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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
RAQUEL APARECIDA BATISTA
MEMORIAL DE FORMACÃO
CAMPINAS
2005
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
RAQUEL APARECIDA BATISTA
MEMORIAL DE FORMACÃO
Memorial de Formação, apresentado como
exigência parcial para o curso de Pedagogia da
Faculdade de Educação da Unicamp, sob
orientação do Prof. Dr. Carlos Miranda.
CAMPINAS
2005
“Aprendi muito com meus mestres,
mais ainda com meus companheiros,
mais ainda com meus alunos.”
Da Talmude, seleção T.M.R.V. Keller
Dedico este trabalho em especial a minha
querida professora Nalda que despertou
em mim a paixão e a alegria de ensinar.
AGRADECIMENTOS A Deus em primeiro lugar, pela minha vida, pela oportunidade de realizar um sonho,
por ter colocado pessoas especiais no decorrer do meu percurso e por ter sido meu refúgio e a
minha fortaleza nas horas mais difíceis.
A minha mãe pelo apoio, pela preocupação, pela paciência que tem se dedicado a
mim.
As minhas tias, Creusa e Maria que sempre acreditaram em mim.
A minha amiga e tia Betty, pelas palavras de incentivo nos momentos em que pensei
em desistir.
A minha sempre amiga Juliana Motta , que mais do que ninguém me mostrou que
estudar na Unicamp, era possível e de que eu era capaz.
A minha amiga Léia, pelo apoio constante em todos os momentos.
Aos meus amigos, Fábio, Fátima, Marquinhos, Eliane Mendes, Elainy, Jade e Renata
que direta ou indiretamente me ajudaram.
A Unicamp, pela oportunidade dada aos professores primários.
Aos meus mestres, que contribuíram para o meu crescimento profissional e pessoal e
que me fizeram acreditar que ainda há esperança .
As minhas amigas de grupo, Marilane, Mariluce, Míriam, Regiane e Renata pela
paciência, pelo carinho , pela amizade sincera e pelos momentos de reflexão e troca de
opiniões .
Aos meus alunos, a razão da minha profissão por me fazerem acreditar que minha luta
não é em vão.
A turma D, pelas trocas significativas de experiências e pela alegria constante.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 1
1 MEUS PRIMEIROS ANOS ESCOLARES; MARCAS QUE FICARAM 2
2 MAGISTÉRIO, O DESPERTAR PARA A DOCÊNCIA 9
3 A EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL; DO SONHO À REALIDADE 14
31 ENTRE A REALIDADE DA PRÁTICA E AS METODOLOGIAS DE ENSINO. ................15 32 A JUNÇÃO ENTRE PRÁTICA, TEORIA E REFLEXÃO..........................................................19
4 EDUCAÇÃO INFANTIL 21
4.1 A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO OLHAR PARA A CRIANÇA .........................................21 42 A FUNÇÃO DA PRÉ ESCOLA................................................................................................22
5 AUTONOMIA E DEMOCRACIA NA ESCOLA 27
5.1 GESTÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA..............................................................................29 52 O PAPEL DO PROFESSOR PARTICIPATIVO NA GESTÃO ESCOLAR................................31
6 A FORMAÇÃO ACADÊMICA 33
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 36
1
APRESENTAÇÃO
Proponhome neste memorial de formação compartilhar com o leitor as experiências
escolares que marcaram minha vida, as dificuldades, frustrações, alegria e paixão que me
guiaram entre o sonho e a realidade de me tornar professora. Busco enfocar a influência do
meio e das pessoas na construção da minha identidade profissional .
Estabeleço relações entre as fases mais marcantes da minha vida; primeiros anos
escolares, curso do magistério, experiência profissional e formação acadêmica. Em cada fase,
busco relacionar a prática com a teoria permeada pelos conflitos e inquietações vividas por
mim.
Dou ênfase à maneira como fui alfabetizada, como desenvolvo este trabalho com os
meus alunos e quais as interferências políticas que influenciaram a minha prática
profissional.
2
1 MEUS PRIMEIROS ANOS ESCOLARES; MARCAS QUE
FICARAM
“ Quando não houver caminhos
mesmo sem amor sem direção a sós ninguém está sozinho
é caminhando que se faz o caminho...” Titãs
Iniciei minha vida escolar no ano de 1984 com 5 anos de idade, na EMEI Beija–Flor,
município de Sumaré onde cresci e vivo até hoje. Sempre tive vontade de freqüentar uma
escola, pois via crianças mais velhas que eu sair todos os dias uniformizadas com mochila
nas costas e lancheira, e tinha a curiosidade de saber o que se fazia lá. Quando minha mãe
disse que eu iria para a escola aprender a ler, escrever, desenhar, pintar, fiquei muito feliz,
pois iria aprender a fazer coisas que eu gostava, principalmente escrever, já que vivia com um
caderninho escrevendo palavras e pedindo a minha mãe para ler o que eu havia escrito. É a
velha história de Pinóquio, o boneco de madeira que um dia vai freqüentar a escola para se
“tornar gente”: é como que se não fossemos nada antes de freqüentála.
Recordome como se fosse ontem, quando juntei várias letras e perguntei para minha
mãe o que estava escrito e ela disse: “SAPULHA”. Foi uma felicidade muito grande, pois,
naquele momento, eu acreditava que já sabia escrever, só faltava ler. Minha mãe estudou
pouco, o suficiente para aprender a ler e escrever; mas isso não a impedia de me ajudar e
solucionar algumas das minha dúvidas de escrita.
Comecei a freqüentar a préescola no período da manhã com uma professora calma,
carinhosa, que falava baixo, a professora perfeita para uma menina tímida que tinha vergonha
3
para falar até o nome. A sala de aula era toda decorada com os desenhos da Branca de Neve;
uma sala muito aconchegante com cheirinho gostoso de massinha de modelar que sinto até
hoje quando me recordo da minha pré escola.
O fato de ser muito tímida fez com que eu tivesse alguns problemas de adaptação na
escola. Tinha poucos amigos, fazia xixi na roupa com vergonha de pedir para ir ao banheiro,
não comia a merenda da escola e chorava muito. A insegurança tomava conta de mim, mas
encontrei na tia 1 Vanda a companheira que me ajudou a vencer todas essas dificuldades.
Sempre paciente e com palavras de carinho e incentivo as quais contribuíram para que eu
chegasse ao final da pré escola lendo, escrevendo, pedindo para ir ao banheiro e um pouco
mais independente, assim, pude vencer todas as minhas dificuldades. Acredito que tal fato se
deu por existir uma relação de afetividade que me ligava à professora.
O professor tem papel com relação a afetividade na escola é fazer com que os seus
alunos se sintam seguros e superem suas dificuldades, criando assim um ambiente tranqüilo,
uma vez que as relações que ocorrem no contexto escolar são marcadas pela afetividade, há
contribuição, de alguma maneira ao desempenho do aluno com relação aos conteúdos e as
atividades propostas a serem desenvolvida.
Para Wallon ( apud Taille, 1992)inteligência e afetividade estão integradas: a evolução
da afetividade depende das construções realizadas no plano da inteligência, assim como a
evolução da inteligência depende das construções afetivas. Dessa maneira, creio que não é
possível separar o afetivo do cognitivo da criança
No ano seguinte fui para a primeira série no mesmo prédio onde fiz a pré escola, mas
na instituição que pertencia ao Estado, a EEPSG “Dom Jayme de Barros Câmara”, onde
permaneci até me formar no magistério.
1 Vocativo dado ao professor de Educação Infantil naquela época.
4
Tive novamente dificuldades de adaptação, tinha muitas saudades da tia Vanda, das
brincadeiras, das histórias, teatrinhos de fantoches, massinha, de fazer desenhos, enfim tudo o
que eu fazia no pré e que na primeira série não fazia mais. Não me lembro de ouvir uma
história da minha professora, era só lição na lousa e na cartilha.
