UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS MESTRADO EM...

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS MESTRADO EM EDUCAÇÃO AUTORIA OU REPRODUÇÃO? O COTIDIANO PEDAGÓGICO DE PROFESSORES COORDENADORES NO CONTEXTO DO “PROGRAMA LER E ESCREVER” – SEE/SP LUANA SERRA ELIAS TAVARES Santos/SP 2012

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  • UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS

    MESTRADO EM EDUCAÇÃO

    AUTORIA OU REPRODUÇÃO? O COTIDIANO PEDAGÓGICO DE

    PROFESSORES COORDENADORES NO CONTEXTO DO

    “PROGRAMA LER E ESCREVER” – SEE/SP

    LUANA SERRA ELIAS TAVARES

    Santos/SP

    2012

  • LUANA SERRA ELIAS TAVARES

    AUTORIA OU REPRODUÇÃO? O COTIDIANO PEDAGÓGICO DE

    PROFESSORES COORDENADORES NO CONTEXTO DO

    “PROGRAMA LER E ESCREVER” – SEE/SP

    Dissertação apresentada ao Programa de

    Pós-Graduação em Educação da

    Universidade Católica de Santos –

    UNISANTOS, como exigência parcial para

    obtenção do título de Mestre em Educação,

    sob a orientação da Profª Drª Maria de

    Fátima Barbosa Abdalla.

    Santos/SP

    2012

  • Dados Internacionais de Catalogação Sistema de Bibliotecas da Universidade Católica de Santos

    SibiU

    _________________________________________________________________________ T233a TAVARES, Luana Serra Elias.

    Autoria ou reprodução? O cotidiano de professores coordenadores no contexto do programa “Ler e Escrever” - SEE/SP / Luana Serra Elias Tavares; Orientadora Profª Drª Maria de Fátima Barbosa Abdalla -

    Santos: [s.n.], 2012. 230 f.; 30 cm. (Dissertação de Mestrado) - Universidade Católica de Santos, Programa de Mestrado em Educação.

    1.Políticas Educacionais. 2.Formação Continuada. 3.Professor Coordenador. 4.Professores Alfabetizadores. 5.Programa Ler e Escrever.

    I. Abdalla, Maria de Fátima Barbosa (Orientadora). II. Universidade Católica de Santos. III. Título. CDU 37(043.3) _________________________________________________________________________ !

  • !

    BANCA EXAMINADORA

    _______________________________________

    Profª Drª Maria de Fátima Barbosa Abdalla

    _______________________________________

    Profª Drª Vera Maria Nigro de Souza Placco

    _______________________________________

    Profª Drª Maria Angélica Rodrigues Martins

  • Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou

    preso à vida e olho meus companheiros... Estão taciturnos, mas nutrem grandes

    esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos

    afastemos... não nos afastemos, vamos de mãos dadas!

    Carlos Drummond de Andrade (1940)

  • DEDICATÓRIA

    Dedico esse trabalho à minha mãe, por ter me ensinado o valor e a

    paixão aos livros; ao meu grande amor, Mario, por todas as horas

    de companheirismo, respeito, incentivo e parceria incondicional; e

    à minha mais nova e arrebatadora razão de viver, meu pequeno

    Guilherme, que cresce forte em meu ventre, tornando esse processo

    de pesquisa ainda mais especial.

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, pela graça diária da existência.

    À minha família, pela segurança, pelo sentido da vida, pelo apoio constante e por todo o

    investimento ininterrupto em minha vida escolar e acadêmica, desde os quatro anos de

    idade.

    Ao meu amor, Mario Tavares Neto, pela compreensão e respeito por minhas escolhas, por

    aceitar minha ausência e cansaço, pelo incentivo nas horas mais difíceis da pesquisa e por

    estar sempre ao meu lado, inclusive participando das transcrições das entrevistas, das

    leituras vigilantes e das conversas inspiradoras sobre o tema do meu trabalho.

    À querida professora Drª Maria de Fátima Barbosa Abdalla, minha orientadora, que com

    tanto carinho, competência e respeito pela minha autoria intelectual, acolheu-me às

    vésperas do exame de Qualificação e tornou-se uma grande parceira, amiga e referência

    profissional.

    À querida professora Drª Sanny Silva da Rosa, minha primeira orientadora, verdadeira

    interlocutora no processo de construção dos caminhos da pesquisa e da pesquisadora, e a

    quem dedico meu profundo agradecimento e eterna admiração e inspiração.

    À professora Drª Maria Angélica Rodrigues Martins, que participou dos meus primeiros

    passos nos caminhos da Pedagogia, como professora da Graduação, e hoje, mais de dez

    anos depois, continua fazendo parte de minha história acadêmica.

    À professora Drª Vera Maria Nigro de Souza Placco, que me honrou com sua presença em

    minha banca de Qualificação e Defesa e contribuiu, decisivamente, para meus estudos

    sobre a coordenação pedagógica e para o meu avançar na pesquisa.

    A todos os professores do Programa de Mestrado em Educação, da Universidade Católica

    de Santos, por colaborarem verdadeiramente em minha constituição como pesquisadora.

    À professora Drª Telma Weisz, por todos os ensinamentos em alfabetização e pela

    supervisão profissional no Programa Ler e Escrever.

    À amiga Rosa Maria Monsanto Glória, companheira de formação no Programa Ler e

    Escrever, modelo de profissional em quem me espelho e busco inspiração.

  • Às professoras coordenadoras, que prontamente atenderam ao meu pedido de entrevista e

    generosamente me ofertaram seus materiais de trabalho, fundamentais na construção dessa

    pesquisa.

    Aos alunos que já passaram em minha história profissional e que, ainda hoje, preenchem

    de significado minha busca pela pesquisa.

    Aos colegas de profissão, com os quais, cotidianamente, partilho o difícil ofício de educar,

    coordenar, formar.

  • TAVARES, Luana Serra Elias. Autoria ou reprodução? O cotidiano pedagógico de

    professores coordenadores no contexto do “Programa Ler e Escrever” – SEE/SP.

    (dissertação) Mestrado em Educação. Universidade Católica de Santos, 2012.

    RESUMO

    A presente pesquisa destina-se a investigar se o professor coordenador exerce sua autoria profissional, quando atua como formador de professores alfabetizadores, a partir da perspectiva do “Programa Ler e Escrever” (SEE-SP). Objetiva pesquisar, pelo olhar do professor coordenador, o quanto essa ação de política pública, configurada como um programa obrigatório de alfabetização dos alunos, investe na construção da autonomia desse sujeito como formador de professores; bem como compreender as escolhas formativas priorizadas por ele na formação de professores alfabetizadores (didatização de conteúdos, estratégias usadas, processo de planejamento, socialização e mediação de conhecimentos, entre outros). Nesse sentido, a pesquisa adota uma abordagem metodológica de caráter qualitativo, a partir da análise de conteúdo (BARDIN, 2011) e usa instrumentos de coletas de dados como o questionário e as entrevistas semiestruturadas. Apoia-se, ainda, na análise documental do tipo oficial e do tipo técnico, como os registros de pautas formativas realizadas pelos sujeitos em questão. A princípio, realizou-se uma pesquisa exploratória com o objetivo de levantar um perfil da totalidade dos sujeitos (75 professores coordenadores). A partir disso, foram selecionados três sujeitos com os quais trabalhar seus documentos técnicos e, posteriormente, realizar as entrevistas. Os referenciais teóricos que sustentam essa pesquisa são: Nóvoa (1991, 1995, 2002, 2007, 2009), Foucault (1992, 1996, 2006, 2012), Ball (1994, 2001, 2004, 2005, 2006, 2008) e Contreras (2002), por trazerem reflexões que fundamentam e alicerçam tal discussão, e Bardin (2011), na análise do material que colhido a partir das entrevistas. Como resultados, a pesquisa constatou que o espaço requerido para uma atuação, de fato, autônoma, é restringido pelos limites impostos pela política que rege o Programa Ler e Escrever. Evidencia-se, ainda, a presença de uma relação de poder que tal política insere nos sistemas educacionais, promovendo sujeitos que se autorregulam e que competem mutuamente. Embora o discurso oficial e os próprios sujeitos pesquisados defendam a autonomia profissional, a investigação mostra que o contraponto que se buscava entre reprodução X autoria precisa ser relativizado, já que não é possível polarizar essa realidade, bem como evidencia-se a utopia de pensar em uma autonomia absoluta ou em uma reprodução total.

    Palavras-chave: Políticas Educacionais; Formação Continuada; Professor Coordenador;

    Professores alfabetizadores; Programa Ler e Escrever.

  • TAVARES, Luana Serra Elias. Authorship or reproduction? Coordinating teachers´

    pedagogical everyday in the context of the “Reading and Writing Program” – SEE/SP.

    (dissertation) Education Master´s Degree. Santos Catholic University, 2012.

    ABSTRACT

    The present study intend for investigating if the coordinating teacher practice their professional authorship when they act as a literacy teacher trainer, from a perspective of the “Reading and Writing Program” (SEE-SP). It aims to do research, in the coordinating teachers´ eyes, how much literacy this public policy action, configured as a student obligatory program, invests on the autonomy construction of this subject as a teachers trainer, as well as comprehend the training choices prioritized by himself in the foundation of literacy teachers (teaching contents, strategies, planning process, socialization, knowledge mediation, among others). In this sense the study adopts a methodological approach, relied on a quality content analysis technique (BARDIN, 2011) and uses collecting information instruments as a questionnaire and semi-structured interviews. It still makes the use of the official and technical type of documentation analysis, like the registration of formative guidelines performed by people mentioned before. From an exploratory study aiming to raise the profile of the subjects totality (75 coordinating teachers), were elected three professionals who work with their technical documents and then the interviews. The theoretical reference this study is based on are: Nóvoa (1991, 1995, 2002, 2007, 2009), Foucault (1992, 1996, 2006, 2012), Ball (1994, 2001, 2004, 2005, 2006, 2008) and Contreras (2002), for bringing reflections that found and lay the foundation on this discussion, and Bardin (2011), in the material analysis obtained from the interviews. As the results, the study certifies that the demanded space for an acting, in fact, autonomous, is restricted by the limits imposed by the policy that rules the Reading and Writing Program. It becomes evident, the presence of a power relationship that this policy inserts in the educational systems, promoting people that auto-regulate themselves and complete mutually. Although the official speech and the studied subjects defend the professional autonomy, the investigation shows up the opposing fact it has been researched between reproduction versus authorship needs to be relativized, once it is not possible to polarize this reality, as well as it becomes clear the utopia of thinking about an absolute autonomy or in a total reproduction.

