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FABIO VINICIUS GONGORA O PASSADO EM BITS: UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE O USO DE FONTES EM SUPORTE DIGITAL NO ENSINO DE HISTÓRIA Maringá 2018 Universidade Estadual de Maringá CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

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FABIO VINICIUS GONGORA

O PASSADO EM BITS:

UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE O USO DE FONTES EM

SUPORTE DIGITAL NO ENSINO DE HISTÓRIA

Maringá 2018

Universidade Estadual de Maringá CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

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FABIO VINICIUS GONGORA

O PASSADO EM BITS:

UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE O USO DE FONTES EM

SUPORTE DIGITAL NO ENSINO DE HISTÓRIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ensino de História do Departamento de História, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Estadual de Maringá, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ensino de História.

Orientadora: Profª. Drª. Márcia E. Teté Ramos

Maringá 2018

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FÁBIO VINÍCIUS GÔNGORA

O PASSADO EM BITS:

UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE O USO DE FONTES EM

SUPORTE DIGITAL NO ENSINO DE HISTÓRIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ensino de História do Departamento de História, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Estadual de Maringá, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ensino de História.

Maringá, 25 de setembro de 2018.

COMISSÃO EXAMINADORA: _____________________________________ Profª. Drª. Márcia Elisa Teté Ramos Universidade Estadual de Maringá - UEM Orientadora

_____________________________________ Profª. Drª. Marlene Rosa Cainelli Universidade Estadual de Londrina - UEL _____________________________________ Prof. Dr. Ailton José Morelli Universidade Estadual de Maringá – UEM

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Para minhas crianças, Jade e Gael, com quem eu aprendi três coisas:

estar sempre alegre, nunca ficar inativo

e chorar com força por tudo o que se quer.

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AGRADECIMENTOS

Meus sinceros agradecimentos a todos que contribuíram para a realização

desta dissertação, em especial à Profª. Drª. Márcia Elisa Teté Ramos, por acreditar

na relevância deste trabalho, pelo apoio na jornada e liberdade de criação. Ao Prof.

Dr. Ailton José Morelli, pelo incentivo e pelas sugestões que ampliaram meus

horizontes de pesquisa. À Profª. Drª. Marlene Cainelli, pelas contribuições teórico-

metodológicas, pelas leituras atentas e por apontar caminhos para aprimorar o

resultado final desta produção.

Agradeço ao corpo docente do Mestrado Profissional em Ensino de História

da Universidade Estadual de Maringá, por contribuírem com minha formação

acadêmica. Aos meus colegas de mestrado, com quem troquei muitas ideias e

compartilhei momentos de angústia e alegria, muitas dúvidas e algumas certezas.

Igualmente agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de

Nível Superior (CAPES), pela concessão de apoio financeiro para a realização desta

pesquisa, e aos idealizadores e responsáveis pelo funcionamento do

PROFHISTÓRIA, programa que representa uma preciosa oportunidade de retorno à

vida acadêmica para muitos professores da educação básica.

Também sou grato aos técnicos que atuam no Núcleo Regional de Educação

de Londrina (NRE), em especial aos colegas educadores da Equipe de Educação

Básica, por todo o suporte e solicitude. Amplio ainda meus agradecimentos aos

professores de História de Londrina e Região pela recepção da proposta, por

dedicarem parte do seu tempo participando da pesquisa e pelas colaborações

valiosas.

Gostaria de deixar registrada a enorme gratidão que sinto pelos meus

familiares - minha companheira Roberta, meus pais Fernando e Nice, minha irmã

Fernanda e sua linda família, e também tia Lu e vovó Rará, pessoas que me

apoiaram com muito amor nesta empreitada.

Por fim, não posso deixar de reverenciar todas as mentes progressistas, do

passado e do presente, que iluminam o meu caminho com seus exemplos de

coragem e resistência. Que não nos falte disposição para a luta neste tempo

obscuro, em que é preciso defender os direitos mais elementares.

Que a rebeldia seja a nossa própria substância.

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"Em História, tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em documentos certos objetos distribuídos de outra maneira."

(Michel de Certeau)

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GÔNGORA, Fábio Vinícius. O passado em bits: uma investigação sobre o uso de fontes em suporte digital no ensino de história. 2018. 196 f. Dissertação (Programa de Mestrado Profissional em Ensino de História - PROFHISTÓRIA) – Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2018.

RESUMO

O presente trabalho propôs-se a investigar o trabalho pedagógico apoiado em fontes históricas disponíveis em suporte digital, partindo da hipótese de que estes materiais potencializam o ensino de História em ambiente escolar. Para cumprir esta tarefa elegeu-se como método, além da revisão bibliográfica, a pesquisa com abordagem qualitativa, aplicada a um público-alvo composto por 33 professores da Rede Estadual de Educação do Paraná, que atuam na Região Metropolitana de Londrina-PR. Inicialmente, enfocamos o emergir da era digital, os impactos das novas tecnologias na sociedade e suas implicações para a Educação. Examinamos, em seguida, os principais programas governamentais voltados às tecnologias educacionais, na esfera federal e estadual, buscando compreender as condições de trabalho dos professores com os meios digitais. Posteriormente, apresentamos discussões no campo epistemológico, abordando a ampliação do conceito de documento histórico e as mudanças nas perspectivas investigativas no contexto das novas tecnologias e da crescente oferta de acervos digitais. Analisamos também as orientações para o uso escolar de documentos históricos extraídas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná (DCE). Ao refletirmos sobre as implicações da inserção das mídias digitais no trabalho docente, ressaltamos as possibilidades propiciadas pelo acesso a diversos tipos de documentos históricos digitalizados e o seu potencial para o ensino de História. O enquadramento teórico deste estudo está inserido no campo da Educação Histórica, linha de pesquisa que também ofereceu fundamentos metodológicos e instrumentação conceitual para investigarmos as práticas pedagógicas. Como produto educacional, propusemos subsídios pedagógicos para o trabalho com fontes históricas e recursos digitais diversos. No tocante à pesquisa, aplicamos um questionário online direcionado aos professores, objetivando investigar os meios utilizados para a obtenção das fontes históricas, o sentido atribuído a estes materiais e suas finalidades em experiências didáticas. Por fim, foram descritos os métodos e analisados os dados obtidos mediante a investigação. Espera-se que a pesquisa possa contribuir para a ampliação da discussão sobre o uso pedagógico de fontes em sua intersecção com as novas tecnologias e o mundo virtual.

Palavras-chave: Educação Histórica. Ensino de História. Fontes Históricas. Novas Tecnologias.

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GÔNGORA, Fábio Vinícius. The past in bits: an investigation about the digital sources use in the History's teaching. 2018. 196 f. Dissertation (Professional Master's Program in History Teaching - PROFHISTÓRIA) - State University of Maringá, Maringá, 2018.

ABSTRACT

The present work has investigated the pedagogical work supported by historical sources available in digital support, starting from the hypothesis that these materials potentiate the teaching of History in a school environment. To accomplish this task, a qualitative approach was applied to a target audience composed by 33 teachers from the Paraná State Education Network, who work in the Metropolitan Area of Londrina-PR, as well as a bibliographic review. Initially, we focused on the emergence of the digital age, the impacts of new technologies on society and their implications for Education. Then, we examine the main government programs for educational technologies at federal and state levels to understand the teachers work's condition with digital media. Subsequently, we present discussions in the epistemological field, addressing the expansion of the concept of historical document and the changes in the research perspectives in the context of new technologies and the growing digital collections' offer. We also analyzed the guidelines for the school use of historical documents extracted from the National Curricular Parameters (CPN) and Curricular Guidelines for Basic Education of the State of Paraná (DCE). When we reflect on the implications of the insertion of the digital media in the teaching work, we highlight the possibilities offered by the access to several types of digitized historical documents and their potential for the History's teaching. The theoretical framework of this study is inserted in the field of Historical Education, a research area that also offered methodological foundations and conceptual instrumentation to investigate pedagogical practices. As an educational product, we have proposed pedagogical subsidies for working with historical sources and several digital resources. With regard to the research, we applied an online questionnaire directed to teachers, to examine the ways used to obtain historical sources, the meaning attributed to these materials and their purposes in didactic experiences. Finally, the methods were described and the data obtained from the research were analyzed. We hope that the research may contribute to the broadening of the discussion about the pedagogical use of sources at their intersection with the new technologies and the virtual world.

Keywords: Historical Education. Teaching History. Historical sources. New

technologies.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Projetor MEC/ProInfo (Diebold) ................................................................. 45

Figuras 2 e 3: Projetor MEC/ProInfo (Daruma) ........................................................ 45

Figura 4: Tablet educacional .................................................................................... 47

Figura 5: TV Multimídia (pendrive) ........................................................................... 51

Figura 6: Tela inicial da página da disciplina de História no Portal ........................... 53

Figura 7: Compartimentos de um navio negreiro ..................................................... 78

Figura 8: Menu de visitas virtuais do Projeto Era Virtual .......................................... 80

Figura 9: Ícones da página "História: Subsídios Pedagógicos" ................................ 114

Figura 10: Coleção de documentários disponível na página de História .................. 118

Figura 11: Ep. 1 da série "Histórias do Brasil" - imagens e sinopse ......................... 119

Figura 12: Seção de "MÚSICAS" da página de História .......................................... 120

Figura 13: Imagem inicial da página "História: Subsídios Pedagógicos" ................. 121

Figura 14: Trecho de carta testamento digitalizada .................................................. 125

Figura 15: Atividade pedagógica com carta de testamento ...................................... 126

Figura 16: Atividade pedagógica com redação escolar ............................................ 127

Figura 17: Temas das Exposições Virtuais do Arquivo Público de São Paulo ......... 128

Figura 18: Tela inicial do projeto "Detetives do Passado" ........................................ 129

Figura 19: Apresentação do Caso 1: "Rebeldia no Engenho de Santana" ............... 129

Figura 20: Explicação da tarefa do Caso 1............................................................... 130

Figura 21: Seção de fontes não escritas no Portal Dia a Dia Educação .................. 131

Figura 22: Aportes teórico-metodológicos citados pelos professores ..................... 149

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Faixa etária dos participantes da pesquisa .............................................. 137

Gráfico 2: Tempo de exercício no magistério ........................................................... 138

Gráfico 3: Graduação dos participantes ................................................................... 138

Gráfico 4: Ano de conclusão da graduação ............................................................. 139

Gráfico 5: Carga horária da jornada de trabalho semanal ....................................... 141

Gráfico 6: Quantidade de turmas assumidas pelos respondentes ........................... 142

Gráfico 7: Referenciais utilizados para elaboração do PTD ..................................... 145

Gráfico 8: Forma de abordagem dos conteúdos básicos e específicos ................... 147

Gráfico 9: Aspectos mais importantes no livro didático ............................................ 151

Gráfico 10: Objetivos priorizados na atuação docente ............................................. 153

Gráfico 11: Tempo de utilização do livro didático nas aulas .................................... 155

Gráfico 12: Frequência de utilização dos recursos educacionais ............................. 157

Gráfico 13: Fatores que limitam o uso das TIC no trabalho docente ....................... 163

Gráfico 14: Frequência de uso das fontes históricas ............................................... 166

Gráfico 15: Formas de seleção das fontes usadas em sala de aula ........................ 167

Gráfico 16: Tipos de fontes históricas mais utilizadas pelos professores ................ 170

Gráfico 17: Fatores que dificultam o trabalho com fontes históricas ........................ 175

Gráfico 18: Formas de trabalho com fontes ............................................................. 178

Gráfico 19: Nível de dificuldade nos encaminhamentos com documentos .............. 180

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Produções acadêmicas similares ao trabalho proposto ............................ 109

Tabela 2: Estabelecimentos de atuação dos professores pesquisados ................... 136

Tabela 3: Níveis escolares assumidos pelos sujeitos da pesquisa ........................... 143

Tabela 4: Aportes teórico-metodológicos citados pelo grupo investigado ................ 150

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

COPEL Companhia Paranaense de Energia Elétrica

CELEPAR Companhia de Informática do Paraná

CONARQ Conselho Nacional de Arquivos

CRTE Coordenação Regional de Tecnologia na Educação

DCE/H Diretrizes Curriculares da Educação Básica – História

DEB Departamento de Educação Básica

FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

H.A Hora-atividade

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

MEC Ministério da Educação

NTE Núcleo de Tecnologia Educacional

NRE Núcleo Regional de Educação

OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

PBLE Programa Banda Larga nas Escolas

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PCNEM Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

PISA Programa Internacional de Avaliação de Estudantes

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua

PNLD Programa Nacional do Livro Didático

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)

PRD Programa Paraná Digital

PROINFO Programa Nacional de Tecnologia Educacional

PSS Processo de Seleção Simplificado

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PTD Plano de Trabalho Docente

QPM Quadro Próprio do Magistério

SAEP Sistema de Avaliação da Educação Básica do Paraná

SEED Secretaria de Educação a Distância (MEC)

SEED-PR Secretaria de Estado de Educação do Paraná

TIC Tecnologias de Informação e Comunicação

UEL Universidade Estadual de Londrina

UFPR Universidade Federal do Paraná

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................. 16

1 EDUCAÇÃO E TECNOLOGIAS .................................................................. 25

1.1 REFLEXÕES SOBRE O DIGITAL: A TRANSIÇÃO DOS ÁTOMOS AOS BITS .................... 26

1.2 O MÉTODO TRADICIONAL EM XEQUE .................................................................. 34

1.3 NOVAS PERSPECTIVAS AO FAZER DOCENTE ....................................................... 37

2 PROGRAMAS DE TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS ................................ 42

2.1 PROGRAMA NACIONAL DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL (PROINFO) ................... 42

2.2 PROGRAMA PARANÁ DIGITAL (PRD) ................................................................. 48

2.3 A DESACELERAÇÃO DOS PROGRAMAS EM TEMPOS CADA VEZ MAIS VELOZES ......... 54

3 AS FONTES HISTÓRICAS E O CONHECIMENTO CIENTÍFICO ............... 58

3.1 AMPLIAÇÃO NA CONCEPÇÃO DE DOCUMENTO ..................................................... 58

3.2 A CRÍTICA DAS FONTES E O CONCEITO DE EVIDÊNCIA HISTÓRICA .......................... 64

4 IMPACTO DOS MEIOS DIGITAIS NAS PESQUISAS ................................. 68

4.1 HISTÓRIA DIGITAL: IMPLICAÇÕES DA ERA GOOGLE PARA A HISTÓRIA ..................... 71

4.2 O TRATO PEDAGÓGICO COM DOCUMENTOS EM TEMPOS DE VIRTUALIDADE ............ 76

5 AS FONTES HISTÓRICAS NOS REFERENCIAIS CURRICULARES ........ 82

5.1 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCN) .............................................. 82

5.2 DIRETRIZES CURRICULARES DA EDUCAÇÃO BÁSICA (DCE) ................................ 84

5.3 A DICOTOMIA ENTRE CURRÍCULO E LIVRO DIDÁTICO ............................................ 86

6 EDUCAÇÃO HISTÓRICA E APRENDIZAGEM ............................................ 91

6.1 ENQUADRAMENTO TEÓRICO DA PESQUISA ......................................................... 91

6.1.1 Ideias tácitas ................................................................................................. 93

6.1.2 Consciência histórica .................................................................................... 95

6.2 EDUCAÇÃO HISTÓRICA E USO DE DOCUMENTOS ................................................. 96

6.2.1 Conceitos meta-históricos e narrativa histórica ............................................ 101

6.2.2 A multiperspectiva no processo de aprendizagem ....................................... 104

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7 FONTES HISTÓRICAS E TECNOLOGIAS: PERSPECTIVAS AO FAZER DOCENTE ................................................................................. 106

7.1 PANORAMA DAS PESQUISAS REALIZADAS ........................................................... 106

7.2 O PRODUTO EDUCACIONAL COMO CONTRIBUTO AO TRABALHO DOCENTE .............. 112

7.3 A PÁGINA DE SUBSÍDIOS PEDAGÓGICOS ............................................................. 115

7.4 PERSPECTIVAS PARA O USO DAS TIC NO ENSINO DE HISTÓRIA.............................. 122

8 USO DE DOCUMENTOS EM SALA DE AULA: INVESTIGANDO A PRÁTICA ..................................................................................................... 133

8.1 METODOLOGIA DE PESQUISA ............................................................................ 133

8.2 PÚBLICO-ALVO E AMOSTRAGEM ........................................................................ 134

8.3 COLETA DE DADOS .......................................................................................... 134

8.4 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS ..................................................................... 136

8.4.1 Perfil do professor pesquisado ..................................................................... 136

8.4.2 Questões sobre planejamento pedagógico e atuação docente .................... 145

8.4.3 Uso dos recursos educacionais .................................................................... 156

8.4.4 Emprego de fontes históricas na mediação pedagógica .............................. 166

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 184

REFERÊNCIAS ............................................................................................ 189

APÊNDICE - Questionário respondido pelos professores ............................ 196

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INTRODUÇÃO

Atualmente, algumas pesquisas no campo do ensino de História têm

apontado a necessidade de mudanças nas metodologias e estratégias de

aprendizagem. Isso porque, além do distanciamento da escola em relação às

modificações sociais mais recentes, acredita-se que o desinteresse dos alunos está,

muitas vezes, ligado ao modo como a disciplina de História ainda é entendida em

muitas escolas brasileiras: como um conhecimento estático do passado, sem

nenhuma articulação com o tempo presente, centrado na memorização de

conteúdos. Tais perspectivas de ensino frequentemente ocasionam a desmotivação

e a indisciplina dos alunos em sala de aula, tornando novas posturas metodológicas

cada vez mais urgentes.

Ao reconhecer as potencialidades das fontes históricas para subsidiar o

trabalho pedagógico e discutir novas metodologias aplicadas à disciplina de História,

os referenciais curriculares representaram importantes sinais de mudança. A partir

da década de noventa, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) conferiram

destaque ao uso de fontes históricas nas salas de aula.

Seguindo essa mesma tendência, as Diretrizes Curriculares da Educação

Básica do estado do Paraná para ensino de História (DCE) orientam que a visão da

história factual, pronta e acabada precisa ser superada na educação brasileira, pois

relega ao sujeito um papel passivo diante da História (PARANÁ, 2008)1. Na

perspectiva presente nas Diretrizes, o emprego das fontes deve estar atrelado ao

interesse em promover reflexões sobre o processo de construção do conhecimento

histórico e, também, dinamizar o ensino de História mediante o estimulo a

participação dos discentes. Deste modo, a utilização de fontes históricas no trabalho

docente pode constituir uma estratégia de ensino eficaz.

Ademais, as Diretrizes Curriculares da Educação Básica - História (doravante

DCE/H) assumiram como referências a Nova História, Nova História Cultural e Nova

Esquerda Inglesa, absorvendo a ampla redefinição pela qual passou a concepção de

fonte histórica no campo epistemológico. Nessa movimentação da historiografia,

renovaram-se os objetos, campos de estudo e metodologias. As novas

1 Consideramos as DCE/H como referencial fundamental para a presente investigação porque

constitui o documento norteador oficial para as práticas pedagógicas dos professores da Rede Estadual de Educação do Paraná, região de realização da pesquisa.

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possibilidades foram acompanhadas pela postura metodológica fundamental de

crítica das fontes, baseada no exercício de situar as fontes selecionadas quanto às

suas condições de produção, e enquanto vestígios construídos a partir da ação

humana e transmitidos através de múltiplas linguagens.

Além da sintonia com essa nova racionalidade, as DCE/H também dialogam

com a Educação Histórica, linha investigativa conhecida pela exploração de

metodologias ligadas à epistemologia da História. Para além do caráter ilustrativo e

comprobatório que o uso escolar de fontes assumiu nos manuais didáticos, a

Educação Histórica define um novo ideário, que imprime centralidade à tarefa de

relacionar o estudo de fontes à construção do conhecimento histórico. Nessa

perspectiva, os vestígios históricos devem ser utilizados de forma problematizadora,

por meio de um diálogo crítico em que o professor e o aluno façam parte do

processo de investigação e construção do conhecimento histórico.

Ao mesmo tempo em que se processou essa abertura em relação às fontes,

tanto no ensino quanto na pesquisa histórica, desenvolveram-se os recursos de

informática e a conexão com a internet. Como resultado, foi empreendido um amplo

esforço de digitalização e publicação de fontes históricas, ampliando o acesso

através de plataformas virtuais ligadas a museus, bibliotecas, arquivos, empresas

jornalísticas, portais educacionais, etc. A popularização das novas tecnologias abriu

um leque de possibilidades propiciadas pela facilidade de acesso a diversos tipos de

documentos históricos em suporte digital.

É nesse contexto que está situado o nosso objeto de estudo. O presente

trabalho aborda as tecnologias digitais e suas relações com o ensino de História e o

uso de fontes. A ideia de fonte que utilizamos aqui concerne a materiais passíveis de

análise e interpretação histórica, que servem como evidências na compreensão do

passado. Nossa investigação restringe-se, portanto, ao uso que os professores

fazem de evidências do passado que se caracterizam por ser de primeira mão ou

contemporâneas dos fatos históricos a que se referem. O diferencial da pesquisa é

que enfocaremos materiais que resultam do trabalho de digitalização da

documentação tradicional já existente, ou seja, são as fontes em suporte digital que

possuem um correspondente físico. Os documentos digitalizados constituem um tipo

específico por possuírem obrigatoriamente um suporte material anterior à

digitalização.

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As versões originais possuem formato analógico ou material, e encontram-se

preservadas em museus, exposições, arquivos, universidades, etc., ou

simplesmente estão guardadas em acervos pessoais, sendo de difícil acesso aos

pesquisadores e professores de História. Contudo, o processo de digitalização as

converte num suporte digital, tornando possível a reprodução de várias cópias das

fontes originais. A partir daí, o documento digitalizado torna-se acessível para

atividades de cunho pedagógico.

No estudo em questão, veremos que além das vantagens relacionadas ao

uso de documentos em sala de aula, o formato digital das fontes pode ser capaz de

despertar o interesse do educando devido à sua familiaridade com as novas

linguagens e tecnologias. A experiência com documentos em suporte digital dialoga

com imagens midiáticas veiculadas na contemporaneidade e as novas tecnologias

de informação e comunicação (TIC).

Diante desse novo cenário, torna-se necessário verificar se as práticas de

ensino acompanharam as mudanças ocasionadas pelo avanço das tecnologias

digitais no Brasil, aproveitando a vasta quantidade de recursos disponíveis na web.

Consideramos pertinente, do ponto de vista acadêmico, investigar se os professores

de História que atuam na educação básica utilizam fontes em suporte digital em

suas aulas e como ocorre essa utilização.

Este foi o ponto de partida para os questionamentos que compõem o nosso

estudo. Delimitamos o referido recorte porque as linhas de pesquisa em ensino de

História e os referenciais curriculares recomendam enfaticamente o trabalho com

documentos em sala de aula, como observaremos em diversos momentos no

decorrer da dissertação.

O presente trabalho justifica-se, portanto, como contribuição ao Ensino de

História pois permite a ampliação do olhar sobre as especificidades das fontes

históricas em suporte digital, favorecendo a reflexão sobre a apropriação e utilização

destes recursos pelos professores.

Para lidar com o problema explicitado, nos propusemos a investigar se o

maior acesso às fontes por meios digitais tem favorecido aplicações educacionais

pautadas pela investigação da ação humana no passado com base em evidências,

como recomenda as DCE/H. Ao perseguirmos este propósito, buscamos também

detectar a recorrência de práticas pedagógicas consideradas tradicionais pelas

novas linhas investigativas, onde o emprego das fontes restringe-se à simples

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comprovação de informações relativas a uma dada interpretação histórica, ou

servem como instrumentos para ilustrar aquilo que está sendo afirmado nos

materiais didáticos e nas explicações dos professores.

Somado a isso, também abordamos assuntos relacionados à incorporação

das tecnologias digitais no ensino de História. Nota-se, na seara da Educação

Histórica, linha na qual fundamentamos este estudo, escassez de pesquisas e

indicações teóricas e metodológicas, conforme constatamos ao estabelecer um

panorama das pesquisas realizadas no âmbito das TIC e o ensino de História2. Não

obstante às mudanças que a introdução massiva das TIC causou no trabalho do

professor de História, como a digitalização de acervos documentais e a farta

presença de objetos de aprendizagem na web, percebe-se que o advento do digital

ainda é negligenciado enquanto objeto de reflexão acadêmica.

Na tentativa de suprir as carências pontuadas, nos propomos a examinar a

prática educacional dos professores de História que atuam na Região Metropolitana

de Londrina-PR, nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, com o

intuito de verificar a utilização de documentos históricos disponíveis em suporte

digital, assim como os sentidos e finalidades do emprego dos referidos recursos em

atividades pedagógicas. A presente dissertação tem como objetivo geral, portanto,

verificar quais os avanços e os limites quando se pensa na produção do

conhecimento histórico intermediado por fontes históricas em suporte digital, de

acordo com os princípios teórico-metodológicos presentes nas DCE/H e alicerçados

na Educação Histórica.

Ademais, buscamos atingir os seguintes objetivos específicos: realizar

pesquisa bibliográfica de modo a reunir reflexões sobre as mudanças provocadas

pelas TIC na sociedade e seus impactos no processo de ensino-aprendizagem;

examinar os principais programas governamentais voltados às tecnologias

educacionais e os seus efeitos nas práticas pedagógicas; apresentar discussões no

campo do saber histórico científico, abarcando as modificações no conceito de

evidência histórica ao longo do tempo, assim como as abordagens e os tratamentos

2 Priorizamos a busca por teses e dissertações que constassem nos seguintes bancos de dados: a

BDTD (Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações), o Banco de Teses da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e o REPOSITORIUM (Repositório da Universidade do Minho, em Portugal). A pesquisa demonstrou que existem poucos trabalhos acadêmicos na área da Educação Histórica, apesar de ser um terreno vasto a ser estudado no que se refere tanto à utilização das TIC como ferramentas de ensino-aprendizagem, como também em sua utilização como instrumento de acesso a diferentes tipos de fontes.

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dados às fontes; destacar considerações teóricas e metodológicas sobre o papel

atribuído às fontes históricas nos textos oficiais que orientam o ensino de História no

Paraná e no Brasil; ressaltar considerações de estudiosos do campo da Educação

Histórica a respeito da utilização escolar dos documentos históricos como evidências

do passado, relacionando tais estudos ao contexto das novas tecnologias e da

crescente oferta de acervos digitais.

Finalmente, importa acrescentar que também assumimos o objetivo de

elaborar, como produto educacional3, uma compilação de encaminhamentos

didático-pedagógicos para o uso de fontes históricas e recursos digitais. Tal produto

foi disponibilizado na seção de tutoriais do ambiente virtual

<http://historianreldna.pbworks.com>4

Para alcançarmos os objetivos expostos, dividimos o percurso da pesquisa

em 8 capítulos. A apresentação que se segue esclarece como a dissertação foi

organizada.

Nas análises que realizamos no primeiro capítulo, abordamos as mudanças

verificadas no âmbito da informação e comunicação, decorrentes do emergir da era

digital. Analisamos tais mutações à luz de conceitos inerentes aos dispositivos

tecnológicos e às redes de computadores, dentre os quais destacamos a tecnologia

digital, hipertexto, hipermídia, ciberespaço e cibercultura. Embasados nas obras de

Lévy (1993, 1999), Lemos (2010) e Negroponte (1995), trouxemos tais elementos à

baila para refletirmos com maior profundidade sobre o objeto que nos propusemos a

investigar.

3 O produto educacional constitui parte importante das atividades do Programa de Mestrado

Profissional em Ensino de História - PROFHISTÓRIA, da Universidade Estadual de Maringá (UEM). O principal objetivo do programa é contribuir para a melhoria da qualidade da docência em História na educação básica. Assim, tanto a pesquisa desenvolvida quanto o produto elaborado precisaram ter como foco a solução de problemas relacionados ao ensino e à aprendizagem da disciplina de História. 4 Página da web criada pelo próprio pesquisador com a finalidade de proporcionar o acesso a

recursos digitais que possam subsidiar a prática docente, fomentando a aprendizagem de conteúdos históricos e demais temas significativos ao universo escolar. Encontram-se, neste ambiente, seções que permitem o acesso a arquivos disponíveis para download, organizados em diferentes categorias: músicas, documentários, animações, apresentações em slides, história em quadrinhos, modelos de provas, jogos, entre outros. A página foi inspirada no Portal Dia a Dia Educação e possui muitos pontos em comum com esse ambiente. O maior diferencial, contudo, encontra-se nos recursos disponibilizados. Buscou-se alimentar a página História – Subsídios Pedagógicos <http://historianreldna.pbworks.com> com materiais inexistentes no Portal Dia a Dia Educação - <http://www.historia.seed.pr.gov.br/>.

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Feito isso, enfocamos as implicações sociais das tecnologias digitais

dialogando com intérpretes dessa nova realidade denominada por alguns autores

como "sociedade da informação". Destacaram-se aqui as discussões encontradas

em Castells (1999, 2003) e Pozo (2004). Apresentamos também estudos que

procuraram demonstrar o potencial que as mídias digitais possuem para aproximar

os alunos dos saberes a serem apreendidos, ampliando as possibilidades de

aprendizado. Para tratar da evolução e popularização das novas tecnologias, além

dos desafios educacionais trazidos por elas no século XXI, nos apropriamos das

análises de Gabriel (2013), Lévy (1999), Kenski (2007) e Santaella (2013).

Destacamos ainda reflexões sobre o processo de ensino e aprendizagem

apoiado por meios tecnológicos, apontando a necessidade de mudanças nas

práticas. Como o objeto de estudo compreende a utilização de fontes históricas

alocadas em meios digitais, e considerando que essas fontes possuem diferentes

linguagens no âmbito das TIC, tecemos diálogos com estudiosos que discutem a

necessidade de formação, método e mudança de paradigma para o uso das novas

tecnologias, como Delaunay (2008), Moran (2011), Sancho (2006), Gabriel (2013),

Kenski (2007), entre outros.

No capítulo seguinte, examinamos a implementação de políticas públicas

voltadas à introdução de tecnologias educacionais nos sistemas escolares, com

destaque para iniciativas de abrangência nacional, inseridas no Programa Nacional

de Tecnologia Educacional (PROINFO/MEC), e estadual, circunscritas ao Programa

Paraná Digital (PRD). Tais programas tiveram em comum o objetivo de equipar as

escolas com laboratórios de informática e contribuir para o avanço e a popularização

das tecnologias digitais nas escolas públicas. Para compreendermos as atuais

condições de trabalho dos professores com as TIC, bem como algumas

especificidades do ambiente educacional onde atuam e as ferramentas que

dispõem, discutimos os referidos programas embasados nas pesquisas realizadas

por SiIva (2016), Basniak (2014), Cantini (2008) e Hoepfner (2009), além de

documentos oficiais produzidos por órgãos ligados ao governo estadual e federal.

Tais fontes de pesquisa contribuíram para a elucidação de fatores que influenciam a

utilização dos recursos de tecnológicos nas escolas, principalmente no tocante ao

uso pedagógico com os alunos.

Após essa discussão, no terceiro capítulo nos debruçamos sobre a

importância dos documentos históricos na perspectiva da História enquanto

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conhecimento científico, enfocando a ampliação do conceito de documento e as

mudanças nas perspectivas investigativas quanto aos vestígios deixados em virtude

das ações dos sujeitos. Focalizamos esse percurso com base nas discussões

realizadas pelos historiadores Edward Carr (1982), Jacques Le Goff (1990), Marc

Bloch (2002) e Pedro P. Funari (2006), referências fundamentais para explicarmos

como o documento deixa de ser prova do real, sendo encarado com um indício que

depende das questões e dos problemas postos pelo historiador. Encerrando as

discussões do capítulo, buscamos em Colingwood (1994) reflexões sobre a ideia de

evidência histórica, conceito ligado à epistemologia da História que está

intrinsecamente relacionado à concepção de fonte histórica considerada nesta

dissertação.

Nas páginas que compõem o quarto capítulo, discutimos brevemente a

entrada do computador na aparelhagem do historiador, salientando alguns pontos da

informatização da cultura que afetou a maneira de pensar, produzir e consumir

História, conforme visto em Chartier (2009). Buscando compreender as

especificidades das fontes digitais e suas diferentes categorias, fizemos uma

incursão pelo território da História Digital, a partir dos estudos de Almeida (2011),

Telles (2016), Rosenzweig (2011) e Gallini e Noiret (2011). Suas pesquisas

ajudaram a dar um contorno mais nítido ao nosso objeto de pesquisa, que se

desenvolve a partir da inserção das mídias digitais na prática do historiador e do

professor de História. No encerramento do capítulo, demos relevo específico às

fontes históricas digitalizadas e as implicações da desmaterialização do documento

para o ensino de História, a partir das ponderações de Arruda (2011).

No capítulo cinco, identificamos nos referenciais curriculares indicações

referentes à utilização das fontes históricas na educação formal. Sublinhamos, nesta

abordagem, a correlação entre os PCN e as DCE de História, bem como esboçamos

a congruência entre estes referenciais e os pressupostos da Educação Histórica.

Finalizamos o capítulo discutindo o resultado das avaliações das coleções didáticas

aprovadas no PNLD 2017, a partir do Guia de Livros Didáticos do Ensino

Fundamental: História – Anos Finais. O problema abordado nesta seção concerne à

limitação estrutural dos livros didáticos atuais, que abarcam "toda a história" de

modo cronologicamente linear, factual e canônico, sendo basicamente organizadas

a partir da perspectiva da História Integrada. Ressaltamos a incompatibilidade desse

perfil conteudista em relação aos agrupamentos de conteúdos por temas, sugeridos

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nos PCN e nas DCE/H, refletindo sobre as implicações da limitação estrutural das

obras no ensino de História.

O enquadramento teórico da presente pesquisa foi contemplado no capítulo

seis. Buscamos explicitar como os objetivos que delineamos estão em conformidade

com as preocupações da Educação Histórica, linha de estudo conhecida por

investigar as ideias históricas dos sujeitos e as práticas em sala de aula. Os

contributos teórico-metodológicos da Educação Histórica também ofereceram

parâmetros e um ferramental de análise para investigarmos como os professores

usam fontes históricas com suporte digital para a construção do conhecimento

histórico.

Também abordamos neste tomo o entendimento sobre as ideias tácitas. Para

tanto, apropriamo-nos das discussões encetadas por Schmidt e Garcia (2005), Gago

(2012) e Barca (2001, 2004). Para descrevermos a concepção de consciência

histórica difundida na Educação Histórica, recorremos às discussões encontradas

em Rüsen (2010, 2007, 2007a, 2001). Complementando o quadro conceitual e

teórico da pesquisa, enfocamos de forma mais detalhada a utilização escolar de

fontes históricas pelo viés da Educação Histórica, a partir dos apontamentos de

Schmidt e Cainelli (2009), Ashby (2003, 2006) e Simão (2007). Os conceitos meta-

históricos, narrativa histórica e multiperspectiva foram compreendidos através das

discussões teóricas de Lee (2001), Gago (2012), Schmidt e Garcia (2006), Barca

(2004, 2006) e Rüsen (2001, 2007, 2010). Foi possível, assim, explicar como esses

conceitos estão relacionados ao nosso objeto de estudo, focado nas fontes,

tipologias e estratégias de aprendizagem em História.

Na parte de revisão de literatura, situada no sétimo capítulo, fizemos uma

prospecção dos estudos já realizados em nível stricto sensu, procurando conhecer o

estado atual das pesquisas acadêmicas sobre a utilização escolar de fontes

históricas apoiadas pelas novas tecnologias e as lacunas neste campo do saber

acadêmico. Pesquisamos teses e dissertações que possuíam proximidades com o

nosso objeto de estudo, contemplando a utilização dos aparatos digitais enquanto

instrumentos de busca e suporte para diferentes tipos de fontes, com ênfase

educativa no processo de construção do conhecimento histórico a partir da

problematização das evidencias históricas.

Ainda no capítulo sete, refletimos sobre possíveis contribuições das

tecnologias digitais para as práticas docentes com documentos históricos. Os

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percursos trilhados para a elaboração do produto educacional são abordados no

final do capítulo, onde também explicamos a importância do ambiente virtual

mantido pelo pesquisador - História: Subsídios Pedagógicos - para a definição do

produto.

O oitavo e último capítulo descreve a metodologia adotada neste estudo,

constituída por uma abordagem essencialmente qualitativa e alicerçada na

Grounded Theory. A parte final é dedicada à apresentação dos sujeitos,

procedimentos da pesquisa e análise dos dados coletados. Visando maior

compreensão sobre a relação do professor com as fontes históricas em suporte

digital, efetuamos análises focadas no diálogo entre o referencial teórico que balizou

a pesquisa e os dados empíricos, coletados por meio de questionário online criado

com o aplicativo Form, do Google Drive. Ao final apresentamos uma síntese

reflexiva, retomando a hipótese e os objetivos da pesquisa, esboçando conclusões e

reforçando discussões realizadas ao longo deste trabalho.

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1 EDUCAÇÃO E TECNOLOGIAS

O futuro já chegou. Só não está uniformemente distribuído.5

(William Gibson)

A evolução e a popularização das tecnologias de informação e comunicação

propiciaram mudanças em diversas áreas das atividades humanas no final do século

XX, rompendo fronteiras políticas, econômicas e culturais. Nas análises que

realizaremos a seguir, pretendemos elucidar alguns aspectos dessas mudanças,

abordando conceitos ligados aos dispositivos tecnológicos digitais e às redes de

computadores. Assim, poderemos refletir com maior profundidade sobre o objeto

que nos propusemos a investigar: a relação do professor com as fontes históricas

em suporte digital.

Como tentaremos mostrar, a virtualidade, compreendida de forma muito geral,

constitui o traço distintivo da nova face da informação. Uma vez que a digitalização é

o fundamento técnico da virtualidade, explicaremos os seus princípios e funções no

início deste capítulo.

Enfocaremos as implicações das tecnologias digitais para a nossa sociedade

e dialogaremos com intérpretes dessa nova realidade conhecida por muitos como

"sociedade da informação". Em seguida, destacaremos os desafios que a atual

sociedade coloca à educação neste terceiro milênio, salientando a necessidade de

uma formação escolar que consiga lidar com os problemas de um mundo

informatizado.

Finalizaremos o primeiro capítulo apresentando estudos que procuram

demonstrar o potencial que as mídias digitais possuem para aproximar os alunos

dos saberes a serem apreendidos, ampliando as possibilidades de aprendizado.

5 Frase dita durante uma entrevista em 1999. William Gibson é autor do aclamado "Neuromancer",

clássico da literatura que já antecipava elementos da internet atual quando foi lançado em 1984. Nesse livro, Gibson desenvolve o conceito de ciberespaço e suscita discussões em torno de temas muito presentes na atualidade, como realidade virtual, tecnologias móveis, implantes, subculturas que vivem entre o mundo físico e o virtual, etc. O livro é considerado "um cânone" do ciberpunk, subgênero da ficção científica que se tornou popular no cinema, nos quadrinhos e na música. O ciberpunk é fruto da cultura underground, do imaginário tecnológico e do desencanto niilista que marcaram os anos 80.

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1.1 REFLEXÕES SOBRE O DIGITAL: A TRANSIÇÃO DOS ÁTOMOS AOS BITS

A palavra digital tem origem no latim digitus (palavra relacionada a dedo ou

dígito). Os dicionários definem o termo como sendo algo que tem intervalos

discretos; em que há um número finito de valores possíveis entre dois valores

quaisquer.

Digitalizar uma informação consiste em traduzi-la em números.

Quase todas as informações podem ser codificadas desta forma. Em geral, não

importa qual é o tipo de informação ou de mensagem: se pode ser explicitada ou

medida, pode ser traduzida digitalmente (LÉVY, 1999, p. 50).

Para entendermos melhor esse conceito, é preciso saber que existem duas

maneiras de representar uma informação: analogicamente ou digitalmente. Uma

música gravada em uma antiga fita K7 é armazenada de forma analógica, codificada

na forma de uma grande onda de sinais magnéticos. Quando a fita é tocada, o sinal

magnético é amplificado e novamente convertido em som, gerando uma espécie de

"eco" ao áudio originalmente gravado.

O grande problema é que o sinal armazenado na fita se degrada com o

tempo, e existe sempre uma perda de qualidade ao se fazer cópias no modo

analógico. Quem tirava cópias sucessivas de uma fita cassete (cópia da cópia), por

exemplo, acabava com uma versão muito degradada da música original.

Ao digitalizarmos as músicas de uma fita K7, transformando-a em um arquivo

MP3, podemos copiá-la do computador para um pendrive, MP3 player, smartphone,

etc. Também podemos gravá-la em um CD ou DVD, e através dessas mídias,

passar novamente a música para outro PC, sucessivamente, sem causar qualquer

desgaste. O mesmo ocorre com a fotografia impressa, um disco de vinil ou uma fita

de VHS - após serem digitalizadas, essas mídias podem ser copiadas inúmeras

vezes, em diferentes extensões.

Isso é possível devido à própria natureza do sistema digital, que permite

armazenar qualquer informação na forma de uma sequência de valores positivos e

negativos, ou seja, na forma de uns e zeros. A grande vantagem do uso do sistema

binário é que ele permite armazenar informações com uma grande confiabilidade,

em vários tipos de mídia.

Nicholas Negroponte (1995) explica que a base em que se assenta toda a

revolução digital é justamente a transformação da matéria (átomos) para bits. Para o

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autor, a passagem de muitas mídias físicas para o formato digital desembocou em

uma revolução digital, visto que o impacto exercido pelos meios digitais acaba por

remodelar as estruturas sociais, politicas e econômicas.

Com as tecnologias analógicas, Lemos (2010, p. 69-70) salienta que a

transmissão, o armazenamento e a recuperação da informação eram

completamente inflexíveis. Com o digital, a forma de distribuição e armazenamento

são independentes, multimodais. A escolha em obter uma informação sob a forma

textual, imagética ou sonora é independente do modo pelo qual ela é transmitida.

Com efeito, as redes eletrônicas constituem uma nova forma de publicação onde os

computadores podem produzir cópias bastante fiéis ao original6.

Ao progredir, a digitalização conecta no centro de um mesmo tecido eletrônico

o cinema, a televisão, o jornalismo, a música, as telecomunicações, a informática,

entre outros meios. Refletindo sobre as redes digitais, Lévy (1993, p.102) observa

que os tratamentos físicos dos dados textuais, visuais ou sonoros tinham cada qual

sua particularidade, sendo feitos de acordo com as tradições próprias, com a

especificidade de seus suportes materiais. Com a codificação digital, o tema do

material é relegado a um segundo plano. Os problemas de composição, de

organização e de apresentação libertaram-se de suas condicionantes materiais. A

digitalização permite um tipo de tratamento de informações eficaz e complexo,

impossível de ser executado por outras vias.

Compomos com bits as imagens, textos, sons [...] O suporte da informação torna-se infinitamente leve, móvel, maleável, inquebrável. O digital é uma matéria, se quisermos, mas uma matéria pronta a suportar todas as metamorfoses, todos os revestimentos, todas as deformações. É como se o fluído numérico fosse composto por uma infinidade de pequenas membranas vibrantes [...] (LÉVY, 1993, p.103).

As novas mídias digitais irão causar inúmeros problemas de direitos autorais,

já que ficará difícil controlar o conteúdo das obras em suporte digital e os polos

descentralizados de emissão dos conteúdos reproduzidos. A fase da informação

digital permitirá transpor o controle das barreiras materiais. Átomos ocupam lugar no

6 O processo de digitalização de mídias analógicas, gradativamente, deixará de existir. Como

exemplo podemos citar a foto, a música e o vídeo, que atualmente são criados em formato digital, dispensando o processo de digitalização, entendido como conversão do suporte analógico para o digital.

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espaço, pertencem à geografia e, portanto, são condicionados por fronteiras físicas.

Bits, como as ideias, ignoram esses limites. Nas palavras de Lemos (2010, p.71),

"não se trata de bens materiais, matérias-primas e energia retiradas da natureza,

mas de informações traduzidas sob a forma de bits, imateriais, abstratas, lidas por

uma metamáquina".

As mídias digitais, transmudadas em bits, passarão a circular livremente na

internet, a baixo custo ou sem custo algum. Essa desmaterialização das mídias7

exercerá impactos substanciais na sociedade, à medida que os produtos culturais

tornar-se-ão mais fluídos e acessíveis.

