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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
CORPO, LINGUAGEM CORPORAL E APRENDIZAGEM -
UMA RELAÇÃO DE POSSIBILIDADES
Por: Claudia Valéria Gonçalves da Silva
Orientador
Prof. VILSON SERGIO
Rio de Janeiro
2010
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
CORPO, LINGUAGEM CORPORAL E APRENDIZAGEM -
UMA RELAÇÃO DE POSSIBILIDADES
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em
Psicopedagogia.
Por:. Claudia Valéria Gonçalves da Silva
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, meu Pai e Criador, que me
cumulou de inteligência, desejo de aprender e de
construir. Aos meus pais e irmãos, sempre
presentes, e que me propiciaram cursar esta Pós
Graduação. Às minhas irmãs de comunidade, que
me permitiram estudar. E, a quem muito me
incentivou e apóia em todas as minhas realizações.
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais, irmãos, amigos
e a todas as pessoas comprometidas com a arte de
aprender e ensinar.
5
RESUMO
Levando em consideração que o ser humano não fala somente através
da linguagem verbal, mas, que, também fala através do corpo, o presente
estudo tem por finalidade, investigar, refletir e analisar as influências do corpo e
da linguagem corporal de professores e alunos, mais especificamente,
crianças, na aprendizagem escolar, sob um olhar psicopedagógico. Para isto,
busca, primeiramente, encontrar o lugar ocupado pelo corpo na escola através
da história, para, posteriormente, identificar as influências do corpo e da
linguagem corporal de professores e alunos no processo de aprendizagem, e
por fim, relacionar corpo, linguagem corporal e aprendizagem, a partir de um
olhar psicopedagógico, descobrindo e reconhecendo uma relação de
possibilidades entre estas dimensões do ser cognoscente.
6
METODOLOGIA
Para a elaboração da presente monografia, pesquisou-se,
primeiramente, o lugar que o corpo ocupou na escola através da história, ou
seja, seus precedentes históricos, a partir do século XV, quando a escola
começa a ser formada, passando pela descoberta da infância até a
contemporaneidade. Depois, foi delineada a atuação do corpo e da linguagem
corporal da criança e do professor em sala de aula e por fim, estes aspectos
foram relacionados com a aprendizagem escolar, à luz do olhar
psicopedagógico.
Este trabalho monográfico foi realizado a partir de uma pesquisa
bibliográfica, e, para esta, foram utilizados diversos autores que abordam o
tema proposto, em relação aos aspectos históricos do corpo, à existência e
utilização da linguagem corporal e às questões psicopedagógicas, direcionadas
à aprendizagem.
No primeiro capítulo, ao tratar sobre os precedentes históricos do lugar
do corpo na escola, os principais autores abordados foram: Philippe Áries,
Michel Foucault, Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Maria Montessori, Piaget e
Wallon.
No segundo capítulo, ao abordar questões relativas ao corpo e à
linguagem corporal na sala de aula, entre professores e alunos, foram
utilizados, principalmente, os seguintes autores: Pierre Weil, Wilhelm Reich,
Wallon, Girard & Chalvin, Rector & Trinta e Alícia Fernández.
No terceiro capítulo, tratando especificamente das relações entre o
corpo, a linguagem corporal e a aprendizagem, sob um olhar psicopedagógico,
foram utilizadas, principalmente, como fundamentação teórica, as autoras:
Alícia Fernández e Maria Cecília Almeida e Silva.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I - PRECEDENTES HISTÓRICOS DO LUGAR DO
CORPO NA ESCOLA 10
CAPÍTULO II - CORPO E LINGUAGEM CORPORAL NA SALA DE
AULA – ENTRE PROFESSORES E ALUNOS 23
CAPÍTULO III – CORPO, LINGUAGEM CORPORAL E
APRENDIZAGEM – UM OLHAR PSICOPEDAGÓGICO 35
CONCLUSÃO 47
BIBLIOGRAFIA 51
WEBGRAFIA 53
FOLHA DE AVALIAÇÃO 54
8
INTRODUÇÃO
O ser humano participa, desde a infância, de vários grupos sociais.
Dentro destes grupos, sabe-se, por experiência, que o ser humano necessita
comunicar-se, para que viva bem consigo mesmo e com os outros. Esta
comunicação se dá de diversas maneiras: falando (linguagem verbal),
gesticulando, cantando, dançando, pintando (linguagem não verbal) etc, ou
seja, as pessoas se comunicam através da fala, do corpo e de outros meios.
Muitas vezes com a intenção de emitir uma informação, outras vezes não, no
entanto, mensagens sempre são transmitidas, de forma consciente ou
inconsciente, correta ou duvidosa.
Levando em consideração que as pessoas não falam somente por meio
da linguagem verbal, que o corpo humano também é capaz de comunicar e
partindo do princípio de que a escola é um ambiente social no qual está
presente a comunicação entre pessoas, visando a socialização, o
conhecimento e novas aprendizagens, a presente monografia tem como tema
as influências do corpo e da linguagem corporal na aprendizagem escolar
infantil, sob um olhar psicopedagógico. Sendo assim, a questão central deste
trabalho é pesquisar as influências que o corpo e a linguagem corporal da
criança e do professor são capazes de exercer na construção da aprendizagem
no espaço escolar, sejam elas negativas ou positivas.
O tema estudado é de fundamental importância, pois, professores e
alunos interagem, durante várias horas do dia, dentro do sistema escolar,
levando consigo a mente e o corpo indissociados de suas histórias pessoais,
de sua personalidade e afetividade. No entanto, muitas vezes os corpos dos
alunos são vistos, mas somente suas mentes são enxergadas, descartando a
participação do corpo na aprendizagem. Outras vezes, os alunos comunicam
através do corpo algo que não conseguem expressar verbalmente, e, no
entanto, suas informações corporais não são lidas pelos professores, que se
9
importam somente com o âmbito cognitivo. Em várias ocasiões, os corpos dos
alunos são controlados de forma a que não se manifestem ou não se
movimentem em sala de aula, mas que silenciem. Entretanto, como acontece
com todo ser humano, por meio do corpo a criança comunica seus medos,
dúvidas, ansiedades, desejos, alegrias e muito do que se passa em seu
universo interior, de forma consciente ou inconsciente.
Este trabalho parte do pressuposto de que, se o professor conseguir
perceber a fonte de dados veiculada pela linguagem corporal, poderá entender
melhor seus alunos, seus estados e predisposições à aprendizagem, e assim
poderá descobrir caminhos para o estabelecimento de vínculos e promoção de
momentos em que a aprendizagem possa acontecer naturalmente, com o
corpo aliado ao pensamento.
Quanto aos professores, assim como os alunos, também comunicam
através do corpo, e por isso é importante que se pense sobre o seu poder
comunicativo perante os alunos, e que influências a sua linguagem corporal
pode exercer no processo ensino-aprendizagem, de forma positiva ounegativa.
Acredita-se ser fundamental que os profissionais da educação e
psicopedagogos, reflitam sobre as possibilidades de caminhos de
aprendizagens proporcionados pelo conhecimento da participação do corpo e
da linguagem corporal no processo ensino aprendizagem.
10
CAPÍTULO I
PRECEDENTES HISTÓRICOS
DO LUGAR DO CORPO NA ESCOLA
O presente capítulo se propõe a delinear o lugar que o corpo ocupou no
espaço escolar através da história. Com esta finalidade, o capítulo baseia-se
nos estudos de Ariès (1981) sobre o sentimento e escolarização da infância, os
estudos de Foucault (2009) sobre o adestramento dos corpos, e as idéias
pedagógicas de alguns dos teóricos1 que modificaram o pensamento e o agir
pedagógico em favor da infância: Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Maria
Montessori, Piaget e Wallon.
Segundo Ariès (1981),“a partir do fim do século XVII (...) a criança foi
separada dos adultos e mantida à distância da família numa espécie de
quarentena” (p.11), ou seja, conforme este autor, surge o sentimento de
infância, em que a criança passa a existir como objeto de afeto. A quarentena
era o local onde as crianças eram “enclausuradas”2 por um tempo a fim de
receberem formação moral e intelectual, e com isso serem adestradas
conforme a política econômica da época, e esta quarentena recebeu o nome
de “escola”. Sendo assim, o processo de ‘enclausuramento’ da criança era
nomeado por Ariès (1981) como “escolarização”, a qual se estende até os dias
de hoje, com as marcas do início dos tempos modernos.
Conforme os estudos de Ariès (1981), a escola começa a ser formada a
partir do século XV, quando os alunos começaram a ser divididos em “grupos
1 Para o estudo destes teóricos foram utilizadas as seguintes obras: GADOTTI, Moacir. História das Idéias Pedagógicas. São Paulo: Ed. Ática, 1996.; PIAGET¨, Jean e INHELDER, Bärbel. A Psicologia da Criança. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.; GALVÃO, Izabel. Henry Wallon – Uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis: Ed. Vozes, 2008; GARANHANI, Marynelma C. e MORO, Vera. L. A escolarização do corpo infantil: uma compreensão do discurso pedagógico a partir do século XVIII. Educar, Curitiba: Ed. da UFPR, n. 16, p. 109-119, 2000. 2 Termo utilizado por Philippe Ariès, 1981.
11
de mesma capacidade que eram colocados sob a direção de um mesmo
mestre” (ARIÈS, 1981, p. 172). E ao longo do século XV passa-se a ter um
professor para cada grupo, mas os alunos permaneciam, como no início,
independente da idade, em lugares comuns. Quanto a isso podemos lembrar
que neste período a criança era educada por meio do contato com os adultos,
sendo misturadas indistintamente a eles, como um adulto em miniatura, pois,
conforme Áries (1981), ainda não existia a infância. Com o passar do tempo, os
grupos foram sendo isolados em salas especiais, fator que deu origem à
moderna estrutura de classes escolares, ou seja, a escola foi se estruturando
de forma a se tornar cada vez mais organizada, e isto, segundo o modelo
político, econômico e cultural vigente em cada época.