    Keywords: Educational Policies; Progressive Formation; Coordinating Teachers; Literacy

    Teachers; Reading and Writing Program.

  • Lista de Figuras

    Figura 1 – Quem forma quem?........................................................................... 61

    Figura 2 – IDESP 2011 Escola I......................................................................... 88

    Figura 3 – IDESP 2011 Escola II....................................................................... 89

    Figura 4 – IDESP 2011 Escola III...................................................................... 91

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  • Lista de Quadros

    Quadro 1 – Pesquisas sobre o PC como formador de professores.................... 19

    Quadro 2 – Pesquisas sobre o Programa Ler e Escrever................................... 21

    Quadro 3 – Resoluções sobre a figura do PC.................................................... 48

    Quadro 4 – Atuação do PC................................................................................ 63

    Quadro 5 – As competências do PC.................................................................. 66

    Quadro 6 – Cargos do PC.................................................................................. 81

    Quadro 7 – Situação Funcional do PC.............................................................. 81

    Quadro 8 – Tempo de Atuação como PC......................................................... 81

    Quadro 9 – Tempo de atuação do PC na escola................................................ 82

    Quadro 10 – Ciclos atendidos pelo PC.............................................................. 82

    Quadro 11 – Número de professores atendidos pelo PC................................... 83

    Quadro 12 – Formação acadêmica do PC......................................................... 83

    Quadro 13 – PCs com Pós Graduação.............................................................. 84

    Quadro 14 – Perfil do Grupo de PCs................................................................. 85

    Quadro 15 – Documentos oficiais pesquisados................................................. 92

    Quadro 16 – Objetivos da formadora do grupo de PCs..................................... 95

    Quadro 17 – Objetivos da formação – PC 1...................................................... 96

    Quadro 18 – Objetivos da formação – PC 2...................................................... 98

    Quadro 19 – Objetivos da formação – PC 3......................................................

    Quadro 20 – Análise das pautas dos PCs...........................................................

    Quadro 21 – Categorias de Análise...................................................................

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  • Lista de Siglas

    AC – Análise de Conteúdo

    BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

    BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

    CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

    CEE – Conselho Estadual de Educação

    CEI – Coordenadoria de Ensino do Interior

    CENP – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas

    COGSP – Coordenadoria da Grande São Paulo

    CPs – Coordenadores Pedagógicos

    DE – Diretoria de Ensino

    DES – Diretoria de Ensino de Santos

    DESV – Diretoria de Ensino de São Vicente

    DOE – Diário Oficial do Estado

    DOT – Diretoria de Orientação Técnica

    EF I – Ensino Fundamental I

    EJA – Educação de Jovens e Adultos

    EM – Ensino Médio

    ENCCEJA - Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos

    FDE – Fundação para o Desenvolvimento da Educação

    FMI – Fundo Monetário Internacional

    HTPC – Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo

    IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

    IDESP – Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo

    LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

    MEC – Ministério da Educação

    OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

    PCNPEs – Professores Coordenadores de Núcleo Pedagógico

    PCOPs – Professores Coordenadores da Oficina Pedagógica

    PCs – Professores Coordenadores

    PCP – Professor Coordenador Pedagógico

    PDV – Programa de Demissão Voluntária

  • PEB I – Professor de Educação Básica I (1º a 5º ano do Ensino Fundamental)

    PEB II – Professor de Educação Básica II (6º a 9º ano do Ensino Fundamental)

    PEC-FORPROF – Formação Universitária – Programa Especial de Formação de

    Professores de Primeira a Quarta Série do Ensino Fundamental

    PIC – Programa Intensivo de Ciclo

    PLE – Programa Ler e Escrever

    PROFA – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores

    PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

    PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

    REDEFOR – Rede São Paulo de Formação Docente

    SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica

    SARESP – Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo

    SE – Secretaria de Educação

    SEE/SP – Secretaria Estadual de Educação de São Paulo

    SME – Secretaria Municipal de Educação

    SP – São Paulo

    UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

    UNESP – Universidade Estadual de São Paulo

    UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

    UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

    USP – Universidade de São Paulo

  • SUMÁRIO

    Introdução............................................................................................................. 11

    Capítulo I –

    A política educacional da SEE/SP (2007 a 2011).............................................. 26

    1.1 Contextualizando o cenário político da reforma educacional paulista............ 26

    1.2 O “Programa Ler e Escrever”.......................................................................... 37

    1.3 O Professor Coordenador.................................................................................

    Capítulo II –

    O professor coordenador como formador de professores: o sujeito que

    escolhe ou o sujeito que executa?........................................................................ 47

    2.1 As tecnologias políticas de Stephen Ball.........................................................

    2.1.1 A forma de mercado............................................................................... 53

    2.1.2 Gerencialismo........................................................................................ 55

    2.1.3 Performatividade.................................................................................... 57

    2.2 O Professor Coordenador no “Programa Ler e Escrever”...............................

    2.3 A formação continuada: uma nova forma de controle?...................................

    2.3.1 A proposta de formação continuada do “Ler e Escrever”..................... 72

    Capítulo III –

    Os caminhos da pesquisa..................................................................................... 78

    3.1 Dos instrumentos............................................................................................. 80

    3.2 Dos sujeitos..................................................................................................... 84

    3.2.1 Do campo de pesquisa........................................................................... 86

    • Escola I......................................................................................... 87

    • Escola II........................................................................................

    • Escola III......................................................................................

    3.3 Da análise documental....................................................................................

    3.3.1 Dos sujeitos eleitos e suas pautas formativas....................................... 94

    3.3.2 Das entrevistas......................................................................................

    3.4 Da análise de conteúdo...................................................................................

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  • Capítulo IV –

    As relações tecidas a partir das vozes colhidas: o profissional no centro de

    sua ação.............................................................................................................

    4.1 A dimensão contextual: o Programa Ler e Escrever.....................................

    4.1.1 Forma de mercado..............................................................................

    4.1.2 O gerencialismo...................................................................................

    4.1.3 A performatividade.............................................................................

    4.2 A dimensão profissional: o Professor Coordenador......................................

    4.2.1 Percursos formativos...........................................................................

    4.2.2 Relações de poder disciplinar...............................................................

    4.2.3 Autonomia no profissionalismo...........................................................

    4.3 A dimensão contextual e a dimensão profissional: uma aproximação...........

    Considerações Finais...........................................................................................

    Referências Bibliográficas..................................................................................

    Anexos.................................................................................................................

    Anexo 1 – Organograma......................................................................................

    Anexo 2 – Pautas da Formadora – Equipe Central..............................................

    Anexo 3 – Pautas formativas (Sujeito I)..............................................................

    Anexo 4 – Pautas formativas (Sujeito II).............................................................

    Anexo 5 – Pautas formativas (Sujeito III)...........................................................

    Apêndices.............................................................................................................

    Apêndice 1 – Estado da Arte – Banco de Teses da CAPES................................

    Apêndice 2 – Questionário..................................................................................

    Apêndice 3 – Tabulação do questionário.............................................................

    Apêndice 4 – Roteiro para entrevista semiestruturada.........................................

    Apêndice 5 – Modelo do Termo de consentimento livre e esclarecido..............

    Apêndice 6 – Transcrição das entrevistas (CD-Rom)..........................................

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  • INTRODUÇÃO

    O homem é, ao mesmo tempo, liberdade e necessidade. Sua liberdade consiste numa necessidade compreendida, dominada e vencida: superada.

    Lefebvre (1995)

    A presente pesquisa busca investigar a prática dos professores coordenadores como

    formadores de professores alfabetizadores, no contexto do Programa Ler e Escrever, que

    atuam em Diretorias de Ensino do Sistema Estadual de Educação de São Paulo.

    O interesse pela temática em questão foi concebido há muito tempo, mesmo que

    ainda não tivesse a consciência do fato. Isso se deve à minha história de vida e,

    principalmente, pela forma como se constituiu minha história profissional.

    Sou uma professora que se descobriu alfabetizadora no exercício do seu ofício. O

    interesse por lecionar nessas turmas foi se construindo à medida que tais classes me eram

    outorgadas pelos diretores das escolas públicas pelas quais passei. Formei-me em

    Pedagogia, na Universidade Católica de Santos, em dezembro de 1999. Em janeiro de

    2000, prestei um concurso público para o cargo de Professor de Ensino Fundamental I, da

    Prefeitura de Santos, fui aprovada e, como tive uma excelente classificação, em fevereiro

    do mesmo ano, estava assumindo uma sala de 1ª série (atual 2º ano), a única disponível na

    escola para a qual fui encaminhada. No ano seguinte, em condições semelhantes, assumi

    outra sala de 1ª série, no período oposto, na Prefeitura de São Vicente, a partir de um outro

    concurso público.

