UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE UNIVILLE … · cultural, culminando em uma pesquisa...

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UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE UNIVILLE PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO A PESSOA SURDA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: COMPREENSÕES EM TORNO DO TRABALHO DOCENTE MESTRANDO: JELSON BUDAL SCHMIDT PROFESSORA ORIENTADORA: SONIA MARIA RIBEIRO JOINVILLE - SC 2018

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UNIVERSIDADE DA REGIO DE JOINVILLE UNIVILLE

PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAO

A PESSOA SURDA NA EDUCAO SUPERIOR: COMPREENSES EM TORNO

DO TRABALHO DOCENTE

MESTRANDO: JELSON BUDAL SCHMIDT

PROFESSORA ORIENTADORA: SONIA MARIA RIBEIRO

JOINVILLE - SC

2018

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JELSON BUDAL SCHMIDT

A PESSOA SURDA NA EDUCAO SUPERIOR: COMPREENSES EM TORNO

DO TRABALHO DOCENTE

Dissertao apresentada ao Mestrado em Educao da Universidade

JOINVILLE - SC

2018

Dissertao apresentada ao

Mestrado em Educao da

Universidade da Regio de Joinville

UNIVILLE como requisito parcial

para obteno do grau de Mestre em

Educao, sob orientao da

Professora Doutora Sonia Maria

Ribeiro.

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AGRADECIMENTOS

Esta trajetria no mestrado no teria sido possvel sem o auxlio de vrias

pessoas que se esforaram tanto quanto eu para que o objetivo de concluir esta

etapa fosse alcanado e so estas pessoas que eu quero lembrar aqui neste

momento, pois o sonho meu, mas foram vocs que me auxiliaram neste caminho.

Agradeo a Deus por me proporcionar sade e f para que eu conseguisse

continuar nos momentos em que pensei que no seria possvel, e momentos como

este no foram poucos.

A meus pais que mesmo com dvidas sobre o que exatamente significa

cursar um mestrado me apoiaram desde o comeo, quando optei por aproveitar que

estava sendo desligado do meu ento emprego e fui cursar o mestrado que tanto

queria, me incentivando sempre. Aos integrantes da minha famlia tambm por

sempre estarem preocupados comigo perguntando como estava o mestrado,

querendo saber se eu estava bem.

Aos colegas de mestrado que me ajudaram, compartilhando dos momentos

mais importantes, especialmente Priscila que foi, sem dvida, uma grata surpresa

nesta jornada.

s professoras da banca, Aliciene e Audrei, por estarem dispostas a participar

deste momento comigo e por contribuir de forma to generosa na qualificao e na

defesa. Professora Aliciene que me acompanhou nestes dois anos de mestrado e

contribuiu imensamente na minha carreira docente e pessoalmente tambm, bem

como as demais docentes do curso que me fizeram desconstruir muito do que eu

acreditava e me fazer crtico, pelas provocaes que me fizeram menos ingnuo e

por acreditar que eu poderia chegar aqui.

Professora Audrei Gesser minha gratido por fazer parte da minha pesquisa,

desde as primeiras linhas do projeto banca de defesa. Sinto-me privilegiado por

contar com suas valiosas contribuies uma vez que suas obras so referncias na

minha formao.

Sem orientao eu no teria conseguido me desenvolver nesta trajetria. Por

isso agradeo imensamente a Professora Sonia Maria Ribeiro, principalmente por

apoiar e valorizar a ideia de pesquisar sobre surdos e utilizar Libras nesta

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caminhada. Obrigado tambm por me mostrar os caminhos, por mais tortuosos que

fossem, pois me fez vibrar em cada conquista por saber que eu havia aprendido com

aquilo.

Meus agradecimentos a Joarez Kruger, companheiro de todas as horas, por

entender minhas ausncias e frustraes, anseios e desesperos, por seu tempo e

dedicao, foi muito importante ter voc comigo nesta jornada!

Agradeo demais aos estudantes, docentes e intrpretes que fizeram com

que minha pesquisa fosse a frente. Sem vocs, suas contribuies, pacincia e

tempo para me atender eu no teria este trabalho. Agradeo profundamente mesmo.

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RESUMO Esta pesquisa tem por objetivo principal compreender como ocorre o trabalho docente com a insero do estudante surdo no ensino superior no municpio de Joinville-SC. E tem como abordagem epistemolgica o materialismo histrico-cultural, culminando em uma pesquisa qualitativa inspirada na anlise de contedo (BARDIN, 2011; FRANCO, 2012). Para obteno dos dados foram aplicados questionrios a dez docentes ouvintes, e entrevistas com trs estudantes surdos e duas intrpretes. O aporte terico desta pesquisa pauta-se em: Minayo (2015), Andr (2012), Vigotski (2014), Quadros (2007, 1997, 2015), Tardif (2014), Roldo (2005, 2008), Gesser (2008, 2009), Skliar (1995, 2015), Perlin (2015), Fernandes (2006), Strobel (2016) entre outros. Os resultados encontrados no que se refere s instituies de ensino superior e o auxlio ao docente na incluso do estudante surdo neste espao que apresentam-se aes pontuais em relao a incluso do estudante surdo alm de apoio de psicopedagoga, este sendo realizado em outro espao que no a sala de aula. Em relao ao intrprete de Libras, fica claro que a funo deste profissional vai para alm de uma simples interpretao. Por vezes o intrprete acaba executando a funo do professor e por no ter respaldo aceita exercer tal funo. Em relao ao trabalho docente, alguns pontos so de conhecimento da maioria dos professores, como o fato da escrita do surdo ser diferente, conforme abordado nos questionrios devolvidos. Acredita-se que esteja claro aos docentes que por se tratar de lnguas diferentes, as especificidades da lngua materna do surdo sejam levadas em considerao. Considera-se pertinente aulas mais visuais para atender as necessidades do estudante surdo. Fica evidente que a troca com outros profissionais envolvidos com a mesma situao educacional contribui para um desenvolvimento acadmico pleno, bem como colocar-se no lugar do outro para compreender a situao que o acadmico experimenta cotidianamente. Diante da pesquisa realizada percebe-se que existem duas frentes de trabalho, e acredita-se que estas sejam permanentes: uma diz respeito ao trabalho realizado em relao ao surdo nos nveis de ensino, principalmente no ensino superior, seja reinvindicando o cumprimento da legislao ou implementando novas leis que contribuam para o contnuo desenvolvimento deste sujeito. Outra frente diz respeito, ainda, sobre a conscientizao da comunidade ouvinte sobre o que Libras e quem o sujeito surdo. Dois dos estudantes desta pesquisa conseguem oralizar e no frequentaram escola bilngue e relataram desafios que provocam reflexo e empatia. O esforo em entender o que o professor fala, conseguir compreender a linha de raciocnio do docente, ter de lidar com conversas paralelas que confundem o estudante surdo, so exemplos destes desafios. O que implica em investir mais tempo em estudos, alm do que convencionalmente feito por parte do acadmicos. Contemplando o objetivo geral desta pesquisa, entende-se que o trabalho docente apresenta-se de maneira multifacetada, pois viu-se que este recebe contribuies de diversos atores que fazem com que seja possvel ao surdo frequentar e, de fato, vivenciar o universo acadmico, no como vtima que est inserido em sala de aula, mas sim como personagem principal de sua histria, experimentando cada etapa desta trajetria. Palavras-chave: Trabalho docente. Ensino superior. Surdo.

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ABSTRACT This research has the main objective to understand how the teaching work occurs with the insertion of the deaf student in higher education in the city of Joinville-SC. This research has as epistemological approach historical-cultural materialism, culminating in a qualitative research inspired by content analysis (Bardin, 2011) and Franco (2012). To obtain the data, questionnaires were applied to teachers and interviews with deaf students and their interpreters. The theoretical contribution of this research is based on: Minayo (2015), Andr (2012), Vigotski (2014), Quadros (2007, 1997, 2015), Tardif (2014), Roldo 2009), Skliar (1995, 2015), Perlin (2015), Fernandes (2006), Strobel (2016) and others. The results found regarding the institutions of higher education and the aid to the teacher in the inclusion of the deaf student in this space is that they present specific actions regarding the inclusion of the deaf student besides support of psychopedagogue, this being carried out in another space than the classroom. In relation to the interpreter of Libras, it is clear that the function of this professional goes beyond a simple interpretation. Sometimes the interpreter ends up performing the function of the teacher and because he does not have the support he / she accepts to perform this function. In relation to the teaching work, some points are known by most teachers, such as the fact that the deaf writing is different, as approached in the questionnaires returned. It is believed that it is clear to teachers that because they are different languages the specificities of the mother tongue of the deaf are taken into account. More visual lessons are considered pertinent in order to precede the deaf students' needs. It is evident that the exchange with other professionals involved with the same educational situation contributes to a full academic development, as well as put oneself in the place of the other to understand the situation that the scholar experiences every day. In the face of the research carried out, we realize that we have two work fronts, and it is believed that these are permanent: one is related to the work carried out in relation to the deaf at the levels of education, especially in higher education, whether it is enforcing legislation or implementing new laws that contribute to the continuous development of this subject. Another front also concerns the awareness of the listening community about what Libras is and who the deaf person is. Two of the students of this research are able to attend and do not attend bilingual school, but they have reported other challenges that guarantee reflection and empathy on our part. The effort to understand what the teacher talks about, to be able to understand the teacher's line of reasoning, to have to deal with parallel conversations that, as previously reported, confuse the deaf student, are examples of these challenges. Which implies investing more time in studies, in addition to what is conventionally done by academics. Contemplating the general objective of this research, it is understood that the teaching work presents itself in a multifaceted way, as we have seen that it receives contributions from several actors that make it possible for the deaf to attend and, indeed, to experience the academic universe, not as a poor person who is inserted in the classroom, but rather as the main character of his story, experiencing each stage of this trajectory.