Pensando em corpos escolarizados, faz-se necessário reportar-se às
questões disciplinares do corpo, o qual era adestrado conforme o modelo de
sociedade vigente no início da modernidade. Como afirma Gadotti (1996), “os
séculos XVI e XVII assistiram a ascensão de uma nova e poderosa
classe”(p.76), a burguesia, que modificou e originou novos meios de produção,
dando importância ao trabalho coletivo. Este fator pode ser considerado de
suma importância para a temática do corpo escolarizado, pois, nesse período,
os jovens deveriam estar preparados fisicamente e possuírem disciplina e
obediência a fim de estarem aptos a produzir de forma ativa e eficaz na
sociedade.
Voltando um pouco mais na história, precisamente ao século XIV,
encontra-se nas escolas a cultura do “chicote ao critério do mestre e a
espionagem mútua em benefício do mestre.” (ARIÈS, p.180) Nota-se, com esta
expressão de Ariès (1981), que neste período se adotou e muito se cultivou o
método disciplinador do castigo corporal, como meio de reprodução da
estrutura organizacional autoritária e hierarquizada, onde todos, “crianças e
jovens, qualquer que fosse sua condição, eram submetidos a um regime
comum e eram igualmente surrados. (ARIÈS, p.180) Pode-se, portanto,
verificar que as pessoas eram educadas e formadas por meio do castigo
12
corporal, ou seja, o corpo era punido nas escolas para que as pessoas fossem
geradas para a sociedade.
Segundo Foucault (2009), “as disciplinas se tornaram no decorrer dos
séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação” (p.133), ou seja, a escola
exercia a função de controlar e domesticar o corpo para que o ser humano se
tornasse mais disciplinado, e, assim, mais obediente e capaz para o trabalho.
Enquanto isso, o conhecimento adquirido visava ao serviço a uma estrutura de
poder político e econômico.
“O momento histórico das disciplinas é o momento em
que nasce uma arte do corpo humano, que visa não
unicamente o aumento de suas habilidades, nem
tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de
uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto
mais obediente quanto é mais útil, e inversamente.”
(FOUCAULT, 2009, p.133)
Repensando a história das civilizações, pode-se recordar que o corpo,
na antiguidade clássica, era extremamente valorizado pelos gregos como
imagem de poder e glória, como ideal de beleza e perfeição, sendo manipulado
e treinado para a guerra e para o prazer. De acordo com Foucault (2009),
“houve durante a época clássica, uma descoberta do corpo como objeto e alvo
de poder” (p.132), e nos séculos XVI e XVII encontram-se alguns sinais dessa
valorização do corpo, no entanto, de forma não tão apreciável, pois utilizada
como mecanismo de poder em relação às massas, que deveriam ser fortes,
habilidosas e obedientes para fins produtivos.
A sociedade do século XVIII se interessava por um “esquema de
docilidade”3, e o corpo dócil, segundo Foucault (2009), é “um corpo que pode
3 Expressão utilizada por Foucault (2009, p.132).
13
ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e
aperfeiçoado”. (p.132) Em suma, o corpo dócil pode ser ferramenta útil nas
mãos daqueles que detém o poder político e econômico. Deste modo, o corpo
não era trabalhado na escola em função do bem estar do homem consigo
mesmo, de sua realização pessoal e formação humana, mas sim, para reduzir
o homem a uma máquina. Neste “esquema de docilidade”, conforme os
estudos de Foucault (2009), a escala do controle não tinha o objetivo do
cuidado com o corpo em massa, indissociável, mas sim, de tratar de exercitá-lo
e formatá-lo detalhadamente, mantendo até mesmo os “movimentos, gestos,
atitude, rapidez” (pp. 132) segundo um modelo mecânico de ser ou, como
poderia ser dito: “de deixar de ser”, levando em conta que as pessoas eram
dominadas até os seus mínimos detalhes de movimentos e quanto ao tempo. O
objeto do controle era “a economia, a eficácia dos movimentos, sua
organização interna”(p.133), ou seja, os movimentos deveriam ser precisos,
ordenados e perfeitos, enfim, controlados. E a modalidade do controle
implicava “numa coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os processos
da atividade”(p.133), esquadrinhando o tempo, o espaço e o movimento. Como
se vê, tudo era medido exaustivamente e minuciosamente, a fim de se atingir a
perfeição exata. Era, talvez, como um resquício do pensamento teológico e
ascético, como compara Foucault (2009), segundo o qual Deus vê todas as
coisas, e “nenhuma imensidão é maior que um detalhe, e nada há de tão
pequeno que não seja querido por uma dessas vontades singulares” (p.135).
“Uma observação minuciosa do detalhe, e ao mesmo
tempo um enfoque político dessas pequenas coisas, para
controle e utilização dos homens, sobem através da Era
clássica, levando consigo todo um conjunto de técnicas,
todo um corpo de processos e de saber, de descrição, de
receitas e dados.” (FOUCAULT, 2009, p.136)
De acordo com a disciplina imposta, os indivíduos eram distribuídos
geometricamente no espaço da sala de aula, onde o corpo deveria permanecer
14
dentro dos limites estabelecidos, quadriculados, aliás, até nos dias atuais,
ainda existem escolas e professores que trabalham dessa forma, sem
privilegiar ou até mesmo punindo o movimento espontâneo dos alunos.
No fim do século XVIII aparecem as fábricas, e a educação dos corpos
dóceis era de bom grado à estrutura organizacional destas fábricas, no entanto,
o princípio do “quadriculamento” individualizante começava a se complicar, pois
naquele momento não importaria apenas distribuir e isolar os indivíduos em um
espaço onde se pudesse localizá-los facilmente, mas era “preciso ligar a
distribuição dos corpos, à arrumação espacial do aparelho de produção e às
diversas formas de atividade na distribuição dos ‘postos’” (FOUCAULT, 2009,
p.139), onde uns vigiavam ou todos eram vigiados por todos, enquanto o poder
controlador era disseminado. Com essa situação, vê-se a utilização prática do
homem que a escola formava, ou seja, alguém que se adequaria e seria muito
útil ao modelo de produção da época e ao progresso econômico.
No fim do século XVII, quando a criança é enviada para uma espécie de
“quarentena”4, ou seja, para a escola, ela começa a se diferenciar dos adultos,
mas começa também a ser vista como um ser que precisa ser domesticado
para a sociedade, e por isso é afastada da família e conduzida à escola. Ela
não é mais considerada um adulto em miniatura, mas reconhece-se que
precisa ser modelada antes de ser enviada ou “solta para o mundo”(ARIÈS,
1981, p.11).
Segundo Foucault ,
“(...) principalmente depois de 1762 (...) a classe escolar
torna-se homogênea, ela agora só se compõe de
elementos individuais (...). A ordenação por fileiras, no
século XVIII, começa a definir a grande forma de
repartição dos indivíduos na ordem escolar: filas de
4 Expressão utilizada por ARIÈS (1981).
15
alunos nas salas, nos corredores, nos pátios.” (2000, p.
141)
Observa-se na citação acima, que o corpo dos alunos, seja nas salas de
aula, nos corredores ou nos pátios, caminhavam ou permaneciam sempre em
série, dentro dos limites organizacionais pré estabelecidos como método de
controle dos indivíduos. Mas, será que estes corpos eram desprovidos de
sentimento e de cognição? Pelo que foi estudado até o momento, nota-se que
o sentimento e a capacidade de construir aprendizagens não eram enxergados
pela escola. O ser humano é alguém fragmentado, despossuído de si mesmo
como um todo integral, mas pertencente exclusivamente à nação e treinado
para fazê-la progredir, com o seu trabalho corporal mecanizado. Enquanto isso,
os Colégios Jesuítas, fundados na metade do século XVI, mesmo reproduzindo
o modelo de controle, disciplina e obediência, vão preparando as elites
burguesas para o exercício de dirigir a política e a cultura do país. “Contrários
aos espírito crítico, eles privilegiaram o dogma (...). Na educação jesuítica tudo
estava previsto, incluindo a posição das mãos e o modo de levantar os olhos.”
(GADOTTI5, 1996, p. 65) Essa forma organizacional ilustra a idéia de
separação entre mente e corpo que sobressai do século XVII ao século XIX,
pois os corpos deveriam estar disciplinados, enclausurados, enquanto a mente
trabalharia a fim de adquirir os conhecimentos científicos e morais. Sendo
assim, percebe-se na escola a desvalorização dos sentimentos, da imaginação,
da experiência pessoal e de outras características humanas, prevalecendo o
controle do corpo, a imitação e repetição de conhecimentos.
A escolarização da infância no século XVIII começa a sofrer
modificações intensas, pois se começa a pensar em novos métodos para a
educação das crianças, que haviam sido descobertas no século anterior.
Segundo Luzuriaga6 (apud GARANHANI & MORO, 2000) “ o século XVIII foi o
século pedagógico por excelência, pois e educação passou a ocupar o primeiro
5 Moacir Gadotti - Pedagogo e Filósofo da educação brasileiro contemporâneo. 6 Lorenzo Luzuriaga - Pedagogo espanhol do século XX.
16
plano na sociedade” (pp.111-112). Gadotti (1996) nos apresenta o filósofo
Jean-Jaques Rousseau como o grande responsável pela inauguração de uma
nova era na educação, constituindo-se um marco divisor entre a velha e a nova
escola, e afirma que “a partir dele, a criança não seria mais considerada um
adulto em miniatura: ela vive em um mundo próprio que é preciso
compreender.” (Gadotti, 1996, p.87) Em relação ao pensamento de Rousseau,
Gadotti (1996) explica que, para o filósofo, “a educação não deveria apenas
instruir, mas permitir que a natureza desabrochasse na criança; não deveria
reprimir ou modelar.” (p. 88) Nesta afirmação, é perceptível a diferença em
relação ao modelo educativo baseado no controle, na repressão e na
modelagem dos corpos e pessoas.