Conforme as elucubrações de Lemos (2010, p.68), o que chamamos de

novas tecnologias de informação e comunicação surgem a partir de 1975, com a

fusão das telecomunicações analógicas com a informática8, possibilitando a

veiculação, sob o mesmo suporte – o computador -, de diversas formatações de

mensagens. Essa revolução digital implica a passagem da mídia de massa (cujos

símbolos são a TV, o rádio, a imprensa, o cinema) para formas individualizadas de

produção, difusão e armazenamento da informação.

Um dos principais significados da emergência das TIC é o desenvolvimento

de uma alternativa às mídias de massa. O grande diferencial trazido pela revolução

digital é que a circulação de informações, progressivamente, deixa de obedecer à

hierarquia da árvore (um-todos), e sim a multiplicidade do rizoma (todos-todos)9. A

estrutura piramidal do poder mediático massivo torna-se disfuncional na emergente

cultura digital.

7 Segundo a definição de Lévy, mídia é o suporte ou veículo da mensagem. O impresso, o rádio, a

televisão, o cinema ou a Internet, por exemplo, são mídias (1999, p.61). Já o termo "multimídia" significa aquilo que emprega diversos suportes ou diversos veículos de comunicação. Hoje, a palavra refere-se geralmente a duas tendências principais dos sistemas de comunicação contemporâneos: a multimodalidade e a integração digital. (1999, p.63). 8 É conhecida por Telemática o conjunto de tecnologias de informação e comunicação resultante da

junção entre os recursos das telecomunicações (telefonia, satélite, cabo, fibras ópticas etc.) e da informática (computadores, periféricos, softwares e sistemas de redes), que possibilita o processamento, o armazenamento e a comunicação de grandes quantidades de dados a longas distâncias. 9 Podemos distinguir três grandes categorias de dispositivos comunicacionais presentes nas obras de

Pierre Lévy: um-todos, um-um e todos-todos. Também chamadas de mídias de massa, a imprensa, a televisão e o rádio são estruturados de acordo com o princípio um-todos: um centro emissor envia suas mensagens a um grande número de receptores passivos e dispersos. O correio ou o telefone organizam relações recíprocas entre interlocutores, mas apenas para contatos de indivíduo a indivíduo ou ponto a ponto (um-um). O ciberespaço permite que comunidades constituam de maneira cooperativa um contexto comum (dispositivo todos-todos). Em uma webconferência, fórum virtual ou rede social, por exemplo, os participantes enviam mensagens que podem ser lidas por todos os outros membros da comunidade, e às quais cada um deles pode responder.

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As novas tecnologias de informação devem ser consideradas em função da

comunicação bidirecional entre grupos e indivíduos, escapando da difusão

centralizada da informação massiva. A internet comprova a falência da centralidade

dos meios de comunicação de massa, como observamos na crescente utilização

das redes sociais, blogs, chats, páginas da web, etc. Vemos em todos estes meios

de comunicação características de interatividade e descentralização da informação.

A modernização tecnológica e a própria virtualização favorecem novas formas

de acesso à informação, produzindo mutações nas relações com o saber. A

linguagem escrita em meio digital criou uma cultura e uma realidade informacional

que tem o hipertexto como suporte, entendido como uma forma não linear de

apresentar, consultar e trocar informações. "Um hipertexto vincula as informações

contidas em seus documentos [...] criando uma rede de associações complexas

através de links" (LÉVY, 1999, p. 254).

As interfaces e os documentos de um hipertexto, que agrega escrita, imagens

e sons, podem ser passados e repassados, ampliados, recortados e multiplicados,

inúmeras vezes, com alguns cliques do mouse. Essa característica facilita a

interação e a procura da informação10.

Como o hipertexto é compreendido como um texto sem início e sem fim,

quando o receptor entra em contato com ele, é movido a participar concretamente,

alterando a definição passiva do ato receptivo com novas formas de participação,

como a interação, seleção, interpretação e recomposição (LÉVY, 1993).

Na descrição de Lévy (1993, p.41), é realçada a característica dinâmica do

hipertexto, algo que está perpetuamente em movimento.

Com um ou dois cliques, obedecendo por assim dizer ao dedo e ao olho, ele mostra ao leitor uma das suas faces, depois outra, um certo detalhe ampliado, uma estrutura complexa esquematizada. Ele se redobra e desdobra à vontade, muda de forma, se multiplica, se corta e se cola outra vez de outra forma. Não é apenas uma rede de microtextos, mas sim um grande metatexto de geometria variável, com gavetas, com dobras. Um parágrafo pode aparecer ou

10

No âmbito da educação, dada a sua dimensão não linear, o hipertexto favorece uma atitude exploratória. Quando afirmarmos mais a frente que as tecnologias na educação são recursos importantes pelos processos comunicacionais e interacionais, estamos falando também dessa linguagem hipertextual do meio informatizado. Com o avanço das TIC, as pessoas são estimuladas a produzir novas ideias, indo além da condição de meras receptoras de dados e informações. Ao tornar a relação emissor / receptor multilateral e coletiva, as TIC acabam indo ao encontro de proposições fundamentadas em correntes pedagógicas interacionistas e construtivistas, como veremos adiante.

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desaparecer sob uma palavra, três capítulos sob uma palavra do parágrafo [...], e assim virtualmente sem fim [...].

O sistema de hipertexto está intrinsicamente associado à hipermídia11. Ambos

apresentam características dinâmicas em termos de disseminação de

conhecimentos e produção de sentidos que diferem dos processos midiáticos que

precedem os suportes digitais. Possuem três elementos que se associam:

imaterialidade, interatividade e velocidade.

No entendimento de Negroponte, a hipermídia é um desenvolvimento do

hipertexto - "uma coletânea de mensagens elásticas que podem ser esticadas ou

encolhidas de acordo com as ações do leitor" (NEGROPONTE, 1995 p.66). Nessa

perspectiva, as ideias podem ser abertas ou analisadas com múltiplos níveis de

detalhamento.

Todos esses sistemas digitais que mencionamos desembocam na construção

de um novo espaço, de base virtual, denominado de ciberespaço, que pode ser

entendido como um amplo sistema ramificado que opera diretamente com a

produção de trocas simbólicas e processos de significação na esfera virtual12. Trata-

se de um território sem fronteiras que incorpora características de outros sistemas

de significação (vídeo, cinema, rádio, jornal, livro, pintura, fotografia) e que avança

enquanto ambiente com traço diferencial marcado pela lógica digital (LÉVY, 1999).

Na definição de Lemos (2010, p. 87), o ciberespaço cria um mundo operante,

interligado por links, ícones, portais, sítios e home pages. É produto da digitalização

das mídias, do advento de um fluxo de mensagens planetário, multimodal, e

bidirecional, em que o receptor torna-se, também, um emissor potencial (2010, p.

259).

11

Hipermídia é a fusão de várias mídias num ambiente computacional, como textos, áudios, vídeos, animações, imagens estáticas, etc. A interação entre estas informações ocorre sem que a linearidade seja necessária. Com efeito, o usuário pode navegar pelos dados como achar conveniente, sem precisar seguir um caminho pré-estabelecido. 12

O termo ciberespaço foi criado pelo escritor William Gibson em sua obra de ficção científica ciberpunk chamada Neuromancer, de 1984. Para Gibson, o ciberespaço é um espaço não físico ou territorial composto por um conjunto de redes de computadores através das quais todas as informações circulam sob as mais diversas formas. O ciberespaço de Gibson faz uma caricatura do real, do cotidiano. Próprio do imaginário ciberpunk que marcou os anos 80, o universo criado pelo autor revela uma visão distópica do futuro, onde as altas tecnologias preponderam em um ambiente urbano e caótico (LEMOS, 2010, p. 188). Apropriando-se do termo, Pierre Lévy define o ciberespaço como um novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo.

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Os novos meios de comunicação coletam, manipulam estocam, simulam, transmitem os fluxos de informação, criam uma nova camada que vem a se sobrepor aos fluxos materiais que estamos acostumados a receber. O ciberespaço é um espaço sem dimensões, um universo de informação navegável de forma instantânea [...] caracterizado pela ubiquidade, pelo tempo real e pelo espaço não físico. (LEMOS, 2010, p. 87).

O ciberespaço encoraja um estilo de relacionamento quase independente dos

lugares geográficos e da coincidência dos tempos (comunicação assíncrona). As

particularidades técnicas do ciberespaço permitem que os membros de um grupo

humano se coordenem, cooperem, alimentem e consultem uma memória comum, e

isto quase em tempo real, apesar da distribuição geográfica e da diferença de

horários (LÉVY, 1999, p. 49). A cibercultura13 surge com o ciberespaço,

caracterizando-se pela formação de uma sociedade estruturada através de uma

conectividade telemática generalizada, com o potencial comunicativo ampliado,

proporcionando a troca de informações sobre as mais diversas formas, fomentando

agregações sociais (LEMOS, 2010, p.87).

De acordo com a explicação de Lévy (1999, p.47-48), a universalização da

cultura digital ajuda a propagar a virtualidade, caracterizada pela ubiquidade e a

interação de quaisquer pontos do espaço físico, social ou informacional. O virtual é

definido como sendo uma entidade desterritorializada, capaz de gerar diversas

manifestações concretas em diferentes momentos e locais determinados, sem estar

presa a um lugar ou tempo em particular. "Ainda que não possamos fixá-lo em

nenhuma coordenada espaço-temporal, o virtual é real e existe sem estar presente"

(LÉVY, 1999, p.48). Aprofundando essa compreensão, destacamos nos escritos do

intelectual francês a seguinte afirmação:

Um mundo virtual - considerado como um conjunto de códigos digitais - é um potencial de imagens, enquanto uma determinada cena, durante uma imersão no mundo virtual atualiza esse potencial em um contexto particular de uso. Essa dialética do potencial, do cálculo e da exibição contextual caracteriza a maioria dos documentos ou conjuntos de informações de suporte digital (1999, p.48-49).

13

O neologismo "cibercultura" especifica o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço. (LÉVY, 1999, p.17).

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O desenvolvimento das redes digitais interativas favorece outros movimentos

de virtualização que não o da informação. Analisando essa questão, o sociólogo

Manuel Castells observa que

[...] a passagem dos meios de comunicação de massa tradicionais para um sistema de redes horizontais de comunicação organizadas em torno da internet e da comunicação sem fio introduziu uma multiplicidade de padrões de comunicação na base de uma transformação cultural à medida que a virtualidade se torna uma dimensão essencial da nossa realidade. (CASTELLS, 1999, p.2)

Para Lévy (1999), a cibercultura se desdobrará na formação e na construção

da inteligência coletiva, conceito no qual a mediação é ao mesmo tempo interativa e

massiva, ou na lógica indicada por Lévy, um modelo em forma de rizoma: de UM-

TODOS, UM-UM, para TODOS-TODOS. Dos sistemas informatizados emanam

informações de forma multidirecional, coletiva e personalizada, não mais de um

centro "editor-coletor-distribuidor", como define Lemos (2010, p. 81).

Na lógica da inteligência coletiva, os espaços virtuais transformam a própria

informação e agregam formas de cooperação flexíveis em rede. Nessa perspectiva,

o que amplia as possibilidades de construção da inteligência coletiva é o fato dos

usuários da rede e seus grupos poderem compartilhar, negociar e refinar modelos

mentais comuns.

Na concepção de Lévy, a inteligência coletiva "é uma inteligência distribuída

por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta

em uma mobilização efetiva das competências" (1998, p.28). Dito de outro modo,

este ideal da inteligência coletiva seria a criação de sinergia entre as competências e

as energias intelectuais, que passa por uma prática de troca dos conhecimentos, por

novas formas de organização e de coordenação flexíveis e em tempo real (1999,

p.167).

“O ciberespaço, dispositivo de comunicação interativo e comunitário, apresenta-se como um instrumento dessa inteligência coletiva. É assim, por exemplo, que os organismos de formação profissional ou à distância desenvolvem sistemas de aprendizagem cooperativa em rede [...] Os pesquisadores e estudantes do mundo inteiro trocam ideias, artigos, imagens, experiências ou observações em conferências eletrônicas organizadas de acordo com interesses específicos.” (LÉVY,1999. p.29).

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De uma sociedade massificada, passa-se a uma sociedade informacional,

prevalecendo o fluxo de uma quantidade gigantesca de informação para os

interagentes que terão o poder de triar e buscar o que lhes interessa.

Ao refletirmos sobre o advento das TIC no mundo contemporâneo,

percebemos que se alteram também as relações da sociedade com as informações,

expandindo-se cada vez mais as possibilidades de disseminação, transformação,

adaptação e organização dessas informações. A Internet e as tecnologias digitais

fizeram emergir um novo paradigma social descrito por alguns autores como

sociedade do conhecimento (Hargreaves, 2003), sociedade da aprendizagem (Pozo,

2004) ou sociedade da informação, como prefere Castells (1999). Um mundo onde o

fluxo de informações é intenso, em permanente mudança, e "onde o conhecimento é

um recurso flexível, fluido, sempre em expansão e em mudança" (Hargreaves, 2003,

p. 33).

A ideia subjacente ao conceito de sociedade da informação é o de uma

sociedade inserida num processo de mudança constante, fruto dos avanços na

ciência e na tecnologia que permitiram a popularização de invenções como

o microprocessador, a rede de computadores, a fibra óptica e o computador pessoal,

no final do século XX. Tal como a imprensa revolucionou a forma como aprendemos

através da disseminação da leitura e da escrita nos materiais impressos, o

desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação dinamizou os fluxos

informacionais pelo mundo, tornando possíveis novas formas de acesso e

distribuição do conhecimento (POZO, 2004).

A sociedade da informação pode ser explicada através da metáfora de uma

boa estrada, porque facilita a entrada e saída de fluxos de informações. A amplitude

dessas informações contribui sobremaneira para promover a integração, reduzindo

as distâncias geográficas e, acima de tudo, promovendo um aumento no nível de

informação das pessoas.

Apesar da Internet, a princípio, ser um canal de comunicação horizontal, em

que as pessoas, independentemente do status ou classe social a que pertençam,

podem aceder a todo e qualquer tipo de informação, Castells (2003, p.129) pondera

que, muitas vezes, a realidade é muito distinta e por dois motivos: em primeiro lugar

ficam de fora todos os que não têm condições de acesso e conectividade (e são

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muitos no Brasil, como revelam as pesquisas14); em segundo lugar, porque o acesso

à informação não é garantia que disso resulte conhecimento e, muito menos,

aprendizagem.

Desta forma, concordamos com Castells quando ele afirma que estamos

vivendo uma revolução tecnológica. Porém, o desafio é saber de que forma toda

essa miríade de informações, que não encontram barreiras de tempo e de espaço,

poderá contribuir para a democratização do conhecimento, visando aprendizagens

significativas.

1.2 O MÉTODO TRADICIONAL EM XEQUE

As mudanças de paradigmas acentuam-se cada vez mais com o

desenvolvimento da sociedade em rede, algo que coloca o modelo educacional

tradicional em xeque. Em sua obra intitulada Cibercultura, publicada em 1999, Pierre

Lévy percebeu que o uso crescente das tecnologias digitais e das redes de

comunicação interativa causava mutações na relação com o saber. Os fatores

analisados por Lévy - como a velocidade das inovações tecnológicas, as novas

formas de interação e construção do conhecimento, a democratização do acesso à

informação e a emergência da inteligência coletiva - acabam por questionar os

modelos tradicionais de ensino, que enfatizam a transmissão dos saberes. A própria

disseminação da cibercultura nos dias atuais, potencializada pela maior apropriação

tecnológica desde que Lévy escreveu o livro, contribui para a defasagem crescente

desse modelo educacional.

Para Sancho (2006, p.19), a principal dificuldade para transformar os

contextos de ensino com a incorporação de tecnologias diversificadas de informação

14

Segundo o levantamento feito pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), divulgada em novembro de 2017 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a internet estava presente em 63,6% dos lares (acesso à Internet no domicílio por parte de algum morador); 60,3% dessas residências tinham acesso através de telefone celular; 40,1% via microcomputador; e 12,1%, pelo tablet. A partir dessa pesquisa, constata-se que os celulares são responsáveis pela expansão do acesso à internet nos domicílios brasileiros (INSTITUTO..., 2017). Dados da pesquisa TIC Domicílios 2016, do Núcleo de Informação e Comunicação do Comitê Gestor da Internet (CGI-Br), apontam grande desigualdade no acesso à internet. De acordo com o levantamento, divulgado em setembro de 2017, o percentual de lares conectados é de 59% nos centros urbanos, contra 26% nas áreas rurais. No recorte regional, o índice é de 40% no Nordeste, contra 64% no Sudeste. A disparidade também aparece quando observada a situação econômica. De acordo com a pesquisa, a internet está em 29% das casas com famílias com renda de até um salário mínimo, contra um índice de 97% naquelas que ganham até 10 salários mínimos (TIC..., 2016).

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encontra-se no fato de que a tipologia de ensino dominante na escola é a centrada

no professor.

A análise de Moran (2011) também aponta no mesmo sentido. Ressalta que

as tecnologias foram disponibilizadas nas universidades e nas escolas, mas, em

geral, para continuar fazendo o de sempre – o professor falando e o aluno ouvindo –

com um verniz de modernidade. As tecnologias são utilizadas mais para ilustrar o

conteúdo do professor do que para criar novos desafios didáticos.

Para Kenski (2007), a utilização de recursos tecnológicos de maneira

tradicional contribui para o fracasso na educação escolar, onde muitas vezes a

internet é utilizada como um grande banco de dados, o vídeo como instrumento para

ocupar o tempo de toda aula sem nenhuma contextualização e o powerpoint como

substituição do quadro negro. Muitas vezes se utiliza o "novo" para reproduzir o

"velho" método de ensino pautado na transmissão de conteúdos, de forma que se

continua a perpetuar o mesmo tipo de ensino, mas com aparência diferente, devido

à roupagem moderna.

Marta Gabriel (2013) afirma que o sistema educacional baseado no livro e no

professor como provedores primordiais da educação está desmoronando em virtude

da penetração das tecnologias digitais no cotidiano das pessoas. A autora explica

que "as novas tecnologias não afetam apenas o modo como fazemos as coisas, mas

afetam principalmente nossos modelos e paradigmas" (GABRIEL, 2013, p. 07).

São muitos os desafios postos à tarefa de ensinar ao jovem nos dias de hoje.

Por um lado, vivemos em uma sociedade marcada pelo crescente acesso à internet

por meio, sobretudo, de telefones celulares, o que redimensiona o lugar de um

ensino tradicionalmente pautado pelo primado da informação e do conteudismo

puro, desconectado das questões do mundo e do tempo presente. De certo modo,

esse deslocamento de foco de interesse acaba também impactando o modo pelo

qual se organizam as rotinas didáticas e as relações pedagógicas nas escolas

(BRASIL, 2016, p. 10).

Diferentemente daquilo que organizava o acesso à internet, há alguns anos,

hoje em dia, o caminho ao que representa essa vasta fonte de informações e de

notícias encontra-se disponível aos jovens na tela de um telefone celular, objeto de

consumo que vem se expandindo na sociedade brasileira. Esse objeto acabou por

ocupar, nos dias de hoje, a função outrora ocupada por um vasto conjunto de

aparatos tecnológicos.

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Nas mãos de jovens e de crianças, celulares servem, hoje, para marcar o tempo, jogar em ambientes coletivos ou individuais, brincar, digitar textos, fotografar e filmar a vida cotidiana, editar fotos, procurar, na internet, informações daquilo que não se sabe, calcular valores, enviar e receber mensagens, localizar-se em mapas georeferenciados, navegar por informações acerca do mundo. É quase infinito seu potencial, que produz grupos juvenis que se aproximam e se repelem a partir de comportamentos disparados por seus seguidores. Não há como negar essa nova e desafiadora realidade que, efetivamente, impacta o lugar e o sentido daquilo que ensinamos e as formas pelas quais ensinamos (BRASIL, 2016).

Hoje, a educação formal tem de aprender a conviver e criar estratégias de

complementaridade com aquilo que Lucia Santaella chama de aprendizagem

ubíqua15, que pode ser feita em qualquer tempo e em qualquer lugar. Para a

obtermos, basta ter um smartphone, um tablet ou notebook para navegar nas redes.

Qualquer curiosidade, acerca que qualquer tema, pode ser saciada

instantaneamente, sem a presença de nenhum mestre. A grande característica

dessas redes é ser ao mesmo tempo um meio de informação e entretenimento.

Contudo, é preciso levar em conta que a aprendizagem ubíqua é dispersiva,

descontínua. Se ela não for complementada com processos mais sistemáticos e

mediada por um professor, ninguém se especializa em coisa nenhuma, explica

Santaella (2013).

Mesmo sendo as tecnologias digitais familiares aos jovens, para Delaunay

(2008, p.278) isso não significa que estes saibam compreender a sua complexidade,

nem tampouco as utilizem adequadamente de forma a aproveitar todas as suas

possibilidades.

Em meio a diversos desafios, como a indisciplina e o desinteresse, torna-se

imperativo um ensino que conecte os jovens a um aprendizado ativo e significativo.

O professor possui papel fundamental na superação da abordagem tradicional,

devendo ultrapassar a ênfase na reprodução do conhecimento, voltando-se para a

sua produção em sala de aula.

Portanto, é o modelo escolar que tem que se reestruturar a luz do novo meio

e dos novos processos cognitivos. Como vimos, há poucas vantagens na

15

Ubíquo não é um termo corrente, porém qualifica fenômenos muito presentes em nosso dia a dia. Os dispositivos móveis conectados à rede mundial de computadores produzem ubiquidade. Por exemplo: quando se fala com alguém ou se acessa informação de qualquer lugar, a qualquer momento. Essa ação gera uma presença simultânea, tanto no lugar físico que se ocupa, como naquele com o qual se conecta.

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incorporação das novas tecnologias ao processo pedagógico sem que o modelo

educativo também seja renovado.

1.3 NOVAS PERSPECTIVAS AO FAZER DOCENTE

Percebe-se que o acesso à informação e à tecnologia não é garantia que

disso resulte conhecimento e, muito menos, aprendizagem. Para que isso ocorra, é

necessário que, frente às informações apresentadas, as pessoas possam reelaborar

o seu conhecimento ou até mesmo desconstruí-lo, visando uma nova construção.

Esta construção deverá estar alicerçada em parâmetros cognitivos que envolvam a

autoregulação, aspectos motivacionais, reflexão e criticidade frente a um fluxo de

informações que se atualizam permanentemente, pois segundo Castells (2003, p.7):

O que caracteriza a revolução tecnológica atual não é o caráter central do conhecimento e da informação, mas a aplicação deste conhecimento e informação a aparatos de geração de conhecimento e processamento da informação/comunicação, em um círculo de retroalimentação acumulativa entre a inovação e seus usos. A difusão da tecnologia amplifica infinitamente seu poder ao se apropriar de seus usuários e redefini-los. As novas tecnologias da informação não são apenas ferramentas para se aplicar, mas processos para se desenvolver [...] Pela primeira vez na história, a mente humana é uma força produtiva direta, não apenas um elemento decisivo do sistema de produção.

Logo, a finalidade dos sistemas educacionais em pleno século XXI será tentar

garantir a primazia da construção do conhecimento pelos estudantes enquanto

sujeitos ativos no processo educativo, numa sociedade onde o fluxo de informação é

vasto e abundante. A função do professor não é somente a transmissão da

informação e do conhecimento, mas determinar certas mudanças na maneira de

processar e utilizar a informação com envolvimento ativo e emocional no

desenvolvimento das ações, proporcionando oportunidades de desafios, de criação

e reconstrução de novos conhecimentos.

Discorrendo sobre princípios da psicologia cognitiva, Lévy (1993, p. 81)

enfatiza que as pessoas lembram melhor daquilo que pesquisam, ou da informação

que resultou de um esforço ativo de interpretação. A implicação emocional das

pessoas face aos pontos a lembrar modifica igualmente suas performances

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mnemônicas. Quanto mais estivermos pessoalmente envolvidos com uma

informação, mais fácil será lembrá-la.

Nessa dinâmica, entende-se que as tecnologias educacionais são recursos

importantes, não apenas pelas informações que disponibilizam, mas pelos

processos comunicacionais e interacionais que possibilitam16. Ao refletir sobre o

hipertexto e a hipermídia, Pierre Lévy (1993) frisa que esses instrumentos adequam-

se particularmente aos usos educativos.

É bem conhecido o papel fundamental do envolvimento do aluno no processo de aprendizagem. Quanto mais ativamente uma pessoa participar da aquisição de um conhecimento, mais ela irá integrar e reter aquilo que aprender. Ora, a multimídia interativa, graças à sua dimensão reticular ou não linear, favorece uma atitude exploratória, ou mesmo lúdica, face ao material a ser assimilado. É, portanto, um instrumento bem adaptado a uma pedagogia ativa. (LÉVY, 1993, p. 40).

Para Lévy, o ciberespaço possibilita aos grupos de alunos trabalharem com

sistemas compartilhados e automatizados para a construção do conhecimento.

Nesse cenário, o autor destaca a internet como fonte promissora de informações,

ressaltando-se a constante transformação do ciberespaço, em que as informações

multiplicam-se e atualizam-se de modo exponencial. Na perspectiva da inteligência

coletiva no domínio educativo, a direção mais promissora é a da aprendizagem

cooperativa, defende Lévy (1999, p. 171).

Outro desafio colocado pela revolução tecnológica é saber de que forma as

informações podem ser interiorizadas e incorporadas naquilo que o sujeito já

conhece. As informações constituem a base do conhecimento, mas a aquisição

deste implica, antes de tudo, o desencadear de uma série de operações intelectuais,

que relacionam os novos dados com as informações armazenadas previamente pelo

16

Conforme exposto anteriormente, a linguagem hipertextual e hipermidiática, presente no ciberespaço, favorece uma atitude exploratória que se coaduna com a postura educativa assumida como mediação. Ao permitir a interação com interlocutores diversos, as mídias digitais favorecem não apenas o consumo, mas também a colaboração e a produção de informações, potencializadas por ferramentas da Web 2.0. Através dessas ferramentas, a rede passa a ser percebida como uma plataforma, permitindo a autoria e a interação, de modo que o usuário se aproprie dos conteúdos apresentados, transformando-os, assumindo papel diferente do de consumidor passivo de informação. Assim, é possível que qualquer pessoa efetue uma publicação online, mesmo que desprovida de conhecimento técnico para a criação de sites e alojamento dos mesmos em servidores. Dada à facilidade de publicação de conteúdo, destacam-se neste cenário as comunidades virtuais, os sites de compartilhamento, páginas de conteúdo colaborativo e participativo, blogs e redes sociais. Disso decorre o interesse crescente no meio educacional sobre as potencialidades do mundo virtual e da interação inerente a ele, como resposta a métodos tradicionais ainda vigentes na escola.

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indivíduo17. O conhecimento adquire-se, portanto, quando as diversas informações

se concatenam mutuamente, criando uma rede de significações que se interiorizam.

Na atualidade, uma das perturbações provocadas pelas TIC é o fato de que

as pessoas creem ter acesso à significação dos acontecimentos, simplesmente

porque recebeu informação sobre eles. (PELLICER, 1997, p.88 apud COUTINHO;

LISBÔA, 2011, p.9). Para que a sociedade da informação possa ser considerada

uma sociedade do conhecimento é imprescindível que se estabeleçam critérios para

organizar e selecionar as informações, e não simplesmente ser influenciado e

moldado pelos constantes fluxos informativos disponíveis. Para isso, não basta ao

professor ter competências tecnológicas, mas possuir competência pedagógica para

que possa promover uma leitura crítica das informações que se apresentam

desorganizadas e difusas na rede (JONASSEN, 2007, p.40 apud COUTINHO;

LISBÔA, 2011, p.10).

Apoiados nessas asserções, podemos dizer que a aprendizagem tem que vir

ao encontro dos anseios e necessidades dos alunos, para que, a cada nova

associação de conteúdos às suas estruturas cognitivas, possa haver um ganho de

significado para eles, a partir da relação que estabelece com os seus conhecimentos

prévios, evitando assim, uma aprendizagem mecânica. Nesta última, os conteúdos

são armazenados de forma isolada ou através de associações arbitrárias, não

apresentando relevância para o desenvolvimento pessoal e tampouco ao

desenvolvimento de competências que lhes permitam posicionarem-se de forma

crítica e consciente no mundo atual.

O potencial da interação permeada pelas novas tecnologias da informação e

comunicação, e a necessidade de mudanças nas estratégias de ensino, são

elementos também destacados na análise de Ponte (2000, p. 77).

[...] as TIC proporcionam uma nova relação dos atores educativos com o saber, um novo tipo de interação do professor com os alunos, uma nova forma de integração do professor na organização escolar e na comunidade profissional. Os professores vêm a sua responsabilidade aumentar. Mais do que intervir numa esfera bem

17

Essas operações intelectuais associativas são chamadas de "elaborações''. As elaborações são acréscimos à informação alvo. Conectam entre si itens a serem lembrados, ou então conectam estes itens a ideias já adquiridas ou anteriormente formadas. No pensamento cotidiano, os processos elaborativos ocorrem o tempo todo. Esse trabalho elaborativo ou associativo é, indissociavelmente, uma forma de compreender e memorizar. Lévy afirma que quanto mais complexas e numerosas forem as associações, melhores serão as performances cognitivas e mnemônicas (LÉVY, 1993, p. 80).

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definida de conhecimentos de natureza disciplinar, eles passam a assumir uma função educativa primordial. E têm de fazê-lo mudando profundamente a sua forma dominante de agir: de (re)transmissores de conteúdos, passam a ser co-aprendentes com os seus alunos.

Nesse cenário, a dificuldade dos professores é mudar a forma de

comunicação em sala de aula. O educador Paulo Freire (1987) chamou a

atenção para o problema da transmissão há tempos, quando afirmou que a

educação autêntica não se faz de A para B, ou de A sobre B, mas de A com B,

mediados pelo mundo. De acordo com Freire (1987), não se concebe mais uma

educação bancária onde os aprendentes são fiéis depositários, tendo que reproduzir

o conhecimento como lhes foi repassado. A educação bancária perpetua e reforça

uma relação vertical e autoritária. Não é permitido realizar críticas, assim como não

se pode questionar ou duvidar do professor, que detém o conhecimento. Nesse

caso, a educação é puro treino, é pura transferência de conteúdo, é quase

adestramento (FREIRE, 1987).

Vivemos uma época em que a hierarquia dos modelos tradicionais de

conceber o conhecimento é substituída pela horizontalidade, em que todos são

agentes do processo e, portanto, todos têm voz em sala de aula. A necessidade de

mudanças não é de agora, mas o novo meio, regido pelas tecnologias digitais,

impõe com maior intensidade uma nova postura, exigindo uma visão mais

construtivista e interacionista do processo educacional.

Um ambiente educativo equipado com tecnologias variadas favorece a

comunicação, a cooperação e a troca de saberes entre os aprendizes. Como

escreve Marco Silva (2010, p.188), para o professor promover verdadeiramente uma

sala de aula interativa, ele deve observar os fundamentos da interatividade que

podem ser tomados como agenda de modificações na práxis comunicacional em

sala de aula. As novas tecnologias podem equipar a sala de aula com

agenciamentos de comunicação capazes de fortalecer o papel do professor como

mediador e atender ao perfil do novo aluno, educando para um mundo cada vez

mais veloz e imediato.

Entretanto, não basta boa vontade ou engajamento do professor para que

isso aconteça. No caso do ensino público, é necessário a contrapartida do Estado,

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na forma de politicas públicas e investimentos que garantam formação docente

apropriada, ferramentas e condições estruturais para que haja mudanças

substanciais no fazer pedagógico apoiado pelas TIC. É o que discutiremos agora, a

partir da análise dos principais programas de tecnologias educacionais que

funcionam no Paraná.

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2 PROGRAMAS DE TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS

Nem tudo na vida se resolve com cliques no mouse.

A educação é uma delas

(Autoria desconhecida)

Após termos refletido sobre o advento das novas tecnologias, seus impactos

na educação e pensado em alguns caminhos para a mudança do modelo

pedagógico ainda vigente em muitas salas de aula, é preciso abordar brevemente as

principais políticas públicas de introdução a novas tecnologias nas escolas públicas

paranaenses.

A implementação dessas políticas nos sistemas escolares ganhou força na

década passada, através do Programa Paraná Digital (PRD) e o Programa Nacional

de Tecnologia Educacional (PROINFO/MEC). Tais programas tinham em comum o

objetivo de equipar as escolas com laboratórios de informática e contribuir para o

avanço e a popularização das tecnologias digitais de informação e comunicação nas

escolas públicas. Trata-se de um assunto importante para compreendermos as

atuais condições de trabalho dos professores com as TIC, bem como algumas

especificidades do ambiente educacional onde atuam e as ferramentas das quais

dispõem.

As fontes de pesquisa referenciadas a seguir contribuíram para a

compreensão dos fatores que influenciam a utilização dos recursos tecnológicos nas

escolas. Também nos deram subsídios para examinarmos se a relação com as TIC

tem ajudado os professores de História da Região Metropolitana de Londrina a

seguirem os encaminhamentos metodológicos para o trabalho com fontes históricas

presentes nas DCE/H.

2.1 PROGRAMA NACIONAL DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL (PROINFO)

O Programa Nacional de Informática na Educação (ProInfo) foi criado em

1997, pela Portaria nº 522/MEC. O objetivo do ProInfo era disseminar o uso do

computador nas escolas públicas estaduais e municipais de todos os estados

brasileiros e criar Núcleos de Tecnologia Educacional - NTEs para concentrar ações

de sensibilização e de capacitação do professor para incorporar essa ferramenta em

seu trabalho pedagógico.

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O programa foi vinculado à Secretaria de Educação a Distância (SEED), do

MEC, em articulação com as secretarias de educação do Distrito Federal, dos

Estados e dos Municípios. Implantou, até o final de 1998, 119 Núcleos de

Tecnologia Educacional (NTEs) em 27 Estados e no Distrito Federal.

O ProInfo previu, para o Estado do Paraná, a instalação de 13 NTEs que

seriam distribuídos pelo Estado. Os seis primeiros NTEs foram implantados em

1997, nas cidades de Curitiba, Cascavel, Ponta Grossa, Cornélio Procópio, Pato

Branco e Campo Mourão. Em 1999, outros seis núcleos foram abertos nas cidades

de Foz do Iguaçu, Maringá, Umuarama, Guarapuava, Londrina e Curitiba, que

passou a contar com mais um NTE em 1999. No ano de 2000, fora implantado o 13º

NTE no Estado, na cidade de Telêmaco Borba. Em cada um dos NTEs houve a

incorporação de profissionais da educação, oriundos de instituições públicas da

esfera estadual e federal, que formariam o grupo de multiplicadores responsáveis

pelos processos de formação continuada para uso dos recursos tecnológicos

disponíveis nas escolas (PARANÁ, 2010, p. 7).

O processo de formação continuada dos professores na área de tecnologias

educacionais ocorria de modo centralizado no NTE. Era o local onde o professor

participava dos cursos oferecidos. Esse modelo de atendimento mostrou-se limitado,

pois a área de abrangência do NTE era muito ampla e havia também a dificuldade

dos professores se deslocarem das escolas onde trabalhavam até a sede do NTE

(PARANÁ, 2010, P. 7).

A partir de 2007, o ProInfo passou por significativas mudanças. Mantendo a

mesma sigla, a denominação foi alterada para Programa Nacional de Tecnologia

Educacional. Essa alteração demonstrava a ampliação do programa, assim como os

seus objetivos, expressos no decreto nº 6.300, de 12 de dezembro de 2007:

I - promover o uso pedagógico das tecnologias de informação e comunicação nas escolas de educação básica das redes públicas de ensino urbanas e rurais; II - fomentar a melhoria do processo de ensino e aprendizagem com o uso das tecnologias de informação e comunicação; III - promover a capacitação dos agentes educacionais envolvidos nas ações do Programa; IV - contribuir com a inclusão digital por meio da ampliação do acesso a computadores, da conexão à rede mundial de computadores e de outras tecnologias digitais, beneficiando a comunidade escolar e a população próxima às escolas; V - contribuir para a preparação dos jovens e adultos para o mercado de trabalho por meio do uso das tecnologias de

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informação e comunicação; VI - fomentar a produção nacional de conteúdos digitais educacionais (BRASIL, 2007, p.1).

Redefinido como um programa educacional de promoção ao uso pedagógico

das TIC na rede pública de educação básica, o Proinfo previa a implantação de

equipamentos tecnológicos, sendo o Ministério da Educação responsável por

comprar, distribuir e instalar laboratórios de informática

nas escolas públicas de Educação Básica.

Como contrapartida ao programa, os governos estaduais e municipais

deveriam comprometer-se na disponibilização de infraestrutura apropriada para

instalação dos laboratórios, bem como a capacitação dos educadores para uso das

máquinas e tecnologias (SILVA, 2016. P.34).

O provimento de laboratórios de informática nas escolas representa a ação

mais expressiva do ProInfo. Os laboratórios providos foram de dois tipos: Proinfo

Urbano (composto por: 1 servidor de rede, 15 estações para o laboratório de

informática, 2 estações para área administrativa, monitores LCD, 1 roteador wireless,

1 impressora laser) e Rural (composto por: 1 servidor, 4 estações, monitores LCD, 1

impressora jato de tinta). As estações são compreendidas como multiterminais, uma

tecnologia desenvolvida pela UFPR que consiste em ligar vários monitores, teclados

e mouses em uma única CPU. O sistema operacional adotado foi o Linux

Educacional, baseado na distribuição Linux Ubuntu (BASNIAK, 2014, p.68).

Além dos laboratórios de informática, mais recentemente foram distribuídos

nas escolas públicas os projetores multimídia, por meio do MEC e do FNDE, O

Projetor ProInfo, como ficou conhecido, foi fornecido por dois fabricantes: Diebold e

Daruma. Funciona com o sistema operacional Linux (semelhante ao do Laboratório

ProInfo) e contém CPU, teclado, mouse, portas USB, porta para rede wireless,

unidade leitora de DVD e projetor multimídia. Como possui todos os componentes

acoplados e funcionando de forma integrada, pode ser facilmente transportado para

as salas de aula, necessitando de apenas uma tomada para funcionar.

Devido à sua praticidade e versatilidade, o equipamento foi bem recebido nas

escolas públicas, pois os computadores móveis (como laptops e notebooks) e

projetores portáteis (data show) sempre foram recursos escassos ou insuficientes

para atender a demanda de todos os professores.

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Figura 1 – Projetor MEC/ProInfo (Diebold)

Fonte: WebEduc – Portal de Conteúdos Educacionais do MEC – Projetor ProInfo. Disponível em: <http://webeduc.mec.gov.br/projetorproinfo>. Acesso em: 01 jun. 2018.

Figuras 2 e 3 – Projetor MEC / ProInfo (Daruma)

Fonte: Portal de Compras FNDE. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/portaldecompras/index.php/produtos/computador-interatvo-projetor>. Acesso em: 7 jun. 2016.

Apesar de representar uma importante aquisição em termos educacionais, a

distribuição dos Projetores ProInfo teve abrangência limitada, pois nem todas as

escolas foram contempladas com o equipamento. É possível citar, como exemplo,

as quatro escolas em que o pesquisador trabalhou no período de realização desta

dissertação - nenhuma delas contava com o dispositivo.

O Programa Banda Larga nas Escolas (PBLE), por sua vez, é um programa

federal que tem o objetivo de disponibilizar conexão banda larga com a internet a

todas as escolas públicas urbanas do país, até o final de 2025, sem ônus para a

União, Estados, Distrito Federal e Municípios. O PBLE, que é uma contrapartida das

operadoras ao Estado para exploração de telefonia fixa, pode beneficiar mais de 50

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milhões de alunos por todo o país, segundo estimativas do Ministério da Educação

(SILVA, 2016. p.34).

Contudo, em sua investigação, Silva (2016, p. 35) revela que

[...] segundo informações do site da Campanha Internet na Escola – que promoveu em 2015 evento para medição das conexões das escolas em todos os estados do país "81% das escolas públicas não têm internet rápida o suficiente para acessar conteúdos educativos" (INTERNET..., 2016, s.p.). A página na internet da Campanha Internet na Escola – criada pela Rede Nossas Cidades, em parceria com a Fundação Lemann, Instituto Inspirare e Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio (ITS) – publicou o documento "Escolas Conectadas: equidade e qualidade na educação brasileira" (FUNDAÇÃO..., 2016, s.p.). Neste documento, que contou com a colaboração de especialistas de diversas instituições – incluindo a academia, empresas, poder público, organizações sociais e comunidade escolar – é notado que o cenário atual de conectividade nas escolas pode melhorar, pois ainda gera baixo impacto na aprendizagem. A distribuição da conectividade é desigual ao longo do território e as ações são fragmentadas. Uma das fragilidades apontadas pelo documento é a de que os programas, como o PBLE, não garantiram qualidade de conectividade razoável: "parte considerável delas [unidades de ensino] continua desconectada. Nas demais os índices de velocidade são, em média, de 1 a 2 Mbps para download nas urbanas e de 512 Kbps nas rurais, o que as impede de usar recursos educativos digitais com maior potencial de impacto na aprendizagem." (FUNDAÇÃO..., 2016, s.p.).

Estes dados sugerem a presença de velocidade insatisfatória nas conexões

das escolas com a internet. Muitas vezes a capacidade não é suficiente sequer para

uso administrativo do computador conectado à internet, quanto mais para acessos

que envolvam aplicações pedagógicas com todos os alunos utilizando ao mesmo

tempo os terminais do laboratório do PronInfo.

Outra iniciativa do Governo Federal digna de nota ocorreu entre os anos de

2013 e 2014, quando foram abertos pregões para aquisição de tablets educacionais

para distribuição aos professores da rede pública de educação básica. O intuito foi

proporcionar maior mobilidade no acesso a conteúdos educacionais diversos

(FNDE, 2012).

Algumas pesquisas apontam que a disponibilização destes aparelhos causou

controvérsia entre os professores, entre aprovações e objeções à sua real utilidade

em ambiente escolar. Em estudo realizado em dezembro de 2014, Graziela

Giacomazzo e Patrícia Fiuza verificaram como estava ocorrendo a inserção dos

tablets nas escolas estaduais de ensino médio, a partir da percepção dos

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professores que estavam recebendo este recurso no Estado de Santa Catarina.

Participaram da pesquisa 44 professores de 25 escolas estaduais localizadas em

nove (9) cidades da Região do Extremo Sul Catarinense, sendo todos atuantes no

ensino médio.

Figura 4 – Tablet Educacional

Fonte: MEC/FNDE Tablet Educacional. Disponível em:

<http://www.fnde.gov.br/tableteducacional/inicio>. Acesso em: 01 jun. 2018.

Quando questionados sobre o uso do recurso tablet para auxiliar no processo

de ensino e aprendizagem, apenas 6 (13,63%) dos professores responderam

afirmativamente. Os outros 37 (84,10%) professores responderam que não utilizam

os tablets como material didático ou ferramenta. Em suas justificativas, os sujeitos

da pesquisa alegaram a má qualidade do equipamento, a falta de formação

pedagógica, sinal insatisfatório ou inexistente de conexão Wi-Fi nas escolas e

sobrecarga de trabalho. Percebe-se, por meio das respostas, que alguns

professores entrevistados sequer viam utilidade pedagógica no Tablet Educacional.

Enquanto assessor técnico-pedagógico da Coordenação Regional de

Tecnologia na Educação (CRTE) de Londrina, Silva (2016) relatou sua experiência

na formação dos docentes para o uso do tablet, onde ministrou oficinas.

A princípio, grande parte dos professores ficou entusiasmada com a disponibilidade dos equipamentos; mas, pouco tempo depois de distribuídos os tablets, seu uso se mostrou pouco eficiente. Durante as oficinas, o equipamento apresentava frequentemente lentidão e travamentos para execução de atividades, como, por exemplo, navegação na internet e uso de câmera de vídeo. Em relação à

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possibilidade de conexão do equipamento à internet, o resultado também foi muito frustrante, pois usualmente a conexão Wi-Fi apresentava nível de sinal insatisfatório ou inexistente. Quando a conexão se fazia possível, ao realizar acessos simultâneos à rede, a velocidade de transmissão de dados se tornava extremamente lenta, inviabilizando a almejada mobilidade tecnológica, o que seria um ponto forte do equipamento [...]. (SILVA, 2016, p. 39-40).

