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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR

ReitoRJos Jackson Coelho Sampaio

Vice-ReitoRHidelbrando dos Santos Soares

editoRa da UeceErasmo Miessa Ruiz

conselho editoRialAntnio Luciano Pontes

Eduardo Diatahy Bezerra de MenezesEmanuel ngelo da Rocha Fragoso

Francisco Horcio da Silva FrotaFrancisco Josnio Camelo Parente

Gisafran Nazareno Mota JucJos Ferreira Nunes

Liduina Farias Almeida da Costa

Lucili Grangeiro CortezLuiz Cruz LimaManfredo RamosMarcelo Gurgel Carlos da SilvaMarcony Silva CunhaMaria do Socorro Ferreira OsterneMaria Salete Bessa JorgeSilvia Maria Nbrega-Therrien

conselho consUltiVoAntnio Torres Montenegro | UFPE

Eliane P. Zamith Brito | FGVHomero Santiago | USPIeda Maria Alves | USP

Manuel Domingos Neto | UFF

Maria do Socorro Silva Arago | UFCMaria Lrida Callou de Arajo e Mendona | UNIFORPierre Salama | Universidade de Paris VIIIRomeu Gomes | FIOCRUZTlio Batista Franco | UFF

1a Edio

Fortaleza - CE

2018

Indara Cavalcante BezerraMaria Salete Bessa Jorge

USO DE PSICOFRMACOS NA ATENO PSICOSSOCIAL:

Sujeito, AutonomiA e CorreSponSAbilizAo

B574u Bezerra, Indara Cavalcante Uso de psicofrmacos na ateno psicossocial: sujeito, autonomia e corresponsabilizao / Indara Cavalcante Bezerra, Maria Salete Bessa Jorge. - Fortaleza : EdUECE, 2018. 150p. : il. ISBN: 978-85-7826-660-8

1. Psicofarmacologia. 2. Psicotrpicos. I. Jorge, Maria Salete Bessa. II. Ttulo.

CDD: 615.78

USO DE PSICOFRMACOS NA ATENO PSICOSSOCIAL: SUjEITO, AUTONOMIA E CORRESPONSAbILIzAO

2018 Copyright by Indara Cavalcante Bezerra e Maria Salete Bessa Jorge

Impresso no Brasil / Printed in BrazilEfetuado depsito legal na Biblioteca Nacional

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

Editora da Universidade Estadual do Cear EdUECEAv. Dr. Silas Munguba, 1700 Campus do Itaperi Reitoria Fortaleza Cear

CEP: 60714-903 Tel: (085) 3101-9893www.uece.br/eduece E-mail: [email protected]

Editora filiada

Coordenao EditorialErasmo Miessa Ruiz

Diagramao e CapaNarcelio Lopes

Reviso de TextoAna Quesado Sombra

Ficha CatalogrficaLcia Oliveira CRB - 3/304

O mundo precisa de transformaes,

Eu fico doda com isso, eu acho que eu no devia nascer, eu no devia vir ao mundo, eu sabia que eu no mundo eu ia dar trabalho, mas no por mim [...] (USURIA CAPS) muito sofrimento v ela doente, muito ruim ver a filha desse jeito, eu quero que ela fique boa, mas acho que no fica mais no [...] (FAMILIAR CAPS ME)

Comecemos por ns mesmos!

Dedicatria

s minhas filhas, Ingrid e Isadora, essncias do amor incondicional:

Pela felicidade que me proporcionam a cada dia,Por simplesmente existirem,Pela fora que delas emana e que me reconstri a cada dia,Por tornarem a minha vida mais bonita, Pela pessoa melhor que procuro ser a cada momento.

PREFCIO

com muita honra que aceitei o convite de Indara Caval-cante Bezerra e de sua orientadora Maria Salete Bessa Jorge para prefaciar este livro que resultado da sua dissertao de mestrado.

Participei da banca de defesa e lembro-me de ter destacado a importncia de termos uma farmacutica discutindo este tema to complexo e polmico que o do uso dos psicofrmacos nos servios da Ateno Psicossocial. O subttulo chama a ateno para o que essencial neste tema, qual seja a relao da medicao com o sujeito, sua autonomia e a corresponsabilizao. Mais do que termos ou palavras, considero-os como elementos que deve-riam estar presentes em todo e qualquer ato de cuidado envolven-do a prescrio e a administrao de medicamentos.

Indara apresenta de inicio algumas questes que norteiam o seu trabalho e a motivam: qual a experincia dos usurios diante do tratamento com psicofrmacos? Algum corresponsvel? Essas pessoas detm alguma autonomia sobre seu tratamento com psicofrmacos?

Tais perguntas nos remetem a refletir sobre a incluso do sujeito e de sua rede afetiva nesta dimenso do tratamento que, geralmente, tende a ser um ato que se executa em uma relao verticalizada com pouca ou nenhuma participao ou escolha do

usurio. Medicao para tomar e pronto. E sem reclamar, diria uma profissional que encontrei em certa ocasio.

Fazendo coro com a autora, urgente voltar os olhares para esse sujeito, sua autonomia, sua participao e compromisso com o trata-mento, sobretudo medicamentoso, evitando a medicalizao da vida.

De modo cada vez mais intenso, nossos modos de levar a vida, esto marcadas por uma lgica centrada em um modelo biomdico que reduz as nossas existncias a diagnsticos e suas consequentes prescries.

A recente polmica em torno do expressivo aumento dos diagnsticos do DSM V, com denncias e acusaes envolvendo interesses econmicos da indstria farmacutica, evidenciam o quanto o ato de medicar muito mais do que um gesto de cuidado.

Enfrentar as angstias e as vicissitudes cotidianas que nos causam dor e alegria, contentamento e tristeza est tornando-se uma batalha que s se enfrenta munido de medicamentos que trazem a iluso de um viver sem sobressaltos.

Em outra ocasio ouvi de um profissional da sade a se-guinte frase: Para que ficar sofrendo com a dor da separao? Toma logo um antidepressivo e segue em frente! Embora a segunda parte possa parecer razovel, deixar de sentir artificialmente as dores do existir parece-me ser algo to irreal quanto inumano.

Nesta perspectiva e atenta aos servios da Ateno Psicosso-cial, a autora nos questiona: os usurios (des)conhecem os efeitos, in-dicaes e orientaes sobre psicofrmacos? Qual a corresponsabilizao dos usurios, da famlia e da equipe que cuida? Quais as experincias vividas na temporalidade de tratamento na rede de ateno psicossocial e estratgia de sade da famlia? Como construda a autonomia dos usurios de psicofrmacos na ateno psicossocial do CAPS?

So questes importantes que podem produzir reflexes e efeitos na prtica dos trabalhadores desses servios.

So perguntas que norteiam os objetivos do presente traba-lho, quais sejam: discutir a gesto da medicao de usurios do Centro de Ateno Psicossocial na relao usurio-famlia-equipe; analisar o uso de psicofrmacos no Centro de Ateno Psicossocial, ressaltando a autonomia e a corresponsabilizao de usurios, seus familiares e profissionais, no processo de cuidado; compreender as experincias de usurios, famlia e equipe de sade do Centro de Ateno Psicossocial, no processo de construo de autonomia e de cuidado psicossocial.

O trabalho percorre caminhos interessantes que conduzem o leitor a acompanhar como a pesquisadora vai buscando respon-der as suas indagaes.

De incio, apresenta as motivaes que, de sua prtica, a mo-bilizaram na busca de respostas. Acompanhamos uma interessante sntese sobre alguns temas essenciais como a Poltica Nacional de Medicamentos, reflexes sobre o uso de psicofrmacos, a doena mental e o processo de medicamentalizao. Ao final desta primei-ra parte, discute-se o cuidado, a teraputica medicamentosa e as conexes com tecnologias de corresponsabilizao e autonomia.

Na segunda parte, a autora nos mostra quais os caminhos metodolgicos percorridos para construir a sua pesquisa, contex-tualiza o cenrio e quem foram seus personagens. So servios de Ateno Psicossocial de Fortaleza e seus trabalhadores, usurios e familiares que compem um quadro de referncia para as refle-xes de servios semelhantes.

Na terceira parte lemos no desenrolar da pesquisa, a inves-tigao sendo colocada em ao, e ao articular seus achados, por meio de fragmentos de narrativas, com aspectos e referncias te-

ricas, Indara vai costurando um interessante painel que evidencia o quanto necessitamos avanar.

Nesse sentido, aborda temas como o cuidado dispensado ao usurio no Centro de Ateno Psicossocial, cujas narrativas trazem luz a medicamentalizao presente nos servios e a ne-cessidade de desenvolver prticas que estimulem corresponsabi-lizao das aes.

Ao discutir a gesto da medicao a autora apresenta dados que revelam facetas da relao do usurio e seus familiares no manejo da medicao no cotidiano do cuidado. Destaco aqui as tenses e as possibilidades, ainda que levemente sinalizadas, de autonomia em relao ao cuidado.

Termina esta parte de seu trabalho discutindo os dados re-lativos a proposta de desinstitucionalizacao e a construo da au-tonomia do sujeito no processo de cuidado. Aponta a distncia entre os princpios da Ateno Psicossocial e a desarticulao da rede assistencial que torna a autonomia uma meta ainda distante.

Ressalto novamente a tessitura que Indara e sua orientadora vo tecendo entre as reflexes tericas e os fragmentos das nar-rativas que do vida ao texto tornando-o uma leitura agradvel e necessria.

Finalizo pelo incio do trabalho citando um trecho da ep-grafe: o mundo precisa de transformaes (...) comecemos por ns mesmos.

Eis um texto que um bom comeo, uma boa leitura.

Silvio Yasui (Professor Assistente Doutor da Universidade Estadual Paulista Jlio de

Mesquita Filho).

