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1 Universidade Estadual de Maringá Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CSA Programa de Pós-Graduação em Economia - PME COMPORTAMENTO ALTRUÍSTA E RACIONALIDADE ECONÔMICA: uma revisão teórica Fernando Sérgio de Toledo Fonseca Dissertação apresentada como requisito à obtenção do Grau de Mestre ao Programa de Mestrado em Economia da Universidade Estadual de Maringá. Maringá 2007

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Universidade Estadual de Maringá

Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CSA Programa de Pós-Graduação em Economia - PME

COMPORTAMENTO ALTRUÍSTA E RACIONALIDADE ECONÔMICA: uma revisão teórica

Fernando Sérgio de Toledo Fonseca

Dissertação apresentada como requisito à obtenção do Grau de Mestre ao Programa de Mestrado em Economia da Universidade Estadual de Maringá.

Maringá 2007

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Fernando Sérgio de Toledo Fonseca Economista

COMPORTAMENTO ALTRUÍSTA E RACIONALIDADE ECONÔMICA: uma revisão teórica

Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos de Campos

Dissertação apresentada como requisito à obtenção do Grau de Mestre ao Programa de Mestrado em Economia da Universidade Estadual de Maringá.

Maringá 2007

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Quando as pessoas encontram a beleza genuína, seu coração enternece. Quando entram em contado com a essência da arte, ficam profundamente impressionadas e absorvem sua força. A cultura e a educação são as principais fontes de energia para cultivar e enriquecer o espírito humano e para construir a paz.

Daisaku Ikeda

Quando as pessoas medianamente afortunadas com relação aos bens externos não encontram na vida satisfação suficiente para torná-la valiosa, a causa geralmente está em se preocuparem com elas mesmas (...) em contrapartida, os que deixam atrás de si objetos de afeição pessoal, e especialmente os que cultivaram um sentimento de simpatia pelos interesses coletivos da humanidade, mantém às vésperas da morte, um interesse tão intenso pela vida como quando possuíam o vigor da juventude e da saúde. John Stuart Mill

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SUMÁRIO

DEDICATÓRIA .................................................................................................................. i

AGRADECIMENTOS ....................................................................................................... ii

RESUMO........................................................................................................................... 1

ABSTRACT........................................... ............................................................................ 2

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 3

2 O AUTO-INTERESSE E COMPORTAMENTO RACIONAL: NATURE ZA, SIGNIFICADOS E ALTERNATIVAS AO HOMEM ECONÔMICO ..................................... 7 2.1.1 A aliança entre a filosofia utilitarista e a teoria econômica: a origem do homem econômico ......................................................................................................................... 9 2.1.2 O esvaziamento do caráter ético e psicológico da conduta individual: a saga do homem econômico racional ............................................................................................. 15 2.2 Alternativas ao comportamento individual .................................................................. 21 2.2.1 O homem contratual do neo-institucionalismo......................................................... 21 2.2.2 Escolhas contra preferenciais: a lógica do homem sub-racional ............................. 29 2.2.3 O homem ético de Sen: uma visão panorâmica do debate sobre ética e economia 35 2.2.3.1 Escolhas, meta-preferências e moralidade: a contribuição de Sen para a teoria da escolha ............................................................................................................................ 40

3 A RACIONALIDADE ALTRUÍSTA: UM PANORAMA GERAL ACE RCA DO DEBATE DO COMPORTAMENTO NÃO-EGOÍSTA ........................................................................50 3.1 Racionalidade instrumental, compromissos morais e altruísmo ................................. 50 3.2 Psicologia da escolha e comportamento altruísta ...................................................... 61 3.3 Altruísmo e empatia: relações empíricas e conceituais .............................................. 67 3.4 Internalização de normas e comportamento altruísta: um breve comentário............. 73 4 RACIONALIDADE ALTRUÍSTA SOB A PERSPECTIVA EVOLUC IONÁRIA: A CONTRIBUIÇÃO DA SOCIOBIOLOGIA AO DEBATE ................................................... 76 4.1 A lógica da ação altruísta sob a perspectiva da Sociobiologia ................................... 76 4.2 A lógica da conduta altruísta sob os mecanismos da seleção de parentesco e altruísmo recíproco .......................................................................................................... 80 4.3 A evolução do altruísmo: o debate sob a ótica da seleção individual e seleção de grupo ............................................................................................................................... 88 5 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO ALTRUÍSTA SOB PERSPECTIV A DA TEORIA ECONÔMICA .................................................................................................................. 97 5.1 Altruísmo na família: a abordagem precursora de Becker para o comportamento não egoísta............................................................................................................................. 97 5.2 Caridade privada e provisão de bens públicos......................................................... 103

5

5.3 Doações envolvendo o altruísmo impuro ................................................................. 106 5.4 Oferta de bens públicos por meio da contribuição voluntária ................................... 110 5.5 Doações como sinalização de riqueza ..................................................................... 116 5.6 Responsabilidade moral e escolha econômica ........................................................ 118 5.7 O Modelo de self múltiplo......................................................................................... 122 5.8 A teoria da escolha sob critérios múltiplos e as suas implicações para análise econômica do altruísmo................................................................................................. 130 5.8.1- Hierarquização das necessidades humanas: a abordagem pioneira de Menger.. 131 5.8.2 Hierarquização das necessidades humana admitindo-se ordenações lexicográficas...................................................................................................................................... 135 5.8.3 Teoria da escolha sob critérios irredutíveis como alternativa viável ao comportamento não-egoísta: o modelo de altruísmo genuíno de Muramatsu ................ 142 6 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 153 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 157

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Altruísmo na Família .................................................................................... 101 Gráfico 2 – Equilíbrio Único: parte justa ......................................................................... 126 Gráfico 3 – Caminho de Expansão: renda consumo de equilíbrio ................................. 127 Gráfico 4 – Utilidade Marginal: gasto orientado e despesa altruísta .............................. 128 Gráfico 5 – Preferências Lexicográficas: consumo entre cerveja e pão ........................ 138 Gráfico 6 – Preferências Lexicográficas: consumo entre bem público e bem privado....139 Gráfico 7 – Hierarquia móvel com dois critérios de escolha ........................................... 144 Gráfico 8 – Hierarquia móvel com quarto critérios de escolha ....................................... 145

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LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Efeitos dos grupos sobre a probabilidade e velocidade de socorro ................71 Tabela 2 – Grau de parentesco ........................................................................................ 82 Tabela 3 – Escala de Necessidades.................................................................................133

i

DEDICATÓRIA

Para Dr. Daisaku Ikeda

ii

AGRADECIMENTOS

O objeto de estudo desta dissertação surgiu na conclusão do trabalho de

monografia, cuja inspiração originou-se nas aulas de História do Pensamento Econômico,

ministradas pelo Prof. Dr. Fábio Barbieri. O delineamento da evolução das idéias na

Economia nas aulas de HPE motivaram-me a aprofundar-me nesse tema e fazer o exame

da ANPEC,para dar desenvolvimento a problemas e dilemas não resolvidos no trabalho

monográfico.

Agradeço ao Prof. Dr. Fábio Barbieri pela incrível didática e qualidade das aulas

ministradas. A sua competência acadêmica e profissional será sempre um referencial

para mim. Á Prof. Dra. Maria Sylvia Saes, agradeço pela atenção demonstrada e pelos

comentários de incentivo em alguns dos meus rascunhos do pré-projeto. O seu incentivo

foi crucial para tomada de decisão em fazer o mestrado na UEM.

Expresso meu agradecimento ao orientador deste trabalho, Prof. Dr. Antônio

Carlos de Campos, que confiou na minha capacidade e, acima de tudo, teve muita

paciência. Sem o seu auxílio, talvez não fosse possível concluir este projeto acadêmico,

que eu desejava realizar desde o final da graduação. Agradeço às Professoras Amália

Godoy e Márcia Stake por suas importantes considerações no exame de qualificação.

Quero agradecer aos amigos da Fiesp/Ciesp, que me incentivaram a deixar a vida

organizacional para partir para a vida acadêmica. Em especial, a Talles Guedes, Flávia

Garão e Carmen Victolo, que acompanharam mais diretamente a minha vida acadêmica

em Maringá. Registro ainda os meus agradecimentos.a Mamede, Sueli, Thiago, Alice,

José Mário, Dra. Helena, Maria Cristina, Nilton Fábio e Anícia Todos eles, contribuíram

de alguma maneira significativa para minha tomada de decisão.

Agradeço ao meu ex-chefe de departamento da Fiesp, Pedro Roberto Cauvilla que

me incentivou a assumir novos desafios. Nos momentos mais difíceis pude contar com a

sua colaboração. A sua história de vida e de luta sempre será referência para mim, por

isso vale um muito obrigado especial. Expresso meu agradecimento ao Leonardo Caio,

que me ensinou um lema, que carrego comigo sempre: “Fazer Acontecer!”. Tal frase

expressa o sentido de criar novas oportunidades sem esperar eternamente que elas

aconteçam. As suas palavras de incentivo foram importantes para prosseguir nesta

expedição. Estendo o meu agradecimento ao Pedro Klober. Nossas discussões sobre

ética e compromissos morais nos corredores da entidade me instigaram a pesquisar o

iii

assunto. Ademais, nem sempre consegui convencê-lo das minhas opiniões e por isso,

acredito que a nossa discussão me ajudou a esclarecer e amadurecer algumas idéias

acerca do assunto.

Expresso minha gratidão aos amigos e professores, Zelineide do Espírito Santo e

Cezar Sena. São amigos que, mesmo morando longe, puderam acompanhar de perto a

minha vida acadêmica aqui no Paraná. Pudemos compartilhar experiências enriquecendo-

nos mutuamente.

Aproveito para expressar os meus sinceros agradecimentos ao Prof. Roniés

Bonifácio da Silva que acompanhou a edição deste trabalho e colaborou no empréstimo

de revistas e artigos relacionados ao tema. Seus incentivos foram importantes para o

exame de qualificação e defesa. Agradeço pela oportunidade de poder exercer a minha

verdadeira vocação – a de ensinar - e por sempre confiar em meu trabalho.

Agradeço aos bibliotecários do Nupélia/UEM. Eles sempre estiveram disponíveis

para atender às minhas necessidades mais urgentes, no empréstimo de livros e outras

referências bibliográficas sobre sociobiologia.

Estendo os meus agradecimentos aos dirigentes e membros budistas da BSGI -

Maringá, que me acompanharam nesta trajetória acadêmica, em especial à D. Ilda

Kohatsu e Valdinéia dirigentes da Comunidade Nova Era. Agradeço pela suas orientações

e palavras de incentivo durante os momentos em que tive que desafiar as circunstâncias

mais adversas para concluir este objetivo.

Também registro o meu agradecimento especial ao Prof. Dr. Natalino Medeiros,

que sempre teve orientações importantes, que me conduziram a continuar neste caminho

acadêmico. À Maria Odila, vale um muito obrigado, por sempre estar disponível para

atender as necessidades mais urgentes no atendimento de prazos do programa de

mestrado.

Quero deixar registrado o meu agradecimento especial à minha mãe - D. Ivani -

que foi a pessoa mais próxima em todos os momentos de edição deste trabalho e em

toda a minha vida acadêmica. Do mesmo modo, expresso a minha gratidão ao meu

mestre budista Dr. Daisaku Ikeda. Com base em suas orientações para a vida, pude fazer

a minha revolução humana. À minha mãe e ao meu mestre, dedico este trabalho. Sem

eles, a minha vida acadêmica perderia parte do seu valor e graça, por isso um muito

obrigado especial.

Por fim, agradeço aos bons amigos que fiz no PME: Darlan Krott,

Inimá Brasil, Elisandro Sperandio, Maísa Teixeira, Ricardo Muller, André Martins,

iv

Jaqueline Costa , Cintya Paredes e Edair Silva. Sem a união desses amigos, seria difícil

chegar até aqui. Pudemos compartilhar diversas situações juntos e criamos vínculos de

amizade que permanecerão para sempre em nossas vidas, onde quer que estejamos.

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RESUMO

Este trabalho visa fazer uma revisão teórica sobre o comportamento altruísta. Discute-se se a motivação altruísta pode ser incorporada à análise econômica sem recorrer ao padrão de escolha da mecânica do auto-interesse. Em outros termos, destaca-se a importância do estudo da conduta altruísta como análise do comportamento econômico, capaz de considerar a integração de questões de natureza ética e racionalidade econômica no processo decisório individual. A incursão dessa pesquisa nessa área da teoria econômica, justifica-se pelo fato de que, em uma sociedade não existe uma única motivação baseada na maximização do auto-interesse, que determina o comportamento dos agentes. Existe uma pluralidade de motivações, que também pode ser altruísta, a qual os agentes levam em consideração em seu processo decisório, sendo que tais motivações podem ser baseadas em princípios éticos e morais. A metodologia adotada refere-se aos aspectos qualitativos e analíticos da teoria econômica, com a revisão da literatura pertinente ao assunto. Como resultado, verificou-se que o altruísmo pode ser admitido numa abordagem racional e instrumental, desde que o indivíduo altruísta leve em conta a utilização eficiente dos meios disponíveis para promoção do bem-estar alheio. Para explicar as razões motivacionais da ação altruísta, procurou-se abandonar o arcabouço metodológico da teoria da escolha tradicional, cuja base comportamental está associada à tese do auto-interesse. Nesse percurso houveram algumas dificuldades para realizar a análise econômica do altruísmo, porque encontrou-se argumentos bem convincentes acerca da defesa do auto-interesse. Ademais, descobriu-se que o altruísmo não é sinônimo de altruísmo genuíno, como se imaginou no início dessa pesquisa. Na verdade, foram encontrados argumentos bem convincentes que relacionam a conduta altruísta com o egoísmo, ou seja, uma versão aparente de altruísmo ou altruísmo disfarçado. Em suma, seja o altruísmo concebido como egoísmo disfarçado ou genuíno, este trabalho conclui que tal conduta humana pode ser enquadrada como um comportamento economicamente racional. Palavras-chave: Altruísmo; Ética econômica; Racionalidade econômica

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ABSTRACT

This Study aims for a theoretical review on altruist behavior. The debate considers if the altruist motivation can be incorporated to economic analysis without resorting to the standard automated self- interest choice. The emphasis falls upon enhancing studies of altruism conduct as an analysis of the economic behavior capable of integrating issues of the ethic nature and the economic rationality in the individual decision process.The exploitation on this area of economic theory has its importance based on the fact that: in society there isn’t only a self interest maximization motivation which determines the behavior of the agents. There are numerous motivations that may also be altruists, which the agents take into account in their decision processes, considering that such motivations can be based in ethical and moral principles. Qualitative and analytical aspects of economic theory were adopted for the methodological construct, which was based in the review of the literature relevant to the theme. As for the results, it was verified that altruism can be admitted along a rational and instrumental approach, as long as the altruist individual takes into account the efficient utilization of the means displayed for the promotion of other’s well being. Explaining the motivational reasons of the altruist action required neglecting the traditional choice theory’s methodological structure, which supports itself on the self-interest thesis. However, adopting such suppositions for the economic analysis of altruism had some difficulties, since strong self-interest arguments were found. Moreover, the findings showed that altruism isn’t synonymous of genuine altruism, as was thought in the beginning of this research. In fact, many convincing arguments were found relating the altruist conduct with selfishness, that is, an apparent version of altruism or a fake altruism. In short, may it be conceived as disguised selfishness or genuine altruism, the study concludes that such human conduct may fit as an economically rational behavior. Keywords: Altruism; Economics ethics; Economics Rationale

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1 INTRODUÇÃO

Muitos economistas contemporâneos têm se dedicado ao estudo das relações

entre questões de natureza ética e racionalidade econômica. Com o intuito de ampliar a

análise do processo de escolha individual, novos trabalhos estão sendo elaborados para

intensificar o debate acerca da possibilidade do comportamento altruísta ser admitido

como um comportamento racional.

De acordo com Muramatsu (1999), o termo altruísmo foi cunhado por August

Comte, no século XIX, para fazer frente à tese do egoísmo. Por definição, o altruísmo é a

preocupação desinteressada do indivíduo acerca do bem estar alheio, sendo também

definido como uma ação moral.

Existe um amplo debate desse tema entre filósofos, economistas, psicólogos e

biólogos. Este debate multidisciplinar ocorre porque a investigação da base motivacional

do comportamento humano, não reduzida ao auto-interesse, está relacionada às muitas

explicações oferecidas pela Filosofia, Psicologia e Sociobiologia. Tais disciplinas têm

contribuído significativamente para o debate das razões para o comportamento altruísta.

É importante ressaltar que grande parte dos modelos econômicos do

comportamento altruísta foram inspirados por essas áreas aqui mencionadas. Na

Economia, o tema tem se estendido nas áreas de metodologia, teoria do bem estar, teoria

do capital humano, economia do desenvolvimento, entre outras áreas.

A proposta dessa dissertação enquadra-se na área de metodologia e teoria

econômica. Vale ressaltar que postulado acerca do comportamental do homem

econômico, tratou-se de um instrumento engenhoso para simplificação da conduta

humana, que explica muitos fenômenos do mundo econômico real. No entanto, mesmo

sendo o auto-interesse um comportamento predominante, para Sen (1982), o auto-

interesse é apenas uma motivação, entre outras que competem entre si no processo

decisório do agente.

Na investigação de modelos alternativos ao comportamento individual, mais

precisamente na busca de modelos que procuram estudar o altruísmo, notam-se as

dificuldades que os economistas encontram para enquadrar a conduta altruísta fora da

mecânica do auto-interesse.

Na análise da literatura pertinente ao assunto, a maioria dos modelos altruístas

discute esse tipo de conduta como egoísmo disfarçado, ou como Muramatsu (1999)

5

neologismo que significa “o barato de quem ajuda”, vem sendo cada vez mais usado

nesse país. A conclusão é que a ação voluntária, produz o mesmo efeito de uma atividade

física (liberação de endorfina), que alivia os indivíduos das desordens físicas e mentais

provocadas pela vida moderna, como stress, enxaqueca, ansiedade etc. Portanto, as

ações altruístas podem ser associadas a alguma magnitude de felicidade pessoal e

qualidade de vida.

No Brasil, menos de 2% da população economicamente ativa faz algum tipo de

trabalho voluntário ou se envolve com ONG´s. Nos países mais desenvolvidos esse

número ultrapassa a 10%1.

Por outro lado, observa-se que a benevolência anônima pode ser complicada por

conta do conhecimento limitado dos agentes e da dependência do resultado da ação dos

mesmos sobre o comportamento das outras pessoas que são beneficiadas por uma

conduta altruísta. Muramatsu (1999) por exemplo, diz que dar esmolas às crianças que

vivem nas ruas pode representar um mecanismo de incentivo para que elas sejam

exploradas pela indústria da mendicância, deplorando assim a sua situação. Outro

exemplo, seria a doação de alimentos para famílias com crianças subnutridas: tal

procedimento importante, pode gerar o efeito contrário ao inicialmente desejado, pois tais

famílias poderiam manter seus filhos subnutridos para continuar recebendo os recursos

doados.

Alguém poderia então perguntar por que estudar o comportamento altruísta sendo

que ele não resolve necessariamente as dificuldades da interação social?

São casos difíceis de serem analisados, mas mesmo assim o estudo do

comportamento altruísta pode auxiliar na reflexão para minimização dos problemas

colocados acima.

Esse trabalho sustenta a hipótese de que existe uma pluralidade de motivações

que determina o comportamento dos agentes. Princípios e valores éticos como

reciprocidade, altruísmo etc., que podem ser admitidos como comportamento racional. Em

outros termos, o indivíduo pode agregar o bem-estar alheio como critério de escolha

prioritário, de forma racional.

O objetivo central é apresentar uma revisão literária acerca das razões para o

altruísmo, destacando a sua importância para análise econômica, tendo como ponto de

partida delinear que o auto-interesse não é suficiente para a análise de tais questões,

1 Fonte: matéria Revista Época, disponível em: www.editoraglobo.com.br/generosidade. Acesso em: 15.out..2006

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2 O AUTO-INTERESSE E COMPORTAMENTO RACIONAL: NATURE ZA, SIGNIFICADOS E ALTERNATIVAS AO HOMEM ECONÔMICO

Neste capítulo o foco da análise direciona-se ao estudo acerca da discussão que

envolve o auto-interesse e o comportamento individual. Inicialmente, são apresentados os

pressupostos comportamentais da teoria neoclássica, contemplando a origem e os

significados do homem econômico. Na seqüência, procura-se apresentar as objeções que

tem sido feitas ao homem econômico, delineando a natureza das suas principais

alternativas (contratual, sub-racional e ética).

Para melhor situar a natureza do problema que abarca o auto-interesse e

comportamento individual, julga-se importante, antes de tudo, realizar algumas

considerações acerca da Filosofia Moral e a Economia.

Tendo como base os trabalhos de Giannetti (1988), a associação entre a filosofia

moral e a economia pode ser subdividida em duas ordens de questões:

a) problemas ligados aos determinantes de avaliação do bem-estar numa dada

sociedade, que envolve princípios da reflexão filosófica, envolvendo conceitos de justiça,

liberdade e direitos que são fundamentos da economia do bem-estar.

b) problemas ligados à natureza e à explicação do comportamento do agente

individual;

É sob essa segunda ordem de questão que este trabalho procura estudar a

origem, a natureza e as limitações dos pressupostos comportamentais da teoria

econômica, considerando o papel das variáveis não econômicas como determinantes da

motivação dos agentes nos processos decisórios, que abre espaço para a análise do

comportamento altruísta, foco desse trabalho.

O objetivo desse capítulo é fazer um exercício da evolução do pensamento

econômico acerca do comportamento individual, com a intenção de indicar pontos que

ainda estão por merecer um tratamento analítico mais aprofundado, apresentando a falta

de consenso entre os economistas sobre o comportamento individual. No entanto, não se

procura produzir conclusões rigorosas da conduta individual na vida prática, até porque na

revisão literária pertinente ao assunto, as críticas ao homem econômico têm produzido

mal entendidos e críticas defeituosas do uso da abstração em economia.

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A discussão acerca da origem do homem econômico é bastante rica em detalhes

históricos e metodológicos no que diz respeito à própria ascensão da Economia enquanto

Ciência. Na pré-história da economia a natureza do comportamento já era bastante

debatida entre os filósofos.

O delineamento acerca da formação de crenças, dos estágios da história da

ciência, dos princípios eternos da natureza humana e da adequação de métodos nas

ciências físicas e sociais é um vasto e exaustivo programa de pesquisa que, contudo,

não corresponde ao foco deste trabalho2.

Tendo como objetivo apresentar a evolução do homem econômico, julga-se

relevante somente considerar como ponto de partida dessa expedição a publicação de “A

Riqueza das Nações” de 1776, do filósofo e economista inglês Adam Smith, que marca o

“nascimento” da economia enquanto disciplina autônoma.

Nessa perspectiva a evolução do homem econômico pode ser traçada a partir de

três origens intelectuais, que serão cruciais para o desenvolvimento da economia

neoclássica. Portanto as características do homem econômico serão dadas a partir de

dois pressupostos comportamentais básicos:

a) busca do seu auto-interesse;

b) escolha racional dos meios;

A primeira origem intelectual da noção do homem econômico foi culminada no

famoso conceito smithiano da “mão invisível”. Neste caso o auto-interesse é admitido

como um comportamento compatível com o bem-estar da sociedade, pois o auto-

interesse privado levaria ao bem público (MACFANDYEN, 1986).

Para Giannetti (1988), esta primeira noção de homem econômico é meramente

intelectual, pois a admissão do comportamento egoísta dos agentes não se faz porque

este seja um pressuposto comportamental realista ou apropriado para o mundo

econômico real. Trata-se de um modo de determinar os resultados gerais de uma

economia de mercado pura, tendo como base o grande número de indivíduos que

perseguem seus interesses egoístas3.

2 O leitor interessado poderá consultar: Blaug (1993) e Bianchi (1988). 3 Vale esclarecer ao leitor, que por motivo de síntese, este trabalho considera somente a segunda e a terceira origem intelectual do homem econômico. A primeira origem dá uma noção geral a partir da abordagem smithiana, mas aqui considera-se que os traços comportamentais se tornam mais relevantes a partir da Filosofia Utilitarista e posteriormente ganha novos contornos com a ascensão dos economistas neoclássicos. A abordagem smithiana do homem econômico é uma versão remota, mas muito importante e por isso exigiria uma extensa pesquisa para

9

A segunda origem intelectual do homem econômico, surgiu da aliança entre a

filosofia utilitarista e a teoria econômica, com Bentham e Mill (GIANNETTI, 1988).

Conforme será apresentado na próxima seção, essa versão do homem econômico

enfatiza essencialmente o aspecto motivacional e o hedonismo psicológico, cuja

tendência dessa geração de economistas ao tratar o assunto, é considerar o prazer

individual (felicidade) como objetivo principal de vida dos agentes.

A terceira origem intelectual do homem econômico enfatiza o componente

racional, ou melhor, escolha racional dos meios (GIANNETTI, 1988). Essa versão surge a

partir dos trabalhos de Jevons, entre outros economistas neoclássicos, que se

preocupavam com a construção de um modelo lógico, permitindo assim, expressar

quantitativamente as ações econômicas orientadas visando adaptar os meios aos fins.

Nas próximas seções serão apresentados os pressupostos comportamentais da

teoria neoclássica, levando em consideração duas versões do homem econômico, que

foram importantes para os fundamentos metodológicos da Economia Neoclássica: o

Homem Econômico do Tipo Psicológico e o Homem Econômico do Tipo Racional.

2.1.1 A aliança entre a filosofia utilitarista e a teoria econômica: a origem do homem econômico

A teoria utilitarista, teve como seus principais representantes Jeremy Bentham e

John Stuart Mill. Tratou-se de um movimento filosófico iniciado em meados do século XIX

que teve como um dos principais objetivos o estudo da ação humana, de modo a propiciar

o reconhecimento da multiplicidade e da variedade das fontes de felicidade e também por

conceber na doutrina econômica a relevância da ação moral pelas emoções e

sentimentos na conduta humana.

Na filosofia utilitarista iniciada por Bentham houve um esforço sistemático para

compreender as ações humanas de um modo geral. A natureza humana é concebida por

Bentham como suscetível aos prazeres e dores, sendo esta governada por diferentes

variações do auto-interesse e paixões, classificadas pelo filosofo moral como egoísta e,

em parte, pelas simpatias ou antipatias em relação a outros seres:

caracterizá-lo detalhadamente. Portanto o marco histórico desta pesquisa inicia-se com a Filosofia Utilitarista, que de fato marca o nascimento do homem econômico.

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A natureza humana colocou o gênero humano sob domínio de dois senhores soberanos: a dor e prazer. Somente a eles compete optar o que devemos fazer bem como determinar o que na realidade faremos. Ao trono desses dois senhores está vinculada, por uma parte, a norma que distingue o que é certo do que é errado e por outra a cadeia das causas e efeitos. Os dois senhores de que falamos, nos governam em tudo o que fazemos, em tudo que dizemos, em tudo o que pensamos, sendo que qualquer tentativa que façamos para sacudir este senhorio, outra coisa não faz se não demonstrá-lo e confirmá-lo. (BENTHAM, 1984, p.3).

Na obra clássica de Bentham – Uma Introdução aos Princípios da Moral e da

Legislação4 – é evidenciado o caráter do hedonismo psicológico e moral na conduta

humana. O princípio da utilidade constitui o fundamento da sua obra, sendo que o

comportamento individual é governado pela ação de minimização de dor e maximização

do prazer. De acordo com o princípio da utilidade, Bentham (1984) faz a seguinte

consideração acerca do interesse individual:

Diz-se que uma coisa promove o auto-interesse de um indivíduo, ou favorece ao interesse de um individuo, quando tende a aumentar a soma total dos prazeres , ou então, o que vale afirmar o mesmo, quando tende a diminuir a soma total das suas dores (...) afirmar-se-á que uma determinada ação está em conformidade com o principio da utilidade, ou para ser mais breve, a utilidade, quando a tendência que ela tem a aumentar a felicidade for maior do que qualquer tendência a diminuí-la. (BENTHAM, 1984, p.4).

Na investigação das motivações humanas, Bentham (1984) se preocupou em

definir um método teórico, com alguns determinantes para mensurar a soma de dor e

prazer. Em outros termos ele lança alguns elementos que devem ser considerados para

mensuração do valor de tais sentimentos:

i) a sua intensidade;

ii) a sua duração;

iii) a sua certeza;

iv) a sua proximidade no tempo ou sua longevidade;

Para Bentham (1984), todos os valores acerca dos prazeres e dores deveriam ser

somados, de modo que o balanço, se fosse favorável ao prazer, indicaria a tendência boa

do ato em relação aos interesses individuais do agente. Se o balanço for desfavorável ao

4 Editada originalmente em 1789.

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prazer, havendo a existência de dor, indicaria a tendência má do ato em relação aos

interesses individuais do agente.

A hipótese do homem econômico em Bentham (1984) está baseada na

maximização do prazer (felicidade) individual e coletivo que deve ser estendido ao maior

número de pessoas, de modo que a ação humana no que diz respeito à busca de

felicidade, está relacionada em certa medida aos princípios morais, da lei e da razão.

A aliança entre filosofia utilitarista inglesa e a teoria econômica ganhou força com

os trabalhos de John Stuart Mill, que já vinha sendo orientado pelo seu pai, o economista

e filósofo James Mill com o acompanhamento à distância de Bentham5. As definições dos

termos prazer e dor correspondem ao caráter hedonista e, são apresentadas no início de

uma de suas principais obras – O Utilitarismo6. O objetivo em definir tais termos é

assegurar que os prazeres associados às atividades culturais e morais, contribuiriam

muito mais para a felicidade do indivíduo que os prazeres meramente físicos7.

Para o autor os indivíduos somente conheceriam verdadeiramente a felicidade se

fossem capazes de aprimorar as suas habilidades intelectuais, seus gostos e vínculos

sociais que os distinguem de outros animais. Pois,: “os seres humanos têm faculdades

mais elevadas do que os apetites animais; e uma vez conscientes dessas faculdades, não

consideram como felicidade algo que não inclua a gratificação delas”. (MILL, 2000, p.31).

Mill (2000), ao contrário da teoria benthamita que pregava exaustivamente a

maximização dos prazeres, tenta fazer uma distinção qualitativa entre os prazeres

inferiores e superiores. Essa é uma importante consideração que precisa ser feita em

relação aos dois autores utilitaristas.

Como reformador social, Mill não dissocia a conduta individual das questões

morais. A teoria utilitarista, segundo o autor, tem como seu fundamento a ciência moral,

sustentando que as ações humanas estariam corretas na medida em que elas tenderiam

a promover o prazer e erradas quando tenderiam a produzir a dor. O princípio da

felicidade na perspectiva milliana, de acordo com o critério moral utilitarista do que é certo

ou errado, não está restrito à ação individual, mas é pensado como maximização do

prazer social ou bem-estar coletivo:

5 Para mais informações ver introdução biográfica: Mill (2000), pp. 9-22. 6 Editada originalmente em 1863. 7 Mill destaca que os prazeres são classificados em prazeres inferiores e superiores. Os primeiros estão relacionados aos prazeres físicos (instintos) e o segundo relacionados a prazeres meramente intelectuais. Ver: Mill (2000), pp.29-31.

12

Proceder como desejaríamos que procedessem conosco e amar o próximo como a si mesmo, constituem a perfeição ideal da moralidade utilitarista (...). Em primeiro lugar, as leis e a organização social devem tanto quanto possível, harmonizar a felicidade ou interesse de cada indivíduo com o interesse conjunto. Em segundo lugar, a educação e a opinião, que possuem um poder vasto sobre o caráter humano, devem usar este para poder estabelecer na mente de cada indivíduo uma associação indissolúvel entre felicidade e a prática de modos de conduta (...), de tal modo que não apenas o indivíduo se torne capaz de conceber como compatíveis a sua própria felicidade e conduta opostas ao bem geral, mas também de modo que um impulso direto para promover o bem geral possa ser em cada indivíduo, um dos motivos da ação e que os sentimentos correspondentes possam ocupar um grande e proeminente lugar na vida de todo ser humano. (MILL, 2000, p.41).

Dado então o debate acerca da utilidade moralista da conduta individual, qual seria

a concepção do homem econômico na perspectiva milliana?

Metodologicamente Mill (2000) definiu como objeto de estudo da Economia

Política apenas uma motivação humana: a busca da riqueza. Em outros termos, a Ciência

Econômica tomou o indivíduo maximizador de sua própria riqueza como unidade do

sistema econômico. A partir desse pressuposto comportamental poder-se-ia explicar os

fenômenos econômicos e sociais8. Mas é importante notar que, este tipo de conduta na

primeira versão do homem econômico está centrada somente na motivação egoísta,

imbuída de considerações éticas e morais, não assumindo, portanto, nenhum pressuposto

racional de escolha dos meios para o comportamento maximizador. Para Mill (2000) a

riqueza ou dinheiro seria um meio e não um fim em si mesmo:

(...) o amor ao dinheiro não só é uma das mais poderosas forças motrizes da vida humana como o dinheiro é, muitas vezes, desejado em e por si mesmo; o desejo de possuí-lo é muitas vezes mais forte do que o desejo de usá-lo, e continua aumentando quando desvanecem todos os desejos que visam fins para além dele e que ele permite realizar. Pode-se dizer então, com razão, que o dinheiro não é desejado em vista de um fim, mas como parte do fim. (MILL, 2000, pp.63).

A essência da natureza humana no âmbito da interação social, concebida por Mill

(2000), como auto-interessada até coincide com teoria smithiana da “mão invisível”,

segundo a qual o auto-interesse privado conduziria ao bem-estar coletivo e à

prosperidade dos mercados (MATTOS, 1999). A diferença entre Mill e Smith, reside no

8 Dado que o foco deste trabalho não está em investigar detalhadamente as concepções metodológicas de Mill, o leitor interessado poderá verificar o debate acerca da metodologia milliana em: Blaug, 1999, pp. 99-115; e Mattos, 1999.

13

fato de que a teoria milliana acreditava na possibilidade do aperfeiçoamento das virtudes

humanas:

Como tampouco há uma necessidade intrínseca de que todo ser humano seja um egoísta interesseiro e desprovido de todo sentimento e preocupação que não se centre em sua própria utilidade miserável. Mesmo hoje, algo muito superior a isso é suficientemente comum para conferir abundantemente garantia ao que a espécie humana pode vir a ser. Todo ser humano convenientemente educado é capaz, ainda que em graus diferentes, de genuínas afeições particulares e de um sincero interesse pelo bem público. Num mundo em que há tanto para se interessar, tanto para usufruir e tanto para corrigir e melhorar, todo aquele que possui uma proporção moderada de requisitos morais e intelectuais pode desfrutar numa existência que é permitido chamar de invejável. (MILL, 2000, p.38).

Prosseguindo, essa primeira versão do homem econômico, imbuída de caráter

moral e psicológico, ganhou contornos mais nítidos9 nos trabalhos de Jevons e

Edgeworth.

Inspirado na teoria utilitarista de Bentham e Mill, Jevons (1983) reconhece

algumas leis psicológicas e morais existentes na Ciência Econômica, de modo que com

os estudos de tais leis seria possível predizer os fenômenos econômicos. No entanto,

Jevons (1983) preocupa-se em dar um tratamento matemático à teoria da utilidade,

admitindo que os teóricos moralistas já haviam reconhecido o caráter quantitativo da

teoria da utilidade a partir do famoso trecho da soma de prazeres e dores de Bentham, já

mencionado nesta seção10.

A defesa do caráter matemático na Ciência Econômica, por Jevons (1983), se deu

pelo seu forte desejo em tentar mensurar ou atribuir algum tipo de cálculo aos

sentimentos e impulsos humanos:

Hesito em dizer que os homens terão um dia os meios de medir diretamente os sentimentos do coração humano. É difícil até mesmo conceber uma unidade de prazer ou sofrimento; mas é o montante desses sentimentos que está nos induzindo a comprar e vender, tomar emprestado e emprestar, trabalhar e repousar, produzir e consumir, e é a partir dos efeitos quantitativos dos sentimentos que devemos estimar seus montantes comparativos. (JEVONS,1983, p.33).

9 Grifo nosso. Expressão utilizada por Giannetti (1988), para demonstrar a evolução desta primeira versão do homem econômico. 10 Tal método de investigação refere-se a sua principal obra “Account of a General Mathematical Theory of Political Economy”, publicada originalmente em 1871.

14

Isso não significa que Jevons tenha a pretensão de dissociar a Ciência Econômica

das Ciências Morais, tanto que afirma: “Não hesito em aceitar a teoria utilitarista da moral,

que toma o efeito sobre a felicidade da humanidade como critério do que é certo ou

errado”.(JEVONS, 1983, p.38).

Para o autor, a teoria da utilidade tem como objeto de estudo o cálculo do prazer e

sofrimento, onde o indivíduo teria que satisfazer o máximo de suas necessidades com o

mínimo de esforço possível. Para ele: “maximizar o prazer é o problema da Economia”

(JEVONS,1983, p.47). O autor admite que a teoria da utilidade trata o homem como ele

realmente é: maximizador de prazer.

O retrato do homem econômico ganha novos elementos a partir do tratamento

matemático, envolvendo a escala das necessidades humanas, grau de intensidade dos

desejos e variação da utilidade do bem, resultando no famoso conceito de utilidade

marginal.

Dada, então, a sofisticação do homem econômico nos trabalhos de Jevons (1983),

alguém poderia questionar, se a introdução desses novos elementos manteve o caráter

original do homem econômico, no que diz respeito às questões morais, admitido na teoria

benthamita. Tal questão não parece estar muito clara na principal obra de Jevons (1983),

mas é possível concluir, a partir de um recorte, que a conduta humana está sujeita a

algum tipo de critério moral:

Meu objetivo presente está cumprido ao indicar essa hierarquia de sentimentos e designar o devido lugar aos prazeres e sentimentos com que lida o economista. É do grau inferior dos sentimentos que tratamos aqui. O cálculo da utilidade almeja suprir as necessidades ordinárias do homem ao menor custo de trabalho. Cada trabalhador, na ausência de outros motivos deve dedicar sua energia à acumulação de riqueza. Um cálculo superior da moral do certo ou do errado seria necessário para mostrar como ele deve empregar da melhor maneira, aquela riqueza para o bem de outros como de si mesmo. (JEVONS, 1983, p.40).

É interesse notar, que mesmo que o seu propósito esteja restrito ao que ele

denominava de cálculo inferior, é evidente que Jevons (1983) acreditava que seria

possível estimar os sentimentos presentes na conduta humana a partir de algum cálculo

moral, no qual ele denomina de cálculo superior.

Ainda nessa empreitada de pesquisa, foi possível encontrar algumas

considerações acerca da versão original do homem econômico realizadas por Edgewoth.

16

O homem econômico racional é um construto liberal segundo o qual o indivíduo

seria motivado exclusivamente por razões econômicas e pela busca de fins auto-

interessados. Em outros termos, o homem econômico agiria racionalmente para

maximizar a sua riqueza.

Para Giannetti (1988), nessa segunda versão do homem econômico, houve uma

distinção da versão original neoclássica que foi apresentada na seção anterior. Segundo o

autor, houve o deslocamento da ênfase sobre a motivação para o elemento racionalidade.

Do ponto de vista analítico, essa versão apresenta decididamente o esvaziamento da

noção de auto-interesse de qualquer componente ético (egoísmo) ou psicológico

(hedonismo), de modo que não importa o que o homem econômico faça, pois ele sempre

estará perseguindo o seu auto-interesse:

Se a satisfação dos desejos da minha família, ou dos meus vizinhos, colegas de profissão, classe social ou nação é parte de minhas preferências, então elas pertencem ao meu auto-interesse individual. Se os meus fins incluem o bem estar de terceiros, então os interesses destes fazem parte integrante do meu auto-interesse. (GIANNETTI, 1988, p.6).