Keywords: Teaching work. Higher education. Deaf.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Levantamento de dados sobre estudantes surdos na ANPEd Nacional ..... 17

Quadro 2 Levantamento de dados sobre estudantes surdos no Scielo ..................... 18

Quadro 3 - Levantamento de dados sobre estudantes surdos na CAPES .................... 18

Quadro 4 Levantamento de dados sobre estudantes surdos BDTD .......................... 19

Quadro 5 Estudantes surdos nas redes de ensino de Joinville-SC ............................ 37

Quadro 6 Perfil profissional das intrpretes................................................................ 47

Quadro 7 Perfil dos estudantes .................................................................................. 48

Quadro 8 Perfil dos docentes ..................................................................................... 49

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACAFE Associao Catarinense das Fundaes Educacionais

ACE Associao Catarinse de Ensino

AEE Atendimento Educacional Especializado

ANPEd - Associao Nacional de Ps-graduao e Pesquisa em Educao

BDTD - Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertaes

CAPES - Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

CEP - Comit de tica em Pesquisa

CNE - Conselho Nacional de Educao

CRE Central de relacionamento com o estudante

FGG Faculdade Guilherme Guimbala

GT Grupo de Trabalho

IES Instituies de Ensino Superior

PcD Pessoa com Deficincia

PROEX - Pr-Reitoria de Extenso e Assuntos Comunitrios

PROINAD - Educao inclusiva no ensino superior: avanos e desafios

SCIELO Scientific Eletronic Library

TCC Trabalho de Concluso de Curso

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

UNIVILLE Universidade da Regio de Joinville

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SUMRIO

INTRODUO .............................................................................................................. 13

1 PERCURSO METODOLGICO ................................................................................ 16

1.1 Levantamento de pesquisas relacionadas a esta temtica ..................................... 16

1.2 O estudo e sua abordagem epistemolgica ............................................................ 20

1.3 Instrumentos de pesquisa e gerao de dados ....................................................... 22

1.4 Procedimento de anlise de dados ......................................................................... 23

1.5 Delineamento da pesquisa ...................................................................................... 25

1.5.1 Contato com instituio pblica ............................................................................ 26

1.5.2 Contato com instituio privada ........................................................................... 26

1.5.3 Contato com instituio comunitria ..................................................................... 27

2 EDUCAO DAS PESSOAS SURDAS NA EDUCAO SUPERIOR: entre os

discursos polticos e a efetivao na prtica ........................................................... 29

2.1 O estudante surdo na educao superior: polticas que orientam este acesso ....... 34

2.2 O estudante surdo na cidade de Joinville SC: um cenrio a ser desvelado ......... 36

2.3 Trabalho docente e suas especificidades com o estudante surdo ............. ............ 41

3 DISCUTINDO OS DADOS ENCONTRADOS ............................................... ............ 46

3.1 Conhecendo os participantes da pesquisa .............................................................. 46

3.2 A IES e o auxlio ao docente na incluso do estudante surdo no ensino superior .. 52

3.3 O trabalho docente com a presena do estudante surdo na sala de aula ............... 55

3.4 A atuao do intrprete junto aos estudantes surdos ............................................. 62

3.5 Desafios encontrados pelos estudantes surdos a partir de seu ingresso no

ensino superior .............................................................................................................. 71

ALGUMAS CONSIDERAES FINAIS ....................................................................... 77

REFERNCIAS ............................................................................................................ 82

APNDICE I CARTA DE APRESENTAO E QUESTIONRIO AOS

DOCENTES .................................................................................................................. 90

APNDICE II ROTEIRO DE ENTREVISTA COM ESTUDANTE SURDO ................. 94

APNDICE III ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA INTRPRETES ......................... 96

APNDICE IV TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO TCLE . 98

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ANEXO I APROVAO DO COMIT DE TICA DA UNIVERSIDADE DA

REGIO DE JOINVILLE UNIVILLE .......................................................................... 100

ANEXO II APROVAO DO COMIT DE TICA DA UNIVERSIDADE DO

ESTADO DE SANTA CATARINA UDESC ................................................................ 104

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INTRODUO

Abordar o processo de constituio desta pesquisa implica abranger aspectos

da histria de como me aproximei da temtica que me proponho a estudar: o

trabalho docente com a insero do estudante surdo na educao superior.

No ano de 1996, tive pela primeira vez contato com a Lngua Brasileira de

Sinais Libras, que ainda no era considerada lngua, pois este reconhecimento

aconteceu somente em 20021. Naquele ano eu estava estudando na quarta srie2 do

ensino fundamental, e um dia a professora precisou sair da sala de aula e outra

docente veio substitu-la por alguns minutos. Ao se apresentar para a turma a

professora explicou que trabalhava com outra forma de comunicao realizada com

as mos e todos na sala ficaram curiosos e perguntaram como era e como

funcionava esse modo de se comunicar, e naquele momento ocorreram as primeiras

aprendizagens de alguns sinais.

Aps esta experincia que havia me intrigado significativamente, despertou-

me a curiosidade em querer saber mais sobre esta forma de comunicao. No

entanto, fiquei sem ter notcias de cursos a respeito de Lngua de Sinais. Dez anos

depois, em 2006, quando estava no segundo ano do curso de Educao Fsica

bacharelado, na Universidade da Regio de Joinville Univille, tomei conhecimento

de um curso de Libras que h tanto no ouvia falar, fiz minha inscrio e comecei a

frequentar o curso, concluindo-o aps oito meses.

At ento, cursos de Libras no eram oferecidos com frequncia. H pouco

tempo, no ano de 2006, a Universidade Federal de Santa Catarina UFSC havia

aberto o curso de Letras/Libras Licenciatura a distncia, sendo pioneiro no pas

(UFSC, 2017) e o Exame de Proficincia em Libras - Prolibras, que possibilitava a

habilitao de profissionais para atuar com interpretao e ensino de lngua de

sinais. Apesar da vontade de participar destes cursos no tive condies para tal.

No ano seguinte, em 2007, comecei a estagiar na rea da Educao Fsica no

Servio Social da Indstria SESI, atuando em vrias indstrias de Joinville Santa

1 Lei sancionada no ano de 2002 e formaliza a Lngua Brasileira de Sinais enquanto lngua.

2 Foi utilizado aqui o termo srie pois era assim referido at aquele momento tornando-se ano

tempos depois.

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Catarina, com ginstica laboral. Esta experincia fez com que eu tivesse contato

com muitos surdos, o que me possibilitou praticar Libras cotidianamente.

Finalizei o curso de bacharelado em Educao Fsica no ano de 2008,

apresentando como trabalho de concluso de curso TCC, artigo intitulado

Coordenao motora geral para alunos surdos, sob orientao da Professora Ms.

Valeska Ilienko Villela Souto. No ano de 2014 foi a vez de apresentar meu trabalho

com o ttulo A incluso do escolar surdo no ensino regular, sob orientao da

Professora Ms. Patricia E. F. Magri. No perodo entre uma e outra cursei uma ps

graduao stricto sensu em Libras, a qual foi concluda em 2011. Como possvel

verificar tanto na licenciatura quanto no bacharelado em Educao Fsica desenvolvi

os Trabalhos de Concluso de Curso TCCs com temtica voltada a Libras e a

pessoa surda3, o que me aproximou cada vez mais deste pblico e sua cultura.

Desde que ingressei no ensino superior engajei-me em projetos de extenso

voltados pessoas com deficincia, participando do projeto Me Dgua e Projeto

de Desenvolvimento do Esporte Adaptado - Proesa4. Neste segundo vivenciei a

prtica de atividades no meio lquido para pessoas com deficincias fsicas e/ ou

mltiplas. Como integrante do Proesa pude participar de eventos cientficos como o

7 Congresso Brasileiro de Atividade Motora Adaptada e o 16 Simpsio

Internacional de Atividade Fsica Adaptada, ambos em Rio Claro - SP, no ano de

2007. A participao nestes eventos despertou-me o interesse em investir na minha

formao por meio de pesquisas e assim engajar-me ainda mais na rea da

Educao Especial.

Este desejo fez com que eu buscasse no mestrado uma possibilidade de

tornar-me pesquisador, assim para me ambientar com a rotina de estudos,

inicialmente cursei duas disciplinas em regime especial no Mestrado em Educao

da Univille, no ano de 2013. Esta vivncia foi de extrema importncia para que eu

entendesse as atividades pertinentes ao curso e me preparasse para retornar em

outra ocasio.

3 Por compartilhar das ideias de autoras como Gesser (2008), Quadros (1997) e outros que acreditam

no surdo enquanto ser cultural e no na surdez enquanto deficincia ser trazido no trabalho o termo surdo e no deficincia auditiva que remete ao estado patolgico. 4 Os projetos Me dgua e Proesa fazem parte do Programa Movimentao, da Univille e tem por

objetivo efetivar, junto comunidade, um programa de atividades motoras para grupos especiais (UNIVILLE, 2017).

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Ao passar a atuar como docente no ensino superior no ano de 2015, em

alguns cursos na rea da sade em duas faculdades da cidade, ministrando a

disciplina de Libras, pude perceber que muita informao precisava ser levada

comunidade acadmica, tanto para professores como para estudantes, em relao

as pessoas surdas, o que me fez buscar ainda mais por conhecimento nesta

temtica.

Lecionar no ensino superior confirmou uma suspeita: h muito o que se

pesquisar na temtica surdez, o que me faz querer continuar pesquisando e

contribuindo para seu crescimento, seja por meio de pesquisas, por transmitir

conhecimento para os estudantes da graduao ou mesmo despertando o interesse

destes em buscar cursos de Libras para alm da disciplina na graduao, para que

estes futuros profissionais enxerguem este sujeito sob uma nova tica, e tenham a

preocupao de inclu-los enquanto cidados.

Seguindo com o desejo de contribuir com pesquisas voltadas temtica, no

ano de 2016 ingressei no Mestrado em Educao5 na Univille e aps contato inicial

com minha orientadora consideramos relevante compreender como ocorre o

trabalho docente com a insero do estudante surdo no ensino superior no

municpio de Joinville - SC, sendo este o objetivo desta pesquisa. A partir deste

contato definimos a sequncia do trabalho a ser realizado para contemplar o objetivo

proposto. A descrio deste trabalho pode ser acompanhado no captulo a seguir e

traz a narrativa em terceira pessoa, diferente do que a foi apresentado at o

momento.

5 Esta pesquisa est vinculada ao Mestrado em Educao da Universidade da Regio de Joinville

Univille, na linha de pesquisa Trabalho e Formao Docente, compondo o Grupo de Estudos em Trabalho e Formao Docente - Getrafor.