    Dessa demanda real com a qual tive de lidar, nasceu não só a necessidade de me

    debruçar com mais cuidado sobre o referencial teórico que sustentaria minha prática

    alfabetizadora, como também de participar de cursos de formação continuada que me eram

    oferecidos. Em 2005, surgiu a oportunidade de participar de um processo seletivo, dentro

    da Secretaria Municipal de Educação de Santos, onde sou funcionária hoje com duplo

    registro (Professora de EF I e Coordenadora Pedagógica), para compor uma equipe que

    trabalharia com formação continuada em serviço dos professores da rede. Fui aprovada e

    designada a responder, por conta da experiência comprovada, pelas formações na área de

    Alfabetização e Linguagem.

  • Em 2007, prestei um novo concurso para a Prefeitura de Santos, dessa vez para o

    cargo de Coordenador Pedagógico. Fui aprovada e assumi a função, após exoneração da

    rede de São Vicente. Entretanto, não fui encaminhada à escola, pois a chefe do

    Departamento Pedagógico solicitou que eu permanecesse com os dois registros na

    Secretaria, continuando o trabalho de formação em serviço, agora com os coordenadores

    pedagógicos.

    Nesse contexto, passei a responder por ações de formação continuada planejadas e

    elaboradas em âmbito municipal, estadual e federal, como os Programas “PROFA”

    (Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – MEC), “Pró-Letramento”

    (MEC), “Letra e Vida” (Secretaria Estadual de Educação), “Além das Letras” (Instituto

    Avisa Lá), entre outros. Em virtude desse trabalho desenvolvido durante esses anos, recebi

    um convite da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, em nome da profª Dra.

    Telma Weisz, supervisora do Programa “Ler e Escrever”, para fazer parte da equipe central

    de formadores do programa.

    A título de uma apresentação inicial, segundo diretrizes oficiais, publicadas no site

    da FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação), o Programa Ler e Escrever é:

    (...) um é um conjunto de linhas de ação articuladas que inclui formação, acompanhamento, elaboração e distribuição de materiais pedagógicos e outros subsídios, constituindo-se dessa forma como uma política pública para o Ciclo I, que busca promover a melhoria do ensino em toda a rede estadual. Sua meta é ver plenamente alfabetizadas, até 2010, todas as crianças com até oito anos de idade (2ª série/3º ano) matriculadas na rede estadual de ensino, bem como garantir recuperação da aprendizagem de leitura e escrita aos alunos das demais séries/anos do Ciclo I do Ensino Fundamental (SÃO PAULO, 2008a).

    Vale salientar que, em seu texto de apresentação, o Programa Ler e Escrever

    estabelece como meta o prazo de até 2010, último ano de mandato dessa administração.

    Com a entrada de Geraldo Alckmin no governo do Estado de São Paulo, em 2011, e a

    continuação do Programa, estende-se o período de concretização de tal meta.

    Assim, a partir de meados de 2009, compus essa equipe, juntamente com outras

    vinte e quatro formadoras, e respondo pela formação de PCs (Professores Coordenadores)

    das Diretorias Regionais Estaduais de Ensino de Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes e

    Suzano e de PCNPEs (Professores Coordenadores de Núcleo Pedagógico) e Supervisores

    dessas mesmas diretorias, incluindo nesse grupo também Guarulhos Norte e Guarulhos

    Sul.

  • Nesse ínterim, o Governo do Estado estabeleceu um convênio para municípios

    interessados em participar do Programa, conforme publicado em Diário Oficial de

    24/08/09, Resolução SE - 66, de 21-8-2009 (SÃO PAULO, 2009a). Como o município de

    Santos aderiu a tal convênio, tornando-se parceiro, o Programa “Ler e Escrever” foi

    introduzido nas escolas municipais de 1º a 5º ano da rede municipal.

    Essa parceria compreende o recebimento de materiais, que compõem o Programa

    (Guias de Orientação de Professores e Material do aluno – regular e PIC – Programa

    Intensivo de Ciclo) e o acompanhamento oferecido em formato de encontros de formação

    continuada de oito horas (ministrado por uma formadora da equipe central), com

    frequência mensal. Como contrapartida, o município precisa enviar um representante a

    esses encontros de acompanhamento e garantir a formação continuada de seus

    profissionais, preferencialmente o coordenador pedagógico.

    Fui escolhida pelo Departamento Pedagógico da Secretaria Municipal de Educação

    para ser essa representante nos encontros de acompanhamento, assim como para ser a

    responsável por planejar e executar os encontros de formação continuada com os

    Coordenadores Pedagógicos do Município.

    A partir disso, assumi dois papeis que parecem contraditórios, a princípio, mas que

    se completam, na prática. Como representante do município, recebo orientações nos

    encontros de formação continuada oferecidos pela SEE, na Diretoria de São Vicente (da

    qual o município de Santos faz parte). Ao mesmo tempo, atuo como formadora da equipe

    central da SEE/SP, ou seja, também ofereço acompanhamento e formação continuada a

    outros municípios parceiros das Diretorias que atuo, mais precisamente, Ferraz de

    Vasconcelos, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Biritiba Mirim e Salesópolis.

    Dessa forma, acredito ocupar um lugar privilegiado, em relação ao Programa “Ler e

    Escrever”, se considerarmos que atuo como alguém presente em ambos os lados

    simultaneamente: de quem atende e de quem é atendido. Isso pode ser melhor

    compreendido, dentro da organização institucional de cada órgão, a partir dos

    organogramas (ANEXO 1, p. 187-188).

    Na SME de Santos, o Programa “Ler e Escrever” assume um contorno político

    diferente do que recebe no Estado, uma vez que, nesta primeira, por ser apenas um

    convênio assinado e não uma plataforma política, não garante ao Programa um caráter de

  • execução obrigatória, por mais que haja um acordo e um interesse político e diplomático

    entre as partes.

    Isso é possível de ser percebido se partirmos do estabelecimento de regras e

    decisões que os municípios têm a liberdade de tomar. Em relação à carga horária da

    formação oferecida, por exemplo, em Santos, temos encontros quinzenais, com 4 horas de

    duração cada, em formato de convocação (dentro do horário de trabalho) aos

    Coordenadores Pedagógicos (CPs) da rede de ensino, nos quais são alternadas as áreas de

    discussão (Alfabetização/Práticas de Linguagem e Matemática), com 40 horas no total para

    cada. São atendidos trinta e oito coordenadores ─ um de cada escola de Ensino

    Fundamental I, de 1º a 5º anos. Entretanto, como o município enfrenta uma “crise” de falta

    de professores e funcionários em geral nas escolas, muitas vezes os CPs faltam aos

    encontros de formação para não deixar as escolas sem representantes da equipe gestora.

    Assim, dos 38 CPs que deveriam participar dessa ação formativa, na realidade apenas vinte

    profissionais, em média, frequentam.

    Já, na Secretaria Estadual de Educação de SP, minha atuação se dá na equipe

    central de formadoras, composta por vinte e cinco profissionais, muitas das quais autoras e

    participantes de outros Programas de Formação (estaduais e federais), que precederam o

    “Ler e Escrever”, como por exemplo: o “Isso se aprende com o Ciclo Básico”; o “Por uma

    alfabetização sem fracasso”; o “Alfabetização: Teoria e Prática”; o “PROFA”/“Letra e

    Vida” etc. Essa equipe atende a todas as noventa e uma Diretorias de Ensino (Interior e

    Grande SP), distribuídas entre o grupo, de acordo com a disponibilidade da formadora. No

    meu caso, atendo aos Professores Coordenadores (PCs), Professores Coordenadores do

    Núcleo Pedagógico (PCNPEs) e Supervisores das Diretorias (COGSP – Coordenadoria da

    Grande São Paulo) de Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes e Suzano, e aos PCNPEs e

    Supervisores também das diretorias de Guarulhos Norte e Sul, o que totaliza 75 PCs, 20

    PCNPEs e 10 Supervisores de Ensino.

    Na SEE/SP, o “Ler e Escrever” é um programa político, conforme exposto no

    documento de apresentação disponível no seu site oficial deste Programa, que envolve não

    só a formação e a distribuição do material didático, como também ações de

    acompanhamento nas escolas, o Bolsa-Alfabetização (uma parceria com universidades),

    distribuição de acervo literário, de materiais de apoio etc. Além disso, há a garantia de uma

    carga-horária mínima de 80 horas para a formação em práticas de Linguagem (destinada

  • aos PCs) e uma cobrança efetiva dos resultados obtidos no SARESP, relativos à

    aprendizagem dos alunos.

    Segundo prescrições da Secretaria da Educação (São Paulo, 2009b),

    Cabe ao professor coordenador a importante tarefa de orientar os professores no uso dos materiais do Ler e Escrever e na prática didática e pedagógica de sala de aula, sempre com o objetivo de preservar a concepção de aprendizagem do programa. O profissional de coordenação deve, também, ajudar o professor a priorizar conteúdos e exercícios disponíveis no material de apoio, de acordo com as necessidades e características de cada classe, além de servir como importante elo na relação da escola com os universitários que atuam como alunos pesquisadores nas classes de 1ª série do Ciclo I do Ensino Fundamental. A utilização das HTPCs é essencial para o sucesso na aplicação do Programa Ler e Escrever. Nestes horários, os professores terão tempo e espaço para receber a formação continuada prevista, além de ser este o momento aberto ao planejamento das ações e da atuação em sala de aula.

    Segundo orientações da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP),

    divulgadas em 2008, por meio do Comunicado de 29/01/2008 (SÃO PAULO, 2008b), a

    HTPC (Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo) deve se caracterizar como espaço de

    formação, considerando:

    ! formação continuada dos educadores, propulsor de momentos privilegiados de

    estudos, discussão e reflexão das propostas curriculares e melhoria da prática

    docente;

    ! trabalho coletivo de caráter estritamente pedagógico, destinado à discussão,

    acompanhamento e avaliação da proposta pedagógica da escola e do desempenho

    escolar do aluno.

