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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENGENHARIA DE LORENA DANIELLE UCHIMURA PASCOLI APLICAÇÃO DE CELULASES TERMOACIDÓFILAS NA HIDRÓLISE DA CELULOSE VISANDO À PRODUÇÃO DE ETANOL DE SEGUNDA GERAÇÃO Lorena 2016

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE ENGENHARIA DE LORENA

DANIELLE UCHIMURA PASCOLI

APLICAÇÃO DE CELULASES TERMOACIDÓFILAS NA HIDRÓLISE DA

CELULOSE VISANDO À PRODUÇÃO DE ETANOL DE SEGUNDA GERAÇÃO

Lorena

2016

DANIELLE UCHIMURA PASCOLI

APLICAÇÃO DE CELULASES TERMOACIDÓFILAS NA HIDRÓLISE DA

CELULOSE VISANDO À PRODUÇÃO DE ETANOL DE SEGUNDA GERAÇÃO

Trabalho de Conclusão de Curso

de Graduação apresentado à

Escola de Engenharia de Lorena da

Universidade de São Paulo como

requisito parcial para conclusão do

curso de Engenharia Bioquímica.

Orientador: Prof. Dr. Júlio César

dos Santos

Lorena

2016

AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIOCONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE

Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Automatizadoda Escola de Engenharia de Lorena,

com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

Pascoli, Danielle Uchimura Aplicação de celulases termoacidófilas na hidróliseda celulose visando à produção de etanol de segundageração / Danielle Uchimura Pascoli; orientador JúlioCésar dos Santos. - Lorena, 2016. 48 p.

Monografia apresentada como requisito parcialpara a conclusão de Graduação do Curso de EngenhariaBioquímica - Escola de Engenharia de Lorena daUniversidade de São Paulo. 2016Orientador: Júlio César dos Santos

1. Bioetanol. 2. Hidrólise enzimática. 3. Enzimastermoacidófilas. I. Título. II. dos Santos, JúlioCésar, orient.

Aos meus pais, por sempre estarem ao

meu lado e terem me ensinado o valor e

importância da educação.

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, à Deus, por todas as bênçãos e oportunidades que me

concedeu e por estar sempre me guiando em meus caminhos.

Aos meus pais, Pedro e Elizabeth, por sempre acreditarem em mim, me

incentivarem e me apoiarem durante toda a minha vida. Por terem me ensinado o

valor da educação, do respeito e humildade. Toda e qualquer conquista é graças

ao amor e dedicação de vocês.

À toda a minha família, que está sempre ao meu lado me apoiando em todos

os momentos.

Aos meus amigos da escola Natural Vivência, por todos os momentos de

alegria e por me mostrarem que tempo e distância não enfraquecem amizades

verdadeiras.

Às minhas amigas da faculdade, Pamela e Karina, por terem feito parte de

um momento tão importante da minha vida. Obrigada por tornarem meus anos de

faculdade tão maravilhosos e pela amizade tão sincera e especial.

À minha amiga Bruna, pelo companheirismo durante a Iniciação Científica e

pela amizade leve e divertida que foi fundamental durante meus anos de faculdade.

Ao meu namorado, Gabriel, por sempre me apoiar em minhas decisões, por

acreditar em mim e me incentivar a dar sempre o meu melhor. Obrigada por todo o

amor, companheirismo, amizade e paciência.

Ao meu professor orientador, Dr. Júlio César dos Santos, por partilhar seu

conhecimento e por toda a atenção e tempo dedicados à realização deste trabalho.

A todos os professores e funcionários da Escola de Engenharia de Lorena -

USP, por terem me proporcionado, de alguma maneira, a oportunidade de vivenciar

experiências únicas nesta escola durante os últimos anos.

RESUMO

PASCOLI, D. U. Aplicação de celulases termoacidófilas na hidrólise da

celulose visando à produção de etanol de segunda geração. 2016. 48f.

Monografia (Graduação) – Escola de Engenharia de Lorena, Universidade de São

Paulo, Lorena, 2016.

Biocombustíveis têm sido estudados como alternativas aos combustíveis fósseis,

visto que são fontes renováveis de energia e não agridem o meio ambiente. O

etanol de segunda geração, ou bioetanol, é um biocombustível que vem ganhando

bastante atenção nos últimos anos. Um procedimento comum para a produção

deste biocombustível consiste em processos de pré-tratamento ácido e hidrólise

enzimática da biomassa lignocelulósica, a fim de liberar os carboidratos presentes

em sua estrutura, seguido de fermentação por micro-organismos específicos.

Porém, este procedimento é encarecido por ajustes físico-químicos feitos no meio

obtido após o pré-tratamento para permitir a atuação de enzimas. Neste contexto,

o presente trabalho teve como objetivo avaliar o uso de celulases termoacidófilas

durante a hidrólise enzimática da celulose, visando ao favorecimento da viabilidade

econômica da produção industrial de etanol de segunda geração. Neste estudo,

enzimas termoacidófilas foram produzidas por micro-organismos geneticamente

modificados e empregadas na hidrólise da celulose presente no slurry obtido após

pré-tratamento ácido de switchgrass. Os resultados deste trabalho mostraram que

o uso destas enzimas pode ser bastante promissor, visto que ambas foram capazes

de hidrolisar o substrato e liberar açúcares redutores sob condições extremas.

Desta maneira, o emprego de enzimas termoacidófilas pode representar uma

redução de custos na produção industrial de bioetanol, visto que permite integrar o

pré-tratamento ácido da biomassa e subsequente hidrólise enzimática, sem

necessidade de resfriamento ou neutralização prévios.

Palavras-chave: Bioetanol, hidrólise enzimática, enzimas termoacidófilas.

ABSTRACT

PASCOLI, D. U. Application of thermoacidophilic cellulases in cellulose

hydrolysis aiming to second generation ethanol production. 2016. 48f.

Monografia (Graduação) – Escola de Engenharia de Lorena, Universidade de São

Paulo, Lorena, 2016.

Biofuels have been studied as an alternative to fossil fuels since they are renewable

energy sources and do not harm the environment. Second generation ethanol, or

bioethanol, is a biofuel that is gaining a lot of attention over the past years. A

common procedure for bioethanol production consists in pretreatment and

enzymatic hydrolysis of lignocellulosic biomass to release the carbohydrates

present in its structure, followed by fermentation by specific microorganisms.

However, this procedure gets more expensive due to physicochemical adjustments

necessary in the medium obtained after the pretreatment aiming to allow the action

of the enzymes. In this context, the objective of this work was to evaluate the use of

thermoacidophilic cellulases in pretreated medium, focusing on an economically

viable large-scale second-generation ethanol production. In this study,

thermoacidophilic enzymes were produced by genetically modified microorganisms

and used during enzymatic hydrolysis of the cellulose present in the slurry produced

after acid pretreatment of switchgrass. The results of this investigation

demonstrated that the use of these enzymes could be very promising since both

could hydrolysate the substrate and release reducing sugars under extreme

conditions. This way, the use of thermoacidophilic enzymes can result in cost

reduction in industrial production of bioethanol since they allow the possibility of

integrating acid biomass pretreatment with the subsequent enzymatic hydrolysis,

without the requirement of previous cooling or neutralization.

Keywords: Bioethanol, enzymatic hydrolysis, thermoacidophilic enzymes.