SUMRIO

1. O INTERESSE DO PESQUISADOR, ObjETO E O APORTE TERICO | 131.1 O interesse do pesquisador | 131.2 O objeto de investigao | 151.3 Aporte Terico | 251.3.1 A Poltica Nacional de Medicamentos e o uso racional de medicamentos no Brasil | 251.3.2 A doena mental e o uso de psicofrmacos1.3.3 O processo de medicamentalizao | 311.3.4 O cuidado e os psicofrmaco, como tratamento, e suas conexes com as tecnologias de corresponsabilizao e autonomia | 34

2. CAMINHOS DA PESQUISA E SEUS PROCEDIMENTOS METODOLGICOS | 382.1 Natureza do Estudo | 382.2 Cenrio | 422.3 Participantes da Pesquisa | 492.4 Tcnicas e instrumentos de coleta de informaes | 522.5 Anlise das informaes | 552.6 Questes ticas | 55

3. DO TERICO AO EMPRICO: DESCObERTAS | 593.1 Cuidado dispensado ao usurio no Centro de Ateno Psicossocial: da medicamentalizao corresponsabilizao das aes | 593.2 Gesto da medicao: desconhecimento e protagonismo da famlia | 73

3.3 Construo de autonomia do sujeito no processo de cuidado: (des) institucionalizao e (des) articulao da rede assistencial | 84

4. REFLEXES SObRE A PESQUISA | 95

REFERNCIAS | 98

APNDICES | 108APNDICE A: Temrio do Grupo Focal | 109APNDICE B: Roteiro de Entrevista para Usurios | 110APNDICE C: Roteiro de Entrevista para Familiares | 111APNDICE D: Roteiro de Entrevista para Profissionais de Sade Mental | 112APNDICE E: Termo de consentimento livre e esclarecido aos usurios de sade | 113APNDICE F: Termo de consentimento livre e esclarecido aos familiares dos usurios de sade | 115APNDICE G: Termo de consentimento livre e esclarecido aos profissionais de sade | 118

ANEXOS | 121ANEXO I: Declarao de Aprovao da Coordenadoria do Sistema Municipal de Sade Escola | 122ANEXO II: Parecer Consubstanciado do CEP (Plataforma Brasil) | 123ANEXO III: Extratos do Dirio de Campo e Grupo Focal; Descrio do CAPS | 127

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1.

O INTERESSE DO PESQUISADOR, ObjETO DE INVESTIGAO E EIXO TERICO

1.1 O interesse do pesquisador

O primeiro encontro, de perto, da pesquisadora com a lou-cura foi assustador, curioso, fascinante! Ela no conseguia distin-guir bem o que sentiu: uma mistura de sensaes, como cons-trangimento, revolta, impotncia, curiosidade, pena, vontade de ajudar, de cuidar. Depois imaginou-se no lugar daquela pessoa fragilizada, atormentada, sofrida. Reconheceu-se em muitos de seus gestos e falas. Ento, teve medo. Medo de aflorar a loucura que dizem existir em cada ser humano; que existe nela!

No se sabe se foi o louco ou a sensao de sentir-se louca tambm, o que sentiu, a partir de ento, foi a necessidade de en-tender um pouco mais sobre esse mundo confuso e complexo da sade mental. A trajetria da pesquisadora, nesse sentido, iniciou em janeiro de 2005, quando teve o privilgio de ser convidada a participar do projeto de implantao do CAPS geral de Maraca-

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na. Na ocasio, a mesma trabalhava na assistncia farmacutica do municpio, j possua algum domnio sobre as polticas do SUS e detinha algum conhecimento acerca de psicofrmacos, po-rm nada entendia de sade mental, reforma psiquitrica, trans-tornos psquicos, enfim, sua formao acadmica de bacharelado em cincias farmacuticas e sua breve experincia profissional em farmcia com manipulao a mantiveram leiga sobre o assunto, at ento.

O projeto de implantao do CAPS envolveu toda a equipe multidisciplinar e, sob orientao de uma consultoria eficiente, explorou a conjugao de diversos saberes e prticas, estimulou estudos coletivos, individuais, abordagens tericas, vivenciais, reunies contnuas e outras atividades que estimulava a todos de forma contagiante e na direo de construir uma nova forma de cuidar, prpria, singular, uma maneira coletiva de contribuir para amenizar o sofrimento do outro. A equipe havia sido picada pelo bichinho da reforma psiquitrica!

A Universidade Estadual do Cear, em parceria com a Pre-feitura de Maracana, iniciou em 2010 um curso de Tecnologia em Sade Mental, para profissionais da sade, e, atravs da par-ticipao nas reunies de implantao desse projeto, a pesquisa-dora pde se aproximar da vida acadmica e se interessar pelo mestrado na rea da sade coletiva.

No cotidiano do CAPS Geral de Maracana, a proposta de trabalho, desde o seu incio, foi baseada no olhar integral das ne-cessidades do indivduo, e a atuao da equipe tambm seguia o mesmo horizonte. A rotina, as intervenes, a escuta, os sucessos,

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os dissabores, enfim, o contato direto com o sofrimento do outro, a fizeram uma farmacutica trabalhadora em sade mental.

Como tal, pde perceber um aumento contnuo do uso de psicofrmacos pela populao e passou a se questionar sobre v-rios aspectos que envolvem esse fato, como por exemplo, qual a experincia dos usurios diante do tratamento com psicofrma-cos? Algum corresponsvel? Essas pessoas detm alguma auto-nomia sobre seu tratamento com psicofrmacos?

Essas so algumas das perguntas que carecem ser elucidadas; as falas dessas pessoas podem significar muito. Este estudo no se prope a culpar ou criticar modelos assistenciais e posturas profissionais, mas, quem sabe, obter subsdios para reformular condutas ou intervenes que possam ser benficas vida dessas pessoas. Quem sabe, a partir das experincias aqui vivenciadas, seja possvel obter meios efetivos de racionalizar o uso de psico-frmacos? De melhorar a vida desse sujeito e, assim, abstra-lo de seu mundo de solido e sofrimento? Esses e outros questio-namentos fervilham nos pensamentos da pesquisadora, e esto como cerne da proposta do estudo, o qual vem apresentar.

1.2 O objeto de investigao

O objeto de investigao pauta-se na anlise do uso de psi-cofrmacos na ateno psicossocial, dando nfase ao sujeito e famlia, em relao construo de autonomia e o processo de corresponsabilizao, tornando-se relevante configurar e articular

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a reforma psiquitrica com seus marcos tericos, importante na transformao de olhares e prticas.

No incio do sculo XIX, de um modo geral, a maioria dos medicamentos, independente de sua indicao, era de origem na-tural e de estrutura qumica e natureza desconhecidas. Aps a d-cada de 40, ocorreu a introduo macia de novos frmacos, que trouxeram populao a possibilidade de cura para enfermida-des, at ento, fatais, sobretudo no campo de doenas infecciosas.

Os avanos nas pesquisas farmacolgicas, em conjunto com sua promoo comercial, criaram uma excessiva crena da socie-dade em relao ao poder dos medicamentos, posicionando-os como elemento central na teraputica, e no mais um adjuvante teraputico. Nos dias atuais, sua prescrio torna-se quase obriga-tria nas consultas clnicas, e o mdico , muitas vezes, avaliado pelo paciente, por meio do nmero de formas farmacuticas que prescreve (MELO et al., 2006).

Essa trajetria pertinente s vrias classes de medicamen-tos, incluindo os psicofrmacos, e quase to antiga quanto a humanidade. A utilizao do suco de papoula e do prprio pio, como sedativo, da mandrgora, como afrodisaco, e do haxixe, como anestsico, datam de milhares de anos antes de Cristo (FERREIRA e MIRANDA, 2010). O uso dessas substncias psi-coativas acompanha a humanidade em diversos perodos de sua histria, possuindo um significado diferente e prprio em cada cultura, poca e em vrios contextos: religioso, social, econmico, cultural, psicolgico, militar e medicinal (CRIVES e DIMENS-TAIN, 2003).

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Conceitualmente, psicofrmacos so drogas que interferem no comportamento, na conscincia, no humor e na cognio, agindo no Sistema Nervoso Central. So utilizados no tratamen-to de psicopatologias, com maior frequncia no tratamento da depresso, dos transtornos de ansiedade, do sono, transtornos mentais e deficincias fsicas ou, ainda, para o tratamento de epi-lepsias (SPAGNOL e IAKOVSKI, 2010).

A psiquiatria e a psicofarmacologia, durante o sculo XIX e boa parte do sculo XX, objetivavam a sedao dos pacientes, a reduo de sua ansiedade e era completamente compatvel com as preocupaes biopolticas da poca: adestrar, disciplinar, regular, promover a docilidade dos corpos. Havia tambm outro impulso biopoltico no que diz respeito a um capitalismo cujo centro di-nmico passa da produo para o consumo, do controle do desejo para a sua mobilizao incessante (FERREIRA e MIRANDA, 2010).

Na ateno psicossocial, o uso de psicofrmacos est associa-do concepo acerca da loucura e est entrelaado com a hist-ria da psiquiatria no Brasil. Esta surgiu com a chegada da Famlia Real, cujo objetivo era pr ordem na urbanizao e disciplinar a sociedade, a fim de se tornar compatvel ao desenvolvimento mercantil e poltico da poca. a partir do embasamento nos conceitos da psiquiatria europeia, como degenerescncia mo-ral, organicidade e hereditariedade do fenmeno mental, que a psiquiatria brasileira intervm no comportamento, considerado como desviante e inadequado, dos sujeitos adoecidos s necessi-dades do acmulo de capital, de forma a expurg-los em hospitais

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psiquitricos. Nesses asilos se repetiram os fatos que aconteciam em todo o mundo: superlotao, ausncia de tratamento e uma mortandade impressionante de pacientes (PICCININI, 2000).

A histria da nossa psiquiatria a histria de um proces-so de asilamento; a histria de um processo de medica-lizao social. (Amarante, 1995, p.74)

O incio do processo da reforma psiquitrica no Brasil contemporneo ecloso do movimento sanitrio, nos anos 70, mas tem uma histria prpria, inscrita num contexto internacio-nal de mudanas pela superao da violncia asilar e na ecloso dos esforos dos movimentos sociais pelos direitos dos pacientes psiquitricos no Brasil.

A Reforma Psiquitrica processo poltico e social complexo, composto de atores, instituies e foras de diferentes origens, e que incide em territrios diversos, nos governos federal, estadual e municipal, nas universi-dades, no mercado dos servios de sade, nos conselhos profissionais, nas associaes de pessoas com transtor-nos mentais e de seus familiares, nos movimentos so-ciais, e nos territrios do imaginrio social e da opinio pblica. Compreendida como um conjunto de transfor-maes de prticas, saberes, valores culturais e sociais, no cotidiano da vida das instituies, dos servios e das relaes interpessoais que o processo da Reforma Psi-quitrica avana, marcado por impasses, tenses, confli-tos e desafios. (BRASIL, 2005)

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Com efeito, percebe-se que a partir da reforma psiquitrica no Brasil, buscou-se a reverso do modelo asilar catico e segre-gador, contribuindo para a ecloso de novas formas de abordar o sofrimento psquico, propondo um trabalho multidisciplinar baseado na reorientao da prtica clnica nos servios pblicos de sade. Segundo Moya (2007), os servios buscam substituir a lgica manicomial e redirecionar a assistncia em sade mental, privilegiando o tratamento em servios de base comunitria.