    O acompanhamento em escolas da rede estadual (nas Diretorias que atendo) aponta

    que, em geral, as HTPCs têm se constituído num espaço para que o Professor Coordenador

    (PC) socialize com os professores aquilo que foi trabalhado com ele nos encontros de

    formação, de modo a assegurar a aplicação do programa. Entretanto, esse é um espaço

    destinado não só a professores que trabalham no Ciclo I e, por conta disso, e de outras

    demandas comuns ao dia-a-dia de qualquer escola, a HTPC é também um espaço no qual

    se discutem variados temas, como questões de indisciplina, dificuldades de aprendizagem,

    projetos da escola, trocas de experiências, entre outros.

  • Com isso, percebemos o quanto esse profissional, o PC, é a peça fundamental de

    todo o programa e, de certa maneira, o quanto são depositadas, em suas mãos, todas as

    expectativas de realização efetiva dos objetivos e metas traçadas a priori.

    A experiência e o diálogo com minhas companheiras de trabalho têm me sugerido

    que talvez a aposta esteja sendo maior do que a devida, uma vez que esse sujeito

    demonstra muitas fragilidades na sua constituição enquanto profissional.

    Cabe ressaltar que não é exigida formação pedagógica aos PCs. Em razão disso,

    não são chamados de Coordenadores Pedagógicos, mas de Professores Coordenadores.

    Para assumir o cargo, precisam submeter-se a uma prova, cujos conteúdos são a legislação

    educacional em vigor1 (resoluções, pareceres e portarias voltadas para a função de PC e

    para a organização da escola) e as orientações curriculares do Estado de São Paulo. Se

    aprovados, passam por um processo de seleção em que apresentam uma proposta de

    trabalho ao Diretor e ao Supervisor de Ensino que, por sua vez, decidem qual das propostas

    apresentadas atende às necessidades da escola.

    Nesse cenário, entendo que essa situação colabora para a existência de um grande

    desafio à atuação desse profissional, pois embora seja considerado como mediador da

    formação em serviço de professores alfabetizadores ─ no contexto do “Programa Ler e

    Escrever” ─, muitas vezes não apresenta nem experiência na área, nem uma formação

    inicial em Pedagogia. Muitos são professores de Ensino Fundamental I, mas outros tantos

    são especialistas em Matemática, Educação Física, História etc.

    Essa relação entre o profissional e sua experiência/formação é bastante dialética.

    Digo isso porque a experiência como formadora desses grupos tem me mostrado que ter

    uma formação inicial na área não é uma condição sine qua non para o desempenho desses

    sujeitos, uma vez que é possível identificar profissionais cuja habilitação se deu em uma

    área diversa à de Língua, mas que são professores coordenadores muito bem sucedidos,

    absolutamente dedicados, envolvidos e determinados a realizar da melhor maneira possível

    o seu ofício, embora tais predicados não garantam uma atuação competente. Por outro

    lado, não estou considerando esse fator como algo dispensável, uma vez que, embora

    pareça contraditório afirmar, também reconheço que a formação inicial ou a experiência

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1 Tal exigência sobre conhecer a legislação muda muito, ficando impossível, aqui, citar todas as legislações exigidas em cada ano, desde que se instituiu a figura do PC. Contudo, as que, recorrentemente, aparecem são: São Paulo (1997b, 1998, 2003, 2004, 2005a, 2006a, 2007a, 2007c, 2008a, 2008b, 2009b, 2012a, 2012b, 2012c), constantes das referências desta pesquisa.

  • em salas de alfabetização permitem que, quem as possui, inicie o trabalho na coordenação

    (à frente do referido Programa) com uma certa vantagem; talvez pelo fato de conhecer o

    universo de uma sala de aula de alfabetização.

    Além de tudo isso, a função de PC pressupõe outros tantos desafios se

    considerarmos toda a carga de responsabilidades que lhe é outorgada, tanto pelos órgãos

    oficiais, como pela própria rotina da escola. Nesse bojo de desafios, é possível elencar

    inicialmente questões como: coordenar professores de Ciclo I, Ciclo II e Médio (quando a

    escola não comporta um PC para cada ciclo, por conta do número de salas de aula); estar à

    frente de variados programas instituídos pela Secretaria; atender às demandas solicitadas

    pelo Diretor da escola; atender aos pais; atender aos alunos (casos como indisciplina,

    dificuldades de aprendizagem, grupos de estudo etc); atender aos funcionários da Diretoria

    e do órgão central que visitam periodicamente a escola; cuidar da distribuição de materiais;

    presidir as HTPCs; preparar materiais de estudo para formação de professores; entre tantas

    outras situações que emergem no cotidiano escolar e que se transformam em dilemas

    cotidianos.

    Se considerarmos que o ganho salarial desses profissionais não diverge muito em

    termos de valores se comparado ao ganho dos professores, é curioso pensar nos motivos

    pelo concurso ao cargo.

    Vale salientar que estamos entendendo como dilema “(...) os conflitos interiores,

    cognitivos e práticos, ocorridos em contextos profissionais e em relação aos quais o

    professor equaciona duas ou mais alternativas (de acção e/ou valoração)” (CAETANO,

    1990, apud ESTRELA, 1997). Ou seja, assim como nos alerta a autora, os dilemas são, em

    geral, a dificuldade em tomar decisões frente a situações de conflito entre o que o sujeito

    pensa e o que ele deve/precisa executar.

    Contudo, tais dilemas parecem fazer sentido apenas no âmbito da prática, pois para

    o Sistema responsável por pensar e decidir pela estrutura de funcionamento e pela logística

    de toda essa engrenagem, tudo parece bastante plausível e tais dilemas inexistem. Isso

    porque, como está posto e organizado, o Programa funciona a partir de uma lógica técnico-

    racional que, segundo Abdalla (2006), é a perspectiva que “gera princípios organizativos,

    relações hierárquicas (...) e potencializa-se o campo do poder, com vista a controlar as

    estruturas administrativas e pedagógicas” (p. 53-54).

  • Nessa lógica, o que prevalece são os conceitos de eficácia e eficiência, reforçando o

    princípio da produtividade e das metas a serem alcançadas. É ainda Abdalla que nos alerta

    que, em uma organização técnico-racional, o que sobra para o professor é “mais obediência

    do que análise crítica” (2006, p. 54). Se transferirmos essa obediência para outro sujeito da

    escola, o PC, podemos encontrar a mesma lógica presente, principalmente em âmbito

    escolar, uma vez que, sob a tutela da instituição, surgem necessidades que sobrepujam os

    anseios subjetivos e individuais, como, por exemplo, “(...) a autoridade necessária, para

    controlar a eficiência desejada; o formalismo na aceitação de normas; a impessoalidade e o

    conhecimento especializado, características essenciais de uma organização burocrática”

    (ABDALLA, 2006, p. 55).

    Entretanto, do ponto de vista pedagógico, o Programa defende que esse mesmo

    sujeito, o PC, é o responsável por receber a formação da equipe central de formadores do

    Programa (na qual me incluo) e repassá-la aos professores de forma autônoma e reflexiva.

    Ou seja, não é aceitável, nem esperado, que ele apenas reproduza os encontros vivenciados

    em sua íntegra, mas que os ressignifique de acordo com as necessidades de seu grupo de

    professores. Em nossas pautas de formação, dedicamos um bom tempo para discussão

    desses aspectos com ele: como elaborar pautas formativas; como eleger conteúdos a serem

    trabalhados a partir do diagnóstico de necessidades formativas do grupo; como escolher

    estratégias formativas adequadas ao conteúdo pretendido; enfim, há uma preocupação com

    a construção desse profissional desejado: um formador de professores autônomo.

    Nesse ponto, entendo haver uma contradição, se compararmos os pressupostos

    teóricos do Programa com suas orientações de funcionamento e operacionalização,

    definidas pela política de implantação do mesmo. Vale salientar que a base teórica do

    Programa é a concepção construtivista de educação que, segundo Coll (1996), considera a

    autonomia do aluno na reconstrução do conhecimento já existente, a partir de sua interação

    com o próprio objeto e também do professor, que deve desempenhar o papel de orientador

    do aluno, de forma a ajudá-lo a se aproximar daquilo que já existe em relação a

    determinado conhecimento. Assim, é compreensível que seja esperado do PC que ele

    também seja autônomo o suficiente para gerir suas ações de formação na escola, a partir da

    formação oferecida a ele pelo Programa, de forma a atender às demandas e necessidades

    formativas identificadas em seu grupo de professores. Entretanto, a política definidora do

    Programa não lhe garante condições de exercício dessa autonomia, na medida em que

  • assume, na prática, um caráter prescritivo, determinando a ação desses profissionais em

    termos de conteúdos a serem garantidos e resultados a serem alcançados.

    Fica, então, uma questão na qual o grupo central de formadoras debruça-se desde o

    início do Programa e que, a cada tentativa de aproximação a esse objeto de conhecimento,

    ele se mostra mais e mais complexo: ajudar o PC a assumir o seu papel de formador de

    professores alfabetizadores de forma a alcançar seus resultados, tanto do ponto de vista das

    práticas de linguagem defendidas pelo Programa, quanto das questões didático-

    metodológicas inerentes ao ofício de formador. Hoje, munida das leituras realizadas e da

    construção de um olhar mais crítico em relação a esse cenário, fico com a impressão de

    que essa equipe não tem dimensão da contradição posta (ou “disfarçadamente” teria?), uma

    vez que, entendida a proporção dessa dualidade de caráter incontrolável, e eu diria até, do

    campo do impossível, assim como defenderia Freud (1980) para os atos de educar,

    governar e curar, fica claro que a questão precisa ser analisada a partir de múltiplos

    prismas.