Para Rousseau, a infância é a idade da natureza, e compreende o
período do nascimento até os doze anos. (GADOTTI, 1996) Preocupado com a
educação na primeira fase da vida, escreve a obra Emílio, na qual apresenta
um modelo de educação que não se adequava aos ideais da época, pois era
um tempo em que vigorava a ausência de liberdade, e o livro tratava
justamente da liberdade do desenvolvimento da infância.
Segundo Garanhani e Moro (2000),
“Rousseau, então, recomenda, na educação da infância,
o exercício do corpo, dos órgãos e dos sentidos,
entendendo-os como aspectos que desenvolvidos se
transformarão em instrumentos para a criança construir o
seu conhecimento.” (p.112)
A partir de Rousseau se começa a encontrar uma preocupação com a
educação do corpo como algo fundamental para a construção do conhecimento
e não mais como adestramento, mesmo que inúmeras escolas continuassem
trabalhando com castigos corporais e com o controle excessivo da disciplina.
Nota-se em Rousseau o incentivo para que a escola proporcionasse à criança
17
a educação física, pois, segundo o filósofo, “a verdadeira razão do homem não
se desenvolve independente do corpo; é a boa constituição deste que torna as
operações do espírito fáceis e certas.” (Rousseau, apud GARANHANI &
MORO, 2000,p.113, apud CERIZARA, 1990, p.141)
Outro grande pedagogo do século XVIII, Pestalozzi, era seguidor das
idéias de Rousseau, e exerceu junto a ele, um forte papel na mudança dos
métodos educativos e na valorização da educação do corpo, considerando-o
como base da construção de conhecimentos.
Segundo Garanhani & Moro (2000), Pestalozzi enfatizava “a
necessidade da interação de uma formação intelectual, moral e física na
educação da criança (...), com isto a formação corporal ocupa um lugar de
destaque em seu método.” (p.113) Percebe-se em Pestalozzi um reforço do
pensamento de Rousseau quanto à educação física da criança, pois também a
entende como fundamental para o desenvolvimento integral da criança.
“Para Pestalozzi, a percepção, no processo educacional,
está em primeiro lugar, pois defende que a apreensão
inicial da realidade não ocorre pela palavra, ou seja, o
conteúdo deverá preceder a linguagem. A partir desta
tese, Pestalozzi desenvolve um método de ensino que
parte de concreto para o abstrato, utilizando-se do
material concreto para provocar na criança o sentir
objetos, ao invés de ouvir falar deles.” (GARANHANI &
MORO, 2000, p.113)
Observa-se em Pestalozzi, o corpo sendo utilizado como recurso à
aprendizagem de novos conteúdos, através dos sentidos, e não mais como
máquina controlada e submissa a uma modelação. O corpo seria integrado ao
intelecto e à psique, pois este educador também levava em conta o
desenvolvimento psíquico da criança. (GARANHANI & MORO, 2000)
18
No século XIX, Froebel, discípulo de Pestalozzi e idealizador dos jardins
de infância, continua o investimento na educação da criança, seguindo a
mesma linha de pensamento de Rousseau e Pestalozzi.
Segundo exposição de Gadotti (1996), Froebel “considerava que o
desenvolvimento da criança dependia de uma atividade espontânea (o jogo),
uma atividade construtiva (o trabalho manual) e um estudo da natureza.” (p.90)
Assim como Rousseau e Pestalozzi, valorizava as atividades físicas, levando
em conta a importância da expressão corporal, dos gestos, do desenho, do
brinquedo, do canto e da linguagem na formação da infância.
Em relação ao método pedagógico de Froebel, Garanhani e Moro (2000,
p.114) afirmam que,
“Froebel foi o precursor ao desencadear uma
sistematização pedagógica de atividades que
envolvessem a movimentação do corpo na escolarização
da infância, por meio da introdução do brinquedo e do
jogo infantil.”
Pode-se observar, que Froebel, ao propor atividades de movimentação
do corpo na escolarização da infância, o faz a partir de atividades que geram
prazer, como o brinquedo e o jogo, estimulando a participação espontânea da
criança no processo de aprendizagem, estando o movimento corporal a serviço
do conhecimento.
Ao longo do século XIX e iniciando o século XX, a sociedade em geral,
e, portanto, incluindo as escolas, começa a valorizar o corpo, em beneficio do
progresso social e político. Sendo assim, a escola, com a função de formar
indivíduos de acordo com as necessidades da sociedade, tentava se ajustar
aos novos moldes, ocupando-se de “inculcar hábitos, valores, comportamentos
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e condutas que sinalizassem para o novo mundo – moderno, industrial, urbano,
civilizado – que se consolidava.” (TABORDA DE OLIVEIRA, 2005, p. 6)
Deste modo, a questão da punição do corpo que não era dócil, ou que
fracassava, vai perdendo forças, pois, passa-se a investir na sensibilidade, nos
valores e habilidades pessoais. Conforme ensina Peter Gay (1999, apud
TABORDA DE OLIVEIRA, 2005), “o século do progresso precisava conquistar
o espírito infantil através da sua sensibilidade corporal.” (p.7)
O século XX é denominado, conforme expressam Garanhani & Moro
(2000, p.116), “o século da infância”, referindo-se ao intenso movimento
internacional em favor do estudo e da educação da criança. Nesse período em
que o mundo passa por duas grandes guerras, e se vê diante da situação das
crianças sem a presença do pai, que foi para a guerra e da mãe que estava
engajada no trabalho produtivo, surge uma forte preocupação com as
necessidades emocionais e sociais da infância. (GARANHANI & MORO, 2000)
Neste momento, cresce o pensamento de que a criança constitui um todo
integrado e não mais fragmentado, inútil, incapaz ou que devesse ser
domesticado.
Dentre os vários pensadores e educadores do século XX, que se
preocuparam com a ação, o desenvolvimento e o movimento corporal das
crianças, podem-se destacar: Maria Montessori, Piaget e Wallon. Este trabalho
não se deterá em detalhar cada teoria destes pensadores, mas apenas
esboçará breves comentários quanto às suas contribuições em relação às
experiências corporais da criança, que puderam ser aproveitadas pela escola.
Pode-se também assinalar que suas concepções prevalecem na estrutura das
escolas do início do século XXI, mesmo que ainda existam resquícios da
educação punitiva e controladora, que valoriza um corpo estagnado e a
separação entre mente e corpo.
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Segundo apresenta Gadotti (1996), Montessori, de formação médica,
propôs um método que despertasse a atividade infantil através do estímulo e
promoção da autoeducação da criança, colocando meios adequados de
trabalho à sua disposição e, inclusive, um mobiliário apropriado ao tamanho do
seu corpo. Montessori criou também materiais didáticos adequados à
exploração sensorial, levando em conta que as sensações são a base das
funções cognitivas. Nota-se, portanto, o valor que ela dava às experiências
corporais para a infância escolar.
A teoria do desenvolvimento humano de Jean Piaget mostra que
existem diferentes formas de perceber, compreender e agir no mundo, e isto,
de acordo com a faixa etária de cada indivíduo (ou desenvolvimento cognitivo,
verificado nos quatro períodos: sensório-motor (0 a 2 anos), pré-operatório (2 a
7 anos), operações concretas (7 a 12 anos) e operações formais 12 anos em
diante). Sua teoria leva para a educação a preocupação com o conhecimento
do educando e como vai acontecendo a sua relação com o mundo e a
construção do seu conhecimento a partir da ação. Dessa forma, segundo a
teoria piagetiana, “as atividades perceptivas se desenvolvem com a idade até
poderem dobrar-se às diretivas que lhe sugere a inteligência em seus
progressos operatórios.” (PIAGET & INHELDER, 2002, p. 41) A partir dos
estudos de Piaget, a escola pôde melhor observar e avaliar o desenvolvimento
de cada criança. Segundo os estudos de Gadotti (1996), para Piaget “o papel
da ação é fundamental, pois a característica essencial do pensamento é ser
operatório, ou seja, prolongar a ação interiorizando-a.” (p.151)
O psicólogo Henri Wallon, “vê o desenvolvimento da pessoa como uma
construção progressiva em que se sucedem fases com predominância afetiva e
cognitiva.” (GALVÃO, 2008, p.43) Diferentemente de Piaget, Wallon propõe
cinco estágios em sua psicologia genética: impulsivo-emocional (0 a 1 ano),
sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos), personalismo (3 a 6 anos), categorial
(inicia-se aos 6 anos) e adolescência. (GALVÃO, 2008) Mas a preocupação
desta pesquisa, nesse momento, é com a forma como Wallon concebe o corpo.
21
E quanto a essa questão, vê-se que ele não divide o indivíduo em fragmentos,
mas concebe a pessoa como um todo, propondo “o estudo integrado do
desenvolvimento, ou seja, que este abarque os vários campos funcionais nos
quais se distribui a atividade infantil (afetividade, motricidade, inteligência).”
(GALVÃO, 2008, pp 43-44) Para Wallon, o recém-nascido ainda não é capaz
de diferenciar o seu corpo das superfícies exteriores, mas na interação com os
objetos e com o próprio corpo vai aprendendo a reconhecer, no plano das
sensações, os limites de seu corpo, construindo um recorte corporal.
