UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO...

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i UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO O DIREITO À EDUCAÇAO: A ATUAÇÃO DAS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA E DE DEFESA DA EDUCAÇAO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, ENTRE 2001 E 2007 Brasília 2008

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UNIVERSIDADE DE BRASLIA

FACULDADE DE EDUCAO

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

MESTRADO EM EDUCAO

O DIREITO EDUCAAO:

A ATUAO DAS PROMOTORIAS DE JUSTIA E DE DEFESA DA

EDUCAAO DO MINISTRIO PBLICO DO DISTRITO FEDERAL E

TERRITRIOS, ENTRE 2001 E 2007

Braslia

2008

ii

UNIVERSIDADE DE BRASLIA

FACULDADE DE EDUCAO

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

MESTRADO EM EDUCAO

O DIREITO EDUCAAO:

A ATUAO DAS PROMOTORIAS DE JUSTIA E DE DEFESA DA

EDUCAAO DO MINISTRIO PBLICO DO DISTRITO FEDERAL E

TERRITRIOS, ENTRE 2001 E 2007

Braslia

2008

iii

DISSERTAO DE MESTRADO NA REA DE CONCENTRAAO,

POLTICAS PBLICAS E GESTO DA EDUCAO, APRESENTADA

BANCA EXAMINADORA DA FACULDADE DE EDUCAO DA

UNIVERSIDADE DE BRASLIA, SOB ORIENTAO DO PROFESSOR

DR. ERASTO FORTES DE MENDONA, DA UNIVERSIDADE DE

BRASLIA.

iv

DENISE GISELE DE BRITTO DAMASCO

O DIREITO EDUCAAO:

A ATUAO DAS PROMOTORIAS DE JUSTIA E DE DEFESA DA

EDUCAAO DO MINISTRIO PBLICO DO DISTRITO FEDERAL E

TERRITRIOS, ENTRE 2001 E 2007

Dissertao apresentada ao Curso de Ps-

Graduao em Educao da Universidade de

Braslia, como requisito parcial obteno do

ttulo de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Erasto Fortes de Mendona

Braslia

2008

v

Damasco, Denise Gisele de Britto.

........ O direito educao: atuao das Promotorias de Justia e de Defesa

do Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios, entre 2001 e 2007.

Orientador: Dr. Erasto Fortes de Mendona.

Dissertao (Mestrado) - Universidade de Braslia.

Braslia, 2008. 199 p.

1.Educao. 2. Direito educao. 3. Polticas Pblicas. 4. Ministrio

Pblico. I. Damasco, Denise Gisele de Britto. II. Mendona, Erasto Fortes

de. II. Universidade de Braslia.

CDU

vi

DENISE GISELE DE BRITTO DAMASCO

O DIREITO EDUCAAO:

A ATUAO DAS PROMOTORIAS DE JUSTIA E DE DEFESA DA

EDUCAAO DO MINISTRIO PBLICO DO DISTRITO FEDERAL E

TERRITRIOS, ENTRE 2001 E 2007

Dissertao apresentada ao Curso de Ps-

Graduao, em Educao, da Universidade de

Braslia, como requisito parcial obteno do

ttulo de Mestre.

COMISSO EXAMINADORA

______________________________________________

Prof. Dr. Erasto Fortes de Mendona

Faculdade de Educao da Universidade de Braslia

______________________________________

Prof. Dr. Regina Vinhaes Gracindo

Faculdade de Educao da Universidade de Braslia

______________________________________

Prof. Dr. Alexandre Bernardino Costa

Faculdade de Direito da Universidade de Braslia

______________________________________

Prof. Dr. Maria Abdia da Silva

Faculdade de Educao da Universidade de Braslia

Braslia, 30 de maio de 2008

vii

Neyde, minha me

que me ensinou o valor de nossa escola pblica.

E ao Carlos, meu pai,

que partiu alguns meses antes do trmino desse trabalho.

viii

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Erasto Fortes de Mendona, meu respeito e admirao pela lucidez e

competncia com que me orientou, contribuindo para o meu crescimento acadmico.

Professora Maria Abdia da Silva pelo valioso apoio e sugestes em todos os momentos

dessa pesquisa, despertando em mim o interesse pela pesquisa em educao.

Professora Regina Vinhais Gracindo pelas relevantes contribuies feitas durante o Exame

de Qualificao. E aos Professores da Faculdade de Educao da UnB pelas discusses e

seminrios que muito contriburam para minha formao.

s Professoras Denise Bomtempo, Ivanete Boschetti e aos colegas do programa de Ps-

Graduao em Poltica Social da UnB do Departamento de Servio Social que me acolheram

e compartilharam comigo suas pesquisas, sobretudo no que se refere ao tema relacionado s

polticas pblicas.

Aos Professores Alexandre Bernardino Costa e Menelick de Carvalho Neto que possibilitaram

minha integrao aos grupos de estudos da Ps-Graduao em Direito da UnB.

Principalmente porque me fizeram descobrir a obra de Roberto Lyra Filho e juntamente com

os colegas da Ps dessa Faculdade compreender o Direito Achado na Rua.

Aos colegas do Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Educao com quem tive a

oportunidade de conviver e debater. Agradeo Jacqueline pela generosa leitura da verso

final trabalho e a Leila, Claudia Denis, Anglica, Daniel pelos encontros semanais. Sentirei

saudades!

Aos Promotores de justia e demais membros do Ministrio Pblico do Distrito Federal e

Territrios pela ateno com que me receberam, disponibilizando seu tempo e dados para essa

pesquisa.

Secretaria de Estado de Educao do Distrito Federal, pelo afastamento remunerado de

atividades de gesto e docncia, durante um ano e quatro meses. Agradeo Zez e aos

professores e alunos do CIL de Braslia sem os quais esse tema de pesquisa no teria sentido.

Aos amigos Hel e Dianese, Ana Lu, Circe e Gcia que me apoiaram na etapa de preparao

ao exame de seleo do mestrado. Ana Beatriz e Luisa que me aproximaram das Proeduc.

A Maria Helena pelo incentivo semanal. E aos amigos da Aliana Francesa que me apoiaram

na fase final desse trabalho.

Aos meus familiares, irmos, primas, bem como aos meus filhos Daniel, Gustavo e Mariana

pela pacincia e compreenso nos momentos de ausncia. E ao meu esposo Ronan pelo amor

incondicional em todos os momentos.

ix

DAMASCO, Denise Gisele de Britto. Direito educao: a atuao das Promotorias de

Justia e de Defesa da Educao do Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios, entre

2001 e 2006. 2008. Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade de Braslia.

RESUMO

O presente estudo verifica e analisa a atuao das Promotorias de Justia e de Defesa da

Educao do Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios (Proeduc), entre os anos de

2001 e 2007 na garantia do direito educao. Para tanto, foram analisadas sessenta e quatro

Recomendaes Pblicas expedidas por essas instituies nesse perodo. Os fundamentos

tericos do estudo so: o papel do Estado para as Polticas Pblicas Educacionais; o direito

educao na legislao brasileira e o direito educao, como um direito social, em especial

desenvolvido a partir da teoria intitulada: direito achado na rua. Verificou-se tambm como

o Ministrio Pblico brasileiro e as duas Proeduc estruturam-se para garantir esse direito.

Nessa pesquisa utilizou-e uma abordagem qualitativa e anlise documental das

Recomendaes. Fez-se uso tambm de entrevistas semi-estruturadas com quatorze

Promotores de justia do Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios (MPDFT) que

atuaram nas Proeduc ou participaram da comisso de criao das mesmas. Constataram-se

trs fases de atuao das Proeduc: entre os anos de 2001 e 2002, perodo de implantao da

primeira Proeduc e atuao ampla em funo de denncias; entre os anos 2003 e 2005,

perodo de criao da segunda Proeduc, marcado por embates e maior judicializao dos

conflitos; e entre os anos 2006 e 2007, perodo de atuao extrajudicial. Verificou-se tambm

alguns limites das Proeduc como, por exemplo: a rotatividade de Promotores de justia e o

dilema entre a atuao prioritria em questes maiores (relacionadas s polticas pblicas) ou

em questes menores (relacionadas ao direito individual). Como principais resultados da

anlise documental das sessenta e quatro Recomendaes, percebeu-se a atuao das Proeduc

no sentido de garantir: a) o acesso educao no DF; b) a permanncia na escola com

qualidade de ensino; c) a participao na gesto escolar; d) e a natureza pblica da escola.

Conclui-se que as Proeduc e suas Recomendaes podem contribuir para uma educao de

qualidade quando fortalecem instncias de participao coletiva da comunidade escolar.

Palavras-chave: direito educao; polticas pblicas educacionais; Ministrio Pblico

x

DAMASCO, Denise Gisele de Britto. Direito educao: a atuao das Promotorias de

Justia e de Defesa da Educao do Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios, entre

2001 e 2006. 2008. Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade de Braslia.

ABSTRACT

The present study verifies and analyzes how the Public Prosecution Service of the Federal

District and its Territories acted through its Justice and Education Defense Prosecution

Offices between the years 2001 and 2007 to guarantee the basic right to education. All sixty

four Public Recommendations issued by those Offices were analyzed to subsidize the study.

