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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AMBIENTAL PRISCILA SILVA DE SOUZA EXTRAFISCALIDADE DO IPVA COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AMBIENTAL MANAUS 2012

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS

ESCOLA SUPERIOR DE CINCIAS SOCIAIS

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO AMBIENTAL

PRISCILA SILVA DE SOUZA

EXTRAFISCALIDADE DO IPVA COMO INSTRUMENTO DE PROTEO

AMBIENTAL

MANAUS

2012

PRISCILA SILVA DE SOUZA

EXTRAFISCALIDADE DO IPVA COMO INSTRUMENTO DE PROTEO

AMBIENTAL

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

Graduao em Direito Ambiental da

Universidade do Estado do Amazonas, como

requisito para a obteno do ttulo de Mestre em

Direito Ambiental.

Orientador: Prof. Dr. Valmir Csar Pozzetti

MANAUS

2012

S729e Souza, Priscila Silva de Extrafiscalidade do IPVA como instrumento de proteo

ambiental / Priscila Silva de Souza. Manaus: Universidade

do Estado Amazonas, 2012. 160 fls.: 30 cm

Dissertao apresentada ao Programa de Mestrado em

Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas

UEA.

Orientador: Prof. Dr. Valmir Csar Pozzetti

1. Meio Ambiente. 2. Preservao Ambiental. 3.

Extrafiscalidade. I. Ttulo CDU 34

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS

Rua Leonardo Malcher, 1728 Praa 14 de Janeiro - Escola Superior de Artes e Turismo

Cep. 69020-070 Manaus-Am

TERMOS DE APROVAO

PRISCILA SILVA DE SOUZA

EXTRAFISCALIDADE DO IPVA COMO INSTRUMENTO DE PROTEO

AMBIENTAL

Dissertao aprovada pelo Programa de Ps-

Graduao em Direito Ambiental da Universidade

do Estado do Amazonas, pela Comisso Julgadora

abaixo identificada.

Manaus, 27 de setembro de 2012.

___________________________________

Presidente: Prof. Dr. Valmir Csar Pozzetti

Universidade do Estado do Amazonas

___________________________________

Membro: Dra. Jaiza Maria Pinto Fraxe

Faculdade Martha Falco

___________________________________

Membro: Prof. Dr. Eid Badr

Universidade do Estado do Amazonas

AGRADECIMENTOS

A Deus, razo primeira da minha existncia.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Valmir Csar Pozzetti, que me auxiliou em todos os momentos

na construo deste trabalho.

Universidade do Estado do Amazonas e a todos os professores doutores da Ps-Graduao

que me proporcionaram todo o conhecimento a que fui exposta para concluso de mais esta

etapa.

minha famlia, que sempre esteve presente em todos os meus passos, torcendo por minhas

vitrias. Em especial, minha irm Paola Silva de Souza, que sempre me incentivou a

perseguir meus projetos e me acompanha lado a lado, insistentemente.

Eliete Ribeiro que, entusiasta dos estudos acadmicos, acompanhou-me nos primeiros

passos em direo ao mestrado e, igualmente, durante toda esta caminhada, forneceu-me sua

amizade e apoio incondicional.

A Guilherme Henrich Benek Vieira, companheiro da Academia, com quem compartilho a

paixo pela pesquisa e com quem tenho trilhado importante caminho para a expanso do

conhecimento.

A todos os colegas de turma que tornaram extremamente prazerosos os momentos de estudos

acadmicos, principalmente, a Leonardo de Arajo Torres e Danielle de Ouro Mamed.

"A natureza uma das grandes ddivas de Deus para o

homem. preciso abrir os olhos, pois de nada valero os

cdigos e as construes jurdicas se, no futuro, no houver

planeta sobre o qual vigerem.

Simone Martins Sebastio

RESUMO

Nos ltimos anos tem se incrementado, sobremaneira, o nmero de automveis circulando nas

ruas das cidades, em todo o pas. Esses veculos so responsveis pela emisso de dixido de

carbono na atmosfera, o que contribui para o aumento da poluio do meio ambiente, a qual

afetar, em longo prazo, a vida da comunidade. Dentro desse contexto, a sade pblica est

ameaada, uma vez que a poluio produzida pelas descargas dos automveis traz doenas

respiratrias e destri a camada de oznio, provocando prejuzo, tambm, ao meio ambiente.

As aes desenvolvidas pelas organizaes civis, no combate poluio ambiental, no

conseguem alcanar junto aos cidados os mesmos resultados, se praticados pelo Poder

Pblico, pela prpria limitao de sua estrutura e alcance. Dessa forma, surge a figura do

Estado como promotor da preservao ambiental que, no uso de suas atribuies, pode se

valer da extrafiscalidade do tributo para coibir condutas lesivas, praticadas pelos indivduos

ao meio ambiente. Assim, a imposio tributria pr-existente no ordenamento jurdico ptrio

torna-se um instrumento importante para induzir o contribuinte a pagar menos tributo, desde

que se utilize para isso, tecnologias viveis sade ambiental, reduzindo as emisses de

poluentes dos veculos automotores. Neste sentido, o governo brasileiro tem procurado

desenvolver vrios programas, como j o fez com o Prolcool, o biocombustvel, oriundo da

cana-de-acar, com pouco impacto ambiental. Para estimular a aquisio de veculos

movidos ao bicombustvel, o Estado reduziu as alquotas de IPI no ato da compra, tornando-

os mais acessveis ao consumidor e, com isso, reduziu-se a emisso de agentes poluentes.

Assim, estimular o uso do combustvel com polticas adequadas de baixa tributao deve ser a

meta do governo brasileiro, uma vez que atribuio do Estado preservar o meio ambiente,

juntamente com a coletividade, conforme art. 225 da CF/88. Logo, o sistema de tributao

deixa de ser simplesmente um mecanismo arrecadatrio de recursos financeiros para se tornar

um instrumento de ao do Estado, no terreno social, permitindo ao legislador desestimular

comportamentos que possam trazer prejuzos sociedade e ao meio ambiente e estimular

comportamentos adequados, desonerando o cidado que cumpre seu papel social. Alm do

lcool, a cincia tem descoberto novas fontes limpas de combustvel, como o gs natural,

energia eltrica, hidrognio, dentre outros, com reduzido impacto ambiental. O objetivo deste

estudo demonstrar como o Estado pode, fazendo uso da extrafiscalidade do tributo,

fomentar o consumo de fontes limpas de combustveis pelos consumidores/contribuintes,

atravs da gradao de alquotas do IPVA para as modalidades menos poluentes; e ainda,

apresentar o estabelecimento de uma poltica diferenciada para os veculos usados, uma vez

que estes, notadamente, emitem maiores componentes txicos na atmosfera, em decorrncia

do seu desgaste, visando sempre o benefcio da coletividade.

Palavras-chave: Meio ambiente. Preservao ambiental. Imposto. Extrafiscalidade. IPVA.

ABSTRACT

In recent years has increased markedly the number of vehicles circulating on the streets of

cities across the country. These vehicles are responsible for emitting carbon dioxide into the

atmosphere, what contributes to the increased pollution of the environment, which will affect

long-term life of the community. Within this context, public health is threatened, since the

pollution produced by discharges of cars brings respiratory diseases and destroys the ozone

layer, causing prejudice also to the environment. The actions carried out by civil

organizations in the fight against environmental pollution, cannot achieve together citizens the

same results, if practiced by public authorities, by the limitation of its structure and scope.

Thus, the figure of the State as promoter of environmental preservation in the use of his

attributions, can avail themselves of the extrafiscalidade tribute to curb harmful conduct,

committed by individuals. Thus, the tax levy on pre-existing legal solidarity becomes an

important instrument to induce taxpayers to pay less tax, provided that they use for this,

viable technologies to environmental health, reducing the emissions of pollutants from motor

vehicles. In this sense, the Brazilian Government has sought to develop various programs, as

it has already done so with the Prolcool, bio-fuel from sugar cane, with little environmental

impact. To stimulate the purchase of vehicles moved to a bi-fuel, the State reduced the IPI tax

rates at the time of purchase, making them more accessible to the consumer and thus reduced

the emission of polluting agents. So, encourage the use of fuel with appropriate policies of

low taxation should be the goal of the Brazilian Government, since it is the State's role to

preserve the environment, together with the community, in accordance with art. 225 of CF/88.

Soon, the system of taxation is no longer simply a mechanism for collection of financial

resources to become an instrument of State action in the social field, enabling the legislator to

discourage behaviors that may bring damage to society and the environment, and stimulate

appropriate behaviors, bringing the citizen who fulfills its social role. Besides alcohol, science

has discovered new clean sources of fuel, such as natural gas, electric power, hydrogen,

among others, with reduced environmental impact. The aim of this study is to demonstrate

how the State can, by making use of extrafiscalidade of tribute, promote the use of clean fuel

sources by consumers/contributors through the gradation of aliquots of Property taxes for the

less polluting modes; and yet, to the establishment of a differentiated policy for used vehicles,

since these, notably, emit more toxic components in the atmosphere, due to its wear, always

seeking the benefit of the collectivity.

Keywords: Environment. Environmental preservation. Tribute. Tax. Extrafiscalidade.

Property taxes.