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Variação da composição da biomassa lignocelulósica (em % base seca)

de acordo com a espécie do vegetal................................................................ 21

Tabela 2 - Distribuição das amostras para determinação de atividade de β-

glucosidase nos extratos pré-purificados obtidos a partir do cultivo de E. coli

transformada com gene de S. solfataricus ....................................................... 31

Tabela 3 - Volumes de cada componente presente nos tubos de microcentrífuga

correspondentes aos experimentos de hidrólise enzimática de celulose de

switchgrass empregando celulase comercial de T. reesei 1 μg/mL .................... 33

Tabela 4 - Volumes de cada componente presente nos tubos de microcentrífuga

correspondentes aos experimentos de hidrólise enzimática de celulose de

switchgrass empregando endoglunacase......................................................... 33

Tabela 5 - Volumes de cada componente presente nos tubos de microcentrífuga

correspondentes aos experimentos de hidrólise enzimática de celulose de

switchgrass empregando β-glucosidase .......................................................... 34

Tabela 6 - Volumes de cada componente presente nos tubos de microcentrífuga

correspondentes aos experimentos de hidrólise enzimática de celulose de

switchgrass empregando coquetel de enzimas................................................. 34

Tabela 7 - Resultados de absorbância obtidos para as amostras de β-glucosidase

dos extratos pré-purificados obtidos a partir do cultivo de E. coli transformada com

gene de S. solfataricus ................................................................................... 38

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Diferentes tipos de energia utilizadas no mundo em 2014.................. 15

Figura 2 - Esquema simplificado da produção de etanol a partir de biomassa

lignocelulósica ............................................................................................... 17

Figura 3 - Quantidade estimada da redução na emissão de gases estufa ao

substituir gasolina comum por etanol derivado de switchgrass, para cada ano de

colheita de switchgrass. Mínima (cinza), média (azul) e máxima (verde) ............ 18

Figura 4 - Representação esquemática das associações entre celulose (fibrila

elementar), hemicelulose e lignina na parede celular vegetal ............................ 19

Figura 5 - Representação esquemática da estrutura da celulose ....................... 20

Figura 6 - Principais açúcares monoméricos constituintes da porção hemicelulósica

da parede celular ........................................................................................... 20

Figura 7 - Unidades de construção da lignina: álcool p-cumarílico, álcool coniferílico

e álcool sinapílico ........................................................................................... 21

Figura 8 - Representação esquemática da produção de etanol a partir de biomassa

lignocelulósica ............................................................................................... 23

Figura 9 - Esquema mostrando o efeito da etapa de pré-tratamento na estrutura da

parece celular ................................................................................................ 23

Figura 10 - Sítio de ação das diferentes enzimas do complexo celulolítico ......... 25

Figura 11 - Eletroforese em gel SDS-PAGE para o extrato enzimático de β-

glucosidase pré-purificado. Os resultados correspondem ao precipitado (1) e

sobrenadante (2) obtidos após sonicação e ao precipitado (3) e sobrenadante (4)

obtidos após aquecimento em banho maria. Na Figura, M corresponde aos padrões

de peso molecular .......................................................................................... 37

Figura 12 - Curva padrão de albumina bovina sérica (BSA) obtida para o método

BCA .............................................................................................................. 40

Figura 13 - Curva padrão de D-glicose obtida para análise de açúcares redutores

pelo método DNS ........................................................................................... 41

Figura 14 - Concentração de açúcares redutores totais liberados durante hidrólise

enzimática de celulose de switchgrass de acordo com a celulase empregada .... 41

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ART Açúcares Redutores Totais

BCA Ácido Bicinconínico

BSA Albumina Bovina Sérica

LB Luria-Bertani

PNP p-nitrofenol

SD Synthetic Dropout

SDS-PAGE Sodium Dodecyl Sulfate - PolyAcrylamide Gel

Electrophoresis

S-WR Standard Working Reagent

β -PNPG p-nitrofenil-β-D-glucopiranosídeo

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO......................................................................................... 12

2. OBJETIVOS ............................................................................................ 14

2.1 Geral .................................................................................................... 14

2.2 Específicos ........................................................................................... 14

3. REVISÃO DE LITERATURA ..................................................................... 15

3.1 Biocombustíveis: etanol de segunda geração derivado da biomassa switchgrass ................................................................................................. 15

3.2 Características dos materiais lignocelulósicos ......................................... 18

3.3 Aspectos da conversão biotecnológica da biomassa lignocelulósica a etanol .................................................................................................................. 22

3.4 A hidrólise enzimática da celulose e o potencial das enzimas termoacidófilas .................................................................................................................. 25

4. METODOLOGIA ...................................................................................... 27

4.1 Matéria-prima e pré-tratamento .............................................................. 27

4.2 Manipulação genética de micro-organismos ............................................ 27

4.3 Produção dos extratos enzimáticos ......................................................... 28

4.3.1. Recuperação e pré-purificação dos extratos enzimáticos .................. 28

4.4 Caracterização do extrato enzimático de β-glucosidase ........................... 29

4.4.1 Eletroforese SDS-PAGE .................................................................. 29

4.4.2 Método β-PNPG .............................................................................. 30

4.4.3 Método BCA (ácido bicinconínico) .................................................... 31

4.5 Hidrólise enzimática ............................................................................... 32

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO................................................................. 36

5.1 Caracterização do extrato enzimático de β-glucosidase ........................... 37

5.1.1 Eletroforese SDS-PAGE .................................................................. 37

5.1.2 Análise de atividade pelo método β-PNPG ........................................ 38

5.1.3 Determinação da quantidade de proteínas pelo método BCA ............. 39

5.2 Hidrólise enzimática e avaliação da atuação do coquetel enzimático......... 40

6. CONCLUSÕES........................................................................................ 43

7. REFERÊNCIAS ....................................................................................... 44

12

1. INTRODUÇÃO

O consumo elevado e crescente de combustíveis fósseis tornou-se

insustentável a ponto de intensificar a busca por fontes alternativas de energia em

todo o mundo. Os combustíveis fósseis não são renováveis, o que faz com que a

dependência energética a partir deles seja um problema recorrente. Além disso, a

queima destes combustíveis libera gases como o dióxido de carbono, o qual é

apontado como o principal causador do efeito estufa. Sendo assim, fontes

alternativas de energia estão sendo avaliadas, garantindo uma opção mais

sustentável e menos agressiva ao meio ambiente (HIMMEL et al., 2007). Uma fonte

alternativa muito estudada atualmente é o etanol de segunda geração, ou bioetanol,

que é proveniente de biomassa lignocelulósica.

O bioetanol obtido por via biotecnológica tem se mostrado muito promissor,

pois utiliza matérias primas disponíveis em abundância e não compete com a

cadeia de produção de alimentos (ABRIL; ABRIL, 2009). A biomassa

lignocelulósica é proveniente de subprodutos agrícolas e florestais e é composta

principalmente por celulose e hemicelulose, que correspondem a polímeros de

carboidratos, e pela lignina, uma macromolécula aromática. Estas três frações

encontram-se intimamente associadas, dando origem a uma estrutura recalcitrante

na parede celular vegetal (GÍRIO et al., 2010).

De maneira geral, o processo de obtenção de bioetanol se dá pela realização

de um pré-tratamento da biomassa, usualmente químico, que favorece a liberação

dos açúcares presentes na parede celular vegetal. A etapa subsequente é a

hidrólise enzimática, que promove a liberação dos açúcares monoméricos que

compõem os polissacarídeos presentes no material. Após este processo, os

açúcares obtidos são submetidos ao processo de fermentação, empregando-se

micro-organismos específicos, para obtenção do etanol como produto final

(DEMIRBAS, 2005).

O pré-tratamento pode ser feito de diversas formas, sendo comum uma

alternativa que emprega condições de alta temperatura e pressão, na presença de

catalisador ácido diluído (CARDONA et al., 2010). Sendo assim, ao final deste

processo, é obtido uma mistura com pH ácido e temperatura elevada. Estas

13

condições são inapropriadas para o uso de enzimas, pois estas seriam inativadas.

Neste caso, para se empregar a hidrólise enzimática após o pré-tratamento,

tornam-se necessários ajustes físico-químicos (neutralização e resfriamento) da

mistura obtida. Em escala industrial, estes ajustes acabam encarecendo o

processo, pois o volume de meio é muito grande, exigindo muitos equipamentos e

reagentes.

Neste contexto, o presente trabalho explora uma alternativa que pode reduzir

a necessidade de ajustes físico-químicos do meio obtido após o pré-tratamento.

Para isso, este trabalho avalia o potencial do emprego de celulases termoacidófilas

na hidrólise enzimática logo após a etapa de pré-tratamento, visto que estas

enzimas são termorresistentes e podem atuar sob pH ácido. Deste modo, a

aplicação de celulases termoacidófilas na produção de bioetanol pode oferecer um

elevado potencial de redução no custo de produção em larga escala.