Fui alfabetizada com a cartilha Caminho Suave. Lembrome da minha professora
falando em voz bem alta a família silábica da letra R, acredito que tal fato tenha me marcado
por ser a letra inicial de meu nome, talvez a minha professora não levava essas significações
em consideração, pois não me recordo dela estabelecer relações da letra R com o meu nome,
R, não era de Raquel era de rato, rodo, rua, roda.
Foram muitas as vezes em que minha mãe segurou na minha mão para que eu fizesse
o “ba be bi bo bu “ com letra cursiva. Quanto eu chore! O que eu mais gostava era quando
minha querida tia Maria vinha para minha casa nos finais de semana e sentava comigo e com
meus irmãos para escrever cartas para o programa Balão Mágico, então eu escrevia os nomes
dos meus desenhos preferidos, o que mais gostava e o que não gostava do programa, tudo
com a minha letra. Eram momentos maravilhosos, gostava muito mais escrever cartas do que
escrever na cartilha, principalmente porque minha tia deixava com que eu escrevesse com
letra de fôrma.
A minha professora era muito brava, ninguém podia conversar com o colega, e quem
desrespeitava era punido com fita crepe na boca. Às vezes algumas crianças iam ao lixo
apontar lápis para poder conversar, mas quando ela desconfiava da conversa ela ia até lá e os
colocava no lugar puxandoos pelas orelhas. Tudo isso fazia com que eu sentisse saudades da
pré escola, pois lá podíamos conversar e apesar de não ter muitos amigos para tal, sentia falta
do ambiente de liberdade e de autonomia. Fazia tudo direitinho, era uma boa aluna, lia e
escrevia tudo o que a professora mandava, porque era assim, escrever o que eu queria somente
em casa nos meus caderninhos. Mesmo apesar de ser uma das melhores alunas da sala, vivia
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chorando na escola, a minha insegurança tinha voltado em dobro e desta vez não tinha
ninguém para me ajudar a enfrentála. E assim eu terminei a cartilha na lição do “ Taxi” e
passei de ano. Recordome da professora me dizendo: “ Tá vendo: chorou à toa!”. Hoje eu sei
que não foi à toa, que aprender a ler e escrever não bastavam para mim, eu tinha desejos,
sentimentos bons e ruins com relação a escola conhecimentos que em nenhum momento foi
considerado. Acho que ela nem notou que eu sabia escrever cartas.
Hoje, analiso criticamente tal proposta de alfabetização voltada para a memorização de
palavras descontextualizadas que muitas vezes não fazem parte do cotidiano das crianças. Ao
mesmo tempo que critico o modo como minha professora primária me alfabetizou, também a
compreendo, pois ela desenvolveu um trabalho voltado para a formação que obteve,
acreditava no que fazia e se dedicava naquilo.
A visão que se tinha na época, e que, infelizmente, hoje muitos profissionais da
educação ainda tem é de que a criança é uma tábua rasa, que deve ser moldada, lapidada pela
escola, o boneco de madeira que citei acima. A criança é “obrigada” a desvincularse de toda
sua bagagem cultural, de todo o seu conhecimento, de todas as suas experiências e “moldar
se” ao padrão de aluno que a escola deseja.
Segundo Vygotsk (1991), o ponto de partida para a aprendizagem deve ser aquilo que
a criança já sabe, levandoa a entrar no caminho da análise intelectual, da comparação, da
unificação e do estabelecimento de relações lógicas. A aprendizagem depende da
características individuais de cada aluno, que corresponde grande parte das experiências que
viveu.
Tive uma boa segunda série, uma boa professora, digamos que essa era a junção das
minhas últimas duas professoras, sabia dosar bem, hora de conversar, hora de estudar, ela lia
textos diferentes do livro, desenvolvíamos atividades de recorte e colagem com diversos
materiais, e algumas vezes saímos da sala para brincar no pátio.
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O fato de ter novamente me destacado como uma das melhores alunas da sala, e não
ter tido problemas de adaptação fez com que eu passasse a olhar a escola com outros olhos,
foi então que decidi que queria ser professora quando fosse adulta. Naquele final de ano meu
pai me presenteou com uma lousa, linda, com reloginho e tudo. Foi uma festa, passei a dar
aula para as minha bonecas e para os meus irmãos.
No decorrer da terceira série, voltei a ter sérios problemas de adaptação, pois minha
professora era muito brava, xingava os alunos de “burro” e até agia com agressões para com
quem errava as atividades. Foi um ano em que tive problemas de saúde e necessitei faltar
muito às aulas, e quando retornava ela brigava comigo e dizia que eu era mentirosa na frente
de todos.
Tive dificuldades em todas as disciplinas, principalmente matemática, e tinha pavor de
errar e ela me bater, então nunca mostrava o caderno para ela, até que um dia ela me chamou
para ir à lousa escrever uma palavra com acento então escrevi: “fúba”, na mesma hora ela riu
de mim e puxou as minhas trancinhas com força, fui para a minha carteira e comecei a chorar
bem baixinho e não estando satisfeita em humilhar uma criança de nove anos por acentuar
uma palavra errada, ela me ameaçou. Se eu contasse para minha mãe ela me reprovaria de
ano, como tinha pavor de reprovar não falei nada para minha mãe.
Passei a ter horror a escola e aquela mulher, chorava muito no banheiro com medo
dela, não fazia mais minhas lições com medo de errar, apenas copiava da lousa na hora da
correção.
Ao me recordar do fato descrito acima, sinto, além de uma vontade de chorar e
sentimento de revolta, uma grande preocupação de como um professor pode marcar a vida de
um criança e não tem noção disso. Aquela professora marcou negativamente a minha vida
escolar, minha vida profissional e até minha vida acadêmica, pois o medo de errar me impediu
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de concretizar muitos dos meus planos. Quando prestei o vestibular para entrar na Unicamp,
tive medo, mas quando vi que havia passado, iniciei a trajetória para vencêlo.
Reflito acerca do papel do professor na vida de cada aluno, como que um de nossos
erros e acertos podem trazer conseqüências graves para a vida do aluno, pois penso que o ato
de ensinar e o de aprender exige compromisso, respeito e afetividade. Trazemos conosco as
marcas para o resto de nossas vidas e as incorporamos no ser professora, como a citação
descreve: “Faço o possível e até o impossível para não ter qualquer semelhança com minha
mestra de infância” 2 LAJOTO ( apud Coracini,2004 ,)
Passei anos sem acentuar palavras quando não tinha certeza absoluta do correto, até
que um dia uma das minhas professoras do magistério me perguntou o porquê de eu não
acentuar as palavras aos escrever. Foi só então que tomei ciência das seqüelas que a
professora da terceira série havia deixado em mim. Mesmo passando a ter certos receios de
algumas professoras, continuei querendo ser uma delas.
Por ser a filha mais velha, minha mãe sempre pedia para eu ajudar meu irmão a fazer
suas lições de casa, pois ele tinha muitas dificuldades em fazêlas sozinho. Até que um dia eu
enfiei uma colher na boca do meu irmão por ele ter feito uma continha errada. Estava
reproduzindo, ali, naquele momento o que haviam feito comigo. Como castigo, fiquei sem ter
meus irmãos como alunos, apenas minhas bonecas. Então ficava eu, trancada no quarto com
minhas bonecas ensinandoas a escrever. Aí eu batia! Como eu judiava das minhas bonecas!
Quando eu estava na quarta série eu e uma amiga tivemos a idéia de reunir todas as
crianças da rua em que morávamos e dar aulas de reforço para elas, titulamos a nossa idéia de
“Aulinhas na garagem”, pois elas aconteciam na garagem da minha casa todas as noites. Ali
dávamos aula de português, matemática e algumas vezes um desenho mimeografado (que
minha professora da escola me dava) para pintar.
2 Trecho de uma redação produzida por uma professora da rede estadual publicado na obra O professor escreve sua história de Marisa Lajolo
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As aulas na garagem se deram até o término daquele ano letivo e eu já me sentia “A
PROFESSORA”. Até cheguei dar provas para ver quem havia passado de ano na “Escolinha
da Garagem”.
