Universidade de São Paulo Faculdade de Saúde Pública ... · Às Secretarias Municipais de Saúde...
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Universidade de So Paulo
Faculdade de Sade Pblica
Ateno domiciliar e produo do cuidado:
apostas e desafios atuais
Paula Bertoluci Alves Pereira
Dissertao apresentada ao Programa de
Ps-graduao em Sade Pblica da Faculdade
de Sade Pblica para obteno do ttulo de
Mestre em Cincias.
rea de Concentrao: Servios de Sade Pblica Orientadora: Profa. Dra. Laura Camargo Macruz Feuerwerker
So Paulo
2014
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Ateno domiciliar e produo do cuidado:
apostas e desafios atuais
Paula Bertoluci Alves Pereira
Dissertao apresentada ao Programa de
Ps-graduao em Sade Pblica da Faculdade
de Sade Pblica para obteno do ttulo de
Mestre em Cincias.
rea de Concentrao: Servios de Sade Pblica Orientadora: Profa. Dra. Laura Camargo Macruz Feuerwerker
So Paulo
2014
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expressamente proibida a comercializao deste documento, tanto na sua forma
impressa como eletrnica. Sua reproduo total ou parcial permitida
exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, desde que na reproduo figure
a identificao do autor, ttulo, instituio e ano da tese/dissertao.
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Aos meus pais, Maria Lucia e Hlio, e meu irmo Pedro, por me apoiarem
intensamente nessa jornada e me ajudarem na construo de caminhos para a
concretizao de meus sonhos e por me deixar voar neles.
minha tia Marisa (in memorian), pelos afetos e bons encontros e por me
mostrar a potncia num sopro de vida.
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AGRADECIMENTOS
minha orientadora Profa. Laura Feuerwerker, que me recebeu de braos
abertos desde o nosso primeiro encontro. Agradeo pelos afetos, pelo apoio intenso
durante toda essa caminhada, me ajudando a processar o que vaza e atravessa nos
encontros da pesquisa e de meu trabalho no SUS.
Aos amigos e familiares, pelos momentos compartilhados de alegrias e tristezas
e por me darem fora para que eu seguisse firme nesta caminhada, mesmo estando
ausente nos momentos finais de dedicao escrita.
minha querida amiga Natlia, pelo nosso murinho de conversas, desabafos,
por compartilharmos as mesmas inquietaes em relao vida, fisioterapia e sade
coletiva. Por estarmos sempre juntas, mesmo distantes, nos apoiando.
s amigas do corao Amanda, Angelina e Nia, que me acompanham desde
a graduao, pela amizade, apoio incondicional e por sempre me proporcionarem bons
encontros. Pelo acolhimento e carinho, sempre.
Ao Grupo de Estudos em Micropoltica do Trabalho, da Faculdade de Sade
Pblica-USP, pelos encontros sempre produtivos e muito potentes, pelos afetos e
afeces produzidas, pelas amizades e apoio durante essa caminhada.
s Secretarias Municipais de Sade de Embu das Artes-SP, Campinas-SP e
So Bernardo do Campo-SP e seus respectivos servios de ateno domiciliar, por
meio de seus gestores, trabalhadores, usurios e cuidadores, agradeo pela
receptividade e por possibilitarem a minha imerso em seu cotidiano da produo do
cuidado, me afetando com o a intensidade do seu trabalho vivo e da construo de
redes vivas.
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Secretaria Municipal de Sade de Vinhedo, por meio de sua Secretria Ndia
Capovilla, que permitiu a conciliao das minhas atividades do mestrado e do grupo
de pesquisa com o meu trabalho no Ambulatrio Municipal de Fisioterapia.
Denise, chefe do setor de fisioterapia, por sempre me apoiar e incentivar a
construir meus caminhos e sonhos, e aos amigos e colegas de trabalho do centro de
especialidades e do FOFITO a quem tenho um apreo muito grande.
Aos usurios e seus familiares do SUS, por compartilharem um pouquinho de
suas vidas comigo e por serem uma de minhas inspiraes para repensar, problematizar
e inventar modos outros de produo de mais vida.
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SOBRE IMPORTNCIAS
Um fotgrafo-artista me disse outra vez:
veja que pingo de sol no couro de um lagarto
para ns mais importante do que o sol inteiro no corpo do mar.
Falou mais: que a importncia de uma coisa no se mede com fita mtrica nem
com balanas nem com barmetros etc. Que a importncia de uma coisa h que ser
medida pelo encantamento que a coisa produza em ns (...)
Manoel de Barros
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PEREIRA, PBA. Ateno domiciliar e a produo do cuidado:
apostas e desafios atuais. [dissertao de mestrado] Faculdade de
Sade Pblica, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2014.
Resumo Introduo: A ateno domiciliar (AD) vem ganhando destaque em funo do envelhecimento da populao e do predomnio das doenas e agravos no transmissveis, como uma alternativa aos modos j institudos de cuidado, podendo ser uma modelagem potente que permite a transformao das prticas de sade, produzindo uma assistncia que favorece a criao de vnculo entre trabalhador e usurio, o acolhimento, a humanizao e o desenvolvimento de corresponsabilidade. Em 2011, foi criada a poltica nacional de ateno domiciliar, regulamentada pela Portaria no 963/GM/MS de 27 maio de 2013, a qual estabelece diretrizes bastante especficas acerca dos servios de AD e institui o cofinanciamento federal, o que poder implicar numa ampliao significativa dos servios existentes. Objetivo: Analisar experincias de ateno domiciliar do SUS, suas potencialidades e desafios na produo do cuidado, bem como os efeitos iniciais da Portaria n 963/GM/MS, de 27 de maio de 2013 sobre as iniciativas municipais. Mtodos: Pesquisa qualitativa de abordagem cartogrfica, onde foram explorados trs servios de AD do SUS, no Estado de So Paulo. Com o intuito de mapear analisadores significativos para a potencializao da ateno domiciliar como arranjo assistencial para produo do cuidado orientada integralidade, diferentes iniciativas compuseram a cartografia, tais como entrevistas, observao participante e construo de dirio de campo. Resultados e Discusso: A AD pode ser um importante dispositivo para anlise das tenses, apostas e desafios que emergem na prtica dos servios de sade, bem como dar a visibilidade aos vazios assistenciais na rede. A portaria ministerial quando tomada como dispositivo, faz normatizaes que vem gerando tenses junto aos SAD, ao mesmo tempo em que estes criam linhas de fuga ao produzirem outros arranjos. Concluso: A AD pode ser uma modelagem substitutiva ao modelo hospitalocntrico, ao mesmo tempo que pode ser uma estratgia ao enfrentamento de dificuldades que a ateno bsica sofre, o que pode orientar a construo de arranjos mais permeveis realidade brasileira. A AD pode ser um dispositivo fundamental para dar visibilidade aos vazios de ateno e para aprofundar a discusso sobre a rede e dispositivos de gesto do cuidado. Palavras-chave: Ateno domiciliar, Servio de assistncia domiciliar; Poltica nacional; Micropoltica do trabalho; Produo de cuidado.
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PEREIRA, PBA. Home care and the production of care in heatlh: bets
and challenges. [dissertation]. So Paulo (BR): Faculty of Public
Health, So Paulo University; 2014.
Abstract Introduction: Home care (HC) is gaining prominence due to the aging population and the prevalence of non-communicable diseases and injuries, as an alternative to established modes of care, being regarded as a powerful modeling organization that enables the transformation of health care practice, producing a company committed to creating relationship between worker and patient with hosting, humanization care and the development of responsibility. In 2011, the national policy of home care, regulated by Ordinance 963/GM/MS of May 27, 2013, which sets very specific guidelines about HC services and establishes the federal co-financing, which may involve a significant expansion of the services. Objective: To analyze home care experiences of the NHS, its potentials and challenges in care production, as well as the initial effects of Ordinance No. 963/GM/MS of 27 May 2013 on municipal initiatives. Methods: A qualitative study of cartographic approach, where three services of HC, located in the State of So Paulo, were explored. In order to map to significant analyzers to potentiation of home care as a medical care arrangement for care production oriented to the integrality, various initiatives were included in the mapping, such as interviews, participant observation and construction of a field diary. Results and Discussion: HC can be an important dispositive for analysis of tensions, bets and challenges emerging in the practice of health services, as well as giving visibility to the empty assistance in the health net. The ministerial order when taken as a dispositive, make regulations that has sparked tensions with the HC services, while they create other ways by producing other arrangements. Conclusion: HC may be a substitutive model of hospital-centered model, while it may be a strategy to cope with difficulties that primary care suffers, which can guide the construction of more permeable arrangements to Brazilian reality. HC can be a key device for providing visibility to empty the attention and further discuss about health network and managed care devices. Keywords: Home Care Services, home health care; National policy; Micropolitics of work; Care production.