Dada a restrição orçamentária, o indivíduo exprime os seus desejos e objetivos

através das curvas de preferências, de modo que maximiza a alocação dos recursos no

ponto ótimo. Portanto, esse foi o avanço dos estudos acerca da racionalidade humana,

em que cada indivíduo tem sua curva de preferência, de forma que maximiza os seus

desejos sujeito a restrição orçamentária.

O foco desta versão recai sobre a racionalidade da escolha. O agente age

racionalmente dado o conjunto de ações possíveis e o conhecimento prévio de suas

conseqüências. Em outros termos, a teoria econômica adotou um padrão de escolha que

se revela através dos atos do indivíduo. Isto é o que ficou conhecido como preferência

revelada na ação.

Na verdade, tal concepção acerca da preferência revelada foi elaborada

inicialmente por Samuelson na Obra “A Note on the Pure Theory of Consumers

Behavior”15, e posteriormente ganhou novos contornos nos trabalhos de Little (1949)16.

15 Publicada originalmente em 1938. Para mais informações ver: http://nobelprize.org/nobel_prizes/economics/laureates/1970/samuelson-bio.html. Acesso em: 16.nov.2006 16 Para mais informações ver: Moldau, 1985, p.14.

17

Quanto a esse axioma da preferência revelada, considera-se importante citar,

ainda que brevemente, o reconhecimento da contribuição de Samuelson à síntese da

teoria neoclássica, citada por FEIWEL (1984):

Jonh Chipman traces the development in two strands of consumption theory of varied traditions – the revealed preference and the measurement of individual welfare. He argues that Samuels’s achievement have been instrumental in transforming analysis in both strands and have provided the foundations for a synthesis of the two. This has opened the door for building utility functions and welfare measures based on market observations of consumer demand behavior. (FEIWEL, 1984, p. 6).

A distinção entre o homem econômico do tipo racional e psicológico, foi realizada

pela primeira vez por Robbins na sua obra “An Essay on the Nature and Significance of

Economic Science”17, que esforçou-se em separar estas duas versões:

Es sabido que algunos de los fundadores de la moderna teoría subjetiva del valor adujeron la autoridad de las doctrinas del hedonismo psicológico como sanción a sus proposiciones. No así austriacos. Los cuadros mengerianos fueron construidos desde el príncipio en términos que nos suponían cuestiones psicológicas. Böhm-Bawerk repudiaba explícitamente cualquier filiación con el hedonismo psicológico y puede decirse que hizo lo indecible para evitar esta clase de errores. Pelo los nombres de Gossen y Jevons y Edgeworth, para no decir nada de sus seguidores ingleses, son un recordatorio suficiente de un linaje de economistas muy competentes que tuvieron pretensiones de esa suerte. (...). Pero es de fundamental importancia distinguir entre la lógica que el supone (...). Hay un sentido en el cual, por supuesto, la sostener que antes de la conducta humana tenga un aspecto económico, se supone al menos una cierta racionalidad: el equivalente a conducta encaminada a un fin. (ROBBINS, 1944, pp.120-130).

Robbins (1944), prossegue fazendo a distinção entre o caráter psicológico e

racional do homem econômico, definindo a ciência econômica como ciência que estuda a

conduta humana em relação entre os fins dados e os meios escassos:

Esto pues, es cuanto existe tras el homo economicus: el supuesto ocasional de que en ciertas relaciones de cambio todos los medios, por así decirlo, está de un lado y del otro los fines. Si, por ejemplo, para demonstrar las circunstancias dentro de las cuales se forma un precio en un mercado limitado, se supone que en él compro siempre al me vende más barato, ello no quiere decir en manera alguna que en mí actúan necesariamente motivos egoístas. (ROBBINS, 1944, p. 134).

17 Editada originalmente em 1932.

18

Seguindo a mesma linha de raciocínio a partir da tentativa de separar as duas

versões do homem econômicos propostas por Robbins (1944), verifica-se que na

literatura pertinente ao assunto, existe uma certa ambigüidade quanto ao próprio termo

'auto-interesse' que muitas vezes é entendido como egoísmo psicológico.

Alguém poderia dizer que nas duas versões do homem econômico, a conduta é

essencialmente auto-interessada ou egoísta e, que não haveria diferenças substanciais

entre as duas versões. No esforço para esclarecer esta questão, encontra-se em

Muramatsu (1999), uma breve explanação acerca do egoísmo18.

O egoísmo psicológico é constituído em dois componentes:

a) egoísmo ético

b) egoísmo racional

O egoísmo ético trata-se da perseguição frenética do bem-estar individual, estando

sujeito a algum código penal ou moral. A primeira versão do homem econômico, que foi

apresentada na seção anterior, se enquadra nessa concepção de egoísmo, pois, nele é

admitido que a base motivacional da conduta humana é essencialmente egoísta, sem ter

em contrapartida nenhum elemento de racionalidade em termos de escolhas. E, mesmo

assim, encontra-se um forte apelo em relação aos julgamentos morais e éticos.

Por outro lado, o egoísmo racional está subdividido em duas hipóteses:

b.1) a hipótese de que os indivíduos são egoístas, pois perseguem

constantemente o seu auto-interesse;

b.2) a hipótese de que os indivíduos comportam-se de modo racional e

consistente.

Em outros termos, não basta que o indivíduo seja somente egoísta, ele tem que

ser suficientemente racional, com capacidade cognitiva de ordenar as suas escolhas.

Nessa perspectiva Muramatsu faz a seguinte consideração:

Os indivíduos racionais são suficientemente bem informados para fazer uma ordenação completa e transitiva das suas alternativas. O princípio da transitividade é um elemento essencial para escolha racional. Isso quer dizer que se o indivíduo se deparar com três alternativas A, B e C, ele terá capacidade cognitiva para promover a ordenação ótima das mesmas. Desse modo se A>B>C, logo A>C. Vale destacar que a validade da transitividade pressupõe um conhecimento pleno dos atributos do bem que são objetos da escolha. (MURAMATSU, 1999, p.18).

18 A autora toma como base para esclarecer a questão do chamado egoísmo psicológico, os trabalhos do filósofo Kurt Baier (1993). O leitor interessado poderá consultar: Muramatsu (1999), pp. 17-18.

19

Sob a perspectiva da evolução do pensamento econômico o construto do homem

econômico racional surgiu durante o século XIX, período este que se iniciou uma forte

influência do positivismo nas ciências. Qualquer ciência, seja ela natural ou social, deveria

atingir o seu máximo de desenvolvimento da física clássica e, portanto, servir de modelo

para ciência pura19.

A ciência econômica influenciada pela ciência abstrata, definiu os seus postulados

e métodos. Se a finalidade era construir um modelo de estudo em que a conduta humana

e as suas ações econômicas pudessem sustentar de forma consistente e positiva, então a

razão para o nascimento do homem econômico racional está justificada pela teoria

neoclássica: eis então, a saga do homem econômico racional.

O homem econômico racional está no centro do debate metodológico da ciência

econômica que, de certa forma, deixou de lado questões mais antigas ligadas à filosofia e

a moral, presentes em sua primeira versão. Nesse contexto, Hollis (1977), tece o seguinte

comentário:

O homem, á luz do iluminismo e dissecado anatomicamente pelos utilitaristas, era um feixe individual de desejos. Era simplesmente um animal complexo, não menos parte da natureza do que qualquer outra coisa, e não menos sujeito a leis empíricas descobríveis. Seu comportamento devia ser explicado como uma série de tentativas para obter o que se desejava. A questão não era se seus desejos eram metafísicos, religiosos, éticos ou simplesmente dizer que estava buscando a satisfação de seus desejos. Julgamentos de valor não eram pertinentes, exceto na medida em que se podia indagar cientificamente se os meios escolhidos assegurariam o fim, dado o impacto de cada homem sobre as aspirações dos outros. O ótimo de cada um, racionalmente calculado e a longo prazo, contribui para o ótimo de longo prazo de todos. O cálculo é a maximização da utilidade. (HOLLIS, 1977, p.71).

Deve-se notar que o retrato direto do homem econômico é pouco mencionado nos

livros-textos. Na análise da literatura pertinente ao assunto, percebe-se que ele é

introduzido sutilmente na teoria econômica em diversos livros-textos, sendo sua presença

quase imperceptível. A dificuldade em obter os traços desse retrato falado do homem

19 O Positivismo, mais do que uma escola, foi basicamente uma tendência no pensamento econômico, em reação ao socialismo abstrato da escola clássica. Baseou-se no ideário e método positivista de August Comte e na utilização de informações estatísticas para enunciar as leis que regem as relações do processo econômico, objetivando fazer da economia uma ciência experimental. O leitor interessado poderá consultar: Hollis, 1997, pp. 11-62.

20

econômico racional trata-se de um verdadeiro quebra-cabeça, cujas peças são reunidas

a partir de alguns recortes aqui e acolá. Nessa perspectiva, Hollis (1977) também

apresenta a mesma dificuldade em juntar estas peças e nisso faz um comentário acerca

dos traços comportamentais do homem econômico racional:

Não é alto nem baixo, gordo nem magro, casado ou solteiro. Não se esclarece se ele gosta do seu cachorro, espanca a mulher ou prefere jogo de dardos à poesia20. Não sabemos o que deseja, mas sabemos que, o que quer que seja, ele maximizará impiedosamente para obtê-lo. Não sabemos o que compra, mas temos a certeza, que quando os preços caem, ele ou redistribui seu consumo ou compra mais. Não podemos afirmar o formato de sua cabeça, mas sabemos que suas curvas de indiferença são côncavas em relação à origem. Pois em lugar de seu retrato, temos um retrato falado. Ele é filho do iluminismo e portanto o individualista em busca de proveito próprio da teoria da utilidade. É um maximizador. Como produtor maximiza a sua fatia de mercado ou lucro. Como consumidor onisciente e improvável entre, por exemplo, consumir morango e cimento marginal. Está no ponto que considera ótimo, que qualquer mudança seria pior para ele. (HOLLIS, 1977, pp. 77-78).

Esse retrato do homem econômico, formalmente é dado pelos axiomas da teoria da

escolha da microeconomia convencional, entre eles temos: completude, transitividade,

continuidade e não-saciedade.

A abstração do homem econômico apresentada acima, se faz necessária na medida

em que são separados os aspectos comportamentais que se deseja estudar. Sobre essa

idéia, Pareto (1971) faz a seguinte consideração:

O mesmo homem que considera como homo economicus para um estudo econômico, posso considerá-lo como homo ethicus para um estudo moral, como homo religiosus etc.(...) o homem real compreende o homo economicus, o homo ethicus, o homo religiosus etc (...). Em suma considera as diferentes propriedades desse corpo real, desses homens, corresponde a considerar as diferentes propriedades desse corpo real, desse homem real e visa apenas cortar as fatias da matéria que se deve ser estudada. (PARETO, 1971, p.19).

Na versão paretiana, mesmo havendo a separação do objeto ou comportamento

humano que se desejasse estudar, a Economia Política não deveria levar somente em

consideração o estudo das ações econômicas, mas também as ações morais, religiosas,

políticas etc. Nessa perspectiva torna-se necessário fazer uma revisão literária acerca das

20 O autor faz uma comparação que contrasta o gosto popular (jogar pequenos dardos ao alvo) e das elites dominantes da época (poesia).

21

objeções que se faz em relação ao homem econômico r

23

idéias de Simon acerca da racionalidade limitada tiveram forte influência nos trabalhos da

NEI.

Para Simon (1980), a racionalidade limitada pode ser descrita da seguinte forma:

(...) a racionalidade limitada é caracterizada como uma categoria residual – a racionalidade é limitada quando lhe falta onisciência. A falta de onisciência é fruto, principalmente, da falta de conhecimento das alternativas, incertezas a respeito de eventos exógenos relevantes e inabilidade no cálculo de suas conseqüências. (SIMON, 1980, p.42).

A onisciência citada por Simon (1980), é atribuída em contraponto à

hiperracionalidade do homem econômico. As alternativas no processo de escolha não são

conhecidas por completo. Dito de outra forma, o homem contratual é dotado de uma

competência cognitiva limitada que restringe a sua capacidade de colher, armazenar e

processar informações relevantes para a tomada de decisão.

Nesse contexto a hipótese relevante de Simon (1980), para os neo-

instituicioalistas consiste em dois processos de seleção das instituições na tomada de

decisão.

O primeiro deles pode ser caracterizado como processo de seleção por tentativa e

erro. Nesse processo a informação é obtida a cada experiência passada e armazenada a

fim de orientar as tentativas subseqüentes no processo decisório do agente.

O segundo processo corresponde ao que foi denominado por Simon (1980) de

seleção por experiência prévia. Neste caso há rotinas e estruturas de gestão empresarial

que apesar de ficarem aquém da solução ótima, para cada caso demandam menos em

termos do fator escasso, que é a racionalidade. Em outros termos as formas de gestão

empresarial já experimentadas em ocasiões anteriores podem ser adotadas em um novo

contexto, resultando na economia de esforços despendidos no processo de seleção de

tentativas de erro e acerto.

Nessa perspectiva para Simon (1980), o comportamento humano é

intencionalmente racional, porém de modo limitado. Nesse caso ao invés de maximizar as

suas escolhas, como faz o homem econômico, o homem contratual se contenta em

sobreviver mais ou menos satisfatoriamente buscando alternativas que são boas de

acordo com um padrão determinado (satisface)25:

25 O termo “satisface” que aparece no dicionário Oxford English Dictionary como satisfy, significa satisfação e satisfeito. Simon (1980) utiliza este termo em suas obras para maximização das escolhas do agente que podem estar mais ou menos satisfeitas. O leitor interessado na

24

Com todas estas qualificações e reservas, certamente entendemos hoje, muitos mecanismos da escolha racional humana. Sabemos como o sistema de processamento de informações chamado Homem, confrontando com complexidade além do seu alcance, usa sua capacidade de processamento de informações para procurar alternativas, calcular conseqüências, esclarecer incertezas e assim – algumas vezes nem sempre – descobrir formas de ação que são consideradas adequadas para aquele momento que o satisfazem. (SIMON, 1980, p. 56).

O assunto “racionalidade limitada”, não se esgota por aqui. Conforme já dito, a

racionalidade limitada, proposta por Simon (1980), serviu para a diversificação do

programa de pesquisa da NEI.

Nesse contexto, Williamson (1985), procurou estudar a reestruturação dos

sistemas produtivos como resposta às mudanças observadas no ambiente institucional, a

partir da análise da Economia dos Custos de Transação (ECT), cujo objetivo é estudar

como os agentes em uma transação protegem-se dos riscos associados às relações de

trocas.

Williamson (1985), distingue três níveis de racionalidade:

a) racionalidade forte;

b) racionalidade limitada;

c) racionalidade orgânica;

A racionalidade forte, identificada entre os neoclássicos, assume que os indivíduos

são capazes de colher e processar toda informação disponível, agindo de modo a

maximizar seus objetivos, seja, lucro, receita ou utilidade:

Neoclassical economics maintains a maximizing orientation. That is unobjectionable, is all of relevant cost are recognized. The maximizing tradition does not, however, encourage such recognitions. Instead, the role of institutions is suppressed in favor of the view that firms are production functions, consumers are utility functions, the allocation a of activity between alternative mode organization is taken as given, and unbiquitous. (WILLIAMSON, 1985, p.45).

De acordo com Azevedo (1997), avanços recentes fazem uso intenso dos

pressupostos da racionalidade forte da economia ortodoxa:

a) expectativas racionais (Lucas, 1972);

interpretação em detalhes do termo “ satisface” de Simon, poderá consultar: Barros, 2004, pp. 69-71.

26

conduziu à ortodoxia econômica ao desenvolvimento de novas formas e ao estudo de

novos fenômenos que, até então, estavam à margem da análise econômica26.

O comportamento a-ético – oportunista – apesar de não ser um pressuposto

comportamental explícito na Economia da Informação, foi explicitamente incorporado a

NEI, a partir da Economia dos Custos de Transação proposta por Williamson (1985).

Seguis esse raciocínio Williamson (1985), distingue três níveis de comportamento

auto-interessado:

a) oportunismo ou auto-interesse forte (self-interest seeking);

b) auto-interesse simples;

c) obediência;

O primeiro conceito denominado “self-interest seeking”, assume que não há

restrições ao comportamento egoísta dos agentes econômicos. Roubar, mentir,

dissimular, trapacear enfim, são atitudes esperadas dos indivíduos auto-interessados. A

presença do oportunismo leva à busca de salvaguardas contratuais. Segundo Giannetti

(1988), os contratos só existem porque existe uma oferta limitada de confiabilidade

interpessoal, que deixa de ocorrer na medida em que a confiabilidade de uma das partes

é baixa em relação à outra.

Para Williamson (1985), há duas formas de oportunismo:

a) oportunismo ex-ante: ação a-ética antes da realização da transação;

b) oportunismo ex-post: ação a-ética durante a vigência do contrato;

Assim os contratos são os principais mecanismos para coibir o oportunismo:

Contract as promise. Another convenient concept of contract is to assume that economic agents will reliably fulfill their promises. Such stewardship behavior will not obtain, however, if economic agents are given to opportunism. Ex-ante efforts to screen economic agents in term of reliability and, even more, ex-post safeguards to deter opportunism take on different economic significance as soon as the hazards of opportunism are granted. Institutional practices that were hithertes regarded as problematic are thus often seen to perform valued economizing purposes. When their transaction cost features are assed. (WILLIAMSON, 1985).

26 Os avanços neste campo de pesquisa da Economia da Informação, tinham como objetivo explicar as transações em que se observa a existência de assimetrias de informação em que uma das partes obtém informação privada, não adquirida sem custo pela outra parte. De acordo com Azevedo (1997), esse programa de pesquisa gerou várias teorias que se complementaram e que genericamente foram denominadas como Teoria dos Contratos. Entre essas teorias destacam-se: Teoria do Agente Principal (Jensen e Meckling, 1976), Mechanism Design (Laffont e Masking, 1980), Seleção Adversa (Akerloff, 1970), Signalling ad Self-selection, Incentive Compatibility (Spence, 1973), Moral Hazard (Arrow, 1968) e Team Production (Groves, 1973).

27

O segundo conceito comportamental trata-se do auto-interesse simples, sem

oportunismo. Nesse caso os indivíduos são movidos pelo auto-interesse, mas preservam

o cumprimento dos contratos, este é o pressuposto adotado pela escola neoclássica, e

que já foi apresentado.

O terceiro pressuposto comportamental trata-se da obediência ou ausência do

auto-interesse:“Obedience is the behavioral assumption that is associated with social

engineering”.(WILLIAMSON, 1985, p.35). Nesse caso a análise do comportamento não

está fundamentada no individualismo metodológico, ou seja, o indivíduo é influenciado

pelo meio em que vive, de modo que suas ações são reflexas do meio social (coletivismo

metodológico). De acordo com Williamson (1985), nesse caso, as ações do indivíduo são

coordenadas por uma entidade externa a ele, como governo, ideologia ou religião.

A racionalidade limitada e o oportunismo são os principais elementos do

comportamento humano que Williamson (1985) utiliza para explicar a Economia dos

Custos de Transação. As implicações desses pressupostos são as mais diversas, sendo

que Williamson (1985) cita vários exemplos econômicos, explorando a ameaça do

oportunismo no âmbito da governança corporativa27.

Na literatura sobre o assunto, encontram-se alguns autores, entre eles Pereira

(2001), Pessali & Fernández (1998), que criticam os pressupostos comportamentais

admitidos pelos neo-institucionalistas, por conta do afastamento da velha escola

institucional encabeçada por Veblen, Myrdal e Commons entre outros.

De acordo com Pereira (2001), a proposta da velha escola institucionalista era

romper com o programa de pesquisa neoclássico, retomando o uso do processo histórico

associada à teoria econômica e outras ciências sociais. Nesse caso a

multidisciplinaridade seria utilizada para explicar os fenômenos econômicos e sociais. O

autor considera que houve uma distorção dos trabalhos originais da velha escola

institucional, de modo que o programa de pesquisa da NEI, tratou-se muito mais de uma

síntese neoclássica do que uma revolução no pensamento econômico, conforme era a

proposta da escola originalmente.

Preferências estáveis, escolha racional, tendência ao equilíbrio enfim, são os

pontos primordiais para a economia neoclássica e que se estendem ao programa de

pesquisa da NEI, conforme detalhado no artigo de Pereira (2001). O autor sintetiza as

suas objeções da seguinte forma:

27 O leitor interessado poderá consultar a síntese de tais implicações em: Williamson (1985), pp.64-67 (Apêndice).

28

(...) os neo-institucionalistas percorrem dois caminhos paralelos: o primeiro é concentrar estudos quantitativos em estudo sobre a especificidade dos ativos e formas de governança. O segundo é considerar o homem econômico racional, o que uniformiza o comportamento dos agentes e permite a modelagem matemática. Essa uniformização do comportamento dos agentes é uma “gambiarra metodológica”, que permite a análise do risco. (PEREIRA, 2001, p.32).

Vale a pena esclarecer que os indivíduos continuam sendo racionais, mas apenas

limitadamente, incluindo também o oportunismo. Nesse caso Pereira (2001), refere-se à

padronização do comportamento para fins metodológicos e não à generalização do

comportamento humano como um todo, até porque o próprio Williamson

(1985) se isenta deste tipo de generalização a partir da seguinte afirmação:

I merely assume that some individual are opportunistic some of the time and that differential trustworthiness is rarely transparent ex-ante. As a consequence ex-ante screening efforts are made ex-post safeguards are created. (WILLIAMSON, 1985, p.64).

Para Pessali & Fernández (1998), o comportamento não pode ser entendido como

uma programação genética imutável, mas como algo que vem sendo moldado ao longo

do tempo em função das instituições humanas. Desse modo, os autores afirmam que o

oportunismo é um tipo relevante de comportamento dos agentes engajados nas

transações econômicas, sendo o comportamento humano mais abrangente que isso,

estimulado por uma pluralidade de motivações, como honestidade e lealdade, por

exemplo.

Dadas, então, as objeções aos pressupostos comportamentais da NEI, por algum

momento chega-se a pensar que o homem contratual pode ser um parente muito próximo

do homem econômico, por conta das características metodológicas já mencionadas aqui.

Mas o debate ainda é extenso na literatura e provoca grandes divergências entre a velha

e a nova escola institucionalista, não correspondendo ao foco desse trabalho.

Outra questão em aberto que merece destaque, trata-se do comportamento ético.

Será que a ética poderia ser uma dessas instituições que moldam o comportamento

daqueles que exercem o “jogo social”? A ética seria uma restrição ao comportamento

oportunista? Nessa discussão teria espaço para a análise do comportamento altruísta?

A discussão acerca da ética abre espaço para o estudo do comportamento

altruísta e, talvez, a velha literatura institucionalista teria muito a contribuir para o debate.

29

No entanto optou-se em abordar o comportamento altruísta, seguindo a trilha do homem

ético de Sen (1982), cujas características serão apresentadas ainda neste capítulo.

2.2.2 Escolhas contra preferenciais: a lógica do ho mem sub-racional

30

animais. Para Giannetti (2003), houve uma tentativa de reduzir o poder da ética, das

emoções e sentimentos humanos a partir do radicalismo de La Metrie.

Apesar dos autores científicos da época de La Metrie, evidentemente

influenciados pelo iluminismo, argumentarem que os homens são máquinas automáticas,

sendo insignificantes os processos mentais, tais aspectos comportamentais podem

parecer um tanto obscuros para análise econômica. Por outro lado, ajuda a entender

melhor a mecânica da utilidade e do auto-interesse, que são pressupostos básicos do

homem econômico racional.

Grosso modo, pode-se dizer que o homem econômico assemelha-se ao homem

máquina, no que refere-se à generalização e abstração do comportamento humano.

Enquanto as ações do homem máquina são descritas como automáticas, sem nenhum

pressuposto de racionalidade, as ações do homem econômico são descritas como

respostas automáticas às variações nos preços. Ademais, as duas versões assemelham-

se pelo fato de que a moral e os sentimentos não exercem papel algum na determinação

da conduta humana.

Por outro lado, conforme afirma Giannetti (2003), o divisor de águas nas duas

versões refere-se à questão racional. Mesmo no âmbito da ação essencialmente

econômica, os processos mentais de raciocínio lógico desempenham um papel

fundamental na explicação do homem econômico:

Embora não seja dado a permitir que suas crenças e opiniões – essas forças eminentemente perturbadoras (Jevons) – interfiram em suas atividades ou estorvem seus cálculos, o homem econômico ainda assim possui uma mente que influi. De fato, todas as transações no ciclo das trocas são essencialmente baseadas em uma operação distintamente mental e reflexiva, ou seja, o processo inteligente e consciente de informações prevalece ainda uma mente depurada. (GIANNETTI, 2003, pg. 78).

Portanto ambas as versões assemelham-se no que refere-se à questão da

indiferença moral, mas divergem nos usos e conceitos dos processos mentais em si.

O homem sub-racional, ainda possui uma outra personalidade, talvez mais suave

em relação a sua primeira versão do homem máquina, denominada por Giannetti (1988),

como versão mitigada. Nessa versão os mecanismos sub-racionais se apresentam a

partir de dois problemas: dissonância cognitiva e akrasia.

De acordo com Elster (1984), a dissonância cognitiva refere-se a análise do

comportamento individual no âmbito da disparidade entre preferências de um lado e

31

ações de outro, ou seja, nem sempre o agente consegue traduzir de forma consistente os

seus objetivos e comportamento desejado. Já a akrasia, refere-se ao termo aristotélico

utilizado para interpretar a fraqueza de vontade do agente individual. Trata de um conflito

interno entre o interesse imediato do agente e algum tipo de interesse de longo prazo

mais puro ou legítimo29.

Numa passagem, Elster (1985) elabora um exemplo sugestivo que aborda a

combinação ideal entre a dissonância cognitiva e a fraqueza de vontade de um fumante.

O autor considera um homem que deseja parar de fumar e até agora cede à tentação

quando lhe oferecem um cigarro. Isto parece perfeitamente consistente com o seu

objetivo de curto prazo, mas não é consistente com o objetivo de médio e de longo prazo.

Para satisfazer o seu desejo mais imediato, o indivíduo omite as razões e argumentos

contra a idéia de parar de fumar, formando crenças e opiniões no curto prazo para reduzir

o seu desconforto mental, como se fosse uma espécie de miragem que omite o seu

objetivo de médio e longo prazo: parar de fumar e ter uma condição de vida mais

saudável.

No exemplo anterior os mecanismos da sub-racionalidade do agente – dissonância

cognitiva e fraqueza de vontade – são dados por suas ações contra preferenciais, não

conseguindo resistir à tentação de parar de fumar mais um cigarro, entregando-se assim

à recompensa de curto prazo.

Inúmeros exemplos podem ser dados acerca dos mecanismos da sub-racionalidade

no comportamento individual, que reflete os conflitos de interesse dentro do mesmo

indivíduo30. Um exemplo do filosofo americano William James acerca de um caso

particular, descreve bem esta situação:

Quantas desculpas alguém com disposição a beber pesadamente não encontra quando uma nova tentação aparece! É uma nova marca de bebida que, em nome de sua cultura intelectual no assunto, ele é forçado a experimentar. De qualquer forma, o copo já está (inadvertidamente) cheio e é pecado desperdiçar. Ou os demais estão bebendo e seria inconveniente recusar. Ou é apenas para permitir que durma, ou realize uma determinada tarefa no trabalho. Ou não é precisamente estar bebendo, é que está tão frio hoje. Ou é natal. Ou é apenas um meio de estimulá-lo a fazer uma resolução, mais firme da abstinência. Ou é apenas dessa vez e, uma única não conta etc.etc - é

29 Ver Elster (1984), pp.1388. 30 Dado que o aprofundamento deste tema não corresponde ao escopo deste trabalho, o leitor interessado poderá consultar exemplos mais formais em: ELSTER, 1979, pp.113-155.

32

na verdade, o você deseja, exceto ser um bêbado costumaz. (JAMES31. 1890, apud GIANNETTI, 1988, pp.22)

Nesta mesma perspectiva Zilhão (2005), afirma que numa situação de dissonância

cognitiva e fraqueza na vontade, o agente cognitivo é capaz de elaborar crenças e

opiniões para julgar a sua própria ação, numa dada circunstância. Isso significa dizer que

o agente julga o que é melhor para si no que refere-se à recompensa de curto prazo. De

acordo com o autor, qualquer tipo de comportamento compulsivo enquadra-se

perfeitamente nessa questão. Admite-se nesse aspecto que o indivíduo não tem

autocontrole de suas compulsões, isso porque o seu autoconhecimento e autodomínio

são rigorosamente limitados. Nesse sentido, as suas paixões e convicções sempre o

convencem a sucumbir às tentações.

Nota-se, portanto, que a formação de crenças são importantes para determinação

do comportamento individual nesta versão da sub-racionalidade. Nesse contexto, a teoria

tradicional da escolha, a partir dos seus pressupostos comportamentais, limita o valor

explicativo dos mecanismos psicológicos que se desencadeiam numa determinada ação.

A teoria da escolha racional, não permite entender porque um agente requer escolhas

contra preferenciais, até porque tal teoria fundamenta-se num conjunto de axiomas que

hipoteticamente garantem escolhas internamente consistentes32.

A análise dos traços comportamentais do homem sub-racional, por ora, remete ao

problema acerca da racionalidade de planos e compromissos. Tendo como base os

trabalhos de Bianchi & Muramatsu (2005), apresenta-se a metáfora de Ulisses e as

Sereias33 para melhor ilustrar esta questão. A metáfora traz à baila o conflito entre

interesse imediato do agente e algum tipo de interesse de longo prazo, mais genuíno ou

durável34:

31 James, W. (1890). Principles of Psychology. New York: Holt. 32 O leitor interessado em investigar, mais detalhadamente as limitações da teoria da escolha racional no que refere-se ao elementos da psicologia da escolha, poderá consultar: MURAMATSU, 2004. 33 É importante esclarecer que a primeira abordagem acerca da racionalidade econômica, planos e compromissos utilizando a metáfora de “Ulisses e as Sereias”, foi realizada por Gauthier (1996). Posteriormente Bianchi & Muramatsu (2005), retoma a discussão, dando novos contornos a lógica de planos e compromissos. 34 Utilizou-se a citação direta a seguir para ilustrar a metáfora de Ulisses e as Sereias, devendo-se notar que tal citação não foi encontrada nos trabalhos das autoras Bianchi & Muramatsu (2005). Dito de outra forma, as autoras discorrem sobre a metáfora de Ulisses e as Sereias, mas não fazem nenhuma citação direta. Por isso, para ficar mais compreensível, optou-se em trazer este trecho, como citação indireta, traduzida por outro autor, conforme ilustrado a seguir.

33

Passaremos agora pela ilha das sereias, Mulheres-pássaro que

enfeitiçam com seu doce canto aqueles que vêm se aproximar da ilha. E

quem escuta a voz delas não mais haveria de rever a terna esposa, nem

filhos e a casa, mas deixará seu ossos na ilha, ao lado de todos os que

encontram a perdição enfeitiçados pelo canto das sereias. Por isso,

todos vocês irão tapar os ouvidos com cera e apenas eu, conforme

disse Circe, poderei ouvir a canção, se esse for o meu desejo. Só que é

preciso que vocês me amarrem fortemente ao mastro de modo que eu

não possa sequer me mover. Ainda que eu chore e lhes implore que me

desamarrem, vocês não devem me atender, mas apenas apertar os nós

mais ainda!. (POTZMAN, 2001, p. 109-110)35.

O herói grego pode voltar da guerra de Tróia à Itaca, tendo duas alternativas

de escolha: uma chegar são e salvo à Grécia para reencontrar sua Penélope e trazer a

glória para o seu povo, ou pode desfrutar do canto das sereias. Note que Ulisses partiu

para a sua conquista com o plano de voltar à Grécia de forma gloriosa,

independentemente das tentações e obstáculos que o levassem a rever seu plano. De

certa forma, o canto das sereias poderia mudar as suas preferências, de modo que

Ulisses por compulsão poderia ir ao encontro das sereias, sendo levado a rever o seu

plano inicial. Muramatsu (2005) argumenta que em termos econômicos, Ulisses decidiu

tomar, inicialmente, um plano contando com o retorno esperado e nisto, a autora

considera duas versões para o tomador de decisão: Ulisses esclarecido (sofisticado) e o

Ulisses Míope.

Em primeira instância, Ulisses só adota um plano se ele for viável, isto é, se

o retorno esperado no final da longa viagem não induzi-lo à revisão do seu plano inicial.

Isto significa dizer que o indivíduo age como se estivesse equipado com uma

supercapacidade cognitiva de modo que pode adotar um plano e mantê-lo ao longo do

tempo, deixando de lado os obstáculos que podem conflitar no curso da execução do

plano. Essa é a versão do Ulisses Esclarecido, que pede para ser amarrado ao mastro do

navio para realizar o seu plano inicial, que é voltar à Grécia no final.

Então, em seu processo de escolha existem dois motivos para a realização do

compromisso: a) os que permitem o agente adotar um plano; b) aqueles que dispõem a

levar adiante o seu plano, em outros termos, agir em conformidade com o mesmo. De

35 Homero, A Odisséia, recontada por Menelaos Stephanides, tradução de Janaína Potzman, São Paulo: Odysseus, 2001, pp.109-110

34

acordo com Muramatsu (2005), nesse caso, o agente antecipa o conflito potencial entre

esses dois motivos. Mas como poderia se explicar os casos em que os agentes não

conseguem levar adiante o seu plano inicial? Nesse ponto entra em cena a versão do

Ulisses Míope, que refere-se aos tomadores de decisão que embora sejam capazes de

antecipar o futuro, e até formular planos de longo prazo, são incapazes de concretizá-los.

Em outros termos o agente que planeja um determinado curso da ação, a utilidade

esperada de levar adiante seu plano torna-se igual ou inferior à utilidade esperada de

desviar-se dele. A visão de longo prazo de Ulisses míope fica obscurecida ao sucumbir

seus desejos pela sedução das sereias. Um caso típico de akrasia e dissonância

cognitiva.

Isso posto, foi trazido para o debate esta metáfora para ilustrar as discrepâncias

que existem entre planos, compromissos e preferências. A teoria da escolha tradicional

teria dificuldades para explicar porque Ulisses implementa um plano de curto prazo que

contrarie as suas preferências de longo prazo. Em diversas situações é possível se

deparar com circunstâncias que não podem ser resolvidas pelo cálculo racional, pois o

fato do agente preferir adotar uma regra de ação para escapar das tentações, pode ser

um indício de que, em determinadas situações, o comportamento do tipo “satiface”36,

pode ser o melhor caminho. Dito de outra forma, as restrições presentes no cálculo

cognitivo, num curto prazo, impedem o alcance do resultado ótimo. Ulisses por exemplo,

solicitou que fosse amarrado a um mastro para não ser seduzido pelas sereias. Um

fumante arrependido prefere não fumar o primeiro cigarro que seria seguido por uma séria

de outras tentativas para fumar.

Do mesmo modo o arcabouço tradicional da teoria da escolha encontra

dificuldades para explicar estas anomalias como a presença de compromisso moral, que

viola o padrão de comportamento auto-interessado37. O comportamento altruísta se

enquadra nessa problemática, uma vez que o indivíduo pode não ter preferências auto-

interessadas. Nesse caso assume-se um comportamento cooperativo, tendo como critério

prioritário de escolha o bem-estar alheio.

36 Conforme proposta de Simon (1955), apresentada na seção anterior. 37 Muramatsu (1999) argumenta que os sentimentos morais, podem entrar em conflito com as considerações que brotam do cálculo racional. Por exemplo, um professor que aprova o aluno para não perder a bolsa de estudos parece ser o juiz da barganha entre o senso de justiça e o sentimento de simpatia. Para esta situação, a simpatia fala mais alto.

36

“engenharia”38. Em outros termos, Sen (1999) refere-se à distinção entre a economia

normativa e positiva.

A tradição ligada à ética, associa o estudo da economia, da ética, da filosofia e da

política em conjunto. O homem ético teve sua origem na Grécia, com Sócrates, Platão e

Aristóteles, recebendo posteriormente novos contornos a partir de Kant e Hegel (ÁVILA,

1998).

De acordo com Ávila (1998), os gregos entendiam por “ethos”, o conjunto de

condutas morais, pelas quais uma comunidade busca a melhor maneira de viver que lhes

garanta sua preservação, de modo a atingir o maior nível possível de felicidade em

sociedade.

Segundo Prado (1998), o modo de vida dos gregos na polis, deveria refletir a

ordem cósmica contemplada pela razão39. As leis associadas ao comportamento da

sociedade configuravam a doutrina das leis, conciliando assim a ciência política que se

mantinha por meio dos costumes. As leis da polis, deveriam promover a igualdade,

equidade, e direito à palavra na ordem social.

Sob esta perspectiva Aristóteles num dos seus clássicos (Ética a Nicômacos),

associa a economia ao estudo da ética e da política:

Mas como há muitas atividades, artes e ciências, suas finalidades também são muitas; a finalidade da medicina é a saúde, a da construção naval é a nau, a da estratégia é a vitória, da economia a riqueza(...). a ciência política determina quais são as demais ciências que devem se estudar em cidade e quais os cidadãos que devem aprendê-las, e até que ponto; e vemos que mesmo as atividades tidas de mais alta estima se incluem entre as ciências, como por exemplo, a estratégia, a economia e a retórica. Uma vez que a ciência política usa as ciências restantes e, ainda mais, legisla sobre o que devemos fazer e sobre aquilo que devemos abster-nos, a finalidade desta ciência inclui necessariamente a finalidade de outras, e então esta finalidade deve ser o bem do homem. (Ética à Nicômaco, apud, KURY, 1985, pp.17-18).

38 A Engenharia Econômica denominada por Sen, refere-se à tradição da Economia Neoclássica que se utilizou de métodos quantitativos, a partir da generalização de modelos para explicar a realidade. A ascensão do homem econômico racional é um dos exemplos da abordagem matemática na teoria econômica, conforme ,mencionado nas seções anteriores. 39 De acordo com o autor, a existência de uma ordem cósmica no mundo grego, tratava-se de uma ordem harmônica entre o homem e a natureza, governada pelos princípios coerentes universais e eternos. Dito de outra forma, os essenciais religiosos (cosmos), encontra-se na natureza e no mundo dos homens, conduzindo à harmonia entre os indivíduos e as leis da natureza. Neste contexto, a função do pensamento racional era encontrar um modo de conciliar a maneira de viver das pessoas na cidade-estado com a ordem cósmica.

37

Segundo Sen (1999), o estudo da economia nessa primeira versão, apesar de

estar relacionada diretamente à busca da riqueza, os pensadores gregos, admitiam que o

problema da motivação humana estava associado à questão amplamente ética sobre

como os indivíduos devem viver. De acordo com o autor, apesar do Estado exercer uma

forte influência nos assuntos econômicos, a finalidade do Estado era promover o bem

comum e nessa perspectiva, não é correto dizer que os indivíduos sempre agiram em

consonância com a moral e a ética, mas deve reconhecer que nessa primeira versão as

considerações éticas não deveriam estar desassociadas ao comportamento real, de

acordo com os pensadores gregos.

Na versão aristotélica o objetivo da ética é determinar o bem supremo (a

felicidade) para os homens. O Bem que o filósofo tenta investigar não está restrito apenas

ao bem econômico: “A vida dedicada a ganhar dinheiro é vivida sob compulsão e,

obviamente, ela não é o bem que estamos procurando; trata-se de uma vida apenas

proveitosa e com vistas a algo mais”. (Ética à Nicômaco, apud ,KURY, 1985, p.20).