No espaço daquela garagem, eu, uma menina de dez anos, conseguia ser todas aquelas
seis professoras que haviam passado na minha vida escolar até aquele momento, reproduzi as
diferentes personalidades, mas algo estava presente em todas: o ensino tradicional, a
importância da cópia, da memorização, da quantidade de conteúdos.
Ao deslocar o meu crítico olhar para a maneira como se deu o meu processo de
aprendizagem nas quatro séries iniciais do ensino fundamental, vejo que fui vítima da
concepção chamada por Freire (1977 ) de educação bancária, em que as crianças deixam de
ser crianças para serem vasos reservatórios, em que todas as professoras depositavam
conteúdos prédeterminados pela sociedade capitalista até “encherem” os vasos até as bordas,
pois este é o propósito deste tipo de educação. Os melhores alunos deixavamse ser
“enchidos” e em troca recebiam boas notas.
Nesta concepção, professores são os únicos redentores do saber, os alunos nada
sabem, as aulas são sempre monólogos, ele é o único que fala.
Assim, fui predestinada a uma formação primária passiva, que me incapacitava de
refletir sobre os fatos que me cercavam.
Ao refletir sobre a concepção bancária de educação e a prática dela por minhas
professoras primárias, indagome a respeito da postura de cada uma, talvez elas nem tivessem
conhecimento da educação que praticavam e dos danos que estavam causando.
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2 MAGISTÉRIO, O DESPERTAR PARA A DOCÊNCIA
“ Ninguém sabe tudo. Ninguém ignora tudo. Todos nós sabemos algumas coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa.
Por isso aprendemos sempre.”
Paulo Freire
Ingressei no magistério no ano de 1994, na mesma escola em que concluí o ginásio. No
inicio estranhei um pouco, pois, eu era a mais nova da turma, e conviver com mulheres que
podiam ser minha mãe não foi muito fácil. Tinha vontade de estudar bastante, aprender e
aprender para ser uma boa professora e notava em muitas colegas um certo comodismo, até
que encontrei um grupo com meninas da minha idade porém não tinham a mesma vontade de
aprender que eu.
No primeiro ano tínhamos as mesmas disciplinas do colegial; os professores falavam
que só iríamos saber mesmo o que era o curso de magistério a partir do segundo ano. Gostava
de alguns professores como de História, que despertou em mim a paixão por essa disciplina,
ensinoume as primeiras condutas de ser um cidadão crítico, a enxergar a história com olhos
desconfiados, a construir a minha própria história. A outra professora Penha, de Geografia
que era muito politizada e nem precisava de livros para dar aula. Tinha grande admiração por
eles, todos reclamavam porque suas provas eram dissertativas e difíceis mas eu gostava e
aprendia o que eles ensinavam.
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Tinha em especial, uma professora de Filosofia que fez muita diferença na construção
da minha identidade enquanto aluna do Proesf 3 , professora e cidadã. Antes de conhecêla
imaginava que professor de Filosofia usava óculos, era chato e usava roupas discretas. A
Nalda não era assim, não usava óculos, usavas roupas coloridas, e não era chata, apenas exigia
muito de nós. Ela nos acompanhou por três anos, e eu nunca imaginava que fosse gostar tanto
de Filosofia.
Em suas aulas sempre havia debates, músicas, muita leitura e escrita. Aos poucos fui
perdendo a vergonha de falar nas atividades que envolviam oratória; ela me instigava com
suas colocações a respeito da profissão professor. Aos poucos passei a expor minhas opiniões,
sempre com o incentivo dela. Aquela menina tímida, vergonhosa estava se transformando.
Com esses bons exemplos e incentivadores cada vez mais eu me sentia motivada a ser
professora. Quando iniciei os estágios, comecei a lidar com os problemas reais da escola,
(evasão, repetência, mau comportamento dos alunos ) mais de perto.
Toda semana ficava cinco horas observando uma sala de aula de determinada série,
nem sempre a professora me tratava bem. Os alunos ficavam mais agitados e a professora se
sentia vigiada. Gostava quando elas iam ao banheiro e ela pedia para que eu tomasse conta da
sala, corrigisse os cadernos dos alunos, ou brincassem com eles no recreio.
A minha primeira decepção veio quando fiz a minha primeira regência no Ensino
Fundamental, numa sala de primeira série. Planejei diversa atividades diferenciadas, como
experiências, jogos, caçapalavras, músicas, crachás com adesivos, pois para alguns
professores de magistério, estes eram os meios mais adequados para garantir o aprendizado do
aluno. Tudo parecia perfeito, até eu entrar na sala e o meu planejamento cair por terra. Era
novidade demais para os alunos, a sala virou uma bagunça e eu não soube lidar com a
situação. Fiquei muito triste e nunca mais quis voltar naquela escola de vergonha da
3 Programa Especial de Formação de Professores em Exercício
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professora da sala. Fui muito criticada pela minha professora de Didática, para ela as
regências tinham como objetivo mostrar quem tinha “jeito” de professora e iria se dar bem.
Algumas das aulas de Didática tinham como assunto de discussão a metodologia
utilizada pelas professoras durante nossas observações. Sempre criticávamos o uso da cartilha
nas salas de primeira série, a professora que falava alto com os alunos, etc. Mas nunca
discutíamos outras alternativas. Críticas vazias que me deixava confusa, pois se não é assim
como é então?
Minha professora de Didática criticava os cartazes colocados nas paredes das salas que
continham uma letra do alfabeto e uma palavra iniciada por esta mesma letra. Um dia
perguntei a ela como é que se alfabetizava, não tive resposta concreta; ela apenas disse que
para alfabetizar da maneira correta, o ideal era ser construtivista, trabalhar com jogos e usar
de outros recurso além do quadro negro. Assim, fizemos um estudo superficial sobre os níveis
de escrita.
Enquanto os professores de didática, conteúdos específicos de português, matemática,
ciências entre outros nos ensinava a confeccionar cartazes, jogos de alfabetização, pastas de
datas comemorativas, fazer atividades no estêncil e rodálas no mimeógrafo, a Nalda nos
ensinava a refletir sobre os problemas da educação, sobre a realidade que enfrentaríamos ao
exercer a profissão. Entre muitos textos tinha sempre livros do Rubem Alves que abordavam
sobre a alegria e a paixão de ensinar e ser professor. Eu via que ela tinha paixão e o
compromisso pelo que fazia, como diz Perissé ( 2004, p. 21):
O professor que lembra com facilidade aquilo que sabe , o professor que interpreta com paixão aquilo que aprendeu, poderá despertar nos alunos uma imensa vontade de amar, e de , ai sim, estudar com gosto e saber de cor e salteado aquilo que precisam estudar.
A minha formação no magistério foi voltada para a prática desconsiderando o estudo e
da teoria. Nessa época não havia reflexão da prática pedagógica que era vazia e não saibamos
como justificar sua importância .Na época, alguns docentes tinham a visão de que o professor
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primário deveria ser caprichoso, saber fazer belos cartazes, desenhar, etc. O que eu mais
gostava era discutir sobre alfabetização, buscava encontrar um método pronto que me
ensinasse como alfabetizar. O meu desejo de estudar sobre a alfabetização, me fez trabalhar
como voluntária em um projeto onde eu daria aulas de reforço para alunos com dificuldades
de aprendizagem . As aulas aconteciam em um barracão de uma igreja que, além de apertado
cheirava a mofo. Preparei todos os meus “jogos construtivistas”, livros de literatura infantil;
planejava tudo do jeito que eu estava aprendendo, objetivos, desenvolvimento, estratégias, no
papel parecia perfeito.
Quando me reunia com os alunos percebia o quanto eles eram discriminados pelos
outros colegas de sala por estarem ali; muitos tinham vergonha de participarem das aulas.
Além dos problemas de aprendizado, eles eram muito pobres, iam às aulas sem almoçar com
fome, então eu pegava o pão, muitas vezes amanhecido, que ficava na cozinha da igreja e
dava para eles comerem; só depois iniciava a aula. Aquela situação me revoltava, nunca tinha
imaginado que a fome estaria tão perto de mim.