    Do ponto de vista das contribuições acadêmicas já realizadas na tentativa de

    entender/refletir sobre tais polêmicas ou tensões sobre o papel do coordenador como

    formador de professores, temos à disposição uma ampla gama de pesquisas sobre o tema,

    como encontramos em Fusari (2003), Garrido (2003), Mate (2003), e Placco e Silva

    (2003), só para citar alguns, incluindo a mais recente pesquisa divulgada sobre o retrato do

    PC nos dias de hoje, feita em parceria entre a Fundação Carlos Chagas e a Fundação Victor

    Civita, liderada por Placco, Almeida e Souza (2011).

    Dentre esse universo imenso de pesquisas já realizadas sobre o professor

    coordenador, escolhemos um recorte a fim de fazermos um levantamento das investigações

    mais recentes na área, que apontassem para o foco do professor coordenador e da formação

    continuada de professores (fatia que nos interessa nessa investigação). Na base CAPES,

    encontramos um total de 602 pesquisas de Mestrado (2007-2011) e 144 de Doutorado

    (2007-2011). Desse total selecionamos aquelas que mais interessavam pela aderência ao

    tema dessa pesquisa. O levantamento completo encontra-se no Apêndice 01 (p. 218-222);

    aqui elencaremos apenas o que nos pareceu mais relevante, nesse segundo recorte.

  • Quadro 1 – Pesquisas sobre o PC como formador de professores

    2007 Cristina Nacif Alves. O sentido dos argumentos para a formação de coordenadores pedagógicos: caminhos para a aproximação entre teoria e prática.

    Mestrado

    2007 Luzia de Lourdes Caseiro.

    A atuação do professor coordenador pedagógico no desenvolvimento profissional dos docentes.

    Mestrado

    2007 Marisa Salina Cassalate.

    A atuação do professor coordenador pedagógico na formação continuada docente: concepções, práticas e dificuldades.

    Mestrado

    2007 Rita de Cássia Carvalheiro Micheletti.

    O professor coordenador: suas atribuições legais e o trabalho junto à equipe docente.

    Mestrado

    2008 Iva Evangelista Barreto Bertumes.

    A Coordenação Pedagógica e os delineamentos da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, desde sua criação.

    Mestrado

    2008 Marilene Garcia Formação continuada para coordenadores pedagógicos: e a escola, como fica?

    Doutorado

    2010 Marley Eloisa Gonçalves Antunes.

    A coordenação pedagógica e as contribuições para a formação de professores alfabetizadores.

    Mestrado

    2010 Reinaldo Ortiz de Sousa.

    O cotidiano escolar do professor coordenador: o diálogo entre teoria e prática.

    Mestrado

    2010 Silvana Alves Freitas. O professor coordenador emergente da Proposta Curricular do Estado de São Paulo (gestão 2007-2010).

    Mestrado

    Fonte: Base de Dados CAPES. Disponível em:. Acesso em: Junho de 2012.

    Dentre as pesquisas listadas, destacamos as de Caseiro (2007), Cassalate (2007) e

    Antunes (2010), uma vez que todas elas desenvolvem-se num sentido próximo a nossa,

    reforçando a importância do coordenador pedagógico como um formador de professores.

    Contudo, salientam que, nesse ofício, convivem tensões, intenções, contradições, limites e

    possibilidades, que exigem, do coordenador, estudo, disponibilidade para o enfrentamento,

    o vislumbre do espaço escolar como uma abertura para situações de formação, entre outros

    fatores tão importantes quanto os citados.

    Caseiro (2007) realizou uma pesquisa quanti-qualitativa, acompanhando as

    reuniões de formação de uma coordenadora pedagógica, nas reuniões semanais do Horário

    de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), no desenvolvimento de um projeto de trabalho

    de leitura. Já Cassalate (2007) realizou um estudo de caso, também acompanhando uma

  • coordenadora pedagógica de uma escola estadual do interior do Estado de SP, nos

    encontros de formação que realiza, na escola, refletindo sobre a importância desse papel,

    desempenhado pelo coordenador: de formador de professores. Finalmente, Antunes (2010)

    propõe analisar quais as ações elaboradas pelo coordenador pedagógico, que subsidiam o

    professor alfabetizador e o fazem refletir sobre sua concepção de ensino e aprendizagem e

    que embasam a sua prática ao iniciar as crianças no mundo da escrita.

    Já, em relação à atuação do PC nesse Programa institucional específico (Ler e

    Escrever – SP), não encontramos tantas pesquisas assim e, das encontradas, o foco é

    diverso, abordando o Programa do ponto de vista dos professores, do material didático, do

    plano de governo ou mesmo em relação à concepção teórica adotada pela SEE/SP nos

    últimos vinte anos. As únicas dez pesquisas, que constam no banco da CAPES envolvendo

    o Programa Ler e Escrever, são as seguintes:

    Quadro 2 – Pesquisas sobre o Programa Ler e Escrever

    2008 Conceição Aparecida Celegatto.

    Formação em serviço: significado do "Programa Ler e Escrever" numa escola municipal de ensino fundamental.

    Mestrado

    2009 Francine Silva Chaves.

    Alfabetização e Letramento, Desenvolvimento e Aprendizagem: percepções e concepções de professores participantes do Programa Ler e Escrever da Secretaria Municipal de Educação.

    Mestrado

    2010 Priscila Vita Camacho.

    Um estudo sobre o "Programa Ler e Escrever" da rede pública do estado de São Paulo.

    Mestrado

    2010 Rodnei Pereira. A autoanálise de coordenadores pedagógicos sobre sua atuação como formadores de professores.

    Mestrado

    2010 Sandra Regina Firmino da Silva.

    Um estudo das estruturas multiplicativas no guia de orientação curricular do Programa Ler e Escrever.

    Mestrado

    2010 Simone Garbi Santana Molinari.

    Escolhas didáticas de uma professora alfabetizadora.

    Mestrado

    2010 Soraia Calderoni Statonato.

    A formação dos formadores: uma análise do processo formativo

    Mestrado

    2011 Angela Maria da Silva Figueredo.

    Formação continuada de professores alfabetizadores: como aprende o professor.

    Mestrado

    2011 Sirlei Ivo Leite Zoccal.

    A relação dos professores alfabetizadores com o saber no contexto do Programa Ler e Escrever.

    Mestrado

    2012 Claudia Moreno

    Zaniti

    O professor alfabetizador bem sucedido: uma análise da relação com os saberes da prática do "Programa Ler e Escrever"- SEE/SP.

    Mestrado

    Fonte: Base de Dados CAPES. Disponível em:. Acesso em: Junho de 2012 .

  • Vale salientar que, embora nem todas as pesquisas recebam, em seu título, a

    indicação do Programa Ler e Escrever, todas elas realmente trabalham nesse contexto. Isso

    pode ser verificado, quando retomamos seus resumos. Dentre essas, destacamos as

    pesquisas de Celegatto (2008), Pereira (2010) e Figueredo (2011), por se aproximarem

    mais de nossa temática e contribuírem com nossas reflexões. Celegatto (2008) investigou

    os significados que um programa institucional obrigatório pode promover nos diferentes

    sujeitos da escola, em especial, por meio do viés do professor coordenador, porque parte da

    premissa de que ele tem possibilidades de influência e mudança no trabalho realizado pelos

    professores.

    Já Pereira (2010) teve como objetivo analisar como os professores coordenadores

    pedagógicos da rede estadual de São Paulo compreendem e descrevem sua atuação como

    formadores de professores, em especial, porque a formação de professores, como

    atribuição do coordenador pedagógico, apresenta-se como uma tendência que, aos poucos,

    vem sendo incorporada pelas políticas públicas referentes aos profissionais desta área. Por

    fim, Figueredo (2011) analisa o processo de aprendizagem de alguns professores

    alfabetizadores, na perspectiva de que um professor bem-formado tem mais condição de

    intervir na aprendizagem de seus alunos. Nesse sentido, parte também da hipótese de que,

    compreendendo o processo de aprendizagem destes educadores, as ações de formação

    (pelo professor coordenador) podem ser mais eficazes.

    Com isso, acreditamos que a presente investigação contribui para o cenário das

    pesquisas na área, uma vez que se configura como a primeira pesquisa que foca o professor

    coordenador, no contexto desse Programa já abordado em pesquisas anteriores, mas

    tentando analisar as relações de poder, que permeiam e configuram seu ofício de formador

    de professores.

    Considerando, então, nossas inquietações profissionais, a relevância da pesquisa e

    as contribuições que acreditamos poder trazer, nosso raciocínio parece conduzir-nos ao

    objeto desta pesquisa: a prática do professor coordenador. Mas não exatamente toda a

    prática desenvolvida por esse sujeito no desempenho de seu ofício e, sim, um recorte desse

    fazer, no que consideramos um momento privilegiado do formador de professores: a

    elaboração das pautas formativas de HTPC. Interessa-nos saber de que maneira ele atua na

    preparação desse instrumento, que conduzirá a ação formativa mais visada pelo “Programa

    Ler e Escrever”, que é a Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC). Há autoria, há

  • reprodução de modelos, há escolhas conscientes de conteúdos e estratégias, há

    planejamento, há levantamento de necessidades formativas do grupo, há mapeamento dos

    saberes dos professores? Enfim, o quê, como e por que escolhe e o que escolhe?

    Dessa forma, a questão-problema que orientará essa pesquisa, traduz-se no desejo

    de investigar a autonomia do PC, configurando-se da seguinte forma: o PC exerce sua

    autoria profissional, quando atua como formador de professores em um Programa

    institucional?