O algo mais citado por Aristóteles, trata-se do Bem Supremo almejado pelos

humanos que é a felicidade. Nota-se que, em contraponto ao homem econômico, sub-

racional e contratual, a admissão do homem ético na versão aristotélica é um ser social,

cuja auto-realização depende da felicidade de sua família, amigos, da sua comunidade e

até mesmo de um bom governo. Neste sentido, a ciência política abarca todas as outras

ciências, inclusive a economia, que teria como objetivo o bem comum (finalidade

suprema) e alguma coisa a mais:

(...) a finalidade da ciência política é a finalidade suprema e o principal empenho desta ciência é infundir um certo caráter nos cidadãos – por exemplo, torná-los bons e capazes de praticar boas ações. (Ética à Nicômaco, apud, KURY, 1985, pp.28).

A segunda origem da economia de acordo com Sen (1999), está voltada para a

abordagem “engenheira”. Trata-se da ascensão da teoria neoclássica que prioriza a

abordagem positiva, cujos detalhes acerca do comportamento individual já foram

mencionados anteriormente.

O importante aqui é ressaltar o distanciamento, no que refere-se às questões

éticas, entre a economia positiva e a economia normativa. Sen (1999) faz suas

ponderações e reconhece o triunfo e a relevância da economia positiva, afirmando a

importância do equilíbrio entre as duas abordagens:

38

Eu gostaria de afirmar que as questões profundas suscitadas pela concepção da motivação e realização social relacionada à ética, precisam encontrar um lugar de importância na economia moderna, mas ao mesmo tempo é impossível negar a abordagem da engenharia que também tem muito a oferecer à economia. (SEN, 1999, p.22).

Quando se analisa a perspectiva ética, proposta por Sen (1982), é comum

encontrar a distinção entre simpatia e engajamento moral, que permite entender a

natureza do problema:

If the knowledge of torture of others makes you sick, it is a case of sympathy; if its does not make you feel personally worse off, but you think it is wrong and you are ready to do something to stop it, it is a case of commitment. I do not wish to claim that the words chosen have any very great merit, but the distinction is, I think, important. It can be argued that behavior based on sympathy is in an important egoistic, for on Is oneself pleased at others´ pleasure an pained at others pain, and the pursuit of one’s own utility may thus be helped by sympathetic action. Is action based on commitment rather than sympathy which would be non-egoistic in this sense? (SEN, 1982, p. 92).

Dito de outra forma, quando o bem-estar de uma pessoa depende

psicologicamente do bem estar de um terceiro, isto é um caso de simpatia40. O

engajamento moral por sua vez, não pode ser reduzido à mecânica do auto-interesse,

porque existem outros fatores motivacionais que fazem com que o indivíduo tenha a pré-

disposição em agir de acordo com os seus compromissos éticos e morais:

A person’s concept of his own welfare can be influenced by the position of others in ways go well beyond “sympathizing” with others and may actually involve identifying with them. Similarly, in arriving at goals, a person’s sense of identify may well be quite central. And, perhaps most important in the context of the present discussion, the consideration of the goals of others in the group with whom the person has some sense of identify. (SEN, 1985, p.86).

Para Muramatsu (1999) que compartilha das idéias de Sen, o compromisso ético

não pode ser visto como uma ação irracional. O desempenho econômico de um agregado

depende da qualidade moral dos indivíduos, pois as ameaças do risco moral e da seleção

adversa promovem uma perda de bem-estar. A autora admite que o homem econômico

40 Existe um amplo debate acerca da distinção entre simpatia, empatia e engajamento moral que influenciarão alguns modelos convencionais do comportamento altruísta. A retomada de tais questões será realizada no decorrer deste trabalho.

39

está mais próximo de um idiota racional (rational fool)41 porque o padrão motivacional é

tão pobre que não percebe que a busca desenfreada do seu interesse próprio, sem

nenhum comprometimento ético, pode conduzir a sociedade (da qual ele faz parte) a uma

tendência redutora de bem-estar.

Giannetti (1988), afirma que o homem ético de Sen pode ajudar a entender o lado

da oferta de serviços prestados por profissionais, como médico, juiz, promotor público,

policial, dentista e porque não político? Teoricamente se espera que em tais profissões,

haja a suspensão dos interesses individuais para o atendimento do bem de outrem ou até

bem social.

Sen (1999) vai além destes casos, e utiliza os trabalhos de Michio Morishima

(1982), para ilustrar o extraordinário desempenho econômico do Japão no pós-guerra:

O êxito de algumas economias de livre mercado, como o Japão, na obtenção da eficiência, também tem sido citado como prova da teoria do auto-interesse. Contudo o êxito de um mercado livre nada nos diz sobre a motivação que está por trás da ação dos agentes econômicos em uma economia desse tipo. De fato, no caso japonês, existe eloqüentes provas empíricas de que o afastamento sistemático do comportamento auto-interessado em direção ao dever à lealdade e à boa vontade tem desempenhado um papel importante no êxito da indústria. O que Michio Morishima (1982), denomina “ethos japonês”, certamente é difícil de encaixar em qualquer descrição simples de comportamento auto-interessado. (SEN, 1999, p.34).

O homem ético de Sen, ajuda a entender muitas questões atuais que envolvem o

mercado. Em muitas situações não há dúvidas de que a existência dos determinantes

éticos se sobrepõe às questões econômicas em termos de preferências pessoais. Os

consumidores podem agir de forma contrária à sua utilidade e satisfação de preferências,

quando, por exemplo, deixam de consumir produtos agrícolas geneticamente modificados

ou de empresas que não tenham nenhum tipo de compromisso ético, ecológico ou social,

entre diversos exemplos de responsabilidade social.

Conforme verificado, o mundo em que habita o homem econômico é inadequado

para lidar com questões do tipo: compromisso moral, altruísmo, gratuidade, senso de

dever etc. O homem ético de Sen, abre espaço para análise do comportamento altruísta e

sob esta empreitada de investigação, as considerações de Zamagni (1995), sendo um

incentivo para entrar nesse universo complexo acerca da escolha individual:

41 O termo Rational Fools foi utilizado por Sen, como crítica aos fundamentos comportamentais da Teoria Econômica. Ver: Sen, 1982, pp. 84-106

40

A promising route to escape the structures of naive economics, according to wich people are turhlessly self-interessed, is by paying attention not only the structure, but also to the content of preferences, to their object or source and to what motives people’s preferences (...) In this sense, thinking about the economics of altruism contributes to rethinking so economics. (ZAMAGNI, 1995, p. xv).

Nessa perspectiva Sen (1982) propõe a abordagem de meta-ordenação, na qual

as preferências do indivíduo podem estar associadas a uma ordenação de preferências,

de acordo com algum critério ético. Seria como se os indivíduos fizessem várias

ordenações de todas as alternativas disponíveis e escolhessem a ordenação que fosse

mais moral, conforme será apresentado na próxima seção.

2.2.3.1 Escolhas, meta-preferências e moralidade: a contribuição de Sen para a teoria da escolha

Dado a visão abrangente do Homem Ético de Sen, nesta subseção é apresentado

as críticas elaboradas pelo autor acerca da teoria da escolha tradicional. Além disso,

busca-se apresentar ainda que brevemente, a proposta de Sen ao tratamento da escolha

racional envolvendo considerações morais.

Ao longo deste primeiro capítulo, buscou-se apresentar uma visão abrangente da

racionalidade econômica destacando as vertentes do auto-interesse como base

motivacional da ação humana. Não há dúvidas de que em várias ocasiões, o auto-

interesse pode ser um critério prioritário para o processo de escolha individual, mas isto

não exclui a possibilidade dos indivíduos se comportarem de forma altruísta, envolvendo

algum tipo de compromisso moral, seja por sacrifícios de um causa pública ou ideológica,

por membros de sua família ou até em benefício de estranho que poderá não retribuir o

favor.

Para o leitor não familiarizado com o assunto (o altruísmo), é importante esclarecer

que a abordagem ética de Sen, no que refere-se ao tratamento da escolha racional, não

está inteiramente relacionada ao altruísmo. Trata-se de uma abordagem ampla da ética e

compromisso moral, que admite a complexa relação entre o auto-interesse e a

racionalidade econômica para explicar comportamentos via determinantes éticos. Tais

determinantes que impulsionam ação moral e ética são motivados por diversos valores,

crenças e objetivos que compõem um todo complexo.

42

confessar e não confessar. Se ambos os prisioneiros confessarem o crime, a sentença

será de 10 anos de prisão para cada um. Se nenhum dos dois confessarem, a pena será

de apenas 2 anos de prisão para ambos. Se um confessar e o outro não confessar, o

primeiro poderá ganhar liberdade e o segundo poderá sofre a penalidade de 20 anos na

prisão. Dado as alternativas disponíveis para a escolha do indivíduo, se o seu

companheiro confessar ele confessa também. Se o seu companheiro não confessar, ele

confessa do mesmo modo. Qual é o equilíbrio desse jogo? O equilíbrio é que ambos

confessem. Este resultado tem elementos importantes para análise da ética econômica.

Cada prisioneiro toma a melhor decisão individual, levando em consideração o que

outro poderá fazer. Verifica-se que o melhor mesmo para cada prisioneiro seria ganhar a

liberdade, mas este resultado implicaria trair o outro. O custo por ser traído é pegar 20

anos de prisão, no entanto o benefício em ser traidor é a primeira vista, vantajoso pois o

prisioneiro traidor pode ganhar a liberdade. Os pay offs que os prisioneiros se defrontam,

são baseados na maximização do seu auto-interesse. Neste caso, analisando as

possíveis decisões do outro, os prisioneiros concluem que, independentemente do que

faça o outro, a melhor decisão para cada indivíduo é confessar.

Existe uma sutil relação de empatia entre os prisioneiros, onde cada indivíduo se

coloca no lugar do outro. Neste caso a empatia é aparece num caso de prudência, pois se

o outro prisioneiro não é confiável é melhor confessar em qualquer situação.

Neste caso tem-se dois indivíduos A e B, onde 1a e 0a , representam

respectivamente a possibilidade de confissão e não confissão para o indivíduo A.

Similarmente para o indivíduo B, tem-se 1b e 0b , que representam a confissão e não

confissão, respectivamente. A ordenação das preferências para ambos os prisioneiros

são:

Jogador A Jogador B

01ba 10ba

00ba 00ba

11ba 11ba

10ba 01ba

Quadro 1 : Dilema dos Prisioneiros - PD: Preferências Fonte: adaptado a partir de Sen (1985, p.343)

43

Para A e B, respectivamente, 1a e 1b são estritamente estratégias dominantes,

sendo que este poderia ser o resultado final do jogo. Mas Sen (1985), por hipótese,

admite que ambos os prisioneiros preferem 00ba à 11ba . Os prisioneiros poderiam estar

numa situação melhor se houvesse um contrato mútuo de confissão de não confissão,

mas na ausência de algum contrato de coação, ambos os prisioneiros estariam numa

situação pior se optarem por uma estratégia estritamente individualista. Em outros termos,

pode-se dizer que tal estratégia representaria o equilíbrio de Nash, pois a ação orientada

somente pelo auto-interesse por parte de um prisioneiro, não representa o melhor

resultado para ambos, ou seja para o coletivo. Isto é perfeitamente racional. Então qual

seria o sentido de uma confissão racional para este caso? Sen (1985), argumenta que na

ausência de um contrato, nenhum prisioneiro pode influenciar a ação. No modelo

tradicional do Dilema dos Prisioneiros as ações dos outros não influenciam as decisões

do indivíduo. Se for levada em consideração a racionalidade individual, o resultado dessa

interação será coletivamente pior, porque ambos prisioneiros serão guiados pelo auto-

interesse e acabarão escolhendo 11ba à 00ba , de modo que poderão ganhar 10 anos em

vez de 2 anos de prisão.

Dado a descrição das preferências individuais e os prováveis resultados do jogo,

onde se enquadra a questão moral neste processo? Na verdade desde os tempos de

Platão, os pensadores vêm discutindo como se organizam as preferências, os desejos, as

crenças dos indivíduos em termos do processo de escolha racional. Neste contexto a

influência kantiana, torna-se importante para entender a relação entre a moral autônoma

da vontade (escolhas) como lei universal :

Por último, há um imperativo que, sem pôr como condição nenhum propósito a obter por meio de certa conduta determina essa conduta imediatamente. Tal imperativo é obrigatório. Não se refere à matéria da ação e ao que desta possa resultar, mas à forma e princípio onde ela resulta, consistindo o essencialmente bom da ação no ânimo que se nutre por ela, seja qual o êxito. Esse imperativo pode denominar-se: o da moralidade (...).O imperativo categórico é, pois único e é como segue: age só segundo uma máxima tal, que possas querer ao mesmo tempo que se torne uma lei universal (...). A universalidade da lei pela qual sucedem efeitos constitui o que se chama natureza no sentido mais amplo; isto é, a existência das coisa, enquanto determinadas por leis universais. Resulta daqui o imperativo universal do dever, pode formular-se assim: age como se a máxima de tua ação, torna-se por sua vontade, lei universal da natureza. (KANT, 1986, pp. 65;70-71).

44

O critério de moralidade apresentado por Kant (1986) para o processo de escolha

procura investigar se uma ação está capacitada para enquadra-se na forma da lei de

mnodforma universal. A norma moral universalizada significa em si mesma, o respeito à

pessoa humana como fim e não exclusivamente como meio. O imperativo categórico da

moralidade ao qual o filósofo se refere, está atrelado a três princípios: a universalidade da

lei, a dignidade do indivíduo e a autonomia da vontade.

Para Kant (1986), os seres humanos, ao contrário de outros animais, teriam a

capacidade de formar preferências a partir dos seus desejos e crenças. A regra moral

kantiana não é uma decisão exterior, provêm da consciência. Em outros termos, o

fundamento da razão da moralidade é regido pelo imperativo categórico, que representa

uma ação como objetivamente necessária, sem condições ou limites de regras externas

do que se deve fazer44. O indivíduo é autônomo e é governado por leis que impõe a si

mesmo, na forma de imperativos categóricos, ou seja, o indivíduo faz uma determinada

ação χ , independentemente dos seus desejos e crenças pessoais ou fatores externos.

Em síntese, para o filósofo a escolha moral racional deve ser livre de qualquer estado

psicológico tais como crenças e desejos.

Retornando ao Dilema dos Prisioneiros, a perspectiva kantiana parece pouco

aplicável ao modelo de escolhas, cujos economistas tem se dedicado a explicar o

comportamento. Com base nas preferências. Sen (1982) argumenta que de acordo com a

regra moral kantiana, certamente nenhum prisioneiro desejaria confessar, desde que 00ba

fosse superior a 11ba . Então a não confissão satisfaz a regra moral de Kant45, porque a

sua conduta não é determinada por fatores externos, crenças ou desejos e sim por sua

autonomia da vontade de fazer aquilo que julga que deve ser feito, independentemente do

que os outros façam. Nesta perspectiva Sen (1982) argumenta que a abordagem da

moral kantiana satisfaz também o Princípio de Equidade de Sidwick (1972): “Whatever

action any of us judges to be right for himself, he implicitly judges to be right for all similar person’s

in similar circumstances”. (SIDWICK46, 1972, apud SEN, 1982, p.78).

Do mesmo modo os conceitos de honestidade e justiça de Rawls (1967), não

fogem da estrutura kantiana. Para o autor, numa situação inicial dos prisioneiros, cada um

44 Para este caso, Kant (1986) afirma que as causas externas que moldam a conduta do indivíduo é denominada como imperativo hipotético. O indivíduo faz uma ação , não por iniciativa da própria vontade, mas por que existem fatores externos, como cultura, normas e costumes de uma sociedade que condicionam a sua ação. A sua ação é determinada por fatores externos e não provem de sua própria consciência. 45 Para mais informações acerca da razões da escolha moral ver:Kant, 1986, p.55-93 46 SIDWICK, H. The Method of Ethics. 7º ed. Londres: p.379, 1907

45

poderia optar por não confessar. Isto certamente melhora a posição pior de um indivíduo,

desde que melhore a situação de cada um. Portanto é possível derivar esta regra a partir

do Princípio de Pareto. (RAWLS47, 1967, apud SEN, 1982)

Sen (1982) procura investigar os princípios da moral a partir de outros autores, no

entanto é possível verificar a dificuldade que ele encontra em obter argumentos

consistentes a favor da confissão dos prisioneiros, que seria a ação mais honesta para

este caso. O autor traz a baila à dimensão do conflito existente entre a moral e os

modelos de racionalidade. Esta é a natureza do problema deste trabalho acerca da

análise econômica do comportamento não egoísta. Se for considerado que a conduta

altruísta está atrelada a princípios morais e éticos, como seria possível relacionar o

altruísmo como conduta moralmente racional?

No caso do Dilema dos prisioneiros, a busca pela ação moral considerando a

confissão dos indivíduos, deixando de lado a busca somente pelo auto-interesse, poderia

conduzi-los a um resultado coletivo melhor. Ou seja, o sacrifício de algum ganho

individual, partir da boa conduta (honestidade), resultaria em melhores resultados para

todos.

Sob esta perspectiva Sen (1982), reformula a apresentação do Dilema dos

Prisioneiros, considerando agora, a variação na ordenação de preferências e os aspectos

morais:

Jogador A Jogador B

00ba 00ba

01ba 10ba

11ba 11ba

10ba 01ba

Quadro 2: Dilema dos Prisioneiros - AG:Preferências Fonte: adaptado a partir de Sen (1985, p.350)

Neste caso cada prisioneiro poderia confessar se sentir que o outro faria o mesmo,

mas também poderia não confessar se o outro não confessasse. Note no Quadro 1, que a

primeira ordenação, para os indivíduos A e B, são 01ba e 10ba , respectivamente. A ação

individual não está atrelada ao comportamento dos outros. Já no Quadro 2, o Dilema dos

Prisioneiros tem dois pontos de equilíbrio para ambos os culpados, 00ba e 11ba , que são

47 RAWLS, J. A Theory of Justice. Oxford: Polity, 1972.

46

resultados que dependem de como cada prisioneiro espera que o outro se comporte. Esta

sutil diferenciação no modelo traz a variação nas ordenações e a introdução da

consideração do comportamento alheio sobre o processo de escolha individual. Sen

(1982) denomina este novo aspecto, como Jogo de Confiança (Assurance Game). O

Dilema dos Prisioneiros (Prisioner´s Dilema), em si, conforme apresentado no quadro 1,

não apresenta nenhum tipo de contrato mútuo de confissão, ou seja, os agentes são

guiados somente pelo seu auto-interesse sem levar em consideração as preferências dos

outros. No caso do Jogo de Confiança, cada prisioneiro faria a coisa certa se fosse

simplesmente assegurado que o outro fizesse o mesmo.

As preferências no Dilema dos Prisioneiros (quadro 1), e no Jogo de Confiança

(quadro 2) são denominadas como PD-preferências e AG-preferências, respectivamente.

A hipótese básica de Sen, de acordo com o quadro 2, é que os prisioneiros se

comportariam como se eles tivessem AG-preferências, estando seguros de um similar

bom comportamento entre si. Nisto o autor considera que ambos os prisioneiros estariam

numa situação melhor em relação à PD-preferências.

Do mesmo modo o elemento confiança, não muda o sentido das ordenações dos

prisioneiros, já que se admite por hipótese, um contrato mútuo entre eles. No quadro 3,

0a 0b são estratégias estritamente dominantes os indivíduos para A e B,

respectivamente.Isto é, se cada o individuo não levar em consideração as preferências do

outro, ou seja, agir independentemente do comportamento alheio. Além de AG e PD-

preferências, Sen (1982) elabora outro tipo de preferência denominada OR-preferências48,

significando que a tomada de decisão do indivíduo é baseada não só em suas

preferências, mas também a partir das dos outros. Isto fica claro quando ambos os

prisioneiros se comportam como se eles tivessem OR-preferências, podendo estar em

situação melhor se comparado com o que poderia acontecer se os indivíduos tivessem

PD-preferências.

48 Do inglês Other-Regarding Preferences . O autor não específica bem esta preferência, portanto acredita-se que este relacionada aos compromissos essencialmente genuínos. Por exemplo, se isto for aplicado a esteja trabalho acerca do altruísmo, PD-preferências pode representar o auto-interesse, AG-preferências o altruísmo recíproco(contrato mútuo), ou seja o individuo só realiza uma boa ação se em contrapartida receber algo em troca. OR-preferências pode representar o altruísmo genuíno, o individuo o faz sem esperar algo em beneficio para si mesmo. Sen (1982) nos dá somente insights de suas idéias, não apresentando algum modelo mais formal e prático de sua proposta. Este trabalho buscará na medida do possível, agregar a estes insights de Sen, outros modelos para explicar as razões para o altruísmo.

48

A partir dessas premissas, o fato de consideramos uma preferência do tipo OR,

eleva a problemática da introdução do bem estar alheio no processo de escolha

individual.

Sen (1982) identifica a preferência individual como bem estar individual, propondo

então o tratamento do bem-estar como uma representação numérica de preferência

revelada pela escolha individual. Ele sugere uma abordagem alternativa de meta-

ordenação ou meta-preferências (metaranking). No entanto o autor fornece mais detalhes

sobre esta abordagem, mas destaca que ela pode estar associada a uma ordenação das

alternativas de acordo com algum critério ético.

Considerando o Dilema dos Prisioneiros, pode-se dizer que AG-preferências é

moralmente superior a PD-preferências e OR preferências é superior a AG-preferências.

Dito de outra forma, significa dizer que se o indivíduo fizer várias ordenações das

alternativas disponíveis ele pode escolher a ordenação que for a mais moral:

To ilustre, consider a set x of alternative action combinations and the following three rankings of this action set x: ranking A, representing my personal welfare ordering (thus in some sense, representing my personal interests), ranking B reflecting my “isolated” personal interests ignoring sympathy (when such a separation is possible, wich is not always so), and ranking C in terms of wich actual choices are made by me. The most more moral ranking M can, conceivably, be any of these rankings A, B or C. Or else it can be some other ranking quite from all three. But even when some ranking M distinct from A, B, C is identified as being at the top of the moral table, that still leaves open the question as to hoe A, B and C may be ordered vis-à-vis each other. If, to take a particular example, it so happens that the pursuit of self-interest, including pleasure and pain from sympathy, is put morally above the pursuit of “isolated” self-interest, and the actual choices reflect a morally superior position to the pursuit of self-interest, then the morality in question precipitates meta-ranking M, C, A, B in descending order. This, of course, goes will beyond specifying that M is morally best. (SEN, 1982, pp. 100-101).

É importante considerar que a abordagem de meta-preferências enfrenta

dificuldades em termos de tratamento formal, mas permite a possibilidade de empregar

essa noção em diferentes contextos como um conjunto de prioridades políticas, sistemas

de classe e comportamento alternativos ao auto-interesse, como o altruísmo.

Neste contexto, Muramatsu (1999), utilizou o modelo lexicográfico de Moldau

(1985), para dar um tratamento mais formal à noção de meta-preferências de Sen (1982),

49

explicando as razões para o altruísmo genuíno como determinante ético e moral, que será

apresentado no decorrer deste trabalho.

A perspectiva de Sen (1982) deixa claro que dado a pluralidade de motivações que

conduzem a ação humana e escolha individual, uma única ordenação, a partir de uma

função utilidade, não é adequada para a base de escolha do indivíduo. Os tipos de

necessidades que motivam o processo decisório do individuo pode partir de necessidades

de satisfazer seu auto-interesse, de ganhar prestigio social, necessidades psicológicas e

até a necessidade de honrar compromissos ético e morais, sacrificando parte do seu

auto-interesse para satisfazer os interesses da comunidade, da família etc. Todas estas

alternativas podem ter varias ordenações, não estando restrita a uma única função

utilidade. Esta visão de racionalidade proposta por Sen (1982), pode-se questionar a

utilização do auto-interesse nos modelos econômicos de escolha a partir de vários

ângulos. Assim sendo a admissão do compromisso moral como parte do processo de

escolha pode ser um ponto de partida razoável para entende os motivos de uma

determinada ação ou escolha.

Enfim, neste capítulo foi investigado as alternativas teóricas ao comportamento

individual a fim de obter outros padrões de comportamento, que pudessem ampliar o

debate acerca dos processos decisórios dos agentes. Entre essas alternativas, entende-

se que o homem ético de Sen a partir da abordagem de meta-preferências é a versão

mais adequada para a análise econômica do altruísmo. No próximo capítulo será

abordado a lógica e as razões para esse tipo de comportamento, destacando as

contribuições da Filosofia Moral, Psicologia Experimental e Econômica, a fim de ampliar o

debate acerca do auto-interesse versus altruísmo.

50

3 A RACIONALIDADE ALTRUÍSTA: UM PANORAMA GERAL ACE RCA DO DEBATE

DO COMPORTAMENTO NÃO-EGOÍSTA

Este capítulo tem por objetivo sustentar a possibilidade de um tratamento racional

para a conduta altruísta, para tanto será apresentado o debate na filosofia moral,

psicologia experimental e econômica. Dito de outra forma, o capítulo procura apresentar

argumentos que permitem compreender a lógica da ação altruísta como conduta racional.

3.1 Racionalidade instrumental, compromissos morais e altruísmo

Nesta seção procura-se investigar as relações entre compromissos morais,

racionalidade instrumental e o altruísmo. No final do capítulo anterior, foi apresentada

uma visão panorâmica da abordagem de Sen (1982) acerca dos compromissos morais,

destacando a pluralidade de motivações que conduzem a ação humana.

As origens da lógica dos compromissos morais nunca deixaram de perturbar a

mente de filósofos, psicólogos e economistas. Considera-se que estes dois últimos são os

descendentes diretos dos filósofos morais. Nessa perspectiva, admite-se que a conduta

altruísta pode estar relacionada a algum tipo de compromisso moral ou ético e por isso

vale a pena citar o seguinte problema: “Será o compromisso moral um valor em si mesmo,

internalizado pelos agentes?”(MURAMATSU, 1999, p.8).

Ao investigar o altruísmo como parte da natureza humana, é comum tentar reduzir

o comportamento humano como essencialmente egoísta, altruísta ou hedonista, mas o

presente trabalho evita cair nesse debate. Seguindo a trajetória de Sen (1982), é

conveniente pensar que o comportamento humano é composto por uma diversidade de

motivações dificilmente isoláveis, como resultados de processos mentais que determinam

o processo de escolha dos agentes.

Retomando o arcabouço teórico das relações entre racionalidade, auto-interesse e

moralidade, vale apresentar a seguinte questão dada por Sen (1982), como ponto de

partida desta investigação: “Do you really want to convince us that the dictates of morality

are in all circumstances with those rational self-interest or not”. (SEN, 1982, p.74).

Os problemas levantados por Muramatsu e Sen, conduz à investigação do

comportamento humano de forma não reducionista em contraponto aos postulados

comportamentais da teoria neoclássica, que simplifica a conduta humana restrita somente

às ações auto-interessadas. Nessa perspectiva é mais factível pensar que as pessoas

51

altruístas ou egoístas, nem sempre terão a mesma conduta em toda ou qualquer situação

com a qual elas venham a se deparar, por conta da pluralidade de motivações que

determinam o processo decisório na escolha individual.

Para alguns autores, inclusive para os psicólogos contemporâneos, os

compromissos morais derivam de regras cognitivas adquiridas pelo senso de empatia e

simpatia49. É sob esta perspectiva, que admite-se que a conduta altruísta é derivada dos

sensos de empatia e simpatia. Do mesmo modo as questões relacionadas à ética e a

moral, representam o Bem Superior50, que garante a convivência social harmoniosa entre

os indivíduos. Nessa mesma linha de raciocínio a conduta altruísta pode ser admitida

como derivada tanto do senso de simpatia e empatia como do senso de moralidade e

ética, de modo que o indivíduo pode promover o bem-estar alheio, como forma de

garantia do bem estar pessoal51.

Por outro lado, Muramatsu (1999), recomenda relaxar tais hipóteses acerca da

conduta altruísta no que se refere a moral. Para a mesma, o bem moral e o altruísmo não

representam a mesma coisa. Para ilustrar tal distinção, buscou-se um exemplo recente

acerca dos conflitos do Oriente Médio, envolvendo Israel versus Líbano: um soldado

israelense que arrisca a sua vida pelo ideal nacionalista de honrar a ética e a glória do

seu povo israelense, pode ser considerado um indivíduo altruísta, pois promove o bem-

estar de sua etnia. Em nome dessa motivação altruísta, ele justifica o massacre de

crianças, adultos e famílias de origem libanesa. Nessa situação a conduta altruísta

promove o genocídio entre os povos de Israel versus Líbano, sendo, portanto uma

conduta moralmente condenável.

Nesse estágio do presente debate, vale citar algumas contribuições do filósofo e

economista David Hume, acerca da natureza humana para entender o comportamento de

um soldado israelense. Para o autor, o comportamento humano não pode ser admitido

pela ótica reducionista. A concepção huminiana nega o reducionismo comportamental que

admite o indivíduo como sendo egoísta/altruísta ou malevolente/benevolente. Os

indivíduos agem segundo o que acreditam ser de seu interesse, e tais interesses são em

49 Vale destacar os trabalhos na área de Psicologia Experimental de Darley & Latané (1986); Clark & Word (1972) e Piliavin (1981). Este debate acerca das relações de empatia e altruísmo, será retomado nas próximas seções. 50 Termo aristotélico que representa a felicidade, conforme apresentado no capítulo anterior. 51 Alguns autores, como Sen (1982), costumam diferenciar os conceitos de simpatia e empatia, conforme já foi citado anteriormente. Para simplificar a análise, este trabalho utiliza o termo simpatia e empatia como sinônimos, uma vez que os significados dos dois termos são indiferentes para a análise. Isto também vale para os conceitos de moralidade e ética, que podem ser entendidos como sinônimos.

52

grande medida, causados por uma pluralidade de motivações, inclusive motivações

imbuídas de paixões e crenças morais, culturais e religiosas.

Percebe-se que as considerações de Hume, remetem, novamente, aos traços

comportamentais do Homem Sub-Racional. Um soldado israelense dito altruísta, pode

não ter conhecimento de sua mente de forma que o seu auto-conhecimento e auto-

domínio são limitados. Em outros termos, a motivação altruísta desse soldado é

inteiramente sujeita aos mecanismos sub-racionais de fixação de crenças e paixões. O

soldado israelense altruísta justifica para si mesmo as idéias que comandam a suas

crenças, a partir de verdades soberanas. São diversos os casos deste tipo de conduta,

pode-se pensar nos homens bomba da Al qaeda, por exemplo. A propensão psicológica

(hábito mental) é dada pela convicção de estar certo, transformada num argumento de

verdade: “É melhor não meter na cabeça a idéia de contar a um apaixonado os defeitos

de sua amada, ou a um litigante a fragilidade de sua casa – ou de fazer um fanático ver a

razão”. (LOCKE52, 1975 apud GIANNETTI, 2003, p. 104)

Para Hume, entre o egoísmo e o altruísmo, estão as paixões humanas como amor,

ódio, raiva, inveja, orgulho, compaixão além de outros sentimentos que agitam a mente e

fazem parte da natureza humana:

Os homens têm temperamentos bem diferentes, alguns têm propensão para afetos mais ternos, outros para afetos mais ásperos; mas no essencial podemos afirmar que o homem, em geral, ou a natureza humana é apenas o objeto tanto do amor quanto do ódio, sendo preciso alguma causa que, por uma dupla relação de impressões e idéias, por exercitar essa paixões (...). Os homens naturalmente amam seus filhos mais que seus sobrinhos, seu primos mais que os estranhos, no caso em que toda as outras circunstâncias são iguais. É daí que surgem nossas regras comuns do dever, que nos fazem preferir uns aos outros. Nosso senso de dever segue sempre o curso usual e natural de nossas paixões. (HUME, 2001, pp.522-524).

Nests mesma linha de raciocínio huminiana, Holmes (1990), argumenta que as

paixões que envolvem o auto-interesse e altruísmo são impulsos para formação de

crenças religiosas, culturais entre outras coisas. Para o mesmo autor, o estudo das

paixões que justificam muitas das irracionalidades humanas é o caminho para entender

um determinado tipo de comportamento social.

52 LOCKE, J. (1975). An Essay Concerning Human Understanding. Ed. Nidditch. Oxford University Press, Oxford.

53

De uma forma geral, os filósofos éticos do século XVIII, que procuravam reconciliar

em suas obras, o altruísmo e egoísmo, admitiam um certo equilíbrio entre paixões que,

em princípio, poderiam conduzir o homem à direções conflitantes. De acordo com Bianchi

(1988), os filósofos éticos admitiam que as tendências naturais do indivíduo, estavam

propensas a contrabalancear-se mutuamente e assim impedir que a busca desenfreada

da felicidade individual prejudicasse as necessidades e desejos da sociedade.

Para Elster (1990), a natureza humana não deve ser reduzida ao egoísmo nem ao

altruísmo. O autor cita o caso da Revolução Chinesa que, em nome do “altruísmo

universal”, exigiu que os cidadãos chineses deveriam sacrificar o seu auto-interesse em

favorecimento de outros cidadãos. Nesse caso, o governo chinês assumiu que todos os

indivíduos são essencialmente auto-interessados. De acordo com o autor, realizar

políticas com base em universalismo comportamental é a mais pura parcimônia, por conta

da generalização da conduta humana. Em outros termos, o governo realiza políticas com

base na generalização do comportamento humano reducionista, o que é contraditório.

Do mesmo modo, Holmes (1990), afirma que a admissão de um comportamento

universalista com base na motivação humana é contraditória, uma vez que a ação

humana é resultado de uma variedade de motivações. Em nome desse universalismo

comportamental sistemas de governos foram implantados no decorrer da história da

humanidade e moralmente justificados.

Nesse contexto universalista, o nepotismo e o paternalismo são também

formas de altruísmo, capazes de conduzir a sociedade a uma trajetória redutora de bem-

estar. Segundo Muramatsu (1999), isso ocorre porque a benevolência voltada para

determinadas pessoas favorece uma parte em detrimento de todas as outras.

O economista Hahn (1979), vê com cautela o impacto do altruísmo sobre a

alocação eficiente de recursos na economia, isso porque, o altruísmo voltado para um

grupo especifico de pessoas pode prejudicar o bem geral. O altruísta anônimo tem

conhecimento limitado do resultado de sua ação sobre o comportamento dos

beneficiários, que pode ser aético.

A partir das considerações do parágrafo anterior, observa-se que há um retorno

aos traços comportamentais do Homem Contratual, cuja propensão ao oportunismo e

racionalidade limitada, também envolve as transações no âmbito altruísta. Muramatsu

(1999), cita alguns exemplos acerca dos efeitos problemáticos que envolvem o altruísmo:

Dar esmolas para as crianças que vivem nas ruas de qualquer cidade brasileira, pode representar um mecanismo de incentivo para que

55

provide such care. And still many do. Some contributors to charities give anonymously and hence cannot be motived by prestige. (ELSTER,1990, pp.44-45).

Numa linha de raciocínio análoga, o comportamento genuinamente altruísta pode

ser racional desde que se utilizem meios eficientes para satisfação do objetivo, que é o

bem-estar alheio. Note que o valor instrumental de racionalidade continua existindo, mas

agora sem levar em consideração o auto-interesse.

Empatia, senso de comunidade e moralidade são três fontes de altruísmo

definidas por Jencks (1990). A empatia trata-se da capacidade do indivíduo identificar

algumas pessoas e de incorporar seus interesses em sua função de bem-estar. O senso

de comunidade refere-se à identificação com um grupo maior pelo indivíduo, ou seja,

trata-se dos interesses coletivos no qual o indivíduo é parte integrante. A moralidade trata-

se da incorporação de normas éticas na função utilidade do indivíduo. Por fim, Jencks

(1990), define a conduta altruísta da seguinte forma: “I describe individuals as “unselfish”

(or “altruistic”) when they fell and act as if the long-term welfare of others in important

independent of its effects own welfare”. (Jencks, 1990, p.53).

Para Muramatsu (1999), quando se tenta associar a complexa relação entre

altruísmo e compromisso moral é bastante sugestivo recorrer ao escritos do filósofo

Platão que, desde os primórdios, buscou investigar o senso de justiça que permeia as

relações sociais.

O livro II da República de Platão, traz considerações importantes acerca do senso

de justiça. Dois companheiros de Sócrates, Adimanto e Glauco dialogam sobre a justiça

com o mesmo:“- Ó Sócrates , queres aparentar que nos persuadiste ou persuadir-nos de

verdade de toda a maneira é melhor ser justo do que injusto”.(A República, II ; 357a, trad.

Maria Helena da Rocha Pereira, sem data, p.53).

Os companheiros de Sócrates procuram investigar se a justiça seria um fim em si

mesmo, que foi a questão levantada no início dessa seção. De forma geral, todo o livro II

da República de Platão, insiste em saber a natureza da justiça e da injustiça.

Retornando ao diálogo, Glauco afirma que a sorte do injusto é superior à do

homem justo. Nesse caso, quando Glauco busca investigar a gênese do senso de justiça,

ele sugere que o homem apegou-se à justiça, não pelo fato dela ser um fim em si mesma,

mas porque a justiça seria uma via de conter o mal, ou seja, a justiça permite a boa

convivência social, impedindo a luta de todos contra todos (um mal necessário):

56

(...) afinal de contas, a vida do injusto é muito melhor do que a do justo no dizer deles. Porque a mim ó Sócrates não me parece desse modo (...). Dizem que uma injustiça é, por natureza um bem e sofrê-la um mal, mas que ser vítima de injustiça é um mal maior do que o bem que há em cometê-la (...). Daí se originou o estabelecimento de leis e convicções entre elas e a designação de legal e justo para as prescrições das leis. Tal seria a gênese e essência da justiça, que se situa a meio caminho entre o maior bem – não pagar a pena das injustiças – e o maior mal – ser incapaz de se vingar de uma injustiça”. (A República, II ; 358 a; 359 a; trad. Maria Helena da Rocha Pereira, sem data, pp.54-55).

Sócrates responde que a justiça é uma das coisas boas a serem perseguidas,

porque conduz a felicidade e talvez não um fim em si mesma. O que importa não é o valor

da justiça em si, mas suas conseqüências, pois ela promove um bem, ou seja, o senso de

justiça é uma virtude humana. Não contentes com a resposta de Sócrates, Glauco e seu

irmão Adimanto, questiona a posição socrática, utilizando a Fábula do Anel de Giges,

para apresentar que a injustiça impera sobre a justiça:

(Giges) era ele um pastor que servia em casa do que era então soberano da Lídia. Devido a uma grande tempestade e temor de terra, rasgou-se o solo e abriu-se uma fenda onde ele apascentava o rebanho. Admirado ao ver tal coisa, desceu por lá e contemplou, entre outras maravilhas que para aí, fantasiam, um cavalo de bronze, oco, com umas aberturas, espreitando através das quais viu lá dentro um cadáver, aparentemente maior que um homem, e que tinha mais nada senão um anel de ouro na mão. Arrancou-lhe o anel e saiu. Ora, como os pastores se tivessem reunidos, da maneira habitual, a fim de comunicarem ao rei, todos os meses, o que dizia respeito aos rebanhos, Giges foi lá também com o seu anel. Estando ele, pois, sentado no meio dos outros, deu por acaso uma volta no engaste53 do anel para dentro, em direção a parte interna da mão, e ao fazer isso, tornou-se invisível para os que estava ao lado, os quais falavam dele como se tivesse ido embora. Admirado, passou de novo a mão pelo anel e, virou para fora o engaste. Assim que o fez tornou-se visível. Tendo observado estes fatos, experimentou a ver o anel tinha aquele poder, e verificou que, se voltasse o engaste para dentro, se tornava invisível; se voltasse para fora, ficava visível. Assim senhor de si, logo fez com que fosse um dos delegados que iam junto ao rei. Uma vez lá chegado, seduziu a mulher do soberano, atacou-o e matou-o, e assim assenhoreou do poder54. (A República, II; 359d-360a; trad. Maria Helena da Rocha Pereira, sem data, pp.56-57).