No início foi muito difícil, eles se discriminavam por não saber ler, mas aos poucos a
visão que cada um tinha de si próprio foi mudando. Não tinha problemas de comportamento
no grupo, eles eram participativos e não faltavam aos encontros. Algumas das atividades que
eu desenvolvia com eles eram retiradas de livros construtivitas, eu nem sabia na época o que
isso realmente significava, mas executava porque havia aprendido que era o correto.
Nos últimos encontros organizamos a peça de teatro “A Branca de Neve e os sete
anões” que seria apresentada para toda a escola onde eles estudavam. Tudo foi organizado por
eles. Nem pareciam aquelas crianças desestimuladas que eu havia encontrado. Na véspera da
apresentação um dos alunos me disse:“ Agora nós vamos mostrar quem é burro né,
professora. Nóis não somo burro não! E todos começaram a pular e gritar: “ Não somo burro,
não somo burro...”
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Me senti muito orgulhosa e com a sensação de missão cumprida. Não aprendi como se
alfabetizava, não tinha uma visão crítica sobre a alfabetização como tenho hoje, mas fiz
aquilo que eu acreditava . Tudo isso aconteceu no último ano do magistério e me deu ânimo e
coragem para enfrentar a profissão. Tenho certeza de que marquei de alguma maneira a vida
daquelas crianças, percebi isso ao me despedir deles e ao conversar com a professora de cada
um.
No dia 19 de dezembro de 1997 passei de estudante do Magistério à professora
formada aos olhos da sociedade, porque eu já me sentia professora há muito tempo. Eu estava
muito feliz , um sonho de menina estava sendo realizado .
Queria fazer da docência um meio para eu colocar em prática o que eu havia aprendido
nas aulas de Filosofia e tentar mudar o mundo.
Em meio a discursos dos professores, um me marcou, o da Nalda ao reforçar sua
paixão pelo ato de ensinar, e nos aconselhou para nunca deixar essa paixão morrer em nossos
corações.
E logo após completou: “ A Raquel com esse jeito de querer mudar o mundo”
Mudar o mundo! Desejo, que aos olhos dos outros parecia impossível, porém aos
meus, difícil, mas possível .
E assim conclui o meu magistério, com mais dúvidas do que certezas. Certeza eu só tinha uma: ser uma professora que marcasse positivamente a vida dos meus futuros alunos.
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3 A EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL; DO SONHO À
REALIDADE
“ Estou aqui e não estarei, em parte alguma.
Que importa , pois? A luta comum me acende o sangue
e me bate no peito como coice de uma lembrança”.
Ferreira Gullar
No ano de 2001 fui efetivada como professora na Rede Municipal. Foime atribuída
uma primeira série, em um bairro de periferia. A escolha não se deu pelo meu desejo de
trabalhar com séries iniciais, mas, sim, pela localização da escola.
Apesar de estar muito feliz, logo pensei: Meu Deus! Como vou alfabetizar quarenta
crianças ?
No início não tive muito crédito com os pais dos alunos e até mesmo por alguns
colegas de trabalho. Sempre comentavam: “Ela é tão novinha, quase do tamanho dos alunos.
Será que vai dar conta de ensinar?” Ficava chateada com essas colocações , eles estavam me
julgando pela minha aparência. Cheguei até receber comentários racistas pelo fato de ser
negra, como se os meus 21 anos e a minha pele escura fossem determinar a competência e os
meus compromissos para com os meus alunos.
Tinha pouco conhecimento sobre como se dava o processo de aquisição de leitura e
escrita dos alunos, foi então que busquei muitas leituras sobre alfabetização, entre elas livros
da Emilia Ferreiro, que na época eu não compreendia muito bem. Assim, descobri que os
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inúmeros jogos que confeccionei no magistério não bastavam para que eu alfabetizasse meus
alunos.
Fiz o que parecia mais fácil, trabalhei com listas de palavras iniciadas pela mesma
letra, famílias silábicas e textos curtos e de fácil leitura, tipo aqueles: Fifi é uma fada muito
feliz. Sabia que este não era o adequado, mas era o que eu tinha segurança em trabalhar.
Acabava por reproduzir nos meus alunos a maneira como fui alfabetizada Em conseqüência
da minha formação precária, tive muita dificuldade para registrar e justificar a minha prática
pedagógica. Parecia que existia um abismo entre o que eu havia aprendido no magistério e o
que eu estava vivenciando naquele momento, não sabia lidar com as dificuldades de cada
aluno.
Ao final desse ano letivo quatorze alunos não se alfabetizaram, fiquei muito triste,
cheguei a me culpar, mas hoje vejo que cada aluno teve sua evolução própria, que não
existem culpados, e que por serem diferentes um do outro, não tem porquê que obterem os
mesmos resultados.
31 ENTRE A REALIDADE DA PRÁTICA E AS METODOLOGIAS DE
ENSINO.
Ao longo da história, a educação brasileira enfrenta altos níveis de repetência e
fracasso escolar. Toda a causa desta problemática é deslocada ao ensino de Língua
Portuguesa, especificamente no que tange ao processo de aquisição de leitura e de escrita,
principalmente quando os alunos provêm de grupos nãoletrados 4 .
Para “garantir” um aprendizado de qualidade, a educação brasileira se transforma em
um “mundo de modismos” um dia seguimos uma determinada concepção de ensino, em outro
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momento, seguimos outra e outra e outra; parece que estamos em um laboratório pedagógico,
aplicando testes imbutidos de ideais políticos que nada mais são do que “pacotes” prontos que
caem de páraquedas nas escolas titulados de reformas educacionais.
Os PCNs 5 em ação e o PROFA 6 propostos pelo Ministério da Educação, nada mais
são do que reformas educacionais carregadas de discursos hegemônicos e ideológicos, de
eficiência e qualidade.
Esses programas buscam desenvolver competências necessárias a todos os professores,
garantindo lhes, assim a qualidade total da educação, que muitas vezes não asseguram a
qualidade intelectual, cultural, social, ética e política dos alunos.
O fato é que a história da educação não se faz apenas de boas intenções pedagógicas,
elas sempre são pautadas por interesses de um determinado grupo. Elaborar um material rico
em teorias e apresentálo aos professores não garante a eficácia do ensino. como acrescenta
Maffei 7 :(apud Moraes,2002)
“ Eu quero uma teoria que se adapte à realidade. Não quero que a realidade se adapte
a uma teoria elaborada em gabinete . Quero um ministério capaz de interpretar a
realidade em que vivem os docentes... e a escola, bem como o de oferecer uma
proposta baseada nesta realidade, que promova transformações necessárias no
sistema educativo. Nós docentes, queremos ser executores de reformas decididas
sem qualquer participação dos trabalhadores da educação e das organizações que
representam os trabalhadores (...) o que os professores sente hoje é uma mistura de
temor, preocupação e insegurança(...) e parte dessa incerteza faz com que os
professores entrem na escola ou na formação com mais medo do que certezas em
relação à função que devem desempenhar na escola”.
Quando iniciei o Profa, ainda não tinha a visão crítica descrita acima. Criei muitas
expectativas com relação ao programa; buscava no curso a solução para os problemas da
minha sala, mas este me pareceu uma “faca de dois gumes”.
4 Informações retiradas do documento de apresentação do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores ( 2001) 5 Parâmetros Curriculares Nacional 6 Programa de Formação de Professores Alfabetizadores 7 Secretária geral da Confederação de trabalhadores da Educação Argentina)
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Tive a oportunidade de aprender mais sobre os níveis de escrita, a importância da
leitura em sala de aula, a importância do registro do professor. Mas algo me intrigava; tudo
nos vídeos apresentados pelo programa eram mais fáceis: as crianças aprendiam, as
professoras não tinham alunos desinteressados e todas as atividades desenvolvidas tinham
sucesso. Por que eu não conseguia? Sempre recebia como respostas dos formadores: você
não fez as intervenções necessárias. Assim, o Profa deslocava toda a culpa no professor.