(GALVÃO, 2008) Segundo a psicogênese de Wallon, a construção da idéia do
eu corporal é uma condição essencial para a construção do eu psíquico,
estando a função postural do corpo ligada à atividade intelectual, existindo uma
relação de reciprocidade. (GALVÃO, 2008)
No momento em que a infância passa a ter um corpo de criança, não
mais de adulto em miniatura, e ingressa na “quarentena”, inicia-se um longo
processo de conhecimento desse ser que se desenvolve e se torna um adulto.
Começa-se a observar e reconhecer as suas necessidades, individualidades e
como ocorre o seu desenvolvimento, e assim a escola vai descobrindo meios
de trabalhar com a infância, a partir dos conhecimentos construídos e
divulgados pelos teóricos e pela prática do dia a dia.
No Brasil, a influência da Escola Nova no século XX, foi responsável por
inúmeras mudanças nos ambientes escolares e na forma de compreender a
criança, que passou a ser reconhecida como um sujeito capaz de construir o
seu conhecimento. (GUEDES, 2008) Mesmo assim, pode-se verificar, em
experiências escolares atuais, o quanto ainda falta para se perceber nas
escolas brasileiras, que a criança não tem corpo somente nas aulas de
educação física ou nos recreios. Em sala de aula a criança também entra com
o seu corpo, e não sente prazer em permanecer horas parada, mas quer agir e
movimentar-se, pois assim é que se desenvolvem, estando corpo, mente e
afetividade muito bem integrados.
22
Neste capítulo foi traçado um breve histórico da cultura do corpo, o
quanto ele foi massacrado pela sociedade e pelas escolas e o pensamento
renovador de alguns teóricos da educação que sobressaíram a partir da
descoberta da infância e do reconhecimento da importância da participação
ativa do corpo na aprendizagem.
23
CAPÍTULO II
CORPO E LINGUAGEM CORPORAL NA SALA DE AULA
ENTRE PROFESSORES E ALUNOS
No primeiro capítulo foi visto o quanto o corpo do aluno foi massacrado,
controlado e aprisionado em sua história escolar e como alguns pensadores
iniciaram um processo de mudança dessa visão estática e domesticada do
corpo, por uma visão do ser humano em desenvolvimento e de um corpo que
participa ativamente da construção da aprendizagem. Assim sendo, levando
em consideração a atuação do corpo na aprendizagem escolar, o presente
capítulo abordará as influências do corpo e da linguagem corporal da criança e
do professor no processo ensino aprendizagem.
Segundo Weil (1973) “pela linguagem do corpo, você diz muitas coisas
aos outros. E eles têm muitas coisas a dizer para você. Também nosso corpo é
antes de tudo um centro de informações para nós mesmos” (p. 5), ou seja, as
pessoas não se comunicam apenas através da linguagem verbal, mas também
por meio da linguagem corporal. E assim, na escola, além da linguagem
pronunciada verbalmente, deve-se levar em conta a comunicação que se
estabelece entre professores e alunos através do corpo, pois este pode ser um
meio de perceber e entender o que não é dito verbalmente.
Wilhelm Reich (apud MOTA & MOYZÉS, 2004) “demonstrou em sua
prática clínica e também nos livros que escreveu, a importância de observar o
corpo, antes mesmo de ouvir a pessoa, já que na maioria das vezes, o corpo
diz mais, e sem dissimulação, o que a mente pensa.” (p.1) Em sala de aula,
este pensamento de Reich pode ser muito útil aos professores, pois os leva a
observar a mensagem transmitida pelo corpo do aluno, como auxílio ao
processo ensino aprendizagem. Tais mensagens podem revelar os seus
medos, dúvidas, ansiedades, desejos, alegrias e muitas outras informações
importantes para o êxito da aprendizagem, levando em conta o ser integral. E
24
também os professores transmitem mensagens através de seu corpo, que
muitas vezes não são compreendidas pelos alunos, o que pode prejudicar ou
auxiliar o processo ensino aprendizagem.
Pode-se perceber, na vida cotidiana, que ,
“o corpo fala e, conjuntamente com os signos da
comunicação verbal, transmite uma multiplicidade de
mensagens através de expressões faciais,
principalmente olhos e lábios, gestos com as mãos,
postura física, ritmo do corpo e voz, nos repassando
muitas informações através de sua tonalidade, ritmo e
inflexão.” (BIRCK & KESKE, 2008, p. 1)
Considerando o corpo como transmissor de mensagens, não se pode
conceber a existência de escolas baseadas no controle dos corpos e na
anulação desta dimensão humana por onde passa a construção do saber. A
escola do controle e da domesticação emudece os corpos e só enxerga a
mente, seguindo a visão cartesiana de separação entre corpo e mente. É
preciso saber o que o aluno diz por meio de palavras e mensagens corporais,
para que se conheça as suas necessidades educacionais. Muitas vezes é
preciso perceber e entender até mesmo os silêncios e ausências de gestos.
Segundo Copolillo (1997) “devemos pensar no corpo não simplesmente
como corpo-objeto, corpo-matéria, e sim num corpo-sujeito, que possui
manifestações próprias, que é participativo, que possui uma consciência de si e
do mundo.” (p.2) Pensando assim, serão traçados, a seguir, o perfil do
professor e do aluno em relação ao corpo e à linguagem corporal em sala de
aula.
25
2.1 – Professor - corpo e linguagem corporal em sala de aula
O professor, tendo passado por um longo processo de escolarização, na
posição de aluno, em que vigorava a separação entre corpo e mente, acaba
perpetuando a prática dos corpos imóveis em sala de aula como meio de
facilitar a aprendizagem. E assim, o corpo acaba ficando fora da escola,
mesmo após inúmeros teóricos abordarem a necessidade e importância da
movimentação corporal e do contato com o ambiente, como atestam:
Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Montessori, Piaget e Wallon.
Segundo Lowen (1982, p. 50, apud MOTA & MOYZÉS, 2004) “apenas
na medida em que se percebe o próprio corpo, pode-se perceber os outros, e
só quando se percebe a si mesmo como uma pessoa pode-se sentir uma
outra.” (p.4) A partir desta afirmação, pode-se pensar na importância de o
professor olhar para si mesmo, valorizar seu próprio corpo e observar como
está a sua sintonia entre a comunicação verbal e corporal, para que saiba
olhar, compreender e valorizar cada aluno como um ser integral e não só a
mente ou somente o corpo parado à espera de conteúdo.
Mota e Moyzés (2004), seguindo o pensamento de Reich, dizem que
“O modo como a pessoa está na vida, determina o grau
das experiências que passa, portanto, se seu corpo é
cheio de vida, isto é, energicamente vibrante, excitado, é
assim também que ela se entregará aos acontecimentos
e sentimentos que lhe chegam. (...) alguns professores
apresentam esta característica de estar cheios de vida,
ou seja, são vibrantes, é com alegria e disposição que se
dispõem na sua prática, transmitindo toda essa vibração
para os alunos, que sintonizados com eles, exibem
também esse prazer no processo de aprendizagem do
conhecimento.” (p.4)
26
Percebe-se, então, a importância da linguagem corporal do professor e
da sua sintonia com o próprio corpo, para que a criança, que é sensível a
qualquer mensagem corpórea, já que é a forma de linguagem com a qual está
mais envolvida, devido à menor experiência com a oralidade, participe
positivamente do processo ensino aprendizagem.
Sobre o pensamento de Reich, Mota & Moyzés (2004) explicitam que
“o papel da energia no funcionamento dos organismos
vivos, estando envolvida em todos os processos da vida,
(...) constata um enrijecimento crônico dos músculos,
bloqueador da energia do corpo, objetivando a proteção
do ser humano em relação às experiências emocionais
traumatizantes. (...) A esse enrijecimento atribuiu o termo
couraça.” (pp.4-5)
A couraça muscular, sobre a qual fala Reich (apud MOTA & MOYZÉS,
2004), é como uma defesa do organismo a algo que o maltrata fortemente.
Desta forma, o organismo bloqueia as emoções que causam conflitos internos,
e assim, sem que a energia funcione e movimente-se como convém, torna-se
uma emoção desequilibrada, dando origem a couraças musculares. Pode-se
imaginar quantas couraças o professor vai criando ao longo de sua vida, desde
a infância até a vida adulta e principalmente durante a sua prática profissional,
a fim de controlar seus afetos e emoções. E assim, sem perceberem, em
contato com os alunos, transmitem uma postura excessivamente rígida, que
podem ser causa de bloqueios nos alunos.
Segundo Albertini (1994, apud MOTA & MOYZÉS, 2004), “a boa
educação depende do grau de saúde do educador” (p.7), e a esta afirmação se
pode acrescentar, a partir do que foi estudado, que a integração do professor
27
com o próprio corpo, reconhecendo as mensagens que é capaz de transmitir,
pode conduzir ao êxito do processo ensino aprendizagem em sala de aula.
2.2 – Aluno - corpo e linguagem corporal em sala de aula
Segundo a psicogênese de Wallon (apud GALVÃO, 2008), a construção
do eu corporal é uma condição essencial para a construção do eu psíquico,
estando a função postural do corpo ligada à atividade intelectual, existindo uma
relação de reciprocidade. Assim sendo, o recém nascido, mesmo ainda não
sendo capaz de diferenciar seu corpo das superfícies exteriores, vai
aprendendo a reconhecer os limites do próprio corpo na interação com os
objetos, e assim começa a construir aprendizagens. Desta forma, a criança, ao
chegar na escola, leva consigo inúmeras experiências corporais, vivenciadas
por meio de jogos, brincadeiras e explorações do ambiente ao seu redor, ou
seja, inúmeras experiências de prazer vivenciadas pelo corpo. No entanto,
muitas escolas ainda reproduzem um mecanismo de controle de corpos, que
precisam estar parados, um atrás do outro, com o olhar voltado para a frente
(ou para a nuca do colega), a fim de trabalhar somente a mente. Deste modo,
se torna um ambiente de controle, massificação e reprodução de idéias
repetidas, valorizando um ser fragmentado, em que a mente entra para a sala
de aula, enquanto os corpos só se movimentam nas aulas de educação física e
nos recreios. Algumas crianças acabam sendo domesticadas e se adaptam a
esse modelo de escola e outras não conseguem se encaixar a esses moldes, o
que resulta em indisciplina ou dificuldades de aprendizagem.
