Universidade Estadual de Campinas – 22 a 28 de novembro …

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Universidade Estadual de Campinas – 22 a 28 de novembro de 2004 9 MANUEL ALVES FILHO [email protected] esquisa conduzida por cientis- tas do Departamento de Pro- cessos Biotecnológicos (DPB) da Faculdade de Engenharia Quími- ca (FEQ) em colaboraçªo com o Cen- tro de Biologia Molecular e Engenha- ria GenØtica (CBMEG), ambos da U- nicamp, proporcionou a otimizaçªo do processo de extraçªo da pró-insu- lina humana recombinante produzi- da no endosperma do milho trans- gŒnico. A investigaçªo, que deu se- qüŒncia aos estudos iniciados pelo professor Adilson Leite, morto em fevereiro de 2003, obteve resultados que corroboram a viabilidade econô- mica do uso de plantas como bior- reatores. De acordo com Everson Al- ves Miranda, docente da FEQ e coordenador do trabalho, a AgŒncia de Inovaçªo da Uni- camp (Inova) jÆ estÆ es- tudando o registro da patente do processo. Ao aprimorar o mo- delo de recuperaçªo da pró-insulina humana recombinante no milho transgŒnico, os pesquisadores da Uni- camp tŒm como meta a reduçªo dos custos de produçªo da insulina. A pró-insulina, lembra o professor E- verson, Ø a precursora da insulina, indispensÆvel no tratamento de al- guns tipos de diabetes. A doença Ø muito prevalente entre a populaçªo. Entretanto, o preço do hormônio no mercado Ø alto. Um quilo do produ- to estÆ cotado em cerca de US$ 100 mil. Conforme a engenheira quími- ca Cristiane Sanchez Farinas, que participou da pesquisa e desenvol- veu sua tese de doutoramento em torno dela, o mercado mundial da substância foi da ordem de US$ 4,5 bilhıes em 2002. Cristiane e Everson explicam que os processos de extraçªo e purifica- çªo da pró-insulina recombinante obedecem a cerca de 27 passos. A pesquisa em questªo concentrou-se basicamente na primeira etapa, ou seja, na recuperaçªo do bioproduto a partir do endosperma do milho geneticamente modificado. Tratou- se, portanto, de um trabalho de en- genharia, dado que a parte de biolo- gia molecular ficou a cargo dos es- pecialistas do CBMEG, que fornece- ram a farinha do grªo transgŒnico para a pesquisa. Ao otimizar a extra- çªo da pró-insulina, afirmam os ci- entistas, a tendŒncia Ø que as fases subseqüentes, atØ a obtençªo dos cristais de insulina, que servirªo de insumo para as indœstrias farmacŒu- ticas, sejam facilitadas. Cristiane destaca que existe um grande nœmero de estudos envolven- do o uso de plantas como biorreatores. Atualmente, existem perto de 100 pro- teínas que sªo expressas em variadas espØcies vegetais. TrŒs delas jÆ sªo vendidas no mercado norte-america- no. No entanto, ainda hÆ poucas pes- quisas acerca da recuperaçªo e puri- ficaçªo dos bioprodutos. Nossa pre- ocupaçªo foi justamente trazer contri- buiçıes para essa Ærea. Procuramos desenvolver um processo que fosse ao mesmo tempo seguro, eficiente e de baixo custo. Felizmente, obtivemos um resultado bastante positivo, diz o professor Everson. Para alcançar o objetivo traçado, os pesquisadores primeiro fizeram uma rigorosa seleçªo dos solventes. Depois, eles se valeram de um pla- nejamento fatorial capaz de avaliar a influŒncia da temperatura, da ra- zªo volume-massa, do tempo e da velocidade de rotaçªo do impelidor (que promove a agitaçªo da suspen- sªo farinha-solvente) na eficiŒncia da extraçªo. AlØm disso, analisaram o conteœdo de impurezas no extra- to, como carboidratos, compostos fenólicos e proteínas, objetivando a minimizaçªo de tais interferentes no trabalho de purificaçªo. Os valores mÆximos de concentra- çªo do bioproduto, de acordo com o professor Miranda, foram de 20 mi- crogramas por mililitro ou 0,45% da proteína total solœvel. Embora pos- sam parecer inexpressivos aos olhos dos leigos, esse nível de extraçªo estÆ dentro da faixa tida como suficien- temente competitiva para viabilizar economicamente o uso de plantas co- mo biorreatores, conforme o docente da FEQ. O cientista esclarece que o resultado revela o esforço realizado pela equipe ao longo do estudo. No início dos ensaios, segundo ele, os valores recuperados foram aproxima- damente mil vezes menores. Otimizado o processo de extraçªo, a próxima etapa, como jÆ menciona- do, serÆ a purificaçªo da pró-insuli- na, atØ a sua conversªo e obtençªo dos cristais de insulina, que devem ter um grau de pureza da ordem de 99%. Eles servem de insumo para as indœstrias farmacŒuticas produzi- rem as formulaçıes utilizadas pelos diabØticos. Para o professor Miranda, o avanço resultante da pesquisa co- ordenada por ele Ø muito gratificante, pois ajuda a promover a integraçªo entre Æreas distintas do conhecimen- to. A engenharia química, no caso, criou um elo com a biologia molecu- lar, afirma. A pesquisa contou com financiamento da Fapesp e bolsa de estudo concedida pelo CNPq. Os estudos que culminaram com o aprimoramen- to do processo de extraçªo da pró-insulina humana recombinante do milho transgŒnico dªo prossegui- mento às pesquisas do professor Adilson Leite, fa- lecido em fevereiro de 2003. Um dos mais reconhe- cidos especialistas brasileiros na Ærea de biologia molecular, ele dedicou parte da sua vida à transfor- maçªo de plantas em biofÆbricas de interesse far- macŒutico. Um dos projetos de maior repercussªo de Adilson Leite, que ainda estÆ tendo seqüŒncia no CBMEG, Ø a obtençªo do hormônio do crescimento (hGH), proteína utilizada no tratamento de crian- ças acometidas de nanismo, tambØm a partir do milho geneticamente modificado. Em entrevista concedida em julho de 2002 ao Jornal da Unicamp, o professor Adilson Leite explicou como o cereal pode ser utilizado para esse fim. De acordo com ele, todas as cØlulas de um determinado organismo contŒm os mesmos genes. Graças aos chamados pro- motores, regiıes que determinam em que momen- to, quantidade e local as substâncias serªo produzidas, nªo ocorre confusªo entre as funçıes que cada uma de- sempenha. Sabendo disso, o pesquisador e sua equi- pe tomaram a parte do gene humano que codifica o hormônio do crescimento e a introduziram na regiªo que regula a produçªo de proteína do milho, chama- da de endosperma, cuja funçªo Ø fornecer nutrientes para o embriªo durante a germinaçªo. Ou seja, os pesquisadores prepararam esse tecido especializado do cereal para produzir o hGH, como se fosse uma proteína a ser armazenada nas sementes, conforme as ordens transmitidas pelo seu trecho regu- lador. As vantagens de se obter bioprodutos a partir de plantas, explicou à Øpoca Adilson Leite, sªo inœmeras. Duas delas: primeiro, Ø muito mais barato desenvolver uma planta do que um animal transgŒnico; segundo, as proteínas originÆrias das plantas sªo muito mais segu- ras do que as de uma bactØria, visto que nªo hÆ indica- çªo de que causem alguma doença ao homem. Adilson Leite nasceu em Ponta Grossa (PR). Gra- duou-se em 1978 em FarmÆcia e Bioquímica pela Uni- versidade Estadual de Ponta Grossa e doutorou-se em CiŒncias pelo Instituto de Química da Universidade de Sªo Paulo (USP), em 1984. Ingressou na Unicamp em 1988 para trabalhar como tØcnico especializado Pesquisa otimiza extraçªo da prØ-insulina a partir do endosperma de milho geneticamente modificado no Laboratório de Biologia Molecular de Plantas do CBMEG. Neste laboratório, juntamente com o pro- fessor Paulo Arruda, iniciou seu trabalho de carac- terizaçªo de proteínas de reserva de sementes de cereais, incluindo estudos da regulaçªo da expressªo gŒnica em sementes. A experiŒncia acumulada com os estudos do fator de transcriçªo Opaco-2 o habilitou a coordenar em 1999 um projeto de Data mining de fatores de trans- criçªo no Banco de Dados do Sucest. AlØm disso, de- senvolveu um sistema que permite a expressªo de grandes quantidades de proteínas heterólogas de in- teresse comercial em sementes de cereais, o que lhe rendeu um pedido de patente no ano 2000. TambØm recebeu o prŒmio de mØrito científico e tecnológico do Governo do Estado de Sªo Paulo pela contribui- çªo ao projeto de seqüenciamento genØtico da Xyllela fastidiosa, em fevereiro de 2000. Plantas como biofÆbricas TØcnica pode reduzir custos de produçªo da insulina P Pesquisas dão seqüência ao trabalho do farmacêutico e bioquímico Adilson Leite, falecido em janeiro de 2003 À esquerda o professor Everson Alves Miranda e a engenheira química Cristiane Sanchez Farinas: processo seguro, eficiente e de baixo custo Quilo do produto custa atØ US$ 100 mil Fotos: Antoninho Perri pag09.pmd 08/08/04, 08:56 1