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Sumrio
LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS.................................................................12
APRESENTAO...................................................................................................14
1. INTRODUO...................................................................................................17 1.1. ATENO DOMICILIAR UMA MODALIDADE DE ATENO EM
DESTAQUE..................................................................................................17 1.2. O ESTADO DA ARTE DA ATENO DOMICILIAR NO
MUNDO........................................................................................................19 1.3. NOTAS SOBRE A ATENO DOMICILIAR NO
BRASIL.........................................................................................................22 1.4. A ATENO DOMICILIAR NO MBITO DA SADE SUPLEMENTAR
ALGUMAS CONSIDERAES...............................................................24 1.5. O ESTADO DA ARTE DA ATENO DOMICILIAR NO MBITO DO
SUS................................................................................................................26 1.6. O MARCO REGULATRIO DA ATENO DOMICILIAR NO
BRASIL.........................................................................................................31
2. OBJETIVOS........................................................................................................36 2.1. OBJETIVO GERAL......................................................................................36 2.2. OBJETIVOS ESPECFICOS.........................................................................36
3. METODOLOGIA...............................................................................................37
3.1. TIPO DE ESTUDO........................................................................................37 3.2. LOCAL DE ESTUDO...................................................................................37 3.3. PARTICIPANTES DA PESQUISA..............................................................37 3.4. TCNICAS E PROCEDIMENTOS PARA A COLETA DE DADOS..........38
4. RESULTADOS E DISCUSSO........................................................................45
4.1. BREVE RETOMADA A ALGUNS CONCEITOS.......................................45 4.2. UM POUCO SOBRE CADA LUGAR..........................................................48
4.2.1. Sobre o municpio de Embu das Artes-SP...........................................48 4.2.1.1. A ateno domiciliar em Embu das Artes-SP - o
SADS.............................................................................................49 4.2.2. Sobre o municpio de So Bernardo do Campo-SP..............................50
4.2.2.1. A ateno domiciliar do municpio de So Bernardo do Campo -SP - o PID.....................................................................................51
4.2.3. Sobre o municpio de Campinas-SP.....................................................52 4.2.3.1. A ateno domiciliar no municpio de Campinas-SP o SAD
Sul..................................................................................................54 4.3. APOSTAS E DESAFIOS DA ATENO DOMICILIAR UM OLHAR
SOBRE A MICROPOLTICA DO TRABALHO E PRODUO DO CUIDADO.....................................................................................................55
4.3.1. Dinmica das equipes de ateno domiciliar e suas apostas................56
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4.3.2. Interferncias e rudos nos processos de admisso e alta/excluso dos
usurios na AD........................................................................................60
4.3.3. Reconhecimento diferena e anlise sobre a prpria experincia......65 4.4. REPENSANDO A IDEIA DE REDE EM SADE.......................................66
4.4.1. Produo de dispositivos para construo de rede uma experincia na gesto do cuidado....................................................................................68
4.4.2. AD como um observatrio da rede......................................................69 4.4.2.1. Alguns limites e fragilidades da ateno bsica dando
visibilidade aos rudos....................................................................72 4.4.2.2. Dificuldades no acesso aos insumos e materiais pela ateno
bsica..............................................................................................75 4.4.2.3. A falta de investimento pela gesto municipal nos recursos
materiais para garantir o cuidado pelas equipes de AD..................................................................................................76
4.4.2.4. Desafios em relao reabilitao e a produo de Iniquidade.......................................................................................77
4.4.2.5. Dificuldades no acesso e deslocamento aos servios de sade...............................................................................................81
4.5. O CUIDADOR E A ATENO DOMICILIAR...........................................81 4.5.1. Disputas frente aos arranjos familiares e as singularidades do
cuidador/usurio.....................................................................................83 4.5.2. Encontros com o cuidador quando a vida vaza..................................92
4.6. EM CENA: OS CUIDADOS PALIATIVOS.................................................94 4.6.1. Disponibilidade aos cuidados paliativos uma aposta na vida diante da
morte.......................................................................................................95 4.7. O USO DE TECNOLOGIAS DURAS NA AD...........................................100 4.8. AD E AS PORTARIAS MINISTERIAIS UMA POLTICA EM
CONSTRUO..........................................................................................102 4.8.1. A Portaria n 963/GM/MS como dispositivo.....................................103 4.8.2. Sobre a composio das equipes........................................................106 4.8.3. Os desenhos da AD o que prope a portaria e tenses que emergem
na prtica...............................................................................................108 4.8.4. As modalidades de assistncia ou AD1, AD2 e AD3.........................110
5. CONSIDERAES FINAIS...........................................................................114
6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................................118
APNDICE .............................................................................................................126
APNDICE 1 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DE PARTICIPAO NA PESQUISA...........................................................................126
ANEXOS..............................................................................................
ANEXO 1 - APROVAO DO COMIT DE TICA DA FACULDADE DE SADE PBLICA-USP...........................................................................................128
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ANEXO 2 - CURRICULO LATTES PESQUISADORA.........................................131 ANEXO 3 - CURRICULO LATTES ORIENTADOR.............................................133
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AD Ateno Domiciliar
AD1 Modalidade de Ateno Domiciliar Nvel 1
AD2 Modalidade de Ateno Domiciliar Nvel 2
AD3 Modalidade de Ateno Domiciliar Nvel 3
ADT/AIDS Assistncia Domiciliar Teraputica em AIDS
AIDS Sndrome da Imunodeficincia Adquirida
ANS Agncia Nacional de Sade Suplementar
ANVISA Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria
APS Ateno Primria em Sade
CGAD Coordenadoria Geral da Ateno Domiciliar
CHCA Canadian Home Care Association
CID-10 Classificao Internacional de Doenas e Problemas
Relacionados Sade Dcima Reviso
CIF Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e
Sade
CNES Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sade
COBRAD Congresso Brasileiro de Ateno Domiciliar
COFEN Conselho Federal de Enfermagem
CP Cuidados Paliativos
CREAS Centro de Referncia Especializado de Assistncia Social
CRI Centro de Referncia do Idoso
DAB Departamento de Ateno Bsica
EMAD Equipe Multiprofissional de Ateno Domiciliar
EMAP Equipe Multiprofissional de Apoio
ESF Estratgia Sade da Famlia
EURHOMAP Mapping Professional Home Care in Europe
FSESP Fundao Servio Especial de Sade Pblica
FSP Faculdade de Sade Pblica
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GT Grupo de Trabalho
HSPE Hospital do Servidor Pblico do Estado de So Paulo
IAMSPE Instituto de Assistncia Mdica do Servidor Pblico Estadual
INPS Instituto Nacional de Previdncia Social
INSALUD Instituto Nacional de Salud
LAPA Laboratrio de Planejamento e Administrao da UNICAMP
MS Ministrio da Sade
NASF Ncleo de Apoio Sade da Famlia
NEPHOS Ncleo de Educao Permanente e Humanizao em Sade
PS Pronto-Socorro
RDC Resoluo da Diretoria Colegiada
RN Resoluo Normativa
SAD Servio de Assistncia Domiciliar
SAMDU Servio Mdico Domiciliar e de Urgncia
SAMU Servio de Atendimento Mvel de Urgncia
SMS Secretaria Municipal de Sade
SUS Sistema nico de Sade
UBS Unidade Bsica de Sade
UFF Universidade Federal Fluminense
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UPA Unidade de Pronto Atendimento
USP Universidade de So Paulo
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APRESENTAO
A inteno de estudar a modelagem de ateno domiciliar e a produo do
cuidado, bem como a poltica que a institui no SUS e os efeitos nos processos
micropolticos originou-se com base em minhas experincias durante a graduao e
como trabalhadora da sade no SUS.
Desde a graduao em fisioterapia no perodo de 2002-2006, na Universidade
Estadual de Londrina-PR, a sade coletiva j fazia parte de minhas inquietaes.
Primeiro porque na grade curricular o tema da sade coletiva era nfimo; resumia-se a
apenas uma disciplina no segundo ano, no qual poucas problematizaes eram
realizadas acerca da sade assunto de tremenda complexidade e que se resumia
decoreba. O curso era voltado principalmente para a formao clnica e no eram
priorizadas discusses sobre o SUS que era o lugar em que estvamos realizando a
nossa formao!
Em um segundo momento, durante a participao no movimento estudantil por
meio do Centro Acadmico de Fisioterapia, conheci estudantes de outros cursos da
rea da sade e juntos formamos um grupo de discusso sobre sade e educao, fora
dos espaos da universidade, no qual comecei a ter o primeiro contato com as
bibliografias e autores fundamentais para a construo do SUS.
Esse grupo, que era formado por militantes de movimentos estudantis, mas fora
do espao dos centros acadmicos e da academia, foi um dos organizadores locais do
VER-SUS (Vivncias e estgios na realidade do SUS) em Londrina-PR, por meio do
qual tive a oportunidade de conhecer um pouco mais da realidade local do sistema de
sade, no qual estvamos completamente apartados enquanto alunos. Tambm fui
estagiria no VER-SUS em Blumenau-SC, onde as discusses sobre a sade coletiva,
o processo de trabalho, a integralidade e necessidades em sade se acaloraram e me
despertaram ainda mais a busca para aprofundar-me na rea.
Aps seis meses de formada, em meados de 2007, recebi a grata surpresa de
ser convocada pelo concurso pblico para a Secretaria Municipal de Sade de
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Vinhedo, como fisioterapeuta, local em que estou at hoje. Nos anos em que trabalhei
no Ambulatrio Municipal de Fisioterapia, sempre estive instigada a tentar produzir
redes e articulao junto a setores dentro e fora da sade e a estimular espaos de
conversa para colocarmos em questo o nosso cotidiano de trabalho, que muitas vezes
era desgastante e solitrio.
Mas, foi na experincia de trabalhar por pouco mais de um ano em um servio
recm inaugurado de ateno domiciliar municipal, que fui atravessada por questes
antes no percebidas e vivenciadas. Foi uma experincia gratificante e que me
mobilizou muito, tanto pela aposta que eu tinha no trabalho em equipe
multiprofissional e a possibilidade de construir cuidado no espao do outro com o
outro, quanto pelas dificuldades na gesto e organizao do servio, que foi construdo
com um vis poltico-partidrio.
Para dar conta de toda a desterritorializao produzida frente ao trabalho na
ateno domiciliar, busquei fontes em que eu pudesse me embeber de autores,
conversas e problematizaes acerca do trabalho em sade e, mais especificamente,
na modelagem de ateno domiciliar. No coletivo do Conexes, grupo de estudos
coordenado na poca pelos professores Ricardo Teixeira e Srgio Resende de
Carvalho, na UNICAMP, tive as minhas primeiras aproximaes com os temas da
subjetividade e cuidado em sade e autores como Deleuze e Espinosa, que me afetaram
bastante.
Em um dos momentos em que procurava bibliografias que me apoiassem no
cotidiano da ateno domiciliar, entrei em contato com as produes da linha da
Micropoltica do Trabalho e o Cuidado em Sade, da UFRJ, sobre a pesquisa nacional
sobre o estado da arte da ateno domiciliar, que foram a minha inspirao para a
elaborao de um projeto de pesquisa nesse tema.
Desde os primeiros contatos com a Profa. Laura, a quem admiro e por quem
tenho muito carinho, fui acolhida em minhas angstias e questionamentos acerca do
cotidiano dos servios de sade, da solido enquanto trabalhadora, das experincias
que me marcaram, como a ateno domiciliar, me aproximando cada vez mais da
micropoltica do trabalho e do cuidado em sade. Isso me instigou a persistir na
realizao de um projeto de pesquisa sobre o tema, considerando a sua potncia na
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produo de modos no-hegemnicos e a novidade da inaugurao de uma poltica de
ateno domiciliar e que efeitos ela produziria.
Como a vida mesmo uma caixinha de surpresas, fui intensamente atravessada
durante o mestrado com a perda de uma pessoa muito especial, minha tia. Em sete
meses de tratamento de cncer de pulmo, eu vivi em ato o que a vida nua - a potncia
de vida que existe mesmo no limite de foras a que uma pessoa pode chegar (conceito
descrito por Agambem). Experimentei, junto de minha famlia, a sensao de
impotncia, de choro contido, de negao, de dvidas sobre o que e como fazer, mas
tambm de esperana e de aprendizado sobre a vida e a morte nos cuidados paliativos.