LISTA DE ABREVIATURAS

ABEGS Associao Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gs Canalizado

ADCT Atos das Disposies Constitucionais Transitrias

ADI Ao Direta de Inconstitucionalidade

AGR Agravo

AI Agravo de Instrumento

ALGNV Associao Latino Americana de Gs Natural Veicular

ANFAVEA Associao Nacional dos Fabricantes de Veculos Automotores

ART Artigo

CAP Comisso de Acompanhamento do Programa PRONCOVE

CCB Cdigo Civil Brasileiro

CE Cear

CF Constituio Federal

CGL Comisso Geral de Licitao

CIDE Contribuio de Interveno no Domnio Econmico

CIP Contribuio de Iluminao Pblica

COFINS Contribuio para o Financiamento da Seguridade Social

CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente

CONTRAN Conselho Nacional de Trnsito

COSIP Contribuio para o Custeio do Servio de Iluminao Pblica

CREA Conselho Regional de Engenharia e Agronomia

CRM Conselho Regional de Medicina

CSLL Contribuio Social sobre o Lucro Lquido

CTA Cdigo Tributrio do Amazonas

CTB Cdigo de Trnsito Brasileiro

CTN Cdigo Tributrio Nacional

DAC Departamento de Aviao Civil

DECEX Departamento de Operaes de Comrcio Exterior

DENATRAN Departamento Nacional de Trnsito

DETRAN Departamento de Trnsito

DF Distrito Federal

DJU Dirio de justia da Unio

DNER Departamento Nacional de Estrada de Rodagem

ECO-92 Conferncia Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento

ocorrida na cidade do Rio de Janeiro em 1992

EIA Estudo de Impacto Ambiental

EPA Agncia de Proteo Ambiental dos Estados Unidos

FENABRAVE Federao Nacional de Distribuio de Veculos Automotores

GNV Gs Natural Veicular

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

ICT Instituto Cientfico e Tecnolgico

I/M Programa de Inspeo e Manuteno dos Veculos em Uso

INEA Instituto Estadual do Ambiente

IPCC Painel Intergovernamental sobre Mudanas Climticas

IPI Imposto sobre Produtos Industrializados

IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano

IPVA Imposto sobre a Propriedade de Veculos Automotores

L Lei

LC Lei Complementar

LINDB Lei de Introduo s Normas do Direito Brasileiro

Min Ministro

MDL Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

OCDE Organizao para a Cooperao e o Desenvolvimento Econmico

ONU Organizao das Naes Unidas

OMS Organizao Mundial da Sade

PCPV Plano de Controle de Poluio Veicular

PIS Programa de Integrao Social

PNMA Poltica Nacional do Meio Ambiente

PP Princpio da Preveno

PPP Princpio do Poluidor Pagador

PRONCOVE Programa de Controle de Poluio do Ar por Veculos Automotores

PRONAR Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar

RE Recurso Extraordinrio

RENAVAM Sistema Nacional de Registro de Veculos

REsp Recurso Especial

Rel Relator

RIMA Relatrio de Impacto Ambiental

RIPVA Regulamento sobre a Propriedade de Veculos Automotores

RJ Rio de Janeiro

RTJ Revista Trimestral de Jurisprudncia

SDS Secretaria de Desenvolvimento Sustentvel

SEBRAE Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas

SEMA Secretaria Especial do Meio Ambiente

SENAC Servio Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI Servio Nacional de Aprendizagem Industrial

SENAT Servio Nacional de Aprendizagem do Transporte

SINET Sistema Nacional de Estatstica de Trnsito

SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente

SP So Paulo

STF Supremo Tribunal Federal

STN Sistema Tributrio Nacional

STJ Superior Tribunal de Justia

TRU Taxa Rodoviria nica

WHO World Health Organization

SUMRIO

INTRODUO ........................................................................................................................ 13

1 UMA LEITURA PRINCIPIOLGICA DO DIREITO AMBIENTAL ......................... 19

1.1 PRINCPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL ............................................ 23

1.2 PRINCPIO DO POLUIDOR PAGADOR ........................................................................ 26

1.2.1 Poluidor ........................................................................................................................... 29

1.2.2 Dano Ambiental ............................................................................................................... 31

1.2.3 Responsabilidade Civil pelo Dano Ambiental................................................................. 32

1.3 PRINCPIO DA PREVENO ......................................................................................... 33

1.3.1 Programa de Controle da Poluio do Ar por Veculos Automotores PRONCOVE ... 35

2 SISTEMA TRIBUTRIO NACIONAL ............................................................................ 38

2.1 PODER DE TRIBUTAR .................................................................................................... 39

2.2 PRINCPIOS TRIBUTRIOS ........................................................................................... 42

2.2.1 Princpio da Legalidade ................................................................................................... 42

2.2.2 Princpio da Tipicidade .................................................................................................... 44

2.2.3 Princpio da Anterioridade .............................................................................................. 45

2.2.4 Princpio da Irretroatividade ............................................................................................ 46

2.2.5 Princpio da Capacidade Contributiva ............................................................................ 46

2.2.6 Princpio da Territorialidade..................................................................... ....................... 48

2.2.7 Princpio da Seletividade.............................................................................. ................... 48

2.2.8 Princpio da Progressividade.................................................................... ...................... .48

2.3 ESPCIES TRIBUTRIAS ............................................................................................... 50

2.3.1 Taxas ................................................................................................................................ 52

2.3.2 Contribuies de Melhoria .............................................................................................. 53

2.3.3 Contribuies Especiais ................................................................................................... 56

2.3.3.1 Tipos de Contribuio .................................................................................................. 57

2.3.4 Emprstimos Compulsrios ............................................................................................. 59

2.3.5 Impostos .......................................................................................................................... 61

2.3.6 Elementos do Tributo ...................................................................................................... 62

2.3.6.1 Regulamento ................................................................................................................. 67

3 MECANISMOS DE TRIBUTAO AMBIENTAL ATRAVS DO IPVA ................. 68

3.1 HISTRICO ....................................................................................................................... 68

3.2 TEORIA ECONMICA DE PIGOU.. ............................................................................... 70

12

3.3 INDUO DA TRIBUTAO AMBIENTAL ATRAVS DO IPVA A

EXTRAFISCALIDADE ........................................................................................................... 73

3.3.1 Legislao do Estado de So Paulo ................................................................................. 80

3.3.2 Legislao do Estado do Rio de Janeiro............................................. ............................. 82

3.4 ALQUOTAS SELETIVAS.......................................................................... .................... .83

3.5 FONTES LIMPAS DE COMBUSTVEL .......................................................................... 85

3.6 POLTICA DIFERENCIADA A VECULOS USADOS .................................................. 87

CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................... 90

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ..................................................................................... 93

ANEXOS ................................................................................................................................ 103

13

INTRODUO

O relacionamento entre o homem e a natureza tem provocado, nos ltimos sculos,

vrios danos ao meio ambiente, capazes de provocar mudanas climticas que j esto

afetando diretamente a vida das presentes geraes e afetaro as futuras.

A partir do sculo XIX1, iniciaram-se, na comunidade internacional, intensas

discusses sobre os impactos da poluio do meio ambiente, nas suas mais variadas formas:

ar, gua, solo, decorrentes, muitas vezes, do estilo de vida da populao frente s tecnologias

desenvolvidas para o alcance de seu bem-estar.

Isso se d essencialmente por um modelo consumerista que rege a vida dos cidados,

hodiernamente, onde, como bem explicita Pozzetti2 as pessoas exigem padres de vida mais

altos com tecnologias mais baratas, mesmo que os subprodutos involuntrios incluam a

degradao dos solos, os poluentes txicos de espcies animais ou alterao climtica.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanas Climticas (IPCC)3 atesta que o

dixido de carbono, expelido pelos canos de descarga dos automveis e das chamins das

fbricas, um dos principais elementos responsveis pela destruio da camada de oznio.

De acordo com o Painel4, os combustveis fsseis, dentre eles, os derivados de

petrleo (gasolina e diesel, para citar os mais txicos) representam 85% das emisses globais

de gases de efeito estufa. Desse total, 13,1% dizem respeito somente aos poluentes advindos

do setor de transporte.

Nesse contexto, conforme nmeros divulgados pela Federao Nacional de

Distribuio de Veculos Automotores (FENABRAVE)5, o Brasil ocupa, mundialmente, o 4

lugar em nmero de veculos emplacados e colocados em circulao nas ruas das cidades.

Especificamente em relao Regio Norte6, no ano de 2010, foi a regio que mais

cresceu, com percentuais de distribuio de automveis de 15,3% maior do que no perodo

anterior.

1 SEBASTIO, Simone Martins. Tributo ambiental. Curitiba: Juru, 2007, p. 178.

2 POZZETTI, Valmir Csar. A tributao favorvel ao meio ambiente no Brasil. Frana, 2000.

Dissertao (Mestrado em Direito do Meio Ambiente e do Urbanismo). Universidade de Limoges,

Frana, 2000, p. 07. 3 Painel Intergovernamental sobre Mudanas Climticas (IPCC). Relatrio sntese. Mudana

climtica: riscos, desafios e decises globais. Copenhague, Dinamarca, 2009, Universidade de

Copenhague, p. 10. 4 Op. cit., p. 11.

5 Federao Nacional de Distribuio de Veculos Automotores (FENABRAVE). Anurio 2011: o

desempenho da distribuio automotiva no Brasil. So Paulo: JBS Design, 2012, p. 08. 6 Federao Nacional de Distribuio de Veculos Automotores (FENABRAVE). Evoluo dos

emplacamentos nos Estados. Disponvel em:

14

O que fazer para reduzir tais emisses, enquanto a economia e postos de trabalho se

desenvolvem? De quem a responsabilidade para frear este processo? Que consequncias

podem ser sentidas pela populao a longo prazo?

O impacto dos efeitos do modo de vida atual fez surgir o termo desenvolvimento

sustentvel, que sugere uma mudana de paradigma quanto ao desenvolvimento econmico

praticado pelos pases e pela sociedade, que por muito tempo ignoraram a incapacidade da

natureza para manter-se sadia, apesar da degradao de seus recursos naturais.

Entre os diversos pensamentos que teorizam o desenvolvimento sustentvel, a

presente pesquisa filia-se abordagem econmico-liberal de mercado, que entende que sua

auto-regulao diante do cenrio de concorrncia, crescimento econmico e prosperidade,

aliada ao processo decisrio dos recursos humanos, a partir de suas preocupaes ecolgicas e

sociais, reflete uma mudana mercadolgica.

Diante da manifestao de uma conscincia ecolgica no processo de decises de

compra da populao, gerada uma demanda de produtos e servios ecolgicos7,

representando, sobremaneira, a sustentabilidade dos sistemas sociais e culturais dos cidados

como parte integrante do crescimento econmico.