Portanto, a partir da Fábula do Anel de Giges, Glauco conclui que se houvessem

dois anéis, se um fosse dado a um homem de boa índole e o outro ao homem de má

53 Engaste: guarnição de metal que segura a pedraria nas jóias. Ver Dicionário de Língua Portuguesa: HOLANDA, Aurélio, (1993). 54 Giges foi rei da Lídia de 687-651 a.C, depois de ter assassinado o monarca anterior, Candaules, e de ter desposado a viúva deste.

57

índole, não haveria ninguém para preservar a justiça. Muramatsu (1999), argumenta que

a posse do anel permite que a injustiça impere e para esse caso o custo da ação

moralmente orientada é muito alto.

Para esse caso, alguns autores afirmam que os julgamentos morais estão restritos

a algumas sanções externas (desaprovação social). Quando estas sanções deixam de

existir, não há sentido para a existência dos julgamentos morais. Dito de outra forma, os

indivíduos cumprem as normas morais, não porque elas tenham o valor em si mesma,

mas porque os indivíduos as temem55.

O compromisso e julgamento moral podem estar ligados à possibilidade do agente

auferir alguma recompensa interna (melhoria da auto-imagem), sendo capaz de motivá-lo,

e isto é dado como parte integrante do seu auto-interesse:

Meu caro amigo, de todos vós, que vos proclamais defensores da justiça, começando nos heróis de antanho, cujos discursos se conservaram, até aos contemporâneos, ninguém jamais censurou a injustiça ou louvou a justiça por outra razão que não fosse a reputação, honrarias, presentes delas derivados. (A República, II; 366e; trad. Maria Helena da Rocha Pereira, sem data, p.68).

Na área de metodologia da economia, o raciocínio tautológico dos postulados

comportamentais da teoria neoclássica, admite o conceito do auto-interesse esclarecido.

Se o indivíduo age de acordo com o senso de justiça e princípios éticos, não importa: tudo

faz parte do seu auto-interesse. Esses conceitos foram apresentados no capítulo anterior,

com a descrição dos traços comportamentais do Homem Econômico Racional. As

sanções externas e recompensas internas, sob esta ótica fazem parte do auto-interesse

individual. Sob essa perspectiva, Ghandi é tão auto-interessado quanto Dalai Lama, São

Francisco de Assis ou Madre Teresa de Calcutá. Nesse estágio do debate, não se deve

deixar de lado a defesa da tese do auto-interesse esclarecido que vem da Escola de

Chicago, com George Stigler. Numa de suas Conferências intituladas “Economia ou

Ética?” ele expressou que o mundo era composto por pessoas razoavelmente bem

informadas que agem de modo inteligente para realizar os seus interesses próprios.

Refutar essa teoria do auto-interesse esclarecido é tarefa impossível segundo o autor.

Para ele o comportamento maximizador é passível de experiência empírica,

previsível e imutável para qualquer indivíduo:

55 Ver Muramatsu (1999), p. 11.

58

As políticas sociais e as instituições, não o comportamento individual, são o objeto apropriado para a solicitação do economista-pregador. Isto decorre da lógica da teoria econômica: nós nos relacionamos com pessoas que maximizam sua função utilidade e seria inconsistente e inútil persuadir as pessoas a não agir desse modo. Se nós pudermos persuadir um monopolista a não maximizar seus lucros, então outros reformadores poderão persuadir os recursos a não se deslocar em direção ao uso que lhe garanta maior remuneração, e nossa teoria se tornaria irrelevante. (STIGLER56, 1986, apud SILVA FILHO, 2000, p. 167).

Quando Stigler confronta o auto-interesse e questões éticas, afirma que o auto-

interesse sempre prevalecerá e que as questões éticas fazem parte do comportamento

maximizador de utilidade do agente:

(...) Eu acredito que seja possível e mesmo que seja um problema científico ortodoxo determinar o conjunto de preceitos éticos do comportamento pessoal (teste)... poderia mostrar que o sistema ético está baseado no comportamento da utilidade.(STIGLER57, 1986, apud SILVA FILHO, 2000, p. 16).

Dadas as dificuldades em testar as hipóteses do auto-interesse esclarecido, o

próprio Stigler desafia os jovens doutorandos que façam o teste da invencibilidade da

teoria do auto-interesse esclarecido. De fato, é possível concordar em parte com os

argumentos de Stigler. Nesse trabalho não se busca tecer falsas ilusões quanto ao

comportamento altruísta, até porque é levado em consideração a predominância do auto-

interesse que faz parte da natureza humana. Mas, em contra-partida, as afirmações de

Stigler não parecem convencer, até porque este trabalho toma como ponto de partida que

o auto-interesse é uma das motivações da conduta humana entre outras diversas. A

generalização e reducionismo do comportamento humano ao auto-interesse, limitam o

poder explicativo da teoria econômica quanto a outros padrões de comportamentos não

fundamentado no auto-interesse.

Para Sen (1999), a posição de Stigler não é fundamentada por completo em

termos de prever tais ações humanas. Reforçando, o próprio Sen relata tal argumento

com detalhes a respeito da existência de outros padrões de comportamento

fundamentados na “Teoria dos Sentimentos Morais” de Smith.

Do mesmo modo, o senso de justiça ou engajamento moral não pode ser

explicado em termos do auto-interesse, por isso foi apresentado a Fábula do Anel de

56 STIGLER, George J. (1986). The Essence of Stigler.Ed. Kurt R. 57 Idem

59

Giges, para trazer ao debate esta questão. Admite-se que para Sócrates o senso de

justiça trata-se muito mais de uma virtude social, que um mero senso fruto do auto-

interesse.

Nessa mesma perspectiva o Pai do Liberalismo Econômico, ajuda a entender

melhor esta questão socrática em defesa da justiça. Smith sustenta que a partir dos

sentimentos humanos é que se derivam os sensos de justiça e por fim origina as regras

gerais da moralidade, que é uma virtude social:

Otros actos, por lo contrario, provocan nuestra aprobación, y de todos cuantos nos rodean oímo la miesma favorable opinón respecto a ellos. Todo el mundo deseoso de honrarlos y premiarlos. Estimulan todos aquellos sentimientos que por naturaleza más deseamos: el, amor, la gratidud, la admiración del prójimo (...). Así és como se forman las regras generales de la moralidad. Están em última instancia fundadas em la experiencia de lo que, en casos particulares, aprueban o repueban nuestras facultades Morales o nuestro sentido del mérito y de la convivencia. (SMITH, 1992, pp. 109-110)58.

A noção de j que a ustiça seja um mal necessário (ela evita a guerra de todos

contra todos), não é uma explicação suficiente para explicar a sua origem. A perspectiva

socrática e smithiana, o senso de justiça vai além de um mal necessário. O senso de

justiça é algo que envolve todas as virtudes sociais, considerando os sentimentos morais

e virtudes características dos seres humanos.

Muramatsu (1999), tece as seguintes considerações acerca das sanções externas

e ações genuinamente altruístas, apresentando questões típicas do cotidiano, para nossa

reflexão:

Não há dúvidas que as sanções e recompensas externas de fato influenciam o comportamento individual. Mas dizer que a mera existência das mesmas determinam o comportamento efetivo dos agentes é querer dar um passo maior que as pernas. Por que as pessoas não jogam papel no chão quando alguém está olhando para elas? Porque ocorrem doações anônimas para entidades filantrópicas? Qual a lógica da doação de órgão e de sangue para pessoas desconhecidas? Porque gastamos nosso tempo precioso e irreparável para ajudar um cego a atravessar a rua, que nunca retribuirá o favor? (MURAMATSU, 1999, p.13).

Essa problemática que autora coloca, nos leva a refletir sobre as relações entre

compromissos morais e altruísmo. A Fábula do Anel de Giges, permite entender a razão

58 Obra original editada em 1759

60

dos comportamentos voluntários conforme exposto na citação direta anterior. Do mesmo

modo alguém poderia argumentar que tais ações voluntárias são justificadas pelas

expectativas dos indivíduos ganharem alguma recompensa interna. Nisto retorna-se às

explicações dadas por Stigler acerca da teoria do auto-interesse esclarecido. Essa

pesquisa evita cair nesse dilema: se as ações altruístas genuínas podem ou não ser

derivadas de alguma recompensa interna, não corresponde à análise que será feita neste

trabalho.

Para o filósofo Schmidtz (1990), o fato de os indivíduos serem honestos e

comprometidos com uma comunidade que respeita, representa um fim em si mesmo. Os

indivíduos podem ter razões auto-interessadas para promover o bem-estar alheio. Alguns

economistas como Harsanyi (1982), Rabin (1995) e Hammond (1987), utilizam para esse

caso, o termo preferência moral, que dá a idéia de que os indivíduos aceitam as normas

éticas, com a pretensão de garantir a boa convivência e de maximizar os seus interesses

de longo prazo59. No entanto, segundo o filósofo Schmidtz (1990), quando as preferências

morais são internalizadas, elas se tornam autônomas e capazes de representar objetivos

para a tomada de decisão, ao contrário de serem simplesmente meios alternativos para

satisfazer o auto-interesse dos indivíduos.

Moral da história: a vontade de honrar compromissos morais pode ser autônoma,

de modo que o indivíduo pode tornar-se o melhor juiz de si mesmo, ciente dos resultados

relacionados ao curso de ação alternativos. Isso está em consonância com a proposta de

Sen acerca dos compromissos morais. Por isso, buscou-se investigar às questões mais

complexas ligadas ao senso de justiça, recompensas internas e sanções externas para

explicar que uma ação altruísta pode ser justificada pelo senso moral, pela autonomia e

racionalidade instrumental. A conduta altruísta pode ser justificada pelo senso moral e

autonomia da escolha, não condicionada a meros meios alternativos para satisfazer o

auto-interesse do agente e também pode ser justificada pela racionalidade instrumental,

na medida que leve em conta a utilização eficiente dos meios disponíveis para promoção

do bem-estar alheio. Portanto, essa é a principal evidência que o presente debate

procurou esclarecer, tornando assim o ponto de partida para análise econômica do

comportamento não egoísta.

59 Citado por Muramatsu, 1999, p. 13.

61

3.2 Psicologia da escolha e comportamento altruísta

Como mencionado anteriormente, o objetivo é fazer um exercício reflexivo acerca

da possibilidade do altruísmo enquanto escolha racional. A partir do debate anterior, é

possível afirmar que uma parte da resposta para o problema desse trabalho, tem a ver

com as razões morais que justificam o comportamento altruísta. Sanções externas e

recompensas internas podem explicar parte das razões para o altruísmo, mas como

mencionado a existência de uma pluralidade de motivações que competem entre si, o

processo de escolha individual não pode ser reduzido aos mecanismos de sanções e

recompensas.

Posto isto, nota-se que todo debate apresentado até esta seção, revela que a base

motivacional da teoria econômica é bastante restrita. A defesa da abordagem ética pode

ser considerada um ramo da Psicologia. Nessa perspectiva, procura-se apresentar alguns

aspectos acerca da constituição motivacional para a teoria da escolha, considerando o

contraste entre Economia e Psicologia. A incursão introdutória nesse debate, será o

suporte para a próxima seção, em que serão apresentadas as relações entre empatia e

altruísmo, a partir das contribuições da Psicologia Experimental.

As modernas disciplinas de Economia e Psicologia são descendentes diretas da

Filosofia. Como resultado da evolução científica, houve a separação dessas duas

ciências, sendo que cada qual constituiu os seus próprios métodos de investigação. No

entanto apesar de terem métodos distintos de metodologia, as duas ciências se cruzam

quando o assunto estudado refere-se a postulados comportamentais e processo de

escolha racional.

Hogarth & Reder (1987), consideram que para os economistas a definição de

racionalidade, envolvendo a escolha individual está restrita à maximização da função

utilidade definida como uso alternativo de recurso de acordo com a dotação inicial. Ou

seja, as quantidades de recursos são interpretadas como restrições sob possíveis

escolhas avaliadas na tomada de decisão. O comportamento racional é dado em um

determinado conjunto de quantidades de recursos, sujeito à restrição orçamentária, onde

o agente deve maximizar tais recursos a usos alternativos.

A teoria da escolha racional deixou de ser estudada somente pelos economistas,

tornando-se um tópico especial da Psicologia desde 1950, quando alguns psicólogos

62

inspirados nos modelos econômicos, iniciaram um vasto programa de pesquisa para

investigar a natureza da escolha humana60.

A diferença tênue entre economistas e psicólogos na explicação do processo de

escolha individual, é que os economistas explicam a escolha individual a partir da

apresentação de resultados, sob as hipóteses da escolha racional da teoria econômica

tradicional. Dito de outra forma, para os economistas a escolha é consistente se atender

aos padrões comportamentais da racionalidade, dados, mais precisamente, pela teoria

neoclássica. Para os psicólogos, o que importa na tomada de decisão do agente é o

processo pelo qual a escolha é realizada, ou seja, a motivação, a formação de crenças e

capacidade cognitiva que desencadeiam no curso do processo decisório individual

(HOGARTH & REDER, 1987).

Em termos metodológicos, os psicólogos não estão dentro de uma estrutura rígida

de racionalidade como os economistas. Os psicólogos, conseguem adaptar qualquer tipo

de anomalia comportamental em seus modelos no estudo da escolha individual. Os

economistas estão “presos” num conjunto de axiomas e postulados comportamentais que

dificultam a análise de comportamentos alternativos. Tudo que foge desse padrão de

escolha, conforme considerações de Sen (1999), é entendido como irracional. A incursão

pela análise do comportamento não-egoísta por exemplo é algo tido como irracional, pois

foge de tais postulados comportamentais. Verifica-se, portanto que tais postulados

reduzem o poder explicativo da teoria econômica acerca de outros tipos de

comportamento.

Para Simon (1987), a diferença na análise da escolha entre economistas e

psicólogos, está que, para os primeiros existe um tratamento uniforme para o

comportamento racional e para os segundos não há uniformidade comportamental, ou

seja, os psicólogos lidam tanto com a racionalidade quanto com a sub-racionalidade61:

In Economics, rationality is viewed in terms of choices it produces in the other social sciences; it is viewed in terms de process it employs. The rationality is substantive rationality, while the rationality of psychology is procedural rationality. (SIMON, 1987, p.26).

60 Vale citar o trabalho pioneiro de Edward (1954), que publicou um artigo dando certa relevância entre a Economia e Psicologia no processo de escolha individual: The Theory of Decision Making . 61 Sub-Racionalidade, não significa a irracionalidade em si, mas as mudanças inesperadas no curso da ação desejada. Envolve elementos como dissonância cognitiva e akrasia, conforme apresentado no capitulo anterior.

63

Simon (1987) explana que o tratamento de racionalidade da economia neoclássica

difere de outras ciências em três aspectos primordiais:

a) existência do silêncio acerca do conteúdo das preferências, objetivos e utilidades

dos agentes;

b) postulado global de consistência do comportamento;

c) postulado em que o comportamento objetivamente racional em relação ao

ambiente em que os agentes estão inseridos, sem levar em consideração

incertezas;

Em contraste à teoria econômica, Simon (1987), observa que em outras ciências

sociais o tratamento da escolha considera os seguintes aspectos:

a) buscam determinar empiricamente a natureza e as origens da utilidade e

preferências dos agentes e suas variações no decorrer do tempo, a partir do

processo de aprendizado social e individual;

b) buscam determinar os processos de aprendizado, social e individual, como

aspectos motivacionais para uma determinada ação;

c) procuram determinar as estratégias computacionais e o conteúdo das motivações

no curso da ação, considerando o processo das informações acerca dos

resultados da ação como limitada capacidade cognitiva dos agentes;

d) procuram descrever e explicar as formas dos processos sub-racionais

(motivações, formação de crenças e estímulos sensoriais), que influenciam o foco

de atenção e definição de uma situação do conjunto de fatos dados os processos

racionais.

O caminho que leva à ação racional, segundo Simon é descrito a partir do seguinte

esquema62: propósito ou motivação → escolha → ação. De acordo com esta seqüência

dada por Simon, a teoria econômica se atém somente ao resultado da escolha, sendo que

a motivação já é dada, pois é plenamente redutível ao auto-interesse. Para Simon (1987)

a Psicologia tem muito a contribuir com a Economia, com os seus métodos de

investigação, levando em consideração a racionalidade limitada e o estudo do conteúdo

das motivações humanas para tomada de decisão dos agentes.

O método experimental para Psicologia e Economia é defendido por Hogarth &

Reder (1987), como forma de capturar variáveis não econômicas para explicar a

62 Tal esquema foi retirado de Barros (2004).

64

validação das teorias no processo decisório dos agentes, sob o âmbito da consistência63.

Outros economistas como Prescott (1970), Lucas (1987) e Plott (1987), admitem que é

possível haver uma contribuição entre a Economia e Psicologia nessa área experimental,

principalmente no que se refere ao conteúdo da formação de expectativas dos agentes

quanto às variáveis econômicas e os seus impactos no processo de escolha racional.

Para Arrow (1987), o conceito de racionalidade não está somente restrito à Ciência

Econômica. O princípio de racionalidade e toda a discussão que existe em torno dela,

também é tema de estudos das outras ciências sociais e humanas, com concepções bem

diferentes entre si. Para o mesmo autor, os postulados comportamentais da teoria

econômica podem levar às conclusões contrárias em casos observados, quando, por

exemplo, são levados em consideração os limites da capacidade cognitiva dos agentes,

podendo haver inconsistência com os postulados econômicos.

O leitor deve notar que toda a discussão que está sendo levantada até este ponto do

trabalho, refere-se à questão de consistência interna da racionalidade de escolha

individual. Os economistas desde os primeiros anos da graduação, aprendem que os

indivíduos são suficientemente informados para fazer uma ordenação completa e

transitiva das alternativas existentes. O princípio de transitividade é primordial para a

escolha racional. Se o indivíduo se depara com três alternativas X , Y e Z , ele pode

fazer a ordenação ótima das mesmas. Assim fX Y , Y fZ , logo fX Z . Mas vale destacar

que nem sempre estes atributos da transitividade são consistentes.

Neuman (1965), cita um experimento de Kenneth May para demonstrar uma

situação em que o axioma de consistência da relação de preferência não é satisfeito64.

Suponha-se a existência de três maridos, dotados de algumas qualidades. O

primeiro ( X ) é inteligente, feio e mais ou menos rico. O segundo (Y ) é mais ou menos

inteligente, bonito e pobre. O terceiro ( Z ) é pouco inteligente, relativamente bonito e

muito rico. Neste experimento 62 universitárias americanas fizeram uma ordenação dos

maridos disponíveis. Quando se comparou a alternativa ( X ) com a (Y ), 39 alunas

63 Vale destacar alguns trabalhos na área da economia experimental, entre ele evidencia- se o brilhante trabalho de SILVA FILHO, Geraldo Andrade (2000): Auto-interesse versus Considerações Morais: Evidência da Economia Experimental. Também vale cita os avanços nesta área de pesquisa que teve a sua maior projeção com o Prêmio Nobel em Economia de Kahneman & Smith no ano de 2002. Esse processo tem sido gerado por pesquisadores em duas áreas: a de psicólogos cognitivos que têm estudado o julgamento humano e tomadas de decisões e a de economistas experimentais que têm testado modelos e postulados econômicos em laboratório. 64 Este experimento foi retirado do trabalho de Muramatsu (1999), p.18-19;

65

preferiram a primeira e 23 escolheram a segunda. Então fX Y . Quando foi compara as

alternativas (Y ) e ( Z ), 57 preferiram (Y ) e 5 escolheram ( Z ). logo Y fZ . Quando o

marido tipo( X ) é comparado com o tipo ( Z ), este ultimo é preferido (33 para Z e 29

para X ). Portanto temos que inicialmente X fY fZ ,mas como resultado final Z f X .

Isso resulta na violação do axioma da transitividade.

Alguém poderia dizer que para este caso as pessoas são irracionais, mas isso ocorre

não porque as pessoas sejam irracionais, mas porque a inconsistência pode ser explicada

porque cada marido foi observado como um conjunto de critérios. Quando isso ocorre, a

escolha é baseada em termos de cada um dos critérios existentes, que vai ao encontro

das idéias de Sen (1982), acerca das meta-preferências que foram apresentadas no

capítulo anterior.

Ainda assim, alguém poderia argumentar que a escolha é determinada somente pelo

critério prioritário, mas isso não parece convencer, porque no mundo real as escolhas não

são somente determinadas pelo critério prioritário. Suponha que Antônio (indivíduo

racional) acaba comprando uma televisão com “x” polegadas, com base no critério tela

tipo plasma da mesma. Isso porque após ter satisfeito os outros critérios mais importantes

(qualidade do motor, garantia, marca da televisão, estilo, conforto, imagem etc.), Antônio

se deparou com uma situação em que estava indeciso entre duas televisões, mas ao

considerar a bela cor cinza metálica, como um design arrojado do revestimento de uma

das televisões, ele consegue tomar a decisão.

De acordo com Elster (1979) a tomada de decisão com base em critérios pode ter a

sua formalização a partir da introdução das preferências lexicográficas. Do mesmo modo

a escolha eticamente motivada, envolvendo a conduta altruísta, pode utilizar o mesmo

arcabouço de preferências a partir da hierarquização das necessidades do agente65.

Vários estudos na área da psicologia econômica, demonstram as limitações do

conceito de racionalidade pela teoria da escolha tradicional66. Existem vários exemplos

acerca da violação dos axiomas da teoria econômica. Entre eles buscou-se um exemplo

bem sugestivo para ser apresentado, dado por Tversky & Kahneman (1986):

Problema 1 (N=183): Imagine que você decidiu assistir um filme no cinema cujo

ingresso custa R$ 10. Quando você entra no saguão do cinema, você descobre que

65 O assunto não será estendido, porque será apresentado posteriormente o arcabouço teórico e a noção geral acerca da formalização das preferências lexicográficas. 66 O leitor interessado poderá consultar: Elster (1987), Simon (1987), Schelling (1984), Tversky & Kahneman (1987), Hogarth & Reder (1987), MacFandyen (1986).

66

perdeu o dinheiro do ingresso. Você pagaria novamente R$ 10 pelo ingresso do cinema?

Dos indivíduos que compuseram este experimento 88% responderem “sim” e 12% “não”.

Problema 2 (N=200). Imagine que você decidiu assistir o filme e pagou R$ 10 pelo

ingresso. Suponha que no dia do filme, ao entrar no saguão do cinema você descobre

que perdeu o bilhete e o ingresso não pode ser mais recuperado. Você pagaria R$ 10 por

um novo bilhete? Dos indivíduos que compuseram este experimento 46% responderam

que “sim”e 54% “não”.

A proposta de Tversky e Kahneman (1987) é apresentar alguns problemas de

inconsistência na escolha. De acordo com o postulado de racionalidade, as escolhas dos

indivíduos devem ser internamente consistentes. Dessa maneira, o agente racional

responderia positivamente (ou negativamente) às duas questões colocadas

anteriormente, pelo fato que a des(utilidade) marginal é igual nas duas situações, pois

perder um nota de R$10 é o mesmo que perder um ingresso que custa R$ 10. Segundo

os autores, entender a psicologia da escolha é importante para análise econômica na

tomada de decisão. A consistência é somente um aspecto da noção de comportamento

racional, que deixa de atender os critérios de racionalidade, conforme os experimentos

apresentados.

Posta esta discussão dos conflitos existentes acerca da racionalidade, tal debate

abre espaço para a análise do comportamento altruísta que pode ser admitido como

racional. O leitor deve notar, que os debates colocados nesse trabalho são apenas

insights, que permitem gradualmente distanciar-se dos postulados comportamentais da

teoria econômica tradicional, dando liberdade para analisar a conduta altruísta sob outras

perspectivas que também são econômicas. Atribuir o conceito de racionalidade como

maximização do auto-interesse é algo que não parece convencer. Então até aqui, tem-se

três aspectos importantes para a condução do nosso trabalho:

a) baseados na psicologia econômica, entender o conteúdo dos gostos e

preferências se torna importante para o processo decisório do agente. O

comportamento altruísta, pode ser analisado a partir das emoções, e estímulos

psicológicos que conduzem a sua ação. Nessa perspectiva, considerar as

relações entre empatia, como uma das motivações que conduzem a motivação

altruísta e os seus resultados é factível sob o ponto de vista da psicologia

econômica; delinear-se-á tais relações na próxima seção;

b) um processo de escolha que fuja da visão unidimensional da função utilidade

também é factível para a análise do comportamento não-egoísta. O altruísta

67

pode fazer as suas escolhas baseadas em critérios que podem ser pessoal,

social ou ético, sendo que o bem-estar alheio pode ser um critério prioritário.

Em outros termos, se o indivíduo altruísta faz suas escolhas mediantes

critérios, não significa que o mesmo seja irracional. É esta a discussão que foi

apresentada nesta seção e que se procurou retratar de forma genérica. Tal

idéia será formalizada no último capítulo deste trabalho;

c) O altruísmo pode ser explicado pela perspectiva da preferência moral

autônoma para tomada de decisão a fim de honrar compromissos éticos e

morais. O valor instrumental e racional prevalecem para este tipo de conduta,

desde que o indivíduo altruísta leve em conta a utilização eficiente dos meios

disponíveis para promover o bem-estar alheio, conforme apresentado na seção

anterior.

Tendo como base os trabalhos da psicologia econômica, apresentar-se-á na

próxima seção as relações empíricas e conceituais entre empatia e altruísmo. Nessa

perspectiva, pode-se entender que a empatia corresponde ao estado emociona e surge

da condição ou estado emocional de outro indivíduo e seus efeitos para a ação altruísta.

A busca por tecer tais considerações pode auxiliar no melhor entendimento da lógica da

ação altruísta, sendo a base para a compreensão dos modelos econômicos que serão

apresentados no decorrer desse trabalho.

3.3 Altruísmo e empatia: relações empíricas e conce ituais

O conceito de empatia está intrinsecamente relacionado à ação altruísta. Para

evitar interpretações deturpadas acerca desse conceito, considera-se uma definição geral,

comumente utilizada pela psicologia tradicional. A empatia, de acordo com a definição

geral, refere-se a um estado emocional que surge da preocupação da condição ou estado

emocional de uma outra pessoa, ou seja, a tendência de sentir o que uma pessoa sentiria,

se estivesse numa mesma situação por outra pessoa.

Segundo o pai do liberalismo econômico, a conduta humana pode ser unificada

pela simpatia. É a partir dela que os indivíduos adotam critérios quanto à conduta moral.

Neste contexto, Smith tece as seguintes considerações acerca da natureza humana:

68

Por más egoísta que quiera suponerse al hombre, evidentemente hay algunos elementos en su naturaleza que lo hacen interesarse en la suerte de los otros de tal modo, que la felicidad de esto le es necesaria, aunque de ello nada obtenga, a no ser el placer de presenciarla. De esta naturaleza es la lástima o compasión, emoción que experimentamos ante la miseria ajena, ya sea cuando la vemos cuando se nos obliga, a imaginarla de modo particularmente vívido. El que con frecuencia el dolor ajeno nos haga padecer, es un hecho demasiado obvio que no requiere comprobación; porque este sentimiento, al igual que todas las demás pasiones de la naturaleza humana, en modo alguno se limita a los virtuosos y humanos, aunque posiblemente sean esto que lo experimenten con la más exquisita sensibilidad. (SMITH, 1992, p. 31).

Para Smith, a empatia conduz o indivíduo a colocar-se no lugar do outro, de modo

que tais sentimentos que desencadeiam no curso da ação, tornam-se um critério de

escolha:

Como no tenemos la experiencia inmediata de lo que otros hombre sienten, solamente nos es posible hacernos cargo del modo en que están afectados, concibiendo lo que nosotros sentiríamos en una situación semejante (…). Por medio de la imaginación nos ponemos en el lugar del otro, concebimos estar sufriendo los mismos tormentos, entramos, como quien dice, en su cuerpo, y, en cierta medida, nos convertimos en una misma persona, de allí nos formamos una idea de sus sensaciones, y aun sentimos algo que, si bien en menor grado, nos el del todo desemejante a ella. (SMITH, 1992, p. 32).

Para Khalil (1997), ao considerar a abordagem smithiana, existe uma identificação

errônea na literatura ao considerar o termo da empatia ao altruísmo e auto-interesse ao

egoísmo. Para o autor a visão smithiana acerca da empatia é restrita aos julgamentos

morais: “(...) Sympathy is identified only with judgment. This reading the door for a

functionalist interpretation of Smith’s theory conduct sympathy since it is a criterion of

approbation consistent since they are a function of social need”. (KHALIL,1997, p. 256).

Então, se a simpatia (empatia) está relacionada aos sentimentos e julgamentos

morais, quando um indivíduo se empenha a examinar a própria conduta, conclui-se que

tal indivíduo se “divide” em duas pessoas: uma pessoa que é o juiz examinador da sua

própria conduta e a outra pessoa em que a conduta é julgada. Portanto, na visão de

Khalill (1997), ao considerar o bem-estar alheio, esta ação pode ser um relevante critério

de escolha para o juiz que existe “dentro” do indivíduo, com a sua observação imparcial.

Nessa mesma linha de raciocínio, a empatia não pode ser reduzida somente ao

caso do altruísmo, porque abrange tantos outros sentimentos morais como critério de

aprovação de conduta. Ela é um elemento importante para a conduta altruísta. Isto

significa dizer que a empatia é um estado emocional que precede a ação altruísta, não

69

desconsiderando que ela tenha as suas influências sobre outros tipos de comportamentos

e julgamentos morais.

Para Boulding (1962), a filantropia genuína com base no senso da empatia, faz

com que o indivíduo se coloque no lugar dos outros, alegrando-se e entristecendo-se com

a felicidade e dores alheias, respectivamente, como se fossem dele próprio. Para o autor

isto é a base e a fonte para a doação genuína67.

A base neurológica e cognitiva para empatia foi pesquisada desde 1958 por

MacLean68. De acordo com o autor as emoções são processadas pelo hipotálamo e

córtex frontal do sistema límbico cerebral, que por sua vez é divido em duas partes: uma

relacionada aos sentimentos e emoções e a outra à autopreservação. Tais mecanismos

cognitivos conduziram os homens à sociabilidade e a preservação da espécie na sua

evolução, sendo a empatia um fator determinante para este processo.

Existem diversas pesquisas acerca da empatia e altruísmo que poderiam ser

citadas nesse trabalho. Selecionou-se algumas que se julgam ser as mais importantes.

Experimentos realizados por Hoffman (1981), que procurou identificar evidências de

empatia em crianças de 1 a 2 anos. O foco da pesquisa, partiu de simulações sonoras,

em que procurou-se investigar porque as crianças nessa faixa etária choram ao ouvir

outras crianças chorando. O autor concluiu que crianças nesta faixa etária são capazes

de sentir emoções alheias (amadurecimento empático) e dado que elas não podem ajudar

as outras crianças que estão chorando, elas expressam sentimentos e emoções fazendo

a mesma coisa. Hoffman (1981) prossegue afirmando que as crianças que se predispõem

em ajudar outras a partir do choro, é muito mais uma questão de auto-alívio do que

altruísmo genuíno69.

Nests mesma linha de raciocínio de Hoffman (1981) outros autores entendem o

comportamento empático como egoísmo disfarçado70. Em outros termos, a necessidade

67 Citado por Muramatsu, 1999, p. 20. 68 Ver Hoffman (1981), p. 129. 69 Outros experimentos com crianças buscaram identificar as relações entre empatia e altruísmo. Nancy & Miller (1987), simulou situações em slides, contos e filmes para crianças de faixas etárias diferentes e identificou a partir de diversas expressões, inclusive a facial a relação existente entre altruísmo e empatia. Em geral as crianças se emocionaram com a simulação e depois se predispunham a ajudar o indivíduo em situação desfavorável. Vale citar que tal experimento foi baseado em simulações, mas o importante aqui é ressaltar a vontade de crianças em ajudar alguém em situações menos favorecida. Tal programa de pesquisa, envolveu cientistas de diversas áreas. No artigo dos autores, não ficou claro onde ocorreu o experimento. 70 Entre alguns autores, vale a consultar: Piliavin, 1972.

70

dos indivíduos ajudarem outrem é uma forma de reduzir o seu desconforto empático,

amenizando a própria dor e aliviando a sua própria consciência71.

Essa linha de argumentação é convincente, porque o desconforto empático possui

elementos que marcam a motivação altruísta. O desconforto empático é provocado pela

felicidade alheia e não apenas pelo mal-estar sentido pelo indivíduo, que se coloca no

lugar do outro. A ação pode ter como objetivo prioritário ajudar os outros, não apenas

satisfazendo o auto-interesse pessoal. Nesse contexto Muramatsu (1999), argumenta que

o potencial de gratificação dominada por recompensas internas ou psíquicas, depende do

sucesso de amenizar a dificuldade enfrentada pelo outro.

Neste mundo que estabelece as relações entre empatia e altruísmo é importante

distinguir as relações entre intenções e resultados. Ests trabalho se restringe aos

resultados da ação altruísta, motivada pelo bem-estar alheio, não se aprofundando nos

elementos que marcam a intencionalidade da ação.

De acordo com Hoffman (1981), a psicologia tradicional sustenta que a ajuda é

uma resposta instrumental, que reflete um motivo egoísta. Isto pode ser verdade em

alguns aspectos. O autor cita como exemplo, que em algumas circunstanciais, o que leva

a pessoa a ajudar as outras é o desejo de ganhar prestigio social ou sinalizar a renda, ou

seja, é uma forma de auto-recompensa (self-reward)72.

Darley & Latané (1968), demonstram a partir de evidências empíricas o contrário

de Hoffman (1981). Em seus experimentos os autores concluem que é mais provável que

um indivíduo ajude o outro quando não há ninguém por perto. Inspirados na violência

urbana de Nova York, os autores procuram investigar a velocidade de socorro a algum

indivíduo em perigo73. Neste experimento, os participantes ouviram através de fone de

ouvido os sons de alguém sofrendo um ataque epilético. A tabela a seguir sintetiza os

resultados do experimento.

71 Ver Hoffman, 133-134. 72 Será apresentado um modelo econômico que abrange esse tipo comportamento – doação como sinalização e obtenção de prestigio social. 73 Dado a violência urbana em Nova York, muito autores da época (anos 60 e 70) apontavam para a decadência moral ou desumanizarão característicos no meio urbano (apatia). Em contraponto a tais argumentos Darley e Latané (1968), procuraram demonstrar as razões para empatia e se de fato ela se comprova em situações de emergência e perigo.

71

Tabela 1: Efeitos dos Grupos sobre a Probabilidade e Velocidade de Socorro

Tamanho do Grupo N % de indivíduos que prestaram

socorro

Tempo em

Segundos 2 (sujeito e vítima) 13 85 0.87 3 (sujeito, vítima e 1 expectador)

26 62 0,72

6 (sujeito, vítima e 4 expectadores)

13 31 0.51

Fonte: adaptado a partir de Darley & Latané (1968), p. 380

72

numa situação em que ele está sozinho é maior do que se estivessem com outros

expectadores. Talvez uma das razões para isto é que o indivíduo deva esperar a reação

de outros expectadores ao seu redor para tomar a decisão74.

Os experimentos de Piliavin (1972), procurou identificar as reações para ajuda,

direta e indireta, de um transeunte em caso de emergência, ensangüentado. O estudo

apontou que os homens estão mais propensos a socorrer do que as mulheres. Os

homens tendem à ajuda direta e as mulheres à indireta. No caso da ajuda indireta,

envolve a chamada de ambulância, polícia etc., nesse caso o impacto emocional e o

cálculo cognitivo dos custos e recompensas são primordiais para ação altruísta.

Por outro lado, Batson (1981) observou um tipo de reação emocional egoísta em

situações de emergência. O autor argumenta que o objetivo do altruísta é reduzir o

sofrimento do outro, sendo assim ele tem um custo de não ajudar o outro e um ganho

mínimo de decidir não ajudar. Nessa perspectiva, Batson (1981), sintetiza o processo

psicológico que conduz o indivíduo a ajudar o outro75:

a) o indivíduo precisa perceber a necessidade do outro;

b) para ajudar o indivíduo, deve colocar-se no lugar do agente que precisa de ajuda;

c) para que a ajuda seja altruísta, é necessária a existência de algum vínculo entre

doador e beneficiário;

d) o individuo tem que vivenciar a ação empática;

As considerações de Baston (1981), dizem que a ação de ajudar pode ser

simultaneamente motivada por razões altruístas e egoístas. No entanto boa parte dos

estudos da Psicologia Experimental apontam que as motivações altruístas (bem-estar

alheio) representam um critério mais importante do que a egoísta.

Para Eisenberg & Miller (1987), existem outros fatores motivacionais que

precedem à ação altruísta do que a empatia. Como explicar a ação de pessoas que

realizam doações anônimas às entidades filantrópicas de forma voluntária? Como explicar

tais ações sendo que os doadores não têm nenhum contato “empático” com os

recebedores? Talvez uma resposta para tais questões esteja na internalização de valores

morais, que será apresentada na seção seguinte.

74 Para mais detalhes ver: Clark & Word (1968). 75 Tais considerações foram retiradas de Muramatsu (1999).

73

Em concordância com Hoffman (1981), as relações entre empatia e altruísmo

constituem um caso ainda não resolvido pela ciência, portanto tal assunto não será

estendido neste trabalho. A contribuição desse debate, com os resultados descritos, teve

a intencionalidade de apenas apresentar a empatia como fator psicológico que precede a

ação altruísta, auxiliando a melhor compreensão do nosso tema.

3.4 Internalização de normas e comportamento altru ísta: um breve comentário

Conforme apresentado, alguns aspectos da ação altruísta, como empatia e

compromissos morais, colocam em xeque a teoria do auto-interesse. Compreender

porque os agentes incorrem em custos de reduzir o seu conjunto de possibilidade de

escolha, em nome do bem-estar alheio, não parece ser tarefa simples. Procura-se aqui,

discorrer ainda que brevemente, acerca de internalização de normas e sua complexa

relação com o altruísmo.

Agentes fazem doações anônimas para entidade filantrópicas. Gastam parte do

seu tempo, que é precioso, em serviços voluntários nessas instituições. Ajudam pessoas

deficientes ao se locomover, seja para atravessar a rua ou para entrar num veículo

coletivo. Deixam gorjetas em restaurantes, onde não voltam mais. Ajudam amigos ou

estranhos que às vezes nunca retribuirão o favor76. Tais comportamentos observados na

vida cotidiana, levam a acreditar que o altruísmo genuíno faz parte também da natureza

humana. Explicar tais ações com base na aprovação da auto-imagem ou prestígio social,

não parece convincente, pois em algum aspecto tais ações estão condicionadas ao

compromisso moral como forma de internalização.

Para Frank (1990), certas emoções – raiva, desprezo, desgosto, inveja, ganância,

vergonha e culpa - são sentimentos morais conforme descrito por Smith. Do mesmo

modo a caridade, generosidade e empatia são sentimentos morais que competem entre si

no cálculo racional. O indivíduo que deixa uma gorjeta para o garçom, trava uma relação

entre o senso de justiça (bom serviço prestado) e sentimento de empatia.