The theoretical fundamentals of the study are: the role of the State in the Public Educational

Policies; the right to education in the Brazilian legislation and the right to education as a

social right, in special, the concept developed on the theory called the law we can find in the

streets. It was also verified how the Public Prosecution Service and its Offices were

organized to guarantee the right to education. The research used a qualitative approach and

documental analysis of the Public Recommendations. Fourteen interviews were also

conducted with Public Prosecutors. Three different phases were clearly distinguished in the

study: between the years 2001 and 2002, when the first Office was established, that Office

largely acted against accusations; between the years 2003 and 2005, when the second Office

was established acting mostly in judicial disputes; and finally between the years 2006 and

2007, period of extrajudicial actuation. Some limitations of those Offices could also be

observed, for example: the turn-over rate of the Justice Prosecutors and the dilemma to

prioritize bigger issues (related to public policies) versus minor issues (related to the

individual rights). As result of the analysis of the documentation it was clearly demonstrated

that the Public Prosecution Services Offices acted to guarantee: a) access to education in the

Federal District; b) permanence in the school and its quality; c) participation in the schools

administration; d) the public nature of the schools. The conclusion is that those Offices and

their Public Recommendations can contribute to increase the quality of the education as they

encourage the participation in the schools community.

Key-words: right to education; public educational policies; Public Prosecution Service.

xi

ABREVIATURAS

ABESC Associao Brasileira das Escolas Superiores Catlicas

Abrinq Associao Nacional de Fabricantes de Brinquedo

AEC Associao Brasileira de Educao Catlica

AGU Advocacia Geral da Unio

ANPAE Associao Nacional de Poltica e Administrao da Educao

ANPEd Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao

APAM Associao de Pais, Alunos e Mestres

APM Associao de Pais e Mestres

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BM Banco Mundial

CEDF Conselho de Educao do Distrito Federal

CNEC Campanha Nacional das Escolas da Comunidade

CF Constituio Federal

COMDICA Conselho Municipal de Promoo e Defesa dos Direitos da Criana e do

Adolescente da Cidade de Recife

CONAMP Associao Nacional dos Membros do Ministrio Pblico

CNMP Conselho Nacional dos Ministrios Pblicos

CNPG Conselho dos Procuradores-Gerais dos Ministrios Pblicos dos Estados e

da Unio

CONSED Conselho Nacional de Secretrios de Educao

DETRAN Departamento de Trnsito Nacional

DF Distrito Federal

DIF Diretoria de Inspeo e Fiscalizao

ECA Estatuto da Criana e do Adolescente

EJA

ERB

Educao de Jovens e Adultos

Estao Rdio Base

FENEM Federao Nacional dos Estabelecimentos de Ensino

FUNDEF Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

Valorizao do Magistrio

INEP

INSS

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

Instituto Nacional do Seguro Social

xii

LDBN Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

MIEIB Movimento Interfruns de Educao Infantil do Brasil

MP Ministrio Pblico

MPDFT Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios

MPE Ministrio Pblico Estadual

MPF Ministrio Pblico Federal

MPU Ministrio Pblico da Unio

PIP Procedimento Investigativo Preliminar

PDDE Programa de Dinheiro Direto na Escola

PDRF Programa de Descentralizao de Recursos Financeiros

PROCIDAD Promotoria de Justia e de Defesa da Comunidade

PRODECON Promotoria de Justia e de Defesa do Consumidor

PRODEMA Promotorias de Justia e de Defesa do Meio Ambiente e Patrimnio

Cultural do Distrito Federal

PRODEP Promotorias de Justia e de Defesa do Patrimnio Pblico e Social

PRODIDE Promotoria de Justia e de Defesa da Pessoa Idosa e da Pessoa com

Deficincia

PROEDUC Promotoria de Justia e de Defesa da Educao do Ministrio Pblico do

Distrito Federal e Territrios

PROFIDE Promotoria de Justia e de Defesa da Filiao

PROSUS Promotoria de Justia e de Defesa da Sade

PROURB Promotoria de Justia e de Defesa da Ordem Urbanstica

PR-VIDA Promotoria de Justia Criminal da Defesa dos Usurios de Servios de

Sade

SEEDF Secretaria de Estado de Educao do Distrito Federal

SENAC Servio Nacional de Aprendizagem Comercial

STF Supremo Tribunal Federal

SUBIP Subsecretaria de Inspeo Pblica

TAC Termo de Ajustamento de Conduta

TCDF Tribunal de Contas do Distrito Federal

UnB

UNE

UMESB

Universidade de Braslia

Unio Nacional dos Estudantes

Unio Metropolitana dos Estudantes Secundaristas de Braslia

xiii

LISTA DE TABELAS

Tabela 01 Anlise documental das Recomendaes: (identificao

/ data / reclamante / autor / tema).....................................

194

Tabela 02 Anlise documental das Recomendaes: (direito

violado / deciso/ destinatrio / prazo).............................

196

Tabela 03 Anlise documental das Recomendaes: (categoria

classificatria / pblico-alvo / etapa e modalidade).........

198

LISTA DE GRFICOS

Grfico 01 Quantitativo de Recomendaes por categorias

classificatrias....................................................................

132

Grfico 02 Escolaridade dos quatorze Promotores entrevistados

quanto Educao Bsica.................................................

179

Grfico 03 Escolaridade dos quatorze Promotores entrevistados

quanto Educao Superior..............................................

180

LISTA DE QUADROS

Quadro 01 Recomendaes referentes garantia de acesso

educao.............................................................................

134

Quadro 02 Recomendaes referentes garantia de permanncia

com qualidade na escola...................................................

137

Quadro 03 Recomendaes referentes garantia de participao na

gesto escolar....................................................................

144

Quadro 04 Recomendaes referentes garantia do espao fsico na

escola pblica....................................................................

151

Quadro 05 Procedimentos de contato com Promotores de Justia que

no foram entrevistados.............................................

177

Quadro 06 Procedimentos de contato com Promotores

entrevistados......................................................................

177

Quadro 07 Perfil dos Promotores de justia entrevistados................. 179

Quadro 08 Tempo de durao das entrevistas e das gravaes........... 181

Quadro 09 Questes de pesquisa/roteiro de pesquisa/objetivos da

pesquisa..............................................................................

184

Quadro 10 Quantidade de Recomendaes expedidas entre 2001 e

2001 pelas Proeduc e numero de pginas.........................

192

Quadro 11 Caractersticas gerais das Recomendaes entre 20001 e

2007...................................................................................

193

xiv

SUMRIO

APRESENTAO ....................................................................................................... 01

CONSIDERAOES INICIAIS ................................................................................... 04

1 Problematizao e proposio do objeto ............................................................... 04

1.1 A educao como um direito ................................................................................. 05

1.2 Direito humano educao.................................................................................... 07

1.3 O direito achado na rua.......................................................................................... 09

2 Objetivos da pesquisa............................................................................................. 12

2.1 Objetivo geral......................................................................................................... 12

2.2 Objetivos especficos.............................................................................................. 12

3 Fundamentos metodolgicos.................................................................................. 12

3.1 Categorias de anlise e categorias classificatrias da pesquisa............................. 14

3.2 Abordagem geral da pesquisa................................................................................ 17

3.3 Coleta das entrevistas semi-estruturadas e sistematizao dos dados.................... 19

3.4 Percurso da anlise documental das Recomendaes entre 2001 e 2007.............. 20

CAPTULO I - AS POLTICAS PBLICAS EDUCACIONAIS E O DIREITO

EDUCAO NO BRASIL

Introduo.......................................................................................................................... 24

1 O papel do Estado na compreenso de polticas pblicas....................................... 24

1.1 O Estado brasileiro: movimentos e legislao......................................................... 30

2 As polticas pblicas educacionais no Brasil: lutas, limites e avanos................... 35

2.1 Direito cidadania................................................................................................... 43

Concluso do Captulo I.................................................................................................... 45

CAPTULO II O MINISTRIO PBLICO BRASILEIRO

Introduo.......................................................................................................................... 47

1 Ministrio Pblico: origens e nome.................................................................. 47

2 Evoluo histrica e mudana no ordenamento legal do Ministrio Pblico

no Brasil.............................................................................................................

49

3 O ECA, Conselho Tutelar e Conselhos de Direitos........................................... 54

xv

4 Ministrio Pblico e o Poder Judicirio............................................................ 57

5 Ministrio Pblico e o Poder Executivo............................................................ 60

6 Princpios institucionais e garantias funcionais................................................. 62

7 Ministrio Pblico: contra o Estado e defensor do Estado................................ 66

8 Instrumentos de atuao do Ministrio Pblico................................................ 68

9 Ministrio Pblico da Unio: estrutura e composio....................................... 71

9.1 Promotorias comuns e Promotorias especializadas........................................... 72

9.2 A estrutura organizacional do Ministrio Pblico: Promotor de justia,

Promotor Ajunto de justia e Procurador.........................................................

76

Concluso do Captulo II.................................................................................................... 82

CAPTULO III AS PROMOTORIAS DE JUSTIA E DE DEFESA DA EDUCAO

DO MINISTRIO PBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITRIOS ENTRE 2001 E

2007

Introduo............................................................................................................................. 84

1 Criao da primeira Proeduc: contexto poltico no Ministrio Pblico do Distrito

Federal e Territrios......................................................................................................

84

2 A estrutura de funcionamento das Proeduc................................................................... 90

3 Atuao das Proeduc entre 2001 e 2007....................................................................... 93

4 As Proeduc e os rgos do sistema educacional do Distrito Federal............................ 102

5 Proeduc: limites e avanos............................................................................................ 108

Concluso do Captulo III.................................................................................................... 114

CAPTULO IV AS RECOMENDAES PBLICAS EXPEDIDAS PELAS PROEDUC

ENTRE 2001 E 2007

Introduo........................................................................................................................ 116

1 A Recomendao pblica: legislao, terminologia, limites e possibilidades......... 116

2

Elaborao de uma Recomendao pblica: origem, fundamentao legal,

autores, destinatrios e resultados............................................................................