Nessa perspectiva, surgiram os CAPS (Centros de Ateno Psicossocial), os quais so definidos como servios ambulatoriais de ateno diria, que funcionam a partir da lgica do territrio e vi-sam integrao do usurio comunidade, assim como sua insero familiar e social. Portanto, quanto constituio da rede de sade mental no SUS e seus avanos, alm dos CAPS, pode-se contar com a expanso das aes regulares de sade mental na ateno bsica, com a criao dos NASFs (Ncleos de Apoio Sade da Famlia), nos quais a presena de profissionais da sade mental tornou-se re-comendao expressa da norma aplicvel, alm do aprofundamento, sistematizao e extenso das estratgias de matriciamento.

A desinstitucionalizao, apesar de dificuldades que preci-sam ser superadas, conta com o apoio das residncias teraputicas e com o Programa De Volta para Casa. A rede tambm conta, ainda que de forma incipiente, com a parceria de hospitais gerais (leitos psiquitricos) e os CAPS III (que funcionam no terceiro turno) (MINISTRIO DA SADE, 2011).

Para se trabalhar na dimenso de sujeito, na pesquisa, buscou-se a reflexo de como os tericos manifestam suas ideias

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sobre sujeito, buscando a interface com o uso de psicofrmacos, no sentido da compreenso sobre a medicalizao.

O sujeito, segundo Hegel, a pura atividade de si mesmo e constitui-se como uma unidade viva. Deve ser compreendido, essencialmente, como atuante, como vida em pura atividade, au-todesenvolvimento, auto-articulao e manifestao de si (MO-RAIS, 2012).

O psiclogo russo L. S. Vygotsky (1896-1934), na busca de compreender a capacidade do ser humano em produzir cultura, se deparou com uma cincia imbuda pela diversidade de expli-caes materialistas mecanicistas ou subjetivistas, e percebeu que estas suprimiam a importncia da dimenso histrico-social.

A partir dessa reflexo, fundamentou-se a teoria vigotskiana ou Psicologia Histrico-Cultural, a qual entende o sujeito como um agregado de relaes sociais encarnadas num indivduo. Nesse arcabouo terico, aspectos filosficos e psicolgicos se fundem, e conferem ao sujeito uma existncia, simultaneamente, biolgica, psicolgica, antropolgica, histrica e, essencialmente, cultural (ZANELLA, 2004).

A percepo dos autores supracitados converge para o sujei-to como um ser autnomo ou em busca contnua de autonomia, mediado pelas relaes sociais ou interpessoais, atreladas a um contexto histrico cultural do momento histrico em que trans-corre sua vida.

Segundo a opinio de Moura e Ewald (2007), os tempos modernos suscitam um imprio lucrativo, em que a moderni-dade constitui uma poca marcada por caractersticas, como: a

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cultura do excesso, da urgncia, do hiperconsumo e da fluidez, nas quais a gerao contempornea v suas angstias como pesa-das ameaas que precisam ser eliminadas da forma mais urgente possvel. O consumo de medicamentos no escapa dessa perspec-tiva capitalista.

Portanto, algumas mudanas apontam para a lgica da configurao do tratamento do sofrimento psquico na histria recente e para o consequente aumento relacionado ao consumo de psicotrpicos, tais quais: a viso organicista do funcionamen-to psquico baseado na neurocincia; a indstria farmacutica e os grandes investimentos no desenvolvimento tecnolgico e mi-ditico dos psicofrmacos; e a padronizao de sintomas, trazida pelas sucessivas edies do Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais (DSM), atualmente em sua 5 edio.

Essa normatizao diagnstica distribui os sintomas em quadros regulares de transtornos e a aplicao do conjunto sobre o relato pontual do indivduo, determinando sua nomeao e seu tratamento (GUARIDO, 2007).

Visitando os estudos de Foucault:

[...] A alma tornou-se pouco a pouco objeto de con-trole e disciplina apoderada pelos diversos discursos (religioso, militar, pedaggico, psiquitrico, psicolgico etc) [...] O poder poltico de gerir a vida denomina-se biopoder! (Foucault, 1977, p.96)

nesse contexto que ascende o conceito de medicalizao. Segundo Tesser (2006), o processo de medicalizao social cor-

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responde expanso progressiva do campo de interveno da biomedicina, por meio da redefinio de experincias e compor-tamentos humanos, como se fossem problemas mdicos.

...A medicalizao transforma culturalmente as popula-es, com um declnio da capacidade de enfrentamento autnomo da maior parte dos adoecimentos e das do-res cotidianas. Isso desemboca num consumo abusivo e contraprodutivo dos servios biomdicos, gerando de-pendncia excessiva e alienao [...] a conseqncia da socializao forada e acelerada do estilo de pensamento biomdico (centrado no controle, nas aes e interpreta-es heternomas) para contingentes populacionais pou-co modernizados, pluritnicos e multiculturais, como a maioria da populao brasileira. (TESSER, 2006)

O estudo realizado no Rio Grande do Sul, por Tesser (2006), buscou compreender como o consumo de psicofrmacos se legitimou como uma tecnologia de si forjada pelo dispositivo de medicalizao. Segundo Tesser apud Foucault, as tecnologias de si so o conjunto de tecnologias e experincias que participam do processo de (auto)constituio e transformao do sujeito.

No referido estudo, os autores, baseados nos ensinamentos de Foucault, trataram da medicalizao, especificamente no que se refere ao consumo de psicofrmacos, sob trs aspectos: um operador do poder; uma estratgia; e uma forma de assujeita-mento, considerando que esta situao corresponde contempo-raneidade e necessidade de intervenes que reflitam sobre os processos de subjetivao (IGNCIO e NARDI, 2007).

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Assim, compreender os efeitos da medicalizao, nos mo-dos de subjetivao atuais, significa entender como se desenvolve a expresso da biopoltica como controle da populao e como uma forma de disciplinarizao dos corpos, que articula formas tradicionais de gesto baseadas no assistencialismo, no paternalis-mo e na dependncia (prprias do contexto local) com a produ-o de frmacos (produto do capitalismo global).

O dispositivo da medicalizao interior Biopoltica, e atua conformando comportamentos e instaurando uma norma-lidade medicalizada, na qual a expresso do sofrimento no se torna objeto de reflexo e busca de construo de outras formas de ser, mas sim de um bloqueio qumico das emoes (IGN-CIO e NARDI, 2007).

Portanto, ao considerar que a medicao , atualmente, in-dicao prioritria das intervenes mdico-psiquitricas, asso-ciada a procedimentos diagnsticos descritivos, sustentados pela socializao do discurso mdico apoiado pela mdia e financiado pela indstria farmacutica, pode-se visualizar o paradigma do discurso mdico na produo de verdade acerca do sofrimento psquico e de sua natureza. Se a psiquiatria clssica abordava a dimenso enigmtica da subjetividade, a psiquiatria contempo-rnea promove uma naturalizao do fenmeno humano e uma subordinao do sujeito bioqumica cerebral, somente regulvel pelo uso dos remdios (GUARIDO, 2007).

Diante de todo o exposto, urge voltar os olhares para esse sujeito, sua autonomia, sua participao e compromisso com o tratamento, sobretudo medicamentoso, evitando a medicaliza-

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o da vida inerente ao campo social em vigncia. patente a carncia de estudos que corroborem para a resolubilidade na tentativa da quebra do paradigma atual, ainda sustentado pelo modelo biomdico.

Na experincia diria e nas leituras foi levantada uma plura-lidade de questionamentos, entre eles: Os usurios desconhecem/ no desconhecem os efeitos, indicaes e orientaes sobre psico-frmacos? Qual a corresponsabilizao dos usurios, da famlia e da equipe que cuida? Quais as experincias vividas na tempora-lidade de tratamento na rede de ateno psicossocial e equipe de sade da famlia? Como construda a autonomia dos usurios de psicofrmacos na ateno psicossocial do CAPS?

Aps os questionamentos, os objetivos foram organizados de acordo com a ordem crescente de complexidade dos verbos: discutir a gesto da medicao de usurios do Centro de Ateno Psicossocial na relao usurio-famlia-equipe; analisar o uso de psicofrmacos no Centro de Ateno Psicossocial, ressaltando a autonomia e a corresponsabilizao de usurios, seus familiares e profissionais, no processo de cuidado; compreender as experin-cias de usurios, famlia e equipe de sade do Centro de Ateno Psicossocial, no processo de construo de autonomia do usurio no seu processo de cuidado psicossocial.

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1.3 O Aporte Terico

1.3.1 A Poltica Nacional de Medicamentos e o uso racional de medicamentos no brasil

Sob o aspecto conceitual, a Poltica Nacional de Medica-mentos (PNM) refere o uso racional de medicamentos, como sendo o processo que compreende a prescrio apropriada; a dis-ponibilidade oportuna; preos acessveis; dispensao em condi-es adequadas; e o consumo nas doses indicadas, nos intervalos definidos e no tempo indicado, de medicamentos eficazes, segu-ros e de qualidade (BRASIL, 2011).

Para tanto, a PNM estabeleceu diretrizes e prioridades que re-sultaram em importantes avanos na regulamentao sanitria, no gerenciamento de medicamentos e na organizao e gesto da As-sistncia Farmacutica no SUS, tendo como finalidades principais: a garantia da necessria segurana, da eficcia e da qualidade dos medicamentos; a promoo do uso racional dos medicamentos; o acesso da populao queles medicamentos considerados essenciais.

A PNM abrangente e, se colocada em prtica, poder trazer, ao setor de sade, no Brasil, melhorias exponenciais na qualidade de vida da populao. As prioridades estipuladas por esta poltica so a reviso permanente da relao nacional de medicamentos essenciais (Rename), a assistncia farmacutica, a promoo do uso racional de medicamentos e a organizao das atividades de vigilncia sanitria de medicamentos (MAR-GONATO, 2006).

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A Organizao Mundial de Sade afirma, consoante seu conceito, que h uso racional de medicamentos quando pacientes recebem medicamentos apropriados para suas condies clnicas, em doses adequadas s suas necessidades individuais, por um pe-rodo necessrio ao seu tratamento e ao menor custo para si e para a comunidade.