14

2. OBJETIVOS

2.1 Geral

Avaliar o uso de celulases termoacidófilas durante a hidrólise enzimática da

celulose de Panicum virgatum (switchgrass) pré-tratada com ácido diluído,

visando ao favorecimento da viabilidade econômica da produção industrial

de etanol celulósico.

2.2 Específicos

Produção do extrato enzimático contendo endoglucanase de Sulfolobus

solfataricus expresso em Saccharomyces cerevisiae;

Produção e caracterização do extrato enzimático contendo β-glucosidase de

Sulfolobus solfataricus expresso em Escherichia coli;

Avaliação do potencial de uso em separado ou combinado das enzimas

endoglucanase e β-glucosidase produzidas na hidrólise da celulose presente

no slurry de switchgrass sob condições de elevada temperatura e/ou pH.

15

3. REVISÃO DE LITERATURA

3.1 Biocombustíveis: etanol de segunda geração derivado da biomassa

switchgrass

Desde a Revolução Industrial, os combustíveis fósseis representam a fonte

energética mais utilizada no mundo. Em 2014, 78,4% da energia total consumida

no planeta ainda era proveniente de combustíveis fósseis, tais como petróleo,

carvão e gás natural (Figura 1) (MILANO et al., 2016). O consumo acelerado destes

combustíveis acaba gerando elevadas emissões de dióxido de carbono (CO2), o

que tem provocado mudanças climáticas severas no nosso planeta, intensificando

o efeito estufa (DEMAIN, 2009). Deve-se considerar também que, por se tratarem

de fontes não renováveis, esperam-se sérias limitações no fornecimento destes

combustíveis em um futuro próximo.

Figura 1 - Diferentes tipos de energia utilizadas no mundo em 2014

Fonte: Adaptado de MILANO et al., 2016.

Deste modo, fontes alternativas de energia têm sido avaliadas a fim de

reduzir a dependência em recursos não renováveis. Em 2014, apenas 19% da

energia consumida no mundo era do tipo renovável, sendo 10% desta considerada

energia renovável moderna e 9% proveniente de biomassa tradicional. A energia

16

renovável moderna consiste em 3,8% de energia hidrelétrica, 5,4% de outros tipos

de energia (como solar, eólica, geotérmica e de biomassa) e apenas 0,8% de

biocombustíveis (Figura 1) (MILANO et al., 2016). Apesar de constituírem uma

pequena porção da energia utilizada no mundo atualmente, as energias renováveis

representam uma alternativa muito promissora aos combustíveis fósseis, pois

oferecem uma geração de energia mais limpa e sustentável, além de reduzir a

emissão de gases estufa na atmosfera e contribuir com o meio ambiente.

Entre os biocombustíveis mais produzidos no mundo está o etanol, cuja

tecnologia de primeira geração consiste na produção a partir de matérias-primas

sacaríneas ou amiláceas, como cana-de-açúcar, milho, trigo, mandioca, entre

outros (RODRIGUES, 2011). Porém, o uso de matérias-primas alimentícias para

fins energéticos pode representar um problema adicional. Assim, começou-se a

desenvolver o etanol de segunda geração, que consiste na sua produção a partir

de materiais lignocelulósicos (Figura 2), como, por exemplo, bagaço de cana-de-

açúcar, espiga de milho, gramíneas, etc. (BAI; LUO; VAN DER VOET, 2010;

MISHRA et al., 2015; RODRIGUES, 2011)

Enquanto a produção de etanol de primeira geração é largamente estudada

e possui tecnologias maduras, o aprimoramento dos processos envolvidos na

produção do etanol de segunda geração ainda se encontra em fase de pesquisa e

desenvolvimento. Estas novas tecnologias têm sido direcionadas à viabilização da

produção de etanol e outros produtos dentro do conceito de uma biorrefinaria.

Em uma biorrefinaria são empregados diversos processos químicos e

biotecnológicos a fim de transformar a biomassa lignocelulósica em diferentes

produtos. Primeiramente, ocorre a desconstrução da biomassa através de

diferentes tipos de pré-tratamento químicos, físicos e bioquímicos, resultando nas

frações de celulose, hemicelulose e lignina (Figura 2), em sua forma polimérica,

oligomérica ou monomérica. Depois, estes componentes são convertidos em uma

variedade de produtos através de processos como extração, hidrólise,

transesterificação, fermentação, pirólise, entre outros (STÖCKER, 2008; WYMAN,

1994).

17

Figura 2 - Esquema simplificado da produção de etanol a partir de biomassa lignocelulósica

Biomassalignocelulósica

Pré-tratamentoPré-hidrólise

Hidrólise ácida ou enzimática

Fermentação da glicose

Recuperação do produto

ETANOL

Fermentação da xilose

Processamento da lignina

Químicos, reforçadores ou

combustível para caldeiras

Químicos, reforçadores ou

combustível para caldeiras

Hemicelulose

Lignina

Celulose

Fonte: Adaptado de WYMAN, 1994.

Diferentes matérias-primas têm sido avaliadas para a obtenção etanol de

segunda geração e sua escolha depende da sua disponibilidade em cada região.

Uma planta que vem recebendo destaque em alguns estudos é a switchgrass, uma

gramínea nativa das Planícies Centrais na América do Norte cujo nome científico é

Panicum virgatum. Atualmente ela é estudada como uma alternativa ao milho como

matéria-prima na produção de etanol celulósico (BOUTON, 2007). De fato, cerca

de 90% do etanol produzido e utilizado nos Estados Unidos é derivado de milho

(DIAS et al., 2005). O milho representa o principal produto agrícola do país norte-

americano, com uma colheita de mais de 90 milhões de acres no ano de 2013

(NATIONAL CORN GROWERS ASSOCIATION, 2014). Apesar do custo da

produção de etanol derivado de milho ser menor em relação ao derivado de

switchgrass (PIMENTEL; PATZEK, 2005), o uso do milho para produção de etanol

compete diretamente com a indústria alimentícia, acarretando no aumento do preço

dos alimentos e reduzindo seus benefícios econômicos.

Assim, estudos vêm sendo realizados a fim de avaliar a utilização de switchgrass

como biomassa na produção de bioetanol. A switchgrass é uma das espécies

vegetais predominantes encontradas nas pradarias de grama alta, e devido à sua

característica de raiz profunda, esta gramínea apresenta bom crescimento em

diversos tipos de ambiente, inclusive em locais com solo de qualidade relativamente

baixa. Outras vantagens desta planta consistem na proteção do solo contra erosão,

18

aumento da concentração de carbono no solo por “sequestro” deste em faixas mais profundas e menor utilização de fertilizantes e pesticidas (BOUTON, 2007;

WRIGHT, 2007).

De acordo com U.S. Department of Energy (2016), 1 tonelada de switchgrass

pode produzir 366 litros de etanol, enquanto 1 tonelada de milho pode produzir

cerca 470 litros. Apesar dos números estarem a favor da utilização do milho, a

switchgrass apresenta um saldo energético positivo, pois gera muito mais energia

do que gasta em seu plantio e bioprocesso, representando assim uma ótima

relação custo-benefício (VITAL, 2007). Além disso, Schmer et al. (2008) afirmam

que o uso de etanol proveniente da gramínea resulta na liberação de cerca de 94%

menos gases estufa que a gasolina, sustentando o fato de que switchgrass é uma

alternativa promissora aos combustíveis fósseis (Figura 3).

Figura 3 - Quantidade estimada da redução na emissão de gases estufa ao substituir gasolina comum por etanol derivado de switchgrass, para cada ano de colheita de switchgrass. Mínima

(cinza), média (azul) e máxima (verde)

Fonte: Adaptado de SCHMER et al., 2008.

3.2 Características dos materiais lignocelulósicos

A biomassa lignocelulósica é composta principalmente por celulose,

hemicelulose e lignina (GÍRIO et al., 2010; MAMMAN et al., 2008; PÉREZ et al.,

2002; RODRIGUES, 2011), frações macromoleculares que estão intimamente

19

associadas na parede celular e que de modo geral correspondem a mais de 75%

da biomassa vegetal (Figura 4) (ABRIL; ABRIL, 2009). Uma série de outras

substâncias, tais como óleos vegetais, proteínas e cinzas, correspondem à fração

restante (WYMAN, 1994).