125

3 As Recomendaes pblicas expedidas entre 2001 e 2007..................................... 129

3.1 A atuao da Proeduc na garantia do acesso educao......................................... 133

3.2 A atuao da Proeduc na garantia da permanncia com qualidade na escola.......... 136

3.3 A atuao da Proeduc na garantia de participao na gesto escolar...................... 143

3.4 A atuao da Proeduc na garantia da natureza pblica da escola pblica............... 150

Concluso do Captulo IV............................................................................................... 158

CONSIDERAES FINAIS

Introduo.......................................................................................................................... 159

xvi

1 A atuao das Proeduc no sentido de promover o direito educao no DF........ 159

2 Princpios de direito educao no DF a partir das Recomendaes e

entrevistas............................................................................................................... .

162

3 A relao entre gesto escolar, participao e as Proeduc entre 2001 e 2007...... 163

REFERNCIAS ................................................................................................................ 166

ANEXOS

Anexo 01 Relatrio de pesquisa: estrutura fsica do MPDFT.................................... 174

Anexo 02 Relatrio de pesquisa: contatos e agendamentos das entrevistas com

Promotores de justia.................................................................................

176

Anexo 03 Relatrio de pesquisa: perfil dos Promotores de justia entrevistados...... 179

Anexo 04 Relatrio de pesquisa: durao das entrevistas semi-estruturadas e das

gravaes....................................................................................................

181

Anexo 05 Roteiro final de entrevista semi-estruturada............................................... 183

Anexo 06 Questes de pesquisa / Roteiro de entrevistas / Objetivos da pesquisa..... 184

Anexo 07 Temas analisados a partir das entrevistas semi-estruturadas realizadas

com Promotores de justia do MPDFT......................................................

185

Anexo 08 Recomendaes expedidas pelas Proeduc entre 2001 e 2007.................... 188

Anexo 09 Relatrio de pesquisa: quantidade de Recomendaes expedidas entre

2001 e 2007 pelas Proeduc.........................................................................

192

Anexo 10 Relatrio de pesquisa: caractersticas gerais das Recomendaes entre

2001 e 2007................................................................................................

193

Anexo 11 Anlise documental das Recomendaes................................................... 194

1

APRESENTAO

Esta pesquisa integra o Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Educao

Universidade de Braslia, rea de concentrao: Polticas Pblicas e Gesto da Educao, na

linha de pesquisa: Polticas Pblicas e Gesto da Educao Bsica e faz parte do Ncleo de

Pesquisa em Poltica e Gesto da Educao.

O tema dessa pesquisa o direito educao e sua garantia analisada por meio das

Recomendaes pblicas expedidas pelas duas Promotorias de Justia e de Defesa da

Educao do Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios Proeduc, entre 2001 e

2007. As Recomendaes1 so um dos instrumentos de atuao do Ministrio Pblico em que

essa instituio emite um documento visando melhoria dos servios pblicos e de

relevncia pblica, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe

promover, fixando prazo razovel para a adoo das providncias cabveis2.

Esse tema decorre de uma experincia de gesto escolar realizada entre 2002 e

2006, em uma escola da Rede Pblica do Distrito Federal. Nessa ocasio convivemos com as

Proeduc, por meio do recebimento de Recomendaes pblicas, de notificaes3, requisies

4

e solicitao de dados, de informaes, por meio de convocaes para participao em oitivas

e procedimentos investigativos. Questionvamos freqentemente: as Proeduc favorecem a

participao dos cidados para que as polticas pblicas educacionais garantam o direito

educao no Distrito Federal? As Proeduc tm influenciado a gesto escolar, em nvel local, e

a elaborao e implementao das polticas pblicas educacionais, em nvel regional?

Aos anseios provenientes dessa reflexo pessoal durante a experincia de gesto

escolar somaram-se trs outras razes e motivaes que nos estimulam a aprofundar o tema

desse estudo. So motivaes de trs ordens e caracterizam-se como polticas, sociais e

acadmicas. A primeira razo, ao desenvolver essa pesquisa, refere-se afirmao da

educao como um direito humano e defesa de uma poltica pblica que reafirme a natureza

pblica da educao.

_____________ 1Lei Complementar n 75, de 20 de maio de 1993. 2Lei 75/93, art. 6, inciso XX. 3Segundo Mazzilli (2001) as notificaes so verdadeiras intimaes por meio das quais o membro do Ministrio

Pblico faz saber a algum que deseja ouvi-lo, em dia, hora e local indicados com antecedncia razovel,

respeitadas as prerrogativas legais e o direito de algumas autoridades de marcar dia e hora para serem ouvidas.

Em caso de desatendimento notificao, poder ser determinada a conduo coercitiva. 4Segundo Mazzilli (2001), as requisies de documentos ou informaes destinam-se a atender s necessidades

2

A segunda razo para desenvolver essa pesquisa est relacionada motivao

social. Acreditamos que a importncia dessa pesquisa se d pelo fato de o tema estar

diretamente relacionado aos direitos sociais, especificamente o direito educao, assegurado

pela legislao brasileira a todos os cidados, mas que tem sido muitas vezes negado na

prtica.

A terceira razo para efetivao dessa pesquisa est relacionada razo

acadmica. Isso porque temos encontrado uma vasta quantidade de pesquisas relacionadas ao

Ministrio Pblico como uma instituio, em geral e em menor quantidade, pesquisas com

enfoque no direito educao e nas Promotorias de justia. Constatamos em um levantamento

preliminar realizado em 2006 que, at essa data, na Faculdade de Educao da Universidade

de Braslia, houve muitos estudos sobre a mobilizao social e a luta social pelo direito

educao. Entretanto, sem o enfoque na ao de instituies pblicas relacionadas ao

Ministrio Pblico. Outra justificativa acadmica para essa pesquisa foi a possibilidade de um

dilogo interdisciplinar durante o curso de mestrado, pois o tema direito educao envolveu

leituras na rea da poltica social5 e na rea de direito

6. Esse dilogo interdisciplinar e as

reflexes provenientes do mesmo aconteceram durante todo percurso de nossa pesquisa.

Estimulados pelas leituras relacionadas ao direito educao, s polticas pblicas

educacionais e a teoria do Direito Achado na Rua7, colocamo-nos a principal questo dessa

pesquisa: em que consiste a atuao das Promotorias de Justia e de Defesa da Educao do

Distrito Federal e Territrios, no sentido de promover o direito educao, no perodo de

2001 a 2007? Para responder a essa questo procedemos a entrevistas com Promotores do

Ministrio Pblico do Distrito Federal e a anlise das Recomendaes expedidas nesse

perodo, organizando-as em quatro grupos, segundo a atuao das Proeduc: a) atuao pela

garantia de acesso educao; b) atuao pela garantia de permanncia com qualidade na

escola; c) atuao pela garantia de participao na gesto escolar; d) e atuao pela garantia

da natureza pblica da escola: discusso a respeito das parcerias e de concesses que tm sido

feitas ao longo dos anos, bem como a entrada dos grupos privados na educao pblica.

Essa dissertao est estruturada em quatro captulos. No primeiro captulo da

mesma apresentamos o papel do Estado na compreenso de polticas pblicas e o direito

investigatrias do Ministrio Pblico. 5Leituras referentes ao conceito, definio, tipos e anlise de polticas pblicas e sobre o papel do Estado dentro

das polticas sociais. 6Leituras referentes ao Direito Achado na Rua de Lyra Filho, sobre direito constitucional e filosofia poltica. 7Principais vertentes investigativas do Programa de Ps-Graduao em Direito da Universidade de Braslia, em

articulao com o grupo de pesquisa da mesma faculdade: Sociedade, Tempo e Direito.

3

educao no Brasil. No segundo captulo e terceiro captulo tratamos do Ministrio Pblico da

Unio e das duas Promotorias de Justia e de Defesa da Educao do Ministrio Pblico do

Distrito Federal e Territrios - MPDFT respectivamente. No quarto captulo enfocamos a

anlise das Recomendaes pblicas entre 2001 e 2007. Destacamos que as falas dos

Promotores entrevistados do MPDFT permeiam todo o texto dessa dissertao.

4

CONSIDERAES INICIAIS

A presente pesquisa analisa a atuao das Promotorias de Justia e de Defesa da

Educao do Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios Proeduc - entre 2001 e

2007. Uma das maneiras de atuao dessas Promotorias acontece por meio de

Recomendaes expedidas, instrumento previsto na legislao do Ministrio Pblico.

Pretendemos identificar e analisar se as sessenta e quatro Recomendaes pblicas expedidas

propiciaram mudana em algum aspecto das polticas pblicas educacionais existentes, na

reverso dos problemas nelas identificados e, finalmente, se contriburam para a garantia do

direito educao no Distrito Federal - DF, entre 2001 e 2007.

O tema dessa pesquisa o direito educao compreendido como um direito

humano e social, analisado em um contexto especfico: Distrito Federal entre 2001 e 2007. O

recorte de nossa pesquisa demarcou a Proeduc, com suas duas Promotorias especializadas em

educao e a Secretaria de Estado de Educao do DF SEEDF como representante do Poder

Executivo local.

1 Problematizao e proposio do objeto

Ao problematizarmos o tema de nossa pesquisa, direito educao, consideramos

que o mesmo engloba dois conceitos convergentes: direito e educao. Ambos os conceitos

encerram constantes lutas em nossa sociedade. Concebemos nossa sociedade como

contraditria, dividida em classes com interesses opostos, sendo o Estado e a sociedade

como espaos contraditrios, ainda que exista uma hegemonia conservadora. (Behring e

Boschetti, 2006, p.198). Explorar essas contradies, segundo as autoras, disputar espaos e

lutar pela hegemonia, buscando construir a contra-hegemonia.