O seu desejo foi respeitado, que era de morrer em casa, apoiada pela equipe de ateno
domiciliar que foi essencial para dar suporte ela e ao meu tio nessa hora to difcil.
A aposta radical no respeito ao outro foi diferena marcante para produzir vida, na
iminncia da morte e cuidado.
E so todas essas histrias e apostas que trago comigo para a elaborao dessa
dissertao.
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1. INTRODUO
1.1. ATENO DOMICILIAR UMA MODALIDADE DE ATENO
EM DESTAQUE
Ao longo do sculo XX, ocorreu uma mudana significativa nos aspectos
demogrficos, epidemiolgicos, sociais e culturais no mundo, observando-se intenso
processo de urbanizao, aumento da longevidade e da expectativa de vida ao nascer
e inverso do padro de morbidade, com reduo das doenas infectocontagiosas e
aumento das doenas e agravos no transmissveis. Em decorrncia desses fatores, h
mudana do perfil de adoecimento, com uma presena cada vez mais significativa de
agravos crnicos implicando graus variados de dependncia, e a inverso da pirmide
etria com o intenso envelhecimento populacional (WHO, 2008; SILVA et al, 2010).
Em funo disso, vem sendo produzidas mudanas na lgica de organizao da
ateno sade: mudanas no papel dos hospitais, a ambulatorizao de
procedimentos e humanizao do cuidado, entre outros. Os hospitais cada vez mais se
destinam ateno de casos graves e clinicamente instveis, principalmente por causa
dos custos e de temas relacionados qualidade da ateno. Assim, se evita a
hospitalizao para diminuir a exposio a riscos como os de infeces hospitalares
(LACERDA et al, 2006; KERBER et al, 2008).
Desta forma, vem se intensificando a busca por modalidades alternativas de
ateno, dentre essas, a ateno domiciliar (AD) merece destaque (AMARAL et al,
2001; LACERDA et al, 2006; FEUERWERKER e MERHY, 2008; KERBER et al,
2008).
Pode-se dizer haver duas vertentes principais que explicam o investimento
crescente nessa modalidade de organizao da ateno: iniciativas relacionadas
reduo de gastos, racionalizao da utilizao de recursos e iniciativas voltadas
reorganizao e ressignificao de modos de produo do cuidado considerando as
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necessidades de sade e a intensividade do cuidado1 por elas requerida, tomando a
integralidade como referncia (LACERDA et al, 2006; MERHY e FEUERWERKER,
2007; FEUERWERKER e MERHY, 2008).
O conceito de AD apresenta diferenas segundo cada pas e os diversos
servios existentes, sendo que cuidado em domiclio um termo elstico que pode
assumir conotaes distintas (WHO, 2012).
Segundo o estudo EURHOMAP (WHO, 2012), define-se ateno domiciliar
como a prestao de cuidados a curto e longo prazo realizada no domiclio, que pode
ser da ordem da preveno, assistncia a pacientes agudos, reabilitao e cuidados
paliativos. Tambm pode ser definida como o conjunto de atividades assistenciais,
sanitrias e sociais que se realizam no domiclio, incluindo a execuo de aes de
cunho integral, implicando necessidade de coordenao e relaes entre os servios e
recursos assistenciais (GONZLEZ RAMALLO et al, 2002; WHO, 2008). Tem como
objetivos dar cobertura assistencial queles no atendidos em outros tipos de servios,
assegurar a continuidade do atendimento integral aps a alta hospitalar e atuar como
ponte entre o hospital e a ateno primria, otimizando a gesto dos recursos existentes
(ALONSO e ESCUDERO, 2010).
Inicialmente, as aes no domiclio estavam orientadas a transferir o hospital
para a casa do paciente, processo conhecido como home care. Apesar de muitos pases
ainda se referirem a ateno domiciliar com o termo hospitalizao em domiclio, as
aes efetuadas so diferentes do previsto originalmente no home care; essas
modificaes ocorreram principalmente pelo alto gasto implicado em dispensar a
tecnologia hospitalar para cada domiclio. Percebe-se a existncia de diferentes lgicas
de atuao dos servios de AD no mundo. Os servios vinculados ateno bsica
trabalham de forma a evitar a internao, j os vinculados ao hospital incentivam a
desospitalizao do paciente a fim de descongestionar os leitos hospitalares.
O componente de reduo de gastos e da racionalizao da utilizao dos
recursos, embora presentes em todos os mbitos da prestao de servios de sade,
1 Intensividade do cuidado: paciente clinicamente estvel no sentido de permitir que o cuidado seja realizado no espao domiciliar, porm a complexidade do seu estado de sade exige que estes sejam feitos com maior frequncia;
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tiveram papel preponderante no crescimento significativo da AD na sade
suplementar, implicando aumento acelerado da criao de empresas prestadoras de
servios na rea e transferncia de gastos para as famlias e para o SUS (CUNHA,
2007; FEUERWERKER e MERHY, 2008).
Quando comparado aos custos da assistncia hospitalar, alguns estudos
apontam que a adoo da AD para o cuidado do paciente com AVC pode significar a
reduo proporcional na ordem de 52% a 58% (PEREIRA, 2005; REHEM e TRAD,
2005). Porm, segundo ANDREAZZI e BAPTISTA (2007) existem dvidas em
relao a real reduo de custos promovida pelo servio de AD, considerando que os
servios existentes so muitas vezes distintos e de difcil padronizao para que sejam
avaliados. Alm disso, no se considera o gasto indireto atribudo famlia quando o
usurio retorna ao espao domiciliar, com a aquisio de medicamentos, recursos de
sade e a disponibilidade de um cuidador, seja ele particular ou um membro da famlia
que muitas vezes deixar de trabalhar a fim de promover o cuidado integral
(ANDREAZZI e BAPTISTA, 2007).
1.2. O ESTADO DA ARTE DA ATENO DOMICILIAR NO MUNDO
A AD apresentou grande crescimento na Europa e Amrica do Norte e seu
desenvolvimento nestes pases tem ocorrido principalmente por ser uma alternativa
efetiva para a diminuir custos hospitalares e pela possibilidade de ofertar um cuidado
mais humanizado e acolhedor no ambiente do paciente, alm de ser uma modalidade
vivel e potente do ponto de vista sanitrio, social e econmico (COTTA et al, 2002,
REHEM e TRAD, 2005; WHO, 2008, 2012).
O primeiro servio de AD como extenso da cobertura hospitalar surgiu em
1947 vinculado ao Hospital Guido Montefiore de Nova York, nos Estados Unidos, a
fim de descongestionar os leitos hospitalares e promover um ambiente mais acolhedor
e psicologicamente favorvel ao tratamento do enfermo em seu domiclio (MENDES
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JNIOR, 2000; COTTA et al, 2002; GONZLEZ RAMALLO et al, 2002; REHEM
e TRAD, 2005), alm de ser uma alternativa populao de baixa renda que no tinha
condies em arcar com o seguro mdico (GONZLEZ RAMALLO et al, 2002).
Anteriormente, no sculo XIX e incio do XX, eram realizadas aes domiciliares pela
categoria da enfermagem, principalmente com objetivo educativo e preventivo, a fim
de combater as epidemias por doenas infectocontagiosas (MENDES JR, 2000).
Na Europa, a primeira unidade de assistncia domiciliar teve lugar na Frana,
no Hospital de Tenon de Paris em 1951, sendo chamada de hospitalizao em
domiclio. Em 1957, na mesma cidade, foi criado um servio no governamental sem
fins lucrativos chamado de Sant Service que referncia at hoje no cuidado em
domiclio a pacientes crnicos e terminais. (COTTA et al, 2001; GONZLEZ
RAMALLO et al, 2002). Em 1992, o sistema de sade nacional francs j reconhecia
a modalidade de hospitalizao em domiclio como uma alternativa hospitalizao
(COTTA et al, 2001).
A partir da dcada de 60, diversos servios de AD foram criados na Europa de
acordo com a necessidade e a demanda de cada local e regulamentados conforme cada
sistema nacional de sade (COTTA et al, 2001).
No Reino Unido foi implantado o hospital care at home ou hospital at home
em 1965. Durante os anos setenta, iniciaram na Sucia e na Alemanha o hospital based
at home e o haslische krankenpflege, respectivamente. Nos anos oitenta, surgiram as
primeiras unidades na Espanha e na Itlia, com o trattamento a domicilio ou
ospedalizzacione a domicilio. No Canad, as primeiras experincias ocorreram a partir
da dcada de sessenta para a alta precoce de pacientes em ps cirrgico e estendido ao
atendimento de pacientes agudos em 1987, com a experincia chamada de hspital
extra-mural (COTTA et al, 2001; GONZLEZ RAMALLO et al, 2002). Na
Espanha, a AD se desenvolveu principalmente na Comunidade Valenciana e no Pas
Basco, sendo a primeira unidade inaugurada em 1981, no Hospital Provincial de
Madrid. Em 1983, a assistncia domiciliar foi includa na rede de sade espanhola pelo
Instituto Nacional de Salud (INSALUD), sendo reconhecida como Servio de
Hospitalizao a Domiclio trs anos aps. Concomitantemente, outros grandes
hospitais das duas comunidades inauguraram seus respectivos servios, a fim de
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diminuir os custos e descongestionar os leitos hospitalares, porm sem um plano
diretor que unificasse os conceitos, dotaes e critrios destas unidades (GONZLEZ
RAMALLO et al, 2002).
Inicialmente vinculada ao mbito hospitalar, a AD foi objeto de embate na
Espanha para sua regulamentao ao final dos anos oitenta e na dcada de noventa, na
Comunidade Valenciana e Pas Basco, sendo estabelecido forte investimento para sua
implantao na ateno primria. Nas demais comunidades, no h normatizao desta
modalidade. (COTTA et al, 2001; GONZLEZ RAMALLO et al, 2002).
A vinculao do servio de AD bastante varivel na Europa, enquanto no
Reino Unido a principal conexo com a ateno primria em sade (APS), outros
pases optaram por vincular seus servios estrutura hospitalar (COTTA et al, 2001;
ALONSO e ESCUDERO, 2010).