Os trabalhos acadêmicos destacados neste tópico constataram que as

tecnologias digitais providas pelo ProInfo não foram incorporadas como deveriam ao

trabalho docente, contribuindo de fato para a inclusão digital, a melhoria da

qualidade da educação e mudanças substanciais nas práticas pedagógicas.

Assim, parece que o Programa Nacional de Tecnologia na Educação,

implantado há mais de vinte anos, ainda tem muitos problemas a superar.

Entretanto, desde sua implantação, o ProInfo tornou-se o maior programa brasileiro

de tecnologias na educação, tendo influenciado alguns estados da federação na

criação de novos programas, como ocorreu no estado do Paraná.

É o que discutiremos na sequência, voltando o nosso olhar ao principal

programa de tecnologia educacional do Paraná, também relacionado ao trabalho

pedagógico do público-alvo da presente investigação.

2.2 PROGRAMA PARANÁ DIGITAL (PRD)

No tópico anterior, abordamos o ProInfo, programa federal presente em todos

os estados do país. Além deste programa, o estado do Paraná contou com o PRD –

Programa Paraná Digital. Recapitulando um pouco da saga do Estado no campo das

tecnologias educacionais, merece destaque o fato de que o Paraná foi um dos

primeiros estados brasileiros a buscar formas de financiamento pela via da

elaboração de projetos apresentados a órgãos internacionais. A aprovação de um

projeto financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e apoiado

pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), possibilitou

que a Secretaria de Estado de Educação do Paraná (SEED-PR) criasse, em 2003, o

Projeto BRA 03/036, que originou o Programa Paraná Digital, assumindo a sigla

PRD.

Conforme documentado em publicação de cunho institucional, "O PRD

objetivou promover a inclusão digital no estado do Paraná e a melhoria da qualidade

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da educação básica por meio do uso adequado das novas tecnologias da

informação e da comunicação" (PARANÁ, 2010, p. 11). Para alcançar tais objetivos,

o programa foi concebido a partir de três eixos: a implantação de laboratórios de

informática conectados à internet em todas as escolas, a criação de um Portal

Educacional com conteúdo educacional e a ampliação dos Núcleos de Tecnologias

na Educação.

De acordo com informações institucionais sobre o programa, o PRD teve

como meta atingir cerca de 2.100 estabelecimentos de ensino da rede pública,

localizados nos 399 municípios do Paraná (PARANÁ, 2010, p. 11), constituindo um

programa audacioso por conta da abrangência e das soluções oferecidas em

informática com baixo custo de implantação e manutenção.

O Paraná Digital foi desenvolvido em parceria com o Centro de Computação Científica e Software Livre da Universidade Federal do Paraná, que desenvolveu a tecnologia multiterminal four-head, em que quatro monitores funcionam conectados a uma única CPU e estes a um servidor localizado em cada escola. O sistema operacional disseminado é o Debian de distribuição Linux, o que trouxe uma economia de aproximadamente 50% em hardware e 100% em software, pois utiliza a filosofia do software livre [...] e se encontra sob gerenciamento da Companhia de Informática do Paraná (Celepar), responsável pela administração do sistema, bem como atualização dos pacotes de softwares e aplicativos disponibilizados por meio de servidores sem a necessidade de instalação em cada terminal e sem o deslocamento de profissionais da Celepar para instalação e atualização de sistemas em todas as escolas do estado (PARANÁ, 2010, p.8).

Cabe destacar na citação acima a dimensão política das escolhas técnicas

realizadas, uma vez que o sistema operacional instalado nos computadores foi o

Linux DEBIAN, sistema livre que contribuiu para diminuir os custos com licenças no

Projeto em aproximadamente 78 milhões de reais. Além disso, a opção pelo

software livre diminuiu a dependência tecnológica brasileira em relação às empresas

desenvolvedoras dos softwares proprietários que mantêm monopólios globais. A

adoção do sistema concebido pela UFPR, de multiterminais operando com software

livre, contribuiu para o desenvolvimento tecnológico do país, tornando-se referência

para outros programas, como o ProInfo.

Conforme fora mencionado, vimos que a CELEPAR ficou responsável pelo

desenvolvimento de aplicações para o PRD, "além das tecnologias empregadas no

desenvolvimento e estruturação dos servidores utilizados" (PARANÁ, 2010, p. 96).

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O estabelecimento da conectividade nas 2100 escolas públicas estaduais

ficou sob responsabilidade da Companhia Paranaense de Energia Elétrica (Copel),

provida por meio de fibra ótica, rádio ou satélite. Após a conclusão de instalação dos

equipamentos, grande parte das escolas possuía conexão via fibra ótica (PARANÁ,

2010, p. 96). A malha de fibra ótica foi ampliada para aproximadamente 300

municípios do Estado do Paraná, com prioridade para as regiões de menor índice de

desenvolvimento humano (IDH). Nos municípios mais afastados e localizados em

áreas rurais, a conectividade se deu por meio de antenas digitais.

Com isso, o PRD conseguiu, a princípio, cumprir o desafio de ampliar o

acesso a computadores conectados à internet em todas as escolas do estado,

criando um "modelo original e bem-sucedido de incorporação de novas tecnologias

de informação e comunicação no cotidiano da comunidade escolar" (PARANÁ, 2010,

p. 116). Uma avaliação do Programa PRD, realizada com apoio do PNUD18, elencou

alguns pontos fortes da iniciativa, dentre eles a universalidade de acesso, a

implementação de soluções em software livre e redução de custos de hardware

(PARANÁ, 2010, p. 21).

Dentre os pontos fracos a superar, elencados na avaliação do programa,

destacam-se as barreiras culturais que impedem mudanças e geram resistência ao

uso da tecnologia, a falta de formação das equipes pedagógicas e dos gestores para

orientar e instigar o uso pedagógico das tecnologias, a falta de articulação, dentro da

SEED, entre os setores que tratam de tecnologia na educação e os que tratam de

especificidades curriculares, ausência de diretrizes políticas e pedagógicas

formalizadas e sistematizadas na área de tecnologia na educação, bem como a

manutenção adequada de equipamentos da rede e dos laboratórios (PARANÁ,

2010, p. 21- 22).

Como parte do PRD, é importante mencionar que em 2007 foram instalados

aparelhos de televisão multimídia em 22.000 salas de aula das escolas estaduais do

Paraná. O aparelho ficou conhecido como TV Pendrive, pois apresenta entrada USB

que permite a conexão de pendrives. Além dessa vantagem, a TV possui 29

18

Segundo informações institucionais, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), além de prestar assistência nos processos de aquisição de bens e serviços e na utilização de insumos, desenvolveu atividades de apoio técnico à implementação, monitoria e avaliação do projeto. Colocou à disposição da SEED/PR seus mecanismos de preparação de documentos informativos, bem como de pagamento direto aos prestadores de serviços contratados no âmbito do PRD. Envidou esforços no sentido de capacitar a equipe da SEED/PR na execução dos produtos e atividades previstas no PRD. (PARANÁ, 2010, p. 15).

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polegadas com entradas para VHS, DVD, cartão de memória, pendrive (USB) e

saídas para caixas de som e projetor de multimídia (PARANÁ, 2007, p.3).

Figura 5 – TV Multimídia (Pendrive)

Fonte: TV Pendrive. (PARANÁ, 2007). Disponível em: <http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/manual_tvpendrive.pdf>.

Acesso em: 2 jun. 2018.

No momento em que as TVs chegaram às salas de aula, os professores

receberam gratuitamente dispositivos de armazenamento (pendrives de 2GB). De

acordo com o manual da TV produzido pela SEED, o pendrive seria utilizado para

salvar os objetos digitais de aprendizagem que seriam usados nas TVs. Assim, os

aparelhos possibilitariam a utilização de recursos didáticos em formato digital,

especialmente os disponibilizados pelo Portal Dia a Dia Educação, como os arquivos

de áudio, imagem estática e vídeo.

A TV Multimídia foi um recurso bem aceito pelos professores, segundo dados

do relatório de Hoepfner19 (2009, p. 59):

19

Danielle Lourenço Hoepfner trabalhou como consultora, realizando a avaliação do conjunto de conteúdos e materiais digitais em suas diversas mídias e ambientes virtuais, além dos resultados alcançados durante a vigência do Projeto BRA/03/36. O relatório conta ainda com resultados do questionário online aplicado junto aos professores, pedagogos e gestores das Escolas Públicas do Estado do Paraná, com apreciações sobre os conteúdos, dispositivos e materiais digitais sob a ótica destes profissionais do ensino.

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Há um consenso que a TV Multimídia é um recurso tecno-pedagógico inovador, que oportuniza ao docente a elaboração de aulas dinâmicas, interessantes e diferenciadas. Ainda, segundo as considerações postadas, os docentes que estão utilizando tal instrumento, percebem que os alunos estão mais motivados e participativos.

Na pesquisa realizada por Hoepfner (2009) junto aos professores, consta que

a maioria reconhecia que a TV possibilitava alternativas metodológicas

diversificadas. As entrevistas com professores que compõem a tese de doutorado de

Basniak (2014, p.157) reafirmam opiniões amplamente favoráveis ao uso da TV.

Apesar de serem aparelhos eficientes e bem utilizados pelos professores, as

TVs completaram mais de uma década de uso nas salas de aula. Funcionando com

o ultrapassado sistema de tubo num mundo onde as TVs de tela fina reinam na

maioria dos lares, a obsolescência perceptiva já é uma realidade. Além disso, a rede

de assistência técnica é limitada. Em Londrina, há apenas duas oficinas eletrônicas

autorizadas que pouco podem fazer quando o problema técnico nas TVs exige

peças de reposição. Tais peças não são mais produzidas e, por este motivo,

tornaram-se bastante escassas no mercado.

A criação do Portal Dia a Dia Educação é outra iniciativa da Secretaria de

Estado da Educação do Paraná (SEED/PR) digna de menção, pois representa um

dos pilares do Paraná Digital. Lançado em 2003, o ambiente voltado aos educadores

foi concebido com funcionalidades que envolvem recursos para formação e

informação, além de links para os programas da SEED/PR e para as páginas das

disciplinas (PARANÁ, 2010, p.9).

Conta com um acervo multimídia composto por recursos didáticos produzidos

pela SEED/PR e também provenientes da web, disponível para alunos e professores

da rede estadual. São arquivos de imagem, áudio e vídeo que podem ser

visualizados ou salvos no computador do usuário. Constitui uma importante

ferramenta pedagógica, pois também funciona como um repositório colaborativo.

Possui uma grande quantidade de recursos de acesso livre e gratuito, consultados a

partir de dispositivos conectados à internet.

O Portal foi criado para compartilhar materiais pedagógicos, contando com a

possibilidade de colaboração autoral de professores a partir da submissão de

conteúdos. Um dos objetivos da instalação dos computadores do PRD foi a

promoção de acesso e difusão do Portal Educacional Dia a Dia Educação. A TV

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Multimídia também estaria interligada ao Portal e ao laboratório de informática.

Pressupunha-se que o professor usaria os computadores disponíveis nas escolas

para consultar e baixar os conteúdos do Portal, levando-os às salas de aula através

das TVs Multimídia.

Figura 6 – Tela inicial da página da disciplina de História no Portal

Fonte: Portal Dia a Dia Educação. Página Inicial – História. Disponível em: <http://www.historia.seed.pr.gov.br/>. Acesso em: 02 jun. 2018.

Dentro do Portal, cada disciplina escolar conta com uma página específica. É

oportuno ressaltar, neste momento, as especificidades da página direcionada à

disciplina de História, devido à proximidade com os nossos interesses de pesquisa.

Tal página possui recursos didáticos organizados em diferentes seções: trechos de

filmes, jogos online, animações, arquivos de áudio, infográficos e até uma seção

destinada à utilização didática de fontes históricas, subdividida em duas categorias:

fontes escritas e fontes não escritas.

As equipes que trabalhavam no Portal e os técnicos da SEED/PR

(encarregados das disciplinas) divulgavam aos professores, via email, as novidades

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disponibilizadas no Portal para cada disciplina. As seções da página de História

(que são mais conhecidas pelo pesquisador) eram frequentemente alimentadas com

arquivos de áudio, trechos de filmes, vídeos de cunho didático, entre outros

recursos.

Mesmo com todas essas potencialidades, foi possível perceber uma

significativa queda na alimentação do Portal e divulgação dos seus conteúdos, a

partir de 2014. É plausível supor que isso tenha ocorrido devido aos sucessivos

cortes que diminuíram gradativamente o quadro de colaboradores do Portal,

majoritariamente composto por professores da rede estadual20.

O Portal continua sendo um serviço bastante útil, pois oferece aos

professores a possibilidade de salvar os arquivos de vídeo, áudio e imagem estática

no pendrive ou computador, devidamente editados e convertidos para formatos

compatíveis com a TV Multimídia, que faz a leitura de apenas algumas extensões21.

Mas a falta de novidades acarreta a diminuição do número de acessos à página e do

aproveitamento dos seus conteúdos educacionais.

2.3 A DESACELERAÇÃO DOS PROGRAMAS EM TEMPOS CADA VEZ MAIS VELOZES

Nos tópicos anteriores tratamos de projetos que resultaram em ações

significativas de ampliação do uso das TIC nas escolas. Entretanto, verifica-se na

atualidade a descontinuidade dos projetos em virtude da mudança nas gestões

governamentais, bem como diferenças na proposição e implementação de políticas

públicas. Além da descontinuidade, é perceptível a ausência de novos programas de

grande abrangência, tanto na alçada estadual como na federal.

Para analisarmos outro fator que sinaliza a descontinuidade dos programas

voltados às tecnologias educacionais, além das questões físicas e estruturais, basta

observarmos o funcionamento das CRTEs na atualidade, órgãos responsáveis pela

formação continuada para o uso de tecnologias na educação. Cabe lembrar que

todos os estados possuem Núcleos de Tecnologia Educacional (NTE), mas no

20

O Governo do Estado do Paraná ordenou em 2014 um corte de 30% dos funcionários da SEED-PR e dos 32 Núcleos Regionais de Educação (NREs) visando aplacar a crise financeira que assolava o caixa do estado. 21

Formatos de arquivo multimídia suportados pelo televisor: arquivos de vídeo MPEG (MPEG1, MPEG2), (AVI) DIVX e XVID; arquivos de áudio - MP3 e WMA; arquivos de imagem – JPEG. (PARANÁ, 2007, p. 7).

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Paraná este setor recebeu a designação de Coordenação Regional de Tecnologia

na Educação (CRTE).

Esses órgãos estratégicos foram criados para promover capacitações e

prestar assessorias ao trabalho pedagógico com as TIC nas escolas públicas

estaduais de sua área de abrangência. Conforme a explicação de Cantini (2008), os

trabalhos primordiais da CRTE estariam dispostos na seguinte linha de ação.

A primeira diz respeito à ação de assessoria técnica-pedagógica e de capacitação ocorridas diretamente nas escolas. Cada assessor deve atuar diretamente nas escolas sob sua responsabilidade, orientando educadores em atividades relacionadas ao uso de tecnologias [...] Nesta ação cabe ao Assessor da CRTE o planejamento e desenvolvimento de atividades didáticas com o uso das tecnologias disponíveis na escola, como assessoria à criação dos sites das escolas, planejamento e desenvolvimento de projetos educacionais disciplinares e interdisciplinares, pesquisa e elaboração de materiais didáticos e metodologias inovadoras com o uso do computador (CANTINI, 2008).

Em 2004, a equipe de atendimento foi redefinida a partir da ampliação dos 13

NTEs existentes, que se tornaram 32 CRTEs. Essa ampliação previa que a

quantidade de Assessores em cada CRTE deveria ser proporcional ao total de

escolas na área de abrangência do NRE, considerando 1 Assessor para cada 10

escolas, além de 2 técnicos de suporte técnico em cada uma das CRTEs (PARANÁ,

2010, p.10). Contudo, é possível perceber mudanças nada favoráveis ao longo dos

anos, como podemos observar na análise de Silva (2016):

Quando o Programa Paraná Digital foi concebido, um dos eixos de ação previa fortalecimento e expansão das Coordenações Regionais de Tecnologia na Educação [..]. Assim sendo, no ano de 2008, o Núcleo de Educação de Londrina contava com doze assessores pedagógicos da CRTE para ministrar cursos e realizar atendimentos nas escolas do município e da região [...]. Mais recentemente, no ano de 2015, o mesmo órgão conta com somente um assessor pedagógico [...] para atendimento de 120 estabelecimentos de ensino, em 19 municípios e 8683 professores [...] (SILVA, 2016, p.59).

Deste modo, observa-se que os investimentos em recursos humanos para

apoio pedagógico, formação continuada e suporte técnico diminuíram

consideravelmente, apesar de haver demanda crescente para o uso de tecnologias

educacionais.

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No decorrer deste capítulo tratamos de projetos que tiveram como meta a

disseminação das TIC nas escolas públicas. Apesar dos inúmeros problemas de

execução e resultados aquém das expectativas, como vimos nos tópicos anteriores,

os esforços para a ampliação de uso das TIC nas escolas eram constantes.

Analisando a trajetória do Programa Paraná Digital nas escolas públicas

paranaenses, podemos considerar a ampliação de recursos úteis ao trabalho do

professor como um resultado bastante positivo. O programa contribuiu para a

incorporação de equipamentos tecnológicos nas aulas, através de ações

desenvolvidas entre SEED, UFPR, Copel e Celepar, representando uma inovação

em termos de parceria para realização de uma política pública. Fomentou também a

pesquisa e o desenvolvimento de software e hardware, proporcionando maior

democratização e inclusão digital22. É possível observar suas implicações, inclusive,

nos programas federais de tecnologias educacionais23.

Também teve o mérito de viabilizar o acesso igualitário de todas as escolas

aos recursos implantados. Iniciativas como essa precisam ser reconhecidas, pois

houve grande investimento no atendimento à crescente demanda para o uso de

tecnologias digitais nas escolas de ensino básico.

Mas o que podemos perceber é que a descontinuidade das políticas públicas

educacionais, dos investimentos em equipamentos e a parca formação dos

professores, acabam por prejudicar programas relacionados a uso de tecnologias,

ficando estes vinculados a políticas de governo. Mudam-se os governos, mudam-se

as políticas para a Educação. Com isso, salientamos que a implantação de

programas como o PRD e o ProInfo deva traçar metas que estejam acima das

sazonalidades políticas, sendo instituída em caráter permanente.

Parece ficar evidente que não basta a distribuição de equipamentos e de

infraestrutura para conseguir resultados significativos. É preciso investimento e

renovação constantes. No mundo altamente tecnológico, os componentes de

hardware e software estragam ou ficam obsoletos em pouquíssimo tempo. E apenas

disponibilizar equipamentos não é garantia de melhoria na qualidade da educação, e

22

Inclusão digital é o processo de alfabetização tecnológica e acesso a recursos tecnológicos, no qual estão inclusas as iniciativas para a disseminação da Sociedade da Informação entre as classes menos favorecidas, impulsionadas tanto pelo governo como por iniciativas de caráter não governamental. 23

O ProInfo aderiu a muitas soluções em hardware e software desenvolvidas pela UFPR, como foi o caso de adoção de multiterminais operando com software livres, algo que possibilitou a contenção de despesas e a diminuição do colonialismo tecnológico sofrido pelo Brasil.

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nem de que seu uso com finalidade pedagógica se efetive, como demonstram os

estudos de Silva (2016), Basniak (2014) e Cantini (2008).

Em termos de formação continuada, a bibliografia analisada sugere que os

cursos para o uso de recursos tecnológicos na educação priorizaram o aspecto

instrumental e operacional dos equipamentos em detrimento do pedagógico, sem

refletir sobre as possibilidades de inserção de novas alternativas pedagógicas em

sala de aula. Ressaltam a necessidade de políticas educacionais que priorizem

formações que sejam realmente continuadas e que a dimensão pedagógica para o

uso de tecnologias no ensino se sobreponha à técnica. Assim, os meios

tecnológicos digitais passariam a desempenhar funções diferentes dos tradicionais

recursos didáticos, contribuindo para a modificação da metodologia do professor e

proporcionando reais mudanças no cotidiano escolar.

Voltaremos a abordar as questões aqui discutidas sobre os programas

governamentais quando analisarmos as respostas dos professores ao questionário.

Analisaremos como os programas abordados neste capítulo impactaram no uso

pedagógico dos recursos tecnológicos nas escolas, e quais obstáculos são

encontrados pelos professores nessa utilização.

Agora, ampliaremos o foco para as fontes históricas, os métodos e os

tratamentos, buscando abarcar as mudanças no saber histórico científico e os

impactos decorrentes do avanço tecnológico nas pesquisas e no trabalho docente.

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3 AS FONTES HISTÓRICAS E O CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Feita a discussão sobre educação e tecnologias, nos debruçaremos agora

sobre a importância dos documentos na perspectiva da História enquanto

conhecimento científico, assim como algumas especificidades do ofício do

historiador. Veremos que as mudanças na forma de se produzir História afetam a

forma de ensiná-la, e os avanços no campo da pesquisa historiográfica têm sido

incorporados por muitas linhas de estudo voltadas ao ensino, como é o caso da

Educação Histórica.

As correntes historiográficas tomadas como referências nas DCE/H - Nova

História, Nova História Cultural e Nova Esquerda Inglesa - romperam a ideia do

documento escrito como única fonte confiável para o estudo do passado (PARANÁ,

2008, p.77). Pretendemos elucidar, portanto, que a atual concepção de fonte

histórica está ancorada nos grandes movimentos historiográficos do século XX. Da

mesma forma que a História, enquanto campo do saber científico, sofreu

transformações ao longo do tempo, o conceito de evidencia histórica também se

modificou, assim como as abordagens e os tratamentos dados às fontes. Este

capítulo propõe-se, portanto, a apresentar reflexões acerca das fontes históricas,

nas quais emerge o conceito de evidência histórica.

3.1 AMPLIAÇÃO NA COMPREENSÃO DO DOCUMENTO

O positivismo predominou na historiografia alemã (Ranke) e francesa

(Langlois e Seignobos) no final do século XIX e início do XX, sendo marcado pela

filosofia positivista de Augusto Comte. O positivismo constituiu a maneira de pensar

historicamente típica do ocidente nesse espaço de tempo.

Conhecida também como história “tradicional” ou “metódica”, o positivismo

era fiel a datas e nomes positivamente delimitados. Os historiadores oficiais

receberam inúmeras críticas por causa do seu distanciamento da história coletiva e

sua parcialidade, que privilegiava os "grandes homens" e a valorização política dos

“heróis”.

Outra crítica apontada por muitos pesquisadores contemporâneos diz respeito

à valorização excessiva atribuída pela escola positivista à documentação histórica

oficial.

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Durante muito tempo os historiadores pensaram que os verdadeiros documentos históricos eram os que esclareciam a parte da história dos homens, digna de ser conservada, transmitida e estudada: a história dos grandes acontecimentos (vida dos grandes homens, acontecimentos militares e diplomáticos, batalhas e tratados), a história política e institucional. A ideia de que o nascimento da história estava ligado ao aparecimento da escrita levava a privilegiar o documento escrito (LE GOFF, 1990, p. 88).

Com a escola histórica positivista, do fim do século XIX e do início do século

XX, os documentos e os textos triunfaram. Todo o historiador que tratasse de

historiografia valia-se do documento como recurso indispensável (LE GOFF, 1990,

p. 465). O documento era apresentado como prova histórica, sendo o fundamento

do fato histórico.

A principal incumbência do historiador era mostrar como realmente se

passou. A teoria empírica positivista pressupunha uma separação completa entre

sujeito e objeto. "Os fatos, como impressões sensoriais, impunham-se de fora ao

observador, e eram independentes de sua consciência" (CARR, 1982, p.35).

Os positivistas, empenhados em sustentar o status da História enquanto

ciência, contribuíram enormemente para o culto dos fatos. Na concepção positivista,

a História consistia num corpo de fatos verificados. A lógica era primeiro verificar os

fatos para depois tirar as conclusões. "Primeiro, acerte os fatos; só então corra o

risco de mergulhar nas areias movediças da interpretação". Esta era a sabedoria da

escola empírica, segundo Carr (1982, p.35).

A história positivista teve o mérito de criar métodos científicos de datação e

crítica de textos. Introduziu um método historiográfico racional de crítica das fontes e

de sua sistematização em uma narrativa histórica objetiva. Isso conferiu

credibilidade e status científico à história. A história baseou-se por um longo tempo

na capacidade de obter das fontes e dos fatos, informações comprováveis, que não

podiam ser colocadas em dúvida. Com isso, a ciência da história usufruiu do

prestígio cultural das ciências naturais entendidas como positivistas e empiristas.

Mas apesar de parecer permitir um bom estudo do passado, o positivismo

imobilizava a história no acontecimento e eliminava a temporalidade das análises

(LE GOFF, 1990, p.194). Essas historiografias tinham como finalidade construir uma

identidade nacional relacionada a uma história única e universal, baseada nas ideias

de progresso ou de desenvolvimento contínuo da humanidade. Possuíam, portanto,

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uma racionalidade histórica linear, que acabou por justificar a história oficial de

caráter eurocêntrico.

Em tal racionalidade era impossível a análise das múltiplas temporalidades

produzidas por sujeitos que não se encaixavam nessa forma de racionalizar os

processos históricos. A inclusão desses novos sujeitos, com suas respectivas

temporalidades e perspectivas na formação do pensamento histórico, só era

possível com a introdução de novas fontes e novas formas de explicar a realidade.

Além disso, a ideia de objetividade era confundida com neutralidade, ou seja,

o historiador deveria se despir de toda a subjetividade e reflexão teórica, o que

inviabilizaria uma concepção crítica dos próprios acontecimentos narrados.

Para Ranke, outro historiador positivista, era uma história que se limitava à

"estrita observação dos fatos, à ausência de moralização e de ornamentos, à pura

verdade histórica" (LE GOFF, 1990, p 74). Sobre esse princípio, Rüsen observa que:

A expressão anti-retórica de Ranke, “a sua verdade nua, sem nenhum ornamento”, subentendia que o resultado decisivo, obtido pela constituição de sentido operada pelo conhecimento histórico, decorre do processo de pesquisa. Como se tratava de estabelecer empiricamente o contexto histórico específico dos fatos do passado, obtidos pela crítica das fontes, não sobrava nada de bem específico para a apresentação, do ponto de vista cognitivo. Essa apresentação deveria contentar-se em dar forma adequada à facticidade investigada (RÜSEN, 2007, p.23).

Em tal concepção da ciência não tem lugar, naturalmente, critérios de sentido

que correlacionem o significado da facticidade do passado com os problemas de

orientação do presente (RÜSEN, 2007, p. 27). Nessa concepção de historiografia

baseada em pesquisa, nada mais poderia ser dito além do que teria ocorrido. "No

sentido de uma objetividade científica entendida como neutralidade, a historiografia

não estaria de nenhum modo relevante vinculada à práxis" (RÜSEN, 2007, p. 41).

O pensador Karl Marx (1818-1883) foi o primeiro a conceber o conhecimento

histórico de um modo diferente. No século XIX, já apontava que as relações sociais

e a História estavam fundadas em relações materiais. Realizando uma abordagem

histórica centrada no estudo das classes sociais e da economia, Marx voltou-se para

a coleta e interpretação de fontes relacionadas às atividades econômicas,

devassando cartórios, processos judiciais, censos, contratos de trabalho, movimento

de portos, abastecimento e outras de cunho coletivo e reivindicatório. Os conceitos

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de Marx, e a utilização que ele fará das fontes, favorecerá o estudo da cultura

material, que inclusive surge com essa denominação no horizonte intelectual do

marxismo. Após Marx, "toda a historiografia marxista, em suas múltiplas e variadas

formas, enfatizou a importância da análise das fontes materiais" (FUNARI, 2006,

p.92).

Considerando a especificidade da pesquisa histórica de Marx e Engels,

Florestan Fernandes revela que ela eliminou "o arraigamento estático da história,

que excluía o sujeito-investigador do circuito histórico e convertia o passado em um

santuário de arquivos e documentos’’ (FERNANDES, apud MARX; ENGELS, 1989,

p.14).

A perspectiva marxista compreende que a história como ciência, impõe ao

historiador uma estratégia de trabalho ativa. Este não pode isolar nem sua

investigação nem a si próprio do fluxo histórico. O objeto da investigação é

inseparável da situação histórica que o produz, do mesmo modo que o sujeito-

investigador não pode desligar-se de sua atividade primária como sujeito histórico

(FERNANDES, apud MARX; ENGELS, 1989, p.36).

Conforme a análise de Florestan Fernandes, a concepção materialista e

dialética da história põe no centro das investigações a dialética entre a sociedade

civil e as relações capitalistas de produção. Por essa razão, Marx e Engels

concebem os seres humanos não como "objetos" ou matéria-prima, mas literalmente

como os produtores da história (FERNANDES, apud MARX; ENGELS, 1989, p. 47).

Ao chamar a atenção para a sociedade como um todo, para sua organização

em classes, para o condicionamento dos indivíduos à classe a qual pertencem, Marx

e Engels tornaram o materialismo histórico e dialético uma ciência da totalidade

histórica. Ao constituírem um método de compreensão e análise no campo

historiográfico, exerceram uma influência decisiva nas formas posteriores de se

escrever a História.

Alguns problemas capitais para o historiador ainda não podem ser postos, senão a partir do marxismo. No Ocidente, alguns historiadores de qualidade esforçaram-se por mostrar que não só o marxismo podia fazer uma boa aliança com "a história nova", como também estava próximo dessa história, por sua consideração pelas estruturas, a sua concepção de uma história total, o seu interesse pelo domínio das técnicas e das atividades materiais. (LE GOFF, 1990, p.107).

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Conforme assinalado por Le Goff no excerto acima, os fundadores da revista

dos Annales também possuem importância capital para a mudança na concepção e

função de documento histórico. Produziram reflexões que romperam com a

compreensão positivista, desencadeando a revolução documental observada

posteriormente.

Marc Bloch ao discutir o ofício do historiador, aponta algumas particularidades

da observação histórica que para ele são indiscutíveis. A primeira delas é que "o

conhecimento de todos os fatos humanos no passado, da maior parte deles no

presente, deve ser [...] um conhecimento através de vestígios" (2002, p. 8). Ao

compreender os documentos como vestígios, Marc Bloch contrapôs a versão da sua

época, que definia o passado como um dado rígido e inalterável. O passado passou

a ser entendido como uma estrutura em construção e todos os documentos só falam

quando são interrogados. É a pergunta que fazemos que condiciona a análise e

eleva ou diminui a importância de um texto retirado de um momento recuado no

tempo. Em suma, "são as questões que condicionam os objetos e não o oposto"

(BLOCH, 2002, p. 8).

Os fundadores da revista dos Annales reconheciam que a História se fazia

com documentos escritos, mas na falta destes podia fazer-se com outros tipos de

documentos. O texto de Lucien Febvre, citado a seguir, é emblemático na defesa de

uma ampliação na noção de documento. Para o autor, o conhecimento histórico

deveria ser produzido a partir de uma ampla gama de fontes, relacionadas com uma

variedade de manifestações do ser humano.

A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais. Logo, com palavras. Signos. Paisagens e telhas. Com as formas do campo e das ervas daninhas. Com os eclipses da lua e a atrelagem dos cavalos de tiro. Com os exames de pedras feitos pelos geólogos e com as análises de metais feitas pelos químicos. Numa palavra, com tudo o que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem (FEBVRE apud LE GOFF, 1990, p.466).

Após a Escola dos Annales, os historiadores não poderiam mais ignorar a

imensa massa dos testemunhos não-escritos que eram pouco prestigiados pela

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escola positivista. O conhecimento histórico passa a ser um conhecimento por

vestígios, por marcas perceptíveis pelos sentidos, deixadas por um fenômeno que

não se pode observar diretamente, pois já aconteceu. "Tudo que o homem diz ou

escreve, tudo que fabrica, tudo que toca pode e deve informar sobre ele" (BLOCH,

2002, p.74). Essa frase de Marc Bloch expressou a diversidade das evidencias

históricas. Nela a palavra documento foi tomada no sentido mais amplo: documento

escrito, ilustrado, transmitido pelo som, pela imagem, ou de qualquer outra maneira.

Outro aspecto a ser destacado a respeito do alargamento da compreensão

sobre o documento, é que ele foi quantitativo e qualitativo ao mesmo tempo. A

historiografia francesa, através da Escola dos Annales, passa a se preocupar em

substituir a tradicional narrativa dos acontecimentos por uma "história problema",

tentando não fazer apenas história política e econômica, mas sim a história de todas

as atividades humanas. "O interesse da memória coletiva e da história já não se

cristaliza exclusivamente sobre os grandes homens, os acontecimentos [...], a

história política, diplomática, militar. Interessa-se por todos os homens" (LE GOFF,

1990, p. 466).

Ao produzir e vivenciar o processo de constituição da humanidade, o uso de

diferentes tipos de evidências possibilitou aos historiadores construírem narrativas

históricas que incorporavam olhares alternativos quanto às ações dos sujeitos

(PARANÁ, 2008, p. 68).

Novas abordagens historiográficas surgiram com o fim da predominância do

conceito positivista na ciência. Para isso buscaram a colaboração de outras

disciplinas. Ao fazer novos tipos de perguntas sobre o passado, os historiadores

tiveram que escolher novos objetos de pesquisa e buscar novos tipos de fontes para

suplementar os documentos oficiais.

No século XX, o positivismo passa a ser questionado por diversas áreas do

conhecimento. A Filosofia passa a evidenciar o subjetivismo presente nos sujeitos,

demonstrando que o cientista não pode desvencilhar-se de si mesmo, de seus

interesses e características, e por isso sempre terá uma interpretação subjetiva do

mundo, questionando assim a busca objetiva da verdade. Outras disciplinas

surgirão neste contexto, como a Sociologia e a Linguística, partindo do pressuposto

de que a sociedade não é algo que se possa conhecer sem mediação de quadros

conceituais interpretativos.

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Como abordado anteriormente, o documento deixou de ser considerado

apenas um indício do passado, sendo ele mesmo determinado por quem o produziu.

Segundo Collingwood (1994), a revolução no trabalho do historiador dá-se quando

este deixa de se fundamentar nas fontes autorizadas e se baseia nele próprio. O

historiador dá assento às suas fontes no banco das testemunhas e faz-lhes um

interrogatório cerrado, extraindo informação que, nas suas declarações originais,

elas tinham escondido. O critério da verdade histórica já não se baseia no fato da

afirmação ser feita por uma fonte. Mesmo que aceite o que as fontes lhe dizem, o

historiador baseia-se na sua própria autoridade.

Assim, o documento não é mais a prova do real, mas um indício que depende

das questões e dos problemas postos pelo historiador (CARR, 1982). Neste ponto,

adentramos no território da crítica das fontes, que será discutido em seguida.

3.2 A CRÍTICA DAS FONTES E O CONCEITO DE EVIDÊNCIA HISTÓRICA

Dando continuidade a esta apresentação sobre a ruptura com a História

positivista e o alargamento em relação à concepção de documentos, é oportuno

destacar, neste tópico, as mudanças em relação ao tratamento das fontes.

Mesmo diante da limitação da fonte histórica, de ter diante de si apenas os

vestígios fornecidos pelo passado, e na maioria das vezes, involuntariamente, cabe

ao historiador saber interrogar sua fonte, fazê-la falar mesmo a contragosto. Logo, o

trabalho com a fonte pressupõe um questionário para o pesquisador direcionar sua

pesquisa, afirma Bloch. Isto não significa que os resultados estão pré-definidos e

seu trabalho limitado por uma série de perguntas. Ao contrário, o contato com a

fonte e a flexibilidade do questionamento, possibilita agregar à pesquisa uma

multiplicidade de novos tópicos, aberto a todas as surpresas. "O explorador sabe

muito bem, previamente, que o itinerário que ele estabelece, no começo, não será

seguido ponto a ponto. Não ter um, no entanto, implicaria o risco de errar

eternamente ao acaso" (BLOCH, 2002, p.79).

Para Bloch (2002), o trabalho do historiador não se restringe apenas a coleta

de fontes e ao questionamento destas. Ele deve realizar uma crítica da fonte

estudada, não aceitando cegamente todos os testemunhos históricos. Segundo

Rüsen, a crítica das fontes é a operação metódica que extraí, intersubjetivamente e

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de maneira controlada, informações das manifestações do passado humano acerca

do que foi o caso (RÜSEN, 2007, p.123).

Na compreensão em relação aos documentos, Le Goff (1990, p.88) afirma

que em primeiro lugar, só passa a ser documento na sequência de uma investigação

e de uma escolha. Antes de tudo, deve decidir-se sobre aquilo que ele irá considerar

como documento e o que ele irá rejeitar.

Seguindo na mesma linha de raciocínio, Carr argumenta que os registros da

História são repletos de lacunas, mas a História é muitas vezes incompleta, não

porque tantas partes se perderam, mas porque, em grande parte, o retrato do

passado foi feito por um pequeno grupo de pessoas. A imagem que chega para nós

foi predeterminada, não por acaso, mas por pessoas que estavam consciente ou

inconscientemente imbuídas de uma visão particular, e que consideravam as

evidências que sustentavam esta visão dignas de serem preservadas (CARR, 1982,

p.41).

É possível notar que na nova racionalidade histórica, o documento fala

mesmo nos seus silêncios e até os falsos documentos têm algo a dizer. Ao tratar

das condições nas quais trabalha o historiador e trazer à discussão o problema da

objetividade, a Nova História propiciou a tomada de consciência da construção do

fato histórico e da não-inocência do documento. Inaugurou uma nova problemática

que, posteriormente, através do trabalho de muitos historiadores, lançaria uma luz

reveladora sobre os processos de manipulação que se manifestam em todos os

níveis da constituição do saber histórico.

Ao deixar de estar prisioneira da escrita, a História passou a debruçar-se

sobre os dados empíricos fornecidos por vestígios materiais da passagem e da ação

do homem sobre a terra, não só os que ele próprio produziu intencionalmente, mas

também os deixados involuntariamente nos locais por onde deixou marcas. Percebe-

se que na ampliação da visão sobre os documentos apresentada neste capítulo, não

há limite para o que pode ser considerado como evidência.

Para entendermos melhor a atual concepção de fonte histórica na

aparelhagem do historiador, sublinharemos alguns pontos nos estudos conduzidos

por Collingwood que nos pareceram mais representativos para reflexão em torno do

conceito de evidência histórica.

Ao discutir o estatuto da História, Collingwood (1994, p. 251-252) afirmou

tratar-se de uma ciência cujo objetivo é estudar a partir de inferências eventos não

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acessíveis à observação, onde a argumentação é construída com base na

evidência. Para o autor, a História é um tipo de investigação ou inquérito que deve

ser utilizado para descobrir algo que não conhecemos. As afirmações sobre o

passado não podem ser estabelecidas pela observação direta, tendo que ser

mediadas pela evidência. A validade do relato histórico depende da coerência das

suas relações evidenciais.

A História atua através da interpretação dessas evidências, usualmente

chamadas de fontes, que são a expressão de determinado contexto espaço-

temporal e a partir das quais o historiador pode obter resposta para as perguntas

que faz acerca do passado. Mas o que podemos entender como evidência?

Collingwood (1994) explica que o conceito de evidência histórica de linha positivista,

era reduzido a uma simples prova fornecida pelas fontes. Representava, portanto,

uma perspectiva redutora e, por isso, largamente ultrapassada. Na acepção

defendida por este autor, e amplamente difundida no meio historiográfico, o

conhecimento dos eventos do passado é baseado em evidências e que constitui

evidência tudo o que for usado como tal.

A evidência potencial acerca de um assunto é constituída por todas as

afirmações existentes a esse respeito. Na visão partilhada por Collingwood (1994),

tudo no mundo é evidência potencial24. A evidência real é a parte destas afirmações

que decidimos aceitar.

Nessa racionalidade, o conhecimento do passado torna-se inferencial, indireto

e mediado pela evidência. A evidência é o fundamento da inferência, que está na

base da construção do conhecimento histórico. Em suas investigações, o historiador

precisa ser capaz de expor os seus fundamentos, a evidência que está na base das

suas inferências e da sua argumentação.

O objetivo da inferência é chegar tão próximo do passado quanto os

procedimentos permitirem, por isso se baseia na evidência observável e se mantém

alinhada a ela. O historiador investe muito esforço e tempo organizando e criticando

fontes, procurando que esta denuncie a sua proveniência, a sua fiabilidade, para,

pela inferência, descobrir a melhor explicação acerca das ações do homem no

passado. O historiador procura, através das fontes, ter um insight sobre as decisões

24

Com esta concepção, Collingwood introduziu um novo conceito na história – a evidência potencial – que nos remete não só para um novo conceito de evidência, como para a revolução que esta introduziu no próprio conceito de fonte histórica, que pode ser absolutamente tudo.

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tomadas pelos agentes históricos que atuam inseridos num tempo e num espaço. A

inferência da intencionalidade do agente é o resultado de um longo processo de

testagem de hipóteses e de uma escrupulosa crítica interna num esforço de

interpretação do conteúdo da fonte.

Tal compreensão sobre evidência histórica suscitou reflexões no campo

historiográfico que reconhecem que sem a evidência, a história não seria um

conhecimento empírico. Não há pesquisa histórica subjetiva, arbitrária e gratuita.

Esta deve ser plausível, inteligível e baseada na evidência, acentua Collingwood

(1994).

Procurou-se explorar neste capítulo os caminhos da filosofia da história que

nos pareceram mais representativos para reflexão em torno da concepção de fonte

histórica. Deste percurso sobressai a evolução que a concepção de fonte histórica

sofreu ao longo do tempo, e que culmina de maneira imbricada na ideia de

evidência, fruto do trabalho intelectual do historiador, que não se submete às

autoridades e nem às fontes, como foi visto.

Conforme as considerações realizadas, observamos que o conhecimento

histórico não deriva mecanicamente da evidência, mas precisa ser construído. As

fontes providenciam a fundamentação para justificar a inferência, que se baseia na

evidência. Questionar é central nesse processo. O olhar desconfiado e inferencial do

historiador, apresentado neste capítulo, representa uma postura a ser incentivada

nas experiências escolares, por adequar-se tanto à nova historiografia quanto às

necessidades impostas pela sociedade da informação.

Buscamos, neste capítulo, abordar a racionalidade do pensamento histórico

contemporâneo sobre as fontes históricas, nas quais emergiu o conceito de

evidência histórica, concepção de suma importância no polo de investigação da

Educação Histórica, como veremos mais adiante. Como nosso objeto de estudo

compreende a utilização de arquivos digitais no processo pedagógico, no próximo

capítulo destacaremos alguns pontos da revolução tecnológica pela qual está

passando a pesquisa histórica e o fazer docente.

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4 IMPACTO DOS MEIOS DIGITAIS NAS PESQUISAS

[...] digitalizar o passado é uma parte importante da história digital, mas isso não é o suficiente. Você ainda tem que aprender a apresentar essas informações de formas novas, atraentes, para pessoas que estão pensando de forma digital

25.

(SEDREZ, 2013)

O trecho do debate acima referenciado apresenta uma das grandes questões

que desafiam os historiadores e professores de História da atualidade: o advento

dos meios tecnológicos digitais e suas implicações nas esferas de ensino, pesquisa

e divulgação do conhecimento histórico. Além das modificações mencionadas

anteriormente em relação ao tratamento do documento, é preciso considerar que o

ingresso das tecnologias digitais impõe ao saber histórico outros tipos de mutação.

Pensando nessas mudanças, vamos nos debruçar sobre as seguintes questões

neste momento da dissertação: Como a emergência do mundo digital e da

textualidade eletrônica afeta a ciência histórica? Quais são os efeitos no interior do

campo historiográfico? Como isso influencia o trabalho do professor com fontes

históricas?

Dando início à reflexão sobre os efeitos da era digital sobre a ciência

histórica, destacamos primeiramente a digitalização de acervos documentais. Livros

antigos, atas, manuscritos, entrevistas, discursos, mapas e fotografias, entre

inúmeros outros, estão agora disponíveis em quantidade e facilidade de acesso até

então inauditas. Enfim, o próprio processo de arquivar os documentos foi

revolucionado pelo computador.

As bases de dados virtuais vêm sendo constituídas desde a década de 60. De

acordo com Camila Guimarães Dantas, "a preocupação com as fontes de pesquisa

também tem impulsionado a construção de muitos arquivos digitais e tem crescido a

participação de historiadores no debate sobre este novo tipo de suporte para a

informação" (DANTAS, 2008, p. 58).