Dentro dessa teoria, as concepes mais modernas defendem a internalizao dos

custos ambientais (...) atravs da introduo de sistemas de estmulo de mercado, geralmente

com o auxlio de impostos e taxas ambientais ou do comrcio de ttulos de poluio8.

Em um cenrio onde se difunde a sustentabilidade do meio ambiente e o

remodelamento do modo de vida da populao, de forma a minimizar os impactos de suas

tecnologias, de se invocar a unio de esforos entre Estado e Sociedade, a qual se traduzir,

de forma indissocivel, em uma revoluo dos padres de produo e consumo9.

Tal cenrio palco de curiosa insero de Santos sobre a concepo dos Direitos

Humanos no dilogo entre os povos, hodiernamente. A preservao do meio ambiente traz

como pano de fundo o Princpio da Dignidade da Pessoa Humana, a quem est garantido pela

. Acesso em: 29 jan 2012. 7 MASON, Michael. Environmental democracy. London: Earthscan, 1999, p. 34.

8 FREY, Klaus. A dimenso poltico-democrtica nas teorias de desenvolvimento sustentvel e

suas implicaes para a gesto local. Disponvel em: .

Acesso em: 13 set. 2012. 9 GUIMARES, Roberto. P. La tica de la sustentabilidad y la formulacin de polticas de

desarrollo. In: Hctor, Alberto Alimonda. Ecologa poltica naturaleza, sociedad y utopa. Buenos

Aires: CLACSO, 2002, p. 65.

http://www.fenabrave.com.br/principal/home/?sistema=conteudos|conteudo&id_conteudo=968#conteudohttp://www.fenabrave.com.br/principal/home/?sistema=conteudos|conteudo&id_conteudo=968#conteudohttp://www.scielo.br/pdf/asoc/n9/16878.pdf

15

Carta Magna o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio para as presentes

e futuras geraes.

Nesse sentido, Santos aponta a ideia de concepo de dignidade humana estendida s

mais variadas culturas ao redor do globo, onde todas as concebem, mas nem sempre o fazem

em termos de direito humanos 10

.

Assim, fala-se muito em preservao ambiental em prol do indivduo, enquanto

afloram na sociedade dezenas de condutas contrrias ao pensamento aqui defendido,

traduzindo-se em verdadeiro paradoxo entre discurso-experincia.

Para citar, prope-se a reduo de emisso de poluentes txicos na atmosfera, mas

no se investe igualmente na reduo da frota de veculos postos em circulao em todo o

mundo. Tmidos so os investimentos em fontes limpas de energia, que poderiam reduzir o

impacto da toxicidade veicular.

Todavia, apesar da existncia de aparente contradio, no se esmorecem os estudos

tendentes a minorar a degradao ambiental advinda das condutas praticadas pela sociedade.

Esclarece Santos11

: o reconhecimento de incompletudes mtuas condio sine qua non de

um dilogo intercultural.

Buscando operacionalizar o termo desenvolvimento sustentvel a fim de se garantir

a sadia qualidade de vida da comunidade, em junho de 2012, realizou-se, na cidade do Rio de

Janeiro, a Conveno Internacional Rio+20.

Todavia, quase nada se avanou, restando a conciliao de esforos individuais dos

pases que se preocupam com a temtica. Neste sentido, o Brasil avana e lidera o grupo dos

pases que buscam uma soluo para a proteo ambiental.

A Constituio Federal de 1988 prev, em seu art. 225, o direito reservado a todos de

um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial

sadia qualidade de vida, o qual deve ser defendido e preservado pelo Poder Pblico e a

sociedade.

Dentro dessa perspectiva, Administrao Pblica, responsvel pela preservao do

meio ambiente, por disposio expressa do art. 225, 1 da Carta Magna, vislumbra a

possibilidade de adaptao dos tributos, voltados para uma funo extrafiscal, para se alcanar

a proposta de preservao ambiental atravs do desestmulo de condutas degradantes,

praticadas pelo indivduo ao meio ambiente, ou ainda, pelo estmulo a condutas individuais

10

SANTOS, Boaventura de Sousa. As tenses da modernidade. Disponvel em:

. Acesso em: 30set. 2012. 11

Op. cit.

http://www.susepe.rs.gov.br/upload/1325792284_As%20tens%C3%B5es%20da%20Modernidade%20-%20Boaventura%20de%20Sousa%20Santos.pdfhttp://www.susepe.rs.gov.br/upload/1325792284_As%20tens%C3%B5es%20da%20Modernidade%20-%20Boaventura%20de%20Sousa%20Santos.pdf

16

convenientes comunidade, desprezando, assim, a sua utilizao para fins meramente

arrecadatrios.

Neste sentido, leciona Badr12

:

Quando o Estado se utiliza da tributao para intervir na economia ou

quando tem interesses outros alm da mera arrecadao, seja de cunho

social, poltico ou econmico, diz-se que tal tributo tem finalidade

extrafiscal.

Precipuamente, o tributo se apresenta como espcie de receita tributria derivada, o

qual criado somente pelas pessoas polticas de direito pblico, quais sejam a Unio, os

Estados, o Distrito Federal e os Municpios, conforme estabelece o art. 145 da CF/88.

Este se subdivide em impostos, taxas, contribuies de melhoria, adotados pelo

Cdigo Tributrio Nacional (CTN) como tributos, conforme preceitua seu art. 5.

O presente trabalho fixa sua ateno para a espcie imposto, cuja arrecadao no

se vincula a nenhuma contraprestao especfica por parte do Poder Pblico.

O imposto tributo no vinculado, definido como a obrigao que tem por fato

gerador uma situao previamente prevista em lei, independente de qualquer atividade estatal

especfica, relativa ao contribuinte (art. 16 do CTN).

Neste sentido, Pozzetti13

:

O Cdigo Tributrio Nacional (art. 16) possibilita que os impostos indiretos

sobre a produo e o consumo possam ser utilizados como instrumentos de

tributao ambiental, atravs de um sistema de gradao de alquotas,

isenes e restituies conforme a natureza dos produtos, ou mercadorias, de

sorte a estimular a fabricao de produtos mais eficientes e menos

poluidores e desestimular a produo dos que sejam ineficientes e

poluidores ou cujo processo produtivo cause poluio ou que de alguma

forma possa significar ameaa ao meio ambiente. (grifo nosso)

Percebe-se, ento, que a tributao um mecanismo estatal de interveno na

economia e, atendendo ao Princpio da Legalidade, essa interveno s ocorrer atravs de

produo legislativa. Neste sentido, afirma Badr14

, que essa interveno s se dar atravs de:

12

BADR, Fernanda Matos. Tributao ambiental: a extrafiscalidade como instrumento estatal de

preservao do meio ambiente. Manaus, 2011. Dissertao (Mestrado em Direito Ambiental).

Universidade do Estado do Amazonas UEA, Manaus, 2011, p. 125. 13

POZZETTI, Valmir Csar. A tributao favorvel ao meio ambiente no Brasil. Frana, 2000.

Dissertao (Mestrado em Direito do Meio Ambiente e do Urbanismo). Universidade de Limoges,

Frana, 2000, p. 35. 14

BADR, Fernanda Matos. Tributao ambiental: a extrafiscalidade como instrumento estatal de

preservao do meio ambiente. Manaus, 2011. Dissertao (Mestrado em Direito Ambiental).

Universidade do Estado do Amazonas UEA, Manaus, 2011, p. 143.

17

Normas ditas indutoras, que (...) possibilitam a escolha pelo destinatrio da

norma da conduta a ser praticada, na medida em que, embora dispositivas,

trazem em seu bojo preceito condicionador de comportamento, que o

persuadem, agindo diretamente no campo de sua formao de vontade e que,

no mais das vezes, fazem com que decida de acordo com a vontade do

legislador ou com a finalidade real da norma. Neste caso, pode-se afirmar

que a hiptese normativa pode levar ao menos a dois consequentes,

conforme seja a opo tomada pelo agente econmico.

No Municpio de Manaus crescente, a cada dia, a quantidade de veculos novos

emplacados. At julho de 201215

, a frota municipal contava com 519.658 veculos circulando

nas ruas da cidade, para uma populao de 1.861.838 pessoas, de acordo com dados do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE)16

. No comparativo entre 200017

e 2012,

a populao cresceu 32%, enquanto a frota de veculos cresceu 180%.

Por conta da poluio veicular, o Municpio de So Paulo, no ano de 1997,

promulgou a lei n. 12.49018

na tentativa de melhorar a qualidade do ar, estabelecendo um

rodzio de veculos de acordo com o final das placas e os dias de semana. Tudo para reduzir o

nvel de poluio lanado na atmosfera.

V-se, portanto, que os poluentes expelidos pelas descargas dos veculos constituem-

se em um problema srio. Conforme o art. 23 da CF/88, todos os entes federados so

responsveis para se fazer cumprir o art. 225 do mesmo documento jurdico, qual seja,

garantir a sade, a qualidade de vida e o meio ambiente saudvel para as presentes e futuras

geraes.

Desta forma, cabe ao Poder Pblico buscar mecanismos para que se estimule a

produo e consumo de energia limpa ou com menor potencial de poluio. O objetivo no

frear o desenvolvimento, pelo contrrio, buscar fontes de energia mais adequadas.

O mtodo de pesquisa utilizado no presente trabalho quanto aos fins o explorativo e

quanto aos meios, bibliogrfico.

Atravs de pesquisa acurada, pretende-se fazer proposies, dentro da legalidade, e

trazer reflexes comunidade jurdica, uma vez que as anlises aqui refletidas traro

15

BRASIL. Ministrio das Cidades. Departamento Nacional de Trnsito (DENATRAN). Sistema

Nacional de Registro de Veculos (RENAVAM). Sistema Nacional de Estatstica de

Trnsito/SINET. Disponvel em: < http://www.denatran.gov.br/frota.htm>. Acesso em: 07 ago. 2012. 16

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE). Resoluo n. 7, de 30 ago 2012.

Dirio Oficial da Unio. Braslia, 31 ago 2012. Ano CXLIX, no 170, p. 82.

