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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL
(PLANTERR) – MESTRADO PROFISSIONAL
MARIA VALDELICE VIEIRA SANTOS
É PRECISO SABER CONVIVER: O PROJETO UM MILHÃO
DE CISTERNAS NA COMUNIDADE RURAL VARGEM EM
FEIRA DE SANTANA-BA
FEIRA DE SANTANA
2016
MARIA VALDELICE VIEIRA SANTOS
É PRECISO SABER CONVIVER: O PROJETO UM MILHÃO
DE CISTERNAS NA COMUNIDADE RURAL VARGEM EM
FEIRA DE SANTANA-BA
Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial, do Departamento de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Estadual de Feira de Santana, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Planejamento Territorial, linha de pesquisa: Planejamento territorial e geoprocessamento.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________ Orientadora: Profª Drª Nacelice Freitas
Universidade Estadual de Feira de Santana- UEFS Feira de Santana-BA
_____________________________________________________
Banca: Profª Drª Sandra Medeiros Santo Universidade Estadual de Feira de Santana- UEFS
Feira de Santana-BA
______________________________________________________ Banca: Banca: Profª Drª Tatiana Velloso
Universidade Federal do Reconcâvo da Bahia-UFRB Cruz das Almas-BA
FEIRA DE SANTANA 2011
LISTA DE ABREVIATURAS
ADENE Agência do Desenvolvimento do Nordeste
ANA Agência Nacional de Águas
ASA Articulação do Semiárido Brasileiro
BNB Banco do Nordeste do Brasil
BSC Bancos de Sementes Comunitários
CDT Comitê de Desenvolvimento Territorial
CETEP Centro Territorial de Educação Profissional do Portal do
Sertão
CHESF Companhia Hidroelétrica do São Francisco
CNAPO Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica
CNES Conselho Nacional de Economia Solidária
CODENO Conselho de Desenvolvimento Econômico do Nordeste
CONDRAF Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável
CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
CPTEC Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos
CVSF Conselho do Vale do rio São Francisco
DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
EMBASA Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A.
EnconASA Encontro Nacional da ASA
FBSAN Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional
FNE Fundo Constitucional do Nordeste
GPS Global Positioning System
GTDN Grupo de trabalho para o desenvolvimento do Nordeste
GTEs Grupos de Trabalho Estaduais
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IFOCS Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas
IOCS Instituto de Obras Contra as Secas
MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MESA Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e de
Combate à Fome
MI Ministério da Integração Nacional
MINTER Ministério do Interior
MMA Ministério do Meio Ambiente
MOC Movimento de Organização Comunitária
ONG Organizações Não Governamentais
OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
OSCs Organizações da Sociedade Civil
P1MC Programa de Formação e Mobilização Social para a
Convivência com o Semiárido: Um Milhão de Cisternas
Rurais
PAA Programa de Aquisição de Alimentos
PATAC Programa de Aplicação de Tecnologias Apropriadas às
Comunidades
PDHC Projeto Dom Hélder Câmara
PEFP Programa Emergencial de Frentes Produtivas
PFCES Programa Federal de Combate aos Efeitos da Seca
PFPT Programa de Frentes Produtivas de Trabalho
PIN Programa de Integração Nacional
PROTERRA
Programa de Redistribuição de Terras e Estímulo à
Agroindústria do Norte e Nordeste
SAB Semiárido Brasileiro
SIGA Sistema Integrado de Gestão e Auditoria
STR Sindicato dos Trabaladores Rurais de Feira de Santana
SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
SUVALE Superintendência do Vale do São Francisco
UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana
UELs Unidades Executoras Locais
UGC Unidade Gestora Central
UGMs Unidades Gestoras Microrregionais
RESUMO A presente pesquisa se construiu a partir da hipótese de que o Programa Um
Milhão de Cisternas (P1MC) promove uma transformação social através do fortalecimento da sociedade civil, diminuição da dependência de medidas paliativas do poder público e de favores dos latifundiários, capacitando ainda famílias sertanejas para a convivência com o semiárido. Para verificar essa hipótese selecionou-se a comunidade rural Vargem, situada no Município de Feira de Santana-BA, no intuito de realizar um estudo de caso. Assim, buscou-se analisar na referida comunidade os impactos sociais e os processos de seleção e capacitação promovidos pelo P1MC. Entretanto, antes da pesquisa de campo, buscou-se realizar a caracterização do espaço geográfico de ocorrência da seca no Brasil, refletir sobre as principais políticas públicas que antecederam o P1MC e descrever como se constituiu a Articulação do Semiárido (ASA) e de que forma o P1MC foi elaborado, observando-se a estruturação das propostas para o Semiárido brasileiro. A pesquisa se justifica pela necessidade de se analisar os impactos sociais promovidos pelo P1MC sobre a vida das famílias rurais do Semiárido após a transferência dessa tecnologia social por colaborar para avaliação dessa Política Pública. Como procedimentos metodológicos foram usados pesquisa bibliográfica e documental, aplicação de questionário e estudo de caso. Ao final do texto, conclui-se que apesar da resistência apresentada por uma parte das famílias beneficiadas em beber a água pluvial e das adversidades que ocorreram para o fidedigno cumprimento dos critérios de seleção para a transferência da tecnologia, constatou-se que a tecnologia foi destinada a quem dela precisava, não havendo desvio de objetivos, ou seja, auxiliando na melhoria das condições de vida das famílias beneficiadas pelo P1MC em Vargem e promovendo uma transformação social nessa comunidade.
Palavras chaves: Água; P1MC; Convivência com o Sémiarido
ABSTRACT
This research was built on the assumption that the Program One Million Cisterns (P1MC) promotes social change through the strengthening of civil society, decreased dependence on palliative measures of government and favors the landowners, even empowering rural families for coexistence with the semiarid region. To verify this hypothesis was selected rural community Vargem, located in the municipality of Santana-BA Fair in order to conduct a case study. Thus, it sought to analyze in that community social impacts and the selection and training processes promoted by P1MC. However, before the field research, we sought to characterize the drought occurrence of geographic space in Brazil, reflect on major public policies that preceded the P1MC and describe how it was the Semi-Arid Articulation (ASA) and how P1MC was drawn up observing the structure of the proposals for the Brazilian semiarid region. The research is justified by the need to analyze the social impact promoted by P1MC on the lives of rural families in the semiarid region following the transfer of this social technology to collaborate to evaluate this public policy. As methodological procedures were used bibliographical and documentary research, questionnaire and case study. At the end of the text, it is concluded that despite resistance by some of the families benefited drinking rainwater and adversities that occurred for the reliable fulfillment of the selection criteria for the transfer of technology, it was found that the technology was destined to those who needed, with no shift in objectives, namely helping to improve the living conditions of families benefited by P1MC in Vargem and promoting social change in this community. KEYWORDS: WATER; P1MC; COEXISTENCE.
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 01 RENDA MENSAL DAS FAMÍLIAS DA COMUNIDADE VARGEM
90
GRÁFICO 02 BENEFICIÁRIOS PELA BOLSA FAMÍLIA 91
GRÁFICO 03 PRINCIPAL FONTE DE RENDA DA FAMÍLIA 92
GRÁFICO 04 TAMANHO DA PROPRIEDADE RURAL
94
GRÁFICO 05 SEXO DO RESPONSÁVEL PELA CISTERNA 95
GRÁFICO 06 MULHERES CHEFES DE FAMÍLIA 96
GRÁFICO 07 FAMÍLIAS CONTEMPLADAS COM O P1MC 97
GRÁFICO 08 PARTICIPAÇÃO NO CURSO DE GRH 98
GRÁFICO 09 REALIZAÇÃO DE LIMPEZA DA CISTERNA 100
GRÁFICO 10 CISTERNAS QUE APRESENTARAM DEFEITOS 101
GRÁFICO 11 INTRODUÇÃO DE ELEMENTOS NAS CISTERNAS 102
GRÁFICO 12 TRATAMENTO DA ÁGUA APÓS RETIRADA DA DA CISTERNA 103
GRÁFICO 13 MÉTODO DE RETIRADA DA ÁGUA DA CISTERNA 104
GRÁFICO 14 RECEBEM ORIENTAÇÕES POR PARTE DOS AGENTES DE SAÚDE
105
GRÁFICO 15 ORIENTAÇÕES SOBRE CUIDADOS COM AS CISTERNAS POR PARTE DE INSTITUIÇÕES NÃO LIGADAS À ASA
106
GRÁFICO 16 INFECÇÃO POR DOENÇAS RELACIONADAS À ÁGUA 107
GRÁFICO 17 CONFIANÇA NA QUALIDADE DA ÁGUA DA CISTERNA 109
GRÁFICO 18 QUALIDADE DA ÁGUA UTILIZADA ANTES DA IMPLANTAÇÃO DAS CISTERNAS 110
GRÁFICO 19 FONTE DE CAPTAÇÃO DE ÁGUA ANTERIOR AO P1MC 111
GRÁFICO 20
SUFICIÊNCIA DA ÁGUA DA CISTERNA FRENTE À ESTIAGEM
112
GRÁFICO 21 NÚMERO DE PESSOAS POR FAMÍLIA 113
GRÁFICO 22 DESTINAÇÃO DA ÁGUA DA CISTERNA 114
GRÁFICO 23 SEGUEM A RECOMENDAÇÃO DA ASA QUANTO A UTILIZAÇÃO DA ÁGUA
115
GRÁFICO 24 ABASTECIMENTO DA CISTERNA SEM SER PELA ÁGUA DA CHUVA 116
GRÁFICO 25 AVALIAÇÃO DO P1MC POR PARTE DAS FAMÍLIAS BENEFÍCIADAS
117
LISTA DE MAPAS
MAPA 01 LOCALIZAÇÃO DA COMUNIDADE VARGEM 12
MAPA 02 A REGIÃO NORDESTE DO BRASIL 17
MAPA 03 A REGIÃO SEMIARIDEZ DO FNE E O POLÍGONO DAS
SECAS 21
MAPA 04 DELIMITAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO 22
MAPA 05 LOCALIZAÇÃO DE MARIA QUINTÉRIA NO SEMIÁRIDO
BRASILEIRO 39
LISTA DE FOTOGRÁFIAS
FOTOGRÁFIA 1 FICHA DE IDENTIFICAÇÃO DA FAMÍLIA BENEFICIADA 69
FOTOGRÁFIA 2 CASA COM COBERTURA DE FIBRACIMENTO 93
FOTOGRÁFIA 3 BENEFICIARIOS ATUANDO COMO AJUDANTES DE PEDREIROS
99
FOTOGRÁFIA 4 CISTERNA ABERTA 108
FOTOGRÁFIA 5 RECIPIENTES DESCOBERTOS COM ÁGUA 108
ÍNDICE
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE MAPAS
LISTA DE FOTOGRÁFIAS
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1
1.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......................................................... 5
1.2 ÁREA DE ESTUDO ........................................................................................ 10
2. É PRECISO COMPREENDER O ESPAÇO DA SECA ........................................ 15
2.1 A REGIÃONORDESTE .................................................................................... 16
2.2 O SERTÃO DA REGIÃO NORDESTE ............................................................ 19
2.3 DELIMITAÇÃO DO SEMIÁRIDO .................................................................... 20
2.4 O DISCURSO DA SECA .................................................................................. 24
2.5 A DESCONSTRUÇÃO DO DISCURSO ........................................................... 31
3. O NORDESTE E AS DIFERENTES INTERVENÇÕES DE 1909 A 2003 ............ 35
3.1 A COMISSÃO IMPERIAL ................................................................................. 36
3.2 INSPETORIA DE OBRAS CONTRA AS SECAS (IOCS) ................................. 37
3.3 INSPETORIA FEDERAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS ........................... 38
3.4 DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS .................. 39
3.5 GRUPO DE TRABALHO PARA O DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE ... 43
3.6 SUPERINTENDÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE
(SUDENE) .............................................................................................................. 44
3.7 A SUDENE DURANTE O REGIME MILITAR.................................................. 47
3.8 A SUDENE APÓS A REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL ............................ 51
3.9 O RIO SÃO FRANCISCO: IMPORTÂNCIA REGIONAL ................................. 52
3.10 AS SECAS DÉCADA DE 1990 ...................................................................... 54
4. A GÊNESE DA ASA ............................................................................................ 57
4.1 A CONSOLIDAÇÃO DA A ASA E A CONSTRUÇÃO DO P1MC .................... 62
4.2 A GESTÃO DO P1MC ..................................................................................... 66
4.3 DO P1MC AO NASCIMENTO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE ACESSO A
ÁGUA NO SEMIÁRIDO ......................................................................................... 70
4.4 A ASA E O PROGRAMA DE FORMAÇÃO E MOBILIZAÇÃO SOCIAL PARA A
CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO: UM MILHÃO DE CISTERNAS RURAIS
(P1MC) ................................................................................................................... 77
4.5 A CONSTRUÇÃO DA CISTERNA PARA CAPTAÇÃO DA ÁGUA DA CHUVA
............................................................................................................................... 82
4.6 TÉCNICA DE CONSTRUÇÃO DA TECNOLOGIA SOCIAL CISTERNA
DOMICILIAR DE PLACAS DE CIMENTO .............................................................. 83
5. ALTERNATIVA SUSTENTÁVEL DE ACESSO À ÁGUA ATRAVÉS DO P1MC:
A EXPERIÊNCIA DA COMUNIDADE RURAL VARGEM......................................... 85
5.1 DOS CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE E NORMAS TÉCNICAS À
IMPLEMENTAÇÃO DO P1MC ............................................................................... 87
5.2 MANEJOS POR PARTE DAS FAMÍLIAS: ARMAZENAMENTO E
TRATAMENTO DA ÁGUA E MANUTENÇÃO DAS CISTERNAS. ......................... 99
5.3 P1MC E A DEMANDA FAMILIAR POR ÁGUA ............................................. 111
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 119
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 125
ANEXO ........................................................................ Erro! Indicador não definido.
1
1 INTRODUÇÃO
No Brasil, principalmente em áreas rurais, o acesso a água para consumo
humano ocorre de forma precária e segundo o IBGE (2010) 72% da população
brasileira que vive no meio rural não dispõe de condições adequadas do seu
abastecimento. Quando se refere à população que vive em áreas rurais do
Semiárido a questão do abastecimento de água é ainda mais complexo, uma vez
que segundo a ASA (2012, p. 1) “67% das famílias rurais nos estados que compõem
o Semiárido não possuem acesso à rede geral de abastecimento de água”.
Ainda segundo a ASA (2012) os meios mais utilizados pela população
sertaneja para abastecimento doméstico de água ocorrem através de barreiros,
nascentes e poços, que muitas vezes se localizam distantes de onde residem essas
pessoas, levando as mesmas a percorrerem longas distâncias em busca de água,
que nem sempre está apropriada para o consumo humano. Assim a dificuldade em
encontrar água no semiárido, e a má qualidade da que é consumida por essa
população interfere diretamente na qualidade de vida.
No Semiárido a disponibilidade de água para consumo em geral é agravada
pelas condições climáticas, associada à ausência de políticas públicas de
abastecimento de água adequada à realidade territorial. As condições climáticas do
semiárido apontam que a região está sujeita a períodos cíclicos de secas.
Geograficamente tais processos de estiagem ficaram conhecidos como as principais
causadoras do flagelo social ocorrido no Semiárido brasileiro, por atingir a vida da
população que habita nesse território.
Os longos períodos de estiagens, conhecidos como seca, afetam também a
agricultura de subsistência, principal fonte de renda da população rural, provocando
assim problemas relacionados à economia e à questões sociais. Nessa perspectiva
Buainain e Garcia (2003, p. 1) afirmam que “o Semiárido brasileiro concentra
atualmente a maior parcela da população rural brasileira em situação de pobreza e
de pobreza extrema”.
A região que abrange o semiárido carrega um estereótipo alimentado por
diferentes discursos, os quais apresentam o território brasileiro com incidência de
seca como lugar do flagelo social. Assim o clima semiárido é apontado como se
fosse o principal causador da miséria da região, responsável por fazer os sertanejos
abandonarem suas terras, e ir a buscar de melhores condições de vida,
2
desconsiderando a conjuntura e estrutura política e econômica que incidem sobre
essa região.
Desse modo no Semiárido a oferta de água era considerada uma condição
fundamental para superação da pobreza, nesse sentido há mais de um século os
diferentes governos que administraram o Brasil direcionaram medidas para tentar
minimizar os problemas sociais na região. Fizeram parte dessas medidas a criação
de instituições federais para “combater a seca”, a exemplo do Instituto de Obras
Contra as Secas (IOCS), Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS)
Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), entre outras, que
acreditavam que a questão da seca poderia ser resolvida por meio de construções
hidráulicas.
Com este pensamento as ações dessas instituições estavam centradas na
construção de grandes barragens, açudes e obras de irrigação. As construções
tendiam por questões eleitoreiras ao benefício dos grandes latifundiários, dando
origem a denominada indústria da seca, restando para a população carente as
medidas paliativas como a distribuição de águas em caminhões-pipa e cestas
básicas, fortalecendo desse modo o clientelismo na região, preservando o
coronelismo, não havendo assim efeitos duradouros das políticas que promentiam
combate à seca sobre a situação vivenciada pela população do semiárido.
Na década de 1990, após a queda do regime militar, em 1985, fortalece-se no
Brasil os movimentos sociais que lutam por melhores condições de vida no campo.
Na mesma época amplia-se no mundo um debate sobre sustentabilidade ambiental
e justiça social. Nesse contexto ocorre uma articulação entre as diferentes
organizações sociais existentes e atuantes no Semiárido brasileiro em torno de um
objetivo comum, construir de forma sustentável alternativas de convivência com o
semiárido, como forma de se contrapor as políticas de combate à seca criadas e
desenvolvidas por diferentes governos.
Da união e articulação entre essas organizações nasce a Articulação do
Semiárido Brasileiro (ASA-Brasil) formando este o principal espaço de articulação
das organizações que atuam em prol do desenvolvimento social, econômico, político
e cultural do semiárido brasileiro. Dessa maneira a ASA se concretiza no espaço
político democrático regido pela Declaração da Articulação do Semiárido, sendo este
documento constituído em fórum coletivo da ASA.
3
No âmbito dessa articulação é elaborado e implantado O Programa de
Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido: Um Milhão de
Cisternas Rurais (P1MC), tendo como principal objetivo garantir o acesso à água em
comunidades rurais em todo semiárido, através da construção de um milhão de
cisternas de placas de cimento.
As construções das cisternas visam captar e armazenar a água da chuva,
para que a mesma depois de tratada seja usada para consumo humano. Esta
iniciativa está baseada na ideia de que o semiárido brasileiro é o mais chuvoso do
mundo, e que a água da chuva, se armazenada corretamente, poderá suprir a
demanda da população sertaneja inclusive nos meses que não chove (MALVEZZI,
2007).
A proposta da construção das cisternas faz parte de uma estratégia da ASA
em mobilizar e capacitar famílias sertanejas para a convivência com o Semiárido.
Nesse sentido Cavalcanti (2003, p.43) explica que “a perspectiva da convivência não
significa passividade, mas, pelo contrário, requer uma maneira diferente de
estruturar o conhecimento sobre o semiárido” para que os períodos de seca não se
tornem em problemas para aqueles que vivem nessa condição climática.
A cisterna de placas de cimento foi bem aceita, devido ao baixo custo,
durabilidade e potencial em armazenamento de água pluvial, atraindo assim dois
grandes financiadores para o desenvolvimento do Programa, o Governo Federal e a
Federação Brasileira dos Bancos (FEBRABAN).
As cisternas começaram a ser construídas em 2000, e em 2003 passou a ser
uma política pública configurando a agenda das Políticas Públicas do Governo
Federal, tratando-se de uma grande conquista dos movimentos sociais. Assim o
Programa tem se expandido por todo semiárido atingindo muitas comunidades
rurais.
Por entender ser o P1MC de grande importância para as famílias sertanejas,
e devido ao fato de buscar compreender seu desenvolver prático é que este estudo
buscou analisar os impactos sociais e os processos de seleção e capacitação
promovidos pelo Programa Um Milhão de Cisternas Rurais na Comunidade Vargem.
Como objetivos específicos buscou-se caracterizar o espaço geográfico de
ocorrência da seca e os discursos que o envolvem, analisar as principais políticas
públicas de combate à seca inserida no Semiárido que antecederam ao P1MC,
discutir brevemente a formação da Articulação do Semiárido e a elaboração do
4
programa um milhão de cisternas, Além disso, avaliar se o P1MC tem cumprindo
com sua finalidade na comunidade rural Vargem.
Esses objetivos foram traçados por entender que a caracterização torna-se
necessário para que se possa analisar o espaço estudado que está sujeita a
ocorrência de secas, assim também para explicar a realidade territorial. Além disso,
avaliar as políticas públicas implantadas nos territórios atingidos pelas secas,
refletido sobre os seus efeitos na vida dos habitantes do Semiárido para que seja
possível o entendimento dos históricos de politicas públicas inseridos neste território.
Assim, buscou-se descrever como se constituiu a ASA e de que forma o
P1MC foi elaborada observando a estruturação das propostas para o Semiárido,
sendo que mais especificamente para a área de estudo, encontra-se apresentada
uma avaliação realizada através de uma pesquisa de campo, na qual constitui-se
elementos para refletir sobre o P1MC.
A pesquisa se construiu a partir da hipótese de que o P1MC promove uma
transformação social através do fortalecimento da sociedade civil, diminuição da
dependência de medidas paliativas do poder público e de favores dos latifundiários.
Capacitando ainda famílias sertanejas para a convivência com o semiárido.
Para verificar essa hipótese foi necessário a escolha de uma comunidade
rural beneficiada pelo P1MC, para que se pudessem analisar os possíveis impactos
sociais ocorridos devido à implantação do programa. Nesse sentido a comunidade
rural escolhida foi a Vargem, situada no município de Feira de Santana, estado da
Bahia, especificamente no Destrito de Maria Quinteria.
Para Freitas (2014, p. 2012) “Feira de Santana é o lugar sertanejo onde
emerge os elementos que permitem a compreensão sobre o desenvolvimento
desigual”, no entanto antes de permitir a compreensão esse espaço sertanejo
apontado pela autora desperta o interesse daquele que não passa despercebido
pelo lugar.
Nesse sentido, a escolha da comunidade Vargem como área de pesquisa
deu-se quando a pesquisadora em visitas ao Centro Territorial de Educação
Profissional do Portal do Sertão (CETEP) localizado nas proximidades da Vargem
passou a observar a comunidade rural onde está instalada a referida escola, e
percebeu então a presença de muitas chácaras e haras com piscina, grama verde e
animais pastando. A presença dessas chácaras e haras se mostravam como
5
contradição, haja vista a presença de casas pequenas e simples que pareciam estar
“espremidas” entre as propriedades descritas anteriormente.
A presença das casas simples foi o que mais chamou a atenção da
pesquisadora, que de algum modo, acreditou que elas estivessem resistindo ali.
Passou-se então a olhar aquela paisagem com mais cuidado, notando que do lado
das habitações havia a presença de um tanque branco que armazenava a água da
chuva caída do telhado.
Através dessas observações percebeu-se que os tanques brancos tratavam-
se na verdade das cisternas de placas de cimento construídas através do P1MC,
surgindo daí o desejo de realizar a presente pesquisa que se justifica pela
necessidade de se analisar os impactos sociais promovidos pelo P1MC sobre a vida
das famílias rurais do Semiárido após a transferência dessa tecnologia social.
1.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O uso da metodologia científica historicamente tem auxiliado nas pesquisas
acadêmicas por orientar os caminhos a serem percorridos na realização de um
trabalho cientifico. Pode-se então dizer, que o sucesso da pesquisa depende da
metodologia a ser aplicada, no entanto, cabe ao pesquisador selecionar os
procedimentos metodológicos que atendam a necessidades da sua investigação.
Diehl (2004) lembra quer as escolhas dos métodos durante o processo de
investigação devem priorizar as metas a serem alcançadas. O mesmo autor ainda
enfatiza que cabe aos procedimentos metodológicos nortear as ações do
pesquisador para que as mesmas transcorram de forma proveitosa e sem prejuízo
de tempo.
Gil (2007, p 17) afirma que “a pesquisa desenvolve-se por um processo
constituído de várias fases, desde a formulação do problema até a apresentação e
discussão dos resultados”. Adverte ainda que das fases das pesquisas a formulação
da metodologia se consagra no momento mais importante, pois é nessa fase que o
pesquisador seleciona os métodos adequados para alcançar os objetivos proposto.
Esta pesquisa trata-se de um estudo de caso, sendo descrito por Yin (2005, p.
32) como “uma investigação empírica que investiga um fenómeno contemporâneo
dentro do seu contexto de vida real, especialmente quando os limites entre o
6
fenómeno e o contexto não estão claramente definidos”. Na concepção de Ponte
(2006, p. 2)
É uma investigação que se assume como particularística, isto é, que se debruça deliberadamente sobre uma situação específica que se supõe ser única ou especial, pelo menos em certos aspectos, procurando descobrir a que há nela de mais essencial e característico e, desse modo, contribuir para a compreensão global de um certo fenómeno de interesse.
Desse modo o estudo de caso trata-se de uma abordagem metodológica de
investigação sobre uma situação ou realidade específica, buscando explicar o objeto
de pesquisa no seu contexto real, fazendo uso de diferentes métodos que podem
ser qualitativos ou quantitativos para auxiliar no processo de investigação,
contribuindo desse modo para o entendimento de um fenômeno.
Partindo do princípio da construção de uma metodologia de um estudo de
caso capaz de auxiliar no processo de elaboração do trabalho acadêmico seguem
as escolhas dos procedimentos metodológicos selecionados e usados durante o
processo de investigação.
1.1.1 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA E DOCUMENTAL
As pesquisas científicas tendem a iniciar-se com uma pesquisa bibliográfica,
pois este procedimento permite ao pesquisador tomar conhecimento do que foi
descrito sobre o objeto de pesquisa. O levantamento bibliográfico trata-se de
buscas de referências teóricas e conceituais sobre o objeto já analisadas e
publicadas, desse modo as referenciais podem ser encontrados em livros,
dissertações, teses, artigos e páginas da internet entre outros. Após o levantamento
do referencial foi realizada a análise do seu conteúdo, que consiste na técnica de
exploração que se inicia por uma leitura fluente e atenta do pesquisador buscando
identificar os principais conceitos, recolher informações ou conhecimentos prévios
do material analisado. (FONSECA, 2002), (GIL, 2007).
No que se refere a pesquisa documental, Fonseca (2002, p. 32) explica que:
A pesquisa documental trilha os mesmos caminhos da pesquisa bibliográfica, não sendo fácil por vezes distingui-las. A pesquisa bibliográfica utiliza fontes constituídas por material já elaborado, constituído basicamente por livros e artigos científicos localizados em bibliotecas. A pesquisa documental recorre a fontes mais diversificadas e dispersas, sem
7
tratamento analítico, tais como: tabelas estatísticas, jornais, revistas, relatórios, documentos oficiais, cartas, filmes, fotografias, pinturas, tapeçarias, relatórios de empresas, vídeos de programas de televisão, etc.
Seguindo as ideias defendidas pelo autor a pesquisa documental recorre a
fontes mais diversificadas, por se propor a analisar documentos oficiais aos quais se
encontram nas mais diferentes formas esses documentos representam fontes de
dados correspondentes a uma realidade que podem ser comprovadas ou
questionadas após análise documental. Nesse sentido, nota-se que a pesquisa
documental trata-se de selecionar e analisar documentos oficiais.
Assim a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental são procedimentos
metodológicos que auxiliam no processo de investigação e se complementam na
medida que cada uma possui sua importância no processo da construção do
conhecimento científico. Com essas ideias os dois métodos foram utilizados nesta
pesquisa da seguinte maneira:
A pesquisa bibliográfica ocorreu em bibliotecas, acesso à revistas e páginas
da internet, onde se realizou um levantamento de referenciais teóricos que
fundamentou essa pesquisa, nesse sentido foram dadas prioridades as
leituras que tratavam das secas, políticas públicas, semiárido, ONG’s ,
sociedade civil organizada e tecnologia social.
A pesquisa documental ocorreu nos arquivos do Movimento de Organização
Comunitária (MOC), sendo esta uma entidade ligada a ASA, a qual foi
responsável pelo desenvolvimento do P1MC na comunidade da Vargem;
desse modo foi acessado nos arquivos do MOC vasta documentação
referente ao Programa e ao processo de desenvolvimento do mesmo na
comunidade de pesquisa, nestes arquivos encontraram-se fotos, declarações,
artigos, fichas cadastro das famílias, listas de presenças em reuniões e
recibos referentes às entregas das cisternas. Estas documentações serviram
de base para iniciar a pesquisa de campo, e serão apresentadas e analisadas
neste trabalho.
8
1.1.2 PESQUISA DE CAMPO
Na pesquisa de campo a observação in loco trata-se da técnica mais comum
entre os pesquisadores, principalmente daqueles inerentes a ciência geográfica, pois
é a partir das observações que surgem as primeiras indagações em relação ao
objeto de pesquisa. Nesta pesquisa tudo começou com as observações de campo,
que logo se tornaram indagações sendo assim Barros e Lehfeld (2000, p.53)
explicam que
A observação como uma das técnicas de coleta de dados imprescindível em toda pesquisa científica. Observar significa aplicar atentamente o sentido a um objeto para dele adquirium conhecimento claro e preciso. Da observação do cotidiano formulam-se problemas que merecem estudo. A observação constitui-se, portanto, a base das investigações científicas.
Em concordância com os autores supracitados as observações foram
imprescindíveis para formulação e desenvolvimento da pesquisa, uma vez que a
técnica usada durante as visitas à campo foi utilizada em todo o desenvolvimento
desta pesquisa que ocorreu em reuniões, conversas e aplicação de questionário.