Porm, a realidade bem diferente. Pelo menos 35% dos medicamentos adquiridos no Brasil so usados atravs de auto-medicao; os medicamentos respondem por 27% das intoxi-caes no pas e 16% dos casos de morte por intoxicaes so causados por medicamentos. Alm disso, 50% de todos os medi-camentos so prescritos, dispensados ou usados inadequadamen-te e os hospitais gastam de 15 a 20% de seus oramentos para lidar com as complicaes causadas pelo mau uso dos mesmos (AQUINO, 2008).

A promessa de alvio imediato ao sofrimento, como em um passe de mgica, um apelo atraente, mas pode ocasionar pre-juzos, nem sempre restritos ao desembolso financeiro, porm prpria sade. Os requisitos para o uso racional de medicamentos so complexos e envolvem uma srie de variveis, em um enca-deamento lgico. Para que sejam cumpridos, devem contar com a participao de diversos atores sociais: pacientes, o farmacutico e outros profissionais de sade, legisladores, formuladores de pol-ticas pblicas, indstria, comrcio e governo (AQUINO, 2008).

Muito se tem falado sobre a importncia da orientao far-macutica e dos riscos advindos do uso inadequado de medica-mentos, mas pouco se discute sobre a forma correta de praticar

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a dispensao de medicamentos. To importante quanto o me-dicamento, a informao de como utiliz-lo cumpre um papel fundamental e nunca deve ser omitida (PINTO, 2008).

A dispensao o ato de fornecimento ao consumidor de dro-gas, medicamentos, insumos farmacuticos e correlatos. O desem-penho desta funo uma atribuio do farmacutico, j que este profissional formado, teoricamente, com aptides para fornecer informao, aos usurios, sobre a utilizao correta de medicamen-tos, para o uso racional e aconselhamento sobre o uso de medi-camentos no prescritos de venda livre (MARGONATO, 2006).

A prtica da dispensao de medicamentos exige que o far-macutico exponha seus conhecimentos e que analise cada situa-o, em particular. Um estudo realizado por Pinto (2008) apon-tou a existncia de sete itens para a realizao de uma dispensao correta: finalidade, posologia, horrio apropriado, tempo de uso, reaes adversas e atenuao, risco de interaes e tratamento no farmacolgico. O mesmo autor sugere que o profissional farma-cutico deve se afastar do foco exclusivo do medicamento, da postura tecnicista, e entrar no universo do paciente, a fim de criar condies para que este entenda as informaes e as usufrua da melhor forma possvel.

1.3.2 A doena mental e o uso de psicofrmacos

A doena mental considerada, s vezes, como um perodo ou fase constituda por dificuldades da pessoa; ora como efeito de fatores biolgicos ou orgnicos, ora advinda da desestruturao

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das relaes familiares ou da dificuldade do portador em lidar com sua subjetividade e relacionamentos (RODRIGUES e FI-GUEREDO, 2003).

Na contemporaneidade, as pessoas tendem a absorver as modificaes urbanas, sociais e cotidianas; no contendo, muitas vezes, sustentao emocional e psquica para tal enfrentamento, o que pode culminar no adoecimento mental. Assim, restam, ao indivduo em questo, prticas assistenciais baseadas em trata-mentos clnicos, tendo como foco a medicao.

Segundo Floersch (2009), a experincia da medicao mediada por complexas dinmicas sociais. A observao e inter-pretao dos efeitos do medicamento so moldados pela famlia, comunidade, crena, valores culturais e morais, alm da atitude do paciente em lidar com: o diagnstico da doena, o tipo de tra-tamento e a natureza da relao entre o profissional e o usurio, ou seja, da formao de vnculo.

O uso de psicofrmacos tem aumentado em mbito mun-dial, e, no Brasil, so raras as pesquisas que investigam o seu uso na populao. Um estudo realizado em 2003, na cidade de Pelo-tas-RS (RODRIGUES e col., 2006), comparou a prevalncia de consumo de psicofrmacos pela populao, com dados coletados em estudo anterior realizado em 1994 (LIMA, 1995), na mesma cidade.

Dos entrevistados, 74% estavam utilizando psicofrmacos h mais de trs meses. A prevalncia de consumo de psicofr-macos observada no estudo de 2003 foi de 9,9%, no diferindo muito de 1994 (11,9%), e o consumo de antidepressivos foi de

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31,6%. Portanto, aps uma dcada, a prevalncia permaneceu alta e o consumo de psicofrmacos, apesar de se manter mui-to alto, no aumentou, contrastando com a literatura da poca. Uma possvel explicao seria de que o consumo global de psico-frmacos j era elevado no municpio estudado.

Estudos desenvolvidos por Hemels (2002), no Canad, apontam uma anlise descritiva da utilizao de antidepressivos, entre os anos de 1981 e 2000. Seu estudo evidenciou que o n-mero de prescries aumentou 238% nesse perodo e o aumento do custo foi de 2,7 bilhes de dlares.

De acordo com pesquisa do Centro Brasileiro de Informa-es sobre Drogas (CEBRID 2009), a prevalncia de uso de benzodiazepnicos, um dos tipos mais consumidos de psicofr-macos, era 5,6% em 2005, sendo que j havia aumentado 2,3% desse consumo em apenas 4 anos (em 2003, eram 3,3%). Essa mesma pesquisa ainda relata que 1,1% da populao do pas j estava dependente dessa classe de medicamentos em 2005, e que havia uma tendncia crescente nesse sentido.

Um estudo realizado por More (2008) afirma que a preva-lncia de transtornos mentais no Brasil estimada em 20% e que pode variar de 19% (Braslia e Porto Alegre) a 34% (So Paulo), de acordo com a regio; estudos mais recentes apontam que a prevalncia de transtornos mentais comuns acomete, em mdia, 30% da populao do pas, como mostra Gonalves (2009) em seu estudo.

Segundo Lucchetti (2010), estima-se que 13% dos frmacos consumidos no Brasil envolvam benzodiazepnicos, antidepressi-

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vos, neurolpticos, anticonvulsivantes ou estimulantes do Siste-ma Nervoso Central, os quais representam as principais classes de psicotrpicos disponveis.

Quanto ao cuidado em sade mental, mesmo que os trans-tornos mentais representem 13% da carga total de doena, a di-ferena entre o nmero de pessoas afetadas e o nmero de pessoas que recebem cuidados e acompanhamento, mesmo para condi-es severas, ainda crescente.

Os dados apresentados no relatrio da OMS mostram que at 75-86% das pessoas com transtornos mentais graves, em pa-ses de renda baixa e mdia, e 30-50%, em pases de alta renda, no haviam recebido qualquer tratamento nos 12 meses anterio-res (RODRIGUES e col., 2006).

Alm disso, outros autores afirmam que o medicamento no apenas uma droga aceita e utilizada mundialmente como um dos mais importantes recursos teraputicos da medicina moder-na. Ele tambm pode ser uma droga de abuso, causando muitos males, tais como dependncia, sndrome de abstinncia e distr-bios comportamentais.

Os medicamentos representam boa parcela dos gastos p-blicos com sade e no so substncias incuas. Essas so as duas principais razes pelas quais, cada vez mais, se reconhece a neces-sidade e a importncia dos estudos que analisam os tratamentos medicamentosos (MELO et al, 2006).

Outro estudo mais recente refere ser de 7,3% a prevalncia da utilizao de psicofrmacos (WERLAND e ROCHA, 2012). Os autores sugerem que este valor pode estar subestimado, de-

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vido coleta ter sido realizada atravs de dados secundrios. A mesma pesquisa afirma que os maiores consumidores dos psico-frmacos so mulheres acima de 45 anos de idade, o que deve se justificar por utilizarem mais os servios de sade que os homens. Os antidepressivos foram a classe mais prevalente neste estudo, correspondendo a 63,2% dos psicofrmacos prescritos para a po-pulao estudada.

Este crescimento pode ser atribudo ao aumento da frequn-cia de diagnsticos de transtornos psiquitricos na populao, introduo de novos medicamentos no mercado farmacutico e a novas indicaes teraputicas dos frmacos j existentes (WER-LAND ROCHA, 2012). Alm disso, a ampliao da rede de sa-de mental, com a implantao dos CAPS e a melhoria do acesso a esses medicamentos na rede SUS podem ter levado a esses n-meros (RODRIGUES, 2006).

1.3.3 O processo de medicamentalizao

A medicamentalizao refere-se ao controle mdico sobre a vida das pessoas. Para tanto, utiliza a prescrio e o uso de medi-camentos como nica teraputica possvel de responder s situa-es da vida cotidiana, entendidas como enfermidades psquicas. Por conseguinte, angstia, mal-estar ou dificuldades, outrora compreendidas como parte da complexidade e singularidade do ser humano, passam a ser consideradas doenas ou transtornos diagnosticveis e, consequentemente, medicamentalizados, com o intuito de proporcionar cura (AMARANTE, 2007).

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Essa medicamentalizao do mal-estar uma realidade efe-tiva, atual e crescente, que se expande, inclusive, para campos diversos do saber mdico-cientfico. Ao oferecerem produtos que prometem alvio ou melhora de estilo ou condio de vida, di-versos meios de comunicao, tais como a literatura e os progra-mas de televiso, estimulam a automedicao e funcionam como verdadeiros manuais de autoajuda, atendendo a uma crescente demanda de cuidado para cada sofrimento ao qual se pode estar submetido (ROSA, WINOGRAD, 2011).

Os estudos que envolvem frmacos, na atualidade, transi-tam do foco da farmacologia clnica para a farmacologia social, definida como a cincia que se preocupa com as interaes entre droga e meio ambiente (Mbongue et al., 2005b). Nesse sentido, Rosa e Winograd (2011) concordam que a medicamentalizao um fenmeno cultural amplo, que diz respeito s intersees en-tre droga, medicina e sociedade, e inclui a demanda dos pacientes por esse tipo de medicamento.

Mbongue et al. (2005a) propem o termo medicamen-talizao, para descrever o uso no mdico de produtos medi-cinais para tratar problemas ou situaes da vida, os quais no requeriam tratamento farmacolgico, como por exemplo, en-velhecimento, distrbios do sono, alimentares e perda da libido. Afirmam que o uso de medicamentos em nvel social parece estar induzido no s pela ocorrncia de doenas, mas, princi-palmente, pela disposio e apelo da indstria farmacutica e sua expanso para campos extracientficos.