Figura 4 - Representação esquemática das associações entre celulose (fibrila elementar), hemicelulose e lignina na parede celular vegetal

Fonte: CARVALHO et al., 2009.

A celulose, considerada o principal constituinte da parede celular vegetal, é

um homopolímero não-ramificado e linear, constituído por unidades de D-glicose

ou anidroglucopiranose unidos por ligações glicosídicas β-(1→4). A estrutura da

celulose contém ligações de hidrogênio intramoleculares e intermoleculares,

contribuindo para sua estrutura cristalina e formação da fibrila elementar (Figura 5)

(DUTTA; PAL, 2014). Esta molécula corresponde a 38-50% dos tecidos vegetais,

porcentagem que pode variar de acordo com a matéria-prima utilizada (MAMMAN

et al., 2008).

A hemicelulose é um heteropolímero ramificado que, em geral, corresponde

a cerca de 23-32% da biomassa vegetal (MAMMAN et al., 2008). É constituída por

macromoléculas de pentoses (β-D-xilose e α-L-arabinose), hexoses (β-D-manose,

β-D-glicose e α-D-galactose) e/ou ácidos urônicos (ácido α-D-glucurônico, ácido α-

D-4-O-metilgalacturônico e ácido α-D-galacturônico) (GÍRIO et al., 2010; PÉREZ et

al., 2002). Sendo assim, a hemicelulose se distingue da celulose por ser um

polímero de carboidratos de composição variada de açúcares, cadeias menores,

além de apresentar ramificações (Figura 6) (FENGEL; WEGENER, 1989).

20

Figura 5 - Representação esquemática da estrutura da celulose

Fonte: STOCKER, 2008.

Figura 6 - Principais açúcares monoméricos constituintes da porção hemicelulósica da parede

celular

Fonte: Adaptado de MAMMAN et al., 2008.

A lignina é a macromolécula aromática mais abundante do planeta e

corresponde a aproximadamente 15-25% do tecido vegetal (MAMMAN et al.,

2008). Possui uma estrutura complexa, hidrofóbica e amorfa e é constituída por

unidades de hidroxifenilpropano (LEE, 1997). É sintetizada a partir de três

radicais: álcool coniferílico, álcool p-cumarílico e álcool sinapílico (Figura 7),

resultando em uma estrutura heterogênea. A lignina fornece impermeabilidade,

21

resistência e suporte às plantas contra o ataque microbiológico e ao estresse

oxidativo (MAMMAN et al., 2008; PÉREZ et al., 2002; RODRIGUES, 2011).

Figura 7 - Unidades de construção da lignina: álcool p-cumarílico, álcool coniferílico e álcool

sinapílico

Fonte: Adaptado de FENGEL; WEGENER, 1989.

A composição e porcentagem relativa destes componentes na parede

celular varia de acordo com a espécie do vegetal (PÉREZ et al., 2002; ROSA;

GARCIA, 2009), como mostrado na Tabela 1.

Tabela 1 - Variação da composição da biomassa lignocelulósica (em % base seca) de acordo com a espécie do vegetal

Eucalipto Pinheiro Switchgrass Bagaço

Celulose 49,5% 44,5% 32,0% 37,0%

Hemicelulose 13,0% 22,0% 25,0% 28,0%

Lignina 27,5% 28,0% 18,0% 21,0%

Outros 10,0% 5,5% 25,0% 14,0%

Fonte: Adaptado de ROSA; GARCIA, 2009.

22

3.3 Aspectos da conversão biotecnológica da biomassa lignocelulósica a etanol

O processo convencional de produção de etanol celulósico abrange,

basicamente, quatro etapas: o pré-tratamento, responsável pelo rompimento da

matriz lignocelulósica (Figura 8); a hidrólise enzimática, que promove a

despolimerização da celulose em glicose por meio da ação de enzimas celulolíticas;

a fermentação, que é a conversão dos açúcares a etanol geralmente realizada por

leveduras; e a destilação, retificação e desidratação, que separam e purificam o

produto final (Figura 9) (DEMİRBAŞ, 2005; MARGEOT et al., 2009; SANTOS et al.,

2012). A hemicelulose também pode ser empregada na produção de etanol e,

dependendo do tipo de pré-tratamento utilizado, esta já é hidrolisada em açúcares

monoméricos (pentoses e hexoses) nesta etapa. A fermentação das pentoses, no

entanto, depende de micro-organismos específicos ou geneticamente modificados,

tais como cepas recombinantes de Escherichia coli, Zymomonas mobilis e

Saccharomyces cerevisiae (CARDONA; QUINTERO; PAZ, 2010).

Figura 8 - Esquema mostrando o efeito da etapa de pré-tratamento na estrutura da parece celular

Fonte: Adaptado de KUMAR et al., 2009.

A etapa de pré-tratamento é fundamental devido à forte associação da

celulose e da hemicelulose com a lignina na parede celular. Esta parte do processo

tem o objetivo de aumentar a área de superfície interna do substrato, romper a

matriz lignocelulósica e aumentar a porosidade da biomassa, favorecendo a

hidrólise enzimática posterior (Figura 8) (CARDONA; QUINTERO; PAZ, 2010;

23

DEMAIN, 2009; KUMAR et al., 2009). Para isso, podem ser utilizados diversos

métodos físicos, químicos e biológicos, tais como moinho de bolas, hidrólise ácida

e alcalina, explosão a vapor, pirólise, tratamento com solventes, peróxido de

hidrogênio, entre outros (PANDEY et al., 2000; SANTOS et al., 2012).

Figura 9 - Representação esquemática da produção de etanol a partir de biomassa lignocelulósica

BIOMASSA LIGNOCELULÓSICA

PRÉ-TRATAMENTO

CELULOSE

GLICOSE

HIDRÓLISE ENZIMÁTICA

VinhoVinho

FERMENTAÇÃO

ETANOL HIDRATADO

ETANOL HIDRATADO

DESTILAÇÃO/RETIFICAÇÃO

ETANOL ANIDRO

ETANOL ANIDRO

DESIDRATAÇÃO

Fonte: Adaptado de SANTOS et al., 2012.

A hidrólise ácida diluída é um dos métodos mais estudados atualmente - ela

é conduzida em reator sob temperatura e pressão elevadas, e o tempo de reação

pode variar (CARDONA; QUINTERO; PAZ, 2010; DEMİRBAŞ, 2005). O ácido

24

sulfúrico é o catalisador mais utilizado, embora o ácido clorídrico e o ácido nítrico

também possam ser empregados. De acordo com Cardona, Quintero e Paz (2010),

condições ótimas do pré-tratamento ácido com ácido sulfúrico foram obtidas com

H2SO4 5%, a 121ºC, por 60 minutos. A mistura de sólidos e líquidos obtida após

pré-tratamento ácido é comumente chamada de “slurry”, e esta pode conter

compostos tóxicos e inibitórios que são produzidos durante o tratamento com ácido.

Estes produtos, como por exemplo derivados de furano (furfural e hidroxi-metil-

furfural), são tóxicos aos micro-organismos empregados na fermentação. Além

disso, estes compostos também podem inibir a ação de enzimas durante a hidrólise

enzimática (KIM et al., 2011).

Após o pré-tratamento, é necessária a hidrólise das cadeias de celulose para

obtenção dos açúcares fermentescíveis. Na hidrólise enzimática, são adicionadas

ao meio fermentativo enzimas capazes de quebrar a celulose em monômeros de

glicose, que serão posteriormente fermentados a etanol por leveduras. As enzimas

que hidrolisam a celulose são denominadas celulases (endoglucanase,

celobiohidrolase e β-glucosidase), que agem de forma sinérgica e possuem

diferentes sítios de ligação (CASTRO; PEREIRA JR., 2010; LEE, 1997; WYMAN,

1994). Primeiramente, a endoglucanase hidrolisa as ligações glicosídicas no

interior da cadeia, quebrando-a em posições randômicas e criando novas

terminações de cadeia. Então, a celobiohidrolase quebra as ligações glicosídicas

das extremidades da cadeia, liberando moléculas de celobiose (dímero de glicose).