H diferenas em relao ao pblico-alvo na AD de cada pas, sendo que
muitos esto voltados assistncia de pacientes agudos e idosos, que necessitam de
maior intensidade do cuidado, e outros aos cuidados paliativos e ateno a
enfermidades degenerativas. A Frana um exemplo em que o foco so pacientes
crnicos e em cuidados paliativos (COTTA et al, 2001; GONZLEZ RAMALLO et
al, 2002).
Considerando o crescimento heterogneo dos servios de AD nos pases
europeus e as diferenas apresentadas em relao ao conceito, modelo adotado,
desenvolvimento e regulamentao, alguns esforos no sentido de conhecer mais a
fundo estas experincias esto sendo realizados por diversos rgos. Desde 1996, a
Oficina Europia da Organizao Mundial de Sade coordena o programa From
Hospital to Home Health Care que tem como objetivo promover, padronizar e registrar
esta modalidade assistencial (COTTA et al, 2001; WHO, 2012).
Em 2006, a Comisso Europia elaborou o Projeto EURHOMAP (Mapping
Professional Home Care in Europe). O estudo foi desenvolvido e coordenado pelo
Institute for Health Services Research da Holanda, em colaborao com outros
institutos europeus, no perodo de 2008 a 2010, a fim de conhecer aspectos no campo
da AD nos trinta e um pases do continente e obter informaes sobre quatro aspectos
principais - poltica pblica e regulao, financiamento, organizao e prestao de
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servio, clientes e cuidadores informais -, com o objetivo de facilitar a elaborao de
polticas e a tomada de deciso por parte dos gestores, alm de identificar os novos
desafios. (GENET et al, 2011; WHO, 2012)
Em uma das fases do projeto realizou-se uma reviso sistemtica da literatura
cientfica sobre AD na Europa na ltima dcada, identificando que apesar de haver
semelhanas, a configurao de cada servio dependente da histria e
desenvolvimento de cada pas, sendo as polticas pblicas determinantes em seu
processo (GENET et al, 2011; WHO, 2012).
No mesmo sentido, a Associao Canadense de Home Care (Canadian Home
Care Association CHCA) lanou ao final de 2012 um estudo intitulado Home Care
Policy Lens. Tem como objetivo delinear a situao da assistncia domiciliar em seu
sistema nacional de sade, bem como auxiliar as autoridades e os gestores no
desenvolvimento e avaliao das polticas que enfatizam o cuidado integral,
identificando problemas no desempenho e a capacidade na prestao do cuidado
domiciliar. A iniciativa contar, entre outras aes, com: reviso de literatura
vinculando assistncia domiciliar a modelos assistenciais de ateno integral, fruns
nacionais com a participao dos interessados no assunto e suas impresses acerca da
nova poltica nacional2.
1.3. NOTAS SOBRE A ATENO DOMICILIAR NO BRASIL
O crescimento da AD no Brasil foi decorrente dos mesmos fatores que
influenciaram o seu desenvolvimento em escala mundial.
2 Citado na referncia bibliogrfica como: POLICY lens to focus integration of home care under development. Canadian Medical Association Journal (CMAJ), Ottawa, v. 184, n. 3, p. e171-72, fev. 2012.
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Provavelmente a primeira experincia brasileira em AD foi realizada pelo
Servio de Assistncia Mdica Domiciliar e Urgncia (SAMDU), em 1949, rgo
vinculado inicialmente ao Ministrio do Trabalho e incorporado ao INPS em 1967,
como exigncia do sindicato dos trabalhadores, a fim de suprir a carncia no
atendimento prestado pelo servio de urgncia vigente na poca (MENDES JNIOR,
2000; REHEM e TRAD, 2005).
Em 1967 foi criado o Servio de Assistncia Domiciliar do Hospital de
Servidores Pblicos do estado de So Paulo (HSPE) ligado ao Instituto de Assistncia
Mdica ao Servidor Pblico Estadual (IASMPE), funcionando como a primeira
atividade planejada em AD e como extenso da cobertura da assistncia hospitalar.
Eram realizados atendimentos a pacientes com doenas crnicas e/ou em situao
social que dificultasse o acesso a unidade ambulatorial e alta precoce de pacientes em
ps-cirrgico da rea ortopdica e cirurgia geral capazes de se restabelecer no
domiclio (MENDES JNIOR, 2000; REHEM e TRAD, 2005).
A partir da dcada de 90, os servios de ateno domiciliar apresentaram franco
crescimento no Brasil, principalmente nos grandes centros, tanto no SUS quanto na
iniciativa privada (AMARAL et al, 2001; FEUERWERKER e MERHY, 2008; SILVA
et al, 2010), geralmente orientadas para a extenso de cobertura e/ou para a alta
hospitalar precoce (SILVA et al, 2010).
Apesar de existirem muitas dimenses do cuidado domiciliar e grande
diversidade de modelagens e organizaes, a sistematizao e registros de servios
pblicos e privados ainda so escassos e limitados s experincias consideradas como
bem-sucedidas ou mais antigas. (REHEM e TRAD, 2005; SILVA et al, 2010).
At recentemente, a inexistncia de uma poltica nacional com
cofinanciamento restringiu a expanso das iniciativas pblicas, j que todo o
investimento ficava a cargo dos gestores locais (municipais ou estaduais)
(ANDREAZZI e BAPTISTA, 2007).
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1.4. A ATENO DOMICILIAR NO MBITO DA SADE
SUPLEMENTAR ALGUMAS CONSIDERAES
As experincias de AD vinculadas iniciativa privada tiveram grande
expanso nos ltimos vinte anos (AMARAL et al, 2001; REHEM e TRAD, 2005). A
dificuldade em descrever um nmero preciso e atual de servios deve-se ao fato de a
AD no ser regulada e nem estar includa no rol de procedimentos obrigatrios da
Agncia Nacional de Sade Suplementar (ANS) (SILVA, 2013). Assim sendo, sua
regulamentao feita apenas pela Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria
(ANVISA), por meio da Resoluo da Diretoria Colegiada (RDC no 11/2006) que
define os requisitos bsicos para o funcionamento destes servios, mas no estabelece
critrios de contratualizao e mecanismos de regulao (BRASIL, 2006; SILVA,
2013).
A Resoluo Normativa no211/2010 da ANS (BRASIL, 2010) inclui no rol de
procedimentos que a internao domiciliar poder ser realizada pela operadora em
substituio internao hospitalar quando a mesma dispuser deste servio, mediante
a RDC ANVISA no 11/2006 (BRASIL, 2006). Estar sujeita contratao deste
servio parte quando no operar como substituto do servio hospitalar, uma vez que
no considerado um procedimento obrigatrio. Tambm poder oferecer a
medicao de uso oral domiciliar, de forma facultativa como foi estabelecida pela RN
ANS no310/2012 (BRASIL, 2012b).
O Relatrio Tcnico da Pesquisa Implantao de Ateno Domiciliar no
mbito da Sade Suplementar Modelagem a partir das Experincias Correntes3
realizada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2007, j apontava que os
servios de AD vinculados s operadas de sade suplementar, foram implantados na
lgica da racionalizao dos custos e concedidos como benefcio a sua clientela,
mediante contratao, embora os usurios a considerassem como um direito adquirido.
3 Relatrio Tcnico da Pesquisa intitulada Implantao de Ateno Domiciliar no mbito da Sade Suplementar Modelagem a partir das Experincias Correntes, realizada pela Universidade Federal Fluminense em 2007, sob coordenao do Prof. Dr. Tlio Batista Franco.
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Indica alguns paradoxos criados pela falta de regulamentao do servio de AD pela
ANS, que apesar de no estar formalmente includo como procedimento obrigatrio,
reconhecido pelo judicirio e ofertado em larga escala. Pela falta de consenso entre
as partes e de normativas referentes AD, houve um aumento dos recursos
administrativos e judicirios, principalmente relacionados ao critrio de alta do
paciente do servio de AD (FRANCO, 2007; FRANCO e MERHY, 2008).
No caso da sade suplementar, a questo outra. O conflito se estabelece entre o direito do cidado ao acesso universal sade, o direito do consumidor aos bens a que tem acesso em funo de seu poder de compra e o direito das empresas ao lucro na rea da sade (SILVA, 2013).
Algumas pesquisas que avaliaram servios de AD de operadoras brasileiras
identificaram que os mesmos, pelo fato de serem ofertados de forma adicional, estaro
sujeitos modelagem e regras pr-estabelecidas pela empresa, sendo difcil a
mensurao da quantidade de experincias (FRANCO e MERHY, 2008; MARTINS
et al, 2009).
Alm disso, h um questionamento em relao desrresponsabilizao das
operadoras, que fazem a cobertura de todos os gastos quando o paciente est em
internao hospitalar, mas quando o mesmo cuidado pelo servio de AD da
operadora, os gastos relacionados aos insumos e materiais so transferidos para a
famlia e tambm para o SUS. Vem se discutindo se os motivos para a oferta da AD
pela sade suplementar levam em considerao as lgicas de mercado ao invs das
necessidades de sade dos usurios e a produo de cuidado de forma mais
humanizada, apesar de experimentarem bons resultados em alguns grupos especficos
em que ofertada a AD (SILVA, 2013).
Dessa forma, ainda carecem medidas de regulamentao da AD na sade
suplementar que garantam o direito ao usurio em usufruir dessa modalidade de
ateno por sua operadora, diminuir as tenses existentes nesse campo tanto no
campo do pblico-privado como na relao com o usurio -, e estabelecer critrios
mais claros acerca dos parmetros de cobertura, critrios mnimos de oferta e valores
de pagamento (SILVA, 2013).
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1.5. O ESTADO DA ARTE DA ATENO DOMICILIAR NO MBITO
DO SUS
Como subsdio a criao de uma poltica de ateno domiciliar, foi realizada
uma pesquisa nacional pela Linha de Pesquisa Micropoltica do trabalho e o cuidado
em sade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), encomendada e
financiada pelo Ministrio da Sade do Brasil (MS) em 2006, tomando como base
servios de AD no mbito do SUS e reconhecidos pelo MS4. Foram analisados, dentre
outros elementos, o projeto tecnopoltico, a organizao, processo de trabalho e arranjo
tecnolgico de trs experincias ligadas a hospitais e quatro ligadas a secretarias
municipais de sade (SMS), nos seguintes municpios: Londrina-PR, Rio de Janeiro-
RJ, Belo Horizonte-MG, Sobral-CE e Marlia-SP.