Na concepção de Gonçalves (2001, p.67)
A pesquisa de campo é o tipo de pesquisa que pretende buscar a informação diretamente com a população pesquisada. Ela exige do pesquisador um encontro mais direto. Nesse caso, o pesquisador precisa ir ao espaço onde o fenômeno ocorre, ou ocorreu e reunir um conjunto de informações a serem documentadas.
Levando em consideração as afirmações feitas por Golçalves (2001) a
pesquisa de campo possui como objetivo entrar em contato com a população a ser
pesquisada, observar de forma direta o fenômeno a ser pesquisado buscando reunir
informações sobre o seu objeto de pesquisa. Nesse sentido as pesquisas de campo
devem ser bem planejadas para possibilita o seu desenvolvimento de forma
harmônica.
A pesquisa de campo funcionou da seguinte maneira, respeitando o Código
de Ética estabelecido da UEFS:
A primeira visita oficial à campo foi determinante para demarcar a área
de pesquisa. Realizou-se um reconhecimento de área através de uma
9
caminhada de 3 horas pela comunidade com um GPS onde foi delimitada a
área de estudo;
Na segunda visita de campo, ocorreu o primeiro encontro direto com as
pessoas, visto que a mesma foi realizada no mesmo dia em que os
membros da comunidade vão realizar o pagamento do Sindicato dos
Trabaladores Rurais de Feira de Santana (STR) na própria comunidade.
Fez-se então a apresentação da presente pesquisa de mestrado e convidou-
se os presentes a participarem da mesma, lembrando que para esse
primeiro encontro entrou-se em contado anteriormente com a representante
STR que nos convidou para desfrutar deste momento;
O segundo encontro com as famílias da Vargem ocorreu no mesmo
local onde a comunidade costuma se reunir. A reunião foi marcada para uma
semana depois do primeiro contato com os mesmos, e compareceram 20
representantes das famílias beneficiadas pelo P1MC. O objetivo da reunião
era tirar dúvidas sobre a pesquisa e na oportunidade foram aplicados 20
questionários.
Na sequência de segunda a sexta-feira foram realizadas cinco visitas a
campo onde se realizou, com a companhia da representante do Sindicato
Rural visitas à 30 famílias que foram beneficiadas pelo P1MC, que não
haviam comparecido na reunião anterior, na oportunidade foi apresentada a
pesquisa e a/o responsável pela cisterna de placa de cimento e convidou-se
o mesmo para participar da realização desta pesquisa através da assinatura
do Termo de Livre Esclarecimento e respondendo ao questionário.
1.1.3 APLICAÇÃO DE QUESTIONÁRIO
Para Gil (1999) o uso dos questionários em pesquisas sociais é um
importante procedimento por evitar possível influência do pesquisador nos
resultados, além de garantir o anonimato dos participantes.
10
Diniz et al (2011) afirma que os métodos estatísticos atendem a boa parte
das necessidades de análises de dados, porém deixam uma lacuna quanto aos
dados qualitativos, assim a aplicação de questionários com questões abertas torna-
se cada vez mais frequente, nos estudos onde envolve comunidades, por permitir
que os entrevistados não fiquem apenas presos as questões com respostas “pré-
estabelecidas”.
A escolha deste procedimento privilegia a coleta de dados quantitativos, sem
desprezar os dados qualitativos, à medida que o questionário foi composto por 27
(vinte e sete) questões fechadas de múltiplas escolhas, e de uma questão aberta,
permitindo assim ao pesquisador extrair informações sobre a percepção da
comunidade em relação o P1MC.
Os dados obtidos através do questionário foram analisados por meio da
estatística básica e apresentados em forma de gráficos para melhor disposição e
compreensão dos seus resultados. Os gráficos apresentados neste trabalho
representam a totalidade das famílias beneficiadas, sendo ela composta por 50
(cinquenta) famílias.
1.2 ÁREA DE ESTUDO
A área de estudo da presente pesquisa localiza-se no município de Feira de
Santana situado a 108 quilômetros da capital Salvador. Está localizada
geograficamente em uma zona de transição entre a área da Mata e o Sertão baiano,
com predominância do clima semiárido, marcado por longos períodos de estiagem.
É o segundo município mais populoso do estado da Bahia e a maior cidade
do interior nordestino com população estimada em 2015 de 617.528 segundo os
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE, 2010).
A pesquisa ocorreu no espaço rural de Feira de Santana, trata-se da
Comunidade Rural Vargem (MAPA 1) distante do centro da cidade
aproximadamente 15 quilômetros, localizada no Distrito de Maria Quinteria, entre a
Estrada da Pedra Ferrada, a Estrada do Besouro e a Rua São José.
O processo de delimitação da área de estudo foi bastante criterioso ao
delimitar a área geográfica de estudo, uma vez que a comunidade Vargem está
próxima de mais duas comunidades rurais Braço Forte e Caldeirão, ambas também
11
beneficiadas com o P1MC. Para tanto, seguiu-se as instruções da representante da
Comunidade rural que nos apontou as delimitações territoriais da comunidade.
Seguindo as orientações, fez se uma volta em torno da área de estudo
ulilizando um aparelho com global positioning system (GPS) onde foi possível
determinar com exatidão a aréa a ser pesquisada.
12
MAPA 1- LOCALIZAÇÃO DA COMUNIDADE VARGEM
Na comunidade Vargem o P1MC beneficiou 50 famílias, representante do
Sindicato Rural, enquanto ao número total de famílias da Vargem não se pode
afirmar ao certo, uma vez que nem todas participam da Associação de Moradores
da Vargem ou do STR, porém sua população está estimada segundo informações
da representante do SRT em aproximadamente 300 (trezentas) famílias.
O espaço dessa investigação é constituído pela vegetação caatinga, que se
encontra em estado avançado de devastação em decorrência da ocupação humana
e da criação de boivinos, no entanto pode-ser observado, embora em pouca
Comunidade Vagem
Localização de Feira de Santana
Feira de Santana
13
quantidade, plantas típicas do bioma caantiga como a palma, xique-xique,
aroeira, umbuzeiro, cajuzeiro, juazeiro, mandacaru, cacto e a paineira-branca (Ceiba
glaziovii).
1.3 ESTRUTURA DA PESQUISA
O texto encontra-se organizado em seis capítulos, cujo primeiro capítulo traz
a introdução que expõe o escopo do trabalho, os objetivos, justificativa,
caracterização da área de estudo e procedimentos metodológicos, além da estrutura
da redação.
O capítulo 2 realiza uma caracterização do território brasileiro atingido pela
seca, para que se pudesse compreender melhor a área geográfica vulnerável a
ocorrência do fenômeno. Faz-se também uma análise desse território do ponto de
vista simbólico e cultural para que se possam compreender os discursos que
envolvem esse espaço geográfico. Fazendo perceber-se que o Sertão Nosdestino é
mais que uma porção do espaço geográfico, tratando-se de questão cultural e de
indentidade.
O capítulo 3 apresenta um estudo das principais estratégias do governo para
combater os efeitos da seca que antecederam o P1MC, se caracterizando em mais
de um século de implementação de políticas públicas no Semiárido. O presente
capítulo buscou, ainda que brevemente, analisar essas estratégias, percebendo-se
que as mesmas, na sua maioria tratavam-se de ações emergenciais e na
reprodução de práticas paliativas e assistencialistas ou se centravam na construção
de grandes obras hídricas, permitindo assim que a população continuasse
vulnerável aos efeitos da seca.
O capítulo 4 analisa a formação da Articulação do Semiárido e a elaboração
do programa um milhão de cisternas. A análise ocorre a partir da discussão da
abertura democrática no cenário político brasileiro após a queda do Regime Militar,
abordando a legitimação das organizações da sociedade civil e dos movimentos
sociais. Nesse contexto histórico a ASA-Brasil se constituiu e se consolidou como a
articulação mais importante do Semiárido brasileiro, sendo atualmente filiada a ASA
3 mil organizações da sociedade civil.
Ainda nesse capítulo foi descrito o processo de elaboração do P1MC, que se
constituiu de forma participativa entre os membros da ASA-Brasil, é apresentado o
14
modelo de gestão do Programa que ocorre de forma transparente, facilitando assim
as prestações de contas com seus principais patrocinadores, que são o Governo
Federal e a Federação Brasileira dos Bancos. Buscou-se também analisar os
objetivos traçados pelo Programa e suas metas, observando os critérios eleitos para
selecionar as famílias que participaram do Programa.
O capítulo 5 traz a análise dos impactos sociais na vida das famílias que
foram beneficiadas com o P1MC na comunidade Vargem. Para realização dessas
análises utilizou-se de estatística descritiva, e confeccionaram-se gráficos para a
apresentação dos dados. A primeira fase trata de verificar se as famílias foram
selecionadas em concordância com os critérios do Programa, e se as cisternas
foram construídas também obedecendo aos critérios do programa. A segunda etapa
analisa os diversos manejos da água das cisternas, bem como as questões relativas
à orientação e capacitação das famílias, sobre tratamento e armazenamento das
águas pluviais; coube ainda analisar a capacidade das cisternas para o
armazenamento de água, e se as famílias têm capacidade de realizar a manutenção
das referidas cisternas. Na terceira e última etapa verificou em que medida a
cisterna permite o atendimento das necessidades básicas de consumo doméstico
das famílias que conquistaram a cisterna e a importância das mesmas em suas
possíveis melhorias na qualidade de vida. Para tal, analisou-se as respostas do
questionário, além de levar em conta os relatos das famílias que participaram do
P1MC.
Por fim, o capítulo 6 refere-se às considerações finais, as quais demonstram
os efeitos advindos na comunidade estudada após a implantação do P1MC. Faz-se
ainda uma reflexão sobre os problemas oriundos das longas estiagens, bem como
das políticas para seu enfrentamento e de convivência no Semiárido brasileiro.
15
2 É PRECISO COMPREENDER O ESPAÇO DA SECA
A ocorrência da seca no território brasileiro possui um significado que vai além
da presença de um fenômeno climatológico, uma vez que a sua ocorrência está
associada historicamente como o causador das calamidades sociais vivenciadas
pelas populações que habitam no território atingido pelo fenômeno. Nesse sentido,
foi demarcada uma área geográfica propícia à ocorrência da seca, tendo por
finalidade o direcionamento de medidas públicas para amenizar os efeitos do
fenômeno.
Os territórios geográficos incluso nessa demarcação sempre carregaram um
estereótipo que está presente em diferentes discursos que apresentam esses
territórios como lugares atrasados, do flagelo social e de uma gente sem perspectiva
de vida. Os discursos ficaram registrados no imaginário da população brasileira,
principalmente no que se refere a Região Nordeste, como se a totalidade do
território que compõe essa região fosse por inteira atiginda pela seca.
Neste sentido o espaço assolado por longas estiagens passou a ser conhecido
popurlamente como Sertão Nordestino, já que o fenômeno da seca atinge 57%
desta região, no entanto, o fenômeno da seca não se encontra presente apenas no
Nordeste o que fez com que outros territórios propícios à ocorrência da seca
entrassem também na demarcação de áreas geográficas vulneráveis ao fenômeno.
Com a inclusão de novos territórios, a demarcação passou a considerar uma
nova região denominada de Semiárido Brasileiro como área geográfica propícia a
ocorrência da seca. Entretanto, ao contrário do que muitos acreditam, devido à
reprodução de um discurso estereotipado sobre esse território, o Semiárido
brasileiro não é árido, desértico e sem vida, pelo contrário é uma região com
características próprias, com uma vegetação capaz de sobreviver longos períodos
de estiagens, onde se chove muito, no entanto em poucos meses do ano, e é
principalmente um lugar com significativa biodiversidade.
Com este pensamento surge da sociedade civil organizada a proposta de mudar
a concepção construída pelo discurso vilipendioso do clima semiárido, que foram
alimentados e reproduzidos ao longo do tempo, assim muitos são aqueles que se
dispõe a estudar medidas sustentáveis para a convivência com o semiárido
demonstrando que essa é uma região viável.
16
Neste sentido, neste capítulo apresenta-se a caracterização do espaço de
ocorrência da seca, por meio da ótica geográfica e dos diversos discursos tecidos
acerca desta região.
2.1 A REGIÃO NORDESTE
O Nordeste conforme pode-ser observado no mapa 2 sob o ponto de vista
oficial, tal como se apresenta atualmente, passou a existir após a divisão do território
brasileiro em magro regiões no ano de 1969, após um longo processo geográfico e
histórico de divisão administrativa, onde o Brasil passa a ser dividido em cinco
grandes regiões, sendo elas Norte, Nordeste, Cento-Oeste, Sul e Sudeste, e por fim
1988 as áreas de delimitações passam novamente por configuração, visto que foram
criados os estados de Tocantins, Roraima, Rondônia e Amapá; e Fernando de
Noronha deixa de ser uma área federal para ser integrada ao estado de
Pernambuco.
17
MAPA 2- A REGIÃO NORDESTE DO BRASIL
18
A Região Nordeste é das regiões brasileiras que possui o maior número
de estados federativos. Sendo eles Alagoas, Bahia, Ceará,
Maranhão, Paraíba, Piauí, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. Sua
população total está estimada em 53.081.950 habitantes no ano de 2015, tornando-
se a segunda região mais populosa do Brasil. Sua extensão territorial é de
1 554 291,744 km², representando 18% do território nacional, sendo a região que
possui a maior extensão de costa litorânea do país (IBGE, 2010).
O Nordeste ainda abriga grande diversidade de clima e vegetação, com
peculiaridades entre estes, visto que há biomas distintos, subdivididos em quatro
subregiões, sendo elas: Meio-norte, Sertão, Agreste e Zona da Mata, que
concentram características distintas.
A sub-região Meio-Norte conhecida também como Mata dos Cocais constitui
a maior parte do Maranhão e do Piauí, está situada numa área de transição entre a
Floresta Amazônia e o Cerrado e entre o Cerrado e a Caatinga, sendo caracterizada
por matas com predominância de palmáceas, como, coqueiros, carnaúba e babaçus.
Esta sub-região apresenta índice pluviométrico basante variado. Sendo que, no seu
litoral chove ao equivalente a 2 000 mm anuais, já ao leste o índice pluviométrico é
1 500 mm anuais, e no sul chove ao equivalente a 700 mm por ano.
A sub-região do Sertão é a maior em extensão territorial e, possui clima
semiárido, onde as ocorrências de chuva geralmente se concentram em quatro
meses no ano, maior extensão territorial dessa sub-região encontra-se inclusa na
delimitação do Semiárido brasileiro, com índice pluvimetrico de 350 milímetros de
chuva por ano, sua vegetação predominante é a caatinga.
O Agreste conhecido geograficamente como área de transição entre o Sertão
e a Zona da Mata, faz se presente no Agreste a vegetação da mata atlântica e da
caatinga, com o clima semiárido, situa-se no Planalto da Borborema, que se
configura em um obstáculo físico para a chegada das chuvas do litoral ao sertão, o
que causa a irregularidade de suas chuvas, assim parte do território desta sub-
região é atingida por longas estiagens. Seu índice pluviométrico varia entre 300 e
1200 mm/ano, devido sua posição geográfica localizada em duas destintas sub-
regiões.
A Zona da Mata trata-se da sub-região mais povoada da Região Nordeste,
também é onde ocorre o maior volume de chuva cerca de 2 100 mm/ano, o seu
nome deu-se devido a forte presença da Mata Atlântica, que passou por grande
19
devastação devido ao cultivo da cana-de-açúcar e do cacau. Clima é tropical úmido,
e o solo é fértil em razão, além de outros fatores da regularidade de chuvas.
Embora o Nordeste seja um das regiões mais diversificadas do país, tanto no
que se referem aspectos climáticos, quanto em vegetação, a mesma ficou conhecida
como o Nordeste da seca, devido às constantes ocorrências deste fenômeno nesta
região. Entretanto, a seca se concentra apenas em parte do território do Nordeste,
não atingindo toda a região.
As secas ocorrem com maior frequência no território nordestino incluso na
delimitação do Semiárido. Esta área abrange 53% da região Nordeste (ASA, 2010),
ou seja, 53% do território da região Nordeste está sujeito ao fenômeno da seca.
Com tamanha extensão territorial sendo atingido pela seca, o fenômeno passou a
ser alvo político-partidário. Cabe, entretanto, esclarecer que a seca ocorre em outras
regiões brasileiras além do Nordeste.
2.2 O SERTÃO DA REGIÃO NORDESTE
É muito comum na literatura brasileira o uso da palavra sertão para definir a
região semiárida do país, assim o uso do termo trata-se de uma construção
simbólica, que se iniciou na colonização do Brasil, onde os portugueses notaram
uma grande diferença climática ao chegar ao semiárido, e comparar o clima lá
predominante com o existente no litoral da Colônia.
Assim, os primeiros desbravadores do Semiárido o denominaram de sertão,
sendo que esta palavra deriva do latim "sertanus", que significa áreas deserticas ou
desabitada. Era muito utilizada pelos portugueses também para definir as terras
interiores longe do litoral; e para nomear a população que habitava o sertão os
portugueses usaram a palavra sertanejo, que por sua vez, derivava da palavra
sertão.
No Nordeste brasileiro, o Sertão é também uma sub-região que apresenta os
mais baixos índice pluviométrico de todo o país, onde a vegetação típica é a
caatinga, caracterizada pelos longos períodos de estiagens e a decorrência das
secas. A delimitação do Sertão abrange quase todos os estados do Nordeste.
Com a publicação do livro “Os Sertões” de 1902, escrito pelo jornalista
Euclides da Cunha, que ao contar a história da Guerra de Canudos, descreve
minuciosamente a paisagem do semiárido, destacando seu clima e vegetação e as
20
recorrentes secas. O autor ainda descreve o sertanejo, seus costumes, suas
crenças e a sua relação com o espaço geográfico habitado.
Assim, a obra Os Sertões provocou importante identificação com o espaço
geográfico do semiárido, principalmente ao descrever o sertanejo como a gênese do
sertão, tornando assim uma referência clássica para identificar o Semiárido como
sertão e a sua população como sertaneja.
Na concepção de Cunha (1902) o sertão era o espaço geográfico onde tudo
faltava. Água, comida e de meios necessários para satisfazer as necessidades
básicas de seus abitantes, no entanto o sertanejo se destacava pela sua bravura
que resistia às diversidades do lugar habitado. Assim, para o autor o sertanejo é
aquele que vive no sertão. A admiração de Cunha (1902, p.51) pelo povo sertanejo o
fez descrever essa gente, como “antes de tudo um forte”.
2.3 DELIMITAÇÃO DO SEMIÁRIDO
A incidência da seca no mesmo espaço geográfico contribuiu para a
delimitação oficial de uma área geográfica propícia a ocorrência de estiagens
prologadas. Essa delimitação foi desenvolvida para auxiliar o Estado na adoção de
políticas públicas para atender a população que habitam nesse espaço. Nesta
perspectiva, em 1936 delimitou-se uma área geográfica denominada Polígono das
Secas (MAPA 3), essa delimitação foi criada por meio da Lei nº 175, de 07/01/1936,
que levou em consideração as incidências de secas na delimitação territorial.
Em 13 de setembro de 1946, a Lei que delimita o Polígono da Seca é
redefinida pelo Decreto-Lei nº 9.857, com o intuito de promover a execução de um
plano de defesa contra os efeitos da seca no Nordeste. A Lei nº 1.004, de 24 de
dezembro de 1949, regulamentou as alterações introduzidas e, em 1951, a área do
Polígono das Secas foi alterada pela Lei n. 1.348, mediante a incorporação de
municípios do norte do Estado de Minas Gerais. (Lobão 2012)
21
MAPA 3- A REGIÃO SEMIARIDEZ DO FNE E O POLÍGONO DAS SECAS
Nas palavras de Lobão (2012, p.32)
O Polígono das Secas é uma área formada por um conjunto de 1.877 municípios localizados no Ceará, em sua totalidade e, parcialmente, no
22
Piauí, no Rio Grande do Norte, em Pernambuco, na Paraíba, em alagoas, no Sergipe e na Bahia, além da parte do norte Minas Gerais, sendo que quase a metade dessa área encontra-se na Bahia.
Percebe-se que segundo a descrição da autora que metade da área inclusa
no Polígono da seca encontra-se no Estado da Bahia, e o único estado da região
Nordeste que não faz parte do Polígono das Secas é o Maranhão. Esta delimitação
foi reconhecida pela legislação brasileira como sujeita ao fenômeno da seca, e o
esforço do governo em reverter os problemas sociais cometidos em decorrência da
seca se dava prioritariamente neste espaço.
O Ministério da Integração Nacional (MI) definiu a nova delimitação do
Semiárido Brasileiro, com base nos estudos realizados pelo Grupo de trabalho
Interministerial1. Para delimitação do semiárido Brasileiro, foram incorporados novos
critérios, entre eles:
I. Precipitação pluviométrica média inferior a 800 mm/ano (isoieta de 800 mm); II. Índice de aridez de até 0,5, calculado pelo balanço hídrico que relaciona as precipitações e a evapotranspiração potencial, no período entre 1961 e 1990; e, III. risco de seca maior que 60%, tomando-se por base o período entre 1970 e 1990 (Brasil, 2005, p. 03).
Levando em consideração os novos critérios, foram inclusos 102 municípios
na área delimitada, totalizando 1.133 munícipios, contando com os 1.031 já
existentes, com o acréscimo dos 102 novos municípios a área delimitada que era de
892.309 km2 passou a ser de 982.563 km2, ocorrendo um acrescimento de 8,6% da
área considerada como provável para ocorrência de seca, conforme apresentado no
mapa abaixo.
1 GTI instituído por meio da Portaria Interministerial N° 6, de 29 de março de 2004, assinada pelos ministros da Integração Nacional e do Meio Ambiente (BRASIL, 2004).
23
MAPA 4- DELIMITAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO
24
Assim, o Semiárido Brasileiro (SAB) criado pela Lei Federal n. 7.827, de 27 de
setembro de 1989, possui atualmente uma área de 982.566 Km², a qual corresponde
a 18,2% do território nacional, abrande 53% da região Nordeste, estando presente
em todos os estados nordestinos, ocupando 86,8% do Estado do Ceará, 93,4% do
Estado do Rio Grande do Norte, 86,6%do Estado da Paraíba, 88,0% do Estado de
Pernambuco, 59,9% do Estado de Piauí, 69,7% do Estado da Bahia, 45,6% do
Estado de Alagoas, 50,9% do Estado do Sergipe, e cerca de 1% do Estado do
Maranhão, além de 17,7% do Norte de Minas Gerais. A população do Semiárido
esta estimada em 22 milhões de habitantes, e dela faz parte a maior concentração
de população rural do Brasil. (ASA, 2009).
Com esta nova delimitação, Brasil (2005) recomenda-se não utilizar mais o
Polígono da Seca, para se referenciar as áreas propicias ao fenômeno da seca, e
para o Semiárido deve ser destinados, pelo menos a metade dos recursos do Fundo
Constitucional do Nordeste (FNE). O FNE que foi regulamentado pela Constituição
Federal de 1988, tornando- se fonte de recursos direcionados ao desenvolvimento
do Nordeste, prioritariamente em determinados municípios, tal como apresentado no
Mapa 1.
2.4 O DISCURSO SOBRE A SECA
O discurso pode ser compreendido enquanto uma construção do pensar,
dizer e fazer sobre determinada ação no tempo, visto que o acontecimento discurso
é um acontecimento histórico (FOUCAULT, 1997).
Para desenvolver sua produção sobre o discurso, Foucault (1997)
desenvolveu o método geneológico-arqueologico, por meio da qual é possível
compreender o sujeito como produção de diversos saberes e relações de poder e do
sujeito com ele mesmo.
O método é aplicado no mesmo sentido dos estudos arqueológicos de
civilizações antigas, e em sua utilização para com o discurso. Foucault (1997)
busca explicar o discurso por meio da análise do mesmo, sem se preocupar com o
que “pode” estar por tráz do discurso. Para tanto, será necessário escavar as
camadas desse discurso. O compreendendo-o historicamente, assim, por meio de
questões que incidem sobre toda fala, variando de acordo com cada período e com
as relações já descritas.
25
Nas palavras do próprio Foucault (1997, p. 159)
A arqueologia busca definir não os pensamentos, as representações, as imagens, os temas, as obsessões que se ocultam ou se manifestam nos discursos; mas os próprios discursos, enquanto práticas que obedecem a regras. Ela não trata o discurso como documento, como signo de alguma coisa, como elemento que deveria ser transparente, mas cuja opacidade importuna é preciso atravessar frequentemente para reencontrar, enfim, aí onde se mantém a parte, a profundidade do essencial; ela se dirige ao discurso em seu volume próprio, na qualidade de monumento. Não se trata de uma disciplina interpretativa: não busca um “outro” discurso mais oculto. Recusa-se a ser “alegórica”.
Dessa maneira, o teórico reflete sobre a necessidade em desnudar um
determinado discurso, para compreender o colorário que se assenta sobre o mesmo,
e assim, descobrir as intenções e relações imputadas por meio do que é pensado,
feito e dito.
Em relação a presente pesquisa, apresenta-se a seguir os discursos sobre as
secas, a fim de analisar as influências dos mesmos para a caracterização deste
espaço, bem como explicar as medidas adotadas pelo Estado, e as que deveriam ter
sido adotadas e não o foram, por determinados grupos (oligárquicos) políticos,
endógenos e exógenos, nessa região.
Sabe-se que a seca é um fenômeno natural, decorrente do EL NINO, que se
caracteriza pelo aquecimento e resfriamento anormal da superfície do Oceano
Pacífico Tropical, interferindo, assim nas condições meteorológicas em diversas
regiões do globo, principalmente no que se refere ao regime das chuvas e na
elevação da temperatura (SANTANA, 2007).
A ocorrência do EL NIÑO provoca o prolongamento da estiagem na região
semiárida do Brasil, interferindo diretamente na distribuição das cuvas. Vale
ressaltar que no Semiárido brasileiro, o período chuvoso concentra-se em quatro
meses do ano, enquanto os outros oito meses são plenos de estiagem,
caracterizando pelo curto período chuvoso. Desta maneira a região é semiárida, e
não árida, pois a seca só ocorre quando os meses de estiagem se estendem mais
que o previsto.
Nos períodos de prologadas estiagens, mais conhecido e debatido como
seca, a má distribuição da chuva afeta diretamente a agricultura familiar, principal
fonte de subsistência das famílias rurais do Nordeste, chegando a faltar água para
26
as necessidades básicas da população. Sobre este aspecto da seca, Campos (1997,
p.6) enumeram outras secas que ocorrem devido à seca climatológica
A falta de chuva, ou ocorrência de um total de chuvas bem abaixo do normal é definida como seca climatológica. Por sua vez, o meio físico onde se concentra o potencial hidráulico fixo é formado pelo sistema solo x planta. Em condições normais, de não seca, a chuva fixa umidade no solo em quantidade e tempo suficiente para permitir a produção agrícola. A condição de seca ocorre quando a permanência de umidade no solo não é suficiente para que as culturas completem seus ciclos vegetativos. Essa deficiência de umidade no solo é definida como seca edáfica que pode ter como causa primária a escassez de chuva ou uma má distribuição das chuvas ao longo do tempo. Como consequências dessa seca são afetadas atividades econômicas da agricultura de sequeiro que resultam no flagelo dos camponeses. O resultado do flagelo é a migração para os centros urbanos ou para as frentes de serviços. Nessa sequência se teria: a seca climatológica tem como efeito a seca edáfica; a seca edáfica tem como causa a seca climatológica e como efeito a seca social.
Observa-se que a seca precisa ser entendida para além de uma questão
climatológica, que embora seja um fenômeno físico de cunho climático, a sua
ocorrência acaba por desencadear outras secas que têm efeitos muito mais
profundos sobre a população que habita no território atingido pelo fenômeno
climatológico. A questão primordial, apontada por Campos (1997) é que as longas
estiagens afetam diretamente a agricultura de subsistência, principal fonte de renda
da população rural que vive no semiárido, provocando assim a seca social.
A associação entre o clima semiárido e a situação de miséria da população do
semiárido, sempre foi parte fundamental nos discursos dos Deputados Federais para
conseguir verbas do Governo Federais para investimentos na região, na visão dos
políticos que faziam/fazem parte da bancada Nordestina na Câmara dos Deputados
Federais o clima era responsáveis pelos problemas causados na economia do
Nordeste, e como compensação a região necessitava de maior investimento do
Governo Federal.
O discurso desenvolvido pelos políticos caracterizava o fator climático como o
principal culpado das calamidades sociais existente na região. Conforme pode se
verificar no discurso pronunciado na Câmara dos Deputados Federais em Brasília no
dia 21 de novembro de 1984:
27
A terrível e prolongada seca nordestina, destruidora de vidas, causa de sofrimentos incontáveis e de grandes prejuízos, aparentemente cessou. As chuvas voltaram depois de cinco anos de estiagem, colorindo a paisagem e fazendo renascer no nosso povo a tímida esperança por melhores dias. (COELHO, 1985, p. 6).
Nota-se através do Deputado Federal Osvaldo Coelho (1985) que é atribuído à
seca a responsabilidade pelos danos causados ao Nordeste no período de
estiagem. É possível observar os diferentes adjetivos que são atribuídos à palavra
seca, como “terrível” e “destruidora”. Em contrapartida o Deputado faz reverência a
chegada da chuva como solução para os problemas do Nordeste, à medida que a
mesma traria esperanças de dias melhores, levando aos receptores do discurso
acreditarem que as mazelas da região seriam resolvidas pelo vieís hídrico.
Para Bursztyn (1990) Os discursos que a seca era a causadora dos
problemas socioeconômicos do Nordeste, favoreceu a criação de órgãos federais
que tinham por objetivo o combate à seca, no entanto os políticos colocavam os
serviços dos órgãos federais a serviço de grupos locais, formados pela elite agrária
em troca de apoio político, que por sua vez exercia o domínio sobre uma área
eleitoral, fazendo uso dos recursos que eram destinados ao combate aos efeitos da
seca para barganhar votos.