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1 PERCURSO METODOLGICO

Com o intuito de nortear o leitor, este captulo apresenta o passo a passo da

pesquisa, contendo algumas subdivises para melhor compreenso deste processo.

Inicialmente, apresenta-se o levantamento de pesquisas j realizadas sobre a

educao do surdo no ensino superior, fornecendo subsdios para conhecer o que

se est pesquisando e os resultados encontrados at o momento. Logo a seguir, a

abordagem com a qual compreendeu-se estes sujeitos enquanto pessoas, em

seguida a descrio dos procedimentos utilizados para continuidade da pesquisa e o

delineamento desta.

1.1 Levantamento de pesquisas relacionadas a esta temtica

Visando verificar como as pesquisas vm abordando a educao da pessoa

surda principalmente no mbito do ensino superior, temtica da presente pesquisa,

buscou-se por trabalhos que se aproximassem desse assunto, recorrendo-se a cinco

diferentes bases de dados, sendo estas: Associao Nacional de Ps-Graduao e

Pesquisa em Educao - Anped Nacional; Scientific Electronic Library Online -

SciELO; SciELO Educa; Comit de Aperfeioamento de Pessoal de Ensino Superior

CAPES; e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertaes - BDTD. O objetivo

do levantamento, centrou-se em averiguar o que foi publicado at o incio deste

estudo. Com a busca das pesquisas, foi possvel identificar os trabalhos que se

aproximavam da temtica desta pesquisa, principalmente aqueles que tinham como

sujeitos das pesquisas estudantes surdos na educao superior, sendo este o

critrio utilizado para a seleo dos trabalhos, os quais sero relacionados a seguir.

Inicialmente foi pesquisada a base de dados da Associao Nacional de Ps-

Graduao e Pesquisa em Educao - Anped Nacional, no Grupo de Trabalho 15

Educao Especial (GT-15), do ano 2000 at a edio realizada em 2015. Foi

escolhido este perodo por ser o que estava disponvel no momento da busca, no

fazendo parte a reunio nacional ocorrida no ano de 2017, em funo da pesquisa

estar em andamento e este levantamento j ter sido realizado.

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A partir da definio do perodo a ser explorado realizou-se busca inicial de

trabalhos com foco em surdos/ surdez. Nesta primeira busca foram encontrados

trabalhos que envolviam a Lngua Brasileira de Sinais Libras, educao de surdos,

surdos no ensino regular, traduo e interpretao de Libras, polticas pblicas para

incluso de estudantes com surdez, dentre outros.

Aps seleo com descritores especficos nos registros disponveis da Anped

Nacional, sendo estes: surdos/ surdez, ensino superior e trabalho docente, foram

encontrados um total de 52 trabalhos, e deste total foram identificados 3 (trs)

artigos relacionados com a nossa temtica, no incluindo os trabalhos na

modalidade de psteres, por no apresentarem o estudo completo.

Apesar das vrias edies deste evento, verificou-se que foram poucos os

trabalhos que apresentavam proximidade com a temtica aqui abordada. No quadro

a seguir possvel constatar quais os trabalhos apresentados e seus respectivos

autores, bem como em qual edio nacional da Anped foi apresentado.

Quadro 1 Levantamento de dados sobre estudantes surdos com base na Anped Nacional. Fonte: Pesquisador com base nos bancos de dados da Anped Nacional, 2017.

Outra base de dados pesquisada foi o SciELO. Neste site realizou-se a busca

utilizando os seguintes descritores: surdez/ surdos; trabalho docente e educao

superior. Com estes 3 (trs) descritores utilizados nesta ordem no foram obtidos

resultados que contemplassem a temtica de interesse, entretanto na tentativa de

explorar outras possibilidades, ampliou-se os termos, utilizando-se agora surdez /

surdos e ensino superior. Com estes descritores foram 3 (trs) trabalhos

encontrados, os quais so apresentados no quadro a seguir.

BASE AUTORES TTULO

33 ANPED NACIONAL

(2010)

Maria das Graas Chagas de Arruda Nascimento Ana Lusa Antunes Yrlla R. de O. Carneiro da Silva

O trabalho docente na contemporaneidade: e educao de surdos como desafio

31 ANPED NACIONAL

(2008)

Monique Mendes Franco Maurcio Rocha Cruz

Surdez e educao superior: que espao esse?

30 ANPED NACIONAL

(2007)

Silvia Maria Fangueiro Pedreira

Educao Inclusiva de Surdos/as numa perspectiva intercultural

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Quadro 2 Levantamento de dados sobre estudantes surdos com base no Scielo

Fonte: Pesquisador com base nos bancos de dados da Scielo, 2017.

Na base de dados SciELO Educa foi possvel realizar pesquisa conforme a

rea de interesse, neste caso selecionou-se Educao, utilizando os mesmos

caminhos de busca realizada na base SciELO. Nesta base de dados 3 (trs) artigos

foram identificados e apenas um deles no havia sido sinalizado anteriormente no

SciELO. O artigo tem como ttulo Implicaes e conquistas da atuao do intrprete

de lngua de sinais no ensino superior, de Vanessa Regina de Oliveira Martins,

publicado em maro de 2016.

O Comit de Aperfeioamento de Pessoal de Ensino Superior - CAPES

tambm foi alvo de busca para esta pesquisa. Neste banco de dados, utilizou-se o

seguinte roteiro: no site da capes buscou-se por peridicos e em seguida buscar

assunto. Os descritores utilizados nesta base foram surdos e ensino superior; da

mesma forma que aparece aqui. Um total de 12 trabalhos retornaram como resposta

busca, destes observou-se que haviam alguns que se aproximavam da temtica

de interesse, por abordarem a incluso do estudante surdo no ensino superior, a

incluso da disciplina de Libras em cursos de nvel superior ou mesmo os trabalhos

que envolviam o tradutor e intrprete da lngua de sinais. A seguir esto os trabalhos

selecionados considerados relevantes temtica pesquisada.

Quadro 3 Levantamento de dados sobre estudantes surdos na base CAPES

AUTOR (ES) TTULO

Monique Franco (2009) Educao superior bilngue para surdos: o sentido da poltica inclusiva como espao da liberdade: primeiras aproximaes.

Natlia Gavaldo; Sandra Eli Sartoreto De Oliveira Martins (2016)

Implicaes para os surdos no ensino superior

Ana Paula Santana (2016) A incluso do surdo no ensino superior no Brasil

Fonte: Pesquisador com base nos bancos de dados da CAPES, 2017.

BASE AUTOR (ES) TTULO DO TRABALHO

SCIELO

(Descritores: surdos/ surdez; ensino

superior)

Laura Ceretta Moreira; Maria Augusta Bolsanello; Rosangela Gehrke Seger (2011)

Ingresso e permanncia na Universidade: alunos com deficincias em foco

Cludia Alquati Bisol (2010) Estudantes surdos no ensino superior: reflexes sobre a incluso

Jos Ildon Gonalves da Cruz; Trcia Regina da Silveira Dias (2009)

Trajetria escolar do surdo no ensino superior: condies e possibilidades

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No site da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertaes - BDTD, ltimo

banco de dados pesquisado, foram selecionados os seguintes descritores: surdos;

trabalho docente e ensino superior. Com os referidos descritores, obteve-se um

retorno de 17 trabalhos, e, aps a leitura de seus resumos destacaram-se 3 (trs)

por se aproximarem da temtica pesquisada. Os demais trabalhos apresentavam

objetivos referentes a disciplina de Libras no ensino superior ou o trabalho do

intrprete de libras.

Quadro 4 Levantamento de dados sobre estudantes surdos na base BDTD.

AUTOR (ES) TTULO DO TRABALHO

Simon Skarabone Rodrigues Chiacchio (tese, 2014)

Saberes docentes fundamentais para a promoo da aprendizagem do aluno surdo no ensino superior brasileiro

Davieli Chagas Breda (dissertao, 2013)

A incluso no ensino superior: um estudante surdo no programa de ps-graduao em educao

Cristiane Ramos Muller (dissertao, 2009)

Professor surdo no ensino superior: representaes da prtica docente

Fonte: Pesquisador com base nos bancos de dados da BDTD, 2017.

O levantamento realizado nestes bancos de dados tornou-se relevante, na

medida que possibilitou, dentre outros aspectos, identificar que o investimento de

pesquisas com temticas voltadas ao tema surdez no ensino superior, est em

desenvolvimento, assim como pesquisas envolvendo pessoas com deficincia.

Pode-se inferir que o panorama de pesquisas que envolvam a temtica da

surdez no ensino superior, deve-se ao fato de que o ingresso, de modo mais

evidente, de pessoas surdas na educao superior ainda recente. Acredita-se que

tornar acessvel este espao ao surdo envolve questes mais complexas, que vo

alm de barreiras arquitetnicas, como em outras situaes, principalmente a partir

das polticas voltadas ao reconhecimento da Lngua Brasileira de Sinais Libras,

como a lngua de sinais do Brasil.

Portanto, constatou-se que foram poucos os trabalhos que contemplaram a

temtica abordada neste estudo, ou seja, o surdo no ensino superior, indicando

haver um campo de pesquisa amplo a ser explorado e com possibilidades de

contribuir significativamente ao processo de educao formal do referido pblico.

Mediante a explanao realizada tem-se por objetivo geral dessa pesquisa:

- Compreender como ocorre o trabalho docente com a insero do estudante surdo

no ensino superior no municpio de Joinville-SC.

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Para alcanar este objetivo, outros especficos foram elaborados, sendo eles:

- Identificar como a instituio auxilia o docente na incluso do estudante surdo na

educao superior;

- Analisar como acontece o trabalho docente na perspectiva do professor da

disciplina da graduao junto ao estudante surdo;

- Identificar como se d o trabalho do intrprete de Libras junto aos estudantes

surdos na educao superior;

- Conhecer os desafios encontrados pelo estudante surdo a partir do seu ingresso

na educao superior.

Aps listados os trabalhos j publicados e apresentados os objetivos gerais e

especficos que direcionaram esta pesquisa, pertinente que seja apresentada a

perspectiva com a qual se desenvolve este trabalho, que ser explanada a seguir.

