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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ UECE GLÓRIA MARIA VASCONCELOS GOES FUNDAMENTOS, PRINCÍPIOS E OBJETIVOS DE UMA POLÍTICA DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL: PROJETO JUVENTUDE EMPREENDEDORA FORTALEZA CEARÁ 2011

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE

GLÓRIA MARIA VASCONCELOS GOES

FUNDAMENTOS, PRINCÍPIOS E OBJETIVOS DE UMA POLÍTICA

DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL: PROJETO JUVENTUDE

EMPREENDEDORA

FORTALEZA – CEARÁ

2011

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GLÓRIA MARIA VASCONCELOS GOES

FUNDAMENTOS, PRINCÍPIOS E OBJETIVOS DE UMA POLÍTICA DE

QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL: PROJETO JUVENTUDE

EMPREENDEDORA

Dissertação apresentada ao Programa de

Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e

Sociedade do Centro de Estudos Aplicados da

Universidade Estadual do Ceará, como

requisito parcial para a obtenção do grau

(mestre) em Políticas Públicas.

Área de concentração: Políticas Públicas

Orientadora: Profª. Drª. Francisca Rejane

Bezerra Andrade

FORTALEZA-CEARÁ

2011

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G598f Goes, Glória Maria Vasconcelos Fundamentos, princípios e objetivos de uma

política de qualificação profissional: projeto juventude empreendedora / Glória Maria Vasconcelos Goes. — Fortaleza, 2011.

191 p.:il.

Orientadora: Profª. Drª. Francisca Rejane Bezerra Andrade.

Dissertação (Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados.

1. Qualificação profissional. 2. Empreendedorismo. 3. Juventude Empreendedora. I. Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Aplicados.

CDD: 320.6

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GLÓRIA MARIA VASCONCELOS GOES

FUNDAMENTOS, PRINCÍPIOS E OBJETIVOS DE UMA POLÍTICA DE

QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL: PROJETO JUVENTUDE

EMPREENDEDORA

Dissertação apresentada ao Programa de

Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e

Sociedade do Centro de Estudos Aplicados da

Universidade Estadual do Ceará, como

requisito parcial para a obtenção do grau

(mestre) em Políticas Públicas.

Área de concentração: Políticas Publicas

Aprovada em ----/-----/-------

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________

Profª. Drª. Francisca Rejane Bezerra Andrade (orientadora)

Universidade Estadual do Ceará – UECE

_______________________________________________________________

Profª. Drª. Antônia Rozimar Machado e Rocha

Universidade Estadual do Ceará – UECE

_____________________________________________________________

Prof. Dra. Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos

Universidade Federal do Ceará - UFC

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A meu esposo Gerval, pelo apoio,

compreensão e amor, ingredientes

indispensáveis nos diferentes momentos de

minha vida.

Aos meus amados filhos Gérsica e George,

presenças constantes que vêm fortalecendo

minha caminhada.

À minha mãe, pelas orações que iluminam meu

caminho.

À minha irmã Lêda, que, com sua dedicação e

envolvimento, sempre me incentivou a buscar

novos rumos.

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AGRADECIMENTOS

À professora Dra. Francisca Rejane Bezerra Andrade, pela sua orientação,

contribuição teórica, sobretudo à autonomia que me dispensou, revelando a

confiança indispensável na relação orientador/orientando.

À professora e querida irmã Lêda Vasconcelos Carvalho, pelas valiosas

sugestões para o desenvolvimento deste trabalho. Obrigada por tudo.

Aos professores Dra. Antônia Rozimar Machado e Rocha, Dra. Geórgia Patrícia

Guimarães dos Santos e Dr. José Deribaldo Gomes dos Santos pelas

contribuições importantes oferecidas para este trabalho.

Aos professores e às professoras do Curso de Mestrado em Políticas Públicas

por terem proporcionado a ampliação dos meus conhecimentos.

Aos colegas do Curso, por terem partilhado conhecimentos, inquietações e

experiências profissionais nos debates em sala de aula, momentos ímpares,

que contribuíram para minha formação.

Aos meus amigos Luciana Franklin e Ivanildo Almeida, pelo apoio

imprescindível durante a execução do Projeto Juventude Empreendedora.

Muito obrigada!

Aos técnicos da Educação Profissional do Instituto de Desenvolvimento do

Trabalho (IDT), pelo envolvimento e compromisso na consecução do Projeto

Juventude Empreendedora, buscando criar alternativas para superar as

dificuldades de um projeto dessa envergadura.

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RESUMO

Nas últimas décadas, tem se tornado comum o discurso que enfatiza estarmos vivendo mudanças paradigmáticas em todas as dimensões da vida econômica e social. Esse contexto histórico estaria a exigir um novo tipo de trabalhador com capacidades e habilidades que o tornem apto a ser incluído no setor de produção cada vez mais competitivo. A retórica difundida é que estaríamos vivendo situações irreversíveis no mundo do trabalho, no qual os novos padrões de acumulação demandam novas ocupações, novas qualificações, novas formas de gestão da produção e do trabalho e, com efeito, um novo tipo de trabalhador, com novas competências e habilidades que o tornariam empregável. É nesse cenário que emergem programas e projetos governamentais com ênfase no empreendedorismo, visando minimizar o quadro de desemprego na perspectiva da inclusão social. Este estudo busca analisar os fundamentos e objetivos que orientam a política de qualificação profissional centrados no empreendedorismo da juventude vulnerável social e economicamente. O foco específico de análise é o projeto Juventude Empreendedora (JUVEMP), do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT), executado com recursos da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) do Estado do Ceará. Utilizamo-nos das pesquisas bibliográfica e documental tais como: Plano Nacional de Qualificação (PNQ), Plano Territorial de Qualificação (PlanTeq), destacando as contribuições teóricas que embasam os autores que abordam a temática do empreendedorismo como: Dornelas (2005), Dolabela (2006), Oliveira ( 2008), Drucker (1993), Minarelli (1995), assim como de autores que realizam uma análise crítica destes postulados como: Antunes (2002), Saviani (2008), Frigotto (1999), dentre outros autores, contribuindo para a explicitação do discurso ideológico contido na política de qualificação no viés do empreendedorismo. Com base na análise dos dados, identificamos que a proposta de qualificação profissional focalizada no empreendedorismo, na qual se insere o JUVEMP, não consegue incluir a juventude desfavorecida socioeconomicamente e, como conseqüência, torna-se inviável para ser disseminada para os trabalhadores excluídos do sistema capitalista em face do desemprego estrutural, integrando um arsenal ideológico para responsabilizar o trabalhador e seus filhos pela sua exclusão dos benefícios sociais e econômicos

alcançados pela sociedade moderna, dentre os quais o emprego.

PALAVRAS-CHAVE: Qualificação profissional. Empreendedorismo. Juventude

Empreendedora.

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ABSTRACT

It has becoming ordinary during the last decades the speech that emphasizes the paradigmatic changings in every dimension of social and economic life. This historical context would demand a new kind of worker with capacities and habilities that become able to be include in the production sector even more competitive. The rhetoric widespread is that we would be living irreversible situations in the work field, where the new standard of accumulation demand new occupations, new qualifications, new ways of management of production and working and, as effect, a new way of worker with news skills and habilities and become them employable. In this scenery that emerge governmental programs and projects with emphasis on entrepreneurship, attempting minimize the unemployment framework from the perspective of social inclusion. This study attempts to analyze the Fundamentals that leads the politicals and projects of professional qualification focused on Entrepreneurship of Social and Economical Vulnerable Youth. The analysis specific focus is the Project Enterprising Youth – (JUVEMP) from Development Institute of Working (IDT), executed with resources from Board of Working and Social Development(STDS), a governmental institution from Ceará. It was based on the bibliographic and documental researches from: Nacional Qualification Plan (PNQ), Territorial Qualification Plan (PlanTeq), highlighting the theorical contribution for the explicitness of ideological speech contained in the qualification policy based on entrepreneurship in authors for example: Dornelas (2005), Dolabela (2006), Oliveira (2008), Drucker (1993), Minarelli (1995), and also in authors who made a critical analysis on this postulates as: Antunes (2002), Saviani (2008), Frigotto (1999), and others authors, helping the explanation of ideological restrained on qualification political on vies of entrepreneurship. Through the analysis from the datas were identified that the professional qualification proposal focused on entrepreneurship, which JUVEMP is based o n can´t include the disadvantaged social economic youth and as consequence it becomes impracticable for being spreads to excluded workers from capitalist system outstanding the structural unemployment, incorporating an ideological arsenal to blame the workers and their children for their exclusion from social and economical benefits achieved by modern society, which

includes the job.

KEY-WORDS: Professional qualification. Entrepreneurship. Enterprising Youth.

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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1

Aspirações profissionais dos jovens do Projeto Juventude Empreendedora em curto prazo

174

GRÁFICO 2 Aspirações profissionais dos jovens do Projeto Juventude Empreendedora em longo prazo

174

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LISTA DE ABREVIATURAS

APL - Arranjo Produtivo Local

BM – Banco Mundial

BNB – Banco do Nordeste do Brasil

CADUNICO – Cadastro Único

CAV - Círculo de Aprendizagem Vivencial

CBO - Catálogo Brasileiro de Profissões

CENTEC - Instituto Centro de Ensino Tecnológico

CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

CCQ - Círculos de Controle de Qualidade

CNE - Conselho Nacional de Educação

CODEFAT - Conselho Deliberativo do Fundo do Amparo ao Trabalhador

FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador

IDT - Instituto de Desenvolvimento do Trabalho

ITA - Instituto Tecnológico da Aeronáutica

JUVEMP – Juventude Empreendedora

LA - Liberdade Assistida

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEI - Microempreendedor Individual

MTE - Ministério do Trabalho e Emprego

OIT- Organização Internacional do Trabalho

ONG – Organização Não Governamental

OP - Orientação Profissional

OS – Organização Social

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio

PEA – População Economicamente Ativa

PED - Emprego e Desemprego no Brasil

PLANFOR - Plano de Qualificação

PLANTEQ - Plano Territorial de Qualificação

PPA - Planos Plurianuais

PNQ - Programa Nacional de Qualificação Profissional

PROJOVEM – Programa Nacional de Inclusão dos Jovens

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QSP - Qualificação Social e Profissional

SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SINE – Sistema Nacional de Emprego

SPETR - Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda

STDS - Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................

13

1 EMPREENDEDORISMO: FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ...........................................................................

30

1.1 ―A sociedade do conhecimento‖.........................................................

30

1.2 Do individualismo capitalista ao individualismo ―pós-capitalista‖: faces da mesma moeda.....................................................................

69

1.3 O desemprego juvenil num contexto de ressignificação do mundo do trabalho..........................................................................................

77

2 QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL PARA O EMPREENDEDORISMO: FORMANDO PARA OS NOVOS TEMPOS ............................................................................................

83

2.1 Educação para a competência na ―nova‖ paisagem capitalista.........

83

2.2 Os Princípios e Diretrizes do Plano Nacional de Qualificação – PNQ....................................................................................................

106

2.3 Educação Profissional: diferentes propostas para diferentes sujeitos................................................................................................

123

3 PROJETO JUVENTUDE EMPREENDEDORA: CONTRADIÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS E A REALIDADE SÓCIO-HISTÓRICA OBJETIVA.....................................................................

133

3.1 O Projeto JUVEMP.............................................................................

134

3.2 Projeto Juventude Empreendedora: desenvolvendo as competências atitudinais do indivíduo do século XXI........................

137

3.3 Competências empreendedoras para o bem-estar coletivo: empreendedorismo social..................................................................

147

3.4 Competências empreendedoras: formando o empreendedor de negócios.............................................................................................

157

3.5 As aspirações profissionais dos jovens do JUVEMP......................... 172

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................

180

REFERÊNCIAS....................................................................................

186

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INTRODUÇÃO

Na contemporaneidade, tem se tornado comum o discurso de que,

para alcançar os benefícios conquistados pela chamada ―sociedade do

conhecimento,‖ faz-se necessário um novo tipo de trabalhador com

capacidades e habilidades que o tornem apto a ser incluído no setor de

produção cada vez mais competitivo. A retórica difundida é a de que

estaríamos vivendo situações irreversíveis no mundo do trabalho, em que os

novos padrões de acumulação têm exigido novas ocupações, novas

qualificações, novas formas de gestão da produção e do trabalho e, como

efeito, um novo tipo de trabalhador com novas competências e habilidades.

Podemos indagar: como então incluir os milhões de excluídos do

sistema produtivo em face dessas exigências e da redução de vagas no mundo

da produção?

É nesse cenário que, nos últimos anos, as diversas esferas de

governo têm lançado um conjunto de políticas e projetos que estariam visando

minimizar o quadro de desemprego na perspectiva da inclusão social. De

acordo com o Programa Nacional de Qualificação Profissional (PNQ),

gerenciado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE):

A política pública de qualificação desenvolvida no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, promove gradativamente a universalização do direito dos trabalhadores à qualificação, com vistas a contribuir para o aumento da probabilidade de obtenção de emprego e trabalho decente e da participação em processos de geração de oportunidades de trabalho e renda, inclusão social, redução da pobreza, combate à descriminação e diminuição da vulnerabilidade das populações (BRASIL, 2010).

1

O Empreendedorismo condiz com essa política geral de qualificação

desenvolvida pelo PNQ, quando pretende contribuir para a inserção dos jovens

no mercado de trabalho, preparando-os para formar ―futuros empresários‖, que,

segundo Dolabela, constituem ―gente capaz de transformar sonhos em

realidade e desempenhar o papel de motor da economia–própria e do país‖

(2006, p. 28). Desta forma, em sintonia com o PNQ, a qualificação de jovens

1 Disponível no endereço eletrônico: < http://www.mte.gov.br/pnq/default.asp> acessado em 01/08/2010.

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empreendedores contribuirá para o aumento da ―probabilidade‖ de obtenção de

emprego ou geração de trabalho e renda.

Nosso objeto de estudo são os fundamentos, princípios e objetivos

que orientam as políticas de qualificação profissional centrados no

Empreendedorismo da juventude vulnerável social e economicamente. O foco

específico de análise é o projeto Juventude Empreendedora (JUVEMP), do

Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT), executado com recursos da

Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) do estado do Ceará.

Nesse sentido, é implementado no Ceará, através do IDT, o Projeto

JUVEMP, cujo conteúdo programático pretende propiciar um amplo leque de

possibilidades de inserção no mundo do trabalho, como o empreendedorismo

de negócio individual/coletivo, social e corporativo2.

O problema que se coloca imediatamente é: quais os fundamentos

que orientam as políticas públicas de qualificação para o empreendedorismo?

Posto de outra forma: em que medida os princípios e objetivos basilares das

políticas focalizadas no empreendedorismo favorecem a ―inclusão social‖ no

mundo do trabalho de jovens desfavorecidos social e economicamente?

Um dos problemas evidenciados na história das políticas públicas

estatais no Brasil é a distância entre os objetivos proclamados e as ações

efetivamente implementadas. Em geral, esses projetos não são acompanhados

de uma política que assegure a sua continuidade.3 No caso particular da

qualificação profissional da juventude, entendemos que se faz necessária a

articulação desses projetos com políticas públicas mais amplas que assegurem

emprego e renda.

2 Empreendedorismo de negócios implica a criação de negócios individual/coletivo. Como exemplo de

empreendedorismo coletivo tem-se o cooperativismo, os consórcios e Arranjos Produtivos Locais – APLs. Empreendedorismo social: empreendimentos e ações que buscam tentar resolver problemas da comunidade de forma emergencial. Estão nesse rol ações filantrópicas, ações voluntárias desenvolvidas pelas associações comunitárias, ONGs e, finalmente, o empreendedorismo corporativo ou intra-empreendedorismo que corresponde ao empregado empreendedor, inovador, criativo no âmbito interno das organizações (DOLABELA, 2006).

3 Merece destaque a falta de continuidade das ações públicas estatais por ocasião das mudanças de

governo.

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O objetivo deste estudo é analisar os fundamentos teórico-

metodológicos basilares das políticas de qualificação profissional focalizadas

no empreendedorismo, particularmente o Projeto JUVEMP. De forma

específica, pretendemos: 1) Reconhecer os fundamentos teórico-

metodológicos do empreendedorismo; 2) Identificar os principais objetivos e

metas das políticas estatais de qualificação profissional; 3) Estabelecer a

relação entre os princípios, objetivos e as metas do JUVEMP e os fundamentos

teórico-metodológicos que lhe dão sustentação.

Nossa prática sempre esteve associada aos adolescentes e à

juventude econômica e socialmente desfavorecida. Inicialmente nossa atuação

voltou-se para adolescentes que cumpriam Medidas Socioeducativas de

Liberdade Assistida (LA). Meninas e meninos que passam por grandes

dificuldades sofrem violências e as praticam no seu cotidiano. Ao longo de seis

anos de contato com esses jovens, identificamos que, apesar de tantas

adversidades, a maioria quer ―mudar de vida‖, mas sente dificuldades de

encontrar saídas, principalmente no que se refere às oportunidades de trabalho

para suprir suas necessidades básicas, incluindo o lazer.

De fato, um dos problemas identificados na referida medida era que

os jovens encaminhados aos cursos profissionalizantes fornecidos pelo Estado,

pelo município e pelas Organizações Não Governamentais - ONGs, não

proporcionavam a absorção destes no mercado de trabalho. Os jovens

egressos dessa medida não encontravam apoio institucional para sua

―ressocialização‖. Alguns já possuíam cursos básicos de qualificação, sem, no

entanto, serem inseridos no mercado de trabalho, no que demonstra que o

problema central não é a qualificação, mas o desemprego estrutural.

Foi em contato com esse fenômeno social que aceitamos o desafio

de participar da equipe de coordenação do Projeto Juventude Empreendedora

do IDT, que assume como um dos seus principais objetivos propiciar à

juventude em situação de vulnerabilidade social e econômica a

formação/qualificação para o trabalho, na perspectiva da chamada política de

inclusão social proposta pelo Governo Estadual e Federal.

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A presente pesquisa está intimamente apoiada nas inquietações que

emergiram de nossas experiências com a juventude desfavorecida

socioeconomicamente e dos novos mecanismos institucionais de

regulamentação das políticas de emprego e renda que fundamentam os

projetos de qualificação da juventude, principalmente quando pretendem fazer

uma verdadeira cruzada ideológica disseminando ideias e experiências de

empreendedorismo que se apresentam totalmente dissociadas da realidade

dos jovens a quem essas políticas são destinadas. Jovens do campo e da

cidade que vivem na pobreza. Jovens que carecem de escolaridade mínima e

das competências para serem empreendedores em suas múltiplas

denominações, quais sejam: empreendedorismo corporativo ou

intraempreendedorismo, empreendedorismo social, individual e coletivo.

Este estudo torna-se relevante socialmente por procurar contribuir

para o desvelamento de um discurso ideológico que, progressivamente está

permeando as políticas públicas para a juventude em questão. Discurso que,

longe de promover efetivamente sua inserção pelo trabalho, acaba por

acentuar a responsabilidade por sua situação de exclusão.

Alguns teóricos do empreendedorismo (CHIAVENATO, 1995;

DORNELAS, 2005; DRUCHER, 1993; LEITE, 2002), deixam evidentes as

condições para que um negócio tenha sucesso, quais sejam: sólida educação

formal, perfil empreendedor, experiência no empreendimento, conhecimentos

em estrutura do mercado, economia do negócio, gestão, liderança, motivação,

marketing, produção, distribuição, além de capital financeiro. Outros aspectos

serão analisados nos capítulos subsequentes. Todas essas condições ainda

não constituem garantia de sucesso, contudo permitem ingressar no mundo

competitivo dos negócios.

Esses requisitos nos levaram a questionar a política centrada no

empreendedorismo como solução para o desemprego da juventude em

questão e a sua consequente inclusão no mercado de trabalho.

Partimos do pressuposto de que essa política é inviável como

proposta para fundamentar as políticas públicas de qualificação profissional

dos trabalhadores de baixa renda e da juventude desprivilegiada

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socioeconomicamente, fazendo parte de um arsenal ideológico que pretende

jogar a responsabilidade no indivíduo pela sua empregabilidade, seja ele

criando um negócio, ou se empregando no mercado de trabalho cada vez mais

seletivo. Esse pressuposto está ancorado em nossa prática na coordenação do

Projeto Juventude Empreendedora, através do qual pudemos entrar em contato

com os estudiosos do empreendedorismo.

Com isso não estamos entrando no debate do empreendedorismo

quando direcionado a um público que aspira ser empreendedor e possui as

ferramentas imprescindíveis para ingressar nesse universo competitivo, o que

pressupõe um amplo leque de competências e de recursos financeiros

(condições objetivas e subjetivas para ser empreendedor). Trata-se de uma

situação que não reflete a realidade desses jovens que, sob o signo da classe

trabalhadora, encontram-se em defasagem educacional e, principalmente, sem

capital necessário para iniciar algum empreendimento, tendo em vista o Estado

não fornecer linha de crédito para os prováveis negócios.

É importante salientar que descobrimos essas incongruências

conhecendo e transmitindo esses conteúdos para a juventude em questão,

momentos de verdadeira angústia. Qualquer profissional que faz da sua

atividade um meio de melhorar a vida do ser humano procura formas

alternativas, viáveis para a realização desses objetivos.

Nesse processo nos damos conta das contradições entre o discurso

e a prática, tendo em vista que a juventude à qual estávamos nos dirigindo não

está descolada de seu contexto, uma vez que é sujeito datado e situado numa

sociabilidade capitalista. Na sua essência, o capitalismo se constitui numa

sociedade extremamente desigual, mas que se apresenta, no discurso, como a

única sociedade que permite a ascensão social pelo esforço individual, daí a

necessidade de se desenvolverem as características empreendedoras em

todos os indivíduos, para que, indistintamente, tenham a mesma possibilidade

de galgar espaços na estrutura social. E, como num jogo, ―vencem os

melhores‖.

Nesse momento, descobrir que estamos disseminando ―falsas

ideias‖ implica num processo doloroso. A força da palavra é capaz de embalar

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sonhos, desejos de meninos e meninas que integram uma classe que pode

apenas sonhar. A falsificação deliberada ou não do real exerce uma função

ideológica. As condições concretas de existência dessa significativa parcela da

sociedade dificultam enormemente a mudança de suas condições materiais e

simbólicas. O discurso que lhe é transmitido acaba colocando-a no mesmo

patamar dos jovens aspirantes a empresários, cuja formação

escolar/universitária, além de capital financeiro, os permitem sonhar e

transformar sonhos em realidades e, mesmo assim, para adentrar nesse

universo competitivo, não há garantias de sucesso.

O ensino do empreendedorismo esteve voltado para uma

determinada parcela da sociedade representada pelas grandes nomes do

mundo dos negócios. Seus atributos de personalidade, seu conhecimento dos

negócios os diferenciam daqueles empresários que não conseguem manter-se

neste mundo competitivo por não adotarem novas práticas pautadas na

inovação, não agregando valor a seu empreendimento, e, como consequência,

tendo que ―fechar suas portas‖. E, no contato com esses ―seres especiais‖, os

estudiosos do Empreendedorismo chegaram à conclusão de que esses

conhecimentos e atitudes podem ser ensinados, objetivando diminuir a alta

ruína das empresas, assim como incentivar os aspirantes a empreendedores a

se apropriarem dos instrumentais que sustentam o sucesso de um negócio.

Diante da ―crise da sociedade dos empregos‖,4 agora, mais do que

nunca, o discurso do empreendedorismo é realçado como solução para o

desemprego, e passa-se a enaltecer as pequenas empresas. Mas, para dar

prosseguimento a essa ação no plano global, é necessário a formação, nas

escolas e universidades, de uma cultura empreendedora, suprindo os

estudantes de conhecimentos essenciais para fortalecê-los nessa caminhada

cheia de adversidades.

Incentivar o empreendedorismo constitui uma das prioridades das

diferentes instâncias governamentais, capitaneadas pelos ideários dos

organismos internacionais e justificadas em função da redefinição da sociedade

salarial consolidada a partir do século XX. E um discurso que era dirigido para

4 Compreendemos que a ―crise‖ do capitalismo não é conjuntural, mas estrutural, portanto o desemprego

é o termômetro dessa crise.

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a classe média e alta da sociedade, passa a integrar as políticas

governamentais de qualificação e requalificação da classe trabalhadora que, a

cada dia, engrossa a fila de ―excluídos‖ do mercado de trabalho.

De acordo com Pochmann (2004), as transformações que marcaram

o final do século XX, no mundo do trabalho e da produção, colocaram em

questão a lógica estatal sustentada na estrutura de funcionamento do mercado

de trabalho, com base nos contratos de emprego assalariado e, por

consequência, nos esquemas de proteção social e trabalhistas.

Rosso (2008) traça um panorama do que representa o ―abandono‖

da lógica do emprego para a lógica do trabalho. Suas palavras resumem como

vem se apresentando o discurso sobre o mundo do trabalho no cenário

mundial:

O discurso descrevia que o futuro do trabalho para as companhias não mais estaria na construção de relações estáveis, descritas como ―empregos‖, e sim flexíveis, mutáveis, verbalizadas pela palavra ―trabalhos‖. O primeiro sintetizava as condições de trabalho conquistadas pelos assalariados no seu percurso histórico de lutas. Referia-se à relação empregatícia com salário fixado no início do contrato de trabalho, com direitos de jornada semanal regulada segundo a lei e não segundo as necessidades das empresas, com os descansos semanais obrigatoriamente respeitados, com prescrição das atividades a desenvolver para o tipo de cargo ocupado, evitando, dessa forma, desvio de tarefa, com as contribuições para a seguridade social recolhidas mensalmente, o que permitia ao trabalhador a perspectiva de aposentadoria ou, se algo acontecesse no meio do caminho, a possibilidade de beneficiar-se de seguro desemprego e, em qualquer hipótese, acesso aos serviços de saúde (ROSSO, 2008, p. 12).

Por conseguinte, para equacionar o problema do desemprego, o

empreendedorismo se apresenta, na retórica de seus teóricos, como ―a

solução‖ para todos, sem distinção de classe, levando em consideração que

―trabalhos‖ existem, uma vez que as necessidades de consumo dos clientes

são inúmeras, basta aprender o processo empreendedor e gerar suas próprias

condições de sobrevivência, assim, diminuiria a exclusão social.

Saviani (2008), reportando-se ao conceito de exclusão, salienta que

essa exclusão no campo produtivo marcado pelas relações capitalistas

consiste numa ―exclusão includente‖, uma vez que o trabalhador perde seus

direitos trabalhistas e é expulso do mercado formal, mas é supostamente

incluído de forma precarizada. No quadro de redefinição da relação do papel do

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Estado, configura-se, na realidade, uma ―pedagogia da exclusão‖. Nas suas

palavras:

Trata-se de preparar os indivíduos para, mediante sucessivos cursos dos mais diferentes tipos, se tornarem cada vez mais empregáveis, visando escapar da condição de excluídos. E, caso não o consigam, a pedagogia da exclusão lhes terá ensinado a introjetar a responsabilidade por essa condição. Com efeito, além do emprego formal, acena-se com a possibilidade de sua transformação em microempresário, com a informalidade, o trabalho voluntário terceirizado, subsumido em organizações não-governamentais etc. Portanto, se diante de toda essa gama de possibilidade ele não atinge a desejada inclusão, isso se deve apenas a ele próprio, a suas limitações incontornáveis. Eis o que ensina a pedagogia da exclusão (SAVIANI, 2008, p. 431).

E é nessa perspectiva que o empreendedorismo ganha expressão e

as instâncias governamentais, se apropriando desse discurso, passam a incluir,

nos Planos Plurianuais (PPA), programas e projetos que estimulem a geração

de emprego e renda através do empreendedorismo, objetivando minimizar o

desemprego. A questão é fortalecer as microempresas e empresas de pequeno

porte, mediante o financiamento da sua capacidade produtiva. Portanto, a

ênfase é na capacitação técnico-gerencial com acesso à informação, ao

crédito, à tecnologia, além da integração destas empresas em Arranjos

Produtivos Locais - APL‘s5 que aumenta a sua competitividade interna e

externa.

Chamamos a atenção para o fato de que tal política é uma

empreitada que tende ao insucesso, haja vista voltar-se para jovens de baixa

renda que não estão incluídos no universo dos sujeitos detentores do capital

mínimo exigido para montar um negócio a exemplo dos micro e pequenos

proprietários6.

5 Arranjos Produtivos Locais são aglomerações de empresas, localizadas em um mesmo território que

apresentam especialização produtiva e mantêm vínculos de articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais, tais como: governo, associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa. Extraído do site <http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=2&menu=300>. Acessado em 21 de outubro de 2010. 6 Em 19 de dezembro de 2008, foi criado pelo governo federal o Microempreendedor Individual – MEI, por

intermédio da Lei Complementar nº 128. Consiste na Pessoa Física que trabalhe por conta própria de forma individual e se dedique às atividades de comercio, indústria ou serviços e fature até 36 mil reis por no, sendo permitido ter até 1 (um) empregado que receba o salário mínimo. Exemplos: mecânicos, feirantes, artesãos, eletricistas etc. Objetiva formalizar aqueles que exerciam atividades autônomas.

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Um profissional que esteja exercendo suas atividades de maneira

formal ou informal, mas, como empreendedor de si mesmo, segundo o Serviço

Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), necessita se

apropriar dos conceitos do mundo organizacional, ou seja, gestão, liderança,

motivação, produção, mercado, marketing, a fim de se manterem numa

vantagem competitiva e agregar valor aos seus produtos e serviços, como

forma de valorizar seu capital intelectual. De posse dessa formação, dos

recursos financeiros, e o mais importante, do ―espírito empreendedor‖, os

teóricos do empreendedorismo concordam que os indivíduos, indistintamente,

terão mais chances de vir a ter condições de competir na busca por clientes.

O SEBRAE tem desenvolvido cursos objetivando capacitar esses

empreendedores nos diferentes ramos de negócios. No entanto, o público-alvo

a quem são destinados esses cursos refere-se aos empreendedores ou

aspirantes que desconhecem o processo empreendedor, que consiste na

identificação e avaliação da oportunidade do negócio, no desenvolvimento do

plano de negócios, na captação de recursos e na capacidade de gerenciar a

empresa. Mas o que se observa é que esse discurso está se homogeneizando

para todas as classes sociais, daí os projetos de qualificação destinados à

juventude desfavorecida socioeconomicamente também estarem enquadrados

na saga empreendedora.

É nesse contexto que surge o JUVEMP, um projeto criado pelos

técnicos do IDT que se propõe a fazer uma revolução cultural através da

educação empreendedora. O IDT é uma Organização Social,7 sem fins

lucrativos, criada com a missão de viabilizar soluções para o desenvolvimento

do trabalho e do empreendedorismo, objetivando a inclusão social. O Estado

realiza contrato de gestão com essa instituição por meio da Secretaria do

Trabalho e Desenvolvimento Social do Ceará (STDS) e o Sistema Nacional de

7 De acordo com a Lei Federal n. 9.637, de 18.5.1998, o Poder Executivo qualificou como organização

social pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sociais sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, permitindo que a organização receba recursos orçamentários e administre serviços, instalações e equipamentos do Poder Público, após ser firmado um Contrato de Gestão com o Governo Federal. No Ceará, as OS são regulamentadas pela Lei nº 12.781, de 30 de dezembro de 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9637.htm>. Acessado em 4 de fevereiro de 2011.

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Emprego (SINE), do Ministério do Trabalho e Emprego. Executa as políticas

públicas de geração de trabalho e renda, intermediação de profissionais para o

mercado de trabalho, seguro-desemprego, capacitação profissional e estudos e

pesquisas na área do trabalho e desenvolvimento social.

O Sistema Nacional de Emprego (SINE) foi criado no Brasil em

1975, que tinha por missão, realizar a intermediação de mão de obra e

elevação do nível de qualificação dos trabalhadores. Surge para atender a

Convenção nº 88 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). No Ceará,

somente em 1977, o SINE foi implantado, ampliando suas funções. Em 1998,

com o processo de descentralização e redefinição do papel do Estado, a

execução das políticas de trabalho e renda no Ceará ficou a cargo do SINE/IDT

que foi qualificado como organização social pelo Decreto nº 25.019, de 3 de

julho de 1998.

As Organizações Sociais foram gestadas no bojo da redefinição do

papel do Estado na década de 1990 que, seguindo os ditames neoliberais,

perde o seu papel de principal promotor das políticas sociais, que dentre outros

aspectos, promove a desresponsabilização do Estado e ascensão de novas

formas de promover políticas sociais e públicas. O Ministério da Administração

Federal e Reforma do Estado – MARE anunciou, na década de 1990, a defesa

da reforma do Estado:

A redefinição do papel do Estado é um tema de alcance universal nos anos 90. No Brasil, essa questão adquiriu importância decisiva, tendo em vista o peso da presença do Estado na economia nacional. Tornou-se, conseqüentemente, inadiável o equacionamento da questão da reforma ou da reconstrução do Estado que, se por um lado já não consegue atender com eficiência a sobrecarga de demandas a ele dirigidas, sobretudo na área social; por outro já dispõe de um segmento da sociedade, o terceiro setor, fortalecendo-se institucionalmente para colaborar de forma cada vez mais ativa na produção de bens públicos. A reforma do Estado não é, assim, um tema abstrato: ao contrário, é algo cobrado e iniciado pela sociedade, que se vê frustradas suas demandas e expectativa (MARE, 1998, p. 8).

As instituições de direito privado sem fins lucrativos, nas quais se

insere o IDT, realizam suas ações através de um contrato de gestão que se

configura como um compromisso institucional entre as partes. Neste

documento ficam especificadas ―as metas (e respectivos indicadores),

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obrigações, responsabilidades, recursos, condicionantes, mecanismos de

avaliação e penalidades‖ (idem, p. 36). O Estado passa a avaliar a política

pública de forma descentralizada, partindo do princípio de que é ―incapaz‖ de

responder às demandas da população, portanto, a organização social de direito

privado seriam ―mais capazes‖ de prestar esses serviços de forma eficiente,

com eficácia e efetividade.

Há, portanto, a transferência, para o que eles chamam de terceiro

setor, das responsabilidades do Estado que passa a ter a função de ―gerenciar‖

essas ações. O Estado ―deixa de ser o responsável direto pelo

desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços,

para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento‖

(Idem, 1998, p. 9).

Esse processo de responsabilização da sociedade pela a execução

da ação estatal é chamado pelo documento do Ministério de ―publicização‖ por

intermédio do qual

transfere-se para o setor público não-estatal, [...] a produção dos serviços competitivos ou não-exclusivos de Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade para seu financiamento e controle (Idem, p.9, grifo nosso).

O Projeto Juventude Empreendedora é a materialização desta

proposta. Iniciou-se no ano de 2006/2007, para quatrocentos jovens de baixa

renda, na faixa etária de 16 a 21 anos, matriculados na rede pública de ensino

(fundamental e médio), cujas mães estivessem inscritas no Cadastro Único

para Programas Sociais, beneficiadas pelo Programa Bolsa família,8 com renda

per capital menor ou igual a meio salário mínimo. Os jovens receberam uma

bolsa de R$ 60 reais, durante os oito meses de capacitação. Os municípios

selecionados foram: Ocara, Maranguape, Ibaretama, Maracanaú, Pacatuba,

Guaiúba. Os critérios de seleção desses municípios não foram divulgados pela

STDS para a coordenação.

8 O Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia

famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza. Atende mais de 12 milhões de famílias em todo municípios brasileiros. Dependendo da renda familiar por pessoa (limitada a R$ 140), do número e da idade dos filhos, o valor do benefício recebido pela família pode variar entre R$ 32 a R$ 242. abril de

2011‖.Disponível em <http://www.mds.gov.br/bolsafamilia>. Acessado em 16/03/2011.

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O Projeto pretende desenvolver nos jovens uma cultura

empreendedora nas suas vertentes social e empresarial, com capacitação em

gestão de negócios e cooperativas, capacitação em empreendedorismo social,

capacitação específica, estimular o engajamento na comunidade através de

uma formação cidadã, com ênfase na promoção da autoestima e no

desenvolvimento de valores éticos. E, principalmente, objetiva incluí-los no

mercado de trabalho, além de promover o assessoramento à criação de

negócios individuais e coletivos.

Na sua segunda versão, procurou-se selecionar jovens que estavam

freqüentando regularmente a 9ª série do ensino fundamental e jovens do

ensino médio da escola pública, tendo como meta incluir, no mercado formal e

informal no mínimo 20% dos 500 que ingressaram no projeto, englobando dez

municípios: Fortaleza (comunidade de Rosalina), Russas, Limoeiro do Norte,

Itatira, Arneiroz, Pereiro, Palhano, Cedro, Eusébio e Mauriti. Em julho de 2009,

teve início sua terceira versão nos municípios de Aratuba, Assaré, Ipu,

Monsenhor Tabosa, Nova Olinda, Palmácia, Tamboril, Ubajara e Viçosa do

Ceará, beneficiando 450 jovens no Estado, agora com idade de 17 e 24 anos.

A quarta edição foi concluída em março de 2011, nos municípios de

Acaraú, Aracati, Beberibe, Camocim, Fortim, Jijoca de Jericoacoara, Paracuru,

Paraipaba e São Gonçalo do Amarante e, finalmente, a quinta edição que está

se processando nos municípios de Caucaia, Frecheirinha, Guaraciaba do

Norte, Ibiapina, Irauçuba, Massapê, Mucambo, Pentecoste e São Luís do Curu,

beneficiando mais 450 jovens. Para 2011, o Projeto Juventude Empreendedora

receberá o investimento de R$ 1,4 milhão do tesouro estadual. Nesta versão os

jovens devem estar matriculados no 3º ano do Ensino Médio ou já ter concluído

os estudos em escola pública.

Desta forma, o JUVEMP se configura como uma política pública

estadual de estímulo ao empreendedorismo e como um projeto de

qualificação/educação profissional para a juventude, soma-se a outros projetos

destinados aos jovens desfavorecidos. É aqui que tem início nossa

problematização acerca dos fundamentos dessa política num contexto do fim

dos empregos, com a emergência da dita ―sociedade do conhecimento‖,

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focalizada na empregabilidade, e, em consequência, na individualização dos

riscos.

A sociedade atual, no contexto do neoliberalismo, volta-se para o

indivíduo, primando pela sua iniciativa individual na busca dos poucos

empregos disponíveis. Nesse sentido, emergem os conceitos de

empregabilidade e de competência. Segundo Minarelli (1995), propagador do

conceito de empregabilidade no Brasil, diante das novas feições do trabalho e

do conceito de segurança profissional, o ―mais importante do que ter emprego

é ter empregabilidade‖ que

é a condição de ser empregável, isto é, de dar ou conseguir emprego para os seus conhecimentos, habilidades e atitudes intencionalmente desenvolvidos por meio da educação e treinamento sintonizados com as novas necessidades do mercado de trabalho [...]. ―O caminho das pedras‖ para conquistar a segurança profissional e financeira é investir na autogestão da carreira e na construção de bases próprias, sustentadas por seis pilares: adequação profissional, competência profissional, idoneidade, saúde física e mental, reserva financeira, fontes alternativas e relacionamentos (MINARELLI, 1995 p. 11- 12).

Nesse contexto de redefinições conceituais em relação ao trabalho,

emerge também o empreendedorismo. A palavra empreendedor

(entrepreneur), de origem francesa, significa aquele que ―assume riscos e

começa algo novo‖. Dornelas (2005) é quem nos fala sobre o significado de

empreendedorismo:

[...] pessoas ou equipes de pessoas com características especiais que são visionárias, questionam, arriscam, querem algo diferente, fazem acontecer e empreendem. Os empreendedores são pessoas diferenciadas, que possuem motivação singular, apaixonadas pelo que fazem, não se contentam em ser mais um na multidão, querem ser reconhecidas e admiradas, referenciadas e imitadas, querem deixar um legado. Uma vez que os empreendedores estão revolucionando o mundo, seu comportamento e o próprio processo empreendedor devem ser estudados e entendidos (DORNELAS, 2005, p. 5).

Ressalte-se que os conceitos de empreendedorismo, assim como o

de empregabilidade centram-se no indivíduo possuidor de características

psicológicas especiais, de habilidades e atitudes imprescindíveis para se

manter nos escassos empregos ou mesmo buscar, com determinação, outros

espaços de trabalho para dar vazão aos seus conhecimentos. Quando,

porventura, estiverem desempregados, deverão continuar buscando ―emprego‖

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não para si, como força de trabalho, mas ―incompreensivelmente‖ para seus

conhecimentos, ou seja, é o conhecimento que está sendo empregado9.Por

isso, a importância de permanecer sempre se capacitando e desenvolvendo a

competência profissional.

A empregabilidade exige que o indivíduo tenha condições de arcar

com seus estudos, por isso a necessidade de reserva financeira que somente

poucos privilegiados possuem. Difunde-se que o indivíduo empreendedor é o

agente de mudanças. Ele pode ser capaz de transformar as condições

adversas que se apresentam na contemporaneidade com as mudanças no

mundo do trabalho. Essas ressignificações conceituais em relação ao trabalho

e à educação profissional convergem para a redefinição das relações entre

Estado e sociedade, nas quais a sociedade civil10 e seus ―atores sociais‖ são

chamados para a construção conjunta de um grande projeto pautado na gestão

participativa e busca da coesão social, em que o indivíduo, como ator social,

deve ser responsável pela sua empregabilidade e formação.

Não é difícil perceber que há uma refuncionalização do papel do

Estado como provedor das políticas sociais, agora transferidas para a chamada

esfera pública não-estatal, de forma a imprimir um ―caráter social e

participativo‖ ao modelo de desenvolvimento ora proposto. Daí o PNQ acentuar

o caráter social, participativo e cidadão desta política em prol da democracia

em busca do desenvolvimento.

No nosso entendimento, os projetos de qualificação profissional

devem, indubitavelmente, estar articulados às políticas e estratégias para a

garantia de sua implementação, visando ao alcance dos objetivos

proclamados, qual seja, a inclusão socioeconômica de parcela significativa da

juventude ao direito ao trabalho.

9 O conhecimento a que nos referimos não são os saberes produzidos pela história dos homens e

socializados pela educação escolar, mas aquele conjunto de conhecimentos imediatamente empregáveis no processo produtivo.

10 Sociedade civil aqui é entendida ―como conjunto dos organismos não estatais criados pelos indivíduos

para lutar por seus interesses e direitos‖, diferindo frontalmente do conceito de sociedade civil em Marx qual seja ―conjunto das relações que os homens estabelecem entre si, na produção material, numa determinada fase da história. E ela constitui a dimensão social fundante‖ (TONET, 2004, p. 131 e 133). Para efeito deste trabalho, adotaremos o conceito que está sendo utilizado pelos teóricos do capital, pelos organismos internacionais e pelo governo.

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Percurso Metodológico

Como podemos evidenciar nessa introdução, os conceitos que

servirão de aporte ao desenvolvimento deste estudo são fundamentalmente a

qualificação/educação profissional, empreendedorismo e inclusão social. A

escolha desses conceitos se justifica em face da reestruturação da concepção

do mundo da produção e do trabalho que fundamentam as políticas públicas,

especificamente as estatais no Brasil, pois, concordando com Lefebvre (1983),

o conceito não é um movimento do pensamento desvinculado da realidade, o

conceito para superar a lógica formalista, precisa entrar em contato com o

mundo. Nesse sentido, os conceitos aqui destacados devem estar articulados

às problemáticas que na atualidade mobilizam aqueles que debatem sobre o

sentido das políticas públicas estatais no Brasil, particularmente àquelas

voltadas para a qualificação profissional para o trabalho.

Para dar conta das questões de pesquisa, o tratamento

metodológico valorizou a análise dos documentos oficiais representados pelo

Plano Nacional de Qualificação (PNQ) do governo Lula (Presidente do Brasil) e

do Plano Territorial de Qualificação (PlanTeq) do governo Cid Gomes

(Governador do Estado do Ceará). Analisamos também, a Resolução nº 575 de

28/04/2005 e as recomendações da Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

Dando prosseguimento, foi realizada uma pesquisa bibliográfica,

identificando os pressupostos teórico-metodológicos que embasam os autores

que abordam a temática do empreendedorismo, contribuindo para a

explicitação do discurso ideológico contido na política de qualificação neste

viés, esclarecendo os significados e implicações das proposições

consubstanciadas nas diretrizes, estratégias e linhas de ação dessa política,

analisando as concepções orientadoras, suas prioridades, que se materializam

no Projeto Juventude Empreendedora.

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A pesquisa bibliográfica consiste num levantamento de material

publicado em livros e revistas sobre o tema pesquisado. Segundo Matos e

Vieira:

Toda investigação científica, independentemente de sua natureza, requer uma pesquisa bibliográfica. É essencial que esta seja sempre feita, mesmo que combinada a outras escolhas. Ter conhecimento do material já produzido sobre a temática investigada evita as repetições desnecessárias e a recorrência de erros (2001, p.40).

Essa investigação forneceu subsídios para que possamos analisar

as diferentes faces do Empreendedorismo e os fundamentos ideológicos que

lhe dão sustentação. De posse desses conhecimentos teóricos, nos

debruçamos sobre o fenômeno investigado, buscando as intersecções entre a

produção teórica sobre Empreendedorismo e a prática.

Foi realizada uma análise textual do esboço do Projeto Juventude

Empreendedora enviado à STDS onde consta o projeto político-pedagógico

com seus objetivos e metas a serem atingidos e a metodologia empregada na

facilitação da aprendizagem. Analisamos, também, o ―Projeto de Vida

Profissional‖ realizado pelos educandos. Todo esse material, além de nossa

própria experiência na coordenação do referido Projeto, constituiu fonte

analítica indispensável para os objetivos deste estudo.

Apoiamo-nos em Dornelas (2005) e Dolabela (2006) que discorrem

sobre o Empreendedorismo de negócios e o intraempreendedorismo; em

Oliveira (2008), que aborda o Empreendedorismo Social como uma transição

para a sociedade sustentável; em Drucker (1993), expoente na difusão da

sociedade pós-capitalista e sociedade do conhecimento; em Minarelli (1995),

que vem difundindo no Brasil o conceito de empregabilidade, dentre outros

autores que vêm defender o ideário capitalista, procurando fazer um

contraponto com estudiosos que realizam uma análise crítica desses

postulados como: Antunes (2002), Frigotto (1995), Kuenzer (2007), Ramos

(2006), Saviani (2008), dentre outros.

O primeiro momento deste estudo transcorreu de forma mais

solitária, consistindo num ―mapeamento do terreno‖. Durante o aprofundamento

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das leituras, foi possível definir melhor o objeto de estudo, momento difícil para

o pesquisador que tende a querer abranger um leque de assuntos que giram

em torno da temática. A pesquisa revela um momento ímpar em que o

pesquisador é instigado a apreender, de forma sistemática, criteriosa e crítica,

todo um conteúdo, permeado por diferentes pontos de vista, necessitando, por

parte do pesquisador, sempre de olhos postos na realidade, buscar desvelar o

fenômeno.

A estrutura do trabalho para apresentação dos resultados

alcançados está organizada em três capítulos: no primeiro capítulo,

pretendemos reconhecer os fundamentos teórico-metodológicos do

empreendedorismo, fazendo uma relação com o conceito de empregabilidade,

―sociedade do conhecimento‖ num contexto de redefinição no mundo do

trabalho; no segundo capítulo, procuramos identificar os princípios, os objetivos

e as metas das políticas estatais de qualificação profissional com seu enfoque

na educação como propulsora do desenvolvimento pessoal, social e econômico

à luz da pedagogia das competências; e, finalmente, no capítulo terceiro,

pretendemos dar mais concretude às ideias expostas, estabelecendo as

contradições entre os fundamentos teórico-metodológicos e a realidade sócio-

histórica objetiva, tendo como foco o Projeto JUVEMP.

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1 EMPREENDEDORISMO: FUNDAMENTOS TEÓRICO-

METODOLÓGICOS

Os fundamentos teóricos que permeiam a prática dos projetos de

qualificação centrados no empreendedorismo estão intimamente vinculados às

diretrizes que, percebendo a problemática do desemprego, buscam soluções

focalizadas no indivíduo como a única maneira de reverter o quadro de

exclusão, sem questionar o modelo capitalista que, na sua lógica interna, é

excludente.