Nessa perspectiva os latifundiários passavam a se beneficiar de
investimentos realizados pelo Governo Federal, fazendo uso dos recursos
destinados ao combate aos efeitos da seca para sustentar o poder patriarcal
clientelista, evidenciando desta maneira que o problema do semiárido não era
apenas a falta de chuva, mais também o mau uso dos recursos públicos.
Para Castro (1996) tais discursos de clima flagelador funcionavam mais como
estratégia politíca, já que na visão da autora o clima semiárido existente em outros
países não causava os mesmo danos causados no Semiárido brasileiro. A autora
ainda enfatiza que os problemas causados na região semiárida, estão sempre
ligados a ocupação da terra ao longo da história da formação territorial do Brasil que
seguiu de forma paternalista, se configurando numa estrutura social, marcada pela
concentração de terra nas mãos de poucas pessoas.
No entanto, o discurso de seca como responsável pelo flagelo social no
Nordeste passou a fazer parte do imaginário de muitas pessoas, ganhando destaque
também na cultura popular principalmente na voz de Luiz Gonzaca, considerado o
28
“Rei do Baião”. Em um trecho de sua música com Humberto Teixeira, Asa Branca
(1947), considerada pela crítica como uma das mais populares, tem-se as seguintes
descrições
Quando olhei a terra ardendo/ Qual fogueira de São João/ Eu perguntei ai, a Deus do céu, ai/ Porque tamanha judiação/ Que braseiro, que fornalha/ Nenhum pé de plantação/ Por falta d’água perdi meu gado/ Morreu de sede meu alazão/ Inté mesmo a asa branca bateu asas do sertão/ Entonce eu disse adeus, Rosinha/ Leva contigo, meu coração/ Hoje léguas, muitas léguas/ / Nesta triste solidão/ Espero a chuva cair de novo/ Pra mim voltar pro meu sertão/ Quando o verde dos teus olhos/ Se espalhar na plantação/ Eu te asseguro, não chore não, viu/ Que eu voltarei, viu, meu coração
Luiz Gonzaga contribuiu para que a região fosse conhecida pelo Brasil, numa
época em que o Nordeste era pouco conhecido pelos brasileiros. Compôs e cantou
músicas que retratavam a realidade vivida e sensibilizou todo o Brasil com o “drama”
do nordestino. A letra da música Asa Branca faz referência aos longos períodos de
estiagens e ao clima quente do semiárido. Demostra ainda que, as plantações e as
criações não resistem a ausência da chuva, caracterizando o problema do Nordeste
com a escassez de água e a temperatura climática que consequentemente
dificultaria a prática da agricultura e da pecuária que são as principais atividades
econômicas desenvolvidas pela população rural que habitam no Semiárido.
Em bibliografias acadêmicas também é possível encontrar relatos da seca
sendo apontada como causada miséria nordestina, conforme pode ser observado
em Pinto (1938, p.17):
Que é uma seca? É um fenômeno de natureza física com profunda repercussão nos meios econômico e social. São efeitos seus, o deslocamento das populações, a dizimação dos rebanhos, o aniquilamento da lavoura, com o seguinte cortejo: fome, morte, viuvez e orfandade; em uma palavra: a miséria.
No estudo realizado por Pinto (1938) a seca é apontada como a responsável
pela miséria, sendo a causa primeira dos flagelos ocorridos na região, como o êxodo
rural, pois era muito comum nos períodos de estiagens prologadas a população que
vivia no território atingido pelo fenômeno migrarem para outros espaços. Os
emigrantes que fugiam da seca ficaram conhecidos como retirantes, pois quando o
período de estiagem cessava, retomavam para seu território de origem.
29
Na visão do autor, a seca destruía as lavouras e os rebanhos causando a
fome que posteriormente provocaria a morte, não permitindo que as sertanejas e os
sertanejos permanecerem em seu território, ficando evidente tanto na letra da
música Asa Branca, quanto nesse estudo de cunho acadêmico que a seca
climatológica é apontada como principal vilã, desencadeando sempre os mesmos
flagelos sociais.
As notícias sobre a seca sempre vinculou na impressa o seu caráter de
causadora de calamidades socais, no entanto, os noticiarios colaboraram ainda,
para a formação de opinião sobre um espaço geográfico, ao que descreve a imagem
dos sertões brasileiros
Quem conhece os sertões do Brasil, e tem visto o sol dos trópicos requeimar as plantas, dessecar as fontes, evaporando na última gota d’agua, arrebatada pelos tufões ardentes que varrem os campos como a labareda de um incêndio, toda a seiva do vegetal e a derradeira esperança do homem e do vivente, em geral, não estranha às cenas horrorosas que descrevem os jornais (ECO DO POVO, 09/07/1879, n. 3, p. 03 APUD BURGARDT 2014, p.? )
Com essa descrição entre muitas outras os jornais colaboraram para reforçar
o estereótipo da Região Nordeste, do retirante e do clima semiárido como
responsável pelos problemas sociais nordestinos. A perspectiva da seca como
execrável ficaram registradas em noticiários que circularam no país, a exemplo dos
jornais Diário de Pernambuco, Eco do Povo e A Opinião, levando consigo uma
imagem do Nordeste, do seu clima e de sua gente (Burgardt, 2014).
Graciliano Ramos, romancista, inspirou-se nos dramas vividos pelos
sertanejos para escrever o romance Vidas Secas (1938) que se tornou uma
importante obra literária. Por, além de descrever uma imagem hostil do sertão, já
descrita por noticiários, Ramos (2010) narrar a história de uma família sertaneja que
foge da seca, em busca de sobrevivência, onde é possível identificar na narrativa do
autor denúncias sociais, como o abuso dos patrões, os fazedeiros, a discriminação,
a miséria vivida pelas sertanejas e os sertanejos; e sobretudo o sistema que o
impossibilita adquirir o mínimo necessário para sobrevivência humana.
Ramos, (2010, p.18) afirma
Sim, senhor, arrumara-se. Chegara naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo raízes. Cairá no fim do pátio, de baixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. Ele, a mulher e os filhos tinham-se
30
habituado à camarinha escura, pareciam ratos – e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera.
Ramos (2010) descreve a situação da chegada da família nordestina numa
fazenda aonde posteriormente viriam a trabalhar. É destacada a fadiga da viagem, a
falta de alimentação adequada, e a péssima condição de moradia. O autor ainda
chama atenção que a família já estava habituada a viver nessas condições de vida,
e por fim, compara o ser humano ao rato. Ao denunciar a miséria de uma família,
demostra quanto o homem estava vulnerável aos efeitos da seca.
A seguir Ramos (2010, p. 18) narra à fuga da família da fazenda a qual havia
se instalado anteriormente.
E Fabiano resistia, pedido a Deus um milagre. Mas quando a fazenda despovoou, viu que tudo estava perdido, combinou a viagem com a mulher, matou o bezerro morrinhento que possuíam, salgou a carne, largou-se com a família, sem si despedir do amo. Não poderia nunca liquidar aquela divida exagerada. Só lhe restavam jogar-se ao mundo, como negro fugitivo.
Ao narrar à fuga da família sertaneja da fazenda, o autor descreve o sertanejo
como um fugitivo, primeiro teria fugido da seca e depois da exploração cometida
pelos fazendeiros, que muitas vezes aproveitava-se dos efeitos da seca e o estado
de vulnerabilidade social dos retirantes, para oferece-lhe uma forma de trabalho
injusta, onde só o dono da fazenda teria vantagem.
Nessa perspectiva, Ramos (2010) traz à tona a exploração, sofrida pelos
sertanejos nas fazendas onde conseguiam trabalho. A situação de trabalho se
configurava no sistema de acordo entre padrão e empregado, onde o empregado
tem direito a metade do que produz, no entanto a metade da produção agrícola que
cabe ao empregado é em muitos casos vendido a preços irrisórios ao próprio dono
da terra.
Muitas vezes o valor que resta ao trabalhador é usado para pagar dívidas
adquiridas anteriormente ao plantio, como as ferramentas de trabalhos, as sementes
e os alimentos para alimentar a família.
Geralmente essas compras são realizadas no armazém que pertencem ao
fazendeiros/latifundiários, que cobram preços exorbitantes, com isso o trabalhador,
permanece em divida com o patrão mesmo depois da colheita, tendo que trabalhar
mais para pagar novas dívidas, tornando assim o trabalhador refém de uma conta de
armazém que nunca acaba durando às vezes gerações.
31
Graciliano Ramos (2010) sensibilizou o Brasil com os problemas sociais
decorrente das secas, além de fazer uma denúncia à exploração do sertanejo no
campo. Algo novo na obra do autor é que o mesmo não chama atenção apenas para
a questão do clima como responsável pela miséria do sertanejo, mas também para
exploração da mão-de-obra que o mantem no sistema de dependência do
latifundiário.
De forma conjunta os discursos políticos, científicos, musicais e literários
colaboraram para construção de um imaginário sobre o “Nordeste das secas”, onde
a palavra “seca” estava associada à desgraça e ao êxodo rural, enquanto a palavra
chuva estava associada à esperança e abundância.
É indiscutível que a seca é um fenômeno climático que provoca longos
períodos de estiagem, altas temperaturas que colabora para a evaporação da água
do solo e dos reservatórios, interferindo na economia do território atingido pelo
fenômeno, no entanto, percebe-se que os discursos que sustentavam os longos
períodos de estiagem, como a causa principal dos flagelos, defendia uma falsa ideia
da inexorabilidade do clima semiárido. Entretanto essa ideia vem sendo
desconstruída, para a construção de um novo paradigma que sustenta o conceito
que é possível conviver com o clima semiárido e criar condições necessárias, sem
agredir a natureza, para a permanência da população sertaneja no semiárido
mesmo durante a ocorrência das secas.
2.5 A DESCONSTRUÇÃO DO DISCURSO SOBRE A SECA
Segundo pesquisadores como ANA (2005) Baptista (2010), Malvezzi (2007)
Andrade(1985) afirmam que a seca não é um fenômeno que ocorre apenas no
Semiárido brasileiro, atinge também regiões da África, da Ásia, da Austrália e da
América do Norte, podendo ser prognosticada com uma certa antecedência, já que o
fenômeno apresenta uma relativa periodicidade. No entanto, sua ocorrência tende a
provocar maiores impactos em regiões mais povoadas e nesse sentido o Semiárido
brasileiro, segundo a ASA (2009) é o semiárido mais povoado do mundo.
No entanto Andrade (1985, p.7) lembra que
é necessário desmistificar a seca como elemento desestabilizador da economia e da vida social nordestina e como fonte de elevadas despesas para a União...desmitificar a ideia de que a seca, sendo um fenômeno
32
natural, é responsável pela fome e pela miséria que dominam na região, como se esses elementos estivessem presentes só aí.
Na visão do autor é necessário desvincular a imagem da seca como a
responsável pelo baixo desenvolvimento econômico do Nordeste, assim como a
falsa ideia que ela, sendo um fator natural seja a responsável pelos problemas
sociais presentes no Semiárido.
Para Baptista (2010) a seca não é nenhuma catástrofe. Catástrofe é segundo
o autor a falta de planejamento dos nossos governos para a convivência com o
período da seca, já que o governo teve três décadas, desde a última grande seca
para se preparar para ocorrência de uma nova seca, e mesmo assim, como tantas
outras vezes, parecem que foram apanhados de surpresa, mesmo sabendo que as
secas ocorreriam. O autor ainda adverte que por falta de planejamento, o governo
faz uso de medidas de emergência, gastando valores exorbitantes para evitar casos
de calamidades sociais, denominando suas ações de combate a seca.
Na visão de Schistek (2010) o termo “combate à seca” foi escolhido com
muita astúcia pelo governo, pois através deste lema os políticos em diferentes
épocas procuravam demostrar à preocupação com a área geográfica mais dramática
do Brasil. É fato que o Governo Federal tenha investido milhõesem tentativas
frustradas de combater os efeitos da seca, todavia Baptista (2010, p. 22) afirma que
não se pode combater ecossistemas, variações climáticas, direção de ventos e o sol. É preciso haver políticas públicas que façam a região produzir de maneira segura para si e para o mercado, viver sem catástrofe, exatamente com este clima que temos.
Na visão do autor não se pode combater aquilo que é próprio de uma região,
como suas condições climáticas e seu ecossistema, em outras palavras segundo o
autor, “as políticas direcionadas ao combate a seca trata o Semiárido, como se está
não fosse uma região viável” (BAPTISTA, 2010, p.102).
Castro (1992) ressalta que as políticas de combate a seca, não têm
enfrentado a concentração da água e da terra nas mãos de poucos, que se
configuram nos principais causadores da desigualdade social existente no Nordeste.
Baptista (2010) em concordância com Castro (1992) lembra ainda que, existe na
Região Nordeste além da acumulação da água e da terra em mãos de poucos, a
33
acumulação do saber e das oportunidades nas mãos de uma classe abastarda,
contribuindo assim para a manutenção de uma concentração de renda desigual.
Segundo informações da ASA (2010) em alguns locais do Semiárido o índice
das chuvas pode chegar a 800 milímetros por ano, enquanto em outros a média
passa apenas um pouco de 300 milímetros anuais, fazendo do Semiárido brasileiro
o mais chuvoso do mundo, portanto o problema do Semiárido não é a escassez de
água, e sim a distribuição da chuva em poucos meses do ano, quando 90% das
água da chuva é perdida por evaporação e escoamento superficial.
No entanto, a ASA (2010) ainda lembra que existe no Nordeste o
armazenamento de quase 35 bilhões de litros de água nos grandes açudes e
barragens, porém o problema encontra-se na concentração e distribuição desta
água, pois a maior parte deste armazenamento é feita pela elite agrária, que utilizam
está água para produção em larga escala e a outra parte é destinada ao
abastecimento dos centros urbanos, excluído os pequenos agricultores rurais, que
possuem na agricultura a sua principal fonte de renda, permitindo que esses sujeitos
fiquem vulneráveis ao fenômeno da seca. ANA (2005, p.24) explica que
Os impactos da seca dependem da vulnerabilidade das pessoas, das atividades econômicas e do meio ambiente. As pessoas pobres são, naturalmente, as mais vulneráveis, porque não dispõem de meios para enfrentar crises de qualquer natureza. O Semiárido, como se sabe, tem a maior parte da sua população em condição de pobreza, portanto, de alta vulnerabilidade. Entre as atividades econômicas, as que dependem diretamente do clima são mais vulneráveis, de modo especial a agricultura de sequeiro e a pecuária. Em conjunto, a pequena agricultura de subsistência, praticada por trabalhadores rurais e pequenos produtores, forma o conjunto econômico e social mais vulnerável à seca.
Esses sujeitos descritos pela ANA (2005) que muitas das vezes compõem a
imagem dos flagelados pela seca, que encontram como única alternativa de
sobrevivência a migração para o litoral, quando na verdade essas condições de
calamidades se dão pela falta de uma política pública que se construa na
convivência com o semiárido, criando alternativas para que o sertanejo não precise
abandonar suas terras em busca de sobrevivência.
Nas observações realizadas por Carvalho (2011, p. 175) em reflexão as políticas
de combate a seca diz que as ações estão
34
desconectadas dos saberes e demandas reais das comunidades rurais, não atribuindo e nem fortalecendo a coesão e força simbólica dos sujeitos ao seu lugar; a visão tecnicista fundada nas ações emergenciais, pontuais e descontextuais que não validaram as singularidades e as particularidades da identidade territorial, como também vincularam a concepção de natureza hostil com conotações de “inóspita”, feia e morta.
Percebe-se, nesse contexto, que, as políticas públicas destinadas ao
Semiárido se davam de forma desvinculada da realidade de sua população, que ao
invés de criar meios de convivência com o lugar habitado, apenas funcionavam
como medidas emergenciais, além de negar as potencialidades da região sobre tudo
do seu ecossistema, associando a imagem da caatinga ao deserto. No entanto a
realidade é que o Semiárido dispõe de grandes variedades de plantas e animais que
souberam se adaptar as condições climáticas, porém as politicas públicas destinada
a está área geográfica ocorriam de forma descontextualizada com a realidade,
contribuindo para desvalorização do Semiárido.
Nesse contexto, emergem um novo discurso para o Semiárido brasileiro
baseado na convivência e não mais no combate a seca; este novo discurso emerge
dos movimentos sociais e de institutos de pesquisa que se dedicam a estudar as
potencialidades da região, assim como, criar medidas sustentáveis para
convivências com o Semiárido.
35
3 PRINCIPAIS POLÍTICAS PÚBLICAS QUE ANTECEDERAM O PROGRAMA 1 MILHÃO DE CISTERNAS
As ações do estado para a tentativa de diminuição às calamidades causadas
pelas fortes secas que castigavam a região semiárida do país só tiveram seu início
devido à grande estiagem que atingiu a região no ano de 1877, a qual causou a
morte de milhares de pessoas.
Além dos efeitos das secas houve a assolação de epidemia de varíola o que
agravou a situação dos sertanejos e ocasionou um grande êxodo rumo ao Sudeste
do Brasil. Após essas ocorrências é que o governo federal, pós-proclamação da
República, passou a criar mecanismos para tentar resolver os problemas da seca,
atuando em conjunto com os governos estaduais.
No que se refere às políticas públicas direcionadas ao combate dos efeitos da
seca no Nordeste, o governo federal possui uma grande experiência, adquiridas nas
tentativas de superar os problemas sociais ocasionados pela má distrribuição de
chuvas nessa região. Embora se trate de um fenômeno natural, ela incide nas
atividades econômicas realizadas pela população que habita em territórios atingidos.
Por políticas públicas podemos entender como todas as intervenções do
Estado na sociedade, visando a superação ou mitigação de algum problema
existente (SOUZA, 2003). As políticas públicas podem ser definidas de acordo com
sua tipologia, por exemplo, política pública educacional, agrícola, agrária, de saúde,
entre outras, ou ainda, enquanto sua finalidade, podendo ser econômica, social,
ambiental, entre outras. Mas independentemente do objetivo/finalidade e a área que
deseje atingir, todas as ações do governo causam desdobramentos na vida da
população, e por isso devem ser bem planejadas, para que se maximizem seus
efeitos positivos, e se minimize a possibilidade de riscos negativos que podem
engendrar.
Assim, será analisado neste capítulo as políticas públicas direcionadas à esta
problemática, em mais de um século de intervenções no território da seca na
tentativa de minimizar os danos causados pelos longos períodos de estiagem.
36
3.1 A SECA E A COMISSÃO IMPERIAL
Durante o Brasil Império os efeitos causados pela seca já eram conhecidos
pela Coroa, contudo o governo imperial não fazia uso de nenhuma medida
preventiva para amenizar seus efeitos. No entanto, com a seca que ocorreu entre
1877 a 1879, a qual foi responsável pela morte de aproximadamente 5% da
população brasileira, fez com que o Nordeste, que na época era Norte, se tornasse a
“região problema” do país, merecendo atenção especial por parte de seus
governantes (VILLA, 2000).
A seca ocorrida entre 1877 e 1879, ficou conhecida como a mais devastadora
do século XIX, pois a longa estiagem ocorreu associada a uma epidemia de varíola,
aumentando assim a necessidade da água. Os flagelados que sobreviveram à seca
começaram a se deslocar em direção aos centros urbanos da região em busca de
emprego. Assim, a seca havia provocado além de muitas mortes, a desnutrição, a
desidratação e a proliferação de muitas doenças, fazendo com que o êxodo rural
aumentasse.
A situação dos flagelados que conseguiram chegar às cidades foi descrita por
Villa (2000, p.51) que informa: “as cidades eram invadidas por milhares de retirantes
nus, esfarrapados, mortos a fome, com a pele e osso, constituía o mais doloroso
espetáculo”.
No cenário descrito por Villa (2000) o governo imperial nomeou a Comissão
Imperial em 1877 incumbida de analisar os problemas causados exclusivamente por
esta seca e propor soluções, após um breve estudo realizado nos estados
nordestinos. A Comissão Imperial concluiu que o problema se dava unicamente pela
falta de chuva, e como sugestão propôs o desenvolvimento dos transportes, a
construção de barragens e a transposição do rio São Francisco (ALVES, 2004).
O desenvolvimento dos transportes objetivava o esvaziamento populacional
dos territórios atingidos pela seca, assim o governo passou a pagar passagens para
os sertanejos em direção ao litoral do Nordeste, onde posteriormente serviria de
mão de obra barata nos canaviais e para a Amazônia, que até o momento era um
território pouco conhhecido nacionalmente, porém havia grande oferta de trabalho
nos seringais.
Tratava-se de uma política de incentivo à migração que pretendia impedir o
aumento da população urbana nas capitais do Nordeste, onde a situação já estava
37
bastante tensa com a presença dos flagelados que sem nenhum recurso se
tornavam pedintes.
Outras medidas também foram adotadas, como a distribuição de água e
alimentos, além da construção de barragens médias e pequenas para estocar água.
As construções eram realizadas pelas Frentes de Trabalhos. As Frentes de
Trabalhos eram conhecidas desde a década de 1970, e consistiam do recrutamento
de flagelados pela seca para a execução de obras públicas remuneradas, neste
sentido os alistados executavam construções de barragens, açudes e estradas.
Esses trabalhadores viajavam o país executando as obras, havendo assim, o
deslocamento do sertanejo do seu lugar de origem para trabalhar em construções
públicas em diferentes estados do Brasil.
Nos anos posteriores, a seca se repete em 1888/1889 atingindo o Estado de
Pernambuco e Paraíba, em sequência ocorre à seca de 1898 a 1900, atingindo
apenas o Estado de Pernambuco, nestas duas secas, as problemáticas que
envolvem esse fenômeno já eram nacionalmente conhecidas devido à repercussão
da grande seca de 1877.
Todavia, o governo manteve as medidas assistencialistas já adotadas
anteriormente, e passou a fornecer “um serviço gratuito de transporte para os
retirantes que desejassem se deslocar para as lavouras de café no Centro-Sul e
para a Amazônia, a fim de trabalhar nos seringais” (SILVA, 2010, p. 102), praticando
assim mais uma política de apoio à migração, responsável pelo êxodo rural nos
estados nordestinos, estimulando e acentuando o esvaziamento do Semiárido.
3.2 A INSPETORIA DE OBRAS CONTRA AS SECAS (IOCS)
No período de 1903-1904 ocorreu outra grande seca na região, muito mais
severa que as duas anteriores, atingindo quase toda a região nordestina, fazendo
novas vítimas e provocando mais uma migração em massa. No entanto esta seca
exigiu mais esforço do governo, pois as Frentes de Trabalhos solicitavam cada vez
mais recursos financeiros da República, assim os recursos de combate à seca
passaram a constar na Lei de Orçamento da República.
Dessa maneira, no ano de 1909 foi criada a Inspetoria de Obras Contra as
Secas (IOCS), sendo o primeiro órgão federal com o objetivo de sistematizar o
combate às secas.
38
Por falta de especialista no Brasil, o órgão recém-formado trouxe cientistas
estrangeiros com a finalidade de realizar estudos científicos sobre as periódicas
secas. Ao final dos estudos foram elaborados relatórios que apontavam prováveis
soluções ao problema posto; tratava-se de uma política de armazenamento de água
para suprir a população e a agricultura durante os longos períodos de estiagem, a
qual ficou conhecida como a “solução hidráulica” (Oliveira, 2006).
Durante a seca de 1915, o IOCS, iniciou a construção de açudes e a
perfuração de poços na região, pois, acreditava-se que o acesso à água se daria
através das obras hidráulica. Visando favorecer o desenvolvimento econômico do
Nordeste, o órgão também investiu na construção de rodovias, mudando dessa
maneira sua característica de instituição de pesquisa para infraestrutura. Dessa
maneira, o IOCS sofreu uma reestruturação administrativa e transformou-se na
Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) através do Decreto nº 13.687,
de 9 de julho 1919.
3.3 A INSPETORIA FEDERAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS (IFOCS)
A Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas intensificou a execução de
projetos hidráulicos, como construção de portos, barragens, açudes e poços,
realizou ainda um importante estudo sobre as potencialidades e os limites do clima,
do solo e da vegetação do Semiárido.
Durante a atuação do IFOCS o Nordeste sofreu quatro secas consecutivas,
1908/1909, 1910, 1914/1915, 1919/1921 e a de 1932, sendo a mais danosa a
ocorrida entre 1919 e 1921, onde o IFOCS alegou não possuir recursos suficientes
para amenizar os efeitos causados por uma seca tão longa, fazendo com que em
1920, fosse criada a Caixa Especial de Obras de Irrigação de Terras Cultiváveis do
Nordeste Brasileiro, mantida com 2% da receita tributária anual da União.
Neste mesmo período o IFOCS passou a receber críticas que alegavam que
suas obras estavam ligadas aos interesses das oligarquias da região, notícias da
época contavam que açudes eram construídos em terras de grandes latifundiários,
favorecendo uma elite agrária. Houve também denúncias sobre o desvio de recursos
destinados à construção de obras hidráulicas e de uso indevido do órgão público
(Castro, 1992; Villa, 2000).
39
Sobre as denúncias de corrupção Castro (1992, p.71) lembra que “a velha
oligarquia agrária consegue manter sob seu controle alguns espaços de poder,
sobretudo o poder local, em nível de município, apoiando as forças mais retrogradas
da política nacional nos setores estadual e federal”. Nesse sentido, o IFOCS
funcionava segundo Castro (1992) sob o domínio da elite agrária, o que favorecia
para que os sertanejos mais pobres continuassem vulneráveis aos efeitos da seca.
Além das denúncias sobre corrupção o esforço realizado pela IFOCS no
Semiárido, se mostrou insuficiente para resolver os problemas decorrentes das
secas, uma vez que a técnica usada para o armazenamento da água não funcionava
como planejado, o solo apresentava elevada capacidade de infiltração, o clima com
alta temperatura favorecia a evaporação da água armazenada nos açudes,
contribuindo para que mesmo com tantas obras os habitantes do Semiárido
continuassem vulneráveis aos efeitos das secas.
3.4 O DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS (DNOCS)
Em 1945, ano em que o Nordeste sofria as consequências de mais uma
grande seca, o IFOCS foi extinto e criou-se o Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas (DNOCS), com o propósito de combater os efeitos da seca nas
suas dimensões física e de infraestrutura, através de construção da engenharia
jamais vista no Nordeste. Tratava-se das “obras contra as secas”, ou seja,
acreditava-se mais uma vez numa solução hidráulica, em que a construção de
açudes seria suficiente para armazenar água, para uso nos períodos de estiagens.
A diretoria do DNOCS assim como o IFOCS indicava que a solução para os
problemas causados pela seca seria alcançada através de grandes obras da
engenharia. Nos primeiros anos de funcionamento, o DNOCS executou obras de
infraestrutura viária, mantendo o mesmo padrão de investimento anterior, mas a
situação tendia a se modificar.
Embora tratasse de um órgão nacional, o DNOCS centrou suas atividades no
semiárido nordestino, áreas mais vulneráveis ao fenômeno da seca, onde passou a
realizar grandes obras como perfuração de poços, construção de barragens, açudes
e de implantação de perímetros irrigados. Todas as obras eram tecnicamente
planejadas com o objetivo de expandir a irrigação, promovendo a agricultura irrigada
no Semiárido (VELOSSO, 2000).
40
O investimento na agricultura irrigada no Nordeste representava “a primeira
manifestação do planejamento da atividade governamental para resolver os
problemas da economia regional”, sendo que a criação de perímetros irrigados tinha
por objetivo minimizar os efeitos da seca na agricultura, reduzido o atraso
econômico do Nordeste em relação ao Centro-Sul. (OLIVEIRA, 1977, p. 44)
Todavia Bursztyn (1985) enfatiza que a proposta de irrigação privilegiava
principalmente as terras de grandes fazendeiros, mantendo excluída do projeto uma
grande parcela de população carente, não causando assim um desenvolvimento
social, e funcionava principalmente para a manutenção do poder da oligarquia rural
e a concentração de terra. Percebe-se que a lógica da utilização do patrimônio
público para benefício de uma classe de coronéis e grandes fazendeiros regionais
ainda persistia, pois, como órgão meramente operacional, o DNOCS ficava a mercê
dos interesses políticos de certos grupos, e ainda mais, “as máquinas e
equipamentos do DNOCS eram utilizados por fazendeiros ao seu bel-prazer”
(FURTADO, 1997, p. 86).
Com a utilização do DNOCS para benefício dos grandes latifundiários
regionais, além de não resolver os efeitos da seca para o sertanejo, o governo
auxiliou ainda para o acirramento de outro problema, a concentração de terras, e a
não reforma agrária no semiárido.
Dessa maneira, ao pequeno agricultor restava apenas a sujeição à
remuneração que os donos das fazendas quisessem pagar, visto que não possuíam
condição para produzir em seus pequenos lotes. A esse respeito, Furtado (1997, p.
86) lembra que “nas terras irrigadas com água dos açudes construídos e mantidos
pelo governo federal, produzia-se para o mercado do litoral úmido, e em benefício de
alguns fazendeiros que pagavam salários de fome”. Em resumo, a seca era
favorável política e economicamente para pequenas oligarquias da região semiárida.
Percebe-se, assim que aos pequenos agricultores restavam apenas vender
força de trabalho, que conforme Furtado (1997) era um salário que malmente
garantia a sobrevivência do trabalhador, consentido que a população sertaneja se
mantivesse dependente dos grandes latifundiários. Desse modo, os projetos de
irrigação que deveriam por fim à miséria do campo, fortalecendo a agricultura local,
passou a favorecer a concentração de terra e de renda.
41
Apesar de não resolver os problemas de convivência com a seca, o DNOCS
funcionava a todo vapor, executando diversos projetos, a ponto de Castro (1992)
apontar que parecia um canteiro de obras o Nordeste brasileiro.