1.2 O estudo e sua abordagem epistemolgica

A abordagem histrico-cultural converge com a perspectiva adotada no

presente estudo, pois entende-se que os participantes da pesquisa constituram-se

enquanto indivduos a partir de suas relaes com seus pares, corroborando com

Freitas e Ramos (2010, p. 8), quando dizem que esta perspectiva busca a

compreenso dos sentidos que so construdos e compartilhados por indivduos

socialmente relacionados. Por isso [...] nos empenhamos todos na produo e na

partilha dos sentidos que deles emergem. Como expoentes desta abordagem cita-

se aqui os seguintes autores: Vigotski, Luria e Leontiev (GOLDFELD, 2002).

Adentrando ao campo educacional Gatti (2002, p.12) cita que pesquisar em

educao significa trabalhar com algo relativo a seres humanos ou com eles

mesmos, em seu prprio processo de vida, o que implica em perceber para alm

das palavras, ou seja, compreender para alm do bvio, explorando as relaes

existentes do objeto de investigao com o contexto onde este se insere.

Desse modo, para que se pudesse ter uma compreenso mais ampla da

realidade do pblico alvo desta pesquisa, optou-se por utilizar a abordagem

qualitativa, que de acordo com Andr (2012, p. 17),

21

se contrape ao esquema quantitativista de pesquisa (que divide a realidade em unidades passveis de mensurao, estudando-as isoladamente), defendendo uma viso holstica dos fenmenos, isto , que leve em conta todos os componentes de uma situao em suas interaes e influncias recprocas.

Neste sentido, Minayo (2015, p. 21) relata que esta abordagem de pesquisa

responde a questes muito particulares. [...] Ou seja, ela trabalha com o universo

dos significados, dos motivos, das aspiraes, das crenas, dos valores e das

atitudes. Complementando e reforando a ideia de que necessrio ao

pesquisador perceber para alm do exposto.

Sendo assim, para desenvolver uma pesquisa necessrio cumprir algumas

etapas, que para Minayo (2015) ocorrem, basicamente, em trs momentos: a fase

exploratria; o trabalho de campo e anlise; e o tratamento do material emprico e

documental, os quais so descritos no decorrer do percurso metodolgico.

Inicia-se descrevendo sobre a fase exploratria, que consiste na produo do

projeto de pesquisa e de todos os procedimentos necessrios para preparar a

entrada em campo (MINAYO, 2015, p.26). Este processo teve seu incio nas

primeiras reunies, que alm de definir objetivos, serviu para identificar trs grupos

de participantes a serem abordados: os estudantes surdos ou que tenham

deficincia auditiva6, sendo deficincia auditiva: perda bilateral, parcial ou total, de

quarenta e um decibis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequncias de

500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz (BRASIL, 2004); intrpretes de Libras caso

estes tenham sido solicitados pelos estudantes e os docentes que lecionaram para

estes estudantes no ano de 2016.

Para os participantes contatados, independente do grupo, critrios de incluso

foram definidos, sendo eles:

- Para todos: ter no mnimo, 18 anos;

- Para os acadmicos: ser estudante de graduao no ano de 2016 e ter o grau de

surdez anteriormente citado;

- Para os professores: ter lecionado para estes estudantes no ano de 2016;

6 Este termo foi usado neste momento por ser o que aparece nos questionrios, pois no sabamos

se os participantes se identificavam enquanto surdos ou deficientes auditivos, mas no decorrer do trabalho apresentaremos surdos. Embora concordemos com o termo surdos, por vezes, em funo da legislao, necessrio que seja referido este pblico como deficiente auditivo, em um vis patolgico, para estes terem acesso ao que diz as leis.

22

- Para os intrpretes: foram convidadas a participar intrpretes que estavam nesta

funo no ano de 2016.

Tanto para professores, intrpretes e estudantes, foram desconsiderados os

sujeitos que por desconforto em falar sobre o tema ou alguma outra razo no

aceitaram participar da pesquisa, sendo este o critrio de excluso utilizado. Dito isto

chega-se ao prximo item: os instrumentos de pesquisa e gerao de dados.

1.3 Instrumentos de pesquisa e gerao de dados

Os instrumentos utilizados para a coleta dos dados foram: questionrios com

perguntas abertas e fechadas e entrevista semiestruturada. Os questionrios foram

aplicados aos professores que se encaixavam nos critrios de incluso e que se

voluntariaram a participar. As entrevistas semiestruturadas foram direcionadas aos

estudantes e intrpretes.

Para a gerao de dados, utilizou-se questionrio7 com os professores que

aceitaram voluntariamente participar do estudo (Apndice 1). De acordo com Gil

(2008, p. 121) a utilizao de questionrios uma tcnica de investigao

composta por um conjunto de questes que so submetidas a pessoas com o

propsito de obter informaes sobre conhecimentos, crenas [...], contribuindo

tambm para obteno dos dados desejados. O questionrio para os docentes

contou com 16 perguntas divididas em 3 (trs) eixos: perfil docente, apoio

institucional e trabalho docente.

O questionrio, instrumento utilizado para a gerao de parte dos dados da

pesquisa, passou inicialmente por uma pr-testagem, sendo aplicado aos

estudantes da disciplina Seminrio de pesquisa II: trabalho e formao docente, da

turma VI do Mestrado em Educao da Univille, o que contribuiu para o

aperfeioamento do instrumento.

Para os estudantes com surdez (Apndice 2) e intrpretes (Apndice 3) foram

realizadas entrevistas semiestruturadas, as quais foram conduzidas pelo

7 O questionrio foi escolhido como instrumento de pesquisa por compreender que este no iria

interferir no processo pedaggico do professor no trabalho junto ao estudante com surdez. Vale mencionar tambm que diante do objetivo proposto compreende-se que o questionrio atende ao que foi proposto por esta pesquisa.

23

pesquisador, assegurando sigilo e privacidade para com os dados fornecidos. As

entrevistas tiveram seus udios gravados e/ ou filmados. O uso destes recursos

levou em considerao o fato de o entrevistado ser usurio de Libras ou no.

Posteriormente estas entrevistas foram transcritas na ntegra para Lngua

Portuguesa.

Em relao ao instrumento entrevista, Marconi e Lakatos (2016, p.178)

descrevem que a entrevista um procedimento utilizado na investigao social,

para a coleta de dados ou para ajudar no diagnstico ou no tratamento de um

problema social, o que contribuir para investigar a realidade que se deseja.

Todos os documentos citados foram enviados ao Comit de tica da Univille

e aps aprovao do projeto8 deu-se continuidade pesquisa, visando cumprir o

que determina a Resoluo n 466/12 do Conselho Nacional de Sade (CNS).

Dessa forma, entende-se que os riscos com a pesquisa, so mnimos, levando em

conta algum possvel constrangimento aos participantes, bem como o desconforto

em funo do tempo de resposta s entrevistas e questionrios (BRASIL, 2012).

1.4 Procedimento de anlise de dados

O prximo passo foi analisar o material obtido, o que Minayo (2015, p. 26)

considera como anlise e tratamento do material emprico e documental, que ter

como inspirao a anlise de contedo, descrita por Franco (2012) e Bardin (2011),

sendo as categorias criadas a posteriori. Utiliza-se a anlise de contedo por

entender que esta procura conhecer aquilo que est por trs das palavras sobre as

quais se debrua (BARDIN, 2011, p. 50). Esta autora ainda complementa dizendo

que anlise de contedo

Um conjunto de tcnicas de anlise de comunicaes visando obter por procedimentos sistemticos e objetivos de descrio do contedo das mensagens indicadas (quantitativas ou no) que permitam a inferncia de conhecimentos relativos s condies de produo/recepo (variveis inferidas) dessas mensagens (BARDIN, 2011, p. 48).

Para Franco esta anlise atenta-se ao que est sendo dito, na linguagem,

pois esta a expresso da existncia humana que, em diferentes momentos

8 Este trabalho foi aprovado com o parecer 1.796.156 (Anexo 1).

24

histricos, elabora e desenvolve representaes sociais no dinamismo interacional

que se estabelece entre linguagem, pensamento e ao (FRANCO, 2012, p. 13).

Neste sentido, leva-se em conta o contexto no qual esta linguagem est inserida,

contribuindo para uma melhor compreenso da realidade vivida pelos participantes.

Com o material gerado em mos, seguindo os pressupostos da anlise de

contedo, necessrio para um primeiro contato com o material uma leitura

flutuante, que significa estabelecer contatos com os documentos a serem

analisados e conhecer os textos e as mensagens neles contidos, deixando-se

invadir por impresses, representaes (FRANCO, 2012, p. 54). Isto significa que

necessrio ambientar-se no terrirrio dos dados gerados, deixando-se impregnar por

seu contedo.

Inicialmente, para organizar os questionrios, sendo um total de 10 unidades,

estes foram identificados por nomes fictcios a fim de preservar a identidade dos

docentes participantes, sendo: Carmem, Nelson, Heloisa, Edson, Elias, Ftima,

Joana, Salete, Carlos, e Paulo. Para intrpretes e estudantes ocorreu da mesma

maneira, sendo que para intrpretes foram atribudos os nomes de Iara e Ivete e aos

estudantes os nomes de Elvis, Elisabete e Eloi. Aps a nomeao dos questionrios,

a organizao das respostas foi realizada com o programa Excel para agrupar dados

e com o Word para transcrever as entrevistas.

Os participantes desta pesquisa foram divididos em 3 (trs) grupos:

estudantes surdos, docentes destes estudantes e intrpretes. Para professores

foram utilizados questionrios que abordaram 3 (trs) eixos: Eixo 1 - Perfil docente;

Eixo 2 - Apoio institucional e Eixo 3 - Trabalho docente, totalizando 16 questes

sendo estas abertas e fechadas.

Com base nos eixos criados foi possvel atender aos objetivos especficos,

que so: a) identificar como a instituio auxilia o docente na incluso do estudante

surdo na educao superior; b) analisar como acontece o trabalho docente na

perspectiva do professor da disciplina da graduao junto ao estudante surdo; c)

identificar como se d o trabalho do intrprete de Libras junto aos estudantes surdos

na educao superior; e d) conhecer os desafios encontrados pelo estudante surdo

a partir do seu ingresso na educao superior.

25

Pelo exposto at o momento pode-se compreender como ser feita a anlise

do material gerado neste trabalho, porm esta apenas uma parte do que foi feito

nesta pesquisa e a seguir encontra-se como deu-se a continuidade do trabalho

realizado.

1.5 Delineamento da pesquisa

Buscou-se saber quantas instituies de ensino superior h na cidade e para

isto recorremos ao Portal da Educao Institucional (SED, 2017) onde identificou-se

249 instituies de ensino superior cadastradas em Joinville - SC. A partir destes

dados o prximo passo da pesquisa foi investigar quantos estudantes contemplavam

o perfil desejado para compor este trabalho. Desta maneira, fez-se contato, via e-

mail, com a representante do Comit de Ensino Superior da cidade de Joinville

SC, solicitando que esta, durante uma reunio do comit, perguntasse aos

representantes aqueles que possuam no seu quadro discente estudantes surdos.

De acordo com a informao repassada representante, 5 (cinco) instituies

contemplavam o pblico alvo desta pesquisa, ou seja, os estudantes surdos.

Dentre as cinco IES que mencionaram ter estudantes surdos uma instituio

comunitria, uma pblica e trs so privadas. Para contato inicial foi enviado e-mail

explicando a pesquisa e perguntando sobre a possibilidade de participao. Destas

cinco possveis participantes apenas 3 retornaram o e-mail sinalizando interesse,

sendo elas: uma instituio privada, uma comunitria e uma pblica. Uma instituio

privada no retornou o e-mail encaminhado e outra recusou-se a participar por

motivos de mudana interna no grupo educacional.

A partir da sinalizao positiva das trs instituies foi solicitado o contato de

e-mail dos estudantes para encaminhamento do projeto e da possibilidade de

participao. O processo de obteno das informaes necessrias para gerao de

dados em cada instituio ser descrito a seguir, bem como a explanao da

metodologia utilizada para contatar as instituies, os docentes e os estudantes.

9 No levantamento realizado percebeu-se que algumas instituies no estavam mais atuando na

cidade.

26

1.5.1 Contato com instituio pblica

Na universidade pblica, aps contato e envio da inteno de pesquisa, foi

necessrio aguardar a aprovao pelo Comit de tica da instituio10, que aps

contato telefnico solicitando alguns ajustes por escrito, os quais foram realizados, o

considerou apto a prosseguir. Com auxlio da professora que proporcionou respaldo

interno, obteve-se contato de 6 (seis) docentes, que foram contatados por e-mail

visando inicialmente informar sobre a pesquisa e verificar se teriam interesse de

participar, neste primeiro contato todos aceitaram de imediato.

professora que proporcionou respaldo interno foram entregues os

questionrios, os quais enviou aos docentes. Este procedimento de entrega dos

envelopes foi realizado na mesma semana do contato e aceite por parte dos

docentes, com um prazo de duas semanas para o recolhimento dos questionrios.

Os professores tiveram acesso aos questionrios e o devolveram para a professora

que estava auxiliando neste processo. Esta ao receber os envelopes os guardou

para que o pesquisador pudesse busc-los e realizar posterior tabulao dos dados.

Dos seis docentes, apenas dois fizeram a devolutiva.

Em relao ao estudante surdo procedeu-se inicialmente com um contato por

escrito, via e-mail, perguntando se este concordaria com a participao na pesquisa

e se a entrevista seria sinalizada ou oralizada. O retorno para participao foi

positivo, sendo que o estudante demonstrou interesse em contribuir. A escolha do

local de realizao da entrevista foi feita pelo entrevistado em local aberto, porm

reservado, mesmo tendo sido oferecida pela instituio proponente da pesquisa uma

sala privativa. O estudante em questo no utiliza a lngua de sinais e realizou a

entrevista oralmente.

1.5.2 Contato com instituio privada

O processo para obteno de dados na instituio privada ocorreu

inicialmente por meio de um contato via e-mail para o diretor. Este contato direto

com o representante da instituio foi possvel pelo fato do pesquisador fazer parte

10

Este trabalho foi aprovado com o parecer 2.037.844 (Anexo 2).

27

do quadro docente da instituio, porm no participando do corpo de professores

do curso no qual a estudante em questo est vinculada. Com a aprovao da

direo foi enviado um e-mail para a coordenadora do curso no qual a estudante

com surdez est matriculada e aps um contato pessoal para explanao da

conduta da entrevista esta consentiu em participar.

O prximo passo foi deixar os questionrios sob responsabilidade da

coordenadora de curso, para que fossem entregues aos 5 (cinco) docentes

participantes e aps o prazo de uma semana, 4 (quatro) questionrios foram

recolhidos. Para a estudante foi enviado e-mail perguntando sobre local e horrio

disponveis para entrevista e esta retornou marcando para a semana seguinte este

encontro, que se realizou na prpria faculdade, em sala reservada.

1.5.3 Contato com instituio comunitria

Na instituio comunitria solicitou-se alguns dados junto ao setor

responsvel pelo cadastro dos estudantes que tem alguma deficincia, sndrome ou

transtorno - Central de Relacionamento ao Estudante - CRE. Em contato com a

responsvel deste setor foi possvel acessar informaes do possvel pblico

participante. Tendo em vista os critrios de incluso foram abordados 3 (trs)

estudantes com surdez - duas mulheres e um homem, e duas intrpretes.

Os nicos participantes que se dispuseram a integrar esta pesquisa foram o

aluno surdo e sua intrprete, j que as demais estudantes no deram retorno e a

outra intrprete argumentou no ter disponibilidade de horrio.

Para a entrevista com o estudante surdo solicitou-se que sua intrprete, por

ter mais contato com ele e por dominar os sinais especficos do curso no qual ele

est inserido, auxiliasse neste processo tornando assim a conversa fluente. As

entrevistas com a intrprete e estudante surdo aconteceram em uma sala reservada

na CRE, sendo seguidos os procedimentos j descritos em relao a gravao de

udio e vdeo. Iniciou-se entrevistando o estudante com a participao da intrprete

e posteriormente apenas a intrprete.

Vale mencionar que posteriormente se soube que a intrprete que

acompanhava o acadmico durante a realizao da pesquisa no era a mesma de

28

quando ele iniciou o curso. Diante deste fato fez-se contato com a primeira intrprete

do estudante e esta disse que por motivos pessoais precisou deixar a instituio,

mas que ao ser contatada sinalizou interesse em participar da pesquisa, sendo sua

entrevista realizada na CRE.

Quanto a participao dos docentes foi assegurado o apoio do coordenador

de curso, que aps verificao confirmou que um total de 9 (nove) professores

poderiam participar da pesquisa. O coordenador tambm se disps a colaborar no

processo de entrega e recolhimento dos questionrios. Nesta instituio do total de 9

(nove) questionrios entregues aos docentes obteve-se retorno de 4 (quatro)

instrumentos. O tempo para recolhimento dos questionrios pelo pesquisador foi de

trs semanas.

Retomando questes gerais, o perodo para levantamento dos dados ocorreu

entre os meses de novembro de 2016 a abril de 2017. Destaca-se que para

discentes, docentes e intrpretes foi solicitada assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido TCLE (Apndice 5).

Aps concludos os levantamentos necessrios foram gerados dados que

sero apresentados no captulo 5 (cinco), pois nos captulos 2 (dois), 3 (trs) e 4

(quatro) sero apresentados aspectos importantes sobre o sujeito surdo que daro

suporte para discusso e anlise dos dados, a iniciar pelas polticas e como esta se

efetiva junto s pessoas surdas.

29

2 EDUCAO DAS PESSOAS SURDAS: entre os discursos polticos e a

efetivao na prtica

Compreender a educao de surdos pede um revisitar em uma histria

trilhada por diversos marcos, resultantes das mudanas sociais e culturais

transcorridas nas ltimas dcadas, bem como da participao das pessoas surdas

em diferentes espaos sociais. So inegveis os avanos sociais em relao as

pessoas surdas, partindo-se do perodo em que estas eram consideradas pessoas

possudas pelo demnio, ou que podiam se comunicar com divindades em segredo,

ou mesmo que todo surdo era mudo. Neste processo marcado por muitos

preconceitos e desconhecimento as pessoas surdas foram vtimas de estigmas

resultando na segregao social11 (FERNANDES, 2006; GOLDFELD, 2002).

Considerando que os avanos alcanados so provenientes de muita luta e

militncia desta comunidade, o que resultou em polticas pblicas, que produziram

leis e decretos que pudessem contemplar estes indivduos e so algumas dessas

legislaes que sero apresentadas no decorrer deste captulo, partindo de

legislaes mais abrangentes, ou seja, as que indicam pessoas com deficincia no

geral at se chegar nas que remetem ao surdo e sua lngua.

A partir do momento que se assume que a educao para todos (Unesco,

1990, 1994), entende-se que esta deva acolher os interessados neste processo,

sendo estes com deficincia ou no e ento que se passa a voltar os olhares para

um pblico que at aquele momento no tinha voz to pouco visibilidade, ficando s

margens da sociedade, ou seja, as pessoas consideradas diferentes.

Os documentos existentes a partir da dcada de 1990 sugerem que as

instituies se adequem s necessidades dos estudantes considerados diferentes,

porm contemplam algumas deficincias como auditiva, fsica e visual, no

mencionando os demais sujeitos pblico alvo da educao especial, como as

pessoas com sndromes e transtornos, por exemplo. O levantamento realizado por

Santos e Hostins (2015) sobre polticas de incluso para ensino superior traz com

11

Entende-se que no foram apenas com as pessoas surdas que ocorreram tais fatos, sendo importante conhecer a trajetria da educao das pessoas com deficincia at o cenrio atual, porm no esta a funo deste trabalho, mas indica-se autores como Januzzi (2012) e Kassar (2013) para mais informaes.

30

mais detalhes a legislao e anlise discutidas, o que colabora para o andamento

desta pesquisa, pois focou-se em dissertar sobre as polticas para o ensino superior

na perspectiva da educao especial abordando outros aspectos e seguiu-se com

elas.