O direito e a educao em nosso estudo so considerados como um devir, um

processo contextualizado em um momento histrico e em movimento. Concordamos ainda,

com Behring e Boschetti quando as autoras afirmam que uma viso histrico-processual da

realidade significa

[...] reconhecer os limites dados pela estrutura econmica capitalista, mas

devemos acreditar que todas as coisas e todas as idias se movem, se transformam e se desenvolvem, porque so processos. Entretanto, s se

tornam processos pela ao do homem e mulheres, sujeitos coletivos

5

capazes de transformar a histria e tecer cotidianamente as condies

objetivas e subjetivas necessrias para materializ-lo. (idem, p.198)

Assim, o direito e a educao possuem uma caracterstica que os aproxima:

movimento e processo. Esse movimento e processo implicam em reconhecer, fortalecer as

instituies democrticas e suas articulaes com movimentos sociais, no se lanando

individualmente ou isoladamente e sim articulando e se aliando com aqueles que sofrem todo

tipo de opresso: racial, econmica e de classe, sexual, gnero, entre outras.

Nessa perspectiva de movimento e processo, reconhecemos a educao como um

tema terico, ideolgico e prtico. Igualmente, o direito um tema presente no apenas nos

trabalhos jurdicos, mas de todos aqueles que se preocupam com a qualidade da vida cotidiana

dos indivduos, dos grupos sociais e de toda a nossa sociedade. Ao tratarmos do direito

educao refletimos sobre a educao como um direito, o direito humano educao e o

direito como um processo.

1.1 Educao como um direito

A educao como um direito encerra uma dimenso de luta em nosso pas.

Bobbio8 afirma que no trata apenas de definir

9 ou fundamentar os direitos do homem, mas

proteg-los. No basta compreender a educao como um direito, para que ela se realize.

Segundo Ihering (2006)10

o meio pelo qual temos nos servido para conseguir direitos e

proteg-los sempre foi a luta.

Cury afirma que todo avano da educao escolar alm do ensino primrio foi

fruto de lutas conduzidas por uma concepo mais democrtica da sociedade em que se

postula ou a igualdade de oportunidades ou a igualdade de condies(Cury, 2002, p. 09).

Essa dimenso engloba lutas contnuas por instncias mais democrticas nas escolas, pela

qualidade do ensino, contra o individualismo que descaracterizam o espao coletivo e luta por

_____________ 8Bobbio entende que uma coisa o direito atual; outra, um direito potencial, pois uma coisa ter um direito

reconhecido e conseqentemente protegido. Outra coisa ter um direito que deve ser (BOBBIO, 2004, p. 97).

Para esse autor o problema que se apresenta decorrente disso poltico em seu sentido mais amplo, pois mesmo

que esse direito seja garantido por escrito, ele tem sido constantemente violado. 9Uma das dificuldades para se conceituar direito so as falsas imagens relacionadas ao direito. Ewald (1986)

afirma que h uma grande confuso sobre o direito, sobre aquilo que pode ou no pode ser o direito. A questo

importante saber se o direito ou no um instrumento de opresso de uma classe sobre outra ou se o direito

um modo de lutar contra as dominaes abusivas. 10Esse autor lembra que a vida do direito a luta, quer seja luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos

indivduos. Para o autor, o direito no uma simples idia, mas uma fora viva. Da a imagem da justia que

sustenta em uma das mos a balana com que pesa o direito, enquanto na outra segura a espada por meio da qual

6

justia social11

.

Acquaviva (2006) entende que a idia de justia social foi antecipada por

Aristteles12

quando o mesmo enuncia o princpio de justia distributiva. Define tambm

justia distributiva como uma diviso proporcional dos bens a cada indivduo conforme suas

necessidades. A comunidade distribui entre seus membros a aplicao dos recursos da

coletividade. Esse autor lembra que esse o princpio de isonomia da Constituio Federal de

1988, em seu artigo 5.

Balaud (2007) entende a justia como nico valor a ser perseguido pela

coletividade. Esse autor questiona se a justia tem como destinao o bem humano ou

somente torn-lo possvel13

. Compreende assim, a justia como um objetivo da coletividade.

Enfatizarmos a importncia da coletividade, tendo em vista a importncia do

carter social do homem. Esse carter foi tambm estudado por Kosik. Conforme esse autor o

carter social do homem se desvela quando o mesmo demonstra sua realidade na produo e

reproduo da vida social (Kosik, 1976, p. 126). Assim, o homem como ser histrico-social

produz: a) os bens materiais, cujo fundamento o trabalho; b) as relaes e as instituies

sociais; c) as idias, as concepes, as emoes, as qualidades humanas e os sentidos

humanos correspondentes.

A justia e sua relao com a educao vista como complexa por Estevo (2001)

na medida em que a escola uma organizao plural. Na escola h uma vida social baseada

em compromissos entre os vrios mundos. Esses mundos vivenciam situaes de litgios,

com a necessidade de uma coordenao e uma ao concreta para que funcionem. Essa

diversidade de mundos provoca a ampliao e contextualizao da noo de justia.

Em quase todas as posies tericas existentes, h concordncia de que o processo

educacional ocorre por meio de instituies que se tornam porta-vozes de uma determinada

doutrina pedaggica. Estevo entende que educao transforma a escola em um frum pblico

que ao ter acesso, seus atores se transformam em sujeitos de direito. Para esse autor, o acesso

o defende. 11O conceito de justia social importante porque o Ministrio Pblico um elemento essencial justia,

segundo a Constituio Federal de 1988. O artigo de Balaud, intitulado Instituir o Bem em que o autor admite

a impossvel conciliao do bem individual e do justo coletivo. Esse debate poltico, segundo o autor,

polarizado entre a liberdade e a justia, remetendo questo do bem na esfera individual e privada, consagrando

a questo da justia como o nico valor susceptvel de ser perseguido pela coletividade- traduo nossa.

(BALAUD, 2007, p.09) 12Aristteles diz que dem as coisas iguais aos iguais e coisas desiguais aos desiguais; se so pessoas desiguais,

no se lhes deve dar coisas iguais. (ACQUAVIVA, 2006, p. 510) 13Balaud afirma que: Reste alors savoir si la justice a pour destination de configurer le bien humain, ou

seulement de rendre possible sa ralisation. (BALAUD, 2007, p. 33)

7

ao pblico uma condio de cidadania e um sinal da pujana de uma democracia

verdadeiramente deliberativa (Estevo, 2006, p.15). Reduzir espaos pblicos significa

reduzir a democracia, equivalendo perda do acesso igualdade e, portanto, cidadania.

Esse autor destaca ainda, a democracia como processo que cria um espao pblico,

que discute o bem comum em vez de promover o bem privado. Acrescenta que as prticas

democrticas deliberativas exigem ir alm do voto, mobilizando a capacidade de questionar e

mudar as preferncias anteriormente fixadas.

Estevo compreende que a educao um dos lugares naturais de aplicao,

consolidao e expanso dos direitos humanos, cuja negao prejudicial para o princpio

democrtico da igualdade civil e poltica. A educao no pode estar alheia de sua

contribuio para criar espaos pblicos mais democrticos, espaos em que haja um dilogo

pblico, espaos de aprendizagem em direitos humanos. Alerta para o enfraquecimento da

luta pelos direitos humanos em geral quando os interesses pblicos e privados tendem

incestuosamente a contaminar-se e a fundir-se (Estevo, 2006, p.12). Isso ocorre quando o

Estado se transforma em um quase-Estado, refm de lgicas mercadolgicas e empresariais e

se posiciona de forma ambgua no que diz respeito aos direitos humanos.

1.2 Direito humano educao

O direito humano educao nos traz a convico de que a educao alm de ser

um direito do cidado antes um direito fundamental dos homens e das mulheres. Faz parte

do conjunto de direitos que conferem a todo ser humano a sua dignidade e a sua condio de

ser respeitado. Assim, a educao como um direito humano reconhece a necessidade de uma

vida digna.

Ao problematizarmos o direito humano educao compreendemos que a

dignidade da vida humana requer condies concretas para que esse se realize, exigindo

condies sociais, culturais, econmicas, ambientais e polticas. Isso porque o homem no

uma mercadoria, ele no tem preo, ele tem valor. Assim,

[...] a educao como um direito humano significa reconhecer a exigncia

de um lado e a garantia de outro para um acesso universal, igualitrio e

qualificado no apenas ao saber e ao conhecimento, mas s mltiplas

expresses da cultura, do acesso s condies de ser histrico e cidado. Sem o direito educao fica mais complicado o direito sade, justia e

participao poltica. (BENEVIDES, 2007)

8

A Conferncia proferida por Benevides na abertura do Seminrio Direito

Humano Educao e seus novos desafios reafirmou que a educao que queremos uma

educao no sentido de formao para o pleno desenvolvimento das capacidades fsicas e

intelectuais de todo ser humano. uma educao que humaniza e que tem a solidariedade

como uma virtude poltica, uma exigncia da vida pblica democrtica, e no como uma

caridade. Precisamos da contribuio de todos para o bem comum e reconhecer que todos so

sujeitos desse direito. Com o esgaramento do direito, poderemos abandonar a herana de

se reconhecer direitos e privilgios para os de cima e favor para os de baixo (Benevides,

2007).

Compreender a educao como um direito humano significa compreender o direito

educao em sua plenitude, paralelamente alargando o foco do direito. Para Lyra Filho, isso

significa abranger as presses coletivas provenientes da sociedade civil, das instituies no

ligadas ao Estado, de grupos oprimidos, de determinados sindicatos, partidos, setores de

igrejas e de outras associaes de engajamento mais progressista. Lyra Filho (1982) alerta que

aprisionar o direito torn-lo um conjunto de normas estatais e padres de conduta impostos

pelo Estado. Assim, esse autor destaca que a legislao14

surge a partir do tipo de Estado que

se tem. Verificamos na prtica que apesar de o Estado ter inmeros diplomas legais pelo o

direito humano educao, o mesmo no garantido amplamente.