Observou-se a existncia dos mais variados arranjos e perfis de atendimento:
cuidados paliativos, acompanhamento de recm-nascidos prematuros, cuidado a
pacientes com sndrome da imunodeficincia adquirida (AIDS), pacientes em restrio
crnica ao leito e feridas. Identificaram-se diferentes interesses e compreenses entre
trabalhadores e gestores acerca do projeto tecnopoltico e arranjo adotado e
heterogeneidade na organizao e dinmica de trabalho das equipes.
(FEUERWERKER e MERHY , 2008).
Constatou-se principalmente que cada experincia modulada dependendo do
tipo de pacientes atendidos pelo servio, implicando diferentes arranjos tecnolgicos
e desenhos singulares, apesar de serem encontradas similaridades. (REHEM e TRAD,
2005; FEUERWERKER e MERHY, 2008; SILVA et al, 2010). De acordo com o
objeto de trabalho de que a equipe se ocupa, so produzidos diferentes arranjos e
formas de organizao do trabalho no servio de AD, tambm influenciados pela
insero/vinculao da AD na rede de ateno sade. Tudo isso implica na
4 Projeto de pesquisa intitulado Implantao de Ateno Domiciliar no mbito do SUS Modelagem a partir das Experincias Correntes, demandada pelo Ministrio da Sade ao grupo de pesquisa de Redes Substitutivas em Sade, da linha de pesquisa Micropoltica do Trabalho e o Cuidado em Sade, da ps-graduao em Clnica Mdica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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construo de aes mais ou menos potentes e inovadoras no cuidado do paciente
(FEUERWERKER e MERHY, 2008).
A maior parte dos servios de AD vinculada ao hospital atendia um pblico
especfico, definido de acordo com seu quadro clnico ou patologia, tais como usurios
que necessitavam de assistncia ventilatria, acompanhamento de feridas, recm-
nascidos prematuros e baixo peso, funcionando com a lgica da alta precoce, reduo
de custos, preveno de riscos e humanizao da assistncia (FEUERWERKER e
MERHY, 2008; SILVA et al, 2010).
Um exemplo o acompanhamento a recm-nascidos prematuros pela equipe
AD de um servio filantrpico de Belo horizonte/MG, que atuava junto com a famlia
prestando cuidados no domiclio na perspectiva da vida nova. Inclusive em situaes
adversas, quando a gravidez foi de difcil aceitao, a equipe e famlia tentavam
construir o cuidado compartilhado em um ambiente onde os pais tinham mais
autonomia para cuidar, favorecendo a aceitao da criana (FEUERWERKER e
MERHY, 2008; SILVA et al, 2010).
Em todos os municpios pesquisados existiam equipes de AD que faziam
atendimento aos pacientes crnicos acamados, geralmente por um longo perodo de
tempo, com maior possibilidade de melhora em virtude do tratamento no domiclio e
mostrando a possibilidade de se construir linhas de cuidado integral e compartilhado.
As equipes descreveram situaes de atendimento adversas, em que necessitavam de
solues criativas para lidar com a famlia e a escassez de recursos e materiais, com
bons resultados na recuperao de feridas e sequelas motoras, alm da construo de
autonomia do cuidador ou o paciente (FEUERWERKER e MERHY, 2008).
Em Londrina/PR, a assistncia a pacientes em cuidados paliativos era realizada
por uma equipe especfica, enquanto que nos demais municpios, por uma equipe
generalista. Percebeu-se que a equipe especificamente orientada aos cuidados
paliativos, como trabalhava na perspectiva de oferecer ao usurio e a famlia a
possibilidade de conviver melhor com a situao da morte iminente, era mobilizada
fortemente pelas questes culturais, religiosas e sociais. O vnculo entre trabalhadores,
usurios e sua famlia era produzido pela possibilidade de ofertar conforto,
solidariedade e cuidado (FEUERWERKER e MERHY, 2008).
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J no cuidado domiciliar ao paciente com AIDS, as equipes atuavam na
possibilidade de prolongar e ampliar sua perspectiva de vida e para tanto, uniam
esforos no sentido de conseguir a adeso do paciente no tratamento proposto,
resgatando e construindo redes de apoio, e a autonomia do mesmo em seu cuidado. A
potncia do trabalho da equipe estava na produo do cuidado em um universo muitas
vezes polmico e complexo que demandava solues criativas e inovadoras, a
superao de preconceitos e o resgate de redes de solidariedade (FEUERWERKER e
MERHY, 2008). Em Belo Horizonte/MG havia a experincia de gesto compartilhada
entre dois servios de AD destinados ao tratamento do paciente com AIDS, um sob
tutela estadual e outro municipal, que atuavam regionalizando os atendimentos
(SILVA et al, 2010).
A antibioticoterapia endovenosa era realizada em todos os servios de AD para
completar o tratamento das infeces agudas de pacientes oriundos do hospital. Esse
tipo de assistncia se caracterizava como o de menor possibilidade de criao de
vnculo, em funo da alta rotatividade e de uma insero mais pontual no domiclio
do paciente (FEUERWERKER e MERHY, 2008).
Seguindo a mesma lgica, os servios de AD vinculados s unidades de pronto-
atendimento (UPA) tinham como foco o atendimento a pacientes com
descompensaes clnicas agudas, com o objetivo de evitar a internao hospitalar.
Este servio atuava na lgica da pr-hospitalizao, oferecendo cuidado mais intensivo
que o promovido pela ateno bsica. Os pesquisadores sugerem que as duas situaes
descritas anteriormente so marcadas por aes mais instrumentais, que tem como
objetivo capacitar o prprio paciente para o seu cuidado, quando possvel, com pouca
participao da equipe, e menor possibilidade de criao de vnculo entre usurio e
trabalhador, sendo a forma menos potente da AD (SILVA et al, 2010).
Em Sobral/CE foi analisado o nico servio de AD efetivado inteiramente pelas
equipes da ESF, que apesar de sua dedicao, encontravam muitas dificuldades para
conciliar a necessidade do cuidado intensivo para uns e toda a demanda de trabalho
que a ESF exigia, alm da necessidade de utilizar recursos materiais no disponveis
na ateno bsica (FEUERWERKER e MERHY, 2008).
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Ficou evidente tambm a existncia de certa disputa entre trabalhadores e
usurio/cuidador em torno da elaborao do plano teraputico. Foram observadas
equipes em que o plano teraputico era construdo de forma compartilhada com a
famlia, havendo singularizao do cuidado ao considerar os recursos disponveis da
famlia, suas propostas e necessidades, at equipes que transferiam o hospital para o
domiclio do paciente, e construam o plano teraputico na lgica da racionalidade
tcnico-cientfica, tratando o cuidador como mero executor do seu plano (DE
CARVALHO et al, 2007; MERHY e FEUERWERKER, 2007; FEUERWERKER e
MERHY, 2008; DE CARVALHO, 2009; SILVA et al, 2010) .
Em um dos planos de anlise das experincias estudadas, foi utilizada a
produo de Merhy (2002) que trata sobre o trabalho vivo em ato e as tecnologias em
sade. Compreende-se que todo o trabalho composto por trs diferentes tipos de
tecnologias e que dependendo do arranjo com que so combinados pode-se configurar
um trabalho mais centrado em aes relacionais ou mais pautado pelos procedimentos
e equipamentos.
As tecnologias duras representam os equipamentos, mquinas, instrumentos
como o estetoscpio, exames laboratoriais e de imagem, medicamentos, que so
produtos j existentes, fruto de um trabalho anterior e disponibilizadas para serem
utilizadas de uma certa maneira. As tecnologias leve-duras representam a combinao
do saber-estruturado (da clnica, da epidemiologia, dentre outros) com o trabalho vivo
do trabalhador da sade durante o encontro com o usurio, que poder estabelecer uma
relao centrada somente no saber j concebido ou mostrar-se aberto aos desafios
decorrentes da interao com o usurio. As tecnologias leves so as utilizadas para
construir as relaes no encontro entre trabalhadores e usurios, que acontece em ato,
por meio da escuta, da criao de vnculo e confiana. Esse tipo de tecnologia que
possibilitaque o profissional se aproxime da singularidade de cada usurio, suas
necessidades, contexto de vida, enriquecendo a produo do plano teraputico de cada
indivduo (MERHY, 2002; MERHY E FRANCO, 2007; MERHY e
FEUERWERKER, 2009).
Dependendo da forma em que so combinadas essas tecnologias, a produo
de cuidado pode ser mais pautada na lgica instrumental, sem participao ativa do
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usurio, ou mais pautada na lgica relacional, em que h compartilhamento do cuidado
e possibilidade de se produzir aes que reconhecem os usurios como sujeitos
singulares, mesmo que haja disputa na construo do plano teraputico (MERHY,
2002; MERHY E FRANCO, 2007; MERHY e FEUERWERKER, 2009)
A disputa se faz ento entre a institucionalizao da casa como um espao de cuidado dominado pela racionalidade tcnica (e pelo predomnio das tecnologias duras e leve-duras na produo do cuidado) e a desinstitucionalizao do cuidado em sade, havendo construo compartilhada do projeto teraputico, ampliao da autonomia do cuidador/famlia/usurio, ampliao da dimenso cuidadora do trabalho da equipe (e o predomnio das tecnologias leves e leve-duras na produo do cuidado). (MERHY E FEUERWERKER, 2007)
Essa tenso existente entre ambos os plos constitutiva da produo de
cuidado na ateno domiciliar, e poder ser produtiva enquanto possibilidade de se
ofertar cuidado compartilhado e inovao no domiclio como um espao
desinstitucionalizado ou pode ser uma tenso que se resolva por meio da produo de
cuidado por uma equipe que subordina a famlia sua racionalidade tcnico-cientfica
(DE CARVALHO et al, 2007; MERHY E FEUERWERKER, 2007). O que ser
essencial para definir se a ateno domiciliar se configurar como uma modelagem
potente e substitutiva o projeto tecnopoltico que as equipes colocam em prtica e a
forma como combinam as tecnologias em sade (MERHY E FEUERWERKER,
2007).
O estudo realizado apontou que o domiclio pode se apresentar como um
espao potencializador de mudanas no processo de cuidado no sentido da
integralidade, j que favorece ampliao do olhar e do agir desinstitucionalizado5, indo
alm das questes especificamente tcnicas. Isso permite que as dimenses sociais e
afetivas sejam agregadas e que a prtica clnica seja reinventada a partir de modos anti-
hegemnicos que reconhecem o paciente em suas mltiplas relaes. Indicou que,
5 Agir desinstitucionalizado: Organizao do cuidado em locais mais prximos ao territrio do usurio, fora dos aparelhos tradicionais de sade, que permitem a possibilidade de reconstruo da autonomia do mesmo e vnculo com os trabalhadores. (Feuerwerker, L.C.M.; Merhy, E.E., 2008)
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dependendo do arranjo adotado, o trabalho no espao domiciliar pode ser substitutivo6
no sentido de possibilitar a produo de autonomia e de alternativas coletivas criativas
do cuidado, permitindo a criao de vnculo e da experimentao na construo dos
projetos de cuidado junto ao usurio e a famlia (FABRCIO et al, 2004; LACERDA
et al, 2006; FEUERWERKER e MERHY, 2008; KERBER et al, 2008).