Dito isso, o Empreendedorismo é visto por muitos teóricos como

uma solução para o problema da ausência de empregos, que em si constitui

um processo ―irremediável‖, em função de mudanças e reestruturações na

produção, tendo as tecnologias de informação, a microeletrônica, a automação,

contribuído para esse quadro global.

As reflexões contidas neste capítulo pretendem identificar os

fundamentos teórico/metodológicos que estão contidos no discurso do

empreendedorismo, como solução para a ausência de empregos. Pretendemos

também demonstrar como essa acepção encontra guarida nos pressupostos da

―sociedade do conhecimento‖ que para parte dos teóricos do capitalismo

representará uma nova sociabilidade – ―pós-capitalista‖ que, gerará o

desenvolvimento de todas as potencialidades humanas, calcadas nas

capacidades individuais e que, por conseguinte, promoverá a empregabilidade

dos mais envolvidos com sua formação profissional/educacional num mundo

em transformação.

1.1 A “sociedade do conhecimento”

Rifkin (1994) avalia que as transformações tecnológicas e no campo

da informação estão levando ao declínio dos empregos, aumentando o número

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de desempregados. O autor faz um prognóstico alarmante para a situação dos

trabalhadores:

O desemprego global atingiu agora seu nível mais alto desde a grande depressão da década de 1930. Mais de 800 milhões de seres humanos no mundo estão desempregados ou subempregados. Este número deverá crescer acentuadamente até o final do século, à medida que milhões de ingressantes na força de trabalho sem emprego se encontrarão, e muitos desses, vítimas de uma revolução tecnológica que está substituindo rapidamente seres humanos por máquinas em virtualmente todo setor da indústria e da economia global. Após anos de previsões otimistas e alarmes falsos, as novas tecnologias de informática e de comunicações estão finalmente causando seu impacto. Há tanto tempo prognosticado, no mercado de trabalho e na economia, lançando a comunidade mundial nas garras de uma terceira grande revolução industrial. Milhões de trabalhadores já foram definitivamente eliminados do processo econômico; funções e categorias de trabalho inteiras já foram reduzidas, reestruturadas ou desapareceram (RIFKIN, 1994 XVII).

É partindo da perspectiva de que o desenvolvimento das novas

tecnologias está provocando a substituição da força de trabalho pela ―máquina‖

que os teóricos, na defesa da ordem capitalista, advogam a necessidade de

que cada indivíduo busque estratégias para permanecer no mercado de

trabalho, utilizando sua criatividade, seu conhecimento e empenho para

superar as adversidades do ―novo tempo‖.

Na contramão deste discurso, existem autores que negam a

tecnologia como causadora do desemprego (DUARTE, 2008; NETTO e BRAZ,

2006; SAVIANI, 2008). O benefício do desenvolvimento tecnológico poderia

gerar mais tempo livre e mais emprego; no entanto, como o objetivo dos

capitalistas é a acumulação de capital, o ingresso das tecnologias de

informação, a automação e a microeletrônica acabam contribuindo para o

descarte dos trabalhadores, permanecendo nos postos de trabalho aqueles

que possuem a qualificação necessária e que possam contribuir para a

eficiência da produção com o mínimo desperdício.

Doravante o sentimento de insegurança e injustiça social, William

Bridges (1995), consultor e conferencista, integrante da lista dos dez mais

populares consultores em desenvolvimento executivo nos Estados Unidos, vem

anunciar a necessidade de aceitar e se adequar ao novo tempo. Para

fundamentar suas ideias, se reporta às sociedades não-industrializadas

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anteriores ao século XIX, nas quais os trabalhadores tinham várias atividades e

não empregos. Essa concepção sofreu modificações durante o tempo,

adquirindo novo sentido nas sociedades pós-industriais, em que passa a se

constituir como um fator de estabilidade e segurança consubstanciadas num

cargo, que, em si mesmo, comporta uma descrição com todas as habilidades e

os conhecimentos necessários.

Bridges advoga que as instituições sociais estão passando por

mudanças, e as pessoas tendem a salientar as virtudes do passado, por receio

das mudanças, da mesma forma que os ingleses sentiram quando, em 1780,

deu-se início à criação dos empregos da forma como conhecemos:

As pessoas estavam profundamente traumatizadas. O modo de vida antigo tinha uma estabilidade e coerência da qual era muito difícil de abdicar. A colocação de cercas nas terras comuns, embora legal no sentido técnico, era uma total violação de séculos de uso incontestado. Os ingleses sempre tiveram o ―direito‖ de usar essas terras sob a lei comum, e foi, somente quando o conceito de propriedade mudou com as novas idéias de capitalismo que esse direito foi usurpado (BRIDGES, 1995, p. 39).

De acordo com o autor, as ―pessoas‖ nas sociedades pré-capitalistas

perderam ―direitos adquiridos‖ em função do surgimento do capitalismo,

gerando recusas em se envolver na construção da nova ordem. Assim:

Os partidários da fábrica estavam amargurados diante da recusa das pessoas em aceitar a realidade econômica: a máquina estava mudando tudo, e aqueles que resistiam às novas condições de trabalho estavam se interpondo ao caminho do progresso. Os bens industriais, argumentavam eles, agora podiam ser colocados à disposição de todos, em vez de poucos. A Inglaterra poderia assumir o controle do comércio internacional e acumular riquezas que jorrariam em cascata em toda a sociedade para dar a todos uma vida melhor (...) jorraria para todas as camadas da sociedade e traria conforto e pequenos luxos a quase todos (Idem, p.41- 42).

Contrariando a ideia do autor, a história mostra que, apesar da

riqueza produzida pela humanidade, os dividendos não foram e nem estão

sendo repartidos igualmente entre todos, e, sim, permaneceram e permanecem

nas mãos de poucos. E, no atual contexto, a situação se agrava quando os

direitos trabalhistas e sociais conquistados estão sendo progressivamente

usurpados dos trabalhadores, ocasionado, na perspectiva do autor, pela

evolução natural da sociedade, que, embora traumatizada, deve abraçar,

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querendo ou não, a mudança que ora atravessamos, com o fim dos empregos

e de toda legislação a eles associada.

Os trabalhadores estão sendo cooptados a aceitar e aprender a

conviver com múltiplos papéis, com condições instáveis e imprevisíveis, caso

contrário, nas previsões do autor, o futuro se apresentará mais dramático.

Estamos na interface entre dois momentos ―evolutivos‖: o dos empregos e o

dos pós-empregos.

Em função do propagado fim dos empregos, quem permanece no

chão da fábrica tem de mostrar suas competências infinitas. Observa-se que a

reestruturação produtiva não significa a existência de uma nova sociabilidade,

mas, sim, diferentes formas de relações de trabalho e de produção, que se

apresentam combinadas ( taylorismo/fordismo e toyotismo).

Cada vez mais os capitalistas e seus teóricos buscam como

estratégia de cooptação introduzir formas de gestão que pretendem contar com

a participação do trabalhador, para extrair o máximo da mais valia absoluta,

disseminando a ideia baseada no toyotismo, de que, finalmente, o trabalhador,

agora ―colaborador‖ e dono de seu conhecimento, cada vez mais está sendo

estimulado a desenvolver suas habilidades latentes, visando seu

desenvolvimento pessoal, o da organização11 e, principalmente, a atender a

demanda dos clientes que agora se tornam mais exigentes e diferenciados.

Do trabalho fragmentado e alienado da época taylorista e

fordista,12novas configurações são introduzidas na produção que, na

perspectiva dos teóricos do capital (BRIDGES, 1998; STEWART, 1998)

promovem o rompimento da dualidade entre aqueles que pensam e aqueles

que fazem. É ―finalmente‖ o anúncio da junção do saber e do fazer. O

trabalhador, exercendo múltiplas atividades, passa a ter a compreensão da

11

Para Drucker (1993), organizações são instituições com determinados fins. Uma empresa, sindicato, escola, igreja são consideradas organizações.

12 Segundo Antunes, o taylorismo e o fordismo são entendidos como ―um padrão produtivo capitalista

desenvolvido ao longo do século XX e que se fundamentou basicamente na produção em massa, em unidades produtivas concentradas e verticalizadas, com um controle rígido dos tempos e dos movimentos, desenvolvidos por um proletariado coletivo e de massa, sob forte despotismo e controle fabril (2002, p. 191).

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complexidade do processo produtivo em todas as suas fases: criação,

produção, distribuição e consumo. Esse engodo acaba por explorar mais o

trabalhador que tem de realizar diversas atividades sem remuneração

compatível, sob o olhar perscrutador dos supervisores e gerentes.

Coriat (1994) faz uma análise sobre o modelo japonês de trabalho

comumente chamado toyotismo. No seu livro ―Pensar pelo Avesso‖ delineia o

que é inerente à cultura do Japão e os aspectos que podem condizer com

outros países, em particular, com o Brasil. O autor assevera que Ohno, criador

do toyotismo, costuma salientar que a transformação nas relações de produção

e gerenciamento na empresa japonesa foi justamente pensar pelo avesso as

práticas exercidas no Ocidente baseadas no taylorismo/fordismo.

Foi necessário criar um ―espírito Toyota‖. Este, inclusive, é o título do

livro de Ohno. O que caracterizou esse sistema de execução da produção,

divisão de trabalho e gestão foi o tripé sindicalismo de empresa, emprego

vitalício e salário por antiguidade que propiciou uma ―cooperação‖ entre

trabalhadores e empresa. Segundo Coriat, essa situação difere da dos países

ocidentais, que ao implementarem essa forma de gestão e organização da

produção, o fizeram num contexto diferente do país onde foi gestado. No

ocidente, impera o neoliberalismo, que, dentre outras coisas, desregulamentou

as relações de trabalho, com repercussões no sindicato.

Coriat, sempre se reportando a Ohno, concerne que a produção Just

in time e Kanban,13 a auto-ativação dos trabalhadores ocorreu numa época - o

pós-guerra – na qual o país necessitava produzir pequenas quantidades de

variados modelos de produtos, ou seja, diversificar a produção para atender a

demanda dos clientes, diferente da produção de massa do fordismo. Segundo

Coriat:

13 Kanban é uma palavra japonesa que significa registro ou placa visível. Nas indústrias que implantaram

essa sistemática de administração, existem diferentes sinalizações (cartões, luzes) que controlam a movimentação da produção ou do transporte de mercadorias. Os cartões indicam quando é necessário repor as peças, agilizando a entrega e a produção das mesmas. O Just in time faz parte do sistema de administração da produção em que tudo que a empresa precisa deve ser fabricado ou entregue em tempo certo, eliminando os estoques de matérias-primas e os custos. A produção está diretamente vinculada à demanda.

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Como ―se verá esta ―fábrica mínima‖ deverá necessariamente também ser uma fábrica flexível‖ capaz de absorver com um efetivo reduzido às flutuações quantitativas ou qualitativas da demanda. Ohno assim é conduzido a buscar produtividade não mais no sentido da grande série mas, ―internamente‖ no sentido da flexibilização do trabalho, na alocação das operações de fabricação. [...] permitindo fazer emergir à superfície, tornar ―visíveis‖, no sentido próprio do termo, todos os possíveis ―excessos gordurosos‖, tudo aquilo que na fábrica pode dispensar, tudo aquilo que não é imperativamente necessário na entrega dos produtos vendidos. ―Administrar com os olhos‖, diz Ohno, é um dos fundamentos do ―método Toyota‖. O mestre japonês renova assim uma preocupação muito antiga e tradicional dos mestres fabricantes: poder a qualquer momento e visualmente exercer um controle direto sobre os empregados subordinados (1994, p. 34).

Em função desta administração com os olhos, são criados cartazes

luminosos nas linhas de produção indicando quando determinadas seções

estão com problemas que repercutirão em toda produção, sendo

imediatamente solucionados. Por isso, a necessidade de os trabalhadores

terem o conhecimento mínimo para manusear os programas anteriormente

criados pelos que dominam a tecnologia e serem flexíveis o suficiente para

realizar diversas atividades, sendo administrados ‗com os olhos‘ dos poucos

supervisores14 que, em contato com o trabalhador, recebem as informações em

tempo recorde acerca dos entraves que surgem e mobilizam as soluções a

partir da experiência dos trabalhadores.

A totalidade da força de trabalho dentro das indústrias está em

processo de diminuição e os que ficam agregam mais afazeres e passam a

―doar‖ seu saber à empresa. Caso não tenham muito a dar, precisam buscar

esse saber nos horários em que a empresa não necessitar mais do

―comprometimento‖ desses trabalhadores, o que pode, inclusive, se estender

para além do horário acordado.

Antunes (2002), reportando-se ao toyotismo e ao fordismo,

assevera:

O toyotismo penetra, mescla-se ou mesmo substitui o padrão fordista dominante, em várias partes do capitalismo globalizado. Vivem-se

14

Vale ressaltar que o modelo toyotista se organiza nas chamadas células de produção, no dito trabalho em equipe. As empresas estabelecem metas para as equipes, atrelando o cumprimento destas ao ganho de premiação. Os próprios trabalhadores se fiscalizam entre si. Com efeito, além de alavancar a produção, o capitalista desarticula a classe trabalhadora.

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formas transitórias de produção, cujos desdobramentos são também agudos, no que diz respeito aos direitos do trabalho. Estes são desregulamentados, são flexibilizados, de modo a dotar o capital de instrumental necessário para adequar-se à nova fase. Direitos e conquistas históricas dos trabalhadores são substituídos e eliminados do mundo da produção. Diminui-se ou mescla-se, dependendo da intensidade, o despotismo taylorista, pela participação dentro da ordem e do universo da empresa, pelo envolvimento manipulatório, próprio da sociabilidade contemporaneamente, pelo sistema produtor de mercadoria (ANTUNES, 2002, p.24).

Cattani (1996), discutindo a metamorfose do trabalho na

contemporaneidade, vem contribuir para este debate quando afirma:

A atividade produtiva continua sendo um dos referenciais centrais na organização da sociedade, a forma estruturante das identidades e sociabilidades. As mutações contemporâneas alteram, em profundidade, as formas de inserção na esfera produtiva, a divisão entre trabalho manual e intelectual. O tempo dedicado ao trabalho não é mais contínuo, os contratos e os coletivos fragilizam-se e fragmentam-se. A confrontação entre capital e trabalho perde nitidez. Essas e outras metamorfoses da sociedade pós-industrial reforçam, ainda mais, a importância do trabalho, mesmo quando ele é uma referência negativa (como situações de desemprego). A sociologia do trabalho não pode ser colonizada pela economia ou anulada pelo enfoque liberal. Ela deve recuperar seu potencial crítico e, ao analisar as situações de trabalho, revelar as novas formas de submissão, de exploração e de alienação, que estão continuadas tanto nas pseudoformas de participação, como nas situações de precariedade funcional e empregatícia (CATTANI, 1996, p.33).

Essa perspectiva dos autores vai de encontro à ideia de um mundo

―naturalmente‖ instável, que, por força das circunstâncias, da conjuntura, dos

novos tempos, resta rendição à lógica capitalista, sendo imperativo, portanto,

que o indivíduo trabalhador se fortaleça para se adaptar. Agora a carreira

depende de cada funcionário, de seu autogerenciamento. Como nada é certo,

também não é certeza terminar um contrato e conseguir outro, daí a

importância de uma autoestima elevada, para superar momentos de ausência

de trabalhos, pois a noção de emprego está sendo redefinida. A força interior

nesses novos tempos é exaltada: pensar para cima, pensar positivo, mesmo

porque as pessoas querem estar perto de gente que faz, gente que ri diante

das adversidades.

O empreendedor é essa pessoa. Não pergunta o que a empresa

pode fazer por ele, mas o que ele pode fazer pela empresa. O foco é no

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sucesso da empresa e é nesse resultado que o desempenho individual será

avaliado. Existem diversos instrumentais de avaliação de competências e o

trabalhador sabe que, durante todo o tempo, está sendo avaliado. A

competição aqui tem seu ápice, apesar de todo discurso acerca da importância

do grupo, do trabalho em equipe, da cooperação. Aquele que se sobressai será

visto como rival, e com maior potencial de ser absorvido na empresa.

Exércitos de pessoas que vendem sorrisos, felicidade e sucesso.

Isto pressupõe angústia, estresse, constituindo a gênese de diversos

sofrimentos psíquicos, sobretudo, porque deste profissional será exigido o

máximo das suas capacidades físicas, intelectuais e psíquicas. Seu tempo livre

está direcionado, querendo ou não, para estudar, se qualificar, todavia, sem

garantias. Terá também de ter tempo para um saudável convívio social e lazer,

pois o profissional dos novos tempos é criador de valores e está sempre de

bem com a vida; contraditoriamente, não pode viver para o trabalho, apesar de

muitas vezes levar trabalho para casa. Apesar do elenco de habilidades e

competências e de tantas cobranças, o salário nem sempre condiz com as

exigências, não sobrando dinheiro para buscar ajuda psicológica ou

psiquiátrica, local onde, finalmente, se apresentará como humano, sem

máscaras, com todas as fragilidades e fortalezas próprias de quem está em

contato com o mundo.

A situação do desemprego está atingindo, inclusive, a classe dos

executivos que gerenciam as grandes empresas. Estes agora são também

responsabilizados pela diminuição dos lucros dos proprietários do capital. Koch

e Godden (2000) anunciam a empresa ―pós-gerência‖. Essas empresas,

segundo os autores, vão na contramão da empresa gerenciada, que valoriza

cargos e hierarquia, não priorizando o cliente e o lucro do proprietário, mas

seus próprios interesses. Num mundo globalizado e em concorrência

exacerbada, segundo os autores, os proprietários, na luta por mercados,

devem se concentrar na qualidade dos produtos e serviços, mantendo apenas

os profissionais de mentalidade empreendedora. Pois os gerentes passavam a

maior parte do seu tempo ―gozando de alto padrão de vida, benefícios muito

generosos e excelentes pensões‖ [...] Servir aos clientes e aumentar os lucros

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eram de fato prioridades muito baixas‖ (KOCH e GODDEN, 2000, p. 28). Agora

tudo estaria mudando.

Os defensores do capitalismo criam diferentes teorias para justificar

o desemprego dos altamente qualificados. Desta forma, na ―sociedade do

conhecimento‖, até aqueles que detêm o conhecimento estão sendo excluídos

das organizações, devido ao alto custo de suas remunerações. Segundo os

mesmos autores, empresas como a CNN e a Microsoft inovaram quando

gerenciam sem gerência, utilizando da polivalência, com menos funcionários.

No caso da CNN, ―a cultura da velocidade vive nela. Seu pessoal está sempre

impaciente, sempre apressado e sempre fazendo e decidindo no ato‖ (idem,

p.48). Apesar do discurso contra a gerência, o que está em jogo é aumento de

lucros com desemprego e concentração de atividades nos que permanecem

empregados, promovendo estresse, ansiedades, aumentando o índice de

pessoas com depressão, dentre outros sintomas.

Mészáros (2009) traz para o debate uma visão crítica destes

postulados. Numa perspectiva marxista, afirma que o capitalismo vivencia uma

crise estrutural e não conjuntural, ou seja, ―a crise‖ é na base econômica da

sociedade capitalista; aí residem as causas de tanto desemprego. O problema

se agrava, pois a dificuldade de conseguir emprego atinge os trabalhadores

qualificados, piorando a situação dos não-qualificados que disputam os

escassos empregos disponíveis. Nas suas palavras:

O problema não mais se restringe à difícil situação dos trabalhadores não-qualificados, mas atinge também um grande número de trabalhadores altamente qualificados, que agora disputam, somando-se ao estoque anterior de desempregados, os escassos – e cada vez mais raros – empregos disponíveis. Da mesma forma, a tendência da amputação ‗racionalizadora‘ não está mais limitada aos ‗ramos periféricos de uma indústria obsoleta‘, mas abarca alguns dos mais desenvolvidos e modernizados setores da produção – da indústria naval e aeronáutica à eletrônica, e da indústria mecânica à tecnologia espacial. [...] quem sofre as conseqüências dessa situação não é mais a multidão socialmente impotente, apática e fragmentada das pessoas ‗desprivilegiadas, mas todas as categorias de trabalhadores qualificados e não-qualificados: ou seja, obviamente, a totalidade da

força de trabalho da sociedade (MÉSZÁROS, 2009, p. 69, grifos do autor).

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Como os proprietários das empresas não compram essa força de

trabalho, em parte devido às máquinas e às tecnologias da informação

suprirem a demanda de muitos trabalhadores, nada resta fazer para os

trabalhadores do que buscar alternativas, ou seja, investir na sua

empregabilidade. Observamos que, no discurso dos defensores da

sociabilidade capitalista, ocorre um paradoxo quando, valorizando o

conhecimento, o capital intelectual, como condição para conseguir o tão

desejado emprego e manter-se nele, na mesma hora, esse mesmo

conhecimento não garante a empregabilidade, levando-nos a diagnosticar que

a questão não é a qualificação. Caso fosse, não existiriam trabalhadores

qualificados desempregados e tão logo os não qualificados ingressassem no

mundo do conhecimento sua condição de desempregado cessaria, quando

sabemos que a lógica capitalista, na ânsia por acumulação de capital, impede,

inclusive, que a tecnologia favoreça o desenvolvimento de todos os seres

humanos. Em função disso, indagamos: a qualificação garantirá o emprego?

Claro que não.

Chesnais (1996), contribuindo com o desenvolvimento do debate,

assinala:

O trabalho humano é, mais do que nunca, uma mercadoria, a qual ainda por cima teve seu valor venal desvalorizado pelo ―progresso técnico‖ e assistiu à capacidade de negociação de seus detentores diminuir cada vez mais diante das empresas ou dos indivíduos abastados, suscetíveis de comprar seu uso. As legislações em torno do emprego do trabalho assalariado, que haviam sido estabelecidas graças às grandes lutas sociais e às ameaças de revolução social, voaram pelos ares, e as ideologias neoliberais se impacientam de que restem alguns cacos delas (CHESNAIS,1996, p. 42).

A ideologia neoliberal abriu espaço para as reformulações na

legislação do trabalho, isto porque os capitais transnacionais (ANTUNES,

2002) têm exigido dos governos nacionais uma maior ―flexibilização‖, ou seja,

uma desregulamentação do trabalho, acarretando uma maior precarização com

trabalhos com tempo determinado, tempo parcial, terceirizados, além das

subcontratações, eliminando do interior das indústrias as atividades fins, que

agora tendem a ser realizadas por outras empresas.

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Para fazer coro a esse discurso ―nebuloso‖ na esfera dos teóricos da

administração capitalista, surge um novo conceito – o de capital intelectual -

que engloba o conhecido capital humano. E em que consiste essa nova

categoria? Quem nos responde é Stewart, membro da equipe de editores da

revista Fortune, pioneiro na área do capital intelectual:

O capital intelectual é a soma do conhecimento de todos em uma empresa, o que lhe proporciona vantagem competitiva. Ao contrário dos ativos, com os quais empresários e contadores estão familiarizados – propriedade, fábricas, equipamento, dinheiro -, o capital intelectual é intangível. É o conhecimento da força de trabalho: treinamento e a intuição de uma equipe de químicos que descobre uma nova droga de bilhões de dólares ou o know-how de trabalhadores que apresentam milhares de formas diferentes para melhorar a eficácia de uma indústria. É a rede eletrônica que transporta informação na empresa à velocidade da luz, permitindo-lhe reagir ao mercado mais rápido que suas rivais. É a cooperação – o aprendizado compartilhado – entre uma empresa e seus clientes que forja uma ligação entre eles, trazendo, com muita freqüência, o cliente de volta. [...] é a capacidade mental coletiva (STEWART, 1998, p. XIII).

Para o Stewart, o desafio é a mensuração pela Ciência Contábil

desses recursos intangíveis que compõem o capital intelectual, quais sejam o

capital humano, capital estrutural e o capital do cliente, consistindo cada

dimensão em conhecimento útil para aumentar a produtividade. O capital

intelectual é composto de recursos intangíveis, como marcas e patentes,

direitos autorais, carteiras de clientes, capacidade dos fornecedores, os pontos

de venda, o prestígio da empresa, o grau de racionalização dos procedimentos

da empresa, os recursos humanos, a qualidade dos produtos e serviços, a

estrutura organizacional, a tecnologia de informação.

Segundo o mesmo autor, a dimensão humana consiste no capital

humano, que são capacidades individuais como conhecimento, habilidade,

experiência, criatividade e inovação dos colaboradores; já o capital estrutural

constitui as patentes, o aperfeiçoamento de produtos e processos, os bancos

de dados na empresa, redes, ou seja, o conhecimento que se torna

propriedade da empresa; consiste na capacidade organizacional, incluindo os

sistemas físicos utilizados para propagar e armazenar o conhecimento

intelectual da organização; inclui fatores como a qualidade e a abrangência dos

sistemas informatizados, a imagem da empresa, os dogmas organizacionais e

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as documentações nele, onde se situam as patentes e os direitos autorais.

Organiza-se em três espécies de capital: organizacional, inovações e os

processos. O capital do cliente é identificado pelo valor de sua franquia, valor

de seus clientes, resultado do reconhecimento que a empresa possui; uma boa

base de clientes sólidos e fiéis representa os índices de satisfação,

longevidade, sensibilidade aos preços e, inclusive, o bem-estar financeiro dos

clientes de longa data.

O que cria a riqueza não é a terra, a força física, a fábrica, o capital

financeiro, mas os ativos intangíveis. O conhecimento sempre foi importante,

―mais importante que a matéria-prima; mais importante, muitas vezes, que o

dinheiro. Considerados produtos econômicos, a informação e o conhecimento

são mais importantes do que automóveis [...] aço e qualquer outro produto da

Era Industrial‖ (STEWART, 1998, p.5).

Continuando com as argumentações do autor, observamos que ele

dá glórias ao acúmulo de capital promovido pela Revolução Industrial:

Os obstinados proprietários das fábricas pagavam menos pelo trabalho do que os artesãos-proprietários teriam pago a si mesmos e embolsavam a diferença. Assim, eles acumularam capital para investir em expansão, ao mesmo tempo em que as melhorias em transporte – estradas pavimentadas, ferrovias, barcos a vapor – tornaram factível a produção de bens que seriam consumidos por clientes distantes, não apenas pelos vizinhos. A Revolução Industrial acabou ocasionando a enorme expansão da classe média e elevou o padrão de vida de todos; porém, inicialmente, na verdade, ela aumentou mais ainda a lacuna já grande entre ricos e pobres, da mesma forma que a Revolução Informática está fazendo hoje (STEWART, 1998, p.7).

A acumulação de capital dos ‗obstinados proprietários‘ provocou a

exclusão da maioria dos trabalhadores nos países do chamado Terceiro Mundo

que, sob domínio do capital monopolista, constituíram força de trabalho barata

para as empresas multinacionais que os exploraram. E, na atualidade, a

―revolução da informática‖ vai excluir mais ainda, pois com a tecnologia, os

donos das empresas precisam de menor quantidade de trabalhadores com

domínio de capital intelectual:

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Ainda produzimos grandes quantidades de aço, é claro, mas a parte física de sua fabricação é muito menos importante do que costumava ser. [...] Uma grande siderúrgica como a Bethlehem precisava de três a quatro horas/homem de trabalho para produzir uma tonelada de aço. Agora, a Nucor Streel revolucionou o negócio do aço laminado com um processo que exige sofisticados computadores – não pode funcionar sem eles – exige apenas 45 minutos de trabalho por tonelada. O componente intelectual aumentou e o físico diminuiu. Agora considere o principal produto manufaturado deste final de século: o microchip. [...] o valor está, sobretudo, no projeto do chip e no projeto das complexas máquinas que o produzem. Está no conteúdo intelectual, não físico. [...] Em resumo: a indústria está se desmaterializando (Idem, 1998, p.12 - 13).

Contudo, na medida em que o capital se beneficia da dita

performance das máquinas, dispensando, inclusive, parte do trabalho vivo, se

coloca nas mãos do trabalhador, que domina o processo de produção. O

conhecimento científico acumulado pela humanidade mais do que nunca

precisa ser incorporado na produção para fazer o diferencial na concorrência

por mercados. Há, portanto, no desenvolvimento das forças produtivas, novas

tecnologias que diminuem o esforço físico, mas não acabam com a exploração

da força de trabalho que agora toma novos contornos. Com esse discurso de

capital intelectual continua a fragmentação do homem entre corpo e mente,

entre trabalho manual e intelectual.

A ―Era da Informação‖ superou a Era Industrial que, para Stewart,

pressupõe um mundo de coisas:

Crescemos na Era Industrial. Ela se foi, suplantada pela Era da informação. Estamos deixando para trás um mundo econômico cujas principais fontes de riquezas eram físicas. O que comprávamos e vendíamos eram realmente coisas; podíamos tocá-las, cheirá-las, chutar seus pneus, bater suas portas ou ouvir seu som agradável. A terra, recursos naturais como petróleo, minério e energia, e o trabalho humano e mecânico eram os ingredientes a partir dos quais se gerava riqueza. As organizações de negócios dessa era eram planejadas para atrair capital -– capital-financeiro -– a fim de desenvolver e gerenciar essas fontes de riquezas, e elas o faziam muito bem (STEWART, 1998, p. XIV).

Esse discurso não estaria no debate se o autor estivesse apenas

enaltecendo o desenvolvimento das novas tecnologias de informação (TI) que,

enquanto meios de produção, têm promovido o aumento da acumulação

capitalista para as organizações que as implantaram, diferenciando-as das

empresas tradicionais que não têm recursos suficientes para implementá-las

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em todo processo produtivo, surgindo, assim, empresas líderes, que podem

colocar no mercado produtos com custos menos elevados atraindo os clientes.

Mas parece que, na ―desmaterialização‖ da indústria, os trabalhadores

sobreviverão da venda de ―pacotes de conhecimento‖ que irão movimentar as

máquinas que tomarão conta de tudo: da agricultura, da produção de bens

duráveis, da pesca, do comércio etc. O trabalhador será avaliado em função do

conhecimento que agrega à sua força de trabalho.

Para o autor, antes os homens usavam mais a força física e agora

usam mais o intelecto. Os trabalhadores do conhecimento aos quais ele se

refere são a expertises, que estão nas organizações, detêm um conhecimento

como instrumento gerencial que aumentará o valor do empreendimento. Valor

comprado pelos capitalistas, visando satisfazer os clientes, como integrantes

do capital intelectual. Clientes satisfeitos implicam lucros, numa cadeia de

competição mundial.

Stewart (1998) afirma que estamos na Era do Conhecimento, da

Informação, daí a necessidade de redefinir o campo da produção e distribuição

com redução de funcionários, folha de pagamento, equipamentos industriais,

matéria-prima, aluguel e aumento de equipamentos de informação. Existem

empresas especializadas em vender soltware para todo tipo de empresas.

Assim, as empresas compram ―conhecimento‖ diretamente do trabalhador ou

subcontratam outras empresas especializadas que contratam seus

―colaboradores‖ de diferentes formas (tempo parcial, temporário, tempo

determinado ou empregado) e os exploram. Como diria o autor, exploram o

ativo mais valioso existente na Era Industrial, porém com outras estratégias. E

os empreendedores que criam suas empresas em base tecnológica estão mais

adaptados à sociedade do século XXI (LEITE, 2002).

Dando prosseguimento a nossa análise, Drucker (1993), teórico

capitalista, consultor de grandes organizações internacionais e iniciador da

ideias referentes à sociedade do conhecimento e do pós-capitalismo, pretende

situar essas transformações no mundo do trabalho como algo que se reveste

de uma qualidade imprescindível para o desenvolvimento humano, defendendo

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que estamos em outra era – a do Pós-capitalismo, sendo o conhecimento o

fator decisivo nessa nova sociedade:

A sociedade capitalista era dominada por duas classes sociais: os capitalistas, que possuíam e controlavam os meios de produção, e os trabalhadores – os ―proletários‖ de Karl Marx, alienados, explorados, dependentes. Os proletários formaram inicialmente a classe média ―afluente‖, como resultado da ―Revolução da Produtividade‖ – revolução que começou por ocasião da morte de Marx em 1883 e atingiu seu clímax em todos os países desenvolvidos, pouco depois da Segunda Guerra Mundial. Por volta de 1950, o trabalhador industrial – não mais um ―proletário‖, mas ainda ―mão-de-obra‖ – parecia dominar a política e a sociedade em todos os países desenvolvidos. Mas então, com o início da ―Revolução Gerencial,‖ os operários da indústria manufatureira começaram a declinar rapidamente em número [...] por volta do ano 2000, em nenhum país desenvolvido os trabalhadores tradicionais, que produzem e movimentam bens, irão representar mais do que um sexto ou um oitava da força de trabalho (DRUCKER, 1993, p. XIV).

Os desdobramentos dessa análise anunciam a emergência da

sociedade do conhecimento com o fim do capitalismo e de suas contradições15,

pois agora todos são donos dos meios de produção – o conhecimento. Na

perspectiva de Drucker, não é o trabalho humano, transformado em mercadoria

no capitalismo, o fator de produção, muito menos o capital e a terra, o que seria

o determinante na sociedade pós-capitalista é o conhecimento. Então se faz

necessário conhecer essa sociedade na qual estaríamos vivenciando seu

alvorecer:

A nova sociedade – e ela já está aqui – é uma sociedade pós-capitalista. Repito que esta nova sociedade irá usar o livre mercado como mecanismo comprovado de integração econômica. Ela não será uma ―sociedade anticapitalista‖, nem uma ―sociedade não-capitalista‖; as instituições do capitalismo sobreviverão. [...] o recurso econômico básico – ―os meios de produção‖, para usar uma expressão dos economistas – não é mais o capital, nem os recursos naturais (a ―terra‖ dos economistas), nem a ―mão de obra‖. Ele é o conhecimento. [...] Hoje o valor é criado pela ―produtividade‖ e pela ―inovação‖, que são aplicações do conhecimento ao trabalho. Os principais grupos sociais da sociedade do conhecimento serão os ―trabalhadores do conhecimento‖ – executivos que sabem como alocar conhecimento para usos produtivos [...] profissionais do conhecimento e empregados do conhecimento [...] Contudo, ao contrário dos trabalhadores sob o capitalismo, elas possuirão tanto os ―meios de produção‖ como as ferramentas de produção‖. [...] o desafio social da sociedade pós-capitalista será a dignidade da segunda classe: os trabalhadores em serviços. Como regra geral ,

15

Duarte (2006, p.44), nos adverte que acreditar na idéia de que as tecnologias de informação efetivamente possibilitassem a socialização do saber seria, por conseqüência, acreditar que o capitalismo estaria socializando os meios de produção.

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estes trabalhadores carecem de educação necessárias para serem trabalhadores do conhecimento. E em todos países , mesmo nos mais adiantados, eles constituirão a maioria (idem, 1993, p. XVI-X, grifo do autor).

O autor, reconhecido mundialmente, é referência para a maioria dos

teóricos da administração que ―bebem na sua fonte ideológica‖, sendo suas

idéias, parte do embasamento para o conceito de empregabilidade. Observa-se

que essa nova sociedade não trabalha com o conceito de venda da força de

trabalho e sim, venda de conhecimentos, uma vez que o trabalho estaria se

tornando imaterial. Resta perguntar ao autor se antes o trabalhador, enquanto

proprietário da força de trabalho, a vendia no mercado, e, ao ser comprada

pelo capitalista, no ―pacote‖ só vinha a energia física e mental do trabalhador, o

seu conhecimento não estava agregado. Parece que o conhecimento ficava em

casa e vinha para a empresa somente a força física, incluindo a força física dos

trabalhadores de escritório.

Contudo, com todo o absurdo de sua análise, o autor não esconde

um fato que há mais de 300 anos acontecia na ‖sociedade capitalista‖: a falta

de dignidade que ―atingia‖ a maioria da população sob sua regência, e, pelo

visto, essa ausência de dignidade permanecerá na sociedade dita pós-

capitalista, que continuará desigual, excludente, desumana, devido à maioria

da população mundial ―carecer‖ de conhecimentos necessários para se integrar

nessa ―nova sociabilidade‖. As duas classes presentes continuarão a se

diferenciar pela propriedade dos meios de produção. O que muda, na

perspectiva de Drucker, é que o meio de produção agora é o ―conhecimento‖.

Para ele, a ausência de empregos decorre dos capitalistas, enquanto grandes

empregadores tiveram de reduzir seus custos para não sucumbirem, em

decorrência de constantes crises na economia, da concorrência mundial entre

empresas e, sobretudo, das modificações nos modelos produtivos, com a

introdução de novas tecnologias, que acabou acarretando a diminuição da

força de trabalho.

Para Drucker, o trabalhado manual não poderá competir com os

trabalhadores do conhecimento, pois esses novos técnicos

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[...] necessitam não só de um alto nível de aptidão, mas também de um alto grau de conhecimento formal e, acima de tudo, de uma alta capacidade para aprender e adquirir conhecimento adicional. Os técnicos não são os sucessores dos operários de ontem. Eles são basicamente os sucessores dos trabalhadores altamente qualificados, ou melhor, eles são trabalhadores altamente qualificados que também possuem grande conhecimento e educação formais e a capacidade de aprender continuamente (DRUCKER, 1993, p.47).

Leite, teórico do empreendedorismo, afirma que a reestruturação

capitalista e suas constantes crises não é um empecilho à recomposição da

economia de mercado; ao contrário, promove a destruição criativa16, que se

traduz em um novo impulso para o crescimento econômico:

Um ambiente que favorece empreendimentos de sucesso tem como característica uma ―destruição criativa‖ permanente, nos termos do próprio Schumpeter. Novas empresas prosperam e ajudam a economia, em parte destruindo os mercados de concorrentes estabelecidos. Países que protegem os mercados e ganhos de empresas já existentes impedem a destruição criativa, tão essencial ao progresso. O mercado recompensa o mérito, a capacidade, a coragem de correr riscos, a sorte e o sucesso dos empreendedores por meio de remunerações, lucros, ganhos de capital e dividendos. Os prêmios diferem porque o desempenho difere. Ganhos desiguais são a prova de que o mercado está cumprindo a sua missão. [...] o ataque à ―cobiça‖, vontade de crescer, prosperar dos empreendedores é, na realidade, um ataque contra a liberdade de empreender. Empenhar-se na defesa deste direito é uma forma de defender a liberdade humana (LEITE, 2002, p.14).

O autor, seguindo as ideias de Schumpeter, economista austríaco

que introduziu a figura do empreendedor na literatura econômica, afirma que a

destruição criativa é responsável pelo encerramento de fábricas, eliminação de

postos de trabalho, mas, na mesma hora, reformula o velho, criando novas

estruturas econômicas, novos artigos, novos produtos, novos hábitos de

consumir, enfim, novas combinações que ultrapassam as antigas, e o

empreendedor é o responsável por essas mudanças.

O progresso tecnológico aumenta a produtividade e causa a

destruição criativa, inclusive quando substitui a força de trabalho por novas

16

Leite se apoia no conceito de Schumpeter sobre destruição criativa, que consiste num ―processo orgânico, de permanente mutação industrial, que incessantemente revoluciona a estrutura econômica a partir de dentro, constantemente destruindo a velha, constantemente criando uma nova. [...] É nisso que consiste o capitalismo e aí que têm de viver as empresas capitalistas (LEITE, 2002, p. 54, grifo do autor).

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máquinas, trazendo vantagens e desvantagens. E nesse processo as

empresas inovadoras prosperam e ajudam à economia, outras são destruídas

pela concorrência. O mercado recompensará a capacidade e coragem de

correr riscos. A riqueza é resultado da criação. O lucro ―é o combustível da

ação empreendedora, que impulsiona o empreendedor a avançar‖ (LEITE,

2002, p. 58).

Segundo Lopez-Ruiz (2007), Schumpeter já havia anunciado que as

causas do desenvolvimento econômico deveriam ser buscadas não nos fatores

externos à economia, nem mesmo na história, mas no seu funcionamento

interno, sendo o empreendedor a mola propulsora deste desenvolvimento no

capitalismo. Referindo-se à teoria de Schumpeter, afirma:

...o empreendedor, que vai encarnar essa força transformadora, responsável pela dinâmica do sistema. A partir dele se intentará achar uma explicação para as características altamente dinâmicas que vinha mostrando o capitalismo em finais do século XIX e começo do século XX. O empreendedor terá a função primordial de inovar, de alterar os estados de equilibro transitórios alcançados pela economia, encontrando novas formas de organizar os fatores de produção já existentes, ou realizando novas combinações desses fatores que rendam novos produtos econômicos; ele terá o papel fundamental de introduzir a inovação no processo econômico tomando possível, assim, seu desenvolvimento (LOPEZ-RUIZ, 2007, p.113).

Ainda segundo o autor, para Schumpeter, a empresa é o locus

gerador de novas combinações porque coloca no mercado novos bens, mas o

empreendedor é o agente responsável direto que põe em ação suas inovações

no âmbito da empresa. Schumpeter faz diferença entre o capitalista, o gerente

e o empreendedor. O primeiro fornece o crédito e assume os riscos; o segundo

é apenas um administrador, que tende à rotina, dirigindo pessoas etc.; o

terceiro, o empresário empreendedor, é o líder, foge de rotinas e da

estabilidade. Por isso, Schumpeter afirma que é raro alguém permanecer como

empreendedor por muito tempo, pois há uma tendência a manter o equilíbrio

quando as coisas andam bem e a administrar o negócio sem muitas inovações.

Daí seria impossível a criação de uma ―profissão‖ de empreendedor. As

capacidades mais evidentes nos empreendedores são: a vivacidade, o vigor, o

prestígio, e o sucesso pessoal, certa mesquinhez e um oportunismo

imediatista, características presentes em poucas pessoas.

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Em meados do século XX, surgem grandes empresas e, segundo

Lopez-Ruiz (2007), o papel do empreendedor individual se dilui e surge a figura

de uma personalidade corporativa. Aqui está a gênese da grande empresa que

reúne as atitudes e aptidões empreendedoras, através de sua equipe e de seus

métodos inovadores. O impulso individualista que movia os empreendedores

do passado é suplantado pelas equipes. Segundo Lopez-Ruiz (2007):

Talvez, um dos fatores que impulsionaram essa mudança de concepção – que passa de considerar em primeiro lugar o interesse do indivíduo como supremo, à pretensão de que pode existir uma harmonia total entre os interesses daquele e os da sociedade – seja a doutrina das relações humanas. Essa doutrina [...] era professada nas escolas e nos programas de treinamento que as grandes empresas ofereciam aos jovens profissionais. Surgida na década de 1920, insistia na necessidade de coesão do grupo e na importância das capacidades de relacionamento social na administração. Na realidade, ela era o resultado de uma série de estudos e experiências conduzidas, entre outros, por Elton Mayo [...] como resposta a uma época na qual os que eram responsáveis pela administração das grandes organizações mantinham-se aferrados às doutrinas mecanicistas dos especialistas em eficiência. Desta forma, se Mayo enfatizou tanto a importância do grupo e de uma administração que se preocupasse com as relações humanas dentro da organização, ele o fez num momento em que isso era realmente necessário, já que essas questões tinham sido descuidadas ao extremo (idem, p.140).

O indivíduo é destronado e as equipes assumem um papel inovador

nas organizações, mas cada indivíduo no grupo, com seu know-how passa a

ser relevante para o sucesso organizacional. Então, não se trata apenas das

características comportamentais de um indivíduo, mas de Know-how

tecnológico, domínio de ferramentas gerenciais e de conhecimentos

intelectuais mais complexos.

As ideias dos teóricos da empregabilidade e do conhecimento

convergem para a defesa do conhecimento como recurso imprescindível para

transpor as adversidades de um mundo sem empregos ou com poucos,

Associado a esse conhecimento, um indivíduo com as características

empreendedoras, capaz de criar condições de gerar trabalho para seu

conhecimento. Num mundo turbulento, competitivo e globalizado, diz Leite

(2004), sobrevivem as melhores organizações que têm o empreendedorismo

como foco e o conhecimento como ativo mais importante. Esse conhecimento

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constitui ―o capital intelectual – conhecimento, informação, propriedade

intelectual, experiência – que possa ser utilizado para gerir empresas‖ (LEITE,

2004, p. 32).

Os proprietários empreendedores necessitam, para sobreviver,

inovar processos produtivos, satisfazer a clientela nacional e internacional. Em

função da alta competitividade, os trabalhadores ―mais inteligentes e

competentes‖ deverão agregar valor aos negócios desses proprietários,

contribuindo para o ―desenvolvimento das nações‖ e é claro, favorecer o

aumento de seus lucros. Partindo desse pressuposto e sensíveis aos

problemas sociais, os expertises propagadores das benesses do capitalismo e

do poder invencível dos indivíduos e dos poderes invisíveis do mercado

buscam estratégias para ―ajudar‖ no processo de inclusão pelo trabalho dos

―marginalizados‖.

Que fazer? Trabalho existe e muito, dizem eles. Emprego, coisa do

passado. Os indivíduos podem se associar em pequenas unidades produtivas,

podem formar cooperativas, formar redes de economia solidária, formar

pequenos negócios e com isso gerar novas rendas e novos empregos, tão em

falta. Para isso, importa mudar paradigmas. Cada um deve ser proativo,

desenvolver pela educação suas potencialidades que estão em latência,

necessitando desabrochar, imitando os empreendedores que são

determinados, incansáveis, insuperáveis. Apesar dos infortúnios que se

interpõem na vida de muitos, a palavra chave é superação. Se cada um fizer

sua parte, todos lucram, todos crescem segundo suas próprias capacidades,

que, se estimuladas/desenvolvidas, podem sobrepujar as dificuldades inerentes

à vida. É a sociedade meritocrática levada ao extremo que tenta mascarar a

intensificação do trabalho que está embutido nas novas tecnologias associadas

ao lucro.

Rosso (2008) aborda a noção de intensidade no trabalho. Para ele,

todos os tipos de trabalho incorporam uma intensidade com maior gasto de

energia do indivíduo e do coletivo dos trabalhadores, pois envolvem a energia

física, os aspectos cognitivos e afetivos. Refere-se, portanto, às capacidades

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do trabalhador que aumentam quantitativamente e qualitativamente os

resultados do trabalho

... A intensidade é, portanto, mais que esforço físico, pois envolve todas as capacidades do trabalhador, sejam as de seu corpo, a acuidade de sua mente, a afetividade despendida ou os saberes adquiridos através do tempo ou transmitidos pelo processo de socialização (ROSSO, 2008, p.21).

A intensificação do trabalho se verifica nas mais diferenciadas áreas

da atividade humana: nas das finanças, das telecomunicações, nos ramos da

saúde, da educação, da cultura, dentre outras em que os serviços são

considerados imateriais. A imaterialidade do trabalho engloba principalmente o

setor terciário, que tem crescido:

A emergência de sociedades em que a maioria dos empregos se localiza no setor de serviços levanta a possibilidade de surgimento de outros paradigmas de intensificação não necessariamente procedentes do paradigma industrial. [...] Nos paradigmas industriais, através da história, prevalece sistematicamente o trabalho em sua dimensão física, que consome energias do corpo do trabalhador, que produz cansaço físico, que leva a acidentes de trabalho e que acarreta em doenças do trabalho. A transição do paradigma da materialidade para a imaterialidade é acompanhada por conseqüências de amplas implicações. O trabalho apoiado por computadores fixos e portáteis, por sistemas de comunicação por meio de telefones celulares e mil aparelhos que sucedem freneticamente uns aos outros no mercado tende as romper com o padrão dos tempos de trabalho separado nitidamente dos tempos de não-trabalho. As fronteiras passam a ficar difusas e o tempo de trabalho invade os tempos de não-trabalho, afetando a vida individual e coletiva (ROSSO, 2008, p. 35).

Com isso podemos inferir que o fato de o setor de serviços estar em

expansão não implica dizer que acabou a exploração do trabalho no sistema

capitalista e que estaríamos numa nova ordem econômica pós-capitalista. A

intensificação do trabalho mais do que nunca integra os diferentes setores da

economia (primário, secundário e terciário) como a afirma Rosso:

A inteligência e o afeto representam novas frentes de intensificação do trabalho, no sentido de áreas de fronteiras das capacidades humanas entendidas até bem recentemente como infensas ao controle e à exploração pelo capital. O processo é antes cumulativo que substitutivo. Cumulativo à medida que os trabalhadores precisam acrescentar o gasto de energias intelectuais e psíquicas ao gasto de energias físicas. O efeito do acúmulo indica que o trabalho é, por um lado, explorado mais intensamente e, por outro, que os desgastes dos trabalhadores se ampliam para fronteiras do mundo da atividade que antes não eram mobilizadas. Dessa forma, a concepção de trabalho intelectual e de trabalho emocional presente neste livro difere

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profundamente da concepção de sociedade de inteligência desenvolvida pela sociologia e economia norte-americana nos anos 1950 e 1970 e de outras visões utópicas de trabalho emancipado sob o capitalismo (Idem, p.41- 42)

Parece que, no âmbito do mercado, a tendência que toma vulto é a

existência de transações reguladas pelo conhecimento humano materializado

em sofisticadas tecnologias que darão movimento à produção capitalista, com

o mínimo de trabalhadores. ―O poder da força muscular, o poder da máquina e

até o poder da eletricidade estão sendo constantemente substituídos pelo

poder do cérebro (...) a inteligência tomou o lugar da matéria e da energia‖17

(STEWART, 1998, p. XVII), fato esse desmascarado por Rosso.