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Universidade Estadual de Campinas – 22 a 28 de novembro de 2004 9

MANUEL ALVES [email protected]

esquisa conduzida por cientis-tas do Departamento de Pro-cessos Biotecnológicos (DPB)

da Faculdade de Engenharia Quími-ca (FEQ) em colaboração com o Cen-tro de Biologia Molecular e Engenha-ria Genética (CBMEG), ambos da U-nicamp, proporcionou a otimizaçãodo processo de extração da pró-insu-lina humana recombinante produzi-da no endosperma do milho trans-gênico. A investigação, que deu se-qüência aos estudos iniciados peloprofessor Adilson Leite, morto emfevereiro de 2003, obteve resultadosque corroboram a viabilidade econô-mica do uso de plantas como bior-reatores. De acordo com Everson Al-

ves Miranda, docenteda FEQ e coordenadordo trabalho, a Agênciade Inovação da Uni-camp (Inova) já está es-tudando o registro dapatente do processo.

Ao aprimorar o mo-delo de recuperação da pró-insulinahumana recombinante no milhotransgênico, os pesquisadores da Uni-camp têm como meta a redução doscustos de produção da insulina. Apró-insulina, lembra o professor E-verson, é a precursora da insulina,indispensável no tratamento de al-guns tipos de diabetes. A doença émuito prevalente entre a população.Entretanto, o preço do hormônio nomercado é alto. Um quilo do produ-to está cotado em cerca de US$ 100mil. Conforme a engenheira quími-ca Cristiane Sanchez Farinas, queparticipou da pesquisa e desenvol-veu sua tese de doutoramento emtorno dela, o mercado mundial dasubstância foi da ordem de US$ 4,5bilhões em 2002.

Cristiane e Everson explicam queos processos de extração e purifica-ção da pró-insulina recombinanteobedecem a cerca de 27 passos. Apesquisa em questão concentrou-sebasicamente na primeira etapa, ouseja, na recuperação do bioprodutoa partir do endosperma do milhogeneticamente modificado. Tratou-se, portanto, de um trabalho de en-genharia, dado que a parte de biolo-gia molecular ficou a cargo dos es-pecialistas do CBMEG, que fornece-ram a farinha do grão transgênicopara a pesquisa. Ao otimizar a extra-ção da pró-insulina, afirmam os ci-entistas, a tendência é que as fasessubseqüentes, até a obtenção doscristais de insulina, que servirão deinsumo para as indústrias farmacêu-ticas, sejam facilitadas.

Cristiane destaca que existe umgrande número de estudos envolven-do o uso de plantas como biorreatores.Atualmente, existem perto de 100 pro-teínas que são expressas em variadasespécies vegetais. Três delas já sãovendidas no mercado norte-america-no. No entanto, ainda há poucas pes-quisas acerca da recuperação e puri-ficação dos bioprodutos. �Nossa pre-ocupação foi justamente trazer contri-

buições para essa área. Procuramosdesenvolver um processo que fosse aomesmo tempo seguro, eficiente e debaixo custo. Felizmente, obtivemosum resultado bastante positivo�, dizo professor Everson.

Para alcançar o objetivo traçado,os pesquisadores primeiro fizeramuma rigorosa seleção dos solventes.Depois, eles se valeram de um pla-nejamento fatorial capaz de avaliara influência da temperatura, da ra-zão volume-massa, do tempo e davelocidade de rotação do impelidor(que promove a agitação da suspen-são farinha-solvente) na eficiênciada extração. Além disso, analisaramo conteúdo de impurezas no extra-to, como carboidratos, compostosfenólicos e proteínas, objetivando aminimização de tais interferentes notrabalho de purificação.

Os valores máximos de concentra-ção do bioproduto, de acordo com oprofessor Miranda, foram de 20 mi-crogramas por mililitro ou 0,45% daproteína total solúvel. Embora pos-sam parecer inexpressivos aos olhosdos leigos, esse nível de extração estádentro da faixa tida como �suficien-temente competitiva para viabilizareconomicamente o uso de plantas co-mo biorreatores�, conforme o docenteda FEQ. O cientista esclarece que oresultado revela o esforço realizadopela equipe ao longo do estudo. Noinício dos ensaios, segundo ele, osvalores recuperados foram aproxima-damente mil vezes menores.