Desta forma, acredita-se que a ateno domiciliar pode ser uma modelagem de
potente de organizao do cuidado, que permite a transformao das prticas de sade
no sentido de uma assistncia comprometida com a criao de vnculo entre
trabalhador e usurio, com o acolhimento, a humanizao e o desenvolvimento de
corresponsabilidade (MERHY e FEUERWERKER, 2007; FEUERWERKER e
MERHY, 2008).
1.6. O MARCO REGULATRIO DA ATENO DOMICILIAR NO
BRASIL
Debates sobre as diferentes modelagens da ateno domiciliar comearam a
ganhar espao no mbito federal em 2002, com a instituio da ateno domiciliar no
SUS pela Lei Federal no 10.424/2002 (BRASIL, 2002), incorporada Lei Federal
8.080/90 (BRASIL, 1990).
No mesmo ano, foi estabelecida a possibilidade da assistncia domiciliar a ser
desenvolvida pelos Centros de Referncia em Assistncia Sade do Idoso, pela
Portaria SAS/MS no249/2002 (MINISTRIO DA SADE, 2002). Trata em seus
artigos da vinculao da AD ao servio hospitalar e a articulao entre os Centros de
Referncia, a Rede de Ateno Bsica e a ESF. a primeira iniciativa no sentido de
conectar o tema da assistncia domiciliar com a ateno bsica, especializada e a
hospitalar (REHEM e TRAD, 2005).
6 Substitutivo: a possibilidade do cuidado em sade que desinstitucionaliza o modo hegemnico, criando novas prticas de produo de cuidado em sade (SILVA, 2010)
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Em 2006, foi produzida pela ANVISA a Resoluo da Diretoria Colegiada da
Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (RDC/ANVISA) no 11/2006 que Dispe
sobre o Regulamento Tcnico de Funcionamento de Servios que prestam Ateno
Domiciliar, orientando as normas de funcionamento dos servios de AD (BRASIL,
2006).
No mesmo ano, o Ministrio da Sade lanou a Portaria GM/MS n 2.529/2006
(MINISTRIO DA SADE, 2006) que regulamentava a Internao Domiciliar no
mbito do SUS como o conjunto de atividades prestadas no domiclio a pessoas
clinicamente estveis que exijam intensividade de cuidados acima das modalidades
ambulatoriais, mas que possam ser mantidas em casa, por equipe exclusiva para este
fim e tratou sobre o financiamento especfico a esta prtica, com repasse federal fundo
a fundo para custeio das equipes, mediante apresentao de projetos municipais
(MINISTRIO DA SADE, 2006).
Entretanto, a transferncia de recursos nunca chegou a ser efetivada, e a
regulamentao e o debate na esfera federal sobre a ateno domiciliar se manteve
estagnada pelo perodo de 2006 a 2011, ano em que esta portaria foi revogada
(BRASIL, 2012a).
Em agosto de 2011, o Ministrio da Sade lanou, por meio da Portaria
GM/MS no 2.029/2011, de 24 de agosto de 2011, o Programa Melhor em Casa, que
instituiu a Poltica Nacional de Ateno Domiciliar no SUS (MINISTRIO DA
SADE, 2011b).
A formulao dessa poltica foi fruto das contribuies de um grupo de trabalho
(GT) formado no incio de 2011, constitudo por algumas reas tcnicas do Ministrio
da Sade e equipes de experincias locais de AD, como Betim/MG, Belo
Horizonte/MG e Campinas/SP. A nova poltica props-se a partir da produo anterior
e fazer uma reflexo crtica acerca das portarias j publicadas, principalmente a que se
refere internao domiciliar, considerando a realidade e as necessidades locais
(BRASIL, 2012a).
Sob a coordenao do Departamento de Ateno Bsica do Ministrio da Sade
(DAB/SAS/MS), o documento regulamenta a Ateno Domiciliar no mbito do
Sistema nico de Sade, estabelece as normas para habilitao e cadastro dos servios
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de AD e suas respectivas Equipes Multiprofissionais de Ateno Domiciliar (EMAD)
e Equipes Multiprofissionais de Apoio (EMAP), habilitao dos servios de sade a
que estaro vinculados e determina os valores de incentivo para o seu funcionamento
(MINISTRIO DA SADE, 2013a).
Ela define a ateno domiciliar de forma complementar RDC/ANVISA no
11/2006, como uma nova modalidade de ateno sade, substitutiva ou
complementar as j existentes, caracterizada por um conjunto de aes de promoo
sade, preveno e tratamento de doenas e reabilitao no ambiente domiciliar, de
carter contnuo e integrado s redes de ateno sade (MINISTRIO DA SADE,
2013a). Enfatiza ao longo da portaria que sua implantao exige maior integrao e
colaborao entre os diferentes pontos de ateno, sendo que a implantao das redes
para dar suporte assistncia contnua no domiclio e a preparao das equipes de
trabalho so essenciais na produo de cuidado no domiclio (PEREIRA et al, 2005;
MINISTRIO DA SADE, 2013a).
Afirma que a AD deve estar estruturada na perspectiva das Redes de Ateno
Sade, sendo um componente da Rede de Ateno s Urgncias e tem como
ordenadora de seu cuidado e ao territorial a ateno bsica (MINISTRIO DA
SADE, 2011b).
O documento menciona que o servio de AD pode estar vinculado a qualquer
servio da rede de sade e fixado no territrio, facilitando o acesso. O paciente que se
beneficiar do servio de AD poder ser oriundo da ateno bsica, servio de ateno
s urgncias e emergncias ou hospital. Nesta lgica, a AD foi includa como
possibilidade de atendimento pr-hospitalar ou ps-hospitalar. Na primeira situao, o
usurio advm da ateno bsica ou servios de ateno s urgncias e emergncias, a
fim de evitar a hospitalizao. No segundo, so includos usurios dos servios
hospitalares, para dar continuidade do cuidado no domiclio (MINISTRIO DA
SADE, 2013a).
Classifica a ateno domiciliar em trs modalidades (AD1, AD2 e AD3), de
acordo com a complexidade, sendo que o apoio financeiro a AD1 no contemplado
no mbito da AD (MINISTRIO DA SADE, 2013a).
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A primeira modalidade (AD1) corresponde aos cuidados domiciliares
realizados no mbito da ateno bsica, pelas equipes da Estratgia Sade da Famlia
(ESF) e do Ncleo de Apoio Sade da Famlia (NASF), de forma complementar aos
servios ambulatoriais de especialidades e de reabilitao, quando necessrio. Essas
so aes j previstas na ESF e financiadas no mbito da ateno bsica.
Os usurios elegveis AD1 so aqueles em estabilidade clnica e com
dificuldade ou impossibilidade fsica de locomoo at uma unidade de sade, com
necessidade de cuidados de menor complexidade e menor frequncia, dentro da
capacidade de atendimento das Unidades Bsicas de Sade (UBS) (MINISTRIO DA
SADE, 2013a).
A segunda modalidade de AD (AD2) compreende usurios que exigem maior
complexidade e frequncia de cuidado e de recursos de sade, alm de
acompanhamento contnuo, podendo ser oriundos de diferentes servios da rede de
ateno; devendo se incluir em um dos critrios estabelecidos pela portaria, tais como
cuidados paliativos, necessidade de superviso e reabilitao motora e funcional
intensa, quadro cardiorrespiratrio que exija monitoramento e outros procedimentos
(MINISTRIO DA SADE, 2013a). Pode ser considerada como atendimento
domiciliar, segundo a definio da RDC/ANVISA no11/2006: conjunto de atividades
de carter ambulatorial, programadas e continuadas desenvolvidas em domiclio
(BRASIL, 2006).
A terceira modalidade (AD3) a que exige maior complexidade do cuidado.
Segue os mesmos critrios da AD2 incluindo a necessidade de uso de algum
dispositivo respiratrio complementar (oxigenoterapia e suporte ventilatrio no
invasivo), dilise peritoneal ou paracentese (MINISTRIO DA SADE, 2013a).
Aproxima-se da definio de internao domiciliar conforme a RDC/ANVISA
no11/2006: conjunto de atividades prestadas no domiclio, caracterizadas pela ateno
em tempo integral ao paciente com quadro clnico mais complexo e com necessidade
de tecnologia especializada. (BRASIL, 2006; MINISTRIO DA SADE, 2013a)
Desde 2011, a portaria ministerial que instituiu a Poltica de Ateno
Domiciliar no SUS sofreu algumas mudanas, dentre elas a universalizao da ateno
domiciliar no pas, por meio da Portaria n 963/GM/MS, de 27 de maio de 2013
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(MINISTRIO DA SADE, 2013a) e a redefinio dos valores de repasse federal aos
servios implantados, por meio da Portaria n 1.505/GM/MS, de 24 de julho de 2013
(MINISTRIO DA SADE, 2013c).
As portarias vigentes so os documentos mais recentes no sentido de ampliar a
adoo da ateno domiciliar como alternativa assistncia e representam um avano
principalmente por estabelecer cofinanciamento federal para a ateno domiciliar, o
que poder incentivar a construo de novos servios e o incremento dos j existentes.
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2. OBJETIVOS
2.1. OBJETIVO GERAL
Analisar os efeitos iniciais da Portaria n 963/GM/MS, de 27 de maio de 2013
sobre as iniciativas municipais, com destaque para suas potencialidades e desafios na
produo do cuidado.
2.2. OBJETIVOS ESPECFICOS
Analisar os principais elementos da poltica nacional de ateno domiciliar
expressa na Portaria n 963/GM/MS, de 27 de maio de 2013;
Analisar os projetos tecnopolticos de trs servios de ateno domiciliar,
incluindo a orientao do projeto de cuidado, os processos de trabalho e suas
articulaes com os demais servios da rede de ateno sade.
Analisar os usos que as experincias locais de AD fazem da portaria ministerial;
Identificar desafios atuais da AD tomada como dispositivo para a mudana do
modelo de ateno.