17 Op. cit.

18 SO PAULO. Cmara Municipal de So Paulo. Lei n.

12.490, de 03 de outubro de 1997. Dirio

Oficial do Municpio de So Paulo. Ano 42, n. 190, 04.10.97.

http://www.denatran.gov.br/frota.htm

18

ebulies no tocante ordem econmica, dada a fora das oligarquias do petrleo no

mercado.

Apesar de o petrleo representar, ainda, a principal fonte de energia do pas, o Brasil,

atualmente, tem acenado com as grandes reservas do pr-sal, e sediado importantes encontros

ambientais internacionais, como a Conveno Internacional Rio+20, em junho de 2012,

conquanto no se tenha avanado em tratativas de diminuir a poluio mundial.

Neste sentido, o Brasil vem dando exemplo e se destacando nas polticas de reduo

de emisso de gases poluentes.

Logo, o objeto deste trabalho oferecer alternativas, atravs da tributao indutiva

do Imposto sobre a Propriedade de Veculos Automotores (IPVA), a fim de que o consumidor

possa fazer uso de veculos movidos a energia limpa ou com menor potencial poluidor.

Buscar-se- fazer uma anlise do avano da legislao, nos ltimos tempos, no

intuito de fomentar o investimento em novas tecnologias para a obteno de um modelo de

substituio de energia limpa e, por conseguinte, o seu reflexo no estilo de vida da populao.

Alm da utilizao de fontes de energia menos poluentes, ser destacada a

responsabilidade dos consumidores quanto a utilizao de veculos usados, notadamente mais

degradantes.

Assim, no primeiro captulo deste trabalho, sero retratados os princpios do Direito

Ambiental que responsabilizam as condutas que prejudicam o meio ambiente e quais aes

devem ser realizadas para proteg-lo, a fim de que se possa alcanar o desenvolvimento

sustentvel.

No segundo captulo, sero abordados os princpios do Direito Tributrio, os

elementos constitutivos do Sistema Tributrio Nacional (STN), a partir da apresentao de

suas espcies tributrias e a anlise do imposto, objeto da pesquisa.

No terceiro captulo, ser sistematizada a proposta de gradao de alquota do IPVA

como mecanismo indutor preservao ambiental, traando-se um dilogo com a Teoria

Econmica de Pigou e as possibilidades de insero do instituto no ordenamento jurdico

ptrio.

19

1 UMA LEITURA PRINCIPIOLGICA DO DIREITO AMBIENTAL

Nesse primeiro captulo, sero analisados os princpios do Desenvolvimento

Sustentvel, do Poluidor-Pagador e o da Preveno, que respaldam o embasamento legal da

gradao do imposto proposto no presente trabalho, de forma que o cerne da pesquisa se

coadune com as regras jurdicas brasileiras, peculiares proteo ambiental; ainda, como

estes so apresentados nos principais documentos internacionais de preservao ao meio

ambiente.

Primeiramente, faz-se necessrio um estudo pormenorizado do significado da palavra

princpio. Etimologicamente, nos reporta ideia de origem, incio, base.

Trazendo sua afetao para o direito, pode ser definido como:

Um enunciado lgico, implcito ou explcito que, por sua grande

generalidade, ocupa posio de preeminncia nos vastos quadrantes do

direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorvel, o entendimento e a

aplicao das normas jurdicas com o que eles se conectam19

.

Nas diferentes fases de evoluo, a sociedade sempre fez uso de regras, em suas

formas variantes dentro do processo histrico, para incorporao de ditames comportamentais

que permitissem a vida comunitria.

Nem sempre elas foram escritas, tendo nascido, a priori, como costumes que, uma

vez impregnados no modo de vida de determinado povoado, definindo, assim, um

consentimento coletivo, era incrustado como regra, at que essa fosse grafada, pela primeira

vez, dando origem a lei positivada.

A partir da, a legislao brasileira sempre foi pautada em respeito a determinadas

diretrizes, valores, que conduzem a uma justia social legal, no se olvidando jamais da

importncia do respeito aos princpios, sendo eles a viga mestra de nosso ordenamento ptrio.

Tais princpios esto consagrados em vrios dispositivos da Carga Magna, norteando

as premissas a serem seguidas por nossos legisladores, quando da criao das normas

jurdicas, a citar:

Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e

na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme

os ditames da justia social, observados os seguintes princpios:

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado

conforme o impacto ambiental dos produtos e servios e de seus processos

de elaborao e prestao.

19

ARAJO, Cludia Campos de. et at. Meio ambiente e sistema tributrio: novas perspectivas.

So Paulo: Senac, 2003, p.17.

20

Art. 225. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-

se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para

as presentes e futuras geraes.

[omissis]

3 - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente

sujeitaro os infratores, pessoas fsicas ou jurdicas, a sanes penais e

administrativas, independentemente da obrigao de reparar os danos

causados.

A contrariedade aos princpios assegurados pela Constituio Federal significa a sua

prpria ruptura, haja vista ser essa a pirmide do aparato jurdico.

Pois bem, inicialmente, a discusso acerca da importncia aos princpios no

ordenamento surge a partir do normativismo jurdico proposto por Hart20

, segundo o qual o

apanhado normativo composto apenas por regras que, uma vez preenchidos seus requisitos,

resultam em condutas previamente estabelecidas pelo legislador para que sejam punidas ou

coagidas pelo poder pblico.

Dentro do campo de abertura do direito positivo, surge a possibilidade de que o juiz

decida sobre o caso concreto, levando-se em conta certa discricionariedade diante da lacuna

da lei.

Todavia, acerta Melgar21

quando afirma que ao admitir-se a discricionariedade

judicial, os direitos das pessoas estariam sob a dependncia e ao sabor das opes subjetivas

do magistrado.

Assim, na deciso de casos duvidosos ou ainda no positivados, deve o juiz fazer uso

de parmetros no jurdicos ou extrajurdicos autorizados pelo legislador. o que estabelece a

Lei de Introduo s Normas do Direito Brasileiro (LINDB), Decreto-Lei n. 4657/42, que

assim disciplina:

Art. 4o. Quando a lei for omissa, o juiz decidir o caso de acordo com a

analogia, os costumes e os princpios gerais de direito.

Nessa seara, Dworkin quem primeiro lana crticas ao absolutismo da norma. Tanto

as regras como os princpios so institutos vinculantes que no permitem a construo do

direito pelo magistrado de uma situao ainda no positivada.

Nesse sentido, Dworkin22

:

20

HART, H. L. A. O conceito de direito. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 128-129. 21

MELGAR, Plnio. Princpios, regras e a tese dos direitos: apontamentos luz da teoria de

Ronald Dworkin. Revista de Informao Legislativa, Braslia, DF, ano 41, n. 163 jul/set 2004, p. 99. 22

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a srio. Traduo de Nelson Boeira. So Paulo: WMF

Martins Fontes, 2002, p. 55.

21

Quando um juiz esgota as regras sua disposio, ele possui o poder

discricionrio, no sentido de que ele no est obrigado por quaisquer padres

derivados da autoridade da lei. Ou para dizer de outro modo: os padres

jurdicos que no so regras e so citados pelos juzes no impem

obrigaes a estes.

E Melgar23

:

Visto o sistema jurdico pela perspectiva nica da norma, pela simples

dinmica social, ocorrer o fenmeno das lacunas, cuja soluo, adotando-se

a proposta normativista, segundo assinala Ronald DWORKIN, ficaria

confiada propriedade discricional do magistrado.

Assim, ganham os princpios, fundamental relevncia no exerccio do labor jurdico.

Segundo Alexy24

, a base argumentativa dos princpios est na sua distino em

contrariedade ao das regras. Ambos, princpios e regras, so espcies que estruturaro os

enunciados normativos advindos do gnero norma.

Regras so definidas como mandamentos de definio, onde se espera que seja

cumprido na medida exata de suas prescries aquilo que se ordena que se faa. Segundo

Dworkin25

, possuem aplicao automtica, denominada pelo autor de tudo ou nada (all-or-

nothing), impondo resultados. Aplicam-se, via de regra, por meio da subsuno. No caso de

conflito entre as normas, abre-se exceo para o acolhimento de apenas uma ou considera-se a

invalidade da outra.

vila26

discorda dessa preposio, uma vez que afirma que tanto os princpios como

as regras podem envolver a considerao a aspectos especficos, abstratamente

desconsiderados.

Os princpios, por sua vez, so mandamentos de otimizao, ou seja, so

fundamentos normativos que ordenam que algo seja cumprido na maior medida possvel, de

acordo com as possibilidades fticas e jurdicas existentes. Na coliso entre princpios,

nenhum deles considerado invlido, fazendo-se uso da ponderao para considerar que

apenas um possa ser aplicado ao caso concreto.

Leciona Larenz27

:

23

MELGAR, Plnio. Princpios, regras e a tese dos direitos: apontamentos luz da teoria de

Ronald Dworkin. Revista de Informao Legislativa, Braslia, DF, ano 41, n. 163 jul/set 2004, p. 98. 24

ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. Traduo de Gerclia Batista de Oliveira

Mendes. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 85. 25

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a srio. Traduo de Nelson Boeira. So Paulo: WMF

Martins Fontes, 2002, p. 39. 26

VILA, Humberto. Teoria dos princpios: da definio aplicao dos princpios jurdicos. So

Paulo: Malheiros, 2011, p. 47.

22

Os princpios seriam pensamentos diretivos de uma regulao jurdica

existente ou possvel, mas que ainda no so regras suscetveis de aplicao,

na medida em que lhes falta o carter formal de proposies jurdicas, isto ,

a conexo entre uma hiptese de incidncia e uma consequncia jurdica.

O Direito Ambiental cincia autnoma, o que lhe garante arcabouo jurdico

prprio, possuindo, para tanto, princpios destinados a sua prpria estrutura normativa.

Esses princpios podem ser explcitos, quando expressamente definidos em lei, ou

implcitos, decorrentes do ideal de justia e eticidade que norteiam as relaes entre os

homens e entre esses com o meio ambiente.