Netto e Braz (2006) vêm contribuir para o desenvolvimento desse

debate:

Em primeiro lugar, há que se considerar o próprio enriquecimento do ser social. Quanto mais as suas objetivações se diversificam e se tornam mais densas, a sua incorporação pelos homens singulares requer mais empenho, mais esforço e mais tempo. Ou seja: quanto mais rica em suas objetivações é uma sociedade, maiores são as exigências para a socialização dos seus membros. Em segundo lugar, dado que o desenvolvimento histórico se efetivou até hoje especialmente em sociedades marcadas pela alienação (isto é, em sociedades fundadas na divisão social do trabalho e na propriedade privada dos meios de produção fundamentais, com a exploração do homem pelo homem), a possibilidade de incorporar as objetivações do ser social sempre foi posta desigualmente para os homens singulares. Ou seja: até hoje, o desenvolvimento do ser social jamais se expressou como o igual desenvolvimento da humanização de todos os homens; ao contrario: até nossos dias, o preço do desenvolvimento do ser social tem sido uma humanização extremante desigual (NETTO; BRAZ, 2006, p. 46, grifo dos autores).

Pelos teóricos do capital, a automação, a robótica e a

microeletrônica substituirão progressivamente os trabalhadores.

Desnecessários, descartados, o que resta fazer? Os que permanecem na

produção (chão da fábrica) deveriam desde já absorver os conhecimentos

imprescindíveis para terem as mesmas oportunidades educativas daqueles

trabalhadores mais abastados economicamente e que dominam o capital

intelectual, condição necessária para competir. Porém o que se observa é

justamente o contrário. É disso que nos advertem Antunes (2002) e Frigotto

17

Duarte (2006) salienta que o saber objetivo é ―perpassado, na sociedade capitalista, pela contradição entre a socialização do trabalho e a apropriação privada dos meios de produção, contradição essa que só pode ser superada com a superação do capitalismo (p. 44).

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(1995), quando analisam que a qualificação dos trabalhadores se restringe a

saber manejar teclas de computadores que acionam máquinas, não

necessitando de conhecimentos mais complexos, como asseveram os teóricos

da sociedade do conhecimento. Esses trabalhadores continuam sem receber o

conhecimento mais elaborado para gerar ―capital intelectual‖, permanecendo

num processo de mais profundo estranhamento.18

Os teóricos do capital tentam-nos convencer de que,

gradativamente, as máquinas farão tudo e os ―homens‖ intelectualmente as

controlarão, alcançando, enfim, o tempo livre necessário ao pleno

desenvolvimento da pessoa humana, independente de classe. Mesmo que este

seja o prognóstico em longo prazo, indagamos: quem irá criar as novas

máquinas? Dito de outra forma, quem hoje cria as novas tecnologias? Quem

domina o capital intelectual? A partir da realidade, podemos prever que os

trabalhadores dominarão apenas os conhecimentos que os permitirão lidar com

as máquinas, introduzindo os insumos, substituindo peças, acionando várias

máquinas ao mesmo tempo, realizando vários trabalhos (produção,

manutenção, engenharia e utilidades).

A utilização das Tecnologias de Informação (TI) representa

vantagem competitiva. As TI consistem em:

Na fábrica, a TI engloba os instrumentos de manufatura (ex.: robôs, sensores e dispositivos automáticos de teste), movimentação de materiais (sistemas de armazenamento e busca automática), desenho (desenho, engenharia e planejamento de processos assistidos por computador), planejamento e controle (planejamento das necessidades e recursos de manufatura) e gestão (sistemas de suporte e decisão). As implementações de TI vão desde as ilhas de automação ou outras tecnologias isoladas, até sistemas integrados de manufatura, que interligam as atividades de desenho, manufatura, movimentação de materiais e planejamento e controle. A TI de escritório inclui o processamento de textos, arquivamento automático, sistemas de processamento de transações, conferência eletrônica, correio e quadro eletrônicos, vídeo-teleconferência, programas de pesquisa em banco de dados, planilhas eletrônicas, sistemas de suporte a decisões e sistemas especialistas (WALLON, 1993, p. 23).

18

Marx (2006) caracteriza três formas de estranhamento: sua relação com os produtos do seu trabalho (resultado do trabalho); no ato da produção (na atividade produtiva) e de si - mesmo (do ser genérico do homem).

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Para ele, a implementação dessas tecnologias implica que os

planejadores consigam prever e buscar o comprometimento, a competência

dos profissionais envolvidos na utilização de tais recursos. Isto porque os

talentos humanos são fonte de vantagem competitiva para as empresas, tendo

como ingrediente a inovação, iniciativa, participação, trabalho em equipe,

flexibilização e aprendizagem contínua, num clima de comprometimento

espontâneo para obtenção da eficácia organizacional. O autor apresenta o que

as empresas esperam dos empregados:

Aprendizado ocorre todos os dias em todos os trabalhos. A linha divisória entre o desempenho no trabalho e o aprendizado desaparece. Os empregados, além de comandarem as habilidades específicas de suas tarefas imediatas, são solicitados a aprender as habilidades de outras tarefas em sua unidade de trabalho. São também solicitados a entender o relacionamento entre seu setor de trabalho e a organização como um todo, e de estarem familiarizados com as operações e as metas do negócio. A interação livre e informal entre os empregados, equipes, treinadores e gerentes é encorajada e institucionalizada. Os empregados são solicitados a transmitir seu conhecimento sobre a função e aprender com os colegas (Idem, p. 90- 91).

Com essa afirmação, o autor reforça que não é apenas a inclusão de

tecnologias que faz a diferença, mas profissionais automotivados e

competentes. A junção desses fatores promove a eficácia e produtividade. A

palavra ―solicitado‖ é uma forma suavizada de dizer: ―façam o que mandamos

com carinho, caso queiram continuar na empresa‖ e para isso têm que produzir

em quantidade e diversidade, gostar do que fazem, demonstrar dedicação,

envolvimento com a tarefa e com o negócio do proprietário como se fosse o

seu próprio.

Está se exigindo o ―melhor‖ do trabalhador: sua força criativa,

inovadora, seus conhecimentos atualizados, sua dedicação ao trabalho, sua

participação ilimitada, flexibilidade, sua boa-vontade, seu envolvimento, sua

disciplina e aprendizagem contínua. Quem poderá dizer que essas qualidades

e competências humanas não são necessárias para qualquer indivíduo? Mas

para servir a quem? Quem nos responde essa pergunta é Netto e Braz:

Todas as transformações implementadas pelo capital têm como objetivo reverter à queda da taxa de lucro e criar condições renovadas para a exploração da força de trabalho [...] da redução salarial [...] à precarização do emprego. Aqui, aliás, reside um dos

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aspectos mais expressivos da ofensiva do capital contra o trabalho: a retórica do ―pleno emprego‖ "dos anos dourados‖ foi substituída, no discurso dos defensores do capital, pela defesa de formas precárias de emprego (sem quaisquer garantias sociais) e do emprego em tempo parcial (também freqüentemente sem garantias), que obriga o trabalhador a buscar o seu sustento, simultaneamente, em várias ocupações. [...] seus porta-vozes vêm afirmando que a ―flexiblização‖ ou a ―desregulamentação‘ das relações de trabalho (isto é, a redução ou mesmo a supressão de garantias de trabalho) ampliaria as oportunidades de emprego. [...] argumentação largamente desmentida pelos fatos: também todos os países onde o trabalho foi flexibilizado isso ocorreu juntamente com o crescimento do desemprego (NETTO; BRAZ, 2006, p. 218 - 219, grifos dos autores).

Então fica evidente que a reestruturação produtiva não é para servir

aos trabalhadores e sim ao capital. Stewart (1998) enquanto intelectual

orgânico da classe capitalista, vem defender a maravilha do capitalismo

monopolista, que, inclusive, coloca em cheque outros pequenos capitalistas e

exalta o empreendedorismo dos mais fortes. No seu discurso ideológico, afirma

o quanto esse sistema tem promovido a riqueza para todos (os clientes e a

sociedade), mesmo que seja necessário o desemprego de milhões de

trabalhadores qualificados ou não qualificados. Esse fato é desmentido por

Netto e Braz:

... o mais significativo é o fato de o capitalismo contemporâneo ter transformado o desemprego maciço em fenômeno permanente – se, nos seus estágios anteriores, o desemprego oscilava entre ―taxas aceitáveis‖ e taxas muito altas, agora todas as indicações asseguram que a crescente enormidade do exercito industrial de reserva torna-se irreversível. Nem mesmo os ideólogos da burguesia escamoteiam esse fenômeno – tratam de naturalizá-lo, como se não houvesse outra alternativa que a de conviver com ele ((2006, p. 220, Grifos dos autores).

Naturalizam a exploração, a desigualdade e a exclusão como algo

inevitável. Naturalizam a necessidade de conter custos com contratação de

mão de obra, objetivando retomar o ciclo de acumulação que antecedeu a crise

estrutural do capital. Finalmente, no campo ideológico, escamoteiam a

intensificação da crise capitalista, apresentando uma nova sociedade na qual o

desemprego estrutural é justificado pela ausência das diferentes competências.

Neste contexto, os meios de produção mais relevantes passam a ser os

imateriais, intangíveis exigindo novas relações de trabalho, afetando carreiras

e, com isso, justificando o desemprego e anunciando o fim das antigas

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relações de trabalho ―fundamentadas no trabalho físico e recursos naturais‖

(STEWART, 1998, p. 6).

Num mundo competitivo e globalizado, dizem os consultores do

capital, urge que as inovações integrem a produção, pois o proprietário do

capital não terá mais interesse em investir, caso não tenha o retorno financeiro

que compense seus custos iniciais. O desemprego é visto como uma

consequência desse processo, mas, ao mesmo tempo, é diante das

adversidades que o indivíduo se supera, cresce. Para isso, necessita mudar

suas ideias e valores arraigados que se manifestam na cultura do emprego.

Uma nova cultura deve ser introjetada – a cultura empreendedora.

Então, numa sociabilidade em que a desigualdade, exclusão e a

miséria reinam, o discurso do empreendedorismo é disseminado numa

desigualdade de possibilidades, pois as condições sociais são desiguais para a

maioria da população mundial que está sendo chamada a ser empreendedora.

Essa cultura empreendedora permite pensar novas estratégias de

sobrevivência frente ao mundo de turbulências e incertezas. As certezas se

esvaíram, a segurança também; no entanto, ―nem tudo está perdido‖, pois da

crise emerge um novo homem/mulher que tem em si mesma a solução dos

seus problemas. Não é o patrão, não é a empresa. É cada indivíduo e sua rede

de relacionamentos – networking. Como as organizações não podem mais

absorver tanta força de trabalho, faz-se necessário investir na formação

escolar/universitária19 que permita ao trabalhador entrar na fila para conseguir

os escassos empregos, ou melhor, ser seu próprio empregador e, de sobra,

ainda gerar empregos e aqui vale a criatividade e a paixão, conhecimentos

sobre gestão, marketing, dentre outros que permitirão suprir suas necessidades

materiais e simbólicas.

O que esperar dos indivíduos nessa nova paisagem econômica?

Espera-se mudança de hábitos, atitudes, valores para executar os

trabalhos de acordo com as exigências postas pela realidade, ou seja, a

19

Destacamos o fato de que, mesmo sob o discurso da sociedade do conhecimento, paradoxalmente, nunca a formação escolar e universitária esteve tão esvaziada de conhecimentos científicos e permeada pela retórica das habilidades e competências.

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transformação dos empregados em pessoas de negócios, em fornecedores de

si próprios. Esse indivíduo, em sintonia com os quatro pilares da educação,

precisa estar sempre aprendendo; é o aprender a aprender que ganha

dimensões no aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser, aprender

a conviver com outros indivíduos com seus dotes e características que esse

novo homem exige. E para se somar a esses pilares, o Diretor Nacional da

UNESCO, Federico Mayor, propõe no documento ―A UNESCO e a Educação

na América Latina‖, um quinto pilar: o aprender a empreender:

A estes 4 (quatro) pilares gostaria de acrescentar um quinto pilar: ―aprender a empreender‖. Porque o mundo do futuro exigirá cada vez mais dos graduados universitários a capacidade de gerar empregos e riqueza, retribuindo, assim, à sociedade que lhes proporcionou educação e lhes permitiu acesso aos postos que ocupam. Porque, como gostaria de repetir, o risco sem conhecimento é perigoso, mas o conhecimento sem risco é inútil (MAYOR, 1998, p. 7).

Destacamos que a referida publicação se dirige aos graduados

universitários que estariam em dívida com a sociedade que lhes proporcionou

educação e agora teriam que ter o compromisso de criar empresas para gerar

empregos e desenvolvimento. O enfoque na educação empreendedora está

centrado naqueles que possuem conhecimentos e as condições necessárias

para correr riscos. No entanto, com a crise estrutural do capital, essa proposta

está sendo dirigida a todos, inclusive, àqueles que estão abaixo do nível da

pobreza.

Dolabela (2006) defende a necessidade de desenvolver a cultura

empreendedora no âmbito educacional:

Como o fenômeno empreendedor nasceu na empresa, a literatura geralmente define o empreendedor em tal contexto. Entretanto, para atender aos meus propósitos educacionais, desenvolvi um conceito que permitisse descrever o transbordamento do tema da empresa para todas as atividades humanas. Mesmo porque na educação não se pode ser dirigista, induzindo alunos a abrir empresas. Essa será uma decisão de cada estudante. O conceito que proponho é: ―O empreendedor é alguém que busca transformar seu sonho em realidade‖ (2006, p. 25, aspas do autor).

Ainda discorrendo sobre a importância do empreendedorismo para a

sociedade, tece as seguintes afirmações:

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O empreendedor é o responsável pelo crescimento econômico e pelo desenvolvimento social. Por meio da inovação, dinamiza a economia; o conceito de empreendedorismo trata não só de indivíduos, mas de comunidades, cidades, regiões, países. Implica a idéia de sustentabilidade; O empreendedorismo é a melhor arma contra o desemprego; Segundo Timmons (1994) ―o empreendedorismo é uma revolução silenciosa, que será para o século 21 mais do que a revolução industrial foi para o século 20. E para o indivíduo? Geração de autonomia, auto-realização, busca de sonho, indispensável para qualquer tipo de atividade profissional [...]. E como fica a ética no empreendedorismo? [...] Assim não seriam empreendedores aqueles que subtraem valor, como os que fabricam produtos que poluem, que causam doenças ou feitos para exterminar vidas, como os armamentos etc. (DOLABELA, 2006, p. 26).

O conceito de empreendedorismo passa também por redefinições no

meio empresarial para se adequar aos novos tempos. Agora ―perde‖ o título de

empreendedor, o empresário, mesmo que tenha sucesso, mas que não esteja

preocupado com o bem-estar da coletividade, estando unicamente centrado no

seu próprio enriquecimento pessoal. Essa ressignificação do conceito acaba

sendo uma panacéia, no sentido de ―jogar com as palavras‖ num contexto em

que tudo está sendo desconstruído.

Dito isso, apesar de o autor não considerar empreendedor aquele

que não tem ética nos seus negócios (por não gerar valores positivos para a

sociedade, com responsabilidade social e ambiental), o empreendedorismo

como conceito e prática historicamente conhecida não associa ética versus

negócios, senão o planeta não estaria assolado de problemas socioambientais,

sendo as legislações e os acordos entre os países pelo desenvolvimento

sustentável desrespeitados constantemente devido aos interesses econômicos.

É salutar que, nesse contexto, o empreendedorismo assuma, na

retórica atualmente difundida, o discurso da responsabilidade social e

ambiental, inclusive para agradar a opinião pública, prováveis consumidores

dos produtos e serviços das empresas. Dolabela procura inovar nesse

conceito, fazendo coro aos conceitos recém reciclados e imprecisos, buscando

adaptar aos ―novos tempos.‖ Então, para ele, empreendedor:

É um termo que implica uma forma de ser, uma concepção de mundo, uma forma de se relacionar. O empreendedor é um insatisfeito que transforma seu inconformismo em descobertas e propostas positivas para si mesmo e para os outros. É alguém que prefere seguir caminhos não percorridos, que define a partir do

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indefinido, acredita que seus atos podem gerar conseqüências. Em suma, alguém que acredita que pode alterar o mundo (DOLABELA, 2006, p.26).

Dolabela, ora coloca que o empreendedor é aquele que usa sua

ideia para seu desenvolvimento pessoal (mas focalizando também o

desenvolvimento social com responsabilidade); ora se prende ao conceito

largamente difundido que, em momento algum, necessariamente, (salvo o

empreendedorismo social), relaciona empreendedorismo e ética; ora acentua a

ideia e finalmente, o ser do empreendedor. Todavia, lendo sua obra, as ideias

ganham forma que são sintetizadas na seguinte definição:

A grande maioria dos testes que avaliam o potencial empreendedor comete um pecado capital, que põe em risco a sua validade: tentam analisar o potencial do indivíduo desvinculado da idéia. Ora, o que define o empreendedor é o sonho (a idéia), a vontade e a capacidade de agir para transformá-lo em um negócio de sucesso. Se a pessoa não tem idéia, falta-lhe a condição essencial para empreender, mesmo que tenha alto potencial para tanto. [...] Ou seja, uma pessoa deve lidar com idéias que se adaptem à sua personalidade, seu modo de ser e ver o mundo, sua habilidades, preferências, competências etc. [...] um dos atributos do empreendedor é a capacidade de identificar oportunidades [...] mas não é só isto: também precisa saber agarrá-las, buscar e gerenciar recursos para que se transforme em negócio de sucesso. Ou seja, não basta ter uma boa idéia (algo que a maioria das pessoas é capaz de fazer), mas é preciso saber identificar se ela tem potencial de sucesso, isto é, desenvolver um bom estudo de viabilidade mercadológica, tecnológica, financeira etc., o que é feito por meio da ferramenta Plano de Negócios. [...] mas atenção: na análise da relação entre você e sua idéia, além de medir o grau de adequação dela à sua personalidade (gosto da idéia/ ela me realiza/ atende ao meu estilo de vida?), é preciso avaliar os dois elementos fundamentais: Você tem condições de agarrar essa oportunidade? Você sabe buscar e gerenciar os recursos para transformar a oportunidade em um negócio de sucesso? (DOLABELA, 2006, p. 294, grifo nosso).

Com esses apontamentos essenciais para criar qualquer tipo de

negócios, o autor torna claro o que realmente necessita para ser um

empreendedor: certas características da personalidade, uma ideia, a

oportunidade, conhecimentos sobre mercado, sobre finanças, gestão, gosto

pelo negócio que irá construir.20 Tudo isso dará subsídios para elaborar um

plano de negócios, que representa o planejamento imprescindível para

acompanhar o desenvolvimento do empreendimento como para apresentar a

20

Destaca-se, assim, a importância de se trabalharem os 5 (cinco) pilares educacionais propostos pela UNESCO às escolas.

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empresa para os investidores e fornecedores. Desta forma, fica claro que o

―ser‖ do indivíduo não é condição para o sucesso de um empreendimento num

mercado altamente competitivo, caso contrário não existiria um alto índice de

mortalidade das empresas. Valdemar Pires (2005) vem contribuir nesse

debate, afirmando que

Estar por conta própria significa, para o indivíduo, ser capaz de prover sua subsistência e dos seus eventuais dependentes, hoje e no futuro, sem recorrer à ajuda de outrem. Para fazê-lo, é necessário consumir e investir. Em ambos os casos, é necessário auferir renda, o que só é possível, sem transgredir e sem submeter-se à caridade, trabalhando ou empreeendendo. Tanto em um como no outro, há necessidade de um estoque inicial: capital (no caso do capitalista, proprietário do capital físico – máquinas, equipamentos, instalações, matérias-primas – e financeiro) ou capital humano (no caso do trabalhador, agora ―investidor de capital humano‖, como sugere Davenport, 1999) (VALDEMAR PIRES, 2005, p. 92).

Diante de múltiplas definições dúbias percebemos que uma hora ser

empreendedor é quem cria qualquer empresa e em outra é uma pessoa que

cria uma empresa com responsabilidade social visando ao desenvolvimento

sustentável e humano, é o empregado de uma empresa que inova. O que há

em comum consiste justamente nas características individuais, tão apreciadas

pelos advogados da empregabilidade e da competência. Então, o conceito de

empreendedor permanece o de sempre:

Indivíduo que cria uma empresa qualquer que seja ela; pessoa que compra uma empresa e introduz inovações, assumindo riscos, seja na forma de administrar, sejam na forma de vender, fabricar, distribuir, ou fazer propaganda dos seus produtos e/ou serviços, agregando novos valores; empregado que introduz inovações em uma organização, provocando o surgimento de valores adicionais (DOLABELA, 2006, p. 27, Grifos nosso).

Aqui, o autor deve estar se referindo ao empreendedor corporativo

(empregado/funcionário inovador e o empreendedor social). O mundo passa a

ser dividido não pelas classes sociais antagônicas – coisa do passado. Na era

do empreendedorismo e do pós-capitalismo, as desigualdades sociais são

evidenciadas pelas diferenças entre quem possui o perfil empreendedor e os

que são desprovidos dessas características. O ―bom" desses novos tempos é

que essas características não são necessariamente inatas, mas podem ser

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aprendidas, levando-nos a crer que pela educação empreendedora todos,

indistintamente, podem vir a ser empreendedores, basta querer.

Ramos (2006) nos brinda com essa assertiva:

A competência, inicialmente tomada como fator econômico e aspecto de diferenciação individual, reveste-se em benefício do consenso social, envolvendo todos os trabalhadores supostamente numa única classe: a capitalista; ao mesmo tempo, forma-se um consenso em torno do capitalismo como o único modo de produção capaz de manter o equilíbrio e a justiça social. Em síntese, a questão da luta de classe é resolvida pelo desenvolvimento e pelo aproveitamento adequado das competências individuais, de modo que a possibilidade de inclusão social subordina-se à capacidade de adaptação natural. A flexibilidade econômica vem acompanhada de estetização da política e da psicologização da questão social ( RAMOS, 2006, p. 291).

Com certeza, na sociedade contemporânea em que tudo flui, nos

prepararmos para a incerteza é uma proeza que só os empreendedores

possuem. Não é à toa que novamente o indivíduo ressurge como o

desbravador. A educação e a questão social restringem-se ao indivíduo capaz

de superar as adversidades, contornando os obstáculos existentes, assim a

escola vem sendo questionada por não ensinar a conviver, a ser, a viver, pois,

num mundo incerto dos nossos dias, nem o conhecimento é condição para a

empregabilidade.

Dolabela justifica a importância do ensino do empreendedorismo em

função de algumas razões, que necessitamos exaustivamente descrever para

não restarem dúvidas sobre a fundamentação dessas ideias que estão

intimamente articuladas com o ideário neoliberal, com sua ênfase na iniciativa

privada, e também demonstrar a inviabilidade dessas propostas para os jovens

de baixa renda:

No mundo das empresas emergentes a regra é falir, e não ter sucesso. De cada três empresas criadas, duas fecham as portas. As pequenas empresas (menos de 100 empregados) fecham mais: 99% das falências são de empresas pequenas. [...] Nas últimas décadas, as relações de trabalho estão mudando. O emprego dá lugar a novas formas de participação. As empresas precisam de profissionais que tenham visão global do processo, que saibam identificar e satisfazer as necessidades dos clientes. A tradição do nosso ensino de formar empregados nos nível universitário e profissionalizante, não é mais compatível com a organização da economia mundial na atualidade. Exige-se hoje, mesmo para aqueles que vão ser empregados, um alto grau de ―empreendedorismo‖. As empresas precisam de

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colaboradores que, além de dominar a tecnologia, conheçam também o negócio, saibam auscultar os clientes. [...] a metodologia do ensino tradicional não é adequada para formar empreendedores. As relações universidades/empresas são incipientes no Brasil. Os valores do nosso ensino não sinalizam para o empreendedorismo. [...] os cursos de administração, com raras exceções, são voltadas para o gerenciamento de grandes empresas (DOLABELA, 2006, p.51).

O discurso justificando o empreendedorismo de negócios como

gerador de emprego e renda fica desacreditado quando o referido autor revela

o alto índice de pequenas empresas que fecham. A grande maioria dos

trabalhadores não pode adentrar nessa arena dos empreendedores por faltar

conhecimentos de recursos financeiros. Caso consigam alguma linha de

crédito, estarão dentre os 90% das estatísticas de mortalidade das empresas

ainda em formação.

Outros dados relevantes que Dolabela (2006) nos proporciona sobre

a temática do empreendedorismo apontam que:

Cerca de 90% ou mais dos fundadores começam suas empresas no mesmo mercado, tecnologia ou ramo em que trabalhavam; os criadores de empresas têm aproximadamente de 8 a 10 anos de experiência acumulada; têm boa formação; têm larga experiência tanto em produção quanto em mercados; têm experiência administrativa; em geral, criam empresas quando têm cerca de 30 anos; têm alto grau de satisfação (idem, p. 65).

Do exposto, pode-se concluir que montar algum negócio exige um

conhecimento prévio sobre o empreendimento fornecido por anos de

experiência no ramo, advinda de um percurso que requer uma maturidade do

empreendedor que dará subsídios para suportar as dificuldades próprias de

uma atividade que pode ou não dar certo, tendo como diferencial a crença na

força interior inabalável. Além disso, o conhecimento das ferramentas

gerenciais e administrativas que incluem desde planejamento financeiro que

culmina com a elaboração de um plano de negócios, mercado, conhecimento

dos fornecedores, clientes, legislação, e, finalmente, o capital que não aparece

neste momento na fala de Dolabela. Então, não são apenas as características

atitudinais que são determinantes.

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Dornelas (2006) assevera que:

A ênfase no empreendedorismo surge muito mais como conseqüência das mudanças tecnológicas e sua rapidez, e não é apenas um modismo. A competição na economia também força novos empresários a adotar novos paradigmas. Por isso, o momento atual pode ser chamado de a era do empreendedorismo, pois são os empreendedores que estão eliminando barreiras comerciais e culturais, encurtando distâncias, globalizando e renovando conceitos econômicos, criando novas relações de trabalho e novos empregos, quebrando paradigmas e gerando riquezas para a sociedade (DORNELAS, p.6).

O autor tem uma visão positiva da conjuntura para disseminar o

ensino do empreendedorismo nas escolas, universidades, como ―alternativa

para os jovens profissionais que se graduam anualmente nos ensinos técnico e

universitário brasileiros‖ (Idem, p.7), dando continuidade a sua análise do

ensino e estímulo ao empreendedorismo entre jovens universitários,

Há 20 anos era considerado loucura um jovem recém-formado aventurar-se na criação de um negócio, pois os empregos oferecidos pelas grandes empresas nacionais e multinacionais, bem como a estabilidade que se conseguia nos empregos em repartições públicas eram muito convidativos, com bons salários, status e possibilidade de crescimento dentro da organização. O ensino de administração era voltado a este foco: formar profissionais para administrar grandes empresas e não para criar empresas. Quando esse cenário mudou, nem os profissionais experientes, nem os jovens à procura de uma oportunidade no mercado de trabalho, nem as escolas de ensino de administração estavam preparadas para o novo contexto (DORNELAS, 2006, p.7).

O que se verifica neste contexto é a ausência de empregos e a

difusão da ideia de que é necessário mudar a visão dos jovens, no sentido de

que eles assimilem que o empreendedorismo é o próprio combustível para o

crescimento econômico, criando emprego (que está em falta) e prosperidade.

O autor salienta que os economistas americanos veem que a saída da crise do

mercado imobiliário de 2007/2008 que os afetou ―continua sendo a mesma:

estimular e desenvolver o empreendedorismo em todos os níveis‖

(DORNELAS, 2006, p.9).

Apesar de fazer um discurso enaltecendo o empreendedorismo,

Dornelas deixa claro para quem o empreendedorismo consiste numa saída, ou

seja, jovens universitários integrantes de uma classe que pode pensar em

sonhar em abrir um empreendimento, pois pelo menos os conhecimentos

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imprescindíveis para gerir negócios já estão adquirindo. O empreendedor

prefigura o mundo de amanhã ao explorar o máximo as oportunidades,

ultrapassar obstáculos com dinamismo, determinação, dedicação, otimismo,

independência para construir seu próprio destino, liderança e uma boa rede de

relacionamento, organização e conhecimentos, ou seja, são criadores de

valores para a sociedade.

A pesquisa de Santiago (2008) desenvolvida nos meses de

dezembro de 2006 a janeiro de 2007 que gerou o livro ―Empreender para

sobreviver: Ação Econômica dos Empreendedores de Pequeno Porte‖ teve por

objetivo identificar as condições socioeconômicas de 142 pequenos

estabelecimentos do bairro Granja Portugal. Desta pesquisa foram constatados

os seguintes dados relevantes para nossa análise que sintetizamos:

No que se refere à escolaridade, o autor detectou que 37,30% dos

entrevistados cursaram até o ensino fundamental incompleto;

23,20% têm nível médio completo; 9,90% são considerados

alfabetizados e 3,50% analfabetos; as pessoas de nível superior

incompleto e completo, com percentual de 2,80%;

Em sua maioria, esses negócios informais funcionam em imóveis

residenciais (78,20%), estando fora da residência, 19,70%; O

autor observou que, no domicílio familiar, essas atividades

informais utilizavam os membros familiares como força de

trabalho e sem remuneração, não havendo diferenciação entre o

espaço público e o privado;

Em relação ao tempo do negócio, 27,46%, os negócios tinham

entre um a três anos de atividade; 23,94% menos de um ano e,

finalmente, 35,91% afirmaram ter mais de cinco anos na

atividade;

Em relação à renda auferida, 31,70% apuram mensalmente

menos de R$ 350,00 (valor inferior ao salário mínimo); outros

33,80% entre um e dois salários mínimos e 21,10% entre dois e

três salários mínimos;

Antes de abrirem o negócio, 32,40% eram empregados de

empresas particulares; 16,20% eram vendedores ambulantes;

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10,56% trabalhavam em outro negócio e 7,04% eram donas de

casa.

Em relação ao crédito recebido, 58,33% na faixa de R$500,00 a

R$1.500,00; 23,33% valores inferiores a R$500,00; 10%

receberam na faixa de R$1.500,00 a R$ 3.000,00.

Esses dados revelam a realidade dos ―empreendedores de baixa

renda‖ que, na busca por sobreviverem se lançam no setor informal e são

considerados empreendedores sem as condições apontadas pelos teóricos do

empreendedorismo acarretando a quebra dos negócios: falta de formação

escolar sólida, capital, conhecimentos gerenciais.

Leite (2002) sabe exatamente para quem dirige seus ensinamentos

tão imprescindíveis na era da informação e da ausência de empregos e

assevera:

Não é só com espírito empreendedor, intuição e muita vontade de trabalhar que se faz o sucesso de uma empresa. Além de ter coragem para se arriscar, muitas vezes em um setor produtivo ainda não explorado, o empreendedor precisa levar muito a sério a gestão de seu negócio. O mercado, mais dia, menos dia, acaba devorando os amadores. A importância da aplicação da tecnologia e do “empreendedorismo‖ no desempenho e na competitividade das empresas de base tecnológica é indiscutível. Atualmente, novos produtos e processos dão às empresas a possibilidade de compensar seus recursos escassos ou debilidades. Eles são superados pela utilização da tecnologia e da inovação. Se repararmos na competição na maioria dos setores da economia, veremos que vence quem melhor souber utilizar uma tecnologia (LEITE, p.16).

Em suma, o empreendedor deve colocar em ação as inovações

tecnológicas, tais como: fabricação de novos produtos, introdução de novos

métodos de produção e organização do trabalho, abertura de mercados, novas

matérias-primas que possam se diferenciar das dos concorrentes. O autor

recusa o papel do Estado como impulsor dessa mudança, para ele: ―É preciso

fugir a tentação de convocar o Estado para capitanear este processo de

mudança‖ (LEITE, 2002, p.20).

Leite (2002), discordando da intervenção do Estado na economia,

afirma que ―as pessoas‖ estão acostumadas com os benefícios da legislação

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trabalhista como férias remuneradas, décimo terceiro salário, Fundo de

Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), previdência social e perspectiva de

aposentadoria, por isso não percebem a maravilha de montar seu próprio

negócio, correndo riscos e inovando constantemente e se preparando para o

fracasso, pois o espírito empreendedor não se preocupa com o previsível. Para

ele, a finalidade da atividade empreendedora é a satisfação dos desejos

individuais, tendo o lucro como objetivo e ―o capitalismo é, sem sombra de

dúvidas, o sistema em que as oportunidades de livre invenção, criação de

novos produtos e serviços estão sempre presentes, abertas para todos (LEITE,

2002, p.64).

Apresentaremos o Plano de Negócios, proposto por Dolabela (2006)

como instrumento fundamental que, associado as características da

personalidade, à vontade e à ideia inovadora constitui as condições para

montar um empreendimento. Os passos são os seguintes:

Sumário Executivo- um resumo do negócio que é feito por último

contendo o enunciado do projeto, competência dos responsáveis,

produtos e tecnologia, mercado em potência-oportunidade, previsão

de vendas, rentabilidade e projeções financeiras.

A Empresa – missão, os objetivos, estrutura organizacional e

legal, (a estrutura funcional, diretoria, gerência, síntese das

responsabilidades da equipe dirigente);

Plano de Operações (administração, comercial, controle de

qualidade, terceirização, sistema de gestão, parcerias);

Plano de Marketing – análise de mercado (o setor, oportunidades

e ameaças, clientela, segmentação, concorrência, fornecedores);

estratégias de marketing (o produto, a tecnologia e o ciclo de vida,

vantagens competitivas, planos de pesquisa e desenvolvimento,

preço, distribuição, promoção e publicidade, serviços ao cliente

(venda e pós-venda) relacionamento com os clientes;

Plano financeiro – Investimento inicial, demonstração de

resultados custos totais, a mão de obra direta e indireta, custos

variáveis, custos fixos, depreciação, manutenção e conservação e

seguros, receitas, impostos e contribuições, projeção de fluxo de

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caixas, balanço patrimonial, ponto de equilíbrio, análise de

investimento.

A questão que se coloca é que, quando se fala em

empreendedorismo, todos esses conceitos são imprescindíveis e fazem parte

dos conhecimentos exigidos para montar negócios de sucesso. Cada parte do

plano de negócios representa um mundo de conhecimento para o

empreendedor se apropriar. Uma das causas mais citadas pelos teóricos do

empreendedorismo, da mortalidade dos negócios é a ausência do

planejamento. As pessoas, ao se verem desempregadas, iniciam ―qualquer

coisa,‖ constituindo negócios não pela oportunidade, mas, sim, pela

necessidade, em função da sua sobrevivência, sem ter atrelado todos os

requisitos necessários para serem empreendedoras.

Pela situação das nossas escolas públicas, é da ciência de todos a

baixa qualidade e o déficit educacional dos jovens provenientes dessas

escolas, que até aspiram ao ensino superior, mas somente uma minoria de

jovens da classe trabalhadora consegue galgar espaços na estrutura social

capitalista, através da escola/universidade. Associado a isso, torna-se

impossível montar negócios sem capital.

Esse empreendedor precisa estar sempre em consonância com o

seu tempo, identificar oportunidades, ser criativo, inovador, saber negociar,

saber trabalhar em equipe, ser comunicativo, ter iniciativa, saber persuadir,

saber resolver problemas, ter visão estratégica, dentre outras qualidades, que

acentuam um super homem que não existe. Cada vez mais a porta de entrada

da empresa está mais seletiva e cada vez mais é disseminada a inaptidão do

trabalhador e da juventude pobre, que sem qualificação não pode ser incluída

no sistema, a não ser se apreender todo o conhecimento necessário para

competir, juntamente com outros intelectos na sociedade do conhecimento.

Neste contexto entra em cena Minarelli (1995), hoje um dos

propagadores do conceito de empregabilidade. No seu livro ―Empregabilidade o

caminho das pedras‖ afirma que, diante das novas feições do trabalho e do

conceito de segurança profissional

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Ter segurança profissional, hoje, é mais do que ter emprego e salário. É ter a possibilidade, a condição de conseguir trabalho e remuneração, independentemente da idade e de estar ou não empregado. [...] É o que chamamos de empregabilidade: capacidade de prestar serviços e de obter trabalho. Sob outro enfoque, refere-se à capacidade de dar emprego ao que sabe, à sua expertise. Essa é a grande transformação a que me referi. Para aumentar a própria empregabilidade, os profissionais precisam estar aptos do ponto de vista técnico, gerencial, intelectual, humano e social para solucionar com rapidez problemas cada vez mais sofisticados e específicos. Conhecimentos atualizados, múltiplas habilidades e boa reputação são o grande capital das pessoas que vendem o próprio trabalho. [...] alguns conseguirão adaptar-se aos novos tempos. Outros sairão

perdendo. O que acontecerá com você? (MINARELLI, 1995, p. 20).

Nessa perspectiva, o autor argumenta que não existem empregos

para toda a vida como antigamente, quando o trabalhador tinha uma longa

carreira no interior das empresas. Agora a empresa não é mais a ―grande

família‖, para fazer frente ―à crise econômica mundial e atender às novas

demandas do mercado‖ (idem, p.18). A empresa necessitou eliminar ou

redesenhar cargos e, como consequência, o emprego teve que ser retirado.

Nesta visão, a empresa está também imersa nessa conturbada modificação

tendo que ―se virar‖ para não falir. Porém, como nas piores situações, existe

uma luz no fundo do poço, eis que neste ―enxugamento‖ o autor identifica

aspectos positivos, ―a descentralização das decisões que aumenta a

responsabilidade dos profissionais sobre suas atividades, eleva o padrão de

desempenho e, em alguns casos, a remuneração‖ (idem, p. 18).

Para o referido autor, o ―futuro já começou.‖ O vínculo

empregatício está sendo superado, faz-se necessário que os trabalhadores se

capacitem periodicamente, objetivando atualizar conhecimentos e habilidades

para poderem oferecer o máximo desempenho a partir da necessidade das

instituições e possuir mobilidade de vender seus serviços para outras

empresas. Empresas e trabalhadores flexíveis repensam o conceito de

segurança profissional para se adequarem às expectativas deste momento

histórico. Diante disso, resta a indagação: como o autor pretende que os

trabalhadores reproduzam sua força de trabalho e da sua família, além de

suprir as necessidades de autorrealização incluindo a constante ―reciclagem‖,

sem a mínima segurança de que no próximo mês ele terá onde vender seu

serviço/conhecimento?

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Minarelli (1995) chega a afirmar que a maioria delegou aos

empregadores o seu aprimoramento profissional, mas é o próprio trabalhador

que deve construir bases próprias para seu desenvolvimento profissional. Para

ele, ―o emprego é do empregador‖. Com isso nos brinda como um ditado

acerca dos trabalhadores: ―são como aves nascidas livres e criadas em

cativeiro que, diante da gaiola aberta e da imensidão do espaço à frente, não

sabem como alçar vôo‖ (MINARELLI, 1995, p. 22). E dentro da cartilha a ser

seguida apresenta determinados passos para adquirir empregabilidade quais

sejam: 1) cuidar da própria carreira; 2) a segurança profissional depende dos

conhecimentos, das habilidades intelectuais e operativas de cada um; 3)

trabalho existe onde existem problemas para serem resolvidos, resolva-os; 4) o

autoempresariamento pode ser uma possibilidade; 5) seja empreendedor.

Novamente o empreendedor é enaltecido como salvador da pátria,

pois tem todas as características necessárias para vender sua força de

trabalho, sem sofrer as intempéries dos reles mortais desprovidos dessas

características, devido a não terem investido na sua formação ou não terem

desenvolvido uma cultura que estimule o empreendedorismo, tendo em vista

que

A vida toda fomos preparados, seja pela família, seja por escolas e organizações, para cultivar o emprego por um tempo prolongado como um bem social. Talhados para ver o emprego como única fonte de trabalho e rendimento (MINARELLI, 1995, p. 19).

E o que esse discurso tem a ver com a qualificação profissional

focalizada no empreendedorismo? Os conceitos como empreendedorismo,

empregabilidade, competência, polivalência se entrecruzam numa mesma

lógica: centrar no indivíduo a responsabilidade da sua situação frente às

questões referentes ao trabalho numa perspectiva atomista da sociedade. As

questões macroeconômicas e estruturais da sociedade capitalista são

irrelevantes, pois a ênfase é no indivíduo capaz ou não de mudar sua realidade

pessoal e social.

Para aprofundarmos essa discussão, resgataremos o pensamento

ideológico dos defensores do neoliberalismo que integram a escola mais

conservadora como Hayek e Milton Friedman, que, nas reuniões da Sociedade

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de Mont Pèlerin, traçavam proposições para combater a política econômica

keynesiana. Esse grupo retoma alguns pressupostos do liberalismo econômico

reinante nos séculos XVIII e XIX em que se refere à defesa de que ―a ação da

economia era refletida pelas forças livres do mercado e da concorrência

(CHIAVENATO, 2007, p.5).

1.2 Do individualismo capitalista ao individualismo “pós-

capitalista”: faces da mesma moeda

No percurso do capitalismo, o homem liberal foi valorizado em

detrimento do homem gregário. Hayek (1990) recebeu o prêmio Nobel de

Ciências Econômicas no ano de 1974. Expoente mais conservador do

neoliberalismo, no seu livro ―O Caminho da Servidão‖ acentua que o

individualismo está sendo muito criticado por reforçar a idéia do egoísmo, mas,

para ele, esse valor nos foi fornecido pela Antiguidade Clássica e pelo

Cristianismo, passando pelo Renascimento, permanecendo na atualidade,

fazendo parte de nossas tradições, tradições essas que foram se constituindo

através das gerações por consenso, num processo evolutivo:

O individualismo tem hoje uma conotação negativa e passou a ser

associado ao egoísmo. Mas o individualismo a que nos referimos, em

oposição a socialismo e a todas as outras formas de coletivismo, não

está necessariamente relacionado a tal acepção. (...) tem como

características essenciais o respeito pelo indivíduo como ser humano,

isto é, o reconhecimento da supremacia de suas preferências e

opiniões na esfera individual, por mais limitada que esta possa ser, e

a convicção de que é desejável que os indivíduos desenvolvam dotes

e inclinações pessoais (HAYEK, 1990, p. 40 - 1).

Para o autor, nas práticas coletivistas, ocorre a submissão do

indivíduo inovador que impede o desenvolvimento de seus dotes e inclinações

pessoais, razão em si, que explicam as desigualdades entre indivíduos. Essas

idéias estão no bojo do empreendedorismo quando anunciam características e

comportamentos individuais ―incomuns,‖ que podem ser estimulados nos ―seres

comuns,‖ pela educação.

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No tocante à liberdade, Milton e Rose Friedman (1980) defendem a

liberdade econômica como uma condição essencial para a liberdade política,

[...] permitindo a indivíduos cooperarem entre si, sem coerção ou centralização, reduz a área sobre a qual é exercido o poder político. A combinação de poder político e econômico nas mesmas mãos

constitui receita certa de tirania (FRIEDMAN; FRIEDMAN, p. 16 - 17).

Dando prosseguimento à análise da liberdade e da igualdade, os

autores defendem que essa questão é em si conflituosa, pois, muito antes da

Declaração de Independência, a igualdade e liberdade ―eram duas faces do

mesmo valor básico – que todo o indivíduo deveria ser considerado como um

fim em si mesmo‖ (idem, p.134).

No entanto, na contemporaneidade, surgiu um novo significado – a

igualdade de resultados. Enquanto o ideário socialista defendia que as pessoas

devem ter a mesma condição de vida e renda, o casal Friedman considerava

um equívoco, pois essa situação impede que os indivíduos, como seres

diferentes, atinjam resultados também diferentes. Os autores, na esteira de

Hayek, defendem o novo liberalismo, tendo como fundamento o indivíduo e sua

liberdade. Vejamos o que eles compreendem por liberdade e igualdade,

A igualdade perante Deus – a igualdade pessoal – é importante precisamente porque as pessoas não são idênticas. Seus diferentes gostos, valores e capacidades levam-nas a querer desfrutar vidas diferentes. A igualdade pessoal requer respeito pelo direito delas de assim proceder, e não a imposição a elas dos valores e juízos de outrem. Jefferson nenhuma dúvida tinha de que alguns homens eram superiores a outros, que havia uma elite. Mas isso não lhes dava o direito de governá-los. Se uma elite não tinha o direito de impor sua vontade a outrem, tampouco o tinha qualquer grupo, mesmo uma maioria. Todas as pessoas deviam ser seus próprios governantes – contanto que não interferissem no direito análogo de outras (FRIEDMAN; FRIEDMAN, 1980, p. 135).

Tudo leva a crer que algumas pessoas querem limpar as ruas, outras

querem ser intelectuais, outras querem limpar fossas etc.; de acordo com suas

capacidades. Os autores rejeitam a ideia de que essas ―capacidades naturais

dadas por Deus‖ são muitas vezes determinadas pela condição de classe de

cada ―indivíduo‖ e não pelas escolhas individuais. As adversidades por que

passa uma pessoa de uma classe economicamente favorecida não se

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comparam com as que estão alijadas do mínimo para sobreviver. Segundo os

autores, depois que foi abolida a escravidão e com a criação de uma jurisdição,

surge um novo conceito de igualdade – a de oportunidade.

É impossível, literalmente, a oportunidade, no sentido de ―identidade‖ de oportunidade. Uma criança nasce cega, outra com visão perfeita. Uma criança tem pais preocupados com seu bem-estar e que lhe dão um meio formativo de cultura e compreensão; à outra cabem pais dissolutos e desleixados. Uma criança nasce nos Estados Unidos, outra na Índia, na China ou na Rússia. Evidentemente, não têm elas oportunidades idênticas ao nascerem e de nenhuma maneira suas chances na vida podem ser iguais. (...) nenhum obstáculo arbitrário deve impedir pessoas de chegarem às posições para as quais as capacitam seus talentos e que seus valores levam-nas a buscar. Nem nascimento, nem nacionalidade, nem cor, nem religião, nem sexo nem qualquer outra característica irrelevante deve configurar as oportunidades abertas à pessoa – apenas sua capacidade (idem, p. 137 - 138).

Para os autores, a busca pela igualdade de resultados defendida

pelos socialistas e pelos defensores do Estado Benfeitor reduz a liberdade. O

casal Friedman chega a levantar questionamentos absurdos em defesa da

liberdade de oportunidade:

Medidas governamentais que promovam a igualdade pessoal ou a igualdade de oportunidades aumentam a liberdade; medidas para ―prover quinhões equitativos para todos‖ reduzem-na. Se o que as pessoas devem conseguir obter precisa ser determinado por ―equidade‖ quem decidira o que é equitativo? [...] a ―equidade‖ assim como a ―necessidade‖, está no olho de quem vê. [...] alguém ou algum grupo têm que decidir o que são quinhões equitativos – e precisam ser capazes de impor suas decisões aos demais tirando daqueles que têm mais do que sua parcela equitativa para dar àqueles que têm menos. [...] Que incentivos haverá para trabalhar e produzir? Quem decidirá, e como, quem será o médico, o advogado, o servente, o lixeiro? Quem assegurará que o povo aceitará os papeis designados e os desempenhará de acordo com sua capacidade? Evidentemente, só a força ou ameaça de emprego da força (idem, 1980, p.140).