Mesmo nos dias atuais percebe-se que so poucas as produes em torno da

incluso no ensino superior, independente da deficincia abordada, como

apresentado a seguir

Pouco se tem documentado sobre a incluso no ensino superior, indicando uma carncia de reflexes, estudos e estatsticas, o que dificulta a formulao de polticas pblicas que contemplem aes promotoras de educao inclusiva tambm no ensino superior (OLIVEIRA, 2011, p. 31).

Mesmo com a carncia de trabalhos em relao a esta temtica, notrio,

ainda que singelo, um discreto crescimento em relao produes dos anos

anteriores, devido s legislaes que tratam desta temtica, o que fez com que os

olhos fossem voltados para este pblico, pois devido legislao, o acesso

permitido.

Compreende-se que a legislao, no que tange ao estudante surdo

generalista, pois sempre aborda questes como garantir atendimento pessoa

portadora de necessidades educativas especiais, construo de uma escola

inclusiva, atendimento diversidade humana entre outras. Observa-se tambm que

as leis, inicialmente, voltavam-se para os estudantes de educao bsica, sendo

posteriormente criados caminhos para o ingresso do estudante diferente no ensino

superior (SANTOS; HOSTINS, 2015). Desta maneira, pressupe-se que fica a cargo

de instituies e demais espaos a realizao desta insero, j que no h

orientao especfica para a realizao deste feito.

No caso dos surdos, esta comunidade ganha fora e representatividade a

partir da lei 10.436/2002 (Brasil, 2002, p. 1), conhecida como Lei de Libras, que

oficializou a Lngua Brasileira de Sinais Libras como a lngua da comunidade surda

brasileira, causando impacto positivo na perspectiva da educao inclusiva quando

se reporta a este pblico, principalmente porque oportunizou que este estudante

aprendesse os contedos curriculares por meio de sua lngua. Sobre esta forma de

comunicao esta lei define Libras como sendo um sistema lingstico de natureza

31

visual-motora, com estrutura gramatical prpria [...], oriundos de comunidades de

pessoas surdas do Brasil (BRASIL, 2002). Esta lngua constituindo-se de natureza

visual-motora, diferente ao que se apresenta aos ouvintes, ou seja, oral-auditiva,

pressupe que o atendimento a este pblico deva ser de maneira diferenciada, haja

vista que, de acordo com a lei, a compreenso do surdo em relao ao que o rodeia

feita visualmente.

Pelo fato desta pesquisa envolver o surdo no ensino superior, considera-se

importante salientar que esta mesma lei relata que a lngua de sinais no substitui o

portugus escrito, pois entende-se que ao final da graduao o concluinte dever

realizar seu trabalho de concluso de curso de maneira escrita, em portugus, e

para o surdo no ser diferente. Neste sentido, faz-se necessrio o aprendizado do

portugus escrito para o surdo com o mesmo empenho com que se deseja que o

ouvinte aprenda Libras, tornando-as importantes na mesma proporo.

Com a difuso da referida lei e os ganhos para esta comunidade, no ano de

2005 foi criado o decreto n 5.626 (Brasil, 2005), tendo este a finalidade de

regulamentar a lei de Libras, bem como a lei n 10.098, de 19 de dezembro de 2000,

sendo esta responsvel por estabelecer normas gerais e critrios bsicos para a

promoo da acessibilidade das pessoas portadoras de deficincia12 ou com

mobilidade reduzida, alm de dar outras providncias (BRASIL, 2000).

Dentre outros, este decreto aborda o conceito de surdez, relatando que

considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e

interage com o mundo por meio de experincias visuais, manifestando sua cultura

principalmente pelo uso da Lngua Brasileira de Sinais Libras (BRASIL, 2005). Ao

referir-se a Libras como principal manifestao da cultura surda, entende-se que

este decreto sugere amparo s manifestaes da cultura surda, porm percebe-se

um deslize no mesmo conceito, pois apresenta o termo perda auditiva, remetendo

deficincia.

Apesar de compreender que h na comunidade surda esta luta pela

efetivao e reconhecimento cada vez maior de direitos e pela legitimidade de uma

cultura, quando se trata de conseguir recursos, como por exemplo a solicitao de

intrpretes na escola o termo deficiente auditivo pertinente, pois o discurso 12

Entende-se que o termo portador de deficincia est em desuso, porm respeita-se o que traz a legislao.

32

mdico torna-se superior ao discurso do surdo enquanto ser cultural, apoiando-se na

deficincia auditiva, pois por meio de laudo mdico que estas solicitaes so

atendidas.

O decreto de 2005 traz ainda a obrigatoriedade da disciplina de Libras nos

cursos de formao de professores, nos cursos de fonoaudiologia e magistrio; da

formao devida aos profissionais que trabalham com Libras; da garantia ao direito

das pessoas surdas ou com deficincia auditiva educao, bem como de seus

direitos a sade; alm de priorizar o professor surdo13 para receber estas formaes,

sugerindo tambm que o estudante surdo aprenda Libras desde sua insero na

educao infantil e que os surdos tenham direito a intrpretes e faz referncia ao

professor bilingue.

Apesar de ofertar a disciplina de Libras nos referidos cursos, a legislao no

apresenta carga horria mnima para a realizao desta e no orienta sobre ofert-la

de maneira presencial ou a distncia, o que acaba por deixar a cargo das IES esta

deciso, o que por desconhecimento sobre a importncia desta lngua nos cursos de

ensino superior acaba por no visibiliz-la adequadamente, desconsiderando sua

relevncia.

Um dos captulos do decreto de 2005 trata sobre a formao de tradutores e

intrpretes de Libras e suas atribuies. Para contemplar estes profissionais foi

criada a lei n 12.319, de 1 de setembro de 2010, que formalizada a profisso de

tradutor e intrprete da Lngua Brasileira de Sinais Libras (Brasil, 2010),

possibilitando acreditar que cada vez mais este profissional importante para que se

possa promover a comunicao entre surdos e ouvintes, bem como entender que o

surdo est cada vez mais procurando inserir-se em um contexto social. possvel

inferir que o crescimento da importncia do intrprete de Libras proporcional

visibilidade da Lngua Brasileira de Sinais, pois sendo este o profissional

responsvel por traduzir e interpretar da lngua de sinais para a lngua portuguesa,

torna-se necessrio sua presena a partir da expanso de Libras.

13 Art. 4

o em pargrafo nico, indica a pessoa surda com preferncia para receber cursos de

formao, formando-o para o ensino de Libras nos anos finais de ensino fundamental, ensino mdio e superior, devendo ser realizado em nvel superior, em curso de graduao de licenciatura plena em letras: Libras ou em Letras: Libras/ Lngua Portuguesa como segunda lngua (Brasil, 2005).

33

Outro documento importante que orienta profissionais sobre a incluso da

pessoa com deficincia a Lei Brasileira de Incluso, de 2015 (BRASIL, 2015). Este

documento destinado a assegurar e promover, em condies de igualdade, o

exerccio dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficincia,

visando a sua incluso social e cidadania.

No Captulo IV Do Direito a Educao, artigo 28, pargrafo II relata o

aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condies de acesso,

permanncia, participao e aprendizagem [...] que eliminem as barreiras e

promovam a incluso plena (BRASIL, 2015, grifo nosso), referindo-se ao poder

pblico.

Destaca-se o trecho em que se refere a permanncia deste estudante nas

instituies de ensino, algo que at ento no era evidenciado, citando apenas o

acesso. Para alm do mbito educacional esta lei destaca a insero de surdos em

outros espaos sociais, como ao trabalho, sade e moradia, por exemplo.

Como se pode perceber, a Lei Brasileira de Incluso est em consonncia

com a lei de Libras, a lei do intrprete e com o decreto de 2005, pois todas refletem

a inteno de assegurar a insero da pessoa surda nos espaos que at ento

apenas os ouvintes acessavam e vai alm referindo-se a permanncia de

estudantes nas instituies escolares.

Estes documentos oportunizaram novas possibilidades de engajamento a um

pblico at ento segregado, mas fez mais do que isto, pois visibilizada a pessoa

surda e entendendo que esta possui em seu meio uma cultura prpria e que

contribui para um desenvolvimento pleno da comunidade surda, bem como de seus

participantes h atualmente, nas escolas, a proposta bilngue, j referida inclusive

em documentos legais a respeito deste professor para atuar com surdos.

A luta por legitimidade de uma cultura e reconhecimento da comunidade

surda ainda continua e est cada vez mais em voga e a seguir ser apresentado um

cenrio que est caminhando para uma realidade cada vez mais concreta: o

estudante surdo no ensino superior e as polticas que respaldam este acesso.

34

2.1 O estudante surdo na educao superior: polticas que orientam este acesso

Como apresentado no incio deste captulo h algumas leis que possibilitam a

insero do estudante surdo em todos os nveis educacionais. Neste subcaptulo

sero apresentadas algumas legislaes especficas que abordam este estudante,

agora no ensino superior.

Conforme abordado em captulos anteriores, percebe-se que na histria da

educao de surdos o processo longo e muitas vezes rduo para que este

estudante consiga o acesso a educao. Neste contexto alguns movimentos

iniciaram e foram foradamente cessados, como o caso do uso de algum tipo de

lngua de sinais at esta ser banida em funo do Oralismo. Pode-se dizer que foi a

partir de 1994, com a Declarao de Salamanca que, de fato, ocorreram

intensificaes nas aes voltadas escolarizao destas pessoas. Embora esta

Declarao no fosse voltada para a defesa deste pblico, entende-se que a partir

dela que discusses foram geradas, tornando visveis as pessoas com deficincia. A

partir deste documento outros foram criados, como leis para acesso das pessoas

com deficincia em diversos espaos, entre eles, a escola, que o que cabe

trabalhar nesta pesquisa.

Para ter acesso a estes espaos necessrio que se ultrapasse algumas

barreiras, dependendo da deficincia que a pessoa apresente, como a barreira de

comunicao, arquitetnica ou social, por exemplo. Na relao pessoa com

deficincia e o ensino superior existe um documento que aborda, alm de outros

pontos, os tipos de barreiras encontradas no ensino superior. Refere-se aqui ao

Programa Incluir acessibilidade na educao superior (Brasil, 2013). Este

documento faz um breve relato das polticas existentes para a educao especial,

apresenta tambm orientaes oramentrias, indicadores do programa bem como

conceitos e definies e algumas delas sero apresentadas a seguir, no que tange

as barreiras encontradas no ensino superior em relao ao estudante surdo.

