negativa, uma razão negativa confrontada com suas limitações, a

recusa ao existente, a lógica da não-identidade, para além da adaptação.

À guisa de conclusão, urge refletirmos acerca dos determinismos

sociais que impõem e manipulam formas de pensar, de ser e de estar no mundo, para

que, então, possamos resistir. Transparece, por fim, o desafio de se pensar/criar as

possibilidades da experiência formativa no atual contexto, marcado pelo discurso

científico e tecnológico.

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