Nesse contexto, o número de arquivos digitais tem aumentado, dando um

grande suporte aos historiadores em virtude da vasta documentação histórica

armazenada em meios digitais e acessível a pesquisas diversas. A História,

enquanto campo de pesquisa, tem se diversificado em tempos de crescente

25

Trecho da fala de Lise Sedrez no Debate online ‐ História Digital: Ensino, Pesquisa e Divulgação. Transmitido ao vivo pelo Café História em 26 nov. 2013.

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virtualização. O número de acervos digitais criados a cada ano, em diferentes áreas

do planeta, jamais poderia ser imaginado em outro contexto histórico. Com efeito,

hoje encontramos um grande número de plataformas virtuais ligadas a arquivos,

museus, universidades, bibliotecas entre outros, que são facilmente acessadas na

rede mundial de computadores.

De fato, a historiografia durante muito tempo baseou-se essencialmente no

papel enquanto suporte documental nas pesquisas históricas. Mas o suporte digital

implica em uma dinâmica fluida que oferece uma possibilidade de arquivamento

gigantesca se comparada às limitações de espaço físico da era do papel. O novo

paradigma da Arquivologia surge em decorrência das novas tecnologias e da

"desmaterialização" do documento. Essas mudanças do objeto de trabalho da

arquivística significam para os historiadores a possibilidade cada vez maior de

encontrar fontes históricas mais acessíveis e confiáveis (DANTAS, 2008, p. 59).

O documento digital surgiu a partir da informatização dos acervos e do próprio

advento da internet, se constituindo como uma novidade por meio de sua

materialidade virtual. Inicialmente, o computador era usado apenas como uma

máquina de calcular e interpretar dados numéricos, enquanto agora o computador é

capaz de fornecer a ilusão de recriar imageticamente a materialidade das fontes em

seus mínimos detalhes (TELLES, 2016, p.277). Esse processo democratiza as

informações, fazendo com que aumente consideravelmente o acesso a materiais

para as pesquisas científicas.

Avançando em nosso olhar sobre a História na era digital, encontramos em

Roger Chartier (2009, p. 59) pertinentes leituras sobre o atual problema vivido pela

historiografia contemporânea, que já não concerne unicamente ao desenvolvimento

da História serial e quantitativa como recurso ao computador para o processamento

de grandes quantidades de dados informatizados e nem à digitalização das fontes

históricas. Para o historiador francês, trata-se agora de novas modalidades de

construção, publicação e recepção dos discursos históricos.

Chartier (2009) nos diz que a revolução ocorrida com o advento da internet

não se restringiu apenas ao surgimento do livro eletrônico, uma vez que atingiu

também a estrutura do suporte material do escrito, as maneiras de ler, além da

forma como os textos são reproduzidos. O surgimento da internet e do próprio

computador vem modificando a forma e o suporte com o qual eram feitas as leituras

há pelo menos cinco séculos.

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A textualidade eletrônica [...] transforma a maneira de organizar as argumentações, históricas ou não, e os critérios que podem mobilizar um leitor para aceitá-las ou rejeitá-las. Quanto ao historiador, permite desenvolver demonstrações segundo uma lógica que já não é necessariamente linear ou dedutiva [...] Permite uma articulação aberta, fragmentada, relacional do raciocínio, tornada possível pela multiplicação das ligações hipertextuais. Quanto ao leitor, agora a validação ou a rejeição de um argumento pode se apoiar na consulta de textos (mas também de imagens fixas ou móveis, palavras gravadas ou composições musicais) que são o próprio objeto de estudo, com a condição de que [...] sejam acessíveis em forma digital (CHARTIER, 2009, p. 59-60).

Deste modo, o leitor já não é mais obrigado a acreditar no autor; pode, por

sua vez, refazer o percurso de pesquisa, algo que a textualidade impressa

dificultava26. No mundo da textualidade digital, os três dispositivos clássicos da

prova da história (a nota, a referência e a citação) estão modificados. Conforme

Chartier (2009. P.60), "o leitor é colocado na posição de poder ler os livros que o

historiador leu e consultar por si mesmo os documentos analisados". Há uma

mudança epistemológica que transforma as técnicas da prova e as modalidades de

construção e validação dos discursos do saber.

Ao permitir uma nova organização dos discursos históricos, baseada na

multiplicação de relações hipertextuais, a textualidade eletrônica também permite

uma inventividade para a demonstração, que era muito mais restrita no mundo da

escrita e da publicação impressa. A publicação digital pode significar uma alternativa

que amplia o acesso e veiculação das obras. Todavia, Chartier (2009) destaca que

se trata de uma tecnologia nova e ainda teremos de nos habituar a ela. A

textualidade eletrônica abre um campo ainda pouco explorado pela escrita da

história. O autor chama a atenção para o descompasso existente entre as mudanças

de ordem prática e as revoluções técnicas, isto é, para a real capacidade desse

novo livro encontrar ou produzir leitores. Há uma brecha entre a revolução eletrônica

e a realidade das práticas de leitura. O apego majoritário ao objeto impresso ainda é

patente, observa Chartier (2009).

26

O mundo regido pelos livros impressos implicava em um pacto de confiança entre o historiador e seu leitor e, por conseguinte, uma limitação (CHARTIER, 2009. p. 60). A obra era construída tendo base em documentos que o leitor geralmente não tem acesso, explica o historiador. As referencias bibliográficas mencionavam livros que só poderiam ser encontrados em bibliotecas especializadas. As citações são recortadas pelo historiador, sem a possibilidade do leitor conhecer a totalidade das obras de onde foram extraídos os excertos.

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Não obstante às mudanças que a introdução massiva das TIC causou no

trabalho do historiador, como a digitalização de acervos documentais, a vasta

presença de produções eletrônicas científicas na web e as diferentes formas com as

quais são feitas as leituras destas produções, percebe-se que o advento do digital

ainda é negligenciado pela historiografia. Apesar de observarmos a democratização

do acesso a materiais bibliográficos para as pesquisas científicas, ainda há poucas

reflexões no âmbito do trabalho científico sobre essas mudanças.

É necessário também considerarmos que as pesquisas científicas ainda não

dispõem de procedimentos apropriados para lidar com um conjunto cada vez maior

e diverso de fontes em suporte digital. Para refletirmos sobre essas dificuldades e

compreendermos as diferenças entre as fontes digitais, faremos agora uma pequena

incursão pelo território da história digital.

4.1 HISTÓRIA DIGITAL: IMPLICAÇÕES DA ERA GOOGLE PARA A HISTÓRIA

Dentre todos os impactos causados pela introdução massiva do computador e

do desenvolvimento da internet, talvez o menos controverso seja o da digitalização

de acervos documentais. É neste terreno mais "sólido" que está localizado o nosso

objeto de investigação, que diz respeito à forma como os professores de História

utilizam os documentos primários27 que passaram por um processo de digitalização.

Não pretendemos aqui adentrar ao terreno movediço dos documentos

primários digitais exclusivos ou nato digitais (nascidos digitais). Entretanto, é preciso

distingui-los dos documentos primários digitalizados, já que ambos os tipos são

considerados fontes digitais. Ao cumprirmos este propósito, nossa pesquisa precisou

se apoiar em algumas discussões realizadas no âmbito da história digital, campo de

estudo que ajudou a dar um contorno mais nítido ao nosso objeto de pesquisa.

Para compreendermos as diferenças entre as fontes digitais, recorremos ao

artigo de Fábio Chang de Almeida (2011), intitulado O historiador e as fontes digitais:

uma visão acerca da internet como fonte primária para pesquisas históricas, que

dedica ampla seção a explicitar uma tipologia dos recursos históricos online.

De acordo com o pesquisador, as fontes encontradas em meios digitais

podem ser divididas entre "documentos primários digitais exclusivos" e os

27

Fontes primárias são materiais deixados por aqueles que participaram de ou testemunharam os eventos do passado (Schmidt e Cainelli (2009).

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"documentos primários digitalizados" (ALMEIDA, 2011, p. 19). Os documentos

digitalizados são o resultado do trabalho de digitalização da documentação

tradicional já existente, ou seja, são as fontes em suporte digital que possuem um

correspondente físico28. Nossa investigação restringe-se a esta categoria, ou melhor,

ao uso que os professores fazem de evidências do passado que se caracterizam por

ser de primeira mão ou contemporâneas dos fatos históricos a que se referem, que

podem ser de tipos variados (textuais, iconográficas, audiovisuais, sonoras, etc.). O

processo de digitalização as converte num suporte digital, tornando possível produzir

várias cópias das fontes originais29.

Por outro lado, os documentos digitais exclusivos (digitais autênticos ou nato

digitais, como prefere alguns autores) são aqueles gerados eletronicamente

(ALMEIDA, 2011, p. 19). Não possuem um equivalente material ou outro suporte a

não ser o digital – o documento já nasceu digital. Como exemplo, podemos citar

sites, postagens nas redes sociais, memes, diários virtuais presentes nos blogs,

publicações eletrônicas veiculadas por portais de notícias, etc.

É importante perceber que os dois tipos de documentos primários citados

anteriormente podem ser considerados digitais, pois utilizam a codificação em

dígitos binários. Contudo, os documentos digitalizados constituem um tipo específico

por possuírem obrigatoriamente um suporte material anterior à digitalização: na

maioria das vezes, o papel, porém não necessariamente este. A outra categoria, os

documentos primários digitais exclusivos, não possui outro suporte material além do

digital.

Encetando algumas discussões realizadas no âmbito da História Digital, cabe

destacarmos o livro Digital History: A guide to gathering, preserving, and presenting

the past in the web (2005), onde Roy Rosenzweig e Daniel J. Cohen apresentam um

verdadeiro "guia" dessa nova maneira de pensar e fazer história utilizando os

recursos da Web, situando as vantagens, como por exemplo: maior capacidade de

armazenamento; maior acessibilidade; maior flexibilidade de acesso a diversos tipos

28

Como exemplos, é possível citar a Biblioteca Nacional Digital, que permite o acesso a documentos digitalizados que compõem o acervo da Biblioteca Nacional, disponível em: <http://bndigital.bn.gov.br>; e o acervo digital do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), disponível em: <http://cpdoc.fgv.br>. Acesso em abril de 2018. 29 A partir deste processo, o documento digitalizado torna-se acessível para atividades de cunho

pedagógico em sala de aula. Conhecer suas especificidades favorece a reflexao sobre o significado da apropriação e utilização das fontes históricas em suporte digital pelos professores.

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de conteúdo; maior diversidade; diversas possibilidades de manipulação de

documentos (no sentido empírico do tempo); mais interatividade entre o usuário e as

fontes, facilitada pelo princípio do hipertexto e pela web 2.0, possibilitando múltiplas

formas de narrativa histórica e também variadas formas de absorção do

conhecimento histórico pelos usuários dessas tecnologias.

Para definir melhor as preocupações da história digital, é válido citar Stefania

Gallini e Serge Noiret, que a concebem como um campo de confluência que usa as

mídias e redes digitais para desenvolver as tarefas tradicionais do historiador:

pesquisar, comunicar conhecimento, preservar fontes históricas e analisá-las de

forma crítica e histórica. A convicção compartilhada pelos profissionais da História

Digital é que o uso de computadores, redes e mídia digital é útil para o trabalho do

historiador (GALLINI; NOIRET, 2011, p.16-17).

Apesar da maneira entusiástica com que os historiadores abraçaram a

digitalização de acervos documentais, nota-se ainda a ausência de uma discussão

contínua sobre história digital. Esta constatação é feita por Anaclet Pons, que revela

uma situação na qual todos os pesquisadores usam do artifício da digitalização, mas

de maneira informal. Escrevem com processadores de texto, utilizam o correio

eletrônico para se comunicar, consultam informações nos sites de busca, acessam

publicações em suporte digital, etc. Ainda assim, tratam este mundo como se fosse

um apêndice, uma curiosidade, algo supérfluo, que pouco tem a ver com o seu

verdadeiro trabalho (PONS, 2011, p. 41 apud TELLES, 2016, p. 273). A presença

cotidiana destas tecnologias torna-as quase imperceptíveis, sendo negligenciadas

enquanto objeto de reflexão da prática histórica.

É preciso também considerar que a materialidade digital apresenta algumas

desvantagens, tais como: problemas em relação ao controle de qualidade e

autenticidade do que é produzido; problemas de preservação de fontes na web;

transformações nos modos de leitura; inacessibilidade dessas tecnologias por boa

parte dos indivíduos; necessidade de atualização técnica constante do pesquisador;

possibilidade de cobrança para o acesso às fontes; necessidade de avaliação da

autenticidade da documentação (embora estas últimas não sejam exigências apenas

da História Digital). Tais características requerem uma metodologia específica para a

lida com a documentação digital.

Mesmo com os problemas de preservação das fontes e os desafios impostos

pela volatilidade do mundo digital, muitos autores defendem que os princípios da

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crítica documental, tal como aplicada às fontes tradicionais, podem ser mantidos

sem maiores problemas quando se aborda documentos digitais. Em seu artigo,

Almeida (2011), que utiliza as fontes digitais para estudar a atuação de grupos

neonazistas na internet, afirma que

[...] a "História Digital" não implica em uma revolução metodológica. Ela necessita, sem dúvida, de uma metodologia particular, porém fundada nos princípios básicos já consagrados da pesquisa historiográfica, apenas adaptados ao formato digital (ALMEIDA, 2011, p. 25).

Através de um levantamento bibliográfico sobre o tema, Telles (2016) cita

estudiosos que sustentam que as mudanças trazidas pelas tecnologias digitais

foram enormes, pois afetaram a produção e a difusão do conhecimento, ainda que

não o método. Telles observa nessas publicações uma reiteração de que os

princípios do saber histórico, principalmente os referentes ao método, permanecem

intocados. Com efeito, o impacto das tecnologias digitais seria mais uma adição,

uma inovação que permite realizar a pesquisa mais rápida ou eficientemente, mas

não revolucioná-la. Percebe-se, então, que a manutenção das virtudes e práticas

associadas ao historiador vem sob o temor de uma perda, transformação ou

instabilidade das fontes utilizadas por ele.

É preciso admitir que ainda não existe uma diplomática30 apropriada para o

conjunto cada vez maior e diverso de fontes digitais que já estão à disposição do

historiador, assevera Telles (2016, p. 283), para quem as postagens de facebook,

tweets, animações em flash e memes ainda são territórios negligenciados pelo

historiador. Afirmação semelhante pode ser encontrada em Almeida (2011):

A Internet configura‐se como uma nova categoria de fontes documentais para pesquisas históricas. Em especial os pesquisadores do Tempo Presente, após o advento da Internet, passaram a contar com um aporte quase inesgotável de novas fontes. Contudo, já na segunda década do século XXI, ainda são poucas as pesquisas históricas que utilizam a Internet como fonte primária (ALMEIDA, 2011, p. 9).

30

A diplomática se ocupa dos aspectos formais do documento, tendo como objeto de estudo, portanto, a interpretação do documento com vistas a uma classificação quanto à espécie documental e finalidade. A soma da espécie documental, como a certidão, por exemplo, com a finalidade de informar o nascimento, o batismo, o casamento ou mesmo a morte, dá origem ao que é chamado de tipo documental, através do qual o documento é classificado para fins arquivísticos.

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Hoje os documentos chegam a abranger todas as mídias e linguagens que

compõe o universo digital. Novas categorias de fontes históricas digitais lançam

desafios teórico-metodológicos distintos das questões que são abordadas pela

bibliografia voltada à história digital, gerando um descompasso contínuo.

A expressão "história sem fio'' utilizada por Lucchesi (2012), contribui para

elucidar os desafios impostos pela Era Google:

Dissemos ‘sem fio’, por um lado, por percebermos que a possibilidade dos deslocamentos humanos atuais – reais/analógicos e cibernéticos/virtuais simultaneamente – se dá graças às novas Tecnologias de Informação e Comunicação, que permitem uma nova noção de espacialidade, em que nem mesmo estar conectado a um aparelho eletrônico fixo ligado a fios (wired) é necessário para circular no ciberespaço [...]. Por outro lado, chamamos a História desta contemporaneidade quase ‘líquida’ – como apreçaria Zygmunt Bauman – de ‘sem fio’, pois, ao menos no que diz respeito à operação historiográfica a partir das fontes históricas próprias da Era Google, percebemos que os historiadores ainda não encontraram o

fio da meada (LUCCHESI, 2012, p. 5‐6).

Diante da extensão da problemática explicitada, o intuito do tópico em

questão não foi abordar com profundidade os desafios apontados e tampouco

contribuir com o esforço teórico de pensar as fontes digitais ou a sua crítica

documental, algo que não caberia nos limites desta dissertação.

Tendo em vista o recorte aqui privilegiado, nossos esforços de pesquisa

incidem sobre os documentos primários digitalizados. Conforme explicações

anteriores, este tipo de documento possui características que o distingue das fontes

digitais compreendidas como "documentos primários digitais exclusivos" ou digitais

autênticos31.

31 Uma diferença que apontamos entre os documentos é que um é uma cópia digital enquanto o

outro é um original digital. Pensando no ensino de História, contudo, interessa-nos uma distinção mais sutil: por serem relativamente novos, os documentos digitais não são mencionados nos referenciais curriculares considerados em nosso estudo, como observaremos no próximo capítulo. Como vimos nos parágrafos anteriores, não existe consenso acerca da pesquisa histórica para um conjunto cada vez maior e diverso de fontes digitais, representando uma área de investigação pouco consolidada na historiografia. Consequentemente, também não representa um campo de estudo bem difundido no ensino de História. Percebemos que nas atuais discussões e produções acadêmicas sobre o ensino de História, tecnologias digitais como as redes sociais, blogs, sites, páginas da web, podcasts, entre outros, aparecem mais como recursos ou ferramentas pedagógicas para apoiar o serviço do professor do que materiais constitutivos da interpretação histórica, ou seja, evidências a serem investigadas em sala de aula. Logo, entende-se que existem vários aspectos da aprendizagem histórica mediados pelas fontes digitais que ainda demandam estudos. Ao abordarmos os documentos primários digitalizados enquanto objetos de aprendizagem, percebemos um amplo terreno de pesquisa referente à utilização pedagógica de documentos nato digitais.

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Embora haja essa diferenciação, acreditamos que certas preocupações da

História Digital estão ligadas aos nossos objetivos de pesquisa, por isso quisemos

discuti-las nesta seção. Por ser relativamente recente, ainda se discute se a História

Digital pode ser considerada um campo próprio de pesquisa ou uma abordagem

diferente para determinados temas. De qualquer forma, sua perspectiva é válida,

pois ajuda a estabelecer uma relação mais estreita entre o universo digital em que

estamos inseridos e a produção do conhecimento histórico.

A velocidade das transformações em curso nos permite afirmar que estamos

no limiar de um mundo no qual o oficio do historiador passará por modificações cada

vez mais acentuadas e que a informatização da cultura deverá influir profundamente

na maneira de pensar e produzir História. Temos razões para acreditar que as

mudanças em curso exercerão impacto cada vez maior no ensino de História que,

via de regra, acompanha as mudanças no seio da historiografia.

Logo adiante, enfocaremos com maior acuidade as fontes históricas

digitalizadas e as implicações da desmaterialização do documento para o ensino de

História.

4.2 O TRATO PEDAGÓGICO COM DOCUMENTOS EM TEMPOS DE VIRTUALIDADE

Mesmo admitindo que, no contexto do computador, todo documento é

igualmente digital, é importante enfatizarmos as características do documento

histórico digitalizado, que são diferentes do documento que já nasceu digital,

conforme abordado no tópico anterior. O documento digitalizado pode ser

compreendido como a transposição da documentação material à forma digital.

Essa é a maior diferença entre as fontes históricas que se encontram em

suportes materiais e as fontes digitalizadas: a conversão da fonte que está em

suporte material (átomos) para uma imagem derivada da linguagem de programação

(bits), processo que (re)constrói o documento a partir da organização de dados

numéricos para a apresentação ao usuário mediante uma interface digital. A partir

deste entendimento, a definição dada por Almeida para a fonte digital reveste-se de

maior sentido: trata-se do "documento [...] codificado em sistemas binários,

implicando na necessidade de uma máquina para intermediar o acesso às

informações" (ALMEIDA, 2011, p. 17).

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Ao considerarmos o emprego desses recursos no ensino de História, nos

apoiamos nos estudos de Eucidio Pimenta Arruda, que enfocou a prática de visita a

museus virtuais online como estratégia pedagógica para o ensino da História.

Apropriamo-nos de algumas ponderações presentes em seu estudo que possuem

pontos de convergência com nossos propósitos de pesquisa. No paralelo traçado

entre os museus virtuais, compostos pela digitalização dos seus acervos, e as fontes

históricas em suporte digital, surgiram inferências que nos ajudaram a pensar nas

implicações da desmaterialização dos documentos para o ensino de História.

Apesar de limitar a experiência material e simbólica com o patrimônio

histórico, Arruda (2011, p.1) argumenta que a visita virtual ao museu constrói outras

formas de experiência baseadas na cultura digital e nas possibilidades de

transmissão e acesso de seus suportes tecnológicos. Além disso, o pesquisador

considera que a forma como a memória é representada no museu presencial difere

daquela apresentada por meio do suporte hipermidiático.

Para Arruda (2011), as diferentes linguagens advindas das mídias

contemporâneas, em que são valorizadas a estética e o subjetivo, proporcionam

transformações cognitivas, mudanças na forma de pensar, relacionar saberes e

raciocínios. O desenvolvimento tecnológico e o estabelecimento de novas formas

comunicacionais modificam as relações do homem com o tempo e,

consequentemente, com o tempo histórico, alterando também as formas como se

aprende História. Isso se deve pela potencialização das trocas culturais promovida

pelo rompimento de fronteiras temporais e espaciais por meio da web, explica

Arruda (2011, p.5).

As questões ora suscitadas são válidas para pensarmos as especificidades

das fontes históricas em suporte digital. Ao refletirmos sobre a transposição de

livros, peças que compõem as artes plásticas, filmes ou músicas para o meio digital,

podemos falar em mudanças no suporte. Respectivamente, o texto não está mais no

suporte do papel, a arte não está dentro da moldura, o filme saiu da película e a

música deixou de estar contida no vinil ou fita cassete. Essa desmaterialização torna

tais objetos mais acessíveis, pois o suporte digital permite a produção de várias

cópias das fontes originais e favorece o compartilhamento no ciberespaço.

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Figura 7 – Compartimentos de um navio negreiro

Fonte: Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: http://historiacolonial.an.gov.br/ Acesso em: 26 mai. 2018.

Como foi possível observar na imagem utilizada como exemplo - uma

ilustração produzida no século XIX - a acessibilidade é a principal característica das

imagens digitais provenientes das fontes históricas, que depende apenas da

conexão com a Internet para localizar e salvar essa fonte no ciberespaço, e de um

dispositivo eletrônico capaz de ler a extensão do arquivo no qual a interface digital

da fonte existe e projetá-la de modo que nossos sentidos a captem.

Importa sublinhar que as fontes históricas originais ou primárias, aqui

entendidas como evidências do passado que se caracterizam por ser

contemporâneas dos fatos históricos a que se referem, estão muito bem guardadas

em museus, arquivos, universidades, bibliotecas, coleções, acervos, etc. Enfim, são

instituições encarregadas da proteção e conservação material desses objetos. E

essas instituições, não raro, estão localizadas geograficamente em áreas distantes

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da maior parte das escolas públicas brasileiras, fator que também dificulta o contato

dos estudantes com esses materiais.

As tecnologias digitais permitem que a relação com fonte ocorra

independentemente da sua origem espacial, possibilitando aos alunos o contato com

uma gama de objetos antes disponíveis apenas em visitas in loco. As novas formas

comunicacionais promovidas pelas TIC modificam essas relações. Tais objetos são

praticamente inacessíveis em sua versão original, mas a sua apresentação digital

pode aproximá-los dos estudantes.

Além da ampla disponibilidade, outro diferencial é a possibilidade de

interação, inerente à cultura digital na qual o objeto digital está inserido. Tendo como

base os estudos de Arruda (2011, p.4) acerca dos objetos presentes nos museus

virtuais, podemos afirmar que as fontes virtuais nos oferecem oportunidades de

construção de saberes, de manipulação de objetos que criam novos pontos para

observação do passado.

Portanto, quanto mais interativo, mais interessante é o trabalho com fontes

históricas virtuais, pois permite o protagonismo do estudante diante de objetos até

então sacralizados e intocáveis. As regras existentes para as fontes históricas

compostas de átomos não valem para as fontes convertidas em bits.

Dando mais um exemplo, podemos mencionar o ERA Virtual32, um projeto

especializado em visitas virtuais a instituições museais brasileiras. Com visualização

em 360º, os internautas visitantes podem percorrer as salas, ter informações

detalhadas sobre os objetos e a arquitetura do museu, com auxílio de mapas e áudio

guia. Os projetos de visitas online objetivam maior difusão do patrimônio cultural

nacional via acesso digital, como podemos conferir na imagem subsequente e nos

vídeos indicados no rodapé.

32

Saiba mais sobre o projeto, acessando: <https://www.youtube.com/watch?v=evTSlXOpiyI>

ou <https://drive.google.com/file/d/1zQ3u2BgjGtensidru5hvbpOdVbSe8Z7y/view?usp=sharing>

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Figura 8 - Menu de visitas virtuais do Projeto Era Virtual.

Fonte: Projeto Era Virtual – Visitas Virtuais. Disponível em: <http://eravirtual.org/visitas-virtuais/> Acesso em: 28 mai. 2018.

Não se trata apenas de conhecer e utilizar recursos de informática para

reproduzir o mundo material em formato digital ou em ambiente online, no caso dos

documentos históricos, e sim reconhecer a existência de uma nova realidade,

sustentada por novos suportes criados artificialmente a partir da relação homem-

máquina.

O modo como o passado é evidenciado no documento histórico original

certamente difere daquele construído digitalmente, pois a experiência e a relação

com a cultura material é alterada. O suporte digital pode tornar virtual a relação com

o documento, mas nada impede que o professor leve à sala de aula as

preocupações que permeiam os equivalentes materiais, retendo parte da

experiência e relação com a cultura material. "Quando o professor considerar

necessário, pode ser feita a pesquisa da trajetória histórica de preservação,

conservação e difusão do documento", recomendam os Parâmetros Curriculares

Nacionais para o emprego de cópias dos documentos originais no processo de

ensino e aprendizagem (BRASIL, 1998, p. 87).

Obviamente, as evidências históricas virtuais não podem substituir as

evidências "reais", isto é, as peças originais encarnadas em átomos. As cópias

digitais que podem ser acessadas da internet podem não possuir a mesma riqueza

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sensível da peça fisicamente presente, contudo, as diversas formas de apreciação e

estudo são válidas. As fontes digitalizadas significam uma interface com os

documentos históricos originais. Como defende Arruda (2011, p. 10), "o ensino de

História pode ser potencializado significativamente, por permitir, por meio da

informática, a materialização, ainda que virtual, do passado".

Compreender o virtual, no sentido atribuído por Deleuze (1996), como algo

existente como potência do real, permite interpretar a experiência com fontes

históricas desprovidas de materialidade física, e disponíveis nos entremeios dos bits

e bytes, como elementos que se configuram em potencialidades de experiências

reais de ensino e aprendizagens históricas na rede telemática.

Neste 4º capítulo foi possível perceber que o advento da internet e das

tecnologias digitais abriu um leque de possibilidades propiciadas pela facilidade de

acesso a diversos tipos de documentos históricos em formato digital. Após

analisarmos esses avanços, agora é necessário pensar em sua inserção na prática

do profissional docente.

No próximo capítulo, iremos nos ater a questões de ordem metodológica,

identificando nos referenciais curriculares orientações referentes à utilização das

fontes históricas na aprendizagem escolarizada. Na perspectiva de tais documentos,

o emprego das fontes históricas deve estar atrelado ao interesse em promover

reflexões sobre o processo de construção do conhecimento histórico, servindo

também para dinamizar o ensino de história mediante o estimulo a participação dos

discentes.

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5 AS FONTES HISTÓRICAS NOS REFERENCIAIS CURRICULARES

5.1 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCN)

Analisando os documentos oficiais que regem a educação no país, nota-se

que as recomendações para o emprego pedagógico de fontes históricas

aumentaram exponencialmente nas últimas decadas. O primeiro referencial

abordado em nosso trabalho, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),

formulado na década de noventa, refletiu a movimentação da historiografia que

vimos anteriormente, conferindo destaque ao uso de fontes históricas na

aprendizagem escolar.

A intenção que permeava os PCN era a construção de uma base de

conteúdos mínimos como forma de diminuir as diferenças encontradas no ensino

brasileiro. Na área de História, os Parâmetros tiveram como proposta fundamental a

modificação da estrutura dos conteúdos apresentados até então como propostas

curriculares oficiais. A ideia básica era a transformação dos conteúdos organizados

de forma linear em eixos temáticos (SCHMIDT e CAINELLI, 2009, p. 16).

A História temática, proposta pelos PCN, demonstrou a influência da Nova

História no campo da historiografia brasileira. A mudança presente no referencial

teve como justificativa a superação do ensino de História baseado na cronologia e

na linearidade, sendo também pautada pela incorporação de novas metodologias de

ensino e avaliação pedagógica. Nessa perspectiva, procurou-se romper com a

concepção de ensino como mecanismo de reprodução de fatos, saberes e valores,

pensando o saber histórico como algo em construção, estando relacionado aos

temas presentes na contemporaneidade.

De acordo com Schmidt e Cainelli (2009), o documento norteador abriu

espaço para a incorporação de novas metodologias de ensino através do trabalho

com fontes históricas iconográficas, musicais, audiovisuais, entre outras. A

preocupação com uma perspectiva teórica e metodológica que contemplasse o uso

de fontes históricas esteve presente nas propostas temáticas e nas orientações

didáticas em seus três volumes dedicados à História, como destacaremos a seguir.

Nas orientações dos Parâmetros para os anos iniciais do Ensino Fundamental

(1º e 2º ciclos), de 1997, o trabalho com fontes orienta-se pelo objetivo principal de

"introduzir o aluno na leitura das diversas fontes de informação, para que adquira,

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pouco a pouco, autonomia intelectual" (BRASIL, 1997, p. 39). Dentro da proposta, o

trabalho escolar tem início com a identificação das especificidades das linguagens

dos documentos, suas simbologias e formas de construções das mensagens.

Entre os objetivos gerais de História, espera-se que, ao longo do ensino

fundamental, os alunos sejam capazes de "utilizar métodos de pesquisa e de

produção de textos de conteúdo histórico, aprendendo a ler diferentes registros

escritos, iconográficos, sonoros" (BRASIL, 1997, p. 33).

Também encontramos na proposta para os anos iniciais do Ensino

Fundamental indicações de procedimentos a serem desenvolvidos ao longo dos

ciclos: busca de informações em diferentes tipos de fontes (entrevistas, pesquisas

bibliográficas, imagens, etc.); análise de documentos de diferentes naturezas;

comparação de informações e perspectivas diferentes sobre um mesmo

acontecimento, fato ou tema histórico; formulação de hipóteses e questões a

respeito dos temas estudados; registro em diferentes formas - textos, livros, fotos,

vídeos, exposições, mapas, etc. (BRASIL, 1997, p. 43).

No volume publicado para os anos finais do Ensino Fundamental (3º e 4º

ciclos), o uso de fontes também é indicado como fundamental no cotidiano escolar.

Recomenda-se que o professor conheça abordagens e tratamentos dados às fontes

por estudiosos da História, para assim poder recriar, avaliar e reconstruir

metodologias do saber histórico para situações de ensino e aprendizagem (BRASIL,

1998, p. 83).

Em outro momento, os Parâmetros defendem que as questões propostas

pelos historiadores podem auxiliar na criação de situações de ensino-aprendizagem

na sala de aula, destacando que o trabalho com fontes deve estar imbuído da

intenção de propiciar reflexões sobre a relação presente-passado e criar

experiências didáticas para que os estudantes conheçam e dominem os

procedimentos de como interrogar obras humanas do seu tempo e de outras épocas

(BRASIL, 1998, p. 85).

Os PCN ainda orientam que na análise do documento, as confrontações com

outras fontes, a sua inserção nos contextos de época e os questionamentos quanto

às suas contradições ou coerências internas, são procedimentos que permitem ao

estudante pensar historicamente. Para tanto, é preciso definir critérios de escolha de

documentos a serem utilizados como material didático, considerando-se a faixa

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etária dos alunos e o apelo do documento para despertar interesse no tema em

estudo (BRASIL, 1998, p. 86).

Nos Parâmetros para o Ensino Médio (PCNEM), publicados em 1999, a tônica

recai mais uma vez sobre a aproximação entre a História ensinada e a produção

acadêmica. Neste volume, é possível perceber também a preocupação quanto à

finalidade do ensino de História na eminência do século XXI, que deve preparar os

estudantes para a vida numa sociedade onde o fluxo de informação é vasto e

abundante.

No Paraná, os PCN de História foram os principais referenciais curriculares

utilizados na rede pública Estadual até o ano de 2002. No ano seguinte, iniciou-se

uma discussão coletiva envolvendo professores da rede estadual paranaense, com

o objetivo de elaborar novas Diretrizes Curriculares Estaduais para o ensino de

História. Discorreremos sobre este documento na sequência, destacando as

proposições para o emprego dos documentos históricos no processo educativo.

5.2 DIRETRIZES CURRICULARES DA EDUCAÇÃO BÁSICA (DCE)

Assim como os PCN, o documento orientador do ensino de História na rede

pública do Paraná contempla a racionalidade não linear, pautada em múltiplas

temporalidades, novos objetos e novas metodologias presentes na discussão

acadêmica. É possível perceber uma ponte teórico-metodológica construída entre a

racionalidade do pensamento histórico contemporâneo e a aprendizagem da

História.

Por conseguinte, as DCE/H demonstram atenção aos conceitos referenciais

da disciplina e às metodologias ligadas à epistemologia da História. A preparação do

indivíduo para o mercado de trabalho, muito evidente nos PCN, é suplantada por

uma visão preocupada com a formação da consciência histórica, onde a identidade

do sujeito é constituída a partir da alteridade.

Partindo das contribuições das pesquisadoras Circe Bittencourt, Maria

Auxiliadora Schmidt e Marlene Cainelli, as DCE/H discutem encaminhamentos

metodológicos para a análise de fontes. Tais encaminhamentos trazem indicações

de como identificar o documento, descrevê-lo, situá-lo no contexto histórico e em

relação ao autor, trabalho que requer que o professor conheça a especificidade de

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sua linguagem e a sua natureza, bem como seus limites e possibilidades no trato

pedagógico.

Reforçando a forma especifica de tratamento das fontes no espaço escolar,

as DCE/H orientam que é necessário entender a sua utilização para superar as

meras ilustrações das aulas de História (PARANÁ, 2008, p.69). O documento

norteador sustenta uma perspectiva que considera filmes, músicas, poemas e

fotografias não apenas recursos didáticos, mas materiais constitutivos da

interpretação histórica.

Há indicações metodológicas nas DCE/H que preconizam o papel ativo do

estudante no trabalho com documentos históricos, que deve levar a uma análise

crítica sobre o processo de construção do conhecimento histórico e os seus limites.

Mais do que objetos ilustrativos, as fontes são trabalhadas no sentido de

desenvolver habilidades de observação, problematização, análise, comparação,

formulação de hipóteses, crítica, produção de sínteses, reconhecimento de

diferenças e semelhanças, enfim, capacidades que favorecem a cognição em

História numa perspectiva autônoma (PARANÁ, 2008).

O documento enfatiza que a visão de história factual, pronta e acabada

precisa ser superada na educação brasileira, pois relega ao sujeito um papel passivo

diante da História. Por isso a organização da proposta para o ensino de História está

pautada por uma racionalidade não linear e temática, tendo como referência os

Conteúdos Estruturantes, entendidos como conhecimentos que aproximam e

organizam os campos da História e seus objetos. Os Conteúdos Estruturantes

"relações de trabalho", "relações de poder" e "relações culturais" podem ser

identificados como constructos atrelados a uma concepção crítica de educação,

estando presentes no processo histórico da constituição da disciplina e no

referencial teórico que sustenta a investigação histórica (PARANÁ, 2008, p.63).

Deles derivam os conteúdos básicos / temas históricos, entendidos nas

Diretrizes como conhecimentos fundamentais a serem trabalhados em cada etapa

da Educação Básica. A partir deles, o professor selecionará conteúdos específicos

que serão elencados em seu Plano de Trabalho Docente. Os conteúdos básicos são

considerados nas DCE/H como sinônimos dos temas históricos, os quais

problematizam as carências de orientação no tempo.

De acordo com as DCE/H, a organização por eixos temáticos é uma decisão

tanto política como teórico-metodológica, que objetiva romper com a narrativa

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86

histórica tradicional, linear, eurocêntrica, homogeneizadora e totalizante da divisão

quadripartite - Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea. (PARANÁ, 2008, p.88).

A partir destes princípios, propõe-se nas Diretrizes

[...] que os conteúdos temáticos priorizem as histórias locais e do Brasil, estabelecendo-se relações e comparações com a história mundial. Para o Ensino Médio, a proposta é um ensino por temas históricos, ou seja, os conteúdos (básicos e específicos) terão como finalidade a discussão e a busca de solução para um tema/problema previamente proposto (PARANÁ, 2008, p.68).

Em nossa análise, constatamos que as orientações das DCE mencionadas

nesta seção estão em sintonia com alguns pressupostos teórico-metodológicos da

Educação Histórica. Nota-se, em síntese, que suas proposições consideram

múltiplos recortes temporais na abordagem dos conteúdos temáticos; diferentes

tipos de documento; múltiplos sujeitos e suas experiências; formas de

problematização em relação ao passado; condições de elaborar e compreender

conceitos que permitam pensar historicamente; superação da ideia de História como

verdade absoluta (PARANÁ, 2008, p.60). No próximo capítulo será possível

perceber essa correlação.

5.3 A DICOTOMIA ENTRE CURRÍCULO E LIVRO DIDÁTICO

Com esse sucinto exame dos PCN e das DCE/H, procuramos saber como

cada referencial contempla à utilização pedagógica de documentos históricos na

educação básica. Em nossa leitura, percebemos que a organização dos conteúdos

por eixos temáticos é um ponto em comum entre os dois documentos.

Desta feita, sabendo que os PCN são referências para a definição de critérios

para a seleção do livro didático no Programa Nacional do Livro Didático –

PNLD33, resolvemos consultar o Guia de Livros Didáticos do Ensino Fundamental:

História - Anos Finais do PNLD 2017 para sabermos como o mercado editorial de

livros didáticos vem atendendo à demanda presente nos PCN e nas DCE para a

superação da tradicional cronologia de base eurocêntrica.

33

O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) tem como principal objetivo subsidiar o trabalho pedagógico dos professores por meio da distribuição de coleções de livros didáticos aos alunos da educação básica. O programa é executado em ciclos trienais alternados. Assim, a cada ano o MEC adquire e distribui livros para todos os alunos de um segmento, que pode ser: anos iniciais do ensino fundamental, anos finais do ensino fundamental ou ensino médio.

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87

Ademais, selecionamos o Guia pelo fato de ser um instrumento através do

qual é possível conhecer os princípios didáticos e pedagógicos que moveram a

avaliação das obras inscritas34. O Guia é válido para a nossa investigação porque

também enuncia os pressupostos da avaliação pedagógica, efetivados em

observância ao Edital do Programa e em conformidade com linhas de estudo

atualizadas. Destina-se, por essas razões, igualmente aos pesquisadores e demais

interessados em compreender, acompanhar e refletir sobre o alcance, limites e

contribuições das obras didáticas e do PNLD. No nosso caso, o documento permitiu

conhecermos aspectos importantes da produção de livros didáticos e as tendências

do mercado editorial, que posteriormente foram investigadas na prática pedagógica

dos professores participantes da pesquisa.

Ainda que sejam ressaltados os avanços, observamos que as críticas

realizadas pelas comissões avaliadoras são elementos que chamam a atenção no

texto de apresentação do Guia. Através delas percebemos que ainda persiste o

desafio de desenvolver novas formas de ensinar História, pautadas numa vertente

temática, para além da tradicional cronologia de base eurocêntrica.

Os autores do Guia reconhecem que as coleções por eixos temáticos

[...] representaram avanços importantes no sentido de redimensionar o campo do ensino de História, tornando tal conteúdo disciplinar mais aceitável ao diálogo com o tempo presente, com as questões relevantes e pertinentes ao universo de significação dos estudantes e mais ancorada numa proposta metodológica voltada ao favorecimento da dimensão educativa do procedimento histórico, entendido enquanto ferramenta de pensamento no contexto de promover uma educação para o conhecimento (BRASIL, 2016, p. 23).

No documento, são apresentados dados obtidos dos Guias do Livro didático

de História dos anos anteriores: 2005, 2008, 2011, 2014 e 2017. Através deles

observamos dois tímidos momentos de expansão da História temática nas obras

didáticas aprovadas no PNLD, seguidos por dois movimentos de retração. O último

34

O Guia de Livros Didáticos é um dos documentos mais importantes para auxiliar os professores na escolha dos livros didáticos a serem adotados nas escolas, pois traz resenhas e avaliações acerca de cada uma das obras aprovadas no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Apresenta aos docentes análises, reflexões e orientações quanto ao conteúdo e estrutura das obras e suas potencialidades para a prática pedagógica. O processo de avaliação das coleções é feito por equipes compostas por profissionais envolvidos com o campo investigativo e com a prática do Ensino de História, o que confere credibilidade à avaliação em virtude dos saberes acumulados na área pelos avaliadores.

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88

processo avaliativo das obras do ensino fundamental, referente a 2017,

simplesmente não contou com nenhuma coleção com abordagem temática.

Se em 2005 tínhamos 17% das coleções elaboradas sob essa perspectiva, em 2008 esse movimento se amplia, chegando a um patamar de 24% das coleções. Diante de um cenário de pouca adesão por parte dos professores, que acabam por escolher coleções elaboradas em torno de uma perspectiva mais canônica e tradicional quanto ao tratamento do tempo histórico, as editoras iniciaram um movimento de eliminação dessa perspectiva no mercado por decisão de seus editores. Um ensaio quanto a essa retirada evidencia-se em 2011, quando o percentual de coleções cai de 24% para apenas 7%. Um novo movimento de expansão e de criação é retomado no programa de 2014, quando novamente se atinge o patamar de 20% das coleções constituídas em torno de recortes temáticos. Uma ruptura brusca nessa tendência é observada, todavia, com a versão do PNLD 2017, quando todas as coleções orientadas em torno de uma perspectiva temática simplesmente desapareceram (BRASIL, 2016, p. 23).

Interessante assinalar a preocupação expressa no Guia diante de números

tão desfavoráveis à abordagem temática, onde se ressalta o fato de que "a presença

de coleções inspiradas numa História temática representava a possibilidade de

ruptura e favorecia um trabalho docente mais refletido quanto à dimensão

necessária dos recortes de conteúdos" (BRASIL, 2016, p. 23).

É também observado no Guia que as coleções que contemplavam a História

temática possuíam potencialidades para o desenvolvimento do trabalho escolar a

partir do fortalecimento da autonomia docente. A sua retirada do mercado fez com

que desaparecessem alternativas didáticas organizadas sob outros formatos e

agrupamentos de conteúdos, predominando no mercado as coleções que abordam

"toda a história" de modo detalhado, factual e canônico. As coleções aprovadas no

PNLD 2017 estão basicamente estruturadas a partir da perspectiva da História

Integrada, apresentando os conteúdos referentes à História europeia de forma

intercalada aos da América, da África, da Ásia e do Brasil, numa sucessão

cronológica crescente de períodos históricos.

De acordo com o Guia, essa estagnação evidenciada no conjunto das obras

[...] significa que o professor corre o risco de ficar à mercê de uma infinidade de conteúdos supostamente prescritos pelas obras, ancorados em uma escrita canônica dos fatos, das cronologias e das periodizações históricas, com obras que chegam a 2000 mil páginas de 6º a 9º ano, ou seja, impossíveis de serem cumpridas em sua

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totalidade e estruturalmente dependentes, portanto, de uma decisão metodológica segura por parte do professor. Além disso, a possibilidade de escolha de alternativas curriculares por parte do docente fica restrita diante do desaparecimento desse perfil de coleções como possibilidades de escolha didática (BRASIL, 2016, p. 24).