    As questões norteadoras dessa investigação são:

    1. Que motivações ou mobilizações levam o PC a escolher essa função?

    2. O PC considera o conhecimento adquirido nas formações oferecidas pela

    SEE e as exigências do “Programa Ler e Escrever”, quando planeja a

    formação dos professores alfabetizadores de sua escola? De que forma? Em

    que medida? Atua de forma reprodutora ou reflexiva?

    3. Como se dá o processo de construção de uma pauta formativa para a HTPC

    pelo PC?

    4. Em que medida a formação oferecida pelo “Programa Ler e Escrever”

    ampara o PC para atuar de forma a garantir o que é preconizado e, ao

    mesmo tempo, escolher o que considera relevante na formação de seus

    professores?

    A pesquisa tem, então, como objetivo geral, conhecer a prática do professor

    coordenador como formador de professores alfabetizadores no contexto do Programa Ler e

    Escrever.

    Como objetivos específicos, pretendemos: investigar, pelo olhar do PC, o quanto o

    “Programa Ler e Escrever” investe na construção da autonomia desse sujeito como

    formador de professores; e compreender que escolhas formativas o PC prioriza na

    formação de professores alfabetizadores (didatização de conteúdos, estratégias usadas,

    processo de planejamento, socialização e mediação de conhecimentos etc).

    Para isso, a pesquisa adota uma abordagem metodológica de caráter qualitativo.

    Apoia-se, ainda, em instrumentos de coletas de dados, como questionário na pesquisa

    exploratória e as entrevistas semiestruturadas, bem como a análise dos registros de pautas

  • formativas realizadas pelos sujeitos em questão, tendo como base a técnica da análise de

    conteúdo (BARDIN, 2011).

    Os referenciais teóricos que sustentam essa pesquisa são: Nóvoa (1991, 1995a,

    1995b, 2002, 2007, 2009); Foucault (1992a, 1992b, 1996, 2006, 2012); Ball (1994, 2001,

    2004, 2005, 2006, 2008, 2011) e Contreras (2002), por trazerem reflexões que

    fundamentam e alicerçam tal debate que discute, principalmente, as questões voltadas para

    a formação dos professores e suas tensões, contradições, limites e possibilidades. Contreras

    (2002) oferece-nos a contribuição para pensarmos na questão da autonomia dos sujeitos no

    exercício da sua profissão, em especial, os professores. Ball (1994, 2001, 2004, 2005,

    2006, 2008, 2011), analisa a influência das políticas neoliberais na constituição da

    subjetividade2 dos profissionais e, finalmente, Foucault (1992a, 1992b, 1996, 2006, 2012)

    por ser a base para compreender as relações de poder capilarizadas por entre todo o sistema

    educacional no qual o PC atua. Além disso, vale ressaltar que este autor é uma das bases

    teóricas principais de Ball e, portanto, também apresenta aderência com a temática que

    discutimos aqui.

    A princípio, realizamos um levantamento inicial com os 75 PCs atendidos nas

    Diretorias de Suzano, Itaquaquecetuba e Mogi das Cruzes, com o objetivo de adquirir

    dados sobre a totalidade dos sujeitos, para posterior definição do recorte a ser introduzido

    nessa realidade. Essa pesquisa foi enviada por e-mail a todos os sujeitos e era composta de

    um questionário, que solicitava informações básicas sobre sua vida profissional e uma

    questão aberta sobre o que o levou a escolher o cargo de PC.

    Os dados colhidos com os 75 PCs foram tabulados e, a partir deles, foi possível

    traçar um perfil desse grupo. Tal perfil foi um critério usado na seleção de três outros PCs,

    de Diretorias de Ensino diferentes das primeiras, para serem analisados nessa pesquisa.

    Outro critério foi não trabalharmos com os PCs atendidos em formação pela pesquisadora,

    para garantir que não tivéssemos nenhuma influência na produção dos dados.

    A pesquisa foi organizada em quatro capítulos. No primeiro, abordamos o contexto

    político, no qual o “Programa Ler e Escrever” está circunscrito, apresentando a proposta

    política do governo do Estado de SP para a educação, no período de 2007 a 2011, que

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!"!Usamos, nesta pesquisa, o conceito de subjetividade tal qual Gimeno Sacristán (2000) o utiliza, ou seja, como um aspecto centrado na constituição da identidade, cujas interfaces são constituídas por categorias, regras, discursos, normas e linguagens de ajuda que estruturam as ações do sujeito. Tais ações são baseadas em juízos sociais e normativos, sendo, portanto, socialmente construídas e historicamente determinadas.

  • elabora e implanta o Programa citado em todas as escolas estaduais; além de

    contextualizarmos a figura do professor coordenador, suas atribuições, funções e como o

    Programa entende a atuação desse sujeito.

    O Capítulo 2 pretende discutir o papel do professor coordenador como formador de

    professores. Para tanto, recorremos às tecnologias políticas de Ball (2005), por

    entendermos que elas nos ajudam a compreender os elementos que influenciam e

    determinam a ação do professor coordenador na escola. Abordamos, ainda, o seu lugar

    dentro do Programa Ler e Escrever, bem como o modelo de formação continuada em

    serviço defendido pelo Programa.

    Já o Capítulo 3 apresenta a descrição dos caminhos da pesquisa desenvolvida:

    como se deu o processo de coleta dos dados, os sujeitos envolvidos, os instrumentos

    utilizados, a fundamentação teórica que embasou a escolha do método para o desenrolar da

    pesquisa em questão.

    O Capítulo 4 traz as entrevistas realizadas com os sujeitos selecionados e a análise

    dos dados coletados, à luz do referencial teórico escolhido, principalmente, a partir da

    análise de conteúdo (BARDIN, 2011). Nele, retomamos nossos objetivos iniciais e

    estabelecemos uma relação entre o material bibliográfico pesquisado, os documentos

    analisados e a voz dada aos sujeitos entrevistados.

    Finalmente, nas considerações finais, recuperamos nossa questão-problema inicial

    e sistematizamos o que foi exposto ao longo da pesquisa, destacando, ainda, alguns pontos,

    em especial, a contradição existente entre os pressupostos pedagógicos do Programa Ler e

    Escrever e os pressupostos políticos que o regem; bem como a influência das relações de

    poder, decorrentes da política neoliberal adotada pelo sistema educacional paulista, na

    atuação do PC como formador de professores.

    Esperamos que, nesse momento privilegiado de estudo, possamos ter contribuído

    com algumas reflexões acerca do tema e, ainda, que estas promovam outras tantas que nos

    impulsionem a trilhar um novo caminho de pesquisa que ainda há de se descortinar logo

    adiante.

  • CAPÍTULO I

    A POLÍTICA EDUCACIONAL DA SEE/SP (2007 A 2011)

    O que passou não conta?, indagarão as bocas desprovidas.

    Não deixa de valer nunca. O que passou ensina

    com sua garra e seu mel.

    Thiago de Mello (1970)

    O objetivo de nosso primeiro capítulo é contextualizar o cenário político sobre o

    qual iremos trabalhar, já que elegemos um programa institucional obrigatório como foco.

    Assim, traremos uma organização triangular, na qual dividiremos o texto em três subitens,

    a saber: 1.1) O cenário político da reforma educacional paulista; 1.2) O Programa Ler e

    Escrever; e 1.3) O Professor Coordenador. Todos esses itens compõem o que estamos

    considerando como política educacional da SEE/SP, de 2007 a 2011, evidenciando alguns

    aspectos.

    Essa divisão foi pensada de forma a colocar em foco os principais elementos que

    discutiremos ao longo dessa pesquisa. Esperamos, com isso, ajudar o leitor na construção

    de sentidos (múltiplos, diferentes, individuais) em nosso texto.

    1.1. Contextualizando o cenário político da reforma educacional paulista

    A educação escolar no estado de São Paulo está relegada, desde 1995, às

    concepções político-ideológicas do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), tendo

    como comandantes os governadores Mário Covas (1995-98, 1o mandato e 1999-2000, 2o

    mandato até sua morte), Geraldo Alckmin (2000-02, final do mandato de Covas e 2003-

    2006, no 2o mandato), Claudio Lembo (final de 2006, quando Alckmim se candidatou à

    presidência do país), José Serra (2007-2010), Alberto Goldman (que assumiu o final do

    mandato de Serra - 2010, que também se candidatou à presidência do país) e, novamente,

  • Geraldo Alckmim, que se elegeu governador do estado de SP para um mandato de 2011-

    2014.

    Nesse período de 1995 a 2011, portanto já dezessete anos, foram nomeados,

    respectivamente, como secretários da educação: Tereza Roserlei Neubauer da Silva

    (Governo Covas), Gabriel Chalita (Governo Alckmim), Maria Lúcia Vasconcelos

    (Governo Lembo e início do Governo Serra), Maria Helena Guimarães de Castro (Governo

    Serra até início de 2009), Paulo Renato (Governo Serra, a partir de abril de 2009) e

    Herman Voorwald (Governo Alckmim, a partir de 2011).

    É um largo período de atuação num mesmo Estado e isso nos permite acompanhar,

    ao longo do tempo, a direção escolhida pelo PSDB, no seu quinto mandato consecutivo, no

    que diz respeito à política educacional defendida desde então. Contudo, para centramo-nos

    no período correspondente ao Governo Serra e início do Governo Alckmin (2011), é

    preciso que olhemos para o que foi realizado no período correspondente à implementação

    do projeto político do PSDB.

    Assim, podemos dizer que, no Governo Covas, iniciado em 1995, as políticas

    gerencialistas foram implantadas em São Paulo e, nos Governos de Serra e Alckmin, tais

    políticas foram consolidadas. No primeiro período, vivemos a convergência dos governos

    federal e estadual e a criação de projetos coerentes com as orientações de organismos

    internacionais. Já, no segundo período, além da continuidade da reforma garantida pelos

    projetos implantados, tivemos a consolidação de uma nova cultura: o ideário neoliberal.