A intervenção adequada feita pelo professor deveria problematizar e oferecer
condições para que o aluno aprendesse a partir do seu próprio erro, sem receber respostas
prontas do professor. Então os meus alunos perguntavam: “prof. como se escreve o ba de
balão e eu respondia: Como você acha que é? Escreva do seu jeito”. Assim achava que estava
contribuindo para o processo de construção de conhecimento dos meus alunos. Houve uma
idéia equivocada por parte de muitos professores sobre a idéia de construção do
conhecimento.
Atualmente, o Construtivismo, paradigma teórico fundamentado em Piaget, vem
conquistando diferentes profissionais da educação, trazendo à tona grandes questionamentos
referentes à maneira como ocorre o aprendizado e qual o papel do professor diante desta
abordagem teórica.
No construtivismo, o oposto da linha tradicional, o centro do processo de ensino
aprendizagem deixa de ser o professor e passa a ser o próprio aluno, onde o mesmo atua como
um agente ativo e participativo da construção de seu próprio conhecimento. (Piaget, apud
Rosa, 2000)
Dentro deste contexto, muitos educadores acreditam que o construtivismo é um
método que determina o que se deve ou não fazer, e que o professor deve apenas assumir o
papel de um observador passivo, que espera a hora certa do aluno aprender. O erro do aluno
também passa a não ser mais considerado, pensase que dentro deste paradigma o professor
18
não deva mais corrigir. Sabese que isso não passa de um mal entendido, pois o
construtivismo nada mais é que uma teoria que mostra como o aluno aprende e como o
professor deve intervir, de modo que haja o conflito, pois segundo Piaget (op. cit)este é
necessário para o acontecimento do aprendizado. Sendo assim:
“ ...as mudanças necessárias para enfrentar bases novas a alfabetização inicial , não
se resolvem com um método de ensino, nem com novos testes de prontidão, nem
com novos materiais didáticos .
É preciso mudar os pontos pôr onde nós fazemos passar o eixo central das nossas
discussões.
Temos uma imagem empobrecida da língua escrita: é preciso reintroduzir quando
consideramos a alfabetização a escrita como representação de linguagem.
Temos uma imagem empobrecida da criança que aprende: a reduzimos a um par de
olhos, um par de ouvidos, uma mão que pega um instrumento para marcar e um
aparelho fonador que emite sons.
Atrás disso há um sujeito cognocente, alguém que pensa, que constrói interpretações
, que age sobre o seu real ou para fazêlo seu”. (Ferreiro, 1985)
Vejo portanto, que é necessário muito estudo e reflexão crítica por parte do professor ,
para que teorias não sejam distorcidas e alunos prejudicados por nós.
No decorrer do PROFA passamos a ser obrigadas a praticálo em sala de aula. Houve
muita resistência por parte dos professores, mas hoje acredito que tal resistência se deu apenas
pelo fato de que desenvolver as atividades propostas e organizar os agrupamentos davam mais
trabalho do que as cópias constantes na lousa.
O objetivo central era que todas as escolas trabalhassem da mesma maneira,
desconsiderando a subjetividade de cada uma, fazendo com que as escolas tornassem um
objeto de manipulação e reprodução.
No curso encontrei a receita para alfabetizar:
Receita de uma boa leitora e escr itora
Ingredientes:
1 menina interessada nos livros dos irmãos
3 irmãos leitores de contos infantis e gibis
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1 professora de 1 série séria e competente
Pais preocupados com a alfabetização dos filhos
6 livros infantis
4 gibis
Modo de fazer
Coloque a menina junto com os irmãos em um quarto ou uma sala
silenciosa e junte os seis livros e os 4 gibis( variados) todos os dias, em um horário
determinado, de preferência antes do jantar.
Verifique se os pais estão atendendo as expectativas e necessidades da
menina com compreensão , atenção e carinho.
Matricular a menina na 1ª série. Na 1ª série a menina deve encontrar uma
professora séria, que possibilite que ela continue lendo livros e gibis.
Depois de alfabetizada e com muito interesse, a menina tornase uma boa
leitora e escritora.
Essa receita me fez pensar acerca da condição social da maioria dos meus alunos, pois
muitos, só têm contato com materiais de leitura e de escrita na escola, em algumas vezes os
pais são analfabetos. Acredito que esta receita seja voltada para uma criança que desde
pequena teve contato com o mundo letrado.
As histórias de vida, as experiências que uma criança oriunda de classe menos
favorecida, socialmente possuem, são diferentes de outras crianças mais privilegiadas
culturalmente e socialmente. Não podemos cobrar delas que tracem o mesmo percurso e
alcancem os mesmos objetivos em tempos iguais.
32 A JUNÇÃO ENTRE PRÁTICA, TEORIA E REFLEXÃO
Cursando o Proesf tive a oportunidade de questionar a respeito do papel do professor
na mediação entre o conhecimento e o aluno. Em uma das aulas Magnas que tive com o
Professor Sérgio Leite ele me fez refletir sobre a minha postura perante o papel de mediadora,
20
facilitadora. Em meio a tantas discussões, uma transformou a minha prática. Foi quando o
professor falou: “se o aluno pergunta é porque ele não sabe, seu papel de professor é ensinar.”
A partir desta afirmativa recordei à minha postura em sala de aula quando solucionava os
questionamentos que os alunos tinham com relação a escrita. Sempre permiti que eles
escrevessem do jeito que achassem que era o correto, e muitas vezes pedia para que eles
pensassem quando viam me questionar, como se antes de me perguntara eles não tivessem
pensado.
Mesmo acreditando que a alfabetização não se dá apenas com mera transmissão de
conhecimentos, penso que o professor deve facilitar a construção do aluno e não complicar
esse processo. Se o aluno pergunta, é porque ele precisa daquela informação para aquele
momento e a informação dada pelo professor pode contribuir para a construção de outro
conhecimento já pré elaborado por ele. Então compreendi que não existem receitas prontas e
que não somente as atividades desafiadoras garantem ao aluno a alfabetização que descreverei
a seguir. A alfabetização na escola deve ser compreendida como um processo político
pedagógico, que garanta a todos os envolvidos a construção e a reflexão crítica da leitura ou
da escrita, ou seja, tal aprendizado deve ser baseado no conceito de letramento, onde o aluno
crie possibilidades de ampliar suas idéias e transmitilas de forma diversificada essa é a
conclusão que cheguei a partir de todas as minhas leituras e experiências sobre tal assunto.
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4 EDUCAÇÃO INFANTIL
“Tudo vale a pena, se a alma não é pequena
Fernando Pessoa
4.1 A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO OLHAR PARA A CRIANÇA
No ano de 2002, fui trabalhar na Educação Infantil, não por opção, mas por falta de
escolha, de certa maneira isso me frustrou. Logo que cheguei na escola perguntei as outras
professoras: O que uma professora de pré escola faz? Canta? Se for só isso eu não sei cantar!
Ainda tinha muito forte em mim a visão conteudista do ensino fundamental, iniciei um
trabalho voltado para preparar os meus alunos para a primeira série. Eu os via como alunos e
não como crianças.
Como ainda estava cursando o Profa, aplicava em sala todas as atividades de leitura e
escrita propostas; foram muitas as vezes que deixei de ir ao parque para poder alfabetizálos.
Não proporcionei aos meus “alunocrianças” momentos livres de brincadeiras, ainda
não tinha a consciência da importância delas para o desenvolvimento afetivo e cognitivo das
crianças.
Naquele ano tive o resultado que desejei, muitos alunos alfabetizados e com amor
incondicional pela leitura de histórias e poesias. Ver os meus alunos lendo homenagens e
agradecimentos no dia da formatura me deixou muito orgulhosa do meu trabalho.