Deste modo, o Guia chama a atenção para a necessidade de emergirem

novas temáticas, e também estabelece críticas a tendências defasadas que reinam

de forma quase absoluta no mercado editorial. O problema que detectamos é uma

incongruência onde o perfil conteudista das coleções não é compatível com as

propostas oriundas dos PCN e das DCE/H, organizadas sob agrupamentos de

conteúdos por temas. Além de todas as implicações enfatizadas anteriormente, é

necessário sublinhar que essa incompatibilidade dificulta a elaboração dos Planos

de Trabalho Docente pelos professores, criando obstáculos para o atendimento dos

recortes temáticos sugeridos nas DCE e nos PCN.

Com efeito, essa limitação estrutural das obras didáticas cria um terreno

propicio para que as narrativas históricas lineares, eurocêntricas e totalizantes

predominem nas aulas de História. É algo que certamente dificulta a renovação das

práticas com base nos novos campos investigativos do ensino de História, que

compreendem o fazer pedagógico para além da transmissão de informações sobre o

passado, com ênfase educativa na compreensão de como se constrói o

conhecimento, a partir de vestígios humanos problematizados no tempo.

No excerto selecionado abaixo, o Edital do PNLD 2017 é bastante taxativo em

relação à tendência ainda enraizada na cultura escolar em torno da História como

uma disciplina que comporta a transmissão bancária e factual de um longo repertório

de informações a respeito de um passado distante.

“É urgente e necessária a desconstrução de noções acerca do livro didático como veiculador de uma verdade absoluta, repositório de toda a informação sobre o passado, informação essa que deve ser prontamente memorizada pelos educandos, em sequências lineares que dispensam a análise de processos. Essa representação está relacionada à ideia de aprendizagem como transmissão de conteúdos alijados do cotidiano dos estudantes, descolados da vivência temporalmente situada (BRASIL, 2015, p. 57).

Diante do exposto, pressupõe-se que os meios tecnológicos podem oferecer

uma via alternativa para os professores conduzirem seu trabalho pedagógico com

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90

mais autonomia, fora da arraigada linearidade cronológica. Os próximos capítulos

discutirão a possibilidade das novas tecnologias suprirem possíveis lacunas entre os

livros didáticos de História e os referenciais curriculares que analisamos

anteriormente.

Também trataremos do embasamento teórico / metodológico deste trabalho

de pesquisa, alicerçado na Educação Histórica, corrente de estudo conhecida pela

exploração de metodologias ligadas à epistemologia da História. Veremos como a

Educação Histórica pode contribuir para uma relação pedagógica em que

professores e alunos possam moldar estratégias de aprendizagens que contemplem

necessidades e interesses adequados à sociedade contemporânea.

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91

6 EDUCAÇÃO HISTÓRICA E APRENDIZAGEM

6.1 ENQUADRAMENTO TEÓRICO DA PESQUISA

Nesta parte da dissertação trataremos do enquadramento teórico desta

pesquisa no âmbito da Educação Histórica, tendo como base estudos que oferecem

perspectivas para o uso de fontes históricas em sala de aula. Buscaremos explicitar

como os objetivos aqui traçados estão em conformidade com as preocupações

dessa linha de estudo. Para esta tarefa, nos aproximaremos das discussões

realizadas por Isabel Barca, Marília Gago, Maria Auxiliadora Schmidt, Marlene

Cainelli, Peter Lee, Jörn Rüsen, entre outros.

Os autores citados desenvolvem estudos que objetivam levar os estudantes a

dominar os processos cognitivos presentes na pesquisa histórica, e assim

compreender a racionalidade histórica. A Educação Histórica surge a partir de

questionamentos sobre a finalidade do ensino de História, tendo a preocupação de

investigar como os indivíduos aprendem História, quais os sentidos atribuem a ela e

como desenvolvem a sua consciência histórica.

Assim, esse campo de estudos é dedicado às relações entre ensino e

aprendizagem de História em ambientes formais e informais de aprendizagem,

atentando-se também à produção do conhecimento histórico, bem como o próprio

conhecimento sobre o ensino de História.

Uma das problemáticas postas pela vertente da Educação Histórica investiga

os saberes que os professores de história apresentam (saberes históricos,

pedagógicos e experienciais). Segundo Isabel Barca, é uma linha de investigação

que busca uma "observação sistemática do real", centrando-se nas "ideias históricas

de quem aprende e ensina". Em última instância, o que se tem em meta é a

qualidade do ensino de História, ou seja, as práticas em sala de aula. (BARCA, 2008

apud RAMOS, 2013).

Nos estudos fundamentados na Educação Histórica, os investigadores têm

centrado a sua atenção nos princípios, fontes, tipologias e estratégias de

aprendizagem em História, sob o pressuposto de que a intervenção na qualidade

das aprendizagens exige um conhecimento sistemático das ideias históricas

apresentadas pelos indivíduos envolvidos no processo escolar (Barca, 2005 apud

RAMOS, 2013). Em síntese, entende-se a Educação Histórica enquanto proposta

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teórica e metodológica que busca respostas relacionadas à formação da consciência

histórica, através da investigação das ideias históricas dos sujeitos.

As discussões sobre o desenvolvimento da aprendizagem têm como ponto de

partida os pressupostos da epistemologia da História. De acordo com tal

perspectiva, o aprendizado da disciplina curricular de História requer a utilização dos

métodos de pesquisa científicos para se alcançar o desenvolvimento do pensamento

histórico. Segundo Schmidt e Garcia (2005, p.299), faz-se necessário que

professores e alunos busquem a renovação de conteúdos, a construção de

problematizações históricas, a apreensão de várias histórias lidas a partir de

distintos sujeitos históricos. Por isso, o campo da Educação Histórica tem indicado a

importância de se conhecer os processos e princípios da produção do conhecimento

histórico, os quais sustentam o trabalho do historiador

Essa diferenciação marca o campo de pesquisa em Educação Histórica. Por

meio da categoria de consciência histórica são realizadas investigações que buscam

analisar as condições de ensino e aprendizagem histórica dos professores e

estudantes, com o objetivo de produzir novos métodos pautados na epistemologia

da História. Esses métodos de ensino da Historia são fundamentados nas operações

mentais do aprendizado histórico, que gerariam um ensino de História orientado

para a vida prática dos estudantes.

Os estudiosos dessa vertente atuam por um ensino de História que tenha

mais significado para crianças e jovens. Como afirma Schmidt, "A sala de aula não é

apenas onde se transmite informações, mas onde uma relação de interlocutores

constrói sentidos. Trata-se de um espetáculo impregnado de tensões em que se

torna inseparável o significado da relação teoria e prática, ensino e pesquisa"

(SCHMIDT, 2004. p. 57).

Adotamos a Educação Histórica para a fundamentação teórico-metodológica

por ser uma corrente compatível com concepções pedagógicas atuais, que busca

romper com o ensino centrado na figura do professor, onde os conteúdos não são

questionados e acabam por eleger uma leitura historiográfica fragmentada e

simplificada, que impõe uma versão como verdadeira sobre determinados temas.

Além disso, essa corrente é bastante difundida no meio acadêmico

paranaense e comporta autores cujos estudos contribuíram para o embasamento

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teórico-metodológico das DCE/H35, documento orientador do ensino de História na

rede pública do Paraná e o principal referencial adotado em nossa investigação. Os

contributos teórico-metodológicos da Educação Histórica ofereceram os parâmetros

conceituais e um ferramental de análise para investigarmos como os professores

usam fontes históricas digitais para a construção do conhecimento histórico.

Convém, neste momento, explicitarmos alguns elementos fundamentais para

os estudos pautados pela Educação Histórica antes de abordarmos a compreensão

sobre os documentos históricos que esta linha de pesquisa possui.

6.1.1 Ideias tácitas

Discutimos no primeiro capítulo a ênfase dada por muitos estudiosos à

relação entre as ideias prévias e o novo conhecimento a ser explorado em

ambientes de aprendizagem. Mas agora veremos como esta preocupação se

expressa na Educação Histórica, que reforça a importância de identificar o nível dos

conhecimentos dominados pelos discentes antes de iniciar novos conteúdos.

Uma das preocupações da Educação Histórica reside na análise da influência

dos conhecimentos tácitos na aprendizagem histórica. As pesquisas destacam que

os alunos constroem o conhecimento histórico embasados no suporte adquirido

dentro e fora da escola. Quando chegam à escola, já trazem consigo um repertório

de informações e conhecimentos a respeito de diferentes assuntos acerca da

História. Barca (2004, p. 387) afirma que crianças e jovens constroem as suas

concepções históricas com base em várias fontes de conhecimento para além da

escola, como a família, o meio social, as mídias, entre outras, desenvolvendo

estratégias cognitivas específicas. Esta categoria engloba informações e

conhecimentos difusos que os alunos têm a respeito de determinadas temáticas.

Muitas dessas ideias principiantes que os alunos possuem sobre os diferentes fatos

e acontecimentos do passado foram adquiridas através de suas vivências e relações

sociais, elementos que constituirão a sua consciência histórica.

35

Parte do novo entendimento presente nas DCE/H deve-se aos estudos levados a cabo por Jörn Rüsen, pesquisador alemão que forneceu pontes teórico-metodológicas entre a racionalidade do pensamento histórico, proveniente das novas correntes historiográficas do século XX, e a aprendizagem da História. Além de Jörn Rüsen, a sustentação teórico-metodológica das DCE/H é reforçada pelos estudos na área da Educação Histórica desenvolvidos no Brasil por Maria Auxiliadora Schmidt e Marlene Cainelli.

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94

Conforme Schmidt e Garcia (2005), a investigação dos conhecimentos

prévios dos estudantes valoriza os seus saberes e contribui para a compreensão de

suas ideias históricas. A categorização dessas ideias pelo professor representa um

importante meio para propor algum tipo de intervenção, a partir do que os alunos

pensam ou até mesmo já sabem sobre a temática proposta.

Rüsen defende que os conhecimentos próprios da disciplina de História

precisam estar conectados com o conhecimento que o aluno já possui, isto é, parte

integrante das suas vivências pessoais. Assim, a construção do saber histórico

depende de fatores internos (experiências, inteligência) e de fatores externos

(interação social), o que leva a existência de diferentes níveis de aprendizado que

não estão relacionados com a idade ou nível escolar. Para Rüsen, fazer sentido

para a vida prática é o objetivo principal da História. Um dos princípios fundamentais

da História é que ela precisa estar enraizada nas necessidades sociais para orientar

a vida dentro da estrutura tempo.

As ideias advindas do conhecimento cotidiano dos alunos é um dos grandes

veículos da cognição. Logo, é necessário que o professor procure conhecer e

explicitar as ideias tácitas dos alunos para em seguida promover uma construção

dialética das novas ideias. Entender as ideias históricas dos alunos constitui um

meio para auxiliá-los na progressão de seu próprio conhecimento histórico. Como

diz Barca:

A aprendizagem processa-se em contextos concretos. É necessário que os conceitos façam sentido para quem os vai aprender. Existe uma multiplicidade de fatores da cognição histórica a ter em conta. As vivências prévias dos sujeitos e a natureza específica do conhecimento, o tipo de tarefas a desempenhar, as aptidões individuais são aspectos fundamentais para a progressão do conhecimento (BARCA, 2001, p. 20).

Em seu estudo, Gago (2012) reitera que os alunos têm uma grande

quantidade de conhecimentos prévios / ideias tácitas sobre os fenômenos científicos

para interpretar o mundo à sua volta. Essas ideias são resistentes à instrução e

podem persistir quando a aprendizagem se faz à margem dos alunos, ou seja, o

conhecimento científico não se relaciona com o do aluno. Por isso a autora enfatiza,

reiteradamente, a necessidade dos docentes conhecerem as ideias que povoam a

mente dos alunos, incluindo as ideias sobre o passado. Isso amplia as

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possibilidades de se criarem experiências de aprendizagem apropriadas, pois os

alunos nada podem aprender senão em virtude do que já sabem.

Schmidt e Garcia salientam que "[...] a investigação e a análise dos

conhecimentos prévios também servem de ponto de partida para a seleção das

fontes, materiais e problematizações que serão trabalhadas em aula" (SCHMIDT;

GARCIA, 2005, p.23). Portanto, os conhecimentos prévios ou tácitos quando

utilizados como "âncoras" em sala de aula podem contribuir de forma decisiva para a

aprendizagem significativa.

6.1.2 Consciência histórica

Segundo Rüsen (2010), a consciência histórica trata do passado enquanto

experiência, revelando o tecido da mudança temporal dentro do qual estão presas

as nossas vidas e as perspectivas futuras para as quais se dirige a mudança. Dentro

dessa compreensão, a História não é entendida meramente como uma perspectiva

do que ocorreu, e sim uma narração significativa que se refere a acontecimentos

passados, com o objetivo de fazer inteligível o presente e proporcionar uma

perspectiva futura.

Assim, a consciência histórica pode ser definida como uma categoria

relacionada a toda forma de pensamento histórico, que pode ocorrer dentro e fora de

ambientes de escolarização. Funciona como um modo específico de orientação em

situações reais da vida presente. Em outras palavras, é definida como a suma das

operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência da

evolução temporal do mundo e de si mesmos, de forma que possam orientar,

intencionalmente, sua vida prática no tempo (RÜSEN, 2010, p.23-40).

Através da consciência histórica o conhecimento histórico científico pode

realizar a sua intenção na vida prática. Mas como desenvolver as competências

desta consciência, tão necessárias para resolver problemas práticos de orientação?

Com pretensões de racionalidade, a ciência da história é eficaz na prática como formação histórica. Sua eficácia diz respeito a um conjunto de competências para orientar historicamente a vida prática, que pode ser descrito como a "competência narrativa" da consciência histórica. Ela é a capacidade das pessoas de constituir sentido histórico, com a qual organizam temporalmente o âmbito cultural da orientação de sua vida prática e da interpretação de seu mundo e de

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si mesmas. Essa competência de orientação temporal no presente, mediante a memória consciente, é o resultado de um processo de aprendizado (RÜSEN, 2007a, p. 103-104).

Como vimos, são várias as situações de aprendizado em que se dá a

constituição da formação histórica: a mídia, em instituições como a família, a igreja,

a escola, entre outras. No entanto, aqui nos interessa a instituição escolar e a

formação histórica que esta possa oferecer.

Para Rüsen, a formação histórica permite as pessoas recepcionarem o

conhecimento histórico científico, lidarem com ele, tomarem posição e utilizá-lo. Esta

formação não deve ser apenas privilégio dos historiadores. Se assim fosse, a

História como ciência ficaria tão restrita que poderia perder sua utilidade. Ao

contrário, ela deve estar disponível a todos que a desejam. Nessa perspectiva, é

possível desenvolver capacidades e habilidades que proporcionem a formação

histórica desde o início da formação escolar.

Quem vai procurar desenvolver no adolescente uma consciência histórica

deve estar mais preocupado com o pensar historicamente do que com a difusão do

saber baseado em fatos e de datas. No que concerne a esta questão, Rüsen (2001)

enfatiza que o desenvolvimento escolarizado da consciência histórica tem

importância fulcral, uma vez que a orientação pela tradição não dá conta de atender

as mudanças presentes ao longo do processo da vida humana prática.

Os preceitos da Educação Histórica oferecem caminhos para que os

professores consigam fomentar nos alunos a capacidade de "perguntar" às fontes

históricas como eram os homens e mulheres de outros tempos. Deste modo, a

ciência da história contribuiria para o desenvolvimento de competências da

consciência histórica que são necessárias para resolver problemas práticos de

orientação com o auxilio do saber histórico (RÜSEN, 2007, p. 96).

6.2 EDUCAÇÃO HISTÓRICA E USO DE DOCUMENTOS

Uma das questões do nosso presente é a necessidade de se assimilar as

novas modalidades de recepção e construção dos discursos históricos, conforme

visto nos capítulos anteriores. Se existe a necessidade de repensar a maneira de

escrever a História, decerto deve-se modificar a postura quanto à forma de ensiná-

la. Logo, os avanços no campo da pesquisa historiográfica deveriam ser

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incorporados pelos materiais didáticos e pelos professores ao planejarem suas

aulas. Como a forma de produzir história não é a mesma de outrora, o professor

precisa de novas formas de ensinar.

A necessidade de mudanças fica mais visível quando pensamos na

expansão e complexidade cada vez maior do mundo virtual. O ensino de História

pode se diversificar no atual contexto, com o crescente número de acervos e

repositórios. Hoje é possível encontrar uma miríade de documentos históricos

disponíveis em plataformas virtuais ligadas a arquivos, museus, universidades,

bibliotecas, portais educacionais, entre outros espaços. São materiais que podem

ser facilmente acessados via web e empregados no processo de ensino-

aprendizagem.

Entretanto, mesmo com as referidas potencialidades, pode persistir nas aulas

a ideia do documento falar por si. Muitas vezes, procurando inovar, alguns

professores trabalham com fontes em sala de aula, mas não as problematiza e nem

propõem aos alunos atividades para questioná-las. Como vimos no capítulo 5,

atualmente predominam no mercado brasileiro coleções didáticas com abordagens

majoritariamente factuais e canônicas. Ao se apoiarem nesses livros, há grande

probabilidade dos professores ensinarem os conteúdos de modo a eleger uma

leitura historiográfica fragmentada e simplificada, que acaba impondo uma versão

como verdadeira sobre determinados temas. Deste modo, o professor acaba

seguindo o modelo positivista, em que o conhecimento não é questionado.

Ao se utilizar fontes históricas para ilustrar o passado descrito ou para

comprovar aquilo que está sendo afirmado no livro, devemos frisar que tal

procedimento não favorece compreensão da História enquanto investigação da ação

humana no passado com base em evidências, como propõe as DCE/H. Tampouco

deixa margem para a produção desse conhecimento, por parte dos sujeitos da

aprendizagem.

Na perspectiva da Educação Histórica, os documentos devem ser utilizados

de forma problematizadora, por meio de um diálogo crítico em que o professor e o

aluno façam parte do processo de investigação e construção do conhecimento

histórico. Entende-se que para se trabalhar com documentos históricos em sala de

aula, o professor precisa não só ampliar sua concepção do próprio documento,

como também, é imperativo que se busque novas formas de tratar o documento

para o mesmo se apresentar de forma a "[...] responder às indagações e às

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problematizações dos alunos [...], com o objetivo de estabelecer um diálogo com o

passado e o presente, tendo como referência o conteúdo histórico ensinado"

(SCHMIDT; CAINELLI, 2009.p.117).

Rosalyn Ashby (2006) afirma que algumas pesquisas sobre o trabalho crítico

com fontes apontam que muitos estudantes possuem uma forte propensão a tratar a

informação tal como ela é dada, sem questionamento. O olhar crítico para o

documento favorece o entendimento de que o passado não é algo estático e

acabado, possuindo representações diferentes para um mesmo acontecimento.

Além dos estudantes estarem em contato com diferentes fontes, é preciso

superar o seu uso como simples confirmação de informações relativas a uma dada

interpretação histórica, de forma que possam criar hipóteses sobre determinado

conteúdo histórico. Logo, compreender os processos históricos exige raciocínio, uma

vez que a História se constitui de discursos e não de verdades inquestionáveis

(ASHBY, 2006, p. 169).

Quando a História é aprendida apenas como recepção ou assimilação de

determinados conhecimentos, ela perde a sua capacidade e função prática de

orientação dos indivíduos, deixando de contribuir para a formação histórica e

identidade dos sujeitos. Os conteúdos curriculares não são fins em si mesmos, mas

meios básicos para constituir habilidades cognitivas ou sociais, priorizando-as sobre

as informações.

Logo, a internalização dos conceitos, bem como o entendimento da

importância e significado das fontes nas pesquisas históricas se torna imprescindível

para que a História, do ponto de vista dos educandos, não seja apenas um

aglomerado de informações desconexas, passíveis de ser memorizadas para uma

determinada avaliação escolar. Dito de outra maneira, "sem conhecer como a

História que recebemos é produzida, nós somente obtemos uma série de

misteriosas asserções sem significado, sem sentido e sem utilidade para quem

aprende" (SCHMIDT; GARCIA, 2003, p. 226). A ida ao passado pode ser

considerada a partir da perspectiva apresentada por Rüsen (2001), de que o

importante não é aprender somente o conteúdo da História, mas saber como ocorre

o seu processo de construção.

Conforme Schmidt e Cainelli, o conteúdo da História apresenta-se como uma

pluralidade de modulações dos discursos sobre o passado e as condições da sua

produção são naturalmente mascaradas. Assim, para o ensino de História, "o

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trabalho para entender e desvelar o discurso histórico impõe uma atividade

incessante e sistemática com o documento em sala de aula" (2009, p.111).

Para se compreender esse processo de construção, a concepção de

evidência histórica é fulcral. No polo de investigação da Educação Histórica, os

estudos revelam que a utilização de fontes diversificadas em sala de aula deve visar

a construção da evidência, que é a base do conhecimento histórico. Como afirma

Ashby (2003, p.42), "a evidência histórica situa-se entre o que o passado deixou

para trás (as fontes dos historiadores) e o que reivindicamos do passado (narrativas

ou interpretações históricas)". Assim, a Educação Histórica deve assegurar a

compreensão do educando de que o conhecimento do passado repousa na

interpretação do material que o passado deixou para trás, que é reconstruído com

base na evidência. A pesquisadora acredita que a evidência é a chave para níveis

mais elevados de investigação histórica na aprendizagem escolar.

A relação entre História e evidência histórica pode ser ilustrada da seguinte

forma: quando o historiador identifica uma pista, ele a examina e reexamina

minuciosamente, procurando encontrar uma evidência adicional para alargar a sua

compreensão sobre o objeto investigado. A relação entre prática investigativa e

evidência é contínua e recíproca. Nos estudos conduzidos por Ana Catarina G.

Simão (2007, p. 66), sublinha-se que não há evidencia histórica possível se as pistas

não forem submetidas às questões levantadas pelos historiadores. A evidência

pressupõe perguntar algo acerca do passado. No trabalho pedagógico, é preciso

saber o que realmente é evidência, e saber como a evidência potencial está

armazenada.

Para que os alunos reconheçam que as fontes precisam [...] ser interrogadas, devem ser ensinados a verificar a credibilidade/ validade da fonte através de questões colocadas acerca de quando foi produzida, por quem, por que, e quem era a audiência esperada para a fonte. Estas são, obviamente, questões importantes na exploração das compreensões acerca da natureza da fonte que está a ser examinada. Contudo, este tipo de análise crítica de fontes não pode ser um fim em si mesmo, não é suficiente. As respostas a estas questões podem levar os alunos a noções simples de inclinação -parcialidade, viés - e à inútil distinção das fontes como credíveis e não credíveis. As fontes não podem por si próprias ser rotuladas neste sentido. Elas só podem ser designadas de válidas ou não no contexto do seu uso como evidência. Independentemente das suas imperfeições como informação, o seu uso como evidência depende do peso de que esta se reveste como evidência em relação a uma dada questão. Para compreender as fontes como evidência, os

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alunos precisam ser capazes de fazer a distinção entre a natureza intencional de uma fonte e a sua natureza não intencional. O que é que esta fonte quer dizer-nos? O que é que esta fonte pode dizer-nos sem que jamais tenha tido a intenção de fazê-lo? Estas são duas questões importantes para levar os alunos a fazer uma abordagem mais sofisticada [...] da fonte (SIMÃO, 2007, p. 75).

Quando aplicada ao ensino da História, essa perspectiva enfatiza a

investigação, a descoberta do passado feita pelos alunos. Os alunos não

desenvolvem o conhecimento histórico apenas pelo acesso às fontes históricas, pois

esses materiais não são necessariamente evidência. É preciso estudar diferentes

formas de utilizar as fontes primárias em sala de aula, de clarificar o que está

inerente ao uso da evidência pelo historiador e que implicações isto pode ter para o

uso pedagógico das fontes (SIMÃO, 2007, p.67).

Essa questão é importante tanto no plano do desenvolvimento cognitivo dos

alunos como no seu desenvolvimento emocional e social. Interrogar as fontes e

inferir a partir delas implica utilizar a imaginação histórica. O estudante é levado a

questionar-se acerca de quem fez as fontes, com que intenção, o que pensavam as

pessoas, o que sentiam.

Para atingir este fim, é imperativo que o professor supere o tratamento das

fontes como informação em suas aulas, caminhando para uma concepção mais

sofisticada que é tratá-las como evidência. No desenrolar dos estudos realizados

pelos alunos, para apoiar uma afirmação ou fundamentar uma hipótese, eles

precisam ser capazes de interrogá-las, de compreendê-las pelo que são e pelo que

elas podem dizer-nos acerca do passado que, ao primeiro olhar, não tinham

intenção revelar. Contudo, este é só o início do processo de investigação histórica

em sala de aula, alerta Simão (2007, p.71). Na etapa seguinte, precisam entender a

diferença entre fonte e evidência, compreender que é o relacionamento entre uma

questão de investigação e a fonte, tratada como evidência, que determinará o valor

da mesma como evidência para uma investigação específica.

Perante essas asserções, pressupõe-se que o problema que se coloca ao

ensino de História é como se trabalha a fonte. A fonte em si não tem sentido para a

Educação Histórica, o que faz sentido é a evidência possível através da leitura da

fonte. Desta forma, para decifrar o passado e construir o conhecimento histórico

mediante pistas, sinais, indícios, "a História faz diferentes perguntas sobre o

passado, sendo a natureza individual e específica dessas questões que determina o

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que serve como evidência na validação de qualquer afirmação de conhecimento"

(ASHBY, 2006. p. 153).

Muitas investigações conduzidas no campo da cognição histórica fornecem

elementos relevantes para a compreensão das ideias desenvolvidas por alunos de

diversos níveis de escolaridade acerca da evidência histórica36. As pesquisas

demonstram que as práticas docentes que trabalham com a evidência histórica em

sala de aula mobilizam tarefas para a construção de inferências históricas

fundamentadas e multiperspetivadas, impulsionando uma progressão do

pensamento histórico dos jovens para além do tratamento à informação.

A atividade incessante e sistemática com o documento em sala de aula leva

os estudantes a interrogarem de onde vem a informação, a interpretarem essa

informação e a determinar a validade das fontes. Aprofundando o quadro teórico e

conceitual do nosso tema de estudo, nos próximos tópicos veremos como tal

proposição está afinada não apenas com a natureza do conhecimento histórico, mas

também com as necessidades educativas exigidas pela sociedade atual.

6.2.1 Conceitos meta-históricos e narrativa histórica.

O trabalho com fontes em sala de aula implica no desenvolvimento dos

conceitos meta-históricos (conceitos de segunda ordem) de forma subjacente às

temáticas relacionadas aos conceitos substantivos. Esta conceituação merece

atenção, pois os conceitos meta-históricos37 não são trabalhados pelos alunos com

36

Impulsionada a partir do Reino Unido (P. Lee, D. Shemilt, A. Dickinson, R. Ashby e H. Cooper) a investigação em cognição histórica com base em evidências tem-se desenvolvido também em países como Estados Unidos (S. Wineburg, K. Barton), Portugal (I. Barca), Grécia (K. Nacou) e Brasil (M. Schmidt e M. Cainelli). Mencionamos alguns países e seus respectivos investigadores a título de exemplo, para mostrar que a proposta investigativa encontra eco em vários países, que interagem através de reflexões, debates e projetos. Significativa parcela dos estudos em cognição histórica adotam modelos de níveis de progressão conceitual a partir de uma visão trazida pelo aluno, imersa no senso comum. São criadas categorizações que partem de entendimentos mais elementares sobre as fontes (tratamento como informação - a fonte histórica dá acesso direto ao passado) para níveis mais elevados, de compreensão histórica racional com análise de evidências. Nestes últimos níveis, as fontes são concebidas como evidências e compreendidas no contexto em que foram produzidas. São interrogadas de modo a dizer algo sobre o passado que não tinham intenção de revelar, mobilizando competências para a construção de inferências históricas fundamentadas e multiperspetivadas. 37 As ideias do filósofo Jörn Rüsen (2001) sobre a estrutura do conhecimento histórico foram apropriadas pelo historiador inglês Peter Lee, que desenvolveu conceitos por ele denominados como de segunda ordem. São conceitos que Rüsen chama de meta-históricos, ou seja, conceitos que podem ser considerados como estruturantes do pensamento histórico e sem os quais não é possível existir entendimento histórico.

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frequência na Educação Básica, onde ainda predomina a abordagem cronológica,

factual e embasada majoritariamente nos conceitos substantivos, aponta Gago

(2012).

Recorrendo às contribuições de Peter Lee (2001), podemos caracterizar os

conceitos substantivos como sendo específicos da História e estão mais vinculados

às informações históricas ou conteúdos históricos, por exemplo: imperialismo,

colonialismo, revolução, feudalismo, totalitarismo, escravidão, etc. Enquanto que os

conceitos de segunda ordem são constitutivos da cognição histórica, isto é, dizem

respeito à epistemologia do conhecimento histórico: fontes históricas, evidências,

memória, inferência, hipótese, interpretação, narrativa, etc. (LEE, 2001).

No modelo proposto por Lee (2001), a progressão da aprendizagem histórica

deve ocorrer pela compreensão sistemática de conceitos substantivos articulada à

compreensão de conceitos de segunda ordem. Em consonância com essas ideias,

Schmidt e Braga explicam que:

[...] a Educação Histórica tem seus fundamentos pautados em indagações como as que buscam entender os sentidos que os jovens, as crianças e os professores atribuem a determinados conceitos históricos – como revolução francesa, renascimento, reforma protestante – chamados ‘conceitos substantivos’, bem como os chamados de ‘segunda ordem’ tais como narrativa, explicação ou evidência histórica. (SCHMIDT; GARCIA, 2006, p. 9).

Para Gago (2012), os conceitos meta-históricos devem ser uma preocupação

constante nas aulas de História, pois são eles que munem os alunos de ferramentas

intelectuais que lhes vão permitir desvendar o passado. Posicionamento também

compartilhado por Isabel Barca, para quem toda aprendizagem envolve um processo

mnemônico, mas os conceitos históricos são compreendidos / construídos

gradualmente, a partir da relação com os conceitos prévios que o sujeito comum

adquire na sua experiência. A construção o conhecimento histórico ocorre na

interdependência entre os conceitos substantivos e os conceitos de segunda ordem

(BARCA, 2004).

A narrativa histórica seria o princípio organizador dessas ideias históricas.

A partir delas, a aprendizagem histórica configura a capacidade dos jovens

se orientarem na vida e constituírem uma identidade a partir da alteridade. Conforme

consta nas DCE,

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A constituição desta identidade se dá na relação com os múltiplos sujeitos e suas respectivas visões de mundo e temporalidades em diversos contextos espaço-temporais por meio da narrativa histórica. Entende-se que esta implica que o passado seja compreendido em relação ao processo de constituição das experiências sociais, culturais e políticas do Outro, no domínio próprio do conhecimento histórico (PARANÁ, 2008, p.57).

A narrativa histórica é a forma de apresentação do conhecimento histórico.

Essa compreensão passa a ter uma função de orientação temporal na cultura

contemporânea. Rüsen afirma que para a narrativa histórica ser desenvolvida, é

preciso que a constituição de sentido se vincule à experiência do tempo de maneira

que o passado possa tornar-se presente no quadro cultural de orientação da vida

prática contemporânea. Ao tornar-se presente, o passado adquire o estatuto de

"História" (2001, p. 155). Deste modo, narrar a História é compreender o Outro no

tempo.

De acordo com a explicação de Rüsen (2007), o passado narrado é uma

abstração do tempo no qual se fala, ele não existe tal como está sendo descrito ou

interpretado. O passado não existiu exatamente como é registrado pela memória ou

definido e redefinido pelas narrativas históricas que o representam em diferentes

tempos e contextos. O que valida a narrativa é seu caráter de racionalidade,

evidenciado pela cognição e capacidade argumentativa.

A narrativa histórica precisa ser plausível, por isso é construída com

argumentos fundamentados em evidências. No exercício da narrativa, o aprendiz

precisa articular as suas ideias históricas com as narrativas dos historiadores. As

narrativas dos estudantes são constituídas pelas temporalidades e intencionalidades

específicas deles, a partir do diálogo com as narrativas dos historiadores (PARANÁ,

2008, p. 58).

6.2.2 A multiperspectiva no processo de aprendizagem

Compreender a aprendizagem histórica enquanto construção do

conhecimento sobre a ação humana no passado com base em evidências, implica

em refletir sobre o conceito de multiperspectiva. Os estudos fundamentados na

Educação Histórica convidam professores e alunos a dialogar com vários pontos de

vista, criando situações para os alunos raciocinarem em torno de uma questão

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histórica sob mais de um ângulo. Para Marilia Gago essa é uma atividade

fundamental, já que a narrativa histórica é descritiva e perspectivada, sendo fruto do

ponto de vista do historiador, o que implica num vasto conjunto de valores,

avaliações morais, pré-juízos e pré-conceitos (2012, p.57).

Como afirma Barca (2006, p. 03), a aprendizagem em História deve ser

orientada para uma leitura contextualizada do passado a partir da evidência

fornecida por variadas fontes, uma vez que a História não trata de certezas sobre

um passado fixo. Existem construções historiográficas diferentes, por vezes a

responder perguntas muito próximas. Do ponto de vista pedagógico, é possível

estabelecer situações de aprendizagem onde se confrontam interpretações

historiográficas distintas, permitindo aos estudantes formularem ideias históricas

próprias e expressá-las por meio de narrativas históricas.

O sentido que os alunos atribuem às diferentes mensagens varia de acordo

com suas próprias experiências de aprendizagem, dentro e fora da cultura escolar.

O professor pode valer-se de diferentes perspectivas sobre o mesmo passado,

tornando assim mais complexa a construção da consciência histórica dos seus

alunos (BARCA; GAGO, 2001, p.255).

A aprendizagem histórica cresce de forma quantitativa quando ocorre de

maneira a aumentar a diferença entre o passado e o presente, possibilitando

conhecer diferentes passados e lugares, atribuindo significados a períodos cada vez

mais distantes. O aumento qualitativo da aprendizagem histórica ocorre quando os

educandos se deparam com qualidades específicas do tempo passado, que também

possui diferenças temporais próprias (RÜSEN, 2010). Quando as narrativas

apresentam-se de formas multiperspetivadas, entende-se que a relação experiencial

com o passado acontece de forma diacrônica e qualitativa.

Concepções de aprendizagem histórica como estas valorizam os diferentes

sujeitos e suas relações, propiciando inúmeras possibilidades de reflexão e

desenvolvendo múltiplas visões em relação aos processos históricos. A

multiperspectiva pode contribuir com um processo de aprendizagem que desenvolva

visões mais racionais e conscientes por parte dos alunos, estimulando a reflexão

sistemática, visando à tomada de decisão consciente em cenários diversos por meio

do desenvolvimento de ferramentas intelectuais.

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Para Marília Gago (2012, p.163), tal proposição está

[...] não só em coerência com a natureza do conhecimento histórico, como se aproxima da realidade vivida pelas crianças e jovens da sociedade atual e tem expressão nos documentos oficiais [...] As sociedades atuais pautam-se pela diversidade, pela complexidade, por informação múltipla, contraditória com a qual as crianças e os jovens se confrontam cotidianamente. A diversidade de pontos de vista sobre múltiplas realidades colocam estas crianças e jovens perante a necessidade de lidar com problemas multiperspetivados aos quais deverão aprender a dar respostas adequadas.

Face ao exposto, podemos depreender que o trabalho com fontes históricas

leva os estudantes a interrogarem de onde vem a informação e a determinar a

validade e a confiabilidade das fontes. Estimula-os a considerarem diferentes pontos

de vista e inclinações, desenvolvendo o pensamento crítico. Enfim, as fontes servem

como ferramentas adequadas para os estudantes desenvolverem habilidades que

são constantemente requeridas na era da informação.

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106

7 FONTES E TECNOLOGIAS: PERSPECTIVAS AO FAZER DOCENTE

Neste capítulo, reunimos tópicos relacionados mais diretamente às práticas

docentes em História. Na parte de revisão de literatura, situada no início do capítulo,

fizemos uma prospecção dos estudos já realizados em nível stricto sensu,

procurando conhecer o estado atual das pesquisas sobre a utilização escolar de

fontes históricas apoiadas pelas novas tecnologias.

No segundo momento refletimos sobre novas perspectivas que se abriram ao

ensino de História e o papel das tecnologias digitais para viabilizá-las. Discutimos a

possibilidade das novas tecnologias suprirem as limitações estruturais encontradas

em muitas obras didáticas pautadas por narrativas históricas lineares e

eurocêntricas. Mais adiante, reunimos algumas propostas para o trabalho

pedagógico com documentos digitalizados.

O produto educacional é abordado no último tópico do capítulo, que também

é dedicado a explicar os percursos trilhados para a sua elaboração e a importância

da página mantida pelo pesquisador - História: Subsídios Pedagógicos

<http://historianreldna.pbworks.com> – para a definição de tal produto.

7.1 PANORAMA DAS PESQUISAS REALIZADAS

Refletindo sobre o impacto que as tecnologias digitais têm na sociedade

contemporânea, alterando as relações socioeconômicas e culturais vigentes, e

consequentemente, a realidade escolar, buscou-se analisar a aplicação educacional

de documentos históricos disponíveis em meios digitais, e sua capacidade de

potencializar a aprendizagem histórica dos alunos.

Vemos que hoje é bastante forte a exigência para a utilização de tecnologias

digitais nos sistemas escolares do país, cada vez mais acentuada por influência da

mídia, da cibercultura e da própria sociedade. Apesar do entusiasmo com que os

professores abraçaram o artifício da digitalização em suas práticas, nota-se certa

carência de pesquisas que investiguem a contribuição dos recursos em suporte

digital no processo de ensino e aprendizagem no Brasil. Vemos que a presença

cotidiana destas tecnologias torna-as quase imperceptíveis. Em termos acadêmicos,

o assunto parece ter sido naturalizado, sendo tratado como algo de menor

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importância. Devido a essa escassez, há um terreno bastante amplo a ser

explorado, sobretudo quando pensamos no ensino de História.

Até mesmo nos referenciais curriculares que analisamos, a presença das

novas tecnologias de informação e comunicação é tímida ou insuficiente para os

dias de hoje. Nas DCE de História praticamente não há menção, apesar da forte

ênfase dada às tecnologias educacionais pelo governo estadual na época da

elaboração do documento. As tecnologias figuram com maior ênfase nos PCN, mas

diante do avanço tecnológico frenético, estes referenciais encontram-se bastante

defasados nos dias atuais, afinal, quase duas décadas se passaram desde a sua

publicação.

Como argumenta Ginzburg (2010), "[...] a revolução tecnológica que está

ocorrendo perante nossos olhos, e que modificou profundamente a nossa existência

mesmo nos aspectos mais triviais do dia-a-dia, deve ser analisada em suas

implicações." (GINZBURG, 2010). E como coloca Rüsen, isto demanda uma reflexão

aprofundada sobre a didática das mídias embasada em uma estética da consciência

histórica, pois pouco se sabe sobre a consciência histórica na rede das novas

mídias. O que vai acontecer depende também de como a didática da História vai se

envolver nos processos nos quais se efetiva o desenvolvimento da consciência

histórica em tempos de virtualidade. (RÜSEN, 2012. p.229).

Percebe-se, nas citações indicadas, o quanto precisam avançar as pesquisas

relacionadas às TIC. É o que foi constatado ao elaborarmos um panorama sobre as

pesquisas realizadas em pós-graduação stricto sensu no Brasil.

Para chegarmos a esta constatação, procuramos averiguar o estado atual dos

conhecimentos sobre a utilização de fontes históricas no ensino de História, o que já

foi realizado por outros pesquisadores e quais são as lacunas nesse segmento do

conhecimento. Além de auxiliar na definição dos nossos objetivos, este

levantamento contribuiu para o amadurecimento da pesquisa e a delimitação do seu

escopo.

Adotamos como critério de busca, a seleção de teses ou dissertações, pelo

fato de serem trabalhos acadêmicos mais detalhados, que lançam alguma luz sobre

as tendências e linhas de pesquisa seguidas nas universidades.

Para tal fim, consultamos produções que possuíam proximidades com o

nosso objeto de estudo e que constassem nos seguintes bancos de dados: a BDTD

(Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações), o Banco de Teses da CAPES

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108

(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e o

REPOSITORIUM38 (Repositório da Universidade do Minho, em Portugal).

Justificamos tais escolhas porque os referidos repositórios concentram um grande

número de produções acadêmicas em nível stricto sensu, o que ampliaria a

possibilidade de encontrarmos referências.

A pesquisa nos supracitados bancos de dados consistiu na utilização de

descritores específicos para as buscas, tais como: "documentos históricos", "fontes

históricas" ou "evidências", combinados com "ensino de História"; ou "ensino de

História" combinado com "tecnologias" e termos afins. Priorizamos trabalhos que

contemplassem a utilização dos aparatos digitais enquanto instrumentos de busca e

suporte para diferentes tipos de fontes, com ênfase educativa no processo de

construção do conhecimento histórico a partir da problematização das evidencias

históricas.

Mesmo com enorme número de entradas obtidas nos bancos de dados

indicados, foram encontradas poucas teses e dissertações que possuíam

similaridades com o nosso estudo. Esta escassez representou um obstáculo ao

longo do trabalho, pois eram raras as pesquisas fundamentadas na Educação

Histórica que elegiam elementos relacionados às TIC como objeto de estudo.

Apresentaremos, na tabela 1, as produções que mais se aproximaram da

nossa pesquisa sobre o emprego de documentos históricos em formato digital na

aprendizagem escolarizada. Na falta de referências que tratassem especificamente

do mesmo tema, localizamos tanto produções que concebem as novas tecnologias e

a web como ferramentas no processo de construção do conhecimento histórico,

como as pesquisas que contemplam a utilização de documentos históricos em sala

de aula.

38

Optamos pelo REPOSITORIUM, em especial, porque Portugal concentra um grande número de produções acadêmicas inseridas em linhas de pesquisa voltadas à cognição histórica e Educação Histórica. Há também grande intercâmbio entre pesquisadores portugueses e brasileiros, além de parcerias em estudos dentro das referidas áreas de pesquisa.

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Tabela 1 – Produções acadêmicas similares ao trabalho proposto

Título Autor Tipo Universidade Ano Banco de Dados

Arquivos online: práticas de

memória, de ensino de

História e de educação das

sensibilidades

Adriana

Carvalho

Koyama

Tese Universidade

Estadual de

Campinas

2013 Banco de

Teses da

CAPES

A aprendizagem histórica de

professores mediada pelas

tecnologias da informação e

comunicação: perspectivas

da educação histórica

Cláudia

Senra

Caramez

Dissertação Universidade

Federal do

Paraná

2014 Banco de

Teses da

CAPES

Possibilidades e limites na

construção do conhecimento

histórico em conexão com o

mundo virtual

Cyntia

Simioni

França

Dissertação Universidade

Estadual de

Londrina

2009 BDTD

Ideias de professores sobre

a utilização de fontes dos

manuais de História: um

estudo no 3º ciclo do Ensino

Básico.

Maria

Alice

Alves da

Costa

Dissertação Universidade

do Minho

2007 REPOSITORIUM

Fonte: Dados coletados em motores de busca de trabalhos acadêmicos

Apresentadas as teses e dissertações, torna-se necessário expor

sucintamente os principais pontos abordados em cada uma, seguindo a sequencia

presente na tabela.

O primeiro destaque é a tese de Adriana Koyama - Arquivos online: práticas

de memória, de ensino de História e de educação das sensibilidades - que se

propõe a estudar os sites de arquivos públicos, de modo articulado com práticas de

memória e de ensino de História. O objetivo geral do trabalho é contribuir com

experiências de educação em arquivos públicos digitais. Para este fim, elegeu como

fontes os próprios sites de arquivos, bem como a literatura recente produzida por

arquivistas e pesquisadores de ensino de História. As relações entre arquivos e

educação foram pensadas a partir da ótica da educação patrimonial, do ensino de

História e da educação das sensibilidades. O trabalho ressalta alguns pressupostos

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110

e tendências presentes na literatura acerca das ações educativas nos arquivos

online, fornece exemplos de fontes históricas digitalizadas e disponibilizadas em

ambientes virtuais, além de possibilidades de trabalho com estes materiais.

Logo em seguida, damos relevo à dissertação de Cláudia Senra Caramez,

intitulada A aprendizagem histórica de professores mediada pelas tecnologias da

informação e comunicação: perspectivas da educação histórica. Esta é, sem dúvida,

a dissertação que possui relação mais estreita com o nosso estudo. Sua pesquisa

buscou analisar as relações de aprendizagem de professores municipais de Curitiba

mediadas pelas novas tecnologias da informação e comunicação, ao utilizarem a

web como um espaço em que se alocam fontes históricas primárias e secundárias,

na forma de arquivos digitais.