Para poder compreender melhor quais barreiras so encontradas o

documento apresenta em seu texto ncleos de acessibilidade, que visam eliminar

barreiras fsicas, de comunicao e de informao (BRASIL, 2013, grifo nosso).

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Contemplando o que busca este trabalho destaca-se a barreira de comunicao

como sendo pertinente para a discusso nesta sesso.

Ao encontro do que apresentou-se anteriormente percebe-se que a

comunicao aparece em destaque no acesso e permanncia do estudante surdo

ao ensino superior, e no apenas neste nvel de ensino, mas em todos e

independente da esfera na qual se encontra este estudante, seja em instituies

comunitrias, pblicas ou privadas. Esta permanncia sugere que a aprendizagem

deste estudante surdo torna-se prioridade, ao invs de apenas inseri-lo no contexto

acadmico.

Com a premissa de romper com esta barreira algumas orientaes so

fornecidas para que estas sejam transpostas, ressaltando-se que dentre os

recursos e servios de acessibilidade disponibilizados pelas IES, destacam-se o

tradutor e intrprete de Lngua Brasileira de Sinais, [...] e materiais pedaggicos

acessveis atendendo s necessidades especficas dos estudantes (Brasil, 2013).

Em outra passagem sobre os ncleos de acessibilidade, o documento relata

que estes estruturam-se nas seguintes bases: a) Infra-estrutura; b) currculo,

comunicao e informao; c) programas de extenso e d) programas de pesquisa.

Novamente, refere-se questo que envolve comunicao, pois a orientao dada

que sejam usufruidos os servios de guia-intrprete e de tradutores e intrpretes de

Libras.

perceptvel que dentre todas as legislaes vigentes a questo da

comunicao fica evidente, bem como a sugesto do uso de material pedaggico

especfico para cada estudante, ficando a cargo do docente ou profissional

responsvel a confeco de tal material, j que no so apresentadas sugestes

para isto.

Conhecendo a legislao correspondente educao especial,

especialmente quela voltada ao surdo possvel cobrar de maneira efetiva o que

consta nestes documentos, mesmo que ainda haja resistncia por parte de

instituies em disponibilizar profissionais intrpretes para auxiliar na comunicao.

E com base nestas legislaes que se deve exigir destas instituies cumprimento

da lei. Ressalta-se, tambm, que a disposio de intrpretes ou qualquer outro

36

instrumento para adaptao do estudante com deficincia no deve gerar custos ao

mesmo, bem como sua famlia.

2.2 O estudante surdo na cidade de Joinville - SC: um cenrio a ser desvelado

Compreendendo que a pesquisa no neutra, e considerando o tipo de

pesquisa realizada, e a perspectiva sob a qual foi realizada, ou seja abordagem

histrico-cultural explicitada anteriormente, considerou-se pertinente apresentar o

cenrio onde esta foi realizada por compreender que as caractersticas deste meio

so assimiladas pelos sujeitos que nele vivem. Assim sendo, apresentar-se- alguns

dados sobre o municpio de Joinville - SC.

O municpio est localizado ao norte do Estado de Santa Catarina e com uma

populao de aproximadamente 569.645 pessoas (IBGE, 2010a), sendo a economia

movimentada predominantemente pela indstria. Ao realizar uma busca nos dados

do censo de 2010, sobre o nmero de pessoas surdas no municpio, identificou-se

que foi utilizado como critrios de incluso na categoria deficincia auditiva itens

como: alguma dificuldade para ouvir, grande dificuldade para ouvir ou no consegue

de modo algum. Do total identificado a partir destas e outras categorias como idade

por exemplo, chegou-se a um nmero superior a 30.000 pessoas com diferentes

nveis de perda auditiva em Joinville.

Fazendo um levantamento destes nmeros no site do IBGE, em consulta

realizada no ano de 2017 sobre o nmero de pessoas com surdez, acredita-se que

aqueles que tenham grande dificuldade ou que no ouvem, o que implica no uso de

algum tipo de comunicao que envolva lngua de sinais, representem

aproximadamente 5000 surdos na cidade (IBGE, 2010b).

Diante destes nmeros significativos, considerou-se pertinente verificar o

nmero de estudantes com surdez matriculados nas redes de ensino da cidade,

porm estes dados no aparecem no portal eletrnico das secretarias de ensino,

bem como no portal eletrnico das prprias instituies, no caso de

estabelecimentos particulares. Como no se obteve sucesso no levantamento

destas informaes recorreu-se ao uso da tcnica Snowball ou Snowball Sampling,

que Baldin e Munhoz (2011, p. 50) explicam ser uma tcnica de amostragem que

37

utiliza cadeias de referncia, uma espcie de rede. Esta tcnica funciona na forma

de indicao, pois um participante indica outro at que as informaes acabem se

repetindo, indicando que o que est sendo dito no seja mais novidade (BALDIN;

MUNHOZ, 2011).

Apesar da relevncia desta tcnica, as autoras orientam sobre sua limitao,

ao mencionarem que a tcnica acessa as pessoas mais visveis na populao,

deixando outras que poderiam contribuir, porm no esto em evidncia, de lado

(ALBUQUERQUE, 2009 apud BALDIN; MUNHOZ, 2011). No caso desta pesquisa

entende-se que este ponto no foi uma limitao, mas sim algo positivo, pois na

cidade h um nmero restrito de profissionais que atuam com atendimento ao

pblico surdo tornando a tcnica pertinente e vivel ao estudo.

Ao fazer uso da tcnica, o primeiro contato foi com uma professora que

trabalhou na formao inicial de estudantes de graduao, sendo esta voltada a

formao de profissionais para atuarem com este pblico e a partir desta profissional

obteve-se o contato dos demais, conseguindo desta maneira levantar o nmero

aproximado de estudantes surdos nas redes de ensino de Joinville - SC, como

verifica-se no quadro a seguir.

Quadro 5 Estudantes surdos nas redes de ensino de Joinville - SC

INSTITUIO ALUNOS

Pblica Municipal (Educao infantil e ensino fundamental I e II) 20

Pblica Estadual (Ensino fundamental I, II e mdio) 21

Federal (IFC): ensino tcnico 1

Privada: ensino superior (6 instituies) 13

TOTAL DE ESTUDANTES 55

Fonte: Pesquisador com base nos profissionais atuantes com surdos, 2017.

Como revela o Quadro 5, so poucos os surdos que esto frequentando o

ensino regular, tcnico ou superior, independente da esfera em que ele aparea,

seja municipal, federal, estadual ou privado, o que refora a reflexo sobre o baixo

nmero de estudantes frequentando alguma instituio de ensino. Considerando o

baixo nmero de estudantes no ensino regular, compreende-se o fato deste nmero

se manter baixo tambm no ensino superior. O que chama ateno para estes

dados que o ltimo levantamento foi realizado no ano de 2010, integrando o Censo

38

crianas a partir de 10 anos, este pblico estaria com idade para ingressar no ensino

superior o que esta pesquisa revela ser um nmero ainda pouco expressivo. A partir

do exposto possvel refletir sobre onde esto estes surdos.

Apesar do ingresso de pessoas surdas no ensino superior representar um

nmero baixo, pode-se dizer que este nmero tem aumentado, como aponta nota

informativa publicada pelo Ministrio da Educao e Cultura MEC, na qual

apresenta as matrculas das pessoas com deficincia que aumentaram 933% em

dez anos, passando de 2.173 para 20.287, no perodo de 2000 a 2010 (MEC, 2012).

Na mesma nota h meno sobre o impacto das polticas educacionais que visam

oferecer cursos de licenciaturas em Letras com habilitao em Libras, o que

demonstra preocupao com a formao inicial dos futuros professores no trabalho

com estudantes surdos.

Como percebido, h amparo legal que possibilita ao surdo o acesso aos mais

diversos locais e servios pondera-se aqui sobre o porqu desta incluso no

ocorrer, ou da lentido neste processo. Algumas consideraes podem ser

apresentadas visando explicar a ausncia destas pessoas no ensino regular,

profissionalizante, tcnico ou superior e uma delas est relacionada ao dficit de

profissionais intrpretes de Libras.

A partir de dados publicados pelo site da Associao Catarinense das

Fundaes Educacionais - ACAFE, em processo seletivo para professor admitido em

carter temporrio ACT, realizado para intrprete de Libras para a rede estadual

de ensino, constata-se que no ano de 2016 apenas 4 (quatro) pessoas foram

aprovadas, tanto para ensino fundamental quanto para mdio, pois alguns

candidatos que foram aprovados estavam concorrendo e foram aprovados em

ambos os nveis de ensino (ACAFE, 2016a). Para professor bilngue 2 (duas)

pessoas foram aprovadas e quando se trata de instrutores de Libras, este nmero

reduz para apenas 1 (uma) pessoa aprovada (ACAFE, 2016b; ACAFE, 2016c).

Existem salas especficas para o atendimento e auxlio dos estudantes,

sendo estas o SAEDE Servio de Atendimento Educacional Especializado, que

tem por objetivo propiciar aos educandos com diagnstico de deficincia

matriculados na rede regular o servio de Atendimento Educacional Especializado

AEE (MEC, 2008), que contribuem tambm para o desenvolvimento do estudante

39

surdo, mas especificamente nesta sala prpria e no em sala de aula. Entende-se

que este auxlio acontece em horrio a parte do perodo em que o estudante

frequenta, ou seja, no contra-turno, o que implica para este profissional saber Libras

para realizar, de fato, este auxlio.

Exemplo de educao de surdos na cidade de Joinville SC, pode-se citar a

Escola Rui Barbosa, que promovia o ensino destes estudantes surdos em classes

especiais prprias para eles. Durante anos foi ofertada classes especiais de 1 a 4

srie do ensino fundamental, pois o ensino no era nomeado anual e no havia

ensino fundamental at o 5 ano. A partir da 5 srie os estudantes tinham

possibilidade de continuar estudando com auxlio de intrpretes, podendo desta

maneira concluir o ensino fundamental em conjunto com os demais estudantes. Vale

ressaltar que a proposta da escola, de acordo com o que foi vivenciado, no a

caracterizava como uma escola bilngue, pois a proposta da escola no inclua

surdos e ouvintes, mas sim integrava os estudantes, bem como os profissionais

deste estabelecimento. O fato do pesquisador ter tido contato com a escola e poder

ter participado da rotina escolar no perodo de estgio da faculdade proporcionou

repertrio para relatar as situaes aqui descritas.