Esse discurso traz de volta o pensamento de Durkheim quando

discorda da necessidade de fornecer conhecimentos técnicos e especiais,

assim como instrução especial aos trabalhadores:

Foi, por vezes, proposto como remédio dar aos trabalhadores, junto com seus conhecimentos técnicos e especiais, uma instrução geral. Mas supondo-se que seja possível redimir assim alguns dos efeitos

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nefastos atribuídos à divisão do trabalho, não é este um meio de preveni-los. A divisão do trabalho não muda de natureza se fazermos ser precedida por uma cultura geral. Sem dúvida, é bom que o trabalhador esteja em condições de se interessar pelas coisas da arte, da linguagem, etc.; mas nem por isso deixa de ser ruim ele ser tratado todo dia como uma máquina. Aliás, quem não vê que essas duas existências são demasiadas opostas para serem conciliáveis e poderem ser vividas pelo mesmo homem? Se nos acostumamos com vastos horizontes, vastas vistas de conjunto, belas generalidades, não nos deixamos mais confinar, sem impaciência, nos limites estreitos de uma tarefa especial. Portanto, tal remédio só tornaria a especialização inofensiva, tornando-a intolerável e, por conseguinte, mais ou menos impossível (DURKHEIM, 1999, p. 389).

O ponto de vista individual e fragmentado do sociólogo embasa sua

teoria sobre a ―divisão social do trabalho‖ quando discorre sobre solidariedade

mecânica e solidariedade orgânica. A primeira está presente nas sociedades

primitivas (embora também ocorra nas sociedades mais complexas), e

fundamenta-se nas semelhanças, diversa da solidariedade orgânica, que está

presente nas sociedades modernas mais complexas, consistindo na integração

a partir da diferenciação, da especialização das funções. Assim, a divisão do

trabalho nas sociedades modernas é fundada na solidariedade orgânica que é

vista como um fator de integração social. Cada um fazendo o seu papel.

Com o desenvolvimento da divisão do trabalho, surge uma nova

forma de relacionamento que necessita do outro, de uma dependência mútua,

da complementaridade que não existe na solidariedade mecânica, na qual há o

isolamento, o indivíduo não se pertence, ocorrendo uma homogeneidade. Mas,

para que haja uma solidariedade orgânica, é preciso que efetivamente ocorram

regulamentações, pois a ausência de regras pode levar à anomia. O

antagonismo entre capital e trabalho é explicado por ausência de uma

harmonia relativa entre patrões e operário com ruptura da solidariedade

orgânica, uma vez que houve uma desintegração dessa relação, dando lugar

ao conflito.

Retomando Hayek (1990), as instituições sociais foram criadas pelos

homens naturalmente como uma árvore, sendo herdadas de gerações. Ele

afirma a impossibilidade de conhecer, assim como de transformar as

instituições e a sociedade. Diante da impossibilidade de conhecermos a

sociedade, resta apenas contemplar de forma passiva o desenrolar dos fatos,

sem intervir, pois poderemos nos enganar com análises não muito fiéis da

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realidade, uma vez que ―os acontecimentos contemporâneos diferem dos

históricos porque desconhecemos os resultados que irão produzir‖ (HAYEK,

1990, p. 31), ou seja, estamos condenados a não transformar a sociedade, e

sermos levados numa correnteza e no futuro, os homens e mulheres de lá irão

ter condições de avaliar o nosso momento histórico. Como mudar, se estamos

sempre atrasados? Mas a retórica é justamente para mostrar que não podemos

fazer nada, pois não temos o poder de mudar a realidade social.

Criticando o socialismo, Hayek assevera mudanças nas ideias que

acabaram produzindo modificações na trajetória que se vinha seguindo:

Passou-se acreditar cada vez mais que não se poderia esperar maior progresso dentro das velhas diretrizes e da estrutura geral que permitira avanços anteriores, mas apenas mediante uma completa reestruturação da sociedade. Já não se tratava de ampliar ou melhorar o mecanismo existente, mas de descartá-lo e substituí-lo por outro. E à medida que as esperanças da nova geração se voltavam para algo inteiramente novo, a compreensão e o interesse pelo funcionamento da sociedade existente sofreram brusco declínio. Com esse declínio, declinou também a nossa consciência de tudo o que dependia da existência do sistema liberal (HAYEK, 1990, p. 44 - 45).

Esse pensamento parte da perspectiva de que os homens e as

mulheres decidem acreditar em determinadas ideias e passam a aplicá-las.

Aqui o autor ignora a existência de condições objetivas que geram o palco para

que as ideias surjam, e, como diria Marx, num processo dialético. Já o sistema

liberal, para Hayek, não é fruto de pseudoideias, mas emerge da evolução, dos

ancestrais. Só que esse pensador ―desconhece‖ que aquilo que está nos

registros, na história, nas tradições reflete a dinâmica das relações sociais,

econômicas, culturais, políticas sociais de cada contexto e não é fruto apenas

das ideias.

Retomando o quadro teórico de Durkheim (1999), a sociedade é

comparada a um ser vivo, um sistema de órgãos diferentes no qual cada um

tem um papel, uma função específica. Para o autor, a sociedade é vista como

um organismo onde o consenso entre as partes comporta uma solidariedade

necessária para o bom funcionamento do todo social.

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Essa ideia de Durkheim revela sua posição ideológica, que defende

a divisão de classe, e, nesse todo social, cada trabalhador como máquina deve

exercer sua função cotidianamente sem reclamar para que a sociedade siga

seu curso sem conflitos. E o que diria da educação dos trabalhadores? Não é

necessário, pois o conhecimento, assim como os vastos horizontes podem

gerar a impaciência, a intolerância aos dissabores da função definida

socialmente. A perspectiva durkheimiana tece uma teia que vai de encontro à

necessidade de qualificação dos jovens filhos de trabalhadores, pois pode

gerar sonhos de crescimento. Cada um no seu lugar. Lugar este predefinido

socialmente, muito a gosto de Milton Friedman, de Hayek e dos defensores de

um ensino dicotômico.

Porém, a sociedade é o palco onde processam uma gama de visões

de mundo e que, num movimento contraditório, são gestadas práticas

procurando manter, adaptar ou transformar o que está posto. É nessa arena

que se situa a educação, vista às vezes como redentora, como reprodutora,

como mediadora de transformações no seio da sociedade. Para cada olhar, há

um tipo de pedagogia que pretende resolver os grandes dilemas da

humanidade.

O mundo do trabalho, como momento ímpar para a construção do

ser social, se configura num campo de conflitos de interesses, haja vista o

embate político que se materializa em planos e políticas governamentais, que,

na maioria das vezes, vai na contramão dos interesses das classes

trabalhadoras. No cenário da política brasileira, concorrem visões conflitantes

que oscilam entre os extremamente conservadores, aos que pretendem pôr em

ação políticas públicas mais de acordo com o anseio dos setores menos

favorecidos economicamente. Então, podemos encontrar muitos que

concordam com a visão de Durkheim e dos neoliberais, outros que buscam

―humanizar‖ o capitalismo, outros buscam criar condições para sua superação.

No campo do trabalho, cada vez mais, os representantes do capital

procuram maneiras de aumentar a produtividade da empresa. A demissão, a

diminuição de salários, a perda de benefícios são as ações menos inteligentes

e mais efetivas em relação à diminuição dos custos. Contudo, existem soluções

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―mais criativas‖, e não menos nefastas para os trabalhadores, como, por

exemplo, a de sensibilizá-los da sua capital importância para o

desenvolvimento da empresa, que tem como consequência ganhos para todos,

incluindo a sociedade.

O conhecimento da ―alma‖ humana passa a ser um recurso utilizado

para manipular os trabalhadores da produção, distribuição, circulação,

divulgação e da venda. Técnicas utilizando-se da subjetividade conseguem

manipular os sonhos, desejos, afetos e temores em prol da acumulação, que,

longe de beneficiar os trabalhadores, os sugam ao máximo, fornecendo o

mínimo.

Esse arcabouço teórico/ideológico ganha nova configuração na

atualidade com repercussões em todo o tecido social. Uma maquiagem que

não consegue esconder o óbvio de que a educação centrada no indivíduo (no

capitalismo) sempre foi e continua sendo de uma mesma matriz ideológica.

Mudam-se terminologias, muitas vezes de duplo sentido, que pretendem

anunciar um novo mundo, mas, na realidade, mantém-se o status quo.

O desafio é fazer crer que pela fé em si mesmo, pela força de

vontade, pela garra interior, os obstáculos são suprimidos, se evaporam. Cada

um cria sua masmorra. Os antagonismos que se consubstanciam na própria

lógica capitalista são expurgados, minimizados.

Em favor da produtividade, diversos estudos foram desenvolvidos no

contexto das relações humanas, evidenciando os fatores que motivam os

trabalhadores. Os fatores motivacionais intrínsecos ao sujeito são mais

valorizados, pois, diga-se de passagem, não exigem tanto investimento do

proprietário do capital. Quais são eles? A necessidade de ser valorizado como

pessoa, de ser reconhecido entre os colegas de trabalho, a carreira e os

desafios do trabalho.

Constantemente, aparecem na mídia pesquisas realizadas com

jovens universitários talentosos acerca dos fatores que os motivam. E, como

não poderia deixar de ser, o desafio, o ambiente do trabalho, a possibilidade de

crescimento dentro da organização fazem parte das expectativas destes

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jovens. O salário e outros benefícios aparecem como um dos últimos fatores

que os interessam, demonstrando que aprenderam o que devem dizer para os

diferentes profissionais selecionadores de plantão, ou seja, justamente o

pagamento pelo seu trabalho é menosprezado, para deleite dos empregadores.

Talvez este fato seja em decorrência da estendida moratória recém adquirida

que os mantém sob a ―proteção‖ dos familiares que labutam enquanto eles

aprendem a aprender.

A teoria do capital humano é o arcabouço ideológico que vem dar

sustentação teórica para a necessidade de valorizar o componente humano no

trabalho. Para isso, há necessidade de investir em educação e foi Shultz

(1976), economista estadunidense, quem fez a disseminação da ideia de que o

conhecimento é uma forma de capital e por isso exige investimento, pois

[...] a qualidade do esforço humano pode ser grandemente ampliada e melhorada e a sua produtividade incrementada. Sustentarei que um investimento desta espécie é o responsável pela maior parte do impressionante crescimento dos rendimentos reais por trabalhador (SHULTZ, 1976, p. 32).

A importância do trabalhador continua sendo sua capacidade

produtiva, e, é claro, a educação, a valorização do indivíduo para produzir

ganhos espantosos. O autor chega a criticar o pensamento de J.Stuart Mill, que

defende que as pessoas não poderiam ser consideradas como um artefato de

riqueza; contrariamente, Shultz assinala que

[...] nossos valores e nossas crenças nos inibem de olhar para os seres humanos como bens de capital, à exceção da escravatura, e abominamos esta realidade. [...] Conseqüentemente, tratar os seres humanos como riqueza que pode ser ampliada por investimento é um ato contrário a valores fundamentalmente arraigados. Parece que seria reduzir o homem, mais uma vez, a um mero componente material, a alguma coisa afim a propriedade material. [...] Mas, sem dúvida, estava errado (idem, p. 33).

Riqueza produzindo riqueza - para poucos. E a riqueza advém ―da

aquisição de conhecimentos e de capacidades [...] responsáveis,

predominantemente, pela superioridade produtiva dos países tecnicamente

avançados‖ (idem, p.35). Essas ideias servem de inspiração para todos os

economistas, administradores, consultores, educadores e dos integrantes do

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Banco Mundial (BM), que definem as regras e acordos para que os governos

dos países subordinados as apliquem nas diferentes dimensões da vida social

e que veem na educação a chave para a solução dos problemas da sociedade,

inclusive o desemprego da juventude.

1.3 O desemprego juvenil num contexto de “ressignificação” do mundo

do trabalho

Diversas pesquisas são realizadas para identificar a situação do

emprego/desemprego no Brasil e no mundo. O relatório da Organização

Internacional do Trabalho – OIT, ―Trabajo Decente y Juventud en América

Latina. Avance - febrero 2010‖, reporta-se ao último relatório ―Panorama do

Trabalho 2009‖ na qual ficou constatado que a juventude na America Latina

constitui a população mais vulnerável ao desemprego:

Em el caso de Brasil, el desempleo, para el período enero-septiembre del 2009 habia llegado al 19.1%, con una tasa de 28,9% para el tramo 15 – 17 años y de 18.0% para el tramo 18-24 años. En Chile la tasa de desempleo para el tramo de 15 -19 años es de 30.3%, para el de 20- 24 años es 21.2%.En Colombia esta tasa seria de 24.1% para las edades 14-26 años, para o Ecuador 17,5% para lãs edades de 15-24 años. En México, para los 14-24 años la tasa de desempleo es ahora 10.3 ( y fue 5.3% em el año 2000). En el caso de Perú es de 16.8% ( 14-24 anos), para Uruguay (14-24 años) es de 21.5% y para a Venezuela (15-24 años) de 16.1% (OIT, 2010, p.6).

O Relatório supracitado assevera a necessidade de elaborar

estratégias de promoção de trabalho digno para os jovens, como compromisso

das Nações Unidas e dos demais países em desenvolvimento. Faz uma breve

retrospectiva dos compromissos assumidos nas 93ª e 98ª Conferências

Internacionais do Trabalho. A primeira conferência citada, realizada em 2005,

―assumiu o objetivo de lograr o trabalho decente para os e as jovens como um

elemento crucial para avançar na erradicação da pobreza e para lograr o

desenvolvimento sustentável, o crescimento e bem-estar para todos‖ (idem, p.

4). A segunda, em junho de 2009, ―a OIT apresentou o Pacto Mundial para o

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Emprego‖ em resposta à crise internacional que atingiu o emprego formal.

Como proposta desse encontro, propõe

Acelerar a criação de postos de trabalho e a recuperação do emprego e respaldar as empresas; estabelecer sistemas de proteção social e proteção às pessoas; fortalecer o respeito às normas internacionais do trabalho; impulsionar o diálogo social e negociação coletiva e identificar as prioridades e estimular as ações (2010, p. 4).

No entanto, segundo o mesmo documento, os jovens continuam

com taxas de desemprego mais elevadas do que os adultos. Os dados em 18

países da América Latina, no ano de 2008, revelam que o desemprego total

juvenil, tanto da população urbana quanto da rural, corresponde a 13.4% da

PEA respectiva frente ao 4,5% dos adultos. Esses dados são parciais, pois

estima-se que a taxa de desemprego entre os jovens será superior a meio

milhão adicional de jovens em busca de trabalho, podendo situar-se em cifras

superiores aos 600 mil. Os dados indicam a necessidade de se investir em

educação e fomentar o emprego decente como forma de combater a pobreza.

Segundo os dados da Secretaria Geral da República, no Brasil

existem 48 milhões de habitantes entre 15 e 29 anos e na faixa de 15 e 24

anos existem 34 milhões. Essa população é atingida pelo desemprego, evasão

escolar, mortes por homicídios, drogas, criminalidade e ausência de formação

profissional. O Governo Federal criou a Política Nacional de Juventude em

2005 e o Conselho Nacional de Juventude, a Secretaria Nacional de

Juventude, culminando com a criação do Programa Nacional de Inclusão de

Jovens (ProJovem). Essa iniciativa foi importante, uma vez que partiu de

reivindicações dos diferentes movimentos populares. 21

Essa situação revela o quanto é necessário que as instâncias

governamentais, apesar do que defende o neoliberalismo, desenvolvam

políticas eficazes de geração de emprego e renda para essa parcela

significativa da população economicamente ativa.

O que é digno de nota é o fato de algumas pesquisas, seguindo as

orientações da OIT, incluírem dentro da População Economicamente Ativa

21

Esses dados estão disponíveis no site http://www.planalto.gov.br/secgeral/frame_juventude.htm, acessado em 5 de abril de 2011.

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crianças de 10 anos e menores de 16 anos, como a população ocupada ou

desempregada; mesmo quando a lei proíbe o trabalho às crianças e

adolescentes, a não ser adolescentes com idade de 14 anos na condição de

aprendiz. Os questionários só deveriam incluir essa parcela da população, para

identificar a situação irregular das crianças e dos adolescentes que estão no

mercado de trabalho.

Segundo o Manual da Aprendizagem do Ministério do Trabalho e

Emprego (MTE):

Ao proibir o trabalho aos menores de 16 anos, a Constituição da República de 1988 ressalvou a possibilidade de ingresso no mercado de trabalho na condição de aprendiz a partir dos 14 anos. No Brasil, historicamente, a aprendizagem é regulada pela Consolidação das Leis do trabalho (CLT) e passou por um processo de modernização com a promulgação das Leis n°s 10.097, de 19 de dezembro de 2000, 11.180, de 23 de setembro de 2005, e 11.788, de 25 de setembro de 2008. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aprovado pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, também prevê, nos seus Arts. 60 a 69, o direito à aprendizagem, dando-lhe o tratamento alinhado ao princípio da proteção integral à criança e ao adolescente. O Decreto nº 5.598, de 1º de dezembro de 2005, que motivou a elaboração de Manual pelo Ministério do Trabalho e Emprego, veio estabelecer os parâmetros necessários ao fiel cumprimento da legislação e, assim, regulamentar a contratação de aprendizes nos moldes propostos. (...) Aprendiz é o adolescente ou jovem entre 14 e 24 anos que esteja matriculado e freqüentando a escola, caso não haja concluído o ensino médio inscrito em programa de aprendizagem (BRASIL, MTE, 2008, p.11 e 14).

Essa situação mascara as estatísticas e torna-se cúmplice de uma

prática que vem perdurando, qual seja: o trabalho infantil, e que o governo

tenta superar, mas, ao mesmo tempo, reconhece essa parcela da população

como formadora de um quadro positivo ou negativo, quando as inclui nas suas

pesquisas de Emprego e Desemprego no Brasil (PED)22. Então, a população

22

Desemprego Aberto: pessoas que procuraram trabalho de maneira efetiva nos 30 dias anteriores ao da entrevista e não exerceram nenhum trabalho nos 7 (sete) últimos dias. Desemprego Oculto pelo Trabalho Precário: pessoas que realizaram algum trabalho remunerado eventual de auto-ocupação, sem perspectiva de continuidade ou em ajudaram nos negócios de parentes que procuraram, ou não, mudar de trabalho nos últimos 30 dias ao da entrevista. Desemprego Oculto pelo Desalento e Outros: pessoas que não possuem trabalho nem procuram nos últimos 30 dias, por desestímulo do mercado de trabalho, mas procuram nos últimos 12 meses. Taxa de Desemprego Total: proporção da PEA que se encontra em situação de desemprego total, aberto e oculto. Taxa de participação: proporção de pessoas de 10 anos e mais incorporadas ao mercado de trabalho como ocupadas ou desempregadas. Pesquisa de Emprego e Desemprego na Região Metropolitana de Fortaleza - Março de 2010. <http://www.dieese.org.br/ped/ce/pedce.xml>. Acessado em 3 de junho de 2010.

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economicamente ativa vai compor os ocupados, os desempregados, em

desemprego aberto, oculto pelo trabalho precário, oculto pelo desalento.

Segundo Cattani (1996),

A definição de desempregados e sua contagem permanecem como problemas inextrincáveis. As comparações internacionais são dificultadas não apenas pelas diferenças de fontes e de metodologias, mas, sobretudo, pela definição política do que constitui a população ativa. A quase totalidade dos estudos de economia e de sociologia do trabalho é fundamentada no total depurado da população ativa. (...) Ficam excluídos (...), sobretudo, todos aqueles que, embora necessitados, tenham desistido de entrar ou de permanecer no mercado de trabalho. É o conceito reconhecido pela OCDE a partir de 1993 de ―trabalhadores desencorajados‖ (Perspectives de I‘ Emploi, 1994). Caso fossem incluídas essas pessoas, as taxas de desemprego seriam nitidamente mais altas. (...) Através de mecanismos diversos, particularmente intensos às vésperas de eleições importantes, o número de desempregados aparece como tendo diminuído, pois a política governamental estimula a realização de estágios, de cursos complementares, de especializações etc., retardando a entrada dos jovens no mercado de trabalho (CATANI, 1996, p. 45 - 47).

Eliminam das estatísticas significativas parcelas de trabalhadores

que se encontram desempregados. Nas pesquisas recentes, o PED inclui os

desalentos, mas somente aqueles que estiveram procurando emprego nos

últimos 12 meses, ficando de fora das pesquisas uma grande quantidade de

pessoas que, de tanto procurarem emprego, desistiram nos últimos 12 meses

da data da pesquisa nos domicílios.

Os excluídos são excluídos duplamente de uma população ativa,

que pela descrença, dificuldade e apatia, não estão mais pressionando o

sistema público de emprego; permanecem às voltas com ―bicos‖ ou sob

proteção da família para suprir suas necessidades básicas e, muitas vezes,

com uma autoestima baixa, pois, na sociedade da produção e do consumo,

quem não tem trabalho não tem dignidade, pois o trabalho constitui rede de

relações e espaço de formação de identidade, como nos demonstra o

compositor e cantor Fagner na sua canção ―Guerreiro Menino (Um homem

também chora)‖ na qual num dos refrões se lê: ―um homem se humilha se

castram seus sonhos/Seu sonho é sua vida e a vida é o trabalho/ E sem o seu

trabalho, um homem não tem honra/E sem a sua honra se morre, se mata /não

dá pra ser feliz /não dá pra ser feliz‖.

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Associado a tudo isso, os projetos de qualificação dos jovens, na

busca de cumprir as metas prefixadas de inclusão podem usar de estratégias e

artimanhas para formar estatísticas, longe dos olhares da sociedade, sendo

necessárias urgentemente pesquisas sobre a situação dos jovens, a quem

essas políticas públicas são destinadas, no intuito de captar a realidade deles e

verificar se tais políticas correspondem às necessidades desses jovens. A

única forma de identificar a veracidade dos fatos consiste em comparar os

dados expostos pelos documentos oficiais e a situação concreta da juventude

egressa desses cursos profissionalizantes.

Para efeito das políticas públicas, é considerado jovem aquele que

se situa na faixa etária compreendida entre 15 a 29 anos. Segundo Aquino

(2009):

Não há consenso em torno dos limites de idade que definem a juventude, pois é uma categoria em permanente construção social e histórica, variando no tempo, de uma cultura para outra, e até mesmo no interior de uma mesma sociedade. Para operacionalizar o conceito analiticamente, adotou-se aqui o mesmo recorte etário com que trabalham a Secretaria Nacional de Juventude (SNI) e o Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) e que é adotado na proposta de Estatuto da Juventude, em discussão na Câmara dos Deputados: de 15 a 29 anos, com os subgrupos de 15 a 17 (jovem-adolescente) de 18 a 24 anos (jovem-jovem) e de 25 a 29 anos (jovem-adulto). A adoção deste recorte etário no âmbito das políticas públicas é bastante recente. Antes, geralmente era tomada por ―jovem‖ a população na faixa etária entre 15 e 24 anos. A ampliação para os 29 anos não é uma singularidade brasileira, configurando-se, na verdade, uma tendência geral dos países que buscam instituir políticas publicas de juventude. Dois argumentos prevalecem na justificativa desta mudança: maior expectativa de vida para a população em geral e maior dificuldade desta geração em ganhar autonomia em função das mudanças no mundo do trabalho (AQUINO, 2009, p. 29).

É sintomático que essa faixa do ciclo vital tenha se expandido

justamente no momento em que o desemprego torna-se globalizado e

estrutural, atingindo todos os trabalhadores qualificados ou não e, sobretudo,

sofrendo pressão da juventude por empregos. E é nesse contexto que é

propagado pelos interlocutores da dita sociedade do conhecimento, da

sociedade ―pós-capitalista‖, da sociedade ―pós-empregos‖, a retórica do

empreendedorismo com todas as competências gerenciais, intelectuais,

humanas, sociais, profissionais, além da reserva financeira e dos

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relacionamentos. É sob essa perspectiva que se dissemina a pedagogia das

competências, atingindo a educação formal e informal.

O próximo capítulo procura fazer uma articulação entre essas

concepções acima discutidas e a pedagogia da competência, cujas diretrizes,

na atualidade, integram os programas e projetos de qualificação profissional e

que estão materializadas no Projeto Juventude Empreendedora.

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2 QUALIFICAÇÃO PARA O EMPREENDEDORISMO:

FORMANDO PARA OS NOVOS TEMPOS

Este capítulo pretende, mesmo que sucintamente, recuperar o

debate que vem se processando sobre a importância da educação e,

particularmente, da educação profissional centrada no empreendedorismo

enquanto exigência do mercado em transformação. Para isso, imbricam-se

diferentes concepções e propostas, que remetem às visões de mundo, de

trabalho e de educação construídas historicamente e que, na

contemporaneidade, ganham novos matizes em função das mudanças no

mundo do trabalho.

Adentraremos nos postulados da pedagogia das competências que

hoje está nos discursos de amplos setores da sociedade: patrões, políticos,

profissionais da educação e dos trabalhadores, e, como não poderia deixar de

ser, nas políticas públicas de qualificação profissional, materializadas nos

documentos oficiais e nos seus projetos.

2.1 Educação para a competência na “nova” paisagem capitalista

Nos seus estudos sobre qualificação profissional versus

competência, Hirata (1988) analisa que há uma redefinição do conceito de

qualificação para competência no modelo conhecido como acumulação flexível.

As competências necessárias, segundo a autora, seriam a capacidade de

pensar, de decidir, de ter iniciativa e responsabilidade, de fabricar e consertar,

de administrar a produção e a qualidade, indicando que cabe ao trabalhador

desenvolver tanto as competências sociais, as técnicas quanto as cognitivas

num clima de colaboração e de engajamento. Na perspectiva de Antunes

(2002), esse fenômeno além de manter a intensificação do trabalho, acaba por

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capturar a subjetividade da classe-que-vive-do-trabalho,23 assumindo um

caráter manipulatório.

Esse discurso de valorização da competência surge no contexto da

crise aguda do capital com modificações na produção e nas relações de

trabalho próprias dos países capitalistas avançados. Contudo, com a

mundialização do capital, essas novas formas conhecidas como acumulação

flexível penetram na maioria dos países, convivendo lado a lado com modelos

tayloristas e fordistas. Harvey (2005) demonstra como esse processo de

controle se manifesta:

A familiarização dos assalariados foi um processo histórico bem prolongado (e não particularmente feliz) que tem de ser renovado com a incorporação de cada nova geração de trabalhadores à força de trabalho. A disciplinação da força de trabalho para os propósitos de acumulação de capital [...]. Ela envolve, em primeiro lugar, alguma mistura de repressão, familiarização, cooptação e cooperação, elementos que têm de ser organizados não somente no local de trabalho como na sociedade como um todo [...]. A educação, o treinamento, a persuasão, a mobilização de certos sentimentos sociais (a ética do trabalho, a lealdade aos companheiros, o orgulho local e nacional) e propensões psicológicas ( a busca da identidade através do trabalho, a iniciativa individual ou solidariedade social) desempenham um papel e estão claramente presentes na formação de ideologias dominantes cultivadas pelos meios de comunicação de massa, pelas instituições religiosas e educacionais, pelos vários setores do aparelho do Estado (HARVEY, 2005, p. 119).

Esse processo também é conhecido como toyotismo, ―empresa

enxuta‖ que toma forma no capitalismo monopolista. Surgiu no Japão, depois

da Segunda Guerra Mundial, e com ele toda uma reestruturação da produção

com forte teor psicologizante que envolve o trabalhador e ao mesmo tempo,

serve mais para explorá-lo sob novas relações de trabalho, com trabalhadores

com emprego temporário, parcial, terceirizados, além do sistema de empresas

subcontratadas. Convivem trabalhadores qualificados que dominam o

conhecimento da ―era da informática‖. Estes são mais absorvidos pelas

empresas; no entanto, são mais exigidos executando diversas atividades,

23

Para Antunes (2002) a classe-que-vive-do-trabalho consiste na classe trabalhadora representada por

homens e mulheres que vendem sua força de trabalho, não se restringindo aos chamados proletários que são aqueles que estão diretamente envolvidos na produção capitalista e geram mais-valia. Incorpora, nesse conceito, a totalidade dos trabalhadores assalariados.

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enquanto a maioria permanece à espera das necessidades das empresas, para

executar tarefas que exigem menos conhecimento (ANTUNES, 2002).

Zarifian (2001), analisando a introdução do conceito de competência

em face do desemprego, refere-se a mudanças nos critérios de seleção,

conferindo alta seletividade dos trabalhadores, os quais longe de incluí-los,

conduziram grandes parcelas dos assalariados ao desemprego e à

precariedade na França. Para ele, a lógica das competências integra grandes

ambiguidades. Esse novo paradigma viria superar o modelo até então utilizado

das qualificações para o posto de trabalho. Essa mudança introduziu no

discurso o reconhecimento dos ―recursos humanos‖, diferenciando-se da

produção taylorista, em que o cerne das preocupações dos gerentes era o

esforço físico, a destreza manual e a gestão do trabalho. Assim difundiu-se,

nos meios empresariais, que, na produção flexível, novas competências

deveriam ser avaliadas, não somente a competência (no singular) do ―saber-

fazer operacional‖ focalizado no cargo.

A avaliação do desempenho dos trabalhadores deve, agora, não

centrar nas habilidades corporais, ou seja, na sua agilidade no exercício de

suas funções; agora, a inteligência do trabalhador é requerida no processo do

trabalho. O autor discorda dessa perspectiva, uma vez que, de uma maneira

geral, um trabalhador não executa suas atividades sem seu ―cérebro‖. Para o

autor, apesar do discurso aparentemente inovador, o trabalhador continuou

sendo um recurso a ser investido em função do posto de trabalho, e não em

função dos interesses do trabalhador, que permanece alheio às decisões e à

compreensão dos processos produtivos. No contexto deste ―novo referencial‖

os trabalhadores deveriam ser, finalmente, valorizados tendo o poder de

decisão no que se refere aos processos produtivos e da evolução da

organização do trabalho, dentre outras ações. Nas palavras do autor:

Antes de tudo, no que concerne ao plano conceitual, é preciso notar que apesar do uso abundante do termo competência, ele continua muito marcado pelas ferramentas e abordagens dos anos 70, elas mesmas construídas não em torno da noção de ―competência‖, mas de ―qualificação do emprego‖. Por um estranho descompasso histórico e uma curiosa confusão semântica, é um modelo ―dinâmico‖ e ―amplo‖ do posto de trabalho que continua impondo-se, de acordo com os mesmos princípios de ajustamento do empregado ao emprego, apesar de intenso esforço para apresentar esse

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procedimento como algo inovador. [...] de sorte que as competências reconhecidas não são outra coisa senão uma forma de ajustamento de capacidades dessas pessoas às tarefas que definem o conteúdo do emprego. Fica-se basicamente, no âmbito do modelo taylorista, que presume uma passividade total do individuo em relação a requisitos de qualificação que foram predeterminados e objetivados e aos quais deverá adaptar-se para parecer ―competente‖ (ZARIFIAN, 2001, p. 30).

Ainda segundo Zarifian (2001), dentro do referencial das

competências, foram introduzidas as competências ditas sociais: é o ―saber-

ser,‖ que representa a personalidade do trabalhador, dentre as quais a

iniciativa, o autocontrole, a liderança, ―[...] cuja conseqüência mais importante

era desqualificar os que não exigiam tais traços de personalidade‖ (ZARIFIAN,

2001, p. 32), que, segundo autor, acaba por avaliar os trabalhadores pelas

suas qualidades pessoais, não escapando da qualificação tradicional que esse

modelo pretende superar. O trabalhador, neste contexto, é ―um portador de

capacidades‖.

O discurso da competência que ganha importância nas organizações

vem valorizar os talentos dos ―colaboradores‖, o ―capital humano‖ e mais

recentemente o ―capital intelectual‖. Aqui a competência individual se agrega à

competência organizacional. Minarelli (1995) associa competência a ação, que

se manifesta na biografia do indivíduo, na sua formação e no seu exercício

profissional. Ser competente é dar resultados. O comportamento organizacional

passa a ser um campo de estudos, objetivando saber o que fazer para que o

comportamento individual afete positivamente o desempenho das empresas.

O intraempreendedorismo ou empreendedorismo corporativo é o

―colaborador‖ portador de todas essas competências, principalmente, pela sua

capacidade de inovar, de propor soluções, otimizando os resultados

(DOLABELA, 2003). Este empreendedor também corre riscos, já que suas

ideias inovadoras podem não dar resultados esperados como: aceitação da

clientela, solução de algum problema e lucratividade. O empreendedor interno

investe seu conhecimento e tempo na execução de algum projeto que venha

agregar valor à empresa.

Não é à toa que hoje as organizações vêm se utilizando da chamada

Gestão por Competências, buscando identificar as habilidades, conhecimento e

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atitudes daqueles que já estão na empresa ou pretendem concorrer a algum

cargo. Pelos teóricos da organização e da Gestão por Competências, a

―globalização‖ estaria exigindo que se busquem resultados, e quem fornece os

resultados são as pessoas, portanto a riqueza de uma organização está

diretamente associada ao conhecimento e às habilidades de suas equipes

(DAÓLIO, 2004).

Dialogando com Fernandes (2006), uma forma de saber se o

indivíduo está se desenvolvendo é verificar o grau de tarefas complexas que

ele atinge no interior da empresa. Para se medir o grau de desempenho

organizacional do ―colaborador‖, foram formulados inventários de competências

para que o recrutamento, a seleção e o treinamento constituam instrumentais

imprescindíveis para auxiliar o processo de absorção dos melhores

profissionais.

Ainda segundo o mesmo autor, as competências humanas

necessárias à organização passam por orientações para resultado, para a

gestão de prazos visando à qualidade. A competência é permeada por ―duas

dimensões: conhecimentos, habilidades e atitudes, de um lado, e a mobilização

ou aplicação desses num contexto concreto (a entrega)‖ (FERNANDES, 2006,

p.51).

Difunde-se o discurso sobre a necessidade de mais conhecimento,

numa sociedade em que o desenvolvimento científico e tecnológico supera as

exigências da produção taylorista/fordista pautada no trabalho fragmentado e

que não favorecia o desenvolvimento intelectual. A produção flexível advinda

do toyotismo, promoveria o desenvolvimento global de todos os trabalhadores.

Entretanto surgem propostas educativas, tanto no âmbito da educação formal

quanto informal, acenando para a desvalorização do conhecimento teórico em

prol de um saber cotidiano que proporcione ao trabalhador, proveniente das

classes desfavorecidas socioeconomicamente, um conhecimento básico que

lhes permitam apenas manejar e não compreender a tecnologia aí embutida.

Na contramão deste discurso, as organizações, segundo Fernandes

(2006), estariam demandando dois tipos de trabalhadores: profissionais com

maior desenvolvimento e capacidade de abstração, com ―maior grau de

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sofisticação,‖ recebendo um salário mais diferenciado, assumindo atividades

mais complexas, e trabalhadores menos desenvolvidos, ou seja, aqueles que,

pela sua situação de classe, não puderam ter acesso a esse conhecimento

sofisticado.

Os profissionais com ―maior desenvolvimento‖ são os mais

demandados para a execução das atividades que exigem um conhecimento

complexo advindo de uma formação universitária de qualidade. Assim, ―A

empresa paga mais porque o indivíduo agrega mais valor à organização;

agrega mais valor porque assume responsabilidades de maior complexidade; e

assume tais atribuições à medida que é mais desenvolvido‖ (FERNANDES,

2006, p.56, grifo nosso). Aqui fica claro que a empresa quer profissionais que

dominem um amplo conjunto de conhecimentos que pressupõe um grau de

abstração para ser possível prever as dificuldades, encontrando as soluções

em tempo recorde. O profissional que possui todas as competências, com

certeza adquiriu os conhecimentos para propor soluções para os problemas

que se apresentam no cotidiano da empresa/organização.

Do exposto, apesar de as empresas estarem na atualidade

acentuando as competências atitudinais, que são as mesmas que os

empreendedores possuem, não descuidam das competências intelectuais e

técnicas que o cargo exige. Há, portanto, o mapeamento das competências de

uma organização e de um cargo identificando as habilidades humanas

requeridas necessárias para execução de várias atividades no interior de uma

organização, quais sejam: a capacidade (competência) de trabalhar com

pessoas, de comunicar-se, compreender o outro, motivar, delegar tarefas, ter a

inteligência emocional (competências comportamentais); as habilidades

conceituais (competência), ou seja, a capacidade mental para analisar e

diagnosticar situações, tomando decisões com base na identificação dos

problemas, propondo soluções, avaliando e interpretando racionalmente as

informações, fundamentada numa educação formal e acadêmica solidificada

e,finalmente, as habilidades técnicas (competências) que englobam a aplicação

de conhecimentos.

Possuindo todas essas competências, identificadas por ocasião do

recrutamento e da seleção, significa que o profissional tem a chamada

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―empregabilidade‖, pois reúne condições de assumir diferentes atividades na

empresa, de forma ―polivalente‖, independentemente do cargo para o qual foi

contratado, ou de outra forma, o cargo em si comporta diferentes

responsabilidades e experiências mapeadas na descrição de cargos, porém o

valor do salário, na maioria das vezes, não acompanha a intensidade e nem

sempre, a complexidade das atividades.

Normalmente, as entrevistas e os treinamentos por competências

mapeiam as seguintes competências/habilidades: 1. comunicação (assertiva,

objetiva, equilibrada, clara, convincente, argumentativa), 2. habilidade de julgar

e tomar decisões com precisão e poder analítico, habilidade de planejar e

executar, maximizando os resultados a alcançar; 3. orientação para resultados,

significa que os colaboradores devem ter a capacidade de atingir resultados

otimizando os recursos. 4. dinamismo, implica a capacidade de realizar várias

atividades com qualidade; 5. controle emocional e autoconfiança, pressupõe a

capacidade de trabalhar sob pressão, sem demonstrar insatisfação pois confia

em si mesmo, gosta de assumir desafios; 6. organização, capacidade de

otimizar os recursos matérias, humanos na execução da atividade; 7. trabalhar

em equipe, capacidade de se relacionar positivamente com os outros,

aceitando as opiniões diferentes; 8. persuasão, poder de argumentação e

negociação. 9. relacionamento interpessoal, implica ter empatia, manifestar-se

afável; 10. liderança, implica em ser aceito por todos da equipe, dividir

informações, delegando responsabilidades, empoderando as pessoas com

objetivo de desenvolvê-las; 11. Criatividade, descobrir novas soluções para os

problemas; 12. flexibilidade, implica ceder diante de argumentos mais

consistentes, ser maleável, adaptar-se conforme a situação; 13. iniciativa,

aproveita as oportunidades, age rápido e preventivamente; 14. integridade, age

de acordo com os princípios e valores moralmente aceitos; 15. Networking, que

tem uma rede de relacionamentos (DAÓLIO, 2004). Portanto, fica evidente que

o empregador tem condições de captar no mercado, o profissional que

contemple a maioria dessas competências. Sobretudo, quando ao seu lado

existe um exército de reserva ansioso para vender sua força de trabalho.

Markert (2004), fazendo uma análise sobre o advento do conceito de

competência em substituição ao conceito de qualificação ocorridos, na França

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e Alemanha, a partir nos anos 1980, vem contribuir com o debate, quando

assinala que essa categoria adentra nas discussões sociológicas em

decorrência da transição ―do modo de produção taylorista para um modelo que

favorece o trabalho em grupo e em rede‖ (2004, p. 4) e da individualização que

permeia as relações sociais.

O autor concorda que o conceito de competência, desenvolvido na

Alemanha, poder vir a favorecer o fortalecimento de uma pedagogia que

promova a participação, implicando que o trabalhador possa ―intervir mais

democraticamente nas mudanças técnicas e organizacionais no trabalho‖

(idem, p. 133). Este conceito foi introduzido na década de 1960, nas escolas

alemãs, por ocasião da reforma básica dos currículos. Os argumentos giravam

em torno das seguintes questões:

1. As mudanças no mundo do trabalho exigem não apenas maior qualificação dos empregados, mas também uma ampliação do conteúdo de suas capacidades profissionais; 2. As futuras exigências de qualificação para o trabalho são cada vez menos prognosticáveis; 3. A didática tradicional orientada pelo treinamento para o posto de trabalho precisa de uma reforma significativa (MARKERT, 2004, p. 134).

Esse debate se justificava em função das transformações no mundo

do trabalho. A formação escolar e profissional exigia, na época, um profissional

com a ―capacidade de adaptação a situação não-prognosticáveis‖ (MARKERT,

2004, p. 134).

As empresas, na necessidade de competir tanto internamente

quanto externamente, precisam, para existir, desenvolver constantemente

novas formas de tecnologias e metodologias eficientes para atender as

necessidades de rentabilidade do capital sob risco de sucumbir. Nessa arena, a

educação funciona como propagadora dos valores que estão sendo gestados

na sociedade. Segundo Markert (2004):

Defendia-se, portanto, que os objetivos de uma aprendizagem para o futuro deveriam ter uma relação com as formas interativas de comunicação no trabalho e na vida, para que as competências instrumental e comunicativa tivessem, no futuro, uma melhor interligação com a prática pedagógica. Isso significava para a prática pedagógica o abandono: a) da predominância do ―ensino‖ do conhecimento do fato; b) dos planos de ensino inflexíveis; c) dos princípios das matérias e d) da aula frontal (p.135).

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Para Markert, esses princípios pretendem introduzir, no campo

educacional e da vida, uma aprendizagem por descobertas pautada na

resolução de problemas. Assim, novas qualificações e capacidades

(competências) devem ser problematizadas pela pedagogia. Já na década de

1980, uma corrente dos sociólogos do trabalho introduz ―a tese de que a

―qualificação‖ para o trabalho pode vir a ser a ―formação da personalidade‖

(2004, p. 136). As aspirações individuais, subjetivas podem ser transferidas

para outros setores da vida, como, por exemplo, a empresa. O que estava se

propondo era:

a) Ampla capacidade para pensar lógica, analítica, estrutural, conceitual e criativamente (qualificação de base); b) a capacidade de receber, interpretar e trabalhar informações; c) o desenvolvimento de habilidades para além das utilizadas no local de trabalho; d) o conhecimento e as capacidades de manutenção, assistência e controle de qualidade. [...] Nas discussões sobre qualificações-chave surgiu a proposta de substituir a noção pelo conceito de competência, que implica uma maneira mais compreensível da relação da educação com a ação (MARKERT, 2004, p. 137).

Pelo exposto, houve uma ampliação das capacidades a serem

transmitidas/trabalhadas com os alunos, tanto no contexto escolar quanto no

de profissionalização. Resta saber se efetivamente essa pedagogia cumpriu

com as promessas e até que ponto contribuiu para a democratização, com

participação e direito de decisão em todos os campos da vida.

A realidade econômica e social na qual esse conceito teve sua

gênese difere qualitativamente da realidade dos países em desenvolvimento ou

subdesenvolvidos para onde são transpostos esses conceitos. Ademais,

mesmo nesses países, esse conceito é questionável. No entanto, a própria

mundialização do capital ou globalização da economia com suas empresas

transnacionalizadas, descentralizadas, rompe com a perspectiva de um

desenvolvimento local completamente autônomo.

Mas, discorrendo sobre a novidade requerida pela sociedade alemã,

percebe-se, no decorrer das argumentações de Markert (2004), o

direcionamento dessa pedagogia para as exigências da organização capitalista

em transformação que atinge todos os setores da vida. O ensino dos

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conteúdos perde o privilégio em função das necessidades que emergem no

cotidiano sendo necessárias resoluções rápidas. Daí vejamos:

Para o planejamento desses novos conceitos fabris de formação nas empresas foram definidos os seguintes critérios:

Aprender e trabalhar em grupo.

Aprender e trabalhar no processo de ação profissional.

Aprender em tarefas integrais (projetos, encomendas), compreendendo o contexto fabril.

Definir o local de trabalho (trabalho qualificante) como local de aprendizagem (MARKERT, 2004, p. 142).

Conforme essa nova proposta, segundo o autor, dez empresas piloto

foram adotando essas máximas e houve o redirecionamento da formação

profissional nesses conceitos pedagógicos patrocinadas pelo Ministério da

Educação, com apoio dos sindicatos. A questão girava em torno de saber como

fazer da competência profissional um processo de aprendizagem que responda

à demanda da realidade do trabalho e que forme o trabalhador para a vida.

Para melhor compreendermos essas ilhas de produção, continuaremos com as

explicações do autor:

A ilha de aprendizagem é um local descentralizado não num centro de formação, mas diretamente na produção ou na montagem. Com isso não é somente uma ―reprodução didática‖ da realidade, mas também tem uma forte orientação na realidade da produção, visto que possui encomendas reais de trabalho. A diferença para a ―realidade fabril‖ está no fato de que para os participantes – aprendizes e formadores – ela é um modelo pedagógico e não sofre pressão de tempo e concorrência. [...] Elas são, portanto, um importante meio pedagógico que pode transmitir o princípio didático da orientação para a ação, para o desenvolvimento da competência profissional para a ação integral, no sentido da participação consciente na plena organização das tarefas e estruturas de trabalho (MARKERT, 2004, p. 145).

Para seguir esses pressupostos, urge que a escola forme novos

profissionais, professores e formadores ―o qual pode ser adquirido por meio de

planejamento e acompanhamento consciente desses modelos‖ (MARKERT,

2004, p.146), que, segundo esse autor, conduzirão a uma organização

inovadora, então

uma educação por competência, as dimensões materiais, sociais, metódicas e auto-reflexivas do processo educacional devem ser entendidas como processo integral. Dessa maneira, as categorias

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básicas indicam o desenvolvimento das potencialidades subjetivas como: conhecimento técnico, compreensão integral, reflexão crítica, interação comunicativa e participação cooperativa em planejamentos, decisão e ações profissionais, organizações e sociais (2004, p. 149).

Como não poderia deixar de ser, a escola está sendo chamada a

repensar suas pedagogias e práticas de ensino, objetivando formar um novo

homem que possa responder aos desafios contemporâneos da sociedade

capitalista e do mundo do trabalho.

A educação formal e informal é valorizada como locus para

desenvolver as competências de seus alunos e prepará-los para o

enfrentamento dos problemas novos de forma eficaz e original e, como

consequência, as instituições escolares e as instituições que realizam

educação profissional, a cada dia, inventam mais métodos, técnicas e didáticas

com soluções paliativas que contemplem o viés da competência.

Perrenoud (1999) é um autor importante na discussão sobre

competência no âmbito educacional, principalmente quando essas ideias

ganham corpo, em função das exigências do mercado. O autor defende uma

escola que busque desenvolver uma pedagogia centrada nas competências,

que não rejeite os conteúdos, criticando os autores que polemizam entre a

primazia dos conteúdos versus os partidários das competências transversais.

Para ele, ambos são importantes e podem englobar interações sociais,

cognitivas, afetivas, culturais e psicomotoras entre o educando e seu contexto

social.

Essas questões ganham relevância, principalmente, quando, na

―sociedade do conhecimento,‖ a educação é a tônica consensual como fator

que gera o desenvolvimento e que o conhecimento especializado de alto nível

promoverá a empregabilidade, como bem salienta Drucker:

O ensino universal de alto nível é a primeira prioridade. Ela é a base. Sem ele, nenhuma sociedade poderá esperar ser capaz de alto desempenho no mundo pós-capitalista e em sua sociedade do conhecimento. Equipar os estudantes com meios para que eles realizem, contribuam e sejam empregáveis também é o primeiro dever de qualquer sistema educacional (DRUCKER, 1993, p.154, grifo nosso).

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Fica claro que Drucker (1993), assim como Minarelli (1995)

reconhecem que o conhecimento é fundamental na nova paisagem capitalista,

por isso não é à toa que a sociedade se denomina de ―conhecimento‖, na qual

o capital intelectual é o diferenciador das empresas e ganha inclusive um

patamar de quantificação (apesar da dificuldade da mensuração contábil),

porém sempre houve e haverá formas de avaliar o desempenho dos

―colaboradores‖ e vendedores de conhecimento que serão agregados ou

descartados pelas empresas, de acordo com o domínio das competências.

Então, até que ponto essa ―educação integral‖ por competências

formará realmente os alunos, futuros trabalhadores e construtores de novas

tecnologias e de uma sociedade mais justa, quando a esta se dirige mais para

resoluções de problemas e por projetos?

Lembrar o que os autores defendem, tem a finalidade de salientar

que a ―sociedade do conhecimento‖ propaga na sua retórica, a necessidade de

formar seres pensantes, criadores, com iniciativa, flexíveis e que tenham um

saber-fazer consequente, eficiente, eficaz, que promova ganhos de

produtividade para os capitalistas e ficarão nos escassos empregos os

melhores, os mais competentes, os que tiveram uma formação universitária. Os

―outros‖ (os trabalhadores manuais) terão que desenvolver tais competências e

não somente as características atitudinais se quiserem competir.