O trabalho empírico buscou averiguar como os professores aprendem História

com as fontes que estão na web, e que tipos de relações de aprendizagem são

possíveis. A fim de elucidar essas questões, Caramez buscou sua referência teórica

na Educação Histórica. No tocante à revisão de literatura, apresenta um panorama

das pesquisas realizadas no âmbito das Tecnologias de Informação e Comunicação

e o Ensino de História, tanto no Brasil quanto em Portugal. A partir desse

levantamento, Caramez constatou que existe uma imensa gama de fontes históricas

na web, que ampliam as possibilidades de aprendizagem dos professores de

História, mas são poucas as pesquisas a investigar esta realidade. A partir do seu

trabalho empírico, Caramez constatou que os professores pesquisados têm

estabelecido novas formas de aprendizagem através da utilização de fontes

históricas alocadas na web.

É importante mencionar a hipótese lançada por Caramez, onde é enfatizado

que se os professores podem aprender História através de fontes históricas em

suporte digital, também podem ensinar com o auxílio dos referidos materiais. Foi

exatamente este o ponto de partida da nossa investigação.

Na sequência, cabe destacar a dissertação intitulada Possibilidades

e limites na construção do conhecimento histórico em conexão com o mundo virtual,

de Cyntia Simioni França. A pesquisa analisou a utilização da informática no

processo de ensino e aprendizagem, no ensino fundamental e médio, investigando a

prática de professores de História que atuam em Londrina e região. O trabalho

buscou identificar se o emprego das TIC propicia aos alunos a condição de pensar

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historicamente. Mediante entrevistas e observações empíricas, a autora identificou

possibilidades e limites da utilização da tecnologia no ensino de História.

Entre os limites destacados encontram-se dificuldades na utilização do

laboratório de informática das escolas em atividades com os alunos, informadas

pelos professores da rede pública por meio de um questionário aplicado pela autora.

Nas respostas, ressalta-se a insuficiência de máquinas para realizar um trabalho

adequado e a falta de capacitação pedagógica dos docentes para a utilização dos

equipamentos. Nas considerações finais, França destaca que a implantação dos

sistemas tecnológicos nas escolas não foi acompanhada de formações continuadas

consistentes, que realmente preparassem os professores para o uso das novas

tecnologias. Os questionários realizados com os professores também revelaram

práticas predominantemente tradicionais, que seguem vertentes positivistas.

O último trabalho a ser destacado nesta seção é o estudo de natureza

qualitativa / descritiva realizado por Maria Alice Alves da Costa, em sua dissertação

de mestrado intitulada Ideias de professores sobre a utilização de fontes dos

manuais de História: um estudo no 3.º ciclo do Ensino Básico. Como o título sugere,

a pesquisadora analisa ideias de professores de História sobre a utilização de fontes

do manual escolar no contexto da sala de aula. O estudo enquadra-se na linha de

investigação em cognição histórica e procura indagar que tipos de fontes do manual

privilegiam os professores, como é que utilizam essas fontes e que justificativas

subjazem a essa utilização. A amostra foi constituída por 16 professores que

lecionavam em turmas do oitavo ano de escolaridade. A recolha de dados

contemplou a aplicação de uma entrevista fechada e uma entrevista semi-

estruturada. A análise dos dados seguiu o método associado à grounded theory.

Emergiram dimensões de análise que abarcavam as características do manual e a

utilização das fontes neles apresentadas. As conclusões sugerem que os

professores apreciam o grau de desenvolvimento da narrativa, a adequação das

fontes, o impacto das imagens e as atividades propostas pelo manual. Há ligeiras

diferenças em relação aos manuais, mas a maior parte dos professores

entrevistados consideram as obras didáticas imprescindíveis e as fontes contidas

nos manuais de suma importância para a construção do saber histórico.

Como pode ser observado, a nossa averiguação em motores de busca de

trabalhos acadêmicos encontrou uma quantia pequena de teses e dissertações que

versam sobre a utilização de fontes históricas em formato digital. Como fora

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112

salientado, percebe-se também que poucos trabalhos abordam essa utilização com

fundamentação teórico-metodológica amparada na Educação Histórica. Das

produções mais próximas à nossa pesquisa, apenas a dissertação de Cláudia Senra

Caramez correspondeu a este critério.

Também procuramos nos repositórios anteriormente citados, pesquisas

inseridas na linha da cognição histórica que se propusessem a investigar práticas

pedagógicas envolvendo o uso de fontes. Para ampliarmos os resultados, não

especificamos o tipo ou o suporte das fontes. Obedecendo este quesito, a pesquisa

de Maria Alice Alves da Costa esteve mais próxima do que propusemos em nossa

dissertação.

Existe, portanto, um terreno de estudo pouco explorado, que compreende

tanto a investigação do trabalho pedagógico com documentos, como a utilização das

tecnologias digitais como instrumentos de busca e suporte para diferentes tipos de

fontes, possibilitando a utilização do método historiográfico em sala de aula.

Como é possível notar, diferente do objetivo central que elegemos no

presente estudo, nenhuma das pesquisas mencionadas se propôs a investigar, à luz

da Educação Histórica, as ideias dos professores para o trabalho pedagógico com

as fontes históricas disponíveis em meios digitais.

7.2 O PRODUTO EDUCACIONAL COMO CONTRIBUTO AO TRABALHO DOCENTE

Nesta seção apresentaremos os percursos trilhados para a elaboração do

produto educacional e a importância da página mantida pelo pesquisador - História:

Subsídios Pedagógicos <http://historianreldna.pbworks.com> – para a definição de

tal produto.

Conforme fora exposto na introdução, o produto educacional que propusemos

concerne a encaminhamentos e orientações para o uso de recursos em suporte

digital, que estão organizados na seção de "TUTORIAIS" da página

supramencionada. Na referida seção é possível encontrar tutoriais para diversas

finalidades, desde as de caráter mais técnico, até indicações para o trabalho

pedagógico.

Em relação aos tutoriais de ordem mais técnica, podemos citar, como

exemplo, os que oferecem um passo-a-passo para a criação de apresentações de

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113

slides, edição de vídeos, download e conversão de arquivos digitais em diferentes

formatos, construção de blogs e sítios na web, entre outros.

No tocante aos encaminhamentos pedagógicos, buscamos propostas de

autores diversos em obras destinadas ao ensino de História, que indicam

procedimentos e métodos específicos para o trabalho com filmes, músicas, fontes

iconográficas, documentos escritos, entre outros recursos. Por meio do produto,

também disponibilizamos encaminhamentos didático-pedagógicos para visitas a

museus virtuais e sites que contemplam o patrimônio histórico e cultural.

Procuramos compilar orientações para o trabalho docente que extrapolassem

a utilização das tecnologias digitais para a mera reprodução de informações e

ilustração dos conteúdos históricos aos quais estão vinculados, pensando no seu

emprego enquanto objetos constitutivos de interpretação histórica39.

Na sequência, apresentamos uma captura de tela para ilustrar os ícones que

indicam as seções da página História: Subsídios Pedagógicos. Essas seções

permitem o acesso a arquivos disponíveis para download em diferentes categorias:

músicas, documentários, animações, apresentações em slides, história em

quadrinhos, modelos de provas, jogos, etc.

Para ilustrar a localização do produto educacional, destacamos a divisão de

"TUTORIAIS" com setas de cor laranja. Como é possível observar, os tutoriais estão

hospedados no próprio espaço virtual criado por este pesquisador e encontram-se

disponíveis a todos que o visitarem, sendo o acesso aberto e irrestrito.

39 A título de exemplo, podemos citar as orientações didáticas para o trabalho com filmes, extraídas

do livro de Silva e Porto (2012), intitulado Nas trilhas do Ensino de História; as sugestões para o trabalho com documentos escritos, contidas na obra Ensinar História de Schmidt e Cainelli (2009); e ainda as propostas de Marcos Napolitano (1986, 2002) para a análise de músicas em sala de aula.

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Figura 9 – Ícones da página "História: Subsídios Pedagógicos"

Fonte: História: Subsídios Pedagógicos. Disponível em:

<http://historianreldna.pbworks.com>. Acesso em: 16 mai. 2018.

A decisão de propor um produto educacional composto por tutoriais para o

trabalho pedagógico apoiado por tecnologias digitais está diretamente ligada ao

ambiente virtual mantido pelo autor. Podemos apontar algumas motivações para

esta escolha. Em primeiro lugar, foi uma forma de dar continuidade ao trabalho

realizado na página, enriquecendo-a com uma nova seção. Buscamos ampliar o seu

papel: além de oferecer recursos, percebemos que seria profícuo indicarmos

maneiras de se trabalhar com estes recursos em sala de aula.

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Outra razão para a vinculação do produto à página é que precisávamos de

um "endereço", um espaço virtual para disponibilizarmos os tutoriais, facilitando a

sua localização e acesso no ciberespaço.

Cabe salientar que todas essas escolhas, inclusive o recorte de pesquisa e a

opção pelo tema, são marcadas pela busca de alternativas para a incorporação de

objetos digitais ao ensino de História, de modo a possibilitar aos professores o

contato com linguagens e recursos didáticos variados, favorecendo metodologias e

estratégias de ensino diversificadas.

Abordaremos a seguir, um pouco da história da página na web, sua finalidade

e relação com os interesses do presente estudo. Para tanto, apresentaremos um

retrospecto acerca das motivações geradoras do tema da pesquisa, fazendo uma

pequena retomada do percurso profissional do pesquisador.

7.3 A PÁGINA DE SUBSÍDIOS PEDAGÓGICOS

As motivações iniciais para a realização deste trabalho são decorrentes da

minha experiência como profissional da educação40. Essa experiência teve início

entre os anos de 2004 e 2009, como professor de História da rede pública de

educação do Estado do Paraná, atuando nos anos finais do ensino fundamental e no

ensino médio.

A página História – Subsídios Pedagógicos41 foi criada no período em que

trabalhei no Núcleo Regional de Educação de Londrina (NRE Londrina), primeiro

como assessor pedagógico da Coordenação Regional de Tecnologias na Educação

(CRTE), no ano de 2010, depois, como técnico pedagógico da Equipe de Educação

Básica (EEB), respondendo pela disciplina de História, entre 2011 e 2016.

40

Ao longo do trabalho, a primeira pessoa do discurso foi apresentada no plural, pressupondo a participação de outras pessoas envolvidas no processo de pesquisa, como a orientadora ou os professores que compuseram a banca examinadora. Neste tópico, o discurso é alterado para a primeira pessoa do singular, pois consiste em um relato pessoal. 41

Trata-se de uma página gerada na plataforma PBworks, uma ferramenta online de simples manuseio, que possibilita a criação de páginas na web sem a necessidade do usuário ter domínio de linguagens de programação. Suas páginas podem ser acessadas facilmente através de dispositivos conectados à rede mundial de computadores (computador, smartphone ou tablet). A ferramenta opera em uma base freemium em que os recursos básicos são oferecidos gratuitamente. Possibilita edição de hipertextos, inserção de imagens, carregamento de diferentes mídias e compartilhamento de links, permitindo que os usuários acessem e baixem diversos tipos de arquivos. Tais potencialidades determinaram a escolha dessa ferramenta para o trabalho desenvolvido junto aos professores de História.

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116

Dentre as atribuições desempenhadas como assessor pedagógico da CRTE,

ministrei cursos de formação em educação digital para professores, além de prestar

atendimentos individualizados – em formato de assessoria para uso de TIC – nos

estabelecimentos de ensino de Londrina e região.

Como assessor da CRTE, pude me familiarizar com propostas institucionais

de uso de tecnologias e conhecer melhor as políticas públicas de inserção de

tecnologias nas escolas. Constatei, empiricamente, que as novas tecnologias

passaram a fazer parte do cotidiano das escolas, embora percebesse que grande

parte dos professores apresentava dificuldade em realizar operações básicas

envolvendo as TIC.

Existia, a meu ver, a necessidade de aprimoramento das atividades de

formação, no tocante às metodologias aplicadas em áreas específicas de

conhecimento. Apesar da ampliação da disponibilidade de recursos tecnológicos nas

escolas públicas, sua utilização significativa se dava de forma ocasional no

desenvolvimento das atividades pedagógicas cotidianas, muitas vezes motivadas

por afinidade e iniciativas particulares dos professores.

As experiências adquiridas com a assessoria em tecnologias educacionais e a

formação de professores foram cruciais para a função que exerci posteriormente,

como técnico pedagógico encarregado da disciplina de História no NRE de Londrina.

Atuando na Equipe de Educação Básica (EEB), entre os anos de 2011 a

2016, usei a experiência obtida na CRTE para desempenhar as novas atribuições

inerentes à função, entre as quais, os cursos e oficinas que tive a incumbência de

ministrar. Nas formações promovidas pela Secretaria de Estado da Educação do

Paraná (SEED-PR), pude compreender melhor as dificuldades, anseios e

necessidades dos professores de História, discutindo questões específicas sobre a

disciplina de História com os pares.

Nos momentos de formação, busquei contemplar pressupostos teórico-

metodológicos presentes nas DCE de História e fomentar o uso das tecnologias

presentes no ambiente escolar42. As discussões sobre as TIC foram sempre bem

acolhidas pelos professores, sobretudo as indicações de recursos pedagógicos

digitais.

42

Na seção "OFICINAS", da página "História – Subsídios Pedagógicos", é possível conferir alguns temas trabalhados e materiais utilizados nos momentos de formação. Endereço de acesso: <http://historianreldna.pbworks.com/w/page/70565302/OFICINAS>

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117

Diante das necessidades observadas e da receptividade em relação às TIC

por parte dos educadores, a página de História foi concebida como ferramenta

tecnológica de apoio, com a finalidade de proporcionar o acesso a recursos digitais

úteis à prática docente.

Entre os anos de 2011 e 2016, a página foi alimentada com novos materiais

em periodicidade quase semanal. Para tanto, eu pesquisava e selecionava recursos

digitais que julgava pertinentes em termos pedagógicos, convertia-os para os

formatos suportados pelos aparelhos existentes nas escolas, hospedava-os em

serviços de armazenamento43 e disponibilizava os links de acesso nas diversas

seções da página de História.

As novidades eram encaminhadas via email aos professores de História de

Londrina e dos municípios circunscritos ao NRE Londrina44. As mensagens levavam

ao professor uma imagem para ilustrar o objeto de aprendizagem, uma descrição

sobre tal objeto e o link para download. Esses informativos atingiam um número

considerável de educadores, pois além de enviá-los à lista de contatos que eu

mantinha, com cerca de 650 endereços de email, eu os encaminhava ao email dos

técnicos pedagógicos que, assim como eu, respondiam pela disciplina de História

nos outros núcleos de educação do Paraná45, solicitando que estes compartilhassem

as sugestões com os professores circunscritos à sua área de atuação. Seguem,

abaixo, alguns exemplos de materiais compartilhados da maneira descrita.

43

Os serviços de armazenamento de arquivos, também chamados de "nuvem", permitem a hospedagem de diversos tipos de arquivos em servidores online. A maioria dos serviços oferece planos gratuitos. Entre os mais populares, testei o Dropbox, o SkyDrive e o Google Drive. O Google Drive foi o que melhor correspondeu às nossas necessidades. Além de ter um espaço de armazenamento considerável, tem funções rápidas e intuitivas para compartilhar e baixar arquivos. Permite o carregamento (upload) de arquivos de grande extensão e a visualização prévia do seu conteúdo. Os links compartilhados pelo Google Drive não expiram, dispensando manutenções constantes.

44 O NRE de Londrina atende 19 municípios: Alvorada do Sul, Bela Vista do Paraíso, Cafeara,

Cambé, Centenário do Sul, Florestópolis, Guaraci, Ibiporã, Jaguapitã, Londrina, Lupionópolis, Miraselva, Pitangueiras, Porecatu, Prado Ferreira, Primeiro de Maio, Rolândia, Sertanópolis e Tamarana. 45

O Paraná conta com 32 NREs, cujas jurisdições abrangem todas as regiões do estado. Estão localizados nos seguintes municípios: Apucarana, Área Metropolitana Norte (Curitiba), Área Metropolitana Sul (Curitiba), Assis Chateaubriand, Campo Mourão, Cascavel, Cianorte, Cornélio Procópio, Curitiba, Dois Vizinhos, Foz do Iguaçu, Francisco Beltrão, Goioerê, Guarapuava, Ibaiti, Irati, Ivaiporã, Jacarezinho, Laranjeiras do Sul, Loanda, Londrina, Maringá, Paranaguá, Paranavaí, Pato Branco, Pitanga, Ponta Grossa, Telêmaco Borba, Toledo, Umuarama, União da Vitória e Wenceslau Braz.

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Figura 10 – Coleção de documentários disponível na página de História

Fonte: História: Subsídios Pedagógicos. Documentários. Disponível em: <http://historianreldna.pbworks.com/w/page/67361172/DOCUMENT%C3%81RIOS>

Acesso em: 19 mai. 2018.

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Figura 11 – Ep.1 da série Histórias do Brasil - imagens e sinopse

Fonte: História: Subsídios Pedagógicos. Documentários. Disponível em: <http://historianreldna.pbworks.com/w/page/67361172/DOCUMENT%C3%81RIOS>

Acesso em: 19 mai. 2018.

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120

Figura 12 – Seção de "MÚSICAS" da página de História.

Fonte: História: Subsídios Pedagógicos. Músicas. Disponível em:

http://historianreldna.pbworks.com/w/page/48261071/M%C3%9ASICAS> Acesso em: 19 mai. 2018.

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Figura 13 – Imagem inicial da página "História: Subsídios Pedagógicos"

Fonte: História: Subsídios Pedagógicos. Página Inicial. Disponível em: <http://historianreldna.pbworks.com> Acesso em: 19 mai. 2018.

É importante enfatizar que desde o início procurei agregar à página de

História formas de cooperação flexíveis em rede. A captura de tela acima expressa

os ideais do trabalho colaborativo proposto.

A página de subsídios funciona desde 2011 e continua sendo mantida e

atualizada com novos materiais, mesmo após eu deixar as atividades exercidas no

NRE de Londrina, reassumindo a função de professor de História da rede pública no

início de 2016. Na qualidade de professor, tenho agora a oportunidade de estar no

lugar de usuário da página, valendo-me dos seus recursos para incrementar as

minhas aulas de História.

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A materialidade digital dos objetos que compõem o acervo da página facilita a

sua utilização. Nem mesmo o espaço do disco rígido do meu computador é

ocupado, pois os arquivos encontram-se hospedados em nuvens. Além das

vantagens de armazenamento, há a flexibilidade e a conveniência de ter acesso aos

arquivos em qualquer hora e lugar, a partir de diferentes dispositivos. A utilização de

nuvens também oferece segurança. Mesmo que meus dispositivos pessoais de

armazenamento (como pendrives, HDs internos e externos) sejam danificados, os

arquivos estão a salvo, guardados em servidores online, disponíveis a todos que os

acessem através dos links disponíveis na página.

Apesar das limitações, o trabalho com a página foi gratificante. Conquistou

certo reconhecimento por parte dos professores, permitindo que eu colhesse, nesta

trajetória de quase sete anos, feedbacks que frequentemente ressaltaram aspectos

positivos do trabalho realizado.

A condição estipulada inicialmente para o produto educacional que compõe o

presente trabalho, antes mesmo de definir a sua forma, era de que este consistisse

em uma contribuição ao trabalho docente. Diante da trajetória descrita, o produto

surgiu como um passo a mais na caminhada, uma forma de auxiliar o professor a

tirar melhor proveito educacional dos objetos digitais.

Tendo em vista que a página tornou-se uma ferramenta tecnológica

conhecida pelos professores de Londrina e região, a inserção do produto

educacional em uma das suas seções foi pensada como uma forma de potencializar

a sua abrangência.

7.4 PERSPECTIVAS PARA O USO DAS TIC NO ENSINO DE HISTÓRIA

Neste tópico discutiremos a possibilidade das novas tecnologias contribuírem

para um ensino de História mais atrativo dentro da escola, suprindo as limitações

estruturais encontradas em muitas obras didáticas pautadas por narrativas históricas

lineares e eurocêntricas. Reunimos algumas reflexões que apontam para

contribuições das novas tecnologias para potencializar as práticas docentes com

base nos novos campos investigativos do ensino de História.

As questões apontadas por Caramez (2014), em entrevistas realizadas com

professores de História de Curitiba, mostraram que a utilização dos recursos

provenientes da web permite

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[...] relações com a experiência de aprendizagem que o livro didático não proporciona, como a ruptura com a linearidade da história, a possibilidade de visitar vários passados e de encontrar diferentes perspectivas de um mesmo acontecimento histórico, uma vez que nos livros didáticos, as fontes primárias e secundárias, geralmente, concordam com o texto didático do autor [...] (CARAMEZ, 2014, p. 98-99).

A afirmação de Caramez reveste-se de maior significado quando tomamos

como referência o Guia de Livros Didáticos do Ensino Fundamental: História - Anos

Finais do PNLD 2017. Conforme exposto no capítulo 5, este documento evidencia

que a maior parte dos materiais didáticos permanece atrelada à tradicional

cronologia de base eurocêntrica.

Diante desse cenário, reiteramos que o acesso a recursos digitais e fontes

históricas disponíveis na web pode abrir vias curriculares alternativas às narrativas

de mão única presentes nos livros didáticos. A forma de organização dos conteúdos

básicos e específicos na disciplina de História pode ser beneficiada mediante essa

abertura. Ao oferecer alternativas ao professor, os recursos tecnológicos e a internet

podem diminuir a sua dependência em relação aos livros didáticos, que são

organizados majoritariamente de forma cronológica e linear, de acordo com a

periodização quadripartite (Idade Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea) e/ou

segundo a perspectiva da História Integrada. Em virtude da facilidade encontrada

em se obter recursos pedagógicos para subsidiar as propostas de estudo, a web

abre espaço aos planejamentos docentes pautados por eixos temáticos,

caracterizados por múltiplos recortes temporais / espaciais. Deste modo, o professor

pode buscar em meios digitais outras referencias que contemplem os conteúdos

abordados em sala de aula.

Retomando Chartier (2009, p. 59-60), observamos que a introdução massiva

das TIC no trabalho do historiador, a digitalização de acervos documentais, a vasta

presença de produções eletrônicas científicas na web e as diferentes formas com as

quais são feitas as leituras destas produções também exercem impacto nas práticas

docentes. Professores e alunos agora estão na condição de validar ou rejeitar uma

narrativa histórica, apoiando-se na consulta de textos, de imagens fixas ou móveis,

composições musicais, documentários, filmes, mapas, etc. Desta maneira, os atores

educativos tem maiores condições de pesquisa, algo que a textualidade impressa

dificulta.

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É no universo de hipertextos e hipermídias em que é possível encontrar a

maior quantidade e diversidade de fontes, impensadas até poucos anos atrás

(Chartier, 2009, p.84). Entende-se, assim, que o ciberespaço possibilita a busca de

evidências para a compreensão do passado com maior facilidade e rapidez,

permitindo que se trabalhe a História de forma mais investigativa em sala de aula.

Partindo destas colocações, é possível acreditar que o trabalho pedagógico

com fontes históricas alocadas na web possa diversificar as metodologias aplicadas

à disciplina de história. Além das vantagens em relação ao uso de documentos em

sala de aula, a materialidade virtual das fontes pode ser capaz de despertar o

interesse do educando, devido à sua familiaridade com as novas linguagens e

tecnologias.

Em seus estudos sobre ações educativas em arquivos públicos digitais,

Koyama (2013) ressalta que a conversão para o formato digital pode apagar a

estranheza dos documentos antigos, pelo tratamento da imagem e pelas

transcrições, que traduzem sua escrita, muitas vezes ilegível para nós.

Para ilustrarmos esta passagem de Koyama, apresentamos abaixo algumas

capturas de tela que trazem exemplos de documentos tratados digitalmente,

acompanhados pelas transcrições do seu conteúdo para torná-los mais acessíveis

ao leitor. Junto aos documentos, disponibilizamos sugestões de atividades extraídas

da página Manuscritos da História, iniciativa do Núcleo de Ação Educativa do

Arquivo Público do Estado de São Paulo.

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Figura 14 – Trecho de carta de testamento digitalizada

Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo – Manuscritos da História – Atividades pedagógicas - Atividade 8. Disponível em: <http://200.144.6.120/exposicao_manuscrito/atividades.php>. Acesso em: 26 mai. 2018.

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Figura 15 – Atividade pedagógica com carta de testamento

Fonte: Site do Arquivo Público do Estado de São Paulo – Manuscritos da História – Atividades pedagógicas - Atividade 8. Disponível em: <http://200.144.6.120/exposicao_manuscrito/atividades.php>. Acesso em: 26 mai. 2018.

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Figura 16 – Atividade pedagógica com redação escolar

Fonte: Site do Arquivo Público do Estado de São Paulo – Manuscritos da História – Atividades pedagógicas - Atividade 8. Disponível em:

<http://200.144.6.120/exposicao_manuscrito/atividades.php>. Acesso em: 26 mai. 2018.

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Como foi possível observar, o espaço virtual que acabamos de apresentar

oferece atividades pedagógicas com documentos manuscritos digitalizados. No site

do Arquivo Público do Estado de São Paulo também podem ser acessadas

atividades didáticas incorporadas às exposições virtuais, que envolvem o uso de

diferentes linguagens e tipos de fontes, não apenas as manuscritas. A seguir,

podemos visualizar alguns temas tratados nessas exposições. Cada seção

disponibiliza atividades para serem trabalhadas nas aulas de História e uma seleção

de fontes para cada tema abordado.

Figura 17 – Temas das Exposições Virtuais do Arquivo Público de São Paulo

Fonte: Site do Arquivo Público do Estado de São Paulo –Exposições Virtuais – Exposições Educativas . Disponível em:<http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/difusao/exposicoes_virtuais>. Acesso em: 26 mai. 2018.

Outra proposta para a aprendizagem com fontes históricas pode ser conferida

no projeto Detetives do Passado – Escravidão no Século XIX, desenvolvido pela

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). O projeto utiliza o

formato das webquests46 para propor atividades investigativas a partir da análise de

46

As webquests vêm sendo utilizadas em atividades de ensino baseadas na internet. O conceito foi concebido em 1995 por Bernie Dogde, professor do departamento de tecnologia educacional da Universidade Estadual da California (San Diego State University). Dogde definiu a webquest como uma atividade investigativa em que alguma ou toda a informação com que os alunos interagem provém da internet. Sua elaboração é mediada por um professor, que propõe missões ou tarefas (quests) a serem solucionadas por alunos reunidos em grupos. Seus recursos, também chamados de fontes, podem ser livros, vídeos, mapas, imagens, textos e mesmo pessoas a entrevistar.

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diferentes tipos de documentos. Desta maneira, leva os estudantes a se colocarem

no lugar dos sujeitos históricos e conhecer as situações vivenciadas por eles – no

caso, a realidade dos escravos africanos que aportaram no Brasil na primeira

metade do século XIX e seus descendentes.

Figura 18 – Tela inicial do projeto "Detetives do Passado"

Figura 19 – Apresentação do Caso 1: "Rebeldia no Engenho de Santana"

Fonte: Projeto "Detetives do Passado – Escravidão no Século XIX" Disponível em: <http://www.numemunirio.org/detetivesdopassado>. Acesso em: 26 mai. 2018.

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Figura 20 – Explicação da tarefa do Caso 1

Fonte: Projeto "Detetives do Passado – Escravidão no Século XIX" Disponível em: <http://www.numemunirio.org/detetivesdopassado>. Acesso em: 26 mai. 2018.

A partir dos exemplos apresentados, podemos perceber algumas vantagens

na aprendizagem escolarizada apoiada pelas fontes históricas em suporte digital,

tais como: maior flexibilidade de acesso e compartilhamento de conteúdos; maior

diversidade de recursos, interatividade e hipertextualidade, possibilitando múltiplas

narrativas históricas e também variadas formas de absorção do conhecimento

histórico pelos usuários das tecnologias digitais. Como vimos nos capítulos

anteriores, estas vantagens são recentes se levarmos em conta que o ensino de

História de duas décadas atrás estava quase que totalmente apoiado no papel e nas

tecnologias analógicas enquanto suporte para as práticas pedagógicas. É válido

acrescentarmos que os recursos de aprendizagem em suporte digital não sofrem

nenhum desgaste ou degradação, algo que lhes confere outra vantagem para o uso

educacional.

Visando ampliar as perspectivas sobre as fontes em suporte digital,

disponibilizamos na página seguinte mais uma indicação de espaço na web onde

materiais de apoio podem ser encontrados, acompanhados de encaminhamentos

para a sua utilização pedagógica. Trata-se do Portal Dia a Dia Educação, mantido

pela SEED-PR, ao qual já nos referimos no segundo capítulo. Destacamos, a seguir,

uma captura de tela referente à seção de fontes não escritas da página de História

no Portal.

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Figura 21 - Seção de fontes não escritas no Portal Dia a Dia Educação

Fonte: Portal Dia a Dia Educação. Fontes Históricas – Fontes não escritas – História. Disponível em:<http://www.historia.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1256>. Acesso em: 26 mai. 2018.

Ao pesquisar o pensamento histórico em redes hipertextuais, Resende (2013)

sugere que o mundo virtual pode acionar habilidades, criticidade e empatia a partir

do material encontrado e selecionado. Imerso nesse mundo virtual, o aluno torna-se

navegante, um leitor imersivo, diferente do leitor contemplativo. O professor pode

explorar estratégias que envolvam a investigação de fontes históricas disponíveis na

web, levando o aluno a acionar diversas habilidades cognitivas. As diversas

linguagens audiovisuais presentes no ciberespaço permitem a imersão do educando

em espaços virtuais de pesquisa histórica. Através da possibilidade de interação,

inerente à cultura cibernética na qual os objetos digitais estão inseridos, as fontes

virtuais podem nos oferecer oportunidades de construção, de manipulação de

objetos tridimensionais que criam novas tramas, novos pontos para observação do

passado.47

47 Conforme visto no capítulo 4, importa reiterar o contato com o patrimônio histórico e cultural que

pode ser realizado através de visitas online. Destacamos abaixo alguns serviços que possuem como ponto em comum a simplicidade no acesso (a visita não requer a instalação de nenhum programa ou aplicativo) e a interface imersiva – em que os visitantes sentem-se como se caminhassem nos espaços do museu ou dos locais históricos, utilizando ferramentas que possibilitam a visualização em 360°, com plataformas semelhantes a alguns jogos de videogame da atualidade:

- Museu do Louvre: <https://www.youvisit.com/tour/louvremuseum>; - Palácio de Versalhes: <https://artsandculture.google.com/partner/palace-of-versailles?hl=pt-br>; - Museu Imperial: <http://www.museuimperial.gov.br/servicos-online/tour/visita-interativa> - Museu Americano de História Natural: <https://naturalhistory.si.edu/VT3/> - Pirâmides de Gizé: <http://www.airpano.ru/files/Egypt-Cairo-Pyramids/2-2> - Museu Nacional de Antropologia do México: <http://www.inah.gob.mx/paseos/mna/>

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Conforme já mencionado, as tecnologias digitais permitem que a relação com

fonte ocorra independentemente da sua origem espacial, possibilitando aos alunos o

contato com uma gama de objetos, antes disponíveis apenas em visitas in loco a

museus, acervos, exposições, bibliotecas e arquivos. Tais objetos são praticamente

inacessíveis em sua versão original, mas a sua apresentação digital pode aproximá-

los dos professores e estudantes.

Constatamos até aqui que o ciberespaço pode gerar inúmeras possibilidades

para os professores selecionarem recursos digitais para subsidiar a dinâmica

construtiva do conhecimento histórico pelos estudantes. Verificamos que o

aproveitamento desses materiais pode potencializar situações de aprendizagem

onde os estudantes formulem ideias históricas próprias, quebrando o ciclo de

assimilação passiva dos conteúdos.

Mesmo com as potencialidades destacadas neste último tópico, sabemos que

nem sempre as escolas dispõem de estrutura adequada e recursos tecnológicos que

permitam a representação e/ou reprodução dos objetos digitais, como constatamos

na investigação que encerra este estudo.

Admitimos também que o maior acesso às fontes através de meios

tecnológicos não garante formas diferenciadas de trabalho. Muitas vezes as novas

tecnologias são empregadas apenas como recursos quase nunca problematizados

como meios para a compreensão do passado com base em evidências. Ao invés de

contribuírem para incorporar as demandas tecnológicas e deslocar eventualmente

as fronteiras hegemônicas do conhecimento histórico escolar, os meios digitais

podem reforçar uma prática que Cysneiros (1999) classifica como "inovação

conservadora": o reforço de antigos hábitos, através de recursos modernos.

Essas são algumas das preocupações que permearam o objetivo geral desta

dissertação. Tal objetivo, perseguido nas próximas páginas, constrói-se em torno de

uma investigação focada na prática educacional dos professores de História com o

intuito de verificar a utilização de documentos históricos disponíveis em suportes

digitais.

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133

8 USO DE DOCUMENTOS EM SALA DE AULA: INVESTIGANDO A PRÁTICA

8.1 METODOLOGIA DE PESQUISA

Este estudo, de cunho qualitativo, está embasado na Grounded Theory,

também conhecida como teoria fundamentada. Esta metodologia é frequentemente

utilizada por pesquisadores da Educação Histórica e compreende o desenvolvimento

de teorias a partir da pesquisa baseada em dados, em vez da dedução de hipóteses

analisáveis a partir de teorias existentes (CHARMAZ, 2009, p.17).

Sublinha-se que o diferencial da teoria fundamentada reside no fato do

estudioso construir suas próprias teorias e categorias referentes ao objeto de estudo

a partir dos dados que são obtidos no decorrer da pesquisa, de maneira que os

dados formam a base da teoria, e a análise desses dados pelo pesquisador origina

os conceitos que ele próprio constrói (CHARMAZ, 2009, p.15). Ressalta-se que

neste método o pesquisador não investiga o objeto de estudo com uma teoria ou

categoria já estabelecida, mas a constrói no decorrer de sua própria análise. Os

resultados / conclusões constituem uma formulação teórica da realidade em estudo,

tendo por finalidade fornecer elementos úteis à prática na área de estudo respectiva

(GAGO, 2007, p. 168).

Portanto, esta metodologia tem como preocupações centrais a descrição do

fenômeno em estudo e a construção da teoria. Deste modo, a descrição implica

seleção e interpretação, reduzindo-se e ordenando-se os dados. Os dados são

indícios da realidade, cabendo ao investigador a interpretação e conceituação dessa

realidade.

A Grounded Theory defende, portanto, a necessidade de se criar teoria

derivada indutivamente do estudo do fenômeno, mas esta teoria é construída e

desenvolvida de forma provisória, sendo confirmada através da recolha sistemática

de dados e sua análise constante. Recolha de dados, análise e teoria têm uma

relação recíproca e não estanque (GAGO, 2007, p. 169).

De acordo com esta abordagem, focaliza-se a experiência do indivíduo e a

partir dai tenta-se compreender como este percepciona o seu mundo, que

significados atribui à História e como ela é aprendida e ensinada (GAGO, 2007, p.

168). Nesta investigação, tal abordagem foi utilizada para proporcionar informação

acerca das concepções de professores sobre o uso das novas tecnologias e sua

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utilização enquanto instrumento de busca e suporte para diferentes tipos de fontes

em sala de aula.

8.2 PÚBLICO-ALVO E AMOSTRAGEM

Dentro desta investigação qualitativa, têm especial relevância os sujeitos

participantes no estudo, já que o nosso objetivo foi desenvolver conhecimento

acerca das experiências e significados do que é vivenciado por eles. No tipo de

investigação aqui proposta, tenta-se compreender algo de um grupo estudando-se

uma pequena parte desse grupo. Segundo Gago (2007, p. 171), "o grande grupo

que se deseja compreender acerca de determinada dimensão é a população do

estudo, e o pequeno grupo selecionado será a amostra". O processo de amostragem

deve selecionar um dado número de sujeitos de uma população definida, que será o

público-alvo.

Tendo isso em mente, convidamos a participar do estudo professores de

História do quadro próprio do magistério (QPM) e do processo de seleção

simplificado (PSS) da rede estadual de ensino, que atuam nos anos finais do Ensino

Fundamental e no Ensino Médio, na Região Metropolitana de Londrina-PR.

Participaram da pesquisa 33 professores de História que trabalham em diferentes

estabelecimentos de ensino e municípios circunscritos ao NRE de Londrina.

8.3 COLETA DE DADOS

Selecionou-se para este estudo a técnica de recolha de dados por meio de

questionário. A investigação foi realizada online, em formulário criado com o

aplicativo Form, do Google Drive. O questionário foi respondido através de um link

enviado ao e-mail dos professores pela coordenação pedagógica responsável pela

disciplina de História no NRE de Londrina. Cada coordenação possui a relação de e-

mails da maioria dos professores de História circunscritos ao seu NRE de atuação.

Em Londrina, a relação de e-mails totaliza cerca de 660 contatos de professores48.

Por meio do instrumento de coleta, pretendíamos conseguir a participação de cerca

de 5% deste número. Atingindo 33 respondentes, chegamos bem próximos ao

48

Informações cedidas pela coordenadora que responde pela disciplina de História no Núcleo Regional de Educação de Londrina.

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estipulado. Para tanto, deixamos o instrumento aberto a respostas de dezembro de

2017 a maio de 2018. Neste ínterim, a representante do Núcleo de Londrina enviou

por email o convite para a participação da pesquisa em três momentos: 05/12/2017,

04/01/2018 e 17/04/2018.

O instrumento utilizado para a coleta de dados foi composto por 30 questões

abertas e fechadas, que primeiramente buscaram caracterizar o perfil do professor -

idade, formação acadêmica, estabelecimentos de ensino aonde trabalha, níveis e

modalidades de atuação, quantidade de turmas assumidas, etc. No enunciado do

questionário, informamos que não seria necessária a identificação e que os nomes

dos profissionais não seriam divulgados. Resolvemos manter o anonimato para

deixar o professor mais à vontade para responder o questionário, visto que o

pesquisador conhece muitos professores que atuam na região de Londrina.

Conforme consta no apêndice deste trabalho, também informamos os objetivos da

pesquisa aos participantes, abrangência e público-alvo. Ressaltamos que o

questionário não era uma avaliação, logo, não existiam respostas certas ou erradas.

No segundo momento, o questionário tangenciou aspectos relacionados ao

planejamento docente e à incorporação de recursos educacionais ao processo de

ensino-aprendizagem. Depois investigou, com maior profundidade, a utilização de

documentos históricos em experiências didáticas. Assim, foram propostas questões

sobre os tipos de fontes utilizadas nas aulas, formas de obtenção e utilização das

fontes em formato digital, concepções metodológicas, dificuldades encontradas no

trabalho com fontes, entre outras.

A investigação foi pensada segundo as reflexões e encaminhamentos teórico-

metodológicos presentes nas DCE de História e na produção acadêmica e literária

circunscrita no âmbito da Educação Histórica. Também balizado por questões

discutidas ao longo dos capítulos desta dissertação, o questionário foi formulado de

modo a perscrutar a prática educacional dos professores de história, com o intuito de

identificar tanto os limites quanto os avanços na incorporação de fontes históricas

em suporte digital ao trabalho em sala de aula. Na próxima parte, apresentaremos a

análise dos dados coletados durante o processo de pesquisa.

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136

8.4 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS

8.4.1 Perfil do professor pesquisado

Visando a sistematização, primeiramente enfocamos o perfil dos educadores

que responderam ao questionário. Nas questões iniciais, procuramos conhecer à

região onde trabalham, faixa etária, tempo de exercício no magistério, sexo,

formação acadêmica, carga horária dedicada à docência e número de turmas

escolares sob suas regências.

Tabela 2 – Estabelecimentos de atuação dos professores pesquisados

Escola Número de professores

Município

C.E. Maestro Andréa Nuzzi 2 Cambé

C.E Érico Veríssimo

C.E Prof. Eudice R. de Oliveira 1 Florestópolis

C.E Ulysses Guimarães 1 Ibiporã

C.E Hugo Simas 2

Londrina

C.E Vicente Rijo 1

C.E Newton Guimaraes 1

C.E Sagrada Família 2

C.E de Aplicação da UEL - Professor

José Aloisio Aragão 1

C.E Machado de Assis 1

CEEBJA Londrina 2

C.E Adelia Dionisia Barbosa 1

C.E Wistremundo R. Perez 1

C.E Marcelino Champagnat 2

C.E Ubedulha C. de Oliveira 1

C.E Humberto Puiggari Coutinho 1

C.E João Rodrigues da Silva 1

E.E Lauro Gomes da Veiga P. 1

C.E Tsuru Oguido 1

C.E Déa Alvarenga 1

Instituto Estadual de Educação de

Londrina - IEEL 2

C.E José Carlos Pinotti 1

C.E Polivalente 1

CEEBJA Herbert de Souza 1

C.E Gabriel C. Martins 1

C.E Machado de Assis 1 Lupionópolis

C.E Francisco Villanueva 1 Rolândia

E.E Monteiro Lobato 1 Sertanópolis

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

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137

No que diz respeito ao gênero, os dados revelaram que, dentre os

participantes, 21 (63,6%) são do sexo feminino e 12 (36,4%) pertencem ao

masculino. Sobre a região de atuação, podemos observar na tabela 2 que 26

professores participantes atuam na cidade de Londrina, correspondendo a 78,9% do

total. O questionário também foi respondido por professores de Cambé,

Florestópolis, Ibiporã, Lupionópolis, Rolândia e Sertanópolis, dados que demonstram

a abrangência alcançada pelo instrumento de investigação.

Gráfico 1 – Faixa etária dos participantes da pesquisa

Fonte: Coleta de dados da pesquisa de campo.

Quanto à faixa etária, dos 33 participantes verifica-se que 9,1% encontram-se

entre 30 e 36 anos de idade (gráfico 1). A maioria, que corresponde a 45,45%,

possui de 37 a 42 anos. Os professores de 43 a 48 anos representam 12.12% do

total, e de 49 a 59 anos, constituem 33%. O questionário demonstrou que o número

mais expressivo de participantes foi de professores de 37 a 42 anos. Percebe-se,

portanto, que a nossa proposta de pesquisa mobilizou maior número de profissionais

que se encontram, geralmente, na metade da carreira no magistério. A pergunta

sobre o ano de nascimento mostrou que o nosso sujeito tem, em média, 44 anos de

idade.

Na sequência (gráfico 2), é perceptível que a porcentagem do tempo de

exercício do magistério dos professores estudados coincide com a faixa etária. Em

nossa amostra, 69.7% possui mais de 10 anos de experiência nas salas de aula.

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138

Gráfico 2 – Tempo de exercício no magistério

Fonte: Coleta de dados da pesquisa.

Outro dado relevante diz respeito à formação dos pesquisados. A amostra

coletada indica que 90,9% dos professores são formados em História (gráfico 3),

sendo 72,7% pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. Os números ainda

revelam que 83,3% fizeram a graduação em universidades públicas e 16,7% são

formados por instituições particulares.

Gráfico 3 – Graduação dos participantes

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

Quanto ao tempo desde a graduação, vemos no quarto gráfico que a maior

parte dos professores (45,5%) se formou entre o ano de 2000 e 2009. Há também

uma expressiva parcela (33,3%) formada entre 1990 e 1999, o que corresponde

respectivamente a algo em torno de 28 e 19 anos desde a conclusão do curso.

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139

Gráfico 4 – Ano de conclusão da graduação

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

Os dados apresentados até aqui colaboraram para algumas considerações

importantes para este trabalho, dentre elas destaca-se o fato dos professores, em

sua maioria, terem iniciado sua profissão num período pós-ditadura militar, quando a

renovação historiográfica e sua inserção na prática pedagógica estavam em

constantes discussões. Essa realidade certamente propiciou a esses professores

uma formação voltada a concepções de história permeadas pelas novas

abordagens, novos objetos e novos sujeitos na construção do conhecimento

histórico. No campo da licenciatura, provavelmente tenham absorvido a crítica aos

modelos tradicionais de ensino, pondo-se a par de estudos mais recentes no campo

da pedagogia e do ensino de História.

Os dados também demonstram que boa fração dos participantes

acompanhou de perto as políticas públicas que abordamos no segundo capítulo,

quando discutimos o ProInfo e o PRD. Pressupõe-se que parte considerável do

público investigado tenha discutido questões ligadas às tecnologias educacionais em

seus momentos de formação na escola, bem como concepções pedagógicas mais

críticas e interacionistas. Eram temas muito presentes nas capacitações propostas

pelo governo estadual na época.