De acordo com Girard e Chalvin (2001)
“ (...) os alunos não apresentam um único perfil: seu
olhar, o espaço em que se movimentam não é o mesmo,
os processos de aprendizagem se alteram. Muitos dentre
eles aprendem as noções abstratas graças à
28
comunicação corporal, gestual e afetiva. O esforço para
se manter quietos os deixa tensos, cansados, limita-os,
sem contudo melhorar seu rendimento. Ansiosos e
frustrados, sua energia contida transforma-se em
agitação e violência. Para evitar esses desvios, os
professores reforçam os limites do corpo e multiplicam as
proibições.” (p.12)
Segundo Reich (apud BACRI & MOTA, 2004), “para se livrar da
sensação de desprazer a criança construirá respostas corporais específicas,
típicas e padronizadas.” (p.3) E como vimos anteriormente, ao falar sobre o
professor, sabemos que estes comportamentos se repetirão todas as vezes
em que a criança experimentar situações de desprazer frustrantes, criando a
couraça muscular. E assim, podem passar por um processo de isolamento e
distanciamento da sala de aula e gerar dificuldades no processo de
aprendizagem.
Retomando a questão da importância do corpo, do movimento e da
linguagem corporal da criança em sala de aula, Vayer (1984), afirma que
“(...) a criança toma consciência, trava conhecimento e
adquire progressivamente o domínio dos elementos que
constituem o mundo dos objetos, graças a seus
deslocamentos e à coordenação de seus movimentos,
isto é, graças a um uso cada vez mais diferenciado e
cada vez mais preciso do próprio corpo.” (p. 21)
A partir da citação acima, pode-se entender a necessidade que a criança
tem de brincar, de movimentar-se, de dançar, de utilizar gestos e de outras
estratégias não verbais e corporais que transmitem mensagens de seu estado
físico, cognitivo e emocional. E isto não apenas na etapa da educação infantil,
mas durante os primeiros anos na escola. Uma criança que não quer ser
29
domesticada, mas que deseja movimentar-se e atuar integralmente na
construção da aprendizagem em todo o espaço escolar. O movimento corporal
não pode pertencer somente às aulas de educação física, mas a linguagem
corporal, os cuidados com o corpo e os movimentos físicos devem estar
presentes em todo o âmbito escolar.
É preciso olhar a criança como um todo e verificar que muitas vezes ela
não sabe verbalizar as suas necessidades, mas transmite aos educadores
mensagens corporais e pedidos de socorro que precisam ser captados e
levados em consideração.
A fim de compreender o corpo que aprende e que comunica, alguns
autores propõem decifrar as seguintes situações-chaves relacionadas à
linguagem não verbal em sala de aula: o riso, a linguagem das mãos, o olhar, a
perplexidade e pedido de proteção, os comportamentos de combate e a
descarga de adrenalina.
1. O riso
De acordo com Girard e Chalvin (2001, apud SILVA, ALMEIDA,
ROMERO & BERESFORD), “o riso na classe é uma situação que permite
compreender o diálogo emocional que a criança desenvolve no âmbito escolar”
(p. 1003), seja um riso espontâneo e alegre ou debochado e sarcástico estará
transmitindo alguma mensagem, positiva ou negativa, mas que precisa ser
aproveitada pelo professor como momento de observação.
2. A linguagem das mãos
Segundo Rector e Trinta (1999), “alguns gestos já são codificados e
funcionam como a linguagem verbal (acenos de saudação, o dedão do
caronista, o dedão para cima ou para baixo como sinal de positivo ou
negativo).” (p.29) Mas, conforme explicitam Girard & Chalvin (2001, apud
30
SILVA, ALMEIDA, ROMERO & BERESFORD, 2004, p. 1004), há alguns gestos
que servem de referência para o conhecimento das intenções e/ou estados
psicológicos de escolares: “as mãos juntas”, exprimindo ligeira ansiedade e
necessidade de comunicação; “os punhos fechados”, denotando uma profunda
determinação; “as mãos estendidas”, que podem exprimir as seguintes
informações:
“solicitação ou pedido de ajuda (palmas para cima);
desejo de acalmar e apaziguar (palmas para baixo);
desejo de adesão (palmas voltadas para o peito; desejo
de delimitar um conceito (palmas voltadas para a outra
formando um circulo); rejeição a alguém ou medo
(palmas viradas para fora) e desejo de cortar a
comunicação (mãos estendidas para a frente).” (GIRARD
& CHALVIN, 2001, apud SILVA, ALMEIDA,
ROMERO & BERESFORD, 2004, p. 1004)
Ainda em relação aos gestos das mãos, Girard e Chalvin (2001)
indicam: “o polegar ligado ao indicador em circulo”, expressando a busca de
precisão; “o indicador apontando para a frente”, traduzindo uma ameaça e “o
punho esticado para a frente”, significando desejo de agredir.
3. O olhar
Segundo Rector e Trinta (1999, apud SILVA, ALMEIDA, ROMERO &
BERESFORD, 2004), “nossos olhos olham prioritariamente os olhos dos outros
e, da mesma forma que os gestos, detêm significados que variam (...) por
exemplo, o amor; a sedução; o ódio; a alegria; a tristeza; a tensão; o cansaço;
a perplexidade” (p. 1004) e outros.
De acordo com Girard e Chalvin (2001), há algumas manifestações do
olhar que indicam tensão ou cansaço e uma conseqüente desconcentração e
31
dificuldade de assimilação. São elas: “coçar os olhos” frequentemente; “o olhar
evasivo”, como se estivesse no ‘mundo da lua’; “o olhar pestanejante”, como se
estivessem sendo mantidos abertos forçadamente; “o olhar fugidio”, que
apresenta dificuldade de se fixar em quem fala; “o olhar vacilante” que, embora
fixo em alguém , mantém as pálpebras fechadas em alguns momentos.
4. Pedido de proteção e perplexidade
Segundo relato de Girard e Chalvin (2001, apud SILVA, ALMEIDA,
ROMERO & BERESFORD, 2004), “para a Programação Neurolinguistica
(PNL), depois de termos sido privados do calor do seio materno e do colo
tranqüilizante da mãe, desenvolvemos alguns gestos para substitui-los; são os
chamados gestos arcaicos”. (p. 1005) Por exemplo, o ato de sucção passa à
ação de morder o lápis, as hastes dos óculos e objetos, transmitindo
inconscientemente um pedido de proteção ou servindo para recuperar a
serenidade e segurança. O “abraçar-se a si mesmo (pernas cruzadas e
enroscadas, mãos tocando os ombros) constitui um retorno ao colo da mãe” (p.
2005), ou seja, um pedido de proteção. Assim como “o aluno, ao tocar várias
vezes o nariz mostra a existência de um embaraço que não pode ou deve ser
expresso.” (p. 1005) Já “o aluno inclinado, com a pontinha da língua entre os
dentes, não precisa que o professor se ocupe dele” (p. 1005), mostrando
concentração na atividade.
Os gestos que indicam perplexidade, segundo Girard & Chalvin (2001),
podem ser manifestos diante da complexidade de uma pergunta ou atividade
proposta. De acordo com essas autoras, “parece que toda ruptura, todo
desacordo entre atividade e pensamento, pensamentos e gestos, provoca um
conflito interior, o qual desencadeia uma reação física que se manifesta por
uma elevação das cavidades nasais” (GIRARD & CHALVIN, 2001, p. 61),
fazendo com que o aluno empine várias vezes o nariz em um curto espaço de
tempo.
32
5. Os comportamentos de combate
Segundo descrevem Girard & Chalvin (2001, apud SILVA; ALMEIDA;
ROMERO & BERESFORD, 2004), “no comportamento de um verdadeiro
combate, além dos sinais de intimidação, o corpo mostra toda uma expressão
em sua concordância: o rosto pálido, o silêncio dos “combatentes” e a difícil
reversão dos papéis entre estes.” (p. 1006) Assim, se pode visualizar um
combate de brincadeira e um combate real em sala de aula, distinguindo a
verdadeira briga das atividades lúdicas.
6. A descarga de adrenalina
A última situação chave relacionada por Girard & Chalvin (2001, apud
SILVA; ALMEIDA; ROMERO & BERESFORD, 2004) para avaliar a linguagem
não verbal dos alunos é a “descarga de adrenalina”. Segundo as autoras
citadas,
“a criança ou jovem, muitas vezes já tendo demonstrado
sinais de fadiga, tensão ou enfado que não foram
observados e/ou decodificados pelo professor, torna-se
impaciente e por qualquer motivo, aparentemente banal,
desencadear uma descarga de adrenalina num ataque
de cólera.”(p.1006)
As seis situações chaves apontadas por Girard & Chalvin (2001) com a
finalidade de avaliar a linguagem verbal das crianças e jovens do ensino
fundamental, ilustram algumas mensagens transmitidas pelos alunos por
intermédio da linguagem corporal. A partir do conhecimento da sua turma e de
cada aluno, o professor pode identificar outros sinais e significados.
33
2.3 – O corpo e a linguagem corporal na relação professor aluno
Foi esboçado um breve estudo sobre o corpo e a linguagem corporal do
professor e do aluno em sala de aula, através do qual se pode perceber a
importância da compreensão e da valorização da linguagem corporal em sala
de aula, pois as pessoas não falam apenas verbalmente, mas também, e
desde o inicio da vida, por intermédio do corpo. Portanto, a escola, local de
socialização, deve levar em conta essa dimensão da comunicação humana que
passa pelo corpo.