Hoje, vejo o quanto massacrei aos meus “alunos crianças”, pois assim os vejo hoje,
transformandoos em corpo infantil brincante para corpo adulto reprodutor, com o objetivo de
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preparálos para a primeira série. A escola em sua generalidade está sempre pretendendo
formar algo lá na frente, é como diz Alves (1990, p. 7).
“Como se fosse uma pequena muda de repolho, bem pequena , que
não serve nem para salada e nem para ser recheada mas que, se
propriamente cuidada, acabará por se transformar num gordo e
suculento repolho e, quem sabe um saboroso chucrute? Então
olharíamos para a criança não como quem olha para uma vida que é
um fim em si mesma, e que tem direito ao hoje pelo hoje...”
42 A FUNÇÃO DA PRÉ ESCOLA
Quando retomamos a trajetória da Educação das crianças de 0 a 6 anos – a Educação
Infantil no Brasil, verificamos que esta tem mais de cem anos de história. Desde o século
XVIII, as famílias já recorriam à formas alternativas para a educação de seus filhos, como
creches etc. Rosemberg ( apud Godoi,1999).
Porém, foi só nas últimas décadas que a Educação Infantil passou a ser reconhecida,
conforme a Constituição de 1988 onde se explicita:“ O dever do Estado com a Educação será
efetuado mediante a garantia de (...) atendimento em creche e pré escola às crianças de zero a
seis anos de idade”( Artigo 208,Inciso IV).
Ao analisarmos a história da Educação Infantil notamos que enquanto a pré escola
destinavase a crianças ricas, à creche cabia a função de cuidar de crianças pobres, enquanto
seus pais trabalhavam Kishimoto,( apud Godoi 1999).
Além de possuir clientela especifica, a préescola desenvolvia um trabalho
sistematizado, preocupado e intencionado com questões pedagógicas, deixando o trabalho de
cuidar para as creches. Não podemos perder de vista que o cuidar e o educar são necessários e
importantes para o desenvolvimento das crianças, independente de sua classe social. O cuidar
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e o educar permeiam a maioria dos questionamentos referentes à educação de crianças de 0 a
6 anos, principalmente quando se trata da pré escola, já que esta é considerada a última etapa
da Educação Infantil e logo em seguida a criança ingressará no ensino fundamental.
Cabe aqui acrescentar a visão de Jobim e Souza ( apud Godoi, 1999).
“Nos discursos oficiais a educação pré –escolar surge como uma alternativa que irá resolver não só o problema da evasão e da repetência na 1º série do 1º grau, como também muitos outros relacionados às disparidades sócio econômicas ,culturais ,existentes no país (...) uma préescola que tenha como objetivo prevenir o fracasso escolar da criança pobre desloca injustamente para ela a responsabilidade de uma incompetência que não está nela, mas sim no sistema educacional e na desigualdade social”
Ocorre que não podemos imcubir à pré escola objetivos que não cabem a ela e sim ao
ensino fundamental, pois cada etapa do ensino deve possuir suas próprias especifidades.
Infelizmente esta é uma realidade vivenciada por muitos professores de préescola,
pois com tantas cobranças voltadas para a alfabetização, o lúdico é considerado um
“passatempo”. Pareceme que ainda muitas são as dúvidas quando se trata do trabalho a ser
desenvolvido na préescola.
Quando a Professora Ana Lúcia Goulart disse em sua primeira aula magna que
professor de educação infantil não tem aluno, tem crianças, e que professor não dá aulas,
organiza os espaços. Essa fala me fez refletir acerca do meu papel enquanto professora de pré
escola, pois vivenciava uma educação voltada para a sistematização de conteúdos muito
diferente da proposta que ela estava nos apresentando.
Passei a me questionar, olhava para aquela sala de aula, para as crianças e pensava
como tentar fazer diferente. Foi quando descobri a minha paixão pela educação infantil. A
partir de então, comecei a desenvolver um trabalho voltado para as necessidades das crianças,
e percebi o quanto elas tem curiosidade e vontade de conhecerem tudo o que as cercam. Algo
de muito bom estava acontecendo comigo. As lembranças da minha préescola passaram a ser
freqüentes em minha vida; ensinava às crianças músicas e brincadeiras que a tia Vanda havia
me ensinado, criava espaços para brincadeiras e muitas vezes participei delas.
24
Tudo parecia muito bom até que chegou até nós professores, a ordem de desenvolver
um trabalho voltado para a alfabetização e coube às professoras de pré – escola estabelecer
um nível de escritas para que a maioria das crianças alcançassem no final do ano. Estava
difícil entender qual era verdadeiramente a função da pré escola: se era enfatizar o lúdico ou
a alfabetização.
A individualidade de cada criança já não estava mais sendo respeitada. É como se
fosse a história do Pinóquio às avessas, a criança entra na escola de carne e osso e se
transforma em boneco de pau.
Mesmo indo contra o que eu acreditava, fui obrigada a entregar sondagens de escrita
todos os meses avaliando o nível de escrita das crianças. Entre brincadeiras, passei a
direcionar atividades em que as crianças pudessem evoluir em suas hipóteses de escrita. Fui
fazendo adequações, que transformaram as brincadeiras em aulas e crianças em alunos.
Acredito que seja preciso determinar a real função da préescola e desmistificar a idéia
que esta deva preparar as crianças para a 1ª série.
43 CONTRIBUIÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Após dois anos de trabalho na educação infantil, me removi para o ensino
fundamental, mesmo tendo grande paixão por trabalhar com crianças de 4 a 6 anos .
Quando voltei para o ensino fundamental, para lecionar novamente para 1ª série,
descobri o quanto a educação infantil mudou o meu olhar com relação às crianças. No ensino
fundamental a palavra criança parece não existir. Mesmo tendo entre 6 e 10 anos, são apenas
alunos que não podem correr, brincar, cantar, conversar.
Naquele ano recebi as crianças de maneira diferente: organizei as carteiras de modo
que pudéssemos fazer a roda da conversa, brincar e cantávamos todos os dias.
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No início foi difícil para mim, pois tudo parecia muito sistematizado, sentia saudades
da educação infantil. Comecei então a compreender o motivo que muitas crianças choravam
para entrar na escola e queriam voltar para o pré.
Me incomodava ver as outras professoras só pensando em conteúdos, muitas já iam
passando lição na lousa sem ao menos conversar com a crianças, saber o que elas fizeram, ou
se trouxeram alguma novidade para contar.
Por trabalhar de maneira diferenciada, comecei a sofrer determinadas cobranças por
parte da direção da escola. Muitas vezes fui obrigada a ouvir piadinhas do tipo: “Tem
professora aqui que pensa que está na Emei, daqui a pouco grava um Cd de tanto que canta.
Eu quero só ver essas crianças alfabetizadas no final do ano”. Recebia “bronca” nas reuniões
por sair uns minutos mais cedo para que as crianças pudessem lavar as mãos antes da
refeição, até foi estipulado horário para elas irem ao banheiro.
Achei importante conversar com a coordenação e direção da escola para justificar o
meu trabalho, e assim o fiz, explicando que mesmo estando no ensino fundamental os alunos
tinham apenas 6 anos, que ainda, são crianças que necessitam de momentos de brincadeiras, e
que o fato de brincarmos, cantarmos em sala de aula não estava impedindoos de se
alfabetizarem; ao contrário, estava contribuindo para o desenvolvimento desse processo.
Justificar a minha prática baseada em referências teóricas foi de suma importância
para mim naquele momento; um ato de resistência, como diz Saviani (1985): “O dominado
não se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam. Então, dominar o
que os dominantes dominam é condição de libertação.”
Fui descobrindo que muitas vezes o professor de ensino fundamental “destrói” o que o
professor de educação infantil construiu com a criança a respeito de sua autonomia. Penso que
este profissional necessita deslocar o seu olhar para a criança e não ficar somente preso a
26
conteúdos e avaliações. Talvez falte isso em sua prática; olhar para o seu aluno como ele
exatamente é: uma criança.
Um dos filhos de uma amiga fez o seguinte comentário: “a pior coisa do mundo é 1ª
série, ela não deveria existir, porque é muito chata”.