O cálculo racional está relacionado aos sentimentos morais, que são

internalizados pelos agentes. Krebs (1982), afirma que a interação entre as informações

76 São exemplos citados por alguns autores, como Frank (1990) e Muramatsu (1999).

74

do ambiente externo e o processamento de informação interna do indivíduo é o que dá a

origem do comportamento:

Internalization is the key to moral development. Inasmuch as a person does the right thing in order to obtain a reward or avoid punishment (in response to external contingencies), his or behavior is not generally considered moral. It is when people resist temptation even though they do not expect to be rewarded or punished that we commonly consider their behavior to fall within the moral domain based as it on the notion that external events determine behavior, behaviorist theory faces a particular perplexing problem is explaining why people behave morally. (KREBS, 1982, pp. 456-57).

A questão de internalização de normas e compromissos morais para o

comportamento altruísta, segundo Krebs (1982), pode estar relacionada ao forte desejo

de evitar os sentimentos de culpa como resultado do comportamento egoísta. Conforme

explanado nas seções anteriores, a conduta altruísta pode estar condicionada a sanções

internas. Então, se forem levados em consideração os argumentos de Krebs (1982), o

sentimento de culpa pode ser uma expressão de tais sanções, que representa um alto

custo psíquico do agente se caso não agir altruisticamente. Reduzir o comportamento

altruísta ao sentimento de culpa, talvez não seja uma explicação louvável, dado a mistura

de impulsos dependentes entre si determinantes para conduta humana, conforme

abordagem smithiana.

De acordo com Simon (1980), o hábito é uma forma de internalização, pois ele é

utilizado pelo agente para economizar a sua escassa capacidade cognitiva, como forma

de aprendizado social e individual. Já Thaler (1987), argumenta que a capacidade do

agente é importante para a psicologia da escolha econômica, uma vez que o processo de

aprendizado, a partir de rotinas, é internalizado pelos agentes.

De um modo geral, seguindo a trilha de Muramatsu (1999), esse trabalho tem

adotado a visão internalista. Os internalistas adotam um conjunto de motivações para a

compreensão do comportamento humano. A proposta dos internalistas é que o indivíduo

não pode adotar sinceramente uma proposta ética sem ter uma motivação que a

justifique, ou melhor, condizente com mesma. Existem mecanismos psíquicos que ajudam

a executar as regras ou padrão de conduta.

De acordo com a visão internalista de Nagel (1970), os agentes podem ser

altruístas porque eles possuem uma concepção self consistente com ação motivada pelo

bem-estar alheio. Para Collard (1978) o comportamento altruísta em grandes

comunidades depende necessariamente do senso de dever e justiça, que são

75

internalizados. Preferências (resultantes da empatia) e os princípios éticos são

complementares77.

Para Muramatsu (1999), defender a idéia de racionalidade altruísta não significa

desconsiderar a importância dos conflitos de interesse. A autora sugere que a

maximização é restrita por um senso de compromisso moral e valores de justiça. Esse

trabalho trata somente de um tipo de comportamento e seus resultados para a teoria

econômica, restrito às questões metodológicas. Mas vale a pena citar que existe um

grande interesse pelos cientistas sociais acerca das conseqüências econômicas e sociais

resultantes do agente que se depara com dilemas morais. No caso desse trabalho,

procura-se evidenciar que o bem-estar individual pode entrar em conflito com o bem-

estar alheio, se o objetivo de promover o bem-estar alheio for prioritário. A questão da

cooperação e o bem-estar social não dependem somente das sanções criadas pelas

instituições, mas depende também da intensidade de simpatia e do senso de obrigação

moral internalizado nos agentes de uma dada sociedade.

De certa forma, compromissos morais, internalização de normas, empatia,

racionalidade instrumental, autonomia da escolha e senso de dever, foram termos

utilizados exaustivamente até esse ponto do trabalho, que ofereceram importantes

indícios de que o processo de escolha está sujeito ao cálculo cognitivo dos custos e

benefícios de promover os objetivos conflitantes do agente. E por conta disso, justifica-se

a incursão pela filosofia moral e psicologia para entender a lógica da racionalidade

altruísta.

A racionalidade altruísta também envolve o sacrifico pessoal78. Porque é mais

comum o indivíduo ajudar parentes próximos que pessoas estranhas? Porque uma mãe

seria capaz de arriscar a sua própria vida para salvar o seu filho numa situação de

perigo? O indivíduo que se predispõe a arriscar a sua vida para salvar o outro pode refletir

um comportamento irracional? Para responder tais questões, adentra-se numa outra área

da ciência que ajudará a entender a lógica da ação altruísta para o sacrifico pessoal e a

sua influência na construção dos modelos econômicos acerca deste comportamento.

Explanar-se-á tais questões no próximo capítulo.

77 apud Muramatsu (1999), p. 30. 78 Vale ressaltar que o altruísmo não é sinônimo de sacrifício pessoal, nos termos em que o indivíduo arrisca a sua vida para salvar o outro.

76

4 RACIONALIDADE ALTRUÍSTA SOB A PERSPECTIVA EVOLUC IONÁRIA: A CONTRIBUIÇÃO DA SOCIOBIOLOGIA AO DEBATE

Dado o debate panorâmico acerca da racionalidade altruísta do capítulo anterior,

investiga-se, a partir de então, a lógica da ação altruísta sob a perspectiva biológica.

Alguns índicos dessa lógica já foram apresentados, por meio da contribuição da filosofia

moral e psicologia experimental.

Na literatura a respeito da Economia do Altruísmo é consenso a contribuição da

biologia ao debate foi de fundamental importância na influência de economistas na análise

da racionalidade do comportamento não-egoísta79:

This will be argued on grounds drawn from evolutionary biology and, in particular, from the surrounding “altruism” that are so focal sociobiology. A growing number of economists are participating in a potential integration of economics and evolutionary theory. From participants in this conference this includes, at least, Simon (1973, 1983), Becker (1976), Nelson & Winter (1982), and Lucas (1987). Among our no present colleagues participating Hirshleifer (1977, 1978) and Samuelson (1983). (CAMPELL, 1987, p.171).

A partir das argumentações de Campell (1987), entende-se que a incursão desse

trabalho pela biologia para entender a lógica da ação altruísta está justificada. Nas

próximas seções, apresentar-se-á a contribuição dessa ciência e o debate existente

acerca do assunto.

4.1 A lógica da ação altruísta sob a perspectiva da Sociobiologia

79 Ver coletânea de artigos em: Zamagni, 1995, pp. XV-XXII;

77

Procurar investigar a lógica da ação altruísta, sem levar em consideração as

contribuições da biologia, seria uma tarefa incompleta, como muito bem salienta

Muramatsu (1999). Como os biólogos explicam o comportamento altruísta? Como o

economista pode incorporar a sua análise de modelos de escolha racional agregando a

lógica da ação altruísta admitida pelo biólogo? Será apresentado que a investigação da

conduta altruísta tem inspirado tanto economistas quanto biólogos e outros cientistas

sociais a buscarem respostas para esta questão.

De uma maneira geral, do ponto de vista biológico o altruísmo refere-se a todo

comportamento de um animal que favorece outro animal em detrimento de seu próprio

benefício. Dito de outra forma, um indivíduo é considerado altruísta, quando beneficia

outros indivíduos, levando em consideração o custo e beneficio para si mesmo. Nesse

caso os custos e benefícios são mensurados em termos de probabilidades de

sobrevivência e reprodução do seu próprio genes80 (reproductive fitness) ou expectativa

de aumento do número de sua descendência (OKASHA, 2003).

A explicação das origens do altruísmo, sempre foi uma pauta fascinante no

programa de pesquisa dos adeptos da teoria evolucionista de Darwin. Os evolucionistas

se interessam pelo assunt,o não somente pelas contribuições do altruísmo no mundo

animal, mas porque para eles o comportamento altruísta é de difícil explicação pela

abordagem darwinista. A abordagem da Biologia Evolucionária para o comportamento

altruísta é um ponto secundário nesse trabalho. É proposto, antes de entrar no tema

propriamente dito, esclarecer ao leitor não familiarizado com o assunto algumas

considerações acerca da Teoria Evolucionista que condicionarão posteriormente o

programa de pesquisa dos sociobiólogos.

A Biologia Evolucionária tem como ponto primordial, em seu programa de

pesquisa, o princípio de seleção natural, elaborado pelo Pai da Origem das Espécies81

que esclarece este princípio da seguinte forma:

80 O gene corresponde a uma unidade genética material, composto por uma seqüência de nuclóides, que promove uma função unidade específica para um organismo. Em outros termos o gene é admitido como uma unidade de conveniência, um pedaço de cromossomo, caracterizado pelos critérios de fecundidade, longevidade e fidelidade da cópia. Os genes ficam situados dentro do núcleo das células (nuclóides) em fitas chamadas cromossomos. Assim toda célula tem genes, que em nível molecular são identificados como desoxiribonucleico (DNA), que interagem para formar as características físicas dos organismos. Ver: Ruse, 1983, p.15; Strickberger, p. 520 e Dawkins, 2001, pp. 216-217. 81 Obra editada originalmente em 1859.

78

Mas, se as variações úteis a um ser organizado qualquer se apresentam algumas vezes, seguramente, os indivíduos que disso são o objeto têm mais probabilidade de vencer na luta pela sobrevivência pois em virtude do princípio tão poderoso da hereditariedade, estes indivíduos legam aos descendentes o mesmo caráter inato neles. Dei o nome de seleção natural a este princípio de conservação ou de persistência do mais capaz. Este princípio conduz ao aperfeiçoamento de cada criatura em relação às condições orgânicas e inorgânicas da sua existência, e portanto na maior parte dos casos, ao que podemos considerar como um progresso de organização. (DARWIN, 1977, pp.124-125).

A Biologia Evolucionária, trata da evolução genética de populações e a principal

contribuição de Darwin para essa área da ciência foi a elaboração do princípio da seleção

natural. Desse modo, na história da evolução, os organismos nascem, vivem e morrem de

forma que os seus genes estarão presentes nas gerações futuras. Para que isso ocorra é

necessário que se reproduzam de modo a serem os mais capazes de lutar pela

sobrevivência e garantir a reprodução (RUSE, 1983).

A principal doutrina seguida pelos evolucionistas modernos é a de que tudo o que

acontece em larga escala, considerando longos períodos de tempo, não passa de uma

soma de fatos que ocorrem em pequena escala. Em outros termos, a teoria moderna da

genética de populações admite que a mutação, transmissão e seleção de genes fornece

os mecanismos da contínua evolução das espécies. Com esses argumentos, os

evolucionistas podem permear em determinadas áreas da investigação biológica e outras

tantas ciências que são de seu interesse82.

A partir dos pressupostos da teoria evolucionista, chega-se ao ponto primordial do

surgimento da Sociobiologia, que se apresenta como uma sub-área da teoria

evolucionista. O objetivo dos sociobiólogos é adaptar o estudo do comportamento social

animal como sub-disciplina da Biologia da Genética das Populações no campo da

evolução. O entomologista83 Edward. O . Wilson, da Universidade de Havard, publicou em

junho de 1975, o livro intitulado Sociobiology: New Synthesis, que declara abertamente as

suas intenções:

This book is condensation of Sociobiology: The synthesis, which made an attempt to codify Sociobiology into branch of Evolutionary Biology a particularly of modern population biology. I believe that the subject concept to be ranked as coordinate with such disciplines as molecular biology and developmental biology. (WILSON, 1980, p.4).

82 O leitor interessado em mais detalhes acerca da Teoria Evolucionista, poderá consultar: Simpson (1953), Dobzhansky (1970) e Maynard Smith (1975). 83 Entomologista é o profissional do ramo da Zoologia que estuda os insetos.

79

Em princípio, as inovações propostas pelos sociobiólogos, em seu programa de

pesquisa, trataram de um caminho já aberto por outros. De acordo com Ruse (1983), os

sociobiólogos pretendem ser evolucionistas ortodoxos, porque seguem a linha de Darwin,

que também pretendia explicar o comportamento social animal em termos da evolução

conduzida pela seleção natural.

Nessa perspectiva Wilson (1980), tece algumas considerações acerca da essência

da Sociobiologia:

Sociobiology is defined as the systematic study of biological basis of all social behavior. For the present it focuses on animal societies, their population structure, castes and communication, together with all of the physiology underling the social adaptations. (WILSON, 1980, p.4).

No início de sua obra, o autor vai mais adiante, visualizando as contribuições

importantes da Sociologia num futuro que ele julga próximo, para o desenvolvimento das

ciências sociais84.

But the discipline (Sociobiology) is also concerned which the social behavior of early man adaptative features of organization in the more primitive contempory human societies (....). It may not be too much to say that Sociobiology and other social sciences, as well as the humanities, are the last branches of biology waiting to be included in the Modern Synthesis. One of the function of Sociobiology then is to reformulate the foundations of the social sciences in a way that draws these subjects into the Modern Synthesis. Whether the Social Sciences can be truly biologic zed in this fashion remains to be seen. (WILSON, 1980, p. 4).

Dado o delineamento acerca da Teoria Evolucionista e o enquadramento da

Sociobiologia como ramificação dessa teoria, retorna-se, então, ao assunto (altruísmo).

Conforme já dito, explicar as origens do altruísmo nunca deixou de preocupar os

84

80

evolucionistas. É nesse contexto que o altruísmo se destaca como problema central da

Sociobiologia:

This brings us to the central theorical problem of Sociobiology: How can altruism, which by definition reduces personal fitness, possibility evolve by natural selection? The answer is kinship: if the genes causing the altruism are shared by two organisms because of common descent, and if the altruistic act by one organism increases the joint contribution of the next generation, the propensity to altruism will spread thought the gene pool85. This occurs even though the altruist makes less of a solitary contribution to gene pool as the price of its altruistic act. (WILSON, 1980, p. 3).

O altruísmo é o problema central da Sociobiologia, no entanto, a lógica da ação

altruística para a sociobiologia é aparente. Segundo Dawkins (2001), o ato aparentemente

altruísta é aquele que parece, superficialmente, aumentar a probabilidade do altruísta

morrer e do favorecido sobreviver. Sendo assim, o altruísmo beneficia aos interesses

reprodutivos de quem o pratica. Isso pressupõe que os genes do indivíduo possam

provocar o altruísmo nele mesmo.

Por enquanto, o leitor pode ser tentado a pensar que o comportamento altruísta

exige o egoísmo, mas, por outro lado, pode-se perguntar como a seleção natural

proposta pelo Pai da Origem das Espécies poderia explicar a interação entre indivíduos

egoístas e altruístas no processo evolucionário? Será que o comportamento

genuinamente altruísta e a cooperação entre indivíduos poderiam existir num processo de

seleção natural?

Tentar-se-á investigar estas interrogações nas próximas seções. Serão

apresentados os tipos existentes de altruísmo na perspectiva da Sociobiologia e o debate

existente acerca da evolução deste comportamento entre os adeptos da seleção

individual e seleção de grupo.

4.2 A lógica da conduta altruísta sob os mecanismos da seleção de parentesco e altruísmo recíproco

85 Não se encontrou uma tradução literal do termo gene pool, para a língua portuguesa. Recorremos, então, ao glossário de biologia (em inglês), cujo significado do termo refere-se a todos os genes presentes numa população, durante um dada geração ou período de tempo.Ver: Strickberger, 1989, p.521.

81

De acordo com Humphrey (1997), o comportamento altruísta que é geralmente

assumido nas Ciências Biológicas tem dois principais tipos diferentes:

a) O primeiro tipo de altruísmo foi explicado teoricamente por William Hamilton

(1963), que apresentou como um gene que predispõe em auxiliar seus parentes (prole)

podendo prosperar uma determinada população. Em outros termos, a teoria de Hamilton

(1963), prevê a relação genética parental entre dois indivíduos, no qual apresenta o custo

do doador em relação ao benefício do recebedor da ajuda, multiplicado pelo grau de

parentesco.

b) O segundo tipo de altruísmo foi apresentado por Robert Trivers (1971),

denominado como altruísmo recíproco. Nesse caso, o altruísmo não está limitado

somente pela relação parental, mas envolve as relações sociais de uma forma geral,

sendo que o custo do doador e o benefício do receptor da ajuda é mensurado como

relação de troca e expectativa futura de retribuição de favores.

Nesse contexto, é importante esclarecer que o altruísmo foi um assunto tratado

exaustivamente por outros autores dessa ciência desde os seus primórdios. No entanto,

as contribuições de Hamilton (1963) e de Trivers (1971), deram novos contornos ao

comportamento altruísta, sendo portanto, sintetizadas por Wilson em 1975, com a

publicação do livro Sociobiology: New Synthesis.

O altruísmo por seleção de parentes (kin selection) proposto por Hamilton (1963)

refere-se ao grau de parentesco. De acordo com Ruse (2001), o indivíduo compartilha

alguns genes com outras pessoas e, por isso, os tais genes são selecionados por sua

capacidade de produzir características que vão garantir sua duplicação. É de interesse

reprodutivo do indivíduo, fazer com que essas pessoas com quem ele compartilha os

seus genes possam se reproduzir, por que, de alguma forma, estarão fazendo cópias dos

seus próprios genes.

Em outros termos, vale a pena para o indivíduo ser altruísta com seus parentes

porque assim ele transmitirá cópias de seus próprios genes. Disso surge a teoria de

aptidão inclusiva (inclusive fitness), proposta por Hamilton em 1964, que é a aptidão

inerente ao indivíduo, com a influência dessa mesma aptidão sobre a de parentes que

não sejam seus descendentes diretos. Como por exemplo, primos, sobrinhos, netos etc.

É possível quantificar a probabilidade de uma cópia de um gene particular dos

indivíduos reprodutores (pais) em sua descendência. De acordo com Krebs (1993), cada

indivíduo reprodutor (pais originais) contribuem exatamente com 50% dos seus genes

para a sua descendência. Este tipo de cálculo é denominado pelos biólogos como

82

coeficiente médio de relacionamento dos parentes beneficiados ( r ), em que o cálculo de

r é dado pela seguinte fórmula:

r = Σ(0,5) L

onde: L = gerações Assim, o grau de parentesco pode ser sintetizado a partir da seguinte tabela:

Tabela 2: Grau de Parentesco R Descendentes

diretos Descendentes

indiretos

0,5 prole Totalmente irmãos

0,25 Netos Metade irmãos,

sobrinhos

0,125 Bisnetos Primos Fonte: Krebs, 1993, p. 268

A condição para que ocorra o altruísmo por seleção parental pode ser sintetizada

pelo seguinte exemplo: imagine uma interação entre um indivíduo altruísta (doador) e um

recebedor na qual os custos e benefícios dessa interação podem ser calculados em

termos de chances de sobrevivência do doador e recebedor. Se o doador tem um custo

(C ) e o recebedor um benefício ( B ) então o resultado da ação altruísta, pode ser

expressa a partir da seguinte equação, conhecida como regra de Hamilton:

rC

B 1> , ou alternativamente, a ação altruísta só ocorre se 0>− CrB

A regra de Hamilton diz o quanto uma ação altruísta poderá ser favorecida pela

seleção de parentes. Se o benefício para o parente, multiplicado pela probabilidade de

que o gene seja compartilhado, exceder o custo para o indivíduo, esse gene se propagará

na população (genes pool). Para melhor entender essa regra, imagine um extremo

exemplo de altruísmo, em que o gene que programa um indivíduo para morrer no

salvamento de seus parentes. Uma cópia do gene poderia ser perdida numa população

por conta da morte do altruísta, mas o gene poderia se elevar na freqüência do gene pool

83

se, na média, o altruísmo agir salvando a vida de dois irmãos ou irmãs ( r = 0,5), ou 4

sobrinhos ou sobrinhas ( r = 0,025) ou 8 primos ( r =0,125). Por essa regra ajudar dois

irmãos equivale ajudar 8 primos, pois iguala a totalidade de genes do indivíduo:

Hamilton desenvolveu e formalizou uma idéia que fora acalentada também por vários outros biólogos e que se tornou mais célebre com o do biólogo J. B. Haldane: quando lhe perguntaram se ele daria sua vida por um irmão, Haldane respondeu: Não. Mas daria por dois irmãos ou oito primos. (PINKER, 1998, p. 421).

No mundo animal, os exemplos são os mais diversos de auto-sacrifício para

conservação da espécie. De acordo com Ruse (1983), o altruísmo por seleção parental se

apresenta de forma mais consistente nos insetos sociais, especialmente as formigas,

abelhas e vespas. No caso das abelhas, em geral as fêmeas, são estéreis e são escravas

que se dedicam o tempo todo a atacar os predadores que se aproximam do ninho, e se

dedicam a proteger a rainha, que tem como principal função fecundar os ovos e proteger

seus irmãos e irmãs. Segundo Dawkins (2001), o comportamento de aferroar das abelhas

operárias trata-se de um ato de suicídio. Durante o ato de picar, órgãos retais são

geralmente arrancados do corpo e a abelha morre em seguida. Talvez seja por isso que

os sociobiólogos voltem toda sua atenção para essa área da seleção de parentes. É

importante ressaltar que existe uma gama de outros exemplos e debates intensos acerca

do comportamento social animal.

No caso dos seres humanos, o tema principal é o do auto-interesse na reprodução.

Para a sociobiologia as estratégias de maximizar os genes nas futuras gerações estão

presentes, conscientemente ou não, nas ações humanas.

De acordo com Ruse (1983), o altruísmo de seleção de parentesco ocorre via

manipulação parental86. A conduta altruísta dos filhos pode beneficiar mais os pais do que

eles próprios. Quando um indivíduo ajuda um primo de primeiro grau está ajudando um

indivíduo que é 12,5% aparentado a ele, dito de outra forma está ajudando um individuo

que é 25% aparentado com seu pai ou mãe. De acordo com o autor, é bem possível que

seja de interesse dos pais induzirem os filhos ao altruísmo.

86 A teoria da manipulação parental foi proposta por Alexander em 1974. Supõe-se a existência de alguma forma de altruísmo que poderá evoluir da seleção, sendo do interesse do indivíduo ajudar seus parentes mais próximos. É do interesse dos pais do indivíduo que ele se torne altruísta, sendo uma forma de manipulação, para garantir a sobrevivência no gene no âmbito parental.No reino animal, por exemplo, a abelha rainha manipula suas operarias estéreis por meios químicos, fazendo-as cuidar de sua própria prole.

85

conclusão é de que, se ambos indivíduos não sabem a estratégia do outro, a melhor

estratégia é cooperar.

O problema é que enquanto um indivíduo pode se beneficiar da cooperação mútua,

ele pode desempenhar-se igualmente melhor, com bravura para a cooperação de outros.

De acordo com Okasha (2003), Hamilton e Axelrod apresentaram em 1981, a

importância desse tipo de estratégia til for tat, admitindo nesse tipo de estratégia duas

regras básicas: (i) no primeiro encontro ocorre à cooperação (ii) nos encontros seguintes

o oponente não leva em consideração o encontro anterior, de modo que não coopera. Se

todos os indivíduos da população adotarem essa estratégia (til for tat) então não haverá

estratégia alternativa porque todos não irão cooperar, surgindo o termo denominado por

Maynard Smith (1982) de Estratégia Evolutivamente Estáveis89.

O resultado para a evolução do altruísmo recíproco é relevante. A cooperação no

arcabouço do dilema dos prisioneiros corresponde ao comportamento altruísta e não

cooperação corresponde ao auto-interesse. De acordo com Axerold e Hamilton (1981)90, o

objetivo é apresentar intuitivamente resultados em que se entende que o comportamento

altruísta pode ser seletivamente vantajoso para um organismo, caso exista a expectativa

de retorno para o futuro. Ao longo do tempo, os indivíduos interagem e são capazes de

ajustar o seu comportamento de acordo com que os outros indivíduos fizeram no

passado, podendo haver o altruísmo recíproco.

A evolução do altruísmo recíproco é aparente, porque a seleção natural

desenvolveu o empenho do altruísmo recíproco, tanto em pequenos grupos, quanto em

grandes como desenvolvimento da agressão moralista que está relacionado ao

comportamento dos indivíduos que não cooperam (punishment). De modo que, o mesmo

processo de seleção permite também o incentivo a trapacear, nesse caso o

comportamento egoísta se disfarça em altruísmo recíproco, para evitar punições e

retaliações. Em síntese:

Dessa forma as emoções que compõem o senso moral podem evoluir quando os indivíduos interagem repetidamente, podendo recompensar a cooperação, presente com a futura e punindo a traição hoje com a traição de amanhã. (MURAMATSU, 1999, p.39).

89 Do inglês: ESS - Evolutionaliry Stable Strategy. A idéia acerca deste tipo de estratégia ficará mais clara na seção seguinte, em que será apresentada a perspectiva da evolução do altruísmo por seleção individual e seleção de grupo. 90 Apud Okasha, 2003: Axerold, R., Hamilton, W.D., 1981. The evolution of cooperation. Science 211, 1390-1396.

86

No reino animal os exemplos acerca do altruísmo recíproco são os mais diversos.

Dawkins(2001), discute o exemplo dos camundongos que, mantidos em isolamento,

tendem a desenvolver feridas numa parte da cabeça que não podem alcançar. De acordo

com os estudos do autor, se os camundongos fossem mantidos em grupos não teriam

problemas graves, porque os indivíduos costumam lamber suas cabeças mutuamente.

Trivers (1971), cita, por exemplo, o caso dos peixes limpadores. Membros de certas

espécies de peixes pequenos, como camarões, tem o hábito de retirar parasitas de peixes

maiores de outras espécies. Os peixes maiores se beneficiam ao serem limpos e os

limpadores por sua vez obtém uma boa refeição. Em muitos casos, conforme afirma

Dawkins (2001), os peixes grandes abrem suas bocarras para que os limpadores possam

limpar seus dentes e em seguida saem nadando através das brânquias. Poderia se

esperar que o peixe grande permitisse que os limpadores entrassem em sua bocarra,

fizessem a limpeza e por fim os devorassem, mas isso não acontece, e talvez seja um

caso de altruísmo recíproco, entre tantos outros casos no reino animal.

No contexto humano, Trivers (1971), afirma que as sociedades humanas tendem a

se comportarem altruísticamente:

Não existe prova direta com referência ao grau de altruísmo recíproco praticado durante a evolução do homem ou da sua base genética atual, mas em vista da prática universal e quase diária do altruísmo recíproco entre esses seres humanos, no dia de hoje, é razoável supor que ele tem sido um fato importante na evolução humana, e que as tendências subjacentes que afetam o comportamento altruístico tenham componentes genéticos ponderáveis. (TRIVERS91, 1971, p. 48 apud RUSE, 1983, p. 48).

De acordo com Ruse (1983), a partir da teoria do altruísmo recíproco, Trivers (1971),

pôde tirar algumas conclusões sobre a psicologia humana, entre elas destacam-se:

a) Não se deve esperar que os indivíduos sejam totalmente altruístas, porque sempre

haverá indivíduos dispostos a agir oportunamente para trapacear92.

b) Os indivíduos, por hipótese em condições normais, sejam mais generosos com os

amigos do que com os desconhecidos. Em outros termos as pessoas tendem a

ajudar quem as ajudam e são menos inclinadas a ajudar quem não as ajudam.

91 Trivers, R. L. (1971) The evolution of reciprocal altruism. Quarterly Review of Biology, 46, 35-57 92 Essa conclusão de Trivers (1971), remete à discussão acerca do comportamento a-ético do Homem Contratual. De fato, através desse debate pode-se investigar como a ética poderia influenciar as relações sociais.

88

poderia constituir a base das relações sociais, como a amizade e disputa, gratuidade e

simpatia, lealdade e traição, confiabilidade, antipatia, vingança, confiança, desonestidade

e hipocrisia. Assim para Pianka (1999), que compartilha das idéias de Trivers (1971), o

altruísmo recíproco poderia, atualmente, ser a base principal para a formação do nosso

senso de justiça.

Em economia, existem alguns trabalhos de base empí

89

As duas primeiras abordagens já foram discutidas na seção anterior, restando

apenas fazer o delineamento sobre a teoria do gene egoísta de Dawkins (1976). De

acordo com esta teoria, os indivíduos são controlados pelos genes, cujo interesse é de se

replicar, de forma que os indivíduos são programados geneticamente para serem

egoístas:

(...) somos máquinas criadas por nossos genes. Assim como gangsters de Chicago96, nossos genes sobreviveram, em alguns casos por milhões de anos, em um mundo altamente competitivo. Isto nos permite esperar certas qualidades em nossos genes. Sustentarei que uma qualidade predominantes a ser esperado em um gene bem sucedido é o egoísmo implacável. Este egoísmo do gene originara no comportamento individual(...). Por isso mais que desejamos acreditar diferentemente, o amor e o bem-estar universais da espécie como um todo, são conceitos que simplesmente não tem sentido na evolução.(DAWKINS, 2001, p. 22).

O autor estende a discussão da teoria do gene egoísta, afirmando que tal teoria

não pretende definir uma moralidade baseada na evolução de modo a tecer

considerações de como o ser humano deva se comportar moralmente, mas pretende

dizer que realmente ele é baseado na evolução. Com isso, o autor admite que o

comportamento humano é essencialmente egoísta:

Fique advertido que se você desejar, como eu desejo, construir uma sociedade na qual os indivíduos cooperam generosamente e desinteressadamente para o bem comum, você poderá esperar pouca ajuda da natureza biológica. Tentamos ensinar generosidade e altruísmo, porque nascemos egoístas. (DAWKINS, 2001, p.23).

Para Dawkins (2001), não interessa, para sua teoria, porque as pessoas se

comportam altruísticamente, se o fazem por motivos egoístas ou inconscientes. A base de

sua teoria é apenas relacionar os mecanismos de diminuição ou aumento de

sobrevivência do suposto altruísta e as expectativas de sobreviver do suposto receptor

(beneficiado).

Mas, se para Dawkins (2001), o gene é essencialmente egoísta, haveria

possibilidade da evolução do altruísmo numa determinada sociedade? Dito de outra

96 Dawkins (2001), refere-se hipoteticamente aos bem sucedidos gangsters de Chicago para descrever as qualidades como resistência, habilidades (dedo rápido no gatilho), sobre as condições de sobrevivência, auto-preservação e ambiente competitivo vividos por estes bandidos.

90

forma, pelo processo de seleção natural como a teoria do gene egoísta entenderia a

evolução do comportamento altruísta?

Na procura de recortes aqui e acolá, encontra-se um exemplo bastante sugestivo

de Dawkins (2001), que, mesmo sendo hipotético, esclarece estas questões. Imagine uma

espécie de ave que seja vítima de um parasita transmissor de doenças e que precise

passar boa parte do seu tempo removendo o parasita com o bico de seu corpo. A ave não

consegue remover com o bico o parasita que se instala em sua cabeça. Então tem-se que

o indivíduo A retira o parasita da cabeça do indivíduo B. Depois Dawkins (2001), sugere

que o indivíduo A tem um parasita na cabeça e, naturalmente procura o indivíduo B, para

que possa retribuir a sua ação anterior. Indivíduo B, simplesmente não retribui e vai

embora. Portanto, Dawkins (2001), diz que o individuo B é um trapaceiro e o indivíduo A é

um tolo. Então, nesse mundo evolucionista, se têm duas estratégias: primeiro agir

altruísticamente e segundo agir egoisticamente trapaceando os altruístas. Os tolos

(altruístas) penteiam a cabeça de qualquer um que necessite e os trapaceiros não

penteiam ninguém e ainda aceitam o altruísmo dos tolos.

O resultado é positivo para um tolo entre os tolos, pois todos se beneficiam. Se

houver um trapaceiro nessa população, ele se beneficiará porque é penteado por todos os

tolos. O gene egoísta do trapaceiro poderá se difundir na população e o gene dos tolos

podem se extinguir. Dawkins (2001), diz que se houver uma população de 50% de tolos e

50% de trapaceiros, o resultado, em termos de bem-estar, é menor do que se houvesse

uma população de 100% tolos. Se houver um aumento de 90% de tolos nesta população

de trapaceiros, o resultado médio será mais baixo, pois animais de ambos os tipos,

estariam morrendo por conta das infecções dos parasitas. Neste contexto os tolos seriam

eliminados mais rapidamente do que os trapaceiros.

Por esse exemplo inicial de Dawkins (2001), conclui-se que o altruísmo da forma

genuína, não poderia existir e se tornaria uma ameaça para extinção de uma população.

Nesse caso, prevalece então a replicação do genes egoísta.

Com base nesse exemplo, Dawkins (2001), sugere de que nessa sociedade,

também haja indivíduos denominados “rancorosos”. Esses indivíduos penteiam estranhos

e aqueles que já o pentearam antes, mas se houver algum trapaceiro, eles lembram-se do

incidente e se recusam a pentear esses indivíduos no futuro. Nessa sociedade é

indistinguível reconhecer os tolos dos rancorosos, mas ambos os tipos se comportam

altruísticamente, conduzindo um bem-estar alto para esta população. No entanto, se

houvesse um único indivíduo rancoroso numa população de trapaceiros, este indivíduo

91

não sobreviveria. Se caso houvesse um aumento da replicação dos genes rancoroso a

população como um todo poderia se estabilizar.

A partir desse exemplo de Dawkins (2001), alguns pontos levantados na seção

anterior se tornam mais claros. O comportamento rancoroso, trata-se da prática do

altruísmo recíproco, que se apresenta como Estratégia Evolutivamente Estável (EEE),

que agora faz sentindo por conta dos seguintes resultados apresentado nesse exemplo

hipotético:

a) inicialmente ocorre a queda dramática da população de tolos, levando a sua

eliminação total à medida que os trapaceiros os exploram;

b) os trapaceiros experimentam uma explosão populacional crescente, por conta

da replicação dos seus genes, mas depois terão que se haver com os indivíduos

rancorosos;

c) durante a extinção dos tolos, os rancorosos também apresentam declínio

inicialmente, por conta da presença prejudicial dos trapaceiros, mas mesmo assim os

indivíduos rancorosos conseguem se manter;

d) os rancorosos começam a aumentar na medida em que os trapaceiros vão

sendo eliminados de modo que estes tendem a se extinguir. Com isso, a população se

estabiliza evolutivamente, não havendo mais tolos e trapaceiros.

No mundo de Dawkins (2001), não haveria espaço então para o altruísmo genuíno

(tolos), porque paradoxalmente o seu altruísmo, transformar-se-ia em risco para a

população. Eles seriam responsáveis inicialmente pelo avanço do número de trapaceiros.

Então, para o autor, só haveria espaço para a evolução do altruísmo recíproco (egoísmo

disfarçado), que se enquadra perfeitamente na teoria do gene egoísta, porque o gene é

egoísta e se replica sempre, não havendo espaço para o altruísmo puro.

Apesar da teoria de Dawkins, ter o seu valor explicativo bastante relevante,

existem críticas a ela. Wilson e Sober (1998), a criticam porque essa teoria admite uma

idéia antiga e ultrapassada de ver os organismos como unidades estáveis, proprietários

de uma composição genética imutável, replicada a seus descendentes.

Muramatsu (1999), afirma que, atualmente, já se sabe que um genótipo bem

simples é um agrupamento de genes, com aptidões relativas diferentes. A própria autora,

comenta que a controvérsia principal à teoria do gene egoísta refere-se sobre quem é, de

fato, a unidade de seleção – o indivíduo ou o gene.

92

Nesse ponto do debate, no que se refere à unidade de seleção, existe uma ampla

discussão, mas será evitado um prolongamento nessa análise técnica devido à pouca

familiaridade com o assunto.

Quanto às críticas que interessam à teoria do gene egoísta, encontra-se algumas

considerações relevantes, realizadas pelo cientista cognitivo Steven Pinker (1998). Nesse

estágio do tema - altruísmo – é comum encontrar as contribuições das Ciências

Cognitivas ou Psicologia Evolucionária ao debate97:

Para Pinker (1998), a mente é adaptação desenvolvida pela seleção natural, mas

isso não quer dizer que tudo o que o indivíduo pensa, sente e faz é biologicamente

adaptativo. Em outros termos, se de fato evoluímos dos macacos, isso não que dizer que

a nossa mente seja igual à deles. E o objetivo da seleção natural é replicar genes, mas

isso, não quer dizer que o objetivo supremo das pessoas seja replicar genes. Segundo o

autor, o comportamento humano não pode ser somente interpretado como uma máquina

biológica pronta para replicar genes a todo o momento:

(...) entender significa explicar o comportamento como uma complexa interação entre (1) gene, (2) anatomia do cérebro, (3) o estado bioquímico deste, (4) a educação que a pessoa recebeu da família, (5) o modo que a sociedade tratou este indivíduo e (6) os estímulos que se impõe a pessoa. De fato, cada um desses fatores e não apenas os genes, tem sido impropriamente invocado como origem de nossas falhas e justificativa de que não somos senhores de nosso destino. (PINKER, 1998, p. 64).

Nesse debate acerca da influência dos genes no comportamento, o neurocientista

Steven Rose, ao criticar um livro de Wilson, no qual este assegurou que os homens têm

maior atração pela poligamia do que as mulheres, o neurocientista acusou Wilson de

dizer, dissimuladamente, para que as senhoras não censurassem seus maridos por

darem umas escapadinhas, porque não seria culpa deles serem geneticamente

programados98. Apesar de hilário, isso leva a entender que, no campo dos sentimentos

existe um debate intenso entre os cientistas cognitivos e os biólogos, quanto aos

mecanismos de programação genética e mental.

97 A Psicologia Evolucionária reúne duas revoluções científicas. Uma é a revolução cognitiva nos anos 50 e 60, que compreende o estudo da mecânica do pensamento e emoções, no âmbito da computação e informações cognitivas. A outra revolução ocorreu na década de 60 e 70, que corresponde à Biologia Evolucionária, que explica a adaptação dos seres em termos de seleção natural e replicação do genes, conforme apresentado na seção anterior. As duas revoluções formam a Psicologia Evolucionária. Pela Ciência Cognitiva é possível entender como a mente funciona e pela Biologia Evolucionária, é possível compreender porque os indivíduos a tem. 98 Ver: Pinker, 1998, p. 64.

93

Quando Pinker (1998), discute a biologia do altruísmo no âmbito parental, ele

argumenta que a idéia de que os animais tentam propagar os seus genes, podendo

deturpar teoria e os fatos. Para o autor, a maioria das pessoas não sabem nada de

genética. O indivíduo ama os seus filhos não porque deseja propagar os seus genes

(consciente ou inconscientemente), mas porque os ama. Para Pinker (1988), a teoria do

gene egoísta, não se refere aos verdadeiros sentimentos dos indivíduos. É somente uma

metáfora dos genes de uma pessoa como os seus reais motivos (consciente ou

inconscientemente):

Com isso, é fácil extrair a única e correta moral de que todo amor é hipócrita. Isso confunde os verdadeiros motivos da pessoa com motivos metafóricos dos genes. Os genes não são titereiros; atuaram como receita para fazer o cérebro e o corpo e depois saíram de cena. Eles vivem em um universo paralelo, espalhados pelos corpos, com sua próprias agendas. (PINKER, 1998, p. 422).

Para os neurocientistas, o altruísmo como os outros sentimentos, teve a sua

origem na região límbica do cérebro, estando ligado ao hipotálamo do cérebro e ao córtex

frontal. O sistema límbico está dividido em duas partes: uma ligada aos sentimentos,

emoções e autopreservação e a outra está associada aos sentimentos “morais”, como a

empatia. A conexão dessas partes do cérebro conduzem o indivíduo ao instinto de

preservação da espécie e sociabilidade. A região límbica, como o hipotálamo, auxilia os

indivíduos a ganhar maior sensibilidade em relação aos sentimentos dos outros, ou seja a

capacidade de “ver com o coração”99.