Em meio a esta situação, foi criado ainda o Banco do Nordeste do Brasil
(BNB) em 1952, com o principal objetivo de aplicar os recursos destinados às
construções das obras de combate às secas, além das verbas destinadas às
medidas assistencialistas, que também eram administradas pelo DNOCS.
Simultaneamente, o BNB passou a apoiar a economia do Nordeste,
executando projetos para estimular a economia local como a concessão de crédito
rural e projetos de redescontos rurais para pequenos produtores. Almeida (1986, p.
77), tornou-se o primeiro presidente do BNB e pode fazer a seguinte observação:
(...) nós examinávamos a experiência de combate aos efeitos da seca, e mostrávamos que a solução de engenharia era uma solução insuficiente, que era preciso pensar em termos econômicos, sociais e agronômicos e que não se devia cuidar somente da seca e do polígono das secas, mas da região que era afetada por ele, ou seja, de todo o Nordeste. Era preciso pensar em termos econômicos.
Estava clara a preocupação de Almeida (1986) em pensar o Nordeste para
além das obras hidráulicas, neste sentido, desenvolveu-se projetos de incentivo ao
crédito rural para garantir o funcionamento da economia nordestina, conciliada com
a política de combate aos efeitos da seca, entretanto, esta foi mais uma instituição
apontada por Bursztyn (1985) que favoreceu uma classe nordestina já privilegiada,
ou seja, a oligarquia agrária.
O objetivo dos projetos desenvolvidos pelo DNOCS apoiado pelo BNB era de
diminuir o efeito das secas sobre a vida dos pequenos agricultores, no entanto no
ano de 1958, o Nordeste enfrentou a seca mais severa desde a criação do DNOCS.
As obras implementadas até o momento não se apresentaram como eficientes no
que se refere no combate aos efeitos da seca, ou seja, a ocorrência da seca
continuava causando fome, êxodo rural e desnutrição no semiárido.
Neste mesmo período a instituição passou a receber inúmeras denúncias de
corrupção. Já falou-se da denúncia apresentada por Celso Furtado (1997), mas
outros tantos apontavam a existência das fraudes do DNOCS. A esse respeito Josué
de Castro (1967, p. 194) informa que
42
Mais grave ainda que a miopia técnica fora a mistificação política em que caíra este organismo ao qual competia, também, a distribuição e aplicação das polpudas verbas para ajuda aos flagelados das secas. Nenhum outro organismo técnico fora tão desvirtuado em seus objetivos do que este que canalizava para os bolsos dos senhores de terras e dos seus apaziguados quase todos os recursos que deviam ser destinados a alimentar, a educar, a ajudar a viver os camponeses da região.
Furtado (1998, p. 21) lembra que “quando acontece uma seca, toda a
estrutura sofre, mas o peso maior é suportado pelos que estão mais embaixo”. A
seca provocaria a devastação da produção agrícola, e embora os grandes
proprietários sofressem os prejuízos das longas estiagens, para o sertanejo, a seca
se resumiria em fome, o que demostrava como era frágil a economia da região
Nordeste.
Sobre as ações desenvolvidas pela DNOCS, Suassuna (2002, p. 5) ressalta
que
(.....) o órgão foi dominado pela elite regional e serviu aos interesses dos grandes proprietários rurais acabando, portanto, por permanecer durante décadas nas mãos de políticos oligárquicos, apropriação privada e seletiva dos benefícios, portanto, por permanecer durante décadas nas mãos de políticos oligárquicos, combater a seca representava, quase exclusivamente, a construção de grandes obras de engenharia para represar água.
Conforme exposto por Suassuna (2002) a seca tornou-se um grande negócio
para a elite rural, que se beneficiavam com os recursos públicos. As obras
realizadas pela Instituição concentravam-se, principalmente, nos grandes latifúndios.
O autor enfatiza que a elite econômica e política nordestina assumiu um papel
central na trajetória do DNOCS, onde as ações continuaram servindo muito mais
para manter a realidade existente no semiárido do que modificá-la.
Durante a ocorrência de mais uma grande seca a de 1951/1953, que teve
efeito devastador sobre o semiárido, ficou nítido que as políticas de combate aos
efeitos da seca não haviam causado efeitos duradouros sobre a situação de pobreza
das áreas atingidas pelo fenômeno natural.
Almeida (1995) explica que a relação do DNOCS em relação ao flagelo das
secas, se justificava pelo domínio exercido pelos políticos no desenvolvimento das
ações da instituição. Os políticos oligárquicos serviam aos interesses dos grandes
proprietários rurais, que por sua vez mantinha sob seu controle uma grande área
43
eleitoral, através da troca do voto por benefícios concedidos pelo governo, como por
exemplo, água, sementes e alimentos.
Em relação às obras que deveriam ajudar a combater os efeitos da seca,
Rebouças (2004, p.56) faz as seguintes observações:
Verifica-se que muito investimento improdutivo e operacionalmente não sustentável foi feito, seja porque os grandes e pequenos açudes mais servem para evaporar água do que para regularizar a sua oferta, seja porque os grandes açudes, que poderiam ser uma fonte confiável de água, não se integraram numa política pública de uso racional da água, uma vez que os meios necessários nunca foram sequer construídos – sistemas de adução, canais e adutoras, por exemplo – para conduzir água para onde a maior parte da população da região vive e trabalha.
É notória, através da reflexão do autor a fragilidade das obras de engenharia
construídas pelo DNOCS, onde os açudes não conseguiam armazenar quantidade
de água suficiente para o período de estiagem. Percebe-se ainda, a falta de uma
política de uso racional de água. Outro fator questionado pelo autor é a falta de
infraestrutura para levar a água do açude onde a maior parte da população sertaneja
vive e trabalha.
3.5 O GRUPO DE TRABALHO PARA O DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE
(GTDN)
Sobre a influência de mais uma seca, a de 1958, em 1959 formou-se o Grupo
de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) sob a responsabilidade
de Celso Furtado, o então diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico (BNDE), com o objetivo de planejar alternativas permanentes para o
desenvolvimento da região.
Com este pensamento, o GTDN elaborou o relatório, Uma política de
Desenvolvimento para o Nordeste, onde explicou que, a causa do atraso econômico
do Nordeste em relação ao Sul, dava-se mais por questões como a concentração de
renda na mão da elite agrária, formação de grandes latifúndios, agricultura que
funciona de forma arcaica e a existência de um sistema social patriarcal, do que
propriamente por causa do fenômeno da seca, uma vez que a situação de pobreza
nas áreas úmidas da região Nordeste também era latente (GTDN, 1997).
44
A questão do subdesenvolvimento do Nordeste pela primeira vez estava
sendo desvinculada da questão hídrica, para uma questão muito mais ampla, como
a distribuição desigual de renda e a concentração de terra. Como possível solução
foi indicada pelo GTDN a implementação de uma política industrial no Nordeste
como forma de dinamizar a economia e promover o desenvolvimento da Região
através de um plano de ação considerando os seguintes pontos:
a) promover oferta de emprego à massa populacional flutuante; b) substituir a antiga classe dominante (oligarquia) por uma classe dirigente que visasse o desenvolvimento; c) providenciar para o Nordeste capitais formados em outras atividades econômicas; d) através da industrialização concederia autonomia e expansão manufatureira; e) transformar a economia agrícola da faixa úmida pela ampliação da oferta de alimentos; f) deslocamento da fronteira agrícola do Nordeste para a faixa úmida do hinterland maranhense (GUMIERO, 2014, p. 10).
Para concretização do proposto pelo referido relatório, formou-se o Conselho
de Desenvolvimento Econômico do Nordeste (CODENO), que apontou para a
necessidade da criação de uma autarquia, “o que significava ter um nível
institucional equiparado a de um Ministério, o qual respondia diretamente a
Presidência da República.” (FURTADO, p.12). Para o desenvolvimento do
planejamento elaborado pela GTDN, definiu-se pela criação da Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE, 2000).
3.6 A SUPERINTENDÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE)
Na perspectiva da concretização do relatório, Uma Política de
Desenvolvimento para o Nordeste, em 1959, foi instituída a Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE, 2000), com a missão de promover o
desenvolvimento da Região Nordeste, através da modernização da infraestrutura e a
reorganização da economia nordestina com base numa política de industrialização.
A SUDENE possuía em seu organograma além da função de superintendente
uma Secretaria Executiva, composta por técnicos e burocratas; e um Conselho
Deliberativo, composto por ministros, e os nove governadores da Região Nordeste e
do estado de Minas Gerais, sendo que possuía como área de atuação da SUDENE
a região norte, haja vista que ela compõe a região semiárida brasileira, também
chamado Polígono das Secas.
45
Na busca pela superação dos problemas decorrentes da utilização indevida
da estrutura do DNOCS, ao se instituir a SUDENE, esta ficou como supervisora do
DNOCS, o qual passou a se responsabilizar pela execussão de obras de
aproveitamento de água, extinguindo-se seu papel na execução de obras
rodoviárias, as quais ficaram sob a responsabilidade dos governos federal e
estadual (FURTADO, 1997).
A nova posição da DNOCS diante da constituição de um novo órgão causou
resistência na bancada nordestina, na Câmera dos Deputados Federais, que era
formada por políticos conservadores, “particularmente o pessoal que vive direta ou
indiretamente da seca” (FURTADO, 1998, p.20).
Furtado (1998) faz referência aos desvios dos recursos destinados à seca,
para favorecer a elite nordestina. A instituição já vinha sofrendo denúncias de
corrupção deste a época do IFOCS, tendo sua imagem bastante desgastada por não
ter conseguindo evitar as situações de calamidade durante as secas em que atuou
como órgão responsável por combater os efeitos da seca.
O primeiro Plano Diretor da SUDENE tratava do estabelecimento de uma
política de modernização da infraestrutura na Região. Houve um grande significativo
investimento no setor da energia elétrica, transporte e nos serviços de
abastecimento de água. Nos centros urbanos, tratou ainda de reformular a política
de aproveitamento de recursos hídricos.
Para favorecer a reorganização da economia nordestina, a SUDENE
incentivou a formação de empresas privadas especializadas em diferentes setores
produtivos, através dos incentivos fiscais, nas áreas de caatinga, mas também na
Zona da Mata, com o objetivo da garantia de um “aproveitamento mais racional dos
recursos de terra, colonização da zona úmida, do Maranhão e Sul da Bahia,
coordenação dos investimentos públicos e privados para as indústrias de base”
(GUMIERO, 2014, p.12).
Por meio de estudos científicos a SUDENE analisou as instituições públicas já
existentes no Nordeste, com o objetivo de conhecer os erros e acertos ao longo das
suas execuções, assim, em relação a produção rural, foi desenvolvido o programa
de desenvolvimento agropecuário do Nordeste, uma articulação interinstitucional
entre, Ministério da Agricultura, o DNOCS, o Conselho do Vale do rio São Francisco
(CVSF), o Banco do Nordeste do Brasil e outros órgãos com a supervisão e
investimento de fundos da SUDENE (GUMIERO, 2014).
46
O Segundo Plano Diretor da SUDENE além de dar continuidade às ações do
primeiro plano empregou maior atenção à questão social, fazendo investimentos na
qualificação profissional local, já que faltava mão-de-obra especializada no Brasil,
promovendo a expansão da educação técnica e superior. A questão da expansão do
ensino no Nordeste era percebida como essencial para o sucesso da
industrialização na região, no entanto os investimentos na área da educação eram
voltados para favorecer a industrialização. Sobre isso Furtado (1984, p. 8) reflete
que
O desenvolvimento não é apenas um processo de acumulação e de aumento de produtividade econômica, mas principalmente uma via de acesso a formas sociais mais aptas para estimular a criatividade humana e
para responder às aspirações de uma coletividade.
Nota-se que embora a capacitação humana estivesse voltada para o
processo industrial, que estava sendo implantado na região, havia pela parte do
órgão executor do processo uma preocupação com o capital humano, de forma que
os empregos gerados pelas indústrias fossem ocupados pelos nordestinos, evitando
assim o deslocamento de uma população para ocupar empregos gerados no
Nordeste, no entanto, segundo Bursztyn (1985) os cargos para os quais era
necessário maior capacitação acabaram por ser ocupados por pessoas oriundas de
outros estados e até mesmo de outros países.
Além das medidas para a industrialização do Nordeste, Furtado (1959)
acreditava que uma Lei de Irrigação seria fundamental para evitar que os recursos
destinados aos perímetros irrigados fossem desviados e não favorecessem os
pequenos agricultores. Assim por influência de Furtado, que se tratava do primeiro
Superitedente da SUDENE
Em 1968, o Governo Federal instituiu o Grupo Executivo de Irrigação e Desenvolvimento Agrário (GEIDA), que, em 1970, lançava os delineamentos de uma política de irrigação para o Brasil, através do Programa Plurianual de Irrigação (PPI). A maior parte dos investimentos do PPI foi destinada à Região Nordeste (...) Em 1970, o Programa de Integração Nacional (PIN) contemplou o financiamento da primeira fase do Plano Nacional de Irrigação (BRASIL, 2008, p. 09).
O Primeiro Plano Nacional de Irrigação viabilizou para a implantação de
políticas públicas de irrigação que privilegiou especialmente a região semiárida do
47
Nordeste, aparti de 1970, muitos projetos de irrigação foram iniciados, a exemplo
dos perímentros irrigados e da fruticultura irrigada, mantendo o foco no
desenvolvimento rural.
Furtado (1959) lembra que, durante o desenvolvimento das metas traçadas
pela SUDENE, a instituição também fazia uso de medidas paliativas como a
distribuição de água e alimentos para tentar amenizar os problemas causados pela
seca de 1958 que destruiu as lavouras, deixando muitas famílias sertanejas na
miséria. O DNOCS por sua vez continuava como uma instituição de construções
hídricas, agora, no entanto sob a supervisão da SUDENE.
Em relação aos planos diretores da SUDENE, Gumiero (2014, p.14) explica
que
O Segundo Plano Diretor da SUDENE foi elaborado para o período de 1963/65 e seguiu de modo geral as diretrizes estabelecidas pelo seu antecessor. As mudanças ocorridas do Primeiro para o Segundo Plano Diretor da SUDENE foram redução dos investimentos em infraestrutura de 75% para 46%. No setor de produção, os investimentos elevaram-se de 15% para 24%. No fator humano e bem estar social os investimentos ampliou de 5% para 15%.
Aqui fica perceptível o pensamento de convívio com o semiárido, e não mais
do combate à seca com as grandes obras hídricas dos períodos anteriores. Neste
ponto o desenvolvimento social e econômico foi privilegiado, na tentativa de
dinamizar a economia local com a produção agropecuária adaptada às condições
climáticas locais.
3.7 A SUDENE E A MILITAR
O Segundo Plano Diretor da SUDENE foi interrompido pelo Golpe Militar de
1964, que derrubou o então presidente eleito democraticamente João Goulart,
levando à presidência do Brasil o Militar Humberto de Alencar Castello Branco.
Durante a Ditadura Militar, Celso Furtado o principal mentor da SUDENE foi exilado,
e a SUDENE perdeu sua autonomia como Autarquia, passando a ser uma agência
confiada ao Ministério do Interior (MINTER).
Sob o comando militar, a SUDENE, sofreu cortes no orçamento, centrando
suas ações em medidas assistencialistas para atender os flagelados da seca, e em
contrapartida retomou as ações para o projeto hidráulico nordestino. No discurso a
48
medida era para realizar um aproveitamento das construções realizadas
anteriormente pelo DNOCS, visto que haviam sido construídos diversos açudes e
barragens. Na prática beneficiou a agricultura irrigada e, por conseguinte os
fazendeiros locais, apesar de terem apontado que iriam superar o modelo político
adotado até o momento.
Além do aproveitamento da estrutura hidráulica já instalada, a SUDENE do
período militar centrou esforços na insdustrialização, contudo, essa ocorreu por meio
de incentivos a empreendimentos que se instalaram na área litorânea do Nordeste, e
não na região semiárida.
Entre os anos de 1964 e 1984, uma sucessão de programas governamentais
foram implementados na tentativa de ampliar o desenvolvimento econômico
nordestino, a esse respeito Colombo (2014, p.243) explica que:
A SUDENE não foi extinta porque os militares sabiam que o Nordeste continuava a destoar em níveis de desigualdade quando comparado com as demais regiões e que a exclusão da Superintendência, naquele momento, poderia causar um desgaste ainda maior à região. Todavia, os resultados que a SUDENE apresentava não eram condizentes com o que Furtado desejou inicialmente.
Nota-se que embora a SUDENE tenha sido mantida, os governos militares
que presidiram esta instituição durante todo período militar, que se instalou em 01 de
abril de 1964 e se estendeu até 15 de março de 1985, não seguiram o que estava
estabelecido no planejamento da instituição, fugindo assim do seu foco principal,
que era promover o desenvolvimento econômico do Nordeste.
Houve ainda neste período o fortalecimento do DNOCS que havia perdido
autonomia com a formação da SUDENE, porque após seu fortalecimento, passou a
ser supervisionado por sucessivos coronéis do exército brasileiro, que segundo Villa
(2000) não apresentavam uma real preocupação com a situação dos sertanejos,
focando as ações da instituição para fortalecer o poder da oligarquia agrária.
As secas, no entanto, permaneceram assolando o Nordeste, a mais intensa
dos anos iniciais do governo militar foi a de 1969/1970, e os órgãos governamentais
de atuação na região, mostraram-se despreparados para lidar com eficientemente
com elas.
Um dos maiores problemas existente no período e que em medida
semelhante ainda ocorre e ampliavam os efeitos danosos da seca era a grande
49
concentração de terras, tal como aponta Villa (2000), mais de 50% das terras
estavam nas mãos de pouco mais de 2% da população na década de 1970. Os
governos militares não apoiavam o planejamento da SUDENE no que diz respeito à
reforma agrária, garantindo assim a perpetuação do problema e o favorecimento
uma elite rural. Para acentuar ainda mais os benefícios aos grandes proprietários de
terra, o governo continuavam realizando obras em propriedades particulares.
Sem êxito para combater os efeitos da seca, a Ditadura Militar construiu mais
açudes na região, os quais possuíam uma estrutura física que resistiram por pouco
tempo até se deteriorarem completamente.
As medidas tomadas durante o governo militar segundo Bursztyn (1985)
estavam muito mais ligadas à preocupação dos militares em conter a agitação no
campo, e evitar uma reforma agrária do que em solucionar os problemas causados
pelas secas.
Nesse sentido, foram implantados, o Programa de Integração Nacional (PIN)
que tinha como objetivo a transferência da mão-de-obra do Nordeste para a
Amazônia, incentivando desta forma a migração; o Programa de Redistribuição de
Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA),que visava o
aproveitar as águas do São Francisco e dos açudes já existentes para irrigação e
pecuária de pequenos núcleos e o POLONORDESTE que objetivava criar alguns
polos rurais de desenvolvimento, espalhados pelo Nordeste; e o Projeto Sertanejo,
que visava aumentar a resistência do estabelecimento agrícola contra os efeitos da
seca (BURSZTYN,1985).
Segundo Bursztyn (1985) todos esses projetos não pareciam apresentar
efeitos duradouros, já que havia uma execução equivocada dos projetos, que não
permitia ao sertanejo uma melhor qualidade de vida. Esse equívoco segundo o autor
está relacionado à falta de assistência técnica aos agricultores e até mesmo a falta
de água nos perímetros irrigados, além do desvio de verbas públicas.
A década de 1970 também foi marcada por grandes empreendimentos na
infraestrutura, tendo, por exemplo, a transposição de bacias, perímetros irrigados,
exploração mineral, ferrovias e construção de barragens, além de atrair para a
região megas empresas, consolidando a industrialização.
No entanto Colombo (2014, p.54) lembra que os empreendimentos ocorriam
50
não mais por um sistema planejado, nos moldes do antigo órgão, mas por meio do controle, pelo Governo Federal, da política de desenvolvimento regional, empreendida agora sob as vestes dos Planos Nacionais de Desenvolvimento.
Conforme se pode notar a atual SUDENE, havia se distanciado da ideia de
um desenvolvimento planejado e sustentável, conforme pregava seus planos
diretores, adotando uma postura inteiramente capitalista, atraindo para Região
empresas descompromissadas com a sustentabilidade e as questões sociais. Vale
destacar que como consequência da falta de um planejamento eficaz, a instalação
das indústrias provocou a migração em massa das pessoas do campo para cidade,
constituindo assim um êxodo rural, provocando a precarização da vida nos centros
urbanos, adensamento das favelas próximas aos pólos industriais, e a
desvalorização da mão-de-obra nas indústrias.
A SUDENE estava muito aquém do planejado pelo seu mentor Celso Furtado
e embora o Nordeste tenha crescido muito economicamente, nas décadas de 1970 a
1980, não existiu uma distribuição de renda, o que provocou níveis de desigualdade
muito acentuados na região. Os grandes complexos industriais correspondiam uma
lógica de mercado internacional, o que pouco favoreceu para o desenvolvimento
local.
Durante os anos de 1979 até 1985 ocorreu à seca mais longa do Nordeste
com duração de sete anos. Para amenizar os efeitos de uma seca tão longa o
governo militar optou por investir ainda mais nas frentes de trabalhos, mais de 1,5
milhão de pessoas se alistaram. Só que pela primeira vez as frentes de trabalhos
passaram a realizar obras principalmente hídricas, em propriedades privadas, ou
seja, os trabalhos que inicialmente deveriam ser exercidos apenas em obras
públicas passaram a ser executados em obras privadas.
Sobre essa medida Castro (1992) lembra que, o governo militar argumentava
que os trabalhos em obras privadas manteriam os sertanejos em seus lugares de
origem, evitando assim o deslocamento da população do Nordeste para realização
de trabalhos em outros lugares distantes, porém a autora adverte que essa era mais
uma manobra encontrada pelo Governo de beneficiar a elite agrária do Nordeste e
que a grande repercussão do caso, fez com que as frentes de trabalhos nas
próximas secas voltassem a ser realizadas apenas em obras públicas.
51
3.8 A SUDENE E O PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL
Com a redemocratização do Brasil, em 1985, a SUDENE “revelou-se uma
instituição esfacelada diante de novas opções que se configuravam para o próprio
Nordeste” (COLOMBO, 2014, p. 203). A Instituição pouco se parecia com aquela
planejada por Celso Furtado, de tanto que se afastou dos seus principais ideais, a
exemplo da reforma agrária e do processo de irrigação.
A SUDENE se mostrou entrelaçada as questões da velha e conhecida
oligarquia nordestina, reproduzindo o clientelismo e paternalismo, onde muitas vezes
suas intervenções encobertavam interesses políticos/partidários. Através de
medidas realizadas com recursos públicos, os políticos que possuíam influência
direta sobre áreas eleitorais, é quem decidiam sua destinação.
A questão é que a corrupção nos órgãos públicos destinados ao combate dos
efeitos da seca já vinham sendo denunciados há bastante tempo. Desse modo,
Pessoa (1987) lembra que a SUDENE havia se tornado a principal reprodutora da
Indústria da seca. Sobre a indústria da seca Pessoa (1987, p.98) explica que
Surge a indústria da seca, quando algo em si natural é usado politicamente para a reprodução histórica de privilégios em favor de minorias. Assim, a pobreza nordestina é menos função da seca, do que da exclusão política a que a maioria da população é submetida. Para tanto, concorre
pesadamente à manutenção da ignorância.
O autor explica que a SUDENE como a principal responsável pela reprodução
da ignorância política e pelo fortalecimento da Indústria da seca, uma vez que eram
mantidos os privilégios, e, portanto, o domínio político da oligarquia agrária.
Nota-se ainda que a indústria da seca não é algo novo no Nordeste, já que
historicamente vem se mantendo esta prática de favorecimento no Nordeste. Assim,
a instituição passou a concentrar gastos públicos injustificáveis, e como as demais
instituições que deveriam estimular o desenvolvimento do Nordeste, passou a
reproduzir as mesmas práticas ligadas ao clientelismo, paternalismo e ao
assistencialismo, que já foram alvos de crítica pela própria instituição.
Com a imagem desgastada, o órgão foi desativado em 2001, e substituído
pela Agência do Desenvolvimento do Nordeste (ADENE), criada em 2002, para
52
desempenhar o papel antes exercido pela SUDENE, entretanto no ano de 2004,
após a mudança no Governo Federal a SUDENE foi reestabelecida2.
3.9 RIO SÃO FRANCISCO: IMPORTÂNCIA REGIONAL
Durante o Império, já era reconhecido o grande potencial do Rio São
Francisco na Região Nordeste, no entanto suas águas não eram usadas
adequadamente para minimizar os dramas sofridos na região favorável à ocorrência
da seca. Nesse período correspondente ao ano de 1877 a água do rio perene que
cruza o interior de Minas Gerais e passa por quatro Estados do Nordeste a Bahia,
Sergipe, Alagoas e Pernambuco, era utilizada timidamente, por uma população sem
muitos recursos técnicos.
Foi dado um impulso para o aproveitamento da água do Rio para projetos de
irrigação e desvio de água para abastecer barragens, no ano de 1909 através de
obras hidrícas realizadas pelo IFOCS, porém o enorme potencial do Rio São
Francisco só veio a tona com a construção da Companhia Hidroelétrica do São
Francisco (CHESF) em 1945, que deu um enorme impulso ao desenvolvimento da
Região Nordeste. Oliveira (2001) ressalta que a CHESF representava
Uma das alternativas utilizadas pelo Estado para viabilizar suas estratégias desenvolvimentistas por meio da criação de empresas estatais autônomas e orientadas para a dimensão técnica em detrimento da dimensão política, cujo resultado foi a proliferação de organizações detentoras de melhor desempenho no setor público, sobretudo se comparadas a outras de suas congêneres (2001, p. 11).
Nesse sentido a CHESF representava um avanço do Estado, na promoção de
políticas públicas para a região, tratava-se da maior rede de geração e transmissão
de energia elétrica em alta tensão do País. A área de concessão da CHESF,
inicialmente, beneficiaria os estados nordestinos que estavam incluídos no Polígono
da Seca: Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Paraíba.
A CHESF apresentava um grande avanço para construir a infraestrutura
necessária, na oferta de energia elétrica, para estimulá-lo o desenvolvimento
industrial no Nordeste, no entanto um marco na história da Companhia demostra
2 Devido a sua longa trajetória e devido as alterações em suas ações (por vários contextos distintos), não houve aqui a pretensão de exaurir toda a sua história, sobre tudo em um tópico de capítulo, assim, trouxemos apenas um breve panorama.
53
que ela privilegiou mais as áreas urbanas dos Estados, do que os territórios rurais,
onde a situação de energia e flagelo se mostrava muito mais necessária.
Devido a esta situação, houve a necessidade de criação da Comissão do Vale
do São Francisco, em 1948, tendo como justificativa, o melhor aproveitamento dos
recursos do rio, para favorecer a agricultura irrigada no vale do São Francisco,
promovendo o desenvolvimento econômico da população local. Carvalho (2012)
explica que se tratava de uma rede de proteção hídrica e de proteção social, uma
vez que os projetos de irrigação provocaria uma melhor qualidade de vida, aos
moradores do vale São do Francisco onde até então, a pobreza continuava imutável.
Ainda neste período, sob a justificativa de melhor aproveitamento do potencial
hidráulico do rio, foi apresentado um projeto, propondo a transposição de parte da
água do São Francisco para outras bacias do semiárido. Tal projeto ainda se
encontra em fase de implantação, devido a grande resistência que encontrou na sua
execução, pois colocou em dúvidas a sustentabilidade do rio, e por ao longo da sua
existência, ter favorecido uma classe já abastada com os projetos de irrigação,
permitido que grande parte da população ribeirinha permanecesse na miséria.
A Comissão do Vale São Francisco passou por transformações
administrativas. Tornando-se a Superintendência do Vale do São Francisco
(SUVALE), em 1967, e em 1974, a Companhia do Vale do São Francisco
(CODEVASF), para dar seguimento ao projeto de desenvolvimento à região do Vale
do São Francisco.
O geógrafo Aziz Ab’Sáber, no artigo “A quem serve a transposição?” de 2005,
afirma que:
O risco final é que, atravessando acidentes geográficos consideráveis, como a elevação da escarpa do Araripe – com grande gasto de energia! -, a transposição acabe por significar apenas um canal tímido de água, de duvidosa validade econômica e interesse social, de grande custo, e que acabaria, sobretudo, por movimentar o mercado especulativo, da terra e da política. No fim, tudo apareceria como o movimento geral de transformar todo o espaço em mercadoria. ( AZIZ AB’SÁBER, 2005, p.?)
Dessa maneira percebe-se que a transposição sofre de grandes impasses
devido a questões técnicas bem como das dúvidas por parte da sociedade sobre
seus verdadeiros objetivos, visto que por meio desta transposição não seria possível
solucionar os efeitos da seca, mas aparentemente beneficiar um grupo,
transformando as terras por onde o leito do rio seria desviado mais valorizado.
54
3.10 AS SECAS DA DÉCADA DE 1990
A década de 90 entrou para os registros climáticos da Região como a década
mais assolada pela seca no Nordeste e no Norte de Minas Gerais Os anos de 1993,
1996, 1997, 1998 e 1999, foram marcados por longas estiagens, quando o que
separava a demarcação de tempo de uma seca para outra era a ocorrência de
invernos fracos, ou seja, curto período chuvoso que não eram suficientes para a
demanda hídrica da região.
Em decorrência dos efeitos das secas, a população passou a sofrer as
mazelas já conhecidas em tempos de seca, como fome, morte por desnutrição,
perda das lavouras e de criações de animais.