Tudo indica que os professores de História da nossa pesquisa estavam na

ativa quando as tecnologias digitais passaram a ter maior presença no cotidiano

escolar. Muitos deles, provavelmente, acompanharam a instalação dos laboratórios

do PRD e receberam as TVs multimídia em suas escolas nos idos de 2008 (com um

pendrive de cortesia), tendo, junto a isso, incentivos institucionais para acessar o

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140

Portal Dia a Dia Educação e conhecer os seus conteúdos. Pelo tempo de escola,

podemos supor que o grupo pesquisado teve oportunidade de participar das

formações promovidas pela CRTE e/ou serem auxiliados pelos seus assessores

pedagógicos em TIC. Contudo, é pertinente considerar que a possibilidade efetiva

da utilização dos equipamentos sempre dependeu da familiaridade e do interesse do

professor em empregar tais recursos, uma vez que seu uso nunca foi obrigatório,

apesar de constantes recomendações institucionais para sua utilização na época de

vigência do PRD.

A idade dos professores e o tempo de atuação também nos leva a crer que

muitos passaram pela reestruturação curricular iniciada em 2003, com a mudança

de governo no Paraná. Havia, na época, ênfase na proposta de gestão democrática,

o que justificou a participação do coletivo dos profissionais da educação na

construção das Diretrizes Curriculares da Educação Básica (DCE).

Segundo Luis Fernando Cerri (2005), uma versão preliminar das Diretrizes,

publicada em 2005, envolveu cerca de 4.000 professores em seu processo de

elaboração assessorado por professores universitários. A Secretária Estadual de

Educação – SEED/PR formou grupos de estudo permanentes, com representantes

dos 32 NRE49.

É preciso salientar que, em 2007 e 2008, o texto das Diretrizes foi submetido

à leitura crítica de especialistas, sendo que a equipe do Departamento de Educação

Básica – DEB percorreu os 32 NRE para discutir o documento norteador com os

professores, realizando o evento chamado DEB itinerante. Assim, os "professores

puderam, mais uma vez, discutir tanto os fundamentos teóricos das DCE quanto os

encaminhamentos metodológicos de sua implementação em sala de aula"

(PARANÁ, 2008, p.8).

A versão definitiva das diretrizes curriculares para o ensino de História foi

publicada em 2008. Até o ano de 2010, a tônica nas formações específicas das

disciplinas curriculares girava em torno das DCE. Tudo indica que a maior parte dos

professores pesquisados fizeram leituras críticas das versões preliminares enviadas

às escolas e participaram dos eventos propostos pela SEED para a discussão do

49

As DCE/H são anunciadas como resultado do trabalho coletivo dos professores de História da rede pública do estado do Paraná, como produto democrático, cuja construção foi possível devido à participação de seus profissionais. Todavia, na análise das fontes estudadas, Noda (2014, p. 200) constatou que os professores foram, sim, reunidos em diversos eventos, mas isso não significou que, ao término das tarefas realizadas, enxergavam-se como produtores do resultado desse trabalho, um produto que foi posteriormente modificado e sobre o qual não estabelecem relação de pertencimento.

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documento. Podemos supor, portanto, que os fundamentos teóricos das DCE e seus

encaminhamentos metodológicos são conhecidos pela maioria.

Ainda sobre o perfil dos sujeitos estudados, é preciso ressaltar algumas

especificidades voltadas às suas condições de trabalho. A mais pertinente está

relacionada à jornada de trabalho semanal, onde verificamos que 57,6% dos

professores trabalham de 30 a 40 horas por semana e 9,1% acima de 40 horas,

como podemos visualizar no gráfico abaixo.

Gráfico 5 - Carga horária da jornada de trabalho semanal

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

É uma jornada considerável, ainda mais na atual conjuntura da educação

pública paranaense, onde observamos a diminuição das horas-atividade dos

professores. Em um regime de trabalho de 40 horas, a redução foi de 4 horas-

atividade, que foram convertidas em horas trabalhadas em sala de aula. O tempo

com os alunos passou de 26 para 30 horas, desrespeitando as exigências da Lei

Federal 11.738/08, que regulamenta o piso salarial profissional nacional para os

profissionais do magistério público da educação básica. A referida Lei estabelece

que a composição da jornada de trabalho deve observar o limite máximo de 2/3

(dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com

os educandos.

A resolução estadual 15/2018-GS/SEED, cujas determinações passaram a

vigorar no início de 2017, acabou por forçar os professores a assumirem mais

turmas para completarem a sua carga horária, prejudicando suas condições de

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trabalho. Com efeito, houve aumento do número de turmas e alunos por professor,

logo, da carga de trabalho, embora o tempo para a realização desse trabalho fora da

sala de aula diminuísse50.

Quando perguntados sobre a quantidade de turmas escolares assumidas, as

respostas dos professores corroboraram a hipótese do número ter aumentado em

virtude da diminuição das horas-atividade.

No gráfico seguinte, vemos que a maior parcela da nossa amostra, o

equivalente a 42,4% dos professores, detinham de 10 a 14 turmas, números

considerados elevados tendo em vista a média de alunos por turma, em torno de 30

a 3551 estudantes.

Gráfico 6 – Quantidade de turmas assumidas pelos respondentes

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

50 No início de 2017, a Resolução 15/2018-GS/SEED, da Secretaria de Estado da Educação (Seed)

cumprindo uma decisão do então governador Beto Richa, diminuiu o tempo de hora-atividade (h.a) dos professores da rede estadual de ensino. A medida reduziu de sete (33%) para cinco (25%) as horas-atividade semanais que cada professor tinha direito, considerando a jornada semanal de 20 horas. Deste modo, foi diminuído o período que os professores tinham disponível na escola para planejar, pesquisar, preparar as aulas e avaliações, atender alunos e seus responsáveis, participar de reuniões e formações pedagógicas, corrigir provas, trabalhos, etc. Até o presente momento, a questão da hora-atividade encontra-se numa morosa disputa judicial entre os professores e o governo. 51

A resolução 4527 / 2011 - GS-SEED fixa um número de estudantes para efeito de composição de

turmas nas instituições escolares. No ensino fundamental, a resolução estipula que o 6.º e 7.º ano deva ter no mínimo 25 e no máximo 30 estudantes. Já no 8º e no 9º, varia de 30 a 35. Quanto ao ensino médio, o critério usado é de no mínimo 35 alunos por turma, chegando até 40. Apesar desta orientação, o que ocorre na prática é que quando existe a demanda, o Estado não tem permitido a composição de turmas com o número mínimo, impelindo os estabelecimentos de ensino a formarem turmas com o limite máximo de alunos permitido pela resolução.

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143

Numa amostra de 33 professores, verificamos que 5 deles (15,2%)

assumiram 15 ou mais turmas. Não é algo raro de acontecer, visto que na grade

curricular do ensino médio, a disciplina de História conta com 2 aulas semanais por

turma. Caso um professor cumpra um regime de 40 horas semanais e assuma

apenas turmas do ensino médio, terá que trabalhar com 15 turmas para completar

sua carga horária: 30 horas-aula + 10 horas-atividade.

Para amenizar a quantia de turmas/alunos sob sua incumbência, o professor

pode assumir turmas dos anos finais do ensino fundamental, já que neste nível de

ensino a disciplina de História conta com 3 aulas na grade curricular de cada série,

com exceção do 7º ano, que possui apenas 2 aulas semanais. Contudo, quanto mais

diversificadas forem as turmas assumidas pelo professor, de diferentes séries e

faixas etárias, maior a versatilidade exigida, disponibilidade de tempo e soma de

esforços para elaboração de diferentes tipos de planejamento, instrumentos

avaliativos e preparação de aulas, entre outras atividades associadas ao trabalho

pedagógico.

Verificamos na apuração dos dados reunidos na tabela abaixo, que 24 dos 33

professores pesquisados assumiram turmas de ensino fundamental e médio no

período em que o questionário ficou aberto a respostas. Apenas um participante

afirmou ter assumido apenas turmas no ensino médio e oito exclusivamente no

ensino fundamental (tabela 3).

Tabela 3: Níveis escolares assumidos pelos sujeitos da pesquisa

Nível Professores (n=33) Porcentagem (%)

Ensino Fundamental 8 24,24

Ensino Médio 1 3,03

Ensino Fundamental e Médio 24 72,72

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

Ao estabelecermos a média a partir dos números obtidos pela pesquisa,

chegamos à quantia de 10,6 turmas por professor. É preciso ponderar que 10

turmas representa um volume elevado de trabalho para o professor. Supondo que

este profissional aplique duas provas e um trabalho por turma ao longo de um

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bimestre (considerando a média de 30 alunos por turma). Terá cerca de 600 provas

e 300 trabalhos para corrigir ao longo de dois meses, mas com um tempo de hora-

atividade reduzido. Isso sem contar a recuperação paralela, que implicaria em outras

enormes quantias de instrumentos avaliativos para serem corrigidos.

Com base nesta análise, pressupomos que são grandes as chances das

atividades do professor excederem o ambiente laboral, tomando o espaço doméstico

e afetando a sua qualidade de vida. Essa sobrecarga de trabalho criaria dificuldades

para o professor planejar, estudar, pesquisar recursos e materiais, elaborar

instrumentos avaliativos, entre outras atividades cujo desenvolvimento ocorre sem a

interação com os educandos.

Tais condições criam dificuldades inclusive para o atendimento das DCE no

que compete ao processo avaliativo. A avaliação da escrita e da qualidade

argumentativa do aluno, por exemplo, requer a aplicação de uma prova dissertativa

ou uma produção textual no lugar de uma prova objetiva, o que demandaria do

professor um tempo enorme para corrigir todas as avaliações.

De acordo com as orientações gerais das DCE, a utilização repetida e

exclusiva de um mesmo tipo de instrumento de avaliação reduz a possibilidade de

observar os diversos processos cognitivos dos alunos, tais como: memorização,

observação, percepção, descrição, argumentação, análise crítica, interpretação,

criatividade, formulação de hipóteses, entre outros (PARANÁ, 2008, p.32).

Em sua parte específica, direcionada à disciplina de História, as Diretrizes

recomendam a proposição de avaliações que permitam a verificação da

compreensão do aluno acerca da utilização do documento em sala de aula,

propiciando reflexões sobre a relação passado / presente.

Cabe ao professor, no decorrer do processo, elencar diferentes instrumentos avaliativos capazes de sistematizar as ideias históricas produzidas pelos estudantes. No processo avaliativo deve-se fazer uso: de narrativas e documentos históricos, inclusive os produzidos pelos alunos; verificação e confronto de documentos de diferentes naturezas como: os mitos; lendas; cultura popular, festa e religiosidade; constituição do pensamento científico; formas de representação humana; oralidade e a escrita e formas de narrar a história etc. (PARANÁ, 2008, p.89)

Diante do exposto, constatamos que as atuais condições de trabalho dos

professores pode desencorajá-los a aplicar instrumentos avaliativos nos moldes

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145

acima descritos, que exigem maior tempo para a correção. A quantia insuficiente de

horas-atividade, o grande número de estudantes por turma, as poucas aulas

semanais com cada turma e a sua curta duração (de 45 a 50 min), são fatores que

dificultam a avaliação durante o tempo das aulas e fora dele, nos momentos em que

não há interação com o aluno. Refletiremos melhor sobre questões ligadas às

condições de trabalho do professor no decorrer da análise dos dados. Agora, nos

debruçaremos sobre aspectos relacionados ao planejamento pedagógico e a atuação

profissional.

8.4.2 Questões sobre planejamento pedagógico e atuação docente

Na questão de múltipla escolha que abre a seção sobre planejamento e

atuação docente, perguntamos ao público pesquisado quais referenciais eles utilizam

na elaboração do Plano de Trabalho Docente (PTD). Nas respostas, representadas no

gráfico 7, percebe-se que quase a totalidade dos pesquisados utiliza os livros

didáticos e as DCE como referencias em seu planejamento anual, com ligeira

vantagem dos manuais.

Gráfico 7 – Referenciais utilizados para elaboração do PTD

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

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146

Acreditamos que os dados expostos no gráfico 7 indiquem a tentativa dos

professores conciliarem os pressupostos teóricos e metodológicos das Diretrizes com

a organização dos conteúdos presentes nas obras didáticas.

O pesquisador constatou, empiricamente, nas formações realizadas com os

professores de História, que havia entre eles uma rejeição à proposta de

organização dos conteúdos por eixos temáticos, conforme consta nas DCE. Desde o

início da elaboração do documento, não era essa a forma de organizar os conteúdos

que os professores almejavam, mas foi a que acabou tomando corpo, como

evidencia o trabalho de pesquisa realizado por Noda (2014) em sua tese de

doutorado. Isso nos ajuda a entender porque os professores recorrem tanto ao livro

didático para a elaboração do PTD.

Em nossa amostra, observa-se que 14 professores (42,4%) também

recorrerem a sites que oferecem modelos de planejamentos. A ordenação dos

conteúdos básicos e específicos presente no tipo de planejamento que esses sites

oferecem assemelha-se ao da maioria dos livros didáticos organizados a partir da

perspectiva cronológica e linear da História Integrada.

Ademais, um terço dos professores assinalou que utiliza os PCN na elaboração

do PTD, uma informação curiosa, haja vista toda a mobilização institucional para

coloca-los em descrédito, desde que se iniciaram as discussões das DCE, em 2004.

A suspeita que os dados levantam, de uma inclinação dos professores em

conciliar os pressupostos teóricos metodológicos das DCE com a organização dos

conteúdos presentes nos manuais didáticos, é confirmada na questão subsequente,

quando é perguntado como o professor aborda os conteúdos básicos e específicos

na disciplina de História (gráfico 8).

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147

Gráfico 8 – Forma de abordagem dos conteúdos básicos e específicos.

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

Entre as alternativas para múltipla escolha, recebeu mais respostas a que diz:

"de forma mista, seguindo uma ordenação cronológica na abordagem dos eventos

históricos, mas também organizando abordagens por temas ou eixos temáticos".

De 33 professores, 19 escolherem esta opção (57,6%). Em segundo lugar, com 14

respostas (42,4%), aparece a escolha pela "perspectiva da História Integrada,

apresentando os conhecimentos da História Geral, da América, da África e do Brasil

de forma intercalada, numa sucessão cronológica crescente de períodos históricos".

Conforme vimos no capítulo 5, este é o formato predomina no mercado editorial.

Os dados ainda apontam que 6 professores consultados (18,2%) optaram

pela organização "cronológica e linear, de acordo com a periodização quadripartite

(Idade Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea)", evidenciando como esta

perspectiva ainda persiste nas práticas docentes, apesar de ser veementemente

rechaçada nas discussões realizadas nos cursos de licenciatura, nas formações

pedagógicas promovidas pela SEED e pelos referenciais curriculares mais atuais.

Outro dado digno de nota diz respeito à abordagem dos conteúdos básicos e

específicos "por eixos temáticos, de acordo com a organização dos conteúdos

básicos e abordagem teórico-metodológica presentes nas Diretrizes Curriculares da

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148

Educação Básica de História (DCE)". Identificamos que 8 professores (24,2%)

afirmaram seguir essa organização em seus planejamentos.

Pelos baixos números, temos confirmada a resistência ou a dificuldade do

professor em incorporar a proposta das DCE de História referente aos conteúdos

básicos. A proposta de organização por conteúdos estruturantes - relações de

trabalho, relações de poder e relações culturais - derivando conteúdos básicos em

recortes temáticos, parece ser de difícil assimilação pelos professores. Vimos no

capítulo 5 que as DCE possuem uma proposta que apresenta certa

incompatibilidade com os livros didáticos existentes. Como temos observado uma

realidade de grande adesão ao livro didático, é natural que poucos professores

recorram somente às Diretrizes para a definição dos conteúdos.

Conforme o gráfico 8, a maior parte dos professores (57,6%) indicou que

segue uma abordagem mista, em que a ordenação cronológica dos eventos

históricos se entrecruza com uma organização por eixos temáticos.

Na sequencia, perguntamos aos professores em que linha de estudo,

pesquisador(a) ou autor(a) conhecido(a) no meio acadêmico eles buscam aporte

teórico-metodológico. Essa questão foi proposta de maneira facultativa, deixando o

professor livre para responder num espaço destinado à digitação da resposta. No

enunciado, pedimos para o professor registrar os nomes das correntes e/ou

pesquisadores. Caso não se lembrasse, poderia deixar a questão sem resposta. Dos

33 consultados, apenas 15 responderam. A captura de tela a seguir (figura 22)

mostra exatamente como foram as respostas recebidas através do questionário

disponibilizado por meio do Google Forms.

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149

Figura 22 – Aportes teórico-metodológicos citados pelos professores

Fonte: Instrumento de coleta de dados da pesquisa

Ao agruparmos as respostas afins, onde houve mais de uma ocorrência,

podemos perceber que as maiores menções ocorreram no campo da Educação

Histórica, com alguns autores citados, além da própria linha de estudo. Foram 5

menções entre 15 respondentes (33,33%). Depois, consideramos outros resultados

que se repetiram duas ou três vezes (tabela 4): Nova História, Marxismo, Paulo

Freire e Pedagogia Histórico-Crítica.

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150

Tabela 4: Aportes teórico-metodológicos citados pelo grupo investigado

Professores

(n=15) Porcentagem (%)

Educação Histórica (e autores) 5 33,33

Nova História 2 13,33

Marxismo 2 13,33

Nova Esquerda Inglesa (e Hobsbawn) 2 13,33

Nova História Cultural (e Peter Burke) 3 20

Paulo Freire 2 13,33

Pedagogia Histórico-Crítica (e Saviani) 2 13,33

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

Aqui podemos notar a proeminência da Educação Histórica, sendo a linha de

pesquisa mais lembrada pelos professores, assim como alguns autores ligados a ela

- Maria Auxiliadora Schmidt, Marlene Cainelli, Isabel Barca e Rüsen. As menções

podem ser tributárias do prestígio que esta corrente possui na área de ensino de

Historia e sua forte presença no meio acadêmico paranaense. Também podem

revelar o reconhecimento e/ou a apropriação de pressupostos teóricos-

metodológicos das DCE/H, fundamentados nos estudos dos pesquisadores

supramencionados.

Entre as escolhas, é interessante notar o Marxismo, Nova História, Nova

História Cultural e Nova Esquerda Inglesa, correntes historiográficas que

provavelmente foram estudadas na graduação e/ou pós-graduação, e hoje são

consideradas relevantes na constituição do aporte teórico e metodológico dos

professores pesquisados.

Finalizando a análise dos dados sobre os aportes eleitos pelos colaboradores

da pesquisa, destacamos as menções a Paulo Freire e à Pedagogia Histórico-

Crítica, referencias avessas às formas tradicionais de ensino e comprometidas com

uma formação crítica, socialmente engajada e humanista. Vale lembrar que a

Pedagogia Histórico-Crítica foi, por diversas vezes, discutida em cursos e eventos

promovidos pela SEED, de 2004 a 2010. Algumas obras situadas nesta linha foram,

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151

inclusive, indicadas nas referencias bibliográficas para os concursos públicos para o

provimento do cargo de Professor do Estado do Paraná, em 2003 e 2007.

Após essa sondagem, propusemos duas questões atinentes ao uso do livro

didático. Na primeira delas, em uma questão de múltipla escolha, perguntamos aos

professores quais são os aspectos mais importantes em um livro didático. Como

estratégia, acrescentamos diversas alternativas baseadas em quesitos avaliados

nas obras didáticas pelo PNLD. Conforme o gráfico a seguir mostra (gráfico 9), a

intenção foi aferir a importância dada pelo professor para as propostas do livro

relacionadas ao uso de fontes históricas, entre outros aspectos.

Gráfico 9 – Aspectos mais importantes no livro didático

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

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152

Os dados revelam que os pesquisados atribuem alta importância à utilização

de diferentes tipologias de fontes históricas nos livros didáticos. Esta alternativa

recebeu 30 respostas (90,91%) e somente 3 professores a consideraram como de

importância mediana. A alternativa sobre a multiperspectiva, que a priori também

requer o uso de diferentes tipos de fontes em sala de aula, foi selecionada por 28

professores (84,85%). Observamos que 5 professores a qualificaram como de média

importância.

Através destes números, verificamos que as propostas de trabalho com fontes

históricas são valorizadas pelos professores, sendo para eles um ponto importante a

ser considerado em um livro didático.

Cabe ainda ressaltar no gráfico 9 que os professores prezam nos livros

didáticos o atendimento a princípios éticos e democráticos, visando à formação

cidadã. Este foi o item mais assinalado como de alta importância, com 31 indicações

(93,94%). Semelhante a esta escolha, vemos que a abordagem sobre História e

Cultura africana, afro-brasileira e indígena também é bastante valorizada nas obras,

contando com 28 respostas classificadas como muito importante.

Depois de examinarmos os aspectos mais valorizados no livro didático,

aproveitamos o ensejo para verificar, em seguida, quais objetivos são priorizados na

atuação docente dos sujeitos consultados. Para elaborarmos a questão para a

coleta destas informações, nos pautamos por objetivos educacionais expressos nas

DCE de História e no Edital do PNLD 2017 (BRASIL, 2015). A estratégia adotada

partiu da ideia de verificar o nível de prioridade atribuído pelo professor à utilização

de fontes históricas, em meio a outros objetivos. Os resultados podem ser

visualizados no gráfico 10, disponibilizado na próxima página.

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153

Gráfico 10 – Objetivos priorizados na atuação docente

Fonte: Dados coletados na pesquisa

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154

O gráfico nos apresenta resultados próximos aos observados na questão

anterior. As alternativas mais assinaladas mantém coerência em relação aos

objetivos mais enfatizados nos referenciais curriculares que abordamos no 5º

capítulo. Em termos gerais, percebe-se que o grupo pesquisado está atento às

discussões acadêmicas mais recentes e às orientações presentes nesses

referenciais. As alternativas ligadas a objetivos educativos mais tradicionais foram

consideradas de média ou baixa prioridade pelos professores. Podemos enquadrar

neste caso as opções ligadas à pedagogia do exame e a memorização dos fatos do

passado (1ª e 4ª alternativa, respectivamente). Esta última, claramente vinculada a

um fazer pedagógico tradicional, linear e homogeneizador, foi considerada como

altamente prioritária por apenas 4 professores (12,12 %), do total de 33

respondentes.

Na 5ª alternativa, quisemos averiguar o grau de relevância atribuído ao

desenvolvimento de competências da consciência histórica, um objetivo tido como

crucial para a Educação Histórica e as DCE. Esta opção foi selecionada por 28

participantes como de "alta prioridade", ou 84,85 % da amostragem.

Na alternativa subsequente, buscamos investigar a prioridade do professor

para a investigação da ação humana com base em evidências, item de maior

relevância para a presente pesquisa. Ao elaborarmos essa alternativa, preferimos

não usar o termo "fonte" ou "documento" histórico. Assim, poderíamos checar a

compreensão dos professores acerca do conceito de evidência, o que implicaria no

emprego das fontes para além das finalidades informativas, de ilustração ou

comprovação do que é dito sobre o passado. Quando falamos em investigação com

base em evidências, a ênfase educativa recai sobre a compreensão de como se

constrói o conhecimento, a partir de vestígios humanos problematizados no tempo.

Novamente, a maioria concordou que é um objetivo de alta prioridade, alcançando

26 respostas (78,79 %). Dos respondentes, 7 consideraram esse objetivo como de

média importância (21, 2%) e não houve quem o classificasse como de baixa

importância.

Observamos até agora respostas condizentes aos elementos de maior peso

nas DCE de História. Todavia, percebe-se que o trabalho com temas relacionados

aos direitos humanos, pluralidade cultural e relações étnico-raciais aparece com

maior força entre as prioridades dos professores. Dos 33 participantes, 31

consideraram este item como de alta prioridade, ou seja, 93,9% da amostragem.

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155

Conforme ilustrado no gráfico 10, o item mais indicado pelos professores

como sendo de alta prioridade diz respeito à "Formação crítica necessária para o

enfrentamento com vistas à transformação da realidade social". A alternativa atingiu

32 indicações (96,97% em termos percentuais). A intenção implícita na alternativa foi

verificar se as preocupações que vemos geralmente em autores marxistas e nas

pedagogias críticas estavam presentes na atuação do professor.

Seja pela formação obtida na graduação, seja pela experiência oriunda da

prática pedagógica, ou até mesmo pelo atual contexto sócio-político, o fato é que os

professores pesquisados foram unânimes em admitir que o ensino de História deve

contribuir para a formação crítica do sujeito, valorizando as possibilidades de luta e

transformação social. Considerando que também atribuíram grande importância às

temáticas relacionadas aos direitos humanos, podemos inferir que os sujeitos da

pesquisa valorizam a formação crítica, socialmente engajada e humanista como

objetivos últimos da sua atuação docente, postura que oferece uma interessante

oportunidade para pesquisas futuras voltadas às práticas pedagógicas.

Na questão seguinte, perguntamos aos professores: "Em termos percentuais,

a utilização do livro didático corresponde a quanto tempo de suas aulas?" Os dados

coletados revelam números que variam de média a alta utilização do livro nas aulas

de História, como é possível perceber no gráfico 11.

Gráfico 11 - Tempo de utilização do livro didático nas aulas

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

Para efeito de análise, consideremos 10% a 25% como percentuais que

representam de pequena a média utilização. Somando as opções de "0 a 10%" e de

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"15% a 25%" do tempo das aulas, teríamos 30,3% das respostas categorizadas

desta forma.

Considerando a outra fração do gráfico, numa aula que tenha 50 minutos de

duração, destinar 30% a 45% do seu tempo para o uso do livro didático, já

demonstra um emprego elevado desse material na aprendizagem escolar. Estes

percentuais representam 24,2% da nossa amostra.

Todavia, o que mais chama a atenção são os números que demonstram o

emprego do livro didático acima de 50% do tempo das aulas. Quase metade da

nossa amostra encontra-se situada nesta proporção, ou melhor, 45,4% dos

partícipes da pesquisa. Como os dados revelam alta utilização do livro didático,

precisamos entender os fatores que contribuem para este quadro. As questões do

próximo bloco nos ajudarão a compreender melhor os indicativos encontrados até

aqui.

8.4.3 Uso dos recursos educacionais

Depois de abordarmos a utilização do livro didático, os professores foram

questionados a respeito da utilização de outros meios, especialmente os digitais. Em

uma questão com grade de múltipla escolha, relacionamos os recursos mais

presentes nas escolas da rede estadual de ensino. Adotamos o princípio da escala

likert52 para mensurar a frequência no uso de cada recurso. Assim, cada alternativa

continha uma gradação de escalas de intensidade com as seguintes variáveis:

sempre, às vezes, raramente e nunca.

Os dados coletados através das respostas apontam uso elevado dos recursos

mais convencionais da cultura material escolar: quadro negro, livro didático e

materiais impressos, como fotocópias, textos, apostilas, etc. Apesar dos programas

de introdução a novas tecnologias nas escolas públicas, de modo geral, as

52

A escala likert foi utilizada em diversos momentos da nossa investigação, Como a maior parte do

questionário utilizado na pesquisa foi constituída por questões objetivas, propusemos aos respondentes diferentes possibilidades de respostas para uma mesma questão. Ao contrário de uma pergunta na qual se escolhe entre sim e não, questões construídas a partir da escala likert apresentam uma afirmação ou item auto-descritivo e, em seguida, oferecem como opção de resposta uma escala de pontos com descrições verbais que contemplam extremos como, por exemplo: "sempre" e "nunca"; "alta correspondência" e "baixa correspondência"; "fácil" e "muito difícil". Assim, os sujeitos participantes do estudo puderam assinalar as respostas que melhor traduziram o seu posicionamento frente a diferentes temas e assuntos, possibilitando que entendêssemos com maior precisão as experiências e o significado do que tem sido vivenciado por eles.

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respostas sugerem uma utilização das ferramentas tecnológicas que varia de

moderada à pequena. Os resultados podem ser conferidos no gráfico 12.

Gráfico 12 – Frequência de utilização dos recursos educacionais

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

O gráfico apresentado confirma a impressão obtida na questão anterior,

reafirmando o frequente emprego do livro didático nas aulas. Cerca de metade dos

respondentes atestaram que "sempre" usam o livro (17 professores ou 51,52%) e

outros 14 (42,42%) indicaram que utilizam "às vezes". Apenas 2 pessoas (6,06%)

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selecionaram a opção "raramente" e não houve quem afirmasse que "nunca" utiliza

o livro.

Fora o livro didático, acrescentamos à questão uma alternativa para abarcar o

uso de materiais impressos, que exemplificamos aos sujeitos da pesquisa como

sendo revistas, fotocópias, textos, gráficos, jornais, etc. As respostas apontam um

emprego regular deste tipo de material: 13 professores (39,39%) atestaram utilizá-lo

sempre, 16 (48,48%) às vezes e 4 (12,12%) raramente. Acreditamos que os

números só não são maiores por conta dos limites estabelecidos pelas escolas para

impressões em fotocopiadoras e impressoras. De acordo com o funcionamento

vigente na maior parte dos estabelecimentos de ensino da rede estadual, cada

professor tem uma determinada cota mensal para a impressão de avaliações, textos

de apoio e outros materiais impressos usados em aula.

No que compete aos recursos escolares mais convencionais, chama atenção

a prevalência do alto uso do quadro negro nas aulas, atingindo os maiores

percentuais entre todos os meios contemplados na questão: dos pesquisados, 21

(63,6%) indicaram sempre utilizar o quadro negro, 12 (36,3%) afirmaram usar às

vezes e apenas um professor (3,03%) assinalou rara utilização.

Já em relação ao emprego de aparatos tecnológicos ao processo de

aprendizagem, podemos observar no gráfico uma significativa queda nos números,

com exceção da TV Multimídia, que em frequência de uso só ficou abaixo do livro

didático e do quadro negro. Provavelmente, este uso expressivo esteja relacionado à

facilidade de acesso, uma vez que cada sala de aula da rede estadual de educação

do Paraná recebeu o equipamento. Conforme foi visto no capítulo 2 deste trabalho, a

TV multimídia possui grande aceitação entre os professores devido à sua

praticidade: para usá-la, basta um pendrive carregado com arquivos de áudio, vídeo

ou imagem estática.

Apesar dos números razoáveis, acreditamos que os poucos formatos de

arquivos suportados pelo equipamento seja um dos fatores que mitigam a sua

utilização. É comum ouvir os professores reclamarem que, mesmo após

converterem os arquivos para extensões compatíveis, o aparelho não faz a sua

leitura. A idade do equipamento ajuda a explicar o motivo. Possuindo mais de 12

anos, o processador de pequena capacidade já não suporta reproduções de certas

variações dos formatos de vídeo compatíveis com a TV (MPEG e AVI). O dia a dia

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do pesquisador nas escolas mostra que muitos professores desistem do

equipamento devido às frustações ocasionadas por conversões malogradas.

Ainda de acordo com o gráfico, percebe-se o baixo aproveitamento dos

laboratórios de informática com os alunos. Da totalidade da amostra, apenas um

professor (3,03%) admitiu sempre utilizar o laboratório. Os professores que

responderam que usam o laboratório às vezes somam 13 (39,39%) e os que

afirmaram usá-lo raramente somam 11 (33,33%). De 33 professores, 8 responderam

que nunca utilizam esse espaço com seus alunos (24,24%).

Podemos atribuir esses dados à existência de dificuldades técnicas no

funcionamento do laboratório de informática, como: (1) equipamentos danificados;

(2) morosidade na manutenção técnica; (3) demora na reposição de dispositivos

danificados (monitor, teclado, mouse), (4) lentidão da conexão com a internet; (5)

travamentos do sistema operacional e dos multiterminais, dificultando o

desenvolvimento dos trabalhos quando todos os computadores estão ligados

simultaneamente. Os problemas técnicos elencados foram verificados em práticas

pedagógicas em que o pesquisador buscou explorar as potencialidades do

laboratório com turmas escolares e também durante oficinas ministradas para os

professores da rede, no período em que trabalhou no NRE de Londrina. Tais

limitações também foram constatadas por Silva (2016) em sua pesquisa de

doutoramento.

Outro ponto que certamente ajuda explicar os números módicos para o uso

do laboratório de informática refere-se à quantia insuficiente de máquinas para

atender uma turma regular do ensino fundamental ou médio, que varia de 30 a 40

alunos. Além disso, muitos laboratórios ficam fechados a sete chaves nas escolas.

Ao utilizá-lo, o professor precisa fazer o agendamento com antecedência.

Frequentemente, fica responsável pelas chaves do laboratório e por sua abertura.

Depois precisa ligar os seus quadros de energia e os computadores. Por último,

deve ajudar os alunos a fazer o login de acesso ao sistema operacional. São muitas

operações se pensarmos no tempo de duração de uma aula e que, após o término,

o professor também é responsável pelo desligamento das máquinas, fechamento do

laboratório e devolução das chaves. Nas próximas questões observaremos

respostas que reiteram tais dificuldades.

Prosseguindo com a análise dos dados sobre o uso dos recursos, é preciso

mencionar a utilização eventual percebida em relação aos projetores multimídia.

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160

Sabe-se que o seu uso em sala de aula pode facilitar o trabalho de exposição e

desenvolvimento das atividades. Contudo, retomando o que foi discutido no segundo

capítulo, os computadores móveis (como laptops e notebooks) e projetores portáteis

são recursos escassos nos estabelecimentos de ensino, encontrando-se geralmente

em número insuficiente para atender a demanda de todos os professores.

É necessário considerar também que são poucas as escolas que possuem

espaços multimídia devidamente preparados, que contam com projetores fixos e

amplificadores de som acoplados ao ambiente de forma permanente, de modo que o

professor apenas conecte o seu notebook para a aula começar.

Geralmente, o uso de projetores significa um dispêndio extra de esforços. A

ausência de projetores fixos exige o transporte e instalação dos mesmos nos locais

onde serão utilizados. Frequentemente, é preciso que o professor providencie a tela

para a projeção e também dispositivos amplificadores de áudio, caso o objeto de

aprendizagem selecionado seja audiovisual. Após o uso, é preciso recolher tudo e

guardar em espaços apropriados nas escolas, o que demanda mais tempo.

Os projetores multimídia, distribuídos por meio do MEC e do FNDE poderiam

facilitar a vida do professor. Como já foi discutido anteriormente, o equipamento

possui todos os componentes periféricos acoplados e funcionando de forma

integrada, podendo ser facilmente transportado para as salas de aula. Entretanto,

somente algumas escolas foram contempladas com o equipamento e, mesmo assim,

cada escola contemplada recebeu um único aparelho.

Além do projetor multimídia, a lousa digital foi outro recurso investigado

através do questionário.53 Os números revelam uma utilização pífia da lousa quando

comparada a outros recursos abordados. Da amostra da pesquisa, não houve

professor que afirmasse que sempre utiliza a lousa e somente dois (6,06%)

indicaram que usam às vezes. Tivemos ainda 11 professores (33,33%) que

disseram que raramente fazem uso e 20 (60,61%) que nunca utilizaram. Conforme

expusemos anteriormente, a explicação desses dados esbarra na distribuição

53

A lousa digital foi fornecida pelo MEC / FNDE somente para as escolas que receberam o projetor

multimídia ProInfo. Seria um complemento ao projetor, que transforma a parede onde a imagem é

projetada em uma grande tela sensível ao toque, permitindo a interação com o conteúdo projetado através de uma caneta especial. Para entender as suas funcionalidades junto ao projetor, acesse <https://www.youtube.com/watch?v=R4JazjYHZIk> ou <https://drive.google.com/file/d/1GUihb2BLqin1g42K84Kw4TPkqXhyjMkf/view?usp=sharing>

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desses equipamentos, que fora de abrangência limitada. A baixa utilização também

pode ser compreendida pela ausência de capacitação para os professores. A única

orientação que tiveram restringiu-se à apresentação técnica de como a lousa digital

funcionava. Além desses fatores, o funcionamento problemático do equipamento

também ajuda a explicar porque seu uso é inexpressivo54.

Para finalizarmos a análise sobre a utilização que os professores fazem das

ferramentas pedagógicas mais comuns nas escolas públicas paranaenses, é

necessário ainda destacar a presença dos dispositivos móveis no espaço escolar,

especificados no questionário como sendo tablets, smartphones e notebooks. São

objetos de consumo que vem se expandindo na sociedade brasileira e possuem

inúmeras potencialidades para a sala de aula, conforme visto no primeiro capítulo

desta dissertação: permitirem a navegação em redes, representarem canais de

acesso a vastas fontes de informações, possibilitam formas de interação ubíquas e

agregam, nos dias de hoje, funções outrora ocupadas por um vasto conjunto de

aparatos tecnológicos. Contudo, observamos através dos dados que os referidos

dispositivos não possuem presença significativa no trabalho dos sujeitos

pesquisados.

Dos 33 participantes, apenas 4 informaram que sempre utilizam os

dispositivos móveis em suas aulas, o que corresponde a 12,12%. Os 7 professores

que indicaram utilizar tais dispositivos às vezes representam 21,21 % da amostra.

Nunca (6) ou raramente (16) totalizam 22 professores, correspondendo 66,67% dos

respondentes. Como explicar tais números diante de um cenário de franca expansão

dos celulares como objeto de consumo no Brasil? Primeiramente, devemos

considerar a conexão wi-fi das escolas como um dos motivos, já que é comum

apresentar nível de sinal insatisfatório ou inexistente, impossibilitando que os alunos

conectem seus dispositivos às redes das escolas. Mesmo possuindo modernos

smartphones, a maioria dos estudantes não possui planos de internet móvel,

dependendo das conexões wi-fi para acessarem a internet fora de seus lares.

54 Em 2014, enquanto técnico pedagógico do NRE de Londrina, tive a oportunidade de visitar

algumas escolas para familiarizar os docentes quanto à utilização da lousa digital. A princípio, os professores ficaram entusiasmados com a disponibilidade do equipamento, mas ao conhecê-lo melhor, percebiam suas limitações. Além disso, os professores demonstravam dificuldades em enxergar possibilidades educacionais com o recurso. Durante as apresentações técnicas, o conjunto dos equipamentos (projetor e lousa) apresentava lentidão e travamentos para execução de simples atividades. Para que a lousa fosse realmente interativa, era preciso uma boa conexão do computador à internet, mas a conexão Wi-Fi das escolas apresentava nível de sinal insatisfatório ou inexistente.

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Além disso, muitos professores são contrários ao uso do celular. Devido aos

diversos problemas acarretados pelo uso indevido durante as aulas, foi promulgada

uma lei estadual no Paraná que dispõe sobre a proibição do uso de aparelhos

eletrônicos em salas de aula para fins não pedagógicos no Estado do Paraná55. As

razões apontadas nos ajudam a entender porque os dispositivos móveis ainda não

são bem aproveitados nas atividades pedagógicas.

Poderíamos falar nos tablets para suprir essas lacunas no uso dos

dispositivos móveis, mas teríamos os mesmos problemas relacionados à

conectividade que discutimos anteriormente, além da falta desses equipamentos nas

escolas. Cabe lembrar que, apesar dos professores receberem tablets educacionais

do FNDE / MEC, pesquisas como a de Fiuza e Giacomazzo (2014), revelam que a

maior parte dos professores não utiliza o tablet para auxiliar no processo de ensino e

aprendizagem em virtude da má qualidade do equipamento. A baixa eficiência do

aparelho também é ressaltada na análise de Silva (2016, p. 39).

Com estas observações, constatamos a existência de múltiplos fatores que

interferem na utilização dos recursos de informática e internet nas escolas. Ainda

que tenha ocorrido a ampliação de equipamentos na atualidade, a possibilidade

efetiva de sua utilização no cotidiano escolar depende da superação de problemas

como os que acabamos de citar.

A última questão específica sobre o uso de tecnologias levou a seguinte

indagação aos professores: Quais fatores limitam a incorporação das novas

tecnologias em seu trabalho? Como respostas, procuramos propor alternativas que

abarcassem as principais fragilidades identificadas na implementação do PRD e do

ProInfo, segundo o que foi discutido no segundo capítulo. Optamos pelo formato de

questão com caixas de seleção. Nestes moldes, os professores poderiam selecionar

as alternativas que julgassem apropriadas, ou melhor, todas as que se aplicassem à

pergunta, de acordo com seu entendimento.

As respostas estão expressas no gráfico 13, disponibilizado na próxima

página.

55

Lei 18118, de 24 de junho de 2014.

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163

Gráfico 13 - Fatores que limitam o uso das TIC no trabalho docente

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

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164

O primeiro dado que chama a atenção refere-se ao grande número de

indicações recebidas logo na primeira alternativa. Foram 30 respostas, que

correspondem a 90,9% dos professores. Na afirmativa, quase todo o grupo

pesquisado admite que a existência de equipamentos defasados e defeituosos

dificulta o uso de tecnologias em seu trabalho. Podemos relacionar o número de

respostas à interrupção dos programas voltados às tecnologias educacionais, e

como consequência, a atual falta de investimentos e renovação dos equipamentos

disponíveis nas escolas públicas. Como vimos no segundo capítulo, a maior parte

dos equipamentos do PRD possui mais de 10 anos de uso. No mundo altamente

tecnológico, os componentes eletrônicos estragam ou ficam obsoletos em

pouquíssimo tempo. Os dados revelam que esse é o fator que mais dificulta o

trabalho dos professores com as novas tecnologias.

Outro dado a ser destacado mostra que 9 professores (27,3%) sentem falta

de cursos de formação para a lida com as tecnologias educacionais, resultado que

também se entrecruza a pontos discutidos no capítulo dois, sobre o esvaziamento

do trabalho das CRTE e a diminuição dos cursos e oficinas sobre tecnologias

educacionais ofertados aos professores da rede. O resultado reflete, portanto, a falta

de investimentos na formação dos professores, como demonstram os estudos de

Silva (2016), Basniak (2014) e Cantini (2008).

De volta aos fatores representados no gráfico 13, percebe-se que 12

professores (36,4%) indicaram que o difícil acesso aos equipamentos também

atrapalha o aproveitamento das tecnologias no trabalho em sala de aula. Podemos

enumerar razões que significam verdadeiros obstáculos ao trabalho dos professores,

como questões burocráticas (agendamento prévio dos equipamentos, pedido de

autorização para a utilização, etc.), falta de cooperação dos funcionários

responsáveis pelos equipamentos, além de outros motivos citados anteriormente na

questão sobre a frequência do uso dos recursos disponíveis nas escolas.

Seguindo em frente nas análises, nota-se que as respostas confirmaram mais

uma vez a quantidade insuficiente de equipamentos como fator que limita a

incorporação das tecnologias na prática pedagógica. Foram contadas 23 indicações

para esta alternativa, o equivalente a 69,70% da amostra. A quantia insuficiente de

terminais de computador no laboratório de informática, o pequeno número de

projetores multimídia e a falta de espaços apropriados nas escolas para o trabalho

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com recursos multimídia, são fatores que contribuíram para impulsionar esses

números, conforme análises anteriores.

Encerrando a análise dos fatores, temos mais um dado que corrobora uma

constatação anterior. Quase metade da nossa amostra, composta por 33

respondentes, sinalizou que a escassez de tempo e a sobrecarga de trabalho

dificultam o uso de tecnologias em sala de aula. Contabilizamos 16 respostas para

essa alternativa, o que corresponde a 48,5% do total, resultado que remete ao

quadro que analisamos ao traçar o perfil dos sujeitos da pesquisa, onde apuramos

que a maioria dos professores que compõem a nossa amostra assumiu grandes

quantidades de turmas escolares. Desta maneira, parece se confirmar a hipótese

que levantamos sobre uma possível sobrecarga de trabalho devido ao excesso de

turmas e alunos vinculados a cada professor.

Importa agora uma reflexão, tendo como base o que foi exposto no primeiro

capítulo. Ressaltamos em Lévy (1993, p.40) que a multimídia interativa favorece

uma atitude exploratória face ao material a ser assimilado, sendo um instrumento

bem adaptado a uma pedagogia ativa. O trabalho com as tecnologias digitais requer

técnicas que incentivem a participação, a interação entre os alunos, a pesquisa, o

debate, o diálogo, de modo a propiciar a produção do conhecimento por meio de

várias estratégias. Para tanto, ressaltamos que o planejamento das situações de

ensino-aprendizagem é a base para a transformação das tecnologias em recursos

educativos. E a criação dessas condições cognitivas exige formação profissional de

qualidade e condições de trabalho dignas. Para que o professor possa criar

estratégias de ensino que apresentem atividades desafiadoras, interessantes,

valorizadas pelo aluno devido à correspondência com seus interesses, não basta

boa vontade. É necessária a contrapartida do Estado, na forma de politicas públicas

que valorizem o professor. Veremos mais a frente, como o quadro de precariedade

educacional que estamos delineando também afeta o trabalho com as fontes

históricas.