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3. METODOLOGIA
3.1. TIPO DE ESTUDO
Pesquisa qualitativa de abordagem cartogrfica.
3.2. LOCAL DE ESTUDO
um estudo no mbito do SUS, tendo sido explorados trs servios de ateno
domiciliar (SAD) vinculados aos seguintes municpios: Embu das Artes-SP,
Campinas-SP e So Bernardo do Campo-SP.
Os critrios para seleo incluram: a) servios habilitados pelo Programa
Melhor em Casa do Ministrio da Sade; b) pelo menos um SAD existente h pelo
menos dez anos e outro implantado recentemente. Dessa forma, poderia se observar
alguns efeitos da Portaria n 963/GM/MS, de 2013, sobre servios j institudos e
organizados h mais tempo e sobre aqueles implantados pouco tempo antes da portaria
ministerial.
3.3. PARTICIPANTES DA PESQUISA
Gestores municipais e dos servios de ateno domiciliar, trabalhadores dos
servios de ateno domiciliar e usurios e cuidadores inseridos nos servios,
perfazendo um total aproximado de 60 participantes.
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A quantidade de trabalhadores da sade que participaram do estudo foi definida
de acordo com a sua disponibilidade durante o perodo da observao-participante nos
servios de ateno domiciliar.
Os usurios/cuidadores que participaram do estudo foram identificados junto
aos trabalhadores da sade, com base nos casos que mais mobilizaram as equipes.
3.4. TCNICAS E PROCEDIMENTOS PARA A COLETA DE DADOS
A abordagem cartogrfica foi efetivada por meio de um intenso mergulho no
cotidiano do trabalho das equipes e a movimentao da pesquisadora foi orientada
pelas mtuas afeces produzidas pelos encontros com gestores, trabalhadores e
usurios.
Apesar de trs servios haverem sido estudados, no se pretendeu qualquer tipo
de comparao. O que se quis foi mapear analisadores significativos para a
potencializao da ateno domiciliar como arranjo assistencial para produo do
cuidado orientada integralidade.
A cartografia como mtodo de pesquisa-interveno pressupe uma orientao do trabalho do pesquisador que no se faz de modo prescritivo, por regras j prontas nem com objetivos previamente estabelecidos. No entanto, no se trata de uma ao sem direo, j que a cartografia reverte o sentido tradicional de mtodo sem abrir mo da orientao do percurso da pesquisa (PASSOS e BARROS, 2009).
Desta forma, o trabalho cartogrfico pressupe que somente no plano de
experimentao o pesquisador/autor/cartgrafo ir traar seu percurso de interveno.
Isso se faz a partir de mltiplas formas de entrada, como uma rede de conexes em
que h de se considerar as implicaes, afetos e transbordamentos decorrentes dos
encontros produzidos durante a pesquisa, para se construir os novos rumos de
investigao e promover sua anlise (PASSOS e BARROS, 2009).
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O pesquisador tem que se manter aberto s diferentes perspectivas de produo
de mundo com que ir se deparar, e atento durante todo o percurso investigativo,
considerando que o conhecimento no algo dado, mas feito e desfeito
constantemente, no havendo um estatuto nico de verdade (FEUERWERKER e
MERHY, 2011).
Ao contrrio do que prescreve a cincia oficial, em que h uma necessidade em
se revelar uma verdade, controlando e isolando o objeto para no que o investigador
no seja contaminado, o meu objetivo foi produzir-me enquanto sujeito implicado,
reconhecendo no haver neutralidade na produo do conhecimento. Ele se d a partir
da mistura do pesquisador, no campo, com o seu objeto, construindo espaos
interseores com os pesquisados, reconhecendo que eles so parte do processo de
produo de conhecimento e no uma vitrine a ser observada. Ao se misturar e fazer
conexes em ato, o pesquisador produz e se produz na construo do conhecimento ao
transitar pelos territrios de suas implicaes. Assim, levei comigo toda a minha
implicao como trabalhadora do SUS e fui me construindo a cada momento como
pesquisadora, ao inundar-me nesses encontros que foram se produzindo (ABRAHO,
2014).
Para encontrar-se com o territrio investigado, diferentes iniciativas
compuseram a cartografia, tais como o mapeamento dos servios de AD, entrevistas,
observao participante, oficinas.
Inicialmente tinha imaginado usar casos traadores, mas a intensa conexo com
as equipes e usurios durante a observao participante diminuram a importncia dos
traadores para escapar do plano da representao que eventuais entrevistas poderiam
abrir. Ou seja, estive em ato com eles, explorando suas experincias e afeces ao vivo
e a cores.
Segundo Fernandes, 2011, a observao participante uma tcnica de pesquisa
definida classicamente pela antropologia por Malinowsky:
Trata-se de uma tcnica de levantamento de informaes que pressupe convvio, compartilhamento de uma base comum de comunicao e intercmbio de experincias com o(s) outro(s) primordialmente atravs dos sentidos humanos: olhar, falar, sentir, vivenciar entre o pesquisador, os sujeitos observados e o contexto dinmico de relaes no qual os sujeitos vivem e
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que por todos construdo e reconstrudo a cada momento. (FERNANDES, 2011)
Isso implica ao pesquisador estar, observar e participar em ato durante o
processo de experimentao do campo, lidando e produzindo alteridade e fazendo as
suas escolhas ticas, sem apegar-se a juzos morais. Como ferramentas, utilizei o dirio
de campo, a fim de registrar as observaes para anlise futura e outras, como a
gravao de udio (FERNANDES, 2011).
Foi um campo intenso e extenso, pois estive aproximadamente 10 a 15 dias em
intensa convivncia com as equipes de cada servio. Durante todo o percurso da
pesquisa fiz a construo de um dirio de campo e gravao de udio quando
permitido, para me ajudar na sua elaborao.
Para a escolha dos municpios que compuseram o meu campo de pesquisa,
participei de algumas oficinas de ateno domiciliar do Programa Melhor em Casa,
promovida pelo MS com apoiador do CGAD/MS em So Paulo-SP, da Regio
Metropolitana de Campinas-SP e da Regio dos Mananciais e Rota dos Bandeirantes-
SP sobre a Ateno Domiciliar; da reunio do Ncleo de Educao Permanente e
Humanizao em Sade (NEPHOS) dos municpios que compreendem a Regio dos
Mananciais e Rota dos Bandeirantes-SP; do Congresso Brasileiro de Ateno
Domiciliar, realizado no municpio de Campinas-SP. Ao participar desses espaos,
tive a oportunidade de conhecer um pouco sobre cada SAD e me aproximar dos seus
gestores.
Os primeiros encontros com os gestores de cada servio tiveram o objetivo de
apresentar o projeto de pesquisa e iniciar o processo de liberao para sua realizao
em cada municpio. Aps o projeto ser deferido, iniciei a aproximao junto s
equipes, inicialmente na sede e depois acompanhando-as durante a jornada de trabalho
em campo, como observadora participante.
Foi necessrio que em cada lugar, eu desenhasse em ato cada passo da
observao participante, uma vez que tambm fui intensamente afetada durante essa
caminhada e atravessada pelos diversos acontecimentos intrnsecos dos espaos
interseores.
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Sendo tarefa do cartgrafo dar lngua para afetos que pedem passagem, dele se espera basicamente que esteja mergulhado nas intensidades de seu tempo e que, atento s linguagens que encontra, devore as que lhe parecerem elementos possveis para a composio das cartografias que se fazem necessrias. O cartgrafo antes de tudo um antropfago. (ROLNIK, 1989)
Para a construo e imerso no campo, levei no bolso o que Rolnik, 1989
descreve como o Manual do cartgrafo, que so os equipamentos que se levam para
a sua experimentao: um critrio, um princpio e uma regra. O critrio o grau de
intimidade a depender das conexes estabelecidas no encontro e do seu grau de
abertura para isso; o princpio est relacionado a busca pela vida nos espaos de
produo de encontro, o quanto dela se efetua; e, como regra, atenta-se ao limite que
condiz as desterritorializaes que so suportadas sendo cuidadoso com o outro e
consigo mesmo.
Para tanto, fui acolhida em minhas angstias, dvidas, incertezas e afetamentos
pelos amigos do grupo de pesquisa em micropoltica da FSP/USP e, principalmente,
pela minha orientadora Profa. Laura Feuerwerker, que me ajudou a processar os
acontecimentos dentro e fora do campo e a construir novos passos para o campo e a
minha construo enquanto sujeito implicada, pesquisadora e trabalhadora do SUS.
Em cada SAD, participei das reunies de equipe e de cuidadores, da rotina de
trabalho na sede, acompanhei as visitas e atendimentos domiciliares de quase todos os
trabalhadores, abordando cada trabalhador no dia-a-dia, e construindo junto com ele e
o gestor, os caminhos a serem percorridos. Foram momentos fundamentais em que fui
acolhida pelos trabalhadores e pude, em ato, experimentar junto com eles o seu
trabalho vivo, perceber as afetaes e afeces que so produzidas na produo de
cuidado com os usurios/cuidadores, os arranjos que fazem para promoverem a AD,
as apostas que fazem no cotidiano e os desafios que enfrentam.
O pesquisador no neutro, ele se contamina ao dar passagem para os mltiplos
processos de subjetivao e de fabricao de mundos, sendo atravessado e inundado
pelos encontros. um exerccio permanente de desaprendizagem e
desinstitucionalizam do j prescrito (ABRAHO, 2014), corroborando com o que diz
Rolnik, 1989, sobre as desterritorializaes que vai sofrendo em ato e os
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desencantamentos das mscaras que nos constitui, ao mesmo tempo em que vai
construindo novas mscaras e novos sentidos nesse processo.
Em muitas situaes, o meu devir trabalhadora era convocado e eu me sentia
participante ativa daquele processo. Houve lugares e momentos em que o meu devir
pesquisadora era mais intenso e reafirmado e, outros em que o meu devir trabalhadora
vinha tona, inclusive participando dos espaos de confraternizao coletiva, em
conversas sobre o caso clnico de pacientes, trocando experincias pessoais e
profissionais.
Considerando que os SAD possuem uma rotina intensa de atividades dentro e
fora da sede, optei por fazer a apresentao do projeto durante as reunies de equipe,
aproveitando o seu espao de encontro coletivo, mas tambm aproveitei os encontros
individuais no dia-a-dia para conversar sobre isso. Ao expor o projeto de pesquisa, fiz
o convite para os trabalhadores participarem e pedi permisso para acompanh-los em
seu cotidiano; pactuei junto com as equipes a possibilidade de utilizar recursos de
gravao de udio e elaborao de dirio de campo escrito; e firmei o compromisso de
retornar ao servio aps a finalizao da dissertao, a fim de conversar e processar
com as equipes os resultados da pesquisa.