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Os autores acrescentam, ainda, que esse consumo exacer-bado de medicamentos relaciona-se com a produo social hege-mnica e mercadolgica da sade, e que envolve diferentes ato-res, dentre os quais: mdicos, pacientes, indstria farmacutica e agncias reguladoras da sade.

De acordo com Amarante (2007), a medicamentalizao consequncia de outro fenmeno mais amplo: a medicalizao social. Esta se refere incorporao de aspectos sociais, econ-micos e existenciais da condio humana, tais como: sono, sexo, alimentao e emoes, sob domnio do medicalizvel, como o diagnstico, a teraputica, a cura, entre outros. O uso do medi-camento est inserido nesse mbito, e, quando se d de forma desnecessria, representa a medicamentalizao.

A literatura (SANTOS, 2009) aponta que o fenmeno da medicamentalizao torna-se mais evidente no campo da sade mental. Observa-se indicao abusiva de medicamentos para so-frimentos psquicos que, muitas vezes, esto relacionados a pro-blemas sociais e econmicos. Sendo assim, o que se constata nos servios de sade mental uma teraputica reduzida a psicotr-picos, com frgil comunicao entre profissionais e usurios, e pouco uso de tecnologias leves e leve-duras.

Entretanto, avanar no cuidado em sade mental remete reflexo crtica de vrios processos envolvidos na dinmica do cuidado e no trnsito dos diversos atores pelos caminhos do Siste-ma nico de Sade (SUS), mapeando-se os limites e os desafios, em busca da resolubilidade dos servios da rede de sade mental.

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1.3.4 O cuidado e os psicofrmacos como tratamento e suas conexes com as tecnologias de corresponsabilizao e auto-nomia

O tratamento dos transtornos mentais com psicofrmacos sintomtico e seu uso deve limitar-se ao imprescindvel, devendo sempre ponderar se a relao risco-benefcio potencial da droga justifica seu emprego e se outros recursos foram devidamente ex-plorados. Esses medicamentos no so panaceias, mas um recurso de primeira ordem em muitos casos, complementares em outros e, sem dvida, totalmente inteis em outros.

preciso conhec-los com sua eficcia seus riscos e efeitos indesejveis, assim como aos demais procedimentos teraputicos. A multicausalidade dos transtornos, a complexidade dos sinto-mas e a influncia das interaes psicossociais exigem que o trata-mento desses distrbios deve envolver intervenes farmacolgi-cas, psicoterpicas e psicossociais, no sentido de fazer parte de um plano mais amplo, no qual outros tipos de intervenes tambm sejam includas (BRASIL, 2000).

Nos dias atuais, patente o convvio com sofrimentos co-dificados em termos de uma nomeao prpria do discurso m-dico, que se socializa amplamente e passa a ordenar a relao do indivduo com sua subjetividade e seus sofrimentos. Abstrai-se, pois, os aspectos dos conflitos, da imprevisibilidade, da irreduti-bilidade e da inapreenso pertinentes subjetividade. So, ainda, inegveis, os efeitos positivos dos psicofrmacos. Porm, a rejei-o deve caber a um discurso que banaliza a existncia, naturaliza os sofrimentos e culpabiliza os indivduos por seus problemas e pelo cuidado de si (GUARIDO, 2007).

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Por outro lado, a corresponsabilizao uma parceria entre os sujeitos envolvidos no processo de cuidar em sade, para a melhoria da qualidade de vida da pessoa com transtorno mental. Esta parceria acontece de forma multilateral, levando em consi-derao as opinies e as possibilidades dos trabalhadores/usu-rios/famlia na composio do projeto teraputico.

Ressalta-se a importncia do contexto em que esses atores esto inseridos, pois, cuidar no s projetar, um projetar res-ponsabilizando-se; um projetar porque se responsabiliza (AYRES, 2004). H uma corresponsabilidade do indivduo e sujeitos cole-tivos no processo sade-doena.

Com efeito, a autonomia e corresponsabilizao so elemen-tos relevantes na relao entre as pessoas, quando se estabelece o cuidado, quer seja medicamentoso ou de relaes interpessoais entre o cuidador e o sujeito que cuidado. Na concepo do cuidado em que h predominncia do modelo clnico, centrado no mdico, os sujeitos no possuem o poder de decidir sobre seu tratamento, o que implica na ausncia de autonomia. Como diria Foucault (1979), os doentes tendem a perder o direito sobre o seu prprio corpo, o direito de viver, de estar doente, de se curar e morrer como quiserem e, por conseguinte, sua autonomia.

A concepo de assujeitamento do indivduo aos discursos sociais e ao inconsciente motivou Michel Foucault a anunciar a morte do sujeito. Foucault se referia ao fim de uma concepo da autonomia baseada na racionalidade individual. Ao mesmo tempo, ele apresenta um novo personagem: o sujeito poltico na ordem dos discursos (AFONSO, 2011). Nesses apontamentos

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est claro uma crtica expressiva acerca do modelo clnico e bio-mdico que sustenta o paradigma da sade na contemporanei-dade.

Segundo Afonso (2011) apud Barus-Michel (2008), buscar a autonomia significa lidar com a questo da sobredeterminao histrica, pois a autonomia est ligada capacidade do sujeito de produzir sentidos e de fazer escolhas dentro do contexto social.

A autotransformao da sociedade um fazer poltico, ao qual se d o nome de prxis: Chama-se prxis a este fazer no qual o outro ou os outros so visados como seres autnomos e considerados como o agente essencial do desenvolvimento de sua prpria autonomia Afonso (2011) apud Castoriadis (1982). A prxis no se confunde com um esquema de fins e meios ou pla-nejamento tcnico; tem a autonomia como princpio e visa ao desenvolvimento e ao exerccio dessa autonomia.

Segundo Jorge et al (2011), a construo da autonomia ocorre na medida em que os atores envolvidos conseguem lidar com suas prprias redes de dependncias, coproduo de si mes-mo e do contexto. Assim, a formao da atitude corresponsabi-lizada requisita o compromisso e o contrato mtuo, em prol de algum propsito.

A corresponsabilizao entre terapeuta/usurio/servio/fa-mlia objetiva minimizar os efeitos da doena mental e estimular a autonomia do usurio, com base nas suas condies sociais, econmicas e culturais, resgatando a sua cidadania, para a prpria reinsero na sociedade.

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Com efeito, posto que, respeitar a autonomia reconhecer que ao indivduo cabe possuir certos pontos de vista, sendo ele quem deve deliberar e tomar suas decises, elaborar seu prprio plano de vida e ao, embasado em crenas, aspiraes e valores prprios, mesmo que divirjam da sociedade. A autonomia dos usurios poderia ser bem mais extensa se houvesse uma real par-ticipao na vida familiar e comunitria (MOREIRA e ANDRA-DE, 2003).

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2.

CAMINHOS DA PESQUISA E SEUS PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

2.1 Natureza e Tipo de Pesquisa

O presente livro resultado da dissertao (mestrado) apre-sentada Universidade Estadual do Cear, Centro de Cincias da Sade, Programa de Mestrado Acadmico em Sade Pblica, em Fortaleza, 2013, 126 f. rea de Concentrao: Sade Coletiva. Ttulo: Uso de psicofrmacos na ateno psicossocial: sujeito, autonomia e corresponsabilizao. Autora: Indara Cavalcante Bezerra. Orientao: Profa. Dra. Maria Salete Bessa Jorge.

A metodologia pesquisa em questo de natureza qualitati-va, participativa, que busca a compreenso das experincias dos usurios, familiares e profissionais da sade mental, em relao ao uso de psicofrmacos, como forma de tratamento em situao de transtorno mental, tendo como direcionamento a autonomia e a corresponsabilizao no ato de cuidado relacionado ao tratamen-to psicofarmacolgico.

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Para tanto, tornou-se necessrio o uso de metodologias que abarquem experincias, sentido e significaes das intencionali-dades e das questes subjetivas inerentes aos atos, s atitudes, s relaes e s estruturas sociais. Tem-se, ainda, que este tipo de pesquisa, alm de aceitar os conceitos e as explicaes utilizadas na vida diria, realiza perguntas fundamentais e investigadoras, concernentes natureza dos fenmenos sociais. Um dos aspec-tos principais refere-se ao fato de que estuda as pessoas em seus ambientes naturais, e no em artificiais ou experimentais (POPE, MAYS, 2009).

Para Gadamer, compreenso , em princpio, entendimen-to; e compreender significa entenderem-se uns com os outros. A hermenutica a arte da compreenso e a necessidade de uma hermenutica aparece, pois, com o desaparecimento do compre-ender por si mesmo (MINAYO, 2008).

Classicamente, o termo hermenutica pode ser definido como a arte de interpretar. Na filosofia grega encontramos suas razes, uma vez que, etimologicamente, est ligado a Hermes, deus grego que traduzia as mensagens do Olimpo para os mor-tais. No decorrer do tempo, adquiriu um significado mais amplo, indicando, no mbito filosfico, diversas formas de teoria da in-terpretao, entre as quais o existencialismo, a fenomenologia e a prpria hermenutica, que constituem diversas formas de expres-so da filosofia continental (CAPRARA, 2003; AYRES, 2005).

Podem-se demarcar as tendncias da hermenutica em tor-no de, pelo menos, trs grupos, como a Teoria Hermenutica, Filosofia Hermenutica e Hermenutica Crtica (AYRES, 2005).

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A Teoria Hermenutica refere-se a uma srie de princpios e procedimentos metodolgicos para interpretao de obras no contemporneas. Essas regras organizavam-se em torno de trs grandes reas: interpretao de textos bblicos e jurdicos. Mais tarde o escopo da hermenutica ampliou-se, uma vez que ela passou de simples tcnicas interpretativas, para a condio de filosofia. Com Dilthey essa teoria passou a se constituir a base epistmica das cincias humanas, quando ele distingue a explica-o para as cincias da natureza e a compreenso para as cincias humanas (AYRES, 2005).

Desse modo, a Filosofia Hermenutica representou a ter-ceira ampliao no campo da hermenutica, e consistiu numa reflexo metadiscursiva sobre a compreenso que no s focaliza a obra humana, mas a prpria realidade humana. A Filosofia Her-menutica rompeu com o objetivismo da Teoria Hermenutica e expandiu-se para uma dimenso ontolgica, ou seja, compreen-der o prprio modo de ser humano (AYRES, 2005).

Caprara (2003) traz a ideia de que os filsofos que perten-cem a esta linha de pensamento dedicam-se compreenso da existncia humana, no do ponto de vista da observao, mas da reflexo filosfica. Nesse aspecto, o homem considerado no somente enquanto organismo biolgico, mas algo mais, com um contexto, subjetividades e singularidades prprias do homem.