Otimizado o processo de extração,a próxima etapa, como já menciona-do, será a purificação da pró-insuli-na, até a sua conversão e obtençãodos cristais de insulina, que devemter um grau de pureza da ordem de99%. Eles servem de insumo para asindústrias farmacêuticas produzi-rem as formulações utilizadas pelosdiabéticos. Para o professor Miranda,o avanço resultante da pesquisa co-ordenada por ele é muito gratificante,pois ajuda a promover a integraçãoentre áreas distintas do conhecimen-to. �A engenharia química, no caso,criou um elo com a biologia molecu-lar�, afirma. A pesquisa contou comfinanciamento da Fapesp e bolsa deestudo concedida pelo CNPq.

Os estudos que culminaram com o aprimoramen-to do processo de extração da pró-insulina humanarecombinante do milho transgênico dão prossegui-mento às pesquisas do professor Adilson Leite, fa-lecido em fevereiro de 2003. Um dos mais reconhe-cidos especialistas brasileiros na área de biologiamolecular, ele dedicou parte da sua vida à transfor-mação de plantas em �biofábricas� de interesse far-macêutico. Um dos projetos de maior repercussãode Adilson Leite, que ainda está tendo seqüência noCBMEG, é a obtenção do hormônio do crescimento(hGH), proteína utilizada no tratamento de crian-ças acometidas de nanismo, também a partir domilho geneticamente modificado.

Em entrevista concedida em julho de 2002 ao Jornalda Unicamp, o professor Adilson Leite explicou comoo cereal pode ser utilizado para esse fim. De acordo comele, todas as células de um determinado organismocontêm os mesmos genes. Graças aos chamados �pro-motores�, regiões que determinam em que momen-to, quantidade e local as substâncias serão produzidas,não ocorre confusão entre as funções que cada uma de-sempenha. Sabendo disso, o pesquisador e sua equi-pe tomaram a parte do gene humano que codifica ohormônio do crescimento e a introduziram na regiãoque regula a produção de proteína do milho, chama-da de endosperma, cuja função é fornecer nutrientespara o embrião durante a germinação.

Ou seja, os pesquisadores prepararam esse tecidoespecializado do cereal para produzir o hGH, como sefosse uma proteína a ser armazenada nas sementes,conforme as ordens transmitidas pelo seu trecho regu-lador. As vantagens de se obter bioprodutos a partir deplantas, explicou à época Adilson Leite, são inúmeras.Duas delas: primeiro, é muito mais barato desenvolveruma planta do que um animal transgênico; segundo, asproteínas originárias das plantas são muito mais segu-ras do que as de uma bactéria, visto que não há indica-ção de que causem alguma doença ao homem.

Adilson Leite nasceu em Ponta Grossa (PR). Gra-duou-se em 1978 em Farmácia e Bioquímica pela Uni-versidade Estadual de Ponta Grossa e doutorou-se emCiências pelo Instituto de Química da Universidadede São Paulo (USP), em 1984. Ingressou na Unicampem 1988 para trabalhar como técnico especializado

Pesquisa otimiza extração da pré-insulina a partir do endosperma de milho geneticamente modificado

no Laboratório de Biologia Molecular de Plantas doCBMEG. Neste laboratório, juntamente com o pro-fessor Paulo Arruda, iniciou seu trabalho de carac-terização de proteínas de reserva de sementes decereais, incluindo estudos da regulação da expressãogênica em sementes.

A experiência acumulada com os estudos do fatorde transcrição Opaco-2 o habilitou a coordenar em1999 um projeto de �Data mining� de fatores de trans-crição no Banco de Dados do Sucest. Além disso, de-senvolveu um sistema que permite a expressão degrandes quantidades de proteínas heterólogas de in-teresse comercial em sementes de cereais, o que lherendeu um pedido de patente no ano 2000. Tambémrecebeu o prêmio de mérito científico e tecnológicodo Governo do Estado de São Paulo pela contribui-ção ao projeto de seqüenciamento genético da Xyllelafastidiosa, em fevereiro de 2000.

Plantas como �biofábricas�

Técnica pode reduzir custosde produção da insulina

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Pesquisas dãoseqüência aotrabalho do

farmacêutico ebioquímico AdilsonLeite, falecido em

janeiro de 2003

À esquerda o professor EversonAlves Miranda e a engenheiraquímica Cristiane Sanchez Farinas:processo seguro, eficiente e de baixocusto

Quilo doprodutocusta atéUS$ 100 mil

Fotos: Antoninho Perri

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