De acordo com Fiorillo28

, os direitos ambientais dividem-se em dois grupos

principais: um decorrente da Poltica Global do Meio Ambiente, resultante da Conferncia de

Estocolmo/72 e ratificados na Eco-92, que tratam das diretrizes gerais sobre a proteo ao

meio ambiente; e aqueles oriundos da Poltica Nacional do Meio Ambiente, definidos como

sendo os princpios globais adaptados realidade social e cultural de determinado pas.

Os princpios globais foram construdos a partir da Conferncia sobre o Meio

Ambiente, realizada em 03 de dezembro de 1972, em Estocolmo, mediante resoluo n. 2.398

(XXIII), aprovada pela Assembleia Geral da Organizao das Naes Unidas, que reuniu 113

pases para a primeira reunio ambiental global, resultando no primeiro documento jurdico

internacional que convidou a comunidade a se voltar para os problemas da degradao ao

meio ambiente.

Curioso notar a posio do Brasil, na ocasio, expressas nas palavras de Mod29

:

A posio do governo (militar) brasileiro em face das discusses sobre a

proteo do meio ambiente em Estocolmo era a de desenvolver-se primeiro e

pagar os custos da poluio mais tarde, como declarou o Ministro Costa

Cavalcanti na ocasio.

E complementa30

:

O primeiro ato da poltica ambiental brasileira foi celebrado em 30 de

outubro de 1973 com o Decreto 73030 no governo do presidente Emlio G.

Mdici. Este decreto institui a Secretaria Especial do Meio Ambiente

SEMA, no mbito do Ministrio do Interior, tendo como atribuio principal

a formulao da poltica oficial para o meio ambiente.

27

LARENZ apud VILA, Humberto. Teoria dos princpios: da definio aplicao dos

princpios jurdicos. So Paulo: Malheiros, 2011, p. 36. 28

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. So Paulo: Saraiva,

2008, p. 27. 29

MOD, Fernando Magalhes. Tributao ambiental a funo do tributo na proteo do meio

ambiente. Curitiba: Juru, 2004, p. 18. 30

Op. cit., p. 23.

23

(...)

Acompanhando a evoluo institucional e legislativa sobre o tema e a

temtica da poltica ambiental internacional, em 31 de agosto de 1981,

promulgada no Brasil a Lei 6.938, que dispe sobre a poltica nacional do

meio ambiente, seus fins e mecanismos de formulao e aplicao, e

instituiu, atravs de seu art. 6, o Sistema Nacional do Meio Ambiente

SISNAMA.

(...)

Finalmente, em 1988, a Constituio Federal introduziu no ordenamento

jurdico nacional a mais importante contribuio normativa para a proteo

do meio ambiente ao dispor, em captulo especfico sobre a matria,

condio sem precedentes em toda a histria constitucional no Brasil.

Vinte anos depois realizada, na cidade do Rio de Janeiro, a Conferncia das Naes

Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Eco-92), onde se ratificam as

proposies apresentadas em Estocolmo. Esta reunio deu origem a importantes documentos

que norteiam a ideia de desenvolvimento sustentvel das sociedades contemporneas, sendo o

mais importante deles a Agenda 21.

A Agenda 21 um ambicioso plano de ao proposto aos pases para que o adotem

localmente, numa tentativa de orientar o consumo e utilizao dos recursos naturais, e ainda,

imprimir uma conscincia ambiental na populao, de forma que a proteo do meio ambiente

esteja claramente definida como parte do bem-estar de um povo.

Ademais, produzida a carta de princpios que, conforme atesta Pozzetti31

:

Passaram a conduzir as relaes entre pases ricos e pobres, contando com o

apoio da Agenda 21 que estabeleceu, com vistas ao futuro, objetivos

concretos de sustentabilidade em diversas reas, explicitando a necessidade

de se buscarem recursos financeiros novos e adicionais para a

complementao em nvel global do desenvolvimento sustentvel.

A doutrina, em geral, destaca uma variedade de princpios de Direito Ambiental,

entretanto, neste trabalho, estudar-se-o nomeadamente os princpios do Desenvolvimento

Sustentvel, do Poluidor Pagador e o da Preveno, uma vez que se mostram como pedras

angulares na formao do instituto proposto nesta pesquisa.

1.1 PRINCPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL

O desenvolvimento sempre foi a ratio da vida humana na terra. Desde os

primrdios, o homem encontrou na natureza sua fonte de recursos que lhe proporcionou o

31

POZZETTI, Valmir Csar. A tributao favorvel ao meio ambiente no Brasil. Frana, 2000.

Dissertao (Mestrado em Direito do Meio Ambiente e do Urbanismo). Universidade de Limoges,

Frana, 2000, p. 08.

24

incremento de suas prprias capacidades. Do meio ambiente, o homo sapiens retirou moradia,

alimento, vesturio, tudo quanto foi necessrio para a satisfao de suas necessidades.

Todavia, como salienta Catalan32

, alm do uso do meio para sua proteo e bem-

estar, o homem o nico ser que sempre manteve com a natureza um relacionamento

econmico, usufruindo de seus elementos tambm como bens de produo.

E justamente o processo de crescimento econmico cumulativo, ao longo dos anos,

provocou o desencadeamento da degradao ambiental, que hoje se intenta frear.

Hodiernamente, cedio que os recursos naturais no so inesgotveis, razo pela

qual no se pode mais admitir que as atividades econmicas sejam praticadas alheias a esse

fato.

Nesse sentido, tornou-se imperioso que a economia passasse a se desenvolver de

forma planejada, a fim de possibilitar a coexistncia entre homem e natureza.

Assim que se d o surgimento do Princpio do Desenvolvimento Sustentvel.

Explica Catalan33

:

Sob a gide do princpio do desenvolvimento sustentvel, as relaes

econmicas de uma sociedade devero necessariamente obedecer a um

comportamento ecosssocial, e, a partir da, as atividades empresariais em

nvel mundial precisam passar a ser gerenciadas como nas civilizaes

helnicas, no se gastando mais do que se ganha, nem se retirando da

natureza mais do que se pode repor.

Contudo, as primeiras discusses permitiram que, durante alguns anos, crescimento

econmico e desenvolvimento sustentvel fossem interpretados como sinnimos, muitas

vezes pautados sob o critrio do aumento de sua renda per capita34

.

Somente em 1972, por ocasio da Conferncia de Estocolmo, a problemtica

ambiental ecoa na comunidade internacional, que produz o primeiro documento jurdico na

tentativa de estabelecer um dilogo entre a ao predatria do homem e a necessidade de

preservao do meio ambiente.

Segundo Fiorillo35

, a terminologia foi usada pela primeira vez na aludida

Conferncia e repetida, a partir da, em todos os principais documentos referentes

preservao do meio ambiente.

32

CATALAN, Marcos. Proteo constitucional do meio ambiente e seus mecanismos de tutela.

So Paulo: Mtodo, 2008, 91. 33

Op. cit., p. 95. 34

VEIGA, Jos Eli da. O desenvolvimento sustentvel: o desafio do sculo XXI. Rio de Janeiro:

Garamond, 2008, p. 80.

25

Todavia, o termo desenvolvimento sustentvel foi atribudo a ento presidente da

Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Gro Harlem Brundtland36

, em

1987, responsvel pelo relatrio Nosso Futuro Comum, que pretendia reunir subsdios para

a reunio da Eco-92, a se realizar na cidade do Rio de Janeiro.

O desenvolvimento representa um estgio econmico, social e poltico de uma

sociedade. A CF/88, em seu art. 3, II, cita-o como um dos objetivos fundamentais do pas:

Art. 3. Constituem objetivos fundamentais da Repblica Federativa do

Brasil:

[omissis]

II - garantir o desenvolvimento nacional.

Nesse sentido, North37

atesta que Sociedade e Estado so instituies essenciais para

a construo do sistema econmico; logo, a mudana de comportamento desses atores sociais

desemboca, inevitavelmente, na transio do mercado para atendimento de uma nova

demanda.

Evidencia, inevitavelmente, o despertar de um carter educativo ambiental, essencial

para a efetividade do Princpio do Desenvolvimento Sustentvel.

Seguindo a nova literatura mundial, a Constituio Federal de 1998 trouxe para a

letra constitucional tal princpio, esposado no caput do art. 225 em consonncia com o art.

170, VI da Carta Magna, que preconiza que a atividade econmica deva ser exercida com

base na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, assegurando-se a todos

existncia digna, observando-se, para tanto, a defesa do meio ambiente.

Como bem atesta Guimares38

:

Las nuevas bases de convivencia que proveen de gobernabilidad al sistema

poltico requieren por tanto de un nuevo paradigma de desarrollo que

coloque al ser humano en el centro del proceso de desarrollo, que considere

el crecimiento econmico como un medio y no como un fin, que proteja las

oportunidades de vida de las generaciones actuales y futuras y que, por ende,

respete la integridad de los sistemas naturales que permiten la existencia de

vida en el planeta.

35

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. So Paulo: Saraiva,

2008, p. 27. 36

VEIGA, Jos Eli da. O desenvolvimento sustentvel: o desafio do sculo XXI. Rio de Janeiro:

Garamond, 2008, p. 191. 37

NORTH apud VEIGA, Jos Eli da. O desenvolvimento sustentvel: o desafio do sculo XXI. Rio

de Janeiro: Garamond, 2008, p. 78. 38

GUIMARES, Roberto. P. La tica de la sustentabilidad y la formulacin de polticas de

desarrollo. In: Hctor, Alberto Alimonda. Ecologa poltica naturaleza, sociedad y utopa. Buenos

Aires: CLACSO, 2002, p. 59.

26

A mudana comportamental como vetor do Princpio do Desenvolvimento

Sustentvel, repercute nas decises tomadas pelos atores sociais quando estes optam por aes

que priorizem o meio ambiente.

A escolha dos consumidores por combustveis menos poluentes reflete essa

transformao, ao passo em que lhe so dados oportunidade para tal.