De fato, o desenvolvimento das novas tecnologias tem liberado a

força física dos trabalhadores que foi repassada para as máquinas e

programas ―pensantes‖, mas que, por sinal, constituem trabalho materializado,

coletivamente desenvolvido. Na divisão social do trabalho, no capitalismo,

pensar e criar essas tecnologias fica a cargo da classe dominante. Essa

tecnologia está exigindo dos trabalhadores conhecimentos básicos que os

permitam seguir determinadas sequências, apertar determinadas teclas, alguns

comandos e, adiante, a máquina faz o resto. Não é à toa que cursos e mais

cursos de informática são o novo ―abecedário‖. Que conhecimentos são estes?

Quais conteúdos realmente estão sendo repassados nas escolas públicas? e

nos cursos profissionalizantes iniciais e técnicos? Em que medida a pedagogia

das competências vem suprir a falta de uma educação integral?

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Contrária a essa pedagogia das competências, Kuenzer (2007)

compreende que a educação cumpre determinadas funções no mundo da

produção, estando a escola responsável pela elaboração de propostas a partir

das exigências de uma sociedade de classes. A história do ensino no Brasil

não conseguiu romper com a dualidade entre ensino propedêutico e a

formação profissional, apesar de algumas tentativas de integração, sem

sucesso, pois, no final, a lógica da divisão social e técnica do trabalho

permaneceu a mesma: educação profissional para os trabalhadores e

educação científica para os filhos das classes abastadas.

O paradoxo acontece na contextualidade quando, nas palavras da

autora:

O desenvolvimento científico e tecnológico, quando mais avança, mais introduz uma contradição na relação entre educação do trabalhador e processo produtivo: quanto mais se simplificam as atividades práticas no fazer, mais complexas se tornam no gerenciamento e na manutenção, em decorrência do desenvolvimento científico que encerram. Ou seja, o trabalho mais se simplifica enquanto mais se torna complexa a ciência; como decorrência, a se exigir menos qualificação do trabalhador, mais ele se distancia da compreensão e do domínio das tarefas que executa (KUENZER, 2007, p. 35).

Por outro lado, o capital está exigindo um homem ―capaz de atuar na

prática, trabalhar tecnicamente e ao mesmo tempo intelectualmente‖ (idem, p.

36). O trabalhador tradicional que fazia uso das mãos e da força de trabalho

está sendo descartado. Caso queira permanecer no mercado, deve se

apropriar desse conhecimento e adquirir novas competências. Daí, para autora,

a necessidade de um ensino que unifique ―a função intelectual da função

técnica‖. Assim, na defesa de um ensino unitário, a autora advoga:

Neste sentido, a escola que se tem hoje já não serve sequer aos interesses do capitalismo, que busca superar concretamente as dificuldades que a aplicação rigorosa da divisão técnica do trabalho impõe ao seu desenvolvimento. Hoje, para o capital, ―o gorila amestrado‖ não tem função a desempenhar. O capital precisa, para se ampliar, de trabalhadores capazes de desempenhar sua parte no acordo social imposto pelas relações de trabalho, pelo cumprimento dos seus deveres e ao mesmo tempo capazes de incorporar as mudanças tecnológicas, sem causar estrangulamento à produção. Para tanto, a mera educação profissional já não é suficiente. Por isso, o próprio capital reconhece que os trabalhadores em geral precisam

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ter acesso à cultura sob todas as suas formas, para o que é indispensável uma sólida educação básica (Idem, p. 37).

De fato, esse pensamento até corresponde com o discurso dos

teóricos da sociedade do conhecimento. No entanto, a autora defende que

esse conhecimento seja difundido para todos, havendo uma íntima relação

entre cultura e produção, e não apenas para uma parcela da sociedade. Já os

teóricos do capital não estão interessados em lutar por uma educação de

qualidade para todos, apesar anunciarem sua relevância. Ademais, com um

imenso número de pessoas qualificadas desempregadas, eles sabem aonde

buscar seus parceiros, um público específico, ou seja, aqueles que podem ter

esse conhecimento em função de sua condição de classe. As organizações, de

uma maneira geral, ainda precisam de profissionais para ocuparem cargos, tais

como os de auxiliar administrativo, de técnico de segurança no trabalho, de

auxiliar de enfermagem, dentre outras profissões, e sabem em que classe vão

recrutar esses profissionais que devem ter introjetado o perfil empreendedor e

o paradigma da flexibilidade.

Os teóricos da classe dominante não querem prescindir dos

conhecimentos teóricos produzidos pela humanidade que dão condições para

pensar e criar novas tecnologias, conhecimentos para o desenvolvimento da

sua produção e da sociedade, porém, no contexto de redefinição das relações

na produção, a pedagogia da competência, quando focaliza em situações-

problema apresentadas pelos alunos, tendo como base suas experiências, não

conseguirá formá-los nem para as demandas do capitalismo, salvo para

aqueles cargos que continuam demandando profissionais com o mínimo de

conhecimentos.

A classe dominante também não quer prescindir de um trabalhador

complacente, maleável, que aceita as novas regras, muitas vezes contrárias

aos interesses do trabalhador. Esse trabalhador deve ser cooperativo,

submisso, que busca sempre aprender, que se doa,comprometendo, inclusive,

seu horário de descanso, que sabe resolver problemas, que dá tudo de si para

manter-se empregável. A pedagogia das competências parece estar mais

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preocupada com essas características atitudinais e comportamentais que a

empresa precisa.

Perrenoud (1999), num primeiro momento, nos tranquiliza quanto a

essa questão, quando ventila que os conteúdos não serão minorizados, o que

acrescenta é um olhar para a experiência dos alunos, seu saber, suas

inquietações, fruto de um sujeito que está no mundo, atravessado por desafios

que estão necessitando de novas repostas. Dito isso, vamos adentrar um

pouco no seu pensamento e identificar esses pressupostos que buscam uma

educação que realmente possa caminhar para o desenvolvimento da

humanidade.

Primeiramente, o autor acima citado diagnostica que o sistema

escolar não evolui, apesar de a procura estar aumentando, questiona até que

ponto a maior escolaridade dos jovens o estão tornando ―mais tolerantes, mais

responsáveis e mais capazes do que seus predecessores para agir e viver em

sociedade‖ (PERRENOUD, 1999, p. 14). Para o autor, todos os segmentos da

sociedade querem uma escola mais eficaz que prepare para a vida e sem ter

muito custo financeiro. Assim,

O desenvolvimento mais metódico de competências desde a escola pode parecer uma via para sair da crise do sistema educacional. [...] A abordagem dita ― por competências‖ não faz senão acentuar essa orientação.[...] a evolução do mundo, das fronteiras, das tecnologias, dos estilos de vida requer uma flexibilidade e criatividade crescentes dos seres humanos, no trabalho e na cidade. [...] a abordagem por competências não rejeita nem os conteúdos,nem as disciplinas, mas sim acentua sua implemenação (Idem, p. 15).

A escola, como uma instituição social, segue os anseios da

sociedade como um todo, num palco em que são encenados discursos e

interesses contraditórios que deveriam pressupor diálogo com as partes

interessadas e não apenas com um grupo dominante que impõe o que a

sociedade deseja como formação.

Pelo exposto, na França, houve um anseio geral por mudanças,

desclassificando a escola de então, em busca de uma outra mais condizente

com a realidade. Uma escola que permita a apreensão da realidade como

diriam os integrantes do Grupo Francês de Educação Nova, a que Perronoud

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se reporta. É desses estudiosos que surge a indagação: para que serve ir à

escola, se não se adquire nela os meios para agir no mundo e sobre o mundo?

Daí o autor fala de ―uma tensão entre os que querem transmitir a cultura e os

conhecimentos por si e os que querem, nem que seja em visões contraditórias,

ligá-los muito rapidamente a práticas sociais” (1999, p. 14). Então, o cenário

comporta um campo heterogêneo composto de conservadores, democratas e

elites. Contudo, para clarear a ideia do autor, a seguinte citação resume seu

pensamento em torno desse debate:

Seria muito restritivo fazer do interesse do mundo escolar pelas competências o simples sinal de sua dependência em relação à política econômica. Há antes uma junção entre um movimento a partir de dentro e um apelo de fora. Um e outro nutrem-se de uma forma de dúvida sobre a capacidade do sistema educacional para tornar as novas gerações aptas a enfrentarem o mundo de hoje e o de amanhã (PERRENOUD, 1999, p. 14).

Tudo leva a crer que, na França, assim como na Alemanha, a

educação estava passando por uma grande crise, na qual seus alunos estavam

saindo da escola, sem conseguir intervir nas soluções dos problemas. A

criatividade intelectual estagnou, em função de uma completa ruptura entre

teoria. Dando sequência às ideias de Perrenoud, faremos um breve

comentário, de acordo com cada ponto explicitado pelo autor.

Entenda-se: não se trata de renunciar a qualquer ensino ―organizado‖. Pode-se muito bem imaginar a harmoniosa coexistência das duas lógicas, desde que não se esqueça de que, por natureza, a lógica do ensino é imperialista, que jamais há tempo suficiente de expor ―mínimo do que se deve saber antes de agir‖. Isso leva os currículos clássicos de medicina a concentrar três anos de teorias – física, química, biologia, anatomia, fisiologia, farmacologia, etc. – antes de ser iniciada a primeira experiência clínica. Para manter-se um improvável equilíbrio, é sensato inscrevê-lo no dispositivo e, em um certo sentido, impô-lo a cada professor, para ajudar este último a lutar contra a tentação de voltar para a uma pedagogia da ilustração da teoria com alguns casos concretos no fim do percurso. (...) trabalhar para o desenvolvimento de competências não se limita a torná-las desejáveis, propondo uma imagem convincente de seu possível uso, nem eliminando a teoria, deixando entrever sua colocação em prática. Trata-se de ―aprender, fazendo, o que não se sabe fazer‖ (PERRENOUD, 1999, p.55, grifo do autor).

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Diante dessa citação tão esclarecedora, é completamente

incompreensível como o autor vem defendendo a articulação entre os

conteúdos e a prática, e dá uma declaração absurda sobre o ensino, sobre as

teorias e ainda culmina sua colocação com a frase ―aprender, fazendo, o que

não se sabe fazer‖. E, para fechar com ―chave de ouro,‖ vamos expor uma

pérola de Perrenoud, quando diz que falta tempo para que se trabalhe com

competências e conteúdos:

A escola está, portanto, diante de um verdadeiro dilema: para construir competências, esta precisa de tempo, que é parte do tempo necessário para distribuir o conhecimento profundo. [...] Tal treinamento é possível se o sujeito tiver o tempo de viver as experiências e analisá-las. Por essa razão é impossível, em um número limitado de anos de escolaridade, cobrir programas pletórios de conhecimentos, senão abrindo mão, em grande medida, da construção de competências. Afinal de contas, conhecimentos e competências são estreitamente complementares, mas pode haver entre eles um conflito de prioridade, em particular na divisão do tempo de trabalho na aula (IDEM, 1999, p. 7 e 10).

Desta forma, fica evidente, no decorrer de sua explanação, que essa

pedagogia vai levar a uma completa descaracterização do ensino, pois é

ambígua. Há momentos em que competência inclui conteúdos e teorias

(integrando conhecimentos, habilidades, características pessoais e

interpessoais, para fazer frente às necessidades postas pelo mundo e às

necessidades dos alunos); e outros, em que nega os conhecimentos. Desta

forma, suspeitamos que essa pedagogia não levará à sociedade do

conhecimento que os teóricos anunciam.

A pedagogia das competências se propõe a formar para o trabalho e

para a vida. E aqui fica claro o engodo dessa abordagem. Indagamos: como

um médico ou qualquer profissional pode realizar seus procedimentos sem

saber o que está fazendo? Aprendendo na hora, aprendendo errando?

Aprendendo fazendo?

A abordagem por competências convida, ―firmemente‖, os

professores a:

―Considerar os conhecimentos com recursos a serem

mobilizados‖: aqui o autor defende que o conhecimento erudito não tem valor

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quando não consegue, no momento certo, ser um recurso para identificar

problemas e propor soluções, estando mais centrados numa ação pensada,

ditada pelo conhecimento e pela razão. Para esclarecer melhor: ―A formação

de competências exige uma pequena ―revolução cultural‖ para passar de uma

lógica de ensino para uma lógica do treinamento (coaching)‖ (PERRENOUD,

1999, p. 54)

―Trabalhar regularmente por problemas‖: implica trabalhar por

situações–problema estimulantes em grupos para aprendizados específicos

objetivando a superação de obstáculos previamente identificados.

“Criar ou utilizar outros meios de ensino”: não há necessidade

de caderno e atividades prontas, mas situações apaixonantes.

“Negociar e conduzir projetos com seus alunos”: ouvir as

sugestões dos alunos de forma que a aprendizagem seja significativa.

“Adotar um planejamento flexível e indicativo e improvisar”:

o novo conteúdo vai depender do nível e da implicação do aluno, ou seja,

―trata-se de empreendimento com resultado desconhecido, que ninguém, nem

sequer o professor, jamais viveu em condições exatamente iguais‖.

Anteriormente, o autor salienta [...] que, ao ser concluído um projeto, segue

outra aventura (idem, p. 63). Assim, a pedagogia da competência necessita de

um planejamento didático flexível.

“Implementar e explicitar um novo contrato didático”: nesse

novo contrato, busca-se a aceitação dos erros como fonte de aprendizagem,

valoriza-se a cooperação, ouvem-se os alunos, o professor se coloca no

mesmo patamar do aluno, sendo ambos interlocutores, torna-se um igual.

“Praticar uma avaliação formadora em situação de trabalho‖,

através de ―uma observação individualizada de uma prática, em relação a uma

tarefa‖ (idem, p. 66), pautada na autoavaliação e avaliação mútua.

“Dirigir-se para uma menor compartimentação disciplinar‖:

essa orientação pressupõe integrar nos programas e atividades didáticas,

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práticas transversais sendo necessário que os professores integrassem

durante ―parte de sua carreira ou horário de trabalho, funções menos centradas

na disciplina‖. Desta forma, os programas e atividades devem promover a

―estimulação de projetos coletivos, gestão da escola, acompanhamento de

projetos pessoais‖ (PERRENOUD, 1999, p. 68).

Depois dessa exposição, fica evidente que o ensino escolar

metódico e sistematizado está realmente em segundo plano, e Perrenoud,

apesar de vir tentando fazer, supostamente, a síntese de uma pedagogia que

prime pelo conteúdo e pela experiência dos alunos, acaba centrando nos

postulados da Escola Nova, acentuando a experiência, a vivência do aluno

numa denúncia de que a transmissão de conteúdo configura algo mecânico e

não-criativo, negando a liberdade, a espontaneidade do aluno, que nos faz

recordar Saviani (2008), quando vem criticar o escolanovismo e, para isso,

reporta-se aos postulados da Pedagogia Histórico-Crítica, que defende o

caráter intencional da educação e advoga:

A educação é entendida como ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Em outros termos, isso significa que a educação é entendida como mediação no seio da prática social global. [...] Daí decorre um método pedagógico que parte da pratica social em que o professor e aluno se encontram igualmente inseridos, ocupando, porém, posições distintas, condição para que travem uma relação fecunda na compreensão e no encaminhamento da solução dos problemas postos pela prática social. Aos momentos intermediários do método cabe identificar as questões suscitadas pela prática social (problematização), dispor os instrumentos teóricos e práticos para sua compreensão e solução (instrumentalização) e viabilizar sua incorporação como elementos integrantes da própria vida dos alunos (catarse) (2008, p. 421- 2).

Essa pedagogia, longe de centralizar-se na transmissão mecânica

dos conteúdos, encerra princípios que advogam a democratização do ensino e

da aprendizagem. Não centra no treinamento (coaching) que a pedagogia das

competências vem recuperar, inclusive das pedagogias tecnicistas. Valoriza o

ensino para que todos possam se apropriar do conhecimento, ou seja, a cultura

produzida historicamente nas relações sociais, relações essas que estão em

constante transformação. Daí a necessidade da problematização da realidade

como fenômeno não aparente em vez de ficar apenas com a situação-

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problema posta pelo cotidiano empírico dos alunos e do trabalho, ―numa

aventura inovadora‖. Perder de vista o saber do professor representa negar um

processo duramente conquistado de apropriação de conhecimentos

perpassados pela prática coletiva.

Essa proposta está muito além da pedagogia das competências e

também não constitui novidade. Todavia, por interesses políticos e ideológicos

(apesar das lutas em busca de uma educação integral que venha a incorporar

o conceito de trabalho como princípio educativo), está longe de ser

concretizada, pois na hora ―H‖ surgem retalhos que, inclusive, fazem com que a

escola seja taxada de inoperante, distante da realidade, autoritária, imperadora,

e de tantos outros adjetivos que não contribuem para a construção de uma

escola, em que pesem todas as suas contradições, como um espaço de

produção de conhecimentos e saberes, enfim, que forneça os instrumentos

teóricos e práticos que necessitam ser apropriados por todos.

Concordamos com Duarte (2008) quando afirma:

Não discordo da afirmação de que a educação escolar deva desenvolver no indivíduo a autonomia intelectual, a liberdade de pensamento e de expressão, a capacidade e a iniciativa de buscar por si mesmo novos conhecimentos. Mas o que estou aqui procurando analisar é outra coisa: trata-se do fato de que as pedagogias do ―aprender a aprender‖ estabelecem uma hierarquia valorativa, na qual aprender sozinho situa-se em um nível mais elevado do que o da aprendizagem resultante da transmissão de conhecimentos por alguém. [...] entendo ser possível postular uma educação que fomente a autonomia intelectual e moral por meio da transmissão das formas mais elevadas e desenvolvidas do conhecimento socialmente existente (DUARTE, 2008, p. 8).

Na pedagogia das competências, há uma preocupação muito mais

com a metodologia em sala, da relação professor e aluno, das avaliações, das

relações interpessoais, da comunicação, da iniciativa, da mobilização de

conhecimentos do cotidiano, fatos esses que são constantemente

questionados por educadores que, há muito tempo, vêm criticando os métodos

da pedagogia tradicional, porém, sem querer desprestigiar os conteúdos, ao

contrário, lutam por um ensino de qualidade, juntamente com metodologias que

facilitem a aprendizagem. Então, a pedagogia das competências, não

conseguirá formar alunos mais capazes intelectualmente, logo ―funcionais‖ para

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a sociedade ou para o capital ou para que Drucker (1993) chama de

―sociedade do conhecimento‖, sobretudo quando defendem o fornecimento de

mínimos conhecimentos, técnicas simples centradas em quem aprende,

redefinindo o conceito de ensino-aprendizagem.

Partindo da análise de Kuenzer (2007), podemos inferir que essa

acepção estaria na contramão até das demandas de expansão do capitalismo,

que, contraditoriamente, estariam exigindo novos princípios pedagógicos,

principalmente em função do desenvolvimento da ciência, da tecnologia, mas,

na prática, permanecem dois projetos pedagógicos: um para formar

trabalhadores intelectuais e outro para formar trabalhadores instrumentais.

Nesse contexto, a educação ganha preponderância no debate em

todas as esferas, mas o que observamos na prática são escolas públicas,

universidades públicas capitaneadas pela lógica do mercado, sendo

sucateadas e sem investimentos. Os professores ―correm‖ em busca de

financiamento para seus projetos, tendo que produzir desenfreadamente para

atingirem percentuais exigidos por instituições externas.

Pensando na realidade brasileira e mais especificamente na

cearense, esse ensino universal de qualidade está longe de acontecer, assim

como o fim da sociedade do trabalho. Concordamos com Frigotto (1995)

quando assinala que

A crescente literatura que desenvolve as teses do surgimento de uma sociedade do conhecimento sem classes, fundada não mais sobre os processos excludentes característicos de um processo produtivo transformador da natureza e consumidor de fontes de energia não renovável, mas de uma economia global onde o principal recurso é o conhecimento, o qual não teria limites e estaria ao alcance de todos, opera dentro de um nível profundamente ideológico e apologético (FRIGOTTO, 1995, p. 37).

E é na perspectiva de que há um conhecimento ao alcance de todos,

cabendo ao indivíduo manter-se sempre estudando, se qualificando, para não

perder sua empregabilidade, ou seja, sua capacidade de conseguir e

permanecer empregado, é que se sustentam, de acordo com Minarelli (1995),

os seis pilares da empregabilidade: adequação da profissão à vocação;

idoneidade; competências; saúde física e mental; reserva financeira e,

finalmente, relacionamentos interpessoais.

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Também se faz necessário ser justo com Minarelli, que, na sua

leitura da realidade, deixa claro que na ―nova sociedade sem empregos‖,

somente aqueles que têm uma profissão, competências, dinheiro para se

qualificar constantemente podem manter-se nos empregos, pois cumprem os

requisitos para, pelo menos, serem considerados aptos para as vagas que

surgirem, ou então buscarem ser eles mesmos seus próprios patrões, com

todas as habilidades que construíram no seu processo de formação

profissional. Mas, aqui também, ele está se referindo a uma determinada

classe social, pois como pensar que os pobres destituídos de formação de

qualidade, despojados sem boa alimentação, sem dinheiro, vítimas de fome

real e simbólica privados da maioria dos seis pilares da empregabilidade

podem competir? Partindo da avaliação de Drucker (1993), aqueles que

ganham seu sustento com o trabalhado manual não poderão competir com os

trabalhadores do conhecimento, pois esses novos técnicos

[...] necessitam não só de um alto nível de aptidão, mas também de um alto grau de conhecimento formal e, acima de tudo, de uma alta capacidade para aprender e adquirir conhecimento adicional. Os técnicos não são os sucessores dos operários de ontem. Eles são basicamente os sucessores dos trabalhadores altamente qualificados, ou melhor, eles são trabalhadores altamente qualificados que também possuem grande conhecimento e educação formais e a capacidade de aprender continuamente (DRUCKER, 1993, p. 47).

É diante desse quadro que se depara a grande maioria dos

trabalhadores que estão longe do acesso a uma educação de qualidade. Mudar

essa realidade significa negar a dualidade educacional na sociedade

capitalista. Partindo do pressuposto de que no campo social, econômico e

cultural nada é fatalístico, podemos, portanto, transformar a realidade que

parece imutável. Para fazer frente a esse fatalismo, criticamos Morin (2007)

que parece estar descrente na construção de uma sociedade na qual os

homens possam usufruir dos bens espirituais e materiais:

Nada é mais difícil de realizar uma civilização melhor. Esse sonho da expansão pessoal de cada um, da supressão de qualquer forma de exploração e dominação, da justa divisão dos bens, da solidariedade efetiva entre todos, da felicidade generalizada, levou aqueles que quiseram impô-la ao uso de meios bárbaros que arruinaram sua empresa civilizadora. Qualquer decisão que vise suprimir conflitos e desordens, estabelecer harmonia e transparência conduz a seu contrário, e as conseqüências desastrosas se encontram à vista.

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Como mostra a história do século XX e as atividades do terrorismo fanático do início do século XXI, a vontade de instaurar a salvação na terra termina instalando o inferno. Não seria necessário cair uma vez mais no sonho da salvação terrestre. Querer um mundo melhor, nossa finalidade principal, não é querer o melhor dos mundos (MORIN, 2007, p.109- 110).

Essa descrença significa acomodar-se com as injustiças e

desigualdades de um sistema. Significa aceitar a impotência dos trabalhadores

que sofrem com todo tipo de desigualdade e que nada mais é possível fazer.

Não podemos compactuar com esse absurdo da inatividade e passividade

diante de um mundo que está aí, que foi construído pelas mulheres e homens

nas suas relações sociais e por isso podem também ser transformadas.

Entende-se que o desenvolvimento econômico dos países centrais

tem uma longa história que adveio de um desenvolvimento desigual, relegando

aos países periféricos o ônus por um padrão que permitiu que a classe

dominante, sob a pressão dos sindicatos, pudesse fornecer melhores salários e

benefícios aos seus trabalhadores, que mais conscientes, impuseram suas

demandas. Hoje, apesar de esses países concentrarem alta tecnologia e

capital, encontram-se também com altos índices de desemprego, colaborando

para o exacerbamento da ―exclusão‖.

Dito isso, é simplório o discurso de que, com o desenvolvimento

econômico, mais empregos serão produzidos, levando-nos a crer existir um

país onde tudo é ―cor de rosa‖, porque há mais educação, mais participação,

mais cidadania. Também é simplório negar que a educação, a qualificação

não potencializem as possibilidades de o indivíduo galgar espaços no tecido

social, mas difundir que o problema é falta de qualificação e de educação é

escamotear uma exclusão que a cada momento cresce atingindo a população

em escala planetária, principalmente quando o capital está concentrado em

poucas corporações internacionais que chegam a não ter pátria, fragilizando o

papel do Estado-nação.

Nesse contexto, o Brasil vem desenvolvendo programas e projetos

visando qualificar os trabalhadores e seus filhos para esse novo mundo do

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trabalho, e o Plano Nacional de Qualificação (PNQ) contêm as diretrizes para

orientar a execução da política de qualificação profissional.

2.2 Os Princípios e Diretrizes do Plano Nacional de Qualificação- PNQ

O Plano Nacional de Qualificação – PNQ busca uma integração

entre a Política de Qualificação, a Política de Trabalho, Emprego e Renda, a

Política de Educação e a Política de Desenvolvimento que apresenta os

seguintes princípios:

I. Articulação entre Trabalho, Educação e Desenvolvimento;

II. Qualificação como Direito e Política Pública;

III. Diálogo e Controle Social, Tripartismo e Negociação Coletiva;

IV. Respeito ao pacto federativo, com a não superposição de ações

entre estados, municípios e com outros ministérios e o

estabelecimento de critérios objetivos de distribuição de

responsabilidades e recursos;

V. Adequação entre as demandas do mundo do trabalho e da

sociedade e a oferta de ações de qualificação, consideradas as

especificidades do território do setor produtivo;

VI. Trabalho como Princípio Educativo;

VII. Reconhecimento dos saberes acumulados na vida e no trabalho,

por meio da certificação e da orientação profissional;

VIII. Efetividade social e na Qualidade Pedagógica das ações (PNQ,

2008, p.1).

É importante destacar que esses princípios estão contidos no

PNQ/2008 que acompanha a Resolução nº 575/2008 do Conselho Deliberativo

do Fundo do Amparo ao Trabalhador – CODEFAT, que se propõe fundamentar

numa perspectiva de controle social, de diálogo e negociação coletiva, assim

como na descentralização administrativa como um canal de institucionalização

da participação dos envolvidos, sustentadas numa concertação social com a

política pública. Contudo, na realidade, o que ocorre é a transferência

progressiva das obrigações do Estado para a esfera privada que recebe

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recursos públicos para realizar o que deveria ser de responsabilidade do

Estado, acarretando o progressivo desmonte dos sindicatos e o esfacelamento

dos movimentos sociais que, longe de decidirem as políticas públicas, apenas

compõem, de fachada, o que o governo chama controle social.

O PLANTEQ/2009, como instrumento do Sistema Nacional de

Emprego – SINE, incorporou, através do seu Plano Plurianual (PPE), as

diretrizes do PNQ que pretende superar os entraves do Plano Nacional de

Formação Profissional (PLANFOR) do governo Fernando Henrique Cardoso

que não teria conseguido articular a educação profissional às outras políticas

públicas de trabalho/ renda, educação e desenvolvimento. Essas ações são

executadas no Ceará, pela Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social –

STDS em sintonia com as ações do Sistema Público de Emprego, Trabalho e

Renda – SPETR.

As ações de Qualificação Social e Profissional (QSP) devem ser

realizadas nos municípios com mais de 200 mil habitantes. Visam à inserção e

atuação cidadã do trabalhador no mundo do trabalho. Os objetivos do

PLANTEQ são os mesmos do PNQ, quais sejam:

I. Formação intelectual, técnica e cultural do trabalhador brasileiro;

II. Elevação da escolaridade do trabalhador, por meio da articulação

com as políticas públicas de educação, em particular, com a

educação de jovens e adultos e a educação profissional e

tecnológica;

III. Inclusão social do trabalhador, redução da pobreza, combate à

discriminação e à vulnerabilidade das populações;

IV. Obtenção do emprego e trabalho decente e da participação em

processos de geração de oportunidades de trabalho e renda, ou

seja, a inserção no mundo do trabalho, reduzindo os níveis de

desemprego e subemprego;

V. Permanência no mercado de trabalho, reduzindo os riscos de

demissão e as taxas de rotatividade;

VI. Êxito no empreendimento individual ou coletivo, na perspectiva da

economia popular solidária;

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VII. Elevação da produtividade, da competitividade e de renda.

VIII. Articulação com as ações de caráter macroeconômico e com

micro e pequenos empreendimentos, para permitir o

aproveitamento das oportunidades geradas pelo

desenvolvimento local e regional;

IX. Articulação com as demais ações do Sistema Público de

Emprego, Trabalho e Renda, inclusive com os beneficiários do

seguro desemprego.

O PLANTEQ é financiado com recursos do Fundo de Amparo ao

Trabalhador – FAT/ Ministério do Trabalho e Emprego – MTE e pelo Governo

do Estado do Ceará, e

em consonância com o Programa Estadual Trabalho Competitivo Alcançando a Empregabilidade, ―contribuindo, decisivamente, para a empregabilidade do trabalhador, aumentando as suas possibilidades de inserção e de permanência no mercado de trabalho, reduzindo os níveis de desemprego e subemprego e, conseqüentemente, a pobreza da população‖ (PLANTEQ, 2009, p. 2, grifo do documento).

Dentro do referencial da empregabilidade, fica evidente que, de

início, o governo estadual parte do pressuposto de que as ações de

qualificação devem estar centradas no indivíduo no sentido de fortalecer suas

capacidades, suas competências para poder aumentar ou mesmo favorecer a

possibilidade de sua inserção no mundo do trabalho. Com a ausência de

empregos, é preciso formar o trabalhador para as intempéries sociais e

econômicas, mas, por outro lado, de forma ambígua, nos seus objetivos, e em

sintonia com o PNQ, contempla a proposta de inclusão com obtenção do

emprego e trabalho decente com permanência no mercado de trabalho.

Vejamos outra citação esclarecedora:

O Plano Territorial de Qualificação - PLANTEQ/CE -2009 será executado sob a premissa da ―empregabilidade‖ que pressupõe ações de educação social e profissional envolvendo de forma integrada conteúdos devidamente aplicados à realidade local, às necessidades dos/das trabalhadores/as, ao desenvolvimento do

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território, ao mercado de trabalho e ao perfil da população a ser atendida (idem, p. 9).

Para a efetividade das ações da qualificação Social e Profissional –

QSP, devem-se estabelecer metas de inserção definidas pela comissão de

concertação24 do setor produtivo, de acordo com a realidade de cada território

ou setor, dos mapas ocupacionais e através do estudo do emprego formal

realizado por instituições de pesquisas (PNQ, 2009, p. 4). Isto posto, fica

evidente que a definição das qualificações que serão fornecidas pelo Estado

está em estreita relação com as demandas do setor produtivo e não

necessariamente com as necessidades dos trabalhadores e da juventude.

Como no interior do estado do Ceará, não há absorção da força de trabalho

qualificada, resta incentivar a criação de empreendimentos individual ou

coletivo na perspectiva da economia solidaria, do associativismo, do

cooperativismo. Daí o foco no empreendedorismo e na empregabilidade.

Ramos (2006), criticando a falta de estabilidade no emprego e a

política centrada na empregabilidade, supondo favorecer a integração no

mercado, afirma:

A busca pela integração transforma-se num processo relativamente autônomo. Os processos educativos atuam na elaboração do projeto pessoal dos indivíduos tornando-o maleável o suficiente para transformar-se em projeto possível no confronto com o mundo do trabalho. Este confronto não mais inclui, necessariamente, a possibilidade de conseguir emprego e desenhar uma carreira, mas outras tantas possibilidades de sobrevivência e realização, tais como o auto-emprego e o emprego temporário. Isto se constitui, em última análise, no desenvolvimento de uma personalidade autônoma e flexível. Associado a saberes culturais e profissionais tem-se o novo saber-ser, adequado às circunstâncias da empregabilidade (RAMOS, 2006, p.249).

Então, a permanência não trabalho perpassa pelo interesse do

trabalhador. Seu sucesso depende do seu próprio investimento na carreira

objetivando a realização profissional e supõe mudar a sua mentalidade. O PNQ

determina que seja realizada uma orientação profissional para que, dentre

tantas ocupações, o trabalhador ―escolha‖ aquela que mais condiz com suas

24

A comissão de concertação é baseada numa gestão tripartite: formada pelo governo, empresários e trabalhadores que tem por função debater a proposta de qualificação com base na demanda apresentada, elaborar projeto final de qualificação de acordo com a Resolução nº 575/08 e acompanhar o processo de execução das ações de qualificação.

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inclinações profissionais. Mas uma orientação profissional pressupõe

interesses do indivíduo, suas possibilidades atuais e o conhecimento das

diferentes profissões do mercado de trabalho. Não no sentido inverso, ou seja,

o mercado define o que quer e o estado qualifica, desconsiderando as

necessidades subjetivas. Nesse contexto, a orientação profissional é

desnecessária, pois tudo já está previamente definido.

O Estado, na perspectiva da qualificação profissional como uma

construção social, pretende ser um parceiro nesse processo de inclusão. De

fato, o trabalhador que está com seus conhecimentos defasados ou não tem

profissão precisa contar com o apoio do governo para se qualificar ou

requalificar. E, na ―sociedade do conhecimento‖, a educação profissional e a

escolar financiadas com recursos públicos ganham uma importância para a

maioria da população que não pode arcar com sua formação

educacional/profissional, principalmente quando as conquistas democráticas

ainda são incipientes.

As instâncias governamentais devem realizar, com transparência, o

controle, a avaliação e o monitoramento que integra as determinações do PNQ

e do PLANTEQ, para que as ações realmente tenham qualidade pedagógica e

técnica com vistas à inserção, pelo trabalho, dos egressos dos cursos

financiados com recursos públicos a diferentes entidades privadas.

Essa tarefa deve ser realizada pelo Estado com competência e

cumprindo os seguintes objetivos proclamados: inclusão social do trabalhador,

redução da pobreza, combate à discriminação e à vulnerabilidade das

populações, obtenção do emprego e trabalho decente e da participação em

processos de geração de oportunidades de trabalho e renda, com a inserção

no mundo do trabalho, reduzindo os níveis de desemprego e subemprego e,

finalmente, permanência no mercado de trabalho, reduzindo os riscos de

demissão e as taxas de rotatividade.

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Segundo Andrade (2010),

As mudanças no mundo do trabalho e seus efeitos sobre a formação do trabalhador, bem como as competências e habilidades profissionais demandadas pelas empresas reestruturadas levam à identificação de uma nova postura empresarial sobre a concepção de profissional qualificado que provocou um repensar nas políticas de educação profissional no país, consequentemente, no estado do Ceará. Com relação à qualificação do trabalhador atual, indicou-se que lhe será exigido não apenas conhecimento técnico, mas também sociocomunicativo e metodológico, visto que a complexidade das atividades realizadas nos novos processos produtivos passa a exigir conhecimento amplo e habilidades generalistas. Esse fato impulsiona a reformulação das políticas de educação e formação profissional, voltadas para o desenvolvimento de condições que favoreçam a obtenção de novas capacidades e saberes por parte dos trabalhadores. [...] As principais preocupações voltam para: a discrepância entre a geração de empregos formais na região metropolitana de Fortaleza e o reduzido investimento em atividades econômicas no interior do Estado, o que poderá provocar a falência da rede de escolas estaduais de educação profissional por motivos óbvios de não inserção do jovem no mercado de trabalho do município ou região; a frágil vinculação entre a política de educação profissional desenvolvida pela Secretaria de Educação e as políticas de emprego e renda desenvolvidas atualmente no Ceará (ANDRADE, 2010, p. 61 - 62).

A autora parte do pressuposto de que o trabalhador ou o jovem

proveniente das classes desfavorecidas socioeconomicamente terão de ter

uma formação escolar e profissional de qualidade para poder competir. Há

também a necessidade de um mercado que absorva esses jovens, situação

inexistente, principalmente, no interior do Estado do Ceará. Em termos dos

objetivos proclamados pelo PNQ e PLANTEQ pode-se supor que os

trabalhadores não devem se preocupar com sua empregabilidade porque terão

garantido uma formação intelectual, técnica e cultural que os possibilitará a

permanência nos empregos, tendo por base uma educação que tenha o

trabalho como princípio educativo. Tudo isso acarretará a redução do risco do

desemprego e subemprego, das taxas de demissão e rotatividade que vem

ocorrendo no Brasil.

O PNQ e PLANTEQ pretendem realizar essa façanha a favor do

trabalhador brasileiro na sociedade sem empregos, que atinge inclusive os

países centrais. Porém, o discurso torna-se ambivalente, pois uma vez que

acena com políticas que possam favorecer a probabilidade de inserção no

mercado de trabalho, ao mesmo tempo objetiva a inclusão com obtenção de

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emprego e permanência no mesmo universo dos chamados grupos

prioritários.25

Os operadores (entidades privadas sem fins lucrativos) habilitados

para executar as ações de qualificação social e profissional devem ter a

competência para realizar tais objetivos dentro da sua área de

responsabilidade. Essas ações devem estar fundamentadas num projeto

pedagógico consistente, levando-se em conta serão executadas numa rede

articulada com as demais ações do Sistema Público de Emprego, Trabalho e

Renda. Ações que, segundo o PNQ, o antigo Plano de Qualificação –

PLANFOR desenvolvido no governo de Fernando Henrique Cardoso, não

conseguiu pôr em prática em função da desarticulação de suas ações.

A articulação entre trabalho, educação e desenvolvimento passa a

ser o novo mote do governo federal. Como o PNQ adentra no campo

educacional mais amplo, abordaremos, na nossa análise, autores que vêm

discutindo a relação entre trabalho e educação. Esse percurso torna-se

relevante, para efeito de nossa análise, porque com o Decreto n: 5.154/2004,26

o governo Lula renovou as esperanças dos setores mais comprometidos com a

educação da classe trabalhadora, no sentido de revisar o Decreto 2.208/97,

sobretudo no que se refere à integração entre educação profissional e ensino

médio.

Frigotto, Ciavatta e Ramos, (2005) asseveram que o Decreto n.

5.154/2004, longe de corrigir distorções, na realidade se configurou como

25 De acordo com o art. 4° da Resolução de nº 575/2008, são considerados públicos prioritários: I–

beneficiários do Programa do Seguro –Desemprego; II- Trabalhadoras/es domésticas/as; III. Trabalhadores/as em empresas afetadas por processos de modernização tecnológica e outras formas de reestruturação produtiva IV. Pessoas beneficiárias de políticas de inclusão social;inclusive do programa Bolsa Família, de ações afirmativas de controle à discriminação; de políticas de integração e desenvolvimento regional e local; V. Trabalhadores/as internos do sistema penal e jovens submetidos a medidas sócio-educativas; Trabalhadores /as libertados/as de regime de trabalho degradante e de familiares de egressos do trabalho infantil; VII. Trabalhadores/as de empresas incluídas em arranjos produtivos locais; VIII. Trabalhadores de setores considerados estratégicos da economia, segundo a perspectiva sustentável e da geração de emprego e renda; IX – Trabalhadores do setor artístico, cultural e de artesanato; X- Trabalhadores autônomos, por conta própria, cooperativados, em condição associativa ou autogestionada; XI – Trabalhadores/as de micro e pequenas empresas; XII– Estagiários; XIII. Trabalhadores rurais e da pesca; XIV- Pessoas com deficiência.

26 Disponível em: http://www.cefetsp.br/edu/eso/lutasindical/decreto5154.html, acessado em 15 de agosto/2010.

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programas focais: programas como Escola de Fábrica, Integração da Educação

Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos

(PROEJA) e Inclusão de jovens (PROJOVEM). Por conseguinte, as

expectativas dos setores mais progressistas da sociedade ruíram na busca por

uma escola unitária, com articulação entre o ensino médio (educação básica) e

o politécnico (educação profissional), na qual a ciência, o trabalho e a cultura

comporiam um todo pautado num currículo integrado entre os conhecimentos

gerais historicamente construídos e os específicos que envolvem o trabalho,

pois aqui parte-se do pressuposto do trabalho como princípio educativo, não

havendo dissociação entre ambos.27

Os autores citados, questionando a política de educação profissional

do governo Lula, no período de 2003 a 2005, afirmam que não houve

mudanças na concepção política e pedagógica da educação, apesar de o

Parecer n° 39/200428 do Conselho Nacional de Educação (CNE) indicar a

necessidade de implantar a articulação entre educação profissional e ensino

médio, que, para os autores, pressupõe que ―deva ser oferecida

simultaneamente e ao longo do ensino médio‖ (2005, p. 1094, grifo dos

autores).

Em 2005, foi criada a Resolução n° 01/2005 do CNE que descreve

as formas de ―integração‖ entre educação profissional técnica de nível médio

com o próprio ensino médio, mas manteve-se o princípio da independência

entre os cursos. Segundo os autores,

Apesar de reconhecer a forma integrada como um curso único, com matrícula e conclusão únicas, o parecer considera que os conteúdos do ensino médio e os da educação profissional de nível técnico são de ―naturezas diversas‖. Re-estabelece-se, assim, internamente ao currículo, uma dicotomia entre concepções educacionais de uma formação para a cidadania e outra para o mundo do trabalho, ou de um tipo de formação para o trabalho intelectual e de outro tipo para o trabalho técnico e profissional (2005, p. 1095).

27

O PNQ estabelece o trabalho como princípio educativo demonstrando a desarticulação entre seus princípios e a prática.

28Disponível em:

http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf_legislacao/tecnico/legisla_tecnico_parecer392004.pdf. Acessado em 10/11/2010.

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Dando continuidade, os autores acentuam que essa desarticulação

acabou por manter a política do governo anterior sob a égide do

neoliberalismo, atendendo os interesses conservadores. Assim,

[...] após a edição do novo decreto, dá continuidade à política curricular do governo anterior, marcada pela ênfase no individualismo e na formação por competências voltadas à empregabilidade. Reforça-se, ainda, o viés adequacionista da educação aos princípios neoliberais. (Idem, p. 1095).

E é dentro desse viés que os cursos básicos de formação inicial e

continuada para a população de baixa renda incorporam essa dicotomia.

Assim, tanto o ProJovem (Projovem Urbano, ProJovem Trabalhador) quanto o

JUVEMP são destinados aos pobres, que, na hierarquia social, continuam

recebendo a ―parte que lhe cabe no latifúndio‖ – enquanto a fatia melhor, que

exige mais conhecimento e poder, fica para a minoria que pôde seguir seus

estudos e ingressar no ensino superior. É essa minoria que, na ―sociedade do

conhecimento,‖ irá competir pelos empregos ou trabalhos mais bem

remunerados e poderá ―doar‖ para as diferentes organizações suas diferentes

competências, incluindo as atitudinais, pois todos, igualitariamente, salvo os

protegidos por laços familiares e de amizades, precisam desenvolver o perfil

empreendedor.

Assim, levando em consideração que um dos princípios do PNQ e

PLANTEQ é a compreensão do trabalho como um princípio educativo,

percebe-se que consiste apenas em retórica. Desse modo, introduziremos

Kuenzer (1988) no debate para esclarecer como o ensino médio vem

desarticulado do trabalho, permanecendo a dicotomia trabalho intelectual

versus trabalho manual, que está na base da divisão social e técnica do

trabalho no sistema capitalista:

Considerando que o ―fazer‖ o trabalhador aprende no interior do processo produtivo, o qual, por se caracterizar pela divisão entre trabalho intelectual e manual, não lhe permite a apropriação da teoria que explica esse ―fazer‖ aprendido na prática cotidiana, seria de se esperar que a escola se constituísse no espaço em que a apropriação dos princípios teórico-metodológicos fosse possível. Esta constatação exige uma proposta de escola de 2º grau que permita ao aluno trabalhador ter acesso ao saber científico e tecnológico que fundamenta o trabalho e que possibilita a participação na vida social e política, considerando a realidade da sociedade, do trabalho e o

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saber do trabalhador, negando as relações oriundas da divisão social e técnica do trabalho através da reunificação entre teoria e prática. Como isto será possível em uma escola que é a própria expressão do trabalho dividido, é a grande questão (KUENZER, 1988, p. 105- 6).

Colocar como um dos princípios do PNQ o trabalho como princípio

educativo demonstra o quanto os conceitos são esvaziados do seu significado

e introduzidos na política governamental para dar uma suposta visão de que

seus gestores estão comungados com uma proposta de emancipação humana.

Quando ocorre a separação entre formação para o trabalho e

formação propedêutica, os pobres, como precisam trabalhar, encerram sua

vida escolar mais cedo e, por isso, lhes são destinados os cursos iniciais (para

os excluídos dos excluídos do cadastro único) e técnicos (para os excluídos),

aligeirados e voltados para o mercado de trabalho, percebe-se que há uma

dissonância entre os que proclamam os teóricos da sociedade do

conhecimento e o que é oferecido pelas instâncias governamentais para a

população desfavorecida socioeconomicamente. Os cursos profissionalizantes

direcionados para esse público não conseguirão integrá-los na sociedade do

conhecimento, pois não dão acesso ao saber científico e tecnológico que tanto

insistem os seus teóricos.

Goes e Carvalho (2010) em artigo sobre a formação/qualificação

profissional da juventude trabalhadora no contexto do desemprego estrutural,

enfatizam o quanto o discurso contra a universidade e a favor dos cursos

iniciais de curta duração, os cursos de aprendizagem e os técnicos de ensino

médio, estão na ordem do dia, inclusive nos países como os EUA. Nas suas

palavras:

[...] o noticiário do dia 18 de maio de 2010, no New York Times intitulado Plano B: esqueça a faculdade. A notícia divulga algumas recomendações mais recentes da academia norte-americana para a qual seria necessário ―...desenvolver alternativas para alunos que não serão bem-sucedidos em um curso de graduação‖. Acadêmicos da Universidade de Ohio, da Universidade Americana e da Universidade Northwestern, Richard Vedder, Robert Lerman, James Rosenbaum e Charles Murray estariam defendendo a necessidade de orientar alguns estudantes para cursos intensivos de curta duração e treinamento profissional, por meio da expansão de cursos técnicos de ensino médio e programas para formar aprendizes. A recomendação seria justificada haja vista a ausência de mercado para absorção de profissionais com cursos superiores. Ainda de acordo com o Jornal, o Prof. Richard Vedder, teria enfatizado que alguns desses alunos

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―...poderiam ter comprado uma casa com o dinheiro que gastaram em educação" (ANAIS, 2010, p.4).

Essa constatação está em sintonia com a retórica do fim dos

empregos e é uma forma de restringir a aspiração da população pelos cursos

do ensino superior. Todavia os membros das classes privilegiadas certamente

continuarão tendo a universidade como meta, apesar da escassez de

empregos. Em consonância com esses pressupostos, o Banco Mundial

recomenda que os países em desenvolvimento devam investir no

conhecimento que gere produtividade econômica e competitividade, sempre

focalizado numa educação básica e profissional,

El alfabetismo y los conocimientos básicos de matemática no son las únicas aptitudes que se requieren en el mercado del trabajo. Por este motivo, el Banco ayuda a los países a entregar educación que genere una masa laboral productiva y calificada que se traduzca en productividad económica y competitividad, generación de conocimientos y mayor capacidad de obtención de ingresos. Por otra parte, trabaja con las naciones para crear vínculos entre la política educacional y los resultados del mercado laboral y en satisfacer la demanda, en rápido aumento, de educación secundaria, terciaria y técnico profesional en la medida en que más personas requieren capacidades para competir en la economía mundial (BANCO MUNDIAL, 2010).

Desta forma, o PNQ, em sintonia com esses postulados, direciona

suas ações para a população de baixa renda, ou seja, não consiste numa

política universal para todos, mesmo porque as classes mais abastadas não

têm interesse nos cursos direcionados para esses setores.