Como já havia ocorrido nas secas anteriores houve o alistamento dos
flagelados nas frentes de trabalhos, e adoção de medidas assistencialistas, como
por exemplo, a distribuição de alimentos. O que nos revela que após décadas de
iniciativas do Governo para contornar os problemas causados pela estiagem, não
parece haver efeitos permanentes dessas intervenções do Estado na vida da
população atingida.
Houve, no entanto modificações no Programa de Frentes Produtivas de
Trabalho (PFPT), que objetivava alistar trabalhadores de áreas atingidas pela seca
para trabalho braçal em obras públicas, passando a permitir a realização do trabalho
em propriedades privadas, se houvesse o compromisso formal do proprietário de
tornar as obras acessíveis à comunidade, para evitar o favorecimento de trabalhos
pagos pelo governo em obras privadas.
Duarte (2000) considerou um avanço no programa, principalmente ao que se
refere à fiscalização do mesmo, que ficaram a cargo das Comissões Municipais. As
Comissões Municipais, criadas em 1993, eram compostas por representantes dos
vários segmentos da sociedade (os poderes executivo, legislativo e judiciário, as
instituições religiosas, as associações comunitárias e os sindicatos dos
trabalhadores). Cabia à comissão a fiscalização do possível cumprimento dos
acordos realizados com os donos das propriedades privadas, as condições de
trabalhos e o pagamento dos salários.
No que se refere à seca de 1998, que se estendeu para 1999, Duarte (2000)
lembra que a mesma estava prevista há mais de um ano pelo Centro de Previsão de
Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), o que sem dúvida marcou um grande
55
avanço, na previsão das secas, uma vez que o Estado teria um ano para se planejar
para evitar uma catástrofe social decorrente da seca, no entanto, o autor lembra que
o país passava por um ajuste fiscal, e que o Governo Federal mesmo tendo as
previsões meteorológicas a seu favor não se planejou para agir.
Seis meses após a ocorrência da seca, quando os dramas sofridos pelos
sertanejos já eram denunciados em noticiarios, o Governo Federal instituiu o
Programa Federal de Combate aos Efeitos da Seca (PFCES) trazendo algumas
inovações no combate aos efeitos da seca, através da criação de programas
especiais que se integravam ao programa maior, que era o PFCES, como a
instituição do Programa Especial de Financiamento para Combate aos Efeitos da
Estiagem que objetivava a oferta de linha de crédito, a mini, pequenos, médios e
grandes produtores rurais, ou à cooperativas, com menor taxa de juros comparado
ao mercado financeiro comum, havendo ainda a possibilidade da prorrogação do
pagamento do empréstimo em caso de ocorrência de seca (DUARTE, 2000).
No que se refere às Frentes de Trabalho, estas passaram por modificações
em sua implementação, visto que passou a incluir programas de educação e
capacitação para os alistados, para que os mesmos pudessem após a seca
conseguir o engajamento noutros postos de trabalho, devido à capacitação
adquirida, marcando assim um avanço nas frentes de trabalhos, que nesse
momento atendia pela nomenclatura de Programa Emergencial de Frentes
Produtivas (PEFP) que funcionavam no Nordeste deste a década de 1970.
Fazendo parte do PEFP, o Programa de Alfabetização e Capacitação para
Jovens e Adultos, objetivava alfabetizar os trabalhadores das Frentes Produtivas,
além de lhes ensinar técnicas para o cultivo da agricultura no Semiárido, criou-se
ainda as Frentes Ecológicas, as quais tinham por objetivo ensinar aos alistados às
técnicas de conservação e recuperação ambiental e de capacitá-los para tarefas
relacionadas com o ecoturismo e as Frentes Culturais que deveriam estimular o
artesanato nordestino através da criação de mercados solidários (SUDENE,1998;
DUARTE, 2000).
Observa-se que após um século de políticas públicas direcionadas ao
combate aos efeitos da seca sobre a vida das pessoas, as secas ainda conseguem
flagelar uma população que continua vulnerável aos seus efeitos. Não se pode dizer
ao mesmo tempo, que os governos e a população são surpreendidos pelo fenômeno
56
natural, uma vez que o mesmo tornou-se previsível, devido ao grande avanço dos
estudos metereológicos no país.
Sobre esse aspecto Villa (2000) ressalta que as catástrofes causadas pelas
secas, já são demasiadamente conhecidas, no entanto o governo espera sua
chegada para agir, em quanto poderiam agir anteriormente através de programas
permanentes, que preparassem o homem para conviver com o clima.
O que se percebe até aqui, é que o governo estava mais empenhado em
esvaziar o território nordestino, fornecendo mão-de-obra para lavouras noutras
regiões (como Norte e Sudeste) do que criar um planejamento emancipatório para a
região, que sofria com as devastadoras secas.
57
4. A GÊNESE DA ASA
No capítulo 3 discutiu-se as intervenções do estado frente às demandas
sociais no Nordeste, e pode-se perceber como foi tratado ao longo de diversas
décadas o problema da má distribuição da chuva nessa Região, assim como no
espaço propício a ocorrência da seca, já que tal fenômeno não ocorre apenas no
Nordeste. Nesse sentido os longos períodos de estiagem levavam a população a
depender dos programas do governo que ocorriam, muitas vezes, em caráter
emergencial, assistencialitas e eleitoreiros.
Frente a esta situação e na busca pela modificação do paradigma existente,
os trabalhadores rurais nordestinos começaram a se expressar e propor medidas
que contornassem os problemas regionais. Esses diálogos começaram a ser
possíveis quando do fim do governda Ditadura Militar em virtude da possibilidade da
sociedade civil emitir opiniões sem as represálias que o regime militar impunha.
Assim, camponeses e as organizações de representação e apoio, como,
Sindicatos dos Trabaladores Rurais, Pastorais da Igreja Catolica, Organizações Não
Governamentais (ONG’s), Associações Rurais, entre outras, se organizavam
buscando intervenções estatais permanentes, para a mitigação e solução dos
problemas, não mais como paliativos. Em 1993, houve a ocupação da sede da
SUDENE, quando da ocorrência de mais uma seca no Nordeste, e a solicitação de
providências eficazes para contornar os problemas advindos com a seca.
Como resposta a grande pressão popular, a SUDENE realiza em maio de
1993 um seminário que envolveu 112 entidades com o tema Ações Permanentes
para o Desenvolvimento do Semiárido Brasileiro. Como produto deste seminário
houve a confecção de um documento proposto pelo Fórum, ali formado, para
definição de um programa permanente com medidas realizadas pelo governo para
garantir um desenvolvimento sustentável no semiárido. O mesmo seria estruturado
de maneira descentralizada por meio de uma gestão democrática, das políticas
agrícolas e agrárias, e de transferência de tecnologias apropriadas (FREITAS,
1993).
Tais propostas foram encaminhadas ao governo federal em julho de 1993, e
foi criado então o Programa de Ações Governamentais para o Nordeste, com ele
houve alterações nas frentes de ação para tratamento da seca, mas que apontavam
58
ao menos para uma nova perspectiva de enfrentamento, pois as Frentes de
Emergência passaram a ser chamadas de Frentes Produtivas de Trabalho.
Antes desse Programa ser entregue e iniciado pela presidência da república,
houve um outro episódio que seria imprescindível para bom funcionamento e para a
participação e controle social das políticas de superação do problemas causados
pela seca, a saber, o nascimento da Articulação do Semiárido (ASA), por meio da
articulação de diversas organizações quando da proposição e realização do
seminário sobre o Semiárido, realizado em junho de 1993, Campina Grande na
Paraíba.
Ainda nesse momento a ASA atuava apenas na Paraíba, sendo composto por
diversas entidades paraibanas, formando assim a ASA-Paraíba que posteriormente
serviu de modelo para a estruturação da ASA- Brasil. vale ressaltar que a situação
de êxodo rural e da grave crise hídrica do momento não possibilitava um cenário
favorável à organização dos camponeses.
Nesse cenário, paulatinamente havia a integração e participação de mais
famílias nos diálogos e ações da ASA, que se fortaleciam com os intercâmbios de
saberes, característico de uma organização política de articulação. As formações e
qualificações realizadas pela ASA além de resgatar os saberes locais, propunham e
desenvolviam novas tecnologias para mitigação do problema climático da região.
Como já mencionado, o problema do semiárido é a má distribuição de chuvas
ao longo do ano e irregularidade das localidades onde chove, ademais, há poucos
cursos d’água superficiais. As obras de combate aos efeitos da seca até então se
davam por meio de abastecimento via caminhão-pipa, e grandes obras como
barragens e açudes. Esse modelo favorecia a subordinação dos pequenos
camponeses, enquanto contribuíam para com os grandes produtores e seus
sistemas de irrigação, visto que esses eram os maiores beneficiários do barramento
das águas nessas grandes obras.
Assim, para além das discussões e propostas de políticas para o semiárido,
ocorreram por parte da ASA às primeiras ações na gestão sustentável dos recursos
hídricos para a região do semiárido, por meio do armazenamento de água da chuva,
através de diversas tecnologias sociais, como tanques de pedra, poços, barreiros,
cisternas de placas entre outras, as quais foram implantadas com grande celeridade
pelas diversas comunidades.
59
As primeiras cisternas de placas foram desenvolvidas no município de
Soledade-PB, por meio do sistema de micro-financiamento3 para garantir que um
maior número de pessoas fossem beneficiadas com essa tecnologia. (CÁRITAS
BRASILEIRA, 2013)
Ações conjuntas foram desenvolvidas para buscar uma convivência com o
semiárido, entre as entidades que representavam a sociedade civil organizada e as
ONG’s articuladas no Fórum Nordeste uma delas, Programa de Aplicação de
Tecnologias Apropriadas às Comunidades (PATAC), foi vanguardista para a difusão
das cisternas.
O PATAC surgiu em 1970 e atuava inicialmente na periferia de Campina
Grande-PB com a difusão de tecnologias sociais para a construção de moradias. Na
década de 1980, passou a atuar no semiárido paraibano, desenvolvendo ações para
a viabilização de uma agricultura familiar sustentável por meio de técnicas e
metodologias de convívio com o semiárido para manejo de recursos hídricos e de
criação animal e produção vegetal (PATAC, 2000, p. ?).
Assim, o PATAC começou a realizar ações conjuntas com os camponeses e
outras ONG’s e entidades de representação dos camponeses, para a difusão do
processo de construção das cisternas e para ampliar sua instalação. O papel das
ONG’s foi bastante importante no que se refere ao acesso à fundo governamentais
por meio de projetos para implantação das cisternas que auxiliou na manutenção do
trabalho em rede.
Além da qualificação para o aprendizado da técnica de construção das
cisternas, houve outras ações complementares de formação em gestão de recursos
hídricos, e a difusão das práticas de preservação das sementes crioulas/da paixão, o
que culminou com a criação dos Bancos de Sementes Comunitários (BSC).
A tradição de guardar as sementes e plantá-las nos primeiros dias de chuva é
inerente a cultura local, e, portanto, não foi um projeto da ASA, mas que com a
criação da Articulação ganhou força e ampliação em sua difusão. A instalação dos
3 O micro-financiamento foi realizado por meio dos Fundos Rotativos Solidários-FRS. Para maiores informações sobre o funcionamento dos FRS, acessar: http://caritas.org.br/fundo-rotativo-solidario-incentiva-desenvolvimento-economico-de-mais-dez-mil-familias-brasileiras/13299
60
BSC garante a perpetuação de espécies nativas e, portanto resistentes ao clima
local e seu uso por parte dos agricultores no período para o melhor plantio4.
No ano de 1999, quando o semiárido brasileiro atravessava mais uma seca,
ocorria em Recife entre 15 e 26 de novembro a 3ª Conferência das Partes da
Convenção de Combate à Desertificação e à Seca (COP3), patrocinada pelas
Nações Unidas. A sociedade civil organizada e atuante na região do semiárido
promoveu o Fórum Paralelo da Sociedade Civil, que contava com a participação de
diversos segmentos da sociedade organizada como os Sindicatos de Trabalhadores
Rurais, Entidades Ambientalistas, Organizações Não-Governamentais, Igrejas
Cristãs, Agências de Cooperação Internacional, Associações e Cooperativas,
Movimentos de Mulheres e as Universidades com o propósito de discutir as
necessidades de intervenção no espaço do semiárido e criar proposta de
intervenções sustentáveis.
Segundo Assis (2009) durante a realização do fórum as discussões teriam
sido bastantes intensas devido à contraposição à política governamental de combate
aos efeitos na seca vigente na época, surgindo assim à necessidade de um espaço
permanente onde as instituições já existentes pudessem se articular politicamente
para pautar a convivência com o Semiárido.
Com este pensamento as diferentes organizações marcam sua união através
de uma articulação permanente. Criando-se oficialmente a Articulação do Semiárido
(ASA), sendo este, sobretudo um espaço politico democrático, onde “diversas
unidades que, através de certas ligações, trocam elementos entre si, fortalecendo-se
reciprocamente, e que podem se multiplicar em novas unidades” (MANCE, 2000, p.
24).
A ASA recém-criada marca seu nascimento, assim por dizer, com a
construção coletiva da Declaração do Semiárido em 26 de novembro de 1999 em
Recife, sendo este um documento que descreve os princípios que regem as
organizações que aderirem a ASA, e os objetivos traçados pela articulação. Desde
então qualquer organização que deseja fazer parte da ASA obrigatoriamente precisa
aderir ao documento.
4 Vale apontar que devido a pressões populares atualmente a legislação foi alterada e houve a legalização das sementes da paixão para o recebimento de financiamentos
61
A Declaração do Semiárido Brasileiro, é considerada o documento mais
importante para pautar a convivência com o semiárido, por apontar medidas
sustentáveis para o desenvolvimento do Semiárido.
Em seu escopo a Declaração do Semiárido (p.03, 1999) inclui
O fortalecimento da agricultura familiar, como eixo central da estratégia de convivência com o semiárido, em módulos fundiários compatíveis com as condições ambientais. A garantia da segurança alimentar da região, como um objetivo a ser alcançado a curtíssimo prazo. O uso de tecnologias e metodologias adaptadas ao semiárido e à sua população, como ferramentas básicas para a convivência com as condições da região. A universalização do abastecimento em água para beber e cozinhar, como um caso exemplar, que demonstra como tecnologias simples e baratas como a cisterna de placas de cimento, podem se tornar o elemento central de políticas públicas de convivência com as secas. A articulação entre produção, extensão, pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico adaptado às realidades locais, como uma necessidade. O acesso ao crédito e aos canais de comercialização, como meios indispensáveis para ultrapassar o estágio da mera subsistência.
A Declaração pautava as necessidades mais urgentes a serem tomadas para
o desenvolvimento do semiárido como a universalização do acesso a água e o
fortalecimento da agricultura familiar. Ao contrário de grandes obras hídricas,
propõe-se o uso de tecnologias baratas para captação da água e priorizar o
pequeno proprietário de terras no acesso a tecnologias sociais e a sistemas de
créditos de forma que a segurança alimentar seja assegurada.
Na visão de Baptista (2010) As propostas elaboradas pelo documento citado
só poderiam ser descritos por organizações que conheciam o semiárido e sabiam
que seria possível criar uma estrutura adequada para que os sertanejos viverem
com dignidade nos períodos de seca.
Segundo a ASA (2008) as trocas de experiências durante a oficialização da
articulação, fez com que os presentes percebessem que a Articulação do Semiárido
deveria nascer juntamente com um grande projeto que incluísse as metas descritas
na declaração do seminário, desse modo é lançado à ideia no fórum da construção
de cisternas de placas em todo semiárido para garantir a água para beber e
cozinhar, já que a experiência da implantação dessas cisternas por algumas
instituições havia alcançados resultados positivos.
Para Batista (2010) a proposta das cisternas demostravam como tecnologias
sociais e baratas podiam funcionar como políticas permanente de convivência com o
62
semiárido, outro fator positivo ao acolhimento da proposta era que a ASA não
poderia correr o risco de se constituir como uma grande articulação sem um projeto
que demonstrasse em todo Semiárido a sua bandeira de convivência com o
semiárido.
Ainda para o mesmo autor, muitas instituições não tinham qualquer
experiência com a construção de cisternas de placas, no entanto se mostraram
favorável ao projeto e se dispuserem a apreender, já que a proposta da captação da
água da chuva se mostrava como uma alternativa para a convivência do semiárido,
devido, sobretudo ao baixo custo do investimento para sua construção e por já haver
exitosas experiências em algumas comunidades.
Com a aceitação da proposta da construção de cisternas de placas de
cimento para captação da água da chuva, os presentes se dispuseram a realizar a
construção conjunta de um projeto para a implantação de diversas cisternas para
captação de água da chuva, com abrangência em toda a região do semiárido, assim
foi concebida a idéia Projeto um Milhão de Cisternas (P1MC).
A proposta das construções das cisternas ainda tinha outro marco histórico,
pela primeira vez, as organizações da sociedade civil do semiárido começam a
desenvolver de forma coletiva um mesmo projeto para ampliar as experiências de
convivência com o semiárido, no entanto ainda caberia à articulação recém-criada a
busca de apoio financeiro para alcançar a meta de um milhão de cisternas
construídas.
Nota-se que na Convenção de Combate à Desertificação e à Seca (COP3) da
Organização das Nações Unidas (ONU), as organizações civis haviam dando
grande passo para sua consolidação enquanto Articulação do Semiárido Brasileiro
não mais se limitando a um único estado haviam lançado a sua própria declaração
como carta de apresentação usada pela agora ASA Brasil até a atualidade e
principalmente a escolha de uma meta em comum, no entanto outros passos
deveriam ser dados em seguida, como à estruturação de um projeto que incluísse
todos os princípios da ASA para as construções das cisternas, a busca de recursos
financeiros para as construções, e a construção das diretrizes da ASA-Brasil.
4.1 A CONSOLIDAÇÃO DA ASA E A CONSTRUÇÃO DO P1MC
63
No ano seguinte ao da COP3, em 15 de fevereiro de 2000, na cidade de
Igarassú-PE, ocorria o Primeiro Encontro da Articulação do Semiarido Brasileiro (I
EnconASA), ou seja, de um encontro entre representantes de organizações da
sociedade civil organizada de todo o Semiárido brasileiro que aderiram a Declaração
do Semiárido.
Nesse momento, ainda havia uma coordenação provisória, contudo, foi o
contexto político e democrático mais importante para as organizações que aderiram
a Articulação do Semiárido, pois foi neste espaço que se constitui a Carta de
Princípios da ASA-Brasil, em que é reafirmado os princípios e fundamentos da
articulação, como pode ser conferido a seguir:
A Articulação no Semiárido – ASA – é o espaço de articulação política regional da sociedade civil organizada, no semiárido brasileiro; São membros ou parceiros da ASA todas as entidades ou organizações da sociedade civil que aderem à “Declaração do Semiárido” (Recife 1999) e à presente Carta de Princípios; A ASA é apartidária e sem personalidade jurídica, e rege-se por mandato próprio; respeita totalmente a individualidade e identidade de seus membros e estimula o fortalecimento ou surgimento de outras redes de nível estadual, local ou temático, adotando o princípio de liderança compartilhada; A ASA se fundamenta no compromisso com as necessidades, potencialidades e interesses das populações locais, em especial os agricultores e agricultoras familiares, baseado em: a) a conservação, uso sustentável e recomposição ambiental dos recursos naturais do semiárido; b) a quebra do monopólio de ASA Articulação no Semiárido Brasileiro 2 acesso à terra, água e outros meios de produção - de forma que esses elementos, juntos, promovam o desenvolvimento humano sustentável do semiárido; A ASA busca contribuir para a implementação de ações integradas para o semiárido, fortalecendo inserções de natureza política, técnica e organizacional, demandadas das entidades que atuam nos níveis locais; apoia a difusão de métodos, técnicas e procedimentos que contribuam para a convivência com o semiárido; A ASA se propõe a sensibilizar a sociedade civil, os formadores de opinião e as decisões políticos para uma ação articulada em prol do desenvolvimento sustentável, dando visibilidade às potencialidades do semiárido; A ASA busca contribuir para a formulação de políticas estruturadoras para o desenvolvimento do semiárido, bem como monitorar a execução das políticas públicas; A ASA se propõe a influenciar os processos decisórios das COPs - Conferências das Partes da Convenção de Combate à Desertificação, das Nações Unidas, para fortalecer a implementação das propostas da Sociedade Civil para o Semiárido, e busca articular-se aos outros Fóruns Internacionais de luta contra desertificação.
Com os princípios descritos a ASA-Brasil é um Fórum de organizações que
atuam em prol do desenvolvimento social, econômico, político e cultural do
semiárido brasileiro, sendo uma rede formada por organizações da sociedade civil
64
existentes no Semiárido que atuam na gestão e no desenvolvimento de políticas de
convivência com a região semiárida, essas organizações são constituídas com a
missão de fortalecer a sociedade civil na construção de processos participativos
para o desenvolvimento sustentável e a convivência com o Semiárido referenciado
em valores culturais e de justiça social.
Vale ressaltar que a ASA não é uma entidade física e sim uma articulação,
por isso o desenvolvimento dos projetos se fazem presente em diferentes territórios
do semiárido através de suas filiadas. Existem várias entidades e grupos filiados à
ASA que se articulam, tanto no nível de seus municípios, quanto do próprio estado,
já que organizações de nove estados fazem parte da ASA. As articulações dos
Estados são autônomas no encaminhamento de suas programações, propostas e
projetos, desde que respeitem os princípios estabelecidos pela ASA-Brasil descritos
na Declaração do Semiárido e em sua Carta de Princípio.
O Encontro Nacional da ASA (EnconASA) trata-se da mais alta instância de
decisão da ASA que se realiza uma vez ao ano entre os anos de 2000 a 2003,
quando passou a ser bianual. O encontro reúne dois delegados de cada estado, que
são também os dois Coordenadores Executivos de cada ASA Estadual, que são
eleitos nos Encontros Estaduais da ASA, que antecedem o EnconASA. São ainda
nos Encontros Estaduais, que as entidades participantes definem as posições e
diretrizes levadas para o EnconASA. Participam ainda do EconASA os responsáveis
pela Associação do Programa Um Milhão de Cisternas (AP1MC).
A metodologia de ação da ASA pode ser percebida através da valorização
dos saberes tradicionais, e isso faz com que o camponês seja sempre parte do
processo, assegurando sua participação nas decisões dos rumos da ASA; e as
práticas de formação, as quais além de propagar os conhecimentos tradicionais,
incluem a difusão de novas tecnologias.
Tais ações se dão por meio de alguns instrumentos como intercâmbios de
saberes, diagnóstico situacional da comunidade, para levantar a situação hídrica
local e sobre aspectos do solo e outras questões ligadas a agropecuária, do
diagnóstico há a realização de um plano de ação para tratar dos problemas
encontrados e situar as intervenções necessárias para superá-los.
Os intercâmbios são realizados em quatro escalas, a saber, microrregional,
regional, estadual e interestadual por meio de encontros, fóruns, reuniões e outras
tipologias de eventos entre os membros da ASA. Esses encontros são realizados
65
entre as ONG’s que compõem a ASA, ou também contando com a presença dos
agricultores. Os temas neles tratados são diversos, como sistema de cultivo e
manejo agroecológico, aspectos sobre os FRS, e discussões diversas sobre temas
de relevante interesse aos princípios da ASA.
Há a representação estadual, e é por meio dela que são construídos os fóruns
de discussões, os quais deliberam sobre os Encontros Estaduais e também os
Encontros Nacionais, assim como sua dinâmica e pauta.
O I EnconASA que tina por objetivo tratar sobre o problema de acesso à água
em períodos de longas estiagens sem o formato assistencialista, e por meio de
práticas que garantissem ações sistemáticas entre seus membros. Sabia-se, no
entanto que as discussões sobre as metodologias a serem adotadas pelo projeto
deveriam ser amplamente discutidas. Assim, foi formado o Grupo de Trabalho
Cisternas (GTCisternas), que em parceria com a coordenação provisória desenhou
o Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido:
Um Milhão de Cisternas Rurais, com o propósito de elaborar um pré-projeto para o
planejamento da construção de um milhão de cisternas no semiárido; tratava-se de
dar corpo a ideia das construções das cisternas originada ainda na COP3.
Esse projeto foi criado seguindo um planejamento baseado em duas
instâncias,
A primeira, que abrangia toda a regiãodo semiárido, era o GT Cisterna, coordenado pela Diaconia. A segunda era composta pelosGrupos de Trabalho Estaduais (GTEs), responsáveis pelas articulações em cada um dos 10 estados-alvo do Programa (Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco,Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo) (FERREIRA, 1993, p. 15).
Através do desenvolvimento do projeto P1MC a ASA pretende
Contribuir com o processo educativo e de transformação social, gerenciado pela sociedade civil, visando a [sic] preservação, o acesso, o gerenciamento e a valorização da água, como um direito essencial da vida e cidadania, ampliando a compreensão e a prática da convivência sustentável e solidária com o ecossistema do semiárido (ARTICULAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO, 2001, p. 19).
Nota-se que o P1MC não trata apenas de construções de cisternas, mas da
promoção de uma transformação social no Semiárido por meio da ampliação de
práticas sustentáveis de convivência com o semiárido, onde o acesso e o
66
gerenciamento da própria água são vistos como direito essencial à vida. Neste
sentido o P1MC ainda incluiu seis pontos principais a serem considerado no seu
desenvolvimento “Conviver com o semiárido, orientar os investimentos, fortalecer a
sociedade, incluir mulheres e jovens, cuidar dos recursos naturais e buscar meios de
financiamentos adequados” (DECLARAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO, 1999,
p.02).
Pode-se perceber que as estratégias descritas pela Declaração do Semiárido
a ser considerado no desenvolvimento do P1MC, possibilita o surgimento de um
novo paradigma no desenvolvimento de projetos no semiárido uma vez que é
explícito o desejo de fortalecer a sociedade, incluindo mulheres e jovens e,
sobretudo o cuidado com os recursos naturais no Semiárido, tendo ainda o desafio
de buscar meios de financiamentos adequados para P1MC, ou seja, que respeitem
os compromissos estabelecidos pela Carta de Princípios e a Declaração do
Semiárido que rege a ASA.
Para garantir a execução desse projeto fez-se necessário realizar a
mobilização para captação de recursos, para o financiamento das obras. Dentre os
financiadores o governo federal, via Ministério do Meio Ambiente (MMA) o qual
apoiou o Projeto Piloto com 500 cisternas entre 2000 e 2001, a Agência Nacional da
Água (ANA), financiou uma nova etapa do projeto entre 2001 e 2003, e também via
Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), a partir de 2003.
Outros aportes financeiros também foram adquiridos por meio de parcerias
com empresas estatais e privadas, por meio de pequenas doações de indivíduos e
outras organizações como a Federação Brasileira dos Bancos (FEBRABAN). Ao
total já foram construídas até junho de 2016, 588.544 cisternas (ASA, 2016) na
região do Semiárido brasileiro.
4.2 A GESTÃO DO P1MC
A ASA é uma articulação apartidária e sem personalidade jurídica, conforme
está determinado na Declaração do Semiárido; isso implica na impossibilidade da
Articulação contratos, firmar convênios e dirigir recursos financeiros. Essa
impossibilidade jurídica foi determinada pelas organizações civis que aderiram a
ASA, para preservar a identidade da ASA como um fórum de articulação política e
não de entidade.
67
Nesse sentido segundo a ASA (2001) a execução do P1MC fica a cargo das
entidades que aderiram a Articulação do Semiárido e a Carta de Princípios tornando-
se membro da ASA-Brasil, que através de pessoas jurídicas podem assinar
convênios e dirigir recursos financeiros. No entanto, para manter a transparência do
P1MC se fazia necessárias à formação de uma unidade de gestão central do
programa, capaz de assinar convênios e prestar contas sobre os recursos
arrecadados (ASA, 2001).
Para responder a necessidade desta função, criou-se a Associação Programa
Um Milhão de Cisternas (AP1MC) cuja direção é rotativa e eleita pelos membros da
ASA, tornando-a em seguida uma Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público (OSCIP5).
A AP1MC na posição de OSCIP passa a ter legitimidades para captar
recursos financeiros, e em seguida firmar contratos para a execução do P1MC com
as entidades que se tornaram Unidades Gestoras Microrregionais (UGMs), ou seja,
essas organizações passam a ser responsável pela execução do programa em cada
microrregião do Semiárido, para o desenvolvimento do projeto.
As UGMs possuem uma relação contratual com a AP1MC para o
desenvolvimento do P1MC, devendo prestar contas dos recursos gastos e do
andamento do P1MC nos Encontros Estaduais da ASA.
Para auxiliar e fiscalizar o trabalho das UGMs a ASA constituiu uma Unidade
Gestora Central (UGC) que trata-se de uma Equipe Técnica da AP1MC, formada por
22 técnicos/as responsáveis por várias ações como: elaboração e negociação de
projetos, desenvolvimento de ferramentas de controle das informações,
monitoramento das ações realizadas pelas UGMs, orientação técnica e gerencial
para as UGMs e elaboração de relatórios para prestação de contas aos
financiadores.
As escolhas das entidades para cumprirem a função de UGMs seguem
critérios criados pela ASA, como ser entidades integrantes da ASA, com pessoa
jurídica formalizada há pelo menos três anos, com experiência em gestão de
5 OSCIP trata-se de um título fornecido pelo Ministério da Justiça do Brasil às ONG’s que atendem ao requisito de normas de transparência administrativas, o que as permite firmar parcerias e convênios com todos os níveis de governo e órgãos públicos (federal, estadual e municipal) e admite ainda que doações feitas por empresas privadas às OSCIP’s possam ser descontadas no imposto de renda das doadoras (FERREIRA, 2009)
68
recursos públicos, trabalhar com agricultores familiares e trabalhadores rurais e ter
experiência específica com a construção de cisternas, estar com a documentação da
entidade regularizada, inclusive no que se refere ao pagamento das obrigações
sociais, a entidade não pode ser dirigida com caráter partidário ou político (ASA,
2001).