    Falemos a respeito com maior aproximação.

    Fernando Henrique Cardoso foi Presidente da República no mesmo período em que

    Mário Covas foi Governador do Estado de SP – ambos do PSDB. Tal coincidência

    acarretou, para a educação, uma reforma em nível federal e outra em nível estadual.

    Ambas, utilizaram as mesmas estratégias de implantação, articulação e justificativa e

    contaram com apoio e incentivo de agências multilaterais de financiamento e formulação

    de políticas públicas como BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e

    Desenvolvimento), BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), UNESCO

    (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), UNICEF (Fundo

    das Nações Unidas para a Infância), justamente porque aproveitaram um cenário

    internacional favorável às reformas socioeconômicas e políticas, na medida em que

  • instituíam um novo modelo de regulação, que preconizava atender às demandas da

    globalização e do modelo neoliberal do Estado (ROSA, 2012). !

    Segundo Stephen J. Ball (2005, p. 544), “(...) o gerencialismo tem sido o

    mecanismo central da reforma política (...) e o principal meio pelo qual a estrutura e a

    cultura dos serviços públicos são reformadas...”. Junte-se a isso uma lógica de

    produtividade e performatividade, regulação instituída por meio de indicadores e

    publicação de informações que visam ao alcance de metas estipuladas a cada órgão do

    sistema envolvido nessa política. Tal performatividade, segundo Lyotard (apud BALL,

    2005, p. 544), é o que se pode chamar de:

    (...) ‘controle de contexto’, intimamente interligada com possibilidades atraentes de um tipo específico de “autonomia” econômica (em vez de moral) para as instituições e, em alguns casos, para indivíduos, como os diretores de escolas. A subjetividade “autônoma” desses indivíduos produtivos tornou-se o principal recurso econômico do setor público reformado e empresarial.

    Nessa lógica do gerencialismo e da performatividade, os projetos que compuseram

    a referida reforma no Estado de SP incluem: a municipalização, a reorganização da rede

    estadual de educação, o SARESP (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado

    de São Paulo), a avaliação de desempenho dos professores e o enxugamento da máquina

    administrativa, o Programa de Demissão Voluntária, a alteração no quadro curricular e o

    plano de Carreira do Magistério.

    Para que seja possível que nos situemos a respeito dessa reforma, trataremos

    brevemente de cada um dos projetos citados anteriormente. Sobre a municipalização, João

    Cardoso Palma Filho, que assumiu como Secretário Adjunto da Educação do Estado de

    São Paulo em 2011, no Governo Alckmin, afirma que:

    (...) o processo de municipalização deslancha a partir do FUNDEF (Lei Federal no 9.424/96). (...) Todavia, a situação começa a se alterar a partir da criação pelo governador, do Programa de Ação de Parceria Educacional Estado-Município, para atendimento do ensino fundamental, instituído por meio do Decreto Estadual nº 40.673/96... (PALMA FILHO, 2010, p. 159-160).

    Em 1995, o Estado de SP era responsável por 87,5% do Ensino Fundamental da

    rede pública. Já em 1998, 978 escolas foram municipalizadas. Em 2008, 159 municípios

    tinham rede própria de EF. Em 2009, esse número passou para 586 municípios, conforme

    destaca Souza (2002, p. 87).

  • Em relação ao projeto de Reorganização da Rede Estadual, foi prevista a divisão

    das escolas de 1ª a 4ª séries e de 5ª série ao último ano do EM; assim como criar condições

    à municipalização, facilitando para os municípios assumirem encargos com o ensino

    fundamental (SOUZA, 2002, p. 85).

    Sobre a avaliação e regulação da educação no estado de São Paulo, foi instituído,

    por meio da Resolução SE no 27, de 29 de março de 1996 (SÃO PAULO, 1996a), o

    SARESP - Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo - que, em

    seu texto legal, era apresentado como complementar ao SAEB. Tinha a finalidade de

    coletar dados específicos por meio da aplicação de provas e passou a ser aplicado a todos

    os alunos de determinadas séries, com objetivo censitário.

    Em 2007 e 2008, respectivamente, foram criados, então, dois novos instrumentos

    para avaliar a educação básica: o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica),

    pelo governo federal, e o IDESP (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de

    São Paulo), pelo governo estadual; além da Provinha Brasil, criada para avaliar o nível de

    alfabetização de crianças com idade de 7 e 8 anos. Os dois índices combinam o

    desempenho dos alunos em Língua Portuguesa e Matemática com índices de produtividade

    das escolas, que tem a ver com os números relativos à reprovação e evasão. O SARESP é

    um tema que daria um capítulo à parte, por conta de toda a discussão que se tem em torno

    disso, suas intenções, possibilidades, impedimentos e contradições.

    Em relação ao quadro curricular, o projeto de reforma deu prioridade às disciplinas

    de Língua Portuguesa e Matemática e diminuiu-se o número de aulas ligadas à área de

    Ciências Humanas.

    Em se tratando do funcionalismo público, a reforma incluiu, pelo Decreto nº

    40.999/96 (SÃO PAULO, 1996b), o Programa Permanente de Avaliação de Desempenho

    do servidor público civil, no âmbito da Administração Direta e das Autarquias do Estado,

    que acontece duas vezes ao ano, realizada pelos diretores, com possibilidade de demissões.

    Juntamente com isso, veio o Programa de Demissão Voluntária (PDV) e, segundo a

    Secretaria da Fazenda (2011), “no período de 1995 a 1998, o Estado implantou três

    Programas de Demissão Voluntária (PDV), resultando na redução de cerca de 15.000

    servidores, correspondendo a uma economia de R$ 75 milhões por ano” (PALMA FILHO,

    2010).

  • Finalmente, pela Lei Complementar nº 836/97 (SÃO PAULO, 1997a), institui-se o

    Plano de Carreira, Vencimentos e Salários para os integrantes do Quadro do Magistério da

    Secretaria da Educação, prevendo alterações na jornada de trabalho e na evolução

    funcional e alterações na hora-aula (de 50 para 60 minutos).

    Em decorrência de todo esse processo e com vistas a otimizar recursos (eliminar a

    retenção e reduzir a evasão), atendendo aos interesses da reforma, estabeleceu-se pela

    Deliberação CEE Nº 9/97 (SÃO PAULO, 1997b), o Regime de Progressão Continuada no

    ensino fundamental. Tal Regime previa a avaliação do processo de aprendizagem por meio

    de recuperação contínua e paralela, correção do Fluxo Escolar (idade/série) e instituição de

    dois ciclos no Ensino Fundamental: 1ª a 4ª série e 5ª a 8ª série.

    Outra importante decisão foi a descentralização do financiamento e gestão escolar.

    O Parecer CEE nº 67/98 (SÃO PAULO, 1998) regulamentou as Normas Regimentais

    Básicas para as Escolas Públicas de 1º e 2º graus no Estado de São Paulo. No texto do

    Parecer, era defendida a fundamentação na proposta da Secretaria de Educação,

    direcionando a elaboração do Regimento Escolar e da Proposta Pedagógica de cada escola.

    Propunha a elaboração de um Plano de Gestão, incentivava parcerias com o setor privado e

    retirava do Conselho de Escola o caráter deliberativo sobre o Regimento e a Proposta das

    escolas, atribuindo sua aprovação às Delegacias de Ensino, segundo destaca Assis (1999,

    p. 43-45).

    Os desdobramentos dessa reforma e a implantação de todos esses projetos

    causaram um impacto importante nos professores e no sistema de educação da rede

    estadual. A preocupação com a eficiência no controle do dinheiro público e economia de

    despesas fizeram com que as salas de aula passassem a funcionar superlotadas, com média

    de 50 alunos em cada. Com isso, o quadro de professores e funcionários foi enxugado e

    sua insatisfação com as condições de trabalho foram maximizadas, conforme destaca

    Loureiro (2011, p. 30).

    A partir do Governo Serra (2007-2010), período de consolidação da reforma, os

    projetos educacionais implantados foram: PEC-FORPROF (Formação Universitária –

    Programa Especial de Formação de Professores de Primeira a Quarta Série do Ensino

    Fundamental), Rede do Saber, Programa de Formação Continuada – Teia do Saber, Curso

    de Formação Específico para professores ingressantes, Escola de Formação e

    Aperfeiçoamento dos Professores do Estado de São Paulo (que, hoje, constitui-se como um

  • órgão da SEE/SP), REDEFOR - Rede São Paulo de Formação Docente e Projeto Bolsa

    Mestrado e Doutorado.

    O PEC-FORPROF – Formação Universitária – Programa Especial de Formação de

    Professores de Primeira a Quarta Série do Ensino Fundamental, foi criado para atender à

    LDBEN 9394/96 (BRASIL, 1996), que determina que os professores devem ser formados

    em nível superior, uma vez que havia uma demanda de inicial de 12.400 professores (1ª à

    4ª série) com nível médio. Iniciado em março de 2001, contou com a colaboração da USP,

    UNESP e PUC-SP na elaboração do projeto. A coordenação e gestão do programa ficou a

    cargo da Fundação Vanzolini (contratada pelo Governo) e foram atendidos 7.000

    professores em exercício. O investimento no programa foi de 50 milhões de reais,

    conforme apontam Mello e Dallan (2002).

    A partir do sucesso do PEC-FORPROF e na intenção de sua ampliação, foi criado o

    projeto “Rede do Saber”, em 2003, para atender a todos os profissionais da SEE-SP. Hoje

    ele integra a Escola de Formação.