Por fim, a celobiose é hidrolisada pela enzima β-glucosidase, liberando assim

monômeros de glicose individuais (Figura 10) (CARVALHO et al., 2009; CASTRO;

PEREIRA JR., 2010; HIMMEL et al., 2007; KUMAR et al., 2009; KUMAR; SINGH;

SINGH, 2008; STÖCKER, 2008). Porém, este processo requer atenção a

características específicas do complexo enzimático, pois algumas enzimas podem

sofrer inibição pelo seu próprio produto (CASTRO; PEREIRA JR., 2010).

A etapa seguinte do processo é a fermentação, na qual são empregados

micro-organismos (leveduras, bactérias ou fungos filamentosos) capazes de

transformar os açúcares fermentescíveis presentes no hidrolisado lignocelulósico

em produtos de interesse, como por exemplo xilitol, manitol e etanol (GÍRIO et al.,

2010). Para a produção de etanol, são utilizadas leveduras para fermentar a glicose

presente no meio e transformá-la em etanol e gás carbônico, sendo a levedura S.

25

cerevisiae utilizada há milhares de anos para este fim (CARDONA; QUINTERO;

PAZ, 2010; ROSA; GARCIA, 2009).

Figura 10 - Sítio de ação das diferentes enzimas do complexo celulolítico

Fonte: Adaptado de KUMAR et al., 2008.

3.4 A hidrólise enzimática da celulose e o potencial das enzimas termoacidófilas

Celulases podem ser produzidas por uma variedade de micro-organismos, e

os fungos filamentosos do gênero Trichoderma (em especial a espécie Trichoderma

reesei) têm recebido atenção comercial graças à sua capacidade de secretar

grandes quantidades da enzima (CASTRO; PEREIRA JR., 2010; WYMAN, 1994;

ZHANG; LYND, 2004). A reação de hidrólise enzimática ocorre geralmente em

condições mais brandas de pressão, temperatura e pH, pois enzimas sofrem

alterações em sua conformação estrutural e tornam-se inativas quando são

expostas a condições de meio extremas. De acordo com Castro e Pereira Jr.

(2010), as propriedades cinéticas e físico-químicas das celulases dependem do

micro-organismo que a produziu e do tipo da enzima. Considerando o micro-

organismo Trichoderma sp., o pH ótimo de atuação pode variar entre 4,8 e 5,1 e a

temperatura entre 45ºC e 60ºC. Por isso, são necessários ajustes físico-químicos

no hidrolisado obtido após o pré-tratamento ácido antes deste passar para a etapa

de hidrólise enzimática, visto que ele foi tratado com ácido forte sob altas

26

temperaturas – condições inapropriadas para o uso de enzimas. Assim, o

resfriamento e neutralização do meio são etapas necessárias após o pré-

tratamento ácido, representando custos extras na produção de etanol de segunda

geração.

A fim de oferecer uma alternativa a este cenário, foi estudado a possível

aplicação de enzimas termoacidófilas durante a etapa de hidrólise enzimática. A

Archaea da espécie Sulfolobus solfataricus é uma bactéria termoacidófila que

cresce aerobicamente sob condições extremas, com condições ótimas de

temperatura por volta de 80ºC e pH 3 (BROCK et al., 1972; MILLER; BLUM, 2010;

SHE et al., 2001). Foi então descoberto que a Archaea S. solfataricus apresenta

genes que codificam a produção de celulases, em especial uma endoglucanase

extracelular. Esta enzima apresenta as mesmas características de resistência a

altas temperaturas e pH ácido provenientes da Archaea, condições semelhantes às

utilizadas durante a etapa de pré-tratamento da biomassa lignocelulósica, podendo

então atuar sob condições que normalmente desnaturariam outras enzimas. Por

isso, esta enzima pode ser uma alternativa interessante, pois favorece a redução

da necessidade de uso de álcalis e possibilita o uso da enzima antes do

resfriamento total da mistura oriunda do pré-tratamento (LALITHAMBIKA et al.,

2012). Além disso, a Archaea S. solfataricus também possui um gene que expressa

a produção de β-glucosidase, outra celulase termoestável com atividade ótima a

85ºC (AGUILAR et al., 1997).

27

4. METODOLOGIA

Todos experimentos foram realizados no laboratório do grupo de pesquisas do

Dr. Paul Blum, localizado no departamento Nebraska Center for Energy Sciences

Research (University of Nebraska - Lincoln), no estado de Nebraska, Estados

Unidos.

4.1 Matéria-prima e pré-tratamento

A biomassa lignocelulósica utilizada foi a gramínea switchgrass disponível no

laboratório do Dr. Paul Blum na University of Nebraska. Esta foi pré-tratada com

base nas condições descritas por Zhang (2003), utilizando ácido sulfúrico 1% em

autoclave (pH 3, 121ºC por 10 minutos). Depois todo o material, incluindo sólido e

líquido (slurry), foi armazenado a 4°C para uso posterior.

4.2 Manipulação genética de micro-organismos

Os micro-organismos produtores de enzimas estão disponíveis no

laboratório do Dr. Paul Blum, no qual fez-se a manipulação genética destes,

conforme descrito no artigo de Lalithambika et al. (2012). Em especial, o gene

Sso1354 presente no genoma da Sulfolobus solfataricus apresentou grande

atividade enzimática da endoglucanase extracelular. Então, procedeu-se à

manipulação genética isolando o gene Sso1354 da S. solfataricus e inserindo-o no

genoma da levedura Saccharomyces cerevisiae. Esta levedura apresenta

condições de crescimento brandas (30ºC), ao contrário da Archaea (+80ºC). Assim,

esta manipulação genética acabou tornando a produção da endoglucanase

termoacidófila mais facilmente executável em laboratório.

Um procedimento semelhante foi realizado com o gene Sso1353 da S.

solfataricus, responsável pela codificação da produção de outra celulase, a β-

glucosidase. Este gene foi então expressado na bactéria Escherichia coli,

apresentando bons rendimentos. A enzima β-glucosidase também se mostrou

28

termorresistente, permanecendo ativa sob temperaturas altas. Porém, diferente da

endoglucanase, esta não se mostrou resistente a meios com pH ácido. Além disso,

a enzima β-glucosidase é intracelular, fazendo-se necessários procedimentos de

rompimento celular para obtenção da enzima isolada.

4.3 Produção dos extratos enzimáticos

A endoglucanase foi produzida pelo cultiva da levedura S. cerevisiae

geneticamente manipulada. Para isto, empregou-se o meio seletivo SD-leu-ura

(Synthetic Dropout), composto por acetato de potássio 1%, extrato de levedura

0,1% e dextrose 0,05%, sem leucina e uracila. Uma alçada de células foi transferida

para um frasco Erlenmeyer de 125 mL contendo 50 mL de meio previamente

esterilizado em autoclave a 121ºC por 15 minutos. As células foram cultivadas em

incubadora com movimento rotatório a 200 rpm e 30ºC até que fosse atingida a

fase estacionária.

A β-glucosidase foi produzida pelo cultivo de E. coli geneticamente

manipulada. Neste caso, empregou-se o meio LB (Luria-Bertani) contendo triptona

1%, extrato de levedura 0,5% e cloreto de sódio 1%. Uma alçada de células foi

transferida para um frasco Erlenmeyer de 2 L contendo 1 L de meio esterilizado em

autoclave a 121ºC por 15 minutos, sendo em seguida adicionados 100 μg/mL de ampicilina. As células foram cultivadas em incubadora com movimento rotatório a

200 rpm e 37ºC até atingirem fase estacionária.

Em ambos os casos, o tempo de fermentação no qual a fase estacionária foi

atingida foi verificado pela constância nos valores de densidade óptica medida a

600 nm, utilizando o espectrofotômetro da marca Biotek, modelo Synergy H1 Hybrid

Multimode Reader.