Segundo Ferreira (2009) cabe ainda as UGMs estabelecerem parcerias locais
com outras entidades, as Unidades Executoras Locais (UELs), que atuem no âmbito
do município ou das comunidades nos diferentes municípios do Semiárido para
desenvolver o P1MC, pois as expectativas da ASA ao criar as UGMs eram que
essas unidades se articulassem com mais 20 entidades locais, fortalecendo-as e
ampliando a participação da sociedade civil organizada na construção de um
Semiárido mais justo.
Segundo os critérios da ASA (2007, p. ?) para tornar-se uma UEL
(....) as instituições devem ter um envolvimento direto na realização de políticas públicas de convivência com o semiárido e experiência com gestão de recursos públicos e construção de cisternas, dentro da lógica e dos princípios da ASA e do P1MC.
A inclusão das organizações locais no desenvolvimento do P1MC, segundo
Ferreira (2009) é positivo porque aumenta a credibilidade da população local na
capacidade dessas organizações em gerir projetos que tragam benefícios para a
comunidade, causando assim uma maior participação da população nessas
organizações locais que podem ser sindicato, associações, ou outras organizações
coletivas, fortalecendo esses espaços políticos locais.
Para monitorar as informações físicas e financeiras do desenvolvimento do
P1MC, a ASA criou um Sistema Integrado de Gestão e Auditoria (SIGA), que é
abastecido pelas informações das UGC e pelas UGMs. O sistema permite que os
financiadores acompanhem o desenvolvimento do P1MC em tempo real, o SIGA
ainda é capaz de gerar relatórios de prestação de contas e demostra a evolução do
P1MC em todo Semiárido.
O SIGA possui um sistema de georreferenciamento das cisternas, tornando
possível identificar onde estão localizadas geograficamente as cisternas construídas.
Para cada cisterna construída, a ASA numera segundo a ordem de construção, para
que possa saber quantas cisternas foram construídas e quantas ainda faltam até
chegar à meta inicial de um milhão.
69
As cisternas construídas pela ASA ainda são fotografadas juntamente com o
responsável pela cisterna, que no momento da fotográfia assina um recibo
comprovando que recebeu a tecnologia. O documento com a foto do responsável
com a cisterna, juntamente com sua assinatura é associado ao número de
identificação social da família (NIS) tornando o processo ainda mais transparente,
durante a pesquisa documental realizada no MOC, fez se o registro fotográfico de
uma ficha da comunidade Vargem, conforme a fotográfia 1.
FOTOGRÁFIA 1 – FICHA DE IDENTIFICAÇÃO DA FAMÍLIA BENEFICIADA
FONTE: MOC, 2015.
70
O SIGA ao mesmo tempo em que aumenta a responsabilidade das
organizações que desenvolvem o projeto propicia a efetivação de uma gestão mais
responsável e transparente, aumentando assim a confiabilidade dos investidores. No
site da ASA há a prestação de contas com os demonstrativos financeiros e
contábeis de cada ano de exercício da AP1MC (ASA, 2016).
Cabe lembrar que no sistema de gestão do P1MC assim como ao longo de
todo o processo metodológico da ASA, as famílias beneficiárias pelo projeto se
fazem presentes, situação imprescindível para sua autonomia e empoderamento. A
participação das famílias em cada etapa do processo contribui para a construção do
entendimento de que a água é um direito e a cisterna é uma conquista da família.
4.3 DO P1MC AO NASCIMENTO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE ACESSO A
ÁGUA NO SEMIÁRIDO
A ASA desenvolveu o Programa de Formação e Mobilização Social para a
Convivência com o Semiárido por compreender que a água é um direito humano
básico, e, a manutenção do seu acesso garante o consumo humano, a produção de
alimentos e animais, porém o objetivo do Programa é suprir uma necessidade
básica, a água de beber, entende-se que a garantia de água de qualidade é o
principal compromisso assumido pela ASA para com a população do Semiárido
brasileiro (ASA, 2009).
Com a cisterna de placa de cimento ao lado da casa, há a democratização da
água, visto que anteriormente as ações do estado garantiam as construções de
grandes represas e açudes, muitas vezes em áreas privadas, que beneficiavam
apenas os grandes proprietários. Assim, a democratização da água cumpre com
objetivos de cunho social, econômico e político, haja vista que cada família é a
gestora de sua água, o que lhe garante a autonomia, e ainda diminui as práticas de
trocas eleitorais que ocorriam com o sistema de abastecimento pontual por
caminhão-pipa. Sobre esse respeito, a ASA (2016, p ?) aponta que
As medidas emergenciais de combate à seca adotadas ao longo dos anos, como os grandes açudes e poços, são ineficazes e objetos de manipulação política e eleitoral das comunidades. Eles promovem a concentração e não a democratização da água. A concentração da água está, indissociavelmente, ligada à concentração da terra. Os latifúndios, os
71
grandes projetos do agronegócio, as grandes e tradicionais fazendas de gado são estruturados numa injusta distribuição de terras e de água.
O objetivo central da ASA não se constitui apenas em construir cisternas, e
sim, dar início ao projeto maior que consiste em mobilizar, as famílias e as entidades
do semiárido para construir a convivência com o semiárido. No desenvolvimento do
P1MC estão inclusos cursos de gerenciamentos de água, cursos de pedreiro,
reuniões que buscam fortalecer a participação da sociedade sobre a problemática do
acesso a água. Dessa maneira, a construção da cisterna é mais uma ferramenta
mobilizadora, como um material didático, por atender as necessidades básicas que é
a água para consumo humano. Assim
o P1MC possibilita inúmeros avanços não só para as famílias, mas para as comunidades rurais como um todo, como o aumento da frequência escolar, a diminuição da incidência de doenças em virtude do consumo de água contaminada e a diminuição da sobrecarga de trabalho das mulheres nas atividades domésticas (ASA, 2016, p?).
Para Duque (2008) as organizações da sociedade Civil envolvidas no
processo estrutural do Programa, acreditam que é possível a convivência com o
semiárido, desde que haja políticas públicas permanentes e adequadas às
necessidades do território, para que não se repitam as mesmas políticas
desenvolvidas há séculos que se configuravam nas principais responsáveis pela
miséria e pela desertificação no meio rural.
Construir um milhão de cisternas no Semiárido brasileiro, compreende um
projeto audacioso que mesmo com a contrapartida das famílias, e o valor unitário da
cisterna ser muito baixo, o valor total do projeto teria um custo muito alto, que
segundo a ASA (2009) custaria R$ 1.000.000.000,000 (um bilhão de reais), por esta
questão a ASA tinha a consciência que um projeto dessa magnitude só alcançaria
sua meta com o apoio do Governo Federal.
Assim, após uma década de execução do projeto, este passou a ter recursos
previstos no Orçamento Geral da União, tornando-se uma política pública, na qual o
P1MC é reconhecido pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
– Consea como elemento de segurança alimentar e hídrica.
As entidades que formavam a base da ASA temia que com o apoio do
governo, o P1MC perdesse sua autonomia e passasse a reproduzir as velhas
políticas de clientelismo e assistencialista, neste ponto a articulação decidiu que
72
negociaria com o governo, mas determinou que houvesse pontos do projeto que
eram inegociáveis, a exemplo da mobilização que é realizada na comunidade para
construção das cisternas.
Durante a realização do COP3, o ministro do Ministério do Meio Ambiente
(MMA), realizou uma visita ao fórum paralelo da sociedade civil, na oportunidade as
entidades presentes apresentaram a proposta do projeto, e solicitaram o apoio do
ministro para construção das cisternas, que se comprometeu em auxiliar.
Em 2000, firma-se o primeiro convênio com o Ministério do Meio Ambiente,
que só foi possível devido uma parceria com recém-criada Agência Nacional de
Águas (ANA), onde se dar a construção de 500 cisternas para a captação da água
da chuva e a construção de um projeto executivo para o P1MC, que é financiado
pelo convênio. Durante a realização deste convênio a ASA tinha a oportunidade de
demostrar à capacidade de suas entidades na construção de cisterna, e no
desenvolvimento de projetos em grande escala.
A primeira cisterna do P1MC foi inaugurada em novembro de 2000, na
comunidade Lagoa Grande, em Sobradinho na Bahia, a família beneficiada havia
sido desalojada pela construção da barragem de Sobradinho, no rio São Francisco,
e removida para uma área com escassez de água.
A trajetória da família beneficiada pela primeira cisterna do programa era de
grande simbolismo, por demostrar uma realidade no Semiárido brasileiro, onde
muitas famílias sofrem pela falta de água até para as necessidades básicas, como
beber e cozinhar, mesmo morando próximo a grandes barragens.
Com o final do primeiro convênio com o MMA em 2001, a ASA já tinha
transformado o projeto do P1MC em um modelo bem estruturado em torno do
objetivo de construção de cisternas para as famílias das zonas rurais do semiárido.
O P1MC passou atrair novas entidades que se filiaram a ASA, sendo que o
planejamento para aquisição de recursos financeiros para o projeto passou a manter
as entidades unidas (FERREIRA, 2009).
Em um ano de existência a ASA já havia reunido 600 (seiscentas)
organizações atuantes no semiárido, passando a ser referência para as
organizações da sociedade civil, não apenas em quantidades que aderiram a
Articulação, mas também em relação à mobilização.
Em pouco tempo a P1MC ganhou visibilidade, por demostrar que é possível a
convivência com o semiárido através de práticas sustentáveis, Duque lembra que
73
“Outrora o conceito de seca era aquele de modificar o ambiente para o homem nele
viver melhor. A ecologia está nos mostrando que nós devemos preparar a população
para viver com a semiaridez, tirar dela as vantagens” (DUQUE, 2005, p.? apud
SILVA, 2006, p228).
Nesse contexto, a ASA estava expandindo sua prática sustentável de
convivência com o semiárido através do armazenamento da água da chuva, no
entanto as entidades ainda continuavam a lutar por recursos financeiros. Novos
convênios foram realizados em parceria com a ANA, para dar continuidade à
primeira experiência bem sucedida, mas a ASA precisava atrair novos financiadores.
Com o mérito do programa, a ASA passou atrair novos financiadores de
diferentes organizações não governamentais nacionais e internacionais, como
também de iniciativas privadas. O fato também se deve ao modelo da APM1C que
muito facilitava a captação de recursos financeiros de diferentes entidades.
Por outro ângulo Gohn (2006) adverte que ao assumir o compromisso de
construir um milhão de cisternas no semiárido, com o intuito de garantir o acesso à
água de qualidade para consumo humano, a ASA está, assumindo
responsabilidades que pertence ao Governo, como representante oficial do Estado.
Baptista (2010) ressalta que a ASA desenvolvia projetos, através de
convênios e de parcerias, e que ao final de cada meta pré-estabelecida pelo
convênio, a entidade executora realiza-se uma avaliação, em um desses momentos
o autor lembra que
um agricultor, contrariado porque não sepodia ter a continuidade da ação, afirmou mais ou menos nestes termos, para os ricos tem as políticas, para os pobres tem projetos. As políticas ficam durante muito e muito tempo. Os projetos nos tapeiam (aos pobres) durante um tempo e depois desaparecem. E nós vivemos atrás de projetos e nunca de políticas.
Segundo a fala do agricultor descrita por Baptista (2010, p. 108), o mesmo
explica que os projetos “abrangem poucas pessoas, num determinado tempo e área
geográfica. São coisas boas, melhoram a vida de um grupo de pessoas, mas não
vão, além disso,”. Enquanto as políticas “devem atingir a todas as pessoas daquela
categoria ou tipo de necessidade, pois são direitos de todas as pessoas e devem ser
executadas com recursos públicos”.
74
Ainda segundo Baptista (2010) a ASA desenvolvia um projeto o P1MC, que
melhorou a vida de muitas famílias de comunidades rurais no semiárido, no entanto
os recursos eram poucos e acabavam por contemplar poucas famílias, e ao final de
cada convênio a ASA passava a batalhar por um novo. No entanto as experiências
com o desenvolvimento do projeto preparou as entidades base da ASA para mais
tarde vir a desenvolver uma politica pública.
Batista (2010, p. 103) ainda lembra que “as políticas no Brasil se constroem
numa correlação de forças. Quanto mais formos capazes de correlacionar forças e
parceiros, mais fácil será a construção das políticas no rumo que desejamos”. Nesse
sentido uma estratégia da Articulação foi fazer-se presente em diferentes conselhos
que contemplam a participação da sociedade civil como forma de interferir nas
politicas públicas.
Segundo Baptista (2015) atualmente a ASA compõe e participa de 16
(dezesseis) fóruns de controle proposição de políticas públicas, sendo eles
Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO)
Comitê Consultivo do Grupo Gestor do Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA)
Comitê de Desenvolvimento Territorial (CDT) do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf)
Comitê Gestor do Projeto Dom Hélder Câmara (PDHC)
Comitê Gestor do Projeto Marco Regulatório para as Organizações da
Sociedade Civil (OSCs)
Comitê Gestor Garantia Safra
Comitê Nacional dos Fundos Solidários
Comitê Técnico de Tecnologias Sociais do Programa Cisternas do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)
Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf)
Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES)
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea)
Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional (FBSAN)
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social
Núcleo Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
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Ponto Focal Nacional da Sociedade Civil para o Combate à Desertificação
(Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e
Mitigação dos Efeitos das Secas - UNCCD)
Programa de Apoio a Projetos Produtivos Solidários
Nesses espaços políticos a ASA busca além de apresentar sua luta, propor
medidas que facilite a convivência do homem e da mulher com o semiárido,
mostrando através da sua experiência que é possível uma educação contextualizada
com o semiárido, o combate a desertificação através da adoção de práticas
sustentáveis. Dessa forma, a ASA articula-se com outras redes de organizações
pautando a convivência com o semiárido. Duque (2006, p. 140) lembra que “A
grande ambição da ASA é precisamente conseguir inscrever nas políticas públicas o
novo modelo de desenvolvimento para o semiárido, modelo que as famílias
agricultoras estão experimentando e divulgando”.
Para Baptista ( 2010, p.173) “não podemos ficar apenas nos projetos,
devemos partir deles para as políticas”, com este pensamento a ASA aproveitou a
troca de Presidente da República que ocorreu nas eleições de 2002, para dialogar
com o novo governo, em busca de apoio para efetivação de uma politica pública de
acesso a água no semiárido.
A segurança alimentar era um tema prioritário defendido pelo novo presidente
da República Luiz Inácio Lula da Silva, que na tentativa de erradicar a fome no
Brasil, criou o Programa Fome zero, o carro chefe do seu governo, nesse propósito
criou-se o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e de Combate à Fome
(MESA) em 2003, para gerir o programa.
Em 2003 existiam 44 milhões de pessoas ameaçadas pela fome no Brasil,
onde a sua grande maioria se concentrava na população rural do Nordeste, na lista
das cinco áreas prioritárias a serem atendidos pelo governo federal pelo Programa
Fome Zero, os municípios do semiárido nordestino, incluído o Vale do
Jequitinhonha, em Minas Gerais estava em primeiro lugar (BRASIL, 2003).
Por acreditar fielmente que a superação da pobreza rural no Semiárido
brasileiro está vinculada com a descentralização da água para consumo humano,
onde não se pode falar em superação da pobreza, sem antes promover o acesso à
água, que a ASA encontrou caminhos para discutir com o Ministro do MESA a
importância da ação de uma política permanente de acesso à água no semiárido.
76
Segundo Ferreira (2009) como fruto deste encontro entre a Articulação e o
ministro, abriu se uma negociação para que o P1MC passasse a fazer parte do
Programa Fome Zero.
No entanto ainda em 2003, o primeiro termo de parceria entre a MESA e a
AP1MC foi realizado, essa parceria marcava a transição do P1MC, “que deixa de ser
uma ação isolada apoiada pela Agência Nacional de Águas, para figurar como uma
política pública substancial”. Essa diferença institucional ocorre porque o P1MC
passa a fazer parte da agenda de políticas públicas do Governo Federal, como parte
integrante do maior programa a ser desenvolvido pelo Governo Federal.
Com a extinção do MESA, o P1MC passou a ser coordenado pelo Ministério
do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), criado para substituir o
MESA em 23 de janeiro de 2004. Desde 2003 até o ano de 2016 o Governo Federal
continua sendo o maior financiador do programa.
Sobre o contexto das politicas públicas serem desenvolvidas por uma
organização não-governamental, mesmo fazendo parte da agenda política de um
país, Almeida (2005, p. 2) adverte que “não há porque imaginar que a
descentralização suponha inexoravelmente redução da importância do governo
nacional, que pode expandir-se para novos campos de ação ou assumir novos
papéis normativos”. Percebe-se desta maneira que embora a ASA seja a executora
de uma política pública, o governo exerce o papel de principal financiador e
fiscalizador desta politica, não havendo assim diminuição de sua importância, ele
apenas passa a assumir outra função.
A FEBRABAN se tornou desde 2003 o segundo maior financiador do P1MC, o
interesse da Federação em financiar o programa deu-se como contribuição da
entidade ao Programa Fome Zero. O apoio configurou-se no significativo ganho para
AP1MC, no desenvolvimento do P1MC, pois existem gastos para o desenvolvimento
do projeto que não podem ser feitos com os recursos públicos. Desse modo, com o
financiamento da Federação foi possível estruturar as UGMs, através da aquisição
de computadores, carros, telefone entre outros.
Além do P1MC, há também o Projeto Cisternas nas Escolas, o qual possui o
objetivo de garantir água nas escolas rurais do Semiárido, durante todo o ano (visto
que o funcionamento das escolas fica comprometido nos períodos de seca)
garantindo o seu pleno funcionamento, por meio da dotação da tecnologia social de
captação de água da chuva, por meio da implantação de cisterna de 52 mil litros.
77
Esse projeto pode possibilitar uma articulação entre a sociedade civil e
Governos para a criação de programas e políticas voltados para a educação
contextualizada no semiárido.
4.4 A ASA E O PROGRAMA DE FORMAÇÃO E MOBILIZAÇÃO SOCIAL PARA A CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO: UM MILHÃO DE CISTERNAS RURAIS (P1MC)
Na Declaração do Semiárido a captação da água de chuva aparece como
solução para a demanda de recursos hídricos do semiárido, garantindo assim a
sustentabilidade econômica, social e ambiental da região. A alternativa é apontada
em contrapartida com a política de “açudagem”, que envolve projetos de grandes
riscos ambientais. Conforme pode ser conferida abaixo
Aprendemos, também, que a água é um elemento indispensável, longe, porém, de ser o único fator determinante no semiárido. Sabemos agora que não há como simplificar, reduzindo as respostas a chavões como “irrigação”, “açudagem” ou “adutoras”. Além do mais, os megaprojetos de transposição de bacias, em particular a do São Francisco, são soluções de altíssimo risco ambiental e social. Vale lembrar que este ano, em Petrolina, durante a Nona Conferência Internacional de Sistemas de Captação de Água de Chuva, especialistas do mundo inteiro concluíram, na base da sua experiência internacional, que a captação da água de chuva no Semiárido Brasileiro seria uma fonte hídrica suficiente para as necessidades produtivas e sociais da região. (DECLARAÇÃO DO SEMIÁRIDO, 1999, p. 02)
Não há apenas uma oposição a política desenvolvida durantes séculos no
semiárido pelos governos que tão pouco compreendeu a região, existe antes de
qualquer coisa, a consciência que “a água é um elemento indispensável, longe,
porém, de ser o único fator determinante no semiárido” (p.2). Sabia-se, no entanto
que o problema do acesso a água não era a única questão a ser resolvida no
Semiárido, havia segundo Batista (2010) poucas pessoas acumulava água, saber e
terra, mantendo a maioria da população sertaneja na extrema pobreza.
Quando a ASA se consolida através da Declaração do Semiárido, a primeira
proposta é de desenvolver um programa de acesso à água em grande escala. Lopes
(2007, p. 2) lembra que “a gente tinha a clareza de que a água de beber e cozinhar
eram uma questão central. Então, qual era a experiência que a gente tinha
acumulado individualmente, cada organização? Era a cisterna”.
78
Neste sentido o P1MC foi milimetricamente planejado, para se tornar uma
tecnologia social de baixo custo com grande potencial para o armazenamento de
água, contribuído assim para que a população do Semiárido tenha acesso à água
necessária para beber e cozinhar. Além de perpetuar a proposta de convivência com
o semiárido.
Para a ASA o P1MC se constitui “em um processo de formação, educação e
mobilização de pessoas e instituições, que vem desencadeando um movimento de
articulação e de convivência sustentável com o semiárido, através do fortalecimento
da sociedade civil e da construção de cisternas”(ASA,) tendo como objetivo principal
“implementar um processo de formação, calcado na educação para a convivência
com o semiárido e na participação das pessoas e grupos na implantação de políticas
públicas”;
Fazem parte da proposta da construção de um milhão de cisternas, os
seguintes objetivos (ASA, 2008, p.3):
Mobilizar e capacitar um milhão de pessoas;
Construir um milhão de cisternas para captação e armazenamento de
água de chuva;
Propiciar o acesso descentralizado à água potável para um milhão de
famílias, atingindo aproximadamente 5 milhões de pessoas do semiárido.
Para o desenvolvimento desses objetivos, foram construindo uma
metodologia que se inicia com os critérios para seleção dos municípios da região
semiárida para desenvolvimento do projeto, (ASA, 2008, p.3) são eles:
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH);
Índice de aridez e cobertura do programa, estimada pelo Cadastro Único
de Políticas Sociais;
Crianças e adolescentes em situação de risco, mortalidade infantil.
No município escolhido para implatar o Programa, seleciona-se as
comunidades rurais sem fonte de água potável nas proximidades de suas casas, ou
com precariedade nas fontes existentes. Posteriormente, inicia-se a seleção das
79
famílias que serão beneficiadas com o programa, levando em consideração os
seguintes critérios (ASA, 2008, p.4):
Mulheres chefes de família;
Famílias com crianças de 0 a 6 anos;
Crianças e adolescentes frequentando a escola;
Adultos com idade igual ou superior a 65 anos;
Deficientes físicos e/ou mentais
No processo seletivo a estrutura da cobertura da casa é de fundamental
importância para a inclusão das famílias selecionadas no projeto, pois o uso do
telhado adequado irá garante a qualidade da água, nesse sentido a ASA considera
adequado o telado feito com telha de barro.
O P1MC é composto por seis componentes, sendo eles a mobilização, a
capacitação, construção de cisternas, controle social, fortalecimento institucional,
comunicação. As ações a ser desenvolvidas por esses componentes serão
apontadas no quadro a seguir.
QUADRO 1: COMPONENTES E AÇÕES DO P1MC COMPONENTES AÇÕES
Mobilização Formação das comissões municipais, executoras e comunitárias; Cadastramento das famílias que conquistarão as cisternas; Seleção das famílias a partir do cadastro.
Capacitação Formação continuada das equipes técnicas das UGMs; Formação de agentes multiplicadores/as em GRH; Formação continuada de pedreiros/as; Capacitação das famílias em GRH, cidadania e convivência com o Semiárido; Capacitação de jovens em confecção e instalação de bombas manuais.
Construção de Cisternas Envolver as famílias, as comissões e as Equipes Técnicas, desde a marcação do local, até a construção da cisterna.
Controle Social
Compreende os ciclos de eventos que promovem a participação de pessoas e instituições, garantindo a legitimidade dos processos da ASA e o fortalecimento da sociedade civil, em todos os níveis: Encontros Microrregionais; Encontros Estaduais; EnconASA.
Fortalecimento Institucional
Fortalecer as UGMs e a AP1MC,através dos recursos financeiros que permitem a manutenção das 60 UGMs e da UGC, compreendendo: Custeio (Pessoal e manutenção); Investimento (infraestrutura e SIGA)
Comunicação
Promover o acesso comum às informações e a interação entre as organizações que compõem a ASA; A valorização da cultura da região; A imagem positiva do Semiárido; O desenvolvimento de material pedagógico e informativo para as organizações, famílias e comunidades envolvidas com o P1MC. Essas ações são desenvolvidas pela Assessoria de Comunicação da ASA.
80
FONTE: ASA (2001), ELABORAÇÃO DA AUTORA, 2016.
As Comissões municipais são formadas no processo de mobilização, por no
mínimo três integrantes de organizações sociais diferentes com atuação no
município selecionado para implantação do programa. Um das organizações
presentes na comissão municipal torna-se Unidade Gestora Municipal, cabendo a
mesma supervisionar e monitorar a execução do programa.
A constituição das comissões comunitárias, que são formadas por
representantes locais, por no mínimo três entidades com atuação no município,
como por exemplo, presidentes de associação rural, professores, agentes
comunitários, padres, pastores, enfim pessoas que representem uma liderança na
comunidade. A esta comissão cabe à responsabilidade de acompanhar todas as
etapas de desenvolvimento do Programa em âmbito local (ASA, 2009).
As comissões recebem capacitação para desempenhar as suas ações com
domínio, o P1MC ainda busca valorizar a força do trabalho jovem na comunidade
beneficiada, neste sentido filhas e filhos de agricultores recebem treinamento para
desempenhar o papel de animadores de campo, cabendo a eles a tarefa de auxiliar
no processo de mobilização das famílias.
Após o processo de formação e capacitação das comissões. Elas iniciam a
fazer o cadastramento das famílias interessadas a receber a tecnologia social na
comunidade, o animador de campo deve avisar as famílias do cadastramento com
antecedência de forma que todos e todas da comunidade tenham conhecimento do
processo de cadastramento. O cadastro das famílias é realizado através de uma
ficha cadastro em anexo, formado por questões que registram a situação
socioeconômica das famílias e as formas de acesso à água para consumo humano.
Este cadastramento é utilizado pela comissão municipal para realizar a
seleção das famílias a serem beneficiadas com as cisternas, uma vez que a
demanda pela tecnologia costuma ser maior que a ofertada. A seleção é realizada
dentro dos critérios já estabelecidos pela ASA e fiscalizada pela comissão
comunitária, e a lista das famílias contempladas é publica, qualquer pessoa pode ter
acesso, e questionar caso não considere justa a seleção de alguma família.
É ofertado aos homens e as mulheres pertencente às famílias selecionadas a
oportunidade de realizar o curso de capacitação de pedreiras e pedreiros, sendo que
o curso é direcionado para ensinar a técnica da construção de cisternas de placas
81
de cimento para captação da água da chuva, neste sentido a ASA acredita que
esteja contribuindo para que as famílias desenvolvam uma nova prática econômica
para auxiliar na renda da família, além de propagar uma técnica prática e segura de
convivência com o semiárido.
Faz parte da estratégia de mobilização que as famílias apresentem uma
contrapartida para a construção, sendo assim a contrapartida da família inclui a
escavação do solo no local onde ocorrerá a construção da cisterna, e a oferta de
hospedagem e alimentação aos pedreiros durante a construção da cisterna.
Geralmente a hospedagem ocorre na própria residência da família.
De acordo com a ASA (2016) Depois de selecionadas as famílias devem
participar do Curso de Gerenciamento de Recursos Hídricos (GRH) como quesito
para conquistar a cisterna. Durante a realização do curso, que ocorre na própria
comunidade, é abordada questões relacionadas ao Semiárido e ao cuidado com a
cisterna e a água. Em cada curso, são discutidos os seguintes temas.
Gerenciamento dos recursos hídricos – aborda a importância da captação do manejo da água de chuva para a melhoria das condições de vida das famílias e situa a água como um direito básico e a cisterna como uma conquista; Cidadania - faz uma reflexão sobre as relações políticas entre a Sociedade Civil e o Estado, com ênfase nos modelos de desenvolvimento implantados na região semiárida ao longo da história; Convivência com o Semiárido– promove reflexões sobre as características naturais da região e as possibilidades que influenciam nas práticas de convivência sustentável. (ASA, 2016, p?)
Como foi possível observar o curso de GRH discute temas importantes sobre
a proposta de convivência com o Semiárido, as cisternas nesses momentos
formativos funcionam como elemento mobilizador da comunidade rural,
demostrando que a convivência com o semiárido é possível, através de práticas
sustentáveis com o meio natural, faz-se também uma reflexão das velhas práticas
de combate à seca que em nada melhorava a vida dos que viviam no semiárido e
causava grande impacto ao meio ambiente, em contrapartida é debatido como
políticas públicas adequadas podem facilitar a convivência das famílias sertanejas
com a seca.
Ainda nesse momento de formação as famílias são orientadas do cuidado que
devem ter com as cisternas e com a água da chuva armazenada. É ensinada para
as famílias a técnica de coletar da água da cisterna para evitar contaminação da
mesma, o curso de GRH também ensinam formas de tratamento da água da chuva
82
para consumo humano. Nesse sentido, a ASA criou os dez mandamentos da P1MC,
que devem ser repassado às famílias que conquistaram a tecnologia.
1º. A água é presente de Deus e como tal não pode ser vendida, nem negada. 2º. Todas as pessoas, animais e plantas têm direito a água. 3º. Toda casa da zona rural deve ter a sua cisterna. 4º. A cisterna deve ser construída ao lado da casa, longe das plantas com raízes esparramadas e longe de fossas e currais. 5º. A cisterna deve ser cuidada: Lavar todos os anos antes da chuva; Pintar a parte externa de cal branca; Manter a cisterna sempre bem tampada; Proteger os suspiros e entradas de água com tela e pano fino; Guardar os canos depois das chuvas para evitar que rachem, 6º. A água da primeira chuva é para lavar o telhado da casa. Não pode ir para a cisterna. 7º. A água da primeira chuva juntada na cisterna, não pode ser misturada com outra água. 8º. A vasilha para tirar água da cisterna deve ser muito limpa e usada só para isso. Não deixar a vasilha encosta no chão, na terra ou em lugares sujos. 9º. A água da cisterna é para o consumo humano: beber e cozinhar. Assim vai durar todo o período da seca; 10º. Toda água para consumo humano deve ser tratada. (OS DEZ MANDAMENTOS DA CISTERNA DE PLACAS DE CIMENTO, ASA, 2010, p.1)
No sentido de manter os mandamentos sempre lembrados realiza-se um
curso de gerenciamento de recursos hídricos com os agentes comunitários e os
agentes de saúde que atendem a comunidade onde se encontra as cisternas de
placas de cimento, este curso tem como objetivo capacitar os agentes para orientar
os moradores sobre os cuidados com a água da cisterna.