Ao fazermos o levantamento bibliogrfico sobre o direito educao, observamos

que h dois grupos de artigos relacionados ao direito educao. Primeiramente, h artigos

produzidos por membros do poder judicirio, socilogos, cientistas polticos, encontrados em

revistas e peridicos relacionados ao Ministrio Pblico, ao Poder Judicirio e s Cincias

Sociais. Em segundo lugar, h artigos produzidos por educadores, encontrados em revistas e

peridicos da rea educacional15

.

_____________ 14Para Cury a legislao, ento, uma forma de apropriar-se da realidade poltica por meio das regras

preparadas, tornadas pblicas, que regem convivncia social de modo a suscitar o sentimento e a ao da

cidadania. [...] Pode significar ainda ato pelo qual se produz as leis, podendo significar tambm o conjunto das leis ou mesmo a regra jurdica dentre de um mandato atribudo pelo povo a um representante eleito para um dos

poderes (CURY, 2002, p. 15). 15Para exemplificar temos a autora Nina Ranieri. Suas obras relacionadas ao direito educao esto mais

direcionadas ao direito educao superior. Em nosso estudo trabalhamos o direito educao no mbito da

Educao Bsica, porm muito vlido tomarmos como contribuio terica exemplos do ensino superior.

Ranieri apresenta um exemplo elucidativo da relao entre Estado e a educao superior no Brasil. A autonomia

e o controle so palavras-chave de todo esse processo: a medida de um e de outro depende do grau de

interveno desejado pela poltica pblica, determinada basicamente pela Unio (RANIERI, 2000, p. 260).

Quando h correo pelo Judicirio, por via incidental ou pelo controle abstrato de inconstitucionalidade,

visando preservao e a garantia de direitos individuais, coletivos e institucionais, pode ocorrer ainda segundo

9

O tema direito Educao Bsica tem sido estudado por Cury (2002), Oliveira

(2002) e Boto (2005). Observamos que esses estudos apresentam a legislao brasileira,

movimentos e lutas, sendo que Boto (2005) relaciona o direito educao s trs geraes do

direito. H tambm estudos realizados por educadores em relao ao ordenamento jurdico de

determinadas etapas da Educao Bsica. Citamos o artigo de Marchand (2007)16

Direito ao

ensino mdio no ordenamento jurdico brasileiro. A autora apresenta o histrico e os avanos

na legislao referente ao ensino mdio.

Encontramos apenas uma defesa de dissertao na rea educacional que relaciona

direito educao e o Ministrio Pblico. Trata-se da dissertao de Silveira (2006) na

Universidade de So Paulo, intitulada: Direito Educao e o Ministrio Pblico: uma

anlise da atuao de duas Promotorias de Justia da Infncia e Juventude do interior

paulista. Essa pesquisa averiguou e analisou as diferentes atuaes desenvolvidas pelos

Promotores de justia de Rio Claro e Ribeiro Preto, considerando a freqncia, a origem, a

natureza e as solicitaes feitas ao MP e/ou por eles demandadas ao poder pblico, alm de

caracterizar as conseqncias da ao do Ministrio Pblico.

1.3 O Direito Achado na Rua

Ns nos aproximamos da teoria do Direito Achado na Rua por entender que a

perspectiva de Lyra Filho engloba o direito dentro de um contexto de luta e seu campo social.

O Direito Achado na Rua teoriza uma dialtica do direito. Para Lyra Filho, a dialtica do

direito acontece quando no se toma norma pelo direito, quando no definimos norma por

sano e quando reconhecemos que o Estado no o nico autorizado a normar e sancionar.

Dentro dessa perspectiva do direito entendemos pela leitura de Lyra Filho, que o

direito no significa a seara da liberdade. Segundo esse autor o direito a legtima

organizao social da liberdade. O direito se mostra como a liberdade conscientizada e

adquirida nas lutas sociais, fazendo com que se formulem autor os princpios da justia social.

Conforme Lyra Filho importante considerar todos os aspectos do processo

histrico relacionados ao direito. Esse autor acredita que para que o direito torne-se uma

cincia, o mesmo no pode fundar-se em dogmas que divinizam normas do Estado. Buscar o

que direito significa procurar o que ele vem a ser, nas transformaes incessantes do seu

essa autora, uma desarticulao do sistema jurdico e a arbitrariedade, com graves prejuzos implantao das

polticas pblicas em geral.

10

contedo e forma de manifestao concreta dentro do mundo histrico e social.

O direito para Lyra Filho um permanente vir-a-ser, pois se constri na vida de

homens livres e iguais, pois tais homens tm uma autonomia pblica e privada. A

Constituio17

como uma comunidade de princpios, que expressa as determinaes de

cidados livres e iguais. Direito processo, dentro do processo histrico, no sendo uma coisa

feita, perfeita e acabada. Conforme esse autor, o direito um vir-a-ser que se enriquece nos

movimentos de libertao das classes e grupos ascendentes e que sofre nas exploraes e

opresses que o contradizem, mas de cujas prprias contradies surgiro novas conquistas

(Lyra Filho, 1982, p. 86). Esse autor afirma que a perspectiva dialtica do direito no se curva

ante o direito positivo, seja ele costumeiro ou legal.

Essa a teoria do Direito Achado na Rua: a compreenso de direito como a

liberdade conscientizada e conquistada nas lutas sociais, evitando ver o direito como restrio

liberdade, pois na verdade o direito constitui a afirmao de uma liberdade vivel, presente

na coexistncia social. As restries so impostas liberdade de cada um a fim de legitimar a

garantia da liberdade de todos. Concordamos com esse autor que a absoluta liberdade de

todos, resultaria em liberdade para ningum, pois tantas liberdades particulares impedem a

liberdade coletiva.

Assim, o Poder Judicirio no pode ser concebido como nica possibilidade de

acesso justia. Essa crise no campo da justia acontece, segundo Telles, quando h uma

desfigurao na noo de direitos, fazendo existir um descompasso entre um Brasil legal e

Brasil real (Telles, 2006, p. 99). Observamos que o fato de termos diplomas legais avanados

no garante por si s o direito educao.

Em contrapartida, Sousa Junior acredita que o engajamento18

de juzes e

operadores do direito19

pode propiciar uma redefinio da funo social do direito. O autor

indaga ainda, sobre a forma de distinguir entre a norma abstrata e fria das regras que regem

comportamento e a normatividade concreta aplicada pelos juzes. (Sousa Junior, 2003, p. 03)

A tarefa de compreender as novas condies sociais e a emergncia de novos sujeitos de

direitos20

que valorizam o pluralismo jurdico efetivo, segundo esse autor, pode levar

16Revista da Anpae: Associao Nacional de Poltica e Administrao da Educao (www.anpae.org.br). 17Habermas entende que a Constituio fruto de uma comunidade poltica de cidados livres e iguais, que se

determinam a si mesmo. (HABERMAS, 2003, p.167) 18Para Sousa Junior (2003), esse engajamento pode ocorrer por meio da reorganizao de novas entidades tais

como Associao de Juzes para a Democracia, Ministrio Pblico Democrtico, Juzes para um Direito

Alternativo e Associao de Advogados das Lutas Populares. 19Advogados, magistrados, Promotores, Procuradores, juristas, entre outros. 20Ser sujeito de direito uma questo bsica da cidadania, pois a pessoa fsica ou moral, civilmente capaz, ativa

http://www.anpae.org.br/

11

inclusive chamada crise no campo da justia.

Segundo Cury a lei no identificada e reconhecida como um instrumento linear

ou mecnico de realizao de direitos sociais (Cury, 2002, p. 08). Esse autor destaca o

carter contraditrio que acompanha a lei tendo em vista que temos a possibilidade do

dissenso21

. O dissenso no significa a violao da norma e sim um canal de expresso de

minorias que questionam o que no funciona no sistema social e demandam alteraes do

status quo.

Telles retoma essa idia do conflito, pois atravs do mesmo que os excludos, os

no-iguais, impem seu reconhecimento como indivduos e interlocutores legtimos [...]

(Telles, 2006, p. 94). Assim, a questo da justia social est, em nosso entendimento,

relacionada questo dos conflitos e garantia de direitos sociais, dentre eles o direito

educao.

Tendo como objeto de nossa pesquisa a atuao das Promotorias de Justia e de

Defesa da Educao do MPDFT, que ora trataremos de Proeduc, refletimos sobre a garantia

do direito educao, mediado pelas Recomendaes pblicas expedidas entre 2001 e 2007.

Com essa reflexo apresentaremos as questes fundantes e norteadoras desse

estudo, os objetivos geral e especficos de nossa dissertao, bem como o percurso

metodolgico delineado para atingi-los. Como questes de pesquisa temos:

* Em que consiste a atuao das Promotorias de Justia e de Defesa da Educao MPDFT, no

sentido de promover o direito educao, no perodo de 2001 a 2007?

* As Proeduc favorecem a participao dos cidados para que as polticas pblicas

educacionais garantam o direito educao no DF?

* As Proeduc tm influenciado a gesto escolar, em nvel local, e a elaborao e

implementao das polticas pblicas educacionais, em nvel regional?

* Quais os principais princpios do direito educao de que lanaram mo os Promotores

em suas Recomendaes pblicas?

ou passiva de uma relao jurdica. (ENCONTROS PELA JUSTIA NA EDUCAO, 2000, p. 191) 21Dissenso uma categoria ampla que retrata as mltiplas formas de desacordo com um sistema poltico.

12

* As Recomendaes tratam de procedimentos administrativo-operacionais de algum aspecto

das polticas pblicas ou de algum aspecto da gesto escolar?

2 Objetivos

2.1 Objetivo Geral

Compreender e analisar a atuao das Promotorias de Justia e de Defesa do

Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios na garantia do direito educao, por

meio das Recomendaes pblicas expedidas, entre 2001 e 2007.