Nesse processo evolucionista, Pinker (1998), também tece suas considerações

acerca do desenvolvimento do altruísmo recíproco. Para ele, somente alguns animais

tiveram a capacidade de desenvolver esse tipo de altruísmo, sob condições especiais. O

mesmo considera que a mente humana foi adaptada no processo evolutivo para atender

as demandas do altruísmo recíproco, porque desde os primórdios os indivíduos

precisavam trocar utensílios, alimentos, informações etc. Com base nessa reciprocidade é

que a raça humana evoluiu. Portanto, para Pinker (1998), a mente humana foi regulada

no processo evolutivo para receber e distribuir favores.

Enqaunto para os biólogos, o comportamento humano é explicado pelos circuitos

genéticos, para os neurocientistas (cientistas cognitivos) o comportamento é explicado por

módulos, conexões mentais altamente sofisticadas. Tanto para os biólogos quanto para

99 Ver: Muramatsu, 1999, p. 41 e Hoffman, 1991, p. 129;

94

os cientistas cognitivos, essa postura mecanicista permite entender como o homem

funciona e como ele se enquadra no universo físico.

Com essa explanação, chega-se mais uma vez no debate acerca do homem

máquina, conforme discutido no primeiro capítulo. Explicar as razões para o altruísmo

está conduzindo esta pesquisa à versão mecanicista na qual o comportamento humano é

inteiramente um subproduto dos mecanismos fisiológicos. Explicar o comportamento

altruísta, utilizando os circuitos biológicos e cognitivos ainda não é convincente.

Visualizando todo contexto comportamental apresentado aqui, o que o Pai da

Origem das Espécies diria disso? Haveria espaço nesta discussão para o aprimoramento

das virtudes humanas, como o altruísmo genuíno, honestidade e caridade?

Para responder essa questão, retoma-se o debate acerca das características das

correntes da biologia, para a qual o comportamento altruísta ocorre por seleção individual,

enquadrando-se na teoria do gene egoísta, altruísmo recíproco e seleção de parentesco.

Para seleção individual, a idéia é que os indivíduos tendem a herdar as

características egoístas de seus progenitores, sendo que após varias gerações, se houver

um grupo altruísta esses serão sobrepujados pelos egoístas e o grupo permanecerá

egoísta, isso porque os indivíduos altruístas tendem a se sacrificar pelos outros e serem

explorados pelos indivíduos egoístas. Os adeptos da seleção individual admitirão que,

realmente, o grupo desaparece e que o fato de o grupo extinguir-se ou não, pode ser

influenciado pelo comportamento dos indivíduos naquele grupo. Admite-se que, se ao

menos os indivíduos em um grupo tivessem a capacidade de previsão, poderiam perceber

que a longo prazo é de seu interesse reter sua ganância para impedir a destruição do

grupo como um todo100. Os biólogos adeptos desta teoria se intitulam como darwinistas

tão somente por conta de acreditarem no princípio de seleção natural.

Na realidade, a possibilidade do altruísmo genuíno pode ser explicada sob a

perspectiva darwinista de seleção de grupo. A idéia de seleção de grupo em uma dada

população, cujos membros individuais estejam dispostos a se sacrificar pelo bem do

grupo poderá ter menos probabilidade de se extinguir, se comparado a outro grupo rival,

cujos membros são egoísta em que vigorará o ditado popular “cada um pra si e Deus para

todos”.

Na abordagem darwinista, a moralidade e outras virtudes humanas são produtos

da seleção de grupo em que os indivíduos altruístas estão dispostos a se sacrificarem

100 Ver: Dawkins, 2001, p. 28.

95

pelo auto-interesse da espécie. O homem é admitido como um animal social, e por isso o

seu comportamento em grupo é conduzido pela simpatia:

Hasta tenemos conciencia todo de que poseemos estos sentimientos simpáticos; pero nuestra conciencia no nos dice si son institinvos, si proceden de una época muy lejana, como en los animales inferiores, o si fueron adquiridos por cada uno de nosostro durante infancia. Como el hombre es animal sociable, es también casi seguro que debió heredar cierta tendencia a ser fiel a sus compañeros y obidiente al jefe de su tribu, cualidade comunes a la mayor parte de los animales sociables. (DARWIN, 1943, p. 146)101.

Os instintos sociais que Darwin cita, tratam-se do amor e da simpatia, que,

segundo o autor, são institutos especiais, como um impulso natural, que conduzem o

homem à ação altruística. O sentido moral trata do bem estar do grupo, cujos indivíduos

compartilham de hábitos, culturas e religiões entre outras coisas, passadas de geração

para geração.

Darwin acreditava que, se os membros de uma tribo pudessem cultivar as virtudes

humanas como a fidelidade, obediência, coragem e estivessem dispostos a praticar o

altruísmo pelo bem comum, sua tribo seria vitoriosa, pelo processo de seleção natural.

Com isso, em todas as partes do mundo a moralidade e outras virtudes aumentariam e

influenciariam as pessoas por toda parte:

Mas a medida que el hombre fué perfeccionando su inteligencia; a medida que fué comprendiendo todas las consecuencias de sus actos; a medida que adquirió conocimiento suficiente para desechar cosmbres dunestas y vanas superticiones; a medida que empezó a mirar más y más, no solo el bienestar, si que también la felicidad de sus prójimos; a medida que el hábito del ejemplo y de uma experiencia beneficiosa, producto de la instrucción, fué desarrollando sus simpatias y extendiéndolas a los indivíduos de todas las razas, al imbecil, al lisiado u a todos los miembros inútiles a la sociedad, y finalmente, a los mismos animales inferiores, no hay Duda entonces el nível de su moralidad fué progresivamente elevándose más y más. (DARWIN, 1943, p. 167).

O Pai da Origem das Espécies, fez algumas objeções à Filosofia Utilitarista,

porque Darwin,não acreditava necessariamente que a conduta humana seria governada

sempre pelos prazeres e dores. Para o próprio, esses sentimentos poderiam surgir

conscientemente em algumas circunstâncias especiais. A conduta humana, trata-se muito

mais de um instinto social que de admissão consciente da maximização do prazer ou

101 Obra originalmente editada em 1871.

96

minimização da dor. Nem sempre os indivíduos tem consciência e cálculo da busca de

prazer ou dor102.

Interessante notar que esse não é o único encontro de Darwin com os

economistas clássicos. De acordo com Sober (1993), os trabalhos de Smith e Malthus,

tiveram forte contribuição para a construção da teoria da evolução de Darwin103. Portanto,

as relações entre a Biologia e a Economia, não são tão recentes como se imagina.

Quanto à perspectiva darwinista acerca da conduta humana, Muramatsu (1999),

argumenta que o comportamento altruísta genuíno deixou de ser explicado com base na

idéia de seleção de grupo, tornando-se quase extinto da Biologia Evolucionária nas

décadas de 60 e 70. Observou-se, nas seções anteriores, que foi nesse período que

surgiu a idéia de seleção individual, na qual o altruísmo passou a ser entendido como

auto-interesse esclarecido, pelas teorias de seleção de parentesco, altruísmo recíproco e

teoria do gene egoísta.

A discussão é extensa, mas acredita-se ter propiciado ao leitor não familiarizado

com o tema, os pontos primordiais da evolução do debate acerca do comportamento

altruísta na perspectiva biológica. No próximo capítulo serão apresentados, os modelos

econômicos e os seus resultados para a racionalidade altruísta.

102 Ver: Darwin, 1943, pp. 161-162 103 O leitor interessa pode ver: Sober, 1993, pp.13-20.

97

5 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO ALTRUÍSTA SOB PERSPECTIV A DA TEORIA ECONÔMICA

Este capítulo pretende analisar alguns modelos econômicos mais relevantes da

literatura acerca do comportamento altruísta. Dentro da estrutura deste trabalho, o

objetivo é apresentar a contribuição da economia para o debate acerca do assunto,

levando-se em consideração a abordagem analítica de alguns modelos selecionados.

Inicialmente, são apresentados os modelos econômicos cuja conduta altruísta é

motivada essencialmente pelo auto-interesse. Ou seja, o altruísmo é admitido como auto-

interesse esclarecido ou altruísmo disfarçado. Os três últimos modelos, incluem em

alguma medida a abordagem ética, admitindo a ação altruísta como um fim em si mesma,

o que garante uma análise preliminar da possibilidade do altruísmo genuíno.

5.1 Altruísmo na família: a abordagem precursora de Becker para o comportamento não egoísta

A abordagem pioneira acerca de modelos econômicos que contemplam a conduta

altruísta como comportamento racional, foi desenvolvida inicialmente por Becker

(1974,1976 e 1981). Os trabalhos de Becker influenciaram boa parte dos modelos

econômicos de altruísmo existentes na literatura pertinente ao assunto. A sua contribuição

foi admitir o tratamento racional para esse tipo de conduta.

A Sociobiologia teve grande influência nos trabalhos de Becker e de seus

descendentes. Em seu trabalho: “Altruism, Egoism and Genetic Fitness - Economics and

Sociobiology (1976), o autor admite que a Sociobiologia teria muito a contribuir com a

Economia, de forma que uma análise mais sofisticada poderia ser realizada unindo a

racionalidade individual” dos economistas e a racionalidade coletiva dos sociobiólogos:

Economics generally take tastes as given, and work out the consequences of changes in prices, incomes and other variables under the assumption that tastes do note change. When pressed, either they engage in ad hoc theorizing or they explicitly delegate the discussion of tastes to the sociobiology, psychologist or anthropologist. Unfortunately, these disciplines have not developed much in way of systematic, usable knowledge about tastes. (BECKER, 1976, p. 284)

98

Para Becker, os economistas têm relutado para ampliar a discussão sistemática

das mudanças na estrutura dos gostos ou preferências. Na economia, o auto-interesse é

predominante em relação aos outros fatores motivacionais, de modo que permeia todas

as unidades sociais, como a família e o mercado. De acordo com o autor, os economistas

reduziram a natureza humana ao comportamento predominante do auto-interesse, isso

equivale a uma evasão do problema acerca da pluralidade de motivações e gostos que

compõem a natureza humana.

Baseado na teoria smithiana, Becker (1981) assume que o egoísmo é comum nas

transações do mercado e ao altruísmo é comum nas relações entre familiares. De acordo

com o famoso trecho do Pai do Liberalismo Econômico, o auto-interesse permeia as

relações ente os agentes no mercado:

Dê-me àquilo que eu quero e você terá isto que você quer - esse é o significado de qualquer oferta deste tipo; e é dessa forma que obtemos um dos outros, a grande maioria de serviços de que necessitamos. Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à sua auto-estima, e nunca lhe falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que advirão para eles. (SMITH, 1985, p.50).

O altruísmo é comum dentro da família e neste contexto Smith afirma:

Every man feels his own pleasures and his own pains more sensibly than those of other people (…). After himself, the members of his own family, those who usually live in the same house with him, his parents, his children, his brothers and sisters, are naturally the objects of his warmest affections. They are naturally and usually the persons upon whose happiness or misery his conduct must have the greatest influence. (SMITH104, 1953 apud BECKER, 1981, p.209)

Becker (1981) busca defender a função da família na atividade econômica, de

modo que o altruísmo para o autor, será admitido no arcabouço da função utilidade, ou

seja, a função utilidade do altruísta depende positivamente do bem-estar do beneficiário.

Vale dizer que os argumentos para a construção teórica do seu modelo, foram inspirados

pelas idéias de Wilson (1975), que apresentou a síntese da Sociobiologia, incluindo a

idéia de seleção de parentesco, conforme apresentado anteriormente.

104 SMITH, ADAM (1853). The Theory of Moral Sentiments. London: Henry G. Bohn.

99

O modelo de Becker (1981), considera dois agentes: um agente altruísta (h) e

outro membro de sua família, sendo egoísta, podendo ser por exemplo a esposa ou filho

(w). A ação altruísta significa que a função utilidade de h depende positivamente do bem-

estar de w. Formalmente, o altruísmo é definido da seguinte forma:

)(,,...,1 wmhhh UZZUU ψ= (1)

onde:

0/ >∂∂ wh UU

=hU utilidade do altruísta

wU = utilidade do beneficiário

ψ = função positiva de wU , que representa o bem-estar do beneficiário

jhZ = quantidade de j-ésimo bem consumido por h, sendo mj ,...,1=

Se h é essencialmente altruísta e se gastar parte de sua renda com w, ao invés de

gastar consigo mesmo, e se h e w consomem quantidade de hZ e wZ para um único

consumo agregado, a restrição orçamentária de h pode ser descrita da seguinte forma:

hh IyZ =+ (2)

onde:

hZ = preço de hZ é igual a unidade (consumo total de h)

y =quantia gasta com w

hI = é a renda de h imputada no mercado do casamento (marriage market)

Portanto o consumo total de w (beneficiário) é igual a soma da sua própria renda

mais a contribuição de h (marido):

yIZ ww += (3)

onde:

wZ = consumo total de w

wI = renda que poderia ser imputada de (w) no mercado de casamento, se ela

tivesse casado com uma pessoa egoísta ao contrário de h (marido altruísta).

Isolando y da equação da equação (3), tem-se:

ww IZy −= , substituindo y na equação (2), chega-se a equação da renda familiar:

hwwh IIZZ =−+

hhwwh SIIZZ =+=+ (4)

onde:

100

hS = renda familiar

Portanto, a renda familiar é determinada pelo consumo total de h e w e a soma das

rendas de ambos imputadas no mercado do casamento.

Assim um indivíduo altruísta maximiza a sua própria utilidade (1), sujeita à renda

familiar (4). O indivíduo h pode elevar a utilidade de w, na transferência de recursos.

Becker (1981), a partir dessas tautologias, definiu o altruísmo a partir do consumo e

formação de escolhas, que segundo o próprio autor, são os elementos que realmente

motivam as ações das pessoas.

A alocação de recursos por um altruísta h, é determinada pela condição de

equilíbrio:

1/

/ =∂∂∂∂

w

h

ZU

ZU (5)

A equação (5) é resultado da maximização (1), sujeita à equação da renda familiar

(4). Dessa maximização pode-se estimar a função demanda para h e w:

)( hhh SZZ = ; )( hww SZZ = (6)

onde:

0>∂∂

hS

Zi para os i agentes, whi ,= , se wZ e hZ aumenta a renda familiar se

eleva.

Se a renda da esposa cair (w), o marido (h) promove o aumento de recursos

transferidos a ela, sendo que o consumo de h pode diminuir, cancelando parte da redução

de wI . Se houver a queda da renda do marido hI , o marido altruísta (h), reduzirá a

transferência de recursos para a esposa (w), de forma que o consumo de w também cai.

Dado que a renda familiar é o resultado da soma da renda do altruísta (h) e do

beneficiário (w), o indivíduo altruísta estará em condições melhores se houver ações que

aumentem a renda familiar e não ao contrário.

O comportamento do altruísta (h), pode ser apresentado graficamente, conforme

visto na figura a seguir. O consumo do altruísta hZ está no eixo x e wZ (consumo do

beneficiário) está no eixo y e 10,UU e 2U são as curvas de indiferença de h. Se a

restrição orçamentária é hS , o equilíbrio será o ponto e, onde a inclinação da curva de

indiferença será dada por:

w

h

ZU

ZU

∂∂∂∂−

/

/

101

Um aumento da renda familiar eleva paralelamente a curva de restrição

orçamentária, sendo que o novo equilíbrio será dado no ponto e . Neste ponto o consumo

de h e w serão maiores do que o equilíbrio e:

Gráfico 1 - Altruísmo na Família Fonte: Becker, 1981, p.3

Sejam 210 ,, UUU , as curvas de indiferença de (h) e hS - hS trata-se da restrição

orçamentária. O ponto que representa o ponto de equilíbrio, em que a inclinação da curva

de indiferença é igual à inclinação da reta orçamentária. Se houver um ganho de renda

para essa família, isso leva a um descolamento paralelo da restrição orçamentária de hS -

hS para hh SS − , surgindo um novo ponto de equilíbrio e , aumentando hZ e wZ .

O altruísmo de h é somente eficaz se a inclinação da curva de indiferença no

ponto de dotação inicial 0E ( hh IZ = e ww IZ = ) para o ponto e. Observa-se que as

contribuições são ww IZy −= e o consumo do altruísta equivale a hh IZy −= . O altruísta

não aloca apenas a renda entre o seu consumo próprio e a contribuição para o

beneficiário, mas ele também é responsável pela determinação do consumo total do seu

beneficiário (esposa).

Nota-se que a reta da restrição orçamentária e o ponto de equilíbrio e, dependem

da renda familiar. Isso resulta que, a reta orçamentária não muda mesmo quando ocorrem

redistribuições de renda entre os indivíduos. Quando se consideram as dotações 1E e

102

2E , o ponto de equilíbrio continuará sendo e. Quando se considera uma situação 0E , o

altruísmo deixa de ser eficaz, pois o altruísta está numa situação sub-ótima tendo

dificuldades para caminhar para a posição de equilíbrio inicial, pois transferiu recurso para

w, que não retribuirá o favor pelo fato de não auferir utilidade pelo consumo alheio. Sendo

assim, se beneficiário w (esposa), maximiza a renda social (familiar), tem-se:

yIZS www +== (7)

Nesse caso o beneficiário (w) vai preferir evitar as ações que aumentem wI , se y

cair muito mais do que esse aumento. Se wI menor, for compensado por y bem maior, w

promove ações que baixem wI .

De acordo com o autor, o seu modelo permite afirmar que os interesses dos

benfeitores altruístas são iguais aos dos beneficiários egoístas:

Como o beneficiário egoísta (esposa ou filho) quer maximizar a renda familiar, ele é levado pela mão invisível do auto-interesse para agir como se fosse altruísta com relação ao seu benfeitor. Colocando diferentemente, o recurso escasso ”amor” é usado economicamente, porque o cuidado suficiente de um altruísta induz mesmo um beneficiário egoísta a agir como se ele se preocupasse com o benfeitor tanto quanto ele se preocupa consigo mesmo. (BECKER105, 1976 c, apud MURAMATSU, 1999, p. 53).

Para o autor, tanto o altruísta quanto o beneficiário egoísta internalizam todas as

externalidades que os afetam individualmente. Ou seja, os indivíduos em questão, não

internalizam somente o efeito de suas próprias ações sobre a renda própria do outro, mas

também consideram o impacto direto das mesmas no consumo do outro106.

Poderia um beneficiário egoísta tentar aumentar a sua utilidade em detrimento do

seu próprio beneficiário altruísta? De um modo geral pode-se dizer que ele fará tudo para

aumentar a sua renda e tudo para evitar a redução da mesma, independente dos efeitos

dessa ação sobre o altruísta. Entretanto a contribuição do altruísta não está sob o controle

do egoísta w. Se houver um aumento da renda própria de w e tiver o efeito de diminuir a

renda do altruísta, o altruísta reduzirá a sua contribuição para ele numa proporção maior

105 BECKER, G. (1976c). A Treatise on the Family: Enlarged edition. Cambridge: Havard University Press 106 O autor estende o seu modelo para saber como funciona a interação de outros membros de uma família, tecendo comentário acerca dessa interação, que envolve outros sentimentos como inveja e mecanismos de retaliação que minimize as ações aéticas do beneficiário. Acredita-se que a idéia básica do modelo está posta, sendo que o leitor interessado em outras implicações poderá consultar: BECKER, G., 1981, p. 6-10

103

do que o aumento na renda do beneficiário, porque a renda familiar cai. Dessa maneira, o

nível de consumo ótimo de w cai. Como ambos estarão numa situação sub-ótima, o

beneficiário não tem incentivo para fazer ações que prejudiquem o altruísta.

Portanto, o modelo de altruísmo da família conclui que os beneficiários egoístas de

uma dada família, internalizam todas as externalidades que os afetam individualmente. A

família é admitida por Becker como unidade da atividade econômica, sendo que o

beneficiário (esposa ou filho), agirá para favorecer a elevação da renda do altruísta (pai),

elevando assim a renda familiar e a parcela que será destinada ao próprio beneficiário.

5.2 Caridade privada e provisão de bens públicos

Na literatura sobre a caridade privada é bastante comum haver modelos que

assumem as doações como um bem público puro. A utilidade individual é assumida como

função de consumo de bens privados e do total de bens públicos que são ofertados.

Nesse contexto, as preferências podem ser admitidas como puramente altruísta.

De acordo com Andreoni (1987), as doações são motivadas por diversos aspectos

psicológicos e morais, como simpatia, compromisso ético, auto-imagem, prestigio social

etc. De acordo com o autor, o modelo tradicional não permite “capturar” a natureza ou

alguns aspectos motivacionais que conduzem a doação107.

O modelo assume simplesmente que existem somente um bem público e um bem

privado na economia. Seja ix o consumo do bem privado pelo agente i e ig é a doação

de i para o bem público. Além disso, esta economia é composta por n agentes, sendo

que cada um deles possui uma dotação (riqueza) de iw , resultando em ∑=

=n

i

igG1

, onde

ni ...2,1= é o total de provisão de bens públicos. A função utilidade é contínua e quase-

côncava para o i-ésimo indivíduo: ),( iiii gxUU =

Dada a função utilidade, segue a solução do problema de maximização:

Max ),( iii gxU

Sujeito a iii wgx =+ , onde 0≥ig

107 O modelo foi retirado de Andreoni (1987). Acrescenta-se que tal modelagem foi utilizada por outros economistas como Stark (1989), Becker (1974) e Roberts (1984).

104

Seja ∑=− jgG 1 , onde ij ≠ , as doações feitas por todos os agentes menos i .

Então igGG −=− 1 , se admitir-se que todos são maximizadores de utilidade, tem-

se:

Max ),(, GxU iiGxi

Sujeito à: ii GwGxi −+=+ , onde iGG −≥ (1)

A solução da equação fornece a função demanda por bem público:

( ) iii GGwMaxG ,−+= γ , sendo ni ,...,2,1= (2)

Em relação à restrição da equação (1), se não for levada em consideração a

doação realizada pelo agente i , então a mesma poderá ser escrita como ( )ii GwG −+= γ

que será equivalente à ( ) iii GGwG −− −+= γ . A função de doação γ é a curva de

Engel108. Isso significa dizer que, a derivada de γ é positiva: 1'0 ≤≤ γ , assegurando que

tanto o bem público quanto o bem privado são bens normais.

Assumindo que cada indivíduo faça contribuições, isto é, 0>ig , temos:

( )ii GwG −+= γ , invertendo γ e somando ig em ambos os lados da equação,

tem-se: GGwg ii +−= −1γ e )(Gwg ii φ−= , onde GGG −= −1)( γφ . Tal equação refere-

se à doação (contribuição) de equilíbrio de i cuja riqueza é iw .

Assumindo que *w é o nível de riqueza acima do qual as pessoas vão fazer as

doações, logo )(* Gw φ= é o nível crítico de renda. Se admitir-se que *

iw é igual para

todos os agentes, tem-se:

*wwgi i −= , se

*wwi >

0, se *wwi ≤

Esse resultado pode ser escrito da seguinte forma:

)(1 *

*∑ ∑= >

≤==n

i wwi

ii wwgG , desde que )( *1 wG −= φ , tem-se:

)()(

*

**1 ∑>

− ≤=wwi

i wwwφ (3)

Dada à distribuição de riqueza entre n agentes, tem-se que solucionar a equação

(3), para o nível de renda crítico *w . A média da contribuição da população para o bem

108 A curva de Engel estabelece a relação entre renda e demanda. A obtenção da curva se dá através da maximização da utilidade.

105

público depende do número de indivíduos de renda iw , maior que o nível de renda crítico *w .

Nesse estágio do modelo, Andreoni (1987), questiona o que acontece com as

doações quando a população cresce. Então, o autor sugere a seguinte equação:

∑ >−==−

swswnn

ssH in ,

1)()(

Dado que existe um vetor ),...2,1( wnww , o autor sugere que se pode pensar numa

solução *nws = . Agora, suponha-se que uma função densidade de probabilidade )(wf ,

em que ´0 ww ≤≤ descreva a distribuição de renda da economia em questão. Pela Lei

dos Grandes Números109, quando o número de indivíduos aumenta ∞→n ,a expressão

)(sHn , converge para )(sH , resultasndo:

( ) dwwfswsHw

s)()(

´

−∫=

Resolvendo a integral para s , obtém-se a solução em que o limite ∞→n , seja

equivalente a *** wwn = . Para calcular o valor de **w , precisa-se determinar o valor de

limite de nH . Assumindo que os bens privados são normais, tem-se que 1−φ é finito.

Dado que o valor do vetor riqueza as sociedade é conhecido ),...2,1( wnww , encontra-se a

equação )( ** wswn = . Logo,

lim ∞→n 0)(

lim*1

==−

n

wH

nn

φ, isto leva à:

( ) 0)()( **

´

=−∫= dwwfwwwHw

s, então ´** ww → . Nesse contexto Andreoni (1987),

tece as seguintes considerações:

a) a fração da população que contribui para o bem público tenderá a zero, pois

quando a população cresce, os indivíduos tendem a cooperar relativamente menos, pois

preferem tomar carona na contribuição alheia (free riders)110, tendendo a não contribuir

para o bem público.

109 A Lei dos Grandes Números (LGN), diz que quando uma amostra cresce (tende ao infinito),a média amostral converge para a média populacional. Dito de outra forma, quanto maior a amostra mais o valor obtido pela média amostral estará próximo do valor “correto” da média. Ver: Sartoris, 2003. pp. 176. 110 O leitor interessado poderá consultar: Andreoni, 1993, pp.447-454.

106

b) Quando n tende a infinito, somente os indivíduos mais ricos contribuirão, ou

seja, ´)(1 wGn −=→ φ .

c) O crescimento demográfico permite que as doações também cresçam, mas com

o decorrer do tempo a contribuição média tenderá a zero.

A ártir dessa perspectiva, o autor cita a importância das contribuições privadas

para as atividades filantrópicas. Na ocasião de edição do seu artigo (1987), o autor

verificou que tais contribuições representavam cerca de 2% do Produto Interno Bruto

norte-americano. É com base nessa dimensão que o autor afirma que esse modelo, dito

modelo tradicional do altruísmo puro, tem pouco poder preditivo. O autor argumenta que

por maior que seja a população, os indivíduos preferem contribuir, mesmo que sua

contribuição seja insignificante em relação ao volume total de contribuição da sociedade.

Para o mesmo autor, o agente deriva a utilidade em si mesma, como se a doação ig

fosse um aumento positivo na sua auto-imagem. Para esse debate basta recordar a

questão da internalização das ações altruístas que foi nesse trabalho anteriormente.

Posto isso, na próxima seção apresentar-se-á o modelo do altruísmo impuro do mesmo

autor, que abrange a questão da internalização.

Em suma, o modelo de altruísmo tradicional, cujos alguns autores como Stark

(1989), Roberts (1984) e Becker (1974) realizam suas análise com modelagens bem

semelhantes conclui que, quando a população cresce, o indivíduo tende a cooperar cada

vez menos, tendendo a não contribuir para o bem público, pois no equilíbrio somente os

ricos contribuirão. Nesse caso, a motivação é essencialmente egoísta, pois a contribuição

ao bem público serve para melhorar a auto-imagem do indivíduo.

5.3 Doações envolvendo o altruísmo impuro

Conforme apresentado anteriormente, Andreoni (1987) argumenta que o modelo

de altruísmo tradicional tem pouco poder explicativo, uma vez que tal modelo não busca

apresentar as reais razões porque as pessoas contribuem para o bem público. Para o

autor, o indivíduo sente um efeito de acalentamento (warm-glow effect)111. Em outros

111 O termo warm glow pode ser traduzido como brilho quente, mas não indica o sentido correto destacado por Andreoni (1989). Por essa razão utilizou-se o termo acalantamento sugerido por Muramatsu (1999).

107

termos, a ação caridosa pode gerar uma sensação de bem-estar pela aprovação social e

pela transformação positiva na concepção que o agente tem de si mesmo.

O modelo proposto por Andreoni (1989) considera o efeito acalantamento,

assumindo duas razões para o indivíduo contribuir para o bem público. Primeiro, porque

as pessoas demandam mais do bem público, isso nas palavras do autor é entendido na

literatura econômica como altruísmo112. Segundo, porque a função utilidade do indivíduo

derivada da ação altruísta (oferta de bem público) é motivada pelo egoísmo associada às

doações individuais, ou seja, a existência do efeito acalentamento, pois a ação filantrópica

em si, aumenta a utilidade do indivíduo.

Para efeitos de simplificação, Andreoni (1989) admite que economia tenha

somente dois bens, um público e outro privado. Os indivíduos possuem uma riqueza w ,

que será alocada entre o consumo privado ix e as doações para o bem público ig . Uma

parte da riqueza iw será gasta com o pagamento de um tipo de imposto para provisão de

bens públicos iτ . A economia é formada por n agentes ),...,2,1( ni = , Então:

Seja ∑=

=n

i

igG1

, onde ),...,2,1( ni = que equivale ao total de contribuições privadas

para o bem público, ∑=

=n

j

T1

corresponde ao total de contribuições públicas obrigatórias.

Portanto, a oferta total de bem público é dada por TGY += .

O modelo de altruísmo poderia expressar as seguintes preferências como

),( YxUU iii = , assim a utilidade dependeria somente do consumo privado e do total de

oferta de bem público. Nesse caso, Andreoni (1989) assume que o indivíduo faz

contribuições ao bem público considerando o feito acalantamento: ),( iiii gxUU = , ou seja,

este efeito gera um ganho de utilidade para o indivíduo. Pode-se denominar tais

preferências como uma combinação entre egoísmo e altruísmo, podendo ser rescritas da

seguinte forma: ),,( iiii gYxUU = , ),...,2,1( ni = , em que iU é assumida como função

utilidade estritamente quase-côncava e crescente em todos os argumentos. Note que a

função contém tanto o egoísmo quanto o altruísmo. Observa-se que ig entra na função

utilidade duas vezes: uma como parte do bem público e novamente como bem privado.

112 Andreoni (1989), considera que a relação do bem público e altruísmo foi introduzido por Barro (1974) e Becker (1974) e posteriormente por Roberts (1987).

108

Sejam ∑≠=− gjijG i as doações feitas por todos os agentes, exceto o indivíduo

i . Cada indivíduo se depara com o seguinte problema de maximização:

),,(, ,,, iiigiyxi gYxUMax (1)

Sujeito à iiii wgx τ−=+

YTgG ii =++− , sendo que iii gy τ+= é a contribuição total de i e a

contribuição total para o bem público, incluindo um componente voluntário )( ig e um outro

compulsório iτ . A restrição orçamentária pode ser escrita como iii wyx =+ . Seguindo

também ∑=

n

i

yi1

. Então ∑≠=− yjijy 1 , o total de contribuições feita por todos exceto i .

Dado que ii YYy −−= , então o modelo de maximização será:

yMax );( iiiii YYYYwU τ−−+− −− (2)

Diferenciando a equação (2) em relação a Y e igualando a zero, calcula-se o nível

ótimo deY para i-ésimo, assumindo um equilíbrio com solução interior em que 0>ig

para todo i . Assim, pode-se descrever a solução do problema de maximização de iU ,

como uma função dos fatores exógenos de tal problema de otimização.

);( iiiii YYwfY τ++= −− , subtraindo iY − dos dois lados:

iiiiii YYYwfyi −−− −++= );( τ (3)

O primeiro argumento de if é o componente altruísta da função utilidade,

enquanto o segundo corresponde ao componente egoísta. Então, numa situação de

altruísmo puro, a equação (3) seria uma função apenas do primeiro termo:

iiiii YYwfy −+= − )( . Note que essa formulação implica que os altruístas puros

consideram iY − um substituto perfeito da sua riqueza pessoal iw . Isso é o que Becker

(1974) denominou de riqueza social, ii Yw −+ . Essa expressão implica que somente o

total de doação é importante iy . O Altruísmo puro implica que a doação voluntária iτ é

substituta perfeita de ig . Como resultado o agente é indiferente sobre a fonte (origem) da

contribuição, desde que o seu consumo privado )( ix e oferta total de bens públicos

)(Y permaneçam inalterados.

Adicionando o argumento egoísta da equação (3), iiY τ+− , tem-se um caso de

altruísmo impuro. Nesse sentido, as contribuições privadas deixarão de ser substitutas

perfeitas da riqueza individual. Além disso, a contribuição via pagamento de impostos

109

equivale perfeitamente à contribuição pessoal voluntária. Desse modo, quando o indivíduo

compara as situações, que garantem a contribuição pessoal )( ig maior, deve-se analisar

os sinais das primeiras derivadas parciais de );( iiiii YYwf τ++ −− . Denominando a

derivada parcial em relação ao primeiro argumento iaf , em que “a” refere-se ao

componente altruísta da função utilidade. Como tanto a atividade de caridade quanto o

bem privado são bens normais 10 << iaf ., então, iaf pode ser a propensão marginal a

contribuir por razões altruístas. Pode-se denominar a derivada em relação ao segundo

argumento “e” como egoísta, ou seja a propensão marginal a doar por motivos egoísta,

denominado como ief , então para o caso dos altruístas puros, tem-se: ii

i

y

fi

w

f

−∂∂=

∂∂

Se o indivíduo abre mão de um dólar da sua riqueza iw , então ele sabe que será

recompensado com uma mesma quantidade de iY − (um aumento de um dólar). Desse

modo o indivíduo está disposto a reduzir seu ig em um dólar para compensar a queda de

um dólar em sua riqueza iw . Se o indivíduo for altruísta impuro, os bens ig e iY − ,

deixam de ser substitutos perfeitos. Ele aceitará reduzir em menos de um dólar, porque

não quer deixar de ganhar utilidade com a redução de sua doação pessoal. Logo tem-se:

ii

i

y

fi

w

f

−∂∂≤

∂∂

pois ieiai

ffy

fi +=∂∂

− onde 0≥ief

Para entender a relação entre o altruísmo e o componente egoísta de doação

(warm-glow giving), necessita-se perguntar sobre a magnitude do aumento em iY − para

manter Y constante, quando há uma queda de um dólar em iw . Para responder essa

questão, Andreoni (1989) sugere que ocorra a diferenciação da equação (2) e

posteriormente igualar tal equação a zero. Então tem-se:

iieiiia yfywfy −+−+ ∂∂∂=∂ .( )

Assumindo que jα é a solução que resolve a equação, podemos considerar a

seguinte razão:

ie

ieia

ij

f

ff

w

y +=∂∂−= − 1α

Admite-se jα é um índice de altruísmo. Para os altruístas puros, 1=jα e, para os

egoístas iaj f=α , conseqüentemente quando se considera o altruísmo impuro, tem-se

1<< jiaf α .

110

O autor conclui que quanto maior for iα , maior será a disposição do agente para

substituir sua doação pessoal )( ig por outras fontes de contribuição. Quando ji αα > , o

indivíduo i é mais altruísta do que j . O modelo de Andreoni (1989) portanto, destaca

que a doação para o bem público possui também um componente egoísta, dito modelo de

altruísmo impuro.

Em suma, o modelo de altruísmo impuro de Andreoni (1987), caracteriza o

indivíduo por uma função utilidade, em que seus argumentos representam a motivação

altruísta relacionadas à motivação egoísta no que refere-se às doações individuais. O

altruísta impuro gera um ganho de utilidade para o próprio indivíduo, como se sua ação de

caridade estivesse próxima ao consumo de um bem privado.

5.4 Oferta de bens públicos por meio da contribuiçã o voluntária

Sugden (1984), discute as dificuldades da teoria econômica convencional em

explicar as doações voluntárias. Para o autor a atividade voluntária é baseada em algum

princípio moral, que leva em consideração o bem-estar alheio.

Os economistas, na maioria dos seus modelos assumem que os indivíduos

derivam a sua utilidade de bem-estar de outrem, mas de acordo com Sugden (1984), tal

hipótese não provê a solução do problema, ou seja, para o autor, não basta assumir que

os agentes atuam com base em seu auto-interesse.

De acordo com Sugden (1984), o setor voluntário se difere do mercado

propriamente dito, porque refere-se à provisão de bens públicos. A caridade possui

características de bem público, pois a contribuição do indivíduo confere benefícios para

um grupo de pessoas. Neste contexto, os serviços providos do setor voluntário são bens

públicos, mesmo nos casos de doações sangüíneas ou socorro a estranhos.

O problema em admitir a contribuição voluntária como bem público reside na

questão de tomada de carona (free-rider), quando os outros estão contribuindo:”If an

individual takes other people’s contributions as given, she will contribute less as other

people contribute more”. (SUGDEN, 1984, p.773).

O princípio de reciprocidade é ilustrado da seguinte forma: seja G um grupo de

pessoas no qual o indiíiduo i é um membro. Suponha que todos os membros de G

exceto i , estão fazendo pelo menos um esforço ξ para a produção de bem público.

Então, se deixar i escolher o nível de esforço que ele preferiria que todos os

111

membros de i tivessem feito. Se esse nível for menor que ξ , então i tem uma obrigação

para com todos os seus companheiros do grupo fazer uma esforço de pelo menos ξ . Isto

é o que Sugden (1984), denomina como Princípio de Reciprocidade.

Note que o Princípio de Reciprocidade não requer que o indivíduo contribua mais

que as outras pessoas do grupo. De acordo com o autor tal sistema de reciprocidade é

derivado do Princípio Compromisso Incondicional. Ou seja, cada agente deve fazer uma

contribuição para o bem público equivalente aquele que ele desejaria que os outros

fizessem, independentemente da doação efetivamente feita. Neste caso, o indivíduo não

deve tomar carona (free-rider) quando os outros estão contribuindo.

Sugden (1984), argumenta para este caso, que os indivíduos tem obrigações não

para com a sociedade em si, mas para o grupo ao qual pertence, que podem ser

ocupacional, religioso ou político. Com base nesta discussão, ele apresenta o modelo de

reciprocidade no setor voluntário. No modelo existem n indivíduos e um bem público.

Seja iU a utilidade de cada indivíduo i , que é uma função crescente da quantidade de

bem público z e, uma função crescente do esforço q , para produção de bens públicos.

As contribuições do indivíduo podem ser representadas como:

),( zqUU iii = ),...,2,1( ni = (1)

A taxa marginal de substituição entre iq e z é dada por:

),...,2,1(/

/)( ,, ni

zU

qUTMgSzqh

i

iiqzi i =

∂∂∂∂−== (2)

Assumindo que:

0)( , >∂∂ ziqh (3)

0/)( , >∂∂∂ zqh zi (4)

As restrições são naturalmente associadas para uma função utilidade definida de

um bem z (good) e uma mal q (bad). Note que existe uma dimensão normativa da

concepção de esforço. O Princípio de Reciprocidade afirma que, com certas qualificações,

se um indivíduo contribuir com um dado nível de esforço para o bem público, o outro

deverá fazer o mesmo. Diferentes definições de nível de esforço levam a diferentes

preposições acerca dos deveres individuais.

Um possível conceito de esforço é o empenho como tempo de trabalho. Suponha-

se que as contribuições dos indivíduos possam ser medidas em horas de trabalho. As

equações (1) à (4), pode ser consideradas, por exemplo, como hipóteses da utilidade

112

individual que é derivada do prazer e da prestação de serviços ao bem público, sendo que

ambos os bens são normais.

Outro conceito é o esforço como contribuição monetária absoluta. Suponha-se que

as contribuições do indivíduo são expressas na forma de dinheiro e o esforço é

mensurado em unidades monetárias. As expressões (1) à (4) são consideradas como

hipótese de que a utilidade individual é derivada do consumo próprio do indivíduo, em

termos de bem privado e público, sendo ambos bens normais.