4.5 A CONSTRUÇÃO DA CISTERNA PARA CAPTAÇÃO DA ÁGUA DA CHUVA
Segundo informações da ASA (2003) as entidades ligadas a Articulação
haviam acumulado experiências em diversos tipos de construção de cisternas para
captação da agua da chuva, no entanto para fazer parte do P1MC os integrantes da
ASA acreditaram que deveriam padronizar um tipo específico de cisterna, com esse
intuito a ASA aproveitou a construção das primeiras 500 (quinhentas) cisternas do
programa para avaliar qual seria o modelo mais adequado.
Segundo a mesma fonte a Cisterna de placas de cimento demostrou ser a
mais eficaz pela durabilidade e capacidade de armazenamento e baixo índice de
evaporação da água acumulado. Após a escolha da tecnologia social a mesma
83
passou por ajuste técnico para aprimorar e satisfazer as necessidades do Programa,
o modelo desenhado para cisterna é o resultado de um trabalho coletivo feito por
muitas mãos.
Para Batista (2010) a captação inteligente da água da chuva sempre foi feita
no Semiárido, essas experiências individuais do sertanejo foram adaptadas com o
passar do tempo, assim sua essência sempre esteve ligada com as regiões
semiáridas, tratando-se de tecnologias que fazem parte do conhecimento popular
que não está restrita a uma única pessoa, mas a uma experiência coletiva. Sobre a
elaboração de tecnologia social é valido lembra que
A tecnologia social implica a construção de soluções de modo coletivo pelos que irão se beneficiar dessas soluções e que atuam com autonomia, ou seja, não são apenas usuários de soluções importadas ou produzidas por equipes especialistas (RODRIGUES & BARBIERE, 2008, p.7).
De acordo com Gnadlinger (2006, p.103).
A coleta de água de chuva é uma técnica popular em muitas partes do mundo, especialmente em regiões áridas e semiáridas (que abrangem mais ou menos 30% da superfície da Terra), onde as chuvas ocorrem somente em poucos meses do ano e com bastante variabilidade interanual. O conceito de tecnologia dos sistemas de captação de água de chuva é tão antigo quanto às montanhas, que dizer é uma tecnologia primordial. A coleta de água de chuva foi inventada independentemente em diversas partes do mundo e em diferentes continentes há milhares de anos.
Com esta perceptiva Gnadlinger (2006) ressalta que a coleta de água da
chuva é uma técnica popular, inventada de forma independente em diferentes
lugares no mundo, sendo que se trata de uma tecnologia milenar existente
principalmente em regiões áridas e semiáridas, surgindo devido às necessidades
próprias de cada região. O mesmo autor ainda revela que as grandes civilizações da
historia, como a Greco-romana, Chinesa, Incas e Astecas, adquiriram extensa
experiência com o armazenamento da agua da chuva.
4.6 TÉCNICA DE CONSTRUÇÃO DA TECNOLOGIA SOCIAL CISTERNA DOMICILIAR DE PLACAS DE CIMENTO
O local escolhido para construção da cisterna deve levar em consideração
uma distância segura das fossas sépticas, currais e chiqueiros para que a água
84
acumulada não se contamine, deve se evitar ainda realizar a construção próximo
das árvores para que as raízes da mesma não danifique a tecnologia. Após a
escolha do lugar ideal, inicia-se a escavação que deve ocorrer de forma circular,
com um raio de 1,90 metros, por 1,30 de profundidade.
A confecção do piso da cisterna ocorre com uma camada de 3cm de concreto
com a argamassa que deve ser feita com um saco de cimento, três latas de areia e
quatro latas de brita nº 1. Sobre esta estrutura põe-se uma malha de ferro
confeccionada no local, garantido o nivelamento do piso e aumentando a resistência
do mesmo.
As placas são construídas de forma circular em diferentes tamanhos levando
em consideração a construção da parede e da tampa, os materiais necessários para
construção das placas moldadas de cimento são areia grossa de boa qualidade e o
cimento, as placas são construídas no mesmo local onde ocorrerá a construção.
Com as placas prontas elas vão montando a estrutura da cisterna que
inicialmente é sustentada por madeira, até que suas paredes estejam prontas,
prendem-se três fios de arame nº 12, circundando todos os trilhos na parte exterior
da cisterna, para evitar que a estrutura montada se desprenda durante a aplicação
da argamassa.
Os próximos passos consistem em confeccionar e instalar calhas e canos pvc
nas casas para captação de água da chuva que cai no telhado e escoa para a
cisterna através das calhas. Instala-se ainda nas cisternasbombas manuais para
retirada da água, placas de identificação, tampas e cadeados, além de coadores e
telas de proteção na cisterna e na bica que conduz a agua do telhado para cisterna.
Todos os materiais utilizados na construção e adquirido na sede dos
municípios beneficiados com o Programa como uma forma de movimentar a
economia dos municípios.
Segundo informações da ASA (2003) as cisternas de placas de cimento é
uma tecnologia durável, existem construções no Semiárido com mais de quarenta
anos de existência, no entanto a ASA adverte que a duração está diretamente
relacionada com os cuidados, pois a cisternas costumam a apresentar rachadura
quando permanecem vazias por muito tempo, dessa maneira a cisterna precisa
manter um nível de água mínimo até a próxima chuva, que cubra o fundo da cisterna
para evitar rachaduras.
85
As cisternas de placas tem capacidade para armazenar 16.000 litros de água,
que segundo a ASA é o suficiente para atender as necessidades básicas de uma
família de até cinco pessoas durante oito meses de estiagem. As necessidades
básicas descritas pela ASA é beber, cozinha e escovar os dentes.
86
5. ALTERNATIVA SUSTENTÁVEL DE ACESSO À ÁGUA ATRAVÉS DO P1MC: A EXPERIÊNCIA DA COMUNIDADE RURAL VARGEM
O Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o
Semiárido, Um Milhão de Cisternas, vem sendo implementado em diversas
comunidades rurais do Semiárido Brasileiro como alternativa sustentável de acesso
à água na região. Segundo a ASA (2016) até 21 de maio de 2016 já foram
construídas 585.114 (quinhentos e oitenta e cinco mil e cento e quatorze) cisternas
rurais, sendo que a meta do programa é construir um milhão de cisternas.
Para a ASA (2010), as construções das cisternas têm desencadeado um
movimento de articulação e de convívio sustentável com os recursos naturais, uma
vez que o desenvolvimento do Projeto não se trata apenas de construções, mas de
instituir uma prática sustentável para a realidade do semiárido, através da
mobilização e capacitação das famílias rurais.
Acredita-se ainda que a tecnologia social permita que as famílias tenham uma
melhor condição de vida, com a garantia do acesso à água potável e sem maiores
transtornos, visto que as cisternas são individuais e ficam próximas das casas dos
beneficiados, evitando assim longas caminhadas em busca de água ou da
dependência de caminhão-pipas, o que resultava comumente em trocas/favores
eleitoreiros.
Todavia, é imprescindível confrontar a realidade posta e os objetivos
propostos pelo Programa, a fim de verificar se sua finalidade está sendo alcançada,
bem como se os critérios técnicos estão sendo atendidos.
Assim, nesta etapa da investigação, será analisado se na comunidade rural
Vargem, localizada no município de Feira de Santana-Bahia, onde P1MC foi
implantado no ano de 2014 há o fidedigno cumprimento da finalidade e normas do
Programa, haja vista que nesta comunidade foram implantadas 50 (cinquenta)
cisternas. De forma complementar, foi realizada também análises acerca do impacto
do acesso à água, via cisternas, sobre as condições de vida das famílias
beneficiadas por esta tecnologia social.
As ações para a implantação do P1MC na comunidade rural da Vargem foram
realizadas pelo Movimento de Organização Comunitária (MOC); estando essa em
funcionamento desde outubro de 1967 se caracteriza por uma entidade civil, de
direito privado, para fins filantrópicos e não econômicos. Suas ações no campo
87
incidem no desenvolvimento de políticas públicas para promover a participação
social, a convivência com o Semiárido, a agroecologia, as relações sociais de
gênero, a economia solidária, a educação do campo contextualizada, soberania e
segurança alimentar e nutricional, desenvolvimento sustentável e o direito à
comunicação tendo como alvo principal as trabalhadoras e os trabalhadores rurais,
agricultores e agricultoras familiares, pequenos produtores urbanos, professores
rurais, excluídos dos meios de produção, organizações populares, crianças e
adolescentes em situação de risco social.
A atuação existe em três territórios, sendo eles Sisal, Bacia do Jacuípe e
Portal do Sertão, atendendo 16 (dezesseis) municípios ao qual esta o Município de
Feira de Santana, sendo este o município sede do MOC. Para o desenvolvimento de
suas ações a entidade conta com importantes parceiros, entre eles está o Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Ministério do desenvolvimento Agrário
(MDA) e a Articulação do Semiárido brasileiro (ASA-Brasil), entre outros. A parceria
com a ASA-Brasil permite ao MOC o desenvolvimento do P1MC nos territórios de
sua atuação.
Nesse sentido, Trevisan e Pittol (2008) afirmam que as avaliações e
monitoramentos de programas sociais e políticas públicas em geral são
fundamentais para provocar o melhor desempenho das mesmas, uma vez que as
avaliações tendem a apontar os principais erros e acentos cometidos, levando assim
a uma compreensão que pode favorecer uma reforma no programa. Frey (2000,
p.229) lembra que “a fase da avaliação é imprescindível para o desenvolvimento e a
adaptação contínua das formas e instrumentos de ação pública”, por provocar
aprimoramento ou reformulação das ações desenvolvidas.
Na perspectiva de contribuir com o monitoramento das políticas públicas, que
visam desencadear um processo de transformação social no semiárido, buscou-se
verificar o Programa, como numa pesquisa empírica. Considerou-se o ponto de vista
daqueles que usufruem do Programa, identificando sua percepção sobre possíveis
mudanças proporcionadas pelas cisternas em suas condições de vida. Neste
sentido, coube as famílias beneficiadas avaliarem em que medida a cisterna atende
suas necessidades básicas de consumo, e a importância das cisternas em suas
vidas.
5.1 DOS CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE E NORMAS TÉCNICAS À
88
IMPLEMENTAÇÃO DO P1MC
O P1MC é destinado à população rural de baixa renda6 que vive no Semiárido
e não possui acesso à água encanada ou outro tipo de acesso à água na sua
residência como poço artesiano, cisternas próprias ou outros. Neste intuito, buscou-
se analisar se as 50 (cinquentas) famílias atendidas pelo Programa estavam
incluídas neste critério.
Inicialmente, fez-se necessário averiguar se a comunidade rural Vargem
encontra-se localizada no sertão, haja vista, que a mesma localiza-se no Distrito de
Maria Quitéria no município de Feira de Santana, o qual encontra-se em uma zona
de transição entre a Zona da Mata e o Sertão. Por meio da base de dados do IBGE
(2010) foi realizada uma análise para identificar a localização da comunidade
constatando-se que a mesma é integrante do território que faz parte do Semiárido
Brasileiro conforme mapa 5.
6 O Institudo de Pesquisa Economica Aplicado (IPEA) define baixa renda famílias com o rendimento per capita de até meio salário mínimo mensal.
89
MAPA 4- LOCALIZAÇÃO DE MARIA QUITÉRIA NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO
Sistema Geodésico de Referência: SIRGAS2000 Projeção Cartográfica: Sistema de Coordenadas Geográficas Fonte: IBGE e PMFS Data: Julho/2016 Organizadora: Maria Valdelice Vieira Elaboradora: Caroline Martins Pereira
Distritos de Feira de Santana - Destaque
Maria Quitéria
Feira de
Santana –
Distrito Sede
Maria Quitéria
Jaguara
Bomfim de Feira
Gov. João
Durval Carneiro
Humildes
Jaíba
Matinha
Tiquaruçu
90
Situada no bioma semiárido, dessa maneira, fica claro que o primeiro critério
estabelecido pelo P1MC foi cumprido. Ainda, conforme orientação do MDS a
condição socioeconômica das famílias deve ser condição priorizada para ter acesso
ao Programa, sendo essencial para as famílias encontrar no extrato socioeconômico
de baixa renda, ou seja, possuir menos ou igual a meio salário mínimo per capta
mensal no núcleo familiar.
Para investigar se as famílias beneficiárias em Vargem situam-se no grupo
dos elegíveis ao P1MC, realizou-se levantamento com as mesmas para observar os
rendimentos mensais do grupo familiar, apresentado aqui através do gráfico 1.
GRÁFICO 1: RENDA MENSAL DAS FAMÍLIAS DA COMUNIDADE VARGEM
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Constatou-se que apenas 3 (três) famílias beneficiárias pesquisadas vivem
com um salário mínimo, sendo este valor oriundo de aposentadoria ou de pensão
por doença, ou seja essas famílias não se encaixam na categoria baixa renda. No
que se refere às famílias baixa renda 47 (quarenta e sete) famílias estão nesse
critério, dessas famílias encaixadas no critério de baixa renda, observou-se que 21
(vinte e uma) famílias estão situadas na linha de pobreza7, pois as mesmas
possuem renda entre $100 (cem) a $150 (cento e cinquenta) reais.
Correlacinou-se a situação econômica das famílias com outras informações
7 O IPEA define a linha de pobreza composta por famílias com o rendimento per capita de até $ 154 (cento e cinquenta e quatro) reais.
91
que reforçam o entendimento de famílias baixa renda, como o acesso a programas
de transferência de renda do Governo Federal. Uma vez que é recomendação do
MDS para com o P1MC beneficiar famílias atendidas pelo Programa Federal Bolsa
Família (PBF) como uma forma de garantir a segurança alimentar e nutricional
dessas pessoas em situação de vulnerabilidade social. Afinal “não se faz uma
política de segurança alimentar e nutricional sem acesso adequado à água, que é o
alimento principal para o corpo” (MDS, 2008, p.12).
No entanto, ser beneficiário do PBF para ter acesso ao P1MC é uma
recomendação do MDS, não se configurando assim como um critério que deve ser
seguindo obrigatoriamente. Nesse sentido, o gráfico 2 representa as famílias que
conquistaram o P1MC que também estão integradas no Programa Bolsa Família.
GRÁFICO 2: BENEFICIÁRIOS PELO BOLSA FAMÍLIA
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Pode-se notar que 41 (quarenta e uma) das famílias beneficiadas são
também beneficiadas do PBF, o qual visa atender famílias que estão classificadas
como pobres ou extremamente pobres. Durante a entrevista em campo, as famílias
apontaram o PBF como a principal fonte de renda familiar.
Buscou-se ainda conhecer a principal fonte de renda de cada família, a fim de
conhecer mais detalhadamente a realidade econômica das famílias que participaram
desse estudo. Questionou-se, então, qual era a principal fonte de renda da família. A
resposta encontra-se representada no gráfico 3, onde constatou-se que 29 famílias
beneficiadas possuem os programas sociais de transferência de renda como sua
92
principal fonte de renda.
GRÁFICO 3: PRINCIPAL FONTE DE RENDA DA FAMÍLIA
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Enquanto 3 (três) famílias beneficiadas apontaram a aposentadoria ou pensão
como a responsável pela renda familiar, no que se refere à criação de animais essa
é a principal responsável pela renda de 14 (quatorze famílias), já 4 (quatro) famílias
sinalizaram que a base de sua renda está em vender sua força de trabalho, se
caracterizando por diarista.
Outro critério estabelecido pelo P1MC é o tipo e a condição do material do
telhado, assim no sentido de manter a qualidade da água, ficou estabelecido que as
cisternas de placas de cimento só seriam construídas em casa com telhado de
barro, no entanto, das famílias pesquisadas, uma possui a casa com telhado de
fibrocimento, conforme pode ser visto na fotografia 2.
93
FOTOGRÁFIA 2- CASA COM COBERTURA DE FIBRACIMENTO
FONTE: PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Na concepção de Pereira (2013) na maioria dos países, o uso do fibrocimento
como material de telhado é proibido, por provocar a inalação de fibras, o que
representa um risco à saúde. Quanto ao consumo de água proveniente do telhado
de fibracimento, a autora adverte que os riscos à saúde serão apresentados ao
longo prazo do consumo dessa água contaminada com amianto.
Nessa perspectiva, uma família beneficiada pelo P1MC está fora do critério
de elegibilidade para o Programa; sabe-se, no entanto, que as famílias mais pobres
do Semiárido possuem suas casas com cobertura de fibrocimento por ser um
material mais barato, quando comparado com telhas de barros. Esse critério do
Programa para Pereira (2013) se constitui no principal motivo da exclusão das
famílias mais pobres do Programa, porém entende-se que seja uma medida de
segurança.
Outra situação que foge às conformidades do programa e foi percebida
durante a pesquisa, é que das 50 (cinquenta) famílias beneficiadas com a
construção das cisternas, 2 (duas) famílias possuem suas cisternas construídas em
casa de familiares. Essa situação ocorreu devido ao fato do telhado das residências
dessas duas famílias não corresponderem aos critérios do Programa. Essa
alternativa foi negociada entre beneficiários e os técnicos do MOC, porém, a mesma
94
é inexistente nos critérios do Programa. Percebeu-se ainda, que a água armazenada
é usada pelas duas famílias. Todavia, observou-se que as cisternas estão situadas
na mesma propriedade rural ocupada pelo proprietário da cisterna e tende a
beneficiar as duas famílias, a que consta como proprietária da cisterna, e a que cede
o telhado de sua casa para construção da mesma.
Ao contrário das antigas políticas de combate à seca que tinham como
objetivo a construção de grandes obras hídricas, construídas em grandes
propriedades rurais, o Projeto Cisterna visa sua implantação em pequenas
propriedades rurais, como apresentado pelo gráfico 4, a fim de garantir água de
beber para a população pobre do Semiárido.
GRÁFICO 4 – TAMANHO DA PROPRIEDADE RURAL
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Percebe-se através do gráfico que 47 (quarenta e sete) famílias beneficiadas
com a tecnologia possuem 1 tarefa de terra o que representa aproximadamente 0,15
hectare. Observou-se ainda que essas famílias moram em propriedade própria ou
dos pais e que apenas uma das residências contempladas com o P1MC encontrase
alugada.
Faz parte ainda do critério estabelecido pela ASA beneficiar as mulheres,
tornando-as as principais responsáveis pelas cisternas. Para Cardoso (2015) trata-
se de uma estratégia de valorização da mulher no Semiárido Brasileiro, uma vez que
vivemos numa sociedade patriarcal e machista, onde as mulheres ainda se
encontram excluídas da maioria das políticas do campo. Nesse sentido, constatou-
95
se através do gráfico 5 que apenas 1 (uma) das 50 (cinquenta) cisternas construídas
na Vargem tem o homem como principal responsável.
GRÁFICO 5 – SEXO DO PRINCIPAL RESPONSAVEL PELA CISTERNA
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Segundo a ASA (2010), mulheres chefes de famílias são aquelas que vivem
sem a companhia de um cônjuge e com filhos e são referência em seu domicílio.
Assim, considerou-se que as mulheres que se declararam solteiras, separadas e
viúvas e possuem filhos correspondem a esse critério. O gráfico 6 traz a quantidade
de famílias que possui as mulheres como chefes de família que foram beneficiadas
pelo P1MC em Vargem.
96
GRÁFICO 6: MULHERES CHEFES DE FAMÍLIA
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Constatou-se que das 49 (quarenta e nove) mulheres selecionadas pelo
Programa, 33 (trinta e três) são chefes de famílias, enquanto 16 (dezesseis) dividem
a responsabilidade do domicílio com um companheiro. Nesse caso, mais um critério
do Programa foi cumprido, por buscar a emancipação feminina no campo.
Além dos critérios supracitados, observou-se a estrutura familiar, conforme
apresentado no gráfico 7, onde pode-se notar que as famílias contempladas
correspondem ainda a outros critérios, o de crianças e jovens na residência.
Verificou-se que 23 (vinte e três) das famílias beneficiadas contêm jovens
frequentando a escola, 16 (dezesseis) possuem crianças menores de 6 (seis) anos,
3 (três) das famílias possuem idosos e 2 (dois) representam famílias com
deficientes.
97
GRÁFICO 7: FAMÍLIAS CONTEMPLADAS COM O P1MC
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Percebe-se que as famílias beneficiadas selecionadas se encaixam em mais
de um critério, isto ocorre porque a demanda pela tecnologia na comunidade é muito
maior que a disponibilizada pelo Programa, porém esta se tratou da primeira etapa
do Programa na comunidade, a segunda etapa ocorrerá no ano de 2016 segundo
estimativa do MOC.
O P1MC prevê além da instalação da cisterna, formação para o convívio das
famílias selecionadas na gestão da tecnologia adquirida, assim, o Curso de
Gerenciamento de Recursos Hídricos (GRH) é considerado pela ASA como a etapa
mais importante do Programa, pois é nesse momento que as famílias que
conquistaram a tecnologia social recebem instrução de como cuidar e preservar da
cisterna. Também é ensinado diferentes formas de tratamentos da água da chuva,
para que a mesma se torne potável, ainda são debatidas questões relacionadas ao
direito à água e formas de convivência sustentável com o semiárido.
Além da vital importância da formação para o convívio sustentável no
semiárido, esta etapa configurase como elemento obrigatório para todas as famílias
beneficiadas pelo P1MC. Desse modo, foi observada a participação das famílias no
CGRH, conforme apresentado no gráfico 8.
98
GRÁFICO 8: PARTICIPAÇÃO NO CURSO DE GRH
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Pode-se constatar que 2 (duas) famílias beneficiadas não compareceram ao
curso, não tendo acesso dessa maneira aos conhecimentos compartilhados pelos
presentes, o prejuízo maior na ausência dos beneficiados no curso já citado é que a
mesma não aprende os manejos necessários para o tratamento da água proveniente
da chuva, uma vez que essa água só se torna potável através do tratamento
adequado. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as orientações
fornecem o conhecimento necessário para a prática, capaz de tornar a água potável
apropriada para o consumo humano (OMS, 2011).
Em relação ao critério de contribuir com a construção da cisterna, foi
observado que todas as famílias beneficiadas cumpriram este requisito. Todos os
beneficiados afirmaram que contribuíram cavando o buraco da cisterna, conforme
indicado, serviram todas as refeições durante os dias em que os pedreiros
trabalharam na construção das cisternas em suas propriedades, e ainda atuaram
como ajudantes/servente de pedreiros como pode ser visto na fotografia 2.
99
FOTOGRÁFIA 3 - BENEFICIARIOS ATUANDO COMO AJUDANTES DE PEDREIROS
FONTE: MOC, 2013.
Além da participação como auxiliares na construção, e no apoio às refeições,
a comunidade se organizou e conjuntamente alugou uma casa para hospedar os
pedreiros ao longo da construção de todas as 50 (cinquenta) cisternas, já que a
hospedagem e alimentação dos pedreiros entram como contrapartida da família
beneficiada.
5.2 MANEJOS POR PARTE DAS FAMÍLIAS: ARMAZENAMENTO E TRATAMENTO DA ÁGUA E A MANUTENÇÃO DAS CISTERNAS
O manejo com as cisternas, assim como o tratamento da água armazenada
demostram a sustentabilidade do P1MC, porque mais importante que construir as
cisternas é mantê-las funcionando e garantindo o acesso à água de qualidade para
as famílias beneficiadas que conquistaram essa tecnologia. Portanto, é fundamental
que as famílias realizem as manutenções, de acordo com as orientações da ASA.
Nesse intuito, buscou-se através das entrevistas analisar se as técnicas de
manutenção e demais orientações sobre a gestão da água e da cisternas estão
sendo cumpridas.
100
Em relação à higienização das cisternas, pode-se perceber através dos dados
representados pelo gráfico 9, que 33 (trinta e três) das famílias beneficiadas
apontaram ter realizado o procedimento de limpeza da cisterna após o término da
água da mesma conforme orientação da ASA.
GRÁFICO 9: REALIZAÇÃO DE LIMPEZA DA CISTERNA
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Os demais representados por 17 (dezessete) famílias beneficiadas
confessaram que nunca haviam lavado a cisterna, justificando que não o fizeram
devido ao fato de terem receio em esvaziar sua cisterna para limpar, pois a mesma
ainda possuía água no período orientado pelos técnicos da ASA para realização da
limpeza, esse período geralmente é o final do verão e início do inverno. No que diz
respeito à limpeza do telhado e das calhas, todas as famílias beneficiadas afirmaram
que possuem essa prática visando a qualidade da água armazenada.
Outro fato relevante apresentado pelo gráfico 10 é que 27 (vinte e sete) das
50 (cinquenta) cisternas construídas na Vagem apresentaram defeitos, sendo esses,
rachaduras e infiltrações. Segundo a Beneficiada A, “fomos advertidos que esses
problemas poderiam ocorrer se a cisterna ficasse vazia por muito tempo, mas depois
de feita o tanque ficou três meses vazio esperando a chuva’’ (BENEFICIÁRIA “A”,
PESQUISA DE CAMPO, 2015).
101
GRÁFICO 10: CISTERNAS QUE APRESENTARAM DEFEITOS
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Acredita-se que os defeitos, estejam relacionados com o tempo que a
tecnologia social ficou vazia. No entanto, 23 (vinte e três) famílias beneficiadas
afirmaram não ter tido problema algum com a cisterna. Todavia, das cisternas que
apresentaram defeitos, constatou-se que 24 (vinte e cinco) já tiveram a manutenção
necessária e 3 (três) encontravam-se ainda com defeitos.
Os reparos foram realizados pelos próprios moradores. Sobre esta questão a
Beneficiária B apontou que durante o curso de GRH havia sido ensinado como
realizar o conserto da cisterna, “é só fazer uma massa de cimento consistente e
passar no fundo da cisterna e esperar secar” (BENEFICIÁRIA B, PESQUISA DE
CAMPO, 2016) relatou a mesma. Esse fato corrobora com a imprescindível
necessidade de participação no curso ofertado pela ASA no processo de
transferência da tecnologia.
Durante as entrevistas, questionou-se às famílias beneficiadas se
costumavam colocar alguma substância/elemento dentro da cisterna como forma de
tratamento da água. Esse requisito está apresentado pelo gráfico 12 onde
constatou-se que 34 (trinta e quatro) das famílias beneficiadas introduzem algum
tipo de elemento na água.
102
GRÁFICO 11 – INTRODUÇÃO DE ELEMENTOS NAS CISTERNAS
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Assim, foi verificado que 16 (dezesseis) das famílias beneficiadas inserem
peixes nas cisternas. A esse respeito Pereira (2013) aponta que essa ação pode
levar à contaminação da água, pois o peixe emite sujeira que além de provocar
odores pode interferir na qualidade da água. Verificou-se ainda que 18 (dezoito)
famílias beneficiadas fazem introdução de produtos químicos nas cisternas, sendo
eles cloro, hipoclorito e enxofre o que Silva (2012) apontou como um risco para
saúde, uma vez que essas famílias não tem noção da quantidade exata do produto
que deve ser inserido na cisterna, o que na concepção do autor pode provocar um
intoxicação por consumo de água contaminada com produto químico.
Notou-se ainda que 16 (dezesseis) das famílias beneficiadas agem conforme
orientação do curso de GRH, não inserindo nada dentro da cisterna tratando a água
apenas depois da sua retirada da mesma.
Segundo Di Bernardo (2003), qualquer água pode se tornar potável ao
receber o tratamento necessário. Nessa perspectiva questionou-se o tipo de
tratamento para purificar a água da chuva após sua retirada da cisterna. O gráfico 13
ilustra os tratamentos diferentes tipos de tratamento d’água realizado pelas famílias
em estudo.
103
GRÁFICO 12 - TRATAMENTO DA ÁGUA APÓS RETIRADA DA DA CISTERNA
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Sabendo-se que o requisito da qualidade da água da chuva só pode ser
considerado mediante tratamento, pois esta não é uma água potável, mas de fácil
tratamento, percebeu-se através da sistematização das respostas no gráfico 13 que
10 (dez) famílias beneficiadas não submetem a água a nenhum tipo de tratamento;
outras 10(dez) famílias beneficiadas côa a água - esse processo, no entanto,
garante a retirada de partículas sólidas em suspensão que estejam na água, não
garantido o tratamento da mesma; 11 (onze) famílias optaram pela filtragem da
água, método que retêm as impurezas da água como bactérias, parasitas, pesticidas
- porém, o método por si só não consegue eliminar todas as possíveis impureza da
água; e 16 (dezesseis) famílias beneficiadas fazem uso do cloro, entretanto o
Ministério da Saúde (2010) adverte que quando a dosagem do cloro é menor
que a recomendada, esta não é capaz de provocar a desinfecção, se maior,
acarreta cheiro e sabor desagradável à água, além de possíveis malefícios à saúde.
A forma como a água é retirada da cisterna pode contribuir para
contaminação da mesma. Logo, as famílias beneficiadas são orientadas a usar
apenas um balde para retirar a água da cisterna e não permitirem que esse
recipiente seja usado com outra finalidade. As cisternas ainda são equipadas com
bombas manuais para diminuir a possibilidade de possíveis contaminações. O
gráfico 13 representa as formas mais comuns de retirada da água nas cisternas da
comunidade Vargem.