2.2 Objetivos Especficos

* Identificar e analisar as Promotorias de Justia e de Defesa da Educao do Ministrio

Pblico do Distrito Federal Proeduc;

* Identificar e analisar se as Proeduc favorecem a participao dos cidados para que as

polticas pblicas educacionais garantam o direito educao no DF;

* Identificar e analisar a compreenso de direito educao dos Promotores do MPDFT e das

Proeduc por meio das Recomendaes expedidas entre 2001 e 2007;

* Identificar e analisar se as Recomendaes tratam de procedimentos administrativo-

operacionais de algum aspecto especfico das polticas pblicas educacionais do DF ou de

algum aspecto de gesto escolar, em nvel local.

3 Fundamentos Metodolgicos

Apresentaremos a seguir os fundamentos metodolgicos de nosso estudo situando-

o dentro do conceito de cincia22

com o qual compartilhamos bem como algumas categorias

(CURY, 2002, p. 10) 22Nosso conceito de cincia est baseado nas obras de Pinto (1979) e Freire-Maia (1990) em que a cincia um

processo inacabado, sendo ampliado constantemente. Ao tratar da cincia jurdica, Costa retoma que a mesma

constitui-se como precria, provisria, historicamente e socialmente condicionada [] (COSTA, 2005, p.

236). Lyra Filho tambm afirma que no existe cincia acabada e perfeita (LYRA FILHO, 1984a, p. 25)

13

de anlise como a totalidade, mediao e contradio. Em seguida enfocaremos as

caractersticas dessa pesquisa: documental e emprica, o tipo de abordagem qualitativa, os

instrumentos, a coleta, sistematizao e anlise dos dados obtidos, o campo e os sujeitos

pesquisados.

Boaventura de Sousa Santos em sua obra A crtica da razo indolente: contra o

desperdcio da experincia nos desperta para o fato de que vivemos excessos de

determinismo e excessos de indeterminismos (Sousa Santos, 2005, p. 41) tendo em vista que

estamos em uma sociedade intervalar, uma sociedade de transio paradigmtica. O autor

compreende que a sociedade capitalista afirma-se cada vez mais como uma sociedade

fragmentada, plural e mltipla, onde as fronteiras parecem existir apenas para poderem ser

ultrapassadas (idem, p. 33).

Para Sousa Santos o momento de caminhada para um novo senso comum tico:

um senso comum solidrio construdo a partir das representaes mais inacabadas da

modernidade ocidental. O princpio da comunidade23

e a racionalidade esttico-expressiva

esto inseridos nesse senso comum solidrio. Segundo esse autor o primordial voltar s

coisas simples. Fazer perguntas simples. Nos sistemas complexos as funes no so lineares.

Destaca que a cincia moderna teve de lutar com um inimigo poderoso: os monoplios de

interpretao fossem eles a religio, o Estado, a famlia ou o partido (idem, p. 95).

Assim, ao desenvolvermos esse estudo na rea de polticas pblicas e gesto da

Educao Bsica, procuramos estar atentos para no despolitizar24

a questo educacional,

transformando-a em uma dimenso instrumental e tcnica. Nosso intuito foi o de ter um olhar

dialtico para os dados empricos, pois h um mundo de pseudoconcreticidade que segundo

Kosik (1986) precisa ser destrudo para alcanar suas manifestaes fenomnicas,

reconstruindo assim, esse mundo considerando toda sua riqueza.

Entendermos mtodo de pesquisa luz de Vieira para quem

[...] no existe o mtodo, mas os mtodos. Assim, tambm no existe a

poltica social, mas as polticas sociais. Admite-se a existncia de um

mtodo quando se segue determinado caminho, uma trajetria terica,

_____________ 23Segundo Sousa Santos (2005) o princpio da comunidade tem duas dimenses: a solidariedade e a participao. 24

Tenzer (1993) acredita que a despolitizao uma caracterstica do que ele chama de mundo ps-moderno. Segundo esse autor, h sempre inimigos da poltica. Tais inimigos tm interesses nessa despolitizao, pois o

autor define a poltica como: dbat continuel non point pour des raisons mcaniques ou logiques, mais parce

que la politique nest jamais que dialogue sur les hommes et le monde, quun homme accompli est un homme

mort et un monde sans surprise un monde lunaire. Tant que lhomme vit, il sinterroge; tant que le monde existe,

il volue. Les aventures de la politique ne sont jamais que le rsultat de ce mouvement infini (TENZER, 1993,

p. 5-6).

14

buscando atingir um fim antecipadamente colocado, em geral o exame de

certo objeto. Um mtodo consiste num caminho (grifo do autor) que pode

levar a outros caminhos, alcanando o fim proposto e tambm vrios fins no indicados, certamente inatingveis por meio do acaso. (VIEIRA, 2007,

p.149)

Para que o pesquisador lide com os fatos o mesmo dispe dos conceitos

operacionais e das hipteses. Entretanto, nesse estudo optamos por questes de pesquisa, a

saber: em que consiste a atuao das Promotorias de Justia e de Defesa da Educao do

Distrito Federal e Territrios, no sentido de promover o direito educao, no perodo de

2001 a 2007? As Proeduc favorecem a participao dos cidados para que as polticas

pblicas educacionais garantam o direito educao no DF? As Proeduc tm influenciado a

gesto escolar, em nvel local, e a elaborao e implementao das polticas pblicas

educacionais, em nvel regional? Quais os principais princpios do direito educao de que

lanaram mo os Promotores em suas Recomendaes pblicas? As Recomendaes tratam

de procedimentos administrativo-operacionais de algum aspecto das polticas pblicas ou de

algum aspecto da gesto escolar?

3.1 Categorias de anlise e categorias classificatrias da pesquisa

A fim de delinear o objeto de estudo, a atuao das Proeduc na garantia do direito

educao por meio de suas Recomendaes, procuramos aproximar-nos do MPDFT. No se

trata de isolarmos as polticas pblicas educacionais que garantam o direito educao e as

Proeduc como partes distintas e sim de compreend-las como partes da mesma realidade

dialtica.

Ao nos afastamos do conceito de cincia que admite fatos puros e isolados,

entendemos que a cincia e o conhecimento esto sempre em construo e que no h verdade

absoluta. Segundo Kosik, o conhecimento no contemplao (Kosik, 1976, p. 28). O

conhecimento representa um dos modos de apropriao do mundo pelo homem. Dessa forma,

a compreenso de um fenmeno social no a soma de fatos isolados e para o autor:

Um fenmeno social um fato histrico na medida em que examinado como momento de um determinado todo; desempenha, portanto, uma

funo dupla (grifo do autor), a nica capaz de ele fazer efetivamente um

fato histrico: de um lado, definir a si mesmo, e de outro, definir o todo; ser ao mesmo tempo produtor e produto; ser revelador e ao mesmo tempo

determinado; ser revelador e ao mesmo tempo decifrar a si mesmo;

conquistar o prprio significado autntico e ao mesmo tempo conferir um

15

sentido a algo mais. Esta recproca conexo e mediao da parte e do todo

significam a um s tempo: os fatos isolados so abstraes, so momentos

artificiosamente separados do todo, os quais s quando inseridos no todo correspondente adquirem verdade e concreticidade. (KOSIK, 1976, p. 49)

Assim, nosso objetivo de no esgotar o histrico das Proeduc e da SEEDF, das

mltiplas interaes entre ambas, ou mesmo de todas as polticas pblicas do Poder Executivo

do DF em relao educao. Pretendemos compreender e analisar a atuao das Proeduc por

meio de suas Recomendaes, entre 2001 e 2007.

Conforme Kosik, a totalidade no um todo j pronto que se recheia com um

contedo, com as qualidades das partes ou com as suas relaes [...] (Kosik, 1976, p.59).

Ratificamos que, para compreender a realidade e desvel-la, no ser preciso tomar todos os

fatos, pois acumular todos os fatos no significa ainda conhecer a realidade; e todos os fatos

(reunidos em seu conjunto) no constituem, ainda, a totalidade (idem, p. 43-44).

Reiteramos que valorizar a educao como pblica um dos principais

motivadores dessa pesquisa e somos cientes das limitaes na anlise do direito educao e

das relaes de poder entre o MPDFT e a SEEDF. Compartilhamos a opinio de Kosik (1976)

quando esse afirma que a realidade no se apresenta aos homens, primeira vista, sob o

aspecto de um objeto que cumpre intuir, analisar e compreender teoricamente [...] (idem,

1976, p.14). Ao sistematizar e analisar os dados temos em vista que deveremos, segundo

Kosik (1976): a) destruir a aparente objetividade do fenmeno, ou seja, destruir a

pseudoconcreticidade; b) conhecer o carter histrico do fenmeno; c) conhecer o contedo

objetivo e o significado do fenmeno, sua funo objetiva e o lugar histrico que ocupa no

seio do corpo social. Assim, aproximamo-nos da compreenso do fenmeno em sua

totalidade.

Pretendemos descobrir os condicionamentos histricos dos fatos e como Lukcs

(2003) ter como objetivo: destacar os fenmenos de sua forma dada como imediata, de

encontrar as mediaes pelas quais eles podem ser relacionados ao seu ncleo e sua essncia

nela compreendidos (Lukcs, 2003, p. 75).

Nosso desafio tambm o de nos distanciarmos do pensamento comum, pois

[...] a prxis utilitria cotidiana cria o pensamento comum - em que so

captados tanto a familiaridade com as coisas e o aspecto superficial das coisas quanto a tcnica de tratamento das coisas como forma de seu movimento e

de sua existncia. O pensamento comum a forma ideolgica do agir humano

de todos os dias. (KOSIK, 1969, p. 19)

16

Pesquisadores em geral, exerceram o direito de propor novas categorias, novos

instrumentos conceituais de investigao e de expresso lingstica. Ao falarmos em

categorias nos referimos a uma noo que serve como instrumento conceitual de investigao,

como regra para a investigao ou a expresso lingstica de alguma coisa, segundo Lombardi

(2005).