De acordo com Sugden (1984), a melhor alternativa é pensar o esforço como

contribuição monetária relativa: o esforço do indivíduo é mensurado pelo tamanho da sua

contribuição como proporção a sua renda. Então a função dos bens públicos será:

∑=i

iiqfz )( α (5)

A idéia aqui é que o termo ∑i

iiqα , mede o esforço total de todos os indivíduos

como fator de produção de bem público, sendo que iα é uma constante para cada

indivíduo i . Sugden (1984), justifica a necessidade da constante em seu modelo, para

ressaltar o fato de que nem sempre os esforços são igualmente produtivos para os

diversos agentes. A função (.)f é admitida como contínua, crescente e côncava. O autor

formula uma função (.)F para um dado vetor de esforços dos indivíduos ou

contribuições, ),...,2,1( qnqqq = , para um grupo de indivíduos G e para um nível de

esforço 0>ξ , então ),( ξGF é definida por:

)(),( kkj k

j qGGfGF αξαξ ∑ ∑ ∉+= ∈ (6)

Então, ),( ξGF é uma função contínua, crescente e côncava. Ela expressa a

quantidade de bens públicos que seria produzida se todos os membros de G

contribuíssem com ξ e se cada não membro k tivesse contribuído com kq .

Agora considera-se qualquer grupo G e qualquer indivíduo i , membro do grupo.

Toma-se como dadas as contribuições kq de todos os indivíduos k que não são membros

de G . É sabido Giq vai ser o valor da contribuição que maximiza ( )[ ]ξξ ,, GFUi , isto é, ξ .

Se o indivíduo i pudesse escolher o nível de contribuição de todos os membros do grupo,

ele escolheria o esforço ξ , pois este último é o valor que maximiza iU . De acordo com o

Princípio de Reciprocidade, o indivíduo i é obrigado a contribuir pelo com menos Giq ,

dado que todos os membros de G , estão fazendo a mesma coisa. Caso algum membro

113

de G contribuir com pelo menos Giq ele é obrigado a contribuir com, pelo menos, a

quantia dada por todos os outros membros.

Sugden (1984), formaliza a idéia adotando o senso de dever (obligations). Para

qualquer vetor de contribuições q , para qualquer grupo de indivíduos G e para qualquer

membro do grupo, o indivíduo i estará fazendo a sua obrigação para com o grupo, se e

somente se, tiver ou (a) Gii qq ≥ ou (b) ji qq ≥ .

Deve-se notar que a definição de obrigação, enunciada anteriormente é válida

também quando G só é composto pelo indivíduo i e, neste caso, ele é o único membro

do grupo. Neste caso, o indivíduo i não terá ninguém para retribuir ação cooperativa.

Nesta perspectiva, Sugden (1984) afirma que faz parte do auto-interesse de

i contribuir com Giq , pois essa contribuição maximiza a função utilidade do indivíduo. O

autor assume que as pessoas perseguem o seu auto-interesse dentro do Princípio de

Reciprocidade, sendo conveniente dizer que cada pessoa possui a obrigação consigo

mesma, de pelo menos, contribuir com aquilo que o seu auto-interesse requer. Então, o

indivíduo i , está maximizando a sua utilidade sujeito ás restrições morais, se fazer a

contribuição mínima compatível com suas obrigações.

Em defesa do Princípio de Reciprocidade, Sugden (1984) afirma que tal teoria não

prevê a existência do problema de carona, mas diz que ele pode ser resolvido, pois de

acordo com o autor os indivíduos só cooperam para o bem público se forem beneficiados.

Ademais para o autor, a teoria da reciprocidade prevê uma provisão insuficiente de

bens públicos, pois conduz a uma situação sub-ótima em termos dos critérios paretianos,

que diz que a eficiência só é possível numa comunidade de indivíduos idênticos. Uma

comunidade homogênea refere-se à renda e gostos iguais dos agentes que a compõem,

que se aproxima do critério de eficiência de Pareto. Neste caso a provisão de bens

públicos poderia ser bem sucedida a partir da atividade voluntária (caridosa).

Sugden (1984), admite em seu modelo a noção de compromisso incondicional, o

que não vai ao encontro do critério de eficiência de Pareto. Dito de outra forma a noção

de compromisso incondicional sugere que cada pessoa contribua com o quanto ela

desejaria, independente da contribuição alheia, e por essa razão, o autor admite que tem

que levar em consideração a heterogeneidade das contribuições. Se isto for verdade,

pode acontecer que o Princípio de Reciprocidade em comunidade heterogênea não

114

aconteça, sendo que estas podem ser menos capazes de prover o bem público através

da cooperação voluntária, ao contrário de comunidade homogêneas113 .

Para Sugden (1984) a análise econômica do comportamento não-egoísta, mais

precisamente a Economia do Altruísmo (Economics of Altruism) está em sua fase de

“infância”, porque não existe uma teoria unificada, para explicar observações regulares,

acerca deste comportamento e por isso, o autor defende a superioridade do princípio de

reciprocidade, pois acredita que a caridade é um argumento da função utilidade individual,

tomando como dadas às doações dos outros. Portanto para o autor, o Princípio de

Reciprocidade é mais factível com a realidade, no sentido de explicar as contribuições em

detrimento da atividade voluntária.

5.5 Doações como sinalização de riqueza Em oposição aos modelos convencionais de caridade, Glazer & Konrad (1996),

prescrevem que somente os ricos contribuem, pois a parcela de contribuição total dos

agentes menos ricos é relativamente insignificante. Neste contexto, os autores

consideram uma motivação adicional para ação caridosa - o forte desejo de demonstrar

ou ostentar riqueza, talvez porque os indivíduos ricos prefiram socializar com os outros o

status de “higher social”.

As pessoas sinalizam seu status no consumo de bens privados, mas os autores

entendem que isto não é exclusivo somente no consumo de tais bens. Primeiro, que o

consumo desses bens podem ser banidos moralmente pelas normas sociais, quando não

há em contrapartida doações para o setor filantrópico. E por isso, a ostentação de riqueza

sempre está aliada às atividades filantrópicas, que são ações moralmente aceitáveis pela

sociedade. Segundo, a posse de bens de luxo pode ser observada com desconfiança. Um

consumidor pode impressionar os outros com a compra de um relógio Rolex falsificado,

ou locação de carro caro para uma determinada situação. Tudo isso pode representar

uma falsa riqueza.

Para os autores, as contribuições para atividade filantrópica podem representar

bons sinais para pessoas que pertencem a uma determinada classe de renda elevada.

Ademais, com o desejo de ostentar riqueza, o indivíduo que faz doações pode usá-las

113 Ver resultado de equilíbrio, envolvendo o critério de eficiência de Pareto em: Sugden (1984), pp.778-787

116

as crenças que se formam sobre a renda de i podem ser representadas, somente a partir

da doação observada: )(^^

iii gyy =

Neste modelo o equilíbrio é definido pelas escolhas de realizar doações )(* yg ,

como uma função de suas rendas e também pela função das crenças, )(^

ii gy = ,

estritamente monotônica. Para cada agente i de renda iy , temos o seguinte vetor:

( ) ( )

−− iiiii ygygyygy *))(*(;*^

, este vetor maximiza a função utilidade (1),

sujeito a equação (2), sendo 0, ≥ii xg .

Na situação de equilíbrio, as crenças devem ser corretas isto é: ( ) iii yygy =*(^

Assim, se tais crenças formadas forem corretas, as doações individuais para o

bem público são capazes de sinalizar a renda dos doadores ricos115. Portanto ao contrário

de outros modelos, a teoria de Glazer & Konrad (1996), evidência que as doações para

atividade filantrópica, não são somente realizadas para a provisão de bens públicos em si,

pois a caridade também pode ser um bem de luxo consumido pelos maximizadores de

utilidade.

5.5 Doações como sinalização de riqueza Em oposição aos modelos convencionais de caridade, Glazer & Konrad (1996),

prescrevem que somente os ricos contribuem, pois a parcela de contribuição total dos

agentes menos ricos é relativamente insignificante. Nesse contexto, os autores

consideram uma motivação adicional para ação caridosa - o forte desejo de demonstrar

ou ostentar riqueza, talvez porque os indivíduos ricos prefiram socializar com os outros o

status de “higher social”.

As pessoas sinalizam seu status no consumo de bens privados, mas os autores

entendem que isso não é exclusivo somente no consumo de tais bens. Primeiro, que o

consumo desses bens podem ser banidos moralmente pelas normas sociais, quando não

há em contrapartida doações para o setor filantrópico. E por isso, a ostentação de riqueza

sempre está aliada às atividades filantrópicas, que são ações moralmente aceitáveis pela

sociedade. Segundo, a posse de bens de luxo pode ser observada com desconfiança. Um

115 Ver: Glazer & Konrad (1996), pp.1022-1023

117

consumidor pode impressionar os outros com a compra de um relógio Rolex falsificado,

ou locação de carro caro para uma determinada situação. Tudo isso pode representar

uma falsa riqueza.

Para os autores, as contribuições para atividade filantrópica podem representar

bons sinais para pessoas que pertencem a uma determinada classe de renda elevada.

Ademais, com o desejo de ostentar riqueza, o indivíduo que faz doações pode usá-las

para sinalizar a riqueza aos outros. Para esse caso, as doações são consideradas como

bem de luxo.

Aquele velho ditado popular que diz que o que a mão direita faz, a esquerda não

deve saber, não se aplica ao modelo dos autores. Pelo contrário, as pessoas quando

doam recursos para tais entidades sociais, ganham prestígio social e melhoria na sua

auto-imagem. O indivíduo ganha um maior nível de satisfação que o gerado por qualquer

outro bem de luxo116.

De acordo com Glazer & Konrad (1996), nesse mundo da ostentação da riqueza,

as doações de pessoas mais ricas tendem a anular as doações das menos ricas, em

relação ao volume total. As pessoas ricas não têm motivação alguma para elevarem a

oferta de bem-estar social, mas têm razões consistentes para conquistar prestígio social

ao se engajarem nas atividades filantrópicas. De acordo com os autores, nesse universo

não há espaço para doações anônimas.

Com base nesses argumentos os autores prescrevem o seguinte modelo.

Considere um conjunto I e indivíduos Ii ∈ . A distribuição de renda é prescrita por uma

função densidade )(yf no intervalo [ ]maxmin, yy . Um consumidor ganha utilidade com o

consumo de um bem privado não observado ix e também com o seu status de renda. O

status do indivíduo i é determinado pela renda líquida igy −^

, que corresponde à crença

que os outros indivíduos possuem sobre a renda do agente i menos as suas doações

para a caridade ig . A função utilidade pode ser descrita da seguinte forma:

),(^

iiii gyxUU −= (1)

Considerando a mesma função para todos os indivíduos, a utilidade para cada

argumento é estritamente positiva e decrescente para ambos os argumentos. O indivíduo

não ganha satisfação diretamente pela doação, o que é diferente do modelo de altruísmo

116 Indivíduos que desejam ostentar riqueza e demonstrá-la aos outros, em geral não fazem doações anônimas. Os autores sustentam os seus argumentos a partir de evidências empíricas. O interessado poderá consultar: Glazer & Konrad (1996), pp. 1020-1021.

118

impuro de Andreoni. Cada indivíduo só se preocupa com o efeito da sinalização de renda

gerada pela sua doação individual. Também é assumido que ( ) ),0(, maxmaxmin yUyyU > ,

isso é, ninguém doa toda a sua renda. A restrição orçamentária é dada por:

iii gxy += (2)

A renda iy é exógena e varia de indivíduo para indivíduo. Seja ig observável pela

instituição filantrópica, enquanto ix e iy não podem ser observados pelos outros. Então,

as crenças que se formam sobre a renda de i podem ser representadas somente a partir

da doação observada: )(^^

iii gyy =

Nesse modelo, o equilíbrio é definido pelas escolhas de realizar doações )(* yg ,

como uma função de suas rendas e também pela função das crenças, )(^

ii gy = ,

estritamente monotônica. Para cada agente i de renda iy , temos o seguinte vetor:

( ) ( )

−− iiiii ygygyygy *))(*(;*^

, este vetor maximiza a função utilidade (1),

sujeito a equação (2), sendo 0, ≥ii xg .

Na situação de equilíbrio, as crenças devem ser corretas isto é: ( ) iii yygy =*(^

Assim, se tais crenças formadas forem corretas, as doações individuais para o

bem público são capazes de sinalizar a renda dos doadores ricos117. Portanto, ao

contrário de outros modelos, a teoria de Glazer & Konrad (1996), evidencia que as

doações para atividade filantrópica, não são somente realizadas para a provisão de bens

públicos em si, pois a caridade também pode ser um bem de luxo consumido pelos

maximizadores de utilidade.

5.6 Responsabilidade moral e escolha econômica

Zsolnai (1997), apresenta um modelo “maximin” de escolha para explicar que o

agente ao tomar uma decisão, ele considera o seu interesse próprio e também considera

o bem-estar da comunidade que ele faz parte. A idéia é que, quando o indivíduo se

117 Ver: Glazer & Konrad (1996), pp.1022-1023

119

deparar com um dilema ético, ele tenderá a fazer uma escolha “maximin” para minorar o

pior dos resultados possíveis118.

O autor inicia o seu artigo procurando investigar a complexa relação entre escolha

econômica sujeita a princípios éticos. Nesse contexto ele tece a seguinte crítica em

relação ao padrão de escolha da teoria tradicional:

The basic fault of the rational choice model is its lack of psychological realism. Rational decision makers should maximize their utility functions under perfect information. This is a highly unrealistic requirement for human beings. By more than 50 years of research Herbert Simon has demonstrated that real-word decision makers are not capable of maximizing their utility functions, partly because of their strongly bounded computing capacities, partly because of the strictly limited information they usually have. Real-world decision makers are only capable of making satisficing choices (…). Daniel Kahneman´s recent research shows that decision makers are unable to foresee the real experienced utility of their chosen decision alternatives. For this reason their choices are not rational for most cases. (ZSOLNAI, 1997, p. 355)

Na tomada de decisão o agente se depara com os seguintes dilemas:

a) o primeiro refere-se à identificação das normas éticas que pode ser aplicada

numa dada situação de escolha;

b) o segundo diz respeito ao conjunto de stakeholders, que são o conjunto de

agentes que serão afetados pela tomada de decisão do indivíduo;

c) o terceiro refere-se aos objetivos perseguidos pelos agentes;

d) o quarto trata do fato do indivíduo sempre ter mais de uma alternativa,

podendo escolher o melhor curso da ação;

e) o quinto diz respeito ao fato de que a situação escolhida envolve também

considerações éticas, ou seja, normas que vão representar o senso de

responsabilidade moral do tomador de decisão;

f) o último dilema refere-se à avaliação múltipla de cada alternativa de escolha,

considerando as normas éticas e os seus resultados sobre os objetivos do

indivíduo e sobre os stakeholders ;

Dadas, então, as premissas mencionadas anteriormente, Zsolnai (1997), formaliza

o seu modelo:

118 A identificação do modelo tipo maximin não fica muito clara no modelo do autor. Por isso, foi utilizada a explicação de Muramatsu (1999) para conceituar o termo maximim.

120

mAAA ,...,2,1 )2( ≥m , refere-se ao conjunto de alternativas, considerando duas

alternativas distintas.

A regra de decisão é dada por Ω para selecionar o curso da ação moralmente

responsável.

),...,( 2,1*

mi AAAA Ω=

O vetor de objetivos perseguidos pelo indivíduo é dado da seguinte forma:

)1(,...,,...,, 21 ≥nGGGG nj , para esse caso o indivíduo tem pelo menos um objetivo

que buscará atingir.

O vetor de normas éticas é dado como:

)1(,,...,1 ≥pDDD pk , de forma análoga o indivíduo tem pelo menos uma norma

ética que buscará atingir.

)1(,...,...,1 ≥rSSqS r , representa o vetor stakeholders.

O modelo da escolha moralmente responsável é composto por três variáveis

relevantes.

a) )( iAD , valor das normas éticas;

b) )( iAG , valor instrumental que representa os objetivos perseguidos pelos

agentes;

c) )( iAS , vetor externo dado pelos stakeholders;

Assim o autor faz a seguinte esquematização do seu modelo:

1)( =ik AD , se a decisão alternativa )( iA , corresponder à norma ética kD ;

0)( =ik AD , se a decisão alternativa )( iA , for neutra em relação à norma ética kD ;

2)( −=ik AD , se a decisão alternativa )( iA , violar a norma ética kD ;

1)( =ij AG , se a decisão alternativa )( iA , for positiva para atingir o objetivo jG ;

0)( =ij AG , se a decisão alternativa )( iA , for neutra para atingir o objetivo jG ;

2)( −=ij AG , se a decisão alternativa )( iA , for negativa para atingir o objetivo jG ;

1)( =iq AS , se a decisão alternativa )( iA , for boa para o stakeholder Sq ;

0)( =iq AS , se a decisão alternativa )( iA , se for neutra para o stakeholder Sq ;

121

2)( −=iq AS , se a decisão alternativa )( iA , for ruim para o stakeholder Sq ;

Como então seria possível construir e agregar as funções (.)(.),GD e (.)S ?

Zsolnai (1997), sugere que sejam pk www ,...,...,1 os pesos que representam a importância

relativa das normas éticas pk DDD ,...,...,1 , para uma sociedade, sendo que ∑ =k

kw 1,

então temos:

[ ]∑=

k

ikki ADwAD )()( (1), em que )( iAD representa o valor média da decisão

alternativa a )( iA .

Sejam nj uuu ,...,,...,1 , os pesos que representam a importância relativa dos

objetivos nj GGG ,...,1,..., . Isso requer que ∑ =

j

ju 1.

Então, [ ]∑=

j

ijji AGuAG )()( (2), em que )( iAG representa o valor médio da

decisão alternativa a )( iA .

Finalmente, sejam nj vvv ,...,1,..., , os pesos que representam os stakeholders

nj SSS ,...,1,..., . Isto requer que ∑ =

q

qv 1, assim tem-se:

[ ]∑=

q

iqqi ASvAS )()(, em que )( iq AS , representa o vetor médio externo da decisão

alternativa a )( iA .

O vetor a seguir representa uma avaliação múltipla da decisão alternativa a )( iA :

[ ])(),(),()( iiii ASAGADAV = (1)

O primeiro componente do vetor representa a avaliação da decisão alternativa do

ponto de vista da sociedade. O segundo componente, representa a avaliação alternativa

do ponto de vista do agente (objetivos individuais), enquanto o terceiro componente do

vetor refere-se à avaliação da decisão dos stakeholders .

A regra de decisão da escolha é a seguinte:

[ ])(),(),(minmax*

iiii ASAGADA = .

De acordo com Zsolnai (1997), a escolha moralmente responsável demanda a

escolha menos pior no espaço multidimensional dos valores éticos, instrumentais e

123

morais. O autor argumenta que os agentes podem agir de modo socialmente racional e ao

mesmo tempo, individualmente irracional. Por esse motivo, o autor afirma que dentro de

um indivíduo qualquer, por exemplo Smith, há duas pessoas: S-Smith e G-Smith, que

representa o indivíduo auto-interessado e o indivíduo que considera os interesses do

grupo ao qual pertence, respectivamente.

Quase nenhum economista negaria a existência do altruísmo na escolha racional.

Para esclarecer esse ponto, Margolis (1984) destaca duas versões distintas de motivação

altruísta em seu modelo:

a) altruísmo de participação (participation altruism), ou seja, o indivíduo ganha

utilidade se contribuir com recursos para promover o bem-estar alheio, de

modo que o mesmo sente-se satisfeito em participar de atos sociais;

b) altruísmo de bens (goods alltruism): o indivíduo ganha utilidade com um

aumento de bens para promover o bem-estar alheio, ou seja, a sua função

utilidade incorpora o desejo de ver os outros numa situação de bem-estar

elevado;

Para o altruísmo de participação, a utilidade é dada como:

),(** yxUU = , sendo que ,...),( 21 xxx = o vetor de bens de consumo próprio de

Smith e =y valor dos recursos que o mesmo transfere para a causa pública.

Para o caso do altruísmo de bens, a função utilidade é:

),(**** zxUU = , sendo ,...),( 21 zzz = o vetor das cestas de bens disponíveis para

outras entidades nas quais Smith tem um interesse altruísta.

Vale destacar que esta última versão de altruísmo é repetidamente encontrada nos

modelos convencionais de maximização da utilidade como o modelo de altruísmo impuro

de Andreoni (1989), conforme apresentado anteriormente. Margolis (1984), sugere que a

utilidade para ambos os tipos de altruísmo pode ser descrita como:

),,()**,*( zyxUUUfU == .

As duas motivações de natureza altruísta são qualitativamente distintas, pois o

altruísmo de participação está baseado em benefícios psíquicos internos gerados pela

participação social e o altruísmo de bens refere-se aos benefícios observados

externamente. Muramatsu (1999), argumenta que vários economistas e psicólogos

interessados nesse tipo de modelo (self múltiplo), consideram que tal abordagem geraria

avanços para análise microeconômica convencional.

124

Seja U a utilidade com base na qual o agente Smith faz a escolha. Pode-se definir

que ),( SGUU = , onde G é a utilidade de G-Smith do indivíduo, que se refere à

percepção de Smith sobre a situação da sociedade como um todo. Seja S , por sua vez, a

utilidade que caracteriza S-Smith. A utilidade-G é uma função do gastos de Smith com

G -Smith, dos gastos )(g voltados para os interesses da comunidade, dados os recursos

disponíveis para S -Smith, sendo )(s a distribuição dos bens entre despesas auto-

orientadas e as altruístas. O mesmo vale para os argumentos da função utilidade- S .

Então, a participação de Smith dependerá de quão grande a parcela dos seus

recursos destinados para o interesse da comunidade (grupo) e dos recursos destinados

para o satisfazer o seu auto-interesse. Isso será representado por uma razão de

participação )/( sg , na qual g é a quantidade total de recursos alocados em G -Smith,

que corresponde aos interesses da comunidade e s é a quantia alocada em S -Smith.

Esta proporção Smith alocará os recursos para maximizar G ou S -Smith. A razão entre a

utilidade marginal das despesas feitas para o benefício do grupo e a utilidade marginal

dos gastos auto-orientados é que definirá a razão ´´/ SG (value ratio) das oportunidades

de gastos de Smith:

),( SGUU =

0, >∂∂

∂∂

S

U

G

U ggU e 0<ssU (1)

As derivadas de (1) com relação a s e g são:

´.. GUg

GUU GGg =

∂∂= (2)

SUs

SUU sss .. =

∂∂= (3)

Assumindo que gs UU = , rearranjando os termos, tem-se o seguinte equilíbrio:

´

´

S

G

U

U

G

s = (4)

Admitindo a despesa de qualquer indivíduo, exceto Smith, como um parâmetro,

pode-se definir Gg UW =*, ss UW =* a condição de equilíbrio será:

´

´*

*

S

G

W

W

g

s = (5)

125

Considerando que *

*

g

s

W

WW = . Para esse caso a condição de equilíbrio será:

´

´

S

GW = , sendo que 0>

∂∂

g

W e 0<

∂∂

s

W

A função U demonstra como Smith faz a escolha dada numa determinada

circunstância. O modelo de Margolis (1984) descreve que a noção de utilidade marginal

decrescente é relevante para discussão de gasto social versus gasto com o consumo

próprio. A função W capta o sentido do altruísmo de participação, pois, refere-se ao peso

que Smith dá a utilidade- S quando vai escolher e alocar uma unidade adicional dos

recursos destinados à comunidade ou consumo próprio. Quanto maior for a razão de

participação )/( sg , maior será o peso dado por Smith ao auto-interesse na margem. A

razão de valor, ´´/ SG , descreve o sentido indireto de altruísmo de bens.

Se ´´/ SGW > , o agente agirá com base em seu auto-interesse. Se ´´/ SGW < , o

indivíduo destina seus recursos para o interesse do grupo, reduzindo s e aumentando g .

Quanto menos recursos o agente tiver destinado ao grupo, mais o agente desejará

participar.

Para Margolis (1984) o problema da cooperação não pode ser resolvido pela

remoção do altruísmo de bens. O autor sugere a necessidade de encontrar mecanismos

que tornem possível garantir uma medida de altruísmo de bens, dadas as vantagens do

egoísmo120. Já o altruísmo de participação oferece uma solução parcial, pois, os

indivíduos relativamente não-egoístas de um grupo poderiam ser protegidos se tais

altruístas desenvolverem mecanismos para limitar o oportunismo.

O autor descreve a lógica do seu modelo de “parte justa” de alocação de recursos

entre valores privados e valores sociais. Quanto maior a parcela dos recursos que o

indivíduo gasta altruisticamente, maior o peso que o indivíduo dará aos seus interesses

egoístas na alocação marginal dos seus recursos. Entretanto, quanto maior for o benefício

que o indivíduo oferece ao grupo relativamente ao seu benefício próprio, maior será a sua

tendência de agir altruísticamente.

O autor ilustra o seu modelo, a partir do gráfico que se segue, que representa o

equilíbrio de “parte justa”. No gráfico 2, tem-se que a curva tracejada, positivamente

inclinada, demonstra W aumentando quando a parcela da renda de Smith alocada para o

120 Entende-se que o altruísmo de bens pode ser um tipo de altruísmo impuro, cujo indivíduo pode se beneficiar na provisão de bens ao grupo, estando em evidência o seu auto-interesse.

126

interesse do grupo aumenta na direção do nível de riqueza I . A curva negativamente

inclinada dá a razão do valor ´´/ SG . Tem-se que o único equilíbrio se dá no ponto E, pois

´´/ SGW = .

Gráfico 2 - Equilíbrio Único (E): parte justa

Fonte: MARGOLIS121, 1984 apud MURAMATSU, 1999, p. 94

O gráfico 3, mostra o caminho de expansão (renda-consumo de equilíbrio), ou seja

o conjunto das alocações de Smith quando o nível renda cresce. Em cada ponto da curva

tem-se:

´´/ SGW = que é uma situação de equilíbrio

Se a condução for válida para toda curva Is , os dois pontos qualquer da curva

deve-se ter:

´)(´).( GSW ∆=∆ , e se a alocação for eficiente, vale também:

ISG ∆=∆+∆

Em outros termos, se a alocação de um aumento I∆ na renda for dividido entre o

gasto com o bem público )(G e com a própria despesa do indivíduo )(S , correspondendo

a G∆ e S∆ , a mudança ´.SW que será igual a mudança em ´G .

121 MARGOLIS, H. Selfishness, Altruism and Rationality. Chicago: University of Chicago Press, 1984, p. 40

127

Gráfico 3 - Caminho de Expansão: renda consumo de equilíbrio

Fonte: MARGOLIS122, 1984 apud MURAMATSU, 1999, p. 94

O que acontece quando se admite que a utilidade gerada pela participação for

maior com a utilidade gerada pela motivação do altruísmo de bens? Margolis (1984),

ilustra este processo a partir do seguinte gráfico:

122 MARGOLIS, H. Selfishness, Altruism and Rationality. Chicago: University of Chicago Press, 1984, p. 40

128

Gráfico 4 - Utilidade Marginal: gasto auto-orientado e despesa altruísta

Fonte: MARGOLIS123, 1984 apud MURAMATSU, 1999, p. 94

O gráfico 4, descreve o caminho de expansão que é definido com um reta

horizontal e a curva à esquerda refere-se à utilidade marginal do gasto auto-interessado.

A curva à direita equivale à utilidade marginal da participação. A linha reta representa a

utilidade marginal do altruísmo de bens. O eixo horizontal nas duas direções, com

referência ao ponto de origem mensura a despesa. Assim, quando a renda é I , Smith

gasta $ x com seu interesse próprio e $ y com o altruísmo. Quando a renda é +I o

indivíduo gasta $ +x e $+y , com auto-interesse e altruísmo, respectivamente.

Em síntese, o princípio da parte justa do modelo altruísta de Margolis (1984), pode

ser sumarizado:

123 MARGOLIS, H. Selfishness, Altruism and Rationality. Chicago: University of Chicago Press, 1984, p. 40

129

a) Quanto maior for a razão de valor, ´´/ SG maior será a propensão de Smith alocar

R$ 1,00 adicional, uma unidade de recurso adicional para as demandas do seu

lado G-Smith.

b) A função de ponderação, W , está relacionada positivamente com a razão de

participação sg / , porque a probabilidade de Smith direcionar R$1,00 adicional

para S -Smith deve aumentar quando ocorre um aumento na razão de

participação. Em outros termos a utilidade marginal da contribuição social cai

quanto mais recursos forem destinados às atividades sociais;

c) O agente está em equilíbrio quando a tendência a favorecer o seu auto-interesse

for igual à propensão em agir com base no interesse público, ou seja, quando se

tem ´´/ SGW = , )/( sgfW = e 1≥W .

Portanto, a probabilidade de Smith se engajar numa causa pública depende da

sua noção ou percepção da importância da causa e do valor marginal da sua contribuição.

Muramatsu (1999), argumenta que tal função multifacetada de Smith (S-Smith e G-

Smith) é lexicográfica, pois não existe qualquer relação unidimensional ente utilidade-G e

utilidade-S, dado que são motivações geradas por sistemas de motivação

independentes124, abrindo espaço, então, para análise econômica do altruísmo genuíno

no arcabouço da utilidade. No entanto, as características motivacionais do agente e os

atributos cognitivos, são responsáveis pelo processamento das informações e nesse

contexto Muramatsu (1999), considera que a Psicologia tem muito a contribuir com a

Economia:

A psicologia tem muito a dizer aos economistas. Na verdade, existem basicamente dois ramos de estudos da área de psicologia econômica. Um deles é consistente com o arcabouço da teoria da utilidade, mas defende a necessidade de explorar a natureza psicológica das estruturas de preferência a fim de ganhar poder preditivo. O outro, por sua vez, sustenta que abordagem de maximização de utilidade é fundamentalmente usada como uma descrição psicológica do comportamento individual. (MURAMATSU, 1999, p. 97)

124 Este ponto ficará mais claro quando for apresentado mais adiante a teoria da escolha com objetivos múltiplos de Moldau (1985)

130

De um modo geral, pode-se que dizer o modelo de Margolis (1984), mostra um

caminho em que é possível questionar a teoria tradicional baseada na utilidade

unidimensional. Na verdade, o autor dá duas funções utilidade (S-Smith e G-Smith), na

construção do Self- Múltiplo.

5.8 A teoria da escolha sob critérios múltiplos e a

131

Dada a perspectiva ética de Sen (1982), que foi apresentado no início desse

trabalho, a teoria da escolha sob critérios irredutíveis pode formalizar a idéia de Sen, no

que se refere às ordenações de preferências baseadas em critérios morais.

A aplicabilidade da teoria da escolha sob critérios irredutíveis para o estudo do

altruísmo genuíno foi realizada por Muramatsu (1999)125. Para a autora, a teoria da

escolha com objetivos múltiplos é uma alternativa apropriada para a discussão da conduta

altruísta sem que seja preciso reduzi-la à motivação essencialmente auto-interessada.

Os modelos convencionais de utilidade, conforme foi apresentado nas seções

anteriores, não conseguem explicar o altruísmo genuíno. Por isso, recorre-se ao modelo

de Muramatsu (1999), que pode ser o modelo que mais se aplica à perspectiva do

altruísmo genuíno, sob o foco da análise da escolha econômica e abordagem ética de

Sen.

Na seqüência dessa breve introdução, será apresentada a abordagem pioneira de

Menger acerca da hierarquização das necessidades humanas que serviu de inspiração

para formalização de tal idéia a partir das ordenações lexicográficas. Em seguida serão

apresentadas as definições e conceitos de ordenações lexicográficas e para finalizar,

retoma-se o debate acerca do comportamento não-egoísta, apresentando o modelo de

altruísmo genuíno de Muramatsu (1999).

5.8.1- Hierarquização das necessidades humanas: a a bordagem pioneira de Menger

No primeiro capítulo desse trabalho, foi apresentada a evolução da teoria da

utilidade desde os seus primórdios com os trabalhos de Bentham e Mill. Entretanto, a

teoria da utilidade como é conhecida na Escola Neoclássica, teve suas origens estendidas

aos trabalhos independentes por Walras (1954), Jevons (1970) e Menger (1988), por volta

dos anos de 1870.

A descoberta independente e quase simultânea do princípio de utilidade marginal

por Jevons, Menger e Walras, marcou o início da Escolha Neoclássica. Dessa maneira,

se teve a progressão da Escola de Lausane a partir de Walras, a Escolha Austríaca (Böm

125 O campo de aplicabilidade da teoria da escolha de Moldau (1985), pode ser conduzido a uma série de casos e áreas da Economia. O autor indicou a sua aplicabilidade para o estudo das escolhas por parte do poder público, estendendo a sua análise para tomada de decisão da firma entre diferentes critérios e estratégias de ação.

132

Bawerk, Wieser) a partir de Menger e da Escola Anglo-Saxã (Edgeworth, Marshall) a

partir de Jevons:

O ano de 1871, em que apareceram a Teoria de Política Econômica de Jevons, bem como os Princípios de Economia Política de Carl Menger, é hoje considerado por todos, e com razão, o início de uma nova época da evolução da Economia Política. Jevons já havia exposto suas idéias básicas nove anos antes, em uma conferência (publicada em 1866), a qual porém, só despertou pouca atenção na época. Walras por sua vez, só começou a publicar em 1874. Assim tem-se a plena certeza de que os trabalhos desses três fundadores se desenvolveram totalmente independentes um dos outros (HAYEK, 1934) 126.

Deve-se notar que o problema central dos três autores é o mesmo - a utilidade

marginal. Entretanto os seus trabalhos se diferem entre si quanto ao quadro referencial.

Mas, o interessante é observar que tais caminhos percorridos por cada um deles,

chegaram a resultados tão similares.

É importante ressaltar que a teoria da utilidade no molde da Escola Neoclássica,

foi quase integralmente antecipada por Gossen, quase vinte anos antes da publicação de

Jevons127. Entretanto, esse autor não exerceu grande influência na academia, não tendo

seguidores como ocorreu nos trabalhos influentes de Menger, Walras e Jevons.

A origem da teoria da utilidade, admitindo o hedonismo psicológico, já foi

delineada no primeiro capítulo desse trabalho. Cabe, agora, esclarecer a posição de

Menger (1988) dentro dessa linha de pensamento. Para o autor austríaco, o homem

econômico atua em resposta as suas sensações de necessidades, de modo que a sua

racionalidade é compreendida pela sua percepção de necessidades e pelo entendimento

da maneira pela qual estas podem ser satisfeitas por suas ações em relação ao meio

ambiente.

Tendo como base o trabalho de Moldau (1985), haveria duas maneiras distintas de

interpretar a teoria da utilidade:

a) a primeira como representando o princípio de maximização de prazer ou

satisfação, baseada na filosofia utilitarista de Bentham e Mill, conforme já apresentado.

126 Trecho introdutório de Hayek (1934) ao livro Princípios de Economia Política de Menger (1988), p. 4 127 Referente a primeira conferência em que houve a publicação de Jevons sobre a teoria da utilidade em 1866. Ver Moldau (1985), p.14

133

b) a segunda reintrepretação corresponde à noção mais ampla de satisfação de

necessidades redutíveis à busca do prazer, sendo esta última associada aos trabalhos de

Menger (1988).

Ao contrário dos outros autores (Gossen, Jevons, Walras), Menger (1988) não

utiliza o conceito de utilidade como magnitude a ser maximizada pelo agente. A

determinação do valor para o autor austríaco está conduzida em termos de outros

objetivos que derivam o comportamento do agente, que procura satisfazer

progressivamente suas necessidades. Dito de outra forma, o indivíduo buscaria atender

sucessivamente suas necessidades postas em ordem decrescente quanto à sua

importância.

O argumento central de Menger pode ser compreendido a partir do seguinte

tabela:

Tabela 3: Escala de Necessidades

I II III IV V VI VII VIII IX X

10 9 8 7 6 5 4 3 2 1

9 8 7 6 5 4 3 2 1 0

8 7 6 5 4 3 2 1 0

7 6 5 4 3 2 1 0

6 5 4 3 2 1 0

5 4 3 2 1 0

4 3 2 1 0

3 2 1 0

2 1 0

1 0

0

Fonte: Menger,1988,p.81

Menger (1988), em análise à tabela 3, sugere que os números expressos na tabela

são grandezas e graus de importância às necessidades, de modo que o número 10 cabe

à satisfação da necessidade que depende da conservação da vida. A escala 9 a 0,

designa os graus de importância que cabem, em ordem decrescente, ao abatimento das

demais necessidades. A escala da coluna I, indica a importância da necessidade de

135

5.8.2 Hierarquização das necessidades humana admiti ndo-se ordenações lexicográficas

Dada a abordagem pioneira de Menger, acerca da hierarquização das

necessidades humanas, busca-se investigar os aspectos formais em que seja possível

compreender a hierarquia de vontades e necessidades humanas. Conforme visto, Menger

(1988) foi o precursor dessa abordagem.

Para melhor compreender os aspectos conceituais acerca das necessidades

humanas, optou-se em recorrer aos trabalhos de Maslow (1954), para efeito de

simplificação. Esse autor foi um importante psicólogo e consultor americano, que

apresentou a teoria da motivação128, segundo o qual as necessidades humanas estão

ordenadas em níveis, numa hierarquia de importância e de influência.

Para o autor, a motivação humana é ditada pela satisfação das necessidades:

El hombre es un animal que desea y que raramente alcanza un estado de completa satisfacción, excepto durante um corto tiempo. A medida que se satisface, pugna outro todavia em el fondo, etc. Es una característica del ser humano, a lo largo de toda su vida, el hecho de que prácticamente este siempre deseando a lo. Nos encontramos, entonces, con la necesidad de estudiar las relaciones de todas las motivaciones en particular, de modo que nos hallamos enfrentados concomitantemente com la necesidade de renunciar a las unidades motivacionales aisladas, en el caso de que queramos establecer el amplio entendimiento que andamos buscando. (MASLOW, 1954, p.73)

Maslow (1954), sugere a seguinte hierarquia das necessidades:

a) necessidades fisiológicas: constituem no mais baixo nível de todas as

necessidades humanas, representadas pela necessidade de alimentação (fome e

sede), de sono e repouso (cansaço), de abrigo (frio ou calor), desejo sexual etc.

Tais necessidades estão relacionadas com a sobrevivência e preservação da

espécie;

b) necessidades de segurança: constituem na busca de proteção contra a ameaça ou

privação, a fuga ao perigo. Surgem no comportando quando as necessidades

fisiológicas estão relativamente satisfeitas. Um exemplo desse tipo de

necessidade pode estar relacionado às incertezas e insegurança do empregado

quanto à sua permanência no emprego;

128 As obras do autor em geral são utilizadas no curso de Administração de Empresas, na disciplina Teoria Comportamental da Administração. Para o caso deste trabalho, falar de hierarquia de necessidades, sem mencionar a contribuição desse autor para o tema, seria tarefa incompleta.

136

c) necessidades sociais: constituem em necessidade de associação, participação,

companheirismo, de troca de amizade e amor. Surgem quando as necessidades

fisiológicas e sociais estão relativamente satisfeitas. Em suma as necessidades

sociais referem-se ao fato do indivíduo dar e receber afeto;

d) necessidade de auto-estima: compreendem a auto-confiança, status, aprovação e

prestigio social. Tais necessidades conduzem a sentimentos de auto-confiança,

força de vontade, capacidade e poder, ou seja, são necessidades relacionadas

com o modo pelo qual o indivíduo se vê e se avalia;

e) necessidade de auto-realização: referem-se às necessidades de cada indivíduo

realizar o seu próprio potencial e auto-desenvolver-se, de modo que são

necessidades elevadas na hierarquização das mesmas. Surge quando as

necessidades fisiológicas, de segurança, auto-estima encontram-se relativamente

satisfeitas.