Exemplifica Catalan39

:

Outra conduta que h de ser observada como efeito da adequada leitura do

princpio do desenvolvimento sustentvel implica o estmulo do uso de

tecnologias limpas, os conhecidos mecanismos de desenvolvimento limpo

(MDL), como a reduo da emisso de poluentes.

Por fim, as diretrizes apontadas como mecanismos de preservao ambiental, em

geral, adaptadas dentro dos parmetros lucro e conforto da indstria e da comunidade,

respectivamente devem ser avaliadas em prol do alcance de reais parmetros de

desenvolvimento que alcancem setores menosprezados da sociedade e a prpria natureza.

Vale a pena ressaltar que o governo brasileiro vem desenvolvendo uma poltica de

reduo da alquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre veculos, na

tentativa de assegurar postos de trabalho e manter a economia com ndices positivos.

Entretanto, tal conduta desenvolvimentista deveria ser focada em veculos que utilizam

energia limpa, na tentativa de se preservar o meio ambiental. Zerar a alquota do IPI a

veculos poluentes contraria o Princpio do Desenvolvimento Sustentvel.

Por conseguinte, para se garantir um desenvolvimento sustentvel, imperioso

observar-se outros princpios de Direito Ambiental, os quais sero analisados a seguir.

1.2 PRINCPIO DO POLUIDOR PAGADOR

O conceito de Princpio do Poluidor-Pagador (PPP) foi estabelecido pelas Diretivas

da Unio Europeia, ao definir que s pessoas fsicas e jurdicas, regidas pelo Direito Pblico

ou Privado, cabem os custos das medidas necessrias para a preveno ou compensao da

poluio advinda de sua atividade, reduzida ao limite fixado, inclusive pelo Poder Pblico

competente, de padres ou medidas equivalentes que garantam a qualidade de vida.

O desenvolvimento econmico trouxe um rastro de destruio natureza,

principalmente, pelo uso irracional dos recursos naturais, tidos, na antiguidade, como

39

CATALAN, Marcos. Proteo constitucional do meio ambiente e seus mecanismos de tutela.

So Paulo: Mtodo, 2008, 95.

27

inesgotveis nas suas mais variadas facetas, desde a agricultura, passando pela pecuria, at as

indstrias, mais recentemente.

Com o passar dos tempos e a evoluo das sociedades, o estilo de consumo primitivo

se distanciou da economia moderna, sugado pela ganncia de um modelo capitalista

amplamente difundido entre os pases, vidos pelo lucro.

O processo de industrializao, gerado pela Revoluo Industrial, trouxe inmeras

externalidades negativas ao meio ambiente. Os pases emergentes, sfregos por obter uma

parcela das benesses do crescimento, at ento, institudo, passaram a promover verdadeira

destruio ambiental. Um claro exemplo disto, no Brasil, a cidade de Cubato que, em

virtude de industrializar-se, poluiu rios, lagos e o lenol fretico que abastece a cidade.

Alm disso, as emisses poluentes das chamins causaram srios problemas

respiratrios populao. poca, o poder pblico (militares), argumentava que era preciso

crescer a qualquer custo.

Esse crescimento desordenado foi e continua sendo responsvel por grande parte da

degradao do meio ambiente, cujo cenrio o palco para o surgimento do Princpio do

Poluidor-Pagador.

Tal princpio faz parte de uma delineada poltica ambiental que vem sendo

implementada nas ltimas dcadas, como forma de se evitar o crescimento da degradao do

meio ambiente.

Ressalte-se que a poltica ambiental no intenta coibir o crescimento econmico, mas

adequ-lo a um modelo de desenvolvimento sustentvel, que combina progresso e gesto

racional dos recursos naturais.

Dessa forma, conforme ensinamento de Amaral40

, o Princpio do Poluidor-Pagador

visa imputar ao poluidor o custo suportado por toda a coletividade em razo das limitaes

advindas com a degradao ambiental gerada pelas suas atividades econmicas.

Afirma o autor41

, que tal dispositivo surgiu na dcada de 60, quando jovens na

Europa passaram a reclamar a reparao pelos estragos ambientais causados pelas indstrias.

Juridicamente, foi apresentado comunidade internacional como princpio na

Declarao do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, numa recomendao da

Organizao para a Cooperao e o Desenvolvimento Econmicos (OCDE)42

.

40

AMARAL, Paulo Henrique do. Direito tributrio ambiental. So Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p.116. 41

Op. cit. 42

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.42.

28

Est previsto no artigo 16 da Declarao do Rio sobre Meio Ambiente, publicada em

1992, na Eco-92, in verbis43

:

Princpio 16: As autoridades nacionais deveriam procurar fomentar a

internalizao dos custos ambientais e o uso de instrumentos econmicos,

tendo em conta o critrio de que o causador da contaminao deveria, por

princpio, arcar com os seus respectivos custos de reabilitao, considerando

o interesse pblico, e sem distorcer o comrcio e as inverses internacionais.

No ordenamento ptrio, encontra guarida no art. 225, 3 da CF, ipsi verbis:

Art. 225. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-

se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para

as presentes e futuras geraes.

[omissis]

3. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente

sujeitaro os infratores, pessoas fsicas ou jurdicas, a sanes penais e

administrativas, independentemente da obrigao de reparar os danos

causados.

E tambm o art. 4, VI da Lei n. 6.938/81, que dispe sobre a Poltica Nacional do

Meio Ambiente (PNMA), preceitua:

Art. 4. A Poltica Nacional do Meio Ambiente visar:

[omissis] VI preservao e restaurao dos recursos ambientais com vistas sua

utilizao racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a

manuteno do equilbrio ecolgico propcio vida.

necessrio que se afirme que a inteno do legislador no que se permita poluir

mediante o pagamento de determinado preo imposto pelo Estado, mas evitar precisamente

que os danos se produzam, sem que isso afaste qualquer responsabilidade administrativa, civil

ou criminal de acordo com a dimenso e gravidade do estrago.

Alguns autores destacam outro princpio de Direito Ambiental intimamente

relacionado ao Princpio do Poluidor-Pagador, qual seja, o Princpio da Equidade

Intergeracional. Este princpio defende que as futuras geraes tenham o direito de usufruir o

meio ambiente sadio tanto quanto a comunidade atual, sendo essa ltima a guardi ou

43

Organizao das Naes Unidas (ONU). Declarao do Rio sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento Sustentvel. Disponvel em:. Acesso em: 20jul de 2012.

http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf

29

depositria da terra e sua usufruturia 44

, tornando-se, dessa forma, obrigao da sociedade a

mantena desse sistema como forma de se preservar esse bem de uso comum do povo, erigido

pela Constituio como direito fundamental (art. 225).

O aquecimento global, ocasionado pela emisso de gases de efeito estufa na

atmosfera um dano ambiental amplamente divulgado pela comunidade cientfica

internacional.

Como j dito na introduo, os automveis respondem por grande parcela da emisso

de produtos txicos no ar. Desta forma, necessrio encontrar mecanismos para a aplicao

deste Princpio no uso do veculo.

Apesar de no ser o objeto do trabalho, h que se ter um cuidado na definio do

sujeito ativo desta externalidade, para que este seja responsabilizado, uma vez que a atividade

de fabricao dos veculos legalizada pelo Estado atravs da autorizao para

funcionamento das indstrias automobilsticas.

At onde os hbitos e padres de consumo de uma sociedade podem influenciar na

qualidade do ambiente a ser usufrudo pelas geraes vindouras?

O Princpio do Poluidor-Pagador se encaixa na presente discusso, vez que, ao se

reduzir ou se isentar o contribuinte do IPVA de veculos movidos a energia limpa, o coloca

em vantagem em relao quele que utiliza energia com maior potencial poluidor, j que este

enfrentar maior carga tributria.

A seguir, identificaremos juridicamente o poluidor, que no caso do uso de veculos

automotores se apresentar na figura do consumidor/contribuinte e/ou do produtor.

1.2.1 Poluidor

Poluidor o agente causador do dano, a quem ser imputado a responsabilizao

pela prtica da conduta delitiva, descrita na norma, e a quem caber o dever de reparao in

natura ou em pecnia do estrago provocado.

Amaral45

aponta as quatro possibilidades encontradas na doutrina para imputao do

Princpio do Poluidor-Pagador aos sujeitos. So elas:

a) quem realiza a emisso diretamente poluidora; b) o produtor de bens cujo

consumo contamina; c) todos os que participam na cadeia produtiva como

44

WEISS, Edith Brown. Justice pour les Gnrations Futures. Paris: Editions Sang de la Terre.

1993, p.15. 45

AMARAL, Paulo Henrique do. Direito tributrio ambiental. So Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p. 125.

30

sujeitos poluidores; d) aquele que colabora para produzir contaminao e se

encontra nas condies mais adequadas para evit-las.

O causador do dano ambiental pode ser identificado a partir da leitura do art. 225 da

Lei Maior, j que a defesa e preservao do meio ambiente cabem ao Poder Pblico e a

sociedade.

Assim, de forma ampla, todos aqueles que contribuem, direta ou indiretamente, para

a concretizao do dano ambiental (pessoas fsicas ou jurdicas, de direito pblico ou privado)

so, juridicamente, legitimados passivos do dano ambiental, inseridos, portanto, toda a cadeia

produtiva e consumidora do bem. In casu, inclusive o Estado, que permite a liberao da

atividade, poder ser caracterizado como poluidor.

De acordo com o art. 3, I da Lei n. 6.938/81, a responsabilidade entre os sujeitos

solidria, atribuindo-se a todos que, com sua atividade, causaram o dano, a obrigao de

reparar/indenizar.

De acordo com Antunes46

, o Princpio do Poluidor-Pagador orienta-se a partir de um

princpio constitucional bsico: o Princpio da Dignidade da Pessoa Humana, uma vez que a

todos assegurado constitucionalmente o direito a um meio ambiente sadio e ecologicamente

equilibrado.