Gadamer, em seus estudos da Filosofia Hermenutica, a con-siderava a como um movimento abrangente e universal do pensa-mento humano. mais ampla que a experincia cientfica e origi-na-se do processo de intersubjetividade e de objetivao humana.

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A compreenso contm a gnese da conscincia histrica, uma vez que significa a capacidade da pessoa humana de se co-locar no lugar do outro. Foi nesse sentido que o autor ampliou a concepo de hermenutica para alm da dimenso metodolgica, delineando-a como a explicao e descrio do ser humano em sua temporalidade e historicidade (AYRES, 2005; MINAYO, 2008).

O terceiro grupo que compe a tendncia hermenutica con-tempornea a da Hermenutica crtica. Esta, por sua vez, consi-dera a hermenutica como uma tarefa fundamental da compreen-so, mas leva em conta fatores extralingusticos para fundamentar a interpretao emancipatria efetiva. No contrape a Filosofia Hermenutica, mas aponta limites, como a centralidade na lin-guagem, acrescenta, pois, a esta, a perspectiva de ao dos sujeitos, colocando como objeto central a ao social (AYRES, 2005).

Na abordagem hermenutica ocorre o encontro entre o pas-sado e o futuro, mas a unidade temporal o presente, em que h tambm o encontro entre o diferente e a diversidade mediada pela linguagem que pode ser transparente ou compreensvel, permi-tindo chegar a um entendimento, nunca esgotado, ou intranspa-rente, levando a um impasse na comunicao (MINAYO, 2010).

Nesse estudo foi utilizada a concepo de hermenutica como a arte de compreender textos, com destaque para textos em referncia a entrevistas. Foi posta uma questo eminentemente filosfica que a compreenso do cuidado em sade mental re-lacionada ao uso de psicofrmacos. Esta questo induz a reflexo sobre a experincia dos sujeitos envolvidos no cuidado em sade mental, e em meio a essas questes, investigou-se a partir da her-menutica de experincia e prxis da vida.

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2.2 Cenrio da Pesquisa

A pesquisa foi realizada no municpio de Fortaleza-CE, e, para tanto, disponibilizam-se os principais dados sobre este mu-nicpio, informados pela Secretaria Municipal de Sade, no sen-tido de melhor descrever as caractersticas peculiares a este terri-trio social.

A cidade de Fortaleza iniciou seu desenvolvimento s mar-gens do Rio Paje. Sua localizao est no litoral norte do estado do Cear e limita-se: ao norte e ao leste, com o Oceano Atlntico e com os municpios de Eusbio e Aquiraz, respectivamente; ao sul, com os municpios de Pacatuba e Itaitinga, e a oeste, com os mu-nicpios de Caucaia e Maranguape. A cidade conta com a afluncia de 16 bacias hidrogrficas, sendo as mais importantes as dos rios Cear, Pacoti, Coc e Maranguapinho. Fortaleza contm, ainda, sete lagoas de mdio porte: Messejana, Parangaba, Maraponga, Mondubim, Opaia, Pajuara e Jaana (FORTALEZA, 2007).

O clima , predominantemente, equatorial e intertropical, favorecido por suave e constante brisa vinda do mar, o que pro-porciona uma temperatura mdia de 27C. As chuvas so mais frequentes nos meses de janeiro a julho, numa mdia anual de, aproximadamente, 1.600mm (FORTALEZA, 2007).

A economia de Fortaleza est concentrada no comrcio atuante e bem diversificado. O centro da cidade o local de re-ferncia para o terceiro setor, porm a cidade ainda conta com a estrutura de 10 shoppings centers que atendem aos consumidores de seus principais bairros. A produo industrial est basicamente centrada nos ramos de vesturio-calados (artefatos de tecidos,

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couros e peles), alimentos (extrao e beneficiamento), minerais no metlicos e produtos txteis (FORTALEZA, 2007).

A partir de 1995, o turismo despontou como atividade de extraordinrio crescimento. A demanda turstica via Fortaleza au-mentou, em mdia, no perodo de 1995 a 1999, 16,5% ao ano. A cidade de Fortaleza tem hoje, no Turismo, uma eficiente fonte de gerao de emprego e renda (FORTALEZA, 2007).

As manifestaes folclricas cearenses tm suas razes na miscigenao das crenas e costumes dos brancos e negros que chegaram aos primrdios da povoao, com os indgenas (nati-vos). As manifestaes folclricas cearenses mais conhecidas so: Bumba meu-boi ou Boi-Cear (cantos e danas de culto religio-so ao boi, de tradio luso-ibrica); Dana do Coco (originria dos negros, sendo que no litoral somente para homens e no serto danada aos pares); Torm (dana indgena originria dos Tremembs); Maracatu (de origem africana, consiste num cortejo danante e homenagem aos reis); e Violeiros, Cantado-res e Emboladores (manifestao musical, na maioria das vezes expressando crticas sociais. de origem tipicamente nordestina) (FORTALEZA, 2007).

Considerada a quinta maior cidade do pas, sua rea de 313,8 Km2 e sua populao, estimada pelo IBGE, de 2.505.554 habitantes em 2009 resulta uma densidade demogrfica em torno de 6.818 habitantes por Km2. Destes, 53,2% so do sexo femi-nino e 40,4% encontram-se na faixa etria de 0 a 19 anos; a populao com 60 anos e mais de idade corresponde a 7,48% do total (FORTALEZA, 2009).

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Em termos administrativos, o municpio de Fortaleza est dividido em seis Secretarias Executivas Regionais (SERs), que funcionam como instncias executoras das polticas pblicas mu-nicipais. Tm como competncia prestar servios municipais e executar, no mbito de suas respectivas jurisdies, as polticas pblicas definidas pelos rgos municipais, visando melhoria da qualidade de vida da populao de Fortaleza (Lei n 8608, de 26 de dezembro de 2001). Para tanto, cada SER dispe de um distrito de Sade, de Educao, de Meio Ambiente,* de Finanas, de Assistncia Social e Infraestrutura (FORTALEZA, 2009).

Figura 1: Diviso das Secretarias Executivas Regionais de Fortaleza-CE.

A Secretaria Executiva Regional IV (SER IV) possui uma rea territorial de 34.272 km, abrange 19 bairros e seu perfil socioeconmico caracterizado por servios, com uma das maio-

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res e mais antigas feiras livres da cidade. So bairros desta rea: So Jos Bonifcio, Benfica, Ftima, Jardim Amrica, Damas, Parreo, Bom Futuro, Vila Unio, Montese, Couto Fernandes, Pan Americano, Demcrito Rocha, Itaoca, Parangaba, Serrinha, Aeroporto, Itaperi, Dend e Vila Pery.

Sua populao de cerca de 305 mil habitantes, segundo censo do IBGE. A SER IV concentra 15 creches e 28 escolas de ensino infantil e fundamental. J a rede de sade formada por 12 unidades de atendimento bsico, alm de trs Centros de Ateno Psicossocial (CAPS) e um Centro de Atendimento Criana (CROA). A Regional possui ainda a segunda maior emergncia do Estado do Cear, o Frotinha da Parangaba, que realiza uma mdia de 16 mil atendimentos por ms.

Figura 2: Diviso dos bairros da Secretaria Executiva Regional IV em Fortaleza-CE.

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A Rede Assistencial de Sade Mental de Fortaleza compos-ta por 14 CAPS, sendo 06 CAPS Gerais, para tratar transtornos mentais, de um modo geral, em adultos, 06 CAPSad, direcio-nado a pessoas que apresentam uso ou abuso de lcool ou ou-tras drogas, e 02 CAPSi, que oferece tratamento de transtornos mentais a crianas e adolescentes; 01 Unidade de Sade Mental em Hospital Geral, com 30 leitos, com funcionamento at se-tembro/2009; 01 Residncia Teraputica; 02 Emergncias Psi-quitricas Especializadas, 09 Emergncias Clnicas em Hospitais Municipais, que esto iniciando atendimento s situaes de crise psictica e alteraes pelo uso ou abuso de lcool ou outras dro-gas; 01 ambulncia do Servio de Atendimento Mvel de Urgn-cia SAMU, especfica para sade mental. Este servio atendeu a 2.661 chamados, sendo 200 (8%) por suicdio; 612 (23%), por intoxicao exgena e 1.849 (69%) de ocorrncias psiquitricas de um modo geral (FORTALEZA, 2011).

O Ministrio da Sade (2012) determina a existncia de cinco tipos de CAPS diferentes, cada um para um pblico di-ferenciado (adultos, crianas/adolescentes e usurios de lcool e drogas) a depender do contingente populacional a ser coberto (pequeno, mdio e grande porte) e do perodo de funcionamento (diurno ou 24h).

Os CAPS gerais podem ser (I, II ou III) variando, de acor-do com a cobertura populacional e o horrio de funcionamento, da seguinte forma: CAPS I para cidades de pequeno porte, os quais devem dar cobertura para toda clientela com transtornos mentais severos durante o dia (adultos, crianas e adolescentes, e pessoas com problemas devido ao uso de lcool e outras drogas).

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Os CAPS II so servios para cidades de mdio porte e atendem durante o dia clientela adulta. Os CAPS III so servios 24h, geralmente disponveis em grandes cidades, que atendem clien-tela adulta.

Os CAPSi so destinados ao tratamento de crianas e ado-lescentes em sofrimento mental, em cidades de mdio porte, fun-cionando durante o dia e os CAPS ad atendem a pessoas com problemas pelo uso de lcool ou outras drogas, geralmente dispo-nveis em cidades de mdio porte.

Todos os tipos de CAPS so compostos por equipes multi-profissionais, com presena obrigatria de psiquiatra, enfermeiro, psiclogo e assistente social, aos quais se somam outros profis-sionais do campo da sade. A estrutura fsica dos CAPS deve ser compatvel com o acolhimento, desenvolvimento de atividades coletivas e individuais, realizao de oficinas de reabilitao e ou-tras atividades necessrias a cada caso em particular.

Em geral, esses servios configuram-se por realizar diversas atividades, dentre elas: atendimento individual; grupos terapu-ticos; apoio familiar; oficinas teraputicas; visitas domiciliares; acompanhamento clnico; orientaes pedaggicas e preventivas para a comunidade. Estas atividades so oferecidas regularmente, por uma equipe multidisciplinar, de acordo com a necessidade de cada indivduo.