104
GRÁFICO 13: MÉTODO DE RETIRADA DA ÁGUA DA CISTERNA
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Nota-se que apenas 2 (duas) famílias usam apenas a bomba para retirar a
água, enquanto 30 (trinta) famílias preferem usar o balde, o que a depender do
cuidado com esse recipiente pode facilitar o processo de proliferação de patógenos
nocivos à saúde na água armazenada na cisterna. Já as outras 18 (dezoito) famílias
fazem uso dos dois métodos.
É sabido que além do curso GRH com os beneficiários pelo P1MC, a ASA
ainda oferece capacitação para os agentes comunitários e agentes de saúde para
que os mesmos reforcem junto à comunidade as boas práticas com o manejo da
água das cisternas e os cuidados com essa tecnologia social. Desse modo,
questionou-se às famílias se recebem orientações por parte desses profissionais
sobre os cuidados com a tecnologia social e com o tratamento da água da chuva, as
respostas encontram-se ilustradas no gráfico 14.
105
GRÁFICO 14: RECEBEM ORIENTAÇÕES POR PARTE DOS AGENTES DE SAÚDE
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Observa-se, dessa maneira, que 11 (onze) famílias beneficiadas estão sendo
orientadas pelo agente de saúde, conforme planejado pela ASA, mas 39 (trinta e
nove) famílias beneficiadas afirmam que não recebem qualquer tipo de orientação
em relação ao manejo com a tecnologia social, por parte do agente de saúde.
Pereira (2010) considera que o trabalho conjunto entre ASA e os agentes de saúde
é de fundamental importância para o bom andamento do Programa, entretanto
quando isso não ocorre acarreta em prejuízos às metas estabelecidas pelo P1MC.
Visto que a ASA articula as ações do P1MC em âmbito local por meio de
relações com outras instituições que desenvolvem ações no município, procurou-se
saber se as famílias recebem ou já receberam algum tipo de orientação sobre o
mesmo conteúdo, vindo de qualquer instituição existente na comunidade ou que as
famílias costumam frequentar, como por exemplo, escolas, Centro de Referência da
Assistência Social (CRAS), Igreja, Posto de Saúde ou outros. As respostas
provenientes desse questionamento encontram-se sintetizada no gráfico 15.
106
GRÁFICO 15: ORIENTAÇÕES SOBRE CUIDADOS COM AS CISTERNAS POR PARTE DE INSTITUIÇÕES NÃO LIGADAS À ASA
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Nesta perspectiva, 35 (trinta e cinco) famílias beneficiadas afirmaram nunca
ter recebido nenhuma orientação ou informação sobre o tratamento da água e dos
cuidados com as cisternas por parte de qualquer instituição ou organização, já 15
(quinze) famílias beneficiadas afirmaram já ter recebido alguma instrução sobre a
tecnologia social do P1MC. Essas orientações foram oriundas do CRAS e de
escolas onde os filhos dos beneficiários estudam.
Questionou-se ainda se no último ano, as famílias haviam apresentado
alguma doença de veiculação hídrica, como mostra a ilustração no gráfico 16.
107
GRÁFICO 16: INFECÇÃO POR DOENÇAS RELACIONADAS À ÁGUA
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Constatou que 37 (trinta e sete) das famílias beneficiadas, pelo menos um
membro da família foi infectado por dengue, chikungunya ou zika, 6 (seis) famílias
apresentaram infecção por verminose e 7 (sete) das famílias afirmaram que na sua
residência não houve caso de doenças de veiculação hídrica.
Notou-se ainda no gráfico 16, que das 50 (cinquenta) famílias entrevistadas,
37 (trinta e sete) relataram contaminação por aedes aegipty e aedes albopictus,
que são mosquitos transmissores da dengue, chinkungunia e da zika. Sabese, no
entanto, que no ano de 2015 o Brasil passou por uma epidemia das doenças
supracitadas, principalmente da zica e da chinkungunia, tendo seu surto iniciado na
Região Nordeste do país (MDS, 2015).
A dengue, chinkungunia e zika são consideradas doenças de veiculação
hídrica por ser transmitida por mosquitos que se reproduzem na água doce parada
(OMS, 2010). Por essa razão, existe por parte da ASA a preocupação de fornecer
um cadeado com chave aos beneficiários da cisterna para que os mesmos
mantenham as cisternas sempre trancadas, impedindo, assim, sujeiras na cisterna
ou a proliferação de mosquitos. Porém na visita a campo constatou-se 5 (cinco)
cisternas abertas, conforme ilustrado na fotografia 4.
108
FOTOGRÁFIA 4- CISTERNA ABERTA
FONTE: PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Além de aberta, é possível observar que a cisterna é usada como suporte de objetos
o que pode interferir diretamente na qualidade da água. Verificou-se ainda durante a
visita a campo a presença de vários recipientes colocados nos quintais para
armazenar a água da chuva, esses vasos eram mais comuns em famílias que
possuíam criação de animais, como ilustra pela fotografia 5.
FOTOGRÁFIA 5 - RECIPIENTES DESCOBERTOS COM ÁGUA
FONTE: PESQUISA DE CAMPO, 2015.
109
Esses recipientes descobertos representam um risco à saúde, por serem
focos de reprodução do mosquito transmissor da dengue, chikungunya e zika, que
não por acaso é a principal doença de veiculação hídrica presente na Comunidade
da Vargem.
Quanto à confiança na água da cisterna, o gráfico 17 mostra que 24 (vinte e
quarto) das famílias beneficiadas demonstram confiar na qualidade da água da
cisterna, enquanto que 17 (dezessete) famílias beneficiadas afirmaram não confiar,
já 9 (nove) famílias beneficiadas afirmaram ter dúvidas sobre a qualidade da água.
GRÁFICO 17: CONFIANÇA NA QUALIDADE DA ÁGUA DA CISTERNA
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2016.
Os motivos apresentados para não confiarem ou terem dúvidas sobre a
qualidade da água da cisterna estavam segundo o Beneficiário C relacionados ao
fato da mesma escorrer pelos telhados e ficar armazenada por muito tempo na
cisterna ou pelo fato de ser água proveniente da chuva. (BENEFICIÁRIO C,
PESQUISA DE CAMPO, 2015).
O gráfico 18 apresenta a relação de resposta sobre a água que as pessoas
tinham acesso antes das cisternas, se esta possuía uma qualidade superior,
levando em consideração à cor, ao cheiro e ao sabor da água, em relação à água
que têm acesso atualmente em suas residências, por meio do P1MC.
110
GRÁFICO 18: QUALIDADE DA ÁGUA UTILIZADA ANTES DA IMPLANTAÇÃO DAS CISTERNAS
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2016.
Pode-se perceber que 24 (vinte e quarto) das famílias pesquisadas considera
que a água é de melhor qualidade, para 23 (vinte e três) das famílias a água anterior
possuía uma qualidade superior à das cisternas, já para 3 (três) famílias é
indiferente a qualidade da água que tinham acesso anteriormente e as captadas via
cisternas.
Em relação à origem dessa água anterior às cisternas de placas de cimentos,
o gráfico 19 representa a resposta obtida com o questionamento, onde 26 (vinte e
seis) dos beneficiários informaram que abasteciam suas casas com águas oriundas
de poço artesiano que pertencem a vizinhos, 20 (vinte) dos beneficiários
consumiam a água vindas de barreiros e caminhão-pipa, e 4 (quatro) beneficiários
assinalaram que suas famílias consomem água comprada na mão de pessoas que
vendem galão de água tratada na comunidade8.
8 Esses vendedores informam aos consumidores que a água vendida é captada de suas torneiras residenciais, providas da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (EMBASA), e após o acondicionamento nos galões, transportam pra a comercialização no local.
111
GRÁFICO 19: FONTE DE CAPTAÇÃO DE ÁGUA ANTERIOR AO P1MC
FONTE: DADOS DA PESQUISA DE CAMPO, 2015.
Em relação ao caminhão-pipa, os entrevistados afirmaram que este costuma
demorar muito para atender a comunidade, e quando atende, a água nunca é
suficiente para atender a todos, tampouco em quantidade suficiente para suprir suas
demandas, por esse motivo faziam uso mais frequente de água proveniente de
barreiros.
5.3 – P1MC E A DEMANDA FAMILIAR POR ÁGUA
As cisternas implantadas na comunidade pelo P1MC possuem capacidade de
armazenamento de até 16 mil litros de água. Segundo a ASA (2008), esta
quantidade representa o volume de água suficiente para suprir as necessidades
básicas, considerado pela Articulação como beber, cozinhar e escovar os dentes, de
uma família de até 5 pessoas por 8 meses, sendo este o período considerado de
estiagem na região.
Todavia, durante as entrevistas, buscou-se confirmar se a água armazenada
no período chuvoso teria sido suficiente para uso no período de estiagem. Essa
questão encontra-se representada no gráfico 20.
112
GRÁFICO 20 – SUFICIÊNCIA DA ÁGUA DA CISTERNA FRENTE À ESTIAGEM
Fonte: dados da pesquisa, 2015.
Constatando que 19 (dezenove) das famílias beneficiadas afirmaram que a
água armazenada não é suficiente nem para os primeiros meses de estiagem, 16
(dezesseis) famílias, responderam que a água só é suficiente para os primeiros
meses de estiagem, enquanto que 15 (quinze) responderam que a água é suficiente
para todo o período de estiagem.
Com esta informação, notou-se que já nos primeiros meses de estiagem, boa
parte das famílias beneficiadas em Vargem, ou seja 19 (dezenove) famílias não
possuem água armazenada.
Visto que segundo a ASA (2008), a água armazenada nas cisternas seria
suficiente para suprir as necessidades básicas das famílias durante todo o período
da estiagem, tentou-se compreender os motivos pelos quais a água das cisternas
não seria suficiente para os primeiros meses de estiagem.
Assim, avaliou-se o tamanho das famílias na hipótese de que o grande
número de indivíduos utilizando as águas de uma mesma cisterna possa ter
comprometido a sua duração, baseando-se nos parâmetros da ASA, assim,
representa-se no gráfico 21 as informações a esse respeito.
113
GRÁFICO 21: NÚMERO DE PESSOAS POR FAMÍLIA
FONTE: PESQUISA DE CAMPO, 2016.
Considerando-se, que as cisternas de placas de cimento foram projetadas
para armazenar água suficiente para uma família de 5 (cinco) pessoas, verificou-se
que a composição das famílias entrevistadas variam de 1 (uma) a 6 (seis) pessoas,
sendo que 18 (dezoito) famílias são compostas por 3 (três) pessoas, 13 (treze)
famílias por 2 (dois) pessoas, 10 (dez) famílias por 5 (cinco) pessoas e 3 (três)
famílias por 6 (seis) pessoas.
Desta maneira, o número de integrantes não justificava o motivo pelo qual a
água não foi suficiente para todo período de estiagem. Procurou-se analisar, então,
os usos realizados pela família da água em questão. Assim, chegou-se às
informações representadas pelo gráfico 22, observando assim suas diversas
destinações:
114
GRÁFICO 22: DESTINAÇÃO DA ÁGUA DA CISTERNA
FONTE: DADOS DA PESQUISA, 2016.
Através do gráfico 22 é possível compreender que as famílias fazem diversos
usos da água. Para cada resposta é considerada as 50 (cinquenta) famílias
beneficiadas, neste sentido as respostas se configuram da seguinte forma. Das 50
(cinquenta) famílias beneficiadas, 30 (trinta) famílias usam a água para beber,
enquanto 20 (vinte) famílias não bebem d’água da chuva para beberem, 36 (trinta e
seis) usam a água para cozinhar enquanto 14 (quatoze) famílias não usam a água
com essa finalidade, 46 (quarenta e seis) famílias usam a água para tomar banho,
enquanto 4 (quatro) famílias não usam a água com essa finalidade, quarenta e uma
(41) famílias usam a água para escovar os dentes, enquanto 9 (nove) famílias não
usam a água com essa finalidade, 45 (quarenta e cinco) famílias usam a água para
limpar a casa e lavar roupa, enquanto 5 (cinco) familias não usam a água com essa
finalidade, 32 (trinta e duas) famílias dão essa água para seus animais domésticos,
enquanto 18 (dezoito) familias não usam a água para essa finalidade, 31 (trinta e
uma) família usa a água na criação de animais para vender, 19 (dezenove) famílias
não usam a água com essa finalidade e 26 (vinte e seis) famílias usam a água para
irrigar plantações, enquanto 24 (vinte e quatro) não usam a agua com essa
finalidade.
Enquanto as famílias que fazem uso da água, conforme parâmetros utilizados
pela ASA para nível de cálculo, apontadas no gráfico 23:
115
GRÁFICO 23: SEGUEM A RECOMENDAÇÃO DA ASA QUANTO A UTILIZAÇÃO DA ÁGUA
FONTE: DADOS DA PESQUISA, 2015.
Percebe-se, assim, que apenas 1 (uma) família das 50 (cinquenta) famílias
beneficiadas segue as recomendações de uso da água, sendo elas apenas para
satisfazer suas necessidades básicas, consideradas pela ASA como beber, cozinhar
e escovar os dentes. A esse respeito, uma das entrevistadas aponta que “devido a
necessidade que temos para nós e para os animais a quantidade de água
armazenada é pouca, porque demora muito para chover” (BENEFICIÁRIA D,
PESQUISA DE CAMPO, 2015).
Também se questionou se as cisternas já haviam sido abastecidas com outra
água, sem ser pela água pluvial, buscando verificar se a meta da ASA de que a
água provida da chuva seria suficiente para os meses de estiagens, preservando,
assim, as famílias do semiárido da dependência de medidas clientelista, como
doação de água por intermédio de caminhão-pipa ou suposta dependência de
favores. A resposta encontra-se sintetizada no gráfico 24.
116
GRÁFICO 25: ABASTECIMENTO DA CISTERNA SEM SER PELA ÁGUA DA CHUVA
FONTE: DADOS DA PESQUISA, 2015.
Observa-se que 31 (trinta e uma) das famílias beneficiadas apontam que sim,
que ao término da água da chuva, faz-se uso da cisterna para o armazenamento de
água provida de caminhões-pipa ou por água adquirida por água da Embasa;
enquanto 18 (dezoito) das famílias beneficiadas afirmam que não armazenam outra
água na cisterna a não ser a água oriunda da chuva, evidenciando desse jeito que a
comunidade em estudo ainda faz uso de medidas paliativas para suprir sua
demanda por água.
Em relação à avaliação do P1MC, buscou-se saber dos beneficiários se o
mesmo está adequado à realidade da comunidade no que se refere ao acesso a
água, as respostas foram sintetizada no gráfico 26.
117
GRÁFICO 26: AVALIAÇÃO DO P1MC POR PARTE DAS FAMÍLIAS BENEFÍCIADAS
FONTE: DADOS DA PESQUISA, 2015.
Constata-se, destarte, que 47 (quarenta e sete) das famílias beneficiadas
apontam que sim, que o P1MC encontra-se adequado à realidade da comunidade
no que diz respeito ao acesso a água. Buscou-se, então, justificativa para as
respostas. Os entrevistados, por sua vez, relataram que “é como, uma mudança
grande, melhorou tudo, Deus mandando a chuva, temos onde armazenar”
(BENEFICIÁRIA E, PESQUISA DE CAMPO, 2015). Nesta perspectiva, outra
beneficiária relatou “é muito boa porque a água é nossa, não pagamos nada por ela,
é só ter cuidado para a cisterna não vazar” (BENEFICIÁRIA F, PESQUISA DE
CAMPO, 2015).
As falas das beneficiárias aqui descritas demonstram que as mesmas estão
cientes do objetivo do Programa e da necessidade do cuidado com a tecnologia,
pode-se averiguar ainda o sentimento de pertencimento sobre a água em seu
domínio, quando a descreve como sua.
Notou-se, ainda, que 1 (uma) das famílias beneficiadas apontou a tecnologia
como inadequada, segundo o mesmo “a água não é suficiente para o período de
estiagem, ficamos sem água a maior parte do tempo, aqui, assim eu penso deveria
ter água encanada”. Percebe-se através da fala do entrevistado o
descontentamento com o P1MC, devido a água armazenada não ser suficiente para
o período de estiagem, no entanto a ASA (2008) adverte que a suficiência da água
armazenada depende em grande parte da gestão feita pela família.
Houve ainda 2 (dois) beneficiários que responderam que o Programa é
118
razoável, por atender apenas em parte suas necessidades por recursos hídricos.
Assim, relataram “Aqui precisamos de água para tudo, não temos outro acesso a
água, mas se a água é só para beber e cozinhar, fico sem água para outras
necessidades” (BENEFICIÁRIA G, PESQUISA DE CAMPO ,2015). A outra
Beneficiária, por outro lado, relatou que “não sei se essa água vinda da chuva serve
para beber” (BENEFICIÁRIA H, PESQUISA DE CAMPO, 2015).
Neste sentido, os relatos trazem à tona duas questões já levantadas por essa
pesquisa, uma está relacionada à dúvida no que tange à qualidade da água e a
outra está ligada ao direcionamento dado à água proveniente da cisterna e às
necessidades referentes à disponibilidade d’água. Percebe-se que a demanda por
água está mais ligada à necessidade das famílias, do que por má gestão do recurso
hídrico, uma vez que foram apresentados os diversos usos da água pela família.
119
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Notou-se ao longo deste trabalho que a população rural brasileira sofre com a
precariedade de acesso à água, e essa realidade não é diferente na área de estudo
aqui pesquisada, no entanto a comunidade Vargem possui a questão do acesso à
água ainda mais agravado, devido às condições climáticas existentes no espaço
onde está situada. Sendo que essa é a realidade de muitas comunidades
localizadas no Semiárido brasileiro.
Sabe-se ainda que a maior parte do território da Região Nordeste situa-se no
Semiárido brasileiro, espaço geográfico demarcado pela ocorrência de longos
períodos de estiagem. Ciente das características físicas do espaço surge a
inquietação no intuito de buscar compreender os problemas decorrentes da seca, e,
a razão da persistência da ocorrência de danos à população que habita nesse
espaço.
Os problemas sociais mais conhecidos decorrentes da má distribuição da
chuva são a fome e a sede, já que a produção agrícola é a principal atividade
econômica da população rural, e essa fica comprometida, quando ocorre uma
estiagem prologada. Com o comprometimento da produção agrícola os sertanejos
se veêm sem recursos para permanecer no lugar de origem, o que provoca, assim, o
êxodo rural. No que se refere à sede, esta é agravada nos períodos de estiagem,
pois o clima semiárido contribui para a evaporação da água superficial e a água
oriunda de poços, muitas vezes é salobra devido à composição química e à
concentração de sais, característica do solo do Semiárido.
Todas essas questões aqui apresentadas são intensificadas por estiagens
prologadas. Alimentava-se um discurso que apresentava o território semiárido como
um espaço dramático, onde a seca seria a principal responsável pelas mazelas
sociais. No entanto, ao longo desse trabalho ficou claro que os problemas sociais
encontrados nesta região decorrem da concentração de terra, água e saber nas
mãos de uma minoria, enquanto a maioria sofria as mazelas por parte do poder
público, que ao invés de realizar intervenções resolutivas, realizava ações paliativas
ou descontextualizadas com as condições climáticas para amenizar um problema
pontual e assim retroalimentar o caráter clientelista que impunha à população local.
As intervenções ocorriam por intermédio principalmente das instituições
criadas com o propósito de combater os efeitos da seca como o Instituto de Obras
120
Contra as Secas, Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, Departamento
Nacional de Obras Contra as Secas, entre outras, que acreditavam que a questão
da seca poderia ser resolvida por meio de construções hidráulicas.
Nesse sentido, essas Instituições investiram nas construções de grandes
obras hídricas, como açudes, poços e barragens, entretanto essas construções
muitas vezes, eram realizadas em propriedades privadas, o que provocava o
favorecimento dos latifundiários. Aos pequenos agricultores, restavam as medidas
paliativas, a exemplo da distribuição de cestas básicas, distribuição de água em
caminhão-pipa e vender sua força de trabalho nas Frentes de Trabalhos. Vale
lembrar que as Frentes de Trabalhos também beneficiavam os latifundiários, através
do trabalho pago pelo Estado em propriedades privadas.
Essas medidas ocasionando a indústria da seca, conforme se discutiu neste
trabalho, a indústria da seca refere-se ao uso político do fenômeno climático para
angariar recursos públicos federais com o pretexto de combater os efeitos da seca
sobre a população. Entretanto, não existe uma verdadeira intenção política em
solucionar problema algum, visto que esses políticos usam os recursos adquiridos
para investimentos por vezes equivocados, como a construção de obras hídricas
que tendem a favorecer a elite agrária, como construções de açudes em propriedade
privada e fazendo uso das medidas paliativas para a população com menos
recursos.
As elites agrárias, por sua vez, mantinham um domínio sobre uma área
eleitoral, fazendo uso dos recursos adquiridos para combater a seca a fim de usar
como “moeda de troca”, o que Castro (1992) caracterizou como voto de cabresto, ou
seja, o domínio que a elite agrária mantinha sobre uma área eleitoral para favorecer
um politico de sua preferência. Nesse sentido, não existia um real interesse em
solucionar as questões sociais que decorriam das secas.
Contudo, inicia-se com a SUDENE a proposta de pensar o Nordeste
economicamente, através de um projeto de industrialização aliado a um
planejamento de desenvolvimento econômico e social para região. Porém, o projeto
construindo para SUDENE é interrompido pelo Golpe Militar de 1964 e embora a
então Superintendência tenha provocado a industrialização na região, a mesma é
apontada como a principal reprodutora da indústria da seca.
Constatou-se ainda, que após o fim da Ditadura Militar, a sociedade civil
organizada encontrou uma abertura democrática para expressar seu
121
descontentamento com as políticas públicas de combate aos efeitos da seca
debatido nesse trabalho. A redemocratização do país possibilitou a união de
diferentes organizações existentes no semiárido que tinham como objetivo comum
pautar a convivência com o semiárido.
Da união e articulação entre diferentes organizações nasce a ASA-Brasil
formando este o principal espaço de articulação das organizações que atuam em
prol do desenvolvimento social, econômico, político e cultural do Semiárido
brasileiro. Sendo no âmbito dessa articulação que foi elaborado e implantado em
2000 o P1MC, que em 2003 tornou-se uma política pública tendo como principal
objetivo garantir o acesso à água em comunidades rurais em todo semiárido, através
da construção de um milhão de cisternas de placas de cimento.
Assim, o P1MC apresenta-se como pilar central no auxílio à convivência das
famílias com o semiárido, visto que possibilita que a família mantenha suas
necessidades mínimas de consumo familiar de água garantida enquanto o período
de estiagem se mantém. O acesso a esta água captada das chuvas, somado a
utilização de técnicas adequadas à realidade local, garantem a dignidade da
população local, possibilitando melhores condições de vida.
Por entender ser esta a meta do Programa, buscou-se aqui verificar se o
P1MC promove uma transformação social através do fortalecimento da sociedade
civil, diminuição da dependência de medidas paliativas do poder público e de favores
dos latifundiários, capacitando ainda famílias sertanejas para a convivência com o
semiárido.
Como a proposta aqui presente consistia em realizar uma avaliação de uma
política pública, percebeu-se que a utilização de estudo de caso foi a metodologia
mais adequada, e que a utilização de técnicas, como questionário e entrevista,
foram também adequadamente ajustadas. Por meio deste percurso metodológico foi
possível coletar as informações desejadas e imprescindíveis à conclusão desta
pesquisa.
Houve a escolha de uma comunidade rural beneficiada pelo P1MC, para que
se pudessem analisar os possíveis impactos sociais ocorridos devido à implantação
do programa. Nesse sentido a comunidade rural escolhida foi a Vargem, situada no
município de Feira de Santana, estado da Bahia, especificamente no Distrito de
Maria Quitéria.
122
Vale lembrar que a avaliação de políticas públicas é necessária ao passo em
que pode orientar novas possibilidades de execução não previstas quando de sua
elaboração, ou seja, promovendo uma adequação para um melhor desempenho de
seus objetivos. Contudo, cabe ressaltar que um estudo de caso não reflete a
totalidade dos fatos, sobretudo em um Programa que se desenvolve em diversos
estados e municípios, mas, somado a outros estudos podem garantir um panorama
mais fiel a uma avaliação do P1MC e de seus impactos.
O P1MC é uma idealização da ASA-Brasil com a meta da construção de um
milhão de cisternas rurais no Semiárido brasileiro, descentralizando o acesso à água
para consumo humano, garantindo assim prioritariamente água para beber e
cozinhar.
A partir do objetivo do Programa, já é possível compreender que a iniciativa
busca superar a condição de políticas paliativas que eram práticas comuns na
região. Dessa maneira, ao invés da realização de grandes obras que figurativamente
beneficiariam por igual os habitantes do semiárido, mas na prática beneficiava
principalmente os grandes latifundiários que comumente doam suas terras para a
construção das barragens e seus projetos de irrigação, o P1MC realiza pequenas
obras que auxiliam diretamente as famílias beneficiárias na superação o acesso à
água, permitindo ainda que a família beneficiada com a cisterna tenha pleno domínio
sobre sua água.
Com a tecnologia social da implantação de cisternas, não há impactos
adversos na paisagem, nem no modus vivendis da comunidade, como ocorre
quando da implantação de uma barragem. O principal no P1MC é a garantia de
acesso à água que se configura no direito humano fundamental no período da
estiagem às famílias rurais do semiárido, o que auxilia na redução de riscos à saúde
por ingestão de água contaminada e principalmente na dependência de caminhão-
pipas ou de favores políticos.
No P1MC a ideia é envolver a população na execução do projeto o que
garante o sentimento de pertencimento ao longo da transferência de tecnologia
social e ocasiona maior cuidado com a cisterna, visto que conta com a participação
e colaboração dos moradores e entidades de representação de cada um dos
municípios contemplados com o Programa. Essa união de forças entre a ASA e
beneficiários garante o empoderamento da comunidade, com dignidade e qualidade
de vida às famílias do meio rural que sofrem com prologadas estiagens.
123
De acordo com os resultados da pesquisa chegou-se à conclusão de que nem
todos os critérios técnicos de elegibilidade para acesso à tecnologia social foram
cumpridos, contudo, isso não ocorreu numa alteração do objetivo do Programa,
mostrando inclusive que houve sensibilidade da equipe técnica do MOC para
garantir o acesso à água às famílias mais carentes da comunidade Vargem.
As inconformidades citadas se referem ao tipo inadequado de cobertura das
casas a não participação no curso de gerenciamento de recursos hídricos e em
relação à posse do imóvel, por tanto nem todas as famílias beneficiárias se
encontram dentro dos critérios estabelecidos pela ASA para transferência da
tecnologia cisterna.
Contudo, a ausência no curso sobre gerenciamento de recursos hídricos pode
ocasionar inconvenientes ao bom andamento do projeto após a entrega da cisterna
para as famílias, tais como a manutenção da tecnologia, o que pode ocasionar
problemas na conservação da estrutura da cisterna, como provocar rachaduras;
além de danos físicos às cisternas, há também a possibilidade de contaminação da
água por fatores biológicos e químicos, como a introdução de peixes e de produtos
químicos para desinfecção da água.
Além da manutenção das cisternas e das águas nelas condicionadas, a falta
de conhecimentos adequados para a manipulação da água captada nas cisternas
pode causar problemas aos usuários dessa tecnologia, visto que a adição de
elementos como o cloro em quantidade inadequada pode causar riscos à saúde.
Há também a desconfiança dos beneficiários com a água da chuva, pela falta
de costume em consumi-la, visto que habitualmente utilizava-se água oriunda de
poços artesianos e de caminhão-pipa. Constatou-se ainda que o agente de saúde e
as entidades municipais existentes na comunidade não têm colaborado com o bom
andamento do Programa, uma vez, que cabem às entidades como a Associação de
Moradores, Posto de Saúde, Escola e principalmente o agente de saúde continuar
orientando a população sobre os cuidados com a cisterna.
Outro dado expressivo é a forma como é utilizada a água da cisterna: essa
água é usada pela maioria das famílias beneficiadas da Vargem para diversas
finalidades, fugindo assim do princípio do Programa que é armazenar água para
beber, cozinhar e escovar os dentes. No entanto, as famílias demostraram
resistência em beber a à água provida da chuva, sendo que os outros destinos dado
a água também estão relacionados à necessidade de consumo de cada família,
124
porém foge ao principal objetivo do P1MC que é o armazenamento da água
prioritariamente para beber.
Apesar da resistência em beber a água da chuva por parte das famílias
beneficiadas e das adversidades que ocorrem para o fidedigno cumprimento dos
critérios de seleção para a transferência da tecnologia, percebeu-se que a tecnologia
foi destinada a quem dela precisava, não havendo desvio de objetivo, nem
desajustes em sua execução, ou seja, auxiliando na melhoria das condições de vida
das famílias beneficiadas pelo P1MC em Vargem e promovendo uma transformação
social nessa comunidade, no entanto, percebeu-se ainda que essas transformações
sociais não ocorreram de forma plena uma vez que as famílias beneficiadas
continuam fazendo uso de medidas paliativas.
Contudo, entende-se que por a tecnologia ter sido implantada no ano de 2013
na comunidade em estudo, ou seja, até o desenvolvimento da pesquisa havia
apenas 2 (dois) ano de funciomanento da cisterna de placas de cimento, a
população ainda esteja em etapa de adaptação a nova tecnologia de
armazenamento de água, afinal levou-se uma vida inteira consumindo-se apenas a
água subterania no semiárido. Neste sentido, cabe aqui reforça a necessidade do
trabalho desenvolvido pelos agentes de saúde desse lugar, uma vez que segundo a
ASA (2008) cabe a esses profissionais as orientações continuam na comunidade
sobre o manejo com a água provida da chuva, por outro lado cabe também as
instituições locais colaborarem para o bom andamento dessa Política Pública, já que
a convivência da mulher e do homem com o clima semiárido devem ser efetivada
através da adoção de novas práticas, que devem ser constantemente encentivadas.
125
REFERÊNCIAS
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