    Ainda, em 2003, foi implantado o Programa de Formação Continuada Teia do

    Saber que, segundo Palma Filho (2010, p. 164), tinha a “finalidade de articular e

    consolidar as ações que já vinham sendo realizadas pela Secretaria de Educação...”. Ele

    abrangeu todos os programas e projetos da CENP e aliava fundamentação teórica e

    vivência dos professores. Os temas que deveriam compor as ações desenvolvidas pelo Teia

    do Saber eram: alfabetização e letramento, alfabetização científica e matemática, a arte

    como conhecimento humano sensível-cognitivo, inclusão escolar, entre outros (PALMA

    FILHO, 2010, p. 164-165).

    Pelo Decreto nº 48.298/03 (SÃO PAULO, 2003), institui-se o Projeto Bolsa

    Mestrado e Doutorado, para propiciar aos profissionais da educação a realização de cursos

    de pós-graduação stricto sensu. O curso deveria ser escolhido com a garantia de que fosse

    na disciplina do cargo e/ou na área de educação e o professor receberia ajuda financeira de

    720 reais por até 30 meses ou designação sem prejuízo de vencimentos e vantagens do

    cargo por até 30 meses (liberação de até 16 horas semanais). Como condição, ele deveria

    permanecer no magistério público estadual pelo menos 2 anos após a conclusão do curso.

    Com o Decreto nº 53.277/08 (SÃO PAULO, 2008c), o projeto ganha nova

    regulamentação: cria diversas restrições para a concessão da bolsa e aos projetos de

  • pesquisa, no que diz respeito, por exemplo, aos processos de inscrição, condições de

    admissão, obrigações do candidato, entre outros.

    Vale ressaltar, ainda, que duas outras medidas foram instauradas nessa tentativa de

    regulação e organização da rede de ensino. Em 2004, institui-se o Programa Escola da

    Família, pelo Decreto nº. 48.781/04 (SÃO PAULO, 2004), que, com a abertura das escolas

    públicas estaduais aos finais de semana, visava a atrair a comunidade e as famílias por

    meio de ações socioeducativas, desenvolvendo uma cultura de paz e de redução da

    vulnerabilidade, fortalecimento da autoestima e da identidade cultural das comunidades.

    Suas diretrizes eram estabelecidas pela Secretaria de Educação, em sintonia com o Projeto

    Pedagógico da escola. Previa, ainda, parcerias, convênios e concessão de bolsas a

    estudantes.

    Em 2005, pela Resolução SE nº 89/05 (SÃO PAULO, 2005a), implementou-se o

    Projeto Escola de Tempo Integral, cujo objetivo era de prolongar a permanência dos alunos

    de Ensino Fundamental na escola pública estadual. Visava a ampliar as possibilidades de

    aprendizagem, o enriquecimento do currículo básico, a exploração de temas transversais e

    a vivência de situações que favorecessem o aprimoramento pessoal, social e cultural.

    Em 2007, sob o comando da Secretária de Educação, Maria Helena Guimarães de

    Castro, o governo anuncia um conjunto de 10 metas (período de 2007-2008) para melhorar

    a qualidade da educação nas escolas estaduais. As metas são, conforme assinala Palma

    Filho (2010, p. 166):

    1. Todos os alunos de 8 anos plenamente alfabetizados. 2. Redução de 50% das taxas de reprovação da 8ª série. 3. Redução de 50% das taxas de reprovação do Ensino Médio. 4. Programas de recuperação de aprendizagem no final dos ciclos. 5. Aumento de 10% no desempenho em avaliações. 6. Atendimento de 100% da demanda de jovens e adultos de EM. 7. Implantação do EF de 9 anos, em colaboração com os municípios. 8. Programas de formação continuada e capacitação da equipe. 9. Descentralização e/ou municipalização da alimentação escolar. 10. Programa de obras e melhorias de infraestrutura das escolas.

    Para alcançar tais metas até 2010, o governo, então, estabelece um conjunto de

    ações, dando maior ênfase, segundo informações do próprio site da Secretaria de Educação

    (SÃO PAULO, 2012a), às seguintes:

    1. Implantação do Projeto Ler e Escrever. 2. Reorganização da Progressão Continuada.

  • 3. Elaboração e divulgação das propostas curriculares da educação básica. 4. Recuperação da aprendizagem: ciclos iniciais, 8a série e Ensino Médio. 5. Diversificação curricular do Ensino Médio. 6. Educação de Jovens e Adultos (Ensino Fundamental e Médio). 7. Ensino Fundamental de 9 anos e articulação com os municípios. 8. Sistemas de Avaliação. 9. Gestão por resultados e política de incentivos. 10. Plano de obras e investimentos.

    Tais ações, a nosso ver, caracterizam-se como novas/velhas tentativas de solução

    para um recorrente problema da educação em nosso país: a defasada evolução da

    aprendizagem dos alunos. A cada administração, vemos outras (ainda que repaginadas)

    iniciativas para alcançar determinadas metas universais: alfabetizar crianças em idade

    adequada; ter um sistema de ensino inclusivo, que não desconsidere nenhum sujeito;

    utilizar um sistema de avaliação e de progressão coerentes com o currículo que se pretende

    para a sociedade em questão; valorizar os profissionais da área. Por isso, nos perguntamos:

    tais metas/ações seriam um novo ensaio sobre o mesmo tema ou há novidade na

    proposição apresentada? Conforme afirma Paula (2008, p. 24):

    (...) as ações propostas para alcançar essas metas são fundamentadas na busca pela eficiência visando corrigir desvios no processo de ensino-aprendizagem decorrentes da política educacional adotada no Estado de São Paulo nos anos 90, oriunda das reformas do aparelho do Estado.

    Num círculo vicioso interminável, as ações se sucedem e se sobrepõem umas às

    outras. Quando Paulo Renato Souza, então Ministro da Educação, assume o lugar de Maria

    Helena Guimarães de Castro, lança o programa “+ Qualidade na Escola”, na tentativa de,

    segundo Palma Filho, “... equacionar a complexa questão do magistério” (2010, p. 167).

    Nesse programa estão incluídos, ainda segundo Palma Filho (2010, p. 168):

    1. Criação da Escola de Formação de Professores do Estado de São Paulo pela Lei Complementar nº 1.094/09, Decreto nº 5.497/09 e Decreto nº 55.717/10. O Decreto nº 57.088/11, altera a denominação para "Paulo Renato Costa Souza”, após a morte do então secretário da educação. A escola funciona para formação e aperfeiçoamento de professores e funcionários (na modalidade presencial e a distância) e incorpora o patrimônio e acervo da Rede do Saber. 2. Mudança no modelo de ingresso dos profissionais do magistério. A Lei Complementar nº 1.094/09 previa concursos em três etapas (provas, títulos e curso específico de 20h sem.) e a aprovação dependia da conclusão e aprovação no curso, sendo que o candidato recebia 75% da remuneração inicial durante o curso.

  • 3. Criação de duas novas jornadas para os professores: 40 horas e 12 horas semanais. 4. Abertura de Concurso Público e criação de 50 mil novos cargos efetivos. 5. Exame para os professores temporários como parte dos requisitos na escolha de aulas.

    Para que entendamos as ações descritas aqui, abordaremos brevemente cada uma

    delas. Quanto à implantação do Programa Ler e Escrever, trataremos com mais cuidado

    adiante.

    Quanto à progressão continuada, sua reorganização foi determinada pela Resolução

    SE nº 79/06 (SÃO PAULO, 2006a) e pela Resolução SE nº 36/07 (SÃO PAULO, 2007a).

    Por conta do baixo rendimento em Matemática e Leitura (apontado pelo SARESP), optou-

    se pela implantação de ciclos mais curtos, para que a avaliação também fosse realizada em

    tempo mais curto. Ficaram ciclos de dois anos no primeiro segmento do Ensino

    Fundamental (1a à 4a série), a partir de 2008 e ciclos de dois anos no segundo segmento do

    Ensino Fundamental (5a à 8a série), a partir de 2009. Vale lembrar, de acordo com

    Vasconcelos (2008, p. 83-84), que, em 2007, já estavam implantados dois ciclos no

    segmento de 1ª à 4ª série. Sob o preceito de garantir homogeneidade na rede, na atribuição

    de 2007, os professores de 2ª série ficaram com seus mesmos alunos de 1ª série e o mesmo

    deveria acontecer com 3ª e 4ª séries. Institui-se, também, o Boletim Eletrônico dos alunos,

    com acesso pelos pais na internet, em setembro de 2007.

    Em 2008, no planejamento de fevereiro, a Secretaria implanta suas diretrizes

    curriculares e expectativas de aprendizagem para cada série do Ciclo I do Ensino

    Fundamental (1a à 8a série) e Ensino Médio. As orientações já haviam sido divulgadas em

    final de 2007 (SÃO PAULO, 2007b).

    Quanto à recuperação da aprendizagem, institui-se uma intensidade quanto aos

    conteúdos curriculares fundamentais, em forma de etapas intensivas ao final do 1o ciclo (2a

    série), do 2o ciclo (4a série), na 8a série e no final do Ensino Médio (PALMA FILHO,

    2010).

    A partir de 2008, também, o estudante do Ensino Médio poderia optar, a partir de

    uma base comum de conteúdos e competências, por habilitações técnicas

    profissionalizantes. Além disso, ofertou-se a modalidade “técnico em administração” em

  • 20% dos cursos noturnos e, em parceria com o setor privado, certificações parciais em

    computação e língua estrangeira (PALMA FILHO, 2010).

    Em relação à Educação de Jovens e Adultos, o currículo foi organizado em três

    níveis, com duração de 200 horas cada, em regime presencial para os professores e

    semi-presencial para os alunos. Organizou-se, também, a oferta no Ensino Médio com

    apoio do TELECURSO 2000 + 10 e do TELETEC, em parceria com a Fundação Roberto

    Marinho e o Centro Paula Souza. Propôs-se oferta de exames centralizados por meio do

    Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e A