Especificamente para desenvolvimento desta pesquisa, utili-zou-se como campo de investigao o Centro de Ateno Psicos-social Geral da Secretaria Executiva Regional (SER) IV, na cidade de Fortaleza. A escolha pelo referido cenrio se deu em virtude

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da SER IV ser conveniada ao Sistema Municipal de Sade Esco-la e, por isso, estar vinculada Universidade Estadual do Cear (UECE).

O CAPS Geral da SER IV funciona na Av. Borges de Melo, 201, no Bairro Montese. Fica situado numa avenida de grande movimentao, em frente ao prdio existe uma escola de ensino fundamental e outra de ensino mdio, local onde funciona tam-bm uma Unidade Bsica de Sade Figueiras Lima.

Nos arredores existe tambm uma loja de uma grande rede de supermercados, vrias linhas de nibus e o 23 batalho do Exercito Brasileiro. Localiza-se prximo Rodoviria de Forta-leza, cercado por vrios comrcios, caracterizando a facilidade de acesso por nibus e carro. Nas proximidades tambm existem casas humildes, em becos e vielas, mas o que mais se v so co-mrcios.

O prdio onde funciona o CAPS pequeno e com um as-pecto de mal cuidado, pintura velha, caladas quebradas, e com a identificao pouco visvel. Ao entrar, h uma recepo, com ca-deiras de plstico e duas recepcionistas, mas permanece o aspecto de abandono na pintura e piso do local.

Seguindo em frente h uma pequena sala da coordenao. H sempre pessoas na porta desta sala, esperando para falar com a coordenadora, pegar vale transporte, etc. Ao todo, so seis salas divididas em um pequeno espao, alm da sala da farmcia, onde as pessoas fazem fila para pegar a medicao. Esse local coberto e nele h bancos de madeira nos quais os usurios podem esperar as consultas.

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Existe tambm um salo onde ocorrem as atividades de ex-presso corporal, dana e atividade de pintura, cinema, etc. A cozinha pequena, mas comporta fogo, geladeira, uma mesa re-donda na qual os profissionais se renem para um caf. Ao lado, numa sala maior, h uma mesa retangular para servir as refeies dos pacientes intensivos e semi-intensivos.

Uma particularidade do servio, no momento em que se realizou esta pesquisa, foi o processo de transio da gesto da Prefeitura de Fortaleza. Com a entrada do novo prefeito, a coor-denao de sade mental mudou, resultando tambm em um corte de profissionais, especialmente queles que no tinham vn-culo de trabalho com a prefeitura.

Nos corredores dos servios comentava-se sobre a instabili-dade dos profissionais terceirizados, insegurana com o vnculo de trabalho e cortes de pessoal dos servios, tanto no nvel m-dio, como superior. Essa situao prejudicou o atendimento e esvaziou o servio naquele momento. Desse modo, optou-se por realizar a coleta das informaes apenas nos meses de agosto e se-tembro, perodo em que esta situao apresentava-se mais estvel.

2.3 Participantes da Pesquisa

Os participantes da pesquisa foram distribudos em trs gru-pos: Grupo I (profissionais do CAPS); Grupo II (usurios) e Gru-po III (familiares dos usurios). Conforme mostra o Quadro I.

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Quadro I Distribuio dos participantes do estudo.

GRUPO REPRESENTAO N DE SUjEITOSI Profissionais do CAPS 5

II Usurios 10

III Familiares de usurios do servio 9

Total 24

Para compor cada grupo de participantes foram considera-dos os seguintes critrios de incluso: (Grupo I) Profissionais do CAPS com tempo de atuao na instituio de, pelo menos, um ano na composio da equipe do servio; (Grupo II): Adultos (com idade acima de 18 anos); usurios do CAPS Geral, com vinculao ao servio, no mnimo, de seis meses, em uso de psico-frmacos; e em condies de se comunicar verbalmente; (Grupo III): cuidadores dos seus parentes, compondo a famlia nuclear ou famlia extensa, realizando acompanhamento sistemtico aos servios do CAPS com o usurio que esteja em uso de psico-frmacos h, pelo menos, seis meses. Todos os participantes ex-pressaram o consentimento em participar do estudo, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os participantes da pesquisa caracterizaram-se da seguinte forma: os usurios totalizaram 10, sendo 1 homem e 9 mulheres; dentre os 9 familiares entrevistados, 7 eram mulheres, sendo 3 ir-ms, 3 mes e 1 tia; e 2 eram homens, sendo 1 pai e 1 cnjuge. Os 5 profissionais que participaram das entrevistas distriburam-se da seguinte forma: 1 farmacutica, 1 mdica psiquiatra, 1 psic-loga, 1 terapeuta ocupacional, 1 enfermeira e 1 assistente social.

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Os grupos focais foram mediados, ora pela terapeuta ocupa-cional do servio, ora pela psicloga do CAPS, e facilitados pela pesquisadora. O perfil dos participantes era de familiares do gru-po de famlia que acontecia, sistematicamente, no servio, com a caracterstica de ser um grupo aberto, em que h variao das pessoas e ocorre independente da quantidade de participantes.

A amostra na pesquisa qualitativa significa o resultado de operaes para construir o corpus emprico do estudo. enten-dida como processo dinmico, contextualizado e no generali-zvel, que poder incluir o convite aos participantes do estudo, sendo estes, intencionalmente, selecionados. Cada participante ou grupo destes foi selecionado, cuidadosa e intencionalmente, por sua capacidade de fornecer informaes acerca do objeto de investigao.

Portanto, o tamanho final da amostra no foi predefinido, j que a importncia recai sobre a riqueza de dados fornecidos pelos participantes cuja incorporao interativamente pesquisa dar-se- de acordo com as informaes que surgirem no campo (MARTNEZ-SALGADO, 2012).

O fechamento da amostra foi baseado nos critrios de sa-turao emprica, pela qual o pesquisador interrompeu a cole-ta de informaes quando julgou que as ltimas entrevistas no trouxeram informaes suficientemente novas e diferentes, para justificar uma ampliao do material emprico.

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2.4 Tcnicas e instrumentos de coleta de informaes

As tcnicas de coleta das informaes foram: a entrevista semiestruturada, a observao sistemtica e o grupo focal.

Desse modo, a estruturao prvia da entrevista que carac-teriza a entrevista semiestruturada parte de questionamentos e reflexes baseados em teorias e/ou hipteses anteriormente for-muladas e at mesmo no processo de aplicao do instrumento, do qual decorrer o aumento da amplitude investigativa (TRIVI-NOS, 1992).

Nesse sentido, compreende-se que a estruturao necess-ria a todo tipo de entrevista, o que permite uma compreenso de certa flexibilidade na direo do processo, dando ao informante um espao maior de contribuio (TURATO, 2003).

Neste estudo foram aplicadas entrevistas com roteiros pre-viamente estruturados, para usurios (Apndice B); para os fami-liares (Apndice C); e para os profissionais (Apndice D).

Ao descrever sobre a entrevista semiestruturada, Minayo (2008, p.191) considera importante a elaborao de um roteiro que deve desdobrar os vrios indicadores considerados essenciais e suficientes em tpicos que contemplem a abrangncia das in-formaes esperadas. Considerando o discurso do sujeito, o pes-quisador pode pedir-lhe mais detalhes sobre algo que no ficou claro ou que os significados e sentidos no parecem explcitos (TURATO, 2003).

Aos participantes foi solicitada a gravao das entrevistas e dos desdobramentos dos grupos, a qual foi armazenada, na nte-gra, em arquivos digitais de udio, com autorizao prvia dos

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entrevistados, que podero dispor do material caso desejem mo-dificar ou acrescentar questes relativas ao seu depoimento.

Turato (2003) enfatiza que no somente as variaes da fala de-vem ser consideradas, como por exemplo, uma voz embargada, um vacilo no momento de pronunci-la ou um ato falho, mas o pesqui-sador deve tambm observar a linguagem corporal. Isto , o apertar as mos, o sentar na ponta da cadeira, enfim, as expresses faciais, gesticulaes e postura fsica. Assim, com essa tcnica complementar, obteve-se dados para uma anlise mais completa das informaes.

A observao sistemtica realizada para possibilitar o con-fronto com os dados apreendidos entre a representao (fala/depoimento) e a prtica concreta no servio de sade mental. Essa tcnica aconteceu durante todo o percurso metodolgico do estudo, para a qual foi confeccionado um dirio de campo (Ane-xo IV) que descreve a rotina e o cuidado, pautados na relao profissional, usurio e familiar.

Outra tcnica utilizada no estudo foi o grupo focal (Apndi-ce A). Trata-se de uma tcnica privilegiada de coleta de informa-es para as cincias sociais, a qual oferece a possibilidade da fala ser reveladora de condies estruturais, de sistemas de valores, normas e smbolos e, ao mesmo tempo, ter a magia de transmitir, atravs de um porta-voz, as representaes de grupos determina-dos, em condies histricas, socioeconmicas e culturais espec-ficas (MINAYO,1999).

Para Minayo et al. (2005), a tcnica de grupo focal bastan-te utilizada nas pesquisas de avaliao, de forma combinada com entrevistas ou exclusivamente. Os princpios de definio amos-

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tral se baseiam na busca de aprofundamento e compreenso de um grupo social, de uma organizao. A partir desses princpios, o foco se volta para questes acerca de quais sero os grupos, a quem e o qu observar.

O temrio de Grupo Focal (Apndice A) serviu para nortear e propiciar o desenvolvimento de questes pertinentes pesquisa. Os grupos continham familiares e profissionais, de acordo com a configurao do servio, e na ausncia de alguns desses atores ou para possibilitar a compreenso das experincias relacionadas tomada da medicao, como tratamento e suas conexes com a equipe de sade mental, e para complementao de informaes necessrias ao entendimento do objeto de investigao.

O Quadro II sistematiza as tcnicas de coleta de dados rela-cionados aos objetivos da investigao.

Quadro II Objetivos do Estudo e tcnicas de coleta de Informaes

ObjETIVOSTCNICAS DE

COLETA DE INFORMAES

EspecficosDiscutir o uso de psicofrmacos no Centro de Ateno Psicossocial, ressaltando a autonomia e a corresponsabilizao de usurios, seus familiares e profissionais, no processo de cuidado.

Entrevista semiestruturada

Observao sistemtica

Entrevista semiestruturada

Observao sistemtica

Grupo Focal

Analisar a gesto da medicao de usurios do Centro de Ateno Psicossocial na relao usurio-famlia-equipe.