Os últimos itens a destacar no gráfico 13 revelam um consenso entre os

professores em reconhecer a importância das tecnologias na Educação. Não contou

com nenhuma resposta sequer a afirmativa de que os recursos tecnológicos não são

utilizados porque "pouco contribuem para a melhoria do ensino''. Também não

houve indicações para a opção que afirma a falta interesse do professor em usar os

recursos tecnológicos. Estamos, portanto, diante de indicativos que revelam sujeitos

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que possuem interesse em utilizar as novas tecnologias e/ou acreditam no seu

potencial para a melhoria do ensino.

No próximo e último bloco, direcionamos o foco das perguntas para o

trabalho com fontes históricas. As questões propostas buscaram investigar o sentido

atribuído às fontes pelos professores, as finalidades do uso em sala de aula e as

formas de utilização. Através das questões também procuramos saber se o formato

digital das fontes históricas tem favorecido o seu aproveitamento na aprendizagem

escolar.

8.4.4 Emprego de fontes históricas na mediação pedagógica

Na questão que abre a seção fizemos aos professores uma pergunta simples

e direta: Você utiliza fontes históricas em suas aulas? E colocamos 4 alternativas

para que indicassem a frequência: sempre, às vezes, raramente e nunca.

Gráfico 14 – Frequência de uso das fontes históricas

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

Com auxílio do gráfico (14), nota-se que 63,6% da amostra (o equivalente a

21 professores) sinalizou o uso frequente de fontes históricas nas aulas. Outra parte

significativa, que corresponde a 36,4% (12 professores) afirmou que utiliza às vezes.

São dados que apresentam um elevado índice de utilização das fontes pelos sujeitos

da nossa amostra. Não houve quem afirmasse que utiliza raramente ou nunca.

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O próximo gráfico (15) sintetiza a procedência das fontes usadas pelos

professores em seu trabalho. Em uma questão objetiva, perguntamos como são

selecionadas essas fontes. Recorremos novamente a alternativas organizadas em

grades de múltipla escolha, com escalas de gradação do tipo likert.

Gráfico 15 – Formas de seleção das fontes usadas em sala de aula

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

As respostas permitiram que fossem identificados os meios aos quais os

sujeitos da pesquisa mais recorrem para a obtenção das fontes históricas. Os dados

do gráfico confirmam mais uma vez a forte presença do livro didático nas práticas

docentes. Quase metade da nossa amostra (51,5%) recorre ao livro sempre, dado

que corresponde a 17 professores. Outra parte substancial dos respondentes

sinalizou que seleciona as fontes do livro às vezes, totalizando 15 respostas ou

45,4%. Apenas um professor indicou usar raramente o livro (3,03%) e nenhum

professor afirmou nunca utilizar.

Na alternativa seguinte, procuramos investigar se os professores têm

recorrido a outros materiais impressos para a aquisição de fontes para as atividades

escolares, e até mesmo outros livros didáticos, fora o livro de História adotado na

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escola por meio do PNLD. Percebe-se uma ligeira queda na frequência expressa

nesta opção. Numa amostragem de 33 participantes, 13 (39,4%) afirmaram "sempre"

utilizar materiais impressos alternativos ao livro didático adotado na escola para

obter fontes. A maior concentração de indicações para esta alternativa incidiu sobre

a opção "às vezes", que recebeu 17 respostas (51,5%). Somente 3 participantes

(9,09%) sinalizaram que usam os materiais supramencionados "raramente" e não

houve indicações para a opção "nunca".

O dado mais interessante que apareceu ao questionarmos os participantes

sobre como conseguem as fontes históricas usadas em sala de aula foi verificado no

item relacionado à pesquisa na web. Contabilizamos 23 respostas que indicam que

os sujeitos "sempre" utilizam a internet para a obtenção de fontes para seu o

trabalho, número equivalente a 69,7% da nossa amostra. Os outros 10

respondentes da pesquisa (30,3%) selecionaram a opção "às vezes". Não houve

qualquer registro para as opções "raramente" ou "nunca".

Cabe salientar que o referido resultado supera o emprego do livro didático

para a seleção de fontes históricas, confirmando a nossa hipótese de que a grande

quantidade de fontes históricas disponíveis no ciberespaço, em suporte digital, tem

favorecido a sua utilização no ensino de História.

Na alternativa seguinte, os professores pesquisados puderam indicar a

frequência com que recorrem a documentos históricos disponíveis em plataformas

virtuais ligadas a arquivos, museus, universidades, bibliotecas entre outros.

Consideramos importante incluir esta alternativa na questão, visto que no quarto

capítulo encetamos discussões sobre a digitalização de acervos documentais e o

armazenamento em meios digitais acessados na rede mundial de computadores,

ficando disponíveis a pesquisas diversas.

Pelas respostas, percebe-se que 1/3 dos colaboradores da pesquisa (33,3%)

afirmaram "sempre" recorrer a essas plataformas virtuais para conseguir as fontes

para o trabalho na escola. Quantia proporcional (outros 11 professores, ou 33,3%)

registrou utilizar tais meios "às vezes". Já a opção que indicava a utilização de tais

plataformas "raramente" contou com 10 registros (30,3%). Somente um professor

selecionou a opção "nunca".

Considerando os dados gerados em nossa pesquisa, podemos afirmar que os

meios mencionados poderiam ser mais explorados pedagogicamente, se levarmos

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em conta a ampliação dos repositórios na web e as possibilidades por eles

oferecidas, conforme exemplos apresentados no sétimo capítulo.

Tais iniciativas precisam ser ampliadas e fortalecidas na educação porque,

retomando a colocação de Chartier, o uso do enorme acervo de fontes digitalizadas

"estabelece uma relação nova, mais comprometida com os vestígios do passado e,

possivelmente, mais crítica com respeito à interpretação do historiador" (2009, p.

61). Ademais, o crescente processo de informatização dos acervos de

documentação histórica e a dinâmica fluida do suporte digital significam para os

professores a possibilidade cada vez maior de encontrar fontes históricas mais

acessíveis e confiáveis para o seu trabalho.

Contudo, em termos estruturais, as analises realizadas até o momento

sugerem a defasagem ou escassez de equipamentos nas escolas paranaenses,

além de problemas relacionados à conectividade e adequação dos ambientes

escolares de modo a permitir um trabalho mais avançado com o apoio das

tecnologias.

É preciso considerar também que se os professores dispusessem de

melhores condições de trabalho, e as possibilidades oferecidas pelos acervos

digitais pudessem ser discutidas em momentos de formação que fossem realmente

continuadas, e não da forma como vem sendo realizadas atualmente56, podemos

pressupor que os documentos históricos teriam maiores chances de desempenhar

as funções especificadas nos PCN e nas DCE de História, contribuindo para a

modificação da metodologia do professor e proporcionando mudanças no ensino de

História.

Avançando mais um passo na análise das respostas ao questionário,

perguntamos aos professores que tipos de fontes são mais utilizadas em suas aulas.

Optamos novamente pelo formato de questão em grade de múltipla escolha,

seguindo os princípios gradativos da escala likert.

56

Para respaldar este posicionamento do pesquisador, é valido mencionar que nos últimos anos foram poucos os momentos de formação oportunizados pela SEED-PR que reuniram os professores da mesma disciplina para discutir questões curriculares específicas da sua área de formação e atuação. Considerando como ínterim o momento em que esta dissertação começou a ser pensada, no final de 2016, e o período de sua conclusão, em meados de 2018, foram ofertados apenas dois momentos em que os professores de História puderam se agrupar com seus pares para discutir assuntos concernentes à sua disciplina. As duas ocorreram no evento conhecido como Formação em Ação Disciplinar (FAD). O primeiro encontro ocorreu em setembro de 2017, com carga horária de 8 horas, e o segundo, em maio de 2018, também contando com 8 horas de duração. Até o presente momento, não há previsão para o próximo encontro. Estas informações decorrem da participação do pesquisador em tais eventos.

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Gráfico 16 – Tipos de fontes históricas mais utilizadas pelos professores

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

De acordo com os resultados representados no gráfico 16, vemos que a

opção que corresponde às fontes iconográficas foi a mais assinalada, recebendo 23

indicações (69,7%) de que "sempre" são utilizadas em sala de aula. Foram

notificadas 10 respostas para a opção "às vezes", o equivalente a (30,3%). Não

houve registros para as opções "raramente" ou "nunca". Pensando em auxiliar o

professor em sua resposta, fornecemos alguns exemplos de fontes iconográficas na

alternativa: pinturas, caricaturas, fotografias, gravuras, entre outros.

Entre as fontes mais utilizadas, também tiveram destaque as audiovisuais,

estando em segundo lugar em termos de frequência. Na alternativa, informamos que

este tipo de fonte corresponde a filmes, novelas, noticiários e propagandas, por

exemplo. Dos 33 pesquisados, 15 (45,4%) assinalaram que "sempre" utilizam fontes

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da categoria descrita e 17 (51,5%) às vezes. Apenas um professor (3,03%) indicou

que as usa "raramente". Como esse tipo de fonte depende de equipamentos

tecnológicos digitais para ser exibida em sala de aula, podemos relacionar esses

números aos obtidos no gráfico 13, onde verificamos que 90,9% dos professores da

nossa amostra admitiram que a existência de equipamentos defasados e

defeituosos dificulta o uso de tecnologias em seu trabalho. Tal inferência nos leva a

acreditar que a frequência na utilização das fontes audiovisuais poderia ser maior se

os professores tivessem dispositivos mais sofisticados e eficientes à sua disposição.

Ainda podemos destacar no gráfico as fontes escritas como um dos tipos

mais utilizados pelos sujeitos da nossa investigação. Na alternativa, demos como

exemplo, cartas, jornais, diários, documentos jurídicos, poemas, etc. Tivemos 13

(39,4%) professores que afirmaram "sempre'' utilizar fontes escritas em suas aulas e

16 (48,4%) a indicar que usam "às vezes". Contabilizamos 4 registros de professores

que "raramente" as utiliza (12,1%) e nenhum registro para a opção "nunca".

Os indicativos encontrados nesta questão sobre o tipo das fontes coincidem

com os resultados verificados no gráfico 15. Quando questionamos os participantes

sobre a proveniência das fontes que utilizam em sala de aula, as respostas

apontaram a web e o livro didático adotado na escola como os principais meios para

obtê-las. Ao cruzar tais dados com os do gráfico 16, nota-se que os tipos de fontes

mais utilizadas pelos professores – iconográficas, escritas e audiovisuais - são

geralmente obtidas por esses meios.

As fontes iconográficas e escritas são as mais comuns nos livros didáticos

pelo fato de se adequarem ao suporte do papel por meio da impressão. Ao

investigarem as fontes históricas veiculadas nos livros didáticos de História, as

pesquisas realizadas por Maria Alice Alves da Costa e (2007) Heloisa Fazion (2017)

apontam o predomínio desses dois tipos nos manuais. Nestes termos, é possível

inferir que o professor, apoiando-se no livro, irá utilizar fontes iconográficas e

escritas com maior frequência.

A limitação verificada nos livros didáticos pode ser considerada um dos

fatores que explicam a predominância da web como o meio mais utilizado pelos

professores para a obtenção de fontes. Esta utilização parece estar relacionada à

maior quantidade e variedade de fontes encontradas no ciberespaço. Além das

fontes escritas e imagéticas em suporte digital, a web possibilita ao professor o

acesso às fontes audiovisuais e musicais.

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Analisando os números referentes às fontes musicais, percebe-se que,

apesar da facilidade em obtê-las na rede mundial de computadores, o seu

aproveitamento nas aulas revelam números menores. Apenas 5 professores (15,1%)

afirmaram "sempre" utilizar músicas em suas aulas, mas os números sobem entre os

que assinalaram que utilizam às "vezes": foram 21 professores, ou 63,6% da

amostra. Do total, 7 professores afirmaram que "raramente" usam músicas em seu

trabalho com fontes.

Na tentativa de traduzir esses números, podemos apontar alguns motivos

para essa utilização mais circunstancial. O primeiro diz respeito à grande

dependência do professor em relação ao livro didático, que o leva a utilizar as fontes

escritas e iconográficas com maior frequência. Entre as coleções apresentadas no

Guia de Livros Didáticos do Ensino Fundamental: História – Anos Finais do PNLD

2017, observa-se que são raros os manuais que trazem propostas de atividades

com canções. As limitações do suporte do livro permitem, quando muito,

apreciações parciais, como a leitura e interpretação da letra da música ou

contextualização histórica da obra, por exemplo. Outra razão é que a cultura digital

converteu as músicas para o suporte digital, algo que exige certos cuidados do

professor em relação ao formato dos arquivos e a compatibilidade com os aparelhos

usados para sua reprodução nos ambientes escolares. Neste ponto, esbarramos

mais uma vez nas limitações tecnológicas encontradas nas escolas e apontadas

pelos sujeitos da pesquisa como fatores que dificultam o uso de tecnologias em seu

trabalho.

Por último, cabe acrescentar que a maior parte das músicas existentes no

universo midiático são produtos do tempo presente, refletindo temas próprios da

contemporaneidade. Como a maioria dos professores segue, em seu planejamento,

a abordagem cronológica comum a quase todos os livros didáticos, sentirá mais

facilidade para trabalhar com músicas no 9º ano do ensino fundamental e no 3º ano

do ensino médio, séries em que são abordados conteúdos dentro do recorte

canônico conhecido como Idade Contemporânea. Os conteúdos ligados a períodos

históricos mais recuados no tempo, de acordo com o esquema quadripartite – Pré-

História, Idade Antiga, Idade Média e Moderna - possuem menor quantidade de

referências na música, o que diminui as possibilidades de trabalho com fontes

musicais.

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Quanto às fontes materiais e orais, que completam as categorias

contempladas no gráfico 16, são observados números que indicam baixa utilização,

se comparados com os números referentes aos outros tipos de fontes. No universo

pesquisado, apenas 6 professores (18,1%) assinalaram que "sempre" utilizam fontes

orais em sala de aula. Exemplificamos essas fontes como sendo entrevistas, relatos,

lendas, causos, etc. A maioria, constituída por 21 professores (63,6%), informou

utilizar esse tipo de fonte "às vezes". Os seis professores restantes afirmaram que

"raramente" utilizam tais fontes.

O trabalho com fontes orais numa perspectiva mais investigativa - que

oportunize ao aluno a sensação de ser partícipe do processo histórico - conforme

defendido por Schmidt e Cainelli (2009), requer o desenvolvimento de

procedimentos metodológicos em sala de aula que possibilitem o registro dos

testemunhos, versões e interpretações do passado.

Nesta perspectiva, para que o trabalho com História Oral aconteça a contento,

é preciso preparar um projeto com os alunos; escolher um tema / definir um objeto

de estudo; decidir quem será entrevistado; estipular critérios; conseguir equipamento

para gravação, aprender a manuseá-lo (etapa facilitada pelos atuais dispositivos

móveis de comunicação); preparar o roteiro de perguntas e explicar aos alunos

como funcionam as atividades de apoio (controle do gravador, registro de

informações significativas no caderno de campo, etc.). Na etapa final é preciso fazer

a transcrição e o tratamento do material gravado e, logo em seguida, a apresentação

dos resultados e a sistematização final, levantando os pontos em comum e as

diferenças encontradas nas entrevistas.

Tudo isso leva bastante tempo para ser preparado e aplicado em turmas

escolares, geralmente implicando em aulas em que os alunos saiam a campo para

realizar entrevistas e colher depoimentos de pessoas que participaram de processos

históricos ou testemunharam acontecimentos do passado. Tal complexidade ajuda a

explicar porque os professores pouco recorrem a propostas assim. Também

devemos considerar os limites da história oral em virtude dos testemunhos - a

aplicabilidade do método fica mais restrita à época contemporânea, à história do

tempo presente.

Os números correspondentes às fontes materiais são ainda menores. Foram

exemplificadas na alternativa como sendo utensílios, mobiliários, brinquedos,

roupas, armas, construções, etc. Somente 2 professores (6,06%) assinalaram que

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"sempre" recorrem a essas fontes em sua prática pedagógica. Contabilizamos

também 10 professores (30,3%) que indicaram que usam ''às vezes" e 3 (9,09%)

que "nunca" usam. De uma amostra composta por 33 respondentes, a maioria

formada por 18 professores (54,5%) assinalou que "raramente" utiliza as fontes

materiais em seu trabalho.

São números que podem ser explicados, em parte, pela maior complexidade

do trabalho demandado pelas fontes materiais. Assim como as fontes orais, as

fontes materiais requerem um trabalho mais empírico em sala de aula, mais

comprometido com os vestígios do passado e com os métodos da pesquisa

histórica. Pressupõe-se que tal trabalho exija que o professor percorra o terreno dos

conceitos meta-históricos com seus alunos. Isso porque o professor que se habilita a

trabalhar com fontes materiais e orais, dificilmente o fará com a intenção de usá-las

apenas para ilustrar, comprovar ou complementar alguma informação sobre o

passado, finalidades que são mais fáceis de atingir com as fontes iconográficas,

escritas e audiovisuais. Geralmente, esses últimos tipos de fontes "falam por si", isto

é, apresentam informações mesmo sem ser interrogadas. Já o trabalho com as

fontes materiais exige a proposição de perguntas para que os alunos interroguem o

objeto, adotando procedimentos similares aos feitos nas pesquisas históricas.

Considerando as especificidades da região de realização desta pesquisa, não

há muitos impedimentos para o professor abordar a história local com o auxílio das

fontes materiais, que podem ser encontradas nos municípios, nos bairros, nas

escolas, e até mesmo no inventário familiar dos alunos. Há também a possibilidade

de visitar museus e locais históricos da região, o que demandaria transporte escolar

para os alunos da maioria das escolas públicas, implicando em certos custos57.

Mas a maior dificuldade encontrada pelo professor seria trabalhar com fontes

materiais para além dos contextos locais, fator que certamente influencia os

indicativos de baixa utilização que vemos no gráfico 16. Há uma considerável

distância de Londrina e dos municípios circunvizinhos em relação aos principais

57

Esse custo pode ser elevado, dependendo da distância entre o museu e a escola localizada em municípios circunvizinhos a Londrina, por exemplo. Para efeitos de análise, calculamos a distância entre o Museu Histórico de Londrina, o principal museu da região, e os 3 municípios mais distantes apresentados na Tabela 2, referente aos estabelecimentos de atuação dos professores pesquisados:

Museu Histórico de Londrina > Florestópolis = 81,5 km; Distância: Museu Histórico de Londrina > Sertanópolis = 42,8 km; Museu Histórico de Londrina > Lupionópolis = 104 km.

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museus e locais históricos brasileiros. Os consideráveis custos das viagens

inviabilizam essas experiências para a maioria das escolas públicas.

De acordo com o que foi discutido no capítulo 4, é oportuno reiterar as

possibilidades de interação com o patrimônio histórico material que pode ser

realizado através dos meios digitais e das visitas online a museus virtuais e locais

históricos relevantes para se compreender a história do Brasil e do mundo. As

tecnologias digitais permitem que a relação com fonte ocorra independentemente da

sua origem espacial, possibilitando aos alunos o contato com objetos antes

disponíveis apenas em visitas in loco a locais históricos, museus, acervos ou

exposições.

Obtivemos maiores pistas sobre o trabalho com fontes históricas mediante

uma questão com caixas de seleção onde os sujeitos pesquisados poderiam

assinalar os fatores que dificultam o emprego de fontes históricas em suas

atividades de ensino. Veremos, logo à frente, que alguns resultados ficaram

próximos ao que foi verificado nas análises anteriores, quando discutimos o grande

número de turmas assumidas pelos professores (gráfico 6) e as razões que limitam a

incorporação das novas tecnologias ao trabalho pedagógico (gráfico 13).

Gráfico 17 – Fatores que dificultam o trabalho com fontes históricas

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

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O primeiro dado apresentado no gráfico 17 revela que 20 professores (60,1%)

consideram o trabalho com fontes dificultado pela sobrecarga de trabalho e a

escassez de tempo para a elaboração de propostas de estudo. Esta alternativa foi

assinalada por uma significativa parcela dos sujeitos que constituem a nossa

amostra.

Logo depois, observamos que houve poucos registros para a opção que

indica falta de formação docente específica para a utilização pedagógica das fontes.

Apenas 3 professores (9,09%) indicaram essa alternativa em suas respostas. De

modo geral, o dado sugere que os professores pesquisados não reconhecem

deficiências em sua formação ou despreparo para o trato pedagógico com

documentos históricos. Também não acusa a necessidade de formações específicas

para o uso de fontes em sala de aula. Cruzando este dado com o que analisamos no

gráfico 13, averiguamos que são números menores do que as 9 indicações que

apontaram a necessidade de formação pedagógica para o trato com as tecnologias

educacionais. O comparativo mostra, portanto, que o grupo pesquisado apresenta

maiores dificuldades em relação às tecnologias do que com as fontes históricas.

Dos respondentes, apenas um (3,03%) não considera que o trabalho com

fontes seja apropriado ou produtivo para as turmas onde leciona. A quase totalidade

dos professores reconhece a importância do uso de fontes em todas as suas turmas.

Na alternativa seguinte, apareceu o maior número de respostas obtidas na

questão: 24 professores (72,3%) assinalaram que o número insuficiente de aulas

semanais na grade curricular e o elevado número de alunos por turma dificultam o

emprego de fontes históricas em suas atividades de ensino. Como é sabido no meio

educacional, de modo geral, turmas numerosas são mais ruidosas e susceptíveis à

dispersão, algo que dificulta aulas expositivas e outros momentos que exigem a

concentração dos estudantes, como as atividades que envolvem leitura e escrita.

Em turmas com grande quantidade de alunos, o professor possui, invariavelmente,

dificuldade em fazer o acompanhamento pedagógico individual, verificando

constantemente o aproveitamento escolar e as dificuldades apresentadas por cada

estudante. Como consequência, quanto mais complexa for a atividade escolar

proposta, maior será a dificuldade do professor em explicá-la para a turma, e mais

tempo será necessário para a aplicação, desenvolvimento e avaliação desta

atividade.

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Na alternativa seguinte, conforme ilustrado no gráfico 17, percebe-se outro

dado que se insere no mesmo contexto analisado quando abordamos o uso das

tecnologias. Dos 33 participantes, 22 (66,6%) consideram que a falta de

equipamentos e recursos materiais dificulta o emprego de fontes nas atividades de

ensino. É possível observar que a quantidade de respostas é bem próxima ao que

vimos no gráfico 15, onde consta que 23 participantes (69,7% da amostra) citaram

que utilizam a web para conseguir fontes históricas para a sua atividade docente.

Tendo isto em vista, podemos deduzir que os professores que sentem falta de

equipamentos e recursos para o trabalho com fontes possuem grande probabilidade

de buscar tais meios para trabalhar com fontes em suporte digital obtidas na web.

Ainda sobre a questão que contempla os fatores que dificultam o uso escolar

de fontes históricas, os respondentes puderam selecionar, como opção, a escassez

de materiais didáticos específicos para o trabalho com documentos históricos em

sala de aula. Nesta última alternativa, procuramos mensurar a quantidade de

professores que sentem falta de materiais próprios para o trabalho com documentos

no espaço escolar. Entre os participantes, 16 (48,6%) consideram que esses

materiais facilitariam o seu trabalho com fontes, número que representa quase

metade da amostra.

É possível considerar algumas razões que podem ter inflado este percentual.

Ressaltamos nas análises anteriores que os sujeitos da pesquisa prezam o trabalho

com fontes e reconhecem a sua importância. Logo, pressupomos que teria utilidade

para os professores um material que facilitasse o trabalho docente, apresentando

ideias, sugestões e atividades envolvendo documentos. Vimos também que o

contexto educacional vislumbrado na presente pesquisa, de escassez de tempo e

sobrecarga de trabalho, pode favorecer a acolhida deste tipo de material pelos

professores de História. Assim, o produto educacional que propusemos, detalhado

no 7º capítulo, ruma ao encontro desta demanda por materiais didáticos específicos

para o trabalho com documentos históricos.

Na busca por mais respostas, procuramos sondar como é o trabalho dos

professores com fontes históricas. Para coletar os dados, propusemos uma questão

com grade de múltipla escolha e relacionamos seis possibilidades de trabalho com

fontes, três delas associadas a uma utilização simplificada das fontes, e outras três

alinhadas a indicações metodológicas presentes nas DCE/H e na Educação

Histórica. As alternativas atenderam a uma escala likert de três pontos, que permitiu

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que os professores assinalassem o grau de correspondência de cada possibilidade

com suas práticas, variando entre "Alta correspondência", "Média correspondência"

e "Baixa correspondência". Os resultados podem ser conferidos no gráfico a seguir.

Gráfico 18 – Formas de trabalho com fontes

Professores (n=33) Nº de respostas Porcent. (%)

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

No enunciado da questão foi perguntado: "Geralmente, como é o seu trabalho

com fontes históricas?" Em vez de optarem por alternativas que trazem implícita a

ideia de que o documento fala por si, os professores apresentaram inclinação a

opções mais complexas, em que as fontes históricas são submetidas a

questionamentos e problematizações, e também são utilizadas para favorecer a

reflexão sobre a construção do conhecimento histórico. A alternativa que

compreende o trabalho em multiperspectiva também teve um grande número de

respostas que indicavam alta correspondência com as práticas pedagógicas.

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É possível notar no gráfico 18 que as alternativas que correspondem a

práticas tradicionais no ensino de História foram menos indicadas com sendo de

"alta correspondência" com o trabalho realizado em sala de aula, resultado que

parece representar uma abertura a estratégias e abordagens pautadas por novas

concepções de ensino.

Caminharemos agora para a análise da última questão respondida pelos

professores, também elaborada com grade de múltipla escolha seguindo a escala

likert. Elencamos seis encaminhamentos metodológicos / procedimentos para o

trabalho com fontes e solicitamos que os professores indicassem o nível de

dificuldade em incorporá-los às aulas de História. Nestes moldes, para cada

encaminhamento / procedimento, o professor pôde, numa escala gradativa,

selecionar uma resposta por linha, de acordo com as seguintes opções: fácil,

mediano, difícil ou muito difícil.

Por meio da questão, quisemos examinar quais seriam as maiores

dificuldades encontradas pelos respondentes do questionário ao utilizarem os

documentos dentro da perspectiva preconizada nas DCE/H e fundamentada na

Educação Histórica, que busca promover reflexões sobre o processo de construção

do conhecimento histórico e desenvolver nos alunos capacidades que favoreçam a

cognição em História.

O primeiro encaminhamento que foi colocado para aferir a dificuldade na

mediação pedagógica com fontes concerne a ensinar os conceitos estruturais

ligados à epistemologia da História - vestígio, fonte, evidência, hipótese, inferência,

narrativa histórica, entre outros. As respostas podem ser observadas no gráfico 19,

disponibilizado na página seguinte.

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Gráfico 19 – Nível de dificuldade nos encaminhamentos com documentos

Professores (n=33) Nº de respostas Porcent. (%)

Fonte: Coleta de dados da pesquisa

Nota-se que para 9 professores (27,2%), ensinar os referidos conceitos é

tarefa "fácil". Contudo, a maior parte do grupo pesquisado afirma ter maior grau de

dificuldade – 16 professores (48,6% da amostra) assinalaram que o desafio de

ensinar os conceitos estruturantes é "mediano", 6 professores (18,1%) indicaram

como "difícil" e 2 professores (6,06%) como "muito difícil".

De acordo com o que discutimos no capítulo 6 desta pesquisa, os conceitos

apresentados na alternativa – vestígio, fonte, evidência, hipótese, inferência e

narrativa histórica - são chamados de meta-históricos ou conceitos de segunda

ordem. Este item merece atenção, pois apesar de tais conceitos serem

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fundamentais para a cognição histórica, não são trabalhados com frequência na

Educação Básica, onde ainda predomina a abordagem cronológica, factual e

embasada majoritariamente nos conceitos substantivos, aponta Gago (2012).

No próximo item apresentado no gráfico 19, averiguamos o nível de

dificuldade em selecionar fontes para a aprendizagem histórica. Fornecemos alguns

exemplos na questão: documentos iconográficos, fontes orais e materiais, além das

linguagens contemporâneas, como cinema, fotografia, música, etc. Dos 33

professores que compõem a amostra, 11 (33,3%) qualificaram a tarefa como "fácil",

17 (51,5%) como "mediana", 4 (12,1%) como "difícil" e apenas 1 (3,03%) como

"muito difícil".

Os dados que acabamos de mencionar permitem inferir que se o grupo

pesquisado ficasse restrito ao livro didático para a obtenção de fontes para a

aprendizagem histórica, seriam maiores os números que indicaram o procedimento

como fácil. Os resultados revelam a predisposição do grupo em buscar suas fontes

fora dos manuais didáticos, onde é mais trabalhoso obtê-las, constatação que nos

remete novamente à análise que efetuamos sobre a procedência das fontes

utilizadas pelos professores pesquisados (gráfico 15). A maioria das respostas

(69,7%) apontou a web como o principal meio para obtê-las. Assim, deduzimos que

quanto maior a dificuldade do professor no trato com as TIC, maiores são os

obstáculos encontrados na obtenção de fontes em suporte digital para o seu

trabalho. Isso porque o uso de filmes, documentários, músicas, imagens, entre

outros recursos em suporte digital, requer certos conhecimentos na área das TIC

para a pesquisa em meios digitais, download de arquivos, conversão para os

formatos suportados pelos equipamentos das escolas e noções de utilização destes

equipamentos para a reprodução dos arquivos.

No item seguinte, os professores de História puderam indicar o nível de

dificuldade encontrado em identificar as especificidades do documento: sua origem,

tipo, natureza, autor, data e pontos importantes. Em termos gerais, as respostas

revelaram menor dificuldade neste procedimento: 15 respondentes, ou 45,4% da

amostra, assinalaram a atividade como "fácil". Outros 14 professores (42,4%)

consideraram o grau de dificuldade como "mediano". Tivemos ainda 4 respondentes

que assinalaram como ''difícil'' a identificação das especificidades do documento e

nenhum resultado que indicasse o procedimento como "muito difícil". Podemos

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deduzir que, como a maioria utiliza a web para buscar suas fontes, também recorre

a este meio para pesquisar informações sobre o documento.

Continuando a análise, buscamos saber o quão difícil é para o professor fazer

a crítica do documento, levantando questões como: O que esta fonte me informa? O

que posso deduzir dessas informações? Com quais objetivos foi produzida? Qual a

sua importância para a compreensão do passado?

Como é um encaminhamento que exige dos estudantes maior capacidade de

interpretação de dados, de leitura e escrita, percebemos, de modo geral, maior

dificuldade do grupo neste quesito. Do conjunto analisado, 11 participantes (33,3%)

indicaram como "fácil" a etapa da crítica do documento e 13 (39,3%) como mediana.

Os resultados ainda revelam que 9 professores consideraram essa etapa difícil, o

que corresponde a 27,2% do total de participantes. Não houve quem considerasse a

crítica da fonte como algo "muito difícil".

Dentre os encaminhamentos considerados mais complexos pelos

professores, vemos que o penúltimo, referente à etapa de explicar o documento,

sobressaiu entre os demais analisados até agora no gráfico 19. Apenas 5

professores (15,1%) indicaram que é "fácil" propor ao aluno a explicação do

documento, confrontando seus saberes prévios e conhecimentos adquiridos nas

aulas com os elementos constitutivos do documento. A maioria dos participantes (16

professores ou 48,4%) considerou o encaminhamento "mediano" em termos de

dificuldade. Os resultados ainda apontam que 10 professores (30,3%) consideram o

encaminhamento "difícil" e 2 (6,06%) como "muito difícil".

Os desafios parecem paulatinos quando observamos o último

encaminhamento metodológico que elencamos para o uso de documentos em sala

de aula, incluído na questão da seguinte forma: "Estabelecer situações de

aprendizagem onde se confrontam interpretações historiográficas e documentos

distintos, permitindo aos estudantes formularem ideias históricas próprias e

expressá-las por meio de narrativas históricas". Nele pudemos aferir o quão

complexo é o trabalho com documentos em multiperspectiva e a elaboração de

narrativas históricas para os professores. De modo geral, as respostas dos 33

pesquisados sugerem que o nível de dificuldade em incorporá-los às aulas de

História é o mais elevado de todos os itens analisados.

No computo das respostas, 5 (15,1%) professores classificaram o

procedimento como "fácil" e 8 (24,2%) como de nível "mediano". A maior parte do

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conjunto pesquisado qualificou o trabalho em multiperspectiva e a produção de

narrativas históricas como "difícil" (13 professores ou 39,3% do total) ou "muito

difícil" (7 professores ou 21,2%).

Do ponto de vista da Educação Histórica, perfilado no sexto capítulo desta

dissertação, a narrativa história é concebida como princípio organizador das ideias

históricas e forma de apresentação do conhecimento histórico. E a sua

sistematização requer habilidade argumentativa e descritiva, capacidade de

produção de síntese e criticidade. Para ser plausível, a narrativa histórica precisa ser

construída com argumentos fundamentados em evidências. No exercício da

narrativa, o aprendiz precisa articular as suas ideias históricas com as narrativas dos

historiadores. Talvez essa complexidade ajude a compreender os dados observados

no gráfico.

Analisando os resultados representados, percebemos que o grau de

dificuldade sentido pelos professores aumentou à medida que as habilidades de

observação, problematização, análise, comparação, formulação de hipóteses,

reconhecimento de diferenças e semelhanças foram mais requeridas nas três

últimas indicações metodológicas. Em termos de dificuldade, podemos verificar um

ponto de culminância no último item presente no gráfico 19.

Sabendo que o trabalho mais avançado com fontes históricas requer dos

alunos várias competências de leitura e compreensão linguística, acreditamos que

as dificuldades encontradas nos procedimentos acima referidos podem ser

atribuídas, ao menos parcialmente, a problemas de letramento do alunado. Os

resultados trazidos pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA),

pela Prova Brasil (INEP, 2011), e pelo SAEP – Sistema de Avaliação da Educação

Básica do Paraná (SAEP..., 2018), apontam baixos níveis de proficiência em leitura

e escrita, o que pode tornar mais árduo o trabalho com fontes na educação básica.

Conforme vimos em nossas análises, as condições desfavoráveis de trabalho,

somadas à capacitação pedagógica deficitária e a escassez de propostas didáticas

que contemplem com propriedade o trabalho com documentos, são fatores que

também nos ajudam a refletir sobre as dificuldades apresentadas nas respostas dos

professores.

Em seguida, apresentaremos as considerações finais, retomando a hipótese e

os objetivos da pesquisa, esboçando conclusões, reforçando e sintetizando as

discussões realizadas ao longo deste trabalho.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho procurou abordar a tecnologia e sua relação com o

ensino de História e o uso de fontes históricas. Compondo o estado da arte, fizemos

uma prospecção dos estudos realizados em nível stricto sensu, priorizando

produções que contemplassem trabalhos com documentos históricos na educação

formal e a utilização de ferramentas digitais enquanto instrumentos de busca e

suporte para diferentes tipos de fontes. Neste levantamento, nos deparamos com a

falta de referências sobre o assunto, fator que dificultou a realização da pesquisa.

Ao final do percurso, constatamos a necessidade de ampliação da discussão

sobre o uso pedagógico de fontes em sua intersecção com as novas tecnologias e o

mundo virtual. Sendo assim, esta dissertação justificou-se como contribuição ao

ensino de História, pois permitiu a ampliação do olhar sobre as especificidades das

fontes históricas em suporte digital, apresentando perspectivas e reflexões sobre a

apropriação destes recursos pelos professores.

Na introdução do trabalho foi apresentada a hipótese de que as fontes

históricas em suporte digital potencializam o ensino de História em ambiente escolar.

Considerando as etapas percorridas na pesquisa – a partir das discussões teóricas e

dos resultados obtidos na investigação realizada com professores de História de

Londrina e cidades vizinhas - podemos concluir que tal hipótese se confirmou de

modo parcial.

De acordo com a investigação, o uso dos recursos tecnológicos e das fontes

históricas disponíveis em meios digitais mostrou-se presente nas práticas

pedagógicas dos professores, ainda que não atingisse a totalidade dos envolvidos

na pesquisa. A análise dos dados coletados caminhou ao encontro da pesquisa

bibliográfica e dos referenciais curriculares discutidos, levando-nos a admitir que as

experiências pedagógicas apoiadas nestes meios constituem possibilidades

profícuas e viáveis para o desenvolvimento da cognição histórica. Entretanto,

identificamos condições e circunstâncias adversas ao longo da pesquisa que limitam

essas experiências.

De modo geral, as respostas dos professores ao questionário indicaram que

os programas de tecnologias trouxeram melhorias ao seu trabalho pedagógico. Os

dados revelaram sujeitos que possuem interesse em incorporar ferramentas

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tecnológicas a suas práticas e acreditam no potencial destes meios para a melhoria

do ensino.

Por outro lado, assinalam a necessidade de maiores investimentos do poder

público em tecnologias educacionais, apontando múltiplos fatores que interferem no

uso pedagógico dos recursos de informática e internet nas escolas, corroborando as

pesquisas de SiIva (2016), Basniak (2014), Cantini (2008) e Hoepfner (2009). Dentre

as limitações, podemos destacar a conectividade de internet inexistente ou

insuficiente, necessidade de adequação dos ambientes escolares de modo a permitir

um trabalho mais avançado com o apoio das tecnologias, defasagem e número

insuficiente de equipamentos, difícil acesso aos recursos tecnológicos, escassez de

tempo do professor e sobrecarga de trabalho. Os dados ainda refletem a

necessidade de investimentos em formação profissional para que o uso das TIC com

qualidade pedagógica se efetiva.

Apesar dos programas governamentais que buscaram fomentar o avanço e a

popularização das TIC na rede pública de ensino, as respostas dos professores ao

questionário sugerem baixo aproveitamento das tecnologias educacionais em virtude

das razões que acabamos de expor.

As questões do questionário foram construídas em torno do interesse central

do presente trabalho, que procurou investigar os meios utilizados pelos professores

para a obtenção das fontes históricas, o sentido atribuído a estes materiais e suas

finalidades em experiências educativas. O principal objetivo da investigação era

saber se o formato digital das fontes favorece a sua incorporação ao processo de

ensino e aprendizagem, e se este caminha de acordo com os princípios teórico-

metodológicos presentes nas DCE/H e fundamentados na Educação Histórica.

No avançar da investigação, percebemos que os sujeitos da pesquisa

atribuem alta importância a propostas que contemplam a dinâmica construtiva do

conhecimento histórico, por meio do acesso a diferentes tipologias de fontes

históricas, revelando também constante utilização de documentos em suas práticas

pedagógicas.

Identificamos nas respostas que os professores pesquisados possuem maior

preferência pela utilização das fontes pautada por questionamentos e

problematizações, elegendo múltiplas leituras historiográficas, do que pela aplicação

pedagógica mais tradicional ou rudimentar do documento - para ilustrar o passado

descrito ou para comprovar o que está sendo afirmado no livro didático. Em termos

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gerais, os resultados refletem o reconhecimento da importância destes recursos no

ensino de História e demonstram observância aos pressupostos teóricos e

metodológicos expressos nas DCE/H e fundamentados na Educação Histórica.

Por meio do questionário verificamos que o emprego da web supera o do livro

didático para a seleção de fontes históricas, confirmando a hipótese de que a

documentação em formato digital disponível no ciberespaço tem sido aproveitada

em sala de aula em virtude das suas potencialidades. Como a web foi indicada pelo

grupo pesquisado como o principal meio para obter as fontes para o seu trabalho,

pressupomos que uma parcela significativa das fontes históricas que esses

professores utilizam em sala de aula encontra-se em suporte digital.

À medida que a análise dos resultados foi cumprindo as etapas planejadas,

fomos identificando avanços e limites na prática educacional com documentos

históricos. As análises levam a crer que os problemas averiguados no

aproveitamento das tecnologias educacionais estão ligados ao cenário de alta

utilização dos recursos mais convencionais da cultura material escolar: o quadro

negro e o livro didático.

O constante emprego do livro didático nas aulas foi identificado em diversos

momentos da análise das respostas. Em termos pedagógicos, a utilização excessiva

do livro pode representar um empecilho para o atendimento das orientações

presentes nas DCE de História, pois a limitação estrutural das obras didáticas cria

um terreno fértil para que as narrativas históricas lineares, eurocêntricas e

estanques predominem nas aulas, comprometendo a renovação das práticas com

base nas vertentes de ensino de História que privilegiam a construção do saber

histórico escolar embasado em evidências, como a Educação Histórica.

Também foi importante investigarmos as maiores dificuldades encontradas

pelos respondentes ao seguirem os encaminhamentos metodológicos para o

trabalho com documentos dentro da perspectiva preconizada nas DCE e na

Educação Histórica. Examinando os resultados do questionário, percebemos que o

nível de dificuldade sentido pelo público pesquisado foi elevado nas etapas da crítica

e explicação dos documentos, e maior ainda no trabalho em multiperspectiva e na

elaboração de narrativas históricas por parte dos educandos.

Obtivemos outras pistas sobre as práticas pedagógicas mediante questões

em que os professores puderam assinalar os fatores que dificultam o emprego de

fontes históricas em suas atividades de ensino. A escassez de materiais específicos

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para o trabalho com fontes foi identificada por muitos participantes como um dos

motivos. Refletindo sobre este dado, adquirimos maior certeza de que o produto

educacional que propusemos neste trabalho seria bem acolhido pelos professores

de História, pois visa atender a demanda apontada ao oferecer subsídios

pedagógicos para o trabalho com fontes históricas e recursos digitais diversos.

Em relação aos outros motivos que podem comprometer o emprego de fontes

históricas em atividades de ensino, os resultados obtidos demonstraram coerência

ao que foi verificado nas análises anteriores, quando discutimos as razões que

limitam a incorporação das novas tecnologias ao trabalho pedagógico. Em síntese,

as respostas dos professores indicaram sobrecarga de trabalho, escassez de tempo

para atividades docentes de planejamento, estudo e avaliação, elevado número de

alunos por turma, quantidade insuficiente de aulas semanais e, por fim, a falta de

equipamentos e recursos materiais.

Os resultados da pesquisa revelaram, portanto, inúmeros obstáculos para

práticas investigativas que exigem o trabalho ativo com documentos históricos no

contexto das novas tecnologias. Relacionando as leituras provenientes da pesquisa

bibliográfica aos dados colhidos através do questionário, foi possível perceber que

os problemas identificados na investigação afetam o processo educativo como um

todo, obstruindo o caminho para metodologias capazes de ressignificar o conceito

de ensino e o papel do professor.

Podemos concluir que transformações substanciais nas práticas pedagógicas

requerem boas condições de trabalho, formação e mudança do paradigma

educativo, mas num quadro de precarização da educação, as possibilidades de

mudanças ficam reduzidas.

O ciberespaço precisa ser colocado a serviço da Educação, como vimos em

Lévy (1999. p.185-186), que recomenda a máxima exploração do potencial de

inteligência coletiva nos domínios educativos e forte investimento nas competências

locais, trocas de saberes e de experiências, redes de ajuda mútua e maior

participação da população nas decisões. Mas os ideais acalentados pelo intelectual

francês parecem cada vez mais distantes da educação pública paranaense,

sobretudo quando levamos em consideração as atuais políticas educacionais,

marcadas por poderes exclusivos, rigidez institucional e austeridade na contenção

de investimentos.

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Retomando a frase de Gibson, o futuro já chegou, só não está igualmente

distribuído. Hoje podemos dizer que existe uma cultura digital, marcada pela

utilização de sofisticados meios tecnológicos e alta conectividade com o

ciberespaço. Uma cultura também caracterizada pela construção de redes

horizontais de transmissão de informações, nas quais as pessoas partilham dados,

técnicas e ferramentas, colaborando para a construção coletiva do conhecimento.

Mas essa cultura não está uniformemente distribuída em nossas escolas.

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APÊNDICE

Questionário respondido pelos professores - disponível online no endereço:

<https://goo.gl/forms/0dHiTuhNj6aFZDPB2>