Em dezembro de 2012 a escola foi interditada pela Vigilncia Sanitria,

fazendo com que os 263 estudantes fossem remanejados para outra escola nas

proximidades. A proposta inicial era de que no ano de 2013 a escola passasse por

reformas e no ano seguinte, em 2014, passasse a atender, tambm, o Centro de

Educao de Jovens e Adultos CEJA, que est localizada ao lado do Rui Barbosa

(A NOTCIA, 2013a).

Tal promessa no se concretizou, pois no ano de 2014 a escola foi fechada e

deu lugar a Companhia de Patrulhamento Ttico e o grupo de paramdicos da

Polcia Militar, transferindo por definitivo os alunos que ali estudavam (A NOTCIA,

2013b). Tal fato gerou preocupao, principalmente entre surdos que l antes

estudavam, pois a escola era a nica instituio de Joinville destinada ao ensino de

estudantes surdos. Desde ento os estudantes com surdez foram realocados em

outras instituies de ensino, descentralizando os estudantes.

Este fato marca negativamente a histria da educao de surdos na cidade,

pois a lngua de sinais, prpria da comunidade surda deve ser adquirida de maneira

40

dialtica, ou seja, em contato com seus pares, como revela Vygotsky, postulando

que a criana quando nasce tem todas as possibilidades de se tornar humana, ou

seja, adquirir as caractersticas tipicamente humanas, mas isso se d apenas se

houver interao dialtica do homem e seu meio sociocultural. Ao mesmo tempo

em que o ser humano transforma o seu meio para atender suas necessidades

bsicas, transforma-se a si mesmo (REGO, 2014, p. 41). Sendo estes estudantes

surdos locados em diversas escolas acaba ocorrendo maior privao deste contato.

Percebe-se, atualmente em Joinville SC, um movimento por parte de

instituies que realizam trabalhos com surdos uma rdua busca por captao de

recursos junto as foras polticas para implantar no municpio uma escola bilngue, o

que promoveria a socializao dos surdos diretamente com seus pares e no

dividindo estes estudantes como acontece hoje.

41

2.3 Trabalho docente e suas especificidades com o estudante surdo

Apresentar as especificidades do trabalho docente em relao ao estudante

surdo precede o ingresso deste no ensino superior, passando pela escolarizao em

diversos nveis de ensino, pois mesmo estes sendo diferentes o trabalho pedaggico

com este estudante se d de maneira parecida diferindo apenas no contedo

ministrado, mas as estratgias de ensino podem ser utilizadas e adaptadas da

melhor forma a atender este pblico.

Considerando que as turmas regulares nas escolas no so homogneas, ou

seja, apresentam diferentes estudantes e uma pluralidade de conhecimentos e nesta

perspectiva entende-se que o saber docente, tambm, exige um saber plural, como

conceitua Tardif (2014, p.36) dizendo que pode-se definir o saber docente como um

saber plural, formado pelo amlgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos

da formao profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais,

refletindo que o saber plural do professor necessrio para atuar com estes

estudantes em sua diversidade.

Roldo (2005) contribui no mbito do trabalho docente quando se refere a

profissionalidade desta atividade, abordando o conceito de profissionalidade, que

distingui a atividade docente das demais, sendo definido por conjunto de atributos,

socialmente construdos, que permitem distinguir uma profisso de outros muitos

tipos de atividades, igualmente relevantes e valiosas (Roldo, 2005, p. 108).

Portanto, com base nestes saberes plurais e levando em conta este conjunto

de atributos que legitima a profissionalidade docente acredita-se que todo este

repertrio de conhecimento que o docente carrega ser necessrio, pois sendo o

surdo produtor de cultura, sendo esta definida pela autora Strobel (2016, p. 29)

como o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modific-lo a fim de torn-lo

acessvel e habitvel, ajustando-o com as suas percepes visuais, que contribuem

para a definio de identidades surdas e das almas das comunidades surdas,

compreende-se, a partir do momento que este docente insere-se nesta cultura,

diferente da sua enquanto ouvinte, acaba por lanar mo de todo este repertrio a

seu favor e em funo destes estudantes. A referida autora ainda complementa

42

relatando que esta cultura abrange a lngua, as ideias, as crenas, os costumes e os

hbitos do povo surdo (STROBEL, 2016).

Sendo a lngua parte integrante deste repertrio cultural, esta conceituada

por Quadros (2007, p.19) como sendo [...] uma lngua visual-espacial articulada

atravs das mos, das expresses faciais e do corpo. Neste sentido, a expresso

facial ou corporal desenvolvem papel importante, pois so elas que daro sentido ao

que se est tentando dizer. Este conceito aproxima-se do que foi apresentado na

legislao, porm ampliando o conhecimento a respeito desta informao,

considerando outros aspectos importantes, porm no levados em conta: expresso

facial e corporal.

Considerando o que foi apresentado sobre Libras concluiu-se que estas duas

lnguas, lngua portuguesa e lngua de sinais possuem estruturas e naturezas

diferentes, o que prope reflexo sobre outro ponto a respeito do trabalho docente

em relao ao surdo: a diferena entre a escrita do surdo e do ouvinte.

De acordo com Perlin, (2015, p. 57), se pensarmos que a escrita do ouvinte

e o surdo aprende a escrita, estaramos cometendo equvocos. [...] A escrita do

surdo no vai se aproximar da escrita ouvinte. por esse motivo que o individuo

surdo vive em uma outra comunidade, onde convive com pessoas surdas, e naquele

meio se socializa, se comunica, e explora a sua cultura. A autora ainda reflete que

[...] a identidade surda se constri dentro de uma cultura visual. Essa diferena

precisa ser entendida no como uma construo isolada, mas como uma construo

multicultural (PERLIN, 2015, p. 58).

Deve-se levar em considerao tambm que, no so todos os surdos que

compreendem sua lngua materna, seja por no ser exposto Libras desde criana

ou mesmo porque os pais no sabiam lidar com a situao e acabaram criando

sinais entre os familiares, privando o surdo de uma formalizao de sua lngua

materna. O que, pensando no contexto escolar, dificulta ainda mais a interao com

os demais indivduos. Deve-se analisar tambm se o surdo est disposto a conviver,

compartilhar e aprender uma nova cultura, pois como salienta Skliar (2015) conviver

na cultura do ouvinte difcil para o surdo, pois est inserido e apropriado da sua.

Apesar do surdo exercer sua cultura dentro de sua comunidade vale lembrar

que a sociedade predominantemente ouvinte, sendo assim necessrio, tambm, o

43

aprendizado do portugus para os surdos. A fim de tornar este aprendizado

facilitado, ou, no mnimo pedagogicamente coerente criou-se uma nova perspectiva

educacional: a educao bilngue.

Este mtodo segundo Quadros (1997, p.27) trata-se de

uma proposta de ensino usada por escolas que se prope a tornar acessvel criana duas lnguas no contexto escolar. Os estudos tm apontado para esta proposta como sendo a mais adequada para crianas surdas, tendo em vista que considera a lngua de sinais como lngua natural e parte desse pressuposto para o ensino da lngua escrita.

A proposta bilngue busca mais do que ensinar Libras e o portugus escrito,

remete tambm a aspectos culturais desta criana, pois como lembra Quadros

(1997, p.28) [...] a comunidade surda apresenta uma cultura prpria que deve ser

respeitada e cultivada. Ao mesmo tempo, a comunidade ouvinte tem sua cultura. Por

isso uma proposta puramente bilngue no vivel.

Sobre esta cultura, para alm do bilinguismo, Skliar et al (1995, p.16)

esclarece que [...] respeitar a pessoa surda e sua condio sociolingustica implica

considerar seu desenvolvimento pleno como ser bicultural a fim de que possa dar-se

em um processo psicolingustico normal. Quando estas condies no so

respeitadas podem gerar danos considerveis educao da criana surda,

apontando as falhas que esta relao social pode trazer.

Ges (2012), diz que no h limitaes cognitivas ou afetivas inerentes

surdez, considerando as possibilidades oferecidas pelo grupo social para seu

desenvolvimento, em especial para a consolidao da linguagem, porm relata em

seu trabalho vrios estudos que apontam para falhas estruturais na escrita do surdo,

bem como na leitura e compreenso de textos. Haja vista o que prope o

bilinguismo, ressalta-se a importncia das escolas que trazem esta proposta, pois

como evidenciado por Ges no so problemas advindos da cognio, mas sim pelo

contexto social.

Cabe ressaltar que a trajetria da educao de surdos atravessa pontos

importantes at chegar proposta bilngue: a obrigatoriedade da fala oral14 banindo

a sinalizao, o que desconstruiu o trabalho realizado at aquele momento para os

surdos no campo educacional; o uso de sinais na estrutura do portugus com a 14

Para mais informaes sobre Oralismo, Bimodalismo, Comunicao Total e Bilinguismo sugere-se publicaes das seguintes autoras: Quadros (1997), Ferreira-Brito (1993), Fernandes (2006) e Goldfeld (2002).

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oralizao no Bimodalismo; o uso de sinais, por vezes trazidos de outra lngua, na

Comunicao Total e o Bilinguismo considerando Libras e a cultura surda, bem

como a Lngua Portuguesa e a cultura ouvinte.

Para a realizao do trabalho docente com o estudante surdo, este conta com

um importante aliado, o intrprete da lngua de sinais15. Este profissional o

responsvel por transmitir o contedo para o estudante sem prejudicar o

entendimento do mesmo, por meio de interpretao. Sobre o ato de interpretar,

Quadros (2007, p.27) comenta que este

[...] envolve um ato cognitivo-lingustico, ou seja, um processo em que o intrprete estar diante de pessoas que apresentam intenes comunicativas especficas e que utilizam lnguas diferentes [...]. Assim sendo, o intrprete tambm precisa ter conhecimento tcnico para que suas escolhas sejam