GeralCompreender as experincias de usurios, famlia e equipe de sade do Centro de Ateno Psicossocial, no processo de construo de autonomia do usurio no seu processo de cuidado psicossocial.

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2.5 Questes ticas

O projeto da presente dissertao obteve aprovao atravs do parecer consubstanciado do CEP da Plataforma Brasil, sob nmero 387.111 (Anexo III), alm do parecer recomendando a coparticipao da Secretaria Municipal de Sade de Fortaleza, no estudo (Anexo I).

Foi elaborado o Termo de Consentimento Livre e Escla-recido, conforme resoluo 196/96 do CNS, para os usurios (apndice E), para familiares (Apndice F) e para os profissionais (Apndice G) e seguiu-se s captaes do material emprico aps o consentimento de todos os participantes do estudo. Portan-to, os sujeitos tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que foi assinado, autorizando a participao na pesquisa, atendendo aos princpios ticos, conforme Resoluo 196/96 do Conselho Nacional de Sade (Brasil, 2000).

Aps autorizao, as entrevistas foram gravadas e, posterior-mente, transcritas. Foi garantido o anonimato dos informantes; as-sim, os trechos dos discursos utilizados para ilustrar a anlise foram identificados da seguinte forma: profissionais (Profissionais 1 ao 5), usurios (Usurios 1 ao 10) e os familiares (Familiar 1 ao 9).

2.6 Plano de anlise das informaes

O estudo se delineou tradio da hermenutica filosfica, na perspectiva de Hans-Georg Gadamer. Esta opo permitiu a reflexo sobre toda a experincia humana no cuidado em sade

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mental, e, dessa forma, investigou-se a partir da questo herme-nutica de experincia e prxis da vida.

Para organizao das informaes, seguiram-se trs etapas estabelecidas por Minayo (1999) e retraduzidas por Assis e Jor-ge (2010): ordenao, classificao e anlise final dos dados, que inclui classificao das falas dos entrevistados, componentes das categorias empricas, snteses horizontal e vertical, e confronto entre as informaes, agrupando as ideias convergentes, diver-gentes e complementares.

A anlise final foi orientada pela Anlise de Contedo, com base em Minayo (2008). A autora enfatiza que entre as possibi-lidades de categorizao no campo da sade, a mais utilizada a anlise de contedo temtica, consistindo em isolar temas de um texto e extrair as partes utilizveis, de acordo com o tema pesqui-sado, para permitir comparao com outros textos escolhidos da mesma maneira.

A anlise de contedo temtica consiste em descobrir n-cleos de sentido, que conformam comunicao advinda do ma-terial emprico, recortada pelo sentido do texto e no da forma, dando significado s dimenses analticas propostas para o estu-do. Operacionalmente, a anlise de temtica desdobra-se em trs etapas, conforme aponta Minayo (2008): pr-anlise, explorao do material e tratamento dos resultados obtidos, e interpretao.

O primeiro momento da pr-anlise consiste na leitura inicial do contedo das entrevistas e na retomada de hipteses iniciais e dos objetivos da pesquisa. Esta etapa pode ser composta das tarefas: leitura flutuante, constituio do corpus, formulao e reformulao de hipteses e objetivos.

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A leitura flutuante dos textos contidos nas entrevistas con-siste em tomar contato com o contedo, de forma exaustiva, rela-cionado com os objetivos e hipteses da pesquisa. A constituio do corpus deve responder a algumas normas de qualidade quali-tativa, como a exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinncia.

A formulao e reformulao de hipteses e objetivos con-sistem na retomada da etapa exploratria, tendo como parme-tro a leitura exaustiva do material e as indagaes iniciais. Nesta fase pr-analtica, determina-se a unidade de registro, unidade de contexto, os recortes, a forma de categorizao, a modalidade de codificao e os conceitos tericos mais gerais.

A segunda etapa consiste na explorao do material numa, operao classificatria que visa a alcanar o ncleo de compreen-so do texto. Para isso o investigador busca encontrar categorias que so expresses ou palavras significativas, em funo das quais o contedo de uma fala ser organizado. Possibilita-se a visuali-zao das ideias centrais sobre o tema em foco, representado em ncleos de sentido (o que d sentido s representaes das falas ou outras formas de expresso, relacionadas ao objeto de estudo).

A terceira etapa refere-se ao tratamento dos resultados ob-tidos e interpretao. Consiste em colocar em relevo as informa-es obtidas e, a partir da, fazer inferncias e interpretaes, ar-ticulando-as com a fundamentao terica do estudo delimitado inicialmente ou possibilita a existncia de outras pistas, em torno de novas dimenses tericas e interpretativas, que surgem a partir do aprofundamento na leitura do material.

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As temticas desenvolvidas na anlise emergiram das uni-dades de significao ressaltadas do texto, as quais se destacam como: TEMTICA 1: O cuidado dispensado ao usurio no Centro de Ateno Psicossocial: da medicamentalizao cor-responsabilizao das aes; TEMTICA 2: A gesto da medica-o: desconhecimento e protagonismo da famlia; TEMTICA 3: Construo de autonomia do sujeito no processo de cuidado: (des) institucionalizao e (des) articulao da rede assistencial.

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3.

DO TERICO AO EMPRICO: DESCObERTAS

3.1 Cuidado dispensado ao usurio no Centro de Aten-o Psicossocial: da medicamentalizao corresponsa-bilizao das aes

Na contemporaneidade, os problemas sociais eclodem a cada instante e as estratgias para o enfrentamento resolutivo e eficaz so cada vez mais escassas. Diante desse cenrio, surge a necessidade de abordagens mltiplas para minimizar estes conflitos individuais e coletivos que desguam na coletividade, sob a forma de constru-tos, tais como: estresse, adoecimento psquico, entre outros.

As abordagens psicossociais enfatizam uma dimenso hist-rico-social na determinao do processo sade doena, estas vo se concretizando e buscando efetivao a partir da organizao da rede de servios de sade. No entanto, possvel reconhecer as tenses nas portas de entrada dos servios e nas emergncias dos grandes e mdios centros urbanos, no somente por falta de im-plicao dos profissionais, mas tambm pela escassez de recursos pblicos, pela utilizao inadequada dos recursos disponveis e

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por polticas de financiamento verticalizadas, que no contem-plam as necessidades da populao.

Este tambm o cenrio do cuidado operado nos Centros de Ateno Psicossocial (CAPS). As convergncias na oferta de ser-vios para os usurios incluem um atendimento organizado por fluxos referenciados, relaes assistenciais focadas na abordagem multiprofissional em sade e nfase na medicao psicotrpica.

Nesse contexto, o sujeito-usurio se perde no espao ofer-tado pela clnica tradicional e hegemnica, restringindo a (des) construo de autonomia das abordagens teraputicas operadas no CAPS. Concomitantemente, o usurio respalda uma prtica prescritiva e medicamentalizante pela intencionalidade no cui-dado recebido. A permanncia do tratamento incide na garan-tia do repasse de medicamentos e na sua utilizao contnua. Tal consumo requerido como nico horizonte resolutivo para seus problemas de sade (TESSER, 2006).

Sabe-se que a remisso de problemas psquicos envolve a relao dada a partir da entrada do usurio nas unidades de sade em que, muitas vezes, a dor e o sofrimento carecem de aborda-gens mais sensveis ao formato e consistncia destes enfrentamen-tos cotidianos (ONOCKO-CAMPOS, 2001).

No entanto, o consumo de medicamentos, principalmente psicofrmacos de uso controlado, observado no dia a dia dos usurios. A medicao torna-se um instrumento eficiente para a sensao de alvio e sentimento de cura. O significado da utili-zao dos medicamentos fica remetido ao equilbrio no processo sade-doena mental (TESSER, 2006; AMARANTE, 2007).

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Nesse sentido, o cuidado no cotidiano dos servios associa a dimenso medicalizada da ateno em sade mental na vida dos usurios e tambm a fragmentao da assistncia numa parciali-dade de tarefas por ncleos profissionais, ou seja, a fragmentao pela especializao. A regncia do saber biomdico opera uma casustica ao adoecimento psquico que interpe diferentes com-posies teraputicas entre o ato mdico e as aes multidiscipli-nares em equipe.

Dentre as experincias dos usurios com relao ao servio, retoma-se discusso sobre acesso, no s instituio CAPS, mas ao mdico e medicao, na qual os usurios atribuem o cui-dado realizao da consulta e ao recebimento do medicamento. Quando questionados sobre a satisfao em relao ao servio do CAPS, seguiram os discursos:

T faltando o especialista e os remdios que agora faltou por trs meses. (Usurio 10 CAPS)T (satisfeita), , queria que tivesse neurologista que aqui no tem. (Usurio 9 CAPS)Acho que deveria melhorar um pouco mais... As consultas mais rpidas e que no fosse to demorada. (Usurio 7 CAPS)

O acesso aos servios de sade pode ser compreendido como o processo de busca e obteno de assistncia sade, alm do impacto da insero dos usurios nos servios e recebimento de cuidados subsequentes. Nesse processo possvel analisar a disponibilidade de recursos e a capacidade da rede de produzir servios que sejam resolutivos s necessidades de sade da popu-lao (ASSIS et al., 2010).

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O fluxo assistencial em sade mental limita-se estrutu-ra do servio do CAPS, explorando, minimamente, os recursos comunitrios e familiares. A comunicao, nesse processo, deficiente, prejudicando a corresponsabilizao dos envolvidos, equipe/usurio/famlia, no processo de cuidado psicossocial. O itinerrio teraputico do usurio desconhecido pela equipe e a famlia pouco empoderada, o que descreve um cenrio marcado pela insuficiente autonomia na gesto da prpria vida do usurio, diante do delineado pela proposio psicossocial.

Especialmente no que abrange a corresponsabilizao, des-creve-se que esta entendida como um processo contratual entre profissionais de sade/usurio/famlia. A formao de um com-promisso e de um contrato evita dissonncias entre os envolvidos e assegura a possibilidade de convivncia e de se trabalhar em prol de algum propsito (CAMPOS, 2007). Essa contratualidade deve existir desde a construo do diagnstico mapa de vulne-rabilidade, ao projeto teraputico, buscando uma interao satis-fatria entre os envolvidos no processo de cuidado (CAMPOS; AMARAL, 2007).

No campo emprico, foi possvel evidenciar que o atendi-mento de sade mental no CAPS est muito centrado na prescri-o de medicamentos, correspondendo manuteno da conduta teraputica para o