4.3.1. Recuperação e pré-purificação dos extratos enzimáticos

Após a fermentação para produção de endoglucanase, o meio contendo as

células de S. cerevisiae foi centrifugado a 3000 xg por 5 minutos. O sobrenadante

29

contendo a endoglucanase extracelular foi mantido refrigerado a 4ºC e o precipitado

foi descartado.

A recuperação e pré-purificação da β-glucosidase obtida no cultivo de E. coli foi

feita com base nas condições descritas por Haseltine et al. (1999), conforme

brevemente descrito a seguir: a cultura de 1 L contendo células de E. coli foi

centrifugada a 7000 xg por 10 minutos, e o precipitado contendo as células foi

ressuspenso em solução tampão de fosfato de sódio 80 mM. As células então foram

rompidas através de processo de sonicação em gelo a 4ºC por 20 minutos. As

células rompidas foram clarificadas por centrifugação a 13000 xg por 15 minutos a

4ºC, e alíquotas de 1 mL foram retiradas do precipitado e do sobrenadante. O

sobrenadante foi ressuspenso em solução tampão de fosfato de sódio 80 mM e

aquecido em banho-maria a 85ºC por 30 minutos. Posteriormente o mesmo foi

reclarificado por centrifugação e foram retiradas novamente alíquotas de 1 mL do

precipitado e sobrenadante. O sobrenadante final foi mantido refrigerado a 4ºC e o

precipitado foi descartado. As quatro amostras retiradas foram utilizadas na etapa

de identificação da β-glucosidase por eletroforese, detalhada na seção 4.4.1 deste

trabalho.

4.4 Caracterização do extrato enzimático de β-glucosidase

4.4.1 Eletroforese SDS-PAGE

A pureza e peso molecular da enzima β-glucosidase foram determinadas por

eletroforese SDS-PAGE seguindo a metodologia descrita por Haseltine et al.

(1999). Para determinação do peso molecular, utilizou-se como referência um

marcador padrão de peso molecular da marca Bio-Rad (Precision Plus Protein™

Dual Color Standards). Após a eletroforese, o gel foi mantido em corante Comassie

Blue R250 durante toda a noite para que as bandas proteicas se tornassem visíveis.

30

4.4.2 Método β-PNPG

A atividade enzimática da β-glucosidase foi determinada por monitoramento

da liberação de p-nitrofenol (PNP) a partir da reação de p-nitrofenil- β-D-

glucopiranosídeo (PNPG). O procedimento foi realizado com base nas condições

descritas por Patchett, Daniel e Morgan (1987). Para este ensaio, foram preparadas

três soluções: a) solução 100 mM de acetado de sódio (NaAc) pH 4,5, b) solução

contendo 10 mM de β-PNPG em 100 mM de NaAc pH 4,5, e c) solução 1 M de

bicarbonato de sódio (NaHCO3). Foram preparadas também diluições 1:10 e 1:100

do extrato enzimático de β-glucosidase utilizando 10mM Tris-Cl pH 7 como

solvente.

As amostras foram distribuídas em tubos de microcentrífuga de acordo com

a Tabela 2, sendo realizadas em duplicata. Os tubos foram incubados a 80ºC por

30 minutos e a reação foi interrompida adicionando-se 500μL da solução 1 M

NaHCO3. A absorbância de PNP liberado foi medida a 420 nm utilizando

espectrofotômetro.

Os valores de absorbância foram utilizados para o cálculo de atividade

enzimática, o qual foi realizado conforme Equação 1, sendo feita uma média dos

valores obtidos com cada diluição do extrato.

� = ×� × �×[ − �.�⁄ ]� (Eq. 1)

Z = Atividade enzimática em U/mL de extrato

x = Soma da média das absorbâncias dos controles (tubos 2 e 3) e da média

das absorbâncias dos tubos com enzimas e NaAc (tubo 4 para diluição 1:10, e

tubos 8 e 9 para diluição 1:100)

y = Média entre absorbâncias dos tubos com enzimas e substrato β-PNPG +

NaAc (tubos 6 e 7 para diluição 1:10, e tubos 10 e 11 para diluição 1:100)

t = tempo de incubação (30 minutos)

d = diluição do extrato enzimático

Ɛ = absortividade molar do PNP (18500 M-1.cm-1)

31

b = caminho óptico da cubeta (1 cm)

10 = fator para correção da diluição da amostra no tubo de incubação (100 µL

foram diluídos para 1 mL)

106 = fator para transformação de mol de PNP em µmol.

Uma unidade de β-glucosidase foi definida como a quantidade de enzima

necessária para liberar 1 μmol de PNP por minuto.

Tabela 2 - Distribuição das amostras para determinação de atividade de β-glucosidase nos extratos pré-purificados obtidos a partir do cultivo de E. coli transformada com gene de S.

solfataricus

Tubo Amostra β-PNPG + NaAc NaAc

1 (branco) - - 1mL

2 (controle) - 1mL -

3 (controle) - 1mL -

4 (1:10) 100μL extrato enzimático diluído 10 vezes - 1mL

5 (1:10) 100μL extrato enzimático diluído 10 vezes - 1mL

6 (1:10) 100μL extrato enzimático diluído 10 vezes 1mL -

7 (1:10) 100μL extrato enzimático diluído 10 vezes 1mL -

8 (1:100) 100μL extrato enzimático diluído 100 vezes - 1mL

9 (1:100) 100μL extrato enzimático diluído 100 vezes - 1mL

10 (1:100) 100μL extrato enzimático diluído 100 vezes 1mL -

11 (1:100) 100μL extrato enzimático diluído 100 vezes 1mL -

4.4.3 Método BCA (ácido bicinconínico)

O ensaio de BCA foi realizado a fim de determinar a concentração de

proteínas obtida durante o processo. O método BCA baseia-se na redução de Cu2+

para Cu+ pelas ligações peptídicas das proteínas. Os íons Cu2+ produzidos se ligam

à molécula de BCA e, ao fazê-lo, formam um complexo de coloração púrpura que

absorve luz a 562 nm. A quantidade de íons Cu2+ reduzidos é diretamente

proporcional à concentração de proteína presente, e esta pode ser estimada pela

comparação com uma proteína padrão, como a albumina bovina sérica (BSA).

32

A metodologia utilizada neste trabalho foi descrita por Smith et al. (1985). O

reagente S-WR (Standard Working Reagent) utilizado neste método consiste na

mistura de 100 mL do reagente A e 2 ml do reagente B. O reagente A é uma solução

aquosa de BCA-Na2 1%, Na2CO3•H2O 2%, tartarato de sódio 0,16%, hidróxido de

sódio 0,4% e NaHCO3 0,95%. O reagente B consiste em CuSO4•5H2O 4% em água

deionizada.

Primeiramente, foi construída uma curva padrão de BSA utilizando soluções

com as seguintes concentrações (μg/mL): 0 (branco), 100, 250, 500, 750 e 1000.

Em tubos de ensaio, foram adicionados 100 μL de cada solução padrão de BSA e

2 mL de reagente S-WR. Os tubos foram encubados a 37ºC por 30 minutos e, ao

término da reação, as absorbâncias foram lidas a 562 nm contra branco utilizando

espectrofotômetro da marca Biotek, modelo H1 Hybrid Multimode Plate Reader.

Em seguida, a mesma reação foi realizada com o extrato enzimático de β-

glucosidase. Foi feita uma diluição 1:10 do extrato enzimático utilizando água

destilada como solvente e 100 μL desta diluição foi adicionado em um tubo de

ensaio, em duplicata. Em seguida, 2 mL de reagente S-WR foram adicionados em

cada tubo, e estes foram incubados a 37ºC por 30 minutos. Ao término do período

de incubação, as absorbâncias das amostras foram lidas a 562 nm contra o branco.

4.5 Hidrólise enzimática

Os experimentos de hidrólise enzimática foram realizados em tubos de

microcentrífuga (Eppendorf) de 1 mL, em quatro abordagens diferentes: a)

utilizando celulase comercial de T. reesei, b) utilizando somente a endoglucanase,

c) utilizando somente a β-glucosidase, e d) utilizando coquetel enzimático de

endoglucanase e β-glucosidase. O preparado comercial de T. reesei foi usado

como controle para melhor avaliar dos resultados da hidrólise enzimática com as

enzimas produzidas.

As reações foram realizadas a 80ºC por 30 minutos, exceto para a

preparação de Trichoderma reesei, para a qual a temperatura empregada foi de

37ºC e o tempo de reação foi de 4 horas. Com relação ao pH, os experimentos

foram realizados na presença de solução tampão citrato-fosfato 50 mM. Para a

enzima de Trichoderma reesei, utilizou-se pH 4,5, sendo os ensaios com

33

endoglucanase e β-glucosidase realizados em pH 3 e 5, respectivamente. Para os

ensaios com o coquetel contendo as duas enzimas (endoglucanase e β-

glucosidase), a reação ocorreu a pH 5.

Para cada ensaio foram preparadas soluções branco contendo água

destilada ao invés do extrato enzimático. Após o período de incubação, a glicose

liberada no processo foi medida por método DNS. Os volumes dos componentes

empregados em cada tudo de microcentrífuga correspondentes aos ensaios de

hidrólise enzimática estão apresentados nas Tabelas 3, 4, 5 e 6. O substrato

utilizado foi o slurry de switchgrass, que corresponde ao meio contendo as frações

sólida e líquida obtidas após pré-tratamento ácido da biomassa (seção 4.1). Antes

do uso nas reações de hidrólise enzimática, o slurry foi diluído 100 vezes em

tampão citrato-fosfato 50 mM pH 4,5.

Tabela 3 - Volumes de cada componente presente nos tubos de microcentrífuga correspondentes aos experimentos de hidrólise enzimática de celulose de switchgrass empregando celulase

comercial de T. reesei 1 μg/mL

Branco pH 4,5 Celulase comercial

100 μL solução tampão

citrato-fosfato 50 mM pH 4,5

100 μL substrato*

100 μL água destilada

100 μL solução tampão

citrato-fosfato 50 mM pH 4,5

100 μL substrato*

100 μL celulase comercial

*Slurry de switchgrass diluído 100 vezes.

Tabela 4 - Volumes de cada componente presente nos tubos de microcentrífuga correspondentes aos experimentos de hidrólise enzimática de celulose de switchgrass empregando endoglunacase

Branco pH 3 Endoglucanase

100 μL solução tampão

citrato-fosfato 50 mM pH 3

100 μL substrato*

100 μL água destilada

100 μL solução tampão citrato-fosfato 50 mM

pH 3

100 μL substrato*

100 μL extrato enzimático de endoglucanase

*Slurry de switchgrass diluído 100 vezes.

34

Tabela 5 - Volumes de cada componente presente nos tubos de microcentrífuga correspondentes aos experimentos de hidrólise enzimática de celulose de switchgrass empregando β-glucosidase

Branco pH 5 β-glucosidase

100 μL solução tampão

citrato-fosfato 50 mM pH 5

100 μL substrato*

100 μL água destilada

100 μL solução tampão citrato-fosfato 50

mM pH 5

100 μL substrato*

100 μL extrato enzimático de β-glucosidase

*Slurry de switchgrass diluído 100 vezes.

Tabela 6 - Volumes de cada componente presente nos tubos de microcentrífuga correspondentes aos experimentos de hidrólise enzimática de celulose de switchgrass empregando coquetel de

enzimas

Branco pH 5 Endoglucanase + β-glucosidase

100 μL solução tampão citrato-

fosfato 50 mM pH 5

100 μL substrato*

100 μL água destilada

100 μL solução tampão citrato-fosfato

50 mM pH 5

100 μL substrato*

50 μL de cada extrato enzimático

*Slurry de switchgrass diluído 100 vezes.

A quantificação dos açúcares redutores produzidos foi feita por método DNS,

com base nas condições descritas por Bernfeld (1955). Para este ensaio foi

utilizado o reagente DNS, que é composto por 18,2 g de tartarato de sódio e

potássio (NaK), 1 g de hidróxido de sódio (NaOH), 1 g de ácido dinitrosalicílico

(DNS), 0,2 g de fenol e 0,05 g de sulfato de sódio (Na2SO4), além de água destilada

q.s.p. 100 mL. Foi preparada também uma solução 40% de tartarato de sódio e

potássio.

Primeiramente, foi construída uma curva padrão utilizando soluções de D-

glicose com as seguintes concentrações (mg/mL): 0; 0,1; 0,25; 0,5; 0,75; 1,0; 1,5;

2,0; 2,5 e 5,0. Então, foram adicionados, em tubos de microcentrífuga, 100 μL de

cada solução padrão de glicose, 200 μL de solução tampão citrato-fosfato 50mM

(pH 5) e 300 μL de reagente DNS. Os tubos foram aquecidos em banho-maria com

água fervente por 15 minutos, e, logo após retirar os tubos da água, foram

35

adicionados 100 μL de solução 40% tartarato de sódio e potássio para encerrar a

reação. Após o resfriamento dos tubos em temperatura ambiente, as absorbâncias

foram lidas a 540 nm utilizando espectrofotômetro.

Em seguida, para as amostras de hidrólise enzimática, o método DNS foi

empregado em todos os ensaios a fim de determinar a concentração de açúcares

redutores produzidos durante as reações. Para isso, foram adicionados 300 μL de

reagente DNS em todos os tubos de microcentrífuga e estes foram então colocados

em banho-maria com água fervente por 15 minutos. Ao final desta etapa, foram

adicionados 100 μL da solução 40% tartarato de sódio e potássio aos tubos ainda

quentes para encerrar a reação. Após resfriamento em temperatura ambiente, as

absorbâncias foram lidas a 540 nm utilizando espectrofotômetro.

36

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste trabalho foram produzidas duas celulases, endoglucanase e β-

glucosidase, ambas provenientes de micro-organismos geneticamente

manipulados. A endoglucanase apresentou característica extracelular, enquanto a

β-glucosidase apresentou característica intracelular. Considerando-se a

experiência prévia do grupo de pesquisa no qual o trabalho foi desenvolvido, já

estavam disponíveis informações que indicavam a possibilidade de uso da

endoglucanase neste processo.

Por outro lado, a β-glucosidase é intracelular e haviam poucas informações

no grupo de pesquisa relacionadas à sua produção e atividade. Desta forma, foram

necessários procedimentos mais elaborados de separação para que o extrato

enzimático fosse obtido. Após sua obtenção, fez-se análise de eletroforese SDS-

PAGE para identificar a presença da enzima no extrato enzimático, procedendo-se

também a uma análise com β-PNPG para determinar a atividade da β-glucosidase,

além de análise da concentração de proteínas presentes no extrato por método

BCA.

O coquetel enzimático empregado neste trabalho contendo as duas

celulases, endoglucanase e β-glucosidase, foi baseado nas conclusões da

pesquisa de Lalithambika et al. (2012) utilizando a Archaea Sulfolobus solfataricus.

Naquele trabalho, foi comprovado que a endoglucanase da Archaea seria capaz de

hidrolisar em oligômeros a celulose presente no meio reacional, comprovando ser

esta uma enzima extracelular. Ainda de acordo com Lalithambika et al. (2012), uma

enzima transportadora possibilitou a entrada dos oligômeros no citoplasma da

Archaea, onde uma subsequente hidrólise foi realizada pela enzima β-glucosidase,

a qual é intracelular. Com base nos resultados destes autores, propôs-se que a β-

glucosidase fosse extraída das células e empregada em conjunto com a

endoglucanase no meio reacional, conforme será relatado adiante.

37

5.1 Caracterização do extrato enzimático de β-glucosidase

5.1.1 Eletroforese SDS-PAGE

A eletroforese SDS-PAGE foi realizada com intuito de observar a presença da

enzima β-glucosidase no extrato enzimático. O resultado é apresentado na Figura

11, sendo que as alíquotas retiradas do precipitado e sobrenadante após a

sonicação mostram o efeito da lise celular, enquanto as alíquotas do precipitado e

sobrenadante após o aquecimento em banho-maria mostram o efeito da

desnaturação proteica devido à exposição a alta temperatura (80ºC).

Figura 11 - Eletroforese em gel SDS-PAGE para o extrato enzimático de β-glucosidase pré-purificado. Os resultados correspondem ao precipitado (1) e sobrenadante (2) obtidos após

sonicação e ao precipitado (3) e sobrenadante (4) obtidos após aquecimento em banho maria. Na Figura, M corresponde aos padrões de peso molecular

A análise do gel indicou a presença de diversas proteínas no sobrenadante pós-

sonicação (poço 2, Figura 11), as quais foram produzidas pelo micro-organismo

hospedeiro e incluem a enzima de interesse. Esta grande quantidade de diferentes

proteínas é explicada pelo fato de que, com o rompimento celular causado pela

sonicação, proteínas intracelulares foram liberadas e passaram a fazer parte do

38

meio. Como a enzima de interesse é termorresistente (Lalithambika et al., 2012),

procedeu-se ao procedimento de purificação pela precipitação de proteínas a 80°C.

A análise do efeito do aquecimento em banho-maria a 80ºC mostrou que a

maioria das proteínas presentes sofreu desnaturação e precipitou após serem

expostas a altas temperaturas (poço 3), com exceção da β-glucosidase e outras

moléculas que permaneceram no sobrenadante (poço 4) (Figura 11). A β-

glucosidase foi identificada com base em seu peso molecular próximo de 50-60

kDa, conforme experiência prévia do grupo de pesquisa do Dr. Paul Blum.

5.1.2 Análise de atividade pelo método β-PNPG

A reação β-PNPG foi realizada e as absorbâncias obtidas para cada

amostra são mostradas na Tabela 7.

Tabela 7 - Resultados de absorbância obtidos para as amostras de β-glucosidase dos extratos

pré-purificados obtidos a partir do cultivo de E. coli transformada com gene de S. solfataricus

Tubo* Densidade óptica a 420nm

1 (branco) 0

2 (controle) 0,0095

3 (controle) 0,0185

4 (1:10) 0,0576

5 (1:10) -0,0009

6 (1:10) 2,1778

7 (1:10) 2,2353

8 (1:100) 0,0028

9 (1:100) 0,0012

10 (1:100) 0,2234

11 (1:100) 0,2502

*detalhes descritos na Tabela 2

39

Conforme pode ser observado na Tabela 7 e conforme descrição da

composição dos tubos da Tabela 2, as medições incluíram um tubo empregado

como branco (para zerar o espectrofotômetro), além de tubos controle, em

duplicata, para que fossem descontadas nos cálculos de atividade as absorbâncias

devidas aos reagentes empregados (tubos 2 e 3) e aos componentes do

extrato enzimático (tubos 4 e 5 para o extrato diluído 10 vezes, e tubos 8 e 9 para

o extrato diluído 100 vezes). Os tubos 6 e 7 correspondem a uma análise em

duplicata para o extrato diluído 10 vezes e os tubos 10 e 11 correspondem ao

extrato diluído 100 vezes. A leitura de absorbância do tubo 5 foi desconsiderada

por ser um valor discrepante.

Com base nos resultados da Tabela 7 e Equação 1, foi possível o cálculo da

atividade de β-glucosidase do extrato pré-purificado obtido. O resultado

correspondeu a 0,394 U/mL.

5.1.3 Determinação da quantidade de proteínas pelo método BCA

A curva padrão de albumina bovina sérica (BSA) foi obtida a partir das

diferentes concentrações da solução padrão e suas respectivas absorbâncias,

tendo sido linear até 1000 µg/mL, conforme ajuste mostrado na Figura 12.

As leituras obtidas para os extratos enzimáticos foram realizadas em

duplicata e resultaram em valores de absorbância iguais a 0,1957 e 0,1943.

Utilizando a equação da curva padrão (Figura 12), foi possível calcular as

correspondentes concentrações de enzima por regressão linear, obtendo-se os

valores 211,78 e 210,22 μg/mL. Foi calculada a média entre estes valores (211

μg/mL), sendo esta multiplicada por 10 (fator de diluição). Assim, o ensaio resultou

em uma concentração de proteínas de 2110 μg/mL. Este valor foi então multiplicado

por 25 mL (volume total de extrato enzimático obtido no processo), e assim foi

obtida a massa total de proteínas produzidas, de 52,75 mg.

40

Figura 12 - Curva padrão de albumina bovina sérica (BSA) obtida para o método BCA

5.2 Hidrólise enzimática e avaliação da atuação do coquetel enzimático

Para avaliação da eficiência da hidrólise enzimática da celulose pelas

enzimas produzidas, a quantidade de açúcares redutores totais (ART) liberada no

meio foi determinada pelo método de DNS. Com este fim, inicialmente, uma curva

padrão de D-glicose foi obtida a partir das diferentes concentrações da solução

padrão de glicose e suas respectivas absorbâncias, sendo o ajuste linear

apresentado na Figura 13.

Procedeu-se então às reações de hidrólise da celulose presente no slurry de

switchgrass com os extratos enzimáticos de endoglucanase e β-glucosidase em

separado ou combinados. O total de açúcares redutores obtidos é apresentado na

Figura 14, juntamente com o resultado obtido empregando preparação comercial

de celulase.

41

Figura 13 - Curva padrão de D-glicose obtida para análise de açúcares redutores pelo método

DNS

Figura 14 - Concentração de açúcares redutores totais liberados durante hidrólise enzimática de celulose de switchgrass de acordo com a celulase empregada

Os resultados apresentados na Figura 14 mostram o potencial das enzimas

produzidas na hidrólise da celulose de switchgrass sob condições de elevada

temperatura (80ºC) e, no caso da endoglucanase, também sob pH mais ácido (3,0).

Como as condições empregadas para cada caso foram distintas, a comparação de

suas atuações fica prejudicada. De qualquer forma, pode-se observar que o uso

42

dos extratos enzimáticos de endoglucanase e β-glucosidase resultou em maior

concentração de açúcares redutores em comparação ao uso da preparação

comercial. De fato, com base na experiência prévia do grupo de pesquisas no qual

o trabalho foi realizado, a preparação comercial de celulase foi encubada durante

4h e, mesmo assim, resultou em uma concentração de ART mais baixa. Este baixo

desempenho pode ser atribuído à sensibilidade da celulase comercial de T. reesei

às substâncias presentes no slurry, as quais podem atuar como inibidoras da

atividade enzimática (KIM et al., 2011). Por outro lado, pode-se observar também

que, mesmo no slurry, as enzimas endoglucanase e β-glucosidase foram capazes

de hidrolisar a celulose de switchgrass em condições extremas.

Cabe comentar ainda que a liberação de açúcares redutores na reação

catalisada pelas enzimas do extrato de β-glucosidase sugere a presença de outras

enzimas do complexo celulolítico. Seja como for, quando, nas mesmas condições,

fez-se o uso combinado dos dois extratos enzimáticos (endoglucanase+ β-

glucosidase), a liberação de ART foi cerca de 2,5 vezes superior ao do uso apenas

do extrato de β-glucosidase.

43

6. CONCLUSÕES

A metodologia empregada para produção e pré-purificação das enzimas

endoglucanase e β-glucosidase possibilitou a obtenção de extratos enzimáticos

capazes de atuar na hidrólise da celulose presente no slurry de switchgrass obtido

por pré-tratamento ácido diluído. A β-glucosidase intracelular foi extraída das

células e o extrato pré-purificado apresentou atividade de 0,394 U/mL na hidrólise

de β-PNPG a 80ºC. O uso deste mesmo extrato na hidrólise da celulose de

switchgrass presente no slurry resultou na liberação de açúcares redutores,

indicando a possibilidade de que outras enzimas do complexo celulolítico

estivessem presentes. A endoglucanase obtida foi capaz de atuar em condições

termoacidófilas (80ºC, pH 3,0), atuando também em conjunto com a β-glucosidase

sob temperatura de 80ºC a pH 5,0. O potencial das enzimas foi demonstrado,

indicando a possibilidade de uso de hidrolases do complexo celulolítico em

condições que podem ser encontradas em correntes materiais oriundas de pré-

tratamento ácido de biomassa, sem necessidade de extensivo resfriamento ou

neutralização.

44

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