Dessa forma, atesta Catalan47

:

O princpio do poluidor pagador impe a quem lesa o meio ambiente o dever

de arcar com as despesas de preveno, reparao e, porque no, tambm

com os custos da represso atividade poluente, sendo ainda objetivamente

responsvel por suas aes, no se limitando, portanto, o princpio sob

anlise, a atuar na esfera do direito de danos, e sim determinando que as

ofensas ao meio ambiente devam ser evitadas, com a assuno dos custos

econmicos e sociais pelo empreendedor.

Apresenta-se, portanto, no apenas como princpio alicerador das normas jurdicas

no mbito ambiental, mas como uma efetiva tutela ao meio ambiente.

Neste sentido, entendemos que no s o Poder Pblico, mas tambm as montadoras

de veculos devem investir em pesquisa para a descoberta ou operacionalizao de tecnologias

limpas, minimizando ou zerando as externalidades poluentes emitidas pelos veculos.

46

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.43. 47

CATALAN, Marcos. Proteo constitucional do meio ambiente e seus mecanismos de tutela.

So Paulo: Mtodo, 2008, p. 81.

31

Frisa-se que o objetivo desta explanao no esgotar o assunto, mas identificar o

poluidor a fim de se trazer elementos para a compreenso contextual. Passa-se, agora,

definio do que seria o Dano Ambiental.

1.2.2 Dano Ambiental

Conforme dito anteriormente, o Princpio do Poluidor-Pagador estabelece que todo

agente que causar um dano ambiental, dever indenizar, no montante devido, os prejuzos que

causou.

Neste sentido, dano ambiental ser toda leso a um bem jurdico 48

, tutelado em

matria ambiental. Pode-se dizer, ento, que ser todo aquele que afetar as caractersticas do

ambiente, sem que para isso tenha que estar presente uma conduta ilcita do sujeito, uma vez

que, como j dito a priori, basta que haja a conduta e o nexo causal direto ou indireto para

configurao do ato, sem aferio de culpa.

Nas palavras de Fiorillo49

:

Ocorrendo leso a um bem ambiental, resultado de atividade praticada por

pessoa fsica ou jurdica, pblica ou privada, que direta ou indiretamente seja

responsvel pelo dano, no s h a caracterizao deste como a identificao

do poluidor, aquele que ter o dever de indeniz-lo.

importante frisar que a indenizao pecuniria s ocorrer aps ter sido constatada

a impossibilidade de se reparar in natura o bem degradado, j que difcil a determinao do

quantum a ser ressarcido pelo causador do ato feito, sempre prefervel a reparao natural,

pela recomposio efetiva e direto do ambiente prejudicado50

.

Cumpre salientar que a poluio gerada pelos veculos uma poluio lcita, uma

vez que a atividade autorizada pelo Estado. Diante da alternativa de fontes de energia limpa,

(como o gs natural, o lcool, etc.), preciso educar o consumidor para que venha a utiliz-

las. Este, ento, deve ser um esforo conjunto do Poder Pblico e do fornecedor do bem.

Desta feita, procura-se evidenciar, neste trabalho, o esforo do Estado, atravs da

induo de alquotas vantajosas do IPVA, para estimular a reduo de degradao ambiental.

48

CATALAN, Marcos. Proteo constitucional do meio ambiente e seus mecanismos de tutela.

So Paulo: Mtodo, 2008, p. 44. 49

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. So Paulo: Saraiva,

2008, p. 44. 50

WAMBIER, Luis Rodrigues. Liquidao do dano. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.38.

32

No objetivo desta anlise o esforo que a indstria de automveis dever realizar para

diminuir o dano ambiental.

1.2.3 Responsabilidade Civil pelo Dano Ambiental

Responsabilidade civil a obrigao que tem o autor, pessoa fsica ou jurdica, de

direito pblico ou privado, de ressarcir o dano causado por si ou por quem deste dependa, ou

ainda, por quem esteja obrigado ao terceiro prejudicado.

Segundo o Cdigo Civil Brasileiro (CCB), assim se delineia a responsabilidade civil:

Art. 927. Aquele que, por ato ilcito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem,

fica obrigado a repar-lo.

Pargrafo nico - Haver obrigao de reparar o dano, independentemente

de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente

desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os

direitos de outrem.

O fundamento para a responsabilizao do particular/pessoa jurdica pela poluio do

meio ambiente e sua consequente reparao se funda na Teoria do Risco Integral, segundo a

qual basta que haja o dano e nexo causal para se mostrar configurada a responsabilidade,

independente da aferio de culpa do agente.

A Lei n. 9.605/98, que regulamenta as sanes penais e administrativas contra

condutas lesivas ao meio ambiente, prev, ainda, a possibilidade de desconsiderao da

pessoa jurdica, em qualquer caso, desde que destinada ao ressarcimento dos prejuzos

causados qualidade do meio ambiente.

Assim, uma vez que os danos estejam ligados materialmente s atividades praticadas

pelo agente, presente estar a sua responsabilizao diante daquele dficit ambiental.

A responsabilidade civil ambiental pretende inibir a conduta danosa praticada em

desfavor do meio ambiente e bem estar social e permitir a reparao do dano atravs da

recuperao e restaurao do bem lesado, ou na sua impossibilidade, a indenizao em

pecnia.

Tal disposio encontra-se positivada no 3 do art. 225 da Carta Magna, j

transcrito anteriormente, e ainda, no 1 do art. 14, da Lei n. 6.938/81, ipsi literis:

Art. 14. Sem prejuzo das penalidades definidas pela legislao federal,

estadual e municipal, o no cumprimento das medidas necessrias

preservao ou correo dos inconvenientes e danos causados pela

degradao da qualidade ambiental sujeitar os transgressores:

[omissis]

33

1. Sem obstar a aplicao das penalidades previstas neste artigo, o

poluidor obrigado, independentemente da existncia de culpa, a indenizar ou

reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua

atividade. O Ministrio Pblico da Unio e dos Estados ter legitimidade

para propor ao de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao

meio ambiente.

Note que a responsabilidade civil objetiva para o dano ambiental j estava presente

na Lei da Poltica Nacional do Meio Ambiente, tendo sido to somente recepcionada pela

Constituio Federal.

Dessa forma, lembra Fiorillo51

, que essa tratativa jurdica, tendo sido elevada a

norma constitucional, no pode ser alterada por qualquer lei infraconstitucional, em matria

ambiental.

Entretanto, mormente haja farta legislao e discusso sobre a responsabilidade civil,

nosso objetivo aqui somente o de citar a possibilidade de responsabilizar o poluidor

monetariamente pelos danos causados, para dar clareza ao Princpio do Poluidor-Pagador.

No se pretende, portanto, discutir a responsabilidade civil das empresas montadoras de

veculos, nem mesmo do consumidor do bem.

Passemos agora a analisar o Princpio da Preveno.

1.3 PRINCPIO DA PREVENO

Quando se fala em Princpio da Preveno (PP), costuma-se associ-lo a outro

princpio de direito ambiental, que o Princpio da Precauo, muito embora denotem ideias

divergentes.

O Princpio da Preveno pressupe a adoo de medidas protetivas contra danos j

conhecidos e dos quais se possa, com segurana, estabelecer um conjunto de nexos de

causalidade que seja suficiente para a identificao dos impactos futuros mais provveis 52

.

J o Princpio da Precauo pretende proteger o meio ambiente de danos

desconhecidos, sem que se necessite de estudos cientficos comprovadores da inviabilidade de

determinada atividade. Prev, na verdade, a adoo de medidas racionais para a utilizao dos

bens ambientais, destacando que, se o potencial poluidor desconhecido, a atividade no deve

ser liberada.

51

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. So Paulo: Saraiva,

2008, p. 39. 52

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.39.

34

Uma vez que a maioria dos danos ao meio ambiente irreversvel e irreparvel, e

levando-se em conta que uma eventual recuperao no conseguir restaurar o ambiente

natural anterior, importante que se trabalhe com mecanismos de preveno para a

inocorrncia de situaes degradantes, cujos efeitos poderiam ser previstos e/ou evitados.

De acordo com Fiorillo53

, o Princpio da Preveno se apresenta como verdadeiro

objetivo fundamental do direito ambiental, uma vez que impossvel ao ordenamento jurdico

reconstituir um ambiente ao seu status quo ante diante da verificao de um dano.

Tal dispositivo est presente na Declarao do Rio de Janeiro, ipsi verbis54

:

Princpio 15: Para proteger o meio ambiente medidas de precauo devem

ser largamente aplicadas pelos Estados segundo suas capacidades. Em caso

de risco de danos graves ou irreversveis, a ausncia de certeza cientfica

absoluta no deve servir de pretexto para procrastinao a adoo de

medidas efetivas visando a prevenir a degradao do meio ambiente.

O Princpio da Preveno foi expressamente recepcionado pela Carta Magna, no art.

225, ao dispor que o Poder Pblico e a coletividade devem proteger e preservar o meio

ambiente para as presentes e futuras geraes.

Note-se que a norma jurdica em comento traz, em seu bojo, um despertar da

conscincia ecolgica na sociedade. Todavia, na ausncia de condutas predominantemente

desejveis ambientalmente, o direito tem se furtado de importantes instrumentos para a

promoo da concretizao do aludido princpio: o Estudo Prvio de Impacto Ambiental

(EIA/RIMA), o manejo ecolgico, o tombamento, as liminares, as sanes administrativas 55

.

Ainda, a imposio de multas e sanes mais severas aos maiores poluidores, uma

vez que um sistema de freios e contrapesos, que visem diretamente a preservao ecolgica,

cobe ou estimula a adoo de condutas degradantes ao meio ambiente ou ecologicamente

sustentveis praticadas pelo indivduo, isoladamente, e/ou pela coletividade.