Esta fala me fez ter certeza que é preciso rever o olhar que temos para a criança
quando a mesma chega na 1ª série, respeitar os seus medos, angústias e trazer à tona a alegria
de ensinar e aprender.
Hoje, sinto saudades da Educação Infantil, pois esta contribuiu muito para a professora
que sou hoje. Um dia ainda quero voltar, mas também gosto muito da primeira série, de
alfabetizar, estou entre duas paixões. Pretendo construir uma ponte que ligue estes dois
mundos tão diferentes, mas que habita um único ser: a criança.
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5 AUTONOMIA E DEMOCRACIA NA ESCOLA
“Somos o que fazemos, mas somos ,
principalmente , o que fazemos para mudar o que somos
Eduardo Galeano
Nestes meus poucos anos de experiência profissional, pude perceber algo que de certo
modo me decepcionou. Descobri em meio a muitas situações que aquela vontade insaciável
de mudar o mundo que eu tinha ao sair do magistério, não passou de uma ilusão . Aos poucos
conclui que a educação sozinha não é capaz de transformar a sociedade em que vivemos e tal
função não cabe somente a escola.
Mesmo tendo esta consciência , não cruzei os braços, é como diz Freire em uma de
suas obras: “mudar é difícil, mas possível e urgente”. Foi entre o difícil e o possível que fui
conquistando o meu espaço nas escolas por onde passei, pois acredito que devemos fazer
aquilo que está ao nosso alcance.
É como um livro infantil que li para meus alunos que no momento não me recordo o
nome, mas que conta a história de um incêndio na floresta, quando todos os bichos fugiam
com medo, um passarinho voa apressado em direção ao rio, pegava no seu pequeno bico gota
de água e voava para o incêndio, deixando a gota cair entre as chamas. Ele repete sem cansar
essa operação até que um outro animal passa por ele e ri dizendo que aquelas gotinhas de nada
adiantarão contra o fogo. E o passarinho responde a ele, que talvez não adiantasse mas que no
futuro, quando alguém lhe perguntar o que ele fez pela floresta que estava sendo destruída, ele
responderia: fiz o que pude!
28
É a esperança que me move, que justifica a minha escolha de ser professora, é a fé que
me faz acreditar que eu posso fazer algo de bom para os meus alunos. Se cada um de nós
professores agir como esse passarinho podemos apagar as chamas da ignorância, do
comodismo, da exclusão que destrói nossas escolas. Eu acredito nisso. É por isso que
questiono e não abaixo minha cabeça. Infelizmente nem todos os professores agem como esse
passarinho, isso me causa grande indignação.
Sempre questionei as mudanças impostas pela Secretaria de Educação mediante a
interesses políticos, principalmente quando os maiores interessados, nós professores, não
participamos das tomadas destas decisões. Muitas foram as vezes que ouvi professores se
calarem perante essas mudanças e alguns me diziam que falar não adiantava, por isso
ficavam quietos, e eu com fama de briguenta perante os superiores da educação.
É preciso questionar as mudanças e lutar para que elas saiam dos gabinetes fechados e
sejam construídas com a participação dos professores, pais, alunos e especialistas em
educação. Nós professores devemos assumir o compromisso estarmos engajados pela luta por
uma educação libertadora, voltada para a emancipação do ser humano como um todo como
propõe Freire (1996).
No ano de 2004, me deparei com pessoas e situações que me fizeram desacreditar na
existência da democracia e da liberdade de expressão. Paguei um alto preço por ter
incorporado na minha prática o que havia aprendido nas aulas de Políticas Públicas.
Como era ano de eleições políticas, a direção da escola “mandou” que não
comentássemos sobre política com os alunos, o que não concordei, pois eles chegavam com
jornais e pediam para que eu ler para eles e então discutíamos sim, sobre política.
A situação se agravou quando a diretora de ensino do município foi até a escola
procurar as professoras “petistas da Unicamp”. Então eu e outra professora fomos chamadas
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na sala da coordenação de porta trancada, como se vivêssemos na ditadura militar. Não podia
acreditar naquele tipo de opressão. Onde estava a liberdade de expressão, a democracia?
Naquela época eu e minha companheira Léia estávamos participando de reuniões com
outros professores da rede com a finalidade de formar uma associação e assim facilitar nossas
lutas.
A desculpa dada por minha diretora era que nós duas éramos ótimas professoras, e que
estávamos “degredando” nossa imagem freqüentando as reuniões do grupo de professores e
declarando nosso partido político, mesmo que isso acontecesse fora do nosso horário de
trabalho.
Cabe aqui acrescentar que o professor não se faz apenas do fazer pedagógico do
cotidiano escolar. O ser professor inclui o ser cidadão consciente e conscientizador; ambos
estão imbutidos na construção de identidade do professor.
Não tinha como eu deixar no portão da escola tudo o que eu estava vivendo e
aprendendo na faculdade com relação à democracia, criticidade e autonomia, e trazer comigo
somente métodos que pudessem melhorar a minha prática. O professor não é apenas um
transmissor de técnicas, não tinha sentido impor uma separação entre o eu pessoal e o eu
profissional.
Tudo pareciame muito contraditório, pois um dos objetivos do planejamento anual
caracterizase pela formação de cidadãos críticos e reflexivos capazes de transformar a sua
realidade. Não era isso que eu estava tentando fazer? Como posso formar um aluno crítico se
não sou, ou se não me deixam ser? É como ensinar adição sem saber somar.
5.1 GESTÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA.
A escola tenta adaptarse aos novos padrões de difusão do conhecimento e às novas
regras da gestão e administração escolar. Segundo a Lei 9394/96 ( LDB – Lei de Diretrizes e
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Bases da Educação Nacional) cada Unidade de Ensino( U E ) deve discutir e desenvolver um
projeto pedagógico próprio, pois goza de autonomia financeira, administrativa e pedagógica.
Para isso conta com uma equipe de direção ( diretor, vice diretor e coordenador pedagógico)
um Conselho de Escola, um Conselho de Classe e Associação de Pais e Mestres ( APM).
Entretanto, o que vivenciamos é que em geral as escolas ainda não sabem lidar com esses
elementos colocados à sua disposição. Nunca tive a oportunidade de participar efetivamente
de um Conselho de Escola, pois nas escolas em que trabalhei estes não saíam do papel. Nas
ricas trocas de experiências com outros “professoresalunos” que faziam parte de outras
realidades pude constatar que o Conselho de Escola em muitas escolas funcionam como
deveriam e que não era tão difícil instituilo.
Vivenciei uma realidade em que Conselho de Classe dedicase quase que
exclusivamente a avaliar classificatoriamente os alunos e a Associação de Pais e Mestres
assinam os documentos já decididos pelo diretor .
Uma escola que direciona a sua gestão para a democracia possui um Conselho de
Escola e compartilha com todos os membros as tomadas de decisões, não delegando apenas
ao diretor tal função. No entanto, existe a utilização do termo democracia sem haver a
participação de todos os envolvidos, uma vez que os professores são compreendidos como
executores da parte pedagógica, um ser isolado das demais tomadas de decisões.
Transformar tal realidade não é fácil e nem tão pouco um processo a curto prazo,
implica em dividir responsabilidades, compartilhar opiniões de todos os envolvidos. A
participação e o diálogo democrático representam um exercício de participação divisória,
lento e difícil, que gera conflitos.
“ O entendimento da tomada de decisão como um processo dinâmico e historicamente formado permite reconhecer que existe um espaço lógico para a participação de uma série de pessoas no processo de decisão além dos envolvidos com os experts”
Santos (1998)
31
52 O PAPEL DO PROFESSOR PARTICIPATIVO NA GESTÃO
ESCOLAR
Muitas vezes me deparo com professores insatisfeitos com a gestão escolar,
principalmente, quando as decisões são tomadas exclusivamente pelo diretor da escola.
Portanto, quando surge a oportunidade de participar ativamente nos projetos da escola, muitos
se negam; o próprio professor se coloca diante de todos, como um ser isolado e se acomoda
com tal situação.