Segundo BIRCK & KESKE (2008),
“na conversa entre duas ou mais pessoas, há
necessidade de um canal não-verbal para que o diálogo
continue: um olhar relativamente firme e certos
comportamentos de retorno, tais como, concordar
ocasionalmente com a cabeça ou reações faciais
apropriadas. (...) A linguagem silenciosa do corpo, que
muitas vezes contradiz as palavras, é a expressão do
inconsciente e reflete algo importante sobre nós
mesmos.” (p.6)
Da mesma forma que numa conversa há necessidade de um canal não
verbal de comunicação, numa sala de aula, em que professores e alunos
dialogam constantemente, ou deveriam dialogar, a comunicação não verbal
também não está de fora e perpassa a relação entre eles, auxiliando ou
perturbando a sua interação e o processo ensino aprendizagem. Pois, como já
foi visto, se a linguagem corporal não for compreendida haverá uma falha na
comunicação, e, portanto, ou o professor ou o aluno sairá perdendo, ou seja,
fracassará em seus objetivos.
34
Conforme já se sabe, por meio do corpo se pode adquirir ou construir
aprendizagens, realizar trocas afetivas e conhecer outras pessoas, e isso tudo
acontece também dentro da sala de aula, principalmente, quando o corpo do
professor e do aluno, juntamente com as suas diferentes formas de linguagem,
são valorizados e considerados no espaço escolar.
Segundo Fernández (1991) “ainda hoje encontramos crianças que estão
atadas aos bancos, a quem não se permite expandir-se, provar-se, incluir todos
os aspectos corporais nas novas aprendizagens.” (p. 63) Mas, há também
professores que não se permitem ousar sair de seus lugares de ensinantes e
passarem ao lugar de aprendentes, que não se sentem a vontade para
transformar a sala de aula em um ambiente prazeroso, que valorize a criança
como um todo e não apenas a sua mente. Este seria um movimento brusco,
mas necessário, assim como necessária é a valorização do próprio corpo e do
corpo das crianças e o olhar aberto a interpretar as mensagens corporais que
são “ditas” e a própria integração entre discurso e linguagem corporal, para que
um não desminta o outro.
O estudo desenvolvido neste capítulo conduz ao desejo de uma escola e
de professores que estabeleçam espaços em que as crianças possam
expressar-se de diversas formas, movimentar-se, perceber as inúmeras
possibilidades do próprio corpo e do corpo do outro. Ouve-se falar, muitas
vezes, de escolas modernas que trabalham dessa forma, mas sabemos que o
ideal seria que todas as escolas priorizassem o desenvolvimento do ser
humano de forma integral e não somente o controle disciplinado e obediente ou
o treinamento exaustivo das mentes. Pois, muitas crianças continuam tendo
apenas a “cabeça” matriculada na escola, enquanto o corpo, mesmo presente,
não é levado em consideração, pois precisa estar quieto, estagnado, para que
a mente possa trabalhar.
35
CAPÍTULO III
CORPO, LINGUAGEM CORPORAL E APRENDIZAGEM -
UM OLHAR PSICOPEDAGÓGICO
O capítulo anterior tratou especificamente da questão do corpo e da
linguagem corporal em sala de aula, na relação professor-aluno. O presente
capítulo busca enfocar o olhar psicopedagógico sobre o corpo, a linguagem
corporal e a aprendizagem escolar, enfatizando as influências da corporeidade
no processo ensino aprendizagem.
Segundo o Código de Ética da ABPP,
“A Psicopedagogia é um campo de atuação em Saúde e
Educação que lida com o processo de aprendizagem
humana; seus padrões normais e patológicos,
considerando a influência do meio – família, escola e
sociedade – no seu desenvolvimento (...)” (Cap. I, Art. 1°,
95/96)
Ao lidar com o processo de aprendizagem humana, a Psicopedagogia
volta seu estudo para o ser que aprende, o qual, Almeida e Silva (1998)
denomina ser cognoscente, ou seja, em processo de construção do
conhecimento. Para a autora o ser cognoscente é “pluridimensional,
apresentando dimensões racional, afetiva/desiderativa e relacional/social (...), o
que nos permite defini-lo como pensante, apaixonado, de relação e
contextualizado.” (ALMEIDA E SILVA, 1998, p. 21) Portanto, a escola não
trabalha apenas com o intelecto do aluno, mas com a sua totalidade e é para
esta totalidade do ser que o psicopedagogo deve olhar. Mas não um olhar
reduzido à contemplação, mas um olhar que procura enxergar o ser
cognoscente, a sua história, a sua afetividade, as suas habilidades e tudo que
comunica e que é capaz de realizar.
36
Segundo Fernández (1991), “O ser humano para aprender deve pôr em
jogo: o seu organismo individual herdado; seu corpo construído
especularmente; sua inteligência autoconstruída interacionalmente e a
arquitetura do desejo, desejo que é sempre do desejo de outro.” (pp. 47-48)
Nessa relação que Fernández faz do que é necessário para que o ser humano
aprenda, encontramos, entre outros, a presença do organismo e do corpo,
temática deste trabalho, ou seja, a aprendizagem depende do organismo e do
corpo. Para a autora, “a aprendizagem é um processo cuja matriz é vincular e
lúdica e sua raiz corporal” (FERNÁNDEZ, 1991, p. 48), ou seja, a
aprendizagem se dá no vinculo “aprendente-ensinante”7, mas a raiz onde se
estrutura é o corpo do sujeito. Sendo o corpo a raiz do processo de
aprendizagem, conforme afirma Fernández (1991), este capítulo se propõe a
analisar o corpo e a linguagem corporal de acordo com um olhar
psicopedagógico, ou seja, enxergando a corporeidade do ser cognoscente e
suas influências na aprendizagem.
Abaixo apresenta-se ilustrada a relação “aprendente-ensinante” sobre a
qual fala Fernández (1991), e na qual se percebe a presença do corpo em
interação, ou seja, a parte mais externa do sujeito e raiz do processo de
aprendizagem numa situação vincular.
(FERNÁNDEZ, 1991, p.53)
7 Termos utilizados por Alícia Fernández. (1991)
37
3.1 – Corpo e aprendizagem
“Assim como em todo processo de aprendizagem estão
implicados os quatro níveis (organismo, corpo,
inteligência, desejo), e não se poderia falar de
aprendizagem excluindo algum deles, também no
problema de aprendizagem, necessariamente estarão em
jogo os quatro níveis em diferente grau de compromisso.”
(FERNÁNDEZ, 1991, p. 57)
Fernández (1991) coloca o organismo e o corpo em dois níveis distintos,
sendo ambos, entre outros, essenciais para todo processo de aprendizagem.
Para melhor distinguir o corpo do organismo, é possível tomar a definição de
Pain (apud FERNÁNDEZ, 1991), que descreve o organismo como “um sistema
de auto-regulação inscrito, enquanto que o corpo é um mediador e por sua vez
um sintetizador dos comportamentos eficazes para a apropriação do “em torno”
por parte do sujeito.” (p. 58) Sobre essa distinção entre organismo e corpo,
Fernández (2001), explica ainda, que, “o organismo é recebido por herança” (p.
44), enquanto o corpo “é uma construção realizada sobre a ‘matéria-prima’ que
dá o organismo.” (p. 44) É sobre o corpo construído do “aprendente-ensinante”
que se direciona o olhar psicopedagógico neste terceiro capítulo.
Como já foi exposto em outro momento, o corpo do sujeito se apropria
do “em torno”, agindo sobre o meio e adquirindo experiências, tanto no contato
com o ambiente, como na interação com outros sujeitos. Não há possibilidade
de interação sem uma percepção corporal, mesmo que seja colocada em
segundo plano, pois através do corpo o ser humano aprende, constrói o seu eu
e se comunica.
38
Conforme a abordagem de Fernández (1991),
“desde o princípio a aprendizagem passa pelo corpo.
Uma aprendizagem nova vai integrar a aprendizagem
anterior; ainda quando aprendemos as equações de
segundo grau, temos o corpo presente no tipo de
numeração e não se inclui somente como ato, mas
também como prazer; porque o prazer está no corpo, sua
ressonância não pode deixar de ser corporal, porque sem
signo corporal de prazer, este desaparece.” (p. 59)
O corpo demonstra o prazer que o ser humano sente diante de uma
nova aprendizagem e uma sensação de desprazer mediante as dificuldades ou
o fracasso. Verifica-se, portanto, a importância da participação corporal no
processo de aprendizagem. Como afirma Fernández (1991), “a apropriação do
conhecimento implica no domínio do objeto, sua corporização prática em ações
ou em imagens que necessariamente resultam em prazer corporal.” p. 59
Quando uma criança começa a aprender as operações matemáticas,
percebe-se o seu ato de contar os dedos da mão, e quando acabam os dez
dedos, muitas vezes passam para os dedos dos pés; quando a criança
consegue chegar ao resultado correto, seu corpo indica a sensação de alegria
e prazer diante do êxito. Este é um simples exemplo da utilização do corpo na
aprendizagem.
“As primeiras aprendizagens são feitas com a mesma boca que serve
para o gozo; sem dúvida, o vínculo com a pessoa que dá ao bebê a chupeta,
que estabelece uma relação com ele, tem tanto valor como a boca.”
(FERNÁNDEZ, 1991, p. 61) Esta afirmativa confirma mais uma vez a idéia de
que a aprendizagem não somente passa pelo corpo, mas tem sua raiz no
corpo. Interagindo com o ambiente a criança vai se apropriando do próprio
corpo, construindo o seu eu e novos aprendizados.