As reunies de equipe so espaos importantes em que os trabalhadores
debatem os casos de usurios que esto mobilizando e trazem elementos sobre a
produo de cuidado, como processam os casos que os afetam e atravessam o seu
cotidiano e cuidam do prprio sofrimento, como negociam frente s disputas mais
intensas de projeto teraputico, que mediaes so feitas e que arranjos produzem para
promover o cuidado. A partir dessas reunies e da observao participante, escolhi,
junto com os trabalhadores, alguns casos que mobilizam as equipes, para que eu
pudesse conversar tambm com o usurio/cuidador e compreender como construda
a sua rede viva, bem como sua relao com os servios de sade.
Em relao aos casos escolhidos, combinei com as equipes o momento mais
oportuno para a entrevista com o cuidador e, se possvel, com o usurio. Ao todo, nove
casos foram escolhidos, sendo que em apenas trs no foi possvel realizar a entrevista.
Em sua maioria, eram casos significativos, seja pela vulnerabilidade social,
intensividade do cuidado ou tenses relacionadas ao projeto teraputico.
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Durante a conversa com os cuidadores (no foi possvel ter contato com os
usurios por seu alto grau de dependncia), pude explorar tanto suar relaes com a
equipe do SAD e outros servios de sade a que o usurio est vinculado, como outros
elementos de sua rede viva, seus desejos, afetamentos e construo de seus territrios
de existncia, por meio de seus deslocamentos e ressignificaes.
Para compreender as apostas e o projeto tecnopoltico do SAD, alm da intensa
conexo com os trabalhadores, realizei entrevistas semiestruturadas, com gestores dos
SAD, com alguns gestores municipais.
Para a explorao sobre as redes, constru diferentes caminhos a fim de
compreender mais sobre a articulao entre os vrios pontos de ateno e desmistificar
algumas tenses que ressoaram durante a imerso em cada campo. Assim, tambm
entrevistei gerentes de UBS, gestor de servio de reabilitao terceirizado e do SUS,
gestor de instituio hospitalar do SUS e participei da reunio do KANBAN, que um
dispositivo da rede municipal de sade, para a gesto do cuidado de pacientes em
internao hospitalar.
Utilizei um roteiro de preocupaes7 para a realizao de todas as entrevistas
para me ajudar a abordar os entrevistados e direcionar alguns pontos importantes que
eu no poderia deixar de lado. Entretanto, foi fundamental deixar-me afetar e, em ato,
fazer exploraes durante a conversa, por meio da conexo que era estabelecida entre
mim e o outro.
A possibilidade de ser permevel imprevisibilidade de cada encontro me
garantiu dar diferentes tons a cada conversa, operando sempre com as tecnologias
leves. A cartografia, neste sentido, potente, ao possibilitar a construo de uma
pesquisa em ato, permitindo perceber que a conversa estabelecida entre mim, a
cuidadora e um dos trabalhadores que me acompanhava estava sendo atravessada por
mltiplos afetos que vazam em meio experincia da cuidadora e seu esposo, e de
recordaes da trabalhadora e sua experincia pessoal. Nesse momento, me coloquei
7 Definido por Rolnik, 1989, como um dos componentes do equipamento que o cartgrafo leva para a cartografia, que algo que ele vai redefinindo constantemente para si, a depender de sua permeabilidade aos encontros
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como ouvinte, pois as histrias de ambas foram se conectando ao longo da conversa e
deram voz produo de vida no limite - vida nua -, em meio ao sofrimento e o cuidar.
Participei das reunies de cuidadores, e fui afetada intensamente por suas
histrias, saberes, angstias, concepes de vida e sade, e os seus modos de viver.
Para mim, um encontro em que aflora muito mais um devir trabalhadora que
pesquisadora, pois como se eu estivesse vivenciando a minha prtica no ambulatrio
de fisioterapia, tentando tecer laos e produzir vida junto ao usurio e sua famlia,
mesmo que muitas vezes eu me sinta de mos atadas.
Para realizar a anlise do campo de pesquisa, tomei como base: a) o dirio de
campo; b) a transcrio das entrevistas gravadas em udio; c) minha caixa de
ferramentas, construda em ato; d) reunies com minha orientadora; e) reunies do
grupo da micropoltica FSP/USP, em que apresentei e discuti resultados do campo; f)
as muitas Paulas que existem em mim, compostas pelo meu devir trabalhadora do
SUS, fisioterapeuta, estudante de ps-graduao, o que me afetou no trajeto da
dissertao, etc.
Segundo Rolnik, 1989, para o cartgrafo, a teoria sempre cartografia, ou seja,
a caixa de ferramentas do cartgrafo, bem como as fontes a que ele recorre no campo
de experimentao e em sua anlise, vo sendo construdas durante o percurso da
cartografia, ao mesmo tempo em que novas paisagens vo se formando a partir dos
encontros. O objetivo do cartgrafo no de explicar ou revelar, mas dar linguagem e
cor aos afetos, expressando as intensidades que so produzidas pelas dinmicas e
movimentos de cada lugar.
Dessa forma, durante e ao final do campo, para a elaborao da dissertao,
foram construdos analisadores que nos pareceram dar visibilidade e dizibilidade a
aspectos fundamentais da ateno domiciliar por meio das experincias locais, bem
como as apostas e desafios que emergem de cada lugar, com o intuito de dar luz as
potencialidades e alguns efeitos produzidos pela poltica de AD do governo federal
o que so produzidos em cada mundo e os seus agenciamentos.
O projeto de pesquisa foi aceito pelo Comit de tica e Pesquisa, CAEE:
13018713.0.0000.5421 e Parecer no 533.883. Para a participao do projeto, todos
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (APNDICE 1).
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4. RESULTADOS E DISCUSSO
4.1. BREVE RETOMADA A ALGUNS CONCEITOS
A vida a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.
(Vinicius de Moraes)
Durante a caminhada para a construo da pesquisa e da dissertao, alguns
conceitos foram importantes para refletir e analisar criticamente o experienciado, em
relao organizao dos servios, ao processo de trabalho e produo de cuidado
pelas equipes da AD e os efeitos e usos da portaria ministerial. E tambm enquanto
pesquisadora e trabalhadora do SUS. Tais conceitos emergem de alguns autores da
filosofia, como Deleuze, Guattari, Foucault, Espinosa, Pelbart, Agambem, e outros; e
do campo da sade coletiva, nas produes da linha de pesquisa em micropoltica do
trabalho e do cuidado em sade, da UFRJ e militantes do campo, como Merhy,
Feuerwerker, dentre outros. A minha inteno aqui no de seguir estritamente uma
linha filosfica, mas fazer uso desses autores que vem atravessando os meus modos de
existncia, a forma como venho pensando a sade coletiva, o cuidado em sade, a
micropoltica do trabalho e tambm a vida, enriquecendo a minha caixa de
ferramentas.
(...) as anlises desses autores dissecam teoricamente os processos de produo do mundo como um instrumento de luta, buscando possibilidades para a resistncia aos modos de subjetivao e de fabricao do mundo que o capitalismo mundial agencia. Abrem a perspectiva de reinveno da vida. Abrem a perspectiva de pensar e operar as relaes de poder, a produo do saber, a fabricao das relaes com o outro, enfim, pensar e operar os processos de subjetivao em defesa da vida (...) (FEUERWERKER, 2014, p. 18)
A compreenso sobre as dinmicas da micropoltica do trabalho pode
possibilitar a construo de dispositivos analticos para vizibilizar apostas e desafios
da modelagem da ateno domiciliar e o cenrio construdo na relao entre os trs
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atores fundamentais em todo esse processo: usurios, trabalhadores e gestores,
reconhecendo que os trs governam seus projetos, negociam e at mesmo se impem,
mesmo que o ltimo expresse o lugar formal do governo (MERHY, 2000).
Os modelos de ateno sade so construdos de forma a enfrentar e resolver
os problemas de sade de uma dada sociedade, mobilizando recursos fsicos,
tecnolgicos e humanos (MERHY, 1997; SILVA JR & ALVES, 2007),
comprometidos com a defesa da vida individual e coletiva, tendo como finalidade a
produo dos atos de cuidar. Estes so operados por meio dos saberes tecnolgicos,
configurados a partir das dimenses materiais e no materiais do fazer em sade
(MERHY, 2000).
No trabalho em sade, durante o encontro entre usurio e trabalhador produtor
do ato, h a construo de um espao interseor8, cada um com suas intenes,
necessidades e modos capturados de agir (MERHY, 1997). Esse espao interseor o
lugar constitutivo das disputas de plano teraputico, cujos atores, trabalhador e usurio,
so mutuamente afetados em ato na produo do cuidado.
Segundo Espinosa, citado por Deleuze, o corpo no definido pelos seus
rgos, funes ou substncias, mas por modos de existncia que produzem complexas
relaes, tanto cintica como uma composio de velocidades e lentides num plano
de imanncia -, como dinmica como o poder de afetar e de ser afetado. Esses afetos
podem causar alegrias ou tristezas, levando ao aumento ou diminuio da potncia de
agir, respectivamente (DELEUZE, 2002). Pensando no cotidiano do trabalho vivo em
ato, onde mltiplos fluxos de intensidades e movimentos circulam no encontro entre
trabalhador-trabalhador e trabalhador-usurio, em cada cena podem ser produzidas
linhas de vida a partir do acolhimento, escuta, porosidade, cuidado compartilhado, ou
de morte, com o assujeitamento do outro pelo saber estruturado, protocolos e
normativas, levando ao aumento ou diminuio da potncia de cada um,
respectivamente (FRANCO e MERHY, 2011).
Quando h porosidade na produo desses encontros, h a possibilidade de
serem agenciados modos mais compartilhados de produo do cuidado, com abertura
8 Entendido aqui como o que se produz nas relaes em ato entre os sujeitos (MERHY, 1997 p.87).
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para a escuta sobre as necessidades do outro e produo de alteridade. A porosidade
tambm a possibilidade do trabalhador produzir-se enquanto sujeito que experimenta
e se constri junto do outro, no respeito s diferenas, num processo em que cada um
convoca sua caixa de ferramentas, com seus saberes e concepes sobre o modo de
viver, disputa e nego