No livro ―Educação: um tesouro a descobrir‖ (2006), uma publicação

da UNESCO, denominada ―Relatório Jacques Delors‖, há um artigo intitulado

―Educação e excelência: investir no talento, de In‘am Al-Mufti, que é de uma

clareza sem igual na demonstração das ideias conservadoras e elitistas sobre

a educação para o século XXI. São recomendações em que as instâncias

governamentais se fundamentam para implantar suas políticas públicas na

área da educação e da educação profissional. Para Al-Mufti (2006):

Estamos num momento histórico em que o mundo é palco de inovações científicas e tecnológicas fundamentais. [...] estas alterações que irão, com certeza, acelerar-se no futuro criam tensões enormes, em especial no campo da educação, a qual terá de dar

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respostas a necessidades crescentes e enfrentar novos desafios de um mundo que muda rapidamente. [...] para dar respostas a esta situação os planos nacionais ou internacionais de reforma da educação não devem se contentar com uma boa planificação ou aplicação racional dos recursos financeiros. Em matéria de educação as políticas de reforma devem ter como objetivo a excelência (Al-Mufti, 2006, p.13)

Então fica claro que a excelência em matéria de educação não

passa por mais recursos financeiros. No primeiro capítulo do relatório da

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura -

UNESCO, há a constatação de que, nas sociedades assalariadas do século

XX, houve progressivamente a substituição do trabalho humano pelas

máquinas tornando-o mais ―imaterial‖, acentuando o caráter cognitivo das

tarefas na indústria e nos serviços. Assim, o futuro das economias industriais

ocorre no momento em que os conhecimentos são transformados em

inovações que possam gerar empregos, daí a necessidade de não formar o

indivíduo apenas para uma tarefa determinada e para fabricar algo. O aprender

a fazer, especialmente para os operadores e os técnicos, torna ―arcaica a

noção de qualificação profissional‖ (UNESCO, 2006) em detrimento da

competência pessoal:

O progresso técnico modifica, inevitavelmente, as qualificações exigidas pelos novos processos de produção, as tarefas puramente físicas são substituídas por tarefas de produção mais intelectuais mais mentais, como o comando de máquinas, a sua manutenção e vigilância, ou por tarefas de concepção, de estudo, de organização à medida que as maquinas se tornam, também, mais ―inteligentes‖ e que o trabalho se ―desmaterializa‖. [...] No que diz respeito ao pessoal de execução, a justaposição de trabalhos prescritos e parcelados deu lugar à organização em ―coletivos de trabalho‖ ou ―grupos de projeto‖ [...] os empregadores substituem, cada vez mais, a exigência de uma qualificação ainda ligada, a seu ver, à idéia de competência material, pela exigência de uma competência que se apresenta como uma espécie de coquetel individual, combinando a qualificação, em sentido estrito, adquirida da formação técnica e profissional, o comportamento social, aptidão para o trabalho em equipe, a capacidade de iniciativa, o gosto pelo risco (RELATÓRIO UNESCO, p. 94).

O comportamento social é valorizado, estando no campo do ―saber-

ser‖ espaço da subjetividade que, associado ao saber-fazer, demonstra os

diversos aspectos que a aprendizagem do século XXI necessita desenvolver no

âmbito educacional. ―Qualidades como a capacidade de comunicar, de

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trabalhar com os outros, de gerir e de resolver conflitos tornam-se cada vez

mais importantes‖ (Idem, p.94). O conhecimento intelectual é enaltecido para

que os trabalhadores saibam ―comandar‖ as máquinas.

Até o presente momento, em termos de discurso, há uma

consonância entre as recomendações da UNESCO e o pensamento dos

teóricos da ―sociedade do conhecimento‖ acerca da importância de uma

educação que desenvolva o intelecto e as atitudes comportamentais. Mas o

paradoxo, sobretudo, aparece de forma mais evidente logo em seguida,

quando priorizam a formação de competências comportamentais. Vejamos:

Finalmente, é provável que nas organizações ultratecnicistas do futuro os déficits relacionais possam criar graves disfunções exigindo qualificações de novo tipo, com base mais comportamental do que intelectual. O que pode ser uma oportunidade para os não diplomados, ou com deficiente preparação em nível superior. A intuição, o jeito, a capacidade de julgar, a capacidade de manter unida uma equipe não são de fato qualidades, necessariamente, reservadas a pessoas de altos estudos. Como e onde ensinar estas qualidades mais ou menos inatas? (Idem, p.9, grifo nosso).

A escola e os diferentes locais que fornecem cursos de qualificação

profissional pelas instâncias governamentais e não governamentais constituirão

os espaços em que os trabalhadores e a juventude excluída terá oportunidade

de adquirir essas competências comportamentais. Isto porque, apesar de suas

―carências,‖ parece que elas até podem aprender, uma vez que essas

características podem ser ensinadas.

A comissão da UNESCO tem um discurso dúbio que serve para

mascarar o óbvio. A escola pública deve formar trabalhadores com alto senso

de equipe, iniciativa para dar conta das necessidades do capital. Conhecimento

mínimo necessário, mesmo porque as máquinas resolvem tudo com os

programas criados pelos profissionais que cursaram as universidades de

qualidade onde os conteúdos, com certeza, foram maximizados, dotando-os

de um saber comportamental e intelectual que os fazem criar e dominar a

tecnologia.

A palavra conflito inexiste nessa nova paisagem; ela foi substituída

pelo termo negociação. Em substituição ao sindicato combativo, erige-se o

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sindicato cooperativo, para, inclusive, ajudar no processo inevitável daquilo que

o capitalista quer mascarar: o conflito entre capital e trabalho.

Até aqui se observa a importância que a educação ganha nesse

contexto, mas a ―excelência‖, estranhamente, não passa por mais recursos

financeiros e nem por conhecimentos intelectuais. Então, vamos entender que

excelência é essa. Novamente é In‘am Al-Mufti (2006) quem descreve:

Os países em desenvolvimento pretendiam, assim, atingir o objetivo da ―educação para todos‖ fixado pela UNESCO. [...] Daí escolas superlotadas, métodos de ensinos ultrapassados, à base de aprendizagens memorizadas, e professores incapazes de se adaptarem a métodos mais modernos, como a participação democrática na sala de aula, a aprendizagem cooperativa e a resolução de problemas, fazendo apelo à imaginação. [...] A ambição prioritária de garantir educação a todos fez com que se negligenciassem as necessidades dos alunos mais dotados e se lhes aplicasse um tratamento idêntico ao dos alunos com aptidões diferentes. [...] Quaisquer que sejam as boas intenções das políticas tradicionais, privar os alunos mais dotados de possibilidades adequadas de educação é privar a sociedade dos recursos humanos mais preciosos que ela possui para chegar a um desenvolvimento real e eficaz. No limiar do século XXI, os países em desenvolvimento vêem-se diante de múltiplos desafios na sua conquista do desenvolvimento. Têm necessidade de dirigentes convenientemente formados e preparados, capazes de fazer face às necessidades sócio-econômicas. É preciso reconhecer e dar respostas às necessidades específicas dos alunos mais dotados, os “dirigentes de amanhã” (2006, p. 213, grifos nossos).

Podemos entender que o problema da educação dos países em

desenvolvimento ou periférico foi a ausência de participação democrática em

sala, um ensino que não utiliza métodos de resolução de problemas e uma

proposta de educação (mesmo que no papel) igual para todos. A solução para

a educação do século XXI é usar a imaginação dos educandos, daqueles

superdotados que serão os dirigentes de amanhã; os ―não dotados,‖ sem

imaginação, criatividade, estão sendo responsabilizados pelo tempo perdido na

sua suposta educação que acabou por prejudicar os alunos mais dotados.

E, para concluir o disparate deste autor,

uma das grandes prioridades de qualquer escola deveria ser elaborar e desenvolver programas estimulantes que ofereçam um vasto campo de possibilidades de aprendizagens muito avançadas, de modo a responder às necessidades dos alunos mais dotados. Esta tarefa reveste-se de maior importância para a formação dos futuros dirigentes que presidirão a caminhada em direção a um

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desenvolvimento sustentável. É preciso aperfeiçoar o programa normal de modo a oferecer aos alunos brilhantes a possibilidade de darem o melhor de si mesmos (IN`AM AL-MUFTI, 2006,p. 214, grifo

nosso).

No processo ora em trânsito na nova ordem capitalista, a educação

para o desenvolvimento econômico e social está na moda, porém, para a

maioria, é uma educação escolar menos avançada, apesar de o discurso de

educação figurar como atriz principal. Contudo, tendo em vista os capitalistas

não conseguirem ―dividir o bolo‖; ao contrário, concentram para si e para seus

convidados ―as melhores fatias‖, restam para a maioria as sobras, que são

ocupações que não exigem conhecimentos complexos tão caros à sociedade

do conhecimento.

Então, a labuta continua entre os defensores de uma educação

escolar integral, tendo o trabalho como princípio educativo, buscando romper a

dicotomia entre educação para o trabalho (classe trabalhadora) e educação

para a formação intelectual (classe dominante). Mas, os capitalistas e políticos

conservadores que atrelam-se aos interesses dos detentores do capital

acabam, no embate político, a ter seus interesses prevalecidos, defendendo

uma educação dissociada entre o trabalho manual e o trabalho intelectual. O

primeiro continua direcionado para os setores mais abaixo da pirâmide social.

Há incoerência entre o que os teóricos do conhecimento e do

empreendedorismo apregoam em relação aos postulados do Relatório

supracitado, o que, diante de inovações tecnológicas, estaria exigindo um

trabalhador mais intelectualizado e com competências comportamentais. Mas

contraditoriamente, o mesmo documento passa a valorizar e privilegiar a

formação profissional com base na esfera comportamental, recuperando a

dimensão subjetiva do trabalho. Trabalhador mais motivado, supostamente

mais respeitado em sua subjetividade, nas suas diferenças, porém não menos

explorado, não menos inseguro no emprego, não menos cobrado e não menos

estressado, mas aprendeu que, além do seu saber técnico, da sua força física,

está esperando também atitudes afáveis numa atmosfera de inflexibilidade

diante das falhas e da improdutividade.

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Da mesma forma, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial -

SENAI realiza, com custos financeiros para os educandos, cursos iniciais,

técnicos ou de aperfeiçoamento, de carga horária variável para determinados

setores da sociedade que, na hierarquia social, querem seguir o ramo

industrial, tais como: Automação, Construção, Design, Eletroeletrônica, Gestão,

Meio Ambiente, Metalmecânica, Segurança no trabalho, Refrigeração e

Climatização, Couro e Calçados Têxtil e Vestuário, dentre outros.

Para aqueles que encontram como alternativas atividades no

comércio e de serviços há os cursos oferecidos pelo Serviço Nacional de

Aprendizagem Comercial – SENAC,29 também com custos financeiros, assim

como cursos gratuitos,30 tais como: Comércio e Gestão, Comunicação,

Hotelaria, Imagem Pessoal, Meio Ambiente, Saúde e Estética, Turismo,

Desenvolvimento Social etc. No caso do SENAC, a proposta pedagógica tem

por objetivo:

Capacitar profissionais através do desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes que permitam uma atuação competente no mercado de trabalho. Os cursos são planejados com foco em competências gerais e específicas, relacionadas às áreas de formação e aos perfis profissionais de conclusão, incluindo temas que contribuem para o exercício da ética e da cidadania. A metodologia de ensino utilizada pelo Senac privilegia a articulação entre teoria e prática, através de estratégias pedagógicas que buscam assegurar o saber, o saber fazer e o saber ser. Os alunos dispõem de recursos didáticos diversificados, incluindo apostilas, livros, periódicos, fitas de vídeo e softwares, além de ambientes educacionais como biblioteca, sala de vídeo, laboratórios e salas-ambiente. A avaliação é um processo contínuo que visa acompanhar o desempenho de cada aluno, voltando-se para a construção de sua aprendizagem (SENAC, 2010, grifo nosso)

31.

Alguns cursos são semelhantes aos cursos dos Arcos Ocupacionais

que integram o ProJovem nas suas diferentes modalidades e dos cursos

escolhidos pelo integrantes do JUVEMP para curto prazo (cursos de carga

29

Ver: http://www.ce.senac.br/content/aplicacao/SENAC/programacao_fortaleza/gerados/programacao_fortaleza.asp> acessado em 23/10/2010 30

Existe o Programa Senac de Gratuidade em parceria com o Governo Federal, através do decreto

6633/2008 que oferece cursos gratuitos de formação inicial e continuada ao nível técnico de nível médio gratuitos para pessoas de baixa renda. Disponível em: http://www.senac.br/psg/index.shtml. Acessado em 4 de março de 2011. 31

Disponível em: http://www.ce.senac.br/content/aplicacao/SENAC/conheca_senac/gerados/proposta_pedagogica.asp. Acessado em 4/11/2010.

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horária variável, no caso do JUVEMP, cursos de 60 horas/a). Observando os

cursos iniciais e de aperfeiçoamento, tanto do SENAI quanto do SENAC,

verificamos que o público-alvo dos projetos de qualificação social e profissional,

na sua maioria, não pode pagar pelos cursos pagos oferecidos por essas

instituições, ou seja, jovens de baixa renda provenientes de famílias com renda

per capita de até meio salário mínimo. Este público necessita esperar contar

com as vagas nos cursos gratuitos que são oferecidos.

Os ―não diplomados‖ quando muito, terão acesso a uma educação

profissional com uma parte ―social‖ com conteúdos de empreendedorismo,

cidadania e com conteúdos mais direcionados à capacitação específica, de

acordo com as necessidades do mercado e para a empregabilidade. Fica claro

que, na divisão social e técnica do trabalho na sociedade capitalista, a

formação profissional dos trabalhadores, necessariamente, deve seguir essa

lógica, apesar do discurso da educação para todos como medida de

desenvolvimento social e econômico.

Retomaremos as análises de Kuenzer (1988) sobre a relação

trabalho e educação:

Se a divisão social e técnica do trabalho é condição indispensável para a constituição do modo capitalista de produção, à medida que prepara diferentemente os homens para que atuem em posições hierárquica e tecnicamente diferenciadas no sistema produtivo, deve-se admitir como decorrência natural deste princípio a constituição de sistemas de educação marcados pela dualidade estrutural. [...] Desde o momento que surge, a educação diretamente articulada ao trabalho se estrutura como um sistema diferenciado e paralelo ao sistema de ensino regular marcado por finalidade bem específica: a preparação dos pobres, marginalizados e desvalidos da sorte para atuarem no sistema produtivo nas funções técnicas localizadas nos níveis baixo e médio da hierarquia ocupacional. Sem condições de acesso ao sistema regular de ensino, esses futuros trabalhadores seriam a clientela, por excelência, de cursos de qualificação profissional de duração e intensidade variáveis, que vão desde os cursos de aprendizagem aos cursos técnicos (KUENZER, 1988, p. 12).

Isto posto, compreende-se o porquê de um ensino diferenciado,

mesmo num contexto em que se propaga a necessidade de mais

conhecimentos para acompanhar as transformações em curso. Para esse

público dos projetos governamentais, só restam os cursos oferecidos pelo

Estado ou aqueles com parceria com instituições privadas. Dito isso, os jovens

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das classes média/alta dificilmente escolherão fazer cursos de Imagem

Pessoal, Construção, Doces e Salgados etc. e não serão esses jovens que

competirão por estes empregos/trabalhos. Caso eles se interessem por

Construção, Eletricidade e Mecânica, farão as Engenharia Civil, Eletrônica,

Mecânica, Aeroespacial; caso seja Informática, farão Engenharia de

Computação; caso o interesse seja em Gestão, farão Administração de

Empresas nas universidades e em grandes institutos tecnológicos como o

Instituto Tecnológico da Aeronáutica - ITA, e, assim, mantêm-se as

desigualdades de classe e, consequentemente de acesso aos bens materiais e

simbólicos.

2.3 Educação Profissional: diferentes propostas para diferentes

sujeitos

A mídia, constantemente, veicula a necessidade de qualificar os

jovens ou requalificar os trabalhadores que estariam defasados, levando-nos a

crer, que diante das tecnologias de informação, urge profissionais com maior

compreensão do processo produtivo e da tecnologia embutida. No entanto,

vimos sustentando que, apesar da complexidade tecnológica no campo

produtivo, os trabalhadores continuam alienados do processo de elaboração

dessas tecnologias e precisam apenas saber manejar teclas num movimento

repetitivo ou são formados para cursos básicos de formação inicial e

continuada de trabalhadores, que não exigem conhecimento mais complexo.

O Relatório da UNESCO, que traz as diretrizes para a educação no

século XXI, já comentado, considera que à ―educação cabe fornecer, de algum

modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao

mesmo tempo, a bússola que permita navegar através dele‖ (2006, p. 89). Para

a educação dar conta das necessidades deste momento histórico, faz-se

necessário sustentá-la em 4 pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer,

aprender a viver juntos e aprender a ser e o anúncio do quinto pilar pela

UNESCO: o aprender a empreender.

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Na perspectiva da UNESCO, o ensino formal esteve centrado no

conhecer e, em menor escala, no fazer. A comissão propõe que os quatro

pilares sejam igualmente incluídos na educação, para revelar o tesouro que

existe dentro de cada indivíduo. Mas, ao contrário do que propaga acerca dos

poderes da educação, o relatório considera que o conhecer não passa pela

aquisição dos saberes codificados, mas que o aluno possa compreender o

mundo a sua volta.

[...] pelo menos na medida em que lhe é necessário para viver dignamente, para desenvolver as suas capacidades profissionais, para comunicar [...] e para isso é preciso aprender a aprender, mas o aprender a conhecer e aprender a fazer são, em larga medida, indissociáveis. Mas a segunda aprendizagem está mais estritamente ligada à questão da formação profissional (idem,

pp.91,93, grifo nosso).

Agora ficou mais evidente que o ensino profissional direcionado para

os trabalhadores do chão da fábrica deve desenvolver as capacidades ligadas

às atitudes e ao fazer (como sempre foi) e o tão propagado conhecimento é

relegado ao segundo plano (como também sempre foi). E o maior desafio

dessa nova aprendizagem é aprender a viver juntos. Resolver de maneira

pacífica os problemas, num cenário de tantos conflitos, daí a escola oportunizar

um local para ensinar a todos os trabalhadores a empatia, proatividade,

abertura à alteridade, ao diálogo, a fim de evitar as tensões entre pessoas,

grupos e nações.

Nesse sentido, a educação é antes de mais nada uma viagem interior, cujas etapas correspondem às da maturação contínua da personalidade. Na hipótese de uma experiência profissional de sucesso, a educação como meio para uma tal realização é, ao mesmo tempo, um processo individualizado e uma construção interativa. (UNESCO, 2006, p.101).

Segundo a UNESCO, as sociedades modernas estão passando por

grandes transformações que afetam a educação no sentido mais amplo, não

somente na escola formal. Multiplicam-se as ―as possibilidades de aprender

oferecidas pela sociedade exterior à escola‖. (idem, p. 103, grifo nosso).

Essa afirmação confirma nossa argumentação sobre o que significa

a educação na sociabilidade capitalista, sob o discurso de sociedade do

conhecimento para todos: uma escola que reduza sua atuação à formação de

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pessoas dóceis e adaptadas ao sistema, que ensine os alunos a aprender a se

relacionar entre os iguais e diferentes:

Além disso, uma certa ilusão racionalista, segundo a qual a escola podia, por si só, prover a todas as necessidades educativas da vida humana, acabou por ser destruída pelas alterações da vida social e pelos progressos da ciência e da tecnologia e suas conseqüências sobre o trabalho e o meio em que vivem as pessoas. As necessidades de adaptação, de reciclagem, que se fizeram sentir no campo profissional das sociedades industriais invadiram, pouco a pouco, os outros países e as outras áreas de atividade. Contesta-se a pertinência dos sistemas educativos criados ao longo dos anos – tanto formais como informais - sua capacidade de adaptação é posta em dúvida. Estes sistemas, apesar do extraordinário desenvolvimento da escolarização mostram-se, por natureza, pouco flexíveis e estão à mercê do mínimo erro de antecipação, sobretudo quando se trata de preparar competências futuras (Idem, p. 107).

Não sabemos como, seguindo esses parâmetros, a escola ou a

comunidade formará os trabalhadores para a ciência e a tecnologia. No

Relatório, cada parágrafo deixa perplexos aqueles que lutam por um ensino

integral que tenha o trabalho como princípio educativo, que, paradoxalmente,

integra os princípios do PNQ e do PLANTEQ em cujos programas e projetos

seguem essas recomendações, apesar do discurso dúbio, cheio de idas e

vindas, justamente para confundir. Porém, como o critério da verdade é a

prática, essa retórica é desvelada quando vemos o caos da escola pública, o

avanço das escolas e universidades particulares de qualidade também

questionável e os cursos profissionalizantes para a população de baixa renda

que formam, quando muito, para a informalidade e possível empregabilidade.

Assim, a pedagogia das competências, o aprender a aprender

integram a mesma perspectiva e é Saviani (2008) que, em relação à educação

centrada na perspectiva do ―aprender a aprender,‖ vem acentuar seu caráter

ideológico neoliberal que serve ao projeto político da classe dominante no

sentido de se adequar à reestruturação por que passa o sistema capitalista no

final do século XX:

O lema ―aprender a aprender‖, tão difundido na atualidade, remete ao núcleo das idéias pedagógicas escolanovistas. Com efeito, deslocando o eixo do processo educativo do aspecto lógico para o psicológico; dos conteúdos para os métodos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a espontaneidade, configurou-se uma teoria pedagógica em que o mais importante não é ensinar e nem mesmo aprender algo, isto é,

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assimilar determinados conhecimentos. O importante é aprender a aprender, isto é, aprender a estudar, a buscar conhecimentos, a lidar com situações novas. E o papel do professor deixa de ser o daquele o que ensina para ser o de auxiliar o aluno em seu próprio processo de aprendizagem (SAVIANI, 2008, p. 431).

Esse ideário estaria articulado com a ideologia centrada na livre

iniciativa, retirando do Estado e, em particular, da escola, o papel que tinha, na

sociedade regida sob a economia keynesiana, que era de formar a mão de

obra para ser incorporada ao mercado em expansão. Nesse contexto a escola

deveria formar para os postos de trabalho. Contudo, como o discurso acentua

que nas últimas décadas os empregos estariam ‗escassos‘ tanto nos países

centrais quanto nos periféricos resta que cada trabalhador desenvolva

continuamente sua empregabilidade e a escola necessita redefinir seu papel:

E o que ele pode esperar das oportunidades escolares já não é o acesso ao emprego, mas apenas a conquista do status de empregabilidade. A educação passa a ser entendida como um investimento em capital humano individual que habilita as pessoas para a competição pelos empregos disponíveis. O acesso a diferentes graus de escolaridade, não lhe garante emprego, pelo simples fato de que, na forma atual do desenvolvimento capitalista, não há empregos pra todos: a economia pode crescer convivendo com altas taxas de desemprego e com grandes contingentes populacionais excluídos do processo. É o crescimento excludente, em lugar do desenvolvimento inclusivo que se busca atingir no período keynesiano (Idem, p. 430).

As pedagogias centradas no lema aprender a aprender retiram da

escola a tarefa de transmissão do conhecimento objetivo, a tarefa de

possibilitar aos educandos o acesso ao saber elaborado e sistematizado:

A educação ao longo de toda a vida é uma construção contínua da pessoa humana, do seu saber e das suas aptidões, mas também da sua capacidade de discernir e agir. Deve levá-la a tomar consciência de si própria e do meio que a envolve e a desempenhar o papel social que lhe cabe no mundo do trabalho e na comunidade. O saber, o saber-fazer, o saber viver juntos e o saber-ser constituem quatro aspectos, intimamente ligados, de uma mesma realidade. Experiência vivida no quotidiano, e assinalada por momentos de intenso esforço de compreensão de dados e de fatos complexos, a educação ao longo de toda vida é o produto de uma dialética com várias dimensões (UNESCO, p.106- 107).

A proposta ambivalente da UNESCO fica translúcida na citação

abaixo, cujo conteúdo representa a aceitação da realidade do fim dos

empregos e da desregulamentação do trabalho, que trará como benefício um

―tempo livre‖ que poderá ser utilizado pelos trabalhadores para estudar:

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Alem disso, é possível que, por não se conseguir o pleno emprego, se comece a caminhar para uma multiplicidade de estatutos e de contratos de trabalho: trabalho em tempo parcial, trabalho com duração limitada ou precária, trabalho com duração indeterminada, desenvolvimento do auto-emprego. Em qualquer dos casos, o aumento do tempo livre deve ser acompanhado por um aumento do tempo consagrado à educação, quer se trate de educação inicial ou de educação de adultos. Deste modo, a responsabilidade da sociedade no domínio da educação é tanto maior quanto esta constitui, a partir de agora, um processo pluridimensional que não se limita à aquisição de conhecimentos nem depende, unicamente, de sistemas educativos. O ambiente educativo diversifica-se e a educação abandona os sistemas formais para se enriquecer com a contribuição de outros atores sociais (UNESCO, p.109 - 110, grifo nosso).

As recomendações não passam pela insistência por um ensino de

qualidade para os novos tempos que proporcione condições para que todos

possam saber lidar com as novas tecnologias contemporâneas, mas, sim, pela

valorização de uma educação básica, ou mesmo uma educação ocorrida no

cotidiano, nos diferentes grupos sociais (igreja, família, comunidade etc.),

espaços em que ocorre a transmissão da cultura partilhada, e as cidades

tornam-se o foco central, constituindo verdadeiras ―cidades educadoras‖,

visando ao bem-comum, à coesão social, à participação cidadã, à

solidariedade local e global, já que a escola formal não cumpriu com seus

objetivos e nem conseguirá cumprir. Aqui, a educação torna-se um ―fator

decisivo para a sociedade do conhecimento e da cultura, como elemento para

construir comunidade, como fator básico na igualdade de oportunidades e na

coesão social e como chave de qualidade de vida e da sustentabilidade

(VINDRÒ, 2003, p. 46).

Seguindo esses pressupostos, as ações de Qualificação Social e

Profissional – QSP propostas pelo PLANTEQ incluem, na sua carga horária

média de 200 horas/aula, conteúdos específicos de cada ocupação e

conteúdos básicos com duração não superior a 20% da carga horária total,

iniciando pelos conteúdos básicos e depois os específicos. Os cursos deverão

constar na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO e deverão conter

conteúdos com os seguintes temas:

Comunicação verbal e escrita, leitura e compreensão de textos,

raciocínio lógico-matemático – conteúdos básicos;

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Saúde e segurança no trabalho, informação e orientação

profissional – conteúdos básicos obrigatórios;

Conteúdos específicos das ocupações: processos, métodos,

técnicas, normas, regulamentações, materiais, equipamentos e

outros – conteúdos específicos;

Empoderamento, gestão, autogestão, associativismo,

cooperativismo, melhoria da qualidade e da produtividade –

conteúdos específicos (PLANTEQ, 2009, p.5).

Assim, os cursos profissionalizantes iniciais para a juventude de

baixa renda, necessariamente, devem ter temáticas que possam gerar o

empoderamento dos jovens por intermédio do desenvolvimento da autoestima,

cidadania e ética e do sentimento de coletividade, tendo como fundamento o

empreendedorismo.

Dentro dos Arcos Ocupacionais e de acordo com o Catálogo

Brasileiro de Profissões32- CBO, os jovens da classe trabalhadora do século

XXI estão sendo formados nas seguintes ocupações: as profissões no campo

da Administração concentram as ocupações de Arquivista/arquivador,

Almoxarife, Auxiliar de escritório/Administrativo, Contínuo/Office boy, Office

girl); no campo Agroextrativista - Segurança alimentar, Promoção da qualidade

de vida no campo; Promoção dos saberes indígena e popular; Criador de

pequenos animais (apicultura ou avicultura de corte ou avicultura de postura),

Trabalhador em Cultivo regional (fruticultura, olericultura); Extrativista florestal

de produtos regionais (madeira, alimentos silvestres); Artesão regional

(cerâmica, bordados, madeira, palha e materiais orgânicos). Alimentação –

Chapista, Repositor de mercadorias (em supermercados) Cozinheiro auxiliar,

Vendedor ambulante (alimentação); Beleza e estética – Cabeleireiro/escovista,

Manicure/pedicure, Maquiador,depilador e no de Construção e reparo –

Ladrilheiro, Pintor, Gesseiro, Trabalhador de manutenção de edificações

(instalações elétricas e de telecomunicações, dentre outros cursos iniciais, que

com certeza, não os integrarão na ―sociedade do conhecimento‖ tão

proclamada.

32

Ver todas as ocupações em:< http://www.projovemurbano.gov.br>. Acessado em 6/10/2010.

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O Governo Cid Gomes, em função de sua reeleição, terá mais 4

anos para pôr em prática o que está escrito no documento supracitado. Muita

coisa precisa ser feita para que haja de forma efetiva a inclusão social do

trabalhador no mercado de trabalho, por intermédio da educação profissional,

mesmo nas profissões que lhes estão determinadas na divisão social e técnica

do trabalho. Caso contrário, torna-se letra morta, mas, ao mesmo tempo, um

discurso ideológico que mascara a realidade, qual seja: desemprego estrutural,

escola sem qualidade, pobreza, miséria de grande parte da população.

Podemos supor que os diferentes arcos ocupacionais que estão

sendo oferecidos aos jovens estão em consonância com as suas necessidades

e da região em busca do ―desenvolvimento local‖, pois, segundo o PNQ, ―Os

cursos de QSP deverão oferecer obrigatoriamente conteúdos, devidamente

aplicados à realidade local, às necessidades do/a trabalhador/a e ao mercado

de trabalho‖ (RESOLUÇÃO Nº 575/2008).

Sabemos, no entanto, que os jovens não têm poder de escolha, eles

aceitam qualquer curso que apareça, salvo algumas exceções que tiveram a

sorte de serem agraciados com o curso que desejavam, quando seu desejo

coincide com o curso selecionado pelas autoridades. Mas o governo quer

resultados, existem metas de inserção, ou seja, ―Os executores dos PlanTeQ

[...] deverão cumprir meta de inserção dos beneficiários no mundo do trabalho

equivalente a, no mínimo, vinte por cento da meta prevista nas ações de

qualificação profissional‖ (RESOLUÇÃO nº 575/2008).

A proposta é que as capacitações específicas reflitam as

necessidades econômicas dos municípios. Porém, nem sempre isso ocorre,

existindo um desacordo entre a vocação econômica do município e os cursos

que são oferecidos. Além do mais, muitas vezes o jovem se inscreve num

curso na esperança de arranjar um emprego ou trabalho e não

necessariamente em sintonia com suas aspirações. O mercado não absorve a

maioria dos egressos destes cursos, então parte-se para o segundo plano:

formar empreendedores informais.

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De qualquer forma, sendo ou não sendo as aspirações profissionais

dos filhos dos trabalhadores pobres, as empresas querem profissionais

qualificados para as novas exigências em face das transformações

tecnológicas; elas não estão querendo profissionais com conhecimentos

mínimos, salvo para permanecerem nas atividades manuais que não

necessitam de conhecimentos mais complexos, uma vez, que esse parco saber

não vai gerar capital intelectual. Esses arcos ocupacionais, na realidade irão,

quando muito, formar para os subempregos, portando, aumentando em vez de

diminuir o subemprego, como o PNQ diz tentar minimizar.

Então, no que se refere ao PNQ e PLANTEQ, nos seus princípios e

objetivos, quais sejam: obtenção do emprego e trabalho decente para os

―excluídos‖, reduzindo os riscos de demissão, rotatividade, desemprego e

subemprego, torna-se uma façanha num mundo com poucos empregos e onde

impera a economia informal. A solução encontrada é estimular o

empreendimento individual ou coletivo, na perspectiva da economia popular

solidária.

Os Arcos Ocupacionais Alimentos (Chapeiro, Cozinheiro Auxiliar,

Vendedor ambulante); Serviços pessoais (Manicure, Cabeleireira Depilador

etc.); Agroextrativismo ( criador de pequenos animais , Artesão regional etc.),

dentre outros arcos, podem contribuir para a possibilidade de os jovens

tornaram-se empreendedores de negócios, sendo autônomos, trabalhadores

por conta própria. E nessa hora as características empreendedoras devem fluir

para agradar a clientela. A força de vontade, a iniciativa, persistência devem,

necessariamente, compor as características psicológicas do egresso desses

cursos.

Nesse cenário, a primeira coisa que esses jovens devem fazer ao

concluir o curso é pedir ajuda a seus familiares, mas, justamente por serem de

baixa renda, a ajuda torna-se inviável. Sua ―moratória‖ é encurtada, a fome

ensina que precisam trabalhar o quanto antes. As classes média/alta podem

esperar, não é à toa que a idade referente à juventude ampliou para 29 anos,

de forma a mantê-los sob a guarda das famílias e não forçarem o mercado de

trabalho que não absorve seus pais, muito menos os filhos. Os pais das

classes mais abastadas devem continuar arcando com cursos diversos para

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seus filhos, com a esperança que um dia eles consigam uma colocação

melhor. Para os pobres, a solução é levar o tempo fazendo cursos e mais

cursos, recebendo R$ 100,0033, como bolsa de estudo (já que os pais não

podem arcar com essa moratória estendida) e ir levando a vida, fazendo um

―bico‖ aqui outro acolá, mas com um currículo cheio qualificações, plantando

esperanças, logo, procurando conter as revoltas desta grande parcela da

população.

Esta incursão no PNQ e PLANTEQ foi para voltar a atenção para o

Projeto Juventude Empreendedora, como política que vem para profissionalizar

a juventude para esse ‗novo‖ mundo do trabalho que tanto pode ser

direcionado para a empregabilidade nas organizações, quanto para a criação

do seu próprio negócio, mas ambos centrando nos jovens a solução para seu

desemprego, estando em consonância com a retórica que centra no indivíduo

sua possibilidade de superação das adversidades naturais do mundo da vida.

Tanto o PNQ quanto o PLANTEQ acenam com palavras soltas no sentido da

suposta inclusão, mas se comprometem apenas com 20% dos capacitados,

mesmo que seja para as ocupações que lhes estão destinadas pela sua

condição de classe.

Quando se fala em sociedade do conhecimento, não é o

―conhecimento‖ advindo dessas ocupações a que os anteriormente aludidos

teóricos se referem; todavia, eles nos advertem de que, na ―sociedade pós-

capitalista‖, infelizmente, muitos permanecerão à margem, então podemos

concluir que essa cruzada ideológica consiste de artifícios insidiosos da classe

dominante para manter o status quo. E aqui retomamos Leite (2002), um dos

teóricos do empreendedorismo, quando acentua a importância de um

empreendedor eficaz, detentor de um saber universal, na sociedade do

conhecimento:

Ele precisa de uma base no conhecimento de pesquisa sistemática que chamamos ciência – seus métodos, sua história, suas hipóteses fundamentais e suas teorias. Precisa de um mínimo de competência no uso de habilidade de imaginar, analisar, formular, interpretar e

33 Referimo-nos ao Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem) que oferece formação no

ensino fundamental, curso de iniciação profissional, aulas de informática e uma bolsa de R$100,00 por mês.

.

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transmitir aquilo que chamamos de linguagem [...]. Para ser eficaz, ele deve, por conseguinte, ter uma base de cultura geral e ser capaz de manejar os instrumentos do pensamento e da experiência que são universais em vez de especializados. [...] o que interessa à empresa não é o trabalho, mas resultados (LEITE, 2002, p. 118 - 119).

Vislumbramos qual é a qualificação direcionada aos jovens

desfavorecidos social e economicamente e aos filhos das classes médias e

altas, demonstrando que a diferença está na base. Entra e sai governo e a

famosa educação integral fica apenas em sonho, nas mentes do que de alguns

visionários utópicos que ―teimam‖ em defender uma escola única para todos.

Estivemos discutindo os pressupostos, a política de qualificação

profissional da juventude centrada no empreendedorismo, salientando que a

teoria que o embasa condiz com todo o ideário da sociabilidade capitalista, e o

Projeto JUVEMP é a materialização desses pressupostos. No próximo capítulo,

centraremos nossa análise no período de 2008/2009, momento em que

participamos da equipe de coordenação, desenvolvendo o programa

pedagógico-metodológico, os nivelamentos dos facilitadores e o

acompanhamento das ações com os jovens, a comunidade e os profissionais

envolvidos.

Na nossa análise, algumas dificuldades podem ser superadas e

pretendemos contribuir com algumas sugestões, uma vez que a equipe,

incluindo gestores, coordenação, monitores, facilitadores, durante todo o

desenvolvimento do Projeto, mantiveram uma postura de comprometimento,

acreditando na mudança e pensando estratégias para a superação dos

entraves que foram surgindo no percurso. Os entraves teórico-ideológicos já

foram demarcados nos capítulos anteriores, agora iremos identificar quais

dificuldades passam pela própria inviabilidade de este projeto atingir suas

metas de inclusão social pelo empreendedorismo e daqueles que podem ser

removidos, caso haja interesse político para tal.

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3 PROJETO JUVENTUDE EMPREENDEDORA:

CONTRADIÇÕES ENTRE OS FUNDAMENTOS TEÓRICO-

METODOLÓGICOS E A REALIDADE SÓCIO-HiSTÓRICA

OBJETIVA

Neste capítulo, iremos apresentar o Projeto Juventude

Empreendedora, identificando seus objetivos, metas e sua articulação com os

fundamentos basilares que o permeiam, no contexto da crise de empregos que

assola a todos numa escala planetária. Procuramos apresentar os entraves e

os desafios que este Projeto apresenta na sua operacionalização, associando

seus conceitos e princípios à política pública centrada no empreendedorismo

para a juventude de baixa renda.

Como vimos nos capítulos anteriores, os pressupostos da política de

qualificação profissional da juventude centrada no empreendedorismo se apóia

no ideário da sociabilidade capitalista. O Projeto JUVEMP, na sua lógica

contraditória, é a materialização desses pressupostos. Queremos dizer com

isso que, apesar de seus fundamentos se orientarem na tentativa do capital de

recompor-se de sua crise, em face do desemprego estrutural, sua efetivação

tem possibilitado aos profissionais e aos sujeitos atendidos o embate diário

entre os objetivos do Projeto e a realidade concreta. Esses embates decorrem

do comprometimento dos gestores, da coordenação, dos monitores, dos

facilitadores, com o objetivo maior proclamado pelo Projeto, qual seja: a

inclusão social e econômica da juventude desfavorecida socioeconomica e

educacionalmente do Estado do Ceará.

Ao longo do desenvolvimento deste estudo, no entanto, já

demarcamos os obstáculos teórico-práticos à sua concretização. Agora iremos

demonstrar as dificuldades que decorrem da própria inviabilidade de este

projeto atingir suas metas de inclusão social pelo empreendedorismo para

jovens de baixa renda e com baixa escolaridade e aqueles impasses que

podem ser removidos, caso haja interesse político para tal.

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3.1 O Projeto JUVEMP

Nas últimas décadas, conceitos como inclusão social, cidadania,

empreendedorismo, empregabilidade, empoderamento têm sido incorporados

nas agendas de diversas instituições sociais, sejam nacionais ou

internacionais, públicas ou privadas num aparente consenso mundial sobre as

saídas possíveis para o desemprego estrutural. No Brasil, esses conceitos são

induzidos nas mais diferentes políticas e programas sociais, especificamente

no PNQ, que baliza o Projeto JUVEMP.

O Projeto é desenvolvido em três etapas, as quais são realizadas

em sala de aula com intervenções na comunidade e uma quarta etapa voltada

para a inserção dos jovens no mercado de trabalho, como também o

assessoramento para a criação de negócios individuais e coletivos,34 que,

segundo sua própria definição, está pautada

[...] num processo de aprendizagem teórico-vivencial tornando o educando, num contexto de trabalho em grupo, apto ao exercício de suas competências e habilidades, bem como de aplicar conhecimentos multidisciplinares assimilados (PROJETO JUVEMP, 2008).

As etapas estão assim organizadas:

1ª Etapa - Formação para o Empreendedorismo Social (120

horas/aula)

Identidade e interação social – identidade, família, auto-estima,

cidadania, direitos humanos, ética e política e empreendedorismo social;

Processos sociais integradores;

Empreendedorismo social na comunidade - seminários, oficinas,

campanhas comunitárias e visitas aos empreendimentos sociais (ONGS,

associações etc.);

34

As versões subseqüentes sofreram modificações em relação à seqüência das atividades.

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Educação financeira;

Práticas Interventivas – a partir da identificação da problemática

do município, os participantes realizaram práticas na comunidade.

2ª Etapa - Elaboração do projeto de vida profissional (76

horas/aula) - realizado por psicólogo (a), através de uma orientação

profissional.

Pesquisa das vocações econômicas e potencialidades locais,

através de um grupo focal com 10 atores sociais do município na qual

expuseram a vocação econômica, potencialidades do município e ocupações

existentes e necessárias;

Atividades como dinâmicas de grupo, entrevistas aos diferentes

profissionais nos locais de trabalho, culminando com a elaboração do projeto

de vida profissional de curto e longo prazo.

3ª Etapa – Capacitação para o trabalho (300 horas/aula)

Cultura empreendedora;

Capacitação em gestão de empreendimentos associativos e não-

associativos;

Oficinas de matemática, informática, escrita e leitura, saúde e

segurança no trabalho e de orientação para o trabalho;

Cursos de capacitações específicas de acordo com as

potencialidades do município e com o projeto de vida profissional dos jovens

(60h/a).

4ª Etapa – Encaminhamento para o mercado de trabalho e

incentivo à criação de negócios individuais e coletivos.

A intermediação junto às empresas dos jovens capacitados é

realizada através das Unidades de Atendimento do IDT, na busca de inseri-los

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conforme os cursos escolhidos. A supervisão dos prováveis negócios deve ser

realizada pelos técnicos do IDT.

Antes de iniciar as aulas, ocorre um encontro em Fortaleza, com a

presença de autoridades da STDS, prefeitos, demais representantes dos

municípios contemplados, coordenação do Projeto e técnicos do IDT. Por

ocasião deste encontro, é apresentado o Projeto e assinado o contrato de

gestão entre as partes envolvidas.

Como passo seguinte, é definida uma agenda de apresentação do

Projeto para a comunidade local, com a presença de diversos integrantes da

sociedade civil e do poder público. Nesta reunião, juntamente com a

coordenação do JUVEMP, são escolhidos os integrantes que comporão um

grupo de seis pessoas (uma da STDS, uma da coordenação, uma do poder

local, o monitor, e mais duas pessoas da comunidade), que farão a pré-seleção

dos jovens que integrarão o Projeto, observando os critérios já evidenciados na

introdução.

Posteriormente, os jovens pré-selecionados participam de uma

seleção definitiva com membros da coordenação e STDS. No caso do

JUVEMP/2008, diante da ausência de jovens com a escolaridade exigida, foi

aberto exceção para aqueles que haviam concluído o ensino médio. A seleção

é realizada com uma dinâmica de grupo, ocasião em que é identificado o

interesse e as expectativas do jovem em participar do curso.

Na versão 2008/2009 houve dificuldade de compor o grupo por

ausência de jovens no perfil predefinido, ou seja, jovens que estivessem

cursando o 9º ano do Ensino Fundamental, que estivessem no Ensino Médio,

com a idade de 17 e 24 anos e com renda per capital menor ou igual a meio

salário-mínimo e, finalmente, jovens que possuíssem as características

comportamentais dos empreendedores: jovens com iniciativa, liderança, boa

comunicação, características identificadas numa minoria deles. Os jovens

também não podiam estar participando de outros projetos governamentais Em

alguns municípios, foram realizadas até três seleções.

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3.2 Projeto Juventude Empreendedora: desenvolvendo as competências

atitudinais do indivíduo do século XXI

Como já vimos anteriormente, a concepção que norteia o

empreendedorismo parte do pressuposto de que, na ausência de empregos, o

empreendedorismo aparece como solução para os trabalhadores

desempregados, precarizados e até para os que estão empregados. Aparece

também como incentivo ao desenvolvimento econômico uma vez que cria

novos empregos e movimenta a economia. A chave do sucesso é o espírito

empreendedor que consiste em uma soma de características que têm como

suporte uma mobilização individual de inovar e assumir riscos.

O Projeto busca trabalhar a subjetividade, os valores pessoais na

formação da identidade do indivíduo. Trabalha a importância dos grupos

sociais, enfatizando o papel da família e da comunidade. Discute a ética como

aspecto essencial no exercício da cidadania. Trata sobre o conceito, as

habilidades e características dos empreendedores. Esses temas são

desenvolvidos em módulos que compõem a etapa ―Empreendedorismo Social‖.

As temáticas são trabalhadas de forma vivenciada, ou seja, através de

dinâmicas e de jogos estruturados com objetivo de aprendizado grupal.

Também são utilizados vitalizadores35 que conseguem envolver os jovens nas

atividades e integrá-los. Vale destacar que os envolvidos no Projeto

(facilitadores, monitores) vivenciam a metodologia por ocasião dos

nivelamentos e, posteriormente, os facilitadores a reproduzem juntos aos

educandos.

A proposta pedagógica e metodológica se propõe a estimular o

potencial do indivíduo aspirante a empreendedor através do treinamento, além

de apresentar os aspectos gerenciais inerentes aos negócios. Quem tem as

características dos empreendedores, já explicitadas nos capítulos anteriores,

possuem maiores chances de ter sucesso nos negócios; no entanto, essas

35

Os vitalizadores são dinâmicas de grupo que são realizadas no início de uma atividade objetivando mobilizar, aquecer, (ou mesmo relaxar, caso estejam muito excitados) os integrantes de um grupo, elevando a motivação, preparando-os para as atividades seguintes.

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características, segundo os teóricos do empreendedorismo, podem ser

ensinadas. A metodologia utilizada no Projeto parte de situação-problema que

leva o grupo a pensar soluções para uma determinada problemática, sempre

se apoiando no conhecimento preliminar do grupo – a chamada construção

coletiva.

A metodologia fundamenta-se no Círculo de Aprendizagem Vivencial

– CAV, proposto pelo psicólogo americano David Kolb e realiza-se através de

vivenciais grupais (GRAMIGNA, 1995). A aprendizagem é baseada em ação,

por meio do qual o grupo coloca em evidência suas habilidades objetivando

facilitar o envolvimento de todos. O CAV possui cinco fases: vivência (através

de uma atividade – o fazer); o relato (expressão compartilhada dos

sentimentos); processamento (análise do desempenho e dos padrões de

comportamento); generalizações (referência a situações do cotidiano) e

aplicação (quando a experiência é traduzida em ações, mudanças de atitudes,

planejamento).

Os temas (empreendedorismo, gestão, liderança, marketing,

mercado etc.) são apresentados sempre através de uma vivência. O facilitador

propõe a tarefa e estimula a participação. Ao final, ele fecha o momento

introduzindo um poema, um slide, uma música, um texto que sintetize o que foi

discutido por ocasião da dinâmica.

Por exemplo, se a temática é sobre liderança36, realiza-se uma

vivência37 durante a qual os participantes possam interagir na execução da

tarefa. O facilitador observa o comportamento dos participantes, os papéis no

grupo, os interesses, as inibições, os medos, a maneira como as tarefas são

divididas entre os integrantes, a comunicação, a argumentação, o

autoritarismo, a democracia, a iniciativa, a criatividade.

36 O tema liderança foi trabalhado no último modulo: Gestão de Empreendimentos Associativos e Não –

Associativos.

37 Existem vários livros com dinâmicas de liderança, negociação, trabalho em equipe, criatividade,

percepção, raciocínio rápido, comunicação, motivação, autoconhecimento, planejamento, conhecimento interpessoal, equilíbrio emocional afetividade, integração, auto-reflexão.

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Terminada a tarefa, segue o relato dos sentimentos, o que facilita ou

dificulta a execução da tarefa. É o momento, em que todos se expressam,

expondo suas percepções, angústias e contentamento. O facilitador realiza o

processamento de tudo o que foi dito pelos integrantes, administrando conflitos,

caso surjam. Segue a generalização, refletindo sobre o comportamento

esperado de um líder no mundo do trabalho, nas organizações e na vida e

como o que foi aprendido poderá ser colocado em prática (aplicação).

Essa explanação teve sua gênese na situação gerada no grupo,

sempre se referindo ao que foi dito e observado pelos participantes (ideias,

sentimentos, percepções). O facilitador faz, brevemente, o fechamento do

momento, salientando que a liderança é uma das características da

personalidade de um empreendedor, assim como sua capacidade de trabalhar

em equipe, coordenar pessoas, de motivar, de mudar, de criar, de vencer

barreiras, superar adversidades, ser otimista, acreditar em si mesmo, enfim,

condutas importantes num líder. Poderá também fechar expondo um painel,

com os tipos de liderança e as características de um líder, como também

apresentar uma música, um texto. Essa vivência poderá ser também realizada

através de um filme que contenha o tema liderança. Contanto que todas as

fases do CAV sejam trabalhadas na sala de aula.