Categorias no so conceitos afirma Cury. Esse autor entende que as categorias

ganham sentido como instrumentos de compreenso de uma realidade social concreta e as

mesmas tm sentido quando so elaboradas a partir de um contexto econmico-social e

poltico historicamente determinado. Para o autor, as categorias mesclam-se de realidade e

movimento. So relativas e, se isoladas, so abstratas. Ele ainda acrescenta que o conceito

o que proporciona ao homem a compreenso da coisa e do real e que se expressa em

conceitos correntes e sem maior rigor terico (Cury, 1989, p. 24).

Ao longo de nosso estudo, sobretudo durante as etapas de anlise procuramos ter

um olhar para categorias de anlise como contradio, a totalidade e mediao. Tais

categorias permeiam todas as etapas desse estudo. Cury define a categoria contradio como

a base metodolgica da metodologia dialtica. Para esse autor a dialtica como processo e

movimento de reflexo do prprio real no visa apenas conhecer e interpretar o real, mas por

transform-lo no interior da histria da luta de classe (idem, p. 26). Assim, no se pode negar

a contradio no movimento histrico, sem falsear o real, representando-o como idntico,

permanente e a-histrico (idem, idem). Cada coisa apresenta a existncia de seu contrrio,

sendo a realidade dialtica e contraditria no seu todo subjetivo-objetivo (idem, p.30).

A categoria da totalidade, segundo Cury justificada pela compreenso no

apenas particular do fenmeno, mas decide por uma viso que seja capaz de conectar

dialeticamente esse processo com outros processos. Assim, surge uma sntese explicativa cada

vez mais ampla. Desconsiderar a categoria totalidade na anlise de polticas pblicas

educacionais significa isolar tais polticas, considerando-as neutras e lineares. Assim, nosso

intuito compreender a categoria totalidade como um processo tambm inacabado, em que

cada realidade e cada esfera dela so uma totalidade de determinaes, de contradies

atuais ou superadas (idem, p. 35).

A categoria mediao se caracteriza pela interao entre os processos. Tendo em

vista que situamos educao e direito como processo e movimento, percebemos uma interao

entre os mesmos. Essa categoria mediao pressupe uma intercomunicao entre os

processos e nessa reciprocidade os contrrios se relacionam de modo dialtico e contraditrio.

Para Cury

17

[...] a interao entre os processos permite situar o homem como operador

sobre a natureza e criador das idias que representam a prpria natureza. Os produtos dessa operao (cultura) tornam-se elementos de mediao nas

relaes que o homem estabelece com os outros e com o mundo. (CURY,

1989; p. 27)

Concordamos com o autor quando o mesmo apresenta a categoria de mediao

como bsica para educao, pois essa organizadora e transmissora de idias, medeia as

aes executadas na prtica social (Cury, 1989, p.28).

3.2 Abordagem geral da pesquisa

Essa uma pesquisa de cunho qualitativo, pois essa abordagem se adequou mais

complexidade do objeto. Rey acrescenta que a investigao qualitativa enfatiza a

compreenso como processo dialgico que implica tanto o pesquisador, quanto os

entrevistados, em sua condio de sujeito do processo. Para esse autor a cincia ento

compreendida como produo permanente de novas zonas de sentido que definem novos

nveis de inteligibilidade sobre os fenmenos estudados, nunca aparece em verses

terminadas ou finais (Rey, 2002, p. X). Surge, assim, um cenrio complexo de dilogo.

Segundo Bogdan e Biklen a abordagem qualitativa pressupe que uma

investigao direta dos dados no ambiente natural e os mesmos so recolhidos em forma de

palavras, documentos e imagens. Os dados incluem transcries de entrevistas, notas de

campo, memorando e outros registros oficiais. O pesquisador qualitativo procura analisar a

riqueza de detalhes, respeitando, tanto quanto o possvel, a forma em que estes foram

registrados ou transcritos (Bogdan e Biklen,1994, p. 48).

Conforme esses autores, ao recolher os dados o pesquisador qualitativo aborda o

objeto de estudo de forma minuciosa e os examina com a idia de que nada trivial e que

tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permita estabelecer uma compreenso

mais esclarecedora de nosso objeto. A relao com os sujeitos dessa abordagem qualitativa

coloca a nfase na confiana, no contato intenso, valorizando a igualdade nas relaes sujeito

de pesquisa/pesquisador.

O campo pesquisado foi o Ministrio Pblico e suas duas Promotorias

18

especializadas em educao. Assim, esse estudo foi desenvolvido nas dependncias do

Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios25

e com os documentos expedidos por

suas Promotorias especializadas, obtidos pessoalmente nas instituies e por meio do stio da

mesma.

A fim de realizar as entrevistas, a pesquisadora se deslocou para o Edifcio Sede

do MPDFT e para o Edifcio em que se situam as Promotorias especializadas em educao.

Alm desses dois edifcios, houve tambm um deslocamento para outras cidades do Distrito

Federal, a saber: Parano, Ncleo Bandeirantes, Santa Maria e Taguatinga. Isso ocorreu

porque os Promotores que atuaram na Proeduc como Promotores de justia ou como

Promotores de justia adjuntos atuam nas mais diversas Promotorias do MPDFT26

.

As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas com um total de quatorze

Promotores27

. O critrio de escolha dos sujeitos de pesquisa foi o de delimitar os Promotores

que participaram da criao da Proeduc em 2000, ou que atuaram diretamente nessa

instituio. A relao nominal dos mesmos, o incio das atividades de cada um no MPDFT

encontra-se disponvel no stio da instituio. A identificao daqueles que atuaram na

Proeduc foi realizada, em 2006, em um contato com essa Promotoria. Nossa inteno era a de

entrevistar todos os Promotores que j atuaram nesse rgo. Entretanto, isso no foi possvel

porque uma Promotora estava de licena-gestante, outro Promotor em frias e um Promotor

afastado de suas funes.

Salientamos que medida que os entrevistados fizeram seus relatos, surgiram

outros nomes de Promotores para possveis contatos28

. Somamos lista de nomes de

Promotores que nos foi repassada, at mesmo aqueles que passaram durante pouco tempo

como, por exemplo, duas semanas. Assim, os sujeitos de nossa pesquisa so aqueles que

atuaram na Proeduc e os que participaram da comisso de criao da mesma.

Durante as entrevistas esclarecemos aos sujeitos de pesquisa que haveria sigilo

total e que seus nomes no seriam identificados. Assim, procedemos com uma codificao

simples para identificao dos Promotores em que E significa entrevistado seguido dos

_____________ 25Anexo 01: Estrutura Fsica do MPDFT. 26Estivemos tambm no apenas nas dependncias do MPDFT, mas tambm em Fruns de Justia, quando os

mesmos abarcaram a Promotorias do MPDFT, em determinadas cidades do DF. 27Percebemos que na ocasio que haveria alguns riscos ao propormos entrevistas a todos os Promotores que

atuaram na Proeduc, pois no tnhamos conhecimento se todos ainda eram domiciliados em Braslia ou mesmo

se teriam disponibilidade e interesse para participar da pesquisa. Entretanto, constatamos que houve um

acolhimento e abertura pela pesquisa por parte dos Promotores entrevistados. 28Anexo 02: Relatrio de Pesquisa Contatos e Agendamentos com Promotores de justia

19

nmeros 01 a 14, uma vez que realizamos entrevistas com quatorze Promotores de justia e

Promotores de justia adjuntos que trabalharam na comisso de criao da Proeduc29

e nas

Proeduc. Desse total, doze Promotores atuaram nas Proeduc, sendo que cinco desses tambm

participaram de sua comisso de criao. Entrevistamos dois Promotores que participaram de

sua comisso de formao, sem terem atuado diretamente na instituio, totalizando quatorze

Promotores. Ao trmino das entrevistas pudemos traar o perfil dos entrevistados, conforme

anexo 03.

3.3 Coleta das entrevistas semi-estruturadas e sistematizao dos dados

Utilizamos dois instrumentos nesse procedimento investigativo: a entrevista semi-

estruturada e a anlise documental. As entrevistas semi-estruturadas visaram complementar a

anlise das Recomendaes e responder as seguintes questes: em que consiste a atuao da

Proeduc no sentido de promover o direito educao no DF entre 2001 a 2007? Como os

Promotores de justia compreendem o direito educao em sua atuao concreta? Como os

Promotores definem Recomendao? Quem so os Promotores de justia? O que a Proeduc

e o MP na viso dos Promotores?

Bogdan e Biklen (1994) sugerem que a entrevista comece com uma conversa

banal, para comear a construir uma empatia entre o sujeito e pesquisador. E assim, foi

realizado. A gravao das entrevistas iniciou-se sempre aps essa primeira conversa banal:

apresentao da pesquisadora, o porqu de seu interesse pelo tema da pesquisa e algumas

explicaes sobre a entrevista30

. Esses autores acreditam que as boas entrevistas so

caracterizadas por uma riqueza de dados, propiciando uma transcrio repleta de detalhes. As

boas entrevistas tambm, segundo Bogdan e Biklen (1994), revelam a pacincia do

pesquisador.

Ldke e Andr ressaltam o carter interativo que permeia a entrevista,

estabelecendo tambm uma relao hierrquica entre o pesquisador e o pesquisado.