Para Maslow (1954), quando as necessidades mais baixas estão relativamente

satisfeitas, as necessidades mais elevadas começam a dominar o comportamento do

indivíduo. Do mesmo modo, quando alguma necessidade de nível mais baixo deixa de ser

satisfeita, ela volta a predominar no comportamento. Para o autor, o indivíduo possui mais

de uma motivação, ou seja, todas as motivações atuam conjuntamente para a

determinação do comportamento.

Transferindo o debate psicológico para o campo da Economia, encontra-se em Lux

e Lutz (1986), a possibilidade de oferecer um modelo econômico de escolha mais

realista129, numa abordagem econômica humanista:

So far we presented the most essential ingredients of humanistic economics (1) the affirmative of physiological and psychological needs, 2) the hierarchical prepotencies of the physiological needs and (3) the importance of adequate security in activating the physiological and moral needs. Equipped with such a foundation framework, we believe that the current scopes of economic science can fruitfully enlarger in both its descriptive and normative and normative aspects, but is the latter where humanistic appears most relevant and witch we consider most worthwhile. (LUX & LUTZ, 1986, p.399-400).

Os autores sustentam que o elemento central da perspectiva humanística da

escolha está entre os objetivos de bem-estar individual e de bem-estar coletivo, pois em

129 Os autores não formalizam o modelo, somente dão alguns insights acerca da possibilidade do modelo de escolha econômica incluir outras necessidades além da satisfação do auto-interesse.

137

certos momentos o agente prefere restringir os impulsos de maximização e transpor o

auto-interesse, escolhendo em favor das considerações éticas e altruísmo.

Nessa mesma perspectiva, Georgescu-Roegen (1954), tece algumas críticas

quanto à visão unidimensional da teoria da escolha tradicional. Na visão do autor, muitas

questões importantes não podem ser respondidas por conta do postulado único (auto-

interesse) do comportamento individual. Georgescu-Roegen (1954), argumenta que

economistas importantes, como Walras e Jevons, defenderam a existência da

unidimensionalidade da utilidade. O próprio Walras, chegou a assumir a dificuldade

quanto ao termo utilidade, mas ao final, o mesmo preferiu adotar o termo:”The absolute

intensity of utility escape us...very well, then: this difficulty is not insurmountable. Let us

assume that this relationship exists…” (WALRAS130., 1896, apud GEORGESCU-ROEGEN,

1954, Ibid, p.192p.97)

Dado, então, o debate teórico acerca da hierarquização das necessidades, passa-

se a discutir essa abordagem nos termos das preferências lexicográficas. Para facilitar a

compreensão do termo ordenações lexicográficas, recorre-se à Muramatsu (1999), que

dá um exemplo simples: suponha que um agente se depara com um conjunto de

alternativas +∈ RX . Admitindo-se então duas cestas contendo dois bens, representados

por Xyx ∈, , sendo que as cestas são iguais aos vetores ),( 21 xx e ),( 21 yy ,

respectivamente. Pode se dizer que a cesta x é estritamente preferida à cesta y , se

)( 11 yx > ou )( 11 yx = e )( 22 yx > .

O leitor deve observar que a ordenação lexicográfica viola o axioma de

continuidade de preferências, sendo que os seus limites não são preservados. Por

exemplo, uma função de produção é contínua se uma pequena alteração no insumo

ocasionar uma pequena variação na produção.

Simon (2004) dá a seguinte definição formal: Seja f uma função kR em mR . Seja

0x um vetor em kR e )( 0xfy = sua imagem. A função é contínua em 0x e, dada

qualquer seqüência ∞=1nnx em kR que converge a 0x , vale a seqüência ∞

=1)( nnxf da

imagens em mR converge a )( 0xf . A função é dita contínua se é contínua em cada

ponto do domínio”.

Intuitivamente uma função é contínua se o seu gráfico puder ser desenhado sem

que seja preciso levantar o lápis do papel. A função, será contínua se )()(lim bgxg = , se

130 WALRAS, Léon. Eléments d´économie politique pure (3 rd end.) Paris, 1896.

138

)(g tem o limite no ponto b e tal limite )( bx → coincidir com o valor )(g no ponto )(b .

Para o caso das ordenações lexicográficas está hipótese não se aplica, pois o limite no

ponto )(b , não converge para o verdadeiro valor de )(g no ponto )(b .

De acordo com Muramatsu (1999) o termo lexicografia é oriunda da maneira como

um dicionário é organizado. Quando se consulta um dicionário, sabe-se que uma palavra

que inicia com a letra “a”, antecede uma outra letra que pode ser “t”. Quando há duas

palavras como “abacaxi” e “armário”, é sabido que a posição ocupada pelas mesmas será

a segunda letra.

Com base nos trabalhos de Newman (1965), é sugerido um exemplo de Moldau

acerca das preferências lexicográficas:

Gráfico 5 - Preferências Lexicográficas: consumo entre cerveja e pão

Fonte: Moldau, 1985, p.85

Suponha um consumidor obcecado pelo consumo de cerveja. Com base no gráfico

anterior, o consumidor irá preferir uma combinação que contenha mais cerveja a qualquer

quantidade de pão. Se as duas combinações contivessem a mesma quantidade de

cerveja, o consumidor dará sua preferência pela combinação que tiver mais pão. Nota-se

139

que todas as combinações que estão à direita e acima do ponto 0x , considerando uma

reta perpendicular que passa por 0x , são melhores (região 0B ) que as possibilidades de

consumo à esquerda e abaixo de 0C , onde 0W é o conjunto de alternativas piores para o

indivíduo.

Outros autores, como Muramatsu (1999), consideram o mesmo gráfico realizando

algumas adaptações:

Gráfico 6 - Preferências Lexicográficas: consumo entre bem público e bem privado

Fonte: Muramatsu, 1999, p. 105

Para o gráfico anterior, assume-se que o agente é propenso a fazer o bem aos

outros, independente das chances de aumentar o bem-estar individual. Nesse caso o

indivíduo irá escolher uma cesta contendo os dois bens: bem público e bem privado. O

bem público refere-se aos recursos alocados para o consumo de bens e serviços da

comunidade. O bem privado refere-se aos bens de consumo próprio. De forma análoga,

se o indivíduo estiver numa situação em que existam duas cestas com a mesma

quantidade de bens públicos, ele tenderá a preferir a combinação que tiver mais bens de

consumo próprio. De acordo com a autora o estudo de ordenações lexicográficas ajudar a

entender a escolha realizada em favor dos nossos compromissos morais.

Georgescu-Roegen (1954), discute a análise de ordenações lexicográficas de

forma distintada que foi realizada até aqui. O autor propõe o Princípio de Irredutibilidade

das Necessidades (Principle of the Irreduticibility of Wants):

140

But not all human wants can reduced to a common basis. In contrast with the principles already mentioned the Principle of the Irreduticibility of wants seems to have escaped the attention of neoclassical economists (…).In support of the irreduticibility of wants, one may refer to many everyday facts: that bread cannot save someone from dying of thirst, that living in luxurious palace does not constitute a substitute for food etc. (GEORGESCU-ROEGEN, 1954, p. 196).

Em outros termos um critério deixa apenas de ser prioritário quando ele é

completamente satisfeito (saciado). O autor cita três princípios básicos utilizados por

alguns precursores da teoria da utilidade com base na hierarquia das necessidades:

a) O Princípio de Subordinação de Necessidades (Principles os Subordination of

Wants): esse postulado é atribuído aos trabalhos de Jevons que considera que a

satisfação de uma necessidade permite o surgimento de uma necessidade

superior;

b) Princípio da Saciedade (Principle of Satiable Wants): atribuído aos trabalhos de

Gossen acerca da satisfação total de uma única necessidade;

c) Princípio Crescente das Necessidades (Principle of Satiable Wants): atribuído ao

trabalho de Menger, acerca da ausência da saciedade absoluta das necessidades

que serão sempre crescentes;

De acordo com Georgescu-Roegen (1954), a teoria da utilidade reduz todas as

necessidades ao único denominador comum (a utilidade), por isso o autor propõe o

Princípio de Irredutibilidade das Necessidades, que caracteriza as mesmas pelo grau de

importância. Ou seja, quando um objetivo mais importante é completamente satisfeito, o

agente passa a considerar outros objetivos menos prioritários, sendo que a função dessa

escolha é determinada pelo critério menos importante.

Muramatsu (1999), aplica as idéias de Georgescu-Roegen (1954) para a escolha

eticamente motivada, baseada nas seguintes hierarquias de necessidades:

a) necessidades biológicas: referem-se às necessidades fisiológicas para a

manutenção da vida;

b) necessidades psicológicas: referem-se às necessidades do indivíduo ganhar

status e prestígio social;

c) necessidade de auto-realização: compreende a vontade do agente honrar

compromissos morais na promoção do bem-estar social;

Imagine que o indivíduo deva escolher uma combinação de bem público, 1x e de

bem privado 2x . Considere que o primeiro critério (necessidades biológicas) seja

satisfeito por qualquer combinação de bens público e privado, mensurado por uma

141

unidade de satisfação por qualquer necessidade biológica denominada como )(s , de

modo que 21 xxs += . O segundo critério, refere-se às necessidades psicológicas )( p ,

que são satisfeitas pelo consumo de bem privado, tal que 2xp = . As necessidades de

auto-realização compreendem o terceiro critério que se refere aos compromissos morais,

denominados como )(m . Esse critério refere-se ao número de agentes que precisam da

ajuda de um indivíduo, tal que 21 bxaxm += )0,( >ba .

Então, se a necessidade de manutenção da vida )(s for mais importante que a

necessidade psicológica Ss ≤ , em que S é a saturação do critério sobrevivência, o

agente irá fazer sua escolha com base na dimensão de “s”. Se houver duas combinações

com o mesmo “s”, o indivíduo começa a considerar a maior combinação de bem público e

privado que atenda as suas necessidades de natureza psicológica )( 2xp = , escolhendo a

melhor combinação que tiver 2x . Se Ss > , a necessidade biológica passa a ser

secundária às escolhas baseadas nas necessidades psicológicas )( p . Do mesmo modo

se houver duas cestas com )( p iguais, o agente passa a considerar a combinação de

bem público e privado que atenda as suas necessidades de natureza relacionadas aos

compromissos morais )(m , de modo que esta última irá determinar a escolha131.

Para Moldau (1985), nesse universo das preferências lexicográficas existem duas

versões estudadas pelos economistas:

a) a primeira versão é adotada pela maioria dos economistas, e pressupõe uma

hierarquização de critérios imutáveis com o mesmo critério prioritário em todo

campo de escolha do indivíduo. Tal versão é representada pelos economistas

Little e Gorman (1971);

b) a segunda versão é representada por Georgescu-Roegen (1954) e Encarnación

(1964) e admite que diferentes critérios podem ser prioritários de forma mutável,

assumindo que cada necessidade deixa de ser prioritária quando é completamente

saciada;

Moldau (1985), critica a abordagem de Georgescu-Roegen (1954), quanto à

questão de saciedade das necessidades. O autor afirma:

131

142

Dificilmente se poderia aceitar que a necessidade seja prioritária frente às variações substanciais da renda do indivíduo. Em particular, a saciedade das necessidades biológicas básicas é um fato indiscutível que não tem escapado as observações de mercado ou mesmo ao exame introspectivo. Por outro lado, a noção de que determinada necessidade deixa de ser predominante quando totalmente saciada, dificilmente pode ser aceita como representativa do caso geral conforme observado acima. (MOLDAU, 1985, p.92).

O autor propõe uma versão alternativa a de Georgescu-Roegen (1954), que

corresponde a noção de que determinadas necessidades podem deixar de ser prioritárias

antes de serem totalmente satisfeitas, havendo nessa transição pontos do espaço de

bens em que mais de uma necessidade se tornariam igualmente importantes. Essa noção

será utilizada a seguir, aplicada ao modelo de altruísmo genuíno de Muramatsu (1999).

5.8.3 Teoria da escolha sob critérios irredutíveis como alternativa viável ao comportamento não-egoísta: o modelo de altruísmo ge nuíno de Muramatsu

O modelo de altruísmo genuíno de Muramatsu (1999), em sua versão preliminar

propõe o entendimento da conduta altruísta a partir da abordagem ética. A autora utiliza a

teoria da escolha sob critérios múltiplos irredutíveis de Moldau (1985), como alternativa

plausível para o altruísmo genuíno. Nesse caso as considerações acerca da promoção do

bem-estar alheio são entendidas como um fim em si mesmo, não sendo redutível ao auto-

interesse.

Retomando o debate da sub-seção anterior acerca da saciedade das

necessidades, pode-se classificar essa teoria da escolha dada por Moldau (1985), como

uma terceira versão das ordenações lexicográficas. Nesse caso a escolha é determinada

pela importância relativa dos critérios, ao contrário de necessidades completamente

satisfeitas conforme proposto por Georgescu-Roegen (1954). Com base nesse terceiro

tipo de ordenação lexicográfica, Moldau (1985) sugere um exemplo: Suponha que num

ponto do conjunto de alternativas de um consumidor de baixo nível de ingestão calórico, a

prioridade pode ser o conteúdo calórico. Ademais, em outro ponto em que se observa um

baixo nível de proteínas, o conteúdo protéico será o critério prioritário para a tomada de

decisão.

143

De forma geral, os principais axiomas que o modelo de Moldau (1985) contemplam

são132:

a) axioma de comparabilidade

b) axioma de transitividade

c) axioma de não saciedade

d) axioma de continuidade da relação de não-preferência em termos do critério

Para exemplificar, tais premissas Muramatsu (1999) propõe uma análise gráfica

desse modelo de hierarquia móvel dos critérios irredutíveis para entender a conduta

altruísta. Em sua primeira análise gráfica, a autora (1999), considera dois bens (público e

privado) com dois critérios de escolha. Portanto, imagine que o agente consome dois

bens, um bem público )( 1x e um bem privado )( 2x , e que possui apenas dois critérios (a

e b). O critério (a), refere-se à necessidade de satisfazer o auto-interesse próprio e o

critério (b), diz a respeito da necessidade de contribuir para a promoção do bem-estar

social. Esses dois critérios são respectivamente apresentados pelas funções

),( 21 xxUU aa = e ),( 21 xxUU bb = . O gráfico a seguir ilustra a escolha do consumo desses

bens em termos da importância relativa dos critérios (a) e (b):

132 Julga-se que não seja preciso colocar por completo a formalização do modelo sob critérios múltiplos de Moldau, até porque tal formulação de variáveis é extensa. O objetivo é somente traçar um panorama geral da idéia de ordenações lexicográficas. Ao leitor interessado nas premissas e detalhes da formalização do modelo indica-se que consulte: Moldau (1985), pp. 17-39

144

Gráfico 7 - Hierarquia móvel com dois critérios de escolha

Fonte: Muramatsu, 1999, p.117

O gráfico 8, indica que a necessidade de satisfazer o auto-interesse é

predominante em toda a região OPR, incluindo a linha PR. No ponto R, tem-se dois

critérios igualmente importantes, isto é, ba UU = . Observando a curva PR, em que o auto-

interesse (a) é prioritário, qualquer combinação de bem público e privado, que contenha

maior quantidade de bem privado será preferido ao ponto R. Todas as combinações sobre

a curva RS, os critérios (a) e (b), são igualmente importantes, sendo que a esquerda de

aU é prioritário e a esquerda da curva RS, bU é prioritário.

A autora considera também ´´´´´´´´´´´´ bbbaaa UUUUUU , admitindo-se que

´´´´´´ aaaa UUUU <<< e ´´´´´´ bbbb UUUU <<< , como vários níveis de satisfação associados

aos critérios (a) e (b). Caso se observe a curva ´´´´´´ ba MUU , verifica-se que qualquer

alocação abaixo dessa curva está relacionada a níveis inferiores de satisfação de

critérios. Nesse caso, o ponto N é preferido a todas as combinações alternativas abaixo

´´´bMU e à direita de RM, pois elas estão relacionadas a níveis mais baixos de satisfação

do critério mais importante, que referem-se ao bem-estar social. O ponto N é preferido a

qualquer combinação à esquerda de RM e abaixo de ´´´aU , porque se refere a um nível de

satisfação do critério prioritário mais elevado, independentemente do fato do critério

145

prioritário de uma alternativa à esquerda de RS (necessidade de satisfazer o auto-

interesse). Em relação ao ponto M, tem-se que o critério (a) é tão importante quanto o (b).

Muramatsu (1999), afirma que o ponto N é preferido a M porque, embora as duas

alternativas apresentem o mesmo nível de satisfação do critério prioritário (M e N estão

sobre ´´´´´´ ba MUU ), sendo que N está relacionada a um nível mais elevado de satisfação

do segundo critério.

Na seqüência a autora considera que um agente pode escolher uma alternativa de

consumo de bem público )( 1x e um bem privado )( 2x , mas que se depara com quatro

objetivos irredutíveis. Dito de outra forma, o agente possui quatro tipos de necessidades

que motivam o processo decisório, representados por (a), (b), (c) e (d), sendo que:

a = necessidade de satisfazer o seu auto-interesse

b = necessidade de ganhar status e prestígio social

c = necessidades psicológicas, referentes à necessidade de se ter uma auto-

imagem positiva

d = necessidade de honrar os compromissos éticos e morais, satisfazendo os

interesses da sociedade

Portanto, o agente vai se deparar com quatro funções representativas da

satisfação de cada um dos critérios, representadas por ),( 21 xxUa , ),( 21 xxUb , ),( 21 xxUc e

),( 21 xxUd . Muramatsu (1999), sugere o seguinte gráfico para análise:

Gráfico 8 - Hierarquia móvel com quatro critérios de escolha

Fonte: Muramatsu, 1999, p. 119

146

De acordo com o gráfico 8, sobre as curvas RS, R´S` e R´´S´´, tem-se

respectivamente as seguintes funções: ba UU = , cb UU = e dc UU = . Para as alternativas

à esquerda de R, critério (a) é prioritário. Entre RS e R´´S´´o critério (b) é prioritário. Entre

R´S´e R´´e S´´ o critério (c) é prioritário. Neste contexto, as alternativas devem ser

analisadas a partir da curva MABCN. Se percorre-se o ponto M em direção ao ponto A,

percebe-se que o critério prioritário (auto-interesse) se mantém constante. Entretanto,

tem-se que ba UU = , enquanto em A, tem-se que, entre os pontos A e B, a importância

do critério (b) (necessidades sociais) fica inalterada, enquanto (a) perde importância e as

necessidades psicológicas e morais vão se tornando mais importantes. No ponto B, as

necessidades sociais e psicológicas tornam-se igualmente importantes sendo que as

duas coincidem com o critério de primeira ordem. Ao longo do trecho BC, nota-se que cU

é constante e as necessidades de honrar compromissos morais tornam-se relativamente

mais importantes, em função de outros critérios. Em C, dc UU = , o critério prioritário (d)

passa a ser prioritário, tornando-se o critério de primeira ordem, sendo que o agente

passa a direcionar os seus recursos para o aumento do bem público, tendendo ao ponto

N.

A autora argumenta que o critério de primeira ordem pode variar dependendo do

ponto em que se encontra o indivíduo relativamente à curva MABCN, que determina a

importância de primeira ordem. Todo ponto abaixo dessa curva resulta numa satisfação

mais baixa do critério prioritário. Pode-se notar que o ponto está associado a um índice

inferior de satisfação do critério (b), enquanto o ponto Q é associado a um nível de

satisfação inferior para o critério prioritário (c), na composição da hierarquização das

necessidades.

Muramatsu (1999), afirma que o critério de primeira ordem ajuda a entender a

determinação do equilíbrio. Os critérios de ordem superior só serão necessários quando

existirem duas alternativas em que a importância relativa dos critérios prioritários sejam

iguais. Nesse contexto, a autora conclui que a versão da teoria de escolha com objetivos

múltiplos irredutíveis tem a vantagem de incorporar, de maneira direta, outras motivações

que não podem ser reduzidas ao auto-interesse. Na prática, a escolha efetiva pode ir

contra o interesse próprio e o bem-estar individual, admitindo o bem-estar alheio como

critério prioritário. Ademais, a autora tece críticas quanto a limitação da teoria de escolha

convencional no que diz respeito a ordenação unidimensional. Assim, a partir desse

147

modelo é possível realizar a análise econômica do altruísmo genuíno, sendo que tal

abordagem é perfeitamente consoante às idéias de Sen (1982), acerca da escolha

baseada nos compromissos morais e éticos.

5.9. Modelos de altruísmo: algumas qualificações so bre o debate

Nas seções anteriores, destacou-se alguns modelos principais de altruísmo. Em

sua maioria o comportamento altruísta assume alguma versão do modelo de maximização

de utilidade sujeito às restrições. Em geral o altruísmo é assumido pelos economistas

como versão do auto-interesse esclarecido: o altruísmo é admitido como conduta racional

se somente se o agente máxima a sua própria função utilidade, baseada no auto-

interesse em detrimento do bem-estar alheio. Entre estes modelos estão:

a) Modelo de altruísmo na família (Becker, 1974);

b) Modelo tradicional de altruísmo (Roberts,1984 e Stark, 1989);

c) Modelo de altruísmo recíproco (Sugden, 1984);

d) Modelo de altruísmo impuro (Andreoni, 1987);

e) Modelo de altruísmo como sinalização de riqueza (Glazer e Konrad, 1996);

O modelo de altruísmo da família considera que os beneficiários egoístas de uma

dada família, internalizam todas as externalidades que os afetam individualmente. A

família é admitida por Becker como unidade da atividade econômica, sendo que o

beneficiário (esposa ou filho), agirá para favorecer a elevação da renda do altruísta (pai),

elevando assim a renda familiar e a parcela que será destina ao próprio beneficiário.

O modelo de altruísmo tradicional, no qual alguns autores como Stark (1989),

Roberts (1984) e Becker (1974) realizam suas análise com modelagens bem

semelhantes, conclui que, quando a população cresce, o indivíduo tende a cooperar cada

vez menos, tendendo a não contribui para o bem público, pois no equilíbrio somente os

ricos contribuirão. Nesse caso, a motivação é essencialmente egoísta, pois as

contribuições ao bem público servem para melhorar a auto-imagem do indivíduo.

O modelo de altruísmo impuro de Andreoni (1987), caracteriza o indivíduo por uma

função utilidade, em que seus argumentos representam a motivação altruísta

relacionadas à motivação egoísta, no que se refere às doações individuais. O altruísta

impuro, gera um ganho de utilidade para o próprio indivíduo, como que se sua ação de

caridade estivesse próxima ao consumo de um bem privado.

148

O modelo de altruísmo recíproco de Sugden (1984),

149

muito abstrata e por ignorar diferenças que separam ações voltadas para satisfação pessoal daquelas feitas em resposta às considerações sobre o bem-estar alheio. (MURAMATSU, 1999, pp.77-78).

Em defesa da abordagem ética, admitindo o altruísmo, como conduta genuína,

encontram-se os seguintes modelos:

a) Modelo de escolha moral (Zsolnai, 1997);

b) Modelo de Self Múltiplo (Margolis, 1984);

c) Modelo de altruísmo genuíno sob os critérios múltiplos irredutíveis (Muramatsu,

1999);

O modelo de escolha moral proposto por Zsolnai (1997), utiliza um “maximim” para

explicar a tomada de decisão baseada no auto-interesse do indivíduo, e também a

tomada de decisão baseada no bem-estar da comunidade na qual ele pertence. A idéia é

que, se o indivíduo se depara com dilema ético, ele estará propenso a fazer a escolha

para minorar o pior dos resultados possíveis.

O modelo Self Múltiplo de Margolis (1984) está baseado na escolha moral, que é

caracterizada por duas funções existentes em cada indivíduo (self dual). Cada uma

dessas funções está associada a motivações diferentes, pois em uma delas o agente

busca satisfazer o seu auto-interesse e na outra ele busca maximizar o bem-estar da

comunidade a partir da contribuição de bens públicos. Uma função preserva o auto-

interesse e a outra a motivação essencialmente altruísta.

O modelo de altruísmo genuíno de Muramatsu (1999) está associado à idéia de

metas-preferência de Sen (1982), pois sua construção analítica permite explicar o

altruísmo genuíno utilizando a noção de critérios múltiplos irredutíveis. Para explanar tal

modelo, retornamos ao debate acerca da utilidade, apresentando o argumento central de

Menger (1988) sobre a hierarquização das necessidades humanas e, posteriormente,

apresentamos o mesmo debate admitindo a noção de ordenações lexicográficas para a

hierarquia das necessidades irredutíveis entre si.

O leitor pode se perguntar qual o avanço que se teve na teoria econômica, com a

abordagem do comportamento altruísta, isto é, admitindo-se as contribuições da

psicologia, filosofia moral e sociobiologia. Pontualmente, não é uma tarefa muito simples

identificar tais avanços até porque muitos elementos teóricos deste trabalho, foram

questões já discutidas pelos economistas clássicos. Tais questões ganharam novos

contornos com os economistas contemporâneos que tratam do assunto.

150

Em termos práticos, a começar pela sociobiologia, pode-se afirmar que os estudos

dessa área tiveram forte influência para o tratamento racional da conduta altruísta. O

modelo pioneiro de Becker (1974), que aborda o altruísmo na família teve influência direta

da socibiologia, no sentido de trazer reflexões acerca das relações familiares com as

relações econômicas, na alocação de recursos entre seus membros tendo em vista o grau

de parentesco. Ademais, vale reiterar que o trabalho pioneiro de Becker (1974),

influenciou outros trabalhos na área da dinâmica evolucionária do altruísmo, incluindo os

modelos de altruísmo de Samuelson (1993), Stark (1993) e Simon (1990). Todos esses

modelos entre outros, estabelecem a relação entre a sociobiologia com a teoria

econômica.

Essa pesquisa contemplou somente dois modelos que tiveram a influência direta

da sociobiologia, como o modelo de Becker (1974) e Sugden (1984). Este último modelo,

conforme visto, trata das relações de reciprocidade, sendo influenciado pela teoria do

altruísmo recíproco de Trivers (1971). Seguindo a argumentação de Zagmani (1995), de

um modo geral, concordamos que a sociobiologia influenciou boa parte dos modelos

econômicos existentes acerca da conduta altruísta. Conforme verificado, o altruísmo é o

problema central da sociobiologia, ou seja, falar de altruísmo sem considerar a

contribuições dessa área biológica, seria uma tarefa incompleta. Ademais, os

pesquisadores da área da economia do altruísmo, retomaram na década de 70, algumas

questões clássicas acerca do altruísmo. Tal fato, pode ser considerado um avanço para a

teoria econômica, que, mesmo permanecendo na mesma linha neoclássica, procurou dar

um novo tratamento a tais questões que foram deixadas de lado com a ascensão da

economia neoclássica.

A incursão dessa pesquisa pela área da psicologia teve a intenção de trazer para o

debate a empatia como determinante das relações sociais que envolve algum tipo de

altruísmo. Conforme analisado, a empatia é um velho conceito da psicologia, utilizado por

Smith na sua obra “Teoria dos Sentimentos Morais”. O leitor deve notar que a retomada

desse assunto foi realizada tão somente para identificar a empatia como mecanismo

psicológico que antecede a ação altruísta. Os modelos aqui apresentados, mesmo que

intrisicamente, partem do pressuposto empático para determinação do comportamento

altruísta.

Deve-se notar que tais elementos da psicologia, estão incluídos em todos os

modelos econômicos aqui apresentados, porque são modelos que de certa forma,

procuram questionar o conteúdo da formação de preferências, ou seja, sutilmente,

151

procuram questionar o conteúdo da ação altruísta racional. Essa discussão fica clara no

modelo de Andreoni (1987) que procura identificar o altruísmo como impuro, ou seja,

como versão sutil do auto-interesse. O modelo de Glazer & Konrad (1996) é um outro

modelo, por exemplo, que procura identificar as doações voluntárias como sinalização de

riqueza, sendo uma necessidade psicológica de ostentação de riqueza para o indivíduo

que não faz as doações no anonimato.

Mesmo admitindo que a maioria dos economistas dessa área, têm dificuldades

para entender o altruísmo na sua forma genuína, fica evidente com os modelos aqui

apresentados, que há um esforço para entender o conteúdo dessa conduta. É nesse

contexto, que se pode dizer que há uma avanço para a teoria econômica, porque há um

esforço para entender o conteúdo dos gostos e preferências para o processo decisório do

agente altruísta, levando-se em consideração os estímulos psicológicos e as emoções

como determinantes desse tipo de conduta. O homem econômico racional não é mais

admitido como um conceito filosófico, metafísico ou normativo: é puramente instrumental.

A incursão dessa pesquisa, pela filosofia moral está justificada pelo fato de trazer

ao debate a questão da ética. Conforme já mencionado, os três últimos modelos abordam

a questão da escolha moral. São antigas reflexões dos filósofos, como Platão e

Aristóteles, em definir o que é ético e o que não é ético, que foram trazidas ao debate. A

busca intensa pelo auto-interesse sem fim, sem limites pode não levar as pessoas a se

sentirem mais felizes, isso ficou evidenciado na abordagem do homem ético de Sen, em

que a ética abordada está relacionada à escolha moral que maximiza o bem-estar

individual e coletivo.

Os modelos de Zsolnai (1997), Margolis (1984) e Muramatsu (1999), evidenciam

um avanço para a teoria econômica ao incluírem a dimensão moral para a conduta

altruísta, sendo que os trabalhos de Sen (1982) tiveram uma grande influência para a

construção de tais modelos.

De forma geral, as contribuições da filosofia moral, psicologia e sociobiologia para

o avanço da teoria econômica são ainda incipientes. De qualquer forma, cada uma

dessas ciências procurou dar um tratamento racional para a conduta altruísta. Tais

contribuições são muito mais qualitativas do que específicas (pontuais). Por outro lado,

pode-se observar que, mesmo havendo avanços e contribuições para a teoria econômica,

a abordagem acerca do comportamento altruísta ainda é neoclássica, pelas

características metodológicas que se manteve, entre elas: preferências estáveis, escolha

racional e tendência ao equilíbrio. Vale reiterar que nenhum dos modelos aqui

152

mencionados contemplaram a natureza da evolução histórica das instituições nas

relações sociais, compreendendo, em regras formais e informais, cooperação e valores

para determinação do comportamento altruísta.

Em suma, tais modelos justificam a incursão deste trabalho na análise econômica

do comportamento altruísta, cujo comportamento individual efetivo está baseado tanto nas

demandas morais quanto na perseguição dos diversos objetivos dos agentes.

153

6 CONCLUSÃO

O propósito dessa dissertação foi avaliar questões controversas entre o

comportamento altruísta e racionalidade econômica, tendo como “pano de fundo”, a

introdução metodológica desse debate acerca da ética nas ciências econômicas.

Destacam-se duas questões iniciais que conduziram, então, a nossa investigação acerca

do tema:

c) O altruísmo pode ser admitido como um comportamento economicamente viável?

d) Entre os vários tipos existentes de altruísmo, será que o comportamento

genuinamente altruísta pode ser considerado como um comportamento

economicamente racional?

Essas questões conduziram essa pesquisa a investigar uma parte da Economia do

Altruísmo, a partir de uma ampla revisão literária acerca do comportamento individual

envolvendo compromissos éticos.

A conduta individual na vida prática nem sempre é pautada pelo auto-interesse,

embora seja reconhecido que esse de fato é um comportamento predominante. Várias

situações observadas no cotidiano foram fontes de inspiração para a elaboração desse

trabalho. Como exemplo, caso em que Indivíduos que se engajam em ações voluntárias,

sejam eles ricos ou pobres, para promover o bem-estar alheio. Outro exemplo, são

aqueles Indivíduos que deixaram por ora o bem-estar pessoal em razão da promoção do

bem-estar alheio, seja de um parente ou de um desconhecido que não poderá retribuir a

ação altruísta. Então, por mais que o debate seja estritamente acadêmico, as situações

observadas no cotidiano durante a elaboração deste trabalho foram motivadoras para

essa investigação.

Para explicar as razões motivacionais para justificar a ação altruísta procurou-se

abandonar o arcabouço metodológico da teoria da escolha tradicional, cuja base

comportamental está associada à tese do auto-interesse. Nesse percurso houve algumas

dificuldades para realizar a análise econômica do altruísmo, porque foram encontrados

argumentos bem convincentes acerca da defesa do auto-interesse. Ademais, descobriu-

se que o altruísmo não é sinônimo de altruísmo genuíno, como se imaginou no início

154

desse trabalho. Na verdade, foram encontrados argumentos bem convincentes que

relacionam a conduta altruísta com o egoísmo, ou seja, uma versão aparente de altruísmo

ou altruísmo disfarçado.

Para entender melhor essa problemática, julgou-se importante iniciar essa

investigação pela análise econômica do comportamento individual, acerca das origens,

significados e alternativas ao homem econômico. Foi mostrada desde a origem do

homem econômico desde a aliança da filosofia utilitarista com a teoria econômica, cuja

base está restrita ao componente psicológico, até a sua versão neoclássica, cuja base

está restrita ao componente racional. Ficou entendido a partir da versão racional do

homem econômico, porque ele foi criado e qual foi a sua contribuição para metodologia

da Economia enquanto ciência. Também buscou-se investigar as alternativas ao homem

econômico a fim de obter outros padrões comportamentais que pudessem ampliar o

debate acerca dos processos decisórios das escolhas dos agentes. Entre algumas

alternativas, encontrou-se o homem ético de Sen, a partir da abordagem de meta-

preferências, sendo este a versão mais adequada para a análise econômica da ação

altruísta.

O debate, apresentado colocou em evidência, questões delicadas acerca das

relações entre altruísmo, senso de justiça e compromissos morais. Verificou-se que o

altruísmo nem sempre representa uma conduta ética aceitável, porque o nepotismo e o

paternalismo também são formas de altruísmo. Aspectos ideológicos que justificam um

soldado honrar compromissos éticos em favor de sua pátria promovendo a guerra com

outros povos, também configuram um tipo de altruísmo, cuja conduta é eticamente

inaceitável. Foi possível identificar as contribuições da Psicologia Experimental ao tema,

em detrimento das relações entre empatia e altruísmo. Do mesmo modo, o debate pela

Filosofia Moral, permitiu entender a perspectiva da preferência moral autônoma para

tomada de decisão do agente a fim de honrar compromissos éticos. Portanto, o

enquadramento da conduta altruísta, numa abordagem racional e instrumental foi

possível sob a condição de que o indivíduo altruísta leve em conta a utilização eficiente

dos meios disponíveis para promoção do bem-estar alheio.

Buscou-se investigar também as contribuições da Sociobiologia para a

racionalidade altruísta, a qual se baseia fundamentalmente nos estudos da conduta

altruísta. Houve certas dificuldades nesta área para tratar o altruísmo de forma genuína,

pois, para os sociobiólogos o ato altruísta é aquele que parece superficialmente aumentar

155

a probabilidade do altruísta morrer em favor do seu beneficiário (parente), de modo que o

altruísta beneficia os seus interesses reprodutivos de quem o pratica.

Foram apresentados os mesmos modelos econômicos acerca da conduta

altruísta. Identificou-se que a maioria dos modelos entendem o altruísmo como resultado

do auto-interesse esclarecido, permanecendo ainda dentro da visão unidimensional da

teoria da utilidade. De modo específico, foi apresentado o modelo de altruísmo genuíno

de Muramatsu. A construção desse modelo, foi baseado nos objetivos múltiplos de

Moldau, que permitiram entender a racionalidade altruísta em sua forma genuína. Para

esse caso, os agentes podem ordenar as alternativas em termos dos critérios específicos,

podendo admitir que, em determinadas situações, o bem-estar alheio pode ser um

objetivo prioritário. Ademais, tal modelo de escolha foi compatível com as idéias da

abordagem ética de Sen, conforme apresentado no início desta pesquisa.

Em resposta às questões levantadas no início dessa investigação, o trabalho

conclui que a ação altruísta em suas diversas vertentes, inclusive a genuína pode ser

considerada economicamente racional, sendo possível haver a integração de questões de

natureza ética, envolvendo o altruísmo com a noção de racionalidade econômica.

Esse trabalho não teve a pretensão de refutar a tese do auto-interesse em

detrimento do altruísmo. Reconheceu-se que o auto-interesse é o comportamento

predominante da natureza humana. Do mesmo modo, essa pesquisa reconhece também,

que o homem econômico racional é um instrumental de análise engenhoso que permitiu

grandes avanços na teoria econômica. Entretanto, tendo como base os trabalhos de Sen,

acredita-se que a abordagem da ética na teoria econômica tem muito a contribuir, um vez

que tal abordagem não deveria estar desassociada do comportamento real dos agentes,

elevando o seu poder explicativo das conseqüências do comportamento moral para o

resultados econômicos. De certa forma, isso poderia reduzir o distanciamento entre a

abordagem normativa e positiva da teoria econômica.

Vale reiterar que o modelo de altruísmo genuíno de Muramatsu, baseado na teoria

da escolha sob critérios múltiplos de Moldau, não rompe totalmente com o programa de

pesquisa neoclássico, pois tal modelo exige o uso intenso dos pressupostos de

racionalidade forte da economia ortodoxa. A racionalidade forte assume que os indivíduos

são capazes de colher e processar toda informação disponível, agindo de modo a

maximizar os seus objetivos, mesmo que tais objetivos sejam irredutíveis entre si.

Mesmo evidenciando que o altruísmo genuíno pode ser admitido como um

comportamento economicamente racional, há de se reconhecer que as relações de

156

reciprocidade são muito mais comuns entre os indivíduos. Além disso, há de se

considerar que as relações econômicas estão assentadas sobre as instituições, regras

formais e informais e valores. Tais relações sociais são resultados da evolução histórica

das instituições.

A teoria econômica na sua versão neoclássica, deixou de lado as suas origens na

filosofia moral. Esse trabalho, procurou evidenciar que as questões relativas ao papel da

racionalidade, da empatia, reciprocidade, altruísmo e valores morais, foram eliminadas da

teoria econômica neoclássica. No entanto, essa pesquisa não abordou os aspectos

institucionais determinantes para o comportamento altruísta. Se, com a ética econômica,

pode-se avaliar o bem do mal, o justo do injusto, então, a construção de instituições como

meios que produzem os fins, pode ser um ponto central entre ética e economia para

entender o comportamento dos agentes altruístas.

A natureza institucional faz parte do fenômeno econômico e, neste contexto, pode-

se investigar em futuros trabalhos as relações entre entidades filantrópicas, instituições e

cooperação para o estabelecimento de resultados socialmente desejáveis. Em termos

práticos, tem-se os seguintes problemas: de acordo com as regras dos jogos (conjunto de

instituições) que conduzem à ação cooperativa e ao comportamento altruísta, qual é o

impacto do setor filantrópico sobre a distribuição de riqueza e renda no Brasil? No setor

filantrópico haveria espaço para ordenamento dos meios (instituições formais e informais)

e a ordenação do fim (resultado das ações dos agentes voluntários) em termos de

eficiências, bem-estar e justiça social? Seria possível que um determinado tipo de

comportamento social conduzisse a criação de instituições (normas) e órgãos (entidades)

que o justifique? Qual o aparato institucional que poderia regular as ações do setor

filantrópico no Brasil, promovendo a eficiência e o bem-estar social? Quais as suas

origens institucionais da filantropia no processo de formação econômica brasileira?

Esse trabalho abre espaço, para o início das investigações expostas

anteriormente. As entidades filantrópicas do terceiro setor, tendo o altruísmo como um

tipo de comportamento social, abarca um volume significativo de doações de recursos

que dita as ações filantrópicas. Assim, acredita-se que para futuros trabalhos a incursão

sobre as questões institucionais, poderia contribuir com o debate acerca das

complexidades do comportamento moral/altruísta e as suas relações com o

desenvolvimento das instituições sociais em seu processo histórico.

157

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