A metodologia adotada pelo Projeto conseguiu atingir os objetivos

propostos no que se refere à melhoria da comunicação, da iniciativa, da

participação, da desenvoltura, ou seja, das atitudes de alguns jovens diante do

grupo e das situações propostas em sala de aula e nas atividades que

envolviam a comunidade, evidenciadas pela equipe técnica da coordenação do

Projeto, incluindo os facilitadores.

Houve mudanças significativas de comportamento demonstrando

que é possível, num ambiente facilitador da aprendizagem, que os alunos se

posicionem e tornem-se mais participativos, aqui compreendido como

envolvimento no conjunto das atividades.

Moscovici (2003), psicóloga e consultora de empresas, atuando na

área de desenvolvimento interpessoal, expõe as diretrizes e os procedimentos

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do que ela chama de aprendizagem vivencial, que é uma adaptação do CAV,

que tem sua ênfase nas emoções e sentimentos, que segundo a autora, de

acessórios na pedagogia dita tradicional passam a ser enaltecidos nessa nova

pedagogia. A autora apresenta a metodologia da seguinte forma:

A aprendizagem vivencial compreende um ciclo de quatro fases seqüenciais e interdependentes: atividade, análise, conceituação, conexão. A primeira etapa consiste na vivencia de uma situação através de atividades em que o participante se empenha, tais como resolução de um problema, simulação comportamental, dramatização, jogo, processo decisório, comunicação, exercícios verbais e não-verbais. A etapa de análise segue a vivencia. Consiste no exame e na discussão ampla das atividades realizadas, na critica dos resultados e do processo de alcançá-los – o como passa a ser mais importante do que o resultado em si. É uma fase muito mobilizadora de energia emocional, pois cada participante deve expor seus sentimentos, idéias e opiniões livremente. [...] Para que possa aprender com a experiência, torna-se necessário organizar esta experiência e buscar-lhe o significado, com ajuda de conceitos esclarecedores. Cabe, então uma etapa de insumos cognitivos, informações e fundamentos teóricos que permitam sistematização e elaboração de ―mapas cognitivos‖ individuais. [...] complementados por leituras individuais e debates, permite a conscientização de aspectos pessoais e, interpessoais e grupais [...] passa-se a etapa de conexão, em que se fazem correlações com o real, comparando-se aspectos teóricos com situações práticas de trabalho e vida em geral (p. 12 - 13, grifo nosso).

O alcance do desenvolvimento de competências atitudinais exige um

tempo significativo, situação que foi identificado na prática, principalmente na

utilização de vivências em que a escuta individual é o diferencial. Os

profissionais do Projeto souberam aproveitar bem o tempo para trabalhar a

expressão compartilhada dos sentimentos. Na nossa leitura, o problema que se

coloca para os profissionais envolvidos com o Projeto é a garantia da

introdução dos conteúdos requeridos à formação do empreendedor (marketing,

gestão, liderança, plano de negócios, etc.) em uma metodologia que valoriza,

fundamentalmente, a aprendizagem vivencial. Um outro problema, é a

formação básica dos jovens do Projeto no contexto de reformulação dos

currículos e programas escolares que são adequados ao currículos por

competência, focalizados no ―aprender a aprender‖, relegando o ensino ao

segundo plano.

Em relação à articulação entre conhecimento e vivência, de fato, o

CAV mobilizou os ‗saberes do cotidiano dos jovens‘ como recurso para

identificar os problemas locais e propor soluções. Foram criadas situações-

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problema estimulando os jovens a pensar as possíveis soluções, implicando

todos no processo, buscando a cooperação numa atitude em que o facilitador,

aqui não é o transmissor do conhecimento adquirido, mas apenas um

―facilitador‖ da aprendizagem, um potencializador, numa ―observação

individualizada de uma prática, em relação a uma tarefa‖ (PERRENOUD, 1999,

p. 66). Aqui se valoriza a aprendizagem significativa pautada nos interesses do

educando. Objetiva-se trabalhar os saberes previamente adquiridos dos jovens;

dotá-los de mais informações para solucionar os problemas cotidianos e locais

à semelhança das diretrizes dos Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio

– PCNs que se apoia no Relatório Jacques Delors:

É sintomático que, diante do desafio que representam essas aprendizagens, se assista a uma revalorização das teorias que valorizam os afetos e da criatividade no ato de aprender [...]. Diante da violência, do desemprego e da vertiginosa substituição tecnológica, revigoram-se as aspirações de que a escola, especialmente a média, contribua para a aprendizagem de competências de caráter geral, visando a constituição de pessoas mais aptas a assimilar mudanças, mais autônomas em suas escolhas, mais solidárias, que acolham e respeitem as diferenças, pratiquem a solidariedade e superem a segmentação social (PCN, p.59).

Em contraposição aos postulados subjacentes, defendemos que

uma ma educação escolar que prime pelos ―saberes‖ do aluno, que prime pelo

aprender a ser e a conviver, sendo o professor um mero facilitador deste saber,

não dará subsídios teóricos para que o aluno domine o conhecimento, nem a

tecnologia, tampouco dará condições para que eles solucionem, com

criatividade, os problemas que emergem no cotidiano das organizações para o

qual o Projeto também está direcionado.

Quando o CAV é aplicado nos treinamentos ou reuniões das

organizações, parte-se do pressuposto de que os profissionais possuem

competência técnico-profissional para a função para a qual foram contratados e

podem contribuir para propor soluções que a organização demanda. A

metodologia, nessa situação, busca criar um clima grupal que permita a livre

expressão dos sentimentos e idéias, objetivando a resolução do problema ou

tarefa. Serve também para que os gestores identifiquem quem está mais se

―doando‖, quem é mais comprometido, quem ―veste a camisa da empresa‖,

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enfim, identificar a motivação, participação dos ―colaboradores‖, tendo como

meta extrair do trabalhador, resultados e competitividade. Esse clima

―facilitador‖ pode até gerar um sentimento de pertencimento e, caso surjam

conflitos, favorecer um espaço para administrá-los.

Todavia Moscovici (2003), quando apresenta sua visão de

aprendizagem, esta se assemelha aos pressupostos da pedagogia das

competências. Para ela a pedagogia tradicional privilegiou o cognitivo. Já a

aprendizagem vivencial (a de laboratório) valoriza o emocional e as práticas

centradas na experiência direta e imediata do aprendiz e no aprender a

aprender onde os conteúdos são desvalorizados:

Aprender a aprender, aprender a dar ajuda e participação eficiente em grupo são meta-objetivos essenciais da educação de laboratório. Estas meta-objetivos expressam valores de pressupostos filosóficos que consideram o homem como um ser que se desenvolve, continuamente, em busca de realização e felicidade. (...) Aprender a aprender significa a aprendizagem „que fica‟ para toda a vida, independentemente do conteúdo. É um processo de buscar e conseguir informações e recursos para solucionar seus problemas, com e através da experiência de outras pessoas, conjugadas à sua própria (2003, p. 7- 8, grifo nosso).

O JUVEMP procurou investir, por intermédio de sua metodologia,

na formação de jovens com as características atitudinais (saber inovar, criar,

ter liderança, ser flexível, ter perseverança, comprometimento, autoconfiança,

autocontrole, persuasão, poder de negociação, saber trabalhar em equipe etc.)

desejáveis na ―nova ordem‖ capitalista, independentemente dos ideais que

movimentam os seus gestores e executores. Dito isso, o Projeto atingiu seus

objetivos quando desenvolveu uma metodologia centrada nas características

de personalidade necessárias para o empreendedor, principalmente o

corporativo ou intraempreendedorismo, características de personalidade que

condizem com o novo perfil de colaborador nas empresas.38

38 Para a secretária da STDS da gestão anterior, Fátima Catunda, o Projeto JUVEMP consiste em

oportunidade a mais para o ingresso dos jovens no mercado de trabalho. "Essas iniciativas trabalham no sentido de inserir o estudante, o jovem trabalhador, no contexto do trabalho de grupo, tornando-o apto ao exercício das competências que são exigidas pelo mercado profissional". Ver: <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1354388/projeto-juventude-empreendedora-chega-a-mais-nove-

municipios>. Acessado em 21/10/2010.

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Isto posto, argumentamos que, partindo do pressuposto de que a

―sociedade do conhecimento‖ e, mais precisamente, a esfera da produção,

estaria a demandar um profissional com amplas competências, incluindo o

conhecimento intelectual, significa dizer que a simples resolução de problemas,

a comunicação, o trabalho em equipe etc., proposto pela pedagogia da

competência e vivenciado pelos projetos, não formará o profissional que o

―novo mundo do trabalho‖ precisa. Mesmo porque, como foi salientado por

Drucker (1993), Stewart (1998), Minarelli (1995), Leite (2002), o conhecimento

intelectual, o capital humano, que integra o capital intelectual e é apropriado

pela organização, é o que os proprietários do capital mais valorizam. Isso

requereria, como nós já anunciamos, um profissional com formação de cultura

geral e com competência e habilidades capazes de responder às exigências

das transformações técnico-científicos do setor produtivo.

educação universal promoverá o desafio de fornecer ―uma compreensão básica de ciência e da dinâmica da tecnologia; conhecimento de línguas estrangeiras. Também será necessário aprender a ser eficaz como membro de uma organização, como empregado (DRUCKER, 1993, p.155).

Drucker adverte que a escola deve preparar seus alunos para essa

sociedade do conhecimento pois a sociedade pós-capitalista precisa de mais

pessoas com diploma do ensino avançado para assumir ―cargos de

conhecimento ―para explorar o conhecimento universalmente disponível‖

(DRUCKER, 1993, p. 149).

No entanto, os ―alunos menos dotados‖, no qual se refere o

documento da UNESCO, que na leitura de In`am Al-Mufti (2006), podemos

incluir os jovens do JUVEMP, irão, caso consigam um emprego/trabalho,

manejar algumas máquinas e tecnologias de informação que, apesar de

complexas, não exigem muito conhecimento dos profissionais que continuam

sem compreender a tecnologia embutida, apertando teclas que acionam

programas que contêm trabalho materializado pelos detentores deste saber.

Saber esse que somente alguns dominam, ou seja, aqueles que tiveram

integrado ―as competências‖ como um todo: conhecimentos, habilidades e

técnica, advindas de uma formação científica, própria de um ensino superior de

qualidade, incluindo tanto as áreas tecnológicas quanto as áreas humanas.

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O ensino profissionalizante reflete esse sistema dual que, nos seus

conteúdos e métodos de aprendizagem, valoriza a atividade manual em

detrimento da intelectual, mesmo num contexto histórico em que proliferam

abordagens discursivas de que estaríamos vivendo profundas transformações

no âmbito do trabalho, em função da organização flexível, exigindo um

profissional com amplas competências, polivalentes dominando todas as

esferas do saber, necessitando, portanto, uma redefinição do papel social da

escola, mais adequada à ―sociedade do conhecimento‖ que teria ―superado‖,

principalmente nos países capitalistas avançados, a organização taylorista-

fordista.

No Brasil, esse discurso ganha corpo, contraditoriamente, na Lei

9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e, especificamente,

nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs para o Ensino Médio para os

quais o eixo dos currículos e programas é a pedagogia das competências,

focalizados no aprender a aprender.

No âmbito da escola formal ou informal, como salienta Perrenoud

(1999), a pedagogia das competências requer um tempo demasiado,

comprometendo os conteúdos. Fica a escolha: uma ação mais centrada na

subjetividade que favorecerá a escuta individualizada, atingido a todos, ou um

ensino voltado para a transmissão dos conteúdos, que tende a aumentar

justamente em função da gama de conhecimentos acumulados pela

humanidade.

A pedagogia das competências parte do pressuposto de que o

ensino direcionado para resoluções de problemas é suficiente, ao lado de

práticas mais participativas promovendo uma aprendizagem mais significativa e

mais efetiva, com respostas rápidas tão ao gosto das empresas capitalistas,

pois tempo é dinheiro. Porém na realidade o objetivo é formar trabalhadores

adaptados, cooperativos, que saibam conviver, de forma a acatar

determinações da gerência para executar suas tarefas rotineiras, assim como,

a manutenção dos equipamentos, limpeza do ambiente de trabalho, controle de

qualidade dos serviços/produção e propor soluções à administração, através

dos conhecidos Círculos de Controle de Qualidade – CCQ, onde

periodicamente os trabalhadores são reunidos e através de metodologias

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participativas, a administração colhe sugestões para a melhoria da

produtividade e, consequentemente, da extração do sobretrabalho dos

trabalhadores que devem estar sempre ―determinados, otimistas, motivados e

empreendedores‘.

A articulação entre teoria e prática proclamada pelos teóricos da dita

―sociedade do conhecimento‖ como fundamentais para o novo tipo de

profissional, dentre os quais o empreendedor, não evidenciamos no JUVEMP39.

Observamos que a metodologia prima pela vivência do aluno, e o

conhecimento mais sistematizado fica em segundo plano. A articulação teórica

se consumava mais na própria atividade. A leitura do assunto era composta de

noções, conceitos um tanto superficiais, podendo ser utilizados pequenos

textos da apostila, músicas que serviam como síntese do que foi discutido em

sala de aula, dentre outros recursos.

Os jovens tiveram a oportunidade de vivenciar situações que

desenvolveram uma performance do ―colaborador‖ empreendedor em busca de

manter/conquistar sua empregabilidade. Dito de outra forma, as características

empreendedoras que são exigidas no contexto das empresas, o

intraempreendedorismo, foi cotidianamente estimulado, no que se refere às

atitudes comportamentais, todavia ficou a lacuna em relação aos conteúdos

que os teóricos do empreendedorismo afirmam que deve servir de alicerce

para os empreendimentos. Durante a execução do Projeto foram percebidas,

segundo relatos dos jovens, dos facilitadores, monitores e familiares,

mudanças comportamentais dos jovens, desde mais envolvimento com as

atividades escolares, quanto com as ações internas ao Projeto. Por

conseguinte, a introjeção dessas atitudes de forma mais duradoura na sua vida

pessoal e laboral, como demonstraram nas atividades coletivas em sala de

aula e na comunidade, é um fato a ser verificado a posteriori.

Por intermédio das dinâmicas de grupo a metodologia favoreceu o

desenvolvimento das habilidades comportamentais. Os jovens compartilharam 39

No Brasil, Dolabela vem difundindo a pedagogia empreendedora, fundamentada no aprender a aprender. Segundo ele, o empreendedorismo na Educação Básica formará, através de metodologias inovadoras, ―o capital social para o afloramento do espírito empreendedor e para a ação empreendedora‖. Ver site < http://www.icesi.edu.co/ciela/anteriores/Papers/edem/7.pdf> acessado em 12 de março de 2011.

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sentimentos e pensamentos para melhor compreenderem a si próprios e ao

outro. Nas dinâmicas identificam-se as forças e fraquezas dos envolvidos e

busca-se, em grupo, favorecer as habilidades de comunicação, liderança,

negociação, cooperação, flexibilidade, motivação, culminando com uma maior

integração entre os envolvidos. Todos esses componentes foram mobilizados,

resultando em desempenhos individuais/grupais progressivamente mais

atuantes.

Do exposto acima, notamos que o JUVEMP, mesmo quando tenta

incorporar nas atividades vivenciais todas as dimensões das competências

requeridas para o empreendedorismo, se depara com obstáculos inerentes à

própria lógica excludente da sociabilidade capitalista que se apresenta, dentre

outro aspectos, na baixa qualidade educacional oferecida à juventude

trabalhadora e no pouco tempo destinado aos conteúdos. A escola pública

brasileira é historicamente marcada pelo dualismo educacional. De um lado,

temos a escola para formação dos ―futuros dirigentes‖, dos ―alunos brilhantes‖

dos ―mais bem dotados‖, e de outro, a escola para a formação da força de

trabalho que a economia de mercado requer, e o JUVEMP pretende formar

justamente esses excluídos através de uma carga horária de 60h/a nos cursos

básicos, única escolha possível em função da condição de classe

desfavorecida desses jovens.

Salientamos, aqui, a contradição dos fundamentos da chamada

sociedade do conhecimento e das bases programáticas indicadas pela

pedagogia das competências para a formação dos educandos no âmbito da

escola. No campo ideológico, temos o discurso que enfatiza a necessidade da

formação intelectual com um conjunto de competências e habilidades, porém,

na prática, é reduzido aos conhecimentos de cultura geral a partir dos

pressupostos da pedagogia das competências. O resultado desse fenômeno,

como pudemos evidenciar, aparece no JUVEMP quando faltam aos jovens os

conteúdos básicos que lhes permitam apreender os conhecimentos

necessários para um ―empreendedor de sucesso‖.

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3.3 Competências empreendedoras para o bem-estar coletivo:

empreendedorismo social

Os programas e projetos voltados para o emprendedorismo,

dentre os quais se insere o JUVEMP, enfatizam que os empreendedores

podem direcionar suas competências para atividades que têm como meta o

bem-comum. É o chamado ―empreendedorismo social‖. Sua missão é fazer

ações que possuem um alto grau de retorno positivo para a sociedade. O foco

não é o lucro, mas o impacto social objetivando promover mudanças

significativas para a comunidade. Remete ao local, ao regional, à comunidade,

aos microproblemas, possíveis de serem minorados.

No âmbito do JUVEMP, o módulo empreendedorismo social

adentrou nas vicissitudes do empreendedorismo social nos seus pressupostos

e prática vinculada. Os jovens entraram em contato com o conceito de

desenvolvimento sustentado, economia solidária, cidadania, direitos humanos,

ética e participação política e educação financeira, sempre através de vivências

grupais.

Na etapa ―Formação para o Empreendedorismo Social‖, os

facilitadores apresentaram a temática em questão. A metodologia segue os

seguintes passos: O facilitador solicita que os jovens, em subgrupos, criem um

produto/serviço (a tarefa, a situação-problema) que seja importante para o

município e promova benefícios para todos. Os jovens criam vários produtos

e/ou serviços (com cartolinas, com material reciclável etc.) Em seguida,

apresentam sua produção para o grupo através de cartazes, painéis

ilustrativos, dentre outras formas. O facilitador os instiga a exporem,

individualmente, os sentimentos que afluíram durante a execução da atividade,

os aspectos facilitadores ou dificultadores da ação em grupo (relato, expressão

compartilhada dos sentimentos, ideias e pensamentos). Todos passam a

avaliar o produto/serviço criado, assim como a importância e viabilidade dos

deste, analisam o comportamento grupal, identificando os pontos fortes e

fracos (processamento). Por último, busca-se relacionar tudo o que foi discutido

fazendo uma ponte com a realidade do município.

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O facilitador evidencia o comportamento expressado, articula com

outras situações nas quais os jovens tenham se manifestado de forma

semelhante (generalização) e quais as atitudes que cada um trará para sua

vida cotidiana, tanto na família, no trabalho, na comunidade (aplicação).

Diversas dificuldades são apresentadas na perspectiva dos jovens, tais como:

timidez, medo, insegurança, baixa autoestima, colegas autoritários, dificuldade

de trabalhar em grupo etc. O facilitador fecha a discussão, introduzindo as

características da personalidade dos empreendedores e o que a empresa está

exigindo em termos de características atitudinais. Conclui-se com a exposição

do conceito de empreendedorismo social.

Neste módulo, os jovens fizeram um diagnóstico da situação do

município, elaboraram uma agenda das ações para a realização das práticas

interventivas. Essas práticas consistiram de ações educativas, como

caminhada contra as drogas, pela defesa do meio ambiente, peças teatrais

com diferentes temáticas (doenças sexualmente transmissíveis, drogas, meio

ambiente) atividades lúdicas com crianças de creche, limpeza das ruas, praças,

coleta de alimentos para doação, coleta de material reciclável. Essa ação

culminou com a realização de seminários para a comunidade em que

expuseram o que foi realizado, contando com o depoimento de pessoas da

localidade que foram beneficiadas, salientando a relevância da iniciativa dos

jovens.

De acordo com os relatos dos jovens e facilitadores, as práticas

interventivas tornaram-se momentos em que os jovens mais gostaram, pois

conheceram e contribuíram com ações junto à comunidade, exercendo a

solidariedade, e foram tocados com o ―sonho do empreendedor social‖: uma

sociedade ―menos desigual e mais humana‖.

Esse tema tem um alto poder de sensibilizar os envolvidos porque

trata de questões que já fazem parte das inquietações religiosas: um mundo de

―paz e amor‖. Ricos doando um pouco do muito que têm para os

―necessitados‖, os ―desvalidos da sorte‖, do ―pecado‖, ―dos pequeninos‖, enfim,

um discurso que toca aqueles que sofrem com a dor alheia, que são

―caridosos‖ e têm compaixão. Ademais, dá a sensação de que algo está sendo

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feito, para minimizar as injustiças sociais. Nesse tocante, chamamos a atenção

sobre a desresponsabilização do poder público em executar as ações sociais,

transferindo para a iniciativa privada e para a comunidade a responsabilidade

pela ações públicas.

No módulo empreendedorismo social, também fazem visitas a

equipamentos públicos, como Secretaria de Ação Social, Saúde, Cultura,

Conselho Tutelar, Delegacias40, Associações de Trabalhadores Rurais, Centro

de Atenção Psicossocial (CAPS), Centro de Referência e Assistência Social

(CRAS), sempre com as entrevistas previamente agendadas e o roteiro da

entrevista elaborado em sala. Ao retornar das visitas, os subgrupos

apresentam para a classe o resultado da pesquisa, através de cartazes,

momento ímpar em que partilham a experiência. Segundo relato dos

facilitadores, muitos chegam a afirmar que desconheciam as atividades dessas

diferentes instituições. Tiveram municípios em que os jovens participaram de

uma sessão na Câmara dos Vereadores e outro onde os membros do

Conselho Tutelar visitaram os alunos e apresentaram o que o Conselho se

propõe e forma de eleição.

Apesar de percebermos o empreendedorismo social como uma

proposta que não questiona o status quo, são inegáveis os momentos de

riqueza e aprendizagem ocorridos nessa etapa em que os jovens puderam

conhecer espaços públicos nos quais as políticas públicas são implementadas

e gestadas, ―espaços de cidadania‖ que devem ser apropriados

democraticamente por todos, possibilitando o controle social, constituindo um

momento para criar um ambiente favorável e uma reflexão crítica das

problemáticas que assolam o País e o mundo.

Indubitavelmente, esse Projeto tem um forte envolvimento na

comunidade que chamou a atenção da comunidade local. Ao término de cada

módulo os jovens realizam uma avaliação de seu desempenho, do grupo, do

facilitador e do Projeto como um todo. É identificado desde a liderança

40

Em Fortaleza, os jovens visitaram e entrevistaram a delegada da Delegacia da Criança e do Adolescente, buscando saber o número de jovens envolvidos em atos infracionais e quais as infrações mais cometidas. No interior do estado, pela ausência de delegacias especializadas, foram nas delegacias comuns.

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autocrática, democrática, os jovens descomprometidos, os interessados,

gerando reflexões em torno da ação, com promessas de modificação dos

impasses individuais impeditivos de um maior envolvimento.

De uma maneira geral essas avaliações foram positivas. Os

facilitadores também preenchem um instrumental de avaliação dos jovens

acerca do desempenho nas atividades grupais, observando o processo de

desenvolvimento individual de cada jovem, evidenciando a motivação,

liderança, enfim, as variáveis psicoemocionais.

À medida que as atividades se desenvolvem, os jovens

progressivamente se sentem mais confiantes em si mesmos e no grupo. A

comunicação foi melhorando, a participação, a iniciativa, e a liderança, a

integração, o trabalho em equipe, a desenvoltura e o senso de pertencimento à

comunidade.

Vê-se que, pelas atividades desenvolvidas pelo Projeto, o

empreendedorismo social assenta-se no discurso ―regenerador‖ concebível

num contexto econômico e político em que a sociedade civil passa a ter a

atribuição de realizar reformas no capitalismo, minimizando as desigualdades e

a pobreza, através de ações voluntárias, solidárias, sem entrar em

considerações sobre a possibilidade de superação do modo de produção

capitalista. Assim, legitima-se a redução do Estado através da descentralização

compartilhada que,contraditoriamente não compartilha o poder de decisão das

políticas.

Nunca se ouviu na mídia qualquer menção contra os ideários dos

empreendedores sociais, uma vez que suas propostas não geram nenhuma

transformação do status quo. Na fala dos empreendedores sociais,

costumamos ouvir a famosa frase de difícil compreensão: tratar ―desigualmente

os desiguais‖, assim como identificamos nas entrelinhas que o problema da

fome e miséria está na degradação moral dos homens e não na lógica societal

do capitalismo.

É compreensível a adesão ao empreendedorismo social e aos seus

conceitos basilares. Termos como inclusão, participação, cidadania fazem

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parte de antigas aspirações da maioria dos trabalhadores e jovens excluídos

das conquistas alcançadas na sociedade moderna. Porém esses conceitos,

uma vez ressignificados, mascaram o seu caráter manipulatório, como bem

destaca Dagnino:

Em primeiro lugar, de novo, eles reduzem o significado coletivo da redefinição de cidadania anteriormente empreendida pelos movimentos sociais a um entendimento estritamente individualista dessa noção. Segundo, se estabelece uma integração individual ao mercado, como consumidor e como produtor. Esse parece ser o principio subjacente a um enorme numero de programas para ajudar as pessoas a ―adquirir cidadania‖, isto é, aprender como iniciar microempresas, tornar-se qualificado para os poucos empregos ainda disponíveis, etc. Num contexto onde o Estado se isenta progressivamente de seu papel de garantidor de direitos, o mercado é oferecido como uma instância substituta para a cidadania. [...] A cidadania é identificada com e reduzida à solidariedade para com os pobres, por sua vez, entendida no mais das vezes como mera caridade (DAGNINO, 2004, p. 106 - 107).

De fato, no lugar do Estado provedor, a comunidade assume a

mudança. O envolvimento manipulatório, por sua vez, aparece no discurso de

que é necessário fugir do conformismo, ―arregaçar as mangas‖ e ―partir para a

luta‖. O indivíduo é chamado a integrar-se no mundo tomando para si a

responsabilidade de dar sua contribuição para mudar o quadro de miséria

reinante. Nesse sentido, defendem Melo Neto e Froes, quanto às tarefas das

comunidades locais nessa nova redefinição da relação indivíduo-sociedade na

perspectiva do empreendedorismo social, afirmam que:

A comunidade assume a mudança. É ela que protagoniza as verdadeiras ações transformadoras. Para fazê-lo, a comunidade organiza-se numa rede de empreendedores sociais que são os verdadeiros agentes de mudança deste novo modelo. A comunidade é ao mesmo tempo protagonista e beneficiária dessas ações, em especial as comunidades menos privilegiadas. [...] Todo o processo de transformação é centrado na adoção e prática de estratégias e formas de ―empoderamento‖ destas comunidades-objeto das ações transformadoras. [...] O arcabouço institucional adotado é o do ―empreendedorismo social‖ e do ―desenvolvimento sustentável‖, onde cidadãos tornam-se empreendedores, comunidades assumem a forma de redes de cooperação e de solidariedade. Governo e empresas incorporam-se como ―parceiros‖ e não como gestores (MELO NETO: FROES, 2002, p.16- 17).

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O fundamental sob essa ótica consiste em mudar a visão

individualista que não percebe o outro, que não se preocupa com o sofrimento

alheio. As contradições e conflitos que emergem da estrutura social fundada na

exploração e na opressão tornam-se, nessa perspectiva, um problema do

âmbito do indivíduo que pode ser superado pela introjeção de uma nova

consciência moral. Assim os jovens egressos de formação para o

empreendedorismo devem apreender novos valores em busca da coesão

social. Como diz a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe –

CEPAL,

Uma primeira noção aproximada de coesão social é a de capital social, entendido como a capacidade que pessoas e grupos sociais têm de pautar-se por normas coletivas, construir e preservar redes e laços de confiança, reforçar a acão coletiva e assentar bases de reciprocidade no tratamento que se estendem progressivamente ao conjunto da sociedade. Uma segunda noção aproximada é a de integração social entendida como o processo que permite às pessoas usufruir pelo menos no nível mínimo de bem-estar de acordo com o desenvolvimento alcançado em determinado país. [...] Por sua vez a noção de ética social alude a outra dimensão imprescindível da coesão social (CEPAL, 2007, p. 24 - 25).

Evidentemente introjetar novos valores sem propor a ruptura com a

sociabilidade geradora das desigualdades e da exclusão social não é tarefa

fácil. As Organizações não governamentais (ONGs), as Organizações Sociais

(OS) e o próprio Estado assumem essa tarefa. Neste contexto, proliferam

diferentes instituições sociais voltadas para os indivíduos que se encontram

numa situação de riscos naturais, de saúde, do próprio ciclo de vida, assim

como dos riscos sociais associados à criminalidade, a violência doméstica.

Seres vulneráveis em decorrência de sua pobreza.

Algumas ONGs desenvolvem trabalhos focalizados na temática do

meio ambiente, dos direitos humanos; outras servem apenas de abrigo para

diversos profissionais desempregados que fazem projetos educativos em que

uma grande parte dos recursos financeiros é para pagamento de pessoal,

restando algum dinheiro para cursos aligeirados que, na grande maioria,

concentram-se nas mesmas temáticas: cidadania, gênero, raça, direitos

humanos, arte-educação, dentre outros, sem nenhuma ação política numa

perspectiva mais ampla. A palavra de ordem é o trabalho voluntário ou noutra

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perspectiva, o desenvolvimento de potencialidades individuais criadoras

capazes de buscar soluções para seus problemas econômicos e sociais, assim

como da coletividade. É a criação de um ―novo contrato‖ entre todos os

indivíduos integrantes de uma dada sociedade.

As políticas de longo prazo destinadas a igualar oportunidades requerem um contrato social que lhes dê força e continuidade, e um contrato de tal natureza supõe o apoio de uma vasta gama de atores dispostos a negociar e alcançar amplos acordos. Com essa finalidade, os atores devem sentir-se parte do todo e dispostos a ceder em seus interesses pessoais em benefício do conjunto. A maior disposição dos cidadãos de apoiar a democracia, participar em assuntos políticos e espaços de deliberação e confiar nas instituições, bem como o maior sentido de pertencimento à comunidade e solidariedade com os grupos excluídos e vulneráveis facilitam a celebração dos pactos ou contratos sociais necessários para respaldar políticas orientadas para a consecução da equidade e da inclusão (CEPAL, 2007, p. 260)

Nesse sentido, o empreendedorismo social difunde ideias como

pertencimento, voluntariado, integração entre todos, empoderamento das

comunidades. Como exemplo de uma instituição pioneira em

empreendedorismo social, citamos a Ashoka, organização existente em vários

países fundada por Bill Drayton41, que defende o poder do indivíduo na

resolução dos problemas, acreditando que mudanças sociais são realizadas

por pessoas determinadas com capacidades de liderança, criatividade e

capazes de resolverem os problemas sociais tanto no âmbito local quanto

global (OLIVEIRA, 2008).

Essas entidades planetárias, como denomina Morin (2007), iriam

assumir os problemas fundamentais de dimensão global em defesa da paz, do

meio ambiente. Exemplo disso temos o Greenpeace, que segundo anuncia o

autor, se propõe a criticar as práticas antiecológicas e contra os direitos

humanos. Não se percebem críticas ao sistema capitalista e sim à humanidade.

Morin afirma que ―para além dos erros, fracassos e frustrações‖, o planeta

possui, graças à tecnologia de comunicação, condições de criar essa

41

Em 1981, Drayton funda na Índia a Ashoca, com objetivo de apoiar indivíduos com ideias inovadoras que pudessem provocar mudanças sociais. Sua sede encontra-se na cidade de Arlington, Washington –DC, Estados Unidos, estando suas filiais em 40 países, tendo o reconhecimento dos organismos

internacionais.

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consciência universal que tanto pode disseminar o que ele chama de hélice da

primeira mundialização: ciência, técnica, indústria e lucro, como podem servir

de condutor da segunda mundialização que é a internalização dos movimentos

sociais e de sua mensagem de amor e solidariedade,

[...] dos microtecidos da sociedade civil emergem perspectivas de uma economia evidentemente herética para os economistas, a economia da qualidade de vida e da convivência. Foram-se multiplicando as iniciativas de indivíduos, associações ou cooperativas, para criar empregos de solidariedade e de proximidade, de prestação de serviços, de auxílio para necessidades pessoais, de empregados em domicílio, de reinstalações de padarias, artesanais ou de exploração, nas populações. Desse modo, todos trabalham pela qualidade de vida e pela regeneração em nossa civilização. Emerge, assim, uma grande demanda de solidariedade concreta e viva, de pessoa a pessoa, de grupos de indivíduos a pessoas, de pessoas concretas a grupos. Uma solidariedade que não dependa de leis nem decretos, que seja profundamente sentida. A solidariedade não se pode promulgar per se, mas podem ser criadas condições de possibilidade para libertar a força de vontade de juntas pessoas e favorecer as ações de solidariedade. Moralizar, conviver, ressurgir: em torno desses três verbos se estruturam os possíveis desenvolvimentos da solidariedade e da pertença a um destino comum (MORIN, 2007, p. 86).

Morin não se refere em nenhum momento ao sistema capitalista

injusto, desigual, que concentra a propriedade dos meios de produção nas

mãos de poucos, deixando a maioria à deriva. A transformação da

sociabilidade capitalista, no nosso entender, não passa pela união fraterna de

todos, mas pela maioria que está excluída dos meios de produção. Dagnino

ressalta que essas instituições têm vínculo estreitos com o pensamente

neoliberal e, como efeito, as exigências dos ajustes estruturais do capitalismo.

Com suas palavras:

[...] com o crescente abandono de vínculos orgânicos com os movimentos sociais que as caracterizava em períodos anteriores, a autonomização políticas das ONG cria uma situação peculiar onde essas organizações são responsáveis perante as agencias internacionais que as financiam e o Estado que as contrata como prestadoras de serviços, mas não perante a sociedade civil, da qual se intitulam representantes, nem tampouco perante os setores sociais de cujos interesses são portadoras, ou perante qualquer outra instância de caráter propriamente público. Por mais bem intencionas que sejam, sua atuação traduz fundamentalmente os desejos de suas equipes diretivas (DAGNINO, 2004, p.101).

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O Estado, cada vez mais, está fazendo parcerias com essas

organizações da sociedade civil para execução de seus projetos sociais,

exigindo delas mesmas contrapartidas que promovem verdadeiros

malabarismos para arcar com os compromissos assumidos. Criam-se projetos

para infraestrutura, outros para gastos administrativos etc., e a fiscalização

desses recursos deixa a desejar. Os projetos geralmente duram 1 (um) ano,

sendo, antecipadamente, necessário elaborar outro projeto social para

concorrer nas seleções oferecidas pelo governo ou pelas entidades privadas;

caso contrário, todas as atividades são paralisadas, e, nesse momento, quem

está à frente dessas instituições fica mendigando recursos, e, ao mesmo

tempo, respondendo com desculpas as demandas não satisfeitas da

comunidade sob olhos das instâncias governamentais que, desobrigadas,

acham que contribuíram ao financiar algumas ações, cabendo a essas

entidades cumprir com sua responsabilidade social que tanto defendem.

No que se refere aos trabalhadores destas instituições, na grande

maioria, imperam relações de trabalho desregulamentado, permeadas por

laços de amizade, os quais, pelo amor à causa, muitas vezes, trabalham sem

salários, doando o que têm e o que não têm, sentindo-se responsáveis pelo

barco que vive à deriva. É nessa áurea da solidariedade e do voluntariado que

ações trabalhistas parecem não fazer parte das inquietações dos profissionais

envolvidos, pelo fato de não terem vínculo empregatício com o Estado, apesar

de executarem suas políticas sociais. Sentem-se fazendo parte de um grupo de

pessoas solidárias, comprometidas numa rede de ajuda humanitária.

É nesse cenário que devem se inserir os jovens empreendedores

sociais egressos do JUVEMP. Lembramos, contudo, que o sucesso nessa

inserção, pressupõe, antes de tudo, o desenvolvimento das características

atitudinais voltadas para o empreendedorismo social, haja vista que as causas

da pobreza, no ideário do empreendedorismo, estariam na ausência dessas

características na maioria da população.

Sob essa ótica, a exclusão social seria justificada pela ausência

dessas qualidades, sendo, portanto, de responsabilidade dos empreendedores

sociais favorecerem o processo de inclusão desses setores excluídos.

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Percebe-se que os empreendedores sociais egressos do JUVEMP serão

agentes multiplicadores da inclusão social. Ou, como prefere Oliveira,

...um indutor de auto-organização social para o enfrentamento da pobreza, da exclusão social por meio do fomento da solidariedade e emancipação social, do desenvolvimento humano, do empoderamento dos cidadãos, do capital social, com vistas ao desenvolvimento local integrado e sustentável (2008, p. 170).

Do exposto até aqui, o empreendedorismo social se coloca como um

―novo paradigma‖, um modelo de superação do individualismo dominante de

nossa época. Uma proposta de desenvolvimento ―includente‖ que se proclama

defensora da humanidade, da sociedade como todo, lutando pela

sustentabilidade, arregimentando, integrando todos os atores sociais:

comunidades, as empresas, as organizações sociais e o Estado. Para Morin

pressupõe a construção de uma nova civilização planetária que estaria a

requerer ―[...] redes associativas que criem e alimentem uma consciência cívica

planetária que, por sua vez, alimente a inter-relação e a recursividade entre o

contexto local, o indivíduo e o contexto planetário‖ (MORIN, 2007, p. 110).

Percebe-se que essa visão pretende integrar todos numa grande

teia da vida, na qual os problemas coletivos devem ser solucionados de mãos

dadas, de forma fraterna, perdendo-se de vista a lógica societal capitalista que

se funda na apropriação privada dos meios de produção. Concordando com

Saviani, vivemos num contexto em que as conquistas produzidas pela

humanidade não se traduzem em benefícios dessa humanidade, mantendo-se

a contradição que marca o capitalismo. Em suas palavras:

[...] o desenvolvimento das forças produtivas humanas, em lugar de beneficiar o conjunto da humanidade, redunda em benefício daquela parcela que detém a propriedade dos meios de produção. O panorama atual é, pois, atravessado por essa contradição: estão já disponíveis as condições tecnológicas capazes de produzir os bens necessários para manter todos os homens num nível de vida altamente confortável; no entanto, o incremento da produtividade produz o efeito contrário, provocando exclusão e lançando na miséria um número crescente de seres humanos. [...] para o que se foi instituído, a nível político, uma nova relação Estado-sociedade traduzida na orientação denominada neoliberal (2008, p. 234).

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Nessa direção, o problema das desigualdades sociais não é uma

questão moral, mas estrutural, logo não pode ser resolvido nos limites dos

―microtecidos da sociedade civil‖, nem tampouco por uma revolução das

consciências, como defende Morin, na sua crença de um processo de

regeneração civilizatória fundada na multiplicação de entidades planetárias

solidárias. Insiste o autor:

Para tal fim, a educação terá de reforçar as atitudes de aptidões que permitam superar os obstáculos produzidos pelas estruturas burocráticas e pelas institucionalizações das políticas unidimensionais. A participação e a construção das redes associativas ultrapassaram o modelo hegemônico masculino, adulto, técnico ocidental, com a finalidade de revelar e despertar os fermentos civilizatórios femininas juvenis, senis, multiéticos e multiculturais do patrimônio humano (Idem, 2007, p. 110).

Essa concepção vem orientando os projetos visando ao

empreendedorismo social. É, sobretudo, mobilizadora das consciências

individuais que devem corresponder à mentalidade dos novos empreendedores

de negócios com o viés da responsabilidade social. No caso específico do

JUVEMP, a metodologia vivencial utilizada parte do pressuposto de que o novo

empreendedor deve assumir na sua prática a dimensão social e de negócios.

3.4 Competências empreendedoras: formando o empreendedor de

negócios

O empreendedorismo de negócios que norteia o conteúdo

programático e metodológico do JUVEMP consiste no estímulo à criação de

negócios individual e/ou coletivo visando ao lucro. No caso específico dos

empreendedores de negócios coletivos, a ênfase é na união de forças. Os

empreendedores podem se associar em grupos, criando redes de

produção/distribuição de produtos (cooperativas, arranjos produtivos,

consórcios). Buscam assim, aumentar o poder de barganha nas compras,

redução dos custos de acesso à linha de crédito, especialização nas atividades

etc.

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A terceira etapa do JUVEMP, denominada ―Capacitação para o

Trabalho‖, tinha num dos módulos a ―Cultura Empreendedora‖. A segunda

etapa foi a elaboração do Projeto de Vida Profissional, se que falaremos

oportunamente. Os jovens conheceram o histórico do empreendedorismo, o

conceito de empreendimentos individuais e coletivos e suas diferentes

modalidades e sobre economia solidária. Leram textos da apostila acerca das

experiências dos empreendimentos coletivos e individuais que existem no

Brasil e no Ceará.

Por ocasião do término deste módulo, os jovens, juntamente com o

monitor e facilitador, prepararam uma Feira do Empreendedor. Fizeram a

divulgação do evento nas rádios, escolas e convidaram os empreendedores do

município para exporem e venderem seus produtos/serviços. Montaram palco,

fizeram shows, com diversas atrações (danças folclóricas, teatros, capoeira,

show, apresentação de desfiles) tanto realizadas pelos jovens do projeto

quanto pelos grupos teatrais da região, além da venda dos produtos dos

empreendedores na feira.

Todas as atividades tiveram a participação ativa dos jovens, dos

facilitadores e monitores e contou com a presença da coordenação do Projeto

e da STDS, assim como das autoridades locais e do público em geral. Alguns

jovens fizeram doces e comidas para vender na feira e aqueles que já vendem

produtos de beleza também ofereceram seus produtos nas barracas cedidas

pela prefeitura. Estavam mais comunicativos, integrados entre si e confiantes

na sua capacidade de planejamento e mobilização. Num módulo de 40 h/a, o

tempo para o aprofundamento das questões ficou comprometido, tendo em

vista os jovens terem de planejar a feira do empreendedor.

Em seguida, veio o curso Introdução à informática (60 horas/a),

leitura e discussão do livro ―A ponte mágica‖, de Dolabela, ocasião em que os

jovens apresentaram para a comunidade e autoridades uma peça sobre o livro.

Posteriormente, realizaram a oficina de matemática aplicada aos negócios

(20horas/a), Oficina de Leitura e Escrita (20h/a) que, embora estivesse nessa

etapa, foi dividida ao longo dos módulos. Palestra sobre saúde e segurança no

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trabalho (4h/a) e a capacitação específica (60h/a), finalizando com o módulo

gestão de empreendimentos associativos e não associativos.

O ultimo módulo foi o de Gestão de Empreendimentos Associativos

e Não Associativos (20h/a). No Projeto Inicial (2006/2007), o módulo tinha

como denominação Gestão de Empreendimentos Cooperativos e Não

Cooperativos, contudo foi modificado porque dentro de um prazo curto, era

possível falar e vivenciar a temática do cooperativismo, que pressupõe

recuperar a história, seus princípios, diferentes ramos (saúde, trabalho,

produção, habitacional, educacional, transporte, agropecuário, crédito etc.),

estrutura administrativa, legislação e, finalmente, os passos para a constituição

de uma cooperativa, além dos conceitos de gestão.

O objetivo deste estudo não é o de problematizar as contradições e

dificuldades que atravessam esses empreendimentos coletivos, sobretudo

aqueles estimulados pelas políticas públicas estatais no Brasil. Interessa-nos,

contudo, destacar que o Projeto JUVEMP projeta o futuro profissional

empreendedor, sem levar em conta a realidade desses empreendimentos

associativistas.

Na impossibilidade de ampliação da carga horária e levando em

consideração que ainda neste módulo os jovens iriam conhecer sobre gestão,

liderança, marketing, 4Ps (produto, promoção, preço e praça), mercado plano

de negócios, optou-se por fornecer uma visão panorâmica dos diferentes

modos de associativismo e vivenciaram os princípios do cooperativismo

através dos jogos cooperativos42, tendo muito aceitação do grupo.

O tempo exíguo de 20 horas/a impediu a exploração de todos os

conteúdos essenciais para o processo empreendedor. Levando-se em

consideração que o CAV teria de ser aplicado (privilegiando os aspectos

comportamentais) não houve tempo suficiente para trabalhar esses conteúdos

significativos, comprometendo a transmissão da teoria do empreendedorismo

que, sua ausência, é apontada pelos seus teóricos com uma das causas da

quebra dos negócios. Os ―conteúdos‖ forma ―vivenciados‖ em sala de aula

42

Segundo Brotto (2002), os jogos cooperativos baseiam–se na cooperação, as ações são compartilhadas e o resultado beneficia a todos os envolvidos. O enfoque é na interação, na confiança e não na competição.

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através de um minimercado em que criaram (com E.V.A, com sucatas,

materiais descartáveis) produtos/serviços. Trouxeram pipocas, bombons e

simularam a venda, utilizando estratégias de marketing e negociação.

Os jovens foram divididos em subgrupos e realizaram uma pesquisa

nos diferentes bairros para saber quais os produtos/serviços que a comunidade

estava consumindo, o que comprar e onde adquirir as mercadorias e o que não

era produzido no município, enfim, momento necessário para fazer o

diagnóstico e identificar as necessidades locais, dando subsídios para pensar

em que ramo de negócios esses jovens poderiam atuar com maiores

possibilidades de sucesso. Tabularam os dados e apresentaram em classe; em

seguida, criaram um plano de negócios em subgrupos. Como a maioria dos

jovens não desejou montar negócios, mostrou-se desinteressada. Esse

momento que deveria representar a culminância do empreendedorismo e do

Projeto foi, na realidade, a fase de menor envolvimento dos participantes.

A execução do plano de negócios seria a coroação do projeto,

quando, ―finalmente‖, teríamos formado empreendedores que iriam pensar num

negócio individual ou coletivo e gerir seus empreendimentos.

A quarta e última etapa consistiu, justamente, na inserção no mundo

do trabalho. Essa inserção constitui uma das obrigações do IDT, que, pelo

Decreto nº 25.019, de 3 de julho de 1998, passou a realizar as ações do

Sistema Nacional de Emprego (SINE), mediante contrato de gestão firmado

com o Governo do Estado do Ceará.

A última etapa do Projeto está

[...] centrada nas possibilidades de inserção dos jovens ao mercado de trabalho, bem como do assessoramento para a concessão de crédito favorável à criação de negócios empresariais individuais/coletivos. Considera-se aqui, igualmente, o período de acompanhamento da implantação dos negócios e consultoria gerencial (JUVEMP, p. 3).

Dentre as ações do IDT, consta a intermediação de mão de obra de

acordo com o perfil demandado pelo mercado, tendo uma meta a ser cumprida

em termos de encaminhamentos de profissionais que se inscrevem em suas

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unidades existentes no estado do Ceará. Enquanto integrante do serviço

público de intermediação de mão de obra, o IDT pretende qualificar ou (re)

qualificar os trabalhadores visando sua inserção pelo trabalho. Em função da

baixa escolarização e qualificação profissional, essa inserção fica

comprometida, sendo agravada pela ausência de empregos.

De acordo com o Decreto nº 76.403/07, a função do SINE consiste

em

[...] organizar um sistema de informações e pesquisas sobre mercado de trabalho, capaz de subsidiar a operacionalização da política de emprego, em nível local, regional e nacional; implantar serviços e agências de colocação em todo o país, necessários à organização do mercado de trabalho; identificar o trabalhador por meio da carteira de trabalho e previdência social; propiciar informação e orientação ao trabalhador quanto à escolha de emprego; prestar informações sobre o mercado consumidor de mão-de-obra sobre a disponibilidade de recursos humanos; fornecer subsídios ao sistema educacional e ao sistema de formação de mão-de-obra para a elaboração de suas programações e; estabelecer condições para a adequação entre a demanda do mercado de trabalho e a força de trabalho em todos os níveis de capacitação (BRASIL, 2007).

A formação profissional não gera empregos, contudo está inserida

dentro das políticas ativas de emprego, em decorrência da Convenção 88 da

Organização Internacional do Trabalho (OIT), assim como a intermediação.

Desta forma, o IDT tem essas atividades como sua tarefa e o JUVEMP,

enquanto projeto financiado pelo Estado, é a materialização de uma política,

portanto a execução da intermediação dos jovens junto ao mercado é uma

responsabilidade desta instituição, uma vez que essa responsabilidade foi

transferida pelo Estado, desobrigando-o de suas funções.