Oportuno salientar que o estabelecimento de penalidades mais severas aos poluidores

no reflete uma tentativa de inviabilizao da atividade econmica, mas pretende to somente

excluir do mercado o agente que no respeita a escassez dos recursos naturais e evitar que as

penalidades, no condizentes com a capacidade econmica do poluidor, percam sua funo

53

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. So Paulo: Saraiva,

2008, p. 49. 54

Organizao das Naes Unidas (ONU). Declarao do Rio sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento Sustentvel. Disponvel em:

. Acesso em: 20 jul 2012. 55

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. So Paulo: Saraiva,

2008, p. 50.

http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf

35

pedaggica, que defender o fato de que o bem ambiental no pertence meia dzia de

pessoas, mas a toda coletividade56

.

Portanto, nesta pesquisa, o Princpio da Preveno encaixa-se com propriedade, uma

vez que j se tem certeza cientfica de que as externalidades dos veculos causam prejuzos

ambientais. Sendo impossvel que a populao conviva sem os meios de transporte, devem-se

tomar todos os cuidados para prevenir os danos causados na utilizao destes bens.

Neste sentido, o estmulo atravs do IPVA de veculos movidos a energia limpa

consagra-se como uma das medidas de preveno para humanizar o dano ao meio ambiente.

Neste sentido, alguns programas esto sendo atualizados, como o Programa de Controle da

Poluio do Ar por Veculos Automotores (PROCONVE), o qual ser examinado a seguir.

1.3.1 Programa de Controle da Poluio do Ar por Veculos Automotores (PROCONVE)

O Princpio da Preveno est previsto em diversos documentos produzidos pelas

trs esferas do Poder, seja por meio de aes judiciais Ao Popular e Ao Civil Pblica ,

seja por meio do exerccio do poder de polcia sanes administrativas, licenas,

fiscalizao , e ainda, pela legislao atinente.

Dentre os documentos mais importantes, orientados pelo Princpio da Preveno, e

concernente presente pesquisa, est a Resoluo do CONAMA n. 18/86, que criou o

Programa de Controle da Poluio do Ar por Veculos Automotores (PROCONVE).

poca, j se verificava a necessidade da reduo de poluentes txicos na atmosfera,

advindos do grande nmero de automveis nas grandes cidades. A produo do documento

ocorreu no mesmo momento em que foi descoberto o buraco na camada de oznio, em 1985.

O objetivo do Programa foi implementar diretrizes e objetivos a serem alcanados no

combate poluio atmosfrica atravs do estabelecimento de padres de emisso de

produtos txicos admissveis para os automveis em geral, e ainda, limites mximos para a

sustentao da qualidade do ar, a fim de se minimizar o seu potencial poluidor.

Prev o relatrio57

:

O PROCONVE, atuando na trade estabelecimento de limites de emisso

para veculos novos, desenvolvimento de tecnologias de emisso e melhoria

dos combustveis, induz o desenvolvimento tecnolgico, cuja comprovao

56

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. So Paulo: Saraiva,

2008, p. 50. 57

BRASIL. Ministrio do Meio Ambiente. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resoluo n. 414

de 24 de setembro de 2009, p. 5.

36

realizada atravs de ensaios padronizados para homologao dos veculos e

motores. (grifo nosso)

A partir de 2009, foi instituda a obrigatoriedade de produo de relatrio anual pela

Comisso de Acompanhamento do Programa PRONCOVE (CAP), apresentada ao CONAMA

para divulgao dos resultados das atividades de conduo e avaliao do Programa.

Em resposta poltica ambiental em vigor, no mbito da Resoluo n. 418/09 do

CONAMA, foi elaborada e aprovada por vinte e um Estados da Federao o Plano de

Controle de Poluio Veicular (PCPV), cujo objetivo a constituio de um instrumento de

gesto de qualidade do ar do Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar (PRONAR)

e do Programa de Controle da Poluio do Ar por Veculos Automotores (PROCONVE),

estabelecendo-se regras de gesto e controle de emisso de poluentes e do consumo de

combustveis de veculos58

.

O PCPV pr-requisito para que os Estados, ouvidos os Municpios, procedam

implementao do Programa de Inspeo e Manuteno dos Veculos em Uso (I/M),

responsvel pela sua efetividade.

Assim, o I/M tem como escopo a identificao das desconformidades dos veculos

em uso, tendo como referncias as especificaes originais dos fabricantes dos veculos, as

exigncias da regulamentao do PROCONVE e as falhas de manuteno e alteraes do

projeto original que causam aumento na emisso de poluentes59

.

No Estado do Amazonas, o Plano de Controle de Poluio Veicular foi institudo

atravs da Lei n. 3564, de 22 de outubro de 2010, que prev a realizao de inspeo de

poluio veicular anualmente, por ocasio do licenciamento, 30 dias antes do vencimento

deste, vinculando o ato administrativo aprovao da inspeo.

A Lei n. 3565/10, publicada na mesma ocasio, conforme seu art. 5, autorizou o

Estado do Amazonas a conceder a prestao do servio de inspeo veicular a particulares,

destinado ao controle de emisso de gases poluentes, por meio de processo licitatrio, cujo

projeto bsico coube Secretria de Desenvolvimento Sustentvel (SDS), por disposio do

art. 4.

O projeto previa a implementao, em Manaus, a partir de trs centros de inspeo,

onde o primeiro atenderia a frota de veculos movidos a diesel, uma vez que esses apresentam

58

BRASIL. Ministrio do Meio Ambiente. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resoluo n. 418

de 25 de novembro de 2009, art. 3. 59

BRASIL. Ministrio do Meio Ambiente. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resoluo n. 418

de 25 de novembro de 2009, art. 10, I, II e III.

37

nveis de poluio muito superiores s demais fontes de combustvel, o segundo, voltado aos

veculos fabricados entre 2003 e 2008, independentemente do combustvel utilizado, e

finalmente, o terceiro centro em atendimento a todos os veculos, a partir do segundo

licenciamento.

Tal disposio deveria ocorrer no prazo de 12 (doze) meses, conforme dispunha o

art. 12, a contar da publicao da lei, abrangendo, inicialmente, apenas a capital do Estado e

mais 03 (trs) meses para a sua regulamentao (art. 9).

Nesse sentido, foi publicado, no dia 16 de janeiro de 2012, o Edital de Concorrncia

n. 038/2012, pela Comisso Geral de Licitao do Estado (CGL), para contratao da empresa

a responder pela inspeo veicular no Amazonas.

Todavia, vrios foram os pedidos de impugnao do edital, por motivos diversos, que

culminaram na suspenso do certame pelo juiz Leoney Figliuolo Harraquian, no Mandado de

Segurana n. 0209580-65.2012.8.04.0001, em 29 de fevereiro do presente ano, que previu:

importante ressaltar, que no h como negar os danos ao Estado, caso

comprovadas as denncias contidas nos autos, com o devido prosseguimento

do certame. A concesso da presente liminar em nada obstaculiza a licitao,

esta no est sendo cancelada e, sim, suspensa para corrigir possveis vcios.

to somente a demonstrao do devido zelo por parte deste Juzo.

No h tambm risco de irreversibilidade da medida, e sim, o dano

irreparvel a impetrante, caso a licitao prossiga. Por este motivo,

CONCEDO a Liminar requerida, a fim de que seja SUSPENSO o certame,

at o julgamento final deste processo. (grifo nosso)

Desta forma, at a presente data, a implementao da lei encontra-se em sede judicial

no Estado do Amazonas.

38

2 SISTEMA TRIBUTRIO NACIONAL

Inicialmente, convm salientar o que vem a ser sistema dentro da ordenao

jurdica. Segundo Carraza60

e Scherkerkewitz61

, sistema um conjunto de partes,

relacionadas entre si e interdependentes, reunidas em um todo que se sustentam mutuamente.

Assim, o Sistema Tributrio Nacional o conjunto de normas que versam sobre

matria tributria em sede constitucional, disciplinando direitos e deveres do contribuinte no

campo da tributao, bem como os poderes da Administrao Pblica.

Nesse sentido, Harada62

d a conceituao:

Conjunto de normas constitucionais de natureza tributria, inserido no

sistema jurdico global, formado por um conjunto unitrio e ordenado de

normas subordinadas aos princpios fundamentais, reciprocamente

harmnicos, que organiza os elementos constitutivos do Estado, que outra

coisa no seno a prpria Constituio.

Harada63

defende a existncia de um sistema parcial, o Sistema Tributrio Nacional,

dentro de um sistema global, a Constituio Federal.

Martins64

destaca, ainda, o fato de que o Brasil o nico pas do mundo a conferir

competncia impositiva aos Municpios, por fora do art. 156 da CF.

O Sistema Tributrio Nacional est alocado dentro do Ttulo VI Da Tributao e do

Oramento, da Carta da Repblica. Compe-se de 6 sees e 20 artigos, dispostos no Captulo

I. A terminologia Sistema Tributrio Nacional s foi assinalada com a EC n. 18/65, que

instituiu o Cdigo Tributrio Nacional.

Torres65

aponta como principais caractersticas do Sistema:

a) racionalidade econmica consistente no ajustamento a substratos

econmicos perfeitamente diferencenados, de modo a se evitarem as

superposies de incidncia sobre fatos econmicos idnticos e a se

eliminarem os vnculos a critrios jurdico-formais ou tcnica de

arrecadao;

60

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributrio. So Paulo: Malheiros,

2008, p. 143. 61

SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. Sistema constitucional tributrio. Rio de Janeiro: Forense,

1996, p. 22. 62

HARADA, Kioshi. Direito financeiro e tributrio. So Paulo: Atlas, 2010, p. 303. 63

Op. cit. 64

MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de direito tributrio. So Paulo: Saraiva, 2009,

p. 11. 65

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributrio. Rio de Janeiro: Renovar, 2007,

p. 357-358.

39

b) a facilidade de fiscalizao e arrecadao, que minimize os custos da

cobrana.

A competncia tributria no pode ser delegada a outra pessoa jurdica, se no quela

especificada na Constituio Federal. Todavia, podem ser delegadas as funes de

arrecadao e fiscalizao dos tributos, execuo de leis, servios, atos ou decises

administrativas em matria tributria, de acordo com o art. 7 do Cdigo Tributrio Nacional,

de igual modo, a outra pessoa jurdica de direito pblico.

Ressalte-se que tal atribuio no constit