39
Para Piaget (apud FERNÁNDEZ, 1991), “a ação é o ponto de partida da
razão e fonte de organização contínua da percepção.” (p.70) Pode-se verificar
a veracidade desta afirmação no ato de sucção do recém-nascido, no qual já
aparece o aprender como resultado da atividade do sujeito em contato com o
meio através de seu corpo.
Fernández (2001) explica que
“nascemos com um organismo que já pode vir a ser
corpo a partir do momento em que for desejado por
aqueles que se constituem como pai e mãe e, além
disso, a partir do pensamento antecipado deles. (...) A
procriação produz um organismo. Na intersubjetividade
constrói-se um corpo e, no corpo, constitui-se “o sujeito
desejante e pensante.”(p. 132)
O ser humano é gerado por meio da união de corpos, mas a construção
de seu corpo se dá no contato com o mundo e primeiramente o seu mundo é
constituído por pai e mãe desejantes ou não. Aliás, Moser (2001), ao abordar a
idéia de Levin (2000) sobre a construção do corpo, explicita:
“Não deveríamos dizer que “temos” um corpo, mas que
“nos tornamos corpo” (...). Com efeito, a primeira
manifestação corpórea é a que se encontra na mente dos
pais quando imaginam que o filho (a) será “alto”,
“baixo”... “magro”... “parecido com”... Preexiste, portanto
um corpo simbólico, antes ao corpo biológico.” (p.61)
Como se pode verificar nas duas citações anteriores, de Fernández
(2001) e de Moser (2001), referindo-se a Levin (2000), ambos são partidários
da idéia de construção do corpo primeiramente a partir do desejo dos pais.
40
Fernández (2001) assinala ainda, que
“o bebê constrói um corpo, mas não um corpo
assexuado. Constrói um corpo feminino ou masculino.
Aprende a “ser humana” ou “ser humano”, aprende a
falar como mulher ou como homem (segundo o que se
espera de um homem ou de uma mulher) e a partir de
sua condição de mulher ou homem (a partir de um
organismo de mulher ou homem); e assim todas as
demais aprendizagens.” (p. 38)
Ao observar os bebês, se pode notar o hábito que possuem de colocar
objetos e partes do corpo (dedo, pé, mão) na boca. Desta forma eles
apreendem o mundo e vão construindo suas aprendizagens. Mas não param
por aí, pois é fácil perceber a esperteza das crianças que, se movimentam,
brincam, correm, pulam etc, enquanto aquelas que estão “paradinhas” parecem
estar com algum problema. No movimento corporal, em contato com o
ambiente e com outras crianças, elas vão se desenvolvendo e construindo
conhecimentos. Até mesmo os adultos gostam de explorar os objetos através
dos sentidos,ou seja, ao comprarem algum produto, precisam tocar, trazer o
objeto a si, sentir a sua forma e outras vezes o seu cheiro. E não apenas na
relação com objetos, mas, com o corpo as pessoas têm muitas experiências
afetivas, como: abraçar, beijar, abençoar, acalentar, cuidar etc. Portanto, as
experiências que o ser humano possuem com o corpo em função tanto da
afetividade, como da aprendizagem podem ser reconhecidas no seu dia a dia.
A falar sobre o corpo como raiz do processo de aprendizagem, não se
está referindo apenas ao corpo do aluno ou ao corpo do professor, mas sim, ao
corpo do “aprendente” e do “ensinante”, pois, ambos, professor e aluno,
assumem o lugar de “aprendente” e de “ensinante” no processo de
aprendizagem, e nesse contexto é que se colocam com o seu corpo, a sua
história e a sua totalidade pluridimensional.
41
3.2 – Linguagem corporal e aprendizagem
Conforme foi visto no capítulo II, “o corpo fala e, conjuntamente com os
signos da comunicação verbal, transmite uma multiplicidade de mensagens”
(BIRCK & KESKE, 2008, p. 1) que não podem passar despercebidas pelo olhar
psicopedagógico, que precisa enxergar além do que é dito verbalmente.
Segundo Malanga (2003),
“compreendendo como o ser humano se manifesta
através da linguagem corporal espontânea e da
linguagem gestual, o psicopedagogo tem à sua
disposição mais um instrumento para compreender seu
sujeito, em especial na sua parte afetiva, mesmo quando
ele não é capaz de verbalizar sobre suas vivências.”(p. 5)
Na interação com os colegas ou na manipulação de objetos, a criança
adquire e elabora referenciais de comunicação, dentre os quais está presente a
gestualidade, e com ela, inúmeras possibilidades de comunicação por meio da
linguagem corporal, que muitas vezes acompanhará a linguagem verbal e
outras vezes expressará o que a criança não consegue verbalizar.
Diante do desejo de comunicar o que sente, o que pensa ou as próprias
necessidades, mas sem conseguir formular os enunciados verbais como
gostaria, muitas vezes a criança passa por momentos de profunda angústia e
acaba se fechando em si mesma. No entanto, mesmo que não verbalize de
forma suficiente, seu corpo transmite mensagens sinalizadoras que precisam
ser percebidas e interpretadas pelo olhar atento e pelo entendimento do
professor. Geralmente são gestos e expressões que indicam tristeza,
indiferença, distanciamento, cansaço, dúvida, medo, raiva, dor, desmotivação,
alegria, prazer, ousadia, reflexão, atenção, motivação etc, ou seja, sentimentos
e emoções humanas. Assim sendo, a compreensão do sujeito pluridimensional,
42
como designa Almeida e Silva (1998), pode facilitar a comunicação entre
aprendente e ensinante e com isso a facilitação do processo de aprendizagem.
O professor também possui a sua linguagem corporal construída
historicamente, mas precisa estar consciente da atuação do próprio corpo e da
linguagem corporal no processo de aprendizagem. Assim como, também deve
estar atento para que seu discurso verbal seja coerente com a mensagem que
seu corpo transmite, pois, como os alunos, também expressam sentimentos e
emoções por meio da linguagem corporal. Além da coerência entre discurso
verbal e linguagem corporal, o professor pode e deve conciliar e utilizar a
linguagem do corpo a serviço do seu discurso verbal, a fim de facilitar a
comunicação com os alunos.
Para Brasileiro e Marcassa (2008), há três modos de compreender a
linguagem corporal:
“(...) há uma linguagem individual, formada a partir de
uma gestualidade própria, (...) que é construída na
relação com a cultura; há também um conjunto de
marcas, normas, regras e expressões gestuais que
perpassam a linguagem corporal dos grupos (...); e há,
por sua vez, as práticas ou manifestações da cultura
corporal que, ao serem sistematizadas (...), como
modelos de educação do corpo, comportam sentidos e
significados que contextualizam, explicam, classificam e
selecionam movimentos, ações, expressões e atividades
corporais humanas.” (p. 199)
Pode-se reconhecer, portanto, que o corpo possui uma linguagem
simbólica construída através da história cultural e pessoal de cada sujeito.
Entretanto, a linguagem corporal não é compreendida da mesma maneira que
a linguagem verbal, pois é preciso enxergar além do que as palavras dizem; é
43
preciso ler a voz do corpo, e para tanto, são necessárias prática e
compreensão humana.
De acordo com Girard e Chalvin (2001, apud MOTA & MOYZÉS, 2004),
na maioria das vezes, “por desconhecer a linguagem do corpo, o professor não
se dá conta do que acontece de maneira-não verbal na classe, entre as
mensagens do seu corpo e as dos seus alunos” (p.6). Assim, perdem um
excelente sinalizador do que se passa na sua relação com os alunos e quais
são os dados que cada aluno individualmente lhe informa.
Segundo Fernández (2001),
“ o ensinante pode ter o mesmo comportamento gestual,
o mesmo “método”, mas (...) se não experimenta prazer,
se não há circulação de uma experiência de prazer
comum pela via do corpo e de uma experiência de
comunicação de autorias, o aprendente não receberá o
“conhecimento-prazer” de que necessita, numa forma
apta para assimilá-lo e reconstruí-lo, isto é, aprendê-lo.”
(p. 67)
Entende-se que a boa comunicação entre aprendente e ensinante é
essencial para o processo de aprendizagem, mas vai além disso, pois para que
haja aprendizagem, conforme explicita Fernández (2001), é preciso existir a
experiência do prazer comum e da “comunicação de autorias”. Conforme
afirma Souza (1997, apud Fernández, 2001), “aprender supõe reconhecer-se
criatura-criadora-autora” (p.92), sendo assim, é desta forma que professores e
crianças devem se reconhecer para que a aprendizagem realmente aconteça.
E para isso, a escola deve ser um local onde se promova o direito de pensar e
de se tornar autor e não um espaço de produção de meros repetidores de
conteúdos.
44
De acordo com Fernández (2001), “para ensinar, o ensinante precisa
conectar-se com sua posição aprendente e favorecer que os alunos possam
conectar-se com a sua posição ensinante,” (p.99), ou seja, todos em algum
momento são ensinantes e em outro momento, aprendentes. Fernández (2001)
esclarece que o “sujeito autor constitui-se quando o sujeito ensinante e
aprendente, em cada pessoa, pode entrar em um diálogo.” (p.36) Isto ocorre
numa relação em que a linguagem corporal anuncia e denuncia a linguagem
verbal, pois ora o corpo assume a postura de quem ensina, ora de quem
aprende. Nesse processo, o próprio aluno (aprendente-ensinante) apropria-se
do conhecimento, ensina a si mesmo, ensina ao outro (que também se ensina)
e torna-se autor. Ao tornar-se autor, pode-se afirmar que o aluno está
aprendendo e esta aprendizagem é emitida pelas manifestações do corpo, ou
seja, pela linguagem corporal.