Na maioria dos municípios, não foram realizadas os

encaminhamentos para empresas, mesmo porque não existiam empresas na

maioria dos locais, e os técnicos do IDT tiveram de iniciar rapidamente outro

JUVEMP em outras localidades. Contudo, a meta de inserção de 20% dos

jovens foi cumprida (100 jovens inseridos no mercado formal e informal). Não

se sabe se eles foram incluídos nas profissões escolhidas em curto prazo para

as quais foram capacitados. A maioria que continuou excluída, provavelmente

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seguindo o referencial da empregabilidade, ainda está se capacitando

indefinidamente.

O Projeto resultou, portanto, em 449 jovens qualificados num

mundo sem empregos e como empreendedores, aptos a buscar sua

empregabilidade, com um certificado que inclui noções de empreendedorismo,

gestão de negócios e uma capacitação específica. Nenhum negócio foi

montado, logo nenhuma supervisão e monitoramento dos novos

empreendimentos, em consequência nenhum desenvolvimento local, porém

―esperanças na força empreendedora‖ de cada um ―num mundo de incertezas‖.

O Projeto seguiu as orientações do PLANTEQ no que diz respeito à

oferta de conteúdos de raciocínio lógico-matemático, assim como noções de

saúde e segurança no trabalho, informática e a orientação profissional

(conteúdos básicos obrigatórios), assim como os conteúdos específicos das

ocupações. E, finalmente, noções de gestão, autogestão, associativismo,

cooperativismo. (PLANTEQ, p.5).

A obtenção do emprego e trabalho decente foi comprometida para a

maioria, como também a participação em processos de geração de

oportunidades de trabalho e renda através do empreendimento individual ou

coletivo, tendo em vista a inserção no mundo do trabalho, reduzindo, com isso,

os níveis de desemprego e subemprego.

No percurso do projeto, diversos problemas foram identificados pela

coordenação do JUVEMP: os jovens não apresentam os requisitos necessários

para serem empreendedores; dificuldade de financiamento; mercado sem

condições de absorção dos egressos deste projeto e, finalmente, os jovens não

aspiram ser empreendedores de negócios e, sim, desejam um emprego.

Em relação aos requisitos necessários para serem empreendedores,

Dolabela (2006), fundamentando-se na pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio

às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) acerca dos riscos para quem quer

entrar neste ramo, aponta as dificuldades identificadas nos empreendimentos

já estabelecidos no mercado:

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Porte da empresa: quanto menor o empreendimento, maior o risco de extinção. Das extintas, 71% tinham até 2 empregados e 10%, mais de 5 funcionários; Idade das empresas: 36% das pequenas empresas morrem antes do primeiro ano; 49% antes do segundo ano de vida. Escolaridade dos sócios: quanto maior a escolaridade dos empreendedores, maior chance de sucesso. Em 35% das firmas extintas, os sócios tinham, no máximo, o primeiro grau. Em 63% das empresas de sucesso, os proprietários tinham curso superior completo. Experiência prévia: 60% dos empresários de sucesso tinham experiência anterior em algum negócio (DOLABELA, 2006, p.126)

Importamos destacar que os jovens de baixa renda do JUVEMP não

condizem com as mínimas condições para perfazerem o perfil do

empreendedor. Os prováveis ―empreendimentos‖ com certeza serão informais,

portanto, com maior risco de extinção. À luz do empreendedorismo, as

empresas de base tecnológica estão mais adaptadas à sociedade do século

XXI. Os Jovens do JUVEMP, em termos da escolaridade, não possuem o

ensino superior, outra situação que já os deixam em desvantagem. Alguns

estavam ainda no 9° ano do ensino fundamental e a maioria no ensino médio,

com muitos prejuízos na escrita, na leitura, na matemática e nos

conhecimentos requeridos para o seu nível de ensino.

Em relação à experiência prévia acumulada no negócio escolhido

(tendo em vista um empreendedor de sucesso não poder iniciar um negócio

sem conhecê-lo), os jovens do JUVEMP não têm experiência em algum

negócio, que, segundo Dolabela (2006), deve girar em torno de 8 a 10 anos,

momento em que os empreendedores se sentem conhecedores do ramo do

negócio e ―têm boa formação; têm larga experiência tanto em produção quanto

em mercados; tem experiência administrativa; em geral, criam empresas

quando têm cerca de 30 anos; tem alto grau de satisfação‖ (DOLABELA, 2006,

p. 65). Dito isso, os jovens criarão ―negócios‖ pela necessidade e não pela

oportunidade.

Somam-se a essas dificuldades a idade dos jovens que, na sua

maioria, gira em torno de 17 a 19 anos, sendo, portanto, muito jovens e

imaturos para suportar as adversidades inerentes ao processo empreendedor.

Associados a isso, desconhecem os fatores que afetam a oportunidade na

criação de empresas que incluem: a situação econômica do país, controle

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governamental, disponibilidade de acesso aos insumos e o ciclo de vida do

setor escolhido (estagnado, em expansão ou retração). Vamos a outros fatores

fornecidos por Dolabela:

Segundo pesquisa realizada pelo Sebrae, 805 das empresas nascentes deixam de existir em um ano. O fator de insucesso é a falta de planejamento e o despreparo na implantação do negócio. Para as empresas que se desenvolvem dentro de uma incubadora e foram graduadas, essa porcentagem de fracasso é de 20%. [...] Uma incubadora de empresas pode ser chamada de ―fábrica de empresas‖. Tem sido o instrumento mais eficiente de suporte à pessoas que querem transformar seus projetos em produtos e serviços e um negócios, nos seus dois primeiros anos de vida. [...] cada incubadora tem seu regulamento. Mas em termos genéricos, elas atuam a partir de alguns princípios comuns. [...] precisam de um projeto com potencial de mercado e de sucesso (DOLABELA, 2006, p. 201- 202).

Os jovens do JUVEMP provenientes de famílias com renda per

capita menor ou igual a meio salário-mínimo estão na corrida em busca dos

caminhos das pedras em ―pé de desigualdade‖ com os jovens universitários

aspirantes a empreendedor, que estão mais preparados, com os requisitos

intelectuais, técnicos, gerenciais, além de conhecimentos atualizados. Esses

jovens universitários, ainda contanto com o fator sorte, podem angariar

recursos financeiros junto aos bancos e familiares e criar um negócio, estando

também sem garantia de sucesso.

Então fica evidente que o ensino do empreendedorismo está

direcionado a uma parcela da população que pode investir e ampliar seus

negócios, pois, como identificou Santiago (2008), na sua pesquisa junto à

população de baixa renda da Granja Portugal, a maioria encontra-se totalmente

à margem dos conhecimentos necessários para abrir negócios e,

principalmente, acesso ao sistema financeiro e suas exigências, restando à

quebra destes empreendimentos.

Quando se vê o cenário geral dos pequenos negócios informais do bairro Granja Portugal, fica evidente que o grande vetor que os caracteriza, em geral, é não alcançarem o nível da acumulação de capital simples, permanecendo na condição de sobrevivência, com marcas da improvisação e, de certa forma, com a cara e o tamanho da situação socioeconômica desse território. É expressiva a existência dos microcomércios, aqui entendidos como atividades comerciais muito precárias, que não ultrapassam rendimentos médios em torno do salário mínimo, a começar pelas modestíssimas instalações físicas, mal sinalizadas, com o mínimo sortimento de

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mercadorias Tais unidades comerciais se resumem à venda de cachaças e frango ou, simplesmente, de xilitos, ovos e refrigerantes. É muito comum, também, pequenas vendas de frutas, juntamente com comercialização de cartões telefônicos e do ―Totolec‖( bingos eletrônicos da Loteria Estadual do Ceará ), pequenos bares especializados na venda de bebidas, tira gosto e jogo-do-bicho, venda de ferro velho e de sucata de eletrodomésticos, dentre outros (SANTIAGO, 2008, p. 141).

Esses ―empreendedores‖ que, Santiago se reporta, não tinham

condições de ampliar seus negócios e contavam com a família para ajudá-los a

―gerenciar‖ o negócio sem remuneração. Este é o ―bom‖ prognóstico para os

jovens que são formados na perspectiva da qualificação centrada no

empreendedorismo. Além dessas dificuldades, somam-se outros infortúnios

que Dolabela postula no livro, ―O Segredo de Luísa, como essencial para quem

quer auferir resultados no âmbito do empreendedorismo, quais sejam:

Mudanças na vida pessoal do empreendedor

Deve aprender a trabalhar sob terrível pressão. Os prazos são

fatais.

O pequeno empreendedor tem que fazer de tudo. Mesmo coisas

que detesta ou nunca fez.

Deve submeter-se a horários prolongados e variáveis. Não tem

mais controle sobre seu tempo.

O empreendedor tem maior autonomia para decidir a sua vida. Mas

tem que saber lidar com ela.

Assume maior responsabilidade, já que tudo depende dele. Não há

terceiros aos quais possam atribuir fracassos ou sucessos.

Assume riscos financeiros, às vezes envolvendo o patrimônio da

família.

É submetido a um fluxo irregular de remuneração. Tem que

conviver com a incerteza quanto ao próprio negócio. Seu horizonte

de segurança é baixo.

É obrigado a tomar decisões, já que é a última instância e não

pode ―passar a bola‖ para ninguém.

Tem que liderar e gerenciar pessoas e seus conflitos de

relacionamento.

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Precisa, quase sempre, adotar novo estilo de vida; costuma

experimentar mudanças nas relações familiares.

Sua vida pessoal é totalmente integrada com a da empresa. Não é

mais possível ter dupla personalidade, uma em casa e outra na

empresa, como acontece com alguns empregados, porque o

empreendedor é uma só pessoa, em casa e na empresa, que exige

doação integral.

A jovem Luísa, personagem fictícia de seu livro, de 20 anos,

estudante de odontologia, e que desde criança pensa em montar uma

empresa, seguindo os passos da tia, é completamente diferente do perfil dos

jovens do Projeto Juventude Empreendedora, por exemplo. Estes se

encontram entre 17 a 21 anos (recentemente ampliaram para 24 anos), muitos

em torno dos 18 e 19 anos, com déficits escolares, sem dinheiro, integrantes

da bolsa família. Dolabela, quando defende a difusão do empreendedorismo

nas escolas públicas, acaba por negar os pressupostos necessários para que

um negócio tenha sucesso. Caso contrário, está indo de encontro as suas

análises da causa de tanta mortalidade dos negócios emergentes, dentre elas,

a pouca escolarização, imaturidade em função da idade, ausência de

experiência, de capital e conhecimentos.

Enfim, difícil tarefa ser empreendedor, ainda mais nas condições dos

jovens do Projeto Juventude Empreendedora, os quais, além de todas as

adversidades impostas por sua condição social, ainda têm de competir num

mercado em que várias ―Luísas‖ encontram-se também em busca de seus

sonhos ou de um trabalho, porém com muito mais possibilidade de sucesso.

Fica realmente difícil transformar sonhos em realidade com tantos sacrifícios

acima elencados, ainda mais para jovens que convivem diariamente com

exíguas condições materiais. Não possuem nem patrimônio para arriscar,

portanto não têm contrapartida para oferecer aos investidos. Não podem

esperar acumular dinheiro da venda dos produtos/serviços para reinvestir.

Todo dia é uma luta pela sobrevivência.

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Decorre que o JUVEMP, enquanto política pública de qualificação da

juventude de baixa renda, torna-se inviável como estratégia focalizada no

empreendedorismo, contudo, está em sintonia com a ideologia que acentua as

características empreendedoras individuais e com o ideário neoliberal. Há uma

apropriação dessas ideias tanto pelo o empresariado quanto pelo o governo.

Ideias que estão na ordem do dia na proclamada sociedade, sem empregos.

Em termos da viabilidade, se se seguissem os pressupostos dos teóricos da

área, os jovens de baixa renda estariam excluídos devido a sua própria

condição de classe. Daí entendemos que o ensino do empreendedorismo pode

ter eficácia (em termos estratégicos) somente no plano politico-ideológico, pois,

em termos práticos, não responde as perguntas ―para quê‖ e ―para quem‖.

Na primeira versão do Projeto (2006/2007), havia uma linha de

financiamento do Estado que era destinado aos jovens do JUVEMP. O valor

estava vinculado ao tipo de negócio (teto máximo de R$1.500,00). Poucos

jovens quiseram montar negócios, porém quem fez seu plano de negócios

conseguiu o financiamento43. As parcelas foram divididas em 10 (dez) meses,

sem juros, e em alguns casos, com carência de 2 (dois) meses. Contudo, as

versões seguintes ficaram desprovidas desses recursos, dificultando, assim, o

acesso ao crédito para aqueles poucos que desejaram criar algum negócio

(vendas de bijuteria, roupas, produtos de beleza etc.). A formação dos

negócios representaria a culminância dos objetivos do Projeto JUVEMP: formar

empreendedores e integrá-los no mercado.

A coordenação buscou como alternativa o Banco do Nordeste do

Brasil - BNB, através do Crediamigo,44 que é um Programa de Microcrédito

Produtivo Orientado que atua sem burocracia (o crédito varia em torno de R$

100,00 a 6.000,00, de acordo com a necessidade e o porte do negócio,

podendo ser renovado, chegando até R$ 15.000,00,de acordo com a evolução

dos negócios) . É liberado de uma vez dentro de sete dias, facilitando o crédito

aos empreendedores do mercado formal e informal, quais sejam:

43

Na primeira versão, o estado forneceu uma linha de crédito para os poucos jovens que quiseram montar negócios. Na segunda versão, a coordenação do Projeto entrou em contato com o Banco do Nordeste, a fim de identificar as linhas de crédito mais condizentes com o perfil econômico dos jovens. 44

Ver no site do BNB <http://www.bnb.gov.br/content/aplicacao/Produtos_e_Servicos/Crediamigo/gerados/O_que_e_objetivos.asp.> Acessado em 6 de novembro de 2010.

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microempresas enquadradas como Microempreendedor Individual, Autônomo

ou Sociedade Empresária, além de fornecerem o acompanhamento. Tem

como requisito para o fornecimento do crédito: ser maior de idade, ter ou iniciar

uma atividade comercial, reunir um grupo de amigos empreendedores que

confiem uns nos outros, grupo esse que fornece um ―aval solidário‖ que

garantirá o pagamento das prestações. Para o fornecimento do crédito, no

grupo devem existir pessoas que já realizem algum tipo de negócio, essas irão

dar subsídios aos outros iniciantes, em função da sua experiência.

Segundo Santiago:

[...] suspeito de que o composto microcrédito/empreendedorismo, entendido como estratégia de emancipação de trabalhadores da pequena produção, rumo ao status de empresário, impacta muito menos do que os discursos apologéticos anunciam, É provável que isso seja mais microfinanciamento destinado a pequenos negócios nos âmbito da sobrevivência e da acumulação simples, que refletem, em última instancia, a marca da estratégia de sobrevivência diante da crescente dificuldade de encontrar emprego formal (SANTIAGO, 2008, p.88).

A exigência de um relacionamento próximo, em que todos tenham

afinidade e conheçam o caráter de cada integrante, como fator determinante

para o fornecimento do empréstimo, constituiu um entrave para os poucos que

aderiram à ideia de montar negócios. Além disso, no grupo, alguns integrantes

precisam ter experiência de algum tipo de negócio informal. Isto gerou a

desistência dos jovens em tentar o financiamento, principalmente, porque os

pagamentos das parcelas ficam atrelados ao pagamento de cada integrante do

grupo, apesar de os negócios serem diferentes. Caso um dos componentes do

grupo caso não pague a parcela, o banco não recebe o pagamento dos outros,

ficando inadimplentes. Ao ser questionado acerca da viabilidade desse sistema

de financiamento, os técnicos do banco afirmaram o sucesso com retorno dos

investimentos, porém foi-nos informado que, caso o grupo solidário não arque

com as prestações, o funcionário responsável pelo grupo gestado sob

orientação pagará o débito! Com certeza, o banco não terá prejuízos, mas não

significa com isso que os empreendimentos gestados tiveram sucesso.

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Apesar disso, foi acionado o responsável pelos agentes do banco

que fazem toda a explanação sobre o Crediamigo, assim como o

acompanhamento dos negócios aos empreendedores; no entanto, o processo

não teve prosseguimento por ausência de tempo e pessoal para dar

continuidade a essa ação que representava a culminância de um processo de 8

(oito) meses. O único município que contou com a presença do agente foi o de

Eusébio, mas, neste caso, nenhum empreendimento foi iniciado.

Em 19 de dezembro de 2008, foi criado pelo governo federal o

Microempreendedor Individual – MEI, por intermédio da Lei Complementar nº

128. Nesta Lei, ficou definido que os microempreendedores poderão optar pelo

recolhimento dos impostos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional

em valores fixos mensais. Esses contribuintes ficarão sujeitos apenas à

Contribuição Previdenciária, ao ISS e ao ICMS. Para efeito desta Lei,

Microempreendedor Individual é o empresário individual a que se refere o art.

966 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, que tenha

auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 36.000,00 (trinta e

seis mil reais), optante pelo Simples Nacional. Ele só poderá contratar um

empregado que receba exclusivamente 1 (um) salário mínimo ou o piso salarial

da categoria profissional. O recolhimento mensal será de, no máximo, R$

51,65. Isso se for contribuinte de ambos os impostos (ISS e ICMS), não

estando sujeito ao Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ (2010,

Sebrae)45. Há quem apresente os avanços nesses programas de financiamento

para o pequeno produtor ou empreendedor de negócios, dentre os quais a

desburocratização do processo de legalização.

A Lei que criou o Microempreendedor individual (MEI) pretendeu

facilitar a formalização dos ―pequenos empreendedores‖ que trabalhavam na

informalidade como costureiras, sapateiros, jardineiros, mecânicos etc. Com

isso, recebem os benefícios da nova legislação, dentre os quais a cobertura

previdenciária e de sua família, auxílio-doença, aposentadoria por idade após

carência, salário-maternidade, pensão e auxílio exclusão.

45

Ver site: <http:/www.sebrae.com.br>. Acessado em 30 de outubro de 2011.

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Para receber os financiamentos do governo federal, os jovens

egressos do JUVEMP devem formalizar seus negócios. O problema é que os

jovens não têm capital para começar um negócio. Como formalizar algo que

ainda nem existe? Pressupõe que eles já tivessem algum negócio informal

(venda de picolé, venda de bolo, de marmita etc.) e, querendo ampliar, buscam

recursos financeiros do governo, tão logo se formalizem. A realidade dos

jovens do JUVEMP está aquém dessas condições.

Existe ainda o Programa de Geração de Emprego e Renda do FAT-

PROGER46. No site do Ministério do Trabalho e Emprego, encontramos as

seguintes informações:

Os programas de geração de emprego e renda do FAT – PROGER compõem-se de um conjunto de linhas de crédito disponíveis para interessados em investir no crescimento ou modernização de seu negócio ou obter recursos para o custeio de sua atividade. Enfatizam o apoio a setores intensivos em mão-de-obra e prioritários das políticas governamentais de desenvolvimento, além dos programas destinados a atender necessidades de investimento em setores específicos, objetivando aumentar a oferta de postos de trabalho e a geração e manutenção da renda do trabalhador. Dentre seus objetivos destacam-se o desenvolvimento de infra-estrutura que propicie aumento da competitividade do País ou melhoria das condições de vida dos trabalhadores, em especial os de baixa renda, o estímulo às exportações do País, o estímulo ao adensamento das cadeias produtivas e a participação ativa na democratização do crédito produtivo popular (MTE, 2011)

Porém não contempla os jovens de baixa renda do JUVEMP, pois o

público prioritário do Programa consiste de micro e pequenas empresas que

apresentam ―expressiva participação no total de empregos existentes na

economia, enorme potencial de geração de emprego e renda, as cooperativas

e associações de produção‖ (idem, 2011). Há também recursos para ―pessoas

físicas de baixa renda, que formam um dos grupos mais atingidos pelo

desemprego e com grande potencial de se tornarem empreendedores‖( idem

2011).

Aqui poderiam estar situados os jovens do JUVEMP, porém não fica

claro o que significa grande potencial de se tornarem empreendedores. Mas,

diante do que os teóricos do empreendedorismo vêm defendendo, podemos

inferir que são todos os requisitos que vimos analisando, além de um fiador,

46

Ver site do MTE < http://proger.mte.gov.br/portalproger/pages/sobreproger. Acessado em 1/01/2011.

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para arcar com o prejuízo, pois o acesso ao crédito requer a elaboração de um

projeto de investimento, a documentação necessária para habilitação ao

crédito, a proposta de crédito e a capacidade de pagamento com as garantias

oferecidas (MTE, 2011).

No caso do Proger Urbano, como foi salientado no capítulo dois, as

linhas de crédito oferecidas são destinadas para as micro e pequenas

empresas industriais, comerciais e de serviços com faturamento bruto anual de

até R$ 5 milhões47. Existem linhas de crédito para as medias e grandes

empresas nacionais ou estrangeiras (empresas instaladas e com sede no

Brasil) tanto para a implantação, ampliação, quanto para recuperação e

modernização. Porém, os bancos operadores do programa costumam

estabelecer como requisitos: apresentar cadastros satisfatórios do tomador,

sócios e avalistas, sem restrições em órgãos de proteção ao crédito (SERASA,

SPC); apresentar capacidade de pagamento; atendimento das garantias

exigidas pela instituição financeira, que analisa o risco, conferindo a qualidade

e a liquidez da garantia que receberá; comprovar a contrapartida de recursos

próprios para complementar o investimento pretendido, se for o caso48. Bem se

vê que essas condições estão além das possibilidades da juventude de baixa

renda integrantes do JUVEMP. E novamente, é Leite que nos lembra: ―Os

instrumentos econômicos do empreendedor são o capital, o crédito e o lucro

empresarial (LEITE, 2002, p.44).

Além de tudo isso e nos limites do estado capitalista, faltam linhas

de crédito para que aqueles que querem montar negócios, pois sem

financiamento fica impossível criar negócios e gerir. Mas antes disso, é

imprescindível fazer um diagnóstico junto aos jovens a que são destinados os

projetos, objetivando saber se eles mesmos estão interessados no

empreendedorismo de negócio, evidenciando as dificuldades inerentes à

47

Segundo Chiavenato, as empresas são classificadas pelo Sebrae de acordo com o número de empregados, assim as pequenas empresas, no âmbito da indústria, possuem de 20 a 99 empregados, no âmbito do comércio e serviços 10 a 49 empregados. A média empresa 100 a 499 empregados, na indústria e 50 a 99 no comércio e serviços situação que permite vislumbrar o porte da empresa a FM de facilitar o acesso ao crédito, apoio técnico e isenções (CHIAVENATO, 2007, p. 47).

48 Extraído do site do MTE http://proger.mte.gov.br/portalproger/pages/sobreproger.xhtml> acessado em

9/10/2010

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criação de negócios, salientando a necessidade de apreender todos os

conhecimentos necessários para o processo empreendedor. Além do mais, faz-

se necessário o acompanhamento dos empreendimentos, porém o que

observamos no JUVEMP é que, tão logo finaliza o Projeto, a equipe do IDT

necessita iniciar em outros municípios, sem tempo nem equipe que dê suporte

aos jovens egressos.

Outro aspecto relevante é a possibilidade de os jovens egressos

poderem contar com a intermediação sistemática do IDT junto às empresas, no

sentido de incluir os jovens egressos dos cursos de qualificação oferecidos,

auxiliando-os na inserção no mercado de trabalho, não apenas os 20% que

constam na resolução do CODEFAT, acompanhando o processo, servindo

como retroalimentação da sua qualificação.

Chamamos a atenção para o fato de que os programas até então

implementados pelas instâncias governamentais não contemplam a realidade

do jovem do JUVEMP, tornando, por isso mesmo, mais um desestímulo para

que ingresse no empreendedorismo de negócios. Acrescente-se a isso, o fato

identificado através dos Projetos de Vida Profissional dos jovens que,

majoritariamente, não manifestaram interesse em ser empreendedores de

negócios individuais ou coletivos, objetivo precípuo do projeto.

3.5 As aspirações profissionais dos jovens do JUVEMP

No decorrer da exposição dos resultados de nossa pesquisa,

procuramos destacar os fundamentos sobre os quais são definidas as políticas

públicas no Brasil voltadas para o empreendedorismo. No entanto, que tais

políticas, mesmo associadas ao projeto neoliberal, não teriam importância

histórica se não se efetivasse em ações. Neste capítulo, evidenciamos o

caráter prático das políticas neoliberalizantes no Brasil e suas contradições

com as necessidades imediatas e mediatas da juventude social e

economicamente excluída. Essa constatação pode ser confirmada quando

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identificamos a distância entre os objetivos e metas do Projeto JUVEMP e as

aspirações profissionais dos jovens.

Na análise dos 449 (51 jovens deixaram o projeto) Projetos de Vida

Profissional dos jovens, verificamos que em relação às suas aspirações

profissionais, majoritariamente, (98%) querem, em curto prazo, outras

profissões não relacionadas à criação de negócios,49 e apenas 2%

manifestaram o desejo de serem empreendedores de negócios. Os cursos

mais escolhidos em curto prazo foram: Atendimento ao cliente, Auxiliar

administrativo, Manutenção de Computadores, Básico em Eletrônica,

Hardware, Informática, Informática avançada, Instrutor de informática,

Recepcionista, Básico em secretária, Vendas, Telemarketing, Atendimento ao

Cliente, Auxiliar Administrativo, Corte-Costura, Cabeleireiro, Técnico de

informática, Técnico Agrícola e Técnico de Enfermagem. Esses cinco últimos

cursos não foram ofertados, por terem uma carga horária que excede as 60

horas determinadas para a capacitação especifica, constituindo cursos para

longo prazo.

Em relação aos cursos de longo prazo, a situação não se mostrou

diferente, 74% manifestaram o desejo de cursar o ensino superior, 4% aspiram

ter seu próprio negócio e 22% querem outras profissões.

Dentre alguns cursos do ensino superior escolhidos em longo prazo,

podemos citar: Administração de Empresas, Engenharia Elétrica, Psicologia,

Serviço Social, Direito, Pedagogia, Medicina, Técnico de Enfermagem; Do nível

técnico: Técnico em Segurança no Trabalho, Técnico em Informática, Técnico

em Contabilidade, Designer, assim como cursos básicos de Eletricista,

Cabeleireiro, Mecânico de Automóveis, Hardware, Informática Avançada,

dentre outros. Porém, tanto a curto quanto em longo prazo a maioria dos

jovens não quer ser empreendedores de negócios e, em longo prazo quer

ingressar no ensino superior, como se pode evidenciar nos Gráficos 1 e 2:

49

No Instrumental: Projeto de Vida Profissional os jovens deveriam colocar o que desejavam em termos profissionais, em curto prazo. Informações que indicariam quais as capacitações específicas que seriam fornecidas pelo Projeto nos municípios; Em longo prazo, seriam as aspirações profissionais que poderiam ou não corresponder com as aspirações de curto prazo.

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GRÁFICOS 1 E 2 – ASPIRAÇÕES DA JUVENTUDE DO PROJETO JUVEMP

CURTO E A LONGO PRAZO

Os empreendimentos que os jovens pretendem montar giram em

torno de vendas de roupas, acessórios e produtos alimentícios. Alguns já

vendem produtos de beleza (Avon) e querem ampliar suas vendas.

Aqui evidenciamos que o planejamento traçado – formar

empreendedores - não atingiu o fim desejado. O ideal de fomentar nos jovens o

desejo de criarem seus próprios negócios não condiz com os anseios da

juventude. Esse resultado confirmou as intenções dos jovens, por ocasião da

seleção para ingressar no projeto, quando na apresentação grupal, a maioria

manifestou, no instrumental oferecido, seu desejo de ingressar na educação

superior. É interessante ressaltar que o projeto iniciou-se em outubro de 2008,

a orientação Profissional foi realizada de dezembro de 2008 a janeiro de 2009,

mas, ao término do projeto, em junho de 2009, a situação não se reverteu.

É importante salientar que os cursos partiram dos desejos dos

jovens, através da orientação profissional realizada por psicólogos, na qual foi

proporcionado um momento de reflexão acerca da importância de pensar no

estabelecimento de um projeto de vida profissional. Foram escolhidos aqueles

cursos que tiveram maior demanda entre os jovens50. Aqueles que não foram

50

Se numa turma de vinte e cinco alunos, dez querem fazer curso de Manutenção de Computadores, sete querem curso de Marketing e oito querem curso de Auxiliar de Escritório, os cursos que serão oferecidos no município serão os que contaram com maior número de jovens.

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contemplados com os cursos da sua escolha, a partir da orientação

profissional, ingressaram nos cursos escolhidos pela maioria. Não foi dada pelo

IDT a opção de abster-se, porque muitos jovens iriam ficar três semanas sem o

curso, assim eles mesmos se interessaram em participar, tendo em vista

gostarem do projeto e acharem importante absorverem mais conhecimento.

Todos os jovens, depois de terem feito o projeto de vida profissional,

tiveram aulas de introdução à informática, realizada pelo Instituto Centro de

Ensino Tecnológico - CENTEC, que foi contratado pelo IDT para ministrar os

cursos nos municípios, com carga horária de 60h/a.

A orientação profissional (OP) foi um diferencial neste projeto, pois

permitiu a criação de um momento de reflexão acerca da importância de

pensar no estabelecimento de um projeto de vida profissional e de traçar metas

para atingir seus objetivos, desde revendo o tempo destinado aos estudos, o

conhecimento das profissões, as dificuldades e exigências do mercado de

trabalho, as expectativas familiares e sociais e, principalmente, um momento

de interiorização, de autoconhecimento dos interesses que vão se constituindo

no contato com as pessoas e suas atividades profissionais.

Neste módulo, os jovens tiveram oportunidade de entrevistar os

profissionais que existem no seu município, incluindo os empreendedores mais

recentes e os mais antigos no ramo de sua atividade. Muitos jovens concluíram

que teriam de sair de sua cidade, caso quisessem concretizar seus sonhos em

função da ausência dos cursos locais e de mercado para as profissões

escolhidas. Não manifestaram o desejo de serem agricultores como os pais,

alegando desinteresse, vida sofrida e baixos rendimentos. Nas reuniões com

os genitores, o discurso foi o mesmo: ―queremos coisa melhor para nossos

filhos‖.

Durante a execução do Projeto, foi realizada uma pesquisa junto aos

9 (nove) municípios contemplados (Fortaleza não foi incluída). Os técnicos do

IDT realizaram um grupo focal com 10 integrantes da comunidade local, com o

objetivo de identificar a economia de cada município, as ocupações existentes,

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as dificuldades e desafios, bem como as tendências do mercado de trabalho no

sentido de incluir os jovens por ocasião do término do Projeto.

O diagnóstico foi desestimulante. A maioria dos municípios

pesquisados não tinha condições de absorver os jovens no mercado em função

da ausência de postos de trabalho, compostos basicamente dos órgãos

municipais e de pequenas mercearias. Os entrevistados acenarem para a

possibilidade do desenvolvimento econômico local, caso houvesse interesse da

iniciativa pública e privada de investir no turismo, na agricultura, no artesanato

de algumas localidades. Diante desse quadro, a coordenação do IDT e os

técnicos ficaram diante de uma problemática de difícil resolução: como incluir

esses jovens num mercado inexistente? Esse diagnóstico tornou mais evidente

a necessidade de que os próprios jovens viessem a criar seus próprios

negócios e se tornarem empreendedores de negócio individual ou coletivo,

ação que não se concretizou, como já salientado.

O resultado do trabalho junto aos integrantes da comunidade foi

recuperado pelos psicólogos por ocasião da OP. Neste momento os jovens

puderam conhecer de forma mais profunda a realidade local, até para que, na

escolha da profissão, tivessem claras as (im) possibilidades oferecidas pelo

seu município, descortinando os entraves e desafios que deveriam transpor. No

Projeto de Vida Profissional estabeleceram suas metas a atingir para a

consecução de seus objetivos a curto e longo prazo.

O Projeto JUVEMP contribuiu para que os jovens discutissem sobre

a realidade local, ampliou suas perspectivas, valorizou as individualidades,

promoveu momentos de integração intergrupal e comunitária de difícil

mensuração. Aqui a orientação profissional constituiu um momento de

fundamental relevância para o jovem. A escolha de uma profissão é uma

tarefa complexa porque envolvem sonhos, expectativas familiares e

socioculturais que interferem nessa escolha. Falar de escolhas significa partir

da ideia de que todos podem escolher dentre tantas alternativas, porém não é

apenas o desejo que leva à consecução das metas individuais, nem a clareza

sobre seu interesse profissional, mas, sobretudo, uma série de fatores que se

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interpõem entre o desejo e o alvo final, sobretudo numa sociedade dividida em

classes sociais antagônicas com interesses contraditórios.

Dito de outra maneira, uma coisa é o jovem desejar ser um médico,

outra coisa, são as condições objetivas e subjetivas que a sociedade capitalista

fornece para o alcance dessa aspiração. O sistema educacional dual que

marca a história educacional brasileira de partida já deixa esses jovens em

desvantagem em relação ao lugar que deverão ocupar no mundo cada vez

mais competitivo ou com poucos empregos disponíveis. No ponto de chegada,

depara-se com a realidade socioeconômica marcada pelo desemprego,

restando-lhe a opção do trabalho informal ou precarizado.

O jovem do JUVEMP também deseja uma profissão que contemple,

seus interesses e um estilo de vida. Esse desejo, remonta à história de vida, a

papéis sociais, a expectativas e, para os jovens em questão, adversidades que

exigem mais do que força de vontade. Exigem políticas educacionais sérias

que proporcionem igualdade de condições para que esses jovens possam

competir na concretização de suas metas, que pressupõe uma fundamentação

teórica sólida e uma política pública que assegure emprego e renda51. Não se

trata de cursos profissionalizantes para os pobres e ensino superior para os

setores mais abastados, e sim de cursos profissionalizantes e universitários de

acordo com a demanda individual de cada cidadão. Mas não é isso que ocorre.

As escolhas para esse público são restritas, não partem dos seus interesses.

Nos Projetos de Vida Profissional, muitos disseram que teriam de

procurar municípios vizinhos para tentar trabalho, naquilo que foram

qualificados. E como a maioria quer em longo prazo cursar o ensino superior,

sair do município torna-se a solução para alguns que contam com apoio da

família. Contudo, apenas uma minoria acenou com essa possibilidade de sair

do município, os outros têm a esperança de que algo possa acontecer que os

permita realizar o sonho de fazer o curso escolhido e permanecer junto aos

51

Como foi salientado, o PLANTEQ, através da qualificação profissional e social, tem por objetivo a obtenção do emprego, trabalho decente, participação em processos de geração de oportunidades de trabalho e renda, a inserção no mundo do trabalho, reduzindo os níveis de desemprego e subemprego; a permanência no mercado de trabalho, reduzindo os riscos de demissão e as taxas de rotatividade.

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familiares. Sair do município vai na contramão dos objetivos do governo que

pretende qualificar jovens para o desenvolvimento local e não para provocar a

migração para os municípios mais desenvolvidos. Formar empreendimentos

que desenvolvam a região de forma sustentável torna-se o objetivo do governo.

Os programas de qualificação e a orientação profissional não podem

servir como uma compensação à ausência de políticas sociais e econômicas

mais amplas. Na nossa leitura, não podemos passar para os jovens e para

todos aqueles trabalhadores que procuram por qualificação e requalificação a

ideia de que essas iniciativas podem resolver por si sós os problemas sociais e

econômicos da sociabilidade capitalista.

Falar sobre empreendorismo, empregabilidade para os integrantes

dos setores sociais economicamente favorecidos pode até ter algum efeito,

pois eles podem tentar reverter sua situação de desemprego e exclusão

temporária, caso possuam algum capital, fruto do fundo de garantia ou por

empréstimo de familiares, situação completamente diferente da dos jovens

inscritos no Cadastro Único (CADUNICO).

Contudo, caso o Estado continue apostando na qualificação

profissional para os filhos de trabalhadores de baixa renda, faz-se necessário

de partida:

1. Ouvir os jovens, saber suas necessidades, que deve compor o

diagnóstico do município, antes da implementação de qualquer ação,

acompanhado de uma política de emprego e renda;

2. Garantir uma educação escolar de qualidade que assegure a

formação integral da pessoa humana, ou seja, uma formação de cultura geral e

profissional que propicie o domínio de todo o processo de produção para o qual

se dirige.

Isso pressupõe o fim do dualismo educacional e, portanto, a revisão

dos fundamentos e objetivos dos programas de qualificação.

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A tentativa de colocar nas instituições sociais e nos seus programas

a responsabilidade de salvar a sociedade de suas mazelas já foi desvelada em

seu caráter ideológico, basta lembrar-nos das teorias tradicionais da educação

que buscaram dar à escola um caráter redentor da sociedade. Na atualidade,

além de ser reanimada com uma nova roupagem, nessa tendência reforça-se o

discurso manipulatório e ideológico de que, através de inúmeros cursos de

qualificação, o trabalhador estaria apto a concorrer aos poucos empregos. A

ideologia que os representantes do capital historicamente insistem em introjetar

na classe trabalhadora faz lembrar a inglória de Sífisio, quando tentou enganar

Heros, o Deus da Morte, tendo como castigo carregar uma pedra pesada até o

cume da montanha e, ao atingir seu objetivo, a pedra volta a ruir, necessitando

refazer o percurso novamente.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises levadas a efeito evidenciam que a política pública de

educação profissional centrada no empreendedorismo para a juventude

desfavorecida socioeconomicamente derivam de concepções que centram no

indivíduo a responsabilidade pela sua inserção. O planejamento dessa política

está intimamente relacionado à ideia de empregabilidade.

Quando o governo vem estimular a cultura empreendedora como

solução para o desemprego, escamoteia a realidade da maioria da população

brasileira, que não tem condições financeiras para montar negócios e nem uma

educação de cultura geral de qualidade, principalmente, a juventude em

vulnerabilidade social e pessoal, inscrita no Cadastro Único, para quem essas

políticas focalizadas são pensadas e, sendo, portanto, inviáveis.

Os teóricos do empreendedorismo, tais como Dolabela (2006),

Dornelas (2008), Manuel Leite (2002), Drucker (1993), advogam que as

adversidades do ―novo tempo‖ devem ser suplantadas pela força interior

manifesta nos empreendedores de sucesso. Essa força presente na espécie

humana estaria embotada na maioria da população descrente do seu ―potencial

de transformador da sua vida‖, por isso a defesa da difusão do

empreendedorismo nas instituições de ensino e nas que operacionalizam a

educação profissional: é o aprender a empreender.

Esses teóricos constatam que estamos num mundo sem empregos e

só os melhores terão condições de competir. As competências atitudinais serão

o combustível para adquirir as outras competências também necessárias para

sobreviver e conviver nesta nova paisagem ―estimulante‖, quais sejam, o

conhecimento, a técnica e as habilidades.

O engodo ideológico visa propagar a ideia de que todos têm as

mesmas oportunidades, perdendo de vista a existência de classes sociais. Os

jovens do JUVEMP de partida já estão em desvantagem. O discurso

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homogêneo serve para mascarar a desigualdade inerente ao sistema

capitalista.

Se for verdade que estamos ingressando na ―sociedade do

conhecimento‖ e que nela também haverá exclusão da maioria dos

trabalhadores, não restam dúvidas de que o Estado deve fornecer uma

educação escolar e profissionalizante de qualidade que deve ser compartilhada

por todos e que contemplem os conhecimentos produzidos pela humanidade

de maneira que todos possam pelo menos competir em iguais condições.

Os jovens do JUVEMP, na sua condição de classe, acabam por não

conseguirem espaços neste mundo do trabalho, principalmente na qualidade

de empreendedores de sucesso. O discurso e a prática do empreendedorismo

calham bem com determinados setores da sociedade que têm condições para

adquirir o ―kit empreendedor‖ que dará condições para esses competirem pelos

escassos empregos ou criar negócios individuais e coletivos.

As competências atitudinais em si são importantes para o

desenvolvimento pessoal e social do ser humano, a questão é quando a

ideologia dominante acentua que a ―ausência‖ dessas competências é a causa

da não inserção e permanência no emprego, incutindo a ideia de que o sujeito

é o único responsável por sua condição. A causa do insucesso deriva do

indivíduo, por não ter estudado, não ter se qualificado, não ter determinação,

enfim, não ter o perfil do empreendedor.

Na contramão do que se propaga sobre a urgência de uma

educação escolar e profissional que prime por profissionais com domínio de

competências intelectuais, técnica e atitudinais que possam dar conta das

exigências das transformações tecnológicas do século XXI, evidenciamos na

nossa análise, que os programas e projetos governamentais fundamentam sua

política de educação e particularmente da educação profissional no sentido de

qualificar a juventude de baixa renda e com baixa escolaridade em cursos

obsoletos que, diante dessas transformações científicas e tecnológicas, não os

prepararão para os desafios demandados.

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Vale destacar que o projeto JUVEMP não tem condições de suprir

as lacunas intelectuais de aprendizagem desses jovens de baixa renda. Há

uma grande defasagem intelectual desses jovens e os Programas de formação

profissional não podem solucionar tal problema, e, justamente por isso,

afirmamos a incongruência de tal política.

Na realidade, permanece centrada na desigualdade, pois ―os mais

bem dotados‖, como bem sinalizou o Relatório da UNESCO, precisam de

educação mais intelectualizada e os ―menos dotados‖ – a classe trabalhadora,

uma educação direcionada para as competências atitudinais, bem ao gosto das

organizações capitalistas e dos organismos multilaterais que querem um

―colaborador‖ que seja colaborador, ou seja, dinâmico, criativo, flexível, porém

adaptado.

Por isso a relevância de, num cenário de tantos desafios, uma ―nova

pedagogia‖ (das competências) que direcione a juventude das classes menos

favorecidas para o aprender a aprender, aprender a conviver e aprender a ser,

aprender a estar juntos e, finalmente, aprender a empreender. Contudo,

paradoxalmente o aprendizado intelectual, tão valorizado na dita ―sociedade do

conhecimento,‖ não é valorizado na pedagogia das competências que propõe

formar os educandos para os novos tempos.

Os teóricos do empreendedorismo citados são unânimes em

defender que a quebra dos empreendimentos está no desconhecimento do

processo empreendedor. Dolabela (2006), contraditoriamente, está buscando

uma adaptação do empreendedorismo para os setores de baixa renda, através

de uma educação empreendedora e de políticas públicas com esse viés. Mas

torna-se difícil casar conceitos para uma realidade tão discrepante. Por isso,

adentrando nas suas produções teóricas, é fácil desconstruir o artifício,

principalmente, quando ele fala do ―empresariamento‖, que abrange a expertise

nas áreas de planejamento, finanças, pessoal, marketing, propaganda,

embalagem. Áreas que representam os principais suportes a serem oferecidos

aos empreendedores emergentes, ao lado de conhecimentos sobre a realidade

socioeconômica do país e do mundo, experiência na área escolhida, um plano

de negócio bem sistematizado que, na sua elaboração, já indica que o

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empreendedor domina determinadas competências que poderão proporcionar,

sem descartar a sorte, retorno do investimento no seu negócio, além também

do retorno daqueles que investiram financeiramente no empreendimento. Caso

contrário, terão que permanecer determinados na luta por um lugar ao sol,

tendo em vista que sua característica principal é não desistir diante das

adversidades e incertezas.

As instâncias governamentais passam a valorizar uma qualificação

profissional baseadas em arcos ocupacionais, que, longe de exigirem

conhecimentos mais complexos (científicos) dos educandos, consistem em

cursos básicos de curta duração que, no máximo, poderão favorecer à

juventude desfavorecida econômica e educacionalmente trabalhos eventuais,

precarizados e na informalidade. As competências atitudinais podem fazer a

diferença e aumentar sua competitividade na hora de vender doces, salgados,

picolé, roupas.

Em termos operacionais, o projeto JUVEMP, através da sua

metodologia e dos instrumentais utilizados, mobilizou os jovens, favoreceu a

participação intragrupal e comunitária, criou um ambiente facilitador para que

os jovens se expressassem, vivenciando situações de aprendizagens num

clima de abertura e confiança, favorecendo o desenvolvimento das

competências comportamentais empreendedoras necessárias tanto para quem

quer ser empreendedor social ou de negócios, quanto para quem quer

conseguir um emprego.

Então, podemos concluir que a juventude em questão não está

sendo formada para os ―novos tempos‖, para a ―sociedade pós-capitalista‖ de

Drucker (1993) e nem mesmo para ter empregabilidade, pois o próprio Minarelli

(1998) refere-se ao conhecimento e as condições financeiras para adquiri-lo

indefinidamente.

Esses jovens estão sendo formados para o que sempre foram: para

realizarem trabalhos com menos complexidade, mais manuais, mesmo que

seja para apertar automaticamente teclas de computador. Para isso, basta uma

qualificação básica, não tecnológica e nem universitária que lhes permitam

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manejar a tecnologia que ―os mais bem dotados‖ dominam. Por isso, ofertam-

se cursos básicos que incluem noções de informática.

Em termos dos princípios e objetivos, o JUVEMP, com sua

metodologia, acaba por fundamentar-se nesses pressupostos quando pretende

fomentar nos jovens a cultura empreendedora, objetivando inseri-los no mundo

do trabalho como empreendedores. Em termos de sua capacitação específica,

apesar de o Projeto ter oferecido aos jovens a possibilidade de escolherem

seus cursos de curto prazo, levando em consideração o anseio dos jovens,

contudo, pela própria limitação de um Projeto de qualificação de curta duração,

acaba formando em profissões que não os prepararão para a ―sociedade do

conhecimento‖, mas os formará para serem trabalhadores comunicativos, que

sabem trabalhar em equipe, nos moldes esperados pelo mercado.

Na contramão do que se espera numa sociedade do conhecimento,

a qualificação social é mais priorizada do que a qualificação profissional para

ajudar esses jovens a serem incluídos numa ―sociedade globalizada‖ de alta

tecnologia. Então se entende que a qualificação para os países

subdesenvolvidos e em desenvolvimento deve formar para o setor informal, e,

nesse ponto, os projetos governamentais estão cumprindo com essas

diretrizes. As qualificações estão direcionadas para ocupações que poderão

conduzir o jovem trabalhador com pouca instrução, quando muito, para

atividades informais, ajudando-os, na possibilidade de inclusão, caso tenham

desenvolvido as competências comportamentais e sociais necessárias para

sua sobrevivência no mundo sem empregos.

As diversas instâncias governamentais incorporam nos projetos de

qualificação da juventude em situação de vulnerabilidade esse ideário, sem

fornecer todas as competências necessárias para formar este empreendedor,

incluindo o apoio financeiro. Pensa-se a política e parece ―esquecer‖ a quem

estão destinando. As ocupações de manicure, pintor de parede, garçom, longe

de exigirem muitos conhecimentos intelectuais, continuarão mantendo esses

jovens à margem do sistema produtivo ―pós-capitalista‖, que continuará

recrutando profissionais egressos das melhores universidades para ―doarem‖

seu capital intelectual, a fim de que as empresas possam produzir mais com

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menos custos, numa economia globalizada, em que, no meio da concorrência

planetária, vencem os melhores na busca por mercados. A competência

comportamental também é valorizada para incutir em todos os que precisam

vender sua força de trabalho que devem dar o máximo de si num clima de

harmonia e cooperação.

Como salientamos na introdução deste trabalho, integramos a

equipe de profissionais responsável pela execução do Projeto JUVEMP no

Ceará. Esta pesquisa tornou-se para nós muito menos do que uma crítica ao

Projeto, e mais uma reflexão sobre a nossa prática, como profissionais que,

como tantos outros do Projeto JUVEMP, desejam honestamente ajudar na

construção de uma sociedade mais justa e que garanta direitos iguais para

todos.

No entanto, foi no processo de aprofundamento teórico e através da

prática na operacionalização do JUVEMP que constatamos as contradições

presentes na política de educação profissional focalizadas no

empreendedorismo. Concluímos que essa proposta de qualificação profissional

centrada no empreendedorismo não consegue incluir a juventude

desfavorecida socioeconomicamente e, como consequência, torna-se inviável

para ser disseminada para os trabalhadores excluídos do sistema capitalista

em face do desemprego estrutural, integrando um arsenal ideológico para

responsabilizar o trabalhador e seus filhos pela sua exclusão.

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