Sempre me propus a participar do Conselho de Escola, mas estes não saiam do papel,
e como ainda não tinha conhecimento sobre sua importância não questionava. Com as aulas
de Gestão Escolar pude compreender melhor sobre gestão democrática, o que me possibilitou
questionar e exigir que o Conselho Escolar cumprisse sua função dentro da escola.
Quando surgiu a oportunidade de eleger os membros junto com a comunidade escolar, algo
me surpreendeu. Vi pais de alunos mais interessados que professores; os que mais reclamam
de não poder opinar dentro da escola recusaram participar, alegando ter uma vida muito
corrida. Fiquei indignada! Como se faz uma escola participativa sem a participação de todos
os envolvidos?
Penso que muitos professores não têm consciência do seu poder, não lutam pelo o que
acreditam, não desenvolvem um trabalho verdadeiramente coletivo dentro da escola, trabalho
coletivo é muito mais que trocar atividades. Reclamar de salários, quantidades de alunos na
salas de professores não adianta. Pude notar o quanto esses professores são egoístas, pensam
apenas nos seus salários, nos seus problemas e pouco pensam e agem pelo coletivo.
Creio que seja importante enfatizar que o professor enquanto docente deva agir como
um corpo cogestor do ensino em colaboração com os outros participantes do grupo. O
32
professorgestor organiza as atividades escolares de tal forma que compartilha das
responsabilidades, possui também direitos e deveres que devem ser respeitados.
As relações do professorado não devem restringirse apenas com a direção escolar,
mas também com a comunidade, convencendose de que a presença dos pais na escola será
um instrumento de melhoria da qualidade de seu trabalho.
Creio que não é de um dia para o outro que tudo será modificado, mas creio em uma
escola na qual Calabrese(apud Santos,1990) descreve:
...”lugares onde prevalece a justiça; onde se cultiva a equidade ;onde a integridade a forca motriz em todos os relacionamentos ;onde a plena participação é a expectativa ;onde a inclusão é a norma;que distribuem os recursos eqüitativamente ; e que permitem os recursos dos membros corrigirem as injustiças”.
33
6 A FORMAÇÃO ACADÊMICA
“ ...Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
do que Ter aquela velha opinião formada sobre tudo...”
Raul Seixas
Logo que iniciei a prática da docência senti necessidade de buscar teorias que
justificassem minha prática, resolvi fazer faculdade, especificamente o curso de Pedagogia.
Não somente pela busca teórica, mas por vários motivos dentre eles a certificação, melhoria
de salário, pontuação e por “status”.
Na escola em que trabalhava, a maioria dos professores já haviam concluído ou
estavam cursando Pedagogia e muitas vezes sentia um preconceito por parte de todos por não
Ter curso superior. Como se a faculdade garantisse ser um bom professor e quem não a
tivesse, um mau professor.
Observando a prática de algumas professoras que já tinham formação acadêmica,
acreditava que ter faculdade não era um pré requisito para ser um bom professor, pois além
de presenciar situações nas quais eu discordava, sentia por parte dessas professoras falta de
compromisso com os alunos; eu, tendo apenas o magistério não agia daquela maneira.
No ano de 2002 comecei a me preparar para prestar o vestibular para o PEFOPEX 8 ,
curso oferecido pela Unicamp.
8 Pedagogia de Formação de Professores em Exercício
34
Quando surgiu a oportunidade de cursar o PROESF 9 , não pretendia concluílo, pois o
meu objetivo era apenas fazer o primeiro semestre e no próximo ano cursar o PEFOPEX.
Confesso que ao tomar conhecimento que não teria como professores os “famosos
doutores” da Unicamp e sentir o preconceito que nós do Proesf sofremos por parte dos alunos
da Faculdade de Educação fiquei decepcionada. Apesar de tudo, resolvi permanecer no curso
e buscar teorias que transformassem minha prática.
O contato com os “alunos professores” com realidades tão distintas da que eu vivia fez
com que eu olhasse para minha postura de professor com outros olhos.
No início me sentia a “pior” professora do mundo, tudo o que eu fazia parecia estar
errado. Minha vontade era de esquecer tudo o que eu sabia e começar tudo de novo, mas com
o tempo fui compreendendo que teria que adaptar o que estava aprendendo com a minha
realidade e que as transformações não acontecem de um dia para o outro.
Desperteime para a importância da pesquisa teórica para a sustentação da prática e a
reflexão. Como diz Freire(1996 p. 24)“a reflexão crítica sobre a prática se torna uma
exigência da relação Teoria/ Prática sem a qual a teoria pode ir virando blá blá blá e a prática,
ativismo”.
É pensando criticamente na prática que temos hoje, ou que tivemos ontem, que
podemos melhorar a próxima prática.
Para que o professor tenha uma visão crítica de sua prática é preciso que ele busque
novos conhecimentos, para ter segurança o suficiente para construir e reconstruir com seus
colegas e com seus alunos o currículo escolar.
A busca constante do conhecimento pelo professor lhe traz benefícios de crescimento
profissional e para o desenvolvimento das instituições escolares.
9 Programa Especial de Formação de Professores em Exercício
35
Creio, portanto, que o professor não se faz apenas de formação teórica; se o mesmo
não tiver compromisso com o seu trabalho, tudo o que aprendeu não contribuirá para a
transformação da sua prática.
Nas palavras de Alves (1990, p.13) o verdadeiro educador é comprometido com seu
aluno uma vez que
“...os educadores são como as velhas árvores. Possuem uma fase , um nome, uma “estória”a ser contada. Habitam um mundo em que o que vale é a relação que os liga aos alunos, sendo que cada aluno é uma “entidade” si generais, portador de um nome, também de uma estória”, sofrendo tristezas e alimentando esperanças. E a educação é algo pra acontecer neste espaço invisível e denso , que se estabelece a dois. Espaço artesanal”.
Em muitos momentos da faculdade me deparei com questões que até hoje não tenho
respostas, questões que me fizeram sentir fraca e incompetente diante da realidade. Muitas
vezes tentei fazer algo de melhor para o meu aluno, mas que não depende só de mim, nem só
da minha diretora ou coordenadora, é muito além de nós, então me vejo “nadando contra a
maré”, tentado salvar meu aluno do sistema educacional que está ali, pronto para “devorálo”.
Mesmo tentando muitas vezes, não consigo o resultado que pretendo. Essa dúvida levo
comigo, mas levo também a certeza da importância da formação voltada para a reflexão
crítica da prática do professor, hoje creio que uma não se faz sem a outra.
Em meio a tantas dificuldades que encontro ao longo da caminhada, a paixão que
tenho por ensinar não se mantém viva dentro de mim todos os dias; as dificuldades fazem
com que ela se esfrie, mas fica uma pequena chama que sempre reacende, hora mais forte,
hora mais fraca, mas tenho certeza que esta jamais morrerá dentro de mim. É isso que não me
faz desistir, foi isso que fez chegar até aqui e seguir mais adiante. “O que se tornou perfeito,
inteiramente maduro, quer morrer”. Nietzche
36
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, R Conversa com quem gosta de ensinar, São Paulo; Cortez; Autores Associados
1989
ALVES, R Estórias de quem gosta de ensinar, São Paulo: Cortez; Autores Associados,1990.
AVILA, M. J. Professoras de crianças pequeninas e o cuidar. Dissertação de Mestrado FE.
Unicamp. Fev. 2002 cap. 5.
CANDAU, V. M. Reformas Educacionais hoje na América Latina ( 1996).
CORACINI, M. J. R. F. Sujeito identidade e arquivo. Entre a impossibilidade e a necessidade
de dizer( se). In: Anais do Seminário Internacional Michael Foucault: Perspectivas. 2004. Cd
rom.
FERREIRO, E. e TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita . Porto alegre: Artes
Médicas,1985
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra,1996.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo; Cortez; autores Associados,1977.
GODOI, E. G. Uma reflexão sobre a avaliação escolar na pré escola.,1999
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