Procuramos criar assim uma interao, havendo uma atmosfera de influncia recproca entre

quem pergunta e quem responde (Ldke e Andr, 1986, p. 33). A etapa de coleta de dados

_____________ 29A relao dos Promotores de justia da Proeduc que trabalham ou que trabalharam nesta instituio tambm

de domnio pblico no site da instituio www.mpdft.gov.br 30

Para todos entrevistados foi entregue uma solicitao formal da UnB sobre a pesquisa. Muitos entrevistados declinaram e no receberam esse documento, afirmando que o mesmo no seria necessrio.

http://www.mpdft.gov.br/

20

com as entrevistas, a sistematizao e a anlise das mesmas foi a etapa mais dispendiosa,

especialmente pelo tempo, sobretudo na degravao das mesmas.

A durao das entrevistas semi-estruturadas, da gravao e degravao esto

disponveis no Anexo 04. A fim de que tivssemos um roteiro de entrevista para nossa

pesquisa realizamos uma entrevista piloto31

no edifcio sede das Proeduc. O roteiro32

final de

entrevista foi estruturado com base nas questes de pesquisa e nos objetivos da mesma. Essa

relao questo de pesquisa / roteiro de entrevista / objetivo da pesquisa33

propiciou a

formulao de quatro grandes temas desse roteiro de entrevistas, a saber:

a) Atuao do MPDFT, das Proeduc; compreenso da criao da mesma;

b) Compreenso do direito educao para os Promotores;

c) Compreenso do direito educao por meio das Recomendaes expedidas entre 2001 e

2007;

d) Compreenso da relao das Proeduc com as polticas pblicas educacionais, a participao

na gesto escolar no DF.

As falas dos entrevistados tambm foram a priori agrupadas por temas34

.

Juntamente com os sete temas procedentes das falas degravadas35

e dos quatro temas oriundos

da anlise das Recomendaes formulamos as categorias classificatrias da pesquisa. A partir

de um movimento para aproximar os dados das entrevistas aos dados das anlises das

Recomendaes norteamos os quatro Captulos de nossa dissertao: a) as polticas pblicas

educacionais e o direito educao no Brasil; b) o Ministrio Pblico Brasileiro; c) as

Promotorias de Justia e de Defesa da Educao do Ministrio Pblico do Distrito Federal e

Territrios; e d) as Recomendaes pblicas expedidas pelas Proeduc entre 2001 e 2007.

3.4 Percurso da anlise documental das Recomendaes entre 2001 e 2007

_____________ 31Essa entrevista ocorreu em novembro de 2006 com a assessoria tcnica em educao da Proeduc. 32Anexo 05: roteiro de entrevista semi-estruturada. 33Anexo 06: questes de pesquisa / roteiro de entrevista / objetivos da pesquisa. 34Anexo 07: Temas oriundos das anlises das degravaes das entrevistas com Promotores. 35So os seguintes temas: a metodologia de pesquisa; educao; noo de direito; Ministrio Pblico; a Proeduc;

a atuao dos Promotores, e as Recomendaes entre 2001 e 2007.

21

Nessa investigao qualitativa apresentamos como fonte de pesquisa documental os

documentos produzidos pelas Proeduc, intitulados Recomendao pblica. Consideramos que

as Recomendaes pblicas so fontes oficiais36

. Para Bogdan e Biklen (1994) a perspectiva

oficial um dado importante para a pesquisa.

A anlise documental, segundo Ldke e Andr (1986), um mtodo de

investigao do contedo simblico das mensagens. Tais mensagens podem ser abordadas de

diferentes formas e sob inmeros ngulos. Para esses autores o mtodo de codificao dos

documentos a serem analisados depender da natureza do problema, do arcabouo terico e

das questes especficas da pesquisa.

Conforme Ldke e Andr (1986) a anlise documental pode se tornar uma tcnica

valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja para completar as informaes obtidas por

outras tcnicas, seja para apresentar novos aspectos de um tema ou problema. Os documentos

que foram analisados constituem uma fonte estvel e rica, conforme essas autoras e

puderam ser consultados diversas vezes.

A primeira vantagem dos documentos analisados nesse estudo foi o fato de as

Recomendaes pblicas expedidas entre 2001 e 2007 pelas Proeduc serem de domnio

pblico. A segunda vantagem dos documentos analisados por essa pesquisa foi o seu baixo

custo, pois obtivemos os mesmos por meio eletrnico e tambm na prpria Proeduc.

A leitura e a classificao dos dados constituem as atividades principais

desenvolvidas nessa anlise documental. Assim, dividimos em quatro etapas nossa anlise

documental: a) identificao dos documentos; b) primeira leitura das Recomendaes para

caracterizao geral dos documentos; c) leitura pormenorizada dos documentos; d)

agrupamento das Recomendaes por temas para elaborao das categorias classificatrias da

pesquisa.

A identificao do material produzido pelas Proeduc ocorreu por meio eletrnico e

primeiramente selecionamos as Recomendaes pblicas, entre 2001 e 200537

. Analisamos

primeiramente as Recomendaes pblicas que foram expedidas em entre 2001 e 2005,

constituindo um total de quarenta e seis Recomendaes. No incio do ano de 2008

atualizamos os dados incluindo as Recomendaes at o ano de 2007. Esses documentos

analisados revelaram um total de 275 pginas de documentos analisados em sessenta e quatro

_____________ 36Documentos oficiais entram na categoria de documentos externos, pois so produzidos para o pblico e abertos comunidade.

22

Recomendaes pblicas expedidas, percorrendo os anos de 2001 a 200738

.

Constatamos que apesar de ter sido criada a segunda Promotoria em 2003, houve

um movimento decrescente na quantidade de Recomendaes pblicas expedidas a partir de

2004 at 2007. Inclusive, no stio das Proeduc, encontramos a afirmao de que, at a presente

data, houve mais de quinhentas solicitaes, denncias, reclamaes encaminhadas a esse

rgo pela comunidade. Entretanto, o nmero de Recomendaes expedidas aps 2004

diminuiu ligeiramente. As Proeduc exercem outras atividades, tem outros procedimentos e

atuaes, porm optamos em fazer o recorte com as Recomendaes pblicas entre 2001 e

2007.

A segunda etapa da anlise documental foi uma leitura de todos os documentos a

fim de anotar suas caractersticas gerais39, seguida de uma leitura pormenorizada das

Recomendaes pblicas expedidas entre 2001 e 2007 que aponta os destinatrios a quem as

Recomendaes foram expedidas: a) se Rede Pblica, Rede Privada ou ambas; b) e se

tratavam da Educao Bsica (Educao Infantil, Ensino Fundamental ou Mdio).

A sistematizao dos dados retirados das Recomendaes foi feita a partir de

anotaes, lanadas no programa Excel para depois constituirmos esquemas de sntese da

comunicao. Essas anotaes, como um primeiro momento de classificao dos dados,

incluram o tipo de fonte de informao, os temas tratados, o momento e o local das

ocorrncias e a natureza do material coletado.

Essa leitura pormenorizada nos fez identificar os reclamantes das denncias e as

representaes que geram as Recomendaes. So poucas as Recomendaes pblicas no DF

que, em seu texto, identificam o reclamante que as originou. Entre 2001 e 2007, cinqenta e

quatro Recomendaes pblicas apresentam somente o cdigo e o nmero do procedimento

investigativo das mesmas. Tivemos a identificao de apenas duas reclamaes realizadas por

alunos e uma annima, que propiciaram duas Recomendaes pblicas, respectivamente.

Constatamos quatro reclamaes de pais que geraram Recomendaes pblicas e trs

Recomendaes pblicas expedidas por iniciativa da prpria Proeduc.

Entendemos que o fato de no termos identificado o reclamante ou o segmento da

comunidade escolar40

reclamante ao qual ele pertence, de certa maneira pode enfraquecer o

37Anexo n 08: Relao das Recomendaes pblicas expedidas entre 2001 e 2007. 38Anexo n 09: Quantidade de Recomendaes expedidas entre 2001 e 2007 pelas Proeduc e nmero de pginas

das mesmas. 39Anexo n10: Caractersticas gerais das Recomendaes entre 2001 e 2007. 40Entendemos por segmentos da comunidade escolar: segmento de pais, de alunos, de professores, de membros

23

movimento de mobilizao da sociedade por uma educao de qualidade. Isso ocorreria na

medida em que no temos como identificar com maior clareza qual segmento da comunidade

escolar est mais mobilizado: pais, professores, alunos, funcionrios ou ainda se so

instncias coletivas escolares que se mobilizaram mais, entre as quais temos os grmios

escolares, conselhos escolares, sindicatos, entre outros. Constatamos tambm que h prazos

determinados nas Recomendaes que podem variar de quarenta e oito horas a um ms para

que sejam cumpridos.

A organizao dos dados coletados foi um processo que envolveu inmeras

leituras e releituras. Depois de reexamin-los, evidenciamos as temticas mais freqentes.

Com esse procedimento, essencialmente indutivo, construmos categorias.

Aps a anlise dos temas das Recomendaes entre 2001 e 2007 elaboramos

categorias classificatrias organizadas em quatro grupos, segundo a atuao das Proeduc, a

saber:

a) Atuao pela garantia de acesso educao: discusso sobre problemas com a

falta de vagas; vestibulinho41

, idade mnima para inscrio em escolas, entre outros temas;

b) Atuao pela garantia de permanncia com qualidade na escola: discusso sobre

problemas disciplinares, evaso escolar; ausncia de recuperao;

c) Atuao pela garantia de participao na gesto escolar: discusso sobre eleio

de diretores; conselhos escolares, grmio escolar, associaes de pais e mestres.

d) Atuao pela garantia do espao pblico na escola pblica: discusso a respeito

das parcerias e de concesses que tm sido feitas ao longo dos anos, bem como a entrada dos

grupos privados na educao pblica.

Relacionamos a anlise dos documentos e das falas nas entrevistas semi-

estruturadas, pesquisa bibliogrfica realizada. Ressaltamos que as falas dos Promotores