3.3 – Corpo, linguagem corporal e dificuldade de aprendizagem
Ao pensar o corpo e a linguagem corporal como elementos constitutivos
do processo de aprendizagem, não podemos deixar de lado as dificuldades de
aprendizagem, pois nem tudo acontece sempre da melhor forma, seguindo
uma determinada ordem e produzindo certo resultado esperado.
Levando em consideração, como já foi abordado antes, a colocação de
Fernández (2001), de que “em todo processo de aprendizagem estão
implicados os quatro níveis (organismo, corpo, inteligência, desejo), e não se
poderia falar de aprendizagem excluindo algum deles”(p. 57), pode-se concluir,
então, que quando algum desses níveis falha ou possui algum problema,
dificulta a construção da aprendizagem por parte do aluno. Caberá, portanto,
ao psicopedagogo, realizar uma intervenção psicopedagógica no espaço
escolar, tendo em vista os seguintes aspectos propostos por Fernández (2001):
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“A intervenção psicopedagógica na escola, deve dirigir
seu olhar simultaneamente para seis instâncias:
- ao sujeito aprendente que sustenta cada aluno;
- ao sujeito ensinante que habita e nutre cada aluno;
- à relação particular do professor com seu grupo e com
seus alunos;
- à modalidade de aprendizagem do professor e, em
conseqüência, à sua modalidade de ensino;
- ao grupo de pares real e imaginário a que pertence o
professor;
- ao sistema educativo como um todo.
E, nessas seis instâncias, deve dirigir um olhar para a
circulação singular de conhecimento que se estabeleceu
entre os diversos personagens e o conhecimento.” (p.36)
A “circulação singular de conhecimento”, como está sendo visto no
presente estudo, não é transmitida apenas pela linguagem verbal, mas também
pela corporeidade do aprendente e do ensinante em interação, pois, conforme
analisa Fernández (1991), “para aprender, necessitam-se dois personagens
(ensinante e aprendente) e um vínculo que se estabelece entre ambos.” (p. 47)
No entanto, se algo vai mal na estrutura que compõe cada personagem ou no
vínculo entre os dois, pode acarretar a dificuldade no processo de
aprendizagem. Aliás, como coloca Fernández (1991), para que o ser humano
aprenda, “deve pôr em jogo: o seu organismo individual herdado; seu corpo
construído especularmente; sua inteligência autoconstruída interacionalmente e
a arquitetura do desejo, desejo que é sempre do desejo de outro.” (pp. 47-48).
Foi realizado, de forma geral, um estudo sobre a dificuldade de
aprendizagem, mas, não esquecendo, que o objeto da Psicopedagogia não é a
dificuldade de aprendizagem, mas sim, “o processo de aprendizagem humana;
seus padrões normais e patológicos, considerando a influência do meio –
família, escola e sociedade – no seu desenvolvimento (...)” (Cap. I, Art. 1°,
46
95/96). E, segundo Almeida e Silva (1998), o objeto da Psicopedagogia é o ser
cognoscente, ou seja, o ser que está em processo de construção do
conhecimento - o ser que aprende. No entanto, para que ele realmente
aprenda, precisa entrar em ação todo o seu ser pluridimensional, do qual, o
corpo não somente faz parte, mas é considerado como “raiz do processo de
aprendizagem”, pois através do corpo adquirimos, ou construímos, as primeiras
aprendizagens e muitas outras. Como explicita Fernández (1991), “a
aprendizagem é um processo cuja matriz é vincular e lúdica e sua raiz corporal”
(FERNÁNDEZ, 1991, p. 48).
47
CONCLUSÃO
Partindo do reconhecimento da importância da linguagem para a
convivência humana em sociedade, esta monografia buscou estudar, sob a luz
do pensamento de vários teóricos, as influências do corpo e da linguagem
corporal na construção da aprendizagem dentro do espaço escolar, local de
interação entre professores, alunos e demais profissionais.
A partir deste estudo, pôde-se verificar, inicialmente, com base em
Foucault (2009) e Ariès (1981), o quanto o corpo foi massacrado, controlado,
aprisionado e silenciado pela sociedade e pelas escolas, durante muito tempo
e inclusive, ainda hoje, temos resquícios em nossas escolas, de tais práticas
controladoras utilizadas desde, aproximadamente, o século XIV, na cultura
ocidental. Eram métodos de castigo corporais, controle minucioso de cada
ação corporal, domesticação e docilização do corpo em prol do sistema
econômico vigente em cada época. Mesmo após renovadores teóricos da
educação, iniciarem um processo de mudança dessa visão domesticada e
estática do corpo, pela idéia do ser humano em desenvolvimento e de um
corpo que participa ativamente da construção da aprendizagem, tais como,
Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Montessori, Piaget, Walon, muitas escolas
atuais ainda não dão a devida importância à participação do corpo no
desenvolvimento cognitivo das crianças. Por isso, frequentemente ainda
trabalham com a imobilização e silenciamento dos corpos, deixando crianças
por horas seguidas presas às cadeiras escolares, olhando para a nuca dos
colegas.
Com Weil (1973), foi possível aprender que através da linguagem
corporal, se diz muitas coisas ao outros e também recebe-se muitas
informações. Assim, dentro da escola, e mais especificamente numa sala de
aula, onde há diferentes formas comunicação, por meio de variadas
linguagens, visando a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos, a
48
linguagem do corpo também está presente e precisa ter o seu espaço e
compreensão por parte dos professores. É preciso saber o que o aluno diz por
meio de palavras e mensagens corporais, para que se conheça as suas
necessidades educacionais. Muitas vezes é preciso perceber e entender até
mesmo os silêncios e ausências de gestos, conforme vimos na proposta de
Girard e Chalvin (2001), sobre a identificação de situações-chave relacionadas
à linguagem não verbal em sala de aula: o riso, a linguagem das mãos, o olhar,
a perplexidade e pedido de proteção, os comportamentos de combate e a
descarga de adrenalina. A partir da compreensão do que os alunos transmitem,
o professor pode conhecer melhor a sua turma e cada aluno, sendo capaz de
identificar seus estados e predisposições à aprendizagem. Afinal, o corpo é
capaz de demonstrar o prazer sentido diante de uma nova aprendizagem e a
sensação de desprazer mediante as dificuldades ou o fracasso.
A linguagem corporal do professor também é de suma importância para
o processo de aprendizagem, devendo estar em sintonia com a sua fala, de
modo que evitem contradições que atrapalhem ao processo de aprendizagem.
Conforme o pensamento de Reich (apud MOTA & MOYZÉS, 2004), o
ser humano vai criando um enrijecimento crônico dos músculos (couraça
muscular), como medida de proteção, ao se expor a acontecimentos
traumatizantes, fato que bloqueia a energia do seu corpo e suas emoções.
Sendo assim, o professor que apresenta este bloqueio de energia acaba
transmitindo aos alunos uma postura excessivamente rígida, que pode
ocasionar dificuldades de aprendizagem. No entanto, o professor cheio de vida,
alegre, energicamente vibrante, transmite um estado de prazer motivador, ao
qual os alunos também se sintonizam, facilitando o processo de aprendizagem.
Muito se fala e se escuta sobre a relação professor – aluno, no entanto,
no estudo de Fernández (1991) foi visto sobre a relação aprendente –
ensinante, na qual, tanto alunos, como professores, assumem ora uma
posição, ora outra, ou seja, ambos são aprendentes e ensinantes. Mas, onde
49
entra o corpo nessa relação? Da seguinte forma: aprendente e ensinante são
sujeitos, todo sujeito é composto por organismo, inteligência, desejo e corpo,
sendo o corpo a sua parte mais externa, com a qual acontece a interação com
o outro, numa situação vincular. Pode-se, então, depreender que todas essas
dimensões humanas interferem umas na outras, já que o ser humano é
composto por um todo e não por fragmentos isolados, segundo Almeida e Silva
(1998), é um ser pluridimensional. Verificamos, então, que o corpo é essencial
à interação humana, e, assim sendo, para o processo de aprendizagem
vivenciado através do vínculo aprendente-ensinante.
Foi enfatizado que as primeiras aprendizagens humanas já ocorrem
através do corpo, mais especificamente, com a boca. E, como pudemos
verificar nesta pesquisa, todas as demais aprendizagens, de alguma forma,
passam pelo corpo, sendo o corpo a raiz de todas as aprendizagens. Daí a
importância do movimento corporal em sala de aula, do trabalho com o corpo,
com a expressão corporal, com jogos e brincadeiras e a relevância da
compreensão da linguagem corporal para a aprendizagem humana e escolar.
Na relação entre o corpo e a linguagem corporal, existem inúmeras
possibilidades de aprendizagem no espaço escolar, através da interação
vincular ensinante-aprendente, da interpretação dos estados emocionais, da
dificuldade de falar verbalmente, na facilidade de expressão corporal, nos jogos
e brincadeiras. Enfim, a aprendizagem humana depende do corpo e de suas
possibilidades de interação e desenvolvimento. Nessa relação de
possibilidades pode-se localizar a ação do psicopedagogo, pois a
Psicopedagogia, como sabemos, lida com o processo de aprendizagem
humana8, do ser cognoscente9, que não aprende sem a participação do corpo.
Portanto, o conhecimento das influências do corpo e da sua linguagem para a
8 Conforme define o Código de Ética (Cap. I, Art 1º, 95/96) 9 O ser cognoscente, segundo Almeida e Silva (1998), é o ser que aprende, que está em processo de construção do conhecimento.
50
aprendizagem escolar pode ser essencial para o trabalho do Psicopedagogo
Institucional e dos educadores em geral.
51
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FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
Título da Monografia: CORPO, LINGUAGEM CORPORAL E
APRENDIZAGEM – UMA RELAÇÃO DE POSSIBILIDADES
Autor: Claudia Valéria Gonçalves da Silva
Data da entrega:
Avaliado por: Conceito: