UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE...

95
ESTUDO ECOCARDIOGRÁFICO DO SEIO CORONÁRIO NA FASE CRÔNICA DA DOENÇA DE CHAGAS Glauco André Machado Brasília/DF 2014 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE MEDICINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA TROPICAL

Transcript of UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE...

  • ESTUDO ECOCARDIOGRFICO DO SEIO CORONRIO NA

    FASE CRNICA DA DOENA DE CHAGAS

    Glauco Andr Machado

    Braslia/DF

    2014

    UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    FACULDADE DE MEDICINA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MEDICINA TROPICAL

  • II

    ESTUDO ECOCARDIOGRFICO DO SEIO CORONRIO

    NA FASE CRNICA DA DOENA DE CHAGAS

    Glauco Andr Machado

    Dissertao de Mestrado apresentada

    ao Programa de Ps-graduao em

    Medicina Tropical da Faculdade de

    Medicina da Universidade de Braslia

    para obteno do ttulo de mestre em

    Medicina Tropical, na rea de

    concentrao: Clnica das Doenas

    Infecciosas e Parasitrias.

    Orientador: Prof. Dr. Cleudson Nery de Castro

    Co-orientador: Prof. Dr. Daniel Frana Vasconcelos

    Braslia/DF

    2014

  • III

  • IV

    Estudo Ecocardiogrfico do Seio Coronrio na Fase Crnica da

    Doena de Chagas. Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Medicina Tropical, como requisito para obteno do titulo de

    Mestre em Medicina Tropical. Banca Examinadora:

    Presidente - Prof. Dr. Cleudson Nery de Castro

    Universidade de Braslia - UnB

    Membro Titular - Prof. Dr. Otoni Moreira Gomes

    Fundao Cardiovascular So Francisco de Assis - FCSFA

    Membro Titular - Prof. Dr. Paulo Cesar de Jesus

    Universidade de Braslia - UnB

  • V

    DEDICATRIA

    Aqui estou, pronto para fazer o mais difcil em meio a tudo que

    aconteceu: fazer somente uma dedicatria no o caso... Tinha o sonho de

    que voc, Gabriela, pudesse conhecer esse trabalho. Acho que gostaria dos

    desenhinhos que fiz com tanto carinho.

    Dudu diz estar chateado porque voc foi para o cu! Ele no entende

    na verdade eu tambm no mas ele sente sua falta, das brincadeiras e

    das coisas que voc ensinava para ele. Voc era chefe dele, lembra? Mas

    no se preocupe, ele vai crescer...

    Todos aqui esto com saudade de voc. Vov Maria, quase... Isso

    no queria te contar, mas a essa altura, com certeza voc j sabe. Voc se

    parece muito com ela, e isso me enche de orgulho.

    Dizem que um livro como um filho, mas eu no concordo com isso e

    qualquer coisa neste sentido di bastante. Quando cursava faculdade,

    peguei na biblioteca um livro escrito por um professor local, nas primeiras

    pginas havia um dilogo interessante e descontrado com o leitor, que dizia

    ...quando estudante tambm gostava de ler as primeiras pginas, como

    biografia e dedicatria.... A influncia de um professor no se pode

    mensurar: foi naquele mesmo instante que descobri que tambm escreveria

    um livro.

    Sei que professores normalmente se desculpam com seus familiares

    por sua ausncia durante o perodo em que estiveram imbudos na

    confeco de suas teses. No sei o que lhe dizer Gabriela, coisas assim me

    crucificariam eternamente e sei que voc no gostaria disso. Mas, te amo

    muito e peo que estejamos sempre prximos.

    Sabe, Gabriela, o que est escrito nesta obra ainda no pode ser

    considerado verdadeiro, preciso mais tempo e muito mais empenho. Ao

  • VI

    final de tudo o que foi dito, ficam estas palavras como nica verdade: Fiz o

    melhor possvel, movido pela paixo, por voc verdadeiramente...

    No h ningum que merece mais isso do que voc, princesinha, por

    isso lhe dedico integralmente este trabalho.

    Mh!!!!

    Gabriela Aguiar Machado * 09/04/2009 22/08/2014

  • VII

    AGRADECIMENTOS

    Gostaria de agradecer a Deus, pelas oportunidades concedidas.

    Agradeo a minha famlia pelo apoio incondicional, aos colegas

    mestrandos pela amizade que construmos e aos professores do Ncleo de

    Medicina Tropical, especialmente ao professor Dr. Joo Barberino dos

    Santos pelo conhecimento compartilhado e pelo exemplo de vida.

    Especialmente gostaria de agradecer aos professores Dr. Cleudson

    Nery de Castro e Dr. Daniel Frana Vasconcelos, pela pacincia e forma

    sbia com que me conduziram at aqui.

    Agradeo ao professor Dr. Luiz Fernando Junqueira Junior, pela

    interpretao dos traados eletrocardiogrficos, ao professor Dr. Gustavo

    Adolfo Sierra Romero pelas orientaes estatsticas, aos profissionais dos

    servios de Cardiologia e Medicina Nuclear do Hospital Universitrio de

    Braslia, assim como aos profissionais que realizaram o xenodiagnstico e a

    Sra. Lcia de Ftima, do Ncleo de Medicina Tropical. Sem vocs este

    trabalho no seria possvel.

    Para finalizar, agradeo aos pacientes que gentilmente participaram

    deste estudo.

  • VIII

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    Ao - Aorta

    AV - Atrioventricular

    BCRD - Bloqueio completo do ramo direito

    CCC - Cardiopatia chagsica crnica

    CPM - Cintilografia de perfuso miocrdica

    ECG - Eletrocardiograma

    HUB - Hospital Universitrio de Braslia

    IAM - Infarto agudo do miocrdio

    IVC - Insuficincia venosa cardaca (ver nota abaixo)

    Kg - Quilogramas

    m2 - Metros quadrados

    NAV - N atrioventricular

    NMT - Ncleo de Medicina Tropical

    PICSO - Presso intermitente de ocluso do seio coronrio

    RNM - Ressonncia nuclear magntica

    SEC - Sistema excito-condutor cardaco

    SC - Seio coronrio

    TCLE - Termo de consentimento livre e esclarecido

    TEP - Tromboembolismo pulmonar

    TNF- - Fator de necrose tumoral alfa

    VD - Ventrculo direito

    VE - Ventrculo esquerdo

    NOTA: Insuficincia venosa cardaca o termo utilizado para caracterizar um

    possvel transtorno circulatrio especfico do leito venoso coronariano, ou seja,

    insuficincia venosa do prprio corao. Este termo no deve ser confundido com

    congesto sistmica (ingurgitao jugular, hepatomegalia, edema de membros

    inferiores, etc).

  • IX

    FINANCIAMENTO

    Apoio financeiro da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel

    Superior (CAPES).

  • X

    SUMRIO

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................................. VIII

    FINANCIAMENTO ................................................................................................... IX

    RESUMO .................................................................................................................. XII

    ABSTRACT ............................................................................................................. XIII

    1.INTRODUO ....................................................................................................... 1

    1.1 Infeco Chagsica ................................................................................ 2

    1.2 Epidemiologia .......................................................................................... 4

    1.3 Histria da cardiopatia chagsica ........................................................ 5

    1.4 O seio coronrio ...................................................................................... 7

    1.5 O seio coronrio na cardiopatia chagsica crnica ........................ 14

    1.6 Ecocardiografia na cardiopatia chagsica crnica .......................... 16

    1.7 Ecocardiografia do seio coronrio ..................................................... 16

    1.8 Manifestaes iniciais da cardiopatia chagsica crnica ............... 17

    1.9 Adelgaamento miocrdico ................................................................. 18

    1.10 Aneurisma apical ................................................................................ 25

    1.11 Leses do sistema excito-condutor cardaco SEC .................... 28

    1.12 Inflamao na cardiopatia chagsica crnica ................................ 31

    1.13 Disfuno do ventrculo direito ......................................................... 32

    2 JUSTIFICATIVA ................................................................................................. 35

    3 OBJETIVOS .......................................................................................................... 36

    3.1 Objetivo Geral ....................................................................................... 36

    3.2 Objetivos Especficos ........................................................................... 36

    4 MTODO ............................................................................................................... 37

    4.1 Tipo de estudo....................................................................................... 38

    4.2 Locais em que os exames foram realizados .................................... 38

    4.3 Durao ................................................................................................. 39

    4.4 Amostra .................................................................................................. 39

    4.5 Definio clnica dos participantes..................................................... 39

    4.6 Critrios de incluso ............................................................................. 40

  • XI

    4.7 Critrios de excluso ............................................................................ 40

    4.8 Variveis a investigar ........................................................................... 40

    4.9 Protocolo ................................................................................................ 41

    4.10 Anlise estatstica .............................................................................. 41

    4.11 Aspectos ticos ................................................................................... 42

    5-RESULTADOS ..................................................................................................... 43

    6-DISCUSSO ........................................................................................................ 49

    7-CONSIDERAES FINAIS ............................................................................... 56

    8-REFERNCIAS ................................................................................................... 58

    9- ANEXOS .............................................................................................................. 73

    9.1- Aprovao do Comit de tica .......................................................... 74

    9.2- TCLE ..................................................................................................... 77

    9.3- Avaliaes adicionais da disfuno diastlica ................................ 81

    9.4- Dados brutos da CPM e dos dimetros do seio coronrio ........... 82

  • XII

    RESUMO

    Foi investigada uma provvel participao do seio coronrio (SC) na

    cardiopatia chagsica crnica (CCC). Dentre os mecanismos fisiopatolgicos

    que gozam de amplo reconhecimento nesta cardiopatia, esto os distrbios

    da microcirculao coronariana, que imputam a esta cardiopatia um carter

    isqumico. Notadamente, novas descobertas apontam o SC como estrutura

    altamente especializada, podendo participar ativamente na circulao

    venosa coronariana, o que nos pareceu merecedor de uma anlise

    pormenorizada sobre sua possvel participao na CCC. Para tanto, foi

    realizado estudo com ecocardiografia transtorcica, do dimetro mximo e

    mnimo do SC e o valor da diferena entre estes dimetros (%), em

    participantes com e sem infeco chagsica. Tambm foi verificada a

    associao destes parmetros do SC, com a presena de disfuno

    diastlica ecocardiografia, com alteraes no eletrocardiograma de

    repouso (ECG), com a cintilografia de perfuso miocrdica (CPM) e com o

    xenodiagnstico. Resultados: No houve diferena na prevalncia de

    alteraes entre os grupos de estudo, para os exames ECG (p=0,17) e CPM

    (p=0,09). No houve correlao entre o dimetro mximo e % do SC, com

    alteraes no ECG e disfuno diastlica. Observou-se diferena com

    tendncia estatstica (p=0,05) na comparao entre as mdias do (%) entre

    pacientes com CPM normal versus CPM alterada. Concluses: Uma

    possvel disfuno do SC pode preceder ou estar presente na fase inicial da

    CCC, podendo ser identificada com o % do seio coronrio na

    ecocardiografia transtorcica.

    Palavras Chave: Patogenia, doena de Chagas, seio coronrio.

  • XIII

    ABSTRACT

    A probable involvement of the coronary sinus (CS) in chronic

    Chagas cardiomyopathy (CCC) was investigated. Among the

    pathophysiological mechanisms that enjoy wide recognition in this disease

    are disorders of the coronary microcirculation, which impute to this character

    ischemic heart disease. Notably, new findings suggest the CS as highly

    specialized structure and can actively participate in the coronary venous

    circulation, which seemed worthy of a detailed analysis of its possible

    participation in the CCC. To this end, we conducted a study with

    transthoracic echocardiography, the maximum and minimum diameter of the

    CS and the value of the difference between these diameters (%) in

    participants with and without Chagas infection. We also evaluated the

    association of these parameters of the CS, with the presence of diastolic

    dysfunction by echocardiography, changes in examinations

    electrocardiogram (ECG), myocardial perfusion scintigraphy (MPS) and

    xenodiagnosis. Results: There was no difference in the prevalence of

    changes between the study groups for ECG (p = 0.17) and MPS (p = 0.09)

    tests. There was no correlation between the maximum diameter and % CS,

    with ECG changes and diastolic dysfunction. We observed a statistical trend

    (p = 0.05) when comparing the averages of (%) between patients with

    normal versus altered MPS. Conclusions: A possible dysfunction of the SC

    may precede or be present in the initial CCC and can be identified with the

    % of the coronary sinus in transthoracic echocardiography.

    Key words: Pathogenesis, Chagas disease, coronary sinus.

  • 1

    1. INTRODUO

    A doena de Chagas, tambm conhecida como Tripanossomase

    Americana, tem como agente etiolgico o protozorio hemoflagelado

    Trypanosoma cruzi. Foi descrita em detalhes e de forma extraordinria, por

    Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas, mdico brasileiro, no incio do sculo

    XX (CHAGAS e VILLELA, 1922). Chagas deixou um legado jamais visto na

    histria da medicina.

    O acometimento cardaco desta molstia obteve destaque j em seu

    primeiro estudo anatomopatolgico, que comea com uma descrio da

    cardiopatia ...o corao uma das vsceras para o qual o

    schizotrypanosome mostra predileo tanto no homem e em animais..."

    (VIANNA, 1911). O fascnio com o estudo da cardiopatia logo surgiu e a

    doena de Chagas tornou-se sinnimo de cardiopatia chagsica (RAMOS e

    ROSSI, 1999).

    Entretanto, apesar dos avanos no controle da transmisso e do

    expressivo empenho cientfico (PRATA, 1999), ainda no dispomos de

    tratamento eficiente e sequer compreendemos integralmente a fisiopatologia

    do acometimento cardaco nesta doena, que atinge milhes de pessoas na

    Amrica Latina.

    Do ponto de vista da patognese, a doena de Chagas caracteriza-se

    por um processo extremamente complexo e pouco compreendido

    (ANDRADE, 1999; ENGMAN & LEON, 2002). Entretanto, alguns conceitos

    esto bem estabelecidos. A cardiopatia chagsica causada

    pelo Trypanossoma cruzi. A reao do hospedeiro a este parasito

    basicamente uma resposta inflamatria. Durante a fase aguda da infeco

    os parasitos localizados no interior das fibras cardacas causam sua ruptura

    e o processo inflamatrio difuso e intenso pode, sem dificuldades, ser

    correlacionado diretamente com a ao parasitria. Na fase crnica, a

    reao inflamatria continua. Muda, todavia de carter, tende a se tornar

  • 2

    multifocal ao invs de difusa, associa-se com a produo de tecido fibroso e

    no guarda relao com a presena dos parasitos. A sua intensidade varia

    dentro de amplos limites (ANDRADE, 1974).

    Conceitualmente, reconhecem-se quatro mecanismos patognicos

    como os principais responsveis pelo desenvolvimento da cardiopatia

    chagsica crnica: disautonomia cardaca, distrbios microvasculares, leso

    miocrdica por agresso direta do parasito e leso miocrdica por

    mecanismo imunolgico (MARIN-NETO et al., 2007)

    Neste contexto, verdadeiras lacunas do conhecimento como o

    frequente acometimento do ramo direito do sistema excito-condutor cardaco

    (SEC) e o marcado afilamento do pex e parede pstero-lateral do VE, ainda

    esto por serem preenchidas.

    Cabe destacar, que a variabilidade na evoluo clnica desta doena

    tambm constitui desafio aos pesquisadores. Os indivduos podem falecer

    em decorrncia de insuficincia cardaca na fase aguda ou crnica,

    permanecer assintomticos por dcadas com ou sem sinais de

    acometimento cardaco, ou ainda permanecer a vida toda assintomticos,

    como ocorre com os portadores da forma indeterminada da doena

    (VASCONCELOS, 2007).

    Infeco chagsica

    Na maioria dos casos, a infeco em humanos provocada pelo

    contato da pele ou mucosas, com as fezes e/ou urina de triatomneos

    infectados. Tambm so descritos casos de transmisso por transfuso,

    transplacentria, por acidentes de laboratrio, por ingesto oral do

    tripanosoma (WHO, 2002) e at por transplante de rgos.

    Aps o contato inicial do parasito com o sangue do hospedeiro, seja

    qual for a forma de transmisso, o hemoflagelado (tripomastigota) entra nas

    clulas teciduais, transforma-se em amastigota e, aps poucas horas, o

    parasito multiplica-se, readquire o flagelo e finalmente provoca a ruptura da

  • 3

    clula. O ciclo biolgico do T. cruzi, com maiores detalhes, pode ser

    apreciado na figura 1.

    FIGURA 1: Ciclo biolgico do T. cruzi. - O triatomneo defeca durante o repasto e os tripomastigotas, presentes nas fezes, penetram atravs da pele lesionada ou mesmo mucosas ntegras. 2- Os tripomastigotas invadem clulas, onde se transformam em amastigotas. 3- Os amastigotas multiplicam-se assexuadamente, dentro das clulas, produzindo a ruptura desta e retornando ento a corrente sangunea. 4- Os amastigotas na corrente sangunea transformam-se em tripomastigotas. 5- Tripomastigotas na corrente sangunea so ingeridos pelo triatomneo durante o repasto. 6- Epimastigotas no intestino mdio. 7- Epimastigotas multiplicam-se no intestino mdio. 8- Tripomastigotas no intestino posterior. Modificado de Acesso em 15 de junho de 2014.

    Aps a ruptura celular, com o parasito no espao extracelular

    desencadeia-se a resposta inflamatria tpica da fase aguda. Aps esta fase,

    os indivduos entram em perodo de remisso, por tempo varivel, que pode

    durar de 20 a 30 anos. Aproximadamente 30% dos pacientes acometidos

    iro desenvolver a doena cardaca ao longo da vida (MACEDO, 1980).

    A desproporo entre parasitismo miocrdico, grau de inflamao e

    intensidade da fibrose proporcionaram o surgimento de vrias hipteses

    http://www.dpd.cdc.gov/dpdx

  • 4

    sobre a patogenia da fase crnica da infeco chagsica (VASCONCELOS,

    2007).

    Epidemiologia

    Embora a doena de Chagas seja encontrada em toda Amrica

    Latina, suas manifestaes clnicas, sua epidemiologia, as caractersticas do

    parasito, do vetor e do hospedeiro reservatrio variam de regio para regio

    (WHO, 2002).

    Em 1989, estimava-se que 16 a 18 milhes de pessoas eram

    portadoras de infeco chagsica nas Amricas e que outras 50 milhes

    estavam sob risco de contra-la (WHO, 1991). A doena de Chagas, mais do

    que qualquer outra doena parasitria, est relacionada ao baixo

    desenvolvimento social e econmico (WHO, 2002). Nos pases ao sul da

    Amrica do Sul, onde existe a maior concentrao de estudos, estima-se

    que 10 a 24% das pessoas infectadas desenvolvero sinais e sintomas

    relacionados doena. No Brasil, calcula-se que aproximadamente 5

    milhes estejam infectados. Desse universo, 500.000 portadores de

    cardiopatia e destes, 10% seriam portadores de cardiopatia grave

    (SCHMUIS, 2000).

    A doena de Chagas responsvel por significativa taxa de

    letalidade. Muitos bitos ocorrem de forma sbita e, na maioria das vezes,

    com vtimas abaixo dos 50 anos de idade, o que acarreta um alto custo

    social.

    Apenas o custo das arritmias da cardiopatia crnica poderia alcanar

    US$ 46 milhes por ano, se todos os pacientes que o necessitassem fossem

    adequadamente tratados. J para a implantao de marca-passos e

    realizao de cirurgias complexas para as formas digestivas avanadas

    subiria a US$ 250 milhes, para atender a todos os chagsicos brasileiros

    que teoricamente necessitam desses procedimentos (FERREIRA, et al.,

    2005).

  • 5

    Felizmente, graas s polticas de combate transmisso da doena,

    em 1997 a transmisso vetorial foi interrompida no Uruguai, no Chile, em 8

    das 12 reas endmicas do Brasil e em 4 das 16 reas endmicas da

    Argentina (PRATA, 2001; WHO, 2002).

    Pases no endmicos, na Amrica do Norte, Europa e Regio do

    Pacfico Ocidental tem visto o recente surgimento da doena de Chagas,

    devido migrao de mais de 15 milhes de pessoas oriundas de reas

    endmicas (SCHMUNIS, 2007).

    O elevado custo da doena de Chagas reconhecido como um

    desafio emergente em alguns pases no endmicos, como Estados Unidos

    e Espanha (MILEI, 2009; DE AYALA et al., 2009).

    Histria da cardiopatia chagsica

    Os primeiros relatos do acometimento cardaco na doena de Chagas

    se encontram nos trabalhos do prprio Carlos Chagas, especialmente a

    partir de importante contribuio em 1920 e o estudo com Vilela (CHAGAS e

    VILELA, 1922).

    Como j mencionado, aps o estudo anatomopatolgico de (VIANNA,

    1911) surge o fascnio pelo estudo desta cardiopatia, que culmina com a

    ampliao do conhecimento clinico, com CHAGAS (1930).

    Em 1936, Miguel Couto Filho quem primeiro demonstra o

    acometimento especfico do SEC (CASTAGNINO & THOMPSON, 1980,

    p.60).

    Em 1948, novamente o conhecimento clnico sobre cardiopatia

    chagsica logra grande salto, com os estudos de Francisco Laranja,

    Emmanuel Dias e Genard Nobrega (LARANJA et al., 1948).

    Com respeito fisiopatologia, aps a descrio das diferenas

    histopatolgicas entre as fases crnica e aguda (CHAGAS, 1916 a e b),

    alguns autores propuseram a teoria "alrgica", em que uma resposta do tipo

  • 6

    alrgica seria induzida pela presena constante do parasito (TORRES, 1941;

    MAZZA, 1949).

    Com a publicao dos trabalhos de KBERLE (1962), uma nova

    teoria surgiu. A ausncia frequente de achados inflamatrios em bipsias

    no justificaria a evoluo da doena. Ento, semelhana do mecanismo

    responsvel pela doena digestiva, em que a reduo da inervao

    parassimptica provocaria a dilatao do esfago e intestino, a desnervao

    parassimptica, associada ao aumento da atividade simptica, levaria

    hipertrofia e dilatao cardaca. Entretanto, a correlao entre a

    desnervao e as alteraes cardacas no foram confirmadas (LOPES &

    TAFURI, 1983; ALMEIDA et al., 1987).

    A demonstrao da presena do anticorpo EVI em chagsicos

    (COSSIO, 1974), a induo experimental da ao citotxica de linfcitos

    contra as fibras miocrdicas (SANTOS-BUCH & TEIXEIRA, 1974) e a

    identificao de antgenos comuns entre o T. cruzi e as fibras miocrdicas

    (SADIGURSKY et al., 1988; LEVIN et al., 1989; CUNHA- NETO et al., 1995)

    fortaleceram a hiptese da autoimunidade para tentar explicar a evoluo

    crnica da doena. Porm, esta teoria falha em justificar o carter multifocal

    dos achados histopatolgicos, bem como a leso digestiva frequentemente

    encontrada nos pacientes chagsicos.

    A presena de alteraes segmentares da contratilidade ventricular,

    as evidncias de disfuno endotelial, o aumento da reatividade plaquetria,

    alm da produo de neuraminidase pelo parasito, tm sido demonstradas

    experimentalmente. Como resultado, a hipoperfuso local caracteriza as

    alteraes microvasculares, como mecanismo responsvel pela patogenia

    da doena de Chagas (MORRIS et al., 1990; ROSSI, 1990).

    Recentemente, a utilizao de tcnicas como a imuno-histoqumica e

    a PCR (reao de cadeia de polimerase) permitiram identificar, seja qual for

    o mecanismo patognico da doena de Chagas, que a presena do parasito,

    ou de seus antgenos, deve estar envolvida no processo patognico,

  • 7

    independentemente dos mecanismos anteriormente descritos (BASQUIERA

    et al., 2003).

    Dessa forma, a patognese da cardiopatia chagsica permanece

    como assunto controverso.

    O seio coronrio

    O seio coronrio (SC) uma estrutura tubular, muscular, que mede de

    2-3 cm de comprimento por 1 cm de largura, localizado no sulco

    atrioventricular (AV) esquerdo, na superfcie posterior do corao

    (WILLIAMS et al., 2001). Coleta aproximadamente dois teros do sangue

    venoso do miocrdio e o drena para o trio direito (ROUVIERE, 1991), ver

    figura 2.

    FIGURA 2: Vista pstero-inferior do corao, em que se nota o seio coronrio e suas principais tributrias. Modificado de Acesso em 15 de junho de 2014.

    Estudos envolvendo o SC so realizados em diferentes reas da

    cardiologia, como eletrofisiologia (MELO et al., 1998), reperfuso miocrdica

    (MURAD-NETTO & MURAD, 2010; GIORDANO, 2003) terapia com clulas

    http://www.cvphysiology.com/

  • 8

    2tronco (NETO et al., 2004) e at mesmo nas valvopatias, com o advento de

    dispositivo implantvel no SC por via percutnea (FELDMAN &

    CILINGIROGLU, 2011; DAVIS, 2012). Graas a estes avanos observamos

    com maior frequncia revises anatmicas acerca do SC e suas tributrias,

    em diferentes populaes (BALLESTEROS et al., 2010).

    Ao contrrio de outras veias, a parede do SC relativamente espessa

    e em vez de musculo liso formando uma camada mdia, constitudo

    integralmente por fibras miocrdicas. Isso foi demonstrado primeiramente

    por KEITH (1902), seguido por COAKLEY & KING (1959), LIOTTA (1971) e

    VON LUDINGHAUSEN & BOOT (1992). Dentre estes autores, destacamos

    LIOTTA (1971) quem asseverou ser o SC, semelhante a uma cavidade

    cardaca, com estrutura muscular constituda por fascculos prprios e por

    fascculos atriais (ver figura 3), demonstrou radiolgica e

    hemodinamicamente que o SC possui atividade contrtil prpria e

    caracterizou a dilatao do SC na fibrilao atrial. Para o referido autor, o SC

    o terceiro trio do corao, somando-se aos congneres trios direito e

    esquerdo. Como argumento, destaca que ambos tm origem no mesmo

    perodo embriolgico e possuem a mesma estrutura anatmica.

  • 9

    FIGURA 3: Histologia de um corte transverso ao nvel do tero mdio do seio coronrio, demonstrando que o mesmo possui fibras esfincterianas (setas menores) e longitudinais (setas maiores). Extrado de LIOTTA (1971).

    Outros autores relataram ainda, a presena de clulas especializadas

    no SC, que poderiam participar na conduo interatrial (ANTZ et al., 1998) e

    na gnese de algumas arritmias cardacas (VOLKMER et al., 2002).

    Neste contexto, importante reviso anatmica e histolgica

    (BARCEL et al., 2004) demonstrou que o SC possui endocrdio, miocrdio

    e epicrdico, alm de um ramo de conduo e um n composto por clulas

    semelhantes s clulas do nodo sinusal.

    Estes achados certamente expressam a importncia do SC, entretanto,

    para a realizao do presente estudo, nos ocuparemos dos achados de

    LIOTTA (1971), reconhecendo que o SC um rgo contrtil, responsvel

    por drenar 70% do sangue venoso da circulao coronariana, sendo

    composto por fibras miocrdicas prprias e outras de origem atrial, atuando

    em conjunto para um adequado mecanismo de drenagem venosa.

  • 10

    A contrao e o relaxamento do seio coronrio ocorrem simultaneamente

    com o trio direito, no havendo refluxo deste trio para o seio coronrio ou

    deste ltimo para o leito venoso coronariano, graas aos mecanismos

    anatmicos funcionais descritos a seguir.

    Durante a distole do trio direito, o relaxamento desta cmara ocasiona

    o descenso do teto do SC, formado pelo Tendo de Todaro e pelo Limbo

    inferior de Vieussens. Este descenso do teto, em conjunto com a vlvula de

    Tebesio, presente em sua desembocadura, ocasiona o fechamento desta

    extremidade do SC, evitando refluxo desde o AD, ver figura 4.

    FIGURA 4: Elementos anatmicos que constituem o teto do seio coronrio e a vlvula de Tebesio (*). TT = tendo de Todaro, LI = limbo inferior de Vieussens. Extrado de LIOTTA (1971).

    Durante a sstole atrial ocorre o contrrio, esta extremidade se abre e o

    seio coronrio se contrai, esvaziando seu contedo no trio direito. A

    contrao do seio coronrio produz uma flexo da veia cardaca magna,

    evitando refluxo para esta importante veia, ver figura 5. Tambm poderia

  • 11

    evitar refluxo nesta extremidade do seio coronrio, a vlvula de Vieussens,

    entretanto, esta se encontra presente em apenas 43% das pessoas.

    De igual modo, na superfcie interna do seio coronrio encontram-se

    algumas pregas semilunares, que tambm poderiam evitar refluxo

    sanguneo para a veia cardaca magna, durante a contrao do seio

    coronrio, ver figura 6.

    FIGURA 5: Flexo da veia cardaca magna, ocasionada pela contrao do seio coronrio. Extrado de LIOTTA (1971).

  • 12

    FIGURA 6: Prega semilunar, localizada na superfcie interna do seio coronrio,

    identificada com o fio negro em seu interior. Extrado de LIOTTA (1971).

    Cabe destacar que tambm no h refluxo para as demais veias que

    drenam ao seio coronrio, porque os orifcios de desembocadura destas

    veias alm de possurem vlvulas (ver figura 7) esto circundados por

    fibras miocrdicas do seio coronrio (ver figura 8) que ao se contrarem

    fecham estes orifcios. Este mecanismo anti-refluxo similar ao existente

    nas veias cavas e pulmonares, que impedem o refluxo quando os trios se

    contraem.

  • 13

    FIGURA 7: Vista interna do seio coronrio, em que se observam as vlvulas (*) nos orifcios de desembocadura das veias que drenam na parede inferior do seio coronrio. Extrado de LIOTTA (1971).

    FIGURA 8: Fibras miocrdicas (seta) contornando os orifcios de desembocadura das veias que drenam ao seio coronrio. Extrado de LIOTTA (1971).

  • 14

    O seio coronrio na cardiopatia chagsica crnica

    Do ponto de vista patognico, o SC ainda no foi estudado na

    cardiopatia chagsica crnica, como se nota em reviso a este respeito

    (MARIN-NETO et al., 2007). Nem mesmo os trabalhos sobre distrbios

    microvasculares contemplaram o SC, como se nota em (PRADO et al.,

    2011), que revisou trabalhos sobre este tema da cardiopatia chagsica

    crnica, discutindo diversos aspectos, como o papel da endotelina-1 e do

    tromboxano A2. O mesmo tambm se d em reviso mais recente (MARIN-

    NETO et al., 2013).

    O orifcio de desembocadura do SC em conjunto com o tendo de

    Todaro e a vlvula tricspide formam o tringulo de Kock, importante reparo

    anatmico localizado no trio direito, onde est parte do sistema de

    conduo, especificamente o n atrioventricular (NAV) e parte do feixe de

    His. Por isso, alguns autores mencionam o SC durante descrio tcnica do

    local em que foram retiradas amostras de tecido miocrdico, para estudo

    histopatolgico do sistema de conduo, como se v em TORRES &

    DUARTE (1948) e no estudo da doena de Chagas experimental no co

    (SCALABRINI et al., 1996).

    Estudo sobre terapia de ressincronizao cardaca na cardiopatia

    chagsica crnica (PORTO et al., 2009) utilizou tcnica de cateterizao do

    SC, com objetivo de alcanar uma posio anatmica favorvel

    estimulao do ventrculo esquerdo (VE), entretanto, sem estabelecer

    qualquer correlao do SC com a patognese desta cardiopatia.

    VILAS-BOAS (2002) investigando a origem da produo de citocinas

    pr-inflamatrias em pacientes com insuficincia cardaca de causa

    chagsica, dosou a concentrao srica destas molculas na aorta (Ao), no

    SC e na veia supra-heptica, encontrando concentrao de TNF- no SC

    maior que na Ao e na veia supra-heptica. Este trabalho tinha por objetivo

    estabelecer se a origem da produo de citocinas pr-inflamatrias ocorria

    em stio cardaco ou intestinal, no h qualquer meno de que o SC

  • 15

    pudesse participar ativamente na fisiopatologia da cardiopatia chagsica

    crnica.

    JACKSON et al., (2010) realizaram estudo descritivo, transversal, em

    uma comunidade de latinos e norte-americanos que viviam em Genebra,

    com os seguintes objetivos: conhecer a prevalncia da doena de Chagas,

    avaliar os fatores de risco para a infeco pelo T. cruzi, o estgio clnico da

    doena e o risco de transmisso local por transfuso e transplante. Apesar

    da to em voga globalizao da doena de Chagas, o que chama ateno

    neste trabalho o surpreendente relato dos autores, merecendo aqui a

    transcrio ipsis litteris: curiosamente, cinco pacientes sintomticos, com

    ECG normal, apresentaram disfuno diastlica de grau leve ou dilatao do

    seio coronrio ecocardiografia.

  • 16

    Ecocardiografia na cardiopatia chagsica crnica

    Estudos em doena de Chagas, utilizando ecocardiografia, remontam

    do final da dcada de 1960, onde pela ecocardiografia unidimensional se

    tentou demonstrar alteraes global e segmentar do VE. No estudo de DE

    ROSA (1964) os achados mais precocemente detectados na etapa

    assintomtica foram aumento do dimetro diastlico do VE (80%),

    hipocinesia do septo interventricular (15%) e hipertrofia septal (5%).

    CMARA et al., (1991) identificou alterao da funo diastlica em

    pacientes com cardiopatia chagsica, sem insuficincia cardaca. O

    resultado encontrado sugere que a disfuno diastlica do VE precede ou

    est presente na fase inicial das alteraes de contratilidade deste

    ventrculo.

    Ecocardiografia do seio coronrio

    ANDRADE et al., (1986) destacavam que os aspectos

    ecocardiogrficos do SC no recebiam muita ateno na literatura, havendo

    apenas alguns trabalhos sobre conexo venosa anmala, com imagens

    obtidas no corte paraesternal. Os referidos autores realizaram anlise de

    rotina do SC com imagens obtidas no corte apical, de quatrocentos

    pacientes consecutivos, com idades variando de cinco dias a oitenta anos e

    conclui que o corte apical fornece informaes detalhadas no s da

    anatomia normal, mas tambm de anormalidades deste segmento do

    corao.

    DCRUZ et al., (2000) relatam que utilizando zoom para registrar o

    SC com modo-M, no corte apical duas cmaras, o dimetro do SC pode ser

    precisamente registrado e facilmente medido, durante o ciclo cardaco.

    Com base nas observaes acima citadas, adotamos no presente

    estudo o modo-M, no corte apical duas cmaras, para avaliao do SC.

  • 17

    Manifestaes iniciais da cardiopatia chagsica crnica

    Aps a forma aguda da doena de Chagas, sobrevm a forma

    indeterminada, cuja ausncia de sintomas a principal caracterstica. A

    (PRIMEIRA REUNIO DE PESQUISA APLICADA EM DOENA DE

    CHAGAS, 1985) definiu como critrios diagnsticos da forma indeterminada:

    1) positividade de exames sorolgicos e/ou parasitolgicos; 2) ausncia de

    sintomas e/ou sinais de doena; 3) eletrocardiograma convencional normal;

    e 4) exames radiolgicos de corao e aparelho digestrio normais.

    Entretanto, indivduos na forma indeterminada, quando avaliados com

    mtodos diagnsticos mais sensveis, com frequncia varivel, apresentam

    algum grau de alterao estrutural e/ou funcional do corao e aparelho

    digestrio (MACEDO, 1980; BARRETTO & MADY, 1986).

    Embora assintomticos em condies de repouso e as cmaras

    cardacas com dimenses e funo sistlica normais, esses indivduos tm

    capacidade funcional diminuda em comparao aos indivduos normais. As

    alteraes dos parmetros ecocardiogrficos da funo diastlica sugerem

    que esta alterao seja responsvel pela diferena (MADY et al.,1997)

    A respeito da disfuno diastlica do VE na cardiopatia chagsica

    crnica, levantamos a hiptese de que a falha na drenagem do SC, cause

    um transtorno circulatrio com repercusso retrgrada, uma vez que a

    drenagem venosa do VE realizada principalmente por veias que tributam

    ao SC.

    A congesto vascular seria ento capaz de determinar isquemia

    miocrdica, cuja manifestao ecocardiogrfica inicial a disfuno

    diastlica, seguindo-se o principio demonstrado por HEYNDRICKX et al.,

    (1978) que estabeleceram a seguinte cascata isqumica: heterogeneidade

    de perfuso, alterao metablica, disfuno diastlica do VE, discinesia

    regional, alteraes eletrocardiogrficas e dor precordial.

  • 18

    O efeito deletrio da congesto miocrdica sobre a funo diastlica

    j foi demonstrado por outros pesquisadores (DAVIS et al., 1995; PRATT et

    al., 1996).

    Adelgaamento miocrdico

    ROCHITTE et al., (2007) demonstraram com ressonncia nuclear

    magntica (RNM), que na cardiopatia chagsica crnica, reas de afilamento

    miocrdico e fibrose, predominam em regies de dupla irrigao arterial:

    pex ventricular (entre a artria interventricular anterior e interventricular

    posterior) e na regio pstero-lateral do VE (entre a artria coronria direita

    e circunflexa), ver figura 9.

    Figura 9: reas de adelgaamento miocrdico (borro negro) em territrios de dupla irrigao arterial. Extrado de Rochitte et al., (2007).

    Vale ressaltar que alteraes de perfuso miocrdica foram

    observadas em portadores da doena de Chagas com dor torcica, sem

    obstruo das artrias coronrias MARIN-NETO et al., (1992). Estas

  • 19

    alteraes de perfuso miocrdica podem ser responsveis pela fibrose

    observada por meio de RNM nos portadores da doena de Chagas com

    insuficincia cardaca ou arritmia ventricular, nas mesmas localizaes

    observadas na necropsia: pice do VE e regies pstero-laterais, ver figuras

    10 e 11.

    FIGURA 10: Corao chagsico com leso vorticilar (seta) e aumento discreto das quatro cmaras cardacas. Autoria JS Meira-Oliveira. Reproduzido de MARIN-NETO et al., Pathogenesis of chronic Chagas' heart disease. Circulation (New York, N.Y.), Boston, MA, USA., v. 115, p. 1109-1123, 2007. Disponvel em Acesso em 17 de maio de 2014.

  • 20

    FIGURA 11: Afilamento miocrdico da regio pstero-lateral e basal do ventrculo esquerdo, com substituio por fibrose. Extrado de Higuchi et al., (2003).

    Sobre o adelgaamento miocrdico na cardiopatia chagsica crnica,

    gostaramos de salientar que a funo miocrdica adequada depende da

    qualidade da funo celular e esta por sua vez depende de condies timas

    do meio ambiente no qual as clulas vivem, o lquido extracelular, para que

    seja realizado o intercmbio entre escorias do metabolismo celular e

    substncias nutritivas, como por exemplo, oxignio.

    Um meio ambiente timo para atividade celular, somente pode ser

    mantido com adequado fluxo sanguneo arterial aos tecidos. Entretanto, o

    fluxo arterial depende entre outras coisas, de uma adequada circulao

    venosa, pois a falha desta compromete sobremaneira o equilbrio necessrio

    perfuso tissular.

    A falha na drenagem venosa por parte do SC pode ocasionar um

    transtorno na circulao venosa coronariana com repercusso retrgrada,

    capaz de determinar isquemia.

  • 21

    Evidentemente, as reas do corao com dupla irrigao arterial

    apresentariam leses mais intensas, devido a maior necessidade de

    drenagem venosa.

    O pex cardaco constitudo em sua maior parte pelo VE e em

    menor proporo pelo ventrculo direito (VD). O segmento anterior do pex

    irrigado pela artria coronria descendente anterior (ramo da artria

    coronria esquerda) e drenado pela veia cardaca magna, principal tributria

    do SC. O segmento posterior do pex cardaco irrigado pela artria

    coronria interventricular posterior (ramo da artria coronria direita) e

    drenado pela veia cardaca mdia ou interventricular posterior, que tambm

    tributria do SC, ver figura 12.

    FIGURA 12: Disposio das artrias coronrias na superfcie cardaca. Fonte: adaptado de Acesso em 15 de maio de 2014.

    Como se v, as reas de dupla irrigao arterial remontam sobretudo

    ao VE e so drenadas por veias que tributam em sua quase totalidade ao

    SC. Diante da hiptese de alterao no mecanismo de drenagem do SC,

    acreditamos que haveria em nvel retrgrado, principalmente nas reas de

    http://www.texasheartinstitute.org/

  • 22

    dupla irrigao arterial, tendncia a congesto na microcirculao, aumento

    da presso hidrosttica e formao de edema miocrdico, assim como

    aumento da resistncia e limitao ao fluxo arterial no territrio

    microvascular, podendo causar isquemia miocrdica, no por ocluso

    arterial coronariana, mas por um possvel estado de insuficincia venosa

    coronariana, situao que etimologicamente pode ser melhor designada

    como insuficincia venosa cardaca (IVC), ver figura 13.

    FIGURA 13: Fenmeno isqumico no territrio microvascular, devido a insuficiente drenagem venosa coronariana. Fonte: Elaborado pelo autor.

    Este conceito fisiopatolgico poderia explicar a ocorrncia de

    fenmenos de isquemia miocrdica, com artrias coronrias prvias, achado

    frequente na cardiopatia chagsica crnica.

    Note-se que o mecanismo fisiopatolgico de isquemia na cardiopatia

    chagsica crnica no ocorre pela forma mais prevalente, em que a

    obstruo ao fluxo sanguneo em nvel arterial, habitualmente causada por

    um trombo que se instala sobre uma placa aterosclertica rota,

    responsvel pela isquemia do segmento distal, ver figura 14.

  • 23

    FIGURA 14: Isquemia no territrio distal a obstruo arterial, causada por um trombo, no leito arterial coronariano. Fonte: Elaborado pelo autor.

    A falha na drenagem venosa pelo SC tambm poderia explicar

    algumas alteraes vasculares descritas na cardiopatia chagsica crnica,

    como por exemplo, a hipertrofia da camada mdia arterial, denominada

    leso de Magarinos Torres, e a dilatao arteriolar demonstrada por

    HIGUCHI et al., (1999).

    Para ns, estas alteraes representam mecanismos compensatrios,

    ou seja, consequncias retrgradas originadas pela falha no mecanismo de

    drenagem do SC, no sendo, portanto, responsveis por alteraes na

    perfuso distal.

    Cabe destacar, que alteraes arteriais com ou sem hiperplasia mural

    (mas no ateromatosas), foram cogitadas como responsveis por leses

    miocrdicas isqumicas, afirmativa j rechaada, uma vez que estas so

    irregulares (no sistematizadas), muito dispersas e descontnuas ao longo

    dos vasos (CASTAGNINO & THOMPSON, 1980).

    Mas afinal, para onde vai o fluxo sanguneo que no circula

    adequadamente no territrio de dupla irrigao arterial coronariana? GOMES

    et al., (1979) demonstraram experimentalmente, por meio de hiperperfuso

    coronria, que o territrio drenado pelo SC capaz de apresentar um

    fenmeno denominado derivao de fluxo coronrio, que consiste na

    passagem do fluxo sanguneo desde o compartimento intravascular para o

  • 24

    interior das cmaras cardacas. Este fenmeno ocorre por intermdio dos

    vasos tebesianos e arterioluminais.

    Como j mencionado, a congesto venosa ocasionada por uma

    possvel falha na drenagem pelo SC, pode ser responsvel pela dilatao

    arteriolar existente na cardiopatia chagsica crnica, demonstrada por

    HIGUCHI et al., (1999). Esta dilatao arteriolar denota a existncia de

    sobrecarga de volume intravascular e, portanto factvel existncia do

    mencionado fenmeno de derivao de fluxo coronrio.

    Estas observaes concordam com o carter focal das leses, bem

    como outro aspecto fisiopatolgico, que considera o mecanismo de

    produo das leses isqumicas da cardiopatia chagsica crnica, como

    leses de reperfuso (ROSSI & RAMOS, 1996).

    Possivelmente, tambm corrobora a hiptese de IVC, o achado de

    MIGNONE (1958) ao verificar topograficamente, que as leses miocrdicas

    de infiltrao celular difusa e de esclerose, ambas em grau pronunciado,

    predominam nos dois teros internos da espessura da parede do VE,

    podendo segundo o autor falar-se em predileo por estas regies. J no

    VD, a esclerose menos pronunciada do que no esquerdo e no demonstra

    preferncia por localizao especial.

    Didaticamente, a rea isqumica pode ser caracterizada pela figura

    geomtrica de uma pirmide, cuja base est voltada para o endocrdio e o

    vrtice para o epicrdio. Entretanto, quando o dficit de perfuso

    responsvel pela rea isqumica, tem origem no leito arterial coronariano,

    esta pirmide apresenta um maior ngulo conformado por seu vrtice

    (pirmide tipo A). Ao contrrio, quando o dficit de perfuso tem origem no

    leito venoso coronariano, a pirmide apresenta um menor ngulo

    conformado por seu vrtice (pirmide tipo B), ver figura 15.

    A base da pirmide isqumica representa a rea em que se inicia o

    acometimento miocrdico, podendo estender-se ao longo do endocrdio e

    em direo ao epicrdio, cujo maior ou menor ngulo formado pelo vrtice,

    poderia explicar porque o aneurisma chagsico possui colo estreito e o

  • 25

    aneurisma ps-infarto, propriamente dito, possui colo largo, como veremos

    adiante.

    FIGURA 15: Representao esquemtica das reas de acometimento miocrdico na cardiopatia chagsica crnica, que predominam nos teros interno e mdio (endocrdio e mesocrdio) do ventrculo esquerdo, representados pelas setas cheias. Na margem inferior, observam-se as pirmides isqumicas, tipo A e B. Fonte: Elaborado pelo autor.

    Aneurisma apical

    Em alguns casos o pex cardaco exibe intenso afilamento, com

    posterior dilatao aneurismtica, considerada leso patognomnica da

    cardiopatia chagsica crnica, designada como leso vorticilar esquerda por

    RASO (1964), devido localizao neste vrtex cardaco. Esta leso

    constituda por uma zona de fibrose, que representa seu substrato

    histopatolgico. Tende a ser mais acentuada na regio endocrdica, e pode

    existir tecido muscular ntegro nas adjacncias da rea subepicrdica. Em

    ocasies, a parede da leso constituda pela sobreposio do endocrdio

  • 26

    com o epicrdio, como consequncia da total desapario do tecido

    muscular (ANDRADE & ANDRADE, 1955; CAPRIS et al., 1969).

    Com relao aos aneurismas ps-infartos, a maioria apresentam

    focos de necrose franca ou de necrobiose com substituio fibrosa, podendo

    isto ser demonstrado mesmo em leses antigas. Inicialmente, a isquemia

    acomete a regio endocrdica, formando-se uma leso constituda por uma

    rea central necrtica, uma rea de injria e uma rea de isquemia, ver

    Figura 16.

    FIGURA - 16: Na figura acima se observam as caractersticas histolgicas do infarto miocrdico: rea de necrose (1), rea de injria (2) e rea de isquemia (3). Fonte: Elaborado pelo autor.

    No aneurisma chagsico, no aparece necrose nem necrobiose,

    encontrando-se uma atrofia parietal por miocitlise com substituio por

    tecido conectivo, inicialmente muito mais frouxo que o tecido cicatricial

    fibroso por infarto (CASTAGNINO & THOMPSON, 1980, p.130).

  • 27

    Por meio de CPM, SIMES et al., (2007) avaliaram

    comparativamente o aneurisma ps-infarto e o chagsico, sendo identificada

    importante diferena estrutural entre ambas as leses: a primeira

    apresentando colo mais largo e a segunda um colo estreito.

    Cogitamos que estas leses sejam originadas a partir de diferentes

    mecanismos de isquemia e por isso apresentam diferentes expresses

    anatmicas. A ocluso arterial trombtica, causadora do infarto, determina

    uma leso constituda por uma rea de necrose, injria e isquemia.

    Evidentemente, a forma radial com que estas reas esto dispostas,

    determina uma leso com maior extenso, do que aquela existente na

    cardiopatia chagsica crnica.

    A ocluso trombtica determina uma pirmide isqumica tipo A. Na

    CCC, a falha no mecanismo de drenagem venosa do SC determina uma

    pirmide isqumica tipo - B, ver figuras 17a e 17b.

    FIGURA 17a: Aneurisma sobre rea isqumica consequente a ocluso arterial trombtica. A extenso da rea isqumica significativamente maior na regio epicrdica, proporcionando maior dimenso ao colo da leso aneurismtica. Fonte: Elaborado pelo autor.

  • 28

    FIGURA 17b: Leso vorticilar sobre rea isqumica, consequente a falha na drenagem venosa do seio coronrio. A extenso da rea isqumica causada por este mecanismo significativamente menor na regio epicrdica, proporcionando menor dimenso ao colo da leso vorticilar. Fonte: Elaborado pelo autor.

    Leses do sistema excito-condutor cardaco - SEC

    Na CCC, o bloqueio do ramo direito o transtorno de conduo mais

    frequente, diferente das outras miocardiopatias em que predominam o

    bloqueio do ramo esquerdo (CASTAGNINO & THOMPSON, 1980).

    Em estudos histopatolgicos, as leses do ramo direito que poderiam

    causar distrbios de conduo em chagsicos crnicos foram localizadas em

    seu segmento inicial e/ou no segmento intramiocrdico (OLIVEIRA et al.,

    1972), assim como na trabcula septo marginal do ramo direito (ROCHA et

    al.,1994).

    Ao estudar o SEC com cortes histolgicos seriados, ANDRADE

    (1974) descreveu um achado curioso: o ramo esquerdo originando-se do

    feixe de His como finos feixes que se orientam para o subendocrdio e aps

    todos ou quase todos os fascculos terem tido origem que surge o ramo

    direito. Desta forma, o ramo anterior esquerdo no se originaria do ramo

    esquerdo e sim do ramo direito. O referido autor relata ter encontrado as

  • 29

    duas pores do ramo esquerdo de uma maneira algo arbitrria,

    considerando uma metade posterior (a primeira a aparecer nos cortes

    histolgicos seriados) e a outra metade anterior (geralmente surgindo da

    bifurcao com o ramo direito).

    ANDRADE (1974) descreveu ainda que na maioria dos casos,

    caracteristicamente, as leses envolvem a poro inferior do n

    atrioventricular (NAV), a metade direita do feixe principal de His, a zona de

    bifurcao do ramo direito com os fascculos anteriores do ramo esquerdo,

    e o ramo direito (poro proximal). Estes casos exibiam ao

    eletrocardiograma (ECG), bloqueio completo do ramo direito (BCRD) e

    hemibloqueio anterior esquerdo, fornecendo excelente correlao com os

    achados histopatolgicos.

    Para explicar a possvel relao do SC com os transtornos de

    conduo do estmulo eltrico na cardiopatia chagsica crnica, devemos

    salientar que o SC repousa sobre o sulco atrioventricular, na superfcie

    posterior do corao, contornando dois teros do anel mitral, quando ento

    penetra no miocrdio, prximo crux cordis e dirige-se ao interior da

    cavidade atrial direita. Esta poro penetrante do SC encontra-se em

    relao anatmica com estruturas macroscpicas do trio direito,

    representadas na figura 18, e microscpicas da regio designada juno

    AV.

  • 30

    FIGURA 18: Vista interna do trio direito por meio de abertura em sua parede anterior. Em linhas tracejadas observa-se a poro final ou penetrante do seio coronrio, em relao com a vlvula tricspide (1), tendo de Todaro (2), stio do seio coronrio (3) e vlvula de Thebesio (4). Fonte: Modificado de Burkhardt, (2007).

    Do ponto de vista macroscpico, a desembocadura do SC em

    conjunto com o tendo de Todaro e a vlvula tricspide formam o tringulo

    de Kock, importante referncia anatmica, habitualmente preservada em

    atos cirrgicos, por conter dentro de seus limites o NAV e a poro inicial do

    feixe de His, estruturas microscpicas da juno AV.

    A poro penetrante do SC passa por trs e por baixo do NAV, para

    ento terminar mais adiante direita do feixe de His, ver figura 19.

    Diante do exposto, cogitamos a possibilidade de que as leses no SC

    possam se estender para o lado direito do feixe de His e a poro inferior do

    NAV.

  • 31

    FIGURA 19: A seta tracejada representa a poro penetrante do seio coronrio e sua relao com o nodo atrioventricular (NAV) e o feixe de His (HIS). O feixe de His localiza-se entre o septo muscular (S.MUSC.) e o septo membranoso (S.MEMB.), ramificando-se em sua extremidade distal nos ramos esquerdo (RE) e direito (RD). Adaptado de Acesso em 15 de junho de 2014.

    Inflamao na cardiopatia chagsica crnica

    Pacientes com insuficincia cardaca, de causa no chagsica,

    habitualmente apresentam nveis elevados de citocinas pr-inflamatrias.

    Acredita-se que a congesto venosa cause alterao da permeabilidade

    intestinal, permitindo a translocao para a circulao sistmica de bactrias

    ou suas toxinas, ativando o sistema imune.

    Para investigar a origem da produo de citocinas pr-inflamatrias

    em pacientes com insuficincia cardaca de causa chagsica, VILAS-BOAS

    (2002) dosou a concentrao srica destas substncias na Ao, no SC e na

    veia supra-heptica, encontrando concentrao de TNF- no SC maior que

    na Ao e que na veia supra-heptica. Identificou ainda, que os estados

    congestivos, avaliados por meio de medidas clnicas e/ou hemodinmicas,

    parecem influenciar o processo pr-inflamatrio, concluindo o referido autor,

  • 32

    que essas evidncias podem permitir uma melhor compreenso do processo

    envolvido na ativao do sistema imune em pacientes com insuficincia

    cardaca de etiologia chagsica.

    A este respeito, pode-se cogitar que o estado congestivo seja

    responsvel pela ativao das clulas endoteliais das veias coronrias, que

    possuem a capacidade de modular a atividade inflamatria, como

    demonstrado por MOHL (2008), em ensaio clnico randomizado de pacientes

    com infarto agudo do miocrdio (IAM) que apresentaram recuperao

    miocrdica e melhoria clinicamente significativa. Estes resultados so

    creditados ao efeito da teraputica endovascular PICSO (presso

    intermitente de ocluso do seio coronrio) sobre o endotlio das veias

    coronrias, que segundo os autores, gera estmulos moleculares capazes de

    alterar padres de mediao inflamatria, que induzem a regenerao

    miocrdica. Para se alcanar estes resultados com PICSO, necessrio

    estrito controle da presso e durao do perodo de ocluso.

    Com respeito cardiopatia chagsica crnica, no h que se fazer

    ilao sobre regenerao miocrdica. Entretanto, o mecanismo

    fisiopatolgico para modulao da atividade inflamatria por intermdio do

    endotlio das veias coronrias pode sinalizar um caminho para novas

    investigaes na CCC.

    Disfuno do ventrculo direito

    Uma particularidade da cardiopatia chagsica crnica o predomnio

    das manifestaes da disfuno ventricular direita, cujas explicaes

    fisiopatolgicas no esto bem claras, embora existam algumas hipteses

    (MARIN-NETO & ANDRADE, 1991). Os sinais e sintomas de congesto

    sistmica somente surgem quando a disfuno esquerda se instala. O bom

    desempenho funcional do VE mascara a disfuno direita, que s se

    manifestaria quando a disfuno esquerda estiver instalada. Em estudos

  • 33

    experimentais realizados em ces, existe nitidamente predominncia da

    leso do VD (ANDRADE et al., 1980)

    Antes de expor algumas reflexes acerca da disfuno do VD na

    cardiopatia chagsica crnica, devemos mencionar que o estudo do VD

    um campo relativamente novo na cardiologia, tendo sido designado em 2006

    pelo Instituto Nacional do Corao, Sangue e Pulmo dos Estados Unidos

    (National Heart, Lung, and Blood Institute) como prioridade em pesquisa

    cardiovascular (VOELKEL et al., 2006).

    Sir. William Harvey foi o primeiro a descrever a importncia do VD em

    1616, em seu tratado De Motu Cordis, mas essa importncia permaneceu

    subestimada pela comunidade cientfica por um longo perodo. A cardiologia

    ocupou-se com o estudo do (VE), sua fisiologia e estrutura, subestimando o

    estudo do VD (HADDAD et al., 2008 a e b).

    Na primeira metade do sculo XX, os estudos do VD ficaram limitados

    a um pequeno grupo de pesquisadores que se viram intrigados pela hiptese

    de que a circulao humana podia funcionar adequadamente sem a funo

    contrtil do VD (grande equvoco provocado pelo uso de um modelo canino

    com pericrdio aberto). A partir da dcada de 1950 at 1970, cirurgies

    cardacos reconheceram a importncia do lado direito do corao ao avaliar

    procedimentos paliativos para hipoplasia do corao direito. Desde ento, a

    funo do VD foi reconhecida na insuficincia cardaca, no IAM do VD,

    doena cardaca congnita e hipertenso pulmonar (CASTRO, 2012).

    Em relao fisiologia, a funo primria do VD receber o retorno

    venoso sistmico e bombe-lo na circulao pulmonar. A despeito de sua

    parede fina, o VD pode bombear o mesmo volume de sangue que o VE, pois

    os dois esto conectados em srie. Alm disso, tem a seu favor um sistema

    de baixa impedncia e maior distensibilidade da vasculatura pulmonar, o que

    faz com que trabalhe com 25% da fora de trabalho do VE (GIUSCA et al.,

    2010).

    A interdependncia funcional do VD e do VE significa que forma,

    tamanho e complacncia de um ventrculo interferem com as propriedades

  • 34

    hemodinmicas do outro. Isso se deve a: terem uma parede em comum, que

    o septo interventricular (SIV), serem circundados por fibras musculares em

    continuidade e dividirem o mesmo espao no saco pericrdico

    (APOSTOLAKIS & KONSTANTINIDES, 2012).

    O maior acometimento do VD direito na cardiopatia chagsica pode

    explicar-se pelo fato de que a textura deste diferente do VE. As mioclulas

    do VD so normalmente 25% mais finas e menos compactas que as do VE,

    o que determina uma maior vascularizao expansiva no por maior

    abundncia de vasos fato muito bem avaliado por (LINZBACH, 1948) e

    (JANSEN, 1962), o que influencia na patologia de cada parede. Devido

    existncia de maior interstcio vascular, o parasitismo e a inflamao podem

    ser mais intensos no VD.

    Como vimos, na CCC existe um importante acometimento do VD

    cujas manifestaes sistmicas so tardias. Entretanto, apesar da ausncia

    de manifestaes sistmica, no se pode afirmar que o mesmo ocorra ao

    nvel do sistema venoso coronariano. O acometimento do VD pode ser

    responsvel por um aumento da resistncia ao fluxo sanguneo no territrio

    adiante do seio coronrio, com repercusso direta sobre a circulao

    coronariana.

  • 35

    2. JUSTIFICATIVA

    A patogenia da cardiopatia chagsica crnica explicada em parte por

    alteraes vasculares isqumicas vem ganhando espao no meio cientifico,

    alm disso, estudo anatmico e funcional do SC (LIOTTA, 1971) aporta

    dados que nos permitem reconhecer que o mesmo possa participar

    ativamente na circulao venosa cardaca, atuando como uma bomba de

    drenagem venosa.

    Diante do exposto, aventamos a hiptese de que na cardiopatia

    chagsica crnica exista um verdadeiro estado de insuficincia circulatria

    coronariana, como bem postulou KBERLE (1962), ao considerar as leses

    miocrdicas isqumicas como consequncia de uma insuficincia

    coronariana relativa. Entretanto, ao invs de associar tal fenmeno

    desnervao cardaca, objetivamos demonstrar a existncia de disfuno do

    SC e consequente falha na drenagem de parte da circulao venosa

    coronariana, como possvel responsvel por importantes achados da

    cardiopatia chagsica crnica.

    Ampliar o conhecimento sobre a fisiopatologia do acometimento

    cardaco na doena de Chagas poder ajudar a identificar adequadamente

    aqueles pacientes que desenvolvero o dano cardaco, e possivelmente

    estabelecer intervenes teraputicas precoces.

  • 36

    3. OBJETIVOS

    3.1 Objetivo Geral

    Comparar por meio da ecocardiografia transtorcica os dimetros

    mximo e mnimo do SC, assim como a diferena entre estes dimetros

    (%), entre indivduos com e sem infeco chagsica.

    3.2 Objetivos Especficos

    Analisar se existe comparabilidade entre os grupos que compem a

    amostra deste estudo.

    Comparar o resultado dos exames de ECG e CPM (gated-SPECT) entre

    os grupos estudados.

    Comparar as medidas ecocardiogrficas do seio coronrio [dimetros

    mximo e mnimo e a diferena entre os mesmos (%)] entre os grupos

    estudados.

    Verificar se existe associao entre as medidas ecocardiogrficas do seio

    coronrio com as seguintes variveis:

    Sexo.

    ECG alterado.

    Hipoperfuso miocrdica, avaliada pela CPM (gated-SPECT).

    Alterao de contratilidade e disfuno diastlica.

    Resultado do xenodiagnstico artificial.

  • 37

    4 MTODO

    Foram realizados exames de ecodopplercardiografia transtorcica,

    sempre pelo mesmo mdico ecocardiografista do Servio de Cardiologia do

    HUB, que desconhecia a condio clinica dos participantes quanto a serem

    ou no portadores de infeco chagsica. A avaliao funcional foi realizada

    utilizando-se parmetros definidos pela Sociedade Americana de

    Ecocardiografia (LANG et al., 2005), incluindo-se os dimetros transversos

    mximo e mnimo do SC, com o modo-M, no corte apical duas cmaras,

    durante o ciclo cardaco. As medidas referentes ao menor dimetro do SC

    foram obtidas no incio do complexo QRS do ECG e as medidas do maior

    dimetro, durante a contrao ventricular.

    A variao no dimetro do SC (%), ou seja, a diferena percentual

    entre o maior e o menor dimetro foi avaliada por meio da seguinte equao:

    Onde: Mx. seio coronrio e Mn. seio coronrio representam a mdia

    dos maiores e menores dimetros do seio coronrio respectivamente.

    As variveis ecodopplercardiogrficas obtidas foram correlacionadas

    com dados adquiridos nos exames de cintilografia de perfuso miocrdica

    (CPM), ECG e xenodiagnstico, este ltimo foi realizado apenas nos

    portadores de infeco chagsica.

    Os exames de CPM foram realizados no Servio de Medicina Nuclear

    do HUB, desconhecendo-se a condio clinica dos participantes quanto a

    serem ou no portadores de infeco chagsica. As imagens tomogrficas

    (gated-SPECT), foram obtidas aps a administrao endovenosa de

    Sestamib 99mTc, com dose no repouso de 30 mCi e no estresse de 30 mCi.

    Foi utilizado protocolo repouso/estresse de um dia: Estresse miocrdico sob

  • 38

    o uso de dipiridamol, na dose de 10 mg/20kg EV. Uso de aminofilina 240 mg.

    Injeo de Sestamib 99mTc aps o dipiridamol. O processamento foi

    realizado com cortes tomogrficos de 6 mm de espessura nos trs eixos do

    corao e reconstruo de imagens tridimensionais. O aparelho utilizado foi

    o Millenium MG da marca GE.

    Os exames de ECG foram realizados no Servio de Cardiologia do HUB,

    com registro padro de 12 derivaes mais o traado longo da derivao DII.

    O registro foi obtido em aparelho da marca Micromed, modelo Wincardio,

    com velocidade do papel em 25 m/s e calibrao de 1mV = 1 cm. Cada

    traado foi identificado com o nome completo do participante, idade, sexo e

    data de realizao do exame. A interpretao dos ECGs foi realizada por um

    nico cardiologista, que desconhecia se os participantes eram ou no

    portadores de infeco chagsica.

    Para o xenodiagnstico artificial, foram utilizadas ninfas da espcie

    Rhodnius prolixus de terceiro e quarto estgio. Antes de examinar o

    xenodiagnstico de cada paciente, foi anotado o nmero de triatomneos

    vivos que mudaram de estgio. Os triatomneos foram examinados pelos

    tcnicos da seo de xenodiagnstico do Ncleo de Medicina Tropical

    (NMT), que tem experincia neste mister h mais de 20 anos. A unidade de

    exame foi o pool, constitudo pelo contedo intestinal de cinco triatomneos.

    4.1 Tipo de estudo

    Estudo comparativo de prevalncia de alteraes ecocardiogrficas

    do SC em pessoas com e sem infeco chagsica.

    4.2 Locais em que os exames foram realizados

    Ncleo de Medicina Tropical da UnB, Braslia DF.

    Ambulatrio de Doenas Infecciosas e Parasitrias, Servio de

    Cardiologia e Servio de Medicina Nuclear do HUB, Braslia DF.

  • 39

    4.3 Durao

    O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comit de tica em 20 de

    novembro de 2013, procedendo-se aps o aceite, coleta dos dados e

    posteriores analises estatsticas, findando-se os trabalhos em 10 de julho de

    2014.

    4.4 Amostra

    Participaram voluntariamente do estudo, portadores de infeco

    chagsica em acompanhamento no ambulatrio de Doenas Infecciosas e

    Parasitarias do HUB, com sorologia confirmada em dois exames de

    diferentes metodologias, sendo a combinao mais frequente

    imunoflourescncia e hemoaglutinao indireta. A amostragem deste grupo

    foi realizada a partir de uma lista de 350 pacientes, com posterior seleo

    pela data de nascimento at o limite de 45 anos para mulheres e 40 anos

    para homens. Em seguida foi feito contato telefnico e o convite para

    participar do estudo.

    Para compor o grupo sem infeco chagsica, foram convidados

    funcionrios do HUB e do NMT, que posteriormente foram confirmados

    como no portadores de infeco chagsica pela sorologia negativa com

    quimioluminescncia, realizada no laboratrio do HUB.

    Os portadores de infeco chagsica foram alocados no grupo 1 e

    os no portadores de infeco chagsica no grupo 2.

    4.5 Definio clnica dos participantes

    Foram considerados como no portadores de infeco chagsica

    aqueles que apresentaram a respectiva sorologia negativa.

  • 40

    Foram considerados como portadores de infeco chagsica, aqueles

    que apresentaram sorologia positiva, em dois exames com diferentes

    mtodos.

    Foram considerados como portadores de cardiopatia chagsica

    crnica, os participantes que alm da sorologia positiva apresentaram

    anormalidades eletrocardiogrficas compatveis com doena de Chagas,

    estando sintomticos ou no (Ministrio da Sade, 2005).

    4.6 Critrios de incluso

    Foram includos no estudo, voluntrios de ambos os sexos, com idade

    mnima de 18 anos e mxima de 40 anos para os homens e 45 anos para as

    mulheres.

    4.7 Critrios de excluso

    Foram excludos os voluntrios com diagnstico de hipertenso

    arterial sistmica, diabetes mellitus, indivduos alrgicos ou sensveis a

    medicamentos, corantes, iodo, marisco ou ltex.

    4.8 Variveis investigadas

    4.8.1 Na avaliao ecodopplercardiogrfica foram avaliados os

    dimetros mximo e mnimo do SC, assim como a diferena entre estes

    dimetros (%).

    4.8.2 No ECG foram avaliadas alteraes no ritmo e/ou conduo do

    estimulo eltrico, assim como sinais de sobrecarga das cmaras cardacas.

    4.8.3 Na CPM foram avaliadas a perfuso miocrdica e a funo

    ventricular.

    4.8.4 O xenodiagnstico foi avaliado quanto ao resultado positivo ou

    negativo

  • 41

    4.9 Protocolo

    Aps avaliao clnica realizada pelo autor deste trabalho, os

    voluntrios foram submetidos ao exame ecodopplercardiogrfico

    transtorcico, no servio de Cardiologia do HUB, com aparelho Aplio 400

    (Toshiba), sempre com o mesmo mdico ecocardiografista, a fim de manter

    as mesmas condies de exame para todos os pacientes.

    Os eletrocardiogramas foram realizados no servio de Cardiologia do

    HUB, com aparelho digital de 12 canais Wincardio (Micromed).

    As cintilografias miocrdicas foram realizadas em aparelho Millenium

    MG (GE Medical Systems) no servio de Medicina Nuclear do HUB.

    Os xenodiagnsticos foram realizados no Ncleo de Medicina Tropical

    da Universidade de Braslia.

    As informaes obtidas foram armazenadas em planilha do programa

    Excel, da Microsoft Office.

    4.10 Anlise estatstica

    Os dados das variveis categricas foram comparados utilizando

    teste no paramtrico de chi-quadrado e nos casos em que foram

    identificados valores esperados menores que 5 foi utilizado o valor de

    significncia do teste exato de Fisher unicaudal ou bicaudal dependendo da

    natureza da comparao.

    Para verificar se existia diferena na variao percentual do dimetro

    do SC (%) entre os grupos 1 e 2, foi realizada comparao das mdias

    entre os grupos com o teste t.

    Entretanto, antes de realizar o teste t verificamos se a varivel %

    apresentava distribuio normal, com os testes no paramtricos

    Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wil, constatando-se que a varivel %

    apresentava distribuio normal.

  • 42

    Antes de realizar o teste de comparao de mdias, verificamos a

    varincia dos grupos, com o mtodo Folder F.

    As anlises de correlao entre variveis quantitativas contnuas

    foram realizadas por meio do coeficiente de correlao de Spearman.

    As anlises estatsticas foram realizadas com software IBM SPSS

    Statistics 21.

    4.11 Aspectos ticos

    Para a devida apreciao tica, o projeto foi submetido Plataforma

    Brasil e posteriormente avaliado pelo Comit de tica em Pesquisa em

    Seres Humanos da Faculdade de Cincias da Sade da Universidade de

    Braslia CEP/FS-UnB, obtendo aprovao em 20/11/2013 sob registro de

    nmero 461.680 (Anexo 9.1).

    Todos os participantes do estudo assinaram o termo de

    consentimento livre e esclarecido (Anexo 9.2).

  • 43

    5 RESULTADOS

    Foram coletadas informaes de 33 participantes, que compunham

    dois grupos: grupo 1, constitudo por 17 participantes com infeco

    chagsica e o grupo 2, constitudo por 16 participantes sem infeco

    chagsica. A comparabilidade entre os participantes dos grupos de estudo,

    realizada por meio dos dados antropomtricos, idade e sexo, encontra-se na

    tabela 1.

    TABELA 1: Dados antropomtricos, idade e sexo dos participantes de ambos os grupos.

    Caracterstica

    Grupo 1

    (n=17)* DP

    Grupo 2

    (n=16)* DP

    p-valor**

    Peso (Kg)

    74,31

    18,51

    73,82

    12,60

    0,93

    Altura (cm) 166,47 9,33 171,0 8,74 0,16

    Superfcie corporal (m) 1,82 0,24 1,85 0,18 0,63

    ndice de massa corporal (Kg/m) 26,62 5,35 25,23 3,57 0,39

    Idade (anos) 35,35 6,70 31,25 7,19 0,10

    Sexo (masculino) 7/17 - 7/16 - 0,58

    * Variveis contnuas expressas como mdias e variveis categricas expressas em nmeros absolutos. ** Teste de hiptese: chi-quadrado para as variveis categricas e t de Student para as variveis continuas. n = nmero de voluntrios. DP = desvio padro. Kg = quilogramas. m = metros quadrados.

    A leitura dos eletrocardiogramas mostrou que entre os participantes

    do grupo 1, 14 apresentaram eletrocardiograma normal e 3 (17,64%)

    mostraram alteraes. Todos os participantes do grupo 2 apresentaram

    exames normais. A tabela 2 mostra os resultados dos traados com as

    alteraes encontradas, bem como o resultado da sorologia e a condio

    clinica dos participantes de ambos os grupos.

  • 44

    TABELA 2: Resultados do eletrocardiograma, sorologia e condio clinica dos participantes de ambos os grupos. SOROLOGIA ECG CONDIO CLINICA TOTAL

    Negativa Normal Normal

    16

    Positiva Normal Forma Indeterminada

    14

    Positiva BIRD Forma Cardaca

    1

    Positiva BCRD e ARV Forma Cardaca

    1

    Positiva Eixo indeterminado, BVPF, ARV e RCRD

    Forma cardaca 1

    ECG = Eletrocardiograma. BIRD = Bloqueio incompleto do ramo direito. BCRD = Bloqueio completo do ramo direito. ARV = Alterao de repolarizacao ventricular. BVPF = Baixa voltagem no plano frontal. RCRD = Retardo de conduo pelo ramo direito.

    Quanto cintilografia miocrdica, dentre os participantes do grupo

    1, 11 participantes apresentaram exame normal, enquanto 5 participantes

    apresentaram alteraes e 1 participante no realizou o exame. No grupo

    2, 15 participantes apresentaram exame normal e apenas 1 apresentou

    alterao. Na tabela 3 encontram-se os resultados da cintilografia

    miocrdica.

    TABELA 3: Resultados da cintilografia miocrdica de ambos grupos.

    Resultados

    Grupo 1 n = 16

    Grupo 2 n = 16

    Normal 11 15 Hipoperfuso no segmento apical 2 0 Hipoperfuso na parede anteroseptal 1 0 Hipoperfuso na parede anterolateral do VE 1 0 Hipoperfuso na parede inferolateral do VE 2 0 Hipoperfuso no segmento mdio da parede anterior do VE 0 1 Hipoperfuso na parede inferolateral do VE 1 0 Hipoperfuso na parede anterior do VE 2 0 Nota: Alguns participantes do grupo 1 apresentaram mais de uma alterao.

    Na avaliao ecocardiogrfica, as medidas do dimetro transverso do

    SC foram realizadas durante o ciclo cardaco, sendo realizadas pelo menos

  • 45

    trs medidas para o maior dimetro e trs medidas para o menor dimetro,

    em cada participante, dependendo da frequncia cardaca individual.

    Posteriormente foi extrada a mdia aritmtica destes valores para cada

    participante. As anlises destas variveis encontram-se na tabela 4.

    TABELA 4: Comparao dos dimetros mximo, mnimo e % do seio coronrio entre ambos os grupos. Dimetros

    (mm)

    Grupo 1

    n=17

    Grupo 2

    n=16

    Mdia

    (IC95%)

    DP Mdia

    (IC95%)

    DP Diferena entre

    as mdias

    (IC95%)

    p-valor

    Mximo 8,81

    (7,81 a 9,81)

    2,23 9,02

    (8,41 a 9,81)

    1,63 - 0,21

    (-1,60 a 1,19)

    0,77

    Mnimo 4,26

    (3,85 a 4,65)

    0,97 4,54

    (4,04 a 5,04)

    1,13 -0,27

    (-1,02 a 0,47)

    0,46

    % 0,51 0,09 0,50 0,1 0,01

    (-0,08 a 0,05)

    0,73

    DP = desvio padro. IC = intervalo de confiana. % = [(maior dimetro do SC menor dimetro do SC) / maior dimetro do SC] x 100.

    No houve correlao entre as medidas do seio coronrio e as

    variveis sexo e ECG. Observou-se diferena com tendncia estatstica

    (P=0,05) na comparao das mdias do % entre participantes com CPM

    normal versus CPM alterada, ver tabela 5 e grfico 1.

    A diferena no dimetro mximo foi de 1,1 mm (0,67 a 2,88) entre o

    grupo com CPM alterada versus CPM normal (p=0,21) e de 0,22 mm (-0,77

    a 1,41) entre o grupo com CPM alterada versus CPM normal (p=0,66).

  • 46

    TABELA 5: Comparao dos valores mdios das medidas do seio coronrio em relao s variveis sexo, alteraes no eletrocardiograma e na cintilografia miocrdica. Varivel Dimetro

    mximo

    (DP)

    Dimetro mnimo

    (DP)

    %

    (DP)

    Diferena entre as

    mdias do % (IC 95%)

    p-valor*

    Sexo Masculino n=14

    9,67 (2,42)

    4,56 (1,40)

    0,53 (0,09)

    Feminino n=19

    8,36 (1,28)

    4,28 (0,69)

    0,48 (0,09)

    0,05 (-0,02 a 0,11)

    0,16

    ECG Normal n=30

    8,87 (2,01)

    4,40 (1,1)

    0,50 (0,08)

    Alterado n=3

    8,30 (0,75)

    4,37 (0,58)

    0,47 (0,10)

    0,03 (-0,02 a 0,11)

    0,16

    Cintilografia a Normal

    n = 26 8,66

    (1,88) 4,44

    (1,08) 0,48

    (0,08)

    Alterado n= 6

    9,76 (2,12)

    4,23 (1,02)

    0,56 (0,10)

    0,08 (-0,001 a 0,16)

    0,05

    a = 1 participante do grupo 1 no realizou cintilografia miocrdica. * = p-valor corresponde ao teste de hiptese para a comparao entre as mdias do %. % = [(maior dimetro do SC menor dimetro do SC) / maior dimetro do SC] x 100. DP = desvio padro. IC = intervalo de confiana.

  • 47

    GRFICO 1: Distribuio dos valores do % do SC dos participantes com CPM normal e alterada.

    Nenhum dos participantes apresentou alterao de contratilidade

    segmentar e a disfuno diastlica do ventrculo esquerdo, avaliada pela

    relao E/A ocorreu em 5,8% (1/17) dos indivduos do grupo 1 e em 6,25%

    (1/16) dos indivduos do grupo 2. Quando avaliada pela frao de

    encurtamento (EF), a disfuno diastlica ocorreu em 11,76% (2/17) dos

    indivduos do grupo 1 e em 6,25% (1/16) dos indivduos individuo do grupo

    2.

    Quando se compararam as variveis ecocardiogrficas referentes a

    disfuno diastlica do ventrculo esquerdo em relao ao dimetro mximo

    do seio coronrio, no foi encontrada correlao significativa, ver tabela 6.

    Do mesmo modo, quando se compararam as variveis

    ecocardiogrficas que avaliam a funo diastlica do ventrculo esquerdo,

  • 48

    em relao ao (%) do seio coronrio, no se encontrou correlao, ver

    tabela 7.

    Tambm comparamos as variveis ecocardiogrficas referentes ao

    Doppler do anel tricspide, em relao ao (%) do seio coronrio, no sendo

    encontrado correlao, ver tabela 8.

    O xenodiagnstico foi realizado apenas nos indivduos que

    compunham o grupo 1 e todos apresentaram resultado negativo.

    TABELA 6: Correlao entre o dimetro mximo do seio coronrio e as variveis ecocardiogrficas que avaliam a funo diastlica do ventrculo esquerdo. Varivel Coeficiente de correlao* P-valor

    E/A Mitral -0,243 0,17

    EF Mitral 0,126 0,48 * = Coeficiente de correlao de Spearman.

    TABELA 7. Correlao entre % e as variveis ecocardiogrficas que estimam a funo diastlica do ventrculo esquerdo. Varivel Coeficiente de correlao* P-valor

    E/A Mitral - 0,045 0,80

    EF Mitral -0,101 0,57 * = Coeficiente de correlao de Spearman.

    TABELA 8. Correlao entre % e as variveis ecocardiogrficas referentes ao Doppler do anel tricspide. Varivel Coeficiente de correlao* P-valor

    Onda A - 0,05 0,79

    Relao E/A - 0,11 0,53

    Onda S 0,10 0,58

    Onda E - 0,12 0,52 * = Coeficiente de correlao de Spearman.

  • 49

    6 DISCUSSO

    Para essa investigao, inicialmente foram selecionados 20

    participantes para o grupo 1 e 19 participantes para o grupo 2. Porm

    houve trs perdas no grupo 1, sendo que um participante desistiu e dois

    foram excludos, um por ser portador de hipertenso arterial sistmica e

    outro por apresentar idade superior ao limite estabelecido.

    Por semelhante modo, no grupo 2 houve trs perdas, uma por

    impossibilidade tcnica de visibilizar o SC ao ecocardiograma, uma por

    desistncia e uma excluso por hipertenso arterial sistmica. Ao final,

    ficamos com uma amostra de 33 participantes, na composio de dois

    grupos: grupo 1, constitudo por 17 participantes com infeco chagsica e

    grupo 2, constitudo por 16 participantes sem infeco chagsica.

    O limite de idade estabelecido em 40 anos para os participantes do

    sexo masculino e em 45 anos para o sexo feminino teve por objetivo excluir

    participantes cuja idade representasse fator de risco constitucional para

    doena aterosclertica coronariana. A populao estudada apresentou

    mdia de 35,35 anos no grupo 1 e 31,25 no grupo 2, ou seja, indivduos

    jovens, com menor possibilidade de apresentar doena cardaca.

    O eletrocardiograma, um exame simples e muito utilizado em nosso

    meio, tem sido de grande valia para o estudo da doena de Chagas, graas

    a sua boa sensibilidade.

    Essa cardiopatia pode mostrar em tese, todas as alteraes

    eletrocardiogrficas possveis, apesar de que muitas so alteraes

    inespecficas, frequentes em outras cardiopatias. Neste sentido,

    (JUNQUEIRA JUNIOR, 1992) demonstrou que diversas manifestaes

    eletrocardiogrficas isoladas, podem ocorrer com a mesma frequncia em

    pessoas com e sem infeco chagsica. A associao de vrias

    manifestaes eletrocardiogrficas inespecficas nos portadores da infeco

    chagsica poderia ser considerada o inicio da cardiopatia (bordeline) e

  • 50

    determinadas manifestaes, a exemplo do BCRD e hemibloqueio anterior

    esquerdo, tem significado claramente patolgico.

    Dessa forma, constatamos que a maioria dos participantes do grupo

    1, podem no apresentar acometimento cardaco ou estarem em um estgio

    incipiente da cardiopatia, j que apenas 3 participantes apresentaram

    traado eletrocardiogrfico alterado e apenas 1 participante apresentou

    bloqueio completo do ramo direito, achado este que ao lado da sorologia

    positiva para doena de Chagas considerado por alguns como

    patognomnico da cardiopatia chagsica.

    O exame cintilografia de perfuso miocrdica (CPM) no mostrou

    diferena estatisticamente significativa entre os grupos. A CPM com tcnicas

    de medicina nuclear tem sido utilizada na fase indeterminada da doena de

    Chagas, para detectar comprometimento cardaco precoce, entretanto, em

    estudos no controlados e com resultados divergentes. Para (ABUHID et al.,

    2010), a CPM em repouso-estresse utilizando 99m Tc-MIBI no foi capaz de

    detectar precocemente alteraes miocrdicas na fase indeterminada da

    doena de Chagas. Todos os seus pacientes apresentaram perfuso normal,

    e apenas um apresentou sinais de disfuno ventricular. Ao contrrio, no

    estudo de PEIX et al. (2013), realizado com participantes previamente

    selecionados por apresentarem alterao de contratilidade segmentar

    ecocardiografia com strain, foram encontradas alteraes de perfuso e

    motilidade.

    No presente estudo, a avaliao ecocardiogrfica convencional de

    ambos os grupos mostrou que o exame foi considerado normal, apesar

    haver disfuno diastlica em 2 ou 3 participantes, dependendo do critrio

    utilizado, mas sem repercusso hemodinmica ou significncia estatstica.

    A funo diastlica do ventrculo esquerdo foi avaliada por meio das

    velocidades do fluxo mitral: relao E/A (onda E = pico de velocidade do

    enchimento rpido; onda A = enchimento tardio devido contrao atrial) e

    frao de encurtamento (EF). Estes parmetros expressam o fluxo

  • 51

    transmitral e encontram-se alterados quando existe limitao no relaxamento

    miocrdico do ventrculo esquerdo, ou seja, disfuno diastlica.

    Achamos por bem, ampliar a avaliao da funo diastlica com

    parmetros referentes ao septo e parede lateral, no havendo resultado

    significante entre os grupos estudados, ver tabela 6A e 7A (Anexo 9.3).

    O estudo ecocardiogrfico do seio coronrio por abordagem

    transtoracica foi facilmente realizado, tendo sido medido com sucesso os

    dimetros transversais mximo e mnimo, desse segmento da circulao

    venosa coronariana. Inicialmente tnhamos dvidas quanto realizao do

    presente estudo por meio de ecocardiografia transesofgica, mas o estudo

    por via transtorcica mostrou-se adequado e sem os inconvenientes de ser

    invasivo.

    No houve correlao estatisticamente significativa das variveis

    relativas aos dimetros do seio coronrio, entre os grupos estudados.

    Entretanto, a associao com tendncia estatstica entre o (%) do

    SC na ecocardiografia e a hipoperfuso na CPM, sugere que uma possvel

    disfuno do seio coronrio precede ou est presente na fase inicial do

    acometimento cardaco na doena de Chagas, na amostra estudada.

    O resultado encontrado no presente estudo pode representar o

    estgio inicial da cascata proposta por HEYNDRICKX et al., (1978), embora

    no tenhamos demonstrado todos os seus componentes. A referida cascata

    consiste em: heterogeneidade de perfuso, alterao metablica, disfuno

    diastlica do VE, discinesia regional, alteraes eletrocardiogrficas e dor

    precordial.

    Isso poderia explicar porque no obtivemos xito na pesquisa de

    disfuno diastlica na ecocardiografia, ou seja, esta aparecer num estgio

    posterior. Deve-se considerar que o processo isqumico da CCC de longa

    durao e com episdios de reperfuso. Alm disso, os participantes do

    presente estudo so jovens, com idade mdia de 35,35 e 31,25 anos entre o

    grupo dos portadores e no portadores da infeco chagsica,

    respectivamente.

  • 52

    A consequncia hemodinmica desta possvel disfuno do seio

    coronrio seria a IVC, com repercusso sobre a perfuso miocrdica,

    identificada no presente estudo pela alterao na CPM.

    O xenodiagnstico foi realizado apenas nos indivduos que

    compunham o grupo 1 e apresentou resultado negativo em todas as

    amostras, o que provavelmente se explica pelas caractersticas intrnsecas

    do mtodo, como sua baixa sensibilidade. Tambm deve-se levar em conta

    que a amostra estudada foi constituda por indivduos jovens, que em sua

    quase totalidade residem no Distrito Federal, o que pode significar menor

    tempo de permanncia em zona rural ou rea endmica, apresentando baixa

    ocorrncia de reinfeco. Alm disso, os integrantes do grupo 1, so

    assistidos periodicamente no ambulatrio de Doenas Infecciosas e

    Parasitarias do HUB e muitos destes j realizaram tratamento com drogas

    tripanomicidas. Destacamos, que um participante do presente estudo

    quando da realizao do xenodiagnstico, estava em tratamento com

    benzonidazol, que fora prescrito por profissional mdico, inadvertido da

    pesquisa em curso.

    Por tudo o que foi exposto no presente estudo, h indcios de que o

    SC possa participar no desenvolvimento da cardiopatia chagsica crnica e

    cogitamos que um possvel estado de IVC esteja associado ao

    desenvolvimento da leso vorticilar esquerda.

    Inicialmente, acreditvamos que o acometimento do VD fosse

    responsvel por um aumento na resistncia ao fluxo sanguneo no territrio

    adiante do seio coronrio, o que dificultaria a drenagem venosa pelo SC e

    possivelmente desencadearia a insuficincia venosa cardaca (IVC).

    Por isso, analisamos o Doppler do anel tricspide, no havendo

    correlao estatisticamente significativa entre o (%) do SC e as variveis

    Dopplerecocardiogrficas desta vlvula, como demonstrado na tabela 8.

    Portanto, cogitamos que na CCC possam existir alteraes prprias

    do SC.

  • 53

    LIOTTA (1971), conclui que o SC ...es entonces, una pequea

    bomba aspirante e impelente que drena el 